Contratos Empresariais: Teoria Geral e Aplicação [4 ed.]
 9788553213993

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Contratos Empresariais Teoria Geral e Aplicação Paula A. Forgioni Prefácio: Natalino Irti 4.ª edição revista, atualizada e ampliada 1.ª edição: 2015; 2.ª edição: 2016; 3.ª edição: 2018. © desta edição [2019] Thomson Reuters Brasil Conteúdo e Tecnologia Ltda. Juliana Mayumi Ono Diretora responsável Rua do Bosque, 820 – Barra Funda Tel. 11 3613-8400 – Fax 11 3613-8450 CEP 01136-000 – São Paulo, SP, Brasil Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

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ISBN 978-85-5321-399-3

PREFÁCIO Um livro do diálogo 1. A língua italiana conhece o substantivo “empresário”, que designa aquele que assume o exercício de uma atividade, mas não o adjetivo “empresário”, que possa ser atribuído a um instituto jurídico como predicado. Assim, é obrigada a utilizar o genitivo objetivo: contratos de empresa ou da empresa. Mas, a “coisa” existe: o fenômeno jurídico recebe o mesmo relevo doutrinário e prático, assinalado no arguto texto de Paula Forgioni. Depois de um volume desbravador de Enrico Redenti, desponta o curso de lições ministradas por Arturo Dalmartello, eminente professor de direito comercial da Università Cattolica del Sacro Cuore. Naquela pequena obra-prima, Contratti delle imprese commerciali, são instituídas e desenvolvidas conexões, econômicas e jurídicas, entre contrato e as fases da vida da empresa, lançando, portanto, uma ponte entre as duas margens do direito privado [direito civil e direito comercial]. É a imagem da ponte que se amolda à monografia da Forgioni, que, no largo e arejado desenho do livro, liga os dois âmbitos, e não sacrifica nem o antigo rigor do direito civil, nem a fresca vitalidade do direito comercial. O escopo de lucro é o pilar central, que sustenta e consolida as arcadas. 2. Nem o contrato nem a empresa vivem na solidão, fechados e exauridos em si mesmos, mas pertencem, especialmente na nossa era, à unidade econômica e jurídica do mercado. Nítido mérito da autora é destacar esse intrínseco e recíproco pertencimento, no qual contratos e empresas “fazem” o mercado; fora dele, ou são inconcebíveis, ou assumem outra e diversa fisionomia. O mercado – explica em várias passagens Paula Forgioni – não é um lugar imaginário e abstrato, mas uma unidade jurídica, fundada no princípio pacta sunt servanda, isto é, no caráter vinculante e imperativo do acordo. O mercado, na sua própria ordem jurídica, é, por assim dizer, o terreno de encontro entre contrato e empresa, entre a tradição severa dos institutos civilísticos e a impetuosa modernidade das trocas. 3. A página do prefácio, que a autora gentilmente solicitou ao colega italiano, não pode nem resumir o denso conteúdo do livro nem percorrer os nove capítulos, onde a análise desenvolve-se sempre mais persuasiva e profícua.

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Mas, esta introdução deve pelo menos destacar, em comunhão e íntima consonância, o tema weberiano da racional calculabilidade: tema sobre o qual a Forgioni mostra singular sensibilidade e fundada atenção. É o pacta sunt servanda assegurado pela autoridade coercitiva dos Estados que oferece, ou deveria oferecer, a garantia da calculabilidade: as partes do negócio contam com aquilo que virá; não se debruçam sobre um amanhã obscuro de incógnitas e de sombras, mas sobre um curso previsível das coisas. Esta calculabilidade fia-se, em grande medida, na interpretação e na execução do contrato, na forma como as cláusulas são entendidas e aplicadas. Explica-se, assim, o amplo [e apaixonado] tratamento que a autora reserva a tais temas nos três últimos capítulos, nos quais o especialista saberá colher a rara síntese entre quadro doutrinário, senso prático e casuística. 4. Estas pequenas páginas introdutivas encerram-se com o cálido e sereno elogio ao diálogo que, há quase um século, desenvolve-se e avoluma-se entre as culturas jurídicas italiana e brasileira. Foi, primeiramente, o exílio de Tullio Ascarelli que, com fulgores de intuição, abriu novas estradas ao direito da economia; após, a sensibilidade ‘missionária’ de um grande jurista, Emilio Betti, meu venerado professor; esses e outros interlocutores, a provomer o diálogo, a trazer riqueza mútua, a deixar incentivos e estímulos às gerações subsequentes. Paula Forgioni [que possui o sinal do diálogo já na síntese do nome e do sobrenome], inscreve-se nessa tradição, utiliza seus resultados mais firmes e modernos e, assim, oferece à doutrina comercialista brasileira uma contribuição de segura importância e de franca originalidade. Natalino Irti Professor emérito de Direito Civil da Università di Roma “La Sapienza”. Sócio nacional da Accademia dei Lincei.

PREFAZIONE Un libro del dialogo 1. La lingua italiana conosce il sostantivo ‘impresario’, designante colui che assume l’esercizio di un’attività, ma non l’aggettivo ‘impresario’, che possa attribuirsi, come predicato, anche ad un istituto giuridico. E perciò è costretta a utilizzare il genitivo oggettivo: contratti d’impresa o dell’impresa. Ma la ‘cosa’ c’è: voglio dire che il fenomeno giuridico vi riceve lo stesso rilievo dottrinario e pratico, segnalato nell’acuto saggio di Paula Forgioni. Dopo un volume precorritore di Enrico Redenti, spicca il corso di lezioni, tenuto da Arturo Dalmartello, eminente maestro di diritto commerciale nell’Università Cattolica del Sacro Cuore. Piccolo capolavoro, i ‘Contratti delle imprese commerciali’, che istituiscono e svolgono le connessioni, economiche e giuridiche, fra contratto e fasi di vita dell’impresa, e dunque – potrebbe pur dirsi – gettano un ponte fra le due rive del diritto privato [diritto civile e diritto commerciale]. E l’immagine del ponte pur si attaglia alla monografia della Forgioni, che, nel largo e arioso disegno del libro, collega i due àmbiti, e non sacrifica né l’antico rigore del diritto civile né la fresca vitalità del diritto commerciale. Lo scopo di lucro è il pilone centrale, che sostiene e consolida le arcate. 2. Né il contratto né l’impresa vivono in solitudine, come racchiusi ed esauriti in se stessi, ma appartengono, specie nell’età nostra, all’unità economica e giuridica del mercato. Pregio perspicuo dell’autrice è proprio nell’avvertire codesta intrinseca e vicendevole appartenenza, onde contratti e imprese ‘fanno’ il mercato e fuori di esso o non sono concepibili o prendono altra e diversa fisionomia. Il mercato – spiega in più pagine Paula Forgioni – non è un luogo immaginario e astratto, ma un’unità giuridica, fondata sul principio ‘pacta sunt servanda’, cioè sul carattere vincolante e imperativo dell’accordo. Il mercato, nel suo proprio ordine giuridico, è, per così dire, il terreno d’incontro fra contratto e impresa, fra la tradizione severa degli istituti civilistici e l’impetuosa modernità degli scambî. 3. La pagina di prefazione, che l’autrice ha cortesemente chiesto al collega italiano, non può né riassumere il denso contenuto del libro né ripercorrerne i nove capitoli, dove sempre più stringente e proficua si svolge l’analisi.

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Ma l’introduttore deve almeno segnalare, con partecipe e intima consonanza, il tema weberiano della razionale calcolabilità: tema, verso il quale la Forgioni mostra singolare sensibilità e fondata attenzione. Proprio il ‘pacta sunt servanda’, presidiato dall’autorità coercitiva degli Stati, offre, o dovrebbe offrire, la garanzia della calcolabilità: le parti del negozio contano su ciò che verrà; non si affacciano su un domani oscuro d’incognite e di ombre, ma su un corso prevedibile delle cose. Questa calcolabilità si affida, in larga misura, all’interpretazione ed ­esecuzione del contratto, al modo in cui le clausole sono intese ed applicate. Si spiega così l’ampia [e – si direbbe – appassionata] trattazione, che l’autrice riserva a tali temi negli ultimi tre capitoli: nei quali il letterato saprà cogliere la rara sintesi fra quadro dottrinario, senso pratico, gusto casistico. 4. Queste paginette introduttive vogliono chiudersi con il caldo e sereno elogio per il dialogo, che, da poco meno di un secolo, si svolge e infittisce fra le culture giuridiche italiana e brasiliana. Fu dapprima l’esilio di Tullio Ascarelli, il quale con bagliori d’intuizione ha aperto nuove strade al diritto dell’economia; poi la sensibilità ‘missionaria’ di un grande giurista, Emilio Betti, mio venerato maestro; furono, questi ed altri interlocutori, a promuovere il dialogo, a trarne vicendevole ricchezza, a lasciarne spunti e incitamenti alle generazioni successive. Paula Forgioni [la quale reca, già nella sintesi del nome e cognome, il segno del dialogo] si iscrive in questa tradizione, ne utilizza i risultati più fermi e moderni, e così reca alla dottrina commercialistica del Brasile un contributo di sicura importanza e di schietta originalità. Natalino Irti Professore emerito di diritto civile nell’Università di Roma “La Sapienza”. Socio nazionale dell’Accademia dei Lincei.

SUMÁRIO

PREFÁCIO: Um livro do diálogo – Natalino Irti................................................... 5 PREFAZIONE: Un libro del dialogo – Natalino Irti.............................................. 7 INTRODUÇÃO: A REDESCOBERTA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS E SUA DINÂMICA COMO UM PROCESSO............................................................. 17 1. DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS.......................................... 23 1.1 Atividade empresarial e contratos. Mercado e teia contratual.................. 23 1.2 Negócios empresariais, negócios jurídicos e contratos no direito e na economia................................................................................................... 25 1.3 As partes dos contratos empresariais........................................................ 27 1.4 Definição dos contratos empresariais. A exclusão dos contratos com consumidores............................................................................................ 28 1.5 Contratos empresariais como categoria autônoma................................... 32 1.6 O escopo de lucro presente em todos os seus polos como marca e guia dos contratos empresariais........................................................................ 38 1.7 Uma necessária digressão histórica: os cismas das categorias contratuais e a consolidação dos contratos empresariais.................................... 39 2. CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS................................. 45 2.1 Por que classificar? Classificação tradicional dos contratos e a necessidade de novas categorias........................................................................... 45 2.2 Quanto ao grau de vinculação futura entre as partes: contratos instantâneos [“spot”], híbridos e societários...................................................... 48 2.3 Quanto ao grau de positivação: contratos típicos, atípicos e socialmente típicos........................................................................................................ 50 2.3.1 A criação dos contratos socialmente típicos pela prática de mercado............................................................................................... 52

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10    CONTRATOS EMPRESARIAIS 2.3.2 Cláusulas socialmente típicas....................................................... 53 2.4 Quanto à abrangência do objeto: contratos-quadro e contratos satélite... 53 2.5 Quanto ao grau de ligação: contratos coligados e contratos independentes........................................................................................................ 57 2.6 Quanto ao grau de complexidade: contratos simples e contratos complexos........................................................................................................ 58 2.7 Quanto ao grau de completude do regramento: contratos completos e incompletos. Existem contratos completos?............................................ 60 2.8 Quanto ao interesse principal da parte no contrato: contratos de prestação e contratos de relação [ou contratos relacionais]............................... 62 2.9 Quanto ao tipo de negociação que lhes dá origem: contratos de adesão e contratos negociados.............................................................................. 65 2.10 Quanto ao grau de poder econômico das partes: contratos paritários e contratos em que há situação de dependência econômica....................... 66 2.10.1 Contratos aos quais a dependência econômica é inerente............ 68 2.10.2 Contratos em que o grau de dependência econômica aumenta durante sua execução.................................................................... 68 2.11 Quanto à ligação a contratos celebrados entre terceiros: contratos isolados e contratos em rede............................................................................ 69 3. FORMAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS.......................................... 73 3.1 Introdução. Peculiaridades da formação dos contratos empresariais....... 73 3.2 A seleção do parceiro................................................................................ 73 3.3 A seleção dos advogados. Riscos empresariais e hindsight effect............... 75 3.4 O processo de negociação......................................................................... 76 3.5 Os documentos produzidos na fase de negociação................................... 77 3.6 Responsabilidade pela ruptura das negociações....................................... 79 3.7 A redação dos instrumentos do contrato.................................................. 80 3.8 O momento da vinculação........................................................................ 81 3.9 Operação econômica, negócio jurídico e contratos empresariais. A arquitetura jurídica do negócio.................................................................... 82 3.10 O nome dos contratos............................................................................... 83 3.11 Cláusulas contratuais................................................................................ 84 3.12 Disposições finais, cláusulas de estilo ou “boilerplate clauses”................. 85 3.13 Omissões e dubiedades propositais.......................................................... 86 3.14 O momento da assinatura. O início da vida do contrato.......................... 88

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4. A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS – Regras jurídicas que vinculam as partes durante a execução do contrato e algumas de suas condicionantes comportamentais.................................................................................... 89 4.1 As normas que regem a vida do contrato. As chamadas “fontes do Direito”..................................................................................................... 89 4.2 A importância das regras legais dispositivas no processo de barganha e na formatação do negócio......................................................................... 91 4.3 Quem, efetivamente, dá execução ao contrato, construindo sua vida?.... 92 4.4 As modificações do negócio jurídico ao longo do tempo. A nova regra em conflito com a anterior........................................................................ 94 4.5 Modificações informais de contratos formais. A tendência de não se alterar o instrumento firmado durante a vida do contrato....................... 98 4.6 Ainda sobre as modificações informais dos contratos formais. O exagero na aplicação indiscriminada de institutos derivados da boa-fé objetiva [supressio, surrectio, venire contra factum proprium e tu quoque]........... 98 4.7 A superação do exacerbado positivismo que dominou a análise jurídica dos contratos no século XX e a importância do contexto contratual....... 99 4.8 O impacto de tendências comportamentais das partes sobre a vida dos contratos que celebram............................................................................. 101 4.9 Breves notas de economia comportamental.............................................. 102 4.9.1 Excessivo otimismo...................................................................... 103 4.9.2 Excessiva autoconfiança/self-serving bias...................................... 103 4.9.3 Hindsight bias.................................................................................. 104 4.9.4 Falso consenso.............................................................................. 104 4.9.5 Persistência na decisão.................................................................. 104 4.9.6 Reciprocidade............................................................................... 104 4.9.7 Aversão à iniquidade..................................................................... 105 4.9.8 Tendência de pertencer a grupos.................................................. 105 4.9.9 Endowment effect............................................................................. 106 4.9.10 Senso de justiça............................................................................. 106 4.9.11 Ancoragem/excessivo foco............................................................ 106 5. VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS..... 107 5.1 A necessária busca dos traços comuns dos contratos mercantis............... 107 5.2 Escopo de lucro......................................................................................... 108 5.3 Pacta sunt servanda...................................................................................... 109 5.4 Limitações à autonomia privada............................................................... 112

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12    CONTRATOS EMPRESARIAIS 5.5 5.6 5.7 5.8 5.9

O norte do contrato: sua função econômica............................................. 117 Segurança e previsibilidade....................................................................... 119 Agentes econômicos “ativos e probos”..................................................... 120 Egoísmo/oportunismo do agente econômico............................................ 122 O agente econômico responde a incentivos e a desincentivos.................. 124

5.10 O agente econômico é o melhor senhor de suas próprias razões............. 125 5.11 Boa-fé nos contratos empresariais............................................................. 125 5.12 Confiança nos contratos empresariais...................................................... 134 5.13 Usos e costumes........................................................................................ 137 5.13.1 Globalização e usos e costumes.................................................... 142 5.14 Custos de transação.................................................................................. 145 5.15 Contratos e necessidades dos agentes econômicos................................... 148 5.16 Contrato como instrumento de alocação de riscos................................... 148 5.17 Contrato e erro [jogada equivocada do agente econômico]..................... 151 5.18 Oportunismo e vinculação........................................................................ 154 5.19 Racionalidade limitada.............................................................................. 154 5.20 Incompletude contratual.......................................................................... 157 5.21 Desvio de pontos controvertidos.............................................................. 158 5.22 Ambiente institucional.............................................................................. 159 5.23 Tutela do crédito....................................................................................... 161 5.24 Forma nos contratos empresariais............................................................ 162 5.25 Contrato e informações............................................................................ 163 5.26 Informação e oportunismo [relação “principal/agente”].......................... 166 5.27 Modificação do comportamento pós-contratual [moral hazard].............. 168 5.28 Aumento da dependência econômica pelo contrato................................. 169 5.29 “Mais vale um mau acordo do que uma boa demanda”............................ 171 5.30 Contraponto: institutos tradicionais do direito mercantil e criação de obrigações não expressamente desejadas pelas partes. Aviltamento da segurança jurídica?................................................................................... 171 6. OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS.......................... 179 6.1 Os contratos empresariais: além dos contratos de intercâmbio e de sociedade...................................................................................................... 179 6.2 O primeiro polo: os contratos de intercâmbio.......................................... 181 6.3 O segundo polo: as sociedades mercantis................................................. 182 6.3.1 A modelagem das sociedades conforme os interesses dos agentes econômicos.............................................................................. 184

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6.3.2 Sociedades mercantis e a construção da responsabilidade limitada............................................................................................... 185 6.3.3 Sociedades mercantis e a construção do princípio majoritário..... 187 6.4 Os contratos de colaboração não societários. A produção de novos contratos pela praxe........................................................................................ 193 6.5 Principais características dos contratos de colaboração........................... 195 6.6 A lógica própria aos contratos de colaboração: por que cooperar?.......... 197 6.7 A visão dos economistas sobre os contratos de colaboração: as formas híbridas..................................................................................................... 199 6.8 A tomada de decisão nos contratos de colaboração.................................. 201 6.9 A incompletude inerente aos contratos de colaboração........................... 203 6.10 Questões dogmáticas em aberto: inadimplemento nos contratos de colaboração e culpa recíproca....................................................................... 204 6.11 Segue: adimplemento suficiente............................................................... 205 7. INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS – Mercado, causa e função econômica dos negócios. Racionalidade econômica x Racionalidade jurídica............................................................................................................... 209 7.1 A herança da escola exegética e o desprezo pela interpretação................ 209 7.2 As regras que formatam a atuação das empresas nos contratos. Regras endógenas e exógenas. Prática de mercado e interpretação dos contratos empresariais........................................................................................ 212 7.3 Ainda sobre as peculiaridades da interpretação dos contratos empresariais. Princípios jurídicos próprios ao direito comercial e formatação do mercado..................................................................................................... 216 7.4 Causa e motivo: a necessidade de uma ótica de mercado. A importância da função econômica................................................................................ 217 7.5 Causa como vetor da interpretação contratual. Novamente a função econômica do negócio.............................................................................. 221 7.6 A racionalidade jurídica do direito comercial e a interpretação dos contratos. Segurança e previsibilidade............................................................ 225 7.7 Racionalidade econômica e racionalidade jurídica................................... 228 7.8 A utilidade da racionalidade econômica para a racionalidade jurídica..... 234 8. REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS – Diretrizes clássicas e normas do Código Civil........................................................ 237 8.1 Interpretação da lei e interpretação dos contratos empresariais. A racionalidade das regras tradicionais de interpretação..................................... 237

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14    CONTRATOS EMPRESARIAIS 8.2 O ponto de partida da interpretação dos contratos empresariais: seu instrumento. Instrumento e contrato....................................................... 239 8.2.1 A importância do texto contratual. Muito além do fetiche da palavra........................................................................................... 239 8.2.2 Texto e contexto. O significado das palavras e a prática dos contratantes........................................................................................ 242 8.3 As regras clássicas de interpretação dos contratos empresariais inspiradas em Pothier.......................................................................................... 242 8.3.1 Intenção comum das partes.......................................................... 245 8.3.2 A revelação da intenção comum das partes e a importância do preâmbulo..................................................................................... 245 8.3.3 Interpretação pela preservação do contrato e não por sua nulidade............................................................................................... 246 8.3.4 Natureza do contrato como condicionante da interpretação........ 246 8.3.5 Usos e costumes e interpretação do contrato empresarial............ 246 8.3.6 Usos e costumes e integração do contrato empresarial................ 247 8.3.7 Coerência e harmonia das cláusulas contratuais.......................... 248 8.3.8 Intepretação contra o estipulante e a favor do devedor................ 248 8.3.9 As partes somente se vinculam àquilo que contrataram............... 248 8.3.10 Referência à universalidade de coisas inclui todos os seus componentes........................................................................................ 249 8.3.11 Exemplos não excluem outros casos não referidos. O plural inclui o singular. O que está no fim da frase refere-se a toda ela..... 249 8.4 Diretivas gerais dos contratos empresariais inspiradas no art. 131 do Código Comercial. Intenção comum das partes como norte interpretativo, comportamento concludente, boa-fé objetiva, força normativa dos usos e costumes e interpretação a favor do devedor................................. 250 8.4.1 A importância do comportamento posterior das partes como pauta interpretativa....................................................................... 252 8.5. Regras de interpretação dos contratos comerciais explicitadas por Cairu. Padrão do comerciante ativo e probo, relevância do estilo mercantil e dos usos e costumes............................................................................... 253 8.5.1 “Quem percebe o cômodo, não deve recusar o incômodo”.......... 255 8.5.2 “Não pode pretender lucro quem não concorreu para algum negócio com fundo, industrial, ordem, ou risco”............................. 255 8.6. As regras de interpretação dos negócios empresariais no Código Civil.... 255 8.6.1 Art. 113. Interpretação e boa-fé objetiva...................................... 257 8.6.2 Art. 112. Intenção das partes e vontade objetiva.......................... 260 8.6.3 Art. 423. Interpretação a favor do devedor................................... 262

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8.6.4 Art. 421. Função social do contrato............................................. 264 8.6.5 Art. 114. Interpretação restritiva dos negócios benéficos e da renúncia. Interpretação restritiva da exceção............................... 265 8.6.6 Art. 157. Lesão/tendência de proteção à parte mais fraca............. 266 8.7 As presunções na interpretação dos negócios entre empresas.................. 268 9. INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL – Interpretação a favor da livre-iniciativa e da livre-concorrência.... 271 9.1 Princípios constitucionais, ordem jurídica do mercado e contratos empresariais................................................................................................... 271 9.2 Livre iniciativa.......................................................................................... 274 9.3 Livre concorrência.................................................................................... 277 9.4 Liberdade de contratar.............................................................................. 279 9.5 Princípios constitucionais moldando os contratos empresariais.............. 282 9.6 Os contratos empresariais e a limitação voluntária das liberdades econômicas..................................................................................................... 282 9.7 Princípios constitucionais e seu reflexo sobre os contratos empresariais.... 284 9.8 Princípios constitucionais como regras de interpretação......................... 284 9.9 Princípios constitucionais como regras gerais dos contratos empresariais........................................................................................................... 285 9.10 Ainda a questão dogmática: a força das regras gerais............................... 285 9.11 Aplicação da regra de interpretação em favor das liberdades econômicas. Alguns exemplos concretos............................................................... 286 9.11.1 A exclusividade............................................................................. 286 9.11.2 Vedação à concorrência na alienação de estabelecimento comercial [art. 1.147 do Código Civil] e cláusula de não concorrência [“non compete”] contratada na alienação de controle de sociedade empresarial............................................................................... 287 9.11.2.1 Função econômica e tipologia das cláusulas de não concorrência.................................................................... 287 9.11.2.2 Trespasse de estabelecimento e alienação de controle.... 289 9.11.2.3 Trespasse de estabelecimento e alienação de controle: diferentes disciplinas de non compete. Limitação do âmbito de aplicação do art. 1.147 do Código Civil........ 290 9.11.3 A necessária interpretação restritiva das cláusulas de non compete.... 292 9.12 O direito de não contratar e de pôr fim à relação contratual.................... 293

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16    CONTRATOS EMPRESARIAIS 10. INTEGRAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS – Lacunas e atuação dos julgadores................................................................................................... 299 10.1 A integração dos contratos........................................................................ 299 10.2 A solução da incompletude contratual.................................................... 300 10.2.1 A solução da incompletude por novo acordo............................... 301 10.2.2 A solução da incompletude pelos usos e costumes...................... 301 10.2.3 A solução da incompletude pelo juiz ou pelo árbitro................... 302 10.2.4 A solução da incompletude pela atribuição voluntária de poder decisório a terceiro ou a uma das partes....................................... 305 10.3 Boa-fé e incompletude.............................................................................. 308 BIBLIOGRAFIA....................................................................................................... 313 OUTRAS OBRAS DA AUTORA.............................................................................. 335

INTRODUÇÃO: A REDESCOBERTA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS E SUA DINÂMICA COMO UM PROCESSO

O correr dos olhos pela estrutura das obras que versam sobre contratos comerciais editadas no Brasil nas últimas décadas evidencia que poucas páginas deitam-se sobre sua teoria geral.1 Normalmente, esta é identificada com a civilística, como se pouco houvesse de comum entre os negócios realizados pelos empresários, a não ser que [i] estavam previstos no Código Comercial ou [ii] tinham surgido da prática dos comerciantes. Alguns traços não muito bem delineados são indicados como características próprias dos contratos mercantis [informalidade, cosmopolitismo etc.], sendo raro o esforço dogmático para a compreensão do mecanismo de seu funcionamento comum; tampouco, encontramos o desenvolvimento de conceitos aptos a explicá-los em sua lógica peculiar, dos quais os juristas pudessem lançar mão na interpretação e na sistematização desses negócios. Nos últimos vinte anos, porém, quatro importantes fenômenos empurram a modificação desse quadro: [i] consolidação do direito do consumidor; [ii] desverticalização das empresas2 e incremento da utilização dos contratos de colaboração interempresariais; [iii] desenvolvimento do pensamento microe­ conômico, que destrinça o processo empresarial de tomada de decisões e a formação dos preços; e [iv] privatizações. 1. Como exemplo, duas das mais difundidas obras brasileiras sobre contratos mercantis: Contratos e obrigações comerciais, de Fran Martins, e Contratos mercantis, de Waldirio Bulgarelli. Podemos identificar duas partes na obra de Fran Martins. A primeira, dedicada a aspectos gerais dos contratos [menos de um quinto da obra] e a segunda sobre tipos específicos, começando pela compra e venda. Na parte geral, é evidente debruçar-se o autor mais sobre o direito civil do que sobre o direito comercial. A definição de contrato mercantil prende-se àquela antiga, esboçada por Carvalho de Mendonça [77]. Bulgarelli segue a mesma estrada, dedicando a primeira parte de seu livro quase que integralmente a considerações coincidentes com o direito civil. 2. Não nos ateremos, neste livro, à exata distinção terminológica entre sociedade [sujeito de direito] e empresa [objeto de direito]. Para sua precisão, v. Waldirio Bulgarelli, Sociedades comerciais, empresa e estabelecimento.

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Não faz muito tempo, os contratos com consumidores integravam o direito comercial. Embora alguns autores, como Cairu, já intuíssem as diferenças intrínsecas entre as “vendas de retalho ao povo” e os contratos entre mercadores, todos acabavam merecendo tratamento jurídico semelhante. A compreensão e expansão do direito do consumidor mostrara que existe classe diversa de contratos, em que apenas um dos polos é orientado pela lógica empresarial do lucro. Esse fato imprime diferenças profundas entre os ajustes com o público e aqueles entre comerciantes. Entretanto, como veremos com mais vagar no primeiro capítulo, o desenvolvimento dogmático brasileiro centrou-se apenas no estudo dos negócios consumeristas, permanecendo os contratos mercantis no limbo a que pareciam estar condenados. O “tomar-corpo dogmático” dos contratos com consumidores obrigou os comercialistas a repensarem os elementos que, ao fim e ao cabo, dariam sentido à sua disciplina, forçando-os à “[re]descoberta” dos contratos mercantis. Em segundo lugar, assistimos ao incremento do volume de contratos celebrados entre empresas, especialmente aqueles que visam a estabelecer um liame estável entre elas. Em meados dos anos 90, Fábio Konder Comparato observava que “com o desenvolvimento do fenômeno dito de terceirização, tem-se manifestado uma preferência marcante pela adoção do esquema reticular, em que a vinculação entre as unidades empresariais já não se faz em termos de participação societária de capital, mas adota antes a forma de contratos estáveis”.3 Estamos percebendo que os grupos empresariais têm se “desverticalizado”, ou seja, as empresas não mais detêm o controle societário de fornecedores, com eles celebrando contratos moldados para protrair-se no tempo. Por terceiro, estamos todos dando-nos conta de que o estudo do mercado e do comportamento dos agentes econômicos adquire importância nunca vista.4 Na busca de sua compreensão, os economistas, principalmente aqueles ligados à Nova Economia Institucional,5 construíram importante instrumental de aná 3. Estado, empresa e função social, 40. 4. A esse respeito, v. Paula A. Forgioni, A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado. 5. A expressão Nova Economia Institucional [NEI] teria sido inicialmente formulada por um de seus maiores expoentes, Oliver Williamson, no ano de 1975. Entende-se que sua origem repousa no artigo “The nature of the firm”, de Ronald Coase, publicado em 1937 e esquecido por décadas. Para os economistas dessa corrente, a empresa [que chamam de “firma”] não se resume a mero ente transformador de produtos, mas em uma forma de organização. A NEI debruça-se e dá importância a institutos que são pouco estudados pela economia clássica, tais como instituições, contratos, formas de governança [ou seja, de organização econômica], direitos de propriedade

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lise do qual não podemos deixar de lançar mão. “Armados com este conjunto de conceitos, torna-se consideravelmente mais fácil analisar o funcionamento do mercado”6 e, portanto, das empresas e de sua atividade. Não é exagero afirmar que a utilização desse instrumental catalisa a construção de uma teoria geral moderna do direito comercial, auxiliando não apenas a construção, mas a compreensão de conceitos utilíssimos ao “adempimento dell’ufficio del giurista”.7 Como sempre advertiu Carnelutti, “[n]on v’è concetto giuridico, il quale non supponga uno o più concetti non giuridici alla sua base”.8 A tradição do direito mercantil sempre pregou a indispensabilidade da observação do comportamento dos agentes econômicos, da sua prática, para a construção da ciência do direito. “La conoscenza della vita del diritto commerciale è stata [...] in tutti i tempi una premessa sicura anche se silenziosa dei giuristi che ad esso dedicarono la loro vita”.9 A compreensão da realidade é pressuposto do estudo comercialista,10 por isso nossos clássicos nunca deixaram de empregar os ensinamentos dos economistas. É tempo de revitalizarmos essa aliança, como nos propomos a fazer no segundo ensaio deste livro. O fenômeno da privatização também levou ao despertar dos contratos mercantis. Diante das restrições a investimentos estatais diretos na economia, a alienação do controle de sociedades cuja maioria das ações com direito a voto pertencia ao Poder Público tornou-se realidade pelo processo de privatização iniciado no final dos anos 80. A atividade de várias dessas pessoas jurídicas liga-se à prestação de serviços públicos, de forma que funções antes desenvolvidas pelo Estado passam às mãos do setor privado, sujeitando-se à lógica do lucro. Grandes sociedades, antes de economia mista, inserem-se agora no e custos de transação. É importante notar que a Escola da “Nova Economia Institucional” não se identifica com a Escola de Chicago, sendo intenso o debate entre elas. Os principais expoentes da Nova Economia Institucional são Ronald Coase, Williamson e Douglass North, cujos trabalhos serão várias vezes referidos ao longo destes ensaios. 6. No original: “Armed with this set of concepts it becomes considerably easier to analyze the working of the market” [Richard Swedberg, Markets as social structures, 264]. 7. Dicção de Carnelutti, ao explicar o escopo da teoria geral do direito. 8. Teoria generale del diritto, prefácio à segunda edição, vii. Lorenzo Mossa, Scienze e metodi del diritto commerciale, 113. 9. 10. É clássica a referência à observação de Vivante: “Non si avventurino mai in alcuna trattazione giuridica se non conoscono a fondo la struttura tecnica e la funzione economica dell’istituto che è l’oggetto dei loro studi. [...] È una slealtà scientifica, è un difetto di probità parlare di un istituto per fissarne la disciplina giuridica senza conoscerlo a fondo nella sua realtà” [Tratato di diritto commerciale, v. 1, ix-x].

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ambiente de mercado. Ainda que essa submissão seja relativa, pois, mesmo com controle privado, lidam com serviços públicos ou de interesse geral, novo impulso é dado aos contratos mercantis, pois boa parte desses negócios passa a ser celebrada em regime interempresarial. *-*-* Posto nesse cenário, este livro pretende demonstrar a necessidade da elaboração de uma teoria geral dos negócios entre empresas, que lhes explique a essência e a existência. A base da sistematização aqui empreendida parte do reconhecimento do contrato empresarial como um processo. Em 1964, Clóvis do Couto e Silva propôs que a obrigação fosse vista em sua totalidade, como processo, isto é, sucessão de fases que visa à satisfação dos interesses do credor. Essa concepção pode e deve ser aplicada aos contratos empresariais, especialmente àqueles dotados de maior grau de complexidade, que carregam consigo uma miríade de disposições contratuais e obrigações, explícitas e implícitas, inter-relacionadas e interdependentes entre si e que assumem sentido quando vistas em sua globalidade e dinâmica. Gravitam, todas elas, em torno dos escopos almejados por ambas as partes, i.e., da operação econômica que encetaram. Quanto mais nos afastarmos da visão estática que dominou a análise jurídica da empresa e dos contratos no século XX,11 enxergamos os negócios 11. O fenômeno é sintentizado por Melvin A. Eisenberg: “Another classic characteristic of classical contract law is that it was static rather than dynamic. Classical contract law focus almost exclusively on a single instant in time – the instant of contract formation – rather on dynamic processes such as the course of negotiation and the evolution of a contractual relationship […]. Next, classical contract law was implicitly based on a paradigm of bargains made between strangers transacting in a perfect market. So, for example, classic contract law rejected principles of unfairness, which typically have their fullest application in transactions that occur either off-market or on very imperfect markets and have little application to contracts made between strangers on perfect markets”. […] Finally, classical contract law was based on a rational-actor model of psychology, under which actors will make decisions in the face of uncertainty rationally maximize their subjective expected utility, with all future benefits and costs discounted to present value. Particular, the rules of classic contract law were implicitly based on the assumptions that actors are fully knowledgeable, know the law, and act rationally to further their economic self-interest. This model accounts in part for such rules as the duty to read, whose operational significance was that actor were conclusively assumed to have read and understood everything that they signed. It also accounts in part for the rule that bargains will not be reviewed for fairness: if actors always act rationally in their own self-interest, than, in the absence of

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empresariais como processos, reconhecendo-os como sucessão de estados que evoluem impulsionados pelo comportamento das partes, tendo em vista a consecução do seu objeto, ligado à operação econômica pretendida. Insista-se: o contrato é um processo. Um conjunto ordenado de etapas que se estendem no tempo, visando não à satisfação do interesse da parte, e sim ao atendimento do fim compartilhado pelas empresas. Dirige-se à concreção do escopo comum, sem negar os interesses individuais dos polos da contratação. Em uma operação simples de compra e venda, a vida do contrato tende a se esgotar em um átimo. A obtenção de determinada prestação é o escopo de cada um dos partícipes. O vendedor quer receber o preço e o comprador, a mercadoria. “Do ut des”, “qui pro quo” ou “toma-lá-dá-cá”, em linguagem brasileira coloquial. Ao mesmo tempo, há negócios em que a satisfação do interesse das partes não coincide com o término da relação ou com a obtenção da prestação devida, como um pote de ouro no final do arco-íris. Repousa, ao invés, sobre os ganhos que serão havidos durante o processo, muitos intangíveis, não contabilizáveis e até avessos à avaliação pecuniária. Vantagens são colhidas pelas partes no desenrolar do contrato; uma delas é a própria existência da relação. O pensamento do jurista e a maioria dos institutos dogmáticos de que dispomos foram formados para raciocinar em termos de “do ut des”; o mais típico e comum dos atos de comércio sempre foi a compra e venda mercantil. O problema é que essa lógica não se presta a explicar todos os contratos empresariais. Ao longo da vida do negócio, muitas das prestações e contraprestações não encontram contrapartidas facilmente identificáveis. Cumpre-se o acordado [i.e., uma miríade de obrigações explícitas e implícitas] porque se espera que a outra empresa também faça o que lhe cabe. Não há correspondência entre uma “prestação” e outra e, às vezes, é difícil identificar a própria prestação. O contrato é um filme e não uma fotografia. Complica-se sobremaneira a aplicação de institutos como a “exceptio non adimpleti contractus” [exceção de contrato não cumprido] ou o reconhecimento do adimplemento da obrigação, na medida em que a própria obrigação/ prestação perde seus contornos nítidos, quando imersa no ambiente contratual. O dimensionamento dos prejuízos decorrentes de falhas da outra parte implica grande esforço, quase sempre fadado ao insucesso. fraud, duress, or the like, all bargains must be fair” [Why there is no law of relational contracts, 807-808].

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A economia moderna exige que o foco do operador do Direito Comercial12 repouse no processo contratual e não em prestações e contraprestações isoladas. Insista-se: O contrato é um processo, destinado a dar concreção à intenção comum das partes.

12. No Brasil, alguns acreditam que as expressões direito mercantil, direito comercial e direito empresarial assumiriam significados diversos. O direito mercantil designaria a matéria em sua primeira fase, ligada à disciplina da atividade dos mercadores medievais; direito comercial estaria relacionado ao segundo período, em que os atos de comércio definem os limites da disciplina, e, por fim, direito empresarial seria o nome atualmente correto, porque a empresa é o centro do debate. Contudo, essa distinção é estéril, pois as três expressões são sinônimas. Em todas as fases de sua evolução, esse ramo especial do direito sempre disciplinou a atividade dos agentes econômicos encarregados da geração de riqueza, fossem eles chamados mercadores, comerciantes ou empresários. O traço diferenciador dessa área do direito, e que identifica seus protagonistas, sempre foi o marcado escopo de lucro. Discussões semelhantes quanto ao nome dado à matéria ocorrem na França [droit des marchands, droit commercial e, mais recentemente, droit des affaires], como explica Jean Hilaire [Introduction historique au droit commercial, 23]. Na Itália, a expressão “diritto commerciale” é tradicional [v. Leone Bolaffio, Il codice di commercio commentato, 5], enquanto “diritto imprenditoriale” não é comum. Há também quem entenda que as expressões “direito mercantil” ou “mercadores” seriam demasiadamente antigas. Note-se, porém, que possuem a mesma raiz da palavra “mercado”, nada podendo haver de mais contemporâneo para designar aqueles que nele atuam. Anota Scandizzo que a palavra mercado nasce do particípio passado do verbo latino mercari, que significa comerciar [Il mercato e l’impresa: le teorie e i fatti, 8]. Neste trabalho, as expressões direito mercantil, comercial e empresarial vêm empregadas como sinônimas, assim como contratos mercantis, comerciais e empresariais. A utilização da expressão “contratos comerciais” vem, contudo, perdendo força no contexto internacional, dando-se preferência à expressão “contratos empresariais” [Buonocore, Contrattazione d’impresa e nuove categorie contrattuali, xxiii]. Sobre a questão terminológica dos contratos comerciais ou empresariais na Itália, v. Sambucci, Il contratto dell’impresa, nota 1, 1.

1 DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS Sumário: 1.1 Atividade empresarial e contratos. Mercado e teia contratual – 1.2 Negócios empresariais, negócios jurídicos e contratos no direito e na economia – 1.3 As partes dos contratos empresariais – 1.4 Definição dos contratos empresariais. A exclusão dos contratos com consumidores – 1.5 Contratos empresariais como categoria autônoma – 1.6 O escopo de lucro presente em todos os seus polos como marca e guia dos contratos empresariais – 1.7 Uma necessária digressão histórica: os cismas das categorias contratuais e a consolidação dos contratos empresariais.

1.1 Atividade empresarial e contratos. Mercado e teia contratual Não se pode pensar a empresa de forma isolada. Essa visão confina o agente econômico nas próprias fronteiras, desliga-o do funcionamento do mercado, reduzindo impropriamente a análise. A perspectiva estreita não permite reconhecer o papel essencial desempenhado pelas relações estabelecidas entre os entes que atuam no mercado. A empresa não apenas “é”; ela “age”, “atua”, e o faz por meio dos contratos. A empresa não vive ensimesmada, metida com seus ajustes internos; ela revela-se nas transações. Sua abertura para o ambiente institucional em que se encontra é significativa a ponto de parte da doutrina afirmar que “[o]s modernos complexos produtivos não são tanto estoque de bens, mas feixes de relações contratuais”.1 A empresa cristaliza-se em sua atividade de interagir; a empresa é agente econômico. É preciso adquirir insumos, distribuir produtos, associar-se para viabilizar o desenvolvimento de novas tecnologias, a abertura de mercados etc.; tudo exige que se estabeleçam relações com terceiros. Essa ação recíproca [empresa – outros agentes] interessa ao Direito na medida em que dá a luz a contratos e, consequentemente, a relações jurídicas. 1. Vincenzo Roppo, Il contratto, 56. Cf. Ronald Coase, The nature of the firm e Melvin Eisenberg, The conception that the corporation is a nexus of contract, and the dual nature of the firm.

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O mercado identifica-se com um emaranhado de relações contratuais, tecido pelos agentes econômicos.2 Como se afirmou, “o mercado [...] é feito de contratos, os contratos nascem do e no mercado”.3 Na dicção de Roppo, “na economia moderna, é o contrato, acima de tudo, que cria a riqueza”.4 Constatou-se que, fosse o direito comercial baseado apenas em negócios isolados, não passaria de uma “criança frágil”. O mercado organizado dá força às transações. As regras e a praxe negocial, assim como o moto competitivo, proporcionam amplo espaço ao gênio dos comerciantes e às suas contratações.5 Até pouco tempo, a doutrina atribuía menor importância à dimensão contratual do ente produtivo, fazendo repousar o foco de análise no empresário e em sua capacidade gerencial.6 “[A] centralidade do contrato e do mercado são fenômenos recentes”.7 A empresa mostra-se como desdobramento dessa 2. Além de contratos, a empresa pratica atos jurídicos unilaterais [para definição de ato jurídico, v. Marcos Bernardes de Melo, Teoria do fato jurídico. Plano da existência, 159]. São exemplo desses atos os votos proferidos pela pessoa jurídica em assembleias de sociedades nas quais detenha participação. [V., a esse respeito, Giuseppe Sena, Il voto nella assemblea della società per azioni, 13 e ss. e Pinto Furtado, Deliberações dos sócios, 98 e ss.]. São outros exemplos a fixação de sua sede em determinado endereço ou a divulgação de fato relevante ao mercado. 3. Giorgio Oppo, Categorie contrattuali e statuti del raporto obbligatorio, 48. No original: “Il mercato – lungi dal sostituire il contratto – è fatto di contratti, i contratti nascono dal e nel mercato. Non si possono disciplinare gli uni indipendentemente dall’altro e viceversa; gli interessi che presiedono ai primi dagli interessi che fondano l’ordine del mercato”. 4. Roppo, Il contratto, 56. 5. Cf. Roy Goode, Il diritto commerciale del terzo millennio, 58 e ss. 6. O Codice Civile de 1942, em seu art. 2.082, define a empresa a partir do conceito individualista de empresário, colocando o foco não em sua interação com os outros agentes econômicos, mas em sua capacidade [isoladamente considerada] de organização dos fatores de produção. In verbis: “È imprenditore chi esercita professionalmente un’attività economica organizzata al fine della produzione o dello scambio di beni o di servizi”. Essa linha foi seguida pelo art. 966, caput de nosso Código Civil, que estabelece: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. 7. A frase encontra-se na abertura do livro de Paolo Gallo Contratto e buona fede. A importância quantitativa e qualitativa dos contratos explode nos últimos anos. Uma das razões é o pulular de direitos “especiais”, decorrentes do fenômeno da decodificação, estudado por Natalino Irti em sua clássica obra L’età della decodificazione. Sobre a importância dos contratos comerciais na economia, bem como para sua definição e princípios regentes, v. Fernando Araújo, Teoria económica do contrato e Marcia

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perspectiva monista, de maneira que o centro de atenção não recai em sua interação com outros agentes.8 É recorrente, na doutrina comercialista, a referência à “atividade”. Esta menção não visa a destacar a interação da empresa com outras e sim o desdobramento da série de atos praticados pelo empresário na organização dos fatores de produção. A própria definição de atividade, amplamente acolhida, propugna que ela constitui uma “série de atos [praticados pela empresa] unificados por um escopo comum”.9 Com isso, o ponto cardeal acaba voltado para o ente [que pratica atos], e não para suas relações com terceiros [celebração de contratos]. Se, à época em que foi talhada, essa visão era justificável pelo destaque à figura do empresário [= aquele que organiza], hoje pode ser considerada reducionista, pois não atribui o devido destaque ao indispensável perfil contratual do ente produtivo. O vencedor do prêmio Nobel de economia de 1978, Herbert Simon, propôs a seguinte imagem: se representássemos cada agente econômico por um quadrado e cada relação por uma linha, teríamos inúmeros quadrados, que se interligam por número incontavelmente maior de traços.10 Forma-se uma teia. Os riscos são as interações entre os atores do mercado, muitas das quais se traduzem em contratos empresariais. Empresa, contratos e mercado são conceitos indissociáveis.11 1.2 Negócios empresariais, negócios jurídicos e contratos no direito e na economia Embora o direito comercial não exija a certeza terminológica tradicional da dogmática civilista – pois a linguagem soberana é aquela empregada Carla Pereira Ribeiro e Irineu Galeski Junior, Teoria geral dos contratos. Contratos empresariais e análise econômica. 8. É possível reconhecer em Asquini compreensão estática do fenômeno empresarial. Entre os perfis da empresa que cunhou, nenhum dá relevo à sua relação com outros entes, debruçando-se, portanto, sobre a empresa isoladamente considerada. Entretanto, isso não significa que Asquini deixe de referir a atividade de troca desenvolvida pela empresa ou mesmo o desdobramento contratual de sua atividade. No entanto, a linha cardeal da análise repousa sobre a empresa e não sobre suas relações [Perfis da empresa, 109-26]. 9. Nicola Rondinone, Lattività nel codice civile, 13. 10. Organizations and markets, 27 e ss. 11. Sobre a definição de mercado, v. Paula A. Forgioni, Direito comercial brasileiro. Da mercancia ao mercado, 153 e ss.

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pelos comerciantes – vale a pena precisar alguns termos, cujo baralhamento mostra-se prejudicial. Contrato é “o negócio jurídico bilateral, ou plurilateral que sujeita as partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam”, ou seja, o negócio “cujo efeito jurídico pretendido pelas partes seja a criação de vínculo obrigacional de conteúdo patrimonial”, como sempre ensionou Orlando Gomes.12 Tecnicamente, o contrato é espécie de negócio jurídico que, na autorizada visão de Junqueira de Azevedo, traduz-se em “todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide”.13 Mas, na tradição do direito comercial, o termo “negócio” vem muitas vezes empregado no sentido de “transação” ou “negociação”. Trata-se, para Ferreira Borges, de “termo de conceito prático”, ligado a “qualquer operação mercantil”.14-15 De acordo com a linha comercialista, o “negócio mercantil” identifica-se com as operações feitas pelos comerciantes e que se corporificam em contratos. Empregamos, assim, a palavra “negócio”, no sentido de affare, em língua italiana, ou affair, na francesa; ou business, para os norte-americanos. Outra precisão terminológica que se faz necessária diz respeito ao sentido que a palavra “contrato” assume hoje para os economistas. De acordo com a noção transcrita por Williamson, contrato é “an arragement between two or more actors supported by reciprocal expectations and behaviour”.16 Na definição de renomados economistas brasileiros, o contrato é “[u]m acordo entre ofertante[s] e demandante[s], no qual os termos da troca são definidos”.17 Muitas vezes, os economistas referirão como contrato algo que, para os juristas, estabelece outro tipo de vínculo. Por exemplo, na literatura econômica é comum denominar “contrato” a relação entre administradores e acionistas das companhias – algo inconcebível para os juristas. “Assim, são 12. 13. 14. 15.

Contratos, 11. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 16. Diccionario juridico-comercial, 327. Cf., nesse sentido, os arts. 140, 165, 314 e 331 do Código Comercial de 1850 e o art. 1.º do Dec. 737, do mesmo ano. 16. The firm as a nexus of treaties: an introduction, 3. 17. Farina et alii, Competitividade, mercado, Estado e organizações, 283.

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considerados arranjos contratuais aqueles internos às firmas que definem as relações entre agentes especializados na produção, bem como os arranjos externos às firmas que regulam as transações entre firmas independentes, podendo ser estendidos para as transações entre o Estado e o setor privado [regulação]”.18 Para certos economistas, “a empresa [firm] é vista como um conjunto de contratos entre os fatores de produção, sendo cada um desses fatores motivado pelo autointeresse”.19 Em suma, economistas tendem a identificar a palavra “contrato” com qualquer “maneira de coordenar as transações” ou, ainda “todas as relações que criam vínculos de interdependência entre dois ou mais sujeitos”,20 adotando terminologia não coincidente com a jurídica. 1.3 As partes dos contratos empresariais O tráfico mercantil concretiza-se por meio dos contratos e, para compreender o funcionamento do mercado, devemos caminhar por esse enredado. Uma vez nele, emerge a questão: nessa teia, que papel cabe ao direito? Até que ponto ela é formatada e/ou formata o regramento jurídico que a disciplina? O primeiro passo para destrinçar essa articulação de relações é considerar que a empresa celebra contratos com as mais diversas categorias de agentes econômicos: consumidores, Estado, trabalhadores e assim por diante. A compreensão de seu perfil contratual passa pela classificação desses acordos conforme o sujeito que com ela se relaciona. Assim divisados vários grupos de contratos, percebe-se que cada qual assumirá características específicas e exigirá tratamento jurídico peculiar. A atenção do comercialista recai sobre os contratos interempresariais, ou seja, aqueles celebrados entre empresas,21 i.e., em que somente empresas fazem parte da relação. Ao assim proceder, identificamos os contratos empresariais com aqueles em que ambos [ou todos] os polos da relação têm sua atividade 18. Zylbersztajn e Sztajn, Direito e economia, análise econômica do direito e das organi­ zações, 104. 19. Eugene Fama, Agency problems and the theory of the firm, 289. 20. Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto e nell’economia, 57. 21. Atualmente, a maioria dos autores contrapõe duas categorias de contratos empresariais: aqueles celebrados com empresas e aqueles celebrados entre empresas. Nesse sentido, cf. Carlo Angelici, La contrattazione d’impresa, 188-9. Fábio Ulhoa Coelho identifica os contratos mercantis como os celebrados entre empresários [Curso de direito comercial, v. 3, 5].

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movida pela busca do lucro. Esse fato imprime viés peculiar aos negócios jurídicos entre empresários. Por mais incrível que possa parecer, esse método de análise da realidade do mercado descortina visão jurídica pouco usual entre nós, porquanto: [i] considera como objeto do direito comercial apenas os contratos celebrados entre empresas [ou contratos interempresariais, i.e., aqueles em que os partícipes têm sua atuação plasmada pela procura do lucro]; e [ii] coloca em relevo a necessidade do esboço de teoria geral que leve em consideração as peculiaridades dos contratos interempresariais no contexto do mercado [i.e, que visualize a empresa na teia contratual em que se insere e que ajuda a construir]. 1.4 Definição dos contratos empresariais. A exclusão dos contratos com consumidores Os contratos com consumidores [ou “B2C”, na terminologia estadunidense] não mais integram o direito comercial.22 A evolução e a consolidação do direito do consumidor como ramo autônomo em relação ao civil e ao comercial desautoriza a projeção dos contratos mercantis de forma ampla, como se ainda abrangessem todos “i rapporti pertinenti ad un’impresa”, na linha da doutrina tradicional.23 Outrora, do ponto de vista subjetivo, a presença de uma única empresa [ou comerciante] na relação bastava para atribuir comercialidade ao contrato;24 hoje essa qualificação25 requer que o vínculo jurídico seja estabelecido apenas entre empresas. 22. “Denomina-se contratos de consumo todas aquelas relações contratuais ligando um consumidor a um profissional, fornecedor de bens ou serviços” [Claudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 252]. 23. Ascarelli, Corso di diritto commerciale, 381. 24. O art. 191 do Código Comercial determinava que seria “considerada mercantil a compra e venda de efeitos móveis ou semoventes [...] contanto que nas referidas transações o comprador ou vendedor” fosse “comerciante”. 25. Trabalha-se com a ideia de “qualificação”, da qual sempre se socorreu o direito comercial para delimitação da chamada “matéria de comércio”. Explica Comparato que a definição da aplicação da legislação mercantil encerra problema de qualificação, “que é a definição de uma situação de fato perante o Direito, ou melhor, a sua identificação como o tipo ou modelo previsto como hipótese de incidência da norma” [A cessão de controle acionário é negócio mercantil?, 246].

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Inevitável a referência à discussão acerca da caracterização da pessoa jurídica como consumidora, para efeitos do art. 2.º do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe ser consumidor “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. O empresário ou a sociedade empresária, uma vez subsumidos à categoria de consumidor, estariam sujeitos ao código especial e à lógica específica do sistema consumerista, corporificada naquele diploma. O critério de diferenciação imposto pela letra da lei repousa na identificação da presença de um “destinatário final” na relação econômica/jurídica; ao fim e ao cabo, tudo reside em interpretar a expressão “destinatário final”, empregada pelo texto normativo. A doutrina fende-se em finalistas e maximalistas. Para os primeiros, não devem ser consideradas consumidoras as pessoas jurídicas que adquirem produtos ou serviços utilizados em sua atividade profissional.26 “[A] pessoa jurídica, para ser considerada consumidora, precisa adquirir bens ou serviços a latere de sua atividade empresarial, circunstância fundamental para que seja ela destinatária final e não simplesmente intermediária”.27 Os maximalistas, por sua vez, veem nas normas do CDC o novo regulamento geral do mercado brasileiro, destinado a abranger realidade mais ampla. Entendem que a caracterização da relação de consumo dá-se por meio da aquisição ou uso de bem ou serviço na condição de destinatário final de fato, por força de elemento objetivo, qual seja, o ato de consumo. 26. Nas palavras de Claudia Lima Marques, muito citadas pela jurisprudência nacional, para a corrente finalista “[d]estinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência, é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida ‘destinação final’ do produto ou serviço”. “[C]onsumidor não seria o profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável. Consideram que restringindo o campo de aplicação do CDC àqueles que necessitam de proteção, ficará assegurado um nível mais alto de proteção pa­ ra estes, pois a jurisprudência será construída em casos onde o consumidor era realmente a parte mais fraca da relação de consumo e não sobre casos em que pro­ fissionais-consumidores reclamam mais benesses do que o Direito Comercial já lhes concede” [Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 254]. 27. Newton de Lucca, Teoria geral da relação jurídica de consumo, 119.

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Para essa corrente, pouco importa se o bem será ou não empregado na atividade profissional ou se o adquirente tem sua vida marcada pelo escopo de lucro; ao invés, para assumir a classificação de “destinatário final”, interessa apenas que tenha retirado o bem da cadeia de consumo, utilizando-o ou exaurindo-o.28 Diante disso, a extensão a ser atribuída ao direito comercial brasileiro derivaria da interpretação do art. 2.º do Código do Consumidor. Teríamos simplesmente substituído o “ato de comércio” pelo “ato de consumo”? Em muitos aspectos, haveria mera reprodução de antiga discussão, quando indagávamos se a aquisição de víveres pelo comerciante para a subsistência de sua família, e não para o seu negócio, submetia-se às regras do direito comercial; falava 28. Em 2004, a 3.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em criticável decisão por maioria de votos, entendeu que “[a]quele que exerce empresa assume a condição de consumidor dos bens e serviços que adquire ou utiliza como destinatário final, isto é, quando o bem ou serviço, ainda que venha a compor o estabelecimento empresarial, não integre diretamente – por meio de transformação, montagem, beneficiamento ou revenda – o produto ou serviço que venha a ser ofertado a terceiros”. Em sentido contrário, colocava-se a linha de acórdãos que, acolhendo principalmente as lições de Newton de Lucca, entende que não devem ser submetidas ao CDC as relações que envolvem empresas adquirentes de bens empregados em seu processo produtivo. Como exemplo, destaque-se o REsp 264.126/RS, julgado em 8 de maio de 2001, com relatoria do Min. Barros Monteiro. Contudo, “desde 2005, o STJ definiu-se em favor da teoria finalista, no sentido defendido pela doutrina majoritária, que criticava a equiparação do empresário ao consumidor, por entender que desvirtuava a aplicação do CDC, idealizado para compensar a desigualdade na relação de consumo. O leading case é o REsp 541.867 da Segunda Seção do STJ. Afirma o texto, reiterado em várias ementas do Tribunal: “A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária” [rel. para acórdão Min. Barros Monteiro, DJU de 16.05.2005]. No entanto, o mesmo STJ, em diversos precedentes, adota a teoria finalista mitigada, a qual, nos dizeres da Corte: “admite a incidência do CDC, ainda que a pessoa física ou jurídica não seja tecnicamente destinatárias finais do produto ou do serviço, quando estejam em situação de vulnerabilidade diante do fornecedor” [STJ, AgRg nos EREsp 1331112, Corte Especial, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 02.02.2015]. Enfim, houve importante e significativa evolução, ainda que, em alguns casos, a mitigação possa dar margem à insegurança jurídica, na medida em que exige o exame da vulnerabilidade em cada caso concreto, diminuindo a previsibilidade de sua aplicação” [Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer, em texto inédito, fornecido pelo autor]. Sobre o tema, v. também Rodrigo Xavier Leonardo, Imposição e inversão do ônus da prova.

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-se, então – lembramo-nos todos – dos “atos de comércio por dependência ou conexão”.29 O baralhamento das fronteiras entre o direito comercial e o consumerista deriva de questão prática ligada [i] ao ônus da prova nos processos judiciais e [ii] ao foro competente para a propositura da ação contra o fornecedor. Quanto ao primeiro aspecto, o art. 373 do Código de Processo Civil de 2015 determina que “[o] ônus da prova incumbe [...] ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito” e “ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”. O Código do Consumidor, por sua vez, em seu art. 6.º, inciso VIII, sempre estabeleceu ser seu direito a inversão do ônus da prova “quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. Desse privilégio estariam excluídos os “não destinatários finais”, que seriam obrigados a comprovar suas alegações nos estritos termos do art. 373 do Código de Processo Civil. Contudo, deve-se considerar que o art. 373, § 1.º, do Código de Processo Civil abre a possibilidade de inversão do ônus da prova para hipóteses além daquelas de hipossuficiência da parte. Dessa forma, mostra-se cada vez menos necessário, para alcançar o benefício processual, “forçar” a interpretação equiparando o consumidor ao empresário. O foro privilegiado para os consumidores está previsto no art. 101, I, do Código do Consumidor. Dessa forma, advogar a aplicação do diploma especial, em muitos casos, significa possibilitar ao agente econômico defesa mais acessível e barata. Por essa razão prática, parte da doutrina tem se esmerado para fazer subsumir os pequenos empresários à categoria de consumidor, justificando a aplicação do art. 6.º, VIII, e do art. 101, I, do diploma consumerista. A confusão entre os contornos do direito comercial e do direito do consumidor pode comprometer a percepção dos fundamentos do primeiro. As matérias possuem lógicas diversas, de forma que a aplicação do Código do Consumidor deve ficar restrita às relações de consumo, ou seja, àquelas em que as partes não se colocam e não agem como empresa. Ao contrário, se o vínculo estabelece-se em torno ou em decorrência da atividade empresarial de ambas as partes, premidas pela busca do lucro, não 29. Consideravam-se submetidos ao direito comercial os atos praticados pelo comerciante para aviar sua atividade. É comercial “uma série de atos que o comerciante pratica não no exercício normal da sua profissão, mas em virtude ou no interêsse dêste exercício” [Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, 5. ed., v. I, 506].

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se deve subsumi-lo à lógica consumerista, sob pena de comprometimento do bom fluxo de relações econômicas.30 Isso não significa que o empresário em posição de sujeição ao poder do outro não seja digno de tutela. Todavia, essa proteção deverá se dar em conformidade com as regras e os princípios típicos do direito mercantil e não da lógica consumerista, incompatível com as premissas daquele sistema. Desenvolve-se a repressão ao abuso da dependência econômica no campo do direito antitruste e do direito contratual empresarial. 1.5 Contratos empresariais como categoria autônoma No Brasil, a expressão “contratos mercantis” nunca chegou a ser condenada ao ostracismo, pois vinha empregada pelo Código Comercial em seu Título V [“Dos Contratos e Obrigações Mercantis”]. A doutrina habituou-se a comentar cada um dos tipos contratuais mencionados nos arts. 140 a 286 do referido Código e, com as décadas, foi-lhes acrescentando outros que passaram a ser previstos na legislação esparsa ou talhados pela prática dos comerciantes. Nada muito além disso, pois a maioria dos autores não dedicava grande esforço ao tratamento dos contratos comerciais como categoria autônoma, regida por princípios peculiares, adaptados e esculpidos conforme a lógica de funcionamento do mercado. No máximo, algumas referências às evidentes especificidades dos negócios mercantis, desprezando-se talvez sua principal 30. Para Luiz Gastão Paes de Barros Leães: “quando a lei brasileira define como consumidor ‘toda pessoa física ou jurídica’ [à semelhança do que dispõem vários diplomas alienígenas] [...], há que distinguir os bens adquiridos pela empresa, a título de insumos, no exercício de sua atividade empresarial, dos bens adquiridos para uso pessoal ou privado – for private usance – do consumidor, à margem de sua atividade empresarial” [As relações de consumo e o crédito ao consumidor, 256]. Na mesma linha, Fábio Konder Comparato: “O consumidor é, pois, de modo geral, aquele que se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, os empresários. É claro que todo produtor, em maior ou menor medida, depende por sua vez de outros empresários, como fornecedores de insumos ou financiadores, por exemplo, para exercer a sua atividade produtiva; e, nesse sentido, é também consumidor. Quando se fala, no entanto, em proteção do consumidor quer-se referir ao indivíduo ou grupo de indivíduos, os quais, ainda que empresários, se apresentam no mercado como simples adquirentes ou usuários de serviços, sem ligação com a sua atividade empresarial própria. [...] [É] nessa perspectiva que faz sentido falar-se em proteção do consumidor” [A proteção do consumidor: importante capítulo do direito econômico, 477].

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característica moderna: nos contratos empresariais, ambas [ou todas] as partes têm no lucro o escopo de sua atividade. Essa postura doutrinária reflete a realidade que circundava nossos autores: as regras especiais dos contratos mercantis contidas nos arts. 121 a 139 foram sendo sombreadas pela supressão de institutos como o “arbitramento”, pelo advento do Código Civil e pela edição de regras que suplantaram a dicotomia de jurisdições e as diferenças entre os processos civis e comerciais. Além disso, as dissonâncias específicas entre contratos civis e comerciais foram sendo limadas, restando poucas aparas, de importância mitigada. Mesmo antes da entrada em vigor do atual Código Civil, a doutrina brasileira encontrava dificuldade para classificar os negócios entre civis e comerciais; como admite Bulgarelli, “a distinção, na prática, entre os contratos civis e mercantis perdeu muito da sua importância inicial, com a unificação da Justiça [...]”.31 Assim, a necessidade de distinção advinha das “diferenças no tratamento de certos contratos por ambos os códigos”32-33 e não de questões 31. Contratos mercantis, 38. A mesma observação é feita por Waldemar Ferreira [Tratado de direito comercial, v. 8, 10]. 32. Contratos mercantis, 38. 33. Inglez de Souza, de acordo com a realidade de seu tempo, destaca ser uma das principais diferenças entre os contratos civis e os comerciais o fato que “os contractos commerciaes se podem provar por qualquer genero de prova”. “Em resumo: as distincções capitaes entre os contractos civis e commerciaes são: 1.º o caracter de solidariedade de todas as obrigações mercantis collectivas. 2.º o caracter de onerosidade de todas as obrigações. 3.º a simplificação das formalidades que retardam a perfeição dos contractos, ficando, em regra, reduzidas ao simples accordo das vontades. 4.º a simplificação da prova” [Prelecções de direito commercial, 121]. Vê-se, assim, que, em exercício de comparação, os contratos comerciais são definidos a partir de suas diferenças em relação aos contratos civis [a exceção está em Cairu, que trata os contratos mercantis sem esse foco]. Esse método de análise será seguido por toda a doutrina brasileira. Carvalho de Mendonça, o comercialista, faz repousar a ênfase da distinção nos atos de comércio. “Contrato comercial é aquêle que tem por objeto ato de comércio”, remetendo as especialidades de sua teoria geral à clássica distinção entre direito civil e direito comercial [Tratado de direito comercial brasileiro, v. VI, parte I, 449]. Waldemar Ferreira vê-la no critério da “profissionalidade de um, se não dos dois contratantes”. As peculiaridades dos contratos comerciais residiriam [i] na “simplicidade das fórmulas” e [ii] na existência de “outros contratos que o tráfico mercantil tornou necessários” [Tratado de direito comercial, v. 8, 9]. Descartes Drummond de Magalhães, fortemente influenciado por Inglez de Souza, entende que as peculiaridades dos contratos comerciais estão, principalmente, na solidariedade, na onerosidade, na simplificação dos meios de prova e na dispensa de certas formali-

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materiais. Destaca Fran Martins, “[r]egem a matéria das obrigações, de modo geral, as normas do direito civil”. Nessa linha, Teixeira de Freitas sustentava que as disposições gerais referentes aos contratos mercantis, constantes do Título V do Código Comercial, “forão só motivadas pela pobrêza do nosso Direito Civil Patrio34 [...], e não porque – para os contractos em geral – hajão, ou devão havèr, disposições excepcionaes no Direito Commercial. A prova está, em que são do Direito Civil todas as disposições dos arts. 121 á 139, impostas no Cod. como de Direito Commercial pelas costumadas exagerações dos aspectos parciaes. [...] De taes exagerações, aliás destinadas ao bem das excepções do Direito Commercial, resulta mal para as interpretações do Direito Civil, tirando-se-lhe o que lhe-pertence, e minando-se-lhe as bases de sua constante applicação”.35 Comparato chega a afirmar: “[t]emos, pois, que não há, propriamente, contraposição de dois sistemas jurídicos distintos, em matéria de obrigações: o do Código Civil e o do Código Comercial. O que há é um só sistema, no qual os dispositivos do Código de Comércio aparecem como modificações específicas das regras gerais da legislação civil, relativamente às obrigações e contratos mercantis. A duplicidade legislativa aparece, tão só, no que tange a essas regras de exceção, dentro do sistema global”.36 Por fim, Waldemar Ferreira: “não difere, com efeito, essencialmente, a obrigação comercial da civil. Não se distingue a relação jurídico-comercial de qualquer outra. A essência é sempre a mesma”.37 O problema é que a unificação do direito das obrigações trouxe consigo o descaso pela teoria geral dos contratos mercantis.38 Uma vez que coincidiam os regimes das obrigações civis e comerciais, não haveria mesmo razão para estudar em separado os dois grupos de contratos, buscando singularidades no

34. 35. 36. 37. 38.

dades [Curso de direito comercial, 61]. Na sua esteira, são as lições de Alfredo Russell [Direito commercial, 353 e ss.]. Additamentos ao Codigo de Commercio, publicado em 1878, muito antes da promulgação do primeiro Código Civil brasileiro. Teixeira de Freitas, Additamentos ao Codigo do Commercio, v. I, 522. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, 251. Waldemar Ferreira, Instituições de direito comercial, v. 3, 12. Um dos manuais de direito comercial mais difundidos no Brasil, o Curso de direito comercial de Rubens Requião, não contém capítulo referente aos contratos mercantis. Igualmente, o Tratado elementar de direito commercial de Spencer Vampré e o Curso de direito comercial terrestre de João Eunápio Borges.

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funcionamento e na disciplina de cada um deles. Justificava-se, tão somente, o estudo individual dos tipos contratuais. Esse foi o caminho trilhado pela doutrina. Com o passar do tempo, à medida que eram desgastadas as poucas diferenças que ainda restavam entre os regramentos, menor se fazia a preocupação com a sistematização de uma teoria geral dos contratos mercantis. Na Itália, por longo período, a teoria geral dos contratos comerciais restou estagnada e a própria existência dos contratos mercantis chegou a ser contestada.39 A edição do Código de 1942 “fez com que, por longo tempo, a doutrina dominante tenha entendido não ser compatível com a nova disciplina do código uma distinção entre contratos civis e contratos comerciais”.40 Até hoje, assinala Salvatore Monticelli, os contratos empresariais não costumam ser reconhecidos como categoria autônoma41 por boa parte dos autores peninsulares. Arthuro Dalmartello, em pioneira obra editada em 1958, lutava para comprovar que os contratos comerciais continuavam a existir, não obstante a unificação de 1942.42 Sobre essa obra foi dito que “desafiou toda a doutrina privatista”, que, após a unificação, havia “sepultado os contratos comerciais”.43 39. Cf. Giorgio Oppo, Principi e problemi del diritto privato, 204. Na Argentina, sustenta Etcheverry que “[e]l contrato de empresa no existe como categoría típica contractual, pues en torno de la empresa se producen actos y contratos de organización, contratos internos y de explotación, contratos externos entre el empresario y outro empresario o entre el empresario y el consumidor. La organización empresaria exceed el campo unicontractual” [Contratos asociativos, negocios de colaboración y consorcios, 94]. 40. “[H]á fatto si che per lungo tempo la prevalente dottrina abbia ritenuto non compa­ tibile con la sopravvenuta disciplina del codice [...] una distinzione tra contratti ci­ vili e contratti commerciali” [Salvatore Monticelli e Giacomo Porcelli, I contratti dell’impresa, 1]. 41. “[...] la stessa locuzione ‘contratti commerciali’ è stata per decenni espunta del ­lessico giuridico anche in funzione meramente descrittiva; al raggruppamento, anche ­laddove ridenominato com l’adozione dell’espressione ‘contratti d’impresa’, è stato negato spazio e considerazione nelle enciclopedie giuridiche e nei repertori, negli indici dei manuali tanto ti diritto privato che di diritto commerciale” [I contratti dell’impresa, 1]. Em idêntico sentido, Leopoldo Sambucci, Il contratto dell’impresa, 1 e Buonocore, Contrattazione d’impresa e nuove categorie contrattuali, “Premessa”. Salienta este último autor que, por anos, a locução “contratos comerciais” foi expulsa do léxico jurídico, como se pode comprovar pela ausência do verbete nas enciclopédias jurídicas [exceção feita à Treccani], repertórios e, até pouco tempo, nos índices dos manuais e direito privado e até mesmo de direito comercial [xxi]. 42. Cf. I contratti delle imprese commerciali, 3-31. 43. Buonocore, Contrattazione d’impresa e nuove categorie contrattuali, “Premessa”, xix.

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Somente nos últimos anos a Itália vê renascer o interesse pelos contratos mercantis. Premidos pela influência do Codice Civile e pela centralidade do conceito de empresário, os doutrinadores abrigam os contratos interempresariais e os consumeristas na mesma categoria [“contratti dell’impresa” ou “contratti commerciali”], ainda que reconhecendo as diferenças entre eles. A obsessão pelo epicentrismo da empresa, e certa preocupação com a perda de importância da matéria, talvez ajudem a explicar a tentativa italiana de atrair para a órbita do direito comercial contratos que, a toda evidência, dele se despregaram.44-45 Essa postura [na Itália e entre nós] causa embaraço ao estudo sistemático dos contratos comerciais; no campo do direito mercantil, é impossível construir teoria geral que explique princípios e institutos assim diversos. Como resultado, de duas uma: [i] ou se edifica teoria que confunde e embaralha as fronteiras de institutos diversos;46 ou [ii] recorre-se à dogmática civilista – encarregada de sistematizar a teoria geral dos negócios jurídicos. Perde-se a oportunidade de trazer à luz uma teoria geral efetiva dos contratos mercantis, que explique suas peculiaridades e seu funcionamento, calcada na realidade do quotidiano. 44. Como exemplo dessa postura que assume como “dado unificante o conceito de empresa”, cf. Astolfo di Amato, Interpretazione dei contratti d’impresa, 11 e ss. 45. Outro fator que talvez explique a recusa italiana de considerar os contratos com consumidores independentemente dos contratos comerciais seria o mais tardio desenvolvimento da doutrina consumerista. Em 1995, quando, no Brasil, o direito do consumidor era forte realidade, Buonocore afirmava sobre o contexto italiano: “Perché quello della tutela dei consumatori, contrariamente a quanto possa apparire ad un osservatore superficiale, è ancora un tema esclusivamente riservato al dibattito degli addetti ai lavori e non è ancora entrato in quello che io chiamerei il patrimonio comune e visibile del diritto civile”. Segue, explicando que “solo una sparuta minoranza degli indici analitici” de “pregevolissime opere” sobre instituições do direito privado continham o item “consumidor”. “E potrebbe essere questa una veniale omissione dei compilatori, se all’assenza del termine non corrispondesse anche o un’assenza di trattazione del tema oggetto della nostra considerazione o, comunque, una trattazione assai episodica e fuggevole di esse, condotta sopratutto sotto la specie della responsabilità del prodotto difettoso” [Vicenzo Buonocore, Contratti del consumatore e contratti d’impresa, 2-3]. 46. Buonocore pergunta-se, “con qualche plausibilità e con tutta la prudenza del ca­ so”, se a disciplina especial [do consumidor] não teria erodido a disciplina geral e monolítica do contrato a ponto de legitimar uma dicotomia de categorias de contratos, “e cioè quella dei contratti del consumatore e quella dei contratti d’impresa” [Contrattazione d’impresa e nuove categorie contrattuali, 189].

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Na França, embora exista um Código Comercial, o cenário não se mostra muito diferente do brasileiro. Não se nega a existência da categoria dos contrats commerciaux, mas para explicá-la os autores, no mais das vezes, limitam-se a fazer uso da doutrina dos atos de comércio ou a lançar mão dos argumentos que tradicionalmente justificam a autonomia do direito comercial.47 Diz-se que os contratos mercantis estão sujeitos a regramento diverso por conta das exigências de simplicidade, celeridade e de crédito, típicas do direito empresarial.48 Ressaltou-se que direito comercial e direito do consumidor são regidos por princípios peculiares diversos, submetendo-se a lógicas apartadas. É preciso, então, distinguir as duas espécies de contratos para impedir a indevida aplicação de princípios de um ramo do direito a outro, comprometendo o bom fluxo de relações econômicas. Torna-se premente resgatar os contratos comerciais para impedir sua absorção pelo consumerismo e o aviltamento da racionalidade própria ao direito empresarial. A grande discussão que, no passado, centrava-se na diferenciação entre contratos civis e mercantis, hoje assume nova feição. O direito do consumidor aflorou como ramo independente, sujeito às especificidades [ou princípios peculiares] que lhe dão forma e conteúdo, tais como a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo e o “direito de não ser explorado”.49-50 Paradoxalmente, a consolidação do direito do consumidor tem levado os contratos comerciais à sua “redescoberta” como categoria autônoma, merecedora de tratamento peculiar e distinto das regras gerais do direito civil e do direito consumerista. 47. Cf., a título exemplificativo, Leon Lacour, Précis de droit commercial, 214 e ss. Na mesma linha, Germain Brulliard e Daniel Laroche, Précis de droit commercial, 191. O primeiro ponto destacado por esses autores, na esteira da doutrina tradicional, é a aplicação aos contratos comerciais das regras gerais do Código Civil francês, notadamente aquelas referentes à existência e à validade dos negócios, seus efeitos e modos de extinção. Seguem, afirmando que as regras particulares dos contratos comerciais “se justifient par les raisons mêmes qui expliquent l’existence d’un droit commercial distinct du droit civil et qui peuvent se résumer em deux mots: rapidité et sécurité”. 48. Cf. Jean Escarra, Manuel de droit commercial, 577. 49. Bulgarelli, Contratos mercantis, 24. 50. Para explicação dos vetores do direito do consumidor, cf. Antonio Herman Benjamin, O direito do consumidor.

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A matéria incorpora, assim, nova e importante tripartição: [i] contratos civis; [ii] contratos com consumidores; e [iii] contratos comerciais.51-52 Essa ideia foi esboçada entre nós por Waldírio Bulgarelli, ainda na década de 80: “Há, portanto, [...] de se distinguir hoje entre os contratos comuns, firmados entre particulares, de igual ou equivalente posição econômica, dos contratos entre empresas, e dos contratos dos particulares com as empresas, sendo estes últimos, o alvo especial do chamado direito do consumidor, que só agora começa a despontar entre nós”.53 Antônio Junqueira de Azevedo indica que os contratos apartam-se entre “contratos empresariais” e “contratos existenciais”, que incluem os contratos de consumo, contratos celebrados para viabilizar a subsistência da pessoa humana, compra da casa própria, contratos de trabalho e locações residenciais. “Essa nova dicotomia é, a nosso ver, a verdadeira dicotomia contratual do séc. XXI”. Trata-se de sistematização tão funcional para o nosso século quanto foi no século passado a distinção entre os contratos paritários e os contratos de adesão.54 1.6 O escopo de lucro presente em todos os seus polos como marca e guia dos contratos empresariais O diferenciador marcante dos contratos comerciais reside no escopo de lucro de todas as partes envolvidas, que condiciona seu comportamento, sua “vontade comum” e, portanto, a função econômica do negócio, imprimindo-lhe dinâmica diversa e peculiar. Por um lado, o contrato, singularmente considerado, perfaz determinada operação econômica. Porém, quando imerso na empresa, revela-se como 51. “Alla distinzione tra contratti commerciali e contratti civili [...] sembra avvicendarsi perlomeno una tripartizione: che corre dai contratti civili a quelli commerciali passando atraverso i contratti dei consumatori” [Fabrizio di Marzio, Verso il nuovo diritto dei contratti, 4]. 52. “‘[I]l contratto del consumatore’ – inteso come contratto fra un consumatore e un operatore economico professionale, relativo all’acquisto di beni o servizi forniti da quest’ultimo – emerge come categoria autonoma e significativa del diritto contrattuale. Questo è um dato acquisito ovunque, e da tempo” [Vincenzo Roppo, Il contratto del duemila, 26]. 53. Contratos mercantis, 24. 54. Natureza jurídica do contrato de consórcio [sinalagma indireto]. Onerosidade excessiva em contrato de consórcio. Resolução parcial de contrato, 356.

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parte ou manifestação da atividade do ente produtivo. Assim, é inegável o impacto da atividade da empresa sobre cada um dos negócios por ela encetados.55-56 Dizemos que a “natureza e o espírito do contrato” comercial são condicionados pela “vontade comum” das partes, direcionada que é pelo escopo de lucro que grava cada uma delas. Nos contratos consumeristas, essa luta pelo lucro recai apenas sobre uma das partes [a empresa fornecedora]; nos civis, pode inexistir [como no caso da doação] ou aparecer de forma esporádica e mitigada em um dos polos que se aproveitará economicamente do evento [locação, por exemplo]. De qualquer forma, mesmo nessas hipóteses, o escopo econômico não marca o contrato de forma tão incisiva como nos casos comerciais, pois a parte não tem sua atividade, toda ela, voltada para o lucro, como ocorre com as empresas e sua atividade profissional. O moto da empresa é diverso daquele do proprietário de um imóvel que o aluga; enquanto toda a existência da primeira justifica-se pelo fim lucrativo, o proprietário, embora deseje obter vantagem econômica do negócio, não tem nisso sua razão de ser. 1.7 Uma necessária digressão histórica: os cismas das categorias contratuais e a consolidação dos contratos empresariais É conhecida a afirmação de Ascarelli no sentido de que o direito comercial é uma categoria histórica e não ontológica.57 Assim, “a sua razão de ser perante o direito civil não pode repousar sobre critérios lógicos, mas sobre critérios históricos”.58 Somente podemos entender a essência do direito mercantil se encararmos as razões históricas de seu nascimento, i.e., a gênese de seus “princípios peculiares”, de sua “especificidade intrínseca”.59 55. “[I]l contratto, pur destinato a regolare un singolo e specifico rapporto, rappresenta anche uno dei momenti nei quali si realizza la più complessa attività dell’impresa: da ciò, almeno potenzialmente, un’influenza su di esso del modo in cui questa attività è stata programmata dall’imprenditore” [Carlo Angelici, La contrattazione d’impresa, 190-1]. 56. Daí dizermos que o fim imediato das contratações é a satisfação das necessidades econômicas das empresas, enquanto que o escopo máximo delas é sempre o lucro. 57. Cf. Corso di diritto commerciale, 79. 58. La funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto commerciale, 4. 59. “È sempre solamente da un punto di vista storico, e cioè in relazione alle diverse esigenze dei singoli momenti storici, che si può comprendere l’autonomia successivamente rivendicata dal diritto del lavoro, dal diritto industriale, dal diritto agrario. Diritti speciali tutti e che anch’essi si contraddistinguono per comprendere insieme

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O método de análise sugerido por Ascarelli é indispensável para a real compreensão da categoria dos contratos comerciais; seu reconhecimento como categoria independente exige que sejam tomados em perspectiva histórica. Sem embargo das interessantes e atuais discussões sobre a existência de direito comercial em Roma,60 sigamos as lições de Goldschmidt61 e admitamos que apenas por volta do século XII o direito mercantil solidificou-se como ramo autônomo.62 Se antes todos os contratos estavam sujeitos à disciplina civilista – baseada no direito romano –, aqueles comerciais começam a dela desprender-se, assumindo regras [e jurisdição] próprias. O surgimento do direito comercial faz com que os negócios mercantis sejam apartados dos demais. Tem-se um primeiro cisma, que faz nascer a clássica dicotomia do direito privado: direito civil e direito comercial. A revolução industrial traz a afirmação do dogma do livre mercado e também reações causadas pela primazia dessa lógica. No final do século XVIII, haviam se solidificado os princípios liberais enformadores da generalidade dos contratos: individualismo, liberdade de contratar e presunção de igualdade entre as partes.63 O mercado se faz possí-

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norme di diritto pubblico e di diritto privato, per avere, quali diritti speciali, una esistenza che é storicamente determinata, per comprendere um ambito che è a volte a volte diverso” [La funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto commerciale, 5]. Cf., sobre a existência do direito comercial em Roma, Pietro Cerami e Aldo Petrucci, Lezioni di diritto commerciale romano; Feliciano Serrao, Impresa e responsabilità a Roma nell’età commerciale; Pietro Cerami, Andrea di Porto e Aldo Petrucci, Diritto commerciale romano. Storia universale del diritto commerciale, 60 e ss. “Un sistema speciale del diritto marittimo e del diritto commerciale fu invece crea­ zione italiana nella primavera della nostra civiltà comunale [Tullio Ascarelli, La funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto commerciale, 3]”. No mesmo sentido, praticamente a totalidade da doutrina italiana e brasileira. A lição de Orlando Gomes há de ser sempre lembrada: “A moderna concepção do contrato como acordo de vontades por meio do qual as pessoas formam um vínculo jurídico a que se prendem se esclarece à luz da ideologia individualista dominante na época de sua cristalização e do processo econômico de consolidação do regime capitalista de produção. O conjunto de ideias então dominantes, nos planos econômico, político e social, constituiu-se em matriz da concepção do contrato como consenso e da vontade como fonte de efeitos jurídicos, refletindo-se nessa idealização o contexto individualista do jusnaturalismo, principalmente na superestimação do papel do indivíduo. O liberalismo econômico, a ideia basilar de que todos são iguais perante a lei e devem ser igualmente tratados e a concepção de que o mercado de

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vel porque o sistema jurídico presume a igualdade dos contratantes que, no exercício de sua liberdade, estabelecem trocas entre si. “O contrato surge como uma categoria que serve a todos os tipos de relações entre sujeitos de direito e a qualquer pessoa independentemente de sua posição ou condição social”, explica Orlando Gomes.64 Mas o funcionamento do mercado liberal gera disfunções [efeitos autodestrutíveis, “falhas”, “externalidades negativas”], que levam à desestabilização do sistema. Daí o inteligente arranjo implementado pelo direito, intervindo para neutralizar e evitar crises. A proteção dos “direitos sociais” dos trabalhadores mostra-se imperativo para perpetuar o tráfico mercantil. O “interesse geral do comércio” exige que o fator trabalho continue desempenhando seu papel no processo produtivo, dando seguimento ao processo de acumulação de capital. A relação entre patrão e empregado – i.e., entre empresa e empregado – deve ser isolada e tratada de maneira especial, arrefecendo, de certa forma, os princípios liberais do tráfico.65 Exige-se que os negócios jurídicos com empregados passem a obedecer a princípios peculiares, que reconheçam e lidem com a hipossuficiência do trabalhador. Há um “particularismo do negócio jurídico capitais e o mercado de trabalho devem funcionar livremente em condições, todavia, que favorecem a dominação de uma classe sobre a economia considerada em seu conjunto permitiram fazer-se do contrato o instrumento jurídico por excelência da vida econômica” [Contratos, 7]. 64. Orlando Gomes, Contratos, 7. 65. Para Ascarelli: “Il superamento del liberalismo e dell’individualismo economico è oggi ovunque nella realtà delle cose. Nel diritto privato è stato naturalmente innazi tutto nel diritto del lavoro che, fin dalla fine del secolo XIX, la concezione liberale e individualista è stata sottoposta a uma critica serrata ed a trasformazioni profonde” [La funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto commerciale, 8]. No mesmo sentido, Cesarino Júnior: “É lugar comum nas obras de direito do trabalho a afirmação de que o individualismo, proprio da Revolução francêsa, proclamando a igualdade, a liberdade contratual entre o patrão e o operario, havia apenas garantido a êste [...] o direito de... morrer de fome. Com efeito, a desigualdade das condições econômicas dos dois contratantes, se traduzia sempre ou quase, na aceitação pela parte mais fraca, o operário, das condições danosas que lhe eram impostas pelo mais forte, o patrão, que podia esperar o empregado que se sujeitasse ás suas imposições, enquanto o operario, não dispondo de outros recursos que não a sua força de trabalho, devia sujeitar-se a aceitar as condições propostas, por mais bronzeas que fossem. Daí, naturalmente a necessidade de uma legislação especial, a atual legislação social, feita, como acentuou notavel civilista, com a preocupação de proteger a parte mais fraca” [Natureza jurídica do contrato individual de trabalho, 30].

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básico regulado pela legislação do trabalho [que] justifica as inovações nos métodos, nos critérios e na própria técnica que distinguem o Direito do Trabalho do direito comum”.66 No Brasil, o apartar das relações trabalhistas assume traços característicos, derivados da resistência liberal. Relata-se o veto presidencial a leis que, no início da República, procuraram garantir alguns direitos aos trabalhadores: “Segundo o princípio de igualdade perante a lei, a locação de serviço agrícola deve ser regulada pelos princípios de direito comum e não por um regime processual e penal de exceção. Nas sociedades civilizadas a atividade humana se exerce em quase todas as formas sob o regime do contrato. Intervir o Estado na formação dos contratos é restringir a liberdade e a atividade individual nas suas mais elevadas e constantes manifestações, é limitar o livre exercício das profissões, garantidas em toda a sua plenitude pela [...] Constituição. O papel do Estado nos regimes livres é assistir como simples espectador à formação dos contratos e só intervir para assegurar os efeitos e as consequências dos contratos livremente realizados. Por essa forma, o Estado não limita, não diminui, mas amplia a ação da liberdade e da atividade individual, garantidos os seus efeitos. [...] O trabalho humano foge sempre à regulamentação, procurando pontos onde ele pode exercer-se livremente”.67 De início, as relações entre capital e trabalho eram disciplinadas pelo Código Civil de 1916 como locação de serviços [art. 1.216 e seguintes].68 A ideia base calca-se no liberalismo, pressupondo que as partes, inclusive o empregado, disporiam de liberdade para negociar/aceitar os termos contratuais.69 66. Orlando Gomes e Elson Gottschalk, Curso de direito do trabalho, XIII. Esses autores identificam em dois pontos as especificidades da relação jurídica nuclear do direito do trabalho: [i] o predomínio do fator humano que origina, para uma das partes, dependência pessoal e [ii] o impacto dessa relação no sistema econômico globalmente considerado, “tornando-se algo mais do que um simples vínculo entre duas pessoas” [XII]. 67. Arnaldo Süssekind, Délio Maranhão e Segadas Vianna, Instituições de direito do trabalho, 57-8. 68. Havia poucas leis protetivas, relatadas por Arnaldo Süssekind, Délio Maranhão e Segadas Vianna, Instituições de direito do trabalho, 58 e ss. 69. Orlando Gomes e Elson Gottschalk afirmam que a matéria recebeu, no Código Civil, “um tratamento no puro estilo clássico romanista” [Curso de direito do trabalho, 7].

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Em 1938, ainda se noticiava a incipiência da proteção trabalhista no Brasil e a ausência do reconhecimento do “contrato de trabalho”.70 Mas aos poucos se estabelece entre nós a concepção da “hipossuficiência” do trabalhador, na expressão que se acredita cunhada por Cesarino Júnior.71 A legislação especial assiste, a partir dos anos trinta, a uma “intensificação febril” e à adoção da regulamentação internacional do trabalho, sob os auspícios da Organização Internacional do Trabalho [OIT].72 A influência da obra de Hauriou, com sua teoria das instituições, é marcante.73 Merece incontestável destaque a promulgação da CLT, quando a empresa é identificada com o empregador. Ao primeiro grande cisma dos contratos mercantis, sucede um segundo: decotam-se os contratos trabalhistas, firmando nova categoria autônoma. Seguindo no tempo, a preservação do mercado exige que seja conferida proteção especial aos consumidores. Em sua essência, o movimento que então se verifica não difere daqueles que relatamos: mais uma vez, ocorre a separação de um conjunto de relações econômicas, porque assumem funcionamento peculiar. A esses negócios [contratos consumeristas] é impressa lógica diversa, apartada daquela do corpo da qual se desprendeu.74

70. 71.

72. 73.

74.

No mesmo sentido, Cesarino Júnior destaca que a própria expressão “locação de serviços” é mera tradução da locatio ou conductio operarum do direito romano [Natureza jurídica do contrato individual de trabalho, 18]. Cesarino Júnior, Natureza jurídica do contrato individual de trabalho, 23 e ss. “Aos não proprietários, que só possuem sua fôrça de trabalho, denominamos hipossuficientes. Aos proprietários, de capitais, imóveis, mercadorias, maquinaria, terras, chamamos auto-suficientes. Os hipossuficientes estão, em relação aos auto-suficientes, numa situação de hipossuficiência absoluta, pois dependem, para viver e fazer sua família, do produto de seu trabalho. [...] Há uma troca entre os bens excedentes dos ricos e os serviços dos pobres. O lugar em que geralmente se opera esta troca é a emprêsa [...]. [...] A hipossuficiência absoluta se caracteriza pelo fato de o indivíduo depender do produto do seu trabalho para manter-se e à sua família” [Direito social brasileiro, 25-6]. Os diplomas mais relevantes desse período e sua disciplina constitucional são anotados por Orlando Gomes e Elson Gottschalk, Curso de direito do trabalho, 7. “As grandes linhas dessa teoria são as seguintes: uma instituição é uma ideia de obra ou empresa que se realiza e dura juridicamente em um meio social; para a realização dessa ideia, organiza-se um poder que avia os órgãos necessários; de outra parte, entre os membros do grupo social interessado na realização da ideia, produzem-se manifestações de comunhão dirigidas por órgãos de poder e regradas por procedimentos” [La teoría de la institución y de la fundación, 39-40]. Retomemos a lição de Antonio Herman de V. Benjamin: “A adaptação de soluções do ‘liberalismo clássico’, produzidas em uma realidade econômica inteiramente diversa da atual, deixou de levar em conta que ‘fenômenos de massa’ não comportam remé-

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Todos esses cismas e rearranjos são realizados [pelo Direito] em torno do status das partes. Os contratos mercantis despregam-se do direito comum porque deles participa um comerciante; os trabalhistas, porque envolvem empregado e os consumeristas porque na relação há consumidor. As interações e iterações que acontecem no mercado hão de ser agrupadas segundo os sujeitos que delas participam, pois é em virtude deles que as relações jurídicas acomodar-se-ão em torno de princípios comuns. Ou seja, na ordem jurídica do mercado, as relações são disciplinadas de acordo com o “status” das partes.75 Na atualidade, apenas as relações interempresariais submetem-se ao parâmetro mercantil. dios individualistas, alicerçados em ideias sem qualquer conexão com a sociedade de consumo. Princípios como os da liberdade contratual, da liberdade de comércio, da não intervenção do Estado no gerenciamento do mercado, da responsabilidade do fornecedor apenas por culpa, assim como as normas rígidas de legitimidade ad causam e de prova, foram formulados para regrar relações sociais de feições diversas da relação de consumo. [...] Mas por que esse despertar legislativo? Primeiro porque o surgimento da sociedade de consumo propiciou o aparecimento de relações jurídicas antes desconhecidas. Ou, se preferirem, permitiu o aparecimento de ‘formas de manifestação’ singulares para as relações jurídicas clássicas [compra e venda, locação, mútuo]. Em segundo lugar, a mesma sociedade de consumo, pela massificação de suas relações e pelo fortalecimento da empresa, criou uma situação de ‘vulnerabilidade’ para o consumidor” [O direito do consumidor, 49-50]. 75. É inegável a tendência, referida pela melhor doutrina italiana, da consideração do status das partes pelo ordenamento jurídico para fins da disciplina das relações das quais participam. Por exemplo, Buonocore: “[...] la prima linea di tendenza, che meglio sarebbe considerare come pressupposto generale di tutte le costatazioni che seguiranno, è, dunque, quella dell’emergere nella legislazione speciale di una disciplina diferenziata dei contratti, indotta dalla qualità, o, se si vuole, dallo status delle parti”. E, mais adiante: “É stata, però, la legislazione speciale a dare novella, e decisiva, rilevanza – direta o indiretta – allo status delle parti contraenti, dettando una disciplina differenziata rispetto a quella generale dei contratti contenuta nel codice civile: l’aspetto fortemente innovativo dei provvedimenti sta sia nella circostanza che tale disciplina differenziata non riguarda un singolo rapporto ma la generalità dei contratti stipulati da un imprenditore o comunque gruppi omogenei di contratti, sia nella circostanza [...] che nei nuovi provvedimenti viene presa in considerazione e disciplinata non solo la posizione dell’imprenditore, e cioè il contraente ‘forte’, ma anche quella dell’‘altro contraente’, e cioè l’interfaccia dell’imprenditore” [Contrattazione d’impresa e nuove categorie contrattuali, 120]. Para complementação da ideia do autor, v. Ainda “Contratti del consumatore e contratti d’impresa”, especialmente 20 e ss. Mais recentemente, Guido Alpa, analisando a realidade da disciplina da União Europeia sobre os contratos, afirma: “dobbiamo distinguere allora i contratti tra imprenditori [o professionisti], e i contratti conclusi con i consumatori” [Il contratto in generale, 577].

2 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS Sumário: 2.1 Por que classificar? Classificação tradicional dos contratos e a necessidade de novas categorias – 2.2 Quanto ao grau de vinculação futura entre as partes: contratos instantâneos [“spot”], híbridos e societários – 2.3 Quanto ao grau de positivação: contratos típicos, atípicos e socialmente típicos: 2.3.1 A criação dos contratos socialmente típicos pela prática de mercado; 2.3.2 Cláusulas socialmente típicas – 2.4 Quanto à abrangência do objeto: contratos-quadro e contratos satélite – 2.5 Quanto ao grau de ligação: contratos coligados e contratos independentes – 2.6 Quanto ao grau de complexidade: contratos simples e contratos complexos – 2.7 Quanto ao grau de completude do regramento: contratos completos e incompletos. Existem contratos completos? – 2.8 Quanto ao interesse principal da parte no contrato: contratos de prestação e contratos de relação [ou contratos relacionais] – 2.9 Quanto ao tipo de negociação que lhes dá origem: contratos de adesão e contratos negociados – 2.10 Quanto ao grau de poder econômico das partes: contratos paritários e contratos em que há situação de dependência econômica: 2.10.1 Contratos aos quais a dependência econômica é inerente; 2.10.2 Contratos em que o grau de dependência econômica aumenta durante sua execução – 2.11 Quanto à ligação a contratos celebrados entre terceiros: contratos isolados e contratos em rede.

2.1 Por que classificar? Classificação tradicional dos contratos e a necessidade de novas categorias Classificações não são corretas ou incorretas e sim úteis ou inúteis.1 Emergem da necessidade de organização da realidade. Tais quais os modelos dos economistas, as classificações jurídicas reduzem a complexidade do ambiente institucional, possibilitando seu estudo e disciplina. Classifica-se para ordenar e, dessa forma, compreender. 1. “Las classificaciones no son ni verdaderas ni falsas, son serviciales o inútiles; sus ventajas o desventajas están superitadas al interés que guía a quien las formula, y a su fecundidad para presentar un campo de conocimiento de uma manera más fácilmente comprensible o más rica em consecuencias prácticas deseables. Siempre hay múltiples maneras de agrupar o clasificar un campo de relaciones o de fenómenos; el criterio para decidirse por uma de ellas no está dado sino por consideraciones de convenienzia científica, didática o prática” [Genaro Carrió, Notas sobre Derecho y Lenguaje, 99].

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A ideia de classificação advertem Stefanos Mouzas e Michel Furmston, deriva do conceito aristotélico de taxis, que significa ordem, ligando-se a um sistema ou padrão no qual “elementos de vários tipos relacionam-se uns aos outros”.2 O esforço de ordenação busca identificar os traços comuns nos negócios. Aqueles da mesma categoria encontram-se concatenados de tal maneira que, pelo contato com um deles, conseguimos apreender, deduzir traços peculiares e formar expectativas em relação aos restantes. As classificações jurídicas são uma construção, uma ordem arquitetada a partir da observação da realidade [taxis], e não decorrente da evolução natural das coisas [kosmos].3 É natural que as classificações reflitam preocupações, fenômenos e institutos do momento histórico em que foram talhadas. Não é sem razão que o reconhecimento da categoria dos contratos plurilaterais, ao lado dos unilaterais e dos bilaterais, deu-se apenas no início do século XX, com a intensificação dos problemas relacionados às sociedades.4 Igualmente, a preocupação com os contratos de adesão surgiu com a industrialização e a difusão do comércio em massa. Hoje, não é possível pensar o direito dos negócios lançando mão exclusivamente das classificações encetadas até meados do século XX. Decerto elas ainda são muito importantes; contudo, a realidade econômica de agora desvela outros contextos que requerem compreensão e sistematização. Neste capítulo, a par da taxinomia tradicional, pretende-se dar notícia de outros critérios classificatórios impostos pelo ambiente dos nossos tempos. Ao contrário da dogmática tradicional civilista, este esforço de organização não é perfeito e tampouco lapidado ao longo de mais de dois mil anos. Todavia, o grupamento dos contratos empresariais em torno de certas características que interessam mais de perto à dinâmica do mercado permite ao estudioso do direito comercial reduzir a complexidade da realidade, alinhando fatores que condicionam a natureza e a dinâmica dos negócios entre empresas. É preciso apartar [i] a identificação dos tipos contratuais da [i] criação de categorias de contratos. Embora se trate, ambas, de ordenações no sentido acima apontado [Hayek] e, muitas vezes, os termos sejam tomados como sinônimos, os tipos contratuais constroem-se sobre os elementos essenciais de determinado 2. Stefanos Mouzas e Michael Furmston, A proposed taxonomy of contracts, 2. Hayek, Direito, legislação e liberdade, v. I, 38, ao discorrer sobre a função das classifi 3. cações em geral. 4. V. Tullio Ascarelli, “O contrato plurilateral” em Problemas das sociedades anônimas, 273.

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grupo de negócios jurídicos. Um contrato pertence a certo tipo se nele estão presentes os elementos indispensáveis à sua existência. “Sem os essentialia negotti, o negócio não seria jurídico [= não entraria no mundo jurídico], ou seria outro negócio jurídico que aquêle, a respeito do qual se procedeu à discriminação do essencial e do acidental”.5 Por exemplo, o contrato de compra e venda é como tal reconhecido pelo ordenamento jurídico a partir do momento em que se têm a coisa, o preço e o consenso. As categorias classificatórias, por sua vez, ligam-se ao grupamento conforme a função econômica do negócio ou conforme suas características marcantes e singulares. A menção a contratos de alienação traz à mente determinado grupo de negócios que levam à transferência da propriedade de bens; a categoria de contratos de distribuição abrange os contratos que viabilizam o escoamento da produção; os contratos bilaterais aqueles em que há dois polos etc. Tradicionalmente, classificam-se os contratos segundo vários critérios, como o número de partes, tempo da prestação etc.6 Assim, os contratos podem ser: • • • • • • • •

bilaterais e unilaterais [além dos plurilaterais]; onerosos e gratuitos; solenes e não solenes; principais e acessórios; de execução instantânea, diferida e sucessiva; comutativos e aleatórios; por adesão e negociados; e empresariais e existenciais, talvez a mais importante dicotomia do século XXI, como lembrava o Professor Junqueira de Azevedo.

Para o direito empresarial, é importante apartar os contratos conforme os seguintes critérios: • grau de vinculação futura das partes [contratos imediatos, híbridos e societários]; • grau de positivação [contratos típicos, atípicos e socialmente típicos]; • abrangência do objeto [contrato quadro e contratos satélite]; 5. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. III, 66. 6. Sobre as classificações dos contratos difundidas na Common Law, v. P.S. Atiyah, The law of contract, 28 e ss. Para as classificações empregadas na nossa tradição, v. António Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil, v. VII, Direito das obrigações. Contratos e negócios unilaterais, 183.

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• grau de ligação de contratos celebrados entre as mesmas partes [contratos coligados e contratos independentes]; • grau de complexidade [contratos complexos e simples]; • grau de completude do regramento contratual [contratos completos e incompletos]; • interesse principal das partes no contrato [contratos de prestação e contratos de relação]; • tipo de negociação que lhes dá origem [contratos de adesão e contratos negociados]; • grau de poder econômico das partes [contratos paritários e contratos em que há situação de dependência econômica]; e • existência de ligação a contratos celebrados entre terceiros [contratos isolados e contratos em rede]. Vejamos cada uma dessas categorias. 2.2 Quanto ao grau de vinculação futura entre as partes: contratos instantâneos [“spot”], híbridos e societários Quanto ao grau de integração entre as empresas, ou de vinculação futura das partes, os contratos empresariais classificam-se em imediatos [“spot”], híbridos [muitas vezes identificados com os contratos de colaboração] e societários.7 Os negócios condicionam o comportamento futuro dos agentes econômicos, restringindo, com maior ou menor intensidade, sua liberdade de atuação pós-celebração. O contrato pode projetar quase ou nenhum efeito para o futuro, quando a ligação econômica produzida for pouco intensa, desfazendo-se tão logo adimplida a prestação. Da mesma forma, pode levar à forte vinculação das partes, atando-as à relação econômica e diminuindo a possibilidade de, no futuro, abraçarem estratégias conflitantes com a palavra empenhada. Eis importante variável das contratações interempresariais: o grau de estreitamento da liberdade futura das partes em decorrência da contratação. Exemplificando com a situação de um fabricante de sapatos que necessita de couro para confeccioná-los. A primeira opção seria adquirir a matéria-prima de algum curtume. Para encontrá-lo, é possível frequentar feiras do setor, consultar catálogos especializados, ouvir conselhos de outros empresários ou 7. Remete-se o leitor ao capítulo sobre os contratos de colaboração, em que a questão dos híbridos é tratada com maior profundidade.

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utilizar ferramentas de pesquisa na Internet. Após gastar algum tempo com a coleta de informações, o fabricante opta por comprar 50 metros quadrados de couro negro de determinado produtor e 50 metros de couro branco de outro. No mês seguinte, ao precisar de nova matéria-prima, estará absolutamente livre para comprar o couro de qualquer outra empresa. A operação de compra e venda com esses curtumes não gerou qualquer liame capaz de restringir seus negócios futuros. Mas essa liberdade custa tempo e dinheiro. A empresa pode preferir adotar outro modelo de negócio que estabeleça relação mais duradoura, como um contrato de fornecimento, em que haverá a disciplina do fluxo de relações econômicas entre as partes e não apenas de uma operação isolada de compra e venda. Mesmo dentro de determinado tipo [no caso, o dos contratos de fornecimento], o grau de vinculação não será uniforme, pois restará moldado pela vontade das partes naquela situação específica: o prazo pode ser longo, curto ou indeterminado, o fabricante de sapatos pode exigir determinada maciez ou qualidade do couro, impor processos de preparação do material, exclusividade de fornecimento etc. Maior o grau de vinculação entre as partes, maior a integração entre as empresas e maior o grau de previsibilidade da operação econômica. Dizemos com apoio nos economistas institucionais que, em certas situações, a celebração de contratos que geram integração leva à redução dos custos de transação, na medida em que permite à empresa economizar os recursos que despenderia se houvesse de barganhar amplo espectro de variáveis a cada operação de compra e venda. A afirmação de que duas empresas “integraram sua produção” significa a celebração de negócio mediante o qual a atividade produtiva de uma voltou-se à satisfação de necessidades da outra. Esses contratos de colaboração ou híbridos surgem da necessidade de evitar os inconvenientes que adviriam da celebração de extensa série de contratos de intercâmbio desconectados, como os custos de transação, e da fuga da rigidez típica dos esquemas societários [ou hierárquicos]. Seguindo o mesmo exemplo, no limite, o fabricante poderá até mesmo constituir sociedade com o curtume, absorvendo internamente as duas fases do processo produtivo [curtume e fabricação das bolsas]. Essa estratégia trar-lhe-á maior espaço para controlar as características da produção do insumo; ao mesmo tempo, restringirá suas opções quanto aos fornecedores, pois haverá de empregar o couro produzido pela nova sociedade.

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Dispuséssemos as formas jurídicas das relações entre empresas ao longo de uma linha imaginária, teríamos, em um extremo, os contratos de intercâmbio e, no outro, as sociedades. No entremeio, os mais variados tipos de contratos híbridos, que conjugam o elemento de intercâmbio com o de colaboração. Quanto mais próximo o contrato híbrido estiver daquele de intercâmbio, maior o grau de independência das partes e menor a colaboração futura entre elas. Ao nos deslocarmos na direção das sociedades, maior será o grau de estabilidade do vínculo e da colaboração. Representando graficamente essa classificação: Sociedades estruturas hierárquicas

Contratos spot execução instantânea

• menor grau de vinculação futura • menor grau de controle da atividade da outra parte

Contratos híbridos contratos de colaboração

• maior grau de vinculação futura • maior grau de controle da atividade da outra parte

2.3 Quanto ao grau de positivação: contratos típicos, atípicos e socialmente típicos Na busca da satisfação jurídica de suas necessidades econômicas, as empresas contratam com fornecedores, bancos, consumidores, empregados, distribuidores, representantes comerciais, prestadores de serviço, consultores, advogados etc. O desenvolvimento da atividade mercantil exige que a empresa, ao mesmo tempo, organize suas relações internas e abra-se para o mercado, volte-se para outros agentes econômicos, com eles estabelecendo vínculos jurídicos, emaranhando-se em direitos e obrigações dos mais variados tipos. Não é possível alcançar o lucro sem celebrar contratos. Não há atividade empresarial sem contratação. Alguns desses negócios são expressamente previstos e disciplinados por textos normativos. É o que acontece, por exemplo, com os contratos de compra e venda, locação, mandato, comodato, depósito e tantos outros. São os contratos “típicos”. Em quase sua totalidade, não foram “inventados” por algum legislador. Por vezes, de tão antigos, perde-se de vista o momento em que passaram a ser previstos em textos normativos – como é o caso da compra e venda. Em outros, um negócio vai se espalhando pelo mercado e, em decorrência de decisão

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política, acaba regulamentado. Foi o que ocorreu com a representação comercial no Brasil que, após alcançar larga difusão, foi capitulada em lei no ano de 1965. Há, também, contratos que, embora não ditos pela lei, devem ser considerados “socialmente típicos”,8 pois consolidados pela reiterada prática dos comerciantes e reconhecidos pelos operadores econômicos, pela doutrina e pela jurisprudência como “tipo contratual”. O contrato é socialmente típico porque o tráfico jurídico assim o considera. Trata-se de mecanismo bastante flexível na configuração dos tipos e que se reflete a partir da consciência social que, por sua vez, é historicamente determinada.9 Afirmou-se, com muita propriedade, que o corpo de normas jurídicas consuetudinárias relacionado a esses negócios enriquece o Direito.10 A doutrina aponta três requisitos para que um contrato possa ser considerado socialmente típico.11 São “elementos justificativos da relevância social” que comprovam ser, aquele negócio específico, economicamente importante para determinado grupo de agentes: [i] reconhecimento de sua função econômico-social; [ii] difusão e relevo da prática na sociedade e [iii] recepção do negócio pela ordem jurídica.12 8. Parte da doutrina prefere designar os contratos socialmente típicos de “atípicos”. Parece melhor reservar o termo atípico para o pacto que foge tanto à disciplina legal expressa quanto à tipificação social. É o caso, por exemplo, da avença que, embora celebrada em determinada situação concreta, não se espalha pelo mercado e não é socialmente reconhecido como um “tipo”. Betti assim coloca a questão: “Ma qui, almeno in diritto moderno, al posto della 9. rigida tipicità legislativa imperniata sopra un numero chiuso di denominazione [...] subentra [...] un’altra tipicità, che adempie pur sempre il compito di limitare e indirizzare l´autonomia privata, ma che [...] è assai più elastica nella configurazione dei tipi, e che si opera mediante rinvio alle valutazioni economiche o etiche della coscienza sociale storicamente determinata: onde si è proposto di chiamarla tipicità sociale. [Emilio Betti, Teoria general del negozio giuridico, 323]. 10. Explica Pontes de Miranda: “Os negócios jurídicos entram em certas classes, mais ou menos rígidas, que são os tipos de negócios jurídicos. Se a prática – a vida, em sua explicitação de exigências econômicas, sociais ou jurídicas – cria tipos novos, esses tipos novos são criações do direito consuetudinário; de modo que à base dêles estão regras jurídicas novas, que enriquecem o direito objetivo” [Tratado de direito privado, t. 3, 63]. 11. O Código Civil de 2002, ratificando tradição há muito solidificada entre nós, estabelece ser “lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais” nele fixadas. Esses contratos atípicos, referidos no art. 425, referem-se tanto aos contratos chamados pela doutrina de “socialmente típicos” quanto aos completamente atípicos. 12. Cf. Maria Helena Brito, O contrato de concessão comercial, 168 e ss.

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Os exemplos de contratos socialmente típicos são hoje abundantes. Em alguns casos, após algum tempo, transformam-se em legalmente típicos, passando a ser previstos em textos normativos. Ao redor dos anos 80, os comercialistas brasileiros noticiavam a existência de alguns “novos” contratos, que se haviam difundido na prática dos agentes econômicos. Era o caso da franquia, do contrato de distribuição, do factoring etc. Há tantos outros que se tornaram comuns, como fornecimento, “built to suit”, produção sob regime de encomenda [“outsourcing”], terceirização de serviços, “project finance” etc. Por fim, há os contratos verdadeiramente atípicos, talhados à medida para determinada operação econômica, cuja prática não é disseminada no mercado. Os advogados, muitas vezes, enfrentam dificuldades para nomear o instrumento, de tão pouco usual que é a avença; acabam ladeando-o a alguma denominação típica, ao qual acrescentam a expressão “e outras avenças”. Encontramos “contratos de locação e outras avenças”, “contratos de compra e venda e outras avenças” que muito se afastam da tipificação legal. 2.3.1 A criação dos contratos socialmente típicos pela prática de mercado Como será explicado no capítulo referente aos vetores dos contratos empresariais, os usos e costumes são uma das mais importantes ferramentas de que dispõe o direito comercial para manter-se vivo e atualizado. A doutrina tradicional há muito destaca sua força criadora, capaz de gerar regras a serem obrigatoriamente seguidas pelos agentes econômicos.13 Hoje, a principal função sistêmica dos usos e costumes [i.e., da prática de mercado] é a criação não de regras isoladas, mas de tipos contratuais. É a dinâmica da gênese dos contratos que merece atenção. A tendência é que os negócios sejam “inventados” por alguns agentes econômicos e seus advogados, muitas vezes a partir de um contrato típico, passando a ser copiados por outros. As práticas das empresas, a reação dos Tribunais a esses comportamentos e a interpretação que os juízes dão aos mesmos textos normativos trazem como resultado a formatação da ordem jurídica do mercado. Os negócios surgem da atuação livre dos comerciantes condicionada pelas características do ambiente em que desempenham seus negócios, pelos textos normativos e pelas decisões dos tribunais. Ao contrário do que advogam muitos, o direito comercial, as regras que disciplinam a atividade empresarial, não são fruto de uma “geração 13. Nessa linha, no passado, tentou-se a compilação de regras decorrentes do uso pelas Juntas Comerciais. São os famosos “assentamentos”, de inegável interesse histórico. Que se tenha notícia, no Estado de São Paulo, o último desses registros foi realizado em 1966, versando sobre o comércio de café.

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espontânea”. A liberdade de iniciativa socorre aos agentes econômicos nos limites da licitude e seus comportamentos, ainda que potencialmente, estão sujeitos ao crivo dos Tribunais. As cortes, por sua vez, sinalizam para o mercado o que será ou não admitido, fechando o ciclo da criação dos contratos socialmente típicos: Sinalização para o mercado sobre o comportamento que pode ou não ser adotado

Práctica de mercado

Crivos dos tribunais sobre o que é ou não admitido pela lei

A prática mercantil sempre deu lugar a inúmeros modelos de negócio que, ao se mostrarem eficientes, acabam espraiados pelo mercado. Brotando da praxe, sofrem certa “seleção natural”: as práticas mais adequadas ao tráfico impõem-se sobre aquelas menos aptas à resolução de problemas. Ao longo do processo de evolução, prevalecem os padrões de conduta mais adaptados ao funcionamento do mercado e ao ordenamento jurídico estatal, depurados pela jurisprudência. 2.3.2 Cláusulas socialmente típicas Ainda que a doutrina não lhes dedique muita atenção, há cláusulas [i.e., estipulações contratuais] “socialmente típicas”, tamanha sua utilização pelos agentes econômicos nos mais variados tipos de contratos. São dispositivos que acabam apostos a vários tipos de negócios jurídicos empresariais, repetindo-se. Como exemplo, em contratos societários, as cláusulas de “drag along”, “tag along” e, nos contratos em geral, de outorga de preferência em compras e vendas, sigilo, exclusividade e tantas outras. São cláusulas socialmente típicas porque dessa maneira são identificadas pelos agentes econômicos. Não há advogado de direito empresarial que desconheça seu conteúdo, a função econômica que delas é esperada, bem como os efeitos jurídicos trazidas à luz a partir de tais disposições contratuais. 2.4 Quanto à abrangência do objeto: contratos-quadro e contratos satélite Os negócios de maior complexidade costumam desdobrar-se em vários contratos, interligados entre si por sua identidade de causa ou, como querem alguns, por integrarem a mesma operação econômica.

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As partes optam pela celebração de contrato mais abrangente, designado contrato-quadro ou acordo guarda-chuva [“umbrella agreement”, na tradição anglo-saxã, “framework agreement”, na civil law], destinado a formatar o negócio em linhas gerais, contendo a previsão da celebração, futura ou concomitante, de vários outros contratos com objetos mais específicos [contratos satélite]. Na definição de Stefanos Mouzas, os contratos-quadro podem ser entendidos como “acordos privados que fornecem um quadro de cláusulas para regular contratos futuros”. A partir dessa perspectiva, a expressão “contrato-quadro” assume significados diversos em várias jurisdições. A doutrina francesa costuma valer-se da figura para explicar a realidade econômica e jurídica do contrato de distribuição e para superar grande dificuldade prática a ser enfrentada por conta do Código de Napoleão, que determina ser o preço elemento essencial das compras e vendas. Como admitir a vinculação das partes à avença, na ausência de acordo sobre o preço a ser praticados nas futuras operações? A solução foi encontrada a partir da consideração do contrato de distribuição como contrato-quadro, em que o preço não figura como elemento essencial. Este apenas seria exigível para os contratos de compra e venda que vão tendo lugar ao longo do tempo. Os contratos-quadro visam a proporcionar maior grau de segurança para as partes em face do desenvolvimento de operações futuras. Afastando-se de um “congelamento” da relação, procura-se gerir o risco representado pela ausência de vínculo contratual. A confiança assume papel primordial; o contrato origina moldura dentro da qual se desenrolam as ligações futuras, capaz de adaptar o liame aos tempos vindouros e salvaguardar a estabilidade da relação. O contrato completa-se por outras avenças que passarão a integrá-lo [contratos de aplicação].14-15 Os italianos absorveram o debate sobre os contratos-quadro no âmbito dos contratos normativos,16 que se caracterizam “pela circunstância de estabelecer as cláusulas com as quais deverão [ou não deverão] ser concluídos determinados contratos futuros, desde que, e quando, cada parte decida concluí-los”.17 O modelo contratual associado ao contrato-quadro emparelha-se aos contratos de coordenação, visando a “preordenar e organizar o desenvolvimento de uma 14. Cf. Jean Gatsi, Le contrat-cadre, 3. 15. V. Sayag, Le contrat-cadre, la distribution, 439 e ss. Ainda sobre a distribuição como contrat-cadre, v. Yves Guyon, Droit des affaires, 881. 16. Sobre o tema, v. Messineo, Dottrina generale del contratto, 36 e ss. 17. Tullio Ascarelli, O contrato plurilateral, 322.

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continuidade de relações futuras, cuja constituição é obrigatória, pelo menos por uma das partes, segundo um esquema predisposto”.18 Na Inglaterra, o umbrella agreement é visto como entremeio: de um lado, a situação em que as partes ainda não contrataram e, de outro, aquela em que se encontram após a contratação. Costumam tratar de princípios que regerão negócios futuros. A função do contrato-quadro é “fornecer as cláusulas que poderão ser futuramente usadas em determinado conjunto de operações”.19 O contrato-quadro é uma realidade nos negócios empresariais, assumindo infinitas formas. Seu vetor principal repousa na disciplina geral da operação econômica, que se abrirá em outras avenças. Existem duas principais categorias de contratos-quadro: [i] aqueles que visam a organizar a operação econômica como um todo, com contratos satélite celebrados concomitantemente; e [ii]aqueles que ditam as regras e os princípios que deverão imperar em contratos, que serão futuramente celebrados. A partir daí, levantam-se duas importantes observações sobre os contratos-quadro: A primeira é que o “umbrella agreement”, quando assume caráter de contrato prévio em face dos contratos de aplicação,20-21 pode encerrar problemas ligados à execução específica dos pré-contratos. 18. Maria Raquel de Almeida Graça Silva Guimarães, O contrato-quadro no âmbito da utili­ zação de meios de pagamento eletrônicos, 40, ao transcrever e comentar a doutrina peninsular. 19. No original: “to supply clauses that can be used in a defined set of transactions” [Stefanos Mouzas and Keith Blois, Relational contract theory: confirmations and contradictions]. 20. Em 1989, a Corte di Cassazione italiana declarou pela primeira vez que o contrato de distribuição é um contrato-quadro, que dá ensejo à celebração de outras avenças posteriores. Trata-se de negócio juridicamente atípico, mas socialmente típico: “Ed invero, di fronte alla delineazione di una figura negoziale socialmente tipica, caratterizzata dall’impegno del produttore di vendere al distributore i propri prodotti che il secondo si obbliga ad acquistare dal primo, si contrappone, sia pure nell’unità del contratto di concessione di vendita rispecchiante l’unità dell’operazione economica sottostante, la previsione che, di fatto, alla clausola di esclusiva non consegua necessariamente l’obbligo dell’una o dell’altra parte di vendere o di acquistare; situazione alla quale può accedere la diversa qualificazione dei contratti di distribuzione come contratti quadro in forza dei quali un operatore economico assume, verso contropartita consistente nelle opportunità di guadagno che si legano alla commercializzazione delle merci contrattuali, l’obbligo di promuovere la rivendita dei prodotti forniti dalla controparte; obbligo il cui adempimento postula la stipulazione di singoli contratti per l’acquisto, a condizioni predeterminate, dei prodotti da rivendere” [decisão proferida em 12 de abril de 1989]. 21. Jean Gatsi, Le contrat-cadre, 296.

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Em nosso sistema, a efetivação das cláusulas do contrato-quadro deverá passar pelos percalços característicos da execução dos acordos preliminares. Ou seja, conforme antigo entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre os efeitos vinculantes dos pré-contratos22-23 e considerando que o juiz não 22. V., a esse respeito, a monografia de Flávio Luiz Yarshell, Tutela jurisdicional específica nas obrigações de declaração de vontade e Waldírio Bulgarelli, “Obrigação de contratar por decisão judicial”. Barbosa Moreira, em clássica lição, afirma que “[o] primeiro pressuposto da obtenção de sentença que produza o mesmo efeito do contrato não concluído acha-se expresso nas palavras ‘sendo isso possível’. A possibilidade ou impossibilidade tem de ser apreciada caso a caso, pelo órgão judicial. Ainda não se encontrou fórmula genérica que englobe todas as hipóteses de impossibilidade; esta pode originar-se de variadas circunstâncias [...]. Tratando-se de obrigação fundada em contrato preliminar, é indispensável, para acolher-se a pretensão do credor, que aquele negócio jurídico contenha todos os elementos do definitivo: ao juiz não é dado estipular cláusulas e condições, mas apenas fazer desnecessária, por meio de sentença, a declaração de vontade, que, incidindo sobre cláusulas e condições já estipuladas, daria corpo ao negócio definitivo. Em outras palavras, a sentença não tem a virtude de criar, sequer em parte, o objeto ou conteúdo do contrato que deveria concluir, o que pode faltar, e que ela torna supérflua, é só a declaração de vontade, não emitida pelo devedor” [O novo processo civil brasileiro, 211]. A jurisprudência de nossos Tribunais corrobora o entendimento da doutrina, isto é, a execução específica de obrigação de emitir declaração de vontade só é possível caso o contrato preliminar não esteja sujeito a nenhuma condição e tenha o mesmo conteúdo do contrato definitivo, cuja vontade da parte supostamente inadimplente se pretende suprir. Como exemplo, vejamos os seguintes arestos: “O art. 639 do Código de Processo Civil pressupõe a existência de contrato preliminar que contenha o mesmo conteúdo que o contrato definitivo que as partes se comprometeram a celebrar” [Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 88.716, relatado pelo Ministro Moreira Alves, julgado em 11 de setembro de 1.979 e publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência 92:250]; “Se o contrato preliminar contém todos os elementos necessários para que se converta em definitivo, é possível a aplicação do art. 639 do Código de Processo Civil” [Quarta Câmara do Tribunal de Justiça do Paraná, Apelação Cível 1.756, relatado pelo Desembargador Troiano Netto e publicado no DJPR de 18 de agosto de1.988]; “[...] quando se trata de execução específica do art. 639 do CPC, uma das condições para que a sentença substitua a vontade da parte recalcitrante é que o pré-contrato reúna todos os requisitos que são necessários ao contrato definitivo, o que por sinal está no próprio texto constitucional [...]” [Primeira Câmara do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, relatado pelo Desembargador Bady Curi e julgado em 3 de outubro de 1989, publicado na Revista dos Tribunais 672:176]. Obs: O Artigo 639 estava revogado pela Lei 11.232/2005. Não possui equivalentes no CPC 2015. 23. Dispõe o art. 462 do Código Civil: “O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado”.

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podenegociar pela parte, o contrato-quadro apenas terá execução específica quando encerrar o acordo sobre todos os elementos essenciais do negócio. Essa constatação traz preocupações de ordem prática e que deixam margem ampla à criação de problemas, na medida em que é intrínseca ao contrato-quadro certa indeterminação dos elementos essenciais dos contratos de execução. Outro aspecto liga-se à interpretação das operações econômicas como um todo. O esquema global delineado e explicado no contrato-quadro auxilia a empreitada de interpretação, orientando a descoberta da função econômica dos instrumentos firmados e da ligação que guardam entre si, a superação de lacunas e a compreensão da avença considerada em sua totalidade. 2.5 Quanto ao grau de ligação: contratos coligados e contratos independentes Alguns contratos existem por si, independentemente de outras avenças; outros assumem sentido se vistos dentro de um contexto composto por diversos pactos. Por exemplo: a empresa A, sediada no estrangeiro, é detentora de patente para fabricação de determinado medicamento. A empresa B, brasileira, produz outras drogas em território nacional. Decidem que constituirão a sociedade SPE, com o propósito específico de iniciar a fabricação do remédio patenteado no Brasil. Ademais, celebram vários contratos específicos, como a licença de uso da patente da empresa A para a SPE, a constituição da SPE, seu acordo de acionistas, contrato de locação de fábrica de propriedade de B para a SPE, eventuais vendas da SPE para A ou B e vice-versa. Esses contratos, ao mesmo tempo [i] são interdependentes, estreitamente relacionados e [ii] existem autonomamente. Não há nisso qualquer paradoxo. Respeitar a unicidade da operação econômica não significa derreter os contratos e desprezar a formatação jurídica do negócio. O intérprete não tem diante de si uma Pangeia, e sim uma estrutura jurídica escolhida pelas partes, à qual se deve curvar. No Brasil, os contratos coligados são definidos como “contratos que, por força de disposição legal, da natureza acessória de um dele ou do conteúdo contratual [expresso ou implícito], encontram-se em relação de dependência unilateral ou recíproca”.24 Ou, como preferem outros, trata-se de “contratos estruturalmente diferenciados, todavia, unidos por um nexo funcional-eco 24. Francisco Marino, Contratos coligados, 99.

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nômico que implica consequências jurídicas”.25 Na lição de Orlando Gomes: “Os contratos coligados são queridos pelas partes contratantes como um todo. Um depende do outro de tal modo que cada qual, isoladamente, seria desinteressante”, devendo, por isso, ser aplicado “o conjunto de regras próprias do tipo a que se ajustam”.26 O vínculo existente entre os contratos coligados pode derivar [i] de disposição legal [“ex lege”]; [ii] da natureza acessória de um contrato [“coligação natural”]; [iii] de cláusulas contratuais que liguem as avenças [“coligação voluntária expressa”] ou ser deduzido das circunstâncias e do contexto no qual se inserem os pactos [“coligação voluntária explícita”].27 Ademais, “[h]á coligações contratuais com intensidade maior ou menor, conforme a sua aptidão para gerar consequências jurídicas”. Uma das principais consequências de se considerar um grupo de contratos como coligados será sentida na interpretação contratual, pois o contexto em que se insere cada avença é afetado pela globalidade e dinâmica daquele conjunto de contratos.28 A ponderação dos contratos como coligados mostra-se relevante no campo da arbitragem. Tem-se sustentado que, na ausência de cláusula arbitral e de eleição de foro, a coligação do contrato a outro expressamente remetido à arbitragem poderia embasar a sujeição do primeiro à jurisdição não estatal. Nessas hipóteses, surgiria a “extensão da cláusula arbitral”, que está sendo reconhecida por nossos Tribunais em casos bastante específicos.29 2.6 Quanto ao grau de complexidade: contratos simples e contratos complexos A doutrina tradicional considera que todos os contratos possuem o mesmo nível de complexidade – o que não é verdadeiro. Existem aqueles mais singelos e outros mais complexos. Contudo, pontua Fabio Gil, “[a] própria noção de complexidade induz ao pleonasmo, uma vez que a tarefa de explicar a complexidade é, efetivamente, 25. Rodrigo Xavier Leonardo, Redes contratuais no mercado habitacional, 129. 26. Orlando Gomes, Contratos, 112. 27. Francisco Marino, Contratos coligados, 100. 28. Essa discussão será retomada no Capítulo 6. 29. Apelação de n. 00021639020138260100 SP 0002163-90.2013.8.26.0100, com relatoria de Gilberto dos Santos, julgado em 3 de julho de 2.014 pelo TJSP.

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complexa. Não por outra razão, o termo complexidade é frequentemente usado para descrever o fato de que algo é complicado”.30 Os economistas vêm tentando, nos últimos tempos, identificar o que seria essa complexidade. É possível caracterizar um contrato como complexo quando “1] houver elevado grau de incertezas, ou elevado número de contingências, quanto a seu cumprimento ou fruição das utilidades nele [...] previstas; 2] houver dispersão ou variabilidade entre a magnitude das prestações e contraprestações na dinâmica ou fluxo de seu cumprimento [caso típico dos contratos cuja consecução do objeto contratual se desenvolva em ambiente de risco, ou aleatoriedade]; e 3] quando o entendimento do conteúdo contratual demande conhecimento amplo ou profundo”. Ademais, “contingências ou incertezas em relação ao cumprimento do contrato somente se fazem presentes em contratos que não sejam instantâneos, ou seja, em contratos em que medeie certo período, maior ou menor, entre sua formação e cumprimento substancial”.31 Embora seja útil a tentativa doutrinária de definição do que seriam os contratos “complexos”, ainda se está longe de sua delimitação mais acurada e das consequências jurídicas que daí advirão.32 Todavia, é indisputável que quanto maior a complexidade do contrato, maiores as cautelas que as partes tomarão quando de sua celebração, até mesmo porque valerá a pena arcar com maiores custos para diminuir as contingências futuras. Por exemplo, a energia que uma fabricante de automóveis despenderá para comprar lápis e canetas a serem utilizadas em seus escritórios será bem inferior aos esforços e recursos demandados na contratação da construtora que edificará sua nova fábrica em Manaus. Na atividade empresarial, essa calibração dos recursos direcionados às contratações, conforme seu grau de complexidade, mostra-se racional. 30. Fabio Gil, em sua tese de doutoramento intitulada A onerosidade excessiva em contratos de engineering, defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 2007, p. 29. 31. Fabio Gil, A onerosidade excessiva em contratos de engineering, p. 31 e ss. 32. O texto seminal sobre contratos complexos é normalmente identificado como sendo de autoria de Eric Posner, Karen Eggleston e Richard Zeckhauser, “The Design and Interpretation of Contracts: Why Complexity Matters” e disponível em: [http:// chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2763&context=jo urnal_articles]. V. de Karen Eggleston, Simplicity and complexity in contracts. No Brasil, além da obra de Fabio Gil, já referida, v. a tese de doutoramento de Lie Uema do Carmo, Contratos de construção de grandes obras, defendida em 2012 na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especialmente p. 195 e ss.

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A complexidade dos contratos pode variar conforme os seguintes fatores, todos interligados: [i] duração da relação; [ii] iteração da contratação; [iii] valores das prestações e contraprestações; [iv] grau de ingerência de uma parte das prestações devidas pela outra; [v] magnitude dos prejuízos decorrentes do eventual insucesso da operação; e [vi] quantidade de pessoas envolvidas na execução do contrato. Vários são os indutores da simplicidade ou da complexidade contratual, tais como ambiente institucional, características da transação, expectativa sobre êxito em eventual renegociação e preenchimento de lacunas [“agreeing to agree”], grau de assimetria informacional entre as partes, dificuldade ou facilidade de monitoramento do comportamento da outra parte, presença de confiança, boa ou má reputação da contraparte, custos que decorreriam de eventual litígio, relação contratual pretérita etc. Regra geral, quanto mais complexos os contratos, maior o grau de atenção e de recursos que os agentes econômicos estão dispostos a investir em sua concreção e monitoramento. Para o Direito, o grau de complexidade do negócio pode interessar na medida em que influencia a aferição do padrão esperado de comportamento do comerciante ativo e probo, além de desenhar o molde da expectativa digna de tutela jurídica. 2.7 Quanto ao grau de completude do regramento: contratos completos e incompletos. Existem contratos completos? Contratos simples, destinados a se exaurir no momento da prestação principal, nascem e morrem quase que de imediato. Por exemplo, no modelo clássico de compra e venda, o vínculo esvai-se com o intercâmbio [i.e., pago o preço e havida a tradição]. As obrigações surgem quase todas no momento da celebração do negócio, ainda que se destinem ao cumprimento posterior. Nos contratos complexos, tende-se à produção de obrigações posteriores à ligação inicial, até mesmo porque o negócio, para continuar a existir, exige adaptações e complementações. Acostumamo-nos a pensar os negócios como se tudo ou quase tudo pudesse ser previsto no momento de sua assinatura. Neste contexto ideal, aquilo que faltaria seria completado pela lei e, no máximo, pelos usos e costumes comerciais. Sabemos que essa situação é utópica. Contratos são, por natureza,

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incompletos e maior sua complexidade, mais as lacunas far-se-ão sentir. Existe uma “necessária incompletude em qualquer relação de cooperação entre dois ou mais sujeitos”.33 Ou “[m]any contracts are vague or silent on a number of key features”.34 Na súmula de Williamson: “All complex contracts are unavoidably incomplete. For this reason, parties will be confronted with the need to adapt to unanticipated disturbances that arise by reason of gaps, errors and omissions in the original contract”. Os economistas, nas últimas décadas, chamaram a atenção para o fenômeno dos contratos incompletos e os desafios que apresentam. Não se consegue e não se quer prever tudo nos instrumentos contratuais. Isso é explicado a partir de três aspectos dos custos de transação:35 [i] existência de contingências imprevistas [unforeseen contingencies], pois as partes não podem definir ex ante todas as vicissitudes futuras, incluindo o comportamento inesperado do parceiro; [ii] custo da redação de contratos [cost of writing contracts], pois, ainda que todas as contingências fossem previsíveis, mostrar-se-ia excessivamente custoso descrevê-las e prevê-las no contrato; [iii]custo de execução do contrato [cost of enforcing contracts], pois, diante de contingências e comportamentos imprevistos, não é fácil aos julgadores compreender o que foi avençado e dar-lhe concreção. Do ponto de vista jurídico, o reconhecimento de que os contratos são incompletos força a reflexão sobre: [i] existência de inúmeras lacunas que permeiam a avença entre empresas. As lacunas não são necessariamente um “defeito” dos contratos, como prega a dogmática tradicional, mas uma característica própria dos contratos complexos; [ii] regras ou princípios gerais aplicáveis caso não haja previsão expressa em sentido contrário pelas partes [normas dispositivas ou default rules para os norte-americanos]; e [iii] tratamento que o direito deve dispensar a essas lacunas, encontrando soluções que não aviltem vetores fundamentais de funcionamento do 33. A ideia de incompletude do contrato pode não traduzir propriamente uma categoria de negócios, mas lhes apontar uma característica, pois, de certa forma, todos os contratos são potencialmente incompletos. 34. Jean Tirole, “Incomplete contracts: where do we stand?”, 741. 35. O resumo é de Jean Tirole, “Incomplete contracts: where do we stand?”, 743.

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sistema, como o pacta sunt servanda e a liberdade de contratar. Até que ponto as lacunas devem ser supridas inexistindo acordo entre as partes sobre o caminho a seguir? 2.8 Quanto ao interesse principal da parte no contrato: contratos de prestação e contratos de relação [ou contratos relacionais] Muitas vezes, os contratos voltam-se ao estabelecimento de relações entre os agentes econômicos e não apenas ao oferecimento de prestações. Com base nessa premissa, e voltando-se contra o caráter estático da doutrina tradicional, MacNeil encetou nova e bastante difundida distinção entre “discrete exchanges” e “relational contracts”. Sua intenção, ao estabelecer essa diferenciação, foi chamar a atenção dos juristas para que, em alguns contratos, importa mais a relação que se estabelece entre as partes do que as trocas em si. São apontadas as seguintes características dos contratos relacionais, em oposição aos contratos de execução imediata: [i] tendem a se estender no tempo; [ii] em virtude de sua longa duração, neles busca-se mais a disciplina de questões futuras entre as partes. Ou seja, o contrato visa a disciplinar, além das trocas em si, o relacionamento a ser fruído ao longo da vida do contrato. É normal que, na redação do instrumento, as partes valham-se de termos amplos, sem significado definido no momento da celebração do ato. Lançam-se as bases para um futuro comportamento colaborativo, mais do que a ordem específica de obrigações determinadas; [iii] há certa interdependência entre os contratantes, uma vez que o sucesso de uma parte [e do negócio] reverterá em benefício da outra [i.e., de todas elas].36 36. Vale a transcrição do resumo talhado por Richard E. Speidel: “Most commentators agree that relational contracts have at least three distinguishing characteristics. First, the exchange relationship extends over time. It is not a ‘spot’ market deal. Rather, it is more like a long-term supply contract, a franchise or distribution arrangement, or a marriage. Second, because of the extended duration, parts of the exchange cannot be easily measured or precisely defined at the time of contracting. This dictates a planning strategy that favors open terms, reserves discretion in performance to one or both parties, and incorporates dispute resolution procedures, such as mediation or arbitration into the contract. The inability of the parties to ‘presentiate’ the terms of the bargain at the time of contracting shifts the focus to circumstances and conduct that occur ex post contract. Third in the words of Lewis Kornhauser in a relational contract the ‘interdependence of the parties to the exchange extends at any given

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Os contratos relacionais contrapõem-se aos contratos denominados “descontínuos” [discreate contracts, discreate exchanges].37 Valendo-nos do exem­ plo de Macneil,38 pensemos no motorista que abastece seu automóvel em um posto ao longo da estrada que percorre. A compra e venda é instantânea e não há maiores complexidades envolvidas na operação. Por sua vez, os negócios relacionais tendem a se estender no tempo, dando lugar a relações de longa duração. A confiança é-lhes elemento fundamental. Os contratos relacionais podem encerrar rede de agentes econômicos, como nas redes de distribuição, aumentando o grau de complexidade da teia de deveres e direitos contratuais. Muitas vezes, há a troca de valores que não são facilmente suscetíveis de avaliação pecuniária. Enquanto nos contratos descontínuos os vínculos costumam ser breves, naqueles relacionais são levados em consideração outros elementos além de preço, qualidade e quantidade: desempenho da outra parte, planejamento futuro etc. Por isso, Porto Macedo enuncia que “os termos contratuais passam a definir menos as regras para o fornecimento do produto ou do serviço, e mais as regras processuais que pela própria regulação sobre o fornecimento são definidas. [...] [O]s contratos relacionais dependem inteiramente de cooperação futura, não apenas para o cumprimento do que foi firmado, mas também para o planejamento extensivo de atividades substantivas da relação”.39 Mesmo nos Estados Unidos, a teoria dos contratos relacionais ainda não foi incorporada pelos Tribunais e encontra resistência. Por exemplo, Melvin Eisenberg lembra que os contratos relacionais não são uma categoria específica de contratos porque todos os contratos são relacionais40 e que as “novas” regras que estão sendo propostas pela doutrina especializada para dar tratamento jurídico adequado aos contratos relacionais orientam-se pelos seguintes parâmetros:41 moment beyond the single discrete transaction to a range of social interrelationships’. For example, a complex, cooperative relationship between the parties may expand over time to others who support or rely on the exchange relationship” [The characteristics and challenges of relational contracts]. 37. Ou seja, contratos que implicam transações de curta duração, envolvendo limitada interação pessoal, tendo por objeto a troca de elementos de fácil valoração pecuniária [cf. Paul Gudel, Relational contract theory and the concept of exchange]. 38. Cf. Ronaldo Porto Macedo Jr., Contratos relacionais e defesa do consumidor, 155. 39. Contratos relacionais e defesa do consumidor, 163 e 166. 40. Why there is no law of relational contracts. 41. Speidel adverte que, mesmo nos Estados Unidos, muito embora “there is a vast and varied literature on the subject, there is still disagreement among the theorists about

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[i] tornar mais flexível ou mesmo superar o clássico esquema “oferta/ aceitação” como base para a formação do contrato; [ii] diminuir a intolerância a regras contratuais indefinidas, tais como “agreements to agree”, obrigações para a negociação conforme os princípios da boa-fé etc. [ou seja, reavaliação do tratamento de cláusulas gerais]; [iii] aumentar as possibilidades de alteração contratual em casos de modificação das circunstâncias, tais como “impossibility, impractibability, and frustration”, causas legítimas para o descumprimento do pacto; [iv] atribuir maior eficácia a cláusulas do tipo “melhores esforços”; [v] tratar os contratos relacionais como autênticas sociedades [“partnerships”], conquanto envolvam empresa comum; [vi] conferir caráter unitário aos contratos relacionais; [vii] impor aos contratantes o dever de negociar conforme a boa-fé, praticar preços “equitativos” quando houver modificação do contexto contratual, e mesmo instituir a uma das partes o dever de aceitar essa mudança; [viii] permitir aos Tribunais adaptar ou revisar as cláusulas contratuais, incluindo preços, dentro de um contexto em que as perdas de uma parte fossem compensadas pelo lucro obtido pela outra. Em muitos aspectos, essa linha compromete os vetores de funcionamento do próprio mercado, quando tratamos de relações entre empresas, especialmente naquelas em que inexiste relação de dependência econômica. Obrigar o agente econômico àquilo que não contratou, em nome do seguimento da relação contratual, no mais das vezes, implica exagerada ingerência nos negócios privados, em benefício exclusivo da outra parte – e não da fluência das relações de mercado e do desenvolvimento econômico. Ao mesmo tempo, a teorização sobre os contratos relacionais traz conceitos que hoje são revisitados e revitalizados por nossa doutrina e jurisprudência: motores específicos dos contratos de longa duração, confiança como base how to distinguish a relational contract from other contracts and what modern contract law can or should do to respond to it. Moreover, even though courts regularly deal with contracts that have relational characteristics, the literature about relational contract theory has not trickled down to, much less influenced, the judicial decision process. The challenges in interpreting and enforcing truly relational contracts, therefore, are solved under ‘modern’ contract law or not at all” [The characteristics and challenges of relational contracts].

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da relação contratual, motivação do negócio, boa-fé objetiva42 e, acima de tudo, a visão dos contratos empresariais como um processo. Essa discussão ilumina a hermenêutica das avenças e opera dentro dos limites impostos pelo sistema jurídico, i.e., pelas “premissas implícitas” do nosso ordenamento, na feliz expressão de Ascarelli. Muitas das questões postas no quadro dos contratos relacionais são as mesmas que tanta atenção tem chamado dos nossos modernos doutrinadores: em que medida o contexto em que é celebrado o contrato deve ser tomado em conta para determinar as fronteiras da relação obrigacional estabelecida entre as partes? Normas não expressas no contrato podem ser vinculantes? Como tornar suscetíveis de avaliação pecuniária os mais variados tipos de “intangíveis”? Qual a pauta de conduta esperada de um agente econômico durante a relação contratual? Como coadunar juridicamente o oportunismo, o comportamento predatório, com a colaboração que se faz necessária para o sucesso do negócio? A análise elaborada pela doutrina dos contratos relacionais é útil para nossa empreitada de dissecação dos contratos empresariais, porque põe em relevo dois de seus elementos fundamentais: [i] a relação entre as partes e [ii] a força da boa-fé, da confiança. Quanto ao primeiro ponto, pensar a ligação entre as partes, nos moldes doutrinários dos contratos relacionais, é essencial para dimensionar o ajuste e trazer à baila a importância da boa-fé objetiva, da confiança, da não frustração da legítima expectativa para garantir a estabilidade jurídica e o melhor desenvolvimento do contrato enquanto um processo. 2.9 Quanto ao tipo de negociação que lhes dá origem: contratos de adesão e contratos negociados Quanto ao tipo de negociação que lhes dá origem, os contratos empresariais podem ser de adesão ou negociados. Essa classificação assume grande relevância nos negócios interempresariais por força do disposto nos arts. 423 e 424 do Código Civil.43 42. Ian Macneil sustenta que “unconscionably, duress, good faith and best efforts” são conceitos ligados aos contratos relacionais [Relational contract: what we do and what we do not know]. Richard E. Speidel, ao analisar o caso Oglebay Norton Co. v. Armco, Inc., envolvendo contrato relacional, conclui que a chave para a resolução de controvérsias que se estabeleceram entre as partes seria revisitar o conceito de boa-fé [“The key to these challenges is a more comprehensive, sophisticated development of the duty of good faith”] [The characteristics and challenges of relational contracts]. 43. Para visão atualizada sobre os contratos de adesão no Brasil, v. Cristiano de Souza Zanetti, Direito contratual contemporâneo. A liberdade contratual e sua fragmentação, 227 e ss.

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No século XX, superando o pressuposto da igualdade contratual, reconheceu-se a existência de negócios bilaterais moldados na adesão de uma delas ao plano contratual estabelecido pela outra e não no processo de barganha entre as partes. A economia de massa catalisou a difusão dessa técnica de celebração de negócios, que mereceu especial atenção da teoria geral do direito privado no século XX.44 Os estudos concentraram-se nos problemas que afligiam os consumidores, obrigados a aderir a “acordos” formatados pelos fornecedores. Autores chegam a afirmar que, nessas hipóteses, não se estaria diante de verdadeiro contrato, pois lhe faltaria característica essencial: a vontade livre do aderente. Embora os contratos de adesão interempresariais ainda não tenham recebido maior atenção por parte da doutrina, mostram-se comuns no dia a dia, empregados para viabilizar a formação das redes contratuais. Em teoria, é até possível que um integrante da rede consiga obter a estipulação de cláusulas específicas para a sua relação com o fornecedor. O mais constante, porém, é que haja certa padronização. O integrante da rede adere ao programa negocial da empresa líder, aceitando-o. Cada um dos contratos da rede será celebrado por adesão. A utilização de contratos que são autênticos formulários não é novidade, sendo empregados no mercado de seguros há séculos. Muito menos significam um mal ou algo a ser evitado. Sem a padronização contratual, seria quase impossível organizar uma rede de distribuição uniforme aos olhos do distribuidor. Os contratos de adesão possuem ainda a inegável vantagem de diminuir os custos de transação. Como o ramo de seguros poderia ter se desenvolvido se, a cada contratação, devesse se debruçar sobre as cláusulas e condições do negócio específico? 2.10 Quanto ao grau de poder econômico das partes: contratos paritários e contratos em que há situação de dependência econômica A partir do século XVIII, ao mesmo tempo em que se consolidava o liberalismo econômico, o individualismo jurídico ganhou força, difundindo a crença de que o agente econômico resta vinculado somente em decorrência de sua vontade. Se o egoísmo do indivíduo conduz ao bem-estar geral, como 44. Como salientou Nelson Nery Júnior, o contrato de adesão “não é novo tipo contratual ou categoria autônoma de contrato, mas somente técnica de formação, que pode ser aplicada a qualquer categoria ou tipo contratual [...]” [Da proteção contratual, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 290].

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acreditava Adam Smith, deve ser-lhe assegurado o exercício livre de suas faculdades, deixando-o perseguir o objetivo [egoísta] do lucro sem entraves. Do ponto de vista do Direito, essa visão se traduz, além do individualismo jurídico, no voluntarismo, atribuindo-se grande força jurígena à vontade do agente. Todos são iguais nos contratos e vinculam-se apenas na medida de sua vontade – que há sempre de ser respeitada pelo sistema jurídico. Mais adiante no tempo, o Direito reconheceu que o mundo não funcionava dessa forma e que, em certas situações, assumir a paridade das partes era uma ficção sem sentido. Finca-se, no início do século XX, o direito do trabalho e, em sua segunda metade, o direito do consumidor. Esses subsistemas jurídicos partem da constatação de que, tanto o processo de vinculação do empregado ao empregador, quanto do consumidor ao fornecedor, não são presididos pela igualdade das partes. Daí o necessário reconhecimento da hipossuficiência de uma delas. No direito comercial, salvo raríssimas exceções, não se pode reconhecer no empresário um hipossuficiente; o mercado capitalista não poderia funcionar dessa forma. Todavia, há de se reconhecer que, em certas relações interempresariais, existe dependência econômica de uma parte em relação a outra. Essa supremacia implica a possibilidade/capacidade de um sujeito impor condições contratuais a outro, que deve aceitá-las. Ou, no clássico pensamento de Guyon, “l’un des contractants est en mesure d’imposer ses conditions à l’autre, qui doit les accepter pour survivre”.45 Em suma, são ajustes marcados por grande diferença de poder entre as empresas. Daí a classificação entre contratos paritários e contratos de dependência. Trata-se de uma questão de grau e não de classificação peremptória, do tipo “ou isso ou aquilo”. A dependência econômica verifica-se com maior ou menor intensidade e pode inexistir, quando os contratos são paritários. A concepção de contrato paritário liga-se a relações equilibradas, em que certa igualdade das empresas é fator determinante na organização e desenvolvimento das fases do negócio, desde o ajuste inicial, passando pela execução, criação intermediária de obrigações, até sua extinção. Embora a absoluta simetria seja rara, nos contratos paritários a dinâmica do processo de negociação e de execução contratual desenvolve-se sem a marcada preponderância dos interesses de um dos polos. 45. Droit des affaires, p. 971.

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2.10.1 Contratos aos quais a dependência econômica é inerente Há contratos que, por sua própria natureza, encerram relação de dependência, ou seja, para que o contrato possa desempenhar sua função econômica, uma parte deve conseguir impor a[s] outra[s] seu esquema de negócio. Tome-se como exemplo o contrato de franquia. Espera-se que o consumidor enxergue todas as lojas integrantes da rede como partícipes de uma única empresa, com identidade de layout, de produtos e serviços oferecidos etc. O franqueado não pode aparelhar sua loja como bem entender, ou servir o sanduíche que quiser, ou mesmo comprar sua matéria-prima do fornecedor que preferir: deve adequar-se às regras determinadas pela franqueadora. Se assim não fosse, não se conseguiria o efeito uniforme e desfazer-se-ia o mote central da franquia. Dependendo do modelo de negócio adotado, variará o grau de vinculação do comportamento da parte. Em certas hipóteses, vê-se total aderência a uma miríade de regras detalhadas, em outras é deixada maior liberdade à parte em situação de dependência. 2.10.2 Contratos em que o grau de dependência econômica aumenta durante sua execução Nos contratos de colaboração, não é incomum exigir-se de uma ou de ambas as partes que realizem investimentos específicos voltados à celebração ou ao desenrolar do contrato. Esses dispêndios são chamados de custos ou investimentos idiossincráticos. Muitas vezes, mostra-se impossível ou muito difícil a recuperação desses recursos ao término da relação. São os investimentos/custos irrecuperáveis ou sunk costs. Nada impede que os sunk costs sejam ao mesmo tempo idiossincráticos, quando destinados especificamente a determinado negócio [i.e., custos irrecuperáveis incorridos para a execução de certo ajuste]. Custos idiossincráticos podem trazer o estado de dependência unilateral ou recíproca porque, regra geral, quanto maiores os investimentos específicos, mais elevadas as perdas decorrentes do aborto da operação. E ainda: quanto menor sua probabilidade de recuperação, maior o grau de dependência.46 46. O parágrafo único do art. 473 do Código Civil destina-se a prevenir o abuso de dependência econômica e baseia-se nesse tipo de lógica, ao determinar que “[s]e […], dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido

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Por exemplo, um fabricante de liquidificadores “X” impõe preços máximos que seus revendedores não exclusivos [multimarcas] podem praticar na cidade de Sorocaba. Esses distribuidores não se encontram em uma posição de dependência econômica; caso não pretendam sujeitar-se ao preço máximo de revenda, cessarão a comercialização daquele produto e continuarão suas atividades sem grandes prejuízos, com outras marcas. Na ausência dessa sujeição dos distribuidores, não se pode identificar a dependência econômica. Tomemos agora um distribuidor exclusivo de sofisticado maquinário empregado na medicina, fabricado pela empresa estrangeira A. Para atender a todo mercado brasileiro, esse agente econômico realizou os investimentos necessários para montar sua rede de empregados e de representantes comerciais, grande estrutura de assistência técnica de alta especialização, suporte telefônico para hospitais, investimentos promocionais e tantos outros gastos. O fornecedor estrangeiro é comprado pela empresa B, também estrangeira, que antes atuava no mercado brasileiro, competindo com as máquinas A. Como possui sua própria rede de distribuição, B não tem qualquer interesse em manter ativo os antigos distribuidores de A. O novo controlador evita a mera denúncia do contrato, impondo série de restrições que estrangulam o antigo distribuidor de A. Percebe-se, neste caso, que é o grau de subordinação do distribuidor ao fornecedor estrangeiro que gera a dependência econômica do primeiro em relação ao segundo. Contra, poder-se-ia argumentar que seria possível para o distribuidor incorporar-se a outra rede de maquinários médicos e não haveria sujeição. Por conta disso, para verificar a situação de dependência econômica, é importante analisar a eventual existência de alternativas viáveis ou solução equivalente para a parte. A opção, para ser considerada possível, não pode envolver prejuízos econômicos relevantes. A solução está na acurada observação do caso concreto para identificar o grau de dependência econômica existente entre as partes. 2.11 Quanto à ligação a contratos celebrados entre terceiros: contratos isolados e contratos em rede A concepção de rede está associada a um conjunto de contratos unidos por um escopo comum; o todo é divisível, visto ser possível destacar uma avença prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos”. Sobre o tema, v. Paula A. Forgioni, Contrato de distribuição, capítulo 13.

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da outra, com execuções independentes. Muito embora existam redes sem a presença de líder, o modelo mais encontrado possui um eixo central:47

empresa M

empresa A

empresa B empresa C

empresa L

empresa K

empresa D

Líder

empresa E

empresa J

empresa I

empresa F empresa H

empresa G

A preocupação dogmática com os contratos em rede é recente e a doutrina caminha para delinear seus contornos. A rede contratual não é um “ente” jurídico, pois não há de ser considerado uma única empresa.48 É uma união de contratos ou, no máximo, um “grupo econômico contratual”.49 47. Behar-Touchais e Virassamy, Les contrats de la distribution, p. 462. 48. “From a legal perspective, however, there is no doubt that these forms of economic co-ordination between multiple parties must be understood as collections of bilateral contracts rather than business associations. In none of these examples have the parties created an independent legal entity, a juristic person, to wich the parties owe duties of loyalty and which will be the repository of legal responsibility” [H. Collins, Introduction to networks as connected contracts, 11]. 49. Nas palavras de Hugh Collins, “a contractual network consists of a number of independent firms that enter a pattern of interrelated contracts, which are designed to confer on the parties many of the benefits of co-ordination achieved through vertical integration in a single firm, without in fact ever creating a single integrated business entity such as a corporation or a partnership. This phenomenon is not vertical desintegration through which a large company outsorces many of its activities to separate business, but its exact opposite: the creation of many of the features and dynamics of vertical integration through contracts, without ever relinquishing the independence of the business concerned” [Introdution to networks as connected contracts, 1].

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Na rede, todos devem atuar coordenadamente e, mesmo se tratando de vários contratos autônomos e individuais, existe algo que os une e que requer que funcionem em harmonia.50 Nessa espécie de negócio, os integrantes da rede terão sua atividade empresarial integrada ao modelo comum. Podemos apontar as seguintes características das redes: – trata-se de conjunto de vários contratos bilaterais, normalmente mantidos entre um líder e outras empresas, de forma que estas não mantêm relação contratual [formal, tradicional] entre si; – há intensiva colaboração entre as partes, normalmente catalisada pelo líder da rede e por sistemas de governança previstos em cada um dos contratos individuais, como o compartilhamento online de informações e eventual monitoramento exercido pelos próprios membros da rede sobre as atividades dos outros integrantes; – existe interdependência econômica entre os membros da rede; – verifica-se o aprendizado global, ainda que os integrantes da rede não estejam conectados entre si por contratos bilaterais; a experiência de uns aproveita aos outros; – há relação duradoura/estável e de longo prazo entre as partes dos contratos bilaterais; – a eficiência econômica e o sucesso produtivo requerem intensiva cooperação e níveis elevados de confiança superiores às transações normais de mercado; – todos os integrantes comungam um propósito comum de sucesso da atividade global, porque, no longo prazo, o valor de cada negócio será maximizado pelo sucesso da produção/operação como um todo; – cada membro da rede tem personalidade jurídica autônoma; e – os lucros são auferidos separada e individualmente; inexiste um ente global que os coleta e distribui. O fenômeno das redes contratuais gera preocupações nas esferas do direito comercial e concorrencial. Até que ponto é lícita a discriminação entre os membros da rede pelo líder? O dever de boa-fé impõe o tratamento equânime entre todos seus participantes? Quais as obrigações do líder e de cada um dos participantes perante a rede? Com a difusão das redes, esse tipo de questionamento apresenta-se cada vez mais aos operadores do Direito. 50. Lorenzetti, Redes contractuales: conceptualización jurídica, relaciones internas de colaboración, efectos frente a terceros, 28.

3 FORMAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS Sumário: 3.1 Introdução. Peculiaridades da formação dos contratos empresariais – 3.2 A seleção do parceiro – 3.3 A seleção dos advogados. Riscos empresariais e hindsight effect – 3.4 O processo de negociação – 3.5 Os documentos produzidos na fase de negociação – 3.6 Responsabilidade pela ruptura das negociações – 3.7 A redação dos instrumentos do contrato – 3.8 O momento da vinculação – 3.9 Operação econômica, negócio jurídico e contratos empresariais. A arquitetura jurídica do negócio – 3.10 O nome dos contratos – 3.11 Cláusulas contratuais – 3.12 Disposições finais, cláusulas de estilo ou “boilerplate clauses” – 3.13 Omissões e dubiedades propositais – 3.14 O momento da assinatura. O início da vida do contrato.

3.1 Introdução. Peculiaridades da formação dos contratos empresariais Os contratos empresariais são aqueles celebrados entre empresas, i.e., nos quais todos os polos têm sua existência moldada e condicionada pela busca do lucro. Essa característica imprime dinâmica peculiar a esses negócios, apartando-os daqueles celebrados com consumidores, com o Estado, com empregados etc. Na avença mercantil, todas as partes visam ao lucro e são presumidos agentes econômicos racionais, nos clássicos padrões dos comerciantes ativos e probos, costumados ao giro mercantil. Também em seu processo de formação, os contratos empresariais assumem dinâmica especial, por conta da profissionalidade de ambas as partes. 3.2 A seleção do parceiro A confiança – e sua preservação – são fundamentais para o adequado fluxo de relações econômicas. A confiança, ligada à tutela da boa-fé e da proteção das legítimas expectativas, atua como fator de redução de custos nas transações econômicas, pois poupa os contratantes de maiores dispêndios na seleção de seus parceiros comerciais. Não há contrato comercial que consiga impedir o inadimplemento ou que resista à má-fé. Nem o mais competente advogado logra, com a redação do instrumento contratual, coibir a parte mal-intencionada de descumprir a palavra empenhada. É capaz, no máximo, de prever situações, estabelecer sanções fortes, promover execuções específicas e buscar indenizações; jamais

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poderá autorizar seu cliente a fazer justiça com as próprias mãos. Tudo há sempre de passar pelo crivo do Poder Judiciário ou pela arbitragem e, caso haja recusa do cumprimento da sentença, será necessário promover sua execução. Ainda que uma parte tome todas as cautelas necessárias ao longo do processo negocial, “não se pode fechar a porta do fórum”. Desprovidas de qualquer razão, muitas empresas, para procrastinar o cumprimento de seus deveres, propõem ações sem “forma nem figura de juízo”, no jargão dos advogados. O ordenamento jurídico coíbe esse tipo de comportamento, procura de­ sestimulá-lo. Todavia, não consegue impedi-lo, pois a ninguém é permitido afastar da apreciação do Judiciário alegações de lesão ou de ameaça a direitos [cf. art. 5.º, XXXV, da CF/1988]. A parte ganha tempo – e isso, ainda que configure abuso do direito de demanda –, pode mostrar-se economicamente interessante. Em contratos complexos, os limites dos comportamentos lícitos e ilícitos acabam difíceis de serem identificados; há zonas cinzentas, bem exploradas nas teses de habilidosos advogados, que tornam difícil a condenação dos agentes econômicos por abuso do direito de demanda.1 Exemplo: o presidente de tradicional curtume paulista, sucessor de seu pai no comando dos negócios familiares, pretendia arrendar dois estabelecimentos fabris para dois diversos locatários [A e B]. Os modelos contratuais a serem empregados eram quase idênticos, atendidas as peculiaridades de cada negócio. Com o controle da empresa, o jovem havia herdado o mesmo advogado de seu pai, de quem recebeu um conselho: celebrar o contrato apenas com a empresa A e não com B. Baseado em sua experiência e na reputação de ambas, o advogado concluíra que A estava disposta a cumprir o negócio, enquanto B não pensaria duas vezes em deixar de pagar o aluguel avençado diante de qualquer percalço. O rapaz, ansioso por assegurar entradas mensais e constantes que garantissem seu fluxo de caixa, não seguiu a recomendação. O resultado é fácil de ser deduzido: A cumpriu o contrato. Quanto a B, houve longuíssima disputa judicial para haver os aluguéis devidos e o despejo; B, dentro e fora dos autos, criou todo entrave possível para atrasar a devolução do imóvel, bastante danificado, aliás. 1. No Brasil, a condenação da empresa por abuso do direito de demanda é rara, embora não inviável. Nos últimos anos, a matéria tem encontrado espaço para discussão em virtude de decisões proferidas no âmbito do direito concorrencial pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade. Foram condenados por infração à ordem econômica vários entes que se valeram de ações judiciais infundadas para levantar entraves desleais à atuação de competidores. São as chamadas condenações por “sham litigation”.

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O primeiro passo para o sucesso do contrato é a escolha do parceiro. Os economistas destacam os custos de transação envolvidos na busca da contraparte e a importância da reputação dos agentes. O direito comercial debruça-se sobre os mesmos temas, visando a oferecer meios para que a empresa proteja sua reputação no mercado. Além dos princípios gerais da tutela da boa-fé, da confiança etc., há regras específicas com a mesma função sistêmica, p. ex., os incisos I e II do art. 195 da Lei 9.279, de 14 de maio de 1996 [que capitulam como crime de concorrência desleal o denegrimento da imagem de concorrente e a divulgação de falsa informação]2 e o art. 52 do Código Civil, que protege a reputação das pessoas jurídicas. 3.3 A seleção dos advogados. Riscos empresariais e hindsight effect Negócios complexos costumam ser assistidos por advogados, sejam internos das empresas, sejam externos. Advogados internos costumam ser empregados e manter vínculo de subordinação com a parte; os externos exercem a advocacia individual ou, mais comum, vinculam-se a pequenos ou grandes escritórios. Há bancas que reúnem centenas de profissionais, assumindo estrutura empresarial; alguns chegam mesmo a ser “filiais” ou “coligados” de grandes firmas estrangeiras [law firms]. Como em qualquer setor, há profissionais competentes e outros nem tanto; alguns são mais famosos e experientes e cobram mais por seus serviços. Certos escritórios têm alta remuneração, pois imprimem sua “grife” aos negócios dos quais participam. A escolha do advogado pela parte decorre da ponderação entre custo e benefício. Isso não significa que os advogados ou escritórios famosos e caros sejam melhores ou imunes a erros. Tampouco que um jovem advogado, com honorários mais modestos, não seja brilhante. A empresa, conforme o perfil, capacidade econômica e importância do negócio, optará por profissional mais ou menos experiente, conservador ou arrojado. Do ponto de vista jurídico, a responsabilidade dos advogados é ligada à assunção de obrigação de meios e não de resultados. O profissional somente responderá por eventuais danos sofridos pelo cliente se agir com culpa – situação que, no caso da advocacia empresarial, mostra-se difícil de se caracterizar e comprovar. 2. In verbis: “Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: I – publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem; II – presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem [...]”.

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No mundo ideal, os instrumentos contratuais seriam perfeitos, sem lacunas e preveriam soluções para todas as contingências que se apresentassem às partes. Todavia, essa ilusão de completude não costuma sustentar-se; muitas cláusulas são confusas, com redação canhestra. A redação dos contratos é resultado de processo de barganha; reduz-se a escrito o que foi possível naquele determinado contexto. As partes anseiam pelo contrato e evitam lançar obstáculos durante a negociação que poderiam, no limite, abortar a operação econômica. Esquivam-se de “adiantar o problema”, deixando lacuna veladamente proposital ou empregando palavras ambíguas. De qualquer forma, a lacuna ou a redação confusa são riscos assumidos pelas partes. Se o contrato não contempla determinada hipótese, se sua redação é falha, o risco é das partes, que devem arcar com as consequências de suas opções estratégicas. Cabe à parte suportar eventuais prejuízos decorrentes da falta de posicionamento sobre questões futuras, durante o processo negocial. Na esteira da antiga regra de hermenêutica: “à parte deve ser atribuída a consequência de não ter se expressado melhor”. A assunção de riscos, inclusive os jurídicos, faz parte da atividade empresarial.3 3.4 O processo de negociação Chamado de fase pré-negocial, é o período de aproximação das partes e de barganha de suas posições.4 Regra geral, caracteriza-se por elevado grau de otimismo das partes. Se ambas visam à realização do negócio, pode-se presumir que o enxergam como vantajoso, ou seja, que, no futuro, estarão melhor com o contrato do que sem ele. O excessivo otimismo do agente tem sido objeto de estudos por parte da economia comportamental e mostra-se importante para a compreensão jurídica dos vínculos que se estabelecem entre as partes. Trata-se de traço constante do comportamento humano, pois a maioria das pessoas tende a pensar que 3. A exceção a essa regra é a excessiva onerosidade, ou seja, a hipótese prevista no art. 478 do Código Civil, quando, posteriormente à celebração do contrato de longa duração, verificar-se a ocorrência de eventos extraordinários e imprevisíveis, que não poderiam ter sido razoavelmente antecipados, no momento da contratação, pelo agente econômico ativo e probo, habituado àquele mercado. À parte não deve ser imputado o risco de não ter previsto o imprevisível, sob pena de serem despropositadamente aumentados os custos de transação. 4. As empresas podem ou não estar assistidas por seus advogados. Não são poucos os administradores que preferem movimentar-se livremente, sem ter por perto profissionais que tendem a adverti-los dos riscos de seu comportamento.

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acontecimentos ruins revelam menor probabilidade de acontecer com elas próprias do que com os outros.5 3.5 Os documentos produzidos na fase de negociação Na fase negocial, o afã de vinculação das partes pode levá-las à assinatura de documentos, denominados pré-contratos, acordos preliminares, memorando de entendimentos [memorandum of understanding – MOU], letter of intent, gentleman’s agreements etc.6 Pretende-se que, em negociações complexas, as partes escrevam os pontos sobre os quais acordaram e sigam adiante, deixando aquelas questões para trás. Ao revestir os acordos pontuais de formalidade, assinando vários papéis, de alguma forma, as empresas percebem-se mais comprometidas com o processo negocial. Duas ordens de problemas se colocam quanto aos pré-contratos: [i] a possibilidade de sua execução específica e [ii] o eventual dever de indenizar caso o contrato principal não seja celebrado. No sistema brasileiro, a possibilidade de execução específica dessas “obrigações” assumidas na fase pré-contratual é reduzida, pois, no mais das vezes, a parte recalcitrante não acabará coagida a celebrar o contrato definitivo. Isso não implica que inexista a proteção à boa-fé na fase de negociações. A doutrina e a jurisprudência brasileiras dominantes entendem que o art. 422 do Código Civil impõe a conduta conforme a boa-fé na fase negocial, embora esse dever não esteja escrito no texto legal: “Os contratantes são obrigados a guardar [...] na conclusão do contrato os princípios de probidade e boa-fé”. A dificuldade de executar esses “acordos” não quer dizer que, no Brasil, não se respeitem contratos, como muitos divulgam. A linha adotada por nosso ordenamento é bastante clara: buscar o respeito à palavra empenhada é diverso de 5. “A common feature of human behavior is overoptimism: People tend to think that bad events are far less likely to happen to them than to others. Thus, most people think that their probability of a bad outcome is farless than others’ probability, although of course this cannot be true for more than half the population” [Christine Jolls, Cass R. Sunstein, and Richard Thaler, A behavioral approach to law and economics, Disponível em: [https://www.academia.edu/5341053/A_Behavioral_Approach_to_ Law_and_Economics]]. 6. Sobre a fase pré-contratual, v. José A. Engrácia Antunes, Direito dos contratos comerciais, 93 e s. V. as excelentes obras de Cristiano de Souza Zanetti, Responsabilidade pela rutpura das negociações e Karina Nunes Fritz, Boa-fé objetiva na fase pré-contratual.

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obrigar a parte àquilo que não contratou e não quis contratar. Eis o fundamento axiológico dos arts. 462 e 463 do Código Civil. Uma coisa é obrigar a pessoa a fazer o que prometeu, outra, bem diversa, é ir além e obrigá-la a fazer algo a que não se vinculou. Merece referência antigo julgado do Supremo Tribunal Federal, até hoje lembrado pela doutrina e pela jurisprudência. A questão discutida relacionava-se a acordo que acertara a futura compra do controle, pelo grupo Pão de Açúcar, de sociedade anônima do ramo de supermercado [conhecida como “Disco”]. O texto do instrumento exprimia o consenso sobre a coisa a ser vendida/adquirida [ações que garantiam o controle] e o preço que seria pago. Estariam presentes todos os requisitos necessários [essentialia negotii] à existência do contrato de compra e venda? À época, dispunha o art. 639 do Código de Processo Civil: “Art. 639. Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado”.7 Tornou-se célebre o debate entre o Ministro Moreira Alves e o Fábio Konder Comparato em torno daquela controvérsia. No entender de Comparato, o negócio era de natureza civil e os elementos acordados seriam suficientes para garantir sua existência. Na sua visão, os contratos são obrigatórios quando houver acordo entre seus elementos essenciais. Para Moreira Alves – em tese que se sagrou vencedora – não se poderia dar execução específica ao acordo, porque isso implicaria transferir para o juiz aspectos negociais: “[N]ão [pode] o julgador consagrar o que está por acertar, o que expressamente depende do futuro entendimento e de valoração de dados ainda não colhidos. Se assim se fizer, estará o juiz contratando pelas partes, o 7. Era preciso definir se o negócio de compra e venda de controle acionário assumia natureza civil ou comercial. Na primeira hipótese, estariam presentes os elementos essenciais a esse tipo de contrato, ou seja, coisa, preço e consenso bastariam para obrigar à celebração do negócio definitivo. Na segunda, nos termos do art. 191 do Código Comercial, seria necessário também que as partes houvessem acordado sobre “as demais condições do negócio”. Como havia questões ainda em aberto a negociar, a conclusão por uma ou outra hipótese levaria a resultados opostos quanto à admissibilidade de execução específica. Ademais, debatia-se a correta interpretação do art. 126 do Código Comercial: os acordos mercantis seriam reputados perfeitos e acabados quando as partes concordassem seus elementos essenciais ou, ao contrário, seria necessário também o acordo sobre questões ancilares? Obs.: O art. 639 estava revogado pela Lei 11.232/2005. Não possui equivalentes no CPC 2015.

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que é grosseiro desvio de função e vício insanável do julgamento, pois se terá imposto em substituição às vontades necessariamente de se colher das Partes, emitindo, como acabadas e perfeitas, declaração de vontade que elas não fizeram”.8 Todavia, mesmo para Comparato, o contrato preliminar apenas pode obrigar à contratação definitiva se encerrar consenso sobre todos os elementos essenciais à sua existência ou, pelo menos, for acordada a “determinabilidade dos seus elementos essenciais”.9 Assim não fosse e dar-se-ia ao julgador o poder de negociar pela parte – o que é repelido por nosso direito positivo e por nossa tradição. “Não se admite, em nosso sistema jurídico, [...] que o juiz se substitua às partes para preencher os pontos em branco sobre os quais elas, apesar das negociações posteriores à minuta, não chegaram a acordo”.10 Em conclusão, a disciplina imposta pelos arts. 462 e 463 do Código Civil formata-se à lógica própria ao direito comercial; as críticas que lhe têm sido deferidas não parecem ter muito fundamento. Obrigar as empresas a aceitar termos contratuais impostos por terceiros andaria a favor do interesse geral do comércio, do tráfico mercantil? Em nossa ordem jurídica, a resposta é negativa. Os acordos pré-contratuais podem ser relevantes do ponto de vista moral, e até mesmo auxiliar o bom andamento das negociações. Porém, sua execução específica, de forma a obrigar à celebração a parte que desiste do negócio, é bastante difícil. 3.6 Responsabilidade pela ruptura das negociações Nos últimos anos, por força da difusão da posição alemã, tem-se considerado que a ruptura abrupta e injustificada das negociações dá ensejo ao dever de indenizar a outra parte, por quebra do dever de boa-fé e de lealdade que deve presidir as relações interempresariais. Em que pese algum exagero jurisprudencial, a regra geral, bem posta pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, é que a indenização apenas se justifica se houver inequívoco aviltamento da boa-fé objetiva. Desistir das negociações é uma faculdade da empresa, que se desdobra do princípio da liberdade de iniciativa econômica, do direito de contratar ou não contratar. 8. Recurso Extraordinário 88.716, julgado em 11 de setembro de 1979 [RTJ 92:250]. 9. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, 244. 10. Do referido voto do Ministro Moreira Alves.

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“Negociações preliminares [...] não vinculam as partes e [...] só ensejam indenização pelo rompimento no caso de violação a dever de lealdade e correção”.11 Deve-se ver com bastante cautela a posição de alguns julgados do STJ que, acreditando dar guarida ao princípio da boa-fé, acabam por neutralizar os percalços inerentes às negociações empresariais, privilegiando o agente econômico que apenas não conseguiu realizar o negócio que pretendia. Colocar excessivas barreiras e aumentar os riscos das negociações acaba por desestimular a celebração de contratos, prejudicando o tráfico mercantil. Quando entram em negociação, as empresas têm ciência de que o contrato não será necessariamente celebrado e, nesse contexto, podem estipular penalidade pela ruptura da aproximação. Contudo, para não afugentar o parceiro comercial, não se costuma propor esse tipo de estratégia, o que implica assunção do risco da não contratação definitiva. A correção posterior, pelo julgador, da ausência de cláusula expressa de penalização pelo corte das tratativas pode mostrar-se inadequada do ponto de vista sistêmico. Certa malícia nas negociações é inerente ao tráfico mercantil. “O dolus bonus é aceito e admitido pelo direito contratual”, lembra o TJSP.12 Cabe ao agente econômico contra ele acautelar-se, se entender necessário e conveniente. 3.7 A redação dos instrumentos do contrato Quando as partes entendem que o negócio está amadurecido, os advogados são chamados a redigir os instrumentos contratuais. Seu grau de conhecimen 11. Apelação n. 994.09.339794-0, julgada em 8 de abril de 2010, com relatoria do Desembargador Enio Zuliani. No mesmo sentido: “Sem dúvida que a fase de debates ou negociações preliminares não vincula os participantes quanto à celebração do contrato definitivo; todavia, é necessário verificar, caso a caso, se as partes agiram nessa fase em concordância com o princípio da boa-fé objetiva, relacionada com os deveres anexos de cuidado, colaboração, informação, confiança, lealdade, razoabilidade e equidade” [Apelação n. 9191408-83.2007.8.26.0000, julgada em 2 de outubro de 2013 pelo TJSP, com relatoria do Des. Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho]. Vale também conferir o julgado da lavra do Des. Carlos Alberto Garbi, de junho de 2017, no qual se esclarece que “especulação e ampla negociação [...] fazem parte da espécie de negociação”, pois se tratava de “negócio de grande monta e complexidade”, envolvendo “empresas brasileiras assessoradas por escritório de advocacia de renome e empresa de assessoria com vasta expertise em fusões e aquisições”. Ademais, havia “cláusula válida que excluía a responsabilidade civil” [Apelação n. 0005452-31.2013.8.26.0100]. 12. Apelação n. 994.09.339794-0, julgada em 8 de abri de 2010, com relatoria do Desembargador Enio Zuliani.

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to do negócio e das atividades é bastante variável e depende da familiaridade com a parte, com o negócio específico e com o setor econômico envolvido. Em contratos complexos, não é incomum que o redator coloque-se como consultor externo, apartando-se do “setor operacional” da empresa. Esse fato influencia a compreensão e interpretação dos contratos modernos: não raro, os instrumentos são redigidos por profissionais não familiarizados com aquele mercado ou com a dimensão técnica do negócio. A corporificação do negócio em um documento pode significar um “instrument de l’affirmation solennelle d’une volonté de coopération. La lecture des exposés des motifs, préalables à beaucoup de conventions ou protocoles de partenariat, est à cet égard tout à fait edifiante. Leur but est clairement de s’efforcer de faire naître un climat de confiance entre les futurs partenaires”.13 3.8 O momento da vinculação O Código Civil, aplicável aos contratos empresariais, disciplina o momento da sua formação com base no encontro entre a proposta e a aceitação, de forma a garantir o consenso ao redor daquilo que ficou ajustado. Regra geral, “[a] proposta de contrato obriga o proponente”, salvo se o contrário puder ser deduzido de seus termos, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso [art. 427]. Havendo aceitação, considera-se celebrado o contrato no local em que foi proposto [art. 435]. A importância dessa disciplina diz respeito ao momento da vinculação, ao instante a partir do qual se pode considerar que as empresas estão vinculadas às declarações de vontade que emitiram. “A aceitação fora do prazo, com adições, restrições, ou modificações, importará nova proposta” [art. 431 do Código Civil]. Os contratos reputam-se celebrados se e quando houver acordo quanto aos seus elementos essenciais. “O juiz não pode negociar pela parte” é um vetor importante a considerar, imposto pelo ordenamento jurídico. Essa regra é fácil de ser aplicada quando tratamos, por exemplo, de uma compra e venda: havendo acerto sobre a coisa e o preço, diz-se celebrado o negócio. Em negócios mais complexos, como saber o momento da vinculação das partes? A questão mostra-se, por vezes, de complicada resposta. Por isso, há séculos difundiu-se a prática de se reduzir o negócio a escrito. 13. Jacques Ghestin, L’analyse économique de la clause générale, 185.

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3.9 Operação econômica, negócio jurídico e contratos empresariais. A arquitetura jurídica do negócio Não há regra sobre aquilo que deve ou não ser reduzido a escrito: o teor do documento derivará de livre escolha das partes ou, como é mais comum, de seus advogados. Em negócios jurídicos complexos, sempre haverá cláusulas que não serão utilizadas, da mesma forma como inexistirão dispositivos para regular todas as questões futuras. Inexistem normas sobre a redação de cláusulas, elaboração de capítulos ou para as obrigações principais e acessórias que serão assumidas. “O papel aceita tudo”, costuma-se dizer, ou seja, não se pode a priori impedir que redação canhestra dê lugar a dispositivos contratuais confusos, contraditórios, incompletos ou até mesmo nulos. Inexistindo regras sobre a redação dos contratos, a arquitetura jurídica das operações empresariais assume grande importância, planejando-se a forma pela qual os negócios encetados pelas empresas entrarão no mundo jurídico, como serão organizados para produzir os efeitos almejados pelas partes.14 Exemplo: a empresa X, tradicional produtora de couro, e a empresa Y, fabricante de bolsas e detentora da marca popular Y, com sede na Itália, decidem constituir sociedade no Brasil para atuar no segmento de alto luxo, fabricando e comercializando bolsas de uma nova marca [XY]. A marca Y é distribuída no Brasil por terceiros. De início, após um mês de negociações, decidem que as bases do negócio serão as seguintes: [i] X e Y constituirão, no Brasil, a sociedade XY S.A.; X deterá o controle; [ii] Y indicará o diretor comercial de XY S.A.; [iii] X deverá fornecer couro para a produção de bolsas por XY Ltda.; [iv] Y deverá comprar bolsas de XY Ltda. para nelas apor a marca Y, vendendo-as para seus distribuidores. É tempo de “escrever o contrato”. Há inúmeras questões a serem negociadas: preço de fornecimento do couro, participação societária de cada uma das empresas na XY S.A., responsabilidade pelos investimentos, financiamentos, 14. Para Pontes de Miranda: “Pode ocorrer que os figurantes concluam, em instrumentos separados, dois ou mais negócios jurídicos e os ligue, de modo que se tenham de tratar como sujeitos à mesma sorte, ou que sejam separados, nas suas cláusulas e constem do mesmo instrumento. Também é possível a ligação entre dois ou mais negócios jurídicos concluídos em tempos diferentes – portanto, também em instrumentos diferentes – e que um dependa do outro, ou cada um dependa de qualquer um dos outros” [Tratado de direito privado, t. XXXVIII, 368].

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esquema de administração da XY S.A., regras para evitar o conflito de interesses entre Y e XY S.A. e assim por diante. Os advogados deverão decidir quais instrumentos serão redigidos. Mais uma vez, não há soluções “certas” e outras “erradas” e sim a busca por estrutura jurídica que melhor acomode os interesses das empresas. Após reuniões, decide-se que as partes firmarão os seguintes instrumentos: [i] “acordo quadro”, regulando o negócio como um todo; [ii] minuta do estatuto social de XY S.A.; [iii] acordo de acionistas de XY S.A.; [iv] contrato de fornecimento de couro entre X e XY S.A.; [v] contrato de fornecimento de bolsas entre Y e XY S.A.; [vi] contrato de prestação de serviços entre XY S.A. e X, pois X deverá treinar os funcionários de XY S.A. para que produzam bolsas de qualidade. Quais as cláusulas que constarão de cada um dos instrumentos? Qual será a denominação e a mecânica de cada um deles? Insista-se: trata-se de opção das partes [i.e., de seus advogados]. Há balizamentos postos pela Lei e pelos tipos contratuais, e não cercas a serem respeitadas. O resultado será uma miríade de instrumentos contratuais rubricados, assinados pelas partes e por suas testemunhas. Nada assegura que as cláusulas de todos esses contratos serão harmônicas entre si; tampouco que o teor de cada instrumento estará em sintonia com os demais. Os dispositivos contratuais e sua forma de organização não são fruto do acaso. Demanda planejamento, ponderação de riscos, dos prós e contras de cada uma das opções. As partes traçam a maneira pela qual os negócios entrarão no mundo jurídico, como serão enformados para produzir os efeitos almejados. Essa formatação jurídica não pode ser desprezada, sob pena de esmagar a comum intenção das partes determinante do negócio que acabou realizado. Quem se lança à análise do empreendimento tem perante si vários contratos, que existem, valem e são eficazes isoladamente, embora integrem o mesmo negócio mercantil. 3.10 O nome dos contratos Embora não seja obrigatório, quando reduzidos a escrito, aos contratos é atribuída uma denominação, um título. Tecnicamente, o “nomen iuris” é irrelevante, importando a substância do negócio contratado e não a denominação que lhe foi atribuída pelas partes ou seus advogados. Contudo, o título aposto no instrumento pode constituir importante elemento de interpretação quando se presta a descortinar a intenção comum das empresas vinculadas, indicando o negócio que pretenderam abraçar.

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3.11 Cláusulas contratuais Contratos envolvem prestações e contraprestações assumidas pelas partes. Quando da redação do instrumento, espera-se que as obrigações sejam expostas de maneira clara e coerente, possibilitando a intelecção do quanto ajustado. Os contratos, em sua manifestação escrita [i.e., seus instrumentos] costumam ser divididos em cláusulas. Cláusula é a estipulação que as partes fazem em seus negócios. Há quem a defina como “a unidade elementar [...] do regulamento contratual”. “[É] uma disposição homogênea, por meio da qual as partes regulam determinado aspecto da sua relação”.15 Identifica-se a cláusula com a disposição contratual, assumindo valor preceptivo. A cláusula encerra um preceito, um comando para uma ou ambas as empresas. É nesse sentido que vem empregada pelo Código Civil [p. ex., art. 109, 121, 278 e 286]. Na linguagem corrente, a palavra cláusula é também empregada como “item”, identificando a unidade do texto contratual corporificado no instrumento, ou seja, cada uma das partes do texto escrito, admitindo sua divisão em subcláusulas, subitens ou parágrafos. O texto do contrato não corporifica, apenas, obrigações propriamente ditas, contemplando estipulações, esclarecimentos, considerações comuns etc. Um item não corresponde a uma obrigação, podendo conter várias delas ou mesclá-las com considerações e esclarecimentos. É possível grupar as cláusulas contratuais em capítulos, cuja denominação é livremente aposta pelos advogados. Valem, aqui, as observações sobre os títulos dos contratos já feitas. Um dos desdobramentos da liberdade de contratar consiste na faculdade das partes moldarem as estipulações contratuais como bem lhes aprouver, desde que respeitem os limites da legalidade. O resultado nem sempre é harmônico e coerente. Daí a utilidade da regra de interpretação do Código Comercial de 1850, inspirada no princípio condensado por Pothier: “as cláusulas duvidosas serão entendidas pelas que o não forem, e que as partes tiverem admitido; e as antecedentes e subsequentes, que estiverem em harmonia, explicarão as ambíguas”.16 15. Roppo, Il contratto, 458. Ainda sobre as cláusulas contratuais, Ernesto Capobianco, Il contratto. Dal testo alla regola, 16 e ss. 16. Remete-se o leitor ao capítulo oitavo, no qual as regras de interpretação de Pothier serão analisadas.

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3.12 Disposições finais, cláusulas de estilo ou “boilerplate clauses” As vicissitudes da interpretação contratual fizeram com que se difundisse o hábito de incluir nos instrumentos contratuais, mais para o seu final, série de dispositivos standard ou padrão. São chamadas de “boilerplate clauses” ou, simplesmente, “boilerplate”. Em português, “disposições gerais” ou “disposi­ ções finais”. Com poucas exceções, acabam postas pelos advogados e não despertam maior atenção das empresas durante o processo negocial. Seriam midnight clauses, porque trazidas no final das negociações, quando todos estão exaustos.17 Afirma-se que seu processo de criação é um “recorta-e-cola” ou “controlC/ controlV”, repetindo-se quase que sem alterações nos contratos do mesmo redator ou escritório. São exemplos dessas cláusulas declarações no sentido de que: •  as partes encontram-se devidamente representadas e que os signatários estão investidos de todos os poderes necessários para presentar a sociedade; •  as alterações do ajustado somente serão válidas, caso se revistam da forma escrita; •  aquele instrumento supera todos os outros documentos antes produzidos; •  cada parte é responsável pelo pagamento de seus impostos, deveres trabalhistas etc.; •  o contrato não institui sociedade entre as partes; •  as partes não estão autorizadas a ceder o contrato; •  os sucessores, a qualquer título, estão vinculados aos termos do contrato; •  o não exercício de qualquer direito não implica sua renúncia; •  a nulidade de uma cláusula não implica a nulidade do contrato; e •  todas as notificações devem ser encaminhas aos endereços constantes do preâmbulo. Muitos autores entendem que as cláusulas arbitrais são “boilerplate clauses”, embora a escolha da câmara de julgamento costume ser debatida entre as partes ou, pelo menos, entre seus advogados. 17. A respeito das “cláusulas de estilo” e para a bibliografia clássica sobre o assunto, v. Ernesto Capobianco, Il contratto. Dal testo alla regola, 21 e ss.

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A principal indagação que se apresenta é como essas estipulações devem ser interpretadas, quais os limites da sua validade e até que ponto podem sobrepor-se às regras ditadas pela boa-fé e pela legítima expectativa das partes. Por exemplo, embora conste das disposições finais que as alterações ao contratado serão válidas apenas se formalizadas por escrito, o comportamento reiterado das partes em sentido diverso teria o condão de modificar o pacto? Lembrando que a resposta depende das peculiaridades do caso concreto, remetemos o leitor à discussão trazida no capítulo quarto, quando estudamos as modificações do negócio jurídico ao longo do tempo. 3.13 Omissões e dubiedades propositais Os advogados não costumam ser contaminados pelo otimismo dos agentes econômicos e, no exercício profissional, tendem a trazer para o presente, discussões futuras, ou seja, procuram resolver de antemão os problemas que conseguem antecipar. Enfrentam resistência de seus próprios clientes que, por força de sua profissão, querem celebrar o negócio que lhes parece vantajoso. Esse excessivo otimismo leva muitas vezes a evitar a discussão e a disciplina de pontos controvertidos. A inexistência de previsão contratual sobre determinadas questões pode derivar do comportamento estratégico das partes que, visando à realização da transação, evitam enfrentar aspectos que poderiam ameaçá-la.18 Deixam-se problemas para o futuro, até confiando no aumento do grau de dependência econômica que tende a ocorrer ou a se incrementar durante a relação. “Não criemos problemas” ou “quando acontecer, veremos o que e como fazer”, afirma-se nessas ocasiões.19 18. Stewart Macaulay, em conhecido estudo empírico sobre o comportamento das partes nos contratos, indica que, durante as tratativas, os agentes econômicos podem assumir as seguintes posturas em relação ao negócio a ser implementado: [i] cuidadosamente planejar comportamentos, explicitando-os formalmente [“explicit and careful”]; [ii] possuir entendimento comum, mas tácito, sobre certa questão [“tacit agreement”]; [iii] possuir entendimentos divergentes, não manifestados expressamente [“unilateral assumptions”]; [iv] sequer cogitar de determinado problema [“unawareness of the issue”]. O autor esclarece que “[c]learly other intermediate points are possible” [Non-contractual relations in business: a preliminary study, 4]. 19. “If I want a clause that says if event X takes place, the consequence Y will follow, you may demand something in exchange that I do not want to give you. When I antecipate this, it may be better to avoid raising the issue in negotiations and hope that the matter can be resolved if event X ever takes place” [Stewart Macaulay, The real and the paper deal: empirical pictures of relationships, complexity and the urge for transparent simple rules, 55].

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Ao contratar, as empresas dirigem sua atenção para os aspectos econômicos do negócio e não para aqueles jurídicos. Seu foco costuma recair sobre o preço, condições de pagamento, características do bem ou do serviço adquirido etc. Em negócios de maior complexidade, o planejamento das chamadas “contingências” fica a cargo dos advogados. Pesquisas empíricas constataram que, para a maioria das empresas, a utilidade do instrumento escrito é secundária quando comparada aos aspectos econômicos da transação.20 Algumas condições serão tratadas por assessores jurídicos que, desconhecendo importantes aspectos fáticos do empreendimento, não raro deixam de lhes dispensar a devida atenção. Mas é preciso reconhecer que as chances de um instrumento contratual disciplinar todas as questões futuras é nula, pois ninguém consegue prever o futuro e, mesmo que isso ocorresse, não valeria a pena negociar cada ponto. Assim, diz-se que os contratos são “naturalmente incompletos”. A realidade com que se depara o advogado é diversa daquela exposta nos manuais. A elaboração do contrato, o processo de barganha e, por fim, a redação do instrumento são fruto de um “cherry-picking”, no qual se pinçam as situações que se quer disciplinar. As outras acabam ignoradas, ou porque delas não se têm ciência, ou para que sua negociação não impeça a finalização do negócio. Nessa perspectiva, as regras dispositivas previstas pelo ordenamento jurídico são “default rules”, que indicarão o caminho se as partes não acordarem expressamente em sentido contrário. A Lei, por uma opção política, coloca a faca e o queijo nas mãos de uma parte e qualquer mudança nessa situação exige negociação [e, consequentemente, desgaste]. Diante da incompletude contratual, apresentam-se, ao menos, duas possibilidades. Caso haja regra prevista em Lei, a solução está posta. Na ausência de disciplina específica [como ocorre na maioria dos casos], o árbitro deverá decidir. Em todas as situações, a lacuna [proposital ou não] traz um risco, que recairá sobre uma das partes. Por exemplo: ajusta-se que X deve entregar 200 litros de leite para Y no dia 19 de março. As partes nada dispõem sobre eventual penalidade em caso de descumprimento, embora tenham discutido a questão. Caso X não entregue o leite, Y deverá propor ação judicial para 20. No relato de Collins: “[B]usinessmen focus their attention on the economic deal, not the contract. They are interested in the core exchange of goods and services, and do not pay much attention to the task of planning for contingences. […] The remaining issues that are typically included in the written contract by the lawyers will usually, though not invariably, receive scant attention from the parties to the transaction” [Regulating contracts, 150].

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conseguir alguma reparação. A falta de estipulação da multa é, de certa forma, uma “lacuna” que gera risco para Y. O mesmo se pode dizer em relação às redações dúbias, sejam intencionais ou não. Maiores as possibilidades de interpretação, maiores os riscos a serem enfrentados. Seguindo no mesmo exemplo: após muitas discussões em torno da multa, X e Y chegam mais ou menos a um consenso sobre a redação de cláusula. A redação não é nada clara, mas é o que se consegue acertar naquele contexto. A imprecisão implica risco: se, por um lado, para Y, o texto dúbio é “melhor do que nada”, por outro, palavras confusas trazem dificuldades na hora da execução. 3.14 O momento da assinatura. O início da vida do contrato Redigidos os instrumentos, marca-se a data para sua assinatura. São os famosos “fechamentos” ou “closings”, com quase inevitáveis adaptações de última hora nos termos contratuais. Centenas de folhas são rubricadas pelas partes, pelos intervenientes anuentes e pelas testemunhas – normalmente secretárias ou estagiários maiores de idade. Abrem-se champanhes, colocam-se notas na imprensa. Celebra-se. Terminada a comemoração, os instrumentos contratuais são arquivados no departamento jurídico, os advogados voltam para seus escritórios e as empresas vão “tratar de ganhar dinheiro”, como se afirma. “Longe de ser um guia para o cumprimento do contrato, os instrumentos são mandados para o arquivo e ignorados”, advertiu Stewart Macaulay.21 Para os advogados, o momento da assinatura pode representar um “fechamento”; para as empresas e para o Direito, é ali que tem início a vida do contrato. Longe dos assessores legais e de seus obstáculos, as partes sentem-se livres para, finalmente, dar início ao trabalho. Em contratos mais complexos, em especial os de colaboração, a produção de obrigações não cessa com a assinatura do instrumento. Ao contrário do que se costuma crer, a assinatura não é o fim da barganha ou da gênese de obrigações contratuais, mas apenas uma fase do negócio. Repita-se: uma fase – embora muito importante – e não o processo inteiro ou seu final. Muitas vezes, a vida do contrato inicia-se quando seu instrumento vai repousar nos arquivos do departamento jurídico.

21. No original: “Rather than guide performance, contract documents are filed away and ignored”. “Relational contracts floating on a sea of custom?”, 778.

4 A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS Regras jurídicas que vinculam as partes durante a execução do contrato e algumas de suas condicionantes comportamentais Sumário: 4.1 As normas que regem a vida do contrato. As chamadas “fontes do Direito” – 4.2 A importância das regras legais dispositivas no processo de barganha e na formatação do negócio – 4.3 Quem, efetivamente, dá execução ao contrato, construindo sua vida? – 4.4 As modificações do negócio jurídico ao longo do tempo. A nova regra em conflito com a anterior – 4.5 Modificações informais de contratos formais. A tendência de não se alterar o instrumento firmado durante a vida do contrato – 4.6 Ainda sobre as modificações informais dos contratos formais. O exagero na aplicação indiscriminada de institutos derivados da boa-fé objetiva [supressio, surrectio, venire contra factum proprium e tu quoque] – 4.7 A superação do exacerbado positivismo que dominou a análise jurídica dos contratos no século XX e a importância do contexto contratual – 4.8 O impacto de tendências comportamentais das partes sobre a vida dos contratos que celebram – 4.9 Breves notas de economia comportamental: 4.9.1 Excessivo otimismo; 4.9.2 Excessiva autoconfiança/self-serving bias; 4.9.3 Hindsight bias; 4.9.4 Falso consenso; 4.9.5 Persistência na decisão; 4.9.6 Reciprocidade; 4.9.7 Aversão à iniquidade; 4.9.8 Tendência de pertencer a grupos; 4.9.9 Endowment effect; 4.9.10 Senso de justiça; 4.9.11 Ancoragem/excessivo foco.

4.1 As normas que regem a vida do contrato. As chamadas “fontes do Direito” Embora a dimensão econômica dos negócios empresariais seja cada vez mais importante e entrelaçada com a jurídica, cabe ao direito o principal papel na formatação dos mercados e dos contratos. Apenas o direito é normativo e impõe padrões de conduta aos agentes econômicos. A economia explica, analisa incentivos e consequências. O direito comanda. Como reconhecer as regras? Como saber o que pode ou o que não pode ser feito, o que é ou não permitido pelo ordenamento jurídico? Para responder a essas questões, devemos identificar a origem das regras e formular critérios que permitam seu reconhecimento como padrões de conduta vinculantes para as partes. Quatro são os tipos de normas jurídicas que vinculam as partes nos contratos empresariais:

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[i] regramento estatal; [ii] usos e costumes; [iii] texto contratual; [iv] regras não escritas criadas pelas partes que, por sua vez, podem ser: [iv.1] complementares ao instrumento; ou [iv.2] com ele colidentes. A primeira fonte de regras é a Lei, o direito posto pelo Estado. O comportamento dos contratantes é condicionado pelo direito positivo. Mediante a edição de regras cogentes, o Estado dita o padrão de legalidade, ou seja, o que pode ou não ser feito pelas empresas. Os limites da autonomia privada são estabelecidos pela Lei. Os usos e costumes perfilam regras que, se não afastadas pelos agentes, complementam o regramento contratual. Discorreremos sobre esse assunto ao explicar os vetores dos contratos mercantis, no capítulo quinto. Aqui, é importante lembrar que, ao celebrar o contrato empresarial, as partes atraem para seu âmago os usos e costumes, de forma a colmatar eventuais lacunas percebidas na avença. Hoje deduzido da cláusula geral da boa-fé objetiva, esse norte vinha positivado no art. 133 do Código Comercial: “Omitindo-se na redação do contrato cláusulas necessárias à sua execução, deverá presumir-se que as partes se sujeitaram ao que é de uso e prática em tais casos entre os comerciantes, no lugar da execução do contrato”. Depois da Lei, os usos e costumes são importante fonte de regras para o contrato entre empresas, tenha-se deles consciência ou não. O ordenamento presume que o agente econômico ativo e probo conhece o mercado em que atua. Além das normas postas pelo ordenamento estatal e pelos costumes, “o contrato faz lei entre as partes”, na máxima positivada pelo Código de Napoleão. As diretrizes contratuais haverão de ser respeitadas. Pacta sunt servanda. Temos, aqui, terceira fonte de regras contratuais: o que foi expressamente acordado entre as empresas. Sua melhor prova é o instrumento contratual firmado, pois se presume que as partes acertaram e aceitaram aquilo que está escrito. Como posto no capítulo anterior, a vida do contrato inicia-se quando o instrumento é firmado. O ato da assinatura muitas vezes não é o fim do processo negocial. Tampouco o que está escrito será a única fonte de obrigações, direitos e pretensões durante a execução.

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Por conta desse contexto, dois tipos de regras podem, com o passar do tempo, surgir: [i] regras que complementam o ajustado; e [ii] regras que vão contra os termos expressamente ajustados nos instrumentos. A aplicação desse regramento complementar enfrenta problemas derivados da dificuldade de comprovação de sua própria existência. Não é simples demonstrar: [i] a ocorrência de novos padrões de comportamentos e [ii] que são considerados pelas partes como de observância obrigatória. A conduta dos agentes será crucial para a identificação da nova regra vinculante. 4.2 A importância das regras legais dispositivas no processo de barganha e na formatação do negócio A classificação das regras jurídicas entre imperativas e supletivas é uma “maxime de tous le temps”, que se emerge, a contrario sensu, do art. 6.º do Código de Napoleão: “On ne peut déroger, par des conventions particulières, aux lois qui intéressent l’ordre public et les bonnes moeurs”. A distinção é por vezes referida entre normas cogentes e dispositivas; a doutrina norte-americana trabalha com a terminologia “imutable” ou “mandatory rules” e “default rules”. O ordenamento jurídico estabelece comportamentos que devem ser adotados pelas empresas, mediante normas “que se impõem por si mesmas, excluindo qualquer arbítrio individual”. Mediante esses comandos imperativos, o Estado define quais negócios serão ou não admitidos, quais práticas podem vir à luz no âmbito jurídico. Por exemplo, as partes não podem afastar seu dever de agir conforme a boa-fé na execução do contrato. As normas dispositivas, por sua vez, são “todas aquelas que não se impõem ao respeito dos indivíduos senão supletivamente, visto poderem ser avulsas pela vontade dos interessados, e só na ausência desta são chamadas a reger suas relações e assim obrigatoriamente aplicadas pelo juiz” ou árbitro. As lacunas dos contratos podem ser colmatadas a partir da aplicação de regras dispositivas previstas no ordenamento. Inexistindo penalidade expressamente regulada no contrato para descumprimento de alguma obrigação, serão devidos perdas e danos, conforme estatui o Código Civil. A maior parte da doutrina entende que as regras dispositivas devem apontar para o que as partes teriam normalmente estipulado, ou seja, reproduzem “a vontade presumida das partes, regulamentando a relação jurídica, como se os interessados a houvessem confeccionado, eles próprios”. Indo além desse subjetivismo, as regras dispositivas, grande parte das vezes, trazem situações

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que usualmente ocorrem em situações semelhantes, considerando “as tradições, os costumes, os hábitos de interesse geral”. Nesse sentido, regras dispositivas podem implicar diminuição dos custos de transação, na medida em que poupam esforços e recursos que as partes despenderiam nas negociações de todos os pontos de um contrato. Para Posner, as default rules “economize on transaction costs by supplying standard contract terms that the parties would otherwise have to adopt by express agreement”. Os economistas já demonstraram que “negociar custa”. Trazer um interesse à baila e moldar sua disciplina específica no contrato costuma requerer investimento de tempo e de recursos por parte daquele que exterioriza o pleito. Por exemplo, dispõe o art. 23, inciso III, da Lei de Locações que o desgaste natural do imóvel deve correr por conta do locador; é isso que acontecerá se nada diferente for contratado. Para alterar essa regra geral, o locador deverá negociar e acertar sua inversão com o locatário que, provavelmente, resistirá. Não se espera que eventual concordância venha da bondade do futuro inquilino, mas em troca de algo como, por exemplo, a redução do preço do aluguel. Os comandos jurídicos que se aplicam se nada for disposto em sentido contrário pelas partes [as chamadas “regras dispositivas”] são relevantes para essa dinâmica, pois disciplinarão a relação entre as empresas, se elas optarem por não investir, enfrentar a questão, desgastar-se e obter da outra/negociar uma solução sob medida [“tailor made”]. 4.3 Quem, efetivamente, dá execução ao contrato, construindo sua vida? Em contratos complexos, há muitas pessoas envolvidas na execução da avença. A imagem do negócio que tem seu cumprimento dirigido e fiscalizado, em seus detalhes, pelo “dono” da empresa é romântica e cada vez menos encontrada na realidade. Nessas situações, os indivíduos que firmam o instrumento não são os mesmos que executarão o contrato. Considere-se a existência dos seguintes grupos de atores: [i] o corpo jurídico, que atua intensamente até o momento da assinatura. Depois, somente será chamado à cena se houver relevantes problemas a serem solucionados; [ii] os dirigentes ou executivos que lideram o processo de negociação, monitoram e supervisionam a execução dos contratos que não estão envolvidos em seu dia a dia; [iii] o pessoal técnico ou operacional que lida com a execução do contrato, dando-lhe concreção.

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Em um negócio em que a empresa A contrata a construtora B para edificar determinada fábrica, haverá a equipe jurídica, que auxiliará as negociações, conduzidas por alguns executivos. Os instrumentos serão firmados pelas pessoas nomeadas nos estatutos sociais. Executivos supervisionarão e gerenciarão o contrato, que terá sua execução diária implementada pelos técnicos [engenheiros, arquitetos, supervisores de obras, trabalhadores da construção civil etc.]. Durante a vida do ajuste, a maioria dos contatos entre as duas partes será feita pela equipe técnica na construtora B, com alguns profissionais e supervisores da empresa A. Os advogados fizeram constar do instrumento que, semanalmente, B enviaria relatórios a A sobre o andamento dos trabalhos. De início, as partes agem dessa forma. Todavia, o procedimento cai no esquecimento porque, todas as semanas, um gerente de A dirigia-se à obra, inteirando-se do que ocorria. Se havia pontos a resolver, realizavam-se reuniões no próprio canteiro de obras e soluções surgiam encontradas de comum acordo. A e B podem ter modificado os termos do pacto no que diz respeito ao envio de relatórios sobre o andamento dos trabalhos. O departamento jurídico e os altos executivos somente tomarão conhecimento dessa alteração quando e se ocorrerem desentendimentos futuros fortes entre A e B. Caso contrário, chegando o contrato a bom termo, a disposição contratual terá sido alterada sem que as partes se deem muita conta disso. Para a letra da lei, as pessoas jurídicas contraem obrigações se representadas na forma da Lei e do estatuto ou contrato social [art. 47 do Código Civil]. Apenas alguns executivos detém o poder de “presentar” a sociedade.1 São eles que possuem a “a caneta na mão” e são autorizados a firmar os instrumentos contratuais em nome e por conta da sociedade. Não obstante, várias pessoas – e não apenas as que assinaram os instrumentos – estarão envolvidas na execução do contrato e seu comportamento pode gerar obrigações para a empresa.

1. A expressão “presentação” é de Pontes de Miranda, ao explicar a teoria organicista. Tecnicamente, os administradores “presentam” [e não “representam”] a sociedade. “Quando o órgão da pessoa jurídica pratica o ato, que há de entrar no mundo jurídico como ato da pessoa jurídica, não há representação, mas presentação. O ato do órgão não entra, no mundo jurídico, como ato da pessoa, que é órgão, ou das pessoas que compõem o órgão. Entra no mundo jurídico como ato da pessoa jurídica, porque o ato do órgão é ato seu. Ainda há presentação, e não representação […]”[Tratado de direito privado, t. III, 233].

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4.4 As modificações do negócio jurídico ao longo do tempo. A nova regra em conflito com a anterior Na dinâmica dos negócios, não é incomum que as empresas, premidas por novos contextos e necessidades econômicas que surgem ao longo da vida contratual, encetem modificações que impactam a avença. Nessa fase, quando assinaram os instrumentos contratuais e lançaram-se no empreendimento, as alterações germinam naturalmente, longe dos escritórios dos advogados. “As partes nem sempre têm ideias exatas sobre a natureza jurídica do resultado que perseguem. Com frequência, buscam apenas a um efeito econômico [...]. Neste sentido, e, sobretudo quando preveem um desenvolvimento fácil e pacífico de suas relações, as partes não se preocupam com a técnica jurídica”.2 As partes “escrevem uma coisa e fazem outra” ou ainda “escrevem uma coisa e, após algum tempo, passam a fazer outra”. Uma das formas mediante as quais o ordenamento jurídico trata essa questão diz respeito à observação do comportamento das partes, posterior ao fato do contrato. A letra do instrumento é o início do caminho, é de suma relevância, mas não a única estrada e tampouco seu necessário ponto de chegada. Indispensável, pois, a referência ao disposto no art. 131, 3, do Código Comercial, que traduz importante princípio: “o fato dos contraentes posterior ao contrato, que tiver relação com o objeto principal, será a melhor explicação da vontade que as partes tiverem no ato da celebração do mesmo contrato”. “A norma, o conteúdo efetivo da autodeterminação dos particulares manifesta-se como resultado dos interesses que emergem do procedimento globalmente considerado e não como expressão estática apenas do momento da autodeterminação do ato”.3 Obrigações surgem do encontro entre as declarações de vontade que manifestam oferta e aceitação.4-5 No entanto, nada obsta que esse processo dê-se “informalmente”, por mecanismos que implicam ofertas e aceitações “tácitas”. Enfim, condutas fáticas, circunstâncias negociais que traduzem a declaração de vontade do agente. Lembre-se a lição de Antônio Junqueira de 2. Von Tuhr, Derecho civil – Teoría general del derecho civil alemán, v. II, 226-7. 3. Von Tuhr, Derecho civil – Teoría general del derecho civil alemán, v. II, 2, 226-7. 4. Cf. arts. 427 a 435 do Código Civil. 5. Os internacionalistas indicam os problemas que derivam da chamada battle of the forms, ou seja, quando há o envio de ofertas/aceitações standard de parte a parte, sem coincidência entre elas. Quais regras disciplinarão a avença que, muitas vezes, começa a ser executada? V. Aldo Frignani, Lo strumento contrattuale, 41.

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Azevedo: “[...] há de se entender por negócio jurídico aquela conduta total socialmente qualificada como negócio. [...] As ‘circunstâncias negociais’ são, pois, um modelo cultural de atitude, o qual, em dado momento, em determinada sociedade, faz com que certos atos sejam vistos como dirigidos à produção de efeitos jurídicos”.6 É indisputável que obrigações são assumidas por meio do encontro das declarações de vontade que manifestam oferta e aceitação; para a constituição do vínculo, salvo expressa disposição legal, não é necessário documento escrito e assinado pelas partes. Nesse sentido, a regra geral dos contratos comerciais, hoje corporificada no art.107 do Código Civil: “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”. De um lado, como apontado no capítulo terceiro sobre a formação dos contratos empresariais, a redução a escrito do negócio, por facilitar sua prova posterior, incrementa o grau de segurança jurídica das partes, diminuindo os custos de transação. De outro, essa busca de segurança e de previsibilidade pode levar à falta de identificação do negócio [real deal] com os termos reduzidos a escrito [paper deal], cindindo o que, de acordo com a teoria clássica, deveria ser uno. Mais uma vez, retorna-se a “la question rituelle et insoluble du positivisme et de l’injustice”:7 até que ponto as partes podem ser obrigadas a seguir comportamento que não contrataram expressa e solenemente? Dizendo-o de outra forma: é útil ao tráfico mercantil permitir a vinculação dos agentes econômicos por meios não inequívocos de manifestação da vontade? O positivismo jurídico tradicional, a pretexto de aumentar a segurança no tráfico, prega o apego ao texto contratual, respondendo negativamente à questão.8 Dessa forma, abandoná-lo [i.e., abrir-se ao ambiente institucional] significa admitir que o comportamento das partes é a manifestação de sua vontade e permitir que a contratação original seja alterada pela prática dos agentes econômicos no curso da vida do contrato.

6. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 120-2. 7. Camille Jauffret-Spinosi, Theorie et pratique de la clause générale en droit français et dans les autres systèmes juridiques romanistes, 35. 8. Cf. Paula A. Forgioni, Apontamentos sobre algumas regras interpretação dos contratos comerciais: Pothier, Cairu e Código Comercial de 1850, 31.

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O fato de as empresas, sem qualquer contestação, implementarem condutas diversas das previstas no instrumento, dependendo das circunstâncias, autoriza a conclusão de que houve alteração do negócio.9-10 O contrato é inovado sem que as partes se preocupem em modificar a letra do instrumento – que segue placidamente arquivado. Instrumento e contrato não mais coincidirão. Como exemplo, tomemos acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 1943,11-12 em linha hoje bastante seguida pelas Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. Duas sociedades contenderam sobre a licitude de despejo justificado pelo pagamento do aluguel após a data aprazada. Muitas vezes a locadora aceitara o pagamento do aluguel fora do prazo acordado. Poderia, com base em atraso único, exigir o fim do contrato? As fal 9. Hão de ser vistas com cautela as cláusulas de estilo como aquelas que exigem a alteração por escrito do instrumento para que se considere o negócio modificado. 10. Sobre o problema dos “sequential agreements”, cf. Hugh Collins, Regulating contracts, 154 e ss. 11. Embargos ao RE 6.151/DF. José Linhares, Presidente e Bento de Faria, Relator [vencido]. 12. Vale lembrar pioneiro julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que reconhece ter o comportamento tolerante das partes o condão de alterar as obrigações assumidas e modificar a base da avença: “Penso que, possível fosse afastar a ideia da ‘transação’, que centrou o raciocínio lógico do sentenciador, ainda assim se evidenciaria um ‘acordo tácito’ entre as partes, continuado no tempo, mercê das sucessivas operações de compra e venda de mercadorias, em que as ulteriores testificavam as alterações consensuais quanto às condições anteriores. Também que os descumprimentos dos contratos eram recíprocos, embora por vezes apenas parciais, pois enquanto a vendedora postergava a entrega de mercadorias de algumas encomendas, a compradora atrasava excessivamente os pagamentos. Surpreende-se nos episódios, certamente pelas conhecidas contingências do mercado, uma recíproca tolerância, assim alterando as bases do contrato e as condições de seu cumprimento, dando ensejo a uma figura não bem definida, mas que em muito se assemelha a da transação, onde a tônica é a compensação de direitos e obrigações. Isso é o que se ressumbra com clareza dos autos, especialmente revelado na minudente investigação pericial. [...] Que houve tardança na entrega de pedidos dúvida não há, o que da mesma forma aconteceu com os pagamentos respectivos. Nem por isso, entanto, rompeu-se a relação negocial. Pelo contrário, ela prosseguiu, o que é dado significativo para convencer que os atrasos eram consentidos e que atendiam às conveniências recíprocas” [TJRS, Ap. Cív. 591070297, j. 19.12.1991, rel. Pilla da Silva].

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tas reiteradamente toleradas teriam “tornado sem vigor” a cláusula contratual que fixara o prazo? Bento de Faria entendeu que a lei obrigava o locatário a pagar pontualmente o aluguel nas datas ajustadas, “a estipulação contratual devendo ser observada na forma convencionada, não podendo ser alterada por forma diversa da que a originou, nem deduzida de atos que não alteraram a vontade das partes”. José Linhares seguiu a mesma linha, observando que “[s]i o contrato é lei entre as partes, ele só pode ser alterado por outra convenção. A simples tolerância do credor em exigir a obrigação ao termo, não constitui direito do devedor de alterar o mesmo”. Orozimbo Nonato adotou entendimento diverso; em sua opinião, ocorrera a modificação dos termos contratuais. “Habitualmente, constantemente, reiteradamente, aceitou o locador o pagamento fóra do prazo. Não se trata de ato único ou raro, a ser interpretado como simples tolerância, não poderosa a alterar o contrato. Trata-se, ao revés, de atos constantes e iterativos e cuja prática habitual tornou inaplicável o dies interpelat. De-resto, devem as relações contratuais ser interpretadas de boa-fé e seria iníquo admitir a eficácia do procedimento do locador, o que valeria por aceitar situações armadas abusiva e maliciosamente por uma parte contra a outra”. Castro Nunes vai na mesma vertente, inspirado no teor do art. 131 do Código Comercial, embora não o declare expressamente: “O fato posterior das partes contratantes infirmou a rigidez da cláusula contratual, equivalendo a um acôrdo para dispensa-la, acôrdo que em matéria eminentemente consensual, lhes estava ao alcance, de vez que a locação pode ser contratada sem prefixação legal de forma, até mesmo verbalmente. [...] O que é essencial à modificação das convenções é, como diz Josserrand, o elemento consensual [...], consentimento que se traduziu na dispensa consentida pelo credor da observância da cláusula em questão”. “É certo que o contrato faz lei entre as partes. Mas é igualmente certo que os tribunais não estão impedidos de interpretá-los fazendo prevalecer contra a letra a vontade ou intenção das partes. De modo que, em última análise, não sai do âmbito desses princípios pacíficos o julgamento que, apreciando circunstâncias ocorridas na execução de um contrato, interpreta por elas a vontade das partes no entendimento de cada cláusula, para concluir que o próprio credor do direito de reclamar a sua estrita observância não lhe deu esse alcance ou assentiu em um modus vivendi com o devedor, deixando de lado a exigência contratual”. Entre a letra do pacto e a interpretação conforme o comportamento das partes e a boa-fé, opta o Ministro Castro Nunes pela segunda: “Porque a no-

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ção do contrato vai cedendo dia a dia às imposições da bôa fé, que domina a interpretação das convenções”. 4.5 Modificações informais de contratos formais. A tendência de não se alterar o instrumento firmado durante a vida do contrato A prática demonstra que raramente novas obrigações assumidas pelas partes durante a vida do contrato são reduzidas a escrito, gerando aditivos ou anexos ao contrato. São os próprios técnicos que decidem quando devem solicitar a atuação dos advogados e isso quase nunca ocorre se acreditam ter diante de si questões comuns, corriqueiras, ligadas ao dia a dia da implementação do contrato. Para a área técnica, o trabalho dos advogados implica gastos com honorários, investimento em tempo, negociações etc. Por qual razão um engenheiro traria o advogado para o campo, se tudo está correndo bem e o pessoal técnico alcançou solução satisfatória para divergência que restou superada? Conjugam-se vários fatores que levam ao distanciamento entre o real deal e o paper deal, gerando riscos para as empresas. A economia de recursos é uma das principais razões. Outra, o excessivo otimismo, que leva as empresas a subdimensionar os riscos de sua conduta. 4.6 Ainda sobre as modificações informais dos contratos formais. O exagero na aplicação indiscriminada de institutos derivados da boa-fé objetiva [supressio, surrectio, venire contra factum proprium e tu quoque] A modificação tácita dos contratos pode acarretar situações de risco para as empresas. Basta que a parte se afaste dos termos do instrumento para que se conclua pela inapelável modificação do contrato. Como justificativa, lançam-se institutos como supressio, surrectio, proibição do venire contra factum proprium e tu quoque. Esse tipo de postura gera elevado grau de insegurança para os agentes econômicos, que passam a nutrir o receio de que, ao se afastar do texto, nunca mais poderão recobrar os direitos que acertaram na formação do negócio. Tem-se o exagero, na ilusão de proteção de uma das partes da avença. O raciocínio, aqui, é o mesmo exposto quando tratamos da boa-fé objetiva.13 No direito comercial, aqueles institutos somente fazem sentido se, no caso concreto, sua introdução contribuir para o bom fluxo de relações econô 13. V. capítulo quinto.

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micas – e não para alcançar a tutela do contraente que se afasta do instrumento assinado. Tampouco há de se ter por efeito o desestímulo à flexibilização temporária dos termos ajustados, obstruindo adaptação conjuntural a eventuais circunstâncias adversas. Viola a lógica própria do direito comercial a aplicação de pautas de modo a sinalizar para o mercado que o risco da colaboração com o parceiro comercial revela-se alto para aquele que, por certo tempo, concorda em abrir mão de seu direito. O agente econômico diligente acaba incentivado a não apoiar a outra empresa, pois se vê premido a reduzir a escrito qualquer liberalidade concedida. Ou seja, a parte que pretende ser maleável diante da adversidade enfrentada pelo parceiro é forçada a adotar a prática [custosa e não usual] de documentar a alteração. Esse destempero pode ser evitado ao se reconhecer que o texto contratual é o mais forte dos indícios da intenção comum das partes do momento da celebração. Para desprezar aquele ajuste, é preciso comprovar que o comportamento gerou indubitável alteração nos termos negociados.14 É importante a observação dos padrões de mercado em que atuam os contratantes para apreender se, efetivamente, o comportamento da parte que abriu mão de seu direito gerou, na outra, expectativa de adoção perene do novo padrão. Ao contrário do que concluem alguns julgados, dois ou três meses de complacência não costumam ser suficientes para superar a avença anteriormente negociada e aceita por ambas partes. 4.7 A superação do exacerbado positivismo que dominou a análise jurídica dos contratos no século XX e a importância do contexto contratual Porque a empresa implica grupamento de pessoas, sua atuação apresenta tendências que não podem ser ignoradas pelos juristas. Aquele que redige, analisa ou julga a execução de um contrato deve conhecer a realidade na qual o negócio se insere. Caso contrário, permanecerá vítima do exacerbado positivismo que muitas vezes formatou a doutrina do século XX. Um dos desdobramentos da pandectística do século XIX e do movimento positivista do século XX consistiu em afastar do Direito tudo o quanto não fosse “jurídico”. Considerações éticas, políticas ou econômicas não constituiriam 14. V. Paula A. Forgioni, Voto parcialmente divergente. Caso Itiquira Indústria e Construções x Itiquira Energética S.A, Revista de Arbitragem e Mediação, v. 17, p. 278-327, 2008.

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assunto do jurista como tal. Pretendia-se “subordinar a vida aos conceitos e dobrar a realidade social a princípios deduzidos sob a forma sistemática de imperativos lógicos”, explica Orlando Gomes.15 Na impossibilidade de afirmar o que é justo, que se soubesse, ao menos, o que é jurídico, identificando com clareza quais os comportamentos juridicamente exigíveis das pessoas. O paradigma é o da liberdade e a contração de obrigações somente se dá em decorrência da inequívoca e expressa vontade da parte. No que diz respeito à disciplina dos negócios, esse postulado traduziu-se na extrema valorização da palavra escrita: vale aquilo que está no papel e nada existe fora daquela letra. Afastam-se ponderações de qualquer outra ordem, diminuindo a força de vetores como o da boa-fé ou da proteção da legítima expectativa: apenas a inequívoca manifestação da vontade individual, a assi­ natura lançada no papel, seria capaz de vincular a parte. A reboque vem o desprestígio da interpretação/integração dos contratos. No campo do direito empresarial, ainda hoje pouco se diz a respeito da interpretação dos contratos; ignora-se olimpicamente a realidade e todas as complicações nela envolvidas. Ainda que não admitam explicitamente, muitos seguem afastando tudo o que não se subsume às seguras categorias talhadas pela dogmática tradicional. O contrato não é apenas a letra fria do instrumento. É o negócio embebido na realidade que o circunda, concebido e conduzido por seres humanos que, durante a vida do negócio, nele refletem suas tendências. A compreensão de seu entorno impõe-se para a disciplina das demandas e conflitos que surgem ao longo da sua vida. Esse tipo de estudo explica e sistematiza, a partir da observação da realidade, a tomada de decisões econômicas dos agentes [empresas, consumidores, investidores etc.]. De certa forma, estamos diante da retomada do caráter interdisciplinar que foi afastado do direito. Sem a compreensão interdisciplinar do contexto do contrato, das circunstâncias, não se pode interpretá-lo, imprimir-lhe execução. É preciso enxergar os vínculos que vão surgindo durante a vida do contrato, e os fatores jurídicos e extrajurídicos que impulsionam e aplacam os conflitos. O instrumental para tanto não é dado pela dogmática formalista do século passado, e sim emerge da acurada observação da realidade dos negócios empresariais contemporâneos.16 15. No prefácio de seu livro sobre os contratos, que quebrou paradigmas ao desafiar a visão clássica que até então imperava no Brasil. 16. Por essa razão, autores como Betti, Orlando Gomes e Junqueira esforçaram-se para comprovar que os negócios jurídicos brotam da realidade, da prática, do comportamento das partes.

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4.8 O impacto de tendências comportamentais das partes sobre a vida dos contratos que celebram A doutrina comercialista moldada a partir dos anos 40 do século XX identifica a empresa com o empresário. A ele pertenceria a genialidade, a capacidade de inovar, de ter ideias. O empresário seria o empreendedor que molda a empresa à sua imagem e semelhança. Isso pode até ser verdadeiro em algumas situações, especialmente no início da vida empresarial, quando a pessoa física organiza sua atividade para determinado fim. Ninguém nega que a dona de casa com talento excepcional para a costura e a moda imprimirá sua marca no estabelecimento que abrir para explorar a confecção e o comércio de roupas. Grandes empresários como Bill Gates, Steve Jobs, Samuel Klein e Luiza Trajano, ao menos no momento inicial, formatam seus negócios à sua imagem e semelhança – e fazem dessa identidade importante elemento de marketing. O público tem a impressão de que essas pessoas estão por trás de todas as decisões de “suas” empresas. Com o passar do tempo e crescimento da empreitada, essa influência tende a se diluir. Empresários, por mais geniais que sejam, ficam doentes e morrem ou vendem o controle acionário das sociedades das quais participam. Nem por isso elas desaparecem. Por quê? A resposta é simples: porque as organizações existem independentemente dos empresários e desenvolvem cultura própria. É a chamada “cultura empresarial”, estudada pelos economistas e administradores. As empresas são grupamentos de pessoas e, nessa medida, também feitas de “carne e osso”. Operários, gerentes, advogados internos, vendedores, supervisores, técnicos, diretores, vice-presidentes ou presidente, em maior ou menor medida, acabam condicionando a atividade do ente produtivo. A substituição de um alto executivo pode modificar certas facetas da atuação da firma, porém é quase impossível alterar sua forma de existir de uma hora para outra. Esses fatores são mais importantes na organização das atividades da empresa do que se costuma imaginar: fusões não dão certo porque culturas empresariais entram em choque, ao invés de se amalgamarem; um novo presidente não consegue tocar os negócios como gostaria, pois esbarra na visão solidificada ao longo de décadas. Empresas são tidas pelo mercado como “sérias” ou “pouco confiáveis” e bem sabem os executivos o quanto é caro alterar essa imagem ligada à cultura empresarial. Disso extraímos dois aspectos relevantes para a compreensão dos contratos empresariais: [i] os contratos empresarias são concebidos e executados por pessoas;

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[ii] essas pessoas aglutinam-se/organizam-se em torno de empresas, e sua atuação reflete determinada cultura. Para enfrentar as questões trazidas pela dinâmica contemporânea dos contratos empresariais, a dogmática jurídica deve se perguntar “quem é a empresa, o que e como ela exerce suas atividades” ao invés de se restringir à análise sobre “o que é a empresa”. 4.9 Breves notas de economia comportamental Partindo da constatação de que o negócio somente pode ser compreendido e interpretado a partir das condutas das partes, analisemos suas tendências, hoje objeto de estudo da economia comportamental. Ao longo deste trabalho, esses vieses foram referidos para explicar facetas da dinâmica dos negócios empresariais. Por ora, expomos o resumo das principais inclinações que moldam o vínculo contratual. Um dos mais relevantes desenvolvimentos das ciências sociais dos últimos anos foi impulsionado por profissionais voltados à análise de comportamentos na vida real e não por juristas ou economistas. O foco passou a incluir a compreensão dos mecanismos de julgamento e decisão tal como funcionam concretamente. A vantagem a ser auferida pelo agente econômico, a curto prazo, não é medida apenas em pecúnia. Por isso, ensina Kahneman que “utility cannot be divorced from emotion, and emotion is triggered by chances”.17-18 Outra advertência antes de empregar as sistematizações dos economistas na compreensão dos contratos mercantis: as tendências do comportamento das 17. Daniel Kahneman, Maps of bounded rationality: A perspective on intuitive judgment and choice, disponível em: [http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economic-sciences/ laureates/2002/kahnemann-lecture.pdf]. Último acesso em abril de 2015. 18. A bibliografia sobre economia comportamental desenvolve-se rapidamente, pois desperta grande interesse entre os economistas, inclusive aqueles ligados à Escola de Chicago. Contudo, ainda não houve maior aprofundamento de sua interface com os contratos empresariais. As maiores aplicações, na área jurídica, recaem sobre o antitruste e, especialmente, sobre a disciplina do mercado financeiro e de capitais. Apenas para viabilizar o início do estudo, v. os seguintes trabalhos: Richard Thaler e Cass Sunstein, Nudge: Improving Decisions about Health, Wealth, and Happiness [2008]; Christine Jolls, Richard Thaler e Cass Sunstein, A Behavioral Approach to Law and Economics [1998]; Cass Sunstein, Going to extremes: How like minds unite and divide [2009]; Daniel Kahneman e Amos Tversky, “Prospect Theory: An Analysis of Decision under Risk” [1979]; Nick Wilkinson, An Introduction to Behavioral Economics [2008]; Cass Sunstein [org], Behavioral Law and Economics [2000] e Owen Jones, Time-Shifted Rationality and the Law of Law’s Leverage [2001].

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pessoas físicas [e, consequentemente, jurídicas] não são, por si, desculpas para ações desidiosas ou excessivamente confiantes do empresário. São explicações sobre tendências, das quais podem decorrer vantagens ou desvantagens para a empresa, conforme os resultados práticos alcançados. Ao trazer essas sistematizações para o estudo jurídico, pretende-se pontuar como o direito lida ou deve lidar com a dinâmica do nascimento, vida e morte dos negócios jurídicos. Isso não significa que o executivo que se porta conforme seus instintos está sempre correto e merece aplausos.19 O pressuposto do funcionamento do mercado segue sempre o mesmo: os comerciantes ativos e probos agem racionalmente. A perspectiva seria diversa se tratássemos das relações entre empresas e consumidores, e não exclusivamente daquelas entre empresas. Muitas vezes, na economia de massa, as tendências irracionais de comportamento das pessoas colocam-lhes em situações de fragilidade e clamam a tutela do ordenamento. O pressuposto das relações empresariais é diverso daquele consumerista: a empresa deve atuar de forma diligente, bem cuidando de seus negócios. Ao dedicar menos tempo ou investir menores recursos na tomada de certa decisão, a empresa assume riscos. As coisas podem andar a bom termo, e ter-se-á economizado dinheiro. Todavia, tudo pode andar mal e o agente econômico será chamado pelo direito a arcar com as consequências de seus atos. 4.9.1 Excessivo otimismo A maioria dos seres humanos é excessivamente otimista e acredita que o pior não vai acontecer, ou que são muito maiores as probabilidades de algo desagradável atingir os outros e não a si. Trata-se de tendência presente na formação dos contratos empresariais, abordada em capítulo específico. A empresa tende a agir como se, no futuro, tudo fosse dar certo e deixa de tomar medidas que melhor assegurariam seus direitos. 4.9.2 Excessiva autoconfiança/self-serving bias Diante de algo desagradável, o ser humano convence-se rapidamente de que agiu adequadamente e de que a responsabilidade pelo desastre é do 19. A economia comportamental pode trazer valiosos “insights” à interpretação contratual. Contudo, há riscos a serem considerados. Vale a análise da crítica à aplicação aos contratos da behavioral economics, elaborada por Larry di Matteo e outros [Visions of contract theory. Rationality, bargaining and interpretation, 50 e ss.].

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outro, e não sua. Tendemos a atribuir nosso sucesso a nós mesmos e as falhas e problemas à culpa dos outros [“self-serving bias”]. No relacionamento entre as empresas, essa tendência mostra-se bastante forte; é incomum ouvir: “Nós erramos”. Muitas vezes, os executivos não estão faltando com a sua verdade quando negam sua culpa, pois efetivamente não se enxergam culpados. As pessoas são motivadas a manter sua autoestima e seus empregos. No mundo corporativo, a admissão do erro gera responsabilidades, penalizações e reprovação dos demais, ainda que o engano seja coletivo. A capacidade do ser humano de se autoconvencer de que agiu corretamente é muito acentuada. 4.9.3 Hindsight bias Uma vez acontecido o fato, tende-se a crer que o evento seria mais previsível do que se mostrava no passado. “Eu sabia que isso iria acontecer”, diz-se em linguagem coloquial. Nossa memória tende a selecionar os acontecimentos pretéritos que sustentam a situação que enfrentamos no presente. 4.9.4 Falso consenso Tendemos a acreditar que os outros assemelham-se e pensam como nós, transcurando suas verdadeiras características e assumindo pressuposições de comportamento futuro que se mostram equivocadas. 4.9.5 Persistência na decisão Decisões implicam comprometimento e/ou investimento de tempo e recursos. Uma vez que decidimos tomar certa estrada, é-nos difícil voltar atrás. Daí existir um “status quo bias”, que impele a pessoa a se manter na situação em que se encontra, salvo se o incentivo da mudança for compensador. 4.9.6 Reciprocidade Tendemos a responder a uma ação positiva com outra ação positiva. Se agimos de boa-fé, esperamos que os outros façam o mesmo. A ideia de reciprocidade auxilia a compreensão da manutenção das regras sociais. Alguns autores apontam que a reciprocidade é um viés tão forte dos humanos que tendemos a nos sentir obrigados a devolver uma gentileza, mesmo se a outra pessoa não nos agrada. Em português, a palavra que pronunciamos quando

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alguém nos faz um favor [“obrigada” ou “obrigado”] significa que estamos obrigados à retribuição.20 Em negociações e renegociações de contratos, esperamos que haja “concessões recíprocas” e não que apenas uma parte ceda. Durante a vida do contrato, se julgam que estão se comportando corretamente, as empresas nutrem expectativa de que a outra parte também o faça. Se fazem concessões, esperam retorno em igual moeda. Quando essa reciprocidade se rompe, a tendência é que seja turvada a fonte de obrigações contratuais, comprometendo a adaptação do negócio a novas circunstâncias que se apresentam ao longo da relação. 4.9.7 Aversão à iniquidade Preferimos aquilo que achamos justo; sentimo-nos bem se acreditamos ser correto o que está sendo feito. Isso nos leva à predisposição de sancionar aqueles que agem em desconformidade com o previsto/adequado, mesmo que o processo de imposição da sanção traga-nos algum custo. Experimentos têm demonstrado que, sentindo-se injustiçadas, as pessoas aceitam ter algum prejuízo, desde que o “violador” acabe suportando prejuízo maior.21 4.9.8 Tendência de pertencer a grupos Somos seres sociais. Nossa sobrevivência como espécie obrigou-nos a interagir em grupos; sentimos necessidade de ser parte de algo maior. Assim como temos o instinto egoísta de autopreservação, vivemos o impulso da colaboração. Pertencer a grupos nos faz sentir melhores e maiores. Qual seria a explicação para as disputas e provocações entre nossos estudantes durante os Jogos Jurídicos? As pessoas envolvem-se com projetos e pontos de vista das instituições/entes/grupos aos quais pertencem. Quem assistiu a uma [muitas vezes 20. Sobre a importância da reciprocidade para a colaboração, v. Robert Axelrod, Evolution of cooperation. O mote central é que “a strategy based on reciprocity can thrive in a world where many different kinds of strategies are being tried” [21]. 21. “Participants regularly choose to forgo a small gain in order to impose a larger loss on someone they consider to have unfairly overreached. That is, the sometimes pay happily just to see someone else pay more” [Owen Jones, Time-Shifted Rationality and the Law of Law’s Leverage, 1155].

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constrangedora] reunião motivacional de grupos de vendas bem conhece esse fenômeno. De forma mais velada e elegante, essa tendência aparece na dinâmica dos contratos empresariais. As equipes das empresas não raro agem como times e aglutinam-se em torno de visões comuns, tendentes a proteger os interesses do grupo ao qual pertencem. Administradores hábeis sabem como incentivar esse tipo de efeito. As partes do contrato dividem-se entre “nós” e “eles”. 4.9.9 Endowment effect Tendemos a estimar mais o que é nosso, atribuindo-lhe maior valor. Aceita-se com mais facilidade perder o que não se tem, isto é, deixar de ganhar, do que ver algo retirado de nosso patrimônio. Perder é bem pior do que não ganhar. 4.9.10 Senso de justiça Os seres humanos pretendem ser tratados com lealdade e tendem a proceder com reciprocidade em relação àqueles que agem honestamente. “As pessoas importam-se em serem tratadas de forma justa e querem tratar os outros de forma justa, se os outros estão se comportando de forma justa”.22 É o que os economistas comportamentais chamam de egoísmo limitado ou “bounded self-interest”. 4.9.11 Ancoragem/excessivo foco Tendemos a nos fiar na informação que possuímos e dominamos, deixando de buscar ou desprezando outras que se apresentam. Focamos em determinado aspecto da situação, desprezando outros igualmente importantes. O fenômeno da ancoragem tem a ver com a tendência de permanecer atado à impressão inicial. Incorpora-se a primeira informação recebida e as decisões posteriores tendem a nela basear-se. No campo jurídico, alguns estudiosos apontam que os valores das indenizações atribuídas às partes nos processos manteriam relação com o quanto foi por elas pleiteado. Quem pede mais, tende a receber mais.23 22. “People care about being treated fairly and want to treat others fairly if those others are themselves behaving fairly” [Cristine Jolls, Cass Sunstein and Richard Thaler, A behavioral approach to Law and Economics, 1479]. 23. Para uma referência a esses estudos, Christopher R. Drahozal, A Behavioral Analysis of Private Judging, 110 e 111.

5 VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS Sumário: 5.1 A necessária busca dos traços comuns dos contratos mercantis – 5.2 Escopo de lucro – 5.3 Pacta sunt servanda – 5.4 Limitações à autonomia privada – 5.5 O norte do contrato: sua função econômica – 5.6 Segurança e previsibilidade – 5.7 Agentes econômicos “ativos e probos” – 5.8 Egoísmo/oportunismo do agente econômico – 5.9 O agente econômico responde a incentivos e a desincentivos – 5.10 O agente econômico é o melhor senhor de suas próprias razões – 5.11 Boa-fé nos contratos empresariais – 5.12 Confiança nos contratos empresariais – 5.13 Usos e costumes – 5.13.1 Globalização e usos e costumes – 5.14 Custos de transação – 5.15 Contratos e necessidades dos agentes econômicos – 5.16 Contrato como instrumento de alocação de riscos – 5.17 Contrato e erro [jogada equivocada do agente econômico] – 5.18 Oportunismo e vinculação – 5.19 Racionalidade limitada – 5.20 Incompletude contratual – 5.21 Desvio de pontos controvertidos – 5.22 Ambiente institucional – 5.23 Tutela do crédito – 5.24 Forma nos contratos empresariais – 5.25 Contrato e informações – 5.26 Informação e oportunismo [relação “principal/ agente”] – 5.27 Modificação do comportamento pós-contratual [moral hazard] – 5.28 Aumento da dependência econômica pelo contrato – 5.29 “Mais vale um mau acordo do que uma boa demanda” – 5.30 Contraponto: institutos tradicionais do direito mercantil e criação de obrigações não expressamente desejadas pelas partes. Aviltamento da segurança jurídica?

5.1 A necessária busca dos traços comuns dos contratos mercantis O estudo dos contratos empresariais desde a perspectiva do mercado – i.e., do contexto que lhes dá força e sentido – exige sua consideração como categoria unitária e autônoma, afastando-se a análise truncada, tipo a tipo, que costuma ter lugar. Essa reflexão global sobre os negócios mercantis somente se mostra possível mediante a prévia identificação dos traços peculiares que imprimem mecânica comum a todos eles, ou seja, de diretrizes içadas do funcionamento próprio ao sistema do direito comercial. Em outras palavras, é preciso identificar e analisar as semelhanças que os contratos comerciais guardam entre si para que possamos compreender [i] as peculiaridades e o funcionamento dessa categoria autônoma de negócios jurídicos, bem como [ii] o impacto que causam na dinâmica do mercado, influenciando-a e sendo por ela influenciada.1 1. Algumas dessas características não são exclusivas dos acordos comerciais, servindo à explicação de outras espécies de negócios. Entretanto, em razão da importância e

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Vejamos algumas dessas diretrizes. 5.2 Escopo de lucro Nos contratos empresariais, ambos [ou todos] os polos são movidos pela busca do lucro, têm sua atividade – toda ela – voltada para a perseguição de vantagem econômica. Como observado no capítulo primeiro, o escopo de lucro é a principal característica dos contratos empresariais. Ao contrário do que ocorre com os contratos consumeristas, nos contratos empresariais, a economicidade final dos comportamentos de todos os partícipes imprime-lhes características singulares, que refletirão nos negócios por eles engendrados.2 Talvez a onerosidade3 seja o atributo dos contratos mercantis mais destacado pela doutrina, que sempre os encarou como forma de obter proveito econômico.4 da intensidade que assumem no campo empresarial, não poderiam deixar de ser citadas. 2. Com razão, adverte Fábio Ulhoa Coelho: “Quem escolhe o direito comercial como sua área de estudo ou trabalho, deve estar disposto a contribuir para que o empresário alcance o objetivo fundamental que o motiva na empresa: o lucro. Sem tal disposição, será melhor – para o estudioso e profissional do direito, para os empresários e para a sociedade – que ele dedique seus esforços a outra das muitas e ricas áreas jurídicas” [Curso de direito comercial, v. 1, 27]. 3. Por contratos onerosos devemos entender aqueles em que ambas as partes suportam um sacrifício [depauperamento] patrimonial [prestação a ser adimplida], a que corresponde uma vantagem [contraprestação que será recebida]. Sacrifício e vantagem estão em relação de equivalência, mesmo que meramente subjetiva [Messineo, Teoria generale del contratto, 238]. Explica Darcy Bessone: é oneroso o contrato que onera as duas partes [Do contrato, 74]. O escopo de lucro é diverso da onerosidade do contrato. O primeiro é uma característica da parte, que atribui sentido à sua atuação e confere unicidade a sua atividade. A onerosidade é atributo do contrato em que ambos os contratantes devem auferir proveito. 4. “Os contratos comerciais são sempre onerosos, pois, tendo invariavelmente o comerciante intuito de lucro nas operações que pratica, não se admite possam existir contratos comerciais a título gratuito” [Fran Martins, Contratos e obrigações comerciais, 77]. Nas sempre elegantes palavras de Inglez de Souza: “Como não existe acto de commercio sem intuito de lucro, é claro que ninguem pode fazer um contracto mercantil sem ter em vista o lucro, e portanto sem obrigar a outra parte a um onus. Todo contracto commercial repousa sobre este postulado: o contracto é feito com o intuito de lucro, e como o lucro suppõe o onus da obrigação, o onus é da essencia da obrigação mercantil” [Direito commercial, 118].

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A empresa não atua no mercado por outra razão que não a obtenção de lucro;5 pode-se legitimamente supor que a celebração dos contratos interempresariais dá-se porque todas as partes acreditam que seus interesses estão sendo satisfeitos. O fim lucrativo é a característica fundamental a partir do qual se desdobram as demais peculiaridades dos negócios mercantis, sendo o contrato um instrumento para atingir esse fim maior. Não fosse dessa forma e a lógica que marca as transações empresariais mostrar-se-ia diversa, pois as partes seriam impelidas pela busca da satisfação de outras necessidades. Isso não significa necessariamente a adoção de comportamento predatório pela empresa, pois questões como a preservação da relação comercial e a construção de boa imagem influenciam a luta pelo proveito econômico. Muitas vezes, como veremos no próximo ensaio, a atitude leal ou colaborativa mostra-se a alternativa mais indicada para a realização do escopo maior visado pelo agente: o êxito de sua atividade econômica, globalmente considerada. 5.3 Pacta sunt servanda A força obrigatória dos contratos viabiliza a existência do mercado, coibindo o oportunismo indesejável das empresas. Se lhes fosse permitido, os agentes econômicos valer-se-iam dos contratos para vincular apenas seus parceiros comerciais, e nunca a si próprios. No momento inicial, as partes creem que o negócio ser-lhes-á vantajoso; todavia, com o passar do tempo, é possível que o vínculo deixe de interessar a uma delas. Nasce o anseio de se livrar da amarra contratual para seguir outro caminho. Partindo dessa premissa, compreende-se a importância sistêmica da força vinculante dos contratos; na sua ausência, seria impossível a coibição do descumprimento da palavra empenhada e o desestímulo de comportamentos oportunistas prejudiciais ao tráfico. O princípio do pacta sunt servanda mostra-se necessário ao giro mercantil na medida em que freia o natural oportunismo dos agentes econômicos.6 5. Exceção feita às sociedades de economia mista e às empresas públicas, instrumentos de ação do Estado, que possuem escopos além do mero proveito econômico. Sobre essa questão e o escopo lucrativo das empresas, cf. Campobasso, Diritto commerciale, v. 1, 34 e ss. 6. O princípio do pacta sunt servanda desdobra-se, segundo Roppo, em dois corolários, igualmente importantes para o direito mercantil: [i] o contrato não se desfaz por vontade de um dos contraentes, pois não é dado à parte liberar-se do vínculo que não mais lhe interessa; [ii] o regramento contratual não pode ser modificado por apenas uma das partes, exigindo-se o consenso [Il contratto, 533 e 534].

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Em suma: o funcionamento do mercado exige que os pactos sejam respeitados.7 O dogma da força obrigatória dos contratos – ou melhor, do respeito à palavra empenhada – é a base da vida em comunidade e, por isso, perpassa todas as civilizações, como advertiu Josserand. Atiyah referir-se-á ao direito dos contratos como um “direito universal”. Os contratos, mais do que uma categoria atemporal, escrevem-se na história das civilizações. Pode-se discutir se a concepção de propriedade é inerente ou não à vida em sociedade e mesmo ao ser humano. O mesmo não ocorre com a força obrigatória da palavra. Sem o seu respeito, o progresso da raça humana seria impossível.8 Nos últimos tempos, algumas vozes têm erroneamente difundido que os juízes brasileiros não respeitariam os contratos, como se os magistrados ansiassem por meter suas penas nos ajustes privados, substituindo a vontade das partes no que tange a preços e condições. Essa não é a regra no direito empresarial. Ao contrário, percebe-se grande preocupação dos julgadores em manter os pactos, dotando o mercado de segurança e de previsibilidade. Os exemplos são inúmeros, valendo destacar os seguintes julgados: “A demanda versa, basicamente, sobre empresas de grande porte e o negócio versava milhões de reais. Não há margem para o reconhecimento de vulnerabilidade ou de hipossuficiência na negociação, não há desequilíbrio a justificar intervenção judicial no negócio. Nessas situações, tem plena incidência o que restou pactuado, porquanto expressa a manifestação de vontade dos representantes das sociedades”9. “Primeiramente, frisa-se a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor no caso em tela, ante a circunstância de a Apelante ter contratado, ainda que tacitamente, serviços de publicidade com a finalidade do incremento de suas atividades empresariais. Nesse sentido, não sendo a destinatária final do serviço prestado, o qual se qualifica como meio para o fomento da captação de potenciais clientes, devem ser aplicadas 7. Há autores, ligados principalmente à Escola de Chicago, que não concordam com essa premissa, advogando uma efficient breach of contract, ou seja, que a parte deveria ser autorizada a quebrar o contrato e a pagar a correspondente indenização nos casos em que esse comportamento fosse economicamente mais eficiente do que o adimplemento da obrigação [cf. Posner, Economic analysis of law, 117]. Para comentários sobre essa teoria, v. Daniel Friedmann, The efficient breach fallacy, e Richard Craswell, Contract remedies, renegotiation, and the theory of efficient breach. Alain Supiot, Homo juridicus. Essai sur la fonction anthropologique du Droit, 137 e ss. 8. 9. Apelação nº 0005452-31.2013.8.26.0100, julgada em 14 de dezembro de 2016 pelo TJSP, com a relatoria do Des. Carlos Alberto Garbi, fl. 11.

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as regras dos Contratos Empresariais em geral para dirimir a presente celeuma. [...] Neste sentido, preenchidos os requisitos legais do artigo 104 do Diploma Civil, não se pode falar em nulidade do Negócio Jurídico entabulado quanto a quaisquer vícios de consentimento ou representação, devendo prevalecer o velho brocardo ‘pacta sunt servanda’”10. “O fato então é que, não permitindo os contratos empresariais serem tratados da mesma forma que contratos cíveis em geral ou contratos de consumo, prevalentes os princípios da autonomia de vontade e da força obrigatória das avenças, de rigor a observância da livre vontade manifestada pelas partes contratantes, e isso ainda que o Código Civil de 2002 tenha submetido os contratos cíveis e empresariais às mesmas regras gerais, posto que isso não significa que estes contratos sejam essencialmente iguais, de modo que a interpretação pressupõe o comportamento adotado pelas partes ao tempo da formação do ajuste, mantida assim tanto a segurança como a previsibilidade jurídica”11. “[A] força obrigatória dos contratos é o contraponto da liberdade contratual. Se o agente é livre para realizar qualquer negócio jurídico dentro da vida civil, deve ser responsável pelos atos praticados, pois os contratos são celebrados para serem cumpridos (pacta sunt servanda). A necessidade de efetiva segurança jurídica na circulação de bens impele a idéia de responsabilidade contratual, mas de forma restrita aos limites do contrato. O exercício da liberdade contratual exige responsabilidade quanto aos efeitos dos pactos celebrados. [...]O controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia”12. “[N]os contratos mercantis, os contratantes são empresários que exercem atividade econômica profissionalmente, sendo essencial ‘assegurar a necessidade dos agentes econômicos de segurança e previsibilidade em 10. Apelação nº 1084684-41.2014.8.26.0100, julgada em 19 de abril de 2017 pelo TJSP, com a relatoria do Des. Penna Machado, fls.4-6. 11. Apelação nº 0001777-62.2010.8.26.0586, julgada em 29 de janeiro de 2014 pelo TJSP, com a relatoria do Des. Henrique Rodriguero Clavisio, fl. 7. 12. Recurso Especial n. 1.409.849 – PR, julgado em 26 de abril de 2016 pela Terceira Turma do STJ, com a relatoria do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, fls. 6-8.

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suas relações, a vinculação das partes à vontade declarada no contrato’, por isso as pactuações empresariais, mesmo quando se mostram decisões de gestão empresarial equivocada, em regra, devem ser observadas, como resguardo à livre concorrência e à dinamização da economia”13. 5.4 Limitações à autonomia privada As contratações dão-se dentro dos limites postos pelo ordenamento estatal; o mercado é enformado pelas regras exógenas e não por suas próprias determinações. A sociedade existe porque há trocas, isto é, porque os agentes econômicos podem buscar a satisfação de suas necessidades. “Não poderia durar muito uma sociedade em que se mantivesse invariável a distribuição dos bens existentes num dado momento”.14 Os contratos instrumentalizam esse processo, pois dão às empresas a oportunidade de escolher com quem contratar, como contratar e o conteúdo da contratação. A autonomia privada é viga mestra do sistema contratual, servindo ao seu funcionamento.15 Entretanto, ao mesmo tempo em que o mercado exige que haja transações, o sistema jurídico cobra a legalidade de seu objeto. “O funcionamento de um sistema econômico prende-se à sua disciplina jurídica, variando conforme o teor e a medida das limitações impostas à liberdade de ação dos particulares”.16 O limite da liberdade de contratar é encontrado na ilicitude que as normas exógenas impõem a certos comportamentos, especialmente por conta do art. 104, II, do Código Civil.17-18 13. Decisão Monocrática do Recurso Especial n. 1.219.210 – RS, proferida pelo Min. Luis Felipe Salomão em 30 de abril de 2015, fl. 9. 14. Emilio Betti, Teoria geral do negócio jurídico, v. I, 94. 15. Sobre os princípios constitucionais que formatam o mercado, v. Paula A. Forgioni, Princípios constitucionais econômicos e princípios constitucionais sociais. A formatação jurídica do mercado brasileiro. 16. Orlando Gomes, Obrigações, 4. 17. Ferri destaca que a autonomia privada vai além da expressão de licitude ou de faculdade, implicando manifestação de um poder, do poder de criar normas jurídicas dentro dos limites postos pela lei [L’autonomia privata, 5]. 18. De acordo com a linguagem de Pontes de Miranda, “o direito limita a classe dos atos humanos que podem ser juridicizados”. “[S]òmente dentro de limites prefixados, podem as pessoas tornar jurídicos atos humanos e, pois, configurar relações jurídicas e obter eficácia jurídica” [Tratado de direito privado, t. III, 55]. Os atos ilegais serão nulos. Sobre a evolução histórica dessa diretriz na Common Law, v. A.W.B. Simpson,

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Por esse mecanismo, à praxe de mercado serão contrapostas “imprescindíveis exigências de salvaguarda dos valores fundamentais reconhecidos e promovidos em cada ordenamento”.19 As disposições cogentes desenham um “espaço de soberania” moldado conforme os valores fundamentais que presidem o sistema. “Portanto, não podem ser afastadas no exercício da autonomia privada”.20-21 Para esclarecer o espaço aberto pelas regras exógenas à liberdade de contratar, Pontes de Miranda vale-se da imagem de uma rede. Entre as linhas “traçadas pelas regras jurídicas cogentes”, os agentes econômicos podem livremente mover-se. É o “espaço deixado às vontades, sem se repelirem do jurídico tais vontades”. A chamada “autonomia da vontade, o autorregramento, não é mais do que ‘o que ficou às pessoas’”.22 Com o passar do tempo, o nicho da liberdade de contratar diminui, premido por traços provenientes de novos ramos do direito, como o consumerista, o concorrencial, o ambiental; preocupações de índole social e políticas públicas represam-na cada vez mais. Não obstante, a liberdade de contratar segue presente em nosso sistema, garantida pela Constituição do Brasil, servindo à satisfação das necessidades de cada um e de todos e ao sistema de mercado. “A gênese que os negócios jurídicos costumam ter no terreno social” – é Betti quem afirma –, “de acordo com a necessidade de circulação dos bens, mostra, claramente, que eles germinam da iniciativa privada e são, essencialmente, actos por meio dos quais os particulares procuram satisfazer a necessidade de regular por si mesmos os seus interesses nas relações recíprocas: actos de autodeterminação, de autorregulamentação dos seus próprios interesses”.23 A análise preconceituosa da evolução da teoria geral dos contratos acabou ofuscando a compreensão do princípio da liberdade de contratar e do pacta A history of the common law of contract, 506 e ss. V., ainda, estudo de Antonio Albanese, Violazione di norme imperative e nullità del contratto. 19. Di Marzio, Verso il nuovo diritto dei contratti, 25. 20. Di Marzio, Verso il nuovo diritto dei contratti, 26. 21. Na dicção de Betti, “[s]e os particulares, nas relações entre eles, são senhores de procurar atingir, graças à sua autonomia, os escopos que melhor correspondam aos seus interesses, a ordem jurídica continua, porém, a ser o árbitro para valorar tais escopos, segundo os seus tipos, de acordo com a relevância social, tal como ela a compreende, de harmonia com a socialidade da sua função ordenadora. Efectivamente, é óbvio que o direito não pode dar seu apoio à autonomia privada para a consecução de qualquer escopo que ela se propunha atingir” [Teoria geral do negócio jurídico, t. I, 104-5]. 22. Tratado de direito privado, t. III, 54. 23. Teoria geral do negócio jurídico, t. I, 91-2.

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sunt servanda no âmbito do direito comercial. A doutrina clássica prega que o negócio seria sempre justo, porquanto “se foi querido pelas partes, resultou da livre apreciação dos respectivos interesses pelos próprios contratantes. [...] Sendo justo o contrato, segue-se que aos contratantes deve ser reconhecida ampla liberdade de contratar, só limitada por considerações de ordem pública e bons costumes”.24 Na síntese de Cairu: “Todo o Contracto em que ha igualdade e rectidão, isto he, que está em grao, ou circunstancias de poder dar a ambas as partes igual lucro ou damno, correndo ambos a sorte de perder ou ganhar, deve-se considerar racionavel, proporcionado e justo. [...] Por tanto elle se deve guardar ainda simplesmente ajustado de palavra. E nada abona tanto, e dá credito a qualquer negociante da Praça, que a lealdade, inviolabilidade e pontualidade ou religioso cumprimento da palavra, contracto e fé dada”.25 Entretanto, por conta da intervenção do Estado na economia, a partir do segundo pós-guerra, a doutrina depara-se com o fenômeno da publicização do direito privado, com “l’evolution contemporaine du droit commercial vers le droit public”. “Du principe le la libertè contractuelle on est passé à celui d’une intervention législative sans cesse plus marquée”.26 Os contratos da economia dirigida, com forte intervenção estatal, e os negócios de adesão oferecem extensão bem menor à liberdade de contratar. Os autores de então se perguntam o que fazer com os contratos coletivos [contrat collectif] e com os contratos coativos [contrat forcé], proclamando o éclatement dos contratos tradicionais.27 Com efeito, “[c]ar les contrats sont moins consi 24. Darcy Bessone, Aspectos da evolução da teoria dos contratos, 101. A explicação de Orlando Gomes é precisa: “A moderna concepção do contrato como acordo de vontades por meio do qual as pessoas formam um vínculo jurídico a que se prendem se esclarece à luz da ideologia individualista dominante na época de sua cristalização e do processo econômico de consolidação do regime capitalista de produção. O conjunto das ideias então dominantes, nos planos econômico, político e social, constituiu-se em matriz da concepção do contrato como consenso e da vontade como fonte dos efeitos jurídicos, refletindo-se nessa idealização o contexto individualista do jusnaturalismo, principalmente na superestimação do papel do indivíduo” [Contratos, 7]. 25. Princípios de direito mercantil e leis de marinha, 471. 26. Jean Escarra, Manuel de droit commercial, 577. 27. Cf. Savatier, Les métamorphoses économiques et sociales du droit civil dLaujourd dahui, 28. Savatier apregoa que “[l]e droit libéral des contrats n’est plus”, enquanto que o contrato “continue à forger le droit que nous vivons” [26]. Ou seja, não é o contrato

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dérés, aujourd’hui, comme une libre construction de la volonté humaine que comme une contribution des activités humaines à l’architecture générale de l’économie d’un pays, architecture que l’État actuel entend maintenant diriger lui-même”.28 Com exagero, chega-se a sentenciar “a morte do contrato”,29 porque se teria posto em xeque o antigo dogma da liberdade plena – e da expressão da vontade – como seu fundamento. De que forma seguir sustentando que “[o] contrato encerra concurso das vontades de duas pessoas”,30 quando não mais se lograva vislumbrar a vontade na formação dos negócios e na produção de seus efeitos?31 Passada a agitação da última metade do século XX, é necessário lançar olhar mais sereno e lúcido sobre a realidade, digerindo os resultados de período histórico no qual, muitas vezes, deu-se mais importância à exceção do que à regra. O fenômeno da intervenção do Estado na economia foi assimilado, embora restem intensos debates sobre sua conveniência e oportunidade. O direito do trabalho consolidou-se. Os contratos de adesão tornaram-se cada vez mais frequentes, com o advento da automação e da Internet. Os contratos com consumidores destacaram-se, dando origem a novo ramo do direito. Desenvolveu-se a compreensão da contratação obrigatória de serviços públicos pela população. A existência de contratos coativos não mais assombra. que desaparece, mas seu modelo baseado no direito liberal e individualista. Vale ainda destacar os principais sinais desse declínio, segundo o mesmo autor: [i] o espraiar de contratos coletivos e coativos; [ii] a determinação dos efeitos dos contratos não pela vontade das partes, mas pela lei; e [iii] a substituição dos contratos por “relações”. Assim, ao invés do “contrato de trabalho” temos, na verdade, a “relação de trabalho”. “Ici, à la vérité, le contrat disparaît. Il périt. On met autre chose à sa place” [30]. Savatier nota o fenômeno dos consumidores, que obrigam a modificação da figura do contrato: “Ici encore, le contrat change de figure” [33]. 28. René Savatier, Du droit civil au droit public, 53. 29. Cf. Grant Gilmore, La morte del contratto, e comentários de Eros Roberto Grau e nossos sobre o texto de Gilmore em Ainda um novo paradigma dos contratos?. Na mesma linha, cf. P. S. Atiyah, The rise and fall of freedom of contract, especialmente 716 e ss. 30. Pothier, Tratado das obrigações pessoaes e reciprocas, 5. 31. Anota Orlando Gomes que “[a] política interventiva do Estado atingiu, por sua vez, o contrato, na sua cidadela, ao restringir a liberdade de contratar, na sua tríplice ­expressão da liberdade de celebrar contrato, da liberdade de escolher o outro contratante e da liberdade de determinar o conteúdo do contrato” [Contratos, 9].

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A doutrina acompanhou essas transformações gerais, indicando a emersão de nova visão para os negócios jurídicos.32 Ultrapassa-se o excessivo individualismo, protegem-se os trabalhadores e os consumidores e, nessa medida, propaga-se a ideia do “bem comum” e as “razões de utilidade social” proclamadas por De Page. Paralelos a todo esse movimento [e por ele às vezes impactados], seguem os contratos entre empresas, ou seja, entre agentes econômicos que hão de ser presumidos diligentes e probos. Os autores que trataram daquela nova visão do contrato tinham em mente questões hoje relacionadas ao direito econômico [intervenção do Estado na economia], ao consumerismo e ao direito do trabalho – e não os negócios interempresariais. No direito mercantil, mostram-se evidentes os princípios do pacta sunt servanda e da liberdade de contratar na orientação dos vínculos jurídicos.33 A “ideologia do contratualismo” desvenda sua função: “favorecer a circulação dos bens que são objeto de propriedade”, de forma que ele “é, por isso mesmo, o ‘centro da vida dos negócios’, o instrumento por excelência da vida econômica”. Há uma “função ideológica” nos contratos, que os fazem servir ao mercado e “proteger melhor determinados interesses”.34 Isso não significa que a liberdade de contratar seja irrestrita; mesmo no campo do direito comercial, ela se põe como limitada [lembre-se, por exemplo, da necessidade de controle das externalidades negativas e de incentivo das po 32. No Brasil, Orlando Gomes foi a voz que pioneiramente levantou-se contra a concepção tradicionalista dos contratos. Indispensável a leitura de suas obras Contratos, A crise do direito e Transformações gerais do direito das obrigações. A literatura estrangeira nesse tema é extensa, valendo referir os escritos que encontraram maior repercussão no Brasil: de Georges Ripert, Le régime démocratique et le droit civil moderne, bem como Aspects juridiques du capitalisme moderne e La règle morale dans les obligations civiles; Leon Duguit, Les transformations générales du droit privé depuis le Code Napoléon; Josserand, De lDesprit des droits et de leur relativité; Savatier, Du droit civil au droit public e Les métamorphoses économiques et sociales du droit civil d’aujourd’hui; Pietro Barcellona, Intervento statale e autonomia privata nella disciplina dei rapporti economici e Diritto privato e processo economico. 33. Na opinião de Roy Goode, “hoje é moda subestimar o contrato e falar de seu declínio e da sua morte”. O âmbito do direito contratual restringiu-se com a expansão do comércio diretamente pelo Estado, bem como com o processo de nacionalização – haveria, assim, a restrição do direito privado em favor do direito público. Esse quadro teria sido alterado com as privatizações: “O contrato está reflorescendo e com pouquíssimas restrições, excetuando-se os setores da concorrência, dos serviços financeiros e dos consumidores” [Il diritto commerciale del terzo milenio, 50]. 34. As expressões são de Orlando Gomes, Direito e ideologia.

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sitivas]. Porém, é inegável que, de todas as áreas do direito, aquela empresarial mostra-se a arena na qual a liberdade econômica assume quadrantes mais largos. A liberdade de contratar e a autonomia privada no direito mercantil, até por força do art. 131 do Código Comercial, sempre foram objetivadas pelo mercado, e não baseadas na vontade individual, desconectada da realidade. Passado o vendaval – e solidificada a superação do excessivo individualismo contratual do século XIX –, verificamos que os contratos mercantis seguem com sua lógica peculiar, viabilizando o fluxo de relações econômicas e a interação entre as empresas. O desprestígio que atingiu a autonomia privada e a liberdade de contratar em outros ramos não se fez sentir da mesma maneira no direito mercantil, embora poucos se tenham dado conta disso. Para comprovar essa assertiva, basta deitar os olhos na moderna jurisprudência comercial brasileira, que reafirma esses princípios no mundo empresarial.35 5.5 O norte do contrato: sua função econômica As partes não contratam pelo mero prazer de trocar declarações de vontade. Ao se vincular, as empresas têm em vista determinado escopo, que se mescla com a função que esperam o negócio desempenhe; todo negócio possui uma função econômica. A que vem determinado negócio? Qual a necessidade econômica das partes que ele visa a satisfazer? Eis questões centrais da concepção, desenvolvimento e interpretação dos contratos interempresariais. “As partes não contratam pelo mero prazer de trocar declarações de vontade”,36 mas em vista de determinado fim que, no campo do direito empresarial, ser-lhes-á potencialmente vantajoso. Em qualquer hipótese, a contratação terá um objetivo, almejado em conjunto pelas empresas, isto é, todo negócio tem uma função econômica e nessa função encontra sua razão de ser. 35. Como exemplo, tome-se o seguinte julgado: “Em matéria contratual, prevalecem as regras livremente pactuadas, em consonância com o clássico princípio expresso no brocardo latino: pacta sunt servanda” [REsp 111.971/BA, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 14.12.1998, relator Min. Nilson Naves]. 36. No original: “Le parti non stipulano contratti per il piacere di scambiarsi dichiarazioni di volontà; ma in vista di certe finalità pel conseguimento delle quali entrano reciprocamente in rapporto” [Giuseppe Chiovenda, Istituzioni di diritto processuale civile, p. 188]. Vide, ainda, sobre o tema, Paula A. Forgioni, A interpretação dos negócios empresariais no novo Código Civil Brasileiro.

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Repita-se: nenhum empresário contrata sem escopo, mas porque pretende obter determinado resultado que acredita ser-lhe benéfico. A consideração da função econômica do contrato leva-o à proximidade com o mercado. Vale retomar algumas lições de Betti,37 destacando, de início, que esse autor tinha por evidente inspiração contestar o subjetivismo e o individualismo dominantes na doutrina privatista de sua época. Para ele, a aproximação do negócio com o “social” [i.e., com a prática da circulação mercantil] significava distanciá-lo desse subjetivismo/individualismo que procurava repelir. O ato que leva à contratação exige justificação objetiva, cujo reconhecimento reclama a adoção de perspectiva dinâmica [e não estática] da autonomia privada. Para a compreensão do acordo, é necessário deixar de considerar apenas a letra fria do instrumento [i.e., sua estática] e passar a admitir que as partes, valendo-se da autonomia privada, lançam mão dos contratos para consecução de certos fins. Ou seja, indo além de sua dimensão escrita, o negócio jurídico há de ser visto como meio empregado pelas partes na concreção de seus escopos. Ainda segundo Betti, a adoção dessa perspectiva requer sensibilidade social, pois a visão objetiva envolve a consideração da dimensão “social” [hoje, diríamos do mercado], distanciando-se do “individualismo dos juristas”. O conteúdo do negócio não é uma vontade qualquer, incolor expressão do vazio individual, mas preceito da autonomia privada, vinculado aos interesses que movem as partes nas relações que estabelecem entre si e com terceiros. Trata-se de ato ligado à circulação mercantil e por ela objetivada. A vontade das partes tem em vista “escopos práticos de caráter típico, socialmente valoráveis por sua constância e normalidade, recorrente na vida da relação [...]. [T]odo negócio tem uma razão prática típica e a ele imanente, um interesse social objetivo e socialmente controlável, a que deve atender”. Concluindo: a função econômica do negócio, indispensável para sua correta compreensão,38 liga-se à “circulação dos bens e dos serviços” [perspectiva objetiva] e não ao subjetivismo das partes. Se os contratos empresariais visam sempre ao lucro, é impossível concebê-los distanciados da necessidade econômica que buscam objetivamente satisfazer, ou seja, à sua função econômica. 37. As expressões entre aspas encontram-se em sua obra Teoria geral do negócio jurídico, especialmente 86 e 107. 38. “É importantíssimo para a interpretação [...] conhecer os fins econômicos que as partes tinham em vista ao contratar; o direito ampara a consecução desses fins e, portanto, o juiz, para poder conceder a devida proteção do direito ao negócio jurídico, ou à declaração de vontade de que se trata, tem de começar por conhecer exatamente aqueles fins” [Darcy Bessone, Do contrato, 174].

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5.6 Segurança e previsibilidade Os contratos empresariais somente podem produzir riqueza em um ambiente que privilegie a segurança e a previsibilidade jurídicas. Quanto maior o grau de segurança e de previsibilidade jurídicas proporcionadas pelo sistema, mais azeitado o fluxo de relações econômicas. A relação entre segurança, previsibilidade e funcionamento do sistema, explicada por Weber e base do pensamento de juristas modernos, é razão determinante da própria gênese do direito comercial e um dos principais vetores do funcionamento dos contratos empresariais. Na dicção de Irti, o mercado é uma ordem. Ordem no sentido de regularidade e previsibilidade de agir: quem entra no mercado sabe que o seu agir [e o agir do outro] é governado por regras e, nessa medida, os comportamentos são previsíveis. A regularidade, a reiteração de certos comportamentos, permite um cálculo sobre o futuro. “[A]quele ‘prever’ ou antever, onde um sujeito confia no agir de outrem”.39 A ordem diz respeito não apenas ao passado, mas ao futuro. Os comportamentos, ao se repetirem conforme uma regra, assumem caráter de tipicidade e de uniformidade. A forma de uma ordem é dada por conteúdos típicos, razoavelmente previsíveis e calculáveis pelas partes. Mas a regularidade – a mesma regularidade que constitui a ordem – implica certa superação da individualidade. As partes sabem que, estabelecido o vínculo do acordo, as vontades devem orientar-se segundo um princípio geral, mais forte e mais constante do que os mutáveis interesses individuais. Nesse esquema, a liberdade [autonomia privada] é sacrificada em prol da segurança, da previsibilidade [ou da “proteção externa”].40 Há uma gama de negócios em que o sistema jurídico considera o intento individual do agente, após ser rebatido no caráter impessoal e mecânico do mercado. Ao contratar, uma parte tem a legítima expectativa de que a outra comportar-se-á de determinada forma, daquela maneira anônima e repetida a que fizemos referência. Ambos os empresários planejam sua jogada e esperam que o outro aja de acordo com esse padrão “de mercado”. Não é desejável que seja dada ao contrato interpretação diversa daquela que pressupõe o comporta 39. L’ordine giuridico del mercato, 5-6. No original: “[Q]uel ‘prevedere’ o vedere prima, onde un soggetto confida nell’agire altrui”. Ainda sobre calculabilidade, racionalidade e funcionalidade, com perspectiva Weberiana, v. sempre de Natalino Irti, Codice civile e societá politica, 22 e ss. 40. Natalino Irti, Teoria generale del diritto e problema del mercato, 22-23.

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mento normalmente adotado [usos e costumes]. Isso levaria ao sacrifício da segurança e da previsibilidade jurídicas. Larenz dá destaque à importância da segurança, da previsibilidade e da confiança no sistema jurídico: “Uma sociedade em que cada um desconfia do outro assemelhar-se-ia a um estado de guerra latente entre todos, e em lugar da paz dominaria a discórdia. Onde se perdeu a confiança, a comunicação humana resta profundamente perturbada”.41 Sempre advertiram os comercialistas que um mercado que não dê guarida à boa-fé e à proteção da legítima expectativa da outra parte tenderia ao colapso, porque dificultaria o “gyro comercial” [Cairu­] ou a fluidez das relações econômicas. O direito atua para disciplinar, para obrigar a adoção de um comportamento que, embora possa não interessar ao empresário oportunista, permite a preservação e o funcionamento do sistema como um todo.42 5.7 Agentes econômicos “ativos e probos” Os agentes econômicos, em suas contratações, podem legitimamente presumir que a contraparte adotará comportamento semelhante àquele normalmente implementado pelos atores do mercado, pelos chamados agentes econômicos “ativos e probos”. Se, no direito do consumidor, a presunção é a vulnerabilidade de uma das partes, no direito comercial parte-se da assunção oposta. Na dicção de Cairu: “[...] os Commerciantes são, ou sempre se presumem, habeis, atilados, e perspicazes em seus negócios [...] Por tanto os que exercem a profissão de mercancia, não devem ser menos prudentes e circumspectos em seus tratos. [...]”.43 Levin Goldschmidt, um dos maiores historiadores do direito mercantil, advertia que os mercadores são “delle classi della popolazione economicamente meglio addestrate e più sagaci”.44 41. Derecho civil – Parte general, 59. 42. Ainda sobre o tema da segurança e da previsibilidade, deve-se considerar a lição de Max Weber, explicada no capítulo sétimo quando tratamos da relação entre racionalidade juridica e racionalidade econômica. 43. Principios de direito mercantil e leis de marinha, v. II, 504. 44. Storia universale del diritto commerciale, 13. Goldschmidt refere-se à “grande criação intelectual” dos romanos: o “uomo d’affari onesto [bonus vir], ugualmente lontano cosi dall’egoismo brutale, come dall’ultraterrena rinunzia a ogni mira personale”. Assim, “è piantato nel mondo delle lotte d’interesse un ideale, arduo bensì, ma raggiungibile, e vi è piantato come criterio applicabile immediatamente” [35].

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Por conta da adoção do padrão de comportamento do homem ativo e probo, ou dos “comerciantes cordatos”, o ordenamento jurídico autoriza a pressuposição de que o agente econômico, de forma prudente e sensata, avaliou os riscos da operação e, lançando mão de sua liberdade econômica, vinculou-se. O sistema supõe que, naquele momento, o mercador entendeu que o contrato ser-lhe-ia vantajoso;45 essa expectativa pode até restar frustrada – e aí reside o risco do negócio. O agente econômico é caracterizado por uma “esperteza própria” que lhe faz atilado, capaz de atuar no mercado. Essa astúcia, contudo, não há de ser confundida com uma permissão de comportamento predatório. Surge, neste ponto, um dos principais problemas relacionados ao estudo dos contratos mercantis: como diferenciar o comportamento sagaz, próprio das empresas, daquele destrutivo, que há de ser repelido? Voltemos à interessante decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no ano de 1913. Um comerciante vendera sua loja a outro, acordando que não se restabeleceria na Rua da Consolação. Instalou-se, porém, em rua próxima. Haveria má-fé? Entendeu o Tribunal que não, porque a restrição territorial não fora acordada naqueles termos. O vendedor poderia ter limitado a zona de proibição do restabelecimento; não o fez à época do negócio e não o poderia fazer depois.46 45. Isso não afasta, em absoluto, a coibição do abuso da dependência econômica pelo ordenamento jurídico. Cf. Paula A. Forgioni, Contrato de distribuição, 343 e ss. 46. Na íntegra: “O Apelado explorava certo ramo de negócio á rua da Consolação, nesta capital. O Apelante, vendo-lhe a prosperidade, propoz-lhe a comprar-lhe o estabelecimento se ele quizesse tomar o compromisso de não abrir naquela rua negócio identico. A proposta foi bem acolhida, a transação foi ultimada e o compromisso foi assumido. O homem não tardou, porém, a mostrar ao seu successor que mereceria a prosperidade comercial que o favoneava. Era, de facto, da cabeça aos pés, um negociante esperto. Foi a uma rua próxima á da Consolação e abriu outro negocio... O comprador do negocio antigo pulou de raiva. Aquilo era mais do que uma deslealdade: era uma violação positiva ao compromisso assumido. ‘– Engano, meu amigo, puro engano, volveu o homenzinho com placidez. Nem uma cousa nem outra: nem deslealdade nem violação de compromisso... A que foi que eu me comprometi? Não fio a isto apenas: a não abrir na rua da Consolação negocio idêntico ao que lhe vendi?’ [...] ‘– Boa duvida! Que importa que não abrisse na rua da Consolação se abriu nas proximidades dessa rua? O transtorno que me causa é sempre o mesmo’. ‘– Perdão. É possivel que assim seja. Mas eu nada tenho com isso. A minha obrigação é apenas a de respeitar o compromisso, e o compromisso é muito claro: “rua da Consolação, negocio do mesmo genero”. Não diz palavra sobre proximidades daquela rua’. [...] Foram a juízo. O Juiz, tanto o de primeira instancia como o Tribunal concordou com o negociante e repeliu a

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A questão envolvida diz respeito ao padrão de comportamento esperado do mercador: no caso, o vendedor deve ser considerado “esperto” e o comprador desidioso ou, ao contrário, tratar-se-ia de atitude desleal, avessa às regras que devem presidir o tráfico? Qual solução é preferível tendo em vista a proteção do “interesse geral do comércio”? A adoção do critério do homem ativo e probo pelo sistema facilita as contratações, pois autoriza a parte a supor que a outra cercar-se-á dos cuidados necessários e normalmente esperados antes, durante e após a celebração do negócio. Essa pressuposição diminui os custos a serem incorridos pelos agentes econômicos em suas transações. Em linguagem mais atualizada, poderíamos dizer que, porque o agente econômico é ativo e probo, ele é racional47 e, portanto: [i] é naturalmente egoísta; [ii] responde a incentivos e a desincentivos; e [iii] é o melhor senhor de suas próprias razões. Vejamos, nos próximos três itens, cada um desses aspectos. 5.8 Egoísmo/oportunismo do agente econômico A empresa perseguirá antes seu próprio interesse do que aquele do parceiro comercial. Pode-se esperar [e até supor] que pessoas físicas sejam altruístas, sacrificando-se pelo bem comum ou por seu semelhante. Assumir ou não essa premissa depende da postura que cada um mantém diante do mundo e da esperança que deposita na humanidade. Mas, no giro empresarial, nem mesmo a dúvida tem lugar. Ninguém cogita ou pode legitimamente imaginar que empresas “amem o próximo como pretensão do outro. O compromisso só se referia à Rua da Consolação. Nada dizia quanto às suas proximidades. A abertura de novo negócio, em outra rua, embora proxima daquela, não o violou. Observaram, ainda, os srs. Ministros: ‘– Porque, no contrato, esse cidadão não falou tambem nas proximidades da rua da Consolação? Podia até marcar a zona dentro da qual ao outro não seria permitido comerciar... Não o fez! Quer fazer agora?’ Acórdão: Accordam em Tribunal de Justiça [...] confirmar, como confirmam, a sentença appellada [...]. Julgado em 13 de dezembro de 1913, por Xavier de Toledo, A. França, Meirelles Reis e Rodrigues Sette” [as aspas que iniciam e findam as falas dos “personagens” foram por nós colocadas]. Os embargos, posteriormente opostos, foram rejeitados e o acórdão confirmado. 47. Ainda que essa sua racionalidade seja limitada, como se verá adiante.

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a si mesmas”; atos de liberalidade são estranhos ao tráfico mercantil. Por ser empresa, entende-se que o ente perseguirá seus interesses em primeiro lugar; o agente econômico é naturalmente egoísta. Sem prejuízo da possibilidade ou probabilidade de cooperação, nos contratos empresariais é de se assumir que, se houver chance e for economicamente vantajoso, cada qual situará o seu escopo adiante daquele do parceiro.48 O egoísmo será tolerado pela ordem jurídica na medida em que incrementar o tráfico, pois são muitas as situações em que o comportamento individualista traz benefícios para o fluxo de relações econômicas. Por exemplo, a concorrência somente é possível porque uma empresa busca superar a outra, conquistando mercado. Não fosse esse empuxo, apanágio da busca pelo lucro, não haveria competição, mas situação de marasmo em que todos estariam satisfeitos, não buscariam posições melhores e inexistiriam mobilidade e progresso. Por conta disso, o egoísmo pode ser útil ao sistema e levar ao desenvolvimento. Desdobramento direto do egoísmo do agente econômico é seu oportunismo, que o mantém à espreita, visando a identificar e a usar em seu favor todas as oportunidades que surgirão, ainda que em detrimento dos outros.49 A admissão de comportamentos oportunistas que não servem ao tráfico mercantil teria por efeito o aumento dos custos das transações; em ambiente hostil, cada negócio requer que uma parte procure se proteger contra o comportamento inadequado da outra.50 Explica-se a afirmação dos economistas de que a disciplina dos contratos busca a contenção do oportunismo nas trocas não simultâneas.51 48. Trata-se do homem econômico, cuja configuração tradicional vem sendo alvo de críticas nos últimos anos, pois a propensão à colaboração condicionaria o comportamento do agente. De qualquer maneira, a existência de outros fatores não retira a importância do autointeresse para explicar o comportamento de entes que visam ao lucro. 49. Segundo Williamson: “Opportunism is a variety of self-interest seeking but extends simple self-interest seeking to include self-interest seeking with guile” [Transaction-cost economics: the governance of contractual relations, 234, nota 3]. Ainda sobre o oportunismo, v., do mesmo autor, Opportunism and its critics. 50. Brasilio Machado noticia que, diante de tantas fraudes e abusos cometidos após a abertura dos portos em 1808, uma vez que “não tinhamos leis precisas, leis fixas, leis bem determinadas para impedir a fraude, de modo que o commercio do tempo da independencia decahiu extraordinariamente, e eram communs os actos de fraude, razão pela qual o commercio entendeu que devia dirigir-se ao governo e pedir medidas severas para punir esses actos de fraude que tanto comprometiam a seriedade e a boa fé do commercio” [O Codigo Commercial do Brasil em sua formação histórica, 251]. 51. Michael Trebilcock, The limits of freedom of contract, 16.

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O egoísmo [característica do agente] e oportunismo [o agir impelido pelo egoísmo] são tomados pelo sistema como características da empresa ou de seu comportamento que, algumas vezes, devem ser toleradas e, em outras, evitadas e proibidas; tudo sempre no interesse geral do comércio. 5.9 O agente econômico responde a incentivos e a desincentivos Vimos que os comerciantes agem de forma profissional, visando ao lucro. O Direito pressupõe que a empresa procurará sempre o ganho e agirá com tal escopo; se não luta pelo proveito econômico, não é empresa, mas associação beneficente ou outro ente sem fins lucrativos.Ademais, por serem profissionais, os agentes de mercado são racionais, desenhando estratégias de maneira a satisfazer seu autointeresse com avidez. A conjunção desses três fatores [racionalidade + busca do autointeresse + escopo de lucro] faz com que a empresa, diante de vários possíveis caminhos, escolha aquele que acredita capaz de lhe trazer maiores benefícios52. Estratégias são formatadas para obter a maior vantagem econômica possível. Em seus processos de tomada de decisão, o agente econômico responde a incentivos, ou seja, a estímulos para se conduzir de uma ou de outra forma. Para o jurista, interessam mais de perto os impulsos jurídicos [i.e., postos pelo Direito] que incidem sobre as empresas, capazes de produzir efeitos econômicos e, portanto, prescrever seu comportamento. A implementação de políticas públicas passa por esse mecanismo: o Estado coloca regras para encorajar condutas socialmente desejáveis e desencorajar aquelas indesejáveis, conforme objetivos previamente definidos no campo político53. Como exemplo, pensemos em uma sociedade que deve optar entre ser pontual ou não no pagamento de seus impostos. Seu processo de tomada de decisão forçosamente ponderará que o inadimplemento da obrigação levará à imposição de multa. A chance de lhe ser impingida uma sanção constitui incentivo para a sociedade recolher seus tributos e desincentivo para sonegá-los. Nesse sentido, também os contratos e quaisquer pactos privados também tecem um sistema de estímulos comportamentais para as empresas, ligados a recompensas e sanções, ganhos e perdas, dos mais variados naipes. 52. Trata-se do que os economistas chamam de “maximização”, ou seja, “[c]hoosing the best alternative that the constraints allow can be described [...] as maximizing” [Robert Cooter e Thomas Ulen. Law & Economics, p. 11]. 53. Sobre as sanções jurídicas e os estímulos de comportamento, indispensável a leitura de Norberto Bobbio, Teoria generale del diritto, p. 128 e s.

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5.10 O agente econômico é o melhor senhor de suas próprias razões Partindo-se do paradigma comportamental do agente econômico ativo e probo, o sistema jurídico considera-o o melhor senhor de suas próprias razões, que não está obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei, como estatui a Constituição Federal, em seu art. 5º, II. Essa diretriz assume inúmeros desdobramentos, desde o princípio da livre iniciativa, passando pela livre concorrência, pela relatividade dos pactos, até a proibição de o juiz negociar pela parte. Pode-se presumir que a empresa, porque visa ao lucro, procure fazer o seu melhor e ser o mais eficiente possível, até mesmo porque a presssão pela sobrevivência tende a estimular a competência54. 5.11 Boa-fé nos contratos empresariais A boa-fé nas contratações, instituto tradicional do direito mercantil, diminui os custos de transação, facilitando os negócios e estimulando o fluxo de relações econômicas. A boa-fé é um dos mais tradicionais institutos do direito comercial; o estudo aprofundado de sua mecânica descortina as peculiaridades intrínsecas ao tráfico. Na dicção de Jacques Ghestin, “[l]a bonne foi, et la confiance qui en est le corollaire, apparaissent finalement, en termes d’analyse économique, come le principe des principes, irreplaçable das les relations contractuelles. Elle doit être au coeur de la pratique contractuelle”.55 Evitando as armadilhas da definição de noções jurídicas que dão ampla margem à interpretação, reconheçamos que, para o direito comercial, agir de acordo com a boa-fé significa adotar o comportamento jurídica e normalmente esperado dos “comerciantes cordatos”,56 dos agentes econômicos ativos e probos em determinado mercado [ou “em certo ambiente institucional”], sempre de acordo com o direito.57 Trata-se, a toda evidência, da boa-fé objetiva.58 54. “Firms that attempt to maximize profits can be expected to do as well as their circumstances permit. This is because the pressure to survive promotes competence” [Alan Schwartz and Robert Scott, Contract theory and the limits of contract law, p. 551] 55. L’ analyse économique de la clause générale, 186. 56. Na dicção de Cairu. 57. Comentando o art. 131 do Código Comercial, Luiz Gastão Paes de Barros Leães assevera: “Essa regra objetiva de boa-fé, consagrada como critério exegético das convenções mercantis, partia da premissa de que, nos negócios, deveria prevalecer a regra da lealdade recíproca, destinada a imprimir segurança ao tráfico jurídico. Nessas condições, não caberia apurar se cada um dos contratantes se encontrava ou

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Valemo-nos da percepção de Larenz, para quem “[a] boa-fé exige que cada parte admita o contrato como ele há de ser entendido por contratantes honestos segundo a ideia básica e a finalidade do mesmo, tomando em consideração os usos do tráfico”.59 “Reciproca lealtà di condotta fra le parti”, como aponta a moderna doutrina italiana,60-61 direcionada à concreção da função econômica do negócio, dando lugar ao comportamento colaborativo em torno do fim comum. “Sintetizando, pode-se dizer que a boa-fé obriga as partes a comportarem-se – no âmbito da relação contratual – de modo a não prejudicar, ou melhor, a salvaguardar o razoável interesse da contraparte, quando isto não importe nenhum sacrifício considerável e injusto”.62-63 A boa-fé no direito comercial não acompanha padrões que a apontariam como reflexo de altruísmo exacerbado ou de algo semelhante. Não é produto não de boa-fé ao contratar e executar o contrato: o intérprete deveria entender as disposições contratuais como exige a boa-fé ditada pelo ‘uso e prática geralmente observada no comércio, nos casos da mesma natureza, e especialmente o costume do lugar onde o contrato deva ter execução’, como completava a alínea 5 do citado dispositivo da lei comercial. Ou seja, a boa-fé, sob essa perspectiva, independeria da avaliação anímica do agente, ao manifestar a sua vontade, cabendo apreciá-la com base num padrão de conduta médio, que legitimamente é de esperar do vir bonus, ou do bonus pater familiae, em circunstâncias similares” [Rompimento da boa-fé e conflito de interesses, 1.482]. 58. O Regulamento 738, de 1850, determinava que não poderiam ser reconhecidos usos comerciais contrários à boa-fé e às “maximas commerciaes”, nos seguintes termos: “Art. 25. Só podem ser admittidas como usos mandados guardar pelo Codigo Commercial as praticas commerciaes a favor das quaes concorrerem copulativamente os dous seguintes requisitos essenciaes: 1.º serem conformes aos sãos principios de bôa fé e maximas commerciaes, e geralmente praticadas entre os commerciantes do logar onde se acharem estabelecidas; 2.º não serem contrarias a alguma disposição do Codigo Commercial, ou lei depois delle publicada”. 59. Derecho civil, 745. 60. Ernesto Capobianco, Il contratto dal testo alla regola, 126. 61. Na síntese de Roppo, “‘[c]orrettezza’ è solo una delle espressioni impiegate per spiegare il significato di buona fede. Ma se ne propongono altre: lealtà, cooperazione com controparte, sensibilità alle sua ragioni, salvaguardia dei suoi interessi, atteggiamento solidale nei suoi confronti” [Il contratto, 493]. 62. Vincenzo Roppo, Il contratto, 497. 63. Alguns autores, destaca Stefano Troiano, defendem que o conceito de boa-fé deveria ser substituído pelo da “razoabilidade”, que seria um “conceito de síntese” entre o direito continental e o sistema de common law, “simbolo stesso dell’unificazione del diritto privato europeo” [La “ragionevolezza” nel diritto dei contratti, 369 e ss.].

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de divina taumaturgia.64 Ao contrário, indica a retidão de comportamento no mercado, conforme os modelos ali esperados [inclusive o respeito às normas, próprio do homem ativo e probo].65 Ao se atrelar a um standard de comportamento empiricamente observável, a boa-fé comercial abandona rasgos de subjetivismo para aflorar como linha determinável e determinada de conduta. Não existe mercado sem direito, sem regras que atribuam algum tipo de sanção [consequência positiva ou negativa] externa e organizada ao comportamento do agente. Quando uma empresa atua em um mercado, está sujeita a essas normas jurídicas.66 A partir do momento em que a boa-fé [ou o respeito à boa-fé] é uma dessas variáveis, é tomada pelo agente como um dos fatores que pautará o seu comportamento dentro de uma racionalidade condicionada pelas “regras do jogo”. Para o desenvolvimento da confiança não é necessário que aquele agente tenha participado de jogadas anteriores em que tenha “aprendido” o comportamento conforme a boa-fé. Ao atuar em um mercado [juridicamente organizado], sabe-se de antemão quais os efeitos do descumprimento da norma, sem a ter que infringir. Ou seja, no mercado aprende-se com a experiência dos outros, ao contrário do que muitas vezes acontece em nossas vidas privadas. A “memória de experiência”, que é importante para a existência da confiança, não é atributo do indivíduo, relacionando-se ao processo de positivação da norma jurídica. É a norma jurídica – e não o indivíduo – que contém a “memória de experiência”. Nessa perspectiva, o comportamento honesto não implica gasto e sim economia, tanto para o agente [que atuará conforme as regras] quanto para o mercado como um todo, que tenderá a diminuir a incidência de custos de transação pelo aumento do grau de certeza e de previsibilidade. Dessa forma deve ser para o direito, porque a sanção prevista desestimula o comportamento infrator.67 Por fim, a boa reputação deve ser adquirida pelo agente, impelindo-o­ ao cumprimento das regras do mercado [i.e., ao respeito, à confiança e à boa 64. V. Emilio Betti, Teoria generale del negozio giuridico, 330. 65. Nas palavras de David Campbell e Hugh Collins: “general clause inserts the implicit understandings and expectations of the parties’ specific epistemic community into the binding contractual undertakings” [Discovering the implicit dimensions of contracts, 33]. 66. Guido Alpa, Trattato di diritto civile. Storia, fonti, interpretazione, 467 e ss. 67. Ou estimular o comportamento desejado, no caso de sanção premial. Teixeira de Freitas percebia esse fato [Consolidação das leis civis]: “O que seria do direito, se a sancção da lei não assegurasse o seu livre desenvolvimento? Não partimos de um estado negativo, ou de injustiça, mas da vida real da humanidade, onde a possibilidade

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-fé].68 “La clausola di buona fede dovrebbe disincentivare i comportamenti che hanno come unico obiettivo il trasferimento di ricchezza e, nello stesso tempo, ridurre i costi necessari per difendersi dall’opportunismo”.69 Nem sempre a boa-fé é observada pelos agentes econômicos e a “confiança” pode ser traída. A partir do instante em que a quebra da confiança trabalha contra o próprio direito, é esperado que normas jurídicas coajam os agentes econômicos a respeitá-las. Por isso, o sistema de direito comercial como um todo está voltado à tutela de princípios como a boa-fé objetiva e a confiança. Negócios que são possíveis em um ambiente institucional com fortes garantias de cumprimento das obrigações podem não ser viáveis em ambientes institucionais fracos – porque não seria conveniente para as partes negociar nessa última situação. Uma das funções do direito comercial é buscar a criação de um ambiente que torne as negociações compensatórias. No sistema de direito comercial, a boa-fé permite e estimula a eficiência do agente econômico ao mesmo tempo em que exige [para o bem do tráfico mercantil] seja adotado o comportamento típico dos “comerciantes cordatos”, como dizia Cairu. No direito comercial, o respeito ao princípio da boa-fé não pode levar, em hipótese alguma, a uma excessiva proteção de uma das partes, sob pena de desestabilização do sistema. O “erro de cálculo” do agente é um instrumento que premia a eficiência de outro. No processo de interpretação dos contratos mercantis, a boa-fé não pode ser confundida com equidade ou com “consumerismo”, erro em que incidem vários autores não habituados à dinâmica de mercado.70 de violação do direito reclama uma serie de instituições protectoras. Se a violação não fosse possível, a lei seria inutil”. 68. Qual brasileiro não se lembra da irônica ponderação da zelosa mãe imaginada por Aluísio Azevedo em Livro de uma sogra, 155, ao racionalmente escolher o melhor perfil de marido para sua amada filha no final do século XIX? Diz: “A honra do negociante é diferente da honra dos outros homens. O militar, por exemplo, que não solver uma letra no dia do vencimento, não fica por isso desonrado, como não fica desonrado o negociante que levar um par de bofetadas; mas, se invertermos os casos, tão desonrado fica um como o outro. Isso quer dizer que a chamada honra do negociante não reside, como a de toda a gente honesta, na consciência do respeito a si mesmo e na imputabilidade pessoal, mas no crédito abstrato da sua firma ou da sua casa de comércio [...]”. 69. Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto e nell’economia, 345. 70. V. a análise de Guido Alpa acerca das posições doutrinárias de Wieacker e Mengoni [Trattato di diritto civile. Storia, fonti, interpretazione, 953 e ss.]. Em suma, “il giudizio di buona fede consente una valutazione del comportamento delle parti alla stregua dei tipi di comportamento riconosciuti come norme sociali; l’equità invece consente al

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A boa-fé que rege as relações mercantis parte de uma realidade diversa e desempenha uma função um tanto diferente daquelas que cercam a maioria dos negócios celebrados entre não comerciantes. Há muito, advertia-se que a boa-fé é uma garantia dos contratos. Por todos, Coelho da Rocha: “A boa-fé dos contractos exige, que cada uma das partes fique responsavel á outra pelo bom e livre uso da cousa, ou prestação, que lhe dá ou, como vulgarmente se diz, – a fazer o contracto bom. – Esta responsabilidade constitue as garantias dos contractos [...]”.71 Prestando-se a aumentar a garantia dos contratos, o dever de respeito à boa-fé tende à diminuição dos custos de transação e ao incremento das relações econômicas.72 A linha de raciocínio – baseada nas lições de Goldschmidt,73 giudice di fare ricorso ad un potere più ampio, adattando il regolamento negoziale al fine di farvi penetrare esigenze di giustizia, tenendo conto delle circostanze peculiari del caso”. 71. Instituições de direito civil, v. 2, § 742. 72. Com efeito, se o comerciante Tício contrata com Caio a entrega de uma partida de algodão e tem a certeza de que o vendedor está se comportando de acordo com as regras da boa-fé, assiste-lhe maior segurança no negócio e, consequentemente, seus custos de transação podem ser dimensionados em um patamar inferior ao que seria esperado se contratasse com um comerciante não confiável. Por isso, diz-se que, no mercado, a difusão da boa-fé azeita o fluxo de relações e, por conseguinte, a eficiência do sistema. Aliás, a boa-fé, enquanto uma pauta a ser respeitada para viabilizar o funcionamento do mercado, é desígnio que há muito permeia o direito comercial. Voltemos ao texto do Alvará de 16 de dezembro de 1771, em que é posta a importância da boa-fé e dos bons comerciantes para os “negócios mercantis”: “[...] as decisões dos negocios mercantis costumão ordinariamente depender muito menos da sciencia especulativa das regras de Direito, e das Doutrinas dos Jurisconsultos, do que do conhecimento pratico, das Maximas, Usos e Costumes, que o manejo do Commercio, a necessidade, que ha de o livrar de embaraços, destructivos do seu continuo gyro; e a mutua, correspectiva da boa fé, que só tem por util, e solido fundamento dos seus interesses os verdadeiros, e bons Negociantes” [referida por J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, 210. O texto aqui transcrito foi compilado por Visconde de Cairu, Princípios de direito mercantil e leis de marinha, v. 2, 908]. 73. “Poichè ogni diritto è il prodotto delle idee, spesso incoscienti, degli scopi [utilitatis ratio], quali sono determinati dalle opinioni e condizioni etiche ed economiche, nel diritto del rapporti universali prevale naturalmente di gran lunga la base economica, ma i momenti etici [Treu und Glauben, bona fines] hanno anche qui una parte propria di somma importanza” [Storia universale del diritto commerciale, 18].

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Weber74 e Irti75 – é singela: os momenti etici [Treu und Glauben, bona fides]76 ou market ethics77 ampliam o grau de impessoalidade [ou objetivação] no mercado, pois possibilitam que os agentes econômicos dispensem menor atenção às características específicas/subjetivas da outra parte, concentrando-se na operação econômica em si. Essa impessoalidade típica das relações do tráfico – que apenas se faz possível por conta da “ética de mercado” – diminui os custos de transação, indo ao encontro do “interesse geral do comércio”. A boa-fé é o âmago do que J.X. Carvalho de Mendonça, inspirado em Goldschmidt e em Tholl, chamou de doutrina da prudência comercial, “o modo de proceder no tráfico mercantil”, “o conjunto de princípios que ensinam a dar efeito a escopos lícitos sòmente mediante meios lícitos”.78 “A boa fe é indispensável no commercio”; “A boa fe d’um negociante deve ser illibada”; “Nenhuma sociedade pode existir sem ella”; “A ma fe é a peste mortal do commercio”, proclama Ferreira Borges, com base em alvarás do séc. XVIII.79-80 74. “Within the market community every act of exchange, especially monetary exchange, is not directed, in isolation, by the action of the individual partner to the particular transaction, but the more rationally it is considered, the more it is directed by the actions of all parties potentially interested in the exchange. [...] Market behavior is influenced by rational, purposeful pursuit of interests. The part to a transaction is expected to behave according to rational legality and, quite particularly, to respect the formal inviolability of a promise once given. These are the qualities which form the content of market ethics” [Law in economy and society, 192]. 75. Essa impessoalidade ou objetivação típica do funcionamento do mercado será, no final do século XX, explorada por Natalino Irti: “La forma di un ordine è data, appunto, da contegni tipici, ragionevolmente prevedibili e calcolabili dalle parti. [...] La regolarità, costitutiva dell’ordine, implica sempre il superamento dell’individualità. [...] Questo ritornare a riconoscersi delle azioni, strappate alla singolarità delle circostanze, esige sempre un fondamento di carattere oggettivo, una governata e controllata continuità [L’ordine giuridico del mercato, 5]. 76. Goldschmidt, Storia universale del diritto commerciale, 18. 77. Max Weber, Law in economy and society, 192. 78. Tratado de direito comercial brasileiro, v. I, 33. 79. Diccionario juridico-commercial, 204. 80. Em 1771, estatui o Alvará de 16 de dezembro: “[...] as decisões dos negocios mercantis costumão ordinariamente depender muito menos da sciencia especulativa das regras de Direito, e das Doutrinas dos Jurisconsultos, do que do conhecimento pratico, das Maximas, Usos e Costumes, que o manejo do Commercio, a necessidade, que ha de o livrar de embaraços, destructivos do seu continuo gyro; e a mutua, correspectiva boa fé, que só tem por util, e solido fundamento dos seus interesses os verdadeiros, e bons

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A partir do séc. XIV, vários estatutos dos mercadores na Idade Média impunham aos juízes o dever de sentenciar conforme a boa-fé, bem como prescreviam que os mercadores deveriam manter em boa-fé os contratos e as promessas recíprocas.81 Mesmo antes, segundo alguns, os termos “boa-fé” e “equidade” teriam sido empregados para referir três condutas esperadas das partes contratantes, ainda que não expressamente acordadas: [i] cada uma deveria manter sua palavra; [ii] nenhuma deveria tirar vantagem da outra mediante sua indução em erro; e [iii] ambas deveriam pautar seu comportamento de acordo com as obrigações de uma pessoa honesta.82 Menezes Cordeiro noticia que, no séc. XIX, as decisões do tribunal superior de apelação comercial das cidades de Lubeque, Hamburgo, Bremen e Frankfurt [Oberappellationsgericht zu Lübeck], embora de forma vaga, destacavam a boa-fé em sua “acepção objectiva pura”, exprimindo “um modo de exercício das posições jurídicas, uma fórmula de interpretação objectiva dos contratos ou, até, uma fonte de deveres, independentemente do fenômeno contratual”.83 “[A] boa-fé objectiva ganha um relevo próprio, com projeção a nível decisório. Ainda que num estádio embrionário, denota-se já a presença dos vectores futuros de evolução do conceito; o exercício inadmissível de posições jurídicas, a interpretação objectiva e os deveres de comportamento no tráfego”.84 Negociantes. [...]”. “A boa fé [...] deve ser sempre inseparavel dos verdadeiros Commerciantes” determina o Alvará de 30 de maio de 1759. “Sem a qual [a boa-fé] não há Sociedade”, estatui-se em 1790. 81. Conforme noticia Lattes, Il diritto commerciale nella legislazione statutaria delle città italiane, 123. Com base na moderna doutrina alemã, esclarece-se que “Bona fides and/ or equitas also dominanted relations between merchants and became a fundamental principle of the medieval and early modern lex mercatoria. [...] As in Roman law, bona fides significantly contributed to the kind of flexibility, convenience and informality required by the international community of merchants”. “Bona fides est primum mobile ac spiritus vivificans commercii”, afirmou Casaregis, e “Bonam fidem valde requiri in his, qui plurimum negotiantur”, na dicção de Baldo [referências de Simon Whittaker e Reinhard Zimmermann, Good faith in European contract law: surveying the legal landscape, 17-8]. 82. Simon Whittaker e Reinhard Zimmermann, Good faith in European contract law: surveying the legal landscape, 94. 83. Da boa-fé no direito civil, 317. 84. Da boa-fé no direito civil, 319. Cf. sobre a boa-fé no direito comercial, Judith Martins-Costa, A boa-fé no direito privado, 208.

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O Código Comercial de 1850 reservava à boa-fé papel central, dispondo que “a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa-fé, e ao espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras” [art. 131, 1]. Embora o Código Civil de 1916 não tenha consagrado o instituto em seu texto, ninguém jamais ousou negar que continuava a ser princípio do nosso ordenamento jurídico. Sua previsão expressa no novo Código Civil serviu para dar-lhe maior destaque, passando a ser infindável o número de referências à “importância sistêmica da boa-fé objetiva”. De certa forma, a história da construção da boa-fé no direito comercial é um “enigma”, apontado por Menezes Cordeiro;85 surpreende o pouco interesse com que a doutrina comercialista trata a questão, ao mesmo tempo em que identifica a boa-fé como um dos principais vetores do tráfico. Após séculos de evolução, o reconhecimento do papel desempenhado pela boa-fé no direito comercial como catalisador do bom fluxo de relações econômicas é pacífico. Ela surge objetivada pelo mercado, formatada pela prática comercial de determinado ambiente institucional. No sistema de direito comercial, a boa-fé desempenha três principais funções, ressaltadas por Judith Martins-Costa.86 [i] De início, como exposto acima, é pauta de comportamento para os agentes econômicos, apoiando a execução das cláusulas contratuais. A boa-fé impõe limites ao exercício dos direitos, da forma explicitada pelo art. 187 do Código Civil.87 [ii] Em paralelo, é pauta de interpretação, colocando-se como ponto cardeal de orientação da atividade dos operadores do direito; a exegese do texto contratual jamais poderá ser contrária à boa-fé. Nesse sentido, é expresso o art. 113 do Código Civil: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. [iii] Por fim, é pauta de integração dos negócios mercantis, pois se presta como instrumento à resolução do problema da incompletude contratual. 85. Da boa-fé no direito civil, 315. 86. Judith Martins-Costa resume as funções que a boa-fé tradicionalmente assume nos sistemas jurídicos: [i] “cânone hermenêutico-integrativo do contrato”; [ii] “norma de criação de deveres jurídicos” e [iii] “norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos” [A boa-fé no direito privado, 429]. 87. “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

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Roppo, com base na jurisprudência peninsular, identifica os seguintes desdobramentos concretos do princípio da boa-fé:88 [i] dever de oferecer à outra parte oportunidade para sanear vício da prestação recebida, quando isso for possível e razoável; [ii] dever de cooperação, para possibilitar o adimplemento da obrigação pela contraparte; [iii] dever de conceder à contraparte oportunidade para correção de erros ou de equívocos que poderiam trazer incerteza à relação; [iv] dever de modificar a prestação para realizar o interesse da contraparte, quando isso for possível com mínimo de sacrifício;89 [v] dever de agir com coerência, mantendo a lógica dos próprios atos de forma a não frustar a expectativa que germinam na contraparte;90-91 [vi] proibição de exercitar direitos contratualmente assegurados de maneira formalmente lícita, mas, em sua essência, desleal ou danosa para a contraparte; e, por fim, [vii] proibição de tratamento discriminatório da contraparte.92 88. Roppo, Il contratto, 495 e ss. 89. Roppo defende que, em caso de desequilíbrio contratual superveniente, surgiria o dever de renegociar os termos do negócio. 90. Essa diretriz é claramente exposta nos Princípios Unidroit, nos seguintes termos: “Article 1.8. Parties cannot inconsistently with an understanding it has caused the other party to have and upon which that other party reasonably has acted in reliance to its detriment”. 91. No contexto brasileiro, Ruy Rosado Aguiar afirma: “depois de criar uma certa expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa de determinado comportamento futuro, há quebra dos princípios de lealdade e confiança se vier a ser praticado ato contrário ao previsto, com surpresa e prejuízo à contraparte” [Extinção dos contratos por incumprimento do devedor, 254]. Sobre a aplicabilidade da teoria do tu quoque no direito brasileiro, cf. Antonio Junqueira de Azevedo, Interpretação do contrato pelo exame da vontade contratual..., 166 e ss., e Luiz Gastão Paes de Barros Leães, Rompimento da boa-fé e conflito de interesses, 1.482 e ss. Explica Leães que a denominação da teoria deve-se à célebre frase de Julio César “e se assenta na ideia básica de que atenta contra a boa-fé o comportamento contraditório em relação a conduta anterior, revelando duplicidade de comportamento perante situações semelhantes” [1.483]. Expondo a doutrina internacionalista, conclui Luiz Olavo Baptista ser contrária a boa-fé a conduta de “[a]lguém, que sempre se comportou da mesma maneira, porta-se, de repente, de modo diferente, e muda a sua posição, quando a outra parte não esperava que isso acontecesse” [A boa-fé nos contratos internacionais, 32]. 92. Luiz Olavo Baptista indica os seguintes “critérios de avaliação da boa-fé na conduta do contratante durante a execução do contrato”: [i] ausência de malícia ou intuito

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No âmbito do direito internacional, a boa-fé é vista como o “coração comum” de vários sistemas de direito privado e, por conta disso, foi inserida em duas das principais iniciativas de uniformização do direito contratual: os chamados Princípios Lando [Principles of European Contract Law] e os Princípios Unidroit [Principles of International Commercial Contracts].93 Contudo, é preciso evitar, a todo custo, que a boa-fé torne-se mera desculpa para o inadimplemento da obrigação, como muitas vezes se pretende. Essa “farra dos princípios” – na feliz expressão de Ronaldo Porto Macedo Jr.94 – é prejudicial ao bom fluxo de relações econômicas e ao desenvolvimento. Exageros sempre podem ser perigosos. A impressão que se tem é que, muitas vezes, a boa-fé é empregada para proteger uma parte sem que se pondere se ela pagou por essa proteção no momento da celebração do contrato.95 Estabelecidas­as devidas proporções, vale lembrar, com Paolo Gallo, que a boa-fé foi até mesmo empregada como justificativa para o rompimento dos contratos de locação com os judeus, na Alemanha nazista.96 5.12 Confiança nos contratos empresariais A disciplina dos contratos empresariais deve privilegiar a confiança, tutelar a legítima expectativa; quanto maior o grau de confiança existente no mercado, menores os custos de transação e mais azeitado o fluxo de relações econômicas. lesivo; [ii] obediência à letra e ao espírito do contratado [“regra da fidelidade ao contrato”]; [iii] causa ou motivação na prática do ato; [iv] inexigibilidade de outra conduta e razoabilidade [A boa-fé nos contratos internacionais, 30 e ss.]. 93. Os Princípios de Direito Europeu dos Contratos, ou Princípios Lando, foram desenvolvidos pela Commision on European Contract Law, presidida pelo jurista holandês Ole Lando. Dispõe o art. 1.201: “Good Faith and Fair Dealing. [1] Each party must act in accordance with good faith and fair dealing. [2] The parties may not exclude or limit this duty”. Para os comentários específicos desse artigo, cf. Ole Lando e Hugh Beale, Principles of European contract law, 113. Os Princípios Unidroit têm por escopo promover a harmonização do direito internacional dos contratos; sua última versão data do ano de 2004. O art. 1.7 dos Princípios Unidroit determina que “[1] Each party must act in accordance with good faith and fair dealing in international trade. [2] The parties may not exclude or limit this duty”. Sobre os Princípios Lando e os Princípios Unidroit, cf. Guido Alpa, Trattato di diritto civile. Storia, fonti, interpretazione, 756 e ss. 94. “Interpretação da boa-fé nos contratos brasileiros: os princípios jurídicos em uma abordagem relacional [contra a euforia principiológica]”. 95. “[T]he courts have used good faith as a blunt instrument for providing protection to one party’s reliance without asking whether that party would have been willing to pay for such protection in the first place” [Victor Goldberg, Framing contract law, 102]. 96. Contratto e buona fede, 610.

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Os custos de transação tendem a reduzir-se em mercados nos quais os agentes econômicos confiam no comportamento dos outros, ou seja, em que se pode legitimamente esperar/prever a adoção de determinadas atitudes pelos parceiros comerciais.97 Esse pressuposto sempre foi reconhecido pelo direito comercial que, há séculos, incentiva a lealdade entre os mercadores.98 A boa-fé objetiva diz respeito à confiança no contrato. 99 Nos últimos anos, o resgate da importância desse instituto vem despertando o interesse da doutrina, inclusive econômica. Podemos definir confiança [trust] como “um determinado nível de probabilidade subjetiva com a qual um agente avalia que um outro agente ou grupos de agentes praticarão uma determinada ação”;100 a existência de confiança aperfeiçoa a fluência das relações de mercado. Williamson resume algumas conclusões de outros economistas sobre o fenômeno da confiança: [i] para que ela exsurja, são necessários repetidos encontros e certa memória de experiência; [ii] o comportamento honesto implica certo custo; e [iii] está relacionada à boa reputação e esta deve ser adquirida. A previsibilidade do comportamento dos agentes aumenta o grau de segurança e reduz a preocupação [i.e., os gastos a serem incorridos] durante a celebração ou mesmo a execução do negócio. Na medida em que as expectativas são compartilhadas e compreendidas de maneira relativamente uniforme 97. Cf. Williamson, Calculativeness, trust, and economic organization. 98. Os estudos sobre a confiança nos contratos e sua importância na regulação dos mercados têm se multiplicado na área econômica e também na jurídica. Mencione-se o seminal trabalho de Diego Gambetta, Trust. Making and breaking cooperative relations. No campo jurídico, para um panorama geral do tema, a excelente obra de Manuel António de Castro Portugal Carneiro de Frada, Teoria da confiança e responsabilidade civil e, também, Sylvia Calmes, Du principe de protection de la confiance légitime en droits allemand, communitaire et français. V., ainda, obra coordenada por Valérie-Laure Bénabou e Muriel Chagny, La confiance en droit privé des contrats. 99. Sobre a relação entre boa-fé e confiança, v. Menezes Cordeiro, Da boa-fé no direito civil, 1.234 e ss. Comentando o art. 1.366 do Codice Civile, diz Messineo: “È da notare altresì che la buona fede, cui si referisce l’art. 1.366, è quella che è stata chiamata buona fede oggettiva, cioè l’esigenza che la dichiarazione di volontà contrattuale sia intesa secondo il criterio di reciproca lealtà di condotta fra le parti, o affidamento e non quello stato psichico, di ignoranza di una certa situazione, che è l’altro significato [e il significato più usuale] di buona fede” [Dottrina generale del contratto, 357]. 100. Gambetta, apud Williamson, The mechanisms of governance, 257. No original: “a particular level of the subjective probability with which an agent assesses that another agent or group of agents will perform a particular action”.

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pelas empresas, as “dimensões implícitas” dos contratos [i.e., as pressuposições legitimamente assumidas pelas partes] levam à diminuição dos efeitos prejudiciais do desconhecimento dos possíveis desdobramentos do negócio [racionalidade limitada].101 A prudência recomenda que, na primeira contratação entre duas empresas, cuidados sejam aviados para garantir o bom resultado. Por exemplo, A fabrica tecidos finos, fornecendo para clientes grandes e tradicionais. B, por sua vez, acabou de ser fundada e tem por sócias duas jovens estilistas recém-formadas. B pretende adquirir de A grande quantidade de tecidos para sua primeira coleção e pleiteia o pagamento de metade do preço em sessenta dias. A, antes da concessão do crédito, deverá informar-se sobre a higidez econômica de B, negociar a outorga de garantia pessoal de suas sócias, analisar seu passado econômico etc. A situação seria diversa se A e B fossem parceiras comerciais há tempos. A confiaria em B [isto é, poderia prever com certo grau de segurança seu comportamento adimplente] e não cogitaria perder tempo e dinheiro buscando maiores informações sobre ela. Nesta segunda situação, a contratação entre A e B geraria menores custos, porque haveria confiança entre as partes. Não é difícil compreender o motivo pelo qual, nos mercados em que impera a fidúcia, costumam ser menores os custos incorridos para a concretização de negócios.102 A confiança pode ser incentivada pelo ambiente institucional. Interessante exemplo é trazido por Lisa Bernstein após estudar o funcionamento do mercado de diamantes em Nova Iorque. Quando as partes acordam a venda de uma pedra, apertam-se as mãos e pronunciam a frase Mazel und Broche [good luck and blessing – boa sorte e bênçãos].103 Entrevistas e pesquisas demonstram que o agente, se pronunciar aquelas palavras e não respeitar o compromisso, será penalizado, inclusive mediante a perda de sua reputação. Dessa forma, um comerciante é levado a confiar no outro – mesmo porque pode racionalmente crer que o sistema garante o cumprimento do pacto em caso de inadimplemento. 101. Milgrom e Roberts: “To the extent that the expectations actually are shared and com­monly understood, implicit contracts can be a powerful means of economizing on boun­ded rationality and contracting costs” [Economics, organization and management, 132]. 102. Em outra perspectiva, Jacques Ghestin aponta que, de certa forma, a referência à con­ fiança é inútil, pois seriam os fatores relacionados ao receio de represálias, e não a fidúcia, que incitariam a cooperação [L’analyse économique de la clause générale, 182]. 103. Opting out of the legal system: extralegal contractual relations in the diamond ­industry.

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Nesse mercado, não é preciso que os agentes econômicos cerquem-se de maiores cautelas quando das contratações, diminuindo os custos de transação.104 Sob esse prisma devem ser enfrentados vários institutos tradicionais do direito comercial, tais como a proteção da legítima expectativa. Vimos que a segurança unge o fluxo de relações econômicas, pois reduz os custos das transações ao viabilizar a previsão, com razoável grau de segurança, do comportamento dos parceiros comerciais. Se Caio pode legitimamente supor que Tício agirá mais ou menos como sempre, não perderá tempo e dinheiro procurando precaver-se dos eventuais prejuízos de uma postura inusitada de Tício. Como em um círculo virtuoso, a proteção da legítima expectativa aumentará o grau de segurança e de previsibilidade do mercado; o resultado será a diminuição dos custos de transação e a catalisação do tráfico. 5.13 Usos e costumes Os usos e costumes são fonte de direito em constante atividade. O ordenamento estatal admite em seu seio, como vinculantes, as normas produzidas pelos agentes econômicos. Essas normas integram os contratos. Os usos e costumes,105 outro instituto tradicional do direito comercial, são diretriz crucial de funcionamento do mercado e dos contratos empresariais. 104. Outro exemplo relatado pela mesma autora demonstra o grau de institucionalização alcançado por essas normas costumeiras: trata-se da prática do open cachet. Quando o comprador faz sua oferta, coloca-se a pedra em um envelope que é fechado e selado de determinada forma. Nele são escritas as condições da oferta e a data; apõe-se o lacre e o comprador assina sobre o selo. A menos que o contrário seja acordado, a oferta é válida até a uma hora do dia seguinte. Nesse período, o vendedor pode a qualquer momento aceitar a oferta, contatando o comprador e dizendo Mazel und Broche; no entanto, nesse período, se o vendedor recusa a oferta ou formula contraproposta, retira-se sua opção de aceitar a oferta escrita no envelope. Caso o vendedor pretenda aceitar a oferta mas não encontre o comprador em tempo hábil, é-lhe facultado dirigir-se ao Board of directors of the diamond dealers club e depositar, por escrito, sua aceitação, que será atestada por um membro do Board. A prática do open cachet desestimula o comportamento oportunista do vendedor, que poderia mostrar a pedra a outro comprador – o ofertante, ao se deparar com o selo violado, ficará sabendo do ocorrido. No entanto, se a proposta é feita por terceiro que viu o diamante antes que fosse colocado no envelope, o ofertante resta liberado do cachet. Nessas situações, o vendedor costuma entrar em contato com o comprador e informar-lhe sobre a oferta, permitindo que a cubra. Assim, dá-se origem a leilão que permite a venda da pedra pela melhor oferta. 105. Adotamos, assim, a lição de Vidari que, há muito, esclarecia: “la distinzione [entre uso e consuetudine] non ha oggi più valore pratico, e diritto oggi sono tutti gli usi pacificamente accolti dal commercio” [Corso di diritto commerciale, v. I, 89]. Ainda

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Ainda que, por muitos anos, tenham sido aparentemente renegados pela jurisprudência, hoje sua força encontra-se vivificada a ponto de alguns autores referirem-se ao fenômeno da “redescoberta” dos usos comerciais.106 O stylus mercatorum, os usos e costumes, são identificados como fonte do direito comercial,107-108 ou seja, capazes de emanar normas de respeito obrigatório para os mercadores.109 O art. 2.º do Decreto 737, de 1850, estabelecia que “conssobre a diferença entre usos e costumes, Brasilio Machado: “antigamente fazia-se distincção na doutrina e no D. Civil entre usos e costumes. Chamava-se uso a reiteração do facto, a reiteração do acto, a repetição do facto; o costume era reservado apenas para determinar a norma jurídica derivada desse mesmo facto. Hoje em dia essa distincção está inteiramente esquecida, tanto o uso como o costume exprimem uma mesma ideia, i.e. a relação juridica derivada e a reiteração do acto ou do facto juridico” [O Codigo Commercial do Brasil em sua evolução histórica, 264]. 106. Buonocore, Contrattazione d’impresa e nuove categorie contrattuali, Premessa, xxv. 107. Brasilio Machado assentou algumas das mais belas páginas sobre os usos comerciais, apontando sua dúplice função de [i] fonte do direito comercial e [ii] fonte de interpretação. Para o Professor das Arcadas, usos comerciais são “aquellas normas jurídicas feitas pela pratica dos commerciaintes” ou “aquellas normas que se observam uniforme, diuturna e geralmente no commercio” [O Codigo Commercial do Brasil em sua formação histórica, 263]. 108. A doutrina civilista brasileira, ao comentar o art. 4.º da LINDB, é unânime ao classificar os usos e costumes como fonte de direito. Haveria dois requisitos para que o costume transformasse-se em regra jurídica. O primeiro deles é a “constância da repetição dos mesmos atos, a observância uniforme de um mesmo comportamento, capaz de gerar a convicção de que daí nasce uma norma jurídica”. O segundo, a “convicção de que a observância da prática costumeira corresponde a uma necessidade jurídica, opinio necessitatis. [...] Esta convicção, que seria o fundamento de sua obrigatoriedade, revela-se na conformidade de seu reconhecimento como hábil a regular a conduta individual, de forma a justificar a sua aplicação compulsória aos que não se submetem voluntariamente a ela” [Caio Mario da Silva Pereira, Instituições de direito civil, v. I, 44 e ss.]. “Pluritas, uniformitas, continuitas, frequentia acti” resumem a ideia de uso prolongado [Serpa Lopes, Curso de direito civil, 115]. No campo do direito comercial, assevera Brasilio Machado os requisitos para que a prática seja uso comercial: [i] “o uso commercial precisa ser reiterado, precisa ser repetido durante um certo tempo”; [ii] “é preciso que seja uniforme”; [iii] “é preciso que os commerciantes considerem esse uso como um verdadeiro preceito legislativo que deve ser obedecido, que deve ser obrigatorio como se elle se traduzisse em uma lei expressa” [opinio juris seu necessitatis]; [iv] “é preciso que o costume seja harmônico com a lei”; e, enfim [v] “que não offenda os princípios da ordem publica nem os sentimentos da moral” [O Codigo Commercial do Brasil em sua formação histórica, 265-6]. 109. Normalmente, as discussões mais extensas sobre os usos e costumes travam-se entre os civilistas. V. François Gény, Méthode dMinterpretation et sources em droit privé positif, 316 e ss. e Enneccerus, Kipp e Wolff, Tratado de derecho civil, t. I, 145 e ss.

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tituem legislação commercial o Código do Commercío, e subsidiariamente os usos commerciaes [art. 291 Código] e as leis civis [arts. 121, 291 e 428 Código]”. A prática mercantil impõe-se como direito, que deve ser observado pelos agentes econômicos. Regras que “por direito se deva guardar”, na magnífica expressão empregada em 1769 pela Lei da Boa Razão. “[A]quelles que os commerciantes observam como se observassem uma verdadeira regra de D. escripto”, ensinava Brasilio Machado na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1907.110 Os usos e costumes são a prática dos comerciantes que, na busca de soluções para os problemas quotidianos, encontram e consolidam determinada forma de resolvê-los.111 Esses esquemas espraiam-se ao serem imitados por outros agentes. Daí a força uniformizadora dos usos e costumes, que tendem a planificar o comportamento das empresas. Por brotarem da praxe mercantil, os usos e costumes sofrem certa “seleção natural”: as práticas mais adequadas ao tráfico impõem-se sobre aquelas menos aptas à resolução de problemas; ao longo do processo de evolução, prevalecem os padrões de conduta mais bem adaptados ao funcionamento do mercado.112 Forma-se repertório de experiências bem sucedidas que, ao permitir maior grau de previsibilidade do comportamento, transforma o mercado em repositório de memórias de jogadas. A jurisprudência atua como forte fator de “seleção” dos usos e costumes. Por um lado, eles são depurados pela prática, mostrando aos agentes econômicos os caminhos mais “eficientes”; por outro, são trabalhados pela pena nos tribunais ao interpretarem fatos e textos normativos. O julgador não se prende somente ao texto da lei, debruçando-se também sobre os fatos do caso concreto trazidos ao seu conhecimento. Um costume não aceito pelos tribunais – i.e., por eles considerado violador de norma jurídica – acaba desautorizado ou não se consolida. Retomando o mecanismo que explicamos ao estudar os contratos socialmente típicos:113 uma empresa realiza determinado negócio jurídico, até aquela época pouco usual, que supõe ser lícito. A prática mostra-se vantajosa 110. O Codigo Commercial do Brasil em sua formação histórica, 263. 111. Sobre a formação do costume, cf. Jean Escarra, De la valeur juridique de l’usage em droit commercial, 98-9. 112. Lisa Bernstein contesta esse pressuposto, afirmando que a teoria dos jogos comprovou que o costume pode refletir equilíbrio não necessariamente eficiente. Ademais, a evolução do uso pode ser “path-dependent and strongly influenced by information cascades or any of a number of heuristic biases” [The questionable empirical basis of article 2’s incorporation strategy: a preliminary study, 754-5]. 113. V. capítulo segundo, item sobre a classificação dos contratos empresariais quanto ao seu grau de positivação: contratos típicos, atípicos e socialmente típicos.

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e, rapidamente, outros agentes econômicos copiam-na. Passado algum tempo, os tribunais, interpretando/aplicando textos normativos, consideram que o original negócio é ilegal. No torvelinho do mercado, não mais será prudente adotar a prática e esta não se perpetuará, ainda que, em um primeiro momento, tenha-se mostrado eficiente; diante da orientação jurisprudencial, há forte desestímulo para sua utilização por parte de outros agentes. Os usos e costumes refletem complexa interação entre texto normativo, atos dos comerciantes e jurisprudência.114 As empresas não precisarão agir para, observando as consequências de suas práticas, apreender com os resultados obtidos. O costume consolidado tende a indicar o melhor caminho a ser seguido [ou, ao menos, poderá demonstrar os possíveis resultados das jogadas, sem que haja necessidade de jogar]. Os usos e costumes geram legítimas expectativas de atuação, probabilidades de comportamento; presume-se que as partes comportar-se-ão de acordo com o modelo usual, de maneira que cada agente é capaz de planejar sua jogada [i.e., estratégia de atuação no mercado] com maior margem de segurança. O conúbio entre previsibilidade, criação de legítima expectativa e usos comerciais é hoje expresso na legislação comercial norte-americana, que considera “uso do comércio” como “any practice or method of dealing having such regularity of observance in a place, vocation, or trade as to justify an expectation that it will be observed with respect to the transaction in question”.115 A tipificação social de contratos também tem origem nos usos e costumes, transformando negócios livremente encetados pelos agentes econômicos em tipos socialmente reconhecidos. Por exemplo, os contratos de concessão mercantil ou de distribuição comercial, nascidos da prática dos mercadores, são hoje pacificamente aceitos pela jurisprudência.116 Estipulações comuns em operações de compra e venda de ações ou de quotas, tais como cláusulas de put/call, drag along e tag along nada mais são do que a redução a escrito de uma prática consolidada. Seu reconhecimento social é tão notável que não há advogado da área comercial que ignore seu significado, muito embora os livros nacionais pouco esclareçam sobre o assunto.117 114. V. sobre o tema Paula A. Forgioni, A unicidade do regramento jurídico das sociedades limitadas e o art. 1.053 do novo Código Civil. Usos e costumes e regências supletivas. 115. Alínea c do art. 1-303 do Uniform Commercial Code. 116. Esse mecanismo de gênese dos contratos empresariais foi estudado no capítulo segundo, no item sobre a classificação dos contratos empresariais quanto ao seu grau de positivação: contratos típicos, atípicos e socialmente típicos. 117. Maria Rosaria Ferrarese dá destaque à força uniformizadora das minutas norte-americanas em todo o mundo [Diritto sconfinato, 83 e ss.]. Sobre a uniformização

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Enfim, a relação entre o funcionamento do sistema mercantil e usos e costumes faz aflorar sua função de fator de diminuição dos custos de transação. O reconhecimento da força vinculante de regras que traduzem respostas adequadas a necessidades econômicas, permitindo o cálculo de jogadas, facilita as contratações, reduzindo seus custos. Nas palavras de Bolaffio, ao comentar os usos comerciais: “È la legge del minimo mezzo che determina così il fenomeno economico come la regola giuridica che lo presidia: si mira ad un risultato immediato, tranquillante per il credito e per la buona fede, col minor dispendio di attività e di formalità”.118 A prática brasileira dos últimos anos traz exemplo bastante interessante sobre a interação entre prática comercial, usos e costumes, atividade jurisprudencial e texto normativo: os contratos built to suit [“construção sob medida”], mediante o qual uma construtora, por sua conta e em seu nome, adquire o terreno e constrói prédio de acordo com os interesses da empresa contratante, que irá utilizá-lo por período determinado, garantindo à construtora o retorno do investimento e a remuneração pelo uso do imóvel. Com isso, a empresa contratante não imobiliza os recursos necessários à aquisição\construção e pode considerar as quantias referentes ao pagamento da construtora como “despesas operacionais”, que diminuem a base de cálculo do imposto de renda devido. Muitas vezes, a operação é tripolar, envolvendo instituição que financia tanto a aquisição do imóvel quanto sua construção, garantindo-se com os futuros pagamentos a serem feitos pela contratante.119 A contraprestação devida [“aluguel”] é superior àquela de uma locação comum, porquanto envolve a retribuição por outras prestações realizadas pela construtora. dos contratos comerciais pela prática, cf. Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto e nell’economia, 221 e ss. 118. Il Codice di Commercio commentato, v. I, 61. 119. De acordo com Francisco Maia Neto, mencionado na justificativa do Projeto de Lei 5.505/2009, o contrato de “built to suit” é “ modalidade de operação imobiliária, que consiste em um contrato pelo qual um investidor viabiliza um empreendimento imobiliário segundo os interesses de um futuro usuário, que irá utilizá-lo por um período preestabelecido garantindo o retorno do investimento e a remuneração [aluguel] pelo uso do imóvel. Do ponto de vista operacional o futuro usuário, espera do investidor a aquisição do terreno, definição do projeto que atende suas necessidades desenvolvimento e construção do móvel e entrega do empreendimento pronto por valor predeterminado a ser pago em parcelas mensais. Pelo lado do investidor, este busca o retorno dos investimentos alocados no projeto e a remuneração pelo uso do móvel, cuja principal característica é a exigibilidade da permanência do usuário, associada às previsibilidades e segurança do fluxo projetado, o que permite a securitização deste contrato, através da distribuição de títulos a investidores, que terão como lastro o pagamento das parcelas contratadas”.

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Imaginemos que esse contrato fosse considerado por nossos Tribunais como mera locação, sujeita à disciplina da Lei 8.245, de 1991. O pagamento contratado poderia ser revisto para adequar-se aos níveis de aluguel praticados no mercado. Dessa forma, ruiria todo o negócio por conta da inviabilização da adequada remuneração da construtora. Houvesse essa sinalização dos Tribunais e o contrato de built to suit teria sido esquecido entre nós. Mas não foi isso que ocorreu. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu a existência desse tipo contratual, considerando-o diverso da mera locação120 e afastando pretensões de contratantes que visavam a livrar-se da remuneração ajustada. Na esteira da instrução do Poder Judiciário, o contrato de built do suit seguiu com ampla utilização.121 Posteriormente, em dezembro de 2012, a Lei de Locações foi alterada e nela foi introduzido o art. 54-A, resolvendo a questão. 5.13.1 Globalização e usos e costumes As práticas contratuais tendem a uniformizar-se, em processo acelerado nos últimos anos pela globalização. 120. No entender do TJSP, o traço marcante do “built to suit” é “o fato do terreno e a construção que nele será feita atenderem, de forma especial no que se refere à localização e características, a pessoa que posteriormente irá alugá-lo, por um prazo bastante longo. Não havendo regulamentação legal desse tipo de contrato, as partes podem ainda ajustar regras especiais não contempladas na Lei 8.245/91. [...] Como a locação se faz, com garantia de cumprimento da obrigação do locatário, durante longo prazo [geralmente 10 ou mais anos], ao término da avença, o empreendedor recupera totalmente desembaraçado o imóvel, valorizado pela planta erguida em seu terreno. Não é, portanto, uma singela locação de imóveis” [Apelação n. 003663284.2007.8.26.0000, julgada pelo TJSP em 11 de maio de 2011]. 121. “A avença contempla em seu bojo amplo feixe de direitos e obrigações às partes que extrapolam os limites da pura locação de imóvel, o que põe a legislação especial da locação em segundo plano quanto ao negócio jurídico sob exame, que deve ser regido pela autonomia da vontade privada, em atenção ao princípio da liberdade de contratar. Cuidando-se de contrato paritário, em que as partes entabularam trocas úteis e justas de acordo com suas vontades e em posição de igualdade [par a par], ou seja, não sendo a renúncia predisposição de direito unilateral imposta por parte dominante em contrato de adesão, a renúncia ao direito de revisar a remuneração é válida e eficaz, por força da homenagem ao princípio da boa-fé objetiva e da função social do contrato” [Apelação com Revisão 992.08.037348-7 Comarca de São Paulo, julgada pelo TJSP em 4 de maio de 2011].

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Outra tradicional característica dos contratos mercantis [e do próprio direito comercial] é seu cosmopolitismo, sua tendência de ignorar fronteiras. O comércio vai até aonde lhe é permitido, sem creditar muita atenção a barreiras culturais ou jurídicas; com menor ou maior facilidade, tende a expandir-se. Há muito, entre nós, Conselheiro Orlando advertia: “De envolta com as mercadorias [o comércio] transporta usos, costumes, modos e ideias dos differentes povos da terra, estimulando e inspirando viagens remotas de exploração, quasi fabulosa; com seu genio cosmopolita, approximando as distancias, tem lutado constante em prol dos mais legitimos e importantes interesses; – um povo de commerciantes é um povo laborioso e abastado, – e o commercio é para as nações o que póde ser a imprensa para as letras”.122 O cosmopolitismo deve ser hoje compreendido no contexto da globalização, com a disseminação cada vez maior de práticas [usos e costumes] e modelos de negócios desenvolvidos no exterior.123 Advirta-se, contudo, que “as diferenças não são pura e simplesmente canceladas, mas chamadas a interagir com tais standards”, produzindo aspectos jurídicos novos e inesperados.124 A primeira e necessária advertência diz respeito à descuidada importação de institutos, sem a consideração daquelas que Ascarelli chamou de “premissas implícitas” de cada ordenamento.125 Observou o mestre italiano que, no estudo de institutos estrangeiros, as “premissas implícitas” próprias de cada sistema não podem ser desprezadas. No entanto, essa singela recomendação não é sempre atendida, de sorte que alguns entornam a experiência estrangeira sobre nosso sistema, pretendendo imprimir direcionamento que lhe é estranho.126 122. Conselheiro Orlando, na introdução ao Codigo Commercial do Imperio do Brazil. 123. De certa forma, a “globalização” sempre esteve presente no direito mercantil. Assim, a antiga lição de Vivante sobre a “índole cosmopolita” da matéria poderia, sem sombra de dúvidas, ser empregada para explicar a realidade hodierna: “cada comerciante, grossista ou varejista, sente passar no seu estabelecimento as correntes de um comércio mundial cuja direção deve seguir” [Tratatto di diritto commerciale, v. I, Introdução]. 124. Maria Rosaria Ferrarese, Le istituzioni della globalizzazione, 57. A ideia da autora, exposta mais adiante na mesma obra, é que “il diritto globalizzato si avvicina di più a svolgere il ruolo di una lingua parlata in ambito internazionale: una sorta di passepartout linguistico, che permette di comunicare a persone di diverse nazionalità, ma che ognuno parla a modo proprio, com le proprie inflessioni e costruzioni lessicali” [70]. 125. Premissas ao estudo do direito comparado, 13. Cf. Paula A. Forgioni e Renato Ochman, Riscos da importação de cláusula contratual no direito brasileiro. 126. Com Eros Roberto Grau, observamos: “É certo, no entanto, que embora o recurso à doutrina e à jurisprudência estrangeiras possa mostrar-se fonte de subsídios útil,

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A aplicação do direito brasileiro não pode abraçar princípios diversos daqueles cristalizados em nosso ordenamento jurídico, sob pena de dar lugar a açodado transplante, incompatível com nossa realidade. Nessa toada, muitas vezes as posturas assumidas pelos operadores do direito não passam de mera reprodução de ideias alienígenas, talhadas no processo de interpretação/aplicação de outro direito, que não o nosso; de outra constituição que não a brasileira. O cosmopolitismo inerente ao direito comercial voltou a ocupar o interesse da doutrina especializada sob nova roupagem, travestido de preocupações com os estatutos jurídicos do mercado, envolto no intrincado contexto da globalização.127 Na lição de Maria Rosaria Ferrarese:128 “A complexidade deriva de vários fatores: em primeiro lugar, do incremento no número de sujeitos produtores de direito; em segundo lugar, do caráter privado e invisível de alguns desses sujeitos; em terceiro lugar, da pressão crescente de interesses sobre as regras jurídicas, que as tornam mais mutáveis; enfim, uma certa opacidade das regras, devida à interação entre elementos formais e informais. O quadro jurídico assume, assim, caráter múltiplo: é constituído por numerosos elementos, como um mosaico; mas, diferentemente de um mosaico, não é jamais estático e contempla uma interação contínua entre os vários elementos que o compõe”. A inclinação à harmonização das normas endógenas, decorrente da uniformização do comportamento dos players, incrementa-se de forma proporcional ao aumento do fluxo de relações econômicas. Quanto maior o comércio entre as nações, mais intensa a tendência de as práticas comerciais tornarem-se análogas. A conclusão será de que hoje, mais do que nunca, o direito comercial assume seu viés cosmopolita e os contratos empresariais são projetados a partir desse complexo ambiente institucional, do qual não podem ser arrancados. nem uma nem outra podem ser tomadas como absolutas. Vale dizer: elas não devem ser transplantadas para a realidade brasileira sem que sejam consideradas as particularidades do nosso mercado e do nosso sistema jurídico. A indiscriminada transposição de teorias e modelos pode mostrar-se inadequada e mesmo perigosa, colocando em risco a efetividade e a eficácia do direito brasileiro, conduzindo-nos por caminhos com ele incompatíveis” [O Estado, a empresa e o contrato, Prefácio, 12]. 127. Não é nosso foco, aqui, a relação entre o Estado e os impactos gerados pela globalização. Sobre o tema, v. Eros Roberto Grau, Nota sobre a globalização, 270 e ss. 128. Le istituzioni della globalizzazione, 61.

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5.14 Custos de transação A empresa contrata porque entende que o negócio trar-lhe-á mais vantagens do que desvantagens. As contratações são também resultado dos custos de suas escolhas; o agente econômico, para obter a satisfação de sua necessidade, opta por aquela que entende ser a melhor alternativa disponível, ponderando os custos que deverá incorrer para a contratação de terceiros [“custos de transação”]. Quanto menores os custos de transação, maior a fluência das relações econômicas e o desenvolvimento. No momento da celebração, as partes acreditam que estarão “melhor com o contrato do que sem ele”.129 O agente econômico celebrará o ajuste se entender que esta é uma boa alternativa para a satisfação de sua necessidade. Vale dizer, o negócio com terceiros será realizado apenas se a opção de produzir internamente determinado bem ou serviço não for mais vantajosa para a empresa. A produção interna corporis envolve custos; a contratação com terceiros também. Tudo está em ponderar qual o caminho mais lucrativo: adquirir o bem no mercado ou obtê-lo internamente? Por exemplo, A necessita que, diariamente, seja feita a limpeza de suas instalações. Abrem-se duas alternativas: A poderá empregar faxineiros, incorrendo nos respectivos custos, ou contratar outra empresa que lhe preste esses serviços. Para selecionar a empresa a ser contratada, A pesquisa as opções existentes no mercado, preços praticados, idoneidade das firmas, qualidade dos serviços, reputação etc. Após esse processo, opta por B. A e B deverão negociar os termos do contrato, os horários em que o serviço poderá ser realizado, as precauções em relação à segurança, inclusive os cuidados com o sigilo dos dados empresariais, o asseio dos faxineiros, a responsabilidade por eventuais danos causados aos equipamentos e assim por diante. Tudo isso representa tempo e dinheiro, que serão ponderados por A quando da decisão de sua estratégia: contratar B ou utilizar o trabalho de faxineiros empregados? Os economistas debruçaram-se sobre esses problemas, estudando e explicitando os dispêndios associados à solução “de mercado”, i.e., à obtenção do bem ou do serviço mediante a contratação de terceiros. Esses custos são chamados “custos de transação”,130 incorridos por conta e em virtude das contratações da empresa com outros agentes econômicos. 129. “There is only one reason why a person would want to make a contract: to obtain an advantage os some kind. […] Contracts […] are typically made only because they are mutually advantageous” [Louis Kaplow e Steven Shavell, Contracting, 2]. 130. Em outra oportunidade, explicamos que o estudo dos custos de transação originou-se das observações de Coase, em 1937, no opúsculo intitulado The nature of the firm.

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Classificam-se os custos de transação em ex ante e ex post, conforme ocorram antes ou após a celebração do negócio. Há custos de transação referentes à coordenação [coordination costs] e aqueles relacionados à motivação [motivation costs]. Os primeiros são os gastos próprios às negociações, incluindo a definição de suas condições [preço, prazo, época de entrega etc.] e mesmo à busca de parceiros comerciais. Os custos de motivação podem ser apartados em dois principais tipos: [i] aqueles ligados à assimetria e à falta de completude da informação, quando as partes não conhecem todos os dados relevantes e necessários sobre a outra e sobre o negócio, e [ii] aqueles inerentes ao possível prejuízo decorrente do comportamento oportunista da outra. Note-se que o interesse pelo estudo dos custos de transação tem como razão cardeal a empresa e as opções que faz no exercício de sua atividade. Sua compreensão desnuda a atuação dos agentes no mercado e, principalmente, Suas primeiras indagações podem ser assim resumidas: se os mercados funcionam tão bem e seriam aptos a assegurar o fluxo econômico, por que existem empresas? Por que elas contratam entre si? Segundo Coase, a realização de transações econômicas implica custos [custos de transação ou transaction costs], que variam segundo a natureza da própria operação e a forma mediante a qual é organizada. Em suma, os custos de transação são os gastos para se valer do mercado [cf. Viscusi, Vernon e Harrington, Economics of regulation and antitrust, 221]. Como expressa ainda Coase em trabalho de 1960, retomando as lições expostas em 1937: “In order to carry out a market transaction, it is necessary to discover who it is that one wishes to deal with, to inform people that one wishes to deal and on what terms, to conduct negotiations leading up to a bargain, to draw up the ­contract, to undertake the inspection needed to make sure that the terms of the contract are being observed, and so on” [The problem of social cost, 114]. Na síntese de Hovenkamp: “Use of the market can be expensive. Negotiating costs money. Dealing with other persons involves risk, and the less information one firm has about the other, the greater the risk” [Federal antitrust policy, 372]. Partindo das ideias de Coase, Williamson assim define os custos de transação: “The ex ante costs of drafting, negotiating, and safeguarding an agreement and, more especially, the ex post costs of maladaptation and adjustment that arise when contract execution is misaligned as a result of gaps, errors, omissions, and unanticipated disturbances; the costs of running the economic system” [The mechanisms of governance, 379. Cf. do mesmo autor The vertical integration of production: market failure considerations]. Costuma-se apontar como bibliografia fundamental da teoria dos custos de transação os trabalhos de Coase, The nature of the firm [1937] e The problem of social cost [1960] e de Williamson, Transaction-cost economics: the governance of contractual relations [1979] e The economic institutions of capitalism: firms, markets, relational contracting [1985]. Importante a consulta a Milgrom e Roberts, Economics, organization and management, 28 e ss.

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as relações jurídicas que encetam.131 Muitos aspectos da função econômica dos negócios interempresariais apenas podem ser dimensionados a partir desses custos e de sua influência na mecânica da decisão empresarial. Os custos de transação prestam-se a explicar, além da atividade empresarial, a própria realidade do direito comercial. Douglass North indica os fatores jurídicos que, na Baixa Idade Média, contribuíram para a diminuição dos custos de transação, fazendo florescer o comércio e o direito comercial: [i] mobilização de capitais; [ii] diminuição de custos para obtenção de informações e [iii] divisão de riscos. Além da superação de algumas leis contra a usura, North destaca como fundamentais a criação e a evolução das letras de câmbio, além do desenvolvimento de técnicas que permitiram sua negociação e desconto. Houve ainda a concepção de mecanismos para o controle dos parceiros comerciais situados em terras distantes, incluindo métodos de contabilidade e de auditoria. Por fim, North lembra a importância da “transformação da insegurança em risco”, com o desenvolvimento do seguro e de formulários uniformes e impressos. A utilização da comenda e, posteriormente, das sociedades por ações, contribuiu para a alocação de riscos e para o aumento do fluxo de relações econômicas.132 Não é por acaso que Ascarelli deter-se-á praticamente sobre os mesmos institutos, referindo-se às soluções encontradas para a mobilização do crédito. A letra de câmbio, de mero documento probatório e instrumento de pagamento, transformou-se em instrumento de crédito. Das companhias coloniais vieram a [i] circulação dos direitos e [ii] participação dos sócios. Resolveu-se o problema da mobilização dos financiamentos, o que levou ao desenvolvimento dos bancos e do desconto, bem como ao incremento de um mercado de capitais.133-134 Essa coincidência entre as visões dos autores repousa no fato de terem ambos vislumbrado que, na essência, o desenvolvimento de novos institutos e a 131. Entre nós, juristas dedicaram-se a esclarecer o que seriam os custos de transação. Cf. Calixto Salomão Filho, Condutas tendentes à dominação dos mercados – Análise jurídica, 30 e ss. V., ainda, Competitividade: mercado, Estado e organizações, de Elizabeth Farina, Paulo Furquim de Azevedo e Maria Sylvia Macchione Saes. 132. Douglass North, Institutions, transaction costs, and the rise of merchant empires, 27-9. 133. Panorama do direito comercial, 32. 134. Bonfante indicará o desenvolvimento da ciência contábil, das sociedades e dos bancos [p. ex., banco genovês de S. Giorgio], chamando-os de “instituições mercantis” [Pietro Bonfante, Storia del commercio, 240 e ss.]. Cf., sobre o mesmo tema, Jacques Le Goff que, referindo-se ao “progresso dos métodos nos séculos XIV e XV”, explica os seguintes fatores da evolução: seguro, letra de câmbio e contabilidade [Mercadores e banqueiros na Idade Média, 23 e ss.].

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derrocada de barreiras atuam a favor dos negócios entre os agentes econômicos porque “diminuem os custos de transação” [Douglass North] ou satisfazem “exigências econômicas capitalísticas”, em consonância com “a ideia do mercado” [Tullio Ascarelli]. 5.15 Contratos e necessidades dos agentes econômicos As partes, quando negociam e contratam, não tomam confortavelmente assento diante de um código e escolhem, entre fórmulas preexistentes [i.e., tipificadas], aquela que mais lhes apraz. Os contratos empresariais nascem da prática dos comerciantes e raramente de tipos normativos preconcebidos por autoridades exógenas ao mercado. Longe de ser apenas um instituto histórico da matéria, a força jurígena dos usos e costumes está fortemente presente na prática do direito comercial, impulsionando diuturnamente a vida mercantil. Como observamos com Eros Roberto Grau: “O negócio é feito no mundo dos fatos, por certo à luz dos códigos, das leis e regulamentos, mas a exegese contratual somente será praticada se a paz temporária obtida por via do contrato resultar, em sua aplicação, no surgimento de problemas. Instaurada a cizânia, tem início uma frenética atividade de composição de suportes fáticos e de exercícios de ‘subsunção dos fatos à norma’. Nesses momentos podemos perceber com nitidez que o direito não é apenas um sistema de regras, mas uma prática social no bojo da qual o dever-ser e o ser se interpenetram. Embora seja assim, a esmagadora maioria dos contratos, para sorte dos agentes econômicos, nasce, se desenvolve e perece sem a presença de juristas”.135 5.16 Contrato como instrumento de alocação de riscos O contrato é um instrumento de alocação, entre as partes, dos riscos da atividade econômica. O ordenamento jurídico distingue e atribui disciplina diversa ao risco normal dos contratos e ao risco extraordinário. As contratações empresariais envolvem riscos,136-137 ou seja, a possibilidade de que, por razões previsíveis ou imprevisíveis, restem frustradas as expecta 135. O Estado, a empresa e o contrato, 159. 136. No Brasil, a visão do contrato como instrumento de alocação de riscos é tratada com maestria por Wanderley Fernandes, Cláusulas de exoneração e de limitação de responsabilidade, 47 e ss. 137. “El riesgo consiste en la eventualidade de que suceda un acontecimiento futuro, incierto o de plazo indeterminado, que no depende exclusivamente de la voluntad

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tivas que orientaram a conclusão do negócio. O risco é inevitável porque “[c] ontratar é prever”, de forma que “[o] contrato é um empreendimento sobre o futuro”.138-139 Mas, se não consegue evadir as possibilidades de perda, ao menos é possível alocá-las, dividi-las entre os agentes econômicos por força de lei ou pelo do contrato. Como situa Ripert, “[r]isco profissional, risco da propriedade, risco criado, são fórmulas de atribuição”.140 O Código Civil, em vários de seus artigos, lança sobre uma parte os eventuais prejuízos decorrentes de acontecimento futuro e incerto. Por exemplo, ao determinar, no art. 492, caput, que “[a]té o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador”, o Código determina quem deverá arcar com o peso econômico se e quando o fato prejudicial ocorrer, isto é, atribui de antemão a possibilidade de perda a uma ou a outra parte. Por vezes, as empresas valem-se do contrato para disciplinar a forma de divisão dos riscos.141 “O futuro traz incertezas que podem ser reduzidas se outras pessoas adotarem determinados comportamentos [ou deixarem de adotá-los]. Nessa medida, o contrato costuma ser uma distribuição recíproca de riscos; um sistema eficiente de disciplina dos contratos deve apoiar essa divisão, mantendo a alocação realizada pelo negócio”.142 de los sujetos. Los elementos constitutivos del riesgo son, pues, posibilidade y resultado dañoso” [Doler Aleu, El nuevo contrato de seguro, 62]. Ainda sobre a definição de risco, para o panorama das opiniões mais difundidas, v. a introdução às seguintes obras: Florence Millet, La notion de risque et ses fonctions en droit privé e Anne-Cécile Martin, L’imputation des risques entre contractants. 138. Ripert, A regra moral nas obrigações civis, 156. 139. Para a explicação do risco nas diversas teorias econômicas, Otávio Yazbek, Regulação do mercado financeiro e de capitais, 7 e ss. 140. A regra moral nas obrigações civis, 213, destacamos. 141. No original: “[t]hat contracts are often structured to allocate risk is a time-honored assumption of contract theory” [Douglas W. Allen e Dean Lueck, The role of risk in contract choice, 704]. 142. No original: “Much if the future we face is uncertain, but one way of partially reducing that uncertainty is to obtain binding promises from other people that they will perform [or refrain from performing] certain acts in the future. A contract is often a reciprocal allocation of specified risks and an efficient system of contract law should facilitate risk-sharing by upholding the allocation of risks made by the contract” [Donald Harris e Cento G. Veljanovski, The use of economics to elucidate legal concepts: the law of contract, 114].

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Algumas estipulações normalmente apostas nos contratos internacionais de compra e venda de mercadorias [Incoterms] não passam de fórmulas de distribuição das possibilidades de prejuízo. Por exemplo, na cláusula FOB, a responsabilidade do vendedor [i.e., sua obrigação de arcar com os prejuízos no caso da concretização de evento danoso] estende-se até o momento da colocação da mercadoria no navio; no caso de venda FAS, até que seja depositada ao lado do costado da embarcação. A cada transação correspondem “riscos típicos”, inerentes à natureza do negócio ou, como prefere a doutrina italiana, que se situam dentro de sua “moldura típica”.143 “O risco é próprio dos negócios jurídicos e dificilmente a ele não se expõe um contrato”.144 “Todo contrato expõe as partes a algum tipo de risco”. “Cada tipo de contrato incorpora um plano diverso de repartição dos riscos entre os contratantes”.145 Há o risco imponderável, extraordinário,146 que extrapola aquilo que pode ser razoavelmente previsto pelos agentes econômicos ativos e probos daquele mercado. O tratamento do risco imponderável pelo sistema jurídico sempre foi questão tormentosa.147 Hoje, entre nós, o Código Civil [art. 478 e seguintes] determina que, diante de evento imprevisto e imprevisível, gerador de exces 143. Como salientamos com Eros Roberto Grau: “Os contratos, ao projetarem efeitos para o futuro, implicam certo ‘congelamento’ de interesses. As partes, no momento da vinculação, acomodam suas pretensões, calculando os desdobramentos futuros das obrigações assumidas. Esse cálculo, obviamente, leva em conta vários cenários fáticos, eventos futuros e razoáveis do contexto existente quando da contratação. Enfim: todo negócio implica risco; cada contrato tem o seu ‘risco típico’; o risco é inerente [= caracteriza] à atividade empresarial. Ao contratar, as partes estão obrigadas a considerar esse risco, sob pena de serem impelidas ao prejuízo. Essa projeção, esse cálculo sobre o futuro, baseia-se em um estado mais ou menos normal de coisas; a parte que desconsidera o risco normal do negócio é sancionada no próprio jogo do mercado. O agente econômico que despreza o risco, ‘errando’ a sua jogada ou previsão, sofre perdas econômicas. Igualmente, a parte pode frustrar-se porque o cenário futuro que concebeu no momento da contratação não se verificou. Tudo isso faz parte da dinâmica de mercado” [Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a Administração. Teoria da imprevisão e fato do príncipe, 112-3]. 144. REsp 5.723, relator o Min. Eduardo Ribeiro, julgado em 25.06.1991. 145. Vincenzo Roppo, Il contratto, 1.024. 146. Sobre os tipos de risco extraordinário, cf. Comparato, O seguro de crédito, 60 e ss. 147. Cf., para indicação bibliográfica, Eros Roberto Grau e Paula A. Forgioni, Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a Administração. Teoria da imprevisão e fato do príncipe. Mais recentemente, Luiz Gastão Paes de Barros Leães, Resolução por onerosidade excessiva.

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siva onerosidade para uma parte, deve haver a liberação do vínculo, caso não se chegue a acordo a respeito da modificação dos termos contratuais. Nos contratos internacionais, para responder às necessidades de readaptação do negócio em casos de superveniências imprevistas, desenvolveu-se a prática das hardship clauses. Trata-se, como salienta a doutrina especializada, de estipulações que permitem a revisão do contrato nos casos da ocorrência de imprevistos que alterem substancialmente o equilíbrio original das obrigações das partes,148 mediante sua renegociação. São “cláusulas de adaptação”, visando a impedir que o “endurecimento das condições” torne mais onerosa sua execução, rompendo o equilíbrio das prestações ajustadas.149 Esses dispositivos contratuais têm, todos eles, a mesma e última função econômica: permitir que as partes lidem com o risco [previsível ou imprevisível], alocando-o entre si ou buscando o reequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato em caso de frustração das expectativas negociais. 5.17 Contrato e erro [jogada equivocada do agente econômico] O agente econômico pode se equivocar em suas jogadas e previsões; a possibilidade do erro é fundamental para o funcionamento do sistema de direito comercial e não pode ser desprezada pela disciplina dos contratos empresariais. Os agentes econômicos algumas vezes adotam estratégias equivocadas, e esses enganos são previstos e desejados pelo sistema jurídico, na medida em que, diferenciando os agentes, permitem o estabelecimento do jogo concorrencial [que desembocará na “regulação natural do egoísmo”, para utilizar a lição de Jhering]. Ou seja, é a diferença entre as estratégias adotadas pelos agentes econômicos e entre os resultados obtidos [uns melhores, outros piores] que dá vida a um ambiente de competição [porque todos buscam o prêmio do maior sucesso, da adoção da estratégia mais eficiente]. A questão teórica que vem à mente é a explicação do erro, partindo da pressuposição de que os agentes atuariam, sempre, de forma racional, visando à obtenção do melhor resultado, como pregam alguns economistas. Autores da linha de Posner, muito embora falem em “escolha” dos agentes econômicos, adotam noção de eficiência e de maximização que acaba paradoxalmente por eliminar esse mesmo processo de escolha.150 148. Frignani, Lo strumento contrattuale, 51. 149. Luiz Olavo Baptista, A vida dos contratos internacionais, 165. 150. Nas palavras de Jeanne Schroeder sobre Posner, “his definition of rationality excludes the process of making choices” [Economic rationality in law and economics scholarship].

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É possível entender a relação entre escolha e erro dentro do sistema microeconômico151 a partir da lição de Williamson: a maioria das atividades econômicas é desenvolvida por empresas [firms].152 Estas não são meras “curvas de custo e de demanda”, indo além da “lógica do preço ótimo e da combinação de insumos”.153-154 A empresa é um centro de tomada de decisões; há alocações de recursos que derivam da escolha do empresário, e não do comportamento dos preços. Não é em decorrência de uma alteração nos preços relativos que um trabalhador muda do departamento y para o departamento x, mas simplesmente porque alguém ordenou que ele agisse desse modo!155 Podemos dizer que o erro é possível dentro do sistema porque não é o “infalível” mercado que determina as jogadas e sim a lógica do empresário. Para cada sujeito, uma jogada, uma conclusão, mesmo que tomando as mesmas variáveis. Dado o “estímulo” pelo meio, cada qual reagirá de uma maneira, embora possamos conceber todos como economicamente racionais. Essa verificação tem efeitos práticos relevantes para o direito. Se não considerarmos que uma empresa pode ter adotado uma estratégia equivocada, jamais entenderemos um prejuízo suportado por uma das partes na execução do negócio decorrente de sua “álea normal” [= não derivado de alterações contextuais imprevisíveis]. Nenhuma interpretação de um contrato empresarial será coerente e adequada se retirar o fator erro do sistema, neutralizando os prejuízos [ou lu 151. Os economistas tradicionais costumam explicar a diferença de comportamentos entre os agentes econômicos e seus erros apenas com base em sua “racionalidade limitada”. As assimetrias de informação e a impossibilidade de conhecimento de toda a realidade forçariam ação embasada não em uma racionalidade plena [Sylvie Lebreton, L’exclusivité conctractuelle et les comportements opportunistes, 62]. 152. The mechanisms of governance, 94. 153. Coase, The firm, the market and the law, 3. 154. Explica Coase que, para os economistas, o sistema econômico funcionaria por si mesmo. Sua operação dar-se-ia sem um controle centralizado, sem uma visão geral. O fornecimento é ajustado à demanda e a produção ao consumo por um processo automático, elástico e confiável. Em suma, “the economic system works itself”. As escolhas dos agentes seriam apreendidas diretamente em função do mecanismo do preço [The firm, the market and the law, 34 e ss.]. 155. “Yet in the real world we find that there are many areas where this does not apply. If a workman moves from department Y to department X, he does not go because of a change in relative prices, but because he is ordered to do so” [Coase, The firm, the market and the law, 35].

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cros] que devem ser suportados pelos agentes econômicos, decorrentes de sua atuação no mercado. Regra geral, o sistema jurídico não pode obrigar alguém a não ter lucro [ou prejuízo]; apenas a agir conforme os parâmetros da boa-fé objetiva, levando em conta as regras, os princípios e as legítimas expectativas da outra parte [agir conforme o direito]. Não fosse dessa forma e o sistema jurídico [i] estaria cometendo equívoco metodológico bastante semelhante ao da análise da microeconomia clássica, porque anularia ou desconsideraria o necessário diferencial entre os agentes econômicos ou [ii] desestimularia as contratações. Um ordenamento que – em nome da proteção do agente econômico mais fraco – neutralizasse demasiadamente os efeitos nefastos do erro para o empresário poderia acabar distorcendo o mercado e enfraquecendo a tutela do crédito. Em termos bastante coloquiais, o remédio erradicaria a doença e mataria o doente. Seria a condenação da busca pela vantagem competitiva.156 No entanto: [i] a mesma lógica do direito comercial não pode e não deve ser aplicada, tal e qual, a relações jurídicas das quais participam terceiros que não empresários. Por exemplo, as relações entre fabricantes e consumidores [inclusive para fins de proteção do mercado] são regidas por cânones diversos, em que se garante proteção para a parte tida como hipossuficiente. Ou seja, o direito comercial não se presta a uma “consumerização”; e [ii] ainda que considerando relações entre empresários, é preciso coibir os abusos propiciados pela dependência econômica de um em relação ao outro, sob pena de consagrarmos igualdade meramente formal. Note-se, entretanto, que o empresário não é considerado pelo sistema de direito comercial como um tolo irresponsável e o direito não pode ter a função de corrigir os “erros” eventualmente praticados [mas isso não exclui a atuação do Estado para, implementando uma política pública, propiciar condições de concorrência e de sobrevivência para as empresas menos poderosas ou em posição de sujeição].157 156. Definida no § 1.º do art. 36 da Lei Antitruste brasileira [Lei 12.529, de 2011]: “A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores”. 157. A respeito da dependência econômica, v. Paula A. Forgioni, O contrato de distribuição, 277 e ss.; Francesco Macario, Equilibrio delle posizioni contrattuali ed autonomia provata nella subfornitura, 131; Yves Guyon, Droit des affaires – Droit commercial général et sociétés, t. 1, 971; Marc Courtès, Dependance économique et abus de dépendance économique en droit de la concurrence et en droit des contrats, 234 e ss.; Amiel-Cosme, Les réseaux de distribution, 216 e ss.; David Gerber, Law and competition in the twentieth century Europe: protecting Prometheus, 324 e ss.

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5.18 Oportunismo e vinculação A parte gostaria de vincular o parceiro comercial e, ao mesmo tempo, permanecer livre para abandonar aquela relação e abraçar outra que eventualmente se apresente como mais interessante. Mediante a celebração do contrato, a parte tende a buscar a vinculação do parceiro; entretanto, se lhe fosse permitido, preferiria permanecer livre para desvencilhar-se do negócio. Essa observação é diretamente ligada ao oportunismo inerente ao agente econômico, ao qual nos referiremos mais adiante. Compreenda-se, nesse cenário, a importância da força obrigatória dos contratos [pacta sunt servanda] para o funcionamento do sistema, por coibir o comportamento oportunista da parte que abortaria o contrato. 5.19 Racionalidade limitada Ao contratar, a parte não possui todas as informações existentes sobre a outra, sobre o futuro e sobre a própria contratação; diz-se que sua racionalidade é limitada. No mundo real, as partes simplesmente não conseguem prever todas as contingências futuras no momento que se vinculam ao contrato. Sempre faltarão dados sobre a outra contratante, sobre os possíveis desdobramentos do ambiente institucional, sobre o porvir. As empresas “não são capazes de prever todos os eventos futuros que poderão se verificar no curso da relação, não são capazes de adquirir e processar todas as informações relevantes para delinear planos de ação adequados, não são capazes de descrever em um contrato todas as possíveis eventualidades de forma clara e não ambígua”.158 Por conta disso, afirmam os economistas que os agentes econômicos agem impelidos pela racionalidade limitada e não por uma racionalidade plena e onisciente – que existiria se tudo fosse perfeito. A ideia de racionalidade limitada foi proposta inicialmente por Herbert Simon e baseia-se na constatação de que, contrariamente ao que prega a economia clássica, as habilidades humanas de cognição não são infinitas.159 158. Antonio Nicita e Vicenzo Scoppa, Economia dei contratti, 19. 159. A definição do “homem econômico” postula que “an ‘economic man’, who, in the course of being ‘economic’ is also ‘rational’. This man is assumed to have knowledge of the relevant aspects of his environment which, if not absolutely complete, is at least impressively clear and voluminous. He is assumed also to have a well-organized and stable system of preferences, and a skill in computation that enables him to calculate,

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A racionalidade limitada “refers to behavior that is intendedly rational but only limitedly so; it is a condition of limited cognitive competence to receive, store, retrieve, and process information”.160-161 O comportamento humano liga-se não for the alternative courses of action that are available to him, which of these will permit him to reach the highest attainable point on his preference scale” [Herbert Simon, A behavioral model of rational choice, 99]. A respeito dessa visão sobre o “homem econômico”, esclarece Arthur Barrionuevo Filho: “Esse pressuposto é adotado por alguns economistas, para quem o homem econômico caracteriza-se por dois aspectos [i] racionalidade instrumental e [ii] autointeresse. No entanto, essas duas premissas têm sido contestadas. À ideia de racionalidade instrumental plena contrapõe-se a ‘racionalidade limitada’, conceito definido por H. Simon, que assume a capacidade analítica limitada e a incompletude das informações disponíveis para o tomador de decisão. Supondo a racionalidade limitada, o tomador de decisão seria alguém em busca do ‘satisfatório’ ao invés do ‘ótimo’, pois as condições para atingir este último não estariam presentes, ou teriam um custo maior do que o benefício [esse é o conceito de ‘quase-racionalidade’, desenvolvido por Akerloff]. Essa limitação própria do agente econômico pode ser considerada aceita por boa parte dos economistas da corrente principal [neoclássicos, novos-keynesianos etc.]. Ou seja, hoje se entende que o agente econômico é maximizador de ganhos, mas sujeito à limitações de capacidade analítica e informação. O segundo ponto, referente ao autointeresse, foi questionado pela economia experimental. Para essa corrente, na prática do mercado, os indivíduos não se comportam baseados exclusivamente no autointeresse. Assim, o altruísmo não seria uma ‘escolha moral’, mas comportamento a ser explicado. Entretanto, ainda não há uma explicação robusta aceita pela teoria econômica para esse problema. A ‘reciprocidade forte’ é uma hipótese que vem ganhando peso; trata-se de explicação de fundo sociobiológico, qual seja, a seleção natural darwinista operaria não sobre indivíduos, mas sobre grupos. Portanto, a ‘moral altruísta’, religiosa ou não, seria funcional à sobrevivência de grupos. Neste ponto, caberia a questão: ‘Como ficou a situação atual na teoria econômica?’. Os modelos econômicos continuam sendo baseados na racionalidade instrumental e no autointeresse, mesmo porque esses pressupostos são mais fáceis de representar matematicamente. Todavia, há a consciência dos problemas apontados acima e tentativas de solucioná-los” [em conferência proferida na cidade de São Paulo, em fevereiro de 2008]. 160. Williamson, The mechanisms of governance, 377. 161. Para a explicação em língua portuguesa da racionalidade limitada, Calixto Salomão Filho, Condutas tendentes à dominação dos mercados – Análise jurídica, 38 e ss. Ainda em língua portuguesa, vale transcrever a definição de Farina et alii: “pressuposto comportamental segundo o qual os indivíduos agem racionalmente [utilizam, na medida do possível, os meios para atingir os fins desejados], encontrando, porém, limites em sua capacidade de resolver problemas complexos. Sua principal consequência [...] é a incompletude dos contratos” [Competitividade, mercado, Estado e organizações, 286].

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apenas à racionalidade; tem a ver também com complicadas forças motrizes como intuição, crenças e paixões. Não existe essa “racionalidade olímpica” [Herbert Simon] pregada por muitos economistas. Apesar das limitações a que estão sujeitos, os agentes econômicos buscam agir racionalmente.162 “Elas reconhecem que não são capazes de prever todas as coisas que podem vir a ser importantes, elas compreendem que a comunicação é custosa e imperfeita e que os entendimentos são sempre deficientes, e elas sabem que não podem encontrar matematicamente a melhor solução para problemas difíceis. Elas podem agir de forma intencionalmente racional, procurando fazer o melhor possível dadas as limitações sob as quais trabalham. E elas aprendem”.163 A concepção da racionalidade limitada não nega o pressuposto de que os agentes econômicos são racionais, porém afirma que exercem essa racionalidade dentro das inapeláveis fronteiras impostas pela condição humana e pelo contexto em que se inserem. O direito mercantil sempre reconheceu a impossibilidade de o empresário deter todas as informações relacionadas à transação e ao futuro; a racionalidade limitada dos economistas não nos é estranha. Ao longo dos séculos, o sistema jurídico criou mecanismos para lidar com essa incompletude. Eloquente exemplo é o instituto da excessiva onerosidade, que autoriza a denúncia no caso do advento de evento imprevisto e imprevisível, capaz de alterar profundamente a economia contratual.164 Outra diferença entre a visão econômica e a jurídica é que, para a primeira, “o ser humano tem limites em sua capacidade de lidar com problemas complexos, mesmo que a informação lhe seja plena e sem custos”.165 No Direito, esse fato é identificado com as possibilidades de ação que o mercado abre para a empresa e não como um problema. 162. “People can respond sensibly to these failings; thus it might be said that people sometimes respond rationally to their own cognitive limitations, minimizing the sum of decision costs and error costs” [Christine Jolls, Cass Sunstein e Richard Thaler, A behavioral approach to law and economics, 1.477]. 163. Milgrom e Roberts, Economics, organization and management, 129-30. No mesmo sentido, Christine Jolls, Cass Sunstein e Richard Thaler, A behavioral approach to law and economics. 164. Os economistas distinguem a racionalidade limitada da incerteza: a primeira é uma característica do indivíduo, enquanto que a segunda refere-se ao ambiente, ao contexto contratual. 165. Elizabeth Farina et al., Competitividade, mercado, Estado e organizações, 74.

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Por exemplo, diante da valorização do real em face do dólar norte-americano, alguns agentes preferirão investir em maquinário pesado, enquanto outros no incremento do estoque de matéria-prima importada. Juridicamente, essas diversas estratégias não provêm de restrições da capacidade cognitiva do agente, mas do leque de opções que o ambiente institucional proporciona. Ao contrário dos economistas, nunca cogitamos que, para cada situação, haveria apenas uma solução correta e ótima. 5.20 Incompletude contratual Os contratos não contêm – e não podem mesmo conter – a previsão sobre todas as vicissitudes que serão enfrentadas pelas partes. Discutiu-se no capítulo segundo a questão dos contratos incompletos. Viu-se que, na maioria das vezes, as partes não detêm todas as informações relacionadas ao negócio que pretendem celebrar, sendo a lacunosidade natural, ainda mais quando a relação é desenhada para ter longa duração.166 A doutrina especializada costuma apontar as seguintes causas dessa incompletude:167 [i] impossibilidade de previsão do futuro;168 [ii] improbabilidade do acontecimento de certos fatos: alguns eventos, embora possam até ser cogitados, são tão improváveis que sua disciplina no contrato não se mostra compensadora. “[H]á limites para o tempo que nós 166. Segundo os economistas, o contrato é “completo” quando “estabelece, para cada possível situação atual e futura, as obrigações recíprocas das partes quanto às prestações e pagamentos” e “o respeito a essas obrigações [enforcement] é assegurado pela capacidade de verificação de uma autoridade externa [um juiz ou tribunal] e pela possibilidade de impor sanções às partes eventualmente inadimplentes” [Antonio Nicita e Vincenzo Scoppa, Economia dei contratti, 17]. 167. Cf. Milgrom e Roberts, Economics, organization and management, 130. Ainda sobre o mesmo tema, David Campbell e Hugh Collins, Discovering the implicit dimensions of contracts, 40 e ss. Estes autores destacam que a inserção do contrato em seu contexto traz dimensões implícitas não decalcadas na letra fria do papel. V. sobre a impossibilidade de o instrumento conter as “dimensões implícitas” das negociações, Stewart Macaulay, The real and the paper deal: empirical pictures of relationships, complexity and the urge for transparent simple rules. 168. “Our ability to predict the future is limited, and even careful business people often leave gaps in written contracts. The word changes and surprises us” [Stewart Macaulay, The real and the paper deal: empirical pictures of relationships, complexity and the urge for transparent simple rules, 54].

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podemos ou devemos perder procurando prever todas as contingências em nossos contratos”;169 [iii] imprecisão da expressão do acordo: a linguagem é naturalmente inexata e muitas vezes falha na exata determinação do contratado. Tome-se como exemplo um negócio de fornecimento de matéria-prima celebrado por prazo indeterminado. As partes preverão o preço inicial do produto, que, seguramente, não poderá ser mantido ao longo dos anos. Outras fendas contratuais virão à tona, ainda mais se considerarmos a grande probabilidade de alteração das circunstâncias fáticas que circundam o negócio. Que o desajuste do contrato ocorrerá ao longo de sua existência é mesmo evidente. Visando a afastar o rompimento posterior da avença, as empresas costumam prever, no momento inicial da contratação, mecanismos que visam a pacificar controvérsias futuras, que nem sempre funcionam a contento. Afirma-se que, por conta da incompletude contratual inerente à avença, o risco do rompimento sempre ameaçará a empresa. Para o ente que realizou investimentos em ativos específicos, aumentando seu grau de dependência, a incompletude representa perigo mais elevado, pois pode incitar comportamento oportunista da outra parte. Como explica Bellantuono, “[a] celebração de um contrato incompleto expõe as partes ao risco de serem forçadas a suportar os efeitos de uma situação não prevista. As oscilações de mercado ou as inovações tecnológicas podem modificar a relação entre o custo e o benefício das prestações acordadas. Ainda que algumas situações possam ser geridas mediante a utilização de mecanismos de adequação, a incompletude do contrato torna-se relevante quando nenhuma cláusula contratual oferece resposta ótima aos eventos supervenientes. Nesse caso, a única possibilidade é a renegociação dos termos do acordo”.170 5.21 Desvio de pontos controvertidos Por vezes, para não obstar a realização do negócio, as partes deliberadamente evitam tratar de questões que geram desconforto. A inexistência de previsão contratual sobre determinadas questões pode derivar do comportamento estratégico das partes que, visando à realização da transação, evitam enfrentar pontos controvertidos que poderiam ameaçá-la.171 169. Stewart Macaulay, The real and the paper deal: empirical pictures of relationships, complexity and the urge for transparent simple rules, 54. 170. Giuseppe Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto e nell’eco­nomia, 75. 171. Stewart Macaulay, em conhecido estudo empírico sobre o comportamento das partes nos contratos, indica que, durante as tratativas, os agentes econômicos po-

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Deixam para a solução de alguns problemas para o futuro, até mesmo confiando no aumento do grau de dependência econômica que poderá ocorrer durante a relação. “Não criemos problemas” ou “quando acontecer, veremos o que e como fazer”, costuma-se afirmar nessas ocasiões.172 Ao contratar, as empresas dirigem sua atenção para os aspectos econômicos do negócio e não para aqueles jurídicos. Seu foco costuma recair sobre o preço, condições de pagamento, características do bem ou do serviço adquirido etc. Em negócios de maior complexidade, o planejamento das chamadas “contingências” fica a cargo dos advogados. Com base em pesquisas empíricas, constatou-se que, para a maioria das empresas, a utilidade do contrato escrito é secundária quando comparada aos aspectos econômicos da transação.173 Algumas condições não serão tratadas pelos homens de negócio e sim por seus assessores jurídicos que, desconhecendo importantes aspectos fáticos do empreendimento, não raro deixam de lhes dispensar a devida atenção. 5.22 Ambiente institucional O negócio jurídico somente pode ser entendido na complexidade de seu contexto, cuja análise requer visão interdisciplinar. Os contratos devem ser considerados no ambiente que os circunda, condicionando-os. Não é possível desgarrar o negócio da realidade em que está dem assumir as seguintes posturas em relação ao negócio a ser implementado: [i] cuidadosamente planejar comportamentos, explicitando-os formalmente [explicit and careful]; [ii] possuir entendimento comum, mas tácito, sobre certa questão [tacit agreement]; [iii] possuir entendimentos divergentes, não manifestados expressamente [unilateral assumptions]; [iv] sequer cogitar de determinado problema [unawareness of the issue]. O autor esclarece que “[c]learly other intermediate points are possible” [Non-contractual relations in business: a preliminary study, 4]. 172. “If I want a clause that says if event X takes place, the consequence Y will follow, you may demand something in exchange that I do not want to give you. When I antecipate this, it may be better to avoid raising the issue in negotiations and hope that the matter can be resolved if event X ever takes place” [Stewart Macaulay, The real and the paper deal: empirical pictures of relationships, complexity and the urge for transparent simple rules, 55]. 173. No relato de Collins: “[B]usinessmen focus their attention on the economic deal, not the contract. They are interested in the core exchange of goods and services, and do not pay much attention to the task of planning for contingences. […] The remaining issues that are typically included in the written contract by the lawyers will usually, though not invariably, receive scant attention from the parties to the transaction” [Regulating contracts, 150].

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inserto [chamada, pelos economistas, de “ambiente institucional”], tornando-o peça estéril de atribuições de obrigações desconexas da realidade. Frise-se bem: a empresa é um agente que se move nesse ambiente institucional; existe somente porque age. Essa ação é conformada pelo “conjunto de regras políticas, sociais e jurídicas que estabelecem as bases da produção, das trocas e da distribuição”.174 Ao privilegiar a visão objetiva do negócio, o direito comercial torna-o reflexo das circunstâncias que levaram as partes à vinculação e que o contrato continua a embeber. Para ilustrar a importância do contexto contratual, tomemos exemplo formulado por Hugh Collins. Quando Tício, pela manhã, pede um café na sofisticada cafeteria da esquina de sua casa, o significado de conduta derivará do contexto negocial – ou do que Collins chama de implicit understandings. A intenção de trocar o café por dinheiro somente pode ser reconhecida a partir do contexto em que o negócio se aperfeiçoa que, por sua vez, é condicionado pelo padrão de comportamento difundido entre as pessoas naquele local.175 Se Tício visita seu amigo Caio e pede um café, a mesma solicitação não gera expectativa de pagamento e muito menos outras que podem relacionar-se ao atendimento na especial cafeteria, como qualidade, sofisticação do serviço e alta qualidade dos grãos.176 Na expressão de Collins: “Contracts certainly have the distinctive quality of constituting a discrete, voluntary type of relationship, but like other forms of human association, they are nevertheless embedded in conventions, norms, mutual assumptions and unarticulated expectations”.177 Junqueira de Azevedo, de forma mais técnica e apurada, parafraseando Ortega y Gasset, afirma “o negócio jurídico é o negócio jurídico e todas as suas circunstâncias”. As “circunstâncias negociais” assumem tal relevância a ponto de integrar o negócio jurídico. Consistem no 174. No original: “Set of fundamental political, social and legal ground rules that establishes the basis for production, exchange and distribution” [Lance Davis e Douglass North, Institutional change and American economic growth, 6]. 175. “Our intention to make an exchange of a cup of coffee for money can only be understood from the context in which the conduct takes place, that is the retail shop, and the broader conventional patterns of people exchanging goods for money in that location” [The research agenda of implicit dimensions of contracts, 2]. 176. Com o mesmo escopo, Junqueira de Azevedo utiliza os exemplos de declarações de vontade feitas em um palco teatral ou em sala de aula, durante uma preleção [Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 122]. 177. The research agenda of implicit dimensions of contracts, 2.

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“[...] conjunto de circunstâncias que formam uma espécie de esquema, ou padrão cultural, que entra a fazer parte do negócio e faz com que a declaração seja vista socialmente como dirigida à criação de efeitos jurídicos. [...] As ‘circunstâncias negociais’ são, pois, um modelo cultural de atitude, o qual, em dado momento, em determinada sociedade, faz com que certos atos sejam vistos como dirigidos à produção de efeitos jurídicos”.178 5.23 Tutela do crédito A disciplina dos contratos empresariais prestigia a tutela do crédito. O ordenamento jurídico ligado ao sistema de mercado há de prestar-se à defesa do crédito; a mecânica dos contratos empresariais deve incorporar esse pressuposto. Como assinala Pajardi, “a credibilidade dos ordenamentos jurídicos modernos, no que diz respeito ao direito material e ainda mais à eficiência da jurisdição, que postula um processo estritamente eficaz, por sua vez, é ligada à capacidade concreta de tutela do crédito. De fato, é este último que, de várias formas, representa a cidadela jurídica da pessoa humana. Esta verte no crédito seu trabalho, o seu empenho existencial, sua própria economia e, definitivamente, as próprias esperanças e os próprios destinos econômicos, suporte indefectível de liberdade e de crescimento”.179-180 Por isso, Clóvis do Couto e Silva inicia sua obra A obrigação como processo, assegurando que “a relação obrigacional [...] se encadeia e se desdobra em direção ao adimplemento, à satisfação dos interesses do credor”.181 Um sistema jurídico que não tutela o crédito acaba por desestimular o fluxo de relações econômicas e comprometer o seu próprio funcionamento. O 178. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 122. 179. Piero Pajardi, Radici e ideologie del fallimento, 6 e ss. No original: “la credibilità degli ordinamenti giuridici moderni in tema di diritto sostanziale, ed ancor più in tema di efficienza della giurisdizione, che postula un processo stretamente efficace, a sua volta, è proprio legata alla capacità concreta di tutela del diritto di credito. Infatti è ormai quest’ultimo che, in maniera variegatissima, rappresenta la roccaforte giuridica, della persona umana. Quest’ultima riversa nel credito il proprio lavoro, il proprio impegno esistenziale, il proprio risparmio, ed in definitiva le proprie speranze ed i propri destini sul piano economico, supporto quest’ultimo indefettibile di libertà quanto di crescita”. 180. A importância do crédito para o sistema econômico é de tal sorte que Ascarelli reputa sua mobilização pelo direito comercial como um dos “institutos jurídicos que mais profundamente caracterizam o direito privado moderno” [Panorama do direito comercial, 34]. 181. A obrigação como processo, 5.

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direito não protege o crédito por uma questão de afirmação de valores liberais, para legitimar a supremacia do mais forte sobre o mais fraco ou algo dessa ordem. Esse mesmo crédito é um pilar de sustentação do mercado, indispensável à sua preservação. Se o sistema veda o enriquecimento sem causa, aquele que possui um crédito contra outrem ou [i] já experimentou uma diminuição em seu patrimônio e pretende recompô-lo, às vezes obtendo lucro, ou [ii] “congelou” trabalho, “gerou riqueza” e pretende ser remunerado por isso. Quem possui “crédito” “crê” em sua satisfação.182 A título exemplificativo: quando o sistema jurídico disciplina a falência, tem em vista a tutela do crédito, ainda que modernamente sejam igualmente perseguidos outros valores, como a preservação das empresas e de empregos. O sistema – ainda que em nome da proteção de outros interesses – não poderia, simplesmente, “perdoar” os débitos do falido, sob pena de desestabilizar o ordenamento, com o consequente declínio do investimento.183 Por mais que outros valores sejam considerados dignos de tutela jurídica, a proteção do crédito continuará desempenhando função primordial na organização do sistema de direito mercantil e, especialmente, na disciplina e na execução dos contratos empresariais. 5.24 Forma nos contratos empresariais No direito comercial, a forma assumida pelos negócios é instrumental ao bom fluxo de relações econômicas. A doutrina comercialista sempre apontou a informalidade como uma das principais diferenças entre os negócios civis e mercantis.184 O tráfico não pode 182. “Appunto perchè in tanto una persona dà ad un’altra temporaneamente una cosa in quanto crede alla [conta sulla] restituzione, lo scambio temporaneo prende il nome di credito [...]” [Carnelutti, Teoria giuridica della circolazione, 5]. 183. Vivante faz referência aos problemas enfrentados pelos comerciantes na Roma Imperial em virtude de normas que prejudicaram grandemente os interesses do crédito: “Solo negli ultimi secoli dell’impero, sotto l’influenza di tristi condizioni economiche, si cercò di venire in aiuto ai debitori con numerosi provvedimenti legislativi che pregiudicarono grandemente gli interessi del credito. Questa fu una delle ragioni per cui più tardi, quando il commercio risorse e fiorì, si sentì la necessità di leggi e di usi speciali che sciogliessero la rinnovata attività commerciale dalle regole fiacche e pietose che, per una malintesa clemenza pei debitori, erano invalse nel diritto di Roma imperiale” [Istituzioni di diritto commerciale, 4]. 184. Na dicção de Vivante: “[I]l commerciante come uomo d’affari, la cui professione sta nel contrattare, ha tale energia di pronte ed accorte deliberazioni che è superflua per lui la cautela delle forme solenni” [Trattato di diritto commerciale, v. IV, 67].

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ser obstado por formalismos inúteis; a esse propósito, lembre-se de que o direito comercial surge também para liberar os mercadores das amarras romanísticas, que embaraçavam seus negócios. Na área empresarial, as formalidades prestam-se a lubrificar o fluxo de relações econômicas, aumentando a segurança e a previsibilidade dos agentes e não a fins insensatos, desconectados do mercado.185 Na linguagem própria aos economistas, as formalidades diminuem os custos de transação, seja por acoplar determinadas garantias ao negócio, seja por espraiar informações relevantes para o tráfico. Os livros dos comerciantes são interessante exemplo. As formalidades que os cercam prestam-se a incrementar sua força probante, facilitando a prestação de informações ou a comprovação de fatos. A transferência do controle de sociedade anônima com vultoso patrimônio é realizada sem a participação de qualquer agente público, mediante os adequados lançamentos no livro de registro de ações nominativas e no livro de transferência de ações, em manobra que não costuma tomar mais de alguns minutos. Se as ações da companhia forem escriturais, essa transferência dar-se-á em segundos pelos lançamentos nas contas de depósito mantidas junto à instituição financeira competente. Nos termos do art. 100, § 1.º, da Lei 6.404, de 1976, qualquer interessado pode solicitar certidões sobre as informações constantes naqueles livros. Seguindo os exemplos da Lei Societária, todas as publicações ali ordenadas informam o mercado dos andamentos dos negócios sociais, diminuindo assimetrias informacionais que seriam prejudiciais ao público investidor e à economia em geral. As formalidades, no direito comercial, somente se justificam porquanto úteis ao fluxo de relações econômicas. 5.25 Contrato e informações A imposição de padrão jurídico quanto às informações que devem ser prestadas quando da celebração dos negócios permite o incremento do fluxo de relações econômicas. O agente econômico está legitimamente autorizado a presumir que seus parceiros comerciais são aptos a realizar negócios. Um dos desdobramentos 185. A liberdade de forma justificava-se porque a prova na seara comercial não poderia ficar adstrita à escritura pública. Comentando o art. 122 do Código Comercial, afirma Waldemar Ferreira: “Basta para comprovar o contrato mercantil o simples documento assinado pelas duas partes, ou a correspondência epistolar, telegráfica, radiográfica ou telefônica, com a proposta de aceite do negócio, para sua validade” [Tratado de direito mercantil brasileiro, v. I, 125].

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dessa assunção é que eles detêm – ou deveriam ter diligenciado para deter – as informações relevantes à contratação, passíveis de serem obtidas a custo razoável. Não se espera que, no momento da vinculação, as empresas efetivamente disponham de todas as informações sobre o negócio ou sobre o contexto fático que o circunda [mesmo porque isso seria impossível]. Ao contrário, o tráfico exige apenas que: [a] a empresa tenha se esforçado razoavelmente para obter as informações sobre o negócio; se não o fez, presume-se que essa foi sua opção consciente [a busca de informações é processo custoso e a empresa pode deliberadamente não o levar adiante, assumindo o risco da informação defeituosa]; e [b] as empresas não omitam informações relevantes à contraparte. O ordenamento exige que o empresário empregue a diligência normal dos homens sensatos e prudentes para granjear as informações referentes à contratação. Não lhe é reclamado mais, pois isso aumentaria sobremaneira os custos de transação. Por outro lado, a empresa que detiver grau de informação inferior àquele que dela seria esperado deverá suportar os eventuais prejuízos decorrentes dessa falta. Muitas vezes, o agente econômico tem consciência de que possui quantidade de informações aquém do ideal. Se segue com negócio, deverá arcar com os riscos correspondentes a essa sua estratégia. Mediante a presunção objetiva do nível ideal de informação do agente em cada contratação, o sistema de direito comercial busca disciplinar questão complexa. “[I]t is difficult to conceive of a choice as autonomous without basic information on its implications, but because information is often costly it may be rational to choose to forgo the acquisition of further information where its expected benefits are less than its expected costs”.186 Como exemplo, retomemos o exemplo da empresa A, que pretende terceirizar as atividades de limpeza de suas instalações. Seu presidente entende tratar-se de questão menor, que desaconselha gastos para resolução; ordena que seja contratada “qualquer limpadora”, desde que prontamente. Dessa forma, A não despenderá recursos para a seleção da parceira B. No entanto, esse comportamento eleva os riscos de insucesso da estratégia. Note-se bem: não é dito que a contratação de B não será uma boa opção; apenas que A, com sua atitude, assumiu o risco de que não o fosse. A prestação de informações à outra parte segue a mesma lógica: dentro dos padrões da boa-fé objetiva [i.e., considerando a legítima expectativa criada 186. Michael Trebilcock, The limits of freedom of contract, 103.

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pela prática de mercado] deve-se tomar a quantidade e a qualidade de dados normalmente oferecidos em negociações semelhantes. Espera-se que sejam reveladas as informações importantes para a contratação, i.e., que podem influenciar a decisão de contratar ou de não contratar e impactar sua formatação básica, desde que a prestação dessas informações não implique custos irrazoáveis para a parte. A omissão, por uma empresa, de dado relevante para o negócio do qual tem ciência costuma ser entendida como contrária ao padrão de comportamento esperado do agente econômico. Eis outra diferença entre o sistema consumerista e o comercialista. O padrão imposto aos homens de negócio supõe que buscarão diligentemente as informações necessárias à tomada da sua decisão; ao revés, não se espera do consumidor grande empenho na coleta de dados a partir do momento em que o fornecedor está vinculado à “transparência obrigatória nas relações de consumo”.187 187. O fenômeno é destacado por Claudia Lima Marques: “É a nova transparência obrigatória nas relações de consumo, em que vige um novo dever de informar, imputado ao fornecedor de serviços e produtos, e uma nova relevância jurídica da publicidade, instituída pelo CDC como forma de proteger a confiança despertada por este método de marketing nos consumidores brasileiros” [Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 191. Itálicos nossos]. Com efeito, embora se tenha notícia da existência, há séculos, de regras impondo a obrigatoriedade da prestação de informação aos consumidores, até há pouco não se esperava [= não se exigia] que o comerciante prestasse essas informações sponte propria, senão, simplesmente, que seguisse as prescrições específicas das leis e dos regulamentos incidentes sobre sua atividade e/ ou os produtos ou serviços que comercializasse. Tome-se, à guisa de exemplo, a Lei 1.521, de 26.12.1951, que considerava crime contra a economia popular “expor à venda ou vender mercadoria ou produto alimentício, cujo fabrico haja desatendido a determinações oficiais, quanto ao peso e composição” [art. 2.º, inciso III]. A preocupação com a informação aos consumidores restringia-se à obrigatoriedade de “anter afixadas, em lugar visível e de fácil leitura, as tabelas de preços aprovadas pelos órgãos competentes” [art. 2.º, inciso VI, in fine]; a coibição de “dar indicações ou fazer afirmações falsas em prospectos ou anúncios” referia-se somente a “títulos, ações ou quotas” [art. 3.º, inciso VII]. A Lei Delegada 4, de 26.09.1962, considerava ilícita somente a atividade de “produzir, expor ou vender mercadorias cuja embalagem, tipo especificação, pêso ou composição, transgrida determinações legais, ou não corresponda à respectiva classificação oficial ou real” [art. 11, alínea f], nada dispondo sobre a prestação adicional de informações. As palavras de Paolo Gallo, referindo-se ao direito italiano, são plenamente aplicáveis à realidade brasileira anterior a 1990: “In base all’opinione tradizione occorreva escludere l’esistenza di un dovere generale d’informazione. Le esigenze dei traffici e della competizione economica era infatti considerate preminenti rispetto a quelle di correttezza e di solidarietà. In applicazione dei principi di autoresponsabilità, tipici specie del diciannovesimo secolo, si pensava che ciascuna parte dovesse bastare a se stessa e

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Por exemplo, em processo de compra e venda de controle de sociedade, não se confia que o vendedor entregará relatório detalhado sobre o andamento de cada uma das ações judiciais da qual a empresa participa, a menos que isso seja expressamente contratado. Conta-se, apenas, que eventuais contingências sejam devidamente registradas e que as notas explicativas às demonstrações financeiras correspondam à realidade. Em relação ao consumidor, por conta da presunção de sua hipossuficiência, entende-se que o fornecedor deva prestar as informações necessárias sobre o bem – e não que o consumidor busque-as sponte propria.188-189 5.26 Informação e oportunismo [relação “principal/agente”] A empresa tende a utilizar a informação que detém em proveito próprio, e não naquele da contraparte. Em determinados contratos mercantis, o interesse das partes não é coincidente porque uma delas necessita da colaboração da outra para desenvolver suas atividades de forma mais adequada e lucrativa. A empresa cuja colaboração se requer tende a situar seus escopos em primeiro lugar, o que pode prejudicar sua parceira comercial. non fosse soggetta ad alcun obbligo di correttezza e di informazione nei confronti della controparte; chiunque era in linea di principio libero di approfittare a proprio vantaggio degli errori e delle mancanze di conoscenza altrui. In queste condizioni l’esistenza di doveri di informazione poteva operare solo in presenza di specifiche disposizioni legislative in questo senso [...]” [Buona fede oggettiva e trasformazioni del contratto, 162]. 188. Não tratamos, aqui, da disciplina do fluxo de informações no mercado de valores mobiliários, que segue escopos mais amplos, visando a diminuir as assimetrias informacionais existentes entre as empresas e os investidores. 189. Nessa linha, a disciplina jurídica dos vícios redibitórios trata de questões derivadas da ausência de informações sobre o bem adquirido e dos procedimentos a serem adotados nessas situações. Nosso Código Comercial determinava, em seu art. 210, que o vendedor, mesmo depois da entrega, ficaria responsável pelos vícios e defeitos ocultos da coisa vendida “que o comprador não podia descobrir antes de a receber, sendo tais que a tornem imprópria ao uso a que era destinada, ou que de tal sorte diminuam o seu valor, que o comprador, se os conhecera, ou a não comprara, ou teria dado por ela muito menor preço”. Ou seja, disciplina-se a informação relevante sobre a coisa, que influencia a decisão de contratar e o preço a ser pago. Quanto à diligência das partes, estabelece que somente terá lugar a indenização caso se trate de informação que “o comprador não podia descobrir”. O Código Civil de 1916 [art. 1.101 a 1.106] e o novo Código Civil [art. 441 a 446] tratam a questão de forma ligeiramente diversa, sem destacar expressamente o conhecimento que se espera seja detido pelo comprador.

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Essa situação, identificada no direito como um tipo de conflito de interesses, é bastante estudada pelos economistas, que a denominam “relação principal/agente”, em literal tradução da expressão em língua inglesa principal/agent.190-191 Tenha-se como exemplo dessa espécie de situação aquelas relativas aos contratos de distribuição ou de representação comercial. Embora haja escopo comum entre fabricante e distribuidor, cada empresa buscará a satisfação prioritária de seu interesse, em detrimento daqueles de sua parceira – o “agente” [distribuidor] tomará decisões capazes de prejudicar os negócios do “principal” [fabricante].192 Sempre a título de ilustração, cogite-se que a empresa A decide organizar sua biblioteca e contrata B para auxiliá-la nessa empreitada. B dirige-se a um conhecido sebo e, deparando-se com obra rara oferecida a excelente preço, inclina-se a adquiri-la para si e não para o acervo de A. A tendência de A é contentar seu interesse, antes daquele de B. Geralmente, apontam-se duas alternativas para a solução desse problema: [i] concessão de incentivos para que o agente comporte-se de acordo com os fins do principal;193 e [ii] obrigatoriedade de prestação, pelo agente, de informações sobre sua atividade e/ou sobre o mercado. A Lei de Sociedades por Ações, ao dispor sobre a atividade do administrador, disciplina situação típica de agente/principal. Nessa linha, a imposição do dever de perseguir o bem da sociedade, independentemente dos seus interesses ou daqueles de quem o elegeu,194 sendo-lhe vedado aproveitar oportunidades 190. A tradução do termo “principal” seria “ordenante”, “concedente em geral”. Entretanto, como esclarece o Dizionario Giuridico de Francesco de Franchis, trata-se de “termo cujo preciso significado é acertado caso a caso nos diversos contextos em que é empregado” [v. I, 11.85-6]. Principal and agent significariam “representante e representado” em sentido muito amplo; são termos que podem ser subsumidos ao instituto da agency, típico da common law, que vai além da mera relação de representação. 191. Do ponto de vista jurídico, a questão foi explicada entre nós por Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, ao referir as “relações entre os interesses”: “Quando [...] a satisfação de uma necessidade exclui a de outras, dá-se, então, o conflito, que é a consequência da limitação dos bens, em confronto com as necessidades do homem” [Conflito de interesses nas assembleias de S.A., 16 e ss.]. 192. Thráinn Eggertsson, Economic behaviour and institutions, 41. 193. A questão do monitoramento dos agentes e dos incentivos é discutida por Eugene F. Fama no clássico texto Agency problems and the theory of the firm, em que aborda problemas referentes à administração das grandes corporações. 194. Cf. art. 153 e ss. da Lei 6.404, de 1976.

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de negócio em detrimento da companhia. Igualmente, os arts. 667 e seguintes do Código Civil impõem deveres ao mandatário, visando precipuamente à proteção do mandante. Ainda, o representante comercial deve fornecer ao representado “informações detalhadas sôbre o andamento dos negócios a seu cargo, devendo dedicar-se à representação, de modo a expandir os negócios do representado e promover os seus produtos”.195 Para o jurista, a compreensão da situação agente/principal é importante para desvelar a função econômica de várias cláusulas contratuais normalmente utilizadas pelos agentes para atribuir incentivos ou controlar o desempenho da contraparte. 5.27 Modificação do comportamento pós-contratual [moral hazard] A celebração do contrato pode levar à alteração do comportamento de uma parte, em detrimento da outra. Por vezes, o estabelecimento do vínculo contratual instiga uma parte a modificar seu comportamento, prejudicando sua parceira comercial. Trata-se de espécie de “oportunismo pós-contratual”, denominado “risco moral” ou moral hazard. O mais comezinho exemplo de moral hazard refere-se ao seguro. A empresa segurada, depois da contratação, tende a não agir com a diligência de antes, pois tem ciência de que será indenizada na eventualidade de sofrer prejuízos. O motorista que segura seu veículo não mantém o mesmo incentivo para guardá-lo em estacionamento, aumentando as probabilidades de deixá-lo pela rua, à mercê dos bandidos. O moral hazard demanda disciplina para que as consequências prejudiciais ao tráfico mercantil sejam mitigados. Para facilitar a compreensão, considere-se situação em que as empresas A e B celebram contrato, mediante o qual B fornecerá a A determinado bem, pelo prazo de dez anos. É possível que, após a contratação, B diminua a qualidade dos produtos fornecidos a A sem, contudo, resvalar no inadimplemento. Por essa razão, não são incomuns cláusulas que visam ao monitoramento da qualidade da prestação. Visando a atenuar o moral hazard, no campo dos seguros, a indenização do agente econômico por vezes é estabelecida em patamar inferior ao valor real do dano sofrido. No mesmo diapasão, a corrente jurisprudencial que, interpretando o art. 214 do Código Comercial, sempre obrigou o vendedor a fazer a coisa alienada “boa, firme e valiosa” para o comprador, mesmo após a transferência da propriedade, visa a coibir o risco moral. Os Tribunais Nacionais, decidindo 195. Cf. art. 28 da Lei 4.886, de 09.12.1965.

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sobre o dever de não concorrência na alienação de estabelecimentos comerciais, construíram um dos mais belos capítulos da jurisprudência comercial, obrigando o alienante a proteger os interesses do comprador, abstendo-se de disturbar o gozo da coisa adquirida.196 Em síntese, a imposição legal do dever de colaboração visa à coibição do moral hazard. 5.28 Aumento da dependência econômica pelo contrato O contrato pode levar ao aumento do grau de dependência econômica das partes. No capítulo segundo, destacamos que a maioria dos contratos encerra situações de dependência econômica. Vale aprofundar o tema. Não é incomum que a conclusão do negócio demande investimentos específicos – denominados, pelos economistas, “investimentos idiossincráticos”.197 Por exemplo, a adaptação da linha de produção do fornecedor para satisfazer a necessidade específica de seu [futuro] parceiro comercial. Nessas situações, a parte que realiza a inversão vê aumentar sua dependência em relação à outra, pois o desfazimento do negócio, com muita probabilidade, causar-lhe-á perdas. A sujeição será ainda maior se, após o término da relação, esses gastos não puderem ser recuperados [“custos irrecuperáveis” ou sunk costs]. Imagine-se a empresa B que, para distribuir os produtos de A, investe pesadamente em publicidade. Findo o contrato que mantém com A, B não conseguirá recuperar o quanto despendido na promoção.198 196. Sobre essa construção jurisprudencial, cf. Eros Roberto Grau e Paula A. Forgioni, Cláusula de não concorrência ou de não restabelecimento. Evolução histórica, função econômica e análise jurídica, 273 e ss. 197. Em vários textos, Williamson destaca que um dos elementos mais relevantes da relação contratual é a especificidade de ativos. “The crucial investment distinction is this: to what degree are transaction-specific [nonmarketable] expenses incurred. Items that are unspecialized among users pose few hazards, since buyers in these circumstances can easily tur to alternative sources, and suppliers can sell output intended for one order to other buyers without difficulty. Nonmarketability problems arise when the specific identity of the parties has important cost-bearing consequences. Transaction of this kind will be referred to as idiosyncratic” [Transaction-cost economics: the governance of contractual relations, 239]. 198. Em determinados casos, os investimentos específicos e irrecuperáveis feitos por uma das partes podem significar comprometimento [commitment] que atesta a seriedade de intenções, i.e., a pouca disposição de se abandonar o negócio. Nestas hipóteses, o “comprometimento mútuo de ativos específicos” poderia incentivar o aumento do

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Porque os investimentos idiossincráticos e irrecuperáveis aumentam o grau de dependência de uma parte em relação à outra, impactam a dinâmica das relações contratuais e não podem ser desprezados pelos juristas. Maiores os investimentos e menores as possibilidades de posterior recuperação, mais ameaçador o término contratual para a parte que os realizou.199 Alguns contratos têm a situação de dependência econômica como apanágio típico, sendo impossível à parte ignorá-la no momento da vinculação. Supõe-se que as empresas aderem voluntariamente a esses esquemas contratuais, ponderando previamente as consequências da diminuição de sua liberdade. No contrato de franquia, o franqueado sabe que deverá desenvolver atividades ao abrigo de marca que não é sua – i.e., que, de certa forma, passará a depender do fornecedor. Se abraça o negócio, presume-se ter ponderado que os lucros vindouros compensariam as adversidades. “Cômodo quem o tem, deve suportar o incômodo”, na máxima divulgada por Teixeira de Freitas.200 Disciplinando situações análogas àquela que ora expomos, o novo Código Civil determinou que a denúncia dos contratos de longa duração não produzirá efeitos antes de recuperados os investimentos realizados.201 Com isso, evita que o término abrupto do negócio traga prejuízos indevidos à parte que investiu no empreendimento. Ao contrário do que pretendem muitos, esse dispositivo não atua contra a lógica de mercado. Incentiva o tráfico ao coibir a exploração oportunista da dependência gerada pelo negócio, reduzindo o risco moral [moral hazard]. grau de colaboração entre as partes [Robson Antonio Grassi, Williamson e “formas híbridas”: uma proposta de redefinição do debate, 55 e ss.]. 199. A existência de investimentos idiossincráticos normalmente gera o fenômeno do hold up, que se verifica na presença dos seguintes pressupostos: [i] existência de investimentos idiossincráticos que, enventualmente, significarão sunk costs; [ii] viabilidade de amortização desses investimentos apenas a longo prazo e [iii] investimentos “assimétricos”, ou seja, realização de investimentos significativamente maiores por uma das partes do que pela outra. Cf. Doris Hildebrand, Economic analysis of vertical agreements – A self-assesment, 18. Para um resumo da teoria do hold up, cf. Robert Freeland, Creating holdup through vertical integration: Fisher body revisited, em que são analisados os trabalhos pioneiros de Klein, Crawford e Alchian. 200. Regras de direito, 246. 201. “Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos”.

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5.29 “Mais vale um mau acordo do que uma boa demanda” Por força do princípio do pacta sunt servanda, diante do descumprimento contratual, a ordem jurídica obriga a parte faltosa ao adimplemento da obrigação ou ao pagamento da indenização correspondente. Os contratos são, por definição, executáveis ou, como preferem os economistas, enforceable. Entretanto, na realidade dos fatos, mostra-se mais importante a possibilidade de execução do pacto do que propriamente sua execução; é a eventual execução [e não a execução em si] que influencia a dinâmica da relação entre as partes. O temor dos prejuízos de demanda judicial futura influencia marcadamente o comportamento presente das partes, projetando uma “sombra para o futuro”. Poucas vezes as disputas que emergem durante a vida contratual são levadas ao Judiciário ou à arbitragem; sua grande maioria é resolvida pelos próprios agentes econômicos. “Compromissos são assumidos na pressuposição de que as partes manterão a relação e não estão limitadas pelos aspectos legais considerados pelo juiz na apreciação do problema”,202 o que facilita o acordo. Os agentes econômicos têm ciência de que o caminho até a obtenção da decisão judicial ou arbitral costuma ser longo e custoso. Acabam preferindo meios “extralegais” para a solução do impasse. Essa situação pode até mesmo fomentar o comportamento oportunista do inadimplente, que usa em seu benefício os percalços típicos dos procedimentos exógenos de pacificação de controvérsias. Aquele que descumpriu o acordo tem ciência de que, diante dos custos da solução judicial ou arbitral, a parte inocente tende a adotar posição mais complacente durante as negociações. 5.30 Contraponto: institutos tradicionais do direito mercantil e criação de obrigações não expressamente desejadas pelas partes. Aviltamento da segurança jurídica? O novo impulso dado à utilização de institutos tradicionais do direito comercial reacende a discussão sobre a insegurança jurídica, na medida em que podem dar origem a deveres não expressamente contratados pelas partes. É preciso reconhecer que, por força de institutos como a boa-fé, o padrão do homem ativo e probo, a proteção da legítima expectativa etc., o agente econô 202. No original: “compromises are reached in the light of their part to maintain an existing relationship between them; they are not limited to the ‘legal’ considerations which the judge may properly take into account when reaching a judgment” [Harris e Veljanovski, The use of economics to elucidate legal concepts: the law of contract, 116].

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mico resta vinculado a comportamentos que não foram por ele explicitamente negociados. No passado, embora nunca tenha sido negada a importância desses institutos para a disciplina do tráfico, sua discussão explícita foi arrefecida.203 Os tribunais aplicavam a lógica a eles inerente, ao mesmo tempo em que evitavam embasar as decisões declaradamente em conceitos fluidos como a boa-fé. Por exemplo, são raros acórdãos impondo expressos deveres às partes por força dos usos e costumes comerciais. No campo da teoria geral do direito civil, para muitos autores, a inserção no negócio de cláusulas não expressamente desejadas e negociadas pode levar ao sacrifício da autonomia da vontade e à submissão das partes ao arbítrio do legislador, do jurista ou do intérprete.204 Ilustrativa a esse respeito é a contenda mantida entre Betti e Stolfi no final dos anos 40.205 Vimos acima a linha bettiana, destacando a função econômica dos negócios e sua objetivação com base nas práticas de mercado. Tenha-se em mente, mais uma vez, que Betti lutava contra o subjetivismo e o voluntarismo 203. As razões dessa subestimação são explicadas por Guido Alpa: [i] pouca familiaridade dos juizes da época com a aplicação de disposições de conteúdo indeterminado diante da interpretação formalística que imperava, privilegiando a aplicação literal do texto do Código; [ii] desconfiança em relação à doutrina que tendia a considerar os juízes como representantes do Estado e via a aplicação de cláusulas gerais aos negócios privados uma forma de intervencionismo estatal; [iii] temor de atribuir-se aos juízes excessivo poder discricionário [Trattato di diritto civile. Storia, fonti, interpretazione, 954]. No mesmo sentido, Alpa, Corso di sistemi giuridici comparati, 272. Ainda sobre esse ostracismo, cf. Stefano Rodotà, Le fonti di integrazione del contratto, 184 e ss. Em suma: “Il concettualismo ed il positivismo, tra loro strattamente alleati, spiegavano tutta la loro influenza, com effetti che arrivavano fino ad espungere dall’ordinamento alcune norme: ma anche questa è una conseguenza quase inevitabile, che ciascuna cultura non è disposta a riconoscere altri strumenti tecnici che non siano quelli ad essa omogenei, negando agli altri il carattere della giuridicità” [188]. Carlos Ferreira de Almeida dá notícia da relutância do reconhecimento do costume como fonte de direito [Contratos I. Conceito, fontes, formação, 63]. 204. A questão discutida é sempre a mesma: “in ciascun ordinamento si esprimono le medesime preoccupazioni, relative alla discrezionalità dell’interprete nella applicazione della clausola attesa la sua genericità e indeterminatezza; al contempo, questa clausola ha finito per assolvere un ruolo tanto importante da considerarsi essenziale, sia per adattare l’intero ordinamento alle nuove esigenze economico-sociali, di cui il legislatore non può tempestivamente tener conto, sia per adattare la regola del caso alla fattispecie concreta” [Alpa, Trattato di diritto civile. Storia, fonti, interpretazione, 951]. 205. V. discurso de Natalino Irti desenvolvido no primeiro capítulo de seu livro Letture Bettiane sul negozio giuridico, de 1991.

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de sua época, que via como desdobramentos de inaceitável liberalismo. De qualquer forma, um dos resultados práticos de sua teoria é o reconhecimento de que a prática social gera deveres de conduta. Note-se bem: a prática social e não exclusivamente a vontade individual é fonte de obrigação. Stolfi, refutando duramente as críticas que lhe são formuladas, defende ser sempre necessário o consenso do homem para sua vinculação, ou seja, exige-se “efetiva intenção de dar origem à relação concreta”.206 A submissão a deveres não expressamente contratados [i.e., não derivados de sua vontade] significaria sujeição do ser humano ao arbítrio.207 O debate, que pareceria “técnico” aos mais afoitos, não pode sombrear a questão política nele envolvida. Por um lado, a supremacia do individualismo e da vontade do sujeito como motores absolutos de sua vinculação. Por outro, a objetivação dessa vontade, levando-se em conta o fator social. A questão é explicada por Orlando Gomes, com a habitual clareza: “A adoção do negócio jurídico como instrumento da autonomia privada, fá-la, na realidade, impregnar-se de sentido social, ao abandonar o dogma da vontade. A característica no negócio passa a ser [...] o fato de se vincular o sujeito por seu comportamento, no sentido de que a sua conduta sucessiva não pode se desenvolver senão na conformidade do ‘empenho’ que assumiu, segundo o ordenamento positivo, com seu comportamento. Obviamente, é a lei que vincula o sujeito, ou as partes, a observar esse comportamento. Vincula-se por seu comportamento, não se lhe permitindo invocar deficiências do processo volitivo que não puderam ser descobertas pelos outros e, além disso, prescinde da investigação do intento do agente. Sobem ao primeiro plano os princípios da autorresponsabilidade do sujeito e da confiança dos outros sujeitos”.208 206. No original: “[a] ragione si esige sempre il suo [do homem] consenso [...] e cioè la sua effettiva intenzione di dare origine al rapporto concreto, e non si è scritto un solo articolo da cui si possa argomentare il contrario [...]” [Il negozio giuridico è un atto di volontà, 248]. 207. Em suma: “Si può invero discutere fino alla noia se la buona fede della controparte o le necesità del commercio o un’altra bizzaria del genere impongano o consiglino di ritenere vincolanti anche le dichiarazioni contrattuali non volute, perchè la loro efficacia è solo patrimoniale: siamo ormai tanto abituati alla disinvoltura con cui il legislatore dispone dei beni del prossimo, che non ci scandalizziamo troppo nel constatare come nemmeno il giurista sia alieno dal sacrificare il danaro degli altri pur di dare corpo ai suoi preconcetti” [Giuseppe Stolfi, Il negozio giuridico è un atto di volontà, 248]. 208. Transformações gerais do direito das obrigações, 48.

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Não vem a talho determo-nos nas discussões travadas entre objetivistas e voluntaristas sobre o negócio jurídico.209 Ao comercialista interessa mais de perto o viés dessa contenda ligado à objetivação do comportamento pelo padrão de mercado [que – destaque-se mais uma vez – sempre foi a regra do direito mercantil] e ao eventual aviltamento da segurança jurídica derivada de estipulações insertas no acordo independentemente do processo de barganha típico de certos negócios interempresariais.210 Tudo está na questão da eventual compatibilidade entre a assunção de condições não formalmente expressas e a segurança exigida pelo tráfico mercantil. A atribuição de força normativa às “dimensões implícitas”211 das negociações corrompe o bom fluxo de relações econômicas, aumentando os custos de transação? Eis a preocupação do direito comercial. 209. Para análise das doutrinas voluntarista e objetivista do negócio jurídico, cf. Junqueira de Azevedo, Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 4 e ss. 210. Mais recentemente, Lisa Bernstein chega a duvidar até mesmo da existência dos usos e costumes da forma como tradicionalmente considerados e incorporados no Uniform Commercial Code norte-americano. No entendimento da autora, vários fatores sugeririam que “‘usages of trade’ and ‘commercial standards’, as those terms are used by the Code, may not consistently exist, even in relatively close-knit merchant communities. While merchants in the industries examined here sometimes do and did act in ways amounting to loose behavioral regularities, most such regularities are either much more geographically local in nature or far more general in scope and conditional in form than in commonly assumed” [The questionable empirical basis of article 2’s incorporation strategy: a preliminary study, 715]. 211. Sobre as “dimensões implícitas” dos contratos, cf. Milgrom & Roberts, Economics, organization and management, 132-3, e Hugh Collins, The research agenda of implicit dimensions of contracts, 2-13. A respeito da diminuição do grau de segurança jurídica em virtude da consideração de elementos não expressamente mencionados pelas partes na letra do instrumento, afirma o autor: “It is not disputed that predictability of legal outcomes is an important goal for the regulation of contracts, though not of course the only goal. The important question is rather whose predictions matter?” [9]. A conclusão é que a opção pela abordagem formal, que exclui as dimensões implícitas das contratações, agrada mais aos advogados do que a seus clientes, na medida em que estes realmente as consideram em suas expectativas. “There is much evidence of a gap between the lawyer’s prediction based upon the express terms of the contract and their clients’ prediction based upon implicit understandings and expectations […] Their intentions were not completely expressed in the contract, and so to enforce the terms without modification may make the law produce unpredicted outcomes. So the question becomes whose calculability really matters: the lawyers or the businessmen?” Enfim, a consideração das dimensões implícitas pode ter como resultado a maior garantia de concreção de um dos principais escopos da lei: “support for trust and confidence in markets” [10].

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As partes, ao contratar, trazem para seu negócio todas as regras cogentes existentes na legislação incidente sobre o contrato. O art. 133 do Código Comercial sempre determinou que “[o]mitindo-se na redação do contrato cláusulas necessárias à sua execução, deverá presumir-se que as partes se sujeitaram ao que é de uso e prática em tais casos entre os comerciantes, no lugar da execução do contrato”. A incorporação de “dimensões” além do que foi expressamente deliberado não é mecanismo estranho aos negócios; fontes externas à vontade das partes são reconhecidas pelo ordenamento.212 Quanto aos usos e costumes, a pedra de toque não repousa na vontade das partes, mas na incorporação ao negócio de regras cujo grau de institucionalização não é tão elevado como aquele que caracteriza o direito positivo codificado.213 O mesmo raciocínio pode ser aplicado às chamadas “cláusulas gerais” como a boa-fé e o padrão do homem ativo e probo: embora sua compreensão seja fácil na teoria, é no momento de sua aplicação ao caso concreto que a insegurança faz-se sentir. Na hipótese específica, qual seria a conduta esperada do agente econômico perante a situação que diante dele se apresenta? Nem todos os mercados são como aqueles da praça de Santos no início do século XX, fonte de inspiração de Carvalho de Mendonça, ou do comércio de diamantes de Nova Iorque, estudado por Lisa Bernstein.214 Os agentes econômicos que neles interagem têm certa ciência das regras costumeiras que devem ser respeitadas.215 No mundo contemporâneo, as coisas não se colocam 212. Como esclarecia Rodotà, a pretexto de comentar o art. 1.374 do Codice Civile: “1.374. Integrazione del contratto. Il contratto obbliga le parti non solo a quanto è nel medesimo espresso, ma anche a tutte le conseguenze che ne derivano secondo la legge, o, in mancanza, secondo gli usi e l’equità” [Le fonti di integrazione del contratto, 93 e ss.]. 213. Por mais que, como adverte Antoine Kassis, “[a]u total, la certitude absolue du droit écrit, législatif ou jurisprudentiel, est une velleité” [Théorie générale des usages du commerce, 47]. 214. Opting out of the legal system: extralegal contractual relations in the diamond ­industry. 215. O assentamento dos costumes visa a dar-lhes publicidade entre os mercadores. Nesse sentido, a Lei da Boa Razão determinava que “os Estylos da Côrte devem ser sómente os que se acharem estabelecidos, e approvados pelos sobredictos Assentos da Casa da Supplicação”. Como não havia disposição semelhante para os costumes, apontava Corrêa Telles: “Mas sendo occasião de muitas duvidas o não se saber com certeza, quaes os costumes racionaveis, e que teem mais de cem annos de duração, seria obra de grande preço mandar o Governo compilar os costumes legitimos, e saparal-os das

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de maneira tão simples. “Customs are vague and they often differ from place to place”. “Judges might not be able to rely on trade usage because none existed or none could be proved”.216 Poder-se-ia estar diante de paradoxo no seio do direito mercantil: de um lado, institutos tradicionais levam ao aumento do grau de segurança jurídica, reduzindo custos de transação por aceitar certas presunções; de outro, as regras que permitem essas mesmas assunções trariam o aumento do grau de insegurança porque, na realidade dos fatos, não se conseguiria determinar com razoável grau de precisão o comportamento esperado do agente. curruptélas, e abusos, com os quaes innocentemente os póde qualquer confundir: até os Soberanos interessariam nisto, porque jurando no acto da acclarmação guardar os bons costumes, mal podem saber quanto se compreenhende neste vocabulo de significação tao larga” [Commentario critico á lei da boa razão, 91]. O Regulamento 738, de 1850, dispunha sobre a publicidade dos usos reconhecidos e os esforços que os Tribunais do Comércio deveriam fazer para sistematizá-los. Modernamente, sabe-se que não costuma ser frutífera a tentativa de “codificar” os usos e costumes, compilando-os de forma a aumentar o grau de segurança e de previsibilidade que seria por eles proporcionado. Na súmula de Bernstein: “The debates surrounding these codification efforts suggest that there was not widespread agreement among merchants as to either the meaning of common terms of trade or the content of many basic commercial practices. Rules committee debates sometimes went on for years, customs relating to important aspects of transactions were left uncodified because consensus could not be achieved, and in most industries drafting committees eventually engaged in only selective codification. In addition, over time, many associations came to explicity concede that they were attempting to change rather merely incorporate existing practices” [The questionable empirical basis of article 2’s incorporation strategy: a preliminary study, 715]. No caso brasileiro, a situação não é diversa. Em 1907, Brasilio Machado lamentava-se que, mesmo após sessenta anos de vigência do Código Comercial, “mal chegamos a contar 20 assentos das juntas commerciaes estabelecendo usos nacionaes do commercio” [O Codigo Commercial do Brasil em sua formação histórica, 268]. Nos termos do art. 8.º, VI, da Lei 8.934, de 1994 [conhecida como “Lei da Junta Comercial”], compete às Juntas Comerciais o assentamento dos usos e práticas mercantis. Por sua vez, os arts. 87 e 88 do Decreto federal 1.800, de 1996, e os arts. 182 e 183 do Decreto do Estado de São Paulo de n. 51.072, de 1968, estabelecem procedimentos para esse assentamento. O art. 6.º, caput, da Portaria JUCESP 21, de 24.04.2003, estabelece que “[a] cada mês de abril, a Junta Comercial dará cumprimento ao art. 88, do Decreto Federal 1.800/1996, publicando os usos e práticas mercantis assentados de 01.01 a 31.12 do 6.º ano anterior, para sua revisão”. 216. Stewart Macaulay, The real and the paper deal: empirical pictures of relationships, complexity and the urge for transparent simple rules, 66.

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Contudo, a história do direito mercantil demonstra que, no cômputo geral, os institutos tradicionais próprios ao tráfico prestam-se ao seu bom funcionamento,217 diminuindo os custos de transação e aumentando o grau de confiança do agente econômico.218 Ademais, considerando que a maioria dos contratos interempresariais é naturalmente incompleta, como se verá adiante, é cada vez mais difícil admitir seu desenvolvimento sem o recurso às cláusulas gerais. Elas permitem que as normas endógenas integrem o direito exógeno, que as abraça e sorve. Aterrar essa estrada em nome de inútil formalismo seria condenar a ordem jurídica do mercado à perene desadaptação219 e comprometer irremediavelmente o fluxo de relações econômicas. 217. Hoje, alguns autores sustentam que a utilização das cláusulas gerais aumenta o grau de racionalização do direito. “Al mito della certeza del diritto [della legge], si avvicenda l’obbiettivo della certezza delle decisioni. Non può sfuggire che l’uso delle clausole generali svolge, in tale contesto, uma obbiettiva funzione di razzionalizzazione degli indirizzi interpretativi” [Fabrizio di Marzio, Verso il nuovo diritto dei contratti, 22]. Trabalha-se com a relativização da importância que a segurança formal teria para o tráfico. Com efeito, “despite, or because of, the imprecise and often conflicting nature of our contract law, the American economy has been successful” e “Clearly there is room for a contract law with strong elements of flexibility and qualitative norms in many areas of business” [Stewart Macaulay, The real and the paper deal: empirical pictures of relationships, complexity and the urge for transparent simple rules, 79]. 218. Atualmente, os autores que mais se ocupam dessa questão, combatendo o que chamam de “excessivo formalismo doutrinário” em prol da aplicação das cláusulas gerais e da consideração do contexto que enforma o negócio, são de origem inglesa ou norte-americana e não familiarizados às regras de interpretação de Pothier, cuja influência doutrinária e jurisprudencial na Europa Continental e no Brasil é inegável. Nessa linha, à luz do art. 131 do Código Comercial, é incontestável a necessidade de consideração das “dimensões implícitas” dos negócios, ou seja, de regras ditadas pela boa-fé, usos e costumes, bem como a atuação de uma contextual interpretation. Em nossa tradição, não existe um só manual de direito comercial que negue a força jurígena dos usos e costumes e sua função integrativa, que sempre foi expressamente trazida pelo art. 133 do Código Comercial. 219. Carl Schmitt identifica nas cláusulas gerais a ruína do positivismo. “En todas partes y en todos los campos de la vida jurídica penetran las llamadas ‘cláusulas generales’ en detrimento de la ‘seguridad’ positivista: conceptos indeterminados de todo tipo, reenvíos a medidas y conceptos extralegales como buenas costumbres, lealtad y buena fe, exigibilidad y no-exigibilidad, razón suficiente, etcétera, que suponen una renuncia al fundamento del positivismo, a saber, la decisión legal, a la vez contenida y desvinculada de la norma. [...] En el momento en que conceptos como ‘lealdad

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Muito se lutou para a objetivação das expectativas de comportamento, substituindo a “dimensão individualista” da parte e de sua intenção pela “dimensão social” [Betti]. O que não pode ser admitido, porque prejudicial ao sistema, é o subjetivismo do intérprete que, despregando-se propositadamente da prática social, confunde suas decisões com suas aspirações, substituindo juízo minimamente objetivo por aquilo que entende ser “justiça social”.

y buena fe’, ‘buenas costumbres’, etc., se aplican no a una sociedad civil de tráfico individualista, sino al interés de la totalidad del pueblo, cambia de hecho todo el derecho sin que sea preciso que cambie una sola ley”. As cláusulas gerais, assim, “deben ser utilizadas como medios específicos de un nuevo tipo de pensar jurídico” [Sobre los tres modos de pensar la ciencia jurídica, 67 e ss.].

6 OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS Sumário: 6.1 Os contratos empresariais: além dos contratos de intercâmbio e de sociedade – 6.2 O primeiro polo: os contratos de intercâmbio – 6.3 O segundo polo: as sociedades mercantis: 6.3.1 A modelagem das sociedades conforme os interesses dos agentes econômicos; 6.3.2 Sociedades mercantis e a construção da responsabilidade limitada; 6.3.3 Sociedades mercantis e a construção do princípio majoritário – 6.4 Os contratos de colaboração não societários. A produção de novos contratos pela praxe – 6.5 Principais características dos contratos de colabo­ração – 6.6 A lógica própria aos contratos de colaboração: por que cooperar? – 6.7 A visão dos economistas sobre os contratos de colaboração: as formas híbridas – 6.8 A tomada de decisão nos contratos de colaboração – 6.9 A incompletude inerente aos contratos de colaboração – 6.10 Questões dogmáticas em aberto: inadimplemento nos contratos de colaboração e culpa recíproca – 6.11 Segue: adimplemento suficiente.

6.1 Os contratos empresariais: além dos contratos de intercâmbio e de sociedade Os contratos – que, frise-se ainda mais uma vez, concretizam e possibilitam a atuação das empresas no mercado, formando seu substrato – admitem classificação em duas categorias, delineadas por Jhering: de uma parte, contratos de intercâmbio e, de outra, contratos em que há “solidariedade de interesses”, como as sociedades comerciais, em que as partes “têm o mesmo fim”.1 1. “[N]a associação o egoísmo não desempenha o mesmo papel que nos contratos de troca. Aqui os dois contratantes teem interêsses diametralmente opostos: se a venda é favorável para o comprador, é em detrimento do vendedor, e vice-versa. Seu dano, meu benefício, é a divisa de todos os contratos. Ninguém pode querer mal aos outros por zelarem sómente os seus interêsses. Assim não acontece na associação: o interêsse particular e o de outrem caminham a par; se um dos associados foi lesado, também o outro o foi por igual; do mesmo modo o lucro de um é do outro. A ideia de solidariedade dos interêsses deve guiar as duas partes na celebração do contrato de sociedade. Se uma delas, em vez de trabalhar pelo lucro comum, só procura o seu interêsse, destroi a própria essência da instituição – uma tal prática, a generalizar-se arruinála-ia para o comércio jurídico” [A evolução do direito, 192 e ss.]. Note-se que Jhering identifica na sociedade uma forma de concretização da associação entre

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Em sequência ao que foi assinalado no capítulo segundo, aqui serão estudados os negócios mercantis que se encontram no entremeio dessas duas categorias, ora pendendo para uma, ora para a outra e que, por conta disso, vêm sendo denominados “híbridos” pela doutrina econômica. Não se trata de um novo tipo contratual, mas de uma categoria que busca seu lugar na teoria geral do direito.2 Para compreendê-los, bem como a sua função, será necessário examinar, de início, as características dos negócios que estão nas extremidades dessa linha: contratos de intercâmbio [spot] e contratos de sociedades. O entendimento desses dois polos é importante para que se tenha a real dimensão dos problemas dos contratos “de entremeio” e que derivam, principalmente, da ausência de respostas jurídicas a vários impasses que surgem durante sua execução. Se, no que toca ao intercâmbio e às sociedades, essas soluções foram sendo construídas com o passar do tempo e hoje são conhecidas dos juristas, o mesmo não ocorreu com os “híbridos” – até porque a disseminação de seu uso é fenômeno recente.3 Muitas das questões aqui abordadas estão em aberto, e as conclusões que exsurgem visam mais a pôr em ordem, explicar, clarificar o que ainda se tem por complicado; não se busca construir uma teoria geral completa sobre os indivíduos: “quando o fim é superior às forças do indivíduo isolado, ou quando há maior economia, maior facilidade e mais segurança de o alcançar pelos esforços comuns, o interêsse respectivo das partes ordena-lhes que congreguem as suas fôrças e os seus meios de ação. Chega-se a êste resultado pelo contrato de sociedade” [A evolução do direito, 132]. Ascarelli, com base em Grocio, entende que “pode dizer-se tradicional a sensação da diferença entre o contrato de sociedade e os contratos que poderíamos dizer, genericamente, de permuta” [O contrato plurilateral, 274]. Para o estudo dessas duas categorias [contratos de escambo e contratos que chama de “associativos”], cf. Ferro-Luzzi, I contratti associativi, 83-125. 2. Suzanne Lequette, Le contrat-coopération, Introduction. 3. Não estamos a afirmar que esses contratos não existiam, mas seu uso era bastante restrito. As próprias sociedades em conta de participação, em muitos de seus aspectos, poderiam ser consideradas no entremeio dessa linha que propomos. A respeito de sua natureza jurídica, v. Mauro Brandão Lopes, Ensaio sôbre a conta de participação no direito brasileiro, 11 e ss., e A sociedade em conta de participação, 34 e ss., concluindo tratar-se de sociedade, após a análise da doutrina especializada e do Código Comercial. Em língua italiana, Salvatore Giovanni Grandi, em sua obra L’associazione in partecipazione, segue orientação oposta. Mais recentemente, Gianni Mignone elabora profundo estudo sobre a evolução histórica desse “rapporto partecipativo”, discutindo, inclusive, sua natureza jurídica [Un contratto per i mercanti del Mediterraneo: l’evoluzione del rapporto partecipativo].

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o tema. Esta é mais uma função reservada à dogmática comercialista nos próximos anos: erigir a disciplina jurídica dessa categoria contratual, em prol do “interesse geral do comércio” e do desenvolvimento da economia. 6.2 O primeiro polo: os contratos de intercâmbio Nos contratos de intercâmbio, o incremento da vantagem econômica de uma parte leva à diminuição do proveito da outra. O exemplo típico é a compra e venda: mais alto o preço que Tício consegue obter pela alienação de suas ovelhas a Caio, maior a vantagem de Tício, em detrimento da de Caio. Aqui, os interesses das partes são contrapostos. A leitura de antigos livros de pareceres de nossos jurisconsultos, bem como de decisões que lhes são contemporâneas, faz entrever que, outrora, as relações entre os agentes econômicos concretizavam-se em sua grande parte por meio de contratos de intercâmbio. Lembremos, a esse propósito, que o ato de comércio típico sempre foi a compra e venda.4 A centralidade da operação de intercâmbio é confirmada a partir do segundo pós-guerra, em virtude da forte corrente doutrinária que enxergava no direito comercial um “[d]erecho llamado a regir operaciones em masa”,5 dando lugar a uma “tendencia [...] a acentuar el contenido típico del negocio”,6 levando ao que Natalino Irti referiu, nos anos 90, como “notas de anônima repetitividade”.7 Mais uma vez, o foco recai sobre a compra e venda, pois é ela que instrumentaliza as contratações em série com o público. A teoria que se produz, desenvolvida nessa realidade, preocupa-se quase que exclusivamente com contratos de intercâmbio e com a contraposição de 4. Na síntese de Waldemar Ferreira, “[d]esde os romanos que o contracto de compra e venda é tido como um dos paradigmas de acto de commercio” [Manual do commerciante, 241]. “[Q]uase tudo, no Direito Mercantil, àquele contrato [o de compra e venda] se liga” [Tratado de direito comercial, v. I, 469], afirma Inglez de Souza, indo além: “O typo desses contractos é o de compra e venda, ou de troca, e si analysarmos detidamente qualquer contracto mercantil, chegaremos á conclusão de que é, no fundo, um contracto de compra e venda” [Direito commercial, 119]. Na mesma linha, Honório Monteiro: “A compra e venda é o centro da atividade mercantil. Todos os demais contratos do direito comercial são complementares ou auxiliares do contrato de compra e venda. Daí a sua extraordinária importância prática” [Direito comercial, 318]. 5. Garrigues, Tratado de derecho mercantil, t. I, v. I, 32. 6. Garrigues, Tratado de derecho mercantil, t. I, v. I, 24. 7. L’ordine giuridico del mercato, 86.

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interesses que lhes é peculiar.8 Não é incomum que obras jurídicas tratem somente dos negócios de troca. Lê-se em um dos melhores manuais brasileiros sobre esse tema: “[t]raço característico do contrato é a plurititularidade, isto é, a coparticipação de sujeitos de direito com interesses econômicos contrapostos. A contraposição é essencial, não passando o contrato, assim, de uma composição”.9 6.3 O segundo polo: as sociedades mercantis Não apenas de contratos de intercâmbio é feita a atividade empresarial. Os agentes econômicos sempre se socorreram das sociedades comerciais para efetivar associações10 ou cooperações com terceiros.11 O Código Comercial não definia a sociedade, levando os comercialistas a se socorrerem do art. 1.363 do Código Civil de 1916, que dispunha: “[c] elebram contrato de sociedade as pessoas, que mutualmente [sic] se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comunss”.12 A doutrina indica que caracterizariam as sociedades em geral [essentialia negotii]: [i] fim 8. À mesma constatação chega Massimiliano Granieri, Il tempo e il contratto, 61. Na França, Jean-François Hamelin, Le contrat-alliance, 19 e ss. 9. Orlando Gomes, Contratos, 13. 10. Na tradição do direito mercantil, a expressão “associação” muitas vezes vem empregada no sentido de “sociedade”. A esse respeito, v. os arts. 290 e 291 do Código Comercial que se referem às “associações” no Título XV, Capítulo I, dedicado às “companhias e sociedades comerciais”: “Art. 290. Em nenhuma associação mercantil se pode recusar aos sócios o exame de todos os livros, documentos, escrituração e correspondência, e do estado da caixa na companhia ou sociedade, sempre que o requerer; salvo tendo-se estabelecido no contrato ou outro qualquer título da instituição da companhia ou sociedade, as épocas em que o mesmo exame unicamente poderá ter lugar. Art. 291. As leis particulares do comércio, a convenção das partes sempre que lhes não for contrária, e os usos comerciais, regulam toda a sorte de associação mercantil; não podendo recorrer-se ao direito civil para decisão de qualquer dúvida que se ofereça, senão na falta de lei ou uso comercial”. 11. Vale destacar os problemas enfrentados no âmbito da teoria geral para delinear as características peculiares dos contratos de sociedade – ou “associativos”, na dicção de Ferro-Luzzi. Cf. Tullio Ascarelli, O contrato plurilateral, e Ferro-Luzzi, I contratti associativi, especialmente primeiro capítulo e 92 e ss. 12. Atualmente, determina o art. 981 do Código Civil: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados”.

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comum; [ii] contribuições dos sócios e [iii] affectio societatis,13 esta última identificada como a vontade de suportar áleas comuns, arcando todos os sócios com as eventuais perdas decorrentes da atividade e pertencendo o lucro a todos.14 No mesmo sentido é a clássica lição de Thaller, para quem a sociedade caracteriza-se por: “a] La constitution d’un capital, au moyen d’apports respectivement faits par chaque associé; – b] Une vocation simultanée de tous les membres aux bénéfices et aux pertes; – c] Un lien de collaboration active entre les associés”.15 Como se percebe, o elemento da colaboração, da reunião de esforços, sempre marcou as sociedades, bem assim a ideia de que os riscos, as áleas do empreendimento cabiam e seriam suportados por todos os sócios. “[O] que realmente caracteriza a sociedade – porque apenas nela se encontra – é [...] a repercussão direta sobre o patrimônio dos sócios dos atos de gestão social, das obrigações assumidas em nome da sociedade pelo representante desta. Isso não ocorre nas outras relações”, esclarece João Eunápio Borges.16-17-18 13. Por todos, Orlando Gomes, Contratos, 443 e ss., e Serpa Lopes, Curso de direito civil, v. 6, 551 e ss. 14. Ainda para a exposição dos elementos que caracterizam as sociedades, e a crítica da doutrina tradicional, v. Ferro-Luzzi, I contratti associativi, 2-82. 15. Traité élémentaire de droit commercial, 188. 16. Curso de direito comercial terrestre, 266. 17. Apenas haverá sociedade quando as partes pretenderem reunir esforços, suportando igual e conjuntamente as áleas, os riscos e as perdas do plano comum. Por essa razão, Orlando Gomes afirma que a affectio societatis expressa-se, “em termos mais objetivos [...] sob o aspecto da partilha obrigatória dos lucros e perdas” [Contratos, 444]. A lição de Lagarde, lembrada por Rubens Requião, caracteriza a affectio societatis “por uma vontade de união e aceitação das áleas comuns” [Curso de direito comercial, v. 1, 276]. Fábio Konder Comparato entende que a “comunhão de escopo”, “elemento diretor e unificador da relação societária” implica a participação dos sócios nos resultados deficitários. O risco inerente à atividade societária envolve a predisposição à partilha do prejuízo [e não somente dos lucros] [Direito empresarial – Estudos e pareceres, 153]. No mesmo sentido, Ferreira Borges, Diccionario juridico-commercial, 471, refere-se ao “risco commum” inerente às sociedades, bem assim que há “communhão de ganhos e perdas”. 18. Esse espírito vinha corporificado no art. 288 do Código Comercial: “É nula a sociedade ou companhia em que se estipular que a totalidade dos lucros pertença a um só dos associados, ou em que algum seja excluído, e a que desonerar de toda a contribuição nas perdas as somas ou efeitos entrados por um ou mais sócios para o fundo social”. O art. 305 do Código Comercial deixava clara a ideia de atuação comum, de colaboração, de reunião de esforços, de pessoalidade das sociedades: “Art. 305. Presume-se que existe ou existiu sociedade, sempre que alguém exercita atos

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6.3.1 A modelagem das sociedades conforme os interesses dos agentes econômicos Quando da promulgação de nosso Código Comercial, vários eram os tipos de sociedades: anônimas, em comandita por ações, em comandita simples, em nome coletivo ou com firma, de capital e indústria, em conta de participação19 e, mais tarde, as sociedades por quotas, de responsabilidade limitada. Cada tipo societário satisfazia as necessidades específicas dos agentes econômicos em suas associações, propiciando a composição de interesses no que dizia respeito à responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade e ao poder de cada um na condução dos negócios. As sociedades, como advertia Sylvio Marcondes, representam “a satisfação jurídica de necessidades econômicas”20 e, nesse sentido, seus tipos são considerados pelos agentes com base, principalmente, nessas duas variáveis. Foi longa a estrada percorrida pelo direito mercantil para atender de forma cada vez mais adequada as aspirações dos comerciantes e, portanto, do tráfico. Com o passar do tempo, solidificaram-se dois vetores que viabilizariam a acomodação dos interesses dos partícipes nas sociedades comerciais e a colaboração entre eles: [i] responsabilidade limitada, [ii] proporcionalidade entre o capital investido e o poder interna corporis dele decorrente e [iii] a consolidação do princípio majoritário. A opção dos agentes econômicos pela forma de concretização da associação será influenciada por esses atributos das sociedades comerciais – nos negócios próprios de sociedade, e que regularmente se não costumam praticar sem a qualidade social. Desta natureza são especialmente: 1. Negociação promíscua e comum. 2. Aquisição, alheação, permutação, ou pagamento comum. 3. Se um dos associados se confessa sócio, e os outros o não contradizem por uma forma pública. 4. Se duas ou mais pessoas propõem um administrador ou gerente comum. 5. A dissolução da associação como sociedade. 6. O emprego do pronome nós ou nosso nas cartas de correspondência, livros, fatura, contas e mais papeis comerciais. 7. O fato de receber ou responder cartas endereçadas ao nome ou firma social. 8. O uso de marca comum nas fazendas ou volumes. 9. O uso de nome com a adição – e companhia”. O art. 1.372 do Código Civil de 1916 estatuía que seria nula a cláusula [e não a sociedade] que atribuísse todos os lucros a um dos sócios, ou subtraísse o quinhão social de algum deles à comparticipação nos prejuízos. O art. 1.008 do Código atual dispõe no mesmo sentido, estabelecendo a nulidade da cláusula que excluir qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas. 19. Sobre os tipos societários empregados no final do século XIX no Brasil, cf. Sousa Pinto, Diccionario da legislação commercial brazileira, 411-35. 20. Ensaio sobre a sociedade de responsabilidade limitada, 13.

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híbridos, muitas vezes abre-se mão das soluções “tradicionais” oferecidas pelas sociedades mercantis, trocando, de certa forma, a segurança oferecida pelos tipos societários pela preservação de maior mobilidade de atuação no mercado. Tanto o princípio majoritário, quanto a responsabilidade limitada, são soluções jurídicas que foram sendo construídas e não surgiram de chofre, fruto da pena de algum jurista iluminado. 6.3.2 Sociedades mercantis e a construção da responsabilidade limitada Um dos principais incentivos aos agentes econômicos proporcionados pelas sociedades toca à separação patrimonial e à responsabilidade limitada dos sócios quanto às obrigações sociais, diretamente relacionada à circunscrição do risco a ser incorrido pelo empreendedor. Alguns autores apontam que a responsabilidade limitada estava presente em tipos societários medievais. Na commenda ou societas maris, salienta Max Weber que a grande questão referia-se à “divisão do risco”.21 Constituída para cada expedição determinada, o sócio capitalista [comendador ou socius stans] tinha sua responsabilidade limitada ao capital aportado, fossem mercadorias, dinheiro ou o próprio navio. O sócio comanditário [tractor, tractador, portitor ou portador] era ilimitadamente responsável pelas dívidas contraídas, mesmo porque era o tractor quem viajava e expunha o empreendimento comum ao risco.22 A sociedade comandita [denominada, em Genova, societas terrae] segue os mesmos princípios da commenda, com a limitação da responsabilidade do sócio capitalista. Mas seu objeto não dizia respeito apenas a expedições marítimas e não costumava ficar restrita à única operação. No entender de Braudel, apresentava como principais vantagens aos investidores a limitação da responsabilidade e a ocultação dos sócios.23 21. “Such a risk which according to the conditions of trade at the time was the biggest factor that had to be taken into account, had to be shared among those who in some function participated in the undertaking. How to do this was legally the most important problem” [The history of commercial partnerships in the Middle Ages, 64]. 22. Ainda segundo Weber, a diferença entre a comenda e a societas maris consistia no fato de que, na primeira, o aporte de capital era realizado apenas por uma parte, o sócio comendador. Ao invés, na societas maris, ambas forneciam recursos para o empreendimento [The history of commercial partnerships in the Middle Ages, 68]. Sobre o mesmo tema, e com opinião semelhante, Pietro Bonfante, Storia del commercio, 240 e ss. 23. The wheels of commerce, 438 e ss. “O processo de limitação da responsabilidade, que hodiernamente domina o campo do Direito Comercial, foi-se formando

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Note-se, contudo, que em todos esses tipos apenas parte dos sócios tem sua responsabilidade limitada; somente a eles é dada a concessão da limitação do risco. No início do século XVII, a construção das sociedades anônimas responde à necessidade da mobilização de grandes capitais e da responsabilidade limitada de todos aqueles que aportam recursos ao empreendimento, para que se viabilizasse a exploração do Novo Mundo. Assim, uma das principais características das sociedades anônimas, encontrada nas Companhias das Índias, vai ao encontro das necessidades econômicas daquela época: Quanto à responsabilidade, ela é plenamente limitada, nenhum acionista respondendo pelas dívidas sociais, mas apenas pelo valor das ações subscritas, ou seja, do numerário aportado ao empreendimento. No século XIX, com o nascimento e a afirmação das companhias ferroviárias – que em pouco tempo conquistaram reputação de segurança e rendimento –, as sociedades anônimas tornam-se mais comuns, prestando-se à mobilização de capitais para o desenvolvimento industrial.24 No quadro brasileiro, o Código de 1850 previa apenas um tipo de sociedade em que todos os sócios eximiam-se da responsabilidade pelas obrigações sociais: a sociedade anônima, que exigia autorização governamental para funcionamento. De resto, sempre ao menos uma parte dos sócios tinha seu patrimônio garantindo as dívidas sociais. Nas sociedades em comandita, os comanditados, pessoas físicas, eram responsáveis solidária e ilimitadamente; somente os comanditários permaneciam obrigados pelo valor de suas quotas. Nas sociedades em nome coletivo, todos os sócios eram ilimitadamente responsáveis. Nas sociedades em conta de participação, os sócios ostensivos são responsáveis perante terceiros pelas obrigações sociais. As sociedades limitadas, criadas no início do século XX, vieram a permitir que empreendimentos de menor porte gozassem do privilégio da total limitação dos riscos pelos partícipes. Assim, dispunha o art. 2.º do Decreto 3.708, de 1919, lentamente na Idade Média. É de notar-se que o princípio ou preocupação da ocultação dos sócios parece não ter surgido sòmente do propósito de restrição e limitação da responsabilidade, mas como decorrência também da prática dos que, impedidos de comerciar, se acobertavam mediante a organização de sociedade com outrem” [Rubens Requião, A preservação da sociedade comercial pela exclusão do sócio, 31]. 24. Mignoli, Idee e problemi nell’evoluzione della company inglese, 53.

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que o título constitutivo poderia “estipular ser limitada a responsabilidade dos sócios à importancia total do capital social”. 6.3.3 Sociedades mercantis e a construção do princípio majoritário Uma das principais questões referentes às associações toca à sua forma de gestão. Havendo divergência quanto aos rumos do empreendimento comum, qual solução será adotada? A quem pertence o direito de decisão? A quem tocará indicar os administradores? Nas sociedades comerciais, a evolução jurídica encontrou solução razoável para esse problema, consolidando o princípio majoritário.25 Nosso Código Comercial de 1850 apartava as sociedades em dois grandes grupos: as “companhias de comércio ou sociedades anônimas” e as “sociedades comerciais”. Uma das diferenças centrais era que as primeiras, ao contrário de todas as outras, não eram passíveis de dissolução pela vontade de apenas um de seus participantes.26 Nas demais, um único sócio, mesmo minoritário, que não concordasse com os destinos do empreendimento, poderia finalizá-lo, nos termos do art. 335, 5.27 Diz-se que esse dispositivo, inspirado na Codificação Napoleônica, tem sua origem no direito romano,28 segundo o qual a quebra do liame entre os sócios determinava a dissolução da sociedade; as obrigações, sendo personalíssimas 25. Para a explicação da evolução histórica do princípio majoritário, indispensável a consulta ao opúsculo de Otto von Gierke, Sulla storia del principio di maggioranza. O mesmo tema foi mais recentemente desenvolvido por Francesco Galgano, La forza del numero e la legge della ragione, 13 e ss. 26. Dispunha o art. 295 do Código Comercial: “As companhias só podem ser dissolvidas: 1. Expirando o prazo da sua duração; 2. Por quebra; e 3. Mostrando-se que a companhia não pode preencher o intuito e fim social”. 27. “Art. 335. As sociedades reputam-se dissolvidas: [...] 5 – Por vontade de um dos sócios, sendo a sociedade celebrada por tempo indeterminado”. Atualmente, o art. 1.033, III, do Código Civil admite a dissolução da sociedade por deliberação da maioria absoluta dos sócios. 28. Francesco Galgano anota que a regra, em Roma, era a unanimidade e não a maioria. Ainda segundo Galgano, “[a] regra de coexistência é a unanimidade, expressa na mássima de Papiniano, a qual impunha que in re communi neminem dominorum iure facere quicquam invito altero posse: se a coisa é comum a mais de um proprietário, nenhum deles pode legitimamente fazer algo contra a vontade de um dos demais” [La forza del numero e la legge della ragione, 56-7]. E complementa: “Outro terreno no qual domina o princípio da unanimidade é aquele da administração da societas,

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e intransmissíveis, não se transferiam a terceiros [quia qui societatem contrahit, certam personam sibi elegit].29 “A dissolução da sociedade tinha por precípua finalidade proporcionar a libertação do sócio de seus compromissos sociais”,30 ainda mais considerando a responsabilidade ilimitada a que estava sujeito. Dessa forma, embora nosso Código Comercial contivesse previsão de governo da sociedade por sócios representando a maioria do capital social,31 atribuía-se grande poder à vontade individual do participante, que poderia pôr fim ao empreendimento ao discordar de sua condução. Esse espírito individualista e contratualista influenciou a interpretação do Decreto 3.708, de 1919, que introduziu as sociedades limitadas entre nós. Para evitar a extinção da sociedade com base no art. 335, V, do Códi­ go Comercial – que, segundo a corrente dominante, seria aplicável às sociedades limitadas32 – a jurisprudência criou o instituto da dissolução

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ou seja, do contrato com o qual as pessoas se empenhavam a desenvolver atividade comum para fim comum” [58]. As informações são de Requião, A preservação da sociedade comercial pela exclusão do sócio, 40-1. Requião, A preservação da sociedade comercial pela exclusão do sócio, 149. “Art. 331. A maioria dos sócios não tem faculdade de entrar em operações diversas das convencionadas no contrato sem o consentimento unânime de todos os sócios. Nos mais casos todos os negócios sociais serão decididos pelo voto da maioria, computado pela forma prescrita no artigo n. 486”. E, por sua vez, o art. 486, in fine, assim dispunha: “Os votos computam-se na proporção dos quinhões; o menor quinhão será contado por um voto; no caso de empate decidirá a sorte, se os sócios não preferirem cometer a decisão a um terceiro”. Sobre a posição jurisprudencial, afirma Cunha Peixoto: “O Supremo Tribunal Federal perfilhou a opinião que considera dissolvida a sociedade por cotas de responsabilidade limitada, desde que seja por tempo indeterminado, por vontade de apenas um sócio”. A explicação da necessidade de aplicação do art. 335, V, às sociedades limitadas posta por Cunha Peixoto foi amplamente acolhida pela jurisprudência: “A sociedade por quotas de responsabilidade limitada [...] é constituída intuitu personae [...]. Não há possibilidade de se pretender perpètuamente um acionista à sociedade de capital, da qual pode retirar-se livremente, sem prejuízo algum, vendendo sua parte na Bôlsa de Valores pelo preço da cotação que é, em geral, seu real valor, devido à concorrência. Ao revés, o mesmo não sucede com as limitadas, visto como, precisando do consentimento da maioria para a transferência da cota, é possível retê-lo para sempre, o que violaria as normas de liberdade pessoal” [A sociedade por cota de responsabilidade limitada, v. II, 35]. Vale referir julgado do Supremo Tribunal Federal que, em julho de 1950, admitiu a dissolução da sociedade limitada por vontade de apenas um de

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parcial, autorizando a retirada do sócio que não desejasse seguir vinculado à sociedade.33-34 Em 1946, decide o Supremo Tribunal Federal, em acórdão de relatoria de Orosimbo Nonato: “A faculdade que a lei encerra não autoriza abusos, uma vez que os direitos não são absolutos e não pode ser exercida proveitosamente se intempestiva ou animada pela má-fé. [...] É exato que o fundamento doutrinário da regra legal [...] o de que não há contratos eternos, especialmente o de sociedade, alicerçado na confiança recíproca – não é poderoso justificar a dissolução da sociedade, senão, apenas, a retirada do sócio. Mas o texto do art. 335, V, é suficientemente claro, e outorga, deveras, a faculdade de que se trata”. Assim, interpretando sistematicamente o contrato, Orosimbo Nonato chega à conclusão de que, havendo previsão da continuação da sociedade com os herdeiros do sócio premorto, o contrato social continha dispositivo que repelia a “convenção de dissolução plena”. O fundamento é sempre o da autonomia da vontade: o princípio geral corporificado no art. 335, V, do Código Comercial “está, como todos os princípios sujeito ao critério superior da relatividade, e pode ceder à vontade contrária dos contratantes”.35 Ou seja, seus sócios, com apoio na lição de Waldemar Ferreira: RE 17.376, rel. Min. Anibal Freire. Voto divergente de Macedo Ludolf. 33. No resumo de Priscila Maria Corrêa da Fonseca: “o certo é que a jurisprudência criou uma nova forma de afastamento do sócio da sociedade, à qual impropriamente denominou também de dissolução parcial. Consiste esta no decreto de retirada do sócio que requereu a dissolução total, porquanto se entende que a vontade unilateral do sócio não deva prevalecer sobre a utilidade social e econômica representada pela empresa. Todavia, neste caso, como ao sócio assiste o direito de pleitear a dissolução total da sociedade, permite-se que este saia da sociedade recebendo os respectivos haveres calculados do mesmo modo como sucederia na hipótese de acolhimento do pedido de dissolução total” [Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio, 66]. 34. Afirmou o Supremo Tribunal Federal em histórico julgado: “Não se afigura razoável, porém, que em virtude da vontade de um dos sócios, seja decretada a dissolução de empresa que se encontra em pleno fastígio, cumprindo seus objetivos, produzindo riquezas e contribuindo para o desenvolvimento da economia interna. Seria odioso reduzir à inatividade de uma sociedade como essa, só porque um dos sócios, embora em razão de desentendimentos sérios e ponderáveis, não mais deseja continuar no grupo” [RE 89.464/SP, rel. para o acórdão Min. Décio Miranda, j. 12.12.1978]. 35. RE 9.929, j. 04.01.1946.

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a dissolução seria total, a menos que as partes houvessem disposto de forma diversa no contrato social. Embora os primeiros acórdãos sobre a dissolução parcial não o indicassem expressamente, acabavam por preservar a empresa [ou o estabelecimento, como se preferia dizer à época]. Outro movimento importante para a consolidação dos princípios que hoje regem as sociedades limitadas diz respeito à alteração do contrato social por sócios representando a maioria do capital, dispensando o consenso. Antes, a doutrina majoritária e muitos acórdãos deixavam claro ser a alteração impossível sem a autorização unânime de todos os participantes.36 De início, entendia-se que naquele “estágio de nossa legislação, para que prevaleça a deliberação representativa do capital majoritário nas alterações contratuais das sociedades por quotas esse critério há de vir expressamente prefixado no próprio contrato; de outra forma, só a unanimidade, valorizadora do intuitu personae, autorizará a inovação”.37 Com o passar do tempo, esse posicionamento foi sendo superado pelos Tribunais. Conforme esclarece Requião em 1956, “os altos interêsses econômicos e sociais que as emprêsas passaram a representar nos tempos modernos provocaram uma reação contra o excessivo individualismo herdado do direito romano, surgindo o princípio preservativo, que aos poucos vai dominando”.38 Passou-se, paulatinamente, a adotar a seguinte diretriz: “[p]ara o arquivamento da alteração do contrato social, por deliberação da maioria dos sócios, não é necessária a assinatura do sócio dissidente”. 39 36. Sobre a doutrina que atesta a impossibilidade de alteração do contrato social pela maioria, cf. Sylvio Marcondes, Ensaio sobre a sociedade de responsabilidade limitada, 156. 37. Apelação Cível 177.979, do antigo Tribunal de Alçada de São Paulo, parcialmente transcrita no RE 89.464/SP, de 1978, reproduzido na RDM 49 [1983], 88-100. 38. A preservação da sociedade comercial pela exclusão do sócio, 41. 39. Superior Tribunal de Justiça, REsp 26.950-0/DF, Rel. Min. Torreão Braz, j. 08.11.1993. Paradigmática foi a decisão proferida no RE 76.710, j. 11.12.1973, tendo sido Rodrigues Alckmin relator para o acórdão. Naquela ocasião, decidiu o Supremo Tribunal Federal que, mesmo sem previsão contratual expressa, era possível a alteração do contrato social pela maioria dos sócios, registrando-se documento do qual não constava a assinatura do dissidente. Vencido o Min. Aliomar Baleeiro, para quem, “se o contrato inicial não previu expressamente que podia ser alterado pela maioria de votos do capital social, não era lícito aos sócios intentá-lo ante a discrepância de um sócio divergente”. A análise desse acórdão é importante ainda para a compreen­

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Firmam-se as seguintes linhas condutoras da disciplina das sociedades limitadas: 40-41 [i] é possível governá-las conforme os desígnios da maioria do capital, sem que paire sobre a empresa a ameaça de dissolução total;42 e são da evolução da nossa jurisprudência no sentido da consagração do princípio majoritário nas limitadas. 40. Em 1994, com a edição da Lei 8.934 [conhecida como “Lei da Junta”] o problema da alteração do contrato social pela maioria do capital social foi definitivamente superado, estabelecendo-se que ela seria possível ainda que não contasse com a concordância de todos os sócios [cf. art. 35, VI, da Lei 8.934, de 1994]. Antes, o art. 6.º da Lei 6.939, de 1981, determinava que a alteração pela maioria somente seria possível se expressamente prevista: “Art. 6.º O cancelamento dos registros ou arquivamento somente poderá ser declarado: I – na alteração contratual, se o instrumento não estiver assinado por todos os sócios, salvo: a] quando o contrato ou estatuto permitir a deliberação de sócios que representam a maioria do capital social; b] no caso de exclusão do sócio do cargo de gerente, por deliberação da maioria do capital social; c] nas demais hipóteses de exclusão de sócio previstas em lei”. No mesmo sentido, dispunha o art. 38 da Lei 4.726, de 1965. 41. Desconsiderando nossa evolução histórica, o Código Civil de 2003 passou a exigir a aprovação de três quartos do capital social para a deliberação sobre determinadas matérias [cf. art. 1.076, I], comprometendo a força que o princípio majoritário há muito tem entre nós. Outra dúvida que paira em relação à nova regulamentação das sociedades limitadas toca à dissolução parcial – questão que, como vimos, encontrava-se resolvida pelo excelente trabalho de nossos Tribunais. Em face do art. 1.077, pergunta-se hoje se apenas nas hipóteses ali previstas [modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra] os sócios descontentes poderiam retirar-se da sociedade. Essa visão modificaria aquela solidificada entre nós, que estabelece a retirada do sócio a qualquer momento da vida da limitada. Quer nos parecer, contudo, que a melhor solução é aquela que honra nossa tradição e interpreta o art. 1.029 a latere do art. 1.077, de forma que ainda se facultaria o recesso ao sócio descontente, sem maiores restrições. A consideração do art. 1.029 estaria autorizada pelo art. 1.053, parágrafo único, que manda aplicar supletivamente a regulamentação das sociedades simples às limitadas. 42. Ainda sobre o princípio da maioria nas limitadas, afirma Cunha Peixoto: “A lei prestigia a maioria durante o funcionamento da sociedade, isto é, enquanto ela se encontra em tôda sua plenitude; uma vez que o sócio se manifestou contrário a seu prosseguimento e houve a dissolução, outros princípios norteiam a matéria. [...] Realmente, a dissolução da sociedade por tempo indeterminado, por vontade exclusiva de um sócio, funda-se no princípio da liberdade humana. Não é possível ao homem alienar sua liberdade por tôda a vida, de sorte que se deve permitir ao sócio libertar-se da sujeição social. O princípio pode, entretanto, ser atenuado em cláusula contratual, permitindo a retirada do sócio, independentemente da dissolução da sociedade. Assim

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[ii] é possível modificar o contrato social mesmo na falta da concordância unânime de todos os sócios. As sociedades anônimas brasileiras, em seus primórdios, não consagravam o princípio da proporcionalidade entre o direito de voto e o capital investido43 – ou seja, sua disciplina não acolhia a máxima “uma ação, um voto”. O Decreto 8.821, de 1882, estabelecia que “[n]os estatutos se determinará [...]o numero de votos que compete a cada accionista em razão do numero de acções que possuir” [art. 71].44 Para Trajano de Miranda Valverde “[ê]sse sistema refletia ainda o pensamento de que sòmente os grandes participantes do capital da companhia deviam decidir dos seus destinos”.45 Na mesma linha dispunha o Decreto 434, de 1891 [art. 141]. O Dec.-lei 2.627 passou a basear a tomada de decisões no princípio majoritário, respeitando a proporcionalidade entre o capital investido em ações e o direito de voto.46-47 Hoje, a distribuição do poder nas sociedades anônimas – inclusive com a atribuição de direitos aos acionistas minoritários – é regulada pela Lei 6.404, de 1976, propiciando elevado grau de segurança jurídica.

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se conciliam os dois interêsses: o do sócio, que não fica durante tôda sua vida ligado à sociedade, e o desta, que não desaparece por vontade da minoria. Se a maioria não deseja o desaparecimento da sociedade, mais razoável é que ela não desapareça” [A sociedade por cota de responsabilidade limitada, v. II, 36-7]. O voto dos acionistas não está previsto no estatuto da Companhia das Índias Ocidentais, de forma que esta não é uma sua característica essencial [conforme transcrição de Joannes de Laet, Historia ou annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Indias Occidentaes desde o seu começo até ao fim do anno de 1636, 7 a 16]. Quanto à East India Company, noticia Galgano que o voto era proferido por cabeça e não pelas quotas do capital [La forza del numero e la legge della ragione, 105]. Transcrito por Conselheiro Orlando, Codigo Commercial do Imperio do Brazil, 1.039 e ss. Sociedade por ações, v. II, 54. Ao comentar o art. 80 do Dec.-lei 2.627, idêntico ao art. 110 da atual Lei 6.404, de 1976, afirma Modesto Carvalhosa: “[c]onstituiu o preceito inovação, na época, na medida em que, seguindo as legislações modernas de então, conferiu a cada ação ordinária um voto, assegurando dessa forma à minoria o exercício de seus direitos de participação nas deliberações coletivas da companhia”. Antes, afirma ainda Carvalhosa, “ao vincular a lei o direito de voto aos lotes de ações possuídos, consagrava o domínio oligárquico da sociedade anônima, na qual somente os grandes detentores do capital poderiam votar” [Comentários à lei de sociedades anônimas, v. IV, 59]. A Lei 6.404, de 1976, previu a possibilidade da emissão de ações preferenciais que, embora em princípio privadas de poder político, teriam vantagens econômicas compensadoras dessa ausência de voz decisiva [cf. art. 17 da Lei 6.404, de 1976].

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Concluindo: atualmente, entre nós, a questão da governança das sociedades comerciais não gera maiores questionamentos. Tanto nas sociedades anônimas, quanto nas limitadas, após longo período de evolução, a disciplina do poder decisório encontra-se consolidada, estando prevista e detalhada no Código Civil [sociedades limitadas] ou na Lei 6.404, de 1976 [sociedades anônimas]. Os tipos societários oferecem, com razoável grau de segurança48 e de previsibilidade jurídicas, solução para a questão da distribuição do poder entre os sócios. 6.4 Os contratos de colaboração não societários. A produção de novos contratos pela praxe No correr da segunda metade do século XX, a forma de fazer negócios alterou-se; contemporaneamente, o desenrolar da atividade de cada empresa liga-se cada vez mais à sua colaboração com outras. Essa interação assume veste jurídica diversa daquelas que eram normalmen­ te empregadas. Ela não se dá apenas por meio dos contratos de sociedade – forma típica de associação entre agentes econômicos, como vimos – e igualmente não se concretiza por meros contratos de intercâmbio. As empresas passam a se valer intensamente de “formas híbridas”; a viabilização jurídica da associação entre agentes econômicos é agora também realizada de novas maneiras, despregadas das fórmulas tradicionais oferecidas pelo ordenamento jurídico para acomodar interesses em empreendimentos comuns. Trata-se de realidade inegável: os empresários, em sua prática diária, trazem à luz contratos que pressupõem esforços conjugados, mas em que as partes, patrimonialmente autônomas, mantêm áleas distintas, embora interdependentes. Nem sociedade, nem intercâmbio, mas uma categoria que se situa entre esses dois polos. Por exemplo, tomemos um fabricante estrangeiro de artefatos de couro de elevado valor agregado, que almeja vender seus produtos no Brasil. Mostra-se pouco eficiente a constituição de filial – ou mesmo de sociedade controlada. Além dos altos custos envolvidos [organização de lojas, decoração, aquisição do ponto, treinamento de pessoal, marketing etc.], o desbravamento do mercado 48. Nem sempre foi assim. Em 1956, Egberto Lacerda Teixeira clamava por maior segurança em relação às sociedades por quotas de responsabilidade limitada: “É necessário libertar as sociedades por quotas da incerteza doutrinária e legislativa em que ela vive, a oscilar, perigosamente, entre a rigidez constrangedora das sociedades solidárias do Código Comercial e a flexibilidade insinuante, porém nem sempre adequada, das sociedades anônimas” [Nota explicativa à obra Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada].

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brasileiro exige conhecimento específico. Esse agente econômico opta pela celebração de contrato de distribuição com empresa brasileira. A primeira série de preocupações tocará à imagem de sua marca: será preciso controlar a atividade da parceira, até mesmo para manter o layout luxuoso das lojas, conforme padrão mundialmente adotado. Dessa necessidade, nascerá feixe específico de obrigações contratuais. A empresa brasileira, sempre seguida de perto pela estrangeira, providenciará a estratégia de mercado, a abertura de lojas, treinamento de pessoal e assim por diante. No contrato de distribuição, acorda-se que o fornecedor venderá por mês ao distribuidor a bolsa modelo D pelo valor de R$ 2.000,00; o preço ao consumidor final será sugerido pelo fabricante. Claramente, as atividades e as áleas da fornecedora e da distribuidora são interdependentes: quanto maiores as vendas ao consumidor final, maiores os proveitos para ambas. No entanto, a fornecedora obtém seu lucro da alienação à distribuidora e esta, por sua vez, das vendas aos consumidores finais. Manter-se-ão apartados seus custos, fontes de receitas, patrimônios e obrigações. Ou seja, as atividades, as áleas, os lucros e os prejuízos de ambas são interdependentes, mas não comuns. Reconhece-se a força do elemento de intercâmbio. Seguindo o exemplo, supomos que, por força da concorrência existente nesse nicho de mercado, as bolsas não possam ser oferecidas aos consumidores finais por valor superior a R$ 4.000,00. A fornecedora procurará vender a bolsa à distribuidora pelo maior valor possível; à brasileira interessará o preço baixo.49 Nessa situação, não bastaria às partes a celebração de um contrato de intercâmbio, porque a realização de várias operações apartadas de compra e venda não satisfaria seus interesses. Igualmente, não lhes seria conveniente a constituição de sociedade, pois perderiam sua autonomia patrimonial e não mais poderiam contratar com terceiros separadamente, por sua conta e risco. Os contratos de colaboração surgem da necessidade de evitar os inconvenientes que adviriam da celebração de uma extensa série de contratos de intercâmbio desconectados [custos de transação] e da fuga da rigidez típica dos esquemas societários [ou hierárquicos]. Retornando à imagem de que nos valemos no início deste capítulo, dispuséssemos as formas jurídicas das relações entre empresas ao longo de uma 49. Isso porque, “[n]a cooperação também encontramos o antagonismo entre as prestações e aspirações das partes” [Luiz Olavo Baptista, Negociação de contratos internacionais de cooperação, 549].

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linha imaginária, teríamos, em um extremo, os contratos de intercâmbio e, no outro, as sociedades. No entremeio, os mais variados tipos de contratos híbridos, que conjugam o elemento de intercâmbio com o de colaboração. Quanto mais próximo o contrato híbrido estiver daquele de intercâmbio, maior o grau de independência das partes e menor a colaboração entre elas. Ao nos deslocamos paulatinamente na direção das sociedades, maior será o grau de estabilidade do vínculo e da colaboração.50 6.5 Principais características dos contratos de colaboração A doutrina se tem descurado dos contratos de colaboração: a literatura a seu respeito é avara. Há referências esparsas ao tema, normalmente ligadas aos contratos de longa duração ou aos contratos-quadro, referidos pela doutrina francesa. Tudo faz crer que, porque no passado a utilização desse tipo de negócio era reduzida, não se costumava dedicar maior atenção a seu estudo.51 Atualmente, reconhecida sua importância, procura-se identificar as razões da celebração52 e os traços caracterizadores dos contratos associativos não 50. A exposição aqui desenvolvida sobre os contratos de colaboração guarda pontos de semelhança com estudos sobre contratos relacionais, contratos-quadro, contratos incompletos e contratos de longa duração [ou contratti di durata]. Ao colocar em relevo o aspecto cooperativo e a incompletude inerentes aos contratos associativos interempresariais, aproveitamos vários elementos destacados por aquelas teorias. Não foram elas expostas aqui, todavia, de forma sistemática. Para tanto, v. Massimiliano Granieri, Il tempo e il contratto, 141 e ss. Importante a consulta a pioneira obra brasileira sobre contratos relacionais, de Ronaldo Porto Macedo Jr., Contratos relacionais e defesa do consumidor. Cf., também, Ian Macneil, Relational contract theory: challenges and queries e Relational contract: what we do and do not know. Coletânea de seus principais artigos pode ser encontrada em The relational theory of contract: selected works of Ian Macneil. Por fim, para a resenha sobre os contratos incompletos, cf. Antonio Fici, Il contratto incompleto e Giuseppe Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto e nell’economia. 51. Massimiliano Granieri indica as seguintes razões para esse ostracismo: [i] ideologia individualista inspiradora do instituto do contrato, exaltando o papel do consenso e impedindo a consideração de valores externos; [ii] assunção da compra e venda como modelo dominante e originário do negócio jurídico e [iii] consideração do contrato como algo instantâneo e fechado, que não produz efeitos externos [Il tempo e il contratto, 55 e ss.]. No entanto, uma das principais razões do pouco interesse doutrinário e jurisprudencial pelos contratos associativos interempresariais é que, outrora, não assumiam a importância de que hoje se revestem. 52. Referindo-se ao fenômeno da associação entre agentes econômicos privados em joint ventures, Luiz Olavo Baptista dá notícia de estudo empírico que constatou serem as

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societários – que chamaremos, simplesmente, de contratos de associação, de colaboração ou colaborativos, em homenagem a um de seus principais elementos. Os contratos colaborativos tendem a se estender no tempo; seu aspecto associativo faz com que a relação deles decorrente não se destine ao esgotamento imediato, como ocorre nos contratos de intercâmbio.53 Costumam, assim, ser celebrados por prazo indeterminado.54 Neles, busca-se mais a disciplina de questões futuras. Ou seja, o negócio não visa a estabelecer apenas regras sobre trocas, mas balizar a relação entre as partes. No instrumento do contrato empregam-se termos amplos, sem significado claramente definido no momento da celebração. Lançam-se as bases para um futuro comportamento colaborativo, indo além do mero estabelecimento de deveres e obrigações específicos. Por fim, como explicado, as áleas das partes são interdependentes, mas não comuns.55 empresas impelidas pelas seguintes motivações: [i] conhecimento do local em que o empreendimento comum deverá desenvolver-se; [ii] reconhecimento de quadros administrativos superiores na contraparte; [iii] especialização em marketing; [iv] acesso ao mercado; [v] contribuições de capital; [vi] acesso a matérias-primas e, finalmente, [vii] capacidade de produção, pesquisa e desenvolvimento [Les joint ventures dans les relations internationales, 421-2, e Uma introdução às joint ventures, 264]. 53. Há contratos de intercâmbio não instantâneos como, por exemplo, aqueles de locação; de qualquer forma, o elemento de troca neles encontra-se presente de forma acentuada. 54. Nos contratos por prazo indeterminado, é lícita a denúncia a qualquer tempo por uma das partes, segundo seu critério de conveniência/oportunidade. No entanto, essa denúncia não poderá ser abusiva; ademais, é assegurada à parte que efetuou “investimentos consideráveis” a concessão de aviso prévio em prazo compatível com esses investimentos [cf. art. 473, parágrafo único, do Código Civil. V., a respeito do tema, Paula A. Forgioni, Contrato de distribuição, 449 e ss.]. Sobre a possibilidade de denuncia unilateral nos contratos por prazo indeterminado, afirmava Luis Gastão Paes de Barros Leães mesmo antes do início da vigência do atual Código Civil: “Se o prazo for indeterminado, qualquer das partes poderá, unilateralmente, e a qualquer tempo, denunciar o Acordo. A resilição unilateral é o meio próprio de dissolvê-los. Se não fosse facultado a qualquer das partes o poder de resilir, seria impossível ao contratante liberar-se do vínculo se o outro não concordasse. A indeterminação do tempo de duração do contrato ocasionaria a perpetuidade do vínculo, muitas vezes com a renúncia definitiva de direitos inalienáveis. Assiste, assim, a cada um dos contratantes o direito potestativo de desvincular-se. A lei presume que as partes não quiseram se obrigar indefinidamente, e, portanto, se reservaram a faculdade de, a todo tempo, dissolver o contrato” [Acordo de acionistas a prazo indeterminado, 1.151]. 55. Desde 1976, o art. 278 da Lei 6.404 prevê a associação entre empresas [i.e., de sociedades] por meio dos consórcios, ou seja, de contratos “para executar determinado

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6.6 A lógica própria aos contratos de colaboração: por que cooperar? Os economistas observaram que, em determinadas situações, as partes tendem a adotar comportamento colaborativo, mostrando-se dispostas a solucionar eventuais divergências56 e a evitar o rompimento contratual. O estudo dos contratos colaborativos deve necessariamente considerar os motivos que levam à não adoção do comportamento oportunista. “[E]m um mundo de egoístas, sob quais condições a cooperação irá emergir?”57, “como e em quais circunstâncias é possível fazer com que o indivíduo, naturalmente e de esponte própria, coopere com seu semelhante”?58 O primeiro desses fatores liga-se à dependência recíproca derivada de investimentos específicos [idiossincráticos] e relevantes feitos por ambas as partes para a realização do contrato – e que não poderão ser alocados para outro negócio [sunk costs].59 Nessa situação, é provável que o oportunismo imediatista dê lugar à atitude colaborativa; as partes têm ciência de que o naufrágio do negócio seria desastroso para ambas.

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empreendimento”. Partindo da interpretação do texto normativo, a doutrina muito discutiu a possibilidade da utilização dessa figura para o desenvolvimento de atividade econômica duradoura, e não apenas para realizar “determinado empreendimento”. Os consórcios situam-se em um dos extremos da linha que sugerimos acima, devendo ser encarados como sociedades; a própria exposição de motivos da Lei Societária define o consórcio como “sociedade entre sociedades”, não personificada. Todas as partes cooperam para o fim comum e, embora não sejam solidariamente responsáveis pelas dívidas e obrigações do consórcio, coincidem as áleas suportadas. Nesse sentido, Luiz Gastão Paes de Barros Leães denomina os “contratos de colaboração empresarial” de “consórcios informais” [Contrato de consórcio, 521]. O estudo sobre a colaboração deve iniciar-se pelas obras de Robert Axelrod, que trazem nova perspectiva para o jurista: The evolution of cooperation, de 1984, e The complexity of cooperation, de 1.997. Essa a pergunta inicial da obra de Robert Axelrod, The evolution of cooperation. A indagação é formulada por Calixto Salomão Filho [Breves acenos para uma análise estruturalista do contrato, 11]. Em seu entendimento, “[o] estudo cuidadoso do dilema do prisioneiro e os modernos estudos sobre a cooperação já permitem chegar a algumas conclusões básicas. Três são as condições mínimas para o sucesso de soluções cooperativas: pequeno número de participantes, existência de informação sobre o comportamento dos demais e existência de relação continuada entre os agentes” [13]. “Interdependência temporal, sob uma ótica econômica, é uma consequência da especificidade dos ativos envolvidos em uma transação, na medida em que a interrupção de uma relação implica custos àqueles que investiram em tais ativos” [Farina et al., Competitividade: mercado, Estado e organizações, 82].

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Advertem Milgrom & Roberts que o comprometimento [commitment] pode ser útil para o sucesso do negócio na medida em que influencia favo­ ravelmente a expectativa de uma parte sobre o comportamento de sua par­ ceira.60 Assim, se A e B investem elevadas quantias no empreendimento comum, uma pode legitimamente supor que a outra se empenhará para o sucesso do negócio. Outra situação em que o oportunismo costuma ser abrandado relaciona-se à “sombra do futuro”. Nos contratos de longa duração, as partes estão cientes de que o comportamento oportunista pode quebrar a confiança entre elas e, assim, gerar perdas futuras. Há uma “expectativa de reciprocidade” ou de “iteração contínua”. A cooperação é mantida porque cada empresa compara o ganho imediato do comportamento oportunista com as possíveis perdas causadas pela deslealdade. “[P]romessas quebradas no presente diminuirão a possibilidade de cooperação no futuro”. “Assim, a iteração incrementa as perspectivas de cooperação encorajando estratégias de reciprocidade”. “[L]ongos horizontes de tempo, iterações frequentes e alta transparência comportamental” encorajam o bom comportamento recíproco.61 Na sempre atual lição de Max Weber sobre fenômeno que normalmente ocorre nas relações estáveis: “It is normally assumed by both partners to an exchange that each will be interested in the future continuation of the exchance relationship, be it with this particular partner or with some other, and that he will adhere to his promises for this reason and avoid at least striking infringements of the rules of good faith and fair dealing […] In so far as that interest exists, ‘honesty is the best policy’”.62 Decorre daí a afirmação de que a quantidade e a qualidade das informações disponíveis sobre as partes podem incentivar a colaboração. Nas palavras de Douglass North: “Normalmente observamos comportamento cooperativo quando os indivíduos interagem repetidamente, possuem boa quantidade de 60. Economics, organization and management, 133. Por um lado, se os investimentos específicos unilaterais costumam levar ao aumento da vulnerabilidade da parte, por outro podem prestar-se a demonstrar a predisposição ao cumprimento da obrigação, incrementando a confiança e facilitando a adaptação do negócio. 61. Robson Antonio Grassi, Williamson e “formas híbridas”: uma proposta de redefinição do debate, 57. 62. Law in economy and society, 194. Segue Weber com a advertência de que “this proposition, however, is by no means universally applicable, and its empirical validity is irregular; naturally, it is highest in the case of rational enterprises with a stable clientele”.

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informações sobre a contraparte, e quando o grupo é composto de reduzido número de indivíduos”.63 Por fim, em mercados nos quais a reputação assume relevância, a estratégia colaborativa pode significar ganhos futuros. Tal como ocorre no caso de “sombra do futuro”, o agente econômico calculará as perdas econômicas que o dano à sua imagem poderá trazer para outros negócios que realizará. 6.7 A visão dos economistas sobre os contratos de colaboração: as formas híbridas “These are exciting times for interdisciplinary social theory”. Essa afirmação de Williamson, feita ao final de um dos mais importantes artigos sobre os contratos de colaboração, reflete o atual estágio da matéria.64 Os estudos dos economistas nos últimos anos revelam-se de singular utilidade para os juristas, pois auxiliam a compreensão e a sistematização da realidade. No que tange aos contratos de colaboração, a visão interdisciplinar é mesmo indispensável. Vimos que, para as empresas, existem basicamente duas principais formas de se obter satisfação de necessidades econômicas: em algumas situações, será mais vantajoso comprar o bem de que necessita, buscando-o no mercado; em outras, pode mostrar-se mais interessante organizar fatores de produção para, como resultado, obter o mesmo bem. A primeira solução [ou, na linguagem econômica, “forma de governança”] é denominada “de mercado”; a segunda, “hierárquica”, pois nela a organização dos fatores de produção goza dos benefícios decorrentes da existência de hierarquia, de comando. Explica-se a afirmação corrente entre os economistas: “[m]arkets and hierarchies are two of the main alternatives”.65 Do ponto de vista jurídico, essa classificação [mercado/hierarquia] equivale à linha hipotética antes exposta, que tem em um de seus extremos os contratos de intercâmbio e, no outro, os de sociedade. A solução “de mercado” 63. No original: “We usually observe cooperative behavior when individuals repeatedly interact, when they have a great deal of information about each other, and when small numbers characterize the group” [Institutions, institutional change and economic performance, 12]. 64. Comparative economic organization – The analysis of discrete structural alternatives, 119. 65. Transaction-cost economics: the governance of contractual relations, 235.

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corresponde à celebração de contrato de intercâmbio; por sua vez, a solução “hierárquica” significa a constituição de sociedade. Williamson aponta que a adaptação dos negócios ao longo do tempo é um dos principais problemas das organizações. A linguagem econômica trata a adaptação como “a capacidade de uma forma de governance de lidar com distúrbios que continuamente surgem entre os agentes que a integram ao longo do tempo”.66 Valendo-nos de terminologia jurídica, diríamos que, diante de novas circunstâncias fáticas, é possível a desestabilização da disciplina do negócio jurídico, ou mesmo sua inadequação ou insuficiência para dirigir a relação das partes, comprometendo o seguimento do negócio. Assim, sua “adaptação ao longo do tempo” é questão que requer tratamento jurídico. Ao adotar a solução “de mercado” [i.e., ao preferir adquirir de terceiro o bem de que necessita], a empresa tem grande liberdade para contratar o que quiser, com quem entender conveniente. É-lhe facultado, sem grandes percalços, substituir um fornecedor pelo outro. O agente econômico pode modificar sua estratégia com relativa rapidez, adaptando-se a novos contextos. Como exemplo, tomemos uma rede de restaurantes que adquire carne de certo fornecedor argentino. Caso o câmbio passe a ser marcadamente desvantajoso para o importador, ou o produto tenha sua qualidade reduzida, poderá simplesmente passar a comprá-lo de outra fazenda, sem enfrentar grandes problemas por causa da mudança. Nas formas hierárquicas [que chamamos “societárias”], essa liberdade de atuação fica arrefecida; os percalços a serem enfrentados para modificação da estratégia são mais acentuados, dificultando sua implementação. Seguindo o exemplo, suponha-se que a rede de restaurantes tenha decidido adquirir a fornecedora argentina, integrando-se verticalmente. Nesse contexto, a modificação de fornecedor não é mais possível – ou é excessivamente custosa. Mas, de outra parte, a solução hierárquica apresenta vantagens decorrentes da possibilidade de comando da organização da atividade produtiva. Ainda no mesmo exemplo, integração vertical possibilitaria à rede de restaurantes o controle direto da qualidade da carne, além da garantia do fornecimento nas entressafras. Dizemos, assim, que as formas híbridas, quando comparadas à solução de mercado, oferecem maior possibilidade de controle da organização; por outro 66. Robson Antonio Grassi, Williamson e “formas híbridas”: uma proposta de redefinição do debate, 46.

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lado, apresentam-se como alternativa mais maleável do que a hierárquica, propiciando ao agente econômico a oportunidade de valer-se rapidamente das oportunidades que surgem no mercado. O grau de autonomia das partes nas formas híbridas é mais acentuado do que nos modelos hierárquicos, porém inferior ao da solução de mercado.67 Na súmula de Williamson: os híbridos encontram-se entre a solução de mercado e a hierárquica no que diz respeito aos incentivos, adaptabilidade e custos burocráticos.68-69 6.8 A tomada de decisão nos contratos de colaboração A tomada de decisões nas sociedades tende a ser menos árdua e custosa do que nos contratos. Regra geral, mostra-se mais simples resolver problemas entre sócios do que entre contratantes, pois, como ressaltamos, a disciplina legal da sociedade regula de forma mais segura a solução de eventuais impasses.70 Para ilustrar essa afirmação, imagine-se situação em que quatro agentes econômicos unem-se para desenvolver certa tecnologia, cada qual respon 67. Williamson, Comparative economic organization, 104. 68. Williamson, Comparative economic organization, 107. 69. Ainda quanto às formas híbridas, “elas realçam a capacidade das firmas de lidarem com distúrbios que os mercados à vista poderiam não ter facilmente, enquanto mantêm os incentivos que a integração pura não tem. Por outro lado, um incremento da frequência dos distúrbios pode inviabilizá-las, levando os agentes a preferirem ou mercados ou hierarquias, que apresentam modos de adaptação para os quais não é necessário o consenso mútuo, que leva tempo para ser alcançado” [Robson Antonio Grassi, Williamson e “formas híbridas”: uma proposta de redefinição do debate, 47]. 70. Daí a afirmação de Williamson no sentido de que a tomada de decisão interna em uma sociedade [que ele chama de “forma hierárquica de governança”] é mais fácil e menos custosa do que aquela típica da forma híbrida [p.ex., contrato de colaboração], que tem a “adaptação bilateral” mais tormentosa. São as seguintes as razões apontadas por Williamson para justificar essa superioridade: “[1] proposals to adapt require less documentation; [2] resolving internal disputes by fiat rather than arbitration saves resources and facilitates timely adaptation; [3] information that is deeply impacted can more easily be accessed and more accurately assessed; [4] internal dispute resolution enjoys the support of informal organization, and [5] internal organization has access to additional incentive instruments – including especially career reward and joint profit sharing – that promote a team orientation” [Comparative economic organization, 104].

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sável por 1/4 das despesas do empreendimento comum. Em determinado momento, divergem quanto aos novos investimentos. Três deles entendem que o objeto da pesquisa deve ser modificado, enquanto o outro coloca-se contrário à alteração. Caso a associação tenha se concretizado por meio de sociedade limitada, a vontade de três sócios será em regra suficiente para a tomada de decisão: o escopo da pesquisa seria modificado e o sócio descontente deveria retirar-se da sociedade ou aceitar a deliberação. No entanto, se os quatro agentes econômicos houvessem celebrado um mero contrato, seria exigido o consenso para a alteração do objeto da pesquisa. O princípio do pacta sunt servanda indica que a parte não pode ser obrigada a aceitar outros termos para o negócio, exigindo sua adesão às novas condições. A obrigatoriedade do consenso para a modificação do negócio coloca diante dos juristas questão crucial: como devem ser organizados os poderes de decisão dentro dos contratos associativos, visando a aumentar as possibilidades de seu sucesso? Nos contratos de intercâmbio inexistem problemas quanto à distribuição dos poderes de decisão, pois as partes mantêm absoluta autonomia. Na outra ponta, em relação às sociedades comerciais, as soluções estão legalmente previstas, como apontamos. Mas, no caso dos híbridos, como solucionar questões referentes à adaptação a novos contextos? Como distribuir o poder de decisão?71 A resposta deverá, necessariamente, levar em conta outra advertência de Williamson: “the hybrid form of organization is not a loose amalgam of market and hierarchy but possesses its own disciplined rationale”. Em suma, cada forma de governança [mercado, híbridos e hierarquia ou, para os juristas, contratos de intercâmbio, de associação e sociedades] possui lógica própria,72 que há de ser considerada na formatação de sua disciplina jurídica. Os contratos de colaboração não podem ser disciplinados como se fossem meros intercâmbios e muito menos receber o tratamento reservado às sociedades. 71. “[H]armonizing interests that would otherwise give way to antagonistic subgoal pursuits appears to be an important governance function” [Williamson, Transaction-cost economics: the governance of contractual relations, 239]. 72. Williamson, Comparative economic organization, 119.

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Uma alternativa que poderia ser apresentada para o impasse seria a disciplina contratual das contingências, estabelecendo-se de antemão a decisão que ambas as partes estariam obrigadas a aceitar. No entanto, a eficácia desse mecanismo é limitada, pois, em sua maioria, os contratos de colaboração são naturalmente incompletos. É do que passamos a tratar. 6.9 A incompletude inerente aos contratos de colaboração Os contratos de colaboração tendem a não prever a disciplina de todos os problemas que podem ser enfrentados pelas partes durante o negócio. Retomando o quanto afirmado nos capítulos anteriores, no momento da celebração é impossível deter todas as informações sobre o negócio e sobre seu contexto, inclusive futuro. Podem ser realizadas previsões, cálculos considerando probabilidades, mas jamais haverá o controle do porvir. “Real people are not omniscient nor perfectly far-sighted”.73 Por isso, muitos contratos, especialmente os complexos, são natural e inexoravelmente incompletos.74 As empresas assumem a incompletude natural dos contratos de associação como risco contra o qual se protegem na medida do possível e do que se apresenta economicamente razoável. Os agentes econômicos desenham seus contratos cientes de que, com toda a probabilidade, eles não serão perfeitamente adequados a todas as circunstâncias futuras; não obstante, procuram moldá-los da melhor maneira.75 Por essas razões, o contrato de colaboração normalmente buscará: [i] a possibilidade de adaptação eficiente às novas necessidades e às circunstâncias futuras; [ii] restringir as chances de inadimplemento; as partes sabem que o processo de execução contratual costuma ser lento e penoso, além de normalmente não garantir compensação adequada aos prejuízos causados pelo descumprimento da avença; 73. “No one could conceivably foresee every eventuality in such a complex environment. Moreover, no human language could possibly be both rich enough and precise enough to describe all the eventualities, even if they could be foreseen” [Milgrom e Roberts, Economics, organization and management, 129]. 74. “All complex contracts are unavoidably incomplete” [Williamson, The mechanisms of governance, 377]. 75. Milgrom e Roberts, Economics, organization and management, 131.

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[iii] gerir da melhor forma possível o risco do oportunismo contratual, especialmente na presença de investimentos idiossincráticos; [iv] acordar mecanismos de gestão de eventos extraordinários que afetem a economia contratual.76 6.10 Questões dogmáticas em aberto: inadimplemento nos contratos de colaboração e culpa recíproca Afirmamos que o direito ainda não desenvolveu instrumental satisfatório para operar os contratos de colaboração, calcando-se a teoria geral nos negócios de intercâmbio. Somente agora a doutrina começa a cogitar da solução para um dos problemas mais comuns da prática dos contratos associativos: as situações de inadimplemento recíproco, em que ambos os participantes não cumprem suas obrigações, ou cumprem-nas com deficiências. Destaca Verdera Server, em lição aplicável ao direito brasileiro, que “não existe nenhuma norma relativa à solução do frequente problema derivado dos chamados inadimplementos recíprocos: falta uma norma específica de caráter geral”.77-78 76. Esses fatores são indicados por Massimiliano Granieri, Il tempo e il contratto, 233-4. 77. “[N]on esiste nessuna norma relativa alla soluzione del frequente problema derivato dai c.d. inadempimenti reciproci: manca uma specifica norma di carattere generale” [Verdera Server, Inadempimento e risoluzione del contratto, 371]. 78. O Supremo Tribunal Federal assim decidiu: “Rescisão de contrato. Contrato bilateral. Obrigações recíprocas. Inadimplência [art. 1.092] do CC. Compensação de culpas. 1. A imputação de inadimplência à contraparte não dispensa da exigência do cumprimento de sua obrigação a quem visa competir o cumprimento da obrigação simultânea e recíproca, conforme o art. 1.092 do CC. 2. Evidenciada a reciprocidade das culpas, na condução do contrato, uma parte não pode tirar vantagem contra a outra, importando em razão da compensação de culpa, rescindir o contrato, restabelecendo o status quo ante”. Neste caso apreciado pelo STF, o construtor não entregou a obra no prazo combinado. Não obstante, declarou o proprietário que, “por mera liberalidade”, considerava a obrigação cumprida e marcava prazo para o recebimento e pagamento. Essa declaração foi tomada pelo STF como responsável pela conduta faltosa da contraparte, nos seguintes termos: “Se tal declaração pode ser responsabilizada, de certo modo, pela conduta faltosa da contraparte no cumprimento de sua obrigação contratual, não a eximiria, entretanto, de fazê-lo devidamente. Tenho, portanto, diante dos fatos, que ambas as partes contribuíram com o seu comportamento para a inadimplência que o Recorrente imputa ao Recorrido, não sendo justo nem jurídico que uma das partes se beneficie da culpa de que partilha e para a qual contribuiu. Assim, dou provimento ao recurso para julgar procedente, em parte, a

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A doutrina tradicional oferece solução apenas para o inadimplemento singular: a parte que não cumpriu sua obrigação não pode pleitear o adimplemento da do outro [cf. art. 476 do Código Civil]. Atualmente, a resposta ao importante problema do inadimplemento recíproco deve ser buscada nos vértices gerais do sistema de direito comercial, tais como: [a] vedação do enriquecimento sem causa; [b] respeito à boa-fé objetiva; [c] proteção da legítima expectativa da outra parte; [d] usos e costumes; [e] vedação de aproveitamento da própria torpeza, de modo que nenhuma das partes pode tirar benefícios de sua culpa.79 Ou seja, a solução dos problemas concretos baseia-se no recurso às cláusulas gerais, com a imprevisibilidade a elas inerente. 6.11 Segue: adimplemento suficiente Nos negócios de colaboração, muitas vezes a parte cumpre sua obrigação, mas não o faz exatamente da forma contratada. Nessas hipóteses, a solução tradicional – como sempre talhada para os contratos de intercâmbio –, aponta para a possibilidade de denúncia pela parte “inocente”, nos termos do art. 475 do Código Civil.80 Entretanto, como é logo de se perceber, a autorização à denúncia pode não se mostrar a solução mais adequada ao enfrentamento dos percalços decorrentes dos contratos de associação, ainda mais quando o interesse do credor mostrar-se em grande parte satisfeito, apesar da falta na prestação. Mais uma rescisória do contrato, reconhecida a reciprocidade das culpas e mandando que as partes voltem ao statu quo ante, conforme se apurar” [RE 93045/SP, j. 08.09.1981, rel. Min. Rafael Mayer]. 79. Diante do inadimplemento recíproco, entende Carvalho de Mendonça, o civilista, que deve haver a compensação da culpa: “É um caso característico da compensação da culpa, em que as duas ações se ilidem e nenhuma das partes pode contra a outra tirar vantagem da culpa que lhes é comum” [Doutrina e prática das obrigações, 328]. 80. Inexplicavelmente, não existe em nosso ordenamento texto normativo análogo ao art. 1.455 do Codice Civile: “Art. 1.455. Importanza dell’inadempimento. Il contratto non si può risolvere se l’inadempimento di una delle parti ha scarsa importanza, avuto riguardo all’interesse dell’altra”.

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vez, a resposta deve ser buscada nos princípios gerais de funcionamento do tráfico mercantil, especialmente na boa-fé objetiva. Na década de 70, Clóvis do Couto e Silva sustentava que a denúncia contratual não poderia ser realizada de forma abusiva e contrária à boa-fé, atracando-se a parte que busca o término da relação a questões de menor importância.81 Atualmente, sua lição reverbera nos escritos de Ruy Rosado de Aguiar: “A extinção do contrato por inadimplemento do devedor somente se justifica quando a mora causa ao credor dano de tal envergadura que não lhe interessa mais o recebimento da prestação devida, pois a economia do contrato está afetada. [...] Usar do inadimplemento parcial e de importância reduzida na economia do contrato para resolver o negócio significa ofensa ao princípio do adimplemento substancial, admitido do Direito e consagrado pela Convenção de Viena de 1980, que regula o comércio internacional. No Brasil, impõe-se como uma exigência da boa-fé objetiva”.82

81. Cf. O princípio da boa-fé no direito brasileiro e português. Na esteira das lições de Clóvis do Couto e Silva, destaca-se toda uma geração de juristas gaúchos hoje capitaneada por Judith Martins-Costa. Em especial, sobre o tema do “adimplemento substancial”, vale referir Anelise Becker, cujo artigo “A doutrina do adimplemento substancial no Direito brasileiro e em perspectiva comparativista” tem servido de referência aos julgadores. Destaque-se a seguinte passagem desse trabalho: “O direito de resolução é um direito formativo extintivo. Seu fundamento está na distribuição da relação de reciprocidade, no rompimento do equilíbrio contratual, que faz com que as partes de um contrato oneroso não mais possam lograr o fim econômico-social por elas visado. O inadimplemento ou o adimplemento inútil são causas de desequilíbrio porque privam uma das partes da contraprestação a que tem direito. Por isso se lhe concede o direito de resolução, como medida preventiva. Mas, para que haja efetivamente um desequilíbrio, algo que pese na reciprocidade das prestações, é necessário que tal inadimplemento seja significativo a ponto de privar substancialmente o credor da prestação a que teria direito – não se pode tratar, portanto, simplesmente de falha secundária, sem reflexo na economia contratual. No caso de adimplemento substancial, há um adimplemento bom o suficiente para satisfazer o interesse do credor, pelo que, não há comprometimento da comutatividade. Haverá, isto sim, com a resolução. Eventuais diferenças serão remediadas através de indenização. Não há falar-se, portanto, em resolução, tampouco em exceção de contrato não cumprido, eis que, nestas circunstâncias, carecem de fundamento” [65]. 82. Voto proferido no REsp 272.739/MG, julgado em 1.º.05.2001 pela 4.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, relatado pelo Min. Ruy Rosado de Aguiar.

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Cumpre dar especial relevo a essa última observação do autor: a denúncia contratual por questões marginais anda contra a boa-fé, de forma que há de ser afastada a solução tradicional no caso do chamado “adimplemento suficiente”, ou seja, em que o interesse do credor resta em grande parte satisfeito, apesar de o cumprimento da obrigação ter-se dado de maneira parcial, e não total. Assim como tem ocorrido na ciência econômica, nos próximos anos os estudiosos do direito deverão debruçar-se sobre os contratos de colaboração, aperfeiçoando a dogmática para dotar esses negócios de maior grau de segurança e de previsibilidade. Para tanto, é preciso reconhecer que contratos complexos são naturalmente incompletos; seu tratamento jurídico há de ser feito de maneira a azeitar o fluxo de relações econômicas no mercado. O contrato de colaboração, acima de tudo, é uma estrutura econômica e jurídica capaz de gerar riquezas.

7 INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS Mercado, causa e função econômica dos negócios. Racionalidade econômica x Racionalidade jurídica Sumário: 7.1 A herança da escola exegética e o desprezo pela interpretação – 7.2 As regras que formatam a atuação das empresas nos contratos. Regras endógenas e exógenas. Prática de mercado e interpretação dos contratos empresariais – 7.3 Ainda sobre as peculiaridades da interpretação dos contratos empresariais. Princípios jurídicos próprios ao direito comercial e formatação do mercado – 7.4 Causa e motivo: a necessidade de uma ótica de mercado. A importância da função econômica – 7.5 Causa como vetor da interpretação contratual. Novamente a função econômica do negócio – 7.6 A racionalidade jurídica do direito comercial e a interpretação dos contratos. Segurança e previsibilidade – 7.7 Racionalidade econômica e racionalidade jurídica – 7.8 A utilidade da racionalidade econômica para a racionalidade jurídica.

7.1 A herança da escola exegética e o desprezo pela interpretação Pouca importância dá-se à interpretação dos negócios empresariais,1 como se a letra do instrumento existisse por si só, e por si só fosse capaz de disciplinar a relação formatada pelos agentes econômicos nos amplos quadrantes da autonomia privada. Uma das possíveis explicações para esse fenômeno está na preponderância, até bem pouco tempo, do movimento tradicional que, a pretexto da obtenção de maior grau de segurança e de previsibilidade jurídicas, relegava a atividade interpretativa à segundo plano. O “intérprete deve ater-se à mera interpretação literal ou remeter-se sempre à ‘interpretação autêntica’ – entendida esta como a dada ao texto pelo legislador”.2 Há de se reservar “ao legislador o papel de único intérprete, negando-se o mesmo aos juízes”. Interpretar não deveria ir além de expor o “verdadeiro sentido de uma lei obscura por defeitos de sua redação, ou duvidosa com relação aos fatos 1. V. Richard Posner, The law and economics of contract interpretation. 2. Cf. Eros Roberto Grau, explicando a “interpretação negativa” e dando notícia de sua superação pela “nova hermenêutica”, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, 66.

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ocorrentes ou silenciosa. Por conseguinte, não” teria “lugar sempre que a lei, em relação aos fatos sujeitos ao seu domínio, é clara e precisa”. Na súmula de Gaudemet sobre a Escola Exegética: “toute solution juridique doit se tirer d’un texte du Code, soit directement, soit par déduction, soit par induction; [...] tout problème de droit se réduit à la recherche de la volonté, expresse ou présumée, du législateur”.3 Gerações influenciadas por Paula Baptista, ainda que o neguem formalmente, ou façam-no inconscientemente,4 seguem reproduzindo as seguintes máximas: – a interpretação deve limitar-se aos “casos acidentais de obscuridade nas leis”. A doutrina que nega esse pressuposto possui natureza “vaga e absoluta”, que “pode fascinar o intérprete, de modo a fazê-lo sair dos limites da interpretação para entrar no domínio da formação do direito”; – o primeiro dos meios de interpretação é o exame da construção do texto segundo as regras da ortografia, da sintaxe, e “do mais que respeita à pureza da linguagem”. Após, “[d]eve-se também recorrer aos diversos sentidos das palavras, o gramatical, jurídico, usual, absoluto ou relativo, exemplificativo ou taxativo, simplesmente enunciativo ou dispositivo etc., conforme o caso exigir, e sempre com o cuidado de dar às palavras a significação que tinham ao tempo em que a lei foi feita. Conseguindo-se, assim, ligar ao texto seu verdadeiro sentido, já não é lícito aventurar-se a outros meios, salvo se servirem de corroborar este mesmo sentido, redobrando sua força e autoridade”; – “[e]m nenhum caso [...] é permitido negar execução ou alterar o sentido de uma lei clara por ser a sua letra rigorosa, dura e desarrazoada, e não se lhe pode atribuir um motivo justo e razoável, porquanto a ignorância dos verdadeiros motivos da lei não fá-la decair de sua força e autoridade, e por muito que o intérprete presuma de si, deverá convencer-se de que, neste caso, a falta é antes sua do que do legislador”;5 – “[f]ica subentendido que, quando a disposição da lei é clara é ilimitada, se não devem fazer distinções arbitrárias, que enervem o seu sentido, e destruam a sua generalidade”.6 3. Eugène Gaudemet, L’interpretation du Code civil en France depuis 1804, 51. Vale, também, considerar o resumo de Fernand Mallieux sobre a doutrina de Laurent [L’exégèse des codes et la nature du raisonnement juridique, 13 e ss.]. 4. Em 1983, Alfredo Buzaid afirmava que o compêndio de Paula Baptista “conserva palpitante atualidade, podendo ser lido e consultado, com real proveito, por juristas, professores, juízes, advogados e membros do Ministério Público” [Apresentação, in Francisco de Paula Baptista, Compêndio de hermenêutica jurídica]. Paula Baptista, Compêndio de hermenêutica jurídica, 37. 5. Paula Baptista, Compêndio de hermenêutica jurídica, 39. 6.

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Compõe ainda esse cenário – cujo principal apanágio é o ostracismo da atividade interpretativa – o fato de apenas recentemente termos nos dado conta de que o regramento jurídico talhado para contratos de intercâmbio [i.e., cujo escopo é estabelecer prestação e contraprestação destinadas a exaurir-se no momento do adimplemento] não basta à disciplina dos contratos de longa duração, cujo foco é o estabelecimento de uma relação duradoura entre as partes, e não somente uma troca imediata. As discussões jurídicas sobre negócios mercantis e sua interpretação gravitam quase que exclusivamente7 em torno dos problemas derivados dos contratos em que o lucro de uma parte significa o prejuízo da outra [“meu lucro é o seu prejuízo”],8 tais como as operações de compra e venda. Mesmo no estrangeiro, não são muitos os trabalhos sobre a interpretação dos contratos empresariais. Nos países de tradição anglo-saxã, o apego ao texto do instrumento constitui forte impulso na exegese dos acordos. Os estudos sobre economia comportamental e economia institucional, desenvolvidos naqueles países, parecem ainda não ter impactado satisfatoriamente a interpretação contratual. Até observações sobre a psicologia das decisões têm chamado mais a atenção do que os mecanismos jurídicos de interpretação.9 Já se disse que, no mundo do Direito, “não há uma única interpretação correta”.10 Todavia, reconhecer que, para cada caso concreto, há uma pluralida 7. Como sempre, a genialidade de Ascarelli faz dele exceção. A análise de suas ponderações sobre os contratos plurilaterais é indispensável [O contrato plurilateral, Problemas das sociedades anônimas e direito comparado]. 8. Na expressão de Jhering, resgatada por Eros Roberto Grau. 9. Como exemplo, v. de Edna Sussman, Arbitrator decision making: unconscious phichological influences and what you can do about them. 10. Eros Roberto Grau, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, 102. Kelsen critica a visão tradicional de que haveria apenas uma interpretação correta em cada caso concreto. Há, na verdade, uma “moldura” estabelecida pelo texto normativo que permite, em seu seio, interpretações em várias direções. “O Direito […] forma […] uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação, pelo que é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou moldura, que preencha esta moldura em qualquer sentido possível. […] Sendo assim, a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solução como sendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que […] têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne Direito positivo no ato do órgão aplicador do Direito. […] A teoria usual da interpretação quer fazer crer que a lei, aplicada ao caso concreto, poderia fornecer, em todas as hipóteses, apenas uma única solução correta [ajustada], e que a ‘justeza’ [correção] jurídico-positiva desta decisão é fundada na própria lei. Configura o processo desta interpretação como se se tratasse tão somente de um ato intelectual de clarificação e de compreensão, como

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de de decisões juridicamente possíveis mostra-se demasiadamente desafiador, especialmente diante da tradição que identifica no processo interpretativo mecanismo capaz de assegurar segurança e de previsibilidade. Ao não trazer uma única resposta adequada, a interpretação carrega consigo insegurança, escancarando fragilidade que, muitas vezes, não se quer ver reconhecida. Isso não justifica que se atire o estudo da interpretação dos contratos empresariais ao ostracismo, como tem sido feito. A dogmática aí está para buscar a coerência sistêmica da interpretação, azeitando a fluência de relações econômicas. O momento da interpretação do contrato não pode ser uma “terra de ninguém”, um “vale tudo” que abre espaço a um pragmatismo caótico ou ao arbítrio do julgador. Respeitados os quadrantes da legalidade e os limites impostos à autonomia privada, aquele que julga não está autorizado a transformar o contrato em algo diferente do que as empresas acordaram. 7.2 As regras que formatam a atuação das empresas nos contratos. Regras endógenas e exógenas. Prática de mercado e interpretação dos contratos empresariais O substrato do sistema de direito comercial é composto por dois tipos de normas, que acabam desaguando na disciplina da atuação das empresas: [i] aquelas originadas dos próprios comerciantes em sua prática e que viabilizam a fluência de relações no mercado, sob a mesma força motriz do nascimento do direito comercial, da nova lex mercatoria11 e dos usos e costumes comerciais; se o órgão aplicador do Direito apenas tivesse que pôr em ação o seu entendimento [razão], mas não a sua vontade, e como se, através de uma pura atividade de intelecção, pudesse realizar-se, entre as possibilidades que se apresentam, uma escolha que correspondesse ao Direito positive, uma escolha correta [justa] no sentido do Direito positivo” [Teoria pura do direito, 366-367]. 11. Ensina José Alexandre Tavares Guerreiro: “somente na corporação medieval se vislumbrou um centro de irradiação normativa, autônomo em relação ao Estado e capaz, por isso mesmo, de diferenciar um setor de atividade nitidamente profissional, vocacionado a atuar acima das limitações políticas, em plano caracteristicamente inter ou supranacional” [Fundamentos da arbitragem do comércio internacional, 89]. Interessante a crítica de Hermes Marcelo Huck sobre os limites da lex mercatoria, que nos faz perceber a força das regras originadas dos Estados sobre aquelas talhadas pelos comerciantes: “As regras do comércio internacional encontram-se sempre vinculadas a um direito nacional. Paralelamente a essa vinculação, deve haver uma aceitação dos princípios desse conjunto de regras pelos próprios direitos nacionais, pois, caso contrário, a ordem pública soberana de cada Estado há de barrar a aplica-

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[ii] aquelas nascidas de autoridades exógenas aos comerciantes que devem introduzir no jogo jurídico a proteção de interesses outros que não apenas aqueles dos mercadores.12-13 A dicotomia que acabamos de destacar é historicamente comprovada.14 Em sua origem, o direito comercial emerge, por volta do século XII, da necessidade prática dos mercadores, para quem o direito romano [que então estava sendo redescoberto] não bastava para [i] atribuir um maior grau de segurança e de previsibilidade às relações comerciais e [ii] proteger a celeridade e outras características peculiares da vida mercantil. Mas, ao mesmo tempo em que os comerciantes gravavam suas normas conforme suas aspirações, as comunas procuravam disciplinar as atividades dos mercadores [e das corporações de ofício] para o resguardo de interesses diversos.15 Os exemplos de regras buscando proteção para os consumidores grassam e podem ser pinçadas dos autores especializados. Citemos a vedação do açambarcamento de mercadorias em Florença, punindo com multas os acordos monopolísticos, e a Ordenança de Messina de Ricardo e Felipe Augusto, no ano de 1190, assegurando que os membros das Cruzadas tivessem pão a um preço não excessivo. Sapori relata várias normas que seriam destinadas ao amparo do consumidor, impostas pela comuna; em Florença, um fiscal, ao fim do dia, cortava a cauda de todos os peixes que haviam sido postos à venda, para que o comprador, no dia seguinte, soubesse que o produto não era fresco. Empregava-se mecanismo das feiras para evitar abusos de preços por parte dos comerciantes, principalmente de gêneros de primeira necessidade, com a ção direta ou indireta desse mesmo conjunto de princípios perante o referido direito nacional” [Sentença estrangeira e lex mercatoria. Horizontes e fronteiras do comércio internacional, 118]. 12. Sobre a tensão existente entre o regramento das corporações e das cidades, v. Calasso, Gli ordinamenti giuridici del rinascimento medievale, 143 e ss. 13. Mais recentemente, os estudos de Schioppa iluminam os limites de autorregulação dos estatutos das corporações. Saggi di storia del diritto commerciale, 29. 14. A propósito, Grossi: “Se è vero che il diritto trova oggi ‘normalmente’ nel legislatore e nella pubblica amministrazione i suoi abituali produttori è pur vero [ed è oggi acquisizione indiscussa] che la produzione del diritto è privilegio esistenziale di ogni agglomerazione sociale che intenda vivere appieno la propria libertà nella storia: dalla struttura maestosa e mostruosa dello Stato a quella di una comunità spazialmente e temporalmente esile si ha il miracolo di quello specifico sociale che è il diritto ogni qual volta la societas si organizza autoordinandosi e unisca al fatto materiale della organizazzione la diffusa coscienza del valore primario ed autonomo dell’ordinamento posto in essere” [L’ordine giuridico medievale, 19]. 15. O que não impediu que, em muitas cidades, as corporações de ofício amalgamassem-se com o poder político, influenciando-o.

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imposição da liquidação da mercadoria antes do final da feira. Os comerciantes eram obrigados a contratar funcionários públicos para efetuar a pesagem de suas mercadorias.16 Algumas cidades chegaram a fixar o lucro máximo que uma determinada categoria profissional poderia obter para “tutela dos consumidores menos abastados”.17 Na Idade Antiga havia normas que tinham por escopo impedir a exploração da população pelos mercadores.18 Crônicas históricas à parte, o fato primordial é que sempre, desde o seu nascimento, a disciplina comercial assumiu esse duplo aspecto: de um lado, temos as normas esculpidas pelos comerciantes, conforme suas necessidades; de outro, as normas que procuram [sem abortar a lógica de funcionamento do mercado] proteger interesses além daqueles dos mercadores, dos comerciantes, das empresas, subjugando o determinismo econômico. Muitas das normas advindas da prática comercial acabam positivadas em textos normativos emanados do poder político, porque é inerente ao direito comercial e ao seu sistema o reconhecimento da força genética da práxis. Esses dois tipos de diretrizes convivem no seio do ordenamento jurídico comercial, formando um só todo organizado, sem contradições ou lacunas, visando a assegurar a fluência das relações econômicas.19 O desprezo da prática como elemento essencial de organização do sistema implicaria a ineficaz obstrução do fluxo de relações do mercado: as avenças comerciais encontram sua razão de existir na atividade dos empresários, porque devem desempenhar determinadas “funções econômicas”. Ou seja, as contratações comerciais obedecem à lógica da função econômica que estão destinadas a desempenhar.20 O texto do contrato empresarial é fruto de uma práxis. “Para viver e para ser compreendido deve retornar à praxe social e a ela remeter-se constantemente”. “A construção de significados se determina e se redetermina incessantemente na praxe, na interação social, nas diversas formas de vida”.21 16. Cf. Clive Day, Historia del comercio, 51. 17. Por isso, Sapori observa a força política das corporações mais poderosas: o lucro médio do comércio de tecidos franceses era da ordem de 12%, sendo certo que o lucro de um padeiro e outros profissionais pertencentes a categorias menores estava bem abaixo desse percentual [Studi di storia economica medievale, 222]. 18. Paula A. Forgioni, Os fundamentos do antitruste, capítulo primeiro. 19. Sobre a coerência e completude do ordenamento jurídico, v. Norberto Bobbio, Teoria generale del diritto, 173 e ss. 20. O art. 187 do CC manda-nos considerar o “fim econômico” do direito assegurado a uma parte para caracterizar seu eventual exercício abusivo. 21. Giuseppe Zaccaria, “Testo giuridico e linguaggi: una prospettiva ermeneutica”, 8.

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Esse talho peculiar da matéria comercial, impregnada da prática de mercado, trouxe consequências teóricas relevantes: [a] a causa do negócio no direito comercial assume importância, porque permite a objetivação do comportamento do comerciante no mercado e, com isso, a possibilidade de seu cálculo pelo outro. A atenção à causa do negócio transforma-se em fator intrinsecamente ligado à proteção da legítima expectativa da outra parte, da chamada boa-fé objetiva e, como quer Roppo, à “gestão de uma economia capitalista”22 ou às “regras de bom funcionamento do mercado”;23 [b] a racionalidade econômica do empresário sempre foi considerada pelo direito comercial e pela jurisprudência. Evita-se a tomada de decisões judiciais que fujam da racionalidade própria do agente, rebatida na boa-fé e na proteção da legítima expectativa. A previsão do standard do homem “ativo e probo”24 nada mais é senão a assunção de uma racionalidade própria aos empresários [socialmente típica] depurada pelo direito [regras cogentes] como um padrão interpretativo; [c] a proteção da eficiência das decisões empresariais é outra fonte em que há muito se fartam os intérpretes autênticos25 e o ordenamento jurídico. A imposição de diretivas que comprometem a segurança e a previsibilidade do mercado sempre causou preocupação, bem como decisões que amarfanhassem a lógica do sistema. Chega-se a importante conclusão: a racionalidade do agente econômico e a busca da eficiência do sistema são fatores de que o direito comercial necessita [e sempre necessitou] para assegurar o funcionamento adequado do mercado e a sua preservação. São aspectos estudados em muitas de suas faces pela ciência econômica, mas que estão presentes na vida do direito comercial. Sua consideração enquanto elemento jurídico passa pela interpretação das avenças, dos direitos e das obrigações comerciais, reanimando conceitos clássicos como boa-fé, proteção da legítima expectativa da outra parte e dando novo fôlego à teoria da causa do negócio jurídico. 22. O contrato, 224. 23. O contrato, 223. 24. A Lei das Sociedades por Ações [Lei 6.404, de 1976] positivou esse princípio de forma expressa em seu art. 153: “O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”. O art. 68, § 1.º, a, impõe o mesmo padrão comportamental para o agente fiduciário dos debenturistas. 25. Usamos a expressão “intérprete autêntico” no sentido que lhe é dado por Kelsen.

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7.3 Ainda sobre as peculiaridades da interpretação dos contratos empresariais. Princípios jurídicos próprios ao direito comercial e formatação do mercado Um ramo autônomo do direito é regido por princípios peculiares; o elemento de distinção é a “peculiaridade de seus princípios jurídicos”.26 Ferrara identificava a existência de “principi direttivi che sono diversi ed opposti rispetto a quelli che valgono per gli stessi rapporti degli altri settori. Il valore dell‘autonomia si manifesta nel campo dell’interpretazione, perchè importa la necessità di anteporre, nell’ambito del settore, il regolamento che si desume dall’analogia e dai principi generali del sistema autonomo, all’applicazione del diritto comune”.27 A moderna teoria da interpretação ensina que os princípios embasam as regras e lhes são hierarquicamente superiores, configurando, pois, todo o sistema. Desempenham papel fundamental na interpretação do direito e dos atos jurídicos: a exegese deve obedecer aos vetores que conformam o ordenamento.28 O direito comercial tem fundamentos próprios, mesmo diante de um código obrigacional único. Há muito, Goldschmidt explicou que o que é uma qualidade no direito civil pode ser um defeito no direito comercial [como a formalidade, por exemplo].29 No auge de sua experiência, Vivante afirmou que o espírito de classe e a lógica da especulação imprimem à atividade comercial um “ímpeto de iniciativa” e uma “refinação de técnica” diversos do direito civil.30 A completa 26. “A explicação da autonomia do direito comercial não está apenas em peculiaridades técnicas necessariamente inerentes à matéria por ele regulada, mas na peculiaridade dos seus princípios jurídicos, acolhidos de início em um âmbito limitado [...], sucessivamente em um âmbito mais vasto” [Problemas das sociedades anônimas, 93]. “Ciò che determina la nascita di un diritto speciale è non già la semplice peculiarità tecnica della materia, ma la novità dei principi giuridici”. “É dunque innanzi tutto sulla specialità dei suoi principi che si si può fondare l’esistenza di un diritto speciale: principi speciali, frutto a loro volta di una speciale mentalità storica e che rimangono speciali fino a che i concetti generali dei quali sono la conseguenza rimangono limitati ad un determinato ambito o almeno agiscono in un determinato ambito con particolare intensità” [La funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto commerciale, 6]. 27. Francesco Ferrara, Gli imprenditori e le società, 8 e, na tradução espanhola, Empresarios y sociedades, 14. 28. Cf. Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988 [interpretação e crítica], 73-120. Do mesmo professor, O direito posto e o direito pressuposto, 46-47. 29. Storia universale del diritto comerciale, 13. 30. “La difesa di classe e lo spirito di speculazione imprimono alla attività commerciale un tale impeto de iniziative e una tale finezza di tecnicismo, che non è possibile di

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unificação não implica, apenas, eliminar o que Fábio Konder Comparato chamou de “duplicidade de normas legais, referente a algumas obrigações privadas”.31 Trata-se de admitir que ambos os sistemas estariam submetidos a idênticos princípios. Em muitos pontos, a eliminação de duplicidade realmente ocorreu com o advento do novo Código. Todavia, o direito comercial não foi sepultado, porque continua existindo, vigoroso, com seus “princípios peculiares”. Essa digressão foi necessária para [re]afirmar que os contratos comerciais obedecem à lógica diversa daqueles civis ou consumeristas, o que influencia sua interpretação.32 Essa peculiaridade decorre da realidade, da prática, dos “usos e costumes da praça”. Qualquer comerciante – e isso é mais do que reconhecido por nosso direito positivo – leva em conta o “padrão de normalidade” do mercado [= prática, usos e costumes] para pautar o seu comportamento, para calcular a jogada da contraparte, diminuindo o fator risco e aumentando a eficiência da sua atuação e do sistema como um todo. A tradicional proteção e o reconhecimento da força normativa dos usos e costumes pelo direito positivo comercial têm esse sentido de possibilitarem o cálculo do futuro e pautarem a atividade conforme a intenção de assunção de determinado risco. 7.4 Causa e motivo: a necessidade de uma ótica de mercado. A importância da função econômica No estudo jurídico dos tipos contratuais, costuma-se desprezar a motivação que levou o agente a celebrar o acordo. Isso porque, tradicionalmente, “[n]o direito comum domina o princípio da irrelevância dos motivos”.33 A explicação desse fato é dada por Serpa Lopes: “os motivos determinantes da vontade de contratar permanecem, em sua maioria, no desconhecimento da outra parte contratante” e a sua consideração prejudicaria “a segurança dinâmica do negócio jurídico”.34 A doutrina distingue os motivos da causa da avença.35 Para Pontes de Miranda, “[c]om a causa [...] não se confundem os motivos, que levam a pessoa affidare all’esame del legislatore civile una simile materia che è in continua evoluzione” [L’autonomia del diritto commerciale e i progetti di riforma, 573]. 31. Fábio Konder Comparato, Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, 246. 32. V. a sempre atual lição de Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, 379 e ss. 33. Alcides Tomasetti Jr., Abuso de poder econômico e abuso de poder contratual, 92. 34. Curso de direito civil, vol. 1, 484. 35. Um dos mais clássicos estudos, sempre mencionado, é o trabalho de Bonfante, publicado na Rivista di Diritto Commerciale, 1.ª parte, de 1908, 115, intitulado Il contratto e

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a praticar o ato. Não se inserem, êsses, no suporte fáctico; ficam aquém, ou além; psicologicamente, subjazem. Isso importa em dizer-se que não entram no mundo jurídico, porque só entrariam se integrassem o suporte jurídico, e não o integram”.36 Nas palavras de Serpa Lopes, o “motivo liga-se ao passado, prende-se às forças internas determinadoras da volição, enquanto que a causa age como elemento integrante do acordo de vontades, ligado ao futuro”.37 Os “motivos íntimos que acionam a vontade das partes”, afirma Orlando Gomes, “são, de regra, irrelevantes, nada tendo a ver com o problema da causa”. À ordem jurídica interessaria o propósito dos contratantes, que somente seria lícito se não tivesse finalidade ilícita ou imoral.38 Junqueira afirma que os motivos, mesmo aqueles determinantes, são, em tese, irrelevantes para o direito, podendo-se falar em um “princípio geral da irrelevância dos motivos”.39 No entanto, hoje muitos autores refutam a separação absoluta entre causa e motivo. Para Guido Alpa, por exemplo, essa segmentação seria uma “mitizzazione”.40 Para Bessone e Roppo, na raiz do pretenso princípio geral da irrelevância dos motivos está o “vício de abstração” que historicamente contamina as teorias do negócio jurídico e mesmo o método dogmático do direito civil. De qualquer forma – e disputas doutrinárias à parte –, é importante observar que os motivos, enquanto permanecem no íntimo do agente e não são objetivados, realmente não assumem maior relevância jurídica, ao menos no campo do direito comercial, uma vez que isso nos levaria a nível insuportável de insegurança e de imprevisibilidade. Quem arriscaria contratar se a contraparte pudesse liberar-se das obrigações assumidas, alegando que, no fim das contas, a avença não correspondeu ao que ela intimamente esperava? Contudo, muitos “motivos” são “objetivos” porque, no torvelinho do mercado, todos os agentes econômicos “ativos e probos” costumam levar em conta certos motivos para realizarem determinados negócios [ou seja, o mercado acaba la causa del contrato, em que sustenta que a causa é o motivo mais próximo, elevado a “motivo giuridico”. Imperiosa a referência ao clássico estudo de Joseph Timbal, De la cause dans les contrats et les obligations en droit romain et en droit français. Etude critique, de 1.882. Mais recentemente, em 2006, Jacques Guestin publicou Cause de l’engagement et validitè du contrat, que tem encontrado grande repercussão. 36. Tratado de direito privado, t. III, 101. 37. Curso de direito civil, vol. 1, 482. 38. Introdução ao direito civil, 329. 39. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 121. 40. Causa e contratto: profili attuali, 267. Sobre a inadequação dessa “drástica contraposição”, Bessone e Roppo, Rischio contrattuale ed autonomia privata, 21 e ss.

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tornando objetivos os motivos juridicamente relevantes]. O motivo acaba relacionando-se intrinsecamente à causa [= função econômica]41 da avença, estudada no capítulo quinto. Por isso, muitos italianos modernos têm se voltado contra o dogma da separação entre causa e motivo. E alguma razão parece lhes assistir.42 Toda construção teórica apoiada na causa do negócio tem origem na doutrina civilista. O principal problema enfrentado diz respeito à inclusão da causa entre os requisitos essenciais do negócio, em especial do contrato. Por exemplo, o Código Civil de 1916 dispunha, em seu art. 90, que “só vicia o ato a falsa causa, quando expressa como razão determinante ou sob forma de condição”. Hoje, o art. 140 do novo Código dispõe que o “falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante”. E, mais adiante, no art. 166, III, fulminará com a nulidade o negócio jurídico em que “o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito”. Orlando Gomes nos conduz pelo resumo de disputa entre teóricos de escol: tratando da teoria da causa, podemos identificar duas escolas principais: causalistas e não causalistas. Estes não atribuem à causa o papel de requisito essencial do negócio jurídico, porque “não pode ser requisito essencial do negócio um elemento que está fora de seu conteúdo”. Os causalistas apartam-se entre os adeptos da teoria subjetiva da causa e da teoria objetiva. A causa subjetiva seria a “razão determinante da vontade de contratar”. Os objetivistas lidam com a significação social do negócio e sua função. A causa é liberada do seu viés psicológico, nada tendo a ver com a motivação subjetiva. Nessa última linha, temos autores como Scognamiglio, Betti e Scialoja. Por todos os brasileiros, a obra de Torquato Castro. Alguns criticam os causalistas, argumentando que confundiram a causa com o conteúdo do negócio. Orlando Gomes rebate essa alegação, apondo 41. Alguns autores preferem referir à causa enquanto fundamento econômico do contrato e não como função econômica. 42. Para Alpa e Bessone: “di regola i motivi sono irrilevanti” por questões de certeza e segurança jurídicas. Mas, os mesmos autores logo advertem que a distinção entre causa e motivo não é tão simples. Devem-se considerar os motivos como “circunstâncias objetivas” e não como razões psicológicas internas e a causa como escopo da manifestação da vontade. Esvaem-se, assim, os limites entre a causa e o motivo. O motivo passa a ser definido como “circunstância objetiva externa” que influencia a repartição dos riscos contratuais e torna-se um instrumento para adequar o resultado do negócio às legítimas expectativas das partes. Temos, então, uma revaloração do motivo e desmentimos o dogma da sua irrelevância [Elementi di diritto privato, 269-272]. Essa linha parece ter sido seguida pelo art. 166, III, do Código Civil de 2002, quando refere-se ao “motivo comum” das partes.

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que o objeto é “a coisa, ou a prestação, sobre que incide o vínculo, enquanto a causa é a finalidade do próprio negócio”.43 Ademais, devemos reconhecer que, “sendo o negócio jurídico o instrumento da vida econômica, o propósito de sua realização tem importância fundamental. [...] Adquire relevo, em consequência, o aspecto funcional, isto é, como esclarece Santoro Passarelli, saber se o interesse que se tende a alcançar é digno de tutela jurídica”.44 Antônio Junqueira de Azevedo adverte que os juristas devem notar o “fim último” do negócio, que assume diversas funções: “a] se ilícito, é por ele que se pode decidir pela nulidade dos negócios jurídicos simulados, fraudulentos etc. [...]; b] se se torna impossível, o negócio deve ser ineficaz; [...] c] é ainda o fim último que explica a pós-eficácia das obrigações; d] serve, finalmente para interpretar corretamente o negócio concreto realizado pelos declarantes”.45 Retornando ao campo do direito comercial, para fins da interpretação dos contratos, a função da causa que nos interessa não é aquela de determinar a licitude ou ilicitude da avença, nem tampouco saber se deve ser incluída entre os requisitos essenciais do ato jurídico. O importante é compreender como a causa do negócio pode pautar a sua interpretação, de acordo com a lógica do sistema de direito comercial [ou conforme os seus princípios peculiares].46 O desprezo do estudo da causa do negócio não se justifica no direito comercial, na medida em que a função econômica do ato mercantil acaba delineando sua análise jurídica, quer no aspecto interno do contrato [que diz respeito à relação jurídica entre os contratantes], quer em seu aspecto externo [efeitos da avença sobre a concorrência]. Essa sempre foi a posição de grandes comercialistas. Por todos, vale lembrar Ascarelli e Vidari. Para o primeiro, causa é a função econômica do negócio e o elo entre o aspecto econômico e aquele jurídico: “A noção de causa do contrato [pouco importando se mencionada ou não mencionada na lei] servirá, por isso, como elemento identificador e classificador dos contratos, o que, por seu turno, servirá para a identificação 43. Introdução ao direito civil, 330. 44. Introdução ao direito civil, 332. 45. Negócio jurídico e declaração negocial – Noções gerais e formação da declaração negocial, 129. 46. É o mesmo Prof. Junqueira que ensina, ao explicar um dos sentidos que a causa pode assumir, qual seja, enquanto função econômico-social: “Nesse significado, a causa é de grande importância, na dogmática jurídica e na política legislativa, para boa compreensão de cada instituto e de cada tipo de negócio, mas, na verdade, pouco influi na validade e eficácia de cada negócio concreto” [Negócio jurídico e declaração negocial – Noções gerais e formação da declaração negocial, 128].

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da disciplina jurídica aplicável; constituirá como traço de união entre o aspecto econômico e o jurídico.”47 Para o segundo: “Ricercare la causa dei contratti, è lo stesso che ricercare la ragione per cui l’uno dei contrenti od ambedue [se il contratto è bilaterale] si determinano ad assumere una data obbligazione.”48 A causa pode servir como elemento da integração contratual, principalmente quando tratamos de contratos atípicos. Para Larenz, a subsunção de um acordo a determinado tipo acaba por determinar a incidência de normas, em caso de necessidade de integração contratual.49 No caso dos contratos atípicos, é bastante razoável que o intérprete valha-se da motivação [intento objetivo] dos agentes ao celebrar a avença para, diante de eventual lacuna, definir as normas integrativas ou a correta interpretação contratual. Ensinava Torquato Castro, “os atos pertencentes ao mesmo tipo têm causa única, constante, uniforme”.50 7.5 Causa como vetor da interpretação contratual. Novamente a função econômica do negócio Na literatura jurídica, a noção de causa gera perplexidades e opiniões divergentes, e muito se discute a conveniência de se atribuir qualquer “significado útil a um termo que continua a parecer perigosamente indeterminado, equívoco e polivalente – quase destinado a permanecer muito vago e misterioso”. “Conceito indecifrável”, “elucubração metafísica” ou “a mais filosófica das palavras”.51 “Conceito pouco seguro”,52 enfim. 47. Panorama do direito comercial, 63-64. 48. Corso di diritto commerciale, vol. 4, 62. 49. “[...] la ley ha previsto para las clases típicas y frecuentes de contratos, y en forma de normas complementarias pero dispositivas – esto es, renunciables por las partes –, regulaciones que ejercen su función siempre que un contrato determinado sea típico, y si las partes no hubiesen dispuesto otra cosa respecto al punto de que se trate” [Derecho civil, 751]. V., sobre tipo e tipificação, Rachel Sztajn, Contrato de sociedade e formas societárias, 9-19; Carlo Bhedusci, Tipicità e diritto, contributo allo studio della razionalità giuridica, e Giorgio de Nova, Il tipo contrattuale. 50. Da causa no contrato, 40. 51. Transcrições de Bessone e Roppo, Volontà dei privati e controlli dell’ordinamento: formazione, contenuto e validità del contratto, 3-4. 52. Michele Giorgianni, Negozi giuridici collegati, 11.

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Nesta altura da nossa exposição, estamos aptos a perceber que, hoje, quando referimos à motivação [intento] do agente [relacionada à racionalidade de sua conduta e à objetivação do mercado] e à causa do negócio, abandonamos o caráter subjetivo de sua intenção. Não é mais possível, no campo das relações econômicas, definir o motivo do negócio como “a razão contingente subjetiva e, por isso mesmo, variável de indivíduo a indivíduo, que leva a pessoa a celebrar um contrato”.53 Estamos tratando, no mínimo, da “intenção comum” das partes, a que se refere Pothier54 ou, valendo-nos das lições de Scognamiglio, da “justificação objetiva do ato de autonomia privada em contraposição às razões subjetivas que o motivaram”.55 Inocêncio Galvão Telles refere-se a “motivo típico”, ou seja, “despojado de quaisquer particularidades ou contingências individuais, comum a todos os que celebram um negócio jurídico de determinada espécie”.56 Esse o “espírito”, a “natureza do contrato”, referido pelo art. 131 do revogado Código Comercial, que continua como pauta de interpretação das avenças empresariais. Torquato Castro, professor catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, em 1966, elucidava: “Há, pois, um ponto comum às vontades das partes, no contrato, ponto êsse que se situa além da perspectiva fracionária das obrigações consideradas isoladamente; além da mera consideração das prestações contratuais ou das atribuições patrimoniais que a parte realiza através dele.”57 53. Henri Capitant, De la causa de las obligaciones, 23. 54. Tratado das obrigações pessoaes e reciprocas, 70. 55. Scognamiglio lembra a distinção entre causa finalis e causa impulsiva, distinguindo entre “la giustificazione obiettiva dell’atto di autonomia privata, alla stregua della valutazione operatane dall’ordinamento, e le ragioni soggettive del suo compimento”, ressaltando que essa distinção é “centrale nella dottrina moderna sul contratto” [Interpretazione del contratto e interessi dei contraenti, 48]. 56. Manual dos contratos em geral, 256. O mesmo autor explica-nos que, no movimento de integração contratual, conforme o disposto no art. 704 do Código Civil português, devem ser consideradas as “consequências usuais” dos contratos e se pergunta: “Por que se manda aí atender às consequências usuais? Porque os sujeitos, conquanto as não tenham mencionado, decerto as quiseram, ou pelo menos as teriam querido, caso as houvessem previsto. Ora, se é assim, por que não considerar também abrangidas no contrato cláusulas que as partes não expressaram, mas que teriam querido se tivessem pensado nelas e na sua possível necessidade? A resposta afirmativa impõe-se, pelo menos todas as vezes que sem a integração da lacuna se torne impossível a execução da declaração de vontade no seu conjunto” [361]. 57. Da causa no contrato, 39. Torquato Castro, buscando mostrar os equívocos que haviam sido cometidos pela doutrina francesa em relação à causa, desenvolve a seguinte tese:

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Não se trata mais de dar relevo a considerações personalíssimas ou contingentes, que o direito deixa exaurir no campo da subjetividade do agente,58 mas de levar em conta o comportamento esperado de um empresário ativo, probo e, principalmente, racional, interagindo com outro no mercado. A intenção do agente econômico [ou do contratante], na moderna teoria jurídica do direito comercial, deixa de ser um elemento endógeno para tornar-se exógeno. Na década de 40, Betti difunde a visão [bastante aceita por nossos tribunais] de que a causa tem a ver com a função que o negócio assume socialmente e não com as motivações internas do agente.59 Este destina-se a regular os interesses individuais dos agentes econômicos, tendo em vista objetivos práticos, socialmente típicos, dotados de constância e normalidade no ambiente considerado60 [no caso do direito comercial, o mercado]. Vista a função de ordenação a causa da obrigação não se confunde com a causa do contrato. A primeira pode até ser individual, mas aquela relevante para o direito é a segunda, quando teremos o encontro das declarações de vontade. O ponto de harmonia das vontades em busca de um objetivo comum é a causa, a função prática, econômica, que o contrato tende a realizar. 58. Calasso, Il negozio giuridico, 106. 59. Nas palavras de Betti: “L’elemento di novità che l’autonomia privata mira ad introdurre nella situazione preesistente, esige una giustificazione oggettiva. Per rendersi conto di tale giustificazione, bisogna passare dalla considerazione statica del negozio alla considerazione dinamica dell’autonomia privata che esso trova lo strumento adeguato ai propri fini. E in tale indagine ocorre portare, apecie nell’ambiente della società moderna, un grado di sensibilità sociale, del quale il vecchio individualismo dei giuristi non aveva sentore. Solo così, esaminata la struttura – forma e contenuto [il come e il che cosa] – del negozio, può riuscire fruttoso indagare la funzione [il perchè]. Tale funzione, che non termine tecnico legittimato dalla tradizione si denomina ‘causa’, ossia la ragione del negozio, si ricollega logicamente a quello che del negozio è il contenuto senza tuttavia identificarsi con esso. Contenuto del negozio è – come si è detto – non già una ‘volontà’ qualunque, vuota e incolore espressione del capriccio individuale, ma un precetto dell’autonomia privata, con cui le parti provvedono a regolare propri interessi nei rapporti fra loro o con terzi, in vista di scopi pratici di carattere tipico, socialmente valutabili per la loro costanza e normalità ricorrente nella vita di relazione. [...] In ogni negozio, analizzato nel suo contenuto, si può distinguere logicamente un regolamento d’interessi nei rapporti privati e, concretata in esso [...] una ragione pratica tipica ad esso immanente, una ‘causa’, un interesse sociale oggettivo e socialmente controllabile, cui esso deve rispondere. Causa, ben s’intende, non già in senso fenomenologico, ma teologico e deontologico, attinente all’esigenza di socialità che presiede alla funzione ordinatrice del diritto” [Teoria generale del negozio giuridico, 170-171]. 60. Maria Helena Brito acentua que a tipicidade social do contrato “supõe a consciência de que os tipos assim criados venham a adquirir validade geral e justifica-se pela

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que o direito desempenha, a causa deve ser entendida como objetiva, porque reflexa de um padrão de constância e normalidade. Quando um agente celebra com outro uma compra, busca o efeito [socialmente típico] de adquirir a propriedade do bem, mediante o pagamento de uma soma; a função econômica do contrato é delimitada e deve ser caracterizada pelos efeitos típicos que dele costumam emanar. Eis a causa, a “spinta” do negócio. Um dos aspectos mais interessantes dessa noção de Betti é o papel fundamental desempenhado pela causa contratual: a causa assume relevância porque socialmente típica, constante e normal. A moderna doutrina italiana empreendeu uma útil sistematização da noção de causa. Guido Alpa, em estudo intitulado Causa e contratto: profili attuali, após reflexão sobre o direito comparado e italiano, explica novamente a distinção, igualmente cara aos franceses, entre causa subjetiva e causa objetiva. A causa é, ao mesmo tempo, “ragione giustificativa dell’atto, funzione economica del negozio, intento pratico delle parti”.61 Essa visão, ao contrário do que poderia parecer, implica dualismo e não “unidade conceitual constitutiva da intenção importância que os tipos em causa revistam na realidade social, atendendo à sua difusão e à função económico-social que desempenham” [O contrato de concessão comercial, 168]. “A tipicidade social, sendo um dado que se impõe à ordem jurídica, é também um instrumento de racionalidade, economia e evolução, porquanto: – facilita a negociação; os operadores económicos não têm a necessidade de, a cada momento, reinventar uma solução jurídica adequada para prosseguir a função económico-social correspondente ao tipo social em causa; – permite a referência simplificada a uma determinada realidade, uma vez que ao contrato socialmente típico é, em regra, atribuída uma designação global; – simplificada a discussão sobre a validade e efeitos jurídicos do contrato em causa, tendo em conta a elaboração, por via doutrinária e jurisprudencial, de uma disciplina própria do tipo social; – prepara a absorção legal de novas realidades; o tipo social tornar-se-á, naturalmente, quando de uma reforma legislativa, tipo legal” [169]. 61. A jurisprudência peninsular parece aceitar, quase como uma obsessão, a ideia betti-ana de causa como “função econômico-social” [Alpa, Causa e contratto: profili attuali, 270]. Alpa menciona o entendimento da Corte de Cassação, em julgado de 1983, para quem “a causa do contrato se identifica com a função econômico-social que o negócio objetivamente persegue e o direito reconhece relevante para os fins da tutela ‘apprestata’”. No resumo desse autor: “a noção de causa como função econômico-social vem entendida geralmente pela jurisprudência como a técnica mais simples para objetivação do contrato e, portanto, para exclusão dos motivos [e das circunstâncias objetivas a que essas se referem] da área dos interesses a serem considerados” [267].

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prática das partes e da função objetiva do negócio”. Ao mesmo tempo, põe em relevo o “programa econômico” das partes e as “circunstâncias pressupostas” ou sobrevenientes que auxiliaram ou dificultaram sua realização. A causa assumiria hoje diversos papéis: [a] atribuir fundamento e relevância jurídica ao contrato; [b] ser critério de interpretação do contrato; [c] ser elemento de qualificação; [d] ser critério de adaptação – para os casos de necessidade de adequação da avença em virtude de um novo contexto que abale o programa econômico das partes. A causa do negócio é indispensável à sua correta compreensão, sistematização e interpretação e não tem ligação com os motivos subjetivos ou egoísticos que levaram o agente à sua prática. Ao contrário, a causa coliga o negócio ao mercado, à praça onde nasce, desenvolve-se e se exaure, permitindo o cálculo do comportamento da outra parte. As “notas de anônima repetição” típicas do mercado [a que se referiu Irti] tornam os negócios cada vez mais “objetivados”, despidos dos interesses individuais das partes. Valemo-nos da sistematização de Bulgarelli62 para deixar vincado que a moderna teoria objetiva conceitua a causa por três formas diversas, todas absolutamente imprescindíveis para o dimensionamento dos contratos comerciais: “1. como função econômico-social do contrato; 2. como resultado jurídico objetivo que os contratantes pretendem ao concluir o contrato; 3. como a razão determinante que impulsiona as partes à celebração do contrato.” 7.6 A racionalidade jurídica do direito comercial e a interpretação dos contratos. Segurança e previsibilidade Há inegavelmente uma racionalidade própria ao direito empresarial que é cultivada, desejada e incentivada pelo sistema, porque mola propulsora da fluência de relações do mercado. Basta pensar que, para fins de diminuição da insegurança e da imprevisibilidade, é preciso que o direito dê guarida ao comportamento legitimamente esperado de um comerciante ativo e probo. Não fosse dessa forma e o sistema não se prestaria à pacificação dos conflitos e a evitar crises. 62. Contratos mercantis, 71.

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De uma forma mais contemporânea, Natalino Irti traz lição para esclarecer essa intrincada questão: como podemos utilizar a função econômica do negócio como pauta para sua interpretação? A vantagem do estabelecimento da relação entre função econômica e interpretação aparece clara: revestir a interpretação contratual de juízo de coerência e previsibilidade [ou calculabilidade, como quer Irti inspirado em Weber] que viabiliza e incrementa o funcionamento do sistema. Para Irti, o mercado é uma ordem. Ordem no sentido de regularidade e previsibilidade de agir: quem entra no mercado tem consciência de que o seu agir [e também o agir do outro] é governado por regras e, nessa medida, os comportamentos são previsíveis. A regularidade, a reiteração de certos comportamentos, permite um cálculo sobre o futuro. “[Q]uel ‘prevedere’ o vedere prima, onde un soggetto confida nell’agire altrui”. A ordem diz respeito não apenas ao passado, mas ao futuro. Os comportamentos, ao se repetirem conforme uma regra, assumem caráter de tipicidade e de uniformidade. A forma de uma ordem é dada por conteúdos típicos, razoavelmente previsíveis e calculáveis pelas partes. Mas a regularidade – a mesma regularidade que constitui a ordem – implica a superação da individualidade. As partes sabem que, estabelecido o vínculo do acordo, as vontades devem orientar-se segundo um princípio geral, mais forte e constante do que os mutáveis interesses individuais.63 Em outro texto, Irti conclui que, nesse esquema, a liberdade [autonomia privada] é sacrificada em prol da segurança, da previsibilidade [ou, literalmente, da “proteção externa”].64 Há uma gama de negócios em que o sistema jurídico considera o intento individual do agente, após ser rebatido no caráter impessoal e mecânico do mercado. Ao contratar, uma parte tem a legítima expectativa de que a outra comportar-se-á de determinada forma. Isso faz com que ambos os agentes econômicos planejem sua jogada de acordo com esse padrão “de mercado”. Não se pode permitir que seja dada ao contrato uma interpretação diversa daquela que pressupõe o comportamento normalmente nele adotado. Isso levaria ao sacrifício da segurança e da previsibilidade jurídicas. De acordo com Max Weber, um dos significados e pressupostos do capitalismo moderno é a “calculable law”. A forma capitalista de organização industrial – porque é racional – deve depender de processo decisório, decisões 63. L’ordine giuridico del mercato, 5-6. 64. Teoria generale del diritto e problema del mercato, 22-23.

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e administração calculáveis, previsíveis.65 Esse sistema dependerá do direito, pois é impossível calcular a jogada do outro agente na ausência de um sistema jurídico racional. Por isso, afirma-se que a segurança e a previsibilidade são fundamentais para a economia de mercado. Deve-se saber de antemão “quais os comportamentos a adotar e quais os efeitos que tais comportamentos podem provocar”66. Cabe esclarecimento: o direito não retira do agente econômico a opção fática de transgredi-lo, embora o ideal fosse a eliminação da prática de atos ilícitos. Não há norma jurídica que possa alterar algumas realidades fáticas apontadas pelos economistas, dentre elas, que o comportamento “adequado” para o direito somente será seguido pelo agente econômico se for compensador, ou seja, se os benefícios trazidos pela prática superarem os prejuízos. A racionalidade jurídica está relacionada à econômica na medida em que o direito parte do comportamento a ser disciplinado. Podemos dizer que um sistema jurídico é “eficiente” quando consegue conformar número tal de comportamentos que garanta a fluência das relações de mercado. Se a conduta desviante acontece, pode-se supor que: [i] a lógica econômica prevaleceu sobre a jurídica e o desestímulo representado pela sanção negativa não foi suficiente para fomentar determinado comportamento. Se esse fato for recorrente, teremos um sistema em crise; e/ou [ii] o agente adotou uma estratégia equivocada e será devidamente sancionado pelo ordenamento jurídico. A sanção negativa poderá culminar com o agravamento da sua situação econômica e até levá-lo à exclusão do sistema [acarretando sua quebra, por exemplo]. Embora não possa alterar a “lógica” econômica, fazendo com que o empresário transforme-se naquilo que não é67 – por exemplo, um agente que não visa ao lucro –, toca ao direito traçar os limites da licitude da sua atuação, determinando os atos desejados e acolhidos pelo sistema jurídico e aqueles que são considerados ilícitos e repelidos. Repise-se: o direito existe para subjugar a lógica econômica, preservando o funcionamento do mercado. 65. General economic history, 277. 66. Maria Manuel Leitão Marques et alii, Manual de introdução ao direito, 38. 67. Mesmo porque o egoísmo do empresário leva à competição e, portanto, vai ao encontro do interesse do sistema econômico como um todo. Sem o “egoísmo” e sem o “oportunismo”, não haveria mercado. Nesse sentido, Williamson: “Strategic considerations now come into play if, rather than frailty of motive, opportunism is the operative condition” [Why law, economics, and organization?]. Necessário é colocar esses elementos sob o controle jurídico, visando à consecução dos fins do sistema.

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A calculabilidade jurídica assume dimensão própria: apanágio da racionalidade jurídica significa a possibilidade de cálculo do resultado [note-se: devemos falar em cálculo ou previsibilidade, e não em certeza. O direito é racional porque garante o processo e não o resultado a ser obtido]. Ou seja, o direito é estruturado com o propósito de possibilitar o cálculo do resultado [Weber] – viabilizando, inclusive, a previsão do comportamento do outro, segundo os parâmetros por ele colocados [Irti]. 7.7 Racionalidade econômica e racionalidade jurídica W. Sombart, analisando o sistema econômico capitalista e diferenciando-o do sistema de produção que lhe antecedeu, pondera que, em substituição à busca da satisfação das necessidades [“Bedarfsdeckung”] e ao tradicionalismo, o capitalismo tem como princípios econômicos dominantes o ganho e a racionalidade [“razionalismo”, na tradução de Luzzatto]. O primeiro manifesta-se porque o escopo imediato da atividade econômica é o aumento de uma quantia inicial de dinheiro; o segundo, a racionalidade, é o esforço de orientar o quanto possível todas as atividades segundo um princípio de finalidade. Nem mesmo entre os economistas há consenso sobre o que seja a “racionalidade econômica”.68 Alguns creem em um egoístico parâmetro de racionalidade [“standard of rationality”]. A teoria econômica predominante nos dias atuais parte do chamado “individualismo metodológico”, ou seja, de que o comportamento econômico global é agregação da tomada de decisões individuais. Tem-se o comportamento individual como ponto de partida e pressupõe-se que encerra uma racionalidade procedimental, isto é, de adequar meios a fins e de ordenar os objetivos dos agentes econômicos de acordo com sua preferência. O agente sempre decidirá pelo resultado que lhe é mais benéfico, em detrimento de outro, que lhe satisfaz em menor grau. De acordo com a economia clássica, o sujeito econômico atua como um hobbesiano, buscando maximizar seus interesses individuais.69 Para exemplificar essa linha de entendimento, vale trazer as lições de Posner.70-71 68. V. estudo de Joanne Schroeder sobre o conceito de racionalidade na doutrina econômica, bem como suas recentes modificações [Economic rationality in law and economics scholarship]. 69. Esse resumo é de Arthur Barrionuevo Filho, em palestras proferidas. Mais recentemente, os pressupostos de racionalidade do agente econômico têm sido contestados pela economia comportamental. V., a respeito, obras de Richard Thaler, Cass Sunstein e Christine Jolls, referidas na bibliografia final. 70. Economic analysis of law, 3 e 4. 71. Paul Milgrom e John Roberts explicam as limitações da assunção da racionalidade pelos economistas [Economics, organization and management, 42 e ss.]. No conceito

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“[t]he task of economics, so defined, is to explore the implications of assuming that man is a rational maximizer of his ends in life, his satisfactions – what we shall call his ‘self-interest’ [...]. Behavior is rational when it conforms to the model of rational choice, whatever the state of mind of the chooser. [...] The concept of man as a rational maximizer of his self-interest implies that people respond to incentives – that if a person’s surroundings change in such a way that he could increase his satisfactions by altering his behavior, he will do so.”72 Muitos autores procuram mostrar que a racionalidade dos agentes não se baseia apenas nos ganhos para o próprio indivíduo, que existem outros objetivos levados em consideração, como o reconhecimento dos semelhantes, capazes de explicar, por exemplo, o altruísmo.73 A racionalidade está ligada a “present-aim standard of rationality”, relacionada não apenas ao objetivo de lucro, mas à eficiência, conforme os escopos pessoais a que cada um se propõe. Avançando um pouco no tempo, a visão neoinstitucionalista da economia, esposada por autores da linha de Williamson e Douglass North, propõe que o individualismo metodológico deva ser temperado pelas instituições, ou seja, pelas regras do jogo. O agente hobbesiano maximiza os seus objetivos sujeitos às restrições colocadas pelas instituições formais [o direito, por exemplo] ou informais [valores culturais, tradições etc.] que definem os custos e os benefíde racionalidade, presume-se que “people learn to make good decisions and that organizations adapt by experimentation and imitation, so that there is at least ‘fossil evidence’ available for testing theories” [43, quando os autores colocam a opinião de Richard Nelson e Sidney Winter]. Para o jurista, é ainda importante conhecer o conceito de “bounded rationality” [racionalidade limitada], explicado por Williamson: “This refers to behavior that is intendedly rational but only limitedly so; it is a condition of limited cognitive competence to receive, store, retrieve, and process information. All complex contracts are unavoidably incomplete because of bounds on rationality” [The mechanisms of governance, 377]. Para a explicação jurídica em língua portuguesa sobre racionalidade limitada, Calixto Salomão Filho, Condutas tendentes à dominação dos mercados – Análise jurídica, 38 e ss. 72. “Most economic analysis consists of tracing out the consequences of assuming that people are more or less rational in their social interactions. In the case of the activities that interest the law, these people may be criminals or prosecutors or parties to accidents or taxpayers [...]” [Values and consequences: an introduction to economic analysis of law. Disponível em: [http://www.law.uchicago.edu/files/files/53.Posner. Values_0.pdf]. Último acesso em abril de 2015]. 73. V. Becker, Altruism, egoism, and genetic fitness: economics and sociobiology, The economic approach to human behavior, 282 e ss.

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cios que advirão de suas ações. É uma discussão em andamento, em que a visão neoinstitucional lentamente é aceita por um maior número de economistas. Outrossim, podemos dizer que, atualmente, para os economistas, a racionalidade do agente econômico está ligada a um comportamento que visa à “maximização do seu proveito [utility] ou do seu lucro [profit]”. A concepção de “maximização do proveito ou do lucro”, não obstante os acesos debates existentes, pode ser encontrada nos escritos da maioria dos economistas.74-75-76 A racionalidade jurídica – que deve necessariamente informar a atividade de interpretação contratual – é diversa da econômica, embora ambas tenham pontos em comum e seja útil sua consideração recíproca. Para o sistema jurídico, a única racionalidade do agente econômico que pode ser levada em conta é aquela que é condicionada pelo direito; essa obrigatoriedade decorre da garantia de pressupostos do funcionamento do sistema. O direito não pode tomar como um dos parâmetros de interpretação ou integração contratual uma racionalidade que não o aceite, ou que faça tábula rasa de seus princípios orientadores. Qualquer agente econômico “ativo e probo” considera o direito na planificação de suas jogadas, para plasmar a estratégia com que atuará no mercado. A atuação do sujeito será moldada pelo sistema jurídico [porque ele será sancionado se infringir a “lei” e, consequentemente, os “princípios conformadores do sistema”]. O direito não pode desprezar os elementos que ele mesmo coloca como fundamentais; não seria funcional nem desejável que o ordenamento deixasse de fazer caso de valores eleitos como primordiais para o seu funcionamento, acolhendo um modelo de racionalidade que repudia. Em síntese: se o homem econômico, afirmava Knight no início do século XX, é aquele que obedece às leis econômicas [“obeys economic laws”],77 devemos dizer que o sujeito de direito é aquele que obedece às normas jurídicas [ou, pelo menos, espera-se que o faça], dentro de uma racionalidade jurídica. 74. Segundo Becker, “now everyone more or less agrees that rational behavior simply implies consistent maximization of a well-ordered function, such as a utility or profit function” [The economic approach to human behavior, 153]. 75. O resumo crítico das opiniões dos principais economistas sobre o conceito de eficiência é feito por Jeanne L. Schroeder, Economic rationality in law and economics scholarship. 76. Maria Rosaria Ferrarese chega a sustentar que o princípio da racionalidade econômica é o deus ex machina e desempenha no mercado um papel análogo ao que a norma fundamental tem no sistema kelseniano. Diritto e mercato, 104. 77. Ethics and economic interpretation, The ethics of competition and others essays, 35.

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A compreensão, sob a perspectiva jurídica, da racionalidade e do funcionamento do mercado obriga o estudo das lições de Max Weber. A produção das normas ou dos textos normativos pode ser irracional, quando não controlada pelo intelecto [por exemplo, aquelas normas ditadas por oráculos]. O processo racional é governado por regras gerais. Uma lei é racional quando, tanto do ângulo material quanto do processual, considera apenas os aspectos não ambíguos dos fatos78 [porque previamente selecionados e previstos]. O pensamento jurídico racional é aquele governado por fundamentos racionais [ou por normas gerais] ou aquele que “não é mágico”. O agir, então, é depurado desses elementos sobrenaturais e passa a ser baseado em dados calculáveis. Essa racionalidade, por sua vez, pode ser formal ou substantiva [material]. A primeira é portadora de uma dimensão extrínseca, ou seja, pode ser percebida pelos sentidos: a aposição de uma assinatura, por exemplo. Desde a Idade Média, sabe-se que quem examina um documento firmado pode supor que o signatário conhecia o seu teor e com ele estava de acordo. A possibilidade de pressuposição trazida pela racionalidade formal serve a um sistema que deve garantir a segurança e a previsibilidade. Ao mesmo tempo, a racionalidade possui dimensão lógica substantiva ou material que se expressa pelo uso de conceitos abstratos, criados pelo pensamento jurídico e concebidos como parte de um sistema completo; os aspectos fáticos relevantes para o direito são selecionados mediante um processo de análise lógica, conforme a previsão de regras gerais.79 A sistematização é possível apenas porque nos valemos desse método abstrato de interpretação, dessa lógica dos significados [i.e., a seleção e a racionalização conforme normas legalmente válidas]. Generalização [= redução dos motivos relevantes da decisão a um ou mais princípios] e sistematização [= coordenação de todos os princípios para a formação de um sistema de regras logicamente claro, sem contradições ou lacunas]80 integram a racionalidade jurídica. A racionalidade [lógica e formal] típica de alguns sistemas jurídicos é resultado dos seguintes fatores:81 [i] cada decisão tomada em determinado caso concreto é a aplicação de uma regra abstrata a uma situação fática; 78. Law in economy and society, 63. 79. O racional contrapõe-se ao irracional, ou seja, não governado por regras gerais [Law in economy and society, 63]. 80. Cf. Rebuffa, Max Weber e la scienza del diritto, 86-87. 81. Cf. Introdução ao Law in economy and society, escrita por Max Rheinstein, xvii-lxiv.

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[ii] cada situação fática concreta terá uma solução conforme a lógica das regras abstratas do direito positivo; [iii] o direito positivo é um sistema sem falhas, apto a dar solução para todos os casos concretos. Explica José Alexandre Tavares Guerreiro que, no sistema weberiano, assume extrema relevância a crença do agente na produção de certo resultado. Por exemplo, acredita-se que o descumprimento de um contrato dará lugar a um específico remédio; é esse acreditar na resposta do sistema para as ações que lhe confere a possibilidade de garantir segurança e previsibilidade. Eis os conceitos cardeais do pensamento weberiano que aproveitamos para conscientemente contrapor a racionalidade econômica à racionalidade jurídica: o sistema jurídico deve garantir segurança e previsibilidade; a racionalidade [jurídica] formal e racionalidade [jurídica] material complementam-se na busca desse propósito. A racionalidade de Weber move o sistema jurídico, sendo, ao mesmo tempo, seu pressuposto e seu resultado. Para Weber, a escolha do que receberá ou não a chancela do direito, ou seja, do que terá ou não execução [validade], será influenciada por diversos grupos de interesses, conforme a estrutura econômica. Em uma economia em expansão, aqueles que têm “interesses de mercado” constituem o grupo mais importante.82-83 A separação entre racionalidade econômica e racionalidade jurídica vai se delineando de forma mais evidente: a economia lida com as possíveis escolhas do agente econômico, dentro de uma ótica de maximização de seu proveito.84-85 “Mentir, enganar, trapacear são ações esperadas se forem do interesse do 82. Law in economy and society, 100. 83. Weber expõe os limites da liberdade nos contratos, move-se dentro da lógica do sistema jurídico que reputa válido aquilo que aceita e inválido aquilo que repele. Essa organização do sistema tem por efeito viabilizar o capitalismo ocidental moderno. Weber é profundamente ligado a uma história do direito comercial continental. Não podemos esquecer que o primeiro trabalho de Weber, sua tese de doutorado [1889], intitulava-se Uma contribuição para a história da organização da empresa medieval [A contribution to the history of medieval business organization, na tradução de Rheinstein ou Zur Geschichte der Handelsgesellschaften im Mittelalter], e que o tema lhe foi sugerido por Goldschmidt, seguramente um dos maiores historiadores do direito comercial que o mundo conheceu. Weber foi professor de direito comercial até o ano de 1894, quando aceitou assumir a cadeira de economia na Universidade de Friburgo. 84. Elizabeth Farina et alii: “Do ponto de vista puramente econômico [e, portanto, aético], a decisão de implementar uma ação oportunista depende de um confronto de

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indivíduo”.86 Para o direito, essa escolha da melhor conduta já foi feita pela lei, que elegeu determinados modelos comportamentais como adequados para a proteção de certos interesses. Um economista pensa que o agente econômico pode ou não proceder de acordo com o parâmetro da boa-fé, ponderando os resultados de uma equação custo/benefício: essa a racionalidade econômica. A única alternativa possível para o direito, nos parâmetros da legalidade, é a atitude conforme a boa-fé [porque, como vimos, ela foi eleita como digna de tutela para fins de funcionamento do sistema]. O comportamento “desviante” será sancionado; a racionalidade jurídica considera a preferência do agente econômico plasmada pelo direito [e pelos interesses que foram entendidos como dignos de tutela]. Atualmente, os exemplos que poderíamos citar são inúmeros. Talvez um dos mais modernos e elucidativos seja o direito do meio ambiente, no contexto explicado pelo Prof. Guido Fernando Silva Soares.87 No início deste século, dominava a “ideia de que o desenvolvimento material das sociedades, tal como potencializado pela Revolução Industrial, era o valor supremo a ser almejado, sem, contudo atentar-se para o fato de que as atividades industriais têm um subproduto altamente nocivo para a natureza e, em consequência, para o próprio homem”. No entanto, a necessidade de proteção do meio ambiente foi sendo sentida e regulamentada nos níveis domésticos e, posteriormente, internacional. Ora, para o empresário, pode ser mais “racional” e “eficiente” [de acordo com a sua lógica econômica] derrubar uma floresta inteira.88 A lógica 85

seus benefícios com seus custos. O primeiro corresponde ao ganho imediato obtido ao se aproveitar lacunas contratuais em benefício próprio, não coletivo. O segundo corresponde ao valor presente dos benefícios conjuntos que seriam gerados no caso de continuidade da relação de confiança entre as partes” [Competitividade: mercado, Estado e organizações, 52]. 85. Cf. Coase, The firm, the market and the law, 2-4. Paradigmáticas as seguintes passagens, que incorporam críticas [ou, no mínimo sugestões] à análise econômica tradicional: “The analysis is held together by the assumption that consumers maximize utility [...] and by the assumption that producers have as their aim to maximize profit or net income. The decisions of consumers and producers are brought into harmony by the theory of exchange. The elaboration of the analysis should not hide from us its essential character: it is an analysis of choice... This preoccupation of economists with the logic of choice, while it may ultimately rejuvenate the study of law, political science, and sociology, has nonetheless had, in my view, serious adverse effects on economics itself”. 86. Elizabeth Farina et alii, Competitividade: mercado, Estado e organizações, 78, explicando o oportunismo. 87. Direito internacional do meio ambiente, 19-21. 88. Ele somente não derrubará a floresta a partir do momento em que, dentro da sua lógica, esse comportamento não for maximizador de resultados [o que pode ocor-

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do direito é outra e esse ato, embora “economicamente racional e eficiente”, não será lícito, não será recebido pelo ordenamento como algo “juridicamente racional ou juridicamente eficiente”. Há escopos outros, não apenas a maximização do profit ou utility, que o direito incorpora ao regulamentar os institutos. A racionalidade jurídica, ainda que tome o objetivo de lucro ou proveito como legítimo89 e desejável no mercado, [i] não traduz visão predatória e oportunística a curto prazo e sim a obtenção de vantagens pelo estabelecimento de um esquema de colaboração; e [ii] leva em conta o respeito aos princípios jurídicos orientadores do sistema. Não se pode supor um mote contrário ao art. 422 do Código Civil, que manda que os contratantes comportem-se conforme os ditames da boa-fé. Uma última observação sobre as diferenças entre a racionalidade jurídica e a racionalidade econômica: é fato que a primeira foi fruto de longo período de evolução, ou, como afirma Julien Freund, “la rationalization du droit fut le résultat d’une oeuvre plutôt discontinue, faite de ruptures, de retards et de détours, suivant les différents domaines de la pensée juridique”.90 Dessa forma, não pode ser identificada com a racionalidade econômica, que despontaria naturalmente do mercado, pressupondo-se sua existência em um sistema capitalista. 7.8 A utilidade da racionalidade econômica para a racionalidade jurídica Deixando preconceitos estéreis de lado,91 é preciso investigar como a racionalidade econômica pode ser empregada para a melhor construção da raciorer se a sanção for desestimulante]. Também Mattei, Monateri e Pardolesi na obra coletiva Il mercato delle regole, Introdução, em especial 11-12: “l’economista non concepisce il diritto come un insieme di precetti [per lo più divieti] accompagnati da una sanzione. Egli lo considera come un insieme di incentivi rivolti ai consorciati. [...] Come in qualsiasi situazioni di mercado, il soggetto avrà aperta la possibilità di comparare il prezzo della disubbidienza al precetto con possibili usi alternativi di quelle risorse”. 89. A racionalidade jurídica está ligada ao que se chama de lucratividade, caracterizadora da atividade dos comerciantes. Mas lucratividade e mesmo a racionalidade não significam apenas obter o maior lucro possível a curto prazo. A cooperação com a contraparte passa, muitas vezes, a assumir papel central nas atividades econômicas, quando vislumbrados objetivos de maior prazo, incluindo o interesse na manutenção da relação. 90. Julien Freund, Études sûr Max Weber, 241. 91. Sobre as críticas à Escola de Chicago, bem como sobre sua utilidade para o jurista, v. Paula A. Forgioni, Análise econômica do direito: paranoia ou mistificação, publicado na Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, v. 139, p. 242-256.

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nalidade jurídica, nos casos concretos que demandem apreciação. Devemos ter presente a afirmação de Eros Roberto Grau de que “[a] economia condiciona o direito, mas o direito condiciona a economia”.92 A relação entre economia e direito não é de forma e conteúdo, como quiseram muitos.93 Apreendendo os “motivos objetivos” que levam ao ato e à necessidade de caracterização da “função econômica do negócio” [causa], assumem grande relevância para o direito os estudos empreendidos pelos economistas e mesmo pelos juristas norte-americanos [que identificam a função econômica de cada espécie contratual]. Com essa base, podemos trabalhar as premissas implícitas do direito, partir da racionalidade econômica para chegar àquela jurídica [temperando-a com as regras e com os princípios jurídicos] e determinar a incidência ou a não incidência de normas. Se todos fôssemos movidos pela mais pura racionalidade econômica, não conseguiríamos explicar o fato de um bombeiro arriscar a vida em um incêndio, ou a mãe que se sacrifica pelos filhos.94 Seríamos incapazes de devolver uma carteira abandonada, socorrer um animal ferido. Todos venderíamos nossos mestres, nossas crenças e nossos princípios por trinta dinheiros. Por isso – afirma Robert Frank de forma jocosa –, não se pode eleger o homo economicus como um padrão comportamental,95 ou uma atitude como a de Judas seria aquela esperada pelo ordenamento. É óbvio que, como dissemos, o direito tem que reconhecer como padrão legal [= homem ativo e probo] algo bastante diverso. No entanto, quando se vai investigar o autor de um crime, o primeiro ponto de que se cogita é quem teria tirado vantagens da morte. Para interpretar [e para legislar], é por vezes necessário entender os comportamentos gerados pela motivação egoística. O mesmo se pode dizer em relação aos efeitos econômicos da regulamentação. Aqui, é inestimável o auxílio que nos traz a consideração da racionalidade econômica.96 92. Direito posto e direito pressuposto, 41. No mesmo sentido, a lição de Max Weber, no comentário de Anthony Kronman, Law and capitalism, 118. 93. V. relatório de Valerio Pescatore, Tullio Ascarelli e Luigi Mengoni, o della forma giuridica e del contenuto economico, Diritto ed economia, 231. 94. Alguns economistas explicam esse fato lembrando que somos animais sociais e, com isso, o reconhecimento que obtemos de nossos semelhantes pode ser incluído entre nossas aspirações. 95. Microeconomics and behavior, 20. 96. Para Fábio Nusdeo: “Direito e economia devem ser vistos, pois, não tanto como duas disciplinas apenas relacionadas, mas como um todo indiviso, uma espécie de verso e reverso da mesma moeda, sendo difícil dizer-se até que ponto o Direito determina a Economia, ou, pelo contrário, esta influi sobre aquele. Existe, isto sim, uma intrincada

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Concluindo: o comportamento é racional, em termos jurídicos, quando viabiliza a fluência das relações de mercado, conforme as regras e os princípios jurídicos [ou seja, de acordo com o direito]. O comportamento é dito racional, do ponto de vista econômico, quando traz a maximização do proveito ou lucro para o agente. Para a interpretação dos negócios, toma-se em consideração uma racionalidade jurídica, que parte da necessidade de conferir ao sistema segurança e previsibilidade. A racionalidade econômica auxilia a compreensão da função econômica da avença [= causa] e dos motivos [intento] dos sujeitos econômicos, primordiais para a interpretação contratual.97

dinâmica de interação recíproca entre ambos, donde tornar-se indispensável para o jurista o conhecimento, pelo menos, de noções básicas de Economia e vice-versa para os economistas” [Curso de economia. Introdução ao direito econômico, 33]. 97. “Em substância, todo negócio é caracterizado por um escopo típico que se destina a realizar e no qual se identifica precisamente a sua causa econômica e jurídica [por exemplo, a troca da coisa pelo preço da venda], mas nada impede, no entanto, seja ele, embora dentro de determinados limites [aqueles que, em substância, resultam dos chamados elementos essenciais de cada negócio], disciplinado pelas partes de modo tal que não só possa realizar, imediatamente, o escopo que lhe é típico, mas também, mediatamente, outros objetivos que até adquirem importância predominante na vontade das partes. Perante a fixidez da finalidade típica de cada negócio, é a variabilidade dos motivos que permite a diversidade de configuração deles, e, por conseguinte, a consecução de finalidades ulteriores” [Ascarelli, Problemas das sociedades anônimas e direito comparado, 107, nota 44].

8 REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS Diretrizes clássicas e normas do Código Civil Sumário: 8.1 Interpretação da lei e interpretação dos contratos empresariais. A racionalidade das regras tradicionais de interpretação – 8.2 O ponto de partida da interpretação dos contratos empresariais: seu instrumento. Instrumento e contrato: 8.2.1 A importância do texto contratual. Muito além do fetiche da palavra; 8.2.2 Texto e contexto. O significado das palavras e a prática dos contratantes – 8.3 As regras clássicas de interpretação dos contratos empresariais inspiradas em Pothier: 8.3.1 Intenção comum das partes; 8.3.2 A revelação da intenção comum das partes e a importância do preâmbulo; 8.3.3 Interpretação pela preservação do contrato e não por sua nulidade; 8.3.4 Natureza do contrato como condicionante da interpretação; 8.3.5 Usos e costumes e interpretação do contrato empresarial; 8.3.6 Usos e costumes e integração do contrato empresarial; 8.3.7 Coerência e harmonia das cláusulas contratuais; 8.3.8 Intepretação contra o estipulante e a favor do devedor; 8.3.9 As partes somente se vinculam àquilo que contrataram; 8.3.10 Referência à universalidade de coisas inclui todos os seus componentes; 8.3.11 Exemplos não excluem outros casos não referidos. O plural inclui o singular. O que está no fim da frase refere-se a toda ela – 8.4 Diretivas gerais dos contratos empresariais inspiradas no art. 131 do Código Comercial. Intenção comum das partes como norte interpretativo, comportamento concludente, boa-fé objetiva, força normativa dos usos e costumes e interpretação a favor do devedor: 8.4.1 A importância do comportamento posterior das partes como pauta interpretativa – 8.5. Regras de interpretação dos contratos comerciais explicitadas por Cairu. Padrão do comerciante ativo e probo, relevância do estilo mercantil e dos usos e costumes; 8.5.1 “Quem percebe o cômodo, não deve recusar o incômodo”; 8.5.2 “Não pode pretender lucro quem não concorreu para algum negócio com fundo, industrial, ordem, ou risco” – 8.6. As regras de interpretação dos negócios empresariais no Código Civil: 8.6.1 Art. 113. Interpretação e boa-fé objetiva; 8.6.2 Art. 112. Intenção das partes e vontade objetiva; 8.6.3 Art. 423. Interpretação a favor do devedor; 8.6.4 Art. 421. Função social do contrato; 8.6.5 Art. 114. Interpretação restritiva dos negócios benéficos e da renúncia. Interpretação restritiva da exceção; 8.6.6 Art. 157. Lesão/tendência de proteção à parte mais fraca – 8.7 As presunções na interpretação dos negócios entre empresas.

8.1 Interpretação da lei e interpretação dos contratos empresariais. A racionalidade das regras tradicionais de interpretação Se o direito é um sistema, as regras do ordenamento jurídico mantêm necessariamente, entre si, relação de compatibilidade, que repele antinomias.1 1. Bobbio, Teoria generale del diritto, 208.

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Assim não fosse e o direito veria comprometida sua função de ordenação da sociedade e deixaria os destinatários das normas sem sinalização sobre o que pode e o que não pode ser feito. O repúdio às contradições veio lapidado ao longo dos séculos. Regras foram construídas para que o direito, ao fim e ao cabo, tornasse-se imune a esse fator de instabilidade. Deve existir, sempre, resposta jurídica às situações de conflito e o julgador está adstrito a proferir uma decisão, ainda que passível de reforma. Para a estabilidade do sistema, o importante é a crença na racionalidade jurídica [Weber]. O agente econômico precisa crer [= ter confiança] no direito. É compreensível que um dos principais escopos da interpretação repouse na necessidade de eliminação das antinomias – missão a ser desempenhada com o auxílio de meios hermenêuticos. Daí a colocação de algumas regras técnicas, que atribuem a necessária coerência ao sistema. Solidificam-se as máximas de que o ordenamento jurídico é um todo completo e um todo ordenado.2-3 Mais recentemente, o desenvolvimento da teoria dos princípios deixou clara a existência de normas basilares, que formatam o sistema jurídico. Sem entrar nas discussões sobre os abusos que têm sido cometidos e a chamada “farra dos princípios”,4 é fato que o próprio sistema contém normas fortes que empuxam a interpretação. Essa lógica de coerência replica-se na interpretação dos contratos empresariais. O julgador, seja ele árbitro ou juiz togado, vê-se premido pela necessidade de proferir uma decisão, tendo diante de si o texto do instrumento firmado pelas partes. Esse o seu ponto de partida. Em caso de aparente antinomia entre as regras postas pelos agentes econômicos, aqui o intérprete deverá lançar mão de técnicas para solucioná-las, alcançando a harmonia da disciplina do negócio. Presume-se que [i] o negócio empresarial é um todo ordenado, por mais confusos ou caóticos que sejam os seus termos e que [ii] o direito que o rege é coerente. O processo de interpretação de um negócio empresarial é racional e se constrói a partir de sua função econômica, ou da intenção comum das partes. 2. Bobbio, Teoria generale del diritto, 210. 3. As regras fundamentais para a solução das antinomias são três: [i] critério cronológico; [ii] critério hierárquico e [iii] critério da especialidade. 4. Na feliz expressão de Ronaldo Porto Macedo Jr., “Interpretação da boa-fé nos contratos brasileiros: os princípios jurídicos em uma abordagem relacional [contra a euforia principiológica]”.

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Os princípios que orientam a interpretação dos contratos na economia capitalista constam, em grande parte, da Constituição e dos Códigos. Outros deduzem-se tradicionalmente a partir deles, com a doutrina e a jurisprudência dando-lhes maior concreção. Muitos desses gabaritos consolidaram-se em máximas de interpretação, diretrizes que são “shortcuts”, “thumb rules”, atalhos de raciocínio ou “comprimidos de ideias jurídicas”, na dicção de Carlos Maximiliano. Permitem reduzir a complexidade da análise e propor solução para o problema hermenêutico que se apresenta. O que se fará neste capítulo é uma tentativa de compilação dos mais empregados desses vetores interpretativos na prática dos contratos empresariais de hoje. 8.2 O ponto de partida da interpretação dos contratos empresariais: seu instrumento. Instrumento e contrato Instrumento e contrato não se confundem. Instrumento é a base física, o acordo reduzido a escrito em um suporte material, um conjunto de proposições expressas em certa língua que, em determinado momento, contou com a aquiescência das partes. Por mais que a informática esteja presente em nossos dias, negócios complexos ainda são reduzidos a escrito em papel e firmados pelas partes e por duas testemunhas, até mesmo para facilitar eventual prova e execução das obrigações assumidas. Não se “firma” um contrato, mas seu instrumento. Igualmente, não se “celebra” o instrumento, mas o contrato. 8.2.1 A importância do texto contratual. Muito além do fetiche da palavra Voltando ao que observamos no capítulo terceiro, sobre a formação dos contratos empresariais, normalmente, para que a parte obrigue-se, não é necessária a assinatura de qualquer documento. O princípio é o da liberdade de formas, estatuído no art. 107 do Código Civil: “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”. Por que, então, tantos negócios são reduzidos a escrito, rubricados, datados, assinados e têm firmas reconhecidas? A resposta é simples: porque a letra do instrumento contratual faz surgir presunção do que foi efetivamente ajustado pelas partes. Na medida em que o documento é um “resíduo de uma obra do passado”, uma memória de algo já ocorrido,5 constitui meio de prova, 5. Natalino Irti, Sul concetto giuridico di documento, 246.

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indicando aquilo que restou acordado no momento da vinculação. Advertia Cairu: “Ainda que a simples palavra e honra, seja a cousa mais sagrada no Commércio, e o timbre, e brazão dos Commerciantes, e se farão em Praça muitas transacções do maior porte só ajustadas de palavra, que não se podem com decência distratar; todavia convém que se reduzão logo a escripto, para prevenir dúvidas, e poder apresentar-se titulo ao Juiz, sendo necessário”.6 O documento é a “rappresentazione materiale destinata ed idonea a riprodurre una data manifestazione del pensiero”7 e sua função ata-se precipuamente à prova do avençado entre as partes. A assinatura faz presumir [i] a autoria do documento e [ii] o conhecimento de seu conteúdo pelo signatário.8 Dispõem o art. 219, caput, do Código Civil que “[a]s declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários”9 e o art. 221 do mesmo Código que “O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor [...]”. O art. 412, caput, do Código de Processo Civil de 2015 estatui que “O documento particular de cuja autenticidade não se duvida prova que o seu autor fez a declaração que lhe é atribuída”. O fato de o instrumento ser forte indício da intenção comum das partes no momento de sua assinatura não significa ser impossível que as empresas tenham acertado coisa diversa ou que seu escopo tenha sido outro. Embora raro isso pode ocorrer e deverá ser considerado pelo intérprete, nos termos do art. 112 do Código Civil. Contudo, diante do pressuposto de racionalidade do agente econômico, a derrocada da presunção de que ele concordou com aquilo que assinou não é tarefa simples. Enganos acontecem, mas hão de ser comprovados cabalmente para autorizar a desconsideração da palavra escrita. A regra geral é que o instrumento firmado constitui prova forte da intenção comum das partes; para derrubá-la, não bastam meras especulações sobre o que as partes teriam almejado. No direito empresarial, deve-se atribuir àquele que assinou um documento as decorrências de não ter se expressado melhor e o ônus da prova de 6. Princípios de direito mercantil, Tratado V, 1. Giuseppe Chiovenda, Istituzioni di diritto processuale civile, v. II, 456. Para Santoro 7. -Passarelli, documentos são “cose rappresentative di un fatto giuridicamente rilevante” [Dottrine generali del diritto civile, 45]. Moacyr Amaral Santos, Prova judiciária no cível e comercial, v. IV, 39. 8. 9. A questão também é regulada pelo Código de Processo Civil de 2015: “Art. 408. As declarações constantes do documento particular escrito e assinado ou somente assinado presumem-se verdadeiras em relação ao signatário [...]”.

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que algo diverso teria sido contratado por ambas as partes. No momento da contratação, uma empresa não está obrigada a adivinhar ou a deduzir o que a outra acredita estar contratando.10 Isso traria para o mercado um nível de insegurança insuportável. O valor objetivo, dado pela prática e pelos usos e costumes, sobrepõe-se ao subjetivismo individualista e, por isso, a prova corporificada no instrumento firmado assume grande relevância. Diante de alguns exageros que têm sido cometidos, é preciso repisar que o texto contratual não pode ser atirado ao lixo, como se não existisse ou como se o art. 112 do Código Civil autorizasse o intérprete a tanto.11 No mais das vezes, o instrumento constitui o mais importante e seguro elemento de que dispõe o julgador para resolver questões que se levantam durante a vida do contrato. É preciso “respeitar o texto” como apontado pela doutrina italiana.12 “Non limitarsi al senso letterale delle parole non vuol dire che è consentito attribuire alla dichiarazione, in base ai dati extratestuali, un significato privo di congruenza col testo”.13 Se a intenção [comum] das partes é o norte interpretativo, o instrumento contratual – ainda mais quando resultado de intenso processo de barganha, redigido por especialistas e brindado com as presunções insculpidas nos dispositivos legais citados –, faz concluir qual a vontade que ambas tiveram no momento da celebração do negócio.14 O art. 112 “não 10. Não é o caso de recolocar o debate que, no passado, tanto ocupou a doutrina civilista, dividida entre os defensores da prevalência da “intenção” e da “declaração” no momento interpretativo do negócio jurídico, e que será adiante referida. Para o direito comercial, não importa a intenção individual de cada uma das empresas ao contratar, mas sua intenção comum, objetivada pelo mercado. 11. O STJ, ao comentar o art. 112, deixou vincado que “o intérprete deve partir das declarações externadas para alcançar, na medida do possível, a manifestação desejada, sem conferir relevância, dessa forma, à vontade omitida na declaração” [REsp 1.013.976-SP, j. 17.05.2012, rel. Min. Luis Felipe Salomão]. 12. Segue Natalino Irti: “Le parole usate delle parti, formano il texto dell´accordo: esse tracciano l´orizzonte, entro cui rifluiscono i risultati di ogni altra indagine” [Testo e contesto, 14]. 13. Luigi Mengoni, Interpretazione del negozio e teoria del linguaggio [note sull´ articolo 625 C.C.]. 14. Há muito, advertiu Pontes de Miranda em citação que se tornou célebre, ao glosar o art. 85, do Código Civil de 1916: “‘Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem’. A regra jurídica de interpretação que se edicta no art. 85 impõe que se veja, através do sentido literal, a intenção ou propósito do manifestante da vontade. De modo nenhum se disse que o sentido literal é sem importância, ou que se poderia buscar a intenção para se entender algo diferente do que

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permite que se tenham as palavras como não empregadas, ou alguma delas por palavra não escrita”.15 8.2.2 Texto e contexto. O significado das palavras e a prática dos contratantes As palavras do instrumento devem ser entendidas como os comerciantes empregam-nas, até mesmo por força do art. 113 do Código Civil: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme [...] os usos do lugar de sua celebração”. O sentido a ser dado à linguagem é aquele correspondente à prática de mercado. “As partes empregam expressões próprias à sua linguagem, muitas vezes imprecisa, não técnica, criada do patrimônio cultural individual, do ambiente, da praxe e assim por diante”. A regra é sempre a mesma: “aquilo que se deve indagar não é a intenção individual, subjetiva e isolada, mas a comum intenção e, portanto, deve-se levar em conta como a outra parte compreendeu, ou deveria ter compreendido, o sinal linguístico [dando relevo à sua confiança]”.16-17 8.3 As regras clássicas de interpretação dos contratos empresariais inspiradas em Pothier No Brasil, a evolução das regras de interpretação contratual seguiu estrada que vai da sistematização de Pothier18 – editada em 1.761 e traduzida para a foi dito; apenas se explicitou que a intenção há de servir, ao lado, ou, até, afastando o sentido literal, na interpretação da vontade manifestada. [...] Objeto da interpretação não é a vontade interior, que o figurante teria podido manifestar, mas sim a manifestação de vontade, no que ela revela da vontade verdadeira do manifestante. É preciso que o querido esteja na manifestação; o que não foi manifestado não entra no mundo jurídico; o simples propósito, que se não manifestou, não pode servir para a interpretação. A vontade, ainda que buscada segundo o art. 85, há de estar dentro, não fora, nem, com maioria de razão, contra o que se manifestou. A descida em profundidade é dentro das raias do manifestado” [Tratado de direito privado, t. 3, 333-334]. 15. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. 3, 334, a pretexto de comentar o art. 85 do código antigo. 16. Guido Alpa, Interpretazione del contratto, 96. 17. “The meaning of the document is what the parties using those words against the relevant background would reasonably have been understood to mean” [Catherine Mitchell, Interpretation of contracts, 40]. 18. Sobre as influências sofridas por Pothier, inclusive do direito romano, v. Menezes Cordeiro, Da boa-fé no direito civil, p. 242 e ss. Também Guido Alpa, Interpretazione del contratto, 1.

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língua portuguesa em 1.835 por Corrêa Telles – passando por Cairu,19 pelo Código de Napoleão20 e desembocando no Código Comercial de 1850, especialmente em seus artigos 131 e 133.21 Obrigatória a referência à compilação 19. Há, aqui, evidente “corte” histórico, porque muito do art. 131 está no Digesto e nas Ordenações, conforme o estudo do Conselheiro Orlando [Codigo commercial do Imperio do Brazil, 84 e ss.]. 20. In verbis: “Section 5: De l’interprétation des conventions. Article 1.156: On doit dans les conventions rechercher quelle a été la commune intention des parties contractantes, plutôt que de s’arrêter au sens littéral des termes. Article 1.157: Lorsqu’une clause est susceptible de deux sens, on doit plutôt l’entendre dans celui avec lequel elle peut avoir quelque effet, que dans le sens avec lequel elle n’en pourrait produire aucun. Article 1.158: Les termes susceptibles de deux sens doivent être pris dans le sens qui convient le plus à la matière du contrat. Article 1.159: Ce qui est ambigu s’interprète par ce qui est d’usage dans le pays où le contrat est passé. Article 1.160: On doit suppléer dans le contrat les clauses qui y sont d’usage, quoiqu’elles n’y soient pas exprimées. Article 1.161: Toutes les clauses des conventions s’interprètent les unes par les autres, en donnant à chacune le sens qui résulte de l’acte entier. Article 1.162: Dans le doute, la convention s’interprète contre celui qui a stipulé et en faveur de celui qui a contracté l’obligation. Article 1.163: Quelque généraux que soient les termes dans lesquels une convention est conçue, elle ne comprend que les choses sur lesquelles il paraît que les parties se sont proposés de contracter. Article 1.164: Lorsque dans un contrat on a exprimé un cas pour l’explication de l’obligation, on n’est pas censé avoir voulu par là restreindre l’étendue que l’engagement reçoit de droit aux cas non exprimés. 21. E também nos arts. 1.362 a 1.371 do Codice Civile. Vale reproduzir, mesmo que extensas, as regras positivadas no diploma italiano: “Dell’interpretazione del contratto. Art. 1.362. Intenzione dei contraenti: Nell’interpretare il contratto si deve indagare quale sia stata la comune intenzione delle parti e non limitarsi al senso letterale delle parole. Per determinare la comune intenzione delle parti, si deve valutare il loro comportamento complessivo anche posteriore alla conclusione del contratto. Art. 1.363. Interpretazione complessiva delle clausole: Le clausole del contratto si interpretano le une per mezzo delle altre, attribuendo a ciascuna il senso che risulta dal complesso dell’atto [1.419]. Art. 1.364. Espressioni generali: Per quanto generali siano le espressioni usate nel contratto, questo non comprende che gli oggetti sui quali le parti si sono proposte di contrattare. Art. 1.365. Indicazioni esemplificative: Quando in un contratto si è espresso un caso al fine di spiegare un patto, non si presumono esclusi i casi non espressi, ai quali, secondo ragione, può estendersi lo stesso patto. Art. 1.366. Interpretazione di buona fede: Il contratto deve essere interpretato secondo buona fede [1.337, 1.371, 1.375]. Art. 1.367. Conservazione del contratto: Nel dubbio, il contratto o le singole clausole devono interpretarsi nel senso in cui possono avere qualche effetto, anziché in quello secondo cui non ne avrebbero alcuno [1.424]. Art. 1.368. Pratiche generali interpretative: Le clausole

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de Teixeira de Freitas, intitulada “Regras de Direito”, de 1882, que, tratando de pautas gerais de interpretação, abarca gabaritos referentes aos contratos, incluindo as Regras da interpretação dos contratos, de Corrêa Telles. São sistematizações lógicas, coerentes com a dinâmica do fluxo de relações econômicas: dar condições para o melhor funcionamento possível do mercado, catalisando o fluxo de riquezas mediante a redução dos custos de transação e eliminação dos efeitos autodestrutíveis decorrentes do funcionamento do próprio sistema. Não é de se estranhar que, há séculos, estejam presentes em grande número de códigos, com larga aplicação pelos tribunais. Não raro, a manualística predominante refere-se às regras tradicionais de interpretação sem indicar sua origem e sem lhes tributar a real dimensão que assumem no sistema de direito comercial. Vale revisá-las,22 lembrando que “mais do que meras máximas de experiência”, “assumem como conteúdo uma exigência ética de correção social”, imprimindo “à atividade interpretativa um endereço, uma diretiva, que exprime em si um juízo de valor”.23 Iniciemos o estudo dessa sistematização pelas regras de Pothier, analisando-as sob o prisma do funcionamento do mercado. ambigue s’interpretano secondo ciò che si pratica generalmente nel luogo in cui il contratto è stato concluso. Nei contratti in cui una delle parti è un imprenditore [2.082], le clausole ambigue s’interpretano secondo ciò che si pratica generalmente nel luogo in cui è la sede dell’impresa. Art. 1.369. Espressioni con più sensi: Le espressioni che possono avere più sensi devono, nel dubbio, essere intese nel senso più conveniente alla natura e all’oggetto del contratto. Art. 1.370. Interpretazione contro l’autore della clausola: Le clausole inserite nelle condizioni generali di contratto [1.341] o in moduli o formulari [1.342] predisposti da uno dei contraenti s’interpretano, nel dubbio, a favore dell’altro. Art. 1.371. Regole finali: Qualora, nonostante l’applicazione delle norme contenute in questo capo [1.362 e seguenti], il contratto rimanga oscuro, esso deve essere inteso nel senso meno gravoso per l’obbligato, se è a titolo gratuito, e nel senso che realizzi l’equo contemperamento degli interessi delle parti, se è a titolo oneroso”. 22. Essa necessidade faz-se sentir de forma ainda mais aguda quando nos damos conta que a semelhança entre as disposições do Código Comercial brasileiro de 1850 e as regras vigentes no Codice Civile explica-se pela raiz comum encontrada na sistematização de Pothier. Sua extirpação do atual Código Civil brasileiro é inexplicável e parece pretender abandonar – sem sucesso – a objetivação da interpretação através de sua inserção no contexto e na realidade contratual, privilegiando amorfo subjetivismo ultrapassado pela boa doutrina e pela jurisprudência. No que tange às regras de interpretação, o Código brasileiro afastou-se de sua declarada fonte de inspiração e – o que é muito pior – de nossa tradição, corporificada no Código Comercial. 23. As palavras são de Betti, a pretexto dos comentários aos arts. 1.362 e seguintes do Codice Civile [Interpretazione, p. 249].

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8.3.1 Intenção comum das partes Primeira regra: “Nas convenções mais se deve indagar qual foi a intenção commum das partes contrahentes, do que qual he o sentido grammatical das palavras”. Pothier refere-se à “intenção commum das partes” e não à “intenção das partes”. Isso significa que a primeira regra de interpretação toca ao intento comum, àquilo que chamamos de “causa objetiva”, relacionada aos usos e costumes comerciais. Qual a função econômica que as partes pretenderam obter com a avença? Para que a celebraram? Qual a racionalidade [jurídica] que deve ser considerada como mote interpretativo, levando em conta a objetivação trazida pelo mercado? O que, no mercado, normalmente se busca com tal prática? [a “intenção comum” deve ser entendida como reflexa da práxis mercadológica, ou de fatos socialmente reconhecíveis, como ensina Betti]. Todas essas questões interpretativas atuais, ligadas à primeira das lições de Pothier. 8.3.2 A revelação da intenção comum das partes e a importância do preâmbulo Quando expusemos o processo de formação dos contratos empresariais, deixamos vincado que os indivíduos que firmam o instrumento não são os mesmos que executarão o contrato. Da mesma forma, quem redige o instrumento ou participa da vida do contrato, não são aqueles que o julgarão caso surjam litígios. Por definição, juízes e árbitros devem ser neutros e não podem conhecer os meandros do negócio que analisarão. Os redatores dos contratos parecem não considerar que, ao menos no primeiro momento, o único elemento de que os julgadores disporão para compreender a intenção comum das partes do momento da celebração do contrato é o seu instrumento. É inexplicável o descaso com que o preâmbulo contratual é tratado na prática dos negócios e na literatura especializada. Um preâmbulo aceito de comum acordo pelas partes dá ao juiz ou ao árbitro relativa segurança sobre o escopo conjunto que as impeliu à contratação, apresentando concretamente a operação econômica aos julgadores.24 Em negócios complexos, que se desdobram em vários instrumentos e contratos, os preâmbulos são a primeira estrada que o julgador trilhará para recompor a intenção comum das partes, identificando a coligação e a causa comum dos acordos. 24. Uma das poucas obras sobre o tema é de Federico Ferro-Luzzi, Del preambolo del contratto, de 2004.

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8.3.3 Interpretação pela preservação do contrato e não por sua nulidade Segunda regra: “Quando huma clausula he susceptivel de dous sentidos, deve entender-se naquelle, em que ella póde ter effeito; e não naquelle, em que não teria effeito algum”. Se as partes não contratam pelo prazer de contratar, como assinalou Chioo contrato deve ser concebido de acordo com uma função [= função econômica = causa] e a interpretação da avença deve levar à sua consecução. Caso contrário, atirar-se-ia o contrato à inutilidade – decisão incompatível com a lógica do sistema. Em suma: se as partes contrataram, seu escopo era atingir determinada função econômica, porque o negócio não pode racionalmente ser entendido como atividade de deleite. Deve-se atender à função econômica, porque esse o destino dos contratos no sistema jurídico. Negar-lhe a função típica [ou querida pelas partes] é negar seu pressuposto de existência.25

venda,

8.3.4 Natureza do contrato como condicionante da interpretação Terceira regra: “Quando em hum contracto os termos são susceptiveis de dous sentidos, devem entender-se no sentido que mais convém à natureza do contracto”. A “natureza do contrato” está ligada à sua tipificação social, ou seja, aos efeitos que dele normalmente decorrem. A “natureza do contrato” liga-se à sua função econômica [reconhecida pelo direito], às consequências que lhe são próprias por força de lei ou mesmo da tipificação social. Mais uma vez, a interpretação contratual há de se basear sobre os efeitos normalmente esperados da avença [i.e., social e mercadologicamente esperados] – e, portanto, calculáveis. Essa mesma “natureza do contrato” foi referida pelo art. 131 do Código Comercial, como veremos adiante. 8.3.5 Usos e costumes e interpretação do contrato empresarial Quarta regra: “Aquillo que em hum contracto he ambiguo, interpreta-se conforme o uso do paiz”. Dentro de critério de racionalidade, de proteção da boa-fé, da confiança e da legítima expectativa da outra parte, não se pode compreender que um contrato tenha interpretação diversa da prática de mercado. Os usos e costumes não ocupam lugar apenas como fonte do direito [ou seja, como polo emanador 25. Na literatura brasileira, sobre o tema, indispensável a referência à obra de Cristiano Zanetti, A conservação dos contratos nulos por defeito de forma, de 2013.

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de normas jurídicas vinculantes], mas igualmente como pauta de interpretação dos contratos. A objetivação social dos efeitos típicos dos acordos torna-os previamente reconhecidos e desejados pelas partes, autorizando a interpretação conforme o que costuma acontecer naquele setor da economia. Esse procedimento reverte-se a favor da segurança e da previsibilidade, dando lugar a um melhor cálculo das jogadas. Pothier refere-se ao “uso do paiz”, ou seja, aos efeitos típicos esperados naquele determinado mercado, por aquele específico grupo de pessoas. Mais tarde, Ascarelli chamaria atenção para as “premissas implícitas” de cada ordenamento, que devem ser consideradas no momento da interpretação dos negócios. 8.3.6 Usos e costumes e integração do contrato empresarial Quinta regra: “O uso he de tamanha authoridade na interpretação dos contractos; que se subentendem as cláusulas do uso, ainda que se não exprimissem”. Os usos assumem função de integração contratual, preenchendo as lacunas na declaração das vontades, em mecanismo explicitado quando tratamos dos vetores de funcionamento do mercado e que será também retomado no próximo capítulo. Retomam-se, pois, a racionalidade e a função econômica da avença, conforme espelhada no mercado, para autorizar a presunção de que os partícipes do acordo agem segundo as “notas de anônima repetição” apontadas por Irti. Todo contrato empresarial traz consigo a práxis do mercado, que adere aos termos do instrumento, colmatando suas eventuais lacunas. No mesmo sentido, o art. 133 do Código Comercial continha princípio importante, que hoje devemos deduzir da cláusula geral de boa-fé, consagrando os usos e costumes do mercado como fonte de direito, apta a integrar os termos contratuais: “[o]mitindo-se na redação do contrato cláusulas necessárias à sua execução, deverá presumir-se que as partes se sujeitaram ao que é de uso e prática em tais casos entre os comerciantes, no lugar da execução do contrato”. Aquilo que é comum integra-se ao regramento particular, como se toda a praxe se acoplasse ao negócio. Essa regra básica de interpretação/integração colabora para a tutela da legítima expectativa da outra parte, desde que baseada no que ocorre no mercado. Sua ratio liga-se à facilitação dos negócios: no processo interpretativo deve-se ter em conta aquilo que costuma acontecer e que as partes, racionalmente, incorporaram como base para estimar a atuação de

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determinado comportamento da outra.26 Na lição de Savigny: “L’interpretation ne doit pas être basée sur la supposition que l’auteur de l’acte a eu vue un cas tout à fait extraordinaire, et ne se présentant que très-rarement”. 8.3.7 Coerência e harmonia das cláusulas contratuais Sexta regra: “Huma clausula deve interpretar-se pelas outras do mesmo instrumento, ou ellas precedão, ou ellas se sigão áquella”. O negócio jurídico, enquanto expressão de racionalidade e modo de atingir um resultado [função], é uno. A causa ou fim objetivo do contrato realiza “uma só função econômica”. Essa unicidade há de presidir a interpretação contratual, sob pena de se chegar a conclusões incompatíveis com a eficiência que se espera traga a avença. Da mesma forma como não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços [Eros Grau], o contrato não pode ser esfacelado, isolando-se suas disposições. Elas assumem sentido quando consideradas partes do negócio que integram, com ele colocando-se de forma harmoniosa. “Il negozio, insomma, va considerato come un tutto unitario, da interpretare nella sua interezza: un tutto, fra singole parti del quale, preliminar e conclusive, non è ammissibile una separazione netta”.27 8.3.8 Intepretação contra o estipulante e a favor do devedor Sétima regra: “Na duvida huma clausula deve interpretar-se contra aquelle que tem estipulado huma cousa, em descargo daquelle que tem contrahido a obrigação”. Interpreta-se contra aquele que estipulou. Se o agente econômico é racional, a ele devem ser imputadas as consequências de não ter se expressado melhor. Igualmente, interpreta-se a favor do devedor. 8.3.9 As partes somente se vinculam àquilo que contrataram Oitava regra: “Por muito genericos que sejão os termos em que foi concebida uma convenção, ella só comprehende as cousas, sobre as quaes parece que os contrahentes se propozerão tratar, e não as cousas em que elles não pensárão”. É sempre a função econômica do contrato que deve imperar. Se concebido para determinado fim, não se pode admitir interpretação extensiva que o 26. Savigny, Le droit des obligations. 27. Emilio Betti, Interpretazione del negozio giuridico, 325.

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desvie daquilo que objetiva e socialmente dele se esperava – e do que as partes efetivamente contrataram. O princípio da autonomia da vontade estatui que, nos negócios empresariais, ninguém seja obrigado ao que não contratou. Se as partes não acordaram sobre determinado ponto, se os usos não as vinculam, é defeso ao intérprete impor-lhes obrigações além dos limites que acertaram. 8.3.10 Referência à universalidade de coisas inclui todos os seus componentes Nona regra: “Quando o objeto da convenção he huma universalidade de cousas, comprehende todas as cousas particulares que compõem aquella universalidade, ainda aquellas de que as partes não tivessem conhecimento”. Quando as partes fazem referência a um conjunto, incluem todas as coisas que o integram. Por exemplo, se acordam que uma transfere a outra determinado estabelecimento, nele está a integralidade de seus componentes. Eventuais exceções devem ser discriminadas. Essa regra tem por escopo facilitar as contratações, na medida em que as partes ficam dispensadas de relacionar todos os elementos integrantes do conjunto, bem como de proteger a integridade do objeto do contrato quando este for uma universalidade, evitando o seu esfacelamento. O art. 1.148 do Código Civil está embasado nesse princípio.28 8.3.11 Exemplos não excluem outros casos não referidos. O plural inclui o singular. O que está no fim da frase refere-se a toda ela Décima regra: “Quando em hum contracto se exprimio hum caso, por causa da dúvida que poderia haver, se a obrigação resultante do contracto se estenderia áquelle caso; não se julga por isso ter querido restringir a extensão da obrigação, nos outros casos que por direito se comprehendem nella, como se fossem expressos”. Undécima regra: “Nos contractos, bem como nos testamentos, huma cláusula concebida no plural se distribue muitas vezes em muitas clausulas singulares”. Duodécima regra: “O que está no fim de uma fraze ordinariamente se refere a toda a fraze, e não áquillo só que a precede immediatamente; com tanto que este final da fraze concorde em genero e numero com a fraze toda”. Essas três regras finais determinam formas para se auferir a intenção das partes quando da celebração do negócio. Por ser a regra de interpretação 28. Cf. Campobasso, Diritto commerciale, 137.

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objetiva [sabida e conhecida por todos], ao aplicá-la despreza-se a intenção íntima para chegar a uma motivação objetiva, comum aos partícipes. Essas regras de interpretação buscam auferir qual o verdadeiro “interesse comum das partes”, remetendo-se à primeira [e talvez mais importante] de todas as regras. 8.4 Diretivas gerais dos contratos empresariais inspiradas no art. 131 do Código Comercial. Intenção comum das partes como norte interpretativo, comportamento concludente, boa-fé objetiva, força normativa dos usos e costumes e interpretação a favor do devedor O art. 131 do Código Comercial indica pautas para interpretação e integração contratual, in verbis: “Art. 131. Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases: 1. a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa-fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras; 2. as cláusulas duvidosas serão entendidas pelas que o não forem, e que as partes tiverem admitido; e as antecedentes e subsequentes, que estiverem em harmonia, explicarão as ambíguas; 3. o fato dos contraentes posterior ao contrato, que tiver relação com o objeto principal, será a melhor explicação da vontade que as partes tiverem no ato da celebração do mesmo contrato; 4. o uso e prática geralmente observada no comércio nos casos da mesma natureza, e especialmente o costume do lugar onde o contrato deva ter execução, prevalecerá a qualquer inteligência em contrário que se pretenda dar às palavras; 5. nos casos duvidosos, que não possam resolver-se segundo as bases estabelecidas, decidir-se-á em favor do devedor”. Sua revogação formal pelo Código Civil não logrou extirpá-las de nosso sistema jurídico. Assim como é impossível revogar as regras de Pothier, não se pode suprimir a penadas a tradição que existe nas entranhas de nosso direito mercantil. Vale aqui repisar os pontos centrais do art. 131, que norteiam a interpretação dos negócios mercantis: [i] respeito à boa-fé objetiva [e não subjetiva];

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[ii] força normativa dos usos e costumes; [iii] vontade objetiva e desprezo pela intenção individual de cada um dos contratantes; o texto legal faz referência expressa ao “espírito do contrato” e à “natureza do contrato” e não à intenção de cada uma das partes, individualmente considerada; [iv] comportamento das partes como forma de chegar à vontade comum, ao espírito do contrato; [v] interpretação a favor do devedor; [vi] respeito à autonomia privada. Esse talho peculiar da interpretação dos contratos comerciais que poreja do art. 131 – relacionado às características intrínsecas do sistema – traz desdobramentos relevantes para o sistema de direito comercial: [a] a função econômica do negócio no direito comercial assume importância, porque permite a objetivação do comportamento do comerciante no mercado e, com isso, a possibilidade de seu cálculo pelo outro; a atenção à causa do negócio transforma-se em fator ligado à proteção da legítima expectativa da outra parte, da chamada boa-fé objetiva e, como quer Roppo, à “gestão de uma economia capitalista”29 ou às “regras de bom funcionamento do mercado”;30 [b] a racionalidade econômica do empresário sempre foi considerada pelo direito comercial e pela jurisprudência; evita-se a tomada de decisões judiciais que fujam da racionalidade própria do agente, rebatida na boa-fé e na proteção da legítima expectativa; a previsão do standard do agente “ativo e probo”31 nada mais significa senão a assunção de uma racionalidade própria aos empresários [socialmente típica], depurada pelo direito como mínimo padrão interpretativo; [c] a proteção da eficiência das decisões empresariais é outra fonte na qual há muito se fartam os intérpretes autênticos32 e o ordenamento jurídico 29. O contrato, 224. 30. O contrato, 223. 31. A Lei das Sociedades por Ações [Lei 6.404, de 1976] positivou esse princípio em seu art. 153: “O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”. O art. 68, § 1.º, a, impõe o mesmo padrão comportamental para o agente fiduciário dos debenturistas. 32. A expressão intérprete autêntico é aqui empregada no sentido que lhe é dado por Kelsen.

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brasileiro; a imposição de decisões que comprometam a segurança e a previsibilidade do mercado sempre causou preocupação, da mesma forma como as decisões que colocam em xeque a lógica do sistema.33 8.4.1 A importância do comportamento posterior das partes como pauta interpretativa Uma das mais aplicadas e difundidas pautas de interpretação dos contratos empresariais relaciona-se ao comportamento das partes posterior ao ato da celebração do negócio como melhor indício da intenção comum que tiveram ao contratar. Se, após o fechamento, as partes agiram pacificamente de determinada forma, se não houve protestos, é de se presumir que estão agindo conforme aquilo que acertaram. É indisputável que esse parâmetro interpretativo, embora não tenha sido explicitamente transportado para o atual Código Civil, segue sendo firme diretriz na compreensão dos contratos empresariais, até mesmo porque deduzido do parâmetro geral de boa-fé: é lícito supor que a parte leal age de forma coerente, sem surpreender a outra, e que está fazendo aquilo que pactuou.34 Como acontece com várias das regras interpretativas, não há, aqui, uma presunção incontestável. Mas, para afastá-la, é necessária prova forte de que não há coincidência entre comportamento posterior e as obrigações contraídas. 33. Como exemplo, tome-se a jurisprudência brasileira sobre a prescrição em matéria comercial. O estudo sistemático de julgados relativos à prescrição nas sociedades por ações chama a atenção para o fato de que a orientação dada pelos Tribunais aponta para claro sentido: preservação da segurança jurídica [Paula Forgioni e Paulo de Lorenzo Messina, Sociedades por ações, 55]. 34. Sobre o comportamento das partes posterior ao fato do contrato como indício daquilo que efetivamente contrataram, vale a referência à clássica obra de Mosco: . “[S]e le parti nella fase di esecuzione osservarono un certo senso del contratto, ciò contribuisce a ritenere che era quello il senso voluto al tempo della stipulazione. I difetti che tale criterio può in pratica presentare vengono, almeno in parte, corretti dal fatto che il comportamento di ciascuna parte viene controllato dalla controparte, la quale naturalmente di solito reagirà se il comportamento non è conforme alle pattuizioni. [...] Il comportamento ha poi una speciale rilevanza se consiste in veri e propri atti di esecuzione degli obblighi contrattuali. Si pressuppone naturalmente che tale esecuzione non sia stata contrastata dall’altra parte, e si afferma esattamente che la rilevanza è ancora maggiore se l’esecuzione fu prolungata per um notevole periodo” [Luigi Mosco, Principi sulla interpretazione dei negozi giuridici, 107-9].

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8.5. Regras de interpretação dos contratos comerciais explicitadas por Cairu. Padrão do comerciante ativo e probo, relevância do estilo mercantil e dos usos e costumes Na realidade brasileira, destacam-se algumas lições de interpretação contratual do Visconde de Cairu,35 calcadas em Pothier e apuradas no caldo do nosso direito comercial. Para o maior de nossos comercialistas, o contrato é o “consenso recíproco de duas ou mais pessôas sobre fazer ou dar alguma cousa” e, dos seus ensinamentos, podemos extrair as seguintes principais regras interpretativas: [i] “Havendo duvida sobre a intelligencia e força de hum Contrato mercantil, deve-se interpretar a mente dos contrahentes segundo o uso, ou Estatuto da Praça e lugar em que se fez o mesmo contracto; e bem assim o Juizo dos Commerciantes costumados a praticar essa espécie de negocio, ainda que aliás as palavras do trato, ou escripto diversamente signifiquem: pois sempre a boa fé o o estylo mercantil he que deve prevalecer e reger, e não o estreito significado dos termos e menos ainda as intelligencias cavillosas e contrarias ao verdadeiro espirito do contrato”. A partir desse texto, identificamos alguns pontos centrais da interpretação dos contratos entre agentes econômicos que atuam no mercado: [a] a vontade dos contraentes deve ser interpretada de acordo com os usos e costumes comerciais, repelindo-se a exegese que leva à prevalência da causa subjetiva sobre a causa objetiva; [b] o perfil do negócio deriva da função econômica que normalmente é esperada pelos agentes que atuam naquele mercado. Resgata-se, aqui, a lição de Simão Vaz Barbosa Lusitano, colacionada por Teixeira de Freitas: “Ato julga-se pelo seu fim [actus omnis a fine judicatur]. Seu fim jurídico, bem entendido, que determina sua espécie segundo a intenção dos agentes”;36 [c] o parâmetro a ser considerado como de normalidade é aquele dos “comerciantes costumados a praticar essa espécie de negócio” e não o do cidadão comum, distanciado daquele business. Um contrato de bolsa deve ser valorado conforme o fazem os homens que lá atuam, e não conforme os padrões do comerciante que compra e vende alfaias. A correta interpretação do negócio pressupõe o profundo conhecimento de sua práxis;

35. Princípios de direito mercantil e leis de marinha, 469 e ss. 36. Regras de direito, 15.

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[d] a racionalidade a ser tomada para fins de interpretação da avença – determinação dos parâmetros da licitude – é aquela conforme a boa-fé, necessária ao “estylo” comercial. Não se pode pressupor uma racionalidade ardilosa, predatória, oportunista, sob pena de comprometimento do sistema; [e] o “espírito do contrato” leva em conta fatores como a boa-fé e a mútua confiança. Mesmo que o contratante não tenha sido movido por essa regra no estabelecimento da avença, a interpretação do negócio somente pode corroborar o respeito a esses princípios. Em outras palavras, a racionalidade aceita pelo direito comercial é aquela segundo seus princípios basilares [boa-fé, que vai ao encontro do “estylo mercantil”]; [f] os usos e costumes devem vir ligados à boa-fé; agir conforme a boa-fé é respeitar os usos e costumes do mercado, o “estylo” comercial. Ou seja, os usos e costumes aportam objetividade que corrigiria o elemento subjetivo da boa-fé.37 [ii] ensina Cairu: “porque deve tambem cada hum conhecer a condição daquelle, com quem contracta, e a quem encarrega seus negocios, e deve por tanto imputar a si o ter empregado o ministerio de hum humem pouco activo e desleixado” [...] “porque os graos de diligencia mais, ou menos exacta se devem regular segundo a qualidade, a difficuldade do negocio compettido, usos do Commercio, e estylo das praças, e dos Comerciantes cordatos [...]”.38 O sistema exige do mercador, para o bem do comércio, que aja como um homem diligente. O padrão de normalidade aceitável, para fins de cálculo do comportamento da outra parte, é o do comerciante habituado àquele mercado. A racionalidade jurídica, mais uma vez, é aquela calcada pelo mercado. [iii] “O Contrato feito por qualquer dos Socios em nome social obriga a todos os outros quanto aos negocios da Sociedade, ainda que na estipulação se não fizesse menção dos mesmos Sócios, e aliás no escripturado Acto social seja convindo, que a Sociedade fosse só administrada por hum Caixa; pois assim o pede a boa-fé, e o gyro mercantil; ninguém tendo a obrigação de examinar, se cada Socio he ou não o Caixa, ou o acreditado para tratar dos negócios da Sociedade”. 37. Para a visão crítica dessa posição, Béatrice Jaluzot, La bonne foi dans les contrats. Étude comparative de droit français, allemand et japonais, 107. 38. Princípios de direito mercantil e leis de marinha, 479.

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Embora Cairu esteja tratando especificamente do contrato de sociedade, é importante analisar a força que a aparência assume no direito, sempre atendendo às necessidades do “gyro mercantil”. O que Cairu chama “gyro mercantil” é o que nós denominamos “adequada fluência de relações no mercado”. A ideia que relata é bastante fértil: é preciso proteger a aparência para viabilizar a celeridade do fluxo de relações econômicas. O resguardo da boa-fé, da confiança, leva ao bom “gyro mercantil”. Colocando as razões práticas de sua existência “especialmente nas relações comerciais”, Alpa e Bessone destacam que é melhor privilegiar aquilo que aparece sem dever pesquisar a efetiva vontade do declarante, porque isso “economiza tempo e dá certeza às relações jurídicas”.39 8.5.1 “Quem percebe o cômodo, não deve recusar o incômodo” Por essa velha máxima, reproduzida por Cairu, tem-se que o negócio é uno e deve ser interpretado dentro de sua unidade. Não se pode – sob pena de subversão da boa-fé e da confiança úteis ao bom “gyro mercantil” – segmentar o negócio, dele retirando, apenas, os efeitos que seriam favoráveis. O mesmo princípio embasa a regra: “Quem quer o conseqüente, quer o antecedente, isto he, quem quer os fins, he visto querer os meios, que a elle tendem”. 8.5.2 “Não pode pretender lucro quem não concorreu para algum negócio com fundo, industrial, ordem, ou risco” A noção de que o lucro é a remuneração do risco, cardeal na organização do sistema de direito comercial, aparece clara nessa regra de interpretação dos negócios mercantis. O fruto da atividade comercial tem um preço: o risco que a ela é inerente. Lucro e risco, conceitos orientadores do sistema comercial, presentes na obra de Cairu. 8.6. As regras de interpretação dos negócios empresariais no Código Civil Seguindo o Código Civil de 1916, o novo diploma ignorou uma das principais “redescobertas” da ciência jurídica do final do século XX: a importância da interpretação, inclusive daquela contratual. O Código, ao invés de repudiar o ostracismo positivista a que a atividade interpretativa havia sido condenada, parece repeti-la. As regras gerais declaradamente ligadas à interpretação dos negócios e dos contratos gravitam em torno de parcos artigos: 112, 113, 114 e 423. 39. Elementi di diritto privato, 159.

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Para efeitos comparativos, note-se que o Codice Civile dedica ao tema da interpretação as regras positivadas nos arts. 1.362 a 1.371, tratando da intenção dos contratantes, com expressa alusão ao comportamento concludente [art. 1.362]; interpretação unitária [complessiva] das cláusulas contratuais, impondo que se tome uma por meio das outras e levando em conta o contrato como um todo [art. 1.363]; expressões gerais, que não devem ser interpretadas de forma a incluir elementos sobre os quais as partes não pretenderam contratar [art. 1.364]; indicações exemplificativas, para não excluir os casos não expressos que se podem considerar abarcados pelo pacto [art. 1.365]; interpretação segundo a boa-fé [art. 1.366]; conservação do contrato, ou seja, supremacia da interpretação que não reduza o contrato ou a cláusula à inutilidade [art. 1.367]; interpretação de cláusulas ambíguas, com especial referência aos contratos empresariais [art. 1.368]; interpretação de cláusulas com mais de um sentido conforme a natureza e o objeto do contrato [art. 1.369]; interpretação contra o autor da cláusula [art. 1.370]; interpretação de forma menos gravosa para o obrigado e, em casos de contratos onerosos, realizando-se “l’equo contemperamento degli interessi delle parti, se è a titolo oneroso” [art. 1.371]. Dos artigos do novo diploma brasileiro que influenciam a interpretação dos negócios empresariais, destacamos os seguintes: – Art. 112: preponderância da “intenção consubstanciada nas declarações” sobre “o sentido literal da linguagem”;40 – Art. 113: para os negócios jurídicos em geral, deve imperar a interpretação conforme a boa-fé e os usos e costumes;41 – Art. 114: interpretação restritiva para a renúncia;42 – Art. 157: na esteira do art. 1.448 do Codice Civile, reintroduz o instituto da lesão43 no nosso ordenamento, desaparecido dos Códigos anteriores; 40. “Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”. 41. “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. 42. “Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente”. 43. “Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1.º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2.º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito”.

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– Art. 421: a liberdade de contratar deve ser exercida em razão e nos limites da função social do contrato;44 – Art. 422: mais uma vez, a imposição da boa-fé para os contratantes;45 – Art. 423: interpretação a favor do aderente;46 – Art. 424: proibição de renúncia a direito decorrente da natureza do negócio por parte do aderente.47 O principal problema do Código Civil para os contratos mercantis é que, embora tenha entrado em vigor em 2003, sua redação é anterior ao Código de Defesa do Consumidor e mesmo à consolidação do direito do consumidor no Brasil. Ou seja, muitas de suas regras foram talhadas para proteger o elo final da cadeia produtiva e não o fluxo de relações mercantis. Isso gerou distorções que a boa jurisprudência comercial tem procurado corrigir, pois não são poucos aqueles que aplicam essa lógica consumerista a relações entre empresas, comprometendo a segurança e a previsibilidade do sistema. 8.6.1 Art. 113. Interpretação e boa-fé objetiva A boa-fé objetiva sempre foi um dos vértices do sistema mercantil. O mesmo se pode dizer dos usos e costumes, tidos como fonte de direito e pauta de interpretação por qualquer manual de direito mercantil.48 Viu-se no capítulo terceiro que a boa-fé no direito comercial não desempenha apenas função moral, desconectada da realidade dos negócios e fundada em valores outros que não a busca do melhor funcionamento do mercado. Ao contrário, reforça as possibilidades de confiança dos agentes econômicos no 44. “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. 45. “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. 46. “Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”. 47. “Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”. 48. Muitos autores apontam os problemas que podem derivar da aplicação da boa-fé como parâmetro de interpretação contratual. De um lado, por se tratar de um “conceito vago”, encerraria riscos. Por outro, traria vantagens evidentes, atuando como uma valvola di sicurezza e tornando mais flexível o regime contratual; permitiria a repressão de certos comportamentos, “moralizando a substância do contrato” e procurando conciliar a “utilidade com a justiça” [Gisella Pignataro, Buona fede oggettiva e rapporto giuridico precontrattuale: gli ordinamenti italiano e francese, 55].

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sistema, diminuindo o risco.49 A boa-fé é um catalisador da fluência das relações no mercado. Analisando o tratamento que a doutrina dispensava ao dogma da vontade das partes na celebração do negócio, Betti apresenta algumas críticas incisivas, iluminando a correta dimensão do problema.50 O “preconceito individualista” produziu tantos mitos em torno do dogma da vontade que se chegou a afirmar que tanto a intenção do testador quanto a “intenção comum dos contraentes” poderiam ser reduzidas a um dado de natureza psicológica, independentemente de qualquer relação com o “fato social da sua objetiva reconhecibilidade” por ambas as partes. A consequência desse equívoco foi a negação do critério da boa-fé como um cânone hermenêutico ligado à formação da “intenção comum”. Recusa-se que a lealdade recíproca, clareza e retidão não possam inspirar o estudo de processo que culmina com o encontro de resultado prático comum. Por isso, renega-se a segundo plano o espírito de cooperação que leva à satisfação das expectativas mútuas – aquela mesma cooperação que os romanos haviam identificado na buona fides contratual. Conclui Betti que o centro da questão hermenêutica não está nas coincidências incidentais entre os estados de ânimo concebidos no íntimo das partes [in interiore homine], mas na recíproca congruência de comportamentos socialmente reconhecidos, que se engendram um em correspondência do outro, conforme regras de lealdade e retidão. Betti procura pôr à mostra o preconceito que grassava à volta da consideração da boa-fé como pauta de interpretação negocial, para consolidar a sua importância e atribuir-lhe função sistêmica bastante próxima daquela que, em nosso ordenamento, era-lhe reservada pelo art. 131 do Código Comercial. A boa-fé vem relacionada ao uso e ao costume da praça, ou seja, ela é objetiva e não pinçada no íntimo dos partícipes da avença.51 49. Que a confiança ocupa papel central no moderno direito dos contratos – e que sua importância para o bom funcionamento do sistema é cada vez mais premente – ninguém duvida. Por exemplo, discorrendo sobre garantias à primeira demanda, Marcelo Huck inicia a explicação afirmando: “A confiança é o princípio orientador das relações comerciais” [Garantia à primeira solicitação no comércio internacional, 5]. No mesmo artigo, o autor ressalta que a boa-fé é “cada vez mais importante no dinâmico processo do comércio internacional” [11-12]. V. também sobre a confiança, Orlando Gomes, Introdução ao direito civil, 244 e ss. 50. Interpretazione della legge e degli atti giuridici, 389 e ss. V., também, Teoria generale del negozio giuridico, capítulo sexto. 51. Essa noção permitiu, por exemplo, à jurisprudência alemã, com base do art. 242 do BGB, deduzir “novos” princípios gerais de direito em casos em que as normas existentes mostravam-se inadequadas à resolução dos conflitos. Ebke e Steinhauer

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Quando o direito manda interpretar os acordos conforme a boa-fé, não está apenas dando guarida a uma regra monacal, mas vivificando tradicional norma de direito mercantil, útil às empresas e ao mercado. Nessa perspectiva, a boa-fé despe-se de tantos aspectos morais que a revestem em outros contextos, exsurgindo objetivada, ou seja, segundo os padrões de comportamento aceitos em determinado mercado [ou em determinada praça]. É tradicional a diferenciação entre boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva, presente na obra de Pothier, para quem deveríamos apartar a boa-fé no “foro interior” daquela no “foro externo”. A primeira “deve ter-se como contrário [...] tudo o que se affasta, ainda que pouco seja, da sinceridade mais exacta e escrupulosa: a dissimulação mesma sobre o que concerne á cousa que faz o objeto do contracto, e que a outra parte contrahente teria interesse em saber, he contraria a esta boa fé: pois sendo preceito amarmos o proximo como a nós mesmos, não póde ser permittido encobrir-lhe alguma coisa, que nós quereriamos que nos não encobrissem, se estivessemos no seu lugar”. No foro externo, “huma parte não seria atendida se se queixasse destes ligeiros ataques feitos á boa fé: de outra sorte mui grande numero de contractos estaria sujeito a rescisão, os processos serião innumeraveis, e causarião desarranjo no commercio. Só aquelle que abertamente ataca a boa fé, he no foro externo havido por verdadeiro doloso, e então tem lugar a acção de rescindir o contrato, provando-se plenamente as manobras, e artificios iniquos, que huma parte empregou para enganar a outra”.52-53 A boa-fé subjetiva é relacionada a um “estado de consciência” ou “convencimento individual de obrar a parte conforme o direito”. Bastante comum em questões possessórias, “[d]iz-se subjetiva justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem”.54 Por sua vez, a boa-fé objetiva liga-se a standards comportamentais esperados do homem ativo e probo. afirmam que os Tribunais alemães sempre superaram limitações legais ou barreiras doutrinárias quando percebiam que uma nova realidade social ainda não havia sido considerada pelo legislador [The doctrine of good faith in German contract law, 189]. 52. Tratado das obrigações pessoaes e reciprocas nos pactos, contratos, convenções, &c, 26. 53. V. Giovanni Francesco Basini para uma resenha bibliográfica sobre a ampla literatura italiana em tema de boa-fé objetiva [Risoluzione del contratto e sanzione dell’inadempiente, 211]. 54. Judith Martins-Costa, A boa-fé no direito privado, 411.

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A boa-fé que assume relevância para fins de interpretação dos negócios comerciais é a objetiva, na medida em que permite a objetivação da conduta esperada da outra parte e um melhor cálculo [aumentando o grau de certeza e de previsibilidade presente no mercado]. O respeito à boa-fé na interpretação contratual implica o repúdio à ma-fé. A regra que veda interpretação a favor da má-fé é tradicionalíssima no direito das obrigações e, em especial, no direito comercial. Teixeira de Freitas, ao compilar suas famosas Regras de Direito, anotou diretrizes das ordenações que já estabeleciam: “Má-fé a ninguém deve aproveitár”. Em 1.770, a Lei de 30 de agosto estatuiu: “Má-fé considera-se a peste mortál do Commercio”.55 “A lei nunca autoriza o dolo, nem permite a cavilação”, segundo Coelho da Rocha.56 8.6.2 Art. 112. Intenção das partes e vontade objetiva A doutrina brasileira sempre considerou haver grande diferença entre o sistema dos revogados Código Civil de 1916 e Código Comercial no que diz respeito à vontade a ser considerada quando da interpretação dos negócios jurídicos. O art. 85 do Código de 1916 baseava-se em um sistema “subjetivista”, que mandava perquirir a vontade individual da parte quando da celebração do negócio. O Código Comercial, em seu art. 131, sempre se referiu à “natureza do contrato” e ao “espírito do contrato”, além de estabelecer o comportamento das partes posterior ao contrato como cânone de interpretação de sua vontade no momento da celebração do negócio. Vontade objetiva, portanto [melhor dizendo: vontade objetivada pelo mercado]. Antônio Junqueira de Azevedo, comentando o art. 85 do Código Civil de 1916,57 afirma que, “pelo nosso Código Civil, não resta dúvida de que é a vontade que prevalece”. O método sugerido de interpretação é partir da declaração [objetiva] para encontrar a vontade real do declarante [subjetiva].58 No entanto, adverte que “doutrina e jurisprudência, porém, tentam, na medida do possível, forçar os quadros legais”.59 Em outro texto, ao comentar o Código 55. Garnier, Rio de Janeiro, 1.882, 378, 379. 56. Instituições de direito civil, São Paulo, Saraiva, 1.984 [1.844], 1º v., § 45, regra 10] 57. “Art. 85. Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem”. 58. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 116-118. 59. Após estudar a jurisprudência brasileira, afirma Junqueira de Azevedo: “o que importa salientar é que, para o ponto que ora nos ocupamos, do conflito entre a intenção [subjetivismo] e da boa-fé [objetivismo], como critérios de interpretação, há decisões

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Comercial de 1850, mais precisamente o seu art. 131, Junqueira de Azevedo complementa que o Código Civil assume posição subjetivista; o Código Comercial, uma posição “objetivista, fundada nos usos e costumes e na boa-fé”.60 O art. 85 do antigo Código Civil foi reproduzido, quase idêntico, no art. 112 do Código: “Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”. Houve a inserção do direito comercial no sistema “subjetivista” [o que seria perigoso retrocesso considerando a necessidade de segurança no tráfico do direito comercial]? A resposta afirmativa parece delinear-se, ainda mais considerando a supressão do comportamento concludente como parâmetro de interpretação. Aliás, não se logra compreender porque o art. 131 do Código Comercial foi mutilado em uma de suas principais bases, qual seja, no reconhecimento de que o comportamento das partes é o melhor indício [objetivo] da vontade que tiveram quando da celebração do negócio. É inexplicável a razão de o Código não ter reproduzido disposição análoga à contida no art. 1.362 do Codice Civile, que se refere à indagação da “intenção comum das partes”,61 bem como liga sua determinação ao “comportamento geral inclusive posteriormente à conclusão do contrato”.62-63 Essa conclusão pode ser contestada, mediante o desdobramento do seguinte raciocínio: o Código Civil consagrou a boa-fé objetiva [como princípio] que, implicita ou mesmo expressamente, utilizam o critério da boa-fé, ao lado do da intenção, para interpretar o negócio; a boa-fé, assim, apesar do silêncio do Código, é critério utilizado pelos nossos Tribunais” [Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 117]. 60. Interpretação do contrato pelo exame da vontade contratual. [...], 277. 61. No original: comune intenzione delle parti. 62. No original: comportamento complessivo anche posteriore alla conclusione del contratto. 63. A supressão é ainda mais injustificável considerando-se a explicação de Betti: “[d] ove la legge [art. 1.362] mira a mettere in valore l’intenzione comune delle parti di fronte al senso letterale delle parole, essa intende per intenzione comune non già la ‘volontà’ della parte singola, rimasta inespressa nella sfera interna della coscienza, ma il concorde intento formatosi fra entrambe le parti, in quanto si è reso riconoscibile nella loro comune o congruente dichiarazione e condotta. Essa intende perciò questa comune o congruente dichiarazione e condotta, interpretata peraltro non secondo la morta e astratta lettera delle parole o dei contegni, sebbene secondo lo spirito: interpretata, cioè, in funzione del reciproco comportamento complessivo delle parti da cui proviene e della situazione di fatto, nella quale appare in concreto inquadrata [Teoria generale del negozio giuridico, 333].

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e, com isso, a vontade das partes a ser considerada seria a “comum”. Mas não deixa de ser um esforço hermenêutico para dotar o sistema de adequado grau de segurança/previsibilidade e evitar o retrocesso. O fato é que o art. 112 do atual Código Civil está impregnado de subjetivismo, cuja superação requer esforço. O argumento de que a intenção a que se refere o novo texto estaria vinculada à declaração não parece dissipar o ranço subjetivista do preceito,64 porque elege a intenção que está “consubstanciada nas declarações”, ou seja, na manifestação da vontade de cada uma das partes e não naquela comum, correspondente à natureza do negócio. Apesar dos problemas, o estágio de evolução do direito brasileiro no campo da interpretação dos negócios jurídicos atrela-nos ao cânone hermenêutico da consideração da comum intenção das partes. Interessa ao intérprete o escopo com que ambas estão de acordo, que entre elas se formou e que veio à luz em sua declaração comum ou congruente, além de se espelhar em sua conduta. Tanto a declaração, quanto o comportamento hão de ser interpretados a partir dos fatos concretos, segundo o espírito do contrato. Isso inclui a análise do comportamento posterior das partes como indício da intenção comum que as moveu quando da celebração.65 8.6.3 Art. 423. Interpretação a favor do devedor Também neste ponto, o Código Civil apresenta obstáculos a serem superados. Determina o art. 423 a interpretação a favor do “aderente”, tendo retirado a expressa menção à interpretação mais favorável ao “devedor”, que constava do art. 131, 5, do Código Comercial. Cabe, aqui, uma pergunta: a interpretação não mais deverá ser a favor do devedor em um contrato 64. Aliás, esse mesmo visgo individualista pode ser colhido em outros dispositivos do Código como, por exemplo, o art. 144: “O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante”. O mote do art. 1.431 do Codice Civile, nesta parte, foi modificado profundamente pelo legislador brasileiro: “La parte in errore non può domandare l’annulamento del contratto se, prima che ad essa possa derivarne pregiudizio, l’altra offre di eseguirlo in modo conforme al contenuto e alle modalità del contratto che quella intendeva concludere”. Ou seja, enquanto o Codice Civile refere-se ao conteúdo e à modalidade do contrato que se pretendia celebrar, o Código brasileiro volta-se para a “vontade real do manifestante”. 65. Sobre o comportamento concludente no negócio jurídico, v. a completa obra de Paulo Mota Pinto, Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurídico.

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empresarial negociado pelas partes? De duas uma: ou [i] a noção de contrato de adesão será ampliada – o que pode ser desastroso para o direito comercial, caso se arremesse contra os negócios mercantis uma interpretação concebida para contratos com consumidores – ou [ii] não mais teremos a interpretação a favor do devedor. Ao mesmo tempo em que o art. 423 do Código Civil estipula interpretação contratual favorável ao “aderente”, o seu art. 133 contém regra específica que impõe a presunção do prazo “em proveito do devedor”.66 Se, por um lado, a interpretação dos negócios mercantis deverá ser favorável ao “aderente”, por outro, no que diz respeito ao prazo, a ordem é a interpretação “em proveito do devedor”. Presumindo que não estamos diante de mera falta de rigor técnico ou descuido ocorrido na revisão do texto final do Código, a razão e utilidade dessa distinção deverão ser, mais uma vez, aclaradas pelo trabalho doutrinário e jurisprudencial. A interpretação contra aquele que dita a cláusula [interpretatio contra stipulatorem] é um tanto diversa da menos gravosa para o obrigado. Essa distinção vem bem marcada nos arts. 1.370 e 1.371 do Codice Civile; enquanto o primeiro trata da “interpretação contra o autor da cláusula”,67 estipulando que “[a]s cláusulas inseridas nas condições gerais de contrato ou em modelos ou formulários elaborados por um dos contratantes, interpretam-se, na dúvida, a favor do outro”,68 o segundo faz o contrato “menos gravoso para o obrigado”.69-70 Diante do texto no Código de 2002, entrevemos duas possibilidades: [i] ou houve a supressão da regra geral de interpretação a favor do devedor, mantendo-a, o Código Civil, apenas para questões relativas a prazo; ou [ii] toma-se a interpretatio contra stipulatorem por aquela menos gravosa para o onerado.71 66. “Salvo, quanto a esses, se do teor do instrumento, ou das circunstâncias, resultar que se estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos os contratantes”. 67. No original: “interpretazione contro l’autore della clausola”. 68. No original: “[l]e clausule inserite nelle condizioni generali di contratto o in moduli o formulari predisposti da uno dei contraenti s’interpretano, nel dubbio, a favore dell’altro”. 69. No original: “meno gravoso per l’obbligato”. 70. Sobre a interpretação dos arts. 1.370 e 1.371 do Codice Civile, v. Franco Carresi, Dell’interpretazione del contratto, 132 e ss. 71. Como fez o Tribunal de Justiça de São Paulo ao dar concreção ao princípio hermenêutico do art. 131, 5, do Código Comercial [Ap. Cív. 084.441-4/1, j. 10.08.1999, rel. Des. Santarelli Zuliani].

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Por fim, a interpretação a favor do devedor é uma pauta de “correção” do ordenamento mercantil, favorecendo aquele em situação de desvantagem. Não se pode razoavelmente supor que, privilegiando uma regra aplicável exclusivamente aos contratos de adesão, o texto do Código Civil tenha deixado de positivar cânone hermenêutico bastante útil ao funcionamento do sistema de direito comercial. 8.6.4 Art. 421. Função social do contrato Estardalhaço tem sido feito quanto a esse ponto, dizendo que o Código Civil seria inovador ao retirar o contrato de sua visão individualista extremada, lançando-o na estrada de sua função social. Esse texto normativo expressa a concreção de princípio constitucional e de tradição identificada nos Tribunais. A função social do contrato está positivada na Constituição Federal de 1988: lembre-se que a liberdade de contratar é corolário necessário da afirmação da propriedade privada dos bens de produção, de modo que não há função social da propriedade sem função social dos contratos.72-73 Analisando a jurisprudência comercial brasileira de forma sistemática, é possível afirmar que as grandes linhas traçadas pelos julgados há muito se desprenderam de um espírito individualista, preocupando-se sempre com o impacto do contrato sobre o todo social, ao mesmo tempo em que se procura azeitar o fluxo de relações econômicas. Por essa razão, ao menos no que diz respeito ao direito comercial, a inovação trazida pelo art. 421 do Código Civil 72. Não se pode deixar de fazer referência às consistentes críticas de Junqueira de Azevedo sobre o Código Civil, que lançaria mão de elevado número de conceitos que “não têm conteúdo, são vazios do ponto de vista axiológico. Eles servem para retórica, e o mundo de hoje não se conforma mais com esses conceitos vazios” [O princípio da boa-fé nos contratos, 43]. A conclusão a que chega Junqueira de Azevedo é, no mínimo, estimulante: “Todo código implica um certo desgaste social e um trabalho muito grande para os operadores do Direito. O meu ponto de vista é que o Projeto de Código Civil é um pouco, só um pouco, mais adiantado do que o Código Civil vigente. Claro, porque um é de 1916 e o outro é de 1970. Porém, não concordo – tendo em vista as mudanças do mundo de hoje – em adotarmos, para o ano 2000, um Projeto, de 1970, por uma pequena melhora em relação ao Código Civil. Não vale, tudo posto na balança, o desgaste que isso representa e aquilo que vai resultar para nós. A questão não é só o Código Civil, e sim todo o Direito Civil, e o Direito Civil como está é superior ao Direito Civil como ficaria, se fosse aprovado o Projeto” [44]. 73. Sobre o tema, v. Leonardo de Faria Beraldo, Função social do contrato. Contributo para a construção de uma nova teoria e, também, Gerson Luiz Carlos Branco, Função social dos contratos.

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faz-se sentir mais na retórica dos advogados do que na modificação da realidade jurídica. Como exemplo, a construção da dissolução parcial das sociedades limitadas laborada ao longo das últimas décadas e em contínuo processo de evolução, ou mesmo a construção do princípio da preservação da empresa, orientador de tantas decisões pretorianas. Se a empresa gera riquezas, aumentando o grau de bem-estar, o contrato empresarial também cumpre essa função, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social do País. 8.6.5 Art. 114. Interpretação restritiva dos negócios benéficos e da renúncia. Interpretação restritiva da exceção Dispõe o art. 114 do Código Civil que “Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente”. Negócios benéficos não devem ser confundidos com gratuitos. Benéfico é algo que beneficia alguém. Em se tratando de empresas, presume-se que seus negócios são onerosos, ou seja, que o benefício eventualmente outorgado a alguém implica compensação de alguma espécie. Mas, na presença do benefício, a interpretação da concessão faz-se de maneira restritiva. O mesmo se deve dizer em relação à renúncia. Qualquer renúncia a direito há de ser tomada cum grano salis. Por exemplo, se a empresa, ainda que racionalmente, renuncia ao pagamento a que teria direito, a renúncia não poderá abranger algo não incluído no ato original. Essa regra aplica-se também às hipóteses de direitos garantidos pela Constituição Federal às empresas, como as liberdades econômicas. Cláusulas contratuais limitativas da livre-iniciativa, que de alguma forma restringem a atividade empresarial, bem assim aquelas que implicam fronteiras à livre competição, chamam interpretação restritiva, abrangendo o menor número de situações possíveis.74 De certa forma, todas essas regras desdobram-se de comando bastante antigo: exceções interpretam-se restritivamente. “Quando um ato dispensa de praticar […] ordem geral, assume o caráter de exceção, interpreta-se em tom limitativo, aplica-se às pessoas e aos casos e tempos expressos, exclusivamente”.75 Presume-se que as partes afastaram a regra dispositiva naquilo que não queriam que vinculasse; fora desse espaço acordado, segue a força da diretriz geral. 74. A questão será abordada com maior profundidade no capítulo sobre a incidência das regras constitucionais sobre os contratos empresariais. 75. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 4ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1.947, p. 285.

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8.6.6 Art. 157. Lesão/tendência de proteção à parte mais fraca Em vários de seus dispositivos, o Código Civil abriga tendência à proteção da parte mais fraca na relação contratual, destacando-se o art. 157, que dispõe sobre a lesão. É indispensável lembrar, mais uma vez, a lição de Cairu ao explicar o instituto da lesão no sistema de direito comercial. Em princípio, toda pessoa tem o direito de contratar validamente e “pode licitamente usar de sua industria, diligencia, e liberdade em quaesquer convenções permitidas, com tanto que não use de fraude, e violencia contra a pessôa com quem trata, ou contra terceiro, a quem destine prejudicar em seu direito”. Assim – segue Cairu – “póde no ajuste do preço tirar a possivel vantagem estipulando-a com franqueza e boa-fé”. Porém a “boa razão” impede que haja “abuso do domínio” ou de “qualquer outra faculdade humana, e social”. Sobretudo nas “transações do Commercio, que, por serem acceleradas, e peremptorias, muitas vezes se fazem na confiança da boa-fé do vendedor, suppondo-se que elle exige hum preço racionavel, e commum”. No entanto, “os Commerciantes são, ou sempre se presumem, habeis, atilados, e perspicazes em seus negocios: he-lhes por tanto inadmissivel allegarem lesão em tratos mercantis por escusa ou ignorancia. [...] Por tanto os que exercem a profissão de mercancia, não devem ser menos prudentes e circumspectos em seus tratos. [...] Mas, nas vendas de retalho ao povo, ainda que raras vezes se proponha causa de lesão, ella comtudo frequentemente acontece nos Paizes pobres, e immorigerados, com terrivel encargo de consciencia do vendedor, que se prevalece da sinceridade, boa fé, inexperiencia, ou simpleza, rusticidade, ou precisão do comprador”.76 Esse espírito vinha corporificado no revogado art. 220 do Código Comercial, que dispunha: “A rescisão por lesão não tem lugar nas compras e vendas celebradas entre pessoas todas comerciantes; salvo provando-se erro, fraude ou simulação”.77 Caio Mário da Silva Pereira, em monografia sobre a lesão, valendo-se das lições de Bento de Faria e de Carvalho de Mendonça, admite que, segundo a doutrina comercialista, o instituto não integra o sistema de direito mercantil. 76. Princípios de direito mercantil e leis de marinha, 504. 77. Igualmente, como vem positivado no Codice Civile e é lembrado por Caio Mário da Silva Pereira, o instituto da lesão não se aplica aos contratos aleatórios [Lesão nos contratos, 174].

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A reanimação do instituto da lesão em nosso sistema jurídico não pode ser empregada para aviltar o comércio jurídico. É o mesmo Caio Mário quem adverte: “Uma vez que o direito positivo forneça o meio de faltar o contratante à fé jurada, e venha em abono da atitude assumida pela parte inadimplente, é todo o comércio jurídico que sofre, é a insegurança que se institui como norma, é a infidelidade protegida pela lei que abala e ameaça todo o edifício do direito obrigacional, lançando o germe da desconfiança e do receio nos meandros da vida econômica”.78 É preciso cuidado para que o texto do Código Civil não acabe aplicado de forma tal a neutralizar as vantagens competitivas normais e desejáveis no mercado. Em linguagem mais tradicional, poderíamos falar na “normal álea do negócio”, que parece ter sido ignorada pelo Código Civil em alguns aspectos fundamentais. Além da questão da lesão, lembre-se da disciplina da onerosidade excessiva, positivada no art. 478 e ss. Ao contrário do art. 1.467 do Codice Civile,79 nosso diploma não contemplou expressamente as hipóteses em que a excessiva onerosidade subsume-se à “álea normal do contrato”. Ora, terá sido ignorada a “incerteza sobre a margem dos prejuízos ou do lucro superveniente”, que, em tal caso, presumir-se-ia “matéria de risco assumido, sendo por definição matéria de normal álea do contrato”?80 Preocupa a interpretação que pode ser dada ao art. 157 do Código Civil quando estiverem envolvidos negócios celebrados entre empresários. Será desconsiderada a força do contrato quando uma das partes “errar” na sua previsão? Tomemos empresa em difícil situação econômica que, para captar determinado parceiro comercial, resolve conceder-lhe grandes vantagens. O contrato poderá ser descartado, alegando-se a lesão? Qual agente econômico racional contratará com outro que passa por percalços financeiros? Se houver o negócio, o custo a ser suportado pela empresa em dificuldades não será agravado pela situação de incerteza jurídica trazida pelo novo texto legal? Maior o risco do negócio, maior o lucro esperado, sabem aqueles ligados ao torvelinho do mercado. 78. Princípios de direito mercantil, 110. 79. “Art. 1.467. Nei contratti a esecuzione continuata o periodica, ovvero a esecuzione differita, se la prestazione di una delle parti è divenuta eccessivamente onerosa per il verificarsi di avvenimenti straordinari e imprevidibile, la parte che deve tale prestazione può domandare la risoluzione del contratto con gli effetti stabiliti dall’articolo 1458. La risoluzione non può essere domandata se la sopravvenuta onerosità rientra nell’alea normale del contratto [...]”. 80. As expressões entre aspas são de Mario Bessone, Ratio legis dell’art. 1.467 Cod. Civ., risoluzione per eccessiva onerosità e normale alea del contratto, 390 e 391.

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Pensemos ainda em empresa que comercializa produtos perecíveis e resolve “queimar” seus estoques com data de vencimento próxima, vendendo-os a preços excessivamente baixos. Poderá o adquirente ter o negócio desconstituído? Esse dispositivo, se bem dosado pela jurisprudência, poderá mostrar-se útil ao tráfico e evitar, por exemplo, o abuso de dependência econômica. No entanto, como ainda não temos construção doutrinária sólida sobre essa questão, a aplicação do preceito no campo do direito empresarial há de ser cuidadosa, sob pena de transformar-se em instrumento de neutralização de vantagens competitivas. 8.7 As presunções na interpretação dos negócios entre empresas Vimos que as regras de interpretação foram identificadas e testadas ao longo de séculos; algumas acabaram positivadas no Código Civil. Esses cânones hermenêuticos longe estão de serem pautas estéreis, formais, desconectadas da realidade. Como método exegético, uma de suas principais funções sistêmicas é autorizar presunções jurídicas, ou seja, “juízos sobre a verdade de uma coisa, por uma consequência tirada de outra coisa, conforme o que ordinariamente acontece”; “consequências que a lei ou o magistrado tiram de um fato conhecido para um fato desconhecido”.81 Na dicção de Teixeira de Freitas, “a legítima dedução de um fato para o conhecimento da verdade de outro”.82 Apesar de todas as críticas que lhes podem ser feitas,83 as presunções jurídicas encurtam caminhos, economizam tempo e esforços de perscrutação. Trazem um “processo de raciocínio; a partir do fato conhecido permitem escolher, entre as hipóteses possíveis, a mais provável delas”.84 As presunções trabalham com probabilidades, com aquilo que ordinariamente ocorre em casos semelhantes. “Qui dit présomption, dit nécessairement probabilité”.85 Empregadas corretamente, aumentam a eficiência do processo hermenêutico, pois diminuem custos de transação relacionados aos negócios. 81. Código de Napoleão, art. 1349: “Les présomptions sont des conséquences que la loi ou le magistrat tire d’un fait connu à un fait inconnu”. 82. Vocabulário Jurídico, São Paulo, Saraiva, 1983 [1.883], 270. 83. Orlando Gomes, A crise do direito, 249. 84. A definição é da clássica obra de Roger Decottignies, Les présomptions en droit privé, 1950. No original: “Le présomption est le procédé de raisonnement qui, en partant du fait connu, permet de faire un choix parmi les hypothèses en présence pour ne retenir que la plus probable d’entre elles” [9]. 85. Roger Decottignies, Les présomptions en droit privé, 11 e 12.

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Em sua maioria, as regras interpretativas encerram presunções juris tantum, admitindo prova em contrário; são uma “conjectura provável”, que se toma por evidência se não for destruída por outra contrária.86 Por exemplo: a má-fé não se presume, mas, diante da constatação de sua existência, há de ser considerada. A presunção de que o agente agiu de boa-fé é derrubada diante do atestado da ocorrência da má-fé. A presunção de que, nos contratos empresariais, o contratante é homem ativo e probo, acostumado às práticas de mercado, é inafastável: ele sempre será assim considerado. Caso escape desse padrão, será sancionado. A presunção, aqui, é iuris et de iuris, “tendo-se verdadeira uma coisa, que se passará por tal, como se disso houvesse prova convincente”.87 Quando o ordenamento autoriza uma parte a supor que a outra adotará determinada conduta, desestimula o investimento exagerado na precaução contra comportamento diverso. Isso diminui os custos de transação no mercado e facilita o fluxo de relações econômicas. Por exemplo, se a lei garante sanção à parte que agir de má-fé, não é necessário que a outra persiga a repetição dessa regra do contrato. Sem qualquer pretensão de exaustão, trazemos os seguintes exemplos de presunções que assistem aos contratantes nos contratos empresariais: [i] a contraparte é agente econômico [empresa] acostumado ao giro mercantil; [ii] a contraparte agirá dentro dos padrões de mercado, mesmo sendo agente econômico sagaz, que persegue seu autointeresse; [iii] a contraparte não adotará comportamentos desleais, embora esteja autorizada a perseguir seu autointeresse com avidez; [iv] as partes agirão em conformidade com aquilo que julgam ter contratado; [v] eventualmente, a contraparte poderá descumprir a lei e o dever de boa-fé; ou seja, embora a lei coíba o comportamento desleal ou ilícito, este pode ocorrer; cabe à parte acautelar-se; [vi] por ser agente econômico ativo e probo, a contraparte valorou os riscos envolvidos no negócio, bem como as vantagens que dele possivelmente auferiria; [vii] a contraparte tem plena ciência da conduta que se comprometeu a adotar, das prestações que deve e que lhe são devidas; 86. Teixeira de Freitas, Vocabulário Jurídico, v. I, 271. 87. A definição de presunção juris et de jure é sempre de Teixeira de Freitas.

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[viii] a contraparte leu e concordou com os termos do instrumento que firmou, aceitando-os integralmente; [ix] a contraparte assumiu os riscos decorrentes da escolha de sua assessoria, bem como dos atos praticados por seus prepostos; [x] a contraparte conhece o negócio que está celebrando; [xi] as partes não entabularam o negócio para com ele ter prejuízos, mas podem vir a sofrê-los; [xii] as partes podem divergir no futuro; [xiii] as partes vincularam-se livremente; [xiv] as partes pretenderam vincular-se ao que contrataram – e não a outras coisas que não contrataram ou que não fazem normalmente parte daquele negócio; [xv] a contraparte avaliou os riscos inerentes ao negócio – ou optou por não investir nessa investigação, dentro de padrões razoáveis de comportamento; [xvi] a contraparte têm ciência de que seu grau de vinculação/dependência pode acentuar-se durante o negócio. Ao contrário do que sustentam muitos, nos contratos empresariais não existe a presunção de igualdade entre as partes, pois certa assimetria de poder é-lhes cada vez mais inerente. Há contratos paritários, mas numerosos são aqueles em que se encontra a dependência. Ninguém ignora que, quando contratam, raramente as partes encontram-se em situação de igualdade. A presunção do direito não é essa, e sim que as empresas analisaram o negócio e decidiram contratar, avaliando que as vantagens trazidas pela operação superam as desvantagens. Nesse ponto, as presunções jurídicas que cercam os contratos empresariais são bem diversas dos contratos consumeristas, pois são lógicas formatadas por ratio distintas.

9 INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL Interpretação a favor da livre-iniciativa e da livre-concorrência Sumário: 9.1 Princípios constitucionais, ordem jurídica do mercado e contratos empresariais – 9.2 Livre iniciativa – 9.3 Livre concorrência – 9.4 Liberdade de contratar – 9.5 Princípios constitucionais moldando os contratos empresariais – 9.6 Os contratos empresariais e a limitação voluntária das liberdades econômicas – 9.7 Princípios constitucionais e seu reflexo sobre os contratos empresariais – 9.8 Princípios constitucionais como regras de interpretação – 9.9 Princípios constitucionais como regras gerais dos contratos empresariais – 9.10 Ainda a questão dogmática: a força das regras gerais – 9.11 Aplicação da regra de interpretação em favor das liberdades econômicas. Alguns exemplos concretos: 9.11.1 A exclusividade; 9.11.2 Vedação à concorrência na alienação de estabelecimento comercial [art. 1.147 do Código Civil] e cláusula de não concorrência [“non compete”] contratada na alienação de controle de sociedade empresarial; 9.11.2.1 Função econômica e tipologia das cláusulas de não concorrência; 9.11.2.2 Trespasse de estabelecimento e alienação de controle; 9.11.2.3 Trespasse de estabelecimento e alienação de controle: diferentes disciplinas de non compete. Limitação do âmbito de aplicação do art. 1.147 do Código Civil; 9.11.3 A necessária interpretação restritiva das cláusulas de non compete – 9.12 O direito de não contratar e de pôr fim à relação contratual.

9.1 Princípios constitucionais, ordem jurídica do mercado e contratos empresariais No modo de produção capitalista, o direito instrumenta o desenvolvimento das relações de mercado.1-2 “[A] intervenção do Estado na vida econômica é um redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto para as empresas, identificando-se, em termos econômicos, com um princípio de segurança.”3 Na síntese de Eros Roberto Grau: “(i) a sociedade capitalista é essencialmente 1. Eros Roberto Grau, O direito posto e o direito pressuposto, p. 20. 2. “Legge intese a proteggere lo scambio mercantile si fano risalire ad ogni buon sovrano” [Berardino Libonati, La categoria del diritto commerciale, p. 9]. Eros Roberto Grau, O direito posto e o direito pressuposto, p. 278. 3.

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jurídica e nela o direito atua como mediação específica e necessária das relações de produção que lhe são próprias; (ii) essas relações de produção não poderiam estabelecer-se, nem poderiam reproduzir-se sem a forma do direito positivo, direito posto pelo Estado; (iii) este direito posto pelo Estado surge para disciplinar os mercados, de modo que se pode dizer que ele se presta a permitir a fluência da circulação mercantil, para domesticar os determinismos econômicos”.4 O direito comercial não é exceção, pois não é concebido para socorrer o agente isolado, mas o funcionamento do mercado; o interesse da empresa é protegido na medida em que implica o bem do tráfico mercantil. De fato, desde a sua origem, o direito comercial liga-se ao mercado, ordenando a dinâmica estabelecida entre os mercadores. Seu objetivo sempre se relacionou à tutela do tráfico econômico – ou seja, à defesa do “interesse geral do comércio”, na expressão de Carvalho de Mendonça –, e não dos comerciantes, individualmente considerados.5 Nessa linha, Teixeira de Freitas advertia que a proteção liberalizada pelo Código Comercial era em favor do comércio – e não dos comerciantes.6-7 Por todos, sempre Cairu: “A liberdade do Commercio não he huma faculdade concedida aos Negociantes para fazer o que quiserem; isso 4. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 32. Por sua vez, explica Fábio Nusdeo: “[...] não se conteve o Estado naquele papel de relativa neutralidade e platonismo. Aberto o caminho para a sua entrada no sistema, passa gradualmente a assumir um segundo papel, dentro do qual marca presença ao impor finalidades outras que não a de mero suprimento de condições para superar as imperfeições anteriormente apontadas. Trata-se, agora, de lograr a obtenção de objetivos de política econômica bem definidos para análise, impor-lhe distorções, alterá-lo, interferir no seu funcionamento, a fim de fazer com que os resultados produzidos deixem de ser apenas os naturais ou espontâneos, para se afeiçoarem às metas fixadas” [Fábio Nusdeo, Fundamentos para uma codificação do direito econômico, p. 25]. 5. A expressão é de Carvalho de Mendonça [Dos livros dos commerciantes, p. 6]. 6. Additamentos ao Codigo do Comercio, p. 322. 7. No mesmo sentido, Montesquieu afirma, em seu De l’esprit des lois, que os ingleses restringem o mercador, mas o fazem em favor do comércio: “La liberté du commerce n’est pas une faculté accordée aux négociants de faire ce qu’ils veulent; ce serait bien plutôt sa servitude. Ce qui gêne le commerçant ne gêne pas pour cela le commerce. C’est dans les pays de la liberté que le négociant trouve des contradictions sans nombre; et il n’est jamais moins croisé par les lois que dans les pays de la servitude. L’Angleterre défend de faire sortir ses laines; elle veut que le charbon soit transporté par mer dans la capitale; elle ne permet point la sortie de ses chevaux, s’ils ne sont coupés; les vaisseaux de ses colonies qui commercent en Europe, doivent mouiller en Angleterre. Elle gêne le négociant, mais c’est en faveur du commerce” [livro XX, capítulo XII, destacamos].

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seria antes sua real servidão. O que incommoda ao Commerciante, não grava por isso o Commercio”.8 Mesmo normas que tutelam empresas em situação de inferioridade, como a repressão ao abuso da dependência econômica, na realidade visam a incrementar as garantias para a atuação no mercado, impedindo que tenham lugar explorações desestimuladoras do tráfico. Poderíamos seguir analisando inúmeros institutos, desde a coibição do abuso do poder econômico até a disciplina dos contratos e das sociedades comerciais. Alcançaríamos sempre a mesma conclusão: o direito mercantil não busca a proteção dos agentes econômicos singularmente considerados, mas da torrente de suas relações. É preciso superar alguns preconceitos que, infelizmente, vêm se acentuando no Brasil, nestas épocas de polarização ideológica. O direito empresarial moderno não mais cultiva aquele “ranço privatístico”, de exacerbação das liberdades pelas liberdades, que marca sua historiografia9. Hoje, a função do direito comercial ata-se à implementação de políticas públicas, desdobrando-se também na determinação do papel que o mercado desempenhará na alocação dos recursos em sociedade. O mercado não existe sem o direito; seu desenvolvimento dar-se-á nos espaços deixados pelas regras jurídicas. Por isso, os limites e a função do mercado, do fluxo de relações econômicas, esboçam-se a partir do reflexo dos princípios constitucionais. Nesse prisma, os princípios constitucionais são a fôrma que primeiramente moldará o mercado. Por consequência, a Constituição Federal deve ser situada como elemento fundamental na interpretação dos contratos empresariais. Os princípios de organização do mercado fluem a partir do texto constitucional e não podem ser esquecidos na concreção dos negócios, em seu 8. José da Silva Lisboa (Visconde de Cairu), Principios de direito mercantil e leis de marinha, p. 875. 9. É bem verdade que o direito comercial marca-se por forte tradição liberal. Nessa toada, seu cerne seria constituído quase que exclusivamente por regras e princípios brotados da praxe dos agentes econômicos. A visão tradicional carrega consigo a ideia de que se deve evitar a intervenção sobre o mercado, entregando a disciplina das empresas a elas próprias: maior o espaço deixado à autonomia privada, mais azeitado seria o fluxo de relações econômicas. Essa visão é anacrônica. Hoje, reconhece-se a inafastável importância do Direito para a existência e disciplina do próprio mercado [Paula A. Forgioni, A Evolução do Direito Comercial Brasileiro: Da mercancia ao mercado, capítulo terceiro].

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dia-a-dia. Refiro-me, especialmente, às liberdades econômicas. As faculdades que delas emergem não são atribuídas aos agentes para que eles possam “fazer o que quiserem”, para “proteger uma classe”, mas a fim de que o mercado funcione adequadamente, gerando riquezas, impostos, empregos e bem-estar social. A Constituição Federal possui um inteiro capítulo dedicado à Ordem Econômica, no qual estão escritos os princípios norteadores da organização dos nossos mercados. Esses princípios, embora sejam instrumentais e devam coadunar-se com os objetivos maiores da República, marcam a ordem brasileira como uma economia de mercado, assentada na propriedade, na iniciativa econômica privada, na livre concorrência e na liberdade de contratar, tudo com base na legalidade10. É certo que o sistema econômico possui e produz falhas, assim como é indisputável que, para o equilíbrio das sociedades modernas, não basta o bom funcionamento do mercado. É preciso também proteger outros pilares essenciais ao bem-estar social, sem natureza imediatamente mercantil, que também estão postos pela Constituição. Mas, para tanto, a Constituição determina que exigências do bem comum sejam coadunadas com os princípios econômicos. É a Constituição que proíbe mero descarte arbitrário e ideológico de tudo que tem a ver com o “livre mercado”. Repita-se à exaustão: as vigas-mestras da ordem econômica também são importantes para o desenvolvimento social. Vejamos os traços básicos desses princípios ligados à ordem econômica, naquilo que influencia diretamente os negócios privados, sua formatação e interpretação. 9.2 Livre iniciativa A livre iniciativa é um dos fundamentos da República e da ordem econômica [cf. Art. 1º, IV e 170, caput, IV da Constituição Federal]. Tradicionalmente identificada com a “liberdade de comércio e de indústria”, “liberdade 10. “A economia de mercado tem na liberdade de iniciativa económica e de concorrência sua ‘marca genética’, na medida em que delas depende o livre jogo de Mercado conducente ao equilíbrio entre oferta e procura, ainda que a concorrência nunca tenha excluído a cooperação entre empresas. Estas noções básicas de mercado e de economia de mercado podem ser mais sofisticadas e representadas em modelos abstratos muito elaborados: modelos de mercados em concorrência pura e perfeita ou modelos de mercados em concorrência imperfeita, sendo estes os mais comuns. Seja qual for o caso, as características essenciais do mercado e da economia de mercado devem manter-se” [Maria Manoel Leitão Marques, Maria Elisabete Ramos, Catarina Frade e João Pedroso, Manual de introdução ao direito: saber Direito para entender o Mercado, p. 21].

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econômica, ou liberdade de iniciativa econômica, cujo titular é a empresa”,11 a livre iniciativa garante aos agentes econômicos ingresso ao mercado, à arena de disputas. A existência de adequado fluxo de trocas, de encontro entre oferta e demanda, depende da possibilidade de os indivíduos estabelecerem contratos. O papel central do princípio da livre iniciativa na economia capitalista é garantir que os agentes econômicos tenham acesso ao mercado e possam nele permanecer12, assegurando o acesso à contratação. Está visceralmente atado à liberdade de iniciativa econômica e à liberdade de empresa, que, por sua vez, significa a liberdade de lançar-se à atividade, desenvolvê-la e abandoná-la sponte propria.13 Encerra, ao mesmo tempo, a liberdade de contratar e a liberdade de concorrência, que serão adiante analisadas. O princípio da livre iniciativa deve ser lido em conjunto com aquele da legalidade, pois implicam verso e reverso da mesma medalha. A empresa é livre para agir, para empreender. Contudo, essa liberdade é limitada pela lei; o agente econômico privado pode empreender, é-lhe facultado organizar-se e contratar, desde que o faça dentro de parâmetros pré-estabelecidos. Com efeito, nenhum agente “será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” [art. 5º, II]. A empresa é livre para agir no espaço deixado pela lei, de forma que o texto normativo é, ao mesmo tempo, limite e garantia da sua liberdade. Em uma frase: a liberdade de iniciativa é uma viga mestra da nossa ordem econômica, mas é limitada pela legalidade. Um contraponto histórico faz-se útil para compreensão dessa relação entre liberdade de iniciativa e legalidade. Na Idade Média, o acesso ao mercado era minuciosamente regulado pelos estatutos das corporações de ofício, que impunham o monopólio da fabricação e da comercialização, regras de conduta e de polícia que neutralizavam a concorrência entre seus membros e, via de consequência, coibiam a possibilidade de captação da clientela alheia.14 11. Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 203. 12. Na dicção de Fábio Konder Comparato: “Liberdade de iniciativa comporta um duplo sentido: [...] Garante-se, de um lado, a livre criação ou fundação de empresas, ou seja, a liberdade de acesso ao mercado (art. 170, parágrafo único). [...] Mas protege-se, de outro lado, a livre atuação das empresas já criadas, isto é, a liberdade de atuação e permanência no mercado” [Regime constitucional do controle de preços no mercado, p. 18-19]. 13. Natalino Irti, Diritto e mercato, xvii. 14. Sobre os estatutos medievais, é definitiva a obra de Lattes, Il diritto commerciale nella legislazione statutaria delle città italiane [Alessandro Lattes, Il diritto commerciale nella

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Com a ascensão da burguesia, mostrou-se necessário ampliar os horizontes dos negócios e, assim, aumentar as oportunidades econômicas. Explicam-se assim as leis francesas que ceifaram as amarras medievais, em nome da liberdade. O princípio da liberdade de iniciativa econômica é originalmente posto no édito de Turgot, de 1776, e reafirmado plenamente no decreto d’Allarde, de 1791. A partir de 1º de abril daquele ano, “seria livre a qualquer pessoa a realização de qualquer negócio ou exercício de qualquer profissão, arte ou ofício que lhe aprouvesse, sendo, contudo, ela obrigada a se munir previamente de uma ‘patente’ (imposto direto), a pagar as taxas exigíveis e a se sujeitar aos regulamentos de polícia aplicáveis”. No mesmo ano de 1791, a Lei Le Chapelier reitera essa diretriz, ao proibir as corporações de ofício.15 A liberdade de iniciativa emerge para corporificar o ideal de libertação dos ligames das corporações medievais, abrindo espaço para o sistema de mercado que começava a se impor.16 Mas não apenas; historicamente, a busca pela liberdade de iniciativa significa também a revolta contra os privilégios tradicionalmente concedidos ou gozados pelo monarca. Liberdade de iniciativa evoca o aumento do espaço de atuação privada em face dos favorecimentos concedidos a apenas alguns agentes.17 legislazione statutaria delle città italiane, V. também Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 121 e s. e Levin Goldschmidt, Storia universale del diritto commerciale, especialmente, p. 117 e s.] A intenção monopolística das corporações é explicada por Tullio Ascarelli, Corso di diritto commerciale: Introduzione e teoria dell’impresa, p. 8. 15. Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 21. 16. “Nella tradizione europea la libertà di impresa si è manifestata, in prospettiva storica, come una reazione al sistema di barriere e controlli caratteristici dell’organizzazione economica medievale” [Giorgio Bernini, Un secolo di filosofia antitrust, p. 23-24]. 17. Uma das primeiras contestações de privilégios de que se tem notícia é relatada no conhecido Case of Monopolies, julgado na Inglaterra no ano de 1603. A rainha havia atribuído a Edward Darcy o monopólio da importação e da fabricação de cartas de jogo. Esse poder real de concessão de privilégios é contestado, alegando-se que a outorga de monopólios empobrecia o país, pois eles levavam ao aumento de preço, à diminuição da qualidade e do nível de atividade econômica da população em geral. No início do século XVII, o Parlamento inglês, visando a minar o poder do soberano, invoca argumentos calcados no princípio da liberdade de iniciativa: a concessão de privilégios para exploração exclusiva não deveria ser tolerada porque avilta o bom fluxo de relações econômicas, prejudica a população, eleva os preços, diminui a qualidade e impede o desenvolvimento de atividade econômica por terceiros. Após outras decisões no mesmo sentido, em 1610, é promulgado o Statute of Monopolies, disciplinando e reduzindo as hipóteses de concessão de privilégios pelo monarca. Sobre o Statute of monopolies e outras decisões contestando o poder real de concessão de monopólios, v. Harold Fox, Monopolies and patents, p. 113 e s.

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Desde sua origem, a livre iniciativa está ligada à liberdade de atuação e ao repúdio de privilégios, da proteção de alguns em detrimento de outros. Não há empreendedorismo e desenvolvimento sem livre iniciativa. A empresa, de uma startup até a Petrobras, ao buscar o lucro, gera riqueza. Mas a liberdade de iniciativa nunca foi e não é ilimitada. “Duas limitações de caráter geral sempre a confinaram: a ordem pública e os bons costumes”.18-19 Nem a mais liberal das economias prescinde de certa regulação da atuação empresarial. Pode-se debater o grau de contenção da iniciativa privada que se entende ideal – e isso é uma questão de política pública. Os mais liberais defenderão o mínimo de intervenção. Outros buscarão regulação mais marcada. Mas ninguém pode seriamente defender o fim de qualquer lei de formatação do mercado pelo Direito. O sistema de mercado não existe sem fronteiras às atividades de seus agentes.20 9.3 Livre concorrência Retomemos o conceito técnico de concorrência, firmado com base nas observações de Max Weber: “[d]izemos que há mercado quando há competição [...] por oportunidades de troca”.21 Por força do princípio da livre concorrência, aos agentes econômicos é assegurada a garantia da disputa,22 ou seja: 18. Orlando Gomes, Contratos, p. 27. 19. Mesmo os autores liberais admitem que “i poteri pubblici, anche sposando una politica assai liberale e concedendo quindi alle imprese la più ampia autonomia, non potranno mai rinunciare, a pena d’anarchia, né ad un intervento preventivo di tipo regolatore, che di solito compie il Parlamento su impulso del Governo dettando coordinate e confini, né ad interventi moderatori, che, pur previsti da leggi, sono per lo più contenuti in atti amministrativi” [Vincenzo Buonocore, L’impresa, p. 162]. 20. Na dicção de Grau: “Nem mesmo na sua origem, se consagrava a liberdade absoluta de iniciativa econômica. Vale dizer: a visão de um Estado inteiramente omisso, no liberalismo, em relação à iniciativa econômica privada, é expressão pura e exclusiva de um tipo ideal. Pois medidas de polícia eram impostas neste estágio, quando o princípio tinha o sentido de assegurar a defesa dos agentes econômicos contra o Estado e contra as corporações. [Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 203]. 21. Na tradução inglesa: “A market may be said to exist wherever there is competition, even if only unilateral, for opportunities of exchange among a plurality of potential parties” [Max Weber, Law in economy and society, p. 191]. 22. Nas palavras de Francesco Ferrara: “Come il soggetto è libero di indirizzare la sua attività a qualsiasi settore, quindi per la produzione di qualsiasi bene o servizio (salvo i divieti di legge), così è libero di indirizzarla anche in quei settori, dove operano già produttori economici. La circostanza che un soggetto abbia iniziato per primo

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[i] que poderão disputar trocas com os outros agentes econômicos; e [ii] que não terão suas oportunidades de troca indevidamente subtraídas por terceiros. É preciso admitir que “a concorrência, ainda que lícita, prejudica os concorrentes, pois faz com que o empresário acabe por auferir lucros menores, força o cuidado com a qualidade do produto e gera a necessidade de investimentos para que o agente econômico possa manter-se no mercado, competindo”23. Explica-se a célebre afirmação de Jhering no sentido de que a concorrência é o “regulador espontâneo do egoísmo”.24 Observava Ascarelli: “A concorrência obriga os produtores a procurarem, constantemente, a melhoria de seus produtos e a diminuição do preço de custo”25. Deixada no exercício de sua atividade sem pressões competitivas, a empresa tende a obter o maior lucro possível e a explorar a coletividade. Todo o cidadão brasileiro tem noção das penúrias a que está sujeito quando se depara com um monopólio. Se ao adquirente for garantida a opção de escolha entre os bens oferecidos por vários agentes econômicos, eles serão forçados a disputar a oportunidade de troca e aquele que oferecer melhores condições ganhará o contrato. Ao mesmo tempo em que é nociva ao agente, a concorrência indica o caminho pelo qual ele poderá atrair novas oportunidades de negócios, aumentando a perspectiva de obtenção de proveito econômico. A fim de incrementar o volume de operações, a empresa deve desfrutar de novas oportunidades de troca. Para obtê-las, de duas uma: ou as subtrai de outros agentes ou as cria. Em ambas as hipóteses deverá competir. A disputa é essencial para o desenvolvimento das atividades empresariais e, apenas nessa medida, desejada pelo agente econômico. A empresa não aprecia a concorrência; suporta-a porque esta é a forma admissível de conquistar mercado e de aumentar os lucros. la produzione di beni o servizi, salvo che ricorrano i presupposti per la costituzione di una esclusiva a suo favore, non impedisce ad altri di fare altrettanto e quindi che successivamente il primo venga a concorrere con altri sul mercato” [La tutela della libertà della concorrenza nel diritto italiano, AAVV La libertà di concorrenza, Milano, Giuffrè, 1970, p. 17]. 23. Paula A. Forgioni, Os fundamentos do antitruste, 9ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, cit., pp. 324-325. 24. Rudolf von Jhering, p. 140. 25. Tullio Ascarelli, “Os Contratos de cartel e os limites de sua legitimidade no direito brasileiro”, Ensaios e pareceres, p. 223.

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Nossa Constituição enxerga a concorrência como um fator de produção de externalidades positivas, capaz de colaborar no funcionamento do sistema econômico, diminuindo preços e aumentando a qualidade do produto ou do serviço oferecido aos consumidores.26 Tem-se, aí, um dos mais fortes pilares da ordem econômica constitucional [art. 170, caput, inciso IV]: para o bem da coletividade, os agentes econômicos devem disputar, devem concorrer. 9.4 Liberdade de contratar O princípio da autonomia da vontade liga-se à liberdade de contratar,27 que, por sua vez, deriva do princípio da livre iniciativa.28 Uma das faces do princípio constitucional da livre iniciativa é a garantia ao agente econômico de que sua vontade importará [autonomia da vontade], preservando-se sua liberdade de contratar e de não contratar. Regra geral, no campo da autonomia privada, a Constituição Federal garante à empresa que não será obrigada a contratar com quem não quiser, da mesma forma que poderá escolher a quem se vincular. 26. Na lição de Hayek: “A concorrência, quando não obstada, tende a ocasionar um estado de coisas em que: primeiro, alguém produzirá tudo o que for capaz de produzir e vender lucrativamente a um preço em que os compradores preferirão seu produto às alternativas existentes; segundo, tudo que se produz é produzido por alguém capaz de fazê-lo pelo menos a um preço tão baixo quanto o de quaisquer outras pessoas que na realidade não o estão produzindo; e, terceiro, tudo será vendido a preços mais baixos, ou pelo menos tão baixos quanto aqueles a que poderia ser vendido por qualquer pessoa que de fato não o faz” [Friedrich A. Hayek, Direito, legislação e liberdade, vol. III, p. 78]. 27. Na clássica sistematização de Messineo, o princípio da liberdade de contratar desdobra-se [i] na vedação de qualquer das partes impor à outra o regramento contratual, pois o conteúdo do contrato deve ser resultado do debate entre elas; [ii] liberdade de fixar o conteúdo do contrato; [iii] liberdade de derrogar normas supletivas; [iv] liberdade de estabelecer a disciplina a que estarão sujeitas (i.e., liberdade de estipular contratos normativos) e [v] liberdade de celebrar contratos inominados [Francesco Messineo, Dottrina generale del contratto, p. 11-12]. 28. Para Orlando Gomes, a liberdade de iniciativa significa “o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica. No exercício desse poder, toda pessoa capaz tem aptidão para provocar o nascimento de um direito, ou para obrigar-se. [...] O conceito de liberdade de contratar abrange os poderes de autorregência de interesses, de livre discussão das condições contratuais e, por fim, de escolha do tipo de contrato conveniente à atuação da vontade. Manifesta-se, por conseguinte, sob tríplice aspecto: a) liberdade de contratar propriamente dita; b) liberdade de estipular o contrato; c) liberdade de determinar o conteúdo do contrato” [Orlando Gomes, Contratos, p. 25-26].

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O sistema de mercado baseia-se em trocas, que somente vêm à luz a partir da celebração de contratos. Para que possa haver trocas e associações, os agentes econômicos devem interagir, estabelecer vínculos entre si. Vínculos significam compromissos perante terceiros. Os contratantes comprometem-se reciprocamente, isto é, “prometem com” o outro e para o outro. De outra parte, a fluência das relações econômicas exige a garantia da execução dos contratos, ou seja, que não seja dada guarida ao comportamento oportunista da parte que rompe o negócio após a sua celebração. A máxima pacta sunt servanda coloca-se como um dos principais pilares da economia de mercado porque, fosse dado ao agente desvencilhar-se do liame que voluntariamente assumiu, o tráfico simplesmente não poderia seguir. Não há disputa pelas oportunidades de troca se não houver liberdade de contratar. Note-se bem: a afirmação de que a concorrência significa a disputa pela oportunidade de troca implica o reconhecimento de que ela é a disputa pela celebração de um contrato. A assertiva de que o bom funcionamento do sistema requer a exposição a oportunidades de troca denota que é preciso garantir oportunidades de contratar aos agentes econômicos. Sem a liberdade contratual, o sistema de mercado não se sustentaria: “The legal principle of contractual liberty and the elaborate rules of contract law are the prerequisite for the development of complex economic market transactions”.29 A sociedade existe porque há negócios, porque os agentes econômicos podem buscar a satisfação de suas necessidades. “Não poderia durar muito uma sociedade em que se mantivesse invariável a distribuição dos bens existentes num dado momento”.30 Os contratos instrumentalizam esse processo, ao darem às empresas a oportunidade de escolher com quem contratar, como contratar e o conteúdo do pacto. A autonomia privada/liberdade de contratar são, assim, fundamentais para o sistema contratual, servindo ao seu funcionamento.31 Novamente: isso não significa que a liberdade de contratar seja irrestrita; mesmo no campo do direito comercial, ela se põe como limitada [lembre-se, por exemplo, da necessidade de controle das externalidades negativas e de incentivo das positivas]. Porém, é inegável que, de todas as áreas do direito, a empresarial mostra-se a arena na qual a liberdade assume quadrantes mais largos. 29. Terence Daintith e Gunther Teubner, Sociological jurisprudence and legal economics: risks and rewards. In: AAVV. Contract and organization: legal analysis in the light of economic and social theory, p. 3. 30. Emilio Betti, Teoria geral do negócio jurídico, p. 94. 31. Emilio Betti, Teoria geral do negócio jurídico, p. 91-92.

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A compreensão do modus operandi do sistema exige que reconheçamos as seguintes correspondências entre princípios constitucionais e fatores catalisadores do fluxo de relações econômicas: [i] a livre iniciativa garante ao agente econômico o acesso ao campo das contratações, à arena de trocas; [ii] a livre concorrência garante a disputa pela oportunidade de troca; [iii] a liberdade de contratar garante que o agente econômico poderá realizar essas trocas, organizar-se e celebrar contratos. Todas essas liberdades e as faculdades que delas derivam, porém, hão de ser exercidas sempre nos limites da legalidade. O problema é que, somente neste século, a cultura da concorrência e mesmo da livre iniciativa espalhou-se no mundo empresarial e jurídico brasileiro. Antes da chamada “abertura” de nossa economia, as políticas públicas fincaram-se no dirigismo e na coordenação dos agentes, sob a batuta do Estado. Até hoje, muitas são as faculdades de direito que não inseriram direito concorrencial em suas grades. Piorando o quadro, a imagem transmitida pelo Código Civil é a de uma economia intervencionista, própria da Itália dos anos 30 e 4032, onde as associações anticompetitivas eram vistas com bons olhos33. Nos grandes escritórios de advocacia, não raro as áreas de direito concorrencial e de direito contratual/societário trabalham de forma independente. Como resultado, os profissionais não são treinados para aplicar o art. 170, caput, IV da Constituição no dia-a-dia das relações empresariais. Advogados, doutrina, árbitros e jurisprudência estatal dão lugar a uma visão turva, embaçada, como se os ditames postos na Constituição tivessem sua serventia limitada a argumentar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de leis e da regulação em geral, e devessem ser invocados perante os tribunais somente para garantir as liberdades econômicas das empresas contra o Estado. Ignora-se que os princípios constitucionais econômicos incidem diretamente sobre os negócios privados, deixando-se à deriva uma das mais importantes pautas de interpretação dos contratos: aquela que, em caso de dúvida, manda-os preferir a interpretação a favor da liberdade e da concorrência. 32. Paula A. Forgioni, A Evolução do Direito Comercial Brasileiro: Da mercancia ao mercado, p. 47 e s. 33. Tullio Ascarelli, Consorzi volontari tra imprenditori, 2. ed., Milano: Giuffrè, 1937.

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9.5 Princípios constitucionais moldando os contratos empresariais Os princípios constitucionais incidem plena e diretamente sobre as relações privadas, formatando o mercado e sua ordem jurídica. Por isso, a interpretação deve dar-se em harmonia com os comandos constitucionais. A regra geral constitucional é pela livre iniciativa, que impulsiona e embasa a disciplina da ordem econômica e a atuação das empresas, consagrando a liberdade de estabelecimento e de atuação dos agentes, nos termos do inciso IV do art. 1º e do caput do art. 17034-35. O mesmo se deve dizer sobre a livre concorrência, corolário da livre iniciativa. O norte é sempre a favor da competição, posta no inciso IV do mesmo art. 17036. 9.6 Os contratos empresariais e a limitação voluntária das liberdades econômicas Bem posto que o princípio constitucional é pro-liberdade, uma questão emerge naturalmente: pode haver restrição às liberdades econômicas? Caminhando em direção a um menor grau de abstração, perfilado ao quotidiano dos agentes econômicos, pergunta-se: em quais situações a empresa há de ser obrigada a adotar determinado comportamento? 34. Art. 1º A República Federativa do Brasil [...] tem como fundamentos: [...] IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]. (grifo nosso); 35. “O princípio da livre-iniciativa, tradicionalmente identificado com a ‘liberdade de comércio e de indústria’, ‘liberdade econômica, ou liberdade de iniciativa econômica, cujo titular é a empresa’, garante aos agentes econômicos ingresso ao mercado, à arena de disputas. A existência de adequado fluxo de trocas depende do acesso dos indivíduos à oportunidade de oferecer oportunidades de troca, estabelecendo contratos. Eis o papel central do princípio da livre-iniciativa na economia capitalista: garantir que os agentes econômicos tenham acesso ao mercado e possam nele permanecer. O princípio da liberdade de iniciativa econômica implica a liberdade de empresa, que, por sua vez, significa a liberdade de lançar-se à atividade, desenvolvê-la e abandoná-la sponte própria” [Paula A. Forgioni, A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado, p. 145]. 36. “[...] esclareça-se que a ordem econômica, segundo o modelo constitucional brasileiro, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por finalidade assegurara a todos existência digna, no rumo da justiça social, objetivos que deverão ser atingidos mediante a observância dos princípios enumerados nos incisos I a IX do art. 170 da Constituição. Um desses princípios, por isso mesmo viga mestra do sistema econômico, é o da livre concorrência [...]” [ADI nº 1094-8, Rel. Ministro Carlos Velloso, Medida liminar indeferida em 21 de setembro de 1.995].

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A resposta envolve duas situações: – a empresa pode ter sua liberdade e comportamento limitados pela lei, pois lhe é defeso empreender fora dos limites postos pelo ordenamento jurídico; volta-se, aqui, ao princípio da legalidade; e – a empresa pode ter sua liberdade e comportamento limitados pela sua própria vontade, desde que o faça nos quadrantes do direito. Viu-se acima que as liberdades são a regra geral, mas outra escolha política pode ser tomada, também baseada em princípios constitucionais. Ao mesmo tempo em que estabelece que as liberdades devem imperar nos mercados, a Constituição reconhece possível, para atingir os fins maiores da República [art. 1º] ou aqueles explicitados no art. 170, o sacrifício total ou parcial das liberdades em certos setores, submetendo-os a regramento diverso. No campo das leis que restringem as liberdades, a inconstitucionalidade é uma questão de limites e não de possibilidade de existência. O sistema jurídico cobra a legalidade do objeto dos contratos empresariais. Aos agentes econômicos não é permitido contratar tudo, da forma que bem entendem. Se violarem a lei, o objeto do pacto será ilícito e não se colocará ao abrigo do ordenamento. A regra posta pelo art. 104, II, do Código Civil é uma das mais importantes na formatação da ordem jurídica do mercado: são inválidos contratos cujo objeto for ilícito. Os licitantes não podem fazer contratos para combinar o preço que oferecerão em suas propostas. É defeso aos fabricantes pactuar entre si a divisão do mercado e assim por diante. Ao menos no Brasil, não se pode organizar uma empresa para comercializar órgãos humanos. A fabricação de brinquedos deve respeitar regras de segurança para crianças. Em todos esses casos, há leis específicas que vedam certos comportamentos, fulminando de nulidade os pactos que os tenham por objeto. Contudo, como indicado, há o reverso da medalha. Nos limites da legalidade, os agentes podem contratar e dispor de suas liberdades econômicas, insculpidas na Constituição Federal. É neste campo que nascem, desenvolvem-se e terminam os ajustes entre as empresas. Os negócios privados empresariais podem estabelecer limitações voluntárias à sua própria liberdade. Uma das principais funções dos contratos é viabilizar, do ponto de vista jurídico, a autocontenção futura do comportamento dos agentes. A indústria que, em dezembro, garante à outra que fornecerá 20 toneladas de açúcar em março, voluntariamente limita seu comportamento futuro, vinculando-se à prestação. Em março, ela não “poderá fazer o que quiser”, pois haverá de entregar as 20 toneladas que prometeu. Contrata-se

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hoje para garantir à contraparte que, no futuro, adotar-se-á o comportamento prometido. Às empresas é facultado limitar sua liberdade, prendendo-se, pelo contrato, a compromissos futuros. Na medida em que o contrato é indispensável não apenas à coesão social, mas à existência de uma economia de mercado, essa vinculação voluntária é relevante para o sistema e fortemente protegida pelo ordenamento jurídico [pacta sunt servanda]. Nas últimas décadas, o Brasil tem assistido àquilo que já se chamou de “farra dos princípios”, na feliz expressão cunhada por Ronaldo Porto Macedo Jr.. Ao estudar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tem-se a impressão de que toda decisão é possível, bastando justificá-la. Com tal escopo, arruma-se algum princípio ou se faz alguma “ponderação” entre eles. Olvida-se que a legalidade é uma conquista da humanidade e que nos afastar dela é perigoso. 9.7 Princípios constitucionais e seu reflexo sobre os contratos empresariais Os princípios constitucionais, ao se colocarem diante dos negócios privados, produzem duas ordens de consequências, agindo como [i] pautas de interpretação e [ii] comandos gerais a serem seguidos pelos operadores do direito. Desprezando a confusão teórica que se tem feito, lembremos que os princípios jurídicos são normas com grau de abstração mais elevado, enquanto que as regras tendem a uma concreção maior, abrangendo menor espectro de situações. Ao se aproximarem dos contratos empresariais, os princípios transformam-se em algo bem menos abstrato, iluminando aquele específico caso/negócio que será objeto de interpretação. A técnica jurídica é refinada e merece atenção. O princípio constitucional, ao incidir na realidade do contrato empresarial, transforma-se em diretriz interpretativa. Assim, por exemplo, o princípio da livre iniciativa tem a ver com liberdade e com autonomia. Quando trazido para um contrato, manda que seja preferida a interpretação a favor da liberdade e da autonomia. Ao mesmo tempo, o princípio constitucional solidifica-se em um comando geral de idêntica direção, que exige acordo expresso das partes para ser afastado. Vejamos cada um desses reflexos separadamente. 9.8 Princípios constitucionais como regras de interpretação Na encruzilhada da interpretação, se a vontade das partes não estiver expressa de forma clara, se houver confusão, dúvidas, a solução há de preferir as diretrizes postas pelos princípios constitucionais. Daí ser necessário

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reconhecer a existência de uma regra de interpretação contratual a favor das liberdades econômicas e, especialmente, da livre iniciativa e da livre concorrência: quando houver mais de um entendimento possível do texto/contexto contratual, aquele contra as amarras haverá de prevalecer. Essa pauta não deixa de representar uma modernização da diretriz que prestigia a liberdade, posta há muito pelo brocardo Odiosa restringenda, favorabilia amplianda. “Restrinja-se o odioso; amplie-se o favorável. Refere-se a que, em princípio, as disposições que restringem direitos devem ser devem ser interpretadas de forma estrita”37. O que evolui, agora, é seu fundamento, que passa a repousar também na Constituição Federal, amparando visão favorável às liberdades econômicas. 9.9 Princípios constitucionais como regras gerais dos contratos empresariais Se os princípios constitucionais que protegem as liberdades econômicas mostram-se pautas gerais, qualquer restrição a essas garantias/liberdades configurará sempre exceção38 e, como tal, há de ser tomada cum grano salis. “Quando um ato dispensa de praticar […] ordem geral, assume o caráter de exceção, interpreta-se em tom limitativo, aplica-se às pessoas e aos casos e tempos expressos, exclusivamente”39. No prisma dogmático, temos que a diretriz geral é pró-concorrencial/ pró-liberdade; as restrições constituem não apenas exceção, mas verdadeira renúncia do agente a uma liberdade constitucionalmente garantida, que clama por interpretação restritiva. O art. 114 do Código Civil também compõe esse quadro: “Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente”. 9.10 Ainda a questão dogmática: a força das regras gerais A colocação das liberdades econômicas constitucionais como comandos gerais longe está de ser meramente teórica, produzindo consequências econômicas relevantes para os contratos empresariais. 37. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 300. 38. Cf. Paula A. Forgioni, Os fundamentos do antitruste, p. 220. Na mesma linha, v.: Lei Antitruste e leis que autorizam práticas restritivas da concorrência. In: Eros Roberto Grau; Paula Forgioni, O Estado, a empresa e o contrato, p. 187-208. 39. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 285.

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Vimos, no capítulo referente aos vetores de funcionamento dos contratos, que as regras gerais são fundamentais na dinâmica dos negócios e no processo de barganha. Para se evadir da regra geral, a parte costuma pagar, especialmente nas negociações travadas entre agentes econômicos sofisticados. Deixá-la haver a mesma vantagem sem a respectiva contraprestação é intervir no esquema de custos e riscos que os agentes econômicos livremente desenharam. Nos contratos empresariais, o intérprete que assim procede está aviltando o pacta sunt servanda e pode resvalar no julgamento por equidade, trocando a vontade das partes por aquilo que entende “justo”. Para o direito comercial, o agente econômico é ativo e probo, habituado ao mercado em que atua. Há de se presumir que assumiu os riscos da falta de contratação expressa de uma exceção à regra geral, até mesmo porque optou por não despender recursos na barganha do ponto específico. Calar-se e, posteriormente, procurar levar vantagem, estendendo as restrições para além do contratado, é conduta oportunista. Não age de boa-fé quem pretende algo em desacordo com a regra geral, seja posta pelo direito, seja reconhecida como usualmente ligadas àquela restrição. 9.11 Aplicação da regra de interpretação em favor das liberdades econômicas. Alguns exemplos concretos A regra de interpretação pró-concorrencial e pró-liberdade de iniciativa traz soluções importantes e relativamente simples para alguns problemas cada vez mais comumente encontrados na prática do direito empresarial. Proponho a análise de três exemplos. 9.11.1 A exclusividade A exclusividade é uma estipulação inserida nos mais variados contratos e, embora assuma uma pluralidade de significados, geralmente estabelece a proibição de a parte realizar negócios com terceiros, tornando-se “exclusiva” da outra, por certo período. A exclusividade implica restrição à liberdade do agente que se vincula e também àquela de terceiros, que com ele não poderão mais contratar. Quem aceita ser exclusivo está “fora do mercado”, longe do alcance dos concorrentes da empresa que se beneficia com a restrição. Tanto assim que, na área do direito concorrencial, esses dispositivos são considerados exemplos clássicos de restrição vertical, ou seja, de restrição posta à concorrência e à liberdade

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de atuação da empresa40. “La clausola di exclusiva rientra pertanto nei patti limitativi dela concorrenza”41, ensina a doutrina especializada. É uma renúncia à liberdade por parte daquele que se vincula a somente comerciar com outro e que impacta diretamente o campo de atuação de terceiras empresas. Reconhecendo-se a exclusividade como uma restrição concorrencial e de ação no mercado, percebem-se duas consequências relevantes. A primeira delas é que a exclusividade não pode ser presumida; há de derivar da lei ou da vontade das partes. A regra é a liberdade de contratar; para afastá-la é preciso expresso dispositivo legal ou acordo voluntário no sentido de sua limitação. A segunda é que sua interpretação há de ser restritiva. Primeiro, porque implica exceção à regra geral – e às exceções, vimos antes, não pode ser dada interpretação extensiva; depois, porque é uma renúncia a um direito, chamando a incidência do art. 114 do Código Civil. 9.11.2 Vedação à concorrência na alienação de estabelecimento comercial [art. 1.147 do Código Civil] e cláusula de não concorrência [“non compete”] contratada na alienação de controle de sociedade empresarial 9.11.2.1 Função econômica e tipologia das cláusulas de não concorrência Nas compras e vendas que envolvem sociedades comerciais e seu patrimônio, tornou-se bastante usual a aposição de cláusula que estabelece a obrigação de não reestabelecimento ou de não concorrência, chamada, também, de “non compete”. Por meio dela, aquele que aliena fica proibido de oferecer concorrência ao comprador, por determinado período de tempo e/ou em certo mercado. Restringe-se, por vontade das partes, a concorrência entre o vendedor e o comprador, reduzindo-se o risco de retorno não satisfatório do investimento. 40. A exclusividade posta em contratos celebrados entre fornecedores e distribuidores [chamados, no direito da concorrência, de acordos verticais] é um dos principais focos de estudo e regulação antitruste. Sobre a definição e os efeitos da exclusividade nos contratos de distribuição, bem assim para o panorama do direito brasileiro, europeu e norte-americano, v. Paula A. Forgioni, Contrato de Distribuição, p. 163. 41. Gianluca Ronchetti e Valeria Carfí, Il patto di esclusiva, p. 13.

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A justificativa é viabilizar a transferência para o novo proprietário da efetiva da capacidade de gerar lucros da organização42-43. A expansão e mesmo a manutenção da empresa tornam-se mais penosos em um mercado onde há concorrência pela disputa da clientela. Não espanta, portanto, que os adquirentes busquem diminuir o grau de concorrência a ser oferecido por agente econômico que já conhece o ramo de negócios, inserido em uma profícua e cobiçada teia contratual. Há vários tipos de cláusulas de non compete. Naquela mais usual, ajusta-se que certas pessoas físicas [antigos controladores e diretores da empresa vendida, por exemplo] não se lançarão em negócio semelhante ao alienado. Em outras, as pessoas jurídicas estão envolvidas, colocando-se a restrição sobre a atividade de sociedades e/ou de empresas ligadas. Trata-se de prática absolutamente disseminada, em que as partes estipulam cláusula expressa no instrumento do contrato, ajustando a restrição. Há, também, outros cenários/contratos nos quais nada se estipula; as partes restam silentes sobre a concorrência pós-operação. Essas hipóteses trazem consequências jurídicas diversas e, portanto, merecem estudo separado. Por força da nossa regulação específica [art. 1.147 do Código Civil], também é necessário apartar dois tipos contratuais distintos: o trespasse de estabelecimento comercial, de um lado, e a alienação de controle de sociedades limitadas ou anônimas, de outro. 42. A jurisprudência deixa bem claro que os agentes econômicos, mediante a aposição de tal cláusula, visam a diminuir o grau de competição entre eles. Por exemplo, no ano de 1.993, afirmou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “[n]a cessão e transferência de empresas ou de quotas sociais, é licita a proibição de os cedentes, durante prazo determinado, se estabelecerem, em nome próprio ou de terceiros, com o mesmo ramo que exerciam, a fim de evitar concorrência” [Apelação n. 203.158-2/8, Revista dos Tribunais 702:88]. 43. Por isso afirma a doutrina italiana sobre a restrição de que ora tratamos: “Al’imprenditore è consentito, in tal modo, di utilizzare come valore di scambio anche il proprio sucesso negli affari; egli consegue, come “maggior valore” dell’azienda, una somma che rappresenta il prezzo di una entità estranea, a rigore, all’azienda”.O comentário é feito a pretexto do art. 2.557 do Codice Civile, que prevê dispositivo análogo ao art. 1.147 do novo Código Civil brasileiro [Comentario al Codice Civile, diretto da Paolo Cendon, Torino, UTET, 1.991, p. 1.421]. Art. 2.557, in verbis: “[c]hi aliena l’azienda deve astenersi, per il periodo di cinque anni dal trasferimento, dall’iniziare una nuova impresa che per l’oggetto, l’ubicazione o altre circostanze sia idonea a sviare la clientela dell’azienda ceduta [...]”.

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9.11.2.2 Trespasse de estabelecimento e alienação de controle Ninguém tem dúvidas de que, nas sociedades personificadas [especialmente nas sociedades anônimas e nas sociedades limitadas], o patrimônio dos sócios não se confunde com aquele da sociedade. Exemplifiquemos com um esquema societário simples. Na cidade de Gramado, situa-se uma grande fábrica de acessórios de couro, que produz os sapatos da renomada marca Schulptz. O povo da cidade pensa que o prédio e seus maquinários pertencem à Sra. Beatriz, mulher muito ativa que está à frente dos negócios, conversa com os empregados, dá ordens e até desenha alguns modelos. No mundo do direito e de suas ficções jurídicas, o quadro que se apresenta é diverso. A Sra. Beatriz é a controladora da Schulptz, detendo 70.000 ações ordinárias de emissão da Schulptz S.A., representando 70% de seu capital com direito a voto. Os outros 30% pertencem à sua filha Isabela, que atualmente reside em Portugal. A Sra. Beatriz não é “dona” da empresa, do prédio, do estabelecimento, do maquinário, dos moldes, da tecnologia, do know-how etc. Tudo pertence à Shulptz S.A. A Sra. Beatriz resolve aposentar-se, juntando-se à sua filha, em Portugal. Agrada-lhe muito mais gozar do azul céu de Lisboa do que enfrentar as infinitas crises da economia brasileira. Do ponto de vista jurídico, a Sra. Beatriz tem duas opções: – alienar as ações de que é titular; ou – fazer praticar todos os atos societários e administrativos necessários para que a Shulptz S.A. aliene o estabelecimento fabril. A escolha de uma ou outra forma de negócio [venda do estabelecimento ou do controle] envolve variáveis, especialmente de ordem trabalhista e tributária, que não nos interessam no presente texto. O que importa notar é que a Sra. Beatriz não conseguiria vender o estabelecimento, simplesmente porque não lhe pertence. Escolhido fosse esse modelo de negócio, ele seria necessariamente efetivado pela sociedade Shulptz S.A. Caso prefira vender as ações que lhe pertencem, o estabelecimento continuará a pertencer à Shulptz S.A., que terá um novo acionista controlador. Nada se alterará em relação à propriedade do estabelecimento, pois o patrimônio da Shulptz S.A. não sofrerá qualquer modificação. No passado, eram mais comuns as vendas diretas de estabelecimento, chamadas tecnicamente de “trespasse”. Hoje, entre nós, grassam as compras e vendas de participações envolvendo controle das sociedades. Em negócios de porte, se a operação não for alardeada pela imprensa, o público em geral

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sequer percebe a mudança dos acionistas. Em 2.012, o controle do grupo Pão de Açúcar passou ao francês Casino, deixando as mãos da família Diniz. Quem de nós notou alguma diferença, ao entrar no supermercado? Voltando ao exemplo da Sra. Beatriz, empresária extremamente eficiente, capaz de erguer outro negócio em poucos meses. Imaginemos que ela, mesmo na encantadora cidade de Lisboa e perto da filha, não resista a poucos meses de dolce far niente e queira voltar à ativa. É-lhe defeso abrir uma nova fábrica de artefatos de couro em Gramado? A resposta será diversa, conforme o tipo de negócio que escolher, bem como as cláusulas que acertar no instrumento do contrato. 9.11.2.3 Trespasse de estabelecimento e alienação de controle: diferentes disciplinas de non compete. Limitação do âmbito de aplicação do art. 1.147 do Código Civil Se nada for disposto no contrato de trespasse de estabelecimento empresarial, a regra geral, posta pelo art. 1.147, caput do Código Civil, determina que o alienante não poderá concorrer com o comprador, por cinco anos: “Art. 1.147 – Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência”. Note-se bem que essa regra é específica para o caso de trespasse do estabelecimento. Aplicá-la às hipóteses de alienação de controle de sociedades comerciais requer interpretação extensiva de dispositivo legal altamente limitador da livre iniciativa e da livre concorrência. Isso não é possível, tendo em vista os ditames constitucionais.44 Não bastasse, outros elementos igualmente importantes compõem o quadro a ser analisado: a prática de mercado, as legítimas expectativas dos agentes e a boa-fé. Até mesmo por conta de nossa evolução histórica, não há dúvidas de que, se as partes efetivamente ajustam a regra de non compete nas alienações de controle, escrevem-na no instrumento. Essa é a prática de mercado, os “usos e costumes” seguidos pelos agentes econômicos45. Quem a quer, contrata-a. Essa constatação já era feita em 1969, por Oscar Barreto Filho: 44. V. STJ, AREsp 1239219, julgado em 27 de fevereiro de 2.018, com relatoria do Min. Luis Felipe Salomão. 45. Anota objetivamente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “A propósito, trata-se de condição não rara em negócios comerciais de venda de quotas sociais e

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“A fim de obviar à discussão, costuma-se incluir no contrato de venda a cláusula expressa de não-restabelecimento”46. A proibição de reestabelecimento é uma forte limitação ao direito do alienante de empreender, restringindo-lhe ganhos futuros ou até mesmo sua liberdade de exercer profissão remunerada. No processo de barganha das alienações empresariais, paga-se um preço pela não concorrência, muitas vezes incluído no valor das próprias ações. Por isso, uma interpretação extensiva do art. 1.147 do Código Civil, além de inconstitucional, interfere na alocação de riscos e na precificação barganhada e contratada pelas partes. Atenção deve ser dada à proteção da boa-fé objetiva nestes casos e aos equívocos que em seu nome têm sido cometidos. A boa-fé objetiva exige a consideração do efetivo e atual comportamento dos agentes econômicos. Não existe legítima expectativa e boa-fé construída longe daquilo que normalmente ocorre no mercado. Contrata-se a não concorrência, paga-se por ela. Dá-la de presente significa premiar o oportunismo disfuncional do agente econômico. Considerando as práticas de mercado, na ausência de cláusula contratual expressa, o silêncio da parte acerca de non compete não pode ser tomado como aquiescência. Não há vinculação silenciosa que seja contrária aos usos; segundo o art. 111 do Código Civil, “o silêncio importa anuência” apenas “quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem”, o que não ocorre no caso da estipulação de não concorrência na transferência de participações societárias. Em suma: nas alienações empresariais, deve-se respeitar a regra geral que privilegia a liberdade de iniciativa e a liberdade de concorrência. Exceções somente existem se expressamente contratadas, nos limites da legalidade47. de empresas, sendo, às vezes, determinante da transação” [Apelação n. 203.158-2/8, julgada em 1.993, publicada na Revista dos Tribunais 702:88]. 46. Teoria do estabelecimento comercial, p. 246. 47. Já em 1.953, o Supremo Tribunal Federal fincou a necessidade de limitação da cláusula para a sua validade, pois ela é sempre uma exceção à liberdade. Em erudito voto, da lavra do Ministro Orozimbo Nonato, fixou-se que: “Faz-se mister conciliar o princípio que veda a concorrência desleal com o que assegura a liberdade de comércio. E essa conciliação somente é possível com o se admitir a cláusula de que se trata, mas limitada no tempo, no espaço e no objeto”. Recurso Extraordinário n. 15.970 [Embargos]. Essa é a posição de Eunápio Borges, afirmada em seu Curso de direito comercial terrestre, p. 196.

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9.11.3 A necessária interpretação restritiva das cláusulas de non compete As cláusulas de non compete, porque significam restrição à livre iniciativa e à livre concorrência, hão de ser interpretadas restritivamente. Não estamos tratando de fraudes escancaradas. Preocupam-nos as situações em que se pretende estender o non compete a pessoas [físicas e jurídicas] não expressamente mencionadas no instrumento, bem assim a atividades que não implicam concorrência direta e efetiva com a empresa alienada. É bem verdade que, na complexidade das relações empresariais, cada caso exigirá uma solução, de acordo com a situação fática. Mas a regra geral há de ser fixada, até mesmo porque bem conhecida: interpreta-se sempre a favor das liberdades constitucionais, e os agentes econômicos não podem ser obrigados a não empreender e a não competir, além dos limites que expressamente contrataram. A linha posta pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 1.911, em um de seus mais sábios acórdãos sobre a matéria, mostra-se bastante atual. Um comerciante vendera sua loja a outro, acordando que não se restabeleceria na rua da Consolação. Instalou-se, porém, em rua próxima. Haveria má-fé? Entendeu o Tribunal que não, porque a restrição territorial não fora acordada naqueles termos. O vendedor poderia ter limitado a zona de proibição do restabelecimento; não o fez à época do negócio e não o poderia fazer depois. Na íntegra: “O Apelado explorava certo ramo de negócio á rua da Consolação, nesta capital. O Apelante, vendo-lhe a prosperidade, propoz-lhe a comprar-lhe o estabelecimento se ele quizesse tomar o compromisso de não abrir naquela rua negócio identico. A proposta foi bem acolhida, a transação foi ultimada e o compro- misso foi assumido. O homem não tardou, porém, a mostrar ao seu successor que mereceria a prosperidade comercial que o favoneava. Era, de facto, da cabeça aos pés, um negociante esperto. Foi a uma rua próxima á da Consolação e abriu outro negocio... O comprador do negocio antigo pulou de raiva. Aquilo era mais do que uma deslealdade: era uma violação positiva ao compromisso assumido. ‘– Engano, meu amigo, puro engano, volveu o homenzinho com placidez. Nem uma cousa nem outra: nem deslealdade nem violação de compromisso... A que foi que eu me comprometi? Não fio a isto apenas: a não abrir na rua da Consolação negocio idêntico ao que lhe vendi?’ [...] ‘– Boa duvida! Que importa que não abrisse na rua da Consolação se abriu nas proximidades dessa rua? O transtorno que me causa é sempre o mesmo’. ‘– perdão. É possivel que assim seja. Mas eu nada tenho

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com isso. A minha obrigação é apenas a de respeitar o compromisso, e o compromisso é muito claro: “rua da Consolação, negocio do mesmo genero”. Não diz palavra sobre proximidades daquela rua’. [...] Foram a juízo. O Juiz, tanto o de primeira instancia como o tribunal concordou com o negociante e repeliu a pretensão do outro. O compromisso só se referia à rua da Consolação. Nada dizia quanto às suas proximidades. A abertura de novo negócio, em outra rua, embora proxima daquela, não o violou. Observaram, ainda, os srs. Ministros: ‘– porque, no contrato, esse cidadão não falou tambem nas proximidades da rua da Consolação? podia até marcar a zona dentro da qual ao outro não seria permitido comerciar... Não o fez! Quer fazer agora?’ Acórdão: Accordam em tribunal de Justiça [...] confirmar, como confirmam, a sentença appellada [...]. Julgado em 13 de dezembro de 1913, por Xavier de Toledo, A. França, Meirelles Reis e Rodrigues Sette”.48 Resumindo: – A cláusula de non compete implica forte restrição às liberdades econômicas constitucionais; – Cumpre ao adquirente da participação acionária acautelar-se, barganhar e obter a restrição da atividade do vendedor, pois a regra é pela liberdade de iniciativa e liberdade de concorrência. – Nas alienações de participações societárias, o vendedor somente pode ser obrigado a não competir se cláusula expressa for estabelecida nesse sentido. – A cláusula de non compete não comporta interpretação extensiva. 9.12 O direito de não contratar e de pôr fim à relação contratual Muito se fala da liberdade de contratar e pouco daquela de não contratar, de o agente econômico não permanecer vinculado contra a sua vontade. A baliza, deduzida também a partir do pacta sunt servanda, determina que o agente não deve ser obrigado a permanecer em uma relação contratual, a não ser que tenha assumido esse compromisso. Não se protege uma ou outra parte, mas o fluxo de relações econômicas. A faculdade de não se vincular ou de se desvincular, na ausência de regra contratual ou legal impeditiva, também é fundamental para o funcionamento do mercado. 48. As aspas que iniciam e findam as falas dos “personagens” foram acrescentadas. Os embargos, posteriormente opostos, foram rejeitados e o acórdão confirmado.

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Tratemos das regras gerais, e não das patologias, dos abusos e das exceções postas por textos normativos específicos49. Sabe-se que os contratos podem ter prazo determinado e indeterminado. Quando celebrados por prazo determinado, deixam de vincular as partes tão logo atingido o seu termo. Quando por prazo indeterminado, comportam denúncia unilateral, nos limites da lei. Ao menos nos contratos comerciais, não existe vinculação ad aeternum. “Nenhum vínculo é eterno”, asseveram constantemente nossos Tribunais. “[O]rientada a ordem econômica pelo princípio da livre concorrência (art. 170, IV, da Constituição Federal), não se pode negar à parte a possibilidade de desvincular-se de determinado contrato, na hipótese em que prefira contratar outra empresa do ramo, ou adotar formato diverso para conduzir suas atividades”50. Esta regra vale até mesmo para as sociedades limitadas. Em que pesem opiniões doutrinárias contrárias, sabiamente os Tribunais nacionais reconheceram que, sendo a sociedade por prazo indeterminado, o sócio pode dela se desvincular, recebendo seus haveres51. Tem-se defendido que existiria um “princípio de preservação dos contratos” a obrigar o intérprete a se esforçar para manter os ajustes em vigor. A terminologia empregada já induz à confusão. Quando a doutrina e a jurisprudência referem-se à ideia de “preservação dos contratos” têm em mente o gabarito bem sintetizado na Segunda Regra de Pothier, que manda preferir, se possível, a interpretação que não leva à inutilidade do pacto, trilhando estrada que não termina na sua nulidade52.

49. Como é o caso do art. 720 do Código Civil: “ Art. 720. Se o contrato for por tempo indeterminado, qualquer das partes poderá resolvê-lo, mediante aviso prévio de noventa dias, desde que transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente”. 50. TJSP, Apelação nº 0109819-53.2006.8.26.0100, 19ª Câmara de Direito Privado, Rel. Desembargador Mario de Oliveira, julgado em 6 de junho de 2016. 51. V. Paula Andrea Forgioni, A unicidade do regramento jurídico das sociedades limitadas e o art. 1.053 do C.C.. Usos e costumes e regência supletiva, p. 7-12. 52. V., também, sobre o tema, a monografia de Cristiano Zanetti, A conservação dos contratos nulos por defeito de forma, p. 55 e s. Lembre-se, também, que essa regra consta dos “Princípios Unidroit de Direito dos Contratos”, sendo sempre relacionada à interpretação útil: “4.5. Intepretação útil. Os termos de um contrato devem ser interpretados de modo a que se dê efeito a todos eles, ao invés de privar quaisquer deles de efeito” [tradução de Lauro Gama, disponível em https://www.unidroit.org/ overview-principles-2010-other-languages/portuguese-black-letter, acesso em 14 de janeiro de 2018].

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“Quando huma clausula he susceptível de dous sentidos, deve entender-se naquele, em que ella póde ter efeito; e não naquele em que não teria effeito algum”.53 Sobre a racionalidade e a utilidade dessa pauta de interpretação no direito comercial, lembre-se que se encontra visceralmente ligada à concreção da função econômica dos negócios. Se as partes não contratam pelo mero prazer de trocar declarações de vontade, como assinalou Chiovenda, o contrato deve ser concebido de acordo com uma função [= função econômica = causa] e a interpretação da avença deve levar à sua consecução. Caso contrário, atirar-se-ia o negócio à inutilidade – decisão incompatível com a lógica do sistema. Em suma: se as partes contrataram, seu escopo era atingir determinada função econômica, pois o negócio não pode racionalmente ser entendido como atividade de deleite. Deve-se atender à função econômica ao interpretar o contrato. Negar-lhe o escopo típico [ou querido pelas partes] é sepultar seu pressuposto de existência. Por ser contrária à noção de função econômica dos pactos, evita-se a interpretação que leva à inutilidade de alguma de suas disposições. Não se deve empregar terminologia consagrada [“princípio da preservação do contrato”] para referir algo totalmente diferente. Uma coisa é a manutenção do negócio porque se prestigia a interpretação que não leva à nulidade/inutilidade do pacto. Outra bem diversa seria uma máxima exegética ordenando privilegiar a manutenção da vinculação das partes, em detrimento de sua liberdade. Sempre com o respeito por aqueles que entendem diversamente, esse último “princípio” não existe no direito comercial, especialmente nas relações entre partes sofisticadas54. Em ajustes entre empresas, como vêm reconhecendo a melhor jurisprudência, uma das maiores pautas de interpretação é o pacta sunt servanda. Sua aplicação não visa a corroborar abusos, mas a dar concreção ao que as partes contrataram [função econômica que desejaram para o ajuste comum], sempre nos limites deixados à autonomia da vontade pelo ordenamento jurídico. 53. Tratado das obrigações pessoais e reciprocas, 71. 54. As situações que permitem a prorrogação forçada de contratos são raríssimas, como abordado em Paula A. Forgioni, Contrato de Distribuição [Contrato de Distribuição, p. 297 e s.].

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A regra para o direito empresarial é pró-liberdade, pró-concorrência, ao contrário do que pode ocorrer em outras áreas do direito55, comandadas por diferentes lógicas. Presume-se a liberdade e, em caso de dúvida, a liberação/ desoneração da parte. Sabe-se hoje que, em contratos de longa duração, que exigem forte carga de colaboração das empresas envolvidas, mostra-se altamente ineficiente forçá-las a permanecer no negócio contra a vontade de uma delas. A associação simplesmente deixa de progredir, emperrando a cada nova situação que se apresenta. Sem congruência de vontades, impera a desconfiança e esvai-se a disposição para empreender conjuntamente. Os acordos congelam sua capacidade de adaptação, tendendo ao desgaste e à ineficiência56. Na ausência de regra contratual em sentido diverso, inexiste vantagem para o sistema em sua manutenção a fórceps, contra a vontade de uma delas. Ainda sobre esse tópico, uma última observação. Deixando sempre de lado os abusos, não cabe paralelo entre a manutenção forçada de um contrato e o objetivo de preservação da empresa. Doutrina e jurisprudência, ad una voce, reconhecem que a empresa é um agente econômico cuja atividade traz riqueza, empregos, pagamento de impostos etc., gerando desenvolvimento aproveitado por toda a sociedade. Essa diretriz, especialmente importante nas áreas do direito societário e falimentar, protege o núcleo aglutinador em torno do qual se dá a atividade econômica. 55. Por exemplo, o direito de família ou consumerista. 56. Nessa linha, o seguinte acórdão do Superior Tribunal de Justiça, da lavra da Ministra Nancy Andrighi: “Com efeito, não se ignora que a boa-fé objetiva se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse modelo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal. Esta premissa, porém não permite inferir que os contratos devam ser mantidos a todo custo, sem observância da vontade das partes e das circunstâncias presentes em cada hipótese. A opção de contratar e manter-se em um contrato é expressão máxima da autonomia da vontade, sendo certo que eventual descumprimento de compromissos assumidos frente à parte adversa estará sempre sujeito à recomposição pela via indenizatória, com ampla possibilidade de discussão acerta da existência ou não de justa causa para a ruptura” [STJ, Recurso Especial nº 1.250.596/SP, Terceira Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 3 de novembro de 2.011]. No mesmo sentido, é o acórdão proferido no Recurso Especial nº 966.163/RS: “Muito embora o comportamento exigido dos contratantes deva pautar-se pela boa-fé contratual, tal diretriz não obriga as partes a manterem-se vinculadas contratualmente ad aeternum, mas indica que as controvérsias nas quais o direito ao rompimento contratual tenha sido exercido de forma desmotivada, imoderada ou anormal, resolvem-se, se for o caso, em perdas e danos” [STJ, Quarta Turma, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 26 de outubro de 2010].

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Todavia, o gabarito não pode ser aplicado aos contratos empresariais, pois as situações e os efeitos são marcadamente diversos. Contratos interempresariais corporificam uma forma de atuação das empresas no mercado, estabelecendo relações e vínculos entre elas. Regra geral, esses liames não precisam ser preservados para que se alcance a eficiência empresarial ou o bem-estar social. É a atividade da empresa [globalmente considerada] que se mostra relevante e merece a tutela jurídica, e não seu quadro de parceiros comerciais. O agente econômico é titular do direito, constitucionalmente assegurado, de se organizar livremente, escolhendo aqueles com quem quer manter vínculos jurídico-econômicos. Por isso, o vetor é a favor da liberdade e da não vinculação. Como conclusão deste capítulo, temos que os princípios constitucionais que garantem liberdades econômicas não são algo a ser invocado apenas na defesa das empresas contra o Estado ou suas agências reguladoras. Estão mais próximos do que se pode pensar, influenciando diretamente o dia-a-dia dos agentes econômicos e os contratos empresariais. Ao se aproximarem dos negócios, os princípios da ordem econômica concretizam-se em regras gerais e em pautas de interpretação, a serem obrigatoriamente seguidos pelos operadores do direito.

10 INTEGRAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS Lacunas e atuação dos julgadores Sumário: 10.1 A integração dos contratos – 10.2 A solução da incompletude contratual: 10.2.1 A solução da incompletude por novo acordo; 10.2.2 A solução da incompletude pelos usos e costumes; 10.2.3 A solução da incompletude pelo juiz ou pelo árbitro; 10.2.4 A solução da incompletude pela atribuição voluntária de poder decisório a terceiro ou a uma das partes – 10.3 Boa-fé e incompletude.

10.1 A integração dos contratos É clássica a separação entre interpretação e integração contratual. Na primeira, parte-se do texto para desdobrar seu sentido.1 “[A]pura-se o que as partes quiseram ou, melhor, declararam querer”.2 Na segunda, da falta de previsão expressa sobre o tratamento que se deve dar a fato superveniente, o intérprete deverá [ou não] complementar a avença. Embora, muitas vezes, em contratos de elevada complexidade, essa distinção não apareça com nitidez, há diferença mais ou menos evidente entre aquilo que foi e aquilo que não foi pactuado. O contrato é exercício de previsão sobre o futuro. Algumas situações são cogitadas no momento da celebração, e sobre elas se dispõe. Por exemplo, um contrato de distribuição de chocolate no qual se estipula que o dealer deve atingir meta de compra de dez toneladas por mês. Se não o fizer, pagará multa prefixada. As situações expressamente previstas no instrumento costumam ser [ou deveriam ser] aquelas de maior importância para as partes. Mas há outros contextos que restam sem qualquer referência. Tem-se, efetivamente, uma lacuna. O que fazer? A incompletude não é novidade para os juristas, que sempre estiveram às voltas com a integração contratual, ou seja, com “a construção do regulamento contratual por obra de fontes heterônomas, 1. Sobre a interpretação dos contratos entre empresas, v. Paula A. Forgioni, Teoria geral dos contratos empresariais, 2. ed., São Paulo, RT, 2010. Inocêncio Galvão Telles, Manual dos contratos em geral, 360. 2.

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diversas da vontade das partes”.3-4 O art. 133 do Código Comercial de 1850 asseverava que, “[o]mitindo-se na redação do contrato cláusulas necessárias à sua execução, deverá presumir-se que as partes se sujeitaram ao que é de uso e prática em tais casos entre os comerciantes, no lugar da execução do contrato”. O problema é que, nos quadrantes do positivismo tradicional e do individualismo metodológico, a intervenção de terceiro no negócio desafia a autonomia da vontade. Tradicionalmente, “o acordo das partes deve ser completo; em outros termos, deve ser suficiente para criar o vínculo”.5 Não é sem razão que inexistia disposição análoga ao art. 133 do Código Comercial no Código Civil anterior. Admitir os usos e costumes como fonte integrativa de todos os negócios empresariais arrasta para dentro do contrato uma massa imensa de normas, sem o expresso consentimento das partes, desafiando a visão clássica. Nesse contexto, a integração contratual nos contratos empresariais é raramente tratada pela doutrina e mesmo pela jurisprudência, que se desviam do real problema. Contudo, diante da proliferação dos contratos complexos [e, portanto, incompletos] nos nossos dias, esse cenário vem se alterando. 10.2 A solução da incompletude contratual Em face das inevitáveis lacunas dos contratos complexos, de duas, uma: ou são solvidas e o negócio prossegue ou restam sem solução e o contrato encontra seu fim. Vejamos algumas hipóteses de solução disponíveis nos contratos empresariais, bem como suas implicações jurídicas. Se nada for disposto em sentido contrário, às lacunas aplicar-se-ão as regras dispositivas, em processo já analisado quando estudamos a vida dos contratos empresariais [capítulo quarto]. 3. Vincenzo Roppo, Il contratto, 461. Bulgarelli apontava a pouca difusão da integração contratual entre nós, pois os autores, apesar de mencioná-la, não lhe dedicavam maior atenção. Define-a como “um processo específico mais profundo que a simples interpretação, permitindo não só a complementação das lacunas verificadas no contrato, como também a sua própria ‘complementação’, através da invocação do ordenamento jurídico” [Contratos mercantis, 145]. 4. A interpretação integrativa distinguir-se-ia daquela que visa a meramente aclarar o sentido do texto. Na primeira, o juiz “constrói” o contrato, considerando sua base econômica; na segunda, busca o significado do negócio para adequá-lo à disciplina vigente [cf. Guido Alpa, L’interpretazione del contratto, 215]. Guido Alpa, Il contrato in genere, 465. 5.

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10.2.1 A solução da incompletude por novo acordo A doutrina especializada costuma apontar o acordo entre as partes como a mais clássica forma de supressão das lacunas contratuais. Diante da ocorrência de evento não contemplado no contrato, assiste aos contratantes a prerrogativa de, no exercício da autonomia da vontade, acertar a adaptação do negócio. Nessa linha, colocam-se as cláusulas de hardship e de renegociação, comuns nos contratos internacionais. As primeiras determinam que, diante de certos eventos que perturbam o equilíbrio do contrato, a qualquer das partes assiste a faculdade de requerer sua modificação. Chega-se a estipular que a empresa onerada suspenda o adimplemento da obrigação até a solução do impasse. Nas cláusulas de renegociação, não é pressuposta a alteração da equação econômico-financeira do negócio, tornando mais abrangente sua aplicação. De qualquer forma, para evitar o fim da relação, é necessário que os contratantes voluntariamente cheguem a consenso. O ordenamento jurídico não obriga a parte à aceitação de novos termos, ainda que lhe sejam mais vantajosos. Há apenas o dever de negociar, não de alcançar acordo ou de aceitar termos impostos por outrem.6-7 10.2.2 A solução da incompletude pelos usos e costumes A colmatação do contrato pode derivar da integração contratual pelos usos e costumes. Essa regra, antes expressa no art. 133 do Código Comercial, hoje há de ser deduzida do art. 113 do Código Civil, que se coloca como instrumento para o suprimento de lacunas. Ampara-se a legítima expectativa da parte baseada no comportamento que seria de se esperar do comerciante ativo e probo naquela situação. Larenz, com razão, observa que a interpretação integrativa 6. A questão longe está de ser pacífica, notando-se, nos últimos anos, movimento a favor da imposição do dever de renegociar e, com isso, de manter o contrato. Na opinião dos adeptos dessa corrente, o dever de renegociar não afrontaria a autonomia negocial das partes porque “a obrigação de renegociar, de acordo com a exigência própria dos contratos de longo período, permite a realização e não a alteração da vontade das partes” [Pasquale Gerardo Marasco, La rinegoziazione e l’intervento del giudice nella gestione del contratto, 553]. 7. É defeso à parte abusar de sua prerrogativa de não modificar o contrato. No entanto, são notórias as dificuldades de se impedir o oportunismo, em virtude da fluidez das fronteiras que separam o uso do abuso do direito de não se vincular.

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não é mera ponderação das declarações de vontade individuais das partes, e sim autêntica regulação objetiva criada pelo contrato, no contexto do mercado. “A boa-fé exige que cada parte aceite o contrato como fariam os contratantes honestos a partir da ideia básica da finalidade do negócio, tomando em consideração os usos do tráfico”.8 A jurisprudência brasileira traz exemplo dessa linha de solução em importante acórdão da lavra de Aliomar Baleeiro.9 No final da década de 50, os litigantes haviam contratado a compra e venda de 2.000 arrobas de cacau e somente 800 foram entregues pelo vendedor. No pedido da mercadoria, único documento a comprovar a operação, acordou-se singelamente “a quantidade, data de entrega e preço”, nada sendo dito quanto à data do pagamento. O comprador interpelou o vendedor para que entregasse a mercadoria; este se recusou, alegando que ainda não havia recebido o preço. Nos termos do art. 1.092 do Código Civil então vigente, semelhante ao art. 476 do Código atual, o vendedor não estaria obrigado a entregar o cacau. Ficou comprovado que os costumes comerciais da região determinavam que o pagamento se desse apenas após a entrega. Nas palavras de Aliomar Baleeiro: “Como é de uso muito antigo no comércio de cacau entre fazendeiros produtores e firmas exportadoras da Bahia, as operações se realizam a termo, para entrega futura, fixados desde logo em singelo ‘pedido’, – único documento – a quantidade, a data de entrega e o preço. Nada mais [...]. É o uso imemorial na Bahia. Milhões de quilogramas são vendidos desse modo, cada ano, sem estrépito [...]”. O contrato foi completado pelos usos comerciais no que dizia respeito à determinação do prazo de entrega, não expressamente convencionado pelas partes. Nem sempre há usos e costumes que possam ser invocados para sanar a disciplina contratual, ou são eles suficientemente institucionalizados a ponto de permitirem sua demarcação. A discussão desloca-se para a eventual atribuição a terceiro do poder de completar as disposições do negócio. 10.2.3 A solução da incompletude pelo juiz ou pelo árbitro Aqueles não acostumados à prática dos contratos empresariais complexos costumam defender que a integração contratual deve dar-se na maior amplitude possível. O intérprete estaria autorizado a, partindo do que foi escrito, dar-se 8. Derecho civil, 745. 9. Supremo Tribunal Federal, RE 79.545, rel. Min. Aliomar Baleeiro, j. 22.11.1974.

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a deduzir regras sobre aquilo que não o está, acatando intervenção exógena na solução de lacunas. Isso valeria até mesmo para contratos celebrados por partes sofisticadas, i.e., grandes agentes econômicos. O julgador haveria de empunhar os contratos associativos como sociedades [partnerships],10 impelido por um “princípio geral de preservação dos contratos”. Essa visão não se coaduna com os vetores de funcionamento do direito comercial. Como observou Betti, pode ser “inútil e irrelevante dar-se a pesquisar uma vontade ‘suposta’ ou ‘presumível’ que, na realidade, não existiu”.11 Adivinhar o que as partes teriam contratado se houvessem previsto determinado fato à época da contratação mostra-se, no mais das vezes, inadequado.12 No 10. Segundo Melvin A. Eisenberg, as “novas” regras propostas pela doutrina especializada para o tratamento jurídico dos contratos relacionais orientam-se pelos seguintes parâmetros: [i] tornar mais flexível ou mesmo superar o clássico esquema “oferta/ aceitação” como base para a formação do contrato; [ii] diminuir a intolerância a regras contratuais indefinidas, tais como agreements to agree, obrigações para a negociação conforme os princípios da boa-fé etc. [ou seja, reavaliação do tratamento de cláusulas gerais]; [iii] aumentar as possibilidades de alteração contratual em casos de modificação das circunstâncias, tais como impossibility, impractibability, and frustration, causas legítimas para o descumprimento do pacto; [iv] atribuir maior eficácia a cláusulas do tipo “melhores esforços”; [v] tratar os contratos relacionais como autênticas sociedades [partnerships] uma vez que envolvem empresa comum; [vi] conferir caráter unitário aos contratos relacionais; [vii] impor aos contratantes o dever de negociar conforme a boa-fé, praticar preços “equitativos”, quando houver modificação do contexto contratual, e até instituir para uma das partes o dever de aceitar essa mudança; [viii] permitir aos Tribunais adaptarem ou revisarem as cláusulas contratuais, incluindo preços, dentro de um contexto em que as perdas de uma parte fossem compensadas pelo lucro obtido pela outra [Relational contracts, 298-299]. 11. No original: “è inutile e irrilevante andare a ricercare uma volontà ‘supponibile’ o ‘presumibile’, che in realtà non ci fu” [Teoria generale del negozio giuridico, 343]. 12. Ao comentar o art. 704 do Código Civil Português, leciona Inocêncio Galvão Telles: “Porque se manda aí atender às consequencias usuais? Porque os sujeitos, conquanto as não tenham mencionado, decerto as quiseram, ou pelo menos as teriam querido, caso as houvessem previsto. Ora, se é assim, porque não considerar também abrangidas no contrato cláusulas que as partes não expressaram, mas que teriam querido se tivessem pensado nelas e na sua possível necessidade? A resposta afirmativa impõe-se, pelo menos todas as vezes que sem a integração da lacuna se torne impossível a execução da declaração de vontade no seu conjunto. O critério orientador é aqui o mesmo que vimos dominar os problemas, afins a este, da redução e conversão dos contratos: a determinação da vontade conjectural ou hipotética das partes. Não se trata de averiguar o que estas provavelmente quiseram, mas o que teriam querido se

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processo de negociação, não é incomum que as empresas, deliberadamente, evitem enfrentar pontos controvertidos que aumentariam seus custos de barganha. Com esse proceder, assumem riscos que não podem ser ignorados pelo intérprete. Impor obrigação não contratada pode significar a neutralização do risco assumido pelo agente econômico. Lacunas não são um “defeito” do negócio jurídico, mas sua característica. Nos contratos entre empresas, a autonomia econômica não implica tributo ao velho individualismo, nem tampouco defesa dos agentes de maior porte. Seu respeito é fundamental para a preservação das liberdades econômicas: ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei ou de sua própria vontade. Autorizar o intérprete a ajustar disposições contratuais em nome e por conta das partes pode golpear sua liberdade, ferindo a Constituição. A presunção é oposta àquela que decorreria da existência de um “princípio de preservação dos contratos”: Não tendo as partes investido terceiro do poder de complementar os termos do acordo, assumiram o risco de seu aborto na ausência de futuro consenso. Agiram para preservar seu poder de conduzir suas próprias estratégias comerciais: “sem acordo, sem negócio”. Os prejuízos sistêmicos que adviriam do ataque ao princípio do pacta sunt servanda e da liberdade de contratar não parecem compensados por eventual ganho decorrente na preservação forçada. É preciso abandonar certo “preconceito progressista” que presume ser o respeito ao pacto asserção própria apenas ao contexto social e econômico do século XVIII. Trata-se de um dos principais pilares do sistema mercantil; sem ele, ruiria o mercado. Exceções devem ser tomadas cum grano salis e se alçam não a partir da vontade do julgador, daquilo que ele entende ser “correto”, e sim da prática de mercado e da preservação da legítima expectativa. A jurisprudência comercial brasileira consolidou-se no sentido de refutar a intervenção exógena, em respeito à autonomia privada. Na síntese do Supremo Tribunal Federal: “não [pode] o julgador consagrar o que está por acertar, o que expressamente depende do futuro entendimento e de valoração de dados ainda não colhidos. Se assim agir, o juiz estará contratando pelas partes, o que é grosseiro desvio de função e vício insanável do julgamento, pois se terá imposto em substituição às vontades necessariamente de se colher das Partes, emitindo, como acabadas e perfeitas, declaração de vontade que elas não se houvessem ocupado da matéria que deixaram em branco” [Manual dos contratos em geral, 361].

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fizeram”.13 Isso não significa, em absoluto, que o interesse egoístico do agente deva prevalecer sobre qualquer outro fim. Nada impede que, para dar concreção aos objetivos impostos pelos arts. 1.º, 3.º e 170 da Constituição do Brasil, o princípio do pacta sunt servanda seja mitigado. Em certos casos, o ordenamento admite que a parte seja impelida à contratação, como na hipótese de negativa de acesso a facilidades essenciais, estudada pelo direito concorrencial. Atualmente, entende-se que a recusa de contratar por parte do agente detentor de posição dominante pode caracterizar infração à ordem econômica, ainda mais nos casos em que o bem ou o serviço é indispensável para a continuidade das atividades empresariais.14 Outro exemplo de obrigatoriedade de contratação encontra-se no art. 473, parágrafo único, do Código Civil, que impõe à parte denunciante a manutenção do contrato até a recuperação dos investimentos realizados pela outra em prol do negócio. 10.2.4 A solução da incompletude pela atribuição voluntária de poder decisório a terceiro ou a uma das partes Cientes da incompletude contratual e visando a estabelecer mecanismos de solução de problemas que germinarão durante a vida do negócio, no momento de sua celebração as partes podem atribuir o preenchimento de lacunas [i] a um terceiro ou [ii] a uma delas. Em exemplo: ao tratar da incompletude dos contratos de intercâmbio, o antigo Código Comercial previa a possibilidade de determinação do preço da mercadoria por terceiros, se dessa forma fosse estipulado.15 A alternativa 13. REsp 88.176, rel. Moreira Alves, RTJ 92:251. Sobre a jurisprudência italiana, no mesmo sentido da brasileira, cf. Guido Santoro, La responsabilità contrattuale, 764 e ss. 14. Essa situação ocorreria na presença dos seguintes elementos [i] controle da facilidade essencial por agente econômico detentor de posição dominante; [ii] impossibilidade de o contratante que pretende obter a facilidade essencial construí-la ou obtê-la de outra forma razoável; [iii] recusa de acesso para um concorrente e [iv] possibilidade de fornecimento de acesso à facilidade essencial pela empresa em posição dominante, ou seja, “the feasibility of providing the facility”. Sobre o tema das facilidades essenciais, a doutrina antitruste é muito extensa. Para síntese das diversas posições, cf. Hovenkamp, Federal antitrust policy, 305 e ss. V., também, Paula A. Forgioni, Os fundamentos do antitruste, 322 e ss. 15. “Art. 194. O preço de venda pode ser incerto, e deixado na estimação de terceiro; se este não puder ou não quiser fazer a estimação, será o preço determinado por arbitradores”.

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continua presente no art. 485 do atual Código Civil. Há, contudo, diferença entre essas disciplinas: O Código Comercial estipulava que, caso o terceiro não quisesse ou não pudesse cumprir sua função, ela seria desempenhada por arbitradores.16-17 O atual Código Civil, visando a não obrigar as partes àquilo que não contrataram, sinaliza que, nos contratos de compra e venda, na hipótese de o terceiro não aceitar a incumbência, “ficará sem efeito o contrato, salvo quando acordarem os contratantes designar outra pessoa” [art. 485]. Alternativamente, é facultado às empresas convencionarem, no início da vida contratual, que uma delas será responsável por completar o regramento. Como ressaltou certo autor, “[a] atribuição a um contratante do poder de determinar unilateralmente o conteúdo do contrato incompleto constitui, em certas operações econômicas, solução necessária ou preferível, na falta da qual os interesses das partes não poderiam se realizar ou não restariam plenamente satisfeitos”.18 Os pontos a serem completados desempenham função econômica importante no negócio celebrado, revelando-se indispensáveis para o sucesso do empreendimento comum. Exemplo clássico é a cláusula de estoque mínimo, mediante a qual se atribui ao fornecedor a faculdade de, durante a vida do contrato, estabelecer ou alterar a quantidade de bens que o distribuidor deverá manter em estoque. A função econômica dessa estipulação relaciona-se ao bom atendimento ao consumidor; se não encontrar o produto no estabelecimento do distribuidor, poderá dirigir-se àquele do concorrente. A licitude dessas estipulações contratuais é muitas vezes contestada, sustentando alguns que seriam puramente potestativas, vedadas em nosso ordenamento jurídico pelo art. 122 do Código Civil.19 A potestatividade restaria configurada “quando se releva ao exclusivo arbítrio de uma das partes todo o 16. Isto é, por peritos arbitradores nomeados em juízo, consoante arts. 189 a 205 do Decreto 737, de 1850. 17. A referência é de José Alexandre Tavares Guerreiro, baseado nas lições de Luiz Gastão Paes de Barros Leães [Fundamentos da arbitragem do comércio internacional, 32]. 18. Antonio Fici, Il contratto incompleto, 54. 19. Art. 122, in verbis: “São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes”.

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efeito da manifestação da vontade, não possibilitando à outra parte a interferência volitiva nessa formação”.20 É importante retomar a distinção encetada pela doutrina civilista entre as cláusulas puramente potestativas [ou potestativas puras], fulminadas pela nulidade, e aquelas meramente potestativas, que seriam válidas. Nas primeiras, a eficácia do ato jurídico [ou seja, a produção de seus efeitos típicos] fica condicionada à vontade exclusiva de uma das partes.21 Nas cláusulas meramente potestativas o devedor não está sujeito ao capricho do credor. Elas “dependem da prática de algum ato por parte do contraente, na dependência, porém, do exame de circunstâncias que escapam ao controle dele”, afirma Washington de Barros Monteiro.22 Para Carvalho Santos, na “condição simplesmente potestativa, [...] o evento não está subordinado única e exclusivamente à vontade ou ao arbítrio da parte, mas depende também de um conjunto de circunstâncias, que independem de sua vontade”.23 A potestatividade será afastada se os efeitos da cláusula dependerem de circunstâncias objetivas24 que se relacionam à busca do êxito do empreendimento comum, e não apenas da vontade de uma das partes. Justificam-se e embasam-se, pois, na função econômica pressuposta pelas partes quando da contratação. O parâmetro da função econômica é fundamental por conferir objetividade à determinação dos limites da licitude do exercício de poder que, embora unilateralmente detido, foi por ambas as empresas atribuído a apenas uma delas. Essa conclusão não afasta a condenação do abuso nos contratos interempresariais, repelindo-se o exercício disfuncional [= contrário à função econômica] da faculdade de colmatar unilateralmente as lacunas contratuais, nos termos do art. 187 do Código Civil. Esse abuso tem lugar quando a empresa “completa” o regramento não respeitando a função econômica da cláusula, que justificou a atribuição desse poder a apenas uma das partes, dispensando 20. Superior Tribunal de Justiça, REsp 54.989, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, publicado em 23.06.1997. 21. Para Pontes de Miranda , a “potestatividade pura estabelece o arbitrário, que é a privação do direito, da relação jurídica; [...] o querer puro, sem limites, repugna ao direito” [Tratado de direito privado, t. V, 157]. 22. Curso de direito civil, v. 1, 238. 23. Código Civil brasileiro interpretado, III, 34. 24. Paula A. Forgioni, Contrato de distribuição, 267 e ss.

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o consenso posterior. No exemplo acima, haveria abuso caso o fornecedor impusesse ao distribuidor a compra de quantidade exagerada de bens [i.e., superior àquela necessária ao bom atendimento do consumidor], visando a desovar produtos de pouca aceitação no mercado. O oportunismo disfuncional não há de ser tolerado; o exercício do poder conferido a uma das partes deve ocorrer dentro dos limites impostos pela boa-fé e da função econômica dele esperada.25 10.3 Boa-fé e incompletude A solução de problemas derivados da incompletude dos contratos tem se socorrido de institutos tradicionais do direito comercial, que há muito pertencem ao nosso patrimônio jurídico, tais como a proteção da legítima expectativa, o respeito à sua função econômica, a vedação ao abuso de direito e a boa-fé.26 25. A doutrina em língua inglesa costuma referir-se ao poder conferido por essas cláusulas como discretionary power. Sobre o tema, cf. Hugh Collins, Discretionary powers in contracts. Em interessante conclusão, o autor aponta a “dimensão implícita” das “legítimas expectativas” das partes como parâmetro a ser levado em consideração no controle do exercício dos poderes discricionários. 26. “Le pronunce che rinviano al principio di buona fede sono in costante crescita. Più frequente che in passato è anche il ricorso alla nozione di abuso del diritto” [Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto e nella economia, 337]. No mesmo sentido, Guido Alpa, La buona fede integrativa: note sull’andamento parabolico delle clausole generali, 155. “Particolarmente rilevanti appaiono oggi la normazione ed i principi comunitari al fine della interpretazione-integrazione di quelle formule elastiche, siano esse o meno clausole generali, a contenuto variabile, rispetto alle quali è affidato all’interprete il compito di concretizzarne il contenuto, in linea con i criteri assiologici desumibili dal sistema normativo nelle sue varie articolazioni ed ai suoi vari livelli” [Fabrizio Criscuolo, Adeguamento del contratto e poteri del giudice, 195]. Para comentário de sentenças da Corte de Cassação italiana reconhecendo a boa-fé integrativa, concluindo que “l’applicazione del principio di buona fede si esplica in un’attività negoziale di integrazione del texto contrattuale, che deve essere inteso così come lo avrebbero voluto contraenti onesti e leali”, cf. Veronica Todaro, Buona fede contrattuale: nuovi sviluppi della Cassazione. É inegável o contexto favorável à expansão da aplicação das cláusulas gerais em que hoje nos encontramos, especialmente em relação aos contratos complexos. Sempre é útil recordar a lição de Stefano Rodotà: em determinados contextos, afloram as cláusulas gerais por uma questão de necessidade: “In verità, più che da una ferrea legge, la fortuna o il declino delle clausole generali dipendono dallo specifico contesto

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Existe tendência de resolução dos conflitos tomando como norte as chamadas cláusulas gerais, ainda mais acentuada após a edição do novo Código Civil. A consideração da boa-fé como vetor da disciplina dos contratos substitui a lógica oportunista, advantage-taking, por outra colaborativa, que impele os agentes econômicos à atuação em prol do fim comum.27 “Se as partes firmaram acordo é porque comungavam do mesmo objetivo. Ocorre que se o objetivo é comum, é necessário que as partes colaborem antes, durante e após a conclusão do contrato para a sua consecução”.28-29 Mostra-se fundamental para a integração do negócio a demarcação da sua função econômica – ungida à “natureza” e ao “espírito” da associação. O dever de colaboração impõe-se para a consecução desse fim comum; a partir dele borbotarão condutas obrigatórias para as partes, objetivadas [e previsíveis] pelo mercado. Tudo é sempre feito a partir da observação do que normalmente ocorre na prática comercial, a ponto de gerar legítima expectativa, i.e., fundada confiança de que a outra parte comportar-se-ia de acordo com a praxe. 29 É com essa perspectiva objetiva, ligada à prática, que a boa-fé vai se abrindo em comportamentos concretos,30 assumindo função integrativa admitida pela doutrina.31 Transforma-se, além de parâmetro de interpretação, em fonte de

storico in cui di volta in volta devono essere riguardate” [Le fonti di integrazione del contratto, 187]. 27. Francesco Macario, Rischio contrattuale e rapporti di durata nel nuovo diritto dei contratti: della presupposizione all’obbligo di rinegoziare, 229. 28. Calixto Salomão Filho, Breves acenos para uma análise estruturalista do contrato, 15. “A função da ideia de boa-fé no direito contratual, especialmente se este é entendido como instrumento de organização social – e essa é sem dúvida uma premissa que precisa ser aceita [...] – é permitir a cooperação contratual entre as partes no cumprimento dos objetivos econômicos do contrato. Na verdade, a boa-fé nada mais é que um dos corolários da ideia cooperativa” [Breves acenos para uma análise estruturalista do contrato, 21]. 29. A ideia de colaboração como inerente ao contrato vem repisada no art. 1.202 dos Princípios de Direito Europeu dos Contratos, nos seguintes termos: “Each party owes to the other a duty to co-operate in order to give full effect to the contract”. 30. Roppo, Il contratto, 495 e ss. 31. “Da tempo dottrina e giurisprudenza riconoscono nella buona fede [oggettiva] un’importantissima fonte d’integrazione del contratto. Para a resenha bibliográfica sobre a boa-fé integrativa, v. Ernesto Capobianco, Il contratto dal testo alla regola, 201, e, também, Roppo, Il contratto, 505. Ainda sobre a função integrativa da boa-fé, explica Judith Martins-Costa: “para que possa ocorrer uma coerente produção

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deveres e de obrigações. Adverte Clóvis do Couto e Silva que “[n]ão se pode recusar a existência de relação entre a hermenêutica integradora e o princípio da boa-fé”.32 A boa-fé objetiva, especialmente nos contratos complexos, pode levar os chamados deveres laterais, ou seja, “deveres de cooperação e proteção dos recíprocos interesses”, “deveres de comportamento”, “deveres de proteção”,33 que se dirigem a ambos os polos da relação jurídica. “Ao ensejar a criação desses deveres, a boa-fé atua como fonte de integração do conteúdo contratual, determinando a sua otimização, independentemente da regulação voluntaristicamente estabelecida”.34 As “circunstâncias concretas do desenvolvimento e da execução con­ tratual”35 podem ser fonte de deveres e de obrigações.36 O caso não é, contudo, de “tirania dos valores”.37 O controle do oportunismo requer a análise da esdos efeitos do contrato, tornam-se exigíveis às partes, em certas ocasiões, comportamentos que não resultam nem de expressa e cogente disposição legal nem das cláusulas pactuadas. A boa-fé atua como cânone hermenêutico integrativo frente à necessidade de qualificar esses comportamentos não previstos, mas essenciais à própria salvaguarda da fattispecie contratual e à plena produção dos efeitos correspondentes ao programa contratual objetivamente posto” [A boa-fé no direito privado, 429]. 32. A obrigação como processo, 34. 33. Expressões de Mota Pinto, Cessão da posição contratual, 279. 34. Judith Martins-Costa, A boa-fé no direito privado, 440. 35. Dicção de Judith Martins-Costa, A boa-fé no direito privado, 430. 36. Esse método também é advogado pelos autores da linha dos contratos relacionais, que procuram flexibilizar a visão tradicional, neoclássica. Assim, Ian Macneil sustenta que sua consideração exige o reconhecimento de que cada negócio está enraizado [embedded] em relações complexas, de forma que se exige sejam considerados os elementos essenciais das relações que os envolvem. Aponta esse autor as seguintes características dos contratos relacionais: “First, every transaction is embedded in complex relations. Second, understanding any transaction requires understanding all essential elements of its enveloping relations. Third, effective analysis of any transaction requires recognition and consideration of all essential elements of its enveloping relations that might affect the transaction significantly. Fourth, combined contextual analysis of relations and transactions is more efficient and produces a more complete and sure final analytical product than does commencing with non-contextual analysis of transactions” [Relational contract theory: challenges and queries, 881]. 37. Na conhecida expressão de Carl Schmitt, retomada por Natalino Irti [Un diritto incalcolabile].

INTEGRAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS 

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trutura econômica da operação, das circunstâncias que a acompanham e dos mercados a ela relacionados.38 O completamento do regramento contratual com base no que usualmente ocorre no mercado deve ser apartado da mera atribuição de poder a terceiro que, em nome da preservação do contrato, ditaria seus termos futuros. No entanto, na realidade dos fatos, essa fronteira não se delineia de forma clara e os julgadores acabam muitas vezes utilizando a boa-fé para justificar decisão que implica o aviltamento da legítima liberdade de contratar. É preciso evitar o risco de empregar a boa-fé como remédio para todos os males, empregando-a em nome de amorfa busca da “justiça social”. Não se trata de uma caixa de Pandora, da qual se podem extrair as soluções mais díspares.39 Sempre na dicção de Larenz: “O juiz não deve impor seus próprios módulos às partes, que determinam por si o conteúdo do contrato no âmbito de sua autonomia privada, mas apenas levar a termo a ponderação das valorações em que elas se basearam”.40 No que toca ao direito comercial, a boa-fé não pode ser aplicada de maneira a despir o agente econômico da sagacidade que lhe é peculiar. Tampouco deve ser sacada como justificativa para o inadimplemento da parte ou desculpa para comportamentos imprudentes ou desconformes ao parâmetro de mercado.

38. Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto e nell’economia, 349. 39. Paolo Gallo, Contratto e buona fede, 606. 40. Derecho civil, 746.

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OUTRAS OBRAS DA AUTORA A evolução do direito comercial brasileiro: Da mercancia ao mercado. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2016. Os fundamentos do antitruste. 10. ed. São Paulo: Ed. RT, 2018. Contratos de distribuição. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014. Teoria geral dos contratos empresariais. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. Direito concorrencial e restrições verticais. São Paulo: Ed. RT, 2007. O Estado, a empresa e o contrato. São Paulo: Malheiros, 2005. [Em coautoria com Eros Roberto Grau] Sociedades por ações: jurisprudência, casos e comentários. São Paulo: Ed. RT, 1999. [Em coautoria com Paulo de Lorenzo Messina]

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