COMENTÁRIOS À LEI DE EXECUÇÃO PENAL [1, 3ª ed.]

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Coleção LEIS ESPECIAIS COMENTADAS Coodenação CAIO PAIVA

ANDRÉ RIBEIRO GIAMBERARDINO

COMENTÁRIOS À LEI DE

EXECUÇÃO PENAL 3ª edição Revista, ampliada e com jurisprudência atualizada até abril de 2021

1

VOLUME

2021



Direitos exclusivos para o Brasil na língua portuguesa



Copyright © 2021 by EDITORA CEI.



www.editoracei.com



Diagramação: Walter Santos



Data de fechamento:



GIAMBERARDINO, André Ribeiro. Comentários a Lei de Execução Penal. 3ª edição. Belo Horizonte: CEI, 2021.



ISBN.



À Iza. Ao Francisco. À Maria.

NOTA DO COORDENADOR

A coleção Leis Especiais Comentadas tem como objetivo oferecer ao leitor uma oportunidade de consolidar o seu conhecimento a respeito das principais leis especiais, servindo tanto a quem presta concursos públicos para carreiras jurídicas quanto a quem, já integrando estas carreiras, pretende se aprimorar ou se atualizar profissionalmente. A metodologia da coleção envolve não apenas os comentários doutrinários e a sistematização da jurisprudência dos tribunais superiores – e de tribunais internacionais de direitos humanos, quando oportuno –, mas também aplicações práticas do conhecimento apresentado. Com o conhecimento obtido a partir da leitura dos volumes que compõem a coleção Leis Especiais Comentadas, o leitor certamente estará mais capacitado e crítico para enfrentar seus desafios profissionais. Caio Paiva Defensor Público Federal Especialista em Ciências Criminais Autor de obras jurídicas

Nota do Autor à 1ª Edição

Agradeço imensamente o convite da Editora CEI para escrever o singelo trabalho agora publicado, que reúne comentários à Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84). Importante dizer que se trata de abordagem completamente distinta do Curso de Penologia e Execução Penal, em coautoria com Massimo Pavarini, publicado, em nova edição, no ano de 2018. Buscou-se aqui a conjugação de comentários objetivos dos dispositivos da lei com a sistematização de jurisprudência atualizada, abrangendo atos normativos infralegais e jurisprudência internacional de direitos humanos, sobre questões que perpassam o cotidiano da atuação junto ao sistema penitenciário e o direito de execução penal, profundamente marcado por um dinamismo jurisprudencial que, muitas vezes aliado à discricionariedade administrativa, acaba por se descolar da legalidade em detrimento de direitos fundamentais. Por outro lado, o descompasso entre os marcos legais e a caótica realidade prisional também faz com que decisões do Supremo Tribunal Federal e de cortes internacionais de direitos humanos definam parâmetros imprescindíveis para uma postura de redução de danos e limites à política penal do Estado, tratada como política pública sujeita à reserva do possível. Espera-se que os Comentários à Lei de Execução Penal sejam úteis aos profissionais que atuam na área e a todos aqueles que se preparam para a aprovação em concursos públicos para as carreiras jurídicas pertinentes. André Ribeiro Giamberardino Santa Felicidade, julho de 2018

Nota do Autor à 2ª Edição

Essa segunda edição dos Comentários à Lei de Execução Penal foi atualizada com as modificações das Leis 13.679/2018 (progressão especial de regime) e 13.964/2019 (Lei “Anticrime”), sistematizando, em tabelas, os novos parâmetros estabele­cidos – incluindo alterações no Código Penal e outras leis que repercutem na exe­cução da pena – e se posicionando sobre as lacunas abertas. O texto foi também revisado e ampliado, com a inserção de novos tópicos sobre a aplicação da Súmula Vinculante 56-STF, sobre sistema disciplinar, direitos das pessoas presas, entre outros temas, e atualizado com as novas súmulas e posicionamentos jurisprudenciais. Diante da baixa densidade e compreensão confusa que se tem do princípio da legalidade na execução penal, a orientação político-criminal dos comentários continua sendo a de reconhecimento crítico do aspecto constitutivo dos espaços de discricionariedade judicial e administrativa-disciplinar, mas com a defesa de sua disputa e limitação constante pela linguagem dos direitos. Registro o agradecimento à Editora CEI e aos colegas defensoras e defensores públicos de todo o país que atuam na execução penal e que viabilizam a atualização desse texto trazendo a público comentários, críticas, decisões, debates e casos concretos, fazendo-o na pessoa do amigo Júlio Cesar Duailibe Salem Filho, com quem coordeno, nessa data, o Núcleo de Política Criminal e Execução Penal da Defensoria Pública do Estado do Paraná. Agradeço também a Luis Renan Coletti pelo auxílio imprescindível na pesquisa e acompanhamento dos tópicos mais relevantes da matéria. André Ribeiro Giamberardino Nova York, abril de 2020

Nota do Autor à 3ª Edição

Esta terceira edição dos Comentários à Lei de Execução Penal traz ao menos 59 itens atualizados ou incluídos. As atualizações abrangem jurisprudência atualizada até o mês de abril de 2021, em diversos temas, novas súmulas, novas resoluções do Conselho Nacional de Justiça e a atualização do texto da LEP por conta da derrubada dos vetos à Lei 13.964/19 (incluindo análise conjunta com Rodrigo Duque Estrada Roig sobre o requisito subjetivo da progressão de regime). Dentre as novidades, o texto analisa debates e consequências jurídicas da pandemia do novo Coronavírus na execução penal, tais como a progressão antecipada de regime, a remição ficta e os efeitos da suspensão da fiscalização de penas em regime aberto e penas restritivas de direito. Entre os comentários recém incluídos destaca-se os temas do direito à literatura no cárcere, direito de frequência a culto religioso no regime se­ miaberto harmonizado, distinção entre regalias e direitos, controle judicial nos pro­cedimentos administrativo-disciplinares, importante posicionamento contrário à atribuição de natureza administrativa às decisões correcionais das Varas de Corregedoria dos Presídios, numerus clausus e sistema socioeducativo, a “cifra oculta” da superlotação carcerária e a ilegalidade da submissão do paciente com medida de segurança de internação ao sistema disciplinar. André Ribeiro Giamberardino Curitiba, Maio de 2021

SUMÁRIO

COMENTÁRIOS À LEI DE EXECUÇÃO PENAL TÍTULO I – Do Objeto e da Aplicação da Lei de Execução Penal....................................... 37 Art. 1º........................................................................................................................................................................ 37 1.1 1.2 1.3 1.4

Objetivo da execução penal............................................................................................................. 37 Crítica à prática judicial sobre o objetivo da execução penal.............................................. 38 Repercussão da vedação à revisão criminal pro societate na execução penal............. 39 Duplicidade de condenações pelo mesmo fato....................................................................... 40

Art. 2º........................................................................................................................................................................ 40 2.1 2.2 2.3.

Natureza jurídica da execução penal............................................................................................ 40 Jurisdicionalidade da execução vs. flexibilidade do “projeto penitenciário”........................................................................................................................41 Aplicação da LEP aos presos provisórios..................................................................................... 42

Art. 3º........................................................................................................................................................................ 43 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 3.6

Direitos limitados pela execução penal....................................................................................... 43 Estado de coisas inconstitucional e violação de direitos....................................................... 43 Vedação de tratamento discriminatório...................................................................................... 44 Suspensão dos direitos políticos..................................................................................................... 44 Suspensão dos direitos políticos e pendência de pagamento da pena de multa.................................................................................................................................. 44 Tratamento penitenciário no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos................................................................................................................................................. 46

Art. 4º........................................................................................................................................................................ 46 4.1 4.2

Cooperação da comunidade na execução penal..................................................................... 46 Princípio da interatividade: cooperação entre Poder Executivo e Sistema de Justiça Criminal...................................................................................................................................... 47 4.3 Cooperação da comunidade e medidas de segurança.......................................................... 47 4.4 APACs........................................................................................................................................................ 47 4.5 Cooperação da comunidade e terceirização.............................................................................. 48

TÍTULO II – Do Condenado e do Internado CAPÍTULO I – Da Classificação.................................................................................................................. 49 Art. 5.......................................................................................................................................................................... 49 5.1

Classificação dos condenados e individualização.................................................................... 49

Art. 6º........................................................................................................................................................................ 50 6.1

Órgão responsável pela classificação do condenado............................................................. 50

Art. 7º........................................................................................................................................................................ 50 7.1 7.2

Composição da Comissão Técnica de Classificação................................................................ 50 O que pode mudar............................................................................................................................... 51

Art. 8º........................................................................................................................................................................ 51 8.1

Exame criminológico para fins de classificação........................................................................ 51

Art. 9º........................................................................................................................................................................ 52 9.1 9.2

Atribuições da Comissão Técnica de Classificação................................................................... 52 Atuação do profissional de psicologia na execução penal................................................... 52

Art. 9º-A................................................................................................................................................................... 53 9-A.1 9-A.2 9-A.3 9-A.4

Identificação do perfil genético de condenado........................................................................ 54 Criação do Banco Nacional de Perfis Genéticos........................................................................ 55 Tema com repercussão geral reconhecida no Supremo Tribunal Federal...................... 55 Garantia de acesso aos dados e direito ao contraditório....................................................... 56

CAPÍTULO II – Da Assistência SEÇÃO I – Disposições Gerais.................................................................................................................... 56 Art. 10........................................................................................................................................................................ 56 10.1 10.2

Obrigação do Estado de prestar assistência ao preso, ao internado e ao egresso...... 56 Judicialização e inaplicabilidade do princípio da reserva do possível............................. 57

Art. 11........................................................................................................................................................................ 58 11.1 11.2

Modalidades de assistência.............................................................................................................. 58 Violação dos deveres de assistência e danos morais.............................................................. 58

SEÇÃO II – Da Assistência Material........................................................................................................ 59 Art. 12........................................................................................................................................................................ 59 12.1 12.2 12.3 12.4

Conteúdo da assistência material e direito à água potável.................................................. 59 Número mínimo de refeições diárias............................................................................................ 59 Assistência material e população carcerária feminina........................................................... 59 Instalações higiênicas e direito a banho quente...................................................................... 60

Art. 13.........................................................................................................................................................................61 13.1 13.2

Direito à “sacola” e à comercialização de produtos e objetos permitidos.......................61 Impossibilidade de recebimento direto da “sacola” por conta de medidas sanitárias e a alternativa por correio..............................................................................................61

SEÇÃO III – Da Assistência à Saúde....................................................................................................... 62 Art. 14........................................................................................................................................................................ 62 14.1 14.2

Conteúdo da assistência à saúde.................................................................................................... 62 Integração com Sistema Único de Saúde.................................................................................... 63

14.3

HIV, tuberculose e outras doenças contagiosas na prisão.................................................... 63

14.4 14.5 14.6 14.7 14.8

Doença grave e direito à prisão domiciliar................................................................................. 63 Direito a acompanhamento médico da mulher no pré-natal e pós-parto..................... 64 Suicídio nas prisões.............................................................................................................................. 64 Direito à saúde na jurisprudência internacional de direitos humanos ........................... 65 Pandemia do Novo Coronavírus (COVID19)................................................................................ 66

SEÇÃO IV – Da Assistência Jurídica....................................................................................................... 68 Art. 15........................................................................................................................................................................ 68 15.1 15.2

Conteúdo da assistência jurídica.................................................................................................... 68 Modelo de prestação da assistência jurídica na execução penal....................................... 69

Art. 16........................................................................................................................................................................ 70 16.1 16.2

A Defensoria Pública como órgão da execução penal e a exigência de local apropriado para atendimento......................................................................................................... 70 Priorização da questão prisional por parte da Defensoria Pública.................................... 71

SEÇÃO V – Da Assistência Educacional.............................................................................................. 72 Art. 17........................................................................................................................................................................ 72 17.1

Conteúdo da assistência educacional........................................................................................... 72

Art. 18........................................................................................................................................................................ 72 18.1 Obrigatoriedade do ensino fundamental................................................................................... 72

Art. 18-A.................................................................................................................................................................. 73 18-A.1 Obrigatoriedade do ensino médio regular ou supletivo....................................................... 73

Art. 19.........................................................................................................................................................................74 19.1

Previsão de ensino profissional........................................................................................................74

Art. 20........................................................................................................................................................................74 20.1

Convênio para oferta de atividades educacionais....................................................................74

Art. 21.........................................................................................................................................................................74 21.1 21.2 21.3

Obrigatoriedade da instalação de biblioteca nos estabelecimentos penais................. 75 Impossibilidade de restrição à leitura por razões disciplinares........................................... 75 Direito à literatura no cárcere.......................................................................................................... 75

Art. 21-A.................................................................................................................................................................. 76 21-A.1

Censo penitenciário e a necessidade de sistemas dinâmicos e com interoperabilidade de dados ........................................................................................................... 77

SEÇÃO VI – Da Assistência Social............................................................................................................ 77 Art. 22....................................................................................................................................................................... 77 22.1

Conteúdo da assistência social........................................................................................................ 77

Art. 23....................................................................................................................................................................... 78 23.1 Atribuições do serviço de assistência social .............................................................................. 78 23.2 Assistência social à família do preso e às mulheres privadas de liberdade.................... 79

SEÇÃO VII – Da Assistência Religiosa................................................................................................... 79 Art. 24....................................................................................................................................................................... 79 24.1 Conteúdo da assistência religiosa.................................................................................................. 79 24.2 Prisão domiciliar, regime semiaberto harmonizado e o direito de frequência a culto religioso..................................................................................................................................... 80

SEÇÃO VIII – Da Assistência ao Egresso.............................................................................................. 80 Art. 25....................................................................................................................................................................... 80 25.1

Conteúdo de assistência ao egresso............................................................................................. 80

Art. 26....................................................................................................................................................................... 81 26.1

Conceito e classificação de egresso............................................................................................... 81

Art. 27....................................................................................................................................................................... 81 27.1

Auxílio ao egresso para obtenção de trabalho......................................................................... 81

CAPÍTULO III – Do Trabalho SEÇÃO I – Disposições Gerais.................................................................................................................... 82 Art. 28....................................................................................................................................................................... 82 28.1 28.2 28.3

Considerações gerais sobre o trabalho do preso..................................................................... 82 Princípio da não aflitividade e inaplicabilidade do regime da CLT.................................... 82 Política Nacional de Trabalho no Sistema Prisional................................................................. 83

Art. 29....................................................................................................................................................................... 83 29.1 29.2 29.3

Remuneração do trabalho do preso.............................................................................................. 84 Controvérsia sobre a constitucionalidade do piso mínimo remuneratório................... 84 Despesas com a manutenção do preso....................................................................................... 85

Art. 30....................................................................................................................................................................... 85 30.1 30.2

Ausência de remuneração da prestação de serviço à comunidade.................................. 85 Posição da Organização Internacional do Trabalho................................................................ 86

SEÇÃO II – Do Trabalho Interno............................................................................................................... 86 Art. 31........................................................................................................................................................................ 86 31.1

Considerações gerais sobre o trabalho interno........................................................................ 86

Art. 32....................................................................................................................................................................... 87 32.1 32.2

Individualização da pena na atribuição do trabalho............................................................... 87 Remição nas atividades de artesanato......................................................................................... 87

Art. 33....................................................................................................................................................................... 88 33.1

Jornada de trabalho do preso: regra geral e exceções........................................................... 88

Art. 34....................................................................................................................................................................... 88 34.1 34.2

Exploração do trabalho do preso por fundação, empresa pública ou iniciativa privada...................................................................................................................................................... 89 Sentido de remuneração adequada e contrato de trabalho................................................ 89

Art. 35....................................................................................................................................................................... 90 35.1

Compra de bens ou produtos do trabalho prisional............................................................... 90

SEÇÃO III – Do Trabalho Externo............................................................................................................. 90 Art. 36....................................................................................................................................................................... 90 36.1 36.2 36.3

Considerações gerais sobre o trabalho externo do preso.................................................... 91 Sobre as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina...................................................... 91 Admissibilidade para condenados por crime hediondo....................................................... 91

36.4

Encargo pela remuneração do trabalho externo e direitos trabalhistas......................... 92

Art. 37....................................................................................................................................................................... 92 37.1 37.2 37.3 37.4

Requisitos para o trabalho externo............................................................................................... 92 Peculiaridades do regime semiaberto.......................................................................................... 93 Trabalho externo em empresa de familiar e em área de difícil fiscalização................... 93 Trabalho externo em regime semiaberto harmonizado com monitoração eletrônica................................................................................................................................................. 94

37.5 Revogação do trabalho externo..................................................................................................... 94

CAPÍTULO IV – Dos Deveres, dos Direitos e da Disciplina SEÇÃO I – Dos Deveres................................................................................................................................... 95 Art. 38....................................................................................................................................................................... 95 38.1

Desnecessidade do dispositivo....................................................................................................... 95

Art. 39....................................................................................................................................................................... 95 39.1 39.1.1 39.1.2 39.1.3 39.1.4

Deveres do condenado...................................................................................................................... 96 Dever do inciso I: comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença...... 96 Dever do inciso II: obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se .................................................................................................................. 96

Dever do inciso III: urbanidade e respeito no trato com os demais condenados ....... 96 Dever do inciso IV: conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina.................................................................... 97 39.1.5 Dever do inciso V: execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas.............. 97 39.1.6 Dever do inciso VI: submissão à sanção disciplinar imposta ............................................... 97 39.1.7 Dever do inciso VII: indenização à vitima ou aos seus sucessores .................................... 97 39.1.8 Dever do inciso VIII: indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho................................................................................................................. 98 39.1.9 Dever do inciso IX: higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento................................. 98 39.1.10 Dever do inciso X: conservação dos objetos de uso pessoal .............................................. 98

SEÇÃO II – Dos Direitos.................................................................................................................................. 98 Art. 40....................................................................................................................................................................... 98 40.1 40.2 40.3 40.4 40.5 40.6 40.7

Direito do preso à integridade física e moral: base constitucional e convencional.......................................................................................................................................... 98 Jurisprudência internacional de direitos humanos e as violações praticadas pelo Brasil................................................................................................................................................ 99 Uso da força para controle de motins.........................................................................................100 Inaplicabilidade da reserva do possível.....................................................................................100 Revista vexatória em visitantes..................................................................................................... 101 Respeito à integridade física e moral conforme a identidade de gênero..................... 102 A questão de gênero na jurisprudência internacional de direitos humanos em matéria penitenciária.................................................................................................................104

Art. 41......................................................................................................................................................................104 41.1 41.2 41.3 41.4 41.5 41.6 41.7

41.13

Natureza do rol de direitos atingidos pela sentença condenatória................................105 Possibilidade de suspensão de direitos do preso...................................................................105 Direito do inciso I - alimentação suficiente e vestuário........................................................106 Direito do inciso II - atribuição de trabalho e sua remuneração....................................... 107 Direito do inciso III - Previdência Social...................................................................................... 107 Direito do inciso IV - constituição de pecúlio........................................................................... 107 Direito do inciso V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação..........................................................................................108 Direito do inciso VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena...................................................................................................................................................109 Direito do inciso VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa...............................................................................................................................................109 Direito do inciso VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo..............109 Direito do inciso IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado.......................... 110 Direito do inciso X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados...................................................................................................................... 110 Visita íntima ou conjugal..................................................................................................................112

41.14

Restrições de visita no sistema penitenciário federal e no Regime Disciplinar

41.15

Diferenciado..........................................................................................................................................114 Direito do inciso XI - chamamento nominal..............................................................................114

41.16

Direito do inciso XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da

41.8 41.9 41.10 41.11 41.12

41.17 41.18 41.19 41.20 41.21

individualização da pena..................................................................................................................115 Direitos dos inciso XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento – e XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito............115 Direito do inciso XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.............................................................................115 Restrição à interceptação e análise da correspondência da pessoa presa................... 116 A pessoa presa pode ser entrevistada?.......................................................................................117 Direito do inciso XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente............................ 118

Art. 42..................................................................................................................................................................... 118 42.1

Deveres e direitos do preso provisório....................................................................................... 118

Art. 43..................................................................................................................................................................... 118 43.1

Contratação de médico de confiança pessoal do internado ou do submetido a tratamento ambulatorial..................................................................................................................119

SEÇÃO III – Da Disciplina SUBSEÇÃO I – Disposições Gerais.........................................................................................................119 Art. 44......................................................................................................................................................................119 44.1

Conceito de disciplina....................................................................................................................... 120

Art. 45..................................................................................................................................................................... 120 45.1 45.2 45.3 45.4

Princípios fundamentais relativos ao sistema disciplinar.................................................... 120 Princípio da legalidade com duas dimensões......................................................................... 120 Princípio da humanidade................................................................................................................ 121 Princípio da individualização......................................................................................................... 121

45.5 Cumulação de sanção disciplinar e regressão de regime................................................... 123

Art. 46..................................................................................................................................................................... 123 46.1

Consciência do ilícito no sistema disciplinar e forma escrita dos atos administrativos.................................................................................................................................... 123

Art. 47..................................................................................................................................................................... 124 47.1

Natureza jurídico-administrativa dos atos da autoridade penitenciária ...................... 124

Art. 48..................................................................................................................................................................... 124 48.1

Poder disciplinar nas penas restritivas de direito................................................................... 124

SUBSEÇÃO II – Das Faltas Disciplinares............................................................................................ 125 Art. 49..................................................................................................................................................................... 125 49.1 49.2 49.3

Classificação das faltas disciplinares............................................................................................ 125 Faltas leves e médias e princípio da legalidade...................................................................... 125 Crítica à equiparação entre faltas consumadas e tentadas................................................ 125

Art. 50..................................................................................................................................................................... 126 50.1 50.2 50.3 50.4 50.5 50.6 50.7

Considerações gerais sobre as faltas graves............................................................................. 126 Falta grave do inciso I – incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina.................................................................................................................... 127 Falta grave do inciso II – fugir......................................................................................................... 127 Falta grave do inciso III – possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem....................................................................................................... 128 Falta grave do inciso IV – provocar acidente de trabalho.................................................... 129 Falta grave do inciso V – descumprir, no regime aberto, as condições impostas...... 129 Falta grave do inciso VI – inobservar os deveres de obediência e respeito ao servidor com quem o apenado deva se relacionar e o dever de execução do trabalho e tarefas recebidas (remetendo aos deveres constantes do art. 39, II e V, da LEP)........................................................................................................................... 129

50.8 50.9 50.10

Falta grave do inciso VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo........................................................................................................... 130 Falta grave do inciso VIII – recusar submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético............................................................................................................................... 132 Falta grave e preso provisório........................................................................................................ 132

Art. 51...................................................................................................................................................................... 132 51.1 51.2 51.3

Falta grave na pena restritiva de direitos................................................................................... 132 Possibilidade de substituição por outra PRD ao invés de efetuar a conversão em pena privativa de liberdade ........................................................................................................... 133 Data-base para progressão de regime....................................................................................... 133

Art. 52..................................................................................................................................................................... 133 52.1 52.2 52.3

A prática de crime doloso como falta grave............................................................................. 135 Posse de droga ilícita para uso pessoal e infrações de menor potencial ofensivo como falta grave................................................................................................................................. 136 Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)...................................................................................... 136

SUBSEÇÃO III – Das Sanções e das Recompensas...................................................................... 139 Art. 53..................................................................................................................................................................... 139 53.1

Sanções disciplinares........................................................................................................................ 139

53.2

Isolamento e jurisprudência internacional de direitos humanos.....................................140

53.3 Inexistência de concurso de faltas disciplinares para fins sancionatórios.................... 141

Art. 54..................................................................................................................................................................... 141 54.1 54.2

Competência para aplicar as sanções disciplinares............................................................... 141 Legitimidade para postular a inclusão de preso no RDD e procedimento................... 141

Art. 55..................................................................................................................................................................... 142 55.1

Considerações gerais sobre as recompensas........................................................................... 142

Art. 56..................................................................................................................................................................... 142 56.1 56.2

Recompensas em espécie............................................................................................................... 143 Distinção entre regalias e direitos................................................................................................ 143

SUBSEÇÃO IV – Da Aplicação das Sanções.....................................................................................144 Art. 57.....................................................................................................................................................................144 57.1 57.2 57.3

Parâmetros para a aplicação da sanção disciplinar...............................................................144 Obrigatoriedade da comunicação da falta grave ao juízo de execução........................144 Individualização e sofisticação da análise da conduta.........................................................144

Art. 58..................................................................................................................................................................... 145 58.1 58.2 58.3 58.4

Limite temporal das sanções de isolamento, suspensão e restrição de direitos........ 145 Inexistência de concurso de faltas disciplinares para fins sancionatórios.................... 145 Aplicação analógica do prazo limite a sanções administrativas aplicadas aos visitantes dos presos.........................................................................................................................146 Obrigatoriedade de comunicação do isolamento do preso ao juízo de execução ....146

SUBSEÇÃO V – Do Procedimento Disciplinar...............................................................................146 Art. 59.....................................................................................................................................................................146 59.1 59.2 59.3 59.4

Procedimento para apuração de falta disciplinar..................................................................146 Direito ao recurso administrativo independente de previsão expressa........................148 Procedimento, prescrição disciplinar e preclusão administrativa................................... 149 Impossibilidade de soma dos prazos de reabilitação .......................................................... 149

59.5

Controle judicial das faltas de natureza média e leve........................................................... 150

Art. 60..................................................................................................................................................................... 150 60.1

Possibilidade de isolamento preventivo e detração............................................................. 151

TÍTULO III – Dos Órgãos da Execução Penal CAPÍTULO I – Disposições Gerais.......................................................................................................... 152 Art. 61...................................................................................................................................................................... 152 61.1

Órgãos da execução penal.............................................................................................................. 152

CAPÍTULO II – Do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária............. 152 Art. 62..................................................................................................................................................................... 152 62.1

Natureza do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária............................. 153

Art. 63..................................................................................................................................................................... 153 63.1

Composição do CNPCP e mandato dos membros................................................................. 153

Art. 64..................................................................................................................................................................... 153 64.1

Atribuições do CNPCP....................................................................................................................... 154

CAPÍTULO III – Do Juízo da Execução................................................................................................. 155 Art. 65..................................................................................................................................................................... 155 65.1 65.2

Competência e jurisdição em matéria de execução penal................................................. 155 Constitucionalidade e legalidade dos mutirões carcerários.............................................. 156

Art. 66..................................................................................................................................................................... 157 66.1 66.2 66.3

Atribuições do juízo de execução e jurisdicionalização da execução penal................ 158 Decisão proferida em PAD passível de controle judicial...................................................... 159 Da confusão sobre a natureza da competência das Varas de Corregedoria dos Presídios e da necessidade de meios de execução das próprias decisões................... 159

CAPÍTULO IV – Do Ministério Público.................................................................................................160 Art. 67.....................................................................................................................................................................160 67.1

Participação do Ministério Público na execução penal........................................................ 161

Art. 68..................................................................................................................................................................... 161 68.1

Atribuições do Ministério Público na execução penal.......................................................... 161

CAPÍTULO V – Do Conselho Penitenciário...................................................................................... 162 Art. 69..................................................................................................................................................................... 162 69.1

Considerações gerais sobre o Conselho Penitenciário......................................................... 162

Art. 70..................................................................................................................................................................... 162 70.1

Atribuições do Conselho Penitenciário...................................................................................... 162

CAPÍTULO VI – Dos Departamentos Penitenciários SEÇÃO I – Do Departamento Penitenciário Nacional............................................................ 163 Art. 71..................................................................................................................................................................... 163 71.1

Considerações gerais sobre o Departamento Penitenciário Nacional........................... 163

Art. 72..................................................................................................................................................................... 163 72.1 72.2 72.3 72.4 72.5 72.6

Atribuições do Departamento Penitenciário Nacional........................................................164 Sistema penitenciário federal........................................................................................................ 165 Progressão de regime no sistema federal.................................................................................166 Sistema disciplinar e direitos dos presos no sistema federal.............................................166 Proibição de contingenciamento do Fundo Penitenciário................................................. 167 Acompanhamento das mulheres com progressão especial de regime......................... 167

SEÇÃO II – Do Departamento Penitenciário Local................................................................... 167 Art. 73..................................................................................................................................................................... 167 73.1 73.2

Departamento Penitenciário ou órgão similar local............................................................. 167 Polícias penais – Emenda Constitucional 104/2019...............................................................168

Art. 74......................................................................................................................................................................168 74.1

Finalidade do Departamento Penitenciário ou órgão similar local.................................168

SEÇÃO III – Da Direção e do Pessoal dos Estabelecimentos Penais............................. 169 Art. 75..................................................................................................................................................................... 169 75.1

Requisitos para ocupar o cargo de diretor de estabelecimento penal.......................... 169

Art. 76...................................................................................................................................................................... 169 76.1

Quadro do Pessoal Penitenciário.................................................................................................. 169

Art. 77..................................................................................................................................................................... 170 77.1 77.2

Pessoal administrativo...................................................................................................................... 170 Agentes penitenciários e população carcerária feminina................................................... 170

CAPÍTULO VII – Do Patronato................................................................................................................... 171 Art. 78..................................................................................................................................................................... 171 78.1

Considerações gerais sobre o patronato................................................................................... 171

Art. 79..................................................................................................................................................................... 171 79.1

Atribuições dos patronatos............................................................................................................. 171

CAPÍTULO VIII – Do Conselho da Comunidade............................................................................ 172 Art. 80..................................................................................................................................................................... 172 80.1

Considerações gerais sobre os Conselhos da Comunidade............................................... 172

Art. 81..................................................................................................................................................................... 172 81.1

Atribuições do Conselho da Comunidade................................................................................ 173

CAPÍTULO IX – DA DEFENSORIA PÚBLICA....................................................................................... 173 Art. 81-A................................................................................................................................................................ 173 81-A.1 A Defensoria Pública como órgão da execução penal ........................................................ 174

Art. 81-B................................................................................................................................................................. 174 81-B.1 Atribuições da Defensoria Pública como órgão da execução penal .............................. 175 81-B.2 Modalidades de visita e abrangência da atribuição de inspeção ................................... 176

TÍTULO IV – Dos Estabelecimentos Penais CAPÍTULO I – Disposições Gerais.......................................................................................................... 177 Art. 82..................................................................................................................................................................... 177 82.1 82.2 82.3

Considerações gerais sobre os estabelecimentos penais................................................... 177 Judicialização da obrigação de construir e reformar estabelecimentos penais......... 177 Limite ao sentido de “estabelecimento de destinação diversa”....................................... 178

Art. 83..................................................................................................................................................................... 178 83.1

Parâmetros mínimos para a construção de estabelecimento penal............................... 179

Art. 83-A................................................................................................................................................................ 179 83-A.1 Execução indireta de atividades desenvolvidas em estabelecimentos penais .........180

Art. 83-B................................................................................................................................................................180 83-B.1 Funções indelegáveis no âmbito do sistema penal ..............................................................180

Art. 84.....................................................................................................................................................................180 84.1

Separação de presos.......................................................................................................................... 181

Art. 85..................................................................................................................................................................... 182 85.1 85.2 85.3 85.4 85.5 85.6 85.7 85.8

Princípios do numerus clausus ou da capacidade taxativa dos presídios ................... 182 Numerus clausus nos regimes semiaberto e aberto: Súmula Vinculante nº. 56/STF e Recurso Extraordinário 641.320/RS .................................................................... 182 Numerus clausus no regime fechado ........................................................................................ 183 Execução de penas como política pública passível de controle judicial....................... 183 Ilegalidade da prisão decorrente das condições de custódia e necessidade de relaxamento.......................................................................................................................................... 183 Súmula Vinculante 56 e a jurisprudência dos Tribunais Superiores................................184 Numerus Clausus e sistema socioeducativo............................................................................186 Numerus Clausus e a criação de central de vagas no sistema socioeducativo (Resolução 367/2021-CNJ)...............................................................................................................186

85.9

A “cifra oculta” da superlotação (art. 85, parágrafo único, LEP)........................................ 187

Art. 86.....................................................................................................................................................................188 86.1

Flexibilização da competência na execução da pena...........................................................188

CAPÍTULO II – Da Penitenciária............................................................................................................... 189 Art. 87..................................................................................................................................................................... 189 87.1

Considerações gerais sobre as penitenciárias......................................................................... 189

Art. 88..................................................................................................................................................................... 189 88.1 88.2

Características da cela individual para alojamento do preso............................................ 189 Celas modulares de concreto.........................................................................................................190

Art. 89.....................................................................................................................................................................190 89.1

Creche em penitenciária feminina...............................................................................................190

Art. 90..................................................................................................................................................................... 191 90.1

Localização da penitenciária masculina..................................................................................... 191

CAPÍTULO III – Da Colônia Agrícola, Industrial ou Similar.................................................. 191 Art. 91..................................................................................................................................................................... 191 91.1

Considerações gerais sobre os estabelecimentos penais destinados ao regime semiaberto............................................................................................................................................ 191

91.2 Inexistência de estabelecimento de regime semiaberto e prisão domiciliar.............. 192

Art. 92..................................................................................................................................................................... 192 92.1

Alojamentos coletivos...................................................................................................................... 192

CAPÍTULO IV – Da Casa do Albergado............................................................................................... 192 Art. 93..................................................................................................................................................................... 192 Art. 94..................................................................................................................................................................... 192 Art. 95 .................................................................................................................................................................... 193 93.1

Considerações sobre as casas de albergado............................................................................ 193

CAPÍTULO V – Do Centro de Observação......................................................................................... 193 Art. 96 .................................................................................................................................................................... 193 Art. 97 .................................................................................................................................................................... 193 Art. 98 .................................................................................................................................................................... 193 96.1

Considerações sobre os Centros de Observação e Triagem............................................... 193

CAPÍTULO VI – Do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico............................194 Art. 99.....................................................................................................................................................................194 99.1

Considerações sobre os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico..................194

Art. 100 .................................................................................................................................................................194 100.1

Obrigatoriedade do exame psiquiátrico....................................................................................194

Art. 101................................................................................................................................................................... 195 101.1

Tratamento ambulatorial................................................................................................................. 195

CAPÍTULO VII – Da Cadeia Pública........................................................................................................ 195 Art. 102................................................................................................................................................................... 195 102.1

Considerações gerais sobre a cadeia pública.......................................................................... 195

Art. 103................................................................................................................................................................... 195 103.1

Distinção entre cadeias públicas e carceragens em delegacias de polícia................... 195

Art. 104..................................................................................................................................................................196 104.1

Localização das cadeias públicas.................................................................................................196

TÍTULO V – Da Execução das Penas em Espécie CAPÍTULO I – Das Penas Privativas de Liberdade SEÇÃO I – Disposições Gerais.................................................................................................................. 197 Art. 105................................................................................................................................................................... 197 105.1 105.2 105.3 105.4 105.5

Início da execução da pena............................................................................................................. 197 Execução provisória da pena em favor do condenado com prisão preventiva.......... 197 Execução provisória da pena contra condenado que está solto......................................199 Audiência de custódia por ocasião do cumprimento de mandado de prisão definitiva ...............................................................................................................................................200 Progressão provisória de regime em crimes contra a administração pública ............200

Art. 106..................................................................................................................................................................201 106.1

Elementos da guia de recolhimento definitiva e provisória...............................................202

Art. 107...................................................................................................................................................................202 107.1

Condicionamento do cumprimento da pena à expedição da guia.................................202

Art. 108 .................................................................................................................................................................202 108.1

Superveniência de doença mental e conversão da pena em medida de segurança..............................................................................................................................................203

Art. 109...................................................................................................................................................................203 109.1 109.2

Extinção da pena e soltura .............................................................................................................203 Necessidade de integração de dados entre as unidades federativas ............................203

SEÇÃO II – Dos Regimes...............................................................................................................................203 Art. 110...................................................................................................................................................................203 110.1 110.2 110.3 110.4 110.5

Considerações gerais sobre a fixação do regime inicial de cumprimento da pena...................................................................................................................................................204 Súmulas de STF e STJ sobre a fixação do regime inicial de cumprimento de pena...................................................................................................................................................204 Distinção entre os regimes..............................................................................................................205 Violações ao princípio da individualização...............................................................................206 Adequação do regime inicial pelo juízo da execução..........................................................206

Art. 111...................................................................................................................................................................206 111.1

Detração e remição na unificação das penas ..........................................................................207

111.2 111.3

Unificação provisória e prisão preventiva.................................................................................208 Fixação do regime de cumprimento de pena diante de pluralidade de títulos a serem executados: cenários possíveis.....................................................................................208 Unificação de pena restritiva de direitos e pena privativa de liberdade.......................209 Ilegalidade da alteração da data-base para direitos da execução penal por causa da unificação de penas........................................................................................................ 210 Unificação e limite máximo de 40 anos como tempo de cumprimento de pena...... 211 Impossibilidade de alteração da data-base nos casos de trânsito em julgado de condenação única........................................................................................................................ 211 Unificação e crime continuado...................................................................................................... 212 Unificação, reincidência e coisa julgada.................................................................................... 212

111.4 111.5 111.6 111.7 111.8 111.9

Art. 112................................................................................................................................................................... 213 112.1. Considerações gerais sobre a progressão de regime.................................................................. 215 112.2 Requisito objetivo ou temporal: sistematização após alterações das Leis 13.769/2018 e 13.964/2019............................................................................................................... 216 112.3 Requisito objetivo ou temporal: lacuna em relação à reincidência genérica (incisos II, IV, VII e VIII)........................................................................................................................ 219 112.4 Requisito objetivo ou temporal: progressão especial de regime para mulheres (Lei 13.769/2018)..................................................................................................................................220 112.5 Requisito objetivo misto e cálculo discriminado....................................................................224 112.6 Requisito objetivo misto no concurso de crimes...................................................................224 112.7 Ilegalidade da aplicação retroativa de fração mais gravosa...............................................225 112.8 Desconto do tempo de pena remido como pena cumprida.............................................226 112.9 Requisito objetivo na segunda progressão e data-base.....................................................227 112.10 Falta grave e data-base da progressão.......................................................................................228 112.11 Data base da progressão em caso de prisão cautelar com soltura durante o processo.................................................................................................................................................229 112.12 Requisito temporal da progressão de regime e do livramento condicional no caso de condenações a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a quarenta anos.................................................................................................................230 112.13

Colaboração premiada na execução penal e dispensa do requisito objetivo

112.14 112.15

para progressão .................................................................................................................................231 Requisito subjetivo ou disciplinar e exame criminológico.................................................231 Requisito subjetivo ou disciplinar e a objetivação da aferição e das consequências do requisito ...........................................................................................................232

112.16 112.17 112.18 112.19 112.20 112.21 112.22 112.23 112.24

Progressão de regime e apenado submetido ao RDD.........................................................235 Progressão de regime e decretação de prisão cautelar.......................................................235 Progressão de regime em crimes contra a administração pública..................................236 O inadimplemento da pena de multa pode impedir a progressão de regime? ........236 Progressão de regime e preso estrangeiro com pedido de extradição deferido......237 Progressão de regime e preso estrangeiro em situação irregular...................................237 Progressão de regime e presos incluídos em penitenciária federal................................237 Vedação à progressão de regime e organizações criminosas ..........................................238 Progressão de regime e falta de vagas ......................................................................................239

Art. 113...................................................................................................................................................................239 113.1

Aceitação do condenado como requisito para progredir para o regime aberto.......239

Art. 114...................................................................................................................................................................240 114.1

Requisitos para ingressar no regime aberto............................................................................240

Art. 115................................................................................................................................................................... 241 115.1 115.2 115.3 115.4 115.5

Condições para concessão de regime aberto.......................................................................... 241 Impossibilidade de fixar pena restritiva de direitos como condição do regime aberto...................................................................................................................................................... 241 Início de cumprimento da pena em regime inicial aberto.................................................. 241 Natureza declaratória da decisão de progressão ao regime aberto e audiência admonitória como mera formalidade........................................................................................ 242 Compatibilidade entre regime aberto e trabalho noturno................................................243

Art. 116...................................................................................................................................................................243 116.1 116.2

Possibilidade de modificação das condições do regime aberto......................................243 Regime aberto e pandemia da COVID19...................................................................................243

Art. 117...................................................................................................................................................................244 117.1 117.2 117.3 117.4 117.5

Possibilidade de custódia em residência domiciliar para beneficiário de regime aberto......................................................................................................................................................244 Posição jurisprudencial consolidada pela ampliação das hipóteses de prisão domiciliar...............................................................................................................................................244 Prisão domiciliar e prisão especial...............................................................................................244 Substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar...................................................245 Descumprimento das condições da prisão domiciliar não configura crime de desobediência.....................................................................................................................................245

Art. 118...................................................................................................................................................................246 118.1 118.2 118.3 118.4 118.5 118.6

Considerações gerais sobre a regressão de regime..............................................................246 Regressão de regime por causa da prática de fato definido como crime doloso ou falta grave........................................................................................................................................246 Regressão de regime por conta de condenação por crime anterior e incompatibilidade da pena unificada......................................................................................... 247 Regressão de regime por frustração dos fins da execução, no caso de condenado em regime aberto............................................................................................................................... 247 Inadimplemento da pena de multa.............................................................................................248 Regressão e regime inicial...............................................................................................................248

118.7 118.8

Regressão cautelar.............................................................................................................................248 Regressão não é efeito automático ou necessário da falta grave....................................249

Art. 119...................................................................................................................................................................249 119.1

Possibilidade de normas locais complementares sobre o regime aberto....................250

SEÇÃO III – Das Autorizações de Saída SUBSEÇÃO I – Da Permissão de Saída................................................................................................250 Art. 120...................................................................................................................................................................250 120.1 Objetivo das autorizações de saída.............................................................................................250 120.2 Considerações gerais sobre a permissão de saída.................................................................251 Art. 121...................................................................................................................................................................251 121.1

Indeterminação do prazo da permissão de saída..................................................................251

SUBSEÇÃO II – Da Saída Temporária...................................................................................................252 Art. 122...................................................................................................................................................................252 122.1 122.2 122.3 122.4

Considerações gerais sobre a saída temporária......................................................................252 Hipótese de vedação da saída temporária ..............................................................................253 Saída temporária no regime semiaberto harmonizado (cumprido em prisão domiciliar e/ou monitoramento eletrônico).............................................................................253 Saída temporária para visita a amigo e agente religioso.....................................................254

Art. 123...................................................................................................................................................................255 123.1 123.2 123.3 123.4

Requisitos para a saída temporária..............................................................................................255 Interrupção do prazo e falta grave...............................................................................................255 Sobre a compatibilidade com os objetivos da pena.............................................................256 Decisão sobre o pedido de saída temporária..........................................................................256

Art. 124...................................................................................................................................................................257 124.1 124.2 124.3

Prazo da saída temporária...............................................................................................................258 Condições da saída temporária.....................................................................................................258 Ausência de previsão de interrupção ou suspensão da pena...........................................258

Art. 125...................................................................................................................................................................259 125.1

Revogação da saída temporária....................................................................................................259

SEÇÃO IV – Da Remição...............................................................................................................................260 Art. 126...................................................................................................................................................................260 126.1 126.2 126.3 126.4 126.5 126.6 126.7

Considerações gerais sobre a remição....................................................................................... 261 Remição pelo trabalho..................................................................................................................... 261 Remição pelo estudo e pela leitura ............................................................................................262 Remição e preso provisório ...........................................................................................................266 Remição por trabalho executado antes do início da execução da pena.......................266 Novas modalidades de remição e as práticas sociais educativas.....................................266 Remição ficta e a pandemia do novo Coronavírus................................................................267

126.8

Penas ilícitas: remição ficta ou compensação penal decorrente de condições degradantes de prisão......................................................................................................................268

126.9

Remição por trabalho no regime semiaberto harmonizado cumprido em prisão

domiciliar e/ou monitoração eletrônica....................................................................................270 126.10 Possibilidade de arredondamento para cima dos dias remidos.......................................270

Art. 127 .................................................................................................................................................................. 271 127.1

Perda de dias remidos como sanção........................................................................................... 271

127.2 127.3 127.4 127.5

Debate sobre a constitucionalidade da perda dos dias remidos.....................................272 Necessidade de fundamentação da decisão............................................................................272 Limite temporal da possibilidade de perda de dias remidos.............................................273 Inaplicabilidade para o liberado condicional que comete novo delito.........................273

Art. 128...................................................................................................................................................................273 128.1 128.2

Cômputo do tempo remido como pena cumprida............................................................... 274 Período de trabalho ou estudo anterior à data-base para direitos da execução....... 274

Art. 129................................................................................................................................................................... 275 129.1

Encaminhamento ao juízo de informações sobre atividades que implicam em remição de pena................................................................................................................................. 275

Art. 130................................................................................................................................................................... 275 130.1

Crime de falsidade ideológica....................................................................................................... 276

SEÇÃO V – Do Livramento Condicional............................................................................................ 276 Art. 131................................................................................................................................................................... 276 131.1 131.2 131.3 131.4 131.5 131.6

Considerações gerais sobre o livramento condicional......................................................... 276 Requisitos ou pressupostos para o livramento condicional...............................................277 Requisito objetivo ou temporal ...................................................................................................277 Requisito da reparação do dano e cumprimento das obrigações civis decorrentes do crime .......................................................................................................................278 Requisito subjetivo ou da valoração clínico-criminológica do autor.............................279 Hipóteses de vedação do livramento condicional.................................................................280

Art. 132...................................................................................................................................................................282 132.1  Condições do livramento condicional.............................................................................................282 132.2 Período de prova do livramento condicional..........................................................................283

Art. 133...................................................................................................................................................................284 133.1  Competência territorial para fiscalização do livramento condicional..................................284

Art. 134...................................................................................................................................................................284 134.1

Advertência ao liberado...................................................................................................................284

Art. 135...................................................................................................................................................................284 135.1

Reforma da sentença denegatória do livramento condicional.........................................284

Art. 136...................................................................................................................................................................285 136.1

Formalização do livramento condicional..................................................................................285

Art. 137...................................................................................................................................................................285 137.1

Cerimônia de livramento condicional........................................................................................286

Art. 138...................................................................................................................................................................286 138.1

Prestação de informações ao sentenciado beneficiado pelo livramento condicional............................................................................................................................................287

Art. 139...................................................................................................................................................................287 139.1

Observação cautelar..........................................................................................................................287

Art. 140...................................................................................................................................................................287 140.1 140.2 140.3

Revogação do livramento condicional.......................................................................................288 Reversão da concessão do livramento em recurso de agravo..........................................288 Impossibilidade jurídica da prática de falta grave por liberado condicional...............289

Art. 141...................................................................................................................................................................289 141.1 Consequências da revogação do livramento condicional motivada por infração penal cometida antes do período de prova.............................................................................290

Art. 142...................................................................................................................................................................290 142.1 142.2

Consequência da revogação do livramento condicional motivada por infração penal cometida durante o período de prova...........................................................................290 Cassação do livramento em segunda instância é equivalente a “revogação por outro motivo”?.............................................................................................................................291

Art. 143...................................................................................................................................................................291 143.1

Requerimento de revogação do livramento condicional...................................................291

Art. 144...................................................................................................................................................................292 144.1

Modificação das condições do livramento condicional.......................................................292

Art. 145...................................................................................................................................................................292 145.1

Suspensão do livramento condicional e prorrogação do período de prova...............292

Art. 146...................................................................................................................................................................293 146.1

Extinção da punibilidade pela expiração do prazo do livramento condicional.........293

Seção VI – Da Monitoração Eletrônica..............................................................................................294 Art. 146-A.............................................................................................................................................................294 Art. 146-B.............................................................................................................................................................294 146-B.1 Considerações gerais sobre a monitoração eletrônica .......................................................294

Art. 146-C.............................................................................................................................................................295 146-C.1 Cuidados e deveres do condenado com o equipamento eletrônico ............................296 146-C.2 Monitoração eletrônica e sistema disciplinar..........................................................................296 146-C.3 Consequências previstas para o descumprimento dos deveres relativos à monitoração eletrônica ...............................................................................................................296

Art. 146-D.............................................................................................................................................................297 146-D.1 Revogação da monitoração eletrônica .....................................................................................297

CAPÍTULO II – Das Penas Restritivas de Direitos SEÇÃO I – Disposições Gerais..................................................................................................................298 Art. 147...................................................................................................................................................................298 147.1 147.2 147.3 147.4 147.5 147.6

Considerações gerais sobre as penas restritivas de direitos..............................................298 Impossibilidade de execução provisória de penas restritivas de direitos.....................299 Natureza das penas restritivas de direitos................................................................................299 Obrigatoriedade da substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos...........................................................................................................................299 Inconstitucionalidade da vedação da pena restritiva de direitos....................................300 Possibilidades de substituição.......................................................................................................300

Art. 148...................................................................................................................................................................301 148.1 148.2

Alteração da forma de cumprimento da pena restritiva de direitos...............................301 Consequências da pandemia do novo Coronavírus na execução das penas restritivas de direito...........................................................................................................................301

SEÇÃO II – Da Prestação de Serviços à Comunidade..............................................................302 Art. 149...................................................................................................................................................................302 149.1

Considerações gerais sobre a prestação de serviços à comunidade..............................302

Art. 150...................................................................................................................................................................303 150.1

Fiscalização da prestação de serviços à comunidade...........................................................303

SEÇÃO III – Da Limitação de Fim de Semana................................................................................303 Art. 151...................................................................................................................................................................303 151.1

Considerações gerais sobre a limitação de fim de semana................................................303

Art. 152...................................................................................................................................................................304 152.1

Limitação de fim de semana e violência doméstica..............................................................304

Art. 153...................................................................................................................................................................304 153.1

Fiscalização da limitação de fim de semana.............................................................................304

SEÇÃO IV – Da Interdição Temporária de Direitos...................................................................304 Art. 154...................................................................................................................................................................304 154.1

Considerações gerais sobre a interdição temporária de direitos.....................................305

Art. 155...................................................................................................................................................................305 155.1

Descumprimento das medidas.....................................................................................................305

CAPÍTULO III – Da Suspensão Condicional.....................................................................................306 Art. 156...................................................................................................................................................................306

156.1 156.2 156.3

Considerações gerais sobre a suspensão condicional da pena........................................306 Requisitos para concessão do sursis previstos no Código Penal .....................................306 Vedação da suspensão condicional da pena...........................................................................308

Art. 157...................................................................................................................................................................308 157.1

Fundamentação da concessão ou denegação do sursis ....................................................308

Art. 158...................................................................................................................................................................309 158.1

Condições da suspensão..................................................................................................................309

Art. 159................................................................................................................................................................... 310 159.1

Suspensão condicional da pena concedida por Tribunal.................................................... 310

Art. 160....................................................................................................................................................................311 160.1

Advertência ao condenado.............................................................................................................311

Art. 161....................................................................................................................................................................311 161.1

Não comparecimento na audiência admonitória...................................................................311

Art. 162....................................................................................................................................................................311 162.1 162.2 162.3 162.4

Revogação da suspensão condicional da pena.......................................................................311 Prorrogação do período de prova ............................................................................................... 312 Sursis e prescrição da pretensão executória ........................................................................... 313 Expiração do período de prova e extinção da punibilidade.............................................. 313

Art. 163................................................................................................................................................................... 313 163.1

Registro da suspensão condicional da pena............................................................................ 314

CAPÍTULO IV – Da Pena de Multa.......................................................................................................... 314 Art. 164.................................................................................................................................................................. 314 164.1 164.2 164.3 164.4

Considerações gerais sobre a pena de multa.......................................................................... 314 Natureza fiscal da multa e legitimidade para execução...................................................... 314 Ausência de efeitos penais em caso de inadimplência........................................................ 315 Suspensão dos direitos políticos e pendência de pagamento da pena de multa..... 315

Art. 165................................................................................................................................................................... 316 165.1

Possibilidade de penhora em bem imóvel................................................................................ 316

Art. 166................................................................................................................................................................... 316 166.1

Possibilidade de penhora em outros bens................................................................................ 316

Art. 167................................................................................................................................................................... 316 167.1

Suspensão da execução da pena de multa na superveniência de doença mental .................................................................................................................................................... 316

Art. 168................................................................................................................................................................... 317 168.1

Pagamento da multa mediante desconto no vencimento ou salário do condenado............................................................................................................................................ 317

Art. 169................................................................................................................................................................... 317 169.1

Parcelamento da pena de multa................................................................................................... 318

Art. 170 .................................................................................................................................................................. 318 170.1

Complemento ao art. 168 ............................................................................................................... 318

TÍTULO VI – Da Execução das Medidas de Segurança CAPÍTULO I – Disposições Gerais.......................................................................................................... 319 Art. 171................................................................................................................................................................... 319 171.1 171.2 171.3

Execução das medidas de segurança......................................................................................... 319 Superação da visão tutelar e Lei 10.216/2001 ......................................................................... 319 Jurisprudência de direitos humanos e questão manicomial.............................................320

Art. 172...................................................................................................................................................................320 172.1 172.2 172.3

Exigência de expedição de guia pela autoridade judiciária...............................................320 Ilegalidade da manutenção de paciente internado em penitenciária........................... 321 Ilegalidade da submissão de paciente judiciário ao sistema disciplinar e a medida de isolamento...................................................................................................................... 321

Art. 173 ..................................................................................................................................................................322 173.1

Elementos da guia de internamento ou tratamento ambulatorial..................................322

Art. 174 ..................................................................................................................................................................323 174.1

Classificação e exame criminológico nas medidas de segurança....................................323

CAPÍTULO II – Da Cessação da Periculosidade............................................................................323 Art. 175...................................................................................................................................................................323 175.1 175.2

Cessação da periculosidade e prazo máximo da medida de segurança....................... 324 Ilegalidade de laudos genéricos e sem fundamentação..................................................... 324

Art. 176...................................................................................................................................................................325 176.1

Determinação de exame para verificação da cessação da periculosidade..................325

Art. 177...................................................................................................................................................................325 Art. 178 ..................................................................................................................................................................325 178.1

Desinternação ou liberação............................................................................................................325

Art. 179...................................................................................................................................................................326 179.1

Condicionamento da desinternação ou liberação.................................................................326

TÍTULO VII – Dos Incidentes de Execução CAPÍTULO I – Das Conversões..................................................................................................................327 Art. 180...................................................................................................................................................................327 180.1

Conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos..............................327

Art. 181...................................................................................................................................................................327 181.1 181.2 181.3 181.4 181.5

Conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade...................328 Conversão da prestação de serviços à comunidade ............................................................328 Conversão da limitação de fim de semana...............................................................................329 Conversão da interdição temporária de direitos....................................................................329 Observância do regime inicial fixado na sentença condenatória ...................................329

Art. 182...................................................................................................................................................................329 Art. 183 ..................................................................................................................................................................329 183.1 183.2

Substituição/conversão da pena privativa de liberdade por medida de segurança..............................................................................................................................................330 Convivência entre execuções de pena privativa de liberdade e de medida de segurança..............................................................................................................................................330

Art. 184.................................................................................................................................................................. 331 184.1

Conversão do tratamento ambulatorial em internação...................................................... 331

CAPÍTULO II – Do Excesso ou Desvio.................................................................................................. 331 Art. 185................................................................................................................................................................... 331 185.1

Excesso ou desvio de execução.................................................................................................... 331

Art. 186...................................................................................................................................................................332 1.6

Legitimidade para suscitar o incidente de excesso ou desvio de execução................332

CAPÍTULO III – Da Anistia e do Indulto..............................................................................................332 Art. 187...................................................................................................................................................................332 187.1

Considerações gerais sobre a anistia..........................................................................................332

Art. 188...................................................................................................................................................................333 188.1

Considerações gerais sobre o indulto.........................................................................................333

Art. 189...................................................................................................................................................................333 189.1

Indulto individual...............................................................................................................................333

Art. 190...................................................................................................................................................................334 190.1

Necessidade de parecer do Conselho Penitenciário.............................................................334

Art. 191 ..................................................................................................................................................................334 191.1

Procedimento do indulto individual...........................................................................................334

Art. 192...................................................................................................................................................................335 192.1

Indulto coletivo, comutação de penas e repercussão judicial...........................................335

192.2 192.3 192.4 192.5 192.6 192.7

Natureza declaratória da decisão concessiva de indulto ou comutação .....................336 Indulto e efeitos secundários da condenação......................................................................... 337 Discussão sobre a necessidade de homologação da falta grave ocorrer no período de doze meses anterior ao decreto de indulto coletivo..................................... 337 Possibilidade de indulto em concurso de crimes...................................................................338 Discussão sobre o alcance do indulto em casos de parcelamento da pena de multa.................................................................................................................................................338 Controle judicial do decreto presidencial de indulto coletivo..........................................339

Art. 193 ..................................................................................................................................................................340 193.1 193.2 193.3

Reconhecimento judicial dos requisitos para indulto..........................................................340 Indulto e execução provisória da pena......................................................................................340 Indulto e detração penal pelo período entre o decreto presidencial e a decisão que extingue a punibilidade ......................................................................................................... 341

TÍTULO VIII – Do Procedimento Judicial...........................................................................................342 Art. 194...................................................................................................................................................................342 194.1

Procedimento judicial.......................................................................................................................342

Art. 195...................................................................................................................................................................342 195.1

Início do procedimento judicial....................................................................................................342

Art. 196...................................................................................................................................................................343 196.1 196.2

Procedimento na execução penal................................................................................................343 Princípio da oralidade e audiências de justificação ..............................................................344

Art. 197...................................................................................................................................................................344 197.1 197.2 197.3

Agravo em execução ........................................................................................................................344 Outras opções de defesa na execução penal ..........................................................................346 Descabimento de medidas coletivas visando cassar decisões favoráveis às pessoas presas................................................................................................................................346

TÍTULO IX – Das Disposições Finais e Transitórias....................................................................348 Art. 198...................................................................................................................................................................348 198.1 199.1

Proibição de divulgação de fatos ocorridos dentro do cárcere .......................................348 Proibição de divulgação de fatos que exponham o preso a inconveniente notoriedade .........................................................................................................................................348

Art. 199 .................................................................................................................................................................348 199.1 199.2 199.3 199.4

Regulação do emprego de algemas por Súmula Vinculante ............................................348 Regulação do emprego de algemas pelo Decreto 8.858, de 26 de setembro de 2016 ...................................................................................................................................................349 Excepcionalidade absoluta do uso algemas nos pés (“marca-passo”) ..........................349 Vedação do uso de algemas em mulheres grávidas ............................................................349

Art. 200..................................................................................................................................................................349 200.1

Não obrigatoriedade ao trabalho do condenado por crime político.............................349

Art. 201...................................................................................................................................................................350 201.1

Sobre a prisão civil do devedor de alimentos .........................................................................350

Art. 202..................................................................................................................................................................350 202.1

Direito de silêncio nas certidões ..................................................................................................350

Art. 203..................................................................................................................................................................350 Art. 204.................................................................................................................................................................. 351

Comentários à

LEI DE EXECUÇÃO PENAL

TÍTULO I

Do Objeto e da Aplicação da Lei de Execução Penal Art. 1º  A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

1.1

Objetivo da execução penal

A Constituição de 1988 não estabelece explicitamente um escopo ou objetivo para a execução penal. Porém, o intuito de fazer do cumprimento da pena privativa de liberdade um momento de reforma do indivíduo – através de sua reeducação, ressocialização, ou termo análogo – é finalidade declarada da legislação e que vem se manifestar claramente na previsão de um tratamento penitenciário composto por atividades assistenciais e pela constrição ao trabalho. O debate de natureza político-criminal travado neste ponto diz respeito à possibilidade de não recepção desse escopo – o artigo tem redação de 1984 – pela Constituição de 1988 ou sua inconstitucionalidade, no caso de nova redação, em face do princípio da secularização expresso pela dignidade da pessoa humana. Nas poucas vezes em que o STF se manifestou sobre o tema, venceu a admissibilidade do escopo de reintegração social: “A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social” 37

Art. 1º

ANDRÉ RI BEI R O GI AMBERARDI NO

(STF, HC 82959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 23/02/2006). O tema em regra retorna quando se trata de remição de pena: “Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança tornam indeclinável o dever estatal de honrar o compromisso de remir a pena do sentenciado, legítima contraprestação ao trabalho prestado por ele na forma estipulada pela administração penitenciária, sob pena de desestímulo ao trabalho e à ressocialização” (STF, RHC 136509/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, 2º T., j. 04/04/2017). O escopo de reintegração é expresso, ainda, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 10, §5º) e na Convenção Americana de Direitos Humanos ou Pacto de São José da Costa Rica (art. 5, §6º). Dentro de um escopo geral de redução de danos, a finalidade de viabilização da harmônica integração social do condenado cumpre papel importante, como se poderá constatar em diversos momentos no estudo do Direito de Execução Penal. Aceitando-o sob tal ótica, pode-se dizer que ainda que se adote uma concepção “ingênua” sobre o Direito Penal, confiando, assim, nos discursos de legitimação da pena, este artigo vem sendo até o momento relegado por grande parte dos operadores do direito.

1.2

Crítica à prática judicial sobre o objetivo da execução penal

É corriqueira a transposição equivocada das finalidades da pena no momento da fixação judicial para o momento da execução. Não raro, por exemplo, verificase que benefícios como a progressão de regime e o livramento condicional são negados com base na gravidade do crime cometido. Assim também as interpretações comumente dadas às Súmulas 439/STJ e Súmula Vinculante 26/STF, analisadas adiante, as quais permitem a exigência de exame criminológico mediante decisão fundamentada e de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Ora, tais peculiaridades e fundamentação jamais poderiam se voltar, como lamentavelmente se voltam cotidianamente, para o momento da prática do ato delituoso, de modo que a gravidade do crime cometido, ainda que analisada in concreto – no mais das vezes com sofríveis e rasas argumentações –, jamais poderia servir de fundamento para a denegação de qualquer benefício durante a execução da pena. Ocorre que os crimes mais graves são punidos com penas mais altas. E é justamente no momento da cominação em abstrato e da fixação judicial em con­creto da pena que a lei permite a sua exasperação por valorações sobre, por exem­plo, a culpabilidade ou os motivos, circunstâncias e consequências do crime. No momento da execução de tais penas, o único foco deve ser a trajetória do próprio apenado dentro do sistema prisional e a projeção das condições em 38

CO M E N TÁ R I O S À L EI D E EXECUÇ ÃO PENAL

Art. 1º

que se dará seu reingresso em liberdade. Tal nada mais é do que decorrência da própria divergência de finalidades da pena no momento da persecução criminal e no momento da execução. Não é despiciendo lembrar que a Lei de Execução Penal foi estatuída inicialmente pela Lei nº 7.210/84, uma lei, portanto, elaborada conjuntamente à Lei nº. 7.209/84, a qual realizou a reforma da Parte Geral do Código Penal. Ora, o mesmo legislador e comissão científica contribuíram em conjunto para ambas as leis, as quais, entretanto, possuem disposições díspares para as finalidades da pena: a parte geral do Código Penal, em seu artigo 59, permite a adoção das finalidades retributivas e preventivas e, em decorrência das circunstâncias em tal artigo elencadas, bem como da observação de diversos outros artigos do diploma, tem-se claro que a prevenção não se esgota na modalidade especial positiva. Por sua vez, como fixa o art. 1º da LEP, a única finalidade possível no momento da execução é a prevenção especial positiva, de modo que a reprovação do fato já foi dada pela maior pena fixada em concreto. Admitir que as mesmas circunstâncias já utilizadas para exasperar a pena imposta voltem a assombrar o indivíduo que possui comportamento exemplar durante a execução, além de negar e confundir a finalidade da pena na execução penal com a finalidade da pena no momento da fixação judicial, constitui inegável bis in idem.

1.3

Repercussão da vedação à revisão criminal pro societate na execução penal

Se não há execução sem título, também não há execução para além do título. Mesmo erros graves da sentença, em benefício do condenado, devem prevalecer em homenagem à coisa julgada soberana que não pode ser alterada, especificamente por inexistir revisão criminal pro societate. Também sentenças dúbias ou que contenham disposições contraditórias ou obscuras devem ser sempre interpretadas da forma mais favorável. Cabe à acusação, no âmbito do processo de conhecimento, zelar tempestivamente pela correta aplicação da lei. A ausência de declaração expressa e clara do prejuízo na sentença penal con­de­ natória somente favorece o réu, jamais o prejudica. Apenas a título de exemplo, pode-se mencionar a questão do reconhecimento da reincidência. É bastante claro que o momento para o seu reconhecimento é o da condenação, sendo circunstância agravante genérica, que deve, assim, ser expressamente reco­nhecida na segunda fase da dosimetria da pena. Ora, uma vez que tal circunstância não tenha constado em sentença, e ainda nos casos em que era de rigor o seu reconhecimento, não pode o juízo da execução querer reconhecê-la no momento da execução (contra esse entendimento, porém: STF, RHC 176.216/MG, j. 05/02/2021). 39

Art. 2º 1.4

ANDRÉ RI BEI R O GI AMBERARDI NO

Duplicidade de condenações pelo mesmo fato

Na absurda – mas possível – hipótese de duplicidade de sentenças condenatórias por um mesmo fato, deve ser executada uma única sentença, havendo divergência, porém, sobre qual deve prevalecer: a mais favorável ao réu, com base no princípio do favor-rei, ou a primeira a ter sido proferida, com base no critério temporal e de precedência? Embora houvesse posição na 6ª Turma do STJ pela primeira corrente, ou seja, pela prevalência da sentença mais favorável, independentemente de qual decisão foi publicada primeiro (HC 281.101/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., j. 03/10/2017), a tendência atual é de formação de maioria pelo critério da precedência. Nesse sentido, há decisões no STF (por exemplo, HC 101.131, Rel. P. acórdão Min. Marco Aurélio, 1ª T., j. 25/10/2011) e no STJ (RHC 69.586/PA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Rogerio Schietti Cruz, por maioria, j. 27/11/2018, DJe 04/02/2019).

Art. 2º  A jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal. Parágrafo único. Esta Lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária.

2.1

Natureza jurídica da execução penal

O art. 2º deve ser lido em conjunto com o art. 65 da LEP, na medida em que tratam, respectivamente, da jurisdição e da competência em matéria execucional. Prevalece na doutrina e jurisprudência a posição em prol da natureza mista, híbrida ou complexa (jurisdicional e administrativa) da execução penal, desde a entrada em vigor da LEP em 19841. A posição que visualiza o exercício da função jurisdicional somente no início ou no encerramento da execução da

Vide o teor das Súmulas 39 e ss. do encontro “Mesas de Processo Penal” realizado no primeiro semestre de 1985; cfr. GRINOVER, Ada Pellegrini; BUSANA, Dante (Coord.). Execução Penal: mesas de processo penal, doutrina, jurisprudência e súmulas. São Paulo: Max Limonad, 1987.

1

40

CO M E N TÁ R I O S À L EI D E EXECUÇ ÃO PENAL

Art. 2º

pena, ou em “incidentes”, parece na verdade dar preferência à dimensão administrativa. A concepção híbrida, em outras palavras, pressupõe um processo administrativo de execução “dentro” do qual haveriam procedimentos incidentais jurisdicionalizados. Todavia, no mundo do “dever ser”, o processo não pode ser senão visto como plenamente jurisdicionalizado: executar a pena é atuar o poder-dever de punir do Estado que decorre do acertamento do caso penal realizado pelo juiz, na sentença ou acórdão. Tal atuação não consiste, porém, em uma “carta em branco” às autoridades penitenciárias, mas – e este é o ponto – deve/deveria ser inteiramente balizada e limitada pelo conteúdo da condenação.

2.2

Jurisdicionalidade da execução vs. flexibilidade do “projeto penitenciário”

De outro lado, a tensão historicamente verificada entre a afirmação da jurisdicionalidade da execução e a flexibilidade e tendência à indeterminação inerente ao “projeto penitenciário” implica e recomenda uma reflexão mais aprofundada em face da noção de coisa julgada, tanto em relação à sentença condenatória como em face das decisões proferidas no curso da execução. As modificações qualitativas e quantitativas que ocorrem no curso da execução da pena são tradicionalmente relacionadas à cláusula rebus sic stantibus, a qual permitiria a alteração do pacto em face de modificações nas circunstâncias de fato2. A impropriedade de tal explicação é manifesta pelo fato de que a pena aplicada não é um contrato entre partes a ser “ajustado” ou “reajustado”. Evidentemente, a relação entre condenado e Estado não guarda qualquer paralelo com o que se define como relação contratual. Trata-se de inadequada aplicação de uma figura típica do direito privado à execução penal e que denuncia, assim, grave lacuna teórica. No art. 2º, fica claro que a LEP é o ato normativo que baliza o exercício do poder jurisdicional em matéria de execução penal, sendo fixado como fonte imediatamente subsidiária o Código de Processo Penal. Há consequências importantes na prevalência do CPP sobre o CPC, por exemplo, no preenchimento de lacunas como a inexistência de prazo e rito para o recurso de agravo em

2

No Brasil, nesse sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini; BUSANA, Dante (Coord.). Execução Penal, op.cit., p. 91 e ss. E também: GRINOVER, Ada Pellegrini. Eficácia e autoridade da sentença penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.

41

Art. 2º

ANDRÉ RI BEI R O GI AMBERARDI NO

execução previsto no art. 197 da LEP e na abertura de possibilidade de aplicação de dispositivos do CPP que sejam pertinentes, sobretudo quanto à prova, na apuração de faltas disciplinares, e quanto a eventual necessidade de retificação da identidade da pessoa que se encontra presa (“Art. 259: A impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou outros qualificativos não retardará a ação penal, quando certa a identidade física. A qualquer tempo, no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença, se for descoberta a sua qualificação, far-se-á a retificação, por termo, nos autos, sem prejuízo da validade dos atos precedentes”). Interessante notar a ausência de menção ao Código Penal, embora tenham sido inseridos nele, na Reforma da Parte Geral de 1984, diversas regras concer­ nentes à execução penal, especialmente quanto ao livramento condicional. Seria benéfico que apenas a LEP tratasse desses assuntos, sendo tais artigos retirados do Código Penal.

2.3.

Aplicação da LEP aos presos provisórios

No que tange aos presos provisórios, a LEP é aplicável no que for cabível. Não havendo nenhuma condenação, ainda assim a pessoa presa deve respeitar os deveres e ter respeitados os direitos previstos na lei, podendo trabalhar e estudar. Ela pode inclusive vir a sofrer sanções administrativas caso pratique falta disciplinar. Contudo, é inadmissível projetar consequências para o futuro processo judicial de execução (por exemplo, a perda de dias remidos ou a interrupção da data-base), esgotando-se eventuais sanções no aspecto meramente administrativo. Entende-se por preso provisório a pessoa mantida em custódia por força de prisão cautelar (preventiva ou temporária), não se podendo confundir tal situação com aquela referente à execução provisória da pena do réu preso preventivamente que vem a ser condenado em primeiro grau e recorre da sentença. Havendo a expedição de guia de recolhimento provisória, não há lógica alguma em subsistir a prisão cautelar, sendo o próprio mandado de prisão transferido ao juízo de execução penal. Por isso mesmo, será possível a progressão de regime e eventual acesso a outros direitos da execução. Sobre o tema da execução provisória da pena pro reo, v. comentários ao art. 105 e seguintes.

42

CO M E N TÁ R I O S À L EI D E EXECUÇ ÃO PENAL

Art. 3º

Art. 3º  Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.

3.1

Direitos limitados pela execução penal

A função jurisdicional na execução penal tem – ou deveria ter – caráter marcantemente limitador e garantista, no sentido de redução de danos, especial­ mente em face da garantia legal de todos os direitos não atingidos pela condenação. Nesse sentido, a execução penal jurisdicionalizada implica, no mínimo, (a) a limitação e a vinculação da discricionariedade das autoridades penitenciárias com base no conteúdo da condenação e na própria lei e Constituição; (b) a garantia do direito constitucional à ampla defesa e contraditório em todas as situações, inclusive quando se trata de redução de direitos praticada pela autoridade penitenciária como forma de manutenção da ordem; e (c) a obrigatoriedade de motivação de todas as decisões – judiciais ou administrativas – que impliquem modificação qualitativa e/ ou quantitativa no cumprimento da pena. Assim, o jurista crítico deve reconhecer – descritivamente – a execução penal como um espaço de não-direito e, portanto, de exercício do arbítrio, sem que isso o leve à resignação e ao afastamento. Para tanto, porém, é preciso sempre afirmar – normativamente – a importância da contenção, pela via jurisdicional, do arbítrio consubstanciado no cotidiano que dá conteúdo à execução da pena, mesmo se de forma sabidamente limitada. Trata-se da única posição legítima, do ponto de vista normativo, em face do teor da LEP e da Constituição da República, que configuram uma execução penal dinâmica e voltada à inclusão – muito além, portanto, da concepção estática ou meramente formalizadora/realizadora dos resultados do processo de cognição.

3.2

Estado de coisas inconstitucional e violação de direitos

O Supremo Tribunal Federal reconheceu quadro de crônica violação de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro, no bojo da ADPF 347, em medida cautelar (aguarda, ainda, julgamento de mérito): “CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL – SISTEMA PENITENCIÁRIO – ARGUIÇÃO 43

Art. 3º

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DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição de descumprimento de preceito fundamental considerada a situação degradante das penitenciárias no Brasil. SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA – CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – FALHAS ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema penitenciário nacional ser caraterizado como “estado de coisas inconstitucional”. (...)” (STF, ADPF 347 MC/ DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 09/09/2015).

3.3

Vedação de tratamento discriminatório

O parágrafo único veda qualquer tratamento discriminatório fundado em critérios raciais, sociais, religiosos ou políticos, abrangendo a vedação de tratamento discriminatório fundado na identidade de gênero.

3.4

Suspensão dos direitos políticos

A própria Constituição determina, em seu art. 15, III, a suspensão dos direitos políticos no caso de “condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos”. Há movimentos políticos pela alteração da regra (uma tentativa, por exemplo, foi a PEC nº. 65/2003, arquivada). Sobre a aplicação da suspensão dos direitos políticos para condenações a pena restritiva de direitos, o STF apreciou o tema no RE 601.182/MG (Tema 370), decidindo, por maioria, pela fixação da tese: “A suspensão de direitos políticos prevista no art. 15, inc. III, da Constituição Federal aplica-se no caso de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos”.

3.5

Suspensão dos direitos políticos e pendência de pagamento da pena de multa

Controvérsia de grande relevância prática diz respeito à manutenção da suspensão dos direitos políticos na pendência de pagamento da pena de multa, quando já declarada extinta a punibilidade por integral cumprimento da pena privativa de liberdade. Ou seja: após o cumprimento da pena de prisão, a pessoa 44

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Art. 3º

muitas vezes segue sem conseguir regularizar título de eleitor e demais docu­ mentos, inclusive o Cadastro de Pessoa Física (CPF), por causa do não pagamento da pena de multa. Em 19 de fevereiro de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) manteve entendimento definido no PA nº. 936-31/MS, no sentido de que “a pendência de pagamento de pena de multa, ou sua cominação isolada, tem o condão de manter ou ensejar a suspensão dos direitos políticos prevista no art. 15, inciso III, da Constituição Federal” (TSE, Processo Administrativo nº. 0604343-88.2017.6.00.0000-Brasília/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes), indeferindo pedido do Colégio de Corregedores Eleitorais pela revisão da posição. Atenção, porém: da leitura atenta do acórdão mencionado, vê-se que o TSE apenas não quis permitir interpretação de que poderia ele se sobrepor à competência do juízo penal para declaração da extinção da punibilidade. Mas havendo declaração de extinção da punibilidade, ela deve sim alcançar a pena de multa pendente, para todos os fins. Destaca-se o seguinte trecho da mesma decisão: “não é o caso de alterar o entendimento esposado por esta Corte, mas de orientar os Tribunais Regionais Eleitorais, por meio da Corregedoria-Geral Eleitoral, para que exijam, tão somente, a comunicação da extinção da punibilidade (mesmo nos casos em que a pena de multa é a única aplicada), sem juízo acerca da decisão”. A conclusão do TSE, portanto, é que “a comunicação de extinção da punibilidade encaminhada pela Justiça Comum é suficiente para o cumprimento do disposto na decisão prolatada no PA nº. 936-31/ MS, não cabendo à Justiça Eleitoral analisar o acerto ou o desacerto da decisão do órgão de origem”. Em suma, tendo havido a declaração da extinção de punibilidade pelo juízo penal, o respectivo Tribunal Regional Eleitoral deve imediatamente proceder à regularização dos direitos políticos suspensos. Ocorre que, após o julgamento da ADI 3.150/DF pelo STF, o STJ reviu enten­ dimento anterior e afirmou que “o inadimplemento da pena de multa obsta a extinção da punibilidade do apenado” (STJ, AgRg no REsp 1.850.903/SP, 5ª T., j. 28/04/2020). Caso o juízo penal não declare a punibilidade extinta por conta da pendência do pagamento da pena pecuniária, uma das opções é pedir o indulto da pena de multa, se devidamente preenchidos os requisitos. Até dezembro de 2015, os decretos presidenciais de indulto coletivo vinham contemplando a hipótese: por exemplo, indultando pessoas “condenadas a pena de multa, ainda que não quitada, independentemente da fase executória ou do juízo em que se encontre, aplicada cumulativamente com pena privativa de liberdade cumprida até 25 de dezembro de 2015, desde que não supere o valor mínimo para inscrição de débitos na Dívida Ativa da 45

Art. 4º

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União, estabelecido em ato do Ministro de Estado da Fazenda, e que não tenha capacidade econômica de quitá-la” (art. 1º, XI, Decreto 8.615/2015). Independentemente do cabimento de indulto, é muito frequente que ocorra a prescrição em cinco anos, considerando que as causas de interrupção são exclusivamente aquelas previstas no Código Tributário Nacional (art. 174, caput e parágrafo único, CTN), não havendo interrupção por conta do cumprimento da pena (art. 117, V, CP). O pedido de reconhecimento da prescrição deve ser endereçado ao juízo criminal.

3.6

Tratamento penitenciário no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

O art. 10 do PIDCP, promulgado pelo Decreto nº. 592, de 6 de julho de 1992, afirma que “toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana” e que o objetivo principal do regime penitenciário seria “a reforma e a reabilitação normal dos prisioneiros”. A Observação Geral nº. 21, do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, que comenta o dispositivo, aborda o tratamento das pessoas privadas de liber­dade, afirma que ele abrange todas as pessoas privadas de liberdade pelo Estado, inclusive em hospitais psiquiátricos ou instituições similares.

Art. 4º O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança.

4.1

Cooperação da comunidade na execução penal

O escopo de “proporcionar condições para a harmônica integração social” previsto no art. 1º da LEP necessita da cooperação da comunidade para se tornar factível, sobretudo para viabilização das alternativas penais em sentido amplo. Alternativas como penas restritivas de direito, políticas de assistência por meio dos Patronatos e o potencial dos Conselhos da Comunidade são exemplos de espaços saudáveis de participação popular, assim como outras iniciativas não expressamente previstas na LEP como os “escritórios sociais” e as APAC’s (Associações de Proteção e Assistência aos Condenados). 46

CO M E N TÁ R I O S À L EI D E EXECUÇ ÃO PENAL

4.2

Art. 4º

Princípio da interatividade: cooperação entre Poder Executivo e Sistema de Justiça Criminal

Foi criado pelo Governo Federal o Sistema Nacional de Alternativas Penais (SINAPE) e firmado termo de cooperação técnica entre Ministério da Justiça e Conselho Nacional de Justiça (TCT nº. 006/2015), em todos os momentos enfatizando a articulação necessária com o sistema de justiça e as “redes parceiras” para acolhimento de condenados e acompanhamento das penas restritivas de direito. É o chamado princípio da interatividade. No mesmo sentido, estabeleceu-se como diretriz a descentralização e o estímulo à criação de Centrais de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas (CEAPA’s) ou Centrais Integradas de Alternativas Penais. Vide, sobre o tema, a Resolução nº. 06/2009-CNPCP e a Resolução nº. 101/2009-CNJ.

4.3

Cooperação da comunidade e medidas de segurança

No tema da saúde mental, com a necessidade de urgente superação do paradigma da “periculosidade” sobre o qual são fundadas as medidas de segurança, a Lei 10.216/2001 prevê expressamente o direito da pessoa portadora de transtorno mental a ser tratada preferencialmente em serviços comunitários de saúde mental (art. 2º, IX) e ser “responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais” (art. 3º).

4.4 APACs Movimento que tem ganho espaço no debate sobre a assistência na execução penal para além da exclusividade estatal, recorrendo-se à “cooperação da comunidade”, é aquele conhecido como Associações de Proteção e Assistência aos Condenados, ou simplesmente APAC’s. Originadas de movimentos marcadamente religiosos, as APACs têm despertado grande interesse, inclusive da comunidade científica internacional, pelas experiências em Minas Gerais, São Paulo e início de sua implantação em outros Estados, como Paraná, defendendo a abertura do sistema prisional ao protagonismo altruísta de membros e organizações da sociedade civil, sem quaisquer fins lucrativos, como forma de redução da reincidência. 47

Art. 4º

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A experiência, por um lado, indica um caminho altamente recomendável para qualquer perspectiva progressista que é a abertura e oxigenação do fechadíssimo ambiente carcerário – destaca-se que se trata sempre de regime fechado – a iniciativas comunitárias e mesmo informais; por outro, porém, levanta indagações sobre a constitucionalidade do reconhecimento incondicional, pelo Estado, de um método substancialmente pautado pela religião como forma de ressocialização e, por fim, que não se apresenta como alternativa – bem ao contrário – ao conteúdo disciplinar da pena privativa de liberdade. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária reconheceu a APAC como método de gestão prisional e propôs seu fortalecimento como diretriz de política penitenciária (Resolução 3/2019, publicada em janeiro de 2021). A resolução recomenda, ao Departamento Penitenciário Nacional, a destinação de recursos do Fundo Penitenciário Nacional a projetos de APAC’s e recomenda a não aplicação das mesmas regras de arquitetura prisional utilizadas para os demais estabelecimentos de regime fechado.

4.5

Cooperação da comunidade e terceirização

Não parece conveniente que por “cooperação da comunidade” se entenda também as propostas de terceirização de serviços ou mesmo da administração das unidades prisionais. Polêmico, o tema é importante, mas deve ser tratado com transparência, sendo inconveniente a sobreposição entre esse debate com as outras iniciativas identificadas como efetiva participação e cooperação da comunidade.

48

Art. 5º

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TÍTULO II

Do Condenado e do Internado CAPÍTULO I Da Classificação Art. 5º  Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal.

5.1

Classificação dos condenados e individualização

Conceito tão antigo quanto a pena de prisão, mas sempre apresentado como proposta inovadora, a proposta é de viabilizar o projeto de “reforma moral” do condenado através da elaboração de um programa individualizado (art. 5º, XLVI, CF), para o qual é fundamental a classificação por “perfil”, ou, nos termos da lei, “segundo os seus antecedentes e personalidade”. Os artigos seguintes descrevem os lineamentos da análise da personalidade por meio de equipe técnica e do “exame criminológico” previsto no art. 8º. Na prática, todavia, sabe-se bem que se trata de “letra morta”: a preocupação da autoridade penitenciária é com a manutenção da ordem e, portanto, com a preservação da segurança dos detentos e funcionários. A única classificação efetivamente existente é aquela segundo os riscos eventualmente produzidos pela colocação do preso nessa ou naquela galeria, cubículo, unidade, etc. Presos com acusações por crimes sexuais, por exemplo, costumam ser isolados dos demais por conta do risco real de serem agredidos ou feitos reféns no primeiro motim. Presos que participam de facções criminosas organizadas, de outro lado, são em regra agrupados conforme o grupo a que pertencem.

49

Art. 6º 

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Art. 6º  A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003)

6.1

Órgão responsável pela classificação do condenado

Com as ressalvas já apresentadas, o que dispõe a Lei é que a classificação seja feita por Comissão Técnica de Classificação. Com base nos resultados da observação, são formuladas indicações para cada condenado ou internado e assim preenchido o respectivo “programa individualizador”, o qual será integrado ou modificado segundo as exigências colocadas no curso da execução. Previsão similar, embora pertencente a outro contexto, é a obrigatoriedade de elaboração de Plano Individual de Atendimento (PIA) ao adolescente no bojo das medidas socioeducativas (art. 52 e ss. da Lei 12.594/2012).

Art. 7º  A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada estabe­ leci­mento, será presidida pelo diretor e composta, no mínimo, por 2 (dois) chefes de serviço, 1 (um) psiquiatra, 1 (um) psicólogo e 1 (um) assistente social, quando se tratar de condenado à pena privativa de liberdade. Parágrafo único. Nos demais casos a Comissão atuará junto ao Juízo da Exe­cução e será integrada por fiscais do serviço social.

7.1

Composição da Comissão Técnica de Classificação

Trata-se de equipe de técnicos, presidida pelo diretor do estabelecimento prisional e composta por educadores e experts (psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais) com o encargo de desenvolver a atividade de “observação científica da personalidade”, componente explícito de exercício do poder disciplinar e bastante distante de qualquer viés efetivamente clínico ou terapêutico. Mais uma vez, a previsão legal esbarra na realidade de carência de profissionais e recursos humanos, sobretudo nos sistemas prisionais estaduais.

50

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7.2

Art. 8º

O que pode mudar

O Projeto de Lei nº. 9.054/2017, em tramitação na Câmara dos Deputados (já aprovado no Senado Federal), propõe diretriz de “despatologização” da individualização executória da pena, com a modificação da composição da CTC em uma linha de maior flexibilidade e desnecessidade da figura do psiquiatra e mesmo do psicólogo, este último apenas “quando houver”.

Art. 8º  O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução. Parágrafo único. Ao exame de que trata este artigo poderá ser submetido o condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime semi-aberto.

8.1

Exame criminológico para fins de classificação

O exame criminológico foi concebido, dentro do discurso tratamental, como oportunidade de um diagnóstico clínico supostamente mais aprofundado, orientado por parâmetros etiológicos e tendo em vista a elaboração de prognósticos sobre o comportamento do indivíduo. O exame criminológico para fins de classificação – diferente daquele realizado para verificação de mérito do condenado, quando requer um direito da execução penal – não foi extinto ou tocado pela Lei 10.792/2003, cingindo-se a controvérsia existente à possibilidade de sua realização por ocasião da análise do requisito disciplinar para progressão de regime e livramento condicional (sobre, v. comentários ao art. 112). São dois contextos que não devem ser confundidos e que chegam a ser contraditórios do ponto de vista ético-profissional, na medida em que não se concebe que um mesmo profissional (psiquiatra ou psicólogo, por exemplo) emita opinião técnica no sentido clínico-terapêutico e, em um momento posterior, emita parecer contrário aos interesses do próprio paciente.

51

Art. 9º

ANDRÉ RI BEI R O GI AMBERARDI NO

Art. 9º  A Comissão, no exame para a obtenção de dados reveladores da personalidade, observando a ética profissional e tendo sempre presentes peças ou informações do processo, poderá: - entrevistar pessoas; - requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, dados e informações a respeito do condenado; - realizar outras diligências e exames necessários.

9.1

Atribuições da Comissão Técnica de Classificação

A CTC deverá observar as regras e balizas ético-profissionais de cada área técnica, conforme aponta o caput, podendo entrevistar pessoas, requisitar dados e informações e realizar outras diligências e exames necessários, tudo para obter “dados reveladores da personalidade” da pessoa que cumpre pena privativa de liberdade. A questão de fundo sempre presente é qual compreensão ética tem cada área técnica sobre o escopo de obter “dados reveladores da personalidade”, sempre a partir de seus princípios fundantes, e não da perspectiva ideologicamente carregada e distorcida do ambiente prisional.

9.2

Atuação do profissional de psicologia na execução penal

Apenas para exemplificar, vide a grande polêmica em torno à Resolução nº. 012/2011-CFP (antes Res. 09/2010-CFP), do Conselho Federal de Psicologia, que regulamentava a atuação da(o) psicóloga(o) no ambiente prisional tendo por diretriz, entre outras, a “desconstrução do conceito de que o crime está relacionado unicamente à patologia ou à história individual, enfatizando os dispositivos sociais que promovem o processo de criminalização” (art. 1º, c), vedando a participação “em procedimentos que envolvam as práticas de caráter punitivo e disciplinar, notadamente os de apuração de faltas disciplinares” (art. 2º, parágrafo único). A resolução foi suspensa por decisão judicial em 2015, a pedido do Ministério Público Federal na ação civil pública nº. 5028507-88.2011.404.7100/ RS. Em nota posterior3, o Conselho Federal de Psicologia indica a interferência ideológica

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3

52

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Art. 9º-A

do sistema de justiça na profissão de psicólogo e volta a afirmar que o exame criminológico “não pode ser considerada uma prática da Psicologia, já que este termo está muito mais afeito às ciências criminológicas, mais especificamente a uma determinada criminologia clínico-etiológica e não pertence ao universo da ciência Psicologia e nem da profissão de Psicólogo(a)”; e também que “no pouquíssimo tempo de entrevista, geralmente uma hora ou duas horas (as vezes as condições externas de avaliação permitem muito menos que isso) não é possível conhecer a personalidade do condenado e não existem condições técnicas ou estruturais para fazer uma “prognose criminal” sobre possíveis reincidências”. Como se vê, a LEP exige a observância da ética profissional, mas muitas vezes há enorme choque principiológico e político-criminal entre a perspectiva do órgão de classe que regulamenta justamente a ética profissional e os objetivos, nada éticos, da execução penal. Como servidores públicos, os integrantes da equipe técnica também deverão observar e respeitar os atos normativos editados pelo superior hierárquico, no âmbito do Poder Executivo.

Art. 9º-A  O condenado por crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável, será submetido, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirribonucleico), por técnica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no estabelecimento prisional. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 1º A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012) § 1º-A. A regulamentação deverá fazer constar garantias mínimas de proteção de dados genéticos, observando as melhores práticas da genética forense. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 2º A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz compe­tente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012) § 3º Deve ser viabilizado ao titular de dados genéticos o acesso aos seus dados constantes nos bancos de perfis genéticos, bem como a todos os documentos da cadeia de custódia que gerou esse dado, de maneira que 53

Art. 9º-A

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possa ser contraditado pela defesa. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 4º O condenado pelos crimes previstos no caput deste artigo que não tiver sido submetido à identificação do perfil genético por ocasião do ingresso no estabelecimento prisional deverá ser submetido ao procedimento durante o cumprimento da pena. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 5º A amostra biológica coletada só poderá ser utilizada para o único e exclusivo fim de permitir a identificação pelo perfil genético, não estando autorizadas as práticas de fenotipagem genética ou de busca familiar. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 6º Uma vez identificado o perfil genético, a amostra biológica recolhida nos termos do caput deste artigo deverá ser correta e imediatamente descartada, de maneira a impedir a sua utilização para qualquer outro fim. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 7º A coleta da amostra biológica e a elaboração do respectivo laudo serão realizadas por perito oficial. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 8º Constitui falta grave a recusa do condenado em submeter-se ao procedi­mento de identificação do perfil genético. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

9-A.1 Identificação do perfil genético de condenado Trata-se de artigo de constitucionalidade questionável, introduzido pela Lei 12.654, de 28 de maio de 2012, a qual também dispôs sobre a identificação criminal do civilmente identificado. Ocorre que o art. 9º-A, caput, teve a redação alterada pela Lei nº 13.964, de 2019, após a derrubada do veto parcial que incidira sobre o caput, em abril de 2021. Na nova redação, reduziu-se o rol de crimes para os quais foi prevista a submissão obrigatória à identificação do perfil genético por meio de extração de DNA: crimes dolosos praticados com violência grave contra a pessoa, crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável. Portanto, foi excluído da redação do dispositivo a menção a qualquer crime hediondo constante do rol do art. 1º da Lei 8.072/90. O objetivo da criação do mecanismo, a princípio, seria facilitar a investigação das autoridades policiais, como se depreende do art. 9º-A, § 2º, que dispõe que essas poderão requerer acesso ao banco de dados quando instaurado inquérito. Como premissa da proposta, institucionaliza-se a pressuposição da existência de 54

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Art. 9º-A

uma classe criminosa composta por indivíduos determinados e identificáveis, lombrosianamente fadados a reincidir. A obrigatoriedade da coleta desses dados, com base em critério abstrato – o tipo penal da condenação – parece violar, e não incrementar ou sofisticar, a individualização executória da pena. Mais isonômico seria a coleta de dados de todos os cidadãos, se o objetivo é constituir um banco de dados para incrementar a segurança. De acordo com os §§ 4º e 8º inseridos no dispositivo legal pela Lei 13.964/ 2019, se não houver ocorrido a identificação do perfil genético no ingresso no estabelecimento penal, o procedimento deve ocorrer durante o cumprimento da pena, passando a ser considerada falta grave a recusa da pessoa presa na submissão ao procedimento de identificação (v. comentários ao art. 50). Os §§ 5º, 6º e 7º também foram inicialmente vetados pelo Presidente da República e depois promulgados por conta da derrubada dos vetos pelo Congresso Nacional. De acordo com as novas regras, o único e exclusivo fim da coleta de material genético, a qual deve ser feita por perito oficial (§ 7º), será a identificação do perfil genético, não sendo permitida as práticas de fenotipagem genética ou de busca familiar (§ 5º). Por isso, a amostra deverá ser descartada após identificação do perfil genético (§ 6º).

9-A.2 Criação do Banco Nacional de Perfis Genéticos O Decreto 7.950, de 12 de março de 2013, criou o Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéricos com o escopo de viabilizar e organizar a coleta dos dados, prevendo a adesão dos Estados por meio de termos de cooperação técnica. A Lei 13.964/2019 incluiu o § 1º-A, segundo o qual “a regulamentação deverá fazer constar garantias mínimas de proteção de dados genéticos, observando as melhores práticas da genética forense”.

9-A.3 Tema com repercussão geral reconhecida no Supremo Tribunal Federal O tema envolve questões como inviolabilidade da vida privada e o direito de não produzir prova contra si mesmo, estando em debate no STF, com repercussão geral reconhecida (STF, RExt 973.837/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes): “Repercussão geral. Recurso Extraordinário. Direitos fundamentais. Penal. Processo Penal. 2. A Lei 12.654/12 introduziu a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético, na execução penal por crimes violentos ou por crimes hediondos (Lei 7.210/84, art. 9-A). Os limites dos poderes do Estado de colher material biológico de suspeitos ou condenados 55

Art. 10

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por crimes, de traçar o respectivo perfil genético, de armazenar os perfis em bancos de dados e de fazer uso dessas informações são objeto de discussão nos diversos sistemas jurídicos. Possível violação a direitos da personalidade e da prerrogativa de não se autoincriminar – art. 1º, III, art. 5º, X, LIV e LXIII, da CF. 3. Tem repercussão geral a alegação de inconstitucionalidade do art. 9-A da Lei 7.210/84, introduzido pela Lei 12.654/12, que prevê a identificação e o armazenamento de perfis genéticos de condenados por crimes violentos ou por crimes hediondos. 4. Repercussão geral em recurso extraordinário reconhecida”.

9-A.4 Garantia de acesso aos dados e direito ao contraditório A Lei 13.964/2019 estabeleceu garantia de acesso dos dados constantes no banco de dados ao respectivo titular, visando preservar o direito ao contraditório (§ 3º).

CAPÍTULO II

Da Assistência SEÇÃO I Disposições Gerais Art. 10  A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

10.1

Obrigação do Estado de prestar assistência ao preso, ao internado e ao egresso

A LEP define obrigações de fazer do Estado para com pessoas que estão sob sua custódia, e também para o egresso, com objetivo de “prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”.

56

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10.2

Art. 10

Judicialização e inaplicabilidade do princípio da reserva do possível

O inadimplemento das prestações positivas definidas pelas políticas de assistência pode ser objeto de termos de ajuste de conduta ou judicializado por meio de ações civis públicas, sem que se possa opor aos pedidos deduzidos os princípios da reserva do possível e separação dos poderes: “(...) 3. “Princípio da reserva do possível”. Inaplicabilidade. O Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento, enquanto permanecerem detidas. É seu dever mantê-las em condições carcerárias com mínimos padrões de humanidade estabelecidos em lei, bem como, se for o caso, ressarcir danos que daí decorrerem. 4. A violação a direitos fundamentais causadora de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários não pode ser simplesmente relevada ao argumento de que a indenização não tem alcance para eliminar o grave problema prisional globalmente considerado, que depende da definição e da implantação de políticas públicas específicas, providências de atribuição legislativa e administrativa, não de provimentos judiciais. Esse argumento, se admitido, acabaria por justificar a perpetuação da desumana situação que se constata em presídios como o de que trata a presente demanda. 5. A garantia mínima de segurança pessoal, física e psíquica, dos detentos, constitui dever estatal que possui amplo lastro não apenas no ordenamento nacional (Constituição Federal, art. 5º, XLVII, “e”; XLVIII; XLIX; Lei 7.210/84 (LEP), arts. 10; 11; 12; 40; 85; 87; 88; Lei 9.455/97 - crime de tortura; Lei 12.874/13 – Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), como, também, em fontes normativas internacionais adotadas pelo Brasil (Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, de 1966, arts. 2; 7; 10; e 14; Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, arts. 5º; 11; 25; Princípios e Boas Práticas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas – Resolução 01/08, aprovada em 13 de março de 2008, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Convenção da ONU contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984; e Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros – adotadas no 1º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção ao Crime e Tratamento de Delinquentes, de 1955)” (STF, REXT 580.252/MS, Rel. p/ acórdão: Min. Gilmar Mendes, j. 16/02/2017).

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Art. 11

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Art. 11  A assistência será: I - material; II - à saúde; III - jurídica; IV - educacional; V - social; VI - religiosa.

11.1

Modalidades de assistência

A lei prevê seis modalidades de assistência, havendo interseção clara entre este tema e aquele dos direitos dos presos. Além da LEP, há fundamento constitucional para se obrigar o Estado a cumprir com tais obrigações na vedação de penas crueis (art. 5º, XLVII, “e”, CF) e na garantia aos presos do respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX, CF). Outras fontes importantes de obrigações materiais de assistência do Estado são as Regras de Mandela (atual denominação para as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos, originalmente aprovada em 1955) e as Regras de Bangkok (Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras), além da jurisprudência internacional de direitos humanos pertinente, com respaldo no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos.

11.2

Violação dos deveres de assistência e danos morais

Já decidiu o STF, com repercussão geral reconhecida, que a violação a direitos fundamentais causadora de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários implica no dever de indenizar por danos morais (STF, RE 580.252/ MS, Rel. para acórdão Min. Gilmar Mendes, Pleno, j. 16/02/2017). Entendeu-se, na ocasião, que se os danos são causados por agentes estatais ou por inadequação dos serviços públicos, o dever de indenizar decorre diretamente do art. 37, § 6º, da Constituição, como disposição normativa autoaplicável.

58

Art. 12

CO M E N TÁ R I O S À L EI D E EXECUÇ ÃO PENAL

SEÇÃO II Da Assistência Material Art. 12  A assistência material ao preso e ao internado consistirá no forneci­mento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.

12.1

Conteúdo da assistência material e direito à água potável

Alimentação, vestuário e instalações higiênicas compõem o núcleo mínimo exigido pela LEP como assistência material, sendo também direito do preso (vide comentários ao art. 41, I, LEP). O direito à água potável é componente do direito à alimentação adequada, assim previsto nas Regras de Mandela (Regra 22.2) e na Observação Geral nº. 15 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC) das Nações Unidas, com expressa menção à população carcerária4. Segundo decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Caso Vélez Loor vs. Panamá, Sentença de 23.11.2010), a ausência de disponibilidade de água potável é uma falta grave do Estado em relação a seus deveres para com a população carcerária.

12.2

Número mínimo de refeições diárias

A Resolução n. 3/2017 do Conselho Nacional de Política Criminal e Peniten­ ciária fala em 5 (cinco) refeições diárias, a partir de parâmetros da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) e da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN). A regra alcança o direito à alimentação dos agentes penitenciários e demais trabalhadores do sistema prisional. Na prática, porém, é muito comum que o número de refeições diárias seja inferior.

12.3

Assistência material e população carcerária feminina

A Regra 5 das Regras de Bangkok estabelece que “a acomodação de mulheres presas deverá conter instalações e materiais exigidos para satisfazer as necessidades

4

ONU/Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Derechos Humanos. Personas privadas de libertad: jurisprudencia e doctrina. Bogotà: 2006, p. 165-170.

59

Art. 12

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de higiene específicas das mulheres, incluindo absorventes higiênicos gratuitos e um suprimento regular de água disponível para cuidados pessoais das mulheres e crianças, em particular mulheres que realizam tarefas na cozinha e mulheres gestantes, lactantes ou durante o período da menstruação”.

12.4 Instalações higiênicas e direito a banho quente É componente da assistência material e à saúde o direito a água aquecida para o banho, sobretudo em dias frios. O banho quente está compreendido no conceito de “instalações higiênicas”. Nesse sentido a Regra 16 das Regras de Mandela: “As instalações de banho e duche devem ser suficientes para que todos os reclusos possam, quando desejem ou lhes seja exigido, tomar banho ou duche a uma temperatura adequada ao clima, tão frequentemente quanto necessário à higiene geral, de acordo com a estação do ano e a região geográfica, mas pelo menos uma vez por semana num clima temperado”. Em importante decisão, assim entendeu o STJ ao garantir a tutela anteci­pada em ação promovida pela Defensoria Pública de São Paulo: “O caso concreto, no entanto, é peculiar, por ferir triplamente aspectos existenciais da textura íntima de direitos humanos substantivos. Primeiro, porque se refere à dignidade da pessoa humana, naquilo que concerne à integridade física e mental a todos garantida. Segundo, porque versa sobre obrigação inafastável e imprescritível do Estado de tratar prisioneiros como pessoas, e não como animais. Por mais grave que seja o ilícito praticado, não perde o infrator sua integral condição humana. Ao contrário, negá-la a um, mesmo que autor de crime hediondo, basta para retirar de todos nós a humanidade de que entendemos ser portadores como parte do mundo civilizado. Terceiro, porque o encarceramento configura pena de restrição do direito de liberdade, e não salvo-conduto para a aplicação de sanções extralegais e extrajudiciais, diretas ou indiretas. Quarto, porque, em presídios e lugares similares de confinamento, ampliam-se os deveres estatais de proteção da saúde pública e de exercício de medidas de assepsia pessoal e do ambiente, em razão do risco agravado de enfermidades, consequência da natureza fechada dos estabelecimentos, propícia à disseminação de patologias (...). a legislação impõe ao Estado o dever de garantir assistência material ao preso e ao internado, nela incluída ‘instalações higiênicas’ (Lei 7.210/1984, art. 12), expressão que significa disponibilidade física casada com efetiva possibilidade de uso. Assim, não basta oferecer banho com água em temperatura polar, o que transformaria higiene pessoal em sofrimento ou, contra legem, por ir além da pena de privação 60

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Art. 13

de liberdade, caracterizaria castigo extralegal e extrajudicial, consubstanciando tratamento carcerário cruel, desumano e degradante” (STJ, RE 1.537.530/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ 27/02/2020).

Art. 13  O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.

13.1

Direito à “sacola” e à comercialização de produtos e objetos permitidos

A autorização legal traz consigo a permissão para que familiares ou pessoas autorizadas complementem, com recursos privados, itens pertinentes à assistência material, como alimentos, roupas e itens de higiene pessoal. Trata-se do que costuma ser denominado como “sacola”, “cobal”, etc., direito garantido por lei e regulamentado por atos administrativos dos respectivos Departamentos Penitenciários. Em algumas unidades prisionais, pode haver cantinas administradas pelos próprios detentos, conforme dispõe o artigo 13. Tais itens são, muitas vezes, vendidos ou trocados pelos presos, sendo de interesse sobretudo das pessoas que se encontram custodiadas longe de seus familiares, tendo acesso somente à alimentação, roupas e itens de higiene fornecidas pelo Estado.

13.2 Impossibilidade de recebimento direto da “sacola” por conta de medidas sanitárias e a alternativa por correio Uma das principais medidas sanitárias de prevenção ao novo Corona­ vírus foi a suspensão do recebimento direto das “sacolas” nos estabelecimentos penais. Em alguns locais, passou a se receber os itens complementares de alimen­ tação, saúde e vestuário pelo correio, com custo alto para as famílias. A prática invoca diversas questões de direito administrativo que precisam ser levadas em conta: por exemplo, as ordens de serviço ou portarias regulamentando itens permitidos e proibidos devem ser publicadas, na forma escrita, sem discriminação ou diferenciação entre estabelecimentos penais, salvo se houver justificativa razoável e fundamentada. Caso haja itens lícitos, mas em desacordo ao estabelecido 61

Art. 14

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(em quantidade maior, por exemplo), o procedimento correto é a entrega dos demais itens à pessoa presa ou a devolução à família. É ilegal o confisco de itens apreendidos sem o exercício do contraditório, salvo se houver previsão legal expressa (como no caso de drogas ilícitas). Vale lembrar que os itens são adquiridos com recursos privados e a entrega à administração penitenciária não caracteriza doação.

SEÇÃO III Da Assistência à Saúde Art. 14  A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico. § 1º (Vetado). § 2º Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento. § 3º Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recémnascido. (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009)

14.1

Conteúdo da assistência à saúde

A assistência à saúde deve ser tanto profilática como curativa, abarcando atendimento “médico, farmacêutico e odontológico”. Importante notar que a direção do estabelecimento deverá autorizar a prestação de assistência médica em outro local no caso de carência, na própria prisão, das condições adequadas (art. 14, § 2º, LEP). Trata-se de uma das mais graves dimensões da vida no cárcere. Considerando a precariedade material na efetivação das políticas de assistência à saúde na prisão, é quando a prisão mata, no caso, literalmente. O próprio INFOPEN, relatório de dados oficiais do Governo Federal, indica número muito mais elevado de mortes por doenças que mortes violentas. Isso ocorre tanto em situações de doenças graves cujo tratamento dentro do cárcere se torna mero paliativo, como também em situações que se agravam diretamente por conta das condições carcerárias. 62

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Art. 14

Doenças de pele como escabiose, por exemplo, que geram forte coceira, em ambientes pouco higiênicos podem ser prenúncio de infecções graves.

14.2 Integração com Sistema Único de Saúde A Portaria MJ/MS nº. 1/2014 instituiu a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional, no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde), devendo os Estados e Municípios integrarem a política pública mediante termo de adesão. De acordo com a Resolução nº. 4/2014-CNPCP – Diretrizes Básicas para Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional –, “no momento do ingresso em qualquer unidade prisional, toda pessoa privada de liberdade deverá receber adequado atendimento para avaliação da sua condição geral de saúde, quando deverá ser aberto um prontuário clínico onde serão registrados os resultados do exame físico completo, dos exames básicos, o estabelecimento de possíveis diagnósticos e seu tratamento, o registro de doenças e agravos de notificação compulsória e de ocorrência de violência cometida por agente do estado ou outros, assim como ações de imunização, conforme o calendário de vacinação de adultos, de acordo com as normas e recomendações do SUS” (item 2.8).

14.3

HIV, tuberculose e outras doenças contagiosas na prisão

Particularmente importante é a existência de políticas de prevenção de doenças transmissíveis como HIV e tuberculose, bem como protocolos rigo­ rosos de controle de infecção. A Resolução nº. 3, de 7 de junho de 2018, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), traz diversas recomendações aos Estados nesse sentido, prevendo tratamento integral, sincronização com as diretrizes do SUS, realização de busca ativa sistemática com os presos que tiveram contato com infectados por tuberculose e HIV, e que “em todas as unidades prisionais devem ser fornecidos e distribuídos gratuitamente kits básicos de higiene que contenham preservativos, lubrificantes à base de água e orientação para seu uso correto”, independentemente de solicitação ou de visita íntima (art. 4º).

14.4

Doença grave e direito à prisão domiciliar

Quando acometido de doença grave, o detento tem direito à prisão domiciliar, com base no art. 117 da LEP e jurisprudência consolidada, independentemente 63

Art. 14

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do regime em que se encontre. Aplicável nesse caso, por analogia, o art. 374, I, do Código de Processo Civil, no sentido de se considerar a precariedade da assistência à saúde no sistema prisional brasileiro como fato notório e que não depende de prova. Não há sentido em se diligenciar à própria unidade prisional questionando se ela tem condições de oferecer tratamentos caros e complexos a doenças graves e que requerem atenção permanente às condições da pessoa presa. Não há sentido em ignorar diagnósticos graves em prol de opiniões lacônicas e em tom defensivo no sentido de que “é possível” realizar o tratamento dentro do cárcere, quando se sabe que não é.

14.5

Direito a acompanhamento médico da mulher no pré-natal e pós-parto

É assegurado acompanhamento médico ao recém-nascido e à mulher no prénatal e no pós-parto. Se a criança nascer na unidade prisional, este fato não deve constar de sua certidão de nascimento (Regra 28 das Regras de Mandela). Deve prevalecer, porém, entendimento pela interpretação extensiva do art. 117 da LEP e do art. 318, IV e V, do CPP, a todas as mulheres grávidas ou com filhos pequenos, colocando-a em prisão domiciliar. Nesse sentido, tratando especificamente das presas provisórias, a ordem concedida pelo STF no HC 143.641/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª T., j. 20/02/2018.

14.6

Suicídio nas prisões

Diversos países contam com programas específicos de prevenção a suicídios no ambiente do cárcere, pois as taxas são superiores àquelas da população em geral. Segundo a Organização Mundial de Saúde, morrem mais pessoas por suicídio que em conflitos armados, indicando média de uma tentativa a cada 3 segundos e 1 suicídio completo por minuto, no mundo. A OMS publicou estudo específico sobre o suicídio nas prisões, classificando a população carcerária como “grupo de alto risco” e propondo uma metodologia de programa de prevenção que deveria ser, com urgência, observada também no Brasil5.

5

World Health Organization e International Association for Suicide Prevention. Preventing suicide in jails and prisons. Genebra: WHO Document Production Services, 2007. Disponível em: http:// www.who.int/mental_health/prevention/suicide/resource_jails_prisons.pdf.

64

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14.7

Art. 14

Direito à saúde na jurisprudência internacional de direitos humanos

A Observação Geral nº. 14 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC) das Nações Unidas, com base no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, afirma que “os Estados têm a obrigação de respeitar o direito à saúde, entre outros, abstendo-se da negação ou da limitação do acesso igual a todas as pessoas, incluindo os presos ou detidos”6. O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas também já afirmou a obrigação positiva do Estado em garantir a prestação de cuidados médicos adequados, no Caso Lantsova vs. Rússia (julgado em 2002). O Caso Chinchilla Sandoval vs. Guatemala, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2016, é emblemático da violação do direito à saúde na prisão. A pessoa condenada adquiriu diversas doenças enquanto presa, tendo inclusive uma das pernas sido amputada. Todos os pedidos de liberdade antecipada foram negados pelo Judiciário local. A Corte foi assertiva em afirmar que pessoas com enfermidades graves, crônicas ou terminais não devem permanecer na prisão, salvo quando os Estados possam “assegurar” que têm unidades adequadas de atenção médica7. Tal prova não se faz, evidentemente, com a consulta a servidor do próprio sistema prisional questionado, e sim com a demonstração técnica e material da possibilidade de cuidado adequado à saúde. Em novembro de 2019, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu sentença no também importante Caso Hernández vs. Argentina, sobre situação em que o demandante adquirira tuberculose enquanto preso, não tratada devidamente, resultando em sequelas neurológicas, na perda da visão de um olho, incapacidade parcial e permanente de um braço e perda da memória. A CIDH reconheceu a responsabilidade do Estado da Argentina pela violação do direito à integridade física da vítima (art. 5 da Convenção Americana de Direitos Humanos) e determinou, entre outras providências, a reparação material e moral dos danos. Sobre o conteúdo do direito à saúde prisional, recomenda-se a leitura dos parágrafos 54 ao 96 da Sentença.

Disponível em: http://acnudh.org/wp-content/uploads/2011/06/Compilation-of-HR-instrumentsand-general-comments-2009-PDHJTimor-Leste-portugues.pdf, p. 159.

6

Sobre, v. PAIVA, Caio; HEEMANN, Thimotie. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. 2. ed. Belo Horizonte: Editora CEI, 2017, p. 615-616.

7

65

Art. 14 14.8

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Pandemia do Novo Coronavírus (COVID19)

Na data de fechamento da edição anterior, o mundo encontrava-se no início da pandemia pelo Novo Coronavírus (COVID19), conforme declaração da Organização Mundial de Saúde em 11 de março de 2020. Seguiu-se um conjunto significativo de atos normativos e decisões judiciais no plano nacional e internacional, buscando prevenir a propagação do vírus no sistema carcerário e minimizar danos decorrentes das medidas sanitárias que foram adotadas, implicando em suspensão e restrição e direitos fundamentais. A Corte Interamericana de Direitos Humanos publicou a Resolução 1/20, de 10 de abril de 2020, recomendando, entre outras providências, “medidas para enfrentar a aglomeração nas unidades de privação da liberdade, inclusive a reavaliação dos casos de prisão preventiva para identificar os que podem ser convertidos em medidas alternativas à privação da liberdade, dando prioridade às populações com maior risco de saúde frente a um eventual contágio pela COVID-19, principalmente os idosos e mulheres grávidas ou com filhos lactantes” (v. itens 45-48). Em 27 de julho de 2020, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos publicou a Resolução 4/20, reconhecendo a população carcerária como de “especial vulnerabilidade” no contexto pandêmico. O Conselho Nacional de Justiça publicou primeiramente a Recomendação n. 62, de 17 de março de 2020, posteriormente alterada pelas Recomendação 68/2020 e 78/2020. O documento recomenda aos Tribunais e magistrados que adotem medidas preventivas à propagação da infecção nos estabelecimentos do sistema prisional e do sistema socioeducativo, com reavaliação de prisões provisórias, concessão de saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto, colocação em prisão domiciliar e suspensão temporária do dever de apresentação regular em juízo para pessoas em regime aberto, prisão domiciliar, penas restritivas de direitos, sursis e livramento condicional, sempre olhando para as pessoas presas pertencentes a grupos de risco. Em 26 de março de 2020, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos declarou apoio à Recomendação 62/2020-CNJ, seguindo o posicionamento público favorável à soltura de presos vulneráveis pelo Alto Comissariado para Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. A inserção do art. 5º-A pela Recomendação 78/2020 excluiu a aplicação das medidas acima arroladas a “pessoas condenadas por crimes previstos na Lei nº 12.850/2013 (organização criminosa), na Lei nº 9.613/1998 (lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores), contra a administração pública (corrupção, concussão, prevaricação etc.), por crimes hediondos ou por crimes de violência doméstica 66

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Art. 14

contra a mulher”. A restrição contraria a lógica da universalidade do direito de acesso à saúde e parâmetros convencionais sobre o tema. A Recomendação 91, de 15 de março de 2021, também do CNJ, estabeleceu novas diretrizes para o sistema penal e socioeducativo. Entre outras providências, reforçou o controle judicial das prisões por meio de audiências de custódia, nos termos da decisão liminar proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Reclamação nº 29.303/RJ; a substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência por prisão domiciliar sempre que possível, nos termos das ordens de habeas corpus concedidas pelo STF nos HCs nºs. 143.641/SP e 165.704 e na forma da Resolução CNJ nº 369/2021; e a substituição da privação de liberdade de pessoas indígenas por regime domiciliar ou de semiliberdade. A Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Rio de Janeiro impetraram o Habeas Corpus Coletivo 188.820 no STF, em favor de todas as pessoas presas em locais acima da sua capacidade que sejam integrantes de grupos de risco para a Covid-19 e não tenham praticado crimes com violência ou grave ameaça. O STF concedeu parcialmente a liminar em dezembro de 2020, autorizando a antecipação da progressão de regime para condenados que cumpram o requisito subjetivo e “cumulativamente, atendam aos seguintes requisitos : i) estejam em presídios com ocupação acima da capacidade física; ii) comprovem, mediante documentação médica, pertencer a um grupo de risco para a Covid-19 conforme contido no art. 2º, § 3º, da Portaria Interministerial n.º 7, de 18 de março de 2020; iii) cumpram penas por crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, exceto os delitos citados no art. 5º-A da Recomendação n. 62/2020 do CNJ (incluído pela Recomendação n. 78/2020 do CNJ); iv) faltem 120 (cento e vinte) dias para completar o requisito objetivo para a progressão do regime semiaberto para o aberto (art. 112 e parágrafos da LEP)”. Na data de fechamento desta edição, acabara de iniciar o julgamento pelo plenário virtual. Mas o efeito direto mais grave da pandemia, em termos de violação de direitos fundamentais, parece estar no cotidiano carcerário, ou seja, na deterio­ ração da relação administrativa entre pessoas presas e a administração prisional. A adoção de medidas sanitárias que implicam em suspensão ou restrição de direitos produziu o agravamento qualitativo das condições materiais de custódia (vide comentários ao art. 13). Sem visitas, com restrições ao recebimento de “sacolas” (complemento da alimentação e roupas pelos familiares), ao envio e recebimento de correspondência, à assistência jurídica, tudo isso vem condu­zindo a população carcerária a uma percepção de insegurança, isolamento e quase incomunicabilidade. 67

Art. 15

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De outro lado, a pandemia vem expondo dramaticamente as deficiências estruturais do sistema penitenciário brasileiro, sobretudo em termos de acesso à saúde e à assistência social. Deve ser objeto de apuração urgente a inexistência de profissionais da saúde para o primeiro atendimento e diagnóstico preliminar, em regra realizado por policiais penais. O serviço social no ambiente penitenciário também necessita ser ressignificado no pós-pandemia, visto que não vem cumprindo suas funções básicas de acolhimento e facilitação da comunicação entre familiares e seus parentes presos. As tentativas de organização de visitas virtuais e recebimento de itens alimentícios por correio são bem vindas, mas esbarram na falta de pessoal e dificuldades com acesso à tecnologia. Do ponto de vista jurídico, a pandemia ocasionou a fragilização ainda maior da fronteira conceitual entre regalias e direitos, com a tendência das autoridades penitenciárias a manter determinadas restrições mesmo com o avanço da vacinação, como se direitos fundamentais estivessem sujeitos à discricionariedade administrativa. A repercussão em juízo passa, ainda, pelo aumento significativo de atendimento jurídico e atos processuais por videoconferência, inclusive procedimentos administrativos disciplinares e pelos importantes debates sobre progressão antecipada de regime, remição ficta, desnecessidade de retorno da saída temporária para o regime semiaberto, sobre como cumprir penas restritivas de direito e penas em regime aberto cuja fiscalização foi suspensa, todos itens tratados ao longo desta edição. Muitas informações, dados e publicações podem ser acessados no sítio virtual do projeto Covid nas Prisões e Infovírus (http://www.covidnasprisoes.com).

SEÇÃO IV Da Assistência Jurídica Art. 15  A assistência jurídica é destinada aos presos e aos internados sem recursos financeiros para constituir advogado.

15.1

Conteúdo da assistência jurídica

A redação do dispositivo abre margem a uma confusão conceitual. Caso assistência jurídica seja lida como direito à defesa técnica, consoante o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, CF), que todo preso 68

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Art. 15

e internado detém, é evidente que é destinada a todos, e não apenas àqueles “sem recursos financeiros para constituir advogado”. A existência de processos de execução penal sem defesa técnica habilitada é uma violação inadmissível deste princípio, sendo obrigação do juízo de execução intimar a Defensoria Pública, especialmente se não houver advogado constituído, tão logo receba a guia de recolhimento. Caso se diferencie assistência jurídica do direito geral à ampla defesa, ela será compreendida como a prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes e vulneráveis, em consonância com o art. 5º, LXXIV, da CF: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

15.2

Modelo de prestação da assistência jurídica na execução penal

A opção da Constituição brasileira é clara e não é por um modelo misto, e sim público, de acesso à justiça: cabe à Defensoria Pública articular, organizar e prestar a assistência jurídica gratuita à população carcerária, sendo a eventual necessidade de cooperação de advogados dativos nomeados uma situação passageira e de inconstitucionalidade progressiva, como se extrai do art. 134 da CF e do art. 98, § 1º, dos ADCT da CF, inserido pela Emenda Constitucional nº. 80, de 2014. A participação de advogados voluntários ou dativos e núcleos universitários de prática jurídica deve sempre se dar, nesse sentido, nos limites estabelecidos em parcerias com a Defensoria Pública do respectivo local, nunca à sua revelia, posto que são modelos frágeis e sujeitos às vicissitudes passageiras da política e ao calendário regular das atividades de ensino. Não se trata de disputa institucional, e sim de fazer cumprir a vontade constitucional em se estabelecer um modelo de assistência jurídica capaz de garantir direitos com competência e efetividade. A nomeação de advogado dativo em ofício judicial que conta com a atuação da Defensoria Pública é nula por violação ao princípio do defensor natural (art. 4º-A, IV, Lei Complementar 80/94), como já reconheceu o STJ (HC 332.895/ SC, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJE 03/11/2016) e pode até configurar, em tese, ato de improbidade administrativa de prejuízo ao erário. Embora o dispositivo legal aparente limitar a assistência jurídica a ser prestada pela Defensoria Pública apenas aos presos “sem recursos financei­ros para constituir advogado”, a assistência jurídica é um direito de todos os presos, sem exceção (art. 41, VII, LEP). A condição de preso, por si só, pressupõe sua hipos­ suficiência e vulnerabilidade organizacional, não necessariamente financeira. Pode inclusive a Defensoria Pública peticionar e atuar em prol de pessoas presas com 69

Art. 16

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advogado constituído, sendo no interesse e de vontade do preso, na qualidade de órgão da execução penal (art. 81-A e art. 81-B da LEP, v. adiante) e na condição não de representante da parte, mas sim como custos vulnerabilis8 ou custos libertatis, em nome próprio, como já vem reconhecendo o Judiciário, com base no art. 81-A da LEP, similarmente à hipótese prevista no art. 554, §1º, do CPC.

Art. 16  As Unidades da Federação deverão ter serviços de assistência jurídica, integral e gratuita, pela Defensoria Pública, dentro e fora dos estabelecimentos penais. (Redação dada pela Lei nº 12.313, de 2010). § 1º As Unidades da Federação deverão prestar auxílio estrutural, pessoal e material à Defensoria Pública, no exercício de suas funções, dentro e fora dos estabelecimentos penais. (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). § 2º Em todos os estabelecimentos penais, haverá local apropriado destinado ao atendimento pelo Defensor Público. (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). § 3º Fora dos estabelecimentos penais, serão implementados Núcleos Especia­lizados da Defensoria Pública para a prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos réus, sentenciados em liberdade, egressos e seus familiares, sem recursos financeiros para constituir advogado. (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010).

16.1

A Defensoria Pública como órgão da execução penal e a exigência de local apropriado para atendimento

A inclusão da Defensoria Pública como órgão da execução penal pela Lei 12.313/2010 abrangeu também diversas obrigações ao Estado, no sentido de viabilizar a atividade de assistência jurídica, dentro e fora, mas sobretudo dentro, dos estabelecimentos prisionais. A lei garante “local apropriado” para atendimento pelos defensores públicos, o que significa espaço que possibilite o

8

Sobre a expressão, v. MAIA, Maurílio Casas. “Custos Vulnerabilis Constitucional: O Estado Defensor entre o REsp 1.192.577-RS e a PEC 4/14”. Revista Jurídica Consulex, Brasília, p. 5557, 1º jun. 2014; ROCHA, Jorge Bheron, GONÇALVES FILHO, Edilson Santana. “STF admite legitimidade da Defensoria para intervir como custos vulnerabilis”. Consultor Jurídico, 4 abr. 2018, disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-abr-04/legitimidade-defensoria-intervir-custosvulnerabilis.

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Art. 16

atendimento aos presos, a pesquisa e o acesso aos autos9, em processo eletrônico, e impressão do atestado de pena, o que não contempla os “parlatórios”10, sem qualquer contato direto entre o defensor público e o assistido. Há dispositivos similares na lei orgânica da Defensoria Pública (Lei Complementar nº. 80/94), como o art. 4º, §11, o qual prevê que os estabelecimentos penais “reservarão instalações adequadas ao atendimento jurídico dos presos e internos por parte dos Defensores Públicos, bem como a esses fornecerão apoio administrativo, prestarão as informações solicitadas e assegurarão acesso à documentação dos presos e internos, aos quais é assegurado o direito de entrevista com os Defensores Públicos”; o art. 18, X, prevendo atribuição dos defensores públicos federais para atendimento jurídico permanente dos presos e sentenciados; os art. 64, X e art. 108, IV, prevendo atribuição dos defensores públicos estaduais e do Distrito Federal no mesmo sentido. Em todos os casos, a lei é clara na possibilidade de “acesso a todas as dependências do estabelecimento independentemente de prévio agendamento”.

16.2

Priorização da questão prisional por parte da Defensoria Pública

O importante encargo conferido pela Constituição à Defensoria Pública implica, em contrapartida, na priorização da questão prisional no momento de alocar seus profissionais, inclusive com a criação de núcleos especializados, conforme o art. 16, § 3º, da LEP, e na criação de mecanismos administrativos internos que assegurem a presença frequente dos defensores públicos no interior das unidades prisionais. Não se trata de determinação absoluta, e nem poderia, por não se tratar de lei complementar destinada à organização da instituição e considerando que ela conta com autonomia administrativa para se organizar conforme o número de profissionais à disposição, sofrendo, em vários Estados, com a carência de orçamento e pessoal. Por outro lado, certamente a autonomia não constitui fundamento jurídico para mitigação da obrigação de assumir o papel fundamental que lhe cabe, com base constitucional e legal. A presença frequente de defensores públicos no interior das unidades prisionais constitui controle externo decisivo e imprescindível para escuta dos presos e detecção de situações de excepcional ilegalidade, para fiscalização das condições de custódia e da atuação dos servidores do sistema penitenciário, bem como para fiscalização da aplicação de sanções disciplinares que não vão a controle judicial, como nos

PAIVA, Caio. Prática Penal para Defensoria Pública. São Paulo: Gen Forense, 2016, p. 323-325.

9

PAIVA, Caio. Prática Penal para Defensoria Pública. São Paulo: Gen Forense, 2016, p. 327.

10

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Art. 17

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casos de faltas leves e médias.

SEÇÃO V Da Assistência Educacional Art. 17  A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado.

17.1

Conteúdo da assistência educacional

A assistência educacional é central na perspectiva da redução de danos na medida em que se pressupõe, como característica própria do perfil da população carcerária, o déficit na formação escolar e profissional. De fato, a proporção de analfabetos e/ou analfabetos funcionais na população carcerária nacional permanece muito alta. A Resolução nº. 03/2009, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), estabeleceu as Diretrizes Nacionais para a Oferta de Educação nos estabelecimentos penais. O Decreto Presidencial 7.626/2011 instituiu o Plano Estratégico de Educação no Sistema Prisional, buscando articular ações conjuntas dos Ministério da Justiça e da Educação. O tema do estudo na execução penal voltará em diversas ocasiões a ser abordado adiante, sobretudo no que toca à remição de pena.

Art. 18  O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa.

18.1 Obrigatoriedade do ensino fundamental Desde a redação original da LEP o ensino de 1º grau, ou agora “ensino fundamental”, é obrigatório nas unidades prisionais. A previsão de integração no sistema escolar da unidade federativa visa evitar que o Departamento Penitenciário ou a respectiva secretaria necessitem contar com docentes próprios para ministrar 72

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Art. 18-A

as aulas e atividades. Porém, em regra é necessário pactuar gratificações específicas pelo exercício do encargo, sob pena de se inviabilizar tal articulação.

Art. 18-A  O ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou educação profissional de nível médio, será implantado nos presídios, em obediência ao preceito constitucional de sua universalização. (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015) § 1º O ensino ministrado aos presos e presas integrar-se-á ao sistema estadual e municipal de ensino e será mantido, administrativa e financeiramente, com o apoio da União, não só com os recursos destinados à educação, mas pelo sistema estadual de justiça ou administração penitenciária. (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015) § 2º Os sistemas de ensino oferecerão aos presos e às presas cursos supletivos de educação de jovens e adultos. (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015) § 3º A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal incluirão em seus programas de educação à distância e de utilização de novas tecnologias de ensino, o atendimento aos presos e às presas. (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015)

18-A.1 Obrigatoriedade do ensino médio regular ou supletivo A lei estabelecia apenas a obrigatoriedade do ensino de 1º grau/ ensino fundamental, a possibilidade da realização de cursos especializados à distância e a instalação de bibliotecas nas unidades penitenciárias. Com a modificação pela Lei 13.163/2015, passou a exigir também ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou educação profissional. A integração aos sistemas estaduais e municipais de ensino tem o mesmo objetivo indicado nos comentários ao artigo anterior, sendo necessária a integração com os órgãos e secretarias responsáveis pela educação, que segue o princípio da universalização e não admite distinções por conta de condenações criminais e situações de custódia. A modificação previu ainda cursos supletivos para que haja a conclusão do ensino médio ou correspondente e admitiu o uso de tecnologias de programas de educação à distância. 73

Art. 19

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Art. 19  O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico. Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição.

19.1

Previsão de ensino profissional

A LEP também exige que as unidades penais contem com ensino profissional, em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico. O parágrafo único é desnecessário e pode dar ensejo a interpretações discriminatórias, sendo recomendável sua revogação.

Art. 20  As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.

20.1

Convênio para oferta de atividades educacionais

É possível e adequada a celebração de convênios com instituições de ensino, públicas ou particulares, a fim de incrementar a oferta de atividades educacionais. Todos os esforços devem ser feitos no sentido de se reduzir os obstáculos práticos para tanto, especialmente a adequada organização do número de agentes penitenciários em serviço, possibilitando a movimentação de presos no interior da unidade e consequentemente o acesso ao maior número possível de atividades educacionais.

Art. 21  Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabe­ lecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.

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21.1

Art. 21

Obrigatoriedade da instalação de biblioteca nos estabelecimentos penais

A importância de haver bibliotecas em todos os estabelecimentos prisionais cresce sobremaneira com a regulamentação da remição pela leitura. Embora seja inegável a prevalência dos processos seletivos de criminalização por sobre população de baixa escolaridade, ainda assim há pesquisas que apontam hábito de leitura mais consolidado na população carcerária que na população brasileira em geral11. A diretriz deve ser de admissibilidade de todas as formas de leitura, salvo aquelas que esbarrem em obstáculos expressamente definidos em lei. Muitas vezes, há restrições locais por conta da ausência de profissionais aptos a corrigir a respectiva resenha, como forma de avaliação, o que atinge principalmente leituras de natureza jurídica. Trata-se de problema facilmente sanável por meio de parcerias com universidades e outras instituições. A lei fala em livros instrutivos, recreativos e didáticos, com grande abrangência.

21.2 Impossibilidade de restrição à leitura por razões disciplinares É ilegal restringir o acesso à leitura por conta de razões disciplinares, ainda que a pessoa esteja cumprindo sanção administrativa. O direito à leitura não tem a natureza de regalia, sendo simplesmente direito vinculado à educação. Não há previsão legal para medida semelhante e não há prejuízo a outros presos com bom comportamento, visto que, diferentemente das vagas alocadas para trabalho e estudo, a inclusão em projetos de leitura não implica necessariamente na exclusão de outro participante.

21.3

Direito à literatura no cárcere

O art. 21 deixa claro que o direito à leitura, ou direito à literatura, é mais amplo que o direito de acesso à formação escolar e profissional. É também mais amplo e abrangente que a inclusão em programas de remição pela leitura, os quais tem seus limites operacionais e a exigência de acompanhamento pedagógico.

Por exemplo, pesquisa realizada no âmbito do Mestrado em Letras da Universidade de Brasília: “70% dos presos do DF leem mais de dois livros por mês”. Disponível em: https:// www.conjur.com. br/2013-abr-07/70-presos-distrito-federal-leem-dois-livros-mes.

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Art. 21-A

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O direito de acesso a livros – instrutivos, recreativos e didáticos, como aponta o dispositivo legal – deve ser garantido ainda que a pessoa presa não esteja incluída em programa de remição pela leitura e inclusive – talvez principalmente! – em situações de isolamento por sanção disciplinar. Segundo Antônio Candido12, o direito à literatura é uma necessidade humana e um direito incompressível. Sem ela, diz o autor, não há equilíbrio social, tratandose de “poderoso instrumento de instrução e educação, (...), proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo”. Seguindo com Antonio Candido, a literatura dá forma aos sentimentos, às visões de mundo, e assim ela “nos organiza, nos liberta do caos e portanto nos humaniza. Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade”. Suas três faces – como construção de estrutura e significado, como forma de expressão e como forma de conhecimento – são fármacos em meio ao veneno dos processos de dessocialização induzidos pela experiência carcerária e pela centralidade da violência nas relações sociais. A determinação do art. 21, portanto, vai muito além de uma demanda admi­ nistrativa pela instalação de um acervo ou biblioteca em toda unidade prisional. O direito a ter livros na cela deve ser incancelável, independentemente, como já afirmado, de questões disciplinares ou de existência de vagas em programas de remição. Aplica-se ao sistema penitenciário a Política Nacional de Leitura e Escrita instituída pela Lei 13.696, de 2018, cuja primeira diretriz é a universalização do direito ao acesso ao livro, à leitura, à escrita, à literatura e às bibliotecas.

Art. 21-A  O censo penitenciário deverá apurar: (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015) - o nível de escolaridade dos presos e das presas; (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015) - a existência de cursos nos níveis fundamental e médio e o número de presos e presas atendidos; (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015)

CANDIDO, Antônio. “O direito à literatura”. In: Vários Escritos. 5ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011, p. 171-193.

12

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Art. 22

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- a implementação de cursos profissionais em nível de iniciação ou aperfei­çoamento técnico e o número de presos e presas atendidos; (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015) - a existência de bibliotecas e as condições de seu acervo; (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015) - outros dados relevantes para o aprimoramento educacional de presos e presas. (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015)

21-A.1 Censo penitenciário e a necessidade de sistemas dinâmicos e com interoperabilidade de dados A Lei 13.163/2015 também criou a exigência de que Censos Penitenciários apurem o nível de escolaridade das pessoas presas e o grau de implementação das políticas de assistência educacional no sistema penitenciário. Muito melhor e mais eficaz que a realização de censos, os quais exigem tempo e se limitam a fornecer dados estáticos, é a efetiva implementação de sistemas integrados, dinâmicos, atualizados automaticamente e com interoperabilidade de dados entre Poder Executivo e Judiciário, nos termos da Lei 12.714/2012 e da Lei 13.675/2018, que criou o Sistema Único de Segurança Pública.

SEÇÃO VI Da Assistência Social Art. 22  A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade.

22.1

Conteúdo da assistência social

Os setores de assistência social nos estabelecimentos penais têm grande potencial de combate ao que se chama criticamente de “vulnerabilidade socio­ cultural do egresso”, e papel decisivo na preservação de laços com a família, com o mercado de trabalho e consequentemente com o futuro retorno à liberdade. No caso dos presos que estão custodiados longe de suas famílias e não contam sequer com as visitas, é o setor de assistência social que deverá buscar elaborar, 77

Art. 22

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com criatividade, projetos que visem minimizar os danos dessa situação. Destacase, por exemplo, projetos como o de “visitas virtuais” através da Internet, entre tantos outros. Lamentável quando a assistência social se reduz a um papel burocrático de administração das credenciais de visitantes ou das visitas suspensas a título de sanção disciplinar; ou ainda à mera elaboração de laudos e pareceres, muitas vezes contrários aos interesses do assistido. Além dos setores de assistência social dentro das unidades prisionais, também prestam o serviço, aos egressos, os patronatos (art. 78, LEP) e, embora não seja exatamente sua atribuição, os Conselhos da Comunidade (art. 80 e 81, LEP).

Art. 23  Incumbe ao serviço de assistência social: - conhecer os resultados dos diagnósticos ou exames; - relatar, por escrito, ao Diretor do estabelecimento, os problemas e as dificuldades enfrentadas pelo assistido; - acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas temporárias; - promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis, a recreação; - promover a orientação do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade; - providenciar a obtenção de documentos, dos benefícios da Previdência Social e do seguro por acidente no trabalho; - orientar e amparar, quando necessário, a família do preso, do internado e da vítima.

23.1 Atribuições do serviço de assistência social Rol aberto e meramente exemplificativo de atribuições dos profissionais de assistência social que atuam junto a egressos e à população carcerária, sendo inteiramente aplicável, para todos os fins, a Lei Orgânica de organização de Assistência Social no País (Lei 8.742/1993). Prevalece no artigo 23 a função efetivamente assistencial, e não disciplinar, do profissional de assistência social, diversamente do que se verifica na prática.

78

Art. 24

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23.2

Assistência social à família do preso e às mulheres privadas de liberdade

Documento importante denominado “Atenção às famílias das mulheres grávidas, lactantes e com filhas/os até 12 anos incompletos ou com deficiência privadas de liberdade” foi publicado, em 2018, pela Secretaria Nacional de Assistência Social. Trata-se de conjunto de orientações para execução da Resolução nº 02/2017, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, recomendando que no momento da prisão em flagrante de mulheres com filhos seja feito o encaminhamento de uma cópia do auto de prisão ou boletim de ocorrência ao CRAS mais próximo da residência da pessoa custodiada, com a indicação do responsável pelo cuidado de seus filhos, para análise de vulnerabilidade e oferta de serviços pela Proteção Social Básica. A articulação dos programas e equipamentos do SUAS com os setores de assistência social das unidades prisionais e departamentos penitenciários é fundamental na consecução de políticas de acolhimento e assistência social de familiares de pessoas presas.

SEÇÃO VII Da Assistência Religiosa Art. 24  A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa. § 1º No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos. § 2º Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade religiosa.

24.1 Conteúdo da assistência religiosa A previsão de assistência religiosa na LEP apenas confirma o que já seria evidente em consonância com o art. 5º, VI, da CR, que garante a liberdade de culto e de crença e seu livre exercício. A Resolução nº. 8/2011, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), estabeleceu diretrizes para a assistência religiosa nos estabelecimentos prisionais e garante “o direito de profecia de todas as religiões, e o de consciência aos agnósticos e adeptos de filosofias não religiosas”. 79

Art. 25

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Atos administrativos de suspensão das visitas religiosas sem justificativa e sem aviso prévio devem, sob tais parâmetros, ser objeto de controle judicial. Da mesma forma, a regulamentação da distribuição do tempo e da autorização de entrada de equipamentos utilizados com finalidade religiosa deve obedecer aos princípios da isonomia entre as religiões, razoabilidade e fundamentação.

24.2

Prisão domiciliar, regime semiaberto harmonizado e o direito de frequência a culto religioso

Entendeu o STJ que o cumprimento de prisão domiciliar não impede a liberdade de culto, inclusive no período noturno. Segundo o Tribunal, “consi­ derada a possibilidade de controle do horário e de delimitação da área percorrida por meio do monitoramento eletrônico, o comparecimento a culto religioso não representa risco ao cumprimento da pena” (STJ, REsp 1788562/TO, 6ª T., j. 17/09/2019).

SEÇÃO VIII Da Assistência ao Egresso Art. 25  A assistência ao egresso consiste: - na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade; - na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado, pelo prazo de 2 (dois) meses. Parágrafo único. O prazo estabelecido no inciso II poderá ser prorrogado uma única vez, comprovado, por declaração do assistente social, o empenho na obtenção de emprego.

25.1

Conteúdo de assistência ao egresso

Artigo a ser lido em conjunto com o artigo 27, abaixo transcrito. O egresso tem direito a obter orientação e apoio para minimizar os danos decorrentes da experiência de privação de liberdade, principalmente as prováveis dificuldades para obtenção de ocupação lícita. Há previsão de assistência moral e material, esta última concretizada na oferta de alojamento e alimentação, se necessário. 80

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Art. 26

O Conselho Nacional de Justiça desenvolve o projeto “Começar de Novo”, com a produção de cartilhas e de um “portal de oportunidades” nos quais são divulgadas vagas de trabalho e cursos de capacitação oferecidos por instituições públicas e privadas para presos em liberdade e egressos.

Art. 26  Considera-se egresso para os efeitos desta Lei: - o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída do estabe­lecimento; - o liberado condicional, durante o período de prova.

26.1

Conceito e classificação de egresso

A condição de egresso significa em liberdade, não estando mais a pessoa submetida ao poder disciplinar da autoridade administrativa. Isso significa que, ainda que hajam regras e condições a serem respeitadas, eventual violação ou a prática de novo delito não pode ser interpretada como falta disciplinar, nos termos da LEP. Há duas hipóteses legais de egresso: o liberado definitivo por cumprimento da pena, pela desinternação ou outra causa de extinção da punibilidade, pelo prazo de um ano; e o liberado condicional, durante o período de prova, que corresponde, a princípio, à pena remanescente.

Art. 27  O serviço de assistência social colaborará com o egresso para a obtenção de trabalho.

27.1

Auxílio ao egresso para obtenção de trabalho Ver comentários ao artigo 25.

81

Art. 28

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CAPÍTULO III Do Trabalho SEÇÃO I Disposições Gerais Art. 28  O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. § 1º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene. § 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

28.1

Considerações gerais sobre o trabalho do preso

Ao lado da assistência, o trabalho é o segundo eixo do tratamento penitenciário e se desdobra entre trabalho interno e externo. Em ambos, vale o princípio da individualização do tratamento, o que significa que o trabalho deve sempre corresponder às condições, habilidades e futuras necessidades do preso. Trata-se do trabalho como “dever social e condição de dignidade humana”, teleologicamente orientado ao cumprimento de uma dupla finalidade de educação e produção. Na perspectiva que o define como elemento do tratamento e assim decisivo para a reeducação, será atividade não aflitiva, obrigatória e remunerada.

28.2

Princípio da não aflitividade e inaplicabilidade do regime da CLT

O princípio da não aflitividade está presente no art. 56, I, da Res. no 14 do CNPCP, que acolhe as orientações da ONU e define as regras mínimas para o tratamento do preso no Brasil (hoje, as Regras de Mandela). Seu sentido precípuo é o de diferenciar o trabalho como elemento do tratamento e o trabalho como forma de pena, este aflitivo por definição e vedado pela Constituição (art. 5º, XLVII, “c”, CF). A natureza tratamental atribuída ao trabalho do preso é o que justifica, ao menos retoricamente, a não sujeição ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ou seja: a LEP determina a ausência de contrato de trabalho e 82

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Art. 29

da aplicação do regular regime trabalhista, em norma que pode ter a recepção questionada à luz do art. 7º da Constituição de 1988, o qual não legitima nenhum tipo de distinção entre formas de trabalho, sobretudo se evidente o escopo produtivo. 28.3

Política Nacional de Trabalho no Sistema Prisional

O Decreto 9.450/2018, da Presidência da República, em julho de 2018, instituiu a Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional, voltada à ampliação e qualificação da oferta de vagas de trabalho, ao empreendedorismo e à formação profissional das pessoas presas e egressas do sistema prisional. O principal ponto é a regulamentação do § 5º do art. 40 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, em seu art. 5º: “Na contratação de serviços, inclusive os de engenharia, com valor anual acima de R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais), os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão exigir da contratada o emprego de mão de obra formada por pessoas presas ou egressos do sistema prisional”. Há, inclusive, reserva de percentual de vagas conforme o número total de funcionários. A não observância das regras durante o período de execução con­ tratual pode acarretar quebra de cláusula contratual e a rescisão por iniciativa da administração pública federal, além das sanções previstas na Lei nº 8.666, de 1993.

Art. 29  O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo. § 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender: a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios; b) à assistência à família; a pequenas despesas pessoais; ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores. § 2º Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.

83

Art. 29 29.1

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Remuneração do trabalho do preso

A garantia de remuneração do trabalho realizado pelo preso foi introduzida pela Lei n. 6.416 em 1977, pouco antes da edição da atual Lei de Execução Penal. Há dois pontos delicados: o valor da remuneração e a destinação de parte dela como indenização ao Estado das despesas realizadas com a sua manutenção. Primeiramente, o patamar da remuneração fixado pela LEP é mínimo, e não máximo. Sendo assim, a impossibilidade de a remuneração do preso “ser inferior a três quartos do salário mínimo” significa a fixação de um piso mínimo do qual se deve partir, e não um teto, como muitas vezes interpretado e justificado tendo em vista suas dificuldades de efetivação.

29.2

Controvérsia sobre a constitucionalidade do piso mínimo remuneratório

Questionável a constitucionalidade de tal piso mínimo, mormente se carac­ terizada a relação de emprego. A lei ordinária deve ser sempre interpretada à luz da Constituição, o que pode implicar no entendimento pela não recepção, por parte da Carta Magna de 1988, do art. 29, caput, da LEP, especificamente no que tange ao art. 7º, IV e VII, da Constituição13, que garante um salário mínimo a todo trabalhador, sem distinção. Sobre o tema, foi ajuizada a ADPF 336 pela Procuradoria Geral da República, em 2015, sustentando que a “fixação do piso remuneratório do trabalho de cidadãos presos em 3/4 do salário mínimo viola os princípios da dignidade humana e da isonomia, a garantia de salário mínimo (art. 7o , IV, da Constituição da República) e o valor social do trabalho (arts. 1o , IV; 6o , e 170, caput, da CR)”. A ADPF foi julgada em fevereiro de 2021, decidindo-se, por maioria, pela improcedência da arguição, considerando o art. 29 recepcionado pela Constituição. Entre os principais argumentos, estabeleceu-se a premissa de que a fixação de patamar remuneratório inferior ao salário mínimo foi opção política visando estimular a contratação da pessoa presa, não cabendo ao Poder Judiciário “impedir a implementação de política pública com esse objetivo” (Voto do Min. Relator Luis Fux, p. 8). Discordamos da decisão da Corte, tendo a posição defendida pelas edições anteriores sido honrosamente mencionada no voto condutor da posição vencida,

Na doutrina trabalhista, v. COUTINHO, Aldacy Rachid. “Trabalho e Pena”. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, 32, p. 16; ainda, pela inconstitucionalidade, v. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 3. ed. Curitiba: ICPC/Lumen Juris, 2008, p. 531;

13

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Art. 30

lavrado pelo Min. Edson Fachin. O preso não pode deixar de ser considerado trabalhador, na medida em que exerce atividade produtiva, inexistindo autori­ zação constitucional para a diferenciação, seja esta considerada política pública ou não. Seria equivocado dizer, por fim, que com a derrubada do art. 29 não haveria fundamento legal para a remuneração do preso, porque ele estaria no art. 41, II, da LEP, com a garantia de isonomia pela própria Constituição.

29.3

Despesas com a manutenção do preso

Em relação à possibilidade de as despesas com a manutenção do preso lhes serem descontadas de sua remuneração, trata-se de hipótese permitida em lei, porém restringida à ausência de prejuízo de outras destinações. São prioritárias, portanto, (a) a indenização dos danos causados pelo crime se determinados judicialmente e não reparados por outros meios, (b) a assistência à família e (c) as pequenas despesas pessoais, inclusive apenas estas últimas são contempla­ das pelas Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil (art. 56, VIII, Res. n.14 do CNPCP). A indenização ao Estado das despesas de manutenção aparecerá também como dever do preso, mas quando possível (art. 39, VIII, LEP). A parte restante da remuneração, se houver, deve ser depositada em Cader­ neta de Poupança a fim de constituir o pecúlio que será entregue ao condenado quando novamente em liberdade.

Art. 30  As tarefas executadas como prestação de serviço à comunidade não serão remuneradas.

30.1

Ausência de remuneração da prestação de serviço à comunidade

Em situação bem distinta, a prestação de serviço à comunidade é uma modalidade de pena restritiva de direitos ou condição da suspensão condicional da pena (art. 78, §1º, CP). Guarda, assim, diretamente, a natureza jurídica de pena, não sendo, por este motivo, remunerada.

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Art. 31 30.2

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Posição da Organização Internacional do Trabalho

De acordo com a Convenção nº. 29, da Organização Internacional de Trabalho, promulgada pelo Decreto nº. 41.721, de 25 de junho de 1957, a expressão “trabalho forçado ou obrigatório” não compreende “qualquer trabalho ou serviço exigido de um indivíduo como consequência de condenação pronunciada por decisão judiciária, contanto que êsse trabalho ou serviço seja executado sob a fiscalização e o contrôle das autoridades públicas e que o dito indivíduo não seja pôsto à disposição de particulares, companhias ou pessoas morais privadas” (art. 2º, 2, “c”).

SEÇÃO II Do Trabalho Interno Art. 31  O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade. Parágrafo único. Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento.

31.1

Considerações gerais sobre o trabalho interno

O trabalho interno é aquele realizado no interior do estabelecimento e subordinado à própria administração penitenciária ou a terceiros, sob gerência de fundação ou empresa pública ou mediante convênio com empresa privada. É neste âmbito em que incide a obrigatoriedade para o condenado, sendo facultativo apenas para o preso provisório. No paradoxo existente na imposição legal de uma mesma atividade simultaneamente como dever (art. 39, V, LEP) e como direito (art. 41, II, LEP), é evidente que a balança pende para o primeiro lado: a não execução do trabalho indicado é considerada como falta grave (art. 50, VI, LEP). Na prática, porém, a obrigatoriedade não faz sentido, diante da escassez da oferta de trabalho das unidades prisionais e do desejo manifesto da população carcerária em trabalhar, mesmo por conta do direito à remição de pena. Formalmente, decorre da obrigatoriedade a ausência de elemento essencial do contrato de trabalho que é a liberdade do ato volitivo em sua formação. É comum que o trabalho interno não seja produtivo e com valor de troca, fazendo 86

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Art. 32

mais sentido, neste caso, a não aplicação do regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), e sim as regras da própria LEP. É o que ocorre quando a subordinação se dá à própria administração penitenciária. A competência para julgar demanda referente à remuneração ou a conflito trabalhista entre preso e Estado será, aqui, do próprio juízo de execução penal (STJ, CC 92.851/MS, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 13/08/2008).

Art. 32  Na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as oportunidades oferecidas pelo mercado. § 1º Deverá ser limitado, tanto quanto possível, o artesanato sem expressão econômica, salvo nas regiões de turismo. § 2º Os maiores de 60 (sessenta) anos poderão solicitar ocupação adequada à sua idade. § 3º Os doentes ou deficientes físicos somente exercerão atividades apropriadas ao seu estado.

32.1 Individualização da pena na atribuição do trabalho O princípio da individualização da pena alcança a atribuição do trabalho ao preso, o qual deve corresponder às suas condições pessoais e oportunidades do mercado, valorizando as peculiaridades locais e regionais. No mesmo sentido, idosos, doentes ou deficientes físicos deverão receber tarefas apropriadas à sua condição.

32.2

Remição nas atividades de artesanato

Embora limitada pela lei (art. 32, §1°), a atividade de artesanato deve ser expandida e incentivada, inclusive se admitindo a remição da pena, mormente considerando a escassez da oferta de oportunidades de trabalho penitenciário em relação à demanda. Foi esse, inclusive, o entendimento do STJ no REsp 1.720.785/ RO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., j. 12/03/2018.

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Art. 33

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Art. 33  A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis) nem superior a 8 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados. Parágrafo único. Poderá ser atribuído horário especial de trabalho aos presos designados para os serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal.

33.1

Jornada de trabalho do preso: regra geral e exceções

A jornada de trabalho não pode ser inferior a seis horas nem superior a oito horas, com descanso nos domingos e feriados. Se o serviço é de conserva­ ção e manutenção do estabelecimento, podem ser atribuídos horários especiais. Se extrapolado o limite, será considerado um dia de trabalho a cada seis horas extras14 (STJ, REsp 106.493-4/RS, Rel. Min. Og Fernandes, j. 11/12/2009). Se a jornada inferior a seis horas foi determinação da direção do presídio, sem qualquer indisciplina, subsiste o direito à remição, com base nos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança (STF, RHC 136.509, Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª T., j. 04/04/2017; STJ, REsp 1.721.257/MG, 5ª T., Rel. Min. Jorge Mussi, j. 05/06/2018). Por inteligência do próprio art. 33, parágrafo único, da LEP, é possível que também haja trabalho aos domingos e feriados, em seus termos. De todo modo, se a direção do estabelecimento atestar o trabalho em domingos e feriados, subsiste o direito à remição (STJ, HC 346.948/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., j. 21/06/2016).

Art. 34  O trabalho poderá ser gerenciado por fundação, ou empresa pública, com autonomia administrativa, e terá por objetivo a formação profissional do condenado. § 1º Nessa hipótese, incumbirá à entidade gerenciadora promover e supervi­sionar a produção, com critérios e métodos empresariais, encarregar-se de sua comercialização, bem como suportar despesas, inclusive pagamento de remuneração adequada. (Renumerado pela Lei nº 10.792, de 2003)

Errata: retificamos equívoco das edições anteriores que afirmava haver remição de um dia de pena para cada seis horas extras trabalhadas.

14

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Art. 34

§ 2º Os governos federal, estadual e municipal poderão celebrar convênio com a iniciativa privada, para implantação de oficinas de trabalho referentes a setores de apoio dos presídios. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)

34.1

Exploração do trabalho do preso por fundação, empresa pública ou iniciativa privada

É possível que haja exploração da mão de obra do preso por parte de empresa pública ou fundação, bem como por parte da iniciativa privada, mediante convênio com a administração pública. Caso a organização e gerência do trabalho interno seja realizada por fundação ou empresa pública, ou por empresa conveniada, caberá à entidade respectiva a remuneração adequada do preso.

34.2

Sentido de remuneração adequada e contrato de trabalho

É de se questionar se a referência à expressão “remuneração adequada” não excluiria a possibilidade de remuneração em valor aquém do salário mínimo, acrescentando novo ingrediente ao debate mencionado nos comentários ao art. 29 da LEP. Através dessa interpretação intermediária, ficaria assentado que a própria LEP já vedaria remuneração abaixo do salário mínimo nas hipóteses deste artigo, restando o debate sobre a recepção pela Constituição Federal do art. 29 somente quanto à remuneração do trabalho interno realizado em benefício da própria administração penitenciária. É preciso verificar, em casos como esses, se estão presentes os requisitos próprios de qualquer relação de emprego: onerosidade, subordinação, conti­ nuidade e pessoalidade. Em caso de resposta positiva, a posição mais democrática é indubitavelmente pelo reconhecimento de um contrato de trabalho e conse­ quentemente de todos os devidos encargos sociais; podendo-se, inclusive, reconhecer o trabalho interno do preso que presta serviço a uma empresa privada como modalidade de “trabalho a domicílio”, nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho15 e em coerência com a regra do art. 76, caput e parágrafo único, do Código Civil brasileiro.

Sobre o tema, v. COUTINHO, Aldacy Rachid. “Trabalho e Pena”. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, 32, 1999, p. 7-23.

15

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Art. 35

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Outras formas de incentivo, que não a desvalorização da mão de obra, podem e devem ser buscados para estimular empresas a instalarem canteiros de trabalho em unidades prisionais.

Art. 35  Os órgãos da Administração Direta ou Indireta da União, Estados, Territórios, Distrito Federal e dos Municípios adquirirão, com dispensa de concorrência pública, os bens ou produtos do trabalho prisional, sempre que não for possível ou recomendável realizar-se a venda a particulares. Parágrafo único. Todas as importâncias arrecadadas com as vendas reverterão em favor da fundação ou empresa pública a que alude o artigo anterior ou, na sua falta, do estabelecimento penal.

35.1

Compra de bens ou produtos do trabalho prisional

Trata-se de regra que visa estimular atividades produtivas da população carcerária, facilitando a compra (com dispensa de concorrência), por parte da Administração Pública, de bens e produtos do trabalho prisional os quais se estime não terem potencial de comercialização a particulares. Os valores arrecadados, porém, serão destinados à própria fundação ou empresa pública referidas no artigo anterior. Não havendo, os recursos ficam com o estabelecimento penal. Não há previsão ou clareza sobre a aplicabilidade da possibilidade ora prevista em benefício de empresas privadas conveniadas que instalam canteiros de trabalho em unidades prisionais.

SEÇÃO III Do Trabalho Externo Art. 36  O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina. § 1º O limite máximo do número de presos será de 10% (dez por cento) do total de empregados na obra. 90

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Art. 36

§ 2º Caberá ao órgão da administração, à entidade ou à empresa empreiteira a remuneração desse trabalho. § 3º A prestação de trabalho à entidade privada depende do consentimento expresso do preso.

36.1

Considerações gerais sobre o trabalho externo do preso

O trabalho externo é realizado fora das dependências do estabelecimento penal, sendo em muitos aspectos similar à concessão de outros direitos da exe­ cução. Pode ser considerado um direito do preso em regime fechado e semiaberto, concretizando-se quando obtida a autorização para sua realização. No caso da prestação de trabalho à entidade privada, é necessário o “consentimento expresso do preso” (art. 36, § 3º, LEP).

36.2

Sobre as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina

Para presos em regime fechado, a lei restringe a modalidade do trabalho a “serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina”, entendendo-se, este último trecho, como a necessidade de escolta policial, o que muitas vezes inviabiliza a concretização do pedido, ainda que autorizado pelo diretor da unidade prisional (que não tem autoridade sobre a polícia militar, se for essa a realizar a escolta). Não há restrição legal, porém, para a autorização ao trabalho externo me­ diante colocação de tornozeleira eletrônica, na medida em que também se trata de dispositivo destinado à evitação de fuga, nos termos do dispositivo legal.

36.3

Admissibilidade para condenados por crime hediondo

É admissível o trabalho externo para condenados por crime hediondo, restando superadas controvérsias anteriores (STJ, HC 35.004/DF, 6ª T., Rel. Min. Paulo Medina, j. 24.02.2005; STJ, HC 65.356/AC, 5ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 09.08.2007).

91

Art. 37 36.4

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Encargo pela remuneração do trabalho externo e direitos trabalhistas

A remuneração é encargo do respectivo gerenciador do trabalho, seja órgão da administração, entidade ou empresa empreiteira (art. 36, § 2º, LEP). A tendência é de equiparação ao trabalho livre. Nessa perspectiva, é problemático se admitir que o trabalhador preso receba menos do que o trabalhador livre, exercendo atividade idêntica ou análoga. O tema remete mais uma vez à questão da prevalência do art. 7º, IV, da Constituição. Assunto também polêmico diz respeito à observância dos direitos traba­ lhistas, incluindo direito a férias, adicional por hora extra, recolhimento de FGTS, direito de greve e à associação sindical, e assim por diante, do preso que trabalha sob a presença de todos os requisitos próprios da relação de trabalho. Sua não observância é compreensível criticamente como a utilização do trabalho encarcerado como mera mão-de-obra barata; e inadmissível do ponto de vista constitucional que, mais uma vez, deve prevalecer sobre qualquer discriminação entre trabalhador livre e não-livre realizada por lei infraconstitucional.

Art. 37  A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena. Parágrafo único. Revogar-se-á a autorização de trabalho externo ao preso que vier a praticar fato definido como crime, for punido por falta grave, ou tiver comportamento contrário aos requisitos estabelecidos neste artigo.

37.1

Requisitos para o trabalho externo

A autorização para o trabalho externo é encargo da direção do estabeleci­ mento, sendo, portanto, ato administrativo vinculado e condicionado à verificação de um requisito objetivo – cumprimento mínimo de 1/6 da pena – e outro subje­ tivo – “aptidão, disciplina e responsabilidade” (art. 37, LEP). Sendo assim, se presentes os requisitos legais a autorização é um direito do preso requerente. Evidentemente, o requisito subjetivo – “aptidão, disciplina e responsabilidade” – invoca grande margem de discricionariedade para o diretor do estabelecimento, recomendando-se por isso sua interpretação segundo critérios minimamente objetivos, tais como a ausência de punição por faltas disciplinares ou um atestado simples de boa conduta carcerária. 92

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Art. 37

Como anotado acima, é comum que o pedido seja deferido pelo diretor do estabelecimento, mas inviabilizado pela ausência de escolta policial. É o caso de se buscar outras formas de monitoramento e evitação de fuga, como as tornozeleiras eletrônicas, e não simplesmente de se cancelar, a priori, a própria possibilidade do trabalho externo por conta de um fator externo e alheio ao comportamento do preso.

37.2

Peculiaridades do regime semiaberto

Quando em regime semiaberto, é importante não confundir trabalho externo e saída temporária, tendo em vista que os objetivos são distintos e não há, para o trabalho externo, a limitação temporal aplicável à saída temporária. Quando em regime semiaberto, não se exige nenhum lapso temporal para a obtenção de trabalho externo. É que “Considera-se o tempo de cumprimento da pena no regime fechado” (Súmula 40, STJ). Portanto, o mesmo quantum de tempo cumprido pode valer tanto para a obtenção da progressão de regime (fechado ao semiaberto) como para a obtenção da autorização para o trabalho externo. O montante de 1/6 da pena se refere apenas ao trabalho externo quando em regime fechado (art. 37, LEP), sendo regra estritamente dirigida ao diretor do estabelecimento. Na mesma linha, o entendimento predominante é pela não exigibilidade do requisito objetivo para o preso que inicia o cumprimento da pena em regime semiaberto (STJ, RHC 17693/RS, 6ª T., Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 18/08/2005; STF, EP 2 TrabExt-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Pleno, j. 25/06/2014).

37.3

Trabalho externo em empresa de familiar e em área de difícil fiscalização

É absolutamente possível que, no regime semiaberto, o preso realize trabalho externo em empresa pertencente a familiar, sendo equivocado o entendimento corriqueiro pela inadmissibilidade da hipótese por suposta impossibilidade de fiscalização. Nesse sentido: “(...) A execução criminal visa o retorno do condenado ao convício social, com o escopo de reeducá-lo e ressocializá-lo, sendo o trabalho essencial para esse processo. IV - In casu, o fato do irmão do apenado ser um dos sócios da empresa empregadora não constitui óbice à concessão do trabalho externo, sob o argumento de fragilidade na fiscalização, até porque inexiste vedação na Lei de Execução Penal. (Precedente do STF)” (STJ, HC 310.515/RS, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., j. 17/09/2015). 93

Art. 37

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Por outro lado, já entendeu o STJ pela impossibilidade de trabalho externo com base no argumento de que ele se daria em “região tomada pelo crime organizado”, o que impediria a fiscalização do Estado (STJ, HC 175.298/RJ, 5ª T., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 31.05.2011). Decisiva foi, no caso, a manifestação de um fiscal que não conseguiu entrar no bairro onde se localizava o estabelecimento comercial em que trabalhava o condenado. Ocorre que o Estado não pode chancelar situação como essa, naturalizando-a, e muito menos tomá-la como fundamento jurídico para cancelar direito que tem todos os seus requisitos preenchidos. Afinal, o fato de uma comunidade ser territorialmente dominada por um grupo armado não significa – bem ao contrário – que todos os seus moradores façam parte ou sejam coniventes com esse tipo de ação. Vincular tal contexto à suposição de que a medida, no caso, não cumpre com a finalidade de “reintegração social”, parece estabelecer tal vínculo, com o que não se pode concordar.

37.4

Trabalho externo em regime semiaberto harmonizado com monitoração eletrônica

Admite-se a ampliação do perímetro e das condições de horário estabelecidos para a monitoração eletrônica se for para viabilizar obtenção de ocupação lícita pela pessoa que cumpre pena em regime semiaberto harmonizado, ou seja, sob regime de monitoração eletrônica. Por exemplo, em caso envolvendo motorista de caminhão (STJ, liminar no HC 580.060/PR, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo, j. 05/02/2020).

37.5 Revogação do trabalho externo A autorização para o trabalho externo pode ser revogada pela mesma autoridade administrativa que a emitiu – a administração do estabelecimento prisional –, tendo em vista a competência revocatória implícita da Administração Pública. O ato de revogação é também vinculado, na medida em que possível apenas se contemplada hipótese do rol do art. 37, parágrafo único, da LEP, ou seja: se o beneficiado praticar fato definido como crime, for punido por falta grave ou apresentar comportamento contrário às exigências de “aptidão, disciplina e responsabilidade”.

94

Art. 38

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CAPÍTULO IV Dos Deveres, dos Direitos e da Disciplina SEÇÃO I Dos Deveres Art. 38  Cumpre ao condenado, além das obrigações legais inerentes ao seu estado, submeter-se às normas de execução da pena.

38.1

Desnecessidade do dispositivo

Trata-se de dispositivo com redação vaga e desnecessária, na medida em que submeter-se às normas de execução da pena é também uma obrigação legal inerente à condenação. Sua relevância está em abrir novo capítulo da LEP destinado ao sistema disciplinar, erigido por deveres e tensionado por direitos, como se vê a seguir.

Art. 39  Constituem deveres do condenado: - comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença; - obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se; - urbanidade e respeito no trato com os demais condenados; - conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina; - execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas; - submissão à sanção disciplinar imposta; - indenização à vitima ou aos seus sucessores; - indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho; - higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento;X - conservação dos objetos de uso pessoal. 95

Art. 39

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Parágrafo único. Aplica-se ao preso provisório, no que couber, o disposto neste artigo.

39.1

Deveres do condenado

O rol taxativo de deveres do preso indica um desdobramento de hipóteses a partir do dever geral de obediência à autoridade administrativa. A relação jurídica entre o detento e a autoridade administrativa é o que se pode denominar relação jurídico-penitenciária ou estatuto jurídico do recluso. Não cabe mais invocar a superada teoria das relações especiais de sujeição ou da supremacia especial como base teórica para sustentar tal relação de subordinação. Ela é inerente à condição de custodiado pelo Estado, por um lado, mas permanentemente limitada e tensionada pela necessidade de respeito aos direitos das pessoas presas, por outro. 39.1.1 Dever do inciso I: comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença Todo o sistema disciplinar é construído para regular a conduta das pessoas presas, podendo, em caso de infração de natureza leve, média ou grave, sofrer graves consequências tanto administrativas como judiciais. 39.1.2 Dever do inciso II: obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se Hipótese particularmente importante porque seu descumprimento pode configurar falta grave (vide comentários ao art. 50, VI, LEP).

39.1.3 Dever do inciso III: urbanidade e respeito no trato com os demais condenados Trata-se de obrigação mais específica que o inciso anterior, pois aquele trata do respeito “a qualquer pessoa” e este trata do respeito “com os demais condenados”. Eventual desavença e desrespeito entre presos, portanto, deve receber o enquadramento da conduta neste inciso, o qual se amolda à situação de forma mais precisa e direta. 96

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Art. 39

39.1.4 Dever do inciso IV: conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina A obrigação descrita exige interpretação restritiva e a aplicação analógica do conceito de exigibilidade de conduta diversa que compõe o conceito normativo de culpabilidade, na teoria do delito. Não há como exigir, de qualquer pessoa, o sacrifício da própria vida e integridade física. Rebeliões e motins violentos não abrem espaço para uma postura de oposição, no momento em que estão ocorrendo.

39.1.5 Dever do inciso V: execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas Em conjunto ao inciso II, compartilhando dos mesmos problemas, tratase de hipótese particularmente importante porque seu descumprimento pode configurar falta grave (vide comentários ao art. 50, VI, LEP).

39.1.6 Dever do inciso VI: submissão à sanção disciplinar imposta Caso seja sancionado pela autoridade administrativa, o preso tem o dever de cumprir a sanção administrativa que foi imposta. Também aqui se tem hipótese mais específica que aquelas dos incisos II e V e que deve, necessariamente, prevalecer sobre elas no enquadramento da conduta, no caso concreto.

39.1.7 Dever do inciso VII: indenização à vitima ou aos seus sucessores Decorre da obrigação civil de reparar o dano, a qual é tornada “certa” por efeito da condenação previsto no art. 91, I, do Código Penal. Trata-se de base legal importante para a elaboração de projetos e práticas de justiça restaurativa no âmbito da execução da pena, criando espaços de comunicação com a vítima. Para tanto, porém, é necessário inovar e investir na equipe técnica responsável pelos contatos, não banalizar o conceito de justiça restaurativa – o qual só tem sentido com a presença da vítima, não se aplicando, por exemplo, a questões disciplinares dentro da unidade – e ir além da natureza meramente pecuniária da ideia de reparação, a qual deve ser ampla, simbólica e construída de forma dialógica.

97

Art. 40

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39.1.8 Dever do inciso VIII: indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho Ainda que propostas similares sejam apresentadas como “novidade” na arena dos discursos políticos, a lei já prevê desde sua origem que o preso tem o dever de indenizar o Estado, quando possível, pelas despesas realizadas com sua manutenção, por meio do seu trabalho.

39.1.9 Dever do inciso IX: higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento A pessoa presa tem o dever de manter a higiene pessoal e de seu alojamento, mas a ela não pode ser imputada a ausência de higiene crônica e decorrente de quadros de superlotação e inadimplemento das políticas de assistência pelo Estado.

39.1.10 Dever do inciso X: conservação dos objetos de uso pessoal Por fim, a pessoa presa tem o dever de conservação de seus objetos de uso pessoal, responsabilizando-se por danos ou por sua perda, salvo quando causados por terceiros.

SEÇÃO II Dos Direitos Art. 40  Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.

40.1

Direito do preso à integridade física e moral: base constitucional e convencional

A necessidade de respeito à integridade e à dignidade física e moral das pessoas presas e de seus visitantes é corolário do princípio constitucional da humanidade das penas e assim expressamente previsto pelo art. 5º, XLIX, da 98

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Art. 40

Constituição. No mesmo sentido, o art. 10.1 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o art. 5.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos; além da ratificação da Convenção contra a Tortura e outros tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (Decreto nº. 40, de 15 de fevereiro de 1991). Os deveres impostos ao Estado abarcam tanto a evitação de violações e abusos por parte de seus próprios agentes, como também a evitação da violência por parte de outros presos e o dever de agir quanto ao atendimento das necessidades básicas e de saúde. Inserem-se nesse âmbito as questões concernentes à responsabilidade civil do Estado em casos de morte de presos e à regulamentação do uso proporcional da força e de armas, inclusive na contenção de conflitos carcerários.

40.2

Jurisprudência internacional de direitos humanos e as violações praticadas pelo Brasil

Como apontam PAIVA e HEEMANN, o Brasil é um “colecionador de medidas provisórias” emitidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, destacando-se os seguintes casos15: a) Penitenciária Urso Branco (2002-2011), em Porto Velho/RO, reconhecendo que a custódia de presos indica posição especial de garante do Estado, ainda que se trate de situação de violência entre particulares, respondendo pela omissão; b) Complexo Tatuapé da FEBEM (2005-2008), em São Paulo, resultando na desativação da unidade de internação de adolescentes; c) Complexo Penitenciário do Curado (2014), em Pernambuco, quando a Corte fez diversas determinações estruturais; d) Complexo Penitenciário de Pedrinhas (2014), no Maranhão, também com medidas provisórias para que o Estado brasileiro adote todas as medidas necessárias para proteção da vida e integridade das pessoas privadas de liberdade no local. Em 2017 e 2018, ainda, foram expedidas resoluções com medidas provisórias sobre o e) Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Complexo Penitenciário de Gericinó, no Rio de Janeiro, determinando, entre outras medidas, a apresentação de um “plano de redução da superlotação do sistema prisional fluminense”, a garantia de acesso amplo e irrestrito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro às dependências da unidade, a proibição de novas entradas e o cômputo em dobro da pena cumprida para as pessoas lá custodiadas que não sejam acusadas ou condenadas por crimes contra a vida ou a integridade física, ou por crimes sexuais.

99

Art. 40

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40.3 Uso da força para controle de motins O uso de armas não letais, como sprays de pimenta e uso de gás lacrimogêneo, carece de regulamentação sobre as hipóteses de seu cabimento. A sua utilização abusiva – por exemplo, em detentos algemados ou que estão dentro de suas celas – produz instabilidade e pode configurar ilícito penal. A Lei 13.060, de 22 de dezembro de 2014, determina a priorização do uso de “instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública”, desde que não haja risco à integridade dos policiais, exigindo respeito à legalidade, necessidade, razoabilidade e proporcionalidade. A lei carece ainda de regulamentação que classifique e discipline a utilização dos instrumentos ditos não letais. Há diversos precedentes na Comissão e na Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o tema dos limites ao uso da força para controle de motins: o Estado do Peru, por exemplo, foi condenado pela Corte nos casos Neira Alegría et al vs. Peru (1985), Presídio Miguel Castro (1992) e Durand y Ugarte vs. Peru (2000) pelo uso excessivo e desproporcional da força para o controle de motins e rebeliões16. O tema apareceu, no Brasil, no Caso Carandiru, quando cento e onze presos, que não portavam arma de fogo, foram mortos na ação de contenção de rebelião na unidade prisional. O caso tramita na Comissão Interamericana de Direitos Humano, tendo sido expedidas recomendações ao Estado brasileiro.

40.4 Inaplicabilidade da reserva do possível Já decidiu o STF pela inaplicabilidade do princípio da reserva do possível no tema: “(...) 3. “Princípio da reserva do possível”. Inaplicabilidade. O Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento, enquanto permanecerem detidas. É seu dever mantê-las em condições carcerárias com mínimos padrões de humanidade estabelecidos em lei, bem como, se for o caso, ressarcir danos que daí decorrerem. 4. A violação a direitos fundamentais causadora de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários não pode ser simplesmente relevada ao argumento de que a indenização não tem alcance para eliminar o grave problema prisional globalmente considerado, que depende da definição e da implantação de políticas públicas específicas, providências de atribuição legislativa e administrativa, não de provimentos judiciais. Esse argumento, se admitido, acabaria por justificar a perpetuação da desumana situação que se constata em presídios como o de que trata a presente demanda. 5. A garantia mínima de segurança pessoal, física e psíquica, dos detentos, constitui dever estatal que possui amplo lastro não apenas no ordenamento nacional (Constituição Federal, art. 5º, XLVII, “e”; XLVIII; XLIX; Lei 7.210/84 (LEP), arts. 10; 11; 12; 40; 85; 87; 88; Lei 9.455/97 - crime 100

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Art. 40

de tortura; Lei 12.874/13 – Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), como, também, em fontes normativas internacionais adotadas pelo Brasil (Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, de 1966, arts. 2; 7; 10; e 14; Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, arts. 5º; 11; 25; Princípios e Boas Práticas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas – Resolução 01/08, aprovada em 13 de março de 2008, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Convenção da ONU contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984; e Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros – adotadas no 1º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção ao Crime e Tratamento de Delinquentes, de 1955)” (STF, REXT 580.252/MS, Rel. p/ acórdão: Min. Gilmar Mendes, j. 16/02/2017).

40.5

Revista vexatória em visitantes

As práticas de revista vexatória em visitantes e familiares (muitas vezes crianças pequenas), quando visitam seus parentes reclusos, atentam de forma inadmissível à sua dignidade, chegando-se a violar por via oblíqua o princípio da intranscendência da pena (art. 5º, XLV, CF). Por revista vexatória, referimo-nos a práticas de desnudamento, introdução de objetos em cavidades íntimas, agachamento e/ou uso de cães. Não há base legal para a prática, apenas regulamentos administrativos. Na verdade, a Lei 13.271, de 15 de abril de 2016, proibiu a adoção de “qualquer prática de revista íntima” nas funcionários e clientes do sexo feminino em empresas públicas e privadas, bem como nos ambientes prisionais. Embora ambígua a redação e inadequado o termo “clientes”, a única interpretação legítima é que a revista íntima foi efetivamente vedada. Algumas leis estaduais e decisões em ações civis públicas, bem como a Resolução nº. 5/2014, do CNPCP, também já reconheceram sua natureza ilegal. O tema teve repercussão geral reconhecida pelo STF (ARE 959.620 RG, Rel. Min. Edson Fachin). A questão colocada é a se prova obtida por meio de revista vexatória pode ser invalidada por violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da intimidade, da honra e da imagem. O julgamento foi iniciado em junho de 2020, quando o Ministro Relator fixou a seguinte tese, negando o recurso extraordinário: “É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais, e a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos”. Abrindo divergência, o Ministro Alexandre de Moraes propôs outra tese: “A revista íntima para ingresso em estabelecimentos prisionais será excepcional, 101

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devidamente motivada para cada caso específico e dependerá da concordância do visitante, somente podendo ser realizada de acordo com protocolos preestabelecidos e por pessoas do mesmo gênero, obrigatoriamente médicos na hipótese de exames invasivos. O excesso ou abuso da realização da revista íntima acarretarão responsabilidade do agente público ou médico e ilicitude de eventual prova obtida. Caso não haja concordância do visitante, a autoridade administrativa poderá impedir a realização da visita”. Sabe-se que a exigência de motivação para cada caso específico é facilmente contornada no contexto penitenciário, de dificilíssimo controle judicial dos atos administrativos. Assiste inteira razão, a nosso ver, ao Ministro Fachin, Relator do recurso extraordinário. O julgamento foi interrompido por pedido de vista, em outubro de 2020, e não retomado até o fechamento desta edição. O STJ vem decidindo de forma ambígua, admitindo a revista íntima “desde que não invasiva”. Por exemplo: “havendo fundada suspeita de que o visi­tante do presídio esteja portando drogas, armas, telefones ou outros objetos proibidos, é possível a revista íntima que, por si só, não ofende a dignidade da pessoa humana, notadamente quando realizada dentro dos ditames legais, sem qualquer procedimento invasivo” (STJ, HC 460.234/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 11/09/2018); “(...) As pessoas que se dirigem ao presídio sabem, previamente, que podem ser submetidas à revista pessoal e minuciosa. Trata-se. tal procedimento (quando realizado com estrita observância a procedimento legal e com respeito aos princípios e às garantias constitucionais), de legítimo exercício do poder de polícia do Estado, de cunho preventivo, o qual objetiva garantir a segurança social e os interesses públicos. (...)” (STJ, REsp 1523735/RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 20/02/2018). É possível e necessária a adoção de tecnologia mais sofisticada, métodos não invasivos de verificação ou mesmo a revista somente do preso, após a visita, considerando que o escopo é justamente evitar a entrada na unidade prisional de drogas e objetos não permitidos.

40.6

Respeito à integridade física e moral conforme a identidade de gênero

O respeito à integridade física e moral da pessoa presa necessita levar em conta sua identidade de gênero. A Resolução Conjunta nº. 1/2014, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), estabelece “parâmetros de acolhimento de LGBT em privação de liberdade no Brasil”, podendo-se destacar, entre outras normas importantes: a) direito da pessoa travesti ou transexual em privação 102

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de liberdade a ser chamada pelo seu nome social, de acordo com o seu gênero (art. 2º); b) o registro de admissão no estabelecimento prisional deverá conter o nome social da pessoa presa (art. 2º, parágrafo único); c) “às travestis e aos gays privados de liberdade em unidades prisionais masculinas, considerando a sua segurança e especial vulnerabilidade, deverão ser oferecidos espaços de vivência específicos”, sem que isso caracterize aplicação de medida disciplinar (art. 3º); d) garantia do direito à visita íntima (art. 6º); e) garantia da manutenção de tratamento hormonal e acompanhamento de saúde específico, se for o caso (art. 7º); f) mais complexa, previsão de que “as pessoas transexuais masculinas e femininas devem ser encaminhadas para as unidades prisionais femininas” (art. 4º). Sobre esse ponto, em 16 de fevereiro de 2018, o Supremo Tribunal Federal, por decisão monocrática, concedeu habeas corpus de ofício para que o juízo colocasse os pacientes, ambos transexuais, “em estabelecimento prisional compatível com as respectivas orientações sexuais” (STF, HC 152.491/ SP, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 16.02.2018), adotando por fundamento a Resolução Conjunta nº. 1/2014, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, e a Resolução SAP nº. 11/2014, do Estado de São Paulo. Na mesma linha, em 19 de março de 2021, concedeu liminar na ADPF 527 “para outorgar às transexuais e travestis com identidade de gênero feminina o direito de opção por cumprir pena: (i) em estabecimento prisional feminino; ou (ii) em estabelecimento prisional masculino, porém em área reservada, que garanta a sua segurança”. Similarmente, e citando os Princípios da Yogyakarta, o STJ concedeu liminar em habeas corpus determinando a transferência de pessoa travesti para espaço próprio ou, não havendo, para a ala feminina de unidade prisional de regime semiaberto (STJ, HC 497.226/RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, liminar de 13.03.2019). Nesse caso, porém, a pessoa manifestou posteriormente interesse em permanecer em cela masculina, levando a Defensoria Pública a desistir do habeas corpus. A questão é complexa e é sempre importante averiguar, de fato, qual é a vontade das pessoas diretamente envolvidas e as condições de recepção na unidade feminina. Nessa linha, a Resolução nº. 3, de 7 de junho de 2018, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), prevê que “pessoas privadas de liberdade em situação de maior vulnerabilidade, como LGBT, devem ter sua orientação sexual ou identidade de gênero respeitadas, sendo encaminhadas a presídios e celas de acordo com estas ou serem separadas de todos os que possam representar ameaça a fim de garantir sua integridade” (art. 5º, §1º). A importante Resolução 348/2020, do Conselho Nacional de Justiça, esta­ beleceu diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário “com 103

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relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo que seja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente” (art. 1º). A Resolução reconhece o direito à autodeterminação de gênero e sexualidade da população LGBTI e veda qualquer forma de discriminação, inclusive prevendo a inserção da informação quanto à autodeclaração da pessoa nos sistemas informativos do Poder Judiciário. Há, ainda, garantia do direito ao uso do nome social (art. 6º), mesmo que distinto do nome constante do registro civil. Prevê também a garantia de direitos relacionados à saúde, trabalho, educação, ao vestuário, à assistência religiosa e às visitas (art. 11). Com relação ao local de prisão, a Resolução 348 prevê que será determinado por decisão judicial fundamentada após ouvir a pessoa presa (art. 7º e 8º).

40.7

A questão de gênero na jurisprudência internacional de direitos humanos em matéria penitenciária

No Caso do Presídio Miguel Castro (1992), em que 41 internos faleceram, sendo três mulheres grávidas, a Corte Interamericana de Direitos Humanos aplicou, pela primeira vez, a Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher), reconhecendo a imprescindibilidade de uma análise de gênero porque a violência estatal afeta de maneira diferente as mulheres16.

Art. 41  Constituem direitos do preso: I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de trabalho e sua remuneração; III - Previdência Social; IV - constituição de pecúlio; V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o des­ canso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e des­ portivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

PAIVA, Caio; HEEMANN, Thimotie. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. 2. ed. Belo Horizonte: Editora CEI, 2017, p. 348-349.

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VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; I - chamamento nominal; II - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; III - audiência especial com o diretor do estabelecimento; IV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; V - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. VI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003) Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.

41.1

Natureza do rol de direitos atingidos pela sentença condenatória

Não se pode falar do art. 41 da LEP como um “rol taxativo”, e isso por conta do próprio art. 3º da LEP e art. 38 do CP que garantem todos os direitos não atingidos pela sentença condenatória e a tutela de sua integridade física e moral. Os referidos dispositivos constituem o parâmetro para a interpretação, no caso concreto, da possibilidade de suspensão ou restrição de direitos por parte do diretor, permitida pelo art. 41, parágrafo único, LEP.

41.2

Possibilidade de suspensão de direitos do preso

A possibilidade de suspensão de direitos prevista pelo art. 41, parágrafo único, da LEP, é ato administrativo que implica consequências graves e deve, portanto, ser reduzida a termo, não podendo se aceitar a forma meramente oral sob pena de subtrair o ato administrativo a qualquer possibilidade de controle, seja pela via administrativa ou judicial. 105

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O referido dispositivo trata especificamente da “proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação”, da “visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados” e do “contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes”. A contrario sensu, portanto, apenas os incisos citados podem ser objeto de restrição ou suspensão, e não os demais. E mesmo a restrição destes deve atentar a parâmetros de proporcionalidade e às reflexões e decisões oriundas dos sistemas de proteção dos direitos humanos, notadamente no âmbito da Comissão e da Corte Interamericana. Após alteração promovida pela Lei 13.964/2019, também a lei que regulamenta o Sistema Penitenciário Federal passou a prever que “os diretores dos estabelecimentos penais federais de segurança máxima ou o Diretor do Sistema Penitenciário Federal poderão suspender e restringir o direito de visitas previsto no inciso II do § 1º deste artigo por meio de ato fundamentado” (art. 3º, § 4º, II, Lei 11.671/2008).

41.3

Direito do inciso I - alimentação suficiente e vestuário

Pode haver discussão sobre o alcance de “suficiente”, ou seja, qual seria o número mínimo de refeições diárias que devem ser servidas ao preso, ou ao menos parâmetros nutricionais mínimos que devem ser atendidos. A Resolução n. 3/2017 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária fala em 5 (cinco) refeições diárias, a partir de parâmetros da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) e da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN). Não se trata, porém, de prática comum em todo o país. Importante observar que é objeto da referida Resolução e da discussão também a alimentação fornecida aos trabalhadores do sistema prisional, tendo em vista que em regra são as mesmas empresas e contratos a fornecerem comida tanto à população carcerária como ao corpo de funcionários do presídio. São recorrentes as reclamações, por parte da população carcerária e dos próprios funcionários, quanto à baixa qualidade da alimentação. É fundamental que se faça prova e o registro escrito da ocorrência. Quando há contratação de empresa para fornecimento da alimentação, deve-se observar rigorosamente as regras legais e as disposições contratuais que regulam as infrações e casos de inexecução total ou parcial. A entrega de “marmitas” estragadas, por exemplo, deve ser objeto de registro pelo fiscal do contrato – que muitas vezes é o diretor da 106

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unidade – e notificação do fornecedor, o que pode gerar consequências jurídicas graves, conforme o art. 87 da Lei 8.666/1993. Quanto ao vestuário, deve ser permitida a entrega de roupas por familiares ou quem os represente, além das vestimentas produzidas e entregues pelo Estado. A Resolução Conjunta nº. 1/2014, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), já citada acima, também traz disposições que facultam o uso de roupas femininas ou masculinas à pessoa travesti ou transexual em situação de privação de liberdade.

41.4

Direito do inciso II - atribuição de trabalho e sua remuneração

Além de dever, a atribuição de trabalho e também direito, sobretudo porque fato gerador do direito à remição de pena.

41.5

Direito do inciso III - Previdência Social

O exercício de atividade remunerada implica na contribuição obrigatória com a Previdência Social. Caso o preso não trabalhe, é considerado segurado facultativo, devendo voluntariamente se inscrever e recolher as contribuições respectivas. Quanto ao auxílio-reclusão, trata-se de possível benefício destinado exclusivamente aos dependentes do preso em regime fechado ou semiaberto, desde que ele seja segurado no momento da prisão e não esteja mais recebendo salário ou outro benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Exigese, ainda, que o valor do último salário recebido esteja dentro do limite previsto pela legislação e fixado em ato normativo do INSS. Se a pessoa não estava trabalhando nem contribuindo voluntariamente no momento da prisão, não fará jus ao auxílio-reclusão.

41.6

Direito do inciso IV - constituição de pecúlio

No âmbito previdenciário, o pecúlio era um benefício, extinto pela Lei 8.870/94, definido como devolução em cota única das contribuições efetuadas para o INSS pelo cidadão que permaneceu em atividade após ter se aposentado. Na execução penal, o termo nomina os recursos recebidos pelo preso a título de remuneração, os quais devem ser depositados em caderneta de poupança e 107

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liberados após a colocação em liberdade, seguindo o art. 29, §2º, da LEP. O preso em livramento condicional faz jus à liberação do pecúlio. Admite-se, excepcionalmente, a liberação antecipada do pecúlio, se demonstrada a urgência e a necessidade, o que abrange, por exemplo, despesas com saúde e alimentação de dependentes.

41.7

Direito do inciso V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação

Previsão aberta que permite ao diretor do estabelecimento organizar a forma mais conveniente de liberação de galerias para atividades de trabalho, descanso e lazer, incluindo o chamado “banho de sol”. A falta de portas automatizadas e o baixo número de agentes penitenciários, muitas vezes, prejudicam diretamente o adimplemento desses direitos, pois não há como proceder à movimentação de um setor para outro. De todo modo, mesmo não havendo previsão legal de um mínimo de horas diárias para o “pátio de sol”, a LEP traz sim alguns parâmetros mínimos. Por exemplo, prevê que mesmo o preso em Regime Disciplinar Diferenciado tem direito a duas horas diárias de banho de sol (art. 52, IV, LEP). Por coerência e proporcionalidade, esse parece ser um piso mínimo de garantia diário de “pátio de sol” a toda a população carcerária que não se encontra submetida a um regime disciplinar severo como o RDD. O cumprimento de sanção disciplinar de isolamento e a inclusão em galeria destinada à segurança pessoal não constituem fundamento idôneo para a ausência de “banho de sol”. É pena cruel e desproporcional a manutenção da pessoa presa “na tranca”, em sua cela, sem contato com a luz solar, por períodos de isolamento que podem durar até 30 (trinta) dias. Nesse sentido, o STF concedeu ordem de habeas corpus no HC 172.136/SP, com extensão dos efeitos a todo o território nacional. nos seguintes termos: “(...) defiro o pedido de medida liminar, para determinar à Administração da Penitenciária “Tacyan Menezes de Lucena”, em Martinópolis/SP, que adote providências que permitam assegurar, de modo efetivo, aos presos (tanto os condenados quanto os provisórios) recolhidos nos pavilhões de medida preventiva de segurança pessoal (“Pavilhão de Seguro”) e disciplinar (“Pavilhão Disciplinar”) o direito à saída da cela pelo período mínimo de 02 (duas) horas diárias para banho de sol. Estendeu, finalmente, de ofício, nos mesmos termos e observados os mesmos limites ora delineados neste acórdão, o benefício do banho de sol, por pelo menos 2 (duas) horas diárias, ora concedido nesta sede processual, a todos os internos que, independentemente do estabelecimento penitenciário a que se achem recolhidos, estejam expostos, 108

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Art. 41

objetivamente, a situação idêntica ou assemelhada à que motivou a concessão do presente “writ” constitucional, nos termos do voto do Relator.” (STF, HC 172.136/ SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 10.10.2020).

41.8

Direito do inciso VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena

Atividades até então praticadas pelo preso, se compatíveis com a situação de privação de liberdade, devem ser viabilizadas e estimuladas, o que se adequa ao anseio de individualização da execução.

41.9

Direito do inciso VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa Vide comentários aos artigos 10 a 24 da LEP.

41.10 Direito do inciso VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo O direito à honra tem base constitucional (art. 5º, X, CF) e não é diretamente atingido pela privação de liberdade, tanto no caso de condenados como de presos provisórios. É ilegal e causa de danos morais, nesse sentido, a prática recorrente de exploração midiática e abusiva, não autorizada, da imagem de pessoas sob custódia do Estado em programas de televisão, jornais ou redes sociais. Situação distinta, ressalva-se, é aquela referente à divulgação de imagens de pessoas foragidas e procuradas pelos órgãos de segurança. Em ação civil pública movida pela Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (numeração única: 1088188-85.2018.8.13.0000/TJMG), o Tribunal de Jus­ tiça estadual concedeu liminar, em 2018, exigindo fundamentação por escrito e individual para cada preso provisório que fosse apresentado, pela Polícia Civil, a meio de comunicação. A decisão visou, em seus termos, “assegurar que a divulgação da imagem e voz dos presos seja realizada de forma excepcional, cautelosa e motivada quando o caso concreto demandar a divulgação para melhor administração da justiça, a potencialização dos recursos da investigação, a obtenção de novas denúncias, a participação da sociedade na apuração do delito, 109

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a manutenção da ordem pública ou outro ganho objetivo e concreto”. O Tribunal fixou multa diária no valor de R$ 10 mil por preso apresentado à mídia fora dos termos da decisão.

41.11 Direito do inciso IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado É direito de qualquer pessoa sob custódia do Estado ter contato, de forma reservada, com seu advogado. Trata-se também de direito do advogado insculpido no art. 7º, III, da Lei 8.906/94: “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis”. É ilegal proibir o contato entre a pessoa sob custódia e seu advogado quando sob guarda da polícia militar ou guarda municipal, sob o argumento de que o contato só seria possível após a sua “entrega” à polícia judiciária.

41.12 Direito do inciso X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados A possibilidade de manutenção do contato, no mínimo, com os familiares, é imprescindível a qualquer projeto de suposta reintegração social, sob pena de estímulo ao rompimento dos vínculos e consolidação do processo de desso­ cialização inerente ao cárcere, o que logicamente inviabiliza o retorno ao convívio social e a assistência ao egresso. Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o direito de visita é requisito fundamental para assegurar o respeito à integridade (Informe de fondo 38/96, Caso 10.506). A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, na mesma linha, afirma que restrições indevidas ao direito de visitas tornam a pena incompatível com a exigência de tratamento digno (por exemplo: Caso López y otros vs. Argentina, Sentença de 25.11.2019; Caso García Asto y Ramírez Rojas vs. Peru, Sentença de 25.11.2005; Caso Lori Berenson Mejía vs. Peru, Sentença de 25.11.2004; Caso Tibi vs. Equador, Sentença de 7.11.2004). Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso López y otros vs. Argentina, em decisão de 2019, os artigos da Convenção Americana de Direitos Humanos violados em casos de restrições indevidas ao direito de visita são o art. 5º (direito à integridade pessoal), especialmente os itens 5.3 e 5.6; o art. 11.2 (proteção da honra e da dignidade) e art. 17.1 (proteção da família). 110

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A Corte já havia afirmado, no Caso Norín Catrimán y otros vs Chile, com Sentença em 29.05.2014, que a separação injustificada de pessoas privadas de liberdade e suas famílias viola o art. 17.1 da Convenção. A jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos vai no mesmo sentido: no Caso Laduna vs. Eslovaquia, Sentença de 13.12.2011, restrições ao direito de visita na prisão foram consideradas violação do direito ao respeito pela vida privada e familiar e à proibição de discriminação (art. 8º e 14º da Convenção Europeia de Direitos Humanos). Não há vedação para que a visita seja realizada na modalidade virtual, por meio de computadores preparados para esse fim (web-visitas), ou convertida em ligação telefônica, modalidade que foi impulsionada, de modo dramático, pela pandemia do novo Coronavírus nos anos de 2020 e 2021. Deve ser garantida, porém, a privacidade da pessoa presa no contato com seu familiar, sendo ilegal a permanência de funcionário no transcorrer da web-visita. A lei autoriza a hipótese expressamente somente para o RDD e quando o preso não recebeu visita social por 6 (seis) meses (art. 52, § 7º, LEP), mas violaria o princípio da proporcionalidade abrir tal possibilidade ao RDD, onde o rigor é maior, e negá-la a todos os demais que não se encontram sob regime disciplinar diferenciado. Há especial relevância na viabilização de visitas virtuais onde a frequência de visitantes é mais baixa, por exemplo nas unidades femininas ou estabelecimentos prisionais em localidades de difícil acesso. As visitas de crianças são permitidas, com o escopo de proteção e manutenção do vínculo afetivo com o pai, mãe ou irmãos presos. Nesse sentido, inclusive, o art. 19, §4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, alterado pela Lei 12.962, de 8 de abril de 2014, dispondo que: “será garantida a convivência da criança e do adolescente com a mãe ou o pai privado de liberdade, por meio de visitas periódicas promovidas pelo responsável ou, nas hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade responsável, independentemente de autorização judicial”. Vale observar, ainda, que “a condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a destituição do poder familiar, exceto na hipótese de condenação por crime doloso, sujeito à pena de reclusão, contra o próprio filho ou filha” (art. 23, §2º, ECA). De acordo com a posição majoritária, o meio correto para garantia do direito de visita é o mandado de segurança, alegando-se que “o habeas corpus não é o meio adequado para buscar-se o reconhecimento do direito a visitas íntimas” (STF, HC 138.286, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 05/12/2017), e sim o mandado de segurança. Em importante decisão, porém, reconheceu o STF o cabimento de Habeas Corpus para garantir o direito de visita dos filhos e enteados de preso, não sendo 111

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fundamento válido para sua denegação a alegação de falta de estrutura e condições do local (STF, HC 107.701/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 13/09/2011). O fato de a pessoa visitante cumprir pena em regime aberto não constitui fundamento idôneo para negar o direito de visita: “É certo que o direito do preso à visitação não é absoluto, podendo ser negado em virtude de peculiaridades do caso concreto. Não é menos certo, por outro lado, que o direito de visita tem objetivo de ressocialização do condenado, não podendo ser negado sob o fundamento de a visitante estar também cumprindo pena em regime aberto já que os efeitos da sentença penal condenatória não podem restringir o gozo de outros direitos individuais” (STJ, AgRG no AREsp 1.227.471/DF, Rel. Min. Maria Thereza Rocha Assis Moura, j. 15.03.2018). Há diversos outros precedentes no mesmo sentido (STJ, AgRg no REsp 1.487.212/DF, Rel. Min. Reynaldo Fonseca, j. 15.03.2015; AgRg no REsp 1.475.961/DF; AgRg no REsp 1.556.908/DF). Logo, visitante que responde processo também não pode ser impedido, por este motivo, de visitar pessoa presa. O artigo 41, parágrafo único, que permite a suspensão das visitas por razões de segurança, não é aplicável como fundamento legal para suspensão das credenciais de visitantes. Isso porque a regra abrange somente a conduta dos presos, e não de seus visitantes. A suspensão da “carteirinha” de visitante é juridicamente possível, mas se trata de exercício do poder sancionatório da Administração Pública que deve ser regulamentado dentro dos limites legais e constitucionais, com a observância do direito ao contraditório. A Resolução 348/2020, do Conselho Nacional de Justiça, garante a observância do direito de visita à população LGBTI em espaço apropriado, com respeito à integridade e à privacidade, sendo vedada qualquer forma de discriminação (art. 11, V).

41.13 Visita íntima ou conjugal Embora sem previsão legal expressa, a visita íntima ou conjugal é prática amplamente admitida e encontra respaldo normativo, no Brasil, na definição legal do direito de visita e na regulamentação estabelecida pela Resolução nº. 4, de 29 de junho de 2011, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Recomenda-se que ela ocorra ao menos uma vez por mês e, a rigor, não se deve exigir, como por vezes ocorre, que haja vínculo matrimonial ou comprovação formal de união estável. Afinal, permite-se a visita de “cônjuge ou outro parceiro ou parceira” desde que haja o devido cadastramento, não cabendo à autoridade administrativa esse tipo de intromissão nas relações privadas de qualquer pessoa. 112

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A restrição estabelecida pelo art. 8º da Resolução do CNPCP diz respeito ao número de pessoas simultaneamente cadastradas, e não ao tipo de vínculo entre elas: “A pessoa presa não pode fazer duas indicações concomitantes e só pode nominar o cônjuge ou novo parceiro ou parceira de sua visita íntima após o cancelamento formal da indicação anterior”. De acordo com o item 58.2 das Regras de Mandela, da Organização das Nações Unidas: “Onde forem permitidas as visitais conjugais, este direito deve ser garantido sem discriminação, e as mulheres presas exercerão este direito nas mesmas bases que os homens. Devem ser instaurados procedimentos, e locais devem ser disponibilizados, de forma a garantir o justo e igualitário acesso, respeitando‑se a segurança e a dignidade”. Eventual situação em que ambos estejam presos não impede o exercício do direito de visita, havendo apenas que se proceder à organização administrativa das respectivas unidades prisionais para a sua viabilização, o que pode se dar fora dos horários regulares de visitação por razões de segurança. Destaca-se ainda a regra de que a proibição ou suspensão da visita íntima, como sanção disciplinar, só pode ocorrer quando a falta estiver diretamente relacionada a seu exercício (art. 4º, Res. 4/11-CNPCP). A Resolução 348/2020, do Conselho Nacional de Justiça, garante a observância do direito de visita íntima à população LGBTI em igualdade de condições ao restante da população carcerária, inclusive em relação aos cônjuges ou companheiros que estejam custodiados no mesmo estabelecimento prisional (art. 11, V, “c”). Sobre o tema, muito importante a leitura do Informe 122/18 da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o Caso no Caso Marta Lucía Álvarez Giraldo vs Colômbia, e desdobramentos. A Corte entendeu, de modo mais amplo, que o direito à visita íntima de pessoas presas é uma maneira de garantia do direito ao exercício da sexualidade, o qual não pode ser suprimido de forma absoluta pela privação de liberdade. Recentemente, o Departamento Penitenciário Nacional estabeleceu diversas restrições a visitas íntimas nos presídios federais, por meio da Portaria nº. 718/2017. Fixou, por exemplo, que o preso que se divorciasse, separasse ou dissolvesse união estável teria que aguardar 12 (doze) meses para indicar novo cônjuge ou companheiro, o que foi derrubado, em sede de ação civil pública movida pela Defensoria Pública da União, por violar o princípio da individualização da pena, mas posteriormente restabelecido em segunda instância. O alcance das possibilidades de restrição do direito à visita íntima acabou se tornando objeto da ADPF nº. 518/DF, a qual teve seu julgamento virtual iniciado com voto do Relator pela procedência parcial do pedido. O julgamento foi interrompido por pedido de vista, em março de 2021. 113

Art. 41

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41.14 Restrições de visita no sistema penitenciário federal e no Regime Disciplinar Diferenciado Com as alterações promovidas pela Lei 13.964/2019 no art. 52 da LEP e no art. 3º da Lei 11.671/2008, foram inseridas restrições legais ao contato físico direto entre a pessoa presa e os visitantes, alterando a dinâmica da chamada “visita social” e restringindo a possibilidade de visita íntima no sistema penitenciário federal e no Regime Disciplinar Diferenciado. No art. 52, III, da LEP, tratando do regime disciplinar diferenciado (RDD), estabelece-se periodicidade quinzenal e “instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos”, além da gravação por sistema de áudio ou de áudio e vídeo e a fiscalização por agente penitenciário, se houver autorização judicial (art. 52, § 6º, LEP). No sistema penitenciário federal, a visita ocorre somente “por meio virtual ou no parlatório, com o máximo de 2 (duas) pessoas por vez, além de eventuais crianças, separados por vidro e comunicação por meio de interfone, com filmagem e gravações” (art. 3º, § 1º, II, Lei 11.671/2008). Já tramitam no Supremo Tribunal Federal ações de controle de constitu­ cionalidade questionando o RDD (ADI 4.162/DF) e a restrição às visitas íntimas no sistema penitenciário federal por meio de portaria (ADPF 518/DF). É preciso avaliar também, com olhar atento às convenções das quais o Brasil é signatário e às melhores práticas em direito comparado, a patente violação da vedação constitucional a penas cruéis decorrente da proibição de contato físico direto entre a pessoa presa e seus familiares.

41.15 Direito do inciso XI - chamamento nominal O direito a ser chamado pelo nome é desdobramento do dever de respeito à integridade moral das pessoas presas, abarcando o direito ao nome social nos casos de pessoas transgênero. Como já colocado, a Resolução Conjunta nº. 1/2014, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD) garante o direito da pessoa travesti ou transexual em privação de liberdade a ser chamada pelo seu nome social, de acordo com o seu gênero, bem como estabelece que o registro de admissão no estabelecimento prisional deverá conter o nome social da pessoa presa (art. 2º, caput e parágrafo único). Na mesma esteira, a Resolução 348/2020, do Conselho Nacional de Justiça, garante o uso do nome social ainda que distinto daquele constante do registro civil (art. 6º). 114

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Art. 41

41.16 Direito do inciso XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena É vedado o tratamento discriminatório, sendo este o sentido do direito à igualdade de tratamento. O princípio da individualização e da premialidade produzem alterações significativas na execução, mas a isonomia material deve ser buscada a partir de parâmetros de proporcionalidade e razoabilidade.

41.17 Direitos dos inciso XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento – e XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito O direito de audiência com o diretor do estabelecimento e o direito de petição podem ser utilizados como forma de estímulo a lideranças positivas, na medida do possível, sendo mecanismo de controle do próprio diretor em relação a eventuais problemas nas relações entre os funcionários e a população carcerária. De outro lado, é uma forma de incrementar o direito à participação, abrindo canais de diálogo saudáveis, enfraquecendo o ambiente hostil e belicoso em regra colocado nas prisões. Há experiências significativas, nesse sentido, em países latino americanos, por meio de projetos, com apoio da Organização das Nações Unidas, de criação de mesas de representação, mecanismos de eleição de representantes de galeria ou por meio da criação de Comités de Internos, como na Colômbia, país com problemas de segurança graves e similares aos do Brasil. Síntese de algumas das iniciativas possíveis a serem construídas está na Opinião Técnica Consultiva nº. 05/2013, da UNODC (Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime), dirigida ao Governo do Panamá e disponível na internet17.

41.18 Direito do inciso XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes A lei não veda o contato da pessoa presa com o mundo exterior, mas a restringe dentro de determinados parâmetros. Trata-se de dispositivo que, com

https://www.unodc.org/documents/ropan/TechnicalConsultativeOpinions2013/Opinion_5/ Opinion_Consultiva_005-2013.pdf

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boa vontade e criatividade, guarda grande potencial para embasar iniciativas inteligentes de redução do sofrimento e do isolamento no regime fechado; combatendo, inclusive, a grande margem de lucro ligada à venda clandestina de celulares nos presídios. Afinal, não comprometendo “a moral e os bons costumes”, podem ser empregados formas de comunicação monitoradas por meio de telefones públicos em unidades de regime fechado, por meio de acesso à internet de modo devidamente regulamentado e organizado, etc. Não parece haver cabimento, salvo em situações excepcionais, a restrição do acesso a jornais ou à televisão. O problema principal reside na ampla possibilidade de restrição ou sus­ pensão deste direito no parágrafo único do art. 41. A disposição genérica da LEP necessita de regulamentação, mediante lei ou resolução que estabeleça, ao menos, critérios gerais consistentes. Afinal, está-se tratando de uma restrição a direitos fundamentais com guarida constitucional (art. 5º, XI e XII, CF). O que já se tem são as Regras Mínimas para Tratamento de Presos editadas pela ONU (atualmente Regras de Mandela) e reproduzidas pela Resolução nº. 14, de 1994, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, e que permitem a comunicação telefônica, sob vigilância e se autorizada pelo diretor do estabelecimento.

41.19 Restrição à interceptação e análise da correspondência da pessoa presa Quanto às cartas, o ponto controverso é que o texto legal faculta a suspensão ou restrição do direito de correspondência, mas não se refere à possibilidade da interceptação e verificação de seu conteúdo, às vezes até com o carimbo “censura”. A Lei 13.964/2019 inseriu autorização legal expressa, mas somente para a “fiscalização do conteúdo da correspondência” das pessoas presas em RDD (regime disciplinar diferenciado), no art. 52, VI, da LEP. Ganha força, portanto, o argumento de que não há autorização para os demais casos. Outro, porém, é o entendimento que tem prevalecido na prática cotidiana, já corroborado pelo STF em 1994 (STF, HC 70814/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 01/03/1994), o qual, de todo modo, ressaltou seu caráter “excepcional”. Em novembro de 2019, ocorreu situação curiosa e de duvidosa legalidade e constitucionalidade, a qual não deve ser deixada ao esquecimento. O Congresso Nacional aprovou Projeto de Lei 6.588/2006 (Câmara dos Deputados) inserindo os parágrafos §§2º e 3º no art. 41 da LEP, os quais trouxeram restrições à interceptação e análise de correspondência de presos e exigindo os mesmos requisitos das interceptações telefônicas. 116

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Art. 41

Assim dispõe o texto aprovado: “§ 2º A correspondência de presos condenados ou provisórios, a ser reme­ tida ou recebida, poderá ser interceptada e analisada para fins de investi­­ gação criminal ou de instrução processual penal, e seu conteúdo será mantido sob sigilo, sob pena de responsabilização penal nos termos do art. 10, parte final, da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. § 3º A interceptação e análise da correspondência deverá ser fundada nos requisitos previstos pelo art. 2º da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, e comunicada imediatamente ao órgão competente do Poder Judiciário, com as respectivas justificativas”. O projeto de lei foi sancionado e convertido na Lei 13.913, de 25 de novembro de 2019, conforme publicação na Edição 228, Seção 11, p. 2, de 26 de novembro, do Diário Oficial da União. No mesmo dia, porém, foi publicada edição extra do Diário Oficial da União com a Mensagem n. 616, contendo veto integral ao Projeto por ofensa ao interesse público. Trata-se de retratação do ato de sanção, ainda que tenha ocorrido no mesmo dia. Ocorre que o ato de sanção é irretratável, como é incontroverso. Entendemos que o veto, no caso, é ato inconstitucional e nulo, devendo as regras acima trans­cri­ tas passarem a valer com força de lei, embora tenha sido mantido pelo Congresso.

41.20 A pessoa presa pode ser entrevistada? Havendo interesse de terceiro ou meio de comunicação em entrevistar pessoa presa, não há vedação legal à prática, prevalecendo a garantia constitucional da liberdade de imprensa. Cabe à autoridade administrativa, portanto, apenas as providências de organização da atividade. A prática é relativamente comum, com diversos exemplos em televisão, jornais e revistas, tendo assento no julgamento da ADPF 130/DF pelo Supremo Tribunal Federal, em 30/04/2009, a qual declarou “não recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da Lei federal nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967”. A questão acabou politicamente contaminada e se tornou polêmica no bojo da Reclamação 32.025/PR e da Suspensão de Liminar 1.178/DF, ambas de 2018, nos quais se discutiu a possibilidade de o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então sob custódia, conceder entrevista a meios de comunicação. Ressaltase que a decisão liminar negando o direito à entrevista proferida nos autos da 117

Art. 42

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SL 1.178 trouxe fundamentos peculiares e relativos às eleições presidenciais de 2018, e não ao direito de execução penal. O caso, portanto, serve como parâmetro para outras situações similares somente para assentar em definitivo que a ADPF 130/DF vale como paradigma para a possibilidade de realização de entrevistas com pessoas presas. 41.21 Direito do inciso XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente O direito à informação sobre a própria situação processual é corolário do direito a receber o atestado de pena, com todas as informações sobre a execução de sua pena. Inobstante o previsto em lei, a periodicidade não deve ser anual, mas ao menos mensal.

Art. 42  Aplica-se ao preso provisório e ao submetido à medida de segurança, no que couber, o disposto nesta Seção.

42.1

Deveres e direitos do preso provisório

O preso provisório também tem deveres e direitos, aplicando-se todos os comentários anteriores, no que couber. Caso infrinja os deveres e cometa falta disciplinar, receberá somente as sanções administrativas, não podendo incidir qualquer dos efeitos judiciais ligados ao cometimento de falta grave. Quanto aos pacientes internados em medida de segurança, deve-se atentar aos direitos das pessoas portadoras de transtorno mental previstos no art. 2º, parágrafo único, da Lei 10.216/2001.

Art. 43  É garantida a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do internado ou do submetido a tratamento ambulatorial, por seus familiares ou dependentes, a fim de orientar e acompanhar o tratamento. Parágrafo único. As divergências entre o médico oficial e o particular serão resolvidas pelo Juiz da execução.

118

Art. 44

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43.1

Contratação de médico de confiança pessoal do internado ou do submetido a tratamento ambulatorial

Embora “receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento” (art. 2º, VII, Lei 10.216/2001) seja direito da pessoa portadora de transtorno mental, no âmbito da execução de medidas de segurança é comum que sequer haja diagnóstico, quiçá um efetivo tratamento, com o acompanhamento médico reduzido à evitação de estados de surto e aos exames de cessação de periculosidade. A lei garante, porém, a contratação de médico particular que pode fazer contraponto ao tratamento oferecido, tanto na internação como no caso de tratamento ambulatorial. Caso haja divergência, ela será resolvida pelo Juízo da execução. Seria fantástico, não fossem os internados em medidas de segurança população quase sempre miserável e abandonada, inclusive por seus familiares, absolutamente distantes da possibilidade financeira de contratação de um médico particular de confiança pessoal. Por isso mesmo, deve haver interpretação extensiva do dispositivo possi­ bilitando sua aplicação a situações de convênio ou cooperação entre a Defensoria Pública e universidades, com o escopo de acompanhar e prestar auxílio técnico aos pacientes.

SEÇÃO III Da Disciplina SUBSEÇÃO I Disposições Gerais Art. 44  A disciplina consiste na colaboração com a ordem, na obediência às determinações das autoridades e seus agentes e no desempenho do trabalho. Parágrafo único. Estão sujeitos à disciplina o condenado à pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos e o preso provisório.

119

Art. 45 44.1

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Conceito de disciplina

O conceito adotado de disciplina é o de colaboração com a ordem e obediência. Componente do processo de prisionização, é estritamente relacionado à obediência e subordinação da pessoa presa às normas regulamentares, as quais devem ser disponibilizadas – preferencialmente por escrito – e formalmente comunicadas, nos termos do art. 46 da LEP. O parágrafo único insere na relação jurídico-penitenciária o preso condenado à pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos e o preso provisório. Estar sujeito à disciplina significa a possibilidade jurídica de cometimento de faltas, respondendo administrativamente por elas. Fica claro da redação do artigo, portanto, que o poder disciplinar não é apli­ cável aos inimputáveis, ou seja, pacientes em medidas de segurança de internação.

Art. 45  Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar. § 1º As sanções não poderão colocar em perigo a integridade física e moral do condenado. § 2º É vedado o emprego de cela escura. § 3º São vedadas as sanções coletivas.

45.1

Princípios fundamentais relativos ao sistema disciplinar

A Constituição veda penas cruéis (art. 5º, XLVII, e, CR) e garante aos presos “respeito à integridade física e moral” (art. 5º, XLIX, CR). Tais parâmetros, somados ao princípio do non bis in idem, constituem o ponto de partida para o tema das sanções disciplinares. Ao menos três princípios fundamentais relativos ao sistema disciplinar podem ser diretamente extraídos deste dispositivo.

45.2

Princípio da legalidade com duas dimensões

Primeiro, do caput, o princípio da legalidade, em duas dimensões: a taxativi­ dade exige a expressa previsão legal ou regulamentar para a tipificação de condutas como falta disciplinar, o que tem por consequência a exclusão de previsões vagas 120

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Art. 45

ou genéricas e a prevalência da previsão mais específica por sobre a mais genérica, quando uma mesma conduta puder ser enquadrada simultaneamente como falta leve, média e grave. É que, em muitos casos, uma mesma conduta pode ser tranquilamente enquadrada como falta leve, média ou grave. “Desrespeito ao servidor” é, em geral, falta leve, mas se inserido no amplo conteúdo do art. 50, VI, da LEP, será falta grave. Segundo a regra hermenêutica proposta, prevaleceria a tipificação mais específica em detrimento da mais genérica. Outra consequência importante relacionada ao princípio da taxatividade é a impossibilidade de interpretações extensivas in malam partem, como por exemplo a interpretação de que a violação das condições do monitoramento eletrônico configuraria falta grave sem que haja expressa previsão legal nesse sentido. Deve-se ainda observar a anterioridade da previsão legal ou regulamentar quanto à prática da conduta, com a irretroatividade de qualquer modificação que seja mais severa à pessoa presa. Considerando que as infrações disciplinares repercutem diretamente na execução de pena, é problemático, à luz do princípio da reserva legal absoluta, admitir que disposições regulamentares tipifiquem faltas leves e médias, sendo recomendável fazê-lo por lei, ainda que estadual, sendo concorrente a competência para legislar sobre direito penitenciário (art. 24, I, CF).

45.3

Princípio da humanidade

Segundo, dos §§ 1º e 2º, o princípio de humanidade na execução das sanções, em respeito à vedação constitucional às penas cruéis (art. 5º, XLVII, “e”, CF). Tratase da disposição genérica de respeito à integridade física e moral e a vedação específica da utilização de cela escura.

45.4

Princípio da individualização

Terceiro, do § 3º, a vedação de sanções coletivas tem base no princípio da individualização executória das sanções disciplinares, sendo incabível abrir mão da devida instrução e produção de provas em prol da aplicação da sanção a “todos os presos do cubículo”, da galeria, etc. Não havendo o colacionamento de provas suficientes, prevalece o favor-rei e a necessidade de absolvição. Assim, por exemplo: “É ilegal a aplicação de sanção de caráter coletivo, no âmbito da execução penal, diante de depredação de bem público quando, havendo vários detentos num ambiente, não for possível precisar de quem seria a responsabilidade pelo ilícito. O princípio da 121

Art. 45

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culpabilidade irradia-se pela execução penal, quando do reconhecimento da prática de falta grave, que, à evidência, culmina por impactar o status libertatis do condenado” (STJ, HC 177.293/ SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., j. 24/04/2012). Tese do STJ dispõe que “é necessária a individualização da conduta para reconhecimento de falta grave praticada pelo apenado em autoria coletiva, não se admitindo a sanção coletiva a todos os participantes indistintamente” (STJ, AgRg no HC 557417/SP, 5ª T., j. 10/03/2020). Na mesma linha, “a imposição da falta grave ao executado em razão de conduta praticada por terceiro, quando não comprovada a autoria do reeducando, viola o princípio constitucional da intranscendência (art. 5º, XLV, da Constituição Federal)” (STJ, AgRg no HC 510838/MG, 6ª T., j. 20/08/2019). Também viola o princípio da individualização e constitui sanção coletiva eventual aplicação de falta leve ou média a todos os “outros” presos em uma cela ou galeria por “participação” ou “contribuição” no ocultamento de objeto proibido que foi apreendido. Coerente e necessário seria maior esforço teórico para a construção de cate­ gorias consistentes no âmbito da delimitação das infrações disciplinares e suas respectivas sanções. Nessa esteira propõe ROIG uma “teoria do tipo disciplinar”18, a qual enfrentaria questões como: (a) a exigência de lesividade da conduta e a impossibilidade de se caracterizar a “ordem disciplinar” como bem jurídico genericamente aplicado; (b) a restrição das faltas àquelas dolosas, inexistindo imprudência neste âmbito – salvo no caso de crime culposo; (c) a busca de um conteúdo material para a suposta “conflitividade penitenciária” (reconhecendo as funções sistemática e conglobante), não sendo suficiente, para caracterização da falta, a adequação meramente formal da conduta; (d) a aplicação de determinados dispositivos do Código Penal e outras categorias fundamentais da teoria do delito ao âmbito penitenciário, tais como a participação de menor importância e a cooperação dolosamente distinta (atual art. 29, §§ 1º e 2º do CP) – destacando ROIG que no Rio de Janeiro já existe tal previsão: “Se a participação for de menor importância ou se o coautor quis participar de falta menos grave, pode sofrer o partícipe sanção de falta média para participação em falta grave ou de falta leve para participação em falta média” (art. 58, parágrafo único, Decreto Estadual 8897/96- RJ, Regulamento do Sistema Penal do Estado do Rio de Janeiro); (e) e por fim, a consideração dos casos de erro de direito – ignorância ou equivocada compreensão da norma disciplinar – por parte do preso.

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. “Ensaio sobre uma execução penal mais racional e redutora de danos”. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, v. 1, n. 18, Rio de Janeiro: 2010.

18

122

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Art. 46

45.5 Cumulação de sanção disciplinar e regressão de regime Permanece em aberto a questão se a cumulação de sanção disciplinar e regressão de regime configura bis in idem. Prevalece o entendimento de que a cumulação decorre da própria lei e que as consequências são autônomas, não havendo bis in idem (STJ, AgRg no REsp 939.682/RS, Rel. Min. Jane Silva, j. 29.11.2007). Mas a posição contrária é mais acertada, devendo a sanção disciplinar ser absorvida pela regressão cautelar e posterior decisão definitiva de regressão ou então, quando já aplicada sanção disciplinar pela autoridade penitenciária, ficar impedida a regressão sob pena de induvidosa e injusta duplicidade.

Art. 46  O condenado ou denunciado, no início da execução da pena ou da prisão, será cientificado das normas disciplinares.

46.1

Consciência do ilícito no sistema disciplinar e forma escrita dos atos administrativos

A obrigatoriedade de comunicação das normas disciplinares já no início da execução da pena ou prisão é regra raramente cumprida, mas que chama a atenção para a relevância de os atos administrativos que restringem direitos serem na forma escrita, possibilitando esse tipo de controle, entre outros. É fundamental que os objetos cuja posse na cela é proibida sejam listados em ato específico, havendo enormes variações, pelo País afora, quanto a tabaco, baralho e outros jogos, aparelhos eletrônicos, etc. São frequentes as diferenças de interpretação e tolerância em relação a determinados comportamentos entre unidades prisionais de um mesmo Estado, quiçá entre Estados diversos. Havendo transferência da pessoa presa de um local a outro, é fundamental a sua cientificação formal, sob pena de se poder alegar, com razão, em eventual imputação de falta disciplinar, o desconhecimento do ilícito, em analogia à previsão legal do erro de proibição (art. 21, CP). Destaca-se decisão do TJMG que considerou em erro de proibição o recluso que detinha celular, encontrando-se, porém, em uma APAC na qual se havia permitido o uso de celular por parte dos condenados (TJMG, RA 1.0000.09.505735-2/000 Três Corações, Rel. Des. Ediwal José de Morais, j. 9/3/2010). 123

Art. 47

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Trata-se das Regras 54 e 55 das Regras de Mandela, abrangendo inclusive a necessidade de tradução, no caso de preso estrangeiro, a adaptação às necessidades de presos com deficiências sensoriais e a informação verbal aos presos que forem analfabetos.

Art. 47  O poder disciplinar, na execução da pena privativa de liberdade, será exercido pela autoridade administrativa conforme as disposições regulamentares.

47.1

Natureza jurídico-administrativa dos atos da autoridade penitenciária

O poder disciplinar é exercido pela autoridade administrativo, sendo, no caso, forma de exercício do poder sancionatório e obedecendo à teoria do ato administrativo. Isso significa, de um lado, que todos os seus elementos devem estar devidamente presentes e verificados, sob pena de nulidade; e de outro, que é sempre possível seu controle judicial. Negar tal natureza jurídica ao poder disciplinar penitenciário é assumi-lo como puro arbítrio e destituído de qualquer amarra na legalidade.

Art. 48  Na execução das penas restritivas de direitos, o poder disciplinar será exercido pela autoridade administrativa a que estiver sujeito o condenado. Parágrafo único. Nas faltas graves, a autoridade representará ao Juiz da execução para os fins dos artigos 118, inciso I, 125, 127, 181, 1º, letra d, e 2º desta Lei.

48.1

Poder disciplinar nas penas restritivas de direito

Vide comentários ao artigo anterior. Cada modalidade de pena restritiva de direitos comporta uma forma de fiscalização e uma autoridade administrativa competente. Diferentemente da abrangência e complexidade do exercício do poder disciplinar nas penas privativas de liberdade, aqui se trata de mera fiscalização. 124

Art. 49

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SUBSEÇÃO II Das Faltas Disciplinares Art. 49  As faltas disciplinares classificam-se em leves, médias e graves. A legislação local especificará as leves e médias, bem assim as respectivas sanções. Parágrafo único. Pune-se a tentativa com a sanção correspondente à falta consumada.

49.1

Classificação das faltas disciplinares

Apenas as faltas graves têm repercussão direta na dimensão judicial da execução da pena, mas também existem as faltas leves e médias, de importância muito grande para manutenção da ordem interna, do ponto de vista da autoridade administrativa, pois também dão ensejo à aplicação de sanções disciplinares.

49.2

Faltas leves e médias e princípio da legalidade

Como já afirmado, é problemático, à luz do princípio da reserva legal absoluta, admitir que disposições regulamentares tipifiquem faltas leves e médias, sendo recomendável fazê-lo por lei, ainda que estadual, sendo concorrente a competência para legislar sobre direito penitenciário (art. 24, I, CF). O art. 49 fala expressamente, ainda, em “legislação local”, excluindo atos normativos infralegais. No âmbito do Sistema Penitenciário Federal, as faltas leves e médias estão elencadas no Decreto nº. 6.049, de 27 de fevereiro de 2007. Em nenhum caso se poderá inovar, observando-se os limites legais e constitucionais ao definirem condutas faltosas e ao estabelecerem as respectivas sanções. Os conteúdos dos incisos do art. 39 da LEP (deveres do condenado), com exceção do II e do V, são com frequência previstos em legislação local como falta leve ou média.

49.3

Crítica à equiparação entre faltas consumadas e tentadas

É sintomática a previsão legal de indistinção, no que tange à aplicação da sanção, entre falta tentada e consumada, o que se deve à recepção da teoria subjetiva da tentativa apenas no tocante à execução penal, pressupondo-se as faltas 125

Art. 50

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disciplinares como infrações “de mera conduta”. O que se pune é a desobediência. Porém, observa ROIG19, também aqui de forma correta e pertinente, que há violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade diante do disposto no art. 4º da Lei das Contravenções Penais (Dec. Lei 3.688/41), segundo o qual “não é punível a tentativa de contravenção”. É, de fato, contrário à proporcionalidade que o trato de uma infração administrativa seja significativamente mais gravoso que o de uma contravenção penal.

Art. 50  Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: - incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; - fugir; - possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; - provocar acidente de trabalho; - descumprir, no regime aberto, as condições impostas; - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei. – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. (Incluído pela Lei nº 11.466, de 2007) VIII - recusar submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso provisório.

50.1

Considerações gerais sobre as faltas graves

As faltas graves em espécie somam nove hipóteses, oito nesse dispositivo legal, somadas à nona que é a prática de fato previsto como crime doloso (art. 52, caput, LEP). Embora taxativo o rol, as hipóteses são caracterizadas pela utilização

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. “Ensaio sobre uma execução penal mais racional e redutora de danos”. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, v. 1, n. 18, Rio de Janeiro: 2010.

19

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Art. 50

de conceitos indeterminados, sem precisão semântica e que, por isso mesmo, abrem grande espaço tanto à discricionariedade da autoridade penitenciária como à jurisprudência, ao analisar a primeira.

50.2

Falta grave do inciso I – incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina

Viola o princípio da proporcionalidade equiparar situações de gravidade evidentemente desigual. Se o inciso I é aplicável para tipificação da conduta de liderança, incitação ou participação em motim ou rebelião, é desproporcional e irrazoável estendê-lo a uma gama enorme de outras situações, tais como gritarias, algazarras, “bate grade”, cantos, etc., que podem até envolver a contestação da ordem e da autoridade, mas não significa concretamente uma ameaça ou dano a ela. Fundamental observar o imperativo de individualização das condutas, evitando a aplicação de sanções coletivas.

50.3

Falta grave do inciso II – fugir

É recomendável a diferenciação entre fuga – como o ato de sair sem autorização e clandestinamente do estabelecimento de regime fechado ou semiaberto – e evasão – como o não retorno após saída autorizada para trabalho externo, saída temporária ou similar. A lei não faz esta distinção, mas é possível e adequado guardar maior severidade para o primeiro caso, bem como tratar com razoabilidade situações análogas ao arrependimento eficaz (art. 15, CP), como no caso da evasão com retorno espontâneo após o horário designado para reentrada na unidade. Nesse sentido, não se pode equiparar, como em regra se faz, a fuga pro­ priamente dita com os casos de tentativa de fuga em estágio inicial (por exemplo, descobre-se o início de um túnel dentro de uma cela), os quais devem ser conju­ gados à exigência de lesividade da conduta, podendo se afastar, na análise do caso concreto, a falta grave. Nos casos em que não há dolo de fuga, mas sim evasão e atraso no retorno ao regime semiaberto, havendo o retorno espontâneo do apenado, há tanto en­ tendimento que entende caracterizada a falta grave (STJ, HC 37.236/SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 16/12/2004) como também precedentes em sentido diverso (STJ, REsp 837977/RS, 5ª T., Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 30/10/2006; TJPR, HC 517468-3, Rel. Des. Marcos Vinicius de Lacerca Costa, j. 28/11/2008; TJSC, AgEx 127

Art. 50

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132.370, Rel. Torres Marques, j. 17/05/2011), com fulcro na desproporcionalidade da sanção em relação à falta cometida, posição que muito melhor se coaduna com a finalidade da execução penal. O descumprimento das condições da monitoração eletrônica não configura falta grave por ausência de previsão legal expressa. Porém, há posições divergentes no STJ quanto à inobservância do perímetro de inclusão rastreado. Há decisões no sentido de que não configura falta grave (STJ, RESP 1519802/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., j. 10/11/2016) e outras em sentido oposto, entendendo que há falta grave com enquadramento no inciso VI em conjunto ao art. 39, V, da LEP (STJ, AgRg no HC 537620/SP, 5ª T., j. 05/12/2019). O mesmo Tribunal admite que o rompimento do equipamento ou ausência de bateria pode configurar falta de fuga (STJ, AgRg no REsp 1766006/TO, 6ª T., 06/12/2018). Uma interpretação minimamente lógica e proporcional desta assertiva, porém, exigirá que a ausência de bateria se dê por um período longo e tendencialmente definitivo, não se enquadrando como tal a soma de vários períodos curtos de tempo sem bateria, o que indica ausência de dolo de fuga. Caso se considere a violação das condições da monitoração eletrônica como falta grave, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça pela necessidade de proce­ dimento administrativo disciplinar também nesses casos, não suprindo sua falta a realização de audiência de justificação (STJ, HC 459.330/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.07.2018). Em diversas comarcas, constata-se a correta postura de juízos de execução no sentido de, em casos de fuga e recaptura sem cometimento de novo delito, não regredir o apenado ao regime fechado, restabelecendo-se o regime semiaberto, sem prejuízo da homologação da falta grave.

50.4

Falta grave do inciso III – possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem

Há uma grande variedade de objetos proibidos que podem ser encontrados com o detento ou em seus pertences. A diferenciação entre os que caracterizarão falta leve ou média e os que ensejarão falta grave está no potencial lesivo do instrumento, ou seja, na capacidade de ofensa à integridade física de outrem. Faz-se necessária, portanto, a mínima produção de provas nesse sentido, preferencialmente com análise pericial. Não é essa, porém, a posição do STJ, que afirma ser prescindível a perícia “por falta de previsão legal” (por exemplo, v. STJ, AgRg no HC 475.585/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., j. 07/11/2019; 128

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Art. 50

HC 476.948/DF, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., j. 07/02/2019). É realmente difícil compreender quando a previsão legal é um critério válido e quando não é, na jurisprudência de execução penal. O inciso se refere expressamente à ação de possuir, não bastando, portanto, que o objeto seja encontrado em área comum ou mesmo escondido em uma cela sem que seja possível identificar o proprietário. Deve sempre haver a individualização da conduta, vedadas as sanções coletivas.

50.5

Falta grave do inciso IV – provocar acidente de trabalho

A hipótese de falta disciplinar abrange trabalho interno e externo e se refere exclusivamente ao acidente dolosamente provocado pelo preso.

50.6

Falta grave do inciso V – descumprir, no regime aberto, as condições impostas

A fiscalização do regime aberto e das condições fixadas (vide artigos 115 e 116 da LEP) continua dentro do sistema disciplinar e pode ensejar a caracterização de falta grave.

50.7

Falta grave do inciso VI – inobservar os deveres de obediência e respeito ao servidor com quem o apenado deva se relacionar e o dever de execução do trabalho e tarefas recebidas (remetendo aos deveres constantes do art. 39, II e V, da LEP)

Em gravíssima violação ao princípio da legalidade e taxatividade, a LEP estabelece como falta grave uma espécie de “coringa”, consistente em definir como falta grave uma violação qualquer ao dever genérico de obediência e de cumprimento das ordens recebidas. Basta perceber que o inciso é potencialmente aplicável a qualquer situação para se posicionar pela sua incompatibilidade com um ordenamento constitucional democrático. É comum que o inciso seja aplicado a situações de desobediência a agentes penitenciários ou policiais penais (STJ, AgRg no HC 550207/SP, 5ª T., j. 28/02/2020) e cresce a tendência de enquadramento aqui da hipótese de inobservância do perímetro estabelecido na monitoração eletrônica (STJ, AgRg no HC 537620/SP, 5ª T., j. 13/12/2019). 129

Art. 50

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No caso de desrespeito entre companheiros de cela, a hipótese aplicável é a do art. 39, III, o qual define como dever do condenado a “urbanidade e respeito no trato com os demais condenados”, regulando a matéria de forma específica. Ocorre que o descumprimento do art. 39, III, não está previsto dentre as hipóteses de falta grave, o que muitas vezes se faz através da interpretação da conduta como referente ao inciso II do art. 39, e não ao inciso III. Tal postura viola gravemente o princípio da legalidade, ignorando a exigência de taxatividade, quando toma uma hipótese mais genérica de dever do condenado, no lugar de outra mais específica, apenas para o fim de prejudicar o apenado.

50.8

Falta grave do inciso VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo

Hipótese incluída pela Lei 11.466, de 28 de março de 2007, com o objetivo de prevenir comando de ações ilícitas de dentro das unidades prisionais. O primeiro ponto polêmico diz respeito à incidência do princípio da legalidade e taxatividade. Contrariamente ao que está escrito na lei, a jurisprudência majoritária equipara a posse de “componentes essenciais” do celular à posse do próprio aparelho telefônico, entendendo-se como tais carregadores e chips (STJ, REsp 1.457.292/ RS, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., j. 04/11/2014). Mas atenção: não se inclui nessa interpretação fones de ouvido, microfones e mesmo cabos USB. Há polêmica nesse ponto. Não se pode concordar senão com a corrente que aplica o princípio da legalidade estrita: “A conduta praticada por visitante, ao tentar entrar em estabelecimento prisional com um cabo USB, um fone de ouvido e um microfone, não pode alcançar a pessoa do preso e configurar falta grave, porque não são acessórios essenciais ao funcionamento de aparelho de telefonia celular ou rádio de comunicação e, portanto, não se amoldam à finalidade da norma prevista no art. 50, VII, da Lei 7.210/1984” (STJ, HC 255.569/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, 5ª T., j. 21/03/2013). Porém, precedentes mais recentes do STJ tem tratado a posse de fones de ouvido como “conduta formal e materialmente típica, configurando falta de natureza grave, uma vez que viabiliza a comunicação intra e extramuros” (STJ, AgRg no HC 419.902/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., Dje 16/02/2018; AgRg no HC 522.245/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, 6ª T., j. 10/09/2019). Do ponto de vista da tipicidade, a pergunta é se fones de ouvido, por si só, viabilizam a comunicação, e é evidente que não. Trata-se de item meramente acessório. 130

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Art. 50

Diversas controvérsias atingem também o princípio da lesividade na interpretação da falta grave. Parece evidente que a efetiva capacidade de comunicação é elemento do tipo disciplinar, o que tem por desdobramento lógico a atipicidade da posse de carregadores ou “chips”, os quais sozinhos não guardam potencial lesivo, bem como a necessidade de perícia para se comprovar a referida possibilidade de se comunicar. A práxis, porém, corroborada pela jurisprudência, é a de não exigir exame pericial (por exemplo, v. STJ, AgRg no HC 506.102/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, 6ª T., j. 05/12/2019) e, mais grave, a menosprezar qualquer tipo de rigor probatório para individualização da imputação. Com efeito, basta que um preso “assuma a posse” do objeto proibido para que tudo seja dado como resolvido, quando todos sabem quão frequente é que se trate de uma afirmação falsa e ressignificada como mercadoria ou moeda de troca nas interações do ambiente carcerário20. Há que se ponderar, ainda a partir do princípio da lesividade, que o obje­ tivo da proibição legal da posse de celular ou rádio é inteiramente voltado à segurança pública, ou seja, visa evitar que ações ilícitas fora dos estabelecimentos penais possam ser “comandadas” de dentro deles. Entretanto, a imensa maioria da população carcerária recorre a aparelhos celulares ou similares apenas e tãosomente para manter contato com familiares, até porque muitas vezes o direito de visita é obstaculizado pela distância e por regras administrativas abusivas para emissão de autorizações de visita. É urgente, nesse sentido, que se dê maior atenção à análise do caso concreto, tendo em vista a lesividade da conduta. Em regime semiaberto, no qual muitas vezes há telefone público disponível e há ampla possibilidade de contato com o exterior da unidade, não há qualquer sentido em se sancionar da mesma forma a pessoa presa que fizer uso de aparelho celular. Com efeito, é razoável e proporcional argumentar que o art. 50, VII, da LEP, aplica-se somente aos presos em regime fechado. Entendeu o STJ que “a conduta de ingressar em estabelecimento prisional com chip de celular não se subsume ao tipo penal previsto no art. 349-A do Código Penal” (STJ, HC 619.776, 5ª T., j. 20/04/2021).

Sobre o tema, v. GIAMBERARDINO, André. “Gestão de ilegalismos e o teatro da disciplina: os casos de falta grave por posse, utilização ou fornecimento de celular em uma unidade prisional de Curitiba/PR no ano de 2017”. Revista de Estudos Empíricos em Direito, vol. 6, n. 2, 2019, pp. 58-77).

20

131

Art. 51 50.9

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Falta grave do inciso VIII – recusar submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético.

A Lei 13.964/2019 criou nova hipótese de falta grave, consistente na recusa da pessoa presa em se submeter ao procedimento de identificação do perfil genético previsto no art. 9º-A da LEP. A previsão é inconstitucional porque viola o direito ao silêncio e de não auto incriminar-se. A questão já estava posta no STF antes da alteração legislativa, com o reconhecimento de repercussão geral no REXT 973.837/MG e tendo por parâmetros de controle os art. 1º, III, art. 5º, X, LIV e LXIII, da CF. O tema aguarda julgamento.

50.10 Falta grave e preso provisório O preso provisório, sem processo executório, pode cometer falta disciplinar, mas sofrerá somente os efeitos administrativos da sanção (isolamento, suspensão de visitas, etc). Não pode haver qualquer efeito sobre a futura execução de eventual condenação, nem mesmo a título de análise do requisito subjetivo.

Art. 51  Comete falta grave o condenado à pena restritiva de direitos que: - descumprir, injustificadamente, a restrição imposta; - retardar, injustificadamente, o cumprimento da obrigação imposta; - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei

51.1

Falta grave na pena restritiva de direitos

O cometimento de falta grave pelo condenado a pena restritiva de direitos não significa, necessariamente, que ela será convertida em pena privativa de liberdade. Deve ser analisado o caso concreto. Como se vê da lei, o descumprimento e o retardo do cumprimento da restrição imposta pela pena restritiva de direitos devem ser “não justificados”. Logo, é necessária a abertura de contraditório para apresentação de justificativa.

132

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Art. 52

51.2 Possibilidade de substituição por outra PRD ao invés de efetuar a conversão em pena privativa de liberdade Conforme o caso concreto, o juízo pode compreender o descumprimento como decorrência de um desajuste entre a PRD e as condições pessoais do condenado, alterando a forma de cumprimento das penas de prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana, como prevê o art. 148 da LEP.

51.3

Data-base para progressão de regime

É inaplicável a S. 534/STJ ao caso, pois é a eventual conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade que determinará nova database, e não a data da falta. Enquanto se está a cumprir a pena restritiva de direitos, em liberdade, não está correndo o tempo para progressão de regime.

Art. 52  A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso provisório, ou condenado, nacional ou estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) I - duração máxima de até 2 (dois) anos, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie; (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) II - recolhimento em cela individual; (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) III - visitas quinzenais, de 2 (duas) pessoas por vez, a serem realizadas em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, por pessoa da família ou, no caso de terceiro, autorizado judicialmente, com duração de 2 (duas) horas; (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) IV - direito do preso à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol, em grupos de até 4 (quatro) presos, desde que não haja contato com presos do mesmo grupo criminoso; (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) V - entrevistas sempre monitoradas, exceto aquelas com seu defensor, em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de 133

Art. 52

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objetos, salvo expressa autorização judicial em contrário; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) VI - fiscalização do conteúdo da correspondência; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) VII - participação em audiências judiciais preferencialmente por videocon­ ferência, garantindo-se a participação do defensor no mesmo ambiente do preso. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 1º O regime disciplinar diferenciado também será aplicado aos presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) I - que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabele­ cimento penal ou da sociedade; (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) II - sob os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, independentemente da prática de falta grave. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) § 2º (Revogado). § 3º Existindo indícios de que o preso exerce liderança em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou que tenha atuação criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da Federação, o regime disciplinar diferenciado será obrigatoriamente cumprido em estabelecimento prisional federal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 4º Na hipótese dos parágrafos anteriores, o regime disciplinar dife­ renciado poderá ser prorrogado sucessivamente, por períodos de 1 (um) ano, existindo indícios de que o preso: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) I - continua apresentando alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal de origem ou da sociedade; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) II - mantém os vínculos com organização criminosa, associação crimi­no­ sa ou milícia privada, considerados também o perfil criminal e a função desempenhada por ele no grupo criminoso, a operação duradoura do grupo, a superveniência de novos processos criminais e os resultados do tratamento penitenciário. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 5º Na hipótese prevista no § 3º deste artigo, o regime disciplinar dife­ren­ ciado deverá contar com alta segurança interna e externa, principalmente no que diz respeito à necessidade de se evitar contato do preso com membros de sua organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou de grupos rivais. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) 134

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Art. 52

§ 6º A visita de que trata o inciso III do caput deste artigo será gravada em sistema de áudio ou de áudio e vídeo e, com autorização judicial, fiscalizada por agente penitenciário. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 7º Após os primeiros 6 (seis) meses de regime disciplinar diferenciado, o preso que não receber a visita de que trata o inciso III do caput deste artigo poderá, após prévio agendamento, ter contato telefônico, que será gravado, com uma pessoa da família, 2 (duas) vezes por mês e por 10 (dez) minutos. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

52.1

A prática de crime doloso como falta grave

O dispositivo legal tipifica uma nova falta grave – prática de fato previsto como crime doloso – sem qualquer relação necessária com o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e, em seguida, prevê três hipóteses de cabimento do RDD. Quanto à previsão da prática de crime doloso como falta grave (art. 52, LEP), há entendimento sumulado do STJ no sentido de não se exigir o trânsito em julgado “no processo penal instaurado para apuração do fato” (Súmula 526/STJ). Uma interpretação lógica a contrario sensu da própria Súmula permite se aferir que, então, ao menos o processo criminal instaurado, ou seja, com recebimento da denúncia ou queixa, é imprescindível para imputação da falta. O Tribunal firmou tese segundo a qual a decisão de imposição da falta grave será desconstituída “diante das hipóteses de arquivamento de inquérito policial ou de posterior absolvição na esfera penal, por inexistência do fato ou negativa de autoria, tendo em vista a atipicidade da conduta” (por exemplo, v. STJ, HC 524.396/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., j. 15/10/2019); HC 462.463RS, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., j. 13/12/2018). Trata-se de hipótese de falta grave que viola o princípio da taxatividade – uma espécie de “norma disciplinar em branco” – e causa inúmeros problemas de ordem prática em sua aplicação, sobretudo porque inexiste dispositivo na lei penal ou processual penal determinando que eventual absolvição ou anulação do processo de conhecimento (pelo novo delito) sejam comunicados ao juízo de execução, para a correspondente anulação da falta grave já aplicada. É recomendável que o juízo de execução, ao analisar a falta, ao menos determine a juntada de certidão atualizada sobre o estado do respectivo processo de conhecimento. A questão nunca foi pacífica no Supremo Tribunal Federal. Por algumas ocasiões, ficou vencido o Ministro Marco Aurélio, sustentando a necessidade de trânsito em julgado (STF, HC 110.881/MT, 1ª T., Rel. acórdão Min. Rosa Weber, j. 20.11.2012; STF, EP 16/DF AgReg-Terceiro, Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, 135

Art. 52

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j. 1.07.2016). O tema teve repercussão geral reconhecida pelo STF no RE nº. 776.823/ RS, julgado em dezembro de 2020, fixando a seguinte tese: “o reconhecimento de falta grave consistente na prática de fato definido como crime doloso no curso da execução penal dispensa o trânsito em julgado da condenação criminal no juízo do conhecimento, desde que a apuração do ilícito disciplinar ocorra com observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, podendo a instrução em sede executiva ser suprida por sentença criminal condenatória que verse sobre a materialidade, a autoria e as circunstâncias do crime correspondente à falta grave”. 52.2

Posse de droga ilícita para uso pessoal e infrações de menor potencial ofensivo como falta grave

Considerar a posse de droga ilícita para uso pessoal tipificada pelo art. 28 da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas) como falta grave viola os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de acordo com tese defendida pela De­ fensoria Pública. Embora se trate, tecnicamente, de crime doloso, não se pode ignorar a peculiaridade de se tratar de um tipo penal ontologicamente menos grave que qualquer contravenção penal, na medida em que não comina pena privativa de liberdade. Ocorre que a prática de contravenções penais não configura falta grave. Como justificar, assim, que a prática de conduta menos grave seja administrativamente sancionada de modo mais rigoroso? Embora não seja a posição do STJ (por exemplo: AgRg no HC 547.354/DF, 5ª T. j. 06/02/2020), o próprio Tribunal, com precisamente o mesmo raciocínio, afastou a possibilidade de o art. 28 da Lei 11.343/2006 gerar reincidência (por exemplo: STJ, HC 550.775/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 06/02/2020) e entendeu como imprescindível a confecção de laudo toxicológico para comprovar a materialidade da infração disciplinar e a natureza da substância (STJ, AgRg no HC 547354/DF, 5ª T. j. 06/02/2020; HC 546.287/SP,, 5ª T., j. 17/12/2019). No mesmo sentido, é descabido e desproporcional servir como falta grave uma conduta que é tipificada como infração de menor potencial ofensivo e acaba arquivada em sede de transação penal (art. 76, Lei 9.099/95), sem a produção de qualquer efeito penal salvo a impossibilidade de nova transação penal no prazo de cinco anos. 52.3

Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)

O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) é modalidade de organização disciplinar instituída no sistema penitenciário brasileiro pela Lei 10.792, de 136

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Art. 52

1º de dezembro de 2003, a título de sanção ou não, que veio a acolher, em meio à comoção social causada por grandes rebeliões carcerárias e o recrudescimento da violência entre algumas organizações criminosas e agências do Estado, medida já prevista no âmbito do Estado de São Paulo, por meio da Resolução nº. 26/2001. Com a Lei 10.792/2003 e as alterações significativas promovidas pela Lei 13.964/2019, a Lei de Execução Penal conta com três hipóteses que ensejam a inclusão do sujeito no RDD: (a) quando a falta grave ocasionar “subversão da ordem ou disciplina internas” (art. 52, caput, LEP), bastando a prática do ato e sem que seja preciso aguardar o trânsito em julgado de eventual novo processo criminal (segundo interpretação da S. 526/STJ); (b) quando o preso, nacional ou estrangeiro, apresentar “alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade” (art. 52, § 1º, I, LEP); e (c) quando sobre o preso, nacional ou estrangeiro, recaírem “fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, independentemente da prática de falta grave” (art. 52, § 1º, II, LEP). Nessa última hipótese, a menção a preso estrangeiro decorre de alteração promovida pela Lei 13.964/2019. As duas últimas situações prescindem até mesmo do cometimento de falta grave, possibilitando a aplicação do RDD por conta da mera aferição realizada pela autoridade administrativa sobre a periculosidade criminal e penitenciária do preso definitivo ou provisório. As regras de cumprimento do Regime Disciplinar Diferenciado tiveram o rigor significativamente elevado com as alterações da Lei 13.964/2019. A duração máxima passou de 360 (trezentos e sessenta) dias para 2 (dois) anos, “sem prejuízo da repetição de sanção por nova falta grave da mesma espécie”. Por mesma espécie, deve-se compreender o mesmo enquadramento típico da conduta faltosa. Não há mais menção ao limite legal de um sexto da pena aplicada. Porém, como regra, não há autorização para prorrogação. A possibilidade de prorrogação sucessiva do RDD, por períodos de um ano, foi claramente restrita à hipótese do art. 52, § 4º, da LEP. Ou seja, quando o preso “exerce liderança em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou que tenha atuação criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da Federação”, caso este em que o RDD será cumprido em estabelecimento prisional federal (art. 52, § 3º, da LEP). A prorrogação sucessiva, por períodos de um ano, exige ainda a existência de indícios de que o preso “continua apresentando alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal de origem ou da sociedade” e de que “mantém os vínculos com organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, considerados também o perfil criminal e a função desempenhada por ele no grupo 137

Art. 52

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criminoso, a operação duradoura do grupo, a superveniência de novos processos criminais e os resultados do tratamento penitenciário” (redação dos incisos I e II do art. 52, § 4º, da LEP). O recolhimento é em cela individual e a pessoa presa em RDD terá visitas quinzenais – não mais semanais – de duas pessoas por vez, “a serem realizadas em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, por pessoa da família ou, no caso de terceiro, autorizado judicialmente, com duração de 2 (duas) horas” (art. 52, III, LEP). A visita no RDD, portanto, assim como no sistema penitenciário federal, passa a ser por parlatório ou instalação similar. Não se tratando de pessoa da família, a lei exige autorização judicial. Dispõe o art. 52, ainda, que essa visita será “gravada em sistema de áudio ou de áudio e vídeo e, com autorização judicial, fiscalizada por agente penitenciário” (§ 6º). E por fim, que se não houver visita nos primeiros 6 (seis) meses de RDD poderá ser agendado contato telefônico, gravado, com uma pessoa da família, “2 (duas) vezes por mês e por 10 (dez) minutos” (§ 7º). Mas não há vedação ao contato telefônico monitorado em regime fechado, seja dentro ou fora do RDD, razão pela qual a autorização é desnecessária e acaba trazendo limitações que flertam com a crueldade. Permanece a garantia de saída da cela “por 2 (duas) horas diárias para banho de sol, em grupos de até 4 (quatro) presos, desde que não haja contatos com presos do mesmo grupo criminoso” (art. 52, IV, LEP). Impõe-se tarefa difícil à administração penitenciária, pois essa não pode, obviamente, organizar o banho de sol com pessoas presas de grupos criminosos diferentes. A lei 13.964/2019 acresceu mais algumas regras para o Regime Disciplinar Diferenciado. No art. 52, V: “entrevistas sempre monitoradas, exceto aquelas com seu defensor, em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, salvo expressa autorização judicial em contrário”. No art. 52, VI, “fiscalização do conteúdo da correspondência”. Trata-se de conduta corriqueira por parte da administração penitenciária em relação a toda a população carcerária. A questão é se a superveniência de previsão legal específica para o RDD significa, a contrario sensu, a impossibilidade de fiscalização do conteúdo da correspondência das demais pessoas presas. No art. 52, VII, “participação em audiências judiciais preferencialmente por videoconferência, garantindo-se a participação do defensor no mesmo ambiente do preso”. Os objetivos são a redução de custos e a minimização de riscos de fuga no deslocamento. Porém, não se pode menosprezar a necessidade de viabilizar o aumento do número de defensores públicos, sob pena de nulidade dos atos processuais praticados em desconformidade à previsão legal. 138

Art. 53

CO M E N TÁ R I O S À L EI D E EXECUÇ ÃO PENAL

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária se posicionou contrariamente ao RDD por meio da Resolução nº. 8, de 10 de agosto de 2004, considerando-o modalidade de pena cruel vedada pelo art. 5º, XLVII, “e”, da Constituição. Pode-se apontar, ainda, a violação da orientação teleológica da execução penal acolhida pela Constituição, além da dignidade da pessoa humana como fundamento da República (art. 1º, III, CR), o princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II, CR) e a obrigação de respeito à integridade física e moral do preso (art. 5º, XLIX, CR). Tramita no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4.162/DF, a qual tem por pedido a declaração de inconstitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado. Não há qualquer norma proibitiva do livramento condicional ou da progressão de regime para aqueles que se encontram submetidos ao RDD. É pre­ ciso confrontá-la com os requisitos exigidos para a progressão, no caso concreto, não se podendo pressupor que o fato de o indivíduo estar no RDD signifique, por si só, mau comportamento.

SUBSEÇÃO III Das Sanções e das Recompensas Art. 53  Constituem sanções disciplinares: - advertência verbal; - repreensão; - suspensão ou restrição de direitos (artigo 41, parágrafo único); - isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimentos que possuam alojamento coletivo, observado o disposto no artigo 88 desta Lei. - inclusão no regime disciplinar diferenciado. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)

53.1

Sanções disciplinares

São cinco as sanções disciplinares, conforme rol taxativo do artigo 53. As quatro primeiras são aplicadas por ato administrativo do diretor do estabe­ lecimento, enquanto a inclusão no RDD depende de decisão judicial. As sanções deveriam ser tidas como alternativas, mas no dia-a-dia o que se verifica como 139

Art. 53

ANDRÉ RI BEI R O GI AMBERARDI NO

prática é a sua aplicação cumulativa. O critério para seleção da sanção é a gravidade da falta cometida e os parâmetros de individualização estabelecidos pelo art. 57 da LEP.

53.2

Isolamento e jurisprudência internacional de direitos humanos

Quanto ao isolamento, entendeu a Corte Europeia de Direitos Humanos, no caso Kröcher e Möller vs. Suíça (1981), que o isolamento, por si só, não constitui tratamento cruel e desumano, devendo, porém, haver a ponderação segundo os critérios do rigor da medida, sua duração, o objetivo perseguido e os efeitos ao preso, considerando o caso concreto. Com base em tais parâmetros, o isolamento como forma de sanção disciplinar tem sido tratado, mais recentemente, de forma cada vez mais restritiva. No Caso Freemantle vs. Jamaica (2000), entendeu o Comitê de Direitos Humanos da ONU que a dignidade do acusado foi ferida, tratando-se de trata­ mento cruel a sua manutenção em cela de dois metros quadrados, na qual passava vinte e duas horas por dia, boa parte delas no escuro e sem qualquer tipo de ocupação. O mesmo órgão afirmou, no Caso Mukong vs. Camarões (1994), que os patamares mínimos estabelecidos para as condições materiais das prisões devem ser observados independentemente do desenvolvimento socioeco­nômico do Estado. No Caso Suárez Rosero vs. Equador (1997), o Estado do Equador foi condenado pela Corte Interamericana por ter mantido isolado e incomunicável um recluso por trinta e seis dias – nessa ocasião, foi afirmado que a incomunicabilidade é medida excepcional e com propósito exclusivamente cautelar, não punitivo. Pode-se dizer que o RDD, o qual permite até 360 dias de isolamento, renovável por igual período, é incompatível com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a qual, no Caso Bámaca Velásquez vs. Guatemala, equiparou o isolamento prolongado e a incomunicabilidade a “formas de tratamento cruel e desumano, lesivas da integridade psíquica e moral da pessoa e do direito de todo detido ao respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”21. Em divergência com a LEP, as Regras de Mandela definem qualquer período de isolamento superior a 15 dias como “confinamento solitário prolongado”, hipótese vedada por se tratar de tratamento cruel (Regra 43). A aplicação da sanção de isolamento não autoriza a suspensão automática do “banho de sol” durante todo o período, tratando-se de pena cruel e desproporcional (STF, HC 172.136/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 10..10.2020). 140

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Art. 54

53.3 Inexistência de concurso de faltas disciplinares para fins sancionatórios Não existe concurso de faltas disciplinares. Isso significa que é vedada a cumulação material ou a exasperação de sanções, as quais devem sempre obedecer ao limite máximo de 30 (trinta) dias previsto no art. 58 da LEP. Portanto, se houverem duas ou três faltas cometidas em uma mesma semana, por exemplo, a sanção referente à primeira ou mais grave acabará por absorver as demais, sem prejuízo de todos os fatos serem registrados no prontuário disciplinar do preso.

Art. 54  As sanções dos incisos I a IV do art. 53 serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento e a do inciso V, por prévio e fundamentado despacho do juiz competente. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003) § 1º A autorização para a inclusão do preso em regime disciplinar dependerá de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003) § 2º A decisão judicial sobre inclusão de preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa e prolatada no prazo máximo de quinze dias. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)

54.1

Competência para aplicar as sanções disciplinares

A maior parte das sanções disciplinares são aplicadas por ato administrativo do diretor; apenas a inclusão no RDD exige decisão judicial. Tal regra dificulta o controle da legalidade de eventuais abusos cometidos na aplicação das faltas, pois até o juiz de execução vir a afastar a falta, as sanções admi­nistrativas (isolamento, suspensão de visitas, etc.) já terão sido integral­ mente cumpridas. Faltas leves e médias aplicadas arbitrariamente têm um con­ trole judicial ainda mais difícil, mas cabe a impetração de mandado de segurança ou mesmo habeas corpus no juízo de execução.

54.2

Legitimidade para postular a inclusão de preso no RDD e procedimento

O Ministério Público não tem legitimidade para postular a inclusão no RDD, sendo essa uma atribuição do diretor do estabelecimento prisional ou 141

Art. 55

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seus superiores, incluindo os Secretários de Estado responsáveis. Não fosse essa a vontade do legislador, outra seria a redação do parágrafo primeiro. O procedimento é judicial; todavia, antes da decisão judicial o diretor do estabelecimento pode determinar o isolamento preventivo do sujeito por até 10 dias. E ainda, o próprio magistrado poderá decretar a inclusão preventiva no RDD sem a oitiva do Ministério Público e da Defesa, sempre atendendo às “finalidades emergenciais” do cotidiano carcerário e com evidente prejuízo do princípio constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV, CR). Seja como for, a decisão definitiva sobre a inclusão no RDD, no prazo de 15 dias (art. 54, §§ 1º e 2º, LEP) deve sempre ser precedida por manifestação do Ministério Público e da Defesa, não podendo ocorrer de ofício.

Art. 55  As recompensas têm em vista o bom comportamento reconhe­ cido em favor do condenado, de sua colaboração com a disciplina e de sua dedicação ao trabalho.

55.1

Considerações gerais sobre as recompensas

Dentro da lógica premial e disciplinar típica da execução penal, presos com bom comportamento podem ter acesso a recompensas. Essas, porém, não devem ser confundidas com o acesso às oportunidades de trabalho e estudo (as quais não podem ser condicionadas ao bom comportamento), devendo ser algo efetivamente excepcional e complementar.

Art. 56  São recompensas: I - o elogio; II - a concessão de regalias. Parágrafo único. A legislação local e os regulamentos estabelecerão a natureza e a forma de concessão de regalias.

142

CO M E N TÁ R I O S À L EI D E EXECUÇ ÃO PENAL

56.1

Art. 56

Recompensas em espécie

O dispositivo diferencia as recompensas conforme estas sejam dadas na forma verbal – “elogios” – ou material – “regalias”, as quais devem ser previstas com clareza nos regramentos locais, em conjunto às proibições e outras regras de convivência. Assim como quaisquer faltas disciplinares, a concessão de elogios ou recompensas deve constar no prontuário do preso e no respectivo sistema eletrônico de acompanhamento.

56.2

Distinção entre regalias e direitos

Se a prestação positiva tem previsão constitucional ou legal como direito, não se trata de regalia. A principal consequência jurídica da distinção é que regalias são tratadas como concessões sujeitas à discricionariedade administrativa da autoridade penitenciária. Direitos, por sua vez, são de observância obrigatória e atos administrativos comissivos ou omissivos de violação serão objeto de controle judicial. Os direitos arrolados no artigo 41, por exemplo, não podem ser interpretados como regalias. Porém, há previsões mais abertas e o contexto deve ser levado em conta na interpretação. O uso de televisão na própria cela ou na galeria, por exemplo, é regalia ou expressão do direito insculpido no artigo 41, XV (“contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes”)? Ainda que possa ser considerada uma regalia em contexto de normalidade, a suspensão de outras formas de contato com o mundo exterior por conta da pandemia do novo Coronavírus recomenda sua ressignificação como direito. Também pode ocorrer de uma regalia se tornar direito pelos costumes, ou seja, pela adesão a longo termo e internalização nos padrões normativos de comportamento e interação em determinada unidade prisional. Teríamos, no caso, uma adaptação do instituto da surrectio do direito civil, ou seja, com base no princípio da boa fé objetiva, o “surgimento” de um direito a partir da reiterada prática de atos que geram, nas partes, essa expectativa e compreensão.

143

Art. 57

ANDRÉ RI BEI R O GI AMBERARDI NO

SUBSEÇÃO IV Da Aplicação das Sanções Art. 57  Na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003) Parágrafo único. Nas faltas graves, aplicam-se as sanções previstas nos incisos III a V do art. 53 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003)

57.1

Parâmetros para a aplicação da sanção disciplinar

O dispositivo traz parâmetros de análise para a individualização da sanção disciplinar, a qual deve se escorar nos deveres de fundamentação e motivação. Faz-se referência à natureza, aos motivos, circunstâncias, consequências do fato, além da “pessoa do faltoso” e seu tempo de prisão. A suspensão de direitos, o isolamento e o inclusão no regime disciplinar diferenciado são sanções previstas para as faltas graves, de acordo com o parágrafo único; na prática, porém, regramentos locais estabelecem sanções de isolamento e suspensão de direitos, por períodos inferiores, também para faltas leves e médias.

57.2

Obrigatoriedade da comunicação da falta grave ao juízo de execução

A notícia e o registro de falta grave, após o devido processo administrativo disciplinar, obriga a comunicação da autoridade penitenciária ao juiz de execução, pois há diversas consequências que podem modificar o cumprimento da pena restante tanto qualitativamente como quantitativamente, com a perda dos dias remidos, a regressão de regime e a polêmica interrupção do lapso temporal para a progressão de regime.

57.3 Individualização e sofisticação da análise da conduta Há abertura legal, aqui, para se diferenciar situações cuja equiparação configuraria evidente injustiça, inclusive absorvendo, por analogia, conceitos 144

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Art. 58

próprios da teoria do delito e da pena como a desistência voluntária e o arrependimento eficaz (art. 15, CP), o arrependimento posterior (art. 16, CP), a participação de menor importância e a cooperação dolosamente distinta (art. 29, §§ 1º e 2º, CP). Por exemplo, como já colocado, a fuga ou evasão do regime semiaberto na qual a pessoa é recapturada sem novo delito, não deve, em hipótese alguma, implicar na regressão ao regime fechado, podendo, mesmo se reconhecida a falta grave, ser mantido o regime semiaberto. Ainda, e muito importante, o dispositivo impõe a devida fundamentação como requisito de validade do ato administrativo que aplica a sanção disciplinar, sob pena de nulidade (em conjunto ao art. 59, parágrafo único, da LEP).

Art. 58  O isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a trinta dias, ressalvada a hipótese do regime disciplinar diferenciado. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003) Parágrafo único. O isolamento será sempre comunicado ao Juiz da execução.

58.1

Limite temporal das sanções de isolamento, suspensão e restrição de direitos

Não podem ultrapassar trinta dias as sanções de suspensão ou restrição de direitos e isolamento, “ressalvada a hipótese do Regime Disciplinar Diferenciado” (art. 58, LEP). No que tange ao isolamento, mais recomendável é aplicar as Regras de Mandela e não a LEP, segundo as quais período superior a 15 dias configura “confinamento solitário prolongado”, hipótese vedada por se tratar de tratamento cruel (Regra 43).

58.2 Inexistência de concurso de faltas disciplinares para fins sancionatórios Não existe concurso de faltas disciplinares. Isso significa que é vedada a cumulação material ou a exasperação de sanções, as quais devem sempre obedecer ao limite máximo de 30 (trinta) dias. Portanto, se houverem duas ou três faltas cometidas em uma mesma semana, por exemplo, a sanção referente à primeira ou mais grave acabará por absorver as demais, sem prejuízo de todos os fatos serem registrados no prontuário disciplinar do preso. 145

Art. 59 58.3

ANDRÉ RI BEI R O GI AMBERARDI NO

Aplicação analógica do prazo limite a sanções administrativas aplicadas aos visitantes dos presos

Em respeito ao princípio da proporcionalidade, o limite máximo de 30 dias deve ser aplicado analogicamente a eventuais sanções aplicadas pelo EstadoAdministração às pessoas cadastradas como visitantes dos presos e que, por algum motivo, têm suspenso seu direito de visita e sua “carteirinha”.

58.4

Obrigatoriedade de comunicação do isolamento do preso ao juízo de execução

A comunicação do isolamento ao juízo de execução é uma obrigação que a lei impõe para as autoridades administrativas, independentemente da natureza da falta.

SUBSEÇÃO V Do Procedimento Disciplinar Art. 59  Praticada a falta disciplinar, deverá ser instaurado o procedimento para sua apuração, conforme regulamento, assegurado o direito de defesa. Parágrafo único. A decisão será motivada.

59.1

Procedimento para apuração de falta disciplinar

É obrigatória a instauração de procedimento administrativo disciplinar para apuração da falta disciplinar. Não há razão para não aplicação dos princípios e diretrizes da Lei 9.874/99 (Lei do Processo Administrativo Disciplinar), tratandose da norma geral que regulamenta o tema. A Súmula Vinculante nº 5 do STF, que indica a constitucionalidade da ausência de defesa técnica no processo administrativo disciplinar, não se aplica à execução penal, na qual se deve resguardar por inteiro o direito de defesa, conforme posição do STF (STF, RE 398269, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 15/12/2009) e, mais recentemente, da Súmula nº 533 do STJ: “Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor 146

CO M E N TÁ R I O S À L EI D E EXECUÇ ÃO PENAL

Art. 59

do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado”. Não há nenhuma ressalva quanto à aplicação do enunciado aos casos de falta grave por fuga e pela prática de novo crime doloso, sendo também necessário, em tais casos, a instauração de procedimento administrativo disciplinar. É de se destacar, ainda, que o STJ firmou tese asseverando que a presença de defesa técnica é imprescindível inclusive na oitiva das testemunhas no âmbito do PAD, sob pena de nulidade (STJ, HC 484.825/RS, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., j. 11/04/2019). Por outro lado, o mesmo Tribunal entende que não há obrigatoriedade de que o interrogatório do sentenciado seja o último ato da instrução (STJ, HC 483.451/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., j. 26/02/2019). Porém, no complicado aspecto da valoração probatória no âmbito do PAD, a qual muitas vezes inexiste, o Tribunal afirma que a “palavra dos agentes penitenciários na apuração de falta grave é prova idônea para o convencimento do magistrado, haja vista tratar-se de agentes públicos, cujos atos e declarações gozam de presunção de legitimidade e de veracidade” (STJ, AgRg no HC 553.388/ SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., j. 05/03/2020). A posição é problemática e preocupante, tendo potencial de agravamento do baixíssimo grau de jurisdicionalização do sistema disciplinar. A possibilidade de verificação é pressuposto da ideia de prova, sob pena de tornar a defesa técnica juridicamente impossível. Havendo outras opções, como um sistema de câmeras e imagens, por exemplo, é imperativo que haja possibilidade de acesso pela defesa técnica e controle sobre a sua disponibilização. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça pela necessidade de procedimento administrativo disciplinar também nos casos de violação das condições da monitoração eletrônica, não suprindo sua falta a realização de audiência de justificação (STJ, HC 459.330/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.07.2018); resguardada a crítica do enquadramento de tal conduta como falta grave, sem previsão legal. Porém, alguma confusão decorre do julgamento, pelo STF, do RE nº. 972.598, firmando tese com repercussão geral: “A oitiva do condenado em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público afasta a necessidade de prévio procedimento administrativo disciplinar (PAD), assim como supre eventual ausência ou deficiência de defesa técnica no PAD”. A autorização dada pelo STF é perigosamente aberta e pode estimular um isolamento e fechamento ainda maior das unidades prisionais e seus sistemas disciplinares, além de fulminar o contraditório no âmbito dos processos adminis­ trativos disciplinares. Vale enfatizar que o entendimento aprovado aplica-se 147

Art. 59

ANDRÉ RI BEI R O GI AMBERARDI NO

exclusivamente a faltas graves, visto que não há audiência de justificação para faltas médias e leves. Para estas, portanto, segue sendo exigido o PAD com defesa técnica, sob pena de nulidade. O STJ, por sua vez, firmou tese no sentido de que “é dispensável nova oitiva do apenado antes da homologação judicial da falta grave, se previamente ouvido em procedimento administrativo disciplinar, em que foram assegurados o contraditório e a ampla defesa” (STJ, AgInt no HC 532.846/SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., j. 03/12/2019; AgRg no HC 533.904/SP, Rel. Min. Joel Paciornik, 5ª T., j. 22/10/2019). A tese protege o contraditório no processo administrativo disciplinar, mas dispensa a oitiva do condenado em juízo. O risco, aqui, é de se repetir a tendência já verificada em anos passados de rebaixamento do rigor da análise judicial e a “automatização” da validação judicial das faltas graves imputadas pela autoridade administrativa. O STJ também firmou tese pela dispensabilidade da audiência de justificação quando o preso já está em regime fechado, não havendo regressão de regime (STJ, AgInt no HC 532.846/SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., j. 09/12/2019; AgRg no Resp 1.827.686/MS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., j. 17/09/2019). Porém, o direito à audiência de justificação tem assento no direito ao contraditório em juízo, e não faz sentido condicionar o exercício do direito ao contraditório, nesse sentido, à existência de determinado efeito decorrente da sanção disciplinar.

59.2

Direito ao recurso administrativo independente de previsão expressa

Mesmo com a ausência de previsão legal, qualquer decisão da administração penitenciária ou do Conselho Disciplinar da unidade prisional é impugnável por recurso administrativo dirigido à instância hierarquicamente superior. Tal possibilidade é fundada, primeiramente, em garantia constitucional (art. 5º, LV, CR) e prescinde, por isso, de previsão na legislação local ou no regulamento do presídio. Em segundo lugar, encontra respaldo em analogia in bonam partem com o regulamento do sistema penitenciário federal (Decreto nº 6.049, de 27 de fevereiro de 2007), que garante o direito de defesa na apuração de quaisquer faltas disciplinares e prevê recurso administrativo, no prazo de cinco dias, contra “decisão de aplicação de sanção disciplinar consistente em isolamento celular, suspensão ou restrição de direitos, ou de repreensão”, a ser julgado, também em cinco dias, pela diretoria do Sistema Penitenciário Federal (art. 73, Dec. 6.049/07).

148

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59.3

Art. 59

Procedimento, prescrição disciplinar e preclusão administrativa

O detalhamento do procedimento administrativo disciplinar deve ser realizado, respeitando-se os princípios constitucionais, por lei ou regulamento estadual. Recomenda-se o estabelecimento de prazos para a instauração do procedimento – no caso de fuga, por exemplo, o procedimento deve ser instaurado no momento da recaptura – sob pena de preclusão e inviabilização da apuração da responsabilidade disciplinar. Muitos Estados estabelecem, ainda, como atribuição da vara de corregedoria dos presídios, julgar habeas corpus e mandados de segurança impetrados contra atos das autoridades penitenciárias. Sobre a “prescrição” da falta disciplinar, embora a lei se omita, há algumas possibilidades desenvolvidas por doutrina e jurisprudência, sendo as principais: (a) entendimento majoritário aplica o menor prazo prescricional previsto no Código Penal, qual seja, de três anos (art. 109, VI, CP) (STF, HC 92.000/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª T., DJe 30/11/2007; STF, HC 114.422, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., j. 06/05/2014); (b) porém, mais correto seria aplicar o menor prazo prescricional previsto na legislação penal, que é de dois anos (art. 30, Lei 11.343/06); e (c) ainda, pode-se aplicar por analogia o prazo de um ano previsto nos decretos de indulto natalino e estabelecido, assim, como critério razoável e proporcional consolidado para se interpretar a duração dos efeitos impeditivos da falta grave. O STJ tem decidido, porém, pela rejeição de prazos de prescrição disciplinar inferiores a 3 (três) anos previstos em regulamentos locais, com base no fundamento de que os Estados não têm competência para regular a matéria. Por exemplo: “Normas penitenciárias não têm o condão de regular a perda do direito disciplinar, pois compete privativamente à União legislar sobre o assunto” (STJ, AgRg no HC 610.073/SP, 6ª T., j. 15/12/2020). É viável a regulamentação de preclusão administrativa se ultrapassado prazo razoável para instauração do PAD, com o consequente arquivamento, ainda que sem a extinção da punibilidade disciplinar.

59.4 Impossibilidade de soma dos prazos de reabilitação No caso de pluralidade de faltas disciplinares, cada qual dando origem a um procedimento administrativo disciplinar distinto, com a respectiva sanção, o prazo de reabilitação da falta deve ser contado a partir da última falta, sendo ilegal a soma simples dos prazos. Assim como ocorre com a prescrição disciplinar, pode-se aplicar, por analogia, o art. 119 do Código Penal: “No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente”. 149

Art. 60 59.5

ANDRÉ RI BEI R O GI AMBERARDI NO

Controle judicial das faltas de natureza média e leve

Ainda que não produzam efeitos diretos no processo de execução, as faltas leves e médias acarretam sanções disciplinares. Devem e podem, portanto, ser objeto de controle judicial, no estrito sentido de controle, não de revisão necessária da instância administrativa disciplinar. Entende-se, assim, que a possibilidade de controle judicial ocorre exclusivamente como mecanismo de limite e fiscalização da legalidade, ou seja, para o fim de anular falta aplicada abusivamente. Se a autoridade administrativa, que é quem detém o poder disciplinar, entender pela absolvição da imputação de falta, não há base legal autorizando o Poder Judiciário a reverter a decisão para aplicar a falta ou mesmo para converter falta média/ leve em falta grave. Porém, o STJ entende a questão de outra maneira e tem admitido que o juízo de execução aplique falta grave ainda que contrariamente à decisão administrativa: “É possível o controle judicial pelo juízo da execução penal sobre decisão de Conselho Disciplinar que, no uso de suas atribuições, concluiu pela absolvição da acusação de eventual falta disciplinar de natureza grave imputada a reeducando do sistema prisional (HC n. 365.431/MG, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 8/11/2016). 2. Havendo elementos para autorizar o controle judicial sobre decisão administrativa, cabe ao Juízo da execução fiscalizar/rever as decisões aplicadas em sede administrativa pelo Conselho Disciplinar” (STJ, AgRg no HC 389.545/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Jr., j. 13/12/2018).

Art. 60  A autoridade administrativa poderá decretar o isolamento pre­ventivo do faltoso pelo prazo de até dez dias. A inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado, no interesse da disciplina e da averiguação do fato, dependerá de despacho do juiz competente. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003) Parágrafo único. O tempo de isolamento ou inclusão preventiva no regime disciplinar diferenciado será computado no período de cumprimento da sanção disciplinar. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003)

150

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60.1

Art. 60

Possibilidade de isolamento preventivo e detração

O isolamento preventivo deveria ser restringido às faltas de natureza grave, mas não é, na prática, mesmo porque a tipificação definitiva da conduta é feita apenas no momento do próprio julgamento. A lei permite também a inclusão cautelar no Regime Disciplinar Diferenciado, mas somente por meio de decisão judicial. O prazo máximo é de 10 (dez) dias e há detração, sendo o tempo computado no período de cumprimento da sanção disciplinar. Importante: caso transcorra o período máximo de isolamento preventivo sem que tenha havido a sessão de julgamento da falta, o preso deve ser retirado do isolamento e, caso venha a ser sancionado, passará a cumprir o restante. A regra é aplicável às suspensões de direitos. Aplica-se ao isolamento preventivo o disposto no art. 58, parágrafo único, da LEP, referente à obrigatoriedade de comunicação ao juízo da execução.

151

Art. 61

ANDRÉ RI BEI R O GI AMBERARDI NO

TÍTULO III

Dos Órgãos da Execução Penal CAPÍTULO I

Disposições Gerais Art. 61  São órgãos da execução penal: - o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária; - o Juízo da Execução; - o Ministério Público; - o Conselho Penitenciário; - os Departamentos Penitenciários; - o Patronato; - o Conselho da Comunidade. - a Defensoria Pública. (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010).

61.1

Órgãos da execução penal

Os órgãos da execução penal são os principais atores de condução e execução das políticas públicas no setor, abrangendo tanto órgãos propriamente executivos como instituições do sistema de justiça. Os órgãos de execução penal, com exceção do Juízo de Execução, têm legitimidade ativa para postular em juízo e contribuir para a fiscalização e adimplemento dos direitos da execução.

CAPÍTULO II Do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária Art. 62  O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, com sede na Capital da República, é subordinado ao Ministério da Justiça.

152

CO M E N TÁ R I O S À L EI D E EXECUÇ ÃO PENAL

62.1

Art. 63

Natureza do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária é órgão colegiado com funções consultiva e deliberativa, fundamental no desenho de diretrizes e políticas públicas para o sistema penitenciário. O órgão faz parte da estrutura do Ministério da Justiça e da Segurança Pública.

Art. 63  O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária será integrado por 13 (treze) membros designados através de ato do Ministério da Justiça, dentre professores e profissionais da área do Direito Penal, Processual Penal, Penitenciário e ciências correlatas, bem como por representantes da comunidade e dos Ministérios da área social. Parágrafo único. O mandato dos membros do Conselho terá duração de 2 (dois) anos, renovado 1/3 (um terço) em cada ano.

63.1

Composição do CNPCP e mandato dos membros

A nomeação dos membros se dá por ato do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. São 13 (treze) membros, com os respectivos suplentes, em definição bastante aberta e discricionária: “professores e profissionais da área do Direito Penal, Processual Penal, Penitenciário e ciências correlatas, bem como por representantes da comunidade e dos Ministérios da área social”. O mandado é de 2 (dois) anos, sendo 1/3 (um terço) da composição do Conselho renovada a cada ano.

Art. 64  Ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, no exercício de suas atividades, em âmbito federal ou estadual, incumbe: I - propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito, administração da Justiça Criminal e execução das penas e das medidas de segurança; II - contribuir na elaboração de planos nacionais de desenvolvimento, sugerindo as metas e prioridades da política criminal e penitenciária; III - promover a avaliação periódica do sistema criminal para a sua ade­ quação às necessidades do País; 153

Art. 64

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IV - estimular e promover a pesquisa criminológica; V - elaborar programa nacional penitenciário de formação e aperfei­ çoamento do servidor; VI - estabelecer regras sobre a arquitetura e construção de estabele­ci­ mentos penais e casas de albergados; VII - estabelecer os critérios para a elaboração da estatística criminal; VIII - inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais, bem assim informar-se, mediante relatórios do Conselho Penitenciário, requisições, visitas ou outros meios, acerca do desenvolvimento da execução penal nos Estados, Territórios e Distrito Federal, propondo às autoridades dela incumbida as medidas necessárias ao seu aprimoramento; IX - representar ao Juiz da execução ou à autoridade administrativa para instauração de sindicância ou procedimento administrativo, em caso de violação das normas referentes à execução penal; X - representar à autoridade competente para a interdição, no todo ou em parte, de estabelecimento penal.

64.1

Atribuições do CNPCP

As atribuições legais do CNPCP têm caráter consultivo e programático, como na proposição de “diretrizes da política criminal” ou no incentivo à pesquisa em criminologia, destacando-se a possibilidade de uma função fiscalizadora mais contundente quando, por exemplo, representa pela interdição de estabelecimento penal superlotado ou sem condições adequadas. Muito importante é a atribuição do inciso VI – “estabelecer regras sobre a arquitetura e construção de estabelecimentos penais e casas de albergados” –, pois apenas os projetos dos Estados que estejam adequados a tais regras poderão receber suporte do Fundo Penitenciário Nacional para a construção. A atual Resolução que trata do assunto é a nº. 9, de 18 de novembro de 2011, modificada pelas Resoluções 06/2017 e 02/2018. A Resolução 5/2020 estabeleceu diretrizes extraordinárias e específicas para o contexto da pandemia do novo Coronavírus. Entre outros pontos, a resolução autorizou a utilização excepcional de estruturas destinadas à triagem dos presos que ingressam no estabelecimento penal e estruturas destinadas ao isolamento de presos pertencentes a grupos de risco. Há inúmeras outras resoluções que estabelecem diretrizes importantes para o sistema penitenciário, em diversos temas, todas acessíveis no sítio virtual do Conselho. 154

Art. 65

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CAPÍTULO III

Do Juízo da Execução Art. 65  A execução penal competirá ao Juiz indicado na lei local de organização judiciária e, na sua ausência, ao da sentença.

65.1

Competência e jurisdição em matéria de execução penal

O art. 65 deve ser lido em conjunto com o art. 2º da LEP, na medida em que tratam, respectivamente, da competência e da jurisdição em matéria execucional. Também tratando do assunto, o art. 668 do Código de Processo Penal: “Art. 668. A execução, onde não houver juiz especial, incumbirá ao juiz da sentença, ou, se a decisão for do Tribunal do Júri, ao seu presidente. Parágrafo único. Se a decisão for de tribunal superior, nos casos de sua competência originária, caberá ao respectivo presidente proverlhe a execução”. O princípio do juiz natural (art. 5º, LIII e XXXVII, CR), segundo o qual ninguém é processado ou sentenciado senão pela autoridade competente, tem aplicação controversa na execução penal. A própria regra constante do art. 65 dá margem a interpretações diversas, inclusive quanto à constitucionalidade formal da delegação da matéria a lei estadual. Ao lado de vertente minoritária que preconiza o local da condenação como critério de determinação do juízo de execução competente, o entendimento dominante afirma ser competente o juízo de execução da comarca da sede do estabelecimento carcerário no qual está recolhido o condenado. Se este for transferido, modifica-se também o juízo de execução competente (salvo no caso de transferência de preso provisório sem sentença condenatória, pois neste caso continua competente o juiz do processo de conhecimento). Foi esse, inclusive, o critério adotado pela legislação acerca da transferência e inclusão de presos em estabelecimentos de segurança máxima, segundo a qual a competência do juízo de execução será “do juízo federal da seção ou subseção judiciária em que estiver localizado o estabelecimento penal federal de segurança máxima ao qual for recolhido o preso” (art. 2º, Lei 11.671/08), mesmo se este tiver sido condenado pela justiça estadual. A Lei 13.964/2019 acrescentou, ainda, parágrafo único ao mesmo art. 2º, dispondo que: “O juízo federal de execução penal será competente para as ações de 155

Art. 65

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natureza penal que tenham por objeto fatos ou incidentes relacionados à execução da pena ou infrações penais ocorridas no estabelecimento penal federal”. De acordo com a Súmula 192/STJ, “Compete ao Juízo das Execuções Penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração estadual”. Como se vê, os critérios material, com base em quem administra o estabelecimento, e territorial, com base no local de execução da pena, determinam a competência também em relação aos condenados pela Justiça Federal ou pelas Justiças Militar e Eleitoral. Para condenados com prerrogativa de foro, é competente o Tribunal correspondente ao foro privilegiado (art. 668, parágrafo único, CPP), havendo possibilidade de delegação da fiscalização.

65.2

Constitucionalidade e legalidade dos mutirões carcerários

Não parece haver qualquer problema de ordem constitucional na realização de mutirões e designações ad hoc de juízes para analisar e decidir sobre incidentes da execução. O princípio do juiz natural tem toda sua densidade histórica voltada à limitação do arbítrio e em favor do condenado, não podendo ser interpretado em seu desfavor quando se tem um contexto de atraso na prestação jurisdicional e no respeito a direitos da execução penal. A excepcionalidade tem guarida no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e no reconhecimento do “estado de coisas inconstitucional” (ADPF 347/DF) pelo Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido entendeu o STJ: “(...) 2. Consolidou-se nesta Corte Superior de Justiça entendimento no sentido de que não ofende o princípio do juiz natural a designação de magistrados em regime de mutirão (penal, cível ou carcerário), no interesse objetivo da jurisdição, para atuar em feitos genericamente atribuídos e no objetivo da mais célere prestação jurisdicional. Precedentes. 3. No caso concreto, não houve escolha de magistrados para julgamento deste ou daquele processo. Pelo contrário, a designação se deu de maneira ampla e indiscriminada para a atuação em período certo de tempo, de modo a conferir eficiência à prestação jurisdicional e efetividade ao princípio da duração razoável dos processos, (...)” (STJ, HC 449.361/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 12/03/2019).

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Art. 66

Art. 66  Compete ao Juiz da execução: I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favo­ recer o condenado; II - declarar extinta a punibilidade; III - decidir sobre: a) soma ou unificação de penas; b) progressão ou regressão nos regimes; c) detração e remição da pena; d) suspensão condicional da pena; e) livramento condicional; f) incidentes da execução. IV - autorizar saídas temporárias; V - determinar: a) a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos e fiscalizar sua execução; b) a conversão da pena restritiva de direitos e de multa em privativa de liberdade; c) a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos; d) a aplicação da medida de segurança, bem como a substituição da pena por medida de segurança; e) a revogação da medida de segurança; f) a desinternação e o restabelecimento da situação anterior; g) o cumprimento de pena ou medida de segurança em outra comarca; h) a remoção do condenado na hipótese prevista no § 1º, do artigo 86, desta Lei. i) (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) VI - zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança; VII - inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade; VIII - interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei; IX - compor e instalar o Conselho da Comunidade. X – emitir anualmente atestado de pena a cumprir. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003)

157

Art. 66 66.1

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Atribuições do juízo de execução e jurisdicionalização da execução penal

Trata-se de dispositivo legal importantíssimo e que constitui a base legal para a efetiva jurisdicionalização da execução penal, em variados aspectos. No inciso I, a atribuição de “aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado” indica ser do juízo de execução a competência para dar efetividade a eventual abolitio criminis (art. 2º, caput, CP) ou novatio legis in mellius (art. 2º, parágrafo único, CP), ou seja, para aplicar lei penal mais favorável dotada de retroatividade. Nesse sentido, a Súmula 611/STF: “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna”. Pelo inciso II, cabe ao juízo de execução “declarar extinta a punibilidade” em quaisquer dos casos previstos no art. 107 do Código Penal (morte do agente, anistia, graça ou indulto, abolitio criminis, prescrição etc). No inciso III constam diversas hipóteses de atuação do juízo de execução. A alínea “a” fundamenta, por exemplo, o reconhecimento de continuidade delitiva entre fatos processados e julgados em processos distintos, se preenchidos os requisitos do art. 71 do CP, e eventual adequação de regime em favor do condenado. A alínea “c” permite a aplicação da detração de pena, quando o juízo do processo de conhecimento não o fez, devendo prevalecer o método mais favo­ rável ao condenado (ver comentários ao art. 111). Outra atribuição relevante é aquela prevista no inciso VI de “zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança”, sustentando um verdadeiro poder geral de cautela em prol da legalidade na execução e permitindo que a constatação ou notícia de abusos fundamente as correspondentes e necessárias intervenções. Nessa linha, os incisos VII e VIII exigem a inspeção mensal nos estabele­ cimentos prisionais e a prerrogativa de sua interdição, no todo ou em parte. Com base no inciso VIII, o STJ reafirmou a competência do juízo de execução para interditar unidade prisional: “(...) VII - O acórdão recorrido considerou não competir ao Poder Judiciário decidir sobre questões relativas à administração do sistema penitenciário, entendendo, pois, ilegal o ato atacado, mas no voto vencido, cuidou-se da temática à luz da legislação federal aqui invocada, exatamente para concluir pela denegação da ordem impetrada. VIII - O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência absolutamente pacífica no sentido da competência do respectivo juízo para a prática de ato de interdição de presídios. Confiram-se os seguintes precedentes: RMS 46.701/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/05/2016, DJe 25/05/2016; AgRg no RMS 27.858/ RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/11/2015, DJe 03/12/2015; AgRg no RMS 48.673/MG, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA 158

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Art. 66

RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2015, DJe 08/10/2015 (...)” (STJ, RE 1.618.316/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 02/10/2018). Alteração no art. 51 do Código Penal promovida pela Lei 13.964/2019 estabelece o juízo de execução penal como competente para a execução da pena de multa. Compete também ao juízo de execução penal “a verificação da hipossuficiência do acusado para fins de suspensão da exigibilidade das custas processuais, visto que pode haver alteração da situação financeira entre a data da sentença condenatória e o início da execução penal” (STJ, HC 432.633/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 19/06/2018; AgRg no AREsp 1.226.606/AM, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 13/3/2018; AgInt no REsp 1569916/PE, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 22/03/2018).

66.2

Decisão proferida em PAD passível de controle judicial

Entende o STJ que “a decisão proferida pela autoridade administrativa prisional em processo administrativo disciplinar - PAD que apura o cometimento de falta grave disciplinar no âmbito da execução penal é ato administrativo, portanto, passível de controle de legalidade pelo Poder Judiciário” (por exemplo: STJ, AgRg no AREsp 1439580/SP, 5ª T., j. 15/10/2019).

66.3

Da confusão sobre a natureza da competência das Varas de Corregedoria dos Presídios e da necessidade de meios de execução das próprias decisões

O fato de o Poder Judiciário ser órgão da execução penal ou conviver com atividades atípicas regidas pelo direito administrativo não transforma a natureza de suas atribuições de jurisdicional em administrativa. Ao contrário do que se alega, de forma majoritária21, as atribuições constantes dos incisos VI, VII e VIII do art. 66, componentes da função de fiscalização da legalidade das condições de cumprimento da pena de prisão, não podem ser esvaziadas através da atribuição de natureza meramente administrativa aos atos que delas decorrem.

Sobre o tema e sua crítica, na linha aqui defendida, v. CACICEDO, Patrick. “O controle judicial da execução penal no Brasil: ambiguidades e contradições de uma relação perversa”. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, vol. 4, n. 1, Porto Alegre: 2018, p. 427-429.

21

159

Art. 67

ANDRÉ RI BEI R O GI AMBERARDI NO

Entendemos, em posição minoritária, que os incisos VI, VII e VIII do art. 66 estabelecem ser também competência jurisdicional do Juízo de Execução Penal a determinação de obrigações de fazer ao Poder Público encarregado da admi­nis­ tração penitenciária, podendo inclusive julgar ações civis públicas com este objeto específico ou, ainda que se trate de decisão tomada em Pedidos de Providências, estabelecer multa diária pelo descumprimento e medidas coercitivas como o afastamento cautelar de servidores públicos ou diretor de estabelecimento penal. Das decisões proferidas cabe recurso de agravo, como determina o art. 197 da LEP. Porém, tal competência fiscalizatória, em regra direcionada às Varas deno­minadas “Corregedoria dos Presídios”, vem sendo esvaziada através de interpretação sem sustentação lógica ou teórica que atribui a ela natureza mera­ mente administrativa. Entre as consequências da prevalência desta interpretação, está a exigência de consolidação de seus atos por órgão administrativo superior do respectivo Tribunal e a fragilização da executividade das próprias decisões. Sem meios para garantir o respeito e a execução das próprias decisões, Juízos de Corregedoria dos Presídios limitam si mesmos ao envio de ofícios com status de “recomendações” ao Poder Executivo. Respeitosamente, isso não faz o menor sentido. Quem exerce atividade de fiscalização do Poder Executivo com natureza administrativa são os mecanismos de controle interno do próprio, tais como a Corregedoria do Departamento Penitenciário ou a Corregedoria Geral do Estado, ou de controle externo, como os Tribunais de Contas. O Poder Judiciário faz, por definição, o controle judicial da legalidade de atos administrativos e garante direitos, tendo à sua disposição todos os meios necessários para a execução de suas decisões. Em suma, todo o denso debate sobre o controle judicial de políticas públicas necessita ser trazido, urgentemente, ao contexto da administração prisional.

CAPÍTULO IV

Do Ministério Público Art. 67  O Ministério Público fiscalizará a execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes da execução.

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67.1

Art. 68

Participação do Ministério Público na execução penal

O Ministério Público (art. 127, CF) intervém na execução como fiscal do devido cumprimento da pena ou medida de segurança, atuando e sendo ouvido em todos os momentos e incidentes processuais.

Art. 68  Incumbe, ainda, ao Ministério Público: I - fiscalizar a regularidade formal das guias de recolhimento e de interna­ mento; II - requerer: a) todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo; b) a instauração dos incidentes de excesso ou desvio de execução; c) a aplicação de medida de segurança, bem como a substituição da pena por medida de segurança; d) a revogação da medida de segurança; e) a conversão de penas, a progressão ou regressão nos regimes e a revo­ gação da suspensão condicional da pena e do livramento condicional; f) a internação, a desinternação e o restabelecimento da situação anterior. III - interpor recursos de decisões proferidas pela autoridade judiciária, durante a execução. Parágrafo único. O órgão do Ministério Público visitará mensalmente os estabelecimentos penais, registrando a sua presença em livro próprio.

68.1

Atribuições do Ministério Público na execução penal

Em rol aberto e meramente exemplificativo, as atribuições específicas do Ministério Público na execução penal abrangem a possibilidade de requerer, entre outras hipóteses, a progressão de regime, e inclusive interpor recursos du­rante a execução. O que vale relevar – pois merece maior atenção no cotidiano – é a possibilidade de atuação em prol do condenado, o qual muitas vezes não conta com defensores públicos em número suficiente nem tampouco advogado cons­ tituído. Tal intervenção é uma forma adequada de fiscalização da regularidade do próprio processo executivo. Destaca-se a obrigação instituída pelo parágrafo único de visita mensal aos estabelecimentos penais, o que pode ser compreendido como abrangendo a atribuição de fiscalização de suas condições, com livre acesso a todos os espaços das unidades prisionais. 161

Art. 69

ANDRÉ RI BEI R O GI AMBERARDI NO

CAPÍTULO V

Do Conselho Penitenciário Art. 69  O Conselho Penitenciário é órgão consultivo e fiscalizador da execução da pena. § 1º O Conselho será integrado por membros nomeados pelo Governador do Estado, do Distrito Federal e dos Territórios, dentre professores e profissionais da área do Direito Penal, Processual Penal, Penitenciário e ciências correlatas, bem como por representantes da comunidade. A legislação federal e estadual regulará o seu funcionamento. § 2º O mandato dos membros do Conselho Penitenciário terá a duração de 4 (quatro) anos.

69.1

Considerações gerais sobre o Conselho Penitenciário

Os Conselhos Penitenciários são vinculados ao Poder Executivo do respectivo Estado, tendo seus membros indicados pelo Governador do Estado ou Distrito Federal. Seu caráter é “consultivo e fiscalizador” da execução da pena, com perfil semelhante àquele do CNPCP.

Art. 70  Incumbe ao Conselho Penitenciário: I - emitir parecer sobre indulto e comutação de pena, excetuada a hipótese de pedido de indulto com base no estado de saúde do preso; (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003) II - inspecionar os estabelecimentos e serviços penais; - apresentar, no 1º (primeiro) trimestre de cada ano, ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, relatório dos trabalhos efetuados no exercício anterior; - supervisionar os patronatos, bem como a assistência aos egressos.

70.1

Atribuições do Conselho Penitenciário

A atribuição de emissão de parecer em pedidos de indulto e comutação de pena não é obrigatória, mas depende de sua expressa previsão no respectivo 162

Art. 71

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decreto presidencial, o que já não vem ocorrendo nas últimas edições. O rol de atribuições é exemplificativo e abrange a prerrogativa de inspeção nos estabelecimentos e serviços penais, bem como a supervisão dos patronatos. Muitas vezes há também o acompanhamento e supervisão do funcionamento dos Conselhos da Comunidade.

CAPÍTULO VI

Dos Departamentos Penitenciários SEÇÃO I Do Departamento Penitenciário Nacional Art. 71  O Departamento Penitenciário Nacional, subordinado ao Minis­ tério da Justiça, é órgão executivo da Política Penitenciária Nacional e de apoio administrativo e financeiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

71.1

Considerações gerais sobre o Departamento Penitenciário Nacional

O Departamento Penitenciário Nacional é órgão executivo vinculado, na atual configuração, ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública; nos Estados, são subordinados à secretaria encarregada da respectiva Unidade da Federação. O DEPEN Nacional acompanha a política penitenciária em todo o País, prestando suporte aos Estados e executando as deliberações do CNPCP; é gestor do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), nos termos da Lei Complementar nº. 790/1994; e além disso é responsável direto pelas penitenciárias do Sistema Penitenciário Federal.

Art. 72  São atribuições do Departamento Penitenciário Nacional: I - acompanhar a fiel aplicação das normas de execução penal em todo o Território Nacional; II - inspecionar e fiscalizar periodicamente os estabelecimentos e serviços penais; 163

Art. 72

ANDRÉ RI BEI R O GI AMBERARDI NO

III - assistir tecnicamente as Unidades Federativas na implementação dos princípios e regras estabelecidos nesta Lei; IV - colaborar com as Unidades Federativas mediante convênios, na im­ plantação de estabelecimentos e serviços penais; V - colaborar com as Unidades Federativas para a realização de cursos de formação de pessoal penitenciário e de ensino profissionalizante do condenado e do internado. VI – estabelecer, mediante convênios com as unidades federativas, o cadastro nacional das vagas existentes em estabelecimentos locais desti­ nadas ao cumprimento de penas privativas de liberdade aplicadas pela justiça de outra unidade federativa, em especial para presos sujeitos a regime disciplinar. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003) VII - acompanhar a execução da pena das mulheres beneficiadas pela progressão especial de que trata o § 3º do art. 112 desta Lei, monitorando sua integração social e a ocorrência de reincidência, específica ou não, mediante a realização de avaliações periódicas e de estatísticas criminais. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018) § 1º Incumbem também ao Departamento a coordenação e supervisão dos estabelecimentos penais e de internamento federais. (Redação dada pela Lei nº 13.769, de 2018) § 2º Os resultados obtidos por meio do monitoramento e das avalia­ ções periódicas previstas no inciso VII do caput deste artigo serão utili­zados para, em função da efetividade da progressão especial para a ressocialização das mulheres de que trata o § 3º do art. 112 desta Lei, avaliar eventual desnecessidade do regime fechado de cumprimento de pena para essas mulheres nos casos de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018) Parágrafo único. Incumbem também ao Departamento a coordenação e supervisão dos estabelecimentos penais e de internamento federais.

72.1

Atribuições do Departamento Penitenciário Nacional

O rol exemplificativo de atribuições específicas do Departamento Peniten­ ciário Nacional indica importante papel técnico e gerencial, mas também político, na articulação e coordenação junto aos departamentos penitenciários locais. O prin­cipal ponto está na viabilização do repasse de recursos, mediante convênio com as unidades federativas (inciso IV). 164

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Art. 72

De acordo com o parágrafo único do dispositivo, incumbe também ao Departamento Penitenciário Nacional a coordenação e supervisão dos estabeleci­ mentos penais e de internamento federais, ou seja, do chamado sistema penitenciário federal.

72.2

Sistema penitenciário federal

O sistema penitenciário federal consiste atualmente em cinco estabelecimentos (Porto Velho/RO, Mossoró/RN, Campo Grande/MS, Brasília/DF e Catanduvas/PR), todos projetados sob alta tecnologia de segurança, totalizando uma capacidade de pouco mais de mil presos. É organizado pelo Regulamento Penitenciário Federal, estabelecido pelo Decreto nº. 6.049, de 27 de fevereiro de 2007, apresentando tanto componentes de um “tratamento ressocializante”, tais como as políticas de assistência, como uma estrutura voltada à neutralização de presos considerados de “altíssima periculosidade”. A propósito, lê-se no site oficial do sistema peni­tenciário federal que tal sistema “foi concebido para ser um instrumento contributivo no contexto nacional da segurança pública, a partir do momento que isola os presos considerados mais perigosos do País. Isto significa que tal institu­ cionalização veio ao encontro sociopolítico da intenção de combater a violência e o crime organizado por meio de uma execução penal diferenciada”. A Lei 11.671, de 8 de maio de 2008, dispõe sobre a transferência e inclusão de presos em tais estabelecimentos. Deve-se levar em conta as alterações promo­vi­das pela Lei 13.964/2019. O prazo de permanência, que era de 360 dias e renovável apenas excepcionalmente, passa a ser de 3 (três) anos, renovável por iguais pe­ ríodos quando solicitado motivadamente pelo juízo de origem e se persistirem os motivos que a determinaram. A inclusão depende da concordância tanto do juízo de origem como do juízo federal competente, o que enseja inúmeros inci­ dentes de conflito de jurisdição no âmbito do STJ. O critério é sempre o interesse “da segurança pública ou do próprio preso, provisório ou condenado”. No Sistema Penitenciário Federal, a lotação máxima não será ultrapassada (art. 11, Lei 11.671/08). Não deveria ser em lugar algum. A evidente incompatibilidade entre objetivos de incapacitação e ressocia­ lização resulta na artificial redução dos componentes ressocializantes a uma espécie de atitude de “redução dos próprios danos”, podendo-se mencionar, como exemplo, a previsão de assistência psiquiátrica e psicológica acompanhando os “eventuais efeitos psíquicos de uma reclusão severa” (art. 24, II, Dec. 6.049/07) advinda do Regime Disciplinar Diferenciado. 165

Art. 72 72.3

ANDRÉ RI BEI R O GI AMBERARDI NO

Progressão de regime no sistema federal

Já decidiu STF e STJ que fica “suspensa” a possibilidade de progressão de regime enquanto perdurarem as razões para inclusão do detento no sistema penitenciário federal (STF, HC 129.509/RJ, Rel. do acórdão Min. Roberto. Barroso, j. 24/11/2015; STJ, CC 137.110/RJ, Rel. Min. Ericson Maranho, 3ª Seção, j. 22/04/2015). Ora, todas as unidades federais são definidas como estabelecimentos de regime fechado, como fica bem claro do art. 6º do Decreto 6.049/2007. Não se trata de um regime disciplinar abstratamente aplicável a todos os regimes (fechado, semiaberto ou aberto). Logo, se a pessoa presa tem deferido o direito de progressão ao regime semiaberto, parece evidente que está cessado seu período de permanência no sistema federal, devendo retornar ao sistema penitenciário de origem, não sendo possível ao juízo de origem sequer rejeitar seu retorno.

72.4

Sistema disciplinar e direitos dos presos no sistema federal

A Lei 13.964/2019 introduziu mudanças significativas na regulação do sistema penitenciário federal com a inclusão de diversos parágrafos no art. 3º da Lei 11.671/2008. Eles trazem hipóteses de restrições de direitos das pessoas presas, muitas já previstas para os casos de aplicação de Regime Disciplinar Diferenciado, a saber (art. 3º, § 1º): recolhimento em cela individual (já previsto pelo Regulamento – Decreto 6.049/2007); visita por meio virtual ou parlatório, com filmagem e gravações; banho de sol de até 2 (duas) horas diárias ; monitoramento de todos os meios de comunicação e a suspensão ou restrição do direito de visitas por meio de ato fundamentado (§ 4º). No art. 3º, § 2º, determina-se o monitoramento de áudio e vídeo no parlatório e nas áreas comuns, “vedado seu uso nas celas e no atendimento advocatício, salvo expressa autorização judicial em contrário”. As restrições são graves, destacando-se a limitação de qualquer contato físico de cônjuge, companheiro, parentes e amigos ao meio virtual ou parlatório, com a vedação implícita da visita íntima, e a previsão de sua filmagem e gravação. Filmar e gravar interações sociais e familiares, de natureza íntima, atingindo terceiros que não praticaram qualquer crime, é previsão que se coloca em rota de colisão e tensão para com os parâmetros constitucionais relativos à proteção da intimidade (art. 5º, X, CF).

166

Art. 73

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72.5

Proibição de contingenciamento do Fundo Penitenciário

Em importante medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal proibiu o contingenciamento do Fundo Penitenciário ao reconhecer o “estado de coisas inconstitucional”: “(...) FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL – VERBAS – CON­ TIN­GENCIAMENTO. Ante a situação precária das penitenciárias, o interesse público direciona à liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional. (...)” (STF, ADPF 347 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 09/09/2015).

72.6

Acompanhamento das mulheres com progressão especial de regime

A Lei 13.964/2019 introduziu o inciso VII e parágrafo segundo do art. 72, ambos relacionados à progressão especial de regime prevista no art. 112, § 3º, da LEP. A alteração especifica ser atribuição do DEPEN nacional acompanhar a execução da pena das mulheres contempladas pela progressão, através de “avaliações periódicas e de estatísticas criminais”, e autoriza a utilização dessas informações para “avaliar eventual desnecessidade do regime fechado de cum­primento de pena” nos casos de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça. O art. 74, parágrafo único, por fim, determina que os Departamentos Estaduais deverão realizar tal acompanhamento e encaminhar os resultados ao Governo Federal.

SEÇÃO II Do Departamento Penitenciário Local Art. 73  A legislação local poderá criar Departamento Penitenciário ou órgão similar, com as atribuições que estabelecer.

73.1

Departamento Penitenciário ou órgão similar local

A imensa maioria da população carcerária nacional está sob custódia dos Estados e Distrito Federal, bastando notar que a capacidade de vagas do Sistema Penitenciário Federal gira em torno a somente mil postos. É imprescindível, portanto, que cada unidade federativa se organize e crie um DEPEN próprio ou órgão similar, podendo inclusive haver a criação de Secretaria de Estado específica para tratar da matéria penitenciária. 167

Art. 74 73.2

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Polícias penais – Emenda Constitucional 104/2019

A Emenda Constitucional 104/2019 alterou o art. 144 da Constituição e inseriu as polícias penais (VI) federal, estaduais e distrital como órgãos de segurança pública. Segundo o texto constitucional, serão “vinculadas ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a que pertencem “, cabendo a elas “a segu­rança dos estabelecimentos penais” (§ 5º-A). Atendendo a antiga reivindicação da categoria dos agentes penitenciários, a tendência é que os Estados também alterem suas Constituições e criem leis regulamentando departamentos de polícia penal. Infelizmente, a atribuição consti­ tucional foi bastante restritiva e só tratou da segurança dos estabelecimentos penais, não atendendo à complexidade da função idealmente exercida pelos ser­ vidores no cotidiano prisional.

Art. 74  O Departamento Penitenciário local, ou órgão similar, tem por finalidade supervisionar e coordenar os estabelecimentos penais da Unidade da Federação a que pertencer. Parágrafo único. Os órgãos referidos no caput deste artigo realizarão o acompanhamento de que trata o inciso VII do caput do art. 72 desta Lei e encaminharão ao Departamento Penitenciário Nacional os resultados obtidos. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018)

74.1

Finalidade do Departamento Penitenciário ou órgão similar local

É do respectivo Departamento Penitenciário e Secretaria de Estado responsável pela matéria a supervisão e coordenação dos estabelecimentos pe­ nais, bem como da construção e abertura de eventuais novas unidades prisionais. A complexa repartição de responsabilidades entre União e Estados e DF não pode significar, porém, a ausência de assunção de responsabilidade pelo respeito aos direitos humanos e combate à superlotação carcerária. A Lei 13.964/2019 incluiu parágrafo único determinando que os Depar­ tamentos Penitenciários dos Estados e DF realizem o acompanhamento das mulheres presas que obtiverem progressão especial de regime, para os fins do art. 72, § 2º, da LEP.

168

Art. 75

CO M E N TÁ R I O S À L EI D E EXECUÇ ÃO PENAL

SEÇÃO III Da Direção e do Pessoal dos Estabelecimentos Penais Art. 75  O ocupante do cargo de diretor de estabelecimento deverá satisfazer os seguintes requisitos: - ser portador de diploma de nível superior de Direito, ou Psicologia, ou Ciências Sociais, ou Pedagogia, ou Serviços Sociais; - possuir experiência administrativa na área; - ter idoneidade moral e reconhecida aptidão para o desempenho da função. Parágrafo único. O diretor deverá residir no estabelecimento, ou nas proximidades, e dedicará tempo integral à sua função.

75.1

Requisitos para ocupar o cargo de diretor de estabelecimento penal

Em regra bastante criticada, a LEP não privilegia servidores do sistema penitenciário na assunção do cargo em confiança de diretor de estabelecimento penal, exigindo outros requisitos para o cargo: ensino superior completo em direito, psicologia, ciências sociais, pedagogia ou serviços sociais; experiência administrativa na área e “idoneidade moral e reconhecida aptidão para o desempenho da função”.

Art. 76  O Quadro do Pessoal Penitenciário será organizado em dife­ rentes categorias funcionais, segundo as necessidades do serviço, com especificação de atribuições relativas às funções de direção, chefia e assessoramento do estabelecimento e às demais funções.

76.1

Quadro do Pessoal Penitenciário

A era do “correcionalismo penal” e sua aposta teórica na prevenção especial positiva produziram novas funções e demandas administrativas, inserindose nelas o corpo de profissionais que compõem o sistema penitenciário. Cada unidade federativa define quais são as “divisões” e coordenações existentes 169

Art. 77

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dentro da cada unidade penal, conforme os serviços disponíveis. O problema é que funções originariamente voltadas à inclusão social e educacional do detento acabam sendo ressignificadas segundo demandas meramente burocráticas e as razões da disciplina, perdendo totalmente seu sentido inicial.

Art. 77  A escolha do pessoal administrativo, especializado, de instrução técnica e de vigilância atenderá a vocação, preparação profissional e antecedentes pessoais do candidato. § 1º O ingresso do pessoal penitenciário, bem como a progressão ou a ascensão funcional dependerão de cursos específicos de formação, procedendo-se à reciclagem periódica dos servidores em exercício. § 2º No estabelecimento para mulheres somente se permitirá o trabalho de pessoal do sexo feminino, salvo quando se tratar de pessoal técnico especializado.

77.1

Pessoal administrativo

A contratação de pessoal para trabalhar no sistema penitenciário demanda requisitos que deverão ser observados nos concursos públicos e processos seletivos. O dispositivo vai de acordo, nesse sentido, aos princípios da administração pública e determinações insculpidos no art. 37, caput, I e II, da Constituição Federal.

77.2

Agentes penitenciários e população carcerária feminina

A previsão do parágrafo segundo, segundo a qual apenas mulheres podem trabalhar em unidades prisionais femininas, salvo em casos de pessoal técnico especializado, aplica-se a quaisquer situações. Logo, inclusive locais improvisados de custódia de mulheres presas, como em delegacias de polícia, não podem ter homens como servidores responsáveis pela sua custódia.

170

Art. 78

CO M E N TÁ R I O S À L EI D E EXECUÇ ÃO PENAL

CAPÍTULO VII

Do Patronato Art. 78  O Patronato público ou particular destina-se a prestar assistência aos albergados e aos egressos (artigo 26).

78.1

Considerações gerais sobre o patronato

Os patronatos – que podem ser públicos ou particulares – são as instituições criadas para atender aos egressos ou condenados em regime aberto, com funções de orientação para a vida em liberdade e apoio estrutural, com a possibilidade de concessão de alojamento e alimentação por até dois meses e o auxílio para obtenção de trabalho (vide art. 25 a 27, LEP). Infelizmente, quase não há patronatos no Brasil. A sua municipalização e vinculação a universidades é uma diretriz importante na tentativa de construção de um sistema mais forte de promoção da inclusão social e de fiscalização das alternativas penais.

Art. 79  Incumbe também ao Patronato: - orientar os condenados à pena restritiva de direitos; - fiscalizar o cumprimento das penas de prestação de serviço à comunidade e de limitação de fim de semana; - colaborar na fiscalização do cumprimento das condições da suspensão e do livramento condicional.

79.1

Atribuições dos patronatos

Em rol exemplificativo, o art. 79 indica a amplitude do escopo de atuação dos patronatos em relação às alternativas penais, em sentido amplo, podendo abranger também alternativas penais pré-processuais, tais como medidas cautelares alternativas à prisão (art. 319, CPP) e condições de transações penais ou suspensão condicional do processo (Lei. 9.099/95). Como se vê, trata-se de instituição de grande potencial, porém pouquíssimo aproveitada. 171

Art. 80

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CAPÍTULO VIII Do Conselho da Comunidade Art. 80  Haverá, em cada comarca, um Conselho da Comunidade composto, no mínimo, por 1 (um) representante de associação comercial ou industrial, 1 (um) advogado indicado pela Seção da Ordem dos Advogados do Brasil, 1 (um) Defensor Público indicado pelo Defensor Público Geral e 1 (um) assistente social escolhido pela Delegacia Seccional do Conselho Nacional de Assistentes Sociais. (Redação dada pela Lei nº 12.313, de 2010). Parágrafo único. Na falta da representação prevista neste artigo, ficará a critério do Juiz da execução a escolha dos integrantes do Conselho.

80.1

Considerações gerais sobre os Conselhos da Comunidade

Os Conselhos da Comunidade têm respaldo no art. 4º da própria LEP e a finalidade de integrar a comunidade na fiscalização da execução das penas e medidas de segurança e na obtenção de recursos para a assistência ao preso ou internado. Na prática, há muito mais Conselhos da Comunidade do que Patronatos, fazendo com que eles absorvam boa parte das atribuições originariamente previstas para estes últimos. Recomenda-se também a organização de associações ou federações de Conselhos da Comunidade que possam discutir problemas comuns em conjunto. O juízo de execução pode escolher os integrantes do Conselho se não houver a indicação prevista no caput do dispositivo.

Art. 81  Incumbe ao Conselho da Comunidade: - visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na comarca; - entrevistar presos; - apresentar relatórios mensais ao Juiz da execução e ao Conselho Penitenciário; 172

Art. 81-A

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- diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento.

81.1

Atribuições do Conselho da Comunidade

Os Conselhos da Comunidade exercem importante função de controle externo e fiscalizatório do sistema penitenciário, sendo este o sentido de “visitar”, devendo atuar em conjunto à Defensoria Pública e ao Ministério Público na busca por garantir a assistência ao preso ou internado e o adimplemento dos direitos da execução penal. Os relatórios mensais podem e devem ser remetidos também à Defensoria Pública e ao Ministério Público, para ciência e providências cabíveis. A Resolução nº. 10, de 8 de novembro de 2004, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), amplia as atribuições dos Conselhos da Comunidade. A Resolução nº. 09, de 26 de novembro de 2010, também do CNPCP, recomenda à administração de unidades prisionais e delegacias que os Conselhos da Comunidade “tenham acesso livre a todas as dependências”, “bem como a todas as pessoas presas e funcionários”, sob pena de representação ao juízo de execução penal.

CAPÍTULO IX

DA DEFENSORIA PÚBLICA INCLUÍDO PELA LEI Nº 12.313, DE 2010 Art. 81-A  A Defensoria Pública velará pela regular execução da pena e da medida de segurança, oficiando, no processo executivo e nos incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma individual e coletiva. (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010).

173

Art. 81-B

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81-A.1 A Defensoria Pública como órgão da execução penal A inserção da Defensoria Pública como oitavo órgão da execução penal representa avanço importantíssimo, atuando a instituição como verdadeira “guardiã dos vulneráveis”, ou seja, independentemente da atuação de advogado constituído e de forma que transcende a defesa individual. Fundamental ressaltar que a hipossuficiência é presumida, no caso da popu­ lação carcerária, não havendo sequer a necessidade de comprovação de renda para justificar o atendimento da Defensoria Pública. De outro lado, a atuação coletiva permite um novo protagonismo perante condições carcerárias precárias e casos de grave violações de direitos humanos, inclusive por meio da impetração de habeas corpus coletivo – pela primeira vez conhecido pelo Supremo Tribunal Federal no HC 143.641/SP, em prol de mulheres presas provisórias gestantes ou com filhos de até 12 anos de idade –, por meio de ações civis públicas, por atuações extrajudiciais, etc.

Art. 81-B  Incumbe, ainda, à Defensoria Pública: (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). I – requerer: (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). a) todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo; (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). b) a aplicação aos casos julgados de lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado; (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). c) a declaração de extinção da punibilidade; (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). d) a unificação de penas; (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). e) a detração e remição da pena; (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). f) a instauração dos incidentes de excesso ou desvio de execução; (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). g) a aplicação de medida de segurança e sua revogação, bem como a substituição da pena por medida de segurança; (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). h) a conversão de penas, a progressão nos regimes, a suspensão condicional da pena, o livramento condicional, a comutação de pena e o indulto; (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). i) a autorização de saídas temporárias; (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). 174

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Art. 81-B

j) a internação, a desinternação e o restabelecimento da situação anterior; (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). k) o cumprimento de pena ou medida de segurança em outra comarca; (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). l) a remoção do condenado na hipótese prevista no § 1o do art. 86 desta Lei; (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). II - requerer a emissão anual do atestado de pena a cumprir; (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). III - interpor recursos de decisões proferidas pela autoridade judiciária ou administrativa durante a execução; (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). IV - representar ao Juiz da execução ou à autoridade administrativa para instauração de sindicância ou procedimento administrativo em caso de violação das normas referentes à execução penal; (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). V - visitar os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento, e requerer, quando for o caso, a apuração de responsabilidade; (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). VI - requerer à autoridade competente a interdição, no todo ou em parte, de estabelecimento penal. (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). Parágrafo único. O órgão da Defensoria Pública visitará periodicamente os estabelecimentos penais, registrando a sua presença em livro próprio. (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010).

81-B.1 Atribuições da Defensoria Pública como órgão da execução penal Em rol exemplificativo, o art. 81-B lista várias atribuições típicas da Defensoria Pública como órgão da execução penal, podendo requerer todo tipo de providências em favor da pessoa presa, incluindo recursos (incisos I e III), a emissão não apenas anual, mas a qualquer tempo, do atestado de pena a cumprir (inciso II), a atuação administrativa de fiscalização da legalidade (inciso IV) e a atividade fiscalizatória em relação aos estabelecimentos penais (incisos V e VII, e parágrafo único).

175

Art. 81-B

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81-B.2 Modalidades de visita e abrangência da atribuição de inspeção A utilização do verbo “visitar” (inciso V), ao invés de “inspecionar”, tem pouca relevância prática, sendo este o único sentido possível que pode ser extraído de uma interpretação lógica e coerente. Afinal, se o objetivo é tomar providências, requerer apuração de responsabilidade, requerer a interdição do estabelecimento, não faz sentido em se limitar a forma de atuação da Defensoria Pública a uma mera visita protocolar. Pode-se dizer que há duas modalidades de visita: a visita para inspecionar e a visita para atender o preso22. A visita independe de prévio agendamento e pode alcançar todos os espaços da unidade (art. 18, X; art. 44, VII; art. 64, X; art. 89, VII; art. 108, IV e art. 128, VI, todos da Lei Complementar 80/94).

Sobre, v. PAIVA, Caio. Prática Penal para Defensoria Pública, p. 332-338.

22

176

Art. 82

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TÍTULO IV

Dos Estabelecimentos Penais CAPÍTULO I

Disposições Gerais Art. 82  Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso. § 1° A mulher e o maior de sessenta anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal. (Redação dada pela Lei nº 9.460, de 1997) § 2º O mesmo conjunto arquitetônico poderá abrigar estabeleci­mentos de destinação diversa desde que devidamente isolados.

82.1

Considerações gerais sobre os estabelecimentos penais

A LEP passa a estabelecer quais são os estabelecimentos penais legítimos para a custódia de pessoas presas, tratando-se, em suma, das penitenciárias, das colônias agrícolas, industriais ou similares, das casas de albergado, dos centros de observação, dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico e das cadeias públicas. Não estão incluídos, no rol, carceragens em delegacias de polícia, as quais não devem, em hipótese alguma, serem ativadas ou mesmo denominadas de “cadeias públicas”.

82.2

Judicialização da obrigação de construir e reformar estabelecimentos penais

Em importante decisão, entendeu o STF que: “É lícito ao Poder Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da CF, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes” (STF, RE 592581/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 13.08.2015). 177

Art. 83 82.3

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Limite ao sentido de “estabelecimento de destinação diversa”

O parágrafo segundo permite que um mesmo conjunto arquitetônico abrigue estabelecimentos de destinações diversas, desde que devidamente isolados. A au­ to­rização deve ser interpretada nos limites do art. 5º, XLVIII, da CF, e serve apenas para complexos penitenciários com vários presídios, e não para que, dentro de um mesmo estabelecimento, coloque-se junto públicos que não podem conviver. Nesse sentido, inclusive, a jurisprudência dos Tribunais Superiores: “O inimputável submetido à medida de segurança de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico não pode permanecer em estabelecimento prisional comum, ainda que sob a justificativa de ausência de vagas ou falta de recursos estatais” (STJ, HC 231.124/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª T., j. 23/04/2013). É ilegal, da mesma forma, manter presos em regime semiaberto em penitenciárias ou cadeias públicas, ainda que adequadas as regras e condições, tratando-se de violação da Súmula Vinculante nº. 56/STF e dos termos do RE 641.320, que garantem direito à prisão domiciliar ou a adoção de outras medidas de abertura de vagas no caso de ausência de vagas no regime semiaberto.

Art. 83  O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva. § 1º Haverá instalação destinada a estágio de estudantes universitários. (Renumerado pela Lei nº 9.046, de 1995) § 2º Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade. (Redação dada pela Lei nº 11.942, de 2009) § 3º Os estabelecimentos de que trata o 2º deste artigo deverão possuir, exclusivamente, agentes do sexo feminino na segurança de suas dependências internas. (Incluído pela Lei nº 12.121, de 2009). § 4º Serão instaladas salas de aulas destinadas a cursos do ensino básico e profissionalizante. (Incluído pela Lei nº 12.245, de 2010) § 5º Haverá instalação destinada à Defensoria Pública. (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010).

178

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83.1

Art. 83-A

Parâmetros mínimos para a construção de estabelecimento penal

O art. 83 traz parâmetros mínimos que devem ser necessariamente observados na construção de qualquer estabelecimento penal: espaço para assistência, educação, trabalho, recreação, prática esportiva, estágio de estudantes universitários, berçário em unidades femininas, salas de aula e instalação destinada à Defensoria Pública. A previsão de berçários que possibilitem a amamentação de bebês até que completem, no mínimo, seis meses de idade, cumpre disposição constitucional (art. 5º, L, CF). De todo modo, a tendência é o desencarceramento das mulheres presas nessa situação, através da ampliação do uso da prisão domiciliar e mecanismos de monitoração eletrônica. É atribuição do CNPCP estabelecer regras sobre a arquitetura e construção de estabelecimentos penais e casas de albergados, contemplando as diretrizes mínimas deste dispositivo. Trata-se de matéria controversa e que costuma suscitar polêmicas, entre o anseio de um modelo arquitetônico ideal e a dificuldade de adaptação dos Estados na elaboração dos respectivos projetos. A atual Resolução que trata do assunto é a nº. 9, de 18 de novembro de 2011, modificada pelas Resoluções 06/2017 e 02/2018.

Art. 83-A  Poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares desenvolvidas em estabelecimentos penais, e notadamente: (Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015). - serviços de conservação, limpeza, informática, copeiragem, portaria, recepção, reprografia, telecomunicações, lavanderia e manutenção de prédios, instalações e equipamentos internos e externos; (Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015). - serviços relacionados à execução de trabalho pelo preso. (Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015). § 1º A execução indireta será realizada sob supervisão e fiscalização do poder público. (Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015). § 2º Os serviços relacionados neste artigo poderão compreender o fornecimento de materiais, equipamentos, máquinas e profissionais. (Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015).

179

Art. 83-B

ANDRÉ RI BEI R O GI AMBERARDI NO

83-A.1 Execução indireta de atividades desenvolvidas em estabelecimentos penais A regra é oriunda de conversão em lei da Medida Provisória nº. 678/2015, visando agilizar e conferir celeridade às licitações e contratos envolvendo “atividades materiais, acessórias, instrumentais ou complementares” em estabelecimentos penais, por meio da contratação de terceiros sob algum dos regimes indicados no art. 6º, VIII, “a” a “e”, da Lei 8.666/1993. Em qualquer hipó­ tese, a execução indireta terá a supervisão e fiscalização do poder público.

Art. 83-B  São indelegáveis as funções de direção, chefia e coordenação no âmbito do sistema penal, bem como todas as atividades que exijam o exercício do poder de polícia, e notadamente: (Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015). I - classificação de condenados; (Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015). II - aplicação de sanções disciplinares; (Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015). III - controle de rebeliões; (Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015). IV - transporte de presos para órgãos do Poder Judiciário, hospitais e outros locais externos aos estabelecimentos penais. (Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015).

83-B.1 Funções indelegáveis no âmbito do sistema penal Estabelecendo limites à possibilidade aberta pelo artigo anterior, aqui se define como indelegáveis as funções de direção, chefia, coordenação e quaisquer atividades envolvendo poder de polícia, sobretudo a classificação de condenados, a aplicação de sanções disciplinares, o controle de rebeliões e o transporte de presos.

Art. 84  O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado. § 1º Os presos provisórios ficarão separados de acordo com os seguintes critérios: (Redação dada pela Lei nº 13.167, de 2015) 180

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Art. 84

I - acusados pela prática de crimes hediondos ou equiparados; (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015) II - acusados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015) III - acusados pela prática de outros crimes ou contravenções diversos dos apontados nos incisos I e II. (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015) § 2° O preso que, ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça Criminal ficará em dependência separada. § 3º Os presos condenados ficarão separados de acordo com os seguintes critérios: (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015) I - condenados pela prática de crimes hediondos ou equiparados; (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015) II - reincidentes condenados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015) III - primários condenados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015) IV - demais condenados pela prática de outros crimes ou contravenções em situação diversa das previstas nos incisos I, II e III. (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015) § 4º O preso que tiver sua integridade física, moral ou psicológica ameaçada pela convivência com os demais presos ficará segregado em local próprio. (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015)

84.1

Separação de presos

Como todas as disposições legais e constitucionais referentes à individua­ lização executória da pena e à separação de presos conforme classificação pretensamente científica e objetiva, o dispositivo carece de factibilidade em sua aplicação. O que se vê na prática são presos condenados e provisórios misturados em muitos estabelecimentos penais, por conta da superlotação carcerária e da prevalência de um critério de segurança – da unidade e dos próprios presos – na alocação nas celas e galerias, desvinculando-se, portanto, do tipo penal objeto da condenação. Ou seja, somente o parágrafo quarto é efetivamente aplicado, prevalecendo sobre todos os demais. Com a forte presença de grupos organizados no interior do sistema penitenciário e o risco adicional que correm condenados por crimes sexuais, na prática este é o único verdadeiro critério de alocação de presos. 181

Art. 85

ANDRÉ RI BEI R O GI AMBERARDI NO

Art. 85  O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade. Parágrafo único. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determinará o limite máximo de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza e peculiaridades.

85.1

Princípios do numerus clausus ou da capacidade taxativa dos presídios

O artigo 85 é de enorme relevância, em face do crescente debate sobre o princípio do numerus clausus ou capacidade taxativa dos presídios23. Trata-se, afinal, do marco legal que define a impossibilidade de se ultrapassar a capacidade de vagas do estabelecimento penal, limite este a ser definido pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, e não pela própria autoridade penitenciária ou pela Administração local.

85.2

Numerus clausus nos regimes semiaberto e aberto: Súmula Vinculante nº. 56/STF e Recurso Extraordinário 641.320/RS

Em relação aos regimes semiaberto e aberto, posição minoritária considera a ausência de vagas “motivo de força maior”, justificando o suporte do ônus pelo indivíduo através de sua manutenção em regime mais severo. Mas o entendimento jurisprudencial prevalente resolve o conflito a favor do condenado, considerando que a inadimplência do Estado não pode ser suportada pelo indivíduo. Essa já é a posição da Súmula Vinculante nº. 56, do STF, segundo a qual “a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS”. A ementa do acórdão ali mencionado trouxe, nessa esteira, algumas possi­ bilidades: “Havendo déficit de vagas, deverão ser determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas;

V. texto que abre o debate no Brasil sobre o assunto: ROIG, Rodrigo Duque Estrada. “Um princípio para a execução penal: numerus clausus”. Revista Liberdades, n. 15, São Paulo: IBCCRIM, 2014, p. 104-120.

23

182

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Art. 85

(iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado”. (STF, RE 641320, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgamento em 11.5.2016, DJe de 8.8.2016).

85.3

Numerus clausus no regime fechado

Até aqui, a jurisprudência sobre a aplicação do princípio numerus clausus em regime fechado tem sido tímida e se restringido às situações nas quais razões de caráter humanitário podem prevalecer na repartição do ônus pelo Estado, permitindo a prisão domiciliar com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana.

85.4

Execução de penas como política pública passível de controle judicial

É possível cogitar a intervenção por meio de ação civil pública ou habeas corpus coletivo em situações de violação extrema e flagrante de direitos humanos, ampliando-se enfim a compreensão injustificavelmente restritiva dos conceitos de “constrangimento ilegal” e “ato coator” como noções apenas ligadas a casos individuais. Nesse sentido, justamente, é exemplar o caso do jornalista argentino Horacio Verbitsky, que em 2005 ajuizou ação coletiva em prol de todos os presos em carceragens superlotadas de delegacias de polícia de Buenos Aires. A Suprema Corte Argentina, na ocasião, entre outras medidas, determinou prazo de sessenta dias para que os tribunais e juízos competentes fizessem cessar as situações de tratamento desumano e degradante, e que o Poder Executivo da Província de Buenos Aires informasse os juízes sobre as condições concretas das celas e prisões referidas. Em 2018, o STF conheceu, pela primeira vez, de um habeas corpus coletivo em matéria penitenciária, determinando a substituição da prisão preventiva pela domiciliar “de todas as mulheres presas gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda” (STF, HC 143.641, Rel. Min. Ricardo Lewandovski, 2ª T., j. 20.02.2018).

85.5 Ilegalidade da prisão decorrente das condições de custódia e necessidade de relaxamento Os mesmos fundamentos já acolhidos pelos Tribunais Superiores para a concessão de prisão domiciliar como forma de tutela da dignidade humana, 183

Art. 85

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somados à vedação constitucional de penas cruéis (art. 5º, XVII, e, CF), são inteiramente aplicáveis às condições estruturais do sistema penitenciário brasileiro. A rigor, no Brasil sequer está claro qual seria o juízo competente para esse tipo de decisão, ou seja, para concretização do necessário controle judicial da política pública prisional. Aparentemente, ainda se entende que apenas o juiz que decretou a prisão é que poderia decidir pela soltura, reduzindo a análise da legalidade da prisão às condições em abstrato de sua decretação. Fica excluído do conceito de legalidade, por consequência, a análise das condições materiais de custódia, tratadas como matéria meramente administrativa e não sujeita a controle judicial. Uma posição insustentável, mas o que explica que estabelecimentos interditados por decisão judicial (em ações civis públicas, por exemplo) continuem custodiando pessoas presas sem que isso seja uma violação ao art. 5º, LXV, da Constituição (“a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”)?

85.6

Súmula Vinculante 56 e a jurisprudência dos Tribunais Superiores

A jurisprudência do STF tem se mostrado reticente quanto ao uso da Reclamação como instrumento nos casos de violação a Súmula Vinculante: “(…) o Plenário já assentou que a cassação ou revisão das decisões dos juízes contrárias à orientação firmada em sede de repercussão geral há de ser feita pelo tribunal a que estiverem vinculados, pela via recursal ordinária. […] Nada autoriza ou aconselha que se substituam as vias recursais ordinária e extraordinária pela reclamação (Rcl 10.793/SP, Rel. Min. Ellen Gracie). No mesmo sentido: Rcl 9.302 AgR/PE, Rel. Min. Dias Toffoli; Rcl 12.600 AgR/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski. (…)” (STF, MC na Recl 26.449/MG, Rel. Min. Barroso, j. 01/03/2017). No caso da SV nº. 56, a jurisprudência é majoritariamente contrária à concessão automática de prisão domiciliar ou antecipação do regime aberto (STF, HC 141.648, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Roberto Barroso, j. 16/10/2018; Rcl 31.685, Rel. Min. Luiz Fux, j. 15/10/2018; Rcl 29.410, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 15/05/2018). Nesse último caso, a decisão afirmou “cumprir aos juízes da execução penal – considerada, inclusive, a instância recursal – a avaliação quanto à conformação do estabelecimento ao regime imposto, descabendo ao Supremo adentrar a problemática. No caso, havendo o Tribunal de Justiça reconhecido a existência de local apropriado, nas instalações da Penitenciária, para a custódia do reclamante, no que garantido inclusive o trabalho externo, tendo em vista o regime semiaberto, surge ausente contrariedade ao paradigma”. O posicionamento enfraquece significativamente a autoridade do próprio STF e sua súmula vinculante, se o juízo decisivo sobre o sentido de estabelecimento 184

CO M E N TÁ R I O S À L EI D E EXECUÇ ÃO PENAL

Art. 85

“adequado” fica a cargo da autoridade jurisdicional estadual. Vale notar que essa o conteúdo dessa súmula é destinado precipuamente a orientar o Judiciário local, não apenas o Poder Executivo. E se o Juízo ou Tribunal estadual “delegar” mais uma vez tal análise para a autoridade administrativa? Em importante decisão, o STF deferiu liminar em decisão monocrática e determinou a prisão domiciliar em situação de ausência de vagas em estabelecimento adequado para o regime semiaberto: “(...) Em cog­ nição sumária, há indícios de violação ao enunciado da súmula vinculante 56 quando o Juízo deixa de analisar pedido de condenado ao cumprimento da pena em regime semiaberto para que seja colocado em prisão domiciliar, em razão da ausência de vagas no regime adequado. (...) a meu ver, caberia à autoridade reclamada apreciar o pedido de colocação em prisão domiciliar enquanto não houvesse vaga no estabelecimento adequado ao cumprimento da pena em regime semiaberto. Não pode o magistrado se negar a decidir questão cuja não apreciação implica constrangimento ilegal, ao fundamento de que tal análise caberia a órgão administrativo. Ao quedar-se inerte, a autoridade reclamada permite que o reclamante cumpra pena em regime mais gravoso do que o determinado na sentença, o que é vedado pela súmula vinculante n. 56” (STF, Recl. 32.055/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 02/10/2018). Também julgando procedente a Reclamação e determinando a colocação imediata em estabelecimento adequado diverso do regime fechado, há outras decisões do STF. Por exemplo: “(...) julgo procedente a reclamação, para determinar que o juízo reclamado encaminhe a reclamante para o regime de cumprimento de pena adequado, diverso do regime fechado, ou aplique medidas alternativas, nos termos do que foi decidido no RE 641.320/RS por esse Supremo Tribunal Federal” (STF, Rcl. 27.463, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 03/04/2019). O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, firmou tese em sede de recurso repetitivo no seguinte sentido: “A inexistência de estabelecimento penal adequado ao regime prisional determinado para o cumprimento da pena não autoriza a concessão imediata do benefício da prisão domiciliar, porquanto, nos termos da Súmula Vinculante n° 56, é imprescindível que a adoção de tal medida seja precedida das providências estabelecidas no julgamento do RE n° 641.320/RS, quais sejam: (i) saída antecipada de outro sentenciado no regime com falta de vagas, abrindo-se, assim, vagas para os reeducandos que acabaram de progredir; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; e (iii) cumprimento de penas restritivas de direitos e/ou estudo aos sentenciados em regime aberto” (STJ, REsp 1.710.674/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 22/08/2018). 185

Art. 85 85.7

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Numerus Clausus e sistema socioeducativo

Em decisão paradigmática importantíssima, o STF concedeu liminar em Habeas Corpus Coletivo relativo à Unidade de Internação Regional Norte em Linhares/ES, determinando taxa de ocupação máxima em 119%, devendo os adolescentes sobressalentes ser transferidos para outras unidades. Não sendo possível, determinou a inclusão dos adolescentes em programas de meio aberto, nos termos da Lei 12.594/2012, ou a conversão das medidas de internação em internações domiciliares. O percentual de 119% foi extraído da taxa média de ocupação dos internos de 16 estados, aferido pelo Conselho Nacional do Ministério Público em 2013. Em 2019, os efeitos da decisão foram ampliados para abarcar as unidades de internação de adolescentes dos Estados do Ceará, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro (STF, Ag no HC 143.988/ES, j 16/08/2018, com efeitos ampliados em 23/05/2019). Embora a decisão diga respeito aos adolescentes em conflito com a lei, o que invoca a prioridade absoluta com base constitucional no art. 227 da CF, a decisão é uma demonstração da viabilidade de aplicação do princípio do numerus clausus também no sistema penitenciário. Afinal, a proteção máxima garantida pelo art. 227 da CF não guarda uma relação de prejudicialidade com a vedação às penas cruéis (art. 5º, XLVII, e, CF), também garantida pela Constituição, e fragilizada pela superlotação. 85.8

Numerus Clausus e a criação de central de vagas no sistema socioeducativo (Resolução 367/2021-CNJ)

A Resolução 367, de 2021, do Conselho Nacional de Justiça, é um passo importante na consolidação da legalidade quanto às condições de custódia no sistema socioeducativo. Dispõe ela: “A Central de Vagas, de competência do Poder Executivo, será responsável por receber e processar as solicitações de vagas formuladas pelo Poder Judiciário, cabendo-lhe indicar a disponibilidade de alocação de adolescente em unidade de atendimento ou, em caso de indisponibilidade, sua inclusão em lista de espera até a liberação de vaga adequada à medida aplicada” (art. 2º, parágrafo único). Cabe ao Poder Judiciário, portanto, após proferir decisão que implica inter­ nação em unidade socioeducativa ou semiliberdade, solicitar vaga ao Poder Execu­ tivo levando em conta “os critérios de disponibilidade de vaga, proximidade familiar, local do ato infracional, idade, gravidade e reiteração do ato infracional” (art. 7º, § 1º). Caso não haja vaga disponível, o adolescente será colocado em lista de espera. O mandado de busca e apreensão será expedido somente após recebimento da informação da disponibilidade de vaga (art. 10). 186

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85.9

Art. 85

A “cifra oculta” da superlotação (art. 85, parágrafo único, LEP)

É comum a crítica quanto à credibilidade da estatística penitenciária no Brasil, mas é estranhamente raro o questionamento do dado mais obscuro quando o assunto é superlotação carcerária: quais critérios são utiizados para definição da capacidade máxima de vagas de cada unidade prisional. O art. 85, parágrafo único, da LEP, dispõe que o limite máximo de capacidade de cada estabelecimento prisional será determinado por ato do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Esta atribuição não se confunde com aquela para estabelecimento de diretrizes para a arquitetura prisional. A Resolução 5/2016, do CNPCP, trouxe diretrizes importantes, mas não suficientes. Seu artigo 3º delega “ao dirigente máximo do órgão responsável pelo sistema prisional para determinar, por Resolução conjunta com o Presidente do Conselho Penitenciário do Estado, o limite máximo da capacidade de cada estabelecimento penal”, com posterior encaminhamento ao CNPCP para consolidação dos dados. Tudo indica, porém, que esta norma legal é ignorada, não havendo notícia de atos similares estabelecendo a capacidade máxima dos estabelecimentos. Na prática, a informação sobre a capacidade de vagas é produzida unilate­ ralmente pelos Departamentos Penitenciários dos Estados, sem controle externo. Afinal, o que faz uma vaga? O que autoriza a ampliação unilateral da capacidade de vagas apenas pela inclusão de mais pessoas presas em uma mesma cela? A Resolução 367/2021-CNJ mencionada no tópico anterior, voltada ao sistema socioeducativo, define “vaga” como “fração correspondente à capacidade de acomodação de um adolescente dentro de uma unidade socioeducativa a partir dos parâmetros da norma do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo” (art. 4º, I). De acordo com o art. 4º, § 2º, da Resolução 5/2016-CNPCP, é vedado estabelecer limite máximo que exceda o número de camas individuais disponíveis no estabelecimento penal, sendo proibido incluir no cômputo do limite máximo o número de colchões improvisados no chão do estabelecimento penal. A Resolução também determina que, se a superlotação ultrapassar o índice de 137,5% da capacidade, o Poder Executivo deve oficiar o Grupo de Monitoramento e Fiscalização (GMF) do respectivo Tribunal para que sejam tomadas providências e apresentação de um plano de redução da superlotação, inclusive com antecipação de direitos da execução (art. 5º). Nas unidades masculinas com excesso de 10% da capacidade já deve haver comunicação formal do diretor ao Juízo de Execução Penal, ao GMF e ao Conselho Penitenciário local. Nas unidades femininas, a Resolução veda qualquer ultrapassagem da capacidade (art. 6º). 187

Art. 86

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Estas diretrizes, porém, dizem respeito à análise global do número de pessoas presas e capacidade de vagas. Permanece em aberto, além da importante regra do art. 4º, § 2º, quais seriam os parâmetros mínimos de dignidade para definição do que pode ser aceito como uma vaga e qual seria o fluxo de controle externo por Poder Judiciário, Defensoria Pública e Ministério Público, além do próprio CNPCP, quanto às informações sobre a capacidade máxima de cada estabelecimento.

Art. 86  As penas privativas de liberdade aplicadas pela Justiça de uma Unidade Federativa podem ser executadas em outra unidade, em estabelecimento local ou da União. § 1º A União Federal poderá construir estabelecimento penal em local distante da condenação para recolher os condenados, quando a medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio condenado. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003) § 2° Conforme a natureza do estabelecimento, nele poderão trabalhar os liberados ou egressos que se dediquem a obras públicas ou ao apro­ veitamento de terras ociosas. § 3º Caberá ao juiz competente, a requerimento da autoridade administrativa definir o estabelecimento prisional adequado para abrigar o preso provisório ou condenado, em atenção ao regime e aos requisitos estabelecidos. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)

86.1

Flexibilização da competência na execução da pena

Não há vinculação necessária entre o juízo material e territorialmente competente no processo de conhecimento, responsável pela condenação, e o local de execução da pena privativa de liberdade. O parágrafo primeiro traz fundamento legal para a criação do Sistema Penitenciário Federal (vide comentários ao artigo 72). O parágrafo terceiro deixa claro se tratar de competência jurisdicional, e não meramente administrativa, a definição do estabelecimento prisional mais adequado. Eventuais requerimentos de transferência, por exemplo, devem ser analisados pelo juízo de execução, não se tratando de matéria afeita apenas ao DEPEN local.

188

Art. 87

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CAPÍTULO II

Da Penitenciária Art. 87  A penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado. Parágrafo único. A União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios poderão construir Penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que estejam em regime fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, nos termos do art. 52 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)

87.1

Considerações gerais sobre as penitenciárias

A penitenciária é o estabelecimento adequado para cumprimento de penas privativas de liberdade em regime fechado, ou seja, para condenados. A exceção prevista no parágrafo único se dá por conta da ideia de construção de uma penitenciária específica para presos em regime disciplinar diferenciado, podendo, nesse caso, ser provisórios ou condenados.

Art. 88  O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

88.1

Características da cela individual para alojamento do preso

Em mais um dispositivo inaplicado e inaplicável em um quadro de superlotação carcerária, prevê-se cela individual com área mínima de 6 metros quadrados. Não se conhece unidade prisional no País em que as celas, salvo aquelas destinadas para a sanção disciplinar de isolamento, sejam individuais. 189

Art. 89 88.2

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Celas modulares de concreto

Já rejeitou o STJ a utilização de celas modulares de concreto (“contêineres”) para custódia de pessoas presas: “1. Se se usa contêiner como cela, trata-se de uso inadequado, inadequado e ilegítimo, inadequado e ilegal. Caso de manifesta ilegalidade. 2. Não se admitem, entre outras penas, penas cruéis – a prisão cautelar mais não é do que a execução antecipada de pena (Cód. Penal, art. 42). 3. Entre as normas e os princípios do ordenamento jurídico brasileiro, estão: dignidade da pessoa humana, prisão somente com previsão legal, respeito à integridade física e moral dos presos, presunção de inocência, relaxamento de prisão ilegal, execução visando à harmônica integração social do condenado e do internado. 4. Caso, pois, de prisão inadequada e desonrante; desumana também. 5. Não se combate a violência do crime com a violência da prisão. 6. Habeas corpus deferido, substituindo-se a prisão em contêiner por prisão domiciliar, com extensão a tantos quantos – homens e mulheres – estejam presos nas mesmas condições” (STJ, HC 142.513/ES, 6ª T., Rel. Min. Nilson Naves, j. 23.03.2010)

Art. 89  Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa. (Redação dada pela Lei nº 11.942, de 2009) Parágrafo único. São requisitos básicos da seção e da creche referidas neste artigo: (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009) I – atendimento por pessoal qualificado, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em unidades autônomas; e (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009) II – horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança e à sua responsável. (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009)

89.1

Creche em penitenciária feminina

A previsão de creche para abrigar crianças de até 7 anos de idade também é coerente à disposição constitucional (art. 5º, L, CF), mas a tendência é o desen­ carceramento das mulheres presas nessa situação, através da ampliação do uso da prisão domiciliar e mecanismos de monitoração eletrônica; ou mesmo da colocação da criança com membros da família extensa. 190

Art. 90

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A decisão deve ser orientada pelo melhor interesse da criança, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei 13.257/2016, a qual dispõe sobre políticas públicas para a primeira infância. É importante sempre lembrar que a condição de presa da genitora não justifica, por si só, a destituição do poder familiar e o encaminhamento da criança para adoção, mormente se entre elas houver vínculo afetivo.

Art. 90  A penitenciária de homens será construída, em local afastado do centro urbano, à distância que não restrinja a visitação.

90.1

Localização da penitenciária masculina

Ao contrário das penitenciárias oitocentistas, em regra construídas no centro das cidades, o declínio das prisões é simbolicamente representado pela regra que determina sua construção fora dos olhos do público e dos centros urbanos. Acabase por prejudicar e atingir, diretamente, os familiares das pessoas presas, embora o próprio dispositivo peça distância que não restringe a visitação.

CAPÍTULO III

Da Colônia Agrícola, Industrial ou Similar Art. 91  A Colônia Agrícola, Industrial ou Similar destina-se ao cumpri­ mento da pena em regime semi-aberto.

91.1

Considerações gerais sobre os estabelecimentos penais destinados ao regime semiaberto

Os estabelecimentos penais de regime semiaberto são de segurança mínima, permitindo a circulação moderada dos presos em seu interior, sem algemas, e com maior flexibilidade para comunicação com o mundo exterior, inclusive por meio de trabalho externo e saídas temporárias. Permite-se ainda o cumprimento do regime semiaberto em regime de monitoração eletrônica, sobretudo em Estados que não contam com os estabelecimentos descritos ou quando eles se encontrarem superlotados. 191

Art. 92

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91.2 Inexistência de estabelecimento de regime semiaberto e prisão domiciliar É ilegal e contraria posição consolidada pela Súmula Vinculante nº. 56/STF a manutenção de presos que têm direito ao regime semiaberto em estabelecimento de regime fechado, ainda que se alegue proceder a adaptações. Permite-se, nesses casos, a prisão domiciliar. A SV estabelece que “a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS”.

Art. 92  O condenado poderá ser alojado em compartimento coletivo, observados os requisitos da letra a, do parágrafo único, do artigo 88, desta Lei. Parágrafo único. São também requisitos básicos das dependências coletivas: a) a seleção adequada dos presos; b) o limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de indivi­ dualização da pena.

92.1

Alojamentos coletivos

Permite-se a utilização de alojamentos coletivos nos estabelecimentos de regime semiaberto, ao invés de celas, devendo-se sempre atentar à salubridade do ambiente e ao limite de capacidade de vagas.

CAPÍTULO IV

Da Casa do Albergado Art. 93  A Casa do Albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto, e da pena de limitação de fim de semana. Art. 94  O prédio deverá situar-se em centro urbano, separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga. 192

Art. 95

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Art. 95  Em cada região haverá, pelo menos, uma Casa do Albergado, a qual deverá conter, além dos aposentos para acomodar os presos, local adequado para cursos e palestras. Parágrafo único. O estabelecimento terá instalações para os serviços de fiscalização e orientação dos condenados.

93.1

Considerações sobre as casas de albergado

As casas de albergado destinar-se-iam aos condenados em regime aberto e à pena restritiva de direitos de limitação de fim de semana. Na prática, tais estabelecimentos não foram construídos desde a edição da LEP, sendo substituídos pela imposição de outras condições pelo juízo ou por custódia domiciliar.

CAPÍTULO V

Do Centro de Observação Art. 96  No Centro de Observação realizar-se-ão os exames gerais e o criminológico, cujos resultados serão encaminhados à Comissão Técnica de Classificação. Parágrafo único. No Centro poderão ser realizadas pesquisas criminológicas. Art. 97  O Centro de Observação será instalado em unidade autônoma ou em anexo a estabelecimento penal. Art. 98  Os exames poderão ser realizados pela Comissão Técnica de Classificação, na falta do Centro de Observação.

96.1

Considerações sobre os Centros de Observação e Triagem

Os Centros de Observação, também chamados “de triagem”, não têm a natureza de pesquisa criminológica indicada na lei, mas são as portas de entrada em que se mantém a pessoa presa antes do encaminhamento a uma penitenciária, cadeia pública (se preso provisório) ou estabelecimento adequado. O período de permanência no centro de triagem, porém, deve ser curto, por se tratar, a rigor, de estabelecimento de regime fechado. Configura constrangimento 193

Art. 99

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ilegal a manutenção de pessoa em regime semiaberto, por exemplo, em um centro de observação e triagem, sob a alegação de que está aguardando vaga.

CAPÍTULO VI

Do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Art. 99  O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis referidos no artigo 26 e seu parágrafo único do Código Penal. Parágrafo único. Aplica-se ao hospital, no que couber, o disposto no parágrafo único, do artigo 88, desta Lei.

99.1

Considerações sobre os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico

No caso de internação, o internado tem direito à submissão a tratamento e que o estabelecimento tenha características hospitalares (art. 99, CP), vedada a internação em instituição asilar (art. 4º, §3º, Lei 10.216/01). Ora, sendo assim, parece evidente a necessidade de que se trate de estabelecimento reconhecido como hospitalar não pelo Poder Executivo, mas pelo respectivo Conselho Regional ou Conselho Federal de Medicina, com o devido registro, responsável técnico e fiscalização. Uma prisão com serviços hospitalares é uma prisão, não um hospital, não restando preenchida, nesse caso, a exigência legal. Obrigatório, portanto, como exigências mínimas, o registro no respectivo Conselho Regional de Medicina e a existência de corpo e direção clínicas.

Art. 100  O exame psiquiátrico e os demais exames necessários ao tratamento são obrigatórios para todos os internados.

100.1 Obrigatoriedade do exame psiquiátrico Previsão da obrigatoriedade do exame psiquiátrico para os internados em medidas de segurança, tema tratado no Código Penal sob a rubrica do “exame de cessação de periculosidade”. 194

Art. 101

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Art. 101  O tratamento ambulatorial, previsto no artigo 97, segunda parte, do Código Penal, será realizado no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou em outro local com dependência médica adequada.

101.1 Tratamento ambulatorial Ao contrário do que dispõe o dispositivo legal, o tratamento ambulatorial deve ser construído em comunidade e por meio da rede local de assistência psicossocial.

CAPÍTULO VII

Da Cadeia Pública Art. 102  A cadeia pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios.

102.1 Considerações gerais sobre a cadeia pública O estabelecimento correto para custódia de presos provisórios é a cadeia pública, muitas vezes denominada “casa de custódia”.

Art. 103  Cada comarca terá, pelo menos 1 (uma) cadeia pública a fim de resguardar o interesse da Administração da Justiça Criminal e a permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar.

103.1 Distinção entre cadeias públicas e carceragens em delegacias de polícia As cadeias públicas também devem obedecer às diretrizes arquitetônicas fixadas pelo CNPCP e demais parâmetros legais. Carceragens em delegacias de polícia são improvisadas e ilegais, não podendo ser enquadradas como espécie de cadeia pública, nem assim nominadas. 195

Art. 104

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Art. 104  O estabelecimento de que trata este Capítulo será instalado próximo de centro urbano, observando-se na construção as exigências mínimas referidas no artigo 88 e seu parágrafo único desta Lei.

104.1 Localização das cadeias públicas Diferentemente da previsão legal existente para as penitenciárias, as cadeias públicas devem ser construídas próximas dos centros urbanos.

196

Art. 105

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TÍTULO V

Da Execução das Penas em Espécie CAPÍTULO I

Das Penas Privativas de Liberdade SEÇÃO I Disposições Gerais Art. 105  Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.

105.1 Início da execução da pena Ressalvado o caso de suspensão condicional da pena, quando há audiência de advertência após o registro da sentença, seguido do período de prova, o início da execução se dá mediante a expedição de guia de recolhimento pelo juízo da condenação (art. 105 e 106, LEP) ou guia de internação sendo o caso de medida de segurança. Pressuposto, para tanto, é a existência do respectivo título executivo com trânsito em julgado. Caso o condenado já cumpra outras penas, proceder-se-á à sua unificação no próprio juízo de execução (art. 111, LEP) após o recebimento da nova guia de recolhimento. É ilegal exigir a prisão do sentenciado como condição para se expedir a guia de recolhimento: “o STJ entende ser cabível a expedição da guia de recolhimento a fim de que o juízo da execução competente analise imediatamente possível detração e/ou progressão de regime, procedimento que não pode ficar condicionado à prévia prisão do condenado” (STJ, HC 660.652/SP, j 30/04/2021; STJ, HC 599.475/SP, 6ª T., 29/9/2020). 105.2 Execução provisória da pena em favor do condenado com prisão preventiva Há possibilidade de execução provisória da pena privativa de liberdade – jamais da medida de segurança – quando em benefício do réu preso preventi­ vamente, ou seja, tendo por escopo a garantia de direitos do recém-condenado 197

Art. 105

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que já se encontra preso cautelarmente. É este o entendimento do STF manifesto em duas súmulas, quais sejam: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento de pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória” (Súmula 716) e “Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial” (Súmula 717). Nesse caso, de acordo com a Resolução nº. 113, de 20 de abril de 2010, editada pelo Conselho Nacional de Justiça, deverá ser expedida guia de recolhimento provisório pelo próprio juízo de conhecimento, “ainda que pendente recurso sem efeito suspensivo”, que o enviará à Vara de Execução competente. Não é correto dizer que não há possibilidade de execução provisória pro reo quando pendente recurso da acusação. Não há fundamento jurídicoconstitucional que permita, em face do princípio da legalidade e da inexistência de previsão expressa de tal requisito, o agravamento da condição material do preso apenas porque sua situação jurídica pode se tornar mais desfavorável, no caso de provimento do recurso de acusação. Nesse caso, tendo o preso provisório progredido de regime ou obtido livramento condicional, bastará se expedir o devido mandado de prisão. Não se pode admitir, em suma, tratamento mais gravoso ao preso provisório que ao preso condenado, sendo este o entendimento subsumido da redação da Súmula 716, do STF, a qual não faz qualquer restrição. É ilegal e contrária à regulamentação em vigor a expedição da guia de recolhimento provisório se o recém condenado não tiver a prisão cautelar decretada nos autos da nova condenação, ainda que ele já cumpra pena por outras condenações, em qualquer regime que seja. Afinal, a unificação provisória de pena nesses casos o prejudicará, pois pode ensejar regressão de regime e alterar os cálculos das frações para os direitos de execução penal. Em suma, somente se houver prisão cautelar decretada nos autos da nova condenação é que deve ser expedida a guia de recolhimento provisório. Nesse caso, inclusive, a guia de recolhimento provisório se sobrepõe e torna sem efeito a prisão cautelar, pois caso seja possível a manutenção de regime aberto ou semiaberto, mesmo com a nova unificação, esta não poderá ser obstada por prisão cautelar em processo que já se encontra em fase de execução. Decisões que afirmam prevalecer a prisão cautelar, com guia expedida, não fazem nenhum sentido, tecnicamente e juridicamente, pois a expedição da guia transfere o título que embasa a custódia para o juízo de execução. Nesse sentido o STF reafirmou que o regime semiaberto prevalece sobre a prisão preventiva (STF, HC 180.131/ MS, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 12/02/2020). 198

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105.3 Execução provisória da pena contra condenado que está solto Não confundir a execução provisória pro reo com o debate totalmente distinto referente à antecipação da execução da pena do condenado (que está solto) após condenação por colegiado em segunda instância. Embora o próprio STF utilize o termo “execução provisória” para se referir a essa segunda possibilidade, é preciso cuidado para que não haja confusão entre duas discussões diferentes e com objetivos distintos. A antecipação do início da execução da pena de réu solto havia sido possi­ bilitada por entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF, HC 126.292/SP e 152.752/PR; STF, ADC’s nº. 43 e 44, com indeferimento da medida cautelar em 05/10/2016), o qual fixou a seguinte tese: “A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal”. O mesmo entendimento embasou a execução provisória de pena restritiva de direito após condenação em segunda instância (STF, RE 1.161.548, Rel. Min. Edson Fachin, j. 14/02/2019). Importante observar que se entendia necessário o esgotamento de todos os recursos cabíveis à decisão colegiada do Tribunal regional ou estadual, como embargos de declaração ou infringentes, para que possa, se for o caso, ser expedido mandado de prisão: “Na espécie, todavia, embora eventuais recursos especial e extraordinário não sejam dotados de efeito suspensivo, a jurisdição das instâncias ordinárias ainda não se encerrou. Contra o julgamento do recurso de apelação foi oposto, no caso, embargos declaratórios com efeitos infringentes que, segundo andamento processual obtido no endereço eletrônico do Tribunal de origem, pende de julgamento. Desse modo, diante da ausência de exaurimento no julgamento nas instâncias ordinárias, revela-se prematuro o início da execução provisória da pena” (STJ, HC 406.015/SP, 5ª T., Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 22.08.2017). Porém, em novembro de 2019, o STF julgou procedente a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº. 43/44 “para assentar a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal”, voltando a entender inconstitucional a execução provisória antes do trânsito em julgado, salvo se com prisão cautelar em vigor e com a finalidade de possibilitar o adimplemento de direitos da execução penal. Desde então, cresce o debate sobre propostas de alteração legislativa e até de emenda constitucional com o objetivo de novamente autorizar o início da execução da pena após julgamento do recurso de apelação. É indubitável que o tema do início da execução de pena privativa de liberdade constitui matéria de direito material, 199

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e não processual. O direito material, na seara penal, compreende tanto atos de criminalização ou descriminalização como também quaisquer alterações referentes à criação, aumento ou diminuição de penas, regras de interpretação e execução, e assim por diante. Portanto, eventual alteração obedecerá necessariamente ao princípio da legalidade.

105.4 Audiência de custódia por ocasião do cumprimento de mandado de prisão definitiva Segundo o art. 13 da Resolução nº. 213, de 15 de dezembro de 2015, do Conselho Nacional de Justiça, deve ser realizada audiência de custódia não apenas na prisão em flagrante, mas também quando a prisão decorre de cumprimento de mandado de prisão definitiva: “Art. 13. A apresentação à autoridade judicial no prazo de 24 horas também será assegurada às pessoas presas em decorrência de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva, aplicando-se, no que couber, os procedimentos previstos nesta Resolução. Parágrafo único. Todos os mandados de prisão deverão conter, expressamente, a determinação para que, no momento de seu cumprimento, a pessoa presa seja imediatamente apresentada à autoridade judicial que determinou a expedição da ordem de custódia ou, nos casos em que forem cumpridos fora da jurisdição do juiz processante, à autoridade judicial competente, conforme lei de organização judiciária local”.

105.5 Progressão provisória de regime em crimes contra a administração pública Há requisito específico para progressão em crimes contra a Administração Pública: a reparação do dano ou devolução do produto do crime (art. 33, § 4º, CP), conforme item 112.17, adiante. O STJ vem exigindo o adimplemento deste requisito também nos casos de progressão provisória de regime: “constata-se que a fundamentação do acórdão objurgado se encontra de acordo com o entendi­ mento da c. Suprema Corte, no ponto em que reconheceu como constitucional o art. 33, § 4º, do CP, que condiciona a progressão de regime, no caso de crime contra a Admi­nistração Pública, à reparação do dano ou à devolução do produto do ilícito. (...). É por esse motivo que a progressão provisória de regime, em especial na pendência de impugnações de caráter excepcional, impõe o cumprimento de todas as condições legalmente estabelecidas no édito condenatório, visto que a execução antecipada da pena deve seguir os moldes da execução definitiva, produzindo todos os seus efeitos, sob pena de indevido fatiamento do decisum.” (STJ, AgRg no Edcl no Resp 1.770.212, 5ª T., j. 08/09/2020). 200

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Porém, o tema carece de maior reflexão. O fato de o STF ter julgado consti­ tucional o art. 33, § 4º, do CP não guarda qualquer relação com o debate em questão: se o requisito pode ou não ser exigido por ocasião da execução provisória pro reo da pena, a qual não deve ser confundida com a execução antecipada contra o réu (vide acima itens 105.2 e 105.3). A execução provisória da pena privativa de liberdade é um instituto criado para garantir os direitos da execução, nos casos de prisão preventiva vigente. Partindo desta constatação, uma interpretação lógica e sistemática da impossi­ bilidade pacífica de execução provisória das penas restritivas de direito (Súmula 643/STJ) recomenda a exigência do requisito da reparação do dano ou devolução do produto do crime somente por ocasião do trânsito em julgado. Ele pode ser cobrado, sem maiores dificuldades operacionais, enquanto o condenado cumpre pena em regime semiaberto, não sendo necessário aguardar a próxima progressão.

Art. 106  A guia de recolhimento, extraída pelo escrivão, que a rubricará em todas as folhas e a assinará com o Juiz, será remetida à autoridade administrativa incumbida da execução e conterá: I - o nome do condenado; II - a sua qualificação civil e o número do registro geral no órgão oficial de identificação; III - o inteiro teor da denúncia e da sentença condenatória, bem como certidão do trânsito em julgado; IV - a informação sobre os antecedentes e o grau de instrução; V - a data da terminação da pena; VI - outras peças do processo reputadas indispensáveis ao adequado tratamento penitenciário. § 1º Ao Ministério Público se dará ciência da guia de recolhimento. § 2º A guia de recolhimento será retificada sempre que sobrevier modificação quanto ao início da execução ou ao tempo de duração da pena. § 3° Se o condenado, ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça Criminal, far-se-á, na guia, menção dessa circunstância, para fins do disposto no 2°, do artigo 84, desta Lei.

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106.1 Elementos da guia de recolhimento definitiva e provisória O artigo 106 contém os elementos que devem constar da guia de recolhimento definitiva, bem como dos anexos necessários: denúncia, sentença, acórdãos e certidão do trânsito em julgado. A Resolução nº. 113, de 20 de abril de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, traz outras disposições e modelos em anexo. A guia de recolhimento provisória tem seu marco normativo, atualmente, nos art. 8º a 11 da Resolução nº. 113, de 20 de abril de 2010, do Conselho Nacional de Justiça. O Código de Processo Penal também trata do tema entre os art. 674 e 679. De acordo com o art. 677, cópia da guia de recolhimento deve ser enviada ao Conselho Penitenciário.

Art. 107  Ninguém será recolhido, para cumprimento de pena privativa de liberdade, sem a guia expedida pela autoridade judiciária. § 1° A autoridade administrativa incumbida da execução passará recibo da guia de recolhimento para juntá-la aos autos do processo, e dará ciência dos seus termos ao condenado. § 2º As guias de recolhimento serão registradas em livro especial, segundo a ordem cronológica do recebimento, e anexadas ao prontuário do condenado, aditando-se, no curso da execução, o cálculo das remições e de outras retificações posteriores.

107.1 Condicionamento do cumprimento da pena à expedição da guia Embora deva ser adaptada à nova realidade do processo eletrônico, a regra que condiciona a prisão de alguém, para cumprimento de pena privativa de liberdade, à expedição da guia, é correta e tem por objetivo manter o controle do Estado e evitar custódias ilegais.

Art. 108  O condenado a quem sobrevier doença mental será internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.

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108.1 Superveniência de doença mental e conversão da pena em medida de segurança Se a pessoa cumpre pena e passa a ser diagnosticada com doença mental, há previsão de que ela seja internada em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, sendo a pena privativa de liberdade convertida em medida de segurança. Nesse caso, a medida de internação não pode superar o período corres­ pondente à pena remanescente.

Art. 109  Cumprida ou extinta a pena, o condenado será posto em liberdade, mediante alvará do Juiz, se por outro motivo não estiver preso.

109.1 Extinção da pena e soltura O condenado deve ser solto imediatamente, mediante alvará de soltura, nos casos de cumprimento ou extinção da pena. O ponto é a verificação da existência de outros títulos prisionais em outros processos. 109.2 Necessidade de integração de dados entre as unidades federativas É urgente e imprescindível que todos os Estados e Distrito Federal contem com sistemas integrados e dinâmicos para uma rápida averiguação sobre a existência de “outro motivo” para continuar preso, o qual pode impedir cumprimento de alvará de soltura. São diversos os casos de pessoas que poderiam estar soltas, mas não o são por conta da existência de mandados de prisão em vigor, em outros Estados, em outras regiões do País, mas que já assim constam por falta de comunicação entre os respectivos juízos.

SEÇÃO II Dos Regimes Art. 110  O Juiz, na sentença, estabelecerá o regime no qual o condenado iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade, observado o disposto no artigo 33 e seus parágrafos do Código Penal.

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110.1 Considerações gerais sobre a fixação do regime inicial de cumprimento da pena Com o trânsito em julgado da sentença condenatória e a expedição de guia de recolhimento (art. 105-107, LEP) ou guia de execução, o sujeito recém-condenado pela primeira vez é registrado no juízo de execução penal, abre-se um novo processo (executório) e passa a ser submetido ao regime inicial de cumprimento de pena definido na sentença condenatória. Caso não seja a primeira condenação, v. soma e unificação de penas no item seguinte. A pena privativa de liberdade pode ser imposta na forma de reclusão ou detenção, organizando-se na forma do sistema progressivo de cumprimento de pena. Atualmente, há três regimes previstos em lei: fechado, semiaberto e aberto, devendo ser conjugadas as regras da LEP com vários artigos constantes do Código Penal. Em suma, o que vem disposto no artigo 33 e parágrafos do Código Penal define a pena aplicada como primeiro critério para fixação do regime inicial. O que prevê a lei é que (a) todo condenado a pena maior de 8 anos sempre iniciará a execução em regime fechado; (b) o não reincidente condenado a uma pena entre 4 e 8 anos poderá iniciar a execução em regime semiaberto, logo, o reincidente condenado à pena de reclusão iniciará seu cumprimento em regime fechado; e que (c) o não reincidente condenado a uma pena igual ou inferior a 4 anos poderá iniciar a execução em regime aberto. Considerando que o verbo utilizado é “poderá”, a fixação do regime inicial guarda, aparentemente, espaços significativos de discricionariedade para o juiz da condenação. Porém, trata-se de discricionariedade vinculada, que deve atender ao dever de motivação (art. 93, IX, CR) e que vem sendo limitada pelos Tribunais Superiores: devem ser respeitados os critérios previstos no art. 59 do CP (art. 33, § 3º e art. 59, III, CP), que remetem à culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente, além dos motivos, circunstâncias e consequências do crime.

110.2 Súmulas de STF e STJ sobre a fixação do regime inicial de cumprimento de pena No mesmo sentido, exige-se relação de coerência entre a pena-base (primeira etapa da dosimetria da pena) e a fixação do regime inicial, de modo que o juiz só poderá aplicar regime inicial mais grave do que o permitido se houver efetivamente “motivação idônea” (Súmula 719/STF: “A imposição do regime de 204

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cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea”), não servindo para tanto a opinião sobre a gravidade em abstrato do crime em questão (Súmula 718/STF: “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada”). O mais importante é que, se foi fixada a pena-base no mínimo legal, é incabível a fixação de regime inicial mais gravoso que o previsto (Súmula 440/STJ: “Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito”). Nota-se que a lei não esclarece a situação do reincidente condenado a uma pena igual ou menor que 4 anos: neste caso, entendimento sumulado do STJ permite a adoção do regime semiaberto, quando favoráveis as circunstâncias judiciais, assumindo a mesma lógica de coerência para com a pena-base (Súmula 269/STJ: “É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a 4 (quatro) anos se favoráveis as circunstâncias judiciais”). No mesmo sentido, é desproporcional colocar no regime fechado sentenciado reincidente, condenado a duas penas inferiores a 4 (quatro) anos, mas que somam menos de 8 (oito) anos, ambas em regime inicial semiaberto. Correto seria, no momento de soma/unificação, a manutenção do regime semiaberto, pois compatível com as disposições do Código Penal.

110.3 Distinção entre os regimes Os regimes fechado, semiaberto e aberto (art. 33, § 1º, CP) se diferenciam, em primeiro lugar, pelo local de cumprimento da pena: estabelecimento de segurança máxima ou média, para o regime fechado; colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, para o regime semiaberto; casa de albergado ou estabelecimento adequado, para o regime aberto. A escassez de estabelecimentos de regime semiaberto e a ausência quase total de casas de albergado faz com que, na prática, seu cumprimento se dê de forma bastante diversa. Por exemplo, cada vez mais se admite o cumprimento do regime semiaberto por meio do monitoramento eletrônico, por vezes denominado “regime semiaberto harmonizado”. A detenção não permite o cumprimento em regime inicial fechado por ausência de previsão legal, em nenhuma hipótese. No caso de condenação de reincidente à pena de detenção, com quantum entre 4 e 8 anos, considera-se que a vedação do regime inicial semiaberto, no caso, só pode valer para os crimes apenados com reclusão. Logo, no caso, a pessoa deverá iniciar o cumprimento da pena de detenção em regime semiaberto, e não fechado. 205

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110.4 Violações ao princípio da individualização Podem haver limitações legais, sempre, porém, de constitucionalidade questionável em face do princípio da individualização da pena. Por exemplo, o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, estabelece a obrigatoriedade do regime inicial fechado, nos casos de condenação por crimes hediondos, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e terrorismo (art. 2º, § 1º, Lei 8.072/90), mas a posição consolidada do STF é pela inconstitucionalidade do dispositivo (STF, ARE 1052700/MG, Rel. Min. Edson Fachin, j. 03.11.2017, com repercussão geral reconhecida). Previsão similar consta para o crime de tortura (art. 1º, § 7º, Lei 9.455/97), mas sem a mesma interpretação pela inconstitucionalidade.

110.5 Adequação do regime inicial pelo juízo da execução Ainda que a fixação do regime inicial seja matéria própria do juízo de conhecimento, e não do juízo de execução, entendemos que não se trata de questão acobertada pela coisa julgada se houver excesso em desfavor do condenado. Nesse sentido, considerando que o juiz da execução tem competência tanto para decidir sobre soma ou unificação de penas (art. 66, I, LEP) como para zelar pelo correto cumprimento da pena (art. 66, VI, LEP), admite-se que, caso se constate excesso ou desvio na execução oriundo de situação de ilegalidade na definição do regime inicial, ele o modifique. É possível e adequado, do ponto de vista constitucional, que se preenchidos os demais critérios do Código Penal o regime inicial seja readequado pelo juízo da execução.

Art. 111  Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição. Parágrafo único. Sobrevindo condenação no curso da execução, somarse-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime.

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111.1 Detração e remição na unificação das penas A detração e a remição, quando houver, devem ser computadas da forma mais benéfica ao condenado. Ou seja: como pena cumprida, integrando assim a fração referente ao requisito objetivo dos direitos da execução após a soma/ unificação das penas, e não como resultado da subtração do tempo de prisão da pena total aplicada na nova sentença. Em relação à remição, esta é a regra expressa do art. 128 da LEP. A regra acima não é aplicável, porém, se for o caso de primeira e única condenação, pois nesse caso é mais favorável ao condenado que o tempo de detração e remição seja deduzido do montante total de pena, podendo alterar a fixação do regime inicial. Em tese, tal análise já deve ter sido feita pelo juízo de conhecimento, nos termos do art. 387, § 2º, do CPP, mas também pode ser feita posteriormente pelo juízo de execução. Vide entendimento do STJ no sentido narrado: “Ocorre que o art. 387, § 2º, do CPP, refere-se ao regime inicial de cumprimento de pena e não possui relação com o instituto da progressão de regime, própria da execução penal, devendo o juiz sentenciante verificar, no momento oportuno da prolação da sentença, a possibilidade de se fixar um regime mais brando em razão da detração, não havendo falar em análise dos requisitos objetivos e subjetivos” (STJ, REsp 1.716.526/MG, Rel. Min Ribeiro Dantas, j. 26.04.2018). Por outro lado, se o juízo sentenciante não tiver procedido à detração, o juízo de execução deverá fazê-lo: “Noticiado o trânsito em julgado da condenação, cabe ao Juízo das execuções verificar a possibilidade de fixação de regime de cumprimento da pena em regime mais brando, consoante os termos do art. 387, § 2º, do CPP. Precedentes” (STJ, HC 395.325/SP, 5ª T., Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 18.05.2017). O Superior Tribunal de Justiça admite a detração por prisão domiciliar: “Embora inexista previsão legal, o recolhimento domiciliar noturno, por comprometer o status libertatis da pessoa humana, deve ser reconhecido como pena efetivamente cumprida para fins de detração da pena, em homenagem ao princípio da proporcionalidade e em apreço ao princípio do non bis in idem. Precedentes” (STJ, HC 496.049/MG, Rel. Min. Felix Fischer, j. 14/05/2019). Eventual período de prisão cautelar cumprida durante o processo, com posterior soltura, deve ser detraído como parte integrante do requisito objetivo para os direitos da execução penal, e não apenas descontado da pena total. Sobre o tema, ver comentários ao item 112.11.

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111.2 Unificação provisória e prisão preventiva Admite-se a unificação provisória quando houver superveniência de decisão condenatória sem trânsito em julgado, mas com guia de recolhimento provisória expedida em face da existência de prisão preventiva em vigor. Nesse caso, a prisão preventiva deixa de existir como tal, sendo substituída pela execução provisória, sob a jurisdição do juízo de execução. O sentido da expedição da guia de recolhimento provisória é justamente o de deslocar a competência do juízo da condenação para o juízo da execução, o que necessariamente abrange decisões sobre as medidas cautelares que foram decretadas até esse momento. Passa a ser possível, por exemplo, a progressão de regime, ainda que haja recurso pendente da acusação, nos termos da Súmula 716/STF e da Resolução n º. 113/2010-CNJ. Nesse sentido, o STF reafirmou que o regime semiaberto prevalece sobre a prisão preventiva (STF, HC 180.131/MS, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 12/02/2020).

111.3 Fixação do regime de cumprimento de pena diante de pluralidade de títulos a serem executados: cenários possíveis A lei estabelece regra, no caput e no parágrafo único, voltada para nortear a fixação de regime quando houver pluralidade de títulos a serem executados em conjunto. Podemos considerar diversos cenários possíveis. a) Sendo as condenações concomitantes e da mesma natureza (por ex. priva­

tivas de liberdade na forma da reclusão), basta realizar a soma das penas, consideradas a detração e a remição; b) sendo concomitantes e de natureza distinta (por ex. privativas de liberdade e restritivas de direito), há três opções, conforme o caso: b1) a unificação das penas, com a conversão da PRD em PPL; b2) o cumpri­mento simultâneo; ou b3) o cumprimento sucessivo; c) não sendo concomitantes e tratando-se de penas privativas de liberdade, havendo condenação superveniente, segundo a regra do parágrafo único, soma-se a nova pena ao montante de pena remanescente da que já estava sendo cumprida, isso especificamente para fins de determinação do regime e sem repercussão sobre a data-base dos direitos da execução; d) não sendo concomitantes e com natureza distinta, pode-se ter ao menos duas situações: d1) a pessoa está cumprindo pena restritiva de direitos e é condenada a pena privativa de liberdade, ou d2) a pessoa está cumprindo pena privativa de liberdade e é condenada a pena restritiva de direitos. 208

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Nesses casos, haverá que se enfrentar a questão da unificação, ou não, entre penas privativas de liberdade e penas restritivas de direito, como se trata a seguir. 111.4 Unificação de pena restritiva de direitos e pena privativa de liberdade No que toca à unificação de pena restritiva de direitos e pena privativa de liberdade, há diversas soluções possíveis aventadas pelos tribunais. Por causa da garantia constitucional da coisa julgada, a melhor posição é aquela segundo a qual o juízo da execução não pode converter a pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade (situação indicada como “d2” no item anterior), até porque o art. 111 da LEP não seria aplicável às PRD24. A própria lei permite a convivência entre ambas no art. 44, § 5º, do CP, tratando da situação na qual a pessoa está cumprindo PRD e vem a ser condenada por uma pena privativa de liberdade. Por certo, a superveniência de pena privativa de liberdade não é “descumprimento injustificado” da PRD (art. 44, § 4º, CP). A única questão a se verificar é a possibilidade de cumprimento simultâneo ou concomitante. Por exemplo, uma PRD como prestação pecuniária pode ser tranquilamente cumprida simultaneamente a qualquer pena privativa de liberdade, ainda que em regime fechado. A própria prestação de serviços à comunidade é também compatível com o regime semiaberto, bastando readequar os horários. Porém, pelo entendimento jurisprudencial majoritário em regra se entende como incompatíveis as penas restritivas de direito com penas privativas de liberdade em regime fechado, admitindo-se sua convivência somente se aplicado o regime aberto e, por vezes, o semiaberto. A melhor posição é aquela que preserva a natureza de cada pena, evitando-se a centralidade absoluta da privação da liberdade: ainda que a PRD aplicada não possa ser cumprida simultaneamente, seria adequado ser cumprida sucessivamente, ou seja, após o cumprimento da pena privativa de liberdade. O caso inverso, de condenação superveniente a pena restritiva de direitos, havendo já uma execução de pena privativa de liberdade em curso, é mais grave porque não há previsão legal para a conversão da primeira em privação de liberdade, embora seja este o equivocado entendimento por vezes adotado pelos Tribunais.

Nesse sentido, ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal, p. 317.

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111.5 Ilegalidade da alteração da data-base para direitos da execução penal por causa da unificação de penas Equivocado e inadmissível o entendimento segundo o qual a superveniência de nova condenação, em sede de unificação provisória ou definitiva, enseja a redefinição da data-base da progressão de regime para a data do trânsito em julgado, ainda que somente do trânsito em julgado para a acusação. Trata-se de grave violação do sistema progressivo e da própria lógica disciplinar e premial da execução, sendo inexplicável ao preso que ele tenha seu direito à progressão postergado em decorrência de um fato novo (trânsito em julgado) sobre o qual ele não tem qualquer controle. Viola, ainda, o princípio da detração penal (art. 42, CP) e a disciplina estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça para a execução provisória da pena privativa de liberdade (Resolução nº. 113/2010-CNJ, Súmula 716/STF). A regra do art. 111, parágrafo único, visa apenas garantir a interpretação mais favorável ao apenado para fins de determinação do regime de cumprimento. Somase a nova pena ao que resta da pena anterior, a fim de verificar a possibilidade de sua manutenção em regime mais benéfico, ao invés de se somar a nova pena à integralidade da pena anterior. Em relação à progressão de regime, apenas a alteração efetiva de regime (seja por uma nova prisão, pela regressão ou pelo adimplemento do direito à progressão) e a prática de falta grave é que têm o condão de reiniciar a contagem do requisito objetivo. No caso de regressão de regime decorrente da decisão de soma ou unifi­ cação, por força da nova pena remanescente, a nova data-base da progressão é a data na qual o sentenciado foi efetivamente colocado em regime mais gravoso – por exemplo, com a regressão cautelar – e não a data da decisão nem tampouco a data do trânsito em julgado da nova condenação. Nesse sentido, o STJ unificou entendimento e fixou a tese: “A alteração da data-base para concessão de novos benefícios executórios, em razão da unificação das penas, não encontra respaldo legal. Portanto, a desconsideração do período de cumprimento de pena desde a última prisão ou desde a última infração disciplinar, seja por delito ocorrido antes do início da execução da pena, seja por crime praticado depois e já apontado como falta disciplinar grave, configura excesso de execução” (STJ, Terceira Seção, ProAfR no REsp 1753512/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 18/12/2018; STJ, RE 1.557.461/SC, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 22/02/2018). 210

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111.6 Unificação e limite máximo de 40 anos como tempo de cumprimento de pena Há, ainda, outro procedimento de unificação previsto pelo Código Penal no art. 75. Ele é especificamente voltado às situações de pena aplicada superior ao limite máximo de 40 anos de cumprimento da pena privativa de liberdade (novo limite estabelecido pela Lei 13.964/2019), e deve, por óbvio, ser interpretado dentro do contexto e da lógica do caput do mesmo artigo. De acordo com a regra do art. 75, § 2º, “sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido”. Logo, não há salvo-conduto para ninguém praticar novos crimes apenas porque já cumpriu período correspondente a quarenta ou trinta anos de prisão, pois a nova unificação indica que a contagem deste tempo-limite é reiniciada, desprezandose o período de pena já cumprido. Trata-se, portanto, de uma regra de interpretação especificamente voltada ao limite máximo dos anos de cumprimento, e não de uma regra universal capaz de produzir outras consequências, como justificar a fixação de novos termos iniciais ou data-base para os direitos da execução penal, notadamente a progressão de regime e o livramento condicional. Como já afirmado, o entendimento segundo o qual o trânsito em julgado de condenação superveniente – ainda que apenas o trânsito em julgado para a acusação – constitui nova data-base para a progressão de regime configura grave violação do sistema progressivo e da própria lógica disciplinar/premial da execução, sendo inexplicável ao preso que ele tenha seu direito à progressão postergado em decorrência de um fato novo (trânsito em julgado) sobre o qual ele não tem qualquer controle. Viola, ainda, o princípio da detração penal (art. 42, CP) e a disciplina estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça para a execução provisória da pena privativa de liberdade (Resolução nº. 113/2010-CNJ, Súmula 716/STF).

111.7 Impossibilidade de alteração da data-base nos casos de trânsito em julgado de condenação única Afinal, na situação do preso que, com apenas uma sentença condenatória, pode iniciar a sua execução de forma provisória para que tenha acesso aos direitos da execução, é evidente que o trânsito em julgado daquela mesma sentença não irá interromper a data-base para a progressão de regime, sendo a data-base aquela da prisão preventiva (STF, RHC 142.463, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., j. 12/09/2017). 211

Art. 111

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Não há fundamento jurídico razoável que justifique o tratamento jurídico distinto da decisão de unificação.

111.8 Unificação e crime continuado Outro ponto importante e frequente por ocasião da soma ou unificação de penas é a verificação de continuidade delitiva entre fatos imputados em processos criminais distintos, cada qual resultando em uma condenação. É possível e necessário que o juízo de execução, ao invés de apenas somar as penas, aplique o art. 71 do Código Penal, considerando somente a pena mais grave e aplicando a fração de majoração prevista pela lei penal.

111.9 Unificação, reincidência e coisa julgada Por fim, entendemos, em posição minoritária, ser um equívoco entender que o juízo da execução pode reconhecer a reincidência do sentenciado por conta própria, sem que tal status tenha sido afirmado em quaisquer das sentenças condenatórias. O argumento recorrente é que se trata de uma condição pessoal do sujeito (STF, RHC 176.216/MG, j. 05/02/2021): ora, ainda que o seja, como qualquer outra condição pessoal, mormente sendo circunstância agravante na dosimetria, ela deve necessariamente ser reconhecida no título executivo para que produza efeitos jurídicos na fase executória. O status de reincidente não decorre automaticamente da lei, necessitando de declaração judicial o reconhecendo no momento oportuno. Como referido, porém, a posição majoritária é distinta. Entendeu o STJ, em uniformização de entendimento, o que segue: “(...) 2. A intangibilidade da sentença penal condenatória transitada em julgado não retira do Juízo das Execuções Penais o dever de adequar o cumprimento da sanção penal às condições pessoais do réu. 3. ‘Tratando-se de sentença penal condenatória, o juízo da execução deve se ater ao teor do referido decisum, no tocante ao quantum de pena, ao regime inicial, bem como ao fato de ter sido a pena privativa de liberdade substituída ou não por restritivas de direitos. Todavia, as condições pessoais do paciente, da qual é exemplo a reincidência, devem ser observadas pelo juízo da execução para concessão de benefícios (progressão de regime, livramento condicional etc)’ (AgRg no REsp 1.642.746/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 03/08/2017, DJe 14/08/2017). 4. Embargos de divergência acolhidos para, cassando o acórdão embargado, dar provimento 212

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Art. 112

ao agravo regimental, para dar provimento ao recurso especial e, assim, também cassar o acórdão recorrido e a decisão de primeiro grau, devendo o Juízo das Execuções promover a retificação do atestado de pena para constar a reincidência, com todos os consectários daí decorrentes” (STJ, EResp 1.738.968/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 27/11/2019).

Art. 112  A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) 213

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VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) § 2º A decisão do juiz que determinar a progressão de regime será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor, procedimento que também será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) § 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente: (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018) I - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018) II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente; (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018) III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior; (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018) IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento; (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018) V - não ter integrado organização criminosa. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018) § 4º O cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício previsto no § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018) § 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 6º O cometimento de falta grave durante a execução da pena priva­ tiva de liberdade interrompe o prazo para a obtenção da progressão no regime de cumprimento da pena, caso em que o reinício da contagem do requisito objetivo terá como base a pena remanescente. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 7º O bom comportamento é readquirido após 1 (um) ano da ocorrência do fato, ou antes, após o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do direito. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

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Art. 112

112.1. Considerações gerais sobre a progressão de regime A progressão de regime é a transferência para regime menos rigoroso segundo o “mérito” do apenado. Trata-se de direito, e não regalia ou simplesmente benefício, o que dá ensejo à possibilidade de recusa à progressão por parte do condenado, caso queira permanecer em regime mais gravoso, o que é possível, por mais paradoxal que seja, podendo ocorrer para proteção da própria integridade física, para permanecer mais próximo da família ou por não aceitar as condições do novo regime. A recusa pode ocorrer também quando há projetos-piloto de “penitenciárias modelo”, em que todos os presos trabalham e estudam, não havendo condições similares no estabelecimento de regime semiaberto do local. A necessidade de aceite das condições impostas, pela pessoa presa, é regra expressa para o regime aberto (art. 113, LEP) e para o livramento condicional (art. 137, III, LEP), podendo ser também aplicada ao regime semiaberto. A progressão é fundada no mérito (art. 33, § 2º, CP) e na ideia de, por um lado, tornar a execução da pena flexível – ou seja, mais dura ou mais branda – conforme o comportamento do condenado; e por outro, estabelecer um processo gradual de readaptação do apenado através de sua paulatina reinserção na convivência em comunidade. Cumpridos os requisitos (a) temporal e (b) disciplinar, transfere-se, em decisão motivada, com oitiva da Defesa e do Ministério Público, o apenado do regime fechado para o regime semiaberto, ou do regime semiaberto para o regime aberto. É possível a concessão de ofício pelo juiz de execução, bem como a criação, pela via dos sistemas informatizados, de mecanismos de instauração automática de incidentes e até de reconhecimento imediato do direito à progressão quando o comportamento for regular ou bom. Há, ainda, requisitos específicos para o caso da progressão de regime semiaberto ao aberto e requisitos específicos para condenados por crime contra a Administração Pública.

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112.2 Requisito objetivo ou temporal: sistematização após alterações das Leis 13.769/2018 e 13.964/2019 112, Inciso

Fato anterior a 23/01/2020

Fato cometido a partir de 23/01/2020 (novo art. 112, LEP)

I

Crime comum sem violência ou grave ameaça à pessoa – Primário

16% (retroage)

16%

II

Crime comum sem violência ou grave ameaça à pessoa – Reincidente específico

16,66% ou 1/6

20% ou 1/5

III

Crime comum com violência ou grave ameaça à pessoa – Primário

16,66% ou 1/6

25% ou 1/4

IV

Crime comum com violência ou grave ameaça à pessoa – Reincidente específico

16,66% ou 1/6

30%

V

Crime Hediondo ou Equiparado sem resultado morte – Primário

40% ou 2/5

40% ou 2/5

VI

Crime Hediondo ou Equiparado com resultado morte – Primário

40% ou 2/5

50% ou ½

VII

Crime Hediondo ou Equiparado sem 60% ou 3/5 resultado morte – Reincidente específico

60% ou 3/5

VII

Crime Hediondo ou Equiparado com 60% ou 3/5 resultado morte – Reincidente específico

70%

VI

Comando de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado

50% ou ½

VI

Crime de constituição de milícia privada

§ 3º

Mulher gestante ou mãe/responsável por criança ou pessoa com deficiência – v. requisitos abaixo

50% ou ½ 1/8

1/8

As frações constitutivas do requisito temporal para a progressão de regime foram substancialmente alteradas pela Lei 13.964/2019, além da importante inclusão, em 2018, da progressão especial para mulheres mães ou gestantes. No quadro acima, consta a indicação do “antes e depois” em cada situação porque, por um bom tempo, será fundamental verificar a data do fato objeto da condenação para identificar qual é a fração correta em cada caso. Afinal, com exceção do inciso I, todas as demais modificações são desfavoráveis ao réu e não retroagem, considerando que as normas de execução da pena têm natureza de direito material. Esse é o entendimento pacífico já expresso em relação às frações majoradas para crimes hediondos ou equiparados, as quais somente se aplicavam a crimes praticados após a data de início de vigência da Lei 11.464, que é de 28 de março de 2007 (Súmula 471/STJ). Em relação especificamente a crimes hediondos ou equiparados, portanto, a seguinte sistematização é possível: 216

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Fato anterior a A partir de 28/03/2007 28/03/2007 (S. 471-STJ) e anterior a 23/01/2020

Fato cometido a partir de 23/01/2020 (novo art. 112, LEP)

Crime Hediondo ou Equiparado – Primário – Sem resultado morte

1/6

40% ou 2/5

40% ou 2/5

Crime Hediondo ou Equiparado – Primário – Com resultado morte

1/6

40% ou 2/5

50% ou ½

Crime Hediondo ou Equiparado – Reincidente específico – Sem resultado morte

1/6

60% ou 3/5

60% ou 3/5

Crime Hediondo ou Equiparado – Reincidente específico – Com resultado morte

1/6

60% ou 3/5

70%

Em qualquer caso, se o crime hediondo ou equiparado tiver sido cometido por mulher gestante ou mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, preenchidos os demais requisitos do art. 112, § 3º, a fração para progressão será de 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior. Trata-se de aplicação lógica do princípio da especialidade e da literalidade da vontade legislativa expressa na alteração concomitante do art. 2º, § 2º, da Lei de Crimes Hediondos pela Lei 13.769/2018. A revogação do dispositivo legal pela Lei 13.964/2019 não altera quaisquer desses fundamentos. De todo modo, se for este o entendimento, tratarse-á de alteração mais gravosa que só poderá incidir para crimes praticados a partir de 23/01/2020. Já se discutia a redação do art. 2º, § 2º, da Lei de Crimes Hediondos – parágrafo revogado pela Lei 13.964/2019 – sobre a melhor interpretação para o conceito de reincidência e a aplicação da fração de 60% ou 3/5 (três quintos) da pena para progressão. A primeira edição destes Comentários defendeu a tese minoritária, segundo a qual o requisito de 3/5 (três quintos) seria exigido somente para o reincidente em crime hediondo, não se aplicando, por exemplo, no caso de reincidência advinda da prática de um crime comum e um crime hediondo, com ao menos três argumentos: a) interpretação literal do disposto no art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90, segundo o qual a progressão de regime ali seria tratada para “crimes previstos neste artigo”. Assim, embora seja efetivamente genérico o conceito de reincidência do art. 63 do CP, não o seria aquele do art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90, pois a expressão “neste artigo” indica que todo o ali disposto só se aplica àqueles crimes, ou seja, aqueles previstos no rol taxativo do art. 2º da Lei de Crimes Hediondos. 217

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Trata-se de argumento que preza pela preservação da natureza sistemática das regras da execução penal, juridicamente viável porque a legislação brasileira ora trabalha com um conceito genérico de reincidência, ora com um conceito específico, não havendo uma opção exclusiva em favor de um ou outro, sendo caso ainda de aplicação do princípio do favor-rei25; b) respeito ao princípio da proporcionalidade, compreendido como parâmetro de escolha e ponderação entre soluções/interpretações possíveis e que vem sendo utilizado como fundamento para controle de constitucionalidade. A interpretação segundo a qual o conceito de reincidência do art. 2º, § 2º, da LCH, se referia à reincidência genérica seria, nesse sentido, inconstitucional porque trata de forma igual situações definidas como desiguais pelo ordenamento jurídico-constitucional, quando estabelece mandamento de tratamento distinto aos crimes definidos como hediondos (art. 5º, XLIII, CR). Nessa esteira, um condenado reincidente específico em crime hediondo deve receber tratamento mais rigoroso, em abstrato, do que o condenado reincidente genérico em um crime comum e outro hediondo; E c) violação do direito à segunda progressão (do semiaberto ao aberto), a qual pode ser, na prática, inviabilizada pela incidência da fração. Vale o registro, inclusive, da posição sustentada por ROIG, segundo a qual as frações até então exigidas pela Lei de Crimes Hediondos (2/5 ou 3/5) aplicar-se-iam apenas à primeira progressão (do fechado para o semiaberto), por interpretação do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, devendo ser aplicada a fração de 1/6 (um sexto) no pedido de progressão do regime semiaberto ao aberto26. Com a revogação do art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90 e a reestruturação do art. 112 da LEP, embora as frações não tenham sido alteradas – foram elevadas somente para os casos com resultado morte – a redação sobre esse debate se apresenta, propositadamente ou não, mais clara e elucidativa. O art. 112, VII, estabelece a fração de 60% ou 3/5 (três quintos) “se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado”, explicitando a opção por um conceito de reincidência específica. O mesmo raciocínio vale para o inciso VIII (com resultado morte), aplicável “se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado”. Portanto, milhares de processos executórios que aplicam a fração de 3/5 (três quintos) para condenações por crime hediondo, sendo reincidência genérica, devem retificar o cálculo para os percentuais de 40% (sem resultado morte) ou 50% (com resultado morte). Para os Juízos de Execução Penal que adotavam a

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal, p. 317.

25

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal, p. 331.

26

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posição majoritária até a promulgação da Lei 13.964/2019 se trata de norma mais benéfica e que deve retroagir, devendo se determinar a retificação dos respectivos relatórios de situação processual executória e atestados de pena, procedendo-se ao cálculo discriminado ou diferenciado. Vai nesse sentido a posição consolidada na jurisprudência (v. leading cases em ambas Turmas: STJ, HC 581.315/PR, 6ª T., j. 06.10.2020; STJ, AgRg no HC 616.267/SP, 5ª T., j. 09/12/2020), após alguma divergência nos Tribunais estaduais. O argumento minoritário pela inexistência de diferenciação entre reincidência genérica e específica na nova redação é insustentável: chegou-se a apelar até mesmo para “o espírito rigoroso da Lei 13.964/19” para defender outra interpretação, segundo a qual haveria “mera atecnia”. O texto legal, porém, é muito claro. Por fim, alteração promovida pela 13.964/2019 dispõe que o tráfico privilegiado não tem natureza de crime equiparado a hediondo “para os fins deste artigo”. Descabido seria afirmar que a regra vale apenas para a progressão de regime. A exclusão da natureza de crime equiparado a hediondo havia sido, antes da alteração legislativa, afirmado pelo STF no HC 118.533/MS, julgado em 23/06/2016 e que tratava de um pedido de livramento condicional.

112.3 Requisito objetivo ou temporal: lacuna em relação à reincidência genérica (incisos II, IV, VII e VIII) Nas quatro vezes em que o art. 112 se refere à reincidência, ele utiliza claramente noções de reincidência específica, ou seja, a reiteração da mesma categoria de crime ali referida. No inciso II, estabelece a fração de 20% para o reincidente “em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça”. No inciso IV, estabelece a fração de 30% para o reincidente “em crime cometido com vio­lência à pessoa ou grave ameaça”. No inciso VII, estabelece a fração de 60% para o reincidente “na prática de crime hediondo ou equiparado”, sem resultado morte. No inciso VIII, por fim, estabelece a fração de 70% para o reincidente “em crime hediondo ou equiparado com resultado morte”. O problema está nas situações em que a pessoa seja reincidente genérica, e não específica. Naturalmente, a incidência de diferentes frações demanda o cálculo discriminado e um requisito misto. Porém, não há frações previstas para tais casos. Por exemplo: se a pessoa tem duas condenações, a primeira por furto, como réu primário, e a segunda por qualquer uma das situações acima referidas (um roubo simples, um tráfico de drogas, um homicídio, etc), como reincidente, é incontroverso que a primeira pena terá a fração de 16% (inciso I), mas não há fração prevista no art. 112 para a segunda condenação. 219

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Diante da lacuna, a combinação do art. 2º da LEP – que autoriza a incidência do CPP – e do art. 3º do CPP – que admite “interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito” – conduz à conclusão de que a única saída é aplicar, em casos assim, a fração de patamar imediatamente abaixo, nos seguintes termos: a) Condenação por crime comum sem violência ou grave ameaça à pessoa e reincidência genérica: fração de 16% (inciso I). b) Condenação por crime comum com violência ou grave ameaça à pessoa e reincidência genérica: fração de 25% (inciso III). c) Condenação por crime hediondo ou equiparado sem resultado morte e reincidência genérica: fração de 40% (inciso V). d) Condenação por crime hediondo ou equiparado com resultado morte e reincidência genérica: fração de 50% (inciso VI, “a”). A proposta é que nas quatro hipóteses seja aplicada a fração correspondente à situação de primariedade, já que equiparar a reincidência genérica ao requisito legal da reincidência específica consistiria em violação do princípio da reserva legal. Já é esta, acertadamente, a posição prevalente na 5ª e 6ª Turmas do STJ, conforme precedentes citados no item anterior (STJ, HC 581.315/PR, 6ª T., j. 06.10.2020; STJ, AgRg no HC 616.267/SP, 5ª T., j. 09/12/2020) e também em casos envolvendo crime comum (STJ, HC 661.976/SP, liminar de 29/04/2021). Vale observar, por fim, que a aferição quanto à natureza favorável ou desfavorável ao réu das alterações dos requisitos objetivos deve ser feita por condenação, seguindo a mesma lógica da aplicação de cálculo discriminado ou diferenciado quando há pluralidade de condenações. Percentual mais gravoso não pode, em nenhuma hipótese, retroagir, ainda que, no mesmo processo executório, seja aplicável percentual mais benéfico em retroação para outra condenação. Cuida evitar interpretações que só admitam aplicar a nova redação do artigo 112 “na íntegra”, o que conduz a violação do princípio da legalidade, posto que a lei posterior que de qualquer modo favorecer o agente aplica-se aos fatos anteriores (art. 2º, parágrafo único, CP).

112.4 Requisito objetivo ou temporal: progressão especial de regime para mulheres (Lei 13.769/2018) A Lei 13.769, de 2018, na esteira da decisão do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus coletivo 143.641/SP, o qual abrangeu somente medidas cautelares de privação da liberdade, inseriu hipótese de progressão especial, exigindo fração 220

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de cumprimento de pena de apenas 1/8 (um oitavo) para mulheres gestantes, mães ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência. Entende-se criança a pessoa com até doze anos de idade incompletos, nos termos do art. 2º da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). A flexibilização de direitos da execução penal para mulheres gestantes e mães tem o amparo das Regras de Bangkok (Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratores, 2010) – vide, nesse sentido, a Regra 64: “Penas não privativas de liberdade para as mulheres gestantes e mulheres com filhos/as dependentes serão preferidas sempre que for possível e apropriado, sendo a pena de prisão considerada apenas quando o crime for grave ou violento ou a mulher representar ameaça contínua, sempre velando pelo melhor interesse do/a filho/a ou filhos/as e assegurando as diligências adequadas para seu cuidado”. Os demais requisitos legais são: a) crime sem violência ou grave ameaça a pessoa (art. 112, § 3º, I); b) que o filho ou dependente não seja a vítima do crime (art. 112, § 3º, II); c) trate-se de ré primária e com bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento (art. 112, § 3º, IV) e d) não tenha integrado organização criminosa (art. 112, § 3º, V). A lei de 2018 também alterou a redação do art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90, deixando explícito e muito claro que a nova regra prevaleceria sobre as frações majoradas para crimes hediondos ou equiparados. Como já registrado acima, portanto, a regra especial é aplicável às condenações por crime hediondo ou equiparado. Trata-se de aplicação lógica do princípio da especialidade e da literalidade da vontade legislativa expressa na alteração concomitante do art. 2º, § 2º, da Lei de Crimes Hediondos pela Lei 13.769/2018. A revogação do dispositivo legal pela Lei 13.964/2019 não altera quaisquer desses fundamentos. De todo modo, se for este o entendimento, trata-se de alteração mais gravosa que só pode recair sobre crimes praticados a partir de 23/01/2020. Trata-se de questão decisiva para a efetividade da alteração legislativa, considerando que dados do Infopen Mulheres 201727 apontam que cerca de 60% (sessenta por cento) das mulheres presas cumprem pena pelo crime de tráfico de drogas (art. 33, Lei 11.343/6), o qual, quando não for “privilegiado”, é considerado equiparado a hediondo.

Relatório Temático sobre Mulheres Privadas de Liberdade - Junho de 2017, Infopen Mulheres, divulgado em 27 de novembro de 2019, referente a dados de junho de 2017. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. RELATÓRIO TEMÁTICO SOBRE MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE – JUNHO DE 2017. Disponível em: < http://depen.gov.br/DEPEN/depen/ sisdepen/infopen-mulheres/copy_of_Infopenmulheresjunho2017.pdf >.

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A exigência cumulativa dos requisitos listados para a progressão especial abriu espaço, desde a promulgação da alteração legislativa, para a exigência de provas documentais que acabam por constituir entraves burocráticos de difícil transposição – uma das razões da dificuldade de alcance de efetividade da regra. A comprovação da condição de gestante é mais simples e pode ser levada a juízo pela mulher, pela defesa ou pelo próprio estabelecimento penal, após a adequada certificação ou “teste de farmácia”. Do mesmo modo, tratando-se de lactante, a própria direção do estabelecimento deve certificar a existência de recémnascido ou criança pequena vivendo dentro do cárcere sob cuidados da genitora. Os entraves aumentam na necessidade de comprovação de maternidade de criança ou pessoa com deficiência que se encontra fora do cárcere e, sobretudo, na comprovação da “responsabilidade” mencionada na lei, ou seja, da necessidade da presença da mãe para proceder aos cuidados da criança ou pessoa com deficiência. Em muitos casos, não há certidão de nascimento disponível e até a localização da criança ou pessoa com deficiência é de difícil obtenção. A jurisprudência, como regra, colocou-se em posição de resistência explícita à aplicação tanto da ordem concedida pelo STF no HC coletivo 143.641/SP (prisões preventivas) como da nova progressão especial de regime (execução penal). Os argumentos são similares: a mera condição de mãe não seria “suficiente” para fazer jus à progressão especial, devendo a defesa demonstrar a “imprescindibilidade” da genitora para os cuidados e o crescimento adequado dos infantes, o que acaba passando pela exigência – não prevista em lei – de inexistência de qualquer outro familiar que possa se responsabilizar pela criança. Todavia, a redação do art. 112, § 3º, da LEP, fala em mãe ou responsável, indicando claramente que a responsabilidade é presumida no caso da condição de mãe. Eventual instrução complementar para apuração da imprescindibilidade da presença da mulher só é compatível com o princípio da legalidade quando tratar de situação em que não seja a própria genitora a fazer o requerimento. A Resolução 369/2021, do Conselho Nacional de Justiça, reforça esta posição. Embora se dirija ao cumprimento das ordens coletivas de habeas corpus concedidas pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal nos HCs nº 143.641/SP e nº 165.704/DF, os requisitos são juridicamente os mesmos. A Resolução dispõe que a autoridade judicial deve “conferir credibilidade à palavra da pessoa custodiada em caso de indisponibilidade do sistema e em relação à guarda do filho, criança ou pessoa com deficiência que esteja sob sua responsabilidade” (art. 4º, II) e, principalmente, considerar a “presunção legal de indispensabilidade dos cuidados maternos”, a “presunção de que a separação de mães, pais ou responsáveis, de seus filhos ou dependentes afronta o melhor interesse dessas pessoas, titulares 222

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de direito à especial proteção” e a “desnecessidade de comprovação de que o ambiente carcerário é inadequado para gestantes, lactantes e seus filhos“ (art. 4º, § 6º, “b”, “c”e “d”). Exige-se que o crime não tenha, em seus elementos, violência ou grave ameaça a pessoa, e que a vítima não seja o próprio filho ou dependente. O requisito disciplinar é o mesmo das demais hipóteses de progressão: bom comportamento, comprovado pelo diretor do estabelecimento por meio de certidão. Exige também a primariedade da mulher presa. Não há previsão legal de um status intermediário entre o reincidente e réu primário. O conceito de reincidente, a seu turno, é delimitado pelo art. 64 do Código Penal e não comporta interpretações ampliativas em sede executória. Ou seja: para aferir a primariedade da requerente, o parâmetro a ser observado é o que consta na(s) guia(s) de recolhimento que constitui(em) o(s) título(s) a ser(em) executado(s). Eventual pluralidade de processos criminais não significa, necessariamente, ausência de primariedade. A lei não exige bons antecedentes, e sim primariedade, o que equivale, tecnicamente, à não-reincidência. A derradeira exigência legal que, desde 2018, constitui entrave de difícil transposição à efetivação da progressão especial é o requisito de “não ter integrado organização criminosa” (art. 112, § 3º, V ,LEP). Novamente, tem-se utilizado interpretações extensivas ou mesmo analogias in malam partem em violação ao princípio da legalidade. A referência aqui é ao entendimento segundo o qual o termo “organização criminosa” se refere não ao conceito específico dado pela Lei 12.850/2013 (art. 1º, § 1º), mas a qualquer delito praticado em concurso de pessoas com vínculo associativo, como o art. 35 da Lei 11.343/2006 (associação para o tráfico). Ocorre que os elementos típicos do art. 35 da Lei de Drogas são distintos do conceito específico da lei de organização criminosa. Enquanto o primeiro demanda a associação de 2 (duas) ou mais pessoas reunidas reiteradamente para a prática do delito de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, o segundo exige a participação de 4 (quatro) ou mais pessoas, estruturalmente organizadas, com divisão de tarefas bem definidas entre seus membros e voltada a prática de infrações penais com pena máxima superior a 4 (quatro) anos ou de caráter transnacional. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça entendeu, em 2019, nesse mesmo sentido, rejeitando a equiparação de condenação pelo art. 35 da Lei de Drogas ao conceito de “organização criminosa” referido na LEP: “Nota-se que os conceitos dos tipos penais acima descritos não se confundem, de forma que o acórdão impugnado incorreu em constrangimento ilegal ao equiparar as duas condutas, notadamente porque na seara do Direito Penal impõe-se observância ao princípio da taxatividade, não podendo 223

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haver interpretação extensiva em prejuízo do réu. (...). “(STJ, HC 539.119/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 05/12/2019). Por fim, dispõe o art. 112, § 4º que “o cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício previsto no § 3º deste artigo”. Não há impedimento legal à reiteração do pedido de progressão especial após a reabilitação da falta grave e recuperação do bom comportamento, desde que preenchidos os demais requisitos.

112.5 Requisito objetivo misto e cálculo discriminado Quando houver cumulação de crime comum e hediondo, ou quando houver qualquer cumulação entre situações executórias com frações distintas (v. tabela no item 112.1) tem-se o chamado requisito temporal misto. Nesses casos, deve-se realizar o cálculo diferenciado ou discriminado, tomando-se as penas separadamente apenas para o cálculo do requisito. Por exemplo: imagine-se uma condenação a 21 anos de reclusão, sendo 15 anos referente a um crime hediondo (com fração de 40%) e 6 anos referente a um crime comum (com fração de 16%). Para se calcular o requisito misto, deve-se calcular 2/5 (dois quintos) de 15 anos, igual a 6 anos, somado a 1/6 (um sexto) de 6 anos, igual a pouco menos 1 ano, resultando na fração real de aproximadamente 7 anos. Com o aumento significativo do número possível de frações para a pro­ gressão, aumenta também a complexidade e o número de situações em que se faz necessário o cálculo discriminado ou diferenciado. O fundamental é que a execução de um título executivo (condenação certificada pela guia de recolhimento definitiva ou provisória) respeite o título que será executado. Parece óbvio, mas é preciso sempre reafirmar essa obviedade muitas vezes esquecida no cotidiano forense. A fração aplicável é aquela adequada ao status do condenado quando emitida a respectiva guia de recolhimento (v. item 112.6).

112.6 Requisito objetivo misto no concurso de crimes É ainda possível, em tese, que haja concurso formal próprio entre crime comum e crime hediondo. De acordo com a regra do art. 70, do CP, aplica-se apenas a pena mais grave, aumentada de um sexto até a metade. Embora somente o resultado final seja informado no processo de execução, será necessário olhar cuidadosamente a sentença condenatória e proceder ao cálculo discriminado, pois não é correto que a fração maior (2/5 ou 3/5) incida 224

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também sobre a fração de aumento do concurso formal que decorre de crime comum. Nesse ponto, o quantum de pena correspondente à fração de aumento deverá servir como base de cálculo para fração de 1/6 (um sexto) da pena, para fins de progressão de regime. O mesmo raciocínio deverá servir ao livramento condicional. Ainda sobre concurso de crimes, pode-se tratar de uma questão bastante peculiar, mas possível, sobretudo nos crimes sexuais alterados pela Lei 12.015/2009: um crime continuado que inicia em período no qual ele receberia a fração de 1/6 (um sexto), mas quando cessa a continuidade delitiva a lei prevê a aplicação da fração de hediondo (2/5 ou 3/5). Por exemplo, um estupro de vulnerável continuado praticado entre 2004 e 2009, considerando que apenas fatos praticados a partir de 29 de março de 2007 é que receberão a fração referente ao crime hediondo. Ora, o procedimento mais correto e coerente é também fazer o cálculo discriminado, devendo se separar pena e fração de aumento pela continuidade delitiva, sob pena de violação do princípio da irretroatividade da lei penal mais severa. O entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal segundo o qual “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a vigência é anterior à cessão da continuidade ou da permanência” (Súmula 711/STF) não se aplica nem pode ser aplicado à execução penal porque os precedentes que o embasam tratam de processos de conhecimento, em situações juridicamente muito distintas.

112.7 Ilegalidade da aplicação retroativa de fração mais gravosa Inadmissível ignorar a garantia constitucional da coisa julgada e aplicar as quatro frações mais gravosas relativas à reincidência específica (art. 112, II, IV, VII e VIII) de forma retroativa, ou seja, à execução de uma pena originalmente aplicada ao apenado como réu primário. Imagine-se a situação de condenado, primário, por crime hediondo sem morte, e que é condenado por outro crime hediondo, sem morte, agora como reinci­dente, fazendo-se a unificação das penas. A primeira condenação deverá receber a fração de 40% e a somente a segunda condenação deverá ser tratada com a fração de 60%. Da mesma forma: se a pessoa for condenada duas vezes, por exemplo, por roubo simples, não hediondo, sendo primária, na primeira vez, e reincidente, na segunda, as frações aplicáveis, no cálculo misto, serão respectivamente 25% (art. 112, III) e 30% (art. 112, IV), constituindo grave equívoco e um atentado à coisa julgada a eventual aplicação do percentual de 30% à soma das duas penas. 225

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O raciocínio vale para todas as situações que combinem a aplicação de percentuais distintos como requisito objetivo para a progressão. No entanto, parte da jurisprudência ainda entende que a reincidência é uma circunstância pessoal subjetiva e por isso se estenderia a todas as penas em execução, fazendo incidir a fração mais gravosa sobre a integralidade da pena (por exemplo, STJ, HC 307.180/RS, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., j. 16/04/2015). O entendimento está profundamente equivocado e configura excesso de execução. A reincidência é sim circunstância agravante de natureza subjetiva, mas de forma estritamente vinculada ao fato punível que é objeto de formação do título executivo. Nesse caso, estar-se-ia a aplicar tal circunstância sobre a execução de uma pena que sequer recebeu tal agravante, pois à época o apenado era primário. Não há qualquer autorização legal para tal procedimento. Trata-se, com efeito, de uma espécie de revisão da pena pro societate que não encontra resguardo em nenhum fundamento legal. O leading case no qual o STF afirmou a constitucionalidade da reincidência (STF, RE 453.000/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 04/04/2013) teve por principal fundamento o princípio da individualização da pena. Em vários votos, ficou assentado que o conceito de reincidência não seria inconstitucional exatamente por não repercutir no delito anterior, mas apenas no posterior, “porque voltou a delinquir apesar da condenação havida”. Em seu voto acompanhando o Relator, a Min. Rosa Weber foi bastante clara ao registrar: “Entendo que não há bis in idem, que se trata apenas de valorar negativamente a escolha do agente em voltar a delinquir, do que resulta maior o juízo de censura em relação a essa nova conduta praticada, e não uma nova punição em relação ao crime pretérito”. O que se faz quando o status de reincidente retroage e alcança a fração da condenação pelo crime pretérito é exatamente o oposto do que a Suprema Corte coloca em sua argumentação, com repercussão geral. Pode-se dizer, portanto, que a aplicação retroativa do status de reincidente viola o princípio da individualização e atenta contra a decisão do STF.

112.8 Desconto do tempo de pena remido como pena cumprida Ao se descontar o tempo de pena remido, adota-se, nos termos do art. 128 da LEP, a regra segundo a qual tempo remido é considerado pena cumprida, quantum que será somado ao montante de pena já cumprida a fim de verificar se já foi alcançada a fração exigida para a progressão. Todavia, é possível que seja verificada remição de pena por trabalho ou estudo realizados antes da atual database, ou seja, antes de marco interruptivo do requisito temporal para a progressão 226

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(por exemplo, o preso já progrediu ao semiaberto, mas pede a remição por período trabalhado na unidade de regime fechado, antes da progressão). Nesse caso, não havendo previsão legal expressa, deve prevalecer o entendimento mais benéfico à pessoa presa, qual seja, a aplicação do art. 128 e o cômputo do tempo remido como pena cumprida, como se o período de trabalho ou estudo tivesse ocorrido já em regime semiaberto. Alternativamente, pode-se ainda contabilizar o tempo remido deduzindo da pena total, para que a remição efetivamente contribua para a aproximação do alcance do direito a nova progressão.

112.9 Requisito objetivo na segunda progressão e data-base Em relação à contagem do requisito temporal nos casos da segunda progressão, ou seja, quando já houve a progressão do fechado ao semiaberto e se está a analisar a progressão do semiaberto ao aberto, algumas questões práticas vêm à tona, como aquela sobre a incidência da fração, na segunda progressão, sobre a pena restante, e não sobre a pena total. Ponto muito importante diz respeito à natureza jurídica da decisão conces­ siva da progressão de regime e qual seria a data-base da segunda progressão. O Supremo Tribunal Federal entendeu, acertadamente, ser declaratória a decisão de progressão, e não constitutiva (STF, HC 115.254-SP, 2ª T., DJ 26.02.2016)28. Portanto, começa a contagem do tempo para a segunda progressão na data em que o apenado conquista o direito à primeira progressão, independentemente do atraso na realização e no julgamento do pedido. Dessa forma, parece superado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça pela impossibilidade de progressão diretamente do regime fechado ao aberto (“progressão por salto”), inadmitida pela Súmula 491/STJ. A Defensoria Pública da União apresentou proposta de Súmula Vinculante com este teor: “Na execução da pena, o marco para a segunda progressão de regime é a data em que o apenado preencher o requisito objetivo (fração de pena) da primeira progressão, e não a data da decisão judicial ou do início do cum­primento da reprimenda no regime anterior, sendo de natureza declaratória a decisão judicial que reconhece o direito a progressão” (STF, PSV 137). Até o fecha­mento desta edição, a proposta não fora decidida pelo STF.

Sobre, v. CACICEDO, Patrick. “A natureza declaratória da decisão de progressão de regime: notas sobre o julgamento do HC 115.254 no Supremo Tribunal Federal”. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 124, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 357-368.

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Incabível fixar a data-base da segunda progressão na data de conclusão do exame criminológico, quando houver. Seguindo o entendimento do STF referido acima, a data-base é aquela do alcance do requisito objetivo da primeira progressão (STJ, HC 638.702/SP, 6ª T., j. 09/03/2021).

112.10 Falta grave e data-base da progressão Segundo entendimento jurisprudencial prevalente nos Tribunais Superiores (Súmula 534/STJ: “A prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a progressão de regime de cumprimento de pena, o qual se reinicia a partir do cometimento dessa infração”), a confirmação judicial de falta grave implica em interrupção da contagem da fração de pena cumprida para que se pleiteie a progressão de regime. A Lei 13.964/2019 enfim inseriu a autorização legal para este procedimento, com a inclusão do art. 112, § 6º: “O cometimento de falta grave durante a execução da pena privativa de liberdade interrompe o prazo para a obtenção da progressão no regime de cumprimento da pena, caso em que o reinício da contagem do requisito objetivo terá como base a pena remanescente”. O argumento prevalente no STF, antes de haver previsão legal, era que, não fosse esta regra, a hipótese de cometimento de falta grave por preso em regime fechado configuraria uma situação despida de sanção (STF, HC 85.141/SP, Rel. Min. Carlos Britto, j. 05/04/2005), pois não seria cabível a regressão de regime por já estar o apenado em regime fechado. Ora, se o argumento era ou não razoável, ele serviria somente como motivação para projeto de lei e debate no Congresso Nacional. A questão sempre foi formal e relativa à inadmissibilidade de criação jurisprudencial de uma nova espécie de sanção, sem previsão legal. Não há argumento que justifique semelhante violação dos limites da interpretação – que deve ser sempre restritiva. Ademais, o cometimento de falta grave implica diversas consequências gravosas, não só pode acarretar a regressão de regime (art. 118, I, LEP) como também a perda dos dias remidos (art. 127, LEP), mas, principalmente, um registro que fatalmente será levado em conta na aferição do requisito disciplinar exigido para a progressão de regime e que poderá, por isto, acarretar em sua não-concessão. Logo, não apenas é gravíssimo que se cogite a criação de uma sanção na execução penal à revelia da legalidade, como fazê-lo parece inócuo e desnecessário se o objetivo último é evitar a progressão de regime ao condenado que tenha cometido falta grave. Com base justamente no princípio da legalidade, outras súmulas do próprio STJ vão em sentido oposto, negando que a falta grave possa constituir marco interruptivo da contagem do requisito temporal do livramento condicional 228

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(Súmula 441/STJ) e da comutação ou indulto (Súmula 535/ STJ). Na sua jurisprudência, ainda, firmou tese de que a falta grave não interrompe a database para saída temporária e trabalho externo (STJ, AgRg nos EDv nos EREsp n. 1.755.701/RS, Min. Nefi Cordeiro, Terceira Seção, DJe 19/6/2019; HC 557.783/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., j. 18/02/2020). Todos esses argumentos, que até a inserção do art. 112, § 6º serviam de base para a crítica da interrupção da contagem sem previsão legal, tornam-se agora fundamentos para a defesa da tese de sua irretroatividade. Como negar que se trata de alteração de direito material? O mais correto é, enfim, que o dispositivo incida somente sobre execuções relativas a fatos praticados a partir de 23 de janeiro de 2020, data de início de vigência da Lei 13.964/2019. A nova data-base será sempre a data da falta, e não a data da sanção disciplinar ou qualquer outra possível, tendo como base de cálculo a pena remanescente.

112.11 Data base da progressão em caso de prisão cautelar com soltura durante o processo Considere a hipótese de pessoa que respondia solta a processo criminal e acaba de ser presa para que se dê início à execução de sua pena em regime fechado. Se essa pessoa foi presa preventivamente, sendo posteriormente solta, como deve ser computado o período de prisão preventiva? Não basta deduzir o tempo transcorrido do montante da pena total. Mais justo parece é considerar esse período como parte do requisito objetivo para a progressão de regime. Para tanto, a data base deve ser fixada na data da primeira prisão (preventiva). Embora a contagem do tempo pare no dia da soltura, não há aqui causa de interrupção do requisito objetivo com reinício da contagem. Mais uma vez, é importante buscar coerência e proporcionalidade em relação à disciplina da execução provisória pro reo (Súmula 716/STF). Nesse sentido: “Para fins do cálculo do requisito objetivo estabelecido no artigo 112 da Lei de Execução Penal, computa-se a totalidade do prazo de prisão cumprido, seja provisória ou por força de decisão condenatória definitiva, sendo irrelevante o fato de ter o paciente sido solto provisoriamente entre tais marcos. O período de pena detraído deve integrar o cálculo para a concessão dos benefícios pleiteados em sede de execução penal” (STJ, HC 65.496/RJ, Rel. Min. Jane Silva, DJ 24/09/2007). 229

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Portanto, havendo somente uma condenação e sem o cometimento de falta grave, a data-base será aquela do início da prisão cautelar (STJ, HC 645.920/MG, j. 30/04/2021), ainda que a prisão preventiva tenha sido interrompida.

112.12 Requisito temporal da progressão de regime e do livramento condicional no caso de condenações a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a quarenta anos Coerentemente ao mandado constitucional que veda a prisão perpétua (art. 153, XI, CR), o Código Penal estabeleceu o limite de trinta anos para a cumprimento de pena privativa de liberdade, limite este elevado para quarenta anos pela Lei 13.964, de 2019, sendo o novo limite aplicável para atos praticados a partir da vigência da nova lei (art. 75, caput e § 1º, CP). O texto legal afirma que, no caso da soma das penas aplicadas ultrapassar tal limite, ocorrerá a sua unificação a fim de que se o atenda: “Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo” (art. 75, § 1º, CP). O tema, porém, suscita grande divergência em relação à consideração da pena unificada – e não da pena aplicada – na contagem do requisito temporal da progressão de regime e do livramento condicional. Argumenta-se que o limite de 40 ou 30 anos se refere ao tempo de cumprimento e não constitui parâmetro para a concessão de benefícios da execução. O raciocínio opera como se houvesse duas penas, uma virtual que serviria de base para o cálculo dos requisitos temporais concernentes à progressão de regime e ao livramento condicional e outra, “unificada”, a ser realmente cumprida. A pena “unificada”, segundo a corrente interpretação, diferencia-se da pena “aplicada”, que viria tão-somente a se exaurir quando atingido o limite legal. O STF tem, hoje, posição consolidada, a qual culminou na edição da Súmula 715 em 24 de setembro de 2003, segundo a qual “A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução”. A origem da posição do STF reside no julgamento do RHC 63.673-0, em 29 de abril de 1986, quando se alterou entendimento anterior e se articulou o posicionamento reiterado até a edição da Súmula 715. Mesmo assim, o tema encontra tratamento bastante heterogêneo nos tribunais estaduais e não é questão pacificada.

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112.13 Colaboração premiada na execução penal e dispensa do requisito objetivo para progressão Dispõe o art. 4º, §5º, da Lei 12.850/2013: “Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos”. Portanto, admite-se a redução de metade de pena ou a progressão de regime imediata, independentemente do cumprimento de frações da pena, para o condenado que, após a sentença, realiza acordos de colaboração premiada. Para colaborações premiadas anteriores à sentença, o art. 4º, caput, da mesma Lei, prevê a redução da pena em até 2/3 (dois terços) e a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos. O perdão judicial também pode ser concedido, a qualquer tempo, conforme “a relevância da colaboração prestada” (art. 4º, §2º, Lei 12.850/2013).

112.14 Requisito subjetivo ou disciplinar e exame criminológico Bom comportamento carcerário, comprovado pelo Diretor do estabeleci­ mento, eis os termos da lei. A redação atual é a da Lei 13.964/2019 e o fundamento legal se encontra no art. 112, § 1º, da LEP. Não há alteração em relação à redação anterior, dada pela Lei 10.792/03, de 1º de dezembro de 2003, que retirou a menção ao parecer da Comissão Técnica de Classificação e ao exame criminológico, até então necessário à aferição do requisito. Desta forma, além do requisito temporal é necessária apenas a comprovação de comportamento satisfatório, através de certidão ou declaração emitida pelo diretor do estabelecimento. O exame criminológico contém grande carga ideológica no sentido de que, elaborado por um expert, apresenta-se como argumento de autoridade ao juiz. Ademais, seu conteúdo é elaborado segundo as categorias da criminologia clínica e suas conclusões voltadas à previsão de um comportamento futuro do sujeito não são, em absoluto, “científicas”. Tramitam propostas de nova modificação, no sentido de se resgatar o exame criminológico para alguns casos específicos. Enquanto isso, segundo a posição predominante nos Tribunais Superiores, a realização do exame criminológico não teria sido extinta, mas simplesmente passado a ser facultativa, ou seja, possível quando o juiz entender adequado para formação de seu convencimento. Vide assim a Súmula Vinculante nº 26/STF (“Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, (...), podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”), aplicável apenas para os casos de crime hediondo ou equiparado; e a Súmula 439 do STJ (“Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada), de incidência genérica. Ambas 231

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súmulas exigem individualização, fundamentação e motivação da decisão que determina a realização do exame. Sob uma interpretação restritiva da lei, porém, é equivocada tal posição: se o rol de requisitos exigidos para a progressão é taxativo e a alteração legislativa retirou exatamente a menção à necessidade do exame, em 2003, entender que ele teria passado a ser simplesmente facultativo parece ser uma indevida interpretação extensiva in malam partem. O objetivo precípuo é a redução da margem de discri­ cionariedade na formação da convicção do juízo, que deve se pautar por critérios mais objetivos, como por exemplo a existência/inexistência de falta grave. De todo modo, ainda que se admita a realização do exame criminológico, a fundamentação de sua requisição não pode se basear em juízo pessoal sobre a gravidade do crime cometido ou apenas no quantum de pena aplicada. Trata-se de fundamentação inidônea e estranha aos objetivos da execução penal, mormente considerando que são circunstâncias já levadas em conta no momento de aplicação da pena. Para que não haja bis in idem, deve-se levar em conta somente fatos ligados ao curso do processo de execução penal.

112.15 Requisito subjetivo ou disciplinar e a objetivação da aferição e das consequências do requisito Muito se discutiu sobre o efeito de faltas graves cometidas no passado sobre a aferição do requisito subjetivo ou disciplinar. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, seria possível invocar o direito ao esquecimento, não sendo fundamento idôneo para indeferir o pedido de progressão de regime (STJ, HC 544.368/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 05/12/2019; AgRg no HC 504.294/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., j. 03/09/2019). O debate ganhou um novo capítulo com a derrubada, em abril de 2021, pelo Congresso Nacional, do veto ao §7º do art. 112 da LEP, incluído pela Lei 13.964/2019. O novo dispositivo, agora promulgado, dispõe que: “O bom compor­ tamento é readquirido após um ano da ocorrência do fato, ou antes, após o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do direito”. Passo a transcrever, abaixo, trecho de análise realizada em conjunto com Rodri­go Duque Estrada Roig sobre o significado e as consequências desta nova regra29.

ROIG, Rodrigo Duque Estrada; GIAMBERARDINO, André. “Análise e consequências da derru­ bada do veto ao artigo 112, §7º, da LEP”. Revista Consultor Jurídico, 30 de abril de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-30/opiniao-analise-derrubada-veto-artigo-112-lep.

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O texto do veto indicava contrariedade à “objetivação do requisito” para progressão de regime. Uma vez derrubado o veto, é possível sustentar que tal objetivação ocorreu, mas nos seguintes termos: a classificação disciplinar do comportamento como bom ou mau segue relevante para outros fins (exemplo: concessão de regalias), mas não para análise judicial dos direitos de execução penal, nos quais prevalece, agora, um requisito subjetivo com parâmetros objetivos de aferição. É que embora o sistema progressivo tenha, de fato, um componente disciplinar inseparável de sua construção histórica — vale lembrar que o Código Penal segue falando em “mérito do condenado” no artigo 33, §2º, —, a leitura conjunta ao parágrafo anterior (artigo 112, §6º) esclarece que mudou a forma de impacto do mau comportamento. O cometimento de falta grave segue repercutindo direta e significativamente sobre a progressão de regime, na medida em que interrompe o prazo e reinicia a contagem do requisito objetivo. Mas apenas isso. Não é correto dizer, portanto, que a mudança esvazia o requisito subjetivo disciplinar. Ela certamente traz maior objetividade e impessoalidade à atribuição de consequências jurídicas ao requisito, algo sempre saudável em uma democracia. Se o veto presidencial expressamente combatia a suposta objetivação do requisito e se este foi derrubado pelo Congresso Nacional, outra solução não resta senão reconhecer que o requisito subjetivo para progressão é atendido após um ano da ocorrência da falta grave, ou antes, se o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do direito ocorrer durante esse período depurador. Esse entendimento se alinha perfeitamente à sistemática do livramento condicional, estabelecida no artigo 83, III, “b”, do CP, ao exigir para o livramento o não cometimento de falta grave nos últimos 12 meses. A partir da rejeição do veto presidencial ao §7º do artigo 112, passou a existir mais sistematicidade, proporcionalidade e linearidade no tratamento legal entre progressão de regime e livramento condicional, alinhamento este também realizado com os institutos da comutação de pena e indulto, cujo histórico requisito subjetivo é o não cometimento de infração disciplinar de natureza grave, nos 12 meses anteriores à data de publicação do decreto. Vejamos alguns pontos de ordem prática sobre a alteração legislativa do artigo 112, §7º, da LEP: 1) O termo “fato” deve ser entendido de maneira restrita: a redação abarca apenas as faltas disciplinares de natureza grave, jamais as médias ou leves. Isso se deve tanto à relação existente com o §6º do artigo 112, como pela violação dos princípios da legalidade e proporcionalidade nos casos de faltas médias ou leves produzirem consequências de direito material sem base legal expressa nesse sentido. 233

Art. 112

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2) Quanto à forma de cálculo: se houver o cumprimento do requisito temporal antes de um ano da falta grave, a pessoa também readquirirá o bom compor­ tamento, como está agora expresso, e poderá obter a progressão. Este requisito temporal é calculado com base na pena remanescente e a partir de nova data-base correspondente à data da última falta, considerando que, segundo disposto no §6º, o cometimento de falta grave interrompe a contagem. 3) Quanto à aplicação da lei no tempo: entendemos, a propósito, que a alteração promovida pela Lei 13.964/2019 no §6º não deve retroagir, posto que se trata de alteração de direito material mais gravosa (Roig, Rodrigo Duque Estrada. “Execução Penal: Teoria Crítica”. 5ª ed. São Paulo: Thomson Reuters - Revista dos Tribunais, 2021, p. 33; e vide acima item 112.10), carecendo de fundamento legal o entendimento anterior, embora majoritário (expresso, por exemplo, na Súmula 534/STJ). De qualquer forma, independentemente da interpretação que se dê à aplicação do §6º, sem dúvida o §7º retroage, sendo mais benéfico. 4) A segunda metade do §7º alcança os demais direitos da execução penal: sustentamos que a recuperação do bom comportamento após o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do respectivo direito contempla os demais direitos que têm, entre seus requisitos, a aferição de bom comportamento, tais como o livramento condicional e a saída temporária. Atendendo à sistematicidade e à proporcionalidade que devem reger o Direito de execução penal, não faria sentido ser diferente, até porque a mesma conduta — uma única falta grave — não pode ter tratamento jurídico distinto em relação a requisito idêntico, previsto para um e para outro direito. Desse modo, por exemplo, não é possível que a pessoa presa recupere o bom comportamento para fins de progressão de regime e, por conta da mesma falta, tenha mau comportamento para fins de livramento condicional. 5) Interpretação lógica para limitar os efeitos temporais da interrupção da contagem do requisito objetivo prevista no artigo 112, §6º, da LEP: se o cumprimento do requisito temporal de progressão antes de um ano da falta grave faz com que a pessoa presa readquira o bom comportamento, como está legalmente expresso no §7º, é de se concluir que a lógica inversa também deva ocorrer. Nesse sentido, se o bom comportamento é readquirido após um ano da ocorrência da falta grave (primeira parte do §7º), a postergação do alcance do requisito objetivo para progressão em decorrência da falta grave (§6º) não pode ser superior a um ano. Se o requisito objetivo da progressão pode legalmente limitar o requisito subjetivo, este também pode balizar aquele, limitando a um ano a postergação do prazo de uma nova progressão após a interrupção por falta grave prevista no artigo 112, §6º, da LEP. 234

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Art. 112

Portanto, para essa tese, a data da nova progressão após a interrupção do prazo por falta grave não pode ser posterior a um ano da data anteriormente prevista para progressão.

112.16 Progressão de regime e apenado submetido ao RDD Não há nada que impeça a concessão de progressão de regime ao conde­ nado que esteja, no momento do pleito, sob Regime Disciplinar Diferenciado. Evidentemente, o cometimento de falta grave que ensejou a colocação do recluso sob o RDD pode impedir que ele possa apresentar atestado de boa conduta carcerária, faltando assim o requisito disciplinar. Todavia, trata-se de mera suposição, não se podendo generalizar. Impõe-se a análise do caso concreto, pois o RDD, por si só, não impede a progressão.

112.17 Progressão de regime e decretação de prisão cautelar Pode ocorrer de a pessoa estar presa por conta de uma prisão preventiva ou temporária, relativa a um processo criminal em curso ou que se arrasta na Justiça, e preencher os requisitos para progredir de regime no processo de execução. Não se pode confundir deferimento com aperfeiçoamento da decisão. A existência de mandado de prisão por conta de decisão em outro processo obsta o aperfeiçoamento da decisão concessiva da progressão de regime, mas não seu deferimento – salvo, claro, se o juízo de execução entender que o crime ali investigado é falta grave a comprometer o requisito disciplinar. Não havendo tal conclusão, porém, a progressão de regime deve ser deferida, inclusive com alteração da data-base para que já se inicie o cumprimento da fração para a próxima progressão, ao regime aberto. Afinal, a prisão cautelar, por definição, pode cessar a qualquer momento, e se isso ocorrer a situação já estará regularizada no âmbito da execução. Mas atenção: se a pessoa vier a ser condenada neste processo de conhecimento no qual havia prisão preventiva, e com a soma/unificação das penas ela deixar de ter direito imediato à progressão, a decisão concessiva anterior (que nunca chegou a se aperfeiçoar) deverá ser considerada sem efeitos, retornando a database àquela da última prisão. O raciocínio acima não se aplica aos casos em que a prisão cautelar foi decretada no mesmo processo que acaba de ganhar sentença condenatória, sendo iniciada a execução provisória da pena. Se houve a expedição de guia de 235

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recolhimento provisória e a subsequente unificação provisória das penas, deixa de subsistir a prisão cautelar vinculada ao processo de conhecimento, nos termos da Súmula 716-STF e Resolução 113/2010-CNJ devendo o juízo realizar a análise do regime adequado para cumprimento da pena.

112.18 Progressão de regime em crimes contra a administração pública Há requisito específico para progressão em crimes contra a Administração Pública: a reparação do dano ou devolução do produto do crime (art. 33, § 4º, CP). O requisito foi julgado como recepcionado pela Constituição pelo STF (EP 22 ProgReg-AgR/DF, Pleno, j. 17/12/2014). A exigência é mitigada, porém, no caso de comprovada impossibilidade de fazê-lo, por interpretação analógica do dispositivo referente ao mesmo requisito, no livramento condicional (art. 83, IV, CP). Pondera-se que se trata do dano material, e não moral, que deve ser pleiteado, se for o caso, na esfera cível. O STJ vem exigindo o adimplemento integral deste requisito também nos casos de progressão provisória de regime (execução provisória pro reo, v. comentários e críticas no item 105.5).

112.19 O inadimplemento da pena de multa pode impedir a progressão de regime? Evidente que não, na medida em que não há previsão legal que estabeleça o pagamento da pena de multa como requisito da progressão de regime. Os con­ceitos de reparação do dano e o de devolução do produto do crime tratados acima são muito distintos da pena de multa que é aplicada cumulativamente à pena privativa de liberdade. Em debate sobre o art. 33, § 4º, do CP, porém, o STF inovou e firmou tese no sentido de que “O inadimplemento deliberado da pena de multa cumula­tivamente aplicada ao sentenciado impede a progressão no regime prisional. Essa regra somente é excepcionada pela comprovação da absoluta impossibilidade econômica do apenado em pagar o valor, ainda que parceladamente” e que “A jurisprudência do STF demonstraria que a análise dos requisitos necessários para progressão não se restringiria ao art. 112 da LEP, pois outros elementos deveriam ser considerados pelo julgador para individualizar a pena” (STF, EP 12 ProgReg-AgR/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 08/04/2015). Quais seriam esses outros requisitos além dos previstos em Lei? A plena incidência do princípio da legalidade estrita à execução penal não é compatível com grau tamanho intenso de ativismo judicial – in malam partem – e produz enorme insegurança jurídica. 236

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Art. 112

112.20 Progressão de regime e preso estrangeiro com pedido de extradição deferido O preso estrangeiro com pedido de extradição deferido também tem direito à progressão de regime, desde que a prisão para fins de extradição tenha as suas condições adaptadas ao regime adequado de execução da pena. Nesse sentido: “(...) A exclusão do estrangeiro do sistema progressivo de cumprimento de pena conflita com diversos princípios constitucionais, especialmente o da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II) e o da isonomia (art. 5º), que veda qualquer discriminação em razão da raça, cor, credo, religião, sexo, idade, origem e nacionalidade. IV - Cabe ao Juízo da execução das penas a análise dos riscos de fuga peculiares à situação concreta, bem como a manutenção de frequentes contatos com o Ministério de Estado da Justiça acerca do momento mais adequado para que a extradição se efetive, evitando-se, assim, eventual colocação em regime aberto sem as cautelas aplicáveis à espécie, tais como, a título de exemplo, a utilização de tornozeleiras eletrônicas, instrumentos de monitoramento que têm se mostrado bastante eficazes (...)” (STF, Ext 947 QO, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. 28/05/2014).

112.21 Progressão de regime e preso estrangeiro em situação irregular O preso estrangeiro em situação irregular e com pedido ou até decreto de expulsão, da mesma forma, não impede a progressão de regime ou livramento condicional, podendo se adotar medidas acautelatórias como, por exemplo, o monitoramento eletrônico (STJ, HC 324.231/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., j. 03/09/2015). O simples fato de o apenado estar em situação irregular no país ou a existência de decreto de expulsão não são motivos que, por si só, obstam a vedação da progressão de regime e o livramento condicional, o que consistiria em violação ao princípio da igualdade.

112.22 Progressão de regime e presos incluídos em penitenciária federal Quanto ao direito de progressão a regime semiaberto por parte de presos incluídos em penitenciária federal, já decidiu STF e STJ que fica “suspensa” a possibilidade de progressão de regime enquanto perdurarem as razões para inclusão do detento no sistema penitenciário federal (STF, HC 129.509/RJ, Rel. do acórdão Min. Roberto. Barroso, j. 24/11/2015; STJ, CC 137.110/RJ, Rel. Min. Ericson Maranho, 3ª Seção, j. 22/04/2015). Ocorre que as unidades federais são definidas como estabelecimentos de regime fechado, como fica claro do art. 6º 237

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do Decreto 6.049/2007, não se tratando de um regime disciplinar abstratamente aplicável a todos os regimes (fechado, semiaberto ou aberto). Logo, se a pessoa presa tem deferido o direito de progressão ao regime semiaberto, parece mais correto dizer que está cessado seu período de permanência no sistema federal, devendo retornar ao sistema penitenciário de origem, não sendo possível ao juízo de origem sequer rejeitar seu retorno.

112.23 Vedação à progressão de regime e organizações criminosas O art. 2º, § 9º, da Lei 12.850/2013, incluído pela Lei 13.964/2019, passou a vedar a progressão de regime, o livramento condicional “ou outros benefícios prisionais” se houver elementos probatórios de manutenção de vínculo associativo com organização criminosa, desde que a vinculação tenha sido expressamente reconhecida em sentença. Assim dispõe o texto legal: “O condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização criminosa não poderá progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo”. A lei não explica a natureza ou como se produziriam os “elementos proba­ tórios” indicativos da “manutenção do vínculo associativo”. Obviamente só há natureza de prova se houver contraditório e autorização judicial, com respeito ao procedimento legal, nos casos de utilização de “informantes” ou interceptações telefônicas. O problema é dispor de um parâmetro tão genérico e flexível com uma consequência tão radical, como a suspensão da possibilidade de progressão de regime, de livramento condicional e de todos os “benefícios prisionais”. Trata-se de vedação genérica e inconstitucional por violação tanto ao princípio da individualização como, sobretudo, da proporcionalidade. Não há o que justifique permitir que um condenado por crime gravíssimo possa ter direito à progressão de regime e seu colega de cela, condenado por crimes mais leves, não possa, apenas porque se lhe atribui a imputação de vínculo associativo com organização criminosa. Vale observar, por fim, que não há vinculação necessária entre a condição de “mula”, ou seja, função de transporte da droga ilícita, e o pertencimento a orga­ ni­zação criminosa, sendo possível inclusive o reconhecimento de tráfico privi­le­ giado (STF, 131.795/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 03/05/2016; STJ, HC 387.077/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 06/04/2017).

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Art. 113

112.24 Progressão de regime e falta de vagas A Súmula Vinculante nº. 56, do STF, estabelece que “a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS”. A ementa do acórdão mencionado trouxe, nessa esteira, algumas possibilidades importantíssimas diante da superlotação carcerária, inclusive flexibilizando requisitos legais: “Havendo déficit de vagas, deverão ser determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado.” (STF, RE 641.320/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, j. 11.5.2016). Sua aplicação direta se dá sobre o regime semiaberto, possibilitando a ante­ cipação de direitos da execução penal, com a finalidade de abertura de vagas. Sobre a Súmula e a jurisprudência dos Tribunais Superiores, ver comentários ao artigo 85 (item 85.6).

Art. 113  O ingresso do condenado em regime aberto supõe a aceitação de seu programa e das condições impostas pelo Juiz.

113.1 Aceitação do condenado como requisito para progredir para o regime aberto Há requisitos específicos para a progressão ao regime aberto. O primeiro é a aceitação, pelo sujeito, de um programa constituído por condições legais (art. 114 e 115, LEP) e judiciais (art. 115, LEP).

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Art. 114

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Art. 114  Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que: I - estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo imedia­ tamente; II - apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi submetido, fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime. Parágrafo único. Poderão ser dispensadas do trabalho as pessoas referidas no artigo 117 desta Lei.

114.1 Requisitos para ingressar no regime aberto O trabalho é condição obrigatória do regime aberto, sendo esse o argumento invocado para se negar o direito à remição pelo trabalho neste regime. Quanto à exigência de estar trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo imediatamente, o juízo deve ser razoável e considerar os índices de desemprego e o caráter fortemente discriminatório do tratamento recebido pelo egresso, fatores que dificultam a obtenção de ocupação lícita. Não pode a falta de uma proposta comprovada de emprego ser óbice para a concessão da progressão. Nesse sentido: “A regra descrita no art. 114, inciso I, da Lei de Execuções Penais, que exige do condenado, para a progressão ao regime aberto, a comprovação de trabalho ou a possibilidade imediata de fazê-lo, deve ser interpretada com temperamentos, pois a realidade mostra que, estando a pessoa presa, raramente possui ela condições de, desde logo, comprovar a existência de proposta efetiva de emprego ou de demonstrar estar trabalhando, por meio de apresentação de carteira assinada. Precedentes.” (STJ, HC 229.494/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, 5ª T., j. 11/09/2012). Segundo o próprio dispositivo (art. 114, parágrafo único), condenados maiores de setenta anos, acometidos de doença grave, com filho menor ou deficiente físico ou mental, ou condenadas gestantes, não são abrangidos pela exigência. Quanto à análise dos antecedentes e do “resultado dos exames a que foi submetido”, mais uma vez se recorre à impossível pretensão de prognose quanto ao comportamento do sujeito. Não há saídas para uma leitura crítica e de viés garantista, a não ser a busca da “redução dos danos” através da exigência de uma objetividade mínima, a qual, no caso, pode se consubstanciar na ausência de registros de falta grave no atestado de conduta carcerária. 240

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Art. 115

Art. 115  O Juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, sem prejuízo das seguintes condições gerais e obrigatórias: I - permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de folga; II - sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados; III - não se ausentar da cidade onde reside, sem autorização judicial; IV - comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas atividades, quando for determinado.

115.1 Condições para concessão de regime aberto São condições gerais e obrigatórias – sem prejuízo de outras condições, especiais, que podem ser estabelecidas pelo juiz – para o cumprimento de pena em regime aberto: a permanência em local designado, durante o repouso e em dias de folga; o retorno do trabalho em horários fixados; não se ausentar da cidade sem autorização judicial; e o comparecimento em juízo quando determinado.

115.2 Impossibilidade de fixar pena restritiva de direitos como condição do regime aberto De acordo com entendimento sumulado: “É inadmissível a fixação de pena substitutiva (artigo 44 do CP) como condição especial ao regime aberto” (Súmula 493/STJ), não se admitindo, portanto, a cumulação da prestação de serviços à comunidade com o estabelecimento de regime aberto de cumprimento de pena.

115.3 Início de cumprimento da pena em regime inicial aberto Caso se trate de início de cumprimento da pena em regime aberto, com o réu solto, a discussão gira em torno a qual seria o momento de início de cumprimento da pena: o trânsito em julgado da condenação ou a audiência admonitória? A resposta repercute na interrupção do curso da prescrição da pretensão executória, com base no art. 117, V, do Código Penal (“início ou continuação do cumprimento da pena”). Prevalece, como posição amplamente majoritária nos 241

Art. 115

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tribunais estaduais, o entendimento de que a pena em regime inicial aberto só iniciaria efetivamente com a audiência admonitória. Não há base legal, porém, para sustentar essa posição. A LEP estabelece expressamente o primeiro comparecimento como início da execução somente para as penas restritivas de direito de prestação de serviços à comunidade (art. 149, 2º LEP) e de limitação de fim de semana (art. 151, parágrafo único, LEP), que são distintas da pena privativa de liberdade em regime aberto. Não cabe interpretação extensiva in malam partem em situações que são juridicamente muito diferentes.

115.4 Natureza declaratória da decisão de progressão ao regime aberto e audiência admonitória como mera formalidade Por coerência, também aqui a decisão que defere a progressão de regime haverá de ter reconhecida sua natureza declaratória, sendo a audiência admonitória mera formalidade, absolutamente dispensável para o aperfeiçoamento da decisão. Muito mais razoável seria, aliás, que tal audiência fosse realizada na própria unidade, no momento de saída do regime mais gravoso ou de retirada da tornozeleira eletrônica, tal qual ocorre com a cerimônia de livramento condicional. No dia-a-dia, são inúmeros casos em que o regime aberto é cassado antes mesmo de começar, de forma irrazoável e desproporcional, porque a pessoa não compareceu à audiência admonitória no foro responsável pela fiscalização das condições do regime aberto, o que pode ocorrer pelos mais variados motivos, sendo muitos relacionados à mera desinformação. A proposta de aplicação da teoria do adimplemento substancial a situações assim é válida e correta. Tratar-se-ia de avaliar o cumprimento das obrigações laterais – que não se confundem com a própria pena privativa de liberdade – de forma contextualizada, ampliando as possibilidades de cumprimento tardio, valorizando o comparecimento no patronato, ainda que não seja o local correto, ou trazendo rigor à demanda pelo esgotamento das tentativas de localização da pessoa em regime aberto que não comparece na audiência admonitória. Embora se trate da adaptação de uma teoria do direito privado, vale notar que nunca houve constrangimento ou arguição de atecnicidade na importação similar de outras categorias, mas para prejudicar o réu, como por exemplo na subversão da coisa julgada pela cláusula “rebus sic stantibus”. Nesse caso, trata-se de buscar evitar decisões desproporcionais e irrazoáveis de regressão de regime.

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Art. 116

115.5 Compatibilidade entre regime aberto e trabalho noturno O trabalho noturno é perfeitamente compatível com as condições do regime, restando equivocada a interpretação da lei no sentido de que ele estaria vedado. O texto legal não fala em repouso necessariamente “noturno” e a vedação atentaria contra a finalidade do próprio regime aberto.

Art. 116  O Juiz poderá modificar as condições estabelecidas, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da autoridade administrativa ou do condenado, desde que as circunstâncias assim o recomendem.

116.1 Possibilidade de modificação das condições do regime aberto Dentro dos parâmetros estabelecidos e limitados pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o juízo de execução pode modificar, de ofício, as condições estabelecidas. O próprio condenado, o Ministério Público e a autoridade administrativa também podem requerer a alteração, a qual pode ocorrer para desburocratizar e viabilizar o cumprimento das condições.

116.2 Regime aberto e pandemia da COVID19 Por conta das medidas de prevenção ao contágio por COVID19 e seguindo a Recomendação 62/2020-CNJ, o dever de comparecimento em juízo foi suspenso para pessoas cumprindo pena em regime aberto. Expirado o tempo, não há outra saída legal senão declarar extinta a pena por seu integral cumprimento, visto que o não -comparecimento decorre de determinação judicial decorrente de motivo de força maior. Nesse sentido concordou o STJ: “O período de suspensão do dever de apresentação mensal em juízo, em razão da pandemia de Covid-19, pode ser reconhecido como pena efetivamente cumprida” (STJ, HC 657.382/SC, 6ª T., j. 27/04/2021).

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Art. 117

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Art. 117 Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I - condenado maior de 70 (setenta) anos; II - condenado acometido de doença grave; III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;IV condenada gestante.

117.1 Possibilidade de custódia em residência domiciliar para beneficiário de regime aberto A possibilidade de custódia em residência particular é prevista neste artigo apenas para o caso de condenado em regime aberto e nas hipóteses em que seja (a) maior de 70 anos; (b) estiver com doença grave; (c) ser condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental ou (d) estar na condição de gestante (art. 117, LEP). Inexistente casa de albergado, estabelecimento adequado para o cumprimento da pena em regime aberto, a jurisprudência dos Tribunais Superiores é firme no sentido de admitir que se trata de problema imputável ao Estado, admitindo no caso, portanto, a prisão domiciliar. 117.2 Posição jurisprudencial consolidada pela ampliação das hipóteses de prisão domiciliar Já se admite há muito tempo, superando entendimento pela taxatividade e interpretação restritiva do rol do art. 117, com fulcro no fundamento da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CR), a extensão da medida a condenados em regime semiaberto em casos de ausência de vagas em estabelecimento adequado (SV nº. 56/STF e REXT 641.320/RS) e regime fechado, inclusive em hipóteses de cabimento não previstas em lei. A jurisprudência de STF e STJ, no entanto, tem restringido a aplicação da prisão domiciliar com base na Súmula Vinculante, asseverando não ser “automática”: ver, sobre o assunto, comentários no item 85.6. 117.3 Prisão domiciliar e prisão especial Além desses casos, tem-se ainda a Lei nº 5.256, de 6 de abril de 1967, que regulamenta a prisão especial e admite a prisão domiciliar do réu ou acusado 244

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Art. 117

“nas localidades em que não houver estabelecimento adequado ao recolhi­mento dos que tenham direito a prisão especial” (art. 1º, Lei 5.256); no mesmo sentido, ainda, a regra concernente aos advogados (art. 7º, V, Lei 8.906/94).

117.4 Substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar A Lei da Primeira Infância (Lei 13.257/2016) modificou o Código de Processo Penal, prevendo seu art. 318, incisos IV, V e VI, a possibilidade de substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar nos casos de gestante, mulher com filho até 12 (doze) anos de idade incompletos e homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos incompletos. O STF determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar “de todas as mulheres presas gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda” (STF, HC 143.641, Rel. Min. Ricardo Lewandovski, 2ª T., j. 20.02.2018). Note-se que a lei não exige prova pericial, ou seja, estudo psicossocial, quando se tratar de pedido de gestante ou mulher com filho menor de 12 anos (art. 318, IV e V, CPP), não havendo outros requisitos para a concessão da prisão domiciliar. A prisão preventiva ainda pode ser substituída por prisão domiciliar nos casos de réu idoso maior de 80 (oitenta) anos, se estiver “extremamente debilitado por motivo de doença grave” ou caso seja imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência (art. 318, I, II e III, CPP). Há detração penal nos casos de prisão domiciliar: “Embora inexista previsão legal, o recolhimento domiciliar noturno, por comprometer o status libertatis da pessoa humana, deve ser reconhecido como pena efetivamente cumprida para fins de detração da pena, em homenagem ao princípio da proporcionalidade e em apreço ao princípio do non bis in idem. Precedentes” (STJ, HC 496.049/MG, Rel. Min. Felix Fischer, j. 14/05/2019).

117.5 Descumprimento das condições da prisão domiciliar não configura crime de desobediência Considerando já haver previsão de sanção específica para o descumprimento das condições impostos para custódia domiciliar, não há crime de desobe­ diência: “1. O Superior Tribunal de Justiça firmou a orientação de que o crime de desobediência é subsidiário, estando configurado apenas quando, desrespeitada a ordem judicial, inexistir sanção específica, ressalvada expressa cumulação. 245

Art. 118

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2. Evidenciado que o descumprimento das condições impostas quando da concessão da prisão domiciliar, prevista no art. 117 da Lei de Execução Penal, importaria na regressão de regime prisional, não há falar em crime de desobe­ diência, dada a existência de sanção específica cominada. (...).” (STJ, HC 486.040/ MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 28/03/2019).

Art. 118  A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado: I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave; II - sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (artigo 111). § 1° O condenado será transferido do regime aberto se, além das hipóteses referidas nos incisos anteriores, frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta. § 2º Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser ouvido previamente o condenado.

118.1 Considerações gerais sobre a regressão de regime A regressão de regime é a reversão da progressão – logo, é o retorno ao regime anterior mais severo – que se dá por razões de ordem disciplinar ou para a adequação da nova pena, nos termos das hipóteses previstas em lei: (a) prática de fato definido como crime doloso ou falta grave; (b) condenação por crime anterior, quando a unificação decorrente da soma das penas (a nova e a restante) tornar incabível o regime atual; e (c) frustração dos fins da execução, no caso de condenado em regime aberto.

118.2 Regressão de regime por causa da prática de fato definido como crime doloso ou falta grave Basta a mera “prática” do fato, não se exigindo a condenação e o trânsito em julgado, no caso de crime doloso. Este é o entendimento amplamente majoritário e sumulado (Súmula 526/STJ), porém não imune a críticas de corrente minoritária que entende ser necessária a condenação definitiva. 246

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Art. 118

Não há regressão de regime em face da prática de contravenção penal, conforme teor expresso da LEP. Admite-se a possibilidade de regressão de regime definitiva mesmo antes do trânsito em julgado do “novo crime doloso” praticado (STJ, HC 333.615/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., j. 15/10/2015). Necessário, de todo modo, ao menos o processo criminal instaurado, evitando a produção de efeitos em casos de infração de menor potencial ofensivo arquivadas por conta da composição dos danos ou transação penal (Lei 9.099/95). Não havendo posterior condenação, a falta grave deverá ser afastada. Vale registrar que a des­ criminalização ou despenalização superveniente de qualquer conduta deve ser levada em consideração, esvaziando-se enquanto falta grave. O exemplo mais significativo é o porte de drogas para uso pessoal, na medida em que se trata de conduta já descarcerizada (art. 28, Lei 11.343/06) e que ruma à descriminalização. Não é razoável, nesse sentido, sem que a hipótese seja especificamente prevista como falta grave, que se a considere conduta a ensejar a regressão de regime e demais consequências advindas do cometimento de qualquer outro crime doloso.

118.3 Regressão de regime por conta de condenação por crime anterior e incompatibilidade da pena unificada Visando “adequar” a nova pena total ao regime cabível, há a regressão no caso de nova condenação referente a crime cometido anteriormente, mas cuja pena definitiva, quando somada ao quantum de pena restante, torna incabível o regime aberto ou semiaberto, conforme os critérios estabelecidos pelo Código Penal (art. 33, CP).

118.4 Regressão de regime por frustração dos fins da execução, no caso de condenado em regime aberto A definição de frustração é vaga e subjetiva, devendo ser interpretada restritivamente tendo por referência o art. 115 da LEP. Não é possível, por exemplo, que um juízo de reprovação meramente moral da conduta do condenado em regime aberto enseje tal conclusão. É razoável, por outro lado, exigir-se a prática efetiva de fato definido como crime doloso ou alguma das modalidades de falta grave prevista em lei (art. 50, LEP), desde que compatível com o regime aberto, não se esquecendo que este ainda se trata de pena privativa de liberdade e que o status do condenado não é o de egresso, diversamente do que ocorre no livramento 247

Art. 118

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condicional (vide art. 26, II, LEP), no qual não se admite o cometimento de faltas disciplinares.

118.5 Inadimplemento da pena de multa Em relação à falta de pagamento da multa imposta cumulativa à privação da liberdade, também mencionada como hipótese de regressão de regime aberto ao semiaberto (art. 118, § 1º, LEP), observa-se que o dispositivo perdeu eficácia desde que o inadimplemento da pena de multa passou a ser considerado dívida de valor regida pelas normas da dívida ativa da Fazenda Pública (Lei 9268/96). Ainda que esta posição tenha sido fragilizada pelo julgamento da ADI 3150/ DF, após a qual se passou a entender que “o inadimplemento da pena de multa obsta a extinção da punibilidade do apenado” (STJ, AgRg no REsp 1.850.903/SP, 5ª T., j. 28/04/2020), entende-se que permanece incabível a regressão de regime por este motivo.

118.6 Regressão e regime inicial A regressão de regime deveria ser limitada pela fixação do regime inicial de cumprimento de pena estabelecido na sentença condenatória, pois esse é alcançado pela coisa julgada em sentido pro reo. É por isso que, se a sentença condenatória determina o regime semiaberto como inicial e o condenado comete falta grave no próprio regime semiaberto, inadmissível a hipótese de regressão ao fechado. Tal posição, porém, é minoritária (por exemplo, v. STJ, AgRg no Resp 1.778.649/PA, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., j. 18/02/2020).

118.7 Regressão cautelar No que tange ao procedimento adotado na regressão, a primeira questão problemática é a admissão da possibilidade de regressão cautelar ou suspensão/ sustação cautelar/provisória de regime sem previsão legal, seja invocando um poder geral de cautela ou em aplicação analógica do art. 145 da LEP, que trata da possibilidade de suspensão do livramento condicional. No caso, a regressão cautelar se dá imediatamente e dispensando a oitiva do condenado. É bastante frequente nos casos de fuga do condenado que se encontra em regime semiaberto, quando recapturado o condenado permanece desde logo em unidade de regime fechado ou em cadeia pública. 248

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Art. 119

Não deveriam pairar dúvidas sobre a plena aplicabilidade dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, CR) em todos os casos, o que ensejaria interpretação extensiva do art. 118, § 2º, da LEP, ouvindo-se, assim, Ministério Público e a defesa, além do próprio condenado, e se exigindo a devida motivação e fundamentação da decisão (art. 93, IX, CR), sob pena de nulidade. Argumenta-se também pela violação ao princípio da legalidade, diante da ausência de previsão legal, e pela desnecessidade, em face do art. 684 do Código de Processo Penal, que dispensa ordem judicial para que se realize a prisão de condenado evadido. A posição amplamente majoritária nos Tribunais Superiores, todavia, continua sendo pela desnecessidade da oitiva no caso de regressão cautelar, a qual, mesmo nesses casos, deve ter aplicação restritiva.

118.8 Regressão não é efeito automático ou necessário da falta grave A regressão de regime não é um efeito mecânico ou automático do reconhe­ cimento judicial de falta grave. Ela é apenas uma das possibilidades, devendo o juízo sopesar seus malefícios sob os parâmetros de individualização exigidos pelo art. 57 da LEP, sendo plenamente possível, por exemplo, a homologação da falta sem regressão de regime, ainda que com alteração da data-base, em situações como a evasão do regime semiaberto e a recaptura sem a prática de novo delito. É imprescindível que a decisão judicial de regressão seja fundamentada, não bas­ tando a mera referência ao dispositivo legal, sob pena de nulidade. O STJ aparentemente admite essa posição, tanto que firmou tese pela dis­ pen­sabilidade da audiência de justificação quando houver falta grave sem regressão de regime (STJ, AgInt no HC 532.846/SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., j. 09/12/2019; AgRg no Resp 1.827.686/MS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., j. 17/09/2019). É honesto ponderar, todavia, que os precedentes se referem a situações em que não há regressão de regime porque o faltoso já estava em regime fechado. Juridicamente, de qualquer forma, a possibilidade de homologação sem regressão é válida também para os casos de falta grave em regime semiaberto.

Art. 119  A legislação local poderá estabelecer normas complementares para o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto (artigo 36, 1º, do Código Penal).

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Art. 120

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119.1 Possibilidade de normas locais complementares sobre o regime aberto Outras regras de cumprimento e fiscalização do regime aberto, que não ultrapassem os limites estabelecidos pela lei federal, podem ser estabelecidas pela legislação local.

SEÇÃO III Das Autorizações de Saída SUBSEÇÃO I Da Permissão de Saída Art. 120  Os condenados que cumprem pena em regime fechado ou semi-aberto e os presos provisórios poderão obter permissão para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer um dos seguintes fatos: I - falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão; II - necessidade de tratamento médico (parágrafo único do artigo 14). Parágrafo único. A permissão de saída será concedida pelo diretor do estabelecimento onde se encontra o preso.

120.1 Objetivo das autorizações de saída Segundo a Exposição de Motivos da LEP, o objetivo das autorizações de saída é “atenuar o rigor da execução contínua da pena de prisão” (item 127), desdobrando-se nas permissões de saída (art. 120 e 121, LEP) e nas saídas temporárias (art. 122 a 125, LEP). Mais que mero benefício, podem ser consideradas como um elemento do tratamento assistencial que abrange todos as pessoas presas (permissões de saída) ou componente do sistema progressivo a incidir sobre os apenados em regime semiaberto (saídas temporárias).

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Art. 121

120.2 Considerações gerais sobre a permissão de saída A permissão de saída consiste na permissão ao apenado em regime fechado ou semiaberto ou ainda ao preso provisório de sair do estabelecimento por tempo indeterminado, porém breve – “a duração necessária à finalidade da saída” (art. 121, LEP) –, com escolta, se presente alguma das duas seguintes hipóteses, ambas de cunho humanitário (art. 120, I e II, LEP): (a) falecimento ou doença grave de cônjuge, companheira(o), ascendente, descendente ou irmão; ou (b) razões de saúde e necessidade de tratamento médico. A princípio, a competência para avaliação e concessão do pedido de permissão de saída é do diretor do estabelecimento (art. 120, parágrafo único, LEP). De qualquer forma, é inafastável o direito de acesso à jurisdição (art. 5º, XXXV, CR) e o pedido pode ser dirigido ao juiz de execução por conta da própria (art. 66, III, “f”, LEP), especialmente se já indeferido pela autoridade administrativa. Embora seja comum se exigir do apenado a comprovação formal do fale­ cimento ou doença grave, assim como o respectivo parentesco, é de fato irrazoável exigir da pessoa presa documentos de difícil acesso e em momento de sofrimento e vulnerabilidade. Especialmente nos casos referentes à(o) compa­nheira(o), não se pode ignorar a grande incidência de relações conjugais informais, o que implica e recomenda que a exigência de comprovação do parentesco se paute por critérios minimamente razoáveis. Se o pedido for deferido, mas não for possível sua concretização em tempo hábil por conta de questões ligadas ao próprio Poder Público – por exemplo, a falta ou o atraso de escolta policial para o ato –, a pessoa prejudicada poderá, certamente, pleitear indenização por danos morais no juízo competente.

Art. 121  A permanência do preso fora do estabelecimento terá a duração necessária à finalidade da saída.

121.1 Indeterminação do prazo da permissão de saída Diferentemente da saída temporária, a qual conta com prazos determina­ dos, a permissão de saída terá a “duração necessária” à sua finalidade, em regra bastante curta. 251

Art. 122

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SUBSEÇÃO II Da Saída Temporária Art. 122  Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos: I - visita à família; II - freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução; III - participação em atividades que concorram para o retorno ao con­ vívio social. § 1º. A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equi­ pamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) § 2º Não terá direito à saída temporária a que se refere o caput deste artigo o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo com resul­tado morte. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

122.1 Considerações gerais sobre a saída temporária A saída temporária ou visita periódica ao lar (VPL) – tantas vezes equi­ vo­ca­damente denominada “indulto” – consiste na saída do estabelecimento prisional sem escolta ou vigilância, por período de no máximo sete dias, com a possibilidade de adoção de mecanismo de monitoramento eletrônico (art. 122, § 1º, LEP). Interpretação restritiva do texto legal restringiria a aplicação da medida aos condenados em regime semiaberto, mas não há sentido em se negar a possibilidade de saída temporária àqueles que, em regime aberto, cumprem pena em prisão-albergue, ou mesmo àqueles que cumprem o regime semiaberto na forma “harmonizada”, com monitoração eletrônica. As hipóteses são previstas pelo art. 122 da LEP e são as seguintes, ipsis literis: “(a) visita à família; (b) freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução; (c) participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social”. Por família se entenderá também a entidade familiar constituída por união estável (art. 1.723, Código Civil) ou, na ausência desses, eventual círculo de pessoas íntimas que guardem para com o sujeito relações de igual teor. Na ausência de 252

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Art. 122

ulteriores restrições legais ou razões específicas vinculadas ao crime cometido, os motivos da visita não devem ser objeto de valoração por parte do juiz, podendo abarcar inclusive feriados e datas comemorativas. Em relação à participação em atividades educacionais e profissionalizantes, tem-se admitido que corram fora da comarca do Juízo de execução, mormente quando se tratar de local próximo e de fácil acesso. Não há motivos para indeferimento de eventual possibilidade de trabalho ou estudo no período noturno se a pessoa presa demonstra estar disposta a cumprir regularmente os horários estabelecidos e retornar à unidade após o compromisso, comprovando, com seus atos, tal disposição. A saída para participação “em atividades que concorram para o retorno ao convívio social” é a terceira hipótese e se afigura bastante vaga, restando à valoração judicial a análise do caso concreto. Não se deve confundir deferimento de pedido de trabalho externo, pela direção da unidade, com a saída temporária, na medida em que aquele é carac­ terizado pela continuidade, não sendo exigido, quando em regime semiaberto, nenhum lapso temporal: nem aquele da saída temporária, e tampouco o quantum de 1/6 referente ao trabalho externo quando em regime fechado (art. 37, LEP).

122.2 Hipótese de vedação da saída temporária A Lei 13.769/2019 vedou a saída temporária ao condenado que cumpre pena por crime hediondo com resultado morte. Vale lembrar que ela só seria possível, em tese, após a progressão ao regime semiaberto, a qual poderá ocorrer regulamente após cumprimento dos requisitos do art. 112 da LEP.

122.3 Saída temporária no regime semiaberto harmonizado (cumprido em prisão domiciliar e/ou monitoramento eletrônico) O Superior Tribunal de Justiça reconheceu, em 2019, o direito à saída tem­ porária de todos as pessoas presas em regime semiaberto, ainda que este seja cumprido em regime domiciliar, com ou sem monitoração eletrônica. A concre­ tização da medida se daria na ampliação dos horários e do perímetro permitido para circulação fora da custódia domiciliar. Nesse sentido: “Ao apenado em regime semiaberto que preencher os requi­ sitos objetivos e subjetivos do art. 122 e seguintes da Lei de Execuções Penais, deve ser concedido o benefício das saídas temporárias. No caso, a Corte local indeferiu 253

Art. 122

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o pedido de saídas temporárias, por entender que o benefício é incompatível com a prisão domiciliar. Observado que o benefício da saída temporária tem como objetivo a ressocialização do preso e é concedido ao apenado em regime mais gravoso – semiaberto –, não se justifica negar a benesse ao reeducando que se encontra em regime menos gravoso – aberto, na modalidade de prisão domiciliar –, em razão de ausência de vagas em estabelecimento prisional compatível com o regime semiaberto” (HC 489.106-RS, Dje 26/08/2019).

122.4 Saída temporária para visita a amigo e agente religioso O pleito de saída temporária para visita a amigo tem precedentes divergentes entre si. Em junho de 2020, por exemplo, o STJ entendeu ser incabível o pedido por ausência de previsão legal e ausência de demonstração do vínculo com a pessoa visitada (STJ, AgRg no HC 544.503/RJ, 6ª T., j. 23.06.2020). Em outubro de 2019, porém, o mesmo STJ entendeu possível o deferimento da saída temporária para visita a amigo porque a interpretação sistemática recomenda não compreender “com tamanha austeridade” o art. 122, I, da LEP (STJ, HC 510.067/RJ, 6ª T., j. 25.10.2019). No caso concreto, pesou a demonstração inequívoca de vínculo afetivo com a pessoa a ser visitada. Em caso anterior, o STJ já autorizara a saída temporária para visita a agente religioso. Embora se tratasse de condenação por crime grave (estupro com morte), o STJ entendeu que “a visitação do paciente ao seu conselheiro consiste em atividade que concorre para o retorno ao convívio social, nos termos do inciso III. (...). O fortalecimento dos ensinamentos morais ao paciente, oportunizado tanto pela possibilidade de convivência no lar do conselheiro, quando pela recompensa advinda de um benefício obtido pela demonstração de interesse em acolher uma vida ética e digna, devem ser, de fato, considerados como uma atividade que contribuirá para seu retorno ao convívio social” (STJ, HC 175.674/RJ, 5ª T., j. 10.05.2011). No caso concreto, o agente religioso aconselhara o preso por cinco anos, no regime fechado. Portanto, admite-se tanto a interpretação extensiva do art. 122, I, LEP (“visita a família”) como também o enquadramento do pedido no inciso III do mesmo artigo, ou seja, como atividade que concorre “para o retorno ao convívio social”. De qualquer modo, é imprescindível que o pedido seja acompanhado, no caso concreto, pela demonstração do vínculo afetivo com a pessoa a ser visitada e da relevância do contato.

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Art. 123

Art. 123  A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos: I - comportamento adequado; II - cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente; III - compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

123.1 Requisitos para a saída temporária O requisito do comportamento adequado deve ser interpretado objetiva­ mente, ou seja, a partir da aferição dos registros de faltas disciplinares de natureza grave, em consonância à regra prevista para outros direitos da execução penal. Sobre o requisito objetivo, é pacífica a aplicação da Súmula 40 do STJ: “Para obtenção dos benefícios de saída temporária e trabalho externo, considera-se o tempo de cumprimento da pena no regime fechado”. Portanto, leva-se em conta o tempo transcorrido sob regime fechado, não se reiniciando a contagem se o preso passar ao regime semiaberto. Por proporcionalidade, o preso que adentra o regime inicial semiaberto também não precisa cumprir o referido lapso temporal para obter o direito à saída temporária.

123.2 Interrupção do prazo e falta grave Havia discussão no STJ sobre a possível interrupção do prazo para concessão de saída temporária quando houver prática de falta grave. Exemplo de precedente favorável a essa tese: “O cometimento de falta grave pelo apenado implica reinício da contagem do prazo para obter os benefícios relativos à execução da pena, entre eles saídas temporárias e trabalho externo, somente sendo excepcionado o livramento condicional, o indulto e a comutação de pena” (STJ, HC 374.086/DF, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., j. 20/06/2017). Exemplo de precedente contrário: “A prática de falta grave no curso da execução não interrompe o prazo para a concessão da saída temporária e trabalho externo, cujos requisitos estão expressamente previstos nos artigos 36, 37 e 123 da Lei de Execuções Penais, que não faz qualquer referência à necessidade de nova contagem de prazo para a concessão do benefício” (STJ, AgRg no REsp 1549712/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., j. 17/10/2017). 255

Art. 123

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O posicionamento majoritário foi firmado em 2019, no sentido de que “a prática de falta grave durante o cumprimento da pena não acarreta a alteração da data-base para fins de saída temporária e trabalho externo” (STJ, AgRg nos EDv nos EREsp n. 1.755.701/RS, Min. Nefi Cordeiro, Terceira Seção, DJe 19/6/2019).

123.3 Sobre a compatibilidade com os objetivos da pena Na análise da “compatibilidade com os objetivos da pena”, parâmetro fundamental é a própria finalidade de reintegração social da execução penal, sendo este o objetivo da pena (art. 1º, LEP), não se podendo admitir que o benefício seja negado com base em mera presunção de “provável fuga” em face do quantum de pena restante a ser cumprido. Há sanções e consequências expressamente previstas para todos os casos de infração disciplinar, não sendo este um argumento legítimo para, isoladamente, denegar-se a saída temporária, sobretudo se o preso ostenta bom comportamento e já cumpriu período considerável de pena em regime fechado.

123.4 Decisão sobre o pedido de saída temporária A decisão sobre o pedido é ato de competência do juiz da execução (art. 66, IV, LEP), devendo atender à necessária motivação (art. 93, IX, CR), após oitiva do Ministério Público e da administração penitenciária. Há controvérsia jurisprudencial quanto à necessidade de manifestação judicial para cada saída temporária, mesmo se periódica. Argumenta-se que a decisão em conjunto significaria automatização do benefício por meio de indevida delegação de poderes à administração penitenciária – esta foi, inclusive, a posição da Súmula 520/STJ, com potencial prejuízo à população carcerária tendo em conta a grande quantidade de pedidos. Mais razoável e correta foi a posição assumida pelo STF, no sentido da possibilidade de um único ato judicial estabelecer um calendário de saídas temporárias (STF, HC 128763, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., j. 04/08/2015), desde que em decisão fundamentada e passível de revisão no caso de falta disciplinar posterior. Sobre este tópico, o STJ revisou e flexibilizou o afirmado na Súmula 520: “(...). Primeira tese: É recomendável que cada autorização de saída temporária do preso seja precedida de decisão judicial motivada. Entretanto, se a apreciação individual do pedido estiver, por deficiência exclusiva do aparato estatal, a interferir no direito subjetivo do apenado e no escopo ressocializador da pena, deve ser reconhecida, excepcionalmente, a 256

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Art. 124

possibilidade de fixação de calendário anual de saídas temporárias por ato judicial único, observadas as hipóteses de revogação automática do art. 125 da LEP. Segunda tese: O calendário prévio das saídas temporárias deverá ser fixado, obrigatoriamente, pelo Juízo das Execuções, não se lhe permitindo delegar à autoridade prisional a escolha das datas específicas nas quais o apenado irá usufruir os benefícios. Inteligência da Súmula n. 520 do STJ. Terceira tese: Respeitado o limite anual de 35 dias, estabelecido pelo art. 124 da LEP, é cabível a concessão de maior número de autorizações de curta duração. Quarta tese: As autorizações de saída temporária para visita à família e para participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social, se limitadas a cinco vezes durante o ano, deverão observar o prazo mínimo de 45 dias de intervalo entre uma e outra. Na hipótese de maior número de saídas temporárias de curta duração, já intercaladas durante os doze meses do ano e muitas vezes sem pernoite, não se exige o intervalo previsto no art. 124, § 3°, da LEP (...)” (STJ, REsp, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 3ª Seção, j. 14/09/2016).

Art. 124  A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano. § 1º Ao conceder a saída temporária, o juiz imporá ao beneficiário as seguintes condições, entre outras que entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a situação pessoal do condenado: (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) I - fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) II - recolhimento à residência visitada, no período noturno; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) III - proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres. (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) § 3º Quando se tratar de frequência a curso profissionalizante, de ins­ trução de ensino médio ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.258, de 2010) § 3º Nos demais casos, as autorizações de saída somente poderão ser concedidas com prazo mínimo de 45 (quarenta e cinco) dias de intervalo entre uma e outra. (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)

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Art. 124

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124.1 Prazo da saída temporária Se concedida, a saída terá duração de no máximo sete dias, podendo ser renovada por mais quatro vezes durante o ano, com um intervalo mínimo de quarenta e cinco dias entre elas (art. 124, § 3º, LEP). Logo, tem-se um limite anual de trinta e cinco dias. Há flexibilidade, porém, admitindo-se a concessão de mais saídas temporárias, de menor duração, desde que não se ultrapasse o limite global de trinta e cinco dias. O STF já negou pedido para que a contagem fosse feita em horas, e não em dias, considerando que o preso saía da unidade às 12 horas: “O prazo máximo de sete dias previsto no art. 124 da Lei nº 7.210/84 tem natureza penal, haja vista que se imbrica com a própria execução da pena. 3. O dia do começo, portanto, inclui-se no cômputo do prazo da saída temporária (art. 10, CP). 4. Não há como se autorizar o paciente a se ausentar do presídio ou a ele retornar à zero hora, não apenas por importar em indevida contagem do prazo em horas (art. 11, CP), como também por questões de evidente segurança penitenciária” (STF, HC 130883, Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª T., j. 31/05/2016). Ainda, há e deve haver toda a flexibilidade no caso de se tratar de frequência a curso profissionalizante, supletivo ou superior, quando então o tempo será o “necessário para o cumprimento das atividades discentes” (art. 124, §2º, LEP).

124.2 Condições da saída temporária O juiz estabelecerá determinadas condições obrigatórias ou “outras que entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a situação pessoal do con­ denado” (art. 124, § 1º, LEP), sendo obrigatório o fornecimento de endereço onde possa ser encontrado, o recolhimento à residência visitada no período noturno e a proibição de frequentar bares, casas noturnas ou similares. As tendências recentes em prol do monitoramento eletrônico abarcam também a possibilidade de sua utilização como forma de controle do condenado em regime semiaberto que obtém o direito à saída temporária (art. 146-B, II, LEP), embora não seja recomendável “ocupar” um equipamento em situação que não gera abertura de vaga no sistema penitenciário.

124.3 Ausência de previsão de interrupção ou suspensão da pena Os dias fruídos em saída temporária são computados como pena cumprida, pois não há previsão de suspensão da pena nesse caso. Caso o sentenciado não 258

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Art. 125

retorne na data estipulada, poderá ser considerado foragido, havendo, apenas a partir desse momento, com base em determinação judicial, interrupção da execução da pena.

Art. 125  O benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso. Parágrafo único. A recuperação do direito à saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do cancelamento da punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do condenado.

125.1 Revogação da saída temporária A revogação é obrigatória no caso de prática de fato definido como crime doloso, punição por falta grave, desatendimento das condições da autorização ou apresentar baixo grau de aproveitamento do curso. Considerando que os dois primeiros pontos – prática de crime doloso e punição por falta grave – são também causas de regressão de regime (art. 118, I, LEP), recomenda-se aguardar ao menos o desfecho do processo administrativo disciplinar. Observa ROIG, ainda, que apenas faltas graves com nexo direto em relação aos deveres inerentes à saída é que configuram causa legítima de revogação30. Na hipótese de o condenado reverter o quadro desfavorável – sendo absolvido na respectiva esfera judicial ou disciplinar, ou ainda demonstrando merecimento –, ocorre a recuperação de seu direito à saída temporária (art. 125, parágrafo único, LEP).

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal, p. 380.

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SEÇÃO IV Da Remição Art. 126  O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011). § 1º A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de: (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011) I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias; (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011) II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho. (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011) § 2º As atividades de estudo a que se refere o § 1º deste artigo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011) § 3º Para fins de cumulação dos casos de remição, as horas diárias de trabalho e de estudo serão definidas de forma a se compatibilizarem. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011) § 4º O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição. (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011) § 5º O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação. (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011) § 6º O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade condicional poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de execução da pena ou do período de prova, observado o disposto no inciso I do § 1º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011) § 7º O disposto neste artigo aplica-se às hipóteses de prisão cautelar. (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011) § 8º A remição será declarada pelo juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa. (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)

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126.1 Considerações gerais sobre a remição A remição consiste na compensação, como pena cumprida, de um dia de pena para cada três dias de trabalho ou ainda para cada doze horas de frequência escolar divididas em, no mínimo, três dias (art. 126, § 1º, I e II, LEP). Através do instituto, eleva-se o quantum de pena cumprida. Há ao menos dois fatos geradores do direito à remição: o trabalho e o estudo, com possibilidade concreta de ampliação hermenêutica do sentido de estudo para abarcar novas modalidades. Tem sido amplamente admitida pelo STJ a interpretação extensiva do art. 126, abarcando o trabalho artesanal e outras atividades que podem não estar expressamente previstas no dispositivo legal (STJ, REsp 1.720.785/ RO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., j. 12/03/2018; AgRg no HC 416.050/SC, Rel. Min. Joel Paciornik, 5ª T., j. 06/02/2018; REsp 1666637/ES, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, 6ª T., j. 26/09/2017, entre outros).

126.2 Remição pelo trabalho De acordo com o art. 126, II, da LEP, o condenado soma 1 (um) dia de pena cumprida para cada 3 (três) dias de trabalho, o que é possível somente quando em regime fechado ou semiaberto. Não há remição pelo trabalho, portanto, para condenados em regime aberto, em livramento condicional, em prisão domiciliar ou cumprindo pena restritiva de direitos, regra sujeita a críticas de base constitucional e principiológica. A regulamentação do trabalho carcerário ou realizado fora do estabeleci­ mento penal estabelece uma jornada entre seis e oito horas, com descanso em domingos e feriados (art. 33, LEP), exigindo-se a habitualidade, estabilidade e continuidade do serviço prestado. Se extrapolado o limite, será considerado um dia de trabalho a cada seis horas extras (STJ, REsp 106.493-4/ RS, Rel. Min. Og Fernandes, j. 11/12/2009). Pela mesma lógica, também os períodos trabalhados com período inferior a 6 horas devem ser computados e contabilizados para fins de remição (STJ, HC 664.330/MG, Rel. Min. Reynaldo da Fonseca, j. 05/05/2021). Exige-se a comprovação documental da carga horária de trabalho realizado, assim como o registro preciso dos dias trabalhados, excluindo-se os dias de descanso e quando a atividade laborativa for inferior a seis horas. No entanto, se a jornada inferior a seis horas foi determinação da direção do presídio, sem qualquer indisciplina, subsiste o direito à remição, com base nos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança (STF, RHC 136.509, Rel. Min. Dias Toffoli, 261

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2ª T., j. 04/04/2017; STF, HC 143.324/ MG, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 04/05/2017; STJ, REsp 1.721.257/MG, 5ª T., Rel. Min. Jorge Mussi, j. 05/06/2018). É possível que haja horário especial de trabalho aos designados para serviços de conservação e manutenção e, enfim, também possível se afigura o trabalho em domingos e feriados, por inteligência do próprio art. 33, parágrafo único, da LEP. Se a direção do estabelecimento atestar o trabalho em domingos e feriados, não há dúvida sobre o direito à remição (STJ, HC 346.948/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., j. 21/06/2016). É possível a cumulação da remição pelo trabalho e pelo estudo, conforme expressamente previsto pelo art. 126, § 3º, LEP, devendo as horas estabelecidas para cada atividade serem compatibilizadas. Sobre o tema, entendeu o STF que a pessoa presa tem direito à remição da pena por trabalho e estudo realizados concomitantemente, desde que dentro dos limites diários de jornada de trabalho e de frequência escolar, individualmente considerados (STF, RHC 187.940, 2ª T., j. 05/03/2021). Importante, ainda, atentar à regra do art. 126, § 4º, segundo o qual “o preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos, continuará a beneficiar-se com a remição”. Deve-se compensar 1 (um) dia de pena remida para cada 3 (três) dias de paralisação diretamente ligada ao acidente ocorrido. Ocorrendo a verificação técnica da recuperação do condenado, evidentemente cessará a remição por dias parados e deverá ocorrer o retorno ao trabalho. Na medida em que a lei não distingue a natureza do trabalho, contam para a remição tanto trabalho interno como externo, seja ele manual, agrícola, industrial ou artesanal. A remição por atividade laborativa extramuros é admitida expressamente pela Súmula 562 do STJ: “É possível a remição de parte do tempo de execução da pena quando o condenado, em regime fechado ou semiaberto, desempenha atividade laborativa, ainda que extramuros”. A jurisprudência do STJ admite a remição por trabalho para o preso que exerce função de “representante de galeria”, desde que a atividade seja formalmente reconhecida pela direção do estabelecimento penal (STJ, AgRg no HC 515.431/RS, 6ª T., j. 19/09/2019; REsp 1.804.266/RS, 6ª T., j. 11/06/2019; HC 460.630/RS, 6ª T., j. 11/06/2019).

126.3 Remição pelo estudo e pela leitura A regra é de 1 (um) dia de pena remida/cumprida para cada doze horas de frequência escolar divididas em, no mínimo, três dias (art. 126, § 1º, I, LEP). 262

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Há remição tanto no estudo presencial como no estudo à distância (art. 126, § 2º, LEP), devendo os cursos frequentados obter certificação das autoridades educacionais competentes. Não é relevante se o dia de frequência escolar era útil ou não útil (STJ, AgRg REsp 1.487.218/DF, Rel. Min. Ericson Maranho, j. 5.2.2015). A Lei 12.433/11 trouxe ainda outras regras e possibilidades especialmente relevantes. Desde logo, diferentemente da remição pelo trabalho, há remição pelo estudo também para os condenados em regime aberto ou no período de prova do livramento condicional, além dos casos de regime fechado e semiaberto, o que se dá “pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional” (art. 126, § 6º, LEP). Como incentivo à persistência nos estudos, prevê o art. 126, § 5º, LEP, a possibilidade de acréscimo de 1/3 (um terço) do tempo a remir nos casos de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, exigindo-se a certificação pelo órgão educacional competente. Por “ensino superior” deve se considerar como abarcada a conclusão de cursos de pós-graduação, lato ou strictu sensu, pois estes constituem espécies daquele. A referência, nesse ponto, sempre foi a Recomendação nº. 44/2013, do Conselho Nacional de Justiça, a qual regulamenta diversos aspectos da remição pelo estudo e pela leitura. Entre eles, no item IV, como proceder à aplicação do art. 126, § 5º, quando a conclusão do ensino médio se dá pela aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) ou Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA), por esforço próprio do apenado, sem que tenha havido efetiva frequência escolar: “Na hipótese de o apenado não estar, circunstancialmente, vinculado a atividades regulares de ensino no interior do estabelecimento penal e realizar estudos por conta própria, ou com simples acompanhamento pedagógico, logrando, com isso, obter aprovação nos exames nacionais que certificam a conclusão do ensino fundamental Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) ou médio Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a fim de se dar plena aplicação ao disposto no § 5º do art. 126 da LEP (Lei n. 7.210/84), considerar, como base de cálculo para fins de cômputo das horas, visando à remição da pena pelo estudo, 50% (cinquenta por cento) da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino [fundamental ou médio - art. 4º, incisos II, III e seu parágrafo único, todos da Resolução n. 03/2010, do CNE], isto é, 1600 (mil e seiscentas) horas para os anos finais do ensino fundamental e 1200 (mil e duzentas) horas para o ensino médio ou educação profissional técnica de nível médio”. Admitindo a aplicação da Recomendação nesses termos, v. STJ, AgRg no HC 416.050/ SC, Rel. Min. Joel Paciornik, 5ª T., j. 06/02/2018. O Supremo Tribunal Federal também entendeu pela aplicação da Recomendação, destacando a 263

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observância da carga horária do ensino médio regular como base de cálculo, e não a menor carga horária da modalidade EJA – Educação de Jovens e Adultos (STF, RHC 165.084/SC, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 17/05/2019). Esclarecendo dúvida sobre a interpretação da Recomendação, o STJ uniformizou entendimento dispondo que: “A controvérsia diz respeito à remição da pena no patamar de 50% da carga horária definida legalmente para o ensino fundamental, em virtude da aprovação no ENCCEJA. Questiona-se se as 1.200/1.600h dispostas na Recomendação n. 44/2013 do CNJ já equivalem aos 50% da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino ou se os 50% incidirão sobre essas 1.200/1.600h. (...) interpretar que as 1.600 horas mencionadas na Recomendação 44/2013 do CNJ correspondem a 50% da carga horária definida é justamente cumprir o dispositivo, porquanto o CNE não estabeleceu 1600 horas anuais como o máximo possível. Essa particular forma de parametrar a interpretação da lei “ é a que mais se aproxima da Constituição Federal, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos (incisos II e III do art. 1º). (...) Assim, a base de cálculo de 50% da carga horária definida legalmente para o ensino fundamental deve ser considerada 1.600 horas, a qual, dividida por doze, resulta em 133 dias de remição em caso de aprovação em todos os campos de conhecimento do ENCCEJA. Serão devidos, portanto, 26 dias de remição para cada uma das cinco áreas de conhecimento. Logo, como o paciente obteve aprovação integral, ou seja, nas cinco áreas de conhecimento, a remição deve corresponder a 133 dias, acrescido de 1/3, que totaliza 177 dias remidos.” (STJ, HC 602.425/SC, 3ª Seção, j. 04/04/2021). Ou seja, a aprovação em todas as áreas de conhecimento do ENCCEJA enseja o direito à remição de 177 dias. A Recomendação 44/2013 foi, porém, revogada pela Resolução 391/2021CNJ, de 10 de maio de 2021. A nova Resolução absorve as mesmas regras em seu art. 3º, parágrafo único, e também estabelece diretrizes e procedimento para a remição pela leitura. A remição pela leitura é modalidade de remição pelo estudo e não exige alteração legislativa para poder ser implementada, sendo constitucional e possível, ainda, sua previsão em leis estaduais, tendo em vista o art. 24, I, da Constituição, que prevê competência legislativa concorrente para União, Estados e Distrito Federal em matéria de direito penitenciário. O direito à remição pela leitura foi reconhecido pelo STF em março de 2021 (STF, AgRg no HC 190.806/SC, 2ª T. j. 30/03/2021). Já vem sendo implementado o benefício, nesse sentido, no Sistema Peni­ten­ ciário Federal, com base na Portaria Conjunta 276, de 20 de junho de 2012, com 264

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respaldo tanto do Conselho Nacional de Educação (CNE) como do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). Os critérios adotados foram os seguintes: o preso tem entre 21 (vinte e um) e 30 (trinta) dias para leitura de uma obra literária, apresentando nesse prazo uma resenha que deverá ser submetida a critérios legais de avaliação (fidedignidade e clareza), sendo possível a remição de 4 (quatro) dias de pena, no limite de até 12 (doze) obras e 48 (quarenta oito) dias remidos por ano (art. 4º, Portaria 276-MJ). No Estado do Paraná, a Lei Estadual 17.329/2012 estende a remição pela leitura ao direito penitenciário estadual: com a leitura mensal de 1 (uma) obra, apresentação de relatório ou resenha submetido a avaliação dos profissionais da educação do Estado, tendo por critérios a ortografia, a coesão e a coerência, poderá o leitor, com nota superior a 6 (seis) pontos, remir 4 (quatro) dias de pena. A nova Resolução do CNJ, aprovada em maio de 2021, estabelece que “para cada obra lida corresponderá a remição de 4 (quatro) dias de pena, limitando-se, no prazo de 12 (doze) meses, a até 12 (doze) obras efetivamente lidas e avaliadas e assegurando-se a possibilidade de remir até 48 (quarenta e oito) dias a cada período de 12 meses” (art. 5º, V). Mudança interessante é a garantia da remição pela leitura de qualquer obra literária, “independentemente de participação em projetos ou de lista prévia de títulos autorizados” (art. 5º, caput). A pessoa terá de 21 a 30 dias para realizar a leitura, contados do empréstimo do livro, devendo, em até 10 dias após, apresentar relatório de leitura conforme roteiro a ser fornecido pelo Juízo ou pela respectiva Comissão de Validação, a qual validará o relatório sem caráter de avaliação pedagógica ou de prova (art. 5º, § 1º, III). É controversa a possibilidade de remição por estudo ou leitura por ocasião da conclusão de cursos de estudos bíblicos. Um dos problemas apontados pelo STJ é a apresentação apenas do certificado de conclusão do curso, sem possibilidade de se aferir a frequência em horas (STJ, HC 508.120/SC, j. 12/11/2019). Nos Tribunais de Justiça dos Estados há decisões divergentes entre si, ora reconhecendo a possibilidade de remição (TJMG, AgEx 0192930-13.2020.8.13.0000, out. 2020), ora negando, como em São Paulo, onde o Tribunal de Justiça declarou inconstitucional a Lei Estadual 16.648/18-SP que regulamentava a remição pela leitura, incluindo a leitura da Bíblia (TJSP, ADI 2182765-41.2019.8.26.0000, j. 29/01/2020). A remição será sempre declarada pelo juiz da execução, após ouvir Ministério Público e Defesa (art. 126, § 8º, LEP), não havendo violação a direitos, porém, em casos de procedimento automatizado regulamentado por portaria do juízo que visa apenas conferir maior celeridade à declaração judicial dos dias remidos.

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126.4 Remição e preso provisório O instituto é inteiramente aplicável ao preso provisório – neste caso, porém, o trabalho é uma faculdade, e não um dever, do apenado, e a remição será posteriormente considerada na detração, no caso de condenação, conjugando-se os art. 126, § 7º da LEP, e art. 42 do CP.

126.5 Remição por trabalho executado antes do início da execução da pena Entende o STJ pela possibilidade de remição por trabalho adimplido antes do início da execução da pena, desde que posterior ao delito: “1. Não se desconhece que este Superior Tribunal de Justiça firmou orientação quanto à impossibilidade de remição do tempo de trabalho executado em momento anterior à prática do delito da pena a ser remida. 2. Nos casos, no entanto, em que o labor tenha sido realizado em data posterior à prática do delito cuja condenação se executa, ainda que anterior ao início da execução, é possível a aplicação do instituto” (STJ, HC 420.257/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 19/04/2018).

126.6 Novas modalidades de remição e as práticas sociais educativas Novas modalidades de remição também são cada vez mais colocadas em discussão e podem ser levadas ao Poder Legislativo ou Judiciário, como a remição pelo esporte, por atividades musicais, com base em interpretação extensiva in bonam partem do art. 126 da LEP. Por exemplo, já foi reconhecido direito à remição por participação em coral (STJ, RESP 1.666.637, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., j. 26/09/2017). Em maio de 2021, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução 391/2021-CNJ, estabelecendo procedimento para “o reconhecimento do direito à remição de pena por meio de práticas sociais educativas”, por meio de ativi­ dades escolares, práticas sociais educativas não-escolares e leitura de obras lite­ rárias. Entre as práticas sociais educativas não-escolares, inclui-se atividades de natureza “cultural, esportiva, de capacitação profissional, de saúde, dentre outras, de participação voluntária, integradas ao projeto político-pedagógico (PPP) da unidade ou do sistema prisional e executadas por iniciativas autônomas, instituições de ensino públicas ou privadas e pessoas e instituições autorizadas ou conveniadas com o poder público para esse fim” (art. 2º, parágrafo único, II).

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126.7 Remição ficta e a pandemia do novo Coronavírus Discute-se, ainda, hipóteses de remição em que não há, efetivamente, a concretização do trabalho ou estudo, pelas mais variadas razões, e ainda assim se possa declarar dias remidos – por isso a denominação “remição ficta”. Há uma hipótese legal de remição ficta, que é a regra do art. 126, § 4º, segundo o qual “o preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos, continuará a beneficiar-se com a remição”. São controversas, mas relevantes, as sugestões de se conceder remição quando não há oferta, por parte do Estado, de oportunidades de trabalho e/ou estudo. Se há tal obrigação legal ao Estado, assiste razão a ROIG quando observa que vedar a remição ficta, nesses casos, acaba punindo duplamente a pessoa punida: por não poder trabalhar ou estudar e por não poder valer-se da remição31. Em importante exemplo, o Juízo da Corregedoria do Sistema Prisional da Comarca de Joinville, Santa Catarina, determinou pela Portaria 8/2018 a aplicação de remição ficta (a cada 3 dias de pena cumprida, 1 dia de remição) “a quem não for proporcionado trabalho” nos termos da LEP “e que declare do próprio punho que deseja trabalhar, nos exatos termos da remição pelo trabalho”. O advento da pandemia do novo Coronavírus fortaleceu este debate, visto que milhares de pessoas presas que estavam trabalhando e estudando subitamente pararam de fazê-lo por conta das medidas sanitárias de prevenção ao contágio. Aventa-se a possibilidade de aplicação direta do próprio art. 126, § 4º à situação, equiparando os obstáculos oriundos da pandemia ao conceito de acidente de trabalho. Até o fechamento desta edição o tema não chegara aos Tribunais Superiores, mas vem encontrando posições divergentes nos Estados. Há notícia de concessão de remição ficta nesses termos, por exemplo, ao menos no Distrito Federal e em comarcas do Estado da Bahia e de Minas Gerais. Em Santa Catarina, após Habeas Corpus coletivo impetrado pela Defensoria Pública do Estado, o Tribunal de Justiça chegou a instaurar incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) para deliberar sobre o alcance da norma do art. 126, § 4º, mas acabou por denegar a ordem, entendendo que a crise decorrente da pandemia não pode ser equiparada a acidente de trabalho (TJSC, HC 501649848.2020.8.24.0000, j. 09/12/2020). Concordamos com o voto vencido, proferido pela Relatora: “a nosso sentir, a interrupção de todas as atividades laborais e/ou intelectuais em andamento por

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal, p. 393.

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conta da barreira sanitária imposta nos estabelecimentos prisionais para obstar a proliferação do vírus amolda-se perfeitamente à conceituação de acidente. Logo, os presos que ficaram impossibilitados, por acidente - leia-se, pelas barreiras sanitárias impostas repentinamente a fim de conter o avanço da pandemia do coronavírus que assola o País - de prosseguirem no trabalho, nos estudos ou em programas de leitura, devem continuar a se beneficiar com a remição, porquanto abarcados pela disposição do § 4º do art. 126 da LEP”. Tal posição foi defendida, inclusive, pelo Conselho Nacional do Ministério Público por meio da Nota Técnica 2/2020: “Nos casos de restrição ou suspensão das autorizações de saída, bem assim de limitação de circulação dos presos que se encontrem no gozo de trabalho externo (excepcional), trabalho interno e atividades de ensino ou programas de leitura, sugere-se que sejam aventadas a possibilidade de consideração de tempo ficto do período respectivo ao recolhimento para fins de contenção da pandemia, para posterior consideração de institutos como remição e verificação de comportamento carcerário” (itens 2.2 e 2.3). Um indicativo de possível posicionamento na mesma linha foi a suspensão, pelo STF, do art. 29 da Medida Provisória 927/2020, permitindo que a contaminação do trabalhador por Covid-19 fosse considerada doença ocupacional, a depender do caso concreto (STF, ADI 6342, ADI 6344, ADI 6349, ADI 6352, e ADI 6354, j. 29/04/2020). A Medida Provisória acabou perdendo validade, mas o debate sobre a natureza jurídica das consequências da pandemia em determinados contextos é análogo.

126.8 Penas ilícitas: remição ficta ou compensação penal decorrente de condições degradantes de prisão A proposta de remição por conta da superlotação carcerária, com condições degradantes de custódia, é polêmica. Quando proposta pelo Min. Roberto Barroso no STF, entendeu a maioria da Corte que o tribunal não poderia criar nova hipó­tese de remição sem previsão legal, sendo somente caso de reconhecimento do direito à indenização por danos morais, por conta das condições degradantes: “(...) Aplicação analógica do art. 126 da Lei de Execuções Penais. Remição da pena como indenização. Impossibilidade. A reparação dos danos deve ocorrer em pecúnia, não em redução da pena. Maioria.” (STF, REXT 580.252/MS, Rel. p/ acórdão: Min. Gilmar Mendes, j. 16/02/2017). A proposta é controversa porque pode ser interpretada como espécie de “remição por tortura”, além da implícita liberação de responsabilidades aos gestores do sistema prisional. 268

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O tema tem grande densidade teórica por meio da categoria de penas ilícitas do ponto de vista qualitativo32, ensejando direito à indenização pelo Estado porque há excesso em relação à pena fixada na sentença condenatória. O tempo linear passa a ser tratado como tempo vivencial, produzindo outros parâmetros para aferição do cumprimento da pena. Trata-se de um dos principais debates – quiçá o principal – dentre os temas contemporâneos e avançados de execução penal, e que por ora não comporta aprofundamento neste volume. A Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou, em Medida Provisória constante de Resolução de 22/11/2018, o cômputo de remição ficta por pena cumprida nas condições degradantes no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (IPPSC), no Complexo Penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro: “O Estado deverá arbitrar os meios para que, no prazo de seis meses a contar da presente decisão, se compute em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no IPPSC, para todas as pessoas ali alojadas, que não sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais”. O STJ corroborou o entendimento e concedeu ordem neste sentido: “vale asseverar que, por princípio interpretativo das convenções sobre direitos humanos, o Estado-parte da CIDH pode ampliar a proteção dos direitos humanos, por meio do princípio pro personae, interpretando a sentença da Corte IDH da maneira mais favorável possível aquele que vê seus direitos violados. No mesmo diapasão, as autoridades públicas, judiciárias inclusive, devem exercer o controle de convencionalidade, observando os efeitos das disposições do diploma internacional e adequando sua estrutura interna para garantir o cumprimento total de suas obrigações frente à comunidade internacional, uma vez que os países signatários são guardiões da tutela dos direitos humanos, devendo empregar a interpretação mais favorável a indivíduo. Logo, os juízes nacionais devem agir como juízes interamericanos e estabelecer o diálogo entre o direito interno e o direito internacional dos direitos humanos, até mesmo para diminuir violações e abreviar as demandas internacionais. É com tal espírito hermenêutico que se dessume que, na hipótese, a melhor interpretação a ser dada, é pela aplicação a Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 2018 a todo o período em que o recorrente cumpriu pena no IPPSC“ (STJ, RHC 136.961/RJ, j. 28/04/2021).

VACANI, Pablo. La cantidad de pena en el tempo de prisión: sistema de la medida cualitativa. Buenos Aires: AdHoc, 2015.

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126.9 Remição por trabalho no regime semiaberto harmonizado cumprido em prisão domiciliar e/ou monitoração eletrônica Em algumas decisões de Tribunais estaduais, o direito à remição pelo trabalho é negado porque a pessoa está em regime semiaberto harmonizado, em custódia domiciliar e/ou sob monitoração eletrônica, afirmando-se se tratar de um “regime aberto”, e não semiaberto. Porém, tal posicionamento demandaria a formalização do reconhecimento de uma progressão antecipada ao regime aberto. Não é possível que o regime semiaberto harmonizado seja “equiparado ao regime aberto” apenas no ponto que prejudica o sentenciado. Sobre o tema, destaca-se a posição do Superior Tribunal de Justiça que reco­nhece a possibilidade de remição da pena por trabalho realizado em prisão domiciliar, em regime semiaberto harmonizado: “em se tratando de remição da pena, é, sim possível proceder à interpretação extensiva em prol do preso e da sociedade, uma vez que o aprimoramento dele contribui decisivamente para os destinos da execução” (STJ, AGRg no Resp 1689353/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 06/02/2018). Outro exemplo: “PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE ESTABE­LE­ CIMENTO PRISIONAL COMPATÍVEL COM O REGIME SEMIABERTO. APE­ NADO USUFRUINDO PRISÃO DOMICILIAR. REMIÇÃO DA PENA PELO TRABALHO. POSSIBILIDADE. ART. 126 DA LEP. AGRAVO NÃO PROVIDO. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que os sentenciados que cumprem pena no regime semiaberto ou fechado têm direito à remição da pena pelo trabalho, consoante a previsão legal do art. 126 da Lei de Execução Pena. Precedentes. In casu, o apenado faz jus ao benefício da remição, pois, apesar de cumprir pena no regime intermediário, encontra-se em prisão domiciliar em decorrência única e exclusiva da ausência de vaga adequadas e com­ patíveis com o regime semiaberto, ou seja, em razão da falência do próprio sis­te­ ma carcerário. Agravo regimental não provido.” (STJ, AgRg no Resp 1505182/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 03/05/2018).

126.10 Possibilidade de arredondamento para cima dos dias remidos É controversa a hipótese de arredondar para cima o saldo remanescente de dias remidos. Em situação na qual havia saldo de 0,33 dia a remir por trabalho, entendeu o STJ que o arredondamento para cima “representaria premiação sem 270

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a necessária contrapartida do sentenciado, sendo que o saldo remanescente será somado a futuras horas de trabalho, inexistindo, pois, prejuízo ao apenado” (STJ, AgRg no HC 618.959/PR, 6ª T., j. 02/03/2021). Todavia, em caso concreto envolvendo remição pelo estudo, o Tribunal entendeu de modo distinto, em importante decisão: “(...) 2. É firme o entendimento desta Corte Superior no sentido de que os cálculos aplicados na execução da pena também devem ser interpretados de forma mais benéfica ao apenado. Precedentes. 3. Nesse contexto, não resultando em número inteiro o cálculo dos dias a serem remidos, opera-se o arredondamento matemático dos algarismos decimais para o número inteiro imediatamente superior, entendimento que se mostra mais razoável. 4. Na espécie, as instâncias ordinárias, no cálculo da remição, dividiram por 12 as 224 horas de estudos cumpridas pela reeducanda, resultando em 18,666 dias a serem remidos, tendo a Corte a quo mantido o arredondamento da fração excedente (0,666) para declarar remidos 19 dias de pena (e-STJ fls. 93/94), o que não merece reparos.” (STJ, AgRg no REsp 1.914.970/MT, 5ª T., j. 32/02/2021).

Art. 127  Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)

127.1 Perda de dias remidos como sanção Trata-se de dispositivo bastante controverso que prevê a perda de dias remidos como sanção específica para o reconhecimento judicial de falta disciplinar de natureza grave. Previa o artigo, até a Lei 12.433/2011, a perda integral do tempo remido no caso de cometimento de falta grave. A severa regra foi objeto de muitos questionamentos sobre sua constitucionalidade, posicionando-se o STF com a edição da Súmula Vinculante nº 9, em 2008, com o seguinte teor: “O disposto no art. 127 da Lei 7.210/84 foi recebido pela ordem constitucional vigente e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58”, referindo-se, na parte final, ao dispositivo da LEP que limita a trinta dias a suspensão de direitos.

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Art. 127

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127.2 Debate sobre a constitucionalidade da perda dos dias remidos A argumentação pela inconstitucionalidade do dispositivo – presente no próprio STF em posição minoritária – sempre levou em conta a natureza da sentença do reconhecimento da remição, declarada pelo juiz de execução (art. 126, § 3º, c.c. art. 66, III, c, LEP), formando assim coisa julgada. A inconstitucionalidade estaria exatamente na violação de direito adquirido e do princípio da intangibilidade do julgado favorável ao réu (art. 5º, XXXVI, CR). Para a posição majoritária, a remição seria mecanismo premial, chegando a ser utilizada metáfora comparando-a com créditos em um registro bancário que podem ser estornados se desrespeitadas as regras, no caso, disciplinares, cuja observância permanece enquanto condição resolutiva ou sujeita à cláusula rebus sic stantibus. Já para a perspectiva minoritária, não se trata de mero meca­ nismo disciplinar e sim de elemento tratamental de uma pena voltada à resso­ cialização: sendo assim, cada dia remido é um direito adquirido na forma de uma complementação de seu próprio salário pelo trabalho realizado.

127.3 Necessidade de fundamentação da decisão Com a Lei 12.433/11, que retroage e alcança todos os condenados que tiveram a perda integral dos dias remidos em momento anterior, o art. 127 passou a prever que, em caso de falta grave, o juiz poderá decretar a perda apenas de até um terço (1/3) dos dias remidos, observando o art. 57 da LEP, o qual determina que “na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão”. A contagem recomeça a partir da data da infração disciplinar. Como se vê, a decretação da perda dos dias remidos não é vinculada, mas uma faculdade do magistrado, o qual tem obrigação de motivar a decisão segundo os critérios do art. 57 da própria LEP. No caso de sua aplicação, estabelece-se o limite máximo de um terço (1/3) dos dias remidos, devendo a perda ser em menor monta se assim indicarem as circunstâncias do caso concreto. Segundo o STJ, “caracteriza coação ilegal a decretação da perda dos dias remidos na fração máxima de 1/3 sem fundamentação concreta” (STJ, HC 282.265/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., j. 22/04/2014). Por outro lado, o STJ admite que “falta de natureza especialmente grave” fundamente a perda dos dias remidos na fração legal máxima de 1/3 (STJ, AgRg no HC 550.207/SP, 5ª T., j. 18/02/2020). 272

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Art. 128

A perda só poderá ocorrer se houver a efetiva punição pela respectiva falta grave, com o devido procedimento administrativo disciplinar e a oitiva do apenado, não obstante a obscuridade do texto legal nesse ponto.

127.4 Limite temporal da possibilidade de perda de dias remidos A perda dos dias remidos só pode atingir período de trabalho ou estudo anterior ao cometimento da infração disciplinar, até pela natureza premial do instituto. É inadmissível, por exemplo, que no ato de homologação judicial da falta grave se decrete a perda de dias remidos obtidos no lapso temporal entre o cometimento da falta e sua análise judicial, ou seja, trabalho ou estudo realizado posteriormente à infração disciplinar (STJ, HC 541.649/SP, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Convocado), 5ª T., j. 12/11/2019; REsp 1517936/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., j. 01/10/2015). Por outro lado, quanto a dias de trabalho ou estudo já comprovados, mas ainda não declarados remidos, é comum que o juízo de execução declare dias remidos pendentes e, de imediato, decrete sua perda em decorrência de falta disciplinar de natureza grave. O STJ admite essa possibilidade invocando “interpretação sistemática e teleológica” do artigo (STJ, REsp 1672643/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., j. 03/10/2017).

127.5 Inaplicabilidade para o liberado condicional que comete novo delito O art. 127 não atinge o egresso que se encontra em período de prova do livramento condicional e usufrui do direito à remição por estar frequentando curso de ensino regular ou de educação profissional. Isto porque se trata de egresso, não subordinado ao sistema disciplinar da LEP e que, por isso, não comete a falta grave a que se refere o dispositivo em tela, sem prejuízo das consequências específicas previstas para o descumprimento das condições do livramento condicional (STJ, HC 271.907/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti, 6ª T., j. 27/03/2014).

Art. 128  O tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)

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Art. 128

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128.1 Cômputo do tempo remido como pena cumprida A redação do art. 128 dada pela alteração em 2011 encerrou controvérsia sobre a forma de cálculo do abatimento dos dias remidos com o acolhimento da posição que já se manifestava como majoritária na jurisprudência. Tratando-se de norma material e mais benéfica, a nova redação do art. 128 retroage e atinge condenados que tiveram o cálculo da pena remida realizado segundo a corrente minoritária. Havia, em síntese, duas correntes, que divergiam entre (a) somar o tempo de pena remida ao tempo de pena já cumprida ou (b) subtrair do total de pena aplicada o tempo de pena remida, com consequências significativas no cálculo final do requisito temporal exigido para outros benefícios penitenciários. A posição ora acolhida pela lei é acertadamente a primeira, tratando a remição com a mesma lógica da detração penal: tempo remido é pena cumprida. Logo, o cálculo do requisito temporal em outros institutos considerará o tempo de pena remida como pena já cumprida, simplesmente somando-as para verificar se já foi cumprida a fração necessária ao benefício correspondente. A forma de cálculo adotada repercute sobre o quantum máximo de cumprimento de pena – 30 (trinta) anos, segundo o art. 75 do Código Penal. Afinal, o quantum de pena remida será, para todos os efeitos, “pena cumprida”, fazendo com que o condenado chegue ao tempo de 30 (trinta) anos de pena cumprida mesmo que não tenha, efetivamente, permanecido este tempo no cárcere.

128.2 Período de trabalho ou estudo anterior à data-base para direitos da execução Podem ocorrer situações em que o pedido de remição se refira a período de trabalho ou estudo anterior à atual data-base para progressão de regime e/ou livramento condicional. Por exemplo, o preso já está em regime semiaberto e pede remição “com atraso” por período trabalhado no regime fechado. Caso o art. 128 seja aplicado mecanicamente, há o risco desta remição muito pouco efeito produzir em relação ao requisito objetivo para ele pleitear a progressão ao regime aberto. O mais justo e correto parece ser, nesse caso, garantir que os dias remidos lançados no atestado de pena como pena cumprida e posterior à data-base ou, caso não seja este o entendimento adotado, que o tempo remido seja deduzido da pena remanescente, não se aplicando neste específico caso o art. 128 em sua literalidade. 274

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Art. 129

Art. 129  A autoridade administrativa encaminhará mensalmente ao juízo da execução cópia do registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou estudando, com informação dos dias de trabalho ou das horas de frequência escolar ou de atividades de ensino de cada um deles. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011) § 1º O condenado autorizado a estudar fora do estabelecimento penal deverá comprovar mensalmente, por meio de declaração da respectiva unidade de ensino, a frequência e o aproveitamento escolar. (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011) § 2º Ao condenado dar-se-á a relação de seus dias remidos. (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)

129.1 Encaminhamento ao juízo de informações sobre atividades que implicam em remição de pena O registro e o encaminhamento ao Juízo de Execução do número de dias de trabalho de todos os condenados que estejam exercendo atividade laborativa é encargo mensal da administração penitenciária. Logo, falhas no registro não podem prejudicar o condenado, que tem direito a receber a relação de seus dias remidos (art. 129, § 2º, LEP) e deve ser favorecido em caso de dúvida. Da mesma forma, para a remição pelo estudo, se o condenado estiver preso, o registro e o encaminhamento ao Juízo de Execução do registro de frequência escolar e aproveitamento é encargo mensal da administração penitenciária. Porém, se estiver solto, é o próprio condenado que deverá comprovar as informações (art. 129, § 1º, LEP). São ilegais quaisquer exigências de requisitos não expressamente previstos em lei, sobretudo para declaração de dias remidos por estudo. O bom comportamento não é requisito para declaração dos dias remidos, sem prejuízo de, havendo notícia de falta grave, aplicar-se a posteriori a sanção descrita no art. 127.

Art. 130  Constitui o crime do artigo 299 do Código Penal declarar ou atestar falsamente prestação de serviço para fim de instruir pedido de remição.

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Art. 131

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130.1 Crime de falsidade ideológica A LEP busca aqui evidenciar que a falsa declaração ou certificação de serviço prestado para instruir pedido de remição configura crime de falsidade ideológica, tipificado pelo art. 299 do Código Penal.

SEÇÃO V Do Livramento Condicional Art. 131  O livramento condicional poderá ser concedido pelo Juiz da execução, presentes os requisitos do artigo 83, incisos e parágrafo único, do Código Penal, ouvidos o Ministério Público e Conselho Penitenciário.

131.1 Considerações gerais sobre o livramento condicional O livramento condicional é hoje, no Brasil, um instituto de direito peni­ tenciário orientado à colocação antecipada do condenado em liberdade na etapa final da execução da pena – por isso não é propriamente um substitutivo penal –, cumpridos certos requisitos e de forma vinculada a um programa de tratamento. Ele é independente do regime de cumprimento em que se encontra o condenado. Historicamente, o livramento é componente fundamental dos lineamentos originais do sistema progressivo irlandês, no qual seria a última e fundamental etapa da execução da pena. No Brasil, foi introduzido na legislação nacional pelo Código Penal de 1890 (art. 50 a 52), mas ganhou aplicabilidade apenas com a Lei n o. 4.577, de 5 de setembro de 1922, seguida do Decreto no. 16.665, de 6 de novembro de 1924. Atualmente, sua regulamentação legal conjuga dispositivos do Código Penal (art. 83 a 90) e da Lei de Execução Penal (art. 131 a 146), tratando, respectivamente, dos aspectos substanciais e procedimentais. A natureza jurídica do livramento condicional é de modalidade de cumpri­ mento da pena. O instituto é aplicável apenas aos casos de pena aplicada igual ou superior a dois anos (art. 83, CP), após o cumprimento de determinada fração da pena e o atendimento de outros pressupostos. Entretanto, negar a possibilidade de livramento a um reincidente, por exemplo, que preenche os requisitos, apenas porque condenado a uma pena inferior a dois anos, não faz sentido e parece grave violação aos princípios da igualdade e da razoabilidade. É viável argumentar, 276

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nesse sentido, pela não recepção do texto legal, neste ponto, pela Constituição de 1988.

131.2 Requisitos ou pressupostos para o livramento condicional Os requisitos ou pressupostos normativos para a admissibilidade do livramento condicional podem ser caracterizados como (a) objetivo ou temporal; (b) reparação do dano; e (c) subjetivo ou avaliação clínico-criminológica sobre o apenado.

131.3 Requisito objetivo ou temporal De acordo com o Código Penal, a pessoa deve cumprir (I) mais de um terço da pena, caso não seja reincidente em crime doloso e apresente bons antecedentes (art. 83, I, CP); (II) mais de metade da pena, se reincidente em crime doloso (art. 83, II, CP); (III) mais de dois terços da pena, se a condenação tiver sido por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza (art. 83, V, CP). O crime de associação para o tráfico (art. 35, Lei 11.343/2006), embora não seja equiparado a hediondo, tem requisito específico de 2/3 (dois terços) da pena previsto no art. 44, parágrafo único, da mesma Lei. Prevalece no STJ o entendimento pela aplicação da fração, com base no princípio da especialidade (STJ, HC 526.196/RS, Rel. Leopoldo de Arruda Raposo, j. 12/11/2019). Descabido e ilegal, porém, pretender aplicar a fração de 2/3 (dois terços) ao tráfico privilegiado, ou seja, quando há incidência da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. O art. 44 da Lei de Drogas, que estabelece a fração mais gravosa, menciona expressamente apenas o caput e o § 1º do art. 33. O tráfico privilegiado não tem natureza de crime equiparado a hediondo, como assentado pelo STF no HC 118.533/MS, julgado em 23/06/2016 e que tratava de um pedido de livramento condicional, e agora pelo disposto pelo art. 112, § 5º da LEP. O primário de maus antecedentes deve cumprir mais de um terço da pena, enquadrando-se no inciso I do art. 83 do CP, pois incabível interpretação analógica em outro sentido (STJ, HC 102.278/RJ, 6ª T., Rel. Min. Jane Silva, j. 03.04.2008; STJ, HC 26.140/RJ, 6ª T., Rel. Min. Paulo Medina, j. 18.11.2003) A aferição da periculosidade que precede a definição do quantum de pena cumprida exigida deve ter um critério objetivo, assim como no sursis, na medida em que haverá reincidência tão-somente se a pena referente à condenação 277

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por fato cometido nos termos da definição legal de reincidência não tiver sido cumprida há mais de cinco anos (art. 64, I, CP). Em relação ao conceito de bons e maus antecedentes, há que se resolver a tensão inafastável para com o princípio da presunção de inocência. O STJ já se manifestou sobre o tema afirmando que o livramento condicional não pode ser negado apenas com base nos “maus antecedentes”, mormente se a circunstância já foi sopesada na aplicação da pena (STJ, HC 57.300/SP, 5ª T., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 05.12.2006). Assim como na progressão de regime, quando houver cumulação de crime comum e hediondo, tem-se o chamado requisito temporal misto. Nesses casos, deve-se realizar o cálculo diferenciado ou discriminado, tomando-se as penas separadamente. No caso de condenação superveniente em razão do cometimento de novo crime, as penas são somadas (art. 84, CP), mantendo-se a data-base na primeira prisão (salvo se o novo crime tiver sido cometido durante o período de prova, pois nesse caso se aplica o art. 88 do CP). Mas se tratando de crime anterior ao livramento, a unificação das penas, no que toca ao livramento, não tem o condão de alterar a data-base deste último. Não há relação entre a data-base da progressão de regime e aquela do livramento condicional. Havendo progressão de regime, a fração exigida para o livramento condicional continua sendo calculada com base no total da pena aplicada, mantendo-se a data-base na primeira prisão. E havendo livramento condicional, não deve ser interrompida a data-base para progressão. Embora se trate de prática corriqueira, é equivocada a interrupção da contagem do requisito objetivo da progressão de regime porque o preso saiu em livramento condicional, justamente porque o livramento, nos moldes atuais, não constitui etapa do sistema progressivo, tratando-se de direitos independentes entre si. Em nenhuma hipótese, portanto, a não ser que haja novo crime durante o período de prova, reinicia-se a contagem do requisito temporal para o livramento condicional. O cometimento de falta grave não enseja a interrupção, nos termos da Súmula 441 do STJ; e a superveniência de nova condenação, com a consequente unificação das penas, também não pode permitir a interrupção, o que violaria gravemente a literalidade da lei penal (art. 84, CP). 131.4 Requisito da reparação do dano e cumprimento das obrigações civis decorrentes do crime A concessão de livramento condicional é também subordinada ao adimple­ mento das obrigações civis decorrentes do crime, ou seja, a reparação do dano, 278

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“salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo” (art. 83, IV, CP). Há forte movimento, todavia, no sentido de entender que a Lei 10.792/03 teria derrogado este dispo­ sitivo, passando a exigir somente o “bom comportamento”. Há base legal com potencial, nesse ponto, para a valoração da construção de práticas de mediação e justiça restaurativa, com a participação da vítima, no âmbito da execução penal, indo-se além da concepção meramente pecuniária do conceito de reparação, a qual pode ser simbólica e dialogicamente construída.

131.5 Requisito subjetivo ou da valoração clínico-criminológica do autor Trata-se de um conjunto de critérios eminentemente subjetivos (art. 83, III e parágrafo único, CP) que constituem o pilar ideológico e estrutural do tema: em linhas gerais, prevê-se uma série de valorações subjetivas diagnósticas e prognósticas voltadas à pessoa do apenado, sempre com forte apelo à criminologia clínica, quando não ao mero e grosseiro exercício de adivinhação. O art. 83, III, do CP, foi alterado pela Lei 13.964/2019. Antes, a referência era mais genérica: exigia-se (i) comprovação de comportamento satisfatório durante a execução da pena, (ii) bom desempenho no trabalho e (iii) aptidão “para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto”. Após as alterações, a redação atual do dispositivo demanda a comprovação de: “a) bom comportamento durante a execução da pena; b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses; c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto”. Duas alterações pontuais, portanto: a substituição de “satisfatório” por “bom” na adjetivação do comportamento durante a execução da pena e a inclusão de exigência objetiva referente à ausência de falta grave nos últimos 12 (doze) meses. Quanto à comprovação de comportamento satisfatório durante a execução da pena, já entendeu o STJ ser ilegal limitar a análise deste requisito aos últimos seis meses de execução da pena (STJ, REsp 1.325.182/ DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., j. 20/02/2014). Por outro lado, se não há penas perpétuas, qualquer efeito penal ou disci­ plinar deve ter um lapso temporal de duração, não podendo faltas graves gerarem efeitos indefinidamente. O debate tende a continuar, mesmo com as alterações da Lei 13.964/2019, pois o termo cujo sentido está frequentemente em discussão – “durante a execução da pena” – foi mantido. Mas é razoável argumentar que a alínea “b” constitui novo 279

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critério vinculante de interpretação da alínea “a”: ter bom comportamento durante a execução da pena seria exatamente não cometer faltas graves nos últimos 12 (doze) meses. A alegação de que seriam exigências independentes entre si não faz sentido, na medida em que esvazia e torna inócua a própria alteração legislativa que incluiu a alínea “b” no texto legal. Entendeu a I Jornada de Direito Penal e Processo Penal do Conselho da Justiça Federal e STJ que esta delimitação de 12 (doze) meses aplica-se apenas às infrações penais praticadas a partir de 23/01/2020, quando entrou em vigor a Lei 13.964/2019. Porém, se o caso concreto indicar que há faltas graves anteriores sendo levadas em consideração para indeferir o livramento condicional, a alteração é mais benéfica no caso concreto e deve assim ser considerada, retroagindo. O art. 83, parágrafo único, do CP, por sua vez – “Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir” –, implica um prognóstico sobre o comportamento futuro do condenado por crime doloso com violência ou grave ameaça à pessoa. Como é evidente, parece impossível se realizar qualquer juízo objetivamente verificável sobre o comportamento futuro de alguém. O dispositivo muitas vezes é base para a realização de perícias médico-psiquiatras, o que não significa, de qualquer forma, que elas sejam capazes de “prever o futuro”. O dispositivo chegou a ter a sua constitucionalidade questionada, mas o STF o considerou recepcionado pela Constituição (STF, HC 69740, Rel. Min. Celso de Mello, j. 18/05/1993), considerando que a realização da perícia dependeria de juízo discricionário do magistrado que o considerasse necessário para formação de seu convencimento. A questão é que a redação do art. 112 da LEP dada pela Lei 10.792, de 1º de dezembro de 2003, deixara de exigir a realização de exame criminológico para a concessão de progressão de regime, estendendo a disposição também ao livramento condicional. Assim, além do requisito temporal seria necessária apenas a comprovação de comportamento satisfatório, através do diretor do estabelecimento, excluindo-se a realização de perícias médico-psiquiátricas e do exame criminológico. Sobre o debate quanto à possibilidade do juiz ainda assim requerer a sua realização, remete-se à discussão travada no item sobre a pro­ gressão de regime.

131.6 Hipóteses de vedação do livramento condicional As alterações promovidas pela Lei 13.964/2019 no art. 112 da LEP incluíram a expressão “vedado o livramento condicional” somente para os primários e 280

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reincidentes condenados por crime hediondo ou equiparado com resultado morte (ver art. 112, VI, “a”, e VIII, LEP). A nova regra passa a conviver com a anterior, que já vedava o livramento para o reincidente específico em crime hediondo, tortura, tráfico de drogas ilícitas e terrorismo (art. 83, V, CP), esta introduzida pela Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90). O conceito de “reincidência específica” do art. 83, V, do CP, não é devi­ damente esclarecido pelo texto legal, que se refere a “crimes dessa natureza”, apresentando-se, por conta disso, ao menos três possíveis interpretações: (a) uma ampliativa, entendendo bastar que sejam crimes hediondos ou equiparados a hediondo para a configuração da reincidência específica; (b) outra restritiva, que exige uma identidade mais consistente entre os tipos penais, como o mesmo bem jurídico tutelado; (c) e por fim outra ainda mais restritiva, a qual entende só haver reincidência específica se for caso de condenações por um mesmo tipo penal. O art. 44, parágrafo único, da Lei 11.343/06, também veda o livramento condicional ao reincidente específico nos crimes ali listados (arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37, da mesma Lei). Em qualquer caso, não há reincidência específica entre condenações por tráfico de drogas e tráfico privilegiado, o qual não tem sequer natureza equiparada a hediondo, não incidindo a vedação constante do dispositivo. Por outro lado, a Lei 13.964/2019 foi bastante clara quanto aos casos de crime hediondo ou equiparado com resultado morte e silenciou diante das demais hipóteses de crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, ainda que se trate de reincidente. Em outras palavras, a ausência da expressão “vedado o livramento condicional” no inciso VI da nova redação do art. 112 parece se colocar como antinômica em relação à parte final do art. 83, V, do Código Penal. Sendo assim, prevalecendo a regra posterior, a vedação ao livramento condicional deve incidir apenas quando o crime hediondo ou equiparado tiver resultado morte. Uma segunda e grave hipótese de vedação ao livramento condicional decorre do art. 2º, § 9º, da Lei 12.850/2013, incluído pela Lei 13.964/2019: “O condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização criminosa não poderá progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo”. Ou seja, a manutenção do vínculo com organização criminosa, tendo a vinculação sido expressamente reconhecida em sentença, também seria causa de impedimento à obtenção da progressão e do livramento. A lei não explica como 281

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se dá a instrução comprobatória da “manutenção do vínculo associativo”, com a consequência radical de suspensão de todos os “benefícios prisionais”. Trata-se de vedação genérica e inconstitucional (v. comentários ao art. 112). Em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a regra da Lei 8.072/90 que impunha regime integralmente fechado aos condenados por crimes hediondos. A questão é se a decisão do STF alcançaria também formas de vedação genérica ao livramento condicional. Segundo a posição dominante, a redação do art. 83, V, do CP não fora contemplada pelo julgamento do HC 82.959/SP e seguiria, portanto, em vigor, ao menos até a Lei 13.964/2019. Não se pode, entretanto, negar coerência à posição minoritária, visto que o fundamento constitucional em tela – a individualização da pena (art. 5º, XLVI, CR) – também pode ser invocado contra a vedação genérica do livramento condicional nos casos acima narrados.

Art. 132  Deferido o pedido, o Juiz especificará as condições a que fica subordinado o livramento. § 1º Serão sempre impostas ao liberado condicional as obrigações seguintes: a) obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto para o trabalho; b) comunicar periodicamente ao Juiz sua ocupação; c) não mudar do território da comarca do Juízo da execução, sem prévia autorização deste. § 2° Poderão ainda ser impostas ao liberado condicional, entre outras obrigações, as seguintes: a) não mudar de residência sem comunicação ao Juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar e de proteção; b) recolher-se à habitação em hora fixada; c) não frequentar determinados lugares. d) (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)

132.1  Condições do livramento condicional O livramento condicional tem tratamento jurisdicional e a competência para apreciação do pedido é do juiz de execução. O pedido pode ser da defesa 282

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Art. 132

ou do condenado, por seu próprio punho, e de acordo com modificação recente devem ser ouvidos Ministério Público e defesa (art. 112, § 2º, LEP), não sendo mais obrigatório o parecer do Conselho Penitenciário. As condições podem ser obrigatórias (art. 132, § 1º, LEP) ou facultativas (art. 132, § 2º, LEP). São condições obrigatórias e presentes em qualquer caso: (a) “obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto para o trabalho”; (b) “comunicar periodicamente ao Juiz sua ocupação”, com a periodicidade que for por este estabelecida; e (c) “não mudar do território da comarca do Juízo da execução, sem prévia autorização deste” (art. 132, § 1º, LEP). Evidentemente, o juiz deve levar sempre em conta o contexto socioeconômico, ponderando os índices de desemprego e as dificuldades específicas de acesso ao mercado de trabalho por parte de egressos da prisão antes de estabelecer um “prazo razoável” para o condenado obter ocupação lícita. São condições facultativas ou judiciais, em rol meramente exemplificativo, segundo o texto legal: (a) “não mudar de residência sem comunicação ao Juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar e de proteção”; (b) “recolher-se à habitação em hora fixada”; (c) “não frequentar determinados lugares” (art. 132, § 2º, LEP). Entendeu o STJ que “a mudança de endereço sem autorização judicial durante o curso do livramento condicional, em descumprimento a uma das condições impostas na decisão que concedeu o benefício, não configura, por si só, falta disciplinar de natureza grave” (STJ, HC 203.015/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., j. 26/11/2013).

132.2 Período de prova do livramento condicional O período de prova, no livramento condicional, é o quantum de pena restante. O descumprimento de alguma das condições durante o curso deste prazo poderá causar a suspensão ou revogação do benefício e o retorno ao cárcere. Atenção, porém: o descumprimento de determinada condição, ou mesmo a prática de novo crime, não implicam em falta grave, pois o liberado é egresso e não mais está sujeito ao poder disciplinar. Por conta disso é que não pode haver outras consequências típicas da aplicação de sanções disciplinares, tais como a perda de parte dos dias remidos.

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Art. 133

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Art. 133  Se for permitido ao liberado residir fora da comarca do Juízo da execução, remeter-se-á cópia da sentença do livramento ao Juízo do lugar para onde ele se houver transferido e à autoridade incumbida da observação cautelar e de proteção.

133.1  Competência territorial para fiscalização do livramento condicional O juízo competente para fiscalização do livramento condicional é aquele do local de sua residência, sendo alterada a competência no caso de mudança residencial.

Art. 134  O liberado será advertido da obrigação de apresentar-se imediatamente às autoridades referidas no artigo anterior.

134.1 Advertência ao liberado No caso de mudança de endereço, o liberado condicional será advertido sobre a necessidade de se apresentar imediatamente, bem como prestar contas das demais condições estabelecidas, ao juízo competente para a fiscalização. Não havendo a formalização de tal advertência, a circunstância deve ser levada em conta em eventual situação de descumprimento das condições.

Art. 135  Reformada a sentença denegatória do livramento, os autos baixarão ao Juízo da execução, para as providências cabíveis.

135.1 Reforma da sentença denegatória do livramento condicional Nos casos de indeferimento do pedido de livramento condicional, recurso da Defesa e provimento do recurso, o juízo de execução tomará as providências cabíveis, judiciais e administrativas, para aperfeiçoamento do livramento 284

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Art. 136

condicional concedido pela instância superior. No mesmo sentido, o art. 721 do Código de Processo Penal: “Reformada a sentença denegatória do livramento, os autos baixarão ao juiz da primeira instância, a fim de que determine as condições que devam ser impostas ao liberando”.

Art. 136  Concedido o benefício, será expedida a carta de livramento com a cópia integral da sentença em 2 (duas) vias, remetendo-se uma à autoridade administrativa incumbida da execução e outra ao Conselho Penitenciário.

136.1 Formalização do livramento condicional A formalização do aperfeiçoamento do livramento condicional se dá com a expedição da carta de livramento, a qual faz as vezes do alvará de soltura, quando recebida pela autoridade administrativa.

Art. 137  A cerimônia do livramento condicional será realizada solene­ mente no dia marcado pelo Presidente do Conselho Penitenciário, no estabelecimento onde está sendo cumprida a pena, observando-se o seguinte: I - a sentença será lida ao liberando, na presença dos demais condenados, pelo Presidente do Conselho Penitenciário ou membro por ele designado, ou, na falta, pelo Juiz; II - a autoridade administrativa chamará a atenção do liberando para as condições impostas na sentença de livramento; III - o liberando declarará se aceita as condições. § 1º De tudo em livro próprio, será lavrado termo subscrito por quem presidir a cerimônia e pelo liberando, ou alguém a seu rogo, se não souber ou não puder escrever. § 2º Cópia desse termo deverá ser remetida ao Juiz da execução.

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Art. 138

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137.1 Cerimônia de livramento condicional A cerimônia de livramento condicional, em regra presidida por membro do Conselho Penitenciário ou designado, aperfeiçoa o ato quando há o aceite do condenado, produzindo consequências jurídicas relevantes: o apenado deixa de ser considerado “recluso” e passa ao status de “egresso”, o que o subtrai da subordinação ao poder disciplinar da autoridade penitenciária. Além disso, a partir desse momento, inicia-se a contagem do lapso de cinco anos referido no art. 64, I, do CP, após o qual não será mais considerado reincidente, assim como o prazo de dois anos para a reabilitação, desde que, evidentemente, não haja a ulterior revogação do livramento. Posição distinta e relevante considera a decisão concessiva do livramento condicional como de natureza declaratória, já havendo o direito no momento de preenchimento dos requisitos: por tal linha, eventual cometimento de falta grave após o cumprimento do requisito objetivo não pode ser levado em conta como juízo negativo sobre o comportamento33.

Art. 138  Ao sair o liberado do estabelecimento penal, ser-lhe-á entregue, além do saldo de seu pecúlio e do que lhe pertencer, uma caderneta, que exibirá à autoridade judiciária ou administrativa, sempre que lhe for exigida. § 1º A caderneta conterá: a) a identificação do liberado; b) o texto impresso do presente Capítulo; c) as condições impostas. § 2º Na falta de caderneta, será entregue ao liberado um salvo-conduto, em que constem as condições do livramento, podendo substituir-se a ficha de identificação ou o seu retrato pela descrição dos sinais que possam identificá-lo. § 3º Na caderneta e no salvo-conduto deverá haver espaço para consignarse o cumprimento das condições referidas no artigo 132 desta Lei.

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal, p. 405.

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Art. 139

138.1 Prestação de informações ao sentenciado beneficiado pelo livramento condicional Mais uma vez, a lei exige a prestação de informações ao sentenciado beneficiado pelo livramento condicional, no caso por meio de uma caderneta que servirá como identificação e acompanhamento diante da autoridade judicial e administrativa. Eventual descumprimento desta obrigação, por parte do Estado, deve ser levado em conta na análise da justificativa do condenado acusado de des­cumprimento das condições do livramento condicional.

Art. 139  A observação cautelar e a proteção realizadas por serviço social penitenciário, Patronato ou Conselho da Comunidade terão a finalidade de: I - fazer observar o cumprimento das condições especificadas na sentença concessiva do benefício; II - proteger o beneficiário, orientando-o na execução de suas obrigações e auxiliando-o na obtenção de atividade laborativa. Parágrafo único. A entidade encarregada da observação cautelar e da proteção do liberado apresentará relatório ao Conselho Penitenciário, para efeito da representação prevista nos artigos 143 e 144 desta Lei.

139.1 Observação cautelar A lei prevê tanto a observação cautelar, ou seja, não ostensiva, das atividades do condenado, como a prestação de assistência ao egresso, por meio do serviço social, patronato ou Conselho da Comunidade.

Art. 140  A revogação do livramento condicional dar-se-á nas hipóteses previstas nos artigos 86 e 87 do Código Penal. Parágrafo único. Mantido o livramento condicional, na hipótese da revogação facultativa, o Juiz deverá advertir o liberado ou agravar as condições.

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Art. 140

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140.1 Revogação do livramento condicional A revogação do livramento condicional significa o retorno do condenado à prisão e se afigura obrigatória nas hipóteses de condenação irrecorrível a pena privativa de liberdade por crime cometido durante ou antes da vigência do benefício (art. 86, CP). Exige-se sentença condenatória transitada em julgado, enquanto a mera prática da infração pode acarretar, no máximo, a suspensão. Ressalva-se que, apesar do termo “obrigatória”, a condenação por crime praticado antes do início do período de prova não altera a data-base e pode dar ensejo à imediata concessão de um novo livramento condicional. A revogação será facultativa “se o liberado deixar de cumprir qualquer das obrigações constantes da sentença, ou for irrecorrivelmente condenado, por crime ou contravenção, a pena que não seja privativa de liberdade” (art. 87, CP). Recomenda-se que a revogação facultativa seja sempre evitada, preferindo-se as alternativas da admoestação ou mesmo do estabelecimento de novas e mais rigorosas condições de cumprimento. Vale observar, ainda, que viola o princípio da legalidade a revogação imediata do livramento condicional diante da notícia de novo crime, sem condenação definitiva, sob a forma da revogação facultativa, alegando que a mera prática de novo delito significa o descumprimento das condições judiciais. A taxatividade penal não permite selecionar hipótese mais genérica quando há previsão específica que abrange a mesma situação, prevendo outro tipo de consequência.

140.2 Reversão da concessão do livramento em recurso de agravo É possível que o Ministério Público recorra da decisão do juízo de execução que defere o pedido de livramento condicional. A situação, porém, pode ensejar uma série de injustiças e distorções, devendo ser analisada à luz do escopo maior da execução penal. O transcurso de dois anos para julgamento do recurso, por exemplo, período no qual o liberado havia conseguido emprego lícito e retornado a sua família, foi considerado fundamento para concessão de ordem em habeas corpus pelo STJ, invocando as Regras de Mandela: “1. Nos termos da Regra 4 das chamadas “Regras de Mandela”, instituídas pelas Nações Unidas, além da busca pela proteção da sociedade contra a criminalidade, pela redução da reincidência e pela punição em razão da prática de crime, também constituem objetivos do sistema de justiça criminal a reabilitação social e a reintegração das pessoas privadas de liberdade. 288

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Art. 141

Isto assegura-lhes, na medida do possível, que, ao retornar à sociedade, sejam capazes de levar uma vida autossuficiente, com respeito às leis. 2. Representa, pois, constrangimento ilegal sanável pelo habeas corpus a revogação de livramento condicional depois de transcorridos mais de dois anos de sua concessão pelo Juízo das Execuções Criminais, quando inequivocamente demonstrado que o apenado cumpre, com regularidade, as condições impostas para concessão da benesse. 3. Não se pode permanecer insensível à situação daquele que, depois de anos segregado da vida em sociedade, convivendo, por seus graves erros, com as mazelas do confinamento, não apenas apresenta bom comportamento carcerário e condições subjetivas reconhecidas em avaliações social e psicológica mas, ao deixar provisoriamente os limites impostos pelas grades e enfrentar as barreiras para a superação dos deslizes do passado, efetivamente reencontra sua dignidade no seio de sua família e no emprego lícito, com registro em carteira de trabalho, e busca, agora, a retidão em sua conduta. 4. Ordem concedida para, ratificada a liminar, permitir ao paciente que permaneça sob livramento condicional enquanto cumpridos os requisitos para a concessão da benesse, impostos pelo Juízo das Execuções Criminais” (STJ, HC 360.907/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 12/02/2019). Em outro caso similar, em que o livramento foi cassado em segunda instância, discutiu-se a possibilidade de cômputo do tempo transcorrido em livramento pelo liberado (v. comentários ao item 142.2).

140.3 Impossibilidade jurídica da prática de falta grave por liberado condicional O liberado condicional não pratica falta grave porque é egresso e não se subordina ao sistema disciplinar da LEP (STJ, HC 271.907/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti, 6ª T., j. 27/03/2014), não podendo haver perda de dias remidos (art. 127, LEP); sem prejuízo da revogação do livramento e outras consequências expressamente previstas em lei.

Art. 141  Se a revogação for motivada por infração penal anterior à vigência do livramento, computar-se-á como tempo de cumprimento da pena o período de prova, sendo permitida, para a concessão de novo livramento, a soma do tempo das 2 (duas) penas.

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Art. 142

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141.1 Consequências da revogação do livramento condicional motivada por infração penal cometida antes do período de prova Tempo cumprido em liberdade condicional é pena expiada, sem qualquer dúvida. Entretanto, a lei estabelece critérios que produzem consequências radicalmente distintas nos casos de revogação do livramento. A diferenciação mais importante para a compreensão das consequências da revogação do livramento é aquela entre os casos de condenação irrecorrível por crimes praticados antes ou durante o período de prova. Na primeira situação – crimes praticados antes –, os efeitos são brandos: é permitida a concessão de um novo livramento abarcando a primeira pena, cujo requisito temporal será recalculado com base na soma das duas penas em sua integralidade, mantendo-se a data-base na primeira prisão. Não há que se falar em soma do restante da primeira pena com a nova, pois o texto legal é claro no sentido de dispor que as penas devem ser integralmente somadas e, ato contínuo, computado como pena expiada todo o tempo transcorrido em livramento condi­ cional, até a revogação (art. 141, LEP). Essa será a base para o cálculo do requi­ sito temporal para um novo pedido de livramento. E se mesmo com a soma ou unificação o novo requisito temporal já estiver preenchido, o condenado pros­ seguirá em liberdade e o livramento sequer deve ser revogado.

Art. 142  No caso de revogação por outro motivo, não se computará na pena o tempo em que esteve solto o liberado, e tampouco se concederá, em relação à mesma pena, novo livramento.

142.1 Consequência da revogação do livramento condicional motivada por infração penal cometida durante o período de prova Quando o novo crime é cometido durante o período de prova, o trato é rigoroso: fica vedada a concessão de novo livramento em relação à pena anterior e todo o período transcorrido em liberdade condicional, no período de prova, é perdido, não sendo computado como tempo de cumprimento de pena (art. 88, CP). Logo, eventual novo pedido de livramento condicional terá que aguardar o cumprimento integral da pena anterior, só podendo ser realizado com base na nova pena. 290

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Art. 143

142.2 Cassação do livramento em segunda instância é equivalente a “revogação por outro motivo”? Em caso curioso, no qual o livramento foi cassado em segunda instância, discutiu-se a possibilidade de cômputo do tempo transcorrido em livramento pelo liberado. Entendeu o STJ que o provimento do recurso de agravo interposto pelo Ministério Público equivaleria à “revogação por outro motivo” referida pelo art. 142 da LEP, com suas graves consequências, inclusive o não cômputo do tempo em que o liberado permaneceu em livramento condicional (STJ, HC 494.349/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 01/08/2019). Porém, o acórdão citado apenas faz refe­ rências a outros precedentes do STJ que tratam de situações fáticas distintas, em que o próprio liberado deu causa à revogação. Com efeito, o provimento de recurso pela cassação do livramento condicional toca nos fundamentos da decisão que o concedeu, não havendo fato novo ou causa de revogação posterior dada pelo próprio liberado. O sentido de “outro motivo” no art. 142 da LEP se relaciona à leitura do dispositivo imediatamente anterior (art. 141), que trata de infração penal anterior ao livramento. Logo, ele está tratando de infração penal cometida durante o livramento, a hipótese mais grave nesse tema, com sanções para o apenado, equiparada aqui a uma situação “regular” dentro do jogo processual. Por fim, importante pontuar que o recurso de agravo não possui efeito suspensivo e o cômputo do período transcorrido como pena cumprida constitui ato jurídico perfeito, o qual pode ser desconsiderado apenas a título de sanção se o liberado cometer infração penal durante o período de prova, como prevê a lei.

Art. 143  A revogação será decretada a requerimento do Ministério Público, mediante representação do Conselho Penitenciário, ou, de ofício, pelo Juiz, ouvido o liberado.

143.1 Requerimento de revogação do livramento condicional A revogação pode ocorrer mediante requerimento do Ministério Público, por representação do Conselho Penitenciário ou de ofício, pelo Juiz. Deve ser ouvido o liberado, ou seja, há expressa previsão de contraditório no procedimento judicial de revogação do livramento condicional. 291

Art. 144

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Art. 144  O Juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública ou mediante representação do Conselho Penitenciário, e ouvido o liberado, poderá modificar as condições especificadas na sentença, devendo o respectivo ato decisório ser lido ao liberado por uma das autoridades ou funcionários indicados no inciso I do caput do art. 137 desta Lei, observado o disposto nos incisos II e III e §§ 1º e 2º do mesmo artigo. (Redação dada pela Lei nº 12.313, de 2010).

144.1 Modificação das condições do livramento condicional As condições podem ser modificadas, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou diante de representação do Conselho Penitenciário. Em qualquer caso deve se atentar ao contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV, CR) e, se concretizada qualquer modificação, deverá ser novamente realizada a cerimônia de livramento a fim de que se tome ciência.

Art. 145  Praticada pelo liberado outra infração penal, o Juiz poderá ordenar a sua prisão, ouvidos o Conselho Penitenciário e o Ministério Público, suspendendo o curso do livramento condicional, cuja revogação, entretanto, ficará dependendo da decisão final.

145.1 Suspensão do livramento condicional e prorrogação do período de prova A suspensão do livramento condicional, por sua vez, ocorre quando o sujeito pratica nova infração penal. Como bem afirma ROIG, não se trata de medida automática; ao contrário, deve ser evitada se a infração imputada não ensejar privação da liberdade, tal qual uma infração de menor potencial ofensivo34. A expedição de mandado de prisão não é, de maneira alguma, um efeito auto­ mático da decisão de suspensão do benefício, mas uma possibilidade, devendo ser conjugado o art. 145 da LEP com a devida fundamentação sobre as razões da

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal, p. 428.

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Art. 146

prisão; além de ser a providência lógica se houver decretação de prisão preventiva em outro processo. Já se manifestou o STF, inclusive, de forma bastante restritiva em relação ao suposto liame entre suspensão do livramento condicional e prisão do condenado (STF, HC 105.497/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 15/02/2011). Não havendo razão consistente para esta, deve-se aguardar decisão final sobre o novo delito. Defende-se a observância do direito à ampla defesa na suspensão do livramento, devendo ser ouvidos o condenado e a defesa técnica (por força do art. 5º, LV, CR, não obstante o silêncio da LEP). Há, na suspensão, a possível prorrogação do período de prova (art. 89, CP), a fim de que se aguarde o trânsito em julgado da sentença relativa à nova infração – mas apenas aquela praticada durante o período de prova – para que se declare extinta a punibilidade ou a revogação do benefício. Porém, tal prorrogação não é automática e causa polêmica: descabida é sua aplicação aos casos de instauração do processo durante o período de prova, porém por crime anterior ao mesmo. Tal modalidade de prorrogação, não prevista em lei, é inadmissível.

Art. 146  O Juiz, de ofício, a requerimento do interessado, do Ministério Público ou mediante representação do Conselho Penitenciário, julgará extinta a pena privativa de liberdade, se expirar o prazo do livramento sem revogação.

146.1 Extinção da punibilidade pela expiração do prazo do livramento condicional Cumpridas as condições e transcorrido o período de prova sem a revogação do benefício, deverá ser declarada extinta a punibilidade (art. 90, CP), devendo o juiz assim o declarar de ofício, por requerimento do interessado ou Ministério Público, ou ainda por representação do Conselho Penitenciário. É expressa a lei no sentido de que “Se até o seu término o livramento não é revogado, considera-se extinta a pena privativa de liberdade” (também cf. o art. 90, CP). Sendo assim, até mesmo eventual omissão ou negligência do próprio Estado, fazendo com que a informação do cometimento de novo crime pelo apenado chegue ao conhecimento do juízo de execução só após o término do período de prova, não poderá ter outra consequência senão o reconhecimento da extinção 293

Art. 146-A

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da pena que já se operou (nesse sentido: STJ, HC 149.527, 5 T., Rel. Min. Arnaldo Lima, j. 23.3.2010). O STJ editou súmula sobre a matéria: “A ausência de suspensão ou revogação do livramento condicional antes do término do período de prova enseja a ex­ tinção da punibilidade pelo integral cumprimento da pena”. (Súmula 617, DJe 01/10/2018).

Seção VI Da Monitoração Eletrônica (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) Art. 146-A  (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) Art. 146-B  O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando: (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) I - (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) II - autorizar a saída temporária no regime semiaberto; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) III - (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) IV - determinar a prisão domiciliar; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) V - (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) Parágrafo único. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)

146-B.1 Considerações gerais sobre a monitoração eletrônica As propostas de adoção de mecanismos de vigilância eletrônica em con­ denados e/ou processados devem ser compreendidas a partir do reconhecimento da mesma ambivalência que caracteriza as modalidades de alternativa à prisão: são introduzidas com o argumento de reduzir a população carcerária mas, nos fatos, deve haver comprometimento e acompanhamento para que não venham a se tornar mero incremento da intervenção estatal sobre a liberdade individual, sem realmente contribuir para redução da população carcerária. Apenas dois casos são expressamente aqui permitidos e ambos se enquadram nesta crítica: saída temporária e prisão domiciliar. Ambas as hipóteses consistem, 294

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Art. 146-C

afinal, em situações nas quais, inexistindo a vigilância eletrônica, a liberdade individual seria mais amplamente exercida. Porém, o rol não é taxativo e há experiências regionais ampliando o uso da monitoração eletrônica, inclusive como modalidade de cumprimento do regime semiaberto e antecipando progressões de regime, em aplicação à SV nº. 56/STF e às diretrizes estabelecidas pelo STF no RE 641.320. Cabe detração em casos de medida cautelar de recolhimento noturno com monitoramento eletrônico, computando-se o tempo como pena efetivamente cumprida (STJ, HC 455.097, 3ª Seção, j. 14/04/2021).

Art. 146-C  O condenado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com o equipamento eletrônico e dos seguintes deveres: (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) I - receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) II - abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) III - (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) Parágrafo único. A violação comprovada dos deveres previstos neste artigo poderá acarretar, a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa: (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) I - a regressão do regime; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) II - a revogação da autorização de saída temporária; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) III - (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) IV - (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) V - (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) VI - a revogação da prisão domiciliar; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) VII - advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste parágrafo. (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)

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Art. 146-C

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146-C.1 Cuidados e deveres do condenado com o equipamento eletrônico Primeiramente, consta a obrigação da autoridade judicial e administrativa em prestar todas as informações à pessoa monitorada sobre o manuseio e manutenção do equipamento. Caso se trate de pessoa analfabeta ou especialmente vulnerável, a obrigação é ainda mais relevante e deve ser documentalmente comprovada, sob pena de se dever mitigar efeitos de eventuais violações futuras. De seu lado, a pessoa monitorada tem os deveres de manter contato constante com a autoridade responsável pela fiscalização e manutenção da tornozeleira ou similar, especialmente considerados os casos recorrentes de vícios na bateria. O dispositivo descreve, ainda, o dever de se abster de remover, violar, modi­ ficar ou danificar de qualquer forma o mecanismo de monitoração eletrônica, seja por conta própria ou através de terceiros.

146-C.2 Monitoração eletrônica e sistema disciplinar Destaca-se que o descumprimento desses deveres não é previsto como falta grave. Há divergência do STJ no sentido de que a inobservância do perímetro de inclusão rastreado não configura falta grave (STJ, REsp 1519802/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., j. 10/11/2016), mas o tribunal admite que o rompimento do equipamento ou ausência de bateria pode configurar falta de fuga. Mas apenas o desaparecimento do controle de GPS, com a retirada do equipamento ou o descarregamento definitivo da bateria, pode ser interpretado dessa forma (v. comentários ao art. 50).

146-C.3 Consequências previstas para o descumprimento dos deveres relativos à monitoração eletrônica Ainda que não se trate de falta grave, porém, podem acarretar a regressão de regime e a revogação da saída temporária, a revogação da prisão domiciliar ou a advertência por escrito. O procedimento para regressão de regime por conta de violação de deveres da monitoração eletrônica exige comprovação da violação e oitiva de Ministério Público e Defesa, não admitindo a lei a regressão cautelar neste caso, sendo esta a melhor interpretação do parágrafo único. É inadmissível a regressão de regime por conta de descarregamento des­ contínuo da bateria, por períodos curtos de tempo, pois a situação não configura 296

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Art. 146-D

dolo de fuga e tampouco se enquadra em quaisquer das hipóteses descritas no inciso II. Importante observar que a prisão do monitorado que descumpre as obrigações impostas necessita de ordem judicial, não cabendo tal decisão à Polícia Militar. Nesse sentido entendimento sobre prisão cautelar aplicável à execução penal: “O simples descumprimento das obrigações impostas ao monitorado não pode ser justificativa para o imediato recolhimento a estabelecimento prisional pela Polícia Militar, por caber ao Judiciário decidir sobre a prisão ou a substituição da medida cautelar, nos termos dos §§ 4°, 5° e 6° do artigo 282 do CPP, do parágrafo único do artigo 312 do CPP e do inciso LXI do artigo 5º da Constituição Federal” (CNJ - PCA 0004645-39.2016.2.00.0000, j. 26/10/2017).

Art. 146-D  A monitoração eletrônica poderá ser revogada: (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) - quando se tornar desnecessária ou inadequada; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010) - se o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujei­ to durante a sua vigência ou cometer falta grave. (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)

146-D.1 Revogação da monitoração eletrônica O dispositivo estabelece hipóteses de revogação da monitoração eletrônica, o que não se confunde com aplicação de sanção disciplinar. As hipóteses são vagas: quando ela se tornar “desnecessária ou inadequada” e quando o acusado ou condenado “violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua vigência ou cometer falta grave”. A revogação da monitoração eletrônica não implica necessariamente na regressão de regime prevista no artigo anterior, a qual é cabível somente nas duas hipóteses ali descritas. A fundamentação da decisão de determinação de uso de monitoração eletrônica deve ser concreta, segundo o STJ: “(...) Ainda que o monitoramento eletrônico, com a colocação de tornozeleiras, se constitua em alternativa tecnológica ao cárcere, a necessidade de sua manutenção deve ser aferida periodicamente, podendo ser dispensada a cautela em casos desnecessários. Inteligência do art. 146-D da LEP: a 297

Art. 147

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monitoração eletrônica poderá ser revogada quando se tornar desnecessária ou inadequada. 3. A simples afirmação de que o monitoramento é medida mais acertada à fiscalização do trabalho externo com prisão domiciliar deferido ao apenado em cumprimento de pena de reclusão no regime semiaberto, sem maiores esclarecimentos acerca do caso concreto, não constitui fundamento idôneo para justificar o indeferimento do pleito, sobretudo quando o apenado apresenta histórico favorável, com manifestação dos Ministérios Público Federal e Estadual pela retirada do equipamento. 4. Assim como tem a jurisprudência exigido motivação concreta para a incidência de cautelares durante o processo criminal, a fixação de medidas de controle em fase de execução da pena igual motivação exigem, de modo que a incidência genérica - sempre e sem exame da necessidade da medida gravosa - de tornozeleiras eletrônicas não pode ser admitida. 5. Habeas corpus não conhecido, mas concedida a ordem de ofício para determinar seja sustada a exigência de monitoramento eletrônico, ressalvada nova e justificada decisão determinadora dessa ou de outras medidas paralelas de controle da execução penal” (STJ, HC 351.273/CE, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., j. 02/02/2017).

CAPÍTULO II

Das Penas Restritivas de Direitos SEÇÃO I Disposições Gerais Art. 147  Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares.

147.1 Considerações gerais sobre as penas restritivas de direitos Foi apenas a partir da segunda metade da década de 90 que se passou efetivamente a aplicar, no Brasil, medidas com o intuito de se evitar a reclusão já em momentos anteriores à fase executiva, e não somente através de institutos de direito penitenciário fruíveis no curso da execução da pena. Dois percursos diferentes então se abriram: o primeiro, com os Juizados Especiais (Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995), e o segundo, com a nova regulamentação das Penas 298

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Art. 147

Restritivas de Direitos (Lei 9.714, de 25 de novembro de 1998), não obstante estas já serem previstas formalmente desde a edição da LEP em 1984.

147.2 Impossibilidade de execução provisória de penas restritivas de direitos Não há execução provisória de pena restritiva de direito. O STF chegou a autorizar a execução provisória exclusivamente no contexto do debate sobre a possibilidade de início da execução após condenação em segunda instância, entendimento que não mais prevalece. Segundo a Súmula 643-STJ: “A execução da pena restritiva de direitos depende do trânsito em julgado da condenação”. Portanto, não se deve fazer a unificação provisória, caso o condenado já cumpra pena de prisão e seja condenado por novo delito a uma pena restritiva de direitos. A expedição da guia de recolhimento provisória pressupõe a existência de prisão preventiva no processo de conhecimento, o que certamente não é o caso se a condenação foi a uma pena restritiva de direitos.

147.3 Natureza das penas restritivas de direitos A forma pela qual as penas restritivas de direito se colocam como alternativas à privação da liberdade reside em seu caráter substitutivo, permitindo ao juiz, no momento em que profere a sentença condenatória, substituir a pena privativa de liberdade por uma ou mais penas restritivas de direito. Trata-se de pena, de qualquer forma, cujo tempo de cumprimento será, em regra, igual àquele previsto para a pena privativa de liberdade aplicada (art. 55, CP). A exceção é o caso de pena substituída superior a um ano, quando a pena substitutiva de prestação de serviços à comunidade poderá ser cumprida em tempo inferior (art. 46, § 4º, CP). Se cumprida parcialmente a “pena alternativa”, o tempo deverá ser descontado em eventual conversão à pena privativa de liberdade.

147.4 Obrigatoriedade da substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos A substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos é obrigatória quando presentes os requisitos legais (art. 44, CP), quais sejam: a) Pena aplicada: pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, se o crime for doloso; qualquer quantum de pena, se o crime foi cometido 299

Art. 147

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por imprudência (art. 44, I, CP); b) Ausência de violência ou grave ameaça à pessoa (art. 44, I, CP); c) Não-reincidência em crime doloso nos últimos cinco anos (art. 44, II, c.c. art. 64, I, CP); e d) Aferição de conveniência e oportunidade da medida: segundo a análise da culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do condenado, e também os motivos e circunstâncias do caso concreto (art. 44, III, CP). No caso de reincidência genérica, é ainda possível a substituição se o juiz entender a medida como “socialmente recomendável” em face da condenação anterior (art. 44, §3º, CP).

147.5 Inconstitucionalidade da vedação da pena restritiva de direitos A vedação para condenados pelos crimes de produção, colaboração ou tráfico de drogas (expressão constante do art. 33, § 4º, Lei 11.343/06) foi reconhecida como inconstitucional pelo STF (STF, HC 97.256/RS, Rel. Min. Ayres Britto, j. 1º/09/2010), sendo o trecho suspenso pela Resolução nº 5/2012 do Senado Federal. Cabendo substituição por pena restritiva de direitos nos casos de tráfico de drogas, logicamente também se reconheceu a possibilidade de regime aberto quando incabível a substituição.

147.6 Possibilidades de substituição Nos termos do art. 44, § 2º do Código Penal, ainda, o quantum de pena apli­ cada determina o âmbito de possibilidades de substituição: apenas multa ou apenas uma pena restritiva de direitos, se a condenação não ultrapassa um ano; e uma pena restritiva de direitos e multa, ou duas penas restritivas de direito, caso a pena aplicada seja superior a uma ano. A LEP não trata da prestação pecuniária, modalidade de PRD regulada pelo art. 45, §§ 1º e 2º, do CP, com caráter reparatório e não se confundindo com a pena de multa. A medida consiste em pagamento em dinheiro – ou prestação de outra natureza, se houver a concordância do beneficiário – à vítima, seus dependentes ou entidade pública ou privada com destinação social. Conforme estabelece o texto legal, a importância paga, em valor fixado pelo juiz entre 1 (um) e 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos, será deduzida de eventual montante decorrente de condenação em fsede cível tendo o mesmo beneficiário. Vale insistir no ponto de que a prestação pecuniária é plenamente compatível com a privação de liberdade. Deve ser permitido o cumprimento simultâneo, não cabendo a conversão desta em pena privativa de liberdade no procedimento de unificação. 300

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Art. 148

A LEP também não trata da perda de bens e valores, prevista no art. 45, § 3º, do CP. Trata-se da destinação de “bens e valores” do condenado ao Fundo Peni­tenciário Nacional (salvo legislação especial), nos limites do prejuízo causado ou benefícios obtidos pelo agente, ou por terceiro, com a prática do crime.

Art. 148  Em qualquer fase da execução, poderá o Juiz, motivadamente, alterar a forma de cumprimento das penas de prestação de serviços à comunidade e de limitação de fim de semana, ajustando-as às condições pessoais do condenado e às características do estabelecimento, da entidade ou do programa comunitário ou estatal.

148.1 Alteração da forma de cumprimento da pena restritiva de direitos A conversão da PRD em pena privativa de liberdade deve ser evitada. Essa é a diretriz deste dispositivo, o qual permite que o juízo motivadamente adeque a forma de cumprimento das penas de prestação de serviços à comunidade e de limitação de fim de semana às condições pessoais do condenado e às demandas da entidade ou programa na qual ele cumpre a pena.

148.2 Consequências da pandemia do novo Coronavírus na execução das penas restritivas de direito Medidas sanitárias adotadas a partir de 2020 inviabilizaram o cumpri­mento regular de algumas penas restritivas de direito, notadamente a prestação de serviços à comunidade e a limitação de fim de semana. Em diversos Estados, tem-se buscado solucionar a questão por meio da substituição das PRD aplicadas por medidas como doação de sangue e atividades remotas que podem ser cumpridas ainda na vigência das medidas preventivas de proteção. A solução tem base legal no art. 148 da LEP, levando em conta a pandemia como motivo de força maior. Tribunais Estaduais têm corroborado também a possibilidade de extinção da pena por integral cumprimento, seguindo orientação técnica do Conselho Na­ cional de Justiça: se a interrupção foi involuntária, admite-se a contagem ficta do tempo faltante para o fim de extinguir a pena substitutiva de prestação de serviços à comunidade, especialmente considerando que “a manutenção prolongada de 301

Art. 149

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pendências jurídico penais tem um efeito dessocializador, em particular quanto as oportunidades de trabalho e renda” (TJGO, AgEx nº 04289106020208090000 – Goiânia, 2ª C. C., DJe. 29/10/2020; no mesmo sentido: TJSC, AgEx 000185941.2020.8.24.0023, 2ª C.C., j. 17/11/2020).

SEÇÃO II Da Prestação de Serviços à Comunidade Art. 149  Caberá ao Juiz da execução: I - designar a entidade ou programa comunitário ou estatal, devida­mente credenciado ou convencionado, junto ao qual o condenado deverá trabalhar gratuitamente, de acordo com as suas aptidões; II - determinar a intimação do condenado, cientificando-o da entidade, dias e horário em que deverá cumprir a pena; III - alterar a forma de execução, a fim de ajustá-la às modificações ocor­ ridas na jornada de trabalho. § 1º o trabalho terá a duração de 8 (oito) horas semanais e será realizado aos sábados, domingos e feriados, ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho, nos horários estabelecidos pelo Juiz. § 2º A execução terá início a partir da data do primeiro comparecimento.

149.1 Considerações gerais sobre a prestação de serviços à comunidade Dispositivo que deve ser lido em conjunto ao art. 46 do Código Penal. Consiste “na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado” em prol de entidades assistenciais de caráter diverso, sem que isso possa prejudicar a sua jornada de trabalho. A medida é aplicável no caso de penas superiores a seis meses; sendo superior a um ano, ainda, a pena substitutiva pode ser cumprida em menos tempo que o previsto para a pena privativa de liberdade, sendo esta (art. 46, § 4º, CP) uma exceção expressa à regra do art. 55 do CP. Nunca, porém, em menos tempo que a metade da pena privativa de liberdade aplicada. São imprescindíveis o acompanhamento judicial e a fiscalização por parte da própria organização da sociedade civil beneficiada com a prestação de serviços (art. 149 e 150, LEP). Art. 149.

302

Art. 150

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Art. 150  A entidade beneficiada com a prestação de serviços enca­ minhará mensalmente, ao Juiz da execução, relatório circunstanciado das atividades do condenado, bem como, a qualquer tempo, comunicação sobre ausência ou falta disciplinar.

150.1 Fiscalização da prestação de serviços à comunidade A fiscalização da prestação de serviços é compartilhada, sendo encargo da entidade beneficiada prestar informações regulares ao juízo, por meio de relatório circunstanciado com periodicidade mensal.

SEÇÃO III Da Limitação de Fim de Semana Art. 151  Caberá ao Juiz da execução determinar a intimação do condenado, cientificando-o do local, dias e horário em que deverá cumprir a pena. Parágrafo único. A execução terá início a partir da data do primeiro comparecimento.

151.1 Considerações gerais sobre a limitação de fim de semana Dispositivo que deve ser lido em conjunto ao art. 48 do Código Penal. Trata-se da imposição de obrigação de permanência em casa de albergado ou estabelecimento similar, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, ocupadas pela participação em cursos, palestras e outras atividades de caráter educativo. É o juízo que deverá determinar a intimação do condenado e prestar informações referentes à forma de cumprimento da pena. A lei estabelece o primeiro comparecimento como marco de início da execução da PRD.

303

Art. 152

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Art. 152  Poderão ser ministrados ao condenado, durante o tempo de permanência, cursos e palestras, ou atribuídas atividades educativas. Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. (Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006)

152.1 Limitação de fim de semana e violência doméstica A Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) inseriu dispositivo (art. 152, parágrafo único, LEP) segundo o qual o juiz poderá determinar o comparecimento obriga­ tório do condenado a programas específicos de recuperação nos casos de violência doméstica contra a mulher.

Art. 153  O estabelecimento designado encaminhará, mensalmente, ao Juiz da execução, relatório, bem assim comunicará, a qualquer tempo, a ausência ou falta disciplinar do condenado.

153.1 Fiscalização da limitação de fim de semana Seguindo a mesma sistemática da prestação de serviços, a cooperação com a comunidade se concretiza aqui com a partilha da tarefa de fiscalização, devendo o estabelecimento designado encaminhar mensalmente ao juízo relatório circuns­ tanciado sobre o comparecimento do condenado.

SEÇÃO IV Da Interdição Temporária de Direitos Art. 154  Caberá ao Juiz da execução comunicar à autoridade competente a pena aplicada, determinada a intimação do condenado. § 1º Na hipótese de pena de interdição do artigo 47, inciso I, do Código Penal, a autoridade deverá, em 24 (vinte e quatro) horas, contadas do 304

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Art. 155

recebimento do ofício, baixar ato, a partir do qual a execução terá seu início. § 2º Nas hipóteses do artigo 47, incisos II e III, do Código Penal, o Juízo da execução determinará a apreensão dos documentos, que autorizam o exercício do direito interditado.

154.1 Considerações gerais sobre a interdição temporária de direitos Deve ser lido em conjunto ao art. 47 do Código Penal, que prevê quatro modalidades de interdição temporária do exercício de direitos por parte do condenado, sendo (a) “proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem

como de mandato eletivo” – neste caso, a autoridade deve determinar o cumprimento em até 24 horas após recebimento do ofício com a comunicação; (b) “proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público”; (c) “suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo”, observando-se que nesses dois últimos casos o juízo de execução determinará a apreensão dos respectivos documentos (art. 154, §2º, LEP); (d) “proibição de frequentar determinados lugares” e, (e) inserido pela Lei 12.550/2011, a “proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos”.

Art. 155  A autoridade deverá comunicar imediatamente ao Juiz da execução o descumprimento da pena. Parágrafo único. A comunicação prevista neste artigo poderá ser feita por qualquer prejudicado.

155.1 Descumprimento das medidas O eventual descumprimento de tais medidas de interdição temporária de direitos poderá ser comunicado ao juízo de execução por qualquer prejudicado ou pela autoridade competente. 305

Art. 156

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CAPÍTULO III

Da Suspensão Condicional Art. 156  O Juiz poderá suspender, pelo período de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, a execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, na forma prevista nos artigos 77 a 82 do Código Penal.

156.1 Considerações gerais sobre a suspensão condicional da pena A suspensão condicional da pena é regulamentada pelos art. 77 a 82 do Código Penal e pelos arts. 156 a 163 da Lei de Execução Penal, esta tratando das questões procedimentais. Trata-se da suspensão da execução da pena privativa de liberdade, substituindo-a por obrigações de fazer que, materialmente, equiparamse parcialmente às penas restritivas de direito. Se o condenado cumpre todas as condições e obrigações estabelecidas no prazo demarcado – é o “período de prova” – estará extinta a punibilidade (art. 82, CP). Diferentemente do sistema da probation, o sursis leva à suspensão da pena, e não do processo. A decisão pela sua concessão ou não ocorre na própria sentença condenatória, observando-se a exigência constitucional (art. 93, IX, CR) e legal (art. 157, LEP) da devida motivação e fundamentação. Há diversas posições quanto à sua natureza jurídica, nem sempre excludentes entre si. Pode-se, em suma, compreender-se a suspensão condicional da pena como uma modalidade de execução alternativa à privação da liberdade – por isto chamada de “substitutivo penal” – que suspende a execução da pena de prisão e aplica, em seu lugar, deter­ minadas obrigações de fazer que devem ser cumpridas no decurso do “período de prova”. Cumprido este sem revogação, será extinta a punibilidade: por isto, diz-se ser o sursis uma condição resolutiva de extinção da punibilidade. Não se trata de afirmar que o sursis seria tão-somente uma condição de extinção da punibilidade (mesmo porque permanecem outros efeitos da condenação), mas simplesmente de enfatizar sua principal consequência.

156.2 Requisitos para concessão do sursis previstos no Código Penal (a) Inaplicabilidade da substituição por pena restritiva de direitos. Na esteira do

entendimento segundo o qual a substituição de pena é mais favorável ao réu que 306

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Art. 156

a suspensão condicional, resta excluída (art. 77, II, CP) a aplicação da suspensão condicional da pena ao condenado cuja pena aplicada seja passível de substituição por pena restritiva de direitos (art. 44, CP). (b) Pena privativa de liberdade aplicada. O quantum temporal de pena privativa de liberdade aplicada exigida para a concessão do sursis, e o prazo do “período de prova”, podem variar de acordo com características do autor. Ressalva-se que a distinção entre sursis simples/comum e especial leva em conta apenas as modalidades de cumprimento, sem alterar o requisito temporal a partir da pena aplicada. A mudança ocorre quando a suspensão condicional da pena assume como critérios a idade do condenado ou razões de saúde, quando o sursis será chamado etário ou humanitário. Logo, especificamente acerca do requisito temporal exigido para a concessão do sursis, considera-se que tanto no caso do sursis simples/comum ou especial (sobre a distinção entre eles, v. ponto infra e art. 78, § 2º, CP), exige-se uma pena privativa de liberdade aplicada não superior a dois anos. O benefício não cabe quando se trata de penas restritivas de direito ou penas de multa (art. 80, CP). O prazo do “período de prova” poderá variar entre dois e quatro anos (art. 77, CP). No caso do sursis etário, aplicável a condenados idosos – mais de 70 anos de idade na data de publicação da sentença ou acórdão –, e humanitário, por razões de saúde, o requisito temporal se alarga a uma pena aplicada não superior a quatro anos. O prazo do “período de prova”, por sua vez, poderá variar entre quatro e seis anos (art. 77, § 2º, CP). Há, ainda, previsão específica para os crimes ambientais (art. 16, Lei 9.605/98), para os quais há possibilidade de sursis quando a pena aplicada não ultrapassa três anos. (c) Que o condenado não seja reincidente em crime doloso, excetuando-se eventual condenação a pena de multa (art. 77, I, CP). A aferição do status de reincidente deve ser feita objetivamente, com base no critério da existência de sentença condenatória transitada em julgado, aplicando pena privativa de liberdade, observandose o prazo de cinco anos contado a partir de seu integral cumprimento ou da cerimônia de livramento condicional (art. 64, I, CP). Se houve concessão de sursis na condenação anterior, o termo inicial de contagem do referido prazo de cinco anos é a data da audiência admonitória. Inquéritos e processos em andamento, ou mesmo sentenças condenatórias não transitadas em julgado, não podem ser equiparadas a reincidência. (d) Que “a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do

agente”, além dos “motivos e circunstâncias”, sejam favoráveis (art. 77, II, CP). Trata-se do único requisito com elementos propriamente subjetivos, suficiente para inserir a decisão pela concessão ou não do sursis dentro do espaço de discricionariedade 307

Art. 157

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onde se move o juiz, que, ao proferir a sentença, realizará a sua prognose em relação ao comportamento futuro do réu. De todo modo, e mesmo tendo acabado de condenar o réu, o magistrado deve se pautar pelo princípio da presunção de inocência na realização de seu prognóstico. Para que este seja construído sob uma discricionariedade minimamente vinculada, não é recomendável que o juiz tenha absoluta liberdade para “adivinhar”, com base em dados do processo, carac­terísticas supostamente marcantes da conduta social e da personalidade do con­denado. A questão circundante, neste ponto, é que a exigência de uma “con­ duta social ilibada” e seus similares não corresponde à lógica da medida, criada exatamente como um instrumento de “pôr em prova”. A reeducação, afinal, é a finalidade, e não o pressuposto, da concessão da suspensão condicional da pena.

156.3 Vedação da suspensão condicional da pena A suspensão condicional da pena é vedada pelo art. 44 da Lei 11.343/06 para o crime de tráfico de drogas, com precedente nesse sentido do STF (HC 101919/ MG, 1a T., Rel. Min. Marco Aurélio, j. 6.9.2011). Não há o que impeça, porém, a concessão do sursis nos casos de crimes hediondos em geral: antes mesmo da declaração de inconstitucionalidade do regime integralmente fechado a concessão da suspensão condicional da pena já era admitida.

Art. 157  O Juiz ou Tribunal, na sentença que aplicar pena privativa de liberdade, na situação determinada no artigo anterior, deverá pronunciarse, motivadamente, sobre a suspensão condicional, quer a conceda, quer a denegue.

157.1 Fundamentação da concessão ou denegação do sursis O artigo apenas exige que, na sentença condenatória, o juízo motive e fundamente a concessão ou denegação do sursis, o que é adequado segundo os termos do art. 93, IX, da CF.

308

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Art. 158

Art. 158  Concedida a suspensão, o Juiz especificará as condições a que fica sujeito o condenado, pelo prazo fixado, começando este a correr da audiência prevista no artigo 160 desta Lei. § 1° As condições serão adequadas ao fato e à situação pessoal do con­ denado, devendo ser incluída entre as mesmas a de prestar serviços à comunidade, ou limitação de fim de semana, salvo hipótese do artigo 78, § 2º, do Código Penal. § 2º O Juiz poderá, a qualquer tempo, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante proposta do Conselho Penitenciário, modificar as condições e regras estabelecidas na sentença, ouvido o condenado. § 3º A fiscalização do cumprimento das condições, reguladas nos Estados, Territórios e Distrito Federal por normas supletivas, será atribuída a serviço social penitenciário, Patronato, Conselho da Comu­ ni­dade ou instituição beneficiada com a prestação de serviços, inspe­ cionados pelo Conselho Penitenciário, pelo Ministério Público, ou ambos, devendo o Juiz da execução suprir, por ato, a falta das normas supletivas. § 4º O beneficiário, ao comparecer periodicamente à entidade fiscali­ zadora, para comprovar a observância das condições a que está sujeito, comunicará, também, a sua ocupação e os salários ou proventos de que vive. § 5º A entidade fiscalizadora deverá comunicar imediatamente ao órgão de inspeção, para os fins legais, qualquer fato capaz de acarretar a revogação do benefício, a prorrogação do prazo ou a modificação das condições. § 6º Se for permitido ao beneficiário mudar-se, será feita comunicação ao Juiz e à entidade fiscalizadora do local da nova residência, aos quais o primeiro deverá apresentar-se imediatamente.

158.1 Condições da suspensão As condições são as regras fixadas para cumprimento pelo sujeito ao qual foi concedida a suspensão condicional da pena. Constituem o conteúdo do tratamento alternativo que substitui a execução da condenação à privação da liberdade e podem ser modificadas a qualquer tempo pelo juiz, inclusive de ofício (art. 158, § 2º, LEP), mas sempre ouvido o condenado. 309

Art. 159

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A lei prevê algumas condições obrigatórias (art. 78, CP) e abre espaço para que o juiz fixe outras que considerar necessário (art. 79, CP). Tratam-se, res­ pectivamente, das condições legais e judiciais. Também as condições são critérios de classificação das modalidades de suspensão condicional da pena. No sursis simples ou comum, são desde logo aplicadas as condições legais determinando que o condenado, no primeiro ano, preste serviços à comunidade ou sofra limitação de fim-de-semana. A exigência, porém, pode ser substituída se o apenado já houver reparado o dano (sendo possível fazê-lo) e se as circunstâncias o forem “inteiramente favo­ ráveis” (art. 78, § 2º, CP). Neste caso – trata-se do sursis especial –, a substituição implicará na aplicação cumulativa de condições limitativas da liberdade de locomoção, quais sejam: (a) proibição de frequentar determinados lugares; (b) proibição de se ausentar da comarca onde reside sem autorização judicial; e (c) comparecimento mensal em juízo para prestar conta das próprias atividades. Em relação à determinação das condições judiciais, importa que exista um controle de razoabilidade com parâmetros no próprio ordenamento constitucional. Por exemplo, as condições não podem, em si, constituírem uma nova modalidade de sanção ou ultrapassar a restrição de direitos realizada na sentença condenatória.

Art. 159  Quando a suspensão condicional da pena for concedida por Tribunal, a este caberá estabelecer as condições do benefício. § 1º De igual modo proceder-se-á quando o Tribunal modificar as condições estabelecidas na sentença recorrida. § 2º O Tribunal, ao conceder a suspensão condicional da pena, poderá, todavia, conferir ao Juízo da execução a incumbência de estabelecer as condições do benefício, e, em qualquer caso, a de realizar a audiência admonitória.

159.1 Suspensão condicional da pena concedida por Tribunal Quem concede o sursis é que tem o encargo de fixar ou modificar as condições do benefício, bem como realizar a audiência admonitória, inclusive quando se tratar de Tribunal. O dispositivo ainda prevê a possibilidade de o Tribunal conferir ao Juízo a quo a incumbência. 310

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Art. 160

Art. 160 Transitada em julgado a sentença condenatória, o Juiz a lerá ao condenado, em audiência, advertindo-o das conseqüências de nova infração penal e do descumprimento das condições impostas.

160.1 Advertência ao condenado As condições impostas para o sursis têm efeito somente após a audiência admonitória, momento processual no qual o sujeito toma conhecimento e aceita as condições impostas, e a partir do qual contam todos os prazos.

Art. 161  Se, intimado pessoalmente ou por edital com prazo de 20 (vinte) dias, o réu não comparecer injustificadamente à audiência admonitória, a suspensão ficará sem efeito e será executada imediatamente a pena.

161.1 Não comparecimento na audiência admonitória O injustificado não comparecimento à audiência admonitória torna a suspensão sem efeitos, o que é diferente de sua revogação. A intimação por edital só é possível após esgotadas as tentativas de localização de intimação pessoal, devendo, antes, haver diligências junto aos órgãos públicos ou privados detentores do endereço residencial do sentenciado.

Art. 162  A revogação da suspensão condicional da pena e a prorrogação do período de prova dar-se-ão na forma do artigo 81 e respectivos parágrafos do Código Penal.

162.1 Revogação da suspensão condicional da pena A suspensão condicional da pena é revogada quando o comportamento do sujeito for contrário às condições legais e judiciais, mostrando-se incompatível com o prosseguimento do período de prova e seu cumprimento satisfatório. Em todo 311

Art. 162

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caso (e inobstante entendimento contrário na jurisprudência), não é recomendável do ponto de vista constitucional a admissão da revogação de plano, havendo que se respeitar a ampla defesa e o contraditório. A revogação será obrigatória (art. 81, CP) se o apenado, durante o período de prova, (a) for condenado por crime doloso, com sentença transitada em julgado ou (b) não cumprir, injustificadamente, as exigências de prestação de serviço comunitário ou limitação de fins de semana. A lei menciona ainda a frustração da execução da pena de multa e a injustificada não reparação do dano como causas de revogação obrigatória (art. 81, II, CP). Entretanto, a pena pecuniária deve ser tratada como dívida de valor e o procedimento a ser seguido será aquele da execução em sede cível. A revogação é facultativa (art. 81, § 1º, CP) se o sujeito (a) inobservar alguma das condições judiciais ou (b) for condenado a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, com sentença transitada em julgado, por crime imprudente ou contravenção. Neste caso o juiz ainda tem a alternativa (art. 81, § 3º, CP) de, ao invés de revogar o benefício, prorrogar o período de prova até o máximo, desde que, por óbvio, já não tenha sido este o prazo estabelecido.

162.2 Prorrogação do período de prova Considerando que a condenação irrecorrível por crime doloso é causa obrigatória de revogação (art. 81, I, CP), decorre uma derradeira regra (art. 81, § 2º) que busca evitar a situação na qual o sujeito se torna réu em outro crime ou contravenção e ainda sem sentença definitiva no outro processo transcorre, neste, o período de prova do sursis: neste caso, o período é prorrogado até o julgamento definitivo dos referidos processos, e caso se tenha condenação definitiva se operará a revogação do benefício, evitando a extinção da punibilidade. Sobre tal regra, três observações: (a) o período de prova é prorrogado apenas temporalmente, não se obrigando o sujeito a prosseguir cumprindo as condições do sursis; (b) a prorrogação “muda as regras do jogo” e tem caráter sancionatório, baseando-se em uma presunção de culpa em relação a um outro processo no qual deve valer o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CR), o que é no mínimo questionável; e (c) caso sobrevenha sentença condenatória definitiva, a revogação será obrigatória apenas se for caso de crime doloso, e facultativa se a condenação for por contravenção. Se a prorrogação não for realizada porque não chegou aos autos a notícia da existência de outro processo criminal em face do condenado, ou mesmo se tal informação chegar em momento posterior ao encerramento do período de 312

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Art. 163

prova sem revogação, a posição mais democrática é aquela que reconhece como irreversível a extinção da punibilidade. Mesmo sendo a prorrogação automática, não dependendo de decisão judicial, também assim é a extinção da pena privativa de liberdade com a expiração do prazo sem revogação (art. 82, CP). Todavia, há precedentes dos tribunais superiores considerando que o descumprimento de condição imposta durante o período de prova pode dar ensejo à revogação, mesmo após a expiração do prazo do período de prova. 162.3 Sursis e prescrição da pretensão executória Prevalece entendimento segundo o qual não corre a prescrição executória durante o período de prova do sursis (STF, HC 91562/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 09.10.2007). Não há previsão legal de tal causa impeditiva e o STF considera que “o efeito decorre da lógica do sistema vigente”, em perigosa flexi­ bilização de um rol que é reconhecido como taxativo. 162.4 Expiração do período de prova e extinção da punibilidade Caso transcorra o período de prova e o prazo expire sem que tenha havido revogação, é declarada extinta a punibilidade (art. 82, CP). A lei brasileira optou, como se vê, pelo critério da ausência de revogação para se definir o significado de “êxito positivo” do período de prova. Convém assinalar que existem orientações diversas em outros ordenamentos, em prol de um critério mais explicitamente subjetivo, segundo o qual o “êxito positivo” do sursis deve decorrer de uma valoração do juízo de execução acerca da reeducação do réu, independentemente do decurso do prazo sem revogação.

Art. 163  A sentença condenatória será registrada, com a nota de sus­ pensão em livro especial do Juízo a que couber a execução da pena. § 1º Revogada a suspensão ou extinta a pena, será o fato averbado à margem do registro. § 2º O registro e a averbação serão sigilosos, salvo para efeito de infor­ mações requisitadas por órgão judiciário ou pelo Ministério Público, para instruir processo penal.

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Art. 164

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163.1 Registro da suspensão condicional da pena Regra anterior à difusão do processo eletrônico, busca regulamentar o registro em livro especial da suspensão condicional da pena, sendo as informações sigilosas, salvo requisição de órgão judiciário ou do Ministério Público para instruir processo penal.

CAPÍTULO IV

Da Pena de Multa Art. 164  Extraída certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado, que valerá como título executivo judicial, o Ministério Público requererá, em autos apartados, a citação do condenado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora. § 1º Decorrido o prazo sem o pagamento da multa, ou o depósito da respectiva importância, proceder-se-á à penhora de tantos bens quantos bastem para garantir a execução. § 2º A nomeação de bens à penhora e a posterior execução seguirão o que dispuser a lei processual civil.

164.1 Considerações gerais sobre a pena de multa A pena de multa é prevista pelo Código Penal como terceira opção san­ cionatória aos imputáveis, ao lado das penas privativas de liberdade e penas restritivas de direito. O dispositivo prevê o procedimento para sua cobrança, com citação do condenado em autos apartados para pagamento da multa em 10 dias, após extração da certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado.

164.2 Natureza fiscal da multa e legitimidade para execução A LEP ainda prevê a possibilidade de penhora de bens para garantir a execução, seguindo a lei processual civil. A partir desse momento, porém, deve-se observar a legislação fiscal, inclusive para fins de prescrição, tratando-se a pena de multa como dívida de valor (art. 51, CP). 314

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Art. 164

Alteração do art. 51 do Código Penal promovida pela Lei 13.964/2019, determina que a execução da pena de multa será no juízo de execução penal. Não se altera a natureza fiscal da pena de multa, mas há repercussão no debate sobre a legitimidade ativa para a execução. Em julgamento da ADI 3.150/DF, em dezembro de 2018, o STF já havia decidido ser do Ministério Público a legitimidade prioritária para execução de multas em condenações penais, devendo ocorrer na Vara de Execuções Penais, restando à Procuradoria da Fazenda Pública legitimidade subsidiária: “a legi­ timação prioritária para a execução da multa penal é do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais. 3. Por ser também dívida de valor em face do Poder Público, a multa pode ser subsidiariamente cobrada pela Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal, se o Ministério Público não houver atuado em prazo razoável (90 dias)” (STF, ADI 3.150/DF, j. 13/12/2018). O entendimento do STF e a alteração legal significam a superação da Súmula 521-STJ, a qual dispunha ser “exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública” a legitimidade para execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta em sentença condenatória Por fim, após o julgamento da ADI 3.150/DF pelo STF, o STJ reviu entendi­ mento anterior e afirmou que a pena de multa continua tendo natureza de sanção penal. Dessa forma, “o inadimplemento da pena de multa obsta a extinção da punibilidade do apenado” (STJ, AgRg no REsp 1.850.903/SP, 5ª T., j. 28/04/2020).

164.3 Ausência de efeitos penais em caso de inadimplência Nessa esteira, não podem haver consequências penais por conta de eventual inadimplência quanto à pena de multa. Em julgamento de Recurso Repetitivo (STJ, REsp 1.519.777/SP, 3ª Seção, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 26/08/2015), o Superior Tribunal de Justiça firmou a tese de que “Nos casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, extinta a primeira (ou de eventual restritiva de direitos que a substituir), em razão de seu integral cumprimento, deve ser reconhecida a extinção da punibilidade, mesmo sem o efetivo pagamento da sanção pecuniária”.

164.4 Suspensão dos direitos políticos e pendência de pagamento da pena de multa Ver comentários ao art. 3º. 315

Art. 165

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Art. 165  Se a penhora recair em bem imóvel, os autos apartados serão remetidos ao Juízo Cível para prosseguimento.

165.1 Possibilidade de penhora em bem imóvel Embora a LEP preveja a penhora, o dispositivo deve ser revogado, residindo todas as regras de execução do valor devida pela multa na legislação pertinente à execução fiscal.

Art. 166  Recaindo a penhora em outros bens, dar-se-á prosseguimento nos termos do § 2º do artigo 164, desta Lei.

166.1 Possibilidade de penhora em outros bens Embora a LEP preveja a penhora, o dispositivo deve ser revogado, residindo todas as regras de execução do valor devida pela multa na legislação pertinente à execução fiscal.

Art. 167  A execução da pena de multa será suspensa quando sobrevier ao condenado doença mental (artigo 52 do Código Penal).

167.1 Suspensão da execução da pena de multa na superveniência de doença mental A LEP prevê a suspensão da execução, caso sobrevenha doença mental no condenado. Porém, mais uma vez, devem ser observadas as regras de execução fiscal. Ainda que esteja suspenso o processo de execução, vale lembrar que não fica suspenso, nesse caso, o curso do prazo da prescrição executória, pois não há previsão legal e são aplicadas os marcos interruptivos e suspensivos da legislação fiscal. 316

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Art. 168

Art. 168  O Juiz poderá determinar que a cobrança da multa se efetue mediante desconto no vencimento ou salário do condenado, nas hipóteses do artigo 50, § 1º, do Código Penal, observando-se o seguinte: - o limite máximo do desconto mensal será o da quarta parte da remu­ neração e o mínimo o de um décimo; - o desconto será feito mediante ordem do Juiz a quem de direito; - o responsável pelo desconto será intimado a recolher mensalmente, até o dia fixado pelo Juiz, a importância determinada.

168.1 Pagamento da multa mediante desconto no vencimento ou salário do condenado A lei possibilita que o pagamento da pena de multa seja realizado mediante desconto no vencimento/salário do condenado, nos termos do que é previsto no Código Penal: quando a pena de multa for aplicada isoladamente, quando for aplicada cumulativamente com pena restritiva de direitos e quando for concedida a suspensão condicional da pena (art. 50, § 1º, CP). Ainda em coerência com o disposto no art. 50, § 2º, do CP, segundo o qual o desconto “não deve incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família”, a LEP limita o desconto mensal à quarta parte da remuneração, com mínimo de um décimo dela.

Art. 169  Até o término do prazo a que se refere o artigo 164 desta Lei, poderá o condenado requerer ao Juiz o pagamento da multa em prestações mensais, iguais e sucessivas. § 1° O Juiz, antes de decidir, poderá determinar diligências para verificar a real situação econômica do condenado e, ouvido o Ministério Público, fixará o número de prestações. § 2º Se o condenado for impontual ou se melhorar de situação econômica, o Juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, revogará o benefício executando-se a multa, na forma prevista neste Capítulo, ou prosseguindo-se na execução já iniciada.

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Art. 170

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169.1 Parcelamento da pena de multa Permite-se o parcelamento da pena de multa, em prestações iguais e sucessivas. Há precedente do STF no sentido de o indulto da pena privativa de liberdade não alcançar a pena de multa que está sendo paga parceladamente: “1. O indulto da pena privativa de liberdade não alcança a pena de multa que tenha sido objeto de parcelamento espontaneamente assumido pelo sentenciado. 2. O acordo de pagamento parcelado da sanção pecuniária deve ser rigorosamente cumprido sob pena de descumprimento de decisão judicial, violação ao princípio da isonomia e da boa-fé objetiva” (STF, EP 11 IndCom-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 08/11/2017). No entanto, se o respectivo decreto que concede o indulto abranger a pena de multa, a interpretação em sentido contrário é inconstitucional porque viola a competência privativa da Presidência da República para conceder indulto e comutar penas (art. 84, XII, CF).

Art. 170  Quando a pena de multa for aplicada cumulativamente com pena privativa da liberdade, enquanto esta estiver sendo executada, poderá aquela ser cobrada mediante desconto na remuneração do condenado (artigo 168). § 1º Se o condenado cumprir a pena privativa de liberdade ou obtiver livramento condicional, sem haver resgatado a multa, far-se-á a cobrança nos termos deste Capítulo. § 2º Aplicar-se-á o disposto no parágrafo anterior aos casos em que for concedida a suspensão condicional da pena.

170.1 Complemento ao art. 168 O artigo repete a regra do artigo anterior, acrescentando às hipóteses ali descritas a de pena de multa aplicada cumulativamente com pena privativa de liberdade, enquanto esta estiver sendo executada.

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Art. 171

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TÍTULO VI

Da Execução das Medidas de Segurança CAPÍTULO I

Disposições Gerais Art. 171  Transitada em julgado a sentença que aplicar medida de segurança, será ordenada a expedição de guia para a execução.

171.1 Execução das medidas de segurança Não há execução provisória de medidas de segurança, sendo expedida a guia de internação somente após o trânsito em julgado, nos termos da Resolução 113/2010-CNJ. Porém, tem-se admitido a figura da internação provisória desde que ela foi prevista pela Lei 12.403/2011, inexplicavelmente, como “medida cautelar alternativa à prisão” (art. 319, VII, CPP), desde que haja laudo de insanidade mental. Porém, trata-se de medida cautelar substancialmente equivalente à prisão preventiva, sem qualquer outra regulamentação infralegal, a qual seria necessária para evitar sua aplicação abusiva. Deve-se restringir ao máximo seu uso, incidindo todos os limites temporais à medida de segurança definitiva, notadamente pela Súmula 527/STJ (ou seja, a medida cautelar obviamente não pode ser mais longa do que a pena máxima em abstrato cominada para o delito).

171.2 Superação da visão tutelar e Lei 10.216/2001 O tema das medidas de segurança exige a leitura conjunta com os arts. 96-99 do Código Penal, o qual traz os pressupostos de sua aplicação, mas mais necessária ainda é a superação da visão tutelar e tradicional construída a partir do inadmissível conceito de “periculosidade”. Não são apenas o Código Penal e a LEP os dispositivos legais a regula­men­ tarem a execução das medidas de segurança no Brasil. Assumindo o escopo de enfrentar o tema como uma questão de saúde, o próprio Conselho Nacional de Justiça determina a observância da Lei 10.216/2001, conhecida como lei da “reforma psiquiátrica”: “O juiz competente para a execução da medida de segurança, sempre que 319

Art. 172

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possível buscará implementar políticas antimanicomiais, conforme sistemática da Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001” (art. 17 da Resolução nº. 113/2010-CNJ). Para muitos, inclusive, a Lei 10.216/01 já teria derrogado todos os dispositivos da Parte Geral do Código Penal, assim como da LEP, concernentes às medidas de segurança. Mesmo que não se chegue a tal conclusão, a conjugação das leis já produziria profundas transformações na perspectiva sobre o tema. A Recomendação nº. 35/2011, também do Conselho Nacional de Justiça, é ainda mais contundente, priorizando a execução da medida de segurança em meio aberto e visando manter e fortalecer os laços sociais e familiares do paciente. E mais: “III – em caso de internação, ela deve ocorrer na rede de saúde pública ou conveniada, com acompanhamento do programa especializado de atenção ao paciente judiciário”, indicando princípio de não discriminação entre pacientes que come­ teram e os que não cometeram atos definidos como criminais pela lei penal.

171.3 Jurisprudência de direitos humanos e questão manicomial O Caso Ximenes Lopes vs. Brasil foi a primeira condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2006, e o primeiro caso envolvendo violação de direitos de pessoa com deficiência mental; na ocasião, a Corte definiu a “sujeição” como “qualquer ação que interfira na capacidade de um paciente de tomar decisões ou que restrinja sua liberdade de movimento”, podendo ser empregada somente como último recurso e com finalidade protetiva35.

Art. 172  Ninguém será internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, ou submetido a tratamento ambulatorial, para cumprimento de medida de segurança, sem a guia expedida pela autoridade judiciária.

172.1 Exigência de expedição de guia pela autoridade judiciária É direito da pessoa portadora de transtorno mental, caso seja internada, que se trate de um estabelecimento “dotado de características hospitalares” (art. 99, CP)

Sobre, PAIVA, Caio; HEEMANN, Thimotie. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. 2. ed. Belo Horizonte: Editora CEI, 2017, p. 312-315.

35

320

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Art. 172

e não asilar (art. 4º, § 3º , Lei 10.216/2001). Proibida a internação sem a expedição de guia pela autoridade judiciária.

172.2 Ilegalidade da manutenção de paciente internado em penitenciária Configura constrangimento ilegal manter pessoa com medida de segurança em penitenciária, por estar “aguardando vaga” no estabelecimento adequado (STF, HC 122670, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 05/08/2014). Precedentes do STJ no mesmo sentido afirmam que “O inimputável submetido à medida de segurança de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico não pode permanecer em estabelecimento prisional comum, ainda que sob a justificativa de ausência de vagas ou falta de recursos estatais” (STJ, HC 231.124/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª T., j. 23/04/2013).

172.3 Ilegalidade da submissão de paciente judiciário ao sistema disciplinar e a medida de isolamento É absolutamente ilegal tratar o paciente internado em medida de segurança como preso comum. A redação do art. 44, parágrafo único, da LEP, deixa claro que o paciente judiciário não está submetido ao sistema disciplinar, mesmo porque lhe falta a capacidade de culpabilidade e a consciência do ilícito administrativo (art. 46, LEP). Portanto, não há possibilidade jurídica de cometimento de falta disciplinar e a própria lavratura de comunicado disciplinar nesse sentido é um indicativo concreto de violação do art. 99 do Código Penal e do art. 4º, § 3º da Lei 10.216/2001, segundo os quais o estabelecimento terá características hospitalares, sendo vedada a internação em instituição com características asilares. Mais grave ainda é a colocação do paciente em isolamento disciplinar. A Portaria de Consolidação do Ministério da Saúde (GM/MS) n. 5, de 28 de setembro de 2017, que consolida normas sobre as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde, proíbe a existência de espaços restritivos (celas fortes) (item 2.2.2 do Anexo XXV), como o são as celas destinadas a isolamento disciplinar nas galerias de “castigo”. O fluxo para se lidar com situações de surto psiquiátrico é outro, distinto do procedimento regular do sistema disciplinar, havendo a necessidade de capacitação de pessoal especificamente para este fim, com a presença de profissionais da saúde e acompanhamento médico. O uso do isolamento com finalidade terapêutica não é recomendável pelos estudos médico-psiquiátricos mais atuais, embora também 321

Art. 173

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não seja proibido. De qualquer modo, ele só pode ser determinado por profissional da medicina e desde que seja a última alternativa, acompanhado de diagnóstico clínico, posterior a tentativas de resolução da situação por outros meios como, por exemplo, o uso de antipsicóticos por via oral. É pacífico, no debate técnico da área da saúde mental, que o uso de contenção por isolamento desacompanhado de outras medidas e de acompanhamento médico cria riscos enormes à saúde do paciente.

Art. 173  A guia de internamento ou de tratamento ambulatorial, ex­traída pelo escrivão, que a rubricará em todas as folhas e a subscreverá com o Juiz, será remetida à autoridade administrativa incumbida da execução e conterá: I - a qualificação do agente e o número do registro geral do órgão oficial de identificação; II - o inteiro teor da denúncia e da sentença que tiver aplicado a medida de segurança, bem como a certidão do trânsito em julgado; III - a data em que terminará o prazo mínimo de internação, ou do tratamento ambulatorial; IV - outras peças do processo reputadas indispensáveis ao adequado tratamento ou internamento. § 1° Ao Ministério Público será dada ciência da guia de recolhimento e de sujeição a tratamento. § 2° A guia será retificada sempre que sobrevier modificações quanto ao prazo de execução.

173.1 Elementos da guia de internamento ou tratamento ambulatorial O artigo traz todos os elementos que deem constar da guia emitida pela autoridade judiciária. É fundamental que constem informações sobre eventual período de prisão cautelar ou mesmo internação provisória, pois o período deverá ser detraído do prazo mínimo para realização do primeiro exame de cessação de periculosidade (art. 42, CP) e do prazo máximo de internação (S. 527/STJ).

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Art. 174

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Art. 174  Aplicar-se-á, na execução da medida de segurança, naquilo que couber, o disposto nos artigos 8° e 9° desta Lei.

174.1 Classificação e exame criminológico nas medidas de segurança A aplicação dos art. 8º e 9º deverá ser adaptada à peculiaridade de se tratar, a medida de segurança, de uma questão de saúde mental. Ao invés de classificação e exame, portanto, deve-se falar em diagnóstico, em tratamento adequado e prognóstico de alta.

CAPÍTULO II

Da Cessação da Periculosidade Art. 175  A cessação da periculosidade será averiguada no fim do prazo mínimo de duração da medida de segurança, pelo exame das condições pessoais do agente, observando-se o seguinte: I - a autoridade administrativa, até 1 (um) mês antes de expirar o prazo de duração mínima da medida, remeterá ao Juiz minucioso relatório que o habilite a resolver sobre a revogação ou permanência da medida; II - o relatório será instruído com o laudo psiquiátrico; III - juntado aos autos o relatório ou realizadas as diligências, serão ouvidos, sucessivamente, o Ministério Público e o curador ou defensor, no prazo de 3 (três) dias para cada um; IV - o Juiz nomeará curador ou defensor para o agente que não o tiver; V - o Juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, poderá determinar novas diligências, ainda que expirado o prazo de duração mínima da medida de segurança; VI - ouvidas as partes ou realizadas as diligências a que se refere o inciso anterior, o Juiz proferirá a sua decisão, no prazo de 5 (cinco) dias.

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Art. 175

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175.1 Cessação da periculosidade e prazo máximo da medida de segurança Não obstante se fale em prazo indeterminado – há o prazo mínimo de um a três anos para realização do exame sobre a “cessação da periculosidade” –, interpretação sistemática dos dispositivos legais e da vedação constitucional da prisão perpétua fundamentaram entendimento jurisprudencial segundo o qual o prazo máximo de 30 anos (agora 40 anos, conforme alteração da Lei 13.964/2019) valeria também para a medida de segurança (STF, HC 98.360/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 04/08/2009; STF, HC 97.621/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 02/06/2009; STF, HC 84.219/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 16/08/2005), independentemente da verificação da “cessação da periculosidade”. O ideal seria, como já vem defendendo corrente minoritária, a realização da dosimetria da pena, cujo quantum, ainda que não aplicável, serviria para limitar, no caso concreto, o tempo de duração da medida de segurança. Seria uma forma de se evitar o absurdo tratamento mais gravoso ao inimputável que ao imputável. Majoritário é o entendimento segundo o qual o prazo máximo de duração da medida de segurança seria a pena máxima cominada em abstrato para o crime correspondente, com fulcro na vedação constitucional de penas perpétuas (art. 5º, XLII, b, CR), nos princípios da isonomia e da proporcionalidade. É o entendimento consolidado pelo STJ na Súmula 527: “O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado”. Observe-se, assim, que internações ou até medidas cautelares de internação provisória por conta de crimes de ameaça, cuja pena máxima é de seis meses (art. 147, CP), são aberrações jurisdicionais que chegam a indicar a prática de crime de abuso de autoridade (art. 4º, “a” e “d”, Lei 4.898/1965).

175.2 Ilegalidade de laudos genéricos e sem fundamentação Seguindo a sistemática tradicional de realização anual de exame de cessação de periculosidade, a LEP exige que se trate de “relatório minucioso”. Laudos vagos, genéricos, com expressões repetidas em casos diversos, não podem ser aceitos pelo juízo de execução, o qual deverá determinar a realização de novo exame, com fulcro no art. 181 do CPP: “No caso de inobservância de formalidades, ou no caso de omissões, obscuridades ou contradições, a autoridade judiciária mandará suprir a formalidade, complementar ou esclarecer o laudo. Parágrafo único. A autoridade poderá também ordenar que se proceda a novo exame, por outros peritos, se julgar conveniente”. Havendo divergência entre os laudos psiquiátrico e psicológico, sendo um favorável e outro contrário à desinternação, parece indevido optar por acatar a 324

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Art. 176

opinião técnica mais desfavorável ao paciente sem a complementação técnica necessária. Caso o juízo queira decidir, deverá ser no sentido do laudo mais favorável, com base no princípio do favor-rei.

Art. 176  Em qualquer tempo, ainda no decorrer do prazo mínimo de duração da medida de segurança, poderá o Juiz da execução, diante de requerimento fundamentado do Ministério Público ou do interessado, seu procurador ou defensor, ordenar o exame para que se verifique a cessação da periculosidade, procedendo-se nos termos do artigo anterior. Art. 177  Nos exames sucessivos para verificar-se a cessação da pericu­ losidade, observar-se-á, no que lhes for aplicável, o disposto no artigo anterior.

176.1 Determinação de exame para verificação da cessação da periculosidade A periodicidade anual para os exames de “cessação de periculosidade” é um parâmetro máximo, não mínimo, podendo os exames sucessivos ocorrer a qualquer tempo por requerimento fundamentado do Ministério Público, da Defensoria Pública, do interessado ou sua Defesa.

Art. 178  Nas hipóteses de desinternação ou de liberação (artigo 97, § 3º, do Código Penal), aplicar-se-á o disposto nos artigos 132 e 133 desta Lei.

178.1 Desinternação ou liberação Quando a perícia indicar a “cessação da periculosidade”, a medida de segurança será revogada e efetuada a devida desinternação ou liberação do sujeito, sob as mesmas condições previstas para o livramento condicional. Sendo assim, a medida de segurança estará suspensa pelo prazo de um ano da liberação ou desinternação sem a prática de fato que “indique” a “persistência de sua periculosidade” (art. 97, § 3º, CP), sendo extinta após o decurso de tal prazo.

325

Art. 179

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Art. 179  Transitada em julgado a sentença, o Juiz expedirá ordem para a desinternação ou a liberação.

179.1 Condicionamento da desinternação ou liberação A ordem de desinternação ou liberação é aqui condicionada ao trânsito em julgado da decisão. Cabendo agravo da decisão de desinternação, isso significa se tratar da única hipótese na qual o agravo em execução tem efeito suspensivo.

326

Art. 180

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TÍTULO VII

Dos Incidentes de Execução CAPÍTULO I

Das Conversões Art. 180  A pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser convertida em restritiva de direitos, desde que: I - o condenado a esteja cumprindo em regime aberto; II - tenha sido cumprido pelo menos 1/4 (um quarto) da pena; III - os antecedentes e a personalidade do condenado indiquem ser a conversão recomendável.

180.1 Conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos Progressão ou regressão de regime não são consideradas hipóteses de conversão, de acordo com a própria Exposição de Motivos da LEP (Itens 160 e 161), segundo a qual na conversão se substitui a pena cumprida, enquanto na transferência de um regime para outro se opera dentro da mesma pena privativa de liberdade. Em relação à conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, exigia-se pena aplicada não superior a dois anos; porém, o dispositivo foi parcialmente derrogado pelo art. 44 do CP, o qual admite a substituição, no próprio momento de aplicação, quando a pena não ultrapassa quatro anos. Não ocorrendo a substituição na sentença condenatória e iniciada a execução da pena privativa de liberdade, a conversão pode ser requerida se presentes os demais requisitos: regime aberto; cumprimento de pelo menos ¼ (um quarto) da pena e juízo de valor sobre os antecedentes e a personalidade do condenado.

Art. 181  A pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade nas hipóteses e na forma do artigo 45 e seus incisos do Código Penal. 327

Art. 181

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§ 1º A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o condenado: a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a intimação por edital; b) não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que deva prestar serviço; c) recusar-se, injustificadamente, a prestar o serviço que lhe foi imposto; d) praticar falta grave; e) sofrer condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa. § 2º A pena de limitação de fim de semana será convertida quando o condenado não comparecer ao estabelecimento designado para o cumprimento da pena, recusar-se a exercer a atividade determinada pelo Juiz ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras “a”, “d” e “e” do parágrafo anterior. § 3º A pena de interdição temporária de direitos será convertida quando o condenado exercer, injustificadamente, o direito interditado ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras “a” e “e”, do § 1º, deste artigo.

181.1 Conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade A conversão em pena privativa de liberdade ocorre nos casos de descum­ primento injustificado das condições colocadas; inobstante isso, é possível se manter a pena substitutiva mesmo se sobrevier nova condenação por pena privativa de liberdade, evitando-se neste caso a conversão (art. 44, §§ 4º e 5º, CP)

181.2 Conversão da prestação de serviços à comunidade Especificamente, a pena de prestação de serviços à comunidade será convertida em privação da liberdade quando o condenado (a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a intimação por edital; (b) não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa no qual presta serviço; (c) recusar-se, injustificadamente, a prestar o respectivo serviço; (d) pra­ ticar falta grave; ou (e) sofrer nova condenação a pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.

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Art. 182

181.3 Conversão da limitação de fim de semana A pena de limitação de fim-de-semana é convertida nos casos (a) de não comparecimento do condenado ao estabelecimento designado; (b) de recusa ao exercício da atividade determinada pelo Juízo; (c) estando o condenado em lugar incerto e não sabido ou desatendendo intimação por edital; (d) de prática de falta grave; ou, enfim, (e) de nova condenação a pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.

181.4 Conversão da interdição temporária de direitos A pena de interdição temporária de direitos será convertida (a) quando o direito interditado vier a ser exercido, injustificadamente, pelo condenado, ou ainda (b) se estiver o condenado em lugar incerto e não sabido, (c) desatendendo intimação por edital, ou (d) se sobrevier nova condenação a pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.

181.5 Observância do regime inicial fixado na sentença condenatória Caso haja a conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade, deverá ser respeitado o regime aplicado na sentença condenatória que procedeu à substituição, sendo descabido bis in idem determinar a regressão ao regime fechado por conta da conversão, sem que haja outro fundamento de fato para tanto.

Art. 182  (Revogado pela Lei nº 9.268, de 1996) Art. 183  Quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, o Juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança. (Redação dada pela Lei nº 12.313, de 2010).

329

Art. 183

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183.1 Substituição/conversão da pena privativa de liberdade por medida de segurança É possível a substituição/conversão das penas privativas de liberdade em medida de segurança quando sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental. Nesse caso, “Sua duração está adstrita ao tempo que resta para o cumprimento da pena privativa de liberdade estabelecida na sentença condenatória, sob pena de ofensa à coisa julgada” (STJ, HC 130.162/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., j. 02/08/2012). Caso se verifique a cessação da doença ou perturbação da saúde mental, a legalidade estrita exige a desinternação, e não a “reconversão” da medida de segurança em pena privativa de liberdade, hipótese sem base legal.

183.2 Convivência entre execuções de pena privativa de liberdade e de medida de segurança Merece atenção especial a situação em que há execuções de penas privativas de liberdade em curso, e em novo processo sobrevém sentença absolutória imprópria impondo medida de segurança. Todas as condenações anteriores devem ser convertidas em medida de segurança, de modo unificado? Ou seria admissível a coexistência de penas aplicadas para a pessoa como imputável com a medida de segurança? Assim decidiu o STJ: “(...) O sistema vicariante afastou a imposição cumulativa ou sucessiva de pena e medida de segurança, uma vez que a aplicação conjunta ofenderia o princípio do ne bis in idem, já que o mesmo indivíduo suportaria duas consequências em razão do mesmo fato. 3. Tratando-se o reconhecimento da incapacidade de decisão incidental no processo penal, não há obstáculo jurídico à imposição de medida de segurança em um feito e penas privativas de liberdade em outros processos” (STJ, HC 275.635/ SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., j. 03/03/2016). A posição adotada pelo STJ, portanto, é a de que não há violação ao sistema vicariante na coexistência de penas e medidas de segurança porque elas se refeririam a fatos distintos. Porém, a execução é una. Não é possível compatibilizar medidas fundadas em pressupostos tão distintos como são a culpabilidade e a “periculosidade”. A opção mais correta parece ser a absorção de todas as penas privativas de liberdade em curso pela nova medida de segurança, não havendo como o condenado ser imputável para alguns casos, e inimputável para outros.

330

Art. 184

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Art. 184  O tratamento ambulatorial poderá ser convertido em internação se o agente revelar incompatibilidade com a medida. Parágrafo único. Nesta hipótese, o prazo mínimo de internação será de 1 (um) ano.

184.1 Conversão do tratamento ambulatorial em internação Espécie de “regressão” específica das medidas de segurança, o tratamento ambulatorial pode ser convertido em internação se o agente revelar “incompa­ tibilidade com a medida”, conceito vago e impreciso e que deve ser delimitado de forma análoga ao tratamento do imputável, ou seja, exigindo a prática de condutas equiparáveis às faltas disciplinares de natureza grave.

CAPÍTULO II Do Excesso ou Desvio Art. 185  Haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares.

185.1 Excesso ou desvio de execução Se a inobservância dos parâmetros legais tem caráter quantitativo, trata-se de excesso; já se tem caráter qualitativo, configura desvio. Configura excesso, por exemplo, a aplicação arbitrária e por tempo indeterminado de sanções administrativas; e desvio a configuração de condições insalubres e inadequadas para a sobrevivência humana; ou ainda, é também considerado desvio a concessão de um benefício penitenciário ao condenado sem a presença de todos os requisitos previstos. A manutenção do apenado em regime mais gravoso que aquele fixado na sentença como regime inicial, ou aguardando vaga no regime correto, muito frequente quando faltam vagas em estabelecimentos de regime semiaberto, configura constrangimento ilegal e situação na qual cabe, indubitavelmente, 331

Art. 186

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instauração de incidente de desvio de execução, ou mesmo Reclamação em face de violação da Súmula Vinculante nº. 56/ STF.

Art. 186  Podem suscitar o incidente de excesso ou desvio de execução: I- o Ministério Público; II - o Conselho Penitenciário; III - o sentenciado; IV - qualquer dos demais órgãos da execução penal.

1.6

Legitimidade para suscitar o incidente de excesso ou desvio de execução

Todos os órgãos da execução penal, bem como o próprio sentenciado, por meio não necessariamente formal (como uma carta ao juízo), podem suscitar incidentes de excesso ou desvio de execução.

CAPÍTULO III

Da Anistia e do Indulto Art. 187  Concedida a anistia, o Juiz, de ofício, a requerimento do interes­ sado ou do Ministério Público, por proposta da autoridade administrativa ou do Conselho Penitenciário, declarará extinta a punibilidade.

187.1 Considerações gerais sobre a anistia Historicamente caracterizado como prerrogativa do poder soberano, o “poder de graça” sobreviveu às críticas tanto iluministas como positivistas e se mantém até hoje, não como “renúncia” ao “direito de punir”, mas como um ato de poder – eminentemente ligado à soberania – capaz de abolir os efeitos da pena. A anistia é ato político do Poder Legislativo (art. 48, VIII, CR) que extingue a punibilidade concreta (art. 107, II, CP) em relação a determinado fato punível (crime político), antes ou depois de instaurado processo. A anistia pode ser 332

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Art. 188

classificada como própria ou imprópria, conforme incida antes ou depois do trânsito em julgado de eventual condenação; total ou parcial, conforme a amplitude de seu alcance; condicionada ou incondicionada, conforme imponha ou não obrigações ao(s) anistiado(s); e, por fim, irrestrita ou restrita, conforme inclua todos os crimes conexos com o principal ou apenas alguns desses.

Art. 188  O indulto individual poderá ser provocado por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário, ou da autoridade administrativa.

188.1 Considerações gerais sobre o indulto Trata-se de ato político do Poder Executivo, mais especificamente da Presidência da República (art. 84, XII, CF), capaz de extinguir a punibilidade de réu condenado por crime comum (art. 107, II, CP). De acordo com o art. 84, XII, parágrafo único, da Constituição, a atribuição pode ser delegada a Ministros de Estado, ao Procurador-geral da República ou ao Advogado-geral da União. No artigo, trata-se do indulto individual ou graça. No caso de indulto humanitário, concedido em decorrência de grave estado de saúde do preso verificado por avaliação médica, excepciona-se a exigência de parecer do Conselho Penitenciário (art. 70, I, LEP) podendo-se também afastar a vedação aos casos de crime hediondo ou equiparado por absoluta supremacia da tutela da vida humana e do princípio da dignidade.

Art. 189  A petição do indulto, acompanhada dos documentos que a instruírem, será entregue ao Conselho Penitenciário, para a elaboração de parecer e posterior encaminhamento ao Ministério da Justiça.

189.1 Indulto individual Trata-se aqui do indulto individual, de muito raro uso. Na prática, insere-se a petição na análise à luz dos decretos de indulto coletivo, sequer chegando ao conhecimento da Presidência da República. 333

Art. 190

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O exercício do poder de graça é vedado, por imposição constitucional (art. 5º, XLIII, CR), nos casos de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, terrorismo e crimes hediondos. A controvérsia possível se dá sobre a extensão da vedação à comutação de pena, o que dependerá da compreensão sobre a natureza jurídica desta última, e mesmo ao indulto coletivo, o qual seria algo distinto e previsto apenas no art. 84, XII, da CF. De acordo com o art. 70, I, da LEP, não há parecer do CONPEN nos casos de indulto humanitário.

Art. 190  O Conselho Penitenciário, à vista dos autos do processo e do prontuário, promoverá as diligências que entender necessárias e fará, em relatório, a narração do ilícito penal e dos fundamentos da sentença condenatória, a exposição dos antecedentes do condenado e do procedimento deste depois da prisão, emitindo seu parecer sobre o mérito do pedido e esclarecendo qualquer formalidade ou circunstâncias omitidas na petição.

190.1 Necessidade de parecer do Conselho Penitenciário Artigo de baixa ou nenhuma eficácia atualmente, o parecer do Conselho Penitenciário é exigido para os pedidos de indulto individual.

Art. 191 Processada no Ministério da Justiça com documentos e o relatório do Conselho Penitenciário, a petição será submetida a despacho do Presidente da República, a quem serão presentes os autos do processo ou a certidão de qualquer de suas peças, se ele o determinar.

191.1 Procedimento do indulto individual Na mesma linha, a petição de graça será submetida ao Presidente da República, após instrução.

334

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Art. 192

Art. 192  Concedido o indulto e anexada aos autos cópia do decreto, o Juiz declarará extinta a pena ou ajustará a execução aos termos do decreto, no caso de comutação.

192.1 Indulto coletivo, comutação de penas e repercussão judicial O indulto coletivo é concedido por decreto e decorre de ato discricionário privativo do Presidente da República (art. 84, XII, parágrafo único, CR), que pode delegar a atribuição a Ministros de Estado, ao Procurador-geral da República ou ao Advogado-geral da União. Dirigindo-se a fatos, e não a pessoas, tem o condão de extinguir a punibilidade (art. 107, II, CP), permanecendo os efeitos civis da condenação. Havia o costume, no Brasil, de se editar sempre um decreto de indulto coletivo no dia de Natal, mas nada impede que outros sejam publicados em outras datas. É controversa a natureza jurídica da comutação de pena: embora seja tradicionalmente tratada como modalidade de indulto parcial, levanta ROIG o argumento de que é impossível tratar comutação como forma de indulto porque não é juridicamente viável se falar em uma hipótese de extinção parcial de punibilidade36. A rigor, o conceito de graça diria respeito apenas à petição individual de perdão de pena, enquanto os conceitos de indulto e comutação seriam, respectivamente, o ato coletivo de indulto por decreto presidencial e a conversão de uma pena em outra. A importância prática disso é que ambos não estariam abarcados pela vedação constitucional nos casos de crime hediondo ou equiparado. De fato, percebe-se que o art. 84, XII, da Constituição, fala expressamente na prerrogativa presidencial de “conceder indulto e comutar penas”, sem que os termos indulto ou comutação seja assim mencionados na vedação que se faz aos crimes hediondos ou equiparados no art. 5º, XLIII, da CF, no qual se fala apenas em “graça ou anistia”. Na mesma esteira, parte da doutrina já defendia a definição de comutação não como redução da pena, mas como a substituição da pena aplicada por uma nova37, permitindo inclusive a recusa por parte do condenado.

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal, p. 493 e ss.

36

Nesse sentido: MORAES, Railda Saraiva de. O poder de graça. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

37

335

Art. 192

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A posição do STF é contra esse entendimento: “A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o instituto da graça, previsto no art. 5.º, inc. XLIII, da Constituição Federal, engloba o indulto e a comutação da pena, estando a competência privativa do Presidente da República para a concessão desses benefícios limitada pela vedação estabelecida no referido dispositivo constitucional” (STF, HC 115.099/SP, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 19/02/2013). Por fim, entende o STJ que “para a concessão de indulto, é de se considerar a pena originalmente imposta ao apenado, não sendo computada a pena remanescente em decorrência de comutações anteriores” (STJ, AgRg no HC 454.365/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 07/02/2019).

192.2 Natureza declaratória da decisão concessiva de indulto ou comutação Apesar de o preenchimento das condições fixadas, por cada condenado, ser verificado pelo juízo de execução, a decisão deste é meramente declaratória, não podendo haver a criação ou exigência de requisitos não previstos no decreto. Pelo mesmo motivo, a data de publicação do decreto é a única data-base legítima de referência para aferição de todos os requisitos. Nesse sentido é ilegal a exigência, pelo juízo, de exame criminológico, se este não foi previsto expressamente no respectivo decreto presidencial (STF, HC 98422, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., j. 05/10/2010). Do mesmo modo, é ilegal negar indulto ou comutação por conta de falta grave praticada fora do período estabelecido pelo decreto (STJ, HC 266.280/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª T., j. 15/08/2013). Na mesma linha, o STJ veda interpretação extensiva ou ampliativa das restrições contidas nos decretos de indulto, como no exemplo: “Consoante a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, a interpretação extensiva das restrições contidas no decreto concessivo de comutação/indulto de penas consiste, nos termos do art. 84, XII, da Constituição Federal, em invasão à competência exclusiva do Presidente da República, motivo pelo qual, preenchidos os requisitos estabelecidos na norma legal, o benefício deve ser concedido por meio de sentença - a qual possui natureza meramente declaratória -, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade” (STJ, HC 529.025/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 17/12/2019). Os requisitos para o indulto podem ter caráter objetivo – como, por exemplo, o cumprimento de uma determinada fração da pena aplicada – ou subjetivo, referentes ao comportamento, aos antecedentes e à personalidade do condenado. 336

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Art. 192

Mas o cometimento de falta grave não impede, necessariamente, a concessão do indulto, mormente porque o requisito disciplinar deve ser valorado à época da publicação do decreto presidencial, e não posteriormente. Com efeito, deixar de conceder indulto ou comutação porque foi cometida falta grave – até mesmo a fuga – em data posterior ao decreto natalino viola os termos deste e configura bis in idem, na medida em que a respectiva falta disciplinar será levada em conta como obstáculo para o decreto natalino do ano seguinte. Ainda que o decreto de indulto coletivo não seja auto executável, ao juízo cabe apenas a verificação do preenchimento de condições já estabelecidas e a declaração de um direito já existente, declarando extinta a punibilidade ou reajustando a pena, no caso de comutação.

192.3 Indulto e efeitos secundários da condenação Entendeu o Superior Tribunal de Justiça, na Súmula 631/STJ, que o indulto alcança apenas os efeitos primários da condenação: “O indulto extingue os efeitos primários da condenação (pretensão executória), mas não atinge os efeitos secundários, penais ou extrapenais”. (Súmula 631, DJe 29/04/2019). Uma das principais consequências práticas desse entendimento é que o indultado seguirá sendo reincidente, pelo prazo legal, ou com maus antecedentes.

192.4 Discussão sobre a necessidade de homologação da falta grave ocorrer no período de doze meses anterior ao decreto de indulto coletivo O tema tem a seguinte posição do STF: “Cinge-se a controvérsia a determinar se a homologação judicial da aplicação de sanção por falta grave, para obstar a comutação de pena, necessariamente precisa se verificar no prazo de doze meses, contados retroativamente à data de publicação do decreto em questão, ou se é suficiente que a falta grave tenha sido praticada nesse interstício, ainda que a homologação judicial ocorra a posteriori. 3. Em face do próprio texto legal, de sua ratio, exige-se apenas que a falta grave tenha sido cometida no prazo em questão. 4. Com efeito, o art. 5º, caput, do Decreto nº 8.380/14, limita-se a impor a homologação judicial da aplicação da sanção por falta grave, não exigindo que ela tenha que se dar nos doze meses anteriores a sua publicação. Precedente. 5. Não bastasse isso, uma vez que se exige a realização de audiência de justificação, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa, não faria sentido que a homologação judicial devesse ocorrer dentro daquele prazo, sob pena de não haver tempo hábil para a apuração de eventual falta grave praticada em data próxima à publicação do decreto” (STF, RHC 133443, Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª T., j. 04/10/2016). 337

Art. 192

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192.5 Possibilidade de indulto em concurso de crimes O indulto recai sobre a pena – ou seja, sobre a punibilidade concreta rela­ tiva a determinado fato – e não sobre o condenado como autor. Para obter a pena total e proceder ao cálculo das frações exigidas, entende o STJ que importa a data do trânsito em julgado da condenação e não da juntada da guia de recolhimento: “Na análise do preenchimento do requisito objetivo para fins de concessão do benefício do indulto, devem ser consideradas todas as condenações com trânsito em julgado até a data da publicação do Decreto Presidencial, sendo indiferente o fato da juntada da guia de execução penal ocorrido em momento posterior à publicação do decreto” (STJ, AgRg no REsp 1792365/ES, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 04/02/2020). É possível que ele incida parcialmente nos casos de concurso material ou superveniência de nova condenação, quando apenas um dos crimes em questão tem a graça vedada. Por exemplo, é possível que o indulto incida sobre os crimes comuns cometidos em concurso ou cujas penas são executadas conjuntamente à pena decorrente de condenação por crime hediondo, excluindo-se a graça somente para este último. Decretos recentes estabeleceram a regra de exigência de cumprimento de ao menos 2/3 (dois terços) da pena correspondente ao crime impeditivo para que possa haver indulto ou comutação da pena correspondente ao crime comum. Trata-se de uma ficção jurídica criada justamente para possibilitar a aplicação do instituto, pois para o cômputo de pena efetivamente cumprida o condenado cumprirá primeiro a integralidade da pena mais grave (art. 76, CP) para só depois cumprir a pena passível de indulto.

192.6 Discussão sobre o alcance do indulto em casos de parcelamento da pena de multa Há precedente do STF no sentido de o indulto da pena privativa de liberdade não alcançar a pena de multa que está sendo paga parceladamente: “Execução Penal. Agravo Regimental. Indulto da pena privativa de liberdade. Impossibilidade de extensão à multa objeto de parcelamento. 1. O indulto da pena privativa de liberdade não alcança a pena de multa que tenha sido objeto de parcelamento espontaneamente assumido pelo sentenciado. 2. O acordo de pagamento parcelado da sanção pecuniária deve ser rigorosamente cumprido sob pena de descumprimento de decisão judicial, violação ao princípio da isonomia e da boa-fé objetiva. 3. Hipótese em que o requerente não comprovou impossibilidade econômica que justificasse o descumprimento do ajuste. 338

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Art. 192

4. Agravo regimental desprovido”. (STF, EP 11 IndCom-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 08/11/2017). No entanto, se o respectivo decreto que concede o indulto abranger a pena de multa, a interpretação em sentido contrário é inconstitucional porque viola a competência privativa da Presidência da República para conceder indulto e comutar penas (art. 84, XII, CF).

192.7 Controle judicial do decreto presidencial de indulto coletivo Em 2018, o Supremo Tribunal Federal suspendeu liminarmente e parcial­ mente os efeitos do Decreto nº. 9.246/2017, no bojo da Ação Direta de Inconsti­ tucionalidade nº. 5.874, ajuizada pelo Ministério Público Federal. Em decisão monocrática de 12 de março de 2018, argumentou-se que: “(...). O decreto de indulto não pode esvaziar a política criminal estabelecida pelo legislador, tornando os requisitos para a extinção da punibilidade consideravelmente mais brandos do que aqueles exigidos para o cumprimento adequado da pena. Violação à separação dos Poderes. Perdão da multa que também desatende os fins constitucionais a serem protegidos pela política criminal. Cumprimento deficiente dos deveres de proteção do Estado a diversos valores e bens jurídicos constitucionais que dependem da efetividade mínima do sistema penal. 5. Excesso de leniência que é particularmente grave no que diz respeito aos crimes de corrupção e correlatos. Necessária exclusão desses crimes do âmbito de incidência do indulto. (...)”. O STF invocou, portanto, possível incompatibilidade com os fins constitu­ cionais do indulto e violação do princípio da separação dos poderes. Ocorre que não há restrição constitucional a situações de natureza humanitária para concessão do indulto, não se podendo dizer que o indulto seria exclusivamente aquele humanitário. Ainda, o art. 84, XII, da Constituição, é claro em estabelecer a concessão de indulto e comutação de penas como competência privativa do Presidente da República, ensejando o questionamento se não é o próprio Poder Judiciário a violar o princípio da separação de poderes quando altera requisitos e parâmetros de um decreto presidencial. Em 9 de maio de 2019, no julgamento definitivo da ADI 5.874/DF, o Tribunal, por maioria, revogou a cautelar e julgou improcedente a ação direta, prevalecendo o entendimento pela constitucionalidade do Decreto nº. 9.246/2017.

339

Art. 193

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Art. 193  Se o sentenciado for beneficiado por indulto coletivo, o Juiz, de ofício, a requerimento do interessado, do Ministério Público, ou por iniciativa do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa, providenciará de acordo com o disposto

193.1 Reconhecimento judicial dos requisitos para indulto O reconhecimento do preenchimento das condições determinadas, com a consequente extensão dos efeitos do indulto, pode ocorrer (a) de ofício, pelo juiz; (b) por requerimento da Defensoria Pública ou do Ministério Público; (c) por requerimento do interessado ou quem o represente; (d) por iniciativa do Conse­ lho Penitenciário ou (e) da própria autoridade administrativa, providenciandose o anexo de cópia do decreto aos autos. Se o requerimento não foi formulado pela Defesa, o juiz deve ouvi-la antes de conceder ou negar o indulto (art. 112, §§ 1º e 2º, LEP). Vale observar que não há nada que impeça a concessão de indulto nos casos de sursis, livramento condicional ou de pena restritiva de direito, na medida em que em nenhum momento se restringe o instituto à pena privativa de liberdade ou à vigência de sua execução. Para o sursis e o livramento condicional, basta considerar a premissa de que o período de prova constitui cumprimento de pena: fora do cárcere, mas pena. O mesmo raciocínio vale para as penas restritivas de direitos, situação na qual a ausência de incompatibilidade é reforçada por uma questão lógica: não é possível que a imposição de sanção menos gravosa implique na menor fruição de determinados benefícios em comparação ao caso de imposição de sanção mais gravosa. Ora, se a pena restritiva de direitos é aplicada de forma substitutiva à pena privativa de liberdade, não é admissível que não possa o condenado, nesse caso, e desde que presentes os requisitos, fruir de benefícios decorrentes do exercício do poder de graça que incidirão sobre condenados a pena privativa de liberdade. De qualquer forma, é possível que o próprio decreto exclua a incidência da graça em algumas dessas hipóteses.

193.2 Indulto e execução provisória da pena A concessão de indulto sempre foi possível em sede de execução provisória, ou seja, havendo sentença condenatória não transitada em julgado. Evidentemente, a absolvição é mais benéfica que a extinção da punibilidade por tal via, não 340

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Art. 193

sendo este, porém, um óbice definitivo, mesmo porque a concessão não afasta o cabimento de revisão criminal. Todavia, o art. 11, II, do Decreto nº. 9.246/2017, que previa indulto na pendência de recurso da acusação, foi considerado inconstitucional em decisão monocrática do Ministro Roberto Barroso, em 12 de março de 2018, no bojo da ADI nº. 5.874.

193.3 Indulto e detração penal pelo período entre o decreto presidencial e a decisão que extingue a punibilidade Há precedente do Superior Tribunal de Justiça considerando que a concessão de indulto abrange o período temporal entre o decreto presidencial e a decisão concessiva. Ou seja, este lapso temporal não pode ser “aproveitado” pelo condenado como prisão cautelar cumprida em novo processo criminal, e descontado a título de detração na sentença condenatória. Nesse sentido: “RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM RAZÃO DE INDULTO PLENO. PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE A PUBLICAÇÃO DO DECRETO PRESIDENCIAL E A DECISÃO QUE CONCEDE O BENEFÍCIO NO CASO CONCRETO. DETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O instituto da detração não pode tangenciar o benefício do indulto porque, enquanto o período compreendido entre a publicação do Decreto Presidencial e a decisão que reconhece o indulto, decretando-se a extinção da punibilidade do agente, refere-se à uma prisão pena, a detração somente se opera em relação à medida cautelar, o que impede a sua aplicação no referido período. 2. Recurso especial a que se nega provimento” (STJ, REsp 1557408/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 16/02/2016, DJe 24/02/2016). Todavia, se a decisão é meramente declaratória, a concessão do indulto ocorre na data do decreto. E se há outra decisão decretando prisão preventiva ou temporária por novo delito, ainda que a prisão penal e a prisão processual se sobreponham no período compreendido entre o decreto presidencial e a decisão concessiva de indulto, não parece haver fundamento legal para se negar vigência ao art. 42 do Código Penal, que prevê a detração da prisão provisória.

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TÍTULO VIII

Do Procedimento Judicial Art. 194  O procedimento correspondente às situações previstas nesta Lei será judicial, desenvolvendo-se perante o Juízo da execução.

194.1 Procedimento judicial Por situações previstas nesta Lei, deve-se compreender inclusive aquelas atinentes ao sistema disciplinar, o qual não pode nem deve ser subtraído do controle jurisdicional quanto à legalidade dos atos administrativos. A execução penal é una e individualizada, atuando sobre o sujeito, havendo uma ou várias condenações. Não à toa, o processo de execução é regido por um único número de cadastro vinculado ao executado, reunindo todos os eventuais processos criminais e condenações referentes a fatos diversos.

Art. 195  O procedimento judicial iniciar-se-á de ofício, a requerimento do Ministério Público, do interessado, de quem o represente, de seu cônjuge, parente ou descendente, mediante proposta do Conselho Penitenciário, ou, ainda, da autoridade administrativa.

195.1 Início do procedimento judicial Experiências recentes demonstram que a informatização dos sistemas de execução penal é passo decisivo e imprescindível ao cumprimento e à celeridade no respeito aos direitos da execução penal. Para tanto, é também fundamental que os dados provenientes de diversas fontes sejam integrados em plataforma inteligente, capaz de ao mesmo tempo indicar informações sobre o andamento processual do processo de execução, mas também informações sobre o comportamento e sobre o local de prisão da pessoa. Por outro lado, redobra-se a necessidade de atenção da defesa técnica aos cálculos automaticamente realizados pelo sistema. Há controvérsias relevantes 342

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sobre qual fração incidir sobre o quantum de pena, sobre a data-base fixada para a progressão de regime e o livramento condicional, entre inúmeros outros aspectos. Não à toa, os pedidos de retificação de relatório ou atestado de penas são os mais importantes novos incidentes da execução penal, muitas vezes preliminares para que se possa ter reconhecido pelo sistema eletrônico o adimplemento do requisito objetivo dos direitos da execução.

Art. 196  A portaria ou petição será autuada ouvindo-se, em 3 (três) dias, o condenado e o Ministério Público, quando não figurem como requerentes da medida. § 1º Sendo desnecessária a produção de prova, o Juiz decidirá de plano, em igual prazo. § 2º Entendendo indispensável a realização de prova pericial ou oral, o Juiz a ordenará, decidindo após a produção daquela ou na audiência designada.

196.1 Procedimento na execução penal São muito simples as disposições legais sobre o procedimento judicial na execução penal, restringindo-se à definição de prazo de 3 (três) dias para oitiva do Ministério Público e do condenado, ou seja, da Defesa, quando não figurarem como requerentes. O prazo para a Defensoria Pública é contado em dobro. É de três dias também o prazo para decisão judicial. A informatização do processo deve trazer avanços no controle de prazos para o alcance de direitos da execução penal, o que pode ensejar maior celeridade no procedimento. O juízo da 1a Vara de Execução Penal de Curitiba, Paraná, por exemplo, venceu o 13º Prêmio Innovare, no ano de 2016, categoria Juiz, por conta de portaria que automatizou a concessão de progressão de regime, a partir da detecção, pelo processo eletrônico, do alcance do requisito objetivo e da inexistência de faltas graves. Esse é o resumo da boa prática: “O processo ocorre da seguinte forma: cinco dias antes do fim de alguma etapa do cumprimento da pena, promotor, defensor e juiz são avisados da data e realizam, pelo próprio sistema, todos os procedimentos e pesquisas necessários à liberação do apenado. Documentos exigidos para a concessão de um alvará de soltura ou de uma progressão de regime, como o atestado de bom comportamento carcerário e a manifestação do Ministério Público sobre o cabimento 343

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dessa liberação, são viabilizados e produzidos em tempo real, poupando tempo, além de recursos materiais e humanos. Havendo impugnação, a questão é decidida pelo juízo. Não havendo, a secretaria checa os dados e, confirmando-os, toma as medidas necessárias para que haja a concessão do benefício, no exato dia em que o sentenciado faz jus ao direito, sem atrasos”.38

196.2 Princípio da oralidade e audiências de justificação Embora o parágrafo segundo indique a produção de prova pericial ou oral somente se “indispensável”, diversos decretos presidenciais de indulto condicionam o impedimento do indulto ou comutação por falta grave à sua homologação judicial com audiência de justificação. Independentemente da previsão dos decretos, o princípio da oralidade deve ser homenageado e aplicado na execução penal, sendo muito importante que o controle judicial sobre o sistema disciplinar não prescinda da oitiva direta da pessoa presa, por meio das audiências de justificação.

Art. 197  Das decisões proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo.

197.1 Agravo em execução A lei prevê o recurso de agravo – sem efeito suspensivo – como modalidade única de impugnação de quaisquer decisões do juízo de execução, mas sem definir seu respectivo procedimento. É que, no mesmo período de elaboração da LEP, preconizava-se a inserção do agravo de instrumento no Código de Processo Penal, o que acabou por não ocorrer, deixando a questão em aberto acerca do rito a ser seguido. A lacuna produziu duas correntes na jurisprudência: (a) para a primeira, o correto seria a aplicação subsidiária dos dispositivos do CPP referentes ao recurso em sentido estrito (art. 581-592, CPP), com fulcro no art. 2º da LEP; e (b) para a segunda, melhor seria a aplicação analógica das regras concernentes ao agravo de instrumento do Código de Processo Civil, com fulcro no art. 3º do

Disponível em: http://www.premioinnovare.com.br/media/imprensa/4/download/pdf.

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CPP. Há diferenças relevantes quanto ao prazo e ao procedimento: por exemplo, na primeira hipótese o prazo é de cinco dias para interposição e de dois dias para apresentação das razões; já se aplicado o CPC, com a nova regulamentação, terse-ia prazo único de quinze dias. Embora sustentada por boa parte da doutrina, a aplicação do Código de Processo Civil não merece guarida em face dos próprios critérios tradicionais de interpretação: havendo dispositivo da própria LEP remetendo à interpretação analógica do Código de Processo Penal (art. 2º, LEP), não haveria razão para se defender a analogia com o Código de Processo Civil. É essa, inclusive, a posição prevalente no Supremo Tribunal Federal, que já editou a Súmula 700/STF segundo a qual “É de cinco dias o prazo para interposição de agravo contra decisão do juiz da execução penal”. A legitimidade para agravar é do Ministério Público, da Defesa ou do próprio condenado, que pode postular diretamente em juízo. Interposto o agravo por petição ou termo nos autos, deverá ser ouvido o Ministério Público, sob pena de nulidade. O princípio da fungibilidade recursal é aplicável: sendo assim, eventual interposição errônea de outro recurso, pelo condenado, pode ser conhecida como agravo em execução. Admitindo-se a utilização do rito do recurso em sentido estrito, há a possibilidade de juízo de retratação e o conseguinte efeito regressivo (art. 589, CPP). Nesse caso, reformando-se a própria decisão, o gravame resta invertido e a parte contrária é que poderá, então, recorrer “por simples petição”. Há uma hipótese excepcional em que se admite efeito suspensivo para o agravo em execução: no caso de impugnação, pelo Ministério Público, da expedição de ordem de desinternação ou liberação de indivíduo sujeito a medida de segurança (art. 179, LEP), na medida em que o texto legal fala na expedição da ordem apenas após o trânsito em julgado.Se a lei é específica quanto a esta hipótese, significa que não cabe pedir liminar ou tutela de urgência em outros casos, sem prejuízo da possibilidade de impetração de habeas corpus se o caso concreto indicar constrangimento ilegal apto a ensejar a ação constitucional. Sobre o tema, vale atentar à Súmula 604/STJ: “Mandado de segurança não se presta para atribuir efeito suspensivo a recurso criminal interposto pelo Ministério Público.”. O entendimento é aplicável ao Agravo em Execução interposto pelo Ministério Público.

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197.2 Outras opções de defesa na execução penal Embora a lei trate expressamente somente do agravo, há outras possibilidades de exercício do direito de defesa na execução penal. Primeiramente, se houver carência de motivação das decisões do juízo de execução, violando-se imperativo constitucional (art. 93, IX, CR), é essencial o devido manejo dos embargos de declaração, quando houver ponto obscuro, omisso, ambíguo ou contraditório. Mais controversa é a questão do cabimento de embargos infringentes nos casos de decisão colegiada não unânime: para o STF (HC 77.456, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 15/12/1998; HC 65.988, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 08/03/1989), acenase positivamente à possibilidade com fulcro no próprio rito do recurso em sentido estrito. Segundo entendimento diverso, adotado em precedentes no STJ (REsp 194.548/DF, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 02/03/1999), os embargos infringentes seriam cabíveis apenas nos casos de apelação e recurso em sentido estrito e não constituiriam, no caso, etapa necessária à interposição de eventual recurso especial ou extraordinário aos Tribunais Superiores, considerando-se inaplicável, no caso, a Súmula 207/STJ (“É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem”).

197.3 Descabimento de medidas coletivas visando cassar decisões favoráveis às pessoas presas A legislação é clara ao prever que o agravo é o recurso contra decisão do Juízo de Execução. Há um imperativo de individualização recursal, portanto, que não prejudica a possibilidade de impetração de habeas corpus coletivo, posto que este tem base constitucional e visa atacar atos de constrangimento ilegal que produzem violação coletiva de direitos, esteja ou não ligada a decisões do juízo de execução penal. Em outras palavras, o habeas corpus tem autonomia, com objeto e características próprias. Não se pode admitir, porém, que visando cassar um conjunto de decisões do Juízo de Execução Penal concedendo progressão de regime ou livramento condicional, busque-se “driblar” tanto a necessidade de individualização como a ausência de efeito suspensivo do Agravo em Execução por meio de ações cautelares com pedido liminar. No caso concreto tomado de exemplo, o Ministério Público do Paraná requereu ao Tribunal de Justiça do mesmo Estado a cassação simultânea de diversas decisões proferidas pelo Juízo de 1º grau em um mutirão carcerário, em uma espécie de “habeas corpus coletivo ao contrário”. Na ocasião, o TJPR concedeu 346

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Art. 197

liminar (TJPR, Medida Cautelar de Natureza Penal 0014271-95.2020.8.16.0000, março de 2020) “suspendendo a eficácia” de aproximadamente trinta decisões de soltura com base na situação decorrente da pandemia do novo Coronavírus. Discordamos da própria possiblidade de se admitir, contra o réu, medida coletiva sem previsão legal ou sequer regimental para fazer as vezes de recurso regularmente disciplinado pelo ordenamento jurídico, com consequências graves em termos de insegurança jurídica e efeitos sociais colaterais imensuráveis.

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Art. 198

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TÍTULO IX

Das Disposições Finais e Transitórias Art. 198  É defesa ao integrante dos órgãos da execução penal, e ao servidor, a divulgação de ocorrência que perturbe a segurança e a disciplina dos estabelecimentos, bem como exponha o preso à inconveniente notoriedade, durante o cumprimento da pena.

198.1 Proibição de divulgação de fatos ocorridos dentro do cárcere Em nome da segurança e da disciplina dos estabelecimentos, é vedado aos servidores e aos órgãos da execução penal divulgar determinadas ocorrências “que perturbem a segurança e a disciplina”. A vedação não deve servir como justificativa para a falta de transparência quanto a mortes e suicídios dentro das prisões, as quais devem ser, todas, devidamente averiguadas e comunicadas aos órgãos de execução penal.

199.1 Proibição de divulgação de fatos que exponham o preso a inconveniente notoriedade De outro lado, é também vedado divulgar a imagem do preso sem sua autorização.

Art. 199  O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal. (Regulamento)

199.1 Regulação do emprego de algemas por Súmula Vinculante Após diversos precedentes, o Supremo Tribunal Federal publicou, em 2008 a Súmula Vinculante nº. 11, que assim dispõe: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, 348

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Art. 200

por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

199.2 Regulação do emprego de algemas pelo Decreto 8.858, de 26 de setembro de 2016 Com o mesmo teor da Súmula Vinculante, o decreto a que fez referência o dispositivo legal foi publicado apenas em 2016 (nº. 8.858/2016).

199.3 Excepcionalidade absoluta do uso algemas nos pés (“marca-passo”) As diretrizes estabelecidas tornam de uso ainda mais excepcional o uso de algemas nos pés, chamados “marca-passos”, o qual deve ser justificado com rigor maior do que o uso de algemas nas mãos.

199.4 Vedação do uso de algemas em mulheres grávidas O art. 292, parágrafo único, do Código de Processo Penal, acrescido pela Lei 13.434, de 12 de abril de 2017, estabelece que: “É vedado o uso de algemas em mulheres grávidas durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como em mulheres durante o período de puerpério imediato”.

Art. 200  O condenado por crime político não está obrigado ao trabalho.

200.1 Não obrigatoriedade ao trabalho do condenado por crime político Crimes políticos não têm, a rigor, uma definição estrita pela Constituição, subentendendo-se serem aqueles previstos na Lei 7.170/83 (crimes contra a segurança nacional), com disposições específicas na legislação penal.

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Art. 201

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Art. 201  Na falta de estabelecimento adequado, o cumprimento da prisão civil e da prisão administrativa se efetivará em seção especial da Cadeia Pública.

201.1 Sobre a prisão civil do devedor de alimentos Única hipótese de prisão civil, a custódia do devedor de alimentos “será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns”, seguindo a regra do art. 528, §4º, do Código de Processo Civil. A previsão de separação é coerente à regra da LEP, caso não haja estabelecimento específico para este fim.

Art. 202  Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.

202.1 Direito de silêncio nas certidões É garantido o sigilo em relação aos registros do processo e da condenação, mas a ela não se restringindo (art. 93, CP), na medida em que pode visar outros efeitos complementares à pena principal.

Art. 203  No prazo de 6 (seis) meses, a contar da publicação desta Lei, serão editadas as normas complementares ou regulamentares, neces­ sárias à eficácia dos dispositivos não auto-aplicáveis. § 1º Dentro do mesmo prazo deverão as Unidades Federativas, em convênio com o Ministério da Justiça, projetar a adaptação, construção e equipamento de estabelecimentos e serviços penais previstos nesta Lei. § 2º Também, no mesmo prazo, deverá ser providenciada a aquisição ou desapropriação de prédios para instalação de casas de albergados. 350

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Art. 204

§ 3º O prazo a que se refere o caput deste artigo poderá ser ampliado, por ato do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, mediante justificada solicitação, instruída com os projetos de reforma ou de construção de estabelecimentos. § 4º O descumprimento injustificado dos deveres estabelecidos para as Unidades Federativas implicará na suspensão de qualquer ajuda finan­ ceira a elas destinada pela União, para atender às despesas de execução das penas e medidas de segurança. Art. 204  Esta Lei entra em vigor concomitantemente com a lei de reforma da Parte Geral do Código Penal, revogadas as disposições em contrário, especialmente a Lei nº 3.274, de 2 de outubro de 1957.

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