Código Civil comentado
 8502196286, 9788502196285

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CODIGO CIVIL comentado

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CODIGO CIVIL comentado R i c a r d o

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coordenador até a 5- edição

9a edição 2013 De acordo com a Lei n. 12.607/2012, a ADPF132 e a ADI 4.277

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OP Saraiva

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ISBN 978-85-02-19630-8

S a ra iv a

Ruo Hernqje Schounonn, 270, Ceqoeiro César — Sõo P d jIo — SP CEP 0S413-909 PABX: (1 1 )3 6 1 3 3000 SACKR 0800 055 7688 De 2? o 6?, dos 8:30 os 19:30 [email protected] Acesse: M w.soroiwjur.corn.bf

Código Civil comentado/coordenadora Regina Bcjtriz lavarc»da Silva. — 9. cd .d c acordo com a I-ei n. 12.607/2012, a A D P F 132 c a AD I 4 .2 7 7 - Sáo Paulo : Saraiva, 2013. Vário» autores. Bibliografia.

FILIAIS AMAZONAS/SONOÔKlVTORAIMVAaE í u j Cesíc k ie * d o , Só - Certo

I. D ireito civil - L cg islaçio - Brasil I. Tavares da Silva, Regina Beatriz. C D U -3 4 7 (8 1 ) (0 9 4 .4 6 )

fone: (92) 36334227 - f o c (92) 363S4782 - V e ro s lAM VSEtGIPE í u j Açnpiro Ctoec, 23 - Brorcs fooe: (71) 3381-5854 / 3381-5895 fo c (71) 3381-09S9—SoFvodor BAU KU (SÃO PAU10) i x V erserfcr Cfcro, 2-55/2-57 - Certo fone: (14) 3234-5643 - f o c (14) 3234-7401 - B o r.

índices poro cotdlogo sisíem ófko: 1. Brasil : Código C ivil com entado

3 4 7 (8 1 ) (0 9 4 .4 6 )

2 . Código C iv il com entado : Brasil

3 4 7 (8 1 ) (0 9 4 .4 6 )

iíijJ m u im m m k i fibm ero Gomes, 670 - Jocoreccrçc fone: (85) 32382323 / 3238-1384 fo c (85) 3238-1331 -fo n c te íc OISTKITO FEOEMi SW /Slít h d o 2 loee 850 - Seior de Ird is tio e tócsseónerto fone: (61) 3344-2920 / 3344-2951 fo c (61) 3344-1709- t e l c GOIÁS/TOÜNTIKS k i tàepcrdéncic. 5 3 3 0 -S t# A e w p c n j fone: (62) 32 25-2882 /3 212 -28 06 fo c (62) 3 2 2 4 -3 0 1 6 - f ó i r é MAIO GtOSSO 0 0 5UI/MAT0 GtOSSO Kuo 14 de JcKo, 3148 — Certo fone: (67) 3382-3682 - f o c (67) 3 3 8 2 0 1 1 2 - Ccmpo Grade MIKASGEKAIS t e Wóm Paobc. 4 4 9 - b g o ir f o fone: (31) 3429-8300— f o c (31) 3 4 2 9 8 3 1 0 - M o Hari/orie p a íà / am a ? á

Ircvessc Apéccés. 186 - Bctistt Compos fone: (91) 3222-9034 / 3224-9038 fo c (91) 3241-0499 - Bdém paran A / santa

CAUU KA CcrseFtfo lo u rd o , 2895 - Prodo Veto fo n e /fo c (41) 3332-4894- C ir tb o èlo

Diretor editoriol Luiz Roberto Curio Gerente de produçõo editoriol UgíoAhes Editora Jhois de Comorgo Rodrigues Produtora editorial Oorisso Boroschi Mario Preporoçôo de originois Mono Izobel Barreiros Bitencourt Bresson Uono Goréo Brito Cctenocci MoriodelourdesAppcs Projeto grófko M ô n a lo n i Arte e diogromoçôo Cretino Aparecido Agudo de freitos SônodePwoümo Revisão de provas Rito de Cássio Queiroz Gorgoti Denise Pisonesd» SetsukoArdd Serviços editoriais Morio Cedo Coutinho Mortins EJoine Cristino do S fo Copo Estúdio Bogori Produção gráfica MoriiRompim

PElHAMBUCO/PAjüÜIA/R- G. 0 0 NORTE/ALAGOAS ítxC oceóordo&spo, 185 — Boo Visic fone: (81) 3421-4246- f o c (81) 342 M 5 1 0 - Zecife KIIEIRÀO P ín O (SÃO PAÜIO) k i f rarcsco Arqueiro, 1255 - C e rtt fone: (16) 36105843 - Foc (16) 36108284 - t t e r i o Pm s 110 OEJAKElRO/ESPiWTO SANTO í u i Visconde de Sorsc b c M , 113 o 119 - Yto Isobd

D ata d e fe c h a m e n to da e d iç ã o : 1 3 -3 -2 0 1 3

fone: (21) 2577-9494 - Foc (21) 25778867 / 2577-9565 - t o de ) o w o 110 GKANOE 00 SUl k i A. J. terner, 231 - fonepas fo n e /fo c (51) 3371-4001 /3 3 7 1 -1 4 6 7 /3 3 7 I-1 5 6 7

D ú v id a s ? A c e s s e w w w .s a r a iv a ju r .c o m .b r

PortjAleçie SÃO PAULO Av. J rtrtic c , 92 - Borre ftndc fone: PJL5X (11) 3 6 1 6 -3 6 6 6 -Sõo P a b

196.837.D09.001

237919

Nenhum a parte desta pu blicaçáo poderá ser reproduzida por qualquer m eio ou forma sem a prévia au tori/açáo da Kditora Saraiva. A violaçáo dos direitos autorais 6 crim e estab elecid o na Lei n. 9 .6 1 0 /9 8 c punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Agradeço Aos coautores destes comentários ao Código Civil, Alexandre Guedes A. Assunçào, Carlos Alberto Dabus Maluf, Joel Dias Figueira Jr., Jones Figueiredo Alves, Maria Helena Diniz, Mário Luiz Delgado, Newton De Lucca, Ricardo Fiuza e Zeno Veloso, que possibilitaram o nascimento e o constante aperfeiçoamento desta obra, cujos incansáveis esforços sào renovados a cada ediçào e retratam a dedicação que têm ao Direito Civil. A meu marido, Manoel Luiz Antunes Salgado, que, desde a Ia ediçào desta obra, apoia-me com demonstrações de companheirismo, cuidado e muito amor. A meu filho, Luís Eduardo Tavares dos Santos, que compreende a importância do Direito em nossas vidas. Aos advogados, às advogadas, aos estagiários e às estagiárias que integram o escritório Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados, por revelarem as necessidades que um Código Civil com entado deve suprir em suas consultas diárias. A André Fernando Reusing Namorato, que, com seus dons e dotes acadêmicos, contribuiu na revisào formal desta 9a ediçào. A Deus, pela fé que tenho. Regina Beatriz Tavares da Silva

Coordenadora

QUALIFICAÇÕES DOS AUTORES ALEXANDRE GUEDES ALCOFORADO ASSUNÇÀO Desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Assessor da Relatoria Geral da Comissão Especial do Código Civil da Câmara dos Deputados. Sugestões realizadas no Projeto de Lei n. 6.960/2002, atual Projeto de Lei n. 699/2011. Coordenador de Comunicação Social da Escola Superior da Magistratura de Pernambuco — ESMAPE. Diretor Cultural do Instituto Brasileiro do Direito de Família de Pernambuco— IBDFAM-PE. Professor Emérito da Escola Superior de Advocacia de Pernambuco — Prof. Ruy Antunes, da OAB-PE. CARLOS ALBERTO DABUS MALUF Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP. Mestre, Doutor e Livre-Docente de Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Assessor da Relatoria Geral da Comissão Especial do Código Civil da Câmara dos Deputados. Sugestões realizadas no Projeto de Lei n. 6.960/2002, atual Projeto de Lei n. 699/2011. Conselheiro do Instituto dos Advogados de Sào Paulo. Advogado. JOEL DIAS FIGUEIRA JR. Pós-Doutor em Direito Processual Civil pela Università degli Studi di Firenze — Itália. Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela PUCSP. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Università degli Studi di Milano — Itália. Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil. Membro do Instituto Ibero-americano de Direito Processual e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro do Conselho Diretor da Revista Genesis de Direito Processual Civil e do Conselho Editorial da Revista Bonijuris. Professor convidado dos Cursos de Pós-Graduaçào em Direito Processual Civil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Academia Judicial do TJSC e Escola Superior da Magistratura-SC. Assessor da Relatoria Geral da Comissão Especial do Código Civil da Câmara dos Deputados. Sugestões realizadas no Projeto de Lei n. 6.960/2002, atual Projeto de Lei n. 699/2011. Autor de obras jurídicas, além de artigos científicos publicados em revistas de circulação nacional e internacional. JONES FIGUEIREDO ALVES Desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco, onde integra a Corte Especial, preside a 4â Câmara Cível e o 2o Grupo de Câmaras Cíveis. Diretor da Escola Superior da Magistratura de Pernambuco — ESMAPE. Assessor da Relatoria Geral da Comissão Especial do Código Civil da Câmara dos Deputados, tendo-lhe sido concedida, pelos relevantes serv iço s prestados, a “Medalha Mérito Legislativo Câmara dos Deputados”, em 28 de novembro de 2001. Sugestões realizadas no Projeto de Lei n. 6.960/2002, atual Projeto de Lei n. 699/2011. É presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família — IBDFAM, Secçào Pernambuco. Coordenador do Centro Integrado de Cidadania — CIC, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, experiência-modelo de justiça

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Qualificações dos Autores

comunitária. Participou de Curso de Administração Judiciária na Universidade de Athens (Geórgia — Estados Unidos) e de Curso-Treinamento em Direito da Informática, na Alemanha, a convite da Fundação Konrad Adenauer. Integrou missào humanitária da ONU para contribuição judiciária à administração da Justiça de Moçambique, na África, junto ao Centro de Formação Jurídica e Judiciária do Tribunal Supremo daquele país. MARIA HELENA D1NIZ Titular de Direito Civil da PUCSP. Professora de Direito Civil Comparado, de Teoria Geral do Direito, de Filosofia do Direito e Coordenadora do Núcleo de Pesquisa de Direito Civil Comparado nos Cursos de Pós-Graduação em Direito da PUCSP. Sugestões realizadas no Projeto de Lei n. 6.960/2002, atual Projeto de Lei n. 699/2011. MÁRIO LUIZ DELGADO RÉGIS Doutor em Direito Civil na Universidade de Sào Paulo. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Assessor na Câmara dos Deputados, da Relatoria Geral do Projeto de Lei que deu origem ao Código Civil. Sugestões realizadas no Projeto de Lei n. 6.960/2002, atual Projeto de Lei n. 699/2011. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Professor de Direito Civil em cursos de pós-graduação. Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo — 1ASP, do Instituto de Direito Comparado Luso-brasileiro — IDCLB, do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados — CESA e do Instituto Brasileiro de Direito de Família — IBDFAM. NEWTON DE LUCCA Professor Titular de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Professor do Corpo Permanente da Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Desembargador Federal Presidente do Tribunal Regional Federal da 3®Região (biênio 2012/2014). Membro da Academia Paulista de Magistrados (APM). Membro da Academia Paulista de Direito. REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA Pós-Doutoranda em Direito da Bioética pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa — Portugal. Doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Assessora da Relatoria Geral da Comissão Especial do Código Civil da Câmara dos Deputados. Sugestões realizadas no Projeto de Lei n. 6.960/2002, atual Projeto de Lei n. 699/2011. Conselheira do Instituto dos Advogados de Sào Paulo. Membro da Associação dos Advogados de Sào Paulo e do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais. Coordenadora e Professora dos Cursos de Pós-Graduação lato sensu em Responsabilidade Civil da Direito-GV (GVlaw) na Fundação Getulio Vargas. Coordenadora e Professora do Curso de Especialização em Direito de Família e das Sucessões na Escola Superior de Advocacia — OAB/SP. Advogada. RICARDO F1UZA Deputado Federal. Relator-Geral do Novo Código Civil Brasileiro na Câmara dos Deputados. Advogado.

Qualificações dos Autores

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ZENO VELOSO Professor de Direito Civil da Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor de Direito Civil e de Direito Constitucional Aplicado da Universidade da Amazônia. Notório Saber reconhecido pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Doutor Honoris Causa da Universidade da Amazônia. Assessor da Relatoria Geral da Comissão Especial do Código Civil da Câmara dos Deputados. Sugestões realizadas no Projeto de Lei n. 6.960/2002, atual Projeto de Lei n. 699/2011. Diretor do Instituto Brasileiro de Direito de Família — 1BDFAM. Membro da Academia Paraense de Letras, da Academia Paraense de Letras Jurídicas e da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.

À llsinha, Elizabeth, Tereza, Ricardo e Roberto, os maiores prejudicados pela minha irresistível vocação pública e dedicação ao meu país. À memória de Josaphat Marinho, Ernani Satyro, Djalma Marinho, Synval Guazzelli, Torquato de Castro, Clovis do Couto e Silva, Sylvio Marcondes e Agostinho de Arruda Alvim. Ao Professor Miguel Reale e ao Ministro José Carlos Moreira Alves, dotados de alto espírito de colaboração e desprendimento, inexcedíveis em dedicação e paciência nos longos debates com o relator-geral e sem os quais teria sido impossível fazer um Código Civil à altura do Brasil. Aos meus colegas, Deputado João Castelo, que tão eficientemente presidiu a co­ missão especial responsável pela finalização do novo Código, e Deputado Michel Temer, então Presidente da Câmara Federal, pelo apoio indispensável à conclusão do longo processo legislativo. Aos senhores relatores setoriais, Deputados Bonifácio de Andrada, Vicente Arruda, José Roberto Batochio, Luiz Antonio Fleury e Antônio Carlos Biscaia, corresponsáveis pela finalização dessa grande obra. Meu especial agradecimento aos coautores deste livro, Alexandre Assunçào, Carlos Alberto Dabus Maluf, Joel Dias Figueira Jr., Jones Figueiredo Alves, Maria Helena Diniz, Mário Delgado, Regina Beatriz Tavares da Silva e Zeno Veloso, e ainda ao Professor An­ tonio Luiz de Toledo Pinto, diretor editorial jurídico da Editora Saraiva, pelas preciosas sugestões oferecidas e que resultaram no notável aperfeiçoamento do texto. Finalmente, à Professora Regina Beatriz Tavares da Silva, a quem destaco especial­ mente por sua incansável dedicação em todas as fases do presente livro e a quem con­ sidero verdadeira subcoordenadora* da obra, em face de sua insuperável colaboração.

Ricardo Fiuza

* Nota do editor: esta referência foi feita pelo então coordenador da obra na ocasião de sua l s edição, no ano de 2002. Regina Beatriz Tavares da Silva é coordenadora da atual edição.

INDICADOR GERAL Qualificações dos Autores......................................................................................................

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Nota à 9a ed içào ..........................................................................................................................

15

Nota à 8a ed içào ..........................................................................................................................

17

Nota à 7a ed içào ..........................................................................................................................

19

Nota à 6a ed içào ..........................................................................................................................

21

Nota à Ia ed içào ..........................................................................................................................

23

Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 — Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Antiga LICC — Lei de Introdução ao Código C ivil)

37

índice dos com entários............................................................................................................

61

índice sistemático do Código Civil.......................................................................................

63

Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 — Institui o Código Civil..................................

75

Bibliografia .................................................................................................................................

1973

índice alfabético-remissivo do Código C ivil.....................................................................

1991

NOTA À 9* EDIÇÃO* A evolução constante do Direito Civil exigiu ampla revisão e atualização desta obra. Seus comentários, destacados em tópicos, receberam relevantes aprim oram entos nesta edição. Legislação, Doutrina e Enunciados das Jornadas de Direito Civil (CJF) atualizados, Súmulas e Julgados incluídos com as mais recentes decisões de nossos Tribunais e Direito Projetado renovado, esse é o conteúdo desta 9* edição do C ódigo C ivil co m e n ta do . Missão cumprida! R egina B e a triz Tavares da S ilva

* Elaborada pela Professora Doutora Regina Beatriz Tavares da Silva, coordenadora desta obra desde a sua 6* edição.

NOTA À 8® EDIÇÃO* Nesta 8* ediçào do C ódigo C iv il co m e n ta d o foi feita a com pleta revisão da obra, tendo em vista a legislação vigente, no plano constitucional e infraconstitucional, e o atual direito projetado, com a ampliação dos com entários doutrinários e a atualização dos tópicos referentes às súmulas e aos julgados. Sempre com o fito de oferecer subsídios atualizados, consta desta edição a interpretação do Código Civil diante da Emenda Constitucional n. 66/2010, que modificou o art. 226, § 6 o, da Consti­ tuição Federal, e suprimiu os prazos de um ano de separação judicial e de dois anos de separação de fato no divórcio. Essa análise é realizada nos arts. 1.571 e seguintes. Esta 8* edição contem pla tam bém as recentes modificações de artigos do Código Civil. Assim, desta edição constam a alteração do inciso II do art. 1.641, aum entando para 70 (setenta) anos a idade a partir da qual se torna obrigatório o regime da separação de bens no casamento (Lei n. 12.344, de 9 de dezembro de 2010), a alteração do art. 1.061, segundo a qual não é mais necessária a previ­ são contratual expressa para a designação de administradores não sócios (Lei n. 12.375, de 30 de dezembro de 2010), a inserção do parágrafo único no art. 1.589, sobre o direito de visitas dos avós (Lei n. 12.398, de 28 de março de 2011), a inclusão do § 3® no art. 974, sobre o registro de contratos e alterações contratuais de sociedade que seja integrada por sócio incapaz (Lei n. 12.399, de 1® de abril de 2011), o acréscimo do art. 1.240-A , sobre a usucapião em razão do abandono do domicílio fam iliar pelo cônjuge ou com panheiro (Lei n. 12.424, de 16 de junho de 2011), o acréscimo do inciso VI ao art. 4 4 e do art. 9 8 0-A , e a alteração do parágrafo único do art. 1.033, com a inovação das empresas unipessoais de responsabilidade lim itada (Lei n. 12.441, de 11 de julho de 2011), e, ainda, o acréscimo dos §§ 4® e 5® ao art. 968, que estabeleceram trâm ite especial e simplificado para o pro­ cesso de abertura, registro, alteração e baixa do microempreendedor individual (Lei n. 12.470, de 31 de agosto de 2011). Também consta desta ediçào a Lei n. 12.376, de 30 de dezembro de 2010, que alterou a em en­ ta da LICC - Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n. 4.657/42) - , nos seguintes termos: "Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro". Quanto ao direito projetado, conform e notas às edições anteriores, tram itou no Congresso Nacional, tendo em vista o aperfeiçoam ento do Código Civil, o Projeto de Lei n. 6 .960/2001, de au­ toria do Deputado Ricardo Fiuza, que acolheu as sugestões feitas pela mesma Comissão de Profes­ sores que propôs as emendas incorporadas no Código Civil vigente; esses Professores participam desta obra. Esse projeto de lei, nos term os do art. 105 do Regimento Interno da Câmara dos Depu­ tados, foi arquivado, tendo sido reapresentado na anterior legislatura sob o n. 27 6/2 0 0 7, igualm en­ te arquivado com base no mesmo dispositivo regim ental. Na data da revisão desta 8* edição, tram i­ ta na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 699/2011, apresentado em 15 de março de 2011, de autoria do Deputado Arnaldo Faria de Sá, com o acolhim ento das propostas legislativas que consta­ vam dos projetos anteriores, com vistas ao aprim oram ento do Código Civil. 0 direito projetado é citado em tópicos destacados nesta 8* edição. R egina B e a triz Tavares da S ilva

* Elaborada pela Professora Doutora Regina Beatriz Tavares da Silva, coordenadora desta obra desde a sua 6* edição.

NOTA À 7“ EDIÇÃO* Nesta 7* edição do C ódigo C iv il co m e n ta do , nosso m aior em penho voltou-se à pesquisa jurisprudeneial, eom expressiva ampliação nas citações de julgados que possam trazer subsídios aos profissionais e aos estudantes de Direito em seus trabalhos e estudos jurídicos. Os julgados, assim como as interpretações dos enunciados do Conselho da Justiça Federal e o direito projetado, estão citados em tópicos destacados, logo após os comentários doutrinários, sendo de fácil localização. As modificações legislativas, realizadas no Código Civil e em legislação extravagante, tam bém receberam a devida atenção e os comentários dos doutrinadores que participam desta obra. Os autores destes comentários ao Código Civil, que tan to estudaram este diploma legal em seu nascimento, continuam a oferecer, nesta 7* edição, seus melhores esforços para trazer ao público as interpretações mais recentes, reveladas na doutrina e nos julgados de nossos Tribunais. Nossa m eta de oferecer ao leitor em cada nova edição a revisão e am pliação desta obra, com as alterações legislativas, a jurisprudência atualizada e cuidadosos comentários doutrinários, está sendo cumprida. R egina B e a triz Tavares da S ilva

* Elaborada pela Professora Doutora Regina Beatriz Tavares da Silva, coordenadora desta obra desde a sua 6* edição.

NOTA À 6® EDIÇÃO* Dedico-m e aos estudos do Projeto deste Código Civil desde m inha Pós-Graduação na USP Universidade de São Paulo em nível de Mestrado e Doutorado, durante as décadas de 1980 e 1990, com sugestões legislativas realizadas em obras então publicadas, enviadas ao Congresso Nacional, em parte aceitas no Senado Federal, quando a sua relatoria cabia ao Senador Josaphat Marinho. Após o retorno do Projeto de Código Civil à Câmara dos Deputados, quando se ouvia que esse Projeto jam ais entraria em vigor e que deveria ser realizado um novo texto projetado, porque o co­ nhecia profundam ente, desde a sua origem, tão bem elaborado que foi por renomados juristas, dentre os quais o M inistro Moreira Alves e o saudoso Clóvis do Couto e Silva, com a supervisão pri­ morosa do Professor Miguel Reale, debrucei-m e sobre as emendas propostas e enviei ao Relator-Geral - Deputado Ricardo Fiuza - minhas sugestões, atenta às limitações regimentais do Congres­ so Nacional. Fui, então, procurada pelo Relator-Geral, que convidei para evento realizado na Faculdade de Direito da FAAP - Fundação Arm ando Álvares Penteado - que projetei e coordenava na época. Presentes o Deputado Ricardo Fiuza, acompanhado pelo Advogado e Assessor Parlamentar M ário Luiz Delgado, pelo Desembargador Jones Figueiredo Alves e pelo Magistrado Alexandre Guedes Alcoforado Assunção, verificou-se a necessidade de m odificação do Regimento do Congresso Nacional, para possibilitar alterações no Projeto de Código Civil, mais amplas do que aquelas até então permitidas nessa fase do processo legislativo, de modo a alcançar todas as leis que tivessem entrado em vigor durante a sua tram itação, o que foi possível em razão da aprovação da Resolução n. 1/2000. No entanto, as alterações ainda estariam limitadas, surgindo, naquela ocasião, a ideia de ela­ boração de Projeto de Lei com vistas ao aperfeiçoam ento do Projeto de Código Civil, que se espera­ va ser aprovado antes da entrada em vigor do novo Diploma Civil. Dr. Antonio Luiz de Toledo Pinto - Diretor Editorial Jurídico da Editora Saraiva - , que tam bém convidei para o evento, abraçou prontam ente a ideia de edição deste Código Civil comentado, com a reunião de juristas que comen­ tassem o Projeto de Código Civil, realizando suas sugestões para a form ação daquele outro Projeto de Lei. 0 Deputado Ricardo Fiuza atribuiu-m e a tarefa de reunir os Doutrinadores, quando convidei a Professora Doutora M aria Flelena Diniz, o Professor Doutor Carlos Alberto Dabus M aluf, o Professor Doutor Joel Dias Figueira Júnior e o Professor Zeno Veloso, que, com o Deputado Ricardo Fiuza, o Magistrado Alexandre Guedes Alcoforado Assunção, o Desembargador Jones Figueiredo Alves e o Advogado M ário Luiz Delgado, tendo a m inha participação, em poucos meses, após reuniões em Sào Paulo, Pernambuco e Brasília, nas quais estiveram presentes, com relevantes colaborações, o Dr. A ntonio Luiz de Toledo Pinto e o Dr. Luiz Roberto Curia, ambos membros da Editora Saraiva, realiza­ ram seus comentários ao Projeto de Código Civil, suas sugestões de emendas, para sua adequação às alterações constitucionais e legais promulgadas desde o inicio da sua tram itação conform e a Reso­ lução n. 1/2000, e suas sugestões para a elaboração do Projeto de Lei n. 6.960/2002.

* Elaborada pela Professora Doutora Regina Beatriz Tavares da Silva, coordenadora desta obra desde a sua 6* edição.

22

Nota à 6^ edição

0 plano ideal era de que esse Projeto de Lei n. 6 .960/2002, apresentado pelo Deputado Ricar­ do Fiuza, fosse votado antes da entrada em vigor do Código Civil, ocorrida em 11 de janeiro de 2003, já que ali estavam as alterações que nâo podiam ser realizadas no projeto de Código Civil, em face das limitações regimentais, mesmo amainadas pela Resolução n. 1/2000. Esse ideal nâo foi concretizado, mas o Projeto de Lei n. 6.960/2002 continua em tram itação, agora com o número 27 6/2 0 0 7, sob a relatoria do Deputado Léo Alcântara. Os comentários ao Código Civil constantes desta obra foram os primeiros a ser editados de form a completa, graças ao esforço de seus coautores e à atenção especialissima da Editora Saraiva. Cinco edições, várias tiragens, e, agora, esta 6» edição conta com a participação inestimável do Professor Doutor New ton De Lucca, no Livro do Direito de Empresa e nas Disposições Transitórias, e traz comentários da Professora Doutora M aria Helena Diniz e do Professor Zeno Veloso à Lei de In­ trodução ao Código Civil. Esta 6* edição foi to talm en te revista e am pliada, em todos os seus Livros, com atenção às in­ terpretações do Conselho da Justiça Federal e citações de Julgados sobre os artigos mais relevantes, que estão destacadas e são de fácil localização no texto, contando com o atencioso auxilio da Dra. M anuella Santos, dentre outros membros da Editora Saraiva. Dá-se quando o Código Civil com ple­ tará cinco anos de vigência, sendo efetivam ente nova, com especial destaque aos dispositivos de lei que geram as maiores polêmicas. Espero que os leitores - Estudantes de Direito, Advogados, Mem bros do Poder Judiciário e do M inistério Público e Professores de Direito - possam aproveitar esta obra, resultado do empenho de seus coautores, não só em seu nascedouro, mas, tam bém , nos trabalhos de revisão e ampliação des­ ta 6* edição. R egina B e a triz Tavares da S ilva

NOTA À 1® EDIÇÃO* Nào foram fáceis esses dois anos e meio dedicados quase exclusivamente à tarefa de relatar o Código Civil. Imaginava que as dificuldades principais adviriam de sua longa tram itação na Câmara e no Senado, quase trinta anos, tendo sido o Diploma já votado em ambas as Casas. Caberia, portan­ to, ao relator da Casa, que o enviaria à sanção, apreciar tão somente as emendas do Senado, aprovando-as ou rejeitando-as. Lam entavelm ente confirm ei esse receio antes de iniciar os trabalhos da Comissão encarre­ gada de aprovar nosso relatório, após exaustiva leitura de todos os artigos, anotando prelim inar­ m ente o que me parecia inconstitucional, defasado ou em contradição com a legislação ordinária editada durante a tram itação do Código. Fui tom ado de verdadeiro desânimo em face da impos­ sibilidade de aprofundar o trabalho, por constituirm os um sistema bicam eral, o que significa dizer que os artigos já aprovados pela Câmara e nào em endados pelo Senado não poderiam retornar à Câmara para nova votação. 0 Código seria encam inhado à sanção presidencial após tão somente aprovadas ou rejeitadas as emendas do Senado, o que nem de longe seria suficiente para sua atualização. Diante desse fa to concreto, só me restavam duas alternativas: não a c e ita ra relatoria, pois não pretendia apor m inha assinatura em um trabalho absolutam ente incom pleto e que seria objeto das mais ácidas e procedentes criticas da sociedade, ou propor aos Presidentes da Câmara e do Senado um a hábil e legal mudança no Regim ento Interno do Congresso Nacional, que, sem a fro n ta r as votações ocorridas, m uito menos o ordenam ento m aior das Casas e a própria Consti­ tuição, perm itisse-m e, com o relator, atualizar o texto então encam inhado. Longas foram as reuniões que empreendi para negociação com as assessorias técnicas das Mesas da Câmara e do Senado, como tam bém com os Presidentes das respectivas Casas. Destes últimos recebi todo o estim ulo e a demonstração de sua concordância da form a mais consciente possível. Com o apoio do Deputado João Castelo - Presidente da Comissão especial destinada a apreciar e proferir parecer sobre as emendas do Senado Federal ao Projeto de Lei n. 6 3 4/75, do Poder Execu­ tivo, que "institui o Código Civil" - , incansável batalhador, aliado inestimável por seu estímulo e permanente cobrança, redigimos e conseguimos então aprovar a Resolução n. 1/2000 - CN, que alterou a Resolução n. 1/70 - CN, que dispõe sobre o regim ento comum do Congresso Nacional, estabelecendo expressamente o seguinte: "Art. 139-A . 0 projeto de código em tram itação no Congresso Nacional há mais de três legis­ laturas, será, antes de sua discussão final na Casa que o encam inhará à sanção, submetido a uma revisão para a sua adequação às alterações constitucionais e legais promulgadas desde sua apresen­ tação. § I o O re la to r do p ro je to n a Casa em que se fin a liz a r sua tra m ita ç ã o no C ongresso N a cio n a l, a n te s de a p re se n ta r p e ra n te a Com issão re spectiva seu parecer, e n c a m in h a rá a o p re sid e n te da Casa re la tó rio a p o n ta n d o as a lte ra çõ e s necessárias p a ra a tu a liz a r o te x to do p ro je to em fa ce das a lte ­ rações le g a is a p ro va da s d u ra n te o cu rso de sua tra m ita ç ã o .

* Elaborada por Ricardo Fiuza, Deputado Federal e Rclator-Geral d o Código Civil.

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§ 2 o 0 relatório mencionado no § I o será encaminhado pelo Presidente à outra Casa do Con­ gresso Nacional, que o submeterá á respectiva Comissão de Constituição e Justiça. § 3 o A Comissão, no prazo de 5 (cinco) dias, oferecerá parecer sobre a m atéria, que se lim ita rá a v e rific a r se as a lte ra çõ e s p ro p o s ta s re s trin g e m -se a promover a necessária atualização na form a do § 1«. § 4o 0 parecer da Comissão será apreciado em plenário no prazo de 5 (cinco) dias, com prefe­ rência sobre as demais proposições, vedadas emendas ou modificações. § 58 Votado o parecer, será feita a devida comunicação à Casa em que se encontra o projeto de código para o prosseguimento de sua tram itação regim ental, incorporadas as alterações aprova­ das". Superadas, portanto, as dificuldades regimentais para atualização do Projeto n. 6 3 4/7 5 , cuidei de propor as necessárias alterações, cujo objetivo básico era adequar o texto às inovações constitu­ cionais e legais posteriores a sua tram itação na Câmara e no Senado Federal, com pletando o traba­ lho de atualização do projeto, inclusive no que tange à prejudicialidade de determinados dispositivos, cujos preceitos não guardavam a devida contem poraneidade. Os trabalhos, na Comissão especial, foram divididos entre vários sub-relatores. A Parte Geral coube ao Deputado Bonifácio de Andrada; o Livro I da Parte Especial, concernente ao Direito das Obrigações, ficou sob a responsabilidade do Deputado Vicente Arruda; o Livro II da Parte Especial, referente ao Direito de Empresa, foi delegado ao Deputado Luiz Antonio Fleury Filho; o Livro III da Parte Especial, Direito das Coisas, coube ao Deputado José Roberto Batochio; o Livro IV da Parte Especial, relativo ao Direito de Família, teve como sub-relator o Deputado Antônio Carlos Biscaia; o Livro V, Direito das Sucessões, coube ao Deputado Synval Guazzelli, que, embora acom etido de gra­ ve doença neurológica, deslocando-se por meio de cadeira de rodas, jam ais faltou a qualquer das reuniões, tendo lam entavelm ente falecido antes ainda da votação das emendas pelo Plenário. A sua m emória rendo as mais profundas homenagens e minha gratidão. Por dever de justiça, devo enfatizar a excelência dos trabalhos produzidos pelos sub-relatores, todos discutidos longa e exaustivamente durante as reuniões da Comissão e que em m uito contri­ buíram para que o relator-geral tivesse facilitada a enorm e tarefa a ele com etida. Se por um lado a resolução aprovada perm itiu uma análise global do texto oriundo do Senado e a atualização de todo o projeto, identificando os dispositivos cuja correção se impunha, parado­ xalm ente trouxe ao relator-geral as mais complicadas e extemporâneas questões, na medida em que promovemos, como não poderia deixar de ser, um grande núm ero de debates e reuniões públicas com os mais variados segmentos da sociedade. Na maioria dos debates tivemos a honra de receber como convidados ilustres juristas, professores de universidades e membros dos Tribunais Superiores, inclu­ sive do Supremo Tribunal Federal. Dentre esses convidados nom ino o Professor Miguel Reale, que dispensa apresentações; o Ministro José Carlos Moreira Alves, do Supremo Tribunal Federal, incansá­ vel conselheiro e possuidor de notável saber jurídico; os Professores Silvio Rodrigues, Yussef Cahali e Álvaro Villaça Azevedo; o Desembargador Jones Figueiredo Alves, do Tribunal de Justiça de Per­ nambuco, que, designado pela Presidência daquele Tribunal, dedicou-se ao projeto durante longos períodos, por tem po integral, com substantiva e indispensável contribuição; o Desembargador José Antônio Macedo M alta, do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, além do Juiz de uma das Varas de Família do Estado de Pernambuco, Alexandre Assunção, e do advogado M ário Luiz Delgado Régis, gentilm ente cedido à Câmara dos Deputados pelo Tribunal Regional Federal da 5* Região. Além dos palestrantes acima referidos, foram de excepcional valia com seus concursos os Professores Regina Beatriz Tavares da Silva, Zeno Veloso, Carlos Alberto Dabus M aluf, Joel Dias Fi­ gueira Jr. e Benjamim Garcia de Matos, todos autores de obras de Direito Civil e profundos conhece­ dores da Ciência do Direito.

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A exiguidade de tem po não me exim ia do dever de aceitar vários convites para conferências, palestras e debates com professores e estudantes em várias instituições, cabendo ressaltar a USP Faculdade de Direito do Largo Sào Francisco, a FAAP - Fundação Arm ando Álvares Penteado, a UFRGS - Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande Sul, a UFPE - Faculdade de Direito do Recife, a ESMAPE - Escola Superior da Magistratura de Pernambuco e a ESMAL - Escola Superior da Magistratura de Alagoas, dentre outras. Ressalto, agradecido, as contribuições feitas por escrito pela OAB - Ordem dos Advogados do Brasil e pelo IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família, de extrem a valia para os trabalhos da Comissão. Antes da votação final, o relator fez visitas ao Supremo Tribunal Federal, ao Superior Tribunal de Justiça, ao Tribunal Superior do Trabalho, ao Superior Tribunal M ilitar, ao Tribunal Regio­ nal Federal da 1* Região, ao Tribunal de Justiça de Pernambuco, entregando cópias do trabalho preliminar, colhendo sugestões e debatendo os pontos polêmicos. 0 enunciado de todos esses nomes tem como finalidade precipua agradecer-lhes pelas grandes contribuições, e ao mesmo tem po esclarecer ao leitor, e principalm ente aos críticos de últim a hora, aqueles que jam ais compareceram a qualquer das reuniões, que eram públicas e anunciadas, ou mesmo aqueles que jam ais contribuíram por qualquer meio, o fa to de que muitas dessas criticas, algumas em tom grosseiro, decorreram ou do desconhecimento das limitações regimentais ou do desconhecimento do próprio texto reformado, ou ainda de concepções com pletam ente desvirtuadas sobre matérias que devem e podem figurar em um Código. Reclamam alguns da ausência de temas novos, tais como a clonagem, negócios eletrônicos, dentre outros vários que ainda nào estão pacificados na doutrina, m uito menos na jurisprudência dos tribunais, quando é notório que nos Códigos devem figurar apenas matérias consolidadas, sedi­ mentadas, estratificadas na consciência jurídica nacional. Indago, por exemplo, se já existe norma em algum pais do mundo ou no Brasil que regule o tratam ento a ser dado à clonagem hum ana. Se preferirmos um tem a mais corriqueiro, podemos citar tam bém a questão dos embriões excedentários na reprodução assistida. Imaginemos apenas, por exemplo, que um casal precise recorrer a uma cli­ nica de reprodução assistida, e os médicos consigam extrair e fertilizar in v itro oito óvulos, dando origem a oito embriões. Serão provavelm ente implantados na m ulher apenas quatro desses embriões, e na maioria dos casos apenas um deles se viabilizará a ponto de gerar um bebê. Posteriormente o casal se separa, o m arido casa e constitui outra fam ília. Passados alguns anos, a ex-esposa resolve ter mais um filho e pretende utilizar-se dos quatro embriões excedentários existentes. 0 marido se opõe. Qual dos tribunais já tem jurisprudência a respeito dessa m atéria, quais normas jurídicas se referem especificamente ao caso? Seguramente nenhum a, e, o pior, o Código Civil assegura os direitos do nascituro desde a concepção. A concepção é a fecundação do óvulo, pouco im portando que tenha ocorrido no ventre m aterno ou fora dele. Aqueles quatro embriões representam quatro vidas. Que tratam ento legal devem merecer? Ser jogados fora simplesmente, tendo seu desenvolvimento impe­ dido? Existem hoje no Brasil cerca de 11.000 embriões armazenados em botijões de nitrogênio líqui­ do, a 196* negativos. Por quantos anos deverão ser preservados? Quem é o responsável por essa despesa? A questão do destino a ser dado aos embriões excedentários abandonados pelos pais constitui um dos maiores problemas enfrentados pelas clínicas de reprodução assistida. E a questão da m aternidade biológica nos casos de barriga de aluguel? Como se definiria a filiação quando, por encomenda, óvulos são retirados de uma m ulher anônim a, fertilizados em la­ boratório com espermatozóide de um doador, tam bém anônim o, e implantados em barriga de aluguel para “venda" a um casal infértil, desejoso de te r filhos? Quem é a mãe biológica: a que doou o óvu­ lo ou a que alugou o útero? Como se resguardaria a esse em brião o direito de conhecer sua ascen­ dência genética? Quem teria a guarda do nascituro? De quem se exigiria pensão? Onde estaria, no caso, o im pedim ento de relações incestuosas, e quais as cautelas legais para que elas não venham a ocorrer? Será que o direito já tem essas respostas?

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Vê-se, portanto, caro leitor, que nâo poderia o novo Código pretender tudo disciplinar. Se t i­ véssemos, de alguma form a, tratado desses temas que acabei de abordar, certam ente o novo Código, em curtíssimo espaço de tem po, já estaria superado, em decorrência da evolução natural da ciência. Um Código Civil, na condição de lei geral, deve apresentar seus comandos de form a suficien­ tem ente aberta, de maneira a perm itir a função criadora do intérprete. Tem de sair do positivismo exagerado que engessa o direito e atrasa as transformações, para alcançar o que chamo a fase pós-positivista do direito. 0 excesso de positivismo, que vê no sistema legal inexauriveis soluções para todas as hipóteses da vida legal, onde a lei tudo prevê e tudo dispõe, é a m aior fo n te de instabilidade e precariedade das normas do direito legislado, propagando e contam inando de form a igualm ente corrosiva a ordem jurídica do Pais de que todos temos sido testemunhas, nas últimas décadas. 0 a n im u s desse novo Código reside justam ente no com bate a essa instabilidade. Não que se esteja a defender a chamada “escola do direito livre", encabeçada por Kantorowicz, nem mesmo o m ovim ento m uito em moda na atualidade do chamado “direito alternativo". Mas a flexibilidade na interpretação das normas perm itirá que o direito se modernize, sem que haja necessidade de estar, a cada instante, alterando os textos legais. A orientação de flexibilidade do texto, no entanto, teve contestações desde a época em que o anteprojeto foi elaborado. Alguns, a exemplo do saudoso Professor José Paulo Cavalcanti, diziam que “a orientação adotada pelo Anteprojeto im porta, portanto, o sacrifício do valor certeza, pela possi­ bilidade de arbítrio judicial na aplicação das normas flexíveis. Por esse risco de arbítrio judicial, que implica, não nos parece prudente a orientação adotada pelo Anteprojeto". E mais que “o emprego de normas jurídicas elásticas. De normas até certo ponto redigidas ‘em branco', que deixam ao juiz o poder de determ inar o regulam ento mais adequado a cada caso concreto, normas que existem em m uito menor núm ero e im portância no Código atual. Pelos riscos de arbítrio judicial, que implica, não me parecia prudente a orientação do Anteprojeto". Entendo a preocupação do Professor José Paulo e de tantos quantos partilhavam de suas opi­ niões. Julgo todavia que m uito mais grave que o risco do arbítrio judicial é a certeza de que a norma logo estará defasada, que logo precisará de reform a. Além do mais, contra essa possibilidade de ar­ bítrio judicial o ordenam ento jurídico prevê o duplo grau de jurisdição, com a garantia da pluralida­ de de instâncias e a composição coletiva dos tribunais. Um Código que nascesse já com a perspectiva de estar defasado em médio espaço de tem po já nasceria fraco. Tenho em repetidas ocasiões externado a im portância que a Herm enêutica Jurídica terá nos tempos que se avizinham , principalm ente em função da velocidade das grandes transformações sociais e políticas. As leis não poderiam deixar de ser expressas em termos gerais, fixando regras, consolidando princípios, estabelecendo normas, em linguagem o mais clara e precisa possível. Toda­ via, seria absolutam ente impossível que descessem a minúcias. É a imperiosa necessidade do intér­ prete de entender a relação entre o texto abstrato da lei e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fa to social. Fixar o sentido verdadeiro da norma positiva e logo depois o respectivo alcance e sua extensão, extraindo da norma o que nela se contém , determ inando seu sentido e alcance. A inter­ pretação não deve ser confundida com a Hermenêutica, sendo a primeira a aplicação da segunda, que fixa os princípios. Carlos M axim iliano, em seu livro H e rm e n ê u tica e a p lica çã o do d ire ito , classi­ fica a Hermenêutica como a teoria cientifica da arte de interpretar. Enquadrar, portanto, o caso concreto na norma jurídica adequada é a verdadeira aplicação do direito, que deverá verificar inclusive as particularidades e as dificuldades que surgem entre precei­ tos que parecem adaptáveis a uma mesma hipótese, ou entre regras que podem colidir ou se con­ fu ndir no espaço ou no tem po, obrigando o intérprete muitas vezes a recorrer ao exame prévio do Direito Constitucional.

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Quaisquer que sejam as dificuldades que a Hermenêutica traga em sua análise, serão sempre menores do que permanecermos engessados neste positivismo individualista incompatível com a prestação jurisdicional atualizada, aplicável a cada caso e, em conseqüência, socialmente mais justa. É função do intérprete compreender o texto da lei em seu significado e alcance, seu sentido intim o e sua expressão visível. Confesso-lhes que, embora restringido pelos aspectos regimentais e consti­ tucionais, tentei com a m aior intensidade inspirar o Código a partir do pensamento de Vico: "Não ser o direito o produto de uma vontade que se imponha e opere exteriorm ente sobre a vida dos povos, mas a realização e expressão do espirito da coletividade". Não cederei à tentação, por um mínim o de bom senso, de continuar na análise do processo de Hermenêutica, mas nào poderia deixar de a ela dedicar algumas linhas, pois creio que saber as leis não é conhecer-lhes as palavras, porém sua força e poder, isto é, o sentido e o alcance respectivos. Se assim não fosse, continuaríamos pri­ sioneiros de um positivismo exagerado e antissocial. Estas explicações iniciais, embora possam ser cansativas ao leitor, respondem aos desavisados autores de tantas críticas. Permitem a visualização da dimensão exata das dificuldades que o relator teve para com patibilizar o novo Código Civil com enorme m ultiplicidade de opiniões e sugestões das mais variadas correntes. Desde o início dos trabalhos incorporei-m e à corrente daqueles que entendiam a necessidade de dotar o País de um Código que pudesse fazer frente às grandes mudanças e transformações do direito civil e que nortearão a vida do povo brasileiro neste novo século, obrigando-nos não só a prover a sociedade de um ordenam ento jurídico adequado como tam bém prever de form a que não se corra o risco de tê -lo superado no curto prazo. 0 Código anterior foi publicado no dia 5 de janeiro de 1916, mas seu anteprojeto foi elabora­ do no final do século XIX, em 1899, pelo grande jurista Clóvis Beviláqua. Foi discutido no Congresso Nacional até o final do ano de 1915. Na verdade, o Código de 1916 começou a ser elaborado em 1859, quando Teixeira de Freitas foi contratado pelo Governo Imperial para elaborar o primeiro anteprojeto. Em 1872 esse contrato foi rescindido, sendo contratado Nabuco de Araújo. Com o fa ­ lecimento deste, em 1878, prosseguiram os trabalhos de redação com Felício dos Santos. Após a proclamação da República e as mudanças políticas dai advindas, a tarefa de redação do Código foi conferida ao Senador Coelho Rodrigues, mas seu projeto não foi aceito. Só em 1899 foi Clóvis Bevi­ láqua contratado para escrever o texto que viria a se transform ar no Código Civil Brasileiro. Só a revisão do Senado, ou seja, depois que o Código já havia sido aprovado na Câmara, demorou mais de dez anos, graças sobretudo ao preciosismo gram atical de Rui Barbosa. Dizia ele que a pressa na co­ dificação "forçosamente haveria de produzir uma obra tosca, indigesta, aleijada". No Brasil do século XIX, ainda regido pelas Ordenações, o Código Civil foi fundam ental para a finalização do processo de independência e para a própria modernização do Estado. Sim, porque tanto as Ordenações Filipinas como praticam ente toda a legislação civil portuguesa permaneceram em vigor até 1916, ou seja, quase cem anos após a independência! Durante todo esse tem po, só para dar um exemplo, protestantes e judeus não poderiam te r seus casamentos reconhecidos pelo Estado, porque nào eram casados na igreja católica. É desnecessário enum erar as diversas modificações experimentadas pela sociedade brasileira durante as décadas que se seguiram à aprovação do CC/16, im pondo uma completa reform ulação no Código Civil vigente. Mas será que, depois de termos ficado tan to tem po com esse Código do século passado, pre­ cisávamos de outro? M uitos foram os opositores da ideia de elaborar um novo Código, divididos em dois grandes grupos: o primeiro dos que propalavam o esgotam ento do processo histórico-cultural da codificação, e o segundo do grupo composto por aqueles que defendiam a atualização do Código de 1916, sem necessidade de elaborar um novo.

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A tendência à codificação do Direito, fundada nas sólidas compilações do Direito Romano, sobretudo em sua maior expressão, o C orpus lu ris Civilis, de que resultaram as Ordenações ibéricas, foi retomada desde o início do século XIX, com a codificação francesa do período napoleônico, se­ guida por países como a Suíça e a Alemanha. Entre nós ganhou novo impulso depois da Constituição de 1934, com o Código de Minas, o Código de Águas, o Código de Menores, o Código Florestal, o Código Brasileiro do Ar e a própria Consolidação das Leis do Trabalho. 0 Brasil, que de 1824 a 1930 não tinha mais que os Códigos Civil e Penal e os respectivos Códigos de Processo, além do Código Comercial de 1850, viu crescer a tendência à sistematização do direito legislado. Com essa etapa, passamos de um modelo de re visão legislativa, que consistia em adaptar e atualizar as leis existentes, segundo as necessidades de cada m om ento, para um modelo de previsão, baseado na faculdade de prever, por meio da lei, todas as hipóteses plausíveis dos com ­ portam entos e condutas humanas. Algo que, no campo da aplicação da justiça, distingue o chamado re vie w system , que é o padrão saxônico de justiça, para o denom inado p re v ie w system , predom inan­ te nos países de origem latina. Ainda recentem ente, pelo menos nos países de tradição latina, foram e estão sendo elaborados grandes Códigos, a exemplo do Código Civil português de 1966 e o da Argentina, ainda in fie ri. Não é correto, portanto, em minha opinião, afirm ar que atualm ente não se fazem mais grandes Códigos ou que a época das codificações acabou. Também não procede o argum ento daqueles que advogam as reformas parciais no texto, ci­ tando em seu favor os exemplos do Código Civil francês (1889) e do Código alem ão (BGB de 1900), que estão aí desde o século XIX até hoje. Ocorre que esses Códigos foram modificados e atualizados com o passar dos anos, e as atualizações foram sendo inseridas no próprio corpo do texto, de modo que eles nunca se desatualizaram. Em nosso caso, num processo de com pleta atecnia, para não dizer desorganização legislativa, foram sendo editadas sucessivas leis extravagantes versando sobre temas tratados no Código Civil; em vez de serem inseridas no texto codificado, simplesmente alterando ou com plem entando dispositivos, essas leis revogaram artigos e até mesmo capítulos inteiros do Código, transform ando-o em verdadeira colcha de retalhos. Pior que isso, algumas leis revogaram tacitam ente dispositivos, o que é causa de divergências de interpretação na jurisprudência. 0 mesmo se diga dessa questão de dispositivos revogados pelos usos e costumes. Mesmo dispositivos francam ente abandonados pela sociedade precisavam ser expressamente extirpados do ordenam ento jurídico. E não havia como fazermos uma simples atualização do CC/16, pela situação de retalham ento em que se encontrava. Era imprescindível, portanto, a elaboração de um novo Código. Novo sim, mas que não despre­ zou a experiência acum ulada ao longo de quase um século e m anteve grande parte da estrutura e das disposições do Código anterior, ainda atuais. Tudo que ainda estava aplicável foi simplesmente repetido. 0 Projeto de Lei n. 634, que institui o novo Código Civil, foi enviado à Câmara dos Deputados pelo Poder Executivo em 1975, vindo a ser aprovado e posteriormente sancionado pelo Presidente da República no dia 10 de janeiro de 2002. Pode parecer um período de tram itação demasiado longo. Não para um Código! Nenhum Código se faz do dia para a noite. 0 da Prússia levou 48 anos para ser promulgado. 0 da Áustria, 58 anos. 0 único Código concluído rapidamente, isso por razões históricas m uito específicas, foi o Code C ivil francês, o chamado Código Napoleônico, que do primeiro esboço até a promulgação pelo Le­ gislativo levou apenas quatro anos. Daí podermos tranquilam ente concluir que o novo Código Civil não está defasado como alguns propagam.

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Confesso-lhe, caro leitor, que se afigurou quase inatingível a responsabilidade deste relator-geral de em itir parecer não só sobre as emendas do Senado ao projeto do novo Código Civil brasi­ leiro, mas sobretudo a respeito das graves e amplas repercussões da adoção de um novo texto que deverá substituir esse m onum ento da cultura jurídica brasileira. Em sua critica à filosofia kantiana, Schopenhauer assinalou que é m uito mais fácil mostrar as falhas e erros em obra de uma grande m ente do que oferecer clara e detalhada exposição de seus valores. Estou absolutam ente de acordo com a afirm ativa, mas não nos é perm itido o escapismo cômodo ou a fuga da tarefa que a nós foi com etida. Refiro-m e não apenas à pessoa do relator ou dos integrantes da comissão especial; falo da tarefa conferida ao Parlamento brasileiro, que não poderia deixar de conclui-la a contento, a despeito do gigantismo de suas atribuições, e cujos esfor­ ços nem sempre são merecedores do reconhecimento da sociedade brasileira. Lembro ao desavisado leitor que o Congresso Nacional, que na legislatura passada foi cham a­ do a aprovar um intenso processo de reformas constitucionais visando à mudança do modelo eco­ nômico, está hoje sob a contingência de realizar novas mudanças, inúmeras delas mais densas, na medida em que há pressões contundentes contra a elitizaçáo do Direito pelo terrível confronto, cada vez mais candente, entre a lei e a prática da Justiça. É uma situação que reflete, adequadam ente, o que Gilberto Amado chamou de "distonia entre as instituições e o meio social". Todos nós sabemos que, como emanação do poder, nosso direito legislado tem refletido historicam ente não só o inte­ resse do Estado, mas inúmeras vezes uma distorção ainda mais grave, o fortalecim ento do Estado, contra as aspirações e direitos da sociedade. Os primeiros passos da codificação em nosso país refle­ tem essa constatação inevitável. No Título VIII da Constituição de 1824, que tratava "Das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros", o inciso XVIII prescrevia im perativam ente: "Organizar-se-á quanto antes um Código Civil e Criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e equidade". É interessante assinalar que não se tratava de um Código Civil e de um Código Criminal, mas de um só Código, Civil e Criminal, como se o Conselho de Estado que elaborou o texto outorgado tivesse a antevisão dessa terrível dicotom ia entre os interesses do Estado e os da sociedade, soldando-os para que uns não prevalecessem sobre os outros. 0 Código Criminal, que era do m anifesto interesse do Estado para organizar a nação que se form ava, foi promulgado na prim ei­ ra sessão da segunda legislatura, em 1830, obra notável do grande estadista e jurista que foi Bernar­ do Pereira de Vasconcelos. E o Código de Processo Criminal, por sinal não previsto pela Constituição, mas decorrência natural da promulgação do Código Criminal, foi aprovado dois anos depois na mesma legislatura, revogando-se, a partir de então, todas as disposições penais das velhas Ordenações Filipinas de 1603. Mas vale assinalar que suas grandes conquistas foram em sua m aior parte anuladas pela reação conservadora, a partir de 1841, com a famosa Lei n. 105, im propriam ente chamada de "Lei de Interpretação do Ato Adicional". 0 Código Civil, que é o estatuto do cidadão, e que era por isso mesmo do interesse da sociedade, só vigorou a partir de 1° de janeiro de 1917, ou seja, 87 anos depois, quando já não estava em vigor a Constituição do Império. Foram necessários menos de três anos entre a apresentação do projeto e a aprovação de nosso primeiro Código Criminal. Mas a codi­ ficação das leis civis, intentada a partir de 1855, exigiu nada menos que 62 anos. Trata-se de uma circunstância vexatória, que nos fez entrar no século XX com uma legislação de caráter civil conce­ bida e promulgada no alvorecer do século XVII! Estávamos no primeiro terço do século XIX e era natural que a Constituição de 1824, elabora­ da sob a influência francesa, mais especificamente das ideias de Benjamin Constant em seu Cours de D ro it C o n s titu tio n n e l, sofresse a inevitável repercussão da relevância que adquiriu no mundo latino o extraordinário e m onum ental esforço de codificação das leis civis empreendido pelo Código napoleônico, que é de 1804, pelo qual o Imperador dos franceses escreveu que gostaria de ser lembrado. A história constitucional do Brasil, no entanto, não seguiu o percurso im aginado por Benjamin Constant, que em 1815 escreveu: "digo já há algum tem po que, tal como uma constituição é a ga­

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rantia da liberdade de um povo, tudo o que pertence à liberdade é constitucional, ao mesmo tem po em que nada há de constitucional, no que nâo lhe diz respeito" A crise do Direito que se acentuou com a superação do d ireito natural e o m onopólio do positivismo jurídico, consumado a p artir da quebra do paradigm a constitucional, com a obra le­ gislativa da Constituição de W eim ar, refletiu de form a aguda entre nós, quando cotejam os os dois prim eiros Textos Constitucionais do Pais - o de 18 24 e o de 1891 - , com sua duração conjunta de mais de um século e apenas uma emenda cada um deles, com a fase contem porânea, que, a p artir de 1934, nos impôs uma sucessão de novas e efêm eras Constituições. São nada menos de cinco, se as contarmos sob aspecto form al, ou seis, se incluirmos, sob o aspecto m aterial, a Emenda n. 1/69, na realidade um novo texto. Passamos de uma duração média de mais de meio século, de 1824 a 1930, quando pereceu a primeira Constituição republicana, para uma sobrevida média de pouco mais de dez anos, se computarmos o período de 1934 ao corrente ano de 2002. Não seria obviam ente esta introdução a oportunidade de discutirmos a Teoria Pura do Direito, ou as relações que Kelsen estabelece entre as normas jurídicas e os atos criadores das normas, o dever-ser das normas jurídicas, ou quais os fatos fazem com que uma norma jurídica seja válida. Entrar nessa discussão não seria útil nem pacifico neste m om ento, justificar epistem ologicam ente a pureza da teoria sobre uma base lógica que impeça justificar a validez do Direito sob qualquer outro critério que não seja estritam ente jurídico. Isso não se reflete apenas no nível da elaboração, mas tam bém no da adaptação constitucional à realidade emergente e em permanente mutação. Não é apenas o fato de termos tido duas Consti­ tuições com mais de um século de duração conjunta, com apenas duas emendas, que no Brasil indi­ ca a mudança do paradigma jurídico-constitucional, mas tam bém a constatação de que as seis ú lti­ mas já somam mais de 150 emendas ou alterações! Na raiz de toda essa instabilidade está a falta do conteúdo ético da lei quando identificada com o Direito, transfo rm an do-o não nos padrões adequados de funcionam ento eficiente da Justi­ ça, mas na vaga, distante, cara, onerosa e lenta promessa de um aparatoso e ineficaz aparelho do Estado criado para dirim ir os conflitos individuais e coletivos, por meio da prestação jurisdicional que simplesmente posterga, protela e adia, quando não faz perecer a justiça. Algo que Rawls já id en tifi­ cou como a causa da crise do Direito nas sociedades contemporâneas. Criticando em 1916 essa tendência, que só m uito tem po mais tarde iria se m aterializar entre nós, Farias Brito fez uma sábia advertência. Ele já reclamava ser por isso que, em nosso pais, "as leis se fazem e desfazem com ta n ­ ta facilidade. Tudo se reforma, tudo se m odifica a todo m om ento e cada governo que vem quer ter, em todos os ramos da administração, um sistema novo de leis". E, com precisão cirúrgica, concluiu: "A primeira conseqüência que dai ressalta ê que o sentim ento de justiça pouco a pouco vai-se apa­ gando e por fim term ina extinguindo-se de todo na consciência do povo. E isto é m uito natural e lógico, porque, se o Direito ê coisa que se faz e refaz com tanta facilidade, a verdade ê que isto de justiça não passa de uma palavra vã. Nem há inconveniente nenhum em violar a lei, porque o que é justo hoje pode m uito bem ser injusto amanhã". Se o aspecto positivo foi a sistematização do ordenam ento legal, fo n te primacial do Direito entre nós, o negativo foi a tendência à proliferação legislativa, contra a qual advertiu Giovanni Sartori, ao lem brar que o Estado de Direito é, antes de mais nada, uma construção flexível mas estável que atenda às circunstâncias da evolução histórica de cada pais, calcado no preceito de que a lei vale para todos igualm ente, mas vale sobretudo para o Estado, ta n to quanto para o cidadão. Mas quando, a seu talante e arbítrio, o Estado pode m odificar todas as leis, o Estado de Direito se transform a não no "governo da lei", que se contrapõe ao "governo dos homens", mas no governo dos legisladores, e passa a constituir uma aberração da ordem política dem ocrática. Se a isso acres­ cermos os novos institutos jurídicos criados a partir da Carta discricionária de 1937, com os decretos-leis promanados do Executivo, restaurados na Carta auto ritária de 1967 e recepcionados pela Constituição dem ocrática de 1988, por meio de outro instituto ainda mais arbitrário, que são as

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medidas provisórias, facilm ente somos obrigados a constatar que a lei já nào é só a m anifestação soberana do Legislativo, com o assentim ento indispensável do Executivo, mas a em anação, na maioria das vezes, de uma só vontade, que, acima de todas as conveniências, exprim e, enquanto não aprovada, não só o traço característico da insegurança jurídica, mas tam bém do arbítrio, legal sem dúvida, mas ilegítim o, de um só poder do Estado, encarnado na figura tornada onipotente de um só titular. 0 Legislativo sofre hoje a concorrência já terrivelm ente acentuada do Executivo, nào só nas modalidades arbitrárias de criação de normas jurídicas sob a form a de resoluções, circulares, deci­ sões, portarias, instruções, ordens de serviço, instruções norm ativas e atos de toda espécie, mas sobretudo da capacidade tu m ultuária e tum ultuada de criar a nova categoria do direito rotulado de “provisório". Dele decorrem inúmeros, incontáveis e expressivos prejuízos para a sociedade bra­ sileira. Invoco aqui, a titu lo de exemplo, os decorrentes dos sucessivos e na m aioria desastrados planos de estabilização. Numa só categoria de atividade econômica, a do transporte aéreo, term i­ naram provocando, em apenas quatro causas, indenizações que, se confirmadas, somam mais de 6 bilhões de reais. Nào podemos esquecer que há várias atividades disciplinadas por decisões adm i­ nistrativas de que o Congresso nem sequer tom a conhecim ento, como é o caso de todo o sistema financeiro, regido por circulares do Banco Central, por decisões de sua Diretoria e resoluções do Conselho M onetário Nacional, envolvendo dispêndios que nem sequer somos capazes de estimar. A simples transposição de uma rubrica orçam entária requer autorização legislativa, mas nào passam pelo crivo político do Congresso decisões que envolvem inversões de bilhões de reais, de que são exemplo o Proer, para citar apenas um precedente, e a chamada "securitizaçào" de dividas públicas e privadas. Sobe-se, pe/os e s tim a tiv a s da p ró p ria P residência da R epública, que o u n iv e rso do o rd e n a ­ m e n to ju ríd ic o b ra s ile iro in c lu i e n tre 15 e 17 m il leis, in c lu íd a s as o rd in á ria s , co m p le m e n ta re s e delegadas, n à o c o m p u ta d a s as m e d id a s p ro v is ó ria s n à o a p re cia d a s p e lo L e gisla tivo , as em endas c o n s titu c io n a is , os d e cre to s le g is la tiv o s e as resoluções das d u a s Casas d o Congresso. A elas se so m a m m a is de 120 m il de cre tos e cerca de 1,5 m ilh ã o de a to s n o rm a tiv o s de n a tu re z a dive rsa e v a ria d a que, em a lg u n s casos, tu m u ltu a m m a is a v id a do c id a d ã o d o que as p ró p ria s leis. E a q u i e sta m o s n os re fe rin d o , apenas, à esfera n o rm a tiv a da U nião. Como exigir, segundo prescreve a Lei de Introdução ao Código Civil, que ninguém possa alegar ignorância para se fu rta r ao cum prim en­ to da lei? A quantidade desses textos e a impossibilidade de conhecê-los, até mesmo em relação àqueles que apenas dizem respeito ao interesse im ediato do cidadão, para saber quais os que estão em vigor, aum entam de form a insuportável os conflitos jurídicos representados por cerca de 6 milhões de ações ajuizadas a cada ano, atravancando a justiça, to rnando-a cara, lenta e de resul­ tados incertos. Por isso é que, para a maioria do povo brasileiro, a lei não exprime o Direito, nem o Direito se expressa na ação da justiça. Lembrava o grande historiador Sérgio Buarque de Holanda que, para a maioria de nossa gente, a lei é a vontade m anifesta da autoridade mais próxima que oprim e as prerrogativas do cidadão, calca os direitos individuais e se m aterializa na coerção que não lhe foi legalm ente conferida, mas abusivamente apropriada. 0 exercício unilateral do entendim ento do que é a lei, nào pela autoridade legitim am ente autorizada a interpretá-la, mas por qualquer de seus agentes, term ina configurando entre nós o que é a lei do mais forte, do mais violento e do mais poderoso. Lembro, a propósito, que já o inciso XXI do art. 179 da Constituição de 1824 dispunha com solenidade que "as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo casas para a separação dos réus, conform e suas circunstâncias e natureza de seus crimes". Uma realidade que podemos contras­ tar todos os dias com o noticiário inform ativo de jornais e televisões em todo o País... É o resultado de acreditarmos no poder demiúrgico da lei, como se ela fosse capaz não só de prever e prover, mas tam bém de m udar a realidade.

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0 Professor Sartori chamou a atenção, num texto exemplar, ao fa to de que essa tendência do Estado onipotente, onisciente, autossufieiente e que nâo consegue se autorregular nem se lim itar às regras de conveniência da utilidade geral decorre de uma sintom atologia característica de fim de século, o hábito que adquiriram os governos de “governar legislando" e a aspiração dos Parlamentos que querem "legislar governando". É com tristeza que faço a constatação de que a expressão "cipoal legislativo" já perdeu seu significado e sua carga negativa, para se transform ar num dado corriqueiro de nossa triste realidade. 0 Congresso, que se tem em penhado em tantas e tão significativas reformas, ainda não se deteve na mais relevante delas, que é a reform a legislativa, como propunha em 1971 o Deputado Henrique Turner, para perm itir a mais urgente de todas, a reform a do próprio Legislativo. É uma ingenuidade supormos que, pela origem de nossa investidura, calcada no voto, tenhamos mais legitimidade, mais credibilidade, mais popularidade e mais confiabilidade da opinião pública que os demais Poderes do Estado. 0 voto legitim a o sistema político, mas essa legitim idade não se transm ite autom ática e necessariamente ao Poder a que pertencemos. A legitim idade form al, que para muitos se confunde com a legitim idade m aterial, obedece, como lembrou Niklas Luhman, a regras explicitas do procedimento das instituições do poder, aquilo que os especialistas chamam de "imagem social do poder". E sua regra básica é a de que as instituições serão tão mais legitimas quanto mais próximas estiverem das expectativas e da percepção que tem a opinião pública da sua atuação, e isso diz respeito à eficácia de seu funcionam ento. É por isso que a sua obra clássica ele deu exatam ente o títu lo de L e g itim a çã o p e lo p ro ce d im e n to . Logo, a legitim idade form al, tantas vezes confundida com a legalidade da investidura, difere e se distingue da de cunho material, que se mede pelo desempenho. E somos forçados a convir que, se o Congresso não conseguiu apreciar, nos últimos anos, mais que 15% das medidas provisórias, seguramente a eficácia de nosso desempe­ nho será julgada por esse baixo índice. Foi nesse am biente de intensas reformas, de acentuadas mudanças e crescente discussão sobre a legitim idade das instituições públicas, dos limites éticos de atuação dos Poderes, perm anentem en­ te questionados por sua notória ineficiência, que fom os chamados a apreciar já não mais a utilidade, mas a necessidade de atualizarm os o Código Civil Brasileiro. Dai minha indagação sobre a eficácia de sua aplicação se paralelam ente não cuidar o Congresso de proceder a idêntico a g g io rn a m e n to do Código de Processo, que é instrum ento vital na aplicação da lei, tanto na esfera civel quanto em m atéria penal. Confesso-me sempre influenciado por Giovanni Battista Vico e Johann G ottfried Herder quan­ to à form a da descoberta, descrição e explicação dos aspectos e conseqüências sociais do que os homens têm fe ito e sofrido, da seleção e interpretação dos fatos e acontecimentos e de suas carac­ terísticas. Goethe já observava que nenhuma afirm ação de um fato está isenta de teoria, e que os critérios sobre o que constitui um fa to diferem dependendo do campo de conhecim ento e das pes­ soas nele interessadas. Não existe uma realidade im utável, mas uma realidade em mudanças contí­ nuas - a história dos homens - por meio de seus modos sistematicam ente mutáveis de expressão. Essas pequenas digressões, nas quais receio me estar estendendo demasiadamente, auxiliam o leitor a entender minha quase obsessiva preocupação em tirar o Código Civil brasileiro de seu positivismo exagerado, antevendo a im portância do intérprete, como já disse, através da herm enêutica, para que a Lei não se supere no curto prazo, para realçar-lhe o conteúdo ético, atenuando o rigorismo nor­ m ativo como exigência de uma sociedade que se quer moderna, democrática e socialmente justa. Pontes de M iranda, em seu Trotado de D ire ito P rivado (Parte Geral, Rio de Janeiro, Borsoi, 1970, v. 1, p. 8), no tópico “A regra jurídica como criação hum ana", diz: "a regra jurídica foi a criação mais eficiente do homem para submeter o m undo social e, pois, os homens, às mesmas ordenação e co­ ordenação a que ele, como parte do m undo físico, se submete". E, mais adiante, ao tratar "Do mundo jurídico": "o jurídico leva consigo m uito de im itação do natural, de modo que a vida inter-hum ana regrada faz um todo físico, vital, psíquico, dito social, em que as determinações se entrelaçam, com

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as incidências das regras jurídicas colorindo os fatos (fatos jurídicos) à medida que se produzem, persistem ou desaparecem ou se extinguem . É nesse mundo que nós vivemos, e não no m undo físico puro, ou, sequer, no m undo biológico puro. É m undo de leis científicas que os fatos descrevem, leis 'procuradas', que coincidam com os fatos, e de leis, em sentido am plo de regras jurídicas, que, em vez de coincidirem com eles, por serem feitas por nós, incidem neles. 0 que é artificial, o que é téc­ nico, mas irredutível, está aí: não foi nem é possível a regra jurídica de realização puram ente mecâ­ nica: se ela coincidisse com os fatos, não precisaria de eventual aplicação; nem seria possível a cisão lógica e política 'incidência-aplicação'. Nenhum dos outros processos de adaptação social sofre isso, mas exatam ente porque só ele conseguiu regras com a força de incidência. A religião 'obrigatória' (incidente) seria tentativa de fazer tam bém regras jurídicas todas as regras religiosas. A moral 'obri­ gatória' (incidente) seria a juridicizaçáo de toda a moral, que continuaria, no entanto, a participar da sua fluidez, da sua compacta e inaudível revelação (aplicação - incidência), e a ser por definição infixável. Política 'obrigatória' (incidente) seria negação de si mesma: política é m ovim ento, e exigir-se -lh e -ia não ser m ovim ento; é ação, e teria de nào ser ação. Arte 'obrigatória' seria igual a não criação. Economia toda em regras incidentes seria economia que não veria o desigual e não proveria ao imprevisto, e não veria as igualdades: economia do déspota, ou de alguns déspotas, ou do igualitarism o puro, que é regressão à clivagem dos cristais, ao inanimado". 0 leitor aten to ao texto do novo Código Civil verificará a profunda transformação nele inse­ rida, não premiando interesses ou corporativismos. Karl Engisch, em sua In tro d u ç ã o ao p e n s a m e n to ju ríd ic o (Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1983, p. 7), explicita: "a lógica do jurista é uma lógica m aterial que, com fundam ento na lógica form al e dentro dos quadros desta, por um lado, e em combinação com a m etodologia jurídica especial por outro lado, deve mostrar como é que nos assuntos jurídicos se alcançam juízos ‘verdadeiros ou justos' (corretos) ou pelo menos 'defensáveis'. Uma lógica e metódica do jurista assim entendida não é uma 'técnica' que ensine artifícios conceituais com cujo auxilio se possam dom inar do modo mais expe­ dito possível as tarefas de pensamento que se deparam ao estudioso do direito. Ela tam bém não é psicológica ou sociologia da heurística jurídica, a qual indaga como se conduzem de fato as pessoas na prática cotidiana ao adquirirem pontos de vista jurídicos. Constituem antes reflexão sobre o processo de conhecim ento jurídico especificamente correto, o que não é coisa de fácil penetração. Ela esforça-se por alcançar (nos limites do que ao conhecim ento hum ano é possível) a m eta de descobrir a 'verdade' e em itir juízos conclusivamente fundados". Não quero nesta oportunidade discutir e com entar cada uma das inovações do novo Código, mesmo porque, no decorrer da obra, em cada artigo o leitor terá acesso tanto ao histórico do dispo­ sitivo como a com entário sobre a doutrina e ainda algumas sugestões para o aprim oram ento do texto, impossíveis de terem sido feitas antes da votação e da sanção pelas razões regimentais fa rta ­ m ente explicadas. Reuni em meu escritório um grupo de notáveis juristas para, neste livro, em conjunto com o relator, discutirmos, tem a por tem a, o que ainda pode ser feito para aprim orar o texto, transform an­ do as sugestões acatadas em projetos de lei, a serem por m im apresentados à Câmara dos Deputados, os quais, se aprovados ainda no decorrer do ano de 2002, deverão entrar em vigor concom itantem ente com o novo Código Civil, ao fim da v a e a tio legis. Na Parte Geral contribuiu a Professora M aria Helena Diniz; na parte das Obrigações, o advo­ gado e jurista M ário Luiz Delgado Régis; na parte dos Contratos, o Desembargador Jones Figueirédo Alves; na parte da Responsabilidade Civil, a Professora Regina Beatriz Tavares da Silva; no Direito de Empresa, eu mesmo; no Direito das Coisas, os Professores Carlos Alberto Dabus M a lu f e Joel Dias Figueira Jr.; no Direito de Família, a Professora Regina Beatriz Tavares da Silva e o Juiz Alexandre Guedes Alcoforado Assunção, e, no Direito das Sucessões, o Professor Zeno Veloso.

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Antes de encerrar esta apresentação, perm ita-m e o leitor apenas fazer alguns comentários resumidos sobre os tópicos relevantes em cada um dos livros do novo Código e que serão com enta­ dos por cada um dos autores. Logo na P arte Geral, deparamos com questão da mais alta relevância, que tem reflexo em toda a sociedade civil. Trata-se da maioridade civil, que era atingida aos 21 e passa a ser aos 18 anos. Outra novidade é que o Código passa a dispor sobre os chamados direitos da personalidade, aí inclu­ ídos o direito à integridade do próprio corpo, o direito ao nome, que não pode ser utilizado com er­ cialm ente por ninguém sem a autorização da pessoa, o direito à privacidade etc. E diz mais, diz que a proteção a esses direitos tam bém se aplica à pessoa jurídica (art. 52). 0 Código tam bém procurou dar aos institutos que disciplina o tratam ento mais técnico possível. Assim, passa a estabelecer dis­ tinções que o Código anterior nâo fazia, a exemplo da diferença entre prescrição e decadência, ato jurídico e negócio jurídico, invalidade e ineficácia etc. Ainda na Parte Geral, o Código cria dois novos institutos: a le sã o (a rt. 157)e o e sta d o de p e rig o (a rt. 156), que dão causa à invalidação de qualquer negócio jurídico. No d ire ito das obrigações, podemos citar como novidades a inserção da disciplina da assunção de divida (arts. 299 a 303), o fim da lim itação dos juros de mora em 69b ao ano, lim ite que é substi­ tuído pelo m áximo que estiver sendo cobrado pela Fazenda Nacional pela mora nos pagamentos dos tributos federais, o estabelecim ento da função social do contrato e da b oa-fé objetiva como normas genéricas a serem observadas em todos os contratos, a positivaçáo da teoria da imprevisão nos con­ tratos civis, mesmo que não envolvam relação de consumo (art. 478), o delineam ento do contrato de adesão, resguardando a posição do aderente, nâo só em vista de "cláusulas ambíguas ou contra­ ditórias" como ao proibir "a renúncia antecipada a direito resultante da natureza do negócio" (arts. 4 2 3 e 424), entre várias outras. 0 livro concernente ao d ire ito de em presa, que constitui o Livro II da Parte Especial, é outra novidade im portante. 0 novo Código revoga toda a primeira parte do Código Comercial, que era de 1850, passando a disciplinar em capitulo próprio quem pode ser empresário, o que é estabelecimen­ to, o que é empresa, suas form as e modos de constituição etc. Passa a regulam entar em detalhes as sociedades limitadas, carentes de regram ento preciso e atual, fixa a responsabilidade do adm inistra­ dor da empresa, que, sócio ou nâo, responderá solidariam ente pelos prejuízos que a empresa causar à sociedade ou à população em geral. Além disso, corrigimos o conceito de sociedade anônim a, que guardava incom patibilidade jurídica evidente com os institutos e conceitos jurídicos presentes na vigente Lei das S/A ao se referir unicamente às ações com valor nom inal, excluindo, por conseqüência, as ações que nâo têm valor nom inal e que hoje representam ampla m aioria nas companhias abertas. 0 mesmo fizemos com o conceito de sociedade controlada, que vinha sendo objeto de criticas exa­ cerbadas da doutrina especializada, pois estabelecia que o controle seria baseado apenas na titu la ­ ridade da maioria simples do capital social, quando a situação de controle, hoje em dia, pode ser atingida com a titularidade de pouco mais de 169b das ações ordinárias com direito a voto, a fig u rando-se inteiram ente defasada a concepção de que as relações de controle fiquem adstritas à maioria do capital social, independentem ente da espécie das ações. Adaptamos, pois, a definição de acionista controlador ao enunciado pelo art. 116 da Lei das S/A, impedindo, assim, que o novo Códi­ go Civil entrasse em vigor apresentando inafastável defasagem diante das normas especiais super­ venientes a sua elaboração. No d ire ito das coisas, temos que o novo Código torna o direito de propriedade mais social, incorporando todos os avanços surgidos nos últim os anos, visando a maior socialização do direito de propriedade. Além de dim inuir os prazos de usucapião, amplia o instituto, estabelecendo uma m o­ dalidade de usucapião social, quando um grupo grande de pessoas usa por mais de cinco anos um imóvel, dando-lhe destinação de interesse social (art. 1.228). Também estabelece a possibilidade da perda do imóvel, ao se presumir abandonado, e, em razão disso, a de poder ser transferido ao patri­ mônio do município, sem direito a qualquer indenização, o imóvel, urbano ou rural, em débito com

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o Fisco, desde que a posse nào esteja sendo exercida pelo proprietário. Na disciplina do condomínio, estabelece, por exemplo, que o condômino que criar incom patibilidade de convivência com os outros moradores pode ser m ultado (art. 1.337). Em todos os dispositivos atinentes ao d ire ito de fa m ília , o novo Código procura assegurar a completa igualdade entre os cônjuges, chegando, inclusive, a substituir a expressão "pátrio poder" por "poder fam iliar", a ser exercido igualm ente pela m ulher e pelo marido; define a união estável como instituto interm ediário entre o concubinato e o casamento; com relação à filiação, acaba com a desigualdade entre os filhos, que passam a ser totalm ente equiparados, inclusive os adotivos; su­ prime o texto que hoje em dia consta do inciso IV do art. 219 do Código Civil de 1916, que permitia ao m arido pedir a anulação do casamento se descobrisse que a m ulher não era mais virgem. São isentas todas as custas do casamento para as pessoas que se declararem pobres (art. 1.512). Também o marido poderá acrescer o sobrenome da m ulher; a direção da sociedade conjugal com pete igual­ m ente a ambos os cônjuges, sendo que as divergências serão resolvidas em juizo; a guarda dos filhos na separação não fica necessariamente com a mãe, mas com quem tiver melhores condições de exercê-la; o regime de bens, que era irrevogável, pode vir a ser alterado no curso do casamento, por decisão judicial. Não só o casamento, mas tam bém a união estável e o concubinato da pessoa que recebe alimentos, faz cessar a obrigação alim entar. Am ainam os os efeitos da culpa na separação litigiosa, perm itindo que mesmo o cônjuge declarado culpado possa, em alguns casos, continuar a usar o sobrenome do outro. Modernizamos o instituto da união estável, perm itindo que se constitua mesmo entre pessoas impedidas de casar, desde que separadas de fa to , ao mesmo tem po em que erigimos o companheiro a um patam ar quase igual ao do cônjuge. Demos tam bém nova conform a­ ção ao casamento, cujo objetivo deixa de ser apenas a constituição da fam ília, que pode ser form a­ da de outras formas, mas passa a ser o de estabelecer uma com unhão de vida entre os cônjuges. Proibimos o Estado de intervir na fam ília, salvo para sua proteção e para propiciar recursos educa­ cionais e científicos, a exemplo do planejam ento fam iliar, que será, entretanto, livre decisão do casal, mesmo porque o Estado não tem o direito de tu telar os sentimentos e as relações intim as dos indi­ víduos. A abordagem legislativa da fam ília tem de ser clara no estabelecimento de princípios e na definição de institutos e seus conteúdos, sem, contudo, apresentar fórm ulas herméticas que desco­ nheçam a dinâmica social. Quando o legislador pretende imiscuir-se nas relações intimas dos m em­ bros da fam ília, corre o risco de ser até obsceno, sem qualquer vantagem de ordem prática. Existe uma barreira ética, para a qual o legislador deve estar atento. Ultrapassá-la pode representar cons­ trangim entos e desagregação do mais im portante organismo social. No d ire ito das sucessões, ocorreu inovação na ordem de vocação hereditária: o cônjuge so­ brevivente passa a figurar na ordem de sucessão em concorrência com os descendentes e ascen­ dentes do de cujus. Houve tam bém sensível simplificação do ato de testar, uma vez que o testam en­ to particular passa a poder ser escrito de próprio punho ou digitado, bastando três testemunhas, ou mesmo sem testem unha algum a, devendo, nesse caso, ser posteriormente confirm ado por um juiz. São apenas, caro leitor, alguns poucos exemplos das grandes transform ações operadas no ordenam ento jurídico pátrio com a entrada em vigor deste novo Código. Finalizando, não posso deixar de reconhecer que um trabalho dessa m agnitude, com mais de 2.000 artigos, nào se pode esperar perfeito. É claro que haverá imperfeições, falhas, omissões. Mas essas imperfeições são justam ente o apanágio de toda a obra hum ana e daquele principio que é um dos mais verdadeiros da sabedoria popular: "É m elhor te r o bom do que esperar o ótim o", porque raram ente se chega ao ótim o. Pena que algumas dessas criticas, que são verdadeiras, corretas, não tenham sido feitas antes, tendo em vista aquele nosso vício de, quando chamados a colaborar, não colaborarmos, e, depois, quando vemos sair o trabalho elaborado, todos nós nos tornarm os críticos. Creio, todavia, como sempre lembra e ressalta com propriedade o M inistro Moreira Alves, que, com o decorrer do tem po, as arestas, as insuficiências serão polidas pelo trabalho da doutrina e da jurisprudência. Com o tem po, à semelhança do que ocorre com os vinhos, os Códigos vão m elhoran­

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do, vão adaptando sua aplicação à vida e, consequentemente, no fim de certo tem po, tornar-se-ão o Código com que sonhamos, e até mesmo aqueles que no inicio foram contrários passarão a gostar dele. 0 mais im portante de tudo é que a feitura do novo Código provocou uma reavaliação das normas incidentes sobre a vida privada, liberando a sociedade brasileira do engessamento, do exa­ gerado positivismo a que estava submetida, embora sob o império de um m onum ento legislativo, sem dúvida grandioso à época de sua elaboração, porém já alquebrado pelo tem po e em parte des­ virtuado pelas diversas e sucessivas leis esparsas que revogaram dispositivos do antigo Código sem a ele se incorporar. Devo adm itir com hum ildade que não foram pequenas as inquietações que me atorm entaram em face da responsabilidade de que fui form alm ente investido, relativam ente à atualização do Có­ digo Civil brasileiro. Esses sentimentos, entretanto, não me perm itiram escapar à luta para que o novo Código fosse o m elhor possível. Regozijo-me, pois, de haver colaborado para a eclosão desse am plo debate sobre uma questão tão pouco versada pelo povo, que é o Direito, ou seja, a vida jurídica da Nação. R icardo Fiuza

D E C R E T O -L E I N. 4 . 6 5 7 , DE 4 DE SE T E M B R O DE 1 9 4 2 * “LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NO RM AS DO DIREITO BRASILEIRO" (ANTIGA LICC - LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL)

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o a r t 180 da Consti­ tuição, decreta: Art. \- Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada. § l- Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia 3 (três) meses depois de oficialmente publicada. § 2- (Revogado pela Lei n. 12.036, de I o-10-2009.) • "A vigência das leis, que os governos estaduais elaborem por autorização do Governo Federal, depende da aprovação deste e começará no prazo que a legislação estadual fixar". § 3? Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova pu­ blicação. § 4- As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova. • Nosso Código Civil revogado, de 1« de janeiro de 1916, começou a vigorar no dia 1° de janeiro de 1917, e, com ele, a Lei de Introdução. Entretanto, esta já foi revogada, estando em vigor, atualmente, o Dec.-Lei n. 4.657/42, regendo a matéria. Esta nova Lei de Introdução originou-se de um Projeto elaborado por uma comissão formada pelos Ministros Orosimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães. • A Lei de Introdução, embora venha anexa, apesar de ser assim chamada, nào é mera lei "intro­ dutória" ao Código Civil, nem tem com ele ligação necessária ou exclusiva. Rigorosamente falando, não é uma "lei de introdução". É lei autônoma, independente, editando princípios e regras sobre todas as normas, a respeito das leis em geral. Na verdade, como queria Freitas, como propôs Valladâo, é lei geral de aplicação, no tempo e no espaço, das normas jurídicas, sejam de direito público ou de direito privado. Portanto, é uma lex legum, conjunto de normas sobre normas, um direito sobre direito (sobredireito - Ü berrecht - surdroit), enfim, um código de normas. Enuncia Pontes de Miranda que a palavra portuguesa que melhor traduz Überrecht é "sobredireito", advertindo que "nào se trata de direito superlativo, de direito hipertrofiado, a que serviria, com mais exatidão, a expressão "superdireito"; mas de direito que está por sobre outro direito, que dita regras a outro direito, que é direito sobre direito" (in Com entários à C onstituição de 1946. Rio de Janeiro, Henrique Cahen Ed., 1947. v. I, Cap. I, Seção III, § 3, p. 66). Normas de sobredireito. cm suma, sào regras a respeito da incidência das leis; sào leis sobre leis. • Com a entrada em vigor do Código Civil novo, em 11 de janeiro de 2003, nada mudou quanto ao assunto. A Lei de Introdução de 1942 continua vigorando. É, agora, a Lei de Introdução ao

* Publicado no Diário Oficial da União, de 9 de setembro de 1942. Retificado em 8 de outubro de 1942 e em 17 de junho de 1943.

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Código Civil (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) que sucedeu o anterior. Sobre o dia cm que entrou em vigor o Código Civil, sugiro a leitura do meticuloso estudo de Mário Luiz Delgado - Problemas de d ire ito in te rte m p o ro l no Código Civil, Sào Paulo, Saraiva, 2004, p. 45. 0 inicio da vigência da lei está previsto neste artigo: salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar cm todo o Pais 45 dias depois de oficialmente publicada. Para começar a viger, para se tornar obrigatória, a lei tem de ser publicada. A finalidade da publicação é garantir, ao menos potencialmente, que a lei seja conhecida por todos os que estarão sujeitos a seus comandos. A lei só existe, juridicamente como tal, com a sua publicação no D iário O ficial. Lei secreta ou lei clandestina, já escrevia Paulo de Lacerda, em 1918, "assume proporção de monstruosidade e absurdo". Vacatio legis é o prazo fixado para que a lei entre em vigor, ou, dizendo de outra forma, é o tempo que medeia entre a publicação e o inicio da vigência de uma lei. Esse período de espe­ ra, em regra, é de 45 dias. Mas a Lei de Introdução admite disposição em contrário. Assim, a lei pode declarar que entra em vigor num prazo maior ou menor do que o de 45 dias. 0 anti­ go Código Civil, por exemplo, teve vacatio legis de 1 ano; o Código de Defesa do Consumidor, de 180 dias; o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 90 dias; o novo Código Civil, de 1 ano. Observe-se que, embora promulgada e publicada, se estiver transcorrendo o prazo da vacatio legis, a lei nova ainda nâo tem autoridade imperativa, ainda nâo a d q u iriu força obrigatória. Sc a lei nova modificava ou revogava lei anterior, é esta que ainda vigora e comanda, no pe­ ríodo da vacância da lei posterior. Entre a publicação c o inicio da vigência (obrigatoriedade) da nova lei, a relação jurídica fica sob a égide da lei anterior (a que ainda vigora e obriga). A cessação da eficácia de uma lei não se dá, automaticamente, com a publicação da lei que a revoga, mas na data que a lei revogadora começa a vigorar e se torna obrigatória. A não ser no caso cm que a lei revogadora entra em vigor na mesma dota de sua publicação. Enquanto não se exaure a vacatio legis da lei nova, esta já existe, ingressou no mundo jurídico, mas ainda não adquiriu eficácia, espera o momento para produzir efeitos. A lei antiga, que foi revogada pela mais recente, no periodo de vacância desta, continua vigorando. Embora a lei velha se ache moribunda, mesmo que esteja dando os seus últimos suspiros, na iminência de morrer, ainda está viva, e são válidos os atos praticados em consonância com seus preceitos. Enfim, no periodo da vacatio legis, é a lei anterior que tem de ser seguida; a lei nova já nasceu, mas aguarda a oportunidade para começar a vigorar. A lei que revoga a lei anterior, se nâo tiver fixado outro prazo para o começo de sua vigência, só começa a vigorar 45 dias após a data de sua publicação (UCC, art. 1°, caput), observando-se, para a contagem do prazo, o es­ tatuído no art. 8o, § 1o, da Lei Complementar n. 95/98 (com a redação da Lei Complementar n. 107/2001). No § 1o do art. 1o, a Lei de Introdução prevê que, nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia 3 meses depois de oficialmente publicada. Em alguns casos, pode a lei nacional incidir no estrangeiro, como a que trata de atribuições de ministros, cônsules, embaixadores, funcionários de representações diplomáticas, bem como nos casos em que a lei brasileira, por força de normas do direito internacional (público e pri­ vado), deva ser aplicada no exterior. No § 2a do art. 1°, a Lei de Introdução previa que a vigência das leis, que os Governos Estadu­ ais elaborem por autorização do Governo Federal, depende da aprovação deste c começará no prazo que a legislação estadual fixar. Esta regra se referia a assunto tratado na Constituição de 1937, cujo a r t 17 admitia que a União delegasse aos Estados a faculdade de legislar sobre matérias de sua competência exclu­ siva. Porém, com o advento da Constituição de 1946, e nas subsequentes Constituições, esta possibilidade de delegação não existe mais. Em conseqüência, é inaplicávcl, perdeu eficácia, completamente, o § 2® do art. 1°, acima mencionado. Desde 1946, portanto, não tem mais sentido ou razão o a r t 1®, § 2®. da Lei de Introdução. Não vigora mais. Passado tão longo tempo, ninguém se preocupou cm tirá-lo do texto legal, o que evitaria dúvidas.

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• Pode ocorrer de, no período da vacatio Icgis, isto é, no tempo em que a lei já foi publicada e ainda não entrou em vigor, verificar-se que ela contém erros, defeitos, desvios. A possibilida­ de desta verificação, cm tempo oportuno, é outra vantagem de existir vacatio legis. Detecta­ do o erro, o texto da lei será objeto de nova publicação, com as correções. Neste caso, o prazo da vacatio Icgis começará a correr da nova publicação. Inicia-se uma nova vacatio, a partir da data da publicação repetida, anulando-se o prazo que tinha transcorrido da primeira pu­ blicação (LINDB - antiga LICC, art. 1o, § 3o). • Se, todavia, a lei entrou em vigor na data de sua publicação, ou o prazo da vacatio já trans­ correu, é lei vigente, é lei obrigatória, sendo inadmissível uma nova publicação de seu texto, para efeito de corrigi-lo. Só uma nova lei poderá corrigir os erros da anterior, que já estava em vigor (LINDB - antiga UCC, a r t 1o, § 4o).

Art. 2? Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modi­ fique ou revogue. § 1- A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2- A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3? Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. • Vem expresso, neste dispositivo, o principio da continuidade das leis. Assim, então, durante o tempo em que a lei fizer parte do ordenamento jurídico (vigência), é imperativa, tem força obrigatória (vigor). • As leis podem ser temporárias, como as orçamentárias, as que mencionam a data em que cessará a sua vigência, as que regulam uma situação que terminará de existir (leis emergenciais). Fora esses casos, a lei vigente é obrigatória e aplicável até que outra a modifique (derrogação) ou revogue. No geral dos casos, as leis sào feitas para vigorar durante um tempo mais ou menos longo. Sem o intuito de serem eternas - que nada no mundo terreno é eterno - , elas contêm, sem dúvida, o propósito de perenidade. Toda lei, entretanto, é revogável. A alteração ou modificação da ordem jurídica, segundo as necessidades sociais, é sempre possível. Como disse Clóvis: “Uma lei pode impor tudo, menos a sua própria irrevogabilidade". Se o legislador, num arroubo semântico e evidente desatino, ordenasse, num artigo: “Esta lei nào se revoga-, estaria produzindo algo que, além de nulo, seria ridículo e disparatado. • Revogação é modo pelo qual se tira a obrigatoriedade da lei, que, portanto, deixa de vigorar, não incide mais, tornando-se inaplicável. Há duas espécies de revogação: total e parcial. Re­ vogação total (ab-rogaçào) dá-se quando a lei anterior é suprimida inteiramente; revogação parcial (derrogação) é a que torna sem efeito e insubsistente apenas uma parte (algum capi­ tulo, um artigo, um parágrafo etc.) da lei anterior. Lendo o art. 2.045 do Código Civil de 2002, concluímos que ele ab-rogou (revogação total, integral) o Código Civil de 1916 e derrogou (revogação parcial) o Código Comercial de 1850. • A lei ab-roga-se ou derroga-se, já dizia o D igcsto (L, tit. XVI, frag. 102 - dc verborum s ig n ificationc). 0 art. 2o da Lei de Introdução utiliza a expressão “modificar" com o significado de "derrogar" (revogação parcial), c tem recebido criticas por isto. Ficaria melhor se dissesse: “Nào se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a revogue, total ou parcial­ mente". • A revogação pode ser, ainda, expressa c tácita. É expressa a revogação quando a lei posterior declara, direta c explicitamente, que estão extintos e sem mais vigor todos os dispositivos, alguns dispositivos, ou algum dispositivo da lei anterior. A revogação tácita ocorre na hipóte­ se de haver in co m p a tib ilida d e entre a lei posterior e a lei anterior, e esta sai do mundo jurídi­ co, total ou parcialmente, conforme seja completa ou relativa a antinomia, a contradição ou o paradoxo. Revogação tácita dá-se, também, quando a lei nova regula inteiramente a maté-

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ria tratada na lei anterior. Por exemplo: o novo Código Civil regulou inteiramente o condomí­ nio edilicio (arts. 1.331 a 1.358), razào pela qual revogou tacitamente a Lei n. 4.591, de 16-121964, na parte em que esta tratava do condomínio em plano horizontal (prédios de aparta­ mentos, salas, escritórios ou de garagens). E a Lei de Introdução ao Código Civil (Lei de Intro­ dução às Normas do Direito Brasileiro), de 1942, que estamos estudando, não contém cláusu­ la de revogação expressa, mas regulou toda a matéria, revogando a Lei de Introdução de 1916. • A Lei de Introdução anterior estatuía, no art. 4°: a disposição especial não revoga a geral, nem a geral revoga a especial, senão quando a ela, ou ao seu assunto, se referir, alterando-a explí­ cita ou implicitamente. A Lei de Introdução vigente, art. 2o, § 2o, afirma: "A lei nova, que es­ tabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior". Afinal, o que prevalece é o critério da incom patibilidade, já consagrado no art. 2®, § 1®. Se a lei nova é compatível com a lei velha, as duas irão regular o mesmo assunto, devendo o intér­ prete associá-las, acomodá-las. Por este aspecto, o § 2° do a r t 2o da Lei de Introdução já es­ tava contido no preceito anterior c, por tal motivo, é redundante. • É oportuno fazer uma outra observação sobre este tema: a lei revogada, obviamente, não é mais obrigatória, não tem mais poder ou força vinculante. Deixou de vigorar, simplesmente, não incide mais sobre as relações humanas, cessou a sua eficácia, que foi substituída pela da lei revogadora. Mas, até o momento em que foi revogada, a lei vigorou, é claro, foi obrigató­ ria, regeu, decidiu situações no meio social. A revogação, como disse, tem efeito ex nunc, dai para a frente, não retroagindo, para desfazer o que no passado foi construído. Assim, a lei revogada continua vinculante, obrigatória, tendo vigor para os casos ocorridos em época anterior à sua retirada do ordenamento jurídico positivo. Dá-se, pois, a sobrevivência da lei velha, o que se chama ultratividade, uma eficácia residual da lei revogada, exigência da segurança jurídica. A lei revogada e não a lei nova se aplica àquelas relações iniciadas e con­ cluídas ao tempo cm que vigorava a lei anterior, que por ela foram disciplinadas, e cuja exis­ tência jurídica continua na época em que a lei precedente já foi substituída. • Edita o § 3® do art. 2® da Lei de Introdução: “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência". No mesmo sentido, o art. 7®, n. 4, do Código Civil português estatui: "A revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogara". Imaginemos que dado assunto é regulado na lei "A". Posteriormente, a lei "A" é revogada pela lei "B". Depois, a lei “B" é revogada pela lei "C". Tendo sido revogada a lei revogadora, volta a viger a lei "A"? Restaura-se, ipso fa d o , automaticamente, a lei primitiva? Há repristinação, isto é, revive, convalesce a lei "A"? A resposta é não! A lei só é restauradora, restabelecedora, rcpristinatória, quando assim dispuser expressamente. A sucessiva revogação de uma norma, que havia, por sua vez, revogado norma anterior, não faz com que esta ressurja, nem mesmo na hipótese em que não tenham sido editadas regras novas sobre o assunto. Neste caso, surge uma lacuna, um vazio, que terá de ser preenchido pelas outras fontes mencionadas no a r t 4® da Lei de Introdução.

Art. 3? Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. • Uma vez publicada, c tendo entrado em vigor, a lei se torna obrigatória para todos. Ninguém pode se escusar, alegando erro ou ignorância. Como disse Ruy Barbosa: "Pretextada ou real, a ignorância da lei não absolve". Não se deve concluir que o aludido art. 3® da UCC (LINDB) está expressando uma presunção de que todos conhecem as leis. Quem acha isto está conferindo a pecha de inepto ou insen­ sato ao legislador. E ele não é estúpido. Num pais em que há um excesso legislativo, uma su­ perprodução de leis, que a todos atormenta, assombra e confunde - sem contar o número enormissimo de medidas provisórias presumir que todas as leis são conhecidas por todo mundo agrediria a realidade. 0 que pretende o art. 3® é garantir a obrigatoriedade da norma. Os romanos já tinham construído a regra, proclamando:"nemo ju s ignorare c e n s e tu f - "a

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ninguém é permitido ignorar a lei";"ig n o ra n tia c x cu sa tu rn o n ju ris , sed fa c tr - "a ignorância da lei nào escusa, só a de fato". Se fosse permitido que alguém ponderasse que nào conhece a lei, para não obedecer às suas prescrições e ser desculpado do descumprimento, estaria inserida na sociedade a desagregação, a insegurança. Ninguém, praticamente, respeitaria as leis. Há, portanto, um forte motivo, uma alta razào de interesse social justificando o art. 3° da Lei de Introdução. • Registre-se, todavia, como aponta Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de D ireito Civil, 20. ed., v. I, atual, por Maria Celina Bodin de Moraes, Rio de Janeiro, Forense, n. 89, p. 525), que, no estado atual da ciência jurídica, ganha aceitação a tese do erro de direito, como causa de anulação de negócios, desde que o erro tenha sido a razão determinante do mesmo e nào implique a escusativa uma oposição ou recusa à aplicação da lei. 0 error ju ris tem sido admi­ tido, nestes casos. 0 novo Código Civil, art. 139, III, diz que são anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial, considerado como tal o erro de d ire ito (error ju ris), que não implique recusa à aplicação da lei e for o motivo único ou principal do negócio jurídico. Maria Helena Diniz, em comentários ao art. 139, III, neste livro, adverte que para anular o negócio jurídico o erro de direito nào poderá recair sobre norma cogente, mas tão somente sobre normas dispositivas, sujeitas ao livre acordo das partes. Eu próprio já estudei o assunto, no livro Invalidade do Negócio Jurídico - N ulidade c A n u lo b ilidade, publicado em Belo Horizonte, pela Editora Del Rey (2. ed.. 2005, n. 48.5, p. 240). • O princípio da inescusabilidade do desconhecimento da lei, dissemos, decorre de uma neces­ sidade social, é imperativo da ordem, da segurança jurídica. Todos proclamam a sua conveni­ ência e imprescindibilidade. Sem ele, há o risco de implantar-se a balbúrdia, a anarquia. A lei vigente é obrigatória para todos, tem de ser obedecida e cumprida por todos, nào sendo leva­ das em conta as condições subjetivas de cada um. Este é o entendimento de velhez milenar sobre a questão.

Art. 4- Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. • Sou dos que acham que há plenitude no ordenamento jurídico. A ordem jurídica é completa, não tem vazios. 0 direito, como ordenamento global, não pode ter lacunas, nào pode ter vá­ cuos insuperáveis. Já a lei pode ser omissa. Por mais sábio e previdente que seja, o legislador não consegue regular todas as situações que surgirão no meio social. A vida é dinâmica, farta, ágil, criativa; a cada instante, surgem fatos incalculáveis, inimagináveis. As lacunas na lei são inevitáveis; a existência de lacunas é uma fatalidade, como diz Ascensão, meu mestre português. Mesmo diante da omissão da lei - que, em nosso sistema, é a mais alta e nobre forma de re­ velação do direito, salvo as normas constitucionais - o juiz, que é obrigado a dizer o d ire ito (jurisdição), tem de preencher o vazio, colmatar a lacuna. Daí, o art. 126 do Código de Proces­ so Civil: "O juiz nào se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes c aos princípios gerais de direito". Não pode o juiz se pronunciar com um non liq u e t (não está claro), abstendo-se de julgar alegando que nào encontrou na lei solução para o litígio. A denegaçáo de justiça agride direitos fundamentais. Proclama a Cons­ tituição, no inc. XXXV do art. 5®, que a lei nào excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. O inc. LIV, no mesmo art. 5o, estatui que ninguém será privado da liber­ dade ou de seus bens sem o devido processo legal [due process o fla w , originário do direito inglês, no século XIV). O referido art. 126 de nosso CPC prevê a indeclinabilidode do ju risd içã o : o juiz tem de recorrer à lei e aos outros meios de integração - se a lei for obscura ou lacunosa - para decidir, para resolver a lide entre as partes. Diria até que, diante da omissão, da obscuridade ou da indecisão da lei, ai, mesmo, é que o juiz tem o dever de intervir, interpretar, aplicar o direito, sentenciar, despachar, atribuir a cada um o que é seu - suum cuique trib u e re. E com celeridade, que Justiça tardia é Justiça nenhuma. • Falei, acima, nas lacunas da lei c da necessidade de integração para superá-las. Observe-se que somente existe lacuna quando a matéria, sobre a qual a lei silencia, a respeito da qual inexiste regra jurídica, devesse ser regulada pelo direito, merecesse uma disciplina por parte do or-

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denamcnto. Há casos que a lei náo prevê c nem por isto se pode falar em lacuna, se não havia razão para que os mesmos ingressassem no mundo jurídico. São situações juridicamente irre­ levantes, como as chuvas vespertinas que caem cm Belém do Pará, as relações entre comadres e compadres, o comportamento que devem adotar os namorados, o traje que deve ser usado nos batizados, o valor das esmolas que se dão aos pobres etc. Como vimos, o art. 4° da LICC (LINDB) prevê: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito". 0 juiz tem de seguir esta ordem, esta hierarquia entre as formas de revelação do direito, segundo a opinião domi­ nante na doutrina. Mas, conforme diremos adiante, os princípios gerais de direito, na fase atual do conhecimento jurídico, ganharam novo significado, e não podem mais ser compre­ endidos como simples - e última! - fonte supletiva para aplicação do direito. O dispositivo indica que o juiz, para dar solução ao litígio, deve recorrer, em primeiro lugar, à lei. Num sistema de direito escrito, como o nosso, a lei é a principal forma de revelação do direito. O principio da legalidade, entre nós, tem estatura constitucional, dizendo o art. 5o, II, da Carta Magna: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão cm virtude de lei". A lei, então, pode ser omissa, não regular, nem na sua letra, nem no seu espirito, a questão submetida a julgamento. E, embora seja a principal, a lei não é a única fonte do direito obje­ tivo, como já foi mencionado. Para resolver o problema e conferir a prestação jurisdicional, o juiz recorrerá, em falta de lei, à analogia, que consiste em aplicar, ao caso não contemplado de modo direto e específico por uma norma jurídica, uma norma prevista para outra hipótese, mas semelhante ao caso não contemplado. Para utilizar a analogia deve haver identidade de razão, semelhança de motivo. Trata-se de um método de aplicação do direito, de processo lógico para descobrir o que teria pensado o legislador se tivesse regulado, diretamente, o caso concreto. Em Roma, já vigorava o adágio: " u b i eadem legis ratio, ib i eodem d ispositio" - "onde há a mesma razão legal, deve haver a mesma disposição". A rigor, analogia não constitui método de interpretação, mas de aplicação do direito, dai a observação de Carlos Maximiliano: o processo analógico nâo crio direito novo; descobre o já existente (H erm enêutica e Aplicação do Direito, 9. ed., Rio de Ja­ neiro, Forense, 1984, n. 249, p. 214). Sendo omissa a lei, e tendo recorrido sem sucesso á analogia, o juiz decidirá pelo costume, que é o direito nâo escrito {jus non seriptum ), consagrado pelo uso reiterado, com a convicção de sua obrigatoriedade. 0 costume é outra forma de expressão do direito positivo. Representa, aliás, o mais antigo - e já foi o único - meio de revelação do direito. Nos povos primitivos, a exclusiva fonte do di­ reito é o costume, transmitido de geração a geração. A lei escrita, historicamente, veio depois, muito depois. Em Roma, no periodo da realeza, só havia direito costumeiro [ju s eonsuetudinorium )] a pri­ meira lei escrita foi a Lei das XII Tábuas (LexX II Tabularum), contendo dispositivos sobre direi­ to público e direito privado, editada no ano de 451, a.C, e significou a vitória da plebe sobre o patriciado, com o intuito de acabar com a incerteza do direito, os abusos praticados pelos magistrados patrícios, que interpretavam os costumes tradicionalmente estabelecidos contra os interesses da plebe. Na definição de Vicente Ráo, "costume é a regra de conduta criada espontaneamente pela consciência comum do povo, que a observa por modo constante e uniforme e sob a convicção de corresponder a uma necessidade jurídica" (O D ire ito e o Vido dos Direitos, 2. ed., São Pau­ lo, Resenha Universitária, 1976, v. 1°, L II, n. 179, p. 218). Apresenta o costume, pois, dois re­ quisitos, um objetivo, outro subjetivo: o primeiro é o uso prolongado, com caracteres de uniformidade, publicidade, generalidade; o segundo é a convicção de sua obrigatoriedade, a crença de que se está diante de uma norma [o pinio neeessitatis). Tanto quanto a lei, o costume exprime uma norma jurídica. Mas, como vimos, ele resulta de um fato, do uso constante, reiterado, com a convicção de sua obrigatoriedade no meio social. Num litígio, em que o costume jurídico seja invocado por uma das partes, pode a outra con­ testar a existência do mesmo. Se o juiz estiver convencido de que o costume está estabelecido,

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deverá aplicá-lo, até porque, presume-se, o juiz conhece o direito [ju ro n o v it curio), e o cos­ tume é forma de revelação do direito. Há três espécies de costumes: secundum Icgcm, p ra e ter legem e contra legem. Secundum Icgcm é o costume previsto na própria lei, que reconhece sua eficácia obrigatória (cf. Código Civil, arts. 1.297, § 1o; 569, II; 596; 9 6 5 ,1). P raetcr legem é o costume nào previsto ou sancio­ nado diretamente na lei, e que se reveste de caráter supletivo, suprindo a omissão da lei, como referido no art. 4o da UCC (UNDB). Finalmente, costume contra legem é o que se forma em sentido contrário ao da lei. Reconhecida, embora, a grande autoridade do costume, não chega ao ponto de revogar a lei. O desuso (desuetudo) e uso contrário á forma escrita nào têm o poder de revogá-lo. Enfim, uma lei só se revoga por outra lei. Não sendo possível o preenchimento da lacuna da lei com a analogia, nem com o costume, o juiz deverá recorrer aos princípios gerais de direito, que sào os comandos superiores de todo o ordenamento jurídico, os cânones que emergem do direito natural, as regras fundamentais que inspiram c condicionam o ideal de justiça. Na falta de lei ou de costume, esses princípios têm força normativa para resolver o caso concreto, como acentua R. Limongi França. Pode-se, como exemplos, mencionar o principio da autonomia da vontade, nos contratos, o da boa-fé, o da função social da propriedade, o da igualdade, o da moralidade, o da reparação do dano, o de que ninguém pode invocar a própria malícia ou enriquecer ilicitamente, o da dignidade da pessoa humana. Nesta altura, já se vê, nào podemos considerar esses princípios, restritamente, como derradei­ ro recurso no processo de integração do sistema, se faltar a lei, se a analogia nào é possível, e se não há costume regulando a matéria sub judice. É grave equivoco imaginar que o juiz só atenderá aos princípios gerais de direito nas hipóteses em que não há outro meio de resolver a demanda. Os princípios gerais - e muitos deles já foram incorporados à Carta Magna, sendo dotados, portanto, de estatura máxima no ordenamento - não se prestam, somente, para colmatar lacunas, preencher vazios; nào vão ser aplicados subsidiariamente, apenas, assumindo o pálido papel de fontes secundárias. Mas, em qualquer caso, devem ser seguidos, orientar a atuação do magistrado em todas as fases da formação de sua convicção, da constituição de seu juízo deliberativo, indicando-lhe o rumo, a direção, até chegar à sentença. Mesmo que a ação diga respeito a uma situação expressamente prevista na lei, o que vai aplicar o direito precisa bus­ car inspiração e observar os princípios gerais de direito - notadamente os valores e normas constitucionais - , para bem e melhor fazer justiça, sem deslembrar o pressuposto ético, o conteúdo moral das regras. O juiz c os operadores do direito, cm geral, devem conhecer e seguir esta profunda e bela passagem do pensamento de Kant (1724-1804), figura solar da filosofia moderna: “Duas coisas me enchem sempre de novo a alma de admiração e reverência: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim". Destaque-se, no sentido acima exposto, o Título P relim inar do Código Civil espanhol, com a redação da Lei n. 3, de 17 de março de 1973, e do Decreto n. 1.836, de 31 de maio de 1974, e que diz, no art. 1o, 1: “As fontes do ordenamento jurídico espanhol sào a lei, o costume e os princípios gerais do direito". O art. 1°, 4, prevé: "Os princípios gerais do direito se aplicarão na falta de lei ou costume, sem prejuízo de seu ca rá te r in fo rm a d o r do ordenam ento ju ríd ic o " (grifei). Segundo Orlando Gomes [In tro du çã o ao D ireito Civil, 7. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1983, n. 22, p. 39), a jurisprudência, conquanto exerça função relevante na elaboração do direito, concorrendo, freqüentes vezes, para o seu aperfeiçoamento, não é propriamente uma de suas fontes. Caio Mário expòe que não se pode qualificar cientificamente a jurisprudência como fonte formal porque, nos sistemas de direito escrito, a repetição, ainda que iterativa e cons­ tante, do pronunciamento dos tribunais, tem por base a regra legal, e nào a decisão judiciária, em si mesma, mas o autor nào nega à jurisprudência o valor de fonte in fo rm a tiv o ou in te le c­ tu a l do direito (Instituições, ciL. v. I, n. 9, p. 58). A doutrina não é considerada fonte formal do direito. Nào há força vinculante na exposição dos escritores. A opinião ou o parecer de um juriseonsulto, por mais prestigiado que seja, nào se converte em preceito obrigatório. Se a doutrina fosse considerada fonte do direito, se ti­ vesse força normativa equiparada â da lei, as congregações das Faculdades de Direito, as

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Academias de Letras Jurídicas concorreriam com 0 Congresso Nacional, que exerce 0 Poder Legislativo. Não se pode negar, todavia, a importância da obra doutrinária, dos comentários a códigos e leis, dos tratados, das monografias, para a construção e desenvolvimento do direito, gozando de largo prestigio, de autoridade moral, funcionando como fonte indireta do direito. Muitas leis, vários preceitos jurídicos foram formulados a partir das opiniões dos doutores.

Art. 5- Na aplicação da lei, 0 juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. • Este artigo enuncia uma regra de interpretação. Para aplicar a lei (dizer 0 direito), 0 juiz terá, antes, de interpretá-la, descobrir não a vontade do legislador, mas a voluntos legis, a vontade o tu a l da lei, 0 verdadeiro significado, a extensão do seu comando. Como alerta Franceseo Ferrara (in Como a p lica r e in te rp re ta r as leis, trad. Joaquim Campos de Miranda, Belo Hori­ zonte, Lidcr, 2003, p. 23), 0 texto da lei não é mais do que um complexo de palavras escritas que servem para manifestação de vontade, a casca exterior que encerra um pensamento, 0 corpo de um conteúdo espiritual; a missão do intérprete é justamente descobrir 0 conteúdo real da norma jurídica, determinar em toda a plenitude 0 seu valor e, assim, a atividade interpretativa é a operação mais difícil e delicada a que 0 jurista pode dedicar-se, c reclama fino trato, senso apurado, intuição feliz, muita experiência e domínio perfeito nâo só do material positivo, como, também, do espirito de uma legislação. Afinal, toda lei tem de ser interpreta­ da; a aplicação depende da interpretação, de adaptação ao caso concreto. Como adverte Herbert Hart (O conceito de direito, 2. ed., trad. A. Ribeiro Mendes, Lisboa, Fundação Calouste Gulbcnkian, 1994, p. 17), todas as regras têm uma penumbra de incerteza em que 0 juiz tem de escolher entre alternativas. Há um adágio que, embora expresso em latim, não é de origem romana, e que diz: “ in Claris cessat in te rp re ta tio " (nas coisas claras cessa a interpretação). Nada há mais falso que isto! Até porque, para se concluir que é clara a proposição, já se teve uma atitude mental ou intelectual. Para afirmar que é claro, já se interpretou. Ao assegurar que 0 céu é azul. tem-se, antes, ideia do negro, do amarelo, do vermelho, e de outras cores. • A interpretação, como pressuposto da aplicação da lei, deve observar as circunstâncias con­ cretas de cada época, as conjunturas históricas do momento, que podem mudar a direção do texto legal, considerando, especialmente, as exigências de um Estado Democrático de Direito. 0 sentimento social, as aspirações do povo repercutem no significado contemporâneo da lei. 0 contexto legal nâo precisa ser alterado materialmente para que se renove. E nem sempre 0 legislador age com presteza e determinação! A interpretação resolve 0 problema, mas, para tanto, tem de ser evolutiva, deve atualizar, pode rejuvenescer uma redação arcaica e passadista, revelando a vontade da lei na época em que ela vai ser aplicada e não a vontade do pas­ sado, ao tempo em que a lei foi elaborada, que pode ser uma vontade muito diversa da von­ tade do presente. Interpretar é um contínuo pensar, um inevitável repensar. 0 trabalho mental de gerações, os estudos da doutrina, as decisões dos tribunais, os influxos e mutações da vida social dão tamanha força, significado e conteúdo ao texto da lei, que ela passa a ter uma vontade própria, um espirito seu, percorrendo novos caminhos, outros espaços, revelando soluções que não tinham sido cogitadas pelo legislador. Pouco importa 0 que este imaginava e queria no tempo em que a norma foi produzida. 0 fundamental é 0 querido positivamente pela lei, 0 que ela, afinal, almeja e determina, diante das realidades, exigências e valores sociais do momento em que está sendo interpretada e vai ser aplicada. Citado por Miguel Reale, Wach proclama, magistralmente: “A lei pode ser mais sábia do que 0 legislador". • 0 art. 5o da UCC (LINDB) indica um caminho, um rumo para 0 juiz: ele deve atender os fins sociais a que a lei se dirige, às exigências do bem comum. A interpretação, portanto, deve ser axiológica, progressista, na busca daqueles valores, para que a prestação jurisdicional seja democrática e justa, adaptando-se às contingências e mutações sociais. Isso não quer dizer que 0 magistrado deva atuar com indolência, abatimento, flacidez, indul­ gência excessiva ou brandura sem limites, como se fosse Madre Tereza de Calcutá numa toga, e estivesse distribuindo filantropia, favores, esmolas. A proposição de fazer justiça com frouxura ou complacência pode até ser sincera ou altruísta na base, mas é marota, cruel e perver­

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sa na conseqüência, pois tem aumentado a impunidade, estimulado o generalizado descumprimento das leis; essa moleza, essa lassidào é a alegria do crime organizado, o contentamen­ to dos maus pagadores, o deleite dos escroques, a animação dos traficantes, a felicidade dos ladrões de dinheiro público. Se é certo que a justiça não se alcança com rudeza, ódio ou vin­ gança, no final das contas, entre os extremos, ê fácil encontrar a fórmula ideal e salvadora: justiça se faz com justiça! • Maria Helena Diniz [Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, São Paulo, Sa­ raiva, 1994, p. 158) aponta que o art. 5° da Lei de Introdução está a consagrar a equidade como elemento de adaptação e integração da norma ao caso concreto, explicando que a equidade se apresenta como a capacidade que a norma tem de atenuar o seu rigor, adaptando-se ao caso sub judiee. Nesta sua função, a equidade não pretende quebrar a norma, mas ampliá-la às circunstâncias sociovalorativas do fato concreto no instante de sua aplicação. Afinal, repetc-sc a vencranda definição de Aristóteles, de que equidade é a justiça do caso concreto.

Art. 6? A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1- Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. § 2- Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. § 3? Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. • Este artigo teve sua redação determinada pela Lei n. 3.238, de 1a-8-1957. • O art. 6a da Lei de Introdução trata do direito intertemporal, estatuindo que a lei em vigor terá efeito imediato e geral - seguindo, neste ponto, o critério de Roubier - , respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Nos § § 1°, 2a e 3a deste artigo, essas figuras são definidas. O ato jurídico perfeito c a coisa julgada podem ser reconduzidos ao conceito de direito adqui­ rido, que abrange os outros dois institutos. • De minha parte, entendo que o principio da irretroatividade das leis significa princípio da intangibilidade do direito adquirido. Conforme o acento ou preponderância que se queira dar, pode-se falar em principio da irretroatividade ou da retroatividade; no primeiro caso, a lei não pode projetar-se para o passado, se se apresenta direito adquirido; no segundo, a lei regula situações pretéritas, se não representam direito adquirido. Como diz Mário Luiz Delgado, o principio constitucional atualmente positivado é o da "retroatividade limitada". A lei é irretroativa no sentido de que não pode voltar-se para o tempo anterior e reger casos pretéritos que já estejam acobertados pelo direito adquirido. Fora disso, a lei em vigor tem efeito imediato e geral, regula o que encontra, o que vai ocorrer futuramente e, inclusive, o que vem do passa­ do, se o que vem da época antecedente nào é direito adquirido (utilizada, aqui, a expressão, em sentido lato, abrangendo as duas outras figuras, de ato jurídico perfeito e de coisa julgada). • A lei que entra em vigor tem efeito imediato e geral, regulando, em principio, somente os casos futuros. 0 Código Civil francês, art. 2a, expõe o principio geral da não retroatividade das leis: mLa lo i ne dispose que p o u r 1'avenir; elle ría p o in t d 'e ffe t ré tro a c tií, ou, em vernáculo: "A lei só dispõe para o futuro; não tem ela efeito retroativo". Em regra, a lei nova não atinge os fatos passados (fa cta praeterita), existindo um broeardo latino que exprime esta circuns­ tância: lex prospieit, non respicit - a lei prevê, não é retrospectiva. Porém, se o que vem do passado ainda não está consolidado, se é ato ainda em formação, se não está definitivamente constituído, a lei nova o apanha e rege. O principio da irretroatividade da lei não significa, então, que as leis jamais regulam o passado, porém, que elas nào retroagem para prejudicar o direito adquirido - que, como já disse, compreende as duas outras figuras: o ato jurídico

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perfeito e a coisa julgada. Vale repetir a lição de Agostinho Alvim (C om entários ao Código Civil, Sào Paulo, Jurídica e Universitária, 1968, p. 41): a lei tem efeito imediato, a saber, rege não só os casos novos que surgirem, como também os que vêm do passado; mas, com relação a estes, é indispensável que não haja direito adquirido, ato jurídico perfeito ou coisa julgada. As leis, portanto, retroagem. O que se impugna é a retroatividade condenável, injusta, sendo que, em nosso direito, é inadmissível a retroatividade que prejudique o direito adquirido, como está na Constituição. • A irretroatividade da lei, diante do direito adquirido, no Brasil, é principio constitucional, es­ tatuindo o art. 5o, XXXVI, da Carta Magna: "A lei nào prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Como diz Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Com entários à C onstituição Brasileira de 1988, São Paulo, Saraiva, 1990, v. 1, p. 55), este dispositivo tem por objetivo dar segurança e certeza às relações jurídicas, consequentemente aos direitos assumi­ dos pelos indivíduos na vida social. Como a proteção do direito adquirido, em nossa Consti­ tuição, integra o elenco dos direitos e garantias individuais, constitui "cláusula pétrea", integra o núcleo imodificável da Carta Magna, vale dizer, nào pode ser abolida, nem mesmo por emenda constitucional (cf. art. 60, § 4o, IV, da Lei Fundamental). E se o tema é regulado na Constituição, em norma de eficácia máxima, nào havia necessidade de estar repetido na Lei de Introdução, de hierarquia inferior. Nos Estados Unidos da América do Norte, a Constituição de 17 de setembro de 1787, art. I o, seção 9, proíbe a ediçào de leis retroativas: "No bill of Attainder or e x p o s t faeto law shall bc passed". • A doutrina dominante adota a tese de que o efeito imediato da lei nova estanca diante dos efeitos futuros dos atos c negócios jurídicos celebrados sob a égide da lei antiga, que por esta continuam governados. A retroatividade, inclusive a mínima, não é admitida. A garantia cons­ titucional do ato jurídico perfeito abrange os efeitos futuros desse ato, mesmo que haja mudança de legislação. • 0 que é garantido constitucionalmente é o direito adquirido, ou seja, o que já está formado, concluído, e ingressou definitivamente no patrimônio material ou moral de seu titular, mesmo que este não o tenha, ainda, exercido, e é bom não confundir aquisição com exercício do di­ reito. Podemos adquirir sem exercer, o que nào quer dizer que não se adquiriu; mas não se pode, legitimamente, exercer direito sem tê-lo adquirido. Como expõe José Afonso da Silva (Curso de D ire ito C o n stitu cio n al Positivo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2004, p. 432), se o direito subjetivo nào foi exercido, vindo a lei nova, transforma-se em d ire ito adquirido, porque era direito exercitável e exigivel à vontade de seu titular: "Incorporou-se no seu patrimônio, para ser exercido quando convier. A lei nova não pode prejudicá-lo, só pelo fato de o titular nào o ter exercido antes". • A expectativa de d ire ito é outra coisa: significa direito em formação, ainda não consumado, que poderá futuramente fazer parte do patrimônio do agente. 0 direito adquirido, vimos, é o que já se consumou, já existe, que não prescinde de coisa alguma, que pode ser exercido. A expectativa de direito é um estágio prévio, a situação em curso, em formação, ainda não concluída, em que o direito aguarda, pende, espera; está no caminho da aquisição, mas nào chegou ao fim, não há aquisição, ainda, o suporte fático nào foi totalmente preenchido. M ui­ to, ou pouco, mas algo falta. Por isso, é expectativa, algo embrionário, e nào direito. Pontes de Miranda ( Tratado de d ire ito privado, 2. ed., Rio de Janeiro, Borsoi, 1955, t. V, § 578, p. 295) ensina que a expectativa simples é fática, ainda nào entrou no mundo jurídico, posto que se componha de alguns elementos do mundo jurídico a razão de se esperar. Desenvolvi o tema em meu livro, Com entários à Lei de Introdução ao Código Civil - a rtig o s 1o a &>, 2. ed., Belém, Unama, 2006, n. 55, p. 141. • Um dos princípios constitucionais mais altos, significativos e importantes, de saliente interes­ se público, é o do respeito, da imutabilidade, da intangibilidade da coisa julgada (res ju d ica ta ). Em nível infraconstitucional, o art. 468 do CPC estatui que a sentença - de mérito - que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas. A decisão judicial nào mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário denomina-se coisa ju lg a d a m aterial, sua eficácia é plena e permanente, torna imutável e indiscutível a sentença.

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Nem a lei pode alterar ou modificar a coisa julgada (CF, art. 5*. XXXVI; LINDB, art. 6o). Se alguém, teimosamente, insiste, ingressa eom ação sobre tema que já foi decidido e está acobertado pela coisa julgada material, o processo vai ser extinto, sem julgamento do mérito (CPC, art. 267, V); o autor, ainda, pode ser caracterizado como litigante de m á-fé (CPC, art. 17). Não haveria certeza do direito, paz social, segurança jurídica, se fosse afastada a garantia da coisa julgada. Contra sentença (ou decisão) de mérito transitada cm julgado, não cabe recurso, obviamente, mas a sentença pode ser rescindido (anulada), nos estritos casos referidos no art. 485 do CPC (ação rescisória). Há muita diferença e não se confundem recurso c ação rescisória. • Entretanto, está surgindo na doutrina de ponta a tese da “relativizaçào" da coisa julgada, para remediar situações flagrantemente absurdas ou injustas, observando-se a cautela e discrição que devem presidir essa tentativa de revisão de um conceito secularmente estratificado. Os limites deste livro não permitem um desenvolvimento maior do estimulante e acirrado as­ sunto. • Afirma-se que não há direito adquirido contra a Constituição, principio que o próprio STF já exprimiu, em acórdão [RTJ, 67/327; 71/461 e 140/1008). E isto é verdade, considerando-se a Carta Magna originária. Como a Constituição, em conseqüência de uma revolução ou de grave ruptura, institui uma nova ordem jurídica, sendo o fundamento de validade de todas as normas, colocando-se no ápice da pirâmide jurídica, como disse Hans Kelsen, e dotada de supremacia, não pode, realmente, estancar diante de direitos constituídos no regime anterior, caduco, revogado, substituído. Mas as emendas constitucionais, embora sejam normas cons­ titucionais, são elaboradas pelo constituinte derivado ou de segundo grau. Não pelo consti­ tuinte originário. As emendas constitucionais têm de respeitar, sem dúvida, o principio do direito adquirido. É inconstitucional emenda à Constituição que desrespeita esta garantia (ver art. 60, § 4°, IV, da Constituição Federal).

Art. T- A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o co­ meço e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. § Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. § 2? O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes. • § 2° com redação determinada pela Lei n. 3.238, de 1°-8-l957.

§ 3? Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal. § 4? O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílios, e, se este for diverso, à do primeiro domicílio conjugal. § 5? 0 estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os di­ reitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro. • § 5o com redação determinada pela Lei n. 6.515, de 26-8-1977.

§ 6 - 0 divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzi­ rá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças

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estrangeiras no País. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais. • § 6o com redação determinada pela Lei n. 12.036, de 1°-10-2009. • Pela EC n. 45/2004 a competência homologatória é do STJ. • Artigo parcialmente revogado pela CF, art. 226, § 6o, com a redação da EC n. 66/2010.

§ T- Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda. § 8? Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre. • l e x d o m icilii". Atualmente, no Brasil, cm razão do disposto no artigo sub examine, funda-se 0 estatuto pessoal na lei do domicilio ou na sede jurídica da pessoa, ou seja, na lei do país onde estiver domiciliada. A qualificação do domicílio será dada pela lex forr, logo o magistrado terá de saber, conforme o Código Civil (art. 70) qual o lugar onde a pessoa estabeleceu sua resi­ dência com ânimo definitivo. Existindo o dado dom icilio, operar-se-á a conexão para efeito da aplicabilidade da norma do pais em que a pessoa tiver domicilio. Regem-se pela lex d o m ic iliio começo e fim da personalidade, o nome, a capacidade (de direito e de fato) e os direitos de família, que constituem o estado civil. • "Lex loei eelebrationis" e casamento. 0 casamento celebrar-se-á de conformidade com as solenidades impostas pela lex lo c i eelebrationis, mesmo quando for diferente a forma orde­ nada pela lei pessoal dos nubentes. Realizando-se as núpcias no Brasil, a habilitação matrimo­ nial e as formalidades do casamento reger-se-ào pelos arts. 1.525 a 1.542 do nosso Código Civil, mesmo que os nubentes sejam estrangeiros. Os impedimentos matrimoniais (CC, art. 1.521, 1 a VII), cuja infração conduz à nulidade do matrimônio, deverão ser respeitados; o mesmo se diga dos casos de anulabilidade do casamento (CC, art. 1.550), ainda que conflitem com a lei pessoal dos nubentes. • Casamento de estrangeiros perante autoridade d ip lo m á tica ou consular. Consagrando-se o critério da nacionalidade, permitido estará que nubentes conacionais, casando-se fora de sua pátria, recorram ao agente consular ou diplomático do seu Estado, para, perante ele, unindo-se matrimonialmente segundo a forma da lei pessoal, se subtraírem à ação da autoridade local c às exigências legais do país em que se encontram. • Invalidade de casam ento de pessoas com dom icílios diferentes. A regra é a aplicação da lex d o m ic ilii dos nubentes, se o tiverem em comum. Não o tendo, a invalidade matrimonial, quan­ to à substância, reger-se-á pela lei do primeiro domicilio conjugal, ou seja, o estabelecido logo após o casamento. • Lei disciplinadora das relações p a trim o n ia is entre cônjuges. 0 art. 7°, § 4*. sub examine, impõe, para o regime matrimonial de bens (legal ou convencional), como elemento de conexão a lex d o m ic ilii dos nubentes à época do ato nupcial, ou a do primeiro domicilio conjugal, que de­ corre do casamento, cuja fixação dependerá do casal, se os noivos não tiverem, por ocasião do matrimônio, o mesmo domicílio. • Regime m a trim o n ia l de bens de brasileiro naturalizado. No âmbito do direito internacional privado é inoperante qualquer alteração posterior do domicilio, para modificar, arbitrariamen­ te, o regime matrimonial segundo a lei do domicílio comum a que o casal se submeteu, ante o principio da mutabilidade justificada do regime de bens. Assim sendo, estrangeiro naturali­ zado brasileiro poderá adotar, com expressa anuência de seu cônjuge, a comunhão parcial de bens, resguardando os direitos de terceiros anteriores à concessão da naturalização, efetuan­ do-se o competente registro. • Divórcio realizado no estrangeiro e seu reconhecim ento no Brasil. 0 divórcio de cônjuges estrangeiros, domiciliados no Brasil, é reconhecido no nosso pais, e se se tratar de divórcio efetivado no estrangeiro, sendo um ou ambos os cônjuges brasileiros, será admitido, no Brasil, mesmo sem o decurso do prazo de carência de um ano (CF/88, art. 226, § 6o, com a redação

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da EC n. 66/2010) da data da sentença, e sem ter sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação terá efeito imediato, desde que se obedeçam às condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no Pais. Tal se dá porque a EC n. 66/2010 suprimiu a necessidade de anterior separação judicial ou extrajudicial e de qualquer prazo de carência para pleitear divórcio, alterando substancialmente o artigo ora comentado. Com a homologação, pelo STJ, do divórcio obtido no exterior, permitido estará o novo casamento no Brasil. • D om icilio in te rn a cio n a l legal dos incapazes e exceçóo à unidade do dom icilio conjugal. O a rt 7o, § 7°. rege um caso de domicílio internacional legal ao dispor que, exceto a hipótese de abandono, o domicilio familiar, eleito pelo casal (CC, art. 1.569) ou pelo marido, em alguns países, estende-se ao outro cônjuge, quando for o caso, c aos filhos menores nào emancipados, e o do tutor, ou curador, aos incapazes sob sua guarda. • A dôm idc e concurso sucessivo de elem entos de conexóo. Se a pessoa não tiver domicílio co­ nhecido será considerada adômide, e a lei, para solucionar suas pendências, adotou o critério da residência acidental ou o do local em que se encontrar. Temos o concurso sucessivo de elementos de conexão, pois, faltando o critério de conexão principal, que é o domicílio, a lei indica dois critérios de conexão subsidiários: o do lugar da residência ou o daquele em que a pessoa se achar.

JULGADOS • RT, 277:160 - "As autoridades consulares brasileiras somente têm competência para celebrar ca­ samento de brasileiros ausentes do seu dom icilio no pais. 0 dom icilio necessário cessa com a maioridade. Nos termos do art. 208 do Código Civil [1916], é nulo o casamento contraído peran­ te autoridade incom petente (TJSP). (Hoje será anulável, por força do art. 1.550, VI, do novo Códi­ go Civil). • RT, 764:626 - “Para o casamento de estrangeiros, perante Cônsul de seu país, no Brasil, não é necessária a homologação, pela nossa justiça, de sentença que decretou o divórcio de um deles. É válido o casamento fe ito por autoridade consular na residência dos cônjuges no território de sua jurisdição (TJSP)". • DOMG, 15 abr. 20 04 - "Divórcio. Cônjuges residentes no exterior. Aplicação do direito da fam ília no respectivo pais. Inteligência do art. 7o da Lei de Introdução ao Código Civil (hoje LINDB). Im ­ possibilidade jurídica do pedido. Caracterizada. Litispendência. Inocorrência. A litispendência ocorre quando o mesmo litígio é novam ente instaurado em outro processo, idêntico ao que ainda está em curso, pendente de recurso, com as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Extinto o processo relativo às ações propostas anteriorm ente, fica afastada a litispendên­ cia. Estando os cônjuges residindo no exterior, enquanto lá permanecem, estão submetidos ao direito da fam ília do respectivo pais, nos termos do art. 7o da Lei de Introdução ao Código Civil (hoje LINDB). Assim, a propositura de ação de divórcio no Brasil caracteriza impossibilidade ju rí­ dica do pedido" (TJMG, Ap. Civ. 3 5 4 .9 5 7 -3 /0 0 0 , Comarca de Governador Valadares, Rei. Des. Cae­ tano Levi Lopes). • RF, 767:261 - "Quando os cônjuges de nacionalidades diferentes, casados antes da vigência da nova Lei de Introdução ao Código Civil (hoje LINDB), deixaram de celebrar pacto antenupcial, o regime de bens, que deve ser único, é regulado pela lei do primeiro domicilio conjugal, se o casa­ m ento foi realizado já na vigência do Decreto n. 5.647, de 8 de janeiro de 1929, que adotou no Brasil o Código Bustamante". • RF, 46.218 - "Nascimento ocorrido no estrangeiro. 0 dom icilio do menor é o do seu pai, e, se este vem para o Brasil, satisfaz a condição para se fazer brasileiro, m ediante transcrição do registro de nascimento ocorrido no estrangeiro".

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Arts. 8? e 9? (LINDB - antiga UCC)

• RF, 776:496 - “A nova Lei de Introdução ao Código Civil (hoje LINDB), rompendo eom o direito anterior, firm ou o principio da lei dom iciliar como reguladora da capacidade civil, dos direitos de fam ília, das relações entre cônjuges e da sucessão legitim a e testam entária" (TJSP). • STF, S ú m u la 381 - "Não se homologa sentença de divórcio obtida por procuração, em pais de que cônjuges nào eram nacionais".

Art. 8^ Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados. § Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares. § 2- O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se en­ contre a coisa apenhada. •

“Lex re i sitae". A qualificação dos bens é territorial, visto que a eles e às suas relações aplicar-se-á a lei do país onde estiverem situados. Logo, o juiz deverá aplicar a lei territorial estran­ geira se o bem estiver localizado no exterior, uma vez que se sujeita à lex re i sitae. A lex rei sitae regerá coisa móvel em situação permanente ou imóvel, considerado individualmente [u ti sin g u li), pertencente a nacional ou estrangeiro, domiciliado ou não no Brasil. • Principio “m obilio se q uu n tu rp crso n a m ”. Esse principio somente será aplicável aos bens móveis em estado de mobilidade, caso em que dever-se-á aplicar o ius d o m ie ilii de seu proprietário, afastando-se a lei da situação. • Penhor c “ius d o m ie ilii“. Relativamente ao penhor prevalecerá a lei do domicilio que tiver a pessoa, em cuja posse direta se encontrar o bem empenhado, no momento da constituição da garantia real.

Art. 9? Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se cons­ tituírem. § 1? Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma es­ sencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos re­ quisitos extrínsecos do ato. § T- A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente. •

"Loeus re g it a c tu m " c “ius ad rem “. As obrigações convencionais e as decorrentes de atos unilaterais, desde que entre presentes, reger-se-ào quanto à forma ad pro b otion e m ta n tu m e ad solem nitotem , pela lei do local onde se constituírem. Essa norma apenas vigorará no forum que aceitar que o ato seja realizado no exterior, pela forma estabelecida pelo ius loei actus. Aplica-se, portanto, a lei do país de constituição da obrigação, que confere ius adrem , ou seja, direito pessoal, sempre, no que for atinente à questão da forma extrínseca. Consequentemen­ te, a forma intrínseca, referente ao seu conteúdo, à sua substância, às suas condições de fundo relativas à validade do consentimento, à legitimidade de seu objeto e das modalidades acessórias, e à prescrição extintiva, regular-se-á por outras normas.

• Exequibilidode do obrigação no te rritó rio brasileiro c “ lex lo e i executionis“. A obrigação executada no Brasil, dependendo de forma essencial, será observada segundo a lei brasileira, admitindo-se as peculiaridades da lei estrangeira quanto à forma extrínseca. De um lado impõe-se a aplicação da loeus re g it actum , admitindo-se as peculiaridades da lei do local da cons­ tituição da obrigação e, de outro, determina o respeito à lei brasileira relativamente à forma essencial consagrada pela nossa legislação, se tiver a referida obrigação de ser executada em nosso Estado, sem que com isso venha a desprestigiar a loeus re g it actum . • Obrigação c o n tra tu a l “in te r absentes“ e residência do proponente. A obrigação convencional entre ausentes reger-se-á pela lei do pais onde residir o proponente, pouco importando o momento e o local da celebração contratual.

Art. 10 (LINDB - antiga LICC)

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JULGADOS • LTr, 2 9 6 :377 - "0 critério da le x lo c i estabelecido no art. 9 o da Lei de Introdução a Código Civil brasileiro (hoje LINDB) nâo pode ser aplicado para dirim ir o dissídio oriundo de contrato de tra ­ balho de m arítim o engajado em navio estrangeiro, uma vez que o principio prevalente é o Lei do Pavilhão, ex v i do disposto nos arts. 279 e 281 do Código Bustamante, subscrito pelo Brasil e ra­ tificado pelo Decreto Legislativo n. 5.647, de 7 de janeiro de 1929. Incompetência da autoridade judiciária trabalhista brasileira, face ao disposto no art. 12 da Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, com binado com o art. 651 da CLT“ (TRT da 8» Região). • RF, 738:269 - “As relações jurídicas oriundas de contrato de trabalho ajustado no estrangeiro, desde que o empregado execute o trabalho em território brasileiro, regem-se pelas leis do Brasil. Para o julgam ento de seus efeitos, com petente é a Justiça do Trabalho" (TST).

Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domi­ ciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. § 1- A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei bra­ sileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. • § 1“ com redação determinada pela Lei n. 9.047, de 18-5-1995.

§ 2- A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder. • Lei do d o m icilio do "de cujus“ na sucessão “causo mortis". 0 principio geral que rege a suces­ são causa m ortis, legítima ou testamentária, na sua universalidade, nos conflitos interespaciais de leis, é a lei do domicilio do de cujus, que determinará: a) a instituição e substituição da pessoa sucessívcl; b) a ordem de vocação hereditária, se se tratar de sucessão legitima; c) a medida dos direitos sucessórios dos herdeiros ou legatários, sejam eles nacionais ou estrangei­ ros; d) os limites da liberdade de testar; e) a proporção da legítima do herdeiro necessário; f) a causa da deserdação; g) a colação; h) a redução das disposições testamentárias; i) a partilha dos bens do acervo hereditário; j) o pagamento das dívidas do espólio. O domicilio é fator importante para indicar a jurisdição e a lei competente para reger a sucessão, pouco impor­ tando a natureza e a situação dos bens do espólio (LINDB, art. 10, caput). É a lex d o m ic ilii do dc cujus que disciplina, portanto, a capacidade para ter direito sucessório. • M o rte presum ida e sucessóo. Havendo morte presumida, com (CC, arts. 22 a 25) ou sem de­ claração de ausência (CC, art. 7o), aplicar-se-á à sucessão do ausente, a sua lei domiciliar, pouco importando sua lei nacional ou local da situação dos seus bens. • Lei disciplinadora da capacidade para suceder do herdeiro e do legatário. A legitim ação ou capacidade para suceder, que é a aptidão para herdar os bens deixados pelo de cujus, rege-se pela le i do d o m icilio do herdeiro ou le g a tá rio (LINDB, art. 10, § 2o). O art. 10, § 2o, disciplina a qualidade para herdar do sucessível e não as condições de que depende a situação de herdei­ ro relativamente à herança do de cujus, tampouco a extensão dos direitos sucessórios. • Variação da ordem dc vocação hereditária em beneficio dc cônjuge ou filhos brasileiros. Há caso, admitido normativamente (CF, art. 5o, XXXI; LINDB, art. 10, § 1o), em que não se aplica o princípio de que a existência de herdeiro de uma classe exclui da sucessão os herdeiros da classe subsequente da ordem de vocação hereditária. Assim, a ordem de vocação hereditária, estabelecida no art. 1.829 do Código Civil, pode ser alterada, tratando-se dc bens existentes no Brasil, pertencentes a estrangeiro falecido, casado com brasileira ou com filhos brasileiros ou havendo quem os represente, se a lei nacional do de cujus for mais vantajosa àquelas pessoas do que o seria a brasileira.

JULGADOS • RTJ, 5 3 :593 - "Se o de cu ju s era dom iciliado no estrangeiro, tendo bens no Brasil, o juízo compe­ tente para o processo de inventário e partilha é o seu últim o dom icílio, obedecida a lei do pais em

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Art. 11 (LINDB - antiga LICC)

que tinha dom icilio (art. 1.578 do Cód. Civil [hoje art. 1.758] e art. 10 da Lei de Intr. ao Cód. Civil - atual LINDB). Recurso extraordinário improvido" (STF). • EJSTJ, 19:6 9 -7 0 - "Direito internacional privado. Art. 10, § 2o, do Código Civil. Condição de her­ deiro. Capacidade de suceder. Lei aplicável. Capacidade para suceder não se confunde com quali­ dade de herdeiro. Esta tem a ver com a ordem de vocação hereditária, que consiste no fato de pertencer a pessoa que se apresenta como herdeiro a uma das categorias que, de um modo geral, são chamadas pela lei à sucessão, por isso haverá de ser aferida pela mesma lei competente para reger a sucessão do m orto que, no Brasil, obedece à lei do pais em que era domiciliado o defunto (a r t 10, ca p ut, da UCC - hoje LINDB). Resolvida a questão prejudicial de que determinada pessoa, segundo o domicilio que tinha o de cujus, é herdeira, cabe examinar se a pessoa indicada é capaz ou incapaz para receber a herança, solução que é fornecida pela lei do domicílio do herdeiro (art. 10, § 2a, da UCC - hoje LINDB). Recurso conhecido e provido" (REsp 61.434-0-S P , Rei. M in. César Asfor Rocha, 4» T., maioria, DJ, 8 -9 -1 9 9 7 ). • RF, 772:91 - "Quando a lei nacional do m arido é mais favorável ao cônjuge brasileiro e aos filhos do casal, é forçoso aplicar o estatuto do de cu ju s" (STF).

Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. § Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira. § T- Os governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão ad­ quirir no Brasil bens imóveis ou suscetíveis de desapropriação. § 3? Os governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares. • Lei do lu g a r do co n stitu içã o do sociedade ou fundação. 0 art. 11 ordena que se aplique o direito vigente no local da constituição da sociedade ou fundação, pouco importando a lei do lugar onde se dá o exercício de sua atividade. A pessoa jurídica submeter-se-á à lei do Estado em que se constituir, que irá determinar a sua nacionalidade, as condições de sua existência ou do reconhecimento de sua personalidade jurídica. • Condição p a ro abertura de filiais, agências ou estabelecim entos de pessoa ju ríd ic a estran­ geira. Se a pessoa jurídica deslocar sua sede para o Brasil, exercendo aqui suas atividades, ou se conservar sua sede no estrangeiro, abrindo aqui filial, sucursal, agência ou estabelecimento, deverá, para evitar fraude à lei, obter a aprovação de seu estatuto social ou ato constitutivo pelo governo federal brasileiro (Decreto n. 5.664/2006), sujeitando-se, então, à lei brasileira, uma vez que adquirirá domicilio no Brasil (CC, arts. 1.134 a 1.141). A lei brasileira reger-lhes-á as relações jurídicas, a capacidade de gozo ou de exercício de direitos etc. • Restrições à aquisição, ao gozo e exercício de d ire ito real no te rritó rio na cio na l pelas pesso­ as ju ríd ica s de d ire ito público. Para evitar danos à segurança, à soberania nacional ou à inte­ gridade do solo pátrio, o art. 11, § 2°, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro restringe a capacidade aquisitiva da pessoa jurídica de direito público externo (nação estran­ geira, organismo internacional, a Santa Sé etc.) e de organização de qualquer natureza inves­ tida de função pública e constituída por governo estrangeiro, como Estado-membro da fede­ ração, município, autarquia, fundação pública etc. Tais pessoas, por lei, serão incapazes para adquirir, a qualquer titulo, posse ou propriedade de imóvel situado no Brasil ou de bens sus­ cetíveis de desapropriação, como direitos autorais, patentes de invenção, direitos reais sobre

Art. 12 (LINDB — antiga LICC)

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coisa alheia de fruição, açôes de sociedade anônima etc. Isto é assim porque esses bens sujei­ tam-se à lex re i sitae, o que confere legitimidade àquelas limitações. • E xc e ç ó o à in c a p a c id a d e a q u is it iv a de im ó v e is p o r g o v e rn o s e s tra n g e iro s . 0 § 3° do art. 11, sub examine, abre exceção à aquisição de imóveis situados no Brasil por pes­ soas jurídicas de direito público estrangeiras ao permitir que adquiram prédios para sede de representantes diplomáticos ou agentes consulares, atendendo-se à ficção da extraterritorialidade dos edifícios das embaixadas e legações e ao privilégio necessário para assegurar o livre exercício das funções diplomáticas e de atividades consulares.

JULGADO • RT, 3 4 5 :266 - “Competência - Seguro - Cobrança - (Apólice em itida no exterior - Ação ajuiza­ da no Brasil - Segurado aqui dom iciliado - Seguradora com agência no pais - Acidente com pessoas a bordo de navio estrangeiro, em viagem para o Brasil - Apólice em itida em Johannesburg - Acidentado dom iciliado em São Paulo, onde a seguradora m antém agência - Ação aqui ajui­ zada - Admissibilidade - Aplicação dos arts. 2 0 6 e 207 do Dec. n. 2.063, de 7 -3 -1 9 4 0 , ora preju­ dicado pelo Dec.-Lei n. 73/66, e 12 da Lei de Intr. ao Cód. Civil - hoje LINDB) - Ementa: A lei brasileira exige que as seguradoras estrangeiras, para operarem no território nacional, propiciem aos interessados que aqui tenham domicilio a possibilidade de dem andá-las em foro brasileiro, instalando-se no Brasil com dom icilio am plo e não restrito aos negócios operados por sua agência" (Ac. do Agl 120.905).

Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação. § Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imó­ veis situados no Brasil. § 2? A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo a forma estabelecida pela lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências. • Direito do estrangeiro ao acesso aos trib u n a is brasileiros. 0 estrangeiro, domiciliado em nosso país, poderá comparecer como autor ou réu, perante tribunal brasileiro, onde haja al­ guma controvérsia de seu interesse, mas sua capacidade para estar em juízo, ativa ou passiva­ mente, obedecerá à lex dom icilii, com a ressalva da lex fo ri no que for relativo a preceito de ordem pública (LINDB, art. 7o). • Com petência estrangeira eventual e "fo ru m p ro rrog a toc jurisdictionisT. Se, estando ou não o réu domiciliado no Brasil, a obrigação tiver de ser aqui cumprida, a autoridade brasileira será competente para decidir o litígio (CPC, art. 8 8 , 1. II e III), pois nos contratos escritos poderão as partes especificar onde se cumprirão os direitos e deveres deles resultantes (CC, art. 78; STF. Súmula 335), surgindo o forum contractus. Há quem entenda que a competência da justiça brasileira é, nesse caso, obrigatória, mas para alguns juristas tal obrigatoriedade só diz respei­ to às ações relativas a imóveis aqui situados (art. 12, § 1a, da LINDB). Assim sendo, possível será a renúncia do foro do domicilio, exceto o caso do art. 12, § 1o. Nada obsta a renúncia ao foro assegurado para eleger outro, esteja o réu domiciliado no Brasil ou deva a obrigação ser aqui cumprida, respeitadas determinadas condições especiais, como a da situação dos bens e desde que tal eleição não implique em fraude à lei nem afronte a ordem pública nacional. Trata-se do critério do forum p ro rrogatae ju ris d ic tio n is , pelo qual a competência estrangeira é even­ tual por submissão voluntária das partes, desde que uma seja domiciliada no pais onde a ação foi proposta, salvo na hipótese do fo ru m re i sita e relativa a imóvel situado no Brasil, caso em que a competência jurisdicional sempre será da autoridade judiciária brasileira. • *Exequatur" de cartas rogatórias e cum prim ento dc diligências deprecadas p o r autoridade com petente. As formalidades da rogatória seguem a locus re g it actum , disciplinando-se con­

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Arts. 13 e 14 (LINDB - antiga UCC)

forme as leis do pais rogado, isto porque os atos processuais sujeitam-se á lex f o r ie dependem de cxequatur do STJ (CF, art. 1 0 5 ,1, /), que será concedido se o cumprimento da carta rogató­ ria nào for ofensivo à ordem pública e aos bons costumes (LINDB, art. 17). Com a coneessáo do exequatur, a rogatória será enviada, para cumprimento da diligência ao juiz da comarca onde deva ser cumprida, segundo as normas gerais de competência, observando o direito es­ trangeiro quanto ao seu objeto.

JULGADOS • RJTJSP, 779:422 - "É com petente a justiça brasileira para ação de separação judicial, visando ca­ samento de estrangeiro realizado no exterior (UCC - hoje LINDB, art. 7o), movida pelo marido residente no Brasil contra a m ulher que está em lugar ignorado, se aqui tiver sido o últim o dom i­ cilio do casal" (no mesmo sentido: RJTJSP, 85:62). • RT, 752:158 - "Nào será com petente a justiça brasileira quando se tratar de ação movida a pessoa não dom iciliada no pais, salvo se a questão versar sobre imóveis situados no Brasil, ou aqui tiver de ser cumprida". • RT, 334:438 - "A justiça brasileira é incom petente para o processamento de inventário de pessoa domiciliada no estrangeiro, embora aqui tenha deixado bens". • RF, 707:311 - "Com petente é a justiça de pais estrangeiro para a sentença de divórcio quando o casal nele resida ao tem po do pedido. A mudança posterior de dom icilio não afeta a competência internacional" (STF). • RT, 577:146 - "A falta de convenção entre países não impede a expedição de carta rogatória e seu cum prim ento, o que som ente pode ser apurado com a recusa no cum prim ento. Portanto, se não há convenção, a carta deve ser remetida por via diplom ática, através do M inistério do Exterior". • RTJ, 4 5 :317 - "Revogação do exequatur, pelo recebimento dos embargos opostos pelos réus do­ miciliados no Brasil, que não renunciaram à com petência da autoridade judiciária brasileira. Agravo não provido. A rt. 12 da Lei de Introdução" (STF).

Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigo­ rar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça. • P rincipio do te rrito ria lid a d e e prova dos fo to s ocorridos no exterior. Para que se possam ad­ mitir efeitos a fato ou ato ocorrido no estrangeiro, será imprescindível sua prova. • M eios de prova e m odos de produção da provo. O onus p ro b a n d i disciplinar-se-á pela lei do lugar onde ocorreu o fato que se quer demonstrar. A prova dos fatos será feita pelos meios apontados pela lei do lugar cm que se deram (lex loei), mas, quanto ao modo de produzi-la, submeter-se-á à lex fori, pois no curso da ação nào serão admitidas quaisquer provas não autorizadas pela lei ao juiz, sob pena de se ferir o sistema de territorialidade da disciplina do processo. Dai se proscrever prova de fato passado no exterior, produzida por meio desconhe­ cido no direito pátrio.

Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência. • P rincipio ' iura n o v it curia". Pelo principio iura n o v it curia, o órgão judicante deverá ter, pela sua função de aplicar a lei, conhecimento preciso do direito nacional, c saber encontrar a

Art. 15 (LINDB - antiga LICC)

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norma aplicável ao caso sub judice. Consequentemente, o direito nacional nâo precisará ser alegado nem provado pelos interessados, que apenas deverão provar os fatos. A norma vigorante do ius com m unis dc que "é dever profissional do juiz conhecer o direito" (iu ro n o v it curia) sofrerá uma limitação aparente no que atina ao direito estrangeiro, pois poderá invocar em seu auxilio a cooperação das partes, impondo-lhes o onus probondi. • M eios dc prova do d ire ito estrangeiro aplicável. 0 magistrado deverá aplicar lei estrangeira sempre que o direito internacional privado (lex fo ri\ julgar competente aquela lei e se ele não a conhecer poderá exigir prova da parte a quem aproveita (CPC, art. 337) ou poderá de oficio investigar a norma. Isto é assim, porque a norma estrangeira é um fato. Os meios de prova do direito estrangeiro serão indicados pelo ius fori, como, p. ex.: a) apresentação do jornal oficial que publicou a lei; b) certidão autenticada por autoridade diplomática ou consular; c) decla­ ração de dois advogados cm exercício no pais a que o direito que se pretende aplicar perten­ ce, declarando a vigência da norma, e sc dúvida houver pode-se pedir ao tribunal, Procuradoria-Geral, Secretaria ou Ministério da Justiça, desse pais, informação sobre o conteúdo c existência daquela lei; d) pedido por carta rogatória de informação sobre o texto legal, senti­ do e vigência da norma; e) referências a obras doutrinárias alienígenas; f) parcceres dc juristas de nomeada do Estado, cuja norma sc pretende provar; g) expedição de um atestado iparère), fornecido pelas câmaras de comércio ou pelos sindicatos profissionais, para prova dc costume ou uso comercial.

Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos: a ) haver sido proferida por juiz competente; b ) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida; d) estar traduzida por intérprete autorizado; e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal. • Pela CF, a r t 1 0 5 ,1, /, e EC n. 45/2004, a competência homologatória passou a ser do STJ. • Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, art. 7fl, § 6°.

Parágrafo único. (Revogado pela Lei n. 12.036, de I o-10-2009.) • "Nâo dependem de homologação as sentenças meramente dedaratórias do estado das pes­ soas." • Requisitos para execuçõo de sentença estrangeira no Brasil. 0 art. 15 submete a cxccutoriedade de sentença estrangeira a determinados requisitos: haver sido prolatada por juiz compe­ tente; terem sido as partes citadas ou verificada sua revelia de conformidade com a lei onde foi prolatada a decisão; ter transitado em julgado, ter obedecido às formalidades necessárias para sua execução segundo a lei do Estado em que foi proferida, por darem a garantia de sua autenticidade; estar traduzida, em língua portuguesa, por intérprete autorizado ou juramen­ tado; ter sido previamente homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, com ouvida das partes e do Procurador-Geral da República. • Hom ologação dc sentença estrangeira. Se a delibação é um juízo preliminar da instância da execução, será exigida tanto para sentenças dedaratórias do estado de pessoas quanto para as que gerem efeito patrimonial que dependem de execução no Brasil. Logo, tais decisões precisam ser homologadas ante a necessidade de se lhes conferir no forum força executória, visto terem por fim não só a produção do efeito de tornar certo o estado ou a capacidade da pessoa como também a produção de conseqüências dc ordem patrimonial. Qualquer decisão estrangeira, se tiver de produzir efeito pessoal ou patrimonial ou for passível de execução no território brasileiro, requererá o juízo dc delibação e a homologação do STJ.

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Art. 16 (LINDB - antiga LICC)

JULGADOS* • STF - "Sentença arbitrai estrangeira. Convenção de arbitragem . Inexistência. Competência não demonstrada. Homologação. Impossibilidade. 1.0 requerim ento de hom ologação de sentença arbitrai estrangeira deve ser instruído com a convenção de arbitragem , sem a qual nào se pode aferir a competência do juizo prolator da decisão (Lei 9.307, arts. 37, II, e 39, II; RISTF, art. 2 1 7 ,1). 2. Contrato de compra e venda não assinado pela parte compradora e cujos termos não induzem a conclusão de que houve pactuação de cláusula compromissória, ausentes, ainda, quaisquer outros documentos escritos nesse sentido. Falta de prova quanto à m anifesta declaração autôno­ ma de vontade da requerida de renunciar à jurisdição estatal em favor da particular. 3. Não de­ monstrada a competência do juízo que proferiu a sentença estrangeira, resta inviabilizada sua homologação pelo Supremo Tribunal Federal (hoje pelo STJ). Pedido indeferido" (SEC. 6 .7 5 3 -7 Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, Pleno, STF, Rei. M in. M aurício Corrêa, j. 136- 2002).

• STF, Súmula 4 2 0 - "Não se homologa sentença proferida no estrangeiro sem prova do trânsito em julgado". • RTJ, 738:471 - "Internacional. Processual civil. Sentença estrangeira. Homologação. Citação por carta rogatória. I - Ré domiciliada no Brasil e aqui citada, no processo que ocorre no estrangeiro, m ediante carta registrada e nào por carta rogatória. Nulidade da citação, que nào foi sanada, porque a ré nào compareceu ao processo e ofereceu, nos autos da homologação, impugnação à citação, que deveria dar-se m ediante carta rogatória. II - Pedido de homologação indeferido". • RTJ, 78:49 - "Sentença estrangeira. Homologação. Para se conceder a homologação de sentença estrangeira não é indispensável carta de sentença. Basta que a sentença se revista das form alida­ des externas necessárias à sua execução, contenha os elem entos indispensáveis à compreensão dos fatos em que se fundou, seja m otivada e tenha conclusão. No tocante ao objeto da condena­ ção nào é preciso que seja determ inado, sendo suficiente que seja determinável." • STJ - "3* T.; Resp 535.646-RJ, Rei. M in. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 8 -1 1 -2 0 0 5 , v.u. - Sepa­ ração decretada na Espanha - Competência da Justiça brasileira para decidir a partilha de bens imóveis localizados no pais - Ausência de necessidade de hom ologação de sentença estrangeira sobre o estado das pessoas - Art. 15, parágrafo único (ora revogado), da Lei de Introdução ao Código Civil (hoje LINDB). 1 - Havendo nos autos, confirm ada pelo acórdão, partilha de bens realizada em decorrência da separação, impõe-se o processo de homologação no Brasil, aplicando-se o art. 89, II, do Código de Processo Civil apenas em casos de partilha por sucessão causa m o rtis . 2 - Não há necessidade de homologação de sentenças m eram ente declaratórias do esta­ do de pessoas (art.15, parágrafo único (ora revogado), da Lei de Introdução ao Código Civil - hoje LINDB). (Atualm ente, tal homologação é necessária). 3 - Recurso Especial conhecido e provido" [Boi. AASP, 2 .4 8 3 :1230). • RT, 27 0.3 7 6 - “A sentença de divórcio é meram ente declaratória do estado das pessoas, e, como tal, independente de homologação do colendo STF, face ao disposto no art. 15, parágrafo único (ora revogado), da Lei de Introdução ao Código Civil (hoje LINDB), máxime se, quando proferida em pais estrangeiro, inexistiam bens a ser partilhados". (Hoje requer homologação pelo STJ.)

Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estran­ geira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.

*O b scrv a çá o :a Em enda Constitucional n.45/2004 transferiu do STF para o STJ a co m p etên cia para h om ologação de sen ten ça estrangeira.Tais acórd ãos sã o anteriores à referida em enda.

Art. 17 (LINDB - antiga LICC)

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• Teoria do referência do d ire ito m a te ria l estrangeiro e proibição do retorno. 0 artigo, ora co­ mentado, contém proibição expressa ao retorno, para a solução de conflitos entre normas de direito internacional privado. 0 retorno (reenvio ou devolução) é o modo de interpretar a norma de direito internacional privado, mediante substituição da lei nacional pela estrangei­ ra, desprezando o elemento de conexão apontado pela ordenação nacional, para dar preferên­ cia à indicada pelo ordenamento jurídico alienígena. O a r t 16, ao repelir o reenvio, deverá ser encarado como sendo norma interpretativa em que se adotou a teoria da referência ao direi­ to material estrangeiro, pela qual as normas de direito internacional privado se referem ao direito material, ao direito positivo interno alienígena, e não às suas normas de direito inter­ nacional privado. O juiz deverá atender tão somente às normas de direito internacional priva­ do do pais a que pertencer, aplicando o direito substancial estrangeiro, sem se incomodar com as normas dc direito internacional privado adotadas em outro Estado.

JULGADO • RF, 773:382 - “Sentença estrangeira - Divórcio - Homologação sem restrições - Aplicação da le x fo r i - Teoria da devolução - Ordem pública. As sentenças validam ente proferidas no estran­ geiro podem dissolver o vinculo conjugal, ainda que seja isso contrário à lei nacional, quando a própria lei nacional perm ite que o divórcio de seus súditos no estrangeiro obedeça a le x fo r i - A nova Lei de Introdução ao Código Civil (hoje LINDB) consagrou o sistema de lei do dom icilio e excluiu, coerentem ente, a teoria da remissão, que é, no entanto, o remédio mais adequado para as conseqüências ligadas ao sistema da lei nacional - no regime da lei nacional prevalecia entre nós o principio do reconhecimento da dissolução do vínculo m atrim onial resultante do divórcio legalm ente pronunciado ao estrangeiro, entre cônjuges estrangeiros - A ordem pública não se opõe que a hom ologação do divórcio se faça sem restrições, pois é preciso distinguir ordem pú­ blica, como lim ite à aplicação da lei estrangeira" (Sent. estr. n. 926, Uruguai, ac. do STF, Pleno, de 2 -1 -1 9 7 4 ).

Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. • Lim ites ò e x tro te rrito ria lid a d e da lei. Determinada a aplicação de uma lei estrangeira no Bra­ sil, num dado caso concreto, por força de imposição de norma de direito internacional priva­ do, o órgão judicantc deverá averiguar se sua aplicabilidade nâo ofenderá os princípios de nossa organização política, jurídica e social, ou seja. a soberania nacional, a ordem pública ou os bons costumes. O magistrado está, ainda, obrigado a aplicar norma de direito internacional privado, não podendo deixar de curvar-se ante o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Logo, leis, atos e sentenças de outro Estado, que não ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes, terão eficácia no Brasil. Haverá, portanto, uma submissão dos atos alienígenas aos princípios dc soberania nacional, da ordem pública e dos bons costumes.

JULGADOS • EJSTJ 72:63 - "Direito de fam ília. Casamento no exterior. A to anterior à introdução do divórcio no Brasil. Se, ao tem po do casamento realizado no exterior, havia im pedim ento dirim ente abso­ luto, segundo a lei brasileira, e por isso mesmo o ato não era apto a produzir efeitos no país, na conform idade do disposto no art. 17 da LICC (hoje LINDB), não se há de adm itir, por razão de boa lógica jurídica, que, desaparecido o im pedim ento, em razão da superveniência da Lei do Divórcio, haja se tornado eficaz, pois tanto implicaria reconhecer possível a sim ultaneidade de casamentos, visto que, no divórcio, a sentença só põe term o ao casamento e aos seus efeitos civis ex nunc. Recursos conhecidos e providos".

Maria Helena Diniz

58

Arts. 18 e 19 (LINDB - antiga UCC)

• RSTF, 30:194 - “A justiça federal é a com petente para processar as causas em que ocorra um conflito de leis a ser resolvido pelo direito internacional privado. Perante a justiça brasileira não é lícito pedir-se a aplicação de uma lei estrangeira contrária aos princípios da organização social do país. Embora do ponto de vista internacional não possa ser o divórcio "a vinculo" considerado ofensivo da ordem pública e dos bons costumes, desde que ele tem de ser pronunciado em um pais que o repele de sua legislação, contraria diretam ente o direito social desse pais. Aplicação da Constituição Federal. Art. 60, letra h".

Art. 18. TYatando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasi­ leiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, in­ clusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no país da sede do Consulado. • Artigo com redação determinada pela Lei n. 3.238, de 1-8-1957. • Com petência do cônsul e le i reguladora dos atos p o r ele praticados. Em atenção aos brasilei­ ros domiciliados ou nào no Brasil, que estejam no exterior, dá-se competência às autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar matrimônio, para exercer funções de tabelião e de oficial de registro civil em atos a eles alusivos, levados a efeito no estrangeiro. Poderá o cônsul, no exercício dessas funções, efetuar assento de nascimento e de óbito (inclusive de filhos de brasileiro nascidos no pais da sede do consulado); celebrar casamento de nacionais de seu país; efetuar separação ou divórcio consensual de brasileiros domiciliados no exterior por via ad­ ministrativa, desde que preenchidos os requisitos da Lei n. 11.441/2007, com exceção do pré-requisito de separação e dos prazos de carência, por força do § 6° do art. 226 da CF, com a redação da EC n. 66/2010; receber protesto de letras de câmbio; registrar hipotecas etc., obedecendo às formalidades exigidas pela sua lei, sem considerar as requeridas pelas leis e usos locais; aplicar a Lei n. 11.441/2007, promovendo inventário e partilha por meio de escritura pública. Tem-se justificado a exceção à loeus re g it a c tu m por meio de recurso à ficção jurídica da extraterritorialidade, mas, na verdade, ela decorre da própria função concedida ao cônsul pelo direito local para atender aos interesses dos Estados.

JULGADOS • RF, 3 9 :276 - "Certidão de registro de nascimento passada em país estrangeiro, para que produza fé, em juízo, precisa ser com petentem ente legalizada pelo cônsul brasileiro". • JB, 730:108 - "Casamento de nacionais celebrado perante autoridade do Registro Civil de pais estrangeiro. Inadmissibilidade de registro no Brasil. Tratando-se de brasileiros ausentes de seu domicilio no pais, são com petentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o ca­ samento. Sentença confirm ada" (TJRS).

Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados no artigo anterior e celebrados pelos cônsules brasileiros na vigência do Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde que satisfaçam todos os requisitos legais. • Coput acrescentado pela Lei n. 3.238, de 1°-8-1957.

Parágrafo único. No caso em que a celebração desses atos tiver sido recusada pelas autoridades consulares, com fundamento no art. 18 do mesmo Decreto-Lei, ao interessado é facultado renovar o pedido dentre em 90 (noventa) dias contados da data da publicação desta Lei.

Art. 19 (LINDB - antiga LICC)

Maria Helena Diniz

59

• Parágrafo único acrescentado pela Lei n. 3.238, de 1° de agosto de 1957. • Validade de casam ento consular de brasileiros nâo dom iciliados no Brasil. É válido casamen­ to, porventura, celebrado por cônsul brasileiro no exterior, com inobservância do art. 18, nào sendo os nubentes domiciliados no Brasil, embora ambos sejam brasileiros. • Renovação de pedido para celebração de casam ento consular dc nacionais dom iciliados no exterior. Sc cônsul recusar-se a efetivar núpcias de brasileiros domiciliados no estrangeiro e o pedido para sua celebração nâo for renovado dentro do prazo legal dc noventa dias, a auto­ ridade não poderá celebrar aquele ato. Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1942; 121fi da Independência e 54* da República. G etúuo V a r g a s

REFERÊNCIAS DOS COMENTÁRIOS DE MARIA HELENA D1N1Z AOS ARTS. 7* A 19 • Abrams, Les sociétés en d ro it 'In te rn a tio n a lp riv é , 1957; A nzilotti, La questione dei rinvio, in S c ritt i d i d ir itto in te m a z io n a lc p riv a to , Padova, CEDAM, 1960, v. 3, p. 268 a 374; Barbosa Lima Sobri­ nho, A n a cio n a lid a d e da pessoa ju ríd ic a , Belo Horizonte, 1963; Barbosa Magalhães, La doctrine du domicile en droit international privé, in Recueil des Cours de 1’A ca d ém ie de D ro it In te rn a tio n a l, 1928, v. 23; Da competência internacional, Coimbra, 1947; José Ignácio Botelho de Mesquita, Da competência internacional e dos princípios que a inform am , RP, 50:51; Wilson de S. Campos Ba­ talha, Lei de In tro d u ç ã o a o C ódigo Civil, São Paulo, M ax Limonad, 1959, v. 2, t 2, p. 562 a 573; Tratado de d ire ito in te rn a c io n a l p riva d o , São Paulo, Revista dos Tribunais, 1977, v. 1 (p. 425 a 428) e v. 2 (p. 16, 17, 30 a 39, 369 a 402); Cansacchi, La fu n z io n e d e i ric o n o s c im ie n to d i sentenze stra n ie re , M ilano, G iuffrè, 1976; Amilear de Castro, Das execuções de se n tenças e stra n ge ira s no Brasil, Belo Horizonte, 1939; D ire ito in te rn a c io n a l p riva d o , Rio de Janeiro, Forense, 1968, v. 1 (p. 45, 46, 70, 225 a 238, 268 a 277) e v. 2 (p. 39 a 54, 77 a 83, 124, 125, 142 a 156, 197, 198, 226 a 265, 300 a 302); Cavaglieri, Lezioni d i d ir itto in te m a z io n a lc p riv a to , Napoli, 1933; La cosa g iu d ic a ta e le q u e s tio n i d i S ta to n e l d ir itto in te m a z io n a lc p riv a to , 1909, p. 135; A ntonio Carlos de Araújo Cintra, Prova de direito estrangeiro, RT, 455:16; Contuzzi. II d ir itto e re d ita rio in te rn a z io nale, M ilano, 1908, n. 256, p. 567 e 568; Alcides Darras, De Ia connaissance de 1'application et de Ia preuve de Ia loi étrangère, J o u rn a l de Clunet, 1901; Cyrille David, La lo i é tra n g è re d e v a n t le ju g e de fond, 1965; Dias da Silva, D ire ito p ro ce ssu a l in te rn a c io n a l, Rio de Janeiro, 1971; Diena, Sulla legge regolatrice delia capacita di succedere en specie se un medico francese possa succedere per testam ento ad un cittadino italiano da lui curato, A rc h iv io G iu ridico , 5 8 :4 0 3 -4 ; II d ir itto in te m a ­ z io n a lc p riv a to , 1917, p. 244 a 246; La sentenza straniera e il giudizio di delibazione, R ivista d i D iritto In te m a z io n a le , 1908; M aria Helena Diniz. Lei de In tro d u ç ã o a o C ódigo C ivil In te rp re ta d a , São Paulo, Saraiva, 2009, p. 212 a 450; Sucessão por m orte ou por ausência - Questão da aplica­ bilidade do art. 10 da Lei de Introdução ao Código Civil, Ciência Jurídica, 4 7 :11-23; Eduardo Espínola, 0 problema da homologação das sentenças estrangeiras de declaração de estado das pesso­ as, in H om enagem de d ire ito a C lóvis B eviláqua, 1943, v. 20; Espinola e Espinola Filho, A Lei de In tro d u ç ã o ao C ódigo C ivil b ra sile iro co m e n ta da , Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1943, v. 2 (p. 285, 293, 363 a 390, 451, 512, 525 a 628) e v. 3 (p. 99 a 101, 136, 174 a 411, 4 6 0 a 495, 500 a 558); Ferrari Bravo, La p ro v a n e l processo in te m a z io n a le , Napoli, Jovene, 1958; Roy R. Friede, Limites da soberania nacional no cenário internacional. E studos Jurídicos, 6:319-39; Luis A Gama e Silva, A ordem p ú b lic a em d ire ito in te rn a c io n a l p riva d o , São Paulo, 1944; Vicente Greco Filho, H o m o ­ lo g a çã o de se ntença e strangeira, São Paulo, Saraiva, 1978; Hermes M. Huck, Sentença e s tra n g e i­ ra e 'le x m e rc a to ria ', São Paulo, Saraiva, 1994; Paul Lagarde, Recherche s u r 1'ordre p u b lic en d ro it in te rn a tio n a l p rivé, Paris, 1959; Lainé, La théorie du renvoi en droit international privé, Révue de D ro it In te rn a tio n a l Privé, 196:6 0 5 -4 3 ; La Loggia, La esecuzione de lle sentenze s tra n ie ra in m a té ­ ria civile, Torino, 1902, p. 147; Lewald, La théorie du renvoi, in R ecueil des Cours, 1929, t. 29; Das

60

Maria Helena Diniz

Art. 19 (LINDB — antiga UCC)

d e utsch e in te m a tio n a le P riva tre c h t a u fG ru n d la g e d e r R echtsprechung, Berlim, 1931; Questions de droit international des successions, in R ecueil des Cours de l'A eadém ie de D ro it In te rn a tio n a l Privé, 1925, v. 9; José Carlos de Magalhães, Competência internacional de juiz brasileiro e denegação de justiça, RT, 6 3 0:1 52; Georges A. Mandy, Les é tra n g e rs d e v a n t Ia ju s tic e en d ro it in te rn a ­ tio n a l p riv é (Ia “c a u tio ju d ic a tu m s o lvi"), Paris, 1897; Jacques Maury, Derecho in te rn a c io n a l p r i­ vado, 1949, p. 4 6 a 292; Mircea M oldovam , L'ordre p u b lic en d ro it in te rn a tio n a l p rivé, Paris, 1932; R. Mônaco, II g iu d iz io d i delibazione, Padova, 1940; Georgette N. Nazo, A lei aplicável ao contra­ to internacional e a ordem pública. R evista de D ire ito Civil, Im o b iliá rio , A g rá rio e E m presarial, 1986, 35:145 a 153; Rodrigo Octavio, Casamento consular. D ic io n á rio de d ire ito in te rn a c io n a l p riva d o , 1933, v. 185; Philonenko. La th é o rie d u re n v o i en d ro it com paré, Paris, 1935; La théorie du renvoi quant à Ia loi applieable à Ia capacite des personnes dans le projet de Code de Droit International de 1’Am érique Latine, J o u rn a l de D ro it In te rn a tio n a l Privé de C lunet, 1928, v. 5; La “cautio judicatum solvi", J o u rn a l de D ro it In te rn a tio n a l Privé de C lunet, 1929; Antoine Pillet, Les co n v e n tio n s in te m a tio n a le s re la tiv e s à Ia co m p é te nce ju d ic ia ire e t T exécution des ju g e m e n ts , Paris, 1913; Contre Ia doctrine du renvoi, in M éla n g e s A n to in e P illet, Paris, 1929, v. 2; De Vordre p u b lic en d ro it in te rn a tio n a l privé, 1890; José A. dos Reis, Das sucessões n o d ire ito in te rn a c io n a l p riva d o , Coimbra, 1899; Pedro Sampaio, Prova do direito estrangeiro, C iência Ju ríd ica , 17:7; Serpa Lopes, C o m en tá rio s à Lei de In tro d u ç ã o ao C ódigo Civil, 1944, v. 2 (p. 62, 89, 94, 223 a 229); Irineu Strenger, Curso de d ire ito in te rn a c io n a l p riva d o , Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 534; Oscar Tenório, Lei de In tro d u ç ã o ao C ódigo C ivil b ra sile iro , 2. ed., Rio de Janeiro, Borsoi, 1955; D ire ito in te rn a c io n a l p riva d o , Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1967, v. 1 (p. 6 0 ,1 0 7 ,1 0 8 ,1 4 5 a 155, 301 a 362, 409, 417 e segs.) e v. 2 (p. 6, 39 a 44, 50 a 73, 99, 168, 169, 179 a 182, 3 5 6 a 380); Sucessão, universalidade - dom icilio do defunto, RF, 2 5 6 :171; André Tiran, Les successions te sta m e n ta ire s en d ro it in te rn a tio n a l p rivé, Paris, 1932; Flaroldo Valladào, A d e vo lu çã o n os c o n flito s sobre a le i pessoal, São Paulo, 1929; Force exécutoire des jugem ents étrangers du Brésil, J o u rn a l de C lunet, 1931; E studos de d ire ito in te rn a c io n a l p riva d o , Rio de Janeiro, Forense, 1956; Carta de homologação de sentenças estrangeiras, in E nciclopédia S a ra iva d o D ire ito , v. 13, p. 272 e 273; D ire ito in te rn a c io n a l p riva d o , Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1970, p. 61 e 251 e s.

ÍNDICE DOS COMENTÁRIOS Arts. 1«a 232 - M aria Helena D in iz ..................

75

Arts. 233 a 4 2 0 - M ário Luiz Delgado Régis...

242

Arts. 421 a 729 - Jones Figueiredo Alves.......

422

Arts. 730 a 7 5 6 - Zeno Veloso

........ ...........

625

Arts. 757 a 839 - Jones Figueiredo Alves.......

643

Arts. 840 a 8 8 6 - Carlos Alberto Dabus M a lu f

696

Arts. 887 a 9 2 6 - Ricardo Fiuza/Newton De Lucca

733

Arts. 927 a 9 5 4 - Regina Beatriz Tavares da Silva.

788

Arts. 955 a 965 - M ário Luiz Delgado Régis

853

..

Arts. 9 6 6 a 1.195 - Ricardo Fiuza/Newton De Lucca .

Arts. 1.196 a 1.224 - Joel Dias Figueira Jr.

863 1116

Arts. 1.225 a 1.360 - Carlos Alberto Dabus M a lu f.

1152

Arts. 1.361 a 1.377 - Joel Dias Figueira Jr.

1297

-

Arts. 1.378 a 1.416 - Carlos Alberto Dabus M aluf.. ...... .

Arts. 1.417 e 1.418 - Joel Dias Figueira Jr..

1324 1355

Arts. 1.419 a 1.510 - Carlos Alberto Dabus M aluf..

1360

Arts. 1.511 a 1.520 - Regina Beatriz Tavares da Silva

1436

Arts. 1.521 a 1.564 - Alexandre Guedes Alcoforado Assunçào

1448

Arts. 1.565 a 1.652 - Regina Beatriz Tavares da Silva................

1484

Arts. 1.653 a 1.693 - Alexandre Guedes Alcoforado Assunçào

1615

Arts. 1.694 a 1.710 - Regina Beatriz Tavares da Silva.................

1650

Arts. 1.711 a 1.722 - Alexandre Guedes Alcoforado Assunção

1687

Arts. 1.723 a 1.727 - Regina Beatriz Tavares da Silva................

1695

Arts. 1.728 a 1.783 - Alexandre Guedes Alcoforado Assunção

1719

Arts. 1.784 a 2.027 - Zeno Veloso......................

1761

Arts. 2.028 a 2.036 - M aria Helena D iniz.......

1955

Art. 2.037 - Ricardo Fiuza/Newton De Lucca.

1961

Art. 2.038 - Joel Dias Figueira Jr.

..................

1962

Art. 2.039 - M aria Helena D in iz

...... ........

1967

Art. 2.040 - Carlos Alberto Dabus M a lu f

.

1969

Arts. 2.041 e 2.042 - Zeno Veloso...................

1969

Arts. 2.043 a 2.046 - M aria Helena Diniz.....

1971

ÍNDICE SISTEMÁTICO DO CÓDIGO CIVIL (Lei n. 10.406, de 10-1-2002)

PARTE GERAL Livro I — DAS PESSOAS T ítu lo I — DAS PESSOAS NATURAIS Capítulo I - Da personalidade e da capacidade - arts. 1« a 10 ...... ............................

75

Capítulo II - Dos direitos da personalidade - arts. 11 a 2 1 ...... ................ Capítulo III - Da ausência - arts. 22 a 3 9 _________ - ___ ____ ______ ..__

...

Seção I - Da curadoria dos bens do ausente - arts. 22 a 2 5 .................................................... Seção II - Da sucessão provisória - arts. 26 a 36............. Seção III - Da sucessão definitiva - arts. 37 a 39......................................

89 104 104 107 111

T ítu lo II — DAS PESSOAS JURÍDICAS Capítulo I - Disposições gerais - arts. 40 a 5 2 ...................

........................

...

..___ Capítulo II - Das associações - arts. 53 a 6 1 ___ ..____ Capítulo III - Das fundações - arts. 62 a 69.......... - ___ .._______ ..__

113 126

_

132

T ítu lo III — DO DOMICÍLIO Arts. 70 a 7 8 ________________________________

138

Livro II — DOS BENS T ítu lo Ú n ico — DAS DIFERENTES CLASSES DE BENS Capítulo I - Dos bens considerados em si mesmos - arts. 79 a 9 1 .......

143

Seção I - Dos bens imóveis - arts. 79 a 81 __ ...___ Seção II - Dos bens móveis - arts. 82 a 8 4 ________ ___ ____ ______________ __ _____ ___ Seção III - Dos bens fungíveis e consumiveis - arts. 85 e 8 6 ........ Seção IV - Dos bens divisíveis - arts. 87 e 8 8 _____ .._____ ____ _____ Seção V - Dos bens singulares e coletivos - arts. 89 a 9 1 ........ Capítulo II - D o s bens reciprocamente considerados - arts. 92 a 9 7 ...... ...............................

143

-

_

- - ........- ............

.

Capítulo III - Dos bens públicos - arts. 98 a 1 0 3 ..-..............

146 147 148 149 150 154

64

índice Sistemático do Código Civil

Livro III — DOS FATOS JURÍDICOS T ítu lo I — DO NEGÓCIO JURÍDICO

.

Capítulo I - Disposições gerais - arts. 104 a 114___ . ___—...... . ........ Capítulo II - Da representação - arts. 115 a 1 2 0 ...... . ........ ........ .......- ............ ........ .............. Capítulo III - Da condição, do term o e do encargo - arts. 121 a 137 . ............ ........ .............. Capítulo IV - Dos defeitos do negócio jurídico - arts. 138 a 1 6 5 ...... . ....... . ........ ..... Seção I - Do erro ou ignorância - arts. 138 a 1 4 4 _________ . ________ ______ _____ __ - ....... - .......................... - ..... . ...... Seção II - Do dolo - arts. 145 a 1 5 0 ______ Seção III - Da coação - arts. 151 a 1 5 5 ...... . ............ ........ ............... . ..... . .............. Seção IV - Do estado de perigo - art. 1 5 6 - ........ . ........ .......- ....... . ...... Seção V — Da lesão - art. 1 5 7 ______ Seção VI - Da fraude contra credores - arts. 158 a 165....... ........ ........ Capítulo V - Da invalidade do negócio jurídico - arts. 166 a 184........................... .......................

157 165 167 176 176 181 185 189 190 192 197

T ítu lo II — DOS ATOS JURÍDICOS LÍCITOS

T ítu lo III — DOS ATOS ILÍCITOS Arts. 186 a 1 8 8 ____________

. . ___

209

T ítu lo IV — DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA Capítulo I - Da prescrição - arts. 189 a 2 0 6 . ........ . ........ ........ ........ ............ ........ ....... . ..... Seção I - Disposições gerais - arts. 189 a 1 9 6 ........... . ........ ........ ........ ....... Seção II - Das causas que impedem ou suspendem a prescrição - arts. 197 a 201........ Seção III - Das causas que interrom pem a prescrição - arts. 202 a 2 0 4 ....................... Seção I V - Dos prazos da prescrição - arts. 205 e 2 0 6 ___ Capítulo II - Da decadência - arts. 207 a 2 1 1 ..........

213 213 218 221 223 226

T ítu lo V — DA PROVA Arts. 212 a 2 3 2 . ___

227

PARTE ESPECIAL Livro I — DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES T ítu lo I — DAS MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES Capítulo I - Das obrigações de dar - arts. 233 a 2 4 6 ........... Seção I - Das obrigações de dar coisa certa - arts. 233 a 2 4 2 ........................ Seção II - Das obrigações de dar coisa incerta - arts. 243 a246 ...................................... Capítulo II - Das obrigações de fazer - arts. 247 a 2 4 9 ....... Capítulo III - Das obrigações de não fazer - arts. 250 e 2 5 1 .......

242 242 250 253 259

índice Sistemático do Código Civil

Capítulo IV - Das obrigações alternativas - arts. 252 a 2 5 6 .....................- ......- ..............- .............. Capítulo V - Das obrigações divisíveis e indivisíveis - arts. 257 a 2 6 3 ....................- ................ Capítulo VI - Das obrigações solidárias - arts. 2 6 4 a 2 8 5 ............... ..........- ......- ..............- .... - ........ Seção I - Disposições gerais - arts. 264 a 2 6 6 __ ____ - ___- ______ Seção II - Da solidariedade ativa - arts. 267 a 274..........- ..... - ........ - .................... - .... - ........ Seção III - Da solidariedade passiva - arts. 2 7 5 a2 8 5 ....................- ......- ............

65

260 265 270 270 274 279

T ítu lo II — DA TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES Capítulo I - Da eessâo de crédito - arts. 2 8 6 a 2 9 8 ...........- ......- .................- ..... - ........- ...... Capítulo II - Da assunção de dívida - arts. 299 a 3 0 3 ........ - ........- .......- .... - ............. - .... ... ......

287 300

T ítu lo III — DO ADIMPLEM ENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES Capítulo I - Do pagam ento - arts. 304 a 3 3 3 ....... - ........- ..... - ....... - ........- ...... Seção I - De quem deve pagar - arts. 3 0 4 a 3 0 7 -..........- ....... - ......- ....... Seção II - Daqueles a quem se deve pagar - arts. 3 0 8 a 3 1 2 -...... - ....... - ....... Seção III - Do objeto do pagam ento e sua prova - arts. 313 a 3 2 6 ............................ - ...... ...... - ....... Seção I V - Do lugar do pagam ento - arts. 327 a 3 3 0 . Seção V - Do tem po do pagam ento - arts. 331 a 3 3 3 ................- ......- ..............- .............. Capítulo II - Do pagam ento em consignação - arts. 3 3 4 a 3 4 5 ....- .........- .... - ..............- .............. Capítulo III - Do pagam ento com sub-rogação - arts. 3 4 6 a 3 5 1 ............ - .....................- .............. Capítulo IV - Da im putação do pagam ento - arts. 352 a 3 5 5 ........- .........- .... - ..............- .....- ....... Capítulo V - Da dação em pagam ento - arts. 3 5 6 a 3 5 9 -............... - .........- .....................- .....- ....... Capítulo VI - Da novaçáo - arts. 360 a 3 6 7 ______ ______ ___ - ___ - ___________________ Capítulo VII - Da compensação - arts. 368 a 3 8 0 .............. - ......- ..... ..........- __________ ___ ____ Capítulo VIII - Da confusão - arts. 381 a 3 8 4 ...... - ......- ............. - .............. Capítulo IX - Da remissão das dividas - arts. 3 8 5 a 3 8 8 ..-....... - ....... - ....... - .... - ....... - ........- ......

307 307 311 315 328 332 334 342 348 351 355 363 374 377

T ítu lo IV — DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES Capítulo I - Disposições gerais - arts. 389 a 3 9 3 — ........ - ......... ......- ................... - ................ Capítulo II - Da mora - arts. 3 9 4 a 4 0 1 __________ - ___ Capítulo III - Das perdas e danos - arts. 402 a 4 0 5 ...........- ......- ..... - .........- ...........- .... - .......- ....... Capítulo IV - Dos juros legais - arts. 4 0 6 e 407.................... - ......- ....... - ................ Capítulo V - Da cláusula penal - arts. 4 0 8 a 416........ - ...... - .........- .... - ............ - ...... - .........- .... — ___ _____ ___ Capítulo VI - Das arras ou sinal - arts. 417 a 4 2 0 ..........

380 388 398 403 408 417

T ítu lo V — DOS CONTRATOS EM GERAL Capítulo I Seção Seção Seção Seção Seção Seção Seção Seção

Disposições gerais - arts. 421 a 471 ...........- ........- ..... - .........- .......— .... ................... I - Preliminares - arts. 421 a 4 2 6 ___ - ...... - .........- .... - ___ II - Da form ação dos contratos - arts. 4 2 7 a 4 3 5 .......- .........- .....................- .............. III - Da estipulaçáo em favor de terceiro - arts. 4 3 6 a 4 3 8 ..................... - ................ I V - Da promessa de fato de terceiro - arts. 439 e 4 4 0 .......- .... - ..............- ......- ...... V - Dos vicios redibitórios - arts. 441 a 4 4 6 - ....... - ...............- ....................- .......- ...... VI - Da evicção - arts. 447 a 4 5 7 ___________ - ___ _____ ___ - ___ - ___ VII - Dos contratos aleatórios - arts. 458 a 461 — ......- .........- .... - ............ V I I I - Do contrato prelim inar - arts. 462 a 4 6 6 ................- ......- ..............- ..............

422 422 432 437 438 439 443 449 452

66

índice Sistemático do Código Civil

.

Seção IX - Do contrato com pessoa a declarar - arts. 467 a 4 7 1 .............. - ........- ............. Capítulo II - Da extinção do contrato - arts. 472 a 4 8 0 ........ - .......- ...... - .............. Seção I - Do distrato - arts. 472 e 4 7 3 ___ - ____ - .............. Seção II - Da cláusula resolutiva - arts. 4 7 4 e 475...........- .......- .......- ................ - .....Seção III - Da exceção de contrato não cum prido - arts. 4 7 6 e 4 7 7 ................................... Seção I V - Da resolução por onerosidade excessiva - arts.4 7 8 a 4 8 0 ..... - ........- .............

455 457 458 459 463 464

T ítu lo VI — DAS VÁRIAS ESPÉCIES DE CONTRATO - .......Capítulo I - Da compra e venda - arts. 481 a 5 3 2 ...............- .......... - ...- .......- ........ Seção I - Disposições gerais - arts. 481 a 5 0 4 _____ - ___ - ___ - ___ - ___ Seção II - Das cláusulas especiais à compra e venda - arts. 505 a 5 3 2 .............................. Subseção I - Da retrovenda - arts. 5 0 5 a 5 0 8 ..... - ...... Subseção II - Da venda a contento e da sujeita a prova - arts. 509 a5 1 2 .................. Subseção III - Da preempção ou preferência - arts. 513 a 5 2 0 .............. - ....................... Subseção IV - Da venda com reserva de dom ínio - arts. 521 a 5 2 8 .............................. Subseção V - Da venda sobre documentos - arts. 529 a 532......... - ........ - .......... - ........... - ........ - ...... Capítulo II - Da troca ou perm uta - art. 5 3 3 — .......... Capítulo III - Do contrato estim atório - arts. 5 3 4 a 5 3 7 ................- ........- ...........- ...... Capítulo IV - Da doação - arts. 538 a 5 6 4 ..... - ...... - ...........- .......- ...... Seção I - Disposições gerais - arts. 538 a 5 5 4 .............................- ........- ..................- ..... Seção II - Da revogação da doação - arts. 555 a 5 6 4 - ....... - ....... Capítulo V - Da locação de coisas - arts. 565 a 5 7 8 ..-........- .......- .......- .......- ...........- .......- .......- .... Capítulo VI - Do empréstimo - arts. 579 a 5 9 2 ........ - ........- .......- .......- ......... ... ......- ........- .... Seção I - Do comodato - arts. 579 a 585...... - ........ - ......... ......- ......— ........ - ............ Seção II - Do m útuo - arts. 586 a 5 9 2 ...... - ........ - .......- .......- .................. - ...Capítulo VII - Da prestação de serviço - arts. 593 a 6 0 9 ............. - ........- ...........- ___ Capítulo V III - Da empreitada - arts. 610 a 6 2 6 .................... - .......- .......- .......- ........... - .....- ............... Capítulo IX - Do depósito - arts. 627 a 6 5 2 ............... - ........ - .......- .......- ___ Seção I - Do depósito voluntário - arts. 627 a 6 4 6 - ........- .......- .......- .....— ........ - ..Seção II - Do depósito necessário - arts. 647 a 6 5 2 ..........- .......- .......- .....— ........ - ............. Capítulo X - D o m andato - arts. 653 a 692 .......... - ........ - .......- .......- ___ Seção I - Disposições gerais - arts. 653 a 6 6 6 ............ - .......- .......- .......- .......— .......- .......- .... Seção II - Das obrigações do m andatário - arts. 667 a 6 7 4 .... .......- ......— ........ - ............. Seção III - Das obrigações do m andante - arts. 675 a 6 8 1 ...... - ......- .................... - ............. Seção I V - Da extinção do m andato - arts. 682 a 6 9 1 .......- ........- .......— ...................... Seção V - Do m andato judicial - art. 6 9 2 ..... - ............ - .......- ......- .......- ...................- ........- .... Capítulo XI - Da comissão - arts. 693 a 7 0 9 .............. - ........- .......- ...................- .Capítulo XII - Da agência e distribuição - arts. 710 a 721...................- .......- ........... - ......- .............. Capítulo X III - Da corretagem - arts. 722 a 7 2 9 ................... - .......- .......- .......- ........... - .....- ............... Capítulo XIV - Do transporte - arts. 730 a 7 5 6 ..........- .......- .......- ......- .......- ........ - ......- ..... Seção I - Disposições gerais - arts. 730 a 7 3 3 ___ - ___ Seção II - Do transporte de pessoas - arts. 734 a 7 4 2 ......- .......- .......- .................. - .............. Seção III - Do transporte de coisas - arts. 743 a 7 5 6 ...... - .......- ........- .......— ___ Capítulo XV - Do seguro - arts. 757 a 8 0 2 ............................. - ................ - .......- ....... - ......- ..... Seção I - Disposições gerais - arts. 757 a 7 7 7 ........ - .......- .......- ........... .......- .Seção II - Do seguro de dano - arts. 778 a 7 8 8 .........- .......- .......- .......- .......— ............. ........ Seção III - Do seguro de pessoa - arts. 789 a 802. ___ _____ ____- ___

470 470 484 484 486 488 492 497 498 500 501 501 512 519 529 529 535 540 550 562 562 574 579 579 589 595 599 606 606 615 620 625 625 628 636 643 643 660 667

índice Sistemático do Código Civil

67

677 681

Capítulo XVIII - Da fiança - arts. 818 a 8 3 9 — ___ - _________ - - ...- ...... Seção I - Disposições gerais - arts. 818 a 8 2 6 .......- .......- .......- .................... - ...... Seção II - Dos efeitos da fiança - arts. 827 a 8 3 6 — ........ - ............... - ......- ............- ......- ....... Seção III - Da extinção da fiança - arts. 837 a 8 3 9 ......... - ............... - ......- ............- ......- .......

684 684 688 694

Capítulo XIX - Da transação - arts. 8 4 0 a 8 5 0 ....... - ....... - ....... - .....- ............- ........ - ...... Capítulo XX - D o compromisso - arts. 851 a 8 5 3 ...........- .........- .....- ........- ............ - .- ......

696 703

.

Capítulo XVI - Da constituição de renda - arts. 803 a 8 1 3 - .................- ......- ...... Capítulo XVII - Do jogo e da aposta - arts. 814 a 8 1 7 ....- ........

T ítu lo VII — DOS ATOS UNILATERAIS Capítulo I - Da promessa de recompensa - arts. 854 a 8 6 0 . ................- ...........- .......- .......- ....... Capítulo II - Da gestão de negócios - arts. 861 a 8 7 5 ...... - ........ - ...... - ......- ............- ......- ........

706 710

Capítulo III - Do pagam ento indevido - arts. 8 7 6 a 8 8 3 .-........ - ...... - ...... - ......- ............- ............... Capítulo IV - Do enriquecim ento sem causa - arts. 8 8 4 a 8 8 6 ................- .................... - ................

721 728

T ítu lo VIII — DOS TÍTULOS DE CRÉDITO Capítulo I - Disposições gerais - arts. 887 a 9 0 3 — ........... - ........- .... - ....... - ............ Capítulo II - Do títu lo ao portador - arts. 9 0 4 a 9 0 9 ........ - ...... - .......- ___ Capítulo III - Do titu lo à ordem - arts. 910 a 9 2 0 -......... - ........- .......- .......- .......— ___

- .- ......

733 760 769

Capítulo IV - Do titu lo nom inativo - arts. 921 a 9 2 6 ................- ......- ....... - ...................- ........ - ......

781

T ítu lo IX — DA RESPONSABILIDADE CIVIL Capítulo I - Da obrigação de indenizar - arts. 927 a 9 4 3 .....- ....... - ....... - .....- ............- ........ - ...... Capítulo II - Da indenização - arts. 9 4 4 a 9 5 4 ......... - ........- ........- .....- ........- ............. - .- ......

788 826

T ítu lo X — DAS PREFERÊNCIAS E PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS Arts. 9 5 5 a 9 6 5 ......................................................... ...........................................................................................

853

Livro II — DO DIREITO DE EMPRESA T ítu lo I — DO EMPRESÁRIO Capítulo I - Da caracterização e da inscrição - arts. 9 6 6 a 9 7 1 ................- ......- ...........

863

Capítulo II - Da capacidade - arts. 972 a 9 8 0 ............ .......- ........ - .....- ........- ......— .......- ........- ......

879

T ítu lo I-A — DA EM PRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA Art. 9 8 0 -A _________

888

T ítu lo II — DA SOCIEDADE Capítulo Ú nico - Disposições gerais - arts. 981 a 9 8 5 .......

- ....... - ....... - .....- ............- ........ - ......

893

68

índice Sistemático do Código Civil

S u b tí tu l o I — D A S O C IE D A D E N À O P E R S O N IF IC A D A Capítulo I - Da sociedade em comum - arts. 9 8 6 a 9 9 0 ...-...... - .......- ___ - ___ ______ _____ __ Capítulo II - Da sociedade em conta de participação - arts. 991 a 9 9 6 .- .................................... S u b tí tu l o II — D A S O C IE D A D E P E R S O N IF IC A D A Capítulo I - Da sociedade simples - arts. 997 a 1 .0 3 8 ...... - ......- .........- .......- ....... — .... - ............... Seção I - Do contrato social - arts. 997 a 1.000...... - .......- .......- ...... — .......- .............. Seção II - Dos direitos e obrigações dos sócios - arts. 1.001 a 1 .0 0 9 ........................... Seção III - Da administração - arts. 1.010 a 1.021 ...... - .......- .......- ....... - .............. Seção I V - Das relações com terceiros - arts. 1.022 a 1 .0 2 7 ........................- ......................... Seção V - Da resolução da sociedade em relação a um sócio - arts. 1.028 a 1.032...... Seção V I - Da dissolução - arts. 1.033 a 1.038...... - ...... — .........- ............ Capítulo II - Da sociedade em nome coletivo - arts. 1.039 a 1 .0 4 4 ......... - ..... - ............. - ............ Capítulo III - Da sociedade em com andita simples - arts. 1.045 a 1 .05 1 ...........- ......................... Capítulo IV - Da sociedade lim itada - arts. 1.052 a 1.087....... - .........- .......- ........... - __________ Seção I - Disposições preliminares - arts. 1.052 a 1 .05 4 .-...... - ........- ..... ............. - .............. Seção II - Das quotas - arts. 1.055 a 1 .0 5 9 ...........- .................- .......- ....... — .... - ........- ..... Seção III - Da administração - arts. 1.060 a 1 .0 6 5 — ..... - .........- .......- ....... — __________ Seção I V - Do conselho fiscal - arts. 1.066 a 1.070...........- .......- .......- .......— ................- ..... Seção V - Das deliberações dos sócios - arts. 1.071 a 1 .0 8 0 ...... - .......— ....................... Seção VI - Do aum ento e da redução do capital - arts. 1.081 a 1.084............................... Seção VII - Da resolução da sociedade em relação a sócios minoritários - arts. 1.085 e 1 .08 6 __________________________________ ____________________________________ __ Seção VIII - Da dissolução - art. 1.087 ...... - ...... - ....... - .............. Capítulo V - Da sociedade anônima - arts. 1.088 e 1 .0 8 9 ........ - ......- .......................- .................. Seção Ú nica - Da caracterização - arts. 1.088 e 1 .0 8 9 ................- ...... - ............. - ............ Capítulo VI - Da sociedade em com andita por ações - arts. 1.090 a 1 .09 2 ...... - ......................... Capítulo VII - Da sociedade cooperativa - arts. 1.093 a 1.096.........- .........- ..... — .........- ............ Capítulo V III - Das sociedades coligadas - arts. 1.097 a 1 .1 0 1 -......- ........ - ..... ...... .......- .............. Capítulo IX - Da liquidação da sociedade - arts. 1.102 a 1.112................ - ..............................- ..... Capítulo X - Da transformação, da incorporação, da fusão e da cisão das sociedades - arts. 1.113 a 1 .1 2 2 ____ ____________________ ___ - ____ - ___ - ..... Capítulo XI - Da sociedade dependente de autorização - arts. 1.123 a 1.141 ....................... Seção I - Disposições gerais - arts. 1.123 a 1.125. ................- ...... - .........— ..... ................ Seção I I - Da sociedade nacional - arts. 1.126 a 1 .1 3 3 ................- ...... — ......... - ............ Seção III - Da sociedade estrangeira - arts. 1.134 a 1.141.....- ........ - ..... ............. - ..............

903 907

912 912 918 926 939 945 953 961 965 969 969 982 988 996 1000 1012

1017 1023 1024 1024 1026 1028 1034 1039 1046 1055 1055 1058 1062

T ítu lo III — DO ESTABELECIM ENTO Capítulo Ú nico - Disposições gerais - arts. 1.142 a 1 .1 4 9 - ................- .......- .......— .......- ..............

1068

T ítu lo IV — DOS INSTITUTOS COM PLEM ENTARES Capítulo I - Do registro - arts. 1.150 a 1 . 1 5 4 - ..........- .......- .......- ......- .......- ____ - ..... Capítulo II - Do nome empresarial - arts. 1.155 a 1 .1 6 8 — ........ - ......- .......- ....... — .......- ............ Capítulo III - Dos prepostos - arts. 1.169 a 1 .1 7 8 ...............- ........ - .....- .......- ........... - .......- ......- .... Seção I - Disposições gerais - arts. 1.169 a 1 .17 1 ...... - .......- .......- ___ ______________ Seção II - Do gerente - arts. 1.172 a 1 .1 7 6 ...........- ........ - ......- .......- ....... — .......- .....- ....

1079 1084 1098 1098 1099

índice Sistemático do Código Civil

Seçõo III - Do contabilista e outros auxiliares - arts. 1.177 e 1 .1 7 8 . ...........»................ Capítulo IV - Da escrituração - arts. 1.179 a 1 .1 9 5 ..........- ___ »___ »___

69

1102 1104

Livro III — DO DIREITO DAS COISAS T ítu lo I — DA POSSE Capítulo I - Da posse e sua classificação - arts. 1.196 a 1 .2 0 3 ..... »......».............».......»...... Capítulo II - Da aquisição da posse - arts. 1.204 a 1 .20 9 .........»..... - ....................»........»...... Capítulo III - Dos efeitos da posse - arts. 1.210 a 1 .2 2 2 .......».................»..................»........»...... »___»___ Capítulo IV - Da perda da posse - arts. 1.223 e 1 .2 2 4 _______

1116 1127 1133 1151

T ítu lo II — DOS DIREITOS REAIS Capítulo Ú nico - Disposições gerais - arts. 1.225 a 1 .2 2 7 .........»................».....».............».......»......

1152

T ítu lo III — DA PROPRIEDADE Capítulo I - Da propriedade em geral - arts. 1.228 a 1.237. ...... ».........»..... »................ Seçõo / - Disposições preliminares - arts. 1.228 a 1.232........»....... »...................................... Seçõo I I - Da descoberta - arts. 1.233 a 1.237.......... »...... »........».....»....... Capítulo II - Da aquisição da propriedade imóvel - arts. 1.238 a 1 .2 5 9 ......................»............... Seçõo / - Da usucapião - arts. 1.238 a 1.244...... »......... »......»....... »......... Seçõo I I - Da aquisição pelo registro do titu lo - arts. 1.245 a 1 .2 4 7 ...............»............... Seçõo III - Da aquisição por acessão - arts. 1.248 a 1.259. .......».......»...........»................ Subseção I - Das ilhas - art. 1.249 ..... »...... - ....................- ___ Subseção II - Da aluvião - art. 1 .25 0 ____ »___ - ___ »________ »___»___ Subseção III - Da avulsão - art. 1 .25 1 _______ Subseção IV - Do álveo abandonado - art. 1 .25 2..... »......»....... Subseção V - Das construções e plantações - arts. 1.253 a 1 .2 5 9 ...............- ............... Capítulo III - Da aquisição da propriedade móvel - arts. 1.260 a 1 .27 4........................................ Seçõo / - Da usucapião - arts. 1.260 a 1.262___ »___»___ Seçõo II - Da ocupação - art. 1 .26 3..... ».......- ....... »...... - ___»___ »___ Seçõo I I I - Do achado do tesouro - arts. 1.264 a 1.266......... ».........».....»........... ».......»....... Seçõo I V - Da tradição - arts. 1.267 e 1.268____ »________ »___________________ Seçõo V - Da especificação - arts. 1.269 a 1.271..... »...................................... Seçõo VI - Da confusão, da comissão e da adjunçáo - arts. 1.272 a 1.274..... »............... Capítulo IV - Da perda da propriedade - arts. 1.275 e 1 .276.» ...... ».........»..... »................ Capítulo V - Dos direitos de vizinhança - arts. 1.277 a 1.313........ »........ »....................»............... Seçõo I - Do uso anorm al da propriedade - arts. 1.277 a 1.281 .......»........... ».......»....... Seçõo II - Das árvores lim ítrofes - arts. 1.282 a 1.284...»....... Seçõo III - Da passagem forçada - art. 1 .2 8 5 ..... »..»....... Seçõo I V - Da passagem de cabos e tubulações - arts.1.286 e 1 .28 7 .................................. Seçõo V - Das águas - arts. 1.288 a 1 .2 9 6 _________ Seçõo VI - Dos limites entre prédios e do direito de tapagem - arts. 1.297 e 1 .2 9 8 Seçõo VII - Do direito de construir - arts. 1.299 a 1 .31 3 ...... Capítulo VI - Do condom ínio geral - arts. 1.314 a 1.330»................................................................ Seçõo / - Do condomínio voluntário - arts. 1.314 a 1 .32 6 .............

1156 1156 1163 1166 1166 1176 1179 1179 1181 1182 1183 1184 1189 1189 1192 1192 1194 1196 1198 1201 1205 1205 1210 1213 1214 1216 1227 1230 1246 1246

índice Sistemático do Código Civil

70

Subseção I - Dos direitos e deveres dos condôminos - arts. 1.314 a 1.322.................. Subseção II - Da administração do condom ínio - arts. 1.323 a 1.326.......................... Seção II - Do condom ínio necessário - arts. 1.327 a 1.330..... ........- ...... . ........ . Capítulo VII - Do condom ínio edilício - arts. 1.331 a 1 .3 5 8 . ....... ......... ...... . ........ . ... Seção I - Disposições gerais - arts. 1.331 a 1 .3 4 6 . ___ - ....... . ........ . Seção II - Da administração do condom ínio - arts. 1.347 a 1 .3 5 6 ...................................... Seção I I I - Da extinção do condom ínio - arts. 1.357 e 1 .35 8 ......... . ....... ............................ Capítulo V III - Da propriedade resolúvel - arts. 1.359 e 1 .3 6 0 ......... Capítulo IX - Da propriedade flduciária - arts. 1.361 a 1.368-A ........................... .............................

1246 1255 1259 1261 1262 1286 1294 1295 1297

T ítu lo IV — DA SUPERFÍCIE Arts. 1.369 a 1.377..............................................................................................................................................

1315

T ítu lo V — DAS SERVIDÕES C a p ítu lo C a p ítu lo C a p ítu lo

I - Da constituição das servidões — arts. 1.378 e 1 .37 9...... II - Do exercício das servidões - arts. 1.380 a 1 .3 8 6 ................... III - Da extinção das servidões - arts. 1.387 a 1 .389..........

1324 1327 1332

T ítu lo VI — DO USUFRUTO Capítulo I - Disposições gerais - arts. 1.390 a 1 .3 9 3 .......... Capítulo II - Dos direitos do usufrutuário - arts. 1.394 a 1 .3 9 9 ....... Capítulo III - Dos deveres do usufrutuário - arts. 1.400 a 1.409...................................................... Capítulo IV - Da extinção do usufruto - arts. 1.410 e 1.411 .......

1335 1339 1343 1350

T ítu lo VII — DO USO Arts. 1.412 e 1 .4 1 3 ________ ________ ______________________________ ___ ________________ __

1352

T ítu lo VIII — DA HABITAÇÃO Arts. 1.414 a 1 .4 1 6 ___________________________________________________________________ __

1353

T ítu lo IX — DO DIREITO DO PRO M ITEN TE COMPRADOR Arts. 1.417 e 1 .4 1 8 _____________

1355

T ítu lo X — DO PENHOR, DA HIPOTECA E DA ANTICRESE Capítulo I - Disposições gerais - arts. 1.419 a 1 .4 3 0 .......... Capítulo II - Do penhor - arts. 1.431 a 1 .4 7 2 ............ Seção I - Da constituição do penhor - arts. 1.431 e 1 .4 3 2 ___ ___ ____ ______ _____ __ Seção II - Dos direitos do credor pignoratíeio - arts. 1.433 e 1 .4 3 4 .......... Seção III - Das obrigações do credor pignoratíeio - art. 1 .43 5 ....... Seção I V - Da extinção do penhor - arts. 1.436 e 1.437.» ................ Seção V - Do penhor rural - arts. 1.438 a 1.446____ Subseção I - Disposições gerais - arts. 1.438 a 1 .4 4 1 ..___ ..___ Subseção II - Do penhor agrícola - arts. 1.442 e 1 .44 3...............

1360 1373 1373 1374 1377 1379 1381 1381 1385

índice Sistemático do Código Civil

71

Subseção III - Do penhor pecuário - arts. 1.444 a 1 .4 4 6 .-...... - ......................... Seção VI - Do penhor industrial e mercantil - arts. 1.447 a 1 .4 5 0 .................... - ............... Seção VII - Do penhor de direitos e títulos de crédito - arts. 1.451 a 1 .46 0 .................... Seção V I I I - Do penhor de veículos - arts. 1.461 a 1.466.................- .....- ............. - .....- ....... Seção I X - Do penhor legal - arts. 1.467 a 1 .4 7 2 ...-.......- ......- .........- .....................- .....- ....... Capítulo III - Da hipoteca - arts. 1.473 a 1.505. ........ - ________- ___ Seção I - Disposições gerais - arts. 1.473 a 1 .4 8 8 ..-.......- ......- .........- .....- ............. - .....- ....... Seção II - Da hipoteca legal - arts. 1.489 a 1.491 — .......- ................- ......- ............. - ............... Seção III - Do registro da hipoteca - arts. 1.492 a 1.498.................- .....- ............. - .....- ....... Seção I V - Da extinção da hipoteca - arts. 1.499 a 1 .50 1...............- .....................- .....- ....... Seção V - D a hipoteca de vias férreas - arts. 1.502 a 1 .5 0 5 .-.......- .......- ............ - ..... - ....... Capítulo IV - Da anticrese - arts. 1.506 a 1.510. ...........- .......- .......- .......- .......— ___

1387 1390 1392 1398 1401 1405 1405 1420 1422 1427 1430 1432

Livro IV — DO DIREITO DE FAMÍLIA T ítu lo I — DO DIREITO PESSOAL

Subtítulo I — DO CASAMENTO Disposições gerais - arts. 1.511 a 1.516....................- ............... - ..... — C a p ítu lo II - • Da capacidade para o casamento - arts. 1.517 a 1.520....- .................... - Dos impedimentos - arts. 1.521 e 1 .5 2 2 -............ - ............... - .................. C a p ítu lo III ■ C a p ítu lo IV -- Das causas suspensivas - arts. 1.523 e 1 .5 2 4 ..............- .......- ...........- ...... C a p ítu lo V - ■Do processo de habilitação para o casamento - arts. 1.525 a 1 .5 3 2 C a p ítu lo VI - - Da celebração do casamento - arts. 1.533 a 1 .5 4 2 ...........- .................... C a p ítu lo VII - Das provas do casamento - arts. 1.543 a 1.547....... - ...... - .................... C a p ítu lo VIII - Da invalidade do casamento - arts. 1.548 a 1.564..........- .................... - Da eficácia do casamento - arts. 1.565 a 1.570........ - ...... - .................... C a p ítu lo IX ■ C a p ítu lo X - - Da dissolução da sociedade e do vínculo conjugal - arts. 1.571 a 1.582 C a p ítu lo XI •- Da proteção da pessoa dos filhos - arts. 1.583 a 1 .5 9 0 — .......— ....... — C a p ítu lo I -

1436 1442 1448 1451 1454 1460 1468 1471 1484 1492 1524

S u b tí tu l o II — D AS R E L A Ç Õ E S D E P A R E N T E S C O Capítulo I - Disposições gerais - arts. 1.591 a 1 .5 9 5 .................- ......... Capítulo II - Da filiação - arts. 1.596 a 1.606....... - ...........- ....... - ............... Capítulo III - Do reconhecimento dos filhos - arts.1.607 a 1.617.... Capítulo IV - Da adoção - arts. 1.618 a 1 .6 2 9 ...... - ............. ............... .. Capítulo V - Do poder fam iliar - arts. 1.630 a 1 .6 3 8 ................... .. Seção I - Disposições gerais - arts. 1.630 a 1 .6 3 3 ...........- ......... Seção I I - Do exercício do poder fam iliar - art. 1 .6 3 4 ............... Seção III - Da suspensão e extinção do poder fam iliar - arts. 1.635 a 1.638

1544 1553 1569 1579 1585 1585 1589 1591

T ítu lo II — DO DIREITO PATRIMONIAL S u b tí tu l o I — D O R E G IM E D E B E N S E N T R E O S C Ô N JU G E S C a p ítu lo

I - Disposições gerais - arts. 1.639 a 1 .65 2

______

- .......— .......- .......- .......

1597

72

índice Sistemático do Código Civil

Capítulo II - Do pacto antenupcial - arts. 1.653 a 1.657 ............... . ....... . .............. Capítulo III - Do regime de com unhão parcial - arts. 1.658 a 1 .6 6 6 ...... ....... Capítulo IV - Do regime de com unhão universal - arts. 1.667 a 1 .67 1 ..................... ..............

1615 1619 1629

Capítulo V - Do regime de participação final nosaquestos - arts. 1.672 a 1 .68 6 ...................... Capítulo VI - Do regime de separação de bens - arts. 1.687 e 1.688................ . ..............

1634 1642

S u b tí tu l o II — D O U S U F R U T O E D A A D M IN IS T R A Ç Ã O D O S B E N S D E FILH O S M E N O R E S Arts. 1.689 a 1.693___________________________________________________

. . . ___

1645

S u b tí tu l o III — D O S A U M E N T O S Arts. 1.694 a 1.710________

1650

S u b tí tu l o IV — D O B E M D E FAM ÍLIA Arts. 1.711 a 1.722_________

1687

T ítu lo III — DA UNIÃO ESTÁVEL Arts. 1.723 a 1.727_________________

1695

T ítu lo IV — DA T U T ELA E DA CURATELA Capítulo I Seção Seção Seção Seção Seção

Da tutela - arts. 1.728 a 1 .76 6 ................................................................................ I - Dos tutores - arts. 1.728 a 1.734. ....................................................................... II - Dos incapazes de exercer a tutela - art. 1 .73 5 .................................................. III - Da escusa dos tutores - arts. 1.736 a 1 .7 3 9 ___ ____ ____ ______ _____ I V - Do exercício da tutela - arts. 1.740 a 1.752 ...... .......................................... V - Dos bens do tutelado - arts. 1.753 e 1 .7 5 4 ...... ..........................................

Seçõo VI—Da prestação de contas - arts. 1.755 a 1 .7 6 2 .................................................. Seção VII - Da cessação da tutela - arts. 1.763 a 1 .7 6 6 .................................................. .. Capítulo II - Da curatela - arts. 1.767 a 1 .7 8 3 ................................................................................. Seção I - Dos interditos - arts. 1.767 a 1.778...................................................................... Seção II - Da curatela do nascituro e do enferm o ou portador de deficiência física arts. 1.779 e 1.780........... ........................... ........................................ ................................. Seção III - Do exercício da curatela - arts. 1.781 a 1.783....... ..........................................

1719 1725 1727 1729 1739 1740 1744 1747 1747 1757 1759

Livro V — DO DIREITO DAS SUCESSÕES T ítu lo I — DA SUCESSÃO EM GERAL Capítulo I - Disposições gerais - arts. 1.784 a 1 .7 9 0 .......... Capítulo II - Da herança e de sua administração - arts. 1.791 a1 .7 9 7 .......... Capítulo III - Da vocação hereditária - arts. 1.798 a 1.803___ Capítulo IV - Da aceitação e renúncia da herança - arts. 1.804 a 1 .81 3 .......... Capítulo V - Dos excluídos da sucessão - arts. 1.814 a 1.818.................... ...................................... Capítulo VI - Da herança jacente - arts. 1.819 a 1 .8 2 3 ___ _____ ___ ____ ______ _____ __

1761 1774 1780 1788 1796 1802

índice Sistemático do Código Civil

C a p ítu lo

VII - Da petição de herança - arts. 1.824 a 1.828

..................

73

1805

T ítu lo II — DA SUCESSÃO LEGÍTIMA C a p ítu lo C a p ítu lo C a p ítu lo

I - Da ordem da vocação hereditária - arts. 1.829 a 1.844............... II - Dos herdeiros necessários - arts. 1.845 a 1 .8 5 0 ............................ III - Do direito de representação - arts. 1.851 a 1.856.......................

T ítu lo

III —

1808 1828 1833

DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

Capítulo I - Do testam ento em geral - arts. 1.857 a 1 .85 9 ..... .................. ............ Capítulo II - Da capacidade de testar - arts. 1.860 e 1 .86 1 ........................ ............ Capítulo III - Das form as ordinárias do testam ento - arts. 1.862 a 1.880................. Seçõo / - Disposições gerais - arts. 1.862 e 1 .8 6 3 ............................ ..................... Seçõo I I - Do testam ento público - arts. 1.864 a 1 .8 6 7 ....................................... Seçõo I I I - Do testam ento cerrado - arts. 1.868 a 1.875....... .....................

1836 1840 1843 1843 1844 1847

Seçõo I V - Do testam ento particular - arts. 1.876 a 1 .8 8 0 ............................ Capítulo IV - Dos codicilos - arts. 1.881 a 1 .8 8 5 .............. - ................... Capítulo V - Dos testam entos especiais - arts. 1.886 a 1 .8 9 6 .......................................

1852 1857 1859 1859

Seçõo / - Disposições gerais - arts. 1.886 e 1 .8 8 7 ......... ....................................... Seçõo II - Do testam ento m arítim o e do testam ento aeronáutico - arts. 1.88 ..._________________________________________ 1.892______________ Seçõo III - Do testam ento m ilitar - arts. 1.893 a 1 .8 9 6 .................. ... Capítulo VI - Das disposições testam entárias - arts. 1.897 a 1.911............................. Capítulo VII - Dos legados - arts. 1.912 a 1 .9 4 0 ........................................................... Seçõo / - Disposições gerais - arts. 1.912 a 1 .9 2 2 ......... ....................................... Seçõo I I - Dos efeitos do legado e do seu pagam ento - arts. 1.923 a 1.938. Seçõo III - Da caducidade dos legados - arts. 1.939 e 1 .94 0.............................. Capítulo VIII - Do direito de acrescer entre herdeiros e legatários - arts. 1.941 a .9 4 6 .

1860 1863 1867 1878 1878 1884 1891 1893

Capítulo IX - Das substituições - arts. 1.947 a 1 .96 0 .................................................. Seçõo / - Da substituição vulgar e da recíproca - arts. 1.947 a 1.950...... Seçõo I I - Da substituição fideicomissária - arts. 1.951 a 1.960.................. Capítulo X - Da deserdaçào - arts. 1.961 a 1.965................................ ........................ Capítulo XI - Da redução das disposições testam entárias - arts. 1.966 a 1.968 Capítulo XII - Da revogação do testamento - arts. 1.969 a 1.972.............................. .. Capítulo XIII - Do rom pim ento do testam ento - arts. 1.973 a 1.975 ...............

1897 1897 1900 1907

Capítulo XIV - Do testam enteiro - arts. 1.976 a 1 .9 9 0 ..............................................

1920

1913 1915 1918

T ítu lo IV — DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA Capítulo I - Do inventário - art. 1.991

.....

...............................

Capítulo II - Dos sonegados - arts. 1.992 a 1 .99 6............................... . Capítulo III - Do pagam ento das dividas - arts. 1.997 a 2 .0 0 1 .......... Capítulo IV - Da colação - arts. 2.002 a 2 .0 1 2 ......- ............................. . Capítulo V - Da partilha - arts. 2.013 a 2 .0 2 2 ...... .................................. Capítulo VI - Da garantia dos quinhões hereditários - arts. 2.023 a 2.026 Capítulo VII - Da anulação da partilha - art. 2 .0 2 7 ...........................................

1926 1927 1929 1932 1945 1953 1955

74

índice Sistemático do Código Civil

Livro Com plem entar — DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS Arts. 2.028 a 2 .0 4 6 _____________

...___ _____

1955

LEI N. 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002* Institui o Código CioiL

PARTE GERAL Livro I — DAS PESSOAS T ítu lo I — DAS PESSOAS NATURAIS

Capítulo I — DA PERSONALIDADE E DA CAPACIDADE Art. 1? Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. HISTÓRICO • 0 texto original do projeto tal como aprovado em primeira votação pela Câmara dos Deputados repetia a redação do Código de 1916, dispondo que "todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil". Submetido posteriormente ao Senado Federal, foi alterado pela Emenda n. 367 (renumerada posteriorm ente para 01), da lavra do então Senador Josaphat M arinho, passando a adotar a seguinte redação: "Art. isTodo ser hum ano é capaz de direitos e obrigações na ordem civil". Ao fundam entar a sua emenda, justificou o Senador Josaphat M arinho que "o vocábulo ‘hom em ’, constante do projeto, já não era claram ente indicativo da espécie hum ana, vale dizer, tam bém da mulher. Com a qualificação marcante dos dois seres, e dada a evolução, inclusive no direito, da situação da mulher, elevada a independente, evita-se o uso da palavra hom em abran­ gente da pessoa de um e de outro sexo. Hoje, a referência comum é a d ire ito s h um anos, embora as Declarações de 1789 e de 1948 aludam a direitos do homem. De modo geral, os instrumentos internacionais posteriores a 1948 empregam a expressão direitos humanos, ou recomendam tra ­ tam ento igual à m ulher em relação ao hom em, e por isso dão preferência ao substantivo pessoa, tam bém de alcance superior. Assim a Convenção sobre a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, do Conselho da Europa, de 1950, e o Protocolo n. 4, de 1963, que a integra, bem como a Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 1963, e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Po­ líticos, de 1966, de igual origem. A Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 1967, proclama, em seu preâmbulo, que ’é necessário garantir o reconhecimento universal, de fato e de direito, do principio de igualdade do homem e da mulher'. E estipula, na letra b do a r t 2o, que ’o princípio da igualdade de direitos fi­ gurará nas constituições ou será garantido de outro modo por lei’. Com plem entando essa Decla­ ração, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a M ulher estabelece, entre outros preceitos, que seus signatários se com prom etem a adotar, nesse sentido, 'todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, e compreendendo a modificação de usos e costumes' (art. 2 o, /). Conquanto os pactos internacionais não sejam exemplos de rigor

* Publicada no Diário Oficiai da Uniáo de 11 d e jan eiro de 2002.

Maria Helena Diniz

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Art. 15

técnico, exprim em diretrizes de política norm ativa, im portantes para o legislador. Nâo deve ele empregar linguagem contrastante com as tendências culturais do povo. No dom ínio científico, Enneccerus observa que o direito se baseia na ‘vontade coletiva', e nâo em ‘simples convicção ju ríd ic a' (Trat. de Der. Civ. de Enneccerus, Kipp e W olff, T. 1*. P arte Gen., Trad. de Pérez González e José Alguer, Barcelona, Bosch, 1943, p. 121). Já em 1904, escrevendo sobre a técnica legislativa na codificação civil moderna, Gény assinalava a necessidade de ‘linguagem conforme o espirito da época e do meio' (La technique legislative dans Ia codification civile moderne, in Le Code C ivil 1 8 04 -1 9 0 4 - Livre d u C entenaire, t. II, Paris, Rousseau Editeur, 1904, p. 1037). Com razâo maior se há de proceder assim hoje por ser mais ampla e viva a participação da coletividade no trabalho legislativo. Logo, é de prudente e bom estilo legislativo substituir, no art. 1fl, o vocábulo 'homem' pela form a 'ser hum ano’. Evita-se confusão e segue-se tendência dom inante na ordem jurídica e social. A opçáo é preferível, mesmo, à da palavra 'pessoa', por ser mais diretam ente indicativa do gênero humano". Retornando o projeto a nova apreciação da Câmara dos Deputados, tendo em vista as emendas apresentadas pelo Senado, recebeu o artigo parecer do Deputado Bonifácio de Andrada, designado relator parcial para a Parte Geral e que opinou pela rejeição da emenda por entender que a redação original da Câmara elegia expressão consagrada no ordenam ento jurídico, ao referir-se ao gênero "homem". Na elaboração de seu relatório geral, o Deputado Ricardo Fiuza registrou, inicialm ente, que os argumentos do relator parcial eram ponderáveis, ao procurar m an­ ter no texto form a aceita na grande maioria dos sistemas normativos e que, de nenhuma m anei­ ra, assumia qualquer tipo de conotação machista, nem se contrapunha à constitucionalm ente assegurada paridade de direitos entre o homem e a m ulher como sujeitos jurídicos. A m atéria foi objeto de intenso debate na fase final de tram itação do projeto. Em audiência pública perante a Comissão Especial, o Prof. Miguel Reale sugeriu como m elhor opçáo a referência à "pessoa", em vez de “ser humano". Segundo o Deputado Fiuza, a substituição sugerida por Miguel Reale foi de boa técnica jurídica e social, diante da própria nom inaçáo dada ao Livro I - "Das Pessoas", razão pela qual restou acolhida no seu relatório e posteriorm ente aprovada pela Câmara. Outra alteração redacional procedida pelo Deputado Fiuza e que tam bém restou aprovada, a fim de dar maior clareza ao dispositivo, foi a substituição do vocábulo "obrigações" por "deveres", uma vez que, segundo o relator, "existem outras modalidades de deveres jurídicos, diferentes da obrigação, a exemplo da sujeição, do dever genérico de abstenção, dos poderes-deveres, dos ônus, além dos deveres de fam ília que não se enquadram em nenhuma das categorias jurídicas acima. 0 dever correlato ao direito de personalidade é o dever genérico de abstenção, o que Santoro Passarelli denomina 'dever de respeitar* ou 'dever de não desrespeitar*. Por igual, os direitos absolutos, como o de propriedade, têm como deveres correlatos ora a abstenção, ora a sujeição, nos casos de di­ reitos de vizinhança, por exemplo (caso da passagem forçada). Por sua vez, os deveres de fam ília não se constituem , no sentido técnico da palavra, em obrigação, e sim em deveres".

DOUTRINA • P e rs o n a lid a d e e c a p a c id a d e ju r íd ic a : Liga-se à pessoa a ideia de personalidade, que exprim e a a p tid ã o genérica para a d q u irir direitos e c o n tra ir deveres. Sendo a pessoa n atu ral o sujeito das relações jurídicas e a personalidade, a possibilidade de ser sujeito, to da pessoa é dotada de personalidade. Esta te m sua m edida na capacidade, que é reconhecida, num sentido de universalidade, no a rt. 1» do Código Civil, que, ao prescrever “to da pessoa é capaz de direitos e deveres", em prega o te rm o “pessoa" na acepção de to d o ser hum ano, sem qualq u er d istin ­ ção de sexo, idade, credo ou raça. • C a p a c id a d e de d ir e ito e c a p a c id a d e de e x e rc íc io : À a p tid ã o oriunda da personalidade para ad q u irir direitos e assum ir deveres na vida civil dá-se o nom e de c a p a c id a d e d e g o z o o u de d ire ito . • Q uando o Código enuncia, no seu art. 1°, que to da pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil, não dá a e n te n d e r que possua c o n c o m ita n te m en te o gozo e o exercício desses direitos, pois nas disposições subsequentes fa z referência àqueles que te n d o o gozo dos d i­ reitos civis não podem exercê-los, por si, a n te o fa to de, em razão de m enoridade ou de in ­ suficiência som ática, não te re m a c a p a c id a d e de fa to ou d e e xe rcício .

Art. 2?

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Art. T- A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. HISTÓRICO • O texto original do Projeto n. 634, tal como redigido pelo M inistro M oreira Alves, consignava que "a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo os direi­ tos do nascituro". 0 texto proposto pelo Senado por meio da Emenda n. 368, tam bém de autoria do Senador Josaphat M arinho, passou a adotar a seguinte redação: "A personalidade civil do ser hum ano começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". Ou seja, ressalvou os direitos do nascituro desde a concepção, além de substituir a expressão "ser humano" por "homem". Afirm ou na ocasião o nobre Senador Josaphat M arinho que "a emenda restaura, basicamente, o texto do art. 4 o do atual Código Civil (leia-se Código anterior). Ressalvar os direitos do nascituro, 'desde a concepção', como hoje assegurado, é fórm ula ampla, que deve ser preservada acima de divergências doutrinárias. Num fim de século em que se realça a am plitude dos direitos humanos, bem como a necessidade de defendê-los com energia, suprimir a cláusula ‘desde a concepção' suscitaria estranheza. E o projeto, mesmo, confirm ando essa te n ­ dência, alude a filho concebido, como nos arts. 1.602 e 1.606. Lembre-se, ainda, com a lição de Orlando Gomes, que 'o direito de suceder do n a s c itu ro depende de já estar concebido no m om en­ to da abertura da sucessão’ (Sucessões, 6. ed., Forense, 1990, p. 30). Aquiesceu, de im ediato, na alteração o em inente Professor e M inistro M oreira Alves, autor da Parte Geral do Anteprojeto, na Comissão designada pelo Poder Executivo. Retornando o texto do projeto a nova apreciação da Câmara dos Deputados, promoveu o Relator Fiuza apenas a substituição da expressão 'ser hum a­ no' pelo vocábulo 'pessoa1, coerentem ente com o que havia feito no art. 1®". DOUTRINA • C o m eço d a p e rs o n a lid a d e n a tu r a l: Pelo Código Civil, para que um e n te seja pessoa e a d q u i­ ra personalidade ju ríd ic a , será s u ficien te que te n h a vivido por um segundo. • D ire ito s d o n a s c itu ro : C on quanto com ece do nascim ento com vida a personalidade civil do hom em , a lei põe a salvo, desde a concepção , os direitos do nascituro (CC, arts. 2», 1.609, 1.779 e p arágrafo único e 1.798; RJTJSP, 2 1 7 :2 1 4), com o o d ireito à vida (CF, a rt. 5«; CP, arts. 124 a 1 2 8 , 1 e II); à filia ç ão (CC, arts. 1 .59 6 e 1.597); à integridade física; a alim en tos [RT, 6 5 0 :2 2 0 ; RJTJSP, 750:906; Lei n. 1 1 .8 0 4 /2 0 0 8 ), a um a adequada assistência p ré -n a ta l, visto que há, tu te la n d o fe to , pensão a lim en tíc ia para p agam ento de despesas adicionais advindas de m u lh e r grávida, da concepção ao parto, para a te n d e r suas necessidades; a um curador que zele pelos seus interesses em caso de incapacidade de seus genitores; de receber herança (CC, arts. 1.798 e 1.800, § 3°); de ser c ontem p lado por doação (CC, a rt. 5 4 2 ); de receber indeniza­ ção por dano m oral pela m o rte do pai {RT, 8 0 3 :1 9 3 ); de ser reconhecido com o filh o {RJTJRS, 4 :4 1 8) etc. P oder-se-ia a té m esm o a firm a r que, na vida in tra u te rin a , te m o nascituro, e na vida e x tra u te rin a , te m o em brião, p e rs o n a lid a d e ju r íd ic a fo rm a l, no que a tin a aos direitos da personalidade, visto te r a pessoa carga genética diferenciada desde a concepção, seja ela in v iv o ou in v itr o (Recom endação n. 1 .0 4 6 /8 9 , n. 7, do Conselho da Europa), passando a te r a p e rs o n a lid a d e ju r íd ic a m a te ria l, alcançando os direitos patrim oniais, que perm aneciam em estado potencial, som ente com o nascim ento com vida (CC, art. 1.800, § 3 a). Se nascer com vida, adq u ire personalidade ju ríd ica m aterial, mas, se ta l não ocorrer, nenhum d ire ito p a tri­ m onial ou obrigacional terá. • M o m e n to d a c o n s id e ra ç ã o ju r íd ic a d o n a s c itu ro : A n te as novas técnicas de fe rtiliza ç ão in v itr o e do co n g elam en to de em briões hum anos, houve quem levantasse o problem a relativo ao m o m en to em que se deve considerar ju rid ic a m en te o n a s c itu ro , enten d en d o -se que a vida te m início, n a tu ra lm e n te, com a concepção no v e n tre m a te rn o . Assim sendo, na fecundação na proveta, em bora seja a fecundação do óvulo, pelo esperm atozóide, que inicia a vida, é a n id a ç õ o do zigoto ou ovo que a g a ra n tirá ; logo. para alguns autores, o nascituro só será "pessoa" quand o o ovo fecundado fo r im p la n ta d o no ú tero m atern o , sob a condição do nas­

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Art. 2o -

cim e n to com vida. O em b riào h u m an o congelado nâo poderia ser tid o com o nascituro, apesar de dever te r proteção ju ríd ic a com o pessoa v irtu a l, com um a carga genética própria. Em bora a vida se inicie com a fecundação, e a vida viável com a gravidez, que se dá com a nidação, entendem os que na verdade o início legal da consideração ju ríd ica da personalida­ de é o m o m en to da penetração do esperm atozóide no óvulo, mesmo fo ra do corpo da m ulher. Por isso, a Lei n. 8 .9 7 4 /9 5 , nos arts. 8o, II, III e IV, e 13, veio a reforçar, em boa hora, essa ideia não só ao vedar: o) m anipulação genética de células germ inais hum anas; ò) intervenção em m aterial genético hum ano in vivo, salvo para o tra ta m e n to de defeitos genéticos; c) p ro d u ç ã o , a rm a z e n a m e n to ou m a n ip u la ç ã o de e m b riõ e s h u m a n o s destinados a servir com o m aterial biológico disponível, com o tam bém ao considerar tais atos com o crimes, pu n in d o -o s severa­ m ente. Com sua revogação pela Lei n. 1 1 .1 0 5 /2 0 0 5 , passou a ser perm itida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de c é lu las-tro n co em brionárias obtidas de em briões hum anos produzidos por fe rtiliza ç ã o in v itro , desde que sejam inviáveis ou estejam congelados há três anos ou mais, havendo consentim ento dos seus genitores (art. 5o, I, II e § 1o) e aprovação do com itê de ética em pesquisa (art. 5®, § 2a), sob pena de detenção de um a três anos e m ulta (art. 24). Tal permissão, no nosso entender, apesar da decisão do STF (ADIn 3 .51 0 ), nesse sentido, viola o d ire ito á vida, o d ireito à im agem c ien tífic a (DNA) e o princípio do respeito á dignidade da pessoa hum ana, consagrados constitu cio n alm en te. Proibida está a engenharia genética em em brião hum ano (art. 6a, III, in fin e ), sob pena de reclusão de um a q u a tro anos e m u lta (art. 2 5). Com isso, parece-nos que a razão está com a te o ria e o n c e p e io n is ta , um a vez que o Código Civil resguarda desde a c o n c e p ç ã o os direitos do nascituro e além disso, no art. 1.597, IV, presum e concebido na constância do casam ento o filh o havido, a qualq u er tem po , quand o se tra ta r de em brião excedente, decorrente de concepção a rtific ia l h e te ró lo ga.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 2, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Sem prejuízo dos direitos da perso­ nalidade nele assegurados, o art. 2° do Código Civil não é sede adequada para questões em ergen­ tes da reprogenética hum ana, que deve ser objeto de um estatuto próprio". • Enunciado 1, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natim orto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura." JULGADOS • "Acidente de trânsito. Indenização por dano moral. Induvidosos os sofrimentos, angústia e tensão, por longos oito meses, diante de gravidez com possível prejuízo da vida ou integridade física do nascituro, há dano moral indenizável" (TARS, 2* Câmara, AC 194.026.779, j. 1 7 -1 1 -1 9 9 4 ). • "Direito civil. Danos morais. M orte. Atropelam ento. Composição férrea. Ação ajuizada 23 anos após o evento. Prescrição inexistente. Influência na quantificação do q u a n tu m . Precedentes da turm a. Nascituro. Direito aos danos morais. Doutrina. Atenuação. Fixação nesta instância. Possibilidade. Recurso parcialm ente provido. I - Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tem po (desde que não transcorrido o lapso presericional), mas é fato a ser considerado na fixação do q u a n tu m . II - 0 nascituro tam bém tem direi­ to aos danos morais pela m orte do pai, mas a circunstância de não tê -lo conhecido em vida tem influência na fixação do q u a n tu m . III - Recomenda-se que o valor do dano moral seja fixado desde logo, inclusive nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando incon­ venientes e retardam ento da solução jurisdicional" [RSTJ, 767:395). • "Investigação de paternidade - Nascituro - Ação proposta pela mãe, menor púbere representada por sua genitora - Admissibilidade - Legitimidade ad ca u sa m - Direitos subordinados à condição de nascer com vida - Declarações de votos vencedores e vencido" [RT, 6 2 5 :172). • "0 nascituro goza de personalidade jurídica desde a concepção. 0 nascimento com vida diz res­ peito à capacidade de exercício de alguns direitos patrimoniais" [RJTJRS, 277:214).

Art. 3?

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DIREITO PROJETADO • Pelas razões antes expostas, oferecemos ao Deputado Fiuza a seguinte sugestão legislativa, que foi acatada pelo Projeto de Lei n. 6 .96 0 /2 00 2 (atual PL n. 699/2011): A rt. 2 o A p e rs o n a lid a d e c iv il d a p e ss o a c o m e ç a d o n a s c im e n to c o m v id a ; m a s a le i p õ e a s a lvo , d e sd e a c o n c e p ç ã o , o s d ire ito s d o e m b riã o e os d o n a s c itu ro .

Art. 3- São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I — os menores de dezesseis anos; II — os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discer­ nimento para a prática desses atos; III — os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. HISTÓRICO • A redação atual do dispositivo é praticam ente a mesma da concebida pela comissão que elaborou o anteprojeto, salvo em relação ao antigo inciso IV, que elegia os índios como absolutamente incapazes e que foi suprimido pela Câmara dos Deputados ainda durante a primeira fase de tra ­ m itação do projeto. Durante a passagem do projeto pelo Senado houve apenas uma pequena modificação na redação do inciso III. É que o texto original do projeto dispunha literalm ente o seguinte: "111 - os que, ainda por causa transitória, não puderem exprim ir sua vontade". 0 Senado Federal preferiu em endar o dispositivo, dando-lhe a seguinte redação: "III - os que, ainda por m otivo transitório, não puderem exprim ir sua vontade". 0 argum ento era o de que a expressão "por motivo" teria o mesmo alcance da form a "por causa", e evitaria a dissonância que nesta se apura. A redação atual tem origem em emenda de autoria do Deputado Fiuza para substituição do "ainda" por "mesmo", em favor da redação vigente no Código anterior. Entendeu o Relator Ricardo Fiuza que o vocábulo "motivo" tinha características essencialmente subjetivas, enquanto a palavra "causa" era integralm ente objetiva. 0 conceito de causa é mais amplo do que a noção de motivo. Pode-se, exem plificativam ente, fa la r de causas naturais, no sentido de causas da na­ tureza, mas nunca de motivos da natureza ou motivos naturais. Propôs, então, o Relator Fiuza, nova redação ao inciso. Segundo consignou em seu relatório, o "ainda por causa transitória", além de configurar certo arcaísmo de linguagem (m odernam ente, dir-se-ia "ainda que por causa tra n ­ sitória"), padecia do vicio da am bigüidade, podendo ser tom ado tam bém no sentido do advérbio tem poral, de persistência da "causa transitória", que ainda se faria sentir. DOUTRINA • N o ç ã o d e in c a p a c id a d e : A incapacidade é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, devendo ser encarada restritam ente, considerando-se o principio de que “a capacidade é a regra e a incapacidade a exceção" [RTJ, 9 5 /1 .3 4 9 ). • In c a p a c id a d e a b s o lu ta : A incapacidade será absoluta quando houver proibição to ta l do exercício do d ire ito pelo incapaz, acarretand o, em caso de violação do preceito, a nulidade do a to (CC, art. 1 6 6 , 1). Logo os ab so lu tam en te incapazes tê m direitos, porém nào poderão exercê-los d ire ta ou pessoalm ente, devendo ser representados. • M e n o rid a d e d e dezesseis a n o s : Os m enores de dezesseis anos são tidos com o absolutam ente incapazes para exercer atos na vida civil, porque devido à idade não a tin g ira m o discerni­ m en to para distingu ir o que podem ou não fazer, o que lhes é co nveniente ou prejudicial. Por isso, para a valid ade dos seus atos, será preciso que estejam representados por seu pai, por sua m ãe ou por tu to r (CC, arts. 1.634, V, 1.690 e 1 .7 4 7 ,1). • E n fe rm id a d e , o u d e fic iê n c ia m e n ta l, a c o m p a n h a d a d e a u s ê n c ia de d is c e rn im e n to : Q uem fo r po rtad o r de doença físico-psíquica ou de anom alia m en tal, congênita ou adquirida, que re­ tire o discernim ento para a prática dos atos da vida civil, deverá, sob pena de nulidade, ser representado por um curador. Todavia, é preciso que se ten h a um estado durado uro, que

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Art. A°-

ju s tifiq u e a interdição, ainda que interro m p id o por intervalos de lucidez [RT, 7 7 5 :2 3 4 ). É preciso lem brar que os portadores de doença grave, de deficiência física ou m ental terão prioridade nos procedim entos judiciais (CPC, arts. 1.211 -A , 1 .2 1 1 -B e 1.211 -C , c o m a redação da Lei n. 1 2 .0 0 8 /2 0 0 9 ) e nos procedim entos adm inistrativos (Lei n. 9 .7 8 4 /9 9 , a rt. 6 9 -A , acres­ cido pela Lei n. 1 2 .0 0 8 /2 0 0 9 ). • Im p o s s ib ilid a d e tr a n s itó r ia p a ra e x p rim ir a v o n ta d e : Aqueles que, por doença que acarrete deficiência física (surdo -m udez, p. ex.), ou perda de m em ória, não puderem , ainda que te m ­ p orariam ente, m a n ife s ta r sua vo n tad e para p raticar atos da vida civil deverão estar repre­ sentados por um curador (CC, arts. 1.767, II, e 1.780).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 138, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A vontade dos absolutam ente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3o, é juridicam ente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernim ento bastante para tanto".

JULGADOS • "M enor - Tutela - Avós - Pais vivos no gozo do pátrio poder (hoje, poder fam iliar) - 0 deferi­ mento de tutela de m enor pressupõe a m orte dos pais, sua declaração de ausência ou o decaim en­ to do pátrio poder (hoje, poder fam iliar), circunstâncias inexistentes no caso concreto" (STJ, REsp 249.823/PR , (2 0 0 000201766), 3»T., Rei. M in. Eduardo Ribeiro, DJU, 2 6 -6 -2 0 0 0 , p. 00167). • "M enor com 16 anos de idade e perfeita capacidade m ental pode ser objeto de tutela, porque precisaria ser apenas assistido nos atos da vida civil. Todavia, tendo a capacidade m ental ob literada e sendo, ainda, surdo-m udo, precisa ser curatelado por inteiro para que possa ter seus bens dirigidos e administrados por outrem e, assim, sobreviver" [RT, 673:95). Art. 4- São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer I — os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II — os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, te­ nham o discernimento reduzido; III — os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV — os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. HISTÓRICO • Este dispositivo sofreu duas alterações durante o periodo de tram itação entre Câmara e Senado. A primeira consistiu na redução da maioridade civil de 21 para 18 anos, de que trata o inciso I, e cujos fundam entos encontram -se delineados no histórico do artigo seguinte. A segunda alteração teve origem em emenda de redação apresentada pelo Deputado Ricardo Fiuza, substituindo ter­ minologia em desuso utilizada no texto do projeto (silvícolas) pela denom inação usada na Cons­ tituição Federal (índios). DOUTRINA • In c a p a c id a d e re la tiv a : A incapacidade relativa diz respeito àqueles que podem p raticar por si os atos da vida civil desde que assistidos por quem o d ireito encarrega desse ofício, em razão de parentesco, de relação de ordem civil ou de designação ju d ic ia l, sob pena de a n u labilidade daquele a to (CC, a rt. 1 7 1 , 1), d ependente da iniciativa do lesado, havendo até h i­ póteses em que tal a to poderá ser co n firm a d o ou ratificado. Há atos que o re lativa m e n te incapaz pode praticar, livrem ente, sem auto rização. • M a io re s d e dezesseis e m e n o re s d e d e z o ito a n o s: Os m aiores de dezesseis e m enores de de­ zo ito anos só poderão p raticar atos válidos se assistidos pelo seu representante. Caso c o n trá ­ rio serão anuláveis.

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• É b rio s h a b itu a is , v ic ia d o s e m tó x ic o s e d e fic ie n te s m e n ta is c o m d is c e rn im e n to re d u z id o : Alcoólatras, dipsômanos, toxicôm anos, portadores de deficiência m ental adquirida, que sofram redução na sua capacidade de e n te n d im e n to , nào poderão p raticar atos na vida civil sem assistência de curador (CC, art. 1.767, III; CPC, arts. 1 .2 1 1-A , 1 .2 1 1 -B e 1.21 1 -C ; Lei n. 9 .7 8 4 /9 9 , a rt. 6 9 -A , II e IV), desde que in te rd ito s . • E xce p cio n a is, se m d e s e n v o lv im e n to m e n ta l c o m p le to : A brangidos estão, aqui: os fracos de m ente, surdos-m udos e portadores de ano m alia psíquica congênita, que apresentem sinais de desenvolvim ento m ental incom pleto , com provado e declarado em sentença de interdição, q ue os to rn a m incapazes de p raticar atos na vida civil, sem a assistência de um curador (CC, a rt. 1.767, IV). • P ró d ig o s : São considerados re lativa m e n te incapazes os pródigos, ou seja, aqueles que, co m ­ provada, habitu al e desordenadam ente, dilapidam seu patrim ô n io , fazen d o gastos excessivos. Com a interdição do pródigo, privado estará ele dos atos que possam c o m p ro m eter seus bens, nào podendo, sem a assistência de seu curador (CC, a rt. 1.767, V), alienar, em prestar, dar quitação, transigir, hipotecar, ag ir em ju ízo e praticar, em geral, atos que não sejam de m era adm inistração (CC, a rt. 1.782). • In d íg e n a s e s u o s u b m is s ã o a re g im e tu te la r . Os índios, devido a sua educação ser lenta e d ifíc il, são colocados pelo Código Civil de 2 0 0 2 sob a proteção de lei especial, que regerá a questão de sua capacidade. 0 Código Civil s u jeita-o s ao regim e tu te la r, estabelecido em leis e regulam entos especiais (Lei n. 6 .0 0 1 /7 3 ; C F/88, arts. 2 2 , XIV, 4 9 , XVI, 129, V, 2 1 0 , § 2a, 232, 109, XI, 2 3 1 ,1 7 6 , § 1°, e art. 67 das Disposições Transitórias; Dec. n. 8 8 .1 1 8 /8 3 ; C onstituição do Estado de São Paulo de 1989, arts. 2 8 2 , §§ 1° a 3°, e 2 8 3 ; Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , arts. 50, § 2°, e 2 4 6 , com a redação da Lei n. 1 0 .2 6 7 /2 0 0 1 ; Dec. n. 1 .7 7 5 /9 6 ; RT, 7 7 5:48 9 ).

SÚMULA • Súm ula 1 4 0 do STJ: "C om pete à Justiça C om um Estadual processar e ju lg a r crim e em que o indígena fig u re com o a u to r ou vítim a".

JULGADO • "Para que uma pessoa seja interditada por prodigalidade não basta que o requerente alegue a incapacidade de gerir o patrim ônio, sendo necessária e indispensável a comprovação da situação" (JTJ, 2 0 0/1 1 0 ). "0 juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo form ar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos (art. 438, CPC). Assim é que, indicados os motivos que form aram o convencimento a respeito da prodigalidade determ inante da interdição, não há cogitar de negativa de vigência ao art. 131 do Código de Processo Civil. Perfeitam ente dispensá­ vel, no caso, referir a anom alia psíquica, mostrando-se suficiente a indicação dos fatos que reve­ lam o com prom etim ento da capacidade de adm inistrar o patrim ônio. A prodigalidade é uma si­ tuação que tem mais a ver com a objetividade de um com portam ento na administração do patri­ mônio do que com o subjetivismo da insanidade m ental, invalidante da capacidade para os atos da vida civil. Negativa de vigência ao art. 1.180 do CPC nào configurada. Recurso Especial nào conhecido (STJ)" [Boi. M S P , 7.882:8). Art. 5- A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilita­ da à prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: I — pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II — pelo casamento;

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III — pelo exercício de emprego público efetivo; IV — pela colação de grau em curso de ensino superior, V — pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de empre­ go, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria. HISTÓRICO • A principal alteração verificada neste dispositivo em relação ao texto original do Projeto n. 634, procedida ainda pelo Senado Federal, consistiu na redução da m aioridade civil de 21 para 18 anos. A questão da redução da m aioridade civil há m uito já nâo suscitava mais qualquer controvérsia tanto no seio da comunidade jurídica como na sociedade de uma maneira geral. As justificativas apresentadas perante o Senado traduzem bem essa posição, in ve rb is: "Substancialmente, as modificações propostas pela emenda decorrem da fixação da m aioridade civil em dezoito anos". E no particular procede. A tendência prevalecente é no sentido de fixar a m aioridade civil em dezoito anos. Assim a estabelecem o Código Civil italiano, de 1942 (art. 2o), o português (de 1966), com as alterações de 1977 (a r t 130), o francês, com as inovações da Lei de 1974 (art. 488). Esta é a consagração, tam bém , da Constituição espanhola de 1978 (art. 12). Acresce que nossa Cons­ tituição prestigia essa tendência. Restringe a inim putabilidade penal aos menores de dezoito anos, sujeitando-os à legislação especial (art. 228). Considera o alistam ento eleitoral e o voto obrigató­ rios para os maiores dessa idade e facultativos para os maiores de dezesseis anos (art. 14, § 1o, I e II, c). E estipula a idade de vinte e um anos como condição de elegibilidade "para deputado fede­ ral, deputado estadual ou distrital, vice-prefeito e juiz de paz", bem assim a de dezoito anos para vereador (art. 14, § 3o, VI, c e d ) , o que corrobora a fixação da maioridade aos dezoito anos. Essa inclinação legislativa repousa, tam bém , na certeza de que os meios de comunicação transm item , perm anente e crescentemente, conhecimentos e informações que ampliam o poder de observação das pessoas e de discernim ento dos fatos. Há de presumir-se, mesmo, que assim se teria orientado o projeto, se sua elaboração houvesse sido posterior à Carta de 1988. Retornando o projeto à Câmara dos Deputados, foi apresentada emenda de redação pelo Relator Ricardo Fiuza, substi­ tuindo a conjunção aditiva "e" pela conjunção alternativa "ou", a fim de evitar a ambigüidade. 0 emprego da conjunção "e", segundo o relator, fazia "parecer que, além do instrum ento público, estar-se-ia a exigir sentença judicial para validade da emancipação feita por concessão dos pais, quando o artigo versa sobre duas form as estanques de emancipação: uma por concessão dos pais e que independe de processo judicial; e a outra por decisão judicial, nos casos de m enor sujeito a tutela". DOUTRINA • M a io rid a d e : Em relação à m enoridade, a incapacidade cessará quando o m enor com pletar dezo ito anos, segundo nossa legislação civil. Ao a tin g ir dezo ito anos a pessoa to rn a r-s e -á m aior, a dquirind o a capacidade de fa to , podendo, então, exercer pessoalm ente os atos da vida civil. • E m a n c ip a ç ã o v o lu n tá r ia o u ju d ic ia l: Antes da m aioridade legal, te n d o o m enor a tin g id o dezesseis anos, poderá haver a o utorga de capacidade civil por concessão dos pais, ou de um deles na fa lta do outro, no exercício do poder fa m ilia r, m ediante escritura pública inscrita no Registro Civil c o m p eten te (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , arts. 89 e 9 0 ; CC, a rt. 9°, II), ind ep en d en tem en te de hom ologação ju d ic ia l. A lém dessa em ancipação por concessão dos pais, te r-s e -á a em a n ­ cipação por sentença ju d ic ia l, se o m enor com dezesseis anos estiver sob tu te la (CPC, arts. 1.103 a 1 .1 1 2 ,1; Lei n. 8 .0 6 9 /9 0 , a rt. 148, V II, p arág rafo único, e), ouvido o tu to r. • E m a n c ip a ç ã o tá c ita o u le g a l: A em ancipação legal decorre dos seguintes casos: a) c a s a m e n ­ to , pois não é plausível que fiq u e sob a au to rid ad e de o u trem quem tem condições de casar e c o n s titu ir fa m ília ; assim, mesmo que haja anulação do m a trim ô n io , viuvez, separação ou divórcio, o em ancip ad o por esta fo rm a não retorna è incapacidade; 6) e x e rc íc io de e m p re g o p ú b lic o e fe tiv o , por fu n c io n á rio nom eado em c a ráter e fe tiv o (não abrangendo a fu nção

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pública in terin a, ex tra n u m e rá ria ou em comissão), com exceção de fu n c io n á rio de a u tarq u ia ou e n tid a d e paraestatal, que nào é alcançado pela em ancipação. Diarista e c o n tra tad o nào serão em ancipados por força de lei [RT, 9 8 /5 2 3 ; S úm ula 14 do STF e Lei n. 1 .7 1 1 /5 2 , a rt. 22, II; Lei n. 8 .1 1 2 /9 0 , a rt. 5®, \f]', c) c o la ç õ o d e g ra u em c u rs o d e e n s in o s u p e rio r, em bora, nos dias atuais, d ific ilm e n te alguém se em ancipe por esse m otivo, dada a extensão do ensino fu n d a m e n ta l e m édio e superior, mas, se ocorrer ta l fa to , o m enor a u to m a tic a m e n te e m a n c ip a r-s e -á ; c/) e s ta b e le c im e n to c iv il o u c o m e rc ia l ou pela existência de relação de em prego, desde que em fu n ção deles o m enor com 16 anos com pletos te n h a e c o n o m ia p ró p ria , porque é sinal de que a pessoa tem a m a d u recim en to e experiência, podendo reger sua própria pessoa e patrim ô n io , sendo ilógico que para cada a to seu houvesse um a auto rização paterna ou m aterna.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 397, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "A emancipação por concessão dos pais ou por sentença do juiz está sujeita a desconstituição por vicio de vontade". • Enunciado 3, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2 002: "A redução do lim ite etário para definição da capacidade civil aos 18 anos nào altera o disposto no art. 16, inc. I, da Lei n. 8.213/91, que regula especifica situação de dependência econômica para fins previdenciários e outras situ­ ações similares de proteção previstas em legislação especial". JULGADOS • "A emancipação, ao menos a que decorre da vontade dos pais, não terá as mesmas conseqüências que dela advêm quando se cuide da prática de atos com efeitos jurídicos queridos. A responsabi­ lidade dos pais decorre especialmente do poder de direção que, para os fins em exame, não é afetado. É possível mesmo ter-se a emancipação como ato menos refletido; não necessariamente fraudulento. Observe-se que a emancipação, por si, não afasta a possibilidade de responsabilizar os pais, o que não exclui possa isso derivar de outras causas que venham a ser apuradas" [RSTJ, 7 75:275). • "M enor que se estabelece em razão da sucessão causa m o rtis não pratica comércio com economia própria. Dessa form a, não pode se emancipar, por ausência de requisitos, e inexistência de ele­ mentos contemplados em Lei" [RT, 723:323). • "Emancipação por escritura pública e por sentença judicial. Necessidade de seu registro em qual­ quer caso, para que produza efeitos..." (STF, 1*T., Al 33.718, j. em 8.6.65, Rei. M in. Evandro Lins e Silva). Art. 6? A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva. HISTÓRICO • Este artigo não havia sido alterado durante a tram itação no Senado Federal e m antinha a mesma redação do anteprojeto, a saber: "Art. 6* A existência da pessoa física term ina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão defi­ nitiva". Retornando o projeto à Câmara, o Relator Fiuza propôs a substituição da expressão "pessoa física" por "pessoa natural", restabelecendo a redação vigente no Código de 1916. A proposta de restaurar a denominação "pessoa natural" já vinha desde o primeiro período de tra ­ m itação do projeto perante a Câmara dos Deputados. Emenda do Deputado Brigido Tinoco, pos­ teriorm ente rejeitada pelo Relatório Ernani Sátyro, já consignava, citando Clóvis Beviláqua, "que o homem simboliza a pessoa natural, juridicam ente, porque não é visto, apenas, sob o aspecto da individualidade, mas tam bém como agente primário e comum do direito. Observa Teixeira de Freitas, em seu "esboço", que o "homem, fisicam ente considerado, é um anim al, e só como tal nào seria ente jurídico". Por que, então, a euforia reformista do projeto, que não conduz a coisa algu­

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ma e nada significa? Alice Piot, em D ro it n a tu re l e t ré a lism e ju rid iq u e (Paris, 1917, p. 74), lembra um pensamento de Gény, renomado mestre de direito privado na França, ao acentuar que o homem nâo é simples pessoa física, uma vez que traz em si mesmo, além das enferm idades da natureza, 0 milagre da observação dos fatos. Georges Ripert, em A regra m o ra l na s o b rig a çõ es civ is (Sâo Paulo, Livraria Acadêmica, 1937, p. 27), obra agraciada com o prêmio Dupin, de 1930, sustenta a dialética de Hauriou: "Existe uma espécie hum ana, e, por conseguinte, uma lei da espécie. A es­ pécie do h o m o sa p ie ns caracteriza-se pela moralidade, pois que o hom em procura uma norma de conduta exterior para corrigir a falta de equilíbrio entre a sua inteligência e o seu instinto". Pro­ cede a lição de Clóvis Beviláqua: " 0 direito não se ocupa do ser biológico, mas da individualidade moral que se agita dentro da sociedade civil. Assim, a transform ação da pessoa natural em física, acobertada pelo projeto, desnuda o hom em de sua grandeza social". Acrescentou, ainda, o Relator Ricardo Fiuza, por sua vez, que da mesma form a como se procedeu em relação ao Titulo I do Livro 1 da Parte Geral, impunha-se, para com patibilizar o texto do projeto às nomenclaturas do Direito Privado, do qual o Direito Civil é ramo, que se substituísse a expressão "pessoas físicas", própria do Direito Tributário (Direito Público), pela expressão "pessoa natural", própria do Direito Civil (Direito Privado).

DOUTRINA • M o r te re a l: Com a m o rte real, cessa a personalidade ju ríd ica da pessoa natu ral, que deixa de ser sujeito de direitos e obrigações, acarretand o: o) dissolução do vínculo conjugal e do re­ gim e m a trim o n ia l (Lei n. 6 .5 1 5 /7 7 ; CC, art. 1 .5 7 1 ,1); 6) extinção do poder fa m ilia r (CC, art. 1 .6 3 5 ,1); dos contratos personalíssimos, com o prestação de serviço (CC, a rt. 6 0 7), e m andato (CC, a rt. 6 8 2 , II; STF, S úm ula 25); c) cessação da obrigação de alim en tos com o fa le c im e n to do credor [RJTJSP, 8 2 /3 8 ; RT, 5 7 4 /6 8 ; CC, a rt. 1.700); do pacto de preem pçào (CC, art. 5 2 0); da obrigação oriund a de in g ratid ão de d o n atário (CC, art. 5 6 0 ); e c/) extinção de usufru to (CC, art. 1 .4 1 0 ,1; CPC, art. 1.112, V I); da doação em fo rm a de subvenção periódica (CC, a rt. 5 4 5); do encargo da te s ta m e n ta ria (CC, a rt. 1.985). • M o r te p re s u m id a c o m d e c la ra ç ã o ju d ic ia l de a u s ê n c ia : A m orte presum ida pela lei se dá pela ausência de um a pessoa nos casos dos arts. 22 a 3 9 do Código Civil e dos arts. 1.161 a 1.168 do Código de Processo Civil. Se um a pessoa desaparecer, sem deixar notícias, qu alq u er in te ­ ressado na sua sucessão ou o M in istério Público (CPC, a rt. 1 .163) poderá requerer ao ju iz a declaração de sua ausência e a nom eação de curador. Se após um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se deixou algum representante, em se passando três anos, sem que dê sinal de vida, poderá ser requerida sua sucessão provisória (CC, a rt. 26) e o início do processo de in ven tário e partilh a de seus bens, ocasião em que a ausência do desaparecido passa a ser considerada presum ida. Feita a p artilh a, seus herdeiros deverão ad m in istrar os bens, prestan­ do caução real, g a ra n tin d o a restituição no caso de o ausente aparecer. Após dez anos do trân sito em ju lg a d o da sentença da a b e rtu ra da sucessão provisória (CC, art. 3 7 ; CPC, art. 1.167, II), sem que o ausente apareça, ou cinco anos depois das últim as notícias do desapa­ recido que conta com o ite n ta anos de idade (CC, a rt. 3 8), será declarada a sua m o r te p re s u ­ m id a a re q u e rim e n to de q u a lq u e r interessado, converten d o -se a sucessão provisória em d e fin itiv a . Se o ausente re to rn a r em a té dez anos após a ab ertu ra da sucessão d e fin itiv a , terá os bens no estado em que se en contrarem e d ire ito ao preço que os herdeiros houverem recebido com sua venda. Porém , se regressar após esses dez anos, não terá d ireito a nada (CPC, a rt. 1.168).

JULGADOS • "Processual civil. Capacidade de ser parte. Pessoa falecida. Ausência. Para alguém estar em juízo é necessário que tenha capacidade de ser parte (capacidade judiciária). Em regra, salvo algumas exceções, têm capacidade de ser parte a pessoa natural e a pessoa jurídica. Como a existência da pessoa natural term ina com a m orte, pessoa falecida não tem capacidade de ser parte. Ausente este pressuposto processual, pode o fe ito ser extinto de ofício em qualquer tem po e grau de ju ­

Arts. 7o - e 8o-

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risdição, nos term os do art. 267, § 3°, do CPC. Recurso desprovido" (TJRS, 2* Câmara Civel, AC 70 01 7 2 78 2 5 0, Rei. Des. A m o W erlang, j. em 2 8 -2 -2 0 0 7 ). • “Dois sócios - M orte presumida de um deles - Dissolução - Pagamento dos haveres aos herdei­ ros ou a quem de direito - Continuidade do negócio pelo sócio sobrevivente sob sua firm a indi­ vidual e exclusiva responsabilidade - Admissibilidade. Ementa oficial: Sociedade comercial. Se o contrato previa como conseqüência de sua dissolução pela m orte presumida de um dos dois sócios o simples pagam ento dos haveres do prem orto aos seus herdeiros ou a quem de direito, é eviden­ te caber ao sobrevivente continuar com o negócio sob sua firm a individual e exclusiva responsa­ bilidade, ressalvados legítimos interesses de terceiros" [RT, 5 5 2 :176).

Art. T- Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência: I — se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; II — se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados. A redação atual é a mesma do projeto original, cuja Parte Geral, como se sabe, ficou a cargo do em inente M inistro José Carlos Moreira Alves. Não tem correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • M o r te p re s u m id a se m d e c re ta ç ã o d e a u s ê n c ia : A d m ite -s e declaração ju d icial de m orte pre­ sum ida sem decretação de ausência em casos excepcionais, apenas depois de esgotadas todas as buscas e averiguações, devendo a sentença fix a r a data provável do óbito, e tais casos são: o) probabilidade da ocorrência da m orte de quem se encontrava em perigo de vida e ò) de­ saparecim ento em cam panha ou prisão de pessoa, nào sendo ela encontrada a té dois anos após o té rm in o da guerra.

Art. 8? Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo ave­ riguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào foi atingido por qualquer alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados. A redação atual é a mesma do projeto original, cuja Parte Geral, como se sabe, ficou a cargo do em inente M inistro José Carlos M oreira Alves. Corres­ ponde ao art. 11 do Código Civil de 1916. DOUTRINA • C o m o riê n c ia o u m o rte s im u ltâ n e a : A com oriência é a m o rte de duas ou mais pessoas na mesma ocasião e em razão do m esm o acontecim en to . Em bora o problem a da com oriência, em regra, alcance casos de m orte conjunta, ocorrida no mesmo acon tecim en to , ela coloca-se, com igual relevância, no que concerne a efeitos dependentes de sobrevivência, na hipótese de pessoas falecidas em locais e aco ntecim entos distintos, mas em datas e horas sim ultâneas ou m u ito próximas.

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• E fe ito d a m o r te s im u ltâ n e a n o d ire ito s u c e s só rio : A com oriência terá g rande repercussão na transm issão de direitos sucessórios, pois, se os com orientes são herdeiros uns dos outros, não há transferência de direitos; um não sucederá ao o u tro , sendo cham ados à sucessão os seus herdeiros a n te a presunção ju r is ta n tu m de que faleceram ao mesmo tem po . Se dúvida h o u ­ v e r no sentido de se saber quem faleceu prim eiro, o m agistrado aplicará o a rt. 8a do Código Civil, caso em que, e n tão , não haverá transmissão de direitos e n tre as pessoas que m orreram na mesma ocasião.

JULGADOS • “A presunção legal de comoriência estabelecida quando houver dúvida sobre quem morreu pri­ meiro só pode ser afastada ante a existência de prova inequívoca de premoriência" [RT, 639:62). • "Falecendo no mesmo acidente o segurado e o beneficiário e inexistindo prova de que a m orte não foi simultânea, não haverá transmissão de direitos entre os dois, sendo inadmissível, portan­ to, o pagam ento do valor do seguro aos sucessores do beneficiário. É preciso que o beneficiário exista ao tem po do sinistro" [RT, 5 8 7 :121). • "Não se podendo afirm ar com absoluta certeza, em face da prova dos autos, a premoriência de uma das vitim as de acidente em que veículo é abalroado e vem a explodir quase em seguida, deve ser m antida a presunção legal de comoriência" [RJM, 779:159).

Art. 9? Serão registrados em registro público: I — os nascimentos, casamentos e óbitos; II — a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz; III — a interdição por incapacidade absoluta ou relativa; IV — a sentença declaratória de ausência e de morte presumida. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração relevante, seja por parte do Se­ nado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, salvo no tocante à substituição da form a verbal "inscritos" por "registrados", operada por emenda de redação apresentada no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • P u b lic id a d e d o e s to d o d a s p e sso a s: Com o escopo de assegurar direitos de terceiros, o legis­ lador, a fim de o b te r a publicidade do estado das pessoas, exige inscrição em registro púb li­ co de determ inados atos, e a certidão extraíd a dos livros cartorários fa rá prova plena e segu­ ra do estado das pessoas físicas. • R e g is tro d e n a s c im e n to : Todo nascim ento deve ser registrado (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , arts. 29 - com a redação da Lei n. 6 .8 2 8 /2 0 0 9 - , 4 6 , 50 - alte rad o pela Lei n. 9 .0 5 3 /9 5 - e 53; CC, a rt. 9 a; I; Leis n. 9 .5 3 4 /9 7 e 1 1 .7 8 9 /2 0 0 8 , que a lte ra ra m o art. 4 5 da Lei n. 8 .9 3 5 /9 4 ; CF/88, art. 5®, LXXVI, o), m esm o que a criança te n h a nascido m orta ou m orrido d u ra n te o parto. • R e g is tro d e c a s a m e n to : Para c o m p le ta r as fo rm alidades do casam ento, que se iniciam com a habilitação e prosseguem com a cerim ônia solene, d e v e r-s e-á lavrar no livro de registro para p erp etu ar o a to e servir de prova o assento do m a trim ô n io , assinado pelo presidente do ato, cônjuges, testem unhas e oficial, contend o os requisitos exigidos pelo art. 70 da Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 (CC, arts. 1.512, p arág rafo único. 1.516, §§ 1® a 3®, 1 .5 4 5 e 1.546). • R e g is tro d e ó b ito : Será im prescindível o registro de óbito, pois se prova a m o rte pela certidão extraída do assento de óbito (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , arts. 77 a 8 8 e 107; Leis n. 9 .5 3 4 /9 7 e 1 1 .7 8 9 /2 0 0 8 , que deram nova redação ao art. 4 5 da Lei n. 8 .9 3 5 /9 4 ).

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• R e g is tro de e m a n c ip a ç ã o v o lu n tá r ia o u ju d ic ia l: Im prescindível será o registro de em an cip a­ ção de m enor de dezo ito anos com pletos que se dê em razão de o utorga p a te rn o -m a te rn a l ou por sentença ju d icial (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , arts. 89 a 91 e 107, § 1°). • R e g is tro de in te rd iç ã o p o r in c a p a c id a d e a b s o lu ta o u re la tiv a : O decreto judicial de interdição deverá ser assentado (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , art. 9 2 ) no Registro das Pessoas N atu rais e publicado pela im prensa local e pelo órgão oficial três vezes, com intervalo de dez dias, constando do e d ita l os nom es do in te rd ito e do curador que o representará nos atos da vida civil, a causa da interdição e os lim ites da curatela (CPC, art. 1.184). 0 assento no Registro de Pessoas N atu rais e a publicação editalícia sào indispensáveis para assegurar eficácia e rg a o m n e s à sentença. • R e g is tro d e s e n te n ç a d e c la ra tó ria d e a u s ê n c ia e de m o r te p re s u m id a : Será preciso que se faça o assento da sentença declarató ria de ausência que nom ear curador no ca rtó rio do dom icílio a n te rio r do ausente (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , a rt. 9 4). A sentença da a b e rtu ra da sucessão provisória será averbada, no assento de ausência, após o trân sito em ju lg a d o (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , arts. 104, p arág rafo único, e 107, § 1«). E a declaração ju d icial da m o rte presum ida deverá, convertendo-se a sucessão provisória em d e fin itiv a , tam bém ser levada a assento.

JULGADOS • " 0 registro de nascimento resultante de declaração falsa, evidentem ente demonstrada, pode ser anulado em juizo por quem tenha interesse jurídico na anulação- [JB, 730:71). • “Registro de nascimento. Procedimento de rito especial. Registro só possível m ediante a presença do pai ou de procurador com poderes especiais. Impossibilidade da mãe efetuar registro de nas­ cim ento de filho em nom e do pai natural, sendo este já falecido sem o reconhecimento. Sentença reform ada" [JB, 730:107). Art. 10. Far-se-á averbação em registro público: I — das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o divórcio, a separação judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal; • Inciso que poderá perder sua eficácia social pela CF, art. 226, § 6 o, com a redação da EC n. 6 6 /2 0 1 0 .

II —

dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação; III — n.

(Revogado pela Lei 12.010, de 3-8-2009.)

• "Dos atos judiciais ou extrajudiciais de adoção."

HISTÓRICO • A redação original dos incisos do a r t 10 era a seguinte: "I - das sentenças que decretarem a nulidade ou a anulação do casamento, a separação judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal; II - das sentenças que julgarem ilegítimos os filhos concebidos na constância do casa­ mento, e as que declararem a filiação legitim a; III - dos atos judiciais ou extrajudiciais que de­ clararem ou reconhecerem a filiação ilegítim a; IV - dos atos judiciais ou extrajudiciais de adoção, e dos que a dissolverem". Por meio de emenda apresentada perante o Senado Federal pelo então Senador Fernando Flenrique Cardoso o dispositivo ganhou a redação atual, suprimindo-se o inci­ so que versava sobre filiação ilegítim a e acrescentando-se no inciso I a sentença de divórcio entre os atos passíveis de averbação no registro público. Não tem correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Im p o rtâ n c ia d a a v e rb a ç ã o : Surge, ao lado do registro, um a to especifico - a averbação - an te a necessidade de fa ze r exarar todos os fato s que ven h am a tin g ir o estado da pessoa e, con­ sequentem ente, o seu registro civil, a lte ra n d o -o , por m od ificarem ou extin g u irem os dados

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dele constantes. A averbação será fe ita pelo oficial do ca rtó rio em que constar o assento è vista da carta de sentença, de m andado ou de petição acom panhada de certid ão ou docu­ m en to legal e a u tê n tic o , com audiência do M in is tério Público (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , art. 97). • A v e rb a ç ã o d a s e n te n ç a d e n u lid a d e o u a n u la ç ã o d o c a s a m e n to , d a s e p a ra ç ã o ju d ic ia l e d o d iv ó rc io : Transitada em ju lg a d o a sentença declarató ria de nulidade absoluta ou relativa do casam ento, a decisão h o m o lo g ató ria da separação ju d icial consensual ou a que conceder a separação judicial litigiosa deverá ser averbada no livro de casam ento do Registro Civil co m ­ p e te n te (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , art. 100), e se a partilha a b ran g er bens im óveis deverá ser tam bém transcrita no Registro Im o b iliário (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , arts. 29, § 12, o, 100, §§ 1 *a 52, e 167, II, n. 14; CPC, a rt. 1.124). A ntes da averbação aquelas sentenças não produzirão efeitos contra terceiros (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , a rt. 100, § 1°). E a sentença de divórcio só produzirá seus efeitos depois de averbada no Registro Público c o m p eten te, ou seja, onde fo i lavrado o assento do casam ento (art. 32 da Lei n. 6 .5 1 5 /7 7 ). • A v e rb a ç ã o d o re s ta b e le c im e n to d a s o c ie d a d e c o n ju g a l: H avendo a to de restabelecim ento da sociedade conjugal m ed ian te reconciliação, se separados, ou novo casam ento, se divorciados (Lei n. 6 .5 1 5 /7 7 , a rt. 4 6 ), deverá ele ser averbado (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , a rt. 101) no livro de casa­ m en to e, havendo bens im óveis no p a trim ô n io conjugal, a averbação do fa to deverá ser fe ita em relação a cada um dos im óveis pertencentes ao casal, exista ou não pacto a n te n u p cial (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , a rt. 167, II, n. 10), no Registro Im o b iliário da situação dos imóveis. • A v e rb a ç ã o d e a to s ju d ic ia is o u e x tra ju d ic ia is q u e d e c la re m o u re c o n h e ç a m a filia ç ã o : No livro de nascim ento deverão ser averbados ta n to atos judiciais que declarem ou reconheçam a filia ç ão (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , art. 102) com o os extrajudiciais, porque o reconhecim ento de filh o v o lu n tário (CC, a rt. 1 .6 0 9 ,1 a IV; Lei n. 8 .0 6 9 /9 0 , a rt. 26; Lei n. 8 .5 6 0 /9 2 , a rt. 1°, I a IV) é a to solene. Deve, p. ex., a escritura pública ou p a rticu lar ser arquivada em cartó rio , onde se re­ conheça filiação, e ser averbada no livro de nascim ento. • A v e rb a ç õ o d o s a to s ju d ic ia is d e a d o ç ã o : A sentença c o n s titu tiv a de adoção, que con fere à pessoa a q u alidade de filh o ad o tiv o , d e slig an d o -o do vín cu lo com os parentes co n san g u íneos, estabelecendo a relação de parentesco civil, após o trâ n s ito em ju lg a d o deverá ser averbada no livro de nascim ento. Deveras, a adoção só se consum a com o assento daquela decisão, que se p e rfaz com sua averbação à m argem do registro de nascim ento do adotado , e fe tu a d a à vista de petição acom panhada da decisão ju d ic ia l [Lei n. 8 .0 6 9 /9 0 (com a a lte ­ ração da Lei n. 1 2 .0 1 0 /2 0 0 9 ), arts. 4 7 , 1 9 7 -A , 1 9 7 -B , 1 9 7-C , 1 9 7 -D , 1 9 7-E , 198, 199, 1 9 9 -A , 1 9 9 -B , 1 9 9-C , 1 9 9 -D e 1 9 9 -E ; CC, arts. 1 .6 1 8 e 1.619, com a redação da Lei n. 1 2 .0 1 0 /2 0 0 9 ]. Com o desapareceu a dico to m ia e n tre adoção simples e plena, o a to da adoção, além de ser irrevo gável, não dispensa a in terven ção ju d ic ia l na sua criação, pois som ente se aperfeiçoa peran te ju iz , em processo ju d ic ia l, com a in terven ção do M in is té rio Público, inclusive em caso de adoção de m aiores de 18 anos (CC, a rt. 1.623 e p a rá g ra fo único). C on sequ en tem en­ te, se não se pode a d o ta r por m eio de escritura pública, não há que fa la r em averbação de a to e x tra ju d ic ia l de adoção e do a to que a dissolver, pois não mais será possível re v o g á -la , nem poderá o a d o tad o desligar-se u n ila te ra lm e n te da adoção. Apenas para fins de ro m p i­ m e n to do e fe ito sucessório da adoção, a norm a ju ríd ic a co n fere ao a d o ta n te e ao a d o tad o o uso da deserdaçâo ou da indign id ad e, desde que surjam os casos dos arts. 1 .8 1 4 ,1 .9 6 2 e 1 .96 3 do CC. O b s.;A Lei n. 8 .0 6 9 /9 0 , com a a lteração da Lei n. 1 2 .0 1 0 /2 0 0 9 , revoga a Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , arts. 102, n. 3 .1 0 5 e 29, § 1°, e.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 273, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “Tanto na adoção bilateral quan­ to na unilateral, quando não se preserva o vinculo com qualquer dos genitores originários, deve­

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rá ser averbado o cancelam ento do registro originário de nascimento do adotado, lavrando-se novo registro. Sendo unilateral a adoção, e sempre que se preserve o vinculo originário com um dos genitores, deverá ser averbada a substituição do nome do pai ou da mãe natural pelo nome do pai ou da mãe adotivos". • Enunciado 272, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Não é adm itida em nosso orde­ nam ento jurídico a adoção por ato extrajudicial, sendo indispensável a atuação jurisdicional, in­ clusive para a adoção de maiores de dezoito anos".

DIREITO PROJETADO • Em face dos argum entos acima aludidos, encam inham os ao Deputado Ricardo Fiuza proposta de alteração do dispositivo, que passaria a contar com a seguinte redação: A rt. 10. F a r-s e -á a v e rb a ç ã o em re g is tro p ú b lic o : I - d a s s e n te n ç a s q u e d e c re ta re m a n u lid a d e o u a n u la ç ã o d o c a s a m e n to , o d iv ó rc io , a s e p a ra ç ã o ju d ic ia l e o re s ta b e le c im e n to d a s o c ie d a d e c o n ju g a l; II - d o s a to s ju d ic ia is o u e x tra ju d ic ia is q u e d e c la ra re m o u re c o n h e c e re m a filia ç ã o ;

III - d o s a to s ju d ic ia is d e a d o çã o .

C ap ítu lo II — DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto, cuja Parte Geral, como se sabe, ficou a cargo do em inente M inistro José Carlos M o ­ reira Alves. DODTRINA • P e rs o n a lid a d e : Segundo G o ffre d o Telles Jr., a personalidade consiste no co n ju n to de carac­ teres próprios da pessoa. É, p o rtan to , ob jeto de direito. • D ire ito s d a p e rs o n a lid a d e : Para G o ffre d o Telles Jr., os direitos da personalidade são os d ire i­ tos subjetivos da pessoa de d e fe n d e r o que lhe é próprio, ou seja, a vida, a integridade, a li­ berdade, a sociabilidade, a reputação ou honra, a im agem , a privacidade, a a u to ria etc. Apesar da grande im portân cia dos direitos da personalidade, o Código Civil de 2 0 0 2 , no ca­ pítu lo a eles dedicado, pouco desenvolveu a te m á tic a , em bora tenha tid o por objetivo p ri­ m ordial a preservação do respeito à dignidade da pessoa hum ana e aos direitos protegidos constitu cio n alm en te, com o se pode ver nos arts. 9 4 8 e 9 5 1 , relativos ao d ire ito à vida, nos arts. 9 4 9 e 9 5 0 , concernentes à integridade física e psíquica, no art. 9 5 3 , alusivo ao d ire ito à honra, e no a rt. 9 5 4 , sobre a liberdade pessoal. N ão quis assum ir o risco de um a enum eração ta x a tiv a, prevendo em poucas norm as a proteção de certos direitos inerentes ao ser hum ano, talvez para que haja, posteriorm ente, d ia n te de seu c a rá te r ilim ita d o , desenvolvim ento ju ris prudencial e d o u trin á rio e regulam entação por norm as especiais. • C a ra cte re s d o s d ire ito s d a p e rs o n a lid a d e : São inatos, absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, im prescritíveis, im penhoráveis, inexpropriáveis e ilim itados, apesar de o C ódi­ go Civil de 2 0 0 2 te r fe ito referência apenas a três características: intransm issibilidade, irre nun ciabilidade e indisponibilidade.

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• D is p o n ib ilid a d e re la tiv a d o s d ire ito s d a p e rs o n a lid a d e : Os direitos da personalidade são, em regra, indisponíveis, mas há tem p eram en to s legais q u a n to a isso, visto que se a d m ite sua disponibilidade relativa, p. ex., q u a n to : o) ao d ireito è im agem , pois em prol do interesse social ninguém poderá recusar que sua fo to fiq u e estam pada em d ocum ento de identidade, e pessoa fam osa pode explorar sua e fíg ie na prom oção de venda de produtos, m ed ian te re­ m uneração convencionada; 6) ao d ire ito a u to ra l, com o escopo de d ivu lg ar obra ou com er­ cializar criação intelectu al (Lei n. 9 .6 1 0 /9 8 ); c) ao d ire ito à integridade física, pois em relação ao corpo alguém , para a te n d e r a um a situação altru ística e terap êu tica, poderá ceder, g ra ­ tu ita m e n te , órgão ou tecido (Lei n. 9 .4 3 4 /9 7 ; Dec. n. 2 .2 6 8 /9 7 ). Logo o exercício dos direitos da personalidade, com exceção das hipóteses previstas em lei, não poderá sofrer lim itação v o lu n tária .

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 274, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Os direitos da personalidade, regulados de m aneira não exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no a r t 1o, III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa hu­ mana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação". • Enunciado 139, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exer­ cidos com abuso de direito de seu titular, contrariam ente à b oa-fé objetiva e aos bons costumes". • Enunciado 4, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "0 exercício dos direitos da perso­ nalidade pode sofrer lim itação voluntária, desde que não seja perm anente nem geral".

DIREITO PROJETADO • Pelos fundam entos expostos, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão de re­ dação, que foi acatada pelo Projeto de Lei n. 6 .96 0 /2 00 2 (atual PL n. 6 9 9/2 0 1 1): A rt. 11. O d ire ito à vida, à in te g rid a d e fis ic o -p s iq u ic a , à id e n tid a d e , à h o n ra , à im agem , à liberdade, à p riva cid a d e , à opção se xu a l e o u tro s re co n h ecido s ò pessoa são in a to s , a b soluto s, in tra n sm issive is, indisponíveis, irre nu n ciá ve is, ilim ita d o s , im prescritíveis, im penhoráveis e in e xp ro priáveis. P a rá g ra fo único. Com exceção dos casos p re v is to s em lei, n ã o p o d e o exercício dos d ire ito s d a p e rso n a lid a d e s o fre r lim ita ç ã o v o lu n tá ria .

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colate­ ral até o quarto grau. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto, cuja Parte Geral, como se sabe, ficou a cargo do em inente M inistro José Carlos M o ­ reira Alves.

DOUTRINA • S a nçõe s s u s c ita d a s p e lo o fe n d id o e m ra z ã o d e a m e a ç a o u le s ã o a d ire ito d a p e rs o n a lid a d e : Os direitos da personalidade destinam -se a resguardar a dignidade hum ana, m ediante sanções, que devem ser suscitadas pelo ofen d id o (lesado direto). Essa sanção deve ser im posta por m eio

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de m edidas eautelares que suspendam os atos que am eacem ou desrespeitem a integridade físico-psíquica, intelectu al e m oral, m ovendo-se, em seguida, um a açào que irá declarar ou negar a existência da lesão, que poderá ser cum ulada com ação o rdinária de perdas e danos a fim de ressarcir danos m orais e patrim oniais. • L e sad o in d ir e to : Se se tra ta r de lesão a interesses econôm icos, o lesado in d ire to será a q u e ­ le que sofre um prejuízo em interesse p atrim o n ial próprio, re su ltan te de d ano causado a um bem ju ríd ic o alheio, podendo a v ítim a estar falecida ou declarada ausente. A indenização por m orte de o u tre m é reclam ada ju r e p ro p rio , pois ainda que o dano, que recai sobre a m u lh e r e os filh o s m enores do fin a d o , seja re su ltan te de hom icídio ou acid en te, quan d o eles agem c o n tra o responsável, procedem em nom e próprio, reclam ando c o n tra prejuízo que s o freram e não c o n tra o q ue fo i irrogado ao m arido e pai. P. ex.: a viúva e os filhos m enores da pessoa assassinada sào lesados indiretos, pois o b tin h a m da v ítim a do hom icídio o neces­ sário para sua subsistência. A privação de a lim en to s é um a conseqüência do dano. N o caso do d ano m oral, p o n tific a Zanno ni, os lesados indiretos seriam aquelas pessoas que poderiam a le g a r um interesse vinculad o a bens jurídicos e x tra p a trim o n ia is próprios, que se satisfaziam m e d ia n te a in colum idade do bem ju ríd ic o m oral da v ítim a d ire ta do fa to lesivo. P. ex.: o m arido ou os pais poderiam p leitear indenização por injúrias fe ita s à m u lh e r ou aos filhos, visto que estas a fe ta ria m ta m b é m pessoalm ente o esposo ou os pais, em razão da posição q ue eles ocupam d e n tro da unidade fa m ilia r. H averia um d ano próp rio pela violação da honra da esposa ou dos filhos. T e r-s e -á sem pre um a presunção ju r is ta n tu m de d ano m oral. "Em fa v o r dos ascendentes, descendentes, cônjuges, irm ãos, tios, sobrinhos e prim os, em caso de ofensa a pessoas da fa m ília m ortas ou ausentes" (RJTAM G, 7 9 :1 58 ; STJ, REsp 5 2 1 .6 9 7 / RJ, Rei. M in . Cesar A sfor Rocha, j. em 2 0 -3 -2 0 0 6 ). Essas pessoas nào precisariam provar o d ano e x tra p a trim o n ia l, ressalvando-se a terceiro s o d ire ito de elid ir aquela presunção. 0 co n viven te ou concubino, noivo, am igos, poderiam p le ite a r indenização por dano m oral, mas te rã o m a io r ônus de prova, um a vez que deverão provar, co n v in c e n te m e n te , o prejuízo e d e m o n strar que se ligavam à v itim a por vínculos estreitos de am izade ou de insuspeita afeição.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 400, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Os parágrafos únicos dos arts. 12 e 20 asseguram legitimidade, por direito próprio, aos parentes, cônjuges ou com panheiro para a tutela contra a lesão perpetrada p o s t m o rte m ". • Enunciado 399, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Os poderes conferidos aos legi­ timados para a tutela p o s t m o rte m dos direitos da personalidade, nos termos dos arts. 12, pará­ grafo único, e 20, parágrafo único, do CC, não compreendem a faculdade de lim itação voluntária". • Enunciado 398, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "As medidas previstas no art. 12, parágrafo único, do Código Civil podem ser invocadas por qualquer uma das pessoas ali mencio­ nadas de form a concorrente e autônom a". • Enunciado 275, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “Arts. 12 e 20. 0 rol dos legiti­ mados de que tratam os arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do Código Civil tam bém compreende o companheiro. JULGADOS • "Direito administrativo. Apelações. Violação de sepultura em cem itério municipal. Violação de urna funerária. Responsabilidade objetiva do Estado. Situação causadora de dano moral. Irm ão do m orto. Legitimidade. Dano moral de natureza gravíssima. Majoração da indenização. Possibilida­ de. M u lta diária. Previsão legal. Juros. Percentual. Honorários advocaticios. Redução. Possibilidade. Recursos parcialm ente providos. 0 a rtig o 12, p a rá g ra fo único, do C ódigo Civil, autoriza qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau, a pleitear indenização por danos morais, quando se tra ta r de reflexos de direitos da personalidade do m orto, sendo que o dispositivo não condiciona o ajuizam ento da ação à observância da ordem de vocação hereditária; a violação de

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sepultura e de urna funerária configura dano moral de natureza grave, de form a que, se as viola­ ções ocorreram por ordem de servidor público m unicipal, nas dependências de cem itério público municipal, é certo que o m unicípio responde objetivam ente pelos danos morais causados ao irmâo do m orto" (TJMG, 4* Câmara Cível, AC 1 .06 9 9 .07 .0 7 19 1 2 -4 /00 2 1 , Ubá, Rei. Des. M oreira Diniz, j. em 5 -2 -2 0 0 9 , DJEMG, 2 7 -2 -2 0 0 9 ). • "Civil. Danos morais e materiais. Direito à imagem e à honra de pai falecido. Os direitos da perso­ nalidade, de que o direito à imagem é um deles, guardam como principal característica a sua in transmissibilidade. Nem por isso, contudo, deixa de merecer proteção a imagem e a honra de quem falece, como se fossem coisas de ninguém , porque elas permanecem perenem ente lembradas nas memórias, como bens imortais que se prolongam para m uito além da vida, estando até acima desta, como sentenciou Ariosto. Dai por que não se pode subtrair dos filhos o direito de defender a imagem e a honra de seu falecido pai, pois eles, em linha de normalidade, são os que mais se desvanecem com a exaltação feita à sua mem ória, como são os que mais se abatem e se deprimem por qualquer agressão que lhe possa trazer mácula. Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além de sua m orte, pelo que os seus sucessores passam a ter, por direito próprio, legitim idade para postularem indenização em juízo, seja por dano moral, seja por dano m aterial. Primeiro recurso especial das autoras parcialm ente conhecido e, nessa parte, parcialm en­ te provido. Segundo recurso especial das autoras não conhecido. Recurso da ré conhecido pelo dissídio, mas improvido" (STJ,4*T., REsp 521.697/RJ, Rei. M in. César Asfor Rocha, j. em 1 6 -2 -2 0 0 6 , DJ, 2 0 -3 -2 0 0 6 , p. 276). • "Dor moral - A agressão aos bens imateriais configura prejuízo moral. São invioláveis a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano m aterial ou moral conse­ qüente à sua violação" (STJ, 2*T., REsp. 3 7 .3 7 4 -3 - MG, Rei. M in. Hélio Mosimann, j. em 2 8 -9 -1 9 9 4 ). • "Indenização - Danos morais - Espólio - Ofensa à honra do dc cu ju s - Transmissibilidade do direito à indenização. A imagem da pessoa não se extingue com sua m orte, não havendo im pedi­ m ento que seus herdeiros pleiteiem ação indenizatória não prescrita, já que a eles caberia a de­ fesa da memória do dc cujus. Após a abertura da sucessão, caberá ao espólio o ajuizam ento de ações no interesse do falecido, sendo ele parte legítim a para intentar a ação indenizatória, em razão de ser tal direito de natureza patrim onial, que enseja, em caso de acolhim ento da ação in­ tentada, o aum ento do patrim ônio pertencente ao dc cu ju s a ser dividido entre os herdeiros. Decisão: dar provimento" (RJTAMG, 79:158).

DIREITO PROJETADO • Em face dos argum entos acima aludidos, encaminhamos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão legislativa, que foi acatada pelo Projeto de Lei n. 6 .96 0 /2 00 2 (atual PL n. 6 9 9/2 0 1 1): A rt. 12. O o fe n d id o p o d e e x ig ir que cesse a am eaça, o u a lesão, a d ire ito da p e rso n alid ad e , e re c la m a r indenização, em re ss a rc im e n to de d a n o p a trim o n ia l e m o ral, sem p re ju ízo de o u tra s sanções p re v is ta s em lei. P a rá g ra fo único. Em se tra ta n d o de m o rto o u ausente, te rá le g itim a ç ã o p a ra re q u e re r as m e d id a s p re v is ta s neste a rtig o o cô n ju g e o u co m p a n he iro , ou, a in d a, q u a lq u e r p a re n te em lin h a re ta , o u c o la te ra l a té o q u a rto grau.

Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons cos­ tumes. Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial. HISTÓRICO • A redação prim itiva do artigo, nos termos em que fora originariam ente aprovada pela Câmara dos Deputados, era a seguinte: "Salvo exigência médica, os atos de disposição do próprio corpo são defesos quando im portarem diminuição permanente da integridade física, ou contrariarem os bons

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costumes. Parágrafo único. A dm itir-se-âo, porém, tais atos para fins de transplante, na form a estabelecida em lei especial". Posteriormente, por meio de emenda da lavra do Senador Josaphat M arinho, o dispositivo ganhou a redação atual. A finalidade da alteração promovida pelo Senado Federal foi im prim ir redação mais clara e de m elhor técnica legislativa. Tratou-se de mero aper­ feiçoam ento redacional.

DOUTRINA • D is p o s iç ã o de p a rte s s e p a ra d a s d o p ró p rio c o rp o , e m vid a , p a ra fin s te ra p ê u tic o s : É possível doação v o lu n tária , fe ita por escrito e na presença de testem unhas, por pessoa capaz, de te ­ cidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo para e fetivação de tra n sp lan te ou tra ta m e n to , com provada a necessidade terapêutica do receptor, desde que não contrarie os bons costumes, nem trag a risco para a integridade física do doador, nem c om prom eta suas aptidões vitais, nem lhe provoque defo rm ação ou m utilação , pois não se pode exig ir que alguém se sacrifique em benefício de terceiro (Lei n. 9 .4 3 4 /9 7 , a rt. 9 o, §§ 3 o a 7o). • S om ente por exigência m édica será possível suprim ir partes do corpo hum ano para preser­ vação da vida ou da saúde do paciente.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 401, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Não contraria os bons costumes a cessão gratuita de direitos de uso de m aterial biológico para fins de pesquisa científica, desde que a m anifestação de vontade tenha sido livre e esclarecida e puder ser revogada a qualquer tem po, conform e as normas éticas que regem a pesquisa cientifica e o respeito aos direitos fu n ­ damentais". • Enunciado 276, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "0 art. 13 do Código Civil, ao perm itir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em conform idade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de M edi­ cina, e a conseqüente alteração do prenom e e do sexo no Registro Civil". • Enunciado 6, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A locução 'exigência médica* refere-se tanto ao bem -estar físico quanto ao bem -estar psíquico do disponente". Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • D is p o s iç ã o g r a t u it a d o p ró p rio c o rp o , n o to d o o u e m p a rte , p a ra d e p o is d a m o r te : A dm itid o está o a to de disposição g ra tu ita de órgãos, tecidos e partes do corpo hum ano p o s t m o rte m para fins cien tíficos ou de transplante em paciente com doença progressiva ou in c a p a eitan te, irreversível por outras técnicas terapêuticas (Lei n. 9 .4 3 4 /9 7 , a rt. 18; e Dec. n. 2 .2 6 8 /9 7 , a rt. 23). • P rin c ip io d o c o n s e n s o a fir m a tiv o : Consagra o principio do consenso a firm a tiv o , pelo qual a pessoa capaz deve m an ifestar sua vo n tad e de dispor g ra tu ita m e n te do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois de sua m orte, com objetivo cien tífic o (p. ex., estudo de a n ato m ia hum ana em universidade) ou te ra p ê u tic o (p. ex., transplante de órgãos e tecidos).

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Arts. 15 e 16

• R e vo g a çã o “s in e d i e Quem v ier a dispor para depois de sua m orte do próprio corpo, no todo ou em parte, tem o d ire ito de, a qualq u er tem po , revogar livrem en te essa doação p o s t m o r­ tem .

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 402, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: " 0 a r t 14, parágrafo único, do Código Civil, fundado no consentim ento inform ado nào dispensa o consentimento dos adolescen­ tes para a adoção de medula prevista no art. 9 » , § 6a , da Lei n. 9 .43 4 /9 7 por aplicação analógica dos arts. 28, § 2» (alterado pela Lei n. 12.010/2009), e 45, § 2®, do ECA". • Enunciado 277, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: " 0 art. 14 do Código Civil, ao afirm ar a validade da disposição gratuita do próprio corpo, com objetivo cientifico ou altruistico, para depois da m orte, determ inou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares, portanto, a aplicação do a r t 4® da Lei n. 9.43 4 /9 7 ficou restrita à hipótese de silêncio do potencial doador". Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamen­ to médico ou a intervenção cirúrgica. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • P rin c íp io d a a u to n o m ia : 0 profissional da saúde deve respeitar a vo n tad e do paciente, ou de seu representante, se incapaz. Daí a exigência do consen tim en to livre e info rm ad o. Im pres­ cindível será a info rm ação d etalhada sobre seu estado de saúde e o tra ta m e n to a ser seguido, para que to m e decisão sobre a terap ia a ser em pregada. • P rin c íp io d a b e n e fic ê n c ia : A prática m édica deve buscar o b e m -e s ta r do paciente, evitando, na m edida do possível, quaisquer danos e risco de vida. Só se pode usar tra ta m e n to ou c iru r­ gia para o bem do enferm o . • P rin c íp io d a n ã o m a le fic ê n c ia : Há obrigação de não a c arre ta r dano ao paciente. • D ire ito de re cu sa de a lg u m tra ta m e n to a rris c a d o : É d ireito básico do paciente o de não ser constrangido a subm eter-se, com risco de vida, a terap ia ou cirurgia e, ainda, o de não acei­ ta r a c o n tin u id ad e terapêutica.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 403, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "0 direito à Individualidade de consciência e de crença, previsto no art. 5°, VI, da Constituição Federal, aplica-se tam bém à pessoa que se nega a tratam ento médico, inclusive transfusão de sangue, com ou sem risco de m orte, em razão de tratam ento ou falta dele, desde que observados os seguintes critérios: a) capacidade civil plena, excluído o suprim ento pelo representante ou assistente; b) m anifestação de vontade, livre, consciente e inform ada; e c) oposição que diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante". Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobre­ nome.

HISTÓRICO • Na redação originalm ente aprovada pela Câmara, o artigo em com ento tinha a seguinte redação: “Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o nome patronímico".

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A redação atual resultou de emenda apresentada pelo Deputado Ricardo Fiuza, substituindo as palavras "nome" e "patronim ieo" por "sobrenome", que é a mais correta. Segundo o relator "o nom e da pessoa é composto de prenom e e sobrenome. Patronimieo significa nome derivado do nom e do pai, a exemplo de Rodrigues (filho de Rodrigo) e Fernandes (filho de Fernando). 0 em ­ prego dessa erronia generalizou-se, mas apenas se justificava na tradição do patriarealismo".

DOUTRINA • N o m e c iv il d a p e s so a n a tu r a l: 0 nom e integra a personalidade por ser o sinal e x te rio r pelo qual se designa, se individualiza e se reconhece a pessoa no seio da fa m ília e da sociedade. • E le m e n to s c o n s titu tiv o s do n o m e : Dois, em regra, são os elementos constitutivos do nome: o p re n o m e , próprio da pessoa, que pode ser livremente escolhido, desde que não exponha o portador ao ridículo; e o s o b re n o m e , que é o sinal que identifica a procedência da pessoa,

indicando sua filiação ou estirpe, podendo advir do apelido de família paterno, materno ou de ambos. • A aquisição do sobrenom e pode decorrer não só do nascim ento, por ocasião de sua inscrição no Registro c o m p eten te, reconhecendo sua filiação, mas tam bém da adoção (Lei. n. 8 .0 6 9 /9 0 , a rt. 4 7 , §§ 5® e 6®, acrescentados pela Lei n. 1 2 .0 1 0 /2 0 0 9 ), do casam ento, da união estável, ou a to de interessado, m ed ian te req u erim en to ao m agistrado. Urge lem brar que há possibilida­ de de advir de parentesco de afin id a d e em linha reta, pois pelo a rt. 57, § 8o, da Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 (acrescentado pela Lei n. 1 1 .9 2 4 /2 0 0 9 ): "o enteado ou enteada, havendo m o tivo ponderável e na fo rm a dos §§ 2® e 7® deste a rtig o , poderá requerer ao ju iz co m p e te n te que, no registro de nascim ento, seja averbado o nom e de fa m ília de seu padrasto ou m adrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de fam ília".

JULGADOS • "Apelação cível. Pedido de autorização de registro civil de recém-nascido. Inclusão de apenas um dos patronímicos do genitor. Possibilidade. Ascendência fam iliar preservada. Exegese dos arts. 54 e 55 da Lei de Registros Públicos e art. 16 do Código Civil. Recurso conhecido e provido. I - A autonom ia da vontade é, universalmente, um dos princípios basilares do direito civil de origem rom ano-canônica [c iv il law ), desde que sintonizado com a norma de regência e não viole a ordem pública e os bons costumes. Em outros termos, verifica-se a permissão em todos os sistemas nomoempiricos prescritivos à prática de atos ou omissões que não sejam proibidos por lei ou não afrontem a ordem pública e os bons costumes. Por outro lado, é regra comezinha de herm enêu­ tica jurídica a não distinção ou restrição pelo intérprete onde a lei não distingue ou restringe. Nessa toada, deve o aplicador da norma interpretá-la de maneira harmoniosa com os seus fins sociais e as exigências do bem comum, tendo-se como certo que, há m uito, o julgador deixou de ser apenas a 'boca da lei', um simples operador de mera subsunçáo, passando a atuar no processo como agente político-jurídico de pacificação social, em busca incessante da composição das lides através da prestação de justa tutela jurisdicional. II - Denota-se da legislação pátria especifica que a criança ao nascer haverá de ser registrada com o nome e prenome que lhe forem postos (LRP, art. 54, 4®). Considera-se como n o m e c o m p le to o p re n om e (simples e composto), sempre acrescido ao so b re n om e (ou nom e propriam ente dito, simples ou composto) paterno, e, na falta deste, o da mãe, se forem conhecidos e não existir im pedim ento de ilegitim idade, salvo reconhe­ cim ento no ato (LRP, art. 55). Acerca da inclusão do sobrenome paterno, quando este se apresen­ ta de maneira composta, o dispositivo legal em exame não exige que o infante seja registrado com dois ou mais patronímicos, ou, em caso de escolha de um deles, que o declarante indique, neces­ sariamente, o últim o da ordem. III - Em outros termos, as vontades da lei e do legislador afig u ram -se demasiadamente claras, na exata medida em que deixam transparecer que a regra a ser ob­ servada, neste particular, para o assento de nascimento, é no sentido de que ele deverá conter, entre outros elementos, o nome e o prenome, que forem postos à criança, de maneira a identificá-la com os seus ascendentes diretos. Destarte, não im porta se o declarante acresce ao prenome do infante o sobrenome da mãe, ou, ainda, se faz uso de um ou diversos patronímicos do genitor. Da mesma form a, não diz a Lei qual o patronim ieo haverá de ser assentado no registro da criança, quando o pai possuir sobrenome composto. IV - Por estes motivos, o recurso merece ser conhe­

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cido e provido a fim de acolher-se a pretensão do genitor no sentido de facultar-lhe a opção por um de seus patronimicos para o assento de nascimento de sua filha, antecedido pelo sobrenome da mãe e o prenome escolhido" (TJSC, AC 2 0 0 8 .0 3 5 6 8 8 -4 , da Capital Distrital do Norte da Ilha, Rei. Des. Subst. Joel Dias Figueira Júnior, j. em 2 9 -7 -2 0 0 8 ). • "Permite-se ao menino brasileiro, filho de im igrante chinês, a identificação de acordo com a vontade dos membros da fam ília, um costume (inserção do nom e escolhido pelo avô paterno na form ação de um prenome composto) que não foi cum prido a tem po ou na ocasião do registro do nascimento. Retificação que, longe de provocar prejuízo social, somente produz benefícios para a dignidade hum ana dos envolvidos (arts. 1°, III, da CF e 58 da Lei n. 6.015/73). (...) A jurisprudência quebrou a rigidez da im utabilidade do prenome e até a lei contribui para este quadro promissor, pois a redação do art. 58 da Lei n. 6.015/73 (Lei n. 9 .7 0 8 /9 8 ) foi alterada para legalizar a substi­ tuição de prenom e em desuso por apelidos conhecidos. É, sem dúvida, a consagração do direito de personalidade, variante da dignidade hum ana que constitui fundam ento da Constituição Fe­ deral" [RT, 795:212). • "Admite-se a alteração do nome civil após o decurso do prazo de um ano, contado da maioridade civil, somente por exceção e m otivadam ente, nos termos do art. 57, c a p u t, da Lei n. 6.015/73" (STJ, REsp 5 3 8.1 8 7 / RJ, Rei. M in. Nancy Andrighi, j. em 2 1 -2 -2 0 0 5 ). • "Apelação civil - Transexualismo - Retificação de registro civil - Nome e sexo - Cerceamento do direito de defesa reconhecido - Procedimento cirúrgico de transgenitalização realizado - É possível a alteração do registro de nascimento relativam ente ao sexo e ao nome em virtude de realização da cirurgia de redesignação sexual. Vedação de extração de certidões referentes à si­ tuação anterior do requerente" (TJRS, AC 70 01 3 5 80 0 5 5, Comarca de Porto Alegre, 8* Câm. Cív, Rei. Des. Claudir Fidelis Faccenda, j. em 1 7 -8 -2 0 0 6 ). C onsulte: Boi. AASP, 2.359/3005, de 2 2 -3 -2 0 0 4 . • "É admissível a alteração de prenome que imponha constrangim ento ao seu titular. Circunstância que depende de noção subjetiva, que somente este pode aferir" [JTJ, Lex 2 3 2 :182). • "Alteração de prenome. Pretendida substituição por apelido público e notório. Admissibilidade. Inteligência do art. 58 da Lei 6.015/73, com a redação dada pela Lei 9.708/98" [RT, 767:311). • "Se o prenome lançado no Registro Civil não representa a form a correta de grafia do nome origi­ nário, a retificação é de ser adm itida" [RT, 5 8 7:190).

Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difa­ matória. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • D ire ito à h o n ra o b je tiv a c o m o d ir e ito c o n e x o a o d ire ito a o n o m e : A pessoa te m auto rização de usar seu nom e e de d e fe n d ê -lo de abuso com etid o por terceiro, que, em publicação ou representação, venha a e x p ô -la ao desprezo público - mesmo que não haja intenção de d i­ fa m a r - por a tin g ir sua boa reputação, m oral e profissional, no seio da coletivid ad e (honra objetiva). Em regra, a reparação por essa ofensa é pecuniária, mas há casos em que é possível a restauração in n a tu ra , publicando-se desagravo.

JULGADOS • "A pessoa natural ou jurídica que tem seu nome inscrito em cadastro de devedores tem o direito de ser inform ada do fato . A falta dessa comunicação poderá acarretar a responsabilidade da en­

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tidade que adm inistra o banco de dados" (STJ, 4* T., REsp, 285.401 -SP, Rei. M in. Rosado de Aguiar, j. em 1 9 -4 -2 0 0 1 ). • A publicação jornalística que, ao narrar os fatos, menciona o nome da vitim a de crime de estupro, dá ensejo à indenização por danos morais, uma vez que expõe perante o seu meio social, em flagrante ofensa à sua intim idade, direito tutelado constitucionalm ente no art. 5o, X , da CF* [RT, 8 4 2 :164).

Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • U so de n o m e a lh e io em p ro p a g a n d a c o m e rc ia !: É vedada a utilização não a u to rizad a de nom e alh eio em propaganda com ercial, por ser o d ireito ao nom e indisponível, ad m itin d o -s e sua relativa disponibilidade m ediante consentim ento de seu titu la r, em prol de algum interesse social ou de prom oção de venda de algum prod uto, m e d ia n te p agam ento de rem uneração convencionada.

ENDNC1AÜO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 278, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A publicidade que venha a di­ vulgar, sem autorização, qualidades inerentes a determ inada pessoa, ainda que sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá-la, constitui violação a direito da personalidade". JULGADOS • "Indenização - Uso indevido de nom e e imagem - Comprovação - Utilização, sem consentimen­ to, da reputação dos serviços prestados por hotel, do qual a autora é arrendatária, na propaganda de em preendimentos - Hipótese em que, porém, não se vislumbra qualquer prejuízo em razão de abalo à reputação da autora, não sendo cabível indenização por danos morais - Recursos não providos" (TJSP, 7* Câmara de Direito Privado, AC 4 9 .4 8 9 -4 , Rei. Leite Cintra, j. em 1 6 -9 -1 9 9 8 ). • “A ação tem por objetivo haver indenização por danos morais em virtude da indevida veiculaçáo de anúncio, nas páginas amarelas da lista telefônica com o nome da recorrente, no setor sob ti­ tu lo de 'massagens', causa-lhe transtornos e enorme abalo, ‘posto haver recebido inúmeros tele­ fonemas de pessoas que apenas queriam viver momentos de luxúria e perdição' (...). 0 anúncio erroneam ente veiculado representa inequívoco dano, diante da violação ao direito á intim idade da recorrente, que teve publicado seu endereço e telefone residenciais de form a indevida (...) não se dispensa inteligência superior do constrangim ento e incômodo a que a recorrente esteve ex­ posta com a publicação (sem autorização) de anúncio mal form ulado contendo um nome fem i­ nino em uma seção de 'massagens' de uma lista telefônica. Em se tratando de direito à intim ida­ de, a obrigação da reparação decorre da própria violação do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova de existência do dano" [RT, 820:223). Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

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DOUTRINA • P ro te ç ã o a o p s e u d ô n im o : P rotege-se ju rid ic a m en te o pseudônim o adotado, com um ente, para atividades licitas por literato s e artistas, dada a im portân cia de que goza, por id e n tific á -lo s no m undo das letras e das artes, mesmo que nào ten h am alcançado a notoriedade [RT, 4 4 0 67). Exemplos de pseudônim o: - A n a to le France (Jacques A n a to le François Thibault); - M o liè re (Jean-B aptiste Poquelin); - Zeca Pagodinho (Jessé Gomes da Silva Filho).

JULGADO • “Direito civil - Uso de pseudônimo - Tiririca' - Exclusividade - Inadmissibilidade. I - 0 pseu­ dônim o goza da proteção dispensada ao nome, mas, por não estar configurado como obra, inexistem direitos m ateriais e morais sobre ele. II - 0 uso continuo de um nom e não dá ao portador o direito ao seu uso exclusivo. Incabivel a pretensão do auto r de im pedir que o réu use o pseudônimo 'Tiririca', até porque já registrado, em seu nome, no INPI. III - Recurso especial não conhecido" (STJ, 3»T., REsp 555.483/SP, Rei. M in. Antonio de Pádua Ribeiro, j. em 1 4 -1 0 -2 0 0 3 , DJ, 1 0 -1 1 -2 0 0 3 ).

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manu­ tenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu reque­ rimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • T u te la d o d ir e ito ò im a g e m e d os d ire ito s a e la co n e x o s : A im a g e m -re tra to é a representação física da pessoa com o um to d o ou em partes separadas do corpo, desde que identificáveis, im plican do o reconhecim en to de seu titu la r por m eio de fo to g ra fia , escultura, desenho, pintura, interpretação dram ática, c in e m ato g ra fia , televisão, s ite s e te., que requer autorização do re tra ta d o (CF de 1 9 88 , a rt. 5®, X). E a im a g e m -a trib u to é o con ju n to de caracteres ou qualidades cultivadas pela pessoa reconhecidos socialm ente (CF de 1988, art. 5®, V). A brange o d ireito : à própria im agem , ao uso ou à difusão da im agem ; à im agem das coisas próprias e à im agem em coisas, palavras ou escritos ou em publicações; de o b te r im agem ou de consen­ tir em sua captação por qualq u er m eio tecnológico. 0 d ireito à im agem é a u tô n o m o , não precisando estar em co n ju n to com a in tim id ad e, a identidade, a honra etc. Embora possam estar, em certos casos, tais bens a ele conexos, isso nào fa z com que sejam partes integrantes um do o u tro [RT, 8 3 6 :3 0 1 , 7 9 0:38 4 , 7 8 9:20 1 , 7 8 2 :2 3 6 , 7 6 0:21 2 , 7 4 7:40 8 ). • D ire ito de in te rp re ta ç ã o , d ire ito à im a g e m e d ire ito a u to r a l: 0 d ire ito de interpretação, ou seja, o do a to r num a representação de c erto personagem , pode estar conexo com o d ire ito à voz, à im agem e com o d ire ito a u to ra l. 0 a u to r de obra in te le c tu a l pode d iv u lg á -la por ap re ­ sentação pública, quando a obra é representada d ra m a tic a m en te , executada, exibida, proje­

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tad a em fita c in em ato g ráfica, tra n sm itid a por radiodifusão etc., e é neste te rre n o que se situa o c o n tra to de representação e execução, de co n teú d o com plexo por se re fe rir não só ao desem penho pessoal, mas ta m b é m è a tu ação por m eios m ecânicos e eletrônicos dos d ife re n ­ tes gêneros de produção in te le c tu a l, suscetíveis de com unicação audiovisual e regulados pelos arts. 2 9 , V III, a e 6, 4 6 , V I, e 68 a 76 da Lei n. 9 .6 1 0 /9 8 . Na representação pública há im agens transm itidas para d ifu n d ir obra literária, musical ou artística que deverão ser tu te ­ ladas ju rid ic a m e n te , ju n to com os direitos do au to r. Os direito s dos artistas, intérpretes e executan tes são conexos aos dos escritores, pintores, com positores, escultores etc. (Lei n. 9 .6 1 0 /9 8 , a rt. 8 9). Logo, podem eles im pedir a utilização indevida de suas interpretações, bem com o de sua im agem . • P ro te ç ã o d a im a g e m c o m o d ir e ito a u to r a l: A im agem é protegida pelo art. 5«, X X V III, a, da CF, com o d ireito a u to ra l, desde que ligada á criação intelectu al de obra fo to g rá fic a , c in em a­ to g ráfica , pub licitária etc. • L im ita ç õ e s a o d ir e ito à im a g e m : Todavia, há certas lim itações do d ire ito à im agem , com dispensa da anuência para sua divulgação, quando: o) se t r a t a r de p e s s o a n o tó ria , pois isso não constitu i permissão para devassar sua privacidade, pois sua vida ín tim a deve ser preser­ vada. A pessoa que se to rn a de interesse público, pela fam a ou significação in te le c tu a l, m oral, artística ou política não poderá aleg ar ofensa ao seu d ire ito à im agem se sua d iv u lg a ­ ção estiver ligada à ciência, às letras, à m oral, à a rte e à política. Isto é assim porque a d ifu ­ são de sua im agem sem seu consenso deve estar relacionada com sua ativid ad e ou com o d ire ito à info rm ação; 6) se r e fe r ir a e x e rc id o de c a rg o p ú b lic o , pois quem tiv e r fu n ção p ú ­ blica de destaque nâo poderá im pedir que, no exercício de sua atividade, seja film a d a ou fo to g ra fa d a , salvo na in tim id ad e; c) se p ro c u r a r a te n d e r ò a d m in is tra ç ã o o u s e rv iç o d a ju s t iç a o u de p o lic ia , desde que a pessoa não sofra dano à sua privacidade; d) se tiv e r de g a r a n tir a s e g u ra n ç a p ú b lic a n a c io n a l, em que prevalecer o interesse social sobre o p a rtic u ­ lar, requerendo a divulgação da im agem , p. ex., de um procurado pela polícia ou a m a n ip u ­ lação de arquivos fo to g ráfico s de dep artam en to s policiais para identificação de delinqüente. Urge não olvidar que o c ivilm en te id en tificad o não possa ser subm etido a id en tificação cri­ m inal, salvo nos casos auto rizado s leg alm en te (CF, art. 5°, LVIII); e) se b u s c a r a te n d e r a o in ­ te re sse p ú b lic o , a o s fin s c u ltu ra is , c ie n tífic o s e d id á tic o s ; /) se h o u v e r n e ce s sid a d e d e re s ­ g u a r d a r a s a ú d e p ú b lic a . Assim, p o rtad o r de m oléstia grave e contagiosa não pode e v ita r que se noticie o fa to ; g) se o b tiv e r im a g e m , em q u e a fig u ra se ja tã o s o m e n te p a r te d o c e n á rio (congresso, enchente, praia, tu m u lto , s h o w , desfile, festa carnavalesca, restau ran te etc.), sem que se a destaque, pois se preten d e d ivu lg ar o aco n te c im e n to e não a pessoa que in te g ra a cena; h) se t r a t a r d e id e n tific a ç ã o c o m p u ls ó ria o u im p re s c in d ív e l a a lg u m a to d e d ire ito p ú b lic o o u p riv a d o . • R e p a ra ç ã o d o d a n o ò im a g e m : 0 lesado pode p leitear a reparação pelo dano m oral e p a tri­ m onial (Súm ula 37 do STJ) provocado por violação à sua im a g e m -re tra to ou im a g e m -a tribu to e pela divulgação não a u to rizad a de escritos ou de declarações feitas. Se a v ítim a vier a falecer ou fo r declarada ausente, serão partes legítim as para requerer a tu te la ao d ireito à im agem , na qualidade de le s a d o s in d ire to s , seu cônjuge, ascendentes ou descendentes e tam b ém , no nosso entender, o conviven te, visto te r interesse próprio, vinculad o a dano pa­ trim o n ia l ou m oral causado a bem ju ríd ic o alheio. Este p arágrafo único do a rt. 2 0 seria su­ pérfluo a n te o disposto no a rt. 12, p arág rafo único.

SÚMULA • Súmula 403 do STJ: "Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autori­ zada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais".

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ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 279, aprovado na IV Jornada dc Direito Civil de 2006: "A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalm ente tutelados, especialmente em face do direi­ to de amplo acesso à inform ação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, inform ativa, biográfica), privilegiando-se medidas que nào restrinjam a divulgação de informações".

JULGADOS • "0 protesto indevido do titu lo gera direito à indenização por dano moral independentem ente da prova objetiva do abalo à honra e à reputação sofrida pela autora..." [RT, 8 2 7:188). • "Recurso de Apelação - Lei de Imprensa - Direito constitucional e civil - Pedido de indenização por dano moral - Liberdade de imprensa que nào isenta a empresa jornalística de arcar com o pagam ento de indenização por dano moral quando publica m atéria ofensiva à honra - Exposição da honra da parte autora lançando dúvidas a respeito do seu com portam ento - Atividade de risco - Código Civil, art. 927, parágrafo único. 1 - Se é certo que a Carta de Outubro proclama, reconhece e protege o direito à liberdade de imprensa, menos verdade nào é que esse direito nào é ilim itado e por isso deve ser exercido com responsabilidade e em harmonia com outros direitos, especialmente com o direito que todos temos à honra e à boa imagem, não se prestando, portanto, a inform ação jornalística como instrum en­ to para denegrir ou macular a honra das pessoas. 1.1 - A honra, para o padre Antonio Vieira, 'é um bem im ortal. A vida, por mais que conte anos e séculos, nunca lhe dá de achar conto, nem fim , porque os seus são eternos. A vida conserva-se em um só corpo, que é o próprio, o qual, por mais forte e robusto que seja, por fim se há de resolver em poucas cinzas. A fam a vive nas almas, na boca de todos, lembrada nas memórias, falada nas línguas, escrita nos anais, esculpida em m ár­ mores e repetida sonoramente sempre nos ecos e trom betas da mesma form a. Em suma, a m orte mata, ou apressa o fim do que necessariamente há de m orrer; a infâm ia afronta, afeia, escurece e faz abominável a um ser im ortal; menos cruel e mais piedosa se o puder matar* (Sermões). 2 - A própria Constituição estabelece limites ao exercício da plena liberdade de inform ação jornalística em qualquer veiculo de comunicação social, considerando-se a proteção a outros direitos confe­ rida pelo mesmo texto constitucional, os quais repousam no art. 5o, incisos IV, V, X, XII e XIV. 3 Considerando que o veiculo de imprensa noticiou fatos verídicos, isto é, que uma comissão fo r­ mada por alunos e professores denuncia a má administração em escola..., o diretor foi acusado de bater cartão de ponto sem cum prir carga horária, denúncia encam inhada ao M inistério Público, com abaixo-assinado contendo mais de 500 assinaturas, cumpriu inform ar ao público aquilo que lhe é de interesse quando publica noticia que reflete o que ocorreu. 4 - A m atéria jornalística objurgada somente cumpriu a missão dem ocraticam ente reservada à imprensa por meio de nar­ ração dos fatos sem o ânim o de injuriar, difam ar ou caluniar. 5 - Não configurado na espécie, por nenhum a das form as previstas nos arts. 12 e ss. da Lei de Imprensa, o abuso a que alude o art. 49, como violador de direito e prejudicial à recorrente, de modo a sustentar a sua pretensão de repa­ ração civil de eventuais danos morais. Recurso conhecido e não provido" (TJPR, 8* Câm. Cível, Recurso de AC 3 8 7 .7 4 3 -8 , Foz do Iguaçu/PR, Rei. Convocado Des. J. S. Fagundes Cunha, j. 2 -7 -2 0 0 9 , v. u, Boi. AASP, 2 6 5 4 :1 761-02). • "Ação de reparação de danos - Divulgação de m atéria com fotografia de cão de propriedade do autor, sem a respectiva autorização - Sentença im procedente - Inconformism o do autor - A u­ sência de especificação do pedido - Causa de pedir que se esteia no artigo 5o, inciso X, da Cons­ tituição Federal - Inadmissibilidade de indenização por danos morais, eis que inexistente violação a direito de personalidade - Anim al não é sujeito de direito à proteção do uso de imagem - Descabimento, outrossim, de indenização por danos materiais, no campo do direito autoral, haja vista que o apelante não demonstrou te r a propriedade intelectual da fotografia de seu cão M anutenção da sentença - Recurso desprovido" (TJSP, 61 Càm. Dir. Priv., Ap. 2 4 7 .7 7 9 -4 /0 -0 0 , Rei. Des. Sebastião Carlos Garcia, j. 2 1 -5 -2 0 0 9 ). • "Responsabilidade civil - Dano moral - Exibição da imagem do auto r em programa conhecido como 'teste de fidelidade' - Provas que autorizam concluir que as imagens foram gravadas com conhecimento do autor, sendo a transmissão por ele autorizada, conform e docum ento juntado

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aos autos - Sentença de improeedêneia - Recurso improvido" (TJSP, 5* Câm. Dir. Priv., Ap. 582.7464 /4 -0 0 , Rei. Oscarlino M oeller, j. em 2 7 -8 -2 0 0 8 ). • “Direito autoral - Dublagem - Série ‘2 4 horas' - Voz brasileira do personagem principal - V eiculaçâo e distribuição em DVD’s e em televisão aberta sem autorização expressa do autor - Vio­ lação ao seu direito caracterizada - Dano m aterial e moral - Valores bem fixados, dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade - Recursos improvidos" (TJSP, 3* Câm. Dir. Priv., Ap. 5 2 8 .9 6 2 .4 /4 -0 0 , Rei. Des. Berreta da Silveira, j. 8 -4 -2 0 0 8 ). • “Se é certo que a Carta de Outubro proclama, reconhece e protege o direito à liberdade de im ­ prensa, menos verdade não é que este direito não é ilim itado e por isso deve ser exercido com responsabilidade e em harmonia com outros direitos, especialmente com o direito que todos temos à honra e à boa imagem, não se prestando, portanto, a inform ação jornalística como instrum en­ to para denegrir ou m acular a honra das pessoas. 1.1 - A honra, para o padre A ntonio Vieira, *é um bem im ortal. A vida, por mais que conte anos e séculos, nunca lhe há de achar conto, nem fim , porque os seus são eternos. A vida conserva-se em um só corpo, que é o próprio, o qual, por mais forte e robusto que seja, por fim se há de resolver em poucas cinzas. A fam a vive nas almas, na boca de todos, lembrada nas memórias, falada nas línguas, escrita nos anais, esculpida em m ár­ mores e repetida sonoramente sempre nos ecos e trom betas da mesma form a. Em suma, a morte m ata, ou apressa o fim do que necessariamente há de m orrer; a infância afronta, afeia, escurece e faz abominável a um ser im ortal; menos cruel e mais piedosa se o puder m atar' (Sermões). 2 - A própria Constituição estabelece limites ao exercício da plena liberdade de inform ação jornalística em qualquer veiculo de comunicação social, considerando-se a proteção a outros direitos confe­ rida pelo mesmo texto constitucional, os quais repousam no art. 5o, incisos IV, V, X, XII e XIV. 3 Considerando que o veiculo de imprensa noticiou fatos inveridicos, não obstante objeto de inqué­ rito policial e de posterior processo em juízo, com prova docum ental no sentido de que foram cometidas as irregularidades apontadas pela parte autora, não se trata de exercício regular do direito constitucional de inform ar ao público aquilo que lhe é de interesse, quando publica noti­ cia de que fora dem itido por justa causa, quando a Justiça do Trabalho já havia decidido em sentido contrário ou ainda quando a reunião com membros do M inistério Público foi para a lte­ ração de testem unha; ainda que se considere, sobretudo, quando flagrante o desvio de dinheiro de banco público, lesando o erário. 4 - Dado parcial provim ento ao recurso da parte requerida, para reduzir o valor da reparação do dano moral para RS 15.000,00 (quinze mil reais), corrigido m onetariam ente a partir da data da prolaçáo da sentença e acrescido de juros conform e consta da sentença" (TJPR, 8* Câm. Cível, AP 0 4 0 8 5 2 5 -2 , Apucarana/PR, Rei. Des. José Sebastião Fagundes Cunha, j. em 1 9 -1 2 -2 0 0 7 , v.u., Boi. M S P , 2 5 68:1500-9.1). • “Recurso especial - Ação de indenização - Danos morais - Publicação de m atéria jornalística ofensiva à honra de advogado - Liberdade de inform ação e de inform ação - Direitos relativizados pela proteção à honra, à imagem e à dignidade dos indivíduos - Veracidade das informações e existência de dolo na conduta da empresa jornalística - Reexame de provas - Impossibilidade - Aplicação do Enunciado n. 7 da Súmula STJ - Q u a n tu m indenizatório - Revisão pelo STJ Possibilidade - Valor exorbitante - Existência, na espécie - Recurso especial parcialm ente pro­ vido. I - A liberdade de inform ação e de m anifestação do pensamento não constituem direitos abso­ lutos, sendo relativizados quando colidirem com o direito à proteção da honra e da imagem dos indivíduos, bem como ofenderem o princípio constitucional da dignidade da pessoa hum ana. II - A revisão do entendim ento do Tribunal a q u o acerca da não veracidade das informações publi­ cadas e da existência de dolo na conduta da empresa jornalística, obviam ente, demandaria revolvim ento dessas provas, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do disposto na Súmu­ la 07/STJ. III - E certo que esta Corte Superior de Justiça pode rever o valor fixado a titu lo de reparação por danos morais, quando se tra ta r de valor exorbitante ou ínfim o. IV - Recurso espe­ cial parcialm ente provido" (STJ, REsp 783.139-ES, Rei. Massami Uyeda, j. 1 1 -1 2 -2 0 0 7 ). • "Clonagem eleitoral enganosa: o clone de Enéas: abuso, insolúvel no processo de registro da can­ didatura, a ser coibido no curso do processo eleitoral. I. Cidadão que, aproveitando-se de sua se­ melhança com Enéas Ferreira Carneiro - conhecido ex-candidato à Presidência da República e a inclusão no seu registro civil, do nome do sósia famoso, de quem im ita os gestos, a voz e o modo

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de falar notórios - filia-se a partido diverso do seu e candidata-se à Câmara dos Deputados, à qual tam bém é candidato o verdadeiro Enéas. 2. Registro da candidatura do clone impugnado pelo Prona - Partido de Enéas mas deferido pelo TRE/SP que, no entanto, lhe vedou a utilização, na urna e na propaganda eleitoral, do nome do candidato que im ita. 3. Recursos de ambas as partes contra a decisão do TRE de inviável conhecim ento como recurso especial, à falta de seus requisi­ tos mínimos, a começar da inexistência sequer de alegação de contrariedade à lei ou de dissídio de julgados. 4. Denúncia de propaganda eleitoral enganosa do candidato-clone, que, proibido de anunciar-se como Enéas, não declina seu próprio original, com o qual se lhe deferiu o registro, e continua a arrem edar o modelo, tentando passar-se por ele: abuso malicioso da imagem alheia que, embora não viabilize o recurso do partido que tem e sofrer prejuízos eleitorais com a farsa, pode e deve ser coibido pelos órgãos locais competentes da Justiça Eleitoral, de modo a impedir ou m inim izar os efeitos da concorrência desleal e a indução a erro aos eleitores: plausibilidade, se adequadam ente trilhadas as vias processuais adequadas, da determ inação de providências que impeçam ou reprim am o enleio malicioso" (TSE, REsp Eleitoral 2 0 .1 5 6 -São Paulo, Rei. M in. Sepúlveda Pertence, j. em 1 2 -9 -2 0 0 2 ). • “Ação indenizatória. Caricatura adornando porta de banheiro de bar tem ático. Mácula à imagem do autor e seu uso para divulgação do bar, aproveitando-se da notoriedade das pessoas envolvidas (...). Danos materiais e morais inegáveis" (TJRJ, 15a Câm. Cível, AC 2001.001.15055, Rei. Des. G aldino Siqueira Netto, j. em 2 6 -3 -2 0 0 3 ). •

"A publicação, em jornal, de fo tografia, sem a autorização exigida pelas circunstâncias, constitui ofensa ao direito de im agem , não se confundindo com o direito de informação" (STJ, 3» T., Al 33 4.1 3 4 - AgRg, M in. Ari Pargendler, j. em 1 1 -1 2 -2 0 0 1 ).

• “I - 0 direito à imagem reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito de personalidade; patrim onial, porque assentado no princípio segundo o qual a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia; II - A utilização da imagem de cidadão, com fins econômicos, sem a sua devida autorização, constitui locupletam ento indevido, ensejando a indenização; III - 0 direito à imagem qualifica-se como direito de personalidade, extrapatrim onial, de caráter personalíssimo, por pro­ teger o interesse que tem a pessoa de opor-se à divulgação dessa imagem, em circunstâncias concernentes à sua vida privada; IV - Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da repa­ ração decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. 0 dano é a própria utilização indevida da imagem, não sendo necessária a demonstração do prejuízo m aterial ou moral" (STJ, 4*T., REsp 267.529, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 3 -1 0 -2 0 0 0 , DJ, 1 8 -1 2 -2 0 0 0 ). • “Responsabilidade civil - Dano moral - Programa de televisão - Imagem - Encenação m ontada - Simulação de flagrante - Divulgação desautorizada - Violação do direito à intim idade - In­ tromissão indiscreta e descortês na vida privada - Dano moral - Quantificação - É inquestioná­ vel direito da pessoa, posto que respeitante à personalidade, em não ter divulgada a sua imagem, tenha ou não a divulgação fins lucrativos. Caso em que a autora, em logradouro público, se viu enredada em cena de cunho constrangedor e que, posto solicitada, desautorizou fosse reproduzi­ da em programa de televisão, o que, no entanto, não impediu a emissora de fazê-lo, o que, se­ gundo alega, causou-lhe situações embaraçosas negativas para o meio social em que vive. Sen­ tença cuidadosamente elaborada, versada em brilhante linguagem, e que apenas se modifica em pequena parte para elevar o valor do dano moral, dando-lhe com isso provim ento ao primeiro apelo, negando-se provim ento ao segundo e não se tom ando conhecim ento do terceiro" (TJRJ, 10* Càm., AC 987/2000-R J, Rei. Des. Jayro dos Santos Ferreira, j. em 4 -4 -2 0 0 0 ). • “Responsabilidade civil de empresa jornalística - Publicação jornalística - Ação de indenização - Dano moral - Inocorrência - Improcedência do pedido - Sentença. Arguiçáo de nulidade por cerceamento de defesa. Rejeição - Processo em que as partes haviam declarado não terem provas outras a produzir. Ação de indenização por dano moral contra jornal com base no direito comum. Decadência. Não reconhecimento se o pedido não teve como supedâneo a Lei de Imprensa. N o tí­ cia publicada em linguagem chula, tecendo comentários sobre cena de novela vivida pela autora, atriz de filmes pornográficos. Inexistência de dano moral, em face de aberta intim idade da a u to ­ ra com a pornografia. Improcedência da ação m antida com a imposição à autora das sanções da sucumbência. Criticas feitas pela Câmara à inércia do legislador ordinário em editar a Lei federal prometida no art. 220, § 3°, IV, da Constituição Federal, para coibir a onda de desrespeito aos

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valores éticos e sociais da pessoa e da fam ília perpetrados pelos órgãos de comunicação" (TJRJ, 7* Câm. Civil, AC 1205/97, Rei. Des. Áurea Pimentel Pereira). • "Indenização - Responsabilidade civil, Lei de Imprensa - Dano moral - Abuso no exercício da liberdade de expressão - Inocorrência - Verba não devida - Jornal que publica notícia de fato verossímil, pertinente à administração pública e objeto de investigação da Câmara e da autorida­ de policial — Intenção ofensiva que não se presume. Publicação de noticia de fa to verossímil, pertinente à administração pública e objeto de investigações da Câmara e da autoridade policial, não caracteriza abuso no exercício de liberdade de imprensa, à qual não se deve nunca presumir intenção ofensiva" (AC 2 4 9 .2 2 6 -1 , Presidente Prudente, 2* Câmara de Direito Privado, Rei. Cezar Peluso, j. em 6 -8 -1 9 9 6 , v. u.). • "Dano moral. Publicação de noticia ofensiva à imagem de delegado de policia. Fato que diz res­ peito ao interesse público, devendo ser exposto ao conhecim ento de todos. Ação improcedente" [RJTJSP, Lex, 745:108).

DIREITO PROJETADO • Pelas razões acima expostas sugerimos ao Deputado Ricardo Fiuza a retirada do parágrafo único. Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do inte­ ressado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. HISTÓRICO • Esse dispositivo não constava do texto original do anteprojeto, tendo sido acrescentado pela Câmara dos Deputados, durante a 1* fase, por emenda substitutiva do Deputado Ernani Sátyro, então relator-geral. 0 Senado Federal não procedeu a qualquer alteração no dispositivo. Retor­ nando o projeto à Câmara, procedeu-se apenas uma alteração para substituir "pessoa física" por "pessoa natural" (v/de Histórico ao art. 6o). DOUTRINA • In v io la b ilid a d e d a v id a p riv a d a : 0 d ireito à vida privada da pessoa contém interesses jurídicos, por isso seu titu la r pode im pedir ou fa ze r cessar invasão em sua esfera in tim a , usando para sua defesa: m andado de injunção, h a b e a s d a ta , h a b e a s c o rp u s , m andado de segurança, cautelares inom inadas e ação de responsabilidade civil por dano m oral e/o u patrim o n ial.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 405, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2 011: "As informações genéticas são parte da vida privada e não podem ser utilizadas para fins diversos daqueles que m otivaram seu arm azenam ento, registro ou uso, salvo com autorização do titular". • Enunciado 404, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "A tutela da privacidade da pes­ soa humana compreende os controles espacial, contextual e tem poral dos próprios dados, sendo necessário seu expresso consentimento para tratam ento de informações que versem especialmen­ te o estado de saúde e condição sexual, a origem racial ou étnica, as convicções religiosas, filosó­ ficas e políticas". JULGADOS • "Concessão, à autoridade policial, de acesso aos dados cadastrais dos usuários de serviços telefô ­ nicos e ao rastream ento das ligações por eles efetuadas e recebidas, sem que haja uma investiga­ ção especifica ou suspeita de crime baseada em fato determ inado. Inadmissibilidade. Violação da privacidade e da intim idade que independe da interceptaçào das conversas telefônicas propria­ m ente ditas. Sigilo constitucionalm ente garantido que não se refere somente às escutas telefôni­ cas, mas tam bém aos números chamados, às ligações recebidas, à duração de cada uma, entre outros. Segurança concedida para cassar a decisão que determ inou a quebra de sigilo dos dados

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telefônicos" (TJSP, 6* Câm. do 3o Grupo da Seção Criminal, MS 470.941.3/9-OOOO-OOO-lbitinga-SP, Rei. Des. M arco Antonio, j. em 9 -2 -2 0 0 6 , v.u.). • "0 poder diretivo do em pregador, que contem pla a chancela da fiscalização do dever de pontua­ lidade atribuído ao empregado, não é absoluto. Isso porque ele encontra lim itação em outra ga­ rantia fundam ental que resguarda a inviolabilidade do direito à intim idade, vida privada, honra e imagem dos trabalhadores. Nesta sistemática, o tratam ento desproporcional, constrangedor e até mesmo discrim inatório adotado pelo em pregador desvirtua-se dos fins regulares de contrato de trabalho, devendo ser considerada ilícita a situação de sujeição imposta ao autor, quando este chegava atrasado às reuniões da empresa e tinha que se submeter a 'brincadeiras* vexatórias de im itar animais, travestis ou, ainda, beijar outros companheiros de trabalho. A adoção desse tipo de tratam ento vexatório caracteriza o ato ilícito, na medida em que houve o extrapolam ento do poder diretivo do empregador. A obrigação de indenizar, neste caso, m aterializa-se em face da identificação do nexo casual entre o ato ilícito e a lesão ao direito subjetivo amparado pelo art. 5o, X, da CF/88" (TRT, 23* R., RO 0 0 21 0 .2 004.036.23.00.4 - Cuiabá, Rei. Juiz Tarcísio Valente, DJMT, 3 1 -8 -2 0 0 5 , p. 37). • "Dano moral - Revista pessoal. 0 que caracteriza dano moral ao em pregado não é a simples conduta do em pregador que procede à revista pessoal, mas a form a constrangedora com que isso ocorre, como no caso de ser feita em local visível à clientela" (TRT, 12* R., RO - V 0 1 4 7 4 -2 0 0 4 0 1 4 -1 2 -0 0 -8 - (0 9 8 40 /2 0 05 ), Florianópolis, 1* T., Rei. Juiz Edson Mendes de Oliveira, j. em 3 -8 2005). • "Imprensa. Liberdade. Limite. Divulgação de procedimento judicial. Processo que corre em segredo de justiça. Direito da intim idade das pessoas que nào pode ser violado. Possibilidade somente da divulgação da existência do processo e sua tram itação. A lei poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intim idade ou o interesse social o exigirem" [RJTJSP, Lex, 755:240).

C ap ítu lo III — DA AUSÊNCIA

Seção I



Da curadoria dos bens do ausente

Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador. HISTÓRICO • A redação prim itiva do artigo, nos termos em que fora originariam ente aprovada pela Câmara dos Deputados, era a seguinte: "Desaparecendo uma pessoa do seu dom icilio sem que dela haja n o tí­ cia, se não houver deixado representante ou procurador, a quem toque adm inistrar-lhe os bens, o juiz, a requerim ento de qualquer interessado ou do M inistério Público, declarará a ausência, e nom ear-lhe-á curador". Posteriormente, por meio de emenda da lavra do Senador Josaphat M a ­ rinho, o dispositivo ganhou a redação atual. A finalidade da alteração promovida pelo Senado Federal foi im prim ir uma redação mais apropriada ao caso, inclusive sob o ângulo da técnica ju ­ rídica. Embora o Código de 1916 usasse a mesma form a, "a quem toque" (art. 463), a ideia de vínculo com a administração dos bens do ausente aconselhou a alteração.

DOUTRINA • C u ra te la d o a u s e n te : V erificad o o desaparecim ento de um a pessoa do seu dom icilio, sem dar qualq u er notícia de seu paradeiro e sem deixar procurador, ou representante, para adm inis­

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tra r seus bens, o ju iz, a req u erim en to de qualq u er interessado, seja ou não parente, bastando que ten h a interesse pecuniário, ou do M in is tério Público, nom eará um curador para a d m i­ nistrar seu patrim ôn io, resguardando-o. N ão havendo bens, não se terá nom eação de curador. Em caso de ausência, a curadoria é dos bens do ausente e não da pessoa do ausente. Há quem ache, a c ertad am en te, não se tra ta r de ausência o desaparecim ento de alguém num acidente aéreo, rodoviário, fe rro v iá rio etc. em que, pelos indícios, a sua m o rte parece óbvia, apesar de não te r sido en co n trad o seu cadáver, já que não há incerteza de seu paradeiro.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 156, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2002: "Desde o term o inicial do desa­ parecim ento, declarado por sentença, nâo corre a prescrição contra o ausente".

JULGADOS • "Deixando o ausente interessado em condições de sucedê-lo em direitos e obrigações, ainda que os bens por ele deixados sejam, a principio, não arrecadáveis, há viabilidade de utilizar-se o pro­ cedim ento que objetiva a declaração de ausência" [RJTJESP, 35:63). "Desaparecendo uma pessoa do seu dom icilio, sem que dela haja noticia, se não houver deixado representante, ou procurador, a quem toque adm inistrar-lhe os bens, o juiz, a requerim ento de qualquer interessado ou do M inistério Público, nom ear-lhe-á curador - Declaração de ausência - Citação - Ato levado a efeito na fase inicial do procedimento, visando o cham am ento do de­ saparecido - Inadmissibilidade, pois trata-se de procedim ento não previsto em lei - Juiz, somen­ te após a declaração de ausência, feita a arrecadação, m andará publicar editais, anunciando o ato e cham ando o ausente a entrar na posse de seus bens. 0 procedim ento para o pedido de declara­ ção de ausência está previsto no art. 1.159 e t seq do CPC, e só após a declaração da ausência, feita a arrecadação, o juiz m andará publicar editais, anunciando a arrecadação, chamando o ausente a entrar na posse de seus bens. Portanto, não está previsto, na fase inicial do procedimen­ to, o cham am ento do desaparecido, por via de citação" (Ap. 2 .00 0 .0 01 .1 5 .9 9 8 ,14 * Câm., Rei. Des. M auro Fonseca Pinto Nogueira, DORJ, 2 8 -6 -2 0 0 1 , j. em 1 3 -3 -2 0 0 1 ).

Art. 23. Também se declarará a ausência, e se nomeará curador, quando o ausente deixar mandatário que não queira ou não possa exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo praticam ente não sofreu qualquer alteração relevante ou de m érito, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram i­ tação do projeto.

DOUTRINA • C u ra d o ria d o s b e n s d o a u s e n te c o m p ro c u ra d o r. A nom eação de curador a bens de um a u ­ sente d a r-s e -á mesmo que ele ten h a deixado procurador que se recuse a adm in istrar seu p a trim ô n io ou que não possa exercer ou c o n tin u a r o m andato , seja por te r ocorrido o té rm i­ no da representação a term o , seja por sua renúncia, não aceitand o a f o r t io r i o m andato , seja por sua m orte ou incapacidade. 0 m esm o se diga se os poderes outorgados ao procurador fo re m insuficientes para a gestão dos bens do ausente. Com isso, o ausente ficará sem repre­ sentante que venha a gerir seu patrim ô n io , urgindo, pois, que se nom eie curador.

Art. 24. O juiz, que nomear o curador, fixar-lhe-á os poderes e obrigações, conforme as circunstâncias, observando, no que for aplicável, o disposto a respeito dos tutores e cura­ dores.

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Art. 25

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nâo sofreu alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • F ix a ç õ o ju d ic ia l d o s p o d e re s e d e vere s d o c u ra d o r d o s b e n s d o a u s e n te : 0 curador dos bens do ausente, um a vez nom eado ju d ic ia lm e n te , terá seus deveres e poderes estabelecidos pelo ju iz, de c onform idade com as circunstâncias do caso. Logo, o m agistrado, conform e o caso, no a to da nom eação d e te rm in a rá p o rm eno rizad am ente as providências a serem tom adas e as atividades a serem realizadas, observando os dispositivos legais, sem pre no que forem aplicáveis, reguladores da situação sim ilar dos tu to res e curadores, para que a atu ação do curador dos bens do ausente seja realm en te e fic ien te e responsável.

Art. 25. O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado judicialmente, ou de fato por mais de dois anos antes da declaração da ausência, será o seu legítimo curador. § \- Em falta do cônjuge, a curadoria dos bens do ausente incumbe aos pais ou aos descendentes, nesta ordem, não havendo impedimento que os iniba de exercer o cargo. § 2- Entre os descendentes, os mais próximos precedem os mais remotos. § 3? Na falta das pessoas mencionadas, compete ao juiz a escolha do curador.

HISTÓRICO • O texto original do projeto dispunha: “O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado judicialm ente, ou de fa to há mais de cinco anos antes da declaração da ausência, será o seu legi­ tim o curador". Emenda apresentada perante o Senado da República deu ao dispositivo a redação atual, com patibilizando-o com a Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 226, § 6», diminuiu de 5 (cinco) para 2 (dois) anos o período de comprovada separação de fato para efeito de divórcio.

DOUTRINA • C ô n ju g e d o a u s e n te c o m o c u ra d o r le g itim o : A curadoria dos bens do ausente deverá ser d eferida, se casado fo r, não estando separado ju d ic ia lm e n te , ou mesmo e x traju d icialm en te, ou, ainda, de fa to por mais de dois anos antes da declaração de ausência, ao seu cônjuge, ou com panheiro, para que seu p a trim ô n io não se perca ou deteriore, assum indo sua a d m in is tra ­ ção. A n te o interesse na conservação dos bens do ausente, q u a lq u e r que seja o regim e m a­ trim o n ia l de bens, seu curador legitim o será seu cônjuge. • N o m e a ç ã o d e c u ra d o r d o s b e ns d o a u s e n te n a fa lta d o c ô n ju g e : Se o ausente que deixou bens não tiv e r consorte, n o m e a r-s e -ã o os pais do desaparecido com o curador, e, na fa lta destes, os descendentes, desde que te n h am idoneidade para exercer o cargo. • O rd e m d e n o m e a ç ã o e n tre os d e s c e n d e n te s : Na curadoria dos bens do ausente cabível a descendente seg u ir-se-á o princípio de que os mais próxim os excluem os mais rem otos. • E sco lh a d e c u ra d o r d o s b e n s d e a u s e n te p e lo ó rg ã o ju d ic a n te : Na fa lta de cônjuge, ascen­ den te ou descendente do ausente, com petirá ao ju iz a escolha do curador, desde que idôneo a exercer o cargo.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 97, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "No que tange à tutela especial da fam ília, as regras do Código Civil que se referem apenas ao cônjuge devem ser estendidas à situ­ ação jurídica que envolve o com panheiro, como, por exemplo, na hipótese de nomeação de cura­ dor dos bens do ausente".

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Arts. 26 e 27

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DIREITO PROJETADO • PL n. 69 9/2 0 1 1: A rt. 25. O cô n ju g e do ausente, sem pre que n ã o e ste ja d iv o rc ia d o ou separado, ju d ic ia lm e n te ou de fa to , a n te s da d e cla ra çã o da ausência, será o seu le g itim o curador.

Seção II



Da sucessão provisória

Art. 26. Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou re­ presentante ou procurador, em se passando três anos, poderão os interessados requerer que se declare a ausência e se abra provisoriamente a sucessão.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nâo serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • D u ra ç ã o d a c u ra te la d o s b e ns d o a u s e n te : A curadoria dos bens do ausente perdura por um ano, d u ra n te o qual o ju iz ordenará a publicação de editais, de dois em dois meses, convo­ cando o ausente a reaparecer para re to m a r seus haveres (CPC, a rt. 1.161). • A b e r tu r a d a su c e s sã o p ro v is ó ria : Passado um ano da arrecadação dos bens do ausente sem que se saiba do seu paradeiro, ou, se ele deixou algum representante, em se passando três anos, poderão os interessados requerer que se abra, provisoriam ente, a sucessão, cessando a c u ratela (CPC, a rt. 1.162, III).

Art. 27. Para o efeito previsto no artigo anterior, somente se consideram interessados: I — o cônjuge não separado judicialmente; II — os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários; III — os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte; IV — os credores de obrigações vencidas e não pagas.

HISTÓRICO • A redação original do ca p ut, tal como fora concebida no anteprojeto, era a seguinte: "Somente se consideram, para esse efeito, interessados: (...)". Posteriormente, m ediante emenda da lavra do Senador Josaphat M arinho, o dispositivo ganhou a redação atual. Segundo o Deputado Ricardo Fiuza, "a finalidade da alteração promovida pelo Senado Federal, ao fazer referência ao artigo anterior, cujo objeto é mencionado de imediato, obedeceu à m elhor técnica legislativa. Sendo distintos, embora muitas vezes vinculados, os artigos, reportar-se um ao outro diretam ente é sempre melhor, e de m aior clareza, do que aludir a seu conteúdo, ou a parte dele. 0 resultado consistiu numa redação mais clara e de m elhor técnica legislativa". Também no inciso II havia a exigência de que o testam ento fosse público, que foi abolida ainda pela Câmara dos Deputados no período inicial de tram itação do projeto.

DOUTRINA • L e g itim id a d e p a ra p ro m o v e r a su ce ss ã o p ro v is ó ria : A sucessão provisória poderá ser reque­ rida por qualq u er interessado: o) cônjuge não separado ju d ic ia lm en te ; 6) herdeiros presum i­ dos, legítim os ou testam entários; c) pessoas que tiverem sobre os bens do ausente d ireito d ependente de sua m orte, ou seja, se houver legado, fideicom isso, doação com cláusula de reversão; c/) credores de obrigações vencidas e nào pagas (CPC, a rt. 1.163, § 1*0.

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Arts. 28 e 29

Art. 28. A sentença que determinar a abertura da sucessão provisória só produzirá efeito cento e oitenta dias depois de publicada pela imprensa; mas, logo que passe em jul­ gado, proceder-se-á à abertura do testamento, se houver, e ao inventário e partilha dos bens, como se o ausente fosse falecido. § 1? Findo o prazo a que se refere o art. 26, e não havendo interessados na sucessão provisória, cumpre ao Ministério Público requerê-la ao juízo competente. § 2- Não comparecendo herdeiro ou interessado para requerer o inventário até trinta dias depois de passar em julgado a sentença que mandar abrir a sucessão provisória, pro­ ceder-se-á à arrecadação dos bens do ausente pela forma estabelecida nos arts. 1.819 a 1.823.

HISTÓRICO • 0 § 1o, tal como foi aprovado pela Câmara dos Deputados, tinha o seguinte enunciado: "Findo o prazo do art. 26, e não havendo absolutam ente interessados na sucessão provisória, cumpre ao M inistério Público requerê-la ao juízo com petente". M ediante emenda da lavra do Senador Josaphat M arinho, relator-geral do projeto no Senado Federal, foi suprimido o advérbio "absoluta­ mente", ganhando o dispositivo a redação atual. Nas justificativas apresentadas perante o Senado Federal registrou-se que "tal supressão decorre da desnecessidade do uso de tal advérbio, vez que, considerando-se o § 1o do art. 28 isoladamente, ou em conexão com o art. 26, não há qualquer alteração quanto à situação da inexistência de interessados na sucessão provisória".

DOUTRINA • A b e rtu ra d a su ce ssã o p ro v is ó ria p e lo M in is té rio P ú b lic o : Se, fin d o o prazo legal de um ano, não houver interessado na sucessão provisória, ou se e n tre os herdeiros houver in te rd ito ou m enor, com petirá ao M in istério Público requerer a a b e rtu ra da sucessão provisória (CPC, art. 1.163, § 2a). • E fe ito s d a s e n te n ç a d e c la ra tó ria d a a b e rtu ra d a su ce ssã o p ro v is ó ria : A sentença que d e te r­ m in a r a ab ertu ra da sucessão provisória produzirá efeitos som ente 180 dias depois de sua publicação pela im prensa. Assim que tra n s ita r em ju lg a d o , te r-s e -á a ab ertu ra do te s ta m e n ­ to, se houver, e p roceder-se-á ao in ven tário e partilh a dos bens com o se fosse o ausente falecid o (CPC, a rt. 1.165). • A u s ê n c ia d e h e rd e iro : Se, d e n tro de trin ta dias do trânsito em ju lg a d o da sentença que m an ­ da a b rir a sucessão provisória, não aparecer nenhu m interessado, ou herdeiro, que requeira o inventário, sendo a sucessão requerida pelo M in istério Público, o rd e n a r-s e -á a arrecadação dos bens e a herança será considerada ja c e n te (CPC, a rt. 1.165, p arág rafo único; CC, arts. 1.819 a 1.823).

Art. 29. Antes da partilha, o juiz, quando julgar conveniente, ordenará a conversão dos bens móveis, sujeitos a deterioração ou a extravio, em imóveis ou em títulos garantidos pela União.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo na redação original do Projeto n. 6 3 4 referia-se a "títulos da divida pública da União ou dos Estados". Emenda apresentada na Câmara dos Deputados, ainda no periodo inicial de tram itação, substituiu a expressão por “títulos garantidos pela União".

DOUTRINA • C o n ve rsã o de b e n s : Para g a ra n tir ao ausente a devolução de seus bens, por ocasião de sua volta, o ju iz, antes da p artilh a, deverá ordenar a conversão, por m eio de hasta pública, dos

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bens móveis, sujeitos a deterio ração ou a extravio, em im óveis ou em títu lo s públicos ou privados g arantido s pela U nião, adquiridos com o p ro d u to obtido.

Art. 30. Os herdeiros, para se imitirem na posse dos bens do ausente, darão garantias da restituição deles, mediante penhores ou hipotecas equivalentes aos quinhões respectivos. § 1? Aquele que tiver direito à posse provisória, mas não puder prestar a garantia exigida neste artigo, será excluído, mantendo-se os bens que lhe deviam caber sob a admi­ nistração do curador, ou de outro herdeiro designado pelo juiz, e que preste essa garantia. § 2- Os ascendentes, os descendentes e o cônjuge, uma vez provada a sua qualidade de herdeiros, poderão, independentemente de garantia, entrar na posse dos bens do ausen­ te. HISTÓRICO • O presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • Im is s õ o n a p o s s e d o s b e n s d o a u s e n te : Os herdeiros que fo re m im itidos na posse dos bens do ausente deverão dar garantias de sua devolução m ed ian te penho r ou hipoteca prop orcio­ nais ao q u in h ão respectivo (CPC, art. 1.166), exceto se ascendentes, descendentes ou cô n ju ­ ge, desde que com provada a sua qualidade de herdeiros. • F a lta d e c o n d iç ã o p a ra p re s ta r g a r a n tia : Se o herdeiro que tiv e r d ire ito à posse provisória não puder prestar as garantias exigidas no c a p u t deste a rtig o , não poderá e n tra r na posse dos bens, que ficarão sob a adm inistração de um curador, ou de o u tro herdeiro designado pelo m agistrado, que se p ro n tifiq u e a prestar a referida g arantia.

Art. 31. Os imóveis do ausente só se poderão alienar, não sendo por desapropriação, ou hipotecar, quando o ordene o juiz, para lhes evitar a ruína. HISTÓRICO • O presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração de conteúdo, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do pro­ jeto.

DOUTRINA • A lie n a ç ã o de im ó v e is d o a u s e n te : Os im óveis do ausente, não só os arrecadados, mas tam bém os convertidos por venda dos móveis, não poderão ser alienados, salvo em caso de desapro­ priação, ou hipotecados, por ordem ju d ic ia l, para lhes e v ita r a ruína.

Art. 32. Empossados nos bens, os sucessores provisórios ficarão representando ativa e passivamente o ausente, de modo que contra eles correrão as ações pendentes e as que de futuro àquele forem movidas. HISTÓRICO • O presente dispositivo não sofreu alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

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Arts. 33 e 34

DOUTRINA • R e p re s e n ta ç ã o a tiv a e p a s s iv a d o a u s e n te : Os sucessores provisórios, um a vez empossados nos bens, fic a rão representando ativa e passivam ente o ausente; logo, contra eles correrão as ações pendentes e as que de fu tu ro , após a a b e rtu ra da sucessão provisória, àquele se m overem . C onsequentem ente, o curador dos bens do ausente não mais será o representante legal, pois, um a vez que os herdeiros, em ca ráter provisório, e n traram na posse da herança, ju s tific a tiv a algum a há para que o curador c o n tin u e na representação daqueles bens, quer ativa, qu er passivam ente, ou seja, com o réu ou com o autor.

Art. 3 3 .0 descendente, ascendente ou cônjuge que for sucessor provisório do ausente, fará seus todos os frutos e rendimentos dos bens que a este couberem; os outros sucessores, porém, deverão capitalizar metade desses frutos e rendimentos, segundo o disposto no art. 29, de acordo com o representante do Ministério Público, e prestar anualmente contas ao juiz competente. Parágrafo único. Se o ausente aparecer, e ficar provado que a ausência foi voluntária e injustificada, perderá ele, em favor do sucessor, sua parte nos frutos e rendimentos. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. DOUTRINA • D ire ito a o s fru to s e re n d im e n to s d o s b e ns d o a u s e n te : Se o sucessor provisório do ausente fo r seu descendente, ascendente ou cônjuge, terá a propriedade de todos os fru to s e rendi­ m entos dos bens que a este couberem , podendo deles dispor com o quiser. Se se tra ta r de outros sucessores que não aqueles acim a enum erados, sendo, p. ex., parentes colaterais, de­ verão c o n verter a m etade desses rendim ento s e fru to s em imóveis ou títu lo s de dívida púb li­ ca, a fim de g a ra n tir sua u lte rio r e possível restituição ao ausente. Tal capitalização deverá ser fe ita de acordo com o M in istério Público, que, além de d e te rm in a r qual o m elhor em pre­ go da m etad e daqueles rendim entos, deverá fiscalizá-lo . • P re s ta ç ã o d e c o n ta s d o s u c e s s o r p ro v is ó rio : Os sucessores provisórios deverão prestar contas, an u a lm e n te , ao ju iz, do em prego da m etad e dos fru to s e rendim entos. • E fe ito d a p ro v a d e a u s ê n c ia v o lu n tá r ia e in ju s tific a d a : Se o ausente aparecer e fic a r co m ­ provado que sua ausência fo i v o lu n tária e injustificada, ele perderá, em fa v o r dos sucessores provisórios, a parte que lhe caberia nos fru to s e rendim entos.

Art. 3 4 .0 excluído, segundo o art. 30, da posse provisória poderá, justificando falta de meios, requerer lhe seja entregue metade dos rendimentos do quinhão que lhe tocaria. HISTÓRICO • O presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. DOUTRINA • D ire ito d o e x c lu íd o d a p o s s e p ro v is ó ria : O sucessor provisório que não pôde e n tra r na posse de seu quin hão , por não te r oferecido a g a ra n tia legal, poderá ju s tific a r-s e provando a fa lta de recursos, requerendo, ju d ic ia lm en te , que lhe seja en tre g u e m etade dos fru to s e ren d im en ­ tos produzidos pela parte que lhe caberia, e que fo i retida, para poder fa ze r fre n te à sua subsistência.

Arts. 35 a 37

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Art. 35. Se durante a posse provisória se provar a época exata do falecimento do au­ sente, considerar-se-á, nessa data, aberta a sucessão em favor dos herdeiros, que o eram àquele tempo. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào sofreu alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • P ro va d a d a ta c e rta d a m o rte d o a u s e n te : Se se provar cabalm ente d u ra n te a sucessão pro­ visória a data certa da m orte do ausente, o d ireito à herança retroagirá àquela época; logo, c o nsiderar-se-á, a p a rtir de então, a b e rta a sucessão em prol dos herdeiros que legal e c o m provadam ente o eram àquele tem po . Com isso, a sucessão provisória e o n v e rte r-s e -á em de­ fin itiv a (CPC, a rt. 1 .1 6 7 ,1).

Art. 36. Se o ausente aparecer, ou se lhe provar a existência, depois de estabelecida a posse provisória, cessarão para logo as vantagens dos sucessores nela imitidos, ficando, todavia, obrigados a tomar as medidas assecuratórias precisas, até a entrega dos bens a seu dono. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • R e to rn o d o a u s e n te : R etornando o ausente ou enviando notícias suas, cessarão para os su­ cessores provisórios todas as vantagens, fican d o obrigados a to m a r m edidas assecuratórias a té a devolução dos bens a seu dono, conservando-os e preservando-os, sob pena de perdas e danos. • S uce sso re s p ro v is ó rio s c o m o h e rd e iro s p re s u n tiv o s : Os sucessores provisórios são herdeiros presuntivos, um a vez que adm inistram p a trim ô n io supostam ente seu; o real prop rietário é o ausente, cab en d o -lh e, ta m b é m , a posse dos bens, bem com o os seus fru to s e rendim entos, ou seja, o produto da capitalização ordenada pelo art. 3 3 do Código Civil. 0 sucessor provisório, com o reto rn o do ausente, deverá prestar contas dos bens e de seus acrescidos, devolven do-os, assim com o, se fo r o caso, os sub-rogados, se nào mais existirem .

Seção III



Da sucessão definitiva

Art. 37. Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória, poderão os interessados requerer a sucessão definitiva e o levantamen­ to das cauções prestadas. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào sofreu alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

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Arts. 38 e 39

DOUTRINA • S u ce ssã o d e fin itiv a : A sucessão d e fin itiv a poderá ser requerida dez anos depois de passada em ju lg a d o a sentença que concedeu a b e rtu ra de sucessão provisória (CPC, a rt. 1.167, II). • E fe ito s d a a b e rtu ra d a su c e s sã o d e fin itiv a : Com a sucessão d e fin itiv a , os sucessores: o) pas­ sarão a te r a propriedade resolúvel dos bens recebidos; 6) perceberão os fru to s e rendim entos desses bens, podendo u tilizá -lo s com o quiser; c) poderão a lien ar onerosa ou g ra tu ita m e n te tais bens; e d) poderão requerer o leva n tam en to das cauções prestadas.

Art. 38. Pode-se requerer a sucessão definitiva, também, provando-se que o ausente conta oitenta anos de idade, e que de cinco datam as últimas notícias dele.

HISTÓRICO • O presente dispositivo não sofreu alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • A b e rtu ra d e su ce ss ã o d e fin itiv a de a u s e n te c o m o ite n ta a n o s : Se se provar que o ausente conta o ite n ta anos de idade e que de cinco d atam as últim as notícias suas (CPC, art. 1.167, III), p o d er-se -á te r a ab ertu ra da sucessão d e fin itiv a , considerando-se a m édia de vida da pessoa, mesmo que não ten h a havido a n te rio rm e n te sucessão provisória.

Art. 39. Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão defini­ tiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão só os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens alienados depois daquele tempo. Parágrafo único. Se, nos dez anos a que se refere este artigo, o ausente não regressar, e nenhum interessado promover a sucessão definitiva, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União, quando situados em território federal.

HISTÓRICO • O c a p u t do artigo não sofreu qualquer alteração. A redação é a mesma do projeto original, sendo que o mesmo não ocorreu com o parágrafo único. A redação original do parágrafo único do ar­ tigo em tela, tal como fora originalm ente proposta à Câmara dos Deputados, era a seguinte: "Se, nos dez anos deste artigo, o ausente não regressar, e nenhum interessado promover a sucessão definitiva, a plena propriedade dos bens arrecadados passará ao Estado, ao Distrito Federal, ou Território, se o ausente era dom iciliado nas respectivas circunscrições". Ainda no periodo inicial de tram itação do projeto na Câmara, fora apresentada emenda substituindo "Estado" por "M un i­ cípio" e suprimindo a referência a "Território". Posteriormente, durante a tram itação no Senado, por emenda da lavra do Senador Josaphat M arinho, o dispositivo ganhou a redação atual. Segun­ do o Senador Josaphat, "a emenda pretendeu com patibilizar o dispositivo com a Lei n. 8.049, de 20 de junh o de 1990, que elege, como critério da arrecadação de bens objeto de herança pelos entes públicos, a localização dos respectivos bens. Além de fazer retornar ao texto a figura dos territórios, que embora inexistentes nos dias atuais, podem vir a ser criados futuram ente".

DOUTRINA • R egresso d o a u s e n te o u d e seu h e rd e iro n e c e s s á rio : Se o ausente, ou algum de seus descen­ dentes ou ascendentes, regressar nos dez anos seguintes à ab ertu ra da sucessão d e fin itiv a ,

Art. 40

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apenas poderá requerer ao m agistrado a devolução dos bens existentes no estado em que se e n co n trarem , os sub-rogados em seu lugar ou o preço que os herdeiros ou interessados re­ ceberam pelos alienados depois daquele te m p o (CPC, a rt. 1.168), respeitando-se, assim, os direitos de terceiro. • D e c la ra ç ã o d a v a c â n c ia d o s b e n s d o a u s e n te : Se, nos dez anos a que se refere o c a p u t do a rtig o ora exam inado, o ausente não retornar, e nenhum interessado requerer a sucessão d e fin itiv a , os bens serão arrecadados com o vagos, passando sua propriedade plena ao M u n i­ cípio, ao D istrito Federal, se situados nas respectivas circunscrições, ou è União, se localizados em te rritó rio federal. A União, o Estado e o D istrito Federal ficarão obrigados a aplicar tais bens em fundações destinadas ao ensino (Dec.-Lei n. 8 .2 0 7 /4 5 , a rt. 3 o).

T ítu lo II — DAS PESSO A S JURÍDICAS

C ap ítu lo I — DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado.

HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C o n c e ito de p e s s o a ju r í d ic a : A p e s so a ju r íd ic a é a unid ade de pessoas naturais ou de p a tri­ m ônios que visa à obtenção de certas finalidades, reconhecida pela ordem ju ríd ica com o sujeito de direitos e obrigações. • C la s s ific a ç ã o d a p e s s o a ju r íd ic a q u a n to ò s u a fu n ç ã o e c a p a c id a d e : Q uanto às funções e capacidade, as pessoas jurídicas sào de d ire ito público e de d ire ito privado. • As p e sso a s ju r íd ic a s de d ir e ito p ú b lic o podem ser: o) de d ir e ito p ú b lic o e x te rn o (CC, a rt. 42), regulam entadas pelo d ire ito internacional público, abrangendo : nações estrangeiras, Santa Sé e organism os internacionais (ONU, OEA, UNESCO, FAO etc.); 6) de d ir e ito p ú b lic o in te rn o de adm inistração d ire ta (CC, a rt. 4 1 , I a III): União, Estados, Territórios, D istrito Federal e M u nicípios leg alm en te constituídos; e de adm inistração in d ire ta (CC, art. 4 1 , IV e V ): órgãos descentralizados, criados por lei. com personalidade ju ríd ic a própria para o exercício de a ti­ vidades de interesse público, com o as autarquias, d en tre elas: INSS, USP, CADE (Lei n. 8 .8 8 4 /9 4 ) etc., as associações públicas (p. ex., consórcios públicos - Lei n. 1 1 .1 0 7 /2 0 0 5 , regulam entada pelo D ecreto n. 6 .0 1 7 /2 0 0 7 , a rt. 6 o. I e § 1°), as fundações públicas (p. ex., FAPESP, Fundação C entro Brasileiro para a Infância e a Adolescência), que surgem quando a lei individualiza um p a trim ô n io a p a rtir de bens pertencentes a um a pessoa ju ríd ic a de d ireito público, a fe ta n d o -o à realização de um fim a d m in istrativo e d o ta n d o -o de organização adequada, e as a g ê n ­ cias executivas ou reguladoras (p. ex., ANATEL, ANP). As p e sso a s ju r íd ic a s de d ir e ito p riv a d o , instituídas por iniciativa de particulares, c o n fo rm e o a rt. 4 4 , 1a VI, dividem -se em : associações, inclusive organizações religiosas, sociedades simples e empresárias, fundações particulares, partidos políticos (Lei n. 9 .0 9 6 /9 5 , a rt. 1o; CF/88, art. 17, § 2 o) e, ainda, empresas individuais de responsabilidade lim itada.

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Art. 41

Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno: I — a União; II — os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; III — os Municípios; IV — as autarquias, inclusive as associações públicas; • Redação dada pela Lei n. 11.107, de 6 -4 -2 0 0 5 .

V — as demais entidades de caráter público criadas por lei. Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nâo sofreu alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • Pessoas ju r íd ic a s d e d ir e ito p ú b lic o in te r n o : São pessoas jurídicas de d ire ito público interno : o) a União, que designa a nação brasileira, nas suas relações com os Estados federados que a com põem e com os cidadãos que se e n co n tram em seu te rritó rio ; logo, indica a organização política dos poderes nacionais considerada em seu co n ju n to . Assim, o Estado Federal (União) seria ao m esm o tem p o Estado e Federação [B e m d e s ta a t)’, b) os E s ta d o s fe d e ra d o s, que se regem pela C onstituição e pelas leis que a d o tarem . Cada Estado fed erad o possui a u to n o m ia adm inistrativa, com petência e a u to rid ad e na seara legislativa, executiva e ju d ic iá ria , decid in ­ do sobre negócios locais; c) o D is tr ito Federal, que é a capital da União. É um m unicípio equiparado ao Estado fed erad o por ser a sede da União, te n d o adm inistração, autoridades próprias e leis a tin en tes aos serviços locais. Possui personalidade ju ríd ic a por ser um organis­ m o p o lític o -ad m in istra tiv o , constitu ído para a consecução de fins comuns; d] os T e rritó rio s , autarquias te rrito ria is (H ely Lopes M eirelles), ou m elhor, pessoas jurídicas de d ire ito público interno , com capacidade adm in istrativa e de nível constitucional, ligadas à União, tend o nesta a fo n te de seu regim e ju ríd ic o infraco n stitu cio n al (M ich el Tem er) e criadas m ediante lei c o m p lem en tar; e) os M u n ic íp io s legalm en te constituídos, por te re m interesses peculiares e econom ia própria. A C onstituição Federal assegura sua a u to n o m ia política, ou seja, a capa­ cidade para legislar re lativa m e n te a seus negócios e por m eio de suas próprias autoridades. • A m p lia ç ã o le g a l d o r o l d a s p e s so a s ju r íd ic a s d e d ire ito p ú b lic o in te r n o : A lém das pessoas enum eradas pelo artig o s u b e x a m in e , a lei estendeu a personalidade de d ire ito público, com o já tivem os oportunidade de dizer ao com entarm os o art. 4 0 , às a u ta rq u ia s (Dec.-Lei n. 6 .0 1 6 /4 3 , art. 2°; Leis n. 8 .4 4 3 /9 2 , arts. 1°, I, e 5®, I, e 4 .7 1 7 /6 5 , a rt. 20; Dec.-Lei n. 2 0 0 /6 7 , a rt. 5®, com a redação dada pelo Dec.-Lei n. 9 0 0 /6 9 ; Súm ulas 3 3 , 73, 74, 79, 501, 5 8 3 e 6 2 0 do STF e 4 do TRF - 3» Região), às a ss o c ia ç õ e s p ú b lic a s (Lei n. 1 1 .1 0 7 /2 0 0 5 , art. 6®, I), às fu n d a ç õ e s p ú b lic a s (D ec.-Lei n. 9 0 0 /6 9 , a rt. 2®; CC, art. 4 1 , V e p arágrafo único; RTJ, 113:3 1 4 ) e às a g ê n c ia s e x e c u tiv a s e re g u la d o ra s (CC, art. 4 1 , V; Leis n. 9 .6 4 9 /9 8 , art. 51, 9 .9 8 6 /2 0 0 0 , 1 0 .8 7 1 /2 0 0 4 , com alterações da Lei n. 1 1 .9 0 7 /2 0 0 9 ). As entidades que prestam serviço público com o e m ­ presa pública e sociedade de econom ia m ista, apesar de te re m personalidade de d ire ito pri­ vado, regem -se por norm as trabalhistas, trib u tá ria s e a d m in istrativas e, no que couber, q u a n to ao seu fu n c io n a m en to , pelas norm as do Código Civil. 0 mesmo se diga do consórcio público constitu ído com o pessoa ju ríd ic a de d ire ito privado, m ed ian te a te n d im e n to de requi­ sitos da legislação civil (Lei n. 1 1 .1 0 7 /2 0 0 5 , arts. 1®, § 1®, e 6®, II), que observará as norm as de

Arts. 42 e 43

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d ire ito público no que concerne è realização de licitação, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, que será regido pela CLT (art. 6», § 2®).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 141, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “A remissão do art. 41, parágra­ fo único, do Código Civil às pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, diz respeito às fundações públicas e aos entes de fiscalização do exercício profis­ sional".

JULGADO • "Ministério Público - Curador de Fundações - Relação negociai envolvendo fundação pública - Nenhuma implicação com a sua razão finalística - Dispensável a participação do curador na lide, bastando a ciência do M inistério Público - Nulidade repelida - Recurso extraordinário pro­ vido" [RT, 72 7:275).

Art. 42. São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não constava do texto do projeto original, tendo sido acrescentado pela Câmara dos Deputados, através de emenda de autoria do Deputado Brígido Tinoco, ainda no pe­ ríodo inicial de tram itação. A justificação apresentada pelo autor da emenda foi a seguinte: "0 projeto segue a mesma orientação do Código Civil, isto é, diz que as pessoas jurídicas são de di­ reito público interno ou externo. Contudo, enumera somente as de direito público interno e as de direito privado. Quanto às de direito público externo nenhum a referência faz. É omissão que se justificaria, apenas, se não fossem mencionadas as pessoas jurídicas de direito público interno e as de direito privado. As nações estrangeiras, a Santa Sé, a ONU, a OEA são pessoas de direito público externo, porque são regidas por normas do direito internacional público. A inclusão do artigo proposto sobre a qualificação das pessoas de direito público externo restabelece o critério uniform e, quebrado com a sua omissão no projeto".

DOUTRINA • P essoas ju ríd ic a s de d ir e ito p ú b lic o e x te rn o : Sào as regulam entadas pelo d ireito in te rn a c io ­ nal público, abrangendo : nações estrangeiras, S anta Sé e organism os internacionais (ONU, OEA, Unesco, FAO etc.).

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • T eoria d o ris e o e re s p o n s a b ilid a d e o b je tiv a : Por essa teoria cabe indenização estatal de todos os danos causados, por c o m p o rta m e n to s dos funcionários, a direitos de particulares. Trata-se da responsabilidade o b jetiva do Estado, bastando a com provação da existência do prejuízo a adm inistrados. M as o Estado te m ação regressiva c o n tra o agen te, quando tiv e r havido culpa ou dolo deste, de fo rm a a não ser o p a trim ô n io público desfalcado pela sua condu ta ilícita.

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Art. 44

Logo, na relação e n tre poder público e agen te, a responsabilidade civil é subjetiva, por de­ pender da apuração de sua culpabilidade pela lesão causada ao adm inistrado. • Enunciado 3, aprovado na I Jornada de Direito Comercial de 2012: "A Empresa Individual de Res­ ponsabilidade Limitada - EIRELI não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária". • Enunciado 4, aprovado na I Jornada de Direito Comercial de 2012: "Uma vez subscrito e efetiva­ m ente integralizado, o capital da empresa individual de responsabilidade lim itada não sofrerá nenhum a influência decorrente de ulteriores alterações no salário mínimo".

SÚMULA • STF, Súmula Vinculante 11: "Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de te r­ ceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".

JULGADOS • "É obrigação governam ental preservar a intangibilidade física dos alunos, enquanto estes se en­ contrarem no recinto da escola pública. Incumbe ao Estado o dever de dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que se acharem sob a guarda im ediata do Poder Público nos estabelecimen­ tos oficiais de ensino. Responde o Estado, portanto, pela indenização decorrente das lesões sofri­ das pelo aluno" (TJPR, Ac. unânim e da 1* Câm. Civ., Ap. n. 1 67.073-1, j. em 1 9 -4 -2 0 0 5 ). • "Furto de veículo em via pública - Zona Azul. Adm inistração feita por empresa permissionária. Prestação de serviço público. Remuneração feita por meio de tarifas. Permissão bilateral. Respon­ sabilidade objetiva. Art. 37, § 6*, da Constituição Federal. Prescindibilidade de demonstração de culpa. Dano e nexo causai configurados. Dever de ressarcir" (TJSC-1* Càm. de Direito Civil, AC 20 03 .0 1 9568-8-Joinville-S C , Rei. Des. Orli Rodrigues, j. em 2 3 -1 1 -2 0 0 4 , maioria de votos). • "Em se tratando de ato omissivo, embora esteja a doutrina dividida entre as correntes dos adeptos da responsabilidade objetiva e aqueles que adotam a responsabilidade subjetiva, prevalece na jurisprudência a teoria subjetiva do ato omissivo, de modo a só ser possível indenização quando houver culpa de preposto" (STJ, 2» T., REsp 602.102, M in. Eliana Calmon, j. em 6 -4 -2 0 0 4 ). •

"Responsável é o Município por danos oriundos de queda de transeunte em rua, por ocasião de bura­ co no asfalto. Dever de manter as vias públicas em perfeito estado de conservação, respondendo pela falha do serviço público. Tendo a autora permanecido durante o tempo de recuperação em licença, percebendo salários, não faz jus ao recebimento dos valores relativos a vale-transporte e alimentação, tendo em vista que os mesmos objetivam compensar despesas relacionadas com o próprio ato de trabalhar, preservando a intangibilidade do salário. Art. 37, § 6», da CF/88 consagra a responsabilidade objetiva do Estado sob a modalidade do risco administrativo, e não a do risco integral, de modo que é permitida a atenuação da responsabilidade do ente público quando demonstrada a concorrência de culpa da vitima. Deram provimento em parte ao apelo do réu. Provido o apelo da autora. Mantida a sentença em reexame necessário" (TJRS, Ac. 10* Câm. Civ., Ap. e Reex. Necessário 70001676345, Co­ marca de Porto Alegre, Rei. Des. Jorge Alberto Shereiner Pestana, DJRS, 12-4-2002, p. 36).

DIREITO PROJETADO • PLn. 6 9 9 /2 0 1 1 : A rt. 43. A s pessoas ju ríd ic a s de d ire ito p ú b lic o e as de d ire ito p riv a d o p re s ta d o ra s de serviços p ú b lic o s responderão p e lo s da no s que seus agentes, nessa qu alid ad e , causarem a terceiros, in ­ clu sive aqueles d e corre n tes da in te rv e n ç ã o e s ta ta l n o d o m in io econôm ico, asse g urad o o d ire ito de regresso c o n tra o re sponsável nos casos de d o lo o u culpa.

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I — as associações; II — as sociedades;

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III — as fundações; IV — as organizações religiosas; V — os partidos políticos; VI — as empresas individuais de responsabilidade limitada. § 1? São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou re­ gistro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. § 2- As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às so­ ciedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código. § 3? Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica. • Incisos IV e V e parágrafos acrescentados pela Lei n. 10.825, de 2 2 -1 2 -2 0 0 3 . HISTÓRICO • O presente dispositivo nâo serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C la s s ific a ç ã o d a s p e s so a s ju r íd ic a s d e d ire ito p riv a d o : As pessoas jurídicas de d ire ito privado, instituídas por iniciativa de particulares, dividem -se, segundo o artig o focado, em : o) fu n d a ­ çõ e s p a rtic u la re s , que sào universalidades de bens, personalizadas pela ordem pública, em consideração a um fim estipulado pelo fu n d a d o r, sendo este objetivo im utável e seus órgãos servientes, pois todas as resoluções estào delim itadas pelo in stitu id o r (CC, arts. 6 6 e 69; Lei n. 6 .4 3 5 /7 7 , a rt. 82; CPC, arts. 1 .20 0 a 1.204). Deve ser constituída por escrito e lançada no registro geral; 6) a s so c ia ç õ e s civ is, re lig io s a s (CC, a rt. 4 4 , IV; D ecreto n. 7 .1 0 7 /2 0 1 0 ), p ia s, m o ra is , c ie n tific a s o u lite rá r ia s e a s a s so c ia ç õ e s d e u tilid a d e p ú b lic a , que abrangem um c o n ju n to de pessoas, que alm ejam fins ou interesses dos sócios, que podem ser alterados, pois os sócios deliberam livrem ente, já que seus órgãos são dirigentes. Na associação (CF/88, art. 5o, XVII a XXI) não há fim lucrativo, em bora te n h a p a trim ô n io fo rm ad o com a contribuição de seus m em bros para a obten ção de fins culturais, educacionais, esportivos, religiosos, re­ creativos, m orais etc. As associações regem -se pelos arts. 53 a 61 do Código Civil, que tam bém , por fo rça do a rt. 4 4 , § 2®, sào aplicáveis, subsidiariam ente, às sociedades que são o b je to do Livro II da P arte Especial deste Código. As organizações religiosas podem ser livrem en te o r­ ganizadas e estruturadas e o Poder Público não pode negar-lhes o reconhecim en to e o re­ gistro de seus estatutos, necessários ao seu fu n c io n a m e n to (CC, a rt. 4 4 , § 1°); c) s o c ie d a d e sim p le s, na qual se visa o fim econôm ico ou lucrativo, pois o lucro o b tid o deve ser repartido e n tre os sócios, sendo alcançado pelo exercício de certas profissões ou pela prestação de serviços técnicos (CC, arts. 9 9 7 a 1.038) (p. ex., um a sociedade im obiliária ou um a sociedade cooperativa - CC, arts. 9 8 2 , parágrafo único, e 1.093 a 1.096). As sociedades devem co n s titu ir-se por escrito, lançar-se no registro civil das pessoas jurídicas (CC, arts. 9 9 8 , §§ 1° e 2°, e 1 .00 0 e p arágrafo único); d) s o c ie d a d e s e m p re s á ria s , que visam o lucro, m ediante exercício de ativid ad e em presarial ou com ercial [RT, 4 6 8 /2 0 7 ), assum indo as form as de: sociedade em nom e coletivo; sociedade em c o m an d ita simples; sociedade em com andita por ações; socie­ dade lim ita d a ; sociedade anônim a ou por ações (CC, arts. 1.039 a 1.092). Assim, para saber se dada sociedade é simples ou em presária, basta considerar a natu reza de suas operações habituais; se estas tiv e rem por objeto o exercício de atividades econôm icas organizadas para a produção ou circulação de bens ou de serviços próprias de em presário, sujeito a registro (CC, arts. 9 8 2 e 9 6 7 ), a sociedade será em presária; caso co n trário , simples, mesmo que adote quaisquer das fo rm as em presariais, com o perm ite o art. 9 8 3 do Código Civil, exceto se fo r an ô n im a ou em c o m an d ita por ações, que, por fo rça de lei, serão sem pre em presárias. As

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sociedades em presárias deverão te r assento no Registro Público de Empresas M ercantis (CC, arts. 1 .15 0 a 1.154). E as simples, no Registro Civil das Pessoas Jurídicas (CC, art. 1.150, 2* p arte); e) p a rtid o s p o lític o s , que sào associações civis assecuratórias, no interesse do regim e dem ocrático, da a u te n tic id a d e do sistem a representativo e defensoras dos direitos fu n d a ­ m entais definido s na C onstituição Federal. Sua organização e fu n c io n a m e n to se dão c o n fo r­ m e lei específica (CC, a rt. 4 4 , V. e § 3®; C F/88, arts. 1 7 . 1 a IV, §§ 1* a 4®, 2 2 , XXVII, 3 7 , XVII, XIX, XX, 71, II a IV, 150, § 2®, 169, p arágrafo único, II, 163, II, Lei n. 9 .0 9 6 /9 5 , com alteração das Leis n. 9 .5 0 4 /9 7 , 9 .6 9 3 /9 8 , 1 1 .4 5 9 /2 0 0 7 ; 1 1 .6 9 4 /2 0 0 8 e 1 2 .0 3 4 /2 0 0 9 e Lei n. 1 2 .0 1 6 /2 0 0 9 , art. 21); f\ a s e m p re s a s in d iv id u a is de re s p o n s a b ilid a d e lim ita d a , constituídas por um a ú n i­ ca pessoa titu la r da to ta lid ad e do capital social, d e v id a m en te integralizado, desde que não seja in fe rio r a cem vezes o m aior salário m ínim o v ig e n te no Brasil (CC, a rt. 9 8 0 -A ).

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO C IVIL - CJF • Enunciado 280, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Por força do art. 44, § 2®, con­ sideram-se aplicáveis às sociedades reguladas pelo Livro II da Parte Especial, exceto às limitadas, os arts. 57 e 60, nos seguintes termos: a) Em havendo previsão contratual, é possível aos sócios deliberara exclusão de sócio por justa causa, pela via extrajudicial, cabendo ao contrato discipli­ nar o procedim ento de exclusão, assegurado o direito de defesa, por aplicação analógica do art. 1.085; b) As deliberações sociais poderão ser convocadas pela iniciativa de sócios que representem 1/5 (um quinto) do capital social, na omissão do contrato. A mesma regra aplica-se na hipótese de criação, pelo contrato, de outros órgãos de deliberação colegiada". • Enunciado 144, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A relação das pessoas jurídicas de direito privado, constante do art. 44, incisos I a VI, do Código Civil não é exaustiva". • Enunciado 143, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A liberdade de funcionam ento das organizações religiosas não afasta o controle de legalidade e legitim idade constitucional de seu registro, nem a possibilidade de reexame pelo Judiciário da com patibilidade de seus atos com a lei e com seus estatutos". • Enunciado 142, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Os partidos políticos, os sindi­ catos e as associações religiosas possuem natureza associativa, aplicando-se-lhes o Código Civil".

JULGADO • "Apelação civel. Registro das pessoas jurídicas e de títulos e documentos. Autonom ia. Requisito indispensável à constituição da pessoa jurídica. M antida a sentença de parcial procedência. 1. Devem-se sopesar as garantias constitucionais de liberdade de culto religioso, estatuídas nos arts. 5°, inciso VII, e 19, inciso 1®, ambos da Magna Carta, vedando as pessoas jurídicas de direito pú­ blico a intervenção nas associações religiosas. 2 . 0 legislador constitucional pretendeu dar garan­ tia à liberdade de culto religioso, vedando toda e qualquer discriminação ou proibição ao exercí­ cio de qualquer fé ou religião. 3. Foi com esse espirito, de proteção às entidades religiosas, que a Lei Federal n. 10.825 de 2003 alterou o art. 44 do Código Civil, a fim de incluir as organizações religiosas e os partidos políticos como pessoas jurídicas de direito privado e, ao mesmo tem po, acrescentar o parágrafo primeiro, o qual veda ao poder público a negativa do reconhecimento, ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionam ento. 4. A vedação presente em tal artigo nào pode ser considerada como absoluta, cabendo ao Judiciário tu telar interesses a fim de certificar-se, precipuam ente, do cum prim ento da legislação pátria, vale dizer, há que se averiguar se a organização religiosa atende os requisitos necessários ao registro do ato constitutivo. 5. Deve haver respeito ao nom e m ju r is de cada entidade e, sendo a Associação Espírita Cristo e Caridade uma organização religiosa, não pode ostentar em seu nome a menção ‘sociedade’, nom enclatura que se destina a outras entidades que com unguem de interesses de finalidade diversa da suscita­ da. Negado provim ento ao apelo" (TJRS, 5a Câmara Civil, Acórdão 70 02 7 0 34 1 6 4, Canoas, Rei. Des. Jorge Luiz Lopes do Canto, j. em 2 1 -1 -2 0 0 9 , DOERS, 2 9 -1 -2 0 0 9 , p. 24).

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a ins­ crição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autori­

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zação ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.

HISTÓRICO • Na redação original do projeto, cuja Parte Geral ficou a cargo do M inistro José Carlos Moreira Alves, o artigo usava a palavra "Governo". Emenda apresentada no Senado Federal substituiu "Governo" por "Poder Executivo". 0 fundam ento da emenda foi adequar a linguagem do projeto com a empregada pela Constituição Federal.

DOUTRINA • In ic io d a e x is tê n c ia le g a l d a p e s s o a ju r í d ic a : 0 fa to que dá origem à pessoa ju ríd ica de d i­ reito privado é a v o n ta d e hum ana, sem necessidade de q u a lq u e r a to a d m in istrativo de con­ cessão ou au to rização, salvo os casos especiais do Código Civil (arts. 1.123 a 1.125, 1.128, 1 .1 3 0 ,1 .1 3 1 ,1 .1 3 2 ,1 .1 3 3 , 1.134, § 1*, 1.135 a 1 .1 3 8 ,1 .1 4 0 e 1.141), porém a sua personali­ dade ju ríd ica perm anece em estado potencial, adquirind o s ta tu s ju ríd ico , quando preencher as fo rm alidades ou exigências legais. • Fases d o p ro c e s s o g e n é tic o d a p e s so a ju r íd ic a d e d ir e ito p riv a d o : Na criação da pessoa ju rí­ dica de d ire ito privado há duas fases: o) a do a to c o n s titu tiv o , que deve ser escrito, podendo revestir-se de fo rm a pública ou particular (CC, art. 9 9 7 ), com exceção da fundação, que requer in s tru m e n to público ou te s ta m e n to (CC, a rt. 62). A lém desses requisitos, há certas sociedades q ue para ad q u irir personalidade ju ríd ic a dependem de prévia auto rização ou aprovação do Poder Executivo Federal (CC, arts. 4 5 , 2* parte, e 1.123 a 1.125), com o, p. ex., as sociedades estrangeiras (LINDB, art. 11, § 1o; CC, arts. 1 .1 3 4 e 1.135); 6) a do re g is tro p ú b lic o (CC, arts. 45 , 9 8 4 , 9 8 5 , 9 9 8 e 1 .1 5 0 a 1.154), pois para que a pessoa ju ríd ica de d ire ito privado exista leg alm en te é necessário inscrever os contratos ou estatuto s no seu registro peculiar (CC, art. 1.150); o m esm o deve fa ze r quando conseguir a im prescindível auto rização ou aprovação do Poder Executivo Federal (CC, arts. 4 5 , 4 6 , 1.123 a 1.125 e 1.134; Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , arts. 1 1 4 a 121, com alteração da Lei n. 9 .0 4 2 /9 5 ). Apenas com o assento adquirirá personalidade ju ríd ic a , podendo, então, exercer todos os direitos; além disso, quaisquer alterações supervenientes havidas em seus atos constitutivos deverão ser averbadas no registro. Com o se vê, esse sistem a do registro sob o regim e da li­ berdade c o n tra tu a l, regulado por norm a especial, ou com auto rização legal, é de grande u tilid a d e em razão da publicidade que d e te rm in a rá os direitos de terceiros. 0 registro do a to co n s titu tiv o é um a exigência de ordem pública no que a tin a à prova e à aquisição da perso­ nalidade ju ríd ic a das entidades coletivas. • P ra zo d e c a d e n c ia l p a ra a n u la r c o n s titu iç ã o d e p e s s o a ju r íd ic a de d ir e ito p riv a d o : Havendo d e fe ito no a to constitu tivo de pessoa ju ríd ica de d ire ito privado, pode-se desconstituí-la d e n tro do prazo decadencial de três anos, contado da publicação de sua inscrição no Regis­ tro.

Art. 4 6 .0 registro declarará: I — a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver, II — o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores; III — o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente;

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IV — se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo; V — se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais; VI — as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nes­ se caso.

HISTÓRICO • O presente dispositivo nâo sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • R e g is tro c iv il d a p e s s o a ju r í d ic a : S om ente com o registro te r-s e -á a aquisição da personali­ dade ju ríd ic a . Tal registro de atos constitu tivos de sociedades simples d a r-s e -á no Registro Civil das Pessoas Jurídicas (CC, arts. 9 9 8 , 1 .00 0 e 1.150, 2* parte), sendo que as sociedades em presárias deverão ser registradas no Registro Público de Empresas M ercantis (CC, art. 1.150, 1a parte), sendo com petentes para a prática de tais atos as Juntas Com erciais, e seguem o disposto nas norm as dos arts. 1 .15 0 e 1 .1 5 4 do Código Civil. 0 registro da pessoa jurídica civil com petirá ao oficial do Registro Público, que seguirá o com ando con tid o nos arts. 114 a 121 (com a lteração da Lei n. 9 .0 4 2 /9 5 ) da Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 . • R e q u is ito s p a ra o re g is tro d a p e ss o a ju r íd ic a d e d ire ito p riv a d o : 0 a rtig o s u b e x a m in e a p o n ­ ta os requisitos do assento, pois este declarará: o) a denom inação, os fins, a sede, o te m p o de duração e o fu n d o social, quando houver; b) nom e e individualização dos fu ndadores ou instituidores e dos diretores; c) a fo rm a de adm inistração e a representação ativa e passiva, ju d icial e extraju d icial; d) a possibilidade e o m odo de reform a do e s ta tu to social no que a tin a à adm inistração da pessoa ju ríd ica; e) a responsabilidade subsidiária dos sócios pelas obrigações sociais; /) as condições de extinção da pessoa ju ríd ica e o destino do seu p a trim ô ­ nio nesse caso.

JULGADOS • "Há nulidade por ausência de consen tim en to válido se a representação de sociedade em a to ju ríd ic o não se fa z na fo rm a que seus estatutos designam mas por D ireto r-P resid en te que isoladam ente não d etin h a capacidade para o b rig á -la por repactuação excedente da gestão ordinária dos negócios sociais, o que era do pleno co nhecim ento da o u tra c o n tra ta n te , por isso que, não sendo esta terceira de b o a -fé , inaplicável será a teoria da aparência" [RT, 779:186). • "N om e com ercial - Exclusividade de uso - D ireto que nasce com a simples constituição ju ­ rídica da sociedade - Desnecessidade de qualq u er registro ou depósito - A plicação do art. 8 o da Convenção da União de Paris - Declaração de voto" [RT, 6 7 0:15 1 ).

Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • V in c u la ç õ o d a p e s s o a ju r íd ic a a o s a to s p ra tic a d o s p e lo s a d m in is tra d o re s : Se seus adm inis­ tradores a representam ativa e passivam ente, em ju ízo ou fo ra dele, todos os atos negociais

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exercidos por eles, d e n tro dos lim ites de seus poderes estabelecidos no e s ta tu to social, o b ri­ garão a pessoa ju ríd ica, que deverá cum pri-lo s.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 145, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: " 0 art. 47 nào afasta a aplicação da teoria da aparência".

Art. 48. Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se tomarão pela maioria de votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso. Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular as decisões a que se refere este artigo, quando violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • A d m in is tra ç ã o c o le tiv a : Se por lei ou pelo c o n tra to social vários fo rem os adm inistradores, as deliberações deverão ser tom adas por m aioria de votos dos presentes, exceto se a to cons­ titu tiv o dispuser de m odo co n trário , ou, ainda, contados, em regra, segundo o v a lo r das quotas de cada um . Para a fo rm ação dessa m aioria, são necessários votos correspondentes a mais de m etad e do capital ou m etade e mais um dos presentes à reunião. • A n u la ç ã o d e d e c is ã o c o n trá ria à le i e a o e s ta tu to o u e iv a d a d e v íc io d e c o n s e n tim e n to o u s o c ia l: 0 d ire ito de a n u la r deliberação de adm inistradores que vio lar norm a legal ou e s ta tu ­ tária, relativa ao q uó rum delib erativo , ou fo r eivada de erro, dolo, sim ulação ou fra u d e , po­ derá ser exercido d e n tro do prazo decadencial de três anos.

Art. 49. Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a requerimento de qualquer interessado, nomear-lhe-á administrador provisório.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào sofreu alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • N o m e a ç ã o de a d m in is tr a d o r p ro v is ó rio : Com o a pessoa ju ríd ic a precisa ser representada, a tiv a ou passivam ente, em ju íz o ou fo ra dele, deverá ser adm inistrada por quem o e statu to indicar ou por quem seus m em bros elegerem . Por isso, se a adm inistração da pessoa jurídica vier a fa lta r, o m agistrado, m ed ian te requ erim en to de q u a lq u e r interessado, deverá nom ear um adm inistrador provisório, que a representará e n q u a n to não se nom ear seu representante legal, o qual exterio rizará sua vo n tad e no exercício dos poderes que lhe fo rem conferidos pelo c o n tra to social (CC, art. 47).

JULGADO • "Pessoa jurídica. Pedido de nomeação de adm inistrador provisório para associação profissional. Extinção do processo sem resolução do m érito por falta de interesse processual. Não ocorrência. Extinção afastada. Autor não associado e terceiro interessado na continuidade das atividades associativas suspensas desde 1963. Inteligência do art. 49 do Código Civil de 2002. Deferida a antecipação dos efeitos da tutela jurisdieional. Necessidade de convocação de assembleia, na

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form a do estatuto social, para constituição de nova diretoria e conselhos, bem como regularização da entidade nos órgãos com petentes. Imprescindível a citação de todos os interessados e dos úl­ timos diretores e conselheiros da entidade. Retorno dos autos ao juizo de origem. Recurso provi­ do" (TJSP, 2* Câmara de Direito Privado, Apelação com revisão 616.347.4/4, Acórdão 3 4 61905, Jaú, Rei. Des. Ariovaldo Santini Teodoro, j. em 3 -2 -2 0 0 9 , DJESP, 2 6 -2 -2 0 0 9 ).

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de fina­ lidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e deter­ minadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. HISTÓRICO • A redação original do dispositivo, tal como concebido pelo M inistro Moreira Alves, era a seguinte: “A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins estabelecidos no ato constitutivo, para servir de instrum ento ou cobertura à prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em que poderá o juiz, a requerim ento de qualquer dos sócios ou do M inistério Público, decretar a exclusão do sócio res­ ponsável, ou, tais sejam as circunstâncias, a dissolução da entidade. Parágrafo único. Neste caso, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, responderão conjuntam ente com os da pessoa jurídica, os bens pessoais do adm inistrador ou representante que dela se houver utilizado de maneira fraudulenta ou abusiva, salvo se norma especial determ inar a responsabilidade solidária de todos os membros da administração". Durante a tram itação no Senado, emenda do Senador Josaphat M arinho alterou a redação do artigo, fundindo c a p u t e parágrafo único, passando a redigir-se: "Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrim onial, pode o ju iz decidir, a requerim ento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obri­ gações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica". 0 Senador Josaphat M arinho, ao justificar a sua emenda, registrou o seguinte: "Os doutrinadores que julgam essa providência admissível no direito brasileiro salientam, geralm ente, que ela não envolve ’a anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determ inado efeito em caso concreto' (Rubens Requião, Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica, in RT, v. 410, dez. 1969, p. 12, cit., p. 17). Vale dizer: cumpre distinguir entre despersonalização e desconsideração da personalidade jurídica. Nesta, ‘subsiste o principio da autonom ia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes, mas essa distinção é afastada, provisoriamente e tão só para o caso concreto' (Fábio Konder Com parato, O p o d e r de c o n tro le na sociedade a n ô n im a , 3. ed., Forense, 1983, p. 283). Demais, não basta que haja suspeita de desvio de função, para que se aplique o grave prin­ cipio. Conforme advertiu o Professor Lamartine Corrêa de Oliveira, ‘não podem ser entendidos como verdadeiros casos de desconsideração todos aqueles casos de mera im p u ta ç ã o de ato': 'é necessário fazer com que a im putação se faça com predom ínio da realidade sobre a aparência' (A d u p la crise da pessoa ju ríd ic a , Saraiva, 1979, p. 610 e 613). Dentro desses pressupostos, e consi­ derando a sugestão do acadêmico Marcelo Gazzi Taddei, orientado pelo Professor Luiz A ntônio Soares Hentz, buscamos o delineam ento seguro da 'desconsideração', para situá-la no projeto. Consultamos um estudioso da m atéria, com trabalho já publicado, Professor Fábio Konder Com­ parato, subm etendo-lhe esboço do dispositivo. Assinalando, tam bém , a necessidade de diferençar despersonalização e desconsideração, o ilustre professor concorreu, valiosamente, para a confi­ guração tentada. Acentuou, inclusive, que ‘a causa da desconsideração da personalidade jurídica não é, apenas, o desvio dos fins estabelecidos no contrato social ou nos atos constitutivos. 0 abuso pode tam bém consistir na confusão entre o patrim ônio social e o dos sócios ou adminis­ tradores, ainda que m antida a mesma atividade prevista, estatutária ou contratualm ente. Justifi­ cou a menção, no texto, ao Ministério Público, visto que ‘ele tam bém pode intervir no processo sem ser parte’. Buscando contornos claros, ressaltou: 'É preciso deixar bem caracterizado o fato de que os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica são m eram ente patrim oniais e sempre relativos a obrigações determinadas, pois a pessoa jurídica não entra em liquidação. A

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menção genérica a 'relações de obrigação justifica-se pelo fa to de que o direito do dem andante pode ser fundado em um delito civil e não em contrato’. Em conclusão, observou: 'Finalmente, a fórm ula sugerida - extensão dos efeitos obrigacionais aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica - visa a superar a discussão sobre se esta responde ou não, conjun­ tam ente com os sócios ou administradores. Na prática, como é óbvio, recorre-se à superação da personalidade porque os bens da pessoa jurídica não bastam para satisfazer a obrigação*. Daí o artigo substitutivo proposto corresponder ao texto elaborado pelo douto professor, apenas em ­ pregado o vocábulo processo e não 'feito', dada a proximidade da palavra 'efeitos'". 0 Deputado Ricardo Fiuza, por sua vez, ao acolher a emenda senatorial, disse em seu parecer: "A questão re­ ferente à desconsideração da personalidade jurídica, finalm ente norm atizada, vem sendo objeto de im portantes construções jurisprudenciais". Sustenta o jurista Arnoldo W ald, em primoroso estudo [A c u lp a e o risco co m o fu n d a m e n to s da re sp o n sa b ilid a d e p e sso al d o d ire to r do banco), que a doutrina da transparência tem sido estudada em nosso país tan to por Rubens Requião, em excelente artigo publicado no v. 4 1 0 /1 2 da RT (Abuso de direito e fraude através da personalida­ de jurídica - d is re g a rd d o ctrin é ) e republicado na sua recente obra A sp e cto s m o d e rn o s do d ire i­ to c o m e rc ia l (Saraiva, 1977, p. 67 e s.), como por Fábio Konder Com parato, na sua brilhante tese de concurso, na Faculdade de Direito de São Paulo, no qual tivemos o prazer de exam iná-la - O p o d e r de c o n tro le na sociedade an ôn im a , Sào Paulo, 1975, p. 349. E esta teoria da d isre g a rd d o c trin é que com m uita oportunidade o Dr. Wilson do Egito Coelho considera que deveria ser aplicada no Brasil (Da responsabilidade dos administradores, já citado, in S/A p a ra em presários, p. 73, in fin e ) e que, aliás, a nossa jurisprudência já tem consagrado, por diversas vezes. Segue-se, ainda, a consideração do doutrinador acerca de questão assaz relevante: “a d is re g a rd d o c trin é pressupõe sempre a utilização fraudulenta da companhia pelos seus controladores, como se deduz da lei inglesa (art. 332 do C om panies A c t de 1948) e da jurisprudência norte-am ericana. Assim, na Inglaterra, essa responsabilidade pessoal só surge no caso de dolo, sendo que recentem ente a Comissão Jenkins propôs a sua extensão aos casos de negligência ou imprudência graves na con­ duta dos negócios (reckless tra d in g ) (ver André Tunc, Le d r o it a n g la is des sociétés anonym es, Paris, Dalloz, 1971, n. 45, p. 46). De acordo com o a r t 333, a mesma lei adm ite a propositura de ação contra o adm inistrador (o ffic e r), nos casos de culpa grave (m isfea sa n ce e breach o f tru st), mas tão somente para que sejam ressarcidos os danos causados à sociedade pelos atos contra ela praticados (ver Tunc, obra citada, n. 133, p. 201). Nos Estados Unidos, a doutrina da transparência tem sido aplicada com reservas e tão somente nos casos de evidente intu ito fraudulento, quando a sociedade é utilizada como simples instrum ento (m ere in s tru m e n ta lity ) ou a lte r ego ou agente do acionista controlador. Em tais hipóteses de confusão do patrim ônio da sociedade com o dos acionistas e de indução de terceiro em erro, a jurisprudência dos Estados Unidos tem adm itido levantar o véu (ju d g e s h a ve p ie rc e d th e c o rp o ra te ve il) para responsabilizar pessoalmente os acionistas controladores (v. o com entário Should shareholders be personally liable fo r the torts o f th eir corporations?, Yale Law Jo u rn a l, n. 6, maio de 1967, 7 6 /1 1 9 0 e s. e especialmente p. 1192). Pois bem, a responsabilização pessoal, como corolário lógico, pressupõe claram ente que os efeitos de certas e determ inadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos sócios da pessoa jurídica. Assim, para atender a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, conhecida por d is re g a rd d o c trin é ou d is re g a rd o f le g a l e n tit y n o Direito anglo-am erica­ no; teoria do su p e ra m e n to d e lia p e rs o n a lità g iu rid ic a na doutrina italiana; teoria da 'penetração' - D u rc h g riff d e r ju ris tis c h e n Personen germ ânica; o abus de Ia n o tio n de p e rs o n n a lité s o c ia le ou m ise à T é ca rt de Ia p e rs o n n a lité m o ra le do Direito francês, necessário se torna que o preceito contem ple, a rigor, o tríplice interesse da doutrina, porquanto aplicável diante de atos ilícitos, ou abusivos, que concorram para fraudar a lei ou ao abuso de direito ou ainda para lesar terceiros. Nessa linha de entendim ento, a redação da emenda afigurava-se mais consentânea à construção da doutrina, m elhor adequando a ideia do legislador ao norm atizar a desconsideração da pessoa jurídica. Demais disso, o texto proposto mais se coadunava com o alcance de perm itir seja a dou­ trina consolidada, em seus fins, pela prestação jurisdicional. Por todo o exposto fu i favorável à aprovação da emenda, m ediante subemenda de redação, deslocando-se a vírgula constante após a expressão 'M inistério Público' para sua colocação após o vocábulo 'parte', afastando a am bigüi­ dade do texto, certo que a parte intervém no processo, pela sua qualidade no composto litigioso, enquanto o órgão ministerial atua, como cu sto s legis, sempre nas hipóteses previstas em lei".

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DOUTRINA • D esco n sid e ra çã o d a pe sso a ju ríd ic a : A pessoa jurídica é um a realidade autônom a, capaz de d i­ reitos e obrigações, independentem ente de seus membros, pois e fetu a negócios sem qualquer ligação com a vontade deles; além disso, se a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas naturais que a com põem , se o patrim ônio da sociedade não se identifica com o dos sócios, fácil será lesar credores, m ediante abuso de direito, caracterizado por desvio de finalidade, tendo-se em vista que os bens particulares dos sócios não podem ser executados antes dos bens sociais, havendo dívida da sociedade. Por isso o Código Civil pretende que, quando a pessoa jurídica se desviar dos fins determ inantes de sua constituição, ou quando houver confusão patrim onial, em razão de abuso da personalidade jurídica, o órgão judicante, a requerim ento da parte ou do M inistério Público, quando lhe couber intervir no processo, esteja autorizado a desconsiderar, episodicam ente, a personalidade jurídica, para coibir fraudes de sócios que dela se valeram como escudo sem im portar essa medida num a dissolução da pessoa jurídica. Com isso subsiste o prin­ cípio da autonom ia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios; tal distinção, no entanto, é afastada, provisoriamente, para um dado caso concreto, estendendo a responsa­ bilidade negociai aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL E DE DIREITO COMERCIAL- CJF • Enunciado 406, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "A desconsideração da persona­ lidade jurídica alcança os grupos de sociedade quando presentes os pressupostos do art. 30 do Código Civil e houver prejuízo para os credores até o lim ite transferidos para as sociedades". • Enunciado 285, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica em seu favor". • Enunciado 284, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins não econômicos estão abrangidas no conceito de abuso da personalidade jurídica". • Enunciado 283, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denom inada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros". • Enunciado 282, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "0 encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso de personalidade jurídica". • Enunciado 281, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “A aplicação da teoria da des­ consideração, descrita no art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica". • Enunciado 146, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Nas relações civis, interpretam -se restritivam ente os parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade social ou confusão patrim onial)". • Enunciado 51, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A teoria da desconsideração da personalidade jurídica - d is re g a rd d o c t r in e - fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema". • Enunciado 7, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular, e lim itadam ente, aos adm inistra­ dores ou sócios que nela hajam incorrido". • Enunciado 9, aprovado na I Jornada de Direito Comercial de 2012: "Quando aplicado às relações jurídicas empresariais, o art. 50 do Código Civil não pode ser interpretado analogam ente ao art. 28, § 5«, do CDC ou ao a r t 2», § 22, da CLT". • Enunciado 12 aprovado na I Jornada de Direito Comercial de 2012: "A regra contida no art. 1.055, § 1°, do Código Civil deve ser aplicada na hipótese de inexatidão da avaliação de bens conferidos ao capital social; a responsabilidade nela prevista não afasta a desconsideração da personalidade jurídica quando presentes seus requisitos legais". • Enunciado 48, aprovado na I Jornada de Direito Comercial de 2012: "A apuração da responsabili­ dade pessoal dos sócios, controladores e administradores feita independentem ente da realização

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do ativo e da prova de sua insuficiência para cobrir o passivo, prevista no art. 82 da Lei n. 11.101/2005, nâo se refere aos casos de desconsideração da personalidade jurídica".

JULGADO • "A aplicação da teoria da desconsideração da personalidadejuridiea dispensa a propositura de ação autônom a para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato da expropriação atinja os bens particulares de seus sócios, de form a a impedir a concre­ tização de fraude à lei ou contra terceiros. 0 sócio alcançado pela desconsideração da personali­ dade jurídica da sociedade empresária torna-se parte no processo e assim está legitimado a inter­ por, perante o Juízo de origem, os recursos tidos por cabíveis, visando a defesa de seus direitos" (STJ, 3* T., RMS 26.274/SP, Rei. M in. Nancy Andrighi, j. em 1 9 -8 -2 0 0 3 , DJ, 2 -8 -2 0 0 4 , p. 359).

Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua. § Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a averbação de sua dissolução. § T- As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado. § 3? Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • A v e rb a ç ã o d a d is s o lu ç ã o d a s o c ie d a d e : H avendo dissolução da pessoa ju ríd ic a ou cassada sua auto rização para fu n c io n a m en to , ela subsistirá para fins de liquidação, mas aquela dis­ solução ou cassação deverá ser averbada no registro onde ela estiver inscrita. • L iq u id a ç ã o d a s o c ie d a d e : Percebe-se que a extinção da pessoa ju ríd ica não se opera instan­ ta n e a m e n te , pois se houver bens de seu p a trim ô n io e dívidas a resgatar, ela co n tin u ará em fase de liquidação, d u ra n te a qual subsiste para a realização do a tiv o e p ag am en to de débitos, cessando, de um a só vez, quando se der ao acervo econôm ico o destino próprio (CC, arts. 1 .03 6 a 1.038). • C a n c e la m e n to d a in s c riç ã o d a p e s s o a ju r í d ic a : Encerrada a liquidação, p ro m o ver-se-á o can celam en to da inscrição da pessoa ju ríd ica. A extinção da pessoa ju ríd ic a , com tal cance­ lam ento, produzirá efeitos ex n u n c, m antend o-se os atos negociais por ela praticados a té o instante de seu desaparecim ento, respeitando-se direitos de terceiro.

JULGADO • Boi. AASP, 7.877:127 - "A dissolução de sociedade, segundo a jurisprudência do STJ, com a liqui­ dação dos haveres do sócio retirante, é critério que tanto garante a apuração integral desses ha­ veres, quanto preserva a continuidade da atividade social da empresa. Recurso não conhecido" (STJ).

Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da per­ sonalidade.

HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela nào sofreu qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

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Art. 53

DOUTRINA • D ire ito s d a p e rs o n a lid a d e d os pessoas ju ríd ic o s : No nosso entender, as pessoas jurídicas têm direitos da personalidade com o o direito ao nome, è marca, è honra objetiva, è im agem , ao se­ gredo etc., por serem entes dotados de personalidade pelo ordenam ento jurídico-positivo. H a­ vendo violação desses direitos, as pessoas jurídicas lesadas poderão pleitear, em juízo, a reparação pelos danos, sejam patrim oniais, sejam morais. Tais direitos lhes sào reconhecidos no mesmo instante da sua inscrição no registro com petente, subsistindo enquanto atuarem e term inando com o cancelam ento da inscrição das pessoas jurídicas. Para acarretar responsabilidade civil por dano moral à pessoa jurídica, o fa to lesivo e o dano eventual deverão ser comprovados.

SÚMULA • Súmula 227 do STJ: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral". ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 286, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006, que difere de nosso entender: "Os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa hum ana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos". • Enunciado 189, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Na responsabilidade civil por dano moral causado à pessoa jurídica, o fa to lesivo, como dano eventual, deve ser devidamente demonstrado". JULGADOS • "A evolução do pensamento jurídico, no qual convergiram jurisprudência e doutrina, veio a afirmar, inclusive nesta Corte, onde o entendim ento tem sido unânim e, que a pessoa jurídica pode ser vítim a tam bém de danos morais, considerados estes como violadores da sua honra objetiva" [RT, 7 7 6 :195; no mesmo sentido: RT, 7 2 7 :123). • "A honra objetiva da pessoa jurídica pode ser ofendida pelo protesto indevido de titu lo cambial, cabendo indenização pelo dano extrapatrim onial dai decorrente" (STJ, 4* T., REsp 60.0 3 3 -2 /M in a s Gerais, Rei. M in. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 9 -8 -1 9 9 5 ).

C ap ítu lo II — DAS ASSOCIAÇÕES

Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos. Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C o n c e ito de a s s o c ia ç ã o : É um a pessoa ju ríd ica de d ire ito privado voltad a à realização de finalidades não lucrativas, ou seja, culturais, educacionais, sociais, pias, religiosas, recreativas etc., cuja existência legal surge com a inscrição do e s ta tu to social, que a disciplina, no regis­ tro com p eten te, p. ex.: APAE, UNE, Associação de Pais e Mestres, Associação dos Advogados de Sào Paulo [RT, 7 8 6 :163, 6 8 6 :1 1 5 ; TRF, 4* Região - Ap. 2 0 0 3 .7 1 0 .2 0 0 - 9 1 5 .4 5 -R S - Rei. B altazar Junior, j. em 1 7 -5 -2 0 0 6 ). • In e x is tê n c ia de re c ip ro c id a d e d e d ire ito s e o b rig a ç õ e s e n tre o s a s s o c ia d o s : Com a personi­ ficação da associação, para os efeitos jurídicos, ela passará a te r a p tid ã o para ser sujeito de direitos e obrigações. Cada um dos associados constitu irá um a individualidade e a associação

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um a o u tra (CC, a rt. 50, 2* parte), tend o cada um seus direitos, deveres e bens, nào havendo, porém , e n tre os associados direitos e deveres recíprocos.

JULGADO • “Associações profissionais - Intervenção estatal - Após a promulgação da atual Carta M agna, a intervenção estatal nas associações profissionais deixou de te r base legal (arts. 55, XVIII, e 8®, I)" (TRF, 1* R., REO-MS 8 9 .0 1 .0 1 728-D F, 1* T.. Rei. Juiz Plauto Ribeiro. DJU, 1 9 -1 1 -1 9 9 0 ).

Art. 54. Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá: I — a denominação, os fins e a sede da associação; II — os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados; III — os direitos e deveres dos associados; IV — as fontes de recursos para sua manutenção; V — o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos; • Redação dada pela Lei n. 11.127, de 2 8 -6 -2 0 0 5 . VI — as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução; VII — a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas. • Inciso acrescentado pela Lei n. 11.127, de 2 8 -6 -2 0 0 5 . HISTÓRICO • Na redação original do projeto, cuja Parte Geral ficou a cargo do eminente Ministro José Carlos Moreira Alves, o artigo utilizava a palavra "estatutos". Emenda apresentada no Senado Federal optou pelo emprego no singular da palavra "estatuto", em substituição ao plural "Estatutos", visando com isto a uniformizar o estilo legislativo. Justificou o Senador Josaphat Marinho que "não há erro no emprego de 'estatutos*, como ressaltou o Ministro Moreira Alves em suas observações. É certo, porém, que está preponderando o uso no singular, inclusive na técnica legislativa, consoante os exemplos apontados na justificação da emenda, e a que outros, qual o do Estatuto da Criança e do Adolescen­ te, poderiam ser acrescidos. A uniformização do estilo legislativo, assim, aconselhou a aprovação da emenda, para que se faça a mudança de e s ta tu to s para e sta tu to , nos artigos mencionados, e noutros quaisquer em que, porventura, se tenha feito o emprego da palavra no plural". 0 relator parcial da matéria na Câmara propôs a rejeição da emenda, por entender que o texto anterior encontrava-se mais bem redigido, pois tanto os dicionaristas como Caldas Aulete e De Plácido e Silva como doutrinadores do quilate de Caio M ário da Silva Pereira indicam o uso do vocábulo no plural como melhor opção. 0 relator-geral na Câmara, no entanto, optou por acolher a emenda senatorial, porquanto, segundo o Deputado Fiuza, "é de utilização preponderante, na legislação pátria, a utili­ zação do vocábulo com flexào de número, isto é, tanto admitindo-se a palavra no singular como no plural, como de resto ocorre com a quase totalidade dos substantivos na língua portuguesa. Termos somente utilizáveis no plural constituem exceções já sedimentadas no uso da linguagem. Não há por que excepcionar um vocábulo que comporte m orfologicam ente e semanticamente tanto o singular quanto o plural. Além disso, e como faz ver o autor da emenda, deve-se m anter a uniformização dos vocábulos jurídicos já existente na legislação em geral".

DOUTRINA • C o n te ú d o d o e s ta tu to d a a s s o c ia ç ã o : A associação é constituída por escrito, e o e s ta tu to social, que a regerá, sob pena de nulidade, poderá revestir-se de fo rm a pública ou particular, devendo conter: a denom inação, a fin alid ad e e a sede da associação; requisitos para admissão, demissão e exclusão de associados; direitos e deveres dos associados; fo ntes de recursos para sua m anuten ção; m odo de constituição e fu n c io n a m e n to dos órgãos deliberativos; condições para a lteração de disposições estatutárias e para dissolução da associação e fo rm a de gestão a d m in istrativa e de aprovação das respectivas contas. Isto é assim porque to da estrutu ração do grup o social baseia-se nessas norm as estatutárias.

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JULGADOS • “Associação civil. Clube social e recreativo. Estatuto social que fa z distinção entre cônjuge e convivente do associado, para fins de inclusão como dependente ou beneficiário. Inadmissibilidade. Regra que não pode subsistir em face da norma constitucional que reconhece a união estável como entidade fam iliar. É inadmissível que estatuto social de clube social e recreativo faça distinção entre cônjuge e convivente do associado, para fins de inclusão como dependente ou beneficiário da associação civil, pois tal regra estatutária não pode subsistir em face da norma constitucional que reconhece a união estável como entidade fam iliar" (El 8 3 .5 3 4 -4 /0 -0 1 ,1 * Câm., Rei. Des. Gildo dos Santos, j. em 8 -2 -2 0 0 0 , RT, 778:247). • “A circunstância de o sócio proprietário não freqüentar o clube e suas instalações não o exonera da obrigação de contribuir com a taxa de m anutenção, criada e fixada pelo órgão com petente da sociedade, para a conservação da sede social" [RT, 4 7 4 :206).

Art. 55. Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá instituir cate­ gorias com vantagens especiais.

HISTÓRICO • Tal como ocorreu com o art. 54, este dispositivo foi alterado no sentido de substituir o emprego no plural da palavra "estatutos" pelo singular "estatuto", visando com isto a uniform izar o estilo legislativo.

DOUTRINA • R e g u la m e n ta ç ã o is o n ô m ie a d o s d ire ito s d o s a s s o c ia d o s : Exige-se um a reg u la m e n ta ç ão bastante u n ifo rm e e severa, no e s tatu to , dos direitos e deveres dos associados, que deverão te r tra ta m e n to igual. • P o siçõ e s p riv ile g ia d a s e o u to rg a de d ire ito s e s p e c ia is: 0 a to c o n s titu tiv o poderá, apesar de os associados deverem te r direitos iguais, criar posições privilegiadas ou c o n fe rir direitos preferenciais para certas categorias de m em bros, com o, p. ex., a dos fundadores, que não poderá ser alterad a sem o seu consenso, mesmo que haja decisão assem blear aprovando tal alteração, e a de sócios rem idos de d e te rm in a d o clube, que pagam certa im portân cia em dinh eiro para te r o d ireito de pertencer v ita lic ia m e n te è associação, sem mais dispêndios, não podendo, assim, a assembleia deles exigir p agam ento de o u tra contribuição, salvo se houver seu expresso consentim ento ou se fo r tal exigência im prescindível para o b te r m eios neces­ sários à sobrevivência da associação.

Art. 56. A qualidade de associado é intransmissível, se o estatuto não dispuser o con­ trário. Parágrafo único. Se o associado for titular de quota ou fração ideal do patrimônio da associação, a transferência daquela não importará, de per si, na atribuição da qualidade de associado ao adquirente ou ao herdeiro, salvo disposição diversa do estatuto.

HISTÓRICO • Tal como ocorreu com o art. 54, este dispositivo foi alterado no sentido de substituir o emprego no plural da palavra "estatutos" pelo singular "estatuto", visando com isto a uniform izar o estilo legislativo.

DOUTRINA • In tra n s m is s ib ilid a d e d a q u a lid a d e de a s s o c ia d o a te rc e iro : A qualidade de associado som en­ te poderá ser tran sferid a a te rceiro com o consenso da associação ou com permissão e s ta tu ­ tária.

Arts. 57 e 58

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• T ra n s fe rê n c ia d e q u o ta id e a l d o p a tr im ô n io d a a s s o c ia ç ã o : Se, p. ex., por m orte, falência, interdição ou retirada de associado que ten h a um a fração ideal do p a trim ô n io da associação houver transferência de sua q u o ta , tal fa to não im p o rtará, o b rig a to riam e n te , na atribuição da q u alidade de m em bro da associação ao seu sucessor (adq uiren te ou herdeiro), a não ser que haja, no e s tatu to , convenção nesse sentido.

JULGADO • "Admissão de sócio - Rejeição da proposta com fu n d a m e n to nos estatuto s sociais - Não preenchim ento pelo prop onente de requisitos voltados para a unid ade e o bem do corpo associativo, conform e apurado em sindicância - Legalidade das norm as estatutárias, in s titu ­ ídas para o resguardo n atu ral da consecução dos objetivos da e n tid a d e - A rbitrariedade inexistente" [RT, 65 7:91 ).

Art. 57. A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhe­ cida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto. • Redação dada pela Lei n. 11.127, de 2 8 -6 -2 0 0 5 .

Parágrafo único. (Revogado pela Lei n. 11.127, de 28-6-2005.) • "Da decisão do órgão que, de conformidade com o estatuto, decretar a exclusão, cabe­ rá sempre recurso à assembleia geral".

HISTÓRICO • Tal como ocorreu com o art. 54, este dispositivo foi alterado no sentido de substituir o emprego no plural da palavra "estatutos" pelo singular "estatuto", visando com isto a uniform izar o estilo legislativo.

DOUTRINA • E x clu sã o de a s s o c ia d o : Há im posição de sanções disciplinares ao associado que in frin g ir as norm as estatutárias ou que p raticar a to prejudicial ao grupo, que poderão, a n te a gravidade do m otivo, chegar a té mesmo à expulsão, desde que haja justa causa, reconhecida em pro­ c ed im en to que lhe assegurou o am plo d ire ito de defesa ou de recurso, nos term os previstos e sta tu ta ria m e n te . • In ju s tiç a o u a rb itra rie d a d e n a e x c lu s ã o d e a s s o c ia d o : O e s ta tu to poderá indicar, e x e m p lificativa ou ta x a tiv a m e n te , as causas graves d e term in an tes da exclusão do m em bro associado, sendo que, se aquele fo r omisso, a exclusão poderá d ar-se se houver m otivo grave, con trário ao interesse da entidade, reconhecido em procedim ento assecuratório do d ire ito de defesa. E se a apreciação da sua conduta, naquele procedim ento, fo r considerada injusta ou a rb itrá ­ ria, o lesado poderá, da decisão do órgão que decretou sua expulsão, in te rp o r recurso, ha­ vendo previsão e s ta tu tá ria , p. ex., à assembleia geral e, ainda, d e fe n d e r seu d ire ito de asso­ ciado por via jurisdicional, em bora a jurisprudência ten h a negado pro vim en to à ação judicial para indenização de danos, em razão do afa s ta m e n to ilícito do associado, devido à natureza do vínculo co n tra tu a l que o une à associação, s u je ita n d o -o aos term os estatutários e às de­ cisões dos órgãos da associação.

Art. 58. Nenhum associado poderá ser impedido de exercer direito ou função que lhe tenha sido legitimamente conferido, a não ser nos casos e pela forma previstos na lei ou no estatuto.

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Arts. 59 e 60

HISTÓRICO • Tal como ocorreu com o art. 54, este dispositivo foi alterado no sentido de substituir o emprego no plural da palavra "estatutos" pelo singular "estatuto", visando com isto a uniform izar o estilo legislativo.

DOUTRINA • In v u ln e ra b ilid a d e de d ire ito s in d iv id u a is e s p e c ia is : N enhu m associado poderá ser im pedido de exercer d ire ito ou fu n çào que lhe foi conferida pelo pacto social, a nào ser nos casos e no m odo previsto legal ou e s ta tu ta ria m e n te . Sào invulneráveis direitos individuais especiais, com o, p. ex., o d ireito à presidência, ao v o to reforçado, às atribuições específicas etc. Apesar de seus vastos poderes, a assembleia nào poderá e fe tiv a r todas as deliberações da m aioria, um a vez que há certos direitos essenciais dos associados, oriundos do pacto social, insusce­ tíveis de violaçào.

Art. 59. Compete privativamente à assembleia geral: I — destituir os administradores; II — alterar o estatuto. Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos I e II deste artigo é exigido deliberação da assembleia especialmente convocada para esse fim, cujo será o estabelecido no estatuto, bem como os critérios de eleição dos administradores. • Rcdaçâo dada pela Lei n. 11.127, de 2 8 -6 -2 0 0 5 .

quorum

HISTÓRICO • Tal como ocorreu com o art. 54, este dispositivo foi alterado no sentido de substituir o emprego no plural da palavra "estatutos" pelo singular "estatuto", visando com isto a uniform izar o estilo legislativo.

DOUTRINA • D e lib e ra çõ e s a ss e m b le a re s: C om pete à assembleia a deliberação sobre: destituição de a d m i­ nistradores e alteração do e s ta tu to social. • P rin c íp io d a m a io r ia : Consagrava-se o princípio da m aioria simples nas deliberações assem­ bleares, exig indo-se, porém , para destituição de d ire to ria e a lteração e s ta tu tá ria , o v o to concorde de dois terços dos presentes (quórum q u a lific a d o ) à assem bleia especialm ente convocada para esse fim , nào podendo ela deliberar, em prim eira convocação, sem a m aioria absoluta (m e tad e e mais um ) dos associados, ou com menos de um terço nas convocações seguintes. Se nessas convocações nào houvesse presença suficiente dos associados, a assem­ bleia nào poderia decidir a questão, devendo, então, designar o u tra d a ta para a deliberação. Com a Lei n. 1 1 .1 2 7 /2 0 0 5 , ta l q u o ru m será o estabelecido em cláusula e s ta tu tá ria , que ta m ­ bém deverá arro lar os critérios para a eleição dos adm inistradores pela assembleia geral.

Art. 60. A convocação dos órgãos deliberativos far-se-á na forma do estatuto, garantido a um quinto dos associados o direito de promovê-la. • Redação dada pela Lei n. 11.127, de 2 8 -6 -2 0 0 5 .

HISTÓRICO • Tal como ocorreu com o art. 54, este dispositivo foi alterado no sentido de substituir o emprego no plural da palavra "estatutos" pelo singular "estatuto", visando com isto a uniform izar o estilo legislativo.

Art. 61

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DOUTRINA • C o n v o c a ç ã o d o s ó rg ã o s d e lib e ra tiv o s : Todos os associados tê m d ire ito de participação na assembleia geral e de nela v o ta r; logo, os órgãos deliberativos serão convocados, na fo rm a do estatuto , g a ra n tin d o -s e a um q u in to dos associados o d ire ito de prom over sua convocação, apresentando á d ire to ria da associação re q u e rim e n to por eles subscrito, para que esta pro­ videncie tal convocação.

Art. 61. Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único do art. 56, será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênti­ cos ou semelhantes. § 1? Por cláusula do estatuto ou, no seu silêncio, por deliberação dos associados, podem estes, antes da destinação do remanescente referida neste artigo, receber em restituição, atualizado o respectivo valor, as contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da asso­ ciação. § 2- Não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, em que a associação tiver sede, instituição nas condições indicadas neste artigo, o que rema­ nescer do seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União.

HISTÓRICO • Tal como ocorreu com o art. 54, este dispositivo foi alterado no sentido de substituir o emprego no plural da palavra “estatutos" pelo singular “estatuto", visando com isto a uniform izar o estilo legislativo.

DOUTRINA • D e s tin a ç ã o d e b e ns de a s s o c ia ç ã o d is s o lv id a : Sendo e x tin ta um a associação, o rem anescen­ te do seu p a trim ô n io líquido depois de deduzidas, quando fo r o caso, as quotas ou frações ideais do patrim ô n io , em razão de transferência a ad q u iren te ou a herdeiro de associado, será destinado a e n tid a d e de fins não econôm icos indicada pelo e s ta tu to . A n te a omissão e s ta tu ­ tária, por deliberação dos associados, os seus bens rem anescentes deverão ser transferidos para um estabelecim ento m unicipal, estadual ou federal que ten h a fin a lid a d e sim ilar ou idêntica à sua. E se porventura não houver no M u n icíp io , no Estado, no D istrito Federal ou no Território, em que a e x tin ta associação está sediada, estabelecim ento, ou instituição, nas condições indicadas, seus bens rem anescentes irão para os cofres do Estado, do D istrito Fe­ deral ou da União. • P o s s ib ilid a d e d e re s titu iç ã o d a c o n trib u iç ã o s o c ia l a o s a s s o c ia d o s : Os associados poderão receber em restituição, com a devida atualização, as contribuições que prestaram à fo rm ação do p a trim ô n io social, antes da destinação do rem anescente, se cláusula es ta tu tá ria p e rm itir ou se houver deliberação dos associados nesse sentido.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 4 0 7 , aprovado na V Jornada de D ireito Civil de 2 0 1 1 : "A o b rig ato ried ad e de des­ tin ação do p a trim ô n io líquido rem anescente da associação a instituição m unicipal, estadual ou fed eral de fins idênticos ou sem elhantes, em face da omissão do e s tatu to , possui ca ráter subsidiário, devendo prevalecer a v ontade dos associados, desde que seja contem p lada e n ti­ dade que persiga fins não econômicos".

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Arts. 62 e 63

C ap ítu lo III — DAS FUNDAÇÕES

Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou tes­ tamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la. Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. HISTÓRICO • O presente dispositivo náo sofreu alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • F o rm a d e s u a c o n s titu iç ã o : C o n stitu ir-s e -á a fu n d ação m ediante escritura pública ou te s ta ­ m ento , contend o a to de d otação que com preende a reserva de bens livres (propriedades, créditos ou dinheiro) legalm en te disponíveis, indicação do fim lícito colim ado e o m odo de adm inistração. 0 próprio in stitu id o r poderá providenciar a elaboração das norm as e s ta tu tá ­ rias e o registro da fu n d ação (form a d ire ta ) ou encarregar o u trem para este fim (form a fid u ciária). Se, porventu ra, na dotação de bens o in s titu id o r vier a lesar a leg ítim a de seus her­ deiros necessários, estes poderão p le ite a r o respeito ao q u a n tu m le g itim á rio . D ever-se-á proceder ao registro, m ed ian te intervenção do M in istério Público (CPC, arts. 1.199 a 1.204), que deverá analisar o e s ta tu to elaborado pelo fu n d ad o r, verifican d o se houve observância das bases da fu n d ação (CC, arts. 62 a 6 9), se os bens são suficientes aos fins colim ados (CC, art. 63) e se há licitude de seu objeto . Estando tu d o em p e rfe ita ordem , o M in istério Público aprovará o estatuto , d e n tro de quin ze dias da a u tu ação do pedido de aprovação (CPC, art. 120). Se, porventu ra, o fu n d a d o r não e lab o rar o e s ta tu to nem ord en ar alguém para fa z ê -lo ou se o e s ta tu to não fo r elab orado no prazo assinado pelo institu id or, ou, não havendo pra­ zo, em 180 dias, o M in istério Público poderá to m a r a iniciativa (CC, a rt. 65, p arágrafo único). P ortanto, para que a fu n d ação ten h a personalidade ju ríd ic a será preciso: dotação, elaboração e aprovação dos estatuto s e registro. • F in a lid a d e d o fu n d a ç ã o : A fu n d ação apenas poderá ser constituída para a consecução de objetivos religiosos, morais, culturais ou assistenciais.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 9, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: “0 art. 62, parágrafo único, deve ser interpretado de modo a excluir apenas as fundações de fins lucrativos". • Enunciado 8, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A constituição de fundação para fins científicos, educacionais ou de promoção do meio am biente está com preendida no CC, art. 62, parágrafo único". Art. 63. Quando insuficientes para constituir a fundação, os bens a ela destinados serão, se de outro modo não dispuser o instituidor, incorporados em outra fundação que se proponha a fim igual ou semelhante. HISTÓRICO • A redação original do dispositivo era a seguinte: "Quando insuficientes para constituir a fundação, os bens a ela destinados serão, se outra coisa não dispuser o instituidor, incorporados em outra fundação, que se proponha a fim igual ou semelhante". Durante a tram itação no Senado, emenda

Arts. 64 e 65

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da lavra do Senador Josaphat M arinho deu ao artigo a redação atual. A emenda substituiu a form a “se outra coisa" pela “se de outro modo não dispuser o instituidor".

DOUTRINA • In s u fic iê n c ia d c b e n s : A lei prevê a possibilidade de haver bens insuficientes para a consti­ tu ição da fu ndação, doados por escritura pública ou deixados por via te s ta m e n tá ria , ord e­ nando, então, que sejam incorporados em o u tra fu n d ação que vise igual ou sem elhante o bjetivo, exceto se o u tra coisa não houver disposto o instituidor.

Art. 64. Constituída a fundação por negócio jurídico entre vivos, o instituidor é obriga­ do a transferir-lhe a propriedade, ou outro direito real, sobre os bens dotados, e, se não o fizer, serão registrados, em nome dela, por mandado judicial. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo foi objeto de emenda de redação apresentada pelo Deputado Ricardo Fiu­ za no periodo final de tram itação do projeto, substituindo as palavras “transcritos" e “inscritos" pelo vocábulo “registrados", pois na Lei de Registros Públicos, n. 6 .015/73, só se utilizam as pala­ vras "registro" e "averbação".

DOUTRINA • T ra n s fe rê n c ia d a p ro p rie d a d e d o s b e n s d o ta d o s a fu n d a ç ã o c o n s titu íd a p o r n e g ó c io ju r íd ic o “in t e r v iv o s ": Se a fu n d ação fo r constituída por m eio de escritura pública, o in s titu id o r terá a obrigação de tra n s fe rir a propriedade, ou o u tro d ireito real, dos bens livres colocados a serviço de um fim lícito e especial por ele pretendido, sob pena de, não o fazendo , serem registrados em nom e dela, por m andado ju d ic ia l.

JULGADO • "Os bens que constituem o patrim ônio das fundações são inalienáveis; e o sào porque as pessoas que os adm inistram não são seus proprietários e ainda porque a fundação é patrim ônio personi­ ficado pela finalidade a que é destinado" [RT, 1 76:615).

Art. 65. Aqueles a quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio, em tendo ciência do encargo, formularão logo, de acordo com as suas bases (art. 62), o estatuto da fundação projetada, submetendo-o, em seguida, à aprovação da autoridade competente, com recurso ao juiz. Parágrafo único. Se o estatuto não for elaborado no prazo assinado pelo instituidor, ou, não havendo prazo, em cento e oitenta dias, a incumbência caberá ao Ministério Pú­ blico. HISTÓRICO • 0 presente artigo sofreu alteração apenas no parágrafo único, que tinha a seguinte redação: "Se não elaborarem os estatutos no prazo assinado pelo instituidor, ou, não havendo prazo, dentro em seis meses, caberá ao M inistério Público fazê-lo". M ediante emenda da lavra do eminente Senador Josaphat M arinho, recebeu a roupagem atual.

DOUTRINA • E la b o ra ç ã o d o s e s ta tu to s d a fu n d a ç ã o : Se o in stitu id o r não elaborou os estatuto s da fu n ­ dação, estes deverão ser organizados e fo rm u lad o s por aqueles a quem fo i incum bida a

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Art. 66

aplicação do patrim ô n io , de c o n fo rm id ad e com a fin a lid a d e específica e com as restrições im postas pelo fu n d ad o r, de m aneira a não ser violada a v o lu n ta s do institu id or. E, se os es­ ta tu to s não fo rem elaborados d e n tro do prazo im posto pelo institu id or, ou, não havendo prazo, em 1 8 0 dias, caberá ao M in istério Público ta l incum bência. • A p ro v a ç ã o d o s e s ta tu to s : Um a vez elaborados os estatuto s com base nos objetivos que se pretende alcançar, deverão ser eles subm etidos à aprovação do órgão local do M in istério Público, que é o órgão fiscalizado r da fu n d a çã o em v irtu d e de lei. Se, porventu ra, este vier a recusar tal aprovação, o elab orador das norm as estatutárias poderá requerer aquela ap ro va­ ção denegada, m ediante recurso ao juiz.

Art. 66. Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas. § 1? Se funcionarem no Distrito Federal, ou em Território, caberá o encargo ao Minis­ tério Público Federal. • ADIn 2 .7 9 4 -8 [D O U de 1°-2-2009). § 2? Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério Público.

HISTÓRICO • Tal era a redação do dispositivo segundo a concepção do Projeto n. 634, aprovada pela Câmara no período inicial de tram itação: 'Velará pelas fundações o M inistério Público do Estado, onde situadas. Parágrafo único. Se funcionarem no Distrito Federal, ou em Território, ou, ainda, se es­ tenderem a sua atividade a mais de um Estado, caberá ao M inistério Público Federal esse encargo". Após apreciação e conseqüentes alterações promovidas pelo Senado Federal, o artigo recebeu a vestim enta atual. Justificou-se a modificação, com a qual concordou o Deputado Fiuza, pelo fato de que o sistema do atual Código Civil "vem funcionando a inteiro contento ao longo dos anos". Observou o em inente Senador Josaphat M arinho que "o texto do Projeto pretende, sem razão plausível, alterar tal sistema, dispondo que as fundações que estendam suas atividades a mais de um Estado passam a ser fiscalizadas pelo M inistério Público Federal, e não mais pelo Ministério Público dos Estados em que desenvolvam seu trabalho". No mesmo passo, pondera as dificuldades para o M inistério Público Federal exercitar essa fiscalização am pla - o que é de evidência incon­ testável, a começar pela extensão do território nacional. Por isso reduz o poder fiscalizador do M inistério Público Federal ao Distrito Federal e a Territórios.

DOUTRINA • F is c a liz a ç ã o d a fu n d a ç ã o : 0 órgão le g ítim o para ve la r pela fu ndação, im pedindo que se desvirtue a fin a lid a d e especifica a que se destina, é o M in is tério Público do Estado em que estiver situada por m eio da P rom otoria da Justiça das Fundações ou da C uradoria de Funda­ ções, em alguns Estados-m em bros da Federação (Lei n. 6 .4 3 5 /7 7 , a rt. 8 6). Tem ele c o m p e tê n ­ cia para analisar e aprovar o e s ta tu to ; para c o n feccio n á-lo , se o responsável nào o fize r tem pestivam ente; para exam inar e aprovar eventuais m odificações estatutárias; para averiguar o cu m p rim e n to das leis e do e s tatu to . C onsequentem ente, o órgão do M in istério Público de cada Estado ou o M in is tério Público Federal, se fu n c io n a r no D istrito Federal ou em Território, terá o encargo de fiscalizar as fundações que estiverem localizadas em sua circunscrição, aprovar seus estatuto s no prazo de quinze dias (CPC, a rt. 1 .201) e as suas eventuais alterações ou reform as, zelando pela boa adm inistração da entidade ju ríd ica e de seus bens [RF, 2 5 9 :3 7 3 , 2 7 9 :4 2 8 e 2 9 5 :5 4 7 ; RDA, 129:3 7 4 e 1 3 7:359; Lei C o m p lem en tar federal n. 7 5 /9 3 , arts. 70 e 178). • Por unanim idade, o P lenário do S uprem o Tribunal Federal (STF) declarou a in c o n s titu c io n a lidade do art. 66, § 1°, do novo Código Civil (Lei n. 1 0 .4 0 6 /2 0 0 2 ), que d e te rm in a aos in te g ra n ­ tes do M in istério Público Federal a fu n ção de zelar pelo fu n c io n a m e n to co rreto das fundações

Art. 66

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existentes no D istrito Federal ou nos Territórios que ven h am a ser criados. A decisão fo i to ­ m ada no ju lg a m e n to da Ação D ireta de Inconstitucio nalid ad e (A D In 2 .7 9 4 ), ajuizada pela Associação N acional dos M em bros do M in is tério Público (Conam p). Os m inistros aco m p an h a­ ram o v o to do M in istro Sepúlveda Pertence e d e te rm in a ra m a suspensão do § 1* do a rt. 6 6 do novo Código Civil, que assim dipõe: “V elará pelas fundações o M in is tério Público do Esta­ do onde situadas. Se fu n cio n arem no D istrito Federal, ou em Território, caberá o encargo ao M in istério Público Federal". Para a Conam p, a fu n ção de zelar pelas fundações já “é exercida pelo M in istério Público do D istrito Federal e Territórios e, segundo m a n d am en to co n stitu cio ­ nal, deve c o n tin u a r sendo por ele exercida". Q uestionando aquela norm a, a C onam p ajuizou a ação pedindo que fosse declarada a sua inconstitucionalidade. Em seu voto , o M in istro Sepúlveda Pertence avaliou que as atribuições do M in istério Público não poderiam ser a lte ­ radas por m eio de Lei O rdinária, no caso a Lei n. 1 0 .4 0 6 /2 0 0 2 , que institu iu o novo Código Civil, e sustentou que essas atribuições só poderiam ser m odificadas por m eio de Lei C om ple­ m entar, conform e prevê o § 5® do art. 128 da C onstituição Federal. Considerando tais m otivos, o m inistro v o to u : “Julgo procedente a ação d ire ta e declaro a inconstitucio nalid ad e do § 1o do a rt. 66 do Código Civil, sem prejuízo, é claro, da a trib u ição do M in istério Público Federal da veladu ra pelas fundações federais do d ire ito público, fu n cio n em , ou não, no D istrito Fe­ deral ou nos eventuais Territórios". Os dem ais m inistros da Corte acom panharam esse e n te n ­ d im en to . • R e a liz a ç ã o d a a tiv id a d e d a fu n d a ç ã o em m a is d e u m E s ta d o : A ação da fu n d ação poderá circunscrever-se a um só Estado ou a mais de um . Se sua ativid ad e estender-se a vários Es­ tados, o M in istério Público de cada um terá o ônus de fis c a lizá -la , verifican d o se ate n d e à consecução do seu objetivo específico. T e r-se-á, então, um a m u ltip licid ad e de fiscalização, em bora d e n tro dos lim ites de cada Estado.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 147, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A expressão p o r m a is de um Estado, contida no § 2® do art. 66, não exclui o Distrito Federal e os Territórios. A atribuição de velar pelas fundações, prevista no art. 66 e seus parágrafos, ao MP local - isto é, dos Estados, DF e Territórios onde situadas - não exclui a necessidade de fiscalização de tais pessoas jurídicas pelo MPF, quando se tra ta r de fundações instituídas ou mantidas pela União, autarquia ou empresa pública federal, ou que destas recebam verbas, nos termos da Constituição, da LC n. 75/93 e da Lei da Improbidade". • Enunciado 10, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Em face do principio da especia­ lidade, o art. 66, § 1®, deve ser interpretado em sintonia com os arts. 70 e 178 da LC n. 75/93".

JULGADOS • Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2 .7 9 4 -8 : 0 Supremo Tribunal Federal declarou, à unani­ midade, nos termos do voto do Relator M inistro Sepúlveda Pertence, inconstitucional o § 1° do art. 66 do Código Civil, em decisão cuja em enta tem o seguinte teor: "V - Demarcação entre as atribuições de segmentos do M inistério Público - o Federal e o do Distrito Federal. Tutela das fundações. Inconstitucionalidade da regra questionada (§ 1® do art. 66 do Código Civil) - , quando encarrega o M inistério Público Federal de velar pelas fundações, ‘se funcionarem no Distrito Fe­ deral’. 1. Não obstante reserve à União organizá-lo e m antê-lo, é do sistema da Constituição que se infere a identidade substancial da esfera de atribuições do M inistério Público do Distrito Fede­ ral àquelas confiadas ao M P dos Estados, que, à semelhança do que ocorre com o Poder Judiciário, se apura por exclusão das correspondentes ao Ministério Público Federal, ao do Trabalho e ao M ilitar. 2. Nesse sistema constitucional de repartição de atribuições de cada corpo do Ministério Público - que corresponde substancialmente à distribuição de competência entre Justiças da União e a dos Estados e do Distrito Federal - a área reservada ao M inistério Público Federal é coextensiva, m u ta tis m u ta n d is, àquela da jurisdição da Justiça Federal comum e dos órgãos judiciários de superposição - o Supremo Tribunal e o Superior Tribunal de Justiça - como, aliás, já era sob os regimes anteriores. 3. 0 critério eleito para definir a atribuição discutida - funcionar a fundação

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Art. 67

no Distrito Federal - peca, a um só tem po, por escassez e por excesso. 4. Por escassez, de um lado, na medida em que há fundações de direito público, instituídas pela União - e, portanto, integran­ tes da Administração Pública Federal e sujeitas, porque autarquias fundacionais, à jurisdição da Justiça Federal ordinária, mas que não têm sede no Distrito Federal. 5. Por excesso, na medida em que, por outro lado, a circunstância de serem sediadas ou funcionarem no Distrito Federal eviden­ tem ente não é bastante nem para incorporá-las à Adm inistração Pública da União - sejam elas fundações de direito privado ou fundações públicas, como as instituídas pelo Distrito Federal - , nem para subm etê-las à Justiça Federal. 6. Declarada a inconstitucionalidade do § 1° do art. 66 do Código Civil, sem prejuízo da atribuição ao Ministério Público Federal da veladura pelas fundações federais de direito público, funcionem , ou não, no Distrito Federal ou nos eventuais Territórios". • “Há intervenção assistencial do Curador de Fundações em qualquer processo que a fundação f i ­ gure como autora, ré ou assistente interveniente" [JB, 5 2 :274 e 295), e, além disso, "o represen­ tante do M inistério Público pode recorrer de decisões lesivas à fundação" [RT, 4 2 2 :162). • “Velar pelas fundações significa exercer toda atividade fiscalizadora, de modo efetivo e eficiente, em ação continua e constante, a fim de verificar se realizam os seus órgãos dirigentes proveitosa gerência da fundação, de modo a alcançar, de form a mais com pleta, a vontade do instituidor. 0 exercício das atribuições fiscalizadoras do Ministério Público, que decorrem do sentido genérico da sua missão, envolve atuação de caráter m eram ente adm inistrativo, que dispensa regulação nas leis processuais" [RT, 299:735).

DIREITO PROJETADO • Pelas razões antes expostas, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão legislati­ va, que foi acatada pelos Projetos de Lei n. 6.960 (atual PL n. 699/2011): A rt. 66. V elará p e la s fu n d a çõ e s o M in is té rio P ú b lico d o E stado on de situ a d a s. § 1o Se fu n c io n a re m em T e rritório, caberá o e n carg o ao M in is té rio P ú b lico Federal. § 2 o Se estenderem a a tiv id a d e p o r m a is de u m Estado, o u se fu n c io n a re m n o D is trito Fe­ deral, caberá o encargo, em cada um deles, ao re sp e ctivo M in is té rio Público.

Art. 67. Para que se possa alterar o estatuto da fundação é mister que a reforma: I — seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e representar a funda­ ção; II — não contrarie ou desvirtue o fim desta; III — seja aprovada pelo órgão do Ministério Público, e, caso este a denegue, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado.

HISTÓRICO • A alteração promovida pelo Senado Federal diz respeito unicam ente ao inciso I, que dispunha o seguinte: "seja deliberada por dois terços dos componentes para gerir e representar a fundação". Houve apenas a substituição do vocábulo “componentes" pelo "competentes". A intenção do le­ gislador obtida com a presente modificação foi corrigir um equivoco manifesto, em que o vocá­ bulo "competentes" havia sido substituído pela palavra “componentes", tal como se observa no art. 28 do Código Civil anterior. Aqui houve mera correção gram atical com a qual anuiu o Relator Fiuza.

DOUTRINA • A lte ra ç ã o d a s n o rm a s e s ta tu tá ria s d a fu n d a ç ã o : A alteração dos estatuto s apenas será a d ­ m itid a nos casos em que houver necessidade de sua reform a. A fu ndação, com o qualq u er pessoa ju ríd ic a , devido aos progressos sociais, precisará am o ld ar-se às novas necessidades, adap tan d o seus estatuto s à nova realidade jurídico-social.

Arts. 68 e 69

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• C o n d içõ e s le g a is d a re fo rm a e s ta tu tá r ia : A lei im põe para que haja a a lteração dos estatutos da fu n d a çã o que: o) a reform a seja deliberada por dois terços dos m em bros da adm inistração. A n te a presunção de que a m aioria resolve mais a e ertad am en te, o legislador veio a exigir a deliberação da a lteração nos estatuto s pela m aioria absoluta, ou seja, pela m etade mais um ; b) a refo rm a não venha a c o n tra ria r o fim específico da fu ndação, isto é, não se poderá con­ tra ria r a fin a lid a d e da instituição; e c) a reform a seja subm etida à aprovação do M in istério Público, e se esta fo r negada poderá qualq u er interessado, m ed ian te requerim ento, pedir o s uprim ento ju d icial (CC, a rt. 6 5). As norm as processuais que regem ta n to a aprovação com o a reform a e s ta tu tá ria são as contidas nos arts. 1 .20 0 a 1 .20 4 do Código de Processo Civil.

JULGADOS • "É nula a reform a estatutária de fundação deliberada em assembleia constituída em desacordo com os estatutos e que, além disso, não obteve a aprovação da autoridade com petente" [RT, 793:820). • " 0 M inistério Público tem competência para pleitear declarações de inexistência, nulidade, anulabilidade ou ineficácia de atos ou de alteração de estatutos" [RT, 7 76:651 - no mesmo sentido: RT, 720:195).

Art. 68. Quando a alteração não houver sido aprovada por votação unânime, os admi­ nistradores da fundação, ao submeterem o estatuto ao órgão do Ministério Público, reque­ rerão que se dê ciência à minoria vencida para impugná-la, se quiser, em dez dias.

HISTÓRICO • Tal como ocorreu com o art. 54, este dispositivo foi alterado no sentido de substituir o emprego no plural da palavra "estatutos" pelo singular "estatuto", visando com isto a uniform izar o estilo legislativo.

DOUTRINA • M in o r ia v e n c id a : Se na reform a e s ta tu tá ria houver m inoria vencida, os adm inistradores da fu ndação, ao subm eterem o e s ta tu to ao órgão do M in is tério Público, requererão que se c ie n tifiq u e o fa to àquela m inoria, que poderá, se quiser, estando inconform ada, im pug nar aquela alteração, recorrendo ao Judiciário, den tro do prazo decadencial de dez dias, pleiteando a invalidação das m odificações estatutárias fe ita s pela m aioria absoluta dos m em bros da A dm inistração da fu n d a çã o e aprovadas pelo órgão local do M in is tério Público. Isto é assim porque a lei apenas conferiu ao M in istério Público o dever de fiscalizar e não o d ireito de decidir, um a vez que o c o n tro le da legalidade com pete ao Judiciário. 0 m agistrado terá, e n tão , a com petência para decidir e conhecer das nulidades que, porventu ra, apareçam no processo de a lteração do e s ta tu to da fundação, m ed ian te recurso interpo sto pela m inoria vencida dos m em bros de sua A dm inistração, cuja decadência se opera em dez dias.

Art. 69. Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante.

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Art. 70

HISTÓRICO • Tal como ocorreu com o art. 54, este dispositivo foi alterado no sentido de substituir o emprego no plural da palavra "estatutos" pelo singular "estatuto", visando com isto a uniform izar o estilo legislativo.

DOUTRINA • E x tin ç ã o d a fu n d a ç ã o p o r ilic itu d e d e s e u fu n c io n a m e n to , p e la im p o s s ib ilid a d e o u in u t ili­ d a d e de s u a fin a lid a d e : C onstatado ser ilícito , impossível ou in ú til o o b je tiv o da fu ndação, o órgão do M in istério Público ou, ainda, qu alq u er interessado (CPC, art. 1 .204) poderá requerer a extinção da instituição. • T é rm in o d a fu n d a ç ã o p e la d e c o rrê n c ia d o p ra z o de s u a d u ra ç ã o : Term inará a existência da fu n d ação com o ven cim en to do prazo de sua duração. Para ta n to , o M in is tério Público ou qualq u er interessado deverá, m ed ian te requerim ento, p rom o ver a extinção da fundação. • D e s tin a ç ã o d o s b e ns d a fu n d a ç ã o e x tin ta : Com a decretação judicial da extinção da fu n d a ­ ção pelos m otivos acim a arrolados, seus bens serão, salvo disposição em co n trá rio no seu a to constitu tivo ou no seu estatuto , incorporados em o u tra fu ndação, designada pelo ju iz, que alm eje a consecução de fins idênticos ou sim ilares aos seus. 0 Poder Público dará destino ao seu patrim ôn io, e n tre g a n d o -o a um a fu n d a çã o que persiga o m esm o objetivo, exceto se o in stitu id o r dispôs de fo rm a diversa, hipótese em que se respeitará sua v ontade e a do esta­ tu to .

JULGADOS • "0 Ministério Público não pode por conta própria e sem controle jurisdicional intervir na fundação, nom eando adm inistrador ou suspendendo eleições. A prática de atos abusivos como estes deter­ mina a impetraçáo de m andado de segurança contra o órgão ministerial atuante" [JB, 52:88). • "0 M inistério Público tem a função de fiscalizar a fundação privada e função processual de re­ querer a remoção de administradores das fundações em casos de negligência e malversação, com o requerim ento com plem entar de se nom ear judicialm ente um adm inistrador provisório" [RT, 6 8 9 :159). • "Fundação de direito privado - Afastam ento de diretor - Irregularidade da eleição - Medida concedida em cautelar movida pelo M inistério Público - Legitimidade a d causam - Finalidade de proteger o patrim ônio social - Inteligência do art. 129, III, da CF" [RT, 589:157). • "0 Ministério Público pode exam inar escritas, solicitar informações, pedir prestações de contas, requerer inquéritos policiais, pedir a prisão preventiva de mesários, iniciar ação penal, pleitear anulação de assembléias e resoluções, pleitear tam bém rescisões de contratos, enfim tudo o que se fizer mister para que a finalidade da fundação não se desencaminhe nem se dilua" [RT, 2 8 8 :218).

Título III — DO DOMICÍLIO Art. 7 0 .0 domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo. HISTÓRICO • A única alteração que o dispositivo sofreu foi a substituição da designação "pessoa física" por "pessoa natural".

DOUTRINA • C o n c e ito le g a l de d o m ic ílio c iv il d a p e ss o a n a tu r a l: Pelo art. 7 0 do Código Civil, o dom icílio civil é o lugar onde a pessoa estabelece sua residência com ânim o d e fin itiv o , tendo, p o rta n ­

Arts. 71 a 74

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to. por critério a residência. Nessa conceituaçào legal há dois elem entos: o o b je tiv o , que é a fixação da pessoa em dado lugar, e o s u b je tiv o , que é a intenção de ali perm anecer com â n im o d e fin itiv o . Im p o rta em fixação espacial perm an en te da pessoa natu ral.

Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas. HISTÓRICO • A única alteração que o dispositivo sofreu foi a substituição da designação "pessoa física" por "pessoa natural".

DOUTRINA • P lu ra lid a d e d o m ic ilia r. A nossa legislação a d m ite a pluralidade de dom icílio se a pessoa na­ tu ra l tiv e r mais de um a residência, pois considerar-se-á dom icilio seu q u a lq u e r um a delas.

Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida. Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem. HISTÓRICO • A única alteração que o dispositivo sofreu foi a substituição da designação "pessoa física" por "pessoa natural".

DOUTRINA • C e n tro d e o c u p a ç ã o h a b itu a l c o m o d o m ic ilio : 0 local onde a pessoa n a tu ra l exerce sua pro­ fissão tam bém é considerado dom icílio civil. • E xe rcício d a p ro fis s ã o em lu g a re s d iv e rs o s g e ra p lu ra lid a d e d o m ic ilia r Se alguém , p. ex., tiv e r firm a ou escritórios em Piracicaba, A m ericana e Campinas, onde, em razão do ofício, com parece em dias alternados da sem ana, co nsiderar-se-ão seus dom icílios quaisquer daque­ les centros de ocupações habituais para as relações jurídicas que lhes corresponderem .

Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada. HISTÓRICO • A única m odificação que o dispositivo sofreu foi a substituição da designação "pessoa física" por "pessoa natural".

DOUTRINA • F a lta d e d o m ic ílio c e rto : 0 nosso Código Civil no a rtig o ora focado a d m ite que, excepcional­ m ente, pode haver casos em que um a pessoa n atu ral não ten h a dom icílio certo ou fixo , ao estabelecer que aquele que não tiv e r residência habitu al, com o, p. ex., o c a ix e iro -v ia ja n te , o circense, terá por dom icílio o lugar onde fo r encontrado.

Art. 74. Muda-se o domicílio, transferindo a residência, com a intenção manifesta de o mudar.

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Art. 75

Parágrafo único. A prova da intenção resultará do que declarar a pessoa às municipa­ lidades dos lugares, que deixa, e para onde vai, ou, se tais declarações não fizer, da própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu qualquer alteração relevante, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C o n d içõ e s p a ra a m u d a n ç a d e d o m ic ilio : Duas serão as condições previstas em lei para que se opere a m udança de dom icílio da pessoa n atu ral: o) transferência da residência para local diverso; e 6) â n im o d e fin itiv o de fix a r a residência, constitu indo novo dom icílio. • P e rd a d o d o m ic ilio p e la m u d a n ç a : P erder-se-á o dom icílio pela m udança, porque este pas­ sará a ser o mais recente. T er-se-á, com o vim os, a m udança quand o houver transferência de residência, com a intenção de deixar a a n te rio r para estabelecê-la em o u tra parte [RF, 9 1 /4 0 6 ). • P ro v a d a in te n ç ã o m a n ife s ta d e m u d a r o d o m ic ílio : A m udança de dom icilio corresponderá à intenção de nào perm anecer mais no local em que se encontra. 0 m odo exigido por lei para que se dê a exterio rização da referida in t e n t io será a simples com unicação fe ita pela pessoa que se m udou à m un icipalidade do lugar que deixa e à do local para onde vai. Com o, em regra, a pessoa n a tu ra l que se m uda não fa z ta l declaração, seu ânim o de fix a r dom icilio em o u tro local resultará da própria m udança, com as circunstâncias que a acom panharem .

SÚMULA • Súmula 4 8 3 do STF: "É dispensável a prova de necessidade, na retomada de prédio situado em localidade para onde o proprietário pretende transferir residência, salvo se m antiver, tam bém , a anterior, quando dita prova será exigida".

JULGADO • "Competência - Separação judicial - Propositura no foro do domicilio da mulher. Mudança de residência após o ajuizam ento da ação - Pretendido deslocamento do processo - Inadmissibili­ dade - Conflito procedente" [RT, 606:217).

Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é: I — da União, o Distrito Federal; II — dos Estados e Territórios, as respectivas capitais; III — do Município, o lugar onde funcione a administração municipal; IV— das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos. § 1? Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados. § T Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por do­ micílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder.

HISTÓRICO • Aqui houve tam bém a substituição, no inciso IV, do plural "estatutos" por "estatuto".

Art. 76

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DOUTRINA • D o m ic ilio d a p e s s o a ju r íd ic a : As pessoas jurídicas têm seu dom icílio, que é sua sede jurídica, onde os credores podem d e m an d ar o cu m p rim e n to das obrigações. Com o não tê m residência, é o local de suas atividades habituais, de seu governo, adm inistração ou direção, ou, ainda, o d e te rm in a d o no a to co nstitu tivo. • D o m ic ilio d a s p e sso a s ju r íd ic a s d e d ir e ito p ú b lic o : As pessoas jurídicas de d ire ito público in te rn o tê m por dom icílio a sede de seu governo (CC, a rt. 7 5 , 1, II e III). De m aneira que a União a fo ra rá as causas na capital do Estado ou Territó rio em que tiv e r dom icilio a outra p arte (CPC, a rt. 9 9 , 1) e será dem andada, à escolha do au to r, no D istrito Federal ou na capital do Estado em que se deu o a to que deu origem à dem anda, ou em que se situe o bem (C F/88, a rt. 109, §§ 1« a 4*; STF, Súm ula 5 1 8; TFR, Súm ulas 14 e 61). Os Estados e Territórios têm por sede ju ríd ica as suas capitais (CPC, a rt. 9 9 , II), e os M unicípios, o lugar da A dm inistração m unicipal. • D o m ic ilio d a s p e ss o a s ju r íd ic a s d e d ir e ito p riv a d o : As pessoas jurídicas de d ireito privado têm por dom icílio o lugar onde fu n cio n arem sua d ire to ria e adm inistração ou onde elegerem dom icilio especial nos seus estatuto s ou atos constitu tivos (CC, a rt. 75, IV), devidam en te re­ gistrados. • P lu ra lid a d e d o d o m ic ilio d a p e s so a ju r íd ic a de d ir e ito p riv a d o : 0 a rt. 75, § 1®, a d m ite a p lu ­ ralidade dom iciliar da pessoa ju ríd ic a de d ire ito privado desde que te n h am diversos estabe­ lecim entos (p. ex., agências, escritórios de representação, departam ento s, filiais), situados em com arcas diferentes, caso em que poderão ser dem andadas no fo ro em que tiverem p ra tic a ­ do o a to [RT, 7 2 7 :1 7 7 ). De fo rm a que o local de cada estabelecim ento d otado de auto n o m ia [RT, 6 5 4 :194; TRF, 4-» Região - Al 2 0 0 7 .0 4 0 .0 0 1 .30686/R S - Rei. O távio R. P am plona, j. em 3 -7 -2 0 0 7 ) será considerado dom icilio para os atos ou negócios nele efetivados, com o in tu i­ to de ben eficiar os indivíduos que c o n tra ta re m com a pessoa ju ríd ic a . • D o m ic ilio d a p e ss o a ju r íd ic a d e d ire ito p riv a d o e s tra n g e ira : Se a sede da A dm inistração, ou d ireto ria, da pessoa ju ríd ica se acha no exterio r, os estabelecim entos, agências, filiais ou sucursais situados no Brasil terão por dom icílio o local onde as obrigações fo ra m contraídas pelos respectivos agentes (CC, art. 75, § 2 o, e CPC, a rt. 8 8 , 1 e p arág rafo único).

SÚMULA • Súmula 363 do STF: "A pessoa jurídica de direito privado pode ser dem andada no dom icilio da agência ou estabelecim ento em que se praticou o ato".

JULGADOS • "Admite-se a pluralidade dom iciliar da pessoa jurídica de direito privado, podendo ser dem anda­ do o estabelecim ento em que fora praticado o ato que originou a demanda, desde que nâo haja foro de eleição" [RT, 7 2 7 :177). • "Devedora com sede oficial sob jurisdições diversas. Com petente para processar e julgar o feito é o ju iz do lugar onde se acha a agência ou sucursal, quanto às obrigações que ela contraiu" [RT, 6 5 4 :194).

Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso. Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar ime­ diatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença.

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Art. 77

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào sofreu alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • D o m ic ilio n e c e s s á rio o u le g a l: T er-se-á o dom icilio necessário ou legal quand o fo r d e te rm i­ nado por lei, em razão da condição ou situação de certas pessoas. • D o m ic ilio d os in c a p a z e s : 0 dom icílio do incapaz é legal, pois sua fixação o p e ra r-s e -á por determ in ação de lei e nào por volição. 0 recém -nascido adquire o dom icílio de seus pais. Os absoluta ou re lativa m e n te incapazes (CC, arts. 3» e 4«) terão por dom icílio o de seus repre­ sentantes legais (pais - RT, 6 7 9 :1 5 5 tu to res ou curadores - RT, 7 7 3:22 4 ). • D o m ic ilio n e c e s s á rio d o s e rv id o r p ú b lic o : Deriva o dom icílio legal ou necessário do servidor público de lei, pois o artig o s u b e x a m in e en te n d e por dom iciliado o fu n c io n á rio público no local onde exerce suas funções por investidura e fetiva. Logo, tem por dom icilio o lugar onde exerce sua fu nção perm an en te [v id e : A D In 3 .3 2 4 -7 - D O U e DJU, 2 4 -8 -2 0 0 5 ). • D o m ic ilio d o m ilita r . 0 dom icílio do m ilita r do Exército é o lugar onde servir e o do m ilita r da M a rin h a ou da A ero n áu tica em serviço ativo, a sede do com ando a que se en co n tra im e­ d ia ta m e n te subordinado. • D o m ic ilio d o m a r ítim o : M a rin h a m ercan te é a encarregada de tran s p o rtar m ercadorias e passageiros. Os oficiais e trip u la n te s dessa m arinha m ercan te têm por dom icílio necessário o lugar onde estiver m atricu lad o o navio, em bora passem a vida em viagens. • D o m ic ilio d o p re s o : 0 preso terá por dom icílio o lugar onde cu m p rir a sentença. Tratando -se de preso intern ad o em m anicôm io ju d ic iá rio , é c o m p eten te o ju ízo local para ju lg a r pedido de sua interdição, nos term os do a rt. 7 6 do Código Civil. Se se tra ta r de preso ainda não condenado, seu dom icilio será o v o lu n tário .

JULGADO • “Em sendo interdito o autor da herança, o foro com petente para o inventário é o do seu curador, ex W dos arts. 36 CC/16 (CC/2002 — art. 76, parágrafo único) e 96 do CPC, não adm itida prova em contrário, sendo irrelevante o lugar da situação dos bens ou da sua residência ou do óbito" [RT, 773:224).

Art. 77. O agente diplomático do Brasil, que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser demandado no Distrito Federal ou no último ponto do território brasileiro onde o teve.

HISTÓRICO • Durante o período de tram itação no Senado Federal, foi aprovada emenda do Senador Jutahy Magalhães suprimindo o presente dispositivo, ao argum ento de que a norma seria pertinente ao direito internacional público e ao direito processual e não ao direito civil. A justificação apresen­ tada perante o Senado foi no sentido de que "o art. 77 encerra regra de 'cunho processual’ e 'reflete a nào mais utilizada regra de extraterritorialidade'“. Retornando o projeto à Câmara, a emenda senatorial foi rejeitada e reinserido o artigo no corpo do Código, por proposta do Relator Fiuza, ao fundam ento de que o texto suprimido “explicita regra atualm ente aplicável. A norma que se pretendia suprimir corresponde ao art. 41 do Código Civil de 1916. A sua m anutenção é solução mais satisfatória, quando se observa tra ta r o capitulo acerca do dom icílio civil. Im perati­ vo, dai, preservar no Código o principio da isenção da jurisdição civil do pais onde o ministro ou agente diplom ático esteja acreditado, em garantia da independência do representante do pais no exterior".

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Arts. 78 e 79

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DOUTRINA • C ita ç õ o de m in is tr o o u a g e n te d ip lo m á tic o n o e s tra n g e iro : Se o m inistro ou agente d ip lo ­ m ático brasileiro fo r citado no e x te rio r e aleg ar a im unidade sem designar o local onde tem , no país. o seu dom icílio, deverá responder perante a Justiça do D istrito Federal ou do ú ltim o ponto do te rritó rio brasileiro onde o teve.

Art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nâo serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • F o ro d e e le iç ã o : D om icílio c o n tra tu a l ou de eleição é o estabelecido c o n tra tu a lm e n te pelas partes em c o n tra to escrito, que especificam onde se cum prirão os direitos e os deveres o riu n ­ dos da avença fe ita . 0 dom icílio de eleição dependerá de m anifestação expressa dos c o n tra entes, da qual surge a com petência especial, d eterm in ad a pelo c o n tra to , do fo ro que irá apreciar os possíveis litígios decorrentes do negócio ju ríd ic o c o n tra tu a l. 0 local indicado no c o n tra to para o a d im p le m e n to obrigacional será tam bém aquele onde o in a d im p le n te irá ser d em andado ou acionado.

SÚMULA • Súmula 335 do STF: "É válida a cláusula de eleição do foro para os processos oriundos de contra­ to".

JULGADOS • “Foro de eleição. Demanda objetivando a revisão de contrato bancário proposta no juízo do prin­ cipal estabelecim ento do banco réu, em São Paulo, Capital. Relação de consumo caracterizada. Aplicação, no caso, do principio da facilitaçào do consumidor. Desconsideração da cláusula de eleição de foro estabelecido em contrato de adesão, padrão, impresso. Exceção de incompetência rejeitada. Recurso provido" [B o le tim AASP n. 2.365, p. 861). • " 0 foro de eleição não obsta à propositura de ação no foro do dom icílio do réu, não cabendo a este excepcionar o juízo" [RT, 665:134).

Livro II — D O S BENS T ítu lo Ú n ic o — DAS D IFER EN T ES C LA SSES D E BEN S

C ap ítu lo I — DOS BENS CONSIDERADOS EM SI MESMOS

Seção I



Dos bens imóveis

Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificial­ mente.

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Art. 80

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • Bens im ó v e is : Os bens im óveis são aqueles que nâo se podem transportar, sem destruição, de um lugar para o u tro , ou seja, são os que não podem ser rem ovidos sem alteração de sua substância. • C la s s ific a ç ã o d o s b e n s im ó v e is : Os bens im óveis podem ser classificados em : a) im ó v e is p o r s u a n a tu re z a (CC, art. 7 9 ,1 * parte), abrangendo o solo, pois sua conversão em bem m óvel só seria possível com m od ificação de sua substância. E ntretanto, o legislador am pliou esse con­ ceito, incluindo os acessórios e as adjacências naturais, as árvores, os fru to s pendentes [RT, 6 9 9 :9 6 ), o espaço aéreo e o subsolo. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e a do subsolo, em bora sofra lim itações legais im postas pelo Código Civil, a rt. 1.229; pelo D ecreto n. 2 4 .6 4 3 /3 4 , a lte rad o pelo D ecreto-Lei n. 8 5 2 /3 8 , art. 145; pelo D ecreto-L ei n. 7 .8 4 1 /4 5 ; pelo D ecreto-Lei n. 2 2 7 /6 7 , art. 8 5 , com as alterações da Lei n. 9 .3 1 4 /9 6 ; pelas Leis n. 8 .9 0 1 /9 4 e 9 .3 1 4 /9 6 e pela C onstituição Federal de 1 9 88 , a rt. 176, §§ 1* a 4® (STF, Súm ula 4 4 6 ; STJ, Súm ula 2 3 8 ); b) im ó v e is p o ra c e s s õ o fís ic a a r t if ic ia l (CC, a rt. 79, 2* parte), que incluem tu d o aquilo que o hom em incorporar p e rm a n e n te m e n te ao solo, com o a sem ente lançada è terra, os edifícios e as construções (pontes, viad utos etc.), de m odo que se não possa re tira r sem destruição, m odificação, fra tu ra ou dano; c) im ó v e is p o ra c e s s õ o in te le c tu a l [CC, a rt. 93 c/c, por analogia, o art. 7 9 , 2* parte) ou por destinação do prop rietário, que são todas as coisas m óveis que o prop rietário m antiver, in te n c io n a lm e n te , em pregadas em sua exploração in ­ dustrial, aform o seam en to ou com odidade. Sào qualificados com o “pertenças" (CC, art. 9 3 ): m áquinas agrícolas, ornam entos, instalações, anim ais ou m ateriais em pregados no cultivo da terra, geradores, escadas de em ergência justapostas nos edifícios, equipam ento s de incêndio, aparelhos de ar condicionado etc.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 11, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Não persiste no novo sistema le­ gislativo a categoria dos bens imóveis por acessão intelectual, não obstante a expressão tu d o q u a n to se lhe in c o rp o ra r n a tu r a l o u a rtific ia lm e n te , constante da parte final do art. 79 do CC".

SÚMULA • Súmula 238 do STJ: "A avaliação da indenização devida ao proprietário do solo, em razão de al­ vará de pesquisa m ineral, é processada no juízo estadual de situação do imóvel".

JULGADO • “Bem da União - Jazida de argila - Exploração por particular - Necessidade de autorização do Departam ento Nacional de Produção Mineral - Falta que implica nulidade do contrato de arren­ dam ento elaborado pelo proprietário do solo - 8em imóvel com individualidade própria e distin­ ta deste - Aplicação do art. 176 e §§ da CF" [RT, 671:92).

Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais: I — os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram; II — o direito à sucessão aberta.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

Art. 81

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DOUTRINA • Im ó v e is p o r d e te rm in a ç ã o le g a l: Com o escopo de g a ra n tir a segurança das relações jurídicas, o art. 8 0 considera com o im óvel o d ire ito real sobre im óveis e as ações que o asseguram, e o d ire ito è sucessão aberta. Tais bens incorpóreos são considerados pela lei com o im óveis para que possam receber proteção jurídica. • D ire ito s re a is s o b re im ó v e is e a s a çõ es q u e o s a s s e g u ra m : São, em razão do disposto no art. 80, I, bens im obiliários nào só os direitos reais sobre imóveis, com o propriedade, usufruto, uso, habitação, enfiteuse, anticrese, superfície, hipoteca, servidão predial, mas ta m b é m as ações que os asseguram , com o as reivindicatórias, as hipotecárias, as negatórias de servidão, as de nulidade ou de rescisão de contratos translativos de propriedade etc. • D ire ito à su ce ssã o a b e rta : Para os casos de alienação e pleitos judiciais, a legislação consi­ dera o d ire ito à sucessão a b e rta com o bem im óvel, ainda que a herança só seja fo rm ad a por bens móveis ou abranja apenas direitos pessoais. T e r-s e -á a a b e rtu ra da sucessão no instan­ te da m orte do d e c u ju s : daí, e n tão , seus herdeiros poderão ceder seus direitos hereditários, que são tidos com o imóveis. Logo, para aquela cessão, será im prescindível a escritura pública.

JULGADO • 'Som ente os direitos dos herdeiros, com sucessão aberta, constituem-se em bem imóvel, por ficção, nos termos do art. 44, III, do CC/16, aí nào incluídas a meaçào do cônjuge supérstite e cotas de sociedade comercial" [RT, 735:2 2 4 — no mesmo sentido: RT, 796:267).

Art. 81. Não perdem o caráter de imóveis: I — as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local; II— os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo, tal como apresentado no projeto original, tinha a seguinte redação: "Não perdem o caráter de imóveis os m ateriais provisoriamente separados de um prédio, para nele mesmo se reempregarem". Emenda do Deputado Brígido Tinoco, acolhida sob a form a de subemenda pelo Deputado Ernani Sátyro, deu ao dispositivo a sua redação atual, não tendo sido, posteriorm ente, alvo de qualquer outra espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • Im o b iliz a ç ã o de e d ific a ç ã o p a ra fin s d e re m o ç ã o : Edificação que, apesar de separada do solo, conservar sua unidade e fo r rem ovida para o u tro local, não perderá seu c a ráter de bem im ó ­ vel. • Im o b iliz a ç ã o d e m a te ria is p ro v is o ria m e n te s e p a ra d o s d e u m p ré d io : C onsiderar-se-á imóvel q u a lq u e r m aterial retirad o provisoriam ente de um a construção, com o tijo lo , telha, m adeira­ m e etc., para ser nela reem pregado após o conserto ou reparo. Assim, o que se tira de um prédio para n o v am en te nele incorporar pertencerá ao im óvel e será im óvel (U lpiano, D ig e sto , Liv. X IX e XXXII a d e d ic tu m ). Se em pregado fo r em o u tro prédio, perderá te m p o raria m e n te sua im obilidade e n q u a n to nào fo r u tiliza d o na nova construção. • M o b iliz a ç ã o d o m a te r ia l p o r d e m o liç ã o d o p ré d io : Se o prédio fo r dem olido, o m aterial de construção será tid o com o m óvel, se não fo r mais em pregado em reconstrução, pois, pelo art. 81, II, “nào perdem o c a ráter de im óveis os m ateriais provisoriam ente separados de um prédio, para nele m esm o se reem pregarem ". Os m ateriais, e n q u a n to nào fo rem em pregados em a l­

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Arts. 82 e 83

gum a construção, conservarão a sua qualidade de móveis, readquirindo essa qualidade os provenientes de dem olição de algum prédio (CC, art. 81, II), se não fo re m reem pregados.

Seção II



Dos bens móveis

Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substancia ou da destinação econômico-social.

HISTÓRICO • O presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração relevante, seja por parte do Se­ nado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • N o ç õ o d e b e ns m ó v e is : Os bens m óveis sào os que, sem deterioração na substância ou na fo rm a, podem ser transportados de um lugar para outro, por força própria (anim ais) ou es­ tra n h a (coisas inanim adas). • S e m o v e n te s: São os anim ais considerados com o m óveis por te re m m o vim en to próprio, daí serem semoventes. • Bens m ó v e is p ro p ria m e n te d ito s : As coisas inanim adas suscetíveis de rem oção por força alheia sem alteração de sua substância ou de sua destinação econôm ico-social constituem os bens m óveis prop riam en te ditos, p. ex., m ercadorias, moedas, objetos de uso, títu lo s de dívida pública, ações de com panhia etc.

Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: I — as energias que tenham valor econômico; II — os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; III — os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • M ó v e is p o r d e te rm in a ç ã o d e le i: Pelo a rt. 8 3 , 1 a III, serão móveis por determ in ação legal: as energias que te n h am valo r econôm ico, com o, p. ex., a elétrica, os direitos reais sobre objetos m óveis e as ações correspondentes, os direitos pessoais de c a ráter patrim on ial ou os de o b ri­ gação ou de crédito e as ações respectivas e os direitos de a u to r (Lei n. 9 .6 1 0 /9 8 , a rt. 3o). Assim, p. ex., um escritor poderá ceder seus direitos auto rais sem o u to rg a uxória. A p rop rie­ dade industrial, segundo o a rt. 5o da Lei n. 9 .2 7 9 /9 6 , tam bém é coisa m óvel, abrangendo os direitos oriundos do poder de criação e invenção do indivíduo, assegurando a lei ao seu tu to r as garantias expressas nas patentes de invenção, na exclusiva utilização das marcas de indús­ tria e com ércio e nom e com ercial, proteg en do esses direitos contra utilização alheia e con­ corrência desleal.

Arts. 84 e 85

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JULGADO • "Ação que versa sobre contrato de venda e compra de safra de laranjas, as quais constituem coi­ sas móveis futuras, tam bém ditas 'móveis por antecipação'. Competência do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, relativa a coisa móvel. Remessa dos autos determ inada" (777-Lex, 277:25).

Art. 84. Os materiais destinados a alguma construção, enquanto não forem empregados, conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes da demo­ lição de algum prédio.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer alteração relevante, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • M a te ria is d e c o n s tru ç ã o c o m o m ó v e is p o r n a tu r e z a : Os m ateriais em pregados num a cons­ trução, com o m adeiras, telhas, azulejos, tijolos, e n q u a n to não aderirem ao prédio, c o n s titu in ­ do p arte in te g ra n te do im óvel, conservarão a natu reza de bens móveis por n atu reza. Se a l­ gum a edificação fo r dem olida, os m ateriais de construção readquirirão a qualidade de móveis, porque nào mais participarão da natu reza do principal. • S e p a ra ç ã o p ro v is ó ria d o m a te r ia l d e c o n s tru ç ã o : Se o m aterial de construção separar-se te m p o raria m e n te do prédio que está sendo reform ado, p. ex., co n tin u ará sendo bem imóvel, um a vez que sua destinação é c o n tin u a r a fa ze r p arte do m esm o edifício (CC, art. 8 1). Já os rom anos assim o en ten d iam : "£o, q u a e e x o e d ific io d e tr a c ta s u n t, u t r e p o n a n tu r o e d ific ii s u n t: a t q u o e p o r a ta s u n t, u t im p o n a n tu r, n o n s u n t o e d ific r (D ig e s to , LXIX, T. 1a, fr. 17, § 10).

Seção III



Dos bens fungíveis e consumtveis

Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • F u n g ib ilid a d e : A fu n g ib ilid a d e é própria dos bens móveis. Os bens fungíveis são os que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, q u alidade e q u a n tid a d e (p. ex., dinh eiro, café, lenha etc.). • In fu n g ib ilid a d e : Os bens infungíveis são os que, pela sua qualidade individual, têm valo r es­ pecial, nào podendo, por este m otivo, ser substituídos sem que isso acarrete a a lteração de seu conteúdo, com o um quadro de Renoir. A in fu n g ib ilid ad e pode apresentar-se em bens im óveis e móveis.

JULGADOS • "Alienação fiduciária - Mercadorias — Peças e acessórios para veículos destinados a comércio Coisas fungíveis - G arantia possível - Recurso extraordinário provido" [RT, 589:250).

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Arts. 86 a 88

• "Penhor - Bem fungível - Depósito - Prisão civil - M útuo - Quando bens são dados em garan­ tia, no penhor mercantil, hão de ser infungiveis para que se possam aplicar ao caso as normas do depósito e, por conseqüência, se possa fazer uso da constrição através da prisão civil. Sendo os bens fungíveis, próprios da atividade industrial ou comercial do devedor, tal qual chapas de aço, aplicam-se as disposições do m útuo, afastando-se a pena de prisão civil" (TAMG, 41 Câmara Cível, Al 2 1 6 .5 3 2 -8 /0 0 , Rei. Juíza M aria Elza, j. em 1 3 -1 1 -1 9 9 6 ).

Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • Bens c o n s u m ív e is : Os bens consum íveis são os que te rm in a m logo com o prim eiro uso, ha­ vendo im ediata destruição de sua substância (p. ex., os alim entos, o dinh eiro etc.). • Bens in c o n s u m ív e is : Os bens inconsum íveis são os que podem ser usados c o n tin u ad am en te, possibilitando que se retirem todas as suas utilidades sem a tin g ir sua integridade. Coisas inconsum íveis podem to rn ar-s e consum íveis se destinadas à alienação. Nesta hipótese te r -s e -á a c o n s u n tib ilid a d e ju ríd ic a .

JULGADO • "Tratando-se de coisas não apenas fungíveis como consumíveis, porque destinadas diretam ente à alienação pela compradora depositária no exercício de seu ram o normal de mercancia, aplicam-se ao depósito as regras do m útuo, sendo incabivel a ação de depósito (STJ, 4* T., REsp 1 1.799-SP, Rei. M in. Athos Carneiro, DJU, 3 0 -1 1 -1 9 9 2 , p. 22617).

Seção IV



Dos bens divisíveis

Art 87. Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • D iv is ib ilid a d e : São divisíveis os bens que puderem ser fracionados em partes hom ogêneas e distintas, sem a lteração das qualidades essenciais do todo, sem desvalorização e sem prejuízo ao uso a que se destinam . P. ex.: se repartirm os um a saca de açúcar, cada m etade conserva­ rá as qualidades do prod uto, podendo te r a m esm a utilização do todo, pois nenhu m a a lte ra ­ ção de sua substância houve. Apenas se tran sfo rm o u em duas porções reais e distintas de açúcar em m enor proporção, ou quantidade, m antendo cada qual a mesma qualidade do todo.

Art 88. Os bens naturalmente divisíveis podem tomar-se indivisíveis por determinação da lei ou por vontade das partes.

Arts. 89 e 90

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HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. DOUTRINA • C la s s ific a ç ã o d a s c o isa s in d iv is ív e is : Os bens serão indivisíveis: o) p o r n a tu re z a , se não p u ­ derem ser partidos sem a lteração na sua substância ou no seu valo r (p. ex., um cavalo vivo d ividido ao m eio deixa de ser sem ovente); 6) p o r d e te rm in a ç ã o le g a l, se a lei estabelecer sua indivisibilidade. É o que ocorre, p. ex., com o art. 1 .38 6 do Código Civil, que estabelece que as servidões prediais são indivisíveis em relação ao prédio serviente; c) p o r v o n ta d e d a s p a r ­ tes, pois um a coisa divisível poderá tra n s fo rm ar-se em indivisível se assim o acordarem as partes, mas a qualq u er te m p o poderá v o lta r a ser divisível. P. ex.: na obrigação indivisível (CC, a rt. 3 1 4 ), havendo pluralidade de sujeito, to rn a-s e indivisível bem divisível, ajustando con­ servar a sua indivisibilidade por te m p o d e term in ad o ou não, ou, e n tão , acordando em dividir em partes ideais coisa indivisível, com o sucede no condom ínio.

Seção V



Dos bens singulares e coletivos

Art. 89. São singulares os bens que, embora reunidos, se consideram de per si, inde­ pendentemente dos demais. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • B ens s in g u la re s : As coisas singulares são as que, em bora reunidas, se consideram de per si, in d e p e n d e n te m en te das dem ais (CC, a rt. 8 9). As coisas singulares poderão ser simples ou com postas. Serão s im p le s se fo rm are m um to d o hom ogêneo, cujas partes com ponentes estão unidas em v irtu d e da própria natu reza ou da ação hum ana, sem reclam ar quaisquer reg u la­ m entações especiais por norm a jurídica. Podem ser m ateriais (pedra, c a n e ta -tin te iro , fo lh a de papel, cavalo) ou im ateriais (crédito). As coisas c o m p o s ta s são aquelas cujas partes h e te ­ rogêneas são ligadas pelo en genho hum ano, hipótese em que há objetos independentes que se unem num só to d o sem que desapareça a condição ju ríd ica de cada parte. P. ex.: m ateriais de construção que estão ligados à edificação de um a casa.

Art. 90. Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, perti­ nentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária. Parágrafo único. Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias. HISTÓRICO • O presente dispositivo não sofreu alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C oisas c o le tiv a s : Sào as constituídas por várias coisas singulares, fo rm an d o um todo, que passa a te r individualidade própria, apresentando-se com o universalidade de fa to (CC, art. 9 0 ) ou de d ire ito (CC, a rt. 91).

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Arts. 91 e 92

• U n iv e rs a lid a d e d e f a t o : É um con ju n to de bens singulares, corpóreos e hom ogêneos, ligados e n tre si pela vo n tad e hum ana para a consecução de um fim (p. ex., um a biblioteca, um re­ banho, um a galeria de quadros). Em relação à m esm a pessoa tê m destinação u n itária , poden­ do ser objeto de relações jurídicas próprias (art. 9 0 , p arág rafo único, do CC).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 288, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “A pertinência subjetiva não constitui requisito imprescindível para a configuração das universalidades de fato e de direito".

Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • U n iv e rs a lid a d e de d ir e ito : É a constituída por bens singulares corpóreos heterogêneos ou incorpóreos (com plexo de relações jurídicas), a que a norm a ju ríd ica, com o in tu ito de pro­ duzir certos efeitos, dá unidade, por serem dotados de v a lo r econôm ico, com o, p. ex., o pa­ trim ô n io , a herança ou o espólio, o FGTS, o estabelecim ento em presarial, a massa fa lid a etc.

JULGADO • "Processual. FGTS. Natureza jurídica. Correção m onetária. Litisconsórcio unitário. 0 FGTS é uma universalidade de direito (CC, art. 54, II) constituída pela agregação dos saldos em contas vincu­ ladas. Tais saldos, uma vez agregados, perdem individualidade, tornando-se cotas ou frações ideais. Os trabalhadores, donos das contas agregadas, são cotistas (condôminos) do fundo" (STJ, 1* Seção, EREsp 286.020, Rei. M in. Hum berto Gomes de Barros, j. em 9 -5 -2 0 0 2 ).

C ap ítu lo II — DOS BENS RECIPROCAM ENTE CONSIDERADOS

Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C oisa p rin c ip a l: Coisa principal é a que existe por si, exercendo sua fu n ção e fin a lid a d e , in ­ d e p en d en tem en te de o u tra (p. ex., o solo). • C oisa a c e s s ó ria : A coisa acessória ê a que supõe, para existir ju rid ic a m en te , um a principal. Nos imóveis, o solo ê o principal, sendo acessório tu d o aquilo o que nele se incorporar per­ m a n e n te m e n te (p. ex., um a árvore plantada ou um a construção, já que é impossível separar a ideia de árvore e de construção da ideia de solo). Nos móveis, principal ê aquela para a qual as outras se destinam , para fins de uso, e n fe ite ou c o m p lem en to (p. ex., um a jo ia - a pedra é acessório do colar). N ão só os bens corpóreos co m p o rtam tal distinção; os incorpóreos

Arts. 93 e 94

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tam b ém , pois um crédito é coisa principal, um a vez que tem a u to n o m ia e individualidade próprias, o mesmo nào se dan d o com a cláusula penal, que se subordina a um a obrigação principal. Prevalecerá a regra "o acessório segue o principal".

JULGADO • “Linha telefônica - Uso cedido ao inquilino - Nào cobrança do preço distinto da locação - Re­ tirada pelo locador - Arbitrariedade - Locaçào deve ser garantida quanto ao principal e acessó­ rios - Danos decorrentes, a ser apurados em execução - Ação procedente - Decisão mantida" [RT, 6 8 7 :120). Art. 93. São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração relevante, seja por parte do Se­ nado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • P e rte n ça s : Bens acessórios s u i g e n e ris destinados, de m odo duradouro, a conservar ou fa c i­ lita r o uso ou prestar serviço ou, ainda, a servir de adorno ao bem principal sem ser parte in te g ra n te . Apesar de acessórios, conservam sua individualidade e a u to n o m ia , tend o apenas com o principal um a subordinação econôm ico-ju ríd ica, pois sem haver qualquer incorporação v in cu lam -se ao principal para que este a tin ja suas finalidades. Sào pertenças todos os bens móveis que o prop rietário , in ten cio n alm en te, e m p reg ar na exploração industrial de um im ó ­ vel, no seu a fo rm o seam en to ou na sua com odidade, com o, p. ex., m olduras de quadros, acessórios de um auto m óvel, m áquinas de um a fábrica. S õ o im ó v e is p o r a ce ssõ o in te le c tu a l. Se as pertenças fo rem imóveis, que servem a um im óvel, e n tra m na categoria de im ó v e is p o r a ce ssõ o fís ic a a r tific ia l, mas se poderá te r im ó v e l-p e rte n ç a que seja im ó v e l p o r n a tu re z a , com o um a floresta nativa que serve de ponto tu rístico ao hotel que registrou te rm o de res­ ponsabilidade pela sua preservação. Já se decidiu que se insere no conceito de pertença e q u ip a m e n to de conversão de veículo para com bustível de gás natu ral, ad m itin d o -s e co is a m ó v e l a ju d a n te de m ó v e l (2® TACSP, 101 Câm., Agl 8 2 4 .4 4 4 0 /0 , Rei. Nestor D uarte, j. em 5 -2 2 0 0 4 ). • P a rte s in te g ra n te s : Sào acessórios que, unidos ao principal, fo rm a m com ele um todo, sendo desprovidos de existência m aterial própria, em bora m a n te n h am sua identidade. P. ex.: as lâm padas de um lustre e os fru to s e produtos en q u an to não separados da coisa principal.

Art. 94. Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circuns­ tâncias do caso. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • In e x is tê n c ia d e p e rte n ç a s de d ire ito : A relação de pertinência só existe e n tre coisas e não e n tre direitos. No plano dos negócios jurídicos, por não ser o das relações e n tre coisas, mas

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Arts. 95 e 96

e n tre credor e devedor, se eles disserem respeito ao bem principal, nào alcançarão as p e rte n ­ ças, a não ser que o con trário resulte de lei, de m anifestação de v o n ta d e ou das circunstâncias do caso, visto que a fin alid ad e econôm ica ou social delas pode au x ilia r o principal. Para que um a quadra de tênis, separada de um hotel, a ele pertença, será preciso que se a assente e averbe no Registro Im obiliário. O piano não é pertença do im óvel residencial, mas o será de um conservatório, a n te as circunstâncias do caso, um a vez que é im prescindível para que este possa a tin g ir sua fin a lid a d e . N ada im pede que se venda o hotel, sem aquela quadra de tênis, p. ex.

Art. 95. Apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • F ru to s : No dizer de Clóvis Beviláqua, fru to s são utilidades que a coisa produz periodicam en­ te, cuja percepção m antém in ta c ta a substância do bem que as gera. São, com o assevera Lafayette, os produtos que periodicam ente nascem e renascem da coisa, sem a c a rre ta r-lh e a destruição no to d o ou em parte, com o o algodão, a lã, o leite etc. • R e n d im e n to s : Os rendim entos sào os fru to s civis (CC, arts. 1.215 e 2 0 6 , § 3 * . III), ou prestações periódicas, em dinh eiro, decorrentes da concessão do uso e gozo de um bem que um a pessoa concede a o u tra. • P ro d u to s : Os produtos são utilidades que se pode re tira r da coisa, alte ran d o sua substância, com a dim inuição da q u a n tid a d e a té o esgotam ento, porque nào se reproduzem periodica­ m en te (p. ex., pedras de um a pedreira, petróleo de um poço). • F ru to s e p ro d u to s c o m o o b je to de n e g ó c io ju r íd ic o : Os fru to s e produtos, mesmo nào sepa­ rados do bem principal, podem ser o b je to de negócio ju ríd ico . P. ex.: pelo a rt. 2 3 7 do Código Civil, q u a n to aos fru to s de coisa certa, os percebidos a té a trad ição serão do devedor e os pendentes ao te m p o da tradição, do credor.

Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias. § \-S ã o voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentem o uso habitu­ al do bem, ainda que o tomem mais agradável ou sejam de elevado valor. § 2- São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem. § 3? São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • B e n fe ito ria s v o lu p tu á ria s : As benfeito rias voluptuárias, de m ero d eleite ou recreio, tê m por escopo tã o som ente dar com odidade àquele que as fez, não te n d o qu alq u er utilid ad e por serem obras para em belezar a coisa (p. ex., construção de piscina num a casa p articular, re­

Art. 97

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vestim en to em m árm ore de um piso de cerâm ica em bom estado, decoração luxuosa de um aposento etc.). • B e n fe ito ria s ú te is : As benfeito rias úteis são as que visam a u m e n ta r ou fa c ilita r o uso do bem, apesar de não serem necessárias [RT, 5 1 6 /1 5 7 ) (p. ex., instalação de aparelhos sanitários m odernos, construção de um a garagem ). • B e n fe ito ria s n e c e s s á ria s : As b e n feito rias necessárias (RT, 6 8 2 /1 4 2 ) são obras indispensáveis à conservação do bem , para im pedir a sua deterioração (p. ex., serviços realizados num a li­ cerce da casa que cedeu, reconstrução de um assoalho que apodreceu, colocação de cerca de a ram e fa rp a d o para proteg er a agricultura).

SÚMU L \ • Súmula 538 do STF: “A avaliação judicial para o efeito do cálculo das benfeitorias dedutiveis do imposto sobre lucro im obiliário independe do lim ite a que se refere a Lei n. 3.470, de 28 de no­ vembro de 1958, art. 8 o, parágrafo único".

JULGADOS • "As benfeitorias simplesmente úteis feitas pelo locatário não asseguram o direito de retenção, pois se deve presumir terem sido feitas exclusivamente no seu interesse, enquanto no gozo de coisas alheias. Só se configura o direito de retenção, em tal caso, quando expresso o consentim ento do locador" [RF, 7/4:3 71 ). • "Benfeitorias necessárias são aquelas que têm por fim conservar a coisa ou evitar que ela se de­ teriore. E, desde que efetivam ente necessárias, asseguram em favor do inquilino o direito de re­ tenção, ainda que feitas sem o consentimento expresso do locador, pois esse consentim ento, pela lei, só é exigido em relação às benfeitorias que asseguram o direito de retenção e devem ser aferidas em relação à coisa da qual são acessórias, exclusivamente, e não em função dos interes­ ses do inquilino" (Adcoos, 1982, n. 81.623). • "A jurisprudência firm ou o principio de que se o contrato declara que as benfeitorias não seriam indenizáveis, não pode o inquilino pleitear seu ressarcimento, só porque o prazo findou e a loca­ ção se prorrogou por tem po indeterm inado. Nào tem o inquilino direito de retenção por benfei­ torias, que não são necessárias, mas simplesmente úteis e foram executadas sem autorização do proprietário" [RT, 350:483). • "Edificações construídas no imóvel não podem, a toda justiça, ser classificadas como benfeitorias, mas acessões, cujo direito à indenização deve ser buscado por meio de ação própria, não por inadequados embargos de retenção" (2o TACSP, 3* Câm., Ap. c/ Rev. 380.694, Rei. Juiz Oswaldo Breviglieri, j. em 3 0 -1 1 -1 9 9 3 ). • "Benfeitorias úteis só podem ser indenizadas com provando-se que foram introduzidas com o consentim ento escrito do locador, pouco im portando que se trate de contrato escrito ou verbal" [B o l.d a A A S P , 1.858:2). • "Acessões - edificações ou plantações - não dão ao locatário o direito de reter a coisa locada. Tal direito só pode ser exercido em razão de benfeitorias necessárias ou úteis, como está expresso no a r t 26 da Lei 6.649, de 1979" - atualm ente: art. 35 da Lei n. 8.245/91 (A dcoas, 1981, n. 78.381).

Art. 97. Não se consideram benfeitorias os melhoramentos ou acréscimos sobrevindos ao bem sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

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Arts. 98 e 99

DOUTRINA • B e n fe ito ria e a ce ssõ o n a tu r a l: Se benfeito rias são obras e despesas fe ita s pelo hom em na coisa, com o in tu ito de conservá-la, m e lh o rá -la ou e m b e lezá-la, claro está que não abrangem os m elhoram entos ou acréscimos (acessões naturais) sobrevindos àquela coisa sem a in te r­ venção do prop rietário, possuidor ou d e te n to r por ocorrerem de um fa to n atu ral (p. ex., o a u m e n to de um a área de te rra em razão de desvio n a tu ra l de um rio). • M e lh o ra m e n to s q u e c o n s titu e m a ce ssõ o n a tu r a l: A acessáo n atu ral é o a u m e n to do volum e ou do v a lo r do bem devido a forças eventuais. Assim sendo não é indenizável, pois para sua realização o possuidor ou d e te n to r não concorreu com seu esforço, nem com seu patrim ôn io. Por ser coisa acessória, segue o destino da principal. O Código Civil, no seu a rt. 1 .2 4 8 ,1 a IV, co ntem p la as seguintes fo rm as de acessáo natu ral, no que concerne à propriedade im óvel: fo rm ação de ilhas, aluvião, avulsào e abandon o de álveo. A acessáo a lte ra a substância da coisa, e a b e n feito ria apenas o b jetiva a sua conservação ou valorização ou o seu m aior de­ le ite (/?r. 3 7 4 :1 7 0 ). C ap ítu lo III — DOS BENS PÚBLICOS

Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C la s s ific a ç ã o d o s b e ns q u a n to a o s s u je ito s a q u e p e rte n c e m : Bens públicos são os que per­ tencem ao d o m ín io nacional, ou seja, à União, aos Estados, ao D istrito Federal, aos Territórios ou aos M u nicípios e às autarquias. De m odo que, conform e a pessoa ju ríd ica de d ire ito pú­ blico in te rn o a que pertencerem , os bens públicos serão federais, estaduais ou m unicipais. Os b e ns p a rtic u la re s são os que tiv e rem com o titu la r de seu d o m ín io pessoa n a tu ra l ou jurídica de d ire ito privado.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 287, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "0 critério da classificação de bens indicado no art. 98 do Código Civil não exaure a enumeração dos bens públicos, podendo ainda ser classificado como tal o bem pertencente a pessoa jurídica de direito privado que esteja afetado à prestação de serviços públicos".

Art. 99. São bens públicos: I — os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II — os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou esta­ belecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III — os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direi­ to privado.

Art. 100

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HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • B ens p ú b lic o s d e u s o c o m u m d o p o v o : Os bens de uso com um do povo, em bora pertencentes a pessoa ju ríd ica de d ire ito público interno , podem ser utilizados, sem restrição e g ra tu ita ou onerosam ente, por todos, sem necessidade de qualq u er permissão especial desde que c u m ­ pridas as condições impostas por regulam entos adm inistrativos (p. ex., praças, jardins, ruas, estradas, mares, praias - Lei n. 7 .6 6 1 /8 8 , art. 9 o; rios, enseadas, baías, golfos - CC, a rt. 9 9 , 1 etc.). Nada obsta a que o Poder Público venha a suspender seu uso por razões de segurança nacional ou do próprio povo usuário. P. ex.: interdição do porto, barragem do rio etc. • B ens p ú b lic o s d e u s o e s p e c ia l: Os bens públicos de uso especial (CC, art. 9 9 , II) são os u tili­ zados pelo próprio Poder Público, constitu in d o -se por im óveis aplicados ao serviço ou esta­ b elecim ento federal, estadual, te rrito ria l, m unicipal ou autárquico, com o prédios onde fu n ­ cio n am tribu nais, escolas públicas, secretarias, m inistérios, q u artéis etc. São os que têm destinaçào especial. • B ens d o m in ic a is : Os bens dom inicais são os que com põem o p a trim ô n io da União (CF, arts. 2 0 , 1 a XI, e 176), dos Estados (CF, a rt. 2 6 , 1 a IV) ou dos M unicípios, com o o b je to do d ireito pessoal ou real dessas pessoas de d ire ito público in tern o (CC, a rt. 9 9 , III). Se a lei não dispuser o contrário, são dom inicais os que pertencerem a pessoa ju ríd ica de d ire ito público a que se ten h a dado estrutu ra de d ire ito privado (CC, a rt. 9 9 , p arágrafo único). A brangem bens móveis ou imóveis, com o: títu lo s de dívida pública; estradas de ferro , telégrafos, oficinas e fazendas do Estado; ilhas fo rm ad as em m ares te rrito ria is ou rios navegáveis; terras devolutas (CF, arts. 2 2 5 , § 5«. 188, §§ 1o e 2°; Dec.-Lei n. 1 .4 1 4 /7 5 ; Leis n. 6 .3 8 3 /7 6 e 6 .9 2 5 /8 1 ; Dec. n. 8 7 .0 4 0 /8 2 . revogado pelo D ecreto n. 1 1 /9 1 , que ta m b é m já perdeu sua vigência; STF, Súm ula 4 7 7 ); te r­ renos da m arinha e acrescidos; m ar te rrito ria l, terras ocupadas pelos índios, sítios arq u e o ló ­ gicos e pré-históricos; bens vagos, bens perdidos pelos crim inosos condenados por sentença proferid a em processo ju d ic iá rio fed eral; quedas d'água, jazidas e m inérios, arsenais com todo o m aterial da m arinha, exército e aviação; bens que fo ra m do d o m ín io da Coroa (Dees.-Leis n. 9 .7 6 0 /4 6 , arts. 6 4 e s.. com as alterações da Lei n. 1 1 .4 8 1 /2 0 0 7 , 2 2 7 /6 7 , 3 1 8 /6 7 , 3 .2 3 6 /4 1 e Lei n. 2 .0 0 4 /5 3 , ora revogada pela Lei n. 9 .4 7 8 /9 7 ). A brang em , ainda, os títu lo s de crédito e dinh eiro arrecadado pelos trib u to s (Lei n. 4 .3 2 0 /6 4 , arts. 6*. § 1», 3 9 , 105 e 112). Os bens públicos dom inicais podem , por d e term in ação legal, ser convertidos em bens de uso com um ou especial. Vide, sobre terras públicas: D ecreto-Lei n. 2 .3 7 5 /8 7 , que revogou o D ecreto-Lei n. 1 .1 6 4 /7 1 , e C onstituição do Estado de São Paulo, 1989, a rt. 1 8 7 , 1 a IV.

JULGADO • "Universidade de São Paulo. Cidade Universitária. Fechamento à visitação pública nos finais de semana e feriados. Admissibilidade. Patrim ônio da autarquia, cujos bens são da categoria 'bens especiais'. Art. 66, inciso II, do CC (de 1916). Acesso, portanto, restrito e lim itado. Ação civil pú­ blica improcedente. Recurso não provido" (JTJ-Lex; 207:12).

Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

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Arts. 101 e 102

DOUTRINA • In a lie n a b ilid a d e d os b e ns p ú b lic o s : Os bens públicos de uso com um do povo e os de uso especial sào indisponíveis ou inalienáveis; logo, não podem ser vendidos, doados ou trocados. Tal inalien ab ilidade poderá ser revogada desde que: o) o seja m ed ian te lei especial; 6) tenham tais bens perdido sua u tilid a d e ou necessidade, nào mais conservando sua qualificação; e c) a en tid ad e pública os aliene em hasta pública ou por m eio de concorrência adm inistrativa.

Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.

HISTÓRICO • O presente dispositivo nào foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • A lie n a b ilid a d e d o s b e n s p ú b lic o s d o m in ic a is : Q u alq u er bem público dom inical pode ser alienado, desde que sejam observadas as exigências legais (p. ex., auto rização legal, licitação e avaliação prévia).

JULGADO • “Bem público - Alienação - Admissibilidade em tese - Necessidade de ser previam ente desafetado, considerando-se a disericionariedade absoluta do M unicípio em tudo o que fo r de seu pe­ culiar interesse" [RT, 7 1 7:93).

Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.

HISTÓRICO • Tal era a redação prim itiva do dispositivo quando de sua remessa à Câmara dos Deputados: "Sal­ vo disposição especial de lei, os bens públicos nào estão sujeitos a usucapião". Com as alterações propostas pelo Senado Federal e aprovadas posteriorm ente pela Câmara, adquiriu a presente re­ dação. Disse o relator Ricardo Fiuza, quando da aprovação de seu parecer, o seguinte: “A Consti­ tuição Federal, em seus arts. 183, § 3 o, e 191, parágrafo único, respectivamente, estabelece que ‘os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião'. Nào fazendo ressalva a lei especial. Por conseguinte, o Código tam bém nào poderia conter ressalva dessa natureza. A emenda conciliou a redação do dispositivo ao já estatuído no § 3° do art. 183 e no parágrafo único do art. 191 da CF/88, embora o fizesse extensivam ente, visto que o texto constitucional acima invocado restrin­ ge, especificamente, sua incidência ao chamado usucapião especial, nas espécies de usucapiào-m oradia e de usucapião p ro labore. É de indagar se essa regra constitucional, lim itada pela sedes m a te ria e , terá aplicação a todas as demais hipóteses de prescrição aquisitiva. Embora a Constitui­ ção Federal silencie sobre o usucapião convencional, considerada em seus pressupostos básicos, é de ver que em atingindo as restrições constitucionais as espécies mais privilegiadas da usucapio, curial se torna que a vedação deva ser extensiva aos demais casos".

DOUTRINA • In a lie n a b ilid a d e d o s b e n s p ú b lic o s e a q u e s tã o d o u s u c a p iã o : Os bens públicos, por serem inalienáveis (CC, a rt. 100), nào poderão ser usucapidos. • Im p re s c ritib ilid a d e e im p e n h o ra b ilid a d e d o s b e ns p ú b lic o s c o m o c a ra c te re s d e c o rre n te s da s u o in a lie n a b ilid a d e : Os bens públicos sào im prescritíveis, n ã o p o d e n d o s e r a d q u irid o s p o r u s u c a p iã o (CF/88, a rt. 191, p arág rafo único; RT, 7 2 9 :161, 6 0 6:53 , 4 6 3 :6 6 ). M as há alguns juristas, com o Silvio Rodrigues, que, a n te o disposto na C onstituição Federal, a rt. 188, a d m i­

Arts. 103 e 104

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te m o usucapião de terras devolutas. São im penhoráveis, porque inalienáveis, sendo, p o rta n ­ to. insuscetíveis de serem dados em g a ran tia. A im penho rab ilidade im pede que o bem passe do patrim ôn io do devedor ao do credor, ou de o u trem , por fo rça de execução ju d icial (a d ju ­ dicação ou arrem ataçào).

SÚMULA • Súmula 340 do STF: "Desde a vigência do Código Civil, os bens dominiais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião".

JULGADOS • "Civil. Usucapião. Alegação, pelo Estado, de que o imóvel constitui terra devoluta. A ausência de transcrição no Oficio Im obiliário não induz a presunção de que o imóvel se inclui no rol das terras devolutas. 0 Estado deve provar essa alegação. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial não conhecido" (STJ, 3* T., REsp 113.255, Rei. M in. Ari Pargendler, j. em 1 0 -4 -2 0 0 0 ). • "Usucapião - Servidão de passagem - Bem público de uso comum - Impossibilidade jurídica do pedido" [RT, 6 0 6 :53).

Art. 103.0 uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi atingido por qualquer alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • U so g r a tu it o o u o n e ro s o d o s b e n s p ú b lic o s : Os bens podem ser utilizados g ra tu ita ou o n e rosam ente, c o n fo rm e fo r estabelecido, por lei, pela e n tid a d e a cuja adm inistração p ertence­ rem. A regra geral é o seu uso g ra tu ito , dado que são destinados ao serviço do povo ou da com unidade, que para ta n to paga impostos. Todavia, nào perderão a natu reza de bens p ú ­ blicos se leis ou regulam entos adm inistrativos condicionarem ou restringirem o seu uso a certos requisitos ou mesmo se in stitu írem p ag am en to de retribuição. P. ex.: pedágio nas es­ tradas, venda de ingresso em museus, para c o n trib u ir para sua conservação ou custeio.

JULGADO • "Pedágio. Cobrança. Interdição da Estrada Velha do M ar, obrigando o usuário desta a se utilizar da Via Anchieta. Pretendida ilegalidade do pedágio. Preço público e nào taxa. Tarifa criada por legislação ordinária, quando em recesso a Assembleia Legislativa. Rejeição da tese de que a co­ brança estaria condicionada à existência de alternativa viária desimpedida" [RJTJSP, 4 0 :124).

Livro III — D O S FA TO S JU R ÍD IC O S T ítu lo I — D O N E G Ó C IO JU R ÍD IC O

C ap ítu lo I — DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer

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Art. 104

I — agente capaz; II — objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III — forma prescrita ou não defesa em lei.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • E le m e n to s e ss e n c ia is d o a to n e g o c ia i: Os e le m e n to s e s se n cia is sào im prescindíveis à exis­ tência e valid ade do a to negociai, pois fo rm am sua substância; podem ser g e ra is, se com uns à generalidade dos negócios jurídicos, dizendo respeito à capacidade do agen te, ao objeto lícito e possível e ao consen tim en to dos interessados; e p a rtic u la re s , peculiares a d e te rm in a ­ das espécies por serem concernentes à sua fo rm a e prova. • C a p a c id a d e d o a g e n te : Com o to d o a to negociai pressupõe um a declaração de vo n tad e, a capacidade do ag e n te é indispensável à sua participação válid a na seara jurídica. Tal c a p a c i­ d a d e poderá ser: o) g e ra l, ou seja, a de exercer direitos ( G e s c h õ fts fa h ig k e it) por si, logo o a to praticado pelo ab so lu tam en te incapaz sem a devida representação será nulo (CC, art. 1 6 6 ,1) e o realizado pelo re lativa m e n te incapaz sem assistência será anulável (CC, art. 171, I); 6) esp ecia l, ou legitim ação, requerida para a valid ade de certos negócios em dadas circu nstân­ cias, p. ex., pessoa casada é plen am en te capaz, em bora não ten h a capacidade para vender im óvel sem a u to riza ç ã o do o u tro consorte ou suprim ento ju d icial desta (CC, arts. 1.649 e 1.650), exceto se o regim e m a trim o n ia l de bens fo r o de separação. • O b je to lic ito , p o ss íve l, d e te rm in a d o o u d e te rm in á v e l: 0 negócio ju ríd ic o válido deverá ter, com o diz Crom e, em todas as partes que o constitu írem , um conteúd o legalm en te perm itid o [ in a lle n ih re n B e s ta n d te ile n e in e n re c h tlic h z u là s s ig e n In h a lt). Deverá ser lícito, ou seja, c o n fo rm e a lei, não sendo co n trá rio aos bons costum es, à ordem pública e à m oral. Se tiv e r objeto ilícito , será nulo (CC, a rt. 166, II). É o que ocorrerá, p. ex., com a com pra e venda de coisa roubada. Deverá te r ainda o b je to possível, física ou ju rid ic a m en te . Se o a to negociai co n tiver prestação im possível, com o a de dar v o lta ao m undo em um a hora ou de vender herança de pessoa viva (CC, a rt. 4 2 6 ), deverá ser declarado nulo (CC, arts. 104, II, e 166, II). Deverá te r objeto d e term in ad o ou, pelo menos, suscetível de determ inação, pelo gênero e q uantidade, sob pena de nulidade absoluta (CC, a rt. 166, II). • C o n s e n tim e n to d o s in te re s s a d o s : As partes deverão anuir, expressa ou ta c ita m e n te , para a form ação de um a relação jurídica sobre determ inado objeto, sem que se apresentem quaisquer vícios de consentim ento, com o erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão, ou vícios sociais, com o sim ulação e fra u d e contra credores. • F o rm a p re s c rita o u n ã o d e fe s a em le i: Às vezes será im prescindível seguir determ in ad a fo rm a de m anifestação de vo n tad e ao se p raticar a to negociai dirigido á aquisição, ao resguardo, à m od ificação ou extinção de relações jurídicas. 0 princípio geral é que a declaração de v o n ­ tad e independe de fo rm a especial (CC, art. 107), sendo suficiente que se m anifeste de m odo a to rn a r conhecida a in te n tio do declarante, d e n tro dos lim ites em que seus direitos podem ser exercidos. Apenas, excepcionalm ente, a lei vem a exig ir d e te rm in a d a fo rm a, cuja inobser­ vância invalidará o negócio.

JULGADO • “Ressente-se de imperfeição o ato jurídico de alienação de bem imóvel praticado por pessoa in­ capaz de discernir em razão de estado de saúde m ental, cumulado com graves irregularidades, como colheita de assinatura de alienante em sua residência sem a presença de tabelião ou quem o representasse e sob um vicio intransponível de dolo do adquirente, contratado que foi para

Arts. 105 e 106

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serviços profissionais para um processo de inventário dos bens da falecida esposa do alienante" [RT, 6 2 6 :143).

Art. 105. A incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada pela outra em benefício próprio, nem aproveita aos cointeressados capazes, salvo se, neste caso, for indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum. HISTÓRICO • O presente dispositivo nào serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • In c a p a c id a d e re la tiv a c o m o e xce çã o p e s s o a l: Por ser a incapacidade relativa um a exceção pessoal, ela som ente poderá ser fo rm u lad a pelo próprio incapaz ou pelo seu representante. Com o a anulab ilid ad e do a to negociai praticado por re lativa m e n te incapaz é um benefício legal para a defesa de seu p a trim ô n io contra abusos de o u trem , apenas o próprio incapaz ou seu representante legal o deverá invocar. Assim, se num negócio um dos c o n tra tan te s fo r capaz e o o u tro incapaz, aquele não poderá a leg ar a incapacidade deste em seu próprio proveito, porque devia te r procurado saber com quem c o n tra tav a e porque se tra ta de pro­ teção legal oferecida ao re lativa m e n te incapaz. Se o c o n tra ta n te fo r ab solutam ente incapaz, o a to por ele praticado será nulo (CC, a rt. 1 6 6 ,1), pouco im p o rtan d o que a incapacidade tenha sido invocada pelo capaz ou pelo incapaz, tend o em vista que o Código Civil, pelo art. 168, p arágrafo único, não possibilita ao m agistrado suprir essa nulidade, nem mesmo se os con­ tra ta n te s o solicitarem , im p o n d o -s e -lh e até m esm o o dever de d e c lará -la de ofício. • In v o c a ç ã o d a in c a p a c id a d e d e u m a d a s p a rte s a n te a in d iv is ib ilid a d e d o o b je to d o d ire ito o u d a o b rig a ç ã o c o m u m : Se o o b je to do d ire ito ou da obrigação com um fo r indivisível, an te a im possibilidade de separar o interesse dos contratan tes, a incapacidade de um deles pode­ rá to rn a r anulável o a to negociai praticado, m esm o que invocada pelo capaz, aproveitando aos cointeressados capazes que p o rventu ra houver. Logo, nesta hipótese, o capaz que veio a c o n tra ta r com re lativa m e n te incapaz estará au to riza d o leg alm en te a invocar em seu fa v o r a incapacidade relativa deste, desde que indivisível a prestação objeto do d ire ito ou da o b rig a ­ ção com um .

Art. 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for re­ lativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado. HISTÓRICO • O presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • Im p o s s ib ilid a d e re la tiv a d o o b je to : Se a im possibilidade inicial do objeto fo r relativa, isto é, se a prestação puder ser realizada por o u trem , em bora nào o seja pelo devedor, nào in vali­ dará o negócio jurídico. • C essação d a im p o s s ib ilid a d e d o o b je to n e g o c ia i a n te s d o im p le m e n to d a c o n d iç ã o : Se o negócio ju ríd ico , contend o ob jeto impossível, tiv e r sua eficácia subordinada a um evento fu tu ro e incerto, e aquela im possibilidade cessar antes de realizada aquela condição, válida será a avença.

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Arts. 107 e 108

Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. HISTÓRICO • O presente dispositivo nâo foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação, salvo pequeno ajuste de cunho estritam ente redaeional, é a mesma do projeto original.

DOUTRINA • F o rm a liv re : Nosso Código Civil inspira-se no princípio da fo rm a livre, o que quer dizer que a valid ade da declaração da vo n tad e só dependerá de fo rm a determ in ad a quand o a norm a ju ríd ic a ex p licita m e n te o exigir. A fo rm a livre é qualq u er m eio de exterio rização da v ontade nos negócios jurídicos, desde que não previsto em norm a ju ríd ica com o o b rig ató rio : palavra escrita ou fa la d a , gestos e a té m esm o o silêncio. P. ex.: a doação de bens móveis de pequeno valo r (CC, a rt. 541, p arág rafo único).

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. HISTÓRICO • Na redação original do projeto, o presente dispositivo referia-se apenas à constituição ou trans­ ferência de direitos reais sobre imóveis. Durante o periodo inicial de tram itação na Câmara, emenda do Deputado Juarez Bernardes fez inserir a referência a “m odificação ou renúncia", com a seguinte justificativa: "A emenda acrescentou duas palavras: 'modificação* ou 'renúncia' de direitos reais sobre imóveis. É que, como nota Serpa Lopes, ao criticar o anteprojeto, os direitos reais nào somente se constituem e transferem , mas tam bém se modificam. E o interessado pode tam bém a eles renunciar, como se dá frequentem ente nas heranças. Salientou o jurista: ‘um usu­ fruto vitalício, em que o nu-proprietário e o usufrutuário convencionam lim itar-lhe o prazo para um determ inado núm ero de anos; assim tam bém no caso de servidões, em que certos pontos vitais sofram modificações, por acordo entre os proprietários dos prédios dom inante e serviente’. Do que foi dito, vê-se que a redação anterior era incom pleta porque omissa quanto às situações realm en­ te im portantes e que cumpre resguardar e prever, a fim de acautelar o próprio interesse das partes" (Deputado Juarez Bernardes). Posteriormente, o artigo não serviu mais de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • F o rm a ú n ic a : É aquela que, por lei, não pode ser preterida por o u tra. Assim, para um negócio ju ríd ico , que vise constitu ir, transferir, m o d ifica r ou renunciar direitos reais sobre im óveis de valo r superior a trin ta vezes o m aior salário m ín im o vig en te no País, exige-se que ele se e fe tiv e m e d ia n te escritura pública, sob pena de invalidade, desde que inscrita em registro com p eten te, para d a r-lh e publicidade e oponibilidade contra terceiro.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 289, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: " 0 valor de 30 salários mínimos constante no art. 108 do Código Civil brasileiro, em referência à form a pública ou particular dos negócios jurídicos que envolvam bens imóveis, é o atribuído pelas partes contratantes e não qualquer outro valor arbitrado pela Adm inistração Pública com finalidade tributária".

Arts. 109 e 110

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JULGADOS • "Inventário. Pedido de adjudicação de bem arrolado. Instrum ento particular. Art. 108 do CC. Valor inferior ao estipulado em lei. Recurso Provido. 0 art. 108 do Código Civil ressalta que, não dispon­ do a Lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que trans­ ferem direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário m ínim o vigente no pais. Considerando-se que para os fins legais os direitos hereditários são bens imóveis, exige-se a escritura pública para a cessão destes direitos. Porém, tendo o bem que se pretende adjudicar valor que não alcança o m ontante equivalente a trin ta salários mínimos, poderá esta ser realizada através de instrum ento particular"(TJMG, 11 Câm. Cível, Al 1 .00 3 5.07.1017244/0011, Araguari, Rei. Des. Geraldo Augusto de Almeida, j. em 3 0 -9 -2 0 0 8 ). • "A certidão de casamento nào é suficiente para demonstrar que o casamento foi celebrado sob o regim e de separação de bens. É imprescindível te r havido pacto antenupcial com convenção nes­ se sentido" [RT, 783:255).

Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • P re v is ã o c o n tr a tu a l d e fo rm a e sp e cia l: A emissão da v o n ta d e é dotada de poder criador; assim sendo, se houver cláusula negociai estipulando a invalidade do negócio ju ríd ico , se ele não se fize r por m eio de escritura pública, esta passará a ser de sua substância. Logo, tal declaração de v ontade som ente terá eficácia ju ríd ic a se o a to negociai revestir a fo rm a pres­ c rita c o n tra tu a lm e n te .

Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reser­ va mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • R eserva m e n ta l líc ita : A reserva m ental é a emissão de um a intencional declaração nào q u e ­ rida em seu conteúdo, nem tam po uco em seu resultado, pois o d eclarante tem por único o b je tiv o enganar o declaratário. Logo, se conhecida da o u tra parte, não to rn a nula a decla­ ração da vontade, pois esta inexiste e, consequentem ente, nào se fo rm a qualq u er a to nego­ ciai, um a vez que não havia in te n tio de criar d ire ito , mas apenas de iludir o d eclaratário. Se fo r desconhecida pelo d estinatário, subsiste o ato. • R eserva m e n ta l ilíc ita c o n h e c id a d o d e c la ra tá rio : Se, além de enganar, houver intenção de prejudicar, te r-s e -á vício social sim ilar à sim ulação, ensejando nulidade do a to negociai. É preciso esclarecer que o co nhecim ento da reserva m ental que acarreta a invalidade do ne­ gócio som ente pode ser admissível a té o m o m en to da consum ação do a to negociai, pois se o d e c lara tá rio com unicar ao reservante, antes da e fetivação do negócio, que conhece a reser­ va, nào haverá esta fig u ra, que te m por escopo enganar o declaratário.

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Arts. 111 e 112

JULGADO • “Dano moral. Responsabilidade civil. Dano m aterial. Protesto indevido de titulo. Ré ainda ajuizou, por conta do mesmo indevido protesto do título, ação falim entar em face da autora. Alegação de que a autora utilizou-se do instituto da reserva m ental, do artigo 110 do Código Civil. Inadmissi­ bilidade. Provas dos autos que confirm am o efetivo dano sofrido pela autora com a restrição creditícia que equivocadamente lhe foi imposta. Condenação por danos morais no patam ar redu­ zido de cinqüenta vezes o valor do título. Recurso im provido“ (TJSP, 27* Câm. Dir. Priv., Acórdão 9 0 6 .2 3 8 -0 /6 , São José do Rio Preto, Rei. Des. Beatriz Braga, j. em 2 -5 -2 0 0 6 ).

Art. 111.0 silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autori­ zarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu modificação, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • S ilê n c io c o m o fo to g e ra d o r d e n e g ó c io ju r íd ic o : 0 silêncio pode dar origem a um negócio ju ríd ico , visto que indica consentim ento, sendo hábil para produzir efeitos jurídicos, quando certas circunstâncias ou os usos o au to rizarem , não sendo necessária a m anifestação expres­ sa da vontade. Caso co n trário , o silêncio nào terá força de declaração volitiva. Se assim é, o órgão ju d ic a n te deverá averigu ar se o silêncio traduz, ou nào, vontade. Logo, a parêm ia “quem cala consente" não te m juridicidade. 0 puro silêncio apenas terá valo r ju ríd ic o se a lei o d e ­ te rm in a r, ou se acom panhado de certas circunstâncias ou de usos e costum es do lugar, indi­ cativos da possibilidade de m anifestação da vo n tad e, e desde que não seja im prescindível a fo rm a expressa para a e fetivação negociai.

JULGADOS • "Agravo de instrum ento. Execução de sentença. Honorários advocaticios fixados em embargos à execução. Elaboração de acordo na execucional. Nào abrangência dos termos e condições do pacto aos embargos, por constituírem estes últim os ação autônom a. Inexistência de previsão expressa no ajuste acerca da inclusão da verba honorária decorrente da sucumbência nos em bar­ gos do executado. Impossibilidade de presunção de que referida obrigação estaria açambarcada na transação. Inaplicabilidade do art. 111 do Código Civil. Causídico que assina o pacto na quali­ dade de patrono do acordante e não em nom e próprio. Aquiescência do advogado acerca da pactuação envolvendo os honorários sucumbenciais referentes a outro processo inocorrente. Autonom ia do estipêndio que torna legitim a a pretensão do exequente. Inteligência dos arts. 23 e 24, § 4®, ambos do estatuto da advocacia. Decisão guerreada m antida. Agravo desprovido" (TJSC, 4* Cãm. Dir. Com., Al 2 0 0 8 .0 0 1 0 3 1 -1 , Araranguá, Rei. Des. José Carlos C. Kohler, DJSC 1®-8-2008, p. 193). • "0 silêncio como demonstração de aceitação, seja na elaboração de um negócio jurídico, seja na novaçáo, transform ação ou cessação do negócio já existente, é o silêncio intencional, refletido e amadurecido. É a concordância fruto de firm e deliberação" (TJSP, 9* Câm. Dir. Priv., AC 2743892, Rei. Des. Franciulli Netto, j. 2 6 -8 -1 9 9 7 ).

Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstan­ ciada do que ao sentido literal da linguagem. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

Art. 113

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DOUTRINA • In te rp re ta ç ã o d e c la ra tó ria d o n e g ó c io ju r íd ic o : A in terp retação do a to negociai situa-se na seara do conteúd o da declaração volitiva, pois o in té rp re te do sentido negociai nâo deve a ter-se, unicam ente, à exegese do negócio ju ríd ico , ou seja, ao exam e g ram atical de seus term os, mas sim em fix a r a vo n tad e, procurando suas conseqüências jurídicas, indagando sua intenção, sem se vincular, e s trita m e n te , ao te o r lingüístico do a to negociai. Caberá, e n tão , ao in té rp re te investigar qual a real intenção dos con tratan tes, pois sua declaração apenas terá significação quando lhes tra d u z ir a vo n tad e re a lm e n te existente. 0 que im porta é a vontade real e nào a declarada; daí a im po rtân cia de desvendar a intenção consubstanciada na de­ claração, a te n d en d o -se ao principio da conservação do negócio jurídico.

JULGADOS • "Apelação cível. Ação de anulação de ato jurídico. Termo de confissão de divida, procurações e notas promissórias referentes a contrato de compra e venda de veiculo. Autor que alega ter sido vitim a de coação para assinatura de tais documentos. Ausência de provas do alegado vicio de vontade. Prova que incumbia ao dem andante. Inteligência do art. 333, /, do Código de Processo Civil. Atos jurídicos válidos e eficazes. Cláusula contratual existente no term o de confissão que nào condiz com a natureza do ato. Interpretação conform e a real vontade das partes. Inteligência do art. 112 do Código Civil de 2002. Sentença m antida. Recurso desprovido. Não merece guarida a alegação da recorrente concernente à existência de vício de consentim ento ao preencher o cheque, porquanto não restara provada a ocorrência da coação ou a relativa incapacidade decor­ rente de profunda depressão, sendo a prova, neste sentido, de responsabilidade de quem alega" (TJSC, AC 2007.0367561 e 2 0 0 0 .0 1 9 6 6 2 -2 , da Capital. Rei. Des. Stanley Braga, j. em 2 3 -4 -2 0 0 9 ). • "Locação. Espaço destinado à publicidade. Reparação de danos. Parede lateral de edifício. Publi­ cidade pintada, Substituição por painel luminoso. Interpretação do contrato. Inadmissibilidade. Na herm enêutica tradicional existem dois tipos de interpretação dos contratos: a subjetiva e a objetiva. Por prim eiro deve o intérprete procurar esclarecer a vontade real (subjetiva) dos contra­ tantes, ou seja, a intenção comum das partes. Restando dúvidas, ou, para ajudar na investigação, deve-se proceder ao exame concom itante da vontade objetivada no conteúdo do vínculo contra­ tual (objetiva). 0 im portante na busca da intenção comum das partes é o exame e valoração dos respectivos com portam entos durante a denominada fase de execução do contrato, periodo deli­ m itado entre sua form ação e extinção" (2o TACSP, 11* Câm., Ap. c/ Rev. 8 0 7 .3 9 9 -0 0 /0 , Rei. Juiz Egidio Giacoia, j. em 1 7 -1 1 -2 0 0 3 ). • "Despejo - Denúncia vazia - Prazo de desocupação - Vencim ento acordado expressamente no 29° (vigésimo nono) mês - Pacto celebrado de 30 (trinta) meses - Prevalência deste sobre aque­ le - Artigo 85 do Código Civil de 1916. Ainda que do contrato conste expressamente o vencim en­ to do prazo acordado no 29° (vigésimo nono) mês de sua vigência, se do pacto constou ter sido este celebrado com prazo de 30 (trinta) meses, este prevalece sobre aquele, uma vez que, nas declarações de vontade, se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem (artigo 85 do Código Civil de 1916, atual art. 112)" (2a TACSP, 11* Câm., Ap. s/ Rev. 457.816, Rei. Juiz Mendes Gomes, j. em 1 0 -6 -9 9 ). • "A interpretação de cláusula contratual pode ser objeto de ação declaratória. Viola o disposto no art. 85 do CC/16 (CC/2002, art. 112) interpretação que leva em consideração, exclusivamente, a letra de cláusula contratual abstraindo com pletam ente das circunstâncias, em que se firm ou o contrato, de seu contexto como um todo, do fim econômico a que ele visava" [RT, 578:229).

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

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Art. 114

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • In te rp re ta ç ã o b a s e a d a n a b o a -fé e n o s u so s d o lo c a l d e s u a c e le b ra ç ã o : 0 princípio da b o a - f é está in tim a m e n te ligado não só è in te rp re ta ç ã o do negócio ju ríd ico , pois segundo ele o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção in fe rid a da declaração da v o n ta d e das partes, mas ta m b é m ao interesse social de segurança das relações jurídicas, um a vez que as partes devem ag ir com lealdade e ta m b é m de confo rm id ad e com os usos do local em que o a to negociai fo i por elas celebrado.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO C IVIL - CJF • Enunciado 409, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Os negócios jurídicos devem ser interpretados não só conform e a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração, mas tam bém de acordo com as práticas habitualm ente adotadas entre as partes". • Enunciado 402, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Os contratos coligados devem ser interpretados segundo os critérios hermenêuticos do Código Civil, em especial os dos arts. 112 e 113, considerada a sua conexão funcional".

JULGADO • "Apelação. Ação revisional de contrato. Relação de consumo. Inexistência. Revisão contratual. Possibilidade. Causa de pedir. Existência. Mesmo nas relações contratuais não amparadas pelo direito do consumidor, pode o judiciário rever as normas estabelecidas na avença, como form a de prestigiar a função social do contrato e a boa-fé objetiva em detrim ento da autonom ia da von­ tade. Da leitura da peça vestibular, extrai-se que o fa to é a celebração do contrato de financia­ mento n. 8 8 57 9 8 .0 e o fundam ento jurídico revela-se no direito a legalidade das cláusulas con­ cernentes aos juros, de mora e remuneratórios, anatocismo e comissão de permanência" (TJMG, 15* Câm. Civel, AC 1 0 02 4 .08.255985.7/0011, Belo Horizonte, Rei. Des. Tibúrcio Marques, j. em 1 2 -2 -2 0 0 9 ).

Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • In te rp re ta ç ã o re s tr itiv a de n e g ó c io ju r íd ic o b e n é fic o e de re n ú n c ia : Os negócios jurídicos benéficos [RT, 7 0 6 :1 1 6 ) e a renúncia [RT, 7 7 4 :3 7 6 ) deverão ser interpretado s restritivam ente, isto é, o ju iz nào poderá dar a esses atos negociais in terp retação am pliativa, devendo lim ita r-se, u n icam en te, aos contornos traçados pelos contraentes, vedada a in te rp re ta ç ã o com dados alheios ao seu texto .

JULGADOS • "A renúncia ou o perdão da divida não se presumem, e nào adm item interpretação extensiva, exigindo o seu reconhecimento m anifestação inequívoca do credor" [RT, 7 7 4 3 76-9). • "Ocorrendo transação entre locador e locatário em ação ordinária de despejo e dela não havendo participado os fiadores, por certo que deles não se pode exigir a que não se obrigaram, pois, em sendo a fiança contrato benéfico, deve ele ser interpretado restritivam ente, como aliás norm ativa a lei civil (arts. 1.090 CC/16 e 114 CC /2002). Sendo taxativa a propósito a regra do art. 1.483 do

Arts. 115 a 117

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CC/16 (art. 819 do CC/2002) quando dispõe inadm itir, na fiança, interpretação extensiva" [RT, 706: 116).

Capítulo II — D A REPRESENTAÇÃO Art. 115. Os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de paleo a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C o n c e ito de re p re s e n ta ç ã o : A representação é a relação ju ríd ic a pela qual certa pessoa se obriga d ire ta m e n te p e ra n te terceiro, por m eio de a to praticado em seu nom e por um repre­ s entante, cujos poderes sào conferidos por lei ou por m andato. • R e p re s e n ta n te le g a l: 0 representante legal é aquele a quem a norm a ju ríd ica con fere pode­ res para adm in istrar bens alheios, com o o pai, ou m ãe, em relação a filh o m enor (CC, arts. 115, 1* parte, 1.634, V, e 1.690), tu to r, q u a n to ao pupilo (CC, art. 1 .7 4 7 ,1) e curador, no que concerne ao curatelad o (CC, a rt. 1.774). A representação legal serve aos interesses do incapaz. • R e p re s e n ta n te c o n v e n c io n a l o u v o lu n tá rio : O representante convencionado é o m unido de m andato expresso ou tácito, verbal ou escrito, do representado, com o o procurador, no con­ tra to de m a n d ato (CC, arts. 115, 2* parte, 6 5 3 a 6 9 2 e 120, 2* parte).

Art. 116. A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao representado. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • E fe ito s d a re p re s e n ta ç ã o : A m anifestação da vo n tad e pelo representante, ao e fe tiv a r um negócio em nom e do representado, nos lim ites dos poderes que lhe fo ra m conferidos, produz efeitos jurídicos re lativa m e n te ao representado, que adquirirá os direitos dele decorrentes ou assumirá as obrigações que dele advierem . Logo, um a vez realizado o negócio pelo represen­ ta n te , os direitos serão adquiridos pelo representado, incorporando-se em seu patrim ôn io; ig u alm en te os deveres contraídos em nom e do representado devem ser por ele cum pridos, e por eles responde o seu acervo patrim o n ial.

Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo. Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido subestabelecidos. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de alteração relevante, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

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Arts. 118e 119

DOUTRINA • C o n se q ü ê n cia ju r íd ic a d o s u b s ta b e le c im e n to : Se, em caso de representação v o lu n tária , h o u ­ ve substabelecim ento de poderes, o a to praticado pelo substabelecido re p u ta r-s e -á com o tend o sido celebrado pelo substabelecente, pois nào houve transm issão do poder, mas m era o utorga do poder de representação. É preciso esclarecer que o poder de representação legal é insuscetível de substabelecim ento. Os pais, os tu to res ou os curadores não podem substabelecer os poderes que tê m em v irtu d e de lei. • A n u la b ilid a d e de n e g ó c io ju r íd ic o c e le b ra d o c o n s ig o m e s m o : Se o representante vier a e fe ­ tiv a r negócio ju ríd ic o consigo mesmo no seu interesse ou por conta de o u trem , anulável será tal ato, exceto se houver permissão legal ou a u to riza ç ã o do representado.

JULGADO • “Civil. Autocontrato (contrato consigo mesmo). Art. 117 do Código Civil. Anulabilidade. Salvo se o perm itir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu in­ teresse ou por conta de outrem , celebrar consigo mesmo. Logo, uma vez praticado o ato pelo primeiro réu e em seu próprio benefício, a declaração judicial de nulidade da escritura de cessão de direitos e ação de meaçáo de herança é medida jurídica que se mostra adequada, não se sujei­ tando, por conseguinte, a m odificação objetivada. Sentença correta. Im provim ento do recurso" (TJRJ, Ap. 2 0 06 .001.65267, Rei. M aldonado de Carvalho, j. em 6 -3 -2 0 0 7 ).

Art. 118.0 representante é obrigado a provar às pessoas, com quem tratar em nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • N e ce ssid a d e de c o m p ro v a ç ã o d a q u a lid a d e de re p re s e n ta n te e d a e x te n s ã o d o s p o d e re s o u to rg a d o s : Com o os negócios jurídicos realizados pelo representante sào assumidos pelo representado, aquele terá o dever de provar àqueles, com quem v ier a tra ta r em nom e do representado, não só a sua qualidade, mas ta m b é m a extensão dos poderes que lhe foram conferidos, sob pena de, nào o fazendo, ser responsabilizado c ivilm e n te pelos atos que exce­ derem àqueles poderes.

Art. 119. É anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou. Parágrafo único. É de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade, o prazo de decadência para pleitear-se a anulação prevista neste artigo. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

Arts. 120 e 121

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DOUTRINA • C o n flito de in te re s s e s e x is te n te e n tre re p re s e n ta n te e re p re s e n ta d o : Se, porventu ra, o repre­ sentante concluir negócio jurídico, havendo c o n flito de interesses com o representado, com pessoa que devia te r co nhecim ento desse fa to , aquele a to negociai deverá ser declarado anulável. • P ra zo d e e a d e n e ia l p a ra a n u la ç ã o d e a to e fe tu a d o p o r re p re s e n ta n te e m c o n flito d e in te re s ­ ses co m o re p re s e n ta d o : Pode-se p leitear anulação do negócio celebrado com terceiro, pelo representante em c o n flito de interesses com o representado, d e n tro de cento e o ite n ta dias, contados da conclusão do negócio ju ríd ic o ou da cessação da incapacidade do representado. • P o p e l d o c u ra d o r e s p e c ia l: Havendo c o n flito de interesses e n tre representado e representan­ te, os atos negociais deverão, para ser válidos, ser celebrados por curador especial.

Art. 120. Os requisitos e os efeitos da representação legal são os estabelecidos nas normas respectivas; os da representação voluntária são os da Parte Especial deste Código. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • N o rm a s d is c ip lin a d o ro s d o s e fe ito s e d o s re q u is ito s d a re p re s e n ta ç ã o : Os requisitos e os efeitos da representação legal regem -se pelos arts. 1.634, V, 1 .6 9 0 ,1 .7 4 7 ,1, e 1 .77 4 do C ódi­ go Civil e os da representação v o lu n tária pelos arts. 6 5 3 a 6 9 2 do Código Civil, alusivos ao c o n tra to de m andato .

Capítulo III — D A CO NDIÇÃO , DO TERM O E DO ENCARGO Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto. HISTÓRICO • O presente dispositivo nào foi objeto de emenda, quer da parte do Senado Federal, quer da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C o n c e ito d e c o n d iç ã o : Condição é a cláusula que subordina o e fe ito do negócio jurídico, oneroso ou g ra tu ito , a even to fu tu ro e incerto [RT, 6 8 8 /8 0 , 4 8 4 /5 6 ). • R e q u is ito s : Para a co nfig uração da condição será preciso a ocorrência dos seguintes requisi­ tos: o) a c e ita ç ã o v o lu n tá rio , por ser declaração acessória da vo n tad e incorporada a ou tra, q ue é a principal por se re fe rir ao negócio a que a cláusula condicional se adere com o o b je­ tiv o de m o d ifica r um a ou algum as de suas conseqüências naturais; b) fu tu r id a d e d o e ve n to , visto que exigirá sem pre um fa to fu tu ro , do qual o e fe ito do negócio dependerá; e c) in c e r­ te za d o a c o n te c im e n to , pois a condição relaciona-se com um a co n tecim en to incerto, que poderá ocorrer ou não.

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Arts. 122 e 123

JULGADO • “Se no contrato de promessa de compra e venda explicitou-se o meio pelo qual a quantia para pagam ento seria obtida, reportando-se a um acontecim ento incerto e futuro, sem contudo fazer dele depender a existência do negócio jurídico, mas com intu ito de melhor esclarecer a vontade, nâo se verifica uma condição, nos term os do art. 114 do CC/16 (art. 121 do CC/2002), sendo, assim, plenam ente possível a resolução contratual diante do não pagamento" [RT, 688:80).

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efei­ to o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C o n d iç ã o lí c ita : Lícita será a condição quando o even to que a constitui não fo r co n trá rio á lei, à ordem pública ou aos bons costumes. • C o n d içõ e s p ro ib id a s : Estão defesas, além das ilíc ita s (art. 123, II), as condições: o) p e rp le xa s, se privarem o a to negociai de to d o o e fe ito , com o a venda de um prédio sob a condição de não ser ocupado pelo com prador; e 6) p u ra m e n te p o te s ta tiv a s , se advindas de m ero a rb ítrio de um dos sujeitos. P. ex.: constituição de um a renda em seu fa v o r se você vestir tal roupa am anhã; aposição de cláusula que, em c o n tra to de m útuo, dê ao credor poder u n ila te ra l de provocar o ven c im e n to antecipado da dívida, d ian te de simples circunstância de rom per-se o vínculo e m p reg atício e n tre as partes. U rge lem brar que a condição resolutiva p uram ente potestativa é a d m itid a ju rid ic a m e n te , pois nào subordina o e fe ito do negócio ju ríd ic o ao a rb ítrio de um a das partes, mas sim sua ineficácia. Sendo ta l condição resolutiva, nulidade não há porque existe um vínculo ju ríd ic o válido consistente na vo n tad e a tu a l de se obrigar, de cum p rir a obrigação assumida, de sorte que, com o observa V icen te Ráo, o a to ju ríd ic o chega a prod uzir os seus efeitos, só se resolvendo se a condição, positiva ou negativa, se realizar e quando se realizar. 0 art. 122 veda a condição suspensiva p u ram en te potestativa.

JULGADOS • "Inexiste, pois, proibição a que a eficácia do ato esteja condicionada a acontecim ento futuro, cuja realização dependa do devedor ou possa ser por ele obstada. Defesa é a condição m eram ente potestativa, correspondente à form ula s i volam , que retira a seriedade do ato, por inadmissível que alguém queira, sim ultaneam ente, obrigar-se e reservar-se o direito de não se obrigar" (STJ, 3* T., REsp 20.982, Rei. M in. Dias Trindade, j. em 1 0 -1 1 -1 9 9 2 , DJ, 2 2 -3 -1 9 9 3 ). • "A reversão, in n a tu ra , de imóvel vendido pelo sócio à sociedade prevista no contrato social, na hipótese de dissolução da sociedade antes do decurso de cinco anos da data de sua constituição (...) nào consubstancia condição potestativa pura" (STF, 2* T., RE 65.619, Rei. M in. Eloy da Rocha j. em 2 7 -4 -1 9 7 0 , DJ, 2 -1 0 -1 9 7 0 ). • "A cláusula contratual de reajuste dos preços que faculta à credora a escolha arbitrária de outros índices concom itantes àquele inicialm ente adotado constitui condição potestativa, vedada pelo art. 115 do CC/16 (art.122 do CC/2002)" [RT, 678:94).

Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados: I — as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas; II — as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;

Arts. 124 e 125

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III — as condições incompreensíveis ou contraditórias. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alvo de alteração relevante, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C o n d içõ e s s u s p e n s iv a s fís ic a o u ju rid ic a m e n te im p o s s ív e is : As condições fisicam ente im pos­ síveis são as que não podem e fe tiv a r-s e por serem contrárias à n atu reza. P. ex.: a doação de um a casa a quem tro u xe r o m ar a té a Praça da República da cidade de Sào Paulo será invá­ lida, visto que a condição suspensiva que subordina a eficácia negociai a even to fu tu ro in ­ c erto é impossível fisicam ente. As condições ju rid ic a m e n te impossíveis são as que invalidam os atos negociais a elas subordinados, por serem contrárias à ordem legal, com o, p. ex., a o u to rg a de um a v a n tag em pecuniária sob condição de haver renúncia ao trab alh o , o que fere os arts. 193, 6*, 5?, X III, e 170, p arág rafo único, da C onstituição Federal de 1988, que consi­ dera o tra b a lh o um a obrigação social. • C o n d içõ e s ilíc ita s o u d e fa z e r co is a ilí c it a : As condições ilícitas ou as de fa ze r coisa ilícita são condenadas pela norm a ju ríd ic a , pela m oral e pelos bons costum es e, por isso, invalidam os negócios a que fo re m apostas. P. ex.: p ro m e ter um a recom pensa sob a condição de alguém viver em concubinato im puro ; dispensar, se casado, os deveres de coabitaçào e fidelidade m ú tu a ; m ud ar de religião, ou, ainda, nào se casar. • C o n d içõ e s in c o m p re e n s ív e is o u c o n tr a d itó r ia s : Se os negócios contiverem cláusulas que subordinem seus efeitos a even to fu tu ro e incerto, mas eivadas de obscuridades, possibilitan­ do várias interpretações pelas dúvidas que levantam , tais atos negociais in v a lid ar-se -ào .

JULGADO • "Não constitui condição juridicam ente impossível, capaz de invalidar o ato, sua im plícita subor­ dinação a outro que consistiria na venda de imóvel penhorado por terceiro. A penhora, podendo ser levantada pelo pagam ento ou por improcedência da execução que lhe deu causa, não torna inalienável o bem" (STF, 2»T., RE 85.019, Rei. M in. Décio M iranda, j. em 2 8 -1 1 -1 9 7 8 , DJ, 9 -3 -1 9 7 9 ).

Art. 124. Têm-se por inexistentes as condições impossíveis, quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C o n d iç ã o re s o lu tiv a im p o s s ív e l: Se fo r aposta num negócio condição resolutiva impossível ou de nào fa ze r coisa impossível, será tida com o não escrita; logo, o negócio valerá com o ato incondicionado, sendo puro e simples, com o se condição algum a se houvesse estabelecido, por ser considerado inexistente.

Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, en­ quanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.

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Art. 126

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nâo foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação, salvo pequenos ajustes de cunho estritam ente redacional, é a mesma do projeto original.

DOUTRINA • C o n d iç ã o s u s p e n s iv a : Será suspensiva a condição se as partes pro telarem , tem p o raria m e n te , a eficácia do negócio a té a realização do a co n tecim en to fu tu ro e incerto. • E fe ito da c o n d iç ã o s u s p e n s iv a p e n d e n te : P endente a condiçáo suspensiva nào se terá d ire i­ to adquirido, mas exp ectativa de d ireito ou d ire ito e v en tu a l. Só se adquire o d ire ito após o im p lem en to da condição. A eficácia do a to negociai fic a rá suspensa a té que se realize o even to fu tu ro e incerto. A condição se diz realizada quando o aco n te c im e n to previsto se v e rificar. T e r-se-á, e n tão , o ap e rfe iço am en to do a to negociai, operando -se ex tu n c , ou seja, desde o dia de sua celebração, se in t e r viv o s, e à data da a b e rtu ra da sucessão, se ca u sa m o rtis , daí ser retroativo.

JULGADOS • "Cobrança de honorários advocaticios. Negócio jurídico submetido à condição suspensiva. Base de cálculo. Juros. Correção m onetária. 1. Se a eficácia do contrato de prestação de serviços firm ado pelas partes está submetida à condição suspensiva térm ino do contrato - enquanto esta não se verificar, nào se terá adquirido o direito a que ele visa. 2. Os juros de mora têm como term o a q u o a citação. 3. A correção m onetária, por ser mera atualização da moeda, é devida desde a data do efetivo recebimento de cada uma das parcelas. 4. A inexistência de cláusula escrita estipulando a base de cálculo dos honorários impõe a interpretação do contrato em favor do cliente, fixando o valor líquido, que é o que representa o efetivo beneficio alcançado com a demanda. 5. Provimen­ to do recurso" fTJRJ, 20» Câmara Cível, AC 2007.001.13084, Rei. Des. Letícia Sardas, j. em 1 8 -4 -2007). • "Firmada promessa de doação de imóveis, não pode o prom itente-donatário exigir que o prom itente-doador a cumpra antes de se tornar o proprietário desses bens, se o negócio estava subor­ dinado a essa condição" [RT, 706:151). • "Condição suspensiva - Prescrição. Honorários de advogado. Constitui condição suspensiva a cláusula contratual em que o advogado só percebe honorários se fo r vitorioso na causa. 0 advo­ gado, neste caso, só pode acionar o cliente depois do julgam ento final do feito. Não corre a prescrição, se pendente condição suspensiva. Recurso conhecido e provido" (STF, 1»T., RE 83.942, Rei. Cunha Peixoto, j. em 1 9 -1 0 -1 9 7 6 ).

Art. 126. Se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer da parte do Senado Federal, quer da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • Irr e tr o a tiv id a d e d a c o n d iç ã o s u s p e n s iv a n o s c o n tra to s re a is : A re tro a tiv id a d e da condição suspensiva não é aplicável aos contratos reais, um a vez que só há transferência de p rop rie­ dade após a entreg a do objeto sobre que versam ou da escritura pública d e vid am en te tran s­ crita. Esclarece Clóvis Beviláqua que o im p lem en to da condição suspensiva nào terá e fe ito re tro a tiv o sobre bens fungíveis, móveis adquiridos de b o a -fé e imóveis, se nào constar do registro hipo tecário a inscrição do títu lo , onde se acha consignada a condição.

Arts. 127 e 128

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• In s e rç ã o p o s te r io r d e n o v a s d is p o s iç õ e s : A norm a não veda a possibilidade de, na pendência de um a condição suspensiva, fa ze r novas disposições, que, to davia, não terão valid ade se, realizada a condição, fo re m com ela incom patíveis.

JULGADO • "Pactuada obrigação sob condição suspensiva subordinativa da eficácia obrigacional do próprio contrato, o nào im plem ento da condição, por ato de terceiro, im porta na extinção de pleno direi­ to da obrigação. Em conseqüência, ante a perda de sua eficácia, extingue-se o próprio contrato, retornando os contraentes ao estado anterior à sua celebração", de modo que julgou improceden­ te a ação de indenização por perdas e danos, já que a entrega da mercadoria estava prevista para dia certo, mas condicionada à aprovação de financiam ento que não ocorreu" (TJPR, 1* CCv, AR 0 7 9 5 7 1 1 0 0 , Rei. Des. Ulysses Lopes, j. em 1 9 -1 0 -1 9 9 9 ). Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C o n d iç ã o re s o lu tiv a : A condição resolutiva subordina a ineficácia do negócio a um evento fu tu ro e incerto. E nquanto a condição nào se realizar, o negócio ju ríd ic o vigorará, podendo exercer-se desde a celebração deste o d ire ito por ele estabelecido. Mas, verificada a condição, para todos os e fe ito s extin g u e-se o d ire ito a que ela se opõe. P. ex.: constituo um a renda em seu favor, e n q u a n to você estudar.

Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direi­ to a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • Im p le m e n to d e c o n d iç ã o re s o lu tiv a : Se um a condição resolutiva fo r aposta em um a to ne­ gociai, e n q u a n to ela nào se der, vigorará o negócio jurídico, mas, ocorrida a condição, o p e ra r-s e -á a extinção do d ire ito a que ela se opõe. M as, se ta l negócio fo r de execução c o n tin u a ­ da, a efetivação da condição, exceto se houver disposição em co n trário , não a tin g irá os atos já praticados, desde que conform es com a natu reza da condição pendente e aos ditam es da b o a -fé . A ca ta d o está o princípio da irre tro a tiv id a d e da condição resolutiva.

JULGADO • " 0 contrato com cláusula resolutiva expressa, para ser rescindido por inadim plem ento, dispensa rescisão form al pelo judiciário. Ação de reintegração, com pedido de lim inar, que deve ser exam i­ nada sem óbice da rescisão" (STJ, 2*T., REsp 64.170-SP, Rei. M in. Eliana Calmon, j. em 1 5 -8 -2 0 0 0 ).

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Arts. 129 e 130

• “Se o contrato de arrendam ento de estabelecim ento comercial contém cláusula resolutória ex­ pressa, comprovado o inadim plem ento, desnecessária declaração judicial de rescisão contratual, operada por si só, de pleno direito. Nesta hipótese, a recusa de restituição do bem configura es­ bulho possessório, autorizando a reintegração de posse" [RT, 6 7 2 :143).

Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemen­ to for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrá­ rio, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nâo sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • Im p le m e n to fic tíc io d a c o n d iç ã o : A condição suspensiva ou resolutiva valerá com o realizada se seu im p lem en to fo r in te n c io n a lm e n te im pedido por quem tira r v a n tag em com sua nào realização. • R e a liza çã o de c o n d iç ã o tid a c o m o n ã o v e rific a d a : Se a parte beneficiada com o im p lem en to da condição fo rçar m aliciosam ente sua realização, esta será tid a aos olhos da lei com o nào verificada para todos os efeitos; p. ex., se alguém co ntem p la certa pessoa com um legado sob condição de prestar serviços a o u trem , e o legatário m aliciosam ente cria um a situação que venha fo rç á -lo a ser despedido sem justa causa, para receber o legado sem te r de prestar serviços. Provada a m á -fé do legatário, não se lhe e n treg ará o legado. Se, ao contrário, se fo rçar um a justa causa para despedir o legatário, com o in tu ito de p riv á -lo de receber o le­ gado, provada a m á -fé , o legado s e r-lh e -á entregue, mesmo que nào c o n tin u e a prestação de serviços.

JULGADO • Honorários condicionais - Revogação do m andato - Realização da condição - Nos contratos subordinados à condição suspensiva, reputa-se verificada quanto aos efeitos jurídicos, aquela cujo im plem ento fo r maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer" (TACRJ, 2* Câm., AC 3 .884/92, Reg. 2.714, Rei. Juiz M arlan de Moraes M arinho, j. em 1 4 -5 -1 9 9 2 , v.u.).

Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo. HISTÓRICO • O presente dispositivo nào foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • P e rm is s ã o de a to s c o n s e rv a tó rio s n a p e n d ê n c ia d e c o n d iç ã o s u s p e n s iv a o u re s o lu tiv a : Com o o titu la r de d ire ito even tu al, em caso de negócio condicional, suspensivo ou resolutivo, não tem , ainda, d ire ito adquirido, a lei reco n h ece-lh e a possibilidade de p raticar atos conserva­ tórios para resguardar seu d ire ito fu tu ro , im pedindo, assim, que sofra q u a lq u e r prejuízo. Assim sendo, a condição suspensiva ou resolutiva nào obsta o exercício dos atos destinados a conservar o d ire ito a ela subordinado. Logo, se, p. ex., alguém p ro m e ter um a casa a o u trem ,

Arts. 131 e 132

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para quando se casar, este poderá re fo rm á -la , se necessário fo r, e rechaçar atos de esbulho ou turbação. • E fe ito s “ e x m m c? e “ e x tu n e " d a c o n d iç ã o : Q uanto aos atos de adm inistração praticados na pendência da condição, ela nào te rá e fe ito re tro ativo , salvo se a lei expressam ente o d e te r­ m inar, de m aneira que tais atos serão intocáveis, e os fru to s colhidos não precisarão ser restituídos. Porém , a norm a ju ríd ic a estabelece que a condição terá e fe ito re tro a tiv o q uanto aos atos de disposição, que, com sua ocorrência, serão tidos com o nulos.

Art. 1 3 1 .0 termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação, salvo pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, é a mesma do projeto original.

DOUTRINA • A c e p ç ã o té c n ic a de “ te rm o ": Term o é a cláusula que subordina os e fe ito s do a to negociai a um aco n te c im e n to fu tu ro e certo. • Term o in ic ia l: 0 te rm o inicial (d ie s a q u o , e x d ie ) ou suspensivo é o que fixa o m o m en to em que a eficácia do negócio deve te r início, retardando o exercício do direito. Assim sendo, o d ire ito a te rm o será tid o com o adquirido. • E fe ito s a n te s d o v e n c im e n to d o te rm o in ic ia l: 0 te rm o inicial nào suspende a aquisição do d ire ito , que surge im e d ia ta m e n te , mas só se to rn a exercitável com a superveniência do term o. 0 exercício do d ire ito fica suspenso a té o instante em que o a co n tecim en to fu tu ro e certo, previsto, ocorrer. A existência do d ire ito real ou obrigacional não fica em suspenso in m e d io te m p o re , pois desde logo o titu la r a te rm o o adquire.

JULGADO • "Honorários profissionais - A rquiteto - Cobrança - Projeto arquitetônico - Pagamento quando da incorporação do em preendim ento - Fixação de term o e não de condição - Cabimento. Ao estabelecerem as partes que o pagam ento seria efetuado quando da incorporação do em preendi­ mento, tiveram a inequívoca intenção de fixar term o e não condição. Assim, não se pode reputar que o pagam ento dos serviços dependeria de evento fu tu ro e incerto, mas que efetivam ente ocorreria em determ inado m om ento. Assim, ainda que malsucedido o em preendim ento nào há como negar o direito da parte prestadora do serviço à remuneração" (2° TACSP, 7a Câm., Ap. s/ Rev. 6 3 3 .5 3 4 -0 0 /6 , Rei. A ntônio Rigolin, j. em 2 9 -1 -2 0 0 2 ). Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento. § 1? Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil. § 2- Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia. § 3- Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência. § 4- Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

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Art. 133

DOUTRINA • Term o e p ra z o : N ão há que c o n fu n d ir o te rm o com o prazo, que é o lapso de te m p o com pre­ endido e n tre a declaração de vo n tad e e a superveniência do te rm o em que com eça o exer­ cício do d ireito ou e x tin g u e -s e o d ire ito até e n tã o vigente. • C o n ta g e m d o s p ra z o s : O prazo é c o n tad o por unidade de tem p o (hora, dia, mês e ano), e x cluindo-se o dia do com eço (d ie s a q u o ) e incluindo-se o do v e n c im e n to (d/es a d q u em ), salvo disposição, legal ou convencional, em contrário. Se se assum ir um a obrigação dia 15 de m aio, com prazo de dez dias, não se com putará o dia 15, iniciando-se a contagem no dia 16, som am -se 10 (dez) unidades, e a obrigação v e n c er-se -á dia 2 5 de m aio. • Para resolver questões alusivas a prazo, o Código Civil apresenta os seguintes princípios: o) se o ven cim en to do a to negociai cair em feriado [RT, 6 6 4 :1 5 4 ) ou dom ingo, será prorrogado a té o p rim eiro dia ú til subsequente. Logo, com o sábado não é feriad o , não há qualq u er pror­ rogação, a nâo ser que o p agam ento te n h a de ser e fe tu a d o em Banco que não tiv e r expe­ d ien te aos sábados (Leis n. 6 6 2 /4 9 , 1 .2 6 6 /5 0 , 6 0 5 /4 9 , cujo a rt. 11 fo i revogado pela Lei n. 9 .0 9 3 /9 5 , 1.40 8 /5 1 e 6 .8 0 2 /8 0 ); ò) se o te rm o vencer em m eados de q u a lq u e r mês, o ven ci­ m ento d a r-s e -á no décim o q u in to dia, qualquer que seja o núm ero de dias que o acom panham ; assim sendo, pouco im p o rtará que o mês ten h a 2 8 ou 31 dias; c) se o prazo estipulado fo r estabelecido por mês ou ano, expira no dia de igual núm ero do de início, ou no im ediato, se fa lta r exata correspondência. Se m ensal, p. ex., o prazo será c o n tad o do dia do início ao dia correspondente do mês seguinte. Se no mês do v e n c im e n to nào houver o dia corresponden­ te, o prazo fin d a r-s e -á no prim eiro dia subsequente (Lei n. 8 1 0 /4 9 , arts. 2® e 3°); d) se o prazo fo r fixad o em horas, a contagem fa r-s e -á de m in u to a m in u to [RT, 6 9 5:24 0 ).

JULGADOS • "Ao prazo fixado em horas nâo se aplica a regra de exclusão do dia da intim ação: conta-se, de m inuto a m inuto, do m om ento da intim ação (no caso, da circulação do D iá rio do J u stiço , que publicou a pauta do julgam ento), quer se considere incidente o Regimento Interno do TSE, quer, por analogia, a norma do art. 125, § 4®, do CC/16 (art. 132, § 4®, do CC/2002), aplicável aos pro­ cessos judiciários" [RT, 695:240). • "Locação comercial. Renovatória Decadência. Prazo. Se o te rm in u s a d q u em acontece em feriado forense, prorrogar-se-á até o prim eiro dia útil subsequente, ainda que seja de decadência o alu ­ dido prazo. Inteligência do a rt 125, § 1® do CC/16 (art. 132, § 1®, do CC/2002)" [RT, 664:154).

Art. 133. Nos testamentos, presume-se o prazo em favor do herdeiro, e, nos contratos, em proveito do devedor, salvo, quanto a esses, se do teor do instrumento, ou das circunstân­ cias, resultar que se estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos os contratantes. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação, salvo pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, é a mesma do projeto original.

DOUTRINA • P re s u n ç ã o de p ra z o e m fa v o r d e h e rd e iro : Nos testam ento s presum e-se que o prazo é esta­ belecido em favo r de herdeiro. Se, porventu ra, houver prazo para a entreg a de um legado, haverá presunção de que ta l prazo fo i fixad o em fa v o r do herdeiro obrigado a p a g á -lo e nâo do legatário. 0 mesmo se diga re lativa m e n te aos prazos para a satisfação de encargo. Logo, nada obsta a que o herdeiro pague o legado ou cum pra o encargo antes do ven cim en to do prazo.

Arts. 134 e 135

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• P re su n çã o "ju r is ta n tu m " d e p ra z o em fa v o r d o d e v e d o r. Nos contratos te m -se entendid o q ue os prazos são estipulados em fa v o r do devedor, exceto se do seu conteúd o ou das cir­ cunstâncias fic a r evidenciado que fo ram estabelecidos em proveito do credor ou de am bos os contratan tes. Se o prazo é estabelecido a fa v o r do devedor, este poderá pagar o déb ito antes do vencim ento, m esm o contra a vo n tad e do credor, mas este não poderá e x ig i-lo antes do vencim ento. Se fo i avençado em proveito do credor, o devedor poderá ser fo rçado a pagar, mesmo antes de vencido o prazo. Se em prol de am bos os con tratan tes, apenas por m útuo acordo te r-s e -á v e n c im e n to antecipado.

Art 134. Os negócios jurídicos entre vivos, sem prazo, são exeqüíveis desde logo, salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • V e n c im e n to im e d ia to : Os atos negociais in t e r v iv o s sem prazo serão exeqüíveis im e d ia ta m e n ­ te, ab rangendo ta n to a execução prom ovida pelo credor com o o cu m p rim e n to pelo devedor. Todavia, com o nos ensina João Franzen de Lima, "não se deve e n te n d e r ao pé da letra, com o sinônim o de im e d ia ta m e n te , a expressão desde logo, contid a na regra deste dispositivo. En­ tend id a ao pé da letra poderia fru s tra r o benefício, poderia a n u la r o negócio. Deve haver o te m p o bastante para que se realize o fim visado, ou se em preguem meios para realizá-lo ". Caso haverá em que impossível será o a d im p le m e n to im ediato. • P ra zo t á c ito : Para e v ita r hipóteses em que o a d im p le m e n to do c o n tra to não se pode dar de im ediato, esclarece o artig o s u b e x a m in e que, se a execução tiv e r de ser fe ita em local d iver­ so ou depender de tem po , nào poderá, o bviam ente, prevalecer o im ediatism o da execução. 0 prazo tá c ito decorrerá, p o rtan to , da natu reza do negócio ou das circunstâncias. P. ex.: no transporte de um a m ercadoria de São Paulo a M anaus, m esm o que nào haja prazo, m ister será um espaço de te m p o para que seja possível a e fetivação da referida entreg a no local designado: na com pra de um a safra de laranja, o prazo será a época da colheita, m esm o que não ten h a sido estipulado.

Art. 135. Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • E fe ito s d a p e n d ê n c ia d o te rm o in ic ia l: O titu la r de um d ire ito adquirido, cujo exercício este­ ja na dependência de um te rm o inicial, poderá exercer todos os atos conservatórios que fo rem necessários para assegurar seu d ire ito , nào podendo, ainda, ser lesado por qualq u er a to de disposição e fe tiv a d o pelo devedor ou a lien an te antes do ad v e n to do te rm o suspensivo. • Term o fin a l: 0 te rm o fin a l [d ie s a d q u e m , a d d ie m ) ou resolutivo ocorre quando se d e te rm i­ nar a data da cessação dos efeitos do a to negociai, e x tin g u in d o -s e as obrigações dele o riu n ­ das. P. ex.: a locação d e v e r-s e-á fin d a r d e n tro de dois anos. Antes de chegar o dia estipulado

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Arts. 136 a 138

para seu vencim ento, o negócio ju ríd ic o subordinado a um te rm o fin a l vigorará plenam ente; logo, seu titu la r poderá exercer todos os direitos dele oriundos.

Art. 136.0 encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva. H IS T Ó R IC O • 0 presente dispositivo nâo foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. D O U T R IN A • M o d o o u e n c a rg o : M o d o ou encargo é a cláusula acessória a d eren te a atos de liberalidade in t e r v iv o s (doação) ou c a u s a m o r tis (testam en to ou legado), em bora possa aparecer em promessas de recom pensa ou em outras declarações u nilaterais de vontade, que im põem um ônus ou um a obrigação à pessoa n atu ral ou ju ríd ic a contem p lada pelos referidos atos. P. ex.: doaçào de um prédio para que nele se instale um hospital; legado com o encargo de construir um a escola. Im p o rtam um a obrigação de fazer. • E fe ito s p ro d u z id o s p e lo e n c a rg o : 0 encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, exceto quando expressam ente im posto no a to pelo disponente com o condição sus­ pensiva.

Art. 137. Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico. H IS T Ó R IC O • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. D O U T R IN A • llic e id a d e o u im p o s s ib ilid a d e fís ic a o u ju r íd ic a d o e n c a rg o : A ilicitu d e ou im possibilidade física ou ju ríd ica do encargo leva a considerá-lo com o nào escrito, lib ertan d o o negócio ju ­ rídico de qualq u er restrição, a não ser que se apure te r sido o m o d u s o m otivo d e te rm in a n te da liberalidade in t e r v iv o s (doaçào) ou m o r tis c a u s a (testam ento), caso em que se terá a invalidação do a to negociai; porém , fo ra disso, se aproveitará com o puro e simples.

C apítulo IV — DOS DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Seçõo I



Do erro ou ignorância

Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade ema­ narem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Art. 139

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HISTÓRICO • O presente dispositivo nâo serviu de paleo a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • E rro s u b s ta n c ia l: O erro é um a noção inexata sobre um objeto , que influ encia a fo rm ação da v o n tad e do declarante, que a em itirá de m aneira diversa da que a m anifestaria se dele tives­ se co nhecim ento exato. Para viciar a vo n tad e e a n u la r o a to negociai, deste deverá ser subs­ tancial, escusável e real. E scusável, no sentido de que há de te r por fu n d a m e n to um a razão plausível ou ser de ta l m onta que q u a lq u e r pessoa de atenção ordinária seja capaz de com e­ tê -lo em fa c e da circunstância do negócio. Real, por im p o rta r e fe tiv o dano para o interessa­ do. 0 erro s u b s ta n c ia l é erro de fa to por recair sobre circunstância de fa to , ou seja, sobre as qualidades essenciais da pessoa ou da coisa. Poderá ab ranger o erro de d ireito (CC, a rt. 139, III), relativo à existência de um a norm a ju ríd ica dispositiva, desde que a fe te a m anifestação da vo n tad e, caso em que viciará o consentim ento.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 12, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: “Na sistemática do art. 138 é irre­ levante ser ou não escusável o erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança". JULGADOS • Defeitos do negócio jurídico. Erro. Requisito da escusabilidade. Inteligência do art. 138 do CC/2002. Conforme ensina a doutrina m ajoritária - em posicionamento adotado pelo novo Código Civil (art. 138) - somente vicia o negócio jurídico o erro escusável. É dizer, incidindo o contraente em erro por negligência, imprudência, impericia ou desleixo a ele imputáveis, prevalece o interesse social à segurança dos negócios em detrim ento ao interesse m eram ente individual do contratan­ te desatento em anular a desastrosa avença (TJSC, AC 2 0 0 3 .0 0 5 3 5 0 -6 , Criciúma, Rei. M aria do Rocio L. Santa Ritta, j. em 3 1 -5 -2 0 0 6 ). • “Ação anulatória de negócio jurídico - Alegação de vicio de consentim ento - Erro inescusável. À luz da norm alidade das coisas e da esperada compreensão e cautela do homem médio a respeito das particularidades dos atos jurídicos por eles praticados, considera-se erro inescusável a cele­ bração de contrato sem o necessário conhecim ento, pelo contratante, do conteúdo e alcance das cláusulas correspondentes" (TJSP, 61 Câm. Dir. Priv., AC 7 8 .2 6 8 -4 , Rei. Antônio Carlos M arcato, j. em 5 -8 -1 9 9 9 ).

Art. 1 3 9 .0 erro é substancial quando: I — interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais; II — concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante; III — sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de alteração relevante, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. A redação atual é praticam ente a mesma do projeto original, com m elhoria de ordem redacional. Procedeu-se apenas a pequena alteração no inciso III, com a substituição da palavra “móvel" por "motivo" m ediante emenda da lavra do em inente Senador Josaphat M arinho, relator-geral no Senado.

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Art. 139

DOUTRINA • E rro s o b re a n a tu re z a d o a to n e g o c ia i: Haverá erro substancial quand o recair sobre a n a tu ­ reza do ato, p. ex., se um a pessoa pensa que está vendendo um a casa e a o u tra a recebe a títu lo de doaçào. N ào se terá real acordo vo litivo , pois um dos c o n tra tan te s supõe realizar um negócio e o consentim ento do o u tro se dirige a c o n tra to diverso, m anifestando -se um e rro r in ip s o n e g o tio , suscetível de anulaçào do negócio. • E rro s o b re o o b je to p rin c ip a l d a d e c la ra ç ã o : T e r-s e -á erro substancial quand o a tin g ir o o b ­ je to principal da declaração em sua identidade (e rro r in ip s o c o rp o re re i], isto é, o objeto não é o pretendid o pelo ag e n te (p. ex., se um c o n tra ta n te supõe estar a dquirind o um lote de te rre n o de excelente localização, quand o na verdade está com prando um situado em péssimo local). • E rro s o b re a q u a lid a d e e s s e n c ia l d o o b je to o u d a p e sso a : A p re s en tar-se-á o erro substancial quando recair sobre: a) a qualidade essencial do o b je to (e rro r in s u b s ta n tia ), com o, p. ex., se a pessoa pensa ad q u irir um relógio de prata que, na realidade, é de aço; b) a qualidade es­ sencial da pessoa, atin g in d o sua identidade, com o, p. ex., se acredita estar e fe tu a n d o c o n tra ­ to com pessoa idônea, mas vem a c o n tra ta r com o u tra, que, tend o o mesmo nom e, é deso­ nesta. • E rro de d ire ito : 0 e rro r ju r is nào consiste apenas na ignorância da norm a jurídica, mas ta m ­ bém em seu falso co nhecim ento e na sua in te rp re ta ç ã o errônea, podendo ainda a b ran g er a ideia errônea sobre as conseqüências jurídicas do a to negociai. Se o erro de d ire ito a fe ta r a m anifestação volitiva, te n d o sido o principal ou o único m otivo da realização do a to negociai, sem c o ntudo im p o rtar em recusa à aplicação da lei, vicia o consentim ento. Para a n u la r o negócio não poderá c o ntudo recair sobre norm a cogente, mas tã o som ente sobre norm as dispositivas, sujeitas ao livre acordo das partes.

JULGADOS • "Anulação de casamento. Erro essencial. Dissimulação do verdadeiro caráter da esposa. Ardil com objetivo patrim onial. Tendo a m ulher, antes do casamento, demonstrado personalidade afável, bondosa e zelosa para com o senhor idoso, estes foram os motivos determ inantes para a união. Dois meses após as núpcias, revelou seu verdadeiro *eu' demonstrando caráter desonesto, apossando-se dos proventos do m arido, vendendo seu imóvel e deixando-o ao abandono. Caracteri­ zação de erro essencial in persona, autorizando a anulação do casamento. Provimento do apelo, para reform ar a sentença e inverter os ônus sucumbenciais" (TJRJ, 12* CCv, AC 20 00 0 0 10 4 9 69 , Rei. Des. Alexandre H. Varella, j. em 8 -8 -2 0 0 0 ). • "Constitui requisito do erro essencial ser este real e recair sobre o objeto do contrato, e não, sim­ plesmente, sobre o nome ou sobre as qualificações" [RT, 539:73). • "Anulatória - A to Jurídico - Erro essencial quando do consentim ento do negócio - Ocorrência - Transmissão de dom ínio sobre terras de valor insignificante - Autor que acreditava tratar-se de terras com ercialm ente aproveitáveis - Invalidade do ato - Restituição das partes ao estado anterior à celebração do negócio - Recurso parcialm ente provido para esse fim . Erro é a ideia falsa da realidade, capaz de conduzir o declarante a m anifestar sua vontade de m aneira diversa da que m anifestaria se porventura m elhor conhecesse" (TJSP, 12* CCv, AC 2 4 7 .3 8 9 -2 , Rei. Scarance Fernandes, j. em 7 -3 -1 9 9 5 ). • "Permuta. Imóveis residenciais. Prédio sujeito a inundações constantes. Erro substancial caracte­ rizado. Ação anulatória julgada procedente. Sentença que se baseou na qualificação de vicio redibitório. Irrelevância. Im provim ento aos recursos. A contingência que torna o imóvel imprestável para habitação é apenas circunstância factual externa que, sujeitando-o a inundações constantes, preexcluiria a celebração da perm uta, se os autores dela tivessem tom ado conhecim ento prévio" [JTJ, Lex, 2 5 4 :133-4). • "Casamento - Anulação - Inadmissibilidade - Desemprego ou ociosidade do marido que não caracterizam erro essencial sobre a pessoa do cônjuge, m orm ente se a esposa aceitou, por algum

Arts. 140 e 141

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tem po, a indolência do esposo - Voto vencido: Caracteriza-se o erro essencial sobre a pessoa, ensejador da anulação do casamento, se o m arido, à época do nam oro, aparentava ser trabalhador e, logo após o m atrim ônio, revelou tratar-se de pessoa divorciada do trabalho e dada à ociosida­ de, passando, inclusive, a dilapidar o patrim ônio da esposa, motivos que tornaram insustentável a vida conjugal" [RT, 779:330). • "Erro de direito. Erro do contribuinte ao declarar-se devedor de imposto nào devido, ou a presun­ ção de que se estaria enriquecendo ilicitam ente em face de terceiro que nào a Fazenda Pública, não dá a esta o direito de exigir tribu to a que não faz jus" (/?77,704:816).

Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • E rro q u a n to a o fim c o lim a d o : 0 erro re lativa m e n te ao m o tivo do negócio, seja ele de fa to ou de direito, nào é considerado essencial, logo não poderá a c arre ta r a anulação do a to negociai. Deveras, o m otivo do negócio ju ríd ic o não declarado com o sua razão d e te rm in a n te ou con­ dição de que dependa nào o a fe ta rá se houver erro. • A rg u iç õ o d e n u lid a d e re la tiv a d o a to p o r fa ls o m o tiv o : O erro q u a n to ao fim colim ado (falso m otivo), em regra, nào vicia o negócio ju ríd ico , a não ser quand o nele fig u ra r expressam en­ te, in te g ra n d o -o , com o sua razão d e te rm in a n te ou sob fo rm a de condição de que venha a depender sua eficácia. P. ex.: se alguém v ier a doar ou legar um prédio a o u trem , declarando que o fa z porque o d o n atário ou legatário lhe salvou a vida, se isso não corresponder à rea­ lidade, provando-se que o d o n atário nem mesmo havia participado do referido salvam ento, o negócio estará viciado, sendo, p o rtan to , anulável. Isto é assim porque a causa é um a razão de ser intrínseca da doação. Se o d eclaran te expressam ente fiz e r en te n d e r que só constituirá a relação ju ríd ica por determ in ad a causa ou se se ve rifica r certo aco n te c im e n to a que ela se refere, havendo erro te r-s e -á a anulação do negócio efetivado, por ser m anifesto que a par­ te fez depender da causa a realização do ato.

Art. 141. A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mes­ mos casos em que o é a declaração direta. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • E rro n a tra n s m is s ã o d a v o n ta d e p o r m e io s in te rp o s to s : Se alguém recorrer a rádio, televisão, te le fo n e , m ensageiro ou te lé g ra fo para tra n s m itir um a declaração de vo n tad e, e o veículo u tiliza d o o fiz e r com incorreções, acarretan d o desconform idade e n tre a v o n ta d e declarada e a intern a, pod er-se-á a leg ar erro nas mesmas condições em que a m anifestação v o litiva se realiza in te rp ra e s e n te s . • P o s s ib ilid a d e d e a n u la r a to n e g o c ia i p o r tra n s m is s ã o e rrô n e a d a v o n ta d e : Se um a declaração de v o n ta d e com certo conteúd o fo r tra n sm itid a com conteúd o diverso, o negócio poderá ser

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Arts. 142 a 144

passível de nulidade relativa, porque a m anifestação de v o n ta d e do e m ite n te nào chegou c o rre ta m e n te à o u tra parte. Se, contudo, a a lteração não v ier a prejudicar o real sentido da declaração expedida, o erro será insignificante e o negócio efe tiv a d o prevalecerá.

JULGADO • “A transmissão errônea da vontade por instrum ento, então regida por seu art. 89, deveria levar em conta que a anulabilidade depende de prova a cargo de quem invoca o vicio, pois que se supõe que a outra parte sempre esteja de boa-fé, vez que é principio geral a presunção da boa-fé, que significa lealdade, isto é, observância às regras objetivas de honradez do comércio jurídico. Surge ai, então, a figura da deslealdade, com inobservância dessas regras, que consiste no fato de saber ou dever saber que a outra parte labora em erro e, no entanto, silenciar. Por isso que o erro só deve aproveitar a quem o alega quando a parte o conhecia ou deveria conhecê-lo" (ÍJPR, 3* Câm. Cível, AC 4 3 9 /8 6 , Rei. Des. Silva W olff). Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração da vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. DOUTRINA • E rro a c id e n ta l: 0 erro acid en tal diz respeito às qualidades secundárias ou acessórias da pes­ soa, ou do objeto. N ào terá q u a lq u e r influ ência na perfeição do negócio ju ríd ico . • Im p o s s ib ilid a d e d e a n u la ç ã o d o n e g ó c io p o r e rro a c id e n ta l: 0 erro acid en tal não indu z a n u ­ lação do a to negociai por nào incidir sobre a declaração da vo n tad e, se se puder, por seu c o n texto e pelas circunstâncias, id e n tific a r a pessoa ou a coisa. Assim, o erro sobre a q u a li­ dade da pessoa, de ser ela casada ou solteira, não terá o condão de a n u la r um legado que lhe fo r fe ito , se se puder id e n tific a r a pessoa visada pelo testador, apesar de te r sido e rro n ea­ m en te indicada.

Art. 1 4 3 .0 erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do pro­ jeto. DOUTRINA • E rro d e c á lc u lo e s u a r e tific a ç ã o : 0 e rro r in q u a n tita te diz respeito a engano sobre peso, m edida ou q u a n tid a d e do bem , logo é erro acid en tal, não induzindo anulação do negócio, por não incidir sobre a declaração da vo n tad e. Se assim é, o erro de cálculo nào anula o negócio nem vicia o consentim ento, a u to riza n d o tã o som ente a retificação da declaração volitiva.

Art. 1 4 4 .0 erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da von­ tade real do manifestante.

Art. 145

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HISTÓRICO • O presente dispositivo nâo foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • E xe cu çã o d o n e g ó c io c o n fo rm e a v o n ta d e re a l d o m a n ife s ta n te : Se A pensar que com prou o lote n. 4 da quadra X, quando, na verdade, adquiriu o lote n. 4 da quadra Y, te r-s e -á erro substancial, que nào invalid ará o a to negociai se o vendedor vier a e n tre g a r-lh e o lote n. 4 da quadra X, visto que nào houve qualq u er prejuízo a A, d ia n te da execuçào do negócio de c o n fo rm id ad e com a sua vo n tad e real.

Seção II



Do dolo

Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de alteração relevante, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C o n c e ito de d o lo : Dolo, segundo Clóvis Beviláqua, é o em prego de um a rtifíc io astucioso para in d u zir alguém à prática de um a to negociai que o prejudica e aproveita ao a u to r do dolo ou a terceiro. 0 d o lu s m a lu s , de que cuida o a rt. 145, é d e fe ito do negócio ju ríd ico , idôneo a provocar sua a n u la b ilid a d e , dado que tal a rtifíc io consegue lu d ib ria r pessoas sensatas e atentas. • "D o lu s c a u s a m d a n s " o u d o lo p r in c ip a l: 0 dolo principal é aquele que dá causa ao negócio ju ríd ico , sem o qual ele nào se te ria concluído, acarretan d o a anulação daquele a to negociai. • R e q u is ito s p a ra a c o n fig u ra ç ã o d o d o lo p rin c ip a l: Para que o dolo principal se c o n fig u re e to rn e passível de anulação o a to negociai, será preciso que: a) haja intenção de in d u zir o d e d a ra n te a p raticar o negócio lesivo à v ítim a ; b) os a rtifício s maliciosos sejam graves, a p ro ­ v e ita n d o a quem os alega, por indicar fato s falsos, por suprim ir ou a lte ra r os verdadeiros ou por silenciar algum fa to que se devesse revelar ao o u tro c o n tra ta n te ; c) seja a causa d e te r­ m in a n te da declaração de v ontade (d o lu s c a u s a m dans), cujo e fe ito será a anulab ilid ad e do a to , por consistir num vício de consentim ento; e d) proceda do o u tro c o n tra ta n te , ou seja, deste conhecido, se procedente de terceiro.

JULGADOS • T e n d o a inicial da ação se fundado em ato anulável por dolo essencial e pedido a anulação desse ato, e tendo as provas afastado o dolo essencial e a falsificação do ato, é conseqüência julgar-se improcedente o pedido, perfazendo-se o silogismo basilar da prestação jurisdicional" (STJ, 4* T., REsp 267.243-S P , Rei. Sálvio Figueiredo Teixeira, j. em 2 0 -3 -2 0 0 1 ). • "Ação anulatória de negócio jurídico - Dolo - Indícios - Declaração de vontade m aculada - Adm issibilidade. 0 dolo do agente pode ser com provado por todos os meios legais e m oral­ m ente legítim os, inclusive por indícios e circunstâncias, podendo o ju iz, inclusive, se valer das m áximas da experiência para fo rm ar sua convicção. Com provada prática de artifícios que in­ duziram a vitim a a e m itir a declaração de vontade, esta fica m aculada, im pondo-se anulação do negócio jurídico" (2a TACSP, 5* Câm. Cível, Ap. c/ Rev. 5 7 5 .5 9 3 -0 0 /3 , Rei. Juiz Pereira Calças, j. em 1 2 -4 -2 0 0 0 ).

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Arts. 146 e 147

• “A to jurídico. Anulação - Dolo - Artifícios inaptos para viciar a vontade - Hipótese de im prudên­ cia do autor na celebração do ato - Ação improcedente - Recurso não provido" (RJTJSP', 137:39).

Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA •

“D o lu s in e id e n s ": 0 dolo acid en tal ou d o lu s in c id e n s é o que leva a v ítim a a realizar o negó­ cio, porém em condições mais onerosas ou m enos vantajosas, não a fe ta n d o sua declaração de vo n tad e, em bora venha a provocar desvios, não constitu indo vício de consentim ento, por não in flu ir d ire ta m e n te na realização do a to negociai que se teria praticado in d ep en d en te­ m en te do em prego das m anobras astuciosas.

• C o n s e q ü ê n cia s ju r íd ic a s o riu n d a s d o d o lo a c id e n ta l: 0 dolo acid en tal, por não ser vício de consentim ento nem causa do c o n tra to , nào acarretará a anulação do negócio, obrigand o apenas è satisfação de perdas e danos ou a um a redução da prestação convencionada.

JULGADO • "Dolo acidental. Caracterização. Venda de tra to r cujo ano de fabricação não correspondia ao in­ form ado e cobrado pelo revendedor. Reparação dos danos causados aos adquirentes que se impõe" [RT, 785:243).

Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • D o lo p o s itiv o e d o lo n e g a tiv o : O d o lo p o s itiv o é o a rtifíc io astucioso decorrente de a to c o missivo em que a o u tra parte é levada a c o n tra ta r por força de afirm ações falsas sobre a qualidade da coisa. O d o lo n e g a tiv o , previsto no a rt. 147, vem a ser a m anobra astuciosa que constitui um a omissão dolosa ou re ticen te para in d u zir um dos c o n tra tan te s a realizar o negócio [RT, 6 3 4 :1 3 0 ). O correrá quand o um a das partes vem a o c u lta r algo que a o u tra de­ veria saber e se sabedora não te ria efe tiv a d o o a to negociai. 0 dolo negativo acarretará anulação do a to se fo r dolo principal. • R e q u is ito s d o d o lo n e g a tiv o : Para o dolo negativo deverá haver: o) um c o n tra to b ilateral; 6) intenção de in d u zir o o u tro c o n tra ta n te a p raticar o negócio ju ríd ic o ; c) silêncio sobre um a circunstância ignorada pela o u tra parte; ó) relação de causalidade e n tre omissão intencional e a declaração v o litiv a; e) a to omissivo do o u tro c o n tra ta n te e não de terceiro ; e /) prova da não realização do negócio se o fa to o m itid o fosse conhecido da o u tra parte c o n tra tan te .

Art. 148

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JULGADOS • “Agravo regim ental. Agravo de instrum ento. Anulação de negócio jurídico por dolo. Falta de ar­ gum entos novos, m antida a decisão anterior. M atéria já pacificada nesta Corte. Incidência da Súmula 8 3 . 1 - Nào tendo a parte apresentado argum entos novos capazes de alterar o julgam en­ to anterior, deve-se m anter a decisão recorrida. II - Pretendida a rescisão do contrato por omis­ são dolosa do vendedor do imóvel, que escondeu a existência inform ação relevante em curso na época da transação (silêncio intencional art. 147 do CC de 1916), o ato jurídico é anulável, inci­ dindo quanto à prescrição o art. 178, § 9 8 , V, b, do Código Civil de 1916. Incidência da Súmula 83/STJ. Agravo improvido" (STJ, 3*T.,A gR g 2 0 0 6 /0 1 3 1 1 0 2 -8 , Rei. M in. Sidnei B eneti.j. em 1 2 -1 2 2008). • “Dolo - A omissão de circunstância que im pediria a realização do negócio jurídico constitui fo r­ ma de dolo, obrigando a parte maliciosa a indenizar o prejuízo - Recurso parcialm ente provido" (TJSP, Ap. 2 6 3 .3 2 6 -1 /0 , Rei. Egas G albiatti, j. em 1 6 -8 -1 9 9 6 ). • “Vicio de vontade. Dolo. Anulação do negócio jurídico. Comete dolo, viciando a vontade negociai, aquele que aliena um lote de terreno, imóvel destinado à construção, ocultando à parte adquirente que a área fora antes declarada n o n a e d ific a n d i por ato da autoridade m unicipal. Tratando-se, então, de vicio de vontade, o efeito com portável é a anulabilidade do negócio jurídico, a ser decretada pelo juiz, na ação própria, com fundam ento nos arts. 92 e 9 4 do Código Civil de 1916 (hoje art. 147). Sentença correta. Apelo improvido" (TJRJ, 8* CCv, AC 199600104647, Rei. Des. Laerson M auro, j. em 3 0 -7 -1 9 9 6 ). • “Se quando da celebração do contrato uma das partes silencia intencionalm ente a respeito de fato determ inante da sua realização, implicando tal silêncio interpretação errônea dos dados jurídicos da contratação, que não se com pletaria caso conhecido aquele, dando azo à infração consistente em não entregar a coisa no estado de direito adequado à respectiva finalidade, confessados os fatos, eis que nào impugnados precisamente pelo réu na contestação, incontroversos, assim, os prejuízos e seu respectivo m ontante, devida ao prejudicado a indenização respectiva" [RT, 634:130).

Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do pro­ jeto. DOUTRINA • N o ç õ o de d o lo d e te rc e iro : Se o dolo fo r provocado por terceira pessoa a m ando de um dos c o n tra tan te s ou com o concurso direto deste, o terceiro e o c o n tra ta n te serão tidos com o autores do dolo. P oder-se-ào apresentar três hipóteses: o) o dolo poderá ser praticado por terceiro com a cum plicidade de um dos c o n tratan tes; ò) o a rtifíc io doloso advêm de terceiro, mas a parte, a quem aproveita, o conhece ou o deveria conhecer; e c) o dolo é obra de te r­ ceiro, sem que dele ten h a ciência o c o n tra ta n te favorecido. • E fe ito s d o d o lo de te rc e iro : Se o dolo de terceiro apresentar-se por cum plicidade de um dos c o n tra tan te s ou se este dele tiv e r conhecim ento, o a to negociai a n u la r-s e -á , por vício de consentim ento, e se terá indenização de perdas e danos a que será obrigado o a u to r do dolo, mesmo que o negócio ju ríd ic o subsista. Se o c o n tra ta n te favorecid o não tiv e r co nhecim ento do dolo de terceiro, o negócio efe tiv a d o contin uará válido, mas o terceiro deverá responder pelos danos que causar. Logo, se houver dolo principal (d o lu s c a u s a m d a ns) de terceiro, e

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Arts. 149 e 150

um a das partes tiv e r ciência dele, não a d vertin d o o o u tro c o n tra ta n te da m anobra, to rn a r-s e -á corresponsável pelo engano a que a outra p arte fo i induzida, que terá, por isso, o d i­ reito de a n u la r o ato, desde que prove que o o u tro c o n tra ta n te sabia da dolosa participação do terceiro. Assim, se nào se provar, no negócio, que um a das partes conhecia o dolo de terceiro, e m esm o que haja presunção desse conhecim ento, não poderá o a to ser anulado.

Art. 1 4 9 .0 dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do repre­ sentante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. A redação, salvo pe­ queno ajuste de cunho estritam ente redacional, é a mesma do projeto original.

DOUTRINA • D o lo d e re p re s e n ta n te le g a l o u c o n v e n c io n a l: 0 dolo de representante legal ou convencional de um a das partes não pode ser considerado de terceiro, pois, nessa qualidade, age com o se fosse o próprio representado. 0 representante legal sujeita-se à responsabilidade civil a té a im portân cia do proveito que tiro u do a to negociai. 0 representado deverá restituir o lucro ou a v a n tag em oriunda do a to doloso de seu representante a n te o princípio que veda o e n ­ riq u e c im e n to sem causa, tendo, porém , um a a c tio de in re m verso. E se o representante fo r convencional, deverá responder solidariam ente com ele por perdas e danos, com ação regres­ siva contra o representante pela q u a n tia que tiv e r desem bolsado para ressarcir o prejuízo causado, salvo se com este estava m ancom unado.

JULGADO • “0 dolo do representante basta para tornar anulável o ato, quando o ato não se realizaria se ele nào existisse, mas o representado só responde civilm ente no caso de haver recolhido proveito próprio" (TJRJ, Ap. 6 0 9/88, Rei. Des. Barbosa M oreira, ac. de 1 4 -3 -1 9 9 8 ).

Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação, salvo pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, é a mesma do projeto original. DOUTRINA • D o lo de a m b a s a s p a rte s o u d o lo re c íp ro c o : Pode haver dolo de am bas as partes que agem dolosam ente, p raticando a to comissivo ou omissivo, c o n fig u ran d o -se to rp eza bilateral [RT, 5 3 4 :73). • V a lid a d e d e a to n e g o c ia i p ra tic a d o e m ro z õ o d e d o lo re c ip ro c o : Se o a to negociai fo i reali­ zado em virtu d e de dolo principal ou acid en tal de am bos os con tratan tes, nào poderá ser anulado, nem se poderá p leitear indenização; te r-s e -á um a neutralização do d e lito porque há com pensação e n tre dois ilícitos; a ninguém caberá se a p ro v e ita r do próprio dolo. Se ambas

Art. 151

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as partes c o n tra tan te s se enganaram recip rocam ente, um a não poderá invocar c o n tra a o u tra o dolo, que ficará paralisado pelo dolo próprio (d o lu s in t e r u tra m q u e p a rte m c o m p e n ­ sa tu r).

JULGADOS • “Uma das partes litigantes não pode ser ouvida, alegando a própria torpeza, nem mesmo quando ambas procederem com dolo" [RT, 5 3 4 :73). • “Dolo - Não pode uma das partes alegá-lo, se, ambas, procederam dolosamente. Recurso Extra­ ordinário incabível" (STF, 1*T., RE 18.902, Rei. M in. Luiz Gallotti, j. em 1 1 -6 -1 9 5 1 ).

Seção III



Da coação

Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens. Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • ' Vis c o m p u ls iv a ” e se u s re q u is ito s : Para que haja coação m oral, suscetível de a n u la r ato negociai, será preciso que: a) s e ja a c a u s a d e te rm in a n te d o n e g ó c io ju ríd ic o , pois deverá haver um nexo causai e n tre o m eio in tim id a tiv o e o a to realizado pela v ítim a ; 6) in c u ta à v ítim a u m te m o r ju s tific a d o , por s u b m e tê -la a um processo que lhe produza ou venha a produzir dor (m o rte, cárcere privado, desonra, m utilação, escândalo etc.), fa z e n d o -a recear a contin u ação ou o a g ravam en to do mal se não m an ifestar sua vo n tad e no sentido que se lhe exige; c) o te m o r d ig a re s p e ito a u m d a n o im in e n te , suscetível de a tin g ir a pessoa da vítim a, sua fa m ília ou seus bens. E se o a to coativo disser respeito a pessoa não perten cen te à fa m í­ lia da vítim a , o órgão ju d ic a n te , com equidade e com base nas circunstâncias, decidirá se houve, ou não, coação; d) o d a n o s e ja c o n s id e rá v e l ou grave, podendo ser m oral, se a a m e ­ aça se d irig ir c o n tra a vida, liberdade, honra da v ítim a ou de pessoa de sua fa m ília , ou p a tri­ m onial, se a coação disser respeito aos seus bens. 0 dano am eaçado deverá ser e fe tiv o ou potencial a um bem pessoal ou p a trim o n ial. É necessário, p o rtan to , que a am eaça se refira a prejuízo que in flu en cie a vo n tad e do coacto a ponto de a lte ra r suas determ inações, em bora nào possa, no m om ento, v e rificar, com justeza, se será in fe rio r ou superior ao resultante do a to extorquido.

JULGADOS • "Apelação cível. Ação de anulação de ato jurídico. Termo de confissão de dívida, procurações e notas promissórias referentes a contrato de compra e venda de veiculo. Autor que alega ter sido vitim a de coação para assinatura de tais documentos. Ausência de provas do alegado vicio de vontade. Prova que incumbia ao dem andante. Inteligência do a r t 3 3 3 , 1, do Código de Processo Civil. Atos jurídicos válidos e eficazes. Cláusula contratual existente no term o de confissão que nào condiz com a natureza do ato. Interpretação conform e a real vontade das partes. Inteligência do art. 112 do Código Civil de 2002. Sentença m antida. Recurso desprovido. Não merece guarida a alegação da recorrente concernente à existência de vicio de consentim ento ao preencher o cheque, porquanto não restara provada a ocorrência da coação ou a relativa incapacidade decor­

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Art. 152

rente de profunda depressão, sendo a prova, neste sentido, de responsabilidade de quem alega" (TJSC, AC 2 0 0 7 .0 3 67 5 6 -1 e 2 0 0 0 .0 1 9 6 6 2 -2 , da Capital, Rei. Des. Stanley Braga, j. em 2 3 -4 -2 0 0 9 ). • "Contrato - Assunção de dívida - Nulidade - Ocorrência - Pacto que constitui condição para a anuência do credor na sub-rogação de hipoteca de imóvel - Coação - Caracterização - Coação que se apresenta, porquanto, efetivados os pagamentos pelo sub-rogado e estando ele na posse do imóvel, não lhe resta senão concordar com a ameaça do credor - Inteligência do art. 98 do CC 1916" [RT, 804:226). • "Se alguém foi vítim a de ameaça, mas deu seu assentimento independente dela, não se configura coação. É possível que sua concordância tenha coincidido com a violência, sem que esta gerasse aquela. Em tal hipótese, o ato sobrevive imaculado, dada a espontaneidade do querer" (RT, 705:97). • "Se o credor usa irregularm ente as vias de direito para extorquir ruinosa declaração de vontade do devedor, forçando sua vontade com a representação exagerada de males consideráveis que lhe adviriam ou a pessoa de sua fam ília na hipótese de recusa da declaração, evidente o vício de consentimento caracterizador de coação, responsável pelo defeito do ato jurídico assim obtido, não legitim ando as ameaças a alegação da prática de crimes de ordem pública pelo coagido. Então, o que verdadeiram ente m onta sob a capa da ação lícita é o abuso de direito, o exercício arbitrário de suas razões, a prepotência vulgar" [RT, 6 3 4 :107).

DIREITO PROJETADO • Pelas razões antes expostas, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte proposta de reda­ ção, que foi acatada pelo Projeto de Lei n. 6 .96 0 /2 00 2 (atual PL n. 6 9 9/2 0 1 1): A rt. 151. A coação, p a ra v ic ia r a d e cla ra çã o da vo n tade, h á de se r ta l que in c u ta ò v itim a fu n d a d o te m o r de d a n o im in e n te e c o n sid e rá ve l à sua pessoa, ò sua fa m ília , ou aos seus bens. P a rá g ra fo único. Se d isse r re sp e ito a pessoa n ã o p e rte n c e n te à fa m ília da v itim a , o ju iz , com base na s c ircu n s tâ n cia s, d e c id irá se ho uve coação.

Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravi­ dade dela. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • A b a n d o n o d o c rité r io a b s tr a to d e " p e rs o n o f o rd in a ry firm n e s s " c o m o “ le g a l s ta n d a rd o f re s is ta n c e m: A o apreciar a gravidade da v is c o m p u ls iv a , o m agistrado deverá, em cada caso concreto, a te r-s e aos meios em pregados pelo coator, v e rifica n d o se produzem co nstrangi­ m en to m oral, sem olvid ar o sexo, a idade, a condição social, a saúde e o te m p e ra m e n to da v ítim a . Deverá, p o rtan to , averigu ar quaisquer circunstâncias, sejam elas pessoais ou sociais, que concorram ou in flu am sobre o estado m oral do coacto, le va n d o -o a execu tar a to nego­ ciai que se lhe é exigido. A lei, ao pressupor que todos somos dotados de certa energia ou grau de resistência, não desconhece que sexo, idade, saúde, condição social e te m p e ra m e n to podem to rn a r decisiva a coação, que, exercida em certas circunstâncias, pode pressionar e in flu ir mais poderosam ente.

JULGADOS • "Direito civil. Ação anulatória de negócio jurídico. Coação e dolo. Alegação de celebração de ne­ gócio jurídico sob coação moral. Inexistência de ameaça séria e injusta. Apreciação subjetiva dos supostos pacientes de aludido vicio de consentimento, consoante disposto no artigo 152 do Có­

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digo Civil. M al, outrossim, evitável ou menor do que o suposto negócio extorquido. Não configu­ ração da coação. Afastam ento, ademais, da tese subsidiária de que houve atuação com dolo, diante da inexistência de induzim ento em erro. Reconhecimento de débito existente da apelante em favor da apelada em virtude mesmo da validade de mencionado negócio jurídico. Honorários advocaticios sucumbenciais. Verba m antida no patam ar fixado pelo Juízo a quo, diante da inexis­ tência de impugnação especificada dos motivos pelos quais a verba deveria ser reduzida. Senten­ ça m antida. Apelação nào provida" (TJSP, 13* Câm. Dir. Priv., AC 7 1 7 0 6 8 0 -8 , Acórdão 3 2 54291, Jundiai, Rei. Des. Luís Eduardo Scarabelli, j. em 1 2 -9 -2 0 0 8 ). • "Negócio jurídico. Anulação. Para a coação invalidar o negócio jurídico a ameaça imposta à parte declarante deve ser determ inante, grave, im inente e injusta. Para que sejam aferidas as condições do artigo 152 do Código Civil, precisa-se de um m ínim o de provas, que a autora não produziu, não se desincumbindo do ônus de comprovar os fatos constitutivos de seu direito. Desprovimento do recurso" (TJRJ, Ap. 2005.001.38477, Rei. Odete K. de Souza, j. em 2 6 -1 -2 0 0 6 ).

DIREITO PROJETADO • Pelas razões acima expostas, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte proposta de reda­ ção: A rt. 152. A o a p re c ia r a c o a ç õ o , te r-s e -õ o e m c o n ta o sexo, a id a d e , a c o n d iç ã o , a sa ú de , o te m p e ra m e n to d a v ítim a e to d a s as d e m a is c irc u n s tâ n c ia s q u e p o s s a m in f lu ir n a g ra v id a d e dela.

Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverenciai. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • E x c lu d e n te s d a co a ç ã o : N ão se considerará coação, p o rtan to , vício de consentim ento susce­ tível de a n u la r negócio, a am eaça do exercício norm al de um d ire ito e o simples te m o r reve­ renciai. Assim, se algum negócio fo r levado a e fe ito por um dos c o n tratan tes nas circu nstân­ cias acim a enum eradas, nào se ju s tific a rá a anulab ilid ad e do ato, que perm anecerá válido, um a vez que não se tra ta de coação. • A m e a ç a d o e x e rc id o n o rm a l d e u m d ire ito : A am eaça do exercício norm al de um d ireito exclui a coação, porque se exige que a violência seja injusta. Desse m odo, se um credor de dívida vencida e não paga am eaçar o devedor de protestar o titu lo e requerer falência, não se config urará a coação por ser am eaça ju s ta que se prende ao exercício norm al de um d i­ re ito ; logo, o devedor não poderá reclam ar a anulação do protesto. • S im p le s te m o r re v e re n c ia i: 0 simples te m o r reverenciai vem a ser o receio de desgostar as­ c endente ou pessoa a quem se deve obediência e respeito, que não poderá a n u la r o negócio, desde que não esteja acom panhado de am eaças ou violências irresistíveis.

JDLGADOS • "Anulatória de ato jurídico. Compra e venda de veiculo autom otor, com alienação fidueiária e financiam ento. Negócio entabulado entre patrão e empregado com liberação de financiam ento por instituição financeira, m ediante alienação fidueiária e aval do primeiro. Não demonstrando a prova dos autos conluio entre instituição financeira e o vendedor, suposto beneficiário, nem a coação deste sobre o adquirente/financiado, seu empregado, a tan to não se qualificando o simples tem or reverenciai da relação de emprego, improcede o pleito de nulidade. Negaram provimento" (TJRJ, 2* CCv, AC 70 00 0 6 78 9 8 7, Rei. Des. M arilene Bonzanini Bernardi, j. em 2 9 -5 -2 0 0 1 ).

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Arts. 154 e 155

• "Confessada emissão de conhecimentos de fretes sem lastro, é inadmissível considerar-se como coação, vício de consentim ento suscetível de anular negócio, a ameaça do exercício regular de um direito, a justificar a anulabilidade do ato, que permanece válido" [RT, 779:372). • "Execução por titu lo extrajudicial - Confissão de divida - Alegação que o contrato foi obtido sob coação - Coação não configurada - Embargos do devedor improcedentes - Sentença m antida" [JTACSP, 729:30). • "A ameaça de exercício norm al de um direito transm uda-se em coação quando a form a e as cir­ cunstâncias utilizadas pela parte para fazê-lo caracterizam excesso, abuso com o condão de influir no ânim o do contratante e dele retirar o livre arbítrio, a possibilidade de declarar a sua vontade com independência" [RT, 760:392). • "Casamento - Anulação - Inadmissibilidade - Adolescente que, por tem or reverenciai ao pai, precipita-se em contrair núpcias, em face do conhecim ento, pelos genitores, da m anutenção de relações sexuais com seu nam orado - Situação que não caracteriza coação, pois não restou con­ figurado que a vontade em itida pela nubente foi induzida por força da insinuação de outrem [RT, 778:335).

Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C o a çõ o e x e rc id a p o r te rc e iro : A coação exercida por terceiro vicia o negócio jurídico, cau­ sando sua anulabilidade, se dela teve ou devesse te r co nhecim ento o c o n tra ta n te que dela se aproveitar. • R e s p o n s a b ilid a d e p e la c o a ç õ o e x e rc id a p o r te rc e iro : H avendo coação exercida por terceiro, urge averiguar, para apurar a responsabilidade civil, se a parte a quem a p ro v e ite te v e prévio co nhecim ento dela, pois esta responderá solidariam ente com o c o ato r por todas as perdas e danos causados ao coacto. Logo, além da anulação do a to negociai pelo vício de consenti­ m ento , a v ítim a terá d ireito de ser indenizada pelos prejuízos sofridos, fican d o solidariam en­ te obrigados a isso o a u to r da v is c o m p u ls iv a e o o u tro co n tra e n te que dela teve ciência e dela au fe riu vantagens.

Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào foi alvo de alteração relevante, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • D e s c o n h e c im e n to d a c o a ç õ o e x e rc id a p o r te rc e iro : 0 negócio ju ríd ic o terá validade se a coação decorrer de terceiro, sem que o c o n tra ta n te , com ela beneficiado, tivesse ou devesse te r dela conhecim ento. N o e n ta n to , o a u to r da coação terá responsabilidade pelas perdas e danos sofridos pelo coacto.

Art. 156

Seção IV

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Do estado de perigo

Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias. HISTÓRICO • O presente dispositivo não serviu de paleo a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. DOUTRINA • E s ta d o d e p e rig o : N o estado de perigo, há te m o r de grave dano m oral (d ireto ou in d ireto ) ou m aterial in d ireto è própria pessoa, ou a paren te seu, que com pele o d eclarante a concluir c o n tra to , m ediante prestação e x o rb ita n te . 0 lesado e fe tiv a negócio excessivam ente oneroso em razão de um ris c o p e s s o a l (perigo de vida, lesão è integridade física ou psíquica de um a pessoa). A pessoa n a tu ra l prem ida pela necessidade de salvar-se a si própria, ou a um fa m ilia r seu, de algum mal conhecido pelo o u tro c o n tra ta n te , vem a assumir obrigação dem asiada­ m ente onerosa. P. ex.: venda de casa a preço fo ra do v a lo r m ercadológico para pagar um d é b ito assum ido em razão de urgente intervenção cirúrgica, por en c o n tra r-s e em perigo de vida. Urge lem b rar que a Lei n. 1 2 .6 5 3 /2 0 1 2 , ao acrescentar o a rt. 1 3 5 -A ao Código Penal, tip ific a com o crim e o condicionam ento de a te n d im e n to m é d ic o -h o sp ita la r em ergencial a q u a lq u e r g a ran tia. • E s ta d o d e p e rig o e m ca so d e p re ju íz o a p e s so a n à o p e rte n c e n te à fa m ília d o d e c la ra n te : Em se tra ta n d o de pessoa nào perten cen te à fa m ília do declarante, o ju iz decidirá pela oco rrên ­ cia, ou não, do estado de perigo, segundo as circunstâncias, g uiando -se pelo bom senso (LINDB, art. 5*).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 148, aprovado na III Jornada de D ireito Civil de 2 0 0 4 : “Ao estado de perigo (art. 156) aplica-se, por analogia, o disposto no § 2 o do art. 157".

JULGADOS • 'Cobrança de prestação de serviços hospitalares - Internação de paciente em estado grave Termo de responsabilidade pelas despesas médicas assinado por uma amiga - Estado de perigo - Vicio do consentim ento comprovado - Invalidade do negócio jurídico - Sentença m antida Recurso improvido" (TJSP, 28* Cám. Dir. Priv., Ap. c/ rev. 9 1 7 .7 5 9 -0 /0 , Rei. Des. Carlos Nunes, j. em 1 5 -9 -2 0 0 9 ). • Civil e processual civil. Seguro-saúde anterior à Lei n. 9 .656/98. Submissão do segurado à cirurgia que se desdobrou em eventos alegadam ente nào cobertos pela apólice. Necessidade de adaptação a nova cobertura, com valores maiores. Segurado e fam iliares que são levados a assinar aditivo contratual durante o ato cirúrgico. Estado de perigo. Configuração. É excessivamente oneroso o negócio que exige do aderente m aior valor por aquilo que já lhe é devido de direito. Dano moral configurado. 0 estado de perigo é tratado pelo Código Civil de 20 02 como defeito do negócio jurídico, um verdadeiro vicio do consentimento, que tem como pressupostos: (i) a 'necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua fam ília'; (ii) o dolo de aproveitam ento da outra parte ('grave dano conhecido pela outra parte'); e (iii) assunção de 'obrigação excessivamente onerosa*. Deve-se aceitar a aplicação do estado de perigo para contratos aleatórios, como o seguro, e até mesmo para negócios jurídicos unilaterais. 0 segurado e seus fam iliares que são levados a assinar aditivo

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Art. 157

contratual durante o procedimento cirúrgico para que possam gozar de cobertura securitária ampliada precisam demonstrar a ocorrência de onerosidade excessiva para que possam anular o negócio jurídico. A onerosidade configura-se se o segurado foi levado a pagar valor excessiva­ m ente superior ao preço de mercado para apólice equivalente, se o prêmio ê demasiado face às suas possibilidades econômicas, ou se sua.apólice anterior já assegurava contra o risco e a assina­ tura de novo contrato era desnecessária. É considerada abusiva, mesmo para contratos celebrados anteriorm ente à Lei n. 9 .65 6 /9 8, a recusa em conferir cobertura securitária, para indenizar o valor de próteses necessárias ao restabelecimento da saúde. Im põem -se condições negociais excessiva­ mente onerosas quando o aderente é levado a pagar m aior valor por cobertura securitária da qual já gozava, revelando-se desnecessária a assinatura de aditivo contratual. 0 direito subjetivo asse­ gurado em contrato nâo pode ser exercido de form a a subtrair do negócio sua finalidade precipua. Assim, se determ inado procedim ento cirúrgico está incluído na cobertura securitária, não é legí­ tim o exigir que o segurado se submeta a ele, mas não instale as próteses necessárias para a plena recuperação de sua saúde. É abusiva a cláusula contratual que exclui de cobertura a colocação de s te n t, quando este é necessário ao bom êxito do procedim ento cirúrgico coberto pelo plano de saúde. Precedentes. Conquanto geralm ente nos contratos o mero inadim plem ento nào seja causa para ocorrência de danos morais, a jurisprudência desta Corte vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura de seguro-saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espirito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condições de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada. Recurso especial provido" (STJ, 3» T., REsp 918.392/R N , Rei. M in. Nancy A nd rig h i.j. em 1 1 -3 -2 0 0 8 ). • "Civil. Embargos infringentes. Apelação cível. Ação de cobrança. Internação de urgência em hos­ pital da rede particular. Estado de perigo. Inteligência do art. 156 do Código Civil de 2002. Prova. Ausência. Embargos infringentes não providos. 0 estado de perigo constitui vicio que anula ne­ gócio jurídico, previsto no a r t 156 do Código Civil de 2002. Se a parte alega estado de perigo ao assinar term o de responsabilidade para internação de paciente em unidade hospitalar da rede particular, acarreta para si o ônus de provar que as despesas cobradas são excessivas e que houve abuso por parte do contratado, que aproveitou do estado de aflição para obter vantagem exage­ rada. Ausente a prova de que a obrigação imposta é excessiva, resta o dever de cum prir a obriga­ ção assumida. Embargos infringentes conhecidos e não providos" (TJMG, Proc. 1.00 2 4 .05 .6 4 60 1 7 3 /0 0 3 ,8 -1 , Rei. Desa. Márcia de Paoli Balbino, DO, 1 4 -4 -2 0 0 7 ). • "Estado de perigo. Cheque. Emissão em caução, para assegurar internação hospitalar de parente em grave estado de saúde. Ação anulatória, cumulada com pedido de indenização por danos morais. Improcedência decretada em primeiro grau. Decisão reform ada em parte. Nào é válida obrigação assumida em estado de perigo. Aplicação dos princípios que regem situação de coação. Inexigibilidade reconhecida. 2 - Dano m oral resultante da apresentação e devolução do cheque. Não configuração. Ausência de reflexos extrapatrim oniais, pois o títu lo não foi protestado, nem foi intentada ação de cobrança. 3 - Recurso da autora provido em parte" (1a TACSP, 12* Câm., Ap. 8 3 3 .3 5 5 -7 , Comarca de São Paulo, Rei. Campos M ello, j. em 1 9 -3 -2 0 0 4 ).

Seção V



Da lesão

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inex­ periência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1? Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § T- Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

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DOUTRINA • Le sõo : É um vício de consen tim en to decorrente do abuso praticado em situação de desigual­ dade de um dos con tratan tes, por estar sob prem ente necessidade, ou por inexperiência, v i­ sando a p ro teg ê-lo , a n te o prejuízo sofrido na conclusão do c o n trato , devido à desproporção existente e n tre as prestações das duas partes, dispensando-se a verificação do dolo, ou m á -fé , da p arte que se aproveitou. Na sua base há, p o rtan to , um ris c o p a tr im o n ia l decorrente da im inência de sofrer algum dano m aterial. • A p re c ia ç ã o d a d e s p ro p o rç ã o d a s p re s ta ç õ e s : A desproporção das prestações, ocorrendo lesão, deverá ser apreciada segundo os valores vigentes ao te m p o da celebração do negócio ju ríd i­ co pela técnica pericial e avaliada pelo m agistrado [JTJSP, 2 4 3 :3 0). Se a desproporcionalidade fo r superveniente à fo rm ação do negócio, será ju rid ic a m e n te irrelevante. • Lesão e a n u la ç ã o d o n e g ó c io : A lesão inclui-se e n tre os vícios de consentim ento e a c a rre ta ­ rá a anulab ilid ad e do negócio, perm itin d o -se, porém , para e v itá -la , a o fe rta de suplem ento suficiente, ou, se o favorecid o concordar, com a redução da vantagem a u ferid a, a p ro v e ita n ­ do, assim, o negócio.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL E DE DIREITO COMERCIAL- CJF • Enunciado 410, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “A inexistência a que se refere o art. 157 não deve necessariamente significar im aturidade ou desconhecimento em relação à prá­ tica de negócios jurídicos em geral, podendo ocorrer tam bém quando o lesado, ainda que estipu­ le contratos costum eiram ente, não tenha conhecim ento especifico sobre o negócio em causa". • Enunciado 291, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Nas hipóteses de lesão previstas no art. 157 do Código Civil, pode o lesionado optar por não pleitear a anulação do negócio ju rí­ dico, deduzindo, desde logo, pretensão com vista à revisão judicial do negócio por meio da redu­ ção do proveito do lesionador ou do com plem ento do preço". • Enunciado 290, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A lesão acarretará a anulação do negócio jurídico quando verificada, na formação deste, a desproporção manifesta entre as prestações assumidas pelas partes, nào se presumindo a premente necessidade ou a inexperiência do lesado". • Enunciado 156, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A lesão de que trata o art. 157 do Código Civil não exige dolo de aproveitam ento". • Enunciado 149, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Em atenção ao principio da conservação dos contratos, a verificação da lesão deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial do negócio jurídico e não à sua anulação, sendo dever do magistrado incitar os contra­ tantes a seguir as regras do art. 157, § 2o, do Código Civil de 2002". • Enunciado 28, aprovado na I Jornada de Direito Comercial de 2012: "Em razão do profissionalismo com que os empresários devem exercer sua atividade, os contratos empresariais nào podem ser anulados pelo vicio da lesão fundada na inexperiência". JULGADOS • "Direito civil. Contrato de honorários q u o ta litis . Remuneração. A d e x itu m fixada em 5 0 % sobre o benefício econômico. Lesão. A abertura da especial alegada não enseja ofensa a Circulares, Resoluções, Portarias, Súmulas ou dispositivos inseridos em Regimentos Internos, por não se en­ quadrarem no conceito de lei federal previsto no art. 105, III, a da Constituiçãç Federal. Assim, não se pode apreciar recurso especial fundam entado na violação do Código de Ética e Disciplina da OAB. 0 Código de Defesa do Consumidor não se aplica à regulação de contratos de serviços advoeaticios. Precedentes. Consubstancia lesão a desproporção existente entre as prestações de um contrato no m om ento da realização do negócio, havendo para uma das partes um aproveita­ m ento indevido decorrente da situação de inferioridade da outra parte. 0 instituto da lesão é passível de reconhecimento tam bém em contratos aleatórios, na hipótese em que, ao se valorarem os riscos, estes forem inexpressivos para uma das partes, em contraposição àqueles suportados pela outra, havendo exploração da situação de inferioridade de um contratante. Ocorre lesão na hipótese em que um advogado, valendo-se de situação de desespero da parte, firm a contrato q u o ta litis no qual fixa sua remuneração a d e x itu m em 5 0 % do beneficio econômico gerado pela

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causa. Recurso especial conhecido e provido, revisando-se a cláusula contratual que fixou os honorários advocaticios para o fim de reduzi-los ao patam ar de 3 0 % da condenação obtida" (STJ, REsp 1.155.200/DF, Rei. M in. Massami Uyeda, j. em 2 2 -2 -2 0 1 1 ). • "Apelação cível. Contratação de m útuo que vem atrelada a contrato de seguro de previdência privada. Constatação de que o segundo contrato foi imposto à m utuária então premida pela ne­ cessidade de obtenção do empréstimo. Configuração da chamada venda casada que resultou em prejuízo do consumidor. Invalidade que tam bém se vê tipificada no instituto da lesão que veio a lume no artigo 157 do novo Código Civil. Correto reconhecim ento na sentença da invalidade do negócio que foi imposto à autora. Questão puram ente patrim onial a afastar a pretendida repara­ ção de dano moral. Desprovimento dos recursos" (TJRJ, AC 2 007.0001.05782, Rei. M arilene Melo Alves, j. em 2 -5 -2 0 0 7 ). • “Civil. Compra e venda. Lesão. Desproporção entre o preço e o valor do bem. Ilicitude do objeto. 1. A legislação esporádica e extravagante, diversamente do Código Civil de 1916, deu abrigo ao instituto da lesão, de modo a perm itir não só a recuperação do pagam ento a maior, mas tam bém o rom pim ento do contrato por via de nulidade pela ilicitude do objeto. Decidindo o Tribunal de origem dentro desta perspectiva, com a declaração de nulidade do negócio jurídico por ilicitude de seu objeto em face do contexto probatório extraído do laudo pericial, a adoção de posiciona­ m ento diverso pelo Superior Tribunal de Justiça encontra obstáculo na Súmula 7, bastando, portanto, a afirm ativa daquela instância no sentido da desproporção entre o preço avençado e o vero valor do imóvel. 2. Recurso especial não conhecido" (STJ, 4* T., REsp 434.687-RJ, (2 0 0 2/ 0 0 0 4 7 3 4 -6 ), Rei. M in. Fernando Gonçalves, j. em 1 6 -9 -2 0 0 4 , DJ, 1 1 -1 0 -2 0 0 4 ). • "Lesão. Cessão de direitos hereditários. Engano. Dolo do cessionário. Vicio do consentimento. Dis­ tinção entre lesão e vício da manifestação de vontade. Prescrição quadrienal. Caso em que irmãos analfabetos foram induzidos à celebração do negócio jurídico através de maquinações, expedientes astuciosos, engendrados pelo inventariante-cessionário. Manobras insidiosas levaram a engano os irmãos cedentes que não tinham , de qualquer form a, compreensão da desproporção entre o preço e o valor da coisa. Ocorrência de dolo, vício de consentimento. Tratando-se de negócio jurídico anulável, o lapso da prescrição é quadrienal (art. 178, § 9o, inc. V, b, do Código Civil de 1916)" (STJ, 4* T., REsp 107.961/RS Rei. M in. Barros M onteiro, j. em 1 3 -2 -2 0 0 1 , DJ, 4 -2 -2 0 0 2 , p. 364).

Seção VI



Da fraude contra credores

Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos. § 1- Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tomar insuficiente. § 2- Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação, salvo pequeno ajuste de pontuação, é a mesma do projeto original.

DOUTRINA • F ra u d e c o n tra c re d o re s e se u s e le m e n to s : A frau d e c o n tra credores constitui a prática m a li­ ciosa, pelo devedor, de atos que desfalcam seu patrim ô n io , com o fim de co lo c á -lo a salvo de um a execução por dívidas em d e trim e n to dos direitos creditórios alheios. Dois são seus e le ­ m entos: o o b je tiv o (e v e n tu s d a m n i), que é to d o a to prejudicial ao credor, por to rn a r o deve­ dor insolvente ou por te r sido realizado em estado de insolvência, ainda quando o ignore ou

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a n te o fa to de a g a ra n tia to rn a r-s e insuficiente; e o s u b je tiv o [e o n s iliu m fra u d is ), que é a m á -fé , a intenção de prejudicar do devedor ou do devedor aliado a terceiro, ilidindo os e fe i­ tos da cobrança [RT, 7 9 4 :2 4 9 , 7 7 6:27 6 , 6 9 6 :1 8 0 e 67 7:56). • E s ta d o d e in s o lv ê n e ia : Pelo a rt. 7 4 8 do Código de Processo Civil, te r-s e -á insolvêneia sempre q ue os débitos fo re m superiores à im po rtân cia dos bens do devedor. A prova da insolvêneia fa r-s e -á , em regra, com a execução da dívida. • A to s fra u d u le n to s : Serão suscetíveis de fra u d e os atos jurídicos a títu lo g ra tu ito (doação) ou remissão de dívida (CC, art. 3 8 6), quando os pratiqu e, in d e p e n d e n te m en te de m á -fé , o deve­ d o r já insolvente, ou por eles reduzido à insolvêneia. • A ç õ o p a u lia n o : A fra u d e contra credores, que vicia o negócio de simples anulabilidade, so­ m ente é atacável por ação pauliana ou revocatória [RT, 6 9 6 :1 8 0 e 181, 6 7 2 :178, 663:78), m ovida pelos credores quiro g rafário s (sem g ara n tia ), que já o eram ao tem p o da prática desse a to fra u d u le n to que se pretende invalidar. 0 credor com g a ra n tia real (penhor, hipo­ teca ou anticrese) não poderá reclam ar a anulação, por te r no ônus real a segurança de seu reem bolso, salvo se, executada a sua g a ra n tia , o bem onerado não fo r suficiente para satis­ fa ze r seus direitos creditícios.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 292, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Para os efeitos do art. 158, § 2«, a anterioridade do crédito é determ inada pela causa que lhe dá origem, independentem ente de seu reconhecim ento por decisão judicial". • Enunciado 151, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 ajuizam ento da ação paulia­ na pelo credor com garantia real (art. 158, § 1») prescinde de prévio reconhecimento judicial da insuficiência da garantia". JULGADOS • "Caracteriza-se o e o n siliu m fra u d is pelo desfazimento, aparentem ente de modo regular, do pa­ trim ônio real, através de troca deste por cotas sem valor de empresa que não consta tenha regu­ lar funcionam ento e atividade, substituindo-se, assim, o real, efetivo e concreto por fantasia, expressão econômica, m otivo pelo qual a insolvêneia é de ser havida por manifesta, e indiscutível é a fraude presente em tais atos" [RT, 6 1 7:56) • "Fraude contra credores - Ocorrência quando o devedor transfere, a titu lo gratuito, todos os imóveis que possui aos genitores, após consumar ato ilícito - Predominância da data do ato como constituição da divida e não do títu lo judicial - Dano ao credor - 8 o a -fé inexistente - Recurso provido apenas para excluir a pena por litigância improba" (TJSP, Ap. 2 5 1 .3 9 6 -1 /6 , Rei. Enio Z u liani, j. em 1 1 -6 -1 9 9 6 ). • "Ação pauliana. Doação de único imóvel remanescente a descendente com reserva de usufruto. Solvabilidade nào demonstrada pelo devedor. Consciência de que tal ato acarretaria prejuízo ao credor. Ação procedente" [RT, 696:180). • "Configurando-se no caso, a hipótese prevista no art. 106, parágrafo único, do CC/16 (art. 158, § 2», do CC/2002), podem os atos de transmissão gratuita de bens ou de remissão de dívidas ser anulados pelos credores quirografários" [RT, 676:243). • "Não cabe ação pauliana se o credor já encontrou com prom etido o patrim ônio do devedor ao assumir a condição crediticia, pois tal ação só poderá ser proposta por credor que já o fosse quan­ do se praticou o ato incriminado" (TJMG, Ap. 74 .7 3 4 -4 , Rei. Des. Francisco Figueiredo, ac. de 3 -3 1988).

Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvêneia for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contra­ tante.

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HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nâo foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação, salvo pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, é a mesma do projeto original.

DOUTRINA • C o n tra to o n e ro s o fra u d u le n to : Será suscetível de frau d e o negócio ju ríd ic o a títu lo oneroso se praticado por devedor insolvente ou quando a insolvência fo r notória ou se houver m o ti­ vo para ser conhecida do o u tro c o n tra ta n te , podendo ser anulado pelo credor. P. ex.: quando se ven d er im óvel em data próxim a ao ven cim en to das obrigações, inexistindo outros bens para saldar a dívida (RT, 4 7 1 :1 3 1 ,4 6 6 :1 4 4 ). Já houve decisão pela inaplicabilidade do a rt. 159, se o credor não apreciou d e vid am en te a ficha cadastral, em caso de alienação de im óvel a n te rio r ao v e n c im e n to de títu lo s avalizados, por inexistir e o n s iliu m fra u d is (777, 752:11). • In s o lv ê n c ia n o tó r ia : Será no tó ria a insolvência de c erto devedor se fo r ta l estado do conhe­ cim ento geral. Todavia, desta notoriedade nào se poderá dispensar prova; logo, todos os meios probatórios serão adm itidos. P. ex.: será no tó ria a insolvência se o devedor tiv e r seus títu lo s protestados ou ações judiciais que im pliquem a vinculaçáo de seus bens (RT, 6 7 3 :1 7 0 ,5 9 3 :1 9 4 ). • In s o lv ê n c ia p re s u m id a : Será presum ida a insolvência quand o as circunstâncias indicarem tal estado, que já devia ser do co nhecim ento do o u tro co n tra e n te, que tin h a m otivos para saber da situação fin an ceira precária do alien an te. P. ex.: preço vil, parentesco próxim o, alienação de todos os bens, relações de am izade, de negócios m útuos etc.

Art. 160. Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o preço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados. Parágrafo único. Se inferior, o adquirente, para conservar os bens, poderá depositar o preço que lhes corresponda ao valor real. HISTÓRICO • Este dispositivo nào foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. O texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por parte da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados.

DOUTRINA • P e rd a d a le g itim a ç ã o a tiv a p a ra m o v e r a ç ã o p a u lia n a : Perderão os credores a legitim ação ativa para m over a ação revocatória, se o ad q u ire n te dos bens do devedor insolvente que ainda nào pagou o preço, que é o corrente, d e p o s itá -lo em ju ízo , com citação de todos os interessados ou, ainda, se o adquirente, sendo o preço inferior, para conservar os bens, de­ positar q u a n tia correspondente ao valo r real. • E xclu sã o d a a n u la ç ã o de n e g ó c io ju r íd ic o o n e ro s o fra u d u le n to : Para que nào haja nulidade relativa do negócio ju ríd ic o lesivo a credor, será m ister que o ad q u iren te: o) ainda não tenha pago o preço real, ju s to ou corrente; ò) prom ova o depósito ju d icial desse preço; e c) requei­ ra a citação de todos os interessados, para que to m em ciência do depósito. Com isso estará assegurando a satisfação dos credores, nào se ju s tific a n d o a rescisão c o n tra tu a l, pois ela nào tra rá qualq u er v a n tag em aos credores defraudados, que, no processo de consignação em pagam ento , poderão, se fo r o caso, co n testar o preço alegado, hipótese em que o m agistrado deverá d e te rm in a r a perícia avaliatória.

Arts. 161 e 162

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Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou tercei­ ros adquirentes que hajam procedido de má-fé. HISTÓRICO • Este dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por parte da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados.

DOUTRINA • A ç õ o p a u lio n a c o n tra o d e v e d o r in s o lv e n te : Em regra a revocatória deverá ser in te n tad a c o n tra o devedor insolvente, seja em caso de transmissão g ra tu ita de bens, seja na hipótese de alien ação onerosa, te n d o -se em vista que tal ação visa tã o som ente a n u la r um negócio celebrado em prejuízo do credor. M as nada obsta a que seja m ovida contra a pessoa que com ele veio a e fe tiv a r o a to fra u d u le n to ou contra terceiro ad q u iren te de m á -fé . Logo, poderá ser proposta c o n tra os que intervieram na fra u d e c o n tra credores, c itan d o -se todos que nela tiverem to m ad o parte. “0 litisconsórcio, na ação pauliana, é obrig ató rio . N ão podem as par­ tes dispensá-lo" [RT, 4 4 7 /1 4 7 ). • R e v o c a tó ria c o n tra a p e s s o a q u e c e le b ro u o a to fra u d a tó rio c o m o d e v e d o r in s o lv e n te : Poderão ser acionados por te re m celebrado estipulação fra u d u le n ta com o devedor insolven­ te : o) herdeiros do a dquirente, com a restrição do a rt. 1.792 do Código Civil; 6) c o n tra ta n te ou ad q u ire n te de b o a -fé , sendo o a to a títu lo g ra tu ito , em bora nào te n h a o dever de restitu ir os fru to s percebidos (CC, art. 1 .214) nem o de responder pela perda ou deterio ração da coisa, a que não deu causa (CC, art. 1.217), tend o, ainda, o d ire ito de ser indenizado pelas b e n fe i­ torias úteis e necessárias que fe z (CC, art. 1 .219); c) ad q u ire n te de b o a -fé , sendo o negócio oneroso, hipótese em que, com a revogação do a to lesivo e restituição do bem ao patrim ôn io do devedor, se entregará ao c o n tra ta n te acionado a contraprestação que forneceu, em es­ pécie ou no equivalente. Quem receber bem do devedor insolvente, por a to oneroso ou g ra tu ito , conhecendo seu estado de insolvência, será obrigado a devolvê-lo, com os fru to s percebidos e percipiendos (CC, a rt. 1.216), tendo, ainda, de indenizar os danos sofridos pela perda ou deterioração da coisa, exceto se dem onstrar que eles sobreviriam se ela estivesse em poder do devedor (CC, a rt. 1.218). Todavia, resguardado estará seu d ire ito è indenização das benfeito rias necessárias que, porventu ra, tiv e r fe ito no bem (CC, art. 1.220). • A ç õ o p a u lia n a c o n tra te rc e iro a d q u ire n te d e m á -fé : 0 te rceiro será aquele que veio a a d q u i­ rir o bem daquele que o obteve d ire ta m e n te do a lien an te insolvente, ou m elhor, é o segundo a d q u ire n te ou subadquirente, que, estando de m á -fé , deverá ser acionado e re s titu ir o bem.

Art. 162. O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • P a g a m e n to de d iv id a n õ o v e n c id a fe ito p o r d e v e d o r in s o lv e n te : 0 p agam ento antecipado do d é b ito a credores fru stra a igualdade que deve existir e n tre os credores quirografários, que,

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Arts. 163 e 164

por tal razào, poderão propor ação pauliana para in v a lid á-lo , d e te rm in a n d o que o b e n e fic ia ­ do reponha o que recebeu em proveito do acervo. • E fe ito s d e p a g a m e n to in d e v id o a c re d o r q u ir o g r o fá r io : 0 credor que vier a receber pagam en­ to de dívida ainda não vencida será obrigado a devolver o que recebeu, mas essa devolução nào apenas a p ro veitará aos que o acionaram , pois reverterá em benefício do acervo do de­ vedor, que deverá ser p a rtilh a d o e n tre todos os credores que leg alm en te estiverem h a b ilita ­ dos no concurso creditório.

Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • O u to rg a de g a ra n tia s re a is : Será fra u d a tó ria a o u to rg a de garantias reais (CC, a rt. 1.419) pelo devedor insolvente a um dos credores quirografários, lesando os direitos dos dem ais credores, o que acarretará a sua anulabilidade. • A ç õ o p a u lia n a p a ra a n u la r g a r a n tia de d iv id a : Se, estando caracterizada a insolvêneia, o devedor der g a ra n tia real de dívida, vencida ou não, a um dos credores quirografários, este ficará em posição privilegiada em relação aos demais, que, então, poderão m over contra o devedor ação pauliana para d e c lará -la anulada, por estar co nfig urada a fra u d e c o n tra cre­ dores. Se ta l g a ra n tia fo r dada antes da insolvêneia do devedor, não haverá que fa la r em frau d e contra credores.

Art 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do de­ vedor e de sua família. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados.

DOUTRINA • P re se rva çã o d o p a tr im ô n io d o d e v e d o r in s o lv e n te : Se o devedor insolvente vier a co n tra ir novo déb ito , visando b e n e fic ia r os próprios credores, por te r o escopo de ad q u irir objetos im prescindíveis nào só ao fu n c io n a m e n to do seu estabelecim ento m ercan til, rural ou indus­ tria l, ev ita n d o a paralisação de suas atividades e consequentem ente a piora de seu estado de insolvêneia e o a u m e n to do prejuízo aos seus credores, mas tam bém à sua subsistência e a de sua fa m ília , o negócio por ele co n tra íd o será válido, a n te a presunção em fa v o r da b o a -fé . • C o n s e q ü ê n c ia s d a p re s u n ç ã o d a b o a - fé : Todos os novos com prom issos indispensáveis à conservação e adm inistração do p a trim ô n io do devedor insolvente, mesmo que o novo credor saiba de sua insolvêneia, serão tidos com o válidos, e o novel credor e q u ip a ra r-s e -á aos cre­

Arts. 165 e 166

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dores anteriores. A dívida contraída pelo insolvente com ta l fin a lid a d e não constituirá fra u ­ de contra credores, sendo incabível a ação pauliana.

Art. 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em pro­ veito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores. Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferen­ ciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade importará somente na anula­ ção da preferência ajustada. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados.

DOUTRINA • P rin c ip a l e fe ito d a a ç õ o p a u lia n a : A ação pauliana tem por prim ord ial e fe ito a revogação do negócio lesivo aos interesses dos credores quirografários, repondo o bem no p a trim ô n io do devedor, cancelando a g a ra n tia real concedida em proveito do acervo sobre que se ten h a de e fe tu a r o concurso de credores, possibilitando a e fetivação do rateio, a p ro v e ita n d o a todos os credores e nào apenas ao que a in ten to u . • A n u la ç ã o de g a r a n tia re a l: Se, porventu ra, o a to invalidado tin h a por único escopo co n ferir garantias reais, com o penhor, hipoteca e anticrese, sua a n u lab ilid ad e alcançará tã o som ente a da preferência estabelecida pela referid a g a ra n tia ; logo a obrigação principal (débito) c o n tin u a rá te n d o validade. Com a anulação da g a ran tia, o credor nào irá perder seu crédito, pois fig u ra rá , perdendo a preferência, com o q u iro g rafário , e n tra n d o no rateio fin a l do con­ curso creditório.

C apítulo V — DA INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I — celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II — for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III — o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV — não revestir a forma prescrita em lei; V— for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI — tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII — a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C o n c e ito de n u lid a d e : N ulidade é a sanção, im posta pela norm a jurídica, que d e te rm in a a privação dos efeitos jurídicos do a to negociai praticado em desobediência ao que prescreve.

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Art. 167

• E fe ito s d a n u lid a d e a b s o lu ta : Com a declaração da nulidade absoluta do negócio jurídico, este não produzirá qualq u er e fe ito por o fen d er princípios de ordem pública, por estar in q u inado por vícios essenciais. P. ex.: se fo r praticado por pessoa ab so lu tam en te incapaz (CC, art. 3«); se tiv e r o b je to ilícito, impossível ou indeterm inável; se 0 m otivo d e te rm in a n te , com um a am bas as partes, fo r ilícito; se não revestir a fo rm a prescrita em lei ou preterir alg u m a sole­ nidade im prescindível para sua validade; se tiv e r por o b je tiv o fra u d a r lei im p e ra tiv a; e q u a n ­ do a lei ta x a tiv a m e n te 0 declarar nulo ou p ro ib ir-lh e a prática sem com inar sanção de outra n atu reza (CC, arts. 1 .5 4 8 ,1 e II, 1.428, 548, 549, 7 6 2 ,1 .8 6 0 e 1 .9 0 0 ,1 a V; Lei n. 1 1 .1 0 1 /2 0 0 5 , art. 129). De m odo que um negócio nulo é com o se nunca tivesse existido desde sua fo rm a ­ ção, pois a declaração de sua invalidade produz e fe ito ex tu n e (Súm ula 3 4 6 do STF; RT, 8 0 3 :326, 7 7 6 :2 8 4 , 7 8 1 :179 e 197, 7 7 7 :1 8 9 , 7 0 7 :1 4 3 ) e, além disso, inadm issível será sua confirm ação.

JULGADOS • “Apelação - Contrato de locação - Máquinas - Inexistência - Atividade exercida em parceria entre as partes com o uso dos bens. Se comprovado que 0 negócio jurídico foi realizado de form a diversa daquela pretendida pelas partes, há vicio do consentimento (erro ou dolo) ou até sim ula­ ção, to rn a-o anulável ou nulo. Comprovado que 0 réu estava na posse de caixas metálicas do autor, deve devolvê-las. Recurso provido em parte“ (TJSP, Ap. 7149917700, Rei. Des. Paulo J. S. Guimarães, j. em 2 -4 -2 0 0 9 ). • “Declaratória - Nulidade de negócio jurídico - A to praticado por pessoa to talm en te incapaz Inadmissibilidade de convalidação do ato nulo - Recurso improvido" (TJSP, 13* Câm. D. Priv., Ap. 7 2 76 3 6 38 0 0 , Rei. Des. Heraldo de Oliveira, j. em 1 3 -2 -2 0 0 9 ). • “Nulidade de ato jurídico praticado por incapaz antes da sentença de interdição. Reconhecimen­ to da incapacidade e da ausência de notoriedade. Proteção do adquirente de boa-fé. Precedentes da Corte. 1. A decretação da nulidade do ato jurídico praticado pelo incapaz não depende da sentença de interdição. Reconhecida pelas instâncias ordinárias a existência da incapacidade, impõe-se a decretação da nulidade, protegendo-se 0 adquirente de b oa-fé com a retenção do imóvel até a devolução do preço pago, devidam ente corrigido, e a indenização das benfeitorias, na form a de precedente da Corte. 2. Recurso especial conhecido e provido" (STJ, 3» T., REsp 2 9 6.8 9 5 / PR, Rei. M in. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ, 2 1 -6 -2 0 0 4 , n. 214). • “Se em sua form ação restou inobservada form a prescrita em lei ou a preterição da solenidade considerada essencial, impõe-se 0 decreto de sua nulidade- (TAMG, 3* CCv, AC 2 9 5 .3 6 2 -6 , Rei. Juiz Dorival Guimarães Pereira, j. em 2 -8 -2 0 0 0 ). • "Para resguardo da b o a -fé de terceiros, e segurança do comércio jurídico, 0 reconhecimento da nulidade dos atos praticados anteriorm ente à sentença de interdição reclama prova inequívoca, robusta e convincente da incapacidade do contratante" (STJ, 4* T., REsp 9077/RS, Rei. M in. Sálvio de Figueiredo, acórdão de 2 5 -2 -1 9 9 2 , DJU, 3 0 -3 -1 9 9 2 ).

Art. 167. É nulo 0 negócio jurídico simulado, mas subsistirá 0 que se dissimulou, se válido for na substancia e na forma. § l- Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I — aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II — contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III — os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. § T- Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negó­ cio jurídico simulado.

Art. 167

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HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados.

DOUTRINA • S im u la ç ã o c o m o v íc io s o c ia l: Consiste num desacordo intencional e n tre a vo n tad e interna e a declarada para criar, ap a ren te m e n te , um a to negociai que inexiste, ou para ocultar, sob d e te rm in a d a aparência, o negócio querido, enganando terceiro, acarretand o a nulidade do negócio e sua im prescritibilidade. M as entendem os que te c n ic am en te mais ap ropriado seria a d m itir a sua anulabilidade, por um a questão de coerência lógica ao disposto no c a p u t do a rt. 167, em que se a d m ite a subsistência do a to dissim ulado se válido fo r na fo rm a e na substância e diante, p. ex., com o verem os logo mais, do prescrito no a rt. 4 9 6 do Código Civil. • S im u la ç ã o a b s o lu ta : T er-se-á sim ulação absoluta quando a declaração enganosa da vontade e xprim e um negócio ju ríd ic o bilateral ou u n ila te ra l, não havendo intenção de realizar a to negociai algum . P. ex.: é o caso da emissão de títu lo s de crédito, que não representam q u a l­ q u e r negócio, fe ita pelo m arido antes da separação judicial ou do divórcio para lesar a m ulher na partilh a de bens. • S im u la ç ã o r e la tiv a : A sim ulação relativa é a que resulta no intencional desacordo e n tre a v o n tad e interna e a declarada. O correrá sem pre que alguém , sob a aparência de um negócio fic tíc io , realizar o u tro que é o verdadeiro, diverso, no to d o ou em parte, do prim eiro, com o escopo de prejudicar terceiro. A presentam -se dois contratos: um real e o u tro aparen te. Os c o n tra tan te s visam o c u lta r de terceiros o c o n tra to real, que é o querido por eles. • M o d a lid a d e s d e s im u la ç ã o r e la tiv a : A sim ulação relativa poderá ser: o) s u b je tiv a , se a parte c o n tra ta n te nào tira proveito do negócio, por ser o sujeito aparen te. 0 negócio nào é e fe tu ­ ado pelas próprias partes, mas por pessoa interposta fic tic ia m e n te (CC, a rt. 1 6 7 ,§ 1°, I). P. ex.: é o que sucede na venda realizada a um te rceiro para que ele tran sm ita a coisa a um descen­ d e n te do alien an te, a quem se tem a intenção de tra n s fe ri-la desde o início, burlando -se o disposto no art. 4 9 6 do Código Civil, mas ta l sim ulação só se e fe tiv a rá quando se c o m p letar com a transm issão dos bens ao real ad q u ire n te (STF, Súm ulas 152 e 4 9 4 ); 6) o b je tiv a , se respeitar à natu reza do negócio pretendido, ao o b je to ou a um de seus elem entos c o n tra tu ­ ais; se o negócio co n tiver declaração, confissão, condição ou cláusula nào verdadeira (CC, art. 167, § 1°, II) - é o que se dá, p. ex., com a hipótese em que as partes na escritura de com pra e venda declaram preço in fe rio r ao convencionado com a intenção de burlar o fisco, pagan­ do m enos im posto; se as partes colocarem , no instru m en to p articular, a a n te d a ta ou a pós-d a ta , constante no docum ento, não aquela em que o m esm o fo i assinado, pois a falsa data indica intenção discordante da verdade (CC, art. 167, § 1«, III). • D ire ito s d e te rc e iro d e b o a - fé : Havendo decretação da invalidação do negócio ju ríd ic o sim u­ lado, os direitos de te rceiro de b o a -fé em face dos c o n tra tan te s deverão ser respeitados. • D is s im u la ç ã o e s im u la ç ã o : N ão há que c o n fu n d ir a sim ulação com a dissim ulação. A sim u­ lação provoca falsa crença num estado não real; quer en g an ar sobre a existência de um a situação não verdadeira, to rn a n d o nulo o negócio. A dissim ulação oculta ao conhecim ento de o u trem um a situação existente, pretendendo, p o rtan to , in c u tir no espirito de alguém a inexistência de um a situação real. N o negócio ju ríd ic o subsistirá o que se dissim ulou se v á li­ do fo r na substância e na fo rm a (CC, art. 167, 2 1 parte).

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 294, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Sendo a simulação uma causa de nulidade do negócio jurídico, pode ser alegada por uma das partes contra a outra".

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Art. 167

• Enunciado 293, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Na simulação relativa, o apro­ veitam ento do negócio jurídico dissimulado não decorre tão somente do afastam ento do negócio jurídico simulado, mas do necessário preenchim ento de todos os requisitos substanciais e form ais de validade daquele". • Enunciado 153, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Na simulação relativa, o negó­ cio simulado (aparente) é nulo, mas o dissimulado será válido se não ofender a lei nem causar prejuízo a terceiros". • Enunciado 152, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Toda simulação, inclusive a inocente, é invalidante".

JULGADOS • "Ação rescisória - Inépcia da petição inicial - Inexistência p rim a fa c ie de erro de fa to que leve à reversão do julgam ento - Inicial que aponta como erro de fa to o valor da escritura de compra e venda, em dissonância com o valor do negócio adm itido em depoim ento pessoal e com o valor real do imóvel - Ocorrência, em tese, de simulação relativa, que apenas torna nulo o negócio aparente e confere efeitos ao negócio dissimulado - Ainda que acolhidos os argumentos dos autores, a conseqüência seria o reconhecim ento da ocorrência de compra e venda, pelo valor de RS 15.000,00 - Da narração dos fatos não decorre logicam ente a conclusão de invalidade total do negócio iuridico por ilicitude do objeto e violação de cláusula comissória - Petição inicial indeferida" (TJSP, 28 Grupo de Direito Privado, AR 5636 0 3 43 0 0 , Rei. Francisco Loureiro, j. em 1«7-2 0 08 ). • "Processual civil. Anulatória. A to jurídico. Legitimidade ativa. Simulação. Comprovada. Para a apuração da legitimidade deve-se perquirir, não a titularidade do direito pretendido, mas a simples possibilidade de que ela exista. É parte legitim a que, em tese, tem ação para defender um interes­ se tutelável, desde que prove os fatos alegados. É nulo o negócio jurídico simulado que prejudique direito de terceiro de boa-fé" (STJ, 3* T., REsp 2 0 0 5 /0 1 8 3 6 8 5 -4 , Rei. M in. Gomes de Barros, j. em 1 2 -2 -2 0 0 8 ). • "Declaratória de nulidade de ato jurídico cumulada com reivindicatória e indenização por danos morais e materiais. Escritura de compra e venda. Alegação prelim inar de prescrição. A to nulo é imprescritível, insanável e não convalesce. Prelim inar rejeitada. Declaratória de nulidade de ato jurídico. Escritura de compra e venda. Alegação de validade do negócio jurídico. Ilicitude com pro­ vada. Recurso improvido" (TJSP, 3a Câm. de Dir. Priv., AC c/Rev. 4 3 9 1 9 6 -4 /4 -0 0 , Rei. Des. Caetano Lagrasta, j. em 7 -1 1 -2 0 0 6 ). • "Nào ocorre simulação se a declaração assinada pelo devedor traduz a existência de débito decor­ rente de indevida apropriação de importâncias pertencentes a terceiro" [RT, 779:372). • "Contrato - Simulação - Inocorrência - Genitora que assume conscientemente divida de filho - Inexistência de intencional desencontro entre a vontade interna e a que é declarada, a fim de burlar obstáculo legal - Observância do principio q u i tu rp itu d in e m su a m a lle g a n s n o n e st a u d itu ru s ” [RT, 777:408). • "Anulatória - A to jurídico - Simulação - Venda de imóvel - Ocorrência - Nào prevalecimento da capacidade volitiva dos descendentes dos vendedores - Conluio com 'testa de ferro' - M anu­ tenção do patrim ônio dos requerentes e reconhecimento da ausência de repercussão do ato no m undo jurídico - Artigo 1.132 do Código Civil de 1916 - Recurso não provido" (TJSP, AC 1 9 6.4701, Rei. M unhoz Soares, j. em 1 0 -2 -1 9 9 4 ). DIREITO PROJETADO • Pelas razões antes expostas, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte proposta de reda­ ção: A rt. 167. É a n u lá v e l o n e g ó c io ju r íd ic o s im u la d o , m a s s u b s is tirá o q u e se d is s im u lo u , se f o r v á lid o n a s u b s tâ n c ia e n a fo rm a . § I o H a v e rá s im u la ç ã o n o s n e g ó c io s ju r íd ic o s q u a n d o : I - a p a re n ta re m c o n fe r ir o u t r a n s m itir d ire ito s a p e sso a s d iv e rs a s d a q u e la s às q u a is re a lm e n te se c o n fe re m , o u tra n s m ite m ;

Arts. 168 a 170

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II - c o n tiv e re m d e c la ra ç ã o , c o n fis s ã o , c o n d iç ã o o u c lá u s u la n ã o v e rd a d e ira ; III - os in s tru m e n to s p a rtic u la re s fo re m a n te d a ta d o s , o u p ó s -d a ta d o s . § 2 o R e s s a lv a m -s e os d ire ito s d e te rc e iro s d e b o a -fé e m fa c e d o s c o n tra e n te s d o n e ­ g ó c io ju r íd ic o s im u la d o .

Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer in­ teressado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir. Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do pro­ jeto.

DOUTRINA • A rg u iç õ o d a n u lid a d e a b s o lu ta : A nulidade absoluta poderá ser arguida por qualq u er in te ­ ressado, pelo M in istério Público, quand o lhe caiba intervir, e pelo órgão ju d ic a n te de ofício, q uando conhecer do a to ou de seus efeitos e a e n c o n tra r provada. • P ro ib iç ã o de s u p rim e n to ju d ic ia l: A nulidade absoluta nào poderá ser suprida pelo ju iz, ainda que a re q u e rim e n to dos interessados, sendo ta m b é m insuscetível de convalidaçào ou de confirm ação.

Art. 1 6 9 .0 negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • E fe ito s d a n u lid a d e n e g o c ia i: O negócio nulo nào poderá ser co n firm ad o nem convalescerá pelo decurso do tem po.

Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houves­ sem previsto a nulidade. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. O texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados.

DOUTRINA • C onversão do a to n e g o c ia i n u lo : A conversão acarreta nova qualificação do negócio jurídico. Refere-se à hipótese em que o negócio nulo não pode prevalecer na form a pretendida pelas par­

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Art. 171

tes, mas, como seus elem entos sào idôneos para caracterizar outro, pode ser transform ado em outro de natureza diversa, desde que isso nào seja proibido, taxativam ente, como sucede nos casos de testam ento. Assim sendo, ter-se-á conversão p ró p ria apenas se se verificar que os con­ tratantes teriam pretendido a celebração de outro contrato, se tivessem ciência da nulidade do que realizaram. A conversão subordinar-se-á à intenção das partes de dar vida a um contrato diverso, na hipótese de nulidade do contrato que foi por elas estipulado, mas tam bém à form a, por ser imprescindível que, no contrato nulo, tenha havido observância dos requisitos de substân­ cia e de form a do contrato em que poderá ser transform ado para produzir efeitos.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 13, aprovado na Jornada de Direito Civil de 2002: " 0 aspecto objetivo da convenção requer a existência do suporte fático no negócio a converter-se". Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídi­ co: I — por incapacidade relativa do agente; II — por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal seja por parte da Câmara dos Deputados no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • N u lid a d e r e la tiv a : A nulidade relativa ou anulab ilid ad e refere-se, na lição de Clóvis Beviláqua, “a negócios que se acham inquinados de vício capaz de lhes d e te rm in a r a ineficácia, mas que poderá ser elim inad o, restabelecendo-se a sua norm alidade". • A to s n e g o c ia is a n u lá v e is : Serão anuláveis os negócios se: o) praticados por pessoa re la tiv a ­ m ente incapaz (CC, a rt. 4$) sem a devida assistência de seus legítim os representantes legais (CC, art. 1.634, V ); 6) viciados por erro {RT, 5 5 5 :8 6 , 8 0 4 :2 1 4), dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fra u d e contra credores (CC, arts. 1 3 8 a 165); e c) a lei assim o declarar, te n d o em vista a situação p a rticu lar em que se encontra d e te rm in a d a pessoa (CC, a rt. 1.650).

JULGADOS • “Prestação de serviços escolares - Contrato - M enoridade - Anulabilidade - Convalidação Reconhecimento - Apelo não provido. 0 contrato firm ado por pessoa relativam ente incapaz é anulável, no termos do art. 1 7 1 ,1, do CC, pelo que, em sendo posteriormente convalidado pela contratante, cursando integralm ente o ano letivo (arts. 174 e 176 do CC), quando com pletou a maioridade civil (art. 5o do CC), reconhece-se a sua exigibilidade, não sendo necessária a interven­ ção de seu representante legal à época da m enoridade relativa. Diante de sua m enoridade relati­ va, o ato jurídico estabelecido entre as partes era anulável, nos termos do art. 171,1, do CC. 0 ato jurídico anulável pode ser convalidado pelas partes, de form a expressa ou tácita, como faculta a lei, quando foi ele cum prido em parte pelo devedor (a r t 174 do CC), circunstância esta presente na hipótese em apreço, posto que a recorrente frequentou regularm ente o curso durante o ano seguinte, para o que se m atriculara, ou seja, o ano de 2004, obtendo aprovação, como bem com ­ prova o documento de fls. Ademais, a leitura que faz a recorrente do disposto no art. 175 do CC é equivocada. Ali não consta que a convalidação necessita ser expressa, mas sim que pode ser desta form a ou pela execução voluntária do negócio anulável, ou seja, tácita, o que ocorreu na espécie, porquanto, como já dito, a recorrente cursou norm alm ente, obtendo aprovação, o ano letivo de 20 04 ju n to à instituição de ensino apelada" (TJSP, AC 9122800-96 .2 0 08 .8 .2 6.0 0 0 0).

Art. 172

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• "Se inexiste prova da incapacidade mental do varão à época da celebração do casamento religio­ so, válidos os efeitos civis decorrentes de posterior habilitação, máxime quando inconteste que a união perdurou mais de trin ta anos. Os atos anteriores à sentença de interdição são apenas anuláveis, podendo ser invalidados desde que judicialm ente demonstrado, em ação própria, o estado de incapacidade à época em que praticados" (STJ, 4a T., AgRg no Al 24.836, Rei. M in. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 1 3 -4 -1 9 9 3 , 0 /3 1 - 5 - 1 9 9 3 ) . • "Nula é a renúncia de herança se o herdeiro foi induzido em erro substancial e se aquela confi­ gura doação indireta" [RT, 555:86).

DIREITO PROJETADO A rt. 171. A lé m d o s caso s e x p re s s a m e n te d e c la ra d o s n a le i, é a n u lá v e l o n e g ó c io j u r í ­ d ic o : I - p o r in c a p a c id a d e re la tiv a d o a g e n te ; II - p o r v ic io re s u lta n te d e e rro , d o lo , c o a çõ o , e s ta d o d e p e rig o , le sõ o , s im u la ç ã o o u fra u d e c o n tra credores.

Art. 172. 0 negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de ter­ ceiro. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do pro­ jeto. DOUTRINA • C o n firm a ç ã o : A nulidade relativa pode convalescer, sendo confirm ad a, expressa ou ta c ita m ente, pelas partes, salvo d ire ito de terceiro. A confirm ação é, p o rtan to , segundo Serpa Lopes, o a to ju ríd ic o pelo qual um a pessoa fa z desaparecer os vícios dos quais se encontra in q u in a da um a obrigação contra a qual era possível prover-se por via de nulidade ou de rescisão. 0 a to nulo, por sua vez, será insuscetível de confirm ação, por prevalecer o interesse público. • E fe ito “e x tu n c " d a c o n firm a ç ã o : A co n firm ação retro ag e à d a ta do a to ; logo, seu e fe ito é ex tu n c , to rn an d o válido o negócio desde sua form ação, resguardados os direitos, já constituídos, de terceiros. Para ta n to será necessário que o c o n firm a n te conceda a co nfirm ação no m o ­ m en to em que haja cessado o vício que m aculava o negócio e que o a to c o n firm a tiv o nào incorra em vicio de nulidade.

JDLGADO • "Processual civil. Recurso especial. A to nulo. R atificação. Im possibilidade. Repetição. Cabi­ m ento . Efeitos retroativos. V edação. I - Ausente a d e lim itação da controvérsia, no que diz respeito à existência de nulidade e omissão no acórdão recorrido, aplica-se, por analogia, a S úm ula 2 8 4 do S uprem o Tribunal Federal. II - Descabe, em recurso especial, a análise de questões que dem andem revolvim ento do conteúdo fá tic o -p ro b a tó rio e cláusulas estatutárias. Incidência das Súm ulas 5 e 7 do S uperior Tribunal de Justiça. III - Em bora não sejam os negócios ab so lu tam en te nulos ratificáveis ou convalidáveis, isso não im pede que sejam n o ­ v a m en te realizados, com a correção da fa lh a que fu lm in o u o a to an te rio r, sendo in d iferen te que a nulidade p rim itiva ten h a sido declarada ju d ic ia lm e n te . Se as novas alterações c o n tra ­ tuais reúnem todos os requisitos de valid ade do a to ju ríd ico , possuem natu reza de atos a u ­ tônom os, pouco im p o rtan d o que contenh am a expressão "ratificação". IV - Na repetição da prática de atos de idêntico te o r aos dos que fo ra m declarados nulos, é vedada a concessão de efeitos ex tu n c . C ontudo, se isso ocorreu, é possível declarar sua nulidade apenas nesse

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Arts. 173 a 175

aspecto, m a n te n d o -s e a sua eficácia para o fu tu ro . Recurso parcialm en te provido" (STJ, 3* T., REsp 2 0 0 4 /0 1 2 6 6 8 1 -1 , Rei. Castro Filho, j. em 2 -6 -2 0 0 5 ).

Art. 1 7 3 .0 ato de confirmação deve conter a substância do negócio celebrado e a von­ tade expressa de mantê-lo. HISTÓRICO • Na versão original do projeto o artigo tinha a seguinte redação: “0 ato de confirm ação deve conter a substância do negócio confirm ado e a vontade expressa de confirm á-lo". Emenda apre­ sentada no Senado Federal substituiu "confirmado" por "celebrado" e "confirm á-lo" por "m antê-lo". Foi a única modificação que sofreu o dispositivo. 0 objetivo buscado e efetivam ente alcan­ çado pelo Senado Federal foi evitar a form a repetitiva do projeto, sem alterar-lhe a essência.

DOUTRINA • C o n firm a ç ã o e x p re s s a : 0 a to de co nfirm ação deverá c o n ter a substância do a to negociai celebrado e a vo n tad e expressa de m a n tê -lo . Logo, preciso será que se deixe p a te n te a livre in te n tio de c o n firm a r a to negociai que se sabe anulável, devendo-se, para ta n to , conter, por extenso, o c o n tra to prim itivo que se preten d e c o n firm ar, in d ic a n d o -o de m odo que nào haja dúvida algum a. N ão se poderá fa ze r uso de frases vagas ou imprecisas, pois a vo n tad e de c o n firm a r deverá constar de declarações explicitas e claras. • F o rm a d a c o n firm a ç ã o : 0 a to de co nfirm ação deverá observar a m esm a fo rm a prescrita para o c o n tra to que se qu er c o n firm ar. Assim, se se fo r c o n firm a r um a doação de im óvel, o a to de co nfirm ação deverá constar de escritura pública, por ser esta da substância do ato.

Art. 174. É escusada a confirmação expressa, quando o negócio já foi cumprido em parte pelo devedor, ciente do vício que o inquinava. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de pontuação, durante a revisão ortográfica, por parte da consultoria le­ gislativa da Câmara dos Deputados.

DOUTRINA • C o n firm a ç ã o tá c ita : A co n firm ação tá c ita d a r-s e -á quando a obrigação negociai já tiv e r sido p arcialm en te cum prida pelo devedor conhecedor do vício que a m aculava, to rn a n d o -a a n u ­ lável. A v o n ta d e de c o n firm a r está ínsita, pois, m esm o sabendo do vício, o co n firm a d o r não se im p o rto u com ele, e teve a intenção de c o n firm á -lo e de reparar a m ácula. • R e q u is ito s : Para que se c o n fig u re a co n firm ação tá c ita será m ister que haja: o) v o lu n tária execução parcial do negócio; 6) co nhecim ento do vício que o to rn a anulável; e c) intenção de c o n firm á -lo . • P ro v a : A prova da co n firm ação tá c ita com petirá a quem a arguir.

Art. 175. A confirmação expressa, ou a execução voluntária de negócio anulável, nos termos dos arts. 172 a 174, importa a extinção de todas as ações, ou exceções, de que contra ele dispusesse o devedor.

Arts. 176 e 177

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HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nâo foi m odificado por emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C o n se q ü ê n cia d a c o n firm a ç ã o e xp re ssa o u t á c ita : A co nfirm ação expressa, ou a execução vo lu n tária do negócio anulável, conduzirá ao e n te n d im e n to de que houve e x tin ção de todas as ações, ou exceções, de que o devedor dispusesse contra o ato. Deveras, se o a to fo r passí­ vel de anulação, o lesado poderá lançar m ão de um a ação, mas se houve co n firm ação expres­ sa ou tá c ita , subentende-se que houve extinção de q u a lq u e r providência que possa o b te r a decretação judicial da nulidade relativa. • Irre v o g a b ilid a d e d a c o n firm a ç ã o : Com a co nfirm ação não mais será possível a n u la r o a to negociai viciado, pois a nulidade deixou de existir, a n te a irrevogabilidade do a to c o n firm a tó rio , que validou a obrigação em d e fin itiv o .

JULGADO • "Apelação. D eclaratória. Im p o rta ra tificação do a to anulável o p agam ento das parcelas da confissão de dívida. Inteligência do art. 1 7 5 do Código Civil. A alegação de coação vincula-se à ideia de im ediatism o e não se coaduna ao largo lapso tem p o ral e n tre a assinatura do ins­ tru m e n to de confissão de dívida e a propositura da dem anda. Reconhecida fa lta de interesse de a g ir para discutir a validade do déb ito presum ido lançado pela concessionária. D éb ito nulo cobrado pela apelada, reconhecido pelo ju íz o de prim eira instância, deve ser devolvido em dobro, nos term os do a rt. 4 2 , p arágrafo único, do CDC. Recurso parcialm ente provido" (TJSP, Ap. c/ Rev. 1 .1 7 9 .2 7 2 -0 /6 , 16» Vara Cível. Rei. Des. Pereira Calças, j. em 1 3 -8 -2 0 0 9 ).

Art. 176. Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validado se este a der posteriormente. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • C o n v a lid a ç ã o p o s te r io r d e n e g ó c io a n u lá v e l: Se a nulidade relativa do a to negociai ocorrer por fa lta de a u to riza ç ã o de terceiro, passará a te r valid ade se, posteriorm ente, ta l anuência se der.

Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronun­ cia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a ale­ garem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. O texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados.

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Arts. 178 e 179

DOUTRINA • E fe ito “e x n u n c “ d o d e c la ra ç ã o ju d ic ia l d e n u lid a d e r e la tiv a : A declaração ju d icial de in e fi­ cácia do a to negociai opera ex n u n c, de m odo que o negócio produz efeitos a té esse m o m en ­ to, respeitando-se as conseqüências geradas a n te rio rm e n te . Tal ocorre porque a a n u la b ilid a ­ de prende-se a um a desconform idade que a norm a considera m enos grave, um a vez que o negócio anulável viola preceito co n cernente a interesses m e ra m en te individuais, acarretand o um a reação m enos extrem a [RT, 5 1 9 :2 5 7 , 5 /5 :9 6 ). • A rg u iç õ o d a n u lid a d e r e la tiv a : A anulab ilid ad e só pode ser alegada pelos prejudicados com o negócio ou por seus representantes legítim os, nào podendo ser decretada ex o f f ic io pelo ju iz. • E fe ito s d a a n u la b ilid a d e : A anulab ilid ad e de um certo negócio só aproveitará à p arte que a alegou, com exceção de indivisibilidade ou solidariedade (CC, arts. 2 5 7 a 2 6 3 e 2 6 4 a 2 8 5).

Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negó­ cio jurídico, contado: I — no caso de coação, do dia em que ela cessar, II — no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico; III — no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do pro­ jeto.

DOUTRINA • P ra zo d e c a d e n c ia l p a ra p le ite a r n u lid a d e re la tiv a : O prazo de decadência para pleitear, ju ­ d icialm ente, a anulação do negócio ju ríd ic o é de q u a tro anos, contado, havendo: o) coação, do dia em que ela cessar; b) erro, dolo, frau d e contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia da celebração do a to negociai; e c) a to de incapaz, do dia em que cessar a incapacidade.

Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de alteração relevante, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Houve apenas uma pequena modificação de ordem exclusivamente redacional (foi retirado o possessivo "sua" antes de "anulação"), ainda no periodo inicial de tram itação na Câmara.

DOUTRINA • D e ca d ê n cia n o s c a so s d e n u lid a d e re la tiv a d e te rm in a d a p o r le i, c o m o m is s ã o d o la p s o te m ­ p o ra l: Se a lei prescrever anulabilidade de negócio, sem estabelecer prazo para p le ite á -la , este será de dois anos, contado da data da conclusão do a to negociai.

Arts. 180 e 181

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Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior. HISTÓRICO • Na versão original do Projeto n. 634, o artigo tinha a seguinte redação: “O menor, entre dezesseis e vinte e um anos, nào pode, para se exim ir de uma obrigação, invocar a sua idade, se dolosamen­ te a ocultou, inquirido pela outra parte, ou se, no ato de se obrigar, espontaneam ente se declarou maior". Emenda apresentada no Senado Federal substituiu “vinte e um anos" por "dezoito anos", tendo em vista a redução da maioridade civil já operada anteriorm ente. Foi a única modificação que sofreu o dispositivo. A emenda senatorial compatibilizou o artigo com os arts. 4», I, e 5o, ca p ut, alterando parcialm ente a redação a fim de aperfeiçoá-la.

DOUTRINA • P ro ib iç ã o de a le g a ç ã o d o m e n o rid a d e p a ra e x im ir-s e de o b rig a ç ã o a s s u m id a : 0 m enor, e n tre dezesseis e dezo ito anos, nào poderá invocar a proteção legal em fa v o r de sua incapa­ cidade para e xim ir-se da obrigação ou para a n u la r um a to negociai que ten h a praticado, sem a devida assistência, se agiu dolosam ente, escondendo sua idade, quando in q u irid o pela o u tra parte, ou se espontaneam ente se declarou m aior. O m en o r não poderá, p o rtan to , em tais circunstâncias, a leg ar sua m enoridade para escapar à obrigação contraída. • In a d m is s ib ilid a d e de p re v a lê n c ia d a m a lic ia : Nào será ju rid ic a m en te admissível que alguém se prevaleça de sua própria m alícia para tira r proveito de um a to ilícito , causando dano ao o u tro c o n tra ta n te de b o a -fé , proteg en do-se, assim, o interesse público.

JULGADO • "Execução por títu lo extrajudicial - Cambial - Nota promissória - Aval firm ado por menores púberes - Ocultaçáo da idade real - Art. 155 do CC/16 (Art. 180 do CC/2002) - Validade da obrigação - Embargos improcedentes - Sentença m antida" [JTACSP, 1 73:337). Art. 181. Ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um inca­ paz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • In v a lid a ç ã o d e a to n e g o c ia i fe ito p o r in c a p a r. Se nào houver m alícia por parte do incapaz, te r-s e -á a invalidação de seu ato, que será, então, nulo, se sua incapacidade fo r absoluta, ou anulável, se relativa fo r, sendo que, neste ú ltim o caso, com petirá ao incapaz, e não àquele q ue com ele c o n tra to u , p leitear a anulab ilid ad e do negócio e fe tivad o . Se a incapacidade fo r absoluta, q u a lq u e r interessado poderá pedir a nulidade do a to negociai, e a té mesmo o m a­ gistrado poderá p ro n u n c iá-la de ofício. • Im p o s s ib ilid a d e de re c la m a r a d e v o lu ç ã o d a im p o r tâ n c ia p a g a a in c a p o r. O absoluta ou re lativa m e n te incapaz não terá o dever de restituir o que recebeu em razão do a to negociai c o n tra íd o e declarado inválido, a não ser que o o u tro c o n tra ta n te prove que o pagam ento fe ito reverteu em proveito do incapaz. A parte contrária, para o b te r a devolução do q u a n tu m pago ao m enor, deverá dem onstrar que o incapaz veio a se enriquecer com o p agam ento que lhe foi fe ito em v irtu d e do a to negociai invalidado.

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Arts. 182 a 184

Art. 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • “S ta tu q u o a n te ": Com a invalidação do a to negociai, te r-s e -á a restituição das partes con­ tra ta n te s ao s ta tu q u o a n te , ou seja, ao estado em que se encontravam antes da efetivação do negócio. 0 pron unciam ento da nulidade absoluta ou relativa requer que as partes retornem ao estado an te rio r, com o se o a to nunca tivesse ocorrido. P. ex.: com a nulidade de um a es­ critu ra de com pra e venda, o co m prador devolve o im óvel, e o vendedor, o preço. • In d e n iz a ç ã o c o m o e q u iv a le n te : Se fo r impossível que os c o n tra tan te s v o lte m ao estado em que se achavam antes da e fetivação negociai, por nào mais existir a coisa ou por ser inviável a reconstituição da situação ju ríd ica, o lesado será indenizado com o equivalente. • Exceções: A norm a do art. 182, ora co m entado , com porta as seguintes exceções: o) impossi­ bilidade de reclam ação do que se pagou a incapaz, se nào se provar que reverteu em provei­ to dele a im portân cia paga (CC, a rt. 1 81); e b) o possuidor de b o a -fé poderá fru ir das v a n ta ­ gens que lhe são inerentes, com o no caso dos fru to s percebidos e das benfeito rias que fize r (CC, arts. 1 .2 1 4 e 1.219).

Art. 183. A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • In v a lid a d e in s tr u m e n ta l: Na nulidade, a inoperância do in s tru m en to nào im plicará a do a to negociai; se este se puder provar por outros modos, o negócio co n tin u ará eficaz. Se, porém , o instru m en to fo r essencial â constituição e à prova do a to negociai, com a sua nulidade te r-s e -á a do negócio. P. ex.: se inválido fo r o in s tru m en to que c o n stitu ir um a hipoteca, in ­ válida será esta, um a vez que não poderá subsistir sem o referido instrum ento, nem por o u tra m aneira ser provada.

Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do pro­ jeto.

DOUTRINA • N u lid a d e p a rc ia l de u m n e g ó c io : A invalidade parcial de um a to negociai, respeitada a in te n ­

Arts. 185 e 186

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ção das partes, não o a tin g irá na parte válida, se esta puder subsistir a u to n o m a m e n te [RT, 5 2 8 :110), devido ao princípio u tile p e r in u t ile n o n v itia tu r . • N u lid a d e d a o b rig a ç ã o p rin c ip a l: A nulidade da obrigação principal im plicará a da acessória, p. ex., a nulidade de um c o n tra to de locação acarretará a da fian ça, devido ao princípio de q ue o a c c e s s o riu m s e q u itu r s u u m p rin c ip a le . • N u lid a d e d a o b rig a ç ã o a c e s s ó ria : A nulidade da obrigação acessória não a tin g irá a obrigação principal, que perm anecerá válida e eficaz. Se num a locação fo r anulada a fiança, o pacto locatício subsistirá.

T ítu lo II — DOS ATOS JURÍDICOS LÍCITOS Art. 185. Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. DOUTRINA • D is c ip lin a ju r íd ic a d o s a to s ju r íd ic o s e m s e n tid o e s trito : Os atos jurídicos em sentido estrito g eram conseqüências jurídicas previstas em lei e nào pelas partes interessadas, não havendo, com o ocorre nos negócios jurídicos, regulam entação da a u to n o m ia privada. T rata-se dos atos m ateriais (acessão, fixação e transferência de dom icílio, especificação etc.) e das participações (aviso, confissão, notificação etc.). Ju n tam e n te com os negócios jurídicos constituem espécie de um gênero, que é o a to ju ríd ic o em sentido am plo. E, assim sendo, aos atos lícitos, que não sào negócios jurídicos, aplicam -se, no que couberem , as disposições a tin en tes aos negócios jurídicos (CC, art. 185).

T ítu lo III — DOS ATOS ILÍCITOS Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. HISTÓRICO • Na versão original do projeto o artigo tinha a seguinte redação: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem , ainda que simples­ m ente moral, comete ato ilícito". Emenda apresentada na Câmara dos Deputados, ainda no peri­ odo inicial de tram itação do projeto, substituiu "simplesmente" por "exclusivamente", ao argu­ m ento de que "o advérbio 'simplesmente' dava a entender que a lesâo moral seria inexpressiva ou de sentido depreciativo, ou de valor inferior à lesâo física ou m aterial". Foi a única modificação que sofreu o dispositivo. DOUTRINA • A to ilíc ito : 0 a to ilícito é praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando d ireito subjetivo individual. Causa dano p a trim o n ial ou m oral a o u trem , criando o dever de rep ará-

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Art. 186

-Io (STJ, Súm ula 3 7). Logo, o ilícito produz e fe ito ju ríd ico , só que este não é desejado pelo agente, mas im posto pela lei. • E le m e n to s e s s e n c ia is : Para que se c o n fig u re o a to ilícito, será im prescindível que haja: o) fa to lesivo v o lu n tário , causado pelo agente, por ação ou omissão v o lu n tária , negligência ou im ­ prudência; 6) ocorrência de um dano p a trim o n ial e/ou m oral, sendo que pela S úm ula 37 do S uperior Tribunal de Justiça serão cum uláveis as indenizações por dano m aterial e m oral decorrentes do mesmo fa to ; c) nexo de causalidade e n tre o dano e o c o m p o rta m en to do agente. • C o n se q ü ê n c ia d o a to ilí c it o : A obrigação de indenizar é a conseqüência ju ríd ica do a to ilíci­ to (CC, arts. 9 2 7 a 9 5 4 ), sendo que a a tu alização m on etária incidirá sobre essa dívida a p artir da data do ilícito (Súm ula 4 3 do STJ).

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 411, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “0 descum prim ento de contrato pode gerar dano moral quando envolver valor fundam ental protegido pela Constituição Federal de 1988". • Enunciado 159, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “0 dano moral, assim com pre­ endido todo o dano extrapatrim onial, não se caracteriza quando há mero aborrecim ento ineren­ te a prejuízo material". SÚMULAS • Súmula 562 do STF: "Na indenização de danos materiais decorrentes de ato ilícito cabe a a tu a li­ zação de seu valor, utilizando-se, para esse fim , dentre outros critérios, dos índices de correção monetária". • Súmula 402 do STJ: "0 contrato de seguro por danos pessoais compreende os danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão". • Súmula 387 do STJ: "É licita a cum ulação das indenizações de dano estético e dano moral". • Súmula 186 do STJ: "Nas indenizações por ato ilícito, os juros compostos somente são devidos por aquele que praticou o crime". JULGADOS • "A quantificação do dano m oral fica, como de comum sabença, ao prudente arbítrio do juiz, que nào está adstrito a qualquer critério legal, até porque inexiste a hipótese dos autos. Além disso a doutrina e a jurisprudência têm se orientado no sentido de que, na apuração do valor dessa verba, devem ser consideradas as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado. Levando-se ainda em conta critérios da proporcionalidade e razoabilidade. Desprovimento dos Embargos Infringentes" (TJRJ, AC 99.005.536, 4° Grupo de Câmaras Cíveis, j. em 1 2 -1 -2 0 0 0 ). • "Admissível a indenização, por dano moral e dano estético, cum ulativam ente, ainda que derivados do mesmo fato , quando este, embora de regra subsumindo-se naquele, com porte reparação m a­ terial. Incidência da Súmula n. 37 do STJ. Recurso conhecido e provido" (STJ, 3* T., REsp. 68.491 -RJ, Rei. M in. W aldem ar Zveiter, j. em 6 -2 -1 9 9 6 , v.u.). • "É devida indenização a titu lo de danos m aterial, moral e estético sofridos por vitim a de atrope­ lam ento pelo motorista que, agindo com culpa, conduzindo seu veiculo em baixa velocidade, antevendo a intenção do pedestre em atravessar a via, não tom a nenhuma providência quanto à desaceleração ou frenagem do autom óvel" [RT, 780:268). • "Se há um dano m aterial e outro moral, que podem existir autonom am ente, se ambos dão margem à indenização, nào se percebe por que isso não deva ocorrer quando os dois se tenham como presentes, ainda que oriundos do mesmo fato . De determ inado ato ilícito decorrendo lesão m ate­ rial, esta haverá de ser indenizada. Se apenas de natureza moral, igualm ente é devido o ressarci­ mento. Quando reunidas, a reparação há de referir-se a ambas. Não há por que cingir-se a uma delas, deixando a outra sem indenização" [Lex, JSTJ, 29:190).

Art. 187

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• "Açâo indenizatória - Dúplice venda de bem imóvel - A to ilícito - Responsabilidade - Verba honorária de corréus excluídos da lide. Comprovado, nos autos, que o apelado varão adquiriu bem imóvel do apelante varão, mas que este, por bastante procurador, o havia alienado a terceiro, evidente a prática de ato ilícito, que obriga a reparação (artigo 159, do Código Civil/16, atual art. 186), sabido que o 'ato ilícito se caracteriza pela infração ao dever jurídico, oriundo de culpa ou dolo, que implica em prejuízo alheio e im porta no dever de ressarci-lo' [a p u d Arnold W ald, Curso de d ire ito c iv il b ra s ile iro : p a rte geral, 2* ed., p. 251). De outra parte, bem se conduziu o m agistra­ do, na estim ativa da verba honorária dos corréus excluídos da lide, desprezando o valor da causa e, naturalm ente, levando em conta o valor do beneficio patrim onial [a p u d Celso Agrícola Barbi, C o m en tá rio s ao C ódigo de Processo Civil, Forense, v. I, n. 85). Recurso desprovido” (TJPR, 3» Câm. Civ., AC 3.367, Rei. Des. Renato Pedroso, j. em 1 M 0 -1 9 8 5 ). • "Agravo regim ental. Recurso especial não adm itido. Danos morais. Valor da Indenização. Recém-nascido. Berçário. Asfixia. 1. Consideradas as peculiaridades do caso, não pode ser tachada de abusiva a quantia fixada na instância o quo, 2 5 0 (duzentos e cinqüenta) salários mínimos. A in­ denização foi determ inada em razão do grau de culpa e do dano ocasionado, no caso em tela, de graves proporções, já que, segundo consta do acórdão, a negligência dos responsáveis pelo ber­ çário onde se encontrava a filha recém-nascida do casal ocasionou asfixia na criança, com poste­ riores paradas cardíaca e respiratória e seqüela neurológica diagnosticada. 2. 0 dissídio jurisprudencial igualm ente não restou caracterizado. A par de não ter sido realizado o indispensável co­ tejo analítico, nos moldes do artigo 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil, tam bém fica evidente a dessemelhança fática entre as situações em confronto. No presente caso, como já demonstrado, a indenização decorreu da conduta negligente daquele a quem foram confiados os cuidados básicos prestados a indefeso recém-nascido, o que ocasionou os graves danos, com se­ qüelas neurológicas, ao menor, situação fática não cogitada nos precedentes. 3. Agravo regim en­ tal desprovido" [RSTJ, 766:255). • "Em se tratando de pleito indenizatório por dano moral, a avaliação deste nào segue o padrão de simples cálculo m atem ático-econôm ico, mas deve ser fixado segundo critério justo a ser seguido pelo Juiz, sobremodo para não tornar essa mesma indenização m uito alta e a ponto de reduzir o ofensor em outra vitim a" [RT, 741:357).

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados.

DOUTRINA • A b u s o de d ire ito o u e x e rc íc io ir r e g u la r d o d ire ito : 0 uso de um d ire ito , poder ou coisa, além do perm itid o ou extrapolando as lim itações jurídicas, lesando alguém , tra z com o e fe ito o dever de indenizar. R ealm ente, sob a aparência de um a to legal ou lícito, esconde-se a “ilici­ tude". ou m elhor, a an tiju rid ic id a d e s u i g e n e ris no resultado, por a te n ta d o ao princípio da b o a -fé e aos bons costum es ou por desvio de fin alid ad e socioeconôm ica para a qual o d ire i­ to fo i estabelecido.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 414, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “A cláusula geral do art. 187 do Código Civil tem fundam ento constitucional nos princípios da solidariedade, devido processo legal e proteção da confiança e aplica-se a todos os ramos do Direito".

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Art. 188

• Enunciado 413, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Os bons costumes previstos no art. 187 do CC possuem natureza subjetiva, destinada ao controle da m oralidade social de deter­ minada época, e objetiva, para perm itir a sindicância da violação dos negócios jurídicos em ques­ tões não abrangidas pela função social e pela boa-fé objetiva". • Enunciado 412, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "As diversas hipóteses de exercí­ cio inadmissível de uma situação jurídica subjetiva, tais como supressio, tu quoque, s u rre c tio e v e n ire c o n tra fa c tu m p ro p riu m , são concreções da b oa-fé objetiva". • Enunciado 37, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A responsabilidade civil decorren­ te do abuso de direito independe de culpa, e fundam enta-se somente no critério objetivo-finalístico".

JULGADOS • "0 que efetivam ente caracteriza o abuso do direito é o anorm al exercício, assim entendido aque­ le que se afasta da ética, da boa-fé, da finalidade social ou econômica do direito, enfim , o que é exercido sem m otivo legitim o. Também não basta para configurá-lo o fa to de seu exercício causar dano a alguém, o que às vezes é inevitável" [RF, 379: 329). • "A im pontualidade reiteradam ente praticada redunda na caracterização de abuso de direito, que certam ente deverá vir em desabono do locatário que assim se conduziu durante o curso da loca­ ção, e que pretenda ver renovada judicialm ente, não sendo razoável im por-se ao locador, um inquilino que, em grande parte das vezes, só paga os alugueres e encargos quando acionado ju ­ dicialm ente, ou, mesmo quando não acionado, só paga im pontualm ente" (2o TACSP, 7* Câm., Ap. c/ Rev. 5 5 1 .3 2 7 -0 0 /5 , Rei. Juiz Américo Angélico, j. em 3 0 -7 -1 9 9 9 ). • "Comete abuso de direito, que é a to ilíc ito a b so lu to , o contraente que, com grave prejuízo a outro, exercita de form a irregular o poder de desconstituiçáo unilateral do contrato por prazo indeterm inado. De modo que o com ete o cedente que, sem provar necessidade inadiável, denun­ cia contrato atípico de cessão de águas, ao term o do plantio do cessionário, com prom etendo-lhe toda a safra com a falta de irrigação [JTJ-lex, J48:81).

Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I — os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhe­ cido; II — a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remo­ ver perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circuns­ tâncias o tomarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do pro­ jeto.

DOUTRINA • A to s le s iv o s q u e n õ o s à o ilíc ito s : Há hipóteses excepcionais que não c o n s titu em atos ilícitos apesar de causarem danos aos direito s de o u trem , isto porque o p ro ced im en to lesivo do agen te, por m o tivo le g itim o estabelecido em lei, não acarreta o dever de indenizar, porque a própria norm a ju ríd ic a lhe re tira a q u a lificação de ilícito . Assim, a n te o a rtig o s u b e x a m i­ n e nào são ilícitos: a le g ítim a defesa, o exercício reg u lar de um d ire ito e o estado de neces­ sidade.

Art. 189

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• L e g itim a d e fe s a : A leg ítim a defesa exclui a responsabilidade pelo prejuízo causado se, com uso m oderado de meios necessários, alguém repelir injusta agressão, a tu al ou im in e n te , a d ire ito seu ou de o u trem [RT, 7 8 0 :3 7 2 , 7 0 7:12 6 ). • E xe rcício re g u la r d e u m d ire ito re c o n h e c id o : Se alguém , no uso norm al de um d ire ito , lesar o u trem , nào te rá q u a lq u e r responsabilidade pelo dano, por nào ser um procedim ento ilícito [RT, 7 0 7 :1 7 8 , 5 6 3 :2 3 0 ). • E s ta d o de n e c e s s id a d e : 0 estado de necessidade consiste na ofensa do d ire ito alh eio (d ete ­ rioração ou destruição de coisa de o u trem ou lesão à pessoa de terceiro ) para rem over peri­ go im in en te, quando as circunstâncias o to rn are m ab so lu tam en te necessário e quando nào exceder os lim ites do indispensável para a rem oção do perigo.

JULGADOS • “Apelação cível. Direito privado não especificado. Ação de indenização por danos morais. Protesto. Ausência de ato ilícito. Débito efetivam ente existente, pois ausente prova do pagamento (quitação). Ônus que recaia ao autor, por força do art. 3 3 3 ,1, Código de Processo Civil, do qual não se desincumbiu. Exercício regular de direito do credor. Ausência de ato ilícito. Exegese do art. 188 do Código Civil. Demanda julgada improcedente. Sentença confirmada. Recurso de apelação ao qual se nega provimento" (TJRS, 18* Câm. Civ., AC 70021062443, Rei. Des. Pedro Celso Dal Prá, j. em 13-9-2007). • “Em se tratando de ação indenizatória por dano moral pela prática de homicídio, é irrelevante que o crime tenha sido praticado pelo agente em legitim a defesa putativa, pois da sua ação permeada pelo ilícito exsurgiu um dano ligado diretam ente à sua conduta, m otivo suficiente para determ i­ nar a obrigação de reparar os prejuízos dai advindos" [RT, 780:372). • "Ninguém poderá ser responsabilizado civilm ente pelo exercício regular de direito seu enquanto se m antiver dentro da ordem jurídica, ainda que terceiro venha a sofrer prejuízo sem ter sido parte na ação" [RT, 563:230). • “Indenização. Preposto de empresa que, buscando evitar atropelam ento, procede a manobra evasiva que culmina no abalroam ento de outro veículo. Verba devida pela empresa, apesar de o ato ter sido praticado em estado de necessidade. Direito de regresso assegurado, no entanto, contra o terceiro culpado pelo sinistro" [RT, 782:211).

T ítu lo IV — DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA

C apítulo I — DA PRESCRIÇÃO

Seção I



Disposições gerais

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206. HISTÓRICO • Na versão original do projeto o artigo tinha a seguinte redação: "Violado o direito subjetivo, nasce para o titu lar a pretensão...". Emenda apresentada na Câmara dos Deputados, ainda no periodo inicial de tram itação do projeto, suprimiu o term o "subjetivo". DOUTRINA • D e fe sa d o d ire ito : Para resguardar seus direitos, o titu la r deve p raticar atos conservatórios, com o: protesto, retenção (CC, a rt. 1 .21 9 ), arresto, seqüestro, caução fidejussória ou real, in -

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Arts. 190 e 191

terpelações judiciais para c o n stitu ir devedor em m ora. E quando sofrer am eaça ou violação, o d ire ito subjetivo será proteg ido por ação ju d ic ia l. Nasce, então, para o titu la r, a pretensão que se e x tin g u irá nos prazos prescricionais arrolados nos arts. 2 0 5 e 2 0 6 . A prescrição é fa to r de extinção da pretensão, ou seja, do poder de exig ir um a prestação devida em razão de inércia, deixando escoar o prazo legal.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 14, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2 0 0 2 :1 ) “o início do prazo prescricional ocorre com o surgim ento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo"; 2) "o art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce im ediatam ente após a violação do direito absoluto ou de obrigação de não fazer". Art. 190. A exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. DOUTRINA • P re scriçã o d a e x c e ç ã o : A exceção prescreve no m esm o prazo previsto para a pretensão, des­ de que seja dependente. P. ex.: se a defesa se fu n d a r na com pensação de um crédito do réu contra o au to r, prescrito este, não haverá com o excepcioná-lo.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 415, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: " 0 art. 190 do Código Civil refe­ re-se apenas às exceções impróprias (dependentes/autônomas). As exceções propriam ente ditas (independentes/autônom as) sào imprevisíveis".

DIREITO PROJETADO • Em face dos argum entos acima aludidos, encaminhamos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão: A rt. 190. A e xce çã o p re s c re v e n o m e s m o p ra z o p re v is to p a ra a p re te n s ã o .

Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar, tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados.

DOUTRINA • R e n ú n c ia d a p re s c riç ã o : S om ente depois de consum ada a prescrição, desde que não haja prejuízo de terceiro, é que poderá haver renúncia expressa ou tá c ita por parte do interessado. Com o se vê, não se perm ite a renúncia prévia ou antecipada à prescrição, a fim de nào destruir sua eficácia prática, caso contrário, todos os credores poderiam im p ô -la aos devedores; por­

Arts. 192 e 193

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ta n to , som ente o titu la r poderá renunciar à prescrição após a consum ação do lapso previsto em lei. Na renúncia expressa, o prescribente abre m ão da prescrição de m odo explícito , d e ­ clarando que não a qu er utilizar, e na tá c ita , pratica atos incom patíveis com a prescrição, p. ex., se pagar dívida prescrita.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 295, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A revogação do art. 194 do Código Civil pela Lei n. 11.280/2006, que determ ina ao juiz o reconhecim ento de ofício da pres­ crição, nào retira do devedor a possibilidade de renúncia adm itida no art. 191 do texto codificado". Art. 192. Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do pro­ jeto.

DOUTRINA • S u je iç ã o a os e fe ito s d a p re s c riç ã o : Tanto as pessoas naturais com o as jurídicas sujeitam -se aos efeitos da prescrição ativa ou passivam ente, ou seja, podem in v o c á -la em seu proveito ou sofrer suas conseqüências quando alegada ex a d ve rso , sendo que o prazo presericional fix a d o leg alm en te não poderá ser alte rad o por acordo das partes.

JULGADO • "Prescrição. Execução de contrato de financiam ento. Vencim ento antecipado. Dies o q u o do pra­ zo presericional. Alteração do prazo presericional. Impossibilidade. 1) Para que seja considerado o prazo presericional do Código Civil revogado é preciso que já tenha havido a redução do prazo e, ainda, ter transcorrido mais da m etade do prazo quando da entrada em vigor no novo código. 2) O prazo presericional inicia-se da data em que ocorreu o vencim ento antecipado da dívida, uma vez que é nesta data que o direito é violado e nasce a pretensão do credor. 3) Ter-se o prazo presericional como iniciado na data do fim do contrato, e nào do vencim ento antecipado, violaria o disposto no art. 192 do Código Civil, pois se estaria alterando prazo estabelecido em Lei. 4) Recurso conhecido e improvido" (TJDF, 2* T. Civ., Rec. inom inado 2 0 08 .0 7 .1 .0 0 11 5 1 -3 , ac. 328.066, Rei. Des. Luciano Vasconcelos, DJDFTE, 1 0 -1 1 -2 0 0 8 , p. 100).

Art. 193. A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita. HISTÓRICO • Na redação original do projeto o artigo referia-se a "instância". Emenda apresentada na Câmara dos Deputados, ainda no periodo inicial de tram itação do projeto, substituiu "instância" por "grau de jurisdição". Segundo o autor da emenda, Deputado Juarez Bernardes, a "expressão proposta é mais adequada, porque evita confusão. Ao se elaborar a lei, a propriedade dos vocábulos é da maior im­ portância, para sua interpretação e aplicação. É que não há entendim ento uniforme, entre os juris­ tas, na coneeituação da palavra in stâ n cia . Segundo a lição de Resende Filho, no seu Curso de d ire i­ to processual civil, 3. ed., v. 11, p. 113, in s tâ n c ia tem o sentido de solicitação insistente, pedido urgente ou veemente. Mas, na técnica judiciária, significa grau de jurisdição. Para outros, significa relação processual, como se lê em Machado Guimarães e Eliézer Rosa (D icio ná rio de processo civil, p. 238). Para outros, ainda, o setor do Poder Judiciário ou da pública administração, em que se des­ ligam os litígios. Dai as duas categorias de instância: a administrativa e a judicial. No Projeto Buzaid do Código de Processo Civil, ora em tram itação no Congresso, a palavra in s tâ n c ia foi substituída por

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Art. 194

processo, porque, como diz o autor na exposição de motivos, 'ele traduz, com todo o rigor científico, o fenômeno jurídico que o Código define'. Por isso, conclui o ilustre Desembargador Everaldo de Souza, autor da sugestão que ora transformamos nesta emenda: ’No rigor, pois, da linguagem ju rí­ dica, não se pode confundir instância com grau de jurisdição, como o fez o projeto. Curial que ins­ tância não pode ser, ao mesmo tempo, o processo, a relação processual, o juízo, a lide, a discussão da causa ou o seu tem po de duração'. Ao passo que 'grau de jurisdição' indica com precisão a situ­ ação exata em que se encontra o processo: no juízo (1° grau), ou no Tribunal (2« grau)".

DOUTRINA • A le g a ç ã o d a p re s c riç ã o e m q u a lq u e r g ra u de ju r is d iç ã o : A prescrição poderá ser arguida na prim eira instância, que está sob a direção de um ju iz singular, e na segunda instância, que se encontra em mãos de um colegiado de juizes superiores. Pode ser invocada em q u a lq u e r fase processual: na contestação, na audiência de instrução e ju lg a m e n to , nos debates, em ap ela­ ção, em em bargos infring en tes, sendo que no processo em fase de execução não é cabível a arguição da prescrição, exceto se superveniente à sentença transitada em ju lg a d o . Os arts. 193 do CC e 3 0 3 , III, do CPC são exceções à regra geral do a rt. 3 0 0 do CPC de que to da a m atéria de defesa do réu deverá concentrar-se na contestação. Isto é assim porque o art. 193 do CC é norm a especial, prevalecendo sobre o a rt. 3 0 0 do CPC, que é norm a geral. Logo, a prescrição é m atéria que pode ser alegada em qualq u er grau de jurisdição (RT, 770:172; RJTJSP, 757:73; CPC, art. 3 0 0 , III), m esm o depois da contestação e a té, pela prim eira vez, no recurso da apelação (CPC, a rt. 741. V I; RT, 6 7 0 :134). • In v o c a ç ã o p e la p a rte a q u e m a p ro v e ita : A prescrição som ente poderá ser invocada por quem ela aproveite, seja pessoa física ou jurídica, p. ex., o herdeiro do prescribente, o credor do prescribente, o fiad o r, o codevedor em obrigação solidária, o coobrigado em obrigação indi­ visível, desde que se beneficiem com a decretação da prescrição.

JULGADOS • "Direitos civil e processual civil. Prescrição. Espécie extintiva. Alegação. Apelação. Possibilidade. A rt.162, CC de 1916. Silêncio em contestação. Irrelevância. Precedentes. Recurso especial. Enun­ ciado n. 7 da Súmula/STJ. Recurso desacolhido. I - A prescrição extintiva pode ser alegada em qualquer fase do processo, nas instâncias ordinárias, mesmo que não tenha sido deduzida na fase própria de defesa ou na inicial dos embargos à execução. II - A pretensão recursal, que depende do reexame de documentos apresentados nas instâncias ordinárias, não com porta análise nesta Corte, a teor do Enunciado n. 7 de sua Súmula" (STJ, 4a T., REsp 157.840/SP, Rei. M in. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 1 6 -5 -2 0 0 0 , DJ, 7 -8 -2 0 0 0 ). • "Prescrição. Arguição em razões finais. Admissibilidade. Conceito de instância tom ado como grau de hierarquia judiciária que possibilita a arguição do lapso prescricional em qualquer tem po e juízo" [RT, 766:236). • A prescrição não pode ser alegada por terceiro que não é parte no feito nem demonstra legítimo interesse, em nada lhe aproveitando seu pronunciam ento" (TJPR, 1* CCv, Ap. 19.462-9, Rei. Des. Troiano Neto, ac. de 1 9 -2 -1 9 9 2 ). Art. 194. (Revogado pela Lei n. 11.280, de 16-2-2006.) • "0 juiz não pode suprir, de oficio, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a abso­ lutam ente incapaz". HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. DOUTRINA • P ro ib iç ã o d e d e c re ta ç ã o d e o fic io d a p re s c riç ã o de p re te n s ã o a lu s iv a a d ire ito s : 0 ju iz não

Arts. 195 e 196

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podia conhecer da prescrição da pretensão relativa a direitos patrim oniais, reais ou pessoais, e extrapatrim oniais, se não fosse invocada pelos interessados, não podendo, p o rtan to , deeretá -la ex o ffíc io , por ser a prescrição um m eio de defesa ou exceção perem ptó ria. • S u p rim e n to ju d ic ia l d e a le g a ç ã o d e p re s c riç ã o : 0 ju iz, som ente para b e n e fic ia r ab so lu tam en ­ te incapaz (CC, art. 3 o), podia suprir ex o ffíc io a alegação da prescrição. Hoje, com a revoga­ ção do a rt. 194 do Código Civil pelo a rt. 11 da Lei n. 1 1 .2 8 0 /2 0 0 6 , o ju iz poderá pron unciar de o fício a prescrição (CPC, a rt. 2 1 9 , § 5°, com a redação da Lei n. 1 1 .2 8 0 /2 0 0 6 , a rt. 3°).

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 155, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “0 art. 194 do Código Civil de 2002, ao perm itir a declaração ex o ffíc io da prescrição de direitos patrimoniais em favor do ab­ solutam ente incapaz, derrogou o disposto no § 5o do art. 219 do CC". • Enunciado 154, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 juiz deve suprir de oficio a alegação de prescrição em favor do absolutam ente incapaz".

Art. 195. Os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes ou representantes legais, que derem causa à prescrição, ou não a alegarem oportunamente. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • A ç ã o re g re s s iv a : As pessoas que a lei priva de a d m in is tra r os próprios bens tê m ação regres­ siva c o n tra os seus representantes legais quando estes, por dolo ou negligência, derem causa à prescrição, assegurando-se, assim, a incolum idade p a trim o n ial dos incapazes, que têm , ainda, mesmo que não houvesse essa disposição, o d ire ito ao ressarcim ento dos danos que sofrerem , em razão do disposto nos arts. 1 8 6 e 9 2 7 do Código Civil, de que o artig o ora co­ m entado é aplicação. Com isso, dá-se um a proteção legal aos incapazes.

Art. 196. A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu su­ cessor. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do pro­ jeto.

DOUTRINA • P re s c riç ã o in ic ia d a c o n tra “de c u ju s ": A prescrição iniciada contra um a pessoa c o n tin u a a correr contra o seu sucessor a títu lo universal ou singular, salvo se fo r ab so lu tam en te incapaz. A prescrição iniciada contra o de c u ju s co n tin u a rá a correr c o n tra seus sucessores, sem dis­ tin ção e n tre singulares e universais; logo, co n tin u a rá a correr c o n tra o herdeiro, o cessioná­ rio ou o legatário. • C o n tin u id a d e d a p re s c riç ã o : A prescrição iniciada contra o a u c to r s u c c e s s io n is contin uará, e nào recom eçará a correr contra seu sucessor.

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Seção II



Art. 197

Das causas que impedem ou suspendem a prescrição

Art. 197. Não corre a prescrição: I — entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal; II — entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar, III — entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela. HISTÓRICO • Na redação original do projeto o artigo referia-se a “pátrio poder". Emenda apresentada no Se­ nado Federal substituiu "pátrio poder" por “poder fam iliar". Merece destaque a justificativa dada pelo Senado, assim exposta: “A Constituição de 1988 estabelece que ‘homens e mulheres sào iguais em direitos e obrigações', nos term os por ela delineados (art. 5o, I). E acrescenta no § 4° do art. 226, ao tra ta r da fam ília: ‘Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal sào exercidos igualm ente pelo homem e pela mulher*. Assim dispondo, a Constituição amplia a procedência da critica form ulada na justificação da emenda ao emprego da expressão ‘pátrio poder*. Se antes já era condenável, agora é insustentável. Diante da posiçáo legal de igualdade entre o hom em e a m ulher, na sociedade conjugal, nâo deve m anter-se designação que, tradicionalm ente, indica superioridade do pai. Mais do que a denominação ‘autoridade parental*, porém, parece preferível, por sua am plitude e identificação com a entidade form ada por pais e filhos, a locução ‘poder fam iliar', constante das ponderações do professor M iguel Reale. É, tam bém , de mais fácil com pre­ ensão pelas pessoas em geral". Segundo o Deputado Ricardo Fiuza, relator-geral na Câmara, “a emenda procurou adequar a técnica e a redação do projeto à inovação constitucional que coloca hom em e m ulher como sujeitos em igualdade de direitos e obrigações (art. 5o, I, CF), a provocar uma idêntica posição dos cônjuges perante a sociedade conjugal (art. 226, § 5«, CF), aludida pelos arts. 1.509 e 1.570 do texto codificado. Por conseguinte, a substituição da expressão ‘pátrio poder', denotadora da prevalência do cônjuge varão sobre a pessoa dos filhos, impõe-se necessária para que dúvida não haja sobre a posição da m ulher na direção da sociedade conjugal, quando ambos a exercem, em colaboração, sempre no interesse do casal e dos filhos. 0 emprego da expressão ‘poder fam iliar' traduz com exatidão a ideia propulsora da igualdade dos cônjuges, entre si e como pais perante os filhos".

DOUTRINA • C ausas im p e d itiv a s d a p re s c riç ã o : As causas im peditivas da prescrição sào as circunstâncias que im pedem que seu curso inicie, por estarem fundadas no s ta tu s da pessoa individual ou fa m ilia r, aten d en d o razões de confiança, parentesco, am izade e m otivos de ordem m oral. • C asos em q u e a p re s c riç ã o n ã o se in ic ia : Não corre a prescrição: e n tre cônjuges, na constân­ cia da sociedade conjugal {RT, 5 2 6 /1 9 3 ); e n tre conviventes, d u ra n te a união estável; e n tre ascendentes e descendentes, d u ra n te o poder fa m ilia r; e n tre tu telado s ou curatelados e seus tu to res ou curadores, d u ra n te a tu te la ou cu ratela. Nestas hipóteses, a prescrição ficará im ­ pedida de flu ir no tem po.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 296, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “Não ocorre prescrição entre companheiros na constância da união estável". JULGADO • “Prescrição - Fluência entre cônjuges vedada pela lei - Casal separado judicialm ente - Extinção da sociedade conjugal que impõe a inaplieabilidade da norma proibitiva" (TJSP, 4* CCv, Ap. 3 0 .5 0 9 1, Rei. Des. Freitas Camargo, ac. de 1 9 -4 -1 9 8 3 ).

Arts. 198e 199

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Art. 198. Também não corre a prescrição: I — contra os incapazes de que trata o art. 3-; II — contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios; III — contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nâo serviu de paleo a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • In c a p a c id a d e a b s o lu ta im p e d e p re s c riç ã o : O a rt. 1 9 8 , 1, contém causa im peditiva da prescri­ ção, logo esta não correrá contra os ab so lu tam en te incapazes (CC, a rt. 3®). P. ex.: suponha-se que, após o ven cim en to da dívida, venha a falecer o credor, deixando herdeiro de o ito anos de idade; contra ele nào correrá a prescrição a té que a tin ja dezesseis anos, ocasião em que terá início o curso presericional, te n d o -se aqui um a exceção ao a rt. 1 9 6 do Código Civil, se­ gun do o qual a prescrição iniciada contra um a pessoa c o n tin u a a correr contra seu herdeiro [RT, 2 6 0 /3 3 2 ). • C ausas s u s p e n s iv a s d a p re s c riç ã o : As causas suspensivas da prescrição são as que, te m p o ra ­ riam en te, paralisam o seu curso; superado o fa to suspensivo, a prescrição c o n tin u a a correr, co m p u tad o o te m p o decorrido antes dele. Tais causas estão arroladas no a rt. 198, II e III, an te a situação especial em que se e n co n tram o titu la r e o sujeito passivo. De fo rm a que suspen­ sa estará a prescrição: c o n tra os ausentes do Brasil em serviço público da União, dos Estados e dos M u nicípios e os que se acharem servindo nas Forças A rm adas em te m p o de guerra. Essas duas causas poderão tran sfo rm ar-se em im peditivas se a ação surgir d u ran te a ausência ou serviço m ilita r tem po rário.

JULGADO • "Prescrição - Alim entos - Filho m enor - Prestações vencidas - Contagem do prazo a partir da data em que com pletar dezesseis anos de idade - A rt.169,1, do CC/16 (art.198,1, do CC/2002) Prescrição inocorrente - Recurso provido" [RJTJSP, 135: 262).

Art. 199. Não corre igualmente a prescrição: I — pendendo condição suspensiva; II — não estando vencido o prazo; III — pendendo ação de evicção. HISTÓRICO • Tal era o texto original do c a p u t deste dispositivo: "Nào corre ig u a lm e n te ..." Posteriormente, com emenda da lavra do em inente Senador Josaphat M arinho, relator-geral no Senado, foi acrescen­ tada a palavra “prescrição" após o advérbio "igualmente", passando o artigo a apresentar a pre­ sente redação. 0 relator parcial da m atéria perante a Câmara dos Deputados no período final de tram itação, Deputado Bonifácio Andrada, propôs a rejeição da emenda por entender "desneces­ sária a repetição da expressão 'prescrição', vez que o presente dispositivo apenas continua uma enumeração iniciada no artigo antecedente". 0 Deputado Fiuza, no entanto, entendeu que a re­ petição se im punha, "visto como, de um lado, já se repete nos arts. 197 e 198, que o antecedem e, por outro lado, a depuração redacional somente se tornaria tecnicam ente aceitável caso os arts. 1 9 7 ,1 9 8 e 199 fossem unificados num único dispositivo. Repetir em dois deles e om itir no últim o não revelaria boa técnica redacional".

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Arts. 200 e 201

DOUTRINA • C o n d iç ã o s u s p e n s iv a e te rm o n ã o v e n c id o im p e d e m a p re s c riç ã o : São causas im peditivas da prescrição a condição suspensiva e o não ven cim en to do prazo. N ào corre a prescrição, pen­ dendo condição suspensiva [RT, 6 4 8 :114). N ão realizada ta l condição, o titu la r não adquire direito, logo não te m ação; assim, e n q u a n to não nascer a ação, não pode ela prescrever. Ig u a lm e n te im pedida estará a prescrição não estando vencido o prazo, pois o titu la r da rela­ ção ju ríd ic a subm etida a te rm o não vencido nào poderá a cio n ar ninguém para e fe tiv a r seu direito. • P e n d ê n cia de a ç ã o d e e v ic ç õ o c o m o c a u s a s u s p e n s iv a d a p re s c riç ã o : Se pender ação de evicçào, suspende-se a prescrição em andam en to ; som ente depois de ela te r sido d e fin itiv a ­ m en te decidida, resolvendo-se o destino da coisa evicta, o prazo prescritivo v o lta a correr.

JULGADOS • “Se o devedor ingressa com medida cautelar e obtém a sustaçào do processo de duplicata, cons­ titu i tal medida verdadeira condição suspensiva, impedindo o credor de fazer valer seus direitos e promover a execução do título, que só se torna possível após o protesto do mesmo. Como coro­ lário, em razão da pendência da condição suspensiva, causa im peditiva da prescrição, esta não corre nos term os do art. 1 7 0 ,1, do CC/16 (a r t 1 9 9 ,1, do CC/2002)" [RT, 645:114). • "A situação judicial do protesto com a retenção dos títulos em cartório, seguida de ação declara­ tória de inexistência de relação cambial, obstaculiza o exercício da ação executiva, constituindo-se condição suspensiva da execução, impedindo o curso do prazo presericional" (TARS, 1* C., Ap. 191.139.401, Rei. Juiz Juracy Vilela de Souza, ac. de 3 -1 2 -1 9 9 1 ).

Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • A p u ra ç ã o de q u e s tã o p re ju d ic ia l: A apuração de questão prejudicial (conceito de d ireito m a terial) a ser verificada no ju ízo crim inal, se a ação dela se o riginar, é causa im peditiva do curso da prescrição, que só com eçará a correr após o trân sito em ju lg a d o da sentença d e fi­ n itiva, à qual se con fere executoriedade. T rata-se da prescrição da execução da sentença penal (pretensão executiva).

JULGADO • "A jurisprudência da Primeira Seção desta Corte firm ou o entendim ento de que o term o inicial da prescrição de ação indenizatória, por ilícito penal praticado por agente do Estado, é o trânsito em julgado da sentença penal condenatória" (STJ, 1*T., Ag no REsp 347.918, Rei. M in. Francisco Falcão, j. em 2 7 -8 -2 0 0 2 , DJ, 2 1 -1 0 -2 0 0 2 ).

Art. 201. Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do

Art. 202

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Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do pro­ jeto.

DOUTRINA • E fe ito s d a s u s p e n s ã o d a p re s c riç ã o n a s o lid a rie d a d e a tiv a : Se a obrigação fo r indivisível e solidários fo rem os credores, suspensa a prescrição em favo r de um dos credores, ta l suspen­ são aproveitará aos dem ais [RT, 4 6 9 /6 0 , 4 5 5 /1 7 1 e 4 8 0 /2 2 0 ). • P re s c riç ã o e o b rig a ç ã o d iv is ív e l: Se a obrigação fo r divisível, a prescrição não se suspenderá para todos os coobrigados, an te o fa to de ser um b enefício personalíssimo. Se vários fo rem os cointeressados, ainda que solidários, ocorrendo em relação a um deles um a causa suspen­ siva de prescrição, esta aproveitará apenas a ele, nào alcançando os outros, para os quais correrá a prescrição sem qu alq u er solução de continuidade.

Seção III



Das causas que interrompem a prescrição

Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: I — por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interes­ sado a promover no prazo e na forma da lei processual; II — por protesto, nas condições do inciso antecedente; III — por protesto cambial; IV — pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores; V — por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor, VI — por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimen­ to do direito pelo devedor. Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper. HISTÓRICO • 0 parágrafo único do presente dispositivo não constava do texto original do projeto. Foi acres­ centado pela Câmara dos Deputados no periodo inicial de tram itação, por meio de duas emendas, uma de autoria do então Deputado Tancredo Neves e outra de iniciativa do Deputado Luiz Braz. Entendeu a Câmara dos Deputados ser a “disposição necessária, uma vez que os credores se en­ contrarão totalm ente desarmados diante dos expedientes protelatórios que serão usados pelos seus devedores no curso da ação de cobrança. Por outro lado, não parece justo que o credor veja prescrever o seu direito pela morosidade da Justiça ou por atos protelatórios do réu, contra os quais ficará indefeso. Para obviar esse inconveniente, a emenda pretende incorporar ao Projeto de Código Civil o preceito do art. 173 do Código vigente, o que se impõe especialmente em face da profunda alteração que o instituto da prescrição sofreu no projeto".

DOUTRINA • C ausas in te rru p tiv a s d a p re s c riç ã o : As causas in terru p tivas da prescrição são as que in u tili­ zam a prescrição iniciada, de m odo que o seu prazo recom eça a correr da data do a to que a in terro m p eu ou do ú ltim o a to do processo que a in te rro m p er (CC, a rt. 2 0 2 , p arág rafo único). E, para e v ita r protelações abusivas, a interrup ção da prescrição só poderá dar-se um a só vez, a p a rtir da vigência do Código Civil de 2 0 0 2 . • C asos d e in te rru p ç ã o d a p re s c riç ã o : In terro m p em a prescrição atos do titu la r reclam ando seu d ire ito , tais com o: despacho do ju iz, mesmo incom petente, que ord en ar a citação, se o interessado a prom over no prazo e na fo rm a da lei processual; protesto ju d icial e cam bial,

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Arts. 203 e 204

que te m tam bém o e fe ito de c o n stitu ir o devedor em m ora; apresentação do títu lo de crédi­ to em ju ízo de inventário, ou em concurso de credores, o mesmo sucedendo com o processo de falência e de liquidação extraju dicial de bancos, bem com o das com panhias de seguro, a fa v o r ou c o n tra a massa; atos judiciais que constitu am em m ora o devedor, incluindo as in ­ terpelações, notificações judiciais e atos praticados na execução da parte líquida do julgado, com relação à parte ilíquida; e atos inequívocos, ainda que extrajudiciais, que im p o rtem re­ co nhecim ento do d ireito do devedor, com o: p agam ento parcial por parte do devedor; pedido deste ao credor, solicitando mais prazo; transferência do saldo de certa conta, de um ano para o u tro (Súm ula 1 5 4 do STF).

JULGADOS • "Prescrição. Demora. Citação. Avalista. Falecimento. Em ação de execução de nota de crédito comercial vencida proposta contra avalistas, explicou o M in. Relator que, mesmo exercida a ação antes do prazo de prescrição, não estará logo interrom pida a prescrição. Pois, de acordo com a jurisprudência deste Superior Tribunal, a interrupção da prescrição só ocorre se a citação válida acontecer antes de findo o prazo presericional. Ainda segundo a Súmula n. 106-S77, só se afasta tal entendim ento na hipótese de a demora da citação ser atribuída à própria Justiça. Note-se que, no caso dos autos, foi afastada a responsabilidade do exequente (banco) pela demora da citação. Outrossim, a m orte de um dos avalistas após o ajuizam ento da ação, mas antes da citação, não suspende o processo porque ele ainda não era parte, representante legal ou procurador (art. 265, I, do CPC). Além de o art. 196 do CC/2002 (mesmo no antigo CC/1916, art. 165) prever que, ini­ ciado o prazo para contagem da prescrição, esse continua a ser contado contra o herdeiro. Logo, não traz conseqüência para o fluxo do prazo presericional o falecim ento daquele indicado como réu da ação, mas ainda não citado. Com esses esclarecimentos, a Turma não conheceu o recurso" (STJ, REsp 827.948-SP, Rei. M in. Hum berto Gomes de Barros, j. em 2 1 -1 1 -2 0 0 6 ). • "A citação válida interrom pe a prescrição, ainda que o processo seja extinto sem julgam ento de m érito" [RSTJ, 93:156). • "Prestação escolar - Enquanto pendente discussão dos valores devidos pelos pais de alunos em ação consignatória, até homologação da liquidação, prevalece a interrupção prevista no art. 173 do CC/16 (art. 202, parágrafo único, do CC /2002). Provimento para afastar a extinção da ação" (TJSP, Ap. 2 6 8 .3 6 0 -1 /1 -SP, Rei. A lfredo M igliore, j. em 3 0 -7 -1 9 9 6 ).

Art. 203. A prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • L e g itim id a d e p a ra p ro m o v e r a in te rru p ç ã o d a p re s c riç ã o : Podem prom over a interrup ção do lapso presericional quaisquer interessados, tais com o: o titu la r do d ireito em via de prescrição; seu representante legal, salvo o dos incapazes do art. 3* do Código Civil, ou convencional com poderes para ad m in istrar seus negócios; o seu credor e te rceiro com le g itim o interesse eco­ nôm ico ou m oral, com o o credor do credor ou o fia d o r do credor.

JULGADO • "A prescrição poderá ser interrom pida por terceiro que tenha legitim o interesse em assim agir" [RT, 374:181).

Art. 204. A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; seme­ lhantemente, a interrupção operada contra o codevedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados.

Art. 205

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§ \- A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; assim como a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros. § 2- A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudi­ ca os outros herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivi­ síveis. § 3?A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados.

DOUTRINA • E fe ito s d a in te rru p ç ã o d a p re s c riç ã o : Q uan to aos e fe ito s da interrup ção da prescrição, o princípio é de que ela aproveita tã o som ente a quem a prom ove, prejudicando aquele contra q uem se processa. C ontudo, a interrup ção da prescrição por um credor não apro veita aos outros, com o, sem elhantem en te, operada contra o codevedor, ou seu herdeiro, nào prejudi­ cará aos dem ais coobrigados. • Exceções à re g ra “p e rs o n a m a d p e rs o n a m n o n f i t in te r r u p tio c iv ilis n e c a c tiv e n e c p a s s iv e “: Se se tra ta r de obrigação solidária passiva ou ativa, a interrup ção e fe tu a d a c o n tra o devedor solidário envolverá os dem ais, e a interrup ção aberta por um dos credores solidários a p ro vei­ tará aos outros, em razão de conseqüência da solidariedade prevista nos arts. 2 6 4 a 2 8 5 do Código Civil, pela qual os vários credores solidários são considerados com o um só credor, da mesma fo rm a que os vários devedores solidários sào tidos com o um só devedor. A lém disso, a interrup ção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário nào lesará os outros herdeiros ou devedores, senão quand o se tra ta r de obrigação ou de d ire ito indivisível. Isto é assim porque a solidariedade ativa ou passiva não passa aos herdeiros (CC, arts. 2 7 0 e 2 76); logo, apenas serão atingido s os dem ais coerdeiros pela interrup ção se houver indivisibilidade da obrigação. E, fin a lm e n te , a in terru p ção produzida pelo credor contra o principal devedor prejudicará o fiad o r, in d e p e n d e n te m en te de notificação especial, pelo simples fa to de ser a fia n ç a um a obrigação acessória. Desaparecendo a responsabilidade do afiançad o, não mais a terá o fia d o r; igu alm en te, se o credor in terro m p e a prescrição contra o devedor, esta in te rro m p e r-s e -á tam bém re lativa m e n te ao fiad o r.

JULGADO • “Se o direito em discussão é indivisível, a interrupção da prescrição por um dos credores a todos aproveita" [JSTJ, 4 2 :122).

Seção IV



Dos prazos da prescrição

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. HISTÓRICO • O presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

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Art. 206

DOUTRINA • P re scriçã o o rd in á ria o u c o m u m : Se a lei nào fix a r prazo m enor para a pretensão ou exceção, este será de dez anos.

Art. 206. Prescreve: § 1? Em um ano: I — a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos; II — a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo: a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é ci­ tado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador, b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão; III — a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários; IV — a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a for­ mação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembleia que aprovar o laudo; V — a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade. § T- Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem. § 3- Em três anos: I — a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos; I I — a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias; III — a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela; IV — a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa; V — a pretensão de reparação civil; VI — a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, corren­ do o prazo da data em que foi deliberada a distribuição; VII — a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo: á) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima; b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço refe­ rente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembleia geral que dela deva tomar conhecimento; c) para os liquidantes, da primeira assembleia semestral posterior à violação; V III— a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimen­ to, ressalvadas as disposições de lei especial; IX — a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório. § 4? Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.

Art. 206

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§ 5- Em cinco anos: I — a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular, II — a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato; III — a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.

HISTÓRICO • 0 dispositivo sofreu várias alterações tan to na Câmara como no Senado. As modificações im ple­ mentadas pela Câmara foram as seguintes: na letra a do inciso II o projeto considerava a data em que o terceiro prejudicado ajuizava a ação e nào a data da citação, tal como restou aprovada na redação final do artigo; no inciso I do § 5° foi corrigida a grafia da palavra "constante", em prega­ da erroneam ente no singular. Durante a tram itação no Senado, houve apenas uma alteração, desta feita no § 5°, que possuía, na redação do projeto, seis incisos, assim dispostos: "I - a preten­ são de cobrança de dividas líquidas constantes de instrum ento público ou particular; II - a pre­ tensão dos médicos, odontólogos e farm acêuticos, por suas visitas, operações, assistência ou medicamentos, contado o prazo da data do últim o serviço prestado, em relação ao mesmo tra ta ­ m ento; III - a pretensão dos advogados, curadores e procuradores judiciais, para o pagam ento de seus honorários; contado o prazo do vencim ento do contrato, da decisão final do processo, da ciência da cessação do m andato, ou da conclusão do negócio; IV - a pretensão dos engenheiros, arquitetos e agrimensores, pelos seus honorários; V - a pretensão dos professores e mestres pelo pagam ento das lições que derem; VI - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juizo". Emenda da lavra do Senador M urilo Badaró situou num só dispositivo os casos de prescrição de honorários, com a seguinte justificativa: "está observado que os diversos incisos cogitam , em realidade, de ‘prescrição de honorários', convindo tra ta r a m atéria numa disposição uniform e, abrangente de todos os profissionais liberais e assemelhados: a exclusão do farm acêutico, pelo fornecim ento de medicamentos, opera-se por ser, então, com erciante, que cobra seu crédito por meio de duplicata, regulada a prescrição em lei própria. Procede a emenda, que situa num só dispositivo, e supre, com o tra to genérico, deficiência do texto, dos casos de prescrição de honorários, no prazo de cinco anos, como previsto no § 5a do art. 206".

DOUTRINA • P ra zo d e p re s c riç ã o e sp e c ia l: Há casos de prescrição especial para os quais a norm a jurídica estatui prazos mais exíguos, pela conveniência de reduzir o prazo geral para possibilitar o exercício de certos direitos ou pretensões. Tal prazo pode ser â nuo (CC, art. 2 0 6 , § 1a, I, II, a e 6, III, IV, V), bienal (CC, a rt. 2 0 6 , § 2 a), trienal (CC, art. 2 0 6 , § 3 a, I a IX), q u a trie n a l (CC, art. 2 0 6 , § 4°) e qüinqüenal (CC, art. 2 0 6 , § 5a, I a III).

ENDNCIAÜOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 4 2 0 , aprovado na V Jornada de D ireito Civil de 2 0 1 1 : "N ão se aplica o art. 2 0 6 , § 3°, V, do Código Civil às pretensões indenizatórias decorrentes de acidente de tra b a lh o , após a vigência da Em enda C onstitucional n. 4 5 , incidindo a regra do a rt. 7a, XXIX, da C onstituição da República". • Enunciado 4 1 9 , aprovado na V Jornada de D ireito Civil de 2 0 1 1 : " 0 prazo presericional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se ta n to à responsabilidade c o n tra tu a l q u a n to à responsabilidade ex tra co n tra tu a l". • Enunciado 4 1 8 , aprovado na V Jornada de D ireito Civil de 2 0 1 1 : " 0 prazo presericional de três anos para a pretensão relativa a aluguéis aplica-se aos contratos de locação de im óveis celebrados com a adm inistração pública".

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Arts. 207 e 208

• Enunciado 40, aprovado na I Jornada de Direito Comercial de 2012: "0 prazo prescricional de 6 (seis) meses para o exercício da pretensão à execução do cheque pelo respectivo portador é contado do encerramento do prazo de apresentação, tenha ou não sido apresentado ao sacado dentro do re­ ferido prazo. No caso de cheque pós-datado apresentado antes da data de emissão ao sacado ou da data pactuada com o em itente, o term o inicial é contado da data da primeira apresentação". SÚM ULA • Súmula 4 0 5 do STJ: “A ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) prescreve em três anos". JULG ADO • "Reparação de danos. Prazo prescricional de três anos que nào atingiu sua m etade. Fluência integral do prazo, após o advento do Código Civil de 2002. 0 prazo prescricional de três anos das ações de reparação de danos (art. 206, § 3o, V, do CC), que não tenham atingido a metade do tem po previs­ to no Código Civil de 1916, fluirá por inteiro a partir da vigência do novo Código Civil" [RT, 824:286).

C ap ítu lo II — DA DECADÊNCIA

Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • In a p lic a b ilid a d e ò d e c a d ê n c ia d a s n o rm a s c o n tid a s n o s a rts . 197 a 2 0 4 d o C ó d ig o C ivil: As norm as relativas ao im p ed im en to , suspensão e interrup ção de prescrição apenas serão a p li­ cáveis à decadência nos casos adm itidos por lei. A decadência corre contra todos, nào a d m i­ tin d o sua suspensão ou interrup ção em favo r daqueles c o n tra os quais nào corre a prescrição, com exceção do caso do a rt. 198, I (CC, art. 2 0 8 ), e do a rt. 26, § 2®, da Lei n. 8 .0 7 8 /9 0 ; a prescrição pode ser suspensa, in terro m p id a ou im pedida pelas causas legais.

SÚMULAS • Súm ula 6 3 2 do STF: "É constitu cio nal lei que fixa o prazo de decadência para im petraçâo de m andado de segurança". • Súm ula 401 do STJ: " 0 prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quand o não fo r ca­ bível qu alq u er recurso do ú ltim o pron u n ciam en to judicial".

Art. 208. Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 1 9 8 ,1.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não sofreu alteração, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • A ç õ o re g re s s iv a c o n tra re p re s e n ta n te : As pessoas jurídicas e os re lativa m e n te incapazes têm ação regressiva c o n tra representante legal que der causa á decadência ou nào a aleg ar no m o m en to o po rtuno , e d ire ito à reparação dos danos sofridos (CC, arts. 186 e 9 2 7 ).

Arts. 209 a 212

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• In c a p a c id a d e a b s o lu ta c o m o c a u s a im p e d itiv a d a d e c a d ê n c ia : O a rt. 1 9 8 , 1, do CC contém causa im p ed itiva da decadência; logo, esta não correrá contra as pessoas arroladas no a rt. 3® do Código Civil, ou seja, os ab so lu tam en te incapazes.

Art. 209. É nula a renúncia à decadência fixada em lei.

HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Se­ nado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • R e n ú n c ia d e d e c a d ê n c ia p re v is ta em le i: A decadência resultante de prazo legal nào pode ser renunciada pelas partes, nem antes nem depois de consum ada, sob pena de nulidade.

Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei.

HISTÓRICO • O presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • D e c re ta ç ã o “e x o f f ic io “ d a d e c a d ê n c ia : A decadência decorrente de prazo legal deve ser considerada e ju lg ad a pelo m agistrado, de o fício, in d e p en d en tem en te de arguiçào do in te ­ ressado.

Art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.

HISTÓRICO • Na redação original do projeto o artigo referia-se a "instância". Emenda apresentada na Câmara dos Deputados, ainda no período inicial de tram itação do projeto, substituiu "instância" por "grau de jurisdição".

DOUTRINA • A rg u iç à o d e d e c a d ê n c ia c o n v e n c io n a l: Se o prazo decadencial fo r prefixado pelas partes, aquela a quem ele ap ro v e ita r poderá a le g á -la em q u a lq u e r grau de jurisdição, mas o ju iz não poderá, d e o fic io , suprir tal alegação.

T ítu lo V — DA P R O V A

Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser pro­ vado mediante: I — confissão; II — documento; III — testemunha;

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Art. 212

IV — presunção; V — perícia.

HISTÓRICO • A redação original do artigo, tal como posta no projeto, era a seguinte: “Salvo os negócios a que se impõe form a especial, os fatos jurídicos poderão provar-se m ediante: I - confissão; II - docu­ mentos; III - testemunhas; IV - presunção; V - exames e vistorias". Emenda de autoria do Depu­ tado Marcelo Gato, apresentada ainda no periodo inicial de tram itação do projeto, deu ao dispo­ sitivo a redação atual. A emenda visou "harm onizar o dispositivo, gram aticalm ente. Porque, ou se colocam todos os vocábulos no plural: confissões, testemunhas etc., ou no singular. Visou harm o­ nizá-lo tam bém com o art. 4 4 0 do Código de Processo Civil, que, no term o 'perícia' inclui, gene­ ricamente, exames, arbitram entos, vistorias".

DOUTRINA • P ro v a : Para Clóvis Beviláqua, a prova é o con ju n to de m eios em pregados para dem onstrar, legalm en te, a existência de negócios jurídicos. • E n u m e ra ç ã o e x e m p lifie a tiv a d o s m e io s p ro b a tó rio s : 0 a rt. 2 1 2 arrola de m odo e x e m p lific a tivo e não ta x a tiv o os meios de prova dos atos negociais a que nào se im põe a fo rm a especial, que p e rm itirão ao litig a n te dem onstrar em ju ízo a sua existência, convencendo o órgão ju dican te dos fa to s aos quais se referem . • C o n fis s ã o : A confissão ju d icial ou extraju dicial é o a to pelo qual a parte, espontaneam ente ou não, a d m ite a verdade de um fa to con trário ao seu interesse e favorável ao adversário (CPC, arts. 3 4 8 a 354). • D o c u m e n to s p ú b lic o s o u p a rtic u la re s : Os docum entos tê m apenas fo rça p rob atória, repre­ sentam um fa to , destinando-se a conservá-lo para fu tu ra m e n te pro vá-lo . Serão particulares se feito s m ed ian te ativid ad e privada [RT, 4 8 8 /1 9 0 ), p. ex., cartas, telegram as, fo to g rafias, fo nografias, avisos bancários, registros paroquiais. Os docum entos públicos são os elaborados por a u to rid ad e pública no exercício de suas funções, p. ex., guias de im posto, laudos de re­ partições públicas, atos notariais e de registro civil do serviço consular brasileiro (Dec. n. 8 4 .4 5 1 /8 0 ), portarias e avisos de m inistros (CC, a rt. 126; Lei n. 5 .4 3 3 /6 8 , re g u lam en tad a pelo Dec. n. 6 4 .3 9 8 /6 9 , sobre m icro film ag em de docum entos oficiais, e hoje pelo Dec. n. 1 .7 9 9 /9 6 ), certidões passadas pelo oficial público e pelo escrivão judicial etc. • T e ste m u n h a : Testem unha é a pessoa que é cham ada para depor sobre fa to ou para atestar um ato negociai, assegurando, perante outra, sua veracidade. A testem unha judiciária é a pessoa natural ou jurídica representada, estranha à relação processual, que declara em ju ízo conhecer o fa to alegado, por havê-lo presenciado ou por ouvir algo a seu respeito. A testem unha instrum entária (CC, art. 227, c/c o art. 401 do CPC) é a que se pronuncia sobre o te o r de um docu­ m ento que subscreveu (CPC, arts. 4 0 0 a 4 1 9; Lei n. 9 .8 0 7 /9 9 ; Decreto n. 3 .51 8 , de 2 0 -6 -2 0 0 0 ). • P re s u n ç ã o : Presunção é a ilação tira d a de um fa to conhecido para dem onstrar o u tro desco­ nhecido. É a conseqüência que a lei ou o ju iz tira m , te n d o com o ponto de partida o fa to conhecido para chegar ao ignorado. • P e ríc ia s : 0 exam e e a vistoria sào as perícias do Código de Processo Civil (arts. 4 2 0 a 4 3 9). Exame é a apreciação de alg u m a coisa, por m eio de peritos, para esclarecim ento em ju ízo . P. ex.: exam e de livro [RT, 4 9 0 /1 1 1 ); exam e de sangue nas ações de investigação de p a te rn id a ­ de [RT, 4 7 3 /9 0 ); exam e g ra fo técn ico etc. V istoria é a mesm a operação, porém restrita à ins­ peção ocular, m u ito em pregada nas questões possessórias, nas dem arcatórias e nas relativas aos vícios redibitórios [RT, 3 8 9 /2 3 9 e 4 9 3 /9 5 ; S úm ula 1 5 4 do STF). 0 a rb itra m e n to , por sua vez, é o exam e pericial que te m em vista d e te rm in a r o valor, em dinh eiro, da coisa ou da

Art. 213

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obrigação a ela ligada, m u ito com um na desapropriação, nos alim entos, nas indenizações por atos ilícitos [EJSTJ, 1 1 /2 3 2 e 2 3 3 ) e nas reparações de danos morais.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 297, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: " 0 docum ento eletrônico tem valor probante, desde que seja apto a conservar a integridade de seu conteúdo e idôneo a apontar sua autoria, independentem ente da tecnologia empregada". • Enunciado 157, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: " 0 term o co n fis sã o deve abarcar o conceito lato de depoim ento pessoal, tendo em vista que este consiste em meio de prova de m aior abrangência, plenam ente admissível no ordenam ento jurídico brasileiro".

JULGADOS • “A fé pública, resultante da escritura lavrada em notas de tabelião, cede ante os termos de outra, posterior, que lhe reconhece a falsidade ideológica (STJ, 3* T., REsp 813.491 /PR, Rei. M in. Ari Pargendler, j. em 1 8 -1 2 -2 0 0 7 , DJ, 8 -2 -2 0 0 8 , p. 1). • "A realização de perícia para a apuração do valor locaticio na ação renovatória se faz necessária diante da falta de estimativa da peça de defesa, que, à evidência, não concordava com a propos­ ta form ulada na inicial pela locatária" (2B TACSP, 9* Câm., Al 7 9 5 .5 4 1 -0 0 /4 , Rei. Juiz Claret de Almeida, j. em 1 4 -5 -2 0 0 3 ). • "RHC. Prova. Sigilo de correspondência. Violação. 1. A violação de correspondência, com m altrato a liberdade de pensamento resguardada pela Constituição Federal, somente se concretiza quando se tratar de ‘correspondência fechada'. De outro lado, a apreensão de documento, representado por minuta de carta já remetida, mediante autorização judicial, não representa afronta ao direito asse­ gurado pelo a r t 5°, da CF (intimidade, vida privada, e tc ) porque idêntica proteção e reservada a honra das pessoas, não podendo aquela (intimidade) servir de salvaguarda para m altrato a esta (honra). 2. RHC improvido" (STJ, 6*T., RHC 6.719/SP, Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. em 2 4 -1 1-19 9 7 ). • "A prova pericial para avaliação de benfeitorias realizadas no imóvel é irrelevante para a solução da causa se o contrato de locação prevê, expressamente, sua incorporação ao prédio sem direito do locatário à indenização. A alteração da referida cláusula somente poderia ser provada por escrito, em face da negativa do locador a respeito" [RT, 582:151). • "Uma empresa jornalística de grande porte é, por certo, um local de m uito papel e, por conseguin­ te, de m uito pó, forçosamente. Isto sem contar o papel manuseado diretam ente pelo obreiro (portador de rinite alérgica), a tinta nele empregada, a cola, o benzeno e, la s t b u t n o t Icast, o m ofo ou o bolor que ali pudesse existir. Para saber que é assim não há necessidade de inspeção pericial, nem judicial. Basta experiência (art. 3 3 5 do CPC)" [RT, 7 1 7:148). • "Não obstante a revelia do réu, na ação revisional, poderá o juiz valer-se da prova pericial para arbitram ento do novo valor locativo, poder que a própria lei lhe confere, e, portanto, não estará com etendo qualquer ilegalidade. 0 livre convencim ento do juiz é principio inseparável da própria atividade judicante" [RT, 670:170). • " 0 arbitram ento judicial do novo aluguel adm ite a aplicação isolada ou conjugada, segundo a pru­ dência do juiz e as circunstâncias do caso, de quantos critérios idôneos lhe possam inspirar a decisão, mas não exclusivamente a aplicação dos índices oficiais de correção monetária" [RT, 540:205).

Art. 213. Não tem eficácia a confissão se provém de quem não é capaz de dispor do direito a que se referem os fatos confessados. Parágrafo único. Se feita a confissão por um representante, somente é eficaz nos li­ mites em que este pode vincular o representado.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Se­ nado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

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Arts. 214 e 215

DOUTRINA • In e fic á c ia d a c o n fis s ã o : A confissão de pessoa sem capacidade para dispor do d ire ito alusivo aos fa to s confessados nâo produzirá e fe ito ju ríd ico , mas, se fo r fe ita pelo representante, apenas terá eficácia d e n tro dos lim ites em que puder vincular o representado.

JULGADO • “Para que a confissão feita por advogado tenha valor como prova, exige-se que esta tenha pode­ res especiais expressos, não bastando a simples cláusula outorgando-lhe poderes para confessar e transigir insertos em procuração a d ju d ic ia , usualmente utilizada para habilitar m andatário a postular em juízo" (RJTJMS, 702:63).

Art. 214. A confissão é irrevogável, mas pode ser anulada se decorreu de erro de fato ou de coação.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • Irre v o g a b ilid a d e d a c o n fis s ã o : Um a vez fe ita a confissão, tal relato será insuscetível de re­ tra ta ç ã o , por ser irrevogável. • N u lid a d e re la tiv a d a c o n fis s ã o : Se a confissão se deu por erro de fa to ou em v irtu d e de co­ ação, ela poderá ser anulada.

Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena. § 1? Salvo quando exigidos por lei outros requisitos, a escritura pública deve conter I — data e local de sua realização; II — reconhecimento da identidade e capacidade das partes e de quantos hajam com­ parecido ao ato, por si, como representantes, intervenientes ou testemunhas; III — nome, nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência das partes e demais comparecentes, com a indicação, quando necessário, do regime de bens do casa­ mento, nome do outro cônjuge e filiação; IV — manifestação clara da vontade das partes e dos intervenientes; V — referência ao cumprimento das exigências legais e fiscais inerentes à legitimi­ dade do ato; VI — declaração de ter sido lida na presença das partes e demais comparecentes, ou de que todos a leram; VII — assinatura das partes e dos demais comparecentes, bem como a do tabelião ou seu substituto legal, encerrando o ato. § 2? Se algum comparecente não puder ou não souber escrever, outra pessoa capaz assinará por ele, a seu rogo. § 3? A escritura será redigida na língua nacional. § 4- Se qualquer dos comparecentes não souber a língua nacional e o tabelião não entender o idioma em que se expressa, deverá comparecer tradutor público para servir de intérprete, ou, não o havendo na localidade, outra pessoa capaz que, a juízo do tabelião, tenha idoneidade e conhecimento bastantes.

Art. 216

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§ 5? Se algum dos comparecentes não for conhecido do tabelião, nem puder identificar-se por documento, deverão participar do ato pelo menos duas testemunhas que o conheçam e atestem sua identidade.

HISTÓRICO • Na redação original do Projeto n. 634 o inciso VII, então alínea g, do artigo em com ento referia-se apenas ao tabelião. Emenda apresentada na Câmara dos Deputados, ainda no periodo inicial de tram itação do projeto, fez acrescer a expressão "ou seu substituto legal", uma vez que os substi­ tutos dos tabeliães tam bém são competentes para assinar as escrituras lavradas nos respectivos cartórios.

DOUTRINA • E s c ritu ra p ú b lic a : A escritura pública é um d o c u m en to d o ta d o de fé pública, lavrado por tab elião em notas, redigido em língua nacional, contend o todos os requisitos subjetivos e objetivos exigidos legalm en te, ou seja, a qualificação das partes con tratan tes, a m anifestação volitiva, data e local de sua e fetivação e assinatura dos con tratan tes, dos dem ais com pare­ centes e do tab elião e referência ao cu m p rim e n to das exigências legais e fiscais inerentes è leg itim id ad e do ato. Se algum com parecente não puder assinar, o u tra pessoa o fará a rogo. Se algum dos com parecentes não souber a língua nacional, deverá com parecer um tra d u to r público, ou, não o havendo na localidade, o u tra pessoa capaz e idônea para servir de in té r­ prete. Se o ta b e liã o não conhecer ou nào puder id e n tific a r um dos com parecentes, duas testem unhas deverão c o n h ecê-lo e atestar sua identidade [RDA, 6 /3 6 1 ; RT, 1 6 4 /7 9 3 ,4 2 8 /2 5 0 ; RF, 1 0 8 /6 0 4 ).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 158, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “A am plitude da noção de p ro v a p le n a (isto é, c o m p le ta ) importa presunção relativa acerca dos elem entos indicados nos incisos do § 1°, devendo ser conjugada com o disposto no parágrafo único do art. 219".

JULGADOS • "Escritura pública. Fé pública. A fé pública resultante da escritura lavrada em notas de tabelião cede ante os term os de outra, posterior, que lhe reconhece a falsidade ideológica" (STJ, REsp 81 3.4 9 1 /PR, Rei. M in. Ari Pargendler, 3»T., j. em 1 8 -1 2 -2 0 0 7 , DJ, 8 -2 -2 0 0 8 , p. 1). • "Havendo o servidor usado das normais precauções na verificação das identidades dos contratan­ tes, que compareceram munidos de identidade falsificada e observadas as usuais diligências na lavratura do ato anulado, não se há de estender a indenização ao serventuário, que cumpriu com as diligências de seu oficio sem que se demonstrasse ação ou omissão culposa - Apelação im provida" (TJRS, 18* C. Civ., Ap. 598372738, Rei. Des. Jorge Luís DalFAgnol, ac. de 2 5 -3 -1 9 9 9 ).

Art. 216. Farão a mesma prova que os originais as certidões textuais de qualquer peça judicial, do protocolo das audiências, ou de outro qualquer livro a cargo do escrivão, sendo extraídas por ele, ou sob a sua vigilância, e por ele subscritas, assim como os traslados de autos, quando por outro escrivão consertados.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados.

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Arts. 217 e 218

DOUTRINA • F o rça p ro b a n te d a s c e rtid õ e s e d o s tra s la d o s de a u to s : As certidões textu ais de peça proces­ sual, do protocolo das audiências ou, ainda, de qualq u er o u tro livro, fe ita s pelo escrivão, ou sob suas vistas, e subscritas por ele, terão a m esma força prob atória que os originais, sendo que para os traslados de autos será, ainda, preciso que sejam conferidos por o u tro escrivão. • C e rtid ã o : A certid ão te x tu a l, seja v e rb o a d v e rb u m (de in teiro te o r), seja em breve relatório, é a reprodução do conteúd o de a to escrito, registrado em autos ou em livro, fe ita por pessoa investida de fé pública. • T ra s la d o : 0 traslado de autos é a cópia fiel, passada pelo próprio escrivão e por o u tro con­ certada, de docum entos constantes do arquivo ju diciário . • 0 te x to aprovado, por equívoco, grafo u a palavra “consertados" com “s", quand o o correto seria com "c" - "concertados".

JULGADO • "A doutrina e a jurisprudência têm considerado admissível a chamada prova emprestada, quando tenha sido colhida m ediante a garantia do contraditório com a participação da parte contra quem deve operar" (TJRJ, Ap. 29.679, Rei. Des. Renato Maneschy, ac. de 3 -4 -1 9 8 4 ).

Art. 217. Terão a mesma força probante os traslados e as certidões, extraídos por tabe­ lião ou oficial de registro, de instrumentos ou documentos lançados em suas notas.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo foi objeto apenas de uma emenda de redação, apresentada pelo Deputado Ricardo Fiuza à Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto, "substituindo term inologia tecnicam ente imprecisa utilizada no texto do projeto (oficial público) pela denom i­ nação correta, usada na Constituição Federal e na Lei dos Notários e Registradores (Lei 8.935/94), evitando-se interpretações errôneas pelo aplicador da lei".

DOUTRINA • Fé p ú b lic a d e d o c u m e n to s p ú b lic o s o rig in a is : C onstituem docum entos públicos os que cons­ tam dos livros e notas oficiais, te n d o força prob atória. • F o rça p r o b a tó r ia d e tra s la d o s e c e rtid õ e s d e in s tru m e n to s o u d e d o c u m e n to s n o ta r ia is : Terão a mesma força p rob an te dos originais as certidões e os traslados que o tab elião ou oficial de registro e x tra ir dos instrum entos e docum entos lançados em suas notas. Traslado de instru m en to é a cópia do que estiver escrito no livro de notas ou dos docum entos cons­ ta n tes dos arquivos dos cartórios, p. ex., traslado de escritura pública. Tal traslado terá força pública desde que concertado por o u tro escrivão; já a certidão fa rá prova sem dependência do referido concerto. Logo, o traslado e a certidão de escritura pública te rã o a mesma força p rob atória da própria escritura registrada.

Art. 218. Os traslados e as certidões considerar-se-ão instrumentos públicos, se os originais se houverem produzido em juízo como prova de algum ato.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

Art. 219

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DOUTRINA • F o rça p ro b a n te d e tra s la d o n à o c o n fe rid o p o r o u tr o e s c riv ã o : O traslado de a u to depende de concerto para fa ze r a mesma prova que o original, mas será tid o com o in s tru m en to p ú ­ blico, m esm o sem conferência, se e x tra íd o de original oferecido em ju ízo com o prova de algum ato. • C e rtid ã o de p e ç a d e a u to s c o m o in s tru m e n to p ú b lic o : A certidão de peça de autos será considerada d ocum ento público se extraíd a de original apresentado em ju ízo para produzir prova de algum fa to ou ato.

Art. 219. As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadei­ ras em relação aos signatários. Parágrafo único. Não tendo relação direta, porém, com as disposições principais ou com a legitimidade das partes, as declarações enunciativas não eximem os interessados em sua veracidade do ônus de prová-las.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados.

DOUTRINA • D e cla ra çõ e s d is p o s itiv a s : As declarações dispositivas ou disposições principais aludem aos elem entos essenciais do a to negociai. • D e cla ra çõ e s e n u n c ia tiv a s : As declarações relativas a enunciações sào as enunciativas. As enunciativas poderão te r relação direta com a disposição ou ser-lh e alheias. Apenas as de­ clarações m e ra m en te enunciativas que nào tiverem quaisquer relações com as disposições principais não liberam os interessados em sua veracidade do dever de prová-las. Logo, há presunção de veracidade das declarações enunciativas diretas que tiverem relação com as disposições principais e das declarações enunciativas constantes de d ocum ento assinado, re la tiv a m e n te aos signatários. O d o c u m en to público ou p a rtic u la r assinado estabelece a presunção ju r is ta n tu m de que as declarações dispositivas ou enunciativas diretas nele con­ tidas são verídicas em relação às pessoas que o assinaram.

JULGADOS • "Não é relevante a im pugnação quanto à regularidade de docum ento, se quem o im pugna é um dos signatários. 0 CC/16, art. 131 (CC/2002, art. 219) presume como verdadeira a declaração constante de documento, relativam ente a seu signatário" (2« TACSP, 10* Câm., Ap. 5 7 9 .7 4 4 -0 /0 , Rei. Nestor Duarte, j. em 1 7 -5 -2 0 0 0 ). • "0 cheque, mesmo depois de extinta sua força cambiária por prescrição, continua sendo docu­ m ento assinado pelo devedor (em itente), capaz de servir de começo de prova, hábil à propositura de ação de cobrança, presumindo-se verdadeiras as declarações dele constantes. Presunção ju ris ta n tu m que só cederá diante de eventual prova em contrário pelo devedor. Desnecessidade, pois, de invocação na inicial do negócio jurídico que o justificou" [RT, 6 4 5 :124). • "Declaratória - Anulação de negócio jurídico - C ontrato - Alegação pela autora de fraude ou simulação - Ausência de prova dos fatos narrados na inicial - Presunção estabelecida pelo art. 131 do CC/16 (art. 219 do CC/2002), que nào pode ser destruída apenas perante alegações unila­ terais" (TJSP, Ap. 2 5 7 .9 9 1 -1 -5 , Sào Vicente-SP, Rei. Toledo Cesar, j. em 2 0 -8 -1 9 9 6 ).

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Arts. 220 e 221

Art. 220. A anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio instru­ mento.

HISTÓRICO O presente dispositivo nâo foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • P ro va d a a n u ê n c ia o u a u to riz a ç ã o p a ra a p r á tic a d c u m n e g ó c io : Casos há em que a lei requer para a e fetivação de um a to negociai válid o a anuência ou a auto rização de o u trem , com o ocorre com a venda de im óvel por pessoa casada, não sendo o regim e m a trim o n ia l de bens o de separação, em que há necessidade de o utorga m arital ou uxória. A prova dessa anuência ou auto rização indispensável à valid ade do negócio ju ríd ic o fa r-s e -á do mesmo m odo que este, devendo sem pre que possível constar do próprio instrum ento. Para a celebração de um a escritura de com pra e venda de um im óvel, a o utorga uxória ou m arital som ente poderá ser dada por m eio de instru m en to público, devendo sem pre que fo r possível constar daquela mesma escritura, ou seja, devendo ser declarada pelo oficial público incum bido de lavrar o a to a que ela se aplica. • N o rm a s a p lic á v e is à p ro v a d a a q u ie s c ê n c ia : Para provar a anuência ou auto rização exigida por lei para a realização de negócio válido, aplicáveis serão as norm as constantes do a rt. 2 1 9 do Código Civil.

Art. 221. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público. Parágrafo único. A prova do instrumento particular pode suprir-se pelas outras de caráter legal.

HISTÓRICO • O presente dispositivo foi objeto apenas de uma emenda de redação, apresentada pelo Deputado Ricardo Fiuza à Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto, para “substituir a palavra ‘transcrito’ pelo vocábulo ‘registrado’, pois na Lei de Registros Públicos, n. 6.015/73, só se utilizam as palavras registro e averbação. Nào há mais transcrições e inscrições (ver art. 167 da Lei Registrai)".

DOUTRINA • In s tru m e n to p a r tic u la r . 0 in s tru m en to p a rticu lar é o realizado som ente com a assinatura dos próprios interessados, desde que estejam na livre disposição e adm inistração de seus bens, não mais se exigindo que seja subscrito por duas testem unhas. Prova a obrigação convencio­ nal (c o n tra to ou declaração u n ila te ra l de vontade), de q u a lq u e r valor, sem te r e fe ito perante terceiros, antes de assentado no Registro Público [RT, 8 0 2 :3 8 3 , 7 5 8 :2 5 2 , 4 6 3 :1 7 7 e 5 0 0 :1 2 5 ). 0 reconhecim en to de firm as representaria tã o som ente a a u ten ticação do a to realizada por tab elião (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , a rt. 2 2 1 , II). • F u n ç ã o p ro b a tó ria : O instru m en to particular, além de dar existência ao a to negociai, serve-Ih e de prova. Possui, p o rtan to , fo rça p ro b an te do c o n tra to e n tre as partes [RT, 7 2 6 :2 5 8), sendo que, para v aler c o n tra terceiro que do a to nâo participou, deverá ser registrado no C artó rio de Títulos e Docum entos, que a u te n tic a seu conteúdo.

Arts. 222 a 224

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Art. 2 2 2 .0 telegrama, quando lhe for contestada a autenticidade, faz prova mediante conferência com o original assinado.

HISTÓRICO • O presente dispositivo não serviu de paleo a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • F o rça p ro b a tó ria d o te le g ra m a : 0 teleg ram a serve de prova, c o n ferin d o -se com o original assinado, se lhe fo r contestada a autenticidade.

Art. 223. A cópia fotográfica de documento, conferida por tabelião de notas, valerá como prova de declaração da vontade, mas, impugnada sua autenticidade, deverá ser exibido o original. Parágrafo único. A prova não supre a ausência do título de crédito, ou do original, nos casos em que a lei ou as circunstâncias condicionarem o exercício do direito à sua exibição.

HISTÓRICO • Na redação original do projeto o artigo referia-se a “oficial público". Emenda apresentada na Câmara dos Deputados, ainda no periodo inicial de tram itação do projeto, substituiu "oficial pú­ blico" por "tabelião de notas", uma vez que são os tabeliães ou seus substitutos legais, e não qualquer oficial dos serviços respectivos, que conferem autenticidade aos documentos.

DOUTRINA • C ó p ia fo to g rá fic a d e d o c u m e n to : A cópia fo to g rá fic a de docum ento, a u te n tic a d a por ta b e ­ lião de notas, vale com o prova de declaração da vo n tad e e, sendo im pugnada sua a u te n tic i­ dade, o original deverá ser apresentado. • A u s ê n c ia d o t it u lo d e c ré d ito o u d o o r ig in a l: Se a lei ou as circunstâncias condicionarem o exercício do d ireito à exibição de títu lo de cré d ito ou do o riginal, a prova produzida, na fa lta deles, não suprirá sua não apresentação.

JULGADOS • "(...) a cópia, qualquer que seja, tem o mesmo valor probante que o original. (...) fica a prova con­ dicionada à impugnação daquele contra quem foi produzida a cópia. Esta impugnação, no entan­ to, deve ser de natureza substancial e não m eram ente form al" [RT, 770:108). • "Reprografia de docum ento particular, autenticada por servidor público municipal, que tem o original sob sua guarda, merece fé, até que se demonstre o contrário" (STJ, 1*T., REsp 89.741, Rei. M in. Hum berto Gomes de Barros, j. em 1 9 -9 -1 9 9 6 , DJ, 2 1 -1 0 -1 9 9 6 ).

Art 224. Os documentos redigidos em língua estrangeira serão traduzidos para o português para ter efeitos legais no País.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • E x ig ê n c ia d a lín g u a v e rn á c u la n o s a to s n e g o c ia is : Todos os docum entos, instrum entos de c o n tra to , que tiverem de produzir efeitos no Brasil deverão ser escritos em língua p o rtu g u e ­

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Art. 225

sa. Se escritos em língua estrangeira, deverào ser vertidos para o português, por tra d u to r ju ra m e n ta d o , para que todos possam deles te r co nhecim ento (RF, 2 6 9 :4 6 4 ), pois não se pode exigir que o ju iz possa com preender todas as línguas. • R e g is tro de d o c u m e n to s e s tra n g e iro s : Instrum entos alienígenas poderão ser registrados em nosso país, no o riginal, para fins de sua conservação, mas, para que possam te r eficácia e para valerem contra terceiros, deverão ser vertidos para o vernáculo, e essa tradução, por sua vez, deverá ser registrada (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 , a rt. 148).

JULGADO • “Processual civil. Docum ento redigido em língua estrangeira, desacom panhado da respectiva tradução juram entada (art. 157, CPC). Admissibilidade. Dissídio jurisprudencial não comprovado. 1. Em se tratando de docum ento redigido em língua estrangeira, cuja validade não se contesta e cuja tradução não é indispensável para a sua compreensão, não é razoável negar-lhe eficácia de prova. 0 art. 157 do CPC, como toda regra instrum ental, deve ser interpretado sistematicamente, levando em consideração, inclusive, os princípios que regem as nulidades, nom eadam ente o de que nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa (p as de n u llité sans g rie f). Não havendo prejuízo, não se pode dizer que a falta de tra ­ dução, no caso, tenha im portado violação ao art. 157 do CPC. 2. Recurso especial a que se nega provimento" (STJ, 1* T., REsp 616.103/SC, Rei. M in. Teori Albino Zavascki, j. em 1 4 -9 -2 0 0 4 , DJ, 2 7 -9 -2 0 0 4 , p. 255).

DIREITO PROJETADO • PLn. 6 9 9 /2 0 1 1 : A rt. 224. Os d o cu m e n to s re d ig id o s em lín g u a e s tra n g e ira serão tra d u z id o s p a ra o ve rn á cu lo e re g is tra d o s em Títulos e D o cu m e n to s p a ra te re m e fe ito s no pais.

Art. 225. As produções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do pro­ jeto.

DOUTRINA • R e p ro d u ç õ e s fo to g rá fic a s , c in e m a to g rá fic a s , m e c â n ic a s o u e le trô n ic a s d e fa to s o u c o is a s e re g is tro s fo n o g rá fic o s : Registros fo nográficos e qu alq u er tip o de reprodução m ecânica ou eletrônica de fato s ou de coisas fazem prova plena destes, desde que aquele c o n tra quem fo rem exibidos não im pugne sua exatidão.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 298, aprovado na IVJornada de Direito Civil de 2006: “Os arquivos eletrônicos incluem -se no conceito de 'reproduções eletrônicas de fatos ou de coisas', do art. 225 do Código Civil, aos quais deve ser aplicado o regime jurídico da prova documental".

JULGADOS • “Prova - Interceptaçào telefônica - Juntada de fita m agnética em que gravada pela parte con­ versa telefônica m antida com a outra parte, porém, sem conhecim ento desta - Inadmissibilidade - Prova obtida por meio ilícito - Consentim ento da gravação que afastaria a violação ao direito constitucional de sigilo das comunicações telefônicas - Lei n. 9 .2 9 6 /9 6 - Recurso desprovido" (TJSP, 5» Câm. Dir. Priv., Al 200.671.4/4, Comarca de Barueri).

Arts. 226 e 227

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• “Prova - Gravação m agnética de conversação telefônica, por terceiro na qualidade de compa­ nheiro sem conhecim ento e consentim ento dos interlocutores - Meio clandestino ilícito e m oral­ m ente ilegítim o - Existência de outros meios de prova - Aplicação dos arts. 5o, X, XII, e LVI da Constituição Federal e 3 3 2 do Código de Processo Civil - Prova indeferida - Recurso não provido (TJSP, 7a Câm. Dir. Priv., Al 4 9 .1 6 3 -4 - Campinas, Rei. Leite Cintra, j. em 4 -2 -1 9 9 8 , v. u.). • "Considera-se licita, como prova, a gravação constante de ‘secretária eletrônica’ acoplada ao te ­ lefone do destinatário da mensagem, porque não se configura na espécie a interceptação vedada pela lei" (TJSP, 1* Câm. Civ., Al 1 71.084-1, Rei. Des. Euclides de Oliveira, ac. de 2 4 -3 -1 9 9 2 ). • “Prova - Gravação m agnética de conversação telefônica - M eio clandestino, ilícito e m oralm en­ te ilegítim o - Juntada inadmissível sob pena de vedação a direito individual assegurado consti­ tucionalm ente - Aplicação dos arts. 5o, X, XII, LVI, da CF e 332 do CPC" (TJPR, RT, 687:139). • “A jurisprudência desta Corte tem firm ado o entendim ento de que a gravação de conversa por um dos interlocutores não configura interceptação telefônica, sendo lícita como prova..." [STJ-Lex, 747:332). • “Prova - Gravação magnética - Pedido de juntad a aos autos de transcrição de conversa telefô ­ nica realizada entre as partes - Admissibilidade, desde que não apresente características de ile­ galidade ou ilegitim idade moral, vez que captada sem clandestinidade" (1« TACSP, RT, 745:271). • “Prova - Reprodução fonográfica de conversa telefônica - Obtenção clandestina - Interceptação - Inconstitucionalidade - Inexistência de outros elementos que justifiquem a continuidade da investigação crim inal - Trancamento do inquérito determ inado - Voto vencido em parte" [RT, 627:378). • “No estágio atual do direito adm ite-se, em regra, a prova por meio de gravação em fita m agnéti­ ca; se fo r impugnada a respectiva autenticidade, o juiz ordenará a realização do competente exame pericial" [RT, 599:66).

Art. 226. Os livros e fichas dos empresários e sociedades provam contra as pessoas a que pertencem, e, em seu favor, quando, escriturados sem vício extrínseco ou intrínseco, forem confirmados por outros subsídios. Parágrafo único. A prova resultante dos livros e fichas não é bastante nos casos em que a lei exige escritura pública, ou escrito particular revestido de requisitos especiais, e pode ser ilidida pela comprovação da falsidade ou inexatidão dos lançamentos. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • L iv ro s e fic h a s d e e m p re s á rio s e s o c ie d a d e s: Os docum entos (livros e fichas) em presariais servem não só de prova contra aqueles a quem pertencem , com o tam bém a seu fa v o r se, escriturados sem quaisquer vícios, extrínsecos ou intrínsecos, puderem ser confirm ado s por outros meios. Tais livros e fichas não constitu irão prova suficiente nos casos em que a lei exig ir in s tru m en to público ou, até mesmo, p a rticu lar revestido de requisitos especiais. E, havendo com provação de falsidade ou inexatid ão dos lançam entos, sua força probatória poderá ser ilidida.

Art. 227. Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhai só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados.

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Art. 228

Parágrafo único. Qualquer que seja o valor do negócio jurídico, a prova testemunhai é admissível como subsidiária ou complementar da prova por escrito.

HISTÓRICO • O presente dispositivo nâo foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • T e ste m u n h a in s tr u m e n tá r ia : Testem unha in stru m en tária é a pessoa que se pronuncia sobre o te o r do in s tru m en to público ou p a rticu lar que subscreve e só será ad m itid a , salvo caso expresso legalm en te, em negócio cujo valo r não ultrapasse o décuplo do m aior salário m ín i­ m o v ig e n te ao tem p o de sua celebração. Nas obrigações oriundas de atos ilícitos, qualquer que seja seu v a lo r será p erm itid a prova testem u n h ai [RT, 5 1 6 /7 0 e 4 4 9 /1 0 0 ). • S u b s id ia rie d a d e d e p ro v a te s te m u n h a i: A prova testem unh ai, qualq u er que seja o v a lo r do c o n trato , sem pre será a d m itid a em ju íz o com o c o m p lem en to de prova d ocum ental ou se houver com eço de prova por escrito (CPC, art. 4 0 2 , 1), desde que o d ocum ento seja relativo ao c o n tra to ou à obrigação e esteja assinado pelo devedor. A d m itir-s e -á tam bém a prova exclusivam ente testem unh ai, seja qual fo r o valo r c o n tra tu a l, quand o o credor não puder, m oral ou m a te ria lm en te , o b te r a prova escrita da obrigação, em casos com o o de parentesco, depósito necessário ou hospedagem em hotel (CPC, a rt. 4 0 2 , II).

JULGADOS • "A prova testem unhai é admissível quando se cuida de provar não a existência do contrato, mas quando se pretende evidenciar peculiaridade ou circunstância deste" (STJ, 3*T., REsp 470.534, Rei. M in. Nancy Andrighi, j. em 2 -9 -2 0 0 3 ). • "0 contrato de locação, salvo hipóteses especiais, não exige form a especial - pode ser verbal ou escrita - , podendo ser comprovado por testemunhas" (TJSC, Adeoas, 1983, n. 91.354).

Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas: I — os menores de dezesseis anos; II— aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimen­ to para a prática dos atos da vida civil; III — os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam; IV — o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes; V — os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consangüinidade, ou afinidade. Parágrafo único. Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o depoimento das pessoas a que se refere este artigo.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados.

DOUTRINA • C o n d içõ e s de a d m is s ib ilid a d e de p ro v a te s te m u n h a i: Condições precipuas de adm issibilidade de prova testem u n h ai são a capacidade de testem unh ar, a com p atib ilid ad e de certas pessoas com a referida fu n ção e a idoneidade da testem unh a. Todavia, para provar fato s que só elas

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conheçam , o órgão ju d ic a n te pode a d m itir o d e p o im e n to de pessoas que não poderiam tes­ tem u n h ar. • In c a p a c id a d e p a ra te s te m u n h a r. N ào podem ser adm itido s com o testem unhas: os doentes ou d eficientes m entais; os cegos e surdos, quand o a ciência do fa to , que se qu er provar, dependa dos sentidos que lhes fa lta m ; os m enores de dezesseis anos; o interessado no o b je­ to do litíg io (fia d o r de um dos litigantes, ex-ad vo g ad o da parte, sublocatário na ação de despejo m ovida contra o inqu ilino ); o ascendente e o descendente sem lim itação de grau; o colateral a té o terceiro grau [RT, 4 8 1 :189 e 4 9 4 :1 3 7 ; C iê n c ia J u ríd ic a , 90:59), por consangüi­ nidade ou afinidade (irmãos, tios, sobrinhos, sogros [RJTJSP, 1 6 2 2 8 7 ) e cunhados [JTJ, 162:287); os cônjuges; o condenado por crim e de falso testem unh o; o que, por seus costumes, não fo r dign o de fé ; o inim igo da p arte ou seu am igo ín tim o .

JULGADOS • " 0 fato de as testemunhas arroladas pela ré tam bém estarem sendo demandadas pelo autor em processo executivo, por si só, não é suficiente para afastar a tom ada de seus compromissos" [JTARS, 97:351). • "Simples animosidade ou m alquerência não pode ser considerada inimizade pessoal. Inim igo ca­ pital é o imbuído de grande ódio, o inim igo m ortal" [RJTJSP, 64:146). • "Não só a afinidade em linha reta desobriga a testem unha do compromisso legal, como tam bém são desobrigadas as pessoas relacionadas no art. 142 do CC/16 (art. 2 2 8 do CC/2002), incluindo-se ocunhadio" [JTJ, 762:287). • " 0 primo, sendo parente colateral de quarto grau, nào está im pedido de depor" (2o TACSP, 5* C., Ap. 40.621, Rei. Juiz Costa Carvalho, ac. de 3 0 -6 -1 9 7 6 ).

Art. 229. Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato: I — a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo; II — a que não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, parente em grau sucessível, ou amigo íntimo; III — que o exponha, ou às pessoas referidas no inciso antecedente, a perigo de vida, de demanda, ou de dano patrimonial imediato. HISTÓRICO • A única alteração relevante procedida no dispositivo ainda pelo Senado Federal foi o acréscimo, no inciso III, da expressão "perigo de vida", além da substituição de "pessoas aludidas" por "pes­ soas referidas" e de "inciso anterior" por "inciso antecedente".

DOUTRINA • D isp e n sa d o d e v e r d e p r e s ta r d e p o im e n to : N ing uém pode ser obrigado a depor se por estado ou profissão tiv e r de g u a rd a r segredo de fato s que lhe fo ra m confiados, porque a nào reve­ lação de segredo profissional é dever im posto legal e c o n s titu cio n a lm e n te (CF/88, a rt. 52, XIV). Tam bém há dispensa para depor sobre fatos: o) a que não se possa responder sem de­ s o n ra ra si próprio, cônjuge, com panheiro, parente sucessível ou am igo ín tim o ; b) que possam expor o depo en te ou, ainda, seu consorte ou com panheiro, parentes e am igos a perigo de vida, de dem anda ou de dano p a trim o n ial im ediato.

JULGADOS • "Nada obsta, contudo, que o advogado, por si e não por ouvir dizer de seu constituinte, preste depoim ento em juízo a respeito de fatos que ele próprio presenciou" [RSTJ, 63:258).

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• “A guarda do sigilo, quanto a fatos vindos ao conhecimento da testem unha em razão do estado ou profissão, caracteriza-se como um dever, e quem se encontra nas condições de dever guardar segredo estará, moral e juridicam ente, na situação de respeitá-lo" (TJMG, 3* CCv, Al 14.248/9, Rei. Des. Lúcio Urbano, j. em 9 -9 -1 9 9 3 ). • "A ordem jurídica autoriza a quebra do sigilo bancário, em situações excepcionais. Implicando, entretanto, a restrição do direito à privacidade do cidadão, garantida pelo principio constitucional, é imprescindível dem onstrar a necessidade das informações solicitadas, com o estrito cum prim en­ to das condições legais autorizadoras" [RSTJ, 704:235).

Art. 230. As presunções, que não as legais, não se admitem nos casos em que a lei exclui a prova testemunhai.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do pro­ jeto.

DOUTRINA • P re su n çõ e s " h o m in is ” o u s im p le s : São as deixadas ao critério e prudência do m agistrado, que se fu n d a no que o rd in a ria m e n te acontece, e só podem ser acatadas em casos graves, precisos e concordantes, não sendo adm itidas se a lei excluir, na hipótese s u b e x a m in e , a prova tes­ te m u n h a i. Mas as presunções legais ju r is e t d e ju r e e ju r is ta n tu m serão sem pre acatadas, inclusive nos fato s em que a lei não a d m itir dep o im en to de testem unhas.

Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.

HISTÓRICO • Na redação original do projeto o artigo referia-se a "oposição". Emenda apresentada na Câmara dos Deputados, ainda no periodo inicial de tram itação do projeto, substituiu "oposição" por "re­ cusa".

DOUTRINA • E xam e m é d ic o n e c e s s á rio : Quem v ier a negar-se a e fe tu a r exam e m édico, p. ex., DNA, que seja necessário para a com provação de um fa to , não poderá a p ro v eitar-se de sua recusa. Assim, se aleg ar violação à sua privacidade e nâo se subm eter àquele exam e, te r-s e -á pre­ sunção fic ta da paternidade, por ser im prescindível para a descoberta da verdadeira filiação, tend o em vista o superior interesse do m enor e o seu d ireito a identidade genética.

JULGADO • "Se o investigado se recusa a subm eter-se ao exame de pesquisa genética, prova de eficácia qua­ se absoluta para a verificação da paternidade, deve arcar com as conseqüências" (RTJE, 734:202).

Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

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DOUTRINA • R ecusa a p e ríc ia m é d ic a : Se alguém se recusar a e fe tu a r perícia m édica ordenada pelo m a­ gistrado, sua recusa poderá suprir a prova p retendid a com aquele. Assim sendo, com o acim a dissemos, a recusa ao exam e de DNA, p. ex., poderá valer com o prova da m atern id ad e ou da patern id ad e (S úm ula 301 do STJ; RT, 7 7 8 :2 2 6 , 8 3 0 :3 5 7 , 8 3 9 :2 1 9 ; JTJ, 2 9 3 :2 0 8 ). A Lei n. 1 2 .0 0 4 /2 0 0 9 vem , em d e fin itiv o , consolidar essa ideia ao acrescentar o art. 2fl-A e p arágrafo único á Lei n. 8 .5 6 0 /9 2 , que assim prescreve: "Na ação de investigação de paternidade, todos os m eios legais, bem com o os m o ra lm e n te legítim os, serão hábeis para provar a verdade dos fatos. A recusa do réu em se subm eter ao exam e de código genético - D N A gerará a presun­ ção da paternidade, a ser apreciada em co n ju n to com o c o n texto probatório".

SÚMULA • Súm ula 301 do STJ: "Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a su b m eter-se ao exam e de D N A induz presunção ju r is ta n tu m de paternidade".

JULGADOS • "0 juiz pode, a qualquer tem po, sob prudente discrição, de oficio ou a requerim ento da parte, determ inar a realização de prova pericial, ou reconsiderar anterior decisão que a havia dispensa­ do" (STJ, 4* T.. REsp 5.268/SP, Rei. M in. Athos Carneiro, ac. de 6 -8 -1 9 9 1 , DJU, 1 1 -1 1 -1 9 9 1 , p. 16149). • "Presume-se a paternidade de quem se recusa im otivadam ente a realizar exame hematológico, traduzindo tem or ao resultado, m orm ente quando há nos autos provas que corroborem ter exis­ tido relacionam ento amoroso entre o investigado e a genitora da investigante" [RT, 778:266). • "A recusa à realização de exame de D N A conjugada com o reconhecimento da existência de re­ lação sexual entre as partes, autoriza a procedência da ação de investigação de paternidade" [RT, 830:357).

PARTE ESPECIAL Livro I — DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES T ítu lo I — DAS M O D A LID A D E S DAS OBRIGAÇÕES

C apítulo I — DAS OBRIGAÇÕES DE DAR Seção I



Das obrigações de dar coisa certa

Art. 233. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não men­ cionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstancias do caso. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de paleo a nenhuma alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 8 6 4 do Código Civil de 1916, eom pequena melhoria redacional.

DOUTRINA • C o n c e ito e e le m e n to s c o n s titu tiv o s d a o b rig a ç ã o : A obrigação é o vínculo ju ríd ic o ou per­ missão n o rm ativa que dá ao credor o d ireito de exig ir do devedor um a determ in ad a prestação (dar, fa ze r ou não fa ze r algum a coisa), que ate n d a in te g ra lm e n te aos seus interesses (dele, credor), com preendendo-se d e n tro dessa permissão ta n to o d ire ito de exig ir a prestação com o o d ireito à indenização e ao p a trim ô n io do devedor, assim com o os deveres anexos de con­ duta, im postos in d is tin tam en te ao credor e ao devedor. Sào três os elem entos constitutivos da obrigação: o e lem en to subjetivo ou pessoal representado pelos sujeitos a tivo (credor) e passivo (devedor); o e lem en to objetivo ou m aterial, representado pelo objeto da prestação; e fin a lm e n te o e lem en to espiritual, ou im ate rial, representado pelo vínculo ju ríd ic o ou liam e que conecta os sujeitos. • O b rig a ç ã o c o m o p ro c e s s o : A obrigação deve ser vista não apenas pela soma dos seus e le ­ m entos constitutivos, mas com o um processo, um a série de atos relacionados e n tre si, que se encadeiam e convergem em direção à satisfação dos interesses recíprocos do credor (em receber) e do devedor (em pagar) c ulm inando com o ad im p le m e n to , que é a fin a lid a d e ú ltim a de to da obrigação. 0 vínculo é apenas um a ordem de cooperação, fo rm ad o ra de um a un id a­ de que não se esgota na soma dos elem entos que a com põem . 0 vínculo passa a te r sentido próprio, diverso do que assum iria se se tratasse de pura soma de suas partes, de um c o m p ó sito de direitos, deveres e pretensões, obrigações, ações e exceções. Considerado com o um todo, o vínculo obrigacional não se a lte ra ou se m odifica com certas alterações e m odificações sofridas pelas partes. Por esse m otivo, o a d im p le m e n to de um crédito d e term in ad o pode nào extin g u ir, ou m od ificar, a relação jurídica. Em outras palavras, mesmo ad im p lin d o o dever

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principal, ainda pode a relação ju ríd ica perdurar com o fu n d a m e n to da aquisição (dever de gara n tia ), ou em razão de o u tro dever secundário independente (cf. Clóvis do C outo e Silva, A o b rig a ç ã o c o m o p ro ce sso , Sào Paulo, Bushatsky, 1 9 76 , p. 6 , 8 , 9 e 10). • C la s s ific a ç ã o d a s o b rig a ç õ e s le v a n d o e m c o n ta o o b je to da p re s ta ç ã o : 0 Código Civil nào co n tem p la todas as classificações das obrigações adm itidas na d o u trin a , mas apenas aquelas que distinguem as categorias tend o em vista o co n teú d o ou o sujeito da prestação. Q uanto ao co n teú d o da prestação, a obrigação pode ser positiva (dar coisa certa, dar coisa incerta, restituir e fazer) ou negativa (não fazer). • O b rig a ç ã o d e d a r. Na clássica definição de Clóvis Beviláqua "é aquela cuja prestação consis­ te na entreg a de um a coisa m óvel ou im óvel, seja para c o n stitu ir um d ire ito real, seja som en­ te para fa c u lta r o uso, ou ainda, a simples detenção, seja fin a lm e n te , para re s titu í-la ao seu dono. A d efin ição com preende duas espécies de obrigações: a de dar, prop riam en te d ita, e a de restituir" (D ire ito d a s o b rig a ç õ e s , 8. ed., Rio de Janeiro, Paulo de Azevedo, 1954, p. 54). 0 conceito pode ser resum ido em um a única frase: é a obrigação de e fe tu a r a tradição, qu er a trad ição e fe tiv a ou real, no caso dos móveis, qu er a tradição fic ta , no caso dos imóveis. • O b rig a ç ã o d e d a r c o is a c e rta : Se o o b je to da prestação já estiver certo e determ inado, in d ividuado pelas partes, te r-s e -á que a obrigação é de dar coisa certa, em que o devedor não se desobrigará oferecendo o u tra coisa, ainda que mais valiosa, c o n fo rm e já dispunha o art. 8 6 3 do Código Civil de 1 9 1 6 (Princípio da Identidade da Coisa Certa). • 0 preceito con tid o no a rt. 2 3 3 nào inova o d ire ito an te rio r. T rata-se de aplicação da regra geral do d ire ito rom ano a c e s s o riu m s e q u itu r p rin c ip a le expressa no art. 59 do Código Civil de 1916, segundo a qual o acessório tem o m esm o destino do principal. H avendo um a o b ri­ gação de dar coisa certa, e n fa tiza C arvalho Santos, “lógico e racional é que o obrigado faça a entreg a dessa coisa ao credor em to d a a sua integridade, tal com o se apresenta para servir á sua destinação. A coisa, p o rtan to , deve ser en tre g u e com todas as suas partes integrantes. Vale dizer: tu d o aquilo que, c o n fo rm e o uso local, constitu i um e lem en to essencial da coisa e que desta não pode ser separado sem a destruir, deterio rar, ou a lte ra r (Cód. Civil Suíço, art. 6 4 2)" (J. M . de C arvalho Santos, C ó d ig o C iv il b ra s ile iro in te rp re ta d o , 10. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1976, v. 11, p. 2 8). • 0 próprio a rtig o , no e n ta n to , excetua a regra de acordo com a natu reza do c o n tra to ou as circunstâncias do caso, elem entos aferíveis pelos usos e costum es locais ou ainda pelo co m ­ p o rta m e n to a n te rio r dos contraentes. Além do mais, os acessórios que fo re m acrescidos à coisa d u ra n te o período em que ela estiver com o devedor pertencerão a ele, que poderá inclusive exig ir a u m e n to do preço para e n tre g a r a coisa (v. a rt. 2 3 7), salvo se houver previsão em con trário no c o n trato . • As pertenças (art. 9 3), por conservarem a sua individualidade e au to n o m ia , tam bém nào se­ guem o preceito a c e s s o riu m s e q u itu r p rin c ip a le . Se não estiverem m encionadas expressa­ m ente no c o n trato , nào estarão abrangidas na obrigação de d a r coisa certa. • A obrigação de tra n s fe rir a propriedade de bem im óvel, consubstanciada na o u to rg a da es­ critu ra , assumida pelo vendedor, no c o n tra to p re lim in a r de com pra e venda, é obrigação de dar [v. nossos com entários ao a rt. 2 4 7).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 160, aprovado na III Jornada de D ireito Civil de 2 0 0 4 : “A obrigação de c red itar dinh eiro em conta vinculada de FGTS é obrigação de dar, obrigação pecuniária, nào a fe ta n ­ do a natu reza da obrigação a circunstância de a disponibilidade do dinh eiro depender da ocorrência de um a das hipóteses previstas no a rt. 2 0 da Lei 8 .0 3 6 /9 0 ".

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Art. 234

JULGADOS • “Execução de títu lo judicial. Brasil Telecom S/A. Contrato de participação financeira. Uma vez convertida a obrigação de dar coisa certa em obrigação de pagar quantia certa, a execução deve prosseguir em conform idade com o estabelecido pelo art. 604, combinado com os arts. 652 e s. do CPC. Sentença desconstituida. Apelo provido" (TJRS, AC 70013971825, 5* Câm. Civel, Rei. Leo Lima, j. em 2 9 -3 -2 0 0 6 ). • “Execução por títu lo extrajudicial - Obrigação de dar coisa certa - Fixação de m ulta diária Admissibilidade, nos termos dos artigos 4 6 1 -A e 621, parágrafo único, do Código de Processo Civil - Dilaçáo consensual do prazo não demonstrada - Valor da m ulta que extrapola os limites do razoável - Redução para R$ 1.000,00 por dia de atraso - Recurso parcialm ente provido" (Agl 7 .04 2 .0 85 -0 , Ribeirão Preto, 22* Câm. Dir. Priv., Rei. Roberto Bedaque.j. em 1 7 -1 -2 0 0 6 , v. u., Voto n. 11616). • "Antecipação de tutela - Contrato - Obrigação de coisa certa - Safra de tom ates - Cláusula primeira do contrato celebrado entre as partes, o ora agravante se obrigou a plantar, cultivar, colher e a vender e a ora agravada a comprar, com exclusividade, a produção de tom ates que foi estimada e contratada - A tutela jurisdicional deve prevenir a possibilidade de lesão, ou seja, a "ameaça de lesão" a que se refere o artigo 5o, inciso XXXV, da Constituição Federal - Indícios de que o réu agravante esteja com ercializando a safra para terceiros - Deferim ento da tutela an te­ cipada foi bem lançado pela r. decisão agravada - Protege-se, aqui, a potencialidade do dano, a tutela jurisdicional visa prevenir o dano garantindo direitos que, efetivam ente, a autora agravada tem em razão do contrato celebrado - Decisão m antida - Recurso improvido" (1»TACSP, 12* Câm., Agravo 1 3 24 0 8 7-6, Rei. Beretta da Silveira, j. em 1 9 -1 0 -2 0 0 4 ).

Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.

HISTÓRICO • Este artigo nào sofreu emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação atual é praticam ente a mesma do art. 865 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Ocorrendo perda to ta l ou perecim ento do objeto antes da entrega, sem culpa do devedor, ou seja, em decorrência do caso fo rtu ito ou da força m aior, resolve-se a obrigação, aplicando-se a a n tig a regra do d ire ito rom ano res p e r it d o m in o , segundo a qual a coisa perece para o dono, o que eqüivale a d izer que apenas o p ro p rietário da coisa arcará com o prejuízo. Com o ainda não houve a tradição, a coisa pertence ao devedor, que estará obrigado apenas a devolver ao credor o que já houver recebido pelo negócio. • H avendo culpa do devedor, o credor que já houver pago o preço te m o d ire ito de receber o e q u ivalen te do ob jeto perecido, ou seja, o v a lo r que a coisa tin h a na d a ta do perecim ento, além , é claro, das perdas e danos, abrangendo danos em ergentes e lucros cessantes (art. 4 0 2), ta m b é m em dinh eiro, pelos prejuízos m aterial e im aterial sofridos. • 0 e q u ivalen te será sempre em dinheiro, que é a m oeda universal das sub-rogações, um a vez que as coisas certas nunca tê m e q u ivalen te preciso em outras coisas, com o bem nos ensina Caio M á rio da Silva Pereira (cf. In s titu iç õ e s d e d ir e ito c iv il, 15. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1 9 97 , v. 2, p. 39).

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JULGADO • "Responsabilidade civil. Comercialização de açúcar para mercado externo. Alegação de defeitos tan to do produto quanto da respectiva embalagem, a aviltar o seu preço perante o consumidor alienígena. Incabim ento das perdas e danos e do cancelam ento de cobrança, por parte da ré, de saldo devido pela importadora. Riscos, após a tradição, caracterizada pela entrega a bordo da mercadoria vendida, imputáveis, diante da cláusula FOB, apenas, à compradora. Ineonfiguraçáo de direitos da compradora a titu lo de vícios redibitórios. Improcedência da ação e procedência da reconvenção. Sentença confirm ada. A partir da tradição da mercadoria, sofre o com prador as conseqüências de sua perda ou deterioração, tal como exprim e o velho brocardo jurídico, res p e rit d om ino. Na comercialização de açúcar para o mercado externo, por força da cláusula FOB, enunciada entre as regras gerais previstas na Resolução n. 06, de 2 8 -6 -8 4 , do IAA, o dom ínio do mencionado produto aperfeiçoa-se, em termos de transferência, através de sua entrega a bordo. A partir desse m om ento, os defeitos que apresentar por força do transporte, da descarga e do arm azenam ento, não mais podem ser imputados ao vendedor. É regra elem entar no direito que, até mesmo depois da tradição da coisa, o vendedor responde pelos denominados vícios redibitórios. Para tanto dispõe o adquirente, se quiser, apenas, o abatim ento do preço, da ação estim atória ou q u a n ti m in o ris ; ou então, se pretender o desfazim ento do negócio, tem a seu favor a ação redibitória. Perde, entretanto, tanto uma quanto outra, se, conhecendo os vícios e defeitos do bem, seja móvel ou imóvel, vem a aliená-lo" (TJSC, AC 30.721, Rei. Des. Napoleáo Am arante, j. em 101 2 -1991).

Art. 235. Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu. HISTÓRICO • Não foi atingido por nenhuma espécie de m odificação o presente dispositivo, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do pro­ jeto . Trata-se de mera repetição do art. 8 6 6 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • A regra geral é a de que o credor da coisa certa não estará obrigado a receber o u tra coisa, diversa daquela que fo i ajustada, ainda que mais valiosa (C C /1916, a rt. 8 6 3 , e C C /2002, art. 3 1 3 ). Sendo assim, ou seja, se o credor não puder ser com pelido a receber o u tra coisa, ainda que mais valiosa, com m aior razão não poderá ser com pelido a receber o u tra d eteriorada e, p o rtan to , m enos valiosa. • A deterioração é a perda parcial ou danificaçào da coisa. O correndo antes da tradição, o prejuízo será, novam ente, suportado pelo dono ou devedor, a quem se abrem duas saídas: ou a b a te do preço o v a lo r correspondente à depreciação, se o credor ac eitar receber a coisa d an ificad a, ou fica com a coisa e devolve o dinh eiro que recebeu por ela.

Art. 236. Sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado em que se acha, com direito a reclamar, em um ou em outro caso, indeni­ zação das perdas e danos. HISTÓRICO • 0 artigo em com ento não foi alvo de nenhuma espécie de modificação, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

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Art. 237

Trata-se de mera repetição do art. 867 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • Se a deterio ração se deu por culpa do devedor, que na obrigação de dar coisa certa vem a ser o dono da coisa, o seu prejuízo será ainda m aior, pois. além da devolução do d inh eiro ou entrega da coisa com a b a tim e n to do preço, terá de indenizar o credor pelos prejuízos sofridos. • Em co m e n tá rio que fe z ao artig o correspondente do Código Civil de 1 9 16 , observa João Luís Alves que “na hipótese de culpa, prevista por este a rtig o , ainda o credor tem opção: ou rece­ be o equivalente, que é representado pelo v a lo r da coisa, em dinh eiro (valor ao tem p o em que a entreg a devia ser fe ita ), e mais as perdas e danos, pelo fa to de não receber a coisa de que precisasse; ou recebe a coisa, com indenização por perdas e danos, que com preendem a dim inuição do v a lo r da coisa, a dim inuição de sua u tilid ad e, etc." (C ó d ig o C iv il a n o ta d o , Rio de Janeiro, F. Briguiet, 1917, p. 595). • A indenização, no caso, deve se basear na diferença e n tre o v a lo r da coisa antes e depois da deterioração.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 15, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "As disposições do art. 2 3 6 do NCC tam bém são aplicáveis à hipótese do art. 240, in fin e ". Conform e bem ressaltado na justificativa desse enunciado, "na deterioração culposa, poderá o credor aceitar a restituição da coisa deterio­ rada no estado em que se encontrar, além do direito à reparação pelas perdas e danos. A lei confere autonom ia à pessoa para que possa dar destino que lhe aprouver a seus bens, de tal sorte que o credor está apto a receber a coisa que, segundo seu próprio juizo, poderá ser-lhe útil. Recebendo-a, tem pleno direito de pleitear perdas e danos. Aplica-se aqui, por absoluta simetria, a orientação do art. 236".

JULGADO • "Agravo de instrum ento. Execução. Penhora. Sacas de arroz. Remoção frustrada. Depósito do valor correspondente em dinheiro. Levantamento pelo credor. Diferenças constatadas. Novo m an­ dado de entrega expedido. Valores encontrados contestados pelo executado. Pena de prisão civil. Inviabilidade. Reclamo acolhido em parte. Frustrada a remoção das sacas de arroz penhoradas em razão de processo de execução promovido contra o agravante, incumbe a este indicar outros bens à penhora ou depositar o equivalente em dinheiro. Optando pela segunda form a, o depósito deve ser abrangente, observando o valor efetivo do produto que deveria ser entregue, dentro de crité­ rios fidedignos e sustentados em avaliações hábeis e fidedignas, a tan to nào se equiparando as meras assertivas do executado. Apurada a não conversão da quantidade exata do produto penhorado, o saldo devedor remanescente corresponde á diferença resultante entre o valor atualizado do débito e aquele decorrente do valor depositado devidam ente atualizado desde a data do de­ pósito, fazendo-se correta a decisão judicial que determ ina ao devedor o depósito do produto fa lta n te ou o depósito do correspondente em dinheiro" (TJSC, Agl 2 0 0 6 .0 3 9 4 9 8 -1 , Rei. Des. Trindade dos Santos, j. em 2 3 -1 0 -2 0 0 7 , DJSC E le trô n ico , 1 9 -1 1 -2 0 0 7 , p. 105).

Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação. Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pen­ dentes.

Art. 238

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HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a nenhuma alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Trata-se de repetição do art. 8 6 8 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Da mesma fo rm a com o, havendo perda ou deterio ração da coisa, o prejuízo é do devedor (dono), havendo acréscim o, o lucro deve ser dele, salvo dispondo o c o n tra to de m odo diver­ so. Assim, com o a coisa há de ser entreg u e na sua integralidade, ou seja, com todos os m e­ lhoram ento s e acréscimos, poderá o devedor de b o a -fé postular ao credor a u m e n to no preço ou resolver a obrigação se o credor nào concordar em pagar pela valorização decorrente dos acréscimos. • Os acréscimos e m elhoram entos aludidos no dispositivo não se c o n fu n d em com os acessórios a que se refere o a rt. 2 3 3 . Estes já existiam no m o m e n to em que a obrigação fo i assumida, e n q u a n to aqueles surgem após a realização do negócio. • 0 p arág rafo único, por sua vez, dispõe que os fru to s ainda não percebidos seguem a regra geral de que o acessório acom panha o principal, pertencendo, p o rtan to , ao credor. Q uan to a esses não cabe ao devedor exigir a u m e n to no preço, já que os acessórios, em regra, sào o b ­ tidos n a tu ra lm e n te sem obra ou dispêndio do devedor (v. art. 241). Se já tiverem sido perce­ bidos, pertencem ao devedor, que, antes da tradição, era o dono da coisa principal.

Art. 238. Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda. HISTÓRICO • O artigo em análise não foi submetido a emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação atual é praticam ente a mesma do art. 869 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • O b rig a çã o de re s titu ir. Na obrigação de restituir, o dono da coisa é o credor, ao contrário da obrigação de dar, em que a coisa pertence ao devedor até o m om ento da tradição. A obrigação de dar é gênero e a de restituir, espécie daquela. Na primeira o credor recebe o alheio; na segun­ da ele é o próprio dono da coisa. No primeiro caso, cujo exemplo típico é a compra e venda, a perda da coisa resolve a obrigação, com prejuízo do devedor, seu possuidor e proprietário; já na obrigação de restituir, m uito bem caracterizada no contrato de com odato, a perda da coisa resol­ ve a obrigação, com prejuízo do credor, seu proprietário, salvo, naturalm ente, se tiver havido culpa do devedor (v. art. 239 deste Código). Assim, exem plifica José Fernando Simão, se uma de­ term inada pessoa recebe o carro de outra em com odato (empréstimo gratuito de bem infungivel) e o carro se perde em razão de um roubo ou de uma forte enchente, sem que o com odatário tenha qualquer culpa, a obrigação de restituir se extingue e não há o dever de restituir (cf. Res p e rit d o m in o e su a o rig e m h is tó ric a . Carta Forense Edição: 68. Ano: 0 2 /2 0 0 9 ). • Havendo perda, o principio é, portanto, o mesmo já estudado quando falamos da obrigação de dar, ou seja, o dono, no caso o credor, experim enta o prejuízo. A coisa se perderá à conta do proprietário. 0 Código ressalva, no entanto, os valores que sejam devidos ao credor até o m om en­ to da perda, como ocorre, p. ex., no contrato de locação, em que os aluguéis serão devidos até a data do perecimento.

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Arts. 239 e 240

JULGADOS • “Bem móvel. Rescisão contratual c.c. restituição de valores. Com putador novo e u p grad e de equi­ pam ento usado. Obrigações de entregar e restituir. Autor que não estava obrigado a receber apenas parte do contratado. Mora do credor. Ausência. Descumprimento do prazo. Rescisão de­ cretada. Responsabilidade da ré em restituir os valores correspondentes. 2. Dano moral. Não comprovação. Im provim ento dos recursos" (TJSP, Ap. 1 .0 2 0 .4 58 -0 0 /8 , Rei. Vianna Cotrim, j. em 2 4 -6 -2 0 0 9 ). • “Alienação fidueiária. Busca e apreensão convertida em depósito. Discussão acerca de cláusulas contratuais. Impossibilidade por se tra ta r de ação de cunho reipersecutório. Na ação de busca e apreensão de bem, convertida em depósito, o objetivo central é a recuperação de coisa ou o equivalente em dinheiro, inexistindo espaço para discussão de cláusulas contratuais ajustadas entre as partes contratantes. Prisão civil. Descabimento. 0 contrato de depósito decorrente de alienação fidueiária não é meio hábil a coagir o devedor, mediante a ameaça de prisão civil, a entregar o bem objeto de garantia. Se assim fosse, im portaria em ampliação dos casos de prisão por divida expressamente proibidos em nossa ordem jurídica (artigo 5o, inciso LXVII, da Constitui­ ção Federal). Preliminares rejeitadas. Recurso parcialm ente provido" (TJSP, Ap. 112483/00, j. em 1 7 -9 -2 0 0 8 ).

Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais perdas e danos.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi atingido por nenhum a espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do pro­ jeto . Trata-se de mera repetição do art. 8 7 0 do Código Civil de 1916, com pequena m elhoria re­ dacional, passando o dispositivo a m encionar expressamente a obrigação de indenizar, deixando de fazer mera referência a outro artigo, como fazia o texto anterior.

DOUTRINA • H avendo culpa do devedor no perecim ento, o credor não suportará prejuízo algum . 0 deve­ dor, além de restituir o e q u ivalen te em dinheiro, indenizará o credor pelos danos m ateriais e im ateriais e v en tu a lm e n te suportados.

Art. 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor, observar-se-á o dispos­ to no art. 239.

HISTÓRICO • Este dispositivo nào foi atingido por nenhuma espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 871 do Código Civil de 1916, com pequena m elhoria redacional.

DOUTRINA • No caso de deterioração, as regras são idênticas às dos arts. 2 3 4 e 2 3 6 . Se nào houver culpa do devedor, o credor, que é o dono da coisa, fica com o prejuízo: receberá de v o lta a coisa danificada, sem d ire ito a qu alq u er indenização. H avendo culpa do devedor, o credor recebe­ rá a coisa danificada, acrescida do valo r re fe re n te à depreciação e ainda as perdas e danos.

Arts. 241 e 242

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ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 15, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2 002: “As disposições do art. 2 3 6 do NCC tam bém são aplicáveis à hipótese do art. 240, in fin e ". Conform e bem ressaltado na justificativa desse enunciado, "na deterioração culposa, poderá o credor aceitar a restituição da coisa deterio­ rada no estado em que se encontrar, além do direito à reparação pelas perdas e danos. A lei confere autonom ia à pessoa para que possa dar destino que lhe aprouver a seus bens, de tal sorte que o credor está apto a receber a coisa que, segundo seu próprio juízo, poderá ser-lhe útil. Recebendo-a, tem pleno direito de pleitear perdas e danos. Aplica-se aqui, por absoluta simetria, a orientação do art. 236".

Art. 241. Se, no caso do art. 238, sobrevier melhoramento ou acréscimo à coisa, sem despesa ou trabalho do devedor, lucrará o credor, desobrigado de indenização. HISTÓRICO • 0 dispositivo sob análise não serviu de palco a nenhum a alteração, seja por parte do Senado Fe­ deral, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. A re­ dação corresponde ao art. 872 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 princípio é o mesmo do a rt. 2 3 7 . Os acréscimos e a valorização ocorridos antes da tradição e decorrentes de fa to s naturais para os quais nào contrib uiu o devedor pertencem ao dono da coisa, que aqui vem a ser o credor. Se os m elhoram entos tiverem resultado do trabalho ou de despesa do devedor, a p lic ar-se -á a regra do artig o seguinte.

Art. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará pelas normas deste Código atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé. Parágrafo único. Quanto aos frutos percebidos, observar-se-á, do mesmo modo, o disposto neste Código, acerca do possuidor de boa-fé ou de má-fé. HISTÓRICO • 0 presente artigo nâo foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto original rem etido pelo Poder Executivo à Câmara em 1975. Repetiu-se o art. 873 do Có­ digo Civil de 1916, com pequena m elhoria redacional, passando a referir-se expressamente às normas atinentes às benfeitorias no lugar de fazer referência aos artigos correspondentes.

DOUTRINA • 0 devedor de b o a -fé que houver c o n trib u íd o para o acréscim o tem d ireito a indenização pelos m elhoram entos considerados úteis e necessários e a levantar os voluptuários, bem com o de exercer o d ire ito de retenção, a té que o credor venha a in d en izá-lo . • Se estiver de m á -fé , terá d ireito apenas a indenização pelas benfeito rias necessárias, desde que existentes ao tem p o da restituição, mas não poderá le va n tar as vo luptuárias nem pode­ rá exercer o d ire ito de retenção. • Q u an to aos fru to s percebidos, v id e arts. 1 .2 1 4 a 1.216.

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Seção II



Art. 243

Das obrigações de dar coisa incerta

Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade. HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela não foi atingido por nenhuma espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do pro­ jeto . Trata-se de mera repetição do a r t 874 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração re­ dacional.

DOUTRINA • O b rig a ç ã o d e d a r c o is a in c e rta : É aquela em que a coisa ob jeto da prestação não está espe­ c ificam en te determ inada, apenas genérica e num ericam ente. Ou seja, a prestação nào está individualizada, mas apenas m encionada pelo gênero a que pertence e lim itad a pela q u a n ti­ dade, sendo in d ifere n te ao credor, com o ressalta Carlos A lb e rto Dabus M a lu f, receber um a ou o u tra partida, visto que todas em tese são iguais, por conseguinte intercam biáveis. Em vez de considerar a coisa em si, ela é considerada g enericam ente (cf. Das obrigações de dar coi­ sa incerta no d ire ito civil, RF, 2 9 6 /5 5 ). Essa indeterm inaçào da prestação, no e n ta n to , não pode ser absoluta, nem elástica de ta l m odo que o devedor pudesse se liberar, cum prind o o c o n trato , através da entrega de coisa irrisória ou sem utilid ad e para o credor. 0 Prof. Dabus M a lu f retira da obra de B audry-Laeantin erie e Barde dois exem plos práticos dessas duas si­ tuações, em que a obrigação seria nula: "a) quando o objeto da obrigação não seja d e te rm i­ nado senão pelo gênero, por exem plo - quando o devedor se obriga a e n tre g a r um anim al, sem dizer de que espécie; porque o devedor poderia, sem se a fa s ta r dos term os da convenção, e n tre g a r ao credor um an im al de nenhum valor, ou m esm o um an im al nocivo; b) se quando a coisa, objeto da convenção, fo r daquelas que som ente podem ser úteis se usadas em q u a n ­ tidade, o c o n tra to não esclarece a q u a n tid a d e a ser en tre g u e ; por exem plo: o devedor pro­ m ete arroz ou vinho, sem dizer a q uantidade. Porque ai, d e n tro dos term os da convenção, poderia ele pagar, en treg an d o apenas um grão de arroz ou um a g o ta de vinho, livrando-se da obrigação com um a prestação v e rd ad eiram en te irrisória" (cf. Das obrigações de dar coisa incerta no d ire ito civil, Carlos A lb e rto Dabus M a lu f, RF, 2 9 6 /5 5 ). • A inda à luz do Código Civil de 1 9 16 , c ritic o u -s e a utilização da palavra "gênero", que em história n a tu ra l vem a ser um grup o de espécies com características com uns, e n q u a n to es­ pécie seria um grupo mais lim ita d o de seres. 0 Código Civil preferiu afastar-se dos conceitos u tilizados por outras ciências, em pregando a palavra "gênero" com o um con ju n to de coisas sem elhantes e resguardando a palavra "espécie" para re fe rir-s e à "coisa certa", já d e te rm in a ­ da. 0 Prof. Á lvaro V illaça Azevedo tece críticas a essa opção do legislador, observando que m elhor seria “tivesse d ito o legislador: espécie e q uantidade. Não: gênero e q uantidade, pois a palavra gênero te m um sentido m u ito am plo. Considerando a te rm in o lo g ia do Código, por exem plo, cereal é gênero e feijão é espécie. Se, e n tre ta n to , alguém se obrigasse a en treg ar um a saca de cereal (q uan tid ad e: um a saca; gênero: cereal), essa obrigação seria impossível de cum prir-se, pois não se poderia saber qual dos cereais deveria ser o o b je to da prestação ju ríd ic a . Nestes term os, é m elhor dizer-se: espécie e q u an tid ad e. No exem plo s u p ra , teríam os: qu an tid ad e (um a saca); espécie (de fe ijã o ). Dessa m aneira que, aí, o ob jeto se to rn a d e te rm inável, desde que a qualidade seja posteriorm ente m ostrada" ( Teoria g e ra l d as o b rig a ç õ e s , 9. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2 0 0 1 , p. 66). • Somos favoráveis à alteração legislativa desse a rtig o . Se o Código Civil é antes de tu d o o Estatuto do Cidadão, com o sem pre dizia o saudoso Prof. M ig u el Reale, sua linguagem deve

Art. 244

Mário Luiz Delgado Régis

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ser acessível ao hom em com um , sendo assim preferível, sem pre que possível, u n ifo rm iza r os conceitos e term os jurídicos com aqueles em pregados em outras áreas do conhecim ento hum ano, a fim de se fa c ilita r a com preensão do te x to legal ta m b é m por aqueles que nào possuem fo rm ação jurídica.

JULGADO • “Agravo de Instrum ento - Execução de entrega de coisa incerta - Indicação por gênero e quan­ tidade - pagam ento precedido de ato preparatório de escolha - Individuaçáo - exegese do art. 629 do CPC - Recurso desprovido. Nas execuções de entrega de coisa incerta, cabe ao devedor efetuar prim eiram ente a escolha e individuar a coisa indicada pelo gênero e pela quantidade, se nada foi estipulado em contrário no titu lo da obrigação. Após feita a escolha, \..a obrigação de dar coisa incerta transm uda-se numa obrigação de dar coisa certa e a prestação passará a obje­ tivar precisamente o ato de entrega da coisa escolhida'" (TJSC, Agl 2 0 0 3 .0 1 6 2 5 8 -5 , Rei. Des. Josê V olpato de Souza, j. em 1 0 -1 1 -2 0 0 3 ).

DIREITO PROJETADO • Em face do exposto acima, encaminhamos ao Deputado Ricardo Fiuza proposta para alteração deste dispositivo, que passaria a contar com a seguinte redação: "A coisa incerta será indicada,ao menos, pela espécie e pela quantidade" (PL n. 6.96 0 /2 00 2 , atual PL n.6 99/2011).

Art. 244. Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de nenhuma espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 875 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Ao exercer o seu d ireito de escolha, não pode o devedor da coisa incerta escolher a pior, com o tam bém não poderá ser obrigado a prestar a m elhor. Ou seja, a escolha está lim itad a a um a q u alidade m édia, de m odo a coibir abusos, ta n to do que pretende dar o m enos com o d a q u e­ le que ten cio n a exig ir o mais. Trata-se de questão de fa to , cuja controvérsia haverá de ser d irim id a em ju ízo ou por árbitros. • A indeterm inação da coisa, em m uitos contratos, m a n ifesta-se por m eio de expressões com o "mais ou menos" ou "cerca de". Sào contratos, com o diz C arvalho Santos, "que deixam la ti­ tu de para exig ir as prestações d e n tro de m argens mais ou m enos precisas. V alend o o c o n tra ­ to, não som ente quand o se fix a m o m áxim o e o m ínim o, d e n tro dos quais se pode exigir as entregas, mas tam bém quand o se estabelecem cláusulas de 'm ais ou menos', tolerâncias, etc. é que elas, não obstante a im precisão aparen te, são p e rfe ita m e n te determ ináveis. É o que ocorre, g eralm en te, no fo rn ec im e n to de m atérias-prim as para as indústrias, ou de m ercado­ rias para o com ércio e, em m uitos casos sem elhantes, em que se ajustam preços unitários, ou estipulações que deixam a um a parte a liberdade de exigir as prestações de que necessite, sem fix a r as quantidades precisas" (J. M . de C arvalho Santos, C ó d ig o C iv il b ra s ile iro in te rp re ­ ta d o , cit., p. 6 6 e 67). • A cláusula fin al do dispositivo [n à o p o d e rá d a r a c o is a p io r, n e m s e rá o b rig a d o a p re s ta r a m e lh o r] é considerada pela d o u trin a especializada com o fo n te de dúvidas e incertezas e que m elhor estaria o dispositivo se viesse a u tiliza r a expressão “qualidade m édia", no lu g ar de

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Mário Luiz Delgado Régis

Arts. 245 e 246

"coisa pior" ou "coisa m elhor". H ector Lafaille, ta m b é m citado por Dabus M a lu f, e n fa tiza que: “La verdadera fó rm u la es Ia de una 'calidad m ediana', com o Io expresava Velez en cierta pasage. La estricta aplicación dei te x to conduciria a que sin eoloearse en tal caso exigir los objetos proxim os a ellos, que no siendo ni los peores ni los m ejores, fuesen m uy m ales o m uy buenos sin em bargo, con Io qual no se daria debido cu m p lim ie n to al proposito perseguido y padeceria Ia lealtad en Ias transaciones. De ahi Ia reform a de 1936, que se ajusta al A n te proyecto" (cf. H ector Lafaille, T ra ta d o d e Ia s o b lig a c io n e s , Buenos Aires, Ediar, 1947, v. 1).

DIREITO PROJETADO • Acolhendo nossa sugestão, o Deputado Ricardo Fiuza, de saudosa memória, apresentou projeto de lei onde propõe a alteração do dispositivo, que passaria a contar com a seguinte redação: "Art. 244. Nas coisas determ inadas pela espécie e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do títu lo da obrigação, mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor" (PL n. 6.96 0 /2 00 2 , atual PL n. 69 9/2 0 1 1).

Art. 245. Cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção antecedente.

HISTÓRICO • 0 presente artigo não sofreu nenhum a alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por par­ te da Câmara dos Deputados, no periodo inicial de tram itação do projeto. Apenas na fase de re­ dação final pela Comissão Especial é que foi apresentada uma emenda de redação, pelo Deputado Ricardo Fiuza, reposieionando a expressão "o credor", para inseri-la após a palavra "escolha". Na redação original o artigo estava posto na fórm ula seguinte: "cientificado o credor da escolha, vigorará o disposto na Seção antecedente".

DOUTRINA • 0 dispositivo corresponde ao a rt. 8 7 6 do Código Civil de 1916, com substancial m elhoria redacional. A redação a n te rio r era am bígua ( fe ita a e sco lh a , vig o ra rá ...), pois nào é bastante que o devedor faça a escolha. É preciso que a coisa seja colocada à disposição do credor. C onform e a sedim entada d o u trin a de W ashing ton de Barros M o n te iro , "não basta, absoluta­ m ente, que o devedor separe o p ro d u to para e n tre g á -lo ao credor. É m ister realize ainda a to positivo de co lo c á -lo à disposição deste. Só nesse caso ele se exonerará da obrigação, caso se v e rifiq u e a perda da coisa" ( C u rso de d ir e ito c iv il, 11. ed., São Paulo, Saraiva). • Feita a escolha ou concentração e dela c ien tific a d o o credor, a coisa deixa de ser incerta, tra n s fo rm an d o -s e a obrigação, a p a rtir dali, em obrigação de dar coisa certa, aplicando-se, p o rtan to , as regras da seção an terio r. • Nas hipóteses em que a escolha couber ao credor ou a terceiro, o "cientificad o da escolha" será o devedor.

JULGADO • "Processual civil. Recurso especial. Execução de obrigação de entregar coisa incerta. Escolha do devedor. Citação para entrega da coisa individualizada. Na execução de obrigação de entregar coisa incerta, cabendo a escolha ao devedor, este deverá ser citado para entregá-la individualiza­ da. Recurso especial conhecido e provido" (STJ, 3* T., REsp 7 0 1.1 50/SC, Rei. M in. Nancy Andrighi, j. em 1 5 -1 2 -2 0 0 5 ).

Art. 246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito.

Art. 247

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HISTÓRICO • 0 texto original do dispositivo em exame era o seguinte: “Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior, ou caso fo rtuito, salvo se se tra ta r de dívida genérica restrita". Durante a tram itação no Senado, por emenda do Senador Gabriel Hermes, foi suprimida a cláusula final, considerada imprecisa, além de aparentem ente contraditórias as qualificações "genérica" e "restrita", segundo o autor da emenda. A emenda trouxe de volta ao corpo do projeto a redação do art. 8 7 7 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A té o m o m en to da concentração, todos os riscos são suportados pelo devedor. Trata-se, aqui, da aplicação do velho princípio do d ire ito rom ano - g e n u s n u n q u a n p e rit, ou seja, o gênero nunca perece. Com o a coisa ainda não estava individualizada, a sua perda ou deterioração, ainda que por caso fo rtu ito ou força m aior, não apro veita ao devedor, vale dizer, a obrigação de e n tre g a r perm anece. Assim, se um fa zen d eiro se obrigou a e n tre g a r 10 (dez) sacas de m ilho e, antes da entrega, todas as sacas desse p rod uto existentes em sua fazenda venham a perecer, ainda estará ele obrigado a fa ze r a entrega, mesmo porque poderá o b te r em outra fazen d a, ou m esm o no com ércio, o m ilho prom etid o. A não ser que o gênero da obrigação seja lim ita d o . Digam os, v o lta n d o ao exem plo an te rio r, que o fazen d eiro tivesse se obrigado a e n tre g a r 10 (dez) sacas de m ilho de sua fazenda. A í sim, perecendo todas, a obrigação es­ ta ria resolvida. Por essa razão é que a redação original do a rtig o , ta l com o concebida por A gostinho de A rrud a A lvim , c o n tin h a a cláusula fin a l “salvo se se tra ta r de dívida genérica restrita", in fe lizm e n te suprim ida pelo Senado Federal. • Tam bém nào se com preende qual a razão de se haver m an tid o a expressão "antes da escolha", principiando o a rtig o , quando, desde o a n te p ro je to , já se havia corrigido equívoco sem elhan­ te contido no art. 8 7 6 do Código Civil de 1 9 1 6 - art. 2 4 5 do C C /2002. • Sobre o procedim ento para a entreg a de coisa incerta, v id e arts. 6 2 9 a 631 do CPC.

DIREITO PROJETADO • Acolhendo nossa sugestão, o Deputado Ricardo Fiuza, de saudosa mem ória, apresentou projeto de lei visando à alteração do dispositivo, o qual, uma vez aprovada a proposta pela Câmara dos De­ putados, passaria a redigir-se: "Art. 246. Antes de cientificado da escolha do credor, nào poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força m aior ou caso fortuito, salvo se o objeto da dívida foi lim itado" (PL n. 6.920/2002). • PL n. 69 9/2 0 1 1: A rt. 246. A n te s de c ie n tific a d o da escolha d o credor, n ã o p o d e rá o d e ve d o r a le g a r p e rd a o u de ­ te rio ra ç ã o da coisa, a in d a que p o r fo rç a m a io r o u coso fo rtu ito , sa lvo se se tr a ta r de d iv id a g e né rica lim ita d a e se e x tin g u ir to d a a espécie d e n tro da q u a l a p re sta çã o e stá com preendida.

C ap ítu lo II — DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER

Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exeqüível.

HISTÓRICO • 0 dispositivo em com ento nào foi subm etido a emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A atual redação corresponde ao art. 880 do Código Civil de 1916.

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DOUTRINA • D o r e fa z e r: A distinção e n tre as situações em que o conteúd o da prestação deb itó ria é um a coisa a e n tre g a r e aquelas em que é um fa to a realizar nem sem pre se apresenta estrem e de dúvidas. 0 a to de "dar" é um fa to . Q uando alguém se obriga a dar algo, está se obrigando ta m b é m a fazer. A verdade é que, no fu n d o , to da obrigação é um a prestação de fazer, com o bem coloca C arvalho de M end onça (M a n o e l Ignácio C arvalho de M end onça. D o u trin a e p r á tic a d a s o b rig a ç õ e s , 2. ed., v. 1, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1 9 12 , p. 2 0 8 ), pois mesmo a a tiv id a d e de “dar" ou "entregar", em ú ltim a análise, ainda pressupõe um c o m p o rtam en to , um "fazer" algum a coisa. M u ita s vezes a entreg a ainda requer fa ze r a própria coisa que deva ser e n treg u e. Nesses casos, a obrigação será de fa ze r sem pre que a essência da obrigação estiver na ativid ad e que deve ser realizada, e não na coisa a ser entregue. Se alguém enco­ m enda um bolo de noiva a um a fam osa co n feite ira , a obrigação será de fazer, ainda que pressuponha a posterior entreg a do m esm o. Todavia o elem en to prep o n d eran te é o facere. C onfeccionado o bolo, d e n tro das especificações contratadas, ocorreu a s o lu tio da obrigação, ainda que, por algum m otivo, não se dê a en treg a, com o, p. ex., se os noivos desistirem do casam ento e, por isso, não fo rem buscá-lo. Hipótese diversa é aquela em que alg u ém a d q u i­ re um bolo em um a doceria, ou m esm o o encom ende previam ente para buscá-lo no dia se­ g u in te . 0 elem en to p re p o n d eran te é o d a re , ainda que a en tre g a pressuponha a prévia confecção do bolo. Idêntica d iferenciação pode ser fe ita nas situações em que alguém enco­ m enda um quadro q u a lq u e r a um p in to r fam oso ou vem a adquirir um quadro que estava exposto no a te lie r do mesmo pintor. A obrigação será de fazer, no prim eiro caso, e de dar no segundo. N ão obstante a d ificu ld ad e em se fix a r os seus precisos contornos, é e x tre m a m e n ­ te im p o rta n te essa distinção e n tre prestações de coisas e prestações de fatos, sobretudo a fim de que possamos estabelecer os lim ites do poder do credor, a possibilidade ou nào de cu m ­ p rim en to da obrigação por terceiro e ainda a viab ilidade de sua transm issibilidade por suces­ são hereditária. • A regra geral é a de que a obrigação de fa ze r é fu n g ível, ou seja, pode ser executada pelo próprio devedor ou por terceiro à custa deste (art. 2 4 9 ), salvo quando a pessoa do devedor é eleita em atenção às qualidades que lhe sào próprias, quando, p. ex., se co n tra tam os serviços de um advogado de nom eada ou se encom enda d e te rm in a d o quadro a um p in to r célebre. D ir-s e -á nesses casos que a obrigação de fa ze r é in fu n g ível ou personalíssima. • O a rt. 2 4 7 delineia a principal distinção e n tre as obrigações de dar e re s titu ir e a obrigação de fa ze r personalíssima. Nos dois prim eiros casos, o devedor pode vir a ser fo rçado ao cu m ­ p rim en to da obrigação, ou seja, a e n tre g a r ou re s titu ir a coisa. N o te rceiro caso, nào. Se o devedor não cum pre a prestação a que se obrigou, a obrigação se resolve em perdas e danos, não havendo com o c o m p e li-lo a executar, ele mesmo, o que fo ra avençado. • Repugna aos princípios do d ire ito m oderno que o devedor seja fisicam ente coagido a cum prir a prestação a que se obrigou. O Código Civil arg e n tin o já estabelecia que o credor poderia exigir a execução forçada, desde que não implicasse violência c o n tra o devedor. 0 Código Civil francês, mais liberal, estabelece que to da obrigação de fa ze r e nào fa ze r, em caso de inexecuçào pelo devedor, resolve-se em perdas e danos (“art. 1142: Tou te obligatio n de fa ire ou ne pas fa ire se rêsout en dom m ages e t intérêts, en cas d 'inexécu tion de Ia p a rt du d ê b iteur"). • O b rig a ç õ e s d e p re s ta r d e c la ra ç ã o de v o n ta d e : As obrigações de fa ze r ta m b é m podem te r por objeto certos atos que nào im plicam na execução de q u a lq u e r tra b a lh o , nem no esforço f í ­ sico ou m ental do devedor, tais com o a obrigação de e m itir um a declaração de vo n tad e, de o u to rg a r um a procuração, de q u itar, de prestar fiança, a de refo rçar um a g a ra n tia , a de fo rm a r sociedade, a de renunciar certa herança etc. Ou seja, nem sem pre as obrigações de fa ze r terão por o b je to um a tu a r palpável do devedor. 0 objeto da prestação deb itó ria ta n to

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pode ser a prática de um a to físico, com o p in ta r um a casa, reparar um auto m óvel, com o a prática de um a to ju ríd ico . No c o n tra to de m andato , p. ex., o m a n d atário se obriga a p raticar um ou mais atos jurídicos em nom e do m andante. Na promessa de recom pensa, o devedor assume a obrigação de fa ze r o p rom etid o (CC, a rt. 8 5 4), ou seja, de p raticar um a to jurídico, consistente na recom pensa. Nesses casos, é irrelevante o dispêndio de energia requerido para a prática do ato. O im p o rta n te é a van ta g e m , o proveito que do a to resulta para o credor. Pois bem , quando o ob jeto da prestação consistir na prática de um a to ju ríd ico , o o rd e n a ­ m en to ju ríd ic o prevê, em algum as situações, um a fo rm a específica de execução, através da ação de adjudicação com pulsória, onde a sentença substitui o devedor, produzindo os mesmos efeitos da declaração sonegada. A v o n ta d e é declarada através de sentença ju d ic ia l. Com esteio nos arts. 6 3 9 e 641 do CPC, ou ainda com base em dispositivos análogos das Leis dos Juizados Especiais, estaduais e federais, o credor prom ove a execução específica da obrigação de fazer, o b te n d o de um terceiro (o Estado-Juiz) os mesmos resultados práticos buscados através da declaração de vo n tad e que deveria te r sido prestada pelo devedor inadim plente. A negativa deste é suprida pelo Estado, através de seus órgãos jurisdicionais, in d e p en d en te­ m ente de qualq u er a tu a r físico do devedor. Im p o rta n te ressaltar que essa possibilidade de substituição do devedor pelo Estado vai depender m u ito da natu reza da declaração p re te n ­ dida, se fu n g ív el ou in fu n g ível o o b je to da prestação. Incide aqui a regra geral de que a obrigação de fa ze r fu ngível pode ser executada pelo próprio devedor ou por te rceiro è custa deste (art. 2 4 9 , C C /2002), sendo que o "terceiro", no caso, será o “Estado-Juiz". Se a natureza da declaração p e rm itir a substituição, com o no caso de quem prom eteu dar qu itação e nào deu, a sentença ju d icial produzirá os mesmos efeitos do a to sonegado. 0 mesmo nào acon­ tece nas obrigações de fa ze r infungíveis. É o caso, p. ex., de quem prom eteu casar e nào casou, e que jam ais poderá ser casado por sentença. • C o n tra to p r e lim in a r d e c o m p ra e v e n d a de im ó v e is : N ão se pode fa la r aqui em obrigação de fa ze r, um a vez que o fa c e re não seria e lem en to prepon derante da obrigação. A obrigação, no sentido de um com plexo u n itário , c o n fo rm e expusem os no nosso com entário ao art. 2 3 3 , com posta de diversos atos concatenados de m odo a alcançar um fim d e term in ad o e a e x tin g u ir-se com a obten ção deste fim , sendo que este fito não é o u tro senão a plena satisfação dos interesses do credor (adim p lem en to ), som ente estará solucionada, no caso em tela, depois da e fe tiv a transferência do d om ín io , o que ocorrerá com a o utorga da escritura d e fin itiv a e subsequente registro. N inguém celebra um c o n tra to p re lim in a r de com pra e venda de imóvel se não fo r para adquirir o dom ínio. A v o n ta d e do devedor em obrigar-se a tra n s fe rir a pro­ priedade da res se to rn a irrevogável com a promessa, co m p letan d o -se com a o u to rg a da escritura d e fin itiv a . Esta é a ú ltim a fase ou o ú ltim o a to do processo obrigacional e x te rio rizado através do c o n tra to de promessa de com pra e venda de coisa im óvel. 0 elem en to pre­ p on deran te dessa relação obrigacional não é o "fazer", nào é "lavrar a escritura", e sim o “dar", "entregar" o bem , tra n s fe rin d o -lh e o dom ínio.

JULGADOS • "Agravo de Instrum ento. Conversão da obrigação de fazer em perdas e danos. Ações da Brasil Telecom. M u lta. 1. Carecem os agravantes de interesse processual para postular a nulidade da decisão recorrida (autorizando a conversão de obrigação de fazer em perdas e danos), ante au­ sência de prévia intim ação pessoal da Brasil Telecom para entrega das ações patrimoniais. Even­ tual inobservância do procedim ento não comprovada - cabe ser invocada apenas pela ré, pois eventual prejudicada. 2. Nos termos do art. 461, § 2o, do CPC, a conversão da obrigação de fazer em indenização dar-se-á sem prejuízo da m ulta já fixada na ação de conhecim ento, mas que nào foi estabelecida, na situação concreta. Portanto, se não cominada a penalidade, que visava ao cum prim ento im ediato da obrigação de fazer, descabida a imposição agora, porque perdeu o objeto. Autorizada a conversão da demanda em perdas e danos, tal procedimento obsta qualquer intu ito protelatório da devedora. Seguim ento negado" (TJRS, Agl 7 0 01 9106103, 12* Câm. Cível. Rei. Orlando Hermann Júnior, j. em 2 0 -4 -2 0 0 7 ).

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• "Processo Civil. Daçâo de imóveis em pagam ento de dívida contraída. Obrigação de fazer, e não de dar coisa certa. Conversão, por opção do autor, em perdas e danos. Possibilidade. Inteligência dos arts. 880 e 881 do CC/16, e 461, § 1o, do CPC. A obrigação, assumida pela construtora de um em preendim ento im obiliário, de rem unerar a proprietária do terreno m ediante a daçào em paga­ m ento de unidades ideais com área correspondente a 2 5 % do to ta l construído qualifica-se como obrigação de fazer, e nào como obrigação de dar coisa certa. Como conseqüência, o inadim plem ento dessa obrigação, representado pelo acréscimo de área ao imóvel sem o conhecim ento da proprietária e, consequentemente, sem que lhe tenha sido feito o correspondente pagam ento, dá lugar à incidência dos arts. 461, § 1o, do CPC, e 8 8 0 e 881, do CC/16, possibilitando a escolha, pelo credor, entre requerer o adim plem ento específico da obrigação ou a respectiva conversão em perdas e danos. A quitação, dada pelo credor m ediante escritura pública, da obrigação de daçáo em pagam ento de 2 5 % da área construída no imóvel, não pode abranger os acréscimos de áreas feitos posteriorm ente sem o conhecimento do credor. A interpretação da quitação, dada pelo Tribunal de origem, não pode ser revista nesta sede em função do que determ ina a Súmula 5/STJ. 0 pedido de 'declaração da reform ulação do projeto inicial’ de um edifício é declaração de fato, e não de relação jurídica, de form a que o seu não acolhim ento encontra-se em consonância com a regra do art. 4* do CPC. A form ulação de pedido sucessivo deve ser levada em consideração no m om ento da fixação dos honorários advocaticios. Recurso Especial da ré nào conhecido, e recur­ so especial do autor provido para o fim de restabelecer a sentença no que diz respeito aos hono­ rários advocaticios" (STJ, REsp 598.233/R S, Rei. M in. Antônio de Pádua Ribeiro; Relator para Acórdão Ministra Nancy Andrighi, DJ, 2 9 -8 -2 0 0 5 , p. 332). • "Apelação Cível. Obrigação de fazer. Inadim plem ento por culpa do devedor caracterizado. Inde­ nização por perdas e danos devida. Recurso desprovido. Nos termos da legislação civil, estando devidam ente comprovado que o não adim plem ento da obrigação de fazer deu-se por culpa do obrigado, subsiste em relação ao devedor a responsabilidade civil pelas perdas e danos decorren­ tes do descumprimento contratual" (TJSC, AC 2 0 0 3 .0 2 5 5 7 3 -7 , de Balneário Camboriú, Rei. Des. Salete Silva Sommariva, j. em 1 7 -8 -2 0 0 4 ). • "Contrato. Obrigação de outorgar escritura de compra e venda de imóvel financiado. Tendo o adquirente satisfeito todas as suas obrigações - pagam ento do preço e de prestações atrasadas do financiam ento - e faltando o alienante cum prir a transferência do financiam ento quando veio a falecer, resulta em beneficio do primeiro a quitação pelo seguro do saldo devedor do financia­ mento. Não tendo o adquirente dado causa a rescisão do contrato, impossível adm iti-la. Dever do espólio outorgar a escritura definitiva. Apelo provido, por maioria" (TACRS, AC 194.049.706, 9* Câm. Civel, Rei. Antônio Guilherme Tanger Jardim, j. em 2 6 -4 -1 9 9 4 ).

Art. 248. Se a prestação do fato tomar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos. HISTÓRICO • Este artigo não foi atingido por nenhum a espécie de modificação, seja da parte do Senado Fede­ ral, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Corres­ ponde ao art. 879 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A regra aqui é idêntica à que rege as obrigações de dar coisa certa. Inexistindo culpa do devedor, resolve-se a obrigação, retornand o-se ao s ta tu q u o a n te , sem que o credor tenha d ireito a qualq u er reparação, além da devolução do que e v en tu a lm e n te já houver pago. Se o devedor se houve com culpa, c o n trib u in d o para a im possibilidade da prestação, o credor fará jus, tam b ém , às perdas e danos.

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• M o r te d o d e v e d o r e su ce ssã o d a o b rig a ç ã o de fa z e r. C onstitui regra geral do d ire ito o b rig a­ cional que a obrigação não se e x tin g u e pela m o rte dos sujeitos, a tivo ou passivo. N ão é porque m orreu o credor que deve ser considerado e x tin to o crédito. A obrigação não desa­ parece com o passam ento do sujeito ativo, pois os direitos creditórios se tra n sm item por sucessão h e red itária. Pelas mesmas razões não há que fa la r em e x tin ção do d é b ito pela m orte do devedor. A obrigação pode subsistir m esm o depois da m orte do sujeito passivo. 0 princípio de que as obrigações passam aos herdeiros do devedor te m plena aplicação no to ca n te às obrigações de dar, mas não em relação às que consistem em fa ze r algum a coisa. Existem algum as dívidas que se e xtin g u em pela m orte do devedor. Se alguém p rom ete fa ze r alg u m a coisa, d e n tro de certo prazo, com o construir um prédio e, antes de vencido o prazo, m orre sem tê -lo fe ito , essa obrigação nào se tra n s m ite a seus herdeiros, que nào poderão ser forçados a realizar a obra ou a c o n tra ta r os pedreiros para fa z ê -lo . Fosse assim, chegaríam os ao paroxism o de im aginar que, falecend o o e m p re ite iro sem deixar herdeiros, ficaria o Poder Público, com o destin atário fin a l dos bens vacantes, com pelido à realização da prestação. Isso porque estabelece o art. 2 4 8 do C C /2 0 0 2 que, "se a prestação do fa to to rn ar-s e impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos". Ou seja, inexistindo culpa do devedor, resolve-se a obrigação, retornand o-se ao s ta tu q u o a n te , sem que o credor ten h a d ire ito a q u a lq u e r reparação, além da devolução do que ev en tu a lm e n te já houver pago. O ra, com a m orte do devedor, a prestação to rn a-se impossí­ vel, a n te a im possibilidade de com pelir o herdeiro a fa ze r aquilo que som ente com petia ao de c u ju s (im possibilidade subjetiva superveniente). Sobre o te m a v id e nosso “Intransm issibilidade, c a u s a m o rtis , das obrigações de prestação de fato ". In: DELGADO, M á rio Luiz e FI­ GUEIREDO, Jones (coord.) Q u e stõ e s C o n tro v e rtid a s n o C ó d ig o C iv il v. 4 - O brigações e Contratos, Sào Paulo: M é to d o , 2 0 0 5 .

JULGADOS • "Contrato - Indenização e cobrança - Inadim plem ento de contrato de obrigação de construção, outras avenças e confissão de dívida - Ação ajuizada contra o espólio de cessionário, que se obrigou, em vida, a construção de um prédio de apartam entos - Substituição do Espólio por um dos herdeiros no polo passivo que, na partilha, realizada ’a posteriori’, se obrigou pessoalmente a resgatar o valor da cessão perante os cedentes - Ação julgada parcialm ente procedente para condenar o réu (herdeiro) nas cominações contratuais - Obrigação de fazer que se impossibilitou pela morte do devedor - Aplicação do art. 879 do Código Civil de 1916 - Retorno ao ‘statu quo ante* - Obrigação apenas do pagamento, pelo herdeiro, do valor assumido pela cessão e nào das demais cominações contratuais - Apelação do réu provido em parte e improvidos seus agravos retidos - Prejudicado o recurso adesivo ofertado pelos autores" (TJSP, AC 2 8 4 .4 4 0 .4 /5 -0 0 , Rei. Des. Carlos Roberto Gonçalves, j. em 2 3 -9 -2 0 0 3 ). • "Cumprim ento de obrigação de fazer - Cessão de direitos a imóvel hipotecado - M o rte do deve­ dor - Transferência de financiam ento - Impossibilidade de cum prim ento do contrato. Ação de o b rig a çã o de fazer. Outorga de escritura definitiva. Instrum ento particular de promessa de cessão de direitos aquisitivos. Financiamento hipotecário. M o rte do de ved o r principal. Não tendo a prom itente cessionária providenciado a transferência do financiam ento hipotecário para o seu nome, falecido o de ved o r principal, o gravam e foi cancelado em razão do óbito ocorrido. Não cumprida a sua prestação relativa à transferência do financiam ento hipotecário não pode a prom itente cessionária exigir a conclusão do contrato. Sentença de improcedência. Desprovimento do recur­ so" (TJRJ, AC 2 0 02 .001.25977, Rei. Des. Edson Scisinio, j. em 1 6 -5 -2 0 0 3 ). • Em s e n tid o c o n trá rio : "Civil. Recurso especial. Obrigação de construtor/em preiteiro. Natureza da obrigação. M orte do construtor/em preiteiro. Transmissão da obrigação aos herdeiros e sucessores. Dependência do objeto do contrato - Quando o que mais im porta para a obra é que seja feita exclusivamente por determ inado em preiteiro ou construtor, a obrigação desse é personalíssima e não se transm ite aos seus herdeiros e sucessores, conform e dispunha o art. 878 do CC/1916 e agora dispõe a segunda parte do art. 6 2 6 do CC/2002 - Quando na contratação de uma obra o

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fa to r pessoal das habilidades técnicas do em preiteiro ou construtor nâo é decisivo para a contra­ tação, a obrigação desse não é personalíssima e, por isso, transm ite-se aos seus herdeiros e suces­ sores, nos termos do art. 9 2 8 do CC/1916 e da primeira parte do art. 6 2 6 do CC/2002 - Em regra, a obrigação do em preiteiro ou construtor não é personalíssima, porquanto a obra pode ser exe­ cutada por várias pessoas, como ocorre em geral, a exemplo das obras feitas m ediante concorrên­ cia pública com a participação de várias construtoras e das pequenas construções feitas m edian­ te a escolha do em preiteiro que oferecer o menor preço - Na presente hipótese, com a m orte do construtor, a sua obrigação transm itiu-se aos seus herdeiros, pois a obra não demandava habili­ dades técnicas exclusivas do falecido. Recurso especial provido1' (STJ, REsp 703.244/SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 1 5 -4 -2 0 0 8 ).

Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível. Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autori­ zação judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido.

HISTÓRICO • 0 dispositivo em destaque não foi alvo de nenhum a espécie de alteração, seja por parte do Sena­ do Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, durante a tram itação final do projeto. Cor­ responde ao art. 881 do CC de 1916, com acréscimo de parágrafo único, no qual se prevê a exe­ cução direta das obrigações pelo credor.

DOUTRINA • Se a obrigação de fa ze r não é daquelas que só o devedor pode execu tar (obrigação in fu n g ível), e havendo recusa pelo devedor, pode o credor o p ta r e n tre m an d ar execu tar a obrigação por terceiro, è custa do devedor, ou sim plesm ente receber perdas e danos. • A característica de fu n g ib ilid a d e ou in fu n g ib ilid ad e da obrigação de fa ze r te m especial rele­ vância na execução judicial do crédito, quand o ocorrer o inadim plem ento culposo do devedor. Se infu ngível a obrigação, cabe ao credor postular apenas as perdas e danos, além da devo­ lução do que houver pago. Se fu n g ível, poderá o p ta r e n tre as perdas e danos ou a execução da prestação por terceiro, à custa do devedor. • 0 p arág rafo único inova de m aneira substancial o d ireito a n te rio r ao p e rm itir que o credor, em caso de urgência, realize ou m ande realizar a prestação, in d e p en d en tem en te de a u to ri­ zação ju d ic ia l. Trata-se, segundo Á lvaro V illaça Azevedo, de “princípio salu tar de realização de justiça pelas próprias mãos do lesado, pois a intervenção do Poder Judiciário retardaria, m u ito , a realização do seu direito" ( T e o ria g e ra l d a s o b rig a ç õ e s , cit., p. 74). • Os eventuais abusos que possam vir a ser praticados pelo credor serão coibidos e reparados através da c o m p eten te ação de perdas e danos. • V id e arts. 6 3 2 a 641 e ainda a rt. 461 do CPC.

JULGADOS • "Prestação de serviços. Obrigação de fazer. 1. 0 contrato deve ser interpretado de form a a pres­ tigiar a livre e soberana m anifestação de vontades celebrada entre as partes, prevalecendo a regra do p a c ta s u n t servanda, devendo cada uma das partes envolvidas no litígio arcar com a responsabilidade assumida no acordo de vontades, sob pena de enriquecim ento indevido. 2. A fixação da verba honorária se deu com observância dos princípios da razoabilidade e moderação,

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de sorte a garantir condigna e justa rem uneração do advogado da parte vencedora. Sentença m antida. Recursos improvidos" (TJSP, Apelação 9 9 0 .0 9 .2 5 1 1 9 9 -8 , Rei. Des. Felipe Ferreira, j. em 4 -1 1 -2 0 0 9 ). • “Apelação Civel. Ação Ordinária de obrigação de fazer. Pedido de informações. SPC. Demanda inapropriada para o pedido. Falta de interesse processual. Ausência de condições da ação. Senten­ ça m antida. Recurso desprovido. A execução da obrigação de fazer, caso o devedor não a satisfa­ ça voluntariam ente, pode ser executada por terceiro ou ser resolvida em perdas e danos, nos termos do que dispõem os arts. 247 e 249 do CC de 2002 e o art. 633 do CPC" (TJSC, AC 2003.0125760, Rei. Des. M azoni Ferreira, DJSC, 1°-9 -2 0 04 , p. 16).

C ap ítu lo III — DAS OBRIGAÇÕES DE NÃO FAZER

Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe tome impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar.

HISTÓRICO • 0 art. 2 5 0 nào serviu de palco a nenhuma alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Tal redação, na ver­ dade, corresponde ao art. 882 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A obrigação de não fa ze r pode resultar da lei (relações de vizinhança, servidões etc.), de sentença ou de convenção das partes. Em qualq u er dessas hipóteses, se o a to é praticado inexistindo culpa do devedor, resolve-se a obrigação, re to rn a n d o -s e ao s ta tu q u o a n te . Se houver culpa, o credor fará jus a perdas e danos. Em am bos os casos, fica o devedor obrigado a devolver o que haja recebido para que o a to não se realize.

JULGADOS • "Agravo retido. Embargos de declaração. Caráter protelatório reconhecido. Suspensão do prazo para interposição de recurso. Ocorrência. Parcial provim ento. Obrigação de não fazer. Marcas e patentes. Concorrência desleal. Utilização e comercialização de produtos ou serviços com o mes­ mo nome comercial de sociedade registrada. Ato capaz de estabelecer confusão do consumidor, com desvio de clientela. Abstenção determ inada. Sentença de procedência m antida. Recurso improvido" (TJSP, Ap. 9 9 1.0 7 .09 5 8 24 /4 , Rei. Des. Caetano Lagrasta, j. em 3 1 -3 -2 0 1 0 ). • "Apelação Civel. Execução de obrigação de nào fazer. Termo de ajustam ento de conduta. Título executivo extrajudicial. 0 term o de ajustam ento de conduta firm ado pelo M inistério Público e terceiro, é títu lo executivo extrajudicial, por força do disposto no art. 5o, § 6o, da Lei n. 7.347/85. Desta form a, não é cabível a sua extinção por falta de interesse do exequente. Apelação provida" (TJRS, AC 7.001.6392.862, 21* Câm. Civel, Rei. M arco Aurélio Heinz. j. em 1 3 -1 2 -2 0 0 6 ).

Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos. Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer, independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido.

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Art. 252

HISTÓRICO • 0 dispositivo em análise nâo foi objeto de emenda pelo Senado Federal nem pela Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. Tratou-se de repetir o art. 883 do Código Civil de 1916, eom o acréscimo do parágrafo único, em que, à semelhança do art. 249, se previu o desfazimento do ato m o tu p ro p rio pelo credor.

DOUTRINA • C on form e já afirm a m o s a n te rio rm e n te , a regra geral é a de que não se pode com pelir fisica­ m en te o devedor a desfazer o a to . Com o o interesse social e a própria segurança jurídica exigem o cu m p rim e n to da obrigação, p e rm ite o Código seja o a to desfeito pelo próprio credor ou por terceiro, à custa do devedor. • 0 Código a tu a l avança em relação ao de 1916, perm itind o no p arág rafo único que, em casos de urgência, o credor prom ova esse desfazim ento in d ependentem en te de auto rização jud icial. C om en tando sobre essa possibilidade ainda à luz do d ire ito an terio r, Beviláqua, c itad o por C arvalho Santos, era co n trá rio a essa possibilidade a firm a n d o “que o credor nâo poderá fazer por au to rid ad e própria, porque seria um a fo n te de abusos e um a anarquia im própria de um a legislação sistem atizada". E que “m esm o nos casos de urgência e perigo, não ê lícito fa ze r justiça com as próprias mãos, isto porque, em regra, a lei fo rn ece meios e m edidas p re v en ti­ vas dos quais poderá lançar m ão o credor, para e v ita r q u a lq u e r dano. Por onde se vê que, em hipótese algum a, p o d er-se-á a d m itir que o próprio credor aja sem estar au to riza d o pelo juiz" (J. M . de C arvalho Santos, C ó d ig o C iv il b ra s ile iro in te rp re ta d o , cit., p. 9 2 -3 ). A controvérsia resta agora d e fin itiv a m e n te superada com o advento do Código Civil de 2 0 0 2 , com grande v a n tag em para as partes, ao se evitar, nos casos de urgência, a in tervenção do Judiciário. Os eventuais abusos que possam v ir a ser praticados pelo credor serão coibidos e reparados por m eio da co m p e te n te ação de perdas e danos. • D eve-se ressaltar, no e n ta n to , que essa tu te la específica e excepcional prevista no p arágrafo único não poderá a tin g ir situações já consolidadas, devendo ser utilizad a com parcim ônia. É claro que o credor da obrigação negativa de nào construção de um prédio que já está pron­ to não poderá p ro m o ve r-lh e d ire ta m e n te a dem olição.

C ap ítu lo IV — DAS OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS

Art. 252. Nas obrigações alternativas, a escolha cabe ao devedor, se outra coisa não se estipulou. § Não pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte em outra. § 2- Quando a obrigação for de prestações periódicas, a faculdade de opção poderá ser exercida em cada período. § 3? No caso de pluralidade de optantes, não havendo acordo unânime entre eles, de­ cidirá o juiz, findo o prazo por este assinado para a deliberação. § 4? Se o título deferir a opção a terceiro, e este não quiser, ou não puder exercê-la, caberá ao juiz a escolha se não houver acordo entre as partes. HISTÓRICO • Este dispositivo não foi atingido por nenhuma espécie de modificação, quer por iniciativa do

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Senado Federal, ou da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Repetiu-se o art. 8 8 4 do Código Civil de 1916, com acréscimo dos §§ 3® e 4®.

DOUTRINA • O b rig a ç ã o a lte r n a tiv a : Diz-se a lte rn a tiv a a obrigação quand o c o m p o rta r duas prestações, distintas e independentes, e x tin g u in d o -s e a obrigação pelo cu m p rim e n to de qualq u er um a delas, ficando a escolha em regra com o devedor e excepcionalm ente com o credor. • A obrigação a lte rn a tiv a pode decorrer da lei ou da vo n tad e das partes. Com o exem plos de obrigação a lte rn a tiv a criada por lei, podem os c ita r o legado a lte rn a tiv o (art. 1 .932) e os a li­ m entos contem plados no a rt. 1.701, segundo o qual o a lim e n ta n te pode o p ta r e n tre pensio­ nar ou fo rn ecer casa, hospedagem e sustento ao alim en tan d o . • Sobre a decadência do d ire ito de escolha pelo devedor, v id e art. 571 do CPC. • Após a escolha, que é irrevogável, salvo disposição em c o n trá rio da lei ou do c o n tra to , transm ud a-se de a lte rn a tiv a em simples a obrigação. A prestação, que era m ú ltip la , passa a ser um a só. • A escolha ou concentração é um d ire ito potestativo, mas deve ser exercido em consonância com os princípios fu n d a m e n ta is do d ire ito c o n tra tu a l. Se a opção fo r exercida de fo rm a m a n ife s ta m e n te iníqua, tend o em vista apenas causar prejuízo à o u tra parte, config ura a b u ­ so de d ire ito , p o rtan to , a to ilícito. • Cabendo ao devedor a escolha, nào poderá ele o brigar o credor a receber parte em um a prestação e parte em outra (§ 1°). Cabendo a escolha ao credor, nesse caso por disposição c o n tra tu a l expressa, nào poderá ele exigir do devedor que pague um a parcela de um a pres­ tação e um pedaço da o u tra. • Nas obrigações de prestações periódicas, o titu la r do d ire ito potestativo de escolher a pres­ tação poderá ex erc ê -lo em cada período (§ 2 a). • 0 Código v ig e n te inova o d ireito a n te rio r (art. 8 8 4 do C C /1916) com o acréscim o dos §§ 3° e 4®. 0 § 3® tra ta da pluralidade de optantes, prevendo que, "não havendo acordo unânim e e n tre eles, decidirá o ju iz, fin d o o prazo por este assinado para a deliberação". Alguns autores contestam essa solução, sustentando que deveria prevalecer a vo n tad e da m aioria, q u a lific a ­ da pelo v a lo r das respectivas q u o tas-p artes (cf. Sílvio de Salvo Venosa, D ire ito c iv il, São Paulo, Atlas, 2 0 0 1 , v. 2, p. 106). • 0 § 4° tra ta da hipótese de opção d eferid a a terceiro, dispondo que se "este nào quiser ou não puder exercê-la, caberá ao ju iz a escolha se não houver acordo e n tre as partes". Ou seja, no caso de recusa ou im possibilidade do terceiro, a escolha é transferida ao ju iz , p erm ane­ cendo íntegro o vínculo obrigacional. No Código a n te rio r haveria a nulidade da obrigação, vez que a atuação do terceiro era condição essencial ao a to ju ríd ico . A não atu ação do te r­ ceiro na eleição, segundo o Código Civil de 1916, fazia com que não se com pletasse a o b ri­ gação, por inexistência de um de seus elem entos essenciais, decorrendo daí sua nulidade. Nesse aspecto, andou m uito bem o Código a tu a l, desvinculando a questão da atu ação do terceiro da própria validade da obrigação a ltern ativa. • 0 terceiro, a té pela denom inação, não é sujeito da obrigação, mas sim m a n d atário ou repre­ sentante dos interessados. • N ào se confunda obrigação a lte rn a tiv a com obrigação fa c u lta tiv a . Nesta a prestação é um a só, mas o devedor te m a fa c u ld ad e de liberar-se realizando prestação diversa. Ou seja, só existe um ob jeto no vínculo (/V? o b lig a tio n e ), o que im plica dizer que o credor pode exigir apenas um a prestação do devedor. M as este, na hora do a d im p lem en to , te m o d ire ito de se

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Art. 252

liberar da obrigação pagando o u tra coisa [in fa c u lta te s o lu tio n is ). A questão é bem explica­ da por W ashing ton de Barros M o n te iro : "Dessa diferença principal resultam várias conse­ qüências práticas: ao exigir o cu m p rim e n to ju d ic ia l de obrigação a lte rn a tiv a o credor deve pedir, d isjuntivam ente, com o já se salientou, um a ou o u tra prestação, com liberdade para o devedor de solver ou e n tre g a r qualq u er delas (quando a escolha lhe com petir); se se tra ta r, porém , de obrigação fa c u lta tiv a , ele só poderá reclam ar o objeto in o b lig a tio n e , ressalvando-se ao devedor o d ireito de s u b s titu í-lo pelo que se ache in fa c u lta te s o lu tio n is ” ( C u rso de d ir e ito c iv il, v. 4, a tu a liza d o por Carlos A lb e rto D a b u s M a lu f.S à o Paulo, Saraiva, 2 0 0 3 , p. 131). Na obrigação a lte rn a tiv a , o perecim ento de um a das prestações, por caso fo rtu ito ou força m aior, nào a tin g e a relação obrigacional, que to rn a-s e simples (art. 2 5 3). Na obrigação fa ­ c u lta tiv a , o perecim ento da prestação que se acha in o b lig a tio n e , por caso fo rtu ito ou força m aior, e x tin g u e a obrigação. E n tretan to , o perecim ento da prestação in fa c u lta te s o lu tio n is apenas priva o devedor da faculdade, restando integra a obrigação. • Para José Fernando Sim ão, "a obrigação do consignatário decorrente do C o n trato E stim ató rio (CC, arts. 5 3 4 a 5 3 7) é um típ ico exem p lo de obrigação fa c u lta tiv a , pois há apenas um objeto no vín cu lo (d in heiro - in o b lig a tio n e ) e o u tro que surge no p agam ento [in fa c u lta te s o lu tio n is )” . Seguem essa linha de e n te n d im e n to Á lvaro V illaça A zevedo, M a ria Helena Diniz, Sílvio Venosa e A rnaldo Rizzardo. A questão, no e n ta n to , é das mais controvertidas. Segundo Paulo Luiz N e tto Lôbo, "o consignatário contrai dívida e obrigação a lte rn a tiv a" (Do c o n tra to estim atório e suas vicissitudes, in Q u e stõ e s C o n tro v e rtid a s n o n o v o C ó d ig o C ivil, M á rio Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves (co o rd sj, Sào Paulo, M é to d o , 2 0 0 4 , p. 3 2 7 ). Assim ta m b é m en ten d em Flávio Tartuce, Caio M á rio da Silva Pereira e W ald irio B ulgarelli. (Sobre a polêm ica consulte: "A/o c o n tr a to e s tim a tó rio , a o b rig a ç ã o q u e te m o c o n s ig n a tá rio d e d e v o lv e r o bem q u e lh e f o i e n tre g u e em c o n s ig n a ç ã o o u p a g a r o p re ç o , é fa c u lta tiv a o u a lte rn a tiv a ? ” , dis­ ponível em : h ttp ://w w w .in te llig e n tia ju rid ic a .c o m .b r/o ld -ju lh o 2 0 0 5 /b a te b o c a .p h p , acesso em 12 de m aio de 2 0 07 .)

JULGADOS • “Ação m onitoria. Notas promissórias prescritas. Obrigação alternativa. M á -fé . 1. Tendo o devedor escolhido uma das form as alternativas de cum prim ento do contrato, não pode a credora lhe exigir o cum prim ento de form a diversa. Inteligência do art. 8 8 4 do CC/16, vigente à época dos fa to s. 2. L itig ância de m á -fé c o n fig u ra d a . N egaram p ro v im e n to à apelação" (TJRS, AC 7 0 .0 0 4 .0 0 4 .4 4 6 ,1 9 * Câm. Cível, Rei. José Francisco Pellegrini, j. em 2 7 -3 -2 0 0 7 ). • "Apelação Cível. Ação de cobrança. Obrigações alternativas. Possibilidade de a sentença facultar ao devedor qual das obrigações prefere adim plir, desde que nào exista acordo que afaste a inci­ dência do art. 252 do Código Civil. A escolha, nas obrigações alternativas, cabe ao devedor, se outra coisa não foi estipulada; caso dos autos. Correta a sentença, portanto, que dá ao réu a fa ­ culdade de optar pelo pagam ento de quantia ou entrega de coisas, dando-lhe prazo para tanto. Correção m onetária. Termo inicial da incidência. Sentença reformada. A correção do valor da parte pecuniária da obrigação alternativa deve ser corrigido desde a data posta no docum ento que dá conta da existência do débito, porque desde lá o valor cru sofreu aviltam ento frente à desvalorização da moeda. Distribuição dos ônus sucumbenciais. Sucumbência reciproca. Divisão dos encargos. Apelação parcialm ente provida" (TJRS, AC 7.001.6471.898, 9 a Câm. Civel, Rei. M a rilene Bonzanini Bernardi, j. em 2 0 -1 2 -2 0 0 6 ). • "Direito comercial. Falência. Pedido de restituição de dinheiro. Alienação de mercadorias recebidas em consignação antes da quebra. Contabilização indevida pela falida do valor equivalente às mercadorias. Dever da massa restituir ou as mercadorias ou o equivalente em dinheiro. Súmula 417 do STF. 0 que caracteriza o contrato de venda em consignação, tam bém denom inado pela doutrina e pelo atual Código Civil (arts. 534 a 537) de contrato estim atório, é que (i) a proprieda­ de da coisa entregue para venda não é transferida ao consignatário e que, após recebida a coisa, o consignatário assume uma obrigação alternativa de restituir a coisa ou pagar o preço dela ao

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consignante. Os riscos são do consignatário, que suporta a perda ou deterioração da coisa, não se exonerando da obrigação de pagar o preço, ainda que a restituição se impossibilite sem culpa sua. Se o consignatário vendeu as mercadorias entregues antes da decretação da sua falência e recebeu o dinheiro da venda, inclusive contabilizando-o indevidam ente, deve devolver o valor devidam en­ te corrigido ao consignante. Incidência da Súmula 417 do STF. A arrecadação da coisa não é fa to r de obstaculização do pedido de restituição em dinheiro quando a alienação da mercadoria é feita pelo comerciante anteriorm ente à decretação da sua quebra. Recurso especial ao qual se nega provimento" (REsp 710.658/RJ, 3*T., Rei. M in. Nancy Andrighi, j. em 6 -9 -2 0 0 5 ). • "Processo civil. Ação de cobrança. Instrum ento de confissão de divida. Quitação parcial da obri­ gação. Ausência de comprovação. Escolha da obrigação alternativa a ser exercida por ocasião da execução. 1. Cabe ao réu o ônus de com provar a quitação parcial da obrigação representada pelos contratos de confissão de divida acostados aos autos pelo autor. Se não ju n ta documentos sufi­ cientes para tanto, mister é a procedência do pedido form ulado na ação de cobrança. 2. Nào merece reform a a r. sentença que assegura ao réu o direito de escolha da obrigação alternativa entabulada, a ser exercida por ocasião da execução" (TJDF, AC 2 0 01 .0 1 .1 .0 3 7 6 6 1 -0 , Rei. Des. Vasquez Cruxên, DJU, 2 7 -8 -2 0 0 3 , p. 43).

Art. 253. Se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou se tomada inexequível, subsistirá o débito quanto à outra. HISTÓRICO • 0 dispositivo sob análise não foi alvo de nenhum a espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto, salvo no tocante a pequena correção gram atical no verbo "tornar". Trata-se de mera repetição do art. 885 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Se cabia ao devedor a escolha e um a das prestações se im possibilita, q u e r a im possibilidade seja n a tu ra l ou ju ríd ica, quer o devedor ten h a agido ou não com culpa, a solução será um a só: a obrigação ficará concentrada na prestação rem anescente, in d ife re n te m e n te de m a n i­ festação do credor. A solução é a mesma dada pelo Código Civil francês: “A rt. 1.193: L'obligation a lte rn a tiv e devien t pure e t sim ple, si l'une des choses promises périt e t ne p e u t plus être livrée, m êm e par Ia fa u te du débiteur". • Se a escolha era do credor e não houve culpa do devedor, a solução é a mesm a. Se, porém , tiv e r havido culpa do devedor, na im possibilidade de um a das prestações, pode o credor o p ta r e n tre receber a prestação rem anescente ou o e q u ivalen te em d inh eiro da que se im ­ possibilitou, acrescido de perdas e danos (v. a rt. 2 5 5 , 1* parte). • N ào obstante o artig o em com ento fa le em "um a das duas prestações", a a lte rn a tiv id a d e pode se re fe rir a mais de duas prestações, com o na hipótese em que, ao devedor "A", é a trib u íd a a a lte rn a tiv a de escolher pagar a dívida que tem para com o credor “B" de três fo rm as diversas: em pecúnia, m ed ian te a daçào em p agam ento de um bem ou m ediante a prestação de um serviço. É a cham ada obrigação a lte rn a tiv a m ú ltip la.

Art. 254. Se, por culpa do devedor, não se puder cumprir nenhuma das prestações, não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o valor da que por último se impossibilitou, mais as perdas e danos que o caso determinar.

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Arts. 255 e 256

HISTÓRICO • O artigo em destaque nâo serviu de palco a nenhuma alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Tal redação, na verdade, é mera repetição do art. 8 8 6 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração.

DOUTRINA • Se houver culpa do devedor, d ian te da im possibilidade de todas as prestações, e couber a ele a escolha, a solução encontrada pelo legislador fo i a de o b rig á -lo a pagar a que por ú ltim o se im possibilitou, mais perdas e danos. Com o ensina P othier, nesse caso o devedor perde o d ireito de escolher, porque com a extinção da prim eira prestação ficou devendo o b rig a to ria ­ m ente a segunda, já a única devida, de m odo que, to rn an d o -s e ta m b é m esta impossível, só por ela deve responder o devedor (cf. T ra ta d o d a s o b rig a ç õ e s , cit., p. 204). • Sem pre que houver culpa, haverá perdas e danos.

Art. 255. Quando a escolha couber ao credor e uma das prestações tornar-se impossível por culpa do devedor, o credor terá direito de exigir a prestação subsistente ou o valor da outra, com perdas e danos; se, por culpa do devedor, ambas as prestações se tomarem inexequíveis, poderá o credor reclamar o valor de qualquer das duas, além da indenização por perdas e danos.

HISTÓRICO • O presente artigo nào foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação atual é a mesma do art. 887 do Código Civil de 1916, com pequena m elhoria redacional.

DOUTRINA • Se a escolha couber ao credor, pode ele exigir o valo r em dinh eiro de qualq u er das prestações que se im possibilitaram , além de perdas e danos. N ào fosse assim, e s ta r-s e-ia subtraindo ao credor o d ire ito de escolha, quando, na verdade, o credor só poderá fic a r privado desse d ire i­ to por um fa to decorrente de caso fo rtu ito ou força m aior, ja m a is por a to culposo do deve­ dor, que poderia, prop ositadam ente, fa z e r perecer a prestação mais valiosa, no in tu ito de causar prejuízo ao credor.

Art. 256. Se todas as prestações se tomarem impossíveis sem culpa do devedor, extinguir-se-á a obrigação.

HISTÓRICO • 0 dispositivo em análise não foi atingido por nenhuma espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do pro­ jeto . Trata-se de mera repetição do art. 8 8 8 do Código Civil de 1916, com pequena m elhoria re­ dacional.

DOUTRINA • A o b rig a ç ã o se ex au re por fa lta de o b je to , desde q ue não te n h a havido cu lp a do devedor ou do cred o r. É a ch a m a d a “im possibilidade in o cen te". D espiciendo ressaltar q ue o d e v e ­

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d o r estará o b rig a d o a re s titu ir o q u e h o u v e r recebido pelas prestações q ue se im possibi­ lita re m . • Se, no e n ta n to , tiv e r havido culpa do credor, este terá de indenizar o devedor pelo v a lo r de um a das prestações. E a razão é óbvia, com o diz C arvalho Santos: “o devedor estava o b rig a ­ do a e fe tu a r um a só das prestações, em bora a escolha fosse fe ita e n tre duas ou mais, de sorte que o desaparecim ento de am bas as coisas, por culpa do credor, im porta para o devedor em desfalque de seu patrim ô n io , que precisa ser indenizado; ele perdeu a coisa que ficaria em seu poder, depois de fe ita a escolha e satisfeita a obrigação com a en tre g a da que fo ra escolhida" (C ó d ig o C iv il b ra s ile iro in te rp re ta d o , cit., p. 132).

C apítulo V — DAS OBRIGAÇÕES DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS Art. 257. Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou devedores. HISTÓRICO • Este dispositivo não foi alvo de nenhum a espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 8 9 0 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • O b rig a ç ã o d iv is ív e l: São divisíveis as obrigações cujas prestações podem ser cum pridas par­ c ialm e n te e em que cada um dos devedores só estará obrigado a pagar a sua parte da divida, assim com o cada credor só poderá exigir a sua porção do crédito. D ife re n tem e n te do que ocorre com as obrigações alternativas, aqui a prestação é um a só. A pluralidade é dos sujeitos da obrigação. • Se houver um só credor e um só devedor, a obrigação será sem pre indivisível, já que nem o credor estaria obrigado a receber pagam entos parciais, nem o devedor estaria com pelido a fazê-lo s. Nesse sentido dispunha o art. 8 8 9 do Código Civil de 1916.

JDLGADOS • “Ação de consignação em pagam ento. Locação de imóveis. Depósito. Parcelas. Inadmissibilidade. Aspira o Agravante exonerar-se da obrigação de form a fragm entada, o que foi acertadam ente rejeitado pelo r. Juízo de Direito "a quo", porque a Agravada não pode ser compelida a receber prestação diversa da devida, nem em partes, se assim não se convencionou, ainda que divisível possa ser a obrigação. 0 artigo 7 4 5 -A do Código de Processo Civil, que autoriza o parcelamento de crédito em execução ajuizada, não tem a aplicação estendida como pretende o Agravante, porque nenhum dos seus pressupostos pode ser vislumbrado no caso concreto. Parcelamento e prestação periódica são coisas a b s o lu ta m e n te d istin tas. A gravo nào provido" (TJSP, Ag 9 9 2 0 9 0 4 4 2 2 6 0 , Rei. Des. Irineu Pedrotti, j. em 1 7 -8 -2 0 0 9 ). • "Direito civil. Alienação de imóvel. Pagamento a um dentre os vários credores. Inexistência de solidariedade. Pagam ento errôneo que não quita a obrigação. Resolução do negócio jurídico por culpa e retorno ao 'status quo ante*. A solidariedade não se presume (art. 265, CC/2002). Ao con­ trário, havendo mais de um credor, ou devedor, em obrigação divisível, esta se divide entre tantas obrigações, iguais e distintas, quanto os credores ou devedores. 0 devedor de obrigação divisível,

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Art. 258

nâo havendo solidariedade, deve cuidar para que o pagam ento seja feito a todos os credores. Feito a apenas um deles, deve ser verificado se este tem poderes para dar quitação em nome dos demais. Se o pagam ento é fe ito a quem nâo é credor único nem tem poderes para representar os demais credores, há negligência do devedor, podendo haver resolução do negócio jurídico com o retorno das partes ao 'status quo ante'. Recurso Especial nâo conhecido" (REsp 868.556/M S , 3* T., Rei. M in. Nancy Andrighi, j. em 5-11 -2 0 0 8). • "Embargos de devedor. Solidariedade. Obrigação divisível. A decisão no processo de conhecim en­ to apenas condenou as rés ao pagam ento de quantia em dinheiro. Nâo é possível presumir a so­ lidariedade, esta resulta da lei ou do contrato. Obrigação em dinheiro é sempre divisível. Recurso provido" (TJRS, Recurso Civel 71.000.892.794, 2* Turma Recursal Civel, Turmas Recursais, Rei. Eduardo Kraemer, j. em 3 -5 -2 0 0 6 ).

Art. 258. A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de ordem econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico. HISTÓRICO • Este artigo nâo serviu de palco a nenhum a alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. Nâo há artigo corres­ pondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • O b rig a ç ã o in d iv is ív e l: Diz-se indivisível a obrigação caracterizada pela im possibilidade n a tu ­ ral ou ju ríd ic a de fra c io n a r a prestação, na qual cada devedor é obrigado pela to ta lid ad e da prestação e cada credor só pode e x ig i-la por inteiro. 0 conceito, inexistente no Código Civil de 1916, já estava presente no Código Civil francês: “A rt. 1 .21 8 : L’o b lig atio n est indivisible, quo ique Ia chose ou le fa it qui en est Fobjet soit divisible par sa nature, si le rap p o rt sous lequel elle est considérée dans 1'obligation ne Ia rend passusceptible d ’exécutio n partielle". • 0 Código a tu al inova o d ire ito an te rio r, nào som ente pelo acréscim o do conceito de o b rig a­ ção indivisível, com o sobretudo por deixar claro que a indivisibilidade não decorre apenas da natu reza da prestação (indivisibilidade física) ou da lei (indivisibilidade legal), mas tam bém por m o tivo de ordem econôm ica, posição que já era trilh a d a pela d o u trin a . Ou seja, é ta m b é m indivisível a prestação cujo cu m p rim e n to parcial im plique a perda de sua viab ilidade econô­ mica. M o reira Alves lem bra a hipótese “de 10 pessoas herdarem um b rilh a n te de 50 quilates, que, sem dúvida, vale m u ito mais do que 10 brilhantes de 5 quilates; se esse b rilh a n te fo r divisível (e, a não ser pelo crité rio da d im inuição sensível do valor, o será), qualq u er dos her­ deiros poderá prejudicar todos os outros, se exigir a divisão da pedra" (A p a r te g e ra l d o p ro je to d e C ó d ig o C iv il b ra s ile iro - subsídios históricos para o novo Código Civil brasileiro, 2. ed., Sào Paulo: Saraiva, 2 0 0 3 , p. 143). • Sobre o conceito de bens indivisíveis, v id e ainda a rt. 87 deste Código.

JULGADOS • "Direito processual civil e civil. Bem de fam ília. Meaçào. Imóvel indivisível. Impenhorabilidade. Integralidade do imóvel. 1. O imóvel indivisível protegido pela impenhorabilidade do bem de fa ­ mília deve sê-lo em sua integralidade, e nào somente na fração ideal do cônjuge meeiro que lá reside, sob pena de tornar inócuo o abrigo legal. 2. Agravo regim ental a que se nega provimento" (AgRg no REsp 86 6.0 5 1 /SP, 4* T., Rei. M in. Honildo Am aral de M ello Castro (Desembargador Con­ vocado do TJ/AP), j. em 2 5 -5 -2 0 1 0 ).

Art. 259

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• “Agravo de instrum ento. Execução fiscal. Alienação de parte indivisa de imóvel pertencente a outros condôminos para satisfação de obrigação do condôm ino-devedor. Impossibilidade. Circuns­ tância que nào se enquadra na exceção contida no art. 6 5 5-B do CPC. Impensável sejam constritas e submetidas à alienação forçada parte ou partes indivisas de imóvel pertencentes a outros condôminos para satisfazer a obrigação do condôm ino-devedor, mesmo que àqueles fique reser­ vado o produto da venda. A lei, no ponto, excepciona apenas com relação aos bens da meaçáo, dispondo o art. 6 5 5-B do CPC que mesmo não respondendo o cônjuge pela divida e recaindo a penhora em bem comum indivisível, a alienação forçada abrangerá a totalidade, reservando-se-lhe a metade do produto. Em certa medida a hipótese guarda lógica; é que comuns os bens dos côn­ juges, especialmente no regime de comunhão total. Mas porque regra excepcional, de aplicação restrita a hipótese única, não se estende a outras situações, ou a situações como a que aqui se m anifesta em que se cuida de patrimônios distintos, ainda que em condomínio. De qualquer modo, nada obsta a constriçào e a alienação da parte ideal e só da parte ideal, ao contrário. Negaram provim ento. Unânime" (TJRS, Ag 7 0 03 1779259, 21* Càm. Civel, Rei. Des. òenaro José Baroni Bor­ ges, j. em 2 -1 2 -2 0 0 9 ).

Art. 259. Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação não for divisível, cada um será obrigado pela dívida toda. Parágrafo único. 0 devedor, que paga a dívida, sub-roga-se no direito do credor em relação aos outros coobrigados. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação atual é a mesma do art. 891 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem reda­ cional.

DOUTRINA • N ào pode o codevedor de prestação indivisível q u ita r parcialm ente a dívida, ou seja, mesmo não estando obrigado pela dívida toda, deve p a g á -la in te g ra lm e n te , pois nào pode divid ir a obrigação. N ão se tra ta de solidariedade, com o verem os mais ad ian te, em que o devedor deve o todo. • P re s c riç ã o : Questão das mais palpitantes em tem a de obrigação indivisível diz respeito à prescrição. A regra geral é a de que a prescrição de um a dívida indivisível aproveita a todos os codevedores e prejudica ig u alm en te a todos os cocredores. É n atu ral que, se a própria obrigação fo i a tin g id a pela prescrição, nenhu m dos devedores estará com pelido a cu m p ri-la , nem qualq u er dos credores poderá c o b rá -la . 0 problem a surge quando, nas obrigações in d i­ visíveis, havendo pluralidade de devedores, a prescrição é operada apenas em fa v o r de um deles. Indaga-se: aproveita aos demais? Clóvis Beviláqua, em seu D ire ito d a s o b rig a çõ e s, fazendo remissão á regra geral da interrup ção da prescrição (art. 176, c a p u t, do C C /16 e art. 2 0 4 , c a p u t, do C C /2002), sustenta expressam ente que a prescrição "operada c o n tra um dos devedores nào prejudica aos dem ais" (p. 3 7 ). N o m esm o sentido é a do u trin a de W ashington de Barros M o n te iro . O rlando Gomes, Silvio Rodrigues, Caio M á rio e Á lvaro V illaça Azevedo nào abordam a questão. Já Sílvio Venosa, por sua vez, defende expressam ente que sim, ci­ ta n d o acórdão do TACSP. 0 STF, em acórdão de 1951 (RE 15.149, Rei. M in . A frâ n io Costa), já decidiu no sentido de que a prescrição, desde que reconhecida em fa v o r de um dos devedo­ res, aproveita aos dem ais, em se tra ta n d o de obrigações indivisíveis. Nossa opinião, e n tre ta n ­ to. situa-se em zona in term ed iária e n tre as duas posições antagônicas, seguindo a d o u trin a portuguesa (cf. Alves M o reira ). Ao con trário das obrigações solidárias, em que cada codeve-

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Art. 260

dor está obrigado pelo to d o da dívida, na obrigação indivisível o devedor só está obrigado ao cu m p rim e n to de sua parte da dívida, m u ito em bora só possa ela ser cum prida in te g ra lm e n te . A d m itin d o -s e a independência e n tre os codevedores, não seria admissível que qu alq u er deles fosse com pelido ao p ag am en to de parte da dívida declarada e x tin ta pela prescrição. Ou seja, se um dos codevedores é exonerado da dívida em razão da prescrição, não seria justo que os dem ais tivessem oneradas suas quotas na dívida. Sendo assim, entendem os que o credor só poderá reclam ar o to ta l da obrigação indivisível dos devedores não exonerados, reem bolsan­ do-os da p arte que corresponda ao devedor ou devedores que se liberaram do c u m p rim en to da obrigação, em face da prescrição operada a seu fa v o r. Em resumo: a prescrição operada em fa v o r de um dos devedores de obrigação indivisível nào aproveita aos dem ais, mas o credor só poderá exigir a dívida por inteiro, descontando a parte do devedor a tin g id o pela prescrição. • 0 p agam ento da dívida por um dos codevedores da obrigação indivisível fa z cessar a indivi­ sibilidade, um a vez que a sub-ro gação refere-se às frações do déb ito atribuíveis a cada um dos dem ais codevedores. Assim, o devedor que pagou pela dívida to da só poderá exig ir dos outros coobrigados a fração que a cada um com petia. • Sobre sub-rogação, v id e ainda arts. 3 4 6 e s. deste Código.

JULGADO • "Condomínio. Despesas condominiais. Cobrança. Ilegitim idade de parte. Coproprietários. Inoeorrência. Obrigação solidária e indivisível. A obrigação de pagar as despesas condominiais, além de p ro p te rre m , é solidária e indivisível, podendo o condomínio se voltar contra um dos coproprietá­ rios e exigir o pagam ento integral da divida" (TJSP, Ap. 1231183007, Rei. Des. Francisco Thomaz, j. em 2 2 -4 -2 0 0 9 ).

Art. 260. Se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida in­ teira; mas o devedor ou devedores se desobrigarão, pagando: I — a todos conjuntamente; II — a um, dando este caução de ratificação dos outros credores. HISTÓRICO • Originalm ente, na redação aprovada pela Câmara, o inciso II do artigo em comento apresentava-se da seguinte m aneira: A cada um, "dando este caução de ratificação dos outros credores". A redação atual resultou de emenda apresentada perante o Senado Federal pelo Senador Gabriel Hermes. A justificativa apresentada pelo Senado foi a de que no art. 892 do Código de 1916, re­ produzido pelo art. 2 6 0 do projeto, "o inciso II refere-se a pagam ento de obrigação indivisível com pluralidade de credores, feita a um e nào a cada um deles". Acrescentando que, por ser a obriga­ ção indivisível, nenhum dos credores "pode receber parcialm ente a divida". A emenda, portanto, restaurou a redação em vigor no art. 892 do Código de 1916.

DOUTRINA • A pluralidade de credores, ta m b é m cham ada de concurso ativo, pode ser originária ou suces­ siva, ou seja, pode a obrigação já nascer com vários credores ou apenas com um só e depois sobrevir o concurso, deco rren te de sucessão, por a to in t e r v iv o s ou m o r tis causa. • Em bora fa c u lta d o a um só dos cocredores exigir a dívida toda, em regra, nào pode o devedor liberar-se da obrigação pagando o to ta l da dívida a um só deles, com o lap id arm en te s in te ti­ za Tito Fulgêncio: "Dem anda fa c u lta tiv a m e n te individual, mas p agam ento o b rig a to riam e n te coletivo" [D o d ir e ito d a s o b rig a ç õ e s , 2. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1952, p. 218).

Arts. 261 e 262

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• A regra, e n tre ta n to , nào é absoluta. 0 próprio inciso II do artig o em com ento tra z a prim eira exceção, consubstanciada na hipótese de o cocredor que receber apresentar um a auto rização ou prestar caução de ratificação pelos dem ais. Essa caução nada mais é do que um a g aran tia o ferecida pelo credor que recebe o p agam ento de que os outros cocredores o re p u ta m válido e nào cobrarão posteriorm ente do devedor as suas quotas no crédito. A segunda exceção ocorre quand o o p agam ento fe ito a um só dos cocredores a p ro v e ita r a todos. Bufnoir, citado por Tito Fulgêncio, lem bra o caso de construção a se le va n tar em te rre n o com um , quando nenhum dos outros credores te ria interesse em acio nar o devedor (cf. D o d ir e ito d a s o b rig a ­ ções, cit., p. 2 1 9).

JULGADO • Vide STJ, 3 *1., REsp 868.556/M S , Rei. M in. Nancy Andrighi, j. em 5 -1 1 -2 0 0 8 , cuja em enta é citada no com entário ao art. 257, supra.

Art. 261. Se um só dos credores receber a prestação por inteiro, a cada um dos outros assistirá o direito de exigir dele em dinheiro a parte que lhe caiba no total.

HISTÓRICO • Este dispositivo não foi atingido por nenhuma espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 893 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • Se o o b je to da prestação fo r fracionável, o credor que recebeu dará a cada cocredor a sua parte na coisa divisível. Se não fo r possível o fra c io n a m e n to , aplica-se o disposto no presen­ te artig o e o valo r a ser exigido pelos dem ais credores deve ser apurado de acordo com a parcela que caberia a cada um na obrigação. • Assim, o credor de obrigação indivisível que tiv e r interesse em te r para si o objeto da presta­ ção, deve apressar-se e fa z e r a cobrança ao devedor antes dos dem ais cocredores. 0 que receber em prim eiro lugar fa rá jus ao objeto por inteiro, in d e p en d en tem en te do m o n ta n te de seu quinhão, devendo apenas indenizar prop o rcio n alm en te os demais.

Art. 262. Se um dos credores remitir a dívida, a obrigação não ficará extinta para com os outros; mas estes só a poderão exigir, descontada a quota do credor remitente. Parágrafo único. O mesmo critério se observará no caso de transação, novação, com­ pensação ou confusão.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alvo de nenhuma espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 8 9 4 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 preceito em com ento , além de não inovar o d ire ito an terio r, repete no Código a tu a l reda­ ção que já era criticad a à luz do Código Civil de 1916, com o observa João Luís Alves: "A

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Arts. 263 e 264

prestação indivisível pode ser de coisa divisível ou indivisível. N o prim eiro caso, pode ser descontada a quo ta do credor re m ite n te ; no segundo, evid en te m e n te , não. 0 devedor, nesse caso, te m d ire ito de ser indenizado do valo r da parte rem itida" ( C ó d ig o C iv il a n o ta d o , cit., p. 6 1 1 ). Ou seja, se o objeto da prestação não fo r divisível, não se poderia fa la r em desconto, mas sim do reem bolso em dinh eiro da p arte perdoada. • Diz Á lvaro V illaça Azevedo que se o objeto da prestação fo r divisível, os devedores e fe tu a rã o o "desconto do v a lo r dessa cota para entreg arem só o saldo aos credores não rem itentes. (...) Na obrigação indivisível, com o este desconto é impossível, os devedores tê m de e n tre g a r o objeto todo, para se reem bolsarem do v a lo r correspondente à cota do credor, que perdoou a dívida" ( Teoria g e ra l d a s o b rig a ç õ e s , cit., p. 94).

DIREITO PROJETADO • Acolhendo sugestão nossa, o Deputado Ricardo Fiuza, de saudosa memória, apresentou projeto de lei visando à alteração do dispositivo, cujo ca p u t, uma vez aprovada a proposta pela Câmara dos Deputados, passaria a redigir-se: "Art. 262. Se um dos credores rem itir a divida, a obrigação não ficará extinta para com os outros; mas estes só a poderão exigir, reembolsando o devedor pela quota do credor rem itente" (PL n. 6 .960/2002, atual PL n. 6 9 9/2011).

Art 263. Perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e danos. § 1? Se, para efeito do disposto neste artigo, houver culpa de todos os devedores, res­ ponderão todos por partes iguais.

§ T- Se for de um só a culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só esse pelas perdas e danos. HISTÓRICO • 0 dispositivo em análise não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação atual é a mesma do art. 895 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A indenização pelas perdas e danos é expressa sempre em dinh eiro, sendo a obrigação pecu­ niária divisível por sua própria n atu reza, daí por que seria a té m esm o desnecessário o c a p u t do dispositivo. • Se houver culpa de todos os devedores na resolução, todos responderão pela indenização em partes iguais. Se a só um deles fo r im p u tad a a culpa, é lógico que só o culpado deverá res­ ponder por perdas e danos. • Observa-se, no e n ta n to , que o § 2 o se refere à exoneração dos dem ais codevedores apenas no to c a n te a perdas e danos e nào à q u itaç ã o de suas quotas na dívida.

C ap ítu lo VI — DAS OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS

Seção

/



Disposições gerais

Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.

Art. 264

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HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào serviu de palco a nenhuma alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Trata-se de mera repetição do parágrafo único do art. 8 9 6 do Código Civil de 1916, erigido à condição de artigo autônom o, mas sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional, tal qual fez o Projeto de Código de Obrigações em seu art. 122 (Projeto n. 673, de 1967).

DOUTRINA • O b rig a ç ã o s o lid á rio : Diz-se solidária a obrigação quando a to ta lid a d e da prestação puder ser exigida in d ife re n te m e n te por q u a lq u e r dos credores de quaisquer dos devedores. Cada deve­ d o r deve o to d o e não apenas sua fração ideal, com o ocorre nas obrigações indivisíveis. • D is tin ç ã o e n tre o b rig a ç ã o s o lid á ria e o b rig a ç ã o in d iv is ív e l: A indivisibilidade é n atu ral e se relaciona ao ob jeto da prestação, en q u an to a solidariedade é sem pre ju ríd ica (decorre da lei ou do acordo das partes) e se fu n d a em relação subjetiva. C onvertida a obrigação em perdas e danos, desaparece a indivisibilidade, perm anecendo, no e n ta n to , a solidariedade (v. arts. 2 6 3 e 2 7 1 ). 0 devedor de obrigação solidária, antes de dem andado, pode pagar livrem ente a q u a lq u e r dos cocredores, en q u an to o devedor de obrigação indivisível deve observar o dis­ posto no a rt. 260. • Tam bém não se c o n fu n d a solidariedade com subsidiariedade. Na obrigação solidária, o credor pode exig ir a dívida, in d istin tam en te, de qualq u er dos devedores. Na obrigação subsidiária, o credor só pode exigir do devedor subsidiário depois de a cio n ar o devedor principal. Exemplo de obrigação subsidiária é a dos sócios da sociedade simples em relação aos débitos da so­ ciedade (art. 1.024). M esm o possuindo responsabilidade ilim ita d a , os sócios só responderão, com seus bens pessoais, por débitos da sociedade, depois de excutidos os bens da em presa.

JULGADOS • “Embargos à execução. Embargante. Integrante da relação de direito m aterial como devedora solidária. Responsável direta pelo débito. Código Civil, artigo 264, Código Civil de 1916, artigo 896, parágrafo único" (TJSP, Ap. 9 9 1 0 8 0 8 6 8 7 1 2 , Rei. Des. Roberto Bedaque, j. em 2 1 -6 -2 0 1 0 ). • "Processual civil. Execução direcionada a seguradora denunciada em processo de conhecimento. Honorários advocaticios. Cabim ento. Obrigação solidária decorrente da relação processual esta­ belecida. Causalidade reconhecida. 1. Ao assumir a seguradora condição de litisconsorte com a denunciante no processo de conhecim ento, a obrigação decorrente da sentença condenatória passa a ser solidária em relação ao segurado e à seguradora. 2. Com efeito, a ausência de paga­ m ento voluntário da condenação, por qualquer um deles - segurado ou seguradora -, por se tra ta r de obrigação solidária decorrente da relação processual estabelecida, é causa do processo de execução, devendo quem quer que seja acionado suportar os honorários advocaticios fixados inicialm ente para o caso de pronto pagamento. 3. Recurso especial conhecido e provido" (REsp 886.084/M S , 4 4 T., Rei. M in. Luis Felipe Salomão, j. em 1 6 -3 -2 0 1 0 ). • "Administrativo. Contrato de prestação de serviço rural tem porário. Possibilidade. Enunciado n. 331 do TST. Responsabilidade pelas obrigações trabalhistas (...) 2. '0 inadim plem ento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tom ador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da adm inistração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que estes hajam participado da relação processual e constem tam bém do titu lo executivo judicial (artigo 71 da Lei n. 8 .6 6 6 /9 3 )’. (...) 6. A responsabilidade do tom ador de serviços é subsi­ diária, consoante o item IV do Enunciado n. 331 do TST. A responsabilidade subsidiária pressupõe a obrigação de um devedor principal, in easu, a empresa agenciadora de mão de obra. Nesta, a responsabilidade direta é do devedor originário, e só se transfere a responsabilidade para o deve­ dor subsidiário quando o primeiro fo r inadim plente. 7. M u lta por ausência de registro dos traba­

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Art. 265

lhadores em poder do agenciador, responsável direto, por isso que, somente a ausência do citado livro de registros (art. 41 da CLT) imporia a responsabilidade subsidiária do tom ador. 8. 0 art. 264 do Novo Código Civil, reiterando o art. 896, parágrafo único do Código Civil anterior, distingue a responsabilidade 'solidária' que é linha de frente quando inadim plida a obrigação com a respon­ sabilidade subsidiária de ‘segunda linha' na vocação da responsabilidade. (...) 10. Não subsiste, d a ta venia, razão ao acórdão ora atacado, no sentido da fixação da solidariedade entre as empresas prestadora e tom adora de serviços, inibindo o processo de terceirização ou subcontratação te m ­ porária exsurgido no Pais após mutações globais no mercado de trabalho, posto que nenhum proprietário rural autônom o se arriscaria em adotar o sistema de subcontratação terceirizada, ciente de que em qualquer m om ento poderia ser intim ado a comparecer em juizo para defender-se juntam ente com a empresa prestadora de serviços mercê de suas obrigações trabalhistas conjuntas. 7. Im por a responsabilidade solidária ao tom ador de serviços implica em inibir o m er­ cado das empresas prestadoras de serviços de mão de obra especializada, o que afronta o cânone dos arts. 170 e 193 da Carta Constitucional, que asseguram a livre iniciativa e a valorização do trabalho hum ano como cânones da ordem econômica nacional. 8. Recurso Especial provido" (STJ, REsp 542.203/SC, Rei. M in. Luiz Fux, DJ, 2 5 -2 -2 0 0 4 , p. 117).

Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes. HISTÓRICO • Este artigo não foi atingido por nenhuma espécie de modificação, seja da parte do Senado Fede­ ral, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Trata-se de mera repetição do c a p u t do art. 8 9 6 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • P re su n çã o : 0 Código Civil de 2 0 0 2 não a conceituou, ao contrário do seu congênere português, que dispõe: "Art. 349°. Presunções sào as ilações que a lei ou o ju lg a d o r tira de um fa c to conhecido para firm a r um fa c to desconhecido". C on stitui m eio de prova expressam ente a d m itid o em lei (art. 2 1 2 ), porém inaplicável à solidariedade, que não pode ser provada por presunção. • 0 artig o em c o m en to elenca as duas únicas fo ntes da solidariedade: a lei ou a v o n ta d e das partes. N ão havendo previsão expressa na lei ou no c o n tra to , presum e-se inexistente a soli­ dariedade, salvo prova em co n trário , a d m itid a, aqui, inclusive a prova testem unh ai.

SÚMULA • Súm ula 4 3 0 do STJ: “0 in ad im p lem en to da obrigação trib u tá ria pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente".

JULGADOS • "Apelação cível. Negócios jurídicos bancários. Ação de cobrança. Empréstimo para custeio de atividade agrícola. Grupo de associados. Inadimplência. Solidariedade nào comprovada. A solida­ riedade da obrigação não se presume, necessitando, para a sua ocorrência, de expressa disposição legal ou da convergência da vontade das partes. Ausência de comprovação da existência de rela­ ção jurídica a vincular o adim plem ento da obrigação pretendida pela cooperativa ré, no que respeita ao não pagam ento de valores por parte de um dos integrantes do grupo de mutuários, mostrando-se imperioso o ressarcimento dos valores despendidos pelos demais, na proporção em que realizados. Apelo Desprovido" (TJRS, Ap. 7 0 0 3 1 1 2 3 4 9 0 ,16J Câm. Civel, Rei. Des. Marco Auré­ lio dos Santos Caminha, j. em 2 4 -6 -2 0 1 0 ).

Art. 266

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• “Agravo de instrum ento interposto contra decisão que em nova fase de cum prim ento de senten­ ça reconheceu a existência de solidariedade passiva entre os advogados dos credores para a de­ volução do valor excedente dos honorários. Inconformismo de um deles firm e na tese de que a quantia foi levantada de form a proporcional, razão pela qual não há que se falar em solidarieda­ de passiva porque ela não se presume. Nào acolhim ento. Procurações outorgadas pelos credores que conferiram poderes aos dois causídicos para agirem em "conjunto ou separadamente". Ine­ xistência de docum ento comprovando a alegada proporção da verba honorária. Recurso não provido. Se o m andato foi conferido ao tem po da vigência do art. 1.304, do CC/16, o mandato conferido a mais de um m andatário era considerado sucessivo, ou seja, cada m andatário atuava na falta do outro, conform e a ordem de nomeação, salvo explicitação para poderem agir em conjunto ou separadam ente, hipótese que o m andato era considerado solidário" (TJSP, Ag 9 9 0 1 0 2 4 2 8 4 4 3 , Rei. Des. M oura Ribeiro, j. em 1 7 -6 -2 0 1 0 ). • “Tributário. IPTU. Servidão de passagem. Oleodutos. Art. 3 4 do CTN. Possuidor. Ausência de tipicidade. Nào incidência. Solidariedade passiva tributária. Necessidade de expressa previsão legal. Inocorrência. Recurso especial nào provido. 1. 0 possuidor da servidão de passagem, embora de­ tenha o direito de usar e gozar da propriedade, dela não pode dispor, razão pela qual não se in­ sere no rol de contribuintes de IPTU previsto no art. 3 4 do CTN. 2. A solidariedade passiva trib u ­ tária não se presume, devendo advir de previsão legal. 3. Recurso especial não provido" (REsp 1.115.599/SP, 2* T., Rei. M in. Eliana Calmon, j. em 4 -5 -2 0 1 0 ). • "Processual civil. Recurso especial. Custas e honorários advocaticios. Litisconsórcio passivo. Prin­ cipio da proporcionalidade. Artigos 896 do C C /1 9 1 6 e 23 do CPC. 1.0 Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o artigo 23 do Código de Processo Civil, vem entendendo ser inaplicável, em hono­ rários advocaticios, o principio da solidariedade, salvo se expressamente consignado na sentença exequenda, que restou irrecorrida. II. Caso não haja menção expressa no títu lo executivo quanto à solidariedade das partes que sucumbiram no mesmo polo da demanda, vige o principio da pro­ porcionalidade, nos termos do artigo 8 9 6 do Código C ivil/1916 (artigo 265 do Código Civil atual). III. Assim, inaplicável o principio da solidariedade na condenação em custas e honorários advocatícios, pois o artigo 23 do Código de Processo Civil é taxativo: 'Concorrendo diversos autores ou diversos réus, os vencidos respondem pelas despesas e honorários em proporção'. Recurso especial parcialm ente provido" (STJ, REsp 489369/PR , Rei. M in. Castro Filho, RSTJ, v. 201, p. 319).

Art. 266. A obrigação solidária pode ser pura e simples para um dos cocredores ou codevedores, e condicional, ou a prazo, ou pagável em lugar diferente, para o outro. HISTÓRICO • 0 dispositivo em análise não foi alvo de nenhuma espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Corresponde ao art. 897 do CC/1916.

DOUTRINA • 0 a rt. 2 6 6 procurou m a n te r no novo diplom a a disposição contid a no a rt. 8 9 7 do Código Civil de 1 9 16 , além de prom over o acréscim o da cláusula fin a l “pagável em lugar diferente", com o aliás já havia fe ito o P rojeto de Código de O brigações (art. 123). • 0 m odo de ser da obrigação solidária pode v a ria r de um codevedor ou cocredor para o u tro . A obrigação pode a té ser válid a para um e nula para o o u tro , sem a fe ta r a solidariedade. Observa a Prof* M a ria Helena Diniz não ser "incom patível com a sua natu reza ju ríd ic a a possibilidade de e s tip u lá -la com o condicional ou a prazo para um dos cocredores ou code­ vedores, e pura e simples para o u tro , desde que estabelecido no titu lo originário. Assim, o codevedor condicional nào pode ser dem andado senão depois da ocorrência do even to f u ­ tu ro e incerto, e o devedor solidário puro e simples som ente poderá reclam ar reem bolso do codevedor condicional se ocorrer a condição. Com o se vê, não há prejuízo algum è solidarie­

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Art. 267

dade, visto que o credor pode cobrar a dívida do devedor cuja prestação con ten h a núm ero m enor de óbices, ou seja, reclam ar o d é b ito to d o do devedor não a tin g id o pelas cláusulas apostas na obrigação" (C u rs o d e d ire ito c iv il b ra s ile iro , 6. ed., São Paulo, Saraiva, 1 9 9 0 -1 9 9 1 , v. 2, p. 131). • 0 dispositivo inova o d ireito a n te rio r som ente quando fe z inserir a cláusula fin a l acerca do p ag am en to em lugar d ife re n te apenas em relação a alguns dos devedores solidários. A dis­ posição fo i transplantada do P rojeto de Código de Obrigações (art. 123). • No caso de cláusula ou condição pactuada após o surgim ento da obrigação, v id e a rt. 278. • Im p o rta n te ressaltar, ainda, que esses d iferentes modos da obrigação solidária não estão dispostos no a rtig o em c o m en to de fo rm a ta x a tiv a (n u m e ru s c lo u s u s ), mas m eram en te exem p lificativa (n u m e ru s a p e rtu s ). O utras regras particulares podem ser estabelecidas e n tre cocredores ou e n tre codevedores.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Nesse sentido, durante a IV Jornada de Direito Civil foi aprovado o seguinte enunciado de autoria do Juiz Federal André Luís M aia Tobias Granja: “347 - A rt. 266. A solidariedade adm ite outras disposições de conteúdo particular além do rol previsto no art. 266 do Código Civil". Observa o autor do enunciado, resumindo a posição dom inante na doutrina, que "podem ser instituídas outras regras particulares além do que dispõe a redação da lei, em vista da solidariedade, poden­ do ser instituído, por exemplo, para apenas um dos cocredores e/ou codevedores cláusula penal, necessidade de interpelação para a constituição em mora ou mesmo uma garantia particular de crédito".

Seção II



Da solidariedade ativa

Art. 267. Cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o cumpri­ mento da prestação por inteiro.

HISTÓRICO • 0 presente artigo nào foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 898 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • Eis aqui a essência da solidariedade ativa: o d ire ito que cada credor tem de exig ir de cada devedor a to ta lid ad e da dívida e não poder o devedor ou os devedores negarem -se a fa ze r o pag am en to da to ta lid a d e da dívida, ao a rg u m e n to de que existiriam outros credores.

JULGADOS • "Caderneta de poupança. Ilegitim idade ativa a d causam . Ação de cobrança de diferença de ren­ dimentos creditados em contas de poupança. Alegação do Banco de que a autora da demanda não é titu lar da conta de poupança. Conta conjunta com indicação "E/OU". Não comprovação do Banco de que a autora nào seria a outra titu lar da aludida conta. Caracterização de solidariedade ativa. Hipótese em que qualquer um dos credores poderá buscar, isoladamente, o cum prim ento da obrigação. Possibilidade de constar no polo ativo apenas um dos cotitulares. Legitimidade ativa reconhecida" (TJSP, Ap. 9 9 0 1 0 1 4 5 5 1 4 5 , Rei. Des. Roberto Mac Cracken, j. em 9 -6 -2 0 1 0 ). • "Locação de imóvel. Despejo por denúncia vazia. Pluralidade de loeadores. 1. Se a apelante não demonstrou a pertinência e relevância da prova que pretendia produzir, bem como a sua u tilid a-

Arts. 268 e 269

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de para o deslinde do feito, nâo pode ser reconhecido o cerceam ento de defesa. 2. A solidarieda­ de ativa a que se refere o art. 2o, a Lei 8 .245/91, não exige form ação do litisconsórcio necessário, podendo cada um dos locadores mover ação de despejo por denúncia vazia, conform e comando do art. 267, do Código Civil. Sentença m antida. Recurso improvido" (TJSP, Ap. 9 9 0 1 0 1 2 3 0 1 9 4 , Rei. Des. Felipe Ferreira, j. em 2 8 -4 -2 0 1 0 ). • “Apelação civel. Embargos à execução. Honorários de sucumbência. Procuração outorgada a mais de um advogado. Legitimidade de todos para a cobrança da integralidade da verba sucumbencial. Solidariedade. Tratando-se de procuração outorgada a mais de um advogado resta configurada a solidariedade ativa entre eles, podendo qualquer um praticar atos processuais a fim de buscar a integralidade da verba honorária sucumbencial arbitrada em ação de conhecim ento. Negaram provim ento ao apelo. Unânime" (TJRS, Ap. 7 0 02 9 9 64 6 2 4, 9 1 Câm. Civel, Rei. Des. Iris Helena M e­ deiros Nogueira, j. em 9 -1 2 -2 0 0 9 ). • "Solidariedade ativa. Devedor comum. Nota promissória. Indivisibilidade. Execução. Promissória em itida pelo devedor em favor dos credores. Solidariedade ativa que se estabeleceu em face da declaração de vontade contida no titulo. Sendo a divida indivisível e estando qualquer um dos credores autorizado a receber a divida do devedor comum o cum prim ento da obrigação por in­ teiro nào há que se falar em excesso de execução. Agravo improvido" (TJSP, Ag. 9 9 10 4 0 53 8 7 97 , Rei. Des. Salles Vieira, j. em 1 5 -2 -2 0 0 5 ).

Art. 268. Enquanto alguns dos credores solidários não demandarem o devedor comum, a qualquer daqueles poderá este pagar. HISTÓRICO • 0 dispositivo sob exame não serviu de palco a nenhum a alteração, seja por parte do Senado Fe­ deral, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Tratou-se aqui de repetir o art. 899 do Código anterior com pequena alteração procedida no verbo "demandar", antes utilizado na terceira pessoa do singular.

DOUTRINA • Antes de dem andado, o devedor com um se exonera da obrigação pagando in d istin tam en te a qualq u er dos credores solidários, sem necessidade de se v aler das cautelas previstas no art. 2 6 0 , aplicáveis apenas ao devedor de obrigação indivisível. • Iniciada a dem anda, o devedor só poderá pagar ao a u to r da ação e não mais a quaisquer dos cocredores. Isso porque o credor que p rim eiro exerceu o seu d ireito previne o exercício do mesmo d ireito pelos dem ais credores. Um a vez subm etida a questão ao Judiciário, deverá o devedor pagar em Juízo.

Art. 2 6 9 .0 pagamento feito a um dos credores solidários extingue a dívida até o mon­ tante do que foi pago. HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela não foi atingido por nenhum a espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do pro­ jeto . Corresponde ao art. 900 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo inova de fo rm a substancial o d ire ito a n te rio r ao estabelecer que o devedor poderá pagar parcialm ente o débito , visto que a extinção da obrigação se dará na proporção

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Arts. 270 e 271

do que fo i pago. 0 artig o avançou em relação ao seu correspondente no Código Civil de 19 16 (art. 9 0 0 ), em que só havia previsão para o p agam ento to ta l da dívida. • 0 devedor, se nào houver sido cobrado pelo todo, pode pagar apenas um a parcela da dívida a qualq u er dos cocredores, um a vez que perm anece a obrigação solidária em relação ao re­ m anescente. Q ualquer dos dem ais cocredores poderá exigir do devedor o restante da dívida, abaten d o o que fo i pago.

Art. 270. Se um dos credores solidários falecer deixando herdeiros, cada um destes só terá direito a exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão heredi­ tário, salvo se a obrigação for indivisível.

HISTÓRICO • 0 dispositivo em com ento não sofreu nenhum a alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 901 do Código Civil de 1916, com pequena m elhoria redacional.

DOUTRINA • A s o lid a ried ad e desaparece para os herdeiros, m as p e rm an ece em relação aos dem ais cocredores sobreviventes. Ressalta W as h in g to n de Barros M o n te iro que "os herdeiros do cre d o r fa le c id o não podem e xig ir, por co n s e g u in te, a to ta lid a d e do c ré d ito e sim apenas o respectivo q u in h ã o h e re d itá rio , isto é, a p ró p ria q u o ta no c ré d ito s o lid ário de que o c/e c u ju s era titu la r , ju n ta m e n te com os o u tro s credores. Assim não a c o n te c e rá, to d a v ia , nas hipóteses seguintes: a) se o cre d o r fa le c id o só d eixou um h e rd e iro ; b) se to dos os h e rd e i­ ros ag e m c o n ju n ta m e n te ; c) se indivisível a prestação. Em q u a lq u e r desses casos, pode ser rec la m a d a a prestação por in te iro . Para os dem ais credores, n e n h u m a ino vação a c a rre ta o ó b ito do conso rte; para eles perm anece in ta c to , em to d a a p le n itu d e e em q u a lq u e r h ipótese, o v ín c u lo de s o lid aried ad e, com to d o s os seus consectários" ( C u rs o d e d ir e ito c iv il, c it., p. 170). • Parece, no e n ta n to , ser desnecessária a referência fe ita à obrigação indivisível. Q ualquer dos herdeiros do credor solidário poderá exigir a to ta lid a d e do crédito, nào em decorrência da solidariedade, mas pelo fa to de ser indivisível a obrigação. A p lic a r-s e -ia m , p o rtan to , as regras dos arts. 2 5 7 a 2 6 3 . Assim, para o devedor se exonerar da obrigação para com os herdeiros deve pagar a todos c o n ju n ta m e n te ou, pagando a um, exig ir caução de ratificação dos dem ais (art. 2 6 0).

JULGADO • "Contrato bancário. Caderneta de poupança. Correção m onetária. Plano verão. Cobrança de d ife ­ renças. Petição inicial. Indeferim ento lim inar, ante a irregularidade do polo ativo. Inadmissibilida­ de. Extinção afastada. Recurso provido. Com o falecim ento do titu lar da conta poupança, tan to a viúva meeira como os herdeiros, têm legitim idade para o ajuizam ento da presente ação de co­ brança relacionada a contrato de caderneta de poupança. Além disso, pelo que se depreende dos autos, as contas indicadas possuem mais de um titular, o que determ ina uma situação de solida­ riedade ativa" (TJSP, Ap. 9 9 2 0 9 0 7 9 9 5 0 9 , Rei. Des. Antonio Rigolin, j. em 8 -6 -2 0 1 0 ).

Art 271. Convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste, para todos os efeitos, a solidariedade.

Arts. 272 e 273

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HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nâo foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Corresponde ao art. 9 0 2 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 art. 271 procurou m a n te r no Código a tu a l a regra insculpida no art. 9 0 2 do Código Civil de 1 9 16 , suprim indo, no e n ta n to , a sua a n tig a cláusula fin a l: "e em proveito de todos os credores correm os juros de m ora". Nesse p a rtic u la r inova o d ire ito a n te rio r ao e lim in a r dis­ posição supérflua. Se perm anece a solidariedade, é óbvio que os juros de m ora apro veitarão a todos os cocredores. • C on form e tivem os a opo rtu n id ad e de expor em nossos com entários ao a rt. 2 6 1 , reside aqui um dos principais traços diferenciadores e n tre solidariedade e indivisibilidade. Nesta, resol­ vida a obrigação em perdas e danos, desaparece o vínculo e cada credor só poderá exig ir do devedor a sua parte.

Art. 2 7 2 .0 credor que tiver remitido a dívida ou recebido o pagamento responderá aos outros pela parte que lhes caiba. HISTÓRICO • 0 anteprojeto de Agostinho Arruda Alvim atribuía redação diversa ao dispositivo: “0 credor que tiver re m id o a divida ou recebido o pagamento, responderá aos outros pela parte, que lhes cabia". Durante a tram itação no Senado, alteração promovida pelo então Senador Fernando Henrique Cardoso restaurou a redação em vigor no art. 9 0 3 do Código de 1916. Alegou o Senador Fernan­ do Henrique que se a form a verbal "rem itido", nào sendo incorreta, já ingressou na prática ju ríd i­ ca, inconveniente seria substituí-la.

ÜODTRINA • Q uando o credor solidário, por a to pessoal, libera o devedor do cu m p rim e n to da obrigação, assume responsabilidade perante os dem ais cocredores, que poderão exig ir do que recebeu ou rem itiu a parte que lhes caiba. Só que aí cada um só poderá exig ir a sua q u o ta e nào mais a dívida to da, um a vez que a solidariedade se estabelece apenas e n tre credor e devedor e não e n tre os diversos credores ou diversos devedores e n tre si. • Nas relações dos credores solidários e n tre si, há ta n to s créditos quantos sào os credores, e a responsabilidade e n tre eles é sem pre p r o p a rte .

Art. 273. A um dos credores solidários não pode o devedor opor as exceções pessoais oponíveis aos outros. HISTÓRICO • 0 presente artigo não serviu de palco a nenhum a alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação, na verdade, corresponde ao texto original do Projeto de Lei n. 634, de 1975, em que o pré-legislador procurou trazer para o regram ento da solidariedade ativa norma assemelhada já constante do art. 911 do Código Civil de 1916 quanto ao tra to da solidariedade passiva.

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Art. 274

DOUTRINA • O dispositivo inova o d ire ito a n te rio r ao in tro d u zir na Seção II, que tra ta da solidariedade ativa, com ando antes presente apenas no re g ram en to da solidariedade passiva (art. 911 do C C /1916). Apesar de criticad o por alguns, entendem os m erecer elogios a inserção do artigo, que se harm oniza com o disposto no a rt. 2 8 1 . O dispositivo vem deixar expressa a regra de que as defesas que o devedor possa aleg ar contra um só dos credores solidários nào podem prejudicar aos dem ais. Vale dizer, se a defesa do devedor diz respeito apenas a um dos cre­ dores solidários, só contra esse credor poderá o vício ser im putad o, nào atin g in d o o vínculo do devedor com os dem ais credores (v. a rt. 2 7 4). • A palavra “exceção" não está em pregada aqui em seu significado técnico específico, previsto na lei processual. 0 dispositivo refere-se g enericam ente às "defesas" que o devedor dispuser contra o credor, abrangendo tam bém objeções e direitos potestativos extintivos, com o é o caso da com pensação e da confusão.

DIREITO PROJETADO • Em face do acima exposto, encaminhamos ao então Deputado Ricardo Fiuza proposta para alterar a redação dos arts. 273, 274, 281, 294 e 302, substituindo a palavra "exceção" por "defesa" (a tu ­ al PL n. 6 9 9/2011).

Art. 2 7 4 .0 julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais; o julgamento favorável aproveita-lhes, a menos que se funde em exceção pessoal ao credor que o obteve. HISTÓRICO • 0 artigo em tela não foi alvo de nenhum a espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto, havendo sido copiado do Projeto de Código de Obrigações organizado pelo Prof. Caio M ário da Silva Pereira (art. 217), em que se procurou deixar explícita a regra de que o com portam ento de um só dos cocredores não pode prejudicar aos demais.

DOUTRINA • 0 dispositivo, inexistente no Código Civil de 1916, co m p lem en ta o art. 2 7 3 e constitui um dos desdobram entos da regra geral contid a no art. 2 6 6 deste Código (art. 8 9 7 do C C /1916), segundo a qual a obrigação pode te r características de cu m p rim e n to d iferentes para cada um dos cocredores, podendo, inclusive, v ir a ser considerada inválida apenas em relação a um deles, sem prejuízo aos direitos dos dem ais. • C ó d ig o C iv il p o rtu g u ê s : "Art. 5 3 1 . 0 caso ju lg a d o e n tre um dos credores e o devedor não é oponível aos outros credores: mas pode ser oposto por estes ao devedor, sem prejuízo das exceções pessoais que o devedor ten h a o d ire ito de invocar em relação a cada um deles".

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • José Fernando Simáo, em proposta de enunciado apresentado durante a IV Jornada de Direito Civil, no ano de 2006, traduz com objetividade a exegese do artigo: "Isso significa dizer que, em regra, o julgam ento favorável beneficia a todos os credores solidários. Entretanto, se o devedor tiver exceção pessoal contra um dos credores (que não participou da dem anda), esta defesa pode ser arguida em ação autônom a de cobrança. A regra tem lógica, pois se a exceção era pessoal a um dos credores, não poderia ela ter sido arguida em face do credor solidário que propôs a de­

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manda. Entretanto, quando fo r o devedor cobrado pelo outro credor solidário contra o qual tem a exceção, poderá utilizá-la, mesmo tendo a coisa julgada contrária a si".

Seção III



Da solidariedade passiva

Art. 275. 0 credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto. Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores.

HISTÓRICO • 0 dispositivo em análise nâo foi alvo de nenhuma espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Procuraram-se reunir em um só artigo as regras constantes dos arts. 9 0 4 e 9 1 0 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Na solidariedade passiva, cada um dos devedores está obrigado ao cu m p rim e n to integ ral da obrigação, que pode ser exigida de todos c o n ju n ta m en te ou apenas de algum deles. Com o a solidariedade passiva é constituída em benefício do credor, pode ele a b rir m ão da faculdade q ue tem de exig ir a prestação por in te iro de um só devedor, podendo e x ig i-la , parcialm ente, de um ou de alguns. Só que nesta ú ltim a hipótese perm anece a solidariedade dos devedores q u a n to ao rem anescente da divida. Nesse sentido é a d o u trin a consolidada. • Observa o m estre Alves M o reira que “o d ire ito que o credor tem de exig ir a dívida de qu alq u er dos devedores pode ser lim ita d o pelo acordo fe ito e n tre ele e os devedores, em virtu d e do qual se d e term in e a ordem por que deve ser fe ito o pedido" (G u ilh erm e Alves M o reira, In s ti­ tu iç õ e s d o d ir e ito c iv il p o rtu g u ê s , 2. ed., C oim bra, Coim bra Ed., 1 9 25 , v. 2, p. 4 3). • 0 p arágrafo único, que no Código Civil de 1 9 1 6 estava posto com o a rtig o a u tô n o m o , esta­ belece que o fa to de o credor propor dem anda judicial contra um dos devedores nào o im ­ pede de a cio n ar os dem ais. Isso porque, "en quanto não fo r in te g ra lm e n te paga a dívida, m a n té m -se ín teg ro o d ireito do credor em relação a todos e a qualq u er dos outros devedores, nào se podendo, m esm o, presum ir a renúncia de tais direitos do fa to de já te r sido iniciada a ação c o n tra um dos devedores" (J. M . de Carvalho Santos, C ó d ig o C iv il b ra s ile iro in te r p r e ta ­ do, cit., p. 2 5 0). Se, no e n ta n to , fo r proposta mais de um a ação pelo credor, devem os pro­ cessos ser reunidos, a fim de e v ita r ju lg a m e n to s contraditórios (v. a rt. 77, inciso III, do C ódi­ go de Processo Civil). E se tiv e r havido p agam ento em qualq u er dessas ações, o devedor fará jus ao a b a tim e n to correspondente. • 0 co p rop rietário de im óvel é devedor solidário de taxas condom iniais inadim plidas.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 348, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "0 pagam ento parcial não im ­ plica, por si só, renúncia à solidariedade, a qual deve derivar dos termos expressos da quitação ou, inequivocadam ente, das circunstâncias do recebim ento da prestação pelo credor".

JULGADOS • "Recurso especial. Improbidade adm inistrativa. Responsabilidade solidária. Indisponibilidade de bens. Limite da constrição. Q u a n tu m suficiente ao integral ressarcimento do dano. 1. No ato de

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Arts. 276 e 277

improbidade adm inistrativa do qual resulta prejuízo, a responsabilidade dos agentes em concurso é solidária. 2. É defeso a indisponibilidade de bens alcançar o débito to tal em relação a cada um dos coobrigados, ante a proibição legal do excesso na cautela. 3. Os patrimônios existentes são franqueados à cautelar, tan to quanto fo r possível determ inar, até a medida da responsabilidade de seus titulares obrigados à reparação do dano, seus acréscimos legais e è m ulta, não havendo, como não há, incom patibilidade qualquer entre a solidariedade passiva e as obrigações divisíveis. 4. Recurso especial improvido" (REsp 1.119.458/RO, I a T., Rei. M in. Ham ilton Carvalhido, j. em 134 -2 0 1 0 ). • "0 credor de devedores solidários tem a faculdade de escolher um deles para cobrança parcial ou total do débito, restando ao que pagou a totalidade o direito de regresso contra os demais deve­ dores. As peculiaridades dos autos determ inam a inviabilidade do cham am ento ao processo com suspensão do feito e evidente prejuízo à celeridade no deslinde da questão" (TJSC, Agl 1.998.003.4990, Des. Carlos Prudêneio, DJSC, 1 3 -2 -2 0 0 6 , p. 20). • "Embargos de declaração. Agravo regim ental. Conflito positivo de competência. Solidariedade passiva. Falência. Devedor solvente. Execução trabalhista. Competência da Justiça Trabalhista. 1 - Tendo o credor optado por mover a execução em face apenas da empresa solvente, condenada solidariamente nos autos da reclamação trabalhista, a competência do Juízo Falim entar deve ser afastada. 2 - Embargos de declaração acolhidos para, emprestando-lhes efeitos modificativos, declarar a competência do Juízo da 50* Vara do Trabalho do Rio de Janeiro/RJ" (STF, EDcl no AgRg no CComp 39.984/RJ, Rei. M in. Fernando Gonçalves, 2* Seção, j. em 2 4 -1 1 -2 0 0 4 , DJ, 1 3 -1 2 -2 0 0 4 , p. 210).

Art. 276. Se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros, nenhum destes será obrigado a pagar senão a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível; mas todos reunidos serão considerados como um devedor soli­ dário em relação aos demais devedores.

HISTÓRICO • Este dispositivo nào foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto concebido pelo mestre Agostinho de Arruda Alvim e trata-se de mera repetição do art. 9 0 5 do Código Civil de 1916, com pequena m elhoria redacional.

DOUTRINA • 0 artig o dá aplicação ao princípio geral de que os herdeiros só respondem pelos débitos do d e c u ju s a té os lim ites de suas quotas na herança. • Nào há qualq u er inovação em relação ao d ireito an te rio r. Lacerda de A lm eida, c itad o por João Luís Alves, já explanava: "Falecendo um dos devedores solidários, a obrigação, obedecendo a um princípio geral, divide-se de pleno d ireito e n tre os herdeiros. Em v irtu d e deste princípio fic a m os herdeiros do devedor solidário na posição e n tre si de devedores sim plesm ente con­ ju n to s [p ro p a rte ). Todavia, com o pelo fa to de passar a herdeiros a condição da dívida não se transm uta, são eles c o le tiv am e n te considerados e em relação aos codevedores originários com o constitu in d o um devedor solidário (O brigs., § 4 1 , p á g . 5 3 T ( C ó d ig o C iv il a n o ta d o , cit., p. 6 1 8). • Sobre o assunto, v id e ainda com entários ao a rt. 270.

Art. 2 7 7 .0 pagamento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele obtida não aproveitam aos outros devedores, senão até à concorrência da quantia paga ou relevada.

Art. 278

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HISTÓRICO • 0 dispositivo em análise nâo serviu de palco a nenhum a alteração, seja por parte do Senado Fe­ deral, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 9 0 6 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • D ivergindo aqui do Código francês, o nosso hipótese de o credor perdoar um deles ou dívidas. A solidariedade subsiste q u a n to ao res perm anecem solidários, descontada a parcial ou fo i perdoado.

Código não exonera os coobrigados solidários na receber de apenas um o p ag am en to parcial das déb ito rem anescente, ou seja, os outros devedo­ parte do codevedor que realizou o p agam ento

• Sobre exoneração da solidariedade em face de um dos codevedores, v e r art. 282.

JULGADOS • “Cum prim ento de sentença. Devedores solidários. Acordo envolvendo credor e dois codevedores. Homologação. Cabimento. Continuidade da execução em relação aos demais executados. Possibi­ lidade. Solidariedade passiva. Inteligência dos art. 275 e 277, do CC/2002. Decisão m antida" (TJSP, Ap. 9 9 0 1 0 1 1 9 1 9 5 4 , Rei. Des. Sebastião Junqueira, j. em 2 2 -6 -2 0 1 0 ). • "Apelação civel. Promessa de compra e venda. Cum prim ento de sentença. Obrigações. Solidarie­ dade passiva. Pagamento parcial. Efeitos. Exoneração do codevedor. M anutenção da solidariedade entre os devedores remanescentes. Exclusão da lide. Na solidariedade passiva, pode o credor exigir a obrigação, to tal ou parcialm ente, de todos ou de apenas um dos coobrigados. Havendo o paga­ m ento parcial, por apenas um dos codevedores, opera-se a exoneração deste, com sua exclusão da lide, permanecendo todos os demais devedores obrigados solidariam ente pelo resto. Ressalva-se, entretanto, a hipótese de um dos devedores remanescentes tornar-se insolvente, hipótese em que os ônus serão arcados por todos, inclusive pelo devedor exonerado, que poderá ser dem anda­ do em posterior ação de regresso. Interpretação dos dispositivos que regulam a obrigação solidá­ ria. Recurso de apelação desprovido" (TJRS, Ap. 70 02 8 3 80 8 8 9, 18-* Câm. Civel, Rei. Des. Pedro Celso Dal Pra, j. em 1 6 -4 -2 0 0 9 ). • "Direito civil. Solidariedade passiva. Quitação parcial. Efeitos. Quando o credor dá quitação parcial da dívida, como no caso, incide a regra contida no art. 9 0 6 do Código Civil segundo a qual 'o pagam ento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele obtida nào aproveitam aos outros devedores, senão até a concorrência da quantia paga, ou relevada’. Assim, a transação celebrada entre o credor e um dos devedores solidários, quitando explicitam ente apenas metade do débito, e não a sua totalidade, permite ao credor cobrar o restante do seu crédito dos demais devedores solidários. Não evidenciado o intento m anifestam ente protelatório dos embargos de declaração, é de cancelar-se a m ulta imposta com fulcro no art. 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Recurso parcialm ente conhecido e nessa parte provido" (STJ, REsp 140.150/SC, Rei. M in. Barros M onteiro, Rei. para o acórdão M in. Cesar Asfor Rocha, RSTJ, v. 128, p. 355).

Art. 278. Qualquer cláusula, condição ou obrigação adicional, estipulada entre um dos devedores solidários e o credor, não poderá agravara posição dos outros sem consentimen­ to destes. HISTÓRICO • 0 artigo em tela não foi alvo de nenhuma alteração durante a tram itação legislativa. Trata-se de mera repetição do art. 907 do Código Civil de 1916.

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Art. 279

DOUTRINA • Esse dispositivo constitui expressão do tradicional princípio da relatividade subjetiva, segun­ do o qual o c o n tra to só produz efeitos e n tre as partes con tratan tes, não atin g in d o aqueles que não participaram da relação ju ríd ic a obrigacional. A estipulação de qu alq u er obrigação adicional por um só dos devedores solidários não vincula os demais. • A a lteração gravosa da obrigação, p o rtan to , só pode ocorrer com a aquiescência de todos os devedores solidários. N enhu m dos codevedores poderá, sozinho, agravar a posição do outro.

JULGADO • "Prestação de serviços. Medida cautelar com caráter satisfativo. Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Interrupção do fornecim ento de água. Débito pretérito decorrente de acordo celebra­ do pela concessionária com antigo inquilino do autor. Inadmissibilidade. Obrigação solidária do locador e locatário afastada no caso. Excepcionalidade. Inteligência do art. 278 do C C /2002 (art. 907 do CC/1916). Sentença m antida. Apelação improvida" (TJSP, Ap. 9 9 20 5 1 40 4 0 51 , Rei. Des. Cristina Zucchi, j. em 1 8 -1 -2 0 1 0 ).

Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 9 0 8 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 princípio é o mesmo do d ire ito rom ano. Não havendo culpa, resolve-se a obrigação. H a­ vendo culpa de todos os codevedores, todos eles responderão solidariam ente pelo valo r da prestação, além das perdas e danos. Se a culpa, no e n ta n to , fo i de apenas um dos codevedo­ res, só o culpado responderá pelas perdas e danos, mas a obrigação de repor ao credor o e q u ivalen te em d inh eiro pela prestação que se im possibilitou será de todos, e, q u a n to a esta, perm anece a solidariedade. • Se a reposição do e q u ivalen te da prestação que se im possibilitou representar um acréscim o em relação ao que os codevedores haviam o rig in a lm e n te se obrigado, com o nos casos em que ocorre um a valorização significativa no o b je to da prestação, aqueles terão d ireito de regres­ so contra o culpado, para reaver o excesso, aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 280.

JULGADO • "Civil. Indenização. Locação. Reparação de danos. Inexistência de vistoria. Desnecessidade. Recur­ so do locatário improvido. Não se pode afastar a possibilidade de indenização por danos causados ao imóvel pela simples inexistência de vistoria no m om ento da entrega do bem ao locatário. É necessário que se analise o conjunto probatório em consonância com as estipulações contratuais para que se verifique se há ou não o dever de indenizar e qual seria a sua extensão. Fiança locaticia. Perdas e danos. Artigo 9 0 8 do Código Civil. Solidariedade que ressalva perdas e danos. Re­ curso dos fiadores parcialm ente provido. 'Prevalece a solidariedade pelo inadim plem ento, mas pelas perdas e danos só responderá o culpado, pois se é uma pena civil, resultante de culpa, e pessoal, não pode ir além da pessoa do próprio culpado, já que ninguém é responsável por culpa alheia. Apenas o culpado ou os culpados arcarão com o ônus das perdas e danos'" (TJSP, Ap. 1212086004, Rei. Des. A rtur Marques, j. em 1 7 -1 1 -2 0 0 8 ).

Arts. 280 e 281

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Art. 280. Todos os devedores respondem pelos juros da mora, ainda que a ação tenha sido proposta somente contra um; mas o culpado responde aos outros pela obrigação acres­ cida. HISTÓRICO • O artigo em análise nâo foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao a r t 909 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Se todos são solidários na dívida, devem responder c o n ju n ta m e n te pelas conseqüências do in a d im p lem en to , ainda que um só deles seja culpado pelo atraso. Com o assinala W ashington de Barros M o n te iro , "em bora o re ta rd a m e n to culposo im putável seja a um só devedor, res­ pondem todos peran te o credor pelas conseqüências da inexecução da obrigação, e n tre as quais se incluem juros da m ora. Essa responsabilidade coletiva decorre da força c o m u n ic a ti­ va in eren te è constituição em m ora. Se, do po n to de vista das relações externas, oriundas da solidariedade, todos os devedores respondem pelos juros m oratórios, do po n to de vista in te r­ no, co n cern en te às relações particulares dos devedores e n tre si, só o culpado suporta o acréscim o, só a este se carregará dita verba, no acerto in te rn o e fin a l das contas. T rata-se de o u tra aplicação do principio da responsabilidade pessoal e exclusiva, pelos atos eivados de culpa, há pouco referido (a u c to re n o n e g re d iu n tu r)" ( C u rso c/e d ir e ito c iv il, cit., p. 185).

Art. 2 8 1 .0 devedor demandado pode opor ao credor as exceções que lhe forem pesso­ ais e as comuns a todos; não lhe aproveitando as exceções pessoais a outro codevedor. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 911 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • O dispositivo fo i p ra tic a m e n te copiado do Código Civil francês (art. 1.208). Diz Alves M o re i­ ra que "q u a n to às exceções ou m eios de defesa pessoais, o devedor solidário não pode in ­ vocar os que sejam pessoais dos outros devedores, mas só os que pessoalm ente lhe co m p e ­ tem . É assim que ele nào poderá d efe n d e r-se , quando seja d e m an d ad o pelo credor, com a nào realização dum a condição suspensiva, nem com o fa to do dolo, erro ou violência, ou por q u a lq u e r incapacidade relativa, quan d o os fa to s e a incapacidade referidos nào digam respeito a ele, mas a outros dos codevedores solidários" (G u ilh erm e Alves M o reira , I n s t it u i­ çõ e s d o d ir e ito e iv il p o rtu g u ê s , cit., p. 4 6 ). E que “q u a n d o a causa da anulação da obrigação seja m e ra m en te pessoal dum dos devedores, com o a fa lta de capacidade, um vício de c o n ­ s e n tim e n to , os outros codevedores ficam responsáveis pelo c u m p rim e n to in te g ra l da o b ri­ gação, com o se cada um deles fo ra devedor único" (In s titu iç õ e s d o d ir e ito c iv il p o rtu g u ê s , cit., p. 4 7). • Explica, ainda, Sílvio Venosa que “podem existir m eios de defesa, exceções, particulares e próprias só a um (ou alguns) dos devedores. Aí, e n tão , só o devedor exclusivam ente a tin g id o por tal exceção é que poderá a le g á -la . Sào as exceções pessoais, que não atin g e m nem con­ ta m in a m o vínculo dos dem ais devedores. Assim, um devedor que se ten h a obrigado por erro, só poderá a leg ar esse vício de vo n tad e em sua defesa. Os outros devedores, que se obrigam sem qualq u er vício, não podem aleg ar em sua defesa a anulabilidade da obrigação, porque o

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Art. 282

o u tro coobrigado laborou em erro. D estarte, cada devedor pode opor em sua defesa, nas obrigações solidárias, as exceções gerais (todos coobrigados podem fa zê -lo ), bem com o as exceções que lhe sáo próprias, as pessoais. Assim, não pode o coobrigado, que se co m p ro m e­ teu livre e espontaneam ente, te n ta r invalid ar a obrigação porque o u tro devedor e n tro u na solidariedade sob coação" (Silvio de Salvo Venosa, D ire ito e iv il, cit., p. 129). • Se o devedor que poderia em tese a leg ar um a exceção pessoal c o n tra o credor não é incluído na lide, vindo os codevedores dem andados a pagar a integralidade do débito , aquele nào poderá opor a estes a exceção de que dispunha contra o credor. M as poderá acionar o credor para cobrar o valo r correspondente ao seu q u in h ão e que teve de repor aos dem ais.

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas de alteração deste artigo, vide comentários ao art. 273.

Art. 282. O credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns ou de todos os devedores. Parágrafo único. Se o credor exonerar da solidariedade um ou mais devedores, sub­ sistirá a dos demais. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 912 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Se o credor renunciar ou exonerar da solidariedade todos os devedores, cada um passará a responder apenas pela sua participação na dívida. E xtin g u ir-se-á a obrigação solidária pas­ siva, surgindo, em seu lugar, um a obrigação conjunta, em que cada um dos devedores res­ ponderá exclusivam ente por sua parte. • Observe-se que estam os tra ta n d o de renúncia à solidariedade e não de renúncia à obrigação, que perm anece in tacta. Com o bem observa M a ria Helena Diniz, “nítid a é a diferença e n tre remissão da dívida e renúncia ao benefício da solidariedade, pois o credor que rem ite o d é ­ b ito abre m ão de seu crédito, liberando o devedor da obrigação, ao passo que apenas a q u e­ le que renuncia a solidariedade contin ua sendo credor, em bora sem a v a n ta g e m de poder reclam ar de um dos devedores a prestação por inteiro" ( C u rso d e d ir e ito c iv il b ra s ile iro , cit., p. 141). • Se a exoneração fo r apenas de um ou de alguns dos codevedores, perm anece a solidariedade q u a n to aos dem ais. Nessa o u tra hipótese, só poderá o credor acio nar os codevedores solidá­ rios não exonerados abaten d o a p arte daquele a cuja solidariedade renunciou. A obrigação do devedor ben eficiad o perm anece com o obrigação simples. T e r-s e -á , e n tã o , um a dupla obrigação: a simples, em que o devedor beneficiado passará a ser sujeito passivo, e a solidá­ ria, na qual fig u ra m no polo passivo os dem ais codevedores. • Já chegam os a sustentar, em análise a n te rio r desse dispositivo, que, m esm o exonerando um ou mais devedores, poderia o credor acio nar os dem ais devedores pela in te g ra lid a d e da d ív i­ da, sem necessidade de a b a tim e n to (cf. C ó d ig o C iv il a n o ta d o , Sáo Paulo, M é to d o , 2 0 0 5 , p. 170). E n tretan to , revisitam os o nosso ponto de vista para abraçar a co rren te m a jo ritária, no sentido de que o credor som ente poderá d e m an d ar os codevedores solidários rem anescentes, se a b a te r da dívida a q u a n tu m correspondente à p arte devida pelo que fo i liberado da soli­ dariedade.

Art. 283

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ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 351, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “A renúncia à solidariedade em favor de determ inado devedor afasta a hipótese de seu cham am ento ao processo" (Enunciado proposto por Glauco Gum erato Ramos). Em regra, o devedor solidário que é demandado sozinho pela integralidade da divida pode promover o cham am ento ao processo dos outros devedores solidários (CPC, art. 77, III). Todavia, se houver renúncia à solidariedade pelo credor em favor de algum devedor solidário, contra este nâo pode mais ser requerido o cham am ento ao processo. • Enunciado 349, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “Com a renúncia da solidarieda­ de quanto a apenas um dos devedores solidários, o credor só poderá cobrar do beneficiado a sua quota na dívida; permanecendo a solidariedade quanto aos demais devedores, abatida do débito a parte correspondente aos beneficiados pela renúncia" (Enunciado proposto por José Fernando Simão). Art. 283. O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos codevedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os codevedores. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nâo foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 913 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 codevedor que sozinho paga a dívida, paga além da sua parte e por isso te m o d ire ito de reaver dos outros coobrigados a q u o ta correspondente de cada um . Ressalta M a ria Helena D iniz que é "m edian te ação regressiva que se restabelece a situação de igualdade e n tre os codevedores, pois aquele que paga o d é b ito recobra dos dem ais as suas respectivas partes [RF, 1 4 8 :108; AJ, 700:134; RT, 8 7 :1 4 6 ). Todavia, as partes dos codevedores podem ser desiguais, pois aquela presunção é relativa ou ju r is ta n tu rrr, assim, o devedor que p retender receber mais terá o o n u s p ro b a n d i da desigualdade nas quotas, e se o codevedor d em andado p re te n ­ d er pagar menos, suportará o encargo de provar o fa to (CPC, art. 3 3 3 , II)" (C u rs o d e d ire ito e iv il b ra s ile iro , cit., p. 144). • 0 Código vig en te, e n tre ta n to , repete no artig o expressão que já era criticada no Código Civil de 1 9 16 , quando se refere ao p agam ento ou satisfação da dívida “por inteiro", fazen d o pa­ recer que o devedor solidário que fe z um p agam ento parcial nào te ria d ire ito de regresso c o n tra os dem ais coobrigados. João Luís Alves, ainda em 1917, já se co n trap u n h a à expressão, a firm a n d o : “0 código refere-se a p agam ento por in te iro . Se o p agam ento nào fo r por in te i­ ro, mas de m etade ou de dois terços da dívida, perderá o devedor o d ire ito de haver dos coobrigados a sua quo ta, proporcional a esse pagam ento? N inguém o a firm a rá . Por isso, seria preferível a redação sem a 'cláusula por inteiro'" [C ó d ig o C iv il a n o ta d o , cit., p. 622).

JULGADOS • "Cobrança. Despesas de condom ínio. Ação que pode ser ajuizada contra qualquer um dos coproprietários da unidade, resguardado o direito de regresso contra os demais. M u lta m oratória. Convenção de condomínio anterior ao novo Código Civil. Irrelevância. Desnecessidade da elabo­ ração de novo regulam ento interno. Recurso improvido" (TJSP, Ap. 9 9 2 0 9 0 8 9 3 6 6 1 , Rei. Des. W alter Cesar Exner, j. em 1 7 -6 -2 0 1 0 ). • "Anulatória. Serviço de água e esgoto. Obrigação p ro p te r rem , determ inando-se o devedor pela condição de proprietário. Responsabilidade solidária do proprietário pelos débitos à concessioná-

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Art. 284

ria, o qual poderá valer-se de ação de regresso. Recurso não provido" (TJSP, Ap. 99 20 7 0 56 7 7 85 , Rei. Des. José M alerbi, j. em 6 -5 -2 0 1 0 ). • "Apelação civel. Responsabilidade civil em acidente de trânsito. Condenação solidária. Condutor e proprietário. Ação de regresso ajuizada pelo primeiro em face do segundo. Reconvençáo. Tem pestividade. Revelia. 1. Consolidado entendim ento jurisprudencial nesta Corte e no Superior Tri­ bunal de Justiça de que a carga dos autos por procurador habilitado acarreta ciência inequívoca da petição inicial, m otivo pelo qual o prazo para resposta do demandado começa a correr deste m om ento e não da juntada aos autos da carta com aviso de recebim ento (art. 2 4 1 ,1, do CPC), sob pena de indevida dilaçào do prazo perem ptório previsto em lei. Extinção da reconvenção e reco­ nhecim ento da revelia. 2. Ação regressiva ajuizada pelo condutor em face do proprietário do ve­ iculo, ambos condenados solidariam ente a indenizar vitim a de acidente de trânsito. Embora res­ ponsáveis solidários perante o terceiro, não há verdadeiro vinculo de direito obrigacional entre aqueles, de modo que inaplicável o disposto no art. 283 do CC. Impossibilidade de se reconhecer direito de regresso do causador do dano em face do responsável indireto que em nada concorreu à concretização daquele. Art. 9 3 4 do CC. Apelo provido em parte" (TJRS, AC 70 03 3 2 44 7 5 7, 121 Câmara Civel, Rei. Des. Judith dos Santos M ottecy, j. em 1°-4-2010).

DIREITO PROJETADO • Pelos fundam entos expostos, apresentamos ao então Deputado Ricardo Fiuza sugestão no sentido de propor à Câmara dos Deputados a supressão da expressão "por inteiro", em beneficio da clare­ za (cf. PL n. 6 .960/2002, atual PL n. 699/2011).

Art. 284. No caso de rateio entre os codevedores, contribuirão também os exonerados da solidariedade pelo credor, pela parte que na obrigação incumbia ao insolvente. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 9 1 4 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Assegura o dispositivo, com o observa W ashing ton de Barros M o n te iro , fazen d o remissão ainda a Clóvis Beviláqua e Serpa Lopes, o "direito dos codevedores repartir, e n tre todos, a parte do insolvente. T rata-se de po n to im p o rtan te , porque o rateio alcança o devedor exo­ nerado pelo credor. Pode este rom per o vínculo da solidariedade em relação ao seu crédito, mas não pode dispor do d ire ito alheio. 0 exonerado da solidariedade pelo credor contrib uirá, p o rtan to , p rop orcio nalm en te, no rateio destinado a cobrir a quo ta do insolvente" (C u rs o de d ire ito c iv il, cit., p. 1 9 2 -3 ). • "Se o devedor solidário que paga e te m pretensão ao reem bolso não propõe ação contra todos, e algum deles, que nào era insolvente, cai em insolvêneia, a quo ta desse tem de ser dividida por todos ou se há de considerar perdida pelo solvente que retardou a exigência? A resposta há de ser no sentido de só se te r com o a cargo de todos a parte de quem já era in ­ solvente no m o m en to da prestação" (Pontes de M ira n d a , T ra ta d o d e d ire ito p riv a d o , t. XXII, 3. ed., Sáo Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, p. 3 5 9).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 350, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A renúncia à solidariedade d iferencia-se da remissão, em que o devedor fica inteiram ente liberado do vínculo obrigacional, inclusive no que tange ao rateio da quota do eventual codevedor insolvente, nos termos do art. 284".

Arts. 285 e 286

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Art. 285. Se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores, respon­ derá este por toda ela para com aquele que pagar. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 9 1 5 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Este a rtig o prevê hipótese em que o codevedor que paga a dívida to da não tem d ireito de regresso contra os dem ais, mas apenas c o n tra aquele a quem a dívida interessava exclusiva­ m ente. 0 exem plo clássico é o da fiança: sendo um o a fian çad o e vários os fiadores, e esta­ belecida no c o n tra to a renúncia ao benefício de ordem , poderá o credor acio nar in d is tin ta ­ m ente ta n to o afiançad o com o quaisquer dos fiadores. M as o fia d o r que pagar in te g ra lm e n ­ te o déb ito só terá o d ireito de reem bolsar-se do afian çad o , que tin h a interesse exclusivo na dívida, não podendo acio nar os dem ais cofiadores. 0 mesmo se dá quando é o afiançad o quem paga a dívida. É óbvio que não existirá d ireito de regresso deste contra os fiadores.

T ítu lo II — DA TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES (#)

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Na nova conform ação do d ireito das obrigações fo i acrescido o Títu lo II, versando sobre a transm issão das obrigações, em que fo ram agrupadas as regras a tin en tes à cessão de crédito (arts. 1.065 a 1.078 do C C /1 9 1 6 ) e assunção de dívida, constitu in d o esta ú ltim a m odalidade de transm issão a novidade do Títu lo II, já que inexistente no diplom a an terio r. A lém da cessão e da assunção, tam bém com a m orte do credor ou do devedor pode-se dar a transmissão da obrigação. C onstitui regra geral do d ire ito obrigacional que a obrigação nào se e x tin g u e pela m orte dos sujeitos, a tivo ou passivo. N ão é porque m orreu o credor que deve ser considerado e x tin to o crédito. A obrigação não desaparece com o passamen­ to do sujeito ativo, pois os direitos creditórios se tra n sm item por sucessão hereditária. Pelas mesmas razões não há que fa la r em extinção do déb ito pela m o rte do devedor. A obrigação pode subsistir mesmo depois da m o rte do sujeito passivo.

C apítulo I — DA CESSÃO DE CRÉDITO Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor, a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação. HISTÓRICO • 0 artigo não foi alterado durante a tram itação legislativa. A redação atual é a mesma do ante­ projeto no qual o pré-legislador procurou m anter a regra constante do art. 1.065 do Código Civil de 1916, com o acréscimo da cláusula penal protetiva do cessionário de boa-fé, conform e já havia fe ito o projeto de Código de Obrigações (art. 156).

DOUTRINA • A cessão de crédito nada mais é do que um negócio ju ríd ic o através do qual o credor opera a transferência, a um terceiro, do d ire ito de crédito que d e tin h a contra o devedor. Ou, na

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Art. 286

síntese lapidar de O rlando Gomes, “é o negócio pelo qual o credor transfere a terceiro sua posição na relação obrigacional" (O b rig a ç õ e s , 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1 9 76 , p. 2 4 9). • O a rt. 2 8 6 versa sobre o objeto da cessão, fa zen d o alusão aos créditos que não podem ser cedidos, qu er seja pela própria natu reza da obrigação, com o é o caso da pensão alim en tícia, quer seja por disposição expressa em lei, a exem plo dos créditos já penhorados, ou ainda por convenção com o devedor, ou seja, quand o as partes ajustarem ser o cré d ito inalienável. • Os direitos econôm icos decorrentes do exercício de determ inados direitos da personalidade podem ser o b je to de cessão. • A cessão pode ser to ta l ou parcial. • C essõo d e p o s iç ã o c o n tr a tu a l: Não se co n fu n d e com a m era cessão de crédito. Opera a transferência indiscrim inada de todos os direitos e obrigações titu larizad o s pelo cedente da posição c o n tra tu a l e exige a anuência da c o n tra p a rte do cedente (c o n tra ta n te cedido). Re­ gulada nos arts. 4 2 4°/4 2 7° do Código Civil português, não tem previsão específica no C C /2002, mas pode ser livrem ente pactuada no exercício da a u to n o m ia privada e da liberdade c o n tra ­ tu al. • O devedor, ind ep en d en tem en te de convenção, pode se opo r à cessão de fins m eram en te em ulativos, com o nos casos em que o credor cede o crédito ao inim igo pessoal do devedor com o â n im o exclusivo de preju d icá-lo . Hipótese em que seriam aplicáveis os arts. 187 e 4 2 2 do CC. • A cessão do cré d ito trib u tá rio deve receber o m esm o tra ta m e n to dado à cessão de qualquer o u tro crédito. Presentes os requisitos legais, não cabe à Fazenda Pública ap o r obstáculos à cessão do crédito fiscal pelo c o n trib u in te que a ele e v en tu a lm e n te fiz e r jus. O só fa to de o crédito constar de precatório judicial não pode c o n s titu ir óbice à cessão. • C essõo fid u e iá ria d e c ré d ito s : É a m odalidade de n e g ó c io fid u c iá rio pela qual o credor (ce­ dente fid u cia n te) transfere a titu la rid a d e do crédito a terceiro (cessionário fidu ciário), em g aran tia de um a d eterm inada obrigação, e a té a liquidação da dívida garantida. M u ito com um nas operações do Sistem a de Financiam ento Im o b iliário e dispensa a notificação do devedor cedido (ver Lei n. 9 .5 1 4 /9 7 , art. 3 5 , e Lei n. 4 .7 2 8 /6 5 , a rt. 6 6 -B , § 3 o). Tais créditos não se subm eterão aos efeitos da recuperação judicial por força do a rt. 49, § 3 ° , da Lei n. 1 1 .1 0 1 /2 0 0 5 .

JULGADOS • "Adjudicação compulsória. Cessão de compromisso de compra e venda, sem anuência da prom itente vendedora. Ausência de qualquer interesse desta em opor-se à cessão ou conservar a pro­ priedade da coisa, depois de quitado o preço do compromisso. Desnecessidade de alvará judicial, vez que, à época do falecim ento, a de c u ju s não titularizava mais qualquer direito sobre o imóvel. M anutenção da sentença, com observação, para reconhecer o direito de um dos autores ao supri­ mento judicial da outorga da escritura definitiva do imóvel diretam ente por sentença, sem neces­ sidade de fixação de m ulta. Recurso não provido, com observação" (TJSP, Ap. 9 9 0 1 0 1 6 4 6 7 4 9 , Rei. Des. Francisco Loureiro, j. em 2 4 -6 -2 0 1 0 ). • "Agravo de instrum ento. Execução. Precatório. Cessão de direitos. Pedido de substituição proces­ sual no polo ativo para prosseguimento da execução. Possibilidade. Inteligência do artigo 567, inciso II, do Código de Processo Civil. Inaplicabilidade do artigo 42, § 1o, do Código de Processo Civil, que se refere à fase de conhecim ento. Recurso provido" (TJSP, Ag. 9 9 0 1 0 0 65 2 4 35 , Rei. Des. Sérgio Gomes, j. em 9 -6 -2 0 1 0 ). • "Agravo de instrumento. Execução de Sentença. Precatório. Cessão de Crédito. Pedido de habili­ tação do novo credor. Oponibilidade do devedor e indeferim ento do Juízo a quo, com fundam en­ to no art. 42, § 1o, do CPC. Desnecessidade de anuência da parte contrária. Incidência da regra especial do art. 567, II, do CPC. Precedentes desta Corte e do STJ. Decisão reform ada. Recurso provido" (TJSP, Ag. 9 9 01 0 0 07 1 5 99 , Rei. Des. Osvaldo de Oliveira, j. em 2 6 -5 -2 0 1 0 ).

Art. 287

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• "Apelação cível. Direito privado não especificado. Ação anulatória de titu lo de crédito e cance­ lam ento de protesto. C ontrato de fa c to rin g . Oponibilidade das exceções pessoais à faturizadora. 1. No contrato de fa c to rin g o com erciante (faturizado) cede a outro (faturizador), no todo ou em parte, os créditos provenientes de suas vendas mercantis, m ediante o pagam ento de rem u­ neração, consubstanciada em um desconto sobre os respectivos valores. Nesta m odalidade de contratação inexiste endosso, mas, sim, cessão de crédito, sendo que o fatu rizad or assume o risco em relação ao recebim ento do valor. 2. Existindo mácula na relação jurídica que ensejou a emissão dos títulos, tal circunstância pode ser suscitada em face do cessionário (empresa de fa c to rin g ), porquanto a disciplina legislativa da relação encontra-se no Código Civil (cessão de crédito - artigos 2 8 6 /2 9 8 ), ou seja, nào há fa la r em inoponibilidade das exceções pessoais em tais hipóteses. Apelo improvido" (TJRS, Ap. 7 0 0 3 4 3 8 8 0 7 4 ,1 2 * Câmara Civel, Rei. Des. Judith dos Santos M ottecy, j. em 8 -4 -2 0 1 0 ). • "Direito empresarial. Recuperação judicial. Contratos de cessão fiduciária em garantia de direitos creditórios. Lei n. 11.101/05, art. 49, parágrafo 3 o. A cessão fiduciária, como espécie de proprie­ dade fiduciária, transfere ao credor fiduciário a propriedade do crédito, razão pela qual não pode esse lhe ser indisponibilizado, destinado ao pagam ento de dividas ordinárias da empresa em regim e de recuperação judicial. Ainda que a posse do crédito esteja em poder do devedor, sua propriedade é do credor, dai porque há de ser excluído da recuperação judicial. Recurso provido" (TJRJ, Ag. 0 0 3 8 5 4 9 -6 5 .2 0 0 9 .8 .1 9 .0 0 0 0 [20 0 9.0 0 2 .3 4 2 7 2], Rei. Des. Luisa Bottrel Souza. j. em 2 1 1- 2010 ).

Art. 287. Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.066 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A regra geral é aquela já m encionada a n te rio rm e n te , ou seja, a de que o acessório te m o mesmo destino do principal (a c c e s s o riu m s e q u itu r p rin c ip a le ), a não ser que as partes con­ vencionem o contrário. • Com o a cessão nào in te rfe re na relação obrigacional, que se m a n té m íntegra, ao con trário da novaçáo, com o verem os o p o rtu n a m e n te , as garantias reais ou fidejussórias e v en tu a lm e n ­ te prestadas pelo devedor ou por terceiro estarão com preendidas na cessão do crédito. Na cessão onerosa, o preço levará sem pre em conta a existência ou nào de garantias a robu stecer o crédito cedido. • M as a qualificação pessoal do credor não estará abrangida na cessão. A cessão de um crédi­ to decorrente de um c o n tra to bancário, por exem plo, realizada por um a institu ição fin a n c e i­ ra a terceiro não in te g ra n te do SFN, nào h a b ilita rá o cessionário a cobrar ju ro s acim a do li­ m ite legal de 1 2 % ao ano.

JULGADO • "Interesse processual. Ação anulatória de negócio jurídico de cessão de crédito. Ausência do pres­ suposto de admissibilidade. Possibilidade de o credor ceder seu crédito se a isso nào se opuser a natureza da obrigação, a lei ou a convenção por ele celebrada. Abrangência de todos os acessórios, inclusive as garantias reais ou fidejussórias. Extinção do processo, com base no artigo 267, VI do Código de Processo Civil. Agravo de instrum ento prejudicado" (TJSP, Ag. 9 9 10 5 0 03 1 6 79 , Rei. Des. José Reynaldo, j. em 2 7 -7 -2 0 0 5 ).

290

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Art. 288

Art 288. É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1? do art. 654. HISTÓRICO • 0 dispositivo em análise nâo foi atingido por nenhum a modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. Tratou-se de repetir o c a p u td o art. 1.067 do Código Civil de 1916, sim plificando-lhe o conteúdo, inclu­ sive para elim inar a exigência de que o instrum ento particular de cessão tenha de ser subscrito por duas testemunhas para te r validade perante terceiros. Também se substituiu a referência que se fazia à validade do ato, por ineficácia, assim justificada por Agostinho Alvim , em sua exposição de motivos: “Ao tra ta r da transmissão do crédito, o art. 288 usa da expressão 'ineficaz', em lugar de dizer que nega validade ao ato. Aquela locução aparece em muitos outros lugares porque o Anteprojeto, seguindo a moderna orientação dos civilistas, estabeleceu distinção entre invalidade e ineficácia do negócio jurídico. Ele o fez, casuisticamente, sempre que se lhe deparou oportuni­ dade, mas sem regulam entar a m atéria, de modo norm ativo, disciplina esta cujo lugar seria na Parte Geral, onde se dispõe sobre a invalidade do negócio jurídico. Com efeito, geralm ente se tom a a ineficácia como gênero, sendo a nulidade uma form a de ineficácia (cf. M anuel Domingues de Andrade, Teoria g e ra l da re la çã o ju ríd ic a , Coimbra, 1966). Os códigos não têm disciplinado o as­ sunto. Dele não trata o português de 1966, nem o italiano de 1942. Este últim o, segundo Trabucchi, dispõe sobre a m atéria nos Capítulos X a XV, do Liv. IV, Tít. II. 0 que aí está relaciona-se com a ineficácia, mas não disciplina o instituto, continuando a distinção entre ineficácia e invalidade a ser m atéria de pura doutrina (cf. Betti, Teoria g e n e ra li d e i n e g o zio g iu ríd ic o , p. 468, ed. 1960). Entre nós os civilistas abstêm-se de dissertar sobre esse ponto. Ocorrem-nos duas exceções: Pon­ tes de M iranda e Am oldo W ald que a ele se referem , resumidamente. Os civilistas franceses atuais silenciam a respeito, em seus cursos (M azeaud, Carbonnier, M ax W ell). Em Portugal a matéria permanece no campo da doutrina (Cabral de Moncada, Lições de d ire ito c/V/7). Por isso mesmo, falta critério de distinção extraído da lei, donde resulta a insegurança na aplicação. 0 mais certo, segundo a média de opiniões, será considerar inválido o negócio quando os seus elem entos ou requisitos essenciais estiverem atingidos, enquanto que a ineficácia é a privação to tal ou parcial de efeitos de um negócio válido, podendo ser congênita ou posterior. Por isso mesmo que se trata de um assunto novo e inseguro, redobraram-se os esforços para que as distinções fossem sempre feitas com possível firm eza" (A n te p ro je to de C ódigo Civil, 2. ed., 1973, p. 72).

DOUTRINA • A lém do instrum ento público, a cessão de crédito pode operar-se por fo rça da lei ou de de­ cisão ju d ic ia l, hipóteses em que, n a tu ra lm e n te, nào se subordina às exigências do presente a rtig o , com o desnecessariam ente repetia o a rt. 1.608 do Código Civil de 1 9 16 , em boa hora suprim ido no Código atual. • Em sua nova conform ação, a cessão de crédito pode operar-se tam bém por instru m en to p a rtic u la r revestido apenas das fo rm alidades do § 1o do art. 654, a tin en tes ao instrum ento de m andato . Assim, basta que o instru m en to p a rtic u la r contenh a a indicação do lugar em que fo i passado, a qualificação das partes, o objetivo e a extensão da cessão. Nào há mais a exigência de que seja subscrito por duas testem unhas e posteriorm ente registrado em c a rtó ­ rio. Deve ser elogiada a redução das fo rm alidades de in strum entalização da cessão, em tu d o condizente com a necessidade de agilização das transações civis e com erciais im posta pelos dias atuais. • A Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 (Lei de Registros Públicos), e n tre ta n to , co ntin ua a exig ir o registro (art. 129) do instrum ento de cessão apenas com o requisito para oponibilidade do a to fre n te a terceiros e nào com o requisito de valid ade da própria cessão in t e r p a rte s .

Arts. 289 e 290

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291

• A eficácia fre n te a terceiros fica, p o rtan to , subordinada ao registro, ta m b é m em fu n ção do q ue estabelece o a rt. 221 deste Código.

JULGADO • "Cessão de crédito. Cédula de Crédito Bancário. Pretensão de substituição processual do polo ativo pelo cessionário. Indeferim ento. Inobservância de cum prim ento ao disposto no art. 221 do NCC. 0 devedor é terceiro em relação à cessão ocorrida. Exegese do art. 288 do NCC. Decisão m antida. Recurso não provido" (TJSP, Ag. 99 00 9 3 16 3 2 92 , Rei. Des. Rubens Cury.j. em 1 5 -1 2 -2 0 0 9 ).

Art. 2 8 9 .0 cessionário de crédito hipotecário tem o direito de fazer averbar a cessão no registro do imóvel. HISTÓRICO • 0 dispositivo nào foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao pará­ grafo único do art. 1.067 do Código Civil de 1916, agora transform ado em artigo autônom o.

DOUTRINA • A cessão de crédito g a ra n tid a por hipoteca abrange a g a ra n tia (art. 2 8 7), e, por se tra ta r de c ré d ito real im obiliário, é de to da conveniência para o cessionário que se proceda à averbação da cessão ao lado do registro da hipoteca. Diz Caio M á rio , ainda, que a cessão deverá constar do mesmo registro, a fim de h a b ilita r o cessionário a ag ir com o sub-ro gado do credor. Mas, vale lem brar, é apenas um a faculdade, e não dever, do cessionário. Trata-se, segundo Serpa Lopes, de “duas relações jurídicas distintas, em bora um a subordinada a ou tra, em que o acessório é considerado um d ire ito im o b iliário e m obiliário o principal" (M ig u el M a ria de Serpa Lopes, C u rso d e d ire ito c iv il, 2. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1957, v. 2, p. 537). • 0 credor que cedeu o crédito hipotecário nào te m leg itim id ad e ativa para prom over a sua cobrança, nem m u ito m enos h a b ilitá -lo , com o seu, em processo de falência.

JULGADOS • "Cessão de crédito hipotecário. Locação de Imóveis. Execução fundada em titu lo extrajudicial promovida sob a égide da legislação processual antiga. Procedimento da arrem atação. Lanço oferecido por cessionária de crédito hipotecário por conta do crédito excutido contra os mesmos devedores de obrigação garantida pela hipoteca do mesmo bem, igualm ente penhorado. Deter­ minação judicial quanto à demonstração da averbação da cessão no registro do imóvel, ou o depósito do valor do lanço no prazo legal. C onfirm ação,'... se o prédio objeto do precedente auto de penhora não constituiu objeto de garantia real a mais de um credor, não se pode obstar o di­ reito da cessionária de crédito hipotecário em fazer averbar a cessão no registro do imóvel, com vistas a assegurar os direitos transferidos pela cessão'. Recurso desprovido" (TJSP, Ag. 992070156483, Rei. Des. Júlio Vidal, j. em 2 2 -5 -2 0 0 7 ). • "Agravo de instrum ento. Execução de cotas condominiais. Cessão de crédito hipotecário efetuada entre HABITASUL e Caixa Econômica Federal. Ilegitim idade do condomínio para registrar cessão de outrem no álbum im obiliário. Recurso provido" (TJRS, Ag. 70 01 8 7 97 2 6 6, 19* Câm. Civel, Rei. Des. M ário José Gomes Pereira, j. em 8 -5 -2 0 0 7 ).

Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.

292

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Art. 290

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.069 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • C on form e já constava do a n te p ro je to e do projeto de Código de Obrigações, bem com o do Código Civil de 1 9 16 , "pode a cessão ser no tificad a por via ju d ic ia l, com o ta m b é m particular, ou ainda revestir a m odalidade da notificação presum ida, que assim se considera a que re­ sulta de qualq u er escrito público ou particular, no qual o devedor m anifesta a sua ciência ( C ó d ig o C ivil, a rt. 1 .06 9 ; A n te p ro je to , a rt. 165; P ro je to , art. 169). Nesse sentido d o u trin a m os doutores, com o ainda naquele de considerar que, e n q u a n to não notificad a, ou aceita a cessão não é oponível ao devedor" (Caio M á rio da Silva Pereira, In s titu iç õ e s d e d ir e ito c iv il, cit., p. 2 6 0). • Na vigência do Código Civil de 1 9 1 6 contestava-se a necessidade do presente dispositivo, um a vez que os efeitos da cessão em relação a terceiro (o devedor não é p arte no c o n tra to de cessão) já estavam regulados em o u tro artig o (art. 1.067 do CC /19 1 6 e art. 2 8 8 do C C /2002). E ntretanto, com a sim plificação do m odo de se in s tru m en talizar a cessão, revigorou-se a necessidade e conveniência da m an u ten ção desse artig o no Código atual.

JULGADOS • "Direito civil e empresarial. Ação m onitoria. Cobrança de duplicata pelo cessionário da cártula. Embargos monitórios onde se comprova o pagam ento realizado ao credor originário. Ausência de prova do devedor quanto à ciência da cessão de crédito supostamente negociada entre credor e faturizador. Acolhim ento dos embargos com a conseqüente improcedência do pedido m onitório. Apelo a que se nega seguimento. A duplicata em itida, objeto da presente m onitoria, refere-se à obrigação já quitada no vencim ento pelo devedor ao credor originário. Alegação de cessão de crédito sem que haja qualquer prova da ciência do devedor acerca da negociação entabulada entre credor originário e faturizador. Ademais, é inverossímil que o suposto cessionário aguarde mais de dois anos após o vencim ento da cártula para notificar o devedor e cobrar-lhe em juizo a alegada dívida. Escorreito acolhim ento dos embargos monitórios. Entendim ento do E. STJ acerca do tem a. Recurso m anifestam ente im procedente. Aplicação do artigo 557, ca p u t, do CPC c/c ar­ tigo 31, VIII, do Regimento Interno deste E. Tribunal" (TJRJ, Ap. 0 3 8 1 2 4 8 -29 .2 0 08 .8 .1 9.0 0 0 1, Rei. Des. Cleber Ghelfenstein, j. em 1 7 -6 -2 0 1 0 ). • "Embargos à execução. Duplicata. Fa cto rin g . Comprovação de notificação do sacado acerca da cessão do crédito. Pagamento efetuado indevidam ente ao credor originário. Sentença de rejeição dos embargos. M anutenção. Restou suficientem ente demonstrada nos autos a efetiva notificação do sacado, através de carta com Aviso de Recebimento, acerca da cessão do crédito objeto da execução. Com efeito, à ausência de disciplina específica, aplica-se ao contrato de fa c to rin g o disposto no art. 290 do Código Civil acerca da cessão de crédito, no sentido de que qualquer documento público ou particular é suficiente a cientificar o devedor da cessão. Assim, tendo restado incontroversa a existência da divida consubstanciada no títu lo executivo, e demonstrado que a executada teve ciência da cessão de crédito realizada pelo prim itivo credor, conclui-se que o pagam ento indevido a este nào extingue a obrigação, devendo, pois, os embargos a execução serem rejeitados. Precedentes. Desprovimento do recurso" (TJRJ, Ap. 0 0 20 4 5 7-28 .2 0 08 .8 .1 9.0 2 0 9, Rei. Des. Carlos Santos de Oliveira, j. em 1 6 -3 -2 0 1 0 ). • "Agravo de instrum ento. Execução. Exceção de pré-executividade. Cessão de crédito. Legitim ida­ de passiva. Notificação do devedor prim itivo. Arts. 2 8 6 e 290 do Código Civil de 2002. Inadim plida a obrigação pelo devedor prim itivo, pode o cessionário direcionar a ação de execução contra o cedente, nenhum a relevância tendo o fato daquele não te r sido previam ente notificado. A e fi­ cácia da cessão em relação ao devedor prim itivo, m ediante regular notificação, está relacionada

Arts. 291 e 292

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293

com o cuidado de se evitar pagam ento a quem nâo mais é o credor. Termo de cessão de direitos assinado pelo cedente e duas testemunhas. Titulo executivo extrajudicial (art. 585, II, do CPC). Demonstração da origem da dívida. Desnecessidade. É títu lo executivo extrajudicial o documento particular subscrito pelo devedor e por duas testemunhas, sendo desnecessária a comprovação da origem do negócio. Execução. Exceção de pré-executividade. Alegação de nulidade pela ausência de cum prim ento de term o ou condição. M atéria que reclama dilação probatória. Procedimento incompatível com o incidente eleito. 0 incidente processual de exceção de pré-executividade nào autoriza a apreciação de m atéria que reclama a dilação probatória. Processual civil. Exceção de pré-executividade. Rejeição. Honorários advocaticios afastados. Precedentes. A improcedência do incidente de exceção de pré-executividade não gera a condenação em verba honorária" (TJSC, Agl 2 0 0 4 .0 2 1 2 0 4 -6 , Rei. Des. Jânio Machado, DJSC, 1 7 -4 -2 0 0 6 , p. 29). • "Direito processual civil. Recurso especial. Ação de execução. Cessão de crédito. Substituição de partes. Ausência de notificação. Conhecim ento pelo devedor. Anuência desnecessária. A cessão de crédito não vale em relação ao devedor, senão quando a ele notificada, contudo, a manifestação de conhecim ento pelo devedor sobre a existência da cessão supre a necessidade de prévia n o tifi­ cação. Precedentes desta Turma. Em consonância com o disposto no art. 567, II, do CPC, pode ser dispensada a anuência do devedor quando form ulado pedido de substituição do polo ativo do processo de execução, pois este ato processual nào interfere na existência, validade ou eficácia da obrigação. Recurso especial conhecido e provido" (STJ, REsp 588.321/M S , Rei. M in. Nancy Andrighi, j. em 4 -8 -2 0 0 5 , DJ, 5 -9 -2 0 0 5 , p. 399).

Art. 291. Ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, prevalece a que se completar com a tradição do título do crédito cedido. HISTÓRICO • 0 dispositivo nâo foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.070 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Este artig o tra ta da situação em que o credor realiza, ilicitam e n te , sucessivas ou sim ultâneas cessões de um mesmo crédito. • O correndo pluralidade de cessões, cujo títu lo representativo seja da essência do crédito, com o se dá nas obrigações cam biais, nào há m aiores problem as. 0 devedor deve pagar a quem se a presentar com o po rtad o r do instrum ento. Nas dem ais, Caio M á rio nos oferece as opções para que venha o devedor decidir a quem pagar: "a prim eira, e de m aior m on ta, é a que se prende è a n te rio rid a d e da notificação, que se apura com o m aior rigor, indagando-se do dia e a té da hora em que se realize. No caso de serem sim ultâneas as notificações, ou de se não conseguir a dem onstração de a n terio rid ad e, ra te ia-s e o valo r e n tre os vários cessionários" (Caio M á rio da Silva Pereira, In s titu iç õ e s d e d ir e ito e ivil, cit., p. 2 6 5). Os cessionários p reju ­ dicados, por sua vez, acionarão o credor cedente, deduzindo a co m p e te n te pretensão de reparação civil. • Persistindo a dúvida, deve o devedor valer-se da consignação jud icial.

Art. 292. Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário que lhe apresenta, com o título de cessão, o da obrigação cedida; quando o crédito constar de escritura pública, prevalecerá a prioridade da notificação.

294

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Art. 293

HISTÓRICO • O dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.071 do Código Civil de 1916, eom o acréscimo da cláusula final, correspondente ao art. 161 do Projeto de Código de Obrigações de 1967.

DOUTRINA • Se o devedor nào fo i n o tificad o da cessão, deve pagar ao credor prim itivo. Se fo i n o tificad o mais de um a vez, deve pagar a quem apresentar o títu lo da obrigação cedida, salvo se a obrigação constar de escritura pública, hipótese em que prevalecerá a a n te rio rid a d e da no­ tificação . • Os arts. 291 e 2 9 2 , quand o m encionam a pluralidade de cessões, referem -se às hipóteses em que o credor realiza mais de um a cessão, do mesmo crédito, a d iferentes cessionários. Entre­ ta n to . podem ocorrer sucessivas cessões de um m esm o crédito, realizadas, de fo rm a lícita, por sucessivos cessionários. É o que se dá quando o credor João fa z a cessão a Pedro (prim eiro cessionário) que, em a to subsequente, cede a Joaquim (segundo cessionário) o crédito que recebeu de João. N ào há lim ite para a eventual cadeia de cessionários. Se o devedor fo i re­ g u la rm e n te n o tific ad o de todas as cessões, deve pagar ao ú ltim o cessionário, considerando as datas das cessões. N ão te n d o sido notificad o , pagará ao credor prim itivo. Se fo i notificad o de algum as, mas nào de todas as cessões, pagará ao cessionário que o no tifico u por ú ltim o .

JULGADOS • "Declaratória de inexigibilidade de titu lo (duplicata). Julgam ento antecipado da lide. Alegação de cerceamento de defesa não evidenciada, por não perm itida a produção de prova exclusivamente testem unhai para comprovar que a sacadora cedente repassou o valor do titu lo diretam ente à credora cessionária, tendo em vista que a dívida cobrada é superior a 10 (dez) salários mínimos (art. 401 do CPC). Ademais, a prova do pagam ento alegado se demonstra por recibo de transfe­ rência entre as empresas negociantes do titulo, inexistindo qualquer começo de prova escrita a p e rm itira prova testem unhai. Apelação negada. Duplicata m ercantil.Título adquirido pela ré por cessão de crédito em operação de fom ento mercantil celebrada com a sacadora da duplicata. 0 pagam ento feito ao credor prim itivo após a ciência inequívoca da cessão do crédito, caracteriza­ da pela notificação de protesto, não exonera o devedor da obrigação perante o cessionário credor dos títulos (art. 2 9 0 e 292 do CC). Pendendo dúvida sobre quem devesse receber legitim am ente o objeto do pagamento, incumbia à autora depositar judicialm ente o valor da dívida, de form a a preservá-la do cum prim ento indevido da obrigação. Pagamento inválido, sem qualquer eficácia liberatória perante a cessionária, atual credora do titulo. Sentença m antida. Recurso negado" (TJSP, Ap. 7 .05 9 .7 87 -0 , Rei. Des. Francisco Giaquinto, j. em 3 1 -8 -2 0 0 9 ). • "Ação m onitoria. Notas promissórias. Cessão de crédito. Ausência de notificação do devedor. Aplicabilidade do estatuído no artigo 292 do Código Civil, pelo qual o devedor não notificado fica desobrigado de pagar ao credor cessionário, se cumpriu a obrigação perante o credor prim itivo. Recurso provido em virtude do adim plem ento obrigacional. Positivado que o devedor, por não haver sido notificado da cessão de crédito, adim pliu a obrigação perante o credor originário, como vinha fazendo mês a mês, desonerado está de fa zê -lo novam ente para o credor cessionário, em face do disposto no a r t 292 do Código Civil" (TJSC, AC 2 0 0 6 .0 1 6 8 2 9 -0 , Rei. Des. João Henrique Blasi, j. em 2 6 -3 -2 0 0 8 , DJSC E letrônico, 8 -5 -2 0 0 8 , p. 102).

Art. 293. Independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o cessio­ nário exercer os atos conservatórios do direito cedido. HISTÓRICO • 0 presente artigo não sofreu nenhum a alteração durante a tram itação do projeto. Não tem cor­

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respondente no Código Civil de 1916 e foi integralm ente copiado do Projeto de Código de Obri­ gações (art. 162).

DOUTRINA • A notificação do devedor é requisito de eficácia do ato, q u a n to a ele, devedor. M as não im ­ pede o cessionário de se investir em todos os direitos relativos ao crédito cedido, podendo não só p raticar os atos conservatórios, mas todos os dem ais atos inerentes ao d om ín io , in ­ clusive ceder o crédito a o u trem . A cessão de crédito produz efeitos im e d ia ta m e n te nas re­ lações e n tre cedente e cessionário. Assim, todas as prerrogativas que eram do cedente passam de logo ao cessionário. Apenas a eficácia do a to fre n te ao devedor fica dependente da n o ti­ ficação.

JULGADO • "Embargos à execução. Cessão de crédito. Notificação do devedor. Legitimidade ativa para execu­ ção. 1. Na cessão de crédito a ausência de notificação do devedor (CC, art. 290) não afasta a le­ gitim idade ativa do cessionário para a execução do crédito cedido (CPC, art. 567, II). 2. A neces­ sidade da notificação na cessão de crédito é para evitar que se pague a quem já não é mais credor. 3. Alegação de excesso de execução, em razão de pagam ento parcial da divida, que deve ser analisada pelo juizo de origem. 4. Extinção da execução, por ilegitim idade ativa do cessionário, afastada, com determ inação de prosseguimento, para análise das demais questões, no juízo de origem. 5. Apelação do embargado provida" (TJSP, Ap. 9 9 0 1 0 0 6 1 3 2 0 0 , Rei. Des. Alexandre Lazzarini, j. em 2 2 -6 -2 0 1 0 ).

Art 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o ce­ dente. HISTÓRICO • 0 dispositivo nào foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.072 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • P rocurou-se m a n te r no Código a tu a l a disposição do art. 1.072 do Código Civil de 1916, a c la ra n d o -lh e a redação e suprim indo a cláusula fin a l re fe re n te á im possibilidade de se opor ao cessionário de b o a -fé a sim ulação do cedente, a n te a desnecessidade m anifesta da dispo­ sição. A vedação já constitu i princípio geral de direito, segundo o qual ninguém pode b en efic iar-se da própria torpeza. • 0 crédito é tran sferid o com as mesmas características que possuía à época da cessão, não podendo o cedente, por óbvio, tra n s fe rir mais d ireito do que tenh a. 0 cessionário passa a te r os mesmos direitos do cedente, incluindo bônus e ônus. Sendo assim, poderá o devedor opor c o n tra o cessionário todas as form as de defesa de que dispunha c o n tra o cedente, ao tem p o em que te v e co nhecim ento da cessão. • A redação do artig o em c o m en to é bem mais clara que a do a rt. 1.072 do Código Civil de 1916, pois deixa expresso que o devedor só poderá opor contra o cessionário as alegações q ue te ria contra o cedente, fosse ele ainda o titu la r do crédito, pois, com o ressaltava Carva­ lho Santos, “é claro que, depois da cessão notificad a, nào é possível v e rifica r-s e a hipótese de o devedor poder opor qu alq u er exceção ao cedente" (J. M . de C arvalho Santos, C ó d ig o C iv il b ra s ile iro in te rp re ta d o , 8. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1964, v. 14, p. 3 7 1). Prossegue o tra tad ista, a firm a n d o : "as exceções a que se refere o te x to legal, com o se vê, sào unicam en­

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te aquelas que existiam no m o m e n to em que o devedor cedido ten h a co n h ecim en to da cessão. De m aneira que - fiq u e logo esclarecido - o devedor cedido nào pode opor ao ces­ sionário a com pensação, quando, depois da cessão, se to rn e credor do cedente. Vale dizer, ainda: o devedor não poderá opor ao cessionário exceções posteriores à n o tificação da cessão e relativas ao cedente, mas poderá o p o r-lh e as exceções pessoais do mesmo cessionário, com o sejam , p. ex., a com pensação, a prescrição, etc. (cf. Cunha Gonçalves, obr. cit.; A u b ry e t Rau, obr. cit., § 3 5 9 bis; Laurent, obr. e loc. c its j" (J. M . de C arvalho Santos, C ó d ig o C iv il b ra s ile i­ r o in te rp re ta d o , cit., p. 3 7 1 ). Em sum a, o devedor só poderá a leg ar c o n tra o cessionário as defesas que ten h a contra o cedente à época da cessão, jam ais as incorporadas posteriorm en­ te. Já as defesas pessoais, suas, c o n tra o cessionário, poderão ser alegadas a q u a lq u e r tem po .

JULGADOS • "Agravo de Instrum ento. Execução por Título Extrajudicial. Notas promissórias. Compensação de créditos e débitos das partes reconhecida. Invocada necessidade de intim ação para embargar. Alegada impropriedade da decisão, por não possuir mais a executada o títu lo compensado, trans­ ferido a terceiro. Pretendida impossibilidade de compensação. Desacolhimento. Apelo não conhecivel no primeiro aspecto, por inexistência de dedução e decisão a respeito em prim eiro grau. Oposição da devedora, exequente, à cessão realizada, notificando, oportunam ente, cedente e cessionário para a compensação. Efeitos da transmissão do titu lo nào a atingindo. Direito da de­ vedora obrigando a cessionária. Inteligência dos arts. 290, 294 e 3 6 8 do C.C. Recurso parcialm en­ te conhecido e improvido. Para que créditos sejam compensados, por lei, convenção ou judicial­ m ente, o diploma civil estabelece como pressuposto essencial a existência de reciprocidade, vale dizer, que as partes em questão sejam, ao mesmo tem po, credoras e devedoras, uma da outra. Esta regra da identidade de sujeitos, credores e devedores recíprocos, porém, resta m itigada pelo a rti­ go 290 do Código Civil, prescrevendo que a cessão de crédito não terá eficácia em relação ao devedor se este não fo r notificado dela, tendo-se a notificação como suprida se ele, por escrito público ou particular, declarar-se ciente da mesma. Também a m itiga o artigo 294 dizendo que o devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe com petirem , as quais tinha ao tem po da cessão, oportunidade em que pode deduzir sua pretensão de compensar, ficando o cessionário obrigado a respeitar tal direito" (TJSP, Ag. 9 9 1 0 9 0 1 8 5 3 7 5 , Rei. Des. Vieira de M oraes, j. em 1 3 -5 -2 0 1 0 ). • "M onitoria. Faturas de cartão de crédito. Prescrição. M atéria de ordem pública. Possibilidade de reconhecimento a qualquer tem po. Artigo 219, § 5o do CPC. Vencim ento das faturas cártulas na vigência do Código Civil de 1916. Aplicabilidade da regra de transição fixada no art. 2.028 do Código Civil de 2002. Prazo qüinqüenal, nos termos do art. 206, § 5o, inc. I, do Código Civil em vigor. Cessão de crédito. Possibilidade de oposição dessa exceção em face do cessionário. Prazo prescricional que é contado do vencim ento da fatu ra. Decurso do prazo antes do ajuizam ento da ação. Prescrição reconhecida. Sentença reform ada. Recurso provido" (TJSP, Ap. 9 9 1 0 9 0 5 0 8 2 4 7 , Rei. Des. Tasso D u arte de M elo, j. em 2 4 -3 -2 0 1 0 ). • "Direito civil. Cessão de crédito. Notificação do devedor. Necessidade de manifestação, por este, das exceções pessoais de que é titu lar em face do credor prim itivo. Art. 1.072 do CC/16 (equiva­ lente ao a r t 2 9 4 do CC/02). Alcance do dispositivo. Diferenciação entre defesas diretas, por um lado, e exceções processuais, substanciais e pessoais, por outro. Obrigatoriedade de o devedor m anifestar, no ato de transferência do crédito, apenas as suas exceções pessoais, compreendidas no seu sentido estrito. Possibilidade de oposição, posteriorm ente, ao sucessor no crédito, de todas as defesas diretas de que dispunha contra o credor prim itivo, não obstante tenha o devedor silen­ ciado no m om ento da transferência do crédito. No m om ento em que se dá a transferência de um crédito, o credor prim itivo não pode transferir ao sucessor mais do que dispunha naquele m om en­ to. Assim, todos os motivos que possivelmente levariam á inexistência do crédito permanecem hígidos, não obstante a transferência. Isso se evidencia pelo fa to de a transferência de créditos poder ser promovida com as cláusulas ve rita s n o m in is e b o n ita s n o m in is. 0 art. 1.072 do CC/16 (art. 2 9 4 do CC/02), ao dispor sobre a possibilidade de o devedor m anifestar suas exceções pesso­ ais no m om ento em que notificado da transferência do crédito, não estabelece uma obrigação,

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mas uma faculdade ao devedor. A conseqüência da não m anifestação de sua discordância com o ato de transferência somente tem efeito preclusivo quanto às exceções pessoais de que disporia contra o credor prim itivo, como é o caso da compensação ou da e x c c p tio n o n a d im p le tis c o n tra c tus. Todas as defesas diretas de que dispunha o devedor, que se prendem à existência de seu dé­ bito, podem ser opostas judicialm ente ao credor sucessor, não obstante o silêncio do devedor no ato de cessão do crédito. Na hipótese dos autos, o Tribunal indeferiu a produção de prova pericial tendente à comprovação de uma defesa direta do devedor porque, tendo em vista as provas dos autos, a perícia seria desnecessária. Assim, nào obstante seja direito do devedor alegar e provar as defesas diretas de que dispuser, no processo sub ju d ic c o acórdão recorrido se sustenta por fu n ­ dam ento inatacado. Recurso especial não conhecido" (REsp 780.774/SP, 3 4 T., Rei. M in. Nancy Andrighi, j. em 7 -1 0 -2 0 0 8 ).

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas de alteração deste artigo, v id e comentários ao art. 273.

Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.073 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Nas cessões onerosas, o cedente sem pre será responsável pela existência do crédito, mesmo na ausência de convenção a esse respeito (g aran tia de d ireito ). Im p o rta n te ressaltar que nào se tra ta apenas de existência m aterial do crédito, mas a existência em condições de p e rm itir ao ad q u iren te desse crédito o exercício dos direitos de credor, vale dizer, a viab ilidade do exercício da cessão. 0 crédito cedido, mesmo existente, pode, p. ex., ser de difícil ou im pos­ sível cobrança, o que não se c o n fu n d e com a solvência do devedor (g aran tia de fa to ), em que o cedente só responderá quand o previsto no c o n tra to (v. a rt. 2 9 6 deste Código). • Nas cessões g ra tu itas (doação, legado etc.), o cedente só será responsabilizado, inclusive pela existência do crédito, se tiv e r agido de m á -fé .

JDLGADOS • "Apelação. Embargos à execução. Embargantes. Nota promissória. Operação de fa c to rin g . Dupli­ catas com vícios na origem. Responsabilidade do faturizado pela existência do crédito. Exegese do a r t 295 do Código Civil. Emissão de nota promissória como garantia de indenização por perdas e danos em razão dos vícios nas duplicatas. Possibilidade. Valor da nota promissória em itido com base em previsão contratual e em valor inferior ao devido. Regularidade. Sentença m antida. Re­ curso não provido" (TJSP, Ap. 9 9 10 9 0 43 0 1 83 , Rei. Des. Tasso Duarte de Melo, j. em 7 -4 -2 0 1 0 ). • "Agravo de instrum ento. Direito privado não especificado. Ação indenizatória. Inscrição em ca­ dastros de inadimplentes. Cessão de créditos. Denunciação à lide. Cabim ento, conform e disposto nos arts. 70, III, do CPC c/c 295 do CC. A denunciação da lide àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda, consoan­ te preceitua o art. 70, inciso III, do CPC. A teor do que dispõe o art. 295 do Código Civil, o ceden­ te responde ao cessionário pela existência do crédito, decorrendo dai o direito de regresso deste. Agravo de instrumento ao qual se dá provimento, em decisão monocrática" (TJRS, Ag. 70031792880, 18J Càm. Civel, Rei. Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, j. em 2 5 -9 -2 0 0 9 ).

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Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.

HISTÓRICO • O dispositivo náo foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.074 do Código Civil de 1916

DOUTRINA • Nào está o cedente, em regra, obrigado pela liquidação do crédito, salvo se tiver agido de má-fé, como se dá nos casos em que, já sabendo da insolvêneia do devedor, afirma o contrá­ rio, induzindo o cessionário a celebrar um negócio que lhe será prejudicial. Nada impede, porém, que as partes venham a consignar expressamente essa responsabilidade. É o que a doutrina chama de garantia simplesmente de fato, vale dizer, a responsabilidade pela solvibilidade do devedor. cessão de crédito é um negócio jurídico sobre a titularidade de um crédito e, por isso, não tem qualquer influência sobre a substância do crédito cedido, que permanece inalterada. Essa relação de independência ou de abstração entre o crédito e a cessão de crédito possibilita que, em várias e diversificadas situações, a existência, a validade e a eficácia da cessão não coexistam, necessariamente, com a existência, a validade e a eficácia do negócio jurídico que deu origem ao crédito cedido.

• A

JULGADOS • "Apelação civel. Embargos à execução. Cheque. Contrato de faturização. Cessão de crédito. Ilegi­ tim idade afastada. Responsabilidade do faturizado e dos sócios coobrigados e fiadores. Expressa previsão contratual. M anutenção da sentença. 1. Existindo cláusula contratual expressa da res­ ponsabilidade dos Executados pelo pagam ento dos títulos cedidos à Recorrida, afasta-se a alega­ ção de ilegitim idade passiva “ad causam". 2. Em geral, o faturizado nào responde pela inadim plên­ cia do sacado-devedor. 3. No entanto, diante da previsão contratual expressa, é admissível a responsabilização do cedente do crédito pela solvência do sacado-devedor em relação ao cessio­ nário, no caso, o Faturizador" (TJMG, Ap. 0 7 0 1 0 9 2 5 8 9 0 7 -9 , Rei. Des. José Marcos Vieira, j. em 2 8 -4 -2 0 1 0 ). • "Apelação. Falência arrim ada em execução frustrada prevista no art. 94, II, da LRF. Possibilidade de discussão no processo de falência da executividade dos títulos que deram espeque à execu­ ção frustrada. Improcedência da falência sob o fu ndam ento da ausência de responsabilidade da devedora, um a vez que a execução singular fundou-se em cheques objeto de fo m en to m ercan­ til, transm itidos por cessão de crédito, e náo por endosso, inexistindo responsabilidade da ce­ dente pela solvência do devedor. Há dois tipos de operação de fo m en to m ercantil: I) p ro s o lu to em que o fa tu rizad o (cedente) nào assume a responsabilidade pela solvência do devedor do crédito cedido, respondendo somente pelos vícios ou evicção (art. 295, CC), cham ada de res­ ponsabilidade in v e rita s ; II) p ro s o lv e n d o em que o fatu rizad o (cedente) assume expressamente no contrato a responsabilidade pela solvência do devedor do crédito cedido (art. 296, CC), chamada responsabilidade in b o n ita s . Inexistindo no contrato previsão expressa de responsa­ bilidade do faturizado pela solvência dos créditos, náo pode a fatu rizad ora invocar o d ireito de regresso em virtude do não pagam ento do títu lo pelo devedor. 0 endosso por m eio do qual o fatu rizad o form aliza a transferência do titu lo ao fatu rizad or, tem efeito de cessão ordinária, náo incidindo as regras cambiais que estabelecem a responsabilidade do endossante pelo paga­ m ento do titu lo endossado. Inteligência do art. 21 da Lei do Cheque. Apelo desprovido, m a n ti­ da a sentença de improcedência da ação de falência" (TJSP, Ap. 9 9 4 0 8 0 5 1 1 5 0 5 , Rei. Des. Perei­ ra Calças, j. em 1 8 -8 -2 0 0 9 ).

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Art. 2 9 7 .0 cedente, responsável ao cessionário pela solvência do devedor, não respon­ de por mais do que daquele recebeu, com os respectivos juros; mas tem de ressarcir-lhe as despesas da cessão e as que o cessionário houver feito com a cobrança. HISTÓRICO • O dispositivo nâo foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.075 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração.

DOUTRINA • E nquanto na g a ra n tia de d ire ito (art. 2 9 5 ) o cedente será responsável pelo valo r to ta l da dívida cedida, na cham ada g a ra n tia de fa to , denom inação que a d o u trin a usa para se referir à responsabilidade do ced en te pela solvência do devedor, aquele só responderá pelo que recebeu do cessionário e não pelo to ta l da dívida cedida. Deve, no e n ta n to , fa ze r re to rn a r o cessionário á situação a n te rio r à celebração da cessão, d e v o lven d o -lh e o que houver gasto, te n ta n d o cobrar a dívida do devedor insolvente.

JULGADOS • “Apelação cível. Ação de cobrança. F a cto rin g . Inadim plem ento do sacado. Responsabilidade do cedente endossatário. Expressa previsão contratual. Correção m onetária. Termo o quo. Justiça gratuita. Como regra geral, tem -se que o cedente dos créditos não pode ser responsabilizado pela solvabilidade do devedor do títu lo de crédito negociado, pois é da natureza do fa c to rin g a assun­ ção, pelo faturizador, dos riscos pelo inadim plem ento dos créditos transferidos. Contudo, o cedente-endossante assume a responsabilidade pela solvabilidade do titulo, caso tenha se declarado solidariam ente responsável pelo cum prim ento da obrigação (...)" (TJMG, Ap. 1.0596.09.0534824 /0 0 1 , Rei. Des. Eduardo Mariné da Cunha, j. em 2 8 -1 -2 0 1 0 ). • “Ação de cobrança. Cessão de crédito. Hipótese em que o cedente assumiu plena, total e incondi­ cional responsabilidade pelo pagam ento do crédito cedido. Inexigência de prova do não pagam en­ to pelos devedores. Recurso provido para condenar a ré a pagar ao autor o valor do crédito cedi­ do" (TJSP, Ap. 9 9 1 0 5 0 4 4 9 1 7 7 , Rei. Des. Renato Rangel Desinano, j. em 3 0 -7 -2 0 0 9 ).

Art. 2 9 8 .0 crédito, uma vez penhorado, não pode mais ser transferido pelo credor que tiver conhecimento da penhora; mas o devedor que o pagar, não tendo notificação dela, fica exonerado, subsistindo somente contra o credor os direitos de terceiro. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.077 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A penhora, ao vincular o crédito ao processo de execução, fa z com que ele saia da esfera de disponibilidade do credor, que, por essa razão, não pode mais tra n s fe ri-lo a terceiro. Se, ainda assim, proceder o credor à cessão do crédito penhorado, podem ocorrer trés hipóteses distintas: a) se o devedor não houver sido n o tificad o da cessão e desconhecia a penhora, paga v a lid am e n te ao cedente; b) se n o tific ad o da cessão e desconhece a penhora, paga v a lid a m e n ­ te ao cessionário, cabendo ao exeq uen te buscar o seu crédito, in d ifere n tem e n te das mãos do cedente ou do cessionário, um a vez que a cessão operada e n tre eles nào te m eficácia fre n te à execução; c) se o devedor sabia da penhora, não poderia mais pagar ao cedente ou ao cessionário. Se o fizesse, estaria sujeito a pagar novam ente.

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JULGADOS • “Agravo de Instrum ento. Ação de dissolução de sociedade c.c. apuração de haveres. Fase de exe­ cução. Indeferim ento de pedido de exclusão da lide de assistente litisconsorcial. Cessão de crédi­ to objeto de penhora. Reconhecimento de ineficácia do ato em relação a terceiros, perm anecen­ do, porém, válido entre seus contratantes. Assistente litisconsorcial m antida na lide. Existência de interesse jurídico. Recurso improvido" (TJSP, Ag. 9 9 4 0 7 0 3 0 0 7 0 0 , Rei. Des. Carlos Stroppa, j. em 2 9 -7 -2 0 0 8 ). • “Cessão de crédito. A to jurídico praticado com infringência ao disposto no artigo 2 9 8 do Código Civil de 2002. Crédito em questão que era objeto de penhora para garantia de dívida. Nulidade absoluta. Reconhecimento que pode ser feito nos próprios autos. Código Civil, artigos 166, n. VII e 168. Exclusão do pedido de assistência litisconsorcial form ulado pela cessionária. Agravo provi­ do para esse fim " (TJSP, Ag. 9 9 40 7 0 96 1 9 30 , Rei. Des. J. G. Jacobina Rabello, j. em 8 -1 1 -2 0 0 7 ).

C apítulo II — DA ASSUNÇÃO DE DÍVIDA Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava. Parágrafo único. Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração de m érito durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 167 do Projeto de Código de Obrigações.

DOUTRINA • A s s u n ç ã o d e d ív id a : A denom in ação vem do d ire ito alem ão (D /e S e h u ld ü b e m a h m e ). Diz-se do negócio ju ríd ic o b ilateral pelo qual um terceiro, estranho à relação obrigacional, assume a posição de devedor, responsabilizando-se pela dívida, sem extinção da obrigação, que sub­ siste com os seus acessórios. Ou seja, é a sucessão a títu lo singular do polo passivo da o b ri­ gação, perm anecendo in tacto o d é b ito originário, ao co n trá rio do que ocorre com a novação, com o verem os mais adiante. • D u ran te m u ito te m p o discutiu-se e n tre nós a adm issibilidade da assunção, a n te a fa lta de previsão expressa no Código Civil de 1916. A d o u trin a trad icio n al de origem rom anista sem ­ pre se perfilhou no sentido de nào ser possível a substituição, a títu lo singular, do devedor, sem que se extinguisse o vínculo obrigacional. Essa posição, no e n ta n to , restou superada, ad m itin d o -s e no nosso o rdenam ento, ainda na vigência do Código Civil de 1916, a assunção de dívida, mesmo sem regulam entação em te x to de lei. Dizia o m estre O rlando Gomes: "No D ireito p átrio, é admissível, assim, a sucessão no déb ito pelas norm as previstas em outras legislações. Nào convence a o pin ião de que a substituição do devedor na relação obrigacional som ente se possa e fe tu a r m ed ian te novação" ( O b rig a ç õ e s , cit., p. 2 7 6). E mais: “A liberdade de c o n tra ta r é reconhecida e assegurada com lim itações que se restringem p raticam en te à in tan g ib ilid ad e da ordem pública e dos bons costumes. C onsequentem ente, não há obstácu­ lo legal à livre pactuaçào de negócio que te n h a por fim a sucessão singular na dívida, sem novação. A m atéria, com o a d m ite o próprio De Gaspareli, é e m in e n te m e n te privada. Basta, pois, que as partes, ao estipularem um a delegação ou exprom issão, regulem seus efeitos de m odo a re tira r do negócio qualq u er sentido novatório . N ão há, p o rtan to , incom patib ilidade

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sob esse aspecto, nem sob o técnico" (O rlando Gomes, O b rig a çõ e s, cit., p. 2 7 6 -7 ). A mesma celeum a instalou-se no d ire ito português, vindo Alves M o reira a registrar: “é o conteúd o que c onstitu i essencialm ente a obrigação, podendo ser in d ifere n te, para o devedor, a pessoa a q uem ela apro veitará, e, para o credor, a pessoa que ten h a de a cum prir, devendo consequen­ te m e n te a d m itir-s e , desde que o credor o consinta, a substituição do devedor, sem que essa substituição extin g a o vínculo o b rig ató rio preexistente, que pode, em v irtu d e da mesma causa jurídica, c o n tin u a r a subsistir com os seus acessórios" (G uilherm e Alves M o reira , I n s ti­ tu iç õ e s d o d ir e ito c iv il p o rtu g u ê s , cit., p. 181). • O b je to : Seu o b je to podem ser todas as dívidas, presentes e fu turas, aí incluídos os deveres secundários do devedor, a exem plo da atualização m o n etária e dos juros de m ora. Nos casos de transferência de estabelecim ento com ercial, o Código a tu a l disciplina a assunção do pas­ sivo nos arts. 1 .14 5 e 1.146, a d ia n te com entados. • E spécies: a) exprom issão: é m odalidade de assunção caracterizada pelo c o n tra to e n tre credor e um terceiro, que assume a posição de novo devedor, sem necessidade de com parecim ento do a n tig o devedor; e b) delegação: caracterizada pelo acordo e n tre o devedor o rig in ário e o terceiro que vai assumir a dívida, cuja validade depende da aquiescência do credor. As duas m odalidades podem , ainda, possuir efeitos liberatórios ou cum ulativos. Na assunção lib e rató ria ocorre a liberação do p rim itiv o devedor. Na cum ulativa, d á-se o ingresso do terceiro no polo passivo da obrigação, sem que ocorra a liberação do a n tig o devedor, que perm anece na relação, com liam e de solidariedade com o novo. Aqui, diz Luiz Roldão de Freitas Gomes, "o assuntor se vincula, solidariam ente, ao lado do prim itivo devedor, pela m esm a obrigação deste, d ian te do credor, que pode cobrar a prestação q u e r de um , q u e r de o u tro , de m odo indistinto" [D a a s s u n ç à o de d iv id a e s u a e s tru tu ra n e g o c ia i, cit., p. 3 0 6 ). N ão se confunde com a fian ça, em que o fia d o r responde por dívida alheia, e n q u a n to o assuntor c u m u lativo ê titu la r do débito, em nom e próprio. É ta m b é m cham ada de coassunçào, adesão ou adjunção à dívida. • 0 a rt. 2 9 9 , ora em com ento , não dispôs sobre as m odalidades de assunção, pois sua intenção parece re fe rir-s e apenas à segunda m odalidade de assunção de dívida (form a delegatória), na qual o consentim ento expresso do credor constitui requisito de eficácia do ato. Na fo rm a exprom issória não haveria que se fa la r em consentim ento do credor, um a vez que é este quem celebra o negócio com o terceiro que vai assumir a posição do p rim itiv o devedor. O artig o tam bém se o m itiu de m encionar os e fe ito s da assunção d elegatória antes do assentim ento do credor, além de se abster c o m p le ta m e n te de tra ta r da assunçào cum ulativa. • 0 artig o exige, ainda, que a aceitação do credor seja expressa, não a d m itin d o , em regra, a aceitação tá c ita , que ocorre, com o observa O rlando Gomes, "quando o credor, sem reserva de espécie algum a, recebe parte da dívida ou consente a prática de o u tro a to que faça supor te r o terceiro a qualidade de devedor” ( O b rig a ç õ e s , cit., p. 2 6 5 ). 0 a tu a l Código, no en tan to , a d m ite em um único caso a aceitação tá c ita , na hipótese de inação do credor, prevista no art. 3 0 3 , com entado logo adiante. • O correndo a insolvêneia do novo devedor, fica sem e fe ito a exoneração do an tig o . Nesse aspecto, o dispositivo é ta m b é m criticad o por Luiz Roldão de Freitas Gomes, por não haver ressalvado a hipótese de que as partes, aceitand o correr o risco, exonerem o p rim itiv o deve­ d o r mesmo se o novo fo r insolvente à época da celebração do c o n tra to . Da fo rm a com o se enco n tra redigido o dispositivo, diz o au to r, “parece nào haver a lte rn a tiv a : se o novo devedor já era insolvente à época da assunção e o credor o ignorava, não resulta exonerado o a n tig o devedor. M as pode o credor p re fe rir correr o risco, liberando, por m otivos vários, aquele" [D a a s s u n ç à o d e d iv id a , cit., p. 288). • 0 p arág rafo único do a rt. 2 9 9 fo i p ra tic a m e n te copiado do Código Civil alem ão (art. 4 1 5). Em ilio Eiranova Encinas, em seu C ó d ig o C iv il a le m á n c o m e n ta d o , e n fa tiz a que “Si el deudo r

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o el tercero exigen al acreedor su ra tific a ció n d e n tro de un período establecido de tiem po, (...) si no declara, se considerará que haja sido denegada" (M a d rid , M arcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 1998, p. 156). M as ta m b é m é o b je to da crítica de alguns autores, a exem ­ plo de Caio M ário, c itad o por Luiz Roldão de Freitas Gomes, que o consideram desnecessário, “pois se a assunção de dívida nào fo r concertada, de com um acordo, com o credor, de nada vale sua interpelação para que m anifeste a sua anuência. Se ele não a deu. na fase dos e n ­ tend im entos, ou se o devedor não a obteve, não será a interpelação que m udará seus propó­ sitos" [D a a s s u n ç ã o de d ív id a , cit., p. 2 8 8).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 16, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: " 0 art. 299 do Código Civil não exclui a possibilidade da assunção cum ulativa da divida, quando dois ou mais devedores se tornam responsáveis pelo débito com a concordância do credor".

JULGADOS • "Compra e venda de veiculo. Contrato verbal. Impossibilidade de alcance do credor originário. Art. 299 do CC/02. Danos morais. 0 autor propôs a presente demanda alegando, como causa de pedir, um contrato verbal que realizou com seu então am igo à época dos fatos, de transferência de veículo autom otor. As partes acordaram o preço de R$ 5.000,00, ficando o réu responsável pelas demais parcelas do contrato de financiam ento. 0 art. 299 do CC/02 é claro ao determ inar que "é facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentim ento expresso do credor, ficando exonerado o devedor prim itivo, salvo se aquele, ao tem po da assunção, era insolvente e o credor o ignorava". Assim, em havendo apenas um contrato verbal entre amigos à época, não havendo consentim ento do credor para com a assunção de divida, não é possível a procedência do pedido para transferir o veiculo para o nome do rêu, sem a devida comprovação da quitação da divida. 0 apelante alega que o contrato de financiam ento está quitado, mas apenas anexou os três últimos comprovantes de quitação. A quantificação da reparação em RS 5.000,00 afigura-se correta. Desprovimento do recurso" (TJRJ, Ap. 0 0 1 6 0 5 4 -16 .2 0 08 .8 .1 9.0 2 0 9, Rei. Des. Roberto de Abreu e Silva, j. em 6 -7 -2 0 1 0 ). • "Apelação civel. Rito ordinário. Embargos de terceiro. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Di­ vergência entre as avaliações que não se presta a afastar a presunção de boa-fé da adquirente. Promessa de compra com assunção de divida. Fraude inconsistente nào configurada. Empresa cedente assumiu as obrigações do devedor. Credor Embargado não anuiu à transação. Artigo 299, do NCC. Notificação inexistente. Invalidade do negócio jurídico. Ineficácia do ato em relação ao credor. Dou provim ento recurso para julgar im procedente os presentes embargos de terceiro, acima mencionado, determ inando que seja, im ediatam ente, penhorado o imóvel para prossegui­ mento da execução, condenada a Empresa Embargante ao pagam ento das custas judiciais e ho­ norários de advogado do Embargado Apelante em 10% do valor atribuído à causa" (TJRJ, Ap. 2009.001.67670, Rei. Des. Pedro Saraiva Andrade Lemos, j. em 1 0 -3 -2 0 1 0 ). • "Apelação civel. Ação m onitoria. Embargos. Obrigações. Cessão de débito. Falta de anuência do credor. Invalidade. Ilegitim idade passiva a d causam . Questão de Ordem pública. Reconhecimento de oficio. Não é válida a assunção de débito sem o consentimento do credor, nos termos do pre­ ceito do artigo 299 do CC. Não havendo provas nos autos da existência de m andato verbal entre as partes, e existindo prova escrita do débito sem a eficácia de títu lo executivo, deve ele ser co­ brado do devedor originário constante nos títulos, responsável pela obrigação, ocorrendo a ilegi­ tim idade passiva a d ca u sa m em relação á parte que assumiu o débito sem o consentimento do credor, questão de ordem pública, que pode ser reconhecida de oficio, a qualquer tem po e grau de jurisdição" (TJMG, Ap. 1 .0 1 0 5 .06 .1 8 47 0 1 -5 /00 1 (1 ), Rei. Luciano Pinto, j. em 1 9 -4 -2 0 0 7 , publi­ cada em 1 1 -5 -2 0 0 7 ). • "Apelação. Assunção de divida. Art. 299 do CC. Protesto de anterior titulo, bem como daquele que o substituiu. Dano moral. Resultando devidamente comprovado nos autos a ocorrência, entre as partes, da hipótese de assunção de dívida, contida no artigo 299 do CC, ilegal se revela a provi-

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dência tom ada pelo apelante, atinente à apresentação, para protesto, do títu lo anterior, substituí­ do por aquele dado pelo novo devedor, do que decorre a sua declaração de invalidade, bem como autoriza a pleiteada indenização, por danos morais, experimentados. 0 valor da indenização deve, em síntese, corresponder à justa reparação do dano sofrido pelo ofendido e, lado outro, adequa­ da punição ao ofensor, resultando certo que, no caso dos autos, m elhor fixada resta a indenização em valor equivalente a cinco mil reais" (TJMG, Ap. 2 .00 0 0 .00 .4 9 74 5 3 -4 /00 0 (1 ), Rei. Nilo Lacerda, j. em 2 3 -1 1 -2 0 0 5 , publicada em 2 8 -1 -2 0 0 6 ).

DIREITO PROJETADO • Em face do acima exposto, encaminhamos ao então Deputado Ricardo Fiuza proposta para a lte­ ração do dispositivo, que passaria a contar com a seguinte redação: "Art. 299. É facultado a te r­ ceiro assumir a obrigação do devedor, podendo a assunçào verificar-se: I - por contrato com o credor, independentem ente do assentimento do devedor; II - por contrato com o devedor, com o consentim ento expresso do credor. § 1« Em qualquer das hipóteses referidas neste artigo, a as­ sunção só exonera o devedor prim itivo se houver declaração expressa do credor. Do contrário, o novo devedor responderá solidariam ente com o antigo. § 2° Mesmo havendo declaração expressa do credor, tem -se como insubsistente a exoneração do prim itivo devedor sempre que o novo devedor, ao tem po da assunção, era insolvente e o credor o ignorava, salvo previsão em contrário no instrum ento contratual. § 3o Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da divida, interpretando-se o seu silêncio como recusa. § 4» Enquanto não for ratificado pelo credor, podem as partes livrem ente distratar o contrato a que se refere o inciso II deste artigo" (PL n. 6.96 0 /2 00 2 , atual PL n. 6 9 9/2011).

Art. 300. Salvo assentimento expresso do devedor primitivo, consideram-se extintas, a partir da assunção da dívida, as garantias especiais por ele originariamente dadas ao credor. HISTÓRICO • 0 dispositivo nào foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Não tem corresponden­ te no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A redação do Código Civil português é mais clara: "Art. 599°, 1 - Com a dívida tra n s m ite m -se para o novo devedor, salvo convenção em contrário, as obrigações acessórias do a n tig o devedor que não sejam inseparáveis da pessoa deste. 2 - M a n tê m -s e nos mesmos term os as garantias do crédito, com exceção das que tiverem sido constituídas por terceiro ou pelo a n tig o devedor, que não haja consentido na transm issão da dívida". • C o n tro verte-se a d o u trin a sobre quais seriam essas “garantias especiais" consideradas e x tin ­ tas a p a rtir da assunção. Seriam as garantias pessoais? As garantias prestadas por terceiros? 0 vocábulo parece que nào fo i bem em pregado. Na verdade refere-se a todas as garantias, quaisquer delas, reais ou fidejussórias, que tenh am sido prestadas v o lu n tária e o rig in a ria m e n ­ te pelo devedor p rim itiv o ou por terceiro, vale dizer, aquelas que dependeram da vo n tad e do g a ra n tid o r, devedor ou terceiro, para se constitu írem . Tais garantias se extinguem , desde que um ou o u tro nào ten h a dado o seu consentim ento para a transm issão. Assim, se o an tig o devedor g a ra n tiu a dívida com a hipoteca de seu im óvel, e o credor, sem o seu assentim ento ( e x p ro m is s õ o ), o substitui no polo passivo da obrigação, a g a ra n tia real não se tra n sm itirá ao novo devedor. Presum e-se que o credor, ao “a b rir m ão" do prim itivo devedor, ta m b é m “dis­ pensou" a g a ra n tia por ele prestada. Todas as outras garantias, com o "as nascidas d ire ta m e n ­ te da lei, as constituídas pelo te rceiro assuntor, ou por terceiro ou pelo a n tig o devedor, que te n h am consentido na transmissão", se m an têm , a despeito da alteração registrada na relação

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obrigacional" (VARELA, João de M ato s Antunes. D as o b rig a ç õ e s em g e ra l. v. II, 7. ed. C oim bra: A lm edina, 1997, p. 3 8 2 -3 8 3 ). N o to ca n te às garantias legais (p. ex. a hipoteca legal, o d ireito de retenção etc.), porq u an to im postas por lei, “devem subsistir e n q u a n to sobreviver a o b ri­ gação que guarnecem . De o u tra fe ita , desde que nào se auscultou a vo n tad e do g a ra n tid o r ao se efe tiv a rem , não haveria razão m aior para fa z ê -lo , quando da transm issão da dívida" (GOMES, Luiz Roldão, D a a s s u n ç ã o d e d iv id a e s u a e s tr u tu r a n e g o c ia i, cit., p. 2 1 2). P ortanto, c o n tin u a m válidas, a não ser que o credor abra m ão delas expressam ente. • No caso das garantias dadas por terceiros, sejam elas pessoais (fiança) ou reais (hipoteca e penhor), concordam os com José Fernando Sim ão quand o a firm a que tais garantias se e x tin guem com a assunção da dívida. Isso porque a g a ra n tia prestada por te rceiro ce rta m en te considera a pessoa do terceiro e seu patrim ô n io . A m udança de devedor pode significar um p a trim ô n io insuficiente para saldar as dívidas (co n fira-se a rt. 391 do Código Civil). P ortanto, sem a concordância expressa do terceiro, as garantias por ele prestadas se extin g u irão , asse­ m elhando-se com a regra prevista para a novação (CC, a rt. 3 6 4). • N a tu ra lm e n te , este artig o som ente alude à assunção lib erató ria, um a vez que na assunçào cu m u lativa todas as garantias prestadas pelo devedor p rim itiv o perm anecem válidas.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO C IVIL - CJF • Enunciado 352, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Salvo expressa concordância dos terceiros, as garantias por eles prestadas se extinguem com a assunção de divida; já as garan­ tias prestadas pelo devedor prim itivo somente sào mantidas no caso em que este concorde com a assunção" (Enunciado de autoria do Professor José Fernando Simão). • Enunciado 421, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "A expressão ‘garantias especiais* constante do art. 3 0 0 do CC/2002 refere-se a todas as garantias, quaisquer delas, reais ou fid e jussórias, que tenham sido prestadas voluntária e originariam ente pelo devedor prim itivo ou por terceiro, vale dizer, aquelas que dependeram da vontade do garantidor, devedor ou terceiro para se constituírem " (Enunciado de nossa autoria).

JULGADO • "Ação com inatória. Depósito de grãos em garantia da divida. Despesas de arm azenagem . Obriga­ ção da depositante até notificação do terceiro favorecido. Assunção da divida por terceiro. Extin­ ção da garantia dada pelo devedor prim itivo. Liberação do bem. M ora do credor. Responsabilida­ de pelos prejuízos daí decorrentes. Depositados os grãos, com cláusula à ordem em beneficio da autora, vinculada à liberação do réu (f. 6) e, não havendo prova de ajuste contratual em contrário, a autora é mesmo a responsável pelas despesas do referido arm azenam ento. Ocorrida a sucessão de devedores, extinguiu-se a garantia da dívida dada pela autora, devendo o réu proceder a sua liberação, nos term os do art. 300 do Código Civil. Extinta a garantia da divida dada pela devedora prim itiva, ao credor incumbe sua liberação, sob pena de responder pelos prejuízos dai advindos" (TJMG, Ap. 1 .0 4 7 0 .05 .0 1 99 5 6 -6 /00 2 (1 ), Rei. Des. Valdez Leite Machado, j. em 1 5 -5 -2 0 0 8 ).

DIREITO PROJETADO • Pelo acima exposto, encaminhamos ao então Deputado Ricardo Fiuza proposta para alteração do dispositivo, que passaria a contar com a seguinte redação: “Art. 300. Com a assunção da dívida transm item -se ao novo devedor todas as garantias e acessórios do débito, com exceção das ga­ rantias especiais originariam ente dadas ao credor pelo prim itivo devedor e inseparáveis da pessoa deste. Parágrafo único. As garantias do crédito que tiverem sido prestadas por terceiro só subsis­ tirão com o assentimento deste" (PL n. 6 .960/2002, atual PL n. 6 9 9/2011).

Art. 301. Se a substituição do devedor vier a ser anulada, restaura-se o débito, com todas as suas garantias, salvo as garantias prestadas por terceiros, exceto se este conhecia o vício que inquinava a obrigação.

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HISTÓRICO • 0 dispositivo nâo foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Nào há artigo corres­ pondente no Código Civil de 1916, tratando o legislador de incorporar ao texto do novo Código o disposto no art. 170 do projeto de Código de Obrigações.

DOUTRINA • Se o c o n tra to de assunção vier a ser anulado ou declarado nulo, ocorre o renascim ento da obrigação para o devedor originário, com todos os seus privilégios e garantias, salvo as que tiverem sido prestadas por terceiro. E a razão dessa regra é bastante simples: se a substituição do devedor nào ocasiona a lteração na relação obrigacional, que perm anece in ta c ta , com todos os seus acessórios, ta m b é m se m antém inalterada a obrigação se a substituição é in ­ validada, retornand o o p rim itiv o devedor ao polo passivo. E n tretan to , as garantias especiais prestadas por terceiros, e que haviam sido exoneradas pela assunção, não podem ser restau­ radas, em prejuízo do terceiro, salvo se este tin h a co nhecim ento do d e fe ito ju ríd ic o que viria pôr fim è assunção. Trata-se, aqui, de simples aplicação do princípio da b o a -fé .

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 422, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "0 art. 301 do CC deve ser inter­ pretado de form a a tam bém abranger os negócios jurídicos nulos e a significar a continuidade da relação obrigacional originária em vez de 'restauração', porque, envolvendo hipótese de transmis­ são, aquela relação nunca deixou de existir". Art. 3 0 2 .0 novo devedor não pode opor ao credor as exceções pessoais que competiam ao devedor primitivo. HISTÓRICO • 0 dispositivo nào foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Não tem corresponden­ te no Código Civil de 1 9 1 6 .0 artigo foi praticam ente copiado do projeto de Código de Obrigações (art. 169).

DOUTRINA • Os meios de defesa oponíveis ao credor tra n sferem -se com a obrigação: aquele que assume a posição do devedor na relação obrigacional, via de regra, assume ônus e bônus. E ntretanto, o assuntor só pode aleg ar c o n tra o credor as defesas decorrentes do vínculo a n te rio r existen­ te e n tre credor e prim itivo devedor, ou seja, as exceções derivadas da própria obrigação as­ sum ida (prescrição, invalidade da obrigação por vício de fo rm a, ineficácia por fa lta de im ple­ m en to de condição, ileg itim id ad e do credor etc.), nào lhe cabendo invocar as defesas pesso­ ais que derivem das relações existentes e n tre ele, o novo devedor, e o prim itivo devedor, ou e n tre este e o credor. N ão pode alegar, p. ex., que o c o n tra to e n tre o credor e o a n tig o deve­ do r é nulo por vício de vo n tad e ou que a sua relação com o p rim itiv o devedor é nula, porque este não lhe pagou o valo r acertado com o contra prestação pela assunção da dívida. A relação que se estabelece e n tre assuntor e credor é ab strata, desprendida daquela estabelecida entre a n tig o e novo devedor. • M as o assuntor pode invocar os m eios de defesa pessoais do a n tig o devedor que já te n h am sido invocados por este antes da assunção, ou seja, pode aleg ar “todos os fa to s dos quais se deduza que o devedor não está obrigado ou que tin h a deixado de o estar no m o m e n to de assum ir a dívida. Pode, por exem plo, fa ze r constar que o c o n tra to celebrado pelo devedor é nulo por incapacidade de agir, vício de fo rm a ou infração aos bons costum es, ou que não obrigava a seu antecessor, por estar acoim ad o de um vício de vo n tad e. Pode, ainda, o b je ta r

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que a dívida estava e x tin ta antes de assum i-la por m otivo de pagam ento , remissão (...) ou o u tro fu n d a m e n to qualquer" (GOMES, Luiz Roldão, D a a s s u n ç à o de d ív id a e s u a e s tru tu ra n e g o c ia i, eit., p. 1 8 9 -1 9 0 ). • 0 direito de compensação que possuía o antigo devedor em face do credor, via de regra, não pode ser invocado pelo novo devedor, salvo: a) Se o antigo devedor cedeu expressamente esse direito ao assuntor; b) Se a compensação já havia sido alegada em m om ento anterior à assunção, consi­ derando que a divida é transm itida no estado em que se encontra.

JULGADOS • "Sistema Financeiro da Habitação. Contrato de gaveta. Cessão de direitos sem a anuência do Banco. Ilegitim idade ativa dos cessionários. Cabim ento. Discussão de cláusulas. Requisitos form ais da assunção de divida não cumpridos. Aplicação do art. 299 c.c. o art. 303 do CC. Precedentes de jurisprudência. Vedação, demais, ao novo devedor, de discutir a form ação e a composição da dí­ vida por ele assumida. Aplicação do art. 302 c.c. o art. 303 do CC. Legitimidade ativa do devedor prim itivo que exclui, à evidência, a legitim idade de quem não assumiu, form alm ente, a divida. Agravo improvido" (TJSP, Al 9 9 1 0 9 0 12 2 7 48 , Rei. Des. Erson T. Oliveira, j. em 1 8 -8 -2 0 0 9 ). • "Falência. Aquisição de cotas sociais por meio de pagamentos parcelados assumidos pela pessoa jurídica. Alegação de contrato não cumprido adequadam ente. Hipótese de assunçào de divida, que náo autoriza o novo devedor a opor, ao credor, exceções pessoais que, contra ele, pudesse nutrir o antigo devedor. Ação de rescisão do contrato proposta, ademais, dois anos após o acordo de vontades. Conexão não caracterizada. Recurso desprovido" (TJSP, Al 9 9 4 0 9 3 4 4 6 5 6 2 , Rei. Des. Araldo Telles, j. em 2 8 -7 -2 0 0 9 ). • "Ação declaratória de inexistência de débito. Fatura gerada com fundam ento em Resolução da ANEEL Violação do medidor de energia elétrica (rom pim ento do lacre de aferição) na unidade consumidora. Débito objeto de confissão de divida. Infração adm inistrativa im putada a terceiro. Assunção de Divida. Inoponibilidade das exceções pessoais. Art. 302 do Código Civil. Inteligência. 1. Confessado o débito gerado por terceiro, supostamente responsável pelo m edidor de energia elétrica, cujos lacres de aferição foram violados, a hipótese subsume-se aos artigos 299 e t seq. do Código Civil, não podendo, o novo devedor, opor ao credor as exceções pessoais que com petiam ao devedor prim itivo. 2. Hipótese em que o novo devedor opôs-se à divida confessada, ao argu­ m ento de que nào fora ele o autor da infração adm inistrativa geradora do débito. 3. Im procedência dos pedidos" (TJMG, Ap. 1.00 2 4 .05 .6 9 70 1 4 -8 /00 1 , Rei. Des. M auro Soares de Freitas, j. em 2 7 -9 -2 0 0 7 ).

Art. 3 0 3 .0 adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do crédito garantido; se o credor, notificado, não impugnar em trinta dias a transferência do débito, entender-se-á dado o assentimento. HISTÓRICO • 0 dispositivo nào foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Nào há artigo corres­ pondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 a rt. 3 0 3 representa a te n ta tiv a do legislador de re lativiza r a orien tação ad o tad a pelo pro­ je to de que o consentim ento do credor será sempre expresso, vez que parte da do u trin a se m anifesta a fa v o r do c a b im en to da aceitação tácita. • 0 dispositivo, excetu an do a regra geral de que o consentim ento do credor há de ser expres­ so, a d m ite a hipótese de concordância tá c ita do credor hipo tecário que, n o tificad o da assun­ ção, nào a im pugna no prazo de trin ta dias. A hipótese, segundo Silvio Rodrigues, deveria ser

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a té mesmo de dispensa da anuência do credor, sobretudo se o valor da hipoteca fo r superior ao débito, devendo "a lei perm itir a cessão por m ero acordo e n tre devedor e cessionário, pois a oposição do credor não encontra o u tro esteio que não seu capricho, visto que seu interesse nào sofre am eaça, por força da excelência da garantia" (D ire ito civ il, 2 4 . ed., São Paulo, Sarai­ va, 1996, v. 2, p. 310). De fa to , em hipóteses tais, a segurança do credor reside m u ito mais na g a ra n tia em si do que na pessoa do devedor. Se a assunção do débito pelo terceiro ad q u iren ­ te do imóvel possibilita a perm anência da g aran tia real, pouca ou nenhum a diferença fará ao credor se o devedor será A ou B. Daí a m itigação da exigência de que o consentim ento do credor seja expresso, sobretudo nessas hipóteses em que a g aran tia é superior ao débito.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 353, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A recusa do credor, quando no­ tificado pelo adquirente de imóvel hipotecado, com unicando-lhe o interesse em assumir a obriga­ ção, deve ser justificada" (Enunciado de autoria de Marcos Jorge Catalã). Para o autor do enuncia­ do, "ante a m anifesta natureza contratual ostentada pela figura da assunção de dívida, hom enageando-se a funcionalizaçáo dos direitos de crédito, deverá o credor, na hipótese prevista no arti­ go 303 do Código Civil, justificar as razões que m otivaram sua recusa em aceitar a substituição do devedor pelo assuntor, especialmente quando o objeto seja mais valioso que a própria divida, sob pena de violar a função social que há de rechear todos os negócios jurídicos, eis que solidariedade e cooperação são conceitos que devem imperar como cânones na sociedade humana contem porâ­ nea". Partilhamos integralm ente da opinião de Marcos Catalã, no sentido de que "a recusa injusti­ ficada do credor em aceitar novo devedor, talvez possa ainda se enquadrar como violação ao dever lateral de cooperação, corolário do princípio da boa-fé objetiva, diretriz de conduta que se impõe às partes, haja vista que nos casos em que o bem que garante o cum prim ento da obrigação possui valor superior a ela, aparentem ente nào existirão razões para que não se aceite a assunção". • Enunciado 423, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "A comprovada ciência de que o reiterado pagam ento é fe ito por terceiro no interesse próprio produz efeitos equivalentes aos da notificação de que trata o art. 303, segunda parte".

T ítu lo III — DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES C apítulo I — DO PAGAMENTO

Seção I



De quem deve pagar

Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor. Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o Fizer em nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 9 3 0 do Código Civil de 1916, com inovação operada no parágrafo único, para fazer constar expressa­ m ente a possibilidade de o devedor se opor à realização do pagam ento pelo terceiro não interes­ sado (v. art. 306).

DOUTRINA • Sào interessados no p agam ento da dívida o fiad o r, o avalista, o devedor solidário, o sublocatário , o sócio, o terceiro que prestou hipoteca ou penhor, o herdeiro. Todos eles podem pagar

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in d e p en d en tem en te do consen tim en to do devedor ou do credor e mesmo c o n tra a sua v o n ­ tade. • Já o terceiro não interessado só pode pagar pelo devedor e, em conseqüência desse paga­ m ento , s u b -ro g a r-s e nos direitos de credor do devedor, se este não se opuser. H avendo oposição do devedor, o terceiro só poderá pagar em nom e próprio, aplicand o-se a regra do art. 3 0 5 . Observe-se que a única inovação tra zid a no bojo desse a rt. 3 0 4 fo i ju s ta m e n te a inserção dessa cláusula fin al no p arágrafo único, privilegiando as hipóteses em que, por razões de ordem m oral, religiosa ou jurídica, nào seja conveniente ao devedor que determ in ad a pessoa realize o pagam ento. • A oposição do devedor, por óbvio, não im pede que o credor receba o cré d ito e esse recebi­ m en to produzirá efeitos liberatórios q u a n to ao devedor. P ortanto, se houver a concordância do credor q u a n to ao p agam ento pelo terceiro não interessado, a oposição do devedor será inócua nesse aspecto. E o terceiro, mesmo não se s u b-ro gando nos direitos do credor, pode­ rá postular o reem bolso do que despendeu, com fu n d a m e n to no e n riq u ecim en to sem causa.

JULGADOS • “Ação de anulação de títulos. Improcedência. Apelação. Emissão de cheques pelo autor a pedido de seu filho, interessado na plantação de melancias. Renegociação da dívida. Emissão de novos cheques em substituição daqueles. Autor que, mesmo na posição de terceiro, tem interesse de resolver a pendência do filho ju n to ao réu. Possibilidade de quitação. Art. 3 0 4 do Código Civil. Sub-rogaçáo ju n to ao filho. Art. 3 4 6 do Código Civil. Confissão do autor, na inicial, da negociação do pagam ento dos cheques devolvidos. Vicio inexistente. Anulação impossível. Decisão m antida. Recurso desprovido" fTJSP, Ap. 991080905138, Rei. Des. Virgilio de Oliveira Junior, j. em 2 5 -3 -2 0 1 0 ). • "Locação não residencial. Ação de consignação de aluguel. Julgam ento antecipado que não acar­ retou cerceamento de defesa. Prova docum ental suficiente para o adequado deslinde da causa. Ilegitim idade passiva da adm inistradora de imóvel, que deve ser excluída do polo passivo da ação consignatória. Legitimidade ativa da pessoa jurídica que explora o ponto comercial, sendo tercei­ ro interessado na extinção das obrigações contratuais. Rejeição das preliminares de inépcia da inicial e impossibilidade jurídica do pedido. M érito. Quitação de parte dos alugueres devidos, que restou incontroversa nos autos. Conjunto probatório que aponta para o inadim plem ento dos alugueres no periodo posterior. Ação consignatória parcialm ente procedente. Liberação parcial da devedora. Saldo devedor em aberto a ser apurado em liquidação de sentença, am ortizando-se os valores consignados no curso da ação. Débito atualizado a partir do vencim ento de cada um dos alugueres mensais, acrescido dos juros moratórios e demais encargos contratuais. M u lta m orató­ ria contratual m antida no im porte de 20% . Ação consignatória parcialm ente procedente. Reconvenção parcialm ente procedente. Pedido de despejo prejudicado ante a devolução das chaves. Recurso parcialm ente provido" (TJSP, Ap. 9 9 2 0 5 0 3 3 0 0 9 7 , Rei. Des. Edgard Rosa, j. em 2 4 -2 -2 0 1 0 ).

Art. 305. 0 terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem di­ reito a reembolsar-se do que pagar, mas não se sub-roga nos direitos do credor. Parágrafo único. Se pagar antes de vencida a dívida, só terá direito ao reembolso no vencimento.

WSTORICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 931 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração.

DOUTRINA • M esm o havendo oposição do devedor, pode o terceiro não interessado q u ita r a dívida, desde que o faça em nom e próprio, ainda que em benefício do devedor.

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• Em respeito á regra geral de vedaçào ao e n riq u ecim en to sem causa, pode o terceiro reem ­ bolsar-se, ju n to ao devedor, pelo que houver pago, sem, no e n ta n to , s u b -ro g ar-se nos d ire i­ tos do p rim itiv o credor. Com o nào lhe seria possível o n e ra r a posição do devedor, pagando v a lo r superior ao devido ou em data a n te rio r ao vencim ento, o reem bolso estará lim ita d o ao v a lo r do d é b ito e só poderá ser cobrado na d ata do vencim ento.

Art. 3 0 6 .0 pagamento feito por terceiro, com desconhecimento ou oposição do devedor, não obriga a reembolsar aquele que pagou, se o devedor tinha meios para ilidir a ação.

HISTÓRICO • 0 artigo em tela não foi atingido por nenhum a espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • Prom oveu-se aqui substanciosa alteração no correspondente art. 9 3 2 do Código Civil de 1916, para prever hipótese em que o devedor se exim irá da obrigação de reem bolsar o terceiro que houver pago o débito , in d e p en d en tem en te do beneficio que tin h a experim entado, sempre q ue o p ag am en to se dê sem o seu consentim ento ou com a sua oposição, quando tin h a ele, devedor, m eios ou instrum entos de e v ita r a cobrança do d é b ito pelo credor, com o se dá, p. ex., nas hipóteses em que o devedor dispõe de defesas pessoais, só oponíveis ao prim itivo credor. • Na a n tig a redação do a rt. 9 3 2 do Código Civil de 1 9 16 , o devedor, mesmo se opondo ao p agam ento pelo terceiro não interessado, estava obrigado a reem bolsá-lo, ao m enos a té a im portân cia em que o p agam ento lhe fo i ú til. 0 art. 3 0 6 do Código vig en te prom ove im p o r­ ta n te m od ificação na regra de reem bolso, passando a dispor que o devedor, mesmo se ap ro ­ veitando, ap a ren te m e n te , do p agam ento fe ito pelo terceiro, nào estará mais obrigado a re em bolsá-lo, desde que dispusesse, à época, dos m eios legais de ilidir a ação do credor, vale dizer, de e v ita r que o credor viesse a exercer o seu d ireito de cobrança. Na verdade, se o devedor tin h a meios para e v ita r a cobrança, e ainda assim, com a sua oposição ou seu des­ conhecim ento, vem um terceiro e paga a dívida, sofreria prejuízo se tivesse de reem bolsar àquele, significando inaceitável oneração de sua posição na relação obrigacional por fa to de terceiro. • A higidez dos m eios de defesa invocados pelo devedor para se opo r ao reem bolso só pode ser analisada à luz do caso concreto. • A redação do a rt. 3 0 6 , no e n ta n to , talvez não ten h a sido a mais fe liz, com o ressalta Á lvaro V illaça Azevedo: "A redação do te x to analisado deixa a desejar, principalm ente, q u a n to a esta ú ltim a expressão, m u ito generalizada. Tem -se a impressão de estarem os mesmos dispositivos re fe rin d o -se à ação do terceiro, mas isso nào seria possível, m orm en te se o devedor desco­ nhecesse o p agam ento por ele realizado. N o caso a referência é aos meios de defesa do de­ vedor ju n to ao credor, ilidindo a ação deste, na cobrança de seu crédito" ( Teoria g e ra l das o b rig a ç õ e s , cit., p. 119).

JULGADOS • "Pagamento. Terceiro interessado. Direito de reembolso. 1. 0 pagam ento de dívida por terceiro (CC/2002, art. 306), de modo a não ensejar o direito de reembolso, deve preencher três condições: a) o pagam ento de divida é feita por terceiro: b) o devedor desconhece o pagam ento ou se opõe ao pagam ento; c) o devedor tinha meios para "ilidir a ação", ou seja, a cobrança da divida feita pelo terceiro. 2. Não apresentando o devedor fa to "sério e sua admissibilidade provável", para se

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opor ao pagam ento efetuado por terceiro, torna irrelevante te r ou não conhecim ento do paga­ m ento. 3. Incidência de correção m onetária e juros de mora sobre o valor devido como reem bol­ so, sob pena de en riq u e c im e n to ilíc ito do devedor. 4. A pelação não provida" (TJSP, Ap. 9 9 00 9 3 53 2 8 83 , Rei. Des. Alexandre Lazzarini, j. em 4 -5 -2 0 1 0 ). • "Ação de in rc m verso. Pretensão de recebim ento de valor pago por terceiro não interessado, que quitou débito alheio em seu próprio nome. Devedor que tinha justo m otivo para se opor ao pa­ gam ento de sua divida por outrem , pois possuía meios para ilidir a cobrança. Fato comprovado por cópia de sentença transitada em julgado que declarou a inexistência do débito. Autor que se precipitou ao efetuar o pagam ento indevido, ficando privado do reembolso. Inteligência do art. 932 do Código Civil de 1916. Reforma da sentença. Autor rem etido à via da repetição de indébito em face da Telesp. Recurso provido" (TJSP, Ap. 9 9 2 0 5 0 3 0 2 6 4 6 , Rei. Des. Edgard Rosa, j. em 7 -4 2010). • "Apelação. Terceiro interessado. Pagamento de débitos trabalhistas. Sub-rogação. Impossibilidade. Ressarcimento. Interesse individual e social no normal adim plem ento dos negócios jurídicos. Aplicação do principio geral que veda o enriquecim ento sem causa. Critério explicitado nos arts. 8 8 4 a 8 8 6 do NCC e consagrado no direito comparado. Nulidade parcial de sentença decretada de oficio. Decisão que não gera clareza de julgam ento. Não há que se cogitar da sub-rogação de terceiro interessado que quita débito do reclamado nos direitos trabalhistas, ações, privilégios e garantias do reclamante, por se tra ta r de uma relação jurídica personalíssima, cuja titularidade não pode ser transferida, uma vez que, com o pagamento, ela perece não só em face do credor prim itivo como de quem pagou. Ao devedor incumbe o fiel cum prim ento da obrigação assumida, satisfazendo não só o interesse do contratante, mas a própria estabilidade social assegurada pelo normal adim plem ento dos negócios jurídicos. Em nome desses mesmos interesses, a lei adm ite que qualquer interessado, até mesmo terceiro não interessado, promova o pagam ento, com ou sem sub-rogação, assegurando, quando esta não se configurar, o ressarcimento da im portância de­ sembolsada. Na apuração do direito ao ressarcimento, aplica-se o principio geral que veda o en­ riquecim ento sem causa, critério este acolhido no direito pátrio, hoje explicitado nos arts. 8 8 4 a 8 8 6 do NCC, consagrado no direito comparado. *0 repúdio ao enriquecim ento indevido se estriba no principio m aior da equidade, que não perm ite o ganho de um, em detrim ento de outro, sem uma causa que o justifique' (Silvio Rodrigues)" (TJMG, Ap. 2 .0 0 0 0 .0 0 .4 2 1 6 8 5 -1 /0 0 0 (1 ), Rei. Tarcí­ sio M artins Costa, j. em 1 7 -2 -2 0 0 4 , publicada em 1 7 -4 -2 0 0 4 ).

DIREITO PROJETADO • Pelo acima exposto, encaminhamos ao então Deputado Ricardo Fiuza proposta para alteração do dispositivo, que passaria a contar com a seguinte redação: "Art. 306. 0 pagam ento fe ito por te r­ ceiro, com desconhecimento ou oposição do devedor, não obriga a reembolsar aquele que pagou, se o devedor tinha meios para ilidir a ação do credor na cobrança do débito" (PL n. 6.960/2002, atual PL n. 6 9 9/2011).

Art. 307. Só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da propriedade, quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu. Parágrafo único. Se se der em pagamento coisa fungível, não se poderá mais reclamar do credor que, de boa-fé, a recebeu e consumiu, ainda que o solvente não tivesse o direito de aliená-la.

HISTÓRICO • 0 presente artigo sofreu emenda por parte da Câmara dos Deputados no periodo inicial de tra m i­ tação do projeto. A redação original proposta pelo Prof. Agostinho Alvim no anteprojeto repetia a redação do art. 933 do Código Civil de 1916. A emenda do Deputado Ernani Sátyro apenas substituiu a expressão "Só valerá o pagamento" por "Só terá eficácia o pagam ento". E o fez aten ­ dendo a ponderação do Prof. M iguel Reale. Segundo Reale, a emenda teve por fim colocar o

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dispositivo em consonância com os demais artigos do projeto, em que a va lid a d e sempre se refe­ re à vigência, enquanto a e ficá cia se refere à conseqüência do ato, ou a sua aplicação.

DOUTRINA • 0 p ag am en to que im p o rtar em alienação (obrigação de dar) não terá eficácia se fe ito por q uem não era dono da coisa (alienação a n o n d o m in o ). Se porém era fu ngível a coisa e o credor a recebeu e a consum iu de b o a -fé , rep u ta-se eficaz o p agam ento , e do credor nada se poderá reclam ar, cabendo ao terceiro, que era o verdad eiro prop rietário , buscar as repa­ rações cabíveis do devedor que entregou o que não lhe pertencia. • P ó s -e fic á c ia d o p a g a m e n to : O corre quando o a lien an te a n o n d o m in o adquire posteriorm en­ te o d o m ín io sobre a coisa alienada, c o n ferin d o eficácia ao pagam ento .

Seção II



Daqueles a quem se deve pagar

Art. 3 0 8 .0 pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito.

HISTÓRICO • 0 dispositivo náo foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 9 3 4 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 p agam ento só produzirá eficácia lib erató ria da dívida quando fe ito ao próprio credor (aqui incluídos os cocredores de dívida solidária, os cessionários, os portadores de títu lo de crédito, e n tre outros), seus sucessores ou representantes. Essa é a regra geral. Será eficaz tam bém se, fe ito a um estranho, v ier a ser posteriorm ente ra tific a d o pelo credor, expressa ou ta c ita m e n te. Ou ainda se se converter em utilid ad e ao credor. Se o pagam ento , m esm o fe ito a um es­ tra n h o não credor, ainda assim "refletiu , fa v o ravelm en te, sobre o credor, p ro p orcio nando-lh e as mesmas vantagens, que poderia h a u rir se pessoalm ente funcionasse no cu m p rim e n to da prestação, é p e rfe ita m e n te e q u ita tiv o que se considere com o realm ente desatado o elo da cadeia obrigacional, que ju n g ia o devedor" (Clóvis Beviláqua, D ire ito d a s o b rig a ç õ e s , cit., p. 8 8). Cabe ao devedor provar que o p agam ento v e rte u em benefício do credor. • 0 p ag am en to fe ito ao credor incapaz de q u itar, com o no caso de p agam ento fe ito d ire ta ­ m ente a um m enor im púbere e nào ao seu representante legal, e q u ip ara-se ao pagam ento fe ito ao nào credor, com p etin d o ao devedor com provar que o p ag am en to realm en te reverteu em beneficio do m enor (v. a rt. 3 1 0).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 424, aprovado durante a V Jornada de Direito Civil de 2011: " 0 pagam ento repercute no plano da eficácia, e nào no plano da validade, como preveem os arts. 308, 309 e 3 1 0 do Códi­ go Civil".

JULGADOS • "Apelação. Autor. Declaratória. Cheque. Ré, ora Apelada, como beneficiária e portadora. Alegação de pagam ento a terceiro. Inexistência de prova da autorização do terceiro para recebimento do valor. Exegese do art. 3 0 8 do Código Civil. Inadmissibilidade da alegação de pagam ento de boa-fé a credor putativo. Sentença m antida. Recurso nào provido" (TJSP, Ap. 9 9 00 9 3 29 7 3 88 , Rei. Des. Tasso Duarte de Melo, j. em 2 8 -5 -2 0 1 0 ).

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• "Cheque. Declaratória de nulidade. Compra de propriedade rural. Parcela nào paga. Alegação de pagam ento a terceiro por orientação dos alienantes. Pessoa que teria atuado como corretor, in­ term ediando o negócio. Inadmissibilidade. Ausência de comprovação. Inexistência da figura de credor aparente. Exegese dos artigos 3 0 8 e 309 do Código Civil. Ausência de putatividade. Sen­ tença de improcedência m antida. Recurso improvido" (TJSP, Ap. 9 9 0 0 9 3 2 3 0 8 8 7 , Rei. Des. M aurício Ferreira Leite, j. em 1 9 -5 -2 0 1 0 ).

Art. 3 0 9 .0 pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado depois que não era credor. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 935 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • C re d o r p u ta tiv o : É aquele que, não só à vista do devedor, mas aos olhos de todos, ap aren ta ser o verdadeiro credor ou seu le g ítim o representante. O exem plo mais c itad o é o do falso credor que se apresenta de posse do títu lo da obrigação. Um a v a ria n te bastante interessante desse caso é a do p agam ento fe ito ao possuidor de títu lo litigioso, que vem posteriorm ente a perder a propriedade do crédito. A hipótese é descrita por Beviláqua: "o p agam ento ao possuidor do crédito é válido, ainda que, posteriorm ente, seja este vencido em ju íz o sobre a propriedade da dívida. A p a re n tem e n te era esse o credor, e o d ire ito lhe reconhecia e g a ra n ­ tia essa qualidade, en q u an to se não dem onstrasse que, em verdade, lhe não cabia ela por lei; por isso é cham ado credor p u tativo . A té que chegue esse m om ento, nào há o u tro a quem pagar. E, fe ito o p ag am en to d u ra n te o decurso de tem po , em que o indivíduo era, ju rid ic a ­ m ente, o sujeito a tivo da obrigação, sem ânim o doloso, sem o u tra intenção, é óbvio que o p ag am en to está válido e irrevo gavelm ente fe ito . A o possuidor, porém , que assim recebeu o que se veio a ve rifica r nào lhe pertencer, cum pre restitu ir o que, por equivoco, lhe fo i às mãos" (Clóvis Beviláqua, D ire ito d a s o b rig a ç õ e s , cit., p. 87). O utra situação interessante é a relatada por Silvio Venosa: "Suponham os o caso de alg u ém que, ao chegar a um estabelecim ento com ercial, paga a um assaltante, que naquele m o m e n to se instalou no guiehê de recebim en­ tos, ou a situação de um ad m in istrad o r de negócio que não ten h a poderes para receber, mas aparece aos olhos de todos com o e fe tiv o gerente. N ão se tra ta apenas de situações em que o credor se apresenta falsam en te com o títu lo ou com a situação, mas de todas aquelas s itu ­ ações em que se reputa o a e c ip ie n s com o credor" (Sílvio de Salvo Venosa, D ire ito c iv il, cit., p. 170). • A condição de eficácia do p ag am en to fe ito ao credor p u ta tivo é a b o a -fé do devedor, carac­ terizad a pela existência de m otivos objetivos que o levaram a acred itar tra ta r-s e do verd a­ deiro credor. N ão basta a crença subjetiva. E fetivado o p agam ento nessas condições, fica o devedor exonerado, só cabendo ao verdadeiro credor reclam ar o seu déb ito do credor p u ta ­ tivo, que o recebeu indevidam ente.

JULGADOS • "Locação de imóvel. Ação de despejo por falta de pagam ento. Aluguéis pagos a quem não tinha legitim idade para recebê-los sem ratificação do credor (CC. art. 308). Alteração daqueles a quem se deve pagar não exige solenidades ou anuência de imobiliária, que sequer figura como parte da relação locaticia. Inexistência de pagam ento de b o a -fé ao credor putativo (CC, art. 309), pois a locatária foi notificada do desfazim ento do contrato de m andato travado entre locador e im obi­ liária. Náo houve denunciação da lide à imobiliária. Ausência de comprovação de que os paga­

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mentos se reverteram em benefício do credor. Inexistência de ação consignatória (CC, art. 334). Recurso provido" (TJSP, Ap. 9 9 2 0 8 0 3 5 2 7 3 0 , Rei. Des. Antonio Benedito Ribeiro Pinto, j. em 1 0 -6 2010 ). • "Cobrança. Contribuição Sindical. Sindicato autor, com base territorial em todo o Estado de São Pauto, alega representar os auxiliares e técnicos de farmácias, drogarias, distribuidoras, perfum arias e similares do Estado de São Paulo. Empresa que recolheu contribuições sindicais ao Sindica­ to dos Práticos de Farmácia e dos Empregados no Comércio de Drogas, Medicam entos e Produtos Farmacêuticos de Bauru, cuja data de constituição é anterior à do sindicato autor. Inexistência de prova, nos autos, de que, antes do vencim ento da obrigação, o apelante tenha dado ciência à apelada de sua legitim idade para receber a contribuição sindical da empresa. Pagamento de boa-fé a credor putativo. Admissibilidade. Sentença de improeedêneia. Recurso improvido" (TJSP, Ap. 9 9 4 0 7 1 4 2 0 2 1 0 , Rei. Des. Alves Bevilacqua, j. em 1 8 -5 -2 0 1 0 ). • "Apelação. Embargos à execução. Pagamento. Credor putativo. Art. 309 do Código Civil de 2002. M á -fé . Incomprovada. Pagam ento válido. Recurso improvido. Nos termos do art. 309 do Código Civil de 2002, o pagam ento realizado de b oa-fé a credor putativo é válido, m orm ente quando os produtos que originaram a divida foram adquiridos diretam ente dele, gerando a aparência de representante comercial da exequente naquela localidade. Inexistindo provas da m á-fé daquele que realizou o pagam ento ao credor putativo, m orm ente diante da ausência de impugnação da exequente neste sentido durante a instrução, reputa-se válido o pagam ento efetuado, pelo que devem ser acolhidos os embargos à execução sob estes fundamentos" (TJMG, Ap. 1.0016.03.0307298 /00 1 (1 ). Rei. Marcelo Rodrigues, j. em 1 1 -4 -2 0 0 7 , publicada em 2 8 -4 -2 0 0 7 ).

DIREITO PROJETADO • PL n. 69 9/2 0 1 1: A rt. 309. O p a g a m e n to fe ito de b o a -fé a o c re d o r p u ta tiv o é eficaz, a in d a p ro v a d o depois que não era credor.

Art. 310. Não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de quitar, se o devedor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 9 3 6 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 pagam ento , com o to d o e q u a lq u e r a to ju ríd ic o , exige plena capacidade das partes. Se fe ito ao ab solutam ente incapaz, é nulo de pleno direito. Se fe ito ao re lativa m e n te incapaz, poderá ser ratific a d o posteriorm ente, qu er pelo seu representante legal, quer pelo próprio incapaz, após cessada a incapacidade. Em am bos os casos, será válido o pagam ento , p rovan­ do o devedor que fo i proveitoso ao incapaz. • 0 dispositivo, apesar de tra n sp lan tad o do Código Civil de 1916, a fig u ra -s e , a té certo ponto, dispensável, um a vez que suas hipóteses de incidência podem ser com preendidas com o abrangidas pelo a rt. 3 0 8 deste Código. Se o credor é incapaz de q u itar, nào pode receber o pagam ento , que deve ser fe ito ao seu representante legal. E quipara-se ao p ag am en to fe ito ao não credor, sobre o qual já discorremos. V id e nossos com entários ao art. 3 0 8 . • Se o devedor, por ju s tific a d a razão, desconhecia a incapacidade do credor, aplica-se o mesmo princípio do artig o an terio r, rep u tan d o -se válido o pagam ento , ind ep en d en tem en te de co m ­ provação de que tro u xe proveito ao incapaz.

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Arts. 311 e 312

JULGADO • “Cobrança. Serviços de transporte de produtos derivados de petróleo. Pagamento feito através de cheques entregues a terceiro (que não figurava como representante da autora) e que aparentava ser pessoa enviada pela autora. Serviços efetivam en te docum entados. Endossos visivelmente adulterados. Entrega das cártulas sem o devido acautelam ento (autorização com petente). Paga­ m ento efetuado incorretam ente. Recurso provido para ju lg a r a ação procedente" (TJSP, Ap. 9 9 19 9 0 32 3 3 24 , Rei. Des. Carlos Luiz Bianco, j. em 2 3 -2 -2 0 0 5 ).

Art. 311. Considera-se autorizado a receber o pagamento o portador da quitação, salvo se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultante.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 937 do Código Civil de 1916, com pequena modificação redacional.

DOUTRINA • 0 dispositivo fo i p ra tic a m e n te copiado do Código Civil alem ão (art. 3 7 0 ). A presunção é ju r is ta n tu m (presum e-se que o credor au to rizo u o p o rtad o r a receber a dívida, caracterizando verdadeiro m a n d ato tá c ito ). 0 po rtad o r da qu itação deve, no e n ta n to , a p a re n ta r a qualidade pela qual se apresenta, a ponto de in d u zir o devedor a erro, tal qual a hipótese do credor p u tativo . H avendo controvérsia sobre o po rtad o r da quitação, nào terá eficácia o pagam en­ to. Caberá, no e n ta n to , ao credor provar que o devedor sabia ou tin h a m otivos para saber que o po rtad o r nào podia usar a quitação.

Art. 312. Se o devedor pagar ao credor, apesar de intimado da penhora feita sobre o crédito, ou da impugnação a ele oposta por terceiros, o pagamento não valerá contra estes, que poderão constranger o devedor a pagar de novo, ficando-lhe ressalvado o regresso con­ tra o credor.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 938 do Código Civil de 1916, com pequena modificação redacional.

DOUTRINA • 0 a rtig o versa sobre a hipótese em que o p ag am en to é fe ito ao verdad eiro credor mas, mes­ m o assim, não te m eficácia, vez que o credor estava im pedido leg alm en te de receber. A pe­ nhora retira o crédito da esfera de disponibilidade do credor, razão por que ele não pode receb ê-lo . Se o devedor é in tim a d o de penhora incidente sobre o cré d ito ou de im pugnação ju d icial oposta por terceiros e, ainda assim, paga ao credor, estará pagando m al, e corre o risco de vir a ser com pelido a pagar novam ente. Em tais casos, com o observa Franzen de Lima, “o exeq uen te e o o p o n e n te substituem o credor por ação judicial e o p agam ento deverá ser fe ito a eles no m o m en to o p o rtu n o , ou por depósito judicial, livrando-se o devedor da o b ri­ gação" (João Franzen de Lima, C u rso de d ire ito e iv il b ra s ile iro , Rio de Janeiro, Forense, 1958, v. 2. p. 126). • 0 objetivo do dispositivo é proteger os direitos dos credores do credor, um a vez que os cré­ ditos fazem parte de seu p a trim ô n io e este é a g a ra n tia dos credores. 0 devedor, cien te da

Arts. 313 e 314

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penhora ou da oposição judicial que paga o d é b ito d ire ta m e n te ao credor, será cobrado novam ente pelos credores daquele, nada lhe restando fa ze r senão procurar reaver do seu credor o que havia pago. • A im pugnação do terceiro deve ser m anifestada pelas vias judiciais para co n ferir m aior se­ gurança ao devedor, que deixará de pagar ao credor, su jeitando-se aos ônus do in ad im p le­ m en to caso a im pugnação nào fosse consistente.

Seção III



Do objeto do pagamento e sua prova

Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 863 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Este a rtig o , no Código Civil de 1916, estava inserido na Seção I do C apítu lo I, que tra ta v a das obrigações de dar coisa certa. No Código a tu a l o dispositivo fo i deslocado para o C apítulo II, referen te ao p agam ento , posição, a nosso ver, mais adequada, um a vez que a norm a se a p li­ ca às várias espécies de obrigações, e nào apenas è de dar coisa certa. • 0 devedor só se desonera da obrigação após e n tre g a r ao credor e x atam e n te o o b je to que prom eteu dar, ou realizar o a to a que se com prom eteu , ou se abster da prestação, nas o b ri­ gações de não fazer. Do co n trário , a obrigação c o n v e rte r-s e -á em perdas e danos, conform e já tivem os o p o rtu n id a d e de explicar nos com entários anteriores.

JULGADOS • "Locação de imóveis (finalidade residencial). 0 credor não é obrigado a receber prestação diversa da qual lhe é devida, ainda que mais valiosa. De mais a mais, o credor não pode ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou. Recurso não provido" (TJSP, Ap. 9 9 0 0 9 2 5 2 4 2 5 9 , Rei. Des. Antonio Benedito Ribeiro Pinto, j. em 1 0 -6 -2 0 1 0 ). • "Consignação em pagam ento cum ulada com obrigação de fazer. Compromisso de compra e ven­ da. Tutela antecipada indeferida. Agravantes que pretendem quitar o saldo remanescente do preço de imóvel por meio de carta de crédito em itida por grupo de consórcio imobiliário, obrigan­ do a agravada a fornecer o term o de quitação. Inadmissibilidade. C ontrato firm ado entre as partes que prevê pagam ento em dinheiro. Credora que não é obrigada a aceitar coisa diversa. Decisão m antida. Recurso desprovido" (TJSP, Al 9 9 4 0 9 3 4 2 1 0 0 7 , Rei. Des. J. L Mônaco da Silva, j. em 2 6 -5 -2 0 1 0 ). • "Microempresa. Mensalidade escolar. Cobrança. Revelia afastada. Presunção relativa de veracida­ de. A legislação civil é clara ao determ inar no art. 313 que, ainda que a obrigação tenha por ob­ je to prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber por partes, e o caso narrado não dá ensejo a esse procedimento. Recurso parcialmente provido" (TJRS, Recurso Civel 71.001.132.976, 1* Turma Recursal Civel, Turmas Recursais, Rei. Eduardo Kraemer, j. em 1 5 -2 -2 0 0 7 ).

Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou.

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Art. 314

HISTÓRICO • O dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 889 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA •

P rin c ip io d a re a liz a ç ã o in te g r a l d o p a g a m e n to : 0 devedor não pode com pelir o credor a receber a prestação em parcelas, nem este poderá com pelir o devedor a pagar por partes. As prestações parciais só são adm itidas quand o houver previsão específica no c o n tra to ou as­ sen tim en to expresso das partes. 0 princípio é d ita d o aqui no interesse de am bas as partes, e não apenas do credor, ao co n trá rio do que ocorre no d ireito português, onde o credor te m a faculdade de exigir apenas um a p arte da prestação, m u ito em bora a exigência dessa parte não prive o devedor da possibilidade de o ferecer a prestação por in teiro (CC português, art. 763°).



M as a recusa ao recebim ento ou ao p agam ento de parte do déb ito não poderá ser in ju s tifi­ cada ou te r fins em ulativos, sob pena de se incorrer em abuso de d ire ito (art. 187). A ntunes V arela m enciona os "casos em que o cu m p rim e n to parcial é im posto pelos usos (fo rn e c im en ­ to, por exem plo, de m atérias-p rim as em g rande q u an tid ad e, que náo sào consum idas na sua to ta lid a d e senão ao cabo de um período re lativa m e n te longo)" e que "coincidirão em regra com as hipóteses em que a recusa do cu m p rim e n to parcial, por p arte do credor, vio laria o princípio da b o a -fé " (VARELA, João de M a to s A ntunes. Das o b rig a ç õ e s e m g e ra l, v. II, 7. ed. C oim bra: A lm edina, 1997, p. 18).



0 dispositivo se refere "à obrigação em que haja um só credor e um só devedor, estabeleci­ da assim, salvo pacto em co n trário , a indivisibilidade ju ríd ica da prestação, em bora a divisibilidade da coisa que constitu i o seu objeto" (ALVES, João Luiz, op. cit., p. 6 0 8 ). H avendo pluralidade de credores ou de devedores, e sendo divisível o o b je to da prestação, aplica-se o disposto no a rt. 2 5 7 .

• 0 a rt. 7 4 5 -A do CPC (A/o p ra z o p a ra e m b a rg o s , re c o n h e c e n d o o c ré d ito d o e x e q u e n te e c o m p ro v a n d o o d e p ó s ito d e 3 0 % ( t r in ta p o r c e n to ) d o v a lo r e m e xe cu ção , in c lu s iv e c u s ta s e h o n o rá rio s d e a d v o g a d o , p o d e rá o e x e c u ta d o re q u e re r s e ja a d m itid o a p a g a r o re s ta n te e m a té 6 (seis) p a rc e la s m e n sa is, a c re s c id a s d e c o rre ç ã o m o n e tá ria e ju r o s de 1% (u m p o r c e n to ) a o m ês) excepciona a regra do a rt. 3 1 4 em com ento , ao estabelecer a possibilidade de parcelam ento da dívida in d e p en d en tem en te de ajuste das partes. A norm a processual esta­ beleceu um fa v o r legal para o devedor, nào podendo o ju iz in d e fe rir o pedido de parcelam en­ to, sem pre que estejam presentes todos os requisitos legais e nào haja m á -fé do devedor, nem o a n im u s e m u la tiv o de postular o parcelam ento apenas com o in tu ito de prejudicar o credor. • Nos c o n trato s de fo rn ec im e n to de produtos ou serviços que envolva o u to rg a de crédito ou concessão de fin a n c ia m e n to ao consum idor, este te m o d ireito à liquidação antecipada do débito , to ta l ou p a rc ia lm e n te , m ed ian te redução proporcional dos juros e dem ais acréscimos (CDC, art. 52, § 2 o).

JULGADOS • “Apelação civel. Ensino particular. Ação de cobrança. Inadim plem ento das mensalidades. Pedido de parcelam ento do débito. Ausência de previsão legal. Obrigação de dar valor líquido. Juros de mora ex re. Correção m onetária. Sentença m antida. 1. No processo em que se exerce uma preten­ são de eficácia preponderantem ente condenatória, tal como na ação de cobrança, analisa-se existência do direito, constituindo-se em um titu lo executivo judicial se procedente o pedido form ulado, o qual é exigivel de pronto. 2. Portanto, reconhecido o crédito na fase de conhecim en­ to e constituído o títu lo executivo judicial, descabe a parte devedora indicar a form a de cum pri­ m ento da obrigação existente, quanto mais quando esta resulta de inadim plem ento, sem causa

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jurídica para tanto, de direito preexistente. 3. Desse modo, os créditos consolidados m ediante a via judicial nâo sâo passíveis de parcelamento, pois a faculdade de receber este de form a diversa da qual foi reconhecida é do credor, inexistindo possibilidade jurídica deste ser coagido a aceitar a oferta de pagam ento parcelado pelo devedor, quanto mais em obrigação de dar valor líquido e exigivel de pronto. Logo, a obrigação constituída não é alternativa, cuja opção de escolha da prestação a ser dada é do devedor, na form a do art. 252 da atual lei civil, ao contrário, se está diante de estipulação certa a ser cumprida. 4. Ademais, o credor não pode ser obrigado a aceitar o pagam ento do débito de form a diversa do avençado e reconhecida como devida. Inteligência do art. 3 1 4 do CC. Destarte, inexistindo acordo entre as partes, não há embasamento legal para que se proceda da form a pretendida pela ré. 5 . 0 term o inicial da correção é a data do vencim en­ to de cada mensalidade. Assim, restará m antido o poder aquisitivo da moeda. 6 . 0 inadim plem en­ to, em seu term o, da obrigação positiva e liquida constitui de pleno direito o devedor em mora. Inteligência do artigo 397 do Código Civil. 0 term o inicial para a incidência deste encargo, por­ ta n to , é a data de vencim ento de cada parcela. Negado provim ento ao apelo" (TJRS, Ap. 70 03 6 2 05 7 0 6, 5 1 Càm. Civel, Rei. Des. Jorge Luiz Lopes do Canto, j. em 2 8 -5 -2 0 1 0 ). • "Alienação fiduciária. Ação de busca e apreensão. Considera-se em mora o devedor que não efe­ tu ar o pagam ento no tem po, lugar e form a que a lei ou a convenção estabelecer. Impossibilidade de pagam ento parcelado do débito. 0 credor não é obrigado a receber prestação diversa da qual lhe é devida, ainda que mais valiosa. De mais a mais, ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou. Recurso nào provido" (TJSP, Ap. 9 9 20 8 0 63 9 7 38 , Rei. Des. Antonio Bene­ dito Ribeiro Pinto, j. em 2 9 -4 -2 0 1 0 ). • "Dano moral. Banco de dados. Pagamento realizado em valor reconhecidamente inferior ao devi­ do. Art. 3 1 4 do CC. 0 credor não é obrigado a aceitar pagam ento parcelado da divida. Pagamen­ to considerado não realizado. Inscrição desabonadora regular. Dano moral nào configurado. Re­ curso não provido" (TJSP, Ap. 9 9 10 9 0 96 9 8 56 , Rei. Des. M elo Colombi, j. em 3 -2 -2 0 1 0 ). • "Prestação de serviços. Energia elétrica. Ação de obrigação de fazer. Corte no fornecim ento. Inadimplência confessada. Parcelamento do débito. Discricionariedade do credor. Sentença refor­ mada. Apelação provida 1. 0 fato de ser a energia elétrica essencial à vida do consumidor nào impede a interrupção do seu fornecim ento, autorizada legalmente, na hipótese de inadimplência. 2. Inexistindo no ordenam ento jurídico vigente norma que obrigue o credor a receber seu crédito de form a parcelada, incabivel, em sede judicial, a imposição de tal ônus" (TJSP, Ap. 9 9 1735006, Rei. Des. Norival Oliva, j. em 2 8 -4 -2 0 0 9 ).

Art. 315. As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corren­ te e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subsequentes. HISTÓRICO • Os arts. 3 1 5 a 317, tal como se apresentavam na redação aprovada inicialm ente pela Câmara, disciplinavam a aplicação da correção m onetária. Chegando o texto ao Senado, uma emenda do Senador Gabriel Hermes viria a suprimir os três dispositivos, ao argum ento de que "a correção m onetária, típico instituto de vigência transitória e emergencial, não poderia ser cristalizada no Código Civil, em caráter permanente". Então, o Senador Josaphat M arinho, em desacolhendo a emenda Gabriel Hermes, m anteve os três artigos, excluindo as referências à correção m onetária. Nâo há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Dividas em dinheiro: São aquelas cujo objeto da prestação é a própria moeda, ou seja, o di­ nheiro em si, como se dá no mútuo. Diferem das dívidas de valor, aquelas em que o dinheiro serve apenas para medir ou valorar o objeto na prestação. Exemplos típicos de dívida de valor, citados por Álvaro Villaça Azevedo, são a pensão alimentícia, na qual “o devedor deve

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Art. 316

ao credor não d eterm in ad a soma de dinheiro, mas a que fo r necessária à subsistência do credor dessa pensão", e a indenização devida nas desapropriações, em que será “paga ao expropriado náo um a som a em dinheiro, sim plesm ente, mas um a im portân cia que correspon­ da ao v a lo r da coisa desapropriada" ( T e oria g e ra l d a s o b rig a ç õ e s , cit., p. 132).

JULGADO • "Recurso. Agravo de Instrum ento. Ação de cobrança. Insurgência contra a r. decisão que rejeitou a garantia ofertada e aplicou a multa prevista no artigo 475-J, § 1o do CPC, bem como condenou ao pagam ento de honorários advocatícios. Inadmissibilidade. Inexiste previsão legal para a oferta de Letras do Tesouro Nacional para garantir o Juízo da execução. Inteligência dos artigos 20, § 4o e 475-J da Lei de Ritos e do artigo 315 do Diploma Civil. Ofensa ao artigo 5o, XXXV da Carta M a g ­ na; aos artigos 620, 655, inciso llll e 659 do CPC; e ao artigo 68 da Lei n. 9 .0 6 9 /9 5 não configu­ rada. Agravo regim ental prejudicado. Recurso improvido" (TJSP, Al 9 9 10 9 0 97 4 6 39 , Rei. Des. Roque Mesquita, j. em 2 3 -2 -2 0 1 0 ).

Art. 316. É lícito convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas.

HISTÓRICO • V. com entário ao art. 315.

DOUTRINA • 0 dispositivo perm ite a a tu alização m on etária das dividas em dinh eiro e daquelas de valor, ao dispor sobre a possibilidade de as partes convencionarem o a u m e n to progressivo das prestações sucessivas. É o que a d o u trin a convencionou c h am ar de “cláusula de escala móvel", m ediante a qual o valo r da prestação será a u to m a tic a m e n te reajustado, após d e term in ad o lapso de tem po , segundo índice escolhido pelas partes. A aplicação dessa cláusula serve ta m ­ bém para a fa s ta r o vetusto princípio do nom inalism o, segundo o qual a obrigação só poderá ser satisfeita levando-se em co n ta o seu v a lo r nom in al, o que em época de inflação daria azo ao e n riq u ecim en to sem causa de um a das partes. • A Lei n. 10.192, de 1 4 -2 -2 0 0 1 , declara nula de pleno d ire ito qualq u er estipulação de reajus­ te ou correção de periodicidade in fe rio r a um ano.

JULGADOS • "Consignação em pagamento. Hipótese em que adquirente de imóvel, com preço parcelado, assi­ nou contrato sem previsão da incidência de correção m onetária (reajuste] das prestações, por ter optado pelo sistema de pagam ento parcelado, com valor majorado e que não concorda em pagar as prestações corrigidas. Admissibilidade, devendo a afirm ada ocorrência de erro ser interpretada contra o vendedor, que redigiu o contrato e que perdeu o direito subjetivo de exigir atualização por não tê -lo exercido oportunam ente [supressio). Interpretação contratual que deve ser realiza­ da a favor da consumidora (artigo 47 do CDC). Provimento" (TJSP, Ap. 9 9 4 0 5 0 4 3 7 8 0 7 , Rei. Des. Enio Zuliani, j. em 1 0 -7 -2 0 0 8 ). • "Agravo de instrum ento. Consignatória. Financiamento im obiliário. Tutela antecipada. Depósito judicial. Impossibilidade. A rt. 3 0 6 do CC. Abstenção de inserção de informações nos órgãos de proteção ao crédito. No caso em tela, verifica-se que o valor das parcelas encontra-se devidam en­ te estipulado entre as partes, sendo este o valor que, no mínim o, deverá ser pago pelos agravantes quando do vencim ento das respectivas prestações. Contrato datado de 05.05.2005, com prestações devidam ente estabelecidas. Além do mais, o artigo 316 do atual Código Civil, claram ente, declara a licitude da convenção contratual que prevê o aum ento progressivo de prestações sucessivas. No mais, no que tange ao pedido dos agravantes visando obstar a inclusão de seus nomes nos cadas­ tros dos órgãos de proteção ao crédito, tam bém , pelos mesmos motivos náo merece guarida, pois,

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a orientação jurisprudeneial entende pertinentes tais pleitos desde que apresentados da form a atualm ente contem plada, ou seja, m ediante o depósito tido como incontroverso, que é aquele que se encontra contratado entre as partes. Recurso não provido" (TJSP, Al 9 9 1 0 6 0 5 7 4 1 0 1 , Rei. Des. Roberto M ac Cracken, j. em 1 3 -7 -2 0 0 6 ).

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pe­ dido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. HISTÓRICO

• V. com entário ao art. 315. DOUTRINA • 0 dispositivo, invocando o d ire ito an terio r, a d o ta a teoria da im previsão, a fim de p e rm itir q ue o valo r da prestação seja corrigido por decisão ju d ic ia l, sem pre que houver desproporção e n tre o que fo i ajustado d u ra n te a celebração do c o n tra to e o valo r da prestação na época da execução. Para ta n to , é im prescindível que a causa da desproporção ten h a sido realm en te im previsível e que te n h a havido pedido expresso de um a das partes, sendo vedado ao ju iz d e te rm in a r a correção de ofício. Na vigência do Código Civil de 1916, a ausência desse dis­ positivo fo i com pensada pela jurisprudência com a aplicação da cláusula rebussicstantibus, do d ire ito rom ano. • A cláusula rebus sicstantibus, diz Regina B eatriz Tavares da Silva, “é a abreviação da fó rm u ­ la controctus qui habent tractum sucessivum et dependentiom de futuro rebus sic stantibus intelliguntur, que, na Idade M édia, era a d m itid a ta c ita m e n te nos contratos com dependência do fu tu ro e que eqüivalia a estarem todos os contratos sucessivos ou a te rm o dependentes da perm anência da situação fá tic a existente na data da celebração c o n tra tu a l. Com o conse­ qüência do 'individualism o', que passou a prevalecer nas relações jurídicas, tal e n te n d im e n to fo i relegado ao esquecim ento no decorrer do século XIX, mas ressurgiu com as novas ideias 'solidaristas', que com eçaram a g an h a r v u lto desde o início do presente século. Resultou, assim, da a n tig a cláusula rebus sic stantibus a 'te o ria da im previsão', com a preocupação m oral e ju ríd ica de e v ita r graves injustiças, ao ser exigido cu m p rim e n to de contratos que nào te n h am execução im ediata, na fo rm a estipulada, a d m itin d o -s e sua revisão ou resolução, por m eio de intervenção ju d ic ia l, se as obrigações assumidas to rn are m -se excessivam ente o n e ­ rosas pela superveniência de fato s anorm ais e im previsíveis à época da vinculaçào c o n tra tu ­ al" (Regina B eatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Cláusula “rebus sic stantibus" ou teoria da imprevisão, Belém , Cejup, 1 9 89 , p. 9). • A regulam entação da cláusula rebus sic stantibus vinha sendo te n ta d a no Brasil desde 1941, com o p rim eiro A n te p ro je to do Código de Obrigações. O Código vig en te, nesse particular, to m ou com o m odelo o Código ita lia n o de 1942, que, sem se afastar da regra geral pacta sunt servanda, previu a in tervenção ju d icial nos contratos, sem pre que h ou ver desproporção m anifesta no v a lo r da prestação, decorrente de fa to im previsível. • Para W la d ím ir Alcibíades M a rin h o Falcão Cunha, “nào existem distinções e n tre a 'onerosida­ de excessiva', prevista no art. 4 7 8 do Código Civil de 2 0 0 2 , e a ‘desproporção m anifesta e n tre o v a lo r da prestação devida e o do m o m en to de sua execução', estam pada em seu art. 317, de m odo que qualq u er delas pode servir de base para a revisão ju d icial do negócio jurídico". Tem inteira razão o a u to r quando a firm a que "a questão a tin e n te à a lteração das circunstân­ cias iniciais da c o n tra taç ã o poderia te r recebido do legislador tra ta m e n to uno, eis que os artigos citados co n tem p lam um a única realidade, in terag in d o sob a égide de um a só teoria

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Art. 318

revisionista m oderna: a revisáo fu n d a d a na destruição da relação de equivalência m aterial das prestações contratuais, por conta de even to fu tu ro e im previsível" (Proposta de en u n cia­ do apresentada d u ra n te a IV Jornada de D ireito Civil, prom ovida pelo C entro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no ano de 2 0 0 6 ). • Sobre "Teoria da Im previsão", v id e ainda com entários ao a rt. 4 7 8 .

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 17, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A interpretação da expressão ‘motivos imprevisíveis', constante do art. 3 1 7 do novo Código Civil, deve abarcar tanto causas de desproporção não previsíveis, como tam bém causas previsíveis mas de resultados imprevisíveis".

JULGADOS • "Agravo de instrum ento. Ação de revisão de contrato de câmbio. Moeda estrangeira. D ólar-am ericano. Pretensão de aplicabilidade da teoria da imprevisão ante a desvalorização da moeda nacional brasileira. Impossibilidade. Oscilação m onetária incapaz de arredar os riscos do próprio negócio jurídico. Exclusão do nome da devedora dos cadastros de inadimplentes. Nào atendim en­ to da orientação 4 do REsp 10 61 530-RS. Teses defendidas dissociadas do entendim ento m ajoritá­ rio dos tribunais superiores. Recurso conhecido e não provido" (TJSC, Al 2 0 0 9 .0 6 2 0 8 7 -8 , Rei. Des. Altam iro de Oliveira, j. em 1 4 -7 -2 0 1 0 ). • "Ação ordinária. Revisão contratual. M útuo destinado à aquisição de tratores agrícolas. Ataque de praga nas lavouras. Redução da safra. Previsibilidade. Pedido improcedente. Recurso desprovido. Para que se altere substancialmente o contrato, com alteração da autonom ia de vontades no m om ento da celebração, deve restar configurado evento provocado por força m aior ou por caso fo rtuito, ou seja, insuscetível de ser previsto pelas partes, ou praticado em violação ao principio da b oa-fé subjetiva ou objetiva. Considerando a natureza da atividade produtiva desenvolvida pelo autor (plantio de soja), habitualm ente sujeita a oscilações climáticas, fenômenos naturais e até mesmo à incidência de pragas que provocam variações na produção agrícola, não se me a fi­ gura possível considerar-se a presença de imprevisibilidade, a determ inar a revisáo do ajuste. Por outro lado, os contratos firm ados pelo auto r se destinaram à aquisição de tratores agrícolas, não estando diretam ente vinculados à colheita da safra 2 0 0 3 /2 0 0 4 , sendo im portante assinalar que o mesmo não comprovou, como lhe competia (CPC, art. 333, inciso I). que os prejuízos decorrentes da incidência de praga denominada 'ferrugem asiática’ em suas lavouras de soja obstou o cum ­ prim ento das obrigações por ele contraídas" (TJMG, Ap. 1 1 .0 1 2 6 .0 4 .0 00 9 8 8-1 /0 0 1 (1 ), Rei. Lucas Pereira, j. em 8 -6 -2 0 0 6 , publicada em 6 -7 -2 0 0 6 ).

Art. 318. São nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 947 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • O Código v ig e n te repete regras constantes no D ecreto n. 2 3 .5 0 1 , de 2 7 -1 1 -1 9 3 3 , e no De­ creto -L ei n. 8 5 7 , de 1 1 -9 -1 9 6 9 , que já declaravam nulas quaisquer estipulações de pagam en­ to em ouro ou em o u tra espécie de m oeda que nào fosse a nacional, salvo previsão em legis­ lação específica. É o que a d o u trin a cham a de “curso fo rçado da m oeda nacional".

Art. 319

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• A Lei n. 10.192, de 1 4 -2 -2 0 0 1 , estabelece expressam ente, em seu a rt. 1», incisos I e II, in verbis: "Art. 1o As estipulações de p agam ento de obrigações pecuniárias exeqüíveis no te rri­ tó rio nacional deverào ser fe ita s em Real, pelo seu valo r n om in al. P arágrafo único. São ve ­ dadas, sob pena de nulidade, quaisquer estipulações de: I - p ag am en to expressas em , ou vinculadas a ouro ou m oeda estrangeira, ressalvado o disposto nos arts. 2o e 3o do D ecreto-Lei n. 8 5 7 , de 11 de setem bro de 1969, e na p arte fin a l do a rt. 6a da Lei n. 8 .8 8 0 , de 27 de m aio de 1994; II - reajuste ou correção m o n etária expressas em , ou vinculadas a unidade m o n e­ tá ria de conta de qu alq u er natureza". • As exceções previstas em lei especial, p o rtan to , são as seguintes: - contratos de exportação e im portação em geral, bem como os acordos resultantes de sua rescisão; - contratos de compra e venda de câmbio; - contratos celebrados com pessoa residente e domiciliada no exterior, excecutados os contra­ tos de locação de imóveis situados no território nacional, bem como a sua transferência ou modificação a qualquer título, ainda que ambas as partes já estejam nessa oportunidade resi­ dindo no Pais; - contratos de locação de bens móveis, desde que registrados no Banco Central do Brasil; - contratos de leasing celebrados entre pessoas residentes no País, com base em recursos cap­ tados no exterior. • A vedação prevista neste artig o se refere, apenas, ao p ag am en to em m oeda estrangeira, nào havendo óbice legal para a emissão de titu lo de crédito em m oeda estrangeira, desde que o seu p ag am en to seja e fe tu a d o em m oeda nacional.

JULGADOS • Embargos do devedor. Notas promissórias. Valor vinculado à moeda estrangeira. Iliquidez. Nulida­ de da execução. A vinculação dos títulos de crédito a valores referidos em moeda estrangeira conduz à iliquidez das cártulas e à conseqüente nulidade da execução. Agravo retido não provido e apelação provida (TJMG, Apelação 2 .00 0 0 .00 .4 2 18 8 4 -4 /00 0 (1 ). Rei. Roberto Borges de Oliveira, j. em 1 7 -8 -2 0 0 4 , publicada em 2 5 -9 -2 0 0 4 ). • Ação M onitoria. Notas promissórias emitidas em moeda estrangeira. Possibilidade. Conversão para moeda nacional nas datas dos vencimentos. Náo existe óbice jurídico a se em itir nota promissória em moeda estrangeira, desde que o pagam ento se efetive pela conversão na moeda nacional, de acordo com a data de seu vencim ento, visto que o objetivo do Decreto-Lei 8 5 7/6 9 é tão somente o de impedir que seja obstaculizado o curso da expressão m onetária vigente no Pais, com favorecim ento à circulação do dinheiro estrangeiro (TJMG, Ap. 2 .00 0 0 .00 .4 1 07 9 6 -2 /00 0 (1 ), Rei. Teresa Cristina da Cunha Peixoto, j. em 1 2 -5 -2 0 0 4 , publicada em 2 9 -5 -2 0 0 4 ). • "Civil. Obrigações. Indexação em moeda estrangeira. A moeda estrangeira não pode ser adotada como meio de pagam ento, mas serve como indexador. Recurso Especial não conhecido" (STJ, 3a T., REsp 239.238/RS, Rei. M in. Ari Pargendler, DJU, 1a-8 -2 0 0 0 ). • "Contrato de compra e venda, com preço fixado e indexado em dólares, para pagam ento em cruzeiros. Nulidade da cláusula. Decreto-Lei 8 5 7 /6 9 . É taxativam ente vedada a estipulação, em contratos exeqüíveis no Brasil, de pagam ento em moeda estrangeira, a tanto eqüivalendo calcular a divida com indexação ao dólar norte-am ericano, e nào a índice oficial ou oficioso de correção m onetária. Licito segundo as leis nacionais. Ação de cobrança da variação cambial, proposta pela vendedora. Nulidade de pleno direito da cláusula ofensiva a norm a im perativa e de ordem públi­ ca. Recurso Especial conhecido e provido" (STJ, 4» T., REsp 23.707, Rei. M in. Athos Carneiro, j. em 2 2 -6 -1 9 9 3 , DJU, 2 -8 -1 9 9 3 , p. 14250).

Art. 3 1 9 .0 devedor que paga tem direito a quitação regular, e pode reter o pagamento, enquanto não lhe seja dada.

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Art. 320

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 939 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacional.

DOUTRINA • Q u ita ç ã o : Na clássica lição de Silvio Rodrigues, é “um escrito no qual o credor, reconhecen­ do te r recebido o que lhe era devido, libera o devedor, a té o m o n ta n te do que lhe fo i pago" ( E n c ic lo p é d ia S a ra iv a d o D ire ito , Sào Paulo, Saraiva, 1 9 77 , v. 6 3 , p. 100). • Prova-se o p agam ento pela qu itação ou recibo. Se o devedor satisfez a obrigação, tem o d ireito de exig ir a com provação de seu ato. Recusando-se o credor, pode o devedor reter o p ag am en to ou o b te r decisão ju d icial que substitua a qu itação m ediante ação de consignação em p agam ento ou m edida ca u te lar de depósito.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 18, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A 'quitação regular' referida no art. 319 do atual Código Civil engloba a quitação dada por meios eletrônicos ou por quaisquer formas de 'comunicação à distância*, assim entendida aquela que perm ite ajustar negócios jurídicos e praticar atos jurídicos sem a presença corpórea simultânea das partes ou de seus representantes".

JULGADOS • “Impugnação ao cum prim ento de sentença fundada no artigo 475-L, VI, CPC. Suposto pagam en­ to do crédito efetuado após a prolaçào da sentença. Recibo. Ausência. Pagamento não provado. Impugnação rejeitada. Recurso improvido. Por força do disposto no artigo 319 do Código Civil, o pagam ento somente pode ser provado m ediante apresentação de recibo. Desta form a, sem a juntad a do recibo, não há prova do pagam ento, não sendo possível, portanto, o acolhim ento da impugnação ao cum prim ento de sentença" (TJSP, Al 9 9 0 1 0 1 5 1 0 3 4 0 , Rei. Des. Arm ando Toledo, j. em 6 -7 -2 0 1 0 ). • “Despejo por falta de pagam ento cum ulado com cobrança de aluguéis. Procedência. Aluguéis e encargos comprovados por contrato escrito. Ausência de comprovação de pagam ento. Prova que se faz por meio de recibos. Recusa do tocador em outorgar recibo de quitação. Hipótese em que o devedor pode reter o pagam ento (art. 319 do CC). Recurso desprovido" (TJSP, Ap. 99 20 6 0 48 9 3 90 , Rei. Des. Cesar Lacerda, j. em 1o- 12-2009).

Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designa­ rá o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante. Parágrafo único. Ainda sem os requisitos estabelecidos neste artigo valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 940 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 c a p u t do a rtig o , repetin d o o art. 9 4 0 do Código Civil de 1916, estabeleceu os requisitos da quitação, ao tem p o em que o p arágrafo único, acrescido no Código a tu a l, releva esses mesmos requisitos, sem pre que, pelos próprios term os do recibo ou pelas circunstâncias em que ele fo i passado, se puder concluir que a dívida fo i paga.

Arts. 321 e 322

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• 0 Código de Processo Civil de 19 73 já a d m itia em seus arts. 4 0 2 e 4 0 3 a prova testem unhai da quitação, desde que houvesse com eço de prova por escrito.

JULGADOS • “1. Comprovado o pagam ento da divida representada por duplicata, através de depoimentos testemunhais e documentos idôneos, impõe-se acolher os embargos, julgando extinta a execução. 2. 0 recibo de quitação fornecido por representante comercial da credora com poderes para ne­ gociar seus produtos, nos termos do contrato de representação, configura prova cabal de paga­ m ento da divida, ex v i do art. 3 2 0 do CC" (TJGO, Ap. 3 3 5 6 1 3 -1 8 .2 0 0 7 .8 0 9 .0 1 3 7 , Rei. Des. Camar­ go Neto, j. em 1 3 -4 -2 0 1 0 ). • "M onitoria. Cheque. Alegação de cerceam ento de defesa. Necessidade de dilação probatória para comprovação do pagam ento da quantia de R$ 5.000,00. Prova exclusivam ente testem unhai. Inadmissibilidade. Somente se comprova pagam ento m ediante quitação regular e só há quitação regular com os requisitos do art. 3 2 0 do CC/2002 (art. 9 4 0 do CC/1916). Impossibilidade de prova exclusivamente testemunhai para comprovação do pagam ento (CPC, art. 401). Recurso improvido" (TJSP, Ap. 9 9 10 5 0 34 3 8 24 , Rei. Des. Pedro Ablas, j. em 1 7 -3 -2 0 1 0 ).

Art. 321. Nos débitos, cuja quitação consista na devolução do título, perdido este, po­ derá o devedor exigir, retendo o pagamento, declaração do credor que inutilize o título de­ saparecido. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 942 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacional.

DOUTRINA • A declaração de in u tiliza ç ã o do títu lo em que se fu n d a m e n ta a dívida produz os mesmos efeitos da q u itaç ã o regular, desde que ele seja intransferível. Isso porque nos títu lo s ao por­ ta d o r ou à ordem , que podem ser transferidos ou cedidos, se o títu lo tiv e r sido transferido a terceiro de b o a -fé , este poderá e x ig i-lo do devedor, que, mesmo de posse da declaração de inutilização, será obrigado a pagar novam ente. • A m elhor solução para o devedor, nessas hipóteses, será o p agam ento em Juízo, com citação e d italícia dos terceiros, a fim de se e v ita r fu tu ra alegação de desconhecim ento do p agam en­ to realizado.

JULGADOS • "Ação de cobrança. Cheque pós-datado para pagam ento de divida relativa ao pagam ento de es­ critura de imóvel objeto de perm uta. Devolução pelo banco sacado por m otivo de conta encerra­ da. Pretensão de oitiva de testemunhas para fazer prova de pagam ento da divida. Impossibilidade. A quitação deve ser demonstrada pela apresentação de recibos. Arts. 319 a 321, do Código Civil. Decisão m antida. Recurso não provido" (TJSP, Ap. 9 9 1 0 9 0 4 3 8 0 6 0 , Rei. Des. Spencer Almeida Fer­ reira, j. em 1 0 -3 -2 0 1 0 ). • "Locação de im óveis (fin alid ad e residencial). Ação m on itó ria. Prova exclusivam ente oral nào te m o condão de elid ir a presunção de crédito ostentada pelo po rtad o r do títu lo . C erceam en­ to de defesa nào config urado. Recurso nào provido" (TJSP, Ap. 1 0 6 9 5 1 1 0 0 6 , Rei. Des. A n to n io B enedito Ribeiro P into, j. em 1 8 -6 -2 0 0 9 ).

Art. 322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabe­ lece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.

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Art. 322

HISTÓRICO • O dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 943 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Nas obrigações de prestações sucessivas, a exem plo dos contratos de locação, o pagam ento da ú ltim a parcela fa z supor (presunção juris tantum) que as anteriores estejam pagas. • A razão dessa presunção reside no po n to de nào ser n a tu ra l ao credor receber a cota subse­ qu en te sem que as anteriores te n h am sido adim plidas. Ressalta Beviláqua, no e n ta n to , que "a presunção é em b enefício do devedor, ainda pelo m o tivo de que ele é, de ordinário, a p arte mais fraca, e de que a obrigação lhe restringe direitos" (Clóvis Beviláqua, Código Civil comentado, 4. ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1934, v. 4, p. 9 9). • No D ireito T ributário , a q u itaç ã o das últim as parcelas não estabelece a presunção de paga­ m en to das anteriores (Cf. art. 158 do CTN). • As taxas de condomínio tam bém náo induzem a presunção por constituírem parcelas autônomas e independentes entre si.

JULGADOS • "D ireito civil. Obrigações. Taxas condom iniais. Prestações periódicas. Q uitação sem ressalva de déb ito de prestação an te rio r. I. N ão prevalece no caso de quotas condom iniais a presunção do art. 3 2 2 do Código Civil, de que 'quando o p ag am en to fo r em quotas periódicas, a q u ita ­ ção da ú ltim a estabelece, a té prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as a n te ­ riores', pois sáo im prescindíveis para a preservação do bem com um e autô nom as com relação umas às outras. Precedentes da Segunda Seção e das Turm as que a com põem . II. Recurso Especial provido" (REsp 8 1 7.3 4 8 /D F , 3 a T., Rei. M in . Sidnei Beneti, j. em 2 0 -5 -2 0 1 0 ). • "Ação de consignação em pagam ento. Securitizaçào de divida rural. Prestações periódicas. Caso concreto. Náo se configura injusta a recusa do credor em receber valores em pagam ento de pres­ tação com vencim ento em 2007 quando pendente de pagam ento parcela vencida em 2006. In te ­ ligência dos artigos 322 e 3 3 6 do Novo Código Civil. Negaram provim ento ao apelo. Unânime" (TJRS, Ap. 7 0 0 3 0 5 7 9 6 4 3 ,15a Câm. Civel, Rei. Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos, j. em 1 2 -8 2009). • "Administrativo. Tributário. IPVA. Pagamento. Prova. Certificado de registro e licenciam ento de veiculo. Quitação das parcelas subsequentes. Irrelevância. 1. A expedição de certificado de registro e licenciam ento de veiculo, embora condicionada à quitação de tributos incidentes sobre a pro­ priedade de veiculo autom otor, não é dotada de qualquer eficácia liberatória de obrigação fiscal (REsp 627.675/RS, DJ, 2 5 -1 0 -2 0 0 4 , e REsp 511.480/RS, DJ, 4 -8 -2 0 0 3 , Rei. M in. Luiz Fux). 2. A quitação de tributos se promove via Docum ento de Arrecadação Fiscal - DARF, com recibo em i­ tido pela instituição financeira credenciada ao recebim ento dos valores recolhidos a esse titulo, náo se prestando a esse mister certificado lavrado por terceiro estranho à relação tributária, mesmo que órgão público, vinculado ao Estado credor (Precedentes: REsp 590.461/RS, M in. Castro Meira, 2 - T., DJ, 2 5 -8 -2 0 0 6 ; REsp 688.649/RS, M in. José Delgado, 1- T., DJ, 1 1 -4 -2 0 0 5 ). 3. No Di­ reito Tributário, a quitação de parcelas subsequentes não cria a presunção de pagam ento das anteriores. Inteligência do art. 158 do CTN. 4. Recurso Especial provido" (STJ, REsp 776.570/RS, Rei. M in. Luiz Fux, DJ, 2 -4 -2 0 0 7 , p. 239). • "Pagamento. Art. 943 do Código Civil de 1916 (art. 322 do Código Civil de 2002). 1. Cabe ao cre­ dor, se efetivam ente pagas as últim as cotas, desconstituir a presunção prevista no art. 943 do Código Civil de 1916 (art. 322 do Código Civil de 2002). 2. Recurso Especial conhecido e provido" (REsp 712.106/DF, Rei. M in. Carlos Alberto Menezes Direito, 3*T., j. em 2 5 -1 0 -2 0 0 5 , DJ, 6 -3 -2 0 0 6 , p. 380).

Art. 323

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• “Direito civil. A rt. 943 do Código Civil. Presunção iuris tantum a favor do devedor. Ônus de ilidir a presunção atribuída ao credor. Doutrina, precedentes da corte. Recurso provido. 0 art. 9 4 3 do Código Civil, ao dizer que 'quando o pagam ento fo r em quotas periódicas, a quitação da últim a estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores’, estabelece uma presunção relativa em favor do devedor, incumbindo ao credor, uma vez por aquele demonstrado o pagam ento das parcelas posteriores, produzir prova que desconstitua tal presunção, não haven­ do de invocar-se a inaplicabilidade dessa norma às verbas condominiais, posto que se refere ela às obrigações em geral" (STJ, REsp 70.170/SP. Rei. M in. Sálvio de Figueiredo Teixeira, RSTJ, v. 169, p. 361).

Art. 323. Sendo a quitação do capital sem reserva dos juros, estes presumem-se pagos. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 9 4 4 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A regra geral já explicitada em com entários anteriores é a de que o acessório acom panha o principal. Assim, é de presum ir que a qu itação lib erató ria da obrigação principal tam bém libere o devedor da obrigação acessória, que não te m existência autô n o m a. • A presunção, no e n ta n to , ta l qual a estabelecida no artig o an te rio r, é juris tantum, cabendo ao credor provar que não recebeu os juros.

JULGADOS • "Caderneta de poupança. Diferenças de correção m onetária e juros rem uneratórios de conta poupança, por expurgo inflacionário referente ao Plano Verão. Preliminar de impossibilidade ju ­ rídica do pedido rejeitada. Inocorrência de quitação tácita. Prazo prescricional de vinte anos, nos termos do art. 177, do CC/1916, e do art. 2.028, do CC/2002, uma vez que os juros remuneratórios e a correção m onetária referente a depósitos efetuados em caderneta de poupança nào têm na­ tureza de acessórios, mas agregam-se ao capital aplicado (...)" (TJSP, Ap. 9 9 0 1 0 2 0 9 0 9 4 9 , Rei. Des. Rebello Pinho, j. em 3 0 -6 -2 0 1 0 ). • “Prestação de serviço. Quitação das faturas com atraso. Recebimento sem ressalvas que faz pre­ sumir o pagam ento dos juros. As diferenças decorrentes de correção m onetária sào exigiveis. Recurso desprovido, com observação" (TJSP, Ap. 9 4 1 7 6 0 0 0 5 , Rei. Des. Pedro Baccarat, j. em 2 5 -9 -2 0 0 8 ). • “Execução. Acidente de trabalho. Direito comum. Acordo. Quinze parcelas. Depósito bancário. Pagamento atrasado. Recebimento, entretanto, sem qualquer ressalva. Reclamação efetuada nove meses após a efetivação do pagam ento retardado. Aceitação quanto ao cum prim ento im perfeito. Extinção da obrigação. 0 recebimento, sem qualquer ressalva por longo lapso de tem po, de par­ cela paga com trés dias de atraso, configura quitação tácita, que autoriza a extinção da obrigação. Princípios da b oa-fé e ética exigem que a reclamação, quanto aos efeitos da mora, sejam efetiva­ das em prazo razoável, sob pena de configurar aceitação da prestação defeituosa" (TJSP, Ap. 1 0 1 0 1 8 4 0 0 3 , Rei. Des. Clovis Castelo, j. em 9 -6 -2 0 0 8 ). • “Indenização. Dano moral e m aterial. Pedido de falência do devedor e execução dos coobrigados. Possibilidade. Depósito parcial do débito, realizado no juízo falim entar, quando já se apresentavam arrem atados os bens imóveis. Artigos 9 4 4 e 1.031, § 1«, CC. Analogia. Inaplicabilidade. Litigância de m á-fé. 1. A lei faculta ao credor a possibilidade de executar os garantidores da obrigação, sem prejuízo do pedido de falência aforado contra a empresa. 2. Arrem atação de bens imóveis que restou realizada antes do depósito parcial, feito pelo devedor no juízo falim entar. Inexistência do

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nexo eausal a ensejar a obrigação do credor em reparar danos materiais e morais ditos sofridos. 3. Inaplicabilidade dos artigos 944 e 1.031, § 1o, do CC, porque, sendo o depósito parcial, e não integrando este o valor principal e os juros, não desobrigou o devedor, e tam pouco os coobrigados. 4. Manifestações da parte autora que com portam a condenação às penas de litigância de m á-fé. Ação julgada im procedente em primeiro grau. Apelo improvido" (TJRS, AC 5 9 9287711, 10* Câm. Civel, Rei. Des. Paulo A ntônio Kretzm ann, j. em 1°-6-2000).

Art. 324. A entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento. Parágrafo único. Ficará sem efeito a quitação assim operada se o credor provar, em sessenta dias, a falta do pagamento. HISTÓRICO • Este artigo não serviu de palco a qualquer alteração, durante a tram itação do projeto. Correspon­ de ao art. 9 4 5 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 artig o estabelece o u tra presunção juris tantum, em benefício do devedor, mas não cons­ titu iu inovação, nem m esm o em 1 9 16 , pois já estava presente no d ire ito português e na m aioria dos códigos da época, a exem plo do francês, do espanhol, do m exicano, do uruguaio e do arg e n tin o . Já nos explicava Beviláqua, à época, o fu n d a m e n to dessa presunção: "o títu ­ lo é a prova da existência da obrigação; e x tin ta esta, o credor o restitui ao devedor; conse­ q u e n tem en te , se o títu lo se acha nas mãos do devedor, é porque o credor, satisfeito o débito , lho entregou . Com o. e n tre ta n to , a entreg a do títu lo deve ser fe ita , v o lu n ta ria m e n te , pelo credor, no m o m en to de receber o pagam ento , e pode aco n tecer que esse d ocum ento vá ter às mãos do devedor por meios ilícitos (violentos ou dolosos), tem o credor d ireito de provar que o nào entregou , v o lu n ta ria m e n te , que não fo i solvida a obrigação. Este seu d ireito ex­ tin g u e -s e em sessenta dias" (Clóvis Beviláqua, Código Civil comentado, cit., p. 101). • 0 p arágrafo único estabelece o prazo de decadência de 6 0 (sessenta) dias para o credor provar o não pagam ento. • No Código de 1 9 1 6 (art. 9 4 5 , § 2®), vedava-se ao credor fa ze r a contrapro va sem pre que a qu itação se desse por escritura pública. 0 dispositivo, em boa hora suprim ido, c o n tin h a c láu ­ sula estranha ao a rtig o , já que, havendo escritura pública de quitação, pouco im p o rtaria se o títu lo tivesse sido entreg u e ou não. A presunção pela entrega do títu lo , já dizia João Luís Alves, só se ju stificava por não haver o u tro instru m en to de quitação.

JULGADOS • "Apelação cível. Ação declaratória de nulidade de titu lo cumulada com indenização. Locação de bens móveis. Quitação. Prova testem unhai não comprovou a quitação da divida. Ônus da prova quanto ao pagam ento incumbe à parte devedora, por se tra ta r de fa to impeditivo, m odificativo ou extintivo do direito do credor, nos termos do que prevê o art. 333, II, do CPC. Pelas demais provas, não se constata qualquer recibo de pagam ento ou resgate do titu lo de crédito, o que é necessário para dar quitação à promissória, pois 'a entrega do titu lo ao devedor firm a a presunção do pagam ento’ (art. 3 2 4 do CC). Sentença m antida. Negaram provim ento. Unânime" (TJRS, Ap. 7 0 0 2 8 8 9 1 3 6 4 ,1 6 * Câm. Civel, Rei. Des. Ergio Roque M enine, j. em 1 5 -4 -2 0 1 0 ). • "Agravo de instrum ento. Decisão que não acolhe arguiçào de decadência prevista no artigo 324, parágrafo único do Código Civil. M om ento processual inadequado. Prova pericial recomendável para aferir a alegada quitação. Questão que pode vir a ser reconhecida por ocasião do julgam en­ to do m érito da causa. Decisão confirm ada. Recurso desprovido" (TJSP, Al 9 9 1 0 8 0 8 3 7 8 4 1 , Rei. Des. Irineu Fava, j. em 1 1 -3 -2 0 0 9 ).

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• "Direito eivil. Recurso Especial. Contrato de compra e venda de imóvel com pacto adjeto de retrovenda. Ações anulatória de escritura pública e de imissão de posse. Entrega do titulo. Presunção do pagam ento. A entrega do titu lo ao devedor faz surgir a presunção do pagam ento da divida, que somente pode ser ilidida no prazo previsto no art. 324, § 1®, do CC/2002. Recurso especial parcialm ente conhecido e, nessa parte, provido" (STJ, REsp 798.003/PB, Rei. M in. Nancy Andrighi, DJ, 9 -1 0 -2 0 0 6 , p. 299). • “Apelação civel. Ação m onitoria. Docum ento hábil. Soma em dinheiro. Comprovação de pagam en­ to. Ônus da prova. Incumbe ao devedor o ônus de demonstrar a inexistência de obrigação a ser cumprida, porquanto chamou para si o ônus da prova de fa to extintivo do direito do credor, nos termos do art. 333, inciso II, do CPC. Nos termos do art. 324, CC/2002, a entrega do titu lo ao devedor firm a a presunção do pagam ento. E como esta presunção é relativa, se o cotejo probató­ rio comprovou o pagam ento da dívida através da respectiva quitação, extinguiu-se a obrigação do devedor" (TJMG, Ap. 2 .00 0 0 .00 .5 0 79 9 8 -3 /00 0 (1 ), Rei. Albergaria Costa, j. em 2 2 -6 -2 0 0 5 , pu­ blicada em 6 -8 -2 0 0 5 ).

Art. 325. Presumem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação; se ocorrer aumento por fato do credor, suportará este a despesa acrescida.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 9 4 6 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacional.

DOUTRINA • Apesar de m a n te r a regra geral já constante do a rt. 9 4 6 do Código Civil de 1916, no sentido de c o m p e tir ao devedor as despesas com o p ag am en to e a quitação, o art. 3 2 5 generaliza a responsabilidade do credor sem pre que o devedor vier a a rcar com ônus a que não deu c au ­ sa. • Entre as despesas referidas no artig o estão o transporte, a pesagem, a contagem , as taxas bancárias etc. Claro que o dispositivo se refere apenas aos ônus extrajudiciais, pois os en car­ gos judiciais, no caso de execução fo rçada da dívida, serão pagos de acordo com o que vier a ser estabelecido no títu lo jud icial.

JULGADO • "Tarifa de emissão de boleto de cobrança. Declaratória de inexigibilidade com restituição de valores pagos em dobro julgada im procedente. Apelação da arrendatária insistindo na tese da inexigibilidade. Não acolhim ento. Relação de consumo nào positiva. Arrendatária que aceitou a característica p o rta b lc da obrigação. Presunção legal de que correm a cargo do devedor as des­ pesas com o pagam ento e a quitação. A rt. 325, do CC /2002. Recurso não provido" (TJSP, Ap. 9 9 0 0 9 3 4 0 4 2 4 9 , Rei. Des. M oura Ribeiro, j. em 2 4 -6 -2 0 1 0 ).

Art. 326. Se o pagamento se houver de fazer por medida, ou peso, entender-se-á, no silêncio das partes, que aceitaram os do lugar da execução.

HISTÓRICO • 0 dispositivo nâo foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 949 do Código Civil de 1916.

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DOUTRINA • Os sistemas de pesos e m edidas podem v a ria r de acordo com o país. V ê-se, p. ex., que nos países de colonização anglo-saxônica as distâncias são m edidas em milhas, e n q u a n to aqui a unidade u tiliza d a é o q u ilô m e tro . O a rt. 3 2 6 estabelece, p o rtan to , que todas as obrigações exeqüíveis no Brasil re g u la r-s e -ã o , no silêncio das partes, pelo sistema m étrico. Claro que as partes podem convencionar m edir ou pesar a prestação por sistema diverso. • A lgum as m edidas podem v a ria r d e n tro do próprio país. Nos Estados de São Paulo, M inas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás as propriedades rurais sào n o rm alm en te m edidas em alqueires, en q u an to na m aioria dos estados, usa-se o hectare. M as m esm o o alqueire varia de estado para estado: 1 alqueire paulista corresponde a 2,42 ha, en q u an to 1 alqueire m ineiro eq ü iva­ le a 4 ,8 4 ha.

Seção IV



Do lugar do pagamento

Art. 327. Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes conven­ cionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias. Parágrafo único. Designados dois ou mais lugares, cabe ao credor escolher entre eles.

HISTÓRICO • O dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 950 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacional.

DOUTRINA • Lu g a r do p a g a m e n to : É o local onde deve ser cumprida a obrigação. Sua fixação tem importância prática inclusive para o estabelecimento da mora. Quem pagar em local errado arcará com os ônus decorrentes. • D iv id a s q u e s iv e is e p o rtó v e is : Diz-se quesível ou q u é ro b le a dívida que houver de ser cobra­ da pelo credor, no dom icílio do devedor. C om pete ao credor procurar o devedor para receber o pagam ento . Portável ou p o r t a b le é a dívida que deve ser paga no dom icílio do credor. Cabe ao devedor p o rtar, levar, o p ag am en to a té a presença do credor. Em regra, to da dívida é q u é ra b le , ou seja, deve ser buscada pelo credor no dom icílio do devedor. E o que estabelece o art. 3 2 7 ora em com ento : no silêncio do c o n trato , presum e-se que aquela fo i a vo n tad e das partes. • Exceções ò re g ra g e ra l: 0 lugar do p agam ento é de livre convenção das partes, daí que a regra geral da dívida quesível só te m aplicação quando os c o n tra tan te s não convencionarem do m odo diverso. E m esm o no silêncio do c o n tra to , m uitas vezes as circunstâncias da avença, a natu reza da obrigação ou a própria lei é que d e te rm in a m o lugar do pagam ento . Assim é que no caso de m ercadoria despachada por reem bolso postal, a dívida será paga pelo devedor no lugar da retirada. As dívidas fiscais devem ser pagas na repartição com p eten te, por im po­ sição legal. • Se o c o n tra to estabelecer mais de um lu g ar para o pagam ento , caberá ao credor, e não ao devedor, escolher aquele que mais lhe aprouver. C om pete ao credor c ien tific a r o devedor, em tem p o hábil, sob pena de o p agam ento v ir a ser v a lid am en te e fe tu a d o pelo devedor em qualq u er dos lugares, à sua escolha.

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• Se o devedor de dívida quesível m uda de dom icilio, sem anuência do credor, c a b e r-lh e -à o as despesas que o credor houver tid o com a m udança do local do pagam ento , tais com o taxas de remessa bancária, correspondências etc.

JULGADOS • "Agravo de instrum ento. Honorários advocaticios. Açào de cobrança. Foro de competência. Recur­ so improvido. Inexistindo cláusula de foro de eleição, a ação de cobrança de honorários deve ser ajuizada no dom icilio do devedor, por aplicação da regra geral prevista no art. 9 4 do CPC e em conform idade com o art. 9 5 0 do Código Civil de 1916, este vigente à época da celebração do contrato (art. 327 do atual Código Civil)" (TJSP, Al 9 9 0 1 0 0 2 1 7 0 3 8 , Rei. Des. Mendes Gomes, j. em 3 -5 -2 0 1 0 ). • "Agravo de instrum ento. Corretagem, cobrança. Exceção de incompetência. Não restando pactu­ ado o local onde a obrigação deveria ser satisfeita (pagam ento da comissão de corretagem), deve ser ela exigida no dom icílio do devedor. Aplicação dos arts. 327 do CC e 100, IV, "d", CPC. Desprovim ento do recurso" (TJRS, Al 7 0 0 3 5 8 9 3 8 0 9 ,16J Câm. Civel, Rei. Des. Paulo Sérgio Scarparo, j. em 2 4 -6 -2 0 1 0 ). • "Processo civil. Questão nova surgida no julgam ento da apelação. Necessidade de prequestionamento. Civil. Arras. Ausência de convenção a respeito do lugar do pagam ento. Divida quesível ('queráble'), paga no dom icilio do devedor, por presunção legal do art. 9 5 0 do Código Civil. Credor que não diligenciou a cobrança da divida no dom icilio do devedor, ausente qualquer notificação. Inércia do credor que afasta a mora do devedor (m o ra d e b ito ris ) e a mora de pagar [m o ra s o lve n d i), ainda que a divida estivesse vencida no term o [m o ra ex re) porque imprescindível prévia dili­ gência do credor para constituição do devedor em mora. Insuficiência do prazo fixado para vencim ento da divida e da existência de cláusula resolutiva expressa. É assente que a questão de direito surgida no acórdão recorrido, ainda que verse nulidade processual, se submete ao pressu­ posto recursal especifico do prequestionam ento, para viabilizar o processamento do recurso es­ pecial. 0 Código Civil de 1916 estabeleceu como regra geral a m o ra ex re (em razão do fa to ou da coisa), mas para que se considere o vencim ento da obrigação e para que se torne exigivel a divida sendo esta quesível, é indispensável que o credor demonstre que diligenciou a recepção do seu crédito, pois deve buscá-lo no dom icilio do devedor. Sem o atendim ento dessa form alidade, quan­ to ao lugar do pagam ento, não se tem a divida como vencida. A existência de previsão contratu­ al de pagam ento do restante do débito em data certa não transform a a divida antes quesível em ‘portable* (portável); continua sendo obrigação do credor diligenciar o pagam ento da dívida no dom icilio do devedor, ainda que domiciliados na mesma cidade. Na divida quesível não é neces­ sária, embora aconselhável, a oferta do devedor, pois deve ele aguardar a presença de cobrança do credor, só lhe sendo exigido que esteja pronto para pagar quando provocado pelo credor" (STJ, REsp 3 6 3 .6 14/SC, Rei. M in. Nancy Andrighi, DJ, 9 -1 0 -2 0 0 6 , p. 299).

Art. 328. Se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em prestações relati­ vas a imóvel, far-se-á no lugar onde situado o bem. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 951 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacional.

DOUTRINA • 0 a rt. 3 2 8 não inova o d ireito an te rio r, lim itan d o -se a re p e tir regra constante do a rt. 951 do Código Civil de 1916, já objeto de críticas dos doutos (cf. Franzen de Lima e Clóvis Beviláqua). A prim eira parte do dispositivo é fla g ra n te m e n te redund an te: se o p agam ento consistir na e n tre g a de um im óvel, é óbvio que só poderá se realizar no local da situação do bem . A transferência da propriedade im obiliária só ocorre com o registro do títu lo no cartório de

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im óveis do lugar do bem . Já a segunda parte do dispositivo é confusa, pois dá a en te n d e r que to da e q u a lq u e r prestação relativa ao im óvel, a exem plo dos aluguéis, terá de ser realizada no lu g ar da situação, o que nem sem pre é verdade. P acificou-se na d o u trin a que as "presta­ ções" referidas no artig o nào abrangem os aluguéis, mas apenas as decorrentes de serviços só realizáveis no local do im óvel, com o a construção de um m uro, a restauração de um a fachada etc. E m esm o nesses casos a regra não é absoluta. Podem as partes convencionar que o p ag am en to seja fe ito m ediante depósito em d e term in ad o banco, que nào tem agência na mesma localidade do im óvel.

DIREITO PROJETADO • Pelo acima exposto, encaminhamos ao então Deputado Ricardo Fiuza proposta para alteração do dispositivo, que passaria a contar com a seguinte redação: "Art. 328. Se o pagam ento consistir na tradição de um imóvel, far-se-á no lugar onde situado o bem. Se consistir em prestação decor­ rente de serviços realizados no imóvel, no local do serviço, salvo convenção em contrário das partes" (PL n. 6 .960/2002, atual PL n. 6 9 9/2011).

Art. 329. Ocorrendo motivo grave para que se não efetue o pagamento no lugar deter­ minado, poderá o devedor fazê-lo em outro, sem prejuízo para o credor. HISTÓRICO • 0 a rtig o em análise não se subm eteu a nenhum a espécie de m odificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câm ara dos Deputados, no período fin a l de tra m ita ç ã o do projeto. N ào há artig o correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo não esteve presente no Código Civil de 1916, inovando o d ire ito a n te rio r ao estabelecer que o devedor pode a lte ra r o local predeterm in ad o para o p agam ento sempre que ocorrer m otivo grave e desde que não haja prejuízo ao credor. • Apesar da crítica de alguns juristas no que tan g e à ind eterm in açào da expressão "m otivo grave", que poderia d a r azo a alg u m a m utab ilidade, consideram os salu tar a inserção desse novo com ando n orm ativo. Caberá ao ju iz, em cada caso concreto, decidir sobre a gravidade do m otivo. Aliás, esse é o espírito do Código a tu a l, com o a firm o u de m aneira reiterad a o re la to r-g e ra l Ricardo Fiuza: m a n te r os seus com andos s u fic ie n te m e n te abertos, afastando o positivism o exagerado do Código Civil de 1 9 1 6 e perm itind o que o te x to possa se am o ld ar tal com o as circunstâncias sociais do presente e do fu tu ro , sem que venha a necessitar de grandes m odificações. 0 que é m o tivo grave hoje pode deixar de sé-lo am anhã, não com pe­ tin d o à lei que se qu er perene d e fin ir h erm eticam en te a gravidade do m otivo. • Se a m udança do local do p ag am en to im plicar o acréscim o de quaisquer despesas, estas serão de responsabilidade do devedor.

JULGADO • "Controvérsia entre consumidor e empresa operadora de plano de saúde, tendo por objeto a re­ cusa de cobertura contratual sob o argum ento de resilição por inadim plem ento. Aplicabilidade imediata do CDC às relações jurídicas de tra to sucessivo. Falta de envio dos boletos bancários que evidencia verdadeira modificação unilateral do local do pagamento, a afastar a ocorrência da mora contratual. Violação das disposições contratuais originariam ente estabelecidas e dos próprios deveres laterais do contrato, sobretudo o da lealdade contratual. Condenável subterfúgio utiliza­ do pela empresa ré, que se valeu das condições físicas e psíquicas de um portador do vírus HIV para im por-lhe a corrida desenfreada contra eventual inadim plem ento contratual. Inexistência de

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comprovação quanto à realização da notificação prevista no artigo 13, parágrafo único, II da Lei n. 9 .65 6 /9 8, a afastar toda a tese recursal. Recusa de cobertura contratual injustificada. Obrigação de envio à residência autoral dos boletos de pagam ento devidam ente imposta. Danos morais ar­ bitrados em R$ 10.000,00 (dez mil reais) que se revelam adequados às peculiaridades do caso. Apelo improvido, devendo unicam ente ser imposta, de oficio, m ulta diária de R$ 300,00 (trezentos reais), para a hipótese de descumprimento da obrigação de fazer imposta no julgado recorrido. Inteligência dos artigos 461 e 644 do CPC" (TJRJ, Ap. 0216723-30.2008.8.19.0001 (2009.001.43365), Rei. Des. Celso Peres, j. em 1 6 -9 -2 0 0 9 ).

Art. 3 3 0 .0 pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Nào há artigo corres­ pondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 art. 3 3 0 constitui im p o rta n te inovação em relação ao Código Civil de 1 9 16 . A regra cons­ titu i desdobram ento do princípio da b o a -fé o b jetiva (art. 4 2 2 ), re fle tin d o a d ire triz de e tic idade adotada na novel codificação. Com o bem coloca José Fernando Sim ào, "os vários paga­ m entos realizados em local d ife re n te daquele previsto no c o n tra to cria um a justa e x p e ctati­ va ao devedor, baseada na confiança, de que o credor não mais exigirá que a obrigação seja cum prida no lugar inicialm en te avençado pelas partes. T rata-se de um exem plo da função reativa (defensiva) da b o a -fé o bjetiva. Se o credor p reten d er im p u ta r ao devedor os ônus da m ora, em razão do cu m p rim e n to da obrigação em local diverso do c o n tra ta d o (artig o 394), o ú ltim o poderá se d efender, sob o m a n to da b o a -fé o bjetiva, alegando que o credor re n u n ­ ciou ao lugar do pagam ento . Em term os jurídicos, o credor estaria c o n trarian d o um a linha de co n d u ta por ele adotada, de m aneira incoerente, tra in d o a confiança gerada no coração do devedor. Estar-se-ia d ian te do in s titu to cham ado de v e n ire c o n tra fa c tu m p ro p riu m que te m com o seu corolário a s u p re s s io (atin g e a eficácia da posição ju ríd ica que não fo i exerci­ da por d e te rm in a d o período de tem po)" (0 novo D ireito Civil brasileiro e o Código Reale, C a rta Forense, edição: 0 8 , Ano: 1 1 /2 0 0 3 ).

JULGADOS • "Ação de indenização por danos morais julgada procedente. Apelações isoladas das partes. A do autor, m utuário, firm e nas teses de que (1) o valor arbitrado pelo juiz o q u o não repara o dano moral sofrido; e, (2) o q u a n tu m indenizatório deve servir para punir exem plarm ente o réu, m u tu ante, bem como reparar danos provocados à sua honra, moral e imagem, objetivos estes que não foram alcançados no caso concreto. A do m utuante, firm e nas teses de que (1) no comprovante de pagam ento juntad o pelo m utuário não há indicação de quem promoveu o referido depósito, nem a qual contrato ele se referiria, de modo que sem a identificação foi impossível promover a baixa; e, (2) o m utuário não avisou sobre o depósito não identificado, não cumprindo, assim, o art. 3 3 3 ,1, do CPC. Protesto indevido. 0 pagam ento reiteradam ente feito em conta de titularidade de empresa de cobrança contratada pelo m utuante faz em ergir a presunção de que este o aceitava validam ente, em consonância com o instituto da su rre c tio , derivação do principio da b oa-fé ob­ jetiva, que se amolda ao caso. Caracterização do dano moral. Verba indenizatória que merece ser elevada sob pena de não cum prir o caráter de desestimulo que a indenização por danos morais deve se revestir. Recurso do autor provido. Recurso do réu improvido" (TJSP, Ap. 9 9 10 4 0 83 9 5 84 , Rei. Des. M oura Ribeiro, j. em 3 1 -7 -2 0 0 8 ).

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• "(...) se o devedor efetuar o pagam ento em local diverso do previsto no contrato, de form a reite­ rada, surge o direito subjetivo de assim continuar fazendo-o - 'surrectio’ - e o credor não poderá contrariá-lo, pois houve a perda do direito - ‘supressio’. Desse modo, a ‘surrectio’, nas palavras de Menezes Cordeiro ’é o instituto que faz surgir um direito que não existe juridicam ente, mas que tem existência na efetividade social'” (TJSP, Ap. 1.170.013-1, Rei. Des. Cândido Alem, j. em 3 -7 2007).

Seção V



Do tempo do pagamento

Art. 331. Salvo disposição legal em contrário, não tendo sido ajustada época para o pagamento, pode o credor exigi-lo imediatamente.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 952 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacional.

DOUTRINA • O b rig a ç õ e s p u ra s e im p u ra s : Na classificação d o u trin á ria das obrigações, c h am am -se "puras" aquelas em que as partes não estipularam prazo para o p ag am en to e por isso podem ser exigidas im e d ia ta m e n te . As obrigações im puras ou a te rm o são aquelas com prazo fixado. D izem -se im puras porque sua estru tu ra teria sido desvirtuada com o estabelecim ento do prazo. • A obrigação pura é exigível de im ediato, salvo: a) se a execução tiv e r de ser fe ita em local diverso ou depender de te m p o (v. com entários ao art. 134); b) se a própria lei dispuser de m odo diverso. • Explica C arvalho Santos que não se deve in te rp re ta r com rigor a palavra "im ed iatam ente", mas "ser enten d id a em term os hábeis, excluind o-se a sua aplicação ao pé da letra em todas as hipóteses em que se a d m ite m os prazos tácitos, que são aqueles precisam ente resultantes da própria natu reza da prestação, com o, p. ex., se a prestação tiv e r de ser fe ita em lu g ar d i­ verso, ou depender de tem po . Se alg u ém se obriga a pagar ao credor em d eterm in ad a cidade, é claro que a obrigação nào poderá ser exigida im e d ia ta m e n te , mas com o te m p o suficiente para que o devedor possa se tra n s p o rtar àquela localidade" (J. M . de C arvalho Santos, C ó d ig o C iv il b ra s ile iro in te rp re ta d o , cit., p. 290). • N áo havendo prazo ajustado, é im prescindível que o credor n o tifiq u e o devedor para que cum pra a obrigação.

Art. 332. As obrigações condicionais cumprem-se na data do implemento da condição, cabendo ao credor a prova de que deste teve ciência o devedor.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 953 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • O b rig a ç õ e s c o n d ic io n a is : Sào aquelas cujo cu m p rim e n to se enco n tra subordinado a evento fu tu ro e incerto. Ou seja, a obrigação só se im p lem en ta após o advento da condição. D ep en -

Art. 333

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333

dendo da natu reza da eondiçào, a obrigação condicional pode ser suspensiva ou resolutiva. No p rim eiro caso, a eficácia do negócio ju ríd ic o fica postergada a té o advento da condição. No segundo, é a ineficácia do a to negociai que fica a depender de even to fu tu ro e incerto. • Se a obrigação só adquire ou perde a eficácia com o advento da condição, com pete ao credor provar que o devedor teve ciência da verificação da condição.

JULGADOS • "Cobrança. Obrigação sujeita à condição suspensiva. Não im plem ento da condição. É da lei civil que as obrigações condicionais cum prem -se na data do im plem ento da condição. Não se alinham as hipóteses em que assiste ao credor cobrar a divida antes de vencido o prazo (art. 3 3 3 do Códi­ go Civil). Ação im procedente. Recurso provido" (TJRS, Recurso Civel 7 1 0 0 2 4 0 8 7 5 5 ,1a Turma Recursal Civel, Rei. Fabio Vieira Heerdt, j. em 1 5 -7 -2 0 1 0 ). • "Apelação. Ação Declaratória cum ulada com cobrança. Servidora Municipal. Pretensão ao recebi­ m ento de gratificação por nível universitário. Admissibilidade. Termo a q u o a partir do mom ento em que a ré foi inform ada. Obrigação condicional. Aplicação do artigo 332 do CC. Incidência de tal verba sobre o padrão, mais as verbas efetivam ente incorporadas, excluídas as de caráter even­ tual. M anutenção dos honorários advocaticios fixados na sentença. Recursos voluntário e oficial parcialm ente providos" (TJSP, Ap. 9 9 4 0 7 1 2 1 9 8 4 6 , Rei. Des. Oswaldo Luiz Palu, j. em 2 1 -1 0 -2 0 0 9 ). • "Execução de titu lo extrajudicial. Contrato particular de rescisão de compromisso de compra e venda de fração ideal de terreno, contrato de construção e outras avenças. Cláusula onde o exe­ cutado obrigou-se a devolver ao exequente a quantia ali consignada por ocasião do 'final do em preendim ento'. Ocorrência do term o não comprovada. Título inexigível. Impossibilidade de introduzir-se discussão acerca de cláusulas abusivas por parte do exequente. Inteligência do a rti­ go 586, combinado com os artigos 614, inciso III e 572, do CPC e artigos 332 e 333, do Código Civil. Nulidade da execução. Inteligência do artigo 618, inciso I, do CPC. Verba honorária fixada com a ressalva do artigo 12, da Lei 1060, não havendo que se falar em isenção, mas apenas em suspensão da exigibilidade da cobrança. Recurso improvido" (TJSP, Ap. 9 9 4 0 7 0 9 4 6 9 6 0 , Rei. Des. Graciella Salzman, j. em 1 6 -1 2 -2 0 0 8 ). • "Mediação. Cobrança. Comissão de corretagem incidente sobre os valores recebidos pelos vende­ dores. Obrigação condicional. Inexistência de comprovação do im plem ento de condição. As obri­ gações condicionais cum prem -se na data do im plem ento da condição, incumbindo ao credor a prova do seu aperfeiçoam ento. Recurso parcialm ente provido" (TJSP, Ap. 9 2 33 2 1 00 7 , Rei. Des. Emanuel Oliveira, j. em 3 1 -1 -2 0 0 8 ).

Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo esti­ pulado no contrato ou marcado neste Código: I — no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores; II — se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor, III — se cessarem, ou se se tomarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussó­ rias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las. Parágrafo único. Nos casos deste artigo, se houver, no débito, solidariedade passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 9 5 4 do Código Civil de 1916.

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Art. 334

DOUTRINA • Em regra nào pode o credor exig ir o p agam ento antes do vencim ento, salvo: a) se, executad o o devedor e não sendo os seus bens suficientes ao p ag am en to do débito, fo r instaurado o concurso creditório, com o se dá nas hipóteses de falência e insolvêneia civil; b) se os bens do devedor, já gravados por ônus real, fo re m penhorados em execução pro­ posta por o u tro credor; c) se as garantias que o devedor houver dado ao credor cessarem ou se to rn are m insuficien­ tes, hipótese, p. ex., em que fo r desapropriado o objeto da g arantia. • Pode o devedor, no e n ta n to , com o regra geral, pagar a dívida antes do vencim ento, salvo: a) se o prazo tiv e r sido estabelecido em proveito do credor, com o no exem plo citado por Sílvio Venosa do “co m prador de um a m ercadoria que fixa o prazo de 9 0 dias para recebê-la , porque neste período estará construindo um arm azém para g u a rd á -la . 0 prazo foi in stitu íd o a seu favor, porque o recebim ento antecipado lhe seria sum am ente gravoso" (Silvio de Salvo Venosa, Direito civil, cit., p. 178); b) se o c o n tra to ou a lei dispuserem de m odo diverso.

Capítulo II — DO PAGAMENTO EM CONSIGNAÇÃO Art. 334. Considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais. HISTÓRICO • Este dispositivo em sua redação original tratava apenas do depósito judicial da coisa. Foi objeto de emenda por parte da Câmara dos Deputados no periodo final de tram itação do projeto, para inclusão do depósito em estabelecimento bancário como uma das form as de se consignar o pa­ gamento.

DOUTRINA

• Pagamento em consignação ou consignação em pagamento: É o depósito da coisa devida, à disposição do credor. N ào é pagam ento , mas produz os mesmos efeitos extintivos da o b ri­ gação. Na clássica definição de Serpa Lopes, “é o processo por m eio do qual o devedor pode liberar-se, e fe tu a n d o o depósito ju d icial da prestação devida, quando recusar-se o credor recebê-la ou se para esse recebim ento houver qu alq u er m otivo legal im peditivo" ( Curso de direito civil, cit., p. 2 4 6). • O a rt. 3 3 4 inova o d ire ito a n te rio r ao p e rm itir a consignação da coisa devida em estabeleci­ m en to bancário, ta l qual já havia fe ito o Código de Processo Civil, em seu a rt. 8 9 0 , com a redação dada pela Lei n. 8 .9 5 1 /9 4 , sem pre que se tratasse de obrigação pecuniária. 0 Código v ig e n te avança em relação ao próprio CPC, pois não restringe a possibilidade do depósito bancário apenas às dívidas em dinh eiro. Q ualquer obrigação cujo objeto da prestação seja passível de depósito bancário, a exem plo de joias, m etais preciosos e papéis de qualquer es­ pécie, pode vir a ser adim plida m ediante consignação em estabelecim ento bancário, presen­ tes os dem ais requisitos estabelecidos neste Código.

Art. 335

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JULGADOS • T rib u tá rio e processual civil. Ação de consignação em pagam ento. Pretensão de se consignar coisa diversa da que constitui objeto da prestação. Justa recusa por parte do credor. Ação que se mostra inadequada para o fim pretendido pelo devedor, qual seja, o depósito de documentos para serem apreciados pelo credor. I. A ação de consignação em pagam ento é o meio hábil para que o devedor possa exonerar-se da obrigação, obtendo, com o depósito da coisa devida, os efeitos do pagam ento. É necessário, para que se alcance tal fim , que a recusa do credor em receber seja in­ justa. II. No caso, o procedim ento da ação de consignação em pagam ento é inadequado para o fim visado pelo devedor, pois este pretende o depósito de documentos para que o credor venha a analisá-los e a reconhecer a alegada compensação de créditos. III. Recurso Especial improvido" (STJ, 7 0 8 .4 2 1/RS, Rei. M in. Francisco Falcão, DJ, 1 0 -4 -2 0 0 6 , p. 138). • "Promessa de venda e compra. Divida quèrablc. Não apresentação pelo credor dos títulos Repre­ sentativos das prestações avençadas. Não tendo o prom itente vendedor apresentado os títulos correspondentes às parcelas convencionadas e nào tendo, ainda, evidenciado a recusa do com prom issário-com prador em saldar os respectivos débitos, escorreita afigura-se a decisão que considerou hábeis e oportunos os depósitos efetuados em conta corrente bancária do credor. A ação de consignação em pagam ento não constitui um dever jurídico, mas mera faculdade do devedor. Inexistência de contrariedade aos arts. 972 e s. do Código Civil e 890 e s. do CPC. Recur­ so Especial nào conhecido" (STJ, REsp 10.634/SP, Rei. M in. Barros M onteiro, Lex-STJ, v. 44, p. 127).

Art. 335. A consignação tem lugar I — se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma; II — se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição de­ vidos; III — se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou re­ sidir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil; IV — se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do paga­ mento; V — se pender litígio sobre o objeto do pagamento. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 973 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 p ag am en to em consignação constitui fo rm a excepcional de extinção do vínculo ob rig acío nal e só pode ser a d m itid o nas hipóteses expressam ente previstas no te x to legal, razão por que o elenco de que tra ta o a rtig o em com ento deve ser considerado ta x a tiv o e não m era­ m ente exem p lificativo . • A ação de consignação em p agam ento e n c o n tra -se disciplinada nos arts. 8 9 0 a 9 0 0 do Có­ digo de Processo Civil. • As hipóteses legais que a d m ite m a propositura da ação de consignação em p agam ento são as seguintes: a) m ora do credor, que se nega a receber (dívida p o rta b le ) ou a m an d ar buscar o p agam en­ to (dívida q u é ro b le ), ou ainda a dar a quitação, na fo rm a devida; b) credor incapaz, desconhecido, declarado ausente ou residente em local perigoso, incerto ou de d ifíc il acesso;

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Art. 336

c) ocorrência de dúvida sobre a leg itim id ad e do credor; d) existência de litíg io sobre o o b je to do pagam ento.

JULGADOS • "Trânsito. Indenização. No caso dos autos a autora sustenta sua pretensão consignatória na exis­ tência de obstáculo fático que impossibilite o pagam ento eficaz, qual seja, a dúvida objetiva de quem seja o credor do seguro DPVAT. Nào há dúvida de quem deva, legitim am ente, receber o pagamento. A dúvida acerca de em qual conta depositar a indenização náo se enquadra nas hi­ póteses de consignação em pagam ento (dúvida de quem seja o credor - a r t 335, IV, CC), juridica­ m ente impossível é o pedido da consignatória. Negaram p rovim ento ao apelo" (TJRS, Ap. 7 0 03 3069550, 6* Càm. Civel, Rei. Des. Luís Augusto Coelho Braga, j. em 1 0 -6 -2 0 1 0 ). • "Ação de consignação em pagam ento. Cheque protestado. Viável a utilização da via consignatória para o fim de liberar o em itente de obrigação consubstanciada em titu lo protestado quando o credor se recusa, sem justificativa, a receber. Precedentes. Decreto de extinção afastado. In te li­ gência do artigo 335, I, do Código Civil. Recurso provido" (TJSP, Ap. 9 9 01 0 0 42 1 8 75 , Rei. Des. Itam ar Gaino, j. em 5 -5 -2 0 1 0 ). • "Consignação em pagamento. Duplicatas mercantis protestadas. Boletos bancários e notas fiscais enviados a endereço distinto do devedor. Configuração da hipótese do artigo 335, II, do Código Civil. Mora do credor configurada. Possibilidade de pagam ento em consignação. Recurso provido" (TJSP, Ap. 9 9 1 0 9 0 0 3 9 1 1 5 (7 3 63149500), Rei. Des. Tasso Duarte de Melo, j. em 2 -9 -2 0 0 9 ). • "Ação de consignação em pagam ento de cheque protestado. Petição inicial lim inarm ente indefe­ rida por falta de interesse de agir. Apelação do autor, em itente da cártula, firm e na tese de que a consignação em pagam ento é a única form a de conseguir obter quitação e retirar o seu nome do cadastro de inadimplentes, uma vez que a credora encontra-se em local incerto e não sabido. Acolhim ento. Pagamento que não pode ser efetuado, após o protesto, diretam ente no Cartório, sem a carta de anuência da credora. Direito à quitação pela via consignatória. Aplicação do art. 3 3 4 c.c. o art. 335, III, do CC. Sentença anulada a fim de que os autos retornem à Vara de origem e tenham regular prosseguimento. O ferta que deve corresponder aos acréscimos da mora. Recur­ so provido, com observação. A consignação em pagam ento é remédio hábil para o em itente de cheque sem fundo protestado se livrar da restrição quando desconhecer o paradeiro do benefici­ ário da cártula, desde que a o ferta ten h a considerado os acréscimos da m ora" (TJSP, Ap. 9 9 10 9 0 0 9 1 0 8 7 (7 3 68346400), Rei. Des. M oura Ribeiro, j. em 1 3 -8 -2 0 0 9 ). • "Ação de consignação em pagam ento. Condições. Interesse de Agir. Pendência de litígio sobre o objeto do pagam ento que envolve o autor devedor e terceiro. Hipótese que nào se adequa ao art. 335, V, do Código Civil, que contem pla apenas o litígio entre credor e terceiro a possibilitar ao devedor a consignação em pagam ento. Carência de ação evidenciada. Sentença m antida. Recurso negado" (TJSP, Ap. 9 9 1 0 8 1 0 0 4 0 3 5 , Rei. Des. Francisco Giaquinto, j. em 3 0 -3 -2 0 0 9 ). • "Na ação de consignação calcada no inciso I do artigo 335 do CC, é do autor o ônus de demonstrar a recusa do credor em receber o valor devido. 0 depósito insuficiente, na ação de consignação, acarreta a improcedência da pretensão. A teor do § 2a do artigo 899 do CPC, a ação consignatória possui natureza dúplice, podendo o autor ser condenado ao saldo remanescente, independente­ mente da oferta de reconvençáo por parte do réu" (TJMG, Ap. 1 .0 2 2 3 .03 .1 1 96 1 5 -5 /00 1 (1 ). Rei. Irm ar Ferreira Campos, j. em 1 8 -1 -2 0 0 7 , publicada em 2 6 -1 -2 0 0 7 ). • "0 depósito insuficiente, na ação de consignação em pagam ento, acarreta a improcedência da pretensão, quando não exercida a faculdade de com plem entaçáo prevista no art. 8 9 9 do CPC" [STJ, 4*T., REsp 30.195-0/E S, Rei. M in. Sálvio de Figueiredo Teixeira, v.u., RT, 722/303).

Art. 336. Para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram, em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento.

Art. 337

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HISTÓRICO • 0 dispositivo nâo foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Trata-se de mera repe­ tição do art. 9 7 4 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Os requisitos necessários para a valid ade da consignação estão previstos neste Código nos arts. 3 0 4 a 3 0 7 (quem deve pagar), 3 0 8 a 3 1 2 (quem deve receber o p agam ento ), 3 1 9 a 3 2 6 (o bjeto do p agam ento ) e 331 a 3 3 3 (tem p o do pagam ento).

JULGADOS • “Ação de consignação em pagam ento. Petição inicial lim inarm ente indeferida por falta de inte­ resse processual. Afirm ação no sentido de que o autor não conseguiu localizar o requerido no endereço indicado no instrum ento de protesto. Recurso em que o autor argum enta que a consig­ nação é a única form a de obter a quitação e excluir o seu nome do cadastro dos inadimplentes. Admissibilidade. Exegese dos arts. 331 e 336 do Código Civil e a r t 26 do Decreto n. 2.044/08. Recurso provido para anular a r. sentença e receber a inicial, determ inando seu regular processa­ m ento" (TJSP, Ap. 9 9 0 1 0 0 0 3 4 6 5 0 , Rei. Des. Ricardo Negrão, j. em 1 1 -5 -2 0 1 0 ). • “Para que a consignação tenha efeito de pagamento, diz a lei (art. 336, CC) que o depósito deve­ rá ser promovido no tem po e modo exigidos, ou seja, de acordo com os termos do negócio ju ríd i­ co que lhe deu causa, caso contrário, nenhum a será a sua eficácia. Aquele que pretende a decla­ ração judicial de um direito que afirm a possuir deve demonstrar a existência concreta do mesmo, a teor do que determ ina o já citado artigo 333, inciso I, do CPC, se assim não faz, a improcedência do pedido é uma conseqüência direta" (TJMG, Ap. 2 .00 0 0 .00 .4 1 93 7 5 -9 /00 0 (1 ), Rei. Unias Silva, j. em 1 7 -3 -2 0 0 4 , publicada em 2 1 -4 -2 0 0 4 ).

Art. 337. O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que se efetue, para o depositante, os juros da dívida e os riscos, salvo se for julgado improcedente.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Trata-se de mera repe­ tição do art. 9 7 6 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem reda­ cional.

DOUTRINA • L u g a r d a c o n s ig n a ç ã o : É o m esm o local convencionado para o p agam ento , a fig u ra n d o -s e de certa fo rm a desnecessária a cláusula inicial do a rt. 3 3 6 , que condiciona a v a lid ad e da consignação aos mesmos requisitos de v a lid ad e do p ag am en to . V id e arts. 3 2 7 a 3 3 0 deste Código. • E fetuado o depósito, cessam para o d epositante os ju ro s da dívida, salvo se v ier a ser ju lg a d o im procedente. Nesse caso é com o se nunca tivesse ocorrido o depósito, e os juros sào esta­ belecidos desde quando vencida a dívida.

JULGADO • “Impugnação. Cum prim ento de sentença. Despejo por falta de pagam ento c.c. Cobrança. Depósi­ tos judiciais efetuados no curso da ação consignatória conexa. Efeito liberatório parcial. Côm puto de juros sobre a integralidade da divida cobrada. Descabimento. Depósitos judiciais que tiveram efeito liberatório reconhecido. Cessação da m ora. 0 depósito judicial, com efeito parcialmente liberatório da obrigação, conform e reconhecido por decisão transitada em julgado, faz cessar os

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Arts. 338 e 339

juros de mora, que devem ser com putados apenas sobre as diferenças nào satisfeitas. Exegese do art. 3 3 7 do Código C ivil' (TJSP, Al 9 9 0 0 9 3 1 5 3 5 8 0 , Rei. Des. Clóvis Castelo, j. em 1 2 -7 -2 0 1 0 ).

Art. 338. Enquanto o credor não declarar que aceita o depósito, ou não o impugnar, poderá o devedor requerer o levantamento, pagando as respectivas despesas, e subsistindo a obrigação para todas as conseqüências de direito.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Trata-se de mera repe­ tição do art. 977 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Observa o m estre Clóvis Beviláqua que "as legislações estrangeiras, em geral, a u to riza m a retirad a do depósito a té a aceitação do credor ou à sentença, que ju lg a , d e fin itiv a m e n te , a consignação. Nosso Código p referiu, porém , à época da sentença, a da contestação da lide, em obediência aos princípios d o m in an tes no d ire ito processual. Depois da litiscontestaçào real, ou presum ida, não pode o a u to r desistir das instâncias (Pereira e Souza, P rim e ira s lin h a s , n. 3 8 3 ; Seve Nazaro, P ro ce sso c iv il, a rt. 4 4 7 , nota 7 1 3). Da mesm a fo rm a, se, em vez de im ­ pug nar a consignação, o credor ac eitar o pagam ento, já nào pode o devedor re tira r o d epó­ sito, porque, sendo o fim da consignação to rn a r e fe tiv o o pagam ento , esse fim já está alcan ­ çado pela aceitação do credor, e não é admissível que o devedor possa reaver do credor aquilo que lhe pagou..." ( C ó d ig o C iv il c o m e n ta d o , cit., p. 141). • O credor só poderá im pug nar o depósito contestando a respectiva ação de consignação em pagam ento . Esta, por sua vez, constitui o instru m en to processual por m eio do qual o paga­ m en to em consignação se m aterializa.

JULGADO • "Agravo de instrum ento. Ação de obrigação de fazer. Pretensão à antecipação dos efeitos da tu ­ tela, para que a autora consignante possa levantar o depósito em consignação realizado na insti­ tuição bancária ré, por inércia do credor consignado em aceitá-lo ou im pugná-lo. Possibilidade. Não havendo aceitação ou impugnação do depósito em consignação extrajudicial pelo credor consignado, pode o devedor levantá-lo, arcando com as conseqüências de seu eventual inadim ­ plemento, como se a consignação nunca tivesse ocorrido - Inteligência do art. 3 3 8 do Código Civil vigente. Recurso provido" (TJSP, Al 9 9 00 9 3 22 5 6 97 , Rei. Des. W alter Fonseca, j. em 1 2 -5 -2 0 1 0 ).

DIREITO PROJETADO • Pelas razões expostas, oferecemos ao então Deputado Ricardo Fiuza sugestão no sentido de propor á Câmara dos Deputados que o artigo fizesse referência a c o n te s ta ç ã o e nào a im pu g n a ção , te r­ mo genérico e tecnicam ente impreciso, até mesmo para fins de com patibilizaçào com o art. 340 deste Código (PL n. 6 .960/2002, atual PL n. 699/2011).

Art. 339. Julgado procedente o depósito, o devedor já não poderá levantá-lo, embora o credor consinta, senão de acordo com os outros devedores e fiadores.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Trata-se de mera repe­ tição do art. 978 do Código Civil de 1916.

Arts. 340 e 341

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DOUTRINA • Julgado procedente o pedido consignatório, o p e ra r-s e -á a e x tin ção do vin cu lo obrigacional, nào cabendo mais ao devedor p leitear o leva n tam en to do depósito, salvo se o credor e todos os dem ais coobrigados pelo déb ito consentirem . Com o bem observa Beviláqua, se "o credor consentir no le va n tam en to do depósito pelo devedor, entende-se que entro u com ele em acordo, para co n c e d e r-lh e essa van tag em . E nquanto a operação se passar e n tre os dois, nada há que opor; cada um regula os seus interesses com o lhe parece conveniente. Mas, se há coobrigados, é claro que, achando-se tam bém para eles e x tin ta a obrigação, desde a d a ta do depósito, é necessário que m anifestem a sua vo n tad e de a c e ita r a renovação do vínculo. Sem isso, em bora o credor e o devedor concordem no le va n tam en to do depósito por este últim o , ta l se não poderá fazer, sem aquiescência dos coobrigados, qu er por solidariedade, ou in d i­ visibilidade da obrigação, qu er por fiança" (Clóvis Beviláqua, C ó d ig o C iv il c o m e n ta d o , cit., p. 142). • A redação desse dispositivo, a nosso ver, não fo i das mais felizes, pois nem sem pre existirão outros coobrigados pelo déb ito . E nesse caso o devedor sem pre poderia le va n tar o depósito, desde que contasse com o assentim ento do credor.

Art. 3 4 0 .0 credor que, depois de contestar a lide ou aceitar o depósito, aquiescer no levantamento, perderá a preferência e a garantia que lhe competiam com respeito à coisa consignada, ficando para logo desobrigados os codevedores e fiadores que não tenham anuído. HISTÓRICO • O dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 979 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • No art. 3 3 9 tra to u -s e da ação de consignação já ju lg ad a, ao passo que no presente a rtig o , na ação consignatória, ainda não fo i proferid a sentença, em bora já apresentada a contestação ou aceito o depósito pelo credor. • M esm o depois da contestação ou da aceitação do depósito, poderá o devedor proceder ao le van tam en to , desde que consinta o credor. E é n atu ral que isso seja possível, já que o deve­ d o r poderia, com o assentim ento do credor e dos dem ais coobrigados, leva n tar o depósito a té m esm o depois de ju lg a d a a ação. • O acordo e n tre credor e devedor, a im plicar verdadeira novação, nào pode prejudicar os codevedores e fiadores que não tenh am an u íd o ou participado da avença.

Art. 341. Se a coisa devida for imóvel ou corpo certo que deva ser entregue no mesmo lugar onde está, poderá o devedor citar o credor para vir ou mandar recebê-la, sob pena de ser depositada. HISTÓRICO • O dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 9 8 0 do Código Civil de 1916.

340

Mário Luiz Delgado Régis

Art. 341

DOUTRINA • Corpo certo é o m esm o que coisa certa, ou seja, é a coisa determ inada, nào apenas pelo g ê ­ nero e pela q u an tid ad e, mas p e rfe ita m e n te iden tificad a em todos os seus contornos (ver nossos com entários ao a rt. 2 3 3). • A referência a im óvel acrescida no Código a tu a l nào deve ser in te rp re ta d a com o co m preen­ siva apenas da hipótese de transm issão dom in ial. Se assim o fosse, seria a té m esm o desne­ cessária, pois se a tradição (tran slativa) do im óvel opera-se com o registro do títu lo no car­ tó rio respectivo, é obvio que só poderia ocorrer no local de situação do bem . 0 dispositivo, na verdade, se refere a todos os negócios jurídicos onde haja a obrigação do devedor de e n tre g a r um im óvel (o b rig a ç ã o d e d a r o u d e r e s titu ii) e a c o n co m itan te recusa ou impossi­ bilidade do credor em recebê-lo . É o caso do inqu ilino que, pretendend o devolver o im óvel locado ao té rm in o da locação, prom ove o que se convencionou c h am ar de "depósito das chaves"; ou ainda do p ro m iten te vendedor de lote em lo te a m e n to , que a n te a recusa do com prador em receber a escritura, requer o depósito do lote. O credor será, então, cham ado a receber sob pena de se considerar fe ito o depósito. • D ecreto-Lei n. 58, de 10 de dezem bro de 19 37 (Dispõe sobre o lo te a m e n to e a venda de terrenos para p agam ento em prestações): "Art. 17. Pagas todas as prestações do preço, é li­ cito ao c o m p ro m ite n te requerer a in tim ação ju d icial do com prom issário para, no prazo de 30 (trin ta ) dias, que correrá em cartó rio , receber a escritura de com pra e venda. P arágrafo único. N ào sendo assinada a escritura nesse prazo, d e p o sitar-se-á o lote c o m p ro m etid o por conta e risco do com prom issário, respondendo este pelas despesas judiciais e custas do de­ pósito". • Lei n. 6 .7 6 6 , de 19 de dezem bro de 1979 (Dispõe sobre o parcelam ento do solo urbano): "Art. 3 3 . Se o credor das prestações se recusar a recebê-las ou fu rta r se ao seu recebim ento, será constitu ído em m ora m ed ian te notificação do oficial do registro de im óveis para vir receber as im portân cias depositadas pelo devedor no próprio Registro de Imóveis. Decorridos 15 (quinze) dias após o recebim ento da intim ação, considerar-se-á e fe tu a d o o pagam ento , a menos que o credor im pugne o depósito e, alegando in a d im p le m e n to do devedor, requeira a in tim ação deste para os fins do disposto no a rt. 32 desta Lei".

JULGADOS • "Locação. Consignação das chaves do imóvel. Oposição do locador. Recebimento condicionado a realização de reparos no imóvel. Ausência de prova dos danos. Injusta recusa. Caracterização. Recurso de apelação e agravo retido improvidos. A recusa ao recebimento das chaves do imóvel, em devolução, autoriza o seu depósito bem como dos valores devidos para a liberação do locatá­ rio. '0 locatário tem direito a devolver o imóvel findo o prazo da locação. A exigência do locador em receber o imóvel somente após a realização de reform a, caracteriza-se condição potestativa'" (TJSP, Ap. 9 9 2 0 8 0 5 9 2 5 4 5 , Rei. Des. Orlando Pistoresi, j. em 7 -7 -2 0 1 0 ). • "Locação de móveis. Consignatória e ação de despejo fundada na falta de pagam ento. Entrega das chaves. Recusa da locadora em recebê-las. Alegação de imóvel em mau estado de conservação. Irrelevância. Recusa indevida. Eventual prejuízo a ser perseguido em ação própria. Cum prim ento da obrigação da devolução do imóvel. Cabimento. Procedência da consignatória. Extinção do feito sem julgam ento do m érito da ação de despejo. Carência. Configuração. Imóvel desocupado. Ciência da locadora antes mesmo de distribuir a ação de despejo. Sentenças mantidas. A recusa no recebim ento das chaves foi im otivada, porquanto é direito potestativo do locatário de devolver o imóvel a qualquer tem po, máxime porque não se nega o direito do locador ingressar em Juizo, m ediante ação cabível, para pleitear da locatária o ressarcimento pelos danos causados no imóvel, nestes incluídos os danos em ergentes e os lucros cessantes. Recursos desprovidos" (TJSP, Ap. 9 9 20 6 0 70 5 5 49 , Rei. Des. Am orim Cantuária, j. em 3 0 -6 -2 0 1 0 ).

Arts. 342 a 344

Mário Luiz Delgado Régis

341

• “Locação. Ação de consignação de chaves cumulada com consignação em pagam ento. Depósito insuficiente, sem o acréscimo dos encargos da locação. Recusa justa do credor em receber o valor consignado. Improcedência desse pedido corretam ente decretada. Depósito das chaves efetuado em cartório. Injusta recusa da ré-locadora em receber as chaves. Termo final do contrato. Data em que a locadora tom ou ciência da desocupação, uma vez que tal fa to deu-se antes da data da efetiva citação. Recurso da ré provido, para o fim de reconhecer, como term o final do contrato, a data da ciência da locadora quanto à desocupação, que ocorreu em 4 /5 /0 6 , restando improvido o da autora" (TJSP, Ap. 9 9 2 0 8 0 1 4 9 1 2 9 , Rei. Des. Carlos Nunes, j. em 7 -6 -2 0 1 0 ).

Art. 342. Se a escolha da coisa indeterminada competir ao credor, será ele citado para esse fim, sob cominação de perder o direito e de ser depositada a coisa que o devedor esco­ lher, feita a escolha pelo devedor, proceder-se-á como no artigo antecedente. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 981 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacional.

DOUTRINA • Sobre escolha ou concentração da coisa incerta, v id e arts. 2 4 4 e 2 4 5 deste Código. • C om petindo a escolha ao credor, há de ser ele citado para exercer o seu direito, no prazo assinalado pelo ju iz. N ào aten d e n d o à citação, transfere-se ao devedor o d ire ito de escolher a coisa a ser depositada. Feita a escolha pelo devedor, fa r-s e -á nova citação ao credor para v ir ou m an d ar receber a coisa, sob pena de ser depositada.

Art. 343. As despesas com o depósito, quando julgado procedente, correrão à conta do credor, e, no caso contrário, à conta do devedor. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 982 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 a rt. 3 4 3 contém m atéria tip ic a m e n te processual (sucum bência), a fig u ra n d o -s e m a n ifesta­ m ente desnecessário, inclusive em face do disposto no p arág rafo único do art. 8 9 7 do CPC. • É óbvio que quem perde a dem anda deve arcar com as despesas correspondentes.

Art. 3 4 4 .0 devedor de obrigação litigiosa exonerar-se-á mediante consignação, mas, se pagar a qualquer dos pretendidos credores, tendo conhecimento do litígio, assumirá o risco do pagamento. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 983 do Código Civil de 1916.

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Mário Luiz Delgado Régis

Arts. 345 e 346

DOUTRINA • O b rig a ç ã o litig io s a : É aquela objeto de litíg io ou de dem anda judicial. • Já em 1 9 1 6 registrava Beviláqua que o “litíg io nào im pede o p ag am en to no tem p o o po rtuno ; mas o devedor deve fa z ê -lo por consignação, porque não tem a u to rid ad e para decidir a quem cabe o d ire ito de receber a dívida, a respeito da qual litigam pessoas, que se ju lg a m , ig u al­ m ente, autorizadas. Se pagar, nào obstante o litígio, e v ier a se decidir, a fin a l, que o u tro que não o da sua escolha é o verdadeiro credor, nào terá v a lo r o p agam ento fe ito . Pagará, nova­ m ente, em bora com d ire ito de pedir a restituição do que deu por erro" (Clóvis Beviláqua, C ó d ig o C iv il c o m e n ta d o , cit., p. 145).

JULGADO • “Tutela antecipada. Arrendam ento M ercantil. Ação de consignação em pagam ento cumulada com revisional de cláusulas contratuais delim itadoras da contraprestaçáo a cargo do arrendatário. Indeferim ento do benefício da antecipação para o depósito judicial da quantia indicada pelo ar­ rendatário. Confirmação. Não demonstrada a mora do credor e nào efetuado o ato citatório vá­ lido que faz litigiosa a coisa, revela-se prem aturo deferir tutela antecipada com característica de pagam ento e extinção da obrigação cuja cópia do negócio jurídico não instruiu a petição inicial. Recurso desprovido" (TJSP, Al 9 9 01 0 0 54 2 5 67 , Rei. Des. Julio Vidal, j. em 2 -3 -2 0 1 0 ).

Art. 345. Se a dívida se vencer, pendendo litígio entre credores que se pretendem mutuamente excluir, poderá qualquer deles requerer a consignação. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 984 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • A ação de consignação, em regra, é privativa do devedor que pretende exonerar-se da o b ri­ gação. Excepcionalm ente, em caso de litíg io de credores sobre o objeto da divida, poderá a consignatória ser proposta por um dos credores litigantes, logo que se vencer a dívida, fic a n ­ do de logo exonerado o devedor e perm anecendo a coisa depositada a té que se decida quem é o le g itim o d e te n to r do d ireito creditório.

C ap ítu lo III — DO PAGAMENTO COM SUB-ROGAÇÂO

Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor: I — do credor que paga a dívida do devedor comum;

II — do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel; III — do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 985 do Código Civil de 1916.

Art. 346

Mário Luiz Delgado Régis

343

DOUTRINA • S u b -ro g a ç õ o : Consiste na substituição de um a coisa ou pessoa por o u tra, daí a divisão e n tre sub-ro gação real e pessoal. No p ag am en to com sub-ro gaçào ocorre a substituição de um credor por o u tro , por im posição da lei (sub-rogaçào legal, a rt. 3 4 6 ) ou do c o n tra to (s u b -ro ­ gação convencional, art. 3 4 7). • P a g a m e n to c o m s u b -ro g a ç õ o : Na clássica lição de Clóvis Beviláqua, é "a transferência dos direitos do credor para aquele que solveu a obrigação, ou em prestou o necessário para solvê-la . A obrigação pelo p agam ento e x tin g u e-se; mas, em v irtu d e da sub-rogaçào, a dívida, e x tin ta para o credor originário, subsiste para o devedor, que passa a te r por credor, investi­ do nas mesmas garantias, aquele que lhe pagou ou lhe perm itiu pagar a dívida" ( C ó d ig o C iv il c o m e n ta d o , cit., p. 147 e 148). Trata-se, p o rtan to , de p agam ento nào lib erató rio para o d e ­ vedor, ainda que e x tin tiv o da obrigação em relação ao credor originário. • H ip ó te s e s de s u b -ro g a ç õ o le g a l n o C ó d ig o C iv il: são aquelas previstas nos incisos I a III do a rt. 3 4 6 , nas quais a única inovação em relação ao Código Civil de 1 9 1 6 fo i o acréscim o da cláusula fin a l do inciso II, para fins de proteção ao terceiro interessado, com d ire ito sobre o im óvel hipotecado, que paga ao credor hipotecário, visando à preservação de seu direito.

JULGADOS • "M onitoria. Termo de sub-rogaçào de crédito. Inicial indeferida. Fiador que paga divida ju n to ao credor. A rt 346, III. Sub-rogação legal. Hipótese em que, em se cuidando de sub-rogação legal, era desnecessária a notificação do devedor a seu respeito. Termos de sub-rogação que se prestam como docum ento escrito sem força executiva, nos termos do art. 1.102-A , do CPC. Inicial apta. Decreto de extinção cassado. Recurso provido" (TJSP, Ap. 9 9 0 0 9 3 7 2 7 5 2 8 , Rei. Des. Melo Colombi, j. em 1 7 -3 -2 0 1 0 ). • "Ação de execução de titu lo extrajudicial. 0 coavalista que satisfez o débito tem execução contra os demais. 0 art. 567 do CPC, no seu inciso III, confere legitim idade superveniente tan to ao sub-rogado legal (art. 3 4 6 do CC/2002), quanto ao convencional (art. 347 CC/2002), ou seja, àqueles que liquidam a divida de outrem , haja ou não interesse de terceiro. Recurso provido para cassar a extinção do fe ito e determ inar o prosseguimento da execução" (TJSP, Ap. 9 9 10 9 0 17 3 5 39 , Rei. Des. Pedro Ablas, j. em 25-11 -2 0 0 9). • "Locação. Cobrança de tarifas de consumo de água de imóvel dado em locação e inadimplidas pela locatária e fiadores. Pagamento feito por terceiros interessados, sucessores da locadora e nu-proprietários do imóvel. Sentença de extinção por ilegitim idade ativa. Recurso provido. Julga­ m ento pelo m érito em segundo grau. Procedência parcial do pedido. Recurso provido, em parte. 1. Os autores têm legitim idade ativa para a cobrança, posto haverem quitado obrigação penden­ te dos réus, operando-se, pois, sua sub-rogação no crédito da anterior credora. A par disso, por serem sucessores da anterior locadora, que tam bém poderia ser responsabilizada pelo consumo de água, tinham interesse na quitação. Extinção do processo por ilegitim idade ativa que é de se afastar. 2. Provado o pagam ento de obrigação inadim plida pelos réus, locatária e fiadores, operou-se a sub-rogação, com fundam ento no art. 346, inciso III do Código Civil, de modo que os réus devem, sim, recompor o patrim ônio desfalcado dos autores, reembolsando o valor da divida paga. 3. Contudo, é inexigível dos réus a cobrança relativa ao consumo de água do mês de fevereiro de 2 0 0 5 porque diz respeito a consumo posterior à desocupação e entrega do imóvel, em 16 de junho de 1999. Sentença cassada. Procedência parcial decretada. Recurso provido em parte" (TJSP, Ap. 9 9 2 0 8 0 6 4 7 9 0 0 , Rei. Des. Reinaldo Caldas, j. em 3 0 -9 -2 0 0 9 ). • "Ação regressiva. Fiador sub-rogado nos direitos do credor da locação. Penhora sobre imóvel de moradia do locatário. Impossibilidade. 1. A teor do artigo 1o da Lei n. 8.009/90, o bem imóvel destinado à moradia da entidade fam iliar é impenhorável. Excetua-se a obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, isto é, autoriza-se a constrição de imóvel pertencente a fiador. 2. Sub-roga-se o fiador nos direitos do locador tanto nos privilégios e garantias do con­

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Art. 347

trato prim itivo quanto nas limitações (arts. 3 4 6 e 831, CC; art. 3 o, VII, Lei n. 8 .00 9 /9 0). 3. A trans­ ferência dos direitos inerentes ao locador em razão da sub-rogação nào altera prerrogativa ine­ xistente para o credor originário. 0 locatário não pode sofrer constrição em imóvel que reside, seja em ação de cobrança de débitos locativos, seja em regressiva. 4. Recurso especial não provido" (REsp 1.081.963/SP, 5a T., Rei. M in. Jorge M ussi.j. em 1 8 -6 -2 0 0 9 ). • "Cobrança. Despesas de condom ínio. Fase de cum prim ento da sentença. Venda judicial do imóvel dos agravantes. Arrem atante que, a despeito da permanência irregular dos agravantes no imóvel, paga as quotas condominiais vencidas após a expedição da carta de arrem atação. Sub-rogação, pela arrem atante, na posição de credora dos débitos condominiais pagos. Possibilidade de reserva de parte do valor arrecadado com a venda do bem para satisfação do referido crédito. Art. 346, II, CC, e arts. 290 e 567, III, CPC, conjugados. Recurso improvido" (TJSP, Al 1233472008, Rei. Des. W alter Cesar Exner, j. em 2 6 -3 -2 0 0 9 ). • "A lei adm ite que terceiros não interessados promovam o adim plem ento das obrigações, igual­ m ente, com m uito mais razão, assegura essa faculdade a quem tenha interesse na solução da divida (CC/1916, art. 930; CC/2002, art. 306), com conseqüências ainda de m aior relevância como a sub-rogação (CC/1916, art. 985, III; CC/2002, art. 346, III). ‘A sub-rogação legal é a imposta por lei, que contem pla casos em que terceiros solvem débito alheio, conferindo-lhes a titularidade dos direitos do credor ao incorporar, em seu patrim ônio, o crédito por eles resgatado, especificando, logo a seguir, nos casos dessa sub-rogação, o do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte'" (TJMG, Ap. 2 .0 0 0 0 .0 0 .4 3 8 7 4 0 -8 /0 0 0 (1 ), Rei. Tarcisio M artins Costa, j. em 2 5 -5 -2 0 0 4 , publicada em 2 6 -6 -2 0 0 4 ). • "I. Nos term os do art. 9 8 5 -II, CC, o adquirente de imóvel hipotecado, que paga ao credor hipote­ cário, sub-roga-se nos direitos deste, tornando-se o novo credor, não tendo aplicação o disposi­ tivo para a sub-rogação nos direitos e obrigações do devedor hipotecário. II. Inocorrente a sub-rogaçào legal, falece aos autores legitim idade para postular a substituição do índice de correção monetária de m arço/90, porquanto o contrato que firm aram é posterior e distinto daquele cele­ brado pela construtora, e, eventuais diferenças de correção de período anterior já se encontravam consolidadas no preço, de plena ciência dos mutuários, e presumivelmente compatível com o valor do imóvel" (STJ, REsp 218.841/RS, Rei. M in. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ, 1 3 -8 -2 0 0 1 , p. 162, RDR, v. 22, p. 325).

Art. 347. A sub-rogação é convencional: I — quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos; II — quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dí­ vida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satis­ feito.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 986 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Na hipótese prevista no inciso I deste a rtig o , ocorre verdadeira cessão de crédito, ap lie an d o -se o disposto nos arts. 2 8 6 a 2 9 8 deste Código (v. art. 348). • 0 inciso II regula a sub-ro gação do devedor que, pagando ao credor com dinh eiro de te rc e i­ ro, transfere a terceiro os direitos creditórios, com todas as garantias e privilégios antes concedidos ao prim itivo credor.

Art. 348

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JULGADOS • "Recurso. Agravo de Instrum ento. Ação de Execução de Titulo Extrajudicial. Insurgência contra a r. decisão que deferiu a sub-rogação de terceiro interessado e o levantam ento, pelo Banco-agravado, dos depósitos de folhas 116 e 173. Inadmissibilidade. Terceiro sub-rogado interessado. Sub-rogação convencional e pessoal. Instituto de direito m aterial. Inteligência do artigo 3 4 7 ,1, do Código Civil. Nulidade na sub-rogaçào não constatada. Artigo 10, § 1o, da Lei de Ritos, observado. Ausente a violação ao artigo 2 6 4 do Código de Processo Civil. Sub-rogação perm itida por lei. Decisão m antida. Recurso não provido" (TJSP, Al 9 9 0 0 9 3 4 4 0 7 9 2 , Rei. Des. Roque Mesquita, j. em 1 3 -4 -2 0 1 0 ). • "Responsabilidade civil. Contrato de seguro. Questionam ento, pela seguradora, do orçam ento confeccionado por oficina não credenciada, responsável pelos reparos no veiculo segurado. Termo de sub-rogação firm ado em prol da oficina mecânica. Inteligência do art. 3 4 7 , 1, do Cód. Civil. Recurso desprovido" (TJSP, Ap. 9 9 0 0 9 2 9 1 6 8 8 2 , Rei. Des. A ntonio Nascimento, j. em 1 2 -4 -2 0 1 0 ). • "Seguro de veiculo. Cobrança. Oficina que realiza reparos no veículo do segurado pretendendo a diferença de valores não orçados pela seguradora. Sub-rogação dos direitos do segurado. Inad­ missibilidade. Inteligência dos artigos 347 e 787 do CC. Sentença m antida. Recurso improvido" (TJSP, Ap. 9 9 20 7 0 12 0 7 21 , Rei. Des. M elo Bueno, j. em 1 6 -1 1 -2 0 0 9 ). • "Civil e processual civil. S u b -ro g a çã o pessoal. Conceito. Modalidades: Legal e convencional. Ter­ ceiro interessado. Irrelevância na s u b -ro g a ç ã o convencional. Transferência expressa de direitos creditórios. Ausência de justo m otivo do devedor. Recurso Especial. Reexame dos fatos. Vedação. Enunciado n. 7 da Súmula/STJ. Recurso desacolhido. I. A s u b -ro g a ç ã o pessoal é a substituição nos direitos creditórios, operada em favor de quem pagou a divida ou para isso forneceu recursos. Em outras palavras, na s u b -ro g a ç ã o se dá a substituição de um credor por outro, permanecendo todos os direitos do credor originário (sub-rogante) em favor do novo credor (sub-rogado). Dá-se, assim, a substituição do credor, sem qualquer alteração na obrigação do devedor. II. Existem dois tipos de s u b -ro g a ç ã o pessoal: a legal (art. 985, Código Civil) e a convencional (art. 986, idem ). A primeira decorre ip so iure, enquanto a segunda tem origem em acordo de vontades. III. Diversa­ m ente da legal (CC, art. 985), na s u b -ro g a ç ã o convencional (art. 986) náo se questiona a existên­ cia de interesse do terceiro que efetuou o pagam ento para outrem , mas apenas a existência de contrato que transfira expressamente os direitos creditórios e a ausência de justo m otivo do de­ vedor para recusar o pagamento. IV. 0 Recurso Especial náo se presta ao reexame dos fatos da causa, a teor do Enunciado n. 7 da Súmula/STJ" (STJ, REsp 141.971/PR, Rei. M in. Sálvio de Figuei­ redo Teixeira, DJ, 2 1 -6 -1 9 9 9 , p. 160).

Art. 348. Na hipótese do inciso I do artigo antecedente, vigorará o disposto quanto à cessão do crédito.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 987 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • V id e nossos com entários aos arts. 2 8 6 a 2 9 8 deste Código. • As proibições legais sobre com pra e venda, e que são ta m b é m aplicáveis à cessão de crédito, nenhum a aplicação tê m à sub-ro gação: a) assim, m esm o não sendo p erm itid a a com pra e venda de direitos litigiosos, podem estes ser o b je to de sub-rogaçào; b) quem nào pode alienar, não pode ceder, mas pode sub-ro gar, recebendo p agam ento ; c) quem não pode ser cessio­ nário, pode, porém , ser sub-rogado.

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Art. 349

JULGADOS • “A p e la ç ã o . A c id e n te de trâ n s ito . D anos m a te ria is . A ção a ju iz a d a por te rc e iro . S u b -rogaçào. Legitimidade ativa. 1. Preliminar de ilegitim idade ativa. Afastam ento. Ação movida por terceiro, que pagou ao então proprietário do veículo envolvido no acidente de trânsito os danos m ateriais por ele sofridos. Possibilidade de ajuizam ento da demanda indenizatória contra o dito causador dos danos. Sub-rogação convencional que configura verdadeira cessão de crédito. Arts. 3 4 7 ,1, e 348 do CC/2002 (...)“ (TJRS, Ap. 70 02 4 6 81 1 4 0, 12 a Câm. Civel. Rei. Des. Orlando Heemann Júnior, j. em 6-11 -2 0 0 8). • “Ação de reparação de danos morais. Inscrição indevida em cadastro de devedores. Cobrança de seguro-fiança de locatário que obteve judicialm ente a declaração de inexistência do débito em relação ao locador. Sub-rogação convencional que transfere ao sub-rogado os mesmos direitos do antigo credor. Falta de notificação da sub-rogação antes do ajuizam ento da declaratória de inexistência de débito. Submissão do sub-rogado a tal decisão. 1. Tendo a Seguradora assumido a posição do locador, em relação ao qual o autor obteve a declaração judicial de inexistência de débito, não há como subsistir qualquer direito ao sub-rogado, na medida em que recebe do a n ti­ go credor os mesmos direitos (ou falta deles) existentes em relação ao devedor. 2. Não tendo a sub-rogação, em que pese procedida antes do ajuizam ento da ação declaratória de inexistência de débito, sido notificada ao devedor, pode este opor ao sub-rogado as exceções pessoais que apresenta em relação ao credor originário (inteligência dos arts. 294, com binando com o art. 348, do Código Civil). 3. Como não subsistia a obrigação, indevida a inscrição do nome do autor em cadastro restritivo de crédito, fato que por si só acarreta o dano moral indenizável, tendo sido a indenização na hipótese fixada de form a correta. Recurso im provido" (TJRS, Recurso Civel 7 1 0 0 1 2 4 3 4 3 5 ,1J Turma Recursal Cível, Rei. Des. Ricardo Torres Hermann, j. em 1 3 -9 -2 0 0 7 ).

Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 988 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 principal e fe ito da sub-ro gação é que ela transfere para o novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do prim itivo credor em relação à dívida, ta n to contra os fia d o ­ res com o contra o devedor principal. M esm o aquelas garantias pessoais, inseparáveis da pessoa do devedor, sào transferidas ao novo credor, o que se ju s tific a pelo fa to de que ta n to o crédito com o o devedor perm anecem inalterados. • Im p o rta n te nào c o n fu n d ir os efeitos da sub-ro gação com os da cessão. A cessão transfere o próprio crédito (arts. 2 8 6 e 2 8 7), en q u an to a sub-ro gação transfere os direitos, privilégios e garantias incidentes sobre o crédito. 0 cedente fica responsável ao cessionário pela existên­ cia do crédito ao te m p o em que fe z a cessão (art. 2 9 5). Na sub-rogação, só se aplica este dispositivo no caso do n. I do a rt. 3 4 7 , ou seja, quando o credor recebe o p agam ento de terceiro e expressam ente lhe transfere todos os seus direitos.

JULGADOS • “Apelação civel. Embargos à execução de titu lo extrajudicial. Bem de fam ília. Divida quitada pelo avalista. Sub-rogação. Excesso de execução. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, créditos e garantias do credor originário (a r t 349, CC). Tendo, no caso concreto, o em ­ bargado quitado a divida consubstanciada em notas promissórias sacadas para o pagam ento do imóvel onde reside o embargante, inviável a alegação de im penhorabilidade do bem de fam ília

Arts. 350 e 351

Mário Luiz Delgado Régis

347

(art. 3 o, II, da Lei 8 .0 0 9 /9 0 e art. 649, § I o do CPC). Excesso de execução não demonstrado, pois as despesas pagas pelo avalista em razão dos ônus sucumbenciais tam bém se incluem no direito de sub-rogação. No entanto, náo podem essas verbas ser garantidas pelo imóvel penhorado, pois nào decorrem da aquisição do bem, mas sim da náo satisfação do crédito inicialm ente exequendo. A fixação dos ônus sucumbenciais é devida, ainda que a parte usufrua do beneficio da Justiça Gra­ tu ita ; embora sua exigibilidade reste suspensa. Inteligência do art. 12 da Lei 1.060/50. Apelação parcialm ente provida" (TJRS, Ap. 7 0 02 6347260, 11* Câm. Civel, Rei. Des. Luiz Roberto Im peratore de Assis Brasil, j. em 1 9 -1 1 -2 0 0 8 ). • "Agravo - Pagamento com sub-rogação - Conservação e não extinção da divida originária M anutenção da form a e natureza da divida originária. Apesar do pagam ento com sub-rogação, a divida continua sendo a mesma, que tem como parâm etros o titu lo executivo judicial, qual seja, a sentença transitada em julgado proferida em embargos do devedor. A sub-rogação não transmuda a divida originária em dívida de valor" (TJMG, Ag. 1.0143.02.002628-0/001 (1), Rei. Valdez Leite Machado, j. em 1 5 -3 -2 0 0 7 , publicado em 2 4 -4 -2 0 0 7 ). • "Juros de mora. Art. 349 do CCB. Como o codevedor que paga a divida sub-roga-se em todos os direitos, ações, privilégios e garantias do prim itivo credor, em relação à divida, nada mais correto que os juros de mora continuem incidindo na form a pactuada no contrato originário. Recurso desprovido. Unânime" (TJRS, Ap. 7 0 0 1 2 4 7 8 3 8 4 ,1 8J Cãm. Civel, Rei. Des. Pedro Celso Dal Pra, j. em 1°-9-2005).

Art. 350. Na sub-rogação legal o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor, senão até à soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor.

HISTÓRICO • 0 dispositivo náo foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 989 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo refere-se apenas à sub-rogação legal. Na sub-ro gação convencional, a lim itação te m de estar expressam ente convencionada. • Beviláqua aconselha, para obviar aos inconvenientes do dispositivo que "os devedores, q u a n ­ do convencionarem a sub-ro gação com aqueles que lhes em prestarem dinh eiro para solver as suas dívidas, a te n d a m a que, se não lim ita re m os direitos do sub-rogado, sem pre que o p agam ento não fo r to ta l, tra n sferem -se para o m u tu a n te direitos de extensão igual aos do credor originário, sem te r e x tin to os deste, senão em parte" (Clóvis Beviláqua, C ó d ig o C iv il c o m e n ta d o , cit., p. 151).

Art. 3 5 1 .0 credor originário, só em parte reembolsado, terá preferência ao sub-rogado, na cobrança da dívida restante, se os bens do devedor não chegarem para saldar inteiramen­ te o que a um e outro dever.

HISTÓRICO • 0 dispositivo náo foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 9 9 0 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A plicável às hipóteses de sub-ro gação legal e convencional.

348

Mário Luiz Delgado Régis

Art. 352

• Na sub-ro gação parcial, em que o credor o rig in ário c o n tin u a credor pela parte da dívida nào su b-ro gada, tem esse credor p rim itiv o preferência sobre o sub-ro gado, na hipótese de insol­ vência do devedor. Em c o n flito com o sub-rogado, o credor o rig in ário m antém as mesmas garantias e privilégios sobre o crédito, de que gozava antes da sub-ro gação parcial, cab e n d o -Ih e fa zê -la s v aler ta n to c o n tra o devedor com o c o n tra o sub-rogado.

C ap ítu lo IV — DA IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO

Art. 352. A pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem o direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos. HISTÓRICO • 0 artigo sob análise não sofreu nenhum a alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. Corresponde ao art. 991 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Im p u ta ç ã o d o p a g a m e n to : Já ensinava P othier, citando U lpiano, que “o devedor, quando paga, tem o d ire ito de declarar qual é a dívida que está pagando, d e n tre todas as que ele tem " ( T ra ta d o d a s o b rig a ç õ e s , cit., p. 4 9 8 ). A essa operação, pela qual o devedor de várias dívidas a um mesmo credor, ou o próprio credor em seu lugar, d ia n te da insuficiência do pagam en­ to para saldar todas elas, declara qual das dívidas estará sendo e x tin ta , den o m in a-se im p u ­ tação do p agam ento . C arvalho Santos, em síntese copiada, diz apenas ser "o a to pelo qual o devedor, de mais de um a dívida da mesma natureza, a um só credor, escolhe qual delas quer e x tin g u ir (cfr. V am pré, M a n u a l d e D ire ito C ivil, v. 2, § 150)" (J. M . de Carvalho Santos, C ó d i­ g o C iv il b ra s ile iro in te rp re ta d o , v. 13, cit., p. 111). • R e q u is ito s d a im p u ta ç ã o : a) Existência de duas ou mais dívidas, líquidas e vencidas, de um só devedor para com um só credor; b) idêntica natu reza das dívidas.

JULGADOS • "Consignação em pagamento. Contrato de Financiamento. Não recebimento das parcelas pela instituição financeira, em razão de outros débitos do devedor com o Banco. Im putação do Paga­ m ento. Débitos de mesma natureza, líquidas e vencidas, a um só credor. Direito do devedor em escolher qual divida pretende im putar o pagam ento. Artigo 352 do Código Civil. Sentença de procedência m antida. Recurso não provido" (TJSP, Ap. 9 9 20 6 0 21 7 7 90 , Rei. Des. Heraldo de Olivei­ ra, j. em 3 0 -6 -2 0 1 0 ). • "Apelação. Revisão contratual. Alegação de im putação de pagamento. Inexistindo conta separada para os juros, que eram integrados ao capital, tornando-se base de cálculo para a incidência de novos encargos, não há que se falar em im putação de pagam ento, além do que, caberia ao deve­ dor indicar qual débito oferece pagam ento em primeiro lugar, quando houver mais de uma obri­ gação, o que inocorreu. Recurso improvido" (TJSP, Ap. 9 9 10 9 0 24 3 3 75 , Rei. Des. Eduardo Siqueira, j. em 9 -6 -2 0 1 0 ). • "Apelação civel. M onitoria. Embargos. Pagamento parcial. Im putação. Dividas iliquidas. Impossi­ bilidade. Art. 991 do Código Civil de 1916. Na omissão do devedor, o credor pode indicar qual das diversas dividas será quitada. Mas, se apenas uma delas fo r liquida, sobre ela recairá, obrigatoria­ m ente, a im putação" (TJSC, Ap. 2 0 0 1 .0 2 1 2 7 5 -7 , Rei. Des. Jânio Machado, j. em 1®-6-2006).

Arts. 353 e 354

Mário Luiz Delgado Régis

349

Art. 353. Não tendo o devedor declarado em qual das dívidas líquidas e vencidas quer imputar o pagamento, se aceitar a quitação de uma delas, não terá direito a reclamar contra a imputação feita pelo credor, salvo provando haver ele cometido violência ou dolo.

HISTÓRICO • O dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 992 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • C om pete ao devedor im p u tar o p agam ento a um a das dívidas líquidas, certas e vencidas que possui ju n to ao credor. N o a to do pagam ento , deve ele declarar qual das dívidas pretende q u itar. Se não o fiz e r e a c e ita r a im putação fe ita pelo credor, não poderá reclam ar a p o s te rio ri, a nào ser provando que o credor agiu com dolo ou violência. • 0 dispositivo foi p ra tic a m e n te copiado do Código Civil francês ("Art. 1255. Lorsque le débiteur de diverses dettes a accepté une q u itta n c e par laquelle le créancier a im p u té ce qu'il a reçu sur Pune de ces dettes spécialem ent, le d é b ite u r ne p e u t plus d em ander P im p u tatio n sur une d e tte d iffé re n te , à m oins qu'il n'y a it eu dol ou surprise de Ia p a rt du créancier").

Art. 354. Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros venci­ dos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital.

HISTÓRICO • O dispositivo náo foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 993 do Código Civil de 1916.

DOOTRINA • T ratan d o -se de exceção è regra geral de que a im putação pressupõe a existência de dois ou mais débitos a um só credor, aqui existe apenas um a única dívida, vez que os juros constituem m ero acessório. • Com o bem coloca João Luís Alves, “devendo cap ital e juros, nào pode o devedor fo rç a r o credor a im p u ta r p agam ento no capital, antes de pagos os juros vencidos, porque de o u tro m odo prejudicaria ao credor, desde que pagando o capital, o priva da respectiva renda. Assim o pagam ento , salvo acordo, se im p u ta p rim eiro nos ju ro s vencidos e exigíveis e depois no capital" (C ó d ig o C iv il a n o ta d o , Rio de Janeiro, F. B riguiet, 1 9 17 , p. 670). • Ressalta Beviláqua que “quand o houver mais de um a dívida vencendo juros, e o devedor puder, por serem elas vencidas e líquidas, escolher qual deve fic a r e x tin ta , é claro que nào se im p u ta nos juros das outras dividas o p ag am en to destinado a um a dívida d e te rm in a d a com os juros respectivos" (Clóvis Beviláqua, C ó d ig o C iv il c o m e n ta d o , cit., p. 156).

SÚMULA • Súm ula 4 6 4 do STJ: “A regra de im putação de pagam entos estabelecida no art. 3 5 4 do Có­ digo Civil nào se aplica às hipóteses de com pensação trib u tá ria".

JULGADOS • “Ação revisional. Improcedência. Contrato de abertura de crédito em conta corrente e empréstimo. Aplicabilidade do CDC. Revisão contratual. Possibilidade, caso existam cláusulas nulas ou abusivas.

350

Mário Luiz Delgado Régis

Art. 355

Capitalização. Possibilidade, a partir de março de 2000. Inocorrêneia na espécie. Art. 354, do CC. Im putação do pagam ento. Spread bancário. Lei n. 1 .521/51. Recurso desprovido" (TJSP, Ap. 9 9 10 9 0 05 3 0 02 , Rei. Des. Cauduro Padin, j. em 3 0 -6 -2 0 1 0 ). • "Tributário. Crédito presumido do IPI decorrente de exportações. Não inclusão na base de cálculo do PIS e da COFINS. Regras do código civil sobre im putação do pagam ento. Compensação trib u ­ tária. Impossibilidade. 1. A pretensão da contribuinte - de que a am ortização da divida da Fazen­ da Pública seja realizada primeiro sobre os juros e, somente depois, sobre o principal do crédito, m ediante compensação - não está amparada pelo art. 3 5 4 do CC e não existe previsão de que esse dispositivo possa, no caso, ser aplicado subsidiariamente. 2. É pacifico o entendim ento do STJ sobre a não incidência de COFINS/PIS tanto sobre o crédito presumido do IPI quanto sobre os insumos empregados na industrialização de produtos exportados. Precedentes. 3. Recursos especiais nào providos" (REsp 1.130.033/SC, 2*T., Rei. M in. Castro Meira, j. em 3 -1 2 -2 0 0 9 ). • “Tributário. Compensação. Im putação do pagamento. Am ortização dos juros antes do principal. Impossibilidade. Inaplicabilidade do art. 3 5 4 do CC/2002. Regra do CTN art. 167. 1. 0 art. 167 do CTN veicula regra para determ inar a im putação proporcional de pagam ento entre as rubricas de principal e correção m onetária, m ulta, juros e encargos que compõem o crédito tributário, nos casos de repetição de indébito. 2. Sendo assim, nào se pode aplicar por analogia o art. 354 do CC/2002 (art. 993 do CC/1916), posto que o legislador nào quis aplicar à compensação de tributos indevidam ente pagos as regras do Direito Privado. E a prova da assertiva é que o art. 3 7 4 do CC/2002, que determ inava que a compensação das dividas fiscais e parafiscais seria regida pelo disposto no Capitulo VII daquele diploma legal foi revogado pela Lei 10.677/2003, logo após a entrada em vigor do CC/2002. Precedentes: REsp 987.943/SC , Rei. M in. Eliana Calmon, DJ de 2 8 2 -2 0 08 ; REsp 1.037.560/SC, Segunda Turma, Rei. M in. Castro Meira, DJ de 21 -5 -2 0 0 8 ; REsp 921.611 / RS, Primeira Turma, Rei. M in. José Delgado, DJ de 1 7 -4 -2 0 0 8 ; REsp 973.386/R S, Primeira Turma, Rei. M in. José Delgado, DJ de 1 2 -5 -2 0 0 8 . 3. Recurso especial parcialm ente conhecido e, nessa parte, não provido" (REsp 1.025.992/SC, 21T., Rei. M in. M auro Campbell Marques, j. em 2 6 -8 -2 0 0 8 ). • "Processo civ il. Tributário. Precatório com plem entar. Embargos de declaração. Violação do art. 535 do CPC. Não ocorrência. Im p u ta ç ã o de p a g a m e n to . Art. 9 9 3 do CC de 1916. Ausência de estipulaçào em contrário. P a ga m en to prim eiram ente dos juros. (...) 2. Nào havendo nenhum a estipulação acerca da destinação do p a g a m e n to efetuado por meio do precatório, deve-se, a teor do dispos­ to no art. 993 do CC de 1916, im putar o p a g a m e n to prim eiram ente nos juros e, depois, no capital. 3. Recurso Especial não provido" (STJ, REsp 665.871/SC, Rei. M in. João Otávio de Noronha, DJ, 1 9 -1 2 -2 0 0 5 , p. 338).

Art. 355. Se o devedor não fizer a indicação do art. 352, e a quitação for omissa quanto à imputação, esta se fará nas dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar. Se as dívidas forem todas líquidas e vencidas ao mesmo tempo, a imputação far-se-á na mais onerosa.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 994 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacional.

DOUTRINA • Im p u ta ç ã o le g a l: Tem lu g ar na ausência de indicação expressa do devedor ou do credor. Assim, fa r-s e -á a im putação: a) por conta da dívida líquida em concorrência com o u tra ilíquida; b) na concorrência de dívidas ig u alm en te líquidas, por conta da que fo r mais onerosa; c) havendo igualdade na natu reza dos débitos, im p u ta r-s e -á o p agam ento da dívida ven ci­ da em prim eiro lugar.

Art. 356

Mário Luiz Delgado Régis

351

• 0 dispositivo aprim ora a redaçào do art. 9 9 4 do Código Civil de 1 9 16 , ao substitu ir a expres­ são "dívida mais antiga" por "dívida vencida em prim eiro lugar". N o d ire ito a n te rio r havia a dúvida se "mais an tig a" seria a de origem mais rem ota ou a que p rim eiro vencesse.

JULGADOS • "Embargos à execução. Cédulas rurais pignoraticias. Quitação parcial. Im putação do pagamento. Direito nào exercido pelo devedor ou credor. Prevalência da disposição legal. Quitação da divida mais antiga. Segundo as regras de im putação do pagam ento, se o devedor tem mais de uma divi­ da da mesma natureza perante o mesmo credor, todas líquidas e vencidas, ao realizar um paga­ m ento parcial ele pode indicar qual débito deseja quitar (art. 352 do Código Civil). Ausentes a indicação do devedor e a expressa referência na quitação dada pelo credor, a im putação deve ser feita na divida líquida e vencida há mais tem po, nos termos do art. 3 5 5 do CC. Recurso náo pro­ vido" (TJMG, Ap. 1 .0 5 1 8 .07 .1 2 13 1 8 -6 /00 3 , Rei. Des. Gutem berg da M ota e Silva, j. em 2 6 -1 -2 0 1 0 ). • "Processo civil. Responsabilidade civil. Inscrição em cadastro de inadim plente. M anutenção inde­ vida. Civil. Danos morais. 1. 0 retardam ento injustificado da exclusão do nome de m utuário de cadastro de inadim plentes após a quitação da divida dá ensejo à indenização por danos morais. Consideradas as regras da im putação do pagam ento (Código Civil de 1916, art. 9 9 4 e Código Civil de 2002, art. 355), não poderia o agente financeiro receber todas as prestações posteriores a abril de 1998, deixando de im putar o pagam ento na prestação vencida há mais tem po. 2. Configurada a existência de dano moral relevante, o magistrado deve quantificar a indenização, arbitrando-a com moderação, de form a que represente reparação ao ofendido pelo dano, sem, contudo, atribuir-Ihe enriquecimento sem causa. 3. Apelação a que se nega provimento" (TRF-1, AC 200034000457115, 64 T., Rei. Des. Fed. M aria Isabel G allotti Rodrigues, j. em 3 -1 2 -2 0 0 7 ).

C ap ítu lo V — DA DAÇÃO EM PAGAMENTO

Art. 3 5 6 .0 credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não se submeteu a nenhum a alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. Corresponde ao art. 9 9 5 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • D a çõ o e m p a g a m e n to : Tam bém cham ada d a tio in s o lu tu m pelos rom anos, é o acordo lib erató rio fe ito e n tre o credor e o devedor, em v irtu d e do qual consente ele em receber coisa que nào seja dinh eiro, em substituição à prestação que lhe era devida - a liu d p ro a lio . • A dação pode te r por o b je to qualq u er tip o de prestação, positiva (d ar e fazer) e negativa (nào fazer), bens m óveis e imóveis, direitos reais ou pessoais, cessão de crédito etc. • N ào se pode co n fu n d ir dação e novação, porque esta substitui a obrigação por o u tra, e n ­ q u a n to aquela e x tin g u e d e fin itiv a m e n te a obrigação. • 0 art. 156, XI, do CTN possibilita a extinção do cré d ito trib u tá rio por m eio da dação em pa­ g a m e n to de bens imóveis.

JULGADOS • "Apelação civel. Ação de dação em pagam ento. Aquisição de equipamentos. Pedido de dação em pagam ento de cheques prescritos para a quitação das prestações assumidas. Impossibilidade. A

352

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Art. 357

dação em pagam ento, segundo preconiza o art. 3 5 6 do CCB, pressupõe a concordância do credor com o recebimento de coisa diversa da prestação devida. Na hipótese, em que o dem andante pretende a quitação da divida assumida com a ré através da imposição do recebim ento de cheques prescritos como pagam ento, não há como ser acolhida a pretensão deduzida. Sentença reform a­ da. Ação julgada improcedente" (TJRS, Ap. 7 0 0 2 2 0 4 9 2 9 0 ,18J Câm. Civel, Rei. Des. Cláudio Augus­ to Rosa Lopes Nunes, j. em 6 -5 -2 0 1 0 ). • "Agravo de Instrum ento. Execução por titu lo judicial. Alterações da Lei 11.232/2005. Dação em pagamento. Consentimento do credor. Art. 356, CC. Cum prim ento de sentença. Ausência de pa­ gam ento no prazo legal. Oferta de bens. Prevalência do credor. M ulta. Im perativo legal. Art. 4 7 5 J, § 3°, CPC. A dação em pagam ento, que constitui entrega de bem em pagam ento de divida por form a diversa da ajustada, depende do consentim ento do credor, conform e art. 356, Código Civil. Com as alterações dadas pela Lei 1 1 .2 32/2005 ao Código de Processo Civil, que modificou o pro­ cedim ento de execução de titu lo judicial, é facultado ao exequente indicar, desde logo, bens à penhora, caso não haja pronto pagam ento, conforme art. 475-J, § 3 o, CPC, não se configurando procedimento mais gravoso para o devedor. Em fase de cum prim ento de sentença, à falta de pagam ento do débito no prazo legal, impõe ao julgador a fixação da m ulta de 10% sobre o valor devido, conform e dispõe o art. 475-J, CPC. Agravo não provido" (TJMG, Ag. 1.00 2 4 .03 .9 6 83 4 6 1/001(1), Rei. Evangelina Castilho Duarte, j. em 6 -3 -2 0 0 7 , publicado em 1 6 -3 -2 0 0 7 ). • "A subscrição de cotas feita m ediante a entrega de imóvel sob enfiteuse constitui dação em pa­ gam ento, cujo registro im obiliário depende de pagam ento do laudêmio" (STJ, REsp 345.667/RS, Rei. M in. Hum berto Gomes de Barros, DJ, 2 9 -5 -2 0 0 6 , p. 227). • “A obrigação, assumida pela construtora de um em preendim ento imobiliário, de rem unerar a proprietária do terreno m ediante a dação em pagam ento de unidades ideais com área correspon­ dente a 2 5 % do to ta l construído qualifica-se como obrigação de fazer, e não como obrigação de dar coisa certa" (STJ, REsp 598.233/RS, Rei. M in. A ntônio de Pádua Ribeiro, Relatora para Acórdão Ministra Nancy Andrighi, DJ, 2 9 -8 -2 0 0 5 , p. 332). • "0 débito, vencido há mais de dois anos e relativo a quatro anos de prestações alimentícias, al­ cançando alto valor, ainda que fru to de execução sob o rito do artigo 733 do Código de Processo Civil, pode ser saldado por dação de imóvel em pagamento" (STJ, HC 20.317/SP, Rei. M in. Cesar Asfor Rocha. DJ, 1 1 -1 1 -2 0 0 2 , p. 219). • “Ação de d a çã o em p a g a m e n to . Recebimento de títulos da dívida agrária. Falta de consentim en­ to do credor. Requisito essencial. Improcedência. Verificada a falta de consentimento do credor que constitui requisito essencial da d a çã o em p a g a m e n to , para recebim ento de títulos da dívida agrária ofertados pelo devedor como form a de quitação do débito existente ju n to ao mesmo, torna-se patente a improcedência do pleito. Recurso improvido" (TACMG, AC 3 4 3 .5 2 4 -5 , 7* Càm. Civel, Rei. Juiz Antônio Carlos C ruvinel.j. em 1 0 -1 0 -2 0 0 1 ). • “Ação de d a çã o em p a g a m e n to . Faculdade do credor em aceitar o recebim ento de coisa diversa da ajustada entre as partes. Recusa expressa do credor. Inviabilidade da pretensão. A d a çã o em p a g a m e n to se caracteriza pela aceitação do credor 'em receber coisa que não seja dinheiro, em substituição da prestação que lhe era devida’, consoante estabelece o art. 995 do Código Civil, podendo ser conceituada como um acordo realizado entre credor e devedor em que o primeiro aceita receber do segundo coisa diversa da ajustada entre as partes, sendo imprescindível, para seu aperfeiçoam ento, o consentim ento do credor, hábil a liberar o devedor do p a g a m e n to da divida. Não sendo lícito com pelir o credor a aceitar a d a çã o em p a g a m e n to e havendo recusa expressa deste, a pretensão inicial torna-se inviável" (TACMG, AC 3 1 8 .2 7 2 -7 , 4* Câm. Civel, Rei. Juíza M aria Elza, j. em 1 8 -1 0 -2 0 0 0 ).

Art. 357. Determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as partes regular-se-ão pelas normas do contrato de compra e venda.

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HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 9 9 6 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo só te m aplicação quand o o objeto da dação consistir na entrega da coisa, móvel ou im óvel, corpórea ou incorpórea, e cujo preço seja passível de taxação. N ào te m aplicação se a prestação fo r substituída por d inh eiro ou por obrigação de fa z e r ou não fazer, ou ainda por coisa de v a lo r inestim ável. • Fixado o preço, a p lic ar-se -ã o as regras de com pra e venda.

JULGADO • "Embargos de terceiro. Cerceamento de defesa. Imóvel. Dação em pagamento. Crédito trabalhista. Registro anterior da penhora. Im penhorabilidade. Bem de fam ília. Sentença proferida em audiên­ cia, sem a presença da parte em bargante e de seu procurador. Julgam ento antecipado. Desneces­ sidade de produção de prova oral. Art. 3 3 0 ,1, CPC. Cerceamento de defesa inocorrente. Dação em pagam ento realizada para quitar crédito trabalhista. Hipótese regulada pela compra e venda. Art. 357 do CC. Penhora antecedente registrada. B oa-fé do adquirente afastada. Súmula 375, STJ. Proteção possessória afastada. Imóvel locado a terceiros. Ausência de justificação. Im penhorabilidade não configurada. Art. 1o da Lei 8 .009/90. Rejeitaram a prelim inar e negaram provim ento ao apelo" (TJRS, Ap. 70 03 5 4 58 0 5 8, 19J Câm. Civel, Rei. Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior, j. em 4 -5 -2 0 1 0 ).

Art. 358. Se for título de crédito a coisa dada em pagamento, a transferência importa­ rá em cessão.

HISTÓRICO • 0 dispositivo náo foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 997 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Im p o rtan d o a transferência em cessão do crédito dado em pagam ento , resulta a observância do disposto nos arts. 2 9 0 a 2 9 5 deste Código. • Assim, a operação deve ser no tificad a ao devedor e quem fe z a dação fica responsável pela existência do crédito.

JULGADOS • "Embargos à execução. Títulos extrajudiciais (duplicatas). Alegação de que a dação em pagam en­ to de cheques de terceiro ainda que não compensados extingue a divida, outorgando-lhe quitação, conform e art. 358 do Código Civil. Deseabimento. Apenas quando efetivam ente recebido o valor cobrado, em dinheiro, ou se compensados os cheques extinguir-se-ia a divida, pois os títulos foram dados in solvendum . In casu, como não houve nenhum recebimento e foi frustrada a compensa­ ção dos cheques por ausência de fundos, nenhum pagam ento ocorreu, remanescendo a dívida representada pelas duplicatas. Improcedência dos embargos de rigor. Recurso nào provido" (TJSP, Ap. 9 9 1 0 9 0 0 0 6 6 7 5 , Rei. Des. Gilberto dos Santos, j. em 2 5 -6 -2 0 0 9 ). • "Processual civil e tributário. Agravo regim ental. Recurso Especial. Compensação de tributos com títulos da divida pública. Impossibilidade. 1. 0 débito tribu tário deve, necessariamente, ser pago 'em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir'. A dação em pagam ento, para o fim de quitação

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de obrigação tributária, só é aceita em hipóteses elencadas legalmente. 2. M u ta tis m u ta n d is , em se tratando de divida tributária indisponível à Autoridade Fazendária, nâo há como se adm itir a dação em pagam ento por via de títu lo da divida pública, porquanto este procedimento escapa à estrita legalidade" (STJ, AgRg no REsp 691.996/RJ, Rei. M in. Luiz Fux, DJ, 2 0 -3 -2 0 0 6 , p. 200). • "Sobre impossibilidade de extinção de divida fiscal m ediante dação em pagam ento de apólices da divida pública" (REsp 651.404/RS, Rei. M in. Luiz Fux, DJ, 2 9 -1 1 -2 0 0 4 , e REsp 373.979/PE, Rei. M in. Castro M eira, DJ, 6 -9 -2 0 0 4 ).

Art. 359. Se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento, restabelecer-se-á a obrigação primitiva, ficando sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros. HISTÓRICO • Este artigo não sofreu nenhuma espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. Corresponde ao art. 9 9 8 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • E vicçõ o : É a perda da coisa por decisão ju d ic ia l proferid a em ação de reivindicação proposta pelo le g ítim o dono. V ide com entários aos arts. 4 4 7 a 4 5 7 deste Código. • 0 art. 3 5 9 tra ta da hipótese em que o credor recebe com o dação em p agam ento coisa não p ertencente ao devedor. • C arvalho de M endonça, citado por Beviláqua, resume com m aestria a situação: “Se a dação é um a fo rm a de pagam ento , nào se com preende que este se possa fa ze r senão de m odo a lib e rta r o devedor e satisfazer, p lenam ente, os interesses do credor. Ora, se o que ele prestou não era seu, nào se pode v e r de que m odo ele possa se exonerar. Por o u tro lado, se o credor pode ser ainda incom odado por terceiro, se aquilo que recebeu com o um a prestação, que lhe era devida, deixa de o ser, de fa to , a que ficaria reduzido o seu d ireito creditório?" (C ó d ig o C iv il c o m e n ta d o , cit., p. 160).

JULGADOS • "Apelação civel. Direito privado não especificado. Ação de cobrança. Dação em pagam ento. Evicção. 1. Preliminares. 1.1. Incompetência do juízo. Ação de cobrança que busca os valores inadim plidos pela demandada no contrato celebrado para a aquisição de veiculo (em razão da impossi­ bilidade de transferência do bem objeto da dação em pagam ento), inexistindo, portanto, qualquer vínculo com o juizo de insolvência do proprietário do autom óvel objeto da dação. 1.2. Inexistên­ cia de sentença u ltra p e tita . Decisão de origem que se restringiu a determ inar o pagam ento do valor inadimplido. Devolução do bem dado em pagam ento que se consubstancia em decorrência lógica da procedência da cobrança de seu respectivo valor. 2. M érito. Demonstrado que a dem an­ dada incluiu na negociação para a compra de veiculo zero quilôm etro um autom óvel de proprie­ dade de seu pai, após ter sido decretada a insolvência deste. Perda do bem objeto da dação em pagam ento em decorrência da evicção. Incidência do disposto no art. 359 do CC/2002. Prelimina­ res afastadas. Apelo improvido" (TJRS, Ap. 70 03 3 7 80 5 5 2, Rei. Des. Judith dos Santos M ottecy, j. em 8 -4 -2 0 1 0 ). • "Nulidade de doação e obrigação de fazer consistente na outorga de escritura pública de imóvel. Pretensão baseada em instrum ento particular de dação em pagam ento de imóvel posteriormente doado a outrem . Determ inação de emenda da petição inicial para adequação do pedido e inte­ gração na lide da esposa do autor (art. 10, ca p u t, CPC). Dação não revestida da form a essencial à validade do negócio jurídico (artigos 104, III, 108 e 166, IV, Código Civil). M odo extintivo de obrigação que, à vista da determ inação do preço da coisa dada em pagamento, se rege pelas

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normas do contrato de compra e venda (art. 357, mesmo Código). Dação não equiparável a con­ tra to prelim inar. Evicçáo da coisa recebida em pagam ento suscetível de restabelecer a obrigação prim itiva, ficando sem efeito a quitação (art. 359, Código referido). Caso concreto a não ensejar obrigação de fazer conducente à outorga de escritura. Possibilidade, tão só, à vista do restabele­ cim ento do s ta tu q u o ante, do aparelham ento de ação de fraude contra credores, a par do exer­ cício de direito insito às conseqüências do inadim plem ento. Situação que não traduz ação sobre direito real im obiliário, a prejudicar questão relativa ao art. 10, ca p u t, do CPC. Recurso desprovi­ do, na parte náo prejudicada" (TJSP, Al 9 94090346527, Rei. Des.Vicentini Barroso, j. em 1 7 -3 -2 0 0 9 ). • “Civil. Fraude contra credores. Dação em pagam ento. Mesmo que tenha por objeto divida vencida, a dação em pagam ento pode, em face das peculiaridades do caso, caracterizar fraude contra credores; mas o reconhecimento de que a dação em pagam ento foi fraudulenta não prejudica o crédito, sendo ele incontroverso, de modo que a anulação do negócio restabelece o s ta tu s quo ante, desfazendo a quitação. Recurso Especial conhecido e provido em parte" (STJ, REsp 143.046/ SP, Rei. M in. Ari Pargendler, RSTJ, v. 130, p. 245).

C apítulo VI — DA NOVAÇÃO Art. 360. Dá-se a novação: I — quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior, II — quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor, III — quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, fi­ cando o devedor quite com este.

HISTÓRICO • 0 dispositivo náo foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 999 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • N o v a ç õ o : Na clássica d efin ição de Soriano N eto, “é a extinção de um a obrigação porque o u tra a substitui, devendo-se distingu ir a posterior da a n te rio r pela m udança das pessoas (devedor ou credor) ou da substância, isto é, do conteúd o ou da c a u s a d e b e n d f' (cf. Soriano de Souza N eto, D a n o v a ç õ o , 2. ed., 1937, n. 1). • 0 artig o em com ento especifica as três espécies de novação: a) novação objetiva: assim c h a­ m ada quand o não ocorre a lteração nos sujeitos da obrigação. 0 mesmo devedor contrai com o m esm o credor nova dívida para e x tin g u ir e substitu ir a a n te rio r (inciso I); b) novação sub­ je tiv a passiva: quando ocorre substituição no polo passivo da obrigação. Novo devedor suce­ de e exonera o a n tig o , firm a n d o novo pacto com o credor (inciso II); e c) novação subjetiva a tiv a : quando, em v irtu d e de obrigação nova, o u tro credor sucede ao an tig o , fican d o o de­ vedor exonerado para com este (inciso III).

JULGADOS • "Apelação. Cobrança. Demanda distribuída em face de sócio e de empresa m ercantil. Inconform ismo manejado pela pessoa jurídica. Prestação de serviços. Fornecimento de mercadorias, medica­ mentos e serviços farmacêuticos. Suspensão do repasse das quantias devidas pela empresa dem an­ dada. Acordo firm ado entre as partes. Descumprimento pela empresa devedora. Alegação de no­ vação. Não configuração. Ausência de ‘animus novandi*. Titulo de crédito. Nota promissória. Emissão pelo sócio. Titulo de crédito em itido como confirm ação da existência da obrigação pre­

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cedente. Falta de legitim idade por quem não integra a relação cambial para debater essa questão. Sentença. Procedência. M anutenção pelos próprios fundam entos. No caso em espécie não restou configurada a novação, pois não se verifica a constituição de "nova divida para extinguir e subs­ titu ir a anterior", como exige o art. 3 6 0 , 1, do CC para a caracterização da chamada novação ob­ jetiva. Ao reverso, a emissão da nota promissória apenas confirm ou a existência da obrigação precedente. Apelação desprovida" (TJSP, Ap. 9 9 2 0 6 0 6 8 0 0 0 7 , Rei. Des. Am orim Cantuária, j. em 22 - 6 - 2010 ). • “Apelação cível. Arrendam ento m ercantil. Inadim plem ento. Renegociação de divida. Novação. Impossibilidade de reintegração de posse com base em contrato extinto. As partes realizaram, de form a livre e voluntária, contrato de refinanciam ento do débito, caracterizando novação de divi­ da, tendo em vista que colocaram fim ao débito existente em nome do réu, conform e preceitua o art. 3 6 0 do Código Civil. A renegociação da divida foi feita em papel tim brado da parte autora, com o novo valor da divida e das prestações referentes ao financiam ento, além de existir a des­ crição do bem objeto da lide. M anutenção da sentença. Recurso conhecido e desprovido" (TJRJ, Ap. 0 0 0 8 0 7 9 -27 .2 0 09 .8 .1 9.0 2 0 2, Rei. Des. Ferdinaldo do Nascimento, j. em 1°-6-2010). • "Cobrança. Nova obrigação, distinta da prim itiva e com substituição dos devedores. Caracterização de novação subjetiva passiva. Art. 360, inciso II, do Código Civil. Garantias e acessórios da obriga­ ção antiga que se extinguem com a constituição da nova obrigação. Cobrança em relação aos antigos devedores. Reconhecimento de ilegitim idade passiva e conseqüente carência da ação. Processo extinto, de oficio, sem julgam ento do m érito (art. 267, inc. VI, do CPC). Recurso não provido, com observação" (TJSP, Ap. 9 9 4 0 8 1 2 5 0 5 6 5 , Rei. Des. Elcio Trujillo, j. em 7 -4 -2 0 1 0 ). • "Ação de revisão de contrato bancário. Condições contratuais decorrentes de livre ajuste entre as partes. Novação da divida que obsta a revisáo do contrato anterior. Art. 3 6 0 , 1, do Código Civil. Viabilidade da cobrança de juros contratados superiores a 12% (doze por cento) ao ano. Não in­ cidência do art. 192, § 3®, da Constituição Federal. Art. 1° do Decreto n. 2 2 .6 2 6 /33 (Lei de Usura). Inaplicabilidade. Súmula n. 596 do Supremo Tribunal Federal. M étodo de atualização m onetária previsto no contrato. Capitalização de juros não demonstrada. Livre manifestação de vontade das partes. P a c ta s u n t s e rv a n d a . Ação ju lg a d a im procedente. Recurso im provido" (TJSP, Ap. 9 9 10 3 0 57 2 7 50 , Rei. Des. Coutinho de Arruda, j. em 2 3 -3 -2 0 1 0 ). • “Ação de cobrança. Novação. Instrum ento particular de confissão de dívida. Contrato bancário. Comissão de permanência. Inaplicabilidade. Honorários de sucumbência. Nos termos do disposto no art. 360, inciso I do CC/02, dá-se a novação quando o devedor contrai com o credor nova di­ vida para extinguir e substituir a anterior. A comissão de permanência tem a finalidade de rem u­ nerar o capital e atualizar o seu valor no inadim plem ento, m otivo pelo qual é pacífica a orienta­ ção de que nào se pode cum ular com os juros remuneratórios e com a correção m onetária, sob pena de se ter a cobrança de mais de uma parcela para se atingir o mesmo objetivo. Os honorários hão de ser fixados, a critério da apreciação equitativa do juiz, considerados o grau de zelo do advogado, o lugar em que o serviço fo r realizado, a natureza e a im portância da causa, o trabalho realizado e o tem po de duração do serviço" (TJMG, Ap. 1 .0 7 0 2 .04 .1 5 16 2 8 -8 /00 1 (1 ), Rei. Des. D árcio Lopardi Mendes, j. em 2 5 -2 -2 0 1 0 ). • “Apelação. Execução. Exceção de pré-executividade. Ausência de títu lo executivo. Novação. Ex­ tinção da execução. É perfeitam ente possível, em sede de exceção de pré-executividade, o reco­ nhecim ento de inexigibilidade do titu lo que am para a execução, desde que a questão suscitada possa ser reconhecida de plano, sem a necessidade de dilação probatória, como é o caso dos autos. Forçoso o reconhecimento da ocorrência do instituto da novação por substituição do devedor, de acordo com o art. 360, inc. II, do Código Civil em vigor, razão pela qual os Apelados não estão obrigados a suportar a presente execução por ausência de títu lo executivo. Ocorrendo a novação, extinguem -se os acessórios e garantias da divida prim itiva. Exegese dos arts. 362 e 364, ambos do Código Civil" (TJSP, Ap. 9 9 10 9 0 71 5 6 84 , Rei. Des. Eduardo Siqueira, j. em 1 7 -6 -2 0 0 9 ). • "Contrato bancário. Novação. Revisão dos contratos extintos. Possibilidade. A novação não impe­ de a revisão dos contratos findos para afastar eventuais ilegalidades" (STJ, AgRg no REsp 510.319/ RS, Rei. M in. Hum berto Gomes de Barros, DJ, 1 8 -1 0 -2 0 0 4 , p. 268).

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• "Direito eivil. Novação. Inocorrêneia. Pagam ento originariam ente previsto em duas parcelas. Che­ que pré-datado. Recurso nào conhecido. I - Para a configuração da novação a doutrina reclama: a) Existência jurídica de uma obrigação (o b lig a tio n o van d a ); b) Constituição de nova obrigação (a liq u id n o v i); c) A n im u s n o van d i. II - Não se dá novação quando o negócio, diversamente do consignado, realizando-se de outro modo, por conveniência das partes, previu originariam ente o pagam ento em duas parcelas, a segunda das quais m ediante cheque pré-datado. III - 0 recurso especial não se mostra hábil ao exame de cláusula contratual e ao reexame da prova, em face da conclusão da instância ordinária de que o pagam ento se fez p ro so lve n d o" (STJ, REsp 4.292/SP, Rei. M in. Sálvio de Figueiredo Teixeira, RSTJ, v. 17, p. 491).

Art. 361. Não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.000 do Código Civil de 1916, com pequena m elhoria redacional.

DOUTRINA • R e q u is ito s d a n o v a ç õ o : a) Existência de um a obrigação a n te rio r; b) constituição de um a nova obrigação; c) capacidade das partes; e d) intenção de novar, representada pelo consentim en­ to das partes. • A n im u s n o v a n d i: Sem que as partes te n h am a intenção inequívoca de novar, e x tin g u in d o o v ínculo obrigacional an te rio r, não há que se fa la r em novação. A novação nào se presume. • 0 p ag am en to a m enor do débito , com o consentim ento tá c ito do credor, não constitui fa to hábil à caracterização do a n im u s n o v a n d i.

JULGADOS • "... A c tio p rin c ip a l. Ajuste base acrescido de sucessivos termos de readequação da divida. Novação inexistente. Ausência dos pressupostos do artigo 9 9 9 do Código Civil de 1916. Possibilidade de revisão negociai desde a origem. A intelecção dos arts. 999 do C C /1916 e seguintes (art. 360 e posteriores do CC/2002) dispõe que a segunda pactuaçào somente confirm a a primeira, quando à obrigação apenas se adicionam novas garantias, quando se concede m oratória ao devedor, ou quando se lhe defere abatim ento do preço, maiores facilidades de pagam ento ou reform a do ti­ tu lo (Barros M onteiro, W ashington de. C urso de D ire ito Civil, Direito das Obrigações, v. 4. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 297) (...)" (TJSC, Ap. 2 0 0 8 .0 3 2 3 7 5 -1 , Rei. Des. M aria do Rocio Luz Santa Ritta, j. em 1 4 -6 -2 0 1 0 ). • "Agravo de instrum ento. Execução fundada em titu lo extrajudicial. Formalização de acordo para pagam ento parcelado do débito. Inexistência de novação. Inadim plem ento por parte do executa­ do. Retomada do efeito executivo, segundo os valores primitivos, descontados os pagamentos parciais. Recurso desprovido. Na hipótese dos autos, náo houve intenção de novar ou o a n im u s n o van d i, que é elem ento psíquico essencial para a configuração do instituto, na medida em que o acordo entabulado entre as partes apenas objetivou a m odificação de um dos elem entos da escritura pública de confissão de divida, m ediante parcelam ento do saldo devedor existente, náo visando à extinção, de pronto, da obrigação ali pactuada. Aliás, o desinteresse pela novação foi explicitado, de form a clara e indene de dúvida, na cláusula IV, do term o de acordo. Nessa linha de raciocínio, o acordo firm ado entre as partes, autorizando o pagam ento parcelado do saldo deve­ dor, veio apenas confirm ar as obrigações originárias, constantes da escritura pública de compra e venda (CC/2002, art. 361). Aliás, no term o de acordo, constou determ inação expressa no sentido de que, em caso de inadim plem ento, poderia o agravado prosseguir com a execução, pelo m on­ tante originário, ou seja, pelo valor constante da escritura pública de confissão de divida, com os

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acréscimos nela previstos, abatidos, evidentem ente, os pagamentos parciais. Assim, os cálculos apresentados pelo exequente nâo merecem qualquer censura, vez que elaborados segundo os encargos pactuados na escritura pública de confissão de divida, em especial as cláusulas segunda (f. 24-TJ) e décima (f. 25-TJ), bem como em estrita consonância com os termos do acordo hom o­ logado em juízo, o qual, rediga-se, previa, em caso de inadim plem ento, a retom ada do curso da execução, pelo valor original, com todos os acréscimos pactuados" (TJMG, Al 1.00 8 0 .05 .0 0 16 8 2 5/001(1), Rei. Des. Lucas Pereira, j. em 1 1 -3 -2 0 1 0 ). • "... A alegação de celebração, por parte do locador e da locatária, de novação, transação e con­ cessão de m oratória nào restou comprovada nos autos. A celebração de acordo, contendo confis­ são de divida e term o de devolução de cheques utilizados para pagam ento dos aluguéis e devol­ vidos por insuficiência de fundos - , sem anuência dos fiadores, não enseja a exoneração da fiança prestada. Diante da ausência do a n im u s n o v a n d i (artigo 361 do Código Civil), inexiste novação da obrigação, restando incólumes as cláusulas acordadas no contrato originário, incluin­ do as referentes à fiança. 0 mero parcelam ento do débito não configura concessão de m oratória, apenas liberalidade do credor. Entendim ento deste E. Tribunal acerca do tem a. R. sentença que se m anteve. Recurso m anifestam ente im procedente. Aplicação do artigo 557, ca p ut, do CPC c/c artigo 31, V III, do Regimento Interno deste E. Tribunal. Ausência de argum ento novo que justifique a revisão do julgado. Nega-se provim ento ao recurso" (TJRS, Ap. 0 0 00 1 7 5-06 .2 0 07 .8 .1 9.0 2 0 8, Rei. Des. Cleber Ghelfenstein, j. em 2 4 -2 -2 0 1 0 ). • "Novação. Requisitos. Locação de imóveis. Não há novação obrigacional no caso concreto à m in­ gua de a n im u s n o van d i. As partes da relação jurídica original foram mantidas, logo, nào há se falar em novação subjetiva. De mais a mais, não se pode concluir tenha havido manifestação de vontade de novar a partir do locador e do locatário (a n im u s n o va n d i), tal qual destinada a extin­ guir a obrigação precedente, substituindo-a (CC/1916, artigo 1.000; CC/2002, artigo 361). Recur­ so improvido" (TJSP, AC 8 8 0 .3 2 0 -0 /0 , Sào Paulo, 25a Câm. Dir. Priv., Rei. Antônio Benedito Ribeiro Pinto, j. em 2 3 -5 -2 0 0 6 ). • "Novação. Contrato de locação de imóvel. Acordo firm ado entre locador e locatário que ajusta, tão somente, o parcelam ento do débito existente. A n im u s n o v a n d i - Inocorrência. M anutenção da responsabilidade dos fiadores. Necessidade. Recurso improvido" (TJSP, AC 8 5 8 .0 0 2 -0 /0 , Ribeirão Preto, 35a Câm. Dir. Priv., Rei. A rtu r Marques, j. em 1 6 -1 -2 0 0 6 ). • “Alienação fiduciária. Novação. Inocorrência do a n im u s n o van d i. Não se presume a novação (CC 1916, art. 1.000 - CC/2002, art. 361), a intenção deve ser inequívoca. Sentença m antida" (TJSP, AC 7 5 6 .2 2 8 -0 /1 , Bauru, 35» Câm. Dir. Priv., Rei. Carlos Ortiz Gomes, j. em 2 3 -5 -2 0 0 5 ). • “A análise da questão relativa à inocorrência de novação, em face da inexistência de a n im u s n o v a n d i por parte do proponente, demanda interpretação de cláusula contratual, assim como reexame do conjunto fático-probatório, providências vedadas em sede especial, u t Súmulas 5 e 7 desta Corte" (STJ, AgRg no REsp 5 1 0.3 1 9/RS, Rei. M in. Fernando Gonçalves, DJ, 6 -1 2 -2 0 0 4 , p. 329).

Art. 362. A novação por substituição do devedor pode ser efetuada independentemente de consentimento deste. HISTORICO • Este dispositivo não sofreu nenhum tipo de alteração relevante em seu conteúdo, durante o pe­ riodo de tram itação no Congresso Nacional. Corresponde ao art. 1.001 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • N o v a ç ã o s u b je tiv a p a s s iv o : Ocorre quand o novo devedor sucede ao a n tig o e, em geral, in ­ depende do consentim ento deste. Assume a fo rm a de exprom issão quand o o terceiro paga a dívida sem o consentim ento do devedor. Tom a a fo rm a de delegação quand o fe ita com a

Arts. 363 e 364

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participação do devedor, que, m ediante anuência do credor, indica um a terceira pessoa para resgatar o seu débito. • 0 art. 3 6 2 tra ta apenas da novação exprom issória. Segundo C arvalho Santos, “a omissão do Código, porém , nào significa que fosse sua intenção excluir a possibilidade da delegação. Nada disso. Previu apenas o caso de exprom issào, precisam ente porque precisava deixar claro que a novação pode se o p e ra r sem o consen tim en to do devedor, um dos interessados, de vez que ocorre um a exceção, que não se podia a d m itir sem lei expressa. 0 mesmo já nào sucede com a delegação, em que basta aplicar as regras gerais, para se o b te r a certeza da possibilidade da novação, em casos tais, pois a delegação, em ú ltim a análise, não é senão um novo c o n tra to , em que todos os interessados precisam d a r o seu consentim ento" (J. M . de C arvalho Santos, C ó d ig o C iv il in te rp re ta d o , cit., p. 183). • Essa espécie de novação perde o sentido prático no Código Civil a tu al em face da inserção do ca p ítu lo re fe re n te à assunção de dívida, sobre o qual já com entam os.

JULGADOS • "Embargos à execução. Instrum ento de confissão de dívida. Novação subjetiva. Im penhorabilidade. I. Documentos juntados demonstram que houve apenas transferência dos direitos e obrigações contidos no contrato original de aquisição do imóvel, de modo que não alcançou o titu lo exequendo: instrum ento de confissão de divida. II. Novação subjetiva ocorre quando novo devedor sucede o antigo, ficando este quite com o credor. Novação subjetiva passiva se dá por delegação ou expromissào, sendo que ambas exigem anuência do credor para sua perfectibilizaçáo. Ausência, no caso, de concordância por parte da credora. III. Impenhorabilidade de veiculo por ser essencial à atividade profissional. Descabimento, eis que o executado é funcionário público e pode exercer sua atividade independente de locomoção por meio de autom óvel. Negaram provim ento à apela­ ção" (TJRS, AC 7 0 0 1 1 8 1 9 7 6 0 ,1 6 * Câm. Civel, Rei. Ergio Roque M enine, j. em 1 3 -7 -2 0 0 5 ). • "Cédula comercial hipotecária. Imóvel hipotecado alienado com concordância do credor e assun­ ção do débito pelos adquirentes. Execução proposta contra os primitivos devedores. Inadmissibi­ lidade. Novação subjetiva passiva operada. Carência decretada" (TACRS, RT, 699:165).

Art. 363. Se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou, ação re­ gressiva contra o primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.002 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacional.

DOUTRINA • 0 dispositivo tra ta do restabelecim ento da dívida an te rio r, em caso de insolvêneia do novo devedor, só admissível se o a n tig o devedor tiv e r agido de m á -fé , fa ze n d o -s e substitu ir por um o u tro devedor, cujos bens estavam todos onerados. • Ao con trário da dação em p agam ento , em que a evicçào fa z restabelecer a obrigação e x tin ­ ta, na novação nào te m o credor ação regressiva c o n tra o prim eiro devedor, verificada a insolvêneia do novo, que fo i aceito.

Art. 364. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário. Não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a terceiro que não foi parte na novação.

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Art. 365

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde aos arts. 1.003 e 1.004 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Sendo a novação um a to liberatório, e x tin g u in d o -s e a obrigação principal, fic a m extintos os acessórios e garantias, salvo se o co n trá rio fo r estipulado. Só as exceções referentes à segun­ da obrigação poderão ser opostas. • 0 penhor, a hipoteca ou a anticrese são acessórios que se extinguem com a obrigação p rin ­ cipal. Se houver estipulação em co n trário , podem esses acessórios e garantias deixar de se e x tin g u ir com a novação; mas, se a g a ra n tia pertencer a terceiro, é necessário o consenti­ m en to deste. Ou seja, as garantias reais constituídas por terceiros só passarão ao novo cré­ d ito se os terceiros derem o seu consentim ento. • 0 dispositivo consigna um a das principais diferenças e n tre a novação subjetiva, a cessão de crédito e a assunção de dívida. Na novação, a extinção das garantias é a u to m á tic a , salvo estipulação em contrário. Na cessão de crédito ocorre o co n trário , ou seja, a regra é a tran s­ missão das garantias e acessórios, salvo disposição em co n trá rio (art. 2 8 7 ). Sobre a extinção das garantias na assunção de dívida, v id e nossos com entários ao art. 3 0 0 .

JULGADOS • “Ação declaratória de desconstituiçáo de hipoteca. Execução. Novação. Ação declaratória de ex­ tinção de garantia hipotecária e im penhorabilidade. Negócio jurídico em autos de execução. Novação de que os hipotecantes ou seus representantes legais não participaram. Arts. 364 CCB/2002 e 1003, CCB/1916. Desconstituiçáo da hipoteca. Deram provim ento" (TJRS, Ap. 7 0 0 2 7 5 8 4 2 3 4 ,19J Câm. Civel, Rei. Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior, j. em 1 4 -4 -2 0 0 9 ). • "Civil e processual civil. Embargos à execução de contrato de locação, opostos por fiadores. Extin­ ção da obrigação pela celebração de term o de confissão de divida e estipulação de novas obriga­ ções entre credor/exequente e devedor/locatário. Sentença de procedência. Apelação. Confissão de divida que im porta inequívoca novação. Incidência dos arts. 3 6 0 , 1, 3 6 4 e 3 6 6 do Código Civil, que leva à constatação da extinção das garantias e à exoneração dos fiadores. Efeito que se pro­ duz mesmo se interpretado o negócio jurídico posterior como mera transação, de acordo com o que dispõe o art. 844, § 1o, CC. M oratória concedida pelo locador. Sentença que não merece qualquer retoque. Precedentes do STJ e do TJRJ. Desprovimento do apelo" (TJRJ, Ap. 0 0 0 9 4 0 0 67.2005.8.19.0031, Rei. Des. Luiz Fernando de Carvalho, j. em 1 7 -2 -2 0 0 9 ). • Execução. Nota promissória. Novação. Celebrado documento que objetiva constituir nova obriga­ ção, a fim de extinguir e/ou substituir obrigações anteriores, inclusive seus acessórios e garantias, a nota promissória que a representa é titu lo apto para aparelhar a execução. Apelo improvido (TJRS, AC 196.046.379, 3* Câm. Civel, Rei. Luiz Otávio Mazeron Coimbra, j. em 2 2 -5 -1 9 9 6 ).

Art. 365. Operada a novação entre o credor e um dos devedores solidários, somente sobre os bens do que contrair a nova obrigação subsistem as preferências e garantias do crédito novado. Os outros devedores solidários ficam por esse fato exonerados. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.005 do Código Civil de 1916.

Art. 366

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DOUTRINA • E xtinta a dívida a n te rio r pela novação, é óbvio que a nova dívida não poderá v in c u lar os devedores solidários da prim eira, que nào to m ara m co nhecim ento da novação. • Se todos os codevedores solidários participarem da novação, fic a m m antidas as garantias e privilégios sobre os bens de cada um deles.

JULGADOS • "Execução. Avalista. Recuperação judicial prevista na Lei 1 1 .1 01/2005 que não atinge os direitos de crédito detidos em face de devedores solidários, fiadores e avalistas, podendo o respectivo ti­ tu la r exercê-los em sua inteireza. Aplicação do § 1c do art. 49 da Lei 11.101/2005. Embargante, pessoa física, que figurou no polo passivo da execução em virtude de ser avalista. Execucáo. Avalista. Novação da divida que náo impede o banco embargado de promover a execução em face do avalista. Art. 59 da Lei 11.1 0 1 /20 0 5 que prevê, expressamente, a preservação das garantias do crédito. Novação prevista no art. 59 da Lei 11.101/2005 que não tem a mesma natureza jurídica do instituto regrado pelo art. 3 6 0 do CC. Execução. Avalista. Inaplicabilidade do art. 3 6 5 do atual CC. Prevalência da norma especial inserida no art. 59, ca p u t, da Lei 11.1 0 1 /20 0 5 (...)" (TJSP, Ap. 9 9 0 1 0 0 0 3 6 6 4 5 , Rei. Des. Rizzatto Nunes, j. em 7 -4 -2 0 1 0 ). • "Agravo regim ental. Agravo de instrumento. Execução fiscal. Responsabilidade de ex-sócio por divida contraída enquanto ainda integrava a sociedade. Art. 1.003, parágrafo único, do CC: prazo de dois anos. A responsabilidade de sócio cedente por divida contraída pela sociedade enquanto ainda era sócio perdura por dois anos após o registro da alteração social. Trata-se de prazo com natureza evidentem ente decadencial que correu, in casu, contra a Fazenda Pública, que só pode­ ria cobrar do sócio cedente no prazo de dois anos após o registro da cessão que ocorreu em 9 -4 2003. Assim, como a ação não foi protocolada até o dia 9 -4 -2 0 0 5 , nào poderia a execução ter prosseguido em face do agravante. Por outro lado, mesmo se pudéssemos considerar o agravante como devedor solidário, náo poderíamos esquecer que o crédito ora em execução é decorrente de novação feita entre o atual quadro societário e o Município agravado no mês de setembro do ano de 2006. Fato que, segundo dispõe o art. 365 do CC, o exoneraria da divida. Decisão reformada para excluir o agravante do polo passivo da execução. Im provim ento do recurso" (TJRJ, Al 0 0 4 8 6 5 6 71.2009.8.19.0000, Rei. Des. M arco Aurélio Froes, j. em 1 5 -1 2 -2 0 0 9 ).

Art. 366. Importa exoneração do fiador a novação feita sem seu consenso com o deve­ dor principal.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.006 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • E xtinta a dívida pela novação, o m esm o cam inho seguem os seus acessórios, de que é e xem ­ plo a fiança. Para que subsista a fiança, é im prescindível que o fia d o r consinta em g a ra n tir a nova dívida. • A reciproca nào é verdadeira, ou seja, a novação e n tre o credor e o fia d o r não a fe ta o deve­ d o r principal, que c o n tin u a sujeito ao ônus de seu débito.

JULGADOS • "Apelações cíveis. Cautelar inominada preparatória e ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c danos morais. Autora fiadora em contrato de compra e venda m ercantil. Novação da divida. A n im u s novandi. A ditam ento sem a anuência da fiadora. Exoneração da obrigação de

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Art. 367

fiança. Exegese dos artigos 9 9 9 , 1, e 1.006, ambos do Código Civil de 1916. Inadim plem ento pela devedora principal. Ausência de responsabilidade da fiadora. Inscrição indevida nos órgãos de proteção ao crédito. Falta de prévia notificação. Ilícito configurado. Dever de compensar caracte­ rizado. Fixação do q u a n tu m . Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Correção m one­ tária e juros de mora. Inversão do ônus sucumbencial. Recurso conhecido e provido. I. Caracteriza NOVAÇÃO o aditam ento realizado entre o devedor principal e o credor que, além de renegociar a divida e o prazo para pagamento, realiza nova garantia com a assinatura de nota promissória. Não há falar em relação jurídica quando, na ocorrência de novação, deixa o fiador de se com prom eter com a nova divida adquirida pelo devedor principal (exegese dos artigos 9 9 9 ,1, e 1.006, ambos do Código Civil de 1916, correspondente aos artigos 3 6 0 , 1, e 3 6 6 do Código Civil de 2002)..." (TJSC, Ap. 2 0 0 7 .0 2 5 4 0 8 -2 , Rei. Des. Joel Dias Figueira Júnior, j. em 1 2 -7 -2 0 1 0 ). • "Apelação civel. Ensino particular. Exoneração de fiança. Renovações sucessivas. Ausência de anuência dos fiadores. Impossibilidade. No contrato em questão, é possível verificar que os con­ tratos foram renovados, sem anuência dos fiadores, e sendo assim, é passível a declaração de nulidade do referido parágrafo, uma vez que o mesmo está fora dos limites estipulados pela lei. 0 dispositivo legal do art. 3 6 6 do CCB determ ina que importa exoneração do fiador a novação feita sem seu consenso com o devedor principal. Não pode o fiador ser responsável por obrigação não contraída. Apelo desprovido" (TJRS, Ap. 7 0 0 3 4 6 8 9 5 8 8 ,5J Câm. Civel, Rei. Des. Romeu Marques Ribeiro Filho, j. em 1 7 -3 -2 0 1 0 ). • Ação de cobrança. Locação comercial. Novação. M oratória. Exoneração da fiança. 0 fa to de ter ocorrido divisão do imóvel, de form a que o andar térreo fosse ocupado por outra empresa, per­ manecendo, a locatária, no andar superior, é circunstância que foi negociada entre as partes, reduzindo o aluguel, não isentando os fiadores dos locativos impagos. De outro lado, não houve m oratória, pois o acordo referido pelos réus diz respeito aos locatários da parte térrea do imóvel. Por fim , não há prova idônea de que o fiador, sócio da empresa locatária, realm ente tivesse alie­ nado sua cota social, de form a que responderá pelo débito. Apelação desprovida e recurso adesi­ vo provido (TJRS, AC 70.011.284.882, 16* Câm. Civel, Rei. Paulo Augusto M onte Lopes, j. em 2 7 4 -2 0 0 5 ).

Art 367. Salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem ser objeto de novação obrigações nulas ou extintas.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Corresponde aos arts. 1.007 e 1.008 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Se um dos requisitos da novação é ju s ta m e n te a existência de um a obrigação an te rio r, que a novação vem extin g u ir, é claro que, sendo nula ou inexistente a an te rio r, nào haverá o que nova r. • O b rig a ç õ e s n a tu r a is e p re s c rita s : Da mesma fo rm a que o p agam ento da obrigação natural ou prescrita não pode ser repetido, te m -se com o válida a novação de dívida n atu ral ou pres­ crita.

JULGADOS • "Apelação cível. Direito privado não especificado. Ação anulatória. Configuração da prática de agiotagem . Ilicitude nos negócios subjacentes á emissão da nota promissória. Novação. 1. Cerce­ am ento ao d ire ito de ação. A usente pedido de realização de prova pericial no m o m en to

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processual adequado. Preclusào. Adem ais, a prova não se revela indispensável para o exam e da causa. 2. Com provação de que a nota promissória fu n d a -s e em negócios jurídicos subja­ centes eivados de ilicitude, por consubstanciar prática de a g io tag em (usura). A novação da dívida e a a u to n o m ia in eren te aos títu lo s de cré d ito não significam óbice para desconstituição do títu lo cam bial, te n d o em vista a ilicitu d e do o b je to (artigos 169 e 3 6 7 do CC). Prece­ dentes desta C orte e do S uperior Tribunal de Justiça. R econhecim ento da nulidade da c á rtu ­ la. Preliminar afastada. Apelo provido" (TJRS.Ap. 7 0 0 3 4 2 5 4 1 3 6 ,12J Câm. Cível, Rei. Des. Judith dos Santos M o tte c y , j. em 1 0 -6 -2 0 1 0 ). • “Apelação civel. Ação de cobrança. C ontrato de abertura de crédito BB giro rápido. Possibilidade de rediscussão dos contratos originários da obrigação atual. Súmula 286 do Superior Tribunal de Justiça. Eventuais encargos pretéritos abusivos e ilegais que legitim am o reexame das contratualidades anteriores. Inteligência do art. 367 do coc/ex civil. Conversão do julgam ento em diligência para determ inar à casa bancária a exibição, no prazo de sessenta dias, dos contratos que origina­ ram a pactuação que deflagrou a ação de cobrança. Não cum prim ento do comando judicial no prazo assinado. Impossibilidade de aferição do q u a n tu m clam ado pelo banco. Documentos indis­ pensáveis à propositura da demanda. Im perativa extinção ex o ffíc io do feito sem resolução do m érito por ausência de pressuposto processual. Precedentes. Inversão dos ônus sucumbenciais. Apelo prejudicado" (TJSC, Ap. 2 0 0 7 .0 2 9 1 3 9 -6 , Rei. Des. José Carlos Carstens Kõhler, j. em 1 2 -5 2010).

• "Apelação civel e recurso adesivo. Ensino particular. Ação declaratória de nulidade de débito cumulada com pedido de indenização por danos morais. Divida prescrita. Obrigação natural. Novaçáo. Possibilidade. Coação. Inocorrência. Inscrição nos cadastros restritivos de crédito. Dano moral não caracterizado. 1. É irrelevante a discussão quanto à possibilidade jurídica de proceder à novação objetiva de divida prescrita, tendo em vista que é perfeitam ente possível a realização de pagam ento deste tipo de débito, ainda que de form a indireta, na medida em que se trata de obrigação natural, a qual, embora seja inexigível, é passível de satisfação espontânea por parte do devedor. Regramento do art. 882 do CC. 2. A par disso, a divida prescrita, embora inexigível, cons­ titu i obrigação natural, de modo que pode ser objeto de novação. Inteligência do art. 367 do CC. 3. Presume-se a renúncia tácita da prescrição quando realizado o pagam ento de crédito prescrito pelo devedor, ex v i do art. 191 da atual lei civil. 4. É oportuno ressaltar que estão entre os requi­ sitos essenciais para dem onstrar a ocorrência de coação que a ameaça sofrida deve ser grave e causa da anuência, além de ser injusta e im inente, recaindo o prejuízo sobre o patrim ônio do extorquido, a fim de ser invalidado determ inado negócio jurídico. 5. Contudo, daquele que se exige o cum prim ento de obrigação natural não há injustiça na cobrança destes valores, nem ao menos prejuízo para o devedor, o qual presta obrigação devida tardiam ente, obtendo ganho in­ devido com o seu injustificável retardo na satisfação daquele débito, a ponto deste se tornar inexigível. 6. Ademais, não restou comprovada a alegada coação para a efetivação da renegocia­ ção, vício de consentim ento que gera a invalidade de negócio jurídico se resulta demonstrado estreme de dúvida. 7. 0 postulante náo produziu qualquer prova da verossimilhança das suas alegações em relação aos fatos constitutivos de seu direito, não podendo se valer da inversão do ônus da prova para obter sucesso na demanda, quanto mais no caso em tela, em que a alegação é de coação. 8. A dem andada possuía crédito em seu favor e a exigência deste, bem como dos demais consectários legais dai decorrente se trata de mero exercício regular de seu direito, pois estava legitim ada a conduta adotada na época em que foram efetivados os registros em discussão (...)" (TJRS, Ap. 70 03 5 0 45 1 0 3, 51 Câm. Civel, Rei. Des. Jorge Luiz Lopes do Canto, j. em 3 1 -3 -2 0 1 0 ).

C ap ítu lo VII — DA COM PENSAÇÃO

Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.

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Art. 369

HISTÓRICO • O dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao artigo 1.009 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • C o m p e n s a ç ã o : É um encontro de créditos e n tre duas pessoas ao mesmo te m p o credoras e devedoras, um a da o u tra, a fim de e x tin g u ir to ta l ou parcialm ente as dívidas a té a concor­ ren te q uantia. • E spécies: A com pensação pode ser legal, convencional ou ju d ic ia l. É legal quando d e te rm i­ nada em lei e não pode ser recusada por um a das partes. 0 ju iz não pode d e c lará -la de oficio, porque deve ser alegada, mas seus efeitos retroagem à data em que se verifico u. É conven­ cional se resulta de c o n tra to e n tre as partes, e assim depende do acordo seu m odo de ser, sua extensão e efeitos. A ju d icial é resultante de reconvenção (v. arts. 3 1 4 a 3 1 8 do CPC). • Os arts. 3 6 8 e s. ora em com ento tra ta m da com pensação legal.

JULGADOS • "Ação ordinária. Compensação de crédito. Art. 368 do Código Civil. Pessoas jurídicas distintas. Impossibilidade. A compensação só pode se efetivar quando duas pessoas forem ao mesmo tem po credora e devedora uma da outra, consoante art. 368 do Código Civil Brasileiro" (TJMG, Ap. 1 .0 0 0 0 .09 .5 0 99 8 3 -4 /00 0 (1 ), Rei. Des. M auro Soares de Freitas, j. em 1 6 -6 -2 0 1 0 ). • "Apelação civel. Contrato de locação. IPTU. Compensação de divida liquida com iliquida. Impossi­ bilidade. Inteligência dos arts. 368 e 3 6 9 do Código Civil. Revela-se descabida a compensação de divida liquida e certa, no caso os relativos ao IPTU que não foram adimplidos pela recorrente, de julho/2001 a dezem bro/2002, com divida iliquida e incerta, pois pertinente a pagam ento a maior quanto ao IPTU sobre a garagem privativa dos recorridos, haja vista que sequer comprovado terem sido pagos, além de o objeto da ação de cobrança referir-se, além do IPTU, aos débitos locatícios e condominiais. Assim, por depender a obrigação de prévia liquidação ou apuração pelos regulares meios de direito, revela-se iliquida a dívida, o que desnatura a compensação, que demanda débi­ to líquido e certo. Precedentes do TJRJ. Aplicação do art. 557, ca p u t, do CPC. Negativa de segui­ mento" (TJRJ, Ap. 0 0 05 7 8 7 -6 3 .2 0 0 4 .8 .1 9 .0 0 0 2 , Rei. Des. Celia M eliga Pessoa, j. em 7 -6 -2 0 1 0 ). • "Apelação cível. Locação. Despesas com reparação de danos do imóvel. Ressarcimento. Os danos materiais causados no imóvel pelo locatário, a quem presume-se ter recebido o bem em condições impecáveis, face a ausência de provas em contrário, devem ser reparados às custas do inquilino. Possível a compensação entre os débitos existentes entre as partes, presentes os requisitos dos arts. 3 6 8 e 369 do Novo Código Civil. Apelação parcialm ente provida" (TJRS, AC 7 0 0 1 7 1 2 5 9 4 9 ,1 6 * Câm. Civel, Rei. Ana M aria Nedel Scalzilli, j. em 7 -3 -2 0 0 7 ).

Art 369. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.010 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • R e q u is ito s d a c o m p e n s a ç ã o le g a l: a) Reciprocidade de dívidas: as partes devem ser c o n co m ita n te m e n te credoras e devedoras um as das outras; b) liquidez das dívidas: a dívida é liq u i­ da quando é certa, q u a n to à sua existência, e d eterm in ad a, q u a n to à sua q u a n tia, isto é, quando consta o que é devido e q u a n to é devido. Assim é que a contestação da dívida em

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juízo retira-lhe o requisito de liquidez, porque a certeza da sua existência depende da sen­ tença que decidir o pleito. Mas, se a sentença reconhece a dívida, fica ipso facto declarada a compensação, que retroage ao tempo do vencimento respectivo; c) exigibilidade das dívidas: se a compensação eqüivale ao pagamento e este só pode ser exigido quando a dívida estiver vencida, também a compensação só se pode operar entre dívidas vencidas; d) coisas fungíveis: só se pode compensar coisas fungíveis, ou seja, aquelas que podem ser substituídas por outras de mesma espécie, qualidade e quantidade. JULGADOS • "Processual civil. Agravo de instrum ento. Pretensão de compensação de crédito do agravante em relação a débito imobiliário do agravado que, a despeito de reconhecido em laudo pericial nào foi objeto de execução. Compensação impossível. Recurso ao qual se nega seguimento. Art. 557, do CPC. I. Nos term os do art. 369, do Código Civil, "a compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis"; II. Hipótese em que foi reconhecida em ação revisional, dai a improcedência do pedido do agravado, crédito a favor do agravante que, todavia, não traduz divida vencida; III. Impossível a compensação entre o crédito do m utuário traduzido por indeni­ zação a titu lo de dano moral e crédito im obiliário não vencido; IV. Recurso ao qual se nega segui­ m ento ao abrigo do art. 557, do Código de Processo Civil" (TJRJ, Al 0 0 19 1 2 2-48 .2 0 10 .8 .1 9.0 0 0 0, Rei. Des. Adem ir Pimentel, j. em 1 2 -7 -2 0 1 0 ). • "Ação m onitoria. Compensação. Iliquidez e incerteza do crédito. Impossibilidade. Recurso despro­ vido. A compensação só é admissível quando operada com crédito que se revista das mesmas características, o que eqüivale dizer que náo é possível adm itir-se compensação de divida liquida e certa por crédito iliquido ou pendente de apuração judicial. 0 art. 369 do Código Civil (CC de 1916 - art. 1.010) é expresso em determ inar que a compensação efetua-se entre dividas líquidas vencidas e de coisas fungíveis" (TJSP, Ap. 9 9 2 0 6 0 2 5 5 7 7 2 , Rei. Des. Renato Sartorelli, j. em 6 -7 2010). • "Agravo em agravo de instrum ento. Ação de indenização. Cum prim ento de sentença. Compensa­ ção de valores com crédito na ação de execução. Liquidez. Nào verificada. Art. 369 do Código Civil. 0 instituto da compensação é possível quando, entre duas pessoas houver, ao mesmo tempo, crédito e débito uma da outra, possibilitando a extinção das obrigações. Para tanto, a compensa­ ção efetua-se entre dividas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis, nos termos do art. 369 do Código Civil. Na ocasião da decisão ora agravada inexistia prova da liquidez e certeza do crédito alegado pelo agravante. Os documentos juntados pelo agravante acerca de possível débito da agravada, reconhecido por sentença proferida nos autos dos embargos à execução, deverão ser objeto de apreciação primeiro pelo juízo de origem. Agravo improvido" (TJRS, Al 70036574770, 20 4 Câm. Civel, Rei. Des. Carlos Cini M archionatti, j. em 3 0 -6 -2 0 1 0 ). • "Processual civil. Ação de obrigação de fazer cumulada com danos materiais e morais. Execução de sentença que se lim itou a condenar a agravada ao pagam ento de danos materiais, sem qualquer compensação de possíveis débitos do agravante. Pretensa compensação que ofende a coisa ju lg a ­ da e que se revela impossível à luz do art. 369 do Código Civil. Agravo ao qual se deu provimento ao abrigo do art. 557, § 1°-A, do CPC. Agravo interno. Im provim ento. I. Se a sentença exequenda nào determ inou compensação de possível crédito da executada, impossível incluí-la na execução sob pena de ofensa à res iu d ic a ta ; II. Ademais, à luz do que dispõe o art. 369 do Código Civil “A compensação efetua-se entre dividas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis", o que não é a hi­ pótese dos autos; III. Recurso ao qual se deu provim ento com base no art. 557, § 1°-A, do CPC, decisão que se confirm a" (TJRJ, Al 0 0 65 0 2 8 -9 5 .2 0 0 9 .8 .1 9 .0 0 0 0 , Rei. Des. Adem ir Pimentel, j. em 2 8 -4 -2 0 1 0 ).

Art. 370. Embora sejam do mesmo gênero as coisas fungíveis, objeto das duas presta­ ções, não se compensarão, verificando-se que diferem na qualidade, quando especificada no contrato.

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Art. 371

HISTÓRICO • O dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.011 do Código Civil de 1916, eom pequena m elhoria redacional.

DOUTRINA • Já em 1 9 1 6 an o tava João Luís Alves que “só se podem com pensar coisas fungíveis, da mesma qualidade. N ão seria pagar, e n tre g a r um cavalo, em vez de um boi; não se pode, por isso, com pensar a obrigação de dar um cavalo com a de e n tre g a r um boi" ( C ó d ig o C iv il a n o ta d o , cit., p. 6 8 2). • 0 art. 3 7 0 vem esclarecer o c a rá te r de fu n g ib ilid a d e recíproca, indispensável para que se possam com pensar as obrigações. Se no c o n tra to se especifica a qualidade das prestações, em bora do mesmo gênero, não poderão ser com pensadas se d ife rire m um a da ou tra.

JULGADO • "Direito Civil. Previdência Privada Com plem entar. M onitoria. Embargos acolhidos, reconhecendo-se a compensação. Ré que é devedora de um dos planos da ré e credora de outro. Ofensa ao art. 333, II, do CPC, que se refuta, pela alegação de fato extintivo do direito do autor, consistente na compensação. Diversidade de planos de benefícios que decorre da natureza jurídica da apelante, de entidade fechada de previdência com plem entar m ultiplano, por força da Lei Com plem entar n. 109/01, mas que não confere àqueles personalidade jurídica própria. Alegação de violação ao art. 3 7 0 do Código Civil que não prospera, diante da cobrança de verba pecuniária. Inocorrência de ofensa ao principio do par c o n d itiu m c re d ito riu m , uma vez que nào se determ inou o pagam ento privilegiado de qualquer crédito da ré, inscrito no quadro geral de credores do plano em questão, mas, ao contrário, o aludido crédito restou reduzido por conta da compensação. Recurso despro­ vido" (TJRJ, Ap. 0 0 01 5 0 2-18 .2 0 09 .8 .1 9.0 2 0 7, Rei. Des. Alexandre Camara, j. em 3 0 -6 -2 0 1 0 ).

Art. 371. O devedor somente pode compensar com o credor o que este lhe dever, mas o fiador pode compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.013 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacional.

DOUTRINA • A regra geral é a de que a com pensação só pode ser oposta pelo próprio devedor ao próprio credor, ou seja, e n tre pessoas que sào e n tre si, reciprocam ente, credora e devedora um a da ou tra. Por essa razão, as obrigações da pessoa ju ríd ica para com terceiros nào se com pensam com as do seu sócio para com os mesmos, nem as dívidas do m an d a n te se com pensam com os créditos do m andatário. • E xcepcionalm ente a d m ite o Código que o fia d o r possa realizar a com pensação de sua dívida decorrente de fian ça com aquela que o credor tiv e r para com o afiançad o. N o caso concreto, se o locador aciona d ire ta m e n te o fiad o r, cobrando aluguéis em atraso, e este mesmo locador é ta m b é m devedor do locatário, pode o fia d o r invocar a com pensação. • Se a dívida do credor para com o devedor e x tin g u e a obrigação principal, nào poderá subsis­ tir a fiança, que é obrigação acessória. • N ào pode o a fian çad o opor ao credor a dívida deste para com o fiador.

Arts. 372 e 373

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JULGADOS • "M onitoria. Embargos julgados improcedentes. Sentença m antida. Alegação de compensação de dívidas. Impossibilidade. Arts. 1.010 e 1.013 CC/16, atuais 369 e 371. Devedor e credor diversos. Embargado, adquirente de unidade condom inial, que deve as parcelas de construção ao condo­ mínio, que, por sua vez, supostamente, deve o pagam ento de serviços prestados pela construtora da qual o em bargado é sócio. Ausência de prova docum ental acerca do suposto acordo para compensação de despesas. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Recurso desprovido" (TJSP, Ap. 9 9 4 0 4 0 3 8 5 7 6 0 , Rei. Des. Teixeira Leite, j. em 1 9 -2 -2 0 0 9 ). • "Execução contra pessoa jurídica de direito privado. Compensação. Necessidade de identidade entre a pessoa do credor e do devedor. Compensação só é adm itida quando há identidade entre credor e devedor, sendo a lei expressa no sentido de que a pessoa do sócio não se confunde com a da pessoa jurídica, não havendo um só elem ento nos autos que autorize a desconsideração da personalidade desta últim a" (TJMG, Ap. 1 .0 1 4 5 .05 .2 1 78 8 6 -3 /00 1 , Rei. Des. Nilo Lacerda, j. em 6 -9 2006). • "0 fiador pode compensar suas dividas com a de seu credor ao afiançado. Tal compensação, no entanto, somente se efetua entre dividas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis. Recurso im pro­ vido" (TJSP, Ap. 9 9 2 0 0 0 5 9 1 0 9 1 , Rei. Des. Gomes Varjão, j. em 2 7 -1 0 -2 0 0 4 ).

Art. 372. Os prazos de favor, embora consagrados pelo uso geral, não obstam a com­ pensação.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.014 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • P ra zo s d e fa v o r. N o rm alm e n te sào aqueles concedidos v e rb alm en te pelo credor em atenção ao devedor. Por se tra ta r de m era liberalidade do credor, o devedor não pode, a pretexto desse prazo, recusar o encontro da sua dívida com o seu crédito, alegando que a mesma ainda não venceu.

Art. 373. A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto: I — se provier de esbulho, furto ou roubo; II — se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos; III — se uma for de coisa não suscetível de penhora.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.015 do Código Civil de 1916, com pequena m elhoria redacional.

DOUTRINA • A regra geral em m atéria de com pensação legal repousa na ausência de question am ento sobre a c a u s a d e b e n d i das obrigações que se com pensam . Ou seja, presentes os requisitos legais, as dívidas se com pensam , q u a lq u e r que seja a respectiva causa geradora. • 0 a rt. 3 7 3 , repetin d o o a rt. 1.015 do Código Civil de 1916, estabelece três exceções à regra geral, a saber: a) se um a das dívidas provier de esbulho, fu rto ou roubo: é óbvio que se nào

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poderão com pensar dívidas procedentes de atos contrários ao d ire ito ; b) se um a das dívidas tiv e r origem em com odato, depósito ou alim entos: o com o d atário e o depositário tê m de re s titu ir a coisa certa que lhes fo i confiada, pois a d m itir a com pensação com outras dividas seria desvirtuar a natu reza desses contratos. No que tan g e aos alim entos, o próprio Código veda a com pensação (art. 1 .707); c) se um a das dívidas fo r im penhorável: a com pensação, no caso, consistiria em burla à im penhorabilidade.

JULGADOS • “Execução de alim entos. Pedido de compensação de valores. Descabimento. Impossibilidade ju rí­ dica do pedido. Não é possível estabelecer a compensação de pagam ento de prestações alim en tares devidas pelo alim entante, com valores que a genitora teria deixado de contribuir para os filhos no período em que permaneceram sob sua guarda, pois os alim entos sào incompensáveis, havendo expressa vedação legal, valendo lembrar, ainda, que os credores da pensão são os filhos alim entandos e não genitora deles. Incidência do art. 373, inc. II, Código Civil. Recurso desprovido" (TJRS, Al 7 0 03 4572594, Rei. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. em 1 0 -7 -2 0 1 0 ). • “Apelação civel. Ação de obrigação de fazer cumulada com indenizatória. Contrato de empréstimo consignado em folha de pagam ento. M argem consignável. Renegociação para a quitação da di­ vida anterior e liberação da quantia excedente ao autor. Parcelas descontadas em conta corrente em valor superior a 3 0 % dos seus ganhos. 0 fa to de os rendimentos da apelante decorrerem de seu pensionamento não a exonera da obrigação de cum prir o pactuado, lim itando a jurisprudên­ cia, entretanto, o desconto no patam ar m áxim o de 30% . A apelante, efetivam ente, recebeu a quantia acordada e os descontos somente ocorreram em razão da autorização concedida pela mesma. 0 mero descum prim ento contratual não autoriza a indenização por danos morais, segun­ do dicção da Súmula 75 deste Tribunal. Os vencimentos, proventos e benefícios previdenciários depositados em favor dos correntistas possuem caráter alim entar e, por isso, não podem ser submetidos à compensação ou à retenção integral pela instituição financeira, sob pena de viola­ ção aos arts. 373, III, do Código Civil e 649, IV, do Código de Processo Civil. Parcial Provimento do recurso" (TJRJ, Ap. 0 0 26 6 7 6 -6 0 .2 0 0 8 .8 .1 9 .0 2 0 8 , Rei. Des. Leila M ariano, j. em 2 3 -6 -2 0 1 0 ). • “Danos morais. Banco que se apropria de dinheiro em conta corrente com am paro em cláusula contratual. Apropriação ocorrida dois anos após o ajuizam ento da execução. Abusividade da cláusula reconhecida. B oa-fé objetiva inexistente. Compensação de valores inadmissível em vir­ tude da ilicitude do procedimento do banco. Interpretação am pliativa do artigo 373, n. I, do Có­ digo Civil. Sentença de procedência. Dano moral. A rbitram ento dos danos morais exclusivamente. Valor adequado. Afastam ento dos danos materiais por ausência de prova do alegado prejuízo. Sucumbência partilhada entre as partes em cotas iguais. Recursos de ambas as partes improvidos" (TJSP, Ap. 9 9 1 0 6 0 1 9 9 7 4 2 , Rei. Des. Hamid Charaf Bdine Júnior, j. em 1 7 -6 -2 0 1 0 ). • "Cumprimento de sentença. Ação indenizatória julgada parcialmente procedente. Juros moratórios devidos, mesmo não tendo sido expressamente fixados. Súmula 254 do STF. Recurso improvido nesta parte. Cum prim ento de sentença. Requerimento de compensação de valores com outro processo. Impossibilidade, pois a outra divida provém de com odato. Vedação do art. 373, inciso II, do Código Civil. Sucumbência recíproca. Possibilidade de compensação dos honorários advocaticios. Súmula 306 do C. Superior Tribunal de Justiça. Pedido de penhora de créditos. Pleito deve ser dirigido inicialmente ao juízo da outra ação. Recurso parcialmente provido" (TJSP, Al 990100717502, Rei. Des. Luis Carlos de Barros, j. em 1 7 -5 -2 0 1 0 ).

Art. 374. (jRevogado pela Lei n. 10.677, de 22-5-2003.) • "A m atéria da compensação, no que concerne às dividas fiscais e parafiscais, é regida pelo disposto neste capitulo".

HISTÓRICO • Na redação original do anteprojeto, este artigo consignava exatam ente o contrário (A m a té ria da com pensação, n o que concerne às d iv id a s fiscais, é re g id a p e la le g is la ç ã o e special a respeito). 0

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Deputado Ricardo Fiuza propôs alteração no artigo a fim de evitar que a Administração Fazendária, por meio de legislação extravagante, pudesse restringir o direito dos contribuintes à compen­ sação legal. A emenda teve a seguinte justificativa: "Os pressupostos necessários à compensação legal de créditos são: a reciprocidade, a liquidez, a exigibilidade e a fungibilidade dos créditos. A compensação legal tem como característica independer da vontade das partes e operar mesmo que uma das partes a ela se oponha, posto que constitui um direito potestativo que não se con­ funde com a figura contratual da dação em pagam ento que para sua realização depende da vontade das partes. Dai por que, é de se ressaltar que inexiste fundam entação lógica para exclusão das dividas fiscais do instituto da compensação regulado pelo Código Civil, para rem eté-las para legislação especial. A compensação é uma só, quer seja de dividas privadas quer seja do indébito tributário, sendo efetuada diretam ente pelo contribuinte e, no caso dos débitos fiscais, posterior­ m ente, comunicada à autoridade fazendária. Não há necessidade, no caso, de um reconhecimen­ to prévio, em processo adm inistrativo, do pagam ento indevido do tributo, ou, de sua liquidez, certeza e exigibilidade por parte da devedora, que fu turam ente tratará de cobrar o que eventu­ alm ente não pudesse ter sido objeto da compensação. A administração fazendária não pode, em hipótese alguma, lim itar, restringir ou negar ao contribuinte o direito à compensação sempre que a parte fo r credora da Fazenda Pública de um crédito líquido, certo e exigivel. 0 direito à com ­ pensação do indébito tributário é corolário lógico do próprio direito de propriedade, constitucio­ nalm ente am parado. Assim, não há que se rem eter à legislação especial, mais precisamente, à legislação tributária, a definição dos limites ao direito à compensação, quando fo r a Fazenda Pública a devedora". • 0 art. 3 7 4 representou uma das im portantes inovações do novo Código, pois rompia toda a tra ­ dição seiscentista do direito obrigacional brasileiro, com origem no velho direito filipino, que proibia a compensação de dividas fiscais (Ord., Liv. IV, Tit. 78, § 5*) ao argum ento de que certos créditos do Estado náo poderão ficar sujeitos ao direito comum. Carvalho Santos chegava a dizer que "As contribuições fiscais são para o Estado o que os alim entos sào para o homem. Elementos essenciais para a própria m anutenção, escapam necessariamente a qualquer compensação porque acima dos interesses privados estão colocados os interesses superiores de ordem pública, traduzi­ dos no interesse da própria conservação do Estado" (C ódigo C ivil b ra s ile iro in te rp re ta d o , Freitas Bastos, 1938, v. 13, p. 308). • Im portante registrar que o dispositivo em questão nào colidia com nenhuma das regras constitu­ cionais atinentes à tributação. A Constituição Federal, em passagem alguma, vedou a compensa­ ção tributária, nem remeteu a sua disciplina para a legislação com plem entar. Também era im pro­ cedente a alegação de que o dispositivo conflitava com o CTN, cujo art. 170 ainda elasteceu o direito à compensação, ao adm itir que, em determ inados casos, ela se desse até mesmo entre débitos vincendos, o que o Código Civil não perm itiu. Lembre-se de que o art. 170 do CTN já atribuía ao legislador ordinário a competência para instituir duas modalidades de compensação: a chamada compensação legal, nas condições e sob as garantias que a lei estipular, e a conven­ cional, dependente de autorização da autoridade adm inistrativa e que o novo Código, atendendo a determ inação do próprio CTN, veio exatam ente dispor sobre a compensação legal, tal qual já o haviam fe ito outras leis ordinárias. • 0 art. 374 era tão revolucionário que, antes mesmo de sua entrada em vigor, o Governo Federal tentou revogá-lo através de medida provisória (M P n. 75, de 2 7 -1 0 -2 0 0 2 ). Entretanto a Medida Provisória foi rejeitada pelo Congresso, ao final da legislatura. Às vésperas da entrada em vigor do Código, o Governo Federal voltou á tona, editando a Medida Provisória n. 10 4/2 0 0 3, que foi con­ vertida na Lei n. 10.677, de 2 2 -5 -2 0 0 3 , posteriorm ente aprovada pelo Congresso Nacional e que veio, efetivam ente, a revogar o dispositivo. Em sua exposição de motivos, trouxe a medida provi­ sória, como principal argum ento, a alegação de que a norm a em causa seria "inconstitucional, porquanto inserta em âm bito tem ático constitucionalm ente reservado à lei com plem entar, a teor do art. 146, III, b, da Constituição de 1988 ["Art. 146. Cabe à lei com plem entar: III - estabelecer normas gerais em m atéria de legislação tributária, especialmente sobre: b) obrigação, lançam en­ to, crédito, prescrição e decadência tributários;"]. Ora, tanto isso náo era verdade que a compen­ sação fiscal sempre esteve prevista e disciplinada por leis ordinárias (v. Leis n. 8.383/91 e 9.430/96), cuja inconstitucionalidade, no que tange ao aspecto form al, jam ais fora declarada pelo Pretório Excelso. Disse, ainda, a exposição de motivos da Medida Provisória n. 104, de form a genérica e

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superficial, que a norma inserta no art. 3 7 4 “seria contrária ao interesse público, porquanto revo­ ga a atual legislação sobre compensação de créditos e débitos tributários, legislação essa que é atenta às especificidades da matéria tributária. Compromete, ainda, a estabilidade fiscal". Aqui tam bém se constata a tibieza dos argumentos utilizados pelo Poder Executivo para justificar o injustificável. Será que contrariava o interesse público uma norm a que protegia o contribuinte contra a sanha arrecadadora de um Estado leviatânico? 0 Governo Federal certam ente nâo sabe a diferença entre interesse público e interesse das pessoas jurídicas de direito público, como é o caso da União Federal. Ainda pior quando o interesse desses entes públicos é o de retardar o quanto puderem o pagam ento de seus débitos para com os cidadãos. Dizer que, ao assegurar ao contribuinte o direito de opor compensação ao Estado, estaria a norma a com prom eter, "ainda, a estabilidade fiscal", constitui exemplo de outro argum ento falacioso. A nào ser que admitamos que o Estado conte com o que não é seu, ou seja, com os créditos dos outros, patrim ônio muitas vezes confiscado do contribuinte, para corrigir o desequilíbrio de suas próprias contas. Lembran­ do sempre que, pela compensação, o contribuinte apenas retoma o que era seu ("restabelecendo" o seu direito de propriedade) e que lhe tinha sido tirado pelo Estado sem a observância do postu­ lado da legalidade. • Discute-se, atualm ente, a constitucionalidade da utilização de medida provisória para revogação de dispositivo de Código, em face do que dispõe o art. 64, § 4», da Constituição Federal de 1988, segundo o qual os prazos estabelecidos para a tram itação do projeto de lei em regime de urgência não se aplicam aos códigos, de modo que, nào se podendo impor ao Congresso Nacional regime de urgência para a apreciação de projetos de código, resta evidente que estes não podem ser objeto de medida provisória, uma vez que o art. 62 da Constituição Federal colocou, ao lado da relevância, a urgência, como requisito essencial para o exercício da competência legislativa ex­ cepcional.

DOUTRINA • Em artig o publicado na revista C onsulex, sustentam os que, mesmo após a revogação do art. 3 7 4 , a com pensação legal de trib u to s obedeceria e seria regida pelo Código Civil, um a vez que a simples revogação do dispositivo não im plicaria a repristinação do a rt. 1.017 do C ódi­ go Civil de 1916, d e fin itiv a m e n te extirp ad o do nosso o rd e n a m e n to ju ríd ico . E por haver desaparecido a proibição constante do Código an te rio r, a o u tra conclusão nào se há de chegar, senão a de que as norm as gerais sobre a com pensação, constantes de lei posterior (atu al Código Civil), lei essa que regula c o m p le ta m e n te a m atéria, revogando, pois, as a n te ­ riores no que com ela c o n flita re m , a p lic ar-se -ã o , igu alm en te, às dívidas fiscais e parafiscais (cf. Com pensação de débitos trib u tá rio s: regência pelo Código Civil mesmo depois da edição da M P n. 1 0 4 /2 0 0 3 , R e v is ta J u ríd ic a C onsulex, n. 146). • Releva notar, ainda, que a revogação do dispositivo através de m edida provisória revestiu-se de m anifesta inconstitucionalidade. Nesse sentido o m agistério de Nelson N ery Junior, ao qual aderim os: "A discussão surge, to davia, por conta da Lei n. 1 0 .6 7 7 /0 3 , objeto da conver­ são da M edid a Provisória n. 1 0 4 /0 3 , reedição proibida da M e d id a Provisória n. 7 5 /0 2 , rejei­ tad a pelo P lenário da Câm ara dos Deputados. Essa Lei n. 1 0 .6 7 7 /0 3 re v o g o u o art. 3 7 4 do Código Civil, que d e term in a que a com pensação, no que concerne às dívidas fiscais e para­ fiscais, seja fe ita de acordo com as regras nele, Código Civil, dispostas sobre o te m a . Tendo em vista que a Lei n. 1 0 .6 7 7 /0 3 c o n tém vício de origem , porque ob jeto de conversão pro ib i­ da da M e d id a Provisória n. 7 5 /0 2 , expressam ente rejeitad a pela Câm ara dos Deputados, na verdade não houve revogação do CC 3 7 4 , porq u an to lei inconstitucional é inválida e não pode prod uzir nenhum e fe ito . (...) Essa M edid a Provisória n. 7 5 /0 2 tin h a por objetivo a lte ra r a le­ gislação trib u tá ria federal e d a r outras providências. Entre essas outras providências, o art. 4 4 da referida M ed P ro v 7 5 /0 2 revogava o CC 3 7 4 , já aprovado mas ainda no período de v a c a tio le g is. (...) A Câm ara dos D eputados rejeitou a M ed P ro v 7 5 /0 2 . Com isso a en tão re­ vogação do CC 3 7 4 to rn o u -s e sem e fe ito . (...) Apesar da L 1 0 .677, de 2 2 .5 .2 0 0 3 , ob jeto da conversão da M edP rov 104, de 9 .1 .2 0 0 3 , haver revogado o dispositivo, ele estará em vigor

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porque referida revogaçáo se deu de m aneira inconstitucional e nào pode prod uzir nenhum e fe ito . É inconstitucional por vício de origem (incon stitucionalidade fo rm a l), porque a M e d Prov da qual se origino u fo i fru to de re e d iç ã o pelo Presidente da República, na mesma sessào legislativa na qual o Congresso N acional já havia rejeitad o a n te rio r m edida provisória sobre a mesma m a téria, procedim ento ab solutam ente vedado pela CF 62 § 10 (§ 10. *É vedada a reedição, na m esma sessào legislativa, de m edida provisória que ten h a sido rejeitad a ou que ten h a perdido sua eficácia por decurso de prazo').[...]" [D ire ito t r ib u tá r io e o n o v o C ó d ig o C ivil, Betina Treiger G rupenm acher (coord.), São Paulo, Q u artier Latin, 2 0 0 4 , p. 2 1 , 27 e 28].

JULGADOS • Apelaçào Civel. Tributário. M andado de segurança. Precatórios como form a de extinção de obri­ gações tributárias. Possibilidade. Compensação. Prova do direito líquido e certo. A Lei pátria au­ toriza a compensação de obrigações tributárias do sujeito passivo contra a Fazenda Pública, em face de créditos públicos desta para com aquele. Inteligência construída a partir da conjugação do que dispõem os artigos 286 e 3 6 8 do Novo Código Civil, e 170 do CTN e da Constituição Fede­ ral no seu art. 78, § 2° do ADCT. Prova pré-constituida da cessão dos créditos e da habilitação da cessionária. Possível, no caso, a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários até o pagam en­ to definitivo dos precatórios pelo Estado. Apelo provido, por maioria. Voto vencido (TJRS, AC 70.017.326.471, 1* Câm. Civel, Rei. Carlos Roberto Lofego Canibal, j. em 1 4 -3 -2 0 0 7 ). • Adm inistrativo. M andado de segurança. Conceituaçáo de autoridade coatora. Requerimento de utilização de crédito de precatório para pagam ento de tributo. Admissibilidade. A autoridade coatora, em mandado de segurança, é aquela que pratica o ato adm inistrativo questionado, ainda que em razão de competência vinculada, tal como aqui ocorreu no indeferim ento do pedido form ulado. Julgado procedente o pedido de repetição de indébito, e expedindo-se, em favor da autora, o respectivo precatório, que não foi quitado, nada impede que a credora, alternativam en­ te, possa proceder à compensação tributária, legalm ente prevista, ou ceder ou fracionar seu crédito com a mesma finalidade. A liquidez do titu lo depende exclusivamente do próprio devedor, o que já nào ocorreria se oposto a terceiro (TJMG, Ap. 1 .0 0 0 0 .05 .4 2 68 2 2 -2 /00 0 (1 ), Rei. W ander M arotta, j. em 1 9 -4 -2 0 0 6 , publicada em 3 1 -5 -2 0 0 6 ). • Apelaçào civel. Tributário. M andado de segurança. Cessão de crédito relativo a precatório. Crédi­ to de natureza previdenciária. Compensação com débito tributário. Possibilidade. Ausência de lei infraconstitucional. Irrelevância. Possível a compensação de crédito tributário com valores relati­ vos a precatórios havidos por cessão onerosa de credores do IPERGS, porquanto a compensação, além de se constituir em direito constitucional assegurado pela Carta M aior, é, tam bém , conse­ qüência natural de uma relação jurídica em que duas pessoas sejam, ao mesmo tem po, credor e devedor uma da outra. Extinção das obrigações até onde se compensarem. Prescindível a existên­ cia de lei infraconstitucional a regulam entar a m atéria. 0 fa to de o Estado se fu rta r a regulam en­ tar, no plano infraconstitucional, a m atéria relativa à compensação, náo pode im portar em viola­ ção a direito constitucionalm ente garantido ao contribuinte. Inteligência do art. 170, do CTN. Regularidade na cessão, que sequer vem contestada pelo Estado. Possibilidade de compensação adm itida pelo art. 78, § 2», do ADCT, da CF/88. Abrangência da expressão ‘entidade devedora' lá contida. Possibilidade de aplicação aos créditos privilegiados. Segurança concedida (TJRS, 1* Câm. Civel, AC 70.013.433.792, Rei. Des. Henrique Osvaldo Poeta Roenick, j. em 1 2 -4 -2 0 0 6 ).

Art. 375. Não haverá compensação quando as partes, por mútuo acordo, a excluírem, ou no caso de renúncia prévia de uma delas. HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela nào foi submetido a nenhuma espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do pro­ jeto . Corresponde aos arts. 1.016 e 1.018 do Código Civil de 1916.

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Arts. 376 e 377

DOUTRINA • A com pensação é fa c u ld ad e das partes e só se opera quando alegada. Logo, óbice algum pode haver è renúncia, expressa ou tá c ita , ao d ireito de com pensar.

Art. 376. Obrigando-se por terceiro uma pessoa, não pode compensar essa dívida com a que o credor dele lhe dever.

HISTÓRICO • O dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.019 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacional.

DOUTRINA • C on form e já expressamos em co m e n tá rio an te rio r, a com pensação, em regra, só pode ser oposta pelo próprio devedor ao próprio credor (v. a rt. 3 7 1 ). • A quele que se obriga em favo r de terceiro não se pode e xim ir de sua obrigação, pretendend o com pensá-la com o que lhe deve o credor de terceiro, por fa lta r o requisito da reciprocidade. Assim, se um tu to r deve ao credor e o credor deve ao tu te lad o , não pode o tu to r pretender com pensar a sua dívida com a dívida que o credor tem para com o tu te lad o .

Art. 3 7 7 .0 devedor que, notificado, nada opõe à cessão que o credor faz a terceiros dos seus direitos, não pode opor ao cessionário a compensação, que antes da cessão teria podi­ do opor ao cedente. Se, porém, a cessão lhe não tiver sido notificada, poderá opor ao cessio­ nário compensação do crédito que antes tinha contra o cedente.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.021 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacional.

DOUTRINA • 0 devedor que ac eitar a cessão fe ita pelo credor não poderá opor ao cessionário a com pen­ sação da dívida que tin h a com o cedente, sobretudo se a dívida do cedente é posterior á cessão. • A aceitação da cessão se verifica quando o devedor, notificad o , m a n ifesta-se expressam ente a fa v o r da cessão ou nada opõe à notificação. Tem -se, p o rtan to , que a aceitação ta n to pode ser expressa com o tácita. • Sobre cessão de crédito, v id e arts. 2 8 6 a 2 9 8 deste Código.

JULGADOS • “Cambial. Duplicata. Cessão de crédito em operação de fa c to rin g . Direito de compensação do cedido perante o cedente. Tendo sido notificado da cessão do crédito objeto de operação de fa c ­ to rin g e não tendo apresentado objeção, não pode o cedido opor ao cessionário direito de com ­ pensação ostentado perante o cedente. Inteligência do art. 377 do Código Civil. Ação parcialm en­ te procedente. Recurso não provido" (TJSP, Ap. 9 9 10 9 0 32 4 7 58 , Rei. Des. Itam ar Gaino, j. em 3 0 6 - 2 0 10 ). • "Declaratória. Extinção do débito. Compensação. Oposição. Negócio jurídico que tem como obje­ to coisa móvel corpórea. Endosso de duplicatas mercantis. Causalidade do titu lo executivo não

Arts. 378 a 380

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demonstrada. Notificação extrajudicial sem eficácia jurídica. Incidência do art. 3 7 7 do Código Civil. Recurso desprovido" (TJSP, Ap. 9 9 2 0 9 0 8 8 1 0 6 0 , Rei. Des. Dimas Rubens Fonseca, j. em 2 0 -1 0 2009).

Art. 378. Quando as duas dívidas não são pagáveis no mesmo lugar, não se podem compensar sem dedução das despesas necessárias à operação. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.022 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A regra geral prevê que o p ag am en to se dará no dom icílio do devedor. Se os devedores fo rem obrigados a pagar fo ra de seu dom icílio, com pensam -se as dívidas, reduzindo-se p recipuam ente as despesas necessárias à operação.

Art. 379. Sendo a mesma pessoa obrigada por várias dívidas compensáveis, serão ob­ servadas, no compensá-las, as regras estabelecidas quanto à imputação do pagamento. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.023 do Código Civil de 1916, com pequena m elhoria redacional.

DOOTRINA • Cabe, pois, ao devedor a p o n ta r qual das dívidas pretende com pensar. N ào o fazendo, a esco­ lha ficará a cargo do credor. • Sobre im putação do pagam ento , v id e com entários aos arts. 3 5 2 a 3 5 5 .

Art. 380. Não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro. O devedor que se torne credor do seu credor, depois de penhorado o crédito deste, não pode opor ao exequente a compensação, de que contra o próprio credor disporia. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.024 do Código Civil de 1916, com pequena m elhoria redacional.

DOUTRINA • A com pensação e x tin g u e as dívidas recíprocas do credor e do devedor, mas não pode p reju ­ dicar terceiros, estranhos à operação. • No caso de penhora, observa João Luís Alves, devem ser dístinguidas duas situações: “a) o devedor to rn o u -s e credor do seu credor, antes da penhora; a com pensação operou seus efeitos e a penhora nào pode subsistir; b) a dívida do credor para com o seu devedor é pos­ te rio r à penhora; o devedor da dívida penhorada ou em bargada nào pode pag á-la ao credor executad o e, com o com pensar é pagar, nào pode tam bém opo r a com pensação pelo que, por sua vez, ten h a de haver do executado. E ntende-se que a dívida do executad o para com o seu

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Art. 381

devedor é posterior à penhora, ainda quando estabelecida antes, se só se vencer pelo term o fixad o ou pelo im p le m e n to da condição, depois que se realizou a penhora no crédito do executado" ( C ó d ig o C iv il a n o ta d o , cit., p. 6 8 9).

JULGADOS • “Contrato bancário. Contrato de adiantam ento de crédito. Massa falida. Compensação. 1. Opera­ ção de contrato de adiantam ento de crédito (ACC) náo adimplido. 2. Compensação. Ausentes os requisitos para compensação com crédito a receber de empresa do mesmo grupo empresarial que o Banco Massa Falida, sob pena de gerar prejuízos a terceiros (CC, a r t 380) e violação do p a r c o n d itio c rc d ito ru m . 3. O fa to da compensação pretendida envolver empresas de um mesmo grupo empresarial, nào autoriza o reconhecim ento da confusão patrim onial, salvo pelo juízo da falência, a quem cabe organizar e ordenar os pagamentos da massa falida. 4. Empresa do grupo empresarial que não faz parte do processo. 5. Divida confessada. 6. Inexistência de cerceamento de defesa, pois desnecessária perícia co n táb il. 7. Apelação da ré não provida" (TJSP, Ap. 9 9 10 9 0 22 1 3 39 , Rei. Des. Alexandre Lazzarini, j. em 9 -2 -2 0 1 0 ). • "Agravo de instrum ento. Compensação. Possibilidade de prejuízo de direito de terceiro. Inadmis­ sibilidade. Nos termos do artigo 380, do Código Civil, não se adm ite a compensação em prejuízo de direito de terceiro. Havendo possibilidade de ocorrer prejuízo em face da Fazenda Pública, é inadmissível a aplicação do instituto da compensação de créditos e débitos entre as partes, por­ quanto o crédito fiscal tem preferência a qualquer outro, seja qual fo r a sua natureza" (TJMG, Al 1 .0 7 0 2 .03 .0 4 27 2 6 -5 /00 8 (1 ), Rei. Des. Alvim ar de Ávila, j. em 2 8 -1 -2 0 0 9 ).

C ap ítu lo VIII — DA CONFUSÃO

Art. 381. Extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as qua­ lidades de credor e devedor. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Trata-se de mera repe­ tição do art. 1.049 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Confusão é a reunião na mesma pessoa das qualidades de credor e de devedor de um a mes­ m a relação obrigacional. O pera-se o rd in a ria m e n te pela sucessão por m orte, a títu lo universal ou singular, pela cessão de cré d ito e pela sub-rogaçào. • A confusão opera a extinção da dívida, agindo sobre o seu sujeito a tivo e passivo e não sobre a obrigação, com o se dá na com pensação. A carreta um im p e d im e n tu m p re s ta n d i, isto é, a im possibilidade do exercício sim ultâneo da ação creditória e da prestação. • H avendo confusão apenas na dívida acessória, não se extin g u e a principal, com o no caso de o fia d o r herdar o d ire ito cred itó rio pelo qual se responsabiliza. Igu alm en te, se o fia d o r se to rn a r devedor da dívida afiançad a, a fian ça se extingue, mas subsiste a obrigação principal. Se a confusão se der na obrigação principal, extingue as acessórias: fian ça, penhor etc. • Ressalva o m estre Alves M o reira que "a confusão nào d e te rm in a , pois, a extinção do crédito, sem pre que a existência deste seja com patível com ela. É assim que, fican d o o devedor her­ deiro do credor, o cré d ito do d e fu n to deve ser c om putado para o e fe ito da q uo ta disponível. Se, por exem plo, A filh o de B deve a este 1:0 0 0 $ 0 0 0 réis, e B deixar legados, para se verificar se a im portân cia destes excede a m etade da herança de que B podia dispor deve considerar-

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-se subsistente o crédito dele contra A" (G uilherm e Alves M o reira , In s titu iç õ e s d o d ire ito c iv il p o rtu g u ê s , 2. ed., C oim bra, Coim bra Ed., 1 9 25 , v. 2, p. 277).

JULGADOS • "Extinção do processo. Ação de execução. Alimentos. Falecimento do alim entante. Confusão. Art. 381 do Código Civil. Quando o autor e réu forem , ao mesmo tem po, credor e devedor da obriga­ ção objeto da ação, ocorre a confusão (CC, art. 381), devendo o processo, em conseqüência, ser extinto sem resolução do m érito, a teor do art. 267, inciso X, do CPC. Ao falecer o alim entante, seus filhos, dele credores, se tornam seus sucessores no feito, o que caracteriza o instituto da confusão" (TJMG, Ap. 1 .0 0 2 4 .05 .8 6 30 8 3 -1 /00 1 (1 ), Rei. Des. M anuel Saramago, j. em 2 9 -7 -2 0 0 9 ). • "Apelação civel e reexame necessário. Honorários advocaticios. Defensoria Pública. Condenação do Estado. Confusão. Impossibilidade. Direito à saúde. Fornecimento de medicam ento a criança. 1. Considerando que a Defensoria Pública é órgão do Estado, a condenação deste em honorários advocaticios em favor daquela resulta inadmissível por configurar confusão entre credor e deve­ dor, causa extintiva da obrigação, conform e prevê o art. 381 do Código Civil. 2. Inteiram ente descabida a pretensão do apelante no sentido de que o apelado seja condenado aos ônus sucumbenciais! Tendo sido acolhida a pretensão, não há como carregar a sucumbência do vencedor, como é cediço" (Apelação e Reexame Necessário 70.018.205.542, 7* Câm. Civel, TJRS, Rei. Luiz Felipe Brasil Santos, j. em 1 1 -4 -2 0 0 7 ). • "Administrativo. Processo civil. Responsabilidade objetiva do Estado. M orte de detento. Honorários de advogado devidos pelo Estado à Defensoria Pública. Impossibilidade. Confusão. Art. 381 do novo Código Civil. 1. 0 Estado responde objetivam ente por dano advindo de m orte de detento provocada por demais presidiários dentro do estabelecimento prisional. 2. Nas demandas em que a parte contrária fo r representada pela Defensoria Pública, o Estado não paga honorários advocatícios. 3. Extingue-se a obrigação quando configurado o instituto da confusão (art. 381 do Código Civil atual). 4. A circunstância de o valor fixado a títu lo de indenização por danos morais ser inferior ao pleiteado não configura hipótese de sucumbência reciproca (CPC, art. 21). 5. Re­ curso Especial parcialm ente provido" (REsp 713.682/RJ, Rei. M in. João Otávio de Noronha, 2» T., j. em 1°-3-2005).

Art. 382. A confusáo pode verificar-se a respeito de toda a dívida, ou só de parte dela.

HISTÓRICO • 0 dispositivo nào foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Trata-se de mera repe­ tição do art. 1.050 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Se fo r parcial a confusáo, subsiste o restante da dívida. • Os casos mais freqüentes de confusão parcial, apontados por Tolentin o G onzaga, sào os se­ guintes: o devedor que não é herdeiro único do de c u ju s ; o terceiro que não é cham ado so­ zin h o à sucessão do credor e do devedor; o credor que não recebe a to ta lid ad e da dívida, por não ser único herdeiro do devedor, ou não lhe te r sido tran sferid a in te g ra lm e n te a dívida.

JULGADO • "Interdição. M o rte do incapaz. Prestação de contas. Legitimidade. Interesse. Confusão. 1. Com a m orte do interdito, o processo de interdição perdeu seu objeto e deverá ser extinto. 2. Descabe discutir a prestação de contas acerca da alienação do bem, quando a curadora é a própria irmã do de cu ju s e, nessa condição, ostenta o titu lo de herdeira legitim a, inexistindo descendentes, ascendentes e cônjuge ou companheira. 3. Como a m orte da pessoa acarreta a abertura da suces­ são e tam bém a transmissão instantânea do seu patrim ônio aos herdeiros, a irmã, que é herdeira,

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Arts. 383 e 384

ficou com a posse de coisa comum, que é o saldo do valor, ocorrendo confusão ex v i dos arts. 381 e 382 do CCB. Recurso provido" (TJRS, Al 70 01 3 0 48 6 8 1, Rei. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. em 3 0 -1 1 -2 0 0 5).

Art. 383. A confusão operada na pessoa do credor ou devedor solidário só extingue a obrigação até a concorrência da respectiva parte no crédito, ou na dívida, subsistindo quan­ to ao mais a solidariedade.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Trata-se de mera repe­ tição do art. 1.051 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A regra é a m esm a do Código Civil português (art. 869«), ou seja, pela confusão não se e x tin ­ gue o crédito ou a dívida solidários, mas apenas e p ro p orcio nalm en te a parte que cabia ao devedor solidário. • Registra Alves M o reira que "operada a confusão, esta não produz efeitos senão nessa parte, donde resulta que, posta essa parte de lado, a obrigação subsiste a mesm a, ficando o credor solidário, que sucede ao devedor, obrigado a pagar a qualq u er dos outros credores, in te g ra l­ m ente, o m o n ta n te do crédito que a esses credores pertence, e não apenas a quo ta parte desse credor, e ficando o devedor solidário que sucede ao credor com o d ire ito de exig ir dos outros devedores a im portân cia to ta l da dívida, deduzida apenas a q u o ta p arte que pertencia ao devedor em quem se operou a confusão. A confusão só pode ser alegada, pois, com o ex­ ceção pelos codevedores em relação à q u o ta parte que na dívida cabia ao devedor que suce­ deu ao credor. Só nessa parte é que, pela im possibilidade do exercício da ação creditória a confusão produziu os seus efeitos" (G uilherm e Alves M o reira, In s titu iç õ e s d o d ire ito c iv il p o rtu g u ê s , cit., p. 2 8 0).

JULGADO • "Embargos à execução. Excesso de execução. Sentença que condenou o M unicípio e Estado em honorários de R$ 600,00, rateados entre ambos os entes federados, ou seja, RS 300,00 para cada qual. Acórdão que reconheceu o instituto da confusão em relação ao Estado, extinguindo-se, portanto, a divida na parte que toca. A embargada almeja cobrar a totalidade dos honorários em face do Município, alegando a solidariedade entre eles. Detém razão o M unicípio apelante, pois o instituto da confusão é uma m odalidade de extinção da obrigação através da qual a figura do credor se confunde com a figura do devedor e, em sendo modalidade de extinção da dívida, não comporta a transferência da parte extinta ao sucumbente remanescente, no caso, ao Município, ora apelante. Incidência do artigo 3 8 3 do Código Civil. Recurso provido para reform ar a sentença e julgar procedentes os embargos opostos, declarando o excesso de execução" (TJRJ, Ap. 0 0 8 2 6 2 7 15.2007.8.19.0001 (2009.001.13986), Rei. Des. Monica Tolledo de Oliveira, j. em 3 -1 1 -2 0 0 9 ).

Art. 384. Cessando a confusão, para logo se restabelece, com todos os seus acessórios, a obrigação anterior.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Trata-se de mera repe­ tição do art. 1.052 do Código Civil de 1916.

Art. 385

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DOUTRINA • Cessada a confusáo, com o no caso de se a n u la r o te s ta m e n to e o devedor deixar de ser her­ deiro do credor, restabelece-se a obrigação, com todos os seus acessórios. Nesses casos, d iz-se que a confusão apenas paralisou o exercício do d ire ito pela im possibilidade de o credor e x erc ê -lo contra si mesmo, não se havendo operado a extinção da dívida. Daí por que, ces­ sado o im p ed im en to , ressurge o d ire ito com as garantias acessórias. • Ressalta Beviláqua que "se, porém , se tra ta de um a dívida g a ra n tid a por hipoteca ou penhor, e aquela fo i cancelada, ou este rem ido, é claro que se não restauram as garantias reais com o restabelecim ento da dívida. O m esm o deve dizer-se da fiança" (Clóvis Beviláqua, C ó d ig o C iv il c o m e n ta d o , cit., p. 213).

C ap ítu lo IX — DA REMISSÃO DAS DÍVIDAS

Art. 385. A remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obrigação, mas sem prejuízo de terceiro. HISTÓRICO • O artigo em tela não sofreu nenhuma espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo não esteve presente no Código Civil de 1916, havendo sido inserido no P rojeto de Lei n. 6 3 4 /7 5 com o fito de deixar expresso o princípio de que a remissão ou o p ag am en ­ to por remissão constitu i m eio e x tin tiv o da relação obrigacional, desde que nào a tin ja d ire i­ to de terceiro. Assim, o credor que deu a penhor o seu crédito não pode v ir a re m iti-lo em prejuízo do credor pignoratício. • Remissão é o m esm o que perdão e tem com o causa o espírito de liberalidade do credor, pouco com um nos dias atuais. O Código Civil uruguaio, mais d id á tic o que o nosso, conceitua a remissão em seu art. 1.515 (1 .5 1 5. La rem isión de Ia deuda es Ia renuncia dei acreedor a los derechos que le pertenecen c o n tra el deudor). C arvalho de M end onça diz ser a "renúncia g ra tu ita do crédito", incond icio n alm en te m anifestada pelo credor em benefício do devedor. Seria, assim, um a espécie de que a renúncia é o gênero. Ou ainda segundo Beviláqua, “a re­ núncia, que fa z o credor, de seus direitos creditórios, colocando-se na im possibilidade de e x ig ir-lh e s o cum prim ento" (apud Clóvis Beviláqua, C ó d ig o C iv il c o m e n ta d o , cit., p. 215). • A aceitação do devedor, expressa ou tá c ita , é pressuposto indispensável a que a remissão possa e x tin g u ir a obrigação. M esm o porque, opondo-se à remissão, nada poderá im p e d i-lo de realizar o pagam ento.

JULGADOS • "Nos termos do art. 106 do CCB/16 e art. 158 do CC/2002, verifica-se a fraude contra credores quando o devedor pratica atos de transmissão gratuita de bens, ou remissão de dívida, estando já insolvente ou quando por esses atos o devedor seja reduzido à insolvência" (TJRS, AC 70.012.558.805, 15* Câm. Civel, Rei. Ricardo Raupp Ruschel, j. em 2 9 -3 -2 0 0 6 ).

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Arts. 386 e 387

• “Ação de cobrança. Prestação de serviços de Internet. Remissão de divida. 0 ônus da prova da remissão da divida incumbe à parte devedora pelo contrato, que a alega. Sendo incontroversa a prestação do serviço, e não provada a remissão da divida, justifica-se a procedência da ação de cobrança e improcedência da apelação" (TJRS, AC 70.014.094.320, 20* Câm. Cível, Rei. Carlos Cini M archionatti, j. em 2 6 -1 -2 0 0 6 ). • "Alimentos. Execução. Filho. M aioridade civil. Remissão to tal da divida. Ocorrência. Retratação ou arrependim ento. Irrelevância. Remissão que se concretizou pelo term o de transação. Anulação somente através de ação própria. Inteligência do artigo 849 do Código Civil. Renúncia. Não ca­ racterização. A to que produziu efeitos imediatos. Artigo 158 do Código de Processo Civil. Even­ tuais prejuízos à genitora do rem itente. Fato que não impede a extinção da execução. Direitos que podem ser pleiteados na via própria. Extinção da execução em relação ao rem itente. Recur­ so provido" (TJSP, Agl 3 4 4 .8 6 5 -4 /0 , São Paulo, 7* Câm. Dir. Priv., Rei. Sousa Lima, j. em 2 -6 -2 0 0 4 , v. u.). • "Instituição financeira. Liquidação extrajudicial. Ações propostas, contra terceiro, pela instituição, visando receber indenização. Transações feitas com as partes com autorização do Banco Central. Remissão das dividas por outros meios. Feito julgado extinto com fundam ento nos arts. 269, III e 794, II, do CPC. Apelação interposta para que a extinção tivesse como fundam ento tão somente o art. 794, II, do CPC. Intenção de se obter a coisa julgada. Não participação do judiciário no processo de liquidação extrajudicial. Competência suspensa tem porariam ente. Apelaçào nào pro­ vida" (TJSP, RT, 863/76).

Art. 386. A devolução voluntária do título da obrigação, quando por escrito particular, prova desoneração do devedor e seus coobrigados, se o credor for capaz de alienar, e o de­ vedor capaz de adquirir.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.053 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacional.

DOUTRINA • 0 a rt. 3 8 6 , mais preciso do que o seu correspondente no Código Civil de 1916, em prega a palavra “devolução" no lugar de "entrega". E ntregar é dar; é gênero do qual restituir (e n tre ­ gar ao dono) é espécie. • 0 dispositivo em c o m en to tra ta da remissão tá c ita da dívida, só cabível nas obrigações con­ traídas por in s tru m en to p articular. Já dizia o m estre Beviláqua que "se o credor, v o lu n ta ria ­ m ente, entrega, ao seu devedor, o títu lo p a rticu lar da dívida, e este ú ltim o o aceita, houve perdão da dívida. É a remissão tá cita" (Clóvis Beviláqua, C ó d ig o C iv il c o m e n ta d o , cit., p. 2 1 5). • Sem pre que o títu lo da obrigação não fo r instru m en to p articular, a remissão só poderá ocor­ rer por a to expresso do credor, seja in t e r vivo s, seja m o r tis causa. • A remissão nào pode ser condicional. É sem pre v o lu n tária e graciosa. Do con trário deixaria de ser remissão para assum ir fo rm a c o n tra tu a l (transação).

Art. 387. A restituição voluntária do objeto empenhado prova a renúncia do credor à garantia real, não a extinção da dívida.

Art. 388

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HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.054 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacional.

DOUTRINA • A regra insculpida no presente a rt. 3 8 7 , com o a m aior parte dos dispositivos que integ ram a Parte Geral das Obrigações, vem desde o d ireito rom ano (Digesto, 2 ,1 4 fr. 3). • Se o penho r é constitu ído pela "transferência e fe tiv a da posse" (art. 1.431), a devolução da coisa em penhada extin g u e a g a ra n tia , com o aliás já estabelece o § 2® do art. 1 .4 3 6 deste Código. • E n tretan to , sendo o penhor obrigação acessória, e x tin ta esta pela remissão ou renúncia do credor à g a ra n tia real, subsiste a dívida, obrigação principal, salvo se houver qu itação desta. Igual princípio deve ser aplicado à renúncia da hipoteca ou da anticrese, sem expressa rem is­ são da dívida.

Art. 388. A remissão concedida a um dos codevedores extingue a dívida na parte a ele correspondente; de modo que, ainda reservando o credor a solidariedade contra os outros, já lhes não pode cobrar o débito sem dedução da parte remitida.

HISTÓRICO • O dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Trata-se de mera repe­ tição do art. 1.055 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • V id e com entários ao a rt. 2 7 7 deste Código (a remissão o btida por um dos codevedores soli­ dários nào aproveita aos dem ais, senão a té a concorrência da g a ra n tia rem itida). • 0 credor que desobrigou um dos codevedores nào pode exigir dos outros a p arte que cabia ao desobrigado, em fa c e da regra geral de que o acordo do credor com um só dos devedores não pode agravar a situação dos dem ais, que não participaram da avença. • M esm o desobrigado pelo credor, o devedor beneficiado pela remissão co ntin ua obrigado ju n to aos dem ais codevedores pela parte do codevedor insolvente [v. a rt. 284).

JULGADOS • "Agravo de instrum ento. Execução de notas promissórias. Acordo extrajudicial. Avalista que efetua pagam ento parcial do débito, sub-rogando-se nos direitos do credor prim itivo. Remissão do res­ tante do débito que se estende ao devedor principal. Prosseguimento da ação pelo credor sub-rogado contra o devedor principal no valor do débito pago, somente. Arts. 3 5 0 e 388 do Código Civil. Pleito de baixa das averbações prejudicado, haja vista a ausência de documentos que com ­ provem a constrição. Recurso improvido" (TJSC, Al 2 0 0 8 .0 3 4 1 1 7 -5 , Rei. Des. Lédio Rosa de Andra­ de, j. em 1 7 -6 -2 0 1 0 ). • "Ação declaratória. Prestação de serviços. Sentença de procedência. Condenação das rés ao paga­ m ento de indenização por danos morais de form a solidária. Composição amigável com uma das devedoras. Possibilidade. Remissão parcial do débito que extingue a divida no que concerne à devedora remida. Dicção dos arts. 275, 277 e 3 8 8 do CC. Prejuízo à apelante. Inexistência. Total da divida que não poderá ser exigida sem abatim ento da parte remida. Recurso provido" (TJSP, Al 9 9 2 0 9 0 8 8 4 9 2 1 , Rei. Des. Dimas Rubens Fonseca, j. em 1 7 -1 1 -2 0 0 9 ).

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Art. 389

T ítu lo IV — DO IN A D IM PLEM EN TO DAS O BRIG A ÇÕ ES

Capítulo I — DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. HISTÓRICO • 0 dispositivo, tal como se apresentara originalm ente no anteprojeto, só se referia a perdas e danos. No texto remetido ao Senado pela Câmara fora acrescido: "ju ro s, co rreçã o m o n e tá ria e h o n o rá rio s de a d vog a d o ". Na revisão da Câmara Alta houve tâo somente a substituição da expressão "corre­ ção monetária" por "atualização m onetária". Corresponde ao art. 1.056 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • As obrigações devem ser cum pridas - o a d im p le m e n to é a regra, e o in a d im p lem en to , diz M a ria Helena Diniz, citando V a lv e rd e y Vai verde, “a exceção, por ser um a pato lo gia no d ire i­ to obrigacional, que representa um ro m p im en to da harm onia social, capaz de provocar a reação do credor, que poderá lançar m ão de certos meios para satisfazer o seu crédito" (C u rs o d e d ir e ito c iv il b ra s ile iro , cit., p. 296). • Ocorre in ad im p lem en to n o rm alm en te quando o devedor não cum pre a obrigação (absoluto) ou quando a cum pre im p e rfe ita m e n te (relativo). Tam bém se dá o in ad im p lem en to pela "que­ bra antecipada do c o n trato ", quand o o devedor, de fo rm a expressa ou tá c ita , dem onstra que não cum prirá a obrigação nos term os ajustados e pela "violação positiva do con trato " que é o cu m p rim e n to defeituo so da obrigação, que nào satisfaz aos interesses do credor. Em todos esses casos, o devedor responderá pelas perdas e danos, em face dos prejuízos causados ao credor. • In a d im p le m e n to m ínim o: Tam bém cham ado de "ad im p lem en to substancial da obrigação", obsta, ta n to as perdas e danos com o a resolução negociai, em razão da insignificância do descum prim ento da avença. • 0 a rt. 3 8 9 inova o d ire ito a n te rio r ao deixar expresso que a indenização deve incluir juros, atualização m o n etária e ainda honorários advoeatícios. Os honorários referidos neste artig o não são os honorários sucum benciais, já contem plados pela legislação processual. T rata-se de honorários contratuais, a serem incluídos na conta sem pre que o credor houver c o n tra ta ­ do advogado para fa ze r valer o seu d ire ito , ta n to na esfera ju d icial com o na extraju dicial. N a tu ra lm e n te caberá ao credor com provar o que e fe tiv a m e n te desem bolsou a titu lo de ho­ norários.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 425, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Os honorários advoeatícios previstos no art. 389 do Código Civil não se confundem com as verbas de sucumbência, que, por força do art. 23 da Lei n. 8 .906/94, pertencem ao advogado". • Enunciado 161, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Os honorários advoeatícios, previstos nos arts. 389 e 4 0 4 do Código Civil, apenas têm cabim ento quando ocorre a efetiva atuação profissional do advogado".

Art. 389

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SÚMULA •

Súmula 410 do STJ: “A prévia intim ação pessoal do devedor constitu i condição necessária para a cobrança de m u lta pelo descum prim ento de obrigação de fa ze r ou nào fazer".

JULGADOS • "Agravo de instrum ento contra decisão que, em ação de busca e apreensão fundada no Dec.-Lei n. 9 1 1/6 9 , negou efeito suspensivo à apelação interposta pelo agravante e indeferiu o pedido de suspensão do leilão do bem apreendido. Deferida a lim inar de busca e apreensão, o devedor efetuou o pagam ento das prestações vencidas. Embora o Magistrado não tenha reconhecida a emenda da mora, o exame dos documentos juntados comprovou que o agravante cumpriu substancialmente as obrigações assumidas. Inadim plem ento relativo. Enquanto útil ao credor, a prestação pode ser cumprida. Aplicação da teoria do adim plem ento substancial. Diante do adim plem ento substancial das obrigações, o leilão do bem apreendido poderá causar lesão de difícil reparação ao agravante. Suspensão do leilão determ inada. Caso já tenha sido realizado, a carta de arrem atação não pode ser expedida. Caracterizada a razoabilidade das alegações do agravante, deve ser concedido efei­ to suspensivo à apelação por ele interposta (art. 558, do CPC). Recurso provido" (TJSP, Al 9 9 0 1 0 2 2 1 0 7 0 7 , Rei. Des. Carlos A lberto Garbi, j. em 6 -7 -2 0 1 0 ). • "... Honorários advocaticios. Verba contratada. Indenização. Admissibilidade. Artigo 389 do Códi­ go Civil. Incidência do principio da causalidade. Inocorrência de bis in idcm . Caracterização como natureza diversa em relação aos honorários de sucumbência. Requisitos. Prova da contratação, correspondência dos valores com a Tabela de Honorários da OAB e do efetivo pagamento. Inexis­ tência de comprovação do desembolso pelo autor. Pedido de indenização rejeitado. Recurso do auto r provido em parte e do réu desprovido" (TJSP, Ap. 9 9 1 0 8 0 5 5 1 0 7 1 , Rei. Des. Manoel Mattos, j. em 2 5 -5 -2 0 1 0 ). • "Anulatória de negócio jurídico cumulada com declaratória de desconstituiçáo de titu lo (duplica­ tas). Exceção de cum prim ento defeituoso de contrato. Contrato de patrocínio prevendo a divul­ gação da logomarca da autora em evento artístico. Supressão inicial de uma palavra no logotipo divulgado prontam ente retificada pela ré. Frustração da intenção publicitária alm ejada pelo contrato não demonstrada pela autora (art. 3 3 3 ,1, CPC). Caracterização de adim plem ento subs­ tancial que impede a excipiente de anular o negócio jurídico, com fundam ento no principio da boa-fé objetiva que tutela a manutenção do contrato. Sentença mantida" (TJSP, Ap. 991060217770, Rei. Des. Francisco Giaquinto, j. em 1 0 -5 -2 0 1 0 ). • "... Em tem a de contrato de compromisso de compra e venda de bem imóvel (terreno urbano), o inadim plem ento, pelo prom itente comprador, das parcelas pecuniárias estipuladas na avença, enseja, a teor do disposto no art. 4 7 5 do Código Civil, o acolhim ento do pedido para o desfazi­ m ento do negócio e o retorno das partes ao s ta tu s q u o an te . 2. Com a rescisão contratual e o retorno às condições anteriores ao pacto, é devido aos prom itentes vendedores o ressarcimento das perdas e danos decorrentes da indevida ocupação do imóvel, pelo promissário comprador, a contar do inadim plem ento das parcelas mensais, na conform idade do art. 389 do Código Civil" (TJSC, Ap. 2 0 0 7 .0 2 6 8 2 7 -0 , Rei. Des. Eládio Torret Rocha, j. em 2 8 -4 -2 0 1 0 ). • "Apelação cível. Direito privado nào especificado. Ação de rescisão de contrato cumulada com pedido indenizatório por danos morais e materiais. Contrato de prestação de serviços de recupe­ ração de créditos fiscais. Violação dos deveres anexos de inform ação e assistência. A to ilícito objetivo de natureza extracontratual. Protesto indevido de títulos, em valores acima dos repactuados por acordo verbal comprovado nos autos. V e nirc c o n tra fa c tu m p ro p riu m . Tu quoque. Dano moral in re ipsa. Pessoa jurídica. Ocorrência. Cabimento. M anutenção do q u a n tu m indenizatório. I. Tendo em vista o Código Civil em vigor ter sido elaborado sob a perspectiva de novos valores e princípios jurídicos norteadores do direito privado, dentre os quais o da eticidade, o art. 422 do CC/02 pressupõe interpretação e leitura extensiva, no sentido de que os contratantes devem guardar a probidade e b oa-fé não apenas na conclusão e execução do contrato, mas tam bém na fase preparatória e na sua extinção (fases pré e pós contratual). A boa-fé prevista no art. 422 do Código Civil representa regra de conduta adequada às relações negociais, correspondendo às expectativas legitimas que as partes depositam na negociação. Uma vez demonstrado nos autos

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Art. 390

o descumprimento, pela dem andada, do dever de inform ar à autora aeerea dos riscos do serviço por aquela oferecido, concernentes na recuperação de créditos fiscais, resta caracterizada a vio ­ lação positiva do contrato, por descumprimento do dever anexo (N e b c n p flic h tc n ) de informação. Evidenciado, ainda, o descumprimento do dever anexo de assistência, tendo em vista que diante da glosa do Fisco aos creditamentos realizados pela autora, por orientação da ré, exigiu esta a celebração de novo contrato para buscar, em juízo, os créditos fiscais que havia prom etido à autora na via adm inistrativa. Descumprimento de deveres anexos que consubstancia ilícito de natureza objetiva, ensejando a rescisão do contrato e a indenização pelos prejuízos suportados pela requerente. II. Danos materiais cuja reparação se lim ita, na hipótese dos autos, à devolução dos valores pagos por conta do contrato rescindido. III. Cabim ento da indenização por danos morais causados à dem andante. Incidência do instituto tu quoquc, derivação do v c n ire c o n tra fa c tu m p ro p riu m no âm bito contratual, a respeito do qual se objetiva vedar a adoção de com por­ tam entos contraditórios no interior de relações obrigacionais com referência a determ inado d i­ reito subjetivo derivado do contrato. A circunstância de estar consolidada na jurisprudência pátria (Súmula 227 do STJ) a possibilidade da pessoa jurídica sofrer danos morais, não a desincumbe, neste caso, e como regra, de com provar o abalo sofrido. Contudo, em se tratando de protesto indevido de titu lo de crédito e respectiva inclusão em cadastros de inadimplentes, por consignar valores acima daqueles repactuados em acordo verbal descumprido pela ré, a recente orientação da Corte Superior é no sentido de que tais danos, nessa hipótese, sào de natureza in rc ipsa. Pre­ cedente do STJ. IV. Q u a n tu m indenizatório fixado a títu lo de danos morais que se mostra razoável e adequado às balizas indicadas pela doutrina e jurisprudência, bem assim aos parâmetros desta Câmara. Apelo desprovido" (TJRS, Ap. 70 03 3 4 34 2 0 0, Rei. Des. Liege Puricelli Pires, j. em 8 -4 -2 0 1 0 ). • "Recurso ordinário do reclam ante quebra da b oa-fé objetiva. Violação positiva do contrato. 0 conteúdo contratual é composto por pelo menos duas espécies de deveres, os deveres de prestação e os deveres de proteção. Os primeiros dizem respeito à prestação que caracteriza o tipo contra­ tual, constituindo, no contrato de trabalho, a prestação de serviços, pelo empregado, e a paga de salário, pelo em pregador. Os segundos dizem respeito a deveres de conduta, dentre eles os deve­ res de proteção à legítima confiança, de não defraudar im otivadam ente a confiança legitim am en­ te despertada na parte contrária, sob pena de inadim plem ento obrigacional na modalidade co­ nhecida como violação positiva do contrato. Hipótese em que o Banco, ao declarar que não mais editaria propostas semelhantes, induziu os seus empregados - e, particularm ente, o reclamante - a aderir ao PAI-50. Declarando-a, assumiu a responsabilidade pelo seu cum prim ento, ou pelos danos advindos da violação da promessa geradora de confiança. Apelo provido" (TRT, 4* Região, RO 0 0 0 1 0 -2 0 0 6 -1 0 4 -0 4 -0 0 -0 , Rei. Juiz Ricardo Hofm eister de Almeida M artins Costa, DOERS, 1 2 -9 -2 0 0 6 ).

Art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 961 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • No Código Civil de 1 9 1 6 o dispositivo estava eq u ivocadam en te inserido na Seção VI do Ca­ p ítu lo II do Títu lo II do Livro III, que tra ta v a da m ora. Nào se co n fu n d e in a d im p le m e n to com m ora. No prim eiro caso a obrigação é descum prida; no segundo, ocorre apenas re ta rd a m e n ­ to do cu m p rim e n to da obrigação. • Justificava Beviláqua a inserção desse dispositivo no re g ram en to da m ora, ao a rg u m e n to de que nas obrigações negativas a m ora co n fu n d e-se com a inexecuçào. Com to d o respeito ao m estre, entendem os que andou bem o Código a tu a l em procedendo ao reposicionam ento do

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artig o , que tra ta de in a d im p le m e n to e nâo de m ora, ainda que os efeitos de am bos se c o n fu n d a m no caso concreto.

JULGADO • “Agravo Interno. Decisão Monocrática em Apelação Civel que estabeleceu m ulta de R$ 1.000,00 (mil reais) por cada cobrança indevida. Distinção entre as obrigações de não fazer permanentes e instantâneas. Possibilidade de fixação de m ulta em ambos os casos. Necessidade de estabeleci­ m ento de prazo razoável para cum prim ento apenas nas obrigações de fazer. Configuração do inadim plem ento nas prestações negativas se dá no dia da execução do ato. Teor do art. 3 9 0 do CC. M u lta proporcional e razoável, considerando-se o poder econômico do devedor. Recurso a que se nega provimento" (TJRJ, Ap. 0 0 09 2 6 6-7 4 .2 0 0 8 .8 .1 9 .0 2 1 2 (2009.001.37166), Rei. Des. Alexandre Câmara, j. em 2 9 -7 -2 0 0 9 ).

Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo sofreu alteração por parte da Câmara dos Deputados, ainda no período inicial de tram itação do projeto. 0 texto apresentado pelo Prof. Agostinho de Arruda Alvim, no Anteprojeto, era o seguinte: “Pelo inadim plem ento das obrigações respondem todos os bens, presentes e futuros, do devedor". Emenda do Deputado Fernando Cunha promoveu a supressão da expressão "presentes e futuros", por considerá-la desnecessária. Segundo o autor da emenda, “o descumprimento de obrigação onera os bens, pouco im portando se presentes ou futuros. Cla­ ro é que se o devedor adquire outros, não se precisa dizer que os mesmos respondem pelas obri­ gações. Somente os possuídos antes, transferidos no tem po, ou antes da divida ou da ação, por elas não respondem, mas isso tam bém não precisa ficar dito porque tais bens já nào são do deve­ dor". Corresponde ao art. 1.518 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 a rt. 391 versa sobre o princípio da responsabilidade p a trim o n ial do devedor, à sem elhança do que já fizera, porém mais tim id a m e n te , o a rt. 1.518 do Código Civil de 1 9 16 . 0 princípio tam bém se encontra regulado nos arts. 591 e s . do CPC. • 0 in a d im p le n te terá de indenizar o credor pelo prejuízo que causou. Com o a indenização por perdas e danos consiste sem pre em soma de dinh eiro, é n atu ral que devem os bens do deve­ d o r fic a r sujeitos à reparação do dano p a trim o n ial ou m oral causado. • E xcepcionalm ente te m -s e adm itido , por expressa previsão legal, que alguns bens do devedor estariam fo ra dessa regra geral. É o que se dá, p. ex., com os bens relacionados no a rt. 6 4 9 do CPC, com o bem de fa m ília convencional, previsto no a rt. 1.711 deste Código, ou ainda com o bem destinado á residência da fa m ília , proteg ido da constrição judicial por fo rça da Lei n. 8 .0 0 9 , de 29 de m arço de 1990.

JULGADOS • "Penhora. Quotas sociais de sociedade lim itada. Admissibilidade. Inexistência de vedação legal à penhora das quotas sociais da sociedade lim itada em decorrência de divida particular de sócio. Devedor responde, para o cum prim ento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros (art. 591 do CPC). Precedentes STJ e TJSP. Recurso não provido" (TJSP, Al 9 9 01 0 0 75 5 1 29 , Rei. Des. Tersio Negrato, j. em 9 -6 -2 0 1 0 ). • "Penhora. Desconsideração da personalidade jurídica. Tendo sido desconsiderada a personalidade jurídica da empresa devedora e determ inada a inclusão de seus sócios no polo passivo do proces­ so, nada impede que, independentem ente de se determ inar a desconsideração das personalidades

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de outras empresas, a eonstrição recaia sobre as quotas, de propriedade daqueles, nas sociedades de que fazem parte. Recurso provido" (TJSP, Al 9 9 0 1 0 0 2 6 7 9 1 4 , Rei. Des. Itam ar Gaino, j. em 9 -6 2010). • “Locação e processual civil. Execução. Penhora de quotas. Sociedade lim itada. Possibilidade. Pre­ cedentes. Pretensão de prequestionar dispositivos constitucionais. Impossibilidade na via especial. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firm ou-se no sentido de que é possível a pe­ nhora de cotas de sociedade lim itada, seja porque tal eonstrição náo implica, necessariamente, a inclusão de novo sócio; seja porque o devedor deve responder pelas obrigações assumidas com todos os seus bens presentes e futuros, nos term os do art. 591 do Código de Processo Civil. 2. A esta Corte é vedada a análise de dispositivos constitucionais em sede de recurso especial, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpaçâo da competência da Suprema Corte. Precedentes. 3. Agravo regim ental desprovido" (STJ, AgRg no Ag. 1.164.746/SP, 5a T., Rei. Min. Laurita Vaz, j. em 2 9 -9 -2 0 0 9 ). • "Agravo de instrum ento. Rescisão contratual. Compra e venda de m aterial de construção. Anteci­ pação de tutela. Pedido de busca e apreensão indeferido. M anutenção do indeferim ento da an te­ cipação de tutela antecipada. Desarrazoado o pedido de busca e apreensão do m aterial de cons­ trução objeto da compra e venda, negócio que pretende a parte autora rescindir, se não consta tenha sido instituída garantia real sobre as mercadorias. A legislação civil estabelece a regra geral de que, não cumprida a obrigação pelo devedor, responde ele com todos os seus bens por perdas e danos. Arts. 389 e 391 do Código C ivil/2002. Ausente a verossimilhança do direito invocado. Seguim ento lim inarm ente negado" (TJRS, Al 7 0 0 2 7 2 5 1 8 5 9 , 12a Câm. Civel, Rei. Des. Orlando Heemann Júnior, j. em 4 -1 1 -2 0 0 8 ). • "Agravo de instrum ento. Penhora de créditos futuros. Conta corrente da devedora. Responsabili­ dade do devedor com todos os seus bens no cum prim ento da obrigação. A rtigo 591 do CPC. Ca­ bim ento da eonstrição. Agravo im provido" (TJRS, Al 7 0 0 2 3 1 2 5 7 4 3 , Rei. Des. Paulo A ntônio K retzm ann.j. em 1 0 -4 -2 0 0 8 ).

Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, respon­ de cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei.

HISTÓRICO • Este dispositivo sofreu pequena alteração por parte da Câmara dos Deputados, ainda no periodo inicial de tram itação do projeto. 0 texto apresentado pelo Prof. Agostinho de Arruda Alvim, no Anteprojeto, empregava o advérbio "só" antes do substantivo "dolo". A emenda da Câmara apenas suprimiu o advérbio. No Senado não houve mais emendas. Corresponde ao art. 1.057 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Nos contratos benéficos ou não onerosos, a exem plo do com odato, só um a das partes se beneficia. Logo náo seria justo, com o bem coloca João Luís Alves, que “a parte, a quem o c o n tra to não aproveita, respondesse pela simples culpa. Em todo o caso deve responder pelo dolo, que se constitui pela violação proposital e deliberada daquilo a que se acha obrigado, pois que ninguém pode v o lu n tária e d e lib erad am en te fu g ir ao cu m p rim e n to do que c o n tra ­ to u , ainda que sem in tu ito de lucro, porque do seu procedim ento pode resultar dano a outra parte. O c o n tra ta n te a quem aproveita o c o n tra to u n ila te ra l deve responder pela simples culpa, por isso mesmo que o c o n tra to fo i celebrado em seu benefício, com o no caso do c o m od atário, responsável pela guarda e restituição da coisa em prestada" (C ó d ig o C iv il a n o ta d o , cit., p. 7 1 0).

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• Nos contratos onerosos, b ilaterais ou sinalagm áticos, nos quais sáo estabelecidas obrigações para am bas as partes, a exem plo da com pra e venda, é co eren te que elas respondam nào só por dolo, mas tam bém por simples culpa. • Um a visáo mais atu alizad a dos pressupostos da responsabilidade civil está a im por um a re leitura desse dispositivo, de m odo a ser in te rp re ta d o sob a ótica da im pu tab ilid ad e, a fa s ta n ­ do-se a noçào de culpabilidade. A p a rtir de um a exegese sistem ática do Código Civil, no que respeita à m ora, com destaque para o te x to do a rt. 3 9 6 , in fra , podem os sustentar que a responsabilização do devedor por danos decorrentes do c u m p rim e n to da obrigação, nào exige mais o e lem en to culpa, bastando que o fa to danoso lhe seja im putável. M arcos Jorge C atalan cita o "exem plo do pecuarista que entreg a ao parceiro negociai cavalos adoentados e que a virose que infesta os anim ais com prados infecta o rebanho do ú ltim o , causando-lhe danos. M esm o que o s o lv e n s nunca te n h a presenciado ta l problem a em sua propriedade e que não ten h a n otado qualq u er anorm alidade, ainda que possua rigoroso contro le de q u a li­ dade m ediante análises sem anais na sanidade de sua tro p a, restando assim dem onstrada a necessária diligência, ainda sim haverá de reparar tais danos, pois não há, na hipótese, e x d u d e n te de causalidade hábil a ser invocada. M erece reflexão tam bém o caso dos danos sofridos pelo paciente que acaba de sofrer intervenção cirúrgica e que em razão de reação alérgica aos m edicam entos prescritos para um a m elhor cicatrizaçào sofre paralisia de determ inadas partes do organism o por conta de um gene único que possui. 0 ponto nevrálgico da situação não é ind ag ar se há ou nào culpa do m édico, mas sim qual o fa to r idôneo responsável pelo dano, que no caso relatad o é a rara con fig u ração genética do indivíduo lesado, fa to r externo à área de atu ação do cirurgião. Neste contexto , um a qualidade pessoal da v ítim a , de previ­ sibilidade desconhecida, fo i o fa to r responsável pelo dano e por conta de tal fa to r não se deve im por ao profissional o dever de indenizar e não porque este não agiu com culpa. O que há de restar bem claro é que na m edida em que o d ireito é um a ciência prescritiva que valora fato s que ocorrem no plano concreto, aceitand o certas condutas e sancionando a outras neg ativam en te, deve-se im ag in ar que o dever de reparar eventuais danos som ente pode nascer de um fa to ocorrido no plano do ser, seja em razão de um c o m p o rta m en to comissivo ou omissivo" (M arcos Jorge C atalan, D e s c u m p rim e n to c o n tr a tu a l: m o d a lid a d e s , c o n s e q ü ê n ­ c ia s e h ip ó te s e s de e x c lu s ã o d o d e v e r d e in d e n iz a r, C uritiba, Juruá, 2 0 0 5 , p. 165).

JULGADOS • "Apelação civel. Responsabilidade civil. Posto de abastecimento. Furto de cam inhão. Contrato de depósito ou dever de guarda inexistente. Risco do proprietário do veículo. Indenização indevida. Não restando configurado contrato de depósito, ainda que im plícito, tam pouco um dever de guarda por parte do posto de gasolina, uma vez que o cam inhão não estava no local para que nele fosse efetuado qualquer serviço pela requerida ou visando à finalidade lucrativa para ela, nào há que se reconhecer sua responsabilidade civil no caso do fu rto do veiculo. Contato social que re­ presentava uma mera liberalidade para com o requerente, um 'favor', como este mesmo reconhe­ ceu. Ademais, em se tratando de contrato gratuito ou benéfico, incide o disposto no art. 3 9 2 do CCB, segundo o qual 'nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei’. No caso em apreço, como se verificou da prova dos autos, não se observa qualquer conduta dolosa (ou mesmo culposa) no infortúnio; m uito pelo contrário, pois nada tinha a fazer o frentista que estava no local como guardião do patrim ônio do posto ao ser rendido por bandidos armados. Apelo desprovido" (TJRS, Ap. 70 02 6 1 24 5 7 8, Rei. Des. M arilene Bonzanini Bernardi, j. em 2 5 -3 -2 0 0 9 ). • "Acidente de veiculo. Ação de reparação de danos materiais e morais. M orte de passageiro que viajava m ediante contrato de transporte gratuito. Culpa grave do preposto da ré, proprietária do veiculo, que im prim ia velocidade excessiva. Responsabilidade civil. M anutenção da liquidação, exceto no que se refere à fixação das taxas dos juros. A pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser calculada com base no salário m ínim o vigente ao te m -

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po da sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores (Súmula n. 4 9 0 do STF). Não incidência da regra do art. 20, § 5o, do CPC. M antida a verba honorária. Recurso da ré não provido, e dos a u to ­ res provido em parte" (TJSP, Ap. 9 9 2 0 5 0 1 1 5 1 5 3 , Rei. Des. Antonio Benedito Ribeiro Pinto, j. em 6 -2 -2 0 0 9 ).

Art. 3 9 3 .0 devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. HISTÓRICO • Emenda da lavra do em inente Senador Gabriel Hermes acrescentou o parágrafo único ao art. 393, ausente na redação original do anteprojeto, reproduzindo o de igual teor do art. 1.058 do Código de 1916. Segundo o auto r da emenda, "Não há mal, antes conveniência, na reprodução. 0 texto do parágrafo não contém , propriam ente, definição - que a técnica de legislar condena - , mas a qualificação do fato , que caracteriza o caso fo rtu ito , ou a força maior. A qualificação do fato, em termos genéricos, como sugerida, cuidando apenas do 'fa to necessário, cujos efeitos não era pos­ sível evitar ou impedir*, não foge à técnica nem m alfere o conteúdo do artigo, antes propicia um referencial im peditivo de interpretação anômala, ou desatenta".

DOUTRINA • 0 a rt. 3 9 3 consagra o princípio da exoneração do devedor, sem pre que o descum prim ento da obrigação não decorrer de fa to a ele im p u tável. 0 caso fo rtu ito e a força m aior afastam a relação de im putab ilid ad e. • Caso f o r t u it o o u fo rç a m a io r. Foram em pregados pelo legislador com o sinônim os, mas d o u trin a ria m e n te não se confundem , m u ito em bora os autores divirjam sobre as diferenças e n tre os dois eventos. Os conceitos, m uitas vezes, chegam a ser d ia m e tra lm e n te opostos. O ptam os por seguir a co rren te dos que en ten d em ser o caso fo rtu ito o acid en te que nào poderia ser razoavelm ente previsto, decorrente de forças natu rais ou in inteligentes, tais com o um te rre ­ m oto, um fu racão, um a seca, um a enchente, um incêndio etc. (Clóvis Beviláqua, João Luís Alves, Tito Fulgêncio e C arvalho de M endonça). A força m aior, to m an d o por em préstim o a definição de Huc, seria “o fa to de terceiro, que criou, para execução da obrigação, um obs­ táculo, que a boa v ontade do devedor nào pôde vencer" ( C o m m e n ta ire th é o riq u e e t p ra tiq u e d u C ode C ivil, v. 7, p. 143). Exemplos de força m aior: a guerra, o em bargo de au to rid ad e pública que im pede a saída do navio do porto etc. • N ào é a im previsibilidade, mas sim a inevitabilid ad e, a principal característica do caso fo rtu i­ to e da fo rça m aior. • É in d ifere n te ind ag ar se a im possibilidade de o devedor cu m p rir o pactuado decorreu de fa to da natu reza ou de fa to de terceiro. Os efeitos do caso fo rtu ito e da força m aior são idênticos: isentar o devedor da responsabilidade pelo descum prim ento da obrigação. Salvo se o devedor houver assum ido por cláusula expressa a responsabilidade pelo descum prim ento, mesmo ocorrendo caso fo rtu ito ou fo rça m aior. 0 sujeito passivo não te m com o e v ita r ou im pedir os efeitos do fa to necessário, sendo descabido, p o rtan to , fo ra das hipóteses legais, que por ele responda. • Ressalta, no e n ta n to , Beviláqua que “no caso de m ora o caso fo rtu ito ou de força m aior não escusa, se aconteceu depois da m ora, salvo se o devedor provar que não teve culpa no a tra ­ so da prestação, ou que o dano ocorreria, ainda quando a obrigação fosse desem penhada o p o rtu n am en te" (Clóvis Beviláqua, C ó d ig o C iv il c o m e n ta d o , cit., p. 2 2 2). V id e a rt. 3 9 9 deste

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Código. Isso porque, em havendo mora, o fato perde a característica de “necessário", tornan­ do-se corolário da própria conduta do devedor, que, ao se encontrar em mora, provocou-o, ou ao menos permitiu sua ocorrência. • Deve-se diferenciar o caso fortuito tratado neste artigo do chamado “fortuito interno", quando o risco é inerente à atividade econômica desenvolvida pelo devedor. Nesse caso o devedor nào se exonerará, ainda que não tenha se responsabilizado expressamente. SÚMULA • Súmula 4 7 9 do STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gera­ dos por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". JULGADOS • "Cobrança. Valor correspondente a um aluguel. Atraso na entrega da unidade. Alegação de caso fo rtu ito ou força maior. Chuvas não podem ser consideradas como imprevisíveis. Risco do em pre­ endim ento. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Sentença m antida. Recurso improvido" (TJSP, Ap. 9 9 4 0 7 0 2 3 7 6 6 7 , Rei. Des. Caetano Lagrasta, j. em 9 -6 -2 0 1 0 ). • “Indenização por danos materiais e morais. Improcedência. Autora vítim a de assalto nas depen­ dências do estabelecim ento comercial réu. Ocorrência de caso fo rtuito, ante o emprego de am e­ aça m ediante o uso de arm a de fogo. Configurada a excludente do art. 393 do Código Civil. Culpa de terceiro, nào havendo que se falar em defeito ou falha na prestação dos serviços (art. 14, § 3o, incisos I e II). Irrelevante se havia no local segurança contratado para essa função ou apenas um funcionário que orientava os clientes. Fato que, embora previsível, era mesmo inevitável, não se podendo exigir do estabelecim ento ou de seus prepostos que evitassem o ocorrido, diante do emprego de arm a de fogo pelos meliantes. Eventual reação dos prepostos da ré que não poderia ser exigida, já que colocaria em risco as pessoas presentes no local dos fatos. Precedentes desta Câmara. Sentença m antida. Recurso improvido" (TJSP, Ap. 9 9 4 0 5 0 1 1 5 9 7 7 , Rei. Des. Salles Rossi, j. em 3 -3 -2 0 1 0 ). • "Concessionária de serviços de telefonia. Área de risco. Impossibilidade de cum prim ento da obri­ gação. Nexo causai não configurado. Conversão da obrigação de fazer em perdas e danos. Inocor­ rência de dano moral. Apelação. Serviço de telefonia. Area de risco (Complexo do Alemão). Se a linha resulta inativa por ato exclusivamente de terceiro, a impossibilitar a prestação do serviço pela concessionária, o assinante faz jus à conversão da obrigação em perdas e danos (CPC, art. 4 61, § 1o), não, porém, à compensação de dano moral, pois entre a atuação da prestadora e a interrupção forçada do serviço nào há nexo de causalidade (CDC, art. 14, § 3o, II). Hipótese que não configura força maior, à vista do art. 3 9 3 e seu parágrafo único do Código Civil. Parcial pro­ vim ento do prim eiro recurso, prejudicado o segundo, que almejava a majoração da verba reparatória de dano moral" (TJRJ, Ap. 0078110-93.2009.8.19.0001, Rei. Des. Jesse Torres, j. em 16-12-2009). • “Apelação civel. Ação de cobrança de comissão de corretagem . Contrato de compromisso de compra e venda de imóvel. Negócio interm ediado por corretor. Dissolução do contrato por m oti­ vo alheio à vontade das partes. M otivo de força maior impossibilitando atingir o resultado pre­ tendido. Exegese dos arts. 3 9 3 c/c o art. 725, ambos do CC/2002. Sentença reform ada. Recurso provido. I. Dissolvido o contrato de compromisso de compra e venda de imóvel por m otivo alheio à vontade das partes, após consulta de viabilidade ju n to à administração municipal, em que pese a interm ediação efetuada pelo corretor, deixa de fazer jus a percepção da comissão de corretagem previam ente ajustada, tendo em vista que a compra e venda não se realizou por to tal ausência de culpa dos contratantes, sempre interessados na concretização do negócio. II. Se a compra e venda não se torna perfectivel por m otivo de força maior, nào há que se falar em arrependim ento dos contratantes, inexistindo, por conseguinte, obrigação de pagam ento da comissão de corretagem, segundo interpretação sistemática dos arts. 393 e 725, ambos do novo Código Civil. III. Ademais, o risco é da própria essência dos contratos de corretagem , que não consagram simples obrigação

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de meio, mas sim obrigação de resultado" (TJSC, AC 2 0 0 5 .0 3 4 1 4 1 -3 , Rei. Des. Joel Dias Figueira Júnior, j. em 1 1 -7 -2 0 0 6 ). • “Processual civil. Ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil. Omissão manifesta. Ausência. Conclusão lógico-sistemática do decisum . Greve. Prazo processual. Suspensão. M otivo. Força maior. Art. 393, parágrafo único, do Código Civil. Efeitos não verificados. Prazo. Precedentes. Agravo interno desprovido. (...) III. Não há cogitar de força maior, pois para que haja sua ocorrência é imprescindível a constatação de fatos necessários cujos efeitos nào são possíveis de evitar ou impedir, a teor do que preconiza o art. 393, parágrafo único do Código Civil de 2002, o que náo ocorre com um m ovim ento grevista. Ressalte-se que a parte possui o ônus de zelar pelos prazos processuais, que devem ser obedecidos a despeito da paralisação. IV. Agravo interno desprovido" (STJ, AgRg no REsp 813.024/RS, 5* T., Rei. M in. Gilson Dipp, j. em 1 8 -4 -2 0 0 6 ).

C apítulo II — DA MORA Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 955 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • M o ra é o re ta rd a m e n to no c u m p rim e n to da obrigação. Se por fa to im putável ao devedor, a m ora se diz s o lv e n d i; se por a to do credor, d iz-se m ora a c c ip ie n d i. • Pressupostos da m o ra s o lv e n d i: a) existência de dívida líquida e vencida; b) inexecuçào culposa pelo devedor; c) interpelação ju d icial ou extraju dicial, quand o a divida não fo r a term o. • Pressupostos da m o ra a c c ip ie n d i: a) existência de dívida líquida e vencida; b) o fe rta do p agam ento pelo devedor; c) recusa do credor em receber. A m ora do credor é constitu ída, n o rm alm en te, m ediante ação de consignação em pagam ento , ou interpelação judicial do credor para fo rn ec e r a qu itação (v. art. 4 0 0 deste Código).

SÚMULA • Súmula 3 8 0 do STJ: “A simples propositura da ação de revisão de contrato nào inibe a caracteri­ zação da mora do autor".

JULGADOS • "Agravo de instrumento. Arrendam ento m ercantil. Revisão contratual cum ulada com consignató­ ria. 1. A consignação em pagam ento náo é medida cabível para descaracterizar a mora daquele que pretende pagar o valor inferior ao que foi estabelecido no contrato. 2. Se não cabe atribuir o efeito liberatório das parcelas consignadas em valor m enor do que aquele pactuado, logo, tam bém descabe coibir o credor de negativar o nome do devedor caso este não pague integralm ente a

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mensalidade avençada no contrato. Decisão m antida. Recurso improvido" (TJSP, Al 99 01 0 2 73 9 5 11 , Rei. Des. Felipe Ferreira, j. em 3 0 -6 -2 0 1 0 ). • "Agravo de instrum ento. Contratos bancários. Expurgos inflacionários. Depósito voluntário pela executada em comarca equivocada. Invalidade para efeito de adim plem ento parcial. Reconheci­ mento. Recurso nâo provido. Efetuando o executado depósito voluntário no Foro de Rio Claro quando o correto seria no Foro de Itirapina, onde se efetiva a fase de cum prim ento de sentença da ação de cobrança de expurgos inflacionários da caderneta de poupança julgada procedente, nào há como considerar válido para efeito de adim plem ento parcial do valor devido, de modo que tem -se em mora o devedor, eis que por culpa sua (erro em seus cadastros) deixou de cum prir a obrigação no lugar correto (exegese do art. 3 9 4 do CC/2002). (...)" (TJSP, Al 9 9 01 0 2 31 3 9 56 , Rei. Des. Paulo Ayrosa, j. em 8 -6 -2 0 1 0 ). • "Rescisão de contrato. Compra e venda de imóvel cumulada com reintegração de posse. N otifica­ ção prévia para constituição em mora dos réus. Desnecessidade. Inteligência do art. 3 9 4 do CC. Legitimidade e o valor da divida, e ainda, data do seu vencim ento não impugnados pelo codevedor. Extinção afastada. Apelo provido" (TJSP, Ap. 9 9 4 0 9 2 8 9 7 8 9 9 , Rei. Des. Dimas Carneiro, j. em 181 1 -2009). • "Embargos à execução. Titulo judicial. Sentença hom ologatória de acordo. Exigência de encargos indevidos ou abusivos pela credora. M ora d e b ito ris descaracterizada e mora e re d ito ris ou aeeip ie n d i configurada. Recalcitrância da credora no recebim ento dos pagamentos ofertados e dispo­ sição e capacidade financeira da devedora para satisfação da obrigação bem comprovados. Em­ bargos à execução de sentença julgados integralm ente procedentes nesta instância a d quem . Sucumbência invertida. Artigo 20, § 3o, do Código de Processo Civil. Recurso provido" (TJSP, Ap. 9 9 1 0 4 0 5 2 6 7 0 5 , Rei. Des. Correia Lima, j. em 1 1 -5 -2 0 0 9 ). • "Apelação civel. Ação de busca e apreensão. Contrato de financiam ento de veiculo autom otor. Pagamento a menor. Desconsideração dos encargos moratórios. Obrigação acessória. Incorporação ao valor nom inal das prestações vencidas. Mora do devedor não elidida. Procedência do pleito. Uma vez atestada a mora do devedor fiduciante, cuja configuração decorre do simples inadim ­ plem ento da obrigação em seu tem po, lugar e form a ajustados (CC, art. 394), os encargos dela decorrentes passam a incorporar-se no valor da parcela inadim plida, sendo portanto inviável proceder-se ao pagam ento extem porâneo do débito, sem contudo considerar os encargos contra­ tualm ente previstos. Nesse contexto, o pagam ento a m enor efetuado pelo devedor fiduciante, porquanto efetivado em ignorância á cláusula penal pactuada, não tem o condão de elidir a mora para efeitos de procedência do pedido form ulado em ação de busca e apreensão" (TJSC, AC 2 0 0 2 .0 2 6 6 4 4 -8 , Rei. Des. Salete Silva Sommariva, DJSC, 3 1 -1 -2 0 0 6 , p. 28). • "Ação de consignação em pagamento. M o ra d e b ito ris. Impossibilidade. Carência reconhecida. Extinção m antida. Sendo as obrigações certas e bem definidas no contrato de financiam ento, deixando o devedor omisso durante vários meses quanto a efetuar o pagam ento das prestações vencidas no tem po legal ou contratual convencionado, entre outras seqüelas, incorre em mora (CC/1916, art. 955 e CC/2002, art. 394). É certo que a m o ra a e eipien d i ê, via de regra, o pressu­ posto necessário para lograr-se êxito na pretensão de consignar em pagam ento, e que, ordinaria­ m ente, nào se concebe que sim ultaneam ente possam coexistir a mora do credor e a mora do devedor. Assim se o devedor é que se acha em mora, inexistente seria a m o ra e re d ito ris, e por via de conseqüência, inacessível se mostraria ao devedor moroso o remédio da consignação" (TJMG, Ap. 2 .00 0 0 .00 .4 4 74 4 3 -3 /00 0 (1 ), Rei. Tarcisio M artins Costa, j. em 2 8 -9 -2 0 0 4 , publicada em 2 3 1 0 -2004).

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.

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HISTÓRICO • Na redação original do anteprojeto, o dispositivo tinha a redação seguinte: “Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa". Durante a tram itação na Câmara, ainda na primeira fase, foi oferecida emenda, acrescendo ao artigo a locução seguinte: "mais juros, correção m one­ tária, e honorários de advogado". No Senado Federal, através de emenda da autoria do Ilustre Senador Josaphat M arinho, ganhou a roupagem atual. Corresponde ao art. 9 5 6 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Na m o ra s o lv e n d i cabe ao devedor in d en izar o credor pelos prejuízos sofridos com o re ta r­ dam ento . C on form e já colocam os quando tra ta m o s do in a d im p lem en to , a indenização con­ sistirá sem pre em um a soma em dinh eiro, acrescida de juros, ditos m oratórios, correção e honorários advoeatícios, estes sem pre que o credor houver c o n tra tad o advogado [v. nossos com entários ao art. 3 8 9). • Pode o credor re jeitar a prestação e exigir, além da indenização pela m ora, o v a lo r corres­ pon dente à in teg ralid ad e da prestação, desde que prove que ela se lhe to rn o u in ú til em razão da m ora. Observa, no e n ta n to , Beviláqua que "se r-lh e-á dispensada q u a lq u e r prova, se do títu lo da obrigação resultar que ela deve ser cum prida, necessariam ente, no dia m arcado, sob pena de ser rejeitad a a prestação" (Clóvis Beviláqua, C ó d ig o C iv il c o m e n ta d o , cit., p. 116).

JULGADOS • "Agravo de instrum ento. Direito privado não especificado. Brasil Telecom. Impugnação ao cum ­ prim ento de sentença. Agrupam ento acionário da celular CRT. Compulsando os autos, verifica-se que o agravado respeitou as disposições atinentes ao agrupam ento acionário, razão pela qual não há falar em incorreções nos cálculos apresentados. Juros Moratórios. Estes sáo devidos mesmo que não haja determ inação judicial expressa, uma vez que decorrem da configuração legal da mora, inteligência do art. 395 do Código Civil. Negam provim ento ao recurso" (TJRS, Al 7 0 03 7139995, Rei. Des. Laura Louzada Jaccottet, j. em 6 -7 -2 0 1 0 ). • "Acidente do trabalho. Processual civil. Agravo. Cessação ilegal do pagam ento de beneficio de caráter vitalício. Determinação judicial do restabelecimento e do pagam ento dos atrasados acres­ cidos de juros e correção m onetária. Pretensão de demonstrar que não haveria fundam ento legal para a cobrança de juros. Inadmissibilidade. Aplicação do art. 3 9 5 do Código Civil. Recurso im pro­ vido. Em sendo inequívoco que o INSS incidiu em mora, ao fazer cessar os pagamentos de um beneficio de caráter vitalício, concedido judicialm ente, sob a absurda alegação de que não pode ser cum ulado, fica obrigado a reparar os prejuízos que causou, por não disponibilizar o capital, no caso, um beneficio de caráter alim entar, devendo arcar sim com os juros, dos quais náo pode se furtar, por força do que dispõe o art. 3 9 5 do Código Civil" (TJSP, Al 9 9 0 1 0 0 3 7 6 9 5 0 , Rei. Des. V aldecir José do Nascimento, j. em 2 5 -5 -2 0 1 0 ). • "Agravo de instrum ento. Honorários advoeatícios. Juros m oratórios não fixados na sentença. Desnecessidade. A rt. 3 9 5 do Código Civil. Incidência desde a citação do processo de conhecim en­ to. Impossibilidade. Trânsito em julgado como term o inicial. Recurso parcialm ente provido. Tendo em vista que a mora caracteriza-se pelo atraso no cum prim ento da obrigação, não devem os juros moratórios incidir no cálculo dos honorários advoeatícios decorrentes da sucumbência desde o m om ento da propositura da ação de conhecim ento, ou, ainda, desde a citação, mas sim a partir do trânsito em julgado do provim ento jurisdicional em que foi fixada a verba rem uneratória em questão (Al n. 2 0 0 7 .0 4 5 3 0 6 -8 , Rei. Des. Joel Figueira Júnior, DJ de 1 6 -7 -2 0 0 8 )" (TJSC, Al 2 0 0 8 .0 4 7 8 6 5 -4 , Rei. Des. Carlos Prudêncio, j. em 2 8 -9 -2 0 0 9 ).

Art 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora.

Art. 396

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HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 963 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Apesar de re p e tir a redação do art. 9 6 3 do C C /1 9 1 6 , a in terp retação desse dispositivo vem sendo reconstruída pela d o u trin a è luz das novas tendências da responsabilidade civil, no sentido de afastar p a u la tin a m e n te a noção de culpa com o pressuposto da m o ra s o lv e n d i. Ressalta M arcos Jorge C atalan que "para e fe ito de responsabilidade negociai nascida do in s titu to da m ora, a noção de culpa há de ser riscada dos alfarráb ios jurídicos. (...) Com o se depreende do citado dispositivo legal, nào haverá m ora apenas se a condu ta comissiva ou omissiva não puder ser im putad a ao devedor, e isto som ente será possível na incidência de eventos alheios a sua vo n tad e, com o preleciona o art. 3 9 3 da Lei Civil e não apenas quando não haja culpa, posto que culpabilidade e im p u tab ilid ad e sào conceitos distintos que in fe liz­ m en te têm sido confundidos" (M arcos Jorge C atalan, D e s c u m p rim e n to c o n tr a tu a l: m o d a li­ dades, c o n s e q ü ê n c ia s e h ip ó te s e s d e e x c lu s ã o d o d e v e r de in d e n iz a r, C uritiba, Juruá, 2 0 0 5 , p. 153).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 354, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “A cobrança de encargos e par­ celas indevidas ou abusivas impede a caracterização da mora do devedor" (Enunciado proposto por Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer). A cobrança de encargos ilegais justifica que devedor nào efetue o pagam ento do débito, afastando a relação de im putabilidade e im pedindo a carac­ terização de sua mora. JULGADOS • "Civil. Despesas condominiais. Ação de cobrança. Legitimidade passiva. Detentora do imóvel. D ifi­ culdades financeiras. M atéria que refoge aos limites da controvérsia. Obrigação p ro p te r rem. Recurso improvido. As obrigações condominiais são determinadas pela titularidade do direito real. Comprovada a titularidade do imóvel (ou nào contestada), a responsabilidade pelo débito condom inial é do titular, dai derivando a legitim idade passiva. A dram ática descrição da vida conjugal, desemprego e outras dificuldades derivadas da própria ruptura da sociedade conjugal, não afastam o lado subjetivo da mora, na linha do art. 396, do Código Civil" (TJSP, Ap. 9 9 0 0 9 2 7 6 4 7 7 2 , Rei. Des. A rtur Marques, j. em 9 -1 2 -2 0 0 9 ). • "Agravo de instrum ento. Ação de execução. Juros moratórios. Afastam ento. Aplicação do art. 3 9 6 do CC. Reconhecimento de que quem deu causa à instauração dos processos foi o exequente, tendo em vista que não devolveu os títulos s u b ju d ic e . Assim, o cum prim ento extem porâneo da prestação não decorreu de fa to ou omissão im putada aos recorrentes. Não havendo fa to ou omis­ são imputável aos devedores, estes não incorrem em mora desde o ajuizam ento da ação executi­ va, mas a partir do trânsito em julgado da sentença dos embargos. Acolhim ento do pedido alter­ nativo. Recurso provido" (TJSP, Al 991090409222, Rei. Des. Roberto Mac Cracken, j. em 11 -11 -2009). • "Ação de adjudicação compulsória. Contrato de promessa de compra e venda. Parte que quitou o preço e faz jus à transferência do dom ínio. Mora não imputável ao devedor. Circunstâncias do caso concreto que conduzem à isenção dos ônus da sucumbência. A adjudicação compulsória é o remédio jurídico colocado à disposição de quem, m unido de contrato de promessa de compra e venda ou títu lo equivalente, não logra êxito em obter a escritura definitiva do imóvel, notadam ente quando quitado o preço há longa data. Caso concreto em que a mora não pode ser im pu­ tada, de form a exclusiva, ao devedor. Fato superveniente, falência da empresa do prom itente vendedor, ocorrido anos após a quitação do contrato, que passou a causar a impossibilidade no cum prim ento da obrigação. M ora inicial, contudo, que deve mesmo ser im putável à desidia do prom itente comprador, que se om itiu em obrigação contratual ao seu encargo, de providenciar a transferência do bem para o seu nom e no Registro de Imóveis. Circunstâncias que conduzem à

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Art. 397

conclusão de que há impossibilidade superveniente não im putável, originalm ente, ao devedor art. 3 9 6 do Código Civil. Hipótese em que, por analogia, aplica-se a regra do art. 21 do CPC, m antendo-se a procedência do pedido, com o suprimento judicial, mas devendo as partes ratearem as despesas processuais, cumprindo a cada qual arcar com os honorários advoeatícios do seu pa­ trono" (TJRS, Ap. 70 02 9 3 65 3 4 3, Rei. Des. José Aquino Flores de Camargo, j. em 1 9 -8 -2 0 0 9 ). • “Se os encargos cobrados pela instituição financeira são abusivos, a ponto de inviabilizar o paga­ m ento do m ontante devido e a quitação da dívida, com encargos adicionais calculados pelo m é­ todo hamburguês e exigência de comissão de permanência em contratos regidos pelo Decreto-Lei n. 4 1 3 /6 9 , é indevida a cobrança de m ulta m oratória" (Ag. no REsp 253.953, Rei. M in. Nancy Andrighi, 3* T., RSTJ, v. 151, p. 238).

Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judi­ cial ou extrajudicial.

HISTÓRICO • Corresponde ao art. 960 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A estipulação de prazo para o cu m p rim e n to da prestação dispensa o credor de qualq u er m edida para c o n s titu ir em m ora o devedor, desde que vencido o prazo e não adim plida a obrigação. A constituição em m ora é a u to m á tic a (m ora ex re). • T rata-se da aplicação da velha regra “ d ie s in te r p e lla t p r o h o m in e , ou seja, a ideia de que a chegada do dia do v e n c im e n to corresponde a um a interpelação. De m odo que, não pagando a prestação no m o m en to ajustado, e n c o n tra -se em m ora o devedor. (...) A expressão de ple­ no direito, aplicada pelo te x to , fa z com que se prescinda de qu alq u er a titu d e do credor, pois a m ora advém , a u to m a tic a m e n te , do atraso. A interpelação do devedor só se fa z necessária, com o diz o p arágrafo único do m esm o a rtig o , se nào houver prazo assinado, pois, havendo dia designado para o vencim ento, supérflua é a interpelação, visto que d ie s in te r p e lla t p ro h o m in e " (Silvio Rodrigues, D ire ito c iv il: p a rte g e ra l d a s o b rig a ç õ e s , v. 2, 3 0 . ed., Sào Paulo, Saraiva, 2 0 0 2 . p. 1 5 8 -1 5 9 ). • Inexistindo prazo de vencim ento, a m ora só te m início com a interpelação judicial ou e x tra ­ ju d icial do devedor, com a notificação ou com o protesto.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 426, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: 'É válida a notificação extraju­ dicial promovida em serviço de registro de títulos e documentos de circunscrição judiciária diver­ sa da do dom icilio do devedor".

JULGADOS • "Apelação civel. Negócios jurídicos bancários. Ação m onitoria. Instrum ento particular de confissão de divida. A correção m onetária, que visa à atualização da moeda, incide desde quando o paga­ m ento deveria ter sido efetuado, ou seja, desde o vencim ento da divida, e não desde o ajuizam ento da ação. Aplicação da Lei Estadual 12.760/07. Os juros de mora incidem desde o m om ento em que ocorreu a im pontualidade, isto é, quando os devedores se tornaram inadimplentes, conforme previsão contratual. Art. 397 do Código Civil. Apelação provida" (TJRS, Ap. 7 0 0 3 6 4 4 7 3 7 3 ,1 11 Câm. Civel, Rei. Des. Luiz Roberto Im peratore de Assis Brasil, j. em 1 4 -7 -2 0 1 0 ).

Art. 397

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• “Apelação civel. Ação de despejo por falta de pagam ento cum ulada com cobrança. Entrega das chaves no curso do feito. Perda do objeto. Reconhecimento pelo juízo m onocrático. Divida com ­ provada. Quitação parcial. Dedução. Juros de mora a flu ir de cada vencim ento. Mora ex re. Art. 3 9 7 do código civil. Correção m onetária desde o inadim plem ento. Provimento do primeiro recur­ so. Provimento parcial do segundo recurso. 1. A responsabilidade do locatário pelos aluguéis e encargos da locação subsiste até a efetiva entrega das chaves, com a imissào do locador na posse do imóvel. 2. A mera desocupação do imóvel pelo locatário nào implica na imediata posse do bem pelo locador, como tam bém não faz presumir te r sido o locador im itido na posse e ter recebido as chaves, bem como não implica na quitação dos débitos locaticios. 3. Não comprovada nos autos a recusa no recebim ento das chaves, o term o final dos valores cobrados deve ser aquele lançado no recibo em que o locador atesta o recebim ento das chaves, dando por vistoriado o imóvel. 4. Demonstrada pelo autor a divida lastreada em contrato locaticio, impõe-se a condenação do lo­ catário no pagam ento dos aluguéis vencidos e vincendos até a efetiva desocupação. 5. Existindo nos autos comprovação de pagam ento parcial do débito, o valor pago deve ser deduzido do total da divida, sob pena de enriquecim ento ilícito do credor. 6. Juros de mora a flu ir desde o venci­ m ento de cada prestação, uma vez que a mora não se manifestou ex p crsona, mas ex re, por se tra ta r de obrigação liquida e com vencim ento certo, que independe de notificação ou interpelação para constituir o locatário em mora, aplicando-se a regra dies in tc rp c lla t p ro h om ine, nos termos do art. 397, ca p u t, do Código Civil, não incidindo o art. 405 do referido diploma legal. 7. Provi­ m ento do prim eiro recurso e parcial provim ento do segundo recurso" (TJRJ, Ap. 0 2 1 1 4 7 1 4 6.2008.8.19.0001, Rei. Des. Elton Leme, j. em 2 3 -6 -2 0 1 0 ). • “Civil. Promessa de compra e venda de imóvel. Rescisão ajuizada pelo comprador. Obrigação de outorga de escritura definitiva assumida com o advento da quitação. Pagamento do preço. Cons­ tituição em mora. Desnecessidade. Com a quitação do preço, a obrigação assumida de outorga da escritura definitiva se tornou líquida e vencida, o que constitui em mora o devedor em seu ven­ cim ento, independentem ente de interpelação, conform e prevê a primeira parte do artigo 9 6 0 do Código Civil de 1916 [c a p u t do art. 397 do atual Código Civil). Recurso Especial conhecido e provido" (REsp 813.736/ES, 3 a T., Rei. M in. Sidnei Beneti, j. em 1 8 -5 -2 0 1 0 ). • “Dano moral. Compra e venda de veiculo coligada a contrato de financiam ento. Apelante que confessa ter sido inform ado sobre a data de vencim ento da parcela do empréstim o e, assim, per­ manecia obrigada a pagar a respectiva prestação independentem ente do recebim ento do carnê em seu endereço correto. Inteligência do art. 397, ca p ut, do Código Civil. Inadim plem ento e ins­ crição dos dados sobre a divida nos cadastros de proteção ao crédito que se deu por culpa exclu­ siva do autor. Inexistência de responsabilidade do apelado e da instituição financeira. Recorrente que deve arcar com eventual saldo devedor existente após a alienação do bem objeto da busca e apreensão. Sentença m antida por seus próprios fundam entos, nos termos do art. 252 do Regimen­ to Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo. Recurso nào provido" (TJSP, Ap. 99 00 9 3 37 4 3 40 , Rei. Des. M aia da Rocha, j. em 1 2 -5 -2 0 1 0 ). • “Civil. Cobrança de taxa de condomínio. Juros moratórios arbitrados a partir da citação. Impossi­ bilidade. Obrigação positiva e liquida que constitui em mora o devedor desde o inadim plem ento da obrigação. Mora ex re evidenciada. Exegese do art. 397 do Código Civil. Recurso provido" (TJSC, Ap. 2 0 1 0 .0 0 5 1 8 7 -1 , Rei. Des. M arcusTulio Sartorato, j. 1 9 -3 -2 0 1 0 ). • "Processual civil e civil. Bem móvel. Venda e compra de veiculo autom otor (caminhão). Posterior confirm ação de ser produto de roubo. Ação de rescisão de contrato c/c pedido de reembolso, ressarcimento de danos e lucros cessantes. Execução. Embargos à execução. Rejeição. Deseabimento. 0 títu lo não traz o signo da certeza e da exigibilidade. Ausência de constituição em mora. Intelecção do art. 397 do Código Civil. Anulação da sentença. Necessidade. Im provido o apelo do exequente. A execução ajuizada respaldou-se em títu lo não exigível, porque sujeito a condição suspensiva ainda não ocorrida (art. 5 8 0 do CPC), caracterizando-se a falta de interesse de agir, na modalidade de inadequação do procedim ento escolhido para a cobrança" (TJSP, Ap. 1177041005, Rei. Des. Adilson de Araújo, j. em 2 1 -7 -2 0 0 9 ). • “0 cheque é ordem de pagam ento à vista, envolto pelos princípios da autonom ia e literalidade, dispensando o portador do titu lo de fazer prova sobre sua origem. Na intelecção do ca p u t, do art.

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Art. 398

397 do Código Civil, o simples fato do inadim plem ento de obrigação positiva e liquida, constitui, autom aticam ente, o devedor em mora (ex re). Logo, configurando-se o cheque em ordem de pagam ento à vista, incidem juros moratórios a partir da data nele consignada e avençada para seu vencimento" (TJSC, Ap. 2 0 0 4 .0 0 5 4 5 7 -2 , Rei. Salete Silva Sommariva, j. em 1 2 -5 -2 0 0 5 , DJSCn. 1 1 .6 7 6 ,2 5 -5 -2 0 0 5 , p. 19-20).

Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 962 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacional.

DOUTRINA • A qui, o te rm o inicial da constituição do devedor em m ora é d e fin id o em lei: a d ata em que p raticado o a to ilícito. • A obrigação ex d e lic to , ou seja, a obrigação de reparar os prejuízos causados à v ítim a do d e lito nasce com o a to ilícito, to rn an d o -se desde logo exigível. D aí por que os juros m o ra tó ­ rios são contados desde o m o m e n to em que o a to delituoso é com etido.

SÚMULA • Súm ula 54 do STJ: "Os juros m oratórios flu e m a p a rtir do even to danoso, em caso de respon­ sabilidade ex tra co n tra tu a l".

JULGADOS • "Acidente de veiculo. Indenização por danos materiais. Réu revel. Em se tratando de responsabi­ lidade de caráter extracontratual a fluência dos juros moratórios tem como term o inicial a data do evento danoso. Dai ser aplicável a Súmula 54 do STJ. Ademais, em caso de ato ilícito aplica-se o art. 398 do Código Civil: 'Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou'. Apelação provida" (TJSP, Ap. 9 9 0 0 9 3 3 7 8 1 7 5 , Rei. Des. Romeu Ricupero, j. em 2 7 -5 -2 0 1 0 ). • "Caderneta de poupança. Correção m onetária. Plano Collor I. Pretensão indenizatória. Legitimação passiva do banco. Preliminares afastadas. Depósito regido pelas normas do Código Civil. Obrigação do depositário de agir com a mesma diligência empregada no tra to das coisas que lhe pertencem. Caderneta de poupança. Correção m onetária. Pretensão indenizatória. Cabim ento. Inaplicabilidade de lei nova aos efeitos futuros de contratos anteriorm ente celebrados. Devolução do dinheiro devidam ente corrigido, que se impõe. Adoção do IPC como índice de atualização. (...) A to ilícito. Pretensão à aplicabilidade do disposto no art. 3 9 8 do Código Civil. Juros moratórios desde o even­ to danoso. Inadmissibilidade. Norma aplicável à hipótese de responsabilidade extracontratual. Súmula 54 do STJ. Entendim ento doutrinário. Inaplicabilidade no caso de ilícito c o n tra tu a l..." (TJSP. Ap. 9 9 1 0 8 0 6 9 0 8 4 9 , Rei. Des. Cândido Alem , j. em 1 8 -8 -2 0 0 9 ). • "Civil e processual. Acidente de trabalho. Seqüela lim itadora da capacidade. Pensionamento. Na­ tureza. M anutenção da rem uneração do empregado no periodo de afastam ento. Acordo coletivo. Dies a q u o da prestação mensal. CC, art. 1.539. Exegese. Dano moral. Elevação a patam ar razoável. Honorários advoeatícios. Juros moratórios. Súmula n. 5 4 -STJ. I. Diversamente do beneficio prevideneiário, a indenização de cunho civil tem por objetivo náo apenas o ressarcimento de ordem econômica, mas, igualm ente, o de compensar a vitim a pela lesão física causada pelo ato ilícito do empregador, que reduziu a sua capacidade laborai em caráter definitivo, inclusive pelo natural obstáculo de ensejar a busca por melhores condições e remuneração na mesma empresa ou no mercado de trabalho. II. Destarte, ainda que paga ao empregado a mesma remuneração anterior

Arts. 399 e 400

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por força de cum prim ento a acordo coletivo de trabalho, o surgim ento de seqüelas permanentes há de ser compensado pela prestação de pensão desde a data do sinistro, independentem ente de não ter havido perda financeira concretam ente apurada durante o periodo de afastam ento. III. Acidente de trabalho configura espécie de ilícito extracontratual, de sorte que os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, nos term os da Súmula n. 54 do STJ" (REsp 402.833, Rei. M in. Aldir Passarinho Júnior, DJ, 7 -4 -2 0 0 3 , p. 292).

Art. 3 9 9 .0 devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada. HISTÓRICO • 0 artigo em análise náo foi alterado durante a tram itação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. Trata-se de mera repetição do art. 957 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Já vim os, quando com entam os o art. 3 9 3 , que na im possibilidade da prestação por caso fo r­ tu ito ou força m aior, estes ocorridos antes da m ora, nenhum a responsabilidade poderá ser im putad a ao devedor. Se a im possibilidade ocorrer depois da m ora, o devedor responderá por perdas e danos, pois assumiu o risco de perm anecer com a coisa ou de re ta rd a r o c u m p rim e n ­ to da obrigação. • 0 a rt. 3 9 9 ate n u a a regra geral de que todos os riscos devem ser suportados pelo devedor em m ora, e x o n e ran d o -o da responsabilidade de provar: a) inexistência de culpa q u a n to à m ora; b) que o dano teria ocorrido, ainda que a prestação tivesse sido cum prida p o n tu alm en te.

JULGADOS • "Alienação fidueiária de bem móvel. Ação de depósito. (...) Estando a devedora em mora no mo­ m ento em que o bem dado em garantia fidueiária foi roubado, responde pela impossibilidade da prestação (CC/2002, art. 399). A ré deve consignar nos autos a quantia correspondente ao valor do bem (m otocicleta), em cinco dias (CPC, art. 902, inc. I). Caso náo atenda ao comando a obri­ gação poderá ser exigida nos próprios autos. A partir da ediçào da Súmula Vinculante n. 25 do Colendo Supremo Tribunal Federal, é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. Recurso provido em parte" (TJSP, Ap. 9 9 2 0 8 0 2 7 8 0 5 0 , Rei. Des. Antonio Benedito Ribeiro Pinto, j. em 2 9 -6 -2 0 1 0 ). • "Transporte. Roubo de carga. Ressarcimento. Responsabilidade da transportadora. Alegação de força maior. Afastam ento. 1. Estando a ré-apelante em mora, pois nào entregou a mudança transportada no prazo contratado, tal situação, a teor do disposto no art. 399 do CC, afasta a alegação de caso fo rtu ito ou de força maior, devendo, em razão disso, ser m antida a sentença atacada. 2. Danos morais e materiais provados, merecendo ser m antido o q u a n tu m indenizatório fixado a estes títulos. Apelação da ré e recurso adesivo desprovidos" (TJRS, Ap. 70 02 8 0 61 9 4 3, Rei. Des. Voltaire de Lima Moraes, j. em 1 2 -8 -2 0 0 9 ).

Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.

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Art. 400

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 958 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 art. 4 0 0 estabelece os efeitos da m o ra a c c ip ie n d i, a saber: a) o devedor, desde que nào ten h a agido com dolo para provocar a m ora, não responderá pelos riscos com a conservação da coisa; b) as despesas que o devedor tiv e r com a conservação serão ressarcidas pelo credor; c) se o valo r da prestação oscilar e n tre o dia estabelecido para o p ag am en to e o dia do e fe tiv o recebim ento, o credor estará obrigado a receber pelo v a lo r mais favorável ao devedor; d) o devedor pode desobrigar-se, consignando o pagam ento. • N o c a s o d o m ú tu o fe n e ra tic io , a m o ro d o c re d o r fa z c e s s a r a flu ê n c ia d os ju r o s ? Entendem os que sim. A posição, e n tre ta n to , não é unânim e. Beviláqua registra as divergências: " 0 Código Civil Brasileiro refere-se à aten u ação da responsabilidade do devedor, declarando que ele, som ente responde por seu dolo, após a m ora do credor; mas nâo fala na cessação dos juros, com o fa z o alem ão, a rt. 3 0 1 . Se a dívida é produtiva de juros, cessam estes, desde a m ora do credor. Todavia é tã o racional esta isenção de juros d u ra n te a m ora do credor que podemos considerá-la incorporada ao nosso d ire ito , in d e p e n d e n te m en te de disposição expressa. É certo que, em relação ao ponto, a opinião dos doutos é divergente. Assim é que W indscheid (Pond, II, § 3 4 6 , nota 7) acha que eles sào devidos, com o fru to s da coisa, porque o devedor goza do capital. M om m sen, porém frisa, a diferença e n tre os fru to s prop riam en te ditos e os ju ro s do capital, e fa z sentir que não se devem cobrar juros de um a q u a n tia, que o devedor devia conservar à disposição do credor, para e n tre g a r a q u a lq u e r m om ento. Aliás, havendo consignação, cessam os juros (art. 796)" (Clóvis Beviláqua, C ó d ig o C iv il c o m e n ta d o , cit., p. 1 1 8 -9 ).

JULGADOS • "Cum prim ento de sentença. M u lta com inatória. Mora do credor. Encargos incidentes sobre imóvel objeto de promessa de compra e venda. Ao negar-se a cum prir o negócio jurídico entabulado, no que pertine à transferência do imóvel que é parte do pagam ento, a parte incorreu em mora do credor, isentando o devedor de quaisquer ônus e encargos de conservação do imóvel que consubs­ tanciava parte de sua contraprestação no negócio jurídico, nos termos do artigo 4 0 0 do CC/2002. É impossível a cobrança de m ulta com inatória de quem nào está em mora com a obrigação. Re­ curso não provido" (TJMG, Ap. 1.00 5 1 .05 .0 1 33 3 4 -0 /00 5 , Rei. Des. Cabral da Silva, j. em 2 3 -3 -2 0 1 0 ). • "Ação de cobrança. Consórcio contemplado. Alienação fiduciária dos veículos. Inadim plência de prestações. Busca e apreensão. Veículos à disposição do credor desde o ano de 1993. Venda reali­ zada somente no ano de 2007. M ora não atribuível aos devedores. Efeitos. 0 valor da venda dos veículos deve ser abatido da divida. Fere os princípios de justiça perm itir que seja abatida da di­ vida o produto da venda dos veículos, ocorrida somente em 2007, quando os mesmos estavam na posse da ap e lad a desde 1 9 9 3 . A p lic a ç ã o a n a ló g ic a do a rt. 4 0 0 , C C /2 0 0 2 " (TJMG, Ap. 1 .0 4 3 2 .04 .0 0 75 7 4 -4 /00 1 . Rei. Des. M ota e Silva, j. em 3 -1 1 -2 0 0 9 ). • "Direito de fam ília. Separação judicial. Divisão de bens. Direito obrigacional. Obrigação de dar coisa certa. Prazo de trin ta dias. Divida quesível. Mora do credor. Perecimento do objeto. Fixação do valor. Liquidação. Tratando-se de obrigação quesível, constitui-se em mora o credor que, no term o estipulado, não diligencia na recepção do seu crédito perante o devedor, ficando esse de­ sonerado do pagam ento de juros de mora. 0 valor da coisa perecida deve ser fixado em liquidação, levando-se em consideração a desvalorização natural do objeto" (TJMG, Ap. 1.06 4 7 .06 .0 6 08 9 9 7/001, Rei. Des. M anuel Saramago, j. em 7 -8 -2 0 0 8 ).

Art. 401

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Art. 401. Purga-se a mora: I — por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuí­ zos decorrentes do dia da oferta; II — por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data. H IS T Ó R IC O • Na redação original do anteprojeto, tal como concebido por Agostinho de Arruda Alvim, o dispo­ sitivo tinha um parágrafo único com a redação seguinte: "Náo se adm ite a purgação da mora quando a ela se oponha a convenção das partes". Na Câmara dos Deputados, ainda na primeira fase, foi oferecida emenda de autoria do então Deputado Tancredo Neves, suprimindo o parágra­ fo. Durante a tram itação no Senado e posterior retorno à Câmara, não houve mais emendas. Corresponde ao a r t 959 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Purgação ou em enda da m ora é a extinção dos efeitos fu tu ro s do estado moroso, em decor­ rência da o fe rta da prestação, pelo devedor, acrescida de todas as perdas e danos a té o dia da o fe rta , ou ainda em face da pro n tifieação do credor em receber a coisa, pagando todos os encargos advindos com a sua dem ora em receber. • A purgação pode ser a d m itid a a qu alq u er tem po , m esm o depois de iniciada a ação executiva c o n tra o devedor ou a consignatória c o n tra o credor. Nesses casos, as perdas e danos inclui­ rão ta m b é m os honorários advoeatícios e as custas judiciais. • P ode a c o n v e n ç ã o d a s p a rte s im p e d ir a p u rg a ç ã o d a m o ra ? Sobre o assunto, decidiu a Câ­ m ara dos D eputados no período inicial de tra m ita ç ã o do p rojeto . Na ocasião, registrou o D eputado Ernani Sátyro, em seu relató rio geral: "Na realidade, m u ito em bora o Código v i­ g e n te perm ita que as partes livrem en te convencionem a proibição da purgação da m ora, esta deve ser sem pre ad m itid a , com o preceito de ordem pública. Nos dias atuais, com o restrição de ordem social à a u to n o m ia da vo n tad e, deve prevalecer o princípio que assegura sempre d ire ito à purgação da m ora, nos casos previstos na lei. É sobretudo nos negócios estipulados e n tre pessoas de nível c u ltu ra l e econôm ico diverso, ou nos contratos de adesão, que consta a exclusão da purgação da m ora em v irtu d e de convenção das partes, com graves prejuízos ao co n tra e n te mais fraco. M u ito em bora possa haver hipóteses em que a conclusão do ne­ gócio só convenha quand o previsto o a d im p le m e n to em data certa, a concessão do d ireito de purg ar a m ora resulta de relevantes razões de natu reza social que cabe ao legislador preservar".

SÚMULA • Súm ula 3 8 0 do STJ: “A simples propositura da ação de revisão de c o n tra to nào inibe a carac­ terização da m ora do autor".

JULGADOS • "Agravo de instrum ento. Alienação fidueiária. Busca e apreensão. Emenda da mora. Verificação. Possibilidade da emenda m ediante o depósito das prestações vencidas e dos correspondentes encargos moratórios. Precedentes deste Sodalicio, destacando-se a decisão proferida pelo Egrégio Órgão Especial no Incidente de Inconstitucionalidade n. 150.402.0/5. Recurso inepto na passagem em que sustenta desacertado o depósito realizado pelo devedor, ainda a se adm itir a emenda da mora. Valor depositado que, nos termos do dem onstrativo de cálculo apresentado pelo devedor e acolhido pelo magistrado de primeiro grau, engloba os encargos moratórios e as despesas do processo, inclusive honorários de advogado. Irresignação nào justificando o porquê do suposto

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desacerto do raciocínio expresso na decisão agravada para te r como correto o depósito, até à falta de apresentação de dem onstrativo de cálculo do que a agravante considera devido. Agravo conhecido apenas em parte e, na parte conhecida, desprovido" (TJSP, Al 9 9 01 0 2 62 5 1 84 , Rei. Des. Ricardo Pessoa de M ello Belli, j. em 8 -7 -2 0 1 0 ). • "Alienação fiduciária em garantia. Purgação da mora. Parcelas vencidas. Possibilidade. A nova redação dada ao Decreto-Lei n. 911, de 1969, pela Lei n. 10.931, de 2004, não veda a purgação da mora. A faculdade de purgação restrita às parcelas vencidas prestigia a continuidade do contrato, principio do Código de Defesa do Consumidor. Providência tam bém útil ao credor fiduciário, que tem interesse no recebimento do valor financiado. Veículo alienado extrajudicialm ente. Na im ­ possibilidade de devolução, medida adequada seria substituição por depósito, em garantia do valor do veiculo pela Tabela FIPE. Questão não devolvida. Recurso não provido" (TJSP, Ap. 9 9 20 6 0 01 8 4 10 , Rei. Des. Sá M oreira de Oliveira, j. em 2 1 -6 -2 0 1 0 ). • "Administrativo. Intervenção do Estado na propriedade. Desapropriação. Embargos do executado. Depósito judicial. Pressuposto processual para suspensão da execução. Pagamento da indenização. Incompatibilidade. Violação dos artigos 3 9 6 e 401 do CC. Prequestionamento ausente: Súmula 2 1 1/STJ. 1 . 0 depósito realizado a fim de garantir o juízo não se equipara ao pagam ento da inde­ nização decorrente da expropriação. Consiste em pressuposto processual para a concessão do efeito suspensivo à execução enquanto se discute as questões trazidas nos embargos do executa­ do, nos termos previstos no artigo 739-A , § 1o, do CPC. 2. Não ocorrendo o pagam ento da inde­ nização, não há que falar na purga da mora..." (REsp 1.040.088/PR, 2* T., Rei. M in. Eliana Calmon, j. em 1 8 -8 -2 0 0 9 ).

C ap ítu lo III — DAS PERDAS E DANOS

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. HISTÓRICO • 0 dispositivo nâo foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.059 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • E ntende-se por perdas e danos a indenização im posta ao devedor que nào cum priu a o b ri­ gação, to ta l ou parcialm ente. • 0 dispositivo estabelece a extensão das perdas e danos, que devem abranger: a) Dano em ergente: é a d im inuição p a trim o n ial sofrida pelo credor; é aquilo que ele e fe ti­ v a m en te perde, seja porque teve depreciado o seu patrim ô n io , seja porque a u m en to u o seu passivo. b) Lucros cessantes: consistem na d im inuição potencial do p a trim ô n io do credor, pelo lucro que deixou de au fe rir, dado o in a d im p le m e n to do devedor. • Os lucros cessantes só sào devidos quando previstos ou previsíveis no m o m en to em que a obrigação fo i contraída.

JULGADOS • "Civil. Descumprimento de contrato de transporte de documentos pela ré. Atraso injustificado na entrega dos papéis. Autora impedida de participar de procedimento licitatório, que teria vencido

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em dois itens, porquanto apresentou menor preço em ambos. Dever de indenizar caracterizado. Aplicação do artigo 4 0 2 do CC /2002. Sentença m antida. Recurso desprovido. Nos term os do a rti­ go 4 0 2 do Código Civil vigente, a parte lesada pelo descum prim ento contratual pode exigir do culpado a reparação das perdas e danos, abrangendo o que efetivam ente perdeu e o que deixou, razoavelmente, de ganhar" (TJSC, Ap. 2 0 0 8 .0 2 2 9 7 8 -3 , Rei. Des. Luiz Carlos Freyesleben, j. em 3 1 8 -2 0 0 9 ). • "DANOS MATERIAIS. Despesas médicas. Comprovação nos autos e fixados pela sentença recorrida. Indenização m antida. Danos materiais. Incapacidade laborativa comprovada. Pensão mensal v ita­ lícia arbitrada com base no salário percebido pela vitim a à época dos fatos. Possibilidade de cum ulação com a aposentadoria recebida pelo INSS. 1. Em m atéria de acidente de trabalho, ocorrendo redução ou incapacidade laborativa, a pensão alim entícia mensal a ser fixada, a titulo de indenização comum, devida ao acidentado, é vitalícia, uma vez que a sua incapacidade irá permanecer durante a sua vida inteira. 2. Nào caracteriza bis in id e m o fato de o acidentado re­ ceber a pensão mais benefício previdenciário em decorrência do mesmo infortúnio, uma vez que a regra contida no art. 7®, XXVIII, da Constituição da República estabelece que os trabalhadores urbanos e rurais possuem um seguro contra acidentes de trabalho, que fica a cargo do em prega­ dor, através do recolhim ento das contribuições previdenciárias; e uma indenização devida pelo empregador, no caso de incidir em dolo ou culpa no acidente ocorrido com o seu empregado. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. Fazenda Pública. Fixação em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Entendim ento jurisprudencial desta corte. Incidência sobre a soma das parcelas vencidas, vincendas (12) e danos morais e matérias (despesas médicas). 1. É pacifico neste Tribunal o entendim ento de que a Fazenda Pública não deve suportar honorários advoeatícios acima do percentual de 10% , na hipótese de sucumbir. 2. 0 cálculo da verba honorária, nos casos de inde­ nização decorrente de ato ilícito, deve incidir sobre as parcelas vencidas e doze das prestações mensais vincendas, como tam bém sobre a condenação dos danos morais e m ateriais (despesas médicas)" (TJSC, AC 2 0 0 5 .0 1 2 7 3 2 -5 , de São Francisco do Sul, Rei. Des. Nicanor da Silveira, j. em 1 0 -1 1 -2 0 0 5 .

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só in­ cluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.060 do Código Civil de 1916, com pequena m elhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • Na inexecução dolosa os lucros cessantes prescindem do requisito da previsibilidade, já que não será exigível prever o dolo, razão por que a indenização deve ser a mais am pla possível. • A inda assim, não pode a indenização a b ran g er o dano even tual ou rem oto, mas apenas a q u e ­ le decorrente, direta e im e d ia ta m e n te da inexecução dolosa. Do co n trário , com o bem desta­ ca João Luís Alves, "fosse o devedor obrigado a indenizar os não efetivos, os m ediatos ou indiretos ch e g a r-s e -ia , com o observa HUC, a indenizações enorm es, contrárias à equidade, q ue é preciso observar sem pre, ainda mesmo a respeito do devedor incurso em fra u d e (dolo)" ( C ó d ig o C iv il a n o ta d o , cit., p. 7 1 3). • P e rd a d e u m a c h a n c e : A aplicação do dispositivo nào c o n flita com a te o ria francesa da “per­ da de um a chance" (as chances perdidas devem ser consideradas com o danos autô nom os e indenizáveis), que vem g anhand o corpo na d o u trin a e na jurisprudência pátrias. Devem -se d ife re n c ia r “os danos potenciais e prováveis e, p o rtan to , indenizáveis, dos danos puram ente eventuais e hipotéticos, cuja reparação deve ser rechaçada" (PETEFFI DA SILVA, Rafael. "A

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responsabilidade pela perda de um a chance e as condições para a sua aplicação", in DELGA­ DO, M á rio Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (coord.). N o v o C ó d ig o C iv il: q u e s tõ e s c o n tro v e rtid a s , São Paulo: M é to d o , 2 0 0 6 , v. 5). Q uando se fa la em perda de um a chance, ensina N oronha, “p arte-se de um a situação real, em que havia a possibilidade de fa ze r algo para o b te r um a van ta g e m , ou para e v ita r um prezuízo, isto é, parte-se de um a situação em que existia um a chance real, que fo i fru strad a. Já a situação vantajosa que o lesado podia alm ejar, se tivesse apro veitad o a chance, é sem pre de natu reza mais ou m enos aleatória. Todavia, apesar de ser aleató ria a possibilidade de o b te r o benefício em expectativa, nestes casos existe um dano real, que é constitu ído pela própria chance perdida, isto é, pela o po rtunidade, que se dissipou, de o b te r no fu tu ro a van tag em , ou de e v ita r o prejuízo que veio a acontecer. A diferença em relação aos dem ais danos está em que esse dano será reparável quand o fo r possível calcular o grau de probabilidade, que havia, de ser alcançada a v a n ta g e m que era esperada, ou inver­ sam ente, o grau de probabilidade de o prejuízo ser evitado. 0 grau de probabilidade é que d eterm in ará o v a lo r d a re p a ra ç ã o " (NO RO NHA, Fernando. D ire ito d a s O b rig a çõ e s, Sào Paulo: Saraiva, 2 0 0 3 , v. 1, p. 6 6 5 -6 6 6 ).

JULGADOS • “Apelação civil. Ação de indenização. Responsabilidade civil do advogado. Perda de uma chance. Obrigação de meio que não elide o dever de prestar serviços de form a adequada e de acordo com os interesses do cliente. Hipótese em que o advogado deixa de comparecer à audiência e de co­ m unicar a sua realização ao cliente deixando que ocorresse a revelia. Apelação interposta que não foi conhecida por intem pestividade. Dano causado tendo em vista a perda da possibilidade de conseguir resultado mais favorável no processo. Configuração de negligência e imprudência do advogado. Dever de indenizar. Q u a n tu m indenizatório que não se vincula ao valor efetivam ente perdido. Condenação ao pagam ento dos honorários advocaticios despendidos na causa. Deram provim ento, em parte, ao apelo. Unânime" (TJRS, Ap. 7 0 03 5 6 39 7 1 5, Rei. Des. O távio Augusto de Freitas Barcellos, j. em 3 0 -6 -2 0 1 0 ). • “Apelação civel. Responsabilidade civil. Ação de indenização. Perda de uma chance. Para a aplica­ ção da teoria francesa da perda de uma chance, é necessário que haja grande probabilidade de que a chance perdida se concretizasse. Hipótese em que se mostra inviável a aplicação da teoria diante da ínfim a possibilidade de o autor ser sorteado em meio a milhares de pessoas que concor­ riam mensalmente aos prêmios. Sentença reform ada. Apelação provida" (TJRS, Ap. 7 0 03 2270803, Rei. Des. Paulo Roberto Lessa Franz, j. em 2 4 -6 -2 0 1 0 ). • "Responsabilidade civil. Perda de uma chance. Ó bito de feto no 9 o mês de gestação, dentro do útero da mãe. Autores que pretendem responsabilizar a médica que acompanhou o pré-natal, sob o argum ento de que ela errou na previsão da data do parto. Embora não se possa dizer que hou­ ve equivoco quanto à estimativa da idade gestacional ou responsabilidade direta da médica na m orte da criança, é de se adm itir que a adoção de com portam ento desidioso colaborou para que a autora sofresse abalo moral com a perda do filho. Paciente que, dias antes do ocorrido, já esta­ va reclamando de fortes dores e nâo foi adequadam ente examinada e nem encaminhada a hos­ pital. Ultrassom atestando o óbito intrauterino associado à severa redução de líquido amniótico, situação que poderia ter sido averiguada anteriorm ente, aum entando as chances de a autora ter uma gestação de sucesso. Médica responsável pelo pré-natal nâo forneceu nenhum a explicação para o óbito do feto. Danos materiais indevidos, declarada a compensação pelos efeitos danosos derivados do descaso com o atendim ento. Recurso parcialm ente provido, para arbitrar indenização por danos morais de R$ 10.000,00" (TJSP, Ap. 9 9 4 0 9 3 2 2 5 4 8 8 , Rei. Des. Enio Zuliani, j. em 2 4 -6 2010). • "Contrato. Frustração em menos de seis meses. Aplicação, no distrato, de cláusula contratual que prevê retenção de até 60% , o que contraria o principio do art. 53, da Lei 8 0 7 8 /9 0 e das regras do equilíbrio econômico do contrato. Legalidade da sentença que autoriza reter 10% , o que é sufi­ ciente para fins do art. 403, do CC. Provimento, em parte, apenas para determ inar que os juros incidam da data da citação (art. 405, do CC)" (TJSP, Ap. 9 9 4 0 8 0 5 0 1 9 3 9 , Rei. Des. Enio Zuliani, j. em 2 9 -1 0 -2 0 0 9 ).

Art. 404

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• "Ação de indenização. Acidente de trabalho. Contrato de prestação de serviços. Emenda 4 5 /0 4 . Competência da justiça com um . Natureza juridico-adm inistrativa destes contratos. Denunciação da lide. Possibilidade de condenação direta do denunciado. Acidente de veiculo. Inexistência de nexo de causalidade. (...) Em nosso ordenam ento, como resulta do disposto no art. 1080 do CC (art. 4 0 3 do CC/2002), a teoria adotada quanto ao nexo causai é a teoria do dano direto e imediato. As ordens emanadas pelos tomadores de serviço para que o autor desempenhasse determ inada tarefa são insuficientes a ensejar o dever de indenizar de dano decorrente de acidente de veiculo" (TJMG. Ap. 1 .0 4 9 8 .04 .0 0 42 4 3 -0 /00 1 (1 ), Rei. Des. Ernane Fidêlis, j. em 2 8 -7 -2 0 0 9 ). • "Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos morais e materiais. Contrato de compra e venda de motocicleta. Tradição do bem em local diverso do pactuado. Acidente de trânsito pos­ terior ao exaurim ento do ajuste. Pretensão indenizatória do autor calcada na inadim plência da empresa ré. Sentença de improcedência. Insurgência do dem andante. Alegação de culpa da em ­ presa pela ocorrência do sinistro em que se envolveu. Descabimento. Inexistência de nexo de causalidade direto e im ediato entre a conduta contratual da apelada e o dano suportado pelo recorrente. Inteligência do art. 403 do CC. Nulidade de sentença. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Julgam ento antecipado da lide. Provas suficientes ao livre convencimento do magistrado. Desnecessidade de dilaçáo probatória. Sentença m antida. Recurso desprovido. (...) 2. Inobstante haja realizado a entrega do veiculo adquirido pelo apelante em local distinto do que havia sido acordado, a empresa recorrida náo é responsável pelos danos decorrentes do acidente de trânsito em que se envolveu o recorrente, vez que os prejuízos por cuja indenização pleiteia resultaram, direta e im ediatam ente, da conduta do próprio consumidor, o qual, aliás, sequer contava com a devida habilitação para conduzir" (TJSC, Ap. 2 0 0 8 .0 7 3 4 4 3 -5 , Rei. Des. Eládio Torret Rocha, j. em 1°-7-2009).

Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangen­ do juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional. Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar. H IS T Ó R IC O • A redação original do anteprojeto falava apenas em "juros de mora e custas", repetindo no ca p ut, ip sis litte ris , a redação do art. 1.061 do Código Civil de 1916. Emenda do Deputado Ernani Sátyro acrescentou "correção monetária e honorários de advogado". Por subemenda do Senador Josaphat M arinho, a expressão "correção m onetária" foi substituída por "atualização monetária".

DOUTRINA • Nas obrigações pecuniárias, as perdas e danos são preestabelecidas. 0 dano em e rg e n te é a própria prestação, acrescida de atualização m on etária, custas e honorários advoeatícios. Os lucros cessantes são representados pelos juros de mora. • 0 a rt. 4 0 4 , em seu p arágrafo único, inova o d ire ito an te rio r, ao p e rm itir que o ju iz conceda ao credor indenização suplem entar, com provado que os ju ro s de m ora sào insuficientes à c obertura dos prejuízos, situação das mais freqüentes. Os juros de m ora, lim itados pelo Có­ digo a tu al ao percentual que estiver sendo cobrado pela Fazenda N acional pela m ora dos trib u to s federais [v. a rt. 4 0 6 deste Código), serão sem pre insuficientes, se com parados às taxas n o rm alm en te cobradas pelo m ercado finan ceiro . • T rata-se de mais um dos vetores de equidade consagrados no Código Civil vig en te e sua aplicação deve ser fe ita pelo Juiz in d e p en d en tem en te de pedido na petição inicial. A expres­ são "pode o ju iz" tra d u z e fe tiv o “dever" do m agistrado de aplicar a justiça do caso concreto.

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Art. 405

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 162, aprovado na lil Jornada de Direito Civil de 2004: "Os honorários advocaticios, previstos nos artigos 389 e 4 0 4 do Código Civil, apenas têm cabim ento quando ocorre a efetiva atuação profissional do advogado".

JULGADOS • "Cambial. Duplicata m ercantil. Entrega de produto em quantidade inferior à contratada e m erca­ dorias sem condições de uso. Afirmações desacompanhadas de prova docum ental ou técnica. Juntada, pela ré, de documentos probatórios da causa subjacente às emissões. Exigibilidade do titulo. Declaratória im procedente. Apelação desprovida. Perdas e danos. Duplicata mercantil. Exigibilidade judicialm ente reconhecida. Pretensão da reconvinda ao pagam ento de indenização suplementar, com fundam ento no art. 404, parágrafo único, do CC. Improcedência. Falta de pro­ va de que juros de mora não cobrem prejuízo, porque este nào foi demonstrado nos autos. Reconvenção improcedente. Apelação desprovida" (TJSP, Ap. 991060494230, Rei. Des. Ricardo Negrão, j. em 2 7 -4 -2 0 0 9 ). • "Compromisso de compra e venda. Inadim plem ento da incorporadora prom itente vendedora. Ir­ regularidade do em preendim ento. Ausência de expedição do ‘habite-se'. Resolução contratual, com efeitos ex tunc. Devolução da integralidade das parcelas pagas, devidam ente atualizada e acrescida de juros moratórios. Pedido de indenização por perdas e danos. Inexistência de danos morais, em razão da ausência de prova ou mesmo descrição de sofrim ento apreciável decorrente do inadim plem ento. Ausência de prova de danos materiais. Supostos danos excedentes que não foram especificados ou comprovados. Indenização suplem entar que pressupõe a insubsistência dos juros moratórios como compensação dos prejuízos. M anutenção da sentença recorrida. Re­ curso improvido" (TJSP, Ap. 9 9 4 0 8 0 2 2 4 0 4 6 , Rei. Des. Francisco Loureiro, j. em 4 -1 2 -2 0 0 8 ).

Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào foi atingido por nenhum a modificação, seja da parte do Senado Fede­ ral, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. A redação atual é a mesma do Anteprojeto, elaborado pelo Prof. Agostinho de Arruda Alvim. Corresponde ao § 22 do a r t 1.536 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Este artig o tam bém inova o d ire ito legislado an te rio r, já que ausente do Código Civil de 1916, ainda que presente especificam ente no § 2* do a rt. 1.536, que versava sobre liquidação de obrigação iliquida. • 0 dispositivo h arm o n iza-se com o a rt. 2 1 9 do CPC de 1 9 73 , segundo o qual a citação inicial, ainda que ordenada por ju iz incom petente, constitu i em m ora o devedor. • D u ran te a prim eira passagem do projeto na Câm ara dos Deputados, fo ra apresentada em e n ­ da para a lte ra r a redação do a rtig o , a fim de que os juros de m ora fossem contados, em qualq u er hipótese, desde o v e n c im e n to da obrigação. A orien tação e n tã o a dotada pela Câ­ m ara e posteriorm ente ra tific a d a pelo Senado, nào te n d o sido mais o b je to de novas em endas, fo i no sentido de não ser admissível que o credor tard e a d e fe n d e r o seu d ire ito para, depois, te r os benefícios dos juros de m ora. Pode ocorrer que a cobrança ten h a deixado de ser fe ita devido a acordo tá c ito e n tre as partes, depois alte rad o a ju ízo do credor. Poderia ainda o credor re ta rd a r a cobrança com a fin a lid a d e de receber os juros de m ora. Em sum a, ao credor m oroso nào devem caber juros de m ora.

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• A regra geral de contagem dos juros de m ora a p a rtir da eitaçào inicial só tem aplicação q uando inexistir regra específica, que pode estabelecer m arcos d iferentes para a m ora. Assim, nas obrigações positivas e líquidas, os juros de m ora devem ser contados a p a rtir do ven ci­ m en to do te rm o (art. 3 9 7 ), e n q u an to , nas obrigações provenientes de a to ilícito, os juros m oratórios sào contados desde o m o m e n to em que o a to é com etid o (art. 3 9 8). Na prática, essa co n tag em de juros a p a rtir da citação se dará apenas nas hipóteses de obrigação sem te rm o de ven cim en to , havendo necessidade de notificação, interpelação, protesto ou citação do devedor para c o n s titu í-lo em m ora, ou ainda nas obrigações ilíquidas, cuja liquidação seja fe ita por decisão ju d ic ia l. Nesse sentido, c o n fira -s e M arcos Jorge C atalan, D e s c u m p rim e n to c o n tr a tu a l: m o d a lid a d e s , c o n s e q ü ê n c ia s e h ip ó te s e s d e e x c lu s ã o d o d e v e r d e in d e n iz a r, C u ritib a .J u ru á , 2 0 0 5 , p. 1 4 6 -7 .

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 427, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Os juros de mora, nas obrigações negociais, fluem a partir do advento do term o da prestação, estando a incidência do disposto no a r t 405 da codificação lim itada às hipóteses em que a citação representa o papel de notificação do devedor ou àquelas em que o objeto da prestação nào tem liquidez". • Enunciado 163, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A regra do art. 405 do novo Código Civil aplica-se somente à responsabilidade contratual e não aos juros moratórios na res­ ponsabilidade extracontratual, em face do disposto no art. 3 9 8 do novo Código Civil, náo afas­ tando, pois, o disposto na Súmula 54 do STJ".

SÚMULA • Súmula 54 do STJ: "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabi­ lidade extracontratual".

JULGADOS • "Cobrança. Caderneta de poupança. Cum prim ento da sentença. Impugnação. Conta elaborada pelo contador do juízo acatada pela decisão. Irresignação do agravante quanto ao term o inicial dos juros, que se contam da citação, em conform idade com o art. 4 0 5 do CC. Sentença que fixou como term o inicial a data em que o pagam ento deveria ter ocorrido. Com efeito, os juros são devidos desde a ocorrência da mora, que nem sempre coincide com a citação. Agravo de instrum ento nào provido" (TJSP, Al 9 9 0 1 0 0 1 9 7 3 5 5 , Rei. Des. Romeu Ricupero, j. em 1 5 -4 -2 0 1 0 ). • "Cum prim ento de sentença. Impugnação. Excesso de execução. Juros moratórios. Incidência. Sentença, m antida por acórdão com trânsito em julgado, que determ inou a incidência dos juros moratórios a partir da data de aniversário das contas poupança. Cálculos elaborados pelo conta­ dor judicial em conformidade com o decisum . Impugnação ao cum prim ento de sentença rejeita­ da. Tratando-se de m atéria de ordem pública, possível a adequação da r. sentença e a conseqüen­ te reform a da decisão agravada, para o fim de determ inar a elaboração de novos cálculos, com incidência dos juros moratórios a partir da citação, nos term os do art. 4 0 5 do NCC. Decisão refor­ mada. Agravo provido, com determinação" (TJSP, Al 9 9 00 9 3 50 8 6 99 , Rei. Des. Salles Vieira, j. em 2 6 -3 -2 0 1 0 ).

C ap ítu lo IV — DOS JU R O S LEGAIS

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

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HISTÓRICO • 0 artigo em análise não foi submetido a nenhum a espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Corresponde aos arts. 1.062 e 1.063 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • J u ro s m o r a tó rio s le g a is : Sào assim cham ados quando estabelecidos em lei, sem pre que as partes não houverem convencionado o seu valor. • A qui, o a tu al Código Civil inovou p ro fu n d a m e n te o d ire ito an terio r, ao substitu ir a ta x a de ju ro s fixa de 6 % ao ano pela ta x a que estiver sendo cobrada pela Fazenda N acional pela m ora nos pagam entos dos trib u to s federais. • A possibilidade de aplicação da taxa SEUC para cálculo dos juros de m ora vem sendo ob jeto de acerba discussão. Forte co rren te sustenta que a taxa a que se refere o a rt. 4 0 6 é a do art. 161, § I o, do Código T rib u tá rio N acional, ou seja, 1 % (um por cento) ao mês, ao a rg u m en to de que a SEUC te ria natu reza rem u n erató ria, englobando juros e correção m on etária, e, por isso, nào serviria com o taxa de juros m oratórios. A C orte Especial do STJ, bem com o a sua P rim eira Seção (1* e 2* Turm as), vem a d o tan d o e n te n d im e n to favorável è aplicação da SEUC. E n tre ta n to a Segunda Seção (3 a e 4 J Turmas) do STJ e diversos trib u n ais estaduais p erm ane­ cem aplicando a taxa do CTN. A questão parece longe de alcançar a desejada pacificação pela jurisprudência [v id e em entas transcritas abaixo). • Desde a I a edição desta obra, vim os sustentando a aplicação da ta x a SEUC, a té mesmo para que se atenda à intenção do legislador no sentido de reduzir o in a d im p le m e n to c o n tra tu a l, penalizando com m ais rigor o devedor moroso. 0 v o to proferid o pelo M in istro Teori A lbino Zavascki, no ju lg a m e n to dos EREsp 7 2 7 .8 4 2 /S P pela C orte Especial do STJ, resume todos os argum entos a favo r da aplicação da taxa SEUC, aos quais aderim os sem ressalvas: “(a) o art. 4 0 6 do CC, ao re m e te r è 'taxa que estiver em vigor', expressa a opção do legislador em ado­ ta r um a taxa de juros variável, que poderá ser m od ificada de tem pos em tem pos, já que aplicável a v ig e n te em cada m o m en to dado; (b) o CTN, em seu a rt. 161, § I o, dispõe que a taxa de juros será de 1% , 'se a lei não dispuser de m odo diverso’, o que caracteriza um a norm a supletiva, que pode ser afastada por lei ordinária; (c) o art. 13 da Lei 9 .0 6 5 /9 5 , fa z e n ­ do referência ao a rt. 8 4 da Lei 8 .9 8 1 /9 5 , estabeleceu que nos casos de m ora no pagam ento de trib u to s arrecadados pela SRF serão acrescidos juros equivalentes à taxa referencial do Sistem a Especial de Liquidação e Custódia - SEUC; (d) a utilização da taxa SEUC com o juros de m ora em m atéria trib u tá ria fo i c o n firm a d a em outras norm as, tais com o os arts. 39, § 4 o, da Lei 9 .2 5 0 /9 5 (repetição ou com pensação de tributos), 61, § 3 o, da Lei 9 .4 3 0 /9 6 e 30 da Lei 1 0 .5 2 2 /0 2 ; (e) o STJ te m aplicado a SEUC em dem andas trib u tárias, não re p u ta n d o -a inconstitucio nal; (f) c o n fo rm e o e n te n d im e n to do STF na A D In 4 -D F , a expressão 'juros reais' contida no já revogado a rt. 192, § 3 o, da CF, é de eficácia lim itad a, não havendo que se falar, po rtan to , em vedação constitu cio nal è previsão de juros superiores a 1 2 % ao ano; (g) apesar de a SELIC en g lo b ar juros m oratórios e correção m on etária, não se verifica b is in id e m , pois sua aplicação é condicionada á nào incidência de quaisquer outros índices de atualização". • No to ca n te aos contratos ou às dívidas judiciais em curso, o D ireito In te rte m p o ral distingue as hipóteses de juros legais e juros convencionais. Aos prim eiros m anda aplicar im e d ia ta m e n ­ te a lei nova, en q u an to os juros convencionais se subordinariam à lei v ig e n te ao te m p o da celebração do c o n tra to . Assim, em se tra ta n d o de juros legais, incide im e d ia ta m e n te a lei nova às situações em curso, ainda que a constituição em m ora se ten h a verificad o na vigência do Código revogado. E a razão é simples e lógica, com o explica Campos B a ta lh a :"... não tend o as partes estipulado determ in ad a taxa de juros, se co n fo rm a ra m com o que as leis subsequen­ tes viessem a e s ta tu ir a propósito, qu er tais leis aum entassem , qu er reduzissem a taxa cons­

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ta n te da lei v ig e n te ao te m p o da convenção" (W ilson de Souza Cam pos B atalha, D ire ito in te rte m p o ra l, Rio de Janeiro, Forense, 1 9 80 , p. 3 6 3 ). N o m esm o sentido, o m agistério de Carlos M a x im ilian o , com apoio em Bento de Faria, Cunha Gonçalves e Roubier: “Os juros legais, processuais ou d elituais sáo d ia riam en te produzidos de novo; por isto, vigora a taxa nova, a p a rtir do dia da lei nova. Esta abrange os contratos passados ou em curso; porq uan­ to não diz respeito às convenções, porém ao e s ta tu to legal dos créditos" (D ire ito in te r te m p o ra l, cit., p. 2 0 6). Por onde se conclui que o a rt. 4 0 6 do a tu a l Código Civil incide im e d ia ta ­ m ente nos contratos e nos débitos judiciais em curso de execução. V ai ser aplicado ao cálcu­ lo de débitos vencidos e náo pagos, ainda que o v e n c im e n to te n h a se dado em data an terio r. M as atenção: a incidência do novo percentual só se dará a p artir de 11 de ja n e iro de 2 0 0 3 (Carlos M a xim ilian o , D ire ito in te rte m p o ra l o u te o ria d a re tro a tiv id a d e d a s leis, Rio de Jan eiro -S ão Paulo, Freitas Bastos, 1 9 55 , p. 206).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 164, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “Tendo a m ora do devedor início ainda na vigência do Código Civil de 1 9 16 , são devidos juros de m ora de 6 % ao ano até 10 de ja n e iro de 2 0 0 3 ; a p a rtir de 11 de ja n e iro de 2 0 0 3 (data de en tra d a em v ig o r do a tu a l Código Civil), passa a incidir o a rt. 4 0 6 do Código Civil de 2002".

JULGADOS • "Agravo de instrum ento. Ensino particular. Ação coletiva. Liquidação de sentença. Termo inicial da contagem dos juros de mora. Data da citação na ação coletiva. 1. Com relação à incidência de juros moratórios, é oportuno assinalar que estes são corolários legais da decisão que reconhece o direito pretendido, de sorte que é desnecessário que a sentença disponha expressamente a esse respeito. Inteligência da súmula n. 2 5 4 do Supremo Tribunal Federal. 2. 0 term o inicial para a incidência dos juros moratórios não é aquele atinente à citação na ação individual, visto que se revela inadequado para ser aplicado na elaboração do cálculo dos valores que foram cobrados pela demandada, ora agravante, de form a abusiva. 3. Assim, os juros moratórios são devidos a partir da citação na ação coletiva, quando da constituição da mora, ex vi do art. 219, ca p u t, do CPC, à base de 1% ao mês, na form a do art. 4 0 6 do Código Civil, em consonância com o disposto no art. 161, § 1o, do CTN. Negado seguim ento ao agravo de instrumento" (TJRS, Al 7 0 03 7456357, Rei. Des. Jorge Luiz Lopes do Canto, j. em 1 6 -7 -2 0 1 0 ). • "... A Primeira Seção do STJ, no julgam ento do REsp 1.102.552/CE, tam bém pacificou o entendi­ m ento de que são devidos pela CEF, nas ações em que se discute a inclusão de expurgos inflacio­ nários, juros moratórios no percentual de 0 ,5% (meio por cento) ao mês até a entrada em vigor do novo Código Civil. Posteriormente, à luz do art. 4 0 6 do CC/2002, deve-se adotar a taxa vigen­ te para a mora do pagam ento dos tributos federais, qual seja, a SEUC. 7. Recurso especial parcial­ m ente conhecido e, nessa parte, náo provido" (REsp 1.193.256/ES, 2 a T., Rei. M in. Eliana Calmon, j. em 2 2 -6 -2 0 1 0 ). • "... Os juros hão de ser calculados, a partir do evento danoso (Súmula 54/STJ) à base de 0 ,5% ao mês, ex v i artigo 1.062 do Código Civil de 1916 até a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002). 9. A partir da vigência do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002) os juros m ora­ tórios deverão observar a taxa que estiver em vigor para a mora do pagam ento de impostos de­ vidos à Fazenda Nacional (artigo 406). Taxa esta que, como de sabença, é a SEUC, nos expressos termos da Lei n. 9 .25 0 /9 5. Precedentes: REsp 688536/PA , DJ 18.12.2006; REsp 8 3 0 1 89/PR, DJ 07.12.2006; REsp 813.056/PE, Rei. M inistro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 16.10.2007, DJ 29.10.2007; REsp 947.523/PE, DJ 17.09.2007; REsp 856296/SP DJ 04.12.2006; AgRg no Ag 7 6 6 8 5 3 / MG, DJ 16.10.2006" (REsp 1.124.471/RJ, 1a T., Rei. M in. Luiz Fux, j. em 1 7 -6 -2 0 1 0 ). • "Embargos de declaração. Contradição caracterizada. Indenização. Juros moratórios. Aplicação im ediata do art. 4 0 6 do novo Código Civil - taxa SELIC - aplicabilidade a partir do novo Código Civil. 1. A indenização por danos morais não se submete à regra do art. 1°-F da Lei n. 9 .49 4 /9 7, de modo que o regime de juros moratórios aplicável é aquele previsto no art. 4 0 6 do Código Civil, de seguinte teor: 'Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa es­

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tipulada, ou quando provierem de determ inação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagam ento de impostos devidos à Fazenda Nacional.’ 2. Esta Corte sedi­ m entou o entendim ento de que, à luz do principio do te m p u s r c g it a ctu m , os juros devem ser fixados à taxa de 0 ,5% ao mês (art. 1.062 do CC/1916) no periodo anterior à data de vigência do novo Código Civil (10.1.2003); e, em relação ao periodo posterior, nos term os do disposto no art. 4 0 6 do Código Civil de 2002, o qual corresponde à Taxa Selic, de acordo com o julgam ento dos EREsp n. 727.842/SP, pela Corte Especial. 3. Embargos de declaração acolhidos com efeitos m odificativos, para dar provimento, em parte, ao recurso especial" (EDcl no REsp 1.142.070/SP, 2a T., Rei. M in. Castro M eira, j. em 2 0 -5 -2 0 1 0 ). • "Locação. Responsabilidade contratual. Juros de mora. Lei vigente à êpoca do vencim ento. 0,5% ao mês na vigência do Código Civil de 1916 e 1% ao mês a partir da vigência do novo Código Civil de 2 0 0 2 .1 . Os juros de mora, decorrentes de responsabilidade contratual, quando não avençados, devem ser fixados de acordo com a lei vigente à data em que passaram a ser exigiveis, ou seja, à época de seus respectivos vencimentos. Precedentes. 2. Devem incidir à taxa de 0,5% ao mês, até o dia 1 0 /0 1 /2 00 3 , nos termos do art. 1.062 do Código Civil de 1916, e à taxa de 1% ao mês, a partir de 1 1 /0 1 /2 0 0 3 , nos termos do art. 4 0 6 do Código Civil de 2 0 0 2 .3 . Agravo regim en­ tal desprovido" (AgRg no REsp 1.040.784/RO, 5a T., Rei. M in. Laurita Vaz, j. em 1 8 -5 -2 0 1 0 ). • “Agravo. Recuperação Judicial. Divergência sobre a taxa de juros aplicável às duplicatas emitidas pela credora. Duplicatas que indicam encargos moratórios acima da taxa máxima legal. Inteligên­ cia dos artigos 4 0 6 do Código Civil, 161, § 1o, do CTN e Decreto n. 22.626/33. A taxa legal m ora­ tória máxima é de 1% ao mês. Agravo desprovido" (TJSP, Al 9 9 40 9 2 82 0 6 43 , Rei. Des. Pereira Calças, j. em 4 -5 -2 0 1 0 ). • "Civil e processual civil. Agravo regim ental nos embargos de divergência no recurso especial. Ação indenizatória. Responsabilidade contratual. Juros de mora. Incidência. Decisão em conformidade com a atual jurisprudência desta corte. 1. As Turmas que compõem a Segunda Seção deste Eg. Tribunal firm aram convicção que na responsabilidade contratual os juros de mora incidem a par­ tir da citação, pela taxa do art. 1.062 do Código de 1916 até 10.1.2003 (0,5% ao mês) e, após essa data, com a entrada do Código Civil de 2002, pelo art. 4 0 6 do atual diplom a civil (1 % ao mês); 2. Decisão recorrida em perfeita consonância com a atual jurisprudência desta Corte, incidência da Súmula 168/STJ; 3. Agravo Regimental não provido" (AgRg nos EREsp 8 7 1 .9 2 5 /M 6 , 2a S., Rei. Min. Honildo Amaral de M ello Castro (Desembargador convocado do TJAP), j. em 2 8 -4 -2 0 1 0 ). • "Embargos infringentes. Retificação de pensão por m orte. Juros de mora. 1%, a teor do art. 406 do CC/02. Inaplicabilidade do art.1°-F da Lei n. 9 .494/97. Os juros de mora sobre as dividas de natureza previdenciária devem ser fixados no percentual de 1% ao mês, afastada a aplicação do artigo 1°-F da Lei n. 9 .49 4 /9 7, por se tra ta r de verba devida a pensionista, de caráter não rem uneratório. As alterações introduzidas no art. 1°-F da Lei n. 9 4 9 4 /9 7 , pela Lei n. 11.960/09, só se aplicam às ações ajuizadas após a sua vigência, nos term os do precedente instaurado no STJ pelo REsp n. 706.287" (TJMG. El 1 .0 0 2 4 .07 .6 6 72 4 1 -9 /00 2 (1 ), Rei. Des. Elias Camilo, j. em 2 8 -1 -2 0 1 0 ). • "Civil. Juros moratórios. Taxa legal. Código civil, art. 406. Aplicação da taxa SEUC. 1. Segundo dispõe o art. 4 0 6 do Código Civil, 'Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determ inação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagam ento de impostos devidos à Fazenda Nacional*. 2. Assim, atualm ente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SEUC, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9 .0 6 5 /9 5 ,8 4 da Lei 8 .9 8 1 /9 5 ,3 9 , § 4 o, da Lei 9 .250/95, 61, § 3o, da Lei 9 .4 3 0 /9 6 e 30 da Lei 10.522/02). 3. Embargos de divergência a que se dá provimento" (EREsp 727.842/SP, Corte Especial, Rei. M in. Teori Albino Zavascki, j. em 8 -9 -2 0 0 8 ).

Art. 407. Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes.

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HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 1.064 do Código Civil de 1916, eom pequena m elhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • Do art. 4 0 7 decorrem dois princípios: 1°) Os juros de m ora são devidos, ind ep en d en tem en te da alegação do prejuízo, já que este será sem pre deco rren te da dem ora culposa do devedor em cum prir ou do credor em receber a prestação. 2o)

Os juros de m ora são devidos, in d e p e n d e n te m en te da natu reza da prestação. Se a o b ri­ gação fo r pecuniária, os ju ro s incidirão sobre a q u a n tia devida. Se nào se tra ta r de d ívi­ da em dinh eiro, os juros incidirão sobre o v a lo r em dinh eiro que v ier a ser determ inado, em sentença, a rb itra m e n to ou acordo das partes, com o eq uivalente ao objeto da pres­ tação descum prida.

JULGADOS • “Agravo de instrum ento. Com plem entaçáo acionária. Brasil Telecom. Impugnação ao cum prim en­ to de sentença. Valor patrim onial: a pretensão da agravante ofende a coisa julgada. Precedentes do STJ. Juros sobre capital próprio: exclusão desta parcela do cálculo apresentado pela parte agravada ante a inexistência de condenação. Dividendos: inovação recursal indevida. Juros m ora­ tórios: Os juros moratórios decorrem de im perativo legal, conform e artigos 293 do CPC e 407 do CC. Não há a alegada duplicidade dos juros moratórios nos cálculos apresentados. M u lta do art. 475-J do CPC: pedido não conhecido, pois nào há qualquer fundam entação a respeito" (TJRS, Al 70 03 6 4 61 6 9 7, Rei. Des. Luiz Roberto de Assis Brasil, j. em 3 0 -6 -2 0 1 0 ). • "Indenização. Danos morais e materiais. Duplicata inválida. Caução. Tutela antecipada. 1. A sen­ tença acolheu pedidos de declaração de inexigibilidade de duplicata e de indenização por danos morais, afastando a indenização por danos materiais, fixando sucumbência recíproca (CPC, art. 21, caput). 2. Apelação da autora reiterando o pedido de indenização por danos materiais e afas­ tam ento da sucumbência reciproca, bem como apelação de corréu postulando o afastam ento da indenização por danos morais. 3. Danos morais configurados, em razão de protesto de duplicata sem origem. Indenização devida, independentem ente do porte da empresa que teve titu lo protes­ tado. Valor arbitrado m oderadamente. Apelação do corrêu rejeitada. 4. Danos materiais existentes. Valor que foi depositado como caução, ficando indisponível. A indenização por danos materiais corresponde, no caso, aos juros moratórios (CPC, art. 273, §§ 2° e 3 o; CC, art. 407), eis que o valor da caução é devolvido a parte, com correção m onetária e juros remuneratórios. Apelação da au­ tora, provida em parte nesse tópico. 5. Sucumbência. Aplicação do parágrafo único e não do c a p u t do art. 21 do CPC. Apelação da autora provida para condenar os réus na sucumbência integral. 6. Recurso da autora parcialm ente provido e recurso do corréu banco não provido" (TJSP, Ap. 9 9 1 0 7 0 5 0 1 2 5 3 , Rei. Des. Alexandre Lazzarini, j. em 2 3 -2 -2 0 1 0 ). • "Processual civil. Embargos do devedor. Execução de honorários advoeatícios. Incidência de juros moratórios sobre o valor do débito. Art. 407 do Código Civil. Cabimento. Taxa dos juros. 1% (um por cento) ao mês. Termo inicial. Data da citação na ação executiva. 1. A inclusão de juros m ora­ tórios na execução de verba honorária deferida na sentença de ação ordinária tem am paro no art. 4 0 7 do Código Civil de 2002 e pode ser feita independentem ente da existência de deliberação expressa na decisão executada, nos termos do art. 293 do CPC e da Súmula n. 254 do Supremo Tribunal Federal. 2. Conquanto cabível a aplicação de juros de mora à verba honorária à base de 1% (um por cento) ao mês (art. 4 0 6 do Código C ivil/2002 c/c o art. 161, § 1o, do CTN), a incidên­ cia destes deve ocorrer a partir da data da citação do devedor na ação executiva, e nào a partir do trânsito em julgado da sentença. 3. Recurso parcialm ente provido" (TJMG, El 1.0024.08.043541 5 /00 1 (1 ), Rei. Des. Edgard Penna Am orim , j. em 1 6 -7 -2 0 0 9 ).

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C ap ítu lo

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Art. 408

V — DA CLÁUSULA PENAL

Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.

HISTÓRICO • O dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 921 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • O a tu a l Código Civil inova o d ire ito an te rio r, ao reposieionar os artigos que tra ta m da cláu­ sula penal para o titu lo concernente ao in a d im p le m e n to das obrigações. No Código Civil de 1 9 1 6 a disciplina da cláusula penal estava eq uivocadam en te inserida e n tre as m odalidades de obrigações. • Cláusula penal ou pena convencional é um pacto acessório em que as partes c o n tratan tes preestabelecem as perdas e danos a serem aplicadas contra aquele que deixar de cum prir a obrigação ou re ta rd a r o seu cum prim ento. • Destaca com propriedade C hristiano Cassettari, em tra b a lh o pioneiro sobre a m atéria, que a cláusula penal não se c o n fu n d e com as a s tre in te s nem com a m u lta descrita no art. 4 7 5 -J do Código de Processo Civil. A prim eira tem natu reza de m u lta c o m in a tó ria processual, fixada pelo ju iz sem lim ita ç ão q u a n to ao seu valor, e a segunda de m u lta pun itiva processual, cujo percentual estabelecido é descrito na lei (cf. M u lta c o n tra tu a l. Teoria e prática. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2 0 0 9 , p.151). • A o art. 4 0 8 aplica-se o mesmo princípio do a rt. 3 9 7 : fixad o prazo para o cu m p rim e n to da obrigação, incide a cláusula penal assim que vencido o prazo e desde que o devedor não com prove a ocorrência de e x d u d e n te de culpabilidade (caso fo rtu ito ou fo rça m aior). Nào havendo prazo, é im prescindível a interpelação para c o n s titu ir em m ora o devedor e, assim, poder exec u tar a cláusula penal. • A redação do dispositivo ficou mais clara que a do seu correspondente no Código Civil de 1 9 1 6 (art. 9 2 1 ), ao deixar expresso que não basta a inexecuçào da obrigação para que seja exigível a cláusula penal. A inexecuçào deve decorrer de fa to im putável ao devedor, daí o acréscim o do advérbio “culposam ente". • Na verdade, com o bem coloca C hristiano Cassettari, o p agam ento da cláusula penal é um a das fo rm as de aplicação da responsabilidade civil c o n tra tu a l, m o tivo pelo qual a sua teoria geral deverá ser aplicada na in terp retação do referido in s titu to . Presentes as e x d u d e n te s de responsabilidade civil c o n tra tu a l, não é devida a cláusula penal, inclusive no caso da fru s tra ­ ção do fim do c o n tra to . Isso porque nào havendo responsabilidade c o n tra tu a l, a cláusula penal, que te m natu reza acessória, sucum be (cf. M u lta c o n tra tu a l, cit., p.120).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 354, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A cobrança de encargos e par­ celas indevidas ou abusivas impede a caracterização da mora do devedor".

JULGADOS • "Contrato de prestação de serviço de telefonia. M u lta por rescisão do contrato. Cláusula penal. Possibilidade de contratação (art. 4 0 8 e ss. do C C ). Valor excessivo que deve ser reduzido. A rt. 413 do CC. Adoção por analogia da m ulta prevista no art. 52, § 1o, do CDC. A m ulta fixada em 3 0 %

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das prestações vencidas mostra-se extrem am ente excessiva, levando-se em consideração que a apelada cum priu os períodos contratuais previamente fixados, não havendo notícias de descum­ prim ento ou inadim plem ento contratual. Apreciação de todas as circunstâncias do negócio ju rí­ dico, dentre eles o periodo de vigência do contrato, seus aditamentos, adimplência contratual, valores e encargos, entre outros, que, se tomadas como premissas para a avença em questão, demonstram o excesso do valor da referida cláusula penal, determ inando sua redução para 2%, ainda mais para se evitar o enriquecim ento sem causa da empresa de telefonia. Recurso parcial­ m ente provido" (TJSP, Ap. 9 9 1 0 9 0 3 3 3 3 0 7 , Rei. Des. Roberto Mac Cracken, j. em 3 -2 -2 0 1 0 ). • Adm inistrativo e processual civil. Contrato adm inistrativo. Construção de subestação de forneci­ m ento de energia elétrica. Inadim plem ento. Cláusula penal. Caráter punitivo. Incidência. Limite. Convenção das partes. A incidência da cláusula penal de caráter punitivo gera, para a parte con­ tratan te prejudicada pelo inadim plem ento, a faculdade de exigir do parceiro infiel a pena con­ vencionada, nos limites contratados, desde que configurada a mora. Inteligência do art. 4 0 8 do Código Civil (...)" (TJRS, Ap. 70 03 0 2 00 6 3 8, 22* Câm. Civel, Rei. Des. M ara Larsen Chechi, j. em 1 0 -1 2 -2 0 0 9 ). • "Civil e processual civil. Apelação. Ação de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel rural. Inadim plência. Culpa do devedor. Caracterização. M ulta. Art. 408 do Código Civil. Exigência. Valor. Cabim ento. Redução. Apelação provida em parte. No caso de rescisão do contrato de com ­ pra e venda, por culpa do devedor por não pagar o preço pactuado, cabe a aplicação da multa contratual compensatória, conform e art. 408 do NCC. A m ulta compensatória pode ser reduzida se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 4 0 8 do Código Civil. Recurso conhecido e provido em parte" (TJMG, Ap. 1.03 3 2 .08 .0 1 62 1 3 -1 /00 1 (1 ), Rei. Des. Márcia de Paoli Balbino, j. em 1 7 -9 -2 0 0 9 ).

Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato pos­ terior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo náo foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. Corresponde aos arts. 9 1 6 e 9 1 7 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A c e s s o rie d a d e d a c lá u s u la p e n a l: Na qualidade de pacto acessório, a cláusula penal é esti­ pulada, em regra, em co n ju n to com a obrigação principal, a d m itin d o o Código, no e n ta n to , que seja convencionada em a to posterior, desde que a n te rio rm e n te ao in ad im p lem en to da obrigação. • Por tra ta r-s e de obrigação acessória, a sua nulidade nào a tin g e a obrigação principal. 0 Código vig en te, nesse ponto, inova de fo rm a fu n d a m e n ta l o d ireito an te rio r, ao suprim ir a regra constante do a rt. 9 2 2 do Código Civil de 1 9 16 , que estipulava que a nulidade da o b ri­ gação principal im plicava necessariam ente a nulidade da cláusula penal, quand o isso nem sem pre deveria ser verdade. M a ria Helena D iniz já registrava que, "para alguns autores, pode ocorrer que, em certos casos, a cláusula penal ten h a validade, mesmo que a obrigação p rin ­ cipal seja nula, desde que tal nulidade dê lugar a um a ação de indenização de perdas e danos; é o que ocorre, p. ex., com a cláusula penal estipulada em c o n tra to de com pra e venda de coisa alheia, se esse fa to era ignorado pelo com prador, visto que, nessa hipótese, a cláusula penal, sendo o eq uivalente do dano, será devida por se tra ta r de m a téria inerente ao p re ju í­ zo e não ao con trato " ( C urso d e d ir e ito c iv il b ra s ile iro , cit., p. 3 2 2 ). A qui, andou bem o C ódi­ go a tu a l, valend o-se ta m b é m da com panhia dos Códigos a rg e n tin o (art. 6 6 6 ) e u rug uaio (art.

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1.365), que estabelecem expressam ente que a cláusula penal c o n tin u a válida, ainda que a obrigação principal se ten h a to rn ad o inexigível.

JULGADO • Ação de rescisão contratual. Compra e venda de imóvel. Atraso dos adquirentes. Faculdade de ruptura negociai não exercida pela vendedora. Renegociação da divida com aum ento abusivo do preço (art. 51, X, do CDC). Ausência de novação. Estabilização do negócio por algum tem po. Mora subsequente. Segunda ausência de tom ada de providências pela parte interessada. Afinal, acordo de simples perm uta do objeto negociado. Continuidade pactuai, mais uma vez, patenteada. Ex­ pectativa de transposição integral dos pagamentos feitos. Pretensão da alienante em obter repe­ tida vantagem pecuniária abusiva com a alteração do negócio. Culpa pelo distrato evidenciada. Conseqüências. Devolução do capital adiantado pelos compradores. Incidência da cláusula penal. Sentença m antida. Recurso desprovido. Inadimplentes os compradores em duas ocasiões distintas, mas deixando a vendedora de aplicar a faculdade resolutiva ao tem po e modo oportunos, há margem para aplicação do instituto da supressio, enunciativo de que um dado direito, se não foi exercido quando havia expectativa de sê-lo, somente pode ser invocado, a p o s te rio ri, m ediante dem onstrativo de inequívoca e patente boa-fé. Reforçada tal percepção, substancialmente, quan­ do a mora é reiteradam ente m anipulada em proveito próprio pela vendedora, servindo para m ajo ra r sobremaneira o proveito obtido com o contrato. Qualquer acordo que tencione meram ente revalidar prazos e valores do contrato de compra e venda, por não im portar em novação, deve ter por teto , no recálculo das parcelas, a fluência dos encargos previstos na primeira avença, sob pena de violação do Art. 51, X, que proíbe a variação unilateral de preços no curso do contrato. 0 des­ respeito a essa premissa, somado ao fa to de que houve ulterior ajuste verbal de perm uta do ob­ je to do negócio, não perfectibilizado, apenas, por conta de pretensão da vendedora em reter quase a totalidade dos pagamentos já feitos, obtendo adicional ganho abusivo, dirige a esta a responsabilidade pelo fracasso contratual, que se traduz na devolução das parcelas pagas, acres­ cida da cláusula penal compensatória (Art. 9 1 6 do C C /1916 - Art. 409 do CC/2002)" (TJSC, Ap. 2 0 0 8 .0 5 0 5 4 7 -0 , Rei. Des. M aria do Rocio Luz Santa Ritta, j. em 2 5 -5 -2 0 1 0 ).

Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Trata-se de mera repe­ tição do art. 918 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Diz com pensatória a cláusula penal estipulada para a hipótese de descum prim ento to ta l da obrigação. • 0 credor te m a a lte rn a tiv a de exigir o cu m p rim e n to da obrigação ou de pedir a cláusula penal. Escolhida a pena, diz Beviláqua, "desaparece a obrigação orig in ária, e com ela o d ire i­ to de pedir perdas e danos, já que se acham prefixados na pena. Se o credor escolher o cu m p rim e n to da obrigação, e nào puder o b tê -la , a pena fu n cio n ará com o com pensatória das perdas e danos" (Clóvis Beviláqua, C ó d ig o C iv il c o m e n ta d o , cit., p. 70). • Assim, não é possível cu m u lar o recebim ento da pena e o cu m p rim e n to da obrigação. Alguns autores, no e n ta n to , consideram que os danos nào com preendidos na cláusula penal podem ser postulados, com o no caso em que a pena convencionada fo r in fe rio r ao prejuízo e fe tiv a ­ m en te sofrido. 0 Código a tu a l, no e n ta n to , veda essa possibilidade, salvo se as partes tiverem convencionado (v. art. 4 1 6 deste Código).

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JULGADOS • "Direito privado. Apelação. Ação de rescisão de contrato. Compra e venda de imóvel. Inadim ple­ m ento parcial. Retenção do arras. Cláusula penal. Indevida. Devolução dos demais valores adim plidos. Benfeitorias. Cláusula abusiva. Afastada. Indenização devida. 1. 0 contrato entre as partes caracteriza relação de consumo, haja vista a condição de fornecedor da parte dem andante, insti­ tuída para a comercialização de imóveis. Aplicáveis, portanto, os ditames da legislação consumerista. 2. A revisão de oficio do contrato é possível para adequá-lo aos parâmetros legais e razoáveis, nos termos do art. 5o, inciso XXXV da Constituição Federal. 0 principio do p a c ta s u n t scrvan d a cede lugar ao principio da relatividade do contrato quando existentes cláusulas abusivas, de modo a assegurar o equilíbrio da relação contratual. 3. A cláusula penal que prevê m ulta de 3 0 % sobre os valores pagos, em caso de inadim plem ento, para cobrir valores de corretagem , se revela abu­ siva por se tra ta r de obrigação da parte que vende, e não de quem compra. 4. A cláusula penal é viável em caso de inadim plem ento total, nos termos do art. 4 1 0 do Código Civil. Reconhecido à parte dem andante o direito à retenção dos valores pagos a títu lo de arras. 5. Abusividade da cláusula que prevê o direito a remoção das benfeitorias em prazo exíguo e insuficiente, sob pena de perdê-las, autoriza seja afastada de ofício. Inteligência do inciso XVI do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor. 6. Inexiste decisão u ltra p e tita ao reconhecer o direito à indenização pelas benfeitorias realizadas, face a nulidade de pleno direito da cláusula contratual referida. 7. A con­ cessão do beneficio da gratuidade está autorizada pelo contexto fático em que está inserido o demandado" (TJRS, Ap. 70 03 1 4 81 7 7 3, Rei. Des. Angela M aria Silveira, j. em 4 -1 1 -2 0 0 9 ). • "A cobrança da m ulta rescisória constitui alternativa colocada à disposição do credor, em substi­ tuição ao pagam ento da obrigação principal, nos term os do artigo 410, do Código C ivil/2002. A cobrança da obrigação principal exclui a possibilidade de se pleitear o pagam ento da multa com ­ pensatória, sob pena de se incorrer em bis in idem " (TJMG, Ap. 2 .00 0 0 .00 .4 6 93 0 6 -9 /00 0 (1 ), Rei. Elias Camilo, j. em 1 2 -5 -2 0 0 5 , publicada em 1«-6-2005). • "Locação. Cobrança de aluguéis. M u lta compensatória e m oratória. Impossibilidade de cumulação. Ainda que estejam previstas no contrato de locação as multas m oratória e penal compensatória pela rescisão antecipada da avença, ocorrendo a mora do locatário, apenas se adm ite a cobrança da primeira, pois não é possível a cum ulação das duas penalidades por um só fato jurídico, que redundaria em evidente enriquecim ento sem causa" (TACMG, AC 3 7 6 .0 4 4 -3 , 41 Câm. Civel, Rei. Juiz Paulo Cezar Dias, j. em 4 -1 2 -2 0 0 2 ).

Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Trata-se de mera repe­ tição do art. 919 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Diz-se m o rató ria a cláusula penal estipulada para pun ir a m ora ou a inexecução de algum a cláusula determ inada. • Aqui, ao co n trá rio do a rtig o an terio r, a regra é da cum ulação da cláusula penal com a e x i­ gência do cu m p rim e n to da obrigação principal.

JULGADOS • "Ação de indenização. Acordo extrajudicial. Homologação. Obrigação cumprida com atraso. Cláu­ sula penal m oratória. Inexigibilidade. Dicção do ajuste. Embora o art. 411 do Código Civil autori­ ze ao credor 'exig ira satisfação da pena cominada, ju n tam en te com o desempenho da obrigação

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principal', descabida a exigência da cláusula penal quando pela dicção do ajuste ressoa nào ter sido essa a intenção das partes" (TJMG, Proc. 1 .0 3 8 2 .08 .0 8 47 2 4 -9 /00 1 (1 ), Rei. Des. Cláudia M aia, j. em 2 0 -5 -2 0 1 0 ). • "Perdas e danos. Negativação do nome da autora em razão de descumprimento pelo acionado de acordo judicial. Inadim plem ento de obrigação assumida em nome da autora. Existência de cláu­ sula penal fixada no acordo judicial. Irrelevância. Natureza m oratória e não compensatória da m ulta. Indenização suplementar. Possibilidade. Se o eventual pagam ento da cláusula penal fixada no acordo judicial para hipótese de descumprimento de obrigações assumidas pelas partes, não retira delas o interesse m aterial quanto ao adim plem ento da obrigação principal, tem -se que a m ulta, porque de natureza m oratória e não compensatória, por nào substituir a obrigação prin­ cipal nào cumprida, possibilita a pretensão indenizatória suplem entar (CC/2002, art. 411). Recur­ so parcialm ente provido" (TJSP, Ap. 9 9 2 0 8 0 7 5 4 5 4 5 , Rei. Des. Clóvis Castelo, j. em 1°-3-2010). • "Execução provisória da sentença. Incidência de m ulta (art. 475-J, CPC). Possibilidade de exigência da m ulta legal de dez Dor cento ju n to com a obrigação principal, devido ao caráter m oratório daquela (art. 411 do CC). Funções intim idativa e indenizatória da m ulta. Possibilidade de incidên­ cia da m ulta na execução provisória, cujo risco de prom ovê-la é do credor, que fica obrigado à reparação de danos se a sentença vier a ser reform ada, dependendo o levantam ento de depósito em dinheiro de caução arbitrada pelo juiz (art. 4 7 5 - 0 , 1 e III, do CPC). Cabimento da m ulta, ainda que se tra te de execução provisória. Nào caracterizada a litigãncia de m á-fé do agravante. Agra­ vo de instrum ento improvido" (TJSP, Al 9 9 40 9 3 45 5 2 58 , Rei. Des. Paulo Eduardo Razuk, j. em 188 -2 0 0 9 ). • "Apelação civel. Embargos á execução. Título executivo extrajudicial. Termo de ajustam ento de conduta (TAC). Cobrança de m ulta estipulada para caso de descum prim ento da obrigação. Possi­ bilidade. Execução autônom a. 1. A cláusula penal m oratória pode ser exigida em execução a u tô ­ noma e é em regra cum ulativa à prestação principal. 2. A cláusula penal m oratória nào se destina a substituir a prestação não cumprida e sim, a garantir o cum prim ento e a punir o devedor que presta morosamente. 3. Constitui cláusula penal m oratória a estabelecida em Termo de Ajusta­ m ento de Conduta, para o "caso de descumprimento de qualquer das cláusulas e cujo valor se prevê destinado em favor de entidade social ou de segurança. Inteligência do art. 411 do CCB. Doutrina" (TJRS, Ap. 70 02 6 6 10 3 0 3, Rei. Des. Denise Oliveira Cezar, j. em 2 9 -7 -2 0 0 9 ).

Art. 4 1 2 .0 valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obri­ gação principal. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Trata-se de mera repe­ tição do art. 920 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 presente dispositivo, copiado do Código Civil de 1916, fo i bastante criticad o pelo próprio Beviláqua, que dizia: " 0 lim ite im posto à pena por este a rtig o não se ju stifica. Nasceu da prevenção contra a usura, e é um a restrição à liberdade das convenções, que mais perturba do que tu te la os legítim os interesses individuais. A m elhor d o u trin a, neste assunto, é a da plena liberdade, seguida pelo Código Civil ita lia n o , pelo português, e pelo venezuelano" (Clóvis Beviláqua, C ó d ig o C iv il c o m e n ta d o , cit., p. 72). • Com to d o respeito à opinião do m estre, entendem o s que a solução a dotada pelo legislador é ra cio n alm en te mais justa, m u ito em bora a a lte rn a tiv a do Código alem ão de não fix a r lim ite, mas p e rm itir a redução quand o excessiva, ta m b é m pareça bastante aceitável. • 0 excesso não invalida a cláusula, mas im põe a sua redução, a té m esm o de o fício, pelo ju iz (art. 4 1 3).

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• “Indaga-se ainda se o lim ite da sanção prevista no art. 4 1 2 do Código Civil poderia ser u tili­ zado com o p a râm etro a lim ita r o valo r da m u lta e o m in a tó ria a u to rizad a pelo sistema, sendo que a p a ren te m e n te , em razão dos distintos fu n d a m e n to s que in fo rm am os in stitu to s da cláusula penal e das a s tre in te s , não poderia aquela ser invocada com o p a râm etro para a li­ m itação desta [pois] o valo r pactuado a títu lo de cláusula penal te m com o fu n d a m e n to precípuo a liquidação a fo r fa it, ou seja, a q u a n tific aç ã o antecipada dos danos para a hipó­ tese de inadim p lem en to , e n q u a n to o q u a n tu m fix a d o em sede de m u lta e o m in a tó ria tem por escopo, pela via indireta, coagir o devedor ao adim p lem en to " (M arcos Jorge C atalan, Aspec­ tos polêm icos acerca das obrigações de dar coisa certa e incerta, R e v is ta d e D ire ito P rivado, v. 20, p. 2 6 6 -2 7 9 , 2 0 0 4 ).

JULGADOS • "Compromisso de compra e venda. Cláusula. 0 lim ite máxim o da m ulta compensatória é o valor da obrigação principal, nos termos do art. 412 do CC. Porém, o ju iz pode reduzi-lo, se fo r de m a­ nifesto excesso, tendo em vista a natureza e a finalidade do negócio. Art. 413 do CC. Vedação ao enriquecim ento sem causa. Na espécie, o juiz reduziu o percentual da m ulta de 3 5 % para 20% , o que cumpre a finalidade de recompor perdas e danos de modo justo e adequado. Sentença m an­ tida. Recurso improvido" (TJSP, Ap. 9 9 40 9 3 43 1 9 99 , Rei. Des. Paulo Eduardo Razuk, j. em 8 -6 -2 0 1 0 ). • "Ação de conhecim ento objetivando a Autora com pelir os Réus ao cum prim ento especifico de contrato de locação de serviços celebrado entre as partes até o seu term o final, ou, alternativa­ m ente, indenização por perdas e danos incluindo, dentre outros, o valor da cláusula penal. Sen­ tença que julgou improcedente o pedido, acolhendo o pedido form ulado pelos Réus, em ação consignatória, exonerando-os da obrigação ajustada. Apelação da Autora. Contrato celebrado entre as partes que adm itia a rescisão unilateral. Obrigação contratual de natureza infungivel. sendo inadmissível o cum prim ento da obrigação específica, previsto no contrato, resolvendo-se a mesma em perdas e danos. Inteligência do artigo 247 do Código Civil. Contrato que prevê como cláusula penal, valor não inferior ao total do contrato, o que se mostra excessivo e contrário ao disposto no art. 412 do Código Civil. Julgador que deve reduzir equitativam ente o valor pactuado a títu lo de cláusula penal, nos termos do que autoriza o art. 413 do Código Civil. Valor ofertado pelos Apelados que se mostra adequado, pois correspondente àquele devido pelos dias restantes do contrato, acrescido de parte daquele que fora recebido a titu lo de 'luvas'. Pretensão de inde­ nização por queda de audiência não acolhida por não ter sido demonstrado o dano alegado, sendo incabivel a reparação por dano hipotético. Valor de premiação extraordinária pactuado entre as partes que nào comporta devolução. Desprovimento da apelação" (TJRJ, Ap. 0 0 8 4 9 4 5 73.2004.8.19.0001, Rei. Des. Ana M aria Oliveira, j. em 9 -3 -2 0 1 0 ). • "Agravo de instrum ento. Negócios jurídicos bancários. Execução de astreinte. Processual civil. M ulta do art. 475-J. Incidência. Decisão anterior ao advento da Lei n. 11.232/2005. Em regra, a m ulta de 10% prevista no art. 475-J do CPC, porque possui caráter penitencial - de direito m a­ terial - , somente pode incidir nas sentenças cujo trânsito em julgado ocorreu depois do início da vigência da lei que a instituiu (Lei n. 11.232/2005), pena de ofensa ao principio da irretroativida­ de. Na espécie, porém, a decisão interlocutória executada possui caráter precário, somente se tornando definitiva com o trânsito em julgado da sentença proferida no processo em que exara­ da, ocorrido em 2008, razão pela qual cabível a incidência da m ulta. Astreinte. Redução. Limitação ao valor da obrigação principal. Inexiste norma positivada que impossibilite a astreinte de ultra­ passar o valor da obrigação principal. A regra inserta no art. 412 do Código Civil, no sentido de que o valor da cominação imposta na cláusula penal náo pode exceder o da obrigação principal, é aplicável apenas na esfera do direito m aterial, náo se confundindo com a astreinte, meio de execução indireta de cunho processual, que não possui lim itação quantitativa, podendo ser redu­ zida ou aum entada pelo julgador a fim de atingir sua finalidade específica (com base na regra do § 6o do art. 461 do Código de Processo Civil). De toda a sorte, incabiveis afastar os encargos de mora no caso concreto, ainda que sua incidência eleve o valor da pena processual acima do valor da obrigação principal, m orm ente porque incidentes ante inércia do próprio devedor. Juros de mora. Termo o quo. Correta a incidência dos juros moratórios desde a intim ação pessoal para cum prim ento da ordem judicial, uma vez que se trata do m om ento em que houve a efetiva cons-

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tituiçáo em mora do devedor. Negado provim ento ao recurso. Unânime" (TJRS, Al 7 0 03 4108993, Rei. Des. Pedro Celso Dal Pra, j. em 2 5 -2 -2 0 1 0 ).

Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamen­ te excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio. HISTÓRICO • Este artigo não se submeteu a emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câ­ mara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. Corresponde ao art. 9 2 4 do Có­ digo Civil de 1916, com a substituição do juízo de proporcionalidade pelo juízo de equidade.

DOUTRINA • Tratando -se de cláusula penal com pensatória, estipulada para a hipótese de descum prim en­ to to ta l da obrigação, mas ocorrendo de a obrigação ser descum prida apenas em parte, é óbvio que a cláusula penal ta m b é m só será devida em parte, cabendo ao ju iz, de ofício, proceder à redução. • Se o v a lo r da penalidade fo r m a n ife s ta m e n te excessivo, em face da natu reza e da fin alid ad e do negócio e ainda que d e n tro dos lim ites do a rt. 4 1 2 , nào só poderá com o deverá o ju iz , de ofício, d e te rm in a r a redução. Essa regra não estava presente no Código Civil de 1 9 1 6 e re­ presenta considerável inovação, afastando, com p letam en te, o princípio da im u tab ilid a d e da cláusula penal (v. a rt. 4 1 6 ). Para Jud ith M artin s-C o sta, “a redução, nestas hipóteses, nào config ura 'faculdade' do ju iz, à qual corresponderia, para o devedor, m ero interesse ou ex­ pectativa: ao co n trário , constitui d e v e r d o ju lg a d o r , ao qual corresponde, para o devedor, verdadeira pretensão que, violada, dá ensejo ao d ire ito subjetivo de v e r reduzida a cláusula. Trata-se, p o rtan to , de evid en te am pliação do pod er-d ever de revisar o negócio que, no D i­ re ito contem p orâneo , tem sido progressivam ente c o n fiad o ao ju iz, mas que encontra raízes históricas nas construções dos canonistas m edievais" (Judith M artin s-C osta, C o m e n tá rio s a o n o v o C ó d ig o C ivil. D o in a d im p le m e n to d a s o b rig a ç õ e s , v. V, t. II. Rio de Janeiro, Forense, 2 0 0 4 , p. 4 6 8 e 4 6 9). • N ão se deve c o n fu n d ir os conceitos de “equidade" e de "proporcionalidade", ainda que a "proporcionalidade", m uitas vezes, faça p arte do ju ízo de equidade. R eduzir e q u ita tiv a m e n te nem sem pre significa reduzir prop orcio nalm en te.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 428, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "As multas previstas nos acordos e convenções coletivas de trabalho, cominadas para impedir o descumprim ento das disposições norm ativas constantes desses instrumentos, em razão da negociação coletiva dos sindicatos e empresas, têm natureza de cláusula penal e, portanto, podem ser reduzidas pelo Juiz do Trabalho quando cumprida parcialm ente a cláusula ajustada ou quando se tornarem excessivas para o fim proposto, nos termos do a r t 413 do Código Civil". • Enunciado 358, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "0 caráter m anifestam ente ex­ cessivo do valor da cláusula penal não se confunde com a alteração de circunstâncias, a excessiva onerosidade e a frustração do fim do negócio jurídico, que podem incidir autonom am ente e possibilitar sua revisão para mais ou para menos" (Enunciado de autoria de Otávio Luiz Rodrigues Junior). • Enunciado 356, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “Nas hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, o juiz deverá reduzir a cláusula penal de ofício". Para Christiano Cassettari, autor do enunciado, "a redução equitativa da cláusula penal é a form a de perm itir que o contra­

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to possa atingir sua função social, preconizada no art. 421 do Código vigente, principio este que foi elevado à categoria de preceito de ordem pública pelo parágrafo único do art. 2.035 do refe­ rido Código". • Enunciado 355, aprovado na (V Jornada de Direito Civil de 2006: “Não podem as partes renunciar à possibilidade de redução da cláusula penal se ocorrer qualquer das hipóteses previstas no art. 4 1 3 do Código Civil, por se tra ta r de preceito de ordem pública" (Enunciado de autoria do Profes­ sor Christiano Cassettari). • Enunciado 165, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Em caso de penalidade, aplica-se a regra do art. 4 1 3 ao sinal, sejam as arras confirm atórias ou penitenciais".

JULGADOS • "Prestação de serviços educacionais. Cobrança de mensalidades referentes a periodo remanescen­ te do contrato. Não cabim ento. Reconhecimento da rescisão por ocasião do abandono das aulas, tendo em vista a presença de onerosidade excessiva. Admissibilidade. Em exceção à regra de que a rescisão do contrato deve operar-se form alm ente, considera-se encerrado o ajuste entre a au­ tora e a ré por ocasião da interrupção da frequência às aulas pela contratante, em razão da existência de cláusula contratual abusiva que não pode ser invocada em detrim ento da parte mais frágil da relação de consumo. Prestação de serviços educacionais. Rescisão do ajuste. M u lta con­ tratu al. Exigência. Redução equitativa. Código Civil, art. 413. Admissibilidade. Destinada à prefixação de perdas e danos, a instituição de cláusula penal constitui ajuste perm itido por lei, deven­ do ser reduzida equitativam ente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o m ontante da penalidade fo r m anifestam ente excessivo, tendo-se em conta a natureza e a finalidade do negócio. Recurso improvido" (TJSP, Ap. 9 9 20 8 0 74 6 1 78 , Rei. Orlando Pistoresi, j. em 1 4 -7 -2 0 1 0 ). • "Civil. Rescisão contratual. (...) Inadim plem ento contratual evidenciado. Dever dos réus de pagar alugueres durante o periodo de utilização do imóvel (aproxim adam ente 14 anos). Obrigação que se mostra como uma conseqüência lógica do pedido. Necessidade de retorno das partes ao s ta tu s q u o an te . Previsão contratual da perda da totalidade dos valores adimplidos. Insubsistência. Cláu­ sula penal que deve ser reduzida equitativam ente pelo magistrado. Exegese do art. 4 1 3 do código civil. Percentual arbitrado em 10% (dez por cento) do valor do contrato (...)" (TJSC, AC 2009 .0 1 00 2 6 6. Rei. M arcusTulio Sartorato. j. em 9 -6 -2 0 1 0 ). • "Apelação civel. Direito público não especificado. Direito am biental. Termo de ajustam ento de conduta. Município. Descumprimento. Redução da m ulta. A rt. 413 do Código Civil. 1. 0 Termo de Ajustam ento de Conduta tem natureza de titu lo executivo extrajudicial, de form a que a cláusula penal nele ajustada pode ser executada quando verificado o descumprimento de algum a das obrigações estabelecidas, independentem ente de processo exauriente prévio. 2. Caso em que o executado descumpriu parcialm ente a obrigação de reparar área que sofrerá dano am biental, porque não assegurou o desenvolvimento de mudas para reflorestam ento. 3. É devida a redução da penalidade imposta ao devedor inadim plente quando a obrigação principal tiver sido parcial­ m ente cumprida ou seu m ontante figurar m anifestam ente excessivo, por meio de juízo equitativo pelo julgador, nos termos do art. 413 do Código Civil. Precedente" (TJRS, Ap. 7 0 03 3138157, Rei. Des. Denise Oliveira Cezar, j. em 2 6 -5 -2 0 1 0 ). • "Execução de titu lo judicial. Obrigação de fazer. A stre in te s. Finalidade e redução. 1) A m ulta por descumprim ento da obrigação de fazer náo se confunde com as perdas e danos nem representa punição, porém, meio de coerçâo. 2) 0 caráter intim idador da m ulta não significa que deva con­ duzir a exageros com a estipulaçào de valor infinitam ente superior ao do bem da vida que justi­ fica a obrigação de fazer inadimplida. 3) 0 artigo 413 do Código Civil prevê a redução da multa m anifestam ente excessiva. 4) Recurso provido em parte" (TJDF, Apelação Civel no Juizado Especial 2005.011.032.8316, Rei. Fábio Eduardo Marques, DJU, 6 -3 -2 0 0 7 , p. 125).

Art. 414. Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores, caindo em falta um deles, incorrerão na pena; mas esta só se poderá demandar integralmente do culpado, responden­ do cada um dos outros somente pela sua quota.

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Parágrafo único. Aos não culpados fica reservada a ação regressiva contra aquele que deu causa à aplicação da pena.

HISTÓRICO • O dispositivo em tela não foi alvo de nenhum a espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Corresponde ao art. 925 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Q uando a obrigação é indivisível e vários sào os devedores, o in ad im p lem en to de qualq u er um deles d e term in a a com inaçáo da pena a todos. Com o a pena é representada, em regra, por um a q u a n tia em dinh eiro, to rn a-s e divisível e por isso deve ser exigida p rop orcio nalm en­ te a cada um dos devedores, a d m itin d o o Código que seja exigida de fo rm a integral apenas do culpado. • É claro que se a cláusula penal se c o n s titu ir tam bém em obrigação indivisível ou se estiver estabelecido q u a n to a ela a solidariedade, poderá ser to d a ela exigida de qualq u er um dos codevedores, in d e p en d en tem en te de culpa, sem pre ressalvada a ação regressiva c o n tra o culpado.

Art. 415. Quando a obrigação for divisível, só incorre na pena o devedor ou o herdeiro do devedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Trata-se de mera repe­ tição do art. 9 2 6 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo foi sim plesm ente repetido do Código Civil de 1916. Sobre o te m a , já sintetizava Beviláqua que "a divisibilidade da obrigação personaliza a responsabilidade pela infração. S om ente o culpado incorre na pena, e esta se lhe aplica, p ro p orcio nalm en te a sua quota, porque o credor apenas em relação a essa parte fo i prejudicado. Pela p arte restante c o n tin u ­ am os outros devedores responsáveis, com o desde o com eço, cada um por sua quo ta" (Clóvis Beviláqua, C ó d ig o C iv il c o m e n ta d o , cit., p. 78).

Art 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo. Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.

HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi objeto de alteração durante a tram itação legislativa. Corresponde ao art. 927 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Um dos efeitos da cláusula penal é a sua exig ibilidade im ed iata, in d e p e n d e n te m en te de qualq u er alegação de prejuízo por parte do credor.

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• 0 art. 4 1 6 , em seu p arágrafo único, inova o d ire ito a n te rio r ao perm itir, na prática, a elevaçào da cláusula penal, sob o ró tu lo de "indenização su plem entar”, sem pre que as partes houverem convencionado essa possibilidade.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 4 2 9 , aprovado na V Jornada de D ireito Civil de 2 0 1 1 : "No c o n tra to de adesão, o prejuízo com provado do a d e ren te que exceder ao previsto na cláusula penal com pensatória poderá ser exigido pelo credor in d e p en d en tem en te de convenção".

JULGADOS • "Rescisão de compromisso de compra e venda c/c perdas e danos. Ação julgada parcialmente procedente. Retenção que alcançou percentual m aior do que aquele convencionado entre as partes. Ocorrência. Presente cláusula contratual fixando a m ulta compensatória de 10% (dez por cento) sobre o valor pago no caso de inadim plem ento. Retenção que deve obedecer ao quanto pactuado. Inteligência do parágrafo único do art. 416, do Código Civil. Sentença reform ada. Ape­ lo provido" (TJSP, Ap. 9 9 4 0 6 1 2 9 5 8 4 5 , Rei. Des. Percival Nogueira, j. em 4 -3 -2 0 1 0 ). • "Apelação civel. Ação de nulidade de cláusula contratual c/c pedido de restituição de valor. Con­ tra to particular de promessa de compra e venda de imóvel. Estipulação de prazo para a conclusão do inventário em que se encontrava arrolado o imóvel e conseqüente outorga da escritura defi­ nitiva de compra e venda. Inadim plem ento evidenciado. Cláusula penal. Comprovação de prejuízo. Desnecessidade. Liquidação prévia dos danos decorrentes da inobservância dos preceitos contra­ tuais. Limitação ao valor da obrigação principal. Ausência de abusividades. Recurso desprovido. Tendo sido ultrapassado em aproxim adam ente quatro meses, o prazo semestral estipulado para a conclusão do inventário e conseqüente lavratura da escritura pública definitiva de compra e venda do imóvel, nào há dúvida de que houve inadim plem ento contratual por parte dos vende­ dores, ora apelantes. Ainda que a demora na conclusão do inventário náo tenha decorrido de inércia ou omissão dos recorrentes, é certo que eles se obrigaram a outorgar a escritura definitiva no periodo de 6 meses, prazo esse que, rediga-se, foi descumprido. Havendo descumprimento ou mora de uma das partes contratantes, caberá ao inadim plente arcar com a m ulta compensatória prevista a títu lo de cláusula penal, caso existente, como form a de compensação pelo descumpri­ m ento da obrigação principal. De acordo com o art. 412, do CCB/2002, a cláusula penal terá como único lim ite o valor da própria obrigação principal. Por consistir em uma liquidação prévia das perdas e danos, decorrentes do eventual descumprimento de preceitos contratuais, para a cobran­ ça da referida cláusula penal não é necessária a comprovação dos prejuízos. Assim, para que faça jus ao pagam ento da aludida penalidade, basta ao credor comprovar o inadim plem ento contra­ tual, nos term os do art. 416, do CCB/2002" (TJMG, Ap. 1 .0 7 0 2 .0 8 .4 2 0 8 9 1 -8 /0 0 1 (1 ), Rei. Des. Eduardo M ariné da Cunha, j. em 1 1 -2 -2 0 1 0 ).

C ap ítu lo VI — DAS ARRAS OU SINAL

Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal. HISTÓRICO • Este artigo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câma­ ra dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. Corresponde ao art. 1.096 do Códi­ go Civil de 1916.

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DOUTRINA • Arras ou sinal é a q u an tia em dinh eiro, ou o u tra coisa fu n g ível, que um dos c o n tratan tes antecipa ao outro, com o objetivo de assegurar o cu m p rim e n to da obrigação, ev ita n d o o seu in a d im p le m e n to . N ão se c o n fu n d e com a cláusula penal, que só pode ser exigida após o inadim p lem en to , e n q u a n to as arras são pagas de fo rm a antecipada, ju s ta m e n te para e v ita r o descum prim ento do c o n trato . • Se a obrigação vem a ser cum prida n o rm alm en te, as arras deverão ser descontadas do preço ou restituídas a quem as prestou.

JULGADOS • "... 0 desfazim ento de contrato dá ao com prador o direito a restituição das parcelas pagas, inde­ pendentem ente da culpa pela rescisão, sob pena de enriquecim ento ilícito da parte credora. Não executado o contrato pela parte que deu as arras, a outra poderá ter o negócio desfeito, retendo-as, nos term os dos artigos 417 e seguintes, do Código Civil. É incabível indenização por fruição do imóvel, se o credor nào com provar proveito econômico pelo devedor de lote objeto do contra­ to de compra e venda rescindido. Em casos de rescisão de promessas de compra e venda por culpa do promissário-comprador, poderá o prom itente-vendedor reter, a titu lo de m ulta, percen­ tual dos valores pagos, sendo que tal retenção não pode ser superior a 10% se não houver prova de prejuízos suportados acima desse percentual" (TJMG, Proc. 1 .03 8 2 .08.087269-2/001(1), Rei. Des. Pedro Bernardes, j. em 1 8 -5 -2 0 1 0 ). • "Ação de rescisão contratual, cujo pedido é cum ulado com o de indenização por danos morais. M andatário que, por meio de procuração outorgada pelos réus, celebrou com o autor promessa de compra e venda de imóvel de propriedade dos primeiros. Prom itente com prador que além de pagar o sinal, aliena imóvel em que residia, visando obter capital, para o cum prim ento do pactu­ ado. Compra e venda não concluída. Validade da procuração outorgada pelos réus. Direito de o autor obter a devolução das arras, na form a do art. 417, do Código Civil, de 2002. Responsabili­ dade lim itada ao prim eiro réu, ante a inexistência de venda pelo cônjuge mulher, que não figurou no contrato de promessa de compra e venda. Dano moral configurado. Verba indenizatória que comporta redução. Provimento parcial da apelação dos réus, restando prejudicado o recurso ade­ sivo dos autores" (TJRJ, Ap. 0 1 1 1 3 5 1 -97 .2 0 05 .8 .1 9.0 0 0 1, Rei. Des. Denise Levy Tredler, j. em 2 3 -3 2010 ). • "Prestação de serviços. Rescisão contratual. Culpa da contratante. Arras. Retenção pela contrata­ da. Legalidade. Recurso não provido. A quantia inicial paga pela autora corresponde às arras ou sinal, nos term os do art. 417 do CC (art 1.094 do CC/1916), cujo valor merece ser retido no caso do inadim plem ento contratual ser debitado à ela, contratante, como ocorre in casu, com fu nda­ m ento no art. 4 1 8 do CC (art. 1.097, do CC/1916)" (TJSP, Ap. 1035284005, Rei. Des. Paulo Ayrosa, j. em 1 1 -8 -2 0 0 9 ). • "A garantia correspondente à entrega de soma em num erário feita por uma parte à outra em sinal de firm eza do contrato, denom ina-se arras, sendo elas confirm atórias quando não constar do contrato estipulação de sua perda. Restituição devida" (TJMG, Ap. 1 .00 24.04.197254-8/001 (1), Rei. Otávio Portes, j. em 6 -9 -2 0 0 6 , publicada em 2 7 -1 0 -2 0 0 6 ). • "Civil. Promessa de compra e venda de imóvel. Arras confirmatórias. Arrependim ento da com pra­ dora. Inteligência dos arts. 1.094 a 1.097 do Código Civil. O rdinariam ente, as arras são simples­ m ente confirm atórias e servem apenas para inicio de pagam ento do preço ajustado e, por dem a­ sia, se ter confirm ado o contrato, seguindo a velha tradição do direito romano no tem po em que o simples acordo, desvestido de outras form alidades, não era suficiente para vincular os contra­ tantes. 0 arrependim ento da prom itente compradora só im porta em perda das arras se estas foram expressamente pactuadas como penitenciais, o que não se verifica na espécie. Recurso não co­ nhecido" (STJ, REsp 1 10.528/M G , 4* T., Rei. Cesar Asfor Rocha, DJ, 1«-2-1999, p. 199).

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Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de ad­ vogado. HISTÓRICO • Analisando o texto originariam ente proposto à Câmara, verificamos que o dispositivo nâo sofreu nenhuma alteração relevante durante o período de tram itação, salvo quanto à substituição da expressão "correção m onetária" por "atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularm ente estabelecidos". Corresponde ao a r t 1.097 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 art. 4 1 8 supre omissão do a rt. 1.097 do Código Civil de 1 9 16 , estabelecendo as diversas conseqüências do in ad im p lem en to da obrigação, em que te n h am sido prestadas as arras: a) se o descum prim ento fo r im putável a quem deu as arras, este as perderá em beneficio do que recebeu; b) se a inexecução fo r im putável a quem recebeu as arras, deverá devolvê-las em dobro, acrescidas de juros, correção e honorários de advogado. • 0 Código a tu a l substituiu a expressão "devolver em dobro" usada no Código Civil de 1 9 1 6 por "devolver m ais o equivalente", a nosso ver, d a ta v e n ia , em prejuízo da clareza. • Discute-se a possibilidade dessa penalidade de perda ou devolução em dobro das arras ser reduzida pelo Juiz, aplicand o-se an a lo g ic am en te o disposto no a rt. 4 1 3 . A resposta é positiva, inclusive em atenção aos princípios da fu n ção social, da solidariedade e da equivalência m aterial das prestações, im pondo-se, no e n ta n to , o sopesam ento caso a caso. Assim, "haven­ do inexecução do c o n tra to com cláusula de arras, se a perda de quem as deu ou o p agam en­ to em dobro de quem as recebeu, fo r m anifestam en te excessivo, te n d o -se em vista a n a tu ­ reza, a fin a lid a d e e o valo r to ta l do o b je to do c o n tra to , poderá o ju iz aplicar o artig o 4 1 3 do Código Civil ou o princípio da equivalência m aterial do c o n tra to , reduzindo e q u ita tiv a m e n te a penalidade" (Rodrigo Toscano de Brito, Proposta de enunciado apresentada d u ra n te a IV Jornada de D ireito Civil, prom ovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justi­ ça Federal, no ano de 2 0 0 6 ).

JULGADOS • "Compra e venda. Rescisão contratual. Culpa dos vendedores do imóvel não configurada. Cumpri­ m ento a contento da cláusula que dispunha sobre a apresentação da docum entação do imóvel e dos vendedores. Pendência verificada capaz de com prom eter a segurança do negócio jurídico e a outorga da escritura definitiva do bem. Desistência dos adquirentes. Perda do sinal e da taxa de corretagem confirm ada. Penalidades que decorrem da própria lei. Inteligência dos arts. 418 e 725 do Código Civil. Sentença m antida. Recurso desprovido" (TJSP, Ap. 9 9 4 0 5 0 7 9 7 2 0 2 , Rei. Des. Pau­ lo Alcides, j. em 2 7 -5 -2 0 1 0 ). • "Rescisão contratual cum ulada com reintegração de posse e indenização por perdas e danos. Procedência. Rescisão decretada por culpa exclusiva do compromissado comprador inadim plente. Perda das arras. Inadmissibilidade. Caráter confirm atório e não penitencial. Inaplicabilidade do art. 4 1 8 do atual Código Civil, já que além do sinal, houve o pagam ento de diversas prestações. Taxa de ocupação. Cabimento, com ressalva de que o valor deve ser reduzido, haja vista a venda apenas do terreno. Cabível a devolução dos valores pagos pelo com prador (inclusive aquele a ti­ tu lo de arras), retendo-se o percentual de 40% , levando-se em consideração o período de inadim ­ plência, despesas administrativas, assim como a ocupação após sua mora sem o pagam ento de

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qualquer eontraprestação. Benfeitorias. Indenização. Pedido inovador feito no apelo que nâo pode ser acolhido, ausente, ainda qualquer comprovação da existência da construção. IPTU. Divida que deve ser suportada pelo com prador relativa ao período em que ocupou o imóvel, conform e dis­ posição contratual. Sentença reform ada. Recurso do requerido im provido e provido parcialm ente o apelo adesivo dos autores" (TJSP, Ap. 9 9 4 0 9 3 2 8 1 8 3 5 , Rei. Des. Salles Rossi, j. em 2 4 -3 -2 0 1 0 ). • "Contrato de cessão de direitos sobre imóvel. Pleito de rescisão de contrato, com restituição das arras pagas. Desfazim ento por culpa da cedente, que não inform ou aos cessionários a verdadeira situação do imóvel, om itindo-lhes acerca dos gravames que recaíam sobre o objeto contratual. Agir contrário à b oa-fé objetiva que deveria reger o contrato, inclusive em sua fase preliminar. Direito ao ressarcimento do sinal pago. Aplicação do disposto no art. 418, primeira parte, do CC. Recurso desprovido" (TJRS, Recurso Civel 7 1 00 2 1 60 4 4 8, 3* T. Recursal Civel, Rei. Des. Eugênio Facchini Neto, j. em 2 9 -1 0 -2 0 0 9 ). • "Recurso especial. Contrato de promessa de compra e venda. Resiliçáo pelo prom itente-com prador. Retenção das arras. Impossibilidade. Devolução dos valores pagos. Percentual que deve incidir sobre todos os valores vertidos e que, na hipótese, se coaduna com a realidade dos autos. M ajo ­ ração. Impossibilidade, na espécie. Recurso especial improvido. 1. A Colenda Segunda Seção deste Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o prom itente-com prador, por m otivo de dificuldade financeira, pode ajuizar ação de rescisão contratual e, objetivando, tam bém reaver o reembolso dos valores vertidos (EREsp 59.870/SP, 2J Seção, Rei. M in. Barros, DJ 9 -1 2 -2 0 0 2 , p. 281). 2. As arras confirm atórias constituem um pacto anexo cuja finalidade é a entrega de algum bem, em geral determ inada soma em dinheiro, para assegurar ou confirm ar a obrigação principal assumi­ da e, de igual modo, para garantir o exercício do direito de desistência. 3. Por ocasião da rescisão contratual o valor dado a títu lo de sinal (arras) deve ser restituido ao reus debcndi, sob pena de enriquecim ento ilícito. 4. 0 artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor não revogou o dispos­ to no artigo 4 1 8 do Código Civil, ao contrário, apenas positivou na ordem jurídica o principio consubstanciado na vedação do enriquecim ento ilícito, portanto, não é de se adm itir a retenção total do sinal dado ao prom itente-vendedor. 5. 0 percentual a ser devolvido tem como base de cálculo todo o m ontante vertido pelo prom itente-com prador, nele se incluindo as parcelas pro­ priam ente ditas e as arras. 6. É inviável alterar o percentual da retenção quando, das peculiarida­ des do caso concreto, tal m ontante se afigura razoavelmente fixado. 7. Recurso especial im provi­ do" (REsp 1.056.704/M A , 3* T., Rei. M in. Massami Uyeda, j. em 2 8 -4 -2 0 0 9 ). • Arras confirm atórias. Retenção. Ônus excessivo. Redução ex o ffie io . Adequação do valor retido para 2 0 % do contrato. Recurso parcialm ente provido (TJSC, AC 1 9 9 9 .0 0 25 7 4 -8 , Rei. Des. Jorge Schaefer Martins, j. em 1 0 -1 1 -2 0 0 5 ).

Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior preju­ ízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização. HISTÓRICO • Este artigo não sofreu nenhuma espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. Não há artigo corres­ pondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo não esteve presente no Código Civil de 1 9 1 6 e inova o d ire ito a n te rio r ao per­ m itir è parte que não deu causa ao descum prim ento da obrigação p leitear indenização su­ p lem en tar, provando que o seu prejuízo fo i m aior que o valo r das arras. Com o ta m b é m p o ­ derá exig ir a execução do c o n tra to , acrescido das perdas e danos cujo v a lo r m ínim o deve corresponder ao das arras.

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• 0 v a lo r da indenização pode superar o e q u ivalen te è devolução em dobro das arras previstas para a hipótese de arrep en d im e n to (art. 4 2 0). • Havendo cum ulação do pedido de execução do c o n tra to com as perdas e danos, devem as arras ser abatidas do valo r da indenização.

JULGADO • “Apelação. Ação ordinária. Rescisão de contrato de compra e venda de imóvel. Prescrição. Afas­ tada. M érito. Retenção das arras. Desvinculada da indenização por lucros cessantes e danos emergentes. Indenização pela fruição. Valor. Recurso parcialm ente provido. I. Considerando a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002, inocorre prescrição do direito autoral se a ação de reparação de danos é intentada dentro do prazo de três anos contados a partir da vigência do novo código. Aplicação dos arts. 206, § 3o, V, e 2.028 do Código Civil de 2002. II. Na esteira do art. 4 1 9 do Código Civil de 2002, 'a parte inocente pode pedir indenização suple­ m entar, se provar m aior prejuízo, valendo as arras como taxa m ínim a’, logo, a retenção das arras não obsta o pleito de indenização por lucros cessantes e danos emergentes. III. Pelo periodo de fruição do imóvel é devido o pagam ento do aluguel correspondente, sob pena de prestigiar o enriquecim ento ilícito daquele que, além de dar causa a rescisão do contrato, se utilizou do imó­ vel por longo periodo sem qualquer prestação correspondente. 0 valor a ser pago deve ser calcu­ lado com base no valor do aluguel e do padrão do imóvel, não onerando demasiadamente o autor. Todavia, se tal cálculo implica reform a da sentença de form a a piorar a situação daquele que re­ corre, deve ser m antido o valor arbitrado pelo ju iz singular. IV. Ausente prova de diminuição efetiva no patrim ônio material do autor, incabivel indenização por danos emergentes" (TJMG, Proc. 1 .0 4 3 3 .05 .1 6 77 3 7 -8 /00 1 (1 ), Rei. Des. Marcelo Rodrigues, j. em 9 -6 -2 0 1 0 ).

Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalen­ te. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar. HISTÓRICO • Este dispositivo náo serviu de palco a nenhuma alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. Corresponde ao art. 1.095 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A rra s p e n ite n c ia is : A dquirem essa qualificação sem pre que as partes houverem convencio­ nado expressam ente o d ire ito de arrep en d im en to , ou seja, de desistir do c o n tra to , valendo as arras, no caso, com o indenização prefixada: quem deu, perde; quem recebeu, devolve em dobro. • Independem , as arras penitenciais, de haver ou não in a d im p le m e n to da obrigação, um a vez q ue os c o n tra tan te s podem escolher e n tre cu m p rir ou náo cu m p rir o c o n trato , já estando a indenização prefixada. • Se o c o n tra to nào se concretizar por caso fo rtu ito ou fo rça m aior, não incidirá o disposto neste a rtig o . Q uem deu as arras, as receberá de v o lta , acrescidas apenas da atualização m o ­ netária p ertin en te.

JULGADOS • "... As arras são ditas penitenciais quando sào utilizadas como pagam ento de indenização pelo arrependim ento e não conclusão do contrato. Esta modalidade de arras é a exceção e tem função

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secundária. 0 art. 420 do Código Civil adm ite que as arras tenham essa função penitencial, mas, para tanto, mister se faz a necessária a estipulação expressa no sentido de poderem as partes exercer o direito de arrependim ento. A ausência de culpa por parte de quem recebeu as arras penitenciais afasta sua função penitencial, excluindo, por conseguinte, o dever de devolvê-las em dobro. A devolução simples, no caso concreto, foi correta. Por ocasião da rescisão contratual, o valor dado a títu lo de sinal (arras) deve ser restituído aos reus d cb cn di, sob pena de enriqueci­ m ento ilícito (REsp 1056704)..." (TJRJ, Ap. 2009.001.55016, Rei. Des. M ario Assis Gonçalves, j. em 1 8 -5 -2 0 1 0 ). • “Apelação civel. Ação de resolução contratual. Preliminar de nulidade da sentença em face do julgam ento antecipado da lide. Não ocorrência. Resolução do contrato. Retorno ao s ta tu s q u o an te . Devida retenção por parte da vendedora do que foi pago a titu lo de arras. Artigo 420 do Código Civil. Vedação ao enriquecim ento sem causa. Devolução por parte da vendedora das demais parcelas com provadam ente pagas. Sentença modificada. Recurso conhecido e em parte provido" (TJSC, Ap. 2 0 0 7 .0 4 3 5 7 5 -4 , Rei. Des. Edson Ubaldo, j. em 1 8 -3 -2 0 1 0 ). • “Ação de rescisão contratual cumulada com perdas e danos. Contrato de compra e venda. 1. Pro­ va colhida que autoriza a rescisão do contrato e indenização por perdas e danos. 2. Inaplicabili­ dade do disposto no art. 420 do CC, vez que o valor pago no ato da contratação nào constitui arras ou sinal, mas sim parte do pagam ento do preço do imóvel. Negaram provim ento à apelação e ao recurso adesivo" (TJRS, Ap. 70023310527, Rei. Des. José Francisco Pellegrini, j. em 9 -3 -2 0 1 0 ). • "Contrato de prestação de serviços educacionais. Pagam ento anterior de m atricula. Transferência para nova instituição de ensino. Causa de pedir rem ota. Rescisão promovida pelo autor sem con­ tribuição da ré. Arras. Previsão contratual. A rt. 4 2 0 do Código Civil. Retenção devida. Recurso provido. 0 fa to de se tra ta r de uma relação de consumo não retira o caráter contratual existente entre as partes contratantes: instituição e aluno. Aquele que deu causa à rescisão contratual não tem direito de exigir devolução do valor pago, a titu lo de arras, com previsão contratual a respei­ to, nos term os do que prevê o artigo 420 do Código Civil" (TJMG, Proc. 1.0313.08.245686-1/001 (1), Rei. Des. José Affonso da Costa Côrtes, j. em 1 2 -1 1 -2 0 0 9 ).

T ítu lo V — DOS C O N T R A T O S EM G ERA L

C ap ítu lo I — DISPOSIÇÕES GERAIS

Seção I



Preliminares

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no CC de 1916. Na Câmara Fede­ ral, em primeira fase, o então Deputado Tancredo Neves considerou tratar-se de "disposição de maior inconveniência, porque significa que, fora dos limites da 'função social' do contrato, não pode ser exercida a liberdade de contratar", adm itindo impreciso o conceito de "função social do contrato". Sugeriu, assim, pela Emenda n. 371 nova redação ao artigo, no sentido de que "ao in­ terpretar o contrato e disciplinar a sua execução, o juiz atenderá à sua função social". A Emenda foi rejeitada, com o parecer do Relator-Geral, Deputado Ernani Sátyro, de onde se extrai o realce: “A afirm ação da 'função social do contrato', consoante o art. 420, corresponde ao principio da função social da propriedade, a que se refere o art. 160, III, da Constituição de 1969".

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DOUTRINA • A "função social do co n tra to " acentua a d ire triz de “sociabilidade do direito", de que nos fala, percucien tem en te, o e m in e n te Prof. M ig u e l Reale, com o princípio a ser observado pelo in ­ té rp re te na aplicação dos contratos. Por identidade d ialética guarda in tim id ad e com o prin­ cípio da "função social da propriedade" previsto na C onstituição Federal. • Ao rep rim ir o a tu al Código Civil um sistema c o n tra tu a l socialm ente injusto, onde os econo­ m ic a m en te m ais fracos s u je ita m -s e a obrigações excessivam ente onerosas, a c en tu a m -s e certas discordâncias. E fetivam ente, é um Código ruim para o titu la r d o m in an te das relações jurídicas assimétricas, produtoras do e n riq u ecim en to sem causa, da vantagem usurária, do proveito indevido e ardiloso das contratações lesivas. 0 seu fo rte conteúd o ético é ruim a q uem , doravan te, se predispuser a c o n tra ta r sob antigos dogm as do a rb ítrio econôm ico, in ­ dutores de prestações m a n ifestam en te desproporcionais aos valores das prestações opostas. • 0 a tu a l Código Civil, no seu todo, é um perm an en te aviso de advertência aos que in ten tem conspurcar o interesse social do direito, m aculando, no p articular, as relações contratuais pela quebra de paridade ou equivalência. Para que m elhor se com preendam os contratos em espécie, regulados no a tu a l Código Civil, com o relações juríd icas obrigacionais, im pende considerar, de im ediato, acerca das cláusulas gerais dos contratos, acertadas pelos arts. 421 e 4 2 2 , com em prego p e rtin e n te a todos eles. Tais disposições intro d u tó rias articulam um d ire ito co n tra tu a l reestruturado ou reconstruído, pron to a servir ao princípio de socialidade, um dos pilares básicos do d ireito m oderno. Esse princípio celebra a prim azia ou preponde­ rância dos cham ados valores plurais ou coletivos em face dos equivalentes axiológicos do plano individual, em prestígio e tu te la do b e m -e s ta r coletivo. E ncontra-se ele na função social do c o n tra to (art. 4 2 1), na proteção ao hipossuficiente da relação c o n tra tu a l (art. 4 2 3), na natu reza social da posse, a d ita r reduções de prazo para a usucapião (arts. 1.238, p arágra­ fo único, 1 .2 3 9 ,1 .2 4 0 , 1.242, c a p u t e p arágrafo único) ou a p e rm itir a expropriaçào judicial (art. 1.228, § 4 o), com o em outras disposições. N ão é dem ais lem brar que essas regras vesti­ bulares, pela aplicabilidade genérica de estipulação, em preendem e plasm am um a Nova Te­ oria Geral dos Contratos, suficientes a in fo rm a r a relevância do trespasse do m odelo clássico c o n tra tu a l, individualista e p a trim o n ializa n te , para um m odelo m oderno de produção cole­ tiva dos interesses contratados, a h u m an iza r o d ireito c o n tra tu a l com o fo n te prim ária de interesse social. Bem a propósito, a conciliar os valores individuais e coletivos do c o n tra to , no im plexo de um a correlação inarredável, situa M ig u el Reale ser o c o n tra to "um elo que, de um lado, põe o v a lo r do indivíduo com o aquele que o cria, mas, de o u tro lado, estabelece a so­ ciedade com o o lugar onde o c o n tra to vai ser executado e onde vai receber um a razão de e q u ilíb rio e m edida" [O P ro je to d o C ó d ig o C ivil, Sáo Paulo, Saraiva, 1986, p. 10). Por tal razão, prepondera o d ire ito com o fu n ção , segundo a análise fu n c io n a l defen d id a por N orb erto Bobbio. Im pregnado, m od ernam ente, pelos influxos axiológicos e sociológicos, e nutrido, ainda, pelas repercussões indeclináveis do econôm ico e do político, serve a sua fu n c io n a lid a ­ de a d ita r um a nova concepção para a valorização do c o n trato , en q u an to "fenôm eno de relação de condutas de intersubjetividade" e destinado com o exem plo de c o n cretitu d e do próprio direito. 0 c o n tra to não é apenas um instru m en to ju ríd ico , de interesses puram ente interpessoais ou de operação de proveitos. O seu conteúd o deve im p o rtar nos fins de justiça e de u tilid ad e, em superação do egocentrism o individual onde perm eiam a fragilização do débil e a dom in ação do mais fo rte. • Firme em tais lineam entos, o a tu a l Código Civil ao construir o negócio ju ríd ic o com o c a te ­ g oria geral, gênero do qual o c o n tra to é espécie, fornece um a série de norm as próprias aos contratos, sob inspiração o rien tad o ra dos princípios de eticidade, socialidade e operabilidade, q ue o d e term in aram preciso e contem p orâneo , de fo rm a a estabelecer um m odelo social do c o n tra to , assentado no prim ado da integração das relações jurídicas com um a sociedade livre, ju sta e solidária, segundo o d ita m e do a rt. 3 o, I, da C onstituição Federal. Nessa diretriz, ex ­ pressivas inovações apresentadas são paradigm as de um a teoria co n tra tu a l concentrada na

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fin a lid a d e social a te n ta ao p e rfa zim e n to de noções program áticas de justiça e de utilidade, com e fe tiv id a d e no adequado e correto equilíbrio das relações contratuais, em perspectiva da equivalência das prestações, de razoabilidade indiscutível, e, sobrem odo, da estabilidade obrigacional no plano fá tic o da realidade. Os princípios gerais do c o n tra to ganham dim ensão axiológica mais dinâm ica, em denso a te n d im e n to aos valores da solidariedade e da coopera­ ção, a observar que o c o n tra to destina-se a a te n d e r interesses sociais relevantes num a socie­ dade de consum o e de produção, m assificada por interesses m u ltifacetad o s e até antagônicos. O c o n tra to deixa de ser apenas um a operação ju ríd ic a , com fins econôm icos, nele o b tendo p rofundidade a responsabilidade social dos contratan tes, a tu a n d o com probidade, b o a -fé e em recepção de preceitos de ordem pública. A a u to n o m ia volitiva, d e te rm in a d a pelo libera­ lismo econôm ico, com o princípio da au to n o m ia da vo n tad e, é a ten u ad a por tais diretrizes, p orq uanto está a exigir que a liberdade de c o n tra ta r seja exercida com paridade e n tre as partes no to c a n te ao próprio conteúd o do c o n trato , igualdade que se reclam a substancial, em fa v o r da correção do negócio. • Nessa d ire triz, expressivas inovações apresentadas sào paradigm a de um a teoria co n tra tu a l concentrada na fin a lid a d e social a te n ta ao p e rfa zim e n to de noções program áticas de justiça e de u tilid ad e, com e fe tiv id a d e no adequado e co rreto e q u ilíb rio das relações contratuais, em perspectiva da equivalência das prestações, de razoabilidade indiscutível, e, sobrem odo, da estabilidade obrigacional no plano fático da realidade. Os princípios gerais do co n trato ganham dim ensão axiológica mais dinâm ica, em denso a te n d im e n to aos valores da solidariedade e da cooperação, a observar que o c o n tra to destina-se a ate n d e r interesses sociais relevantes num a sociedade de consum o e de produção, m assificada por interesses m u ltifac e ta d o s e a té a n ta ­ gônicos. 0 c o n tra to deixa de ser apenas um a operação jurídica, com fins econôm icos, nele o btendo profundidade a responsabilidade social dos contratan tes, a tu a n d o com probidade, b o a -fé e em recepção de preceitos de ordem pública. A a u to n o m ia volitiva, determ in ad a pelo liberalism o econôm ico, com o princípio da a u to n o m ia da vo n tad e, é atenuada por tais d ire­ trizes, porq u an to está a exig ir que a liberdade de c o n tra ta r seja exercida com paridade entre as partes no to ca n te ao próprio conteúd o do c o n trato , igualdade que se reclam a substancial, em fa v o r da correção do negócio. • A irrevogabilidade ou im u tab ilid ad e do p a c ta s u n t s e rv a n d a , cujo axiom a config ura o p rin ­ cípio da obrigatoried ad e dos contratos, em observância de que os pactos devem ser cu m p ri­ dos (art. 4 2 7 ), com risco de perdas e danos pelo in ad im p lem en to (art. 3 8 9 ), cede lu g ar a um a relatividade dog m ática, a reprim ir a fa lta de idêntica liberdade e n tre as partes contratan tes, o proveito injustificado, a onerosidade excessiva, a d m itin d o a correção dos rigores c o n tra tu ­ ais a n te o desequilíbrio c o n tra tu a l. 0 reconhecim ento do v a lo r social do c o n tra to surge com o dirigism o c o n tra tu a l, a in tro d u zir no a tu a l Código Civil institu tos com o o do estado de peri­ go (art. 156), da lesão (art. 157), e da cláusula re b u s s ic s ta n tib u s , segundo a teoria da im previsão (arts. 4 7 8 -4 8 0 ) representativos do Estado Providência, em protecionism o social ao mais fraco nas relações contratuais. A prim eira novidade é, p o rtan to , a oferecida pelo art. 421 do Código, a c en tu an d o a d ire triz da sociabilidade do direito, com o princípio da fu n ç ão social do c o n trato , ao dispor que a liberdade de c o n tra ta r será exercida em razão e nos lim ites da fu n ção social do c o n tra to . A m oldura lim ita n te do c o n tra to te m o escopo de a c au te la r as desigualdades substanciais e n tre os contraentes, com o a d verte José Lourenço, valendo com o exem plo os contratos de adesão. 0 reflexo social da norm a serve de escopo de g aran tia ao íntegro eq u ilíb rio e n tre os interesses dos c o n tra tan te s e os da com unidade, superando a d icotom ia e n tre os interesses privados e coletivos. • A concepção social do contrato apresenta-se, m odernam ente, como um dos pilares da teoria contratual. Defronta-se com o vetusto princípio p a c ta s u n t servanda, exaltado, expressamente, pelos Códigos Civis francês (art. 1.134) e italiano (art. 1.372), para, atenuando a autonom ia da vontade, promover a realização de uma justiça com utativa. A moldura lim itante do contrato tem o escopo de acautelar as desigualdades substanciais entre os contraentes, como adverte José

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Lourenço, valendo como exemplo os contratos de adesão. 0 negócio jurídico haverá de ser fixado em seu conteúdo, segundo a vontade das partes. Esta, todavia, apresenta-se autorregrada em razão e nos limites da função social, principio determ inante e fundam ental que, tendo origem na valoração da dignidade hum ana (art. 1o da CF), deve prescrever a ordem econômica e jurídica. • Por sua fu n ção social, o c o n tra to é subm etido a novos elem entos integradores de relevância à sua fo rm ação , existência e execução, superando a esfera consensual. M á rio A g u iar M oura a firm a que, segundo a concepção m oderna, “o c o n tra to fica em condições de prestar rele­ vantes serviços ao progresso social, desde que sobre as vontades individuais em c o n fro n to se assente o interesse coletivo, através de regras de ordem pública, inafastáveis pelo querer de am bos ou de qualq u er dos contratan tes, com o propósito m aior de e v ita r o predom ínio do e co n o m icam en te fo rte sobre o econom icam ente fraco". • Sustenta Roberto Senise Lisboa que a expressão fu n ção social do c o n tra to abrange a proteção dos interesses difusos e coletivos, assim com o os interesses individuais hom ogêneos de que tra ta o art. 81, p arágrafo único, I, II e III, da Lei n. 8 .0 7 8 /9 0 . Em seu posicionam ento, preco­ niza que "o intervencionism o estatal, m ediante a utilização das cláusulas gerais de c o n tra ta ­ ção (inclusive as dos arts. 421 a 4 8 0 do CC de 2 0 0 2 ), alcança a defesa dos interesses sociais, d en tre os quais se destacam os interesses difusos, os coletivos e os individuais hom ogêneos defendidos c o letivam en te, o que viab iliza a legitim ação das entidades previstas nos artigos 5« da Lei n. 3 .3 4 7 /8 5 e 82 da Lei n. 8 .0 7 8 /9 0 a p leitear a nulidade de cláusulas abusivas inse­ ridas em contratos de adesão, sem prejuízo da ação m andam ental consistente na obrigação de náo fazer, isto é, a abstenção de inclusão de tais cláusulas nos contratos fu tu ro s a serem celebrados pelos predisponentes no mercado". • Na ponderação de Carlos Santos de Oliveira, te m -s e que a aplicação do princípio da fu n ção social do c o n tra to au to riza presum ir a extrem a vantagem para a outra parte, um a vez carac­ terizada a onerosidade excessiva do devedor. Isto porque “a fu n ção social do c o n tra to , prin­ cípio fu n d a m e n ta l da nova teoria c o n tra tu a l, é inderrogável por v ontade das partes, cons­ titu in d o -s e em princípio de ordem pública, cuja não observância acarreta a não prevalência da convenção. 0 disposto nos artigos 421 e 2 .0 3 6 do Código Civil a u to riza essa conclusão".

SÚMULA • Súmula 469 do STJ: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde".

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 431, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "A violação do art. 421 conduz à invalidade ou ineficácia do contrato ou de cláusulas contratuais". • Enunciado 361, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "0 adim plem ento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contra­ to e o principio da b oa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475". Nessa linha, sustentei, em proposição do Enunciado, que o adim plem ento substancial insere-se dentre os princípios gerais dos contratos, como principio inerente ao sistema norm ativo-contratual aberto, oferecido pelo novo Código Civil, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o principio da boa-fé , estabelecidos pelos arts. 421 e 422 do diploma codificado. Situações manifestas de incum prim ento insignificante sào relevantes para a preservação do contrato, em alcance de sua função social. Norma legal explícita deve ser incluída em parágrafo único ao art. 4 7 5 do novo Código, a positivar o adim plem ento substancial como fenôm eno jurídico suficiente para a nào resolução do contrato. • Enunciado 360, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: " 0 principio da função social dos contratos tam bém pode ter eficácia interna entre as partes contratantes". • Enunciado 167, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “Com o advento do novo Código Civil de 2002, houve fo rte aproximação principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do

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Consumidor, no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos". • Enunciado 166, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “A frustração do fim do contra­ to, como hipótese que não se confunde com a impossibilidade da prestação ou com a excessiva onerosidade, tem guarida no direito brasileiro pela aplicação do art. 421 do Código Civil". • Enunciado 23, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A função social do contrato, pre­ vista no art. 421 do novo Código Civil, nào elimina o principio da autonom ia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses m etaindividuais ou in te ­ resse individual relativo à dignidade da pessoa humana". • Enunciado 22, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A função social do contrato, pre­ vista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral, que reforça o principio de conser­ vação do contrato, assegurando trocas úteis e justas". • Enunciado 21, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A função social do contrato pre­ vista no art. 421 do novo Código Civil constitui cláusula geral, que impõe a revisáo do principio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito".

DIREITO PROJETADO • Atual PL n. 699/2011, reapresentando proposição legislativa (PL n. 6 .96 0 /2 00 2 ) do Deputado Ri­ cardo Fiuza, de perene memória, e que viabilizou a aprovação do atual Código Civil, dá nova re­ dação ao dispositivo: A rt. 421. A lib e rd a d e c o n tra tu a l será exercida nos lim ite s da fu n ç ã o s o c ia l d o c o n tra to . • 0 projeto de lei promove a alteração atendendo a sugestão dos Profs. Álvaro Villaça Azevedo e A ntonio Junqueira de Azevedo, objetivando substituir a expressão "liberdade de contratar" por "liberdade contratual". Anota a justificativa que "liberdade de contratar a pessoa tem , desde que capaz de realizar o contrato. Já a liberdade contratual é a de poder livremente discutir as cláusu­ las do contrato". Também procedeu-se à supressão da expressão "em razão". A liberdade contratu­ al está lim itada pela função social do contrato, mas não é a sua razão de ser.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • C uida-se de dispositivo específico sobre os princípios da probidade e da b o a -fé . 0 Código de 1 9 1 6 não ofereceu tra ta m e n to objetivo a respeito. • 0 prim eiro princípio versa sobre um co n ju n to de deveres, exigidos nas relações jurídicas, em especial os de veracidade, integridade, honradez e lealdade, deles resultando com o corolário lógico o segundo. • 0 princípio da b o a -fé não apenas re fle te um a regra de condu ta. Consubstancia a eticidade orientado ra da construção ju ríd ic a do a tu al Código Civil. É, em verdade, o preceito paradigm a na estru tu ra do negócio ju ríd ico , da qual decorrem diversas teorias, d e n tre as quais a teoria da confiança tra ta d a por Cláudia Lima M arques no alcance da certeza e segurança que devem em prestar e fe tiv id a d e aos contratos. • 0 dispositivo apresenta, c o n fo rm e ap o n ta A n to n io Junqueira de A zevedo, insuficiências e deficiências, na questão o b jetiva da b o a -fé nos contratos. As principais insuficiências c o n -

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vergem às lim itações fixadas (período da conclusão do c o n tra to até a sua execução), não v alorando a necessidade de aplicações da b o a -fé às fases p ré -c o n tra tu a l e p ós-con tratual, com a devida extensão do regram ento. As deficiências decorrem da ausência de duas funções, do d ireito pretoriano, para a cláusula geral da b o a -fé : a s u p p le n d ie a c o rrig e n d i, no que diz respeito, fu n d a m e n ta lm e n te , aos deveres anexos ao vínculo principal, cláusulas fa lta n te s e cláusulas abusivas. • S ublinha Ronnie Preuss D uarte que “apesar de a lei nào tra ze r o conteúdo da cláusula geral de b o a -fé , é im p o rta n te se te r em conta que a noção de b o a -fé não varia c o n fo rm e o caso concreto. N ão se co n fu n d e com a equidade (justiça do caso concreto), na qual, para cada hipótese de ju lg a m e n to , te r-s e -á um a d ife re n te solução. Pelo contrário, a b o a -fé se fu n d a em critérios que, ta n to q u a n to possível d ia n te da largueza da noção, sejam objetivos. A o b je tiv a ç ã o da b o a -fé é um im p erativo da segurança ju ríd ica, que não fica ao a rb ítrio da noção do 'justo', vislum brada pelo ju iz na aplicação do caso concreto. Com o percucien tem en te lem bra Ascenção, ‘o recurso à b o a -fé não tra z nenhu m a concessão à arbitraried ad e, porque im põe um crité rio o b je tiv o ’" (A c lá u s u la g e ra l d a b o a - fé n o n o v o C ó d ig o C iv il b ra s ile iro , Q u e stõ e s c o n tro v e rtid a s n o n o v o C ó d ig o C ivil, v. II, coord. Jones Figueirêdo Alves e M á rio Luiz Delgado, São Paulo, M é to d o , 2 0 0 4 , p. 3 9 9 -4 3 3 ). • D ire ito c o m p a ra d o : Arts. 1.337 do Código Civil italian o , de 1942; 2 2 7 do Código Civil p o rtu ­ guês; § 2 4 2 do BGB.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 432, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Em contratos de financiam ento bancário, são abusivas cláusulas contratuais de repasse de custos administrativos (como análise de crédito, abertura de cadastro, emissão de fichas de compensação bancária etc.), seja por esta­ rem intrinsecam ente vinculadas ao exercício da atividade econômica, seja por violarem o principio da b oa-fé objetiva". • Enunciado 363, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “Os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, estando a parte lesada somente obrigada a demonstrar a exis­ tência da violação". • Enunciado 362, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A vedação do com portam ento contraditório [ve n ire c o n tra fa c tu m p ro p riu m ) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 4 2 2 do Código Civil". Flávio Tartuce, proponente do enunciado, relaciona a máxima com a tutela da confiança, im plícita no art. 422, observando tratar-se de tratam ento típico de exercício inadmissível de uma posição jurídica, tendo a análise da vedação do com por­ tam ento contraditório sido feita, no direito brasileiro, por jovens juristas como Anderson Schreiber [A p ro ib iç ã o do co m p o rta m e n to c o n tra d itó rio . Tutela da co n fia n ça e venire contra factum proprium, Rio de Janeiro, Renovar, 2005), Cristiano Souza Zanetti [R e sp o nsab ilid ad e p e la ru p tu ra das n e g o ­ ciações, Sào Paulo, Juarez de Oliveira, 2005) e Nelson Rosenvald (D ig n id a d e h u m a n a e b o a -fé no D ire ito C ivil São Paulo, Saraiva, 2005). • Enunciado 361, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "0 adim plem ento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contra­ to e o principio da b oa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475". • Enunciado 170, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A b oa-fé objetiva deve ser ob­ servada pelas partes na fase das negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato". • Enunciado 169, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 principio da b oa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravam ento do próprio prejuízo". • Enunciado 168, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 principio da b oa-fé objetiva im porta no reconhecim ento de um direito a cum prir em favor do titu la r passivo da obrigação". • Enunciado 27, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Na interpretação da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com outros estatutos norm ativos e fatores metajuridicos".

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• Enunciado 26, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: “A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao ju iz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o con­ trato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de com portam ento leal dos contra­ tantes". • Enunciado 25, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: " 0 art. 422 do Código Civil nào inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do principio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual". • Enunciado 24, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Em virtude do principio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadim plem ento, independentem ente de culpa".

SÚMULA • Súmula 92 do STJ: "A terceiro de b oa-fé não é oponivel a alienação fidueiária não anotada no certificado de registro do veículo automotor".

DIREITO PROJETADO • 0 PL n. 699/2011 acolhe nossa sugestão, amparada nas reflexões daquele em inente jurista, para o aperfeiçoam ento do dispositivo, reproduzindo proposição antes form ulada no PL n. 6.960/2002, no sentido de nova redação: A rt. 422. Os c o n tra ta n te s são o b rig a d o s a gu arda r, a ssim nas negociações p re lim in a re s e co n clu sã o do c o n tra to , co m o em su a execução e fase p ó s -c o n tra tu a l, os p rin c íp io s de p ro b id a d e e b o a -fé e tu d o m a is que re su lte da n a tu re z a do c o n tra to , da lei, dos usos e das exigências da ra zã o e da equidade.

Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do anteprojeto. Nào há artigo correspondente no CC de 1916.

DOUTRINA • A referência a c o n tra to de adesão sugere, por conceituação legal, espécie e não gênero. Em verdade, porém , não existe um c o n tra to de adesão; são existentes contratos celebrados por adesão, com o p o n tifica A gostinho de A rrud a A lvim em sua Exposição de M o tivos C om ple­ m e n ta r ao a n te p ro je to do CC revisto (2 5 -3 -1 9 7 3 ). 0 mesmo ocorre com relação aos c o n tra ­ tos aleatórios e os atípicos, que se pretendem regulados em seções do Títu lo V do Livro I da Parte Especial. Nessa categoria, existem diversos contratos por adesão, caracterizados por técnicas com uns de c o n tra taç ã o de massa, com visível desequilíbrio de forças dos c o n tra ta n ­ tes e fo rte aten u ação na liberdade de c o n tra ta r d ia n te de cláusulas pré-elaboradas. Náo foi dispensada, todavia, regulação própria aos contratos por adesão, tal com o observada pela Lei n. 8.078, de 1 1 -9 -1 9 9 0 (Código de Proteção e Defesa do Consum idor), a p e rm itir a crítica do em in e n te jurista Nelson Nery, que ap o n ta um tra ta m e n to tím id o dado pelo CC de 2 0 0 2 a essa técnica de fo rm ação de c o n tra to ao dispensar-lhe apenas dois de seus dispositivos. • 0 a rt. 5 4 do CDC d efin e: "C ontrato de adesão é aquele cujas cláusulas te n h am sido aprovadas pela au to rid ad e c o m p eten te ou estabelecidas pelo fo rn eced o r de produtos ou serviços, sem que o consum idor possa discutir ou m o d ifica r substancialm ente o seu conteúdo". A norm a alcança, segundo a do u trin a de O rlando Gomes, as duas form as de contratação, a de e s tip u lação produzida pelo poder público, onde m anifesta a irrecusabilidade das cláusulas (co n tra­ to de adesão) e a estabelecida, u n ila te ra lm e n te , pelo particular, em fa c e do potencial ade­ rente (co n trato por adesão).

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• A d efin ição c o n tra ts d 'a d h e s io n foi oferecida por Raym ond Saleilles, em sua obra De Ia d é c la ra tio n de v o lo n té (Paris, LGDJ, 1 9 29 , p. 2 2 9 -3 0 ) quando exam inou o Código Civil alem ão em sua Parte Geral. • D ire ito c o m p a ra d o : A rt. 1.370 do Código Civil ita lia n o de 1942, in stitu id o r da regra in te rp re ­ ta d o c o n tra s tip u la to r e m ou in te r p r e to tio c o n tra p ro fe re n te m . • 0 princípio de in terp retação co n tra tu a l mais favorável ao ad eren te decorre de necessidade isonôm iea estabelecendo em seus fins um a igualdade substancial real e n tre os contratan tes. É que, com o lem bra Georges Ripert, "o único a to de v ontade do aderente consiste em co lo car-se em situação tal que a lei da o u tra parte é soberana. E, quand o pratica aquele a to de vontade, o a d eren te é levado a isso pela imperiosa necessidade de contratar". 0 dispositivo, ao preceituar a sua aplicação, to davia, em casos de cláusulas am bíguas ou contraditórias, vem lim itá -lo a essas hipóteses, o que c o n traria o avanço trazid o pelo a rt. 47 do CDC prevendo o princípio aplicado a todas as cláusulas contratuais. 0 aderen te, com o sujeito da relação con­ tra tu a l, deve receber idêntico tra ta m e n to dado ao consum idor, d ia n te do significado da igualdade de fa to que estim ula o principio.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 171, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 contrato de adesão, mencio­ nado nos arts. 423 e 4 2 4 do novo Código Civil, náo se confunde com o contrato de consumo".

SÚMULA • Súmula 5 do STJ: "A simples interpretação de cláusula contratual náo enseja recurso especial".

JULGADO • "Recurso especial. Contrato de adesão. Cláusula de eleição de foro. Art. 111, 2* parte, do CPC. Relação de hipossuficiência afirm ada pela corte o quo. Enunciado sumular n. 7 do STJ. 1. Náo se olvida a existência de julgados nesta Corte de Justiça, quando se concluiu que a simples existência de contrato de adesão náo garante, autom aticam ente, a posição de inferioridade à empresa ade­ rente. 2. Todavia, no caso em espécie, registrou-se expressamente no acórdão recorrido a posição inferior da empresa recorrida frente à recorrente; dai por que inexequivel, nesta instância superior, infirm ar as conclusões alcançadas pelo Tribunal a quo, sob pena de ofensa ao Enunciado n. 7 deste Superior Tribunal de Justiça ('A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial’). 3. Recurso especial não conhecido" (STJ, 4» T., REsp 167.516, Rei. M in. Hélio Quaglia Barbosa, DJU, 1 0 -3 -2007).

DIREITO PROJETADO • 0 PL n. 699/2011, reproduzindo o PL n. 6 .960/2002, dá nova redação ao dispositivo e introduz dois parágrafos. No § 2° proposto é atendida a nossa sugestão de operar-se a regra in te rp re to tio co n ­ tra s tip u la to re m a todas as cláusulas contratuais: A rt. 423. C o n tra to de adesão é a q ue le cujas c lá u s u la s te n h a m sid o a p ro va da s p e la a u to ­ rid a d e co m p e te n te ou e stabelecidas u n ila te ra lm e n te p o r u m d os c o n tra ta n te s , sem que o ade­ re n te possa d is c u tir o u m o d ific a r su b s ta n c ia lm e n te o seu conteúdo. § 18 Os c o n tra to s de adesão e scrito s se rã o re d ig id o s em te rm o s claros e co m caracteres o ste nsivo s e legíveis, de m o d o a fa c ilita r su a com preensão p e lo aderente. § 2* A s c lá u su la s c o n tra tu a is , n os c o n tra to s de adesão, se rã o in te rp re ta d a s de m a n e ira m a is fa v o rá v e l ao a d eren te .

Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

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HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto original. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo resulta do preceito fu n d a m e n ta l segundo o qual a liberdade co n tra tu a l só pode ser exercida nos lim ites da fu n ção social do c o n trato , im plicando os princípios definido s pelo art. 4 2 2 .0 o fe rta n te não pode privar o ad eren te de d ireito resultante da natu reza do negócio ao qual este aderiu. A justiça co n tra tu a l im põe a e fe tiv id a d e dos negócios jurídicos segundo os princípios da probidade e da b o a -fé . Ditas cláusulas opressivas são presentes, n o ta d a m e n te, em contratos de tra to sucessivo, com plexo e de longa duração, nào podendo o aderente resultar desprovido da segurança c o n tra tu a l. 0 c a ráter abusivo da cláusula situa-se em face de tra ta r-s e de um a cláusula de exclusão ou de exoneração, fru s tran te aos interesses do ad eren te colocado d ian te da própria m otivação ou da necessidade da adesão. • 0 a rt. 25 do Código de Defesa do Consum idor não perm ite cláusulas que im possibilitem , exonerem ou a te n u e m a obrigação de indenizar prevista na lei consum erista, o que se co m ­ p atibiliza com a necessidade de g a ra n tia de d ire ito básico do consum idor, no to ca n te à e fe ­ tiva prevenção e reparação de danos patrim oniais, e morais individuais, coletivos ou difusos (art. 6*. VI, do CDC). A rigor, tais cláusulas, descritas neste dispositivo, sào consideradas nào escritas.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO C IVIL - CJF • Enunciado 433, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “A cláusula de renúncia antecipa­ da ao direito de indenização e retenção por benfeitorias necessárias é nula em contrato de locação de imóvel urbano feito nos moldes do contrato de adesão". • Enunciado 364, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "No contrato de fiança é nula a cláusula de renúncia antecipada ao benefício de ordem quando inserida em contrato de adesão". • Enunciado 172, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "As cláusulas abusivas nào ocor­ rem exclusivamente nas relações jurídicas de consumo. Dessa form a, é possível a identificação de cláusulas abusivas em contratos civis comuns, como, por exemplo, aquela estampada no art. 424 do Código Civil de 2002".

JULGADO • "Civil e processual. Ação de rescisão de contrato de compra e venda. Inadimplência do devedor. Contrato anterior ao CDC. Inaplicabilidade. Perda das prestações pagas prevista em cláusula penal. I. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor a contrato celebrado antes da sua vigência, pelo que a cláusula penal que prevê a perda da totalidade das parcelas pagas, contratada antes da entrada em vigor da Lei n. 8.078/90, nào pode ser afastada com base em tal diploma. Precedentes do STJ. II. Recurso especial conhecido e provido" (STJ, 4* T., REsp 435.608/PR , Rei. M in. Aldir Pas­ sarinho Júnior, DJU, 1 4 -5 -2 0 0 7 ).

Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no CC de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo tra ta dos contratos atípicos ou inom inados, sendo licito às partes ajustá-los, verificand o, para esse fim , as norm as que disciplinam os contratos típicos. C ontratos atípicos

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são os que nào dispõem de regram ento próprio, em bora q u a n to à eficácia e validade assumam os requisitos do art. 104 do CC de 2 0 0 2 . No propósito de eoneeituaçào, sào considerados com o c o n tra c tu s in c e r ti (U lpiano), n e g o tia n o v a (Caio) ou "co ntrato sob m edida", com o d efin iu Josserand, para d ife re n c iá -lo s dos tipificados pela lei. Convém lem brar a exclusão no CC de 2 0 0 2 do pacto de m elhor com prador (arts. 1 .15 8 a 1.161 do CC de 1916), considerado em desuso e d o ravante adm itido , por convençào, com o c o n tra to atípico. • Sustentou o Prof. Á lvaro V illaça, em relevante contrib u ição crítica ao te x to do projeto do CC de 2 0 0 2 , apresentada à R elatoria Geral, no sentido de que "os contratos atípicos não podem ser regidos pelas norm as dos contratos típicos, prin cip alm en te dos mistos, pois a contratação só se e x tin g u e após cum pridas todas as obrigações contratadas. O c o n tra to fo rm a um to d o uno e indivisível". Ele é a u to r de consagrada tese, onde analisa a classificação dos contratos atípicos, cujo conteúdo, segundo Francesco Messineo, pode ser in te ira m e n te estranho aos tipos legais (v. g., c o n tra to de g a ra n tia ) ou apenas parcialm ente incom um (v. g., c o n tra to de bolsa simples). Com provada, com o se observa, a dicção das regras pelas partes, fe n ô m en o representativo da liberdade c o n tra tu a l, e nào podendo essas regras ser contrárias à ordem pública, aos bons costum es e aos princípios gerais de direito, propôs o festejado jurista p au­ lista um a nova redação ao dispositivo, para a inclusão do reportado preceito. A rrim ou -se, inclusive, na própria jurisprudência do STJ. Óbice regim ental, contudo, im pediu fosse a su­ gestão p ro n ta m e n te recepcionada, isto por nào haver a redação prim itiva sofrido qu alq u er em enda.

DIREITO PROJETADO • 0 PL n. 699/2011, reproduzindo o PL n. 6 .960/2002, acolhe a nossa proposta de nova redação ao dispositivo, baseada na teoria dos contratos atípicos e defendida pelo jurista Álvaro Villaça, com o seguinte teor: A rt. 425. É lic ito às p a rte s e s tip u la r c o n tra to s a típ ico s, re sg u a rd ad o s a ordem p ú b lica , os bons co stu m e s e os p rin c íp io s ge ra is de d ire ito , e sp ecia lm e n te o p rin c ip io de que suas o b rigações são in d ivisíveis, fo rm a n d o um só todo.

Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.089 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • A lei proíbe a estipulação de pacto sucessório, ou seja, o c o n tra to não pode te r com o objeto a herança de pessoa viva, não se p e rm itin d o c o g ita r de sucessão fu tu ra . C uida-se de preceito de ordem pública, com origem no d ireito rom ano. O rlando Gom es entende tra ta r-s e de h i­ pótese de inidoneidade do ob jeto do c o n tra to por razões de política legislativa, com o ocorre com as coisas fo ra de com ércio ou com os bens inalienáveis, situações em que se opera a im possibilidade ju ríd ic a de contratar. Q ualquer c o n tra to com objeto inidôneo é nulo de ple­ no direito, porq u an to é pressuposto de validade do c o n tra to estar o objeto conform e o o r­ d e n a m e n to ju ríd ico . N ão existe, por d ita m e legal, a sucessão c o n tra tu a l. U m a exceção ap o n ­ tad a pela d o u trin a era a do art. 3 1 4 do CC de 1916, dispondo sobre a doação antenup cial c a u s a m o rtis . Na fo rm a do art. 1.655 do CC de 2 0 0 2 é nula a convenção anten u p cial ou cláusula dela que co ntravenha disposição absoluta de lei. O utra exceção é a do a rt. 1 .7 7 6 do CC de 1916, repetida pelo a rt. 2 .0 1 8 do CC de 2 0 0 2 , acerca da partilh a de bens fe ita pelo

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Art. 427

ascendente, por a to in te r v iv o s aos descendentes, alcançando parcial ou in te g ra lm e n te o acervo e constitu in d o a p a rtilh a -d o a çà o um a d ia n ta m e n to da legítim a. • Clóvis Beviláqua, em sua obra D ire ito d a s o b rig a ç õ e s , de 1910, a firm a nulo, de pleno direito, o c o n tra to cujo ob jeto fo r ilícito, sublinhando que “o d ireito pátrio considera o b je to ilícito, viciando de nulidade o c o n trato , a causa ou ação litigiosa e a herança ainda não deferida (pactos sucessórios) além dos que a m oral e a ordem pública afastam das relações jurídicas". • A jurisprudência a d m ite com o não in frin g e n te ao dispositivo "o pacto em que se estabeleçam apenas obrigações recíprocas, em que certas transferências de bens a um a das partes se fariam em vida do m arido, e por este pessoalm ente, participando os fu tu ro s herdeiros, no acordo, com o prom iten tes desse a to de terceiros" [RT, 4 5 0 /1 5 4 ). • D ire ito c o m p a ra d o : A rt. 1.330 do Código Civil francês, proibindo renúncia à sucessão não aberta e qu alq u er outra estipulaçáo sobre a sucessão de pessoa viva. No Código Civil alem ão, a proibição do pacto sucessório não a tin g e os fu turos herdeiros, no que diz respeito à parte h ereditária legal ou sobre a reserva a eles destinada (art. 312).

Seção II



Da formação dos contratos

Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.080 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • 0 dispositivo acom panha a d o u trin a do d ireito alem ão: a proposta é um a declaração u n ila ­ teral de vo n tad e, produzindo, desde logo, os seus efeitos jurídicos entre o prop onente e o proposto (força vinculan te). A proposta assume, em principio, c a rá te r de obrigatoried ad e, pois o proponente, salvo cláusula expressa, nào poderá re tirá -la nos term os e prazo definidos, sob pena de su jeitar-se a perdas e danos pelo in o p o rtu n o arrep en d im e n to do prop onente (a lte ­ ração da própria vontade) que venha causar prejuízos ao destin atário da o fe rta (art. 3 8 9 do CC de 2 0 0 2 ). A propósito, leciona Clóvis Beviláqua: "Se a proposta é a fo rça, psíquica em b o ­ ra, que vai d e te rm in a r um a série de m ovim entos por parte do solicitado, m ovim entos que podem ir a té a lte rar o estado de seu patrim ô n io , é óbvio que nào deve ser recusada, a rb itra ­ ria m en te , da parte de quem a faz". • No conceito fo rn ecid o por M a ria Helena Diniz, "a proposta, o fe rta ou policitação é um a de­ claração receptícia de vo n tad e, dirigida por um a pessoa a o u tra (com quem pretende celebrar o c o n tra to ), por fo rça da qual a prim eira m anifesta sua intenção de se considerar vinculada se a o u tra parte aceitar". Nessa diretriz, a proposta som ente produz a obrigação, d ia n te da sua aceitação, podendo o prop onente arrep en der-se antes de a proposta ser aceita pelo outro, a quem dirigida. • A proposta nào adquire a qualidade obrigacionária em duas hipóteses: 11) se fo rm u lad a sem a necessária intenção vincu lativa ao a to obrigacional da o fe rta , resum indo-a a um a simples tra ta tiv a de negociação (convite a c o n tra tar), em face dos próprios term os em que fo i apre­ sentada; 2») quando a natu reza do negócio ou as circunstâncias do caso proposto evid en cia­ rem a fa lta da obrigatoried ad e. • A proposta, segundo a Lei n. 8 .0 7 8 /9 0 , em face dos contratos de consum o, te m relevo ju ríd i­ co mais abran g en te, d ia n te do disposto no a rt. 3 5 do diplom a consum erista. O dever de

Arts. 428 e 429

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prestação traz com o conseqüência a execução específica, restando cabível a conversão da obrigação em perdas e danos som ente por opção do credor ou por im possibilidade da tu te la específica ou da obtenção do resultado prático (art. 8 4 , § 1®, do CDC).

Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta: I — se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação seme­ lhante; II — se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para che­ gar a resposta ao conhecimento do proponente; III — se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; IV — se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente.

HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. O texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisáo ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.081 do CC de 1916. D O U T R IN A • 0 dispositivo enum era as causas excludentes da obrigatoried ad e da proposta, considerando d eterm inadas circunstâncias em que esta se operou, com ou sem prazo. Nas propostas sem prazo, e n tre presentes, a nào aceitação im ediata conduz à nào obrigatoried ad e da o ferta, desobrigando o proponente. Entre ausentes, o e lem en to de desoneração situa-se no tem p o hábil para que a proposta seja recebida pelo oblato , por ele respondida e recepcionada pelo proponente. A suficiência do te m p o ê ju rid ic a m e n te indeterm inada para ser apurada a im e d ia tid a d e da aceitação. Nas propostas com prazo, cessa a o b rig ato ried ad e fin d o o prazo as­ sinado. Entre ausentes, te m -se a te n d id o o prazo, quand o a resposta é expedida d e n tro do período de te m p o fixado. O utra circunstância im peditiva da o b rig ato ried ad e ocorre quando a convergência v o litiva nào é alcançada por retratação o p o rtu n a do proponente, ou seja, q uando a proposta é desfeita a tem po , im plican do o a rrep en d im en to daquele a inexistência ju ríd ica da o fe rta .

Art. 429. A oferta ao público eqüivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos. Parágrafo único. Pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua divulgação, desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O O T R IN A • 0 Código Civil de 2 0 0 2 reconhece a relevância ju ríd ic a da o fe rta ao público ou o fe rta a d in e e rta m p e rs o n a m para os efeitos da fo rm aç ã o do c o n trato , tend o em conta a m oderna sociedade de consum o e, no particular, o im pacto das técnicas de com unicação m ercadoló­

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gica. E ntretanto, ao estabelecer a equivalência, não avançou, satisfato riam en te, ao alcance do tra ta m e n to dado pelo Código de Defesa do Consum idor (art. 3 0), por exig ir os requisitos essenciais ao c o n trato , inerentes è o fe rta clássica, ou seja, a o fe rta som ente eqüivale à pro­ posta quand o o seu conteúdo oferece os elem entos essenciais à contratação, de m odo a criar o vínculo obrigacional. • 0 dispositivo não ad o ta o princípio da suficiência precisa da info rm ação consagrado pelo CDC. Por este princípio, a o fe rta de massa to rn a-se vin cu lan te, o brigand o o proponente, quando s u ficien tem en te precisa a info rm ação ou a publicidade, a to rn a r e fic ie n te a realida­ de negociai. Nesse sentido, com o a firm a Cláudia Lima M arques, a publicidade, nos term os do art. 3 0 do Código de Defesa do Consum idor, constitui fo n te de obrigação para o fornecedor, "com os mesmos efeitos jurídicos de um a o fe rta , integrand o o c o n tra to futuro". Desse m odo, pondera que os elem entos oferecidos pela publicidade in fo rm a tiv a “obrigam e vinculam desde sua veiculação". • A nosso sentir, o dispositivo nào mais se ajusta à realidade social, d ia n te do fe n ô m en o das técnicas persuasivas da o fe rta pública, im pondo-se, daí, a com p atib ilid ad e do dispositivo com o m oderno posicionam ento d o u trin á rio e jurisprudencial, no tra to da questão, afastando-se a fo rm u lação tradicional da o ferta.

DIREITO PROJETADO • Pelos fundam entos expostos, apresentamos ao Deputado Ricardo Fiuza, de saudosa memória, sugestão para alteração deste artigo, que foi promovida pelo Projeto de Lei n. 6 .960/2002, agora reproduzido pelo atual PL n. 699/2011: A rt. 429. A o fe rta ao p ú b lic o e q üivale a p ro p o s ta , o b rig a n d o o p ro p o n e n te , q u a n d o s u fi­ cie n te m e n te pre cisa a in fo rm a ç ã o ou a p u b licid a d e , s a lv o se o c o n trá rio re s u lta r das c irc u n s tâ n ­ cias o u dos usos.

Art. 430. Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, este comunicá-lo-á imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.082 do CC de 1916.

DOUTRINA • A recepção tardia pelo proponente da o p o rtu n a aceitação da o fe rta acarreta perda da o b ri­ gato riedade da proposta, um a vez fin d o o prazo nela con tid o ou concluído o te m p o suficien­ te para a resposta. A circunstância im prevista e superior às forças do aceitan te, decisiva ao retard am en to , exigirá, to davia, por parte do proponente, im ed iata com unicação ao a c eitan ­ te acerca do atraso verificado, sob pena de aquele responder por perdas e danos. É que a m anifestação extem porânea diz respeito apenas ao m o m en to da ciência pelo proponente, quando o a c e ita n te a supõe válida para a conclusão do c o n trato , to rn an d o im p erativo v ir o proponente, m ed ian te o com unicado de co nhecim ento do fa to , a firm a r-s e desobrigado à proposta, em face da dem ora, para o devido e fe ito liberatório.

Art. 431. A aceitação fora do prazo, com adições, restrições, ou modificações, importa­ rá nova proposta.

Arts. 432 e 433

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HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.083 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • A hipótese do artig o é a da aceitação ta rd ia ou, ainda, daquelas aditivas, restritivas ou m o dificativas, im po rtan d o , daí, em contraproposta por parte do solicitado à aceitação. As m u ­ danças sugeridas pela p retendid a aceitação a to rn a m condicionada e re fle te m , por isso mesmo, um a nào aceitação integral dos term os da proposição inicial, representando, por conseqüência, um a nova proposta. Pouco im portará, então, tra ta r-s e de aceitação intem pes­ tiva ou não. • N ào há d e fe ito na redação do dispositivo, com o pensaram Clóvis Beviláqua e João Luís Alves. Cuida o artig o de quatro situações diferenciadas, a prim eira pelo decurso do tem po , as dem ais pelas introduções prom ovidas, todas im plicando a co nfig uração ju ríd ic a de nova proposta.

Art. 432. Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no periodo inicial de tram itação do projeto, apenas para m elhorar a linguagem. A redação do anteprojeto, elaborado pelo Prof. Agostinho de Arruda Alvim , era a seguinte: "Se o negócio fo r daqueles em que se nào costuma a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á con­ cluído o contrato, não chegando a tem po a recusa". Repete, com redação m odificada, o art. 1.084 do CC de 1916.

DOUTRINA • A norm a institu i presunção legal de aceitação tá c ita , dispensando, para a conclusão do con­ tra to , fo rm alidades expressas, seja em razão da natu reza do negócio em face ao próprio costum e, seja em v irtu d e da dispensa, pelo proponente, da aceitação expressa. • A recusa tardia im p o rtará ao recusante a sua vinculação ao negócio havido por concluído, com sujeição aos e fe ito s jurídicos dele decorrentes, e respondendo por perdas e danos.

Art. 433. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.085 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • 0 dispositivo cuida da retratação do a c eitan te em c o n tra p o n to ao inciso IV do a rt. 4 2 8 , que, por sua vez, tra ta da retratação do proponente. Am bos versam sobre a perda da volição po­ sitiva ou a rrep en d im e n to eficaz, d ia n te de retratação o p o rtu n a , não alcançando, para a conclusão do c o n trato , a convergência de interesses. Assim, se a retratação é recepcionada

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Arts. 434 e 435

pelo o fe rta n te antes da ciência da aceitação ou s im u ltan eam en te com esta, te r-s e -á por inexisten te a aceitação. • A retratação do a c eitan te fe ita a destem po o m antém vinculad o ao contrato.

Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: I — no caso do artigo antecedente; II — se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; III — se ela não chegar no prazo convencionado.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Reproduz, com m odificação textual, o art. 1.086 do CC de 1916.

DOUTRINA • A hipótese é a do c o n tra to e n tre ausentes, te n d o -se este por concluído desde quando expe­ dida a aceitação (sistema da declaração ou agnição), salvo os casos que m enciona. As exceções com p o rtam as hipóteses de inexistência da aceitação decorrente de retratação hábil (inc. I), quando o prop onente se c om prom ete a ag uardar a resposta (inc. II), ou quand o a resposta não é recebida no prazo assinado (inc. III). • Vale lem brar com entário ao art. 4 2 8 . Em se tra ta n d o de proposta entre ausentes, de prazo certo, som ente te r-s e -á por a te n d id o o prazo quand o a resposta é expedida den tro do peri­ odo de tem p o fixad o : "Art. 4 2 8 . Deixa de ser ob rig ató ria a proposta: (...) III - se, fe ita a pessoa ausente, não tiv e r sido expedida a resposta d e n tro do prazo dado". Esse dispositivo cogita apenas da expedição da resposta para o e fe ito da obrigatoried ad e da proposta não to rn an d o o a to com plexo, de m odo a exigir, em m esm o prazo, a recepção da resposta, ou seja, aclam a o sistema da declaração ou agnição, ou, mais precisam ente, da expedição da aceitação, dispensando que a resposta chegue ao prop onente para ap e rfe iço ar o c o n trato . E ntretanto, o inciso III do artig o em com ento elege o sistema da info rm ação ou cognição, to rn an d o ob rig ató ria a ciência da resposta pelo prop onente para e fe tiv a r o c o n tra to . Nesta ú ltim a hipótese, a exceção decorre de condição im posta pelo proponente.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 173, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “A form ação dos contratos rea­ lizados entre pessoas ausentes, por meio eletrônico, com pleta-se com a recepção da aceitação pelo proponente".

Art. 435. Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Reproduz o art. 1.087 do CC de 1916.

DOUTRINA • A d o u trin a te m assentado a d e te rm in a ç ã o do lu g ar onde celebrado o c o n tra to pelo local de sua conclusão, e n tre presentes. Q u a n to às pessoas ausentes, d e fin e -s e prevalecente o lu g ar da expedição da proposta, segundo leciona Darcy A rru d a M ira n d a . 0 dispositivo, inspirado no Código Civil da Espanha, cuida, com o p o rtu n id a d e , dessa ú ltim a determ in ação ,

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por versar, c lara m e n te, q u a n to aos c o n trato s e n tre ausentes, de que tra ta o a rt. 4 3 4 . A redação do a rt. 1 .0 8 6 do CC de 1 9 1 6 alude apenas aos c o n tra to s por correspondência e p is to la r ou te le g rá fic a . • A determ in ação do local da celebração do c o n tra to te m igual relevância para o d ireito in te r­ nacional privado, nos term os da Lei de Intro dução ao Código Civil (Lei de Intro dução às Norm as do D ireito Brasileiro - § 2o do art. 9 a e a rt. 13).

Seção III



Da estipulação em favor de terceiro

Art. 4 3 6 .0 que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação. Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no periodo inicial de tram itação do projeto, apenas para m elhorar a linguagem. Repete, integralm ente, o art. 1.098 do CC de 1916.

DOUTRINA • T rata-se do p a c tu m in fa v o re m te rtii, c o n tra to estabelecido em fa v o r de terceiro, estranho è relação c o n tra tu a l, mas dela b eneficiário , por estipulação de vantagem de natu reza p a trim o ­ nial em seu proveito, sem quaisquer ônus ou contraprestaçào por parte do favorecido. 0 e s tip u lan te é aquele que convenciona o benefício, podendo, daí, exig ir o cu m p rim e n to da obrigação por parte do p ro m iten te . Na lição de O rlando Gomes, a estipulação em fa v o r de terceiro é "o c o n tra to em v irtu d e do qual um a das partes se obriga a a trib u ir v a n ta g e m pa­ trim o n ial g ra tu ita a pessoa estranha à fo rm ação do vín cu lo contratual". Exem plo clássico da estipulação é o c o n tra to de seguro de vida, onde o e s tip u lan te elege o beneficiário (terceiro). • 0 terceiro pode exig ir tam bém o a d im p le m e n to da obrigação, nos term os do c o n tra to , fic a n ­ do sujeito às condições e norm as contratuais, se a ele anuir, e e n q u a n to o estipulante não o inovar, visto que se reserva a este o d ireito de substituir o terceiro designado no contrato, in d e p en d en tem en te da sua anuência e da do o u tro c o n tra ta n te (art. 4 3 8). • 0 Código Civil de 2 0 0 2 não mais tra ta do disposto no a rt. 1 .4 7 4 do CC de 1916, a saber, da restrição à estipulação em fa v o r de terceiro, e n tã o prevista nos contratos de seguro, proibi­ tiva de se in s titu ir b eneficiário inibido de receber a doação do segurado, a exem plo da con­ cubina do hom em casado. 0 a rt. 7 9 3 do novel diplom a to rn a "válida a instituição do concubino com o beneficiário, se ao te m p o do c o n tra to o segurado era separado ju d ic ia lm e n te , ou já se encontrava separado de fa to " (v/de c o m en tário ao artigo).

Art. 437. Se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de re­ clamar-lhe a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.099 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

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Arts. 438 e 439

DOUTRINA • No caso de ser conferid o ao b eneficiário o d ireito de reclam ar a execução do c o n trato , o estipulante fica privado da possibilidade de liberar o p ro m iten te devedor da obrigação esti­ pulada. 0 d ireito posto ao terceiro constitui cláusula de irrevogabilidade da estipulação. • A fa lta de previsão desse d ireito im p o rta na sujeição do terceiro à vo n tad e do estipulante que poderá desobrigar o devedor, mesmo porque, nesse caso, tem o estipulante a faculdade de substitu ir o beneficiário designado, na fo rm a do artig o seguinte.

Art. 4 3 8 .0 estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro designado no contrato, independentemente da sua anuência e da do outro contratante. Parágrafo único. A substituição pode ser feita por ato entre vivos ou por disposição de última vontade.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Reproduz, com pequena m elhoria de ordem redacional, o art. 1.100 do CC de 1916.

DOUTRINA • O d ireito de o estipulante substituir o b eneficiário é exercido, por declaração unilateral, ou seja, independente da anuência do favorecido ou da do o u tro c o n tra ta n te , por a to in t e r v iv o s (a m anifestação de v o n tad e) ou por a to c a u s a m o r tis (testam ento).

Seção IV



Da promessa de fato de terceiro

Art. 439. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este não o executar. Parágrafo único. Tal responsabilidade não existirá se o terceiro for o cônjuge do pro­ mitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime do casamento, a indenização, de algum modo, venha a recair sobre os seus bens.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do a r t 433 do texto do projeto revisto. Corresponde o c a p u t ao art. 929 do CC de 1916. Diversamente deste últim o, que tratou da m atéria nas disposições gerais dos efeitos das obrigações (art. 929), o Código Civil de 2002 a inclui na teoria geral dos contratos.

DOUTRINA • É o d enom in ad o "contrato por terceiro" ou “c o n tra to a cargo de terceiro". O único vinculado à obrigação é aquele que assumiu o cu m p rim e n to da prestação, com o devedor prim ário, p rom etendo fa to de terceiro, no que consista em fazer, dar ou não fazer, to rn an d o -se, por­ ta n to , g a ra n te do fa to alheio. Assim, se o terceiro nào a te n d e r o p rom etid o por o utrem , o p ro m iten te obriga-se a indenizar os prejuízos advindos dessa nào execução, cabendo a ação do credor contra si e não contra o terceiro. • Na sua Exposição de M o tivo s C om plem entar, o Prof. A gostinho Neves de A rrud a Alvim a n a ­ lisa que a regra intro duzida no dispositivo “visa a im pedir que o cônjuge, g eralm en te a m ulher, por te r usado do seu d ireito de veto, venha a sofrer as conseqüências da ação de indenização que mais tard e se m ova contra o cônjuge pro m iten te. 0 pressuposto é que, pelo regim e do

Arts. 440 e 441

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casam ento, a ação in d en izató ria venha, de algum m odo, a prejudicar o cônjuge que nada prom etera". A regra por ele preconizada tem origem nas Ordenações do Reino (Liv. IV, Tít. 48, § 1®).

Art. 440. Nenhuma obrigação haverá para quem se comprometer por outrem, se este, depois de se ter obrigado, faltar à prestação.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no CC de 1916.

DOUTRINA • O dispositivo excepciona o art. 4 3 9 , quando o terceiro se integra ao c o n tra to , dando a sua anuência e assum indo, por conseguinte, a obrigação relativa ao a to que lhe fo i a trib u íd o pelo pro m iten te. A obrigação resulta do seu consentim ento expresso q u a n to à promessa do ato, não fican d o m ais estranho è relação ju ríd ica c o n tra tu a l. A anuência im plica a extinção do v ínculo obrigacional em relação ao pro m iten te, devedor prim ário, to rn an d o -s e o terceiro devedor da prestação assegurada por aquele. O corre a exceção quando a obrigação é assu­ m ida s o lid ariam en te. A inserção da norm a é o p o rtu n a , aco m p a n h a n d o o e n te n d im e n to d o u trin á rio e jurisprudencial a respeito do tem a.

Seção V



Dos vícios redibitórios

Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tomem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminu­ am o valor. Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Reproduz o art. 1.101 do CC de 1916. O parágrafo único tem m elhor redação, substituindo a antiga expressão “doações gravosas de encargo" por "doações onerosas".

DOUTRINA • Vícios redibitórios são os defeitos existentes na coisa ob jeto de c o n tra to oneroso, ao tem p o da tradição (ver a rt. 4 4 4 ), e ocultos por im perceptíveis à diligência ordinária do adquirente (erro objetivo), to rn a n d o -a im própria a seus fins e uso ou que lhe d im in u a m a utilid ad e ou o valor, a ensejar a ação redibitória para a rejeição da coisa e a devolução do preço pago (res­ cisão ou redibiçáo) ou a ação estim atória (a c tio q u a n ti m in o ris ) para a restituição de parte do preço, a títu lo de a b a tim e n to . Diz-se c o n tra to c o m u tativo o c o n tra to oneroso em que a prestação e a contraprestaçào sào certas e equivalentes. • In teg ra-se ao in s titu to a redução de utilid ad e do bem em face do d e fe ito oculto , em bora cuide o dispositivo apenas da im propriedade do uso (inexatidão ou in a p tid à o ao uso a que se destina). • Pelo a rt. 1.106 do CC de 1916 não responde o a lien an te se a coisa fo r alienada em hasta pública (enten da-se, venda forçada, a ju d icial ou a adm inistrativa), to rn an d o inadmissíveis a

440

Jones Figueirêdo Alves

Arts. 442 e 443

ação redibitória ou a estim atória. Tal dispositivo não tem correspondente no te x to do CC de 2 0 0 2 , nào prevalecendo mais a circunstância excepcionada com o exclusão de direito. • A propósito do p arágrafo único, an o ta Clóvis Beviláqua o seguinte: “As doações são contratos unilaterais e benéficos, aos quais nào convém a classificação de com utativos. Todavia, se a doaçào é gravada com encargo, deve ser desclassificada de e n tre os contratos unilaterais, porque ao d o n atário é im posta ig u alm en te a prestação, resultante do encargo".

Art. 442. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar abatimento no preço.

HISTÓRICO • A redação é a mesm a do projeto. Reproduz o a rt. 1.105 do CC de 1916.

DOUTRINA • A lei confere um a segunda a lte rn a tiv a de proteção ao prejudicado, presente o vício re d ib itó rio. Pode o adquirente, em vez de redibir o c o n trato , e n jeitan d o a coisa, postular o a b a tim e n ­ to do preço pago, conservando o bem , m ed ian te a ação estim atória ou a c tio q u a n ti m in o ris (ação de preço m enor). Trata-se de ação edilícia, com o ta m b é m é denom inada a ação redibi­ tó ria. Essa a lte rn a tiv a deixa de existir, por exceção, na hipótese do art. 4 4 4 , quand o ao a d ­ q u iren te apenas cabe exercitar a ação redibitória, d ia n te do perecim ento da coisa em decor­ rência do vício redibitório.

JULGADO • “A ação estim atória pode ser manejada, ainda, pelo com prador contra quem lhe fez a venda de móvel ou imóvel quando apurada a dim inuição na qualidade ou na extensão para o efeito de abatim ento proporcional no preço pago, não cabendo, v. g., se da escritura de compra e venda ficou claram ente estipulado tratar-se de venda a d c o r p u f (TJPE, 1* Càm. Civel, AC 696/85).

Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se não o conhecia, tão somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do anteprojeto. Reproduz o art. 1.103 do CC de 1916, com pequena m elho­ ria de ordem redacional.

DOUTRINA • É a trib u íd a ao alien an te, por presunção legal, responsabilidade pelo vício redibitório, qu er o conheça, ou nào, ao tem p o da alienação. Essa responsabilidade é aq u ila ta d a de acordo com a dem onstração da condu ta do alien an te , ou seja, se tran sm itiu a coisa agindo de m á -fé ou b o a -fé . P ortando ciência prévia do d e fe ito ocu lto , restituirá o que recebeu, com o acréscim o de perdas e danos [RT, 4 4 7 /2 1 6 ); igno rand o-o, restituirá apenas o valo r recebido e o das despesas contratuais. • N ão é mais desonerado o alien an te , por ignorância do vício, havendo cláusula expressa, com o dispõe o Código Civil de 1 9 1 6 (art. 1.102).

Arts. 444 e 445

Jones Figueirêdo Alves

441

Art. 444. A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição. HISTÓRICO • A redação é a mesma do anteprojeto. Reproduz o art. 1.104 do CC de 1916.

DOUTRINA • A responsabilidade do a lien an te subsiste quando, já em poder do a dquirente, a coisa a lie n a ­ da perece em v irtu d e do vício oculto , desde que este preexista à tradição da coisa. • Ao ad q u iren te apenas cabe exercitar a ação redibitória, d ian te do perecim ento da coisa em decorrência do vício redibitório, nào te n d o lugar, por óbvio, a aplicação do a rt. 4 4 2 . O a lie ­ nan te deverá restituir o que recebeu (valor do preço), acrescido das despesas contratuais, respondendo, ainda, por perdas e danos, caso verificada a prévia ciência do d e fe ito ocu lto (art. 4 4 3).

Art. 4 4 5 .0 adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade. § 1? Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele se tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oiten­ ta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis. § 2- TVatando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o dispos­ to no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria. HISTÓRICO • 0 texto original do anteprojeto previa o prazo de seis meses para a redibição ou abatim ento do preço do imóvel e de quinze dias se fosse móvel. Emenda apresentada pelo Deputado Juarez Ber­ nardes am pliou o prazo, com a seguinte justificativa: "A nós se afigura sobremaneira o prazo de se/s meses estipulados para que o adquirente de bem imóvel obtenha a redibição ou o abatim en­ to no preço da coisa adquirida eivada de vício. Certas propriedades rurais exigem dos com prado­ res m uito tem po para que sejam conhecidas. As divisas, as servidões, o regime de água, a qualida­ de da terra, o revestimento desta im põem averiguações imprescindíveis para cujo conhecimento o prazo de seis meses é insuficiente. Dai a necessidade de sua duplicação, que objetiva a tranqüi­ lidade do comprador, e intenta prevenir o desfazim ento de aquisições de bens imóveis em desa­ cordo com as finalidades em vista". • Aprovada a emenda pela Câmara, foi o dispositivo rem etido ao Senado com a seguinte redação: "Art. 4 4 5 .0 adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatim ento no preço no prazo de trin ta dias se a coisa fo r móvel, e de um ano se fo r imóvel, contados da entrega efetiva. Se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzindo ao meio. § 1o Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do m om ento em que do mesmo se tiver ciência, até o prazo máximo de seis meses em se tratando de bens móveis, e de um ano para os imóveis". • A redação atual do dispositivo, proposta pelo Senado, resulta de duas emendas de autoria dos Senadores M ilton Cabral e Marcelo M iranda, acolhidas apenas parcialm ente pelo Senador Josaphat M arinho, sob a form a de subemenda. Com parando-a com a redação atual, percebe-se que houve m elhoram ento de linguagem do texto. As justificativas do Senador Josaphat M arinho, integral­ m ente acolhidas pelo Relator Ricardo Fiuza, foram as seguintes:

442

Jones Figueirêdo Alves

Art. 445

“0 art. 4 4 5 regula como ’o adquirente decai do direito de obter a redibiçâo ou abatim ento no preço no prazo de trinta dias se a coisa fo r móvel, e de um ano se fo r imóvel, contados da entre­ ga efetiva. Se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido ao m eio’. A em enda n. 4 3 altera a redação do artigo e seus parágrafos: estabelece o prazo em ‘seis meses’ se a coisa for móvel, e na hipótese de o adquirente já estar na posse, alude a prazo 'reduzido à m etade’, em vez de ‘reduzido ao meio’, como diz o Projeto. Considera o § 1° unificado no c a p u t e redige dessa form a um ‘Parágrafo único. Em se tratando de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais'. A esse parágra­ fo único é preferível o § 2» do projeto por ser mais amplo, ao prever, ainda: ’aplicando-se o dis­ posto no parágrafo anterigr, se nâo houver regra disciplinando a m atéria’. Desse modo, a emenda, em conjunto, improcede. É correto, porém, no c a p u t, dizer-se, quanto ao prazo, 'reduzido à m e­ tade’, e não ‘reduzido ao meio’, segundo consta do Projeto. A emenda, portanto, é p a rc ia lm e n te a ceita, para que se diga, na parte final do art. 445, c a p u t, 'reduzido à m etade', e não 'reduzido ao meio'. A em enda n. 42 objeta, quanto ao § 1«, que 'mesmo' não é pronome, e o substitui por ‘dele’. A substituição atende a m elhor linguagem, e a emenda merece aprovação". • Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo c e rtifica tra ta r-s e de prazo decadencial. Os prazos resultam dobrados em relação ao que dispõe o art. 178, § 2«, do CC de 1 9 1 6 e para os fins previstos no a rt. 4 4 3 do CC de 2002. • 0 te rm o a q u o para o côm p u to do prazo é o da tradição da coisa, excetuando-se, todavia, quando o vício, por sua n atu reza, só puder ser conhecido mais tarde, apurando -se o prazo, nesse caso, a p a rtir da ciência do vício oculto . Nas relações de consum o, prevalece a lei espe­ cial sobre as disposições gerais do CC, de ta l fo rm a que os prazos são diferenciados nos term os do art. 2 6 do CDC, p erm itind o-se, inclusive, causa suspensiva. • José Fernando Sim ão explica que sào duas as possíveis interpretações q u a n to aos prazos previstos no § 1° do a rtig o em questão. 0 § 1° que se analisa ainda cria ao in té rp re te um a dúvida. A o in fo rm a r que o prazo “c o n ta r-s e -á do m o m en to em que dele tiv e r ciência, a té o prazo m áxim o de cen to e o ite n ta dias, em se tra ta n d o de bens móveis; e de um ano, para os imóveis" significaria que: i) a p a rtir da m anifestação do vício oculto, o ad q u ire n te te ria um prazo de 180 dias para propor as ações edilícias em se tra ta n d o de coisa m óvel e um ano para imóveis; ou ii) som ente teria o ad q u ire n te d ireito à redibiçâo ou a b a tim e n to do preço se o vício se manifestasse den tro do prazo de 180 dias (bem m óvel) ou um ano (bem im óvel). Num a prim eira interpretação, o dispositivo apenas conteria o prazo para exercício das ações edilícias, nos exatos m oldes do c a p u t do a rt. 4 4 5 . A m udança ocorreria no fa to de o te rm o inicial se dar com a m anifestação do vício (nào com a entrega efetiva, nem com a alienação) e, tam bém , com o expressivo a u m e n to do prazo, em se tra ta n d o de bens móveis, que passaria de 3 0 para 1 8 0 dias, em c o n fro n ta n d o o c a p u t e o citado parágrafo. Pela segunda linha de interpretação, os prazos do art. 4 4 5 , § 1», em razão da preposição "até", indicam que o vício ocu lto deve se m an ifestar em 1 8 0 dias para coisas móveis e 1 ano para imóveis. Caso o vício se m anifeste após tais prazos, nào teria o ad q u ire n te d ireito a reclam ar a redibiçâo ou o a b a tim e n to do preço. Então caberia um a segunda p ergun ta: quais seriam os prazos para exercício das ações se o vício se evidenciasse den tro dos prazos do § 1fl? Os prazos seriam os previstos no c a p u t do art. 4 4 5 do Código Civil? A resposta fo i dada pelo Enunciado 1 7 4 do Conselho da Justiça Federal: “A rt. 4 4 5 . Em se tra ta n d o de vício oculto, o ad q u iren te tem os prazos do c a p u t do art. 4 4 5 para o b te r redibiçâo ou a b a tim e n to de preço, desde que os vícios se revelem nos prazos estabelecidos no p arágrafo prim eiro, flu in d o , e n tre ta n to , a p a rtir do co nhecim ento do defeito". • José Fernando Sim ão discorda da posição contida no enunciado em questão e a firm a que cabe ao legislador a escolha dos prazos que não precisam te r coerência d e n tro do sistema.

Jones Figueirêdo Alves

Arts. 446 e 447

443

Trata-se de m era opção legislativa. P ortanto, correta é a prim eira interpretação pela qual, a p a rtir da m anifestação do vício oculto , o ad q u iren te te ria um prazo de 180 dias para propor as ações edilícias em se tra ta n d o de coisa m óvel e um ano para imóveis, náo fix a n d o o C ódi­ go Civil um prazo para o surgim ento do vício, com o quer o Enunciado 174 (In tro d u ç ã o c r í t i­ ca a o C ó d ig o C ivil, org. Lucas Abreu Barroso, Rio de Janeiro, Forense, 2 0 0 6 , p. 2 0 1 -2 ).

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 174, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Em se tratando de vicio oculto, o adquirente tem os prazos do c a p u t do art. 445 para obter redibição ou abatim ento do preço, desde que os vícios se revelem nos prazos estabelecidos no parágrafo primeiro, fluindo, entretan­ to, a partir do conhecim ento do defeito". • Enunciado 28, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "0 disposto no art. 445, §§ 1* e 2», do Código Civil reflete a consagração da doutrina e da jurisprudência quanto à natureza decadencial das ações edilícias".

Art. 446. Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência.

HISTÓRICO • Saliente-se o texto original do projeto: "Art. 446. Não correrão os prazos do artigo anterior na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante den­ tro nos trin ta dias do descobrimento, sob pena de caducidade". Com emenda da lavra dos Sena­ dores M ilton Cabral e Marcelo M iranda ganhou a redação atual. Como justificativa apresentaram a de m elhorar a linguagem do texto, substituindo o term o "caducidade" por "decadência", no intu ito de dar maior tecnicismo à linguagem jurídica utilizada pelo projeto. Ainda que as expres­ sões possam ser consideradas sinônimas, como o projeto se refere sempre à prescrição e à deca­ dência, a utilização do term o "caducidade" em dispositivos isolados poderia gerar dúvidas futuras na sua interpretação e aplicação. Emenda, por conseguinte, de boa técnica legislativa. • Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Cláusula de g a ra n tia é causa obstativa de decadência e, com o cláusula c o n tra tu a l, pela qual o a lien an te acoberta a indenidade da coisa, é c o m p le m e n ta r da g a ra n tia o b rig a tó ria e legal a que responde. N ão exclui, p o rtan to , a g aran tia legal. • 0 prim eiro relatório ao projeto, de a u to ria do D eputado Ernani Sátyro, já registrava nào se haver “com o c o n fu n d ir o fa to de não correr prazo na constância da cláusula de g a ran tia, com a obrigação que te m o ad q u iren te de d enun ciar o d e fe ito da coisa ao alien an te , tã o logo o verifique. Trata-se, com o se vê, de consagração ju ríd ica de um dever de probidade e b o a -fé , ta l com o enunciado no a rtig o 4 2 2 . Nào é por estar am parado, pelo prazo de g a ran tia, que o com prador deva se prevalecer dessa situação para abster-se de dar ciência im ediata do vício verificad o na coisa adquirida".

Seção VI



Da evicção

Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.

444

Jones Figueirêdo Alves

Art. 448

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.107 do CC de 1916. 0 dispositivo não se reporta à excludente da garantia da evicção ao adquirente, como prevista na parte final do art. 1.107 do CC de 1916, ou seja, à existência de cláusula expressa no contrato que exclua a evicção e desonere o alienante de sua responsabilidade. Dita cláusula, por melhor siste­ mática, é adicionada ao disposto no art. 4 4 8 do CC de 2002, que, no mais, repete o parágrafo único do já mencionado art. 1.107 do CC de 1916.

DOUTRINA • A evicção é a perda ou desapossam ento da coisa por causa ju ríd ic a , d e te rm in a n te e preexis­ te n te à alienação, reconhecida por decisão ju d ic ia l e em fa v o r de o u trem , verdadeiro d e te n ­ to r do d ireito sobre o bem . Tem o m esm o escopo teleológico de proteção ao adquirente, com o acontece nos vícios redibitórios (d e fe ito de qualidade), referindo-se, porém , a um d e fe ito ju ríd ic o relativo ao negócio celebrado. • 0 in s titu to com preende um a relação tríp lice conflituosa, envolvendo o evicto r (terceiro pre­ ju d icad o e reivindicante), o evicto (ad q u iren te lesado e vencido) e o a lien an te , responsável pela transmissão do bem ou d ireito reivindicado e que responde pelos riscos da evicção. Com e fe ito , o evicto te m ação contra o alien an te , na fo rm a dos arts. 4 5 0 e 4 5 5 do CC de 2 0 0 2 . A evicção é to ta l (art. 4 5 0 do CC de 2 0 0 2 ), parcial (perda não expressiva, com d ireito à in d en i­ zação correspondente) ou, ainda, parcialm ente considerável (art. 4 5 5 do CC de 2 0 02).

JULGADO • Conforme a jurisprudência, o direito de dem andar pela evicção não supõe, necessariamente, a perda da coisa por sentença judicial, adm itindo-se, a tanto, os atos adm inistrativos: 'Evicção. Apreensão de veiculo pela autoridade adm inistrativa. Precedentes da Corte. 1. Precedentes da Corte assentaram que a 'existência de boa-fé', diante dos termos do art. 1.107 do Código Civil, nào afasta a responsabilidade pelo fato de ter sido o veiculo negociado apreendido pela autoridade administrativa, não sendo exigivel prévia sentença judicial" (STJ, 4» T., REsp 33.803/SP, Rei. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ, 2 7 -3 -2 0 0 0 ). No mesmo sentido: RSTJ, 74/219; REsp 162.163/SP; 69.496/ SP; 51.875/RJ.

Art. 448. Podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a res­ ponsabilidade pela evicção.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Corresponde ao parágrafo único do art. 1.107 do CC de 1916, com o acréscimo da cláusula de exclusão da garantia de evicção contida na parte final do c a p u t daquele artigo.

DOUTRINA • 0 reforço, a redução ou a exclusão da responsabilidade pela evicção são disposições de v o n ­ tad e dos c o n tratan tes auto rizadas por lei. Pelo reforço, as partes convencionam devolução de v a lo r superior. Diversam ente, poderão convir pela devolução não integral (redução) ou pela com pleta isenção de responsabilidade pela evicção, de c a rá te r inden izató rio , o que nào exclui a responsabilidade do a lien an te pela devolução do preço (art. 4 4 9 do CC de 2 0 0 2 ), salvo se o adquirente, in fo rm ad o do risco da evicção, o assumiu (art. 4 4 9 , in fin e , do CC de 2002).

Arts. 449 e 450

Jones Figueirêdo Alves

445

Art. 449. Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se der, tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu. HISTÓRICO • A redação é a mesma do anteprojeto. Reproduz o art. 1.108 do CC de 1916, com pequena m elho­ ria de ordem redacional.

DOUTRINA • 0 dispositivo lim ita a cláusula de isenção excludente de responsabilidade do a lien an te aos efeitos indenizatórios, não excluindo a sua obrigação de devolver o preço pago. O corrente a evicção, o ad q u ire n te (evicto), nào o bstante a cláusula, te m d ireito de receber o preço que despendeu pela coisa evicta, seja porque, insciente do risco ou dele conhecendo, nào o assu­ m iu. Caso o ten h a assumido, m a te ria liza -se a renúncia do evicto ao d ireito que lhe é assegu­ rado. • A não repetição do preço por assunção do risco pelo evicto enseja que este venha a n u ir com os riscos, im portan do cláusula de renúncia. Entende João Alves da Silva que "a obrigação de re s titu ir o preço só desaparece quand o o ad q u iren te te v e co nhecim ento do risco e expressa­ m ente o assumiu com o cláusula lícita que é".

JULGADO • A jurisprudência tem consagrado: “Civil. Evicção e indenização. Cumulação. Possibilidade. Ainda que seja irrelevante a existência ou não de culpa do alienante para que este seja obrigado a res­ guardar o adquirente dos riscos da evicção, toda vez que se não tenha excluído expressamente esta responsabilidade, nada impede que o adquirente busque o ressarcimento tam bém com base na regra geral da responsabilidade civil contida nos arts. 159 e 1.059 do Código Civil" (STJ, 4* T., REsp 4.836/SP, Rei. M in. Cesar Asfor Rocha, DJ, 1 5 -6 -1 9 9 9 ).

Art. 450. Salvo estipulação em contrário, tem direito o evicto, além da restituição in­ tegral do preço ou das quantias que pagou: I — à indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir, II — à indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que diretamente resultarem da evicção; III — às custas judiciais e aos honorários do advogado por ele constituído. Parágrafo único. O preço, seja a evicção total ou parcial, será o do valor da coisa, na época em que se evenceu, e proporcional ao desfalque sofrido, no caso de evicção parcial. HISTÓRICO • Trata-se quase de uma repetição do art. 1.109 do CC de 1916, com aprim oram ento do inciso III, para incluir nas despesas ressarcíveis os honorários de advogado, m uito embora essa restituição já estivesse segurada pelo principio da sucumbência, disciplinado na legislação adjetiva. O presente dispositivo, em relação ao texto do anteprojeto, sofreu, por parte do Relator Ernani Sátyro, apenas uma pequena alteração do inciso II, para acrescer a repetição da palavra indenização. A partir dai, não serviu de palco a qualquer outra alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. • Também houve o acréscimo do parágrafo único, repetindo a inteligência do art. 1.115 do CC de 1916, e já constando do projeto (art. 444).

Jones Figueirêdo Alves

446

Art. 451

DOUTRINA • 0 dispositivo cuida da evicção to ta l sofrida pelo adquirente, que teve a perda ou o desapossam ento da coisa de fo rm a absoluta. Estabelece os direitos do evicto. • O p arágrafo único intro duzido tro u xe a regra do a rt. 1.115 do CC de 19 16 que versa sobre a evicção parcial e, de conseqüência, estabelece o v a lo r da coisa ao te m p o da evicção, mesmo que se tra te de evicção to ta l. Coloca-se, em princípio, de acordo com o e n te n d im e n to ju ris prudencial no sentido de que, pela perda sofrida, te m o evicto d ireito à restituição do preço, pelo v a lo r do bem ao tem p o em que dele desapossado, ou seja, ao te m p o em que se evenceu (STJ, 3* T., REsp 132.012/S P , DJ, 2 4 -5 -1 9 9 9 ). M ais precisam ente: “Dispondo o a rtig o 1.115 do Código Civil que se a evicção fo r parcial a indenização é to m ad a na proporção do valo r da coisa ao tem p o em que se evenceu, é incom preensível que o mesmo Código não agasalhe idêntico critério para o caso de evicção to ta l" (STJ, 3* T., REsp 1 3 4 .4 1 2/G O , Rei. M in . W aldem ar Zveiter, DJ, 1 ° -2 -1 9 9 9 ). • E ntretanto, o evicto poderá vir a receber valo r a m enor do que pagou, quand o a dicção legal, em bora referindo à restituição integral do preço, te m esse preço com o o do v a lo r da coisa, na época em que se evenceu. 0 p arágrafo único do art. 4 5 0 , em bora alm eje e fe tiv a r a regra do a rt. 4 0 2 do CC de 2 0 0 2 , descuida, assim, de even tual situação adversa, ou seja, daquela em que o a dquirente, excepcional ou a c id en ta lm en te , receba m enos do que desem bolsou, podendo incidir em contradição substancial, a saber, que todos os princípios de d ireito repe­ lem o e n riq u ecim en to injusto. E mais, segundo a jurisprudência: "Perdida a propriedade do bem , o evicto há de ser indenizado com im po rtân cia que lhe propicie ad q u irir o u tro eq u iva­ lente. N ào constitui reparação com pleta a simples devolução do que fo i pago, ainda que com correção m onetária" (STJ, 3* T., REsp 2 4 8 .4 2 3 /M G , Rei. M in . Eduardo Ribeiro). A lei oferece, inclusive, a solução da restituição integral nos casos dos vícios redibitórios (art. 4 4 3 ), com as expressões" r e s titu ir á o q u e re c e b e ií e " v a lo r re ce b id o ", nada ju s tific a n d o que à coisa evicta haja tra ta m e n to diverso, com prejuízo ao evicto, quando aquela avaliada ao tem p o da evicção para o q u a n tu m da devolução, com o alude o p arágrafo único para a hipótese da evicção to ta l, im p o rtar em d im inuição patrim on ial.

DIREITO PROJETADO • Impende a m elhoria do texto, aperfeiçoando-se o instituto, m ediante a revisão do parágrafo único. Por essa razão, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão, que foi recep­ cionada pelo Projeto de Lei n. 6 .960/2002, agora reproduzido pelo PL n. 699/2011: A rt. 450. (...) P a rá g ra fo único. O preço, seja a evicção to ta l ou p a rc ia l, será o d o v a lo r da coisa, na é p o ­ ca em que se evenceu, e p ro p o rc io n a l ao d e sfalqu e s o frid o , no caso de evicção p a rc ia l, s a lv o na h ip ó te se de v a lo r p a g o a m a io r ao te m p o da a lie n a çã o o u em v a lo r necessário que p ro p ic ie ao e v ic to a d q u irir o u tro bem e q uivalente.

Art. 451. Subsiste para o alienante esta obrigação, ainda que a coisa alienada esteja deteriorada, exceto havendo dolo do adquirente.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.110 do CC de 1916.

Arts. 452 a 454

Jones Figueirêdo Alves

447

DOUTRINA • A deterioração da coisa, em poder do a dquirente, não afasta a responsabilidade do alien ante, respondendo por evicção to ta l, exceto se por ação dolosa daquele (deterioração intencional do bem ). Nào poderá, assim, o a lien an te invocar a desvalorização da coisa evicta, para redu­ zir o preço a restituir e/o u a indenização por perdas e danos.

Art. 452. Se o adquirente tiver auferido vantagens das deteriorações, e não tiver sido condenado a indenizá-las, o valor das vantagens será deduzido da quantia que lhe houver de dar o alienante.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Repete o art. 1.111 do CC de 1916.

DOUTRINA • A vantagem sobre a deterioração, o btida pelo ad q u ire n te e nào indenizável em fa v o r do reivindicante, im plica a dedução do seu v a lo r para e fe ito da restituição do v a lo r integral do preço da coisa evicta que houver de fa ze r o a lien an te ao evicto, nos term os da lei. A previsão legal é a de produzir a equalização dos interesses, abaten d o o proveito do adquirente, com o restabelecim ento do s ta tu s quo.

Art. 453. As benfeitorias necessárias ou úteis, não abonadas ao que sofreu a evicção, serão pagas pelo alienante.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Repete o art. 1.112 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo te m com p atib ilid ad e com o preceito do art. 1.219 do Código Civil de 2 0 0 2 . Ao evicto, com o possuidor de b o a -fé , é assegurado o d ireito è indenização pelas benfeito rias necessárias e úteis.

JULGADO • "0 evicto há de ser indenizado am plam ente, inclusive por construções que tenha erigido no im ó­ vel. A expressão 'benfeitorias', contida no art. 1.112 do Código Civil, há de ser entendida como compreendendo acessões" (STJ, 3* T., REsp 139.178/RJ, Rei. M in. Eduardo Ribeiro, DJ, 2 9 -3 -1 9 9 9 ).

Art. 454. Se as benfeitorias abonadas ao que sofreu a evicção tiverem sido feitas pelo alienante, o valor delas será levado em conta na restituição devida.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Repete o art. 1.113 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • 0 dispositivo tem identidade de razões com o art. 4 5 2 , ou seja, o fim de produzir a e q u aliza­ ção dos interesses, para que não haja e n riq u ecim en to sem causa por p arte do reivindicante

448

Jones Figueirêdo Alves

Arts. 455 e 456

ou do evicto. Assim, co m p ete ao alien an te, perante o reivindicante (art. 1.222 do CC de 2 0 0 2 ), in denizar-se das ben feito rias por ele fe ita s e abonadas ao evicto, ou, perante este, d eduzir do preço a devolver o v a lo r das referidas benfeitorias.

Art. 455. Se parcial, mas considerável, for a evicção, poderá o evicto optar entre a rescisão do contrato e a restituição da parte do preço correspondente ao desfalque sofrido. Se não for considerável, caberá somente direito a indenização.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nâo foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.114 do CC de 1916.

DOUTRINA • No caso da evicção parcial, a opção do evicto e n tre a rescisão do c o n trato , acrescida de per­ das e danos, e a restituição parcial do preço, correspondente ao desfalque sofrido, som ente tem c ab im en to d ia n te de considerável perda m a terial de p arte do bem . Ocorrida perda parcial de m enor significação, o evicto nào poderá valer-se da opçào, assistindo-lhe apenas o a b a­ tim e n to proporcional do preço da coisa.

Art. 456. Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notifi­ cará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe deter­ minarem as leis do processo. Parágrafo único. Não atendendo o alienante à denunciação da lide, e sendo manifesta a procedência da evicção, pode o adquirente deixar de oferecer contestação, ou usar de re­ cursos.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Repete o c a p u t do art. 1.116 do CC de 1916, com pequena m e­ lhoria de ordem redacional. Introduz parágrafo único, sem m atéria correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo indica o b rig a tó ria a denunciação da lide ao a lien an te na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo d o m ín io fo i transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o d ireito que da evicção lhe resulta, consoante a literalid ad e do a rt. 70 do Código de Processo Civil, pressupondo o d ireito de regresso. E ntretanto, tem sido entendid o que "em sede de evicção, a fa lta de notificação do litíg io não im pede a propositura de ação de indenização pelo adquirente" [RT, 6 7 2 /1 2 6 ). • 0 p arágrafo único é m edida saudável de política processual para a abreviação do litígio, dispensando a incidência do art. 75, II, do CPC.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO C IVIL - CJF • Enunciado 434, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "A ausência de denunciação da lide ao alienante, na evicção, não impede o exercício de pretensão reparatória por meio de via autônoma".

Jones Figueirêdo Alves

Arts. 457 e 458

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• Enunciado 29, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A interpretação do art. 4 5 6 do novo Código Civil perm ite ao evicto a denunciação direta de qualquer dos responsáveis pelo vício".

JULGADOS • M elhor se recomenda a posição do Superior Tribunal de Justiça segundo a qual "o direito que o evicto tem de recobrar o preço que pagou pela coisa evicta independe, para ser exercitado, de ter ele denunciado a lide ao alienante, na ação em que terceiro reivindicara a coisa" (STJ, 3* T., REsp 255.639/SP, Rei. M in. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ, 1 1 -6 -2001). Nessa linha, o em inente M in. Nilson Naves destacou: "A jurisprudência do STJ é no sentido de que a nào denunciação da lide não acarreta a perda da pretensão regressiva, mas apenas ficará o réu, que poderia denunciar e não denunciou, privado da im ediata obtenção do títu lo executivo contra o obrigado regressivam ente. Dai resulta que as cautelas insertas pelo legislador pertinem tão só com o direito de re­ gresso, mas não privam a parte de propor ação autônom a contra quem eventualm ente lhe tenha lesado" (REsp 132.258/RJ, DJ, 1 7 -4 -2 0 0 0 ). Por outro lado, assentou o STF não poder a ação de evicção ser substituída pelo pedido de indenização do últim o adquirente contra o prim itivo transm itente, com abstração da cadeia sucessiva de transmissões [RTJ, 119/1100).

DIREITO PROJETADO • Em face do exposto, encaminhamos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte proposta de nova re­ dação ao c a p u t deste artigo, compatível com o entendim ento jurisprudencial, que foi acolhida pelo PL n. 6 .960/2002, agora reproduzido pelo PL n. 699/2011: A rt. 456. Para o d ire ito que da evicção lhe re su lta , independe o e v ic to da d e n u n cia çã o da lid e ao a lie n a n te , p o d e n d o fa zê -la , se lhe p a re ce r co n veniente, p e lo s p rin c íp io s da e co no m ia e da ra p id e z processual.

Art. 457. Não pode o adquirente demandar pela evicção, se sabia que a coisa era alheia ou litigiosa.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.117 e seu inciso II do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A ciência do evicto sobre a origem da coisa, sabendo-a alheia ao objeto de litígio, opera a presunção de que, conhecendo os riscos da evicção, o assumiu, renunciando à g arantia. • S ublinha João Luís Alves, a propósito: “Cum pre, porém , n o ta r que, m esm o sabendo que a coisa era alheia ou litigiosa, não te n d o d ireito è g a ran tia, te m contudo, o ad q u iren te evicto, d ire ito à restituição do preço, salvo se assumiu o risco que conhecia, porque o preço não faz parte da garantia".

Seção VII



Dos contratos aleatórios

Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.

450

Jones Figueirêdo Alves

Art. 459

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.118 do Código Civil de 1916, eom pequena m elhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • C o n trato a lea tó rio é o c o n tra to oneroso sujeito a even to fu tu ro e incerto, pelo qual am bos os c o n tra tan te s su bm etem -se a um a álea (sorte ou incerteza de fo rtu n a ), onde as prob ab ili­ dades de perda ou de lucro sào co ncom itantes e dependentes de casualidade ou de fatores contingentes. • 0 dispositivo tra ta do risco sobre a existência da coisa, retratan d o a e m p tio s p e i (venda da esperança, a probabilidade de a coisa existir), caso em que o a lien an te terá d ireito a to d o o preço da coisa que venha a não existir, com o sucede no exem plo clássico da venda de colh ei­ ta fu tu ra , independente de a safra existir ou nào, assum indo o co m prador o risco da co m p le­ ta frustração da safra (inexistência), salvo se o risco cum p rir-se por dolo ou culpa do ven d e­ dor.

JULGADO • "Responsabilidade civil. Contrato aleatório. Cessão de direitos sobre o projeto ‘certo ou errado’ para a loteria esportiva. Risco assumido pelo cedente ao ajustar a sua remuneração, caso o proje­ to superasse o dobro dos valores apurados antes de sua im plantação. Rom pimento da proporcio­ nalidade original entre três modalidades de apostas. Ilícito contratual não configurado. Hipótese em que se configura o contrato aleatório, pois o autor assumiu o risco de não receber a rem une­ ração, se porventura a arrecadação da 'Loteria do Certo ou Errado’ não superasse o dobro daque­ la concernente à 'Loteria Esportiva Federal'. Na avença celebrada, a Caixa Econômica Federal não se obrigou a m anter invariável a proporcionalidade entre os preços correspondentes às três m o­ dalidades de jogos: a 'Loteria do Certo ou Errado', a 'Sena' e a 'Loto'. Inexistência de culpa e, por conseqüência, de ilícito contratual. Recurso especial não conhecido" (STJ, 4* T., REsp 586.458, Rei. M in. Barros M onteiro, DJU, 2 0 -3 -2 0 0 6 ).

Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada. Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alie­ nante restituirá o preço recebido.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Repete o art. 1.119 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • 0 dispositivo tra ta do risco sobre a q u a n tid a d e exata da coisa, retratan d o a e m p tio re i s p e ra ta e (venda da coisa esperada, a probabilidade de a coisa existir na q u a n tid a d e desejada ou p rom etida), caso em que o a lien an te terá d ireito a to d o o preço da coisa que venha a existir q u a n tita tiv a m e n te diferenciada, com o sucede ainda no exem plo clássico da venda de colh ei­ ta fu tu ra , quando a safra alcança q u a n tid a d e in fe rio r ou m ínim a. No caso, a álea vincula-se à q u a n tid a d e e nào à existência da coisa, referida pelo artig o anterior. 0 a lien an te não terá d ireito ao preço co n tratad o , se houver agido com dolo ou culpa.

Arts. 460 e 461

Jones Figueirêdo Alves

451

• Sobre o riseo co n cernente è q uantidade, Darcy A rruda M ira n d a apresenta o exem plo típico do ad q u ire n te de safra de algodão an im ad o pela espera de co lh eita fa rta , sucedendo, e n tre ­ ta n to , q u a n tid a d e irrisória resultante de o algodão se achar praguejado. 0 a lie n a n te om itira essa circunstância ao adquirente, agindo com dolo. Em ta l situação, o c o n tra to será nulo. Assim, desde que o a lien an te atu o u dolosam ente, com causaçào de prejuízo ao adquirente, nenhum d ireito te rá ao preço ajustado, obrigand o-se à restituição. A exclusão do dolo, no preceito, por se referir o dispositivo som ente à culpa, constitu i omissão do legislador, repa­ rável pela jurisprudência. • Desde que o risco fo i assumido sobre a q uantidade, a não existência da coisa tra z com o con­ seqüência a nulidade do c o n tra to , o b rigand o-se o a lie n a n te à restituição do v a lo r recebido, c erto que nada existindo, alienação não haverá. A referência ao "adquirente", com o obrigado a restituir, contid a por equívoco no p arágrafo único do art. 1.119 do CC de 19 16 fo i o p o rtu ­ n a m e n te m od ificada pelo te rm o “alien ante" no p arágrafo único do presente a rtig o .

Art. 460. Se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, posto que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. O texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.120 do CC de 1916.

DOUTRINA • T rata-se do c o n tra to a leató rio te n d o por o b je to coisas existentes mas expostas a risco. 0 a d q u ire n te assume o risco de nào receber a coisa adquirida, ou recebê-la parcialm ente, ou ainda danificada, deteriorada, ou desvalorizada, pagando, e n tre ta n to , ao a lien an te to d o o valor. A centua João Luís Alves representar o dispositivo a generalização dos princípios aceitos pelo d ire ito com ercial q u a n to ao seguro m a rítim o (CCom, arts. 6 6 6 e 6 7 7 , IX), valendo, aqui, o exem plo da m ercadoria em barcada, to m an d o sobre si o ad q u ire n te a sorte (álea) de vir ou não a receber, devido a acid en te ou nau frág io . M esm o que a coisa no dia do c o n tra to já não existisse no to d o ou em parte, o risco assumido obriga o ad q u iren te ao p agam ento do preço. E xcetua-se a hipótese do artig o seguinte. Art. 461. A alienação aleatória a que se refere o artigo antecedente poderá ser anulada como dolosa pelo prejudicado, se provar que o outro contratante não ignorava a consumação do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Repete o art. 1.121 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • 0 c o n tra to poderá ser anulado, provando o ad q u iren te e prejudicado a condu ta dolosa do a lie n a n te que, em não ignorando o perecim ento do bem em face da consum ação do risco, o alien a quand o já inexistente. Há preceito sim ilar no Código Com ercial (a rt. 6 7 7 , III a IX) sobre os seguros m arítim os.

452

Seção VIII

Jones Figueirêdo Alves



Art. 462

Do contrato preliminar

Art. 4 6 2 .0 contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no CC de 1916.

DOUTRINA • C o n trato prelim in ar ou p a c to d c c o n tra h e n d o é aquele, segundo a te o ria mais aceita, que, com o convenção provisória, contend o os requisitos do art. 104 do CC de 2 0 0 2 , e os e lem en ­ tos essenciais ao c o n tra to (res, p r c tiu m e c o n s c n s u m ), te m por o b je to co ncretizar um con­ tra to fu tu ro e d e fin itiv o , assegurando pelo com eço de ajuste a possibilidade de u ltim á -lo no tem p o o po rtuno . Os requisitos para a sua eficácia são os mesmos exigidos ao c o n tra to d e fi­ nitivo, excetuada a fo rm a. Nesse sentido, S úm ula 4 1 3 do STF: " 0 com prom isso de com pra e venda de imóveis, ainda que nào loteados, dá d ireito à execução com pulsória, quando reuni­ dos os requisitos legais" (STF, RTJ, 1 1 7 /3 8 4 e 114/844). Ele se distingue da simples o fe rta ou proposta ou das negociações prelim inares em preparo de contrato. • A lei o a d m ite com o c o n tra to inicial ou incom pleto , a exig ir a celebração do d e fin itiv o , des­ de que dele não conste cláusula de arrep en d im e n to e ten h a sido levado ao registro com pe­ te n te (art. 4 6 3 do CC de 2 0 0 2 ), a ta n to que ta l exig ibilid ad e p e rm ite o suprim ento ju d icial da vo n tad e da p arte in ad im p len te, salvo se a isto se opuser a natu reza da obrigação (art. 4 6 4 do CC de 2 0 0 2 ). • 0 Código Civil de 1 9 1 6 nào observou o c o n tra to prelim inar, em bora tra ta d o na d o u trin a . O art. 2 2 7 do Código Civil português o abrange, ao tra ta r da culpa na fo rm ação dos contratos: "1. Q uem negocia com o u trem para conclusão de um c o n tra to deve, ta n to nas prelim inares com o na fo rm ação dele, proceder segundo as regras da b o a -fé , sob pena de responder pelos danos que culposam ente causar à outra parte". Por sua vez, o Código de Processo Civil de 1 9 3 9 já dispunha: "Nas promessas de contratar, o ju iz assinará prazo ao devedor para execu­ ta r a obrigação, desde que o c o n tra to prelim inar preencha as condições de validade do d e fi­ nitivo" (art. 1.006, § 2 o). A sua regulam entação em seção própria vem suprir, p o rtan to , séria lacuna. Recolhe-se a lição perm an en te de Caio M á rio da Silva Pereira, quando assinala: "Daí poder-se conceitu ar o c o n tra to prelim in ar com o aquele por via do qual am bas as partes ou um a delas se com prom etem a celebrar m ais tarde o u tro c o n trato , que será c o n tra to principal. D ife re n ­ cia-se o c o n tra to p relim inar do principal pelo objeto , que no prelim in ar é a obrigação de concluir o u tro c o n trato , e n q u a n to que o do d e fin itiv o é um a prestação substancial" [ In s ti­ tu iç õ e s de d ire ito c iv il, v. III, 11. ed., Rio de Janeiro, Forense, p. 81). Lado outro, a d o u trin a não a d m ite o c o n tra to prelim in ar em face da espécie do c o n tra to de doaçào, sendo percuciente a ponderação de Caio M á rio : “(...) É da própria essência da pro­ messa de c o n tra ta r a criação de com prom isso d o ta d o de exigibilidade. 0 p ro m iten te o b rig a -se. 0 prom issário adquire a faculdade de re c la m a r-lh e a execução. Sendo assim, o m ecanis­ m o n atu ral dos efeitos do p ré -c o n tra to levaria a esta conclusão: se o p ro m iten te doador recusasse a prestação, o p ro m iten te d o n atário teria ação para e x ig i-la , e, então, te r-s e -ia um a doaçào coativa, doação por determ in ação da Justiça, liberalidade por im posição do ju iz e ao arrepio da vo n tad e do doador. No caso da prestação em espécie nào ser mais possível haveria a sua conversão em perdas e danos, e o beneficiado lograria recuperação ju d ic ia l, por não te r o b e n fe ito r querido e fe tiv a r o benefício. Nada disto se coaduna com a essência da doação, e,

Art. 463

Jones Figueirêdo Alves

453

conseguintem ente, a doação pura nào pode ser o b je to de c o n tra to prelim inar" (Caio M á rio da Silva Pereira, In s titu iç õ e s d e d ir e ito c iv il, v. III, Rio de Janeiro, Forense, 2 0 0 4 , p. 2 5 7 -8 ). • D ire ito c o m p a ra d o : 0 Código Civil italian o , no a rt. 1.351, exige a fo rm a quand o por sua fu n ç ão c o n stitu tiva fo r essencial ao d e fin itiv o : " 0 c o n tra to prelim in ar é nulo se não fo r es­ tip u lad o na fo rm a prescrita pela lei para o c o n tra to definitivo".

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 435, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “0 contrato de promessa de perm uta de bens imóveis é titu lo passível de registro na m atricula imobiliária". JULGADOS • A promessa de compra e venda é exemplo do contrato prelim inar mais freqüente. A jurisprudência o reconhece, citando-se: 1. "Não incidência do ITBI em promessa de compra e venda, contrato prelim inar que poderá ou náo se concretizar em contrato definitivo, este sim ensejador da cobran­ ça do aludido tribu to - Precedentes do STF" (STJ, 2* T., REsp 57.641/PE, Rei. M in. Eliana Calmon, DJU, 2 2 -5 -2 0 0 0 ); 2."(...) Manifestada expressamente por ambas as partes a intenção de form alizar contrato de locação de posto de serviços, a depender de condição suspensiva a cargo do proponente-locatário, sem term o, form alizou-se o contrato preliminar, nào sendo licito à preponente-locadora contratar locação de posto com terceiro sem constituir em mora aquele, quanto ao im plem ento da condição avençada. II - A contratação, nesses termos, constitui retirada arbitrária, hábil a ensejar a indenização por perdas e danos a ela concernentes" (STJ, 4* T., REsp 32.942/RS, Rei. M in. Sálvio de Figueiredo, DJ, 1 3 -1 2 -1 9 9 3 ); 3. "A despeito de instrum entalizado m ediante um simples recibo, as partes celebraram um contrato preliminar, cuja execução se consumou com a entrega do imóvel ao compromissário-comprador e com o pagam ento do preço por este últim o, na form a convencionada. Improcedência da alegação segundo a qual as negociações nào passaram de simples tratativas preliminares" (STJ, 4a T., REsp 145.204/BA, Rei. M in. Barros M onteiro, DJ, 141 2 -1 9 9 8 ); 4."(...) Segundo a m oderna doutrina, a que se referem José Osório Azevedo Jr. e Orlan­ do Gomes, dentre outros, há duas modalidades de contratos preliminares de compra e venda: o 'próprio', que representa mera promessa, preparatório de um segundo, e o ‘impróprio’, contrato em form ação que vale por si mesmo. II - Não é nulo o contrato prelim inar de compra e venda que tem por objeto bem gravado com cláusula de inalienabilidade, por se tra ta r de compromisso pró­ prio, a prever desfazim ento do negócio em caso de impossibilidade de sub-rogaçào do ônus" (STJ, 4 a T., REsp 35.840/SP, Rei. M in. Sálvio de Figueiredo, DJ, 11-11-1996).

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo ante­ cedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive. Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Os fig u ran tes do c o n tra to p relim inar obrigam -se ao cu m p rim e n to do d e fin itiv o e, por isso, respondem à execução específica da obrigação, com o prescreve o a rtig o seguinte. A inclusão, to davia, de cláusula de arrep en d im e n to constitui d ireito assegurado às partes (ju s p o e n ite n d i) de nào o celebrarem [RT, 6 7 2 /1 7 6 ). • 0 legislador preferiu to rn a r necessário o registro do p ré -c o n tra to . A eficácia real, decorrente do registro, gera e fe ito e rg a o m n e s para prevenir direitos em face de terceiros.

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Jones Figueirêdo Alves

Arts. 464 e 465

• A assinaçào do prazo para que o o u tro c o n tra ta n te e fe tiv e o c o n tra to d e fin itiv o é fe ita pelos meios regulares do com unicado de co nhecim ento (n otificação ju d icial ou extraju dicial).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 30, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: “A disposição do parágrafo único do art. 463 do novo Código Civil deve ser interpretada como fa to r de eficácia perante terceiros".

SÚMULAS •

Súmula 76 do STJ: “A falta de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não dispen­ sa a prévia interpelação para constituir em mora o devedor".



Súmula 239 do STJ: "0 direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do com ­ promisso de compra e venda no cartório de imóveis".

JULGADOS • A jurisprudência vem adm itindo a promessa de compra e venda imobiliária, geratriz de efeitos obrigacionais, não requerendo, para sua plena eficácia e validade, a sua inscrição no Registro de Imóveis. Reconhecendo, destarte, que "a pretensão de adjudicação compulsória é de caráter pes­ soal, restrita assim aos contraentes, não podendo prejudicar os direitos de terceiros que entrem entes hajam adquirido o imóvel e obtido o devido registro, em seu nome, no ofício im obiliário" (STJ, 4* T., REsp 27.246-8/R J, Rei. M in. Athos Carneiro). Sobre isso, de há m uito resultou assentado: “Compromisso de compra e venda de imóvel. Execução específica da obrigação. Admissibilidade. É admissível a execução específica do art. 639 do Código de Processo Civil, ainda que se trate de contrato prelim inar não inscrito no registro de imóveis" (REsp 6.370, Rei. M in. Nilson Naves, DJ, 9 -9 -1 9 9 1 ). Com a nova regra, afigura-se prejudicada a Súmula 239 do STJ. Por outro lado, a re­ gulam entação se torna com pleta, desestimulando, na prática, expedientes de vantagem patrim o­ nial ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou m antendo em erro alguém m ediante a venda suces­ siva do mesmo bem. Quando se tratar de bem móvel, o registro com petente será o Registro de Títulos e Documentos, nos termos do disposto no parágrafo único do art. 127 da Lei n. 6.015/73.

Art. 464. Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.

HISTÓRICO • 0 dispositivo, na fase final de tram itação do projeto, sofreu pequena m odificação de ordem reda­ cional, retirando-se a expressão "referido no artigo antecedente", por não fazer falta para o exato entendim ento do texto. Não há artigo correspondente no CC de 1916.

DOUTRINA • A sentença judicial que supre a declaração de vo n tad e do c o n tra ta n te inad im p len te em tu ­ tela específica da obrigação substitui o c o n tra to d e fin itiv o . Dispõe, a propósito, o a rt. 6 3 9 do CPC: "Se aquele que se com prom eteu a concluir um c o n tra to não cu m p rir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo títu lo , poderá o b te r um a sentença que produza o mesmo e fe ito do c o n tra to a ser firm ado". Em regra, o com prom isso a d m ite a exe­ cução coativa. Se a isto se opuser a natu reza da obrigação [v. g., promessa de casam ento), o c o n tra to é resolvido em perdas e danos, operando-se o disposto no art. 4 6 5 deste Código.

Art. 465. Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos.

Arts. 466 e 467

Jones Figueirêdo Alves

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HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A a lte rn a tiv a apresentada te m lugar por opção do c o n tra ta n te credor ou quando impossível a tu te la específica da obrigação, em face de sua natureza, ou seja, nào a d m itir o p ré -c o n tra to a sua execução coativa, com o observa a p arte fin a l do a rt. 4 6 4 . Nesse ú ltim o caso, a inadim plência da obrigação gera, apenas, a com posição de perdas e danos, a tin e n te ao o b je­ to da promessa, nos term os do a rt. 3 8 9 do CC de 2 0 0 2 (art. 1 .05 6 do CC de 1916). As perdas e danos com põem -se, além do que o devedor e fe tiv a m e n te perdeu, do que razoavelm ente deixou de lucrar (art. 4 0 2 do CC de 2 0 0 2 ; art. 1.059 do CC de 1916). • A culpa in c o n tra h e n d o é um a fo rm a de responsabilidade c o n tratu al.

Art. 466. Se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de ficar a mesma sem efeito, deverá manifestar-se no prazo nela previsto, ou, inexistindo este, no que lhe for razoavelmente assinado pelo devedor.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Diz-se do c o n tra to p relim inar "u n ila te ralm e n te vinculante", onde apenas um a das partes tem a a p tid ã o de exigir a constituição do c o n tra to d e fin itiv o . 0 c o n tra to p relim inar obriga um a das partes, quand o por declaração unilateral de vontade, ou am bas as partes, quando a pro­ messa fo r b ilateral. Na promessa u n ila te ra l de co n tratar, cabe ao promissário credor o exer­ cício, no prazo previsto ( te m p o re u tile ), da m anifestação de exig ir o cu m p rim e n to da prom es­ sa a que o p ro m iten te devedor se acha vinculad o em consecução do c o n tra to fu tu ro para o b rig á -lo ao referido c o n trato . Dessa m anifestação, decorre eficaz o c o n tra to d e fin itiv o . Nào existente o prazo, a m anifestação do credor será exercida no que lhe fo r razoavelm ente as­ sinado pelo devedor.

Seção IX



Do contrato com pessoa a declarar

Art. 467. No momento da conclusão do contrato, pode uma das partes reservar-se a faculdade de indicar a pessoa que deve adquirir os direitos e assumir as obrigações dele decorrentes.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • O ferece-se config uração co nveniente aos contratos estipulados com pessoa a declarar, já regulado nos Códigos Civis português e italian o . Reserva-se a um dos contratan tes, no negó­ cio ju ríd ic o celebrado pela cláusula p ro a m ic o e lig e n d o , a indicação de outra pessoa que o substitua na relação c o n tra tu a l, adqu irin d o os direitos e assum indo as obrigações dele decor­ rentes. Caso não exercite a cláusula ou o indicado recuse a nom eação, ou seja insolvente,

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Jones Figueirêdo Alves

Arts. 468 a 470

disso desconhecendo a o u tra parte, perm anece o c o n tra to som ente eficaz entre os c o n tra ­ ta n tes originários (art. 470).

Art. 468. Essa indicação deve ser comunicada à outra parte no prazo de cinco dias da conclusão do contrato, se outro não tiver sido estipulado. Parágrafo único. A aceitação da pessoa nomeada não será eficaz se não se revestir da mesma forma que as partes usaram para o contrato.

HISTÓRICO • 0 dispositivo, já na fase final de tram itação, sofreu pequena m elhoria de ordem redacional com a retirada da expressão “a que se refere o artigo antecedente" e a colocação do demonstrativo "essa". Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A com unicação da nom eação é exigência a trib u íd a ao titu la r da faculdade, d ia n te do seu vínculo ao c o n trato . Refere o Prof. M ig u e l Reale, em sua Exposição de M o tivos do A n te p ro ­ je to do Código Civil (1 6 -1 -1 9 7 5 ) acerca de ponto fu n d a m e n ta l: “a reform u lação do c o n tra to com pessoa a nom ear d e u -lh e m aior aplicação e am p litu d e, en q u an to que, no A n tep ro jeto anterior, ficara preso, segundo o m odelo do Código Civil ita lia n o de 1942, ao fa to de já exis­ tir a pessoa no a to de conclusão do contrato". N o tific ad o o nom eado, a sua aceitação, para o e fe ito de liberar o nom eante do vinculo o riginal, deve observar a mesma fo rm a que as partes usaram para o contrato.

Art. 469. A pessoa, nomeada de conformidade com os artigos antecedentes, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes do contrato, a partir do momento em que este foi celebrado.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A ceita a nom eação, retroagem os efeitos do vínculo sobre o nom eado, ficando o c o n tra ta n ­ te que exercitou a faculdade da cláusula p ro a m ic o e lig e n d o liberado da obrigação. A lei nào tra ta do m o m en to da liberação, em bora possa se concluir que o c o n tra ta n te originário re tira -se do c o n trato , quando a aceitação operar-se com o declaração de v ontade e pela fo rm a vinculad a, ocorrendo a substituição. N ào se pode a d m itir ten h a lugar logo quando da n o ti­ ficação fe ita ao nom eado, com o e n te n d e m alguns, pois o indicado pode-se recusar a a c e itá -la (art. 4 7 0 , 1).

Art. 4 7 0 .0 contrato será eficaz somente entre os contratantes originários: I — se não houver indicação de pessoa, ou se o nomeado se recusar a aceitá-la; II — se a pessoa nomeada era insolvente, e a outra pessoa o desconhecia no momen­ to da indicação.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

Art. 471

Jones Figueirêdo Alves

457

DOUTRINA • Preserva-se o vínculo envolvendo as partes c o n tra tan te s originárias, quand o não exercida a fa c u ld a d e de nom eação ou nas hipóteses em que o nom eado a recusa ou, a c e ita n d o -a , apresenta-se insolvente, e a outra parte o desconhecia no m o m e n to da indicação. No caso, o c o n tra to perm anece válido e n tre os que o fo rm ara m , su jeitando-se os c o n tra tan te s às obrigações que lhes são com etidas.

Art. 471. Se a pessoa a nomear era incapaz ou insolvente no momento da nomeação, o contrato produzirá seus efeitos entre os contratantes originários.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • C on form e a ju s tific a tiv a , "a presente alteração fo i sugerida pelo ilustre prof. Sérgio Niem eyer. O art. 471 repisa, desnecessariam ente, a regra constante do inciso II do a rt. 4 7 0 . Neste, a lei preceitua a eficácia do c o n tra to e n tre os contraentes originários na hipótese de ser insolven­ te a pessoa nom eada, desconhecendo tal fa to o o u tro c o n tra ta n te . O a rt. 471, por sua vez, repete a hipótese do inciso II do a rt. 470, porém , sem a exigência do desconhecim ento da insolvêneia da pessoa indicada, no que to rn a-s e mais abrangente, pois não contém essa res­ trição no tip o legal. Am bos os dispositivos abordam a eficácia do c o n tra to que irradia os seus efeitos som ente sobre as partes c o n tra tan te s originárias, com a exclusão da pessoa nom eada em v irtu d e de sua insolvêneia. No a rt. 4 7 0 , II. exige a lei que a insolvêneia seja desconhecida do o u tro c o n tra tan te , não sendo de se co g ita r que ta l desconhecim ento refira à representa­ ção m ental daquele que indica, pois nisso seria estéril já que o que pretende é m a n tê -lo (o indicador ou c o n tra ta n te prim evo) vinculad o à parte c o n trária no caso de se ve rifica r a in solvência da pessoa em nom e da qual estipulou o c o n trato . Ou seja, a hipótese do a rt. 471 é c o n tin e n te daquela prevista no a rt. 470, II, sendo a prim eira, p o rtan to , desnecessária. Para e v ita r esse c o n flito , que provocará decerto grandes discussões nos tribunais, é de bom alvitre suprim ir do a rt. 471 a hipótese referen te à insolvêneia da pessoa indicada, deixando apenas fig u ra r no Código aquela constante do inciso II do a rt. 470".

DIREITO PROJETADO • 0 Projeto de Lei n. 6 .960/2002, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza, agora reproduzido pelo PL n. 699/2011: A rt. 471. Se o pessoa a n o m e a r era in c a p a z n o m o m e n to da nom eação, o c o n tra to p ro d u ­ z irá seu e fe ito e n tre os c o n tra ta n te s o rig in á rio s.

C ap ítu lo II — DA EXTINÇÃO DO CONTRATO (*)

Por incluir este C apítu lo disposições que cuidam da revisão c o n tratu al, conform e tratarem os a d ian te, m erece ele receber nova nom inação, assim fo rm u lad a: "Da Revisão e da Extinção do C ontrato", com conseqüente renum eraçào de seus artigos e seções. O Projeto de Lei n. 6 .9 6 0 /2 0 0 2 , de au to ria do D eputado Ricardo Fiuza, agora reproduzido pelo PL n. 6 9 9 /2 0 1 1 , acolheu as propostas form uladas, a lteran d o e n tã o a ordem das seções e dos artigos.

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Jones Figueirêdo Alves

Seção I f)



Arts. 472 e 473

Do distrato

0 Projeto de Lei n. 699/2011 propõe com o prim eiros dispositivos do presente capítulo norm as relativas à revisão c o n tra tu a l, pelo que im pende reconhecer a m od ificação da nom inação da seção: S eçõo I - D a Revisáo.

Art. 4 7 2 .0 distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição da parte inicial do art. 1.093 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • 0 d istrato é negócio ju ríd ic o que objetiva a desconstituiçáo do c o n trato , e x tin g u in d o os seus efeitos. É o d esfazim ento do acordo de vontades, da relação ju ríd ica existente, através da m anifestação reciproca dos c o n tratan tes (resiliçào bilateral), quand o ainda não ten h a sido executado o c o n trato . Os seus efeitos operam -se sem retroatividade (e fe ito ex n u nc). • A fo rm a do d istrato subm ete-se à mesma fo rm a exigida por lei para o c o n tra to para te r a sua validade. N ão o b rig a tó ria a fo rm a, o d istrato é fe ito por q u a lq u e r m odo, indep en d en te de fo rm a diversa pela qual se realizou o c o n tra to desfeito. • Ver, a propósito da nova redação dada a este dispositivo, com seus parágrafos, nossos com en­ tários ao a tu a l a rt. 4 7 8 , na Seção IV, que tra ta da resolução do c o n tra to por onerosidade excessiva. • Rodrigo Toscano de B rito oferece crítica ao § 2» do te x to proposto, por entender, com acerto, que “a regra engessa a possibilidade de reequilíbrio da contratação e cam inha na co ntram ão do princípio da equivalência m a terial dos contratos. Se a parte estava em m ora ao te m p o da alteração das circunstâncias, deve sofrer as conseqüências da mora, e não se v e r proibida de conservar o c o n trato , desde que possa ser reequilibrado" ( E q u iv a lê n c ia m a te r ia l d o s c o n tra ­ tos, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 108).

DIREITO PROJETADO • 0 Projeto de Lei n. 699/2011 (anterior PL n. 6.960/2002) propõe: A rt. 472. N os c o n tra to s de execução sucessiva o u d ife rid a , to m a n d o -s e d e spro po rcio na is o u excessivam ente onerosas suas pre sta çõ es em d e corrê n cia de a c o n te c im e n to e x tra o rd in á rio e e s tra n h o aos c o n tm ta n te s à época da celebração c o n tra tu a l, po de a p a rte p re ju d ic a d a d e m a n d a r a re visã o c o n tra tu a l, desde que a d e spro po rç ão o u a o nerosidade exceda os risco s n o rm a is do co n tra to . § 7® N a d a im p e d e q u e a p a r te d e d u zo , e m ju íz o , p e d id o s c u m u la d o s , n a fo rm a a lte r ­ n a tiv a , p o s s ib ilita n d o , a ssim , o e x a m e ju d ic ia l d o q u e v e n h a a s e r m a is ju s t o p a ra o ca so c o n c re to . § 2a N ã o p o d e re q u e re r a re v is ã o d o c o n tr a to q u e m se e n c o n tra r e m m o ra n o m o m e n ­ to d a a lte ra ç ã o d a s c irc u n s tâ n c ia s . § 3a Os e fe ito s d a re v is ã o c o n tr a tu a l n ã o se e s te n d e m à s p re s ta ç õ e s s a tis fe ita s , m a s s o m e n te às a in d a d e vid a s , re s g u a rd a d o s o s d ire ito s a d q u irid o s p o r te rce iro s .

Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

Art. 474

Jones Figueirêdo Alves

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Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.

HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. O texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A resiliçào unilateral é m eio de extinção da relação c o n tra tu a l, a d m itid a por a to de vontade de um a das partes, em face da natu reza do negócio celebrado, te rm in a n d o o vínculo existen­ te por denúncia do c o n trato , m e d ia n te notificação. É perm itida nos contratos em que a lei expressa ou im p lic ita m e n te a reconhece, a exem plo do m a n d ato (art. 6 8 2 , 1), onde a resiliçào e fe tu a -s e por revogação do m an d an te (arts. 6 8 6 e 6 8 7 ) ou por renúncia do m a n d atário (art. 6 8 8), do com odato, do depósito e dos contratos de execução co n tin u ad a por te m p o in d e te r­ m inado, com o sucede por denúncia im otivada nos contratos de locação. • A resiliçào unilateral pode te r seus efeitos postergados quando, protraindo o desfazim ento do negócio, condiciona-se a prazo, nos casos em que um a das partes houver fe ito investi­ m entos consideráveis para a sua execução, ou seja, os seus efeitos apenas serão produzidos depois de transcorrido lapso tem p o ral com patível com a natu reza e o v u lto daqueles inves­ tim en to s realizados. Eqüivale ao aviso prévio c o n tra tu a l, com o m edida legal de proteção, preventiva de conseqüências, a n te o e v en tu a l exercício de d ire ito p o testativo à ruptura a b ru p ta do c o n trato , g a ran tin d o -se prazo com patível ao proveito dos investim entos consi­ deráveis feito s para a execução do c o n trato , atendidos o v u lto e a natu reza deles. • Ver, a propósito da nova redação dada a este dispositivo, nossos com entários ao a tu al art. 4 7 8 , na Seção IV, que tra ta da resolução do c o n tra to por onerosidade excessiva.

DIREITO PROJETADO • 0 Projeto de Lei n. 699/2011 dá nova redação ao presente dispositivo: A rt. 473. Nos c o n tra to s co m o b rig a çõ es u n ila te ra is a p lic a -s e o d is p o s to n o a rtig o a n te rio r, no que fo r p e rtin e n te , ca b endo à p a rte o b rig a d a p e d id o de re vis ã o c o n tra tu a l p a ra re d u çã o das p re sta çõ es o u a lte ra ç ã o do m o d o de e xe cu tá -la s, a fim de e v ita r a o nerosidade excessiva.

Seção II



Da cláusula resolutiva

Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Náo há artigo correspondente no CC de 1 9 1 6 .0 parágrafo único do art. 119 do Código Civil de 1916 cuida de “condição resolutiva da obrigação", subm eten­ do a ineficácia do negócio jurídico a um evento futuro e incerto.

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Jones Figueirêdo Alves

Art. 475

DOUTRINA • 0 c o n tra to se resolve pela cláusula resolutiva expressa, d ia n te de obrigação nào adim plida de acordo com o m odo determ in ad o . A cláusula expressa prom ove a rescisão de pleno d ireito do c o n tra to em face do inadim p lem en to . A plica-se, segundo a d o u trin a , o princípio d ie s in te r p e lla t p ro h o m in e . • Q uando nào houver sido expressa a cláusula resolutiva, o c o n tra ta n te prejudicado deverá n o tific a r a p arte in a d im p le n te acerca da sua decisão de resolver o c o n tra to em face da inadim plência do outro. É ínsita a todo pacto bilateral a cláusula resolutória tácita [RT, 7 5 2 /2 8 7 ). • 0 CC de 2 0 0 2 , neste dispositivo, tra ta de "cláusula” e nào de “condição”, corrigindo a im pre­ cisão té c n ic o -ju ríd ic a contida no p arágrafo único do a rt. 119 do CC de 1916, com o realça, percuciente, Carlos A lb e rto Dabus M a lu f, enaltecendo: “Foi de grande sabedoria tal m o d ifi­ cação, pois, assim, a jurisprudência, nas hipóteses de resolução dos contratos, nào terá mais de fa la r em condição resolutiva". • D ire ito c o m p a ra d o : Código Civil italiano, a rt. 1.453.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 436, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "A cláusula resolutiva expressa produz efeitos extintivos independentem ente de pronunciam ento judicial".

DIREITO PROJETADO • 0 Projeto de Lei n. 699/2011 dá nova redação ao presente dispositivo: A rt. 474. A re so lu çã o p o d e rá se r e vita d a , ofere cen d o -se o ré u a m o d ific a r e q u ita tiv a m e n te as pre sta çõ es do c o n tra to . • A nova redação proposta é o que dispõe o atual art. 479. Vide comentários ao aludido dispositivo.

Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao parágrafo único do art. 1.092 do CC de 1916, com melhoria do texto, prevendo-se a exigência do cum prim ento contratual.

DOUTRINA • 0 c o n tra ta n te cum prido r de suas obrigações te m , no dispositivo, duas a lte rn a tiv as para o p o r-se ao in ad im p lem en to do ou tro : resolver o c o n tra to ou e x ig ir-lh e o cu m p rim e n to c o n tra tu ­ al, um a vez cabível a execução coativa m ed ian te a tu te la específica. Em qualq u er dos casos, haverá a indenização por perdas e danos, o que d ife re da simples conversão da obrigação insatisfeita em indenização tra ta d a pelo art. 6 3 3 , c a p u t, do CPC e condicionada ao descum ­ prim ento do preceito [RT, 7 1 6 /1 6 5 ). M esm o im plem entada a obrigação, cum ulam -se as perdas e danos, o que constitui inovação saudável. • Em estudo sobre o a d im p le m e n to substancial, tive opo rtu n id ad e de expressar o seguinte: “A resolução do c o n trato , pelo in a d im p lem en to , é fa c u lta d a à parte lesada, sempre que não p referir e x ig ir-lh e o c um prim ento, cabendo, em qualq u er dos casos, indenização por perdas e danos. Da expressão literal do a rt. 4 7 5 do novo Código Civil resulta um a fo rm a de extinção do c o n trato , um a vez descum prida a obrigação. A o cuidar do d ireito de resolução, o e statu to codificador inscreveu induvidosa a hipótese, som ente d ian te das conseqüências (perdas e

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danos) do incu m p rim en to . indutoras ao exercício, por parte do credor, de deseonstituir o c o n tra to , em dissolução v o lu n tária . Cum pre discutir, daí, se ta l faculdade resolutória será, de to da m aneira, um exercício inconcusso e absoluto do credor da relação obrigacional, pela única ótica do inadim plem ento, m algrado ocorram situações m anifestas de incu m p rim en to insignificante. A esse respeito, Véra M a ria Jacob de Fradera p rob lem atiza o tem a ao perceber, com bastante clareza, v ir o legislador apenas disciplinar as conseqüências do in a d im p le m e n ­ to e não o in ad im p lem en to em si mesmo, d ian te de um a análise cuidadosa do dispositivo e n tã o em com ento (parágrafo único do art. 1.092 do Código Civil), o a tu al art. 4 7 5 do CC /2002. E, de ta l sentir, adverte: 'É p o rtan to necessário ser fe ito um am plo exam e do in a d im p lem en ­ to que pode servir de base ao exercício do d ireito de resolução...' (in *0 C onceito de In a d im ­ plem en to Fun dam en tal do C o n trato no A rtig o 2 5 da Lei In te rn a c io n a l sobre Vendas, da Convenção de Viena de 1980'). Nesse condu to, exsurge o construto d o u trin á rio do a d im p le ­ m en to substancial, a to rn a r defesa a resolução do c o n tra to , iniludível que se ache a carga preponderante da execução obrigacional pela parte devedora. Em outras palavras, fa lta rá causa e fic ie n te para a resolução do c o n trato , sem pre que o ad im p le m e n to irradiar, em seus efeitos próprios, circunstância de nào co nfig uração da resolubilidade d ia n te das prestações satisfeitas, ao evidenciar a inexistência de graves conseqüências do in a d im p le m e n to v e rifi­ cado". • Com e fe ito , o suporte fá tic o que o rie n ta a d o u trin a do a d im p le m e n to substancial, com o fa to r desconstrutivo do d ire ito de resolução do c o n tra to por inexecução obrigacional, é o in c u m p rim e n to insignificante. Isto quer dizer que a hipótese da resolução c o n tra tu a l por in a d im p le m e n to haverá de ceder d ian te do pressuposto do a te n d im e n to quase integral das obrigações pactuadas, em posição c o n tra tu a l na qual se coloca o devedor, não se afigurand o razoável, daí, a extinção do c o n trato . Não haverá in a d im p le m e n to im putável, para resolver o c o n tra to , quando o a d im p le m e n to parcial re flita , com o seu alcance, a pauta da avença, na proporção veem e n te das obrigações concretizadas. Essa insuficiência obrigacional deverá, p o rtan to , ser relativizada, com o resposta ju ríd ica à fu n ção social do c o n tra to (art. 421 do CC), de m odo a preservar a relação negociai de expressiva im po rtân cia ao trá fic o econôm ico.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 437, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "A resolução da relação jurídica contratual tam bém pode decorrer do inadim plem ento antecipado". • Enunciado 361, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "0 adim plem ento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contra­ to e o principio da b oa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475". • Enunciado 31, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "As perdas e danos mencionados no art. 4 7 5 do novo Código Civil dependem da im putabilidade da causa da possível resolução. JULGADOS • M odernam ente, a jurisprudência tem sedimentado a teoria reconhecendo que o contrato subs­ tancialm ente adim plido não pode ser resolvido unilateralm ente. Cumpre, nesta senda, referir ca­ suística de diversos julgados, em face da natureza de diversas ações e de espécies de contratos: a) Diante de contratos de alienação fidueiária, adm itiu-se "atentatório ao principio da boa-fé a busca e apreensão do bem, cujo pagam ento representa parte substancial do débito, considerando ser desproporcional em desfavor do consumidor" (TJRS, 14* Câm. Civel, AC 70011850427, Rei. Des. Bráulio Marques, j. em 7 -7 -2 0 0 5 ); devendo o credor "buscar seu crédito em ação de cobrança própria" (TJRS, 14* Câm. Civel, AC 7008815524, Rei. Des. Rogério Gesta Leal, j. em 2 3 -1 2 -2 0 0 4 ). A posição do Superior Tribunal de Justiça pontifica na mesma linha, ao referir que “não viola a de­ cisão que indefere o pedido lim inar de busca e apreensão considerando o pequeno valor da dívida

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em relação ao valor do bem e o fato de que este é essencial à atividade da devedora" (STJ, 4* T., REsp 469.577-S C , Rei. M in. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 2 5 -3 -2 0 0 3 ), deixando assente que "o adim plem ento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execu­ ção", certo ainda que nào atende à exigência da boa-fé objetiva tal atitude do credor ao desco­ nhecer o fato do cum prim ento quase integral do contrato (STJ, 4» T.f REsp 272.739/M G , Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 1-3-2001). Considera-se, pois, pela lim itação do direito form ativo extintivo do credor de resolução do contrato de financiam ento, com alienação fiduciária, pela incidência do principio da boa-fé em sua função de controle, a repelir, de tal sorte, o exercício abusivo do reportado direito subjetivo resolutório. b) Diante de contrato de financiam ento, garantido por cláusula de reserva de dom ínio, observou-se a medida apreensiva postulada como impositiva de lesão desproporcional em face da teoria do adim plem ento substancial, a significar, afinal, no pleito ajuizado, evidente quebra da boa-fé que deve presidir toda e qualquer relação contratual (TJRS, 14a Câm. Civel, AC 70009127531, Rei. Des. Sejalmo Sebastião de Paula Nery, j. em 2 8 -1 0 -2 0 0 4 ). c) Diante de contrato preliminar, de promessa de compra e venda, tem -se por caracterizado o adim plem ento substancial a inviabilizar a resolução do contrato, "devendo a parte, através de vias próprias, buscar a satisfação do avençado e de eventuais prejuízos advindos do inadim ple­ m ento (TJRS, 17* Câm. Civel, AC 700112052981, Rei. Des. Elaine Harzheim Macedo, j. em 1 2 -7 2005), aceitando-se a substancialidade obrigacional, em havendo pagam ento de mais de 50% do valor do contrato, a mostrar impossível a resolução do ajuste (TJRS, 18* Câm. Civel, AC 70010227387, Rei. Des. M ário Rocha Lopes Filho, j. em 2 4 -2 -2 0 0 5 ) e mesmo havendo controvér­ sia sobre o m ontante do saldo a ser atendido, quando pago substancialm ente o preço do bem levado a financiam ento im obiliário, com prestações já exigidas pelo financiador (TJRS, 2* Câm. Civel, Agl 70004734711, Rei. Des. M arilene Bonzanini Bernardi, j. em 9 -9 -2 0 0 2 ), m orm ente nas hipóteses de imóvel financiado pelo SFH (TJRS, 18* Câm. Civel, AC 70011616208, Rei. Des. Pedro Luiz Pozza, j. em 2 -6 -2 0 0 5 ). d) Diante de arrendam ento m ercantil, outra não é a posição decisora. 0 magistrado pernam buca­ no Virginio Marques Carneiro Leão, em sentença proferida nos autos de ação de rescisão contra­ tual, cumulada com reintegração de posse e perdas e danos, perante contrato de le a sin g m e rca n ­ til, registrou que "a teoria do cum prim ento substancial da obrigação derivada do contrato não dá azo ao pedido de rescisão", assinalando, com percuciência: "a parte que se sente lesada - arredante - pode, perfeitam ente, titu lar de um títu lo executivo, valer-se da ação própria para satis­ fação de seu direito". Em sua sentença, Carneiro Leão deixou assente, ainda, que "é objetivando o asseguramento do direito dos suplicantes-reconvintes que deve ser garantida a permanência do vínculo contratual, sob revisão, a ensejar as modificações que interessam ao Estado Social. Não é razoável que sob o prisma de falta de pagam ento de única parcela sejam os inadimplentes despo­ jados do bem e, ainda por cima, terem o perdim ento de todas as prestações pagas em favor da instituição financeira. Seria coonestar um absurdo enriquecim ento sem causa, em detrim ento do em pobrecim ento da parte mais vulnerável da relação jurídica de direito m aterial. É com pletam en­ te desproporcional o objetivo perseguido na petição inicial. (...)" (A teoria do adim plem ento subs­ tancial (S u b s ta n tia l P erform ance) do negócio jurídico como elem ento im pediente ao direito de resolução do contrato, in M ário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves (coords.), Q uestões c o n tro ­ ve rtid a s n o n o vo C ódigo C ivil - O brigações e c o n tra to s , São Paulo, M étodo, 2005, v. IV).

DIREITO PROJETADO • 0 Projeto de Lei n. 699/2011 dá nova redação ao presente dispositivo: A rt. 4 7 5 . R e q u e rid a a re v is á o d o c o n tra to , a o u tr a p a rte p o d e o p o r-s e a o p e d id o , p le i­ te a n d o a s u a re s o lu ç ã o em fa c e d e g ra v e s p re ju íz o s q u e lh e p o s s a a c a rre ta r a m o d ific a ç ã o d a s p re s ta ç õ e s c o n tra tu a is . P a rá g ra fo ú n ic o . Os e fe ito s d a s e n te n ç a q u e d e c re ta r a re s o lu ç ã o d o c o n tr a to r e tro a g irõ o à d a ta d a c ita ç õ o .

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Seção III (*)

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Da exceção de contrato não cumprido

Esta Seçào, na seqüência lógica do tra ta m e n to dado ao presente C apítu lo pelo P rojeto de Lei n. 6 .9 6 0 /2 0 0 2 (atu al PL n. 6 9 9 /2 0 1 1 ), é a segunda.

Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição da parte inicial do c a p u t do art. 1.092 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • 0 princípio e x c e p tio n o n a d im p le ti c o n tra c tu s , decorrente da dependência recíproca das relações obrigaeionais assumidas pelas partes, é exercido pelo c o n tra ta n te cobrado, recusan­ do-se è sua exig ibilid ad e (satisfazer a sua obrigação) por via da exceção do c o n tra to nào cum prido ; quando a ela instado, invoca o in ad im p lem en to da obrigação do outro. 0 princípio te m incidência quando ocorre um a interdependência, pela sim ultaneidade tem po ral de c u m ­ p rim e n to (term os com uns ao a d im p le m e n to ) e n tre as obrigações das partes, ou seja, as obrigações devem ser recíprocas e contem porâneas. H u m b erto Theodoro Júnior refere-se à necessidade de um a "conexidade causai e n tre a prestação cobrada e aquela que o excipiente invoca com o não cum prida". M a ria Helena Diniz leciona o exem plo do c o n tra to de com pra e venda à vista, “onde o dever de pagar o preço e o de e n tre g a r a coisa estão ligados". • Q uando houver sido pactuada a cláusula s o lv e e t re p e te, opera-se a renúncia ao em prego da e x c e p tio n o n a d im p le ti c o n tra c tu s . • C um pre v e rific a r a im precisão técnica com etida no tra ta m e n to dado à e x c e p tio n o n a d im ­ p le t i c o n tra c tu s , incluída com o causa d e te rm in a n te de extinção do c o n trato . Em verdade, c onstitu i apenas um a oposição te m p o rária do devedor à exigibilidade do cu m p rim e n to de sua obrigação en q u an to não cum prida a contraprestação do credor. H u m b e rto Theodoro Júnior alude, com segurança, não se tra ta r de “um a defesa v o lta d a para resolver o vínculo obrigacional e isentar o ré u -e x c ip ien te do dever de cu m p rir a prestação em erg en te do con­ tra to bilateral". M u ito ao revés, reconhece, um a vez procedente, c o n s titu ir m ero procedim en­ to d ila tó rio ou, mais precisam ente, "provisória condição de inexigibilidade". Com o não se presta o in s titu to à extinção do c o n trato , m elhor a fig u ra -s e te r lugar próprio com o seção do c a p ítu lo anterior, que cuida das Disposições Gerais, renum erando-se os artigos do presente C apítu lo (II - Da Extinção do C on trato). De ver, afin a l, que o artig o seguinte, da mesm a seçào, versa sobre hipótese nào e x tin tiv a do c o n trato , posto que, à sem elhança do presente artigo, é caso típ ico de exceção d ilató ria.

JDLGADOS • “Civil e processo civil. E xceptio n o n a d im p le ti co n tra c tu s . Efeito processual. A exceção de contra­ to não cumprido constitui defesa indireta de m érito (exceção substancial); quando acolhida, im ­ plica a improcedência do pedido, porque é uma das espécies de fato im peditivo do direito do autor, oponivel como prelim inar de m érito na contestação (CPC, art. 326). Recurso especial co­ nhecido e provido" (STJ, 3* T., REsp 673.773/R N , Rei. para Acórdão, M in. Ari Pargendler, DJU, 2 3 4 -2 0 07 ). • "Condomínio. Despesas condominiais. Recusa do condômino de pagá-las, sob a alegação de que o condomínio não cumpriu a obrigação de reparar os danos havidos em sua unidade habitacional. E xceptio n o n a d im p le ti c o n tra c tu s . (...) Não ostentando a Convenção de Condomínio natureza

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puram ente contratual, inadmissível é ao condômino invocar a exceção de contrato nâo cumprido para escusar-se ao pagam ento das cotas condominiais" (STJ, 4* f., REsp 195.450/SP, Rei. M in. 8arros M onteiro, DJU, 4 -1 0 -2 0 0 4 ).

Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satis­ faça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição da parte final do c a p u t do art. 1.092 do CC de 1916, com pequena m elhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • 0 permissivo legal de exceção assegura ao devedor subtrair-se è obrigação que lhe cabe, em prim eiro lugar, quando a outra sofrer d im inuição em seu p a trim ô n io capaz de com prom eter ou to rn a r duvidosa a prestação pela qual se obrigou. É o caso do vendedor que se recusa a e n tre g a r a m ercadoria vendida por sobrevir redução patrim on ial do com prador, to rn an d o duvidoso o p agam ento do preço quando exigível, au to riza d o aquele reclam ar o preço de im ed iato ou g aran tia suficiente ao a d im p le m e n to da obrigação.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 438, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "A exceção de inseguridade, pre­ vista no art. 477, tam bém pode ser oposta à parte cuja conduta põe m anifestam ente em risco a execução do programa contratual".

Seçõo IV (*)

Esta Seção, na seqüência lógica do tra ta m e n to dado ao presente C apítu lo pelo Projeto de Lei n. 6 .9 6 0 /2 0 0 2 (atu al PL n. 6 9 9 /2 0 1 1 ), é a terceira.

Da resolução por onerosidade excessiva (**)

0 Projeto de Lei n. 699/2011 propõe a esta Seção norm a relativa ao distrato, pelo que im pende reconhecer, d e le g e fe re n d a , a m odificação da nom inação da seção: S eçõo I V D o d is tra to .

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tomar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

HISTÓRICO • 0 dispositivo sofreu alteração na tram itação final do projeto, suprimindo-se o parágrafo único, cujo texto foi anexado ao ca p u t, com a substituição da expressão "a resolução do contrato" pelo pronome “a". Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

Art. 478

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DOUTRINA • 0 dispositivo intro duz no Código Civil a fó rm u la re b u s s ic s ta n tib u s ("enquanto as coisas estào assim"), sob inspiração do art. 1.467 do Código Civil italian o , referin d o -se aos contratos de execução contin uada ou d ife rid a (de tra to sucessivo ou a term o ) em que é possível a p lic ar-se a te o ria da im previsão, lim itadora do p a c ta s u n t s e rv a n d a , princípio que rege a força ob rig a tó ria dos contratos. • Diz-se onerosidade excessiva o even to que em baraça e to rn a d ificulto so o a d im p le m e n to da obrigação de um a das partes, proveniente ou não de im previsibilidade da alteração circuns­ tancial (evento extraordinário e im previsível), im pondo m anifesta desproporcionalidade entre a prestação e a contraprestaçáo, com dano significativo para um a parte e conseqüente v a n ­ tag em excessiva (enriqu ecim ento sem causa) para a ou tra, em d e trim e n to daquela, a co m ­ prom eter, destarte, a execução e q u ita tiv a do c o n trato . • 0 estado de perigo (art. 1 5 6) e a lesão (art. 157) sào institu tos trazidos ao CC de 2 0 0 2 , assecuratórios de justiça c o n tra tu a l, onde a onerosidade excessiva ocorre in d e p en d en tem en te de causa superveniente. • A teoria da im previsão serve de m ecanism o de e fe tiv o reequilíbrio c o n tra tu a l, quer recom ­ pondo o s ta tu s q u o a n te que anim ou o c o n tra to ao te m p o de sua fo rm ação (e fe ito da teoria da condição im plícita, a im p lie d c o n d itio n do d ireito inglês), quer o ajustando à realidade su perven ien te por m odificações e q u itativas, e, com o ta l, deve representar, em principio, pressuposto necessário da revisão co n tra tu a l e não de resolução do c o n trato , ficando esta ú ltim a com o exceção. Assim é que a Lei inqu ilinária n. 8 .24 5 /9 1 dispõe sobre a revisão judicial do aluguel a fim de a ju s tá -lo ao preço de m ercado (art. 19) e o Código de Defesa do Consu­ m idor prevê, expressam ente, a revisão das cláusulas contratuais (e não a resolução do con­ tra to ) "em razão de fato s supervenientes que as to rn em excessivam ente onerosas" (Lei n. 8 .0 7 8 /9 0 , art. 6 o, V), ou a nulidade delas (art. 51, V, e § 1fl, III). O CC de 2 0 0 2 , ao eleg er a cláusula, inverte, to davia, a equação, u tiliza n d o a te o ria para o pedido resolutivo com o regra. • A propósito. Regina Beatriz Tavares da Silva, em estudo a profu ndado sobre a teoria da im ­ previsão, ao d e fe n d e r necessária e p re m e n te m e n te a sua devida n orm atização, a nào d e p en ­ der da in terp retação de julgados ou de legislação dirigida a casos específicos, esboçou, com m aestria, sugestão legislativa para a adoção da revisibilidade co n tra tu a l com o regra e da resolubilidade com o exceção. Observa, com notável lucidez, caracterizar-se a teoria da im ­ previsão prin cip alm en te pela necessidade de m od ificação das prestações para salvar a u tili­ dade c o n tra tu a l, e não pela extinção das obrigações, pois a parte que sofre o desequilíbrio do c o n tra to deseja cum p rir as suas obrigações e não as extinguir, nào conseguindo fa z ê -lo sem graves prejuízos em sua econom ia privada. Dessa fo rm a - a p o n ta - , “solução mais acertad a deverá ser a de fa c u lta r à parte prejudicada, pela alteração no equilíbrio do c o n tra ­ to. o pedido das respectivas prestações e à parte c o n trária a proposição de resolução c o n tra ­ tu al, por nào lhe interessar, ou m elhor, por lhe causar prejuízos a m odificação no c u m p rim e n ­ to das obrigações, cabendo ao órgão ju lg a d o r o p ta r pela decisão mais ju sta e equitativa". • Por sua vez, Frederico Ricardo de A lm eida Neves, aplicado ao tem a, destaca: "...o a rt. 437° do Código Civil português u tiliza -s e da conjunção a lte rn a tiv a 'ou' para possibilitar que a parte prejudicada - a quem é exigido o cu m p rim e n to da prestação im previsível e e x tra o rd in a ria ­ m ente alterad a, com ofensa aos princípios da b o a -fé - provoque o a p a relh am en to ju ris d icional, o p ta n d o e n tre a fo rm u lação do pedido resolutivo ou m od ifieativo . Na espécie, v e rifica-se um concurso e letivo de ações, a coexistência de ações (resolutiva ou m od ificativa) à disposição e escolha da parte para fa ze r valer o seu d ireito em Juízo (...)". • E nfrentan do o te m a , Rodrigo Toscano de B rito assinala, op o rtu n o : "na verdade, o grande en trave que envolve a questão da revisão ou da resolução do c o n tra to em fa c e do desequi­ líbrio observado gira em to rn o de três pontos: 1ô) a ausência, no Código Civil, de um a regra sem elhante à do a rt. 6o, V, do Código de Defesa do Consum idor; 2 o) a presença, nos arts. 317

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e 4 7 8 , do requisito da im previsibilidade; 3«) a a firm a tiv a conclusiva do item anterior, que vale repetir: in d e p en d en tem en te da existência do fa to im previsível, deve-se prestigiar o equilíbrio objetivo da contratação, o sinalagm a genético e fu n c io n a l do c o n trato , d ian te da presença, e n tre nós, do princípio da equivalência m aterial dos contratos" (E q u iv a lê n c ia m a te r ia l d o s c o n tra to s , Sào Paulo, Saraiva, 2 0 0 7 , p. 100). • A seu tu rn o , Carlos Santos de O liveira adverte que o art. 4 7 8 , nos term os em que vem redi­ gido, encerra p rofundo equívoco ao c o n fu n d ir o in s titu to da onerosidade excessiva, que tem origem no d ireito alem ão, mais precisam ente na teoria da m an u ten ção da base econôm ica do c o n trato , que é o bjetiva, com o in s titu to da previsão, que possui carga de subjetividade bastante acen tuada. Esse dispositivo - pondera - tra ta da resolução do c o n trato , quando deveria tra ta r da revisão, com base na onerosidade excessiva. • Com o visto, o dispositivo, por não prio rizar a conservação do c o n trato , destacando a a p lica­ ção da cláusula re b u s s ic s ta n tib u s para resolvê-lo, merece m od ificação significativa. De ver, aliás, a própria nom inação dada ao C apítu lo II do Títu lo V do Livro I da Parte Especial: “Da Extinção do C on trato", apesar de c o n ter dispositivos acerca da revisão co n tra tu a l (arts. 4 7 9 e 4 8 0 ), cu m p rin d o -s e -lh e re n o m in á -lo : "Da Revisão e da Extinção do Contrato". Torna-se indispensável incluir seçào própria acerca da Revisão, precedendo, por correta sistem ática, as demais, para m elhor disciplinar o em prego da teoria da im previsào, ad o tan d o -se em prim azia o esboço de Regina B eatriz Tavares da Silva, a te n to , inclusive, às regras de grande alcance do Código Civil português, a exem plo da do a rt. 4 3 8 , quand o dispõe: "A p arte lesada não goza do d ireito de resolução ou m od ificação do c o n trato , se estava em m ora no m o m en to em que a alteração das circunstâncias se verificou". • Dem ais disso, deve ser acolhida a ponderação de Frederico Ricardo de A lm eida Neves, em análise do a rt. 4 3 7 do CC português: "...nada im pede - antes aconselha - que a p arte d e d u za, em ju ízo , pedidos cum ulados, na fo rm a a lte rn a tiv a , opo rtu n izan d o , assim, o exam e do que venha a ser mais ju s to para o caso concreto", por a d m itir poder resultar a resolução um a situação de injustiça m aior do que a provocada pela revisão do c o n trato , o que to rn a o p o r­ tu n a a sua intro dução em p arágrafo ao novo a rt. 4 7 8 a d ia n te sugerido. • Assim, já assentados, em artig o específico, consoante proposição abaixo, os pressupostos da aplicação da teoria da im previsào, a a tu a l redação dada ao a rt. 4 7 8 do CC de 2 0 0 2 to rn a-se im p e rtin e n te, inclusive por eleg er a resolubilidade do c o n tra to com o regra; convindo reco­ nhecer, ainda, albergar o reportado dispositivo um sêrio equívoco d o u trin á rio . A onerosidade excessiva da prestação de um a das partes acha-se vinculad a, ra tio le g is, ao resultado de extrem a vantagem para a ou tra, para tip ific a r o desequilíbrio c o n tra tu a l. Regina Beatriz, com elevada aten ção ao te m a , discorda: "Casos há em que a onerosidade excessiva para um a das partes não im plica em lucro excessivo para a ou tra, mas, sim, a té em algum prejuízo, por sofrer ta m b é m as conseqüências da alteração das circunstâncias", e n fa tiza n d o preponderar a fin alid ad e principal da teoria da im previsào, a de socorrer o c o n tra ta n te que será lesado pelo desequilíbrio c o n tra tu a l. Sua discordância é escorreita. De fa to , não se deve config u rar a onerosidade excessiva, na dependência do co n tra p o n to de um grau de extrem a van tag em . Isto significaria a te n u a r o institu to , sopesado por um a com preensão m enor. D esinfluente ao te m a , quando já fo ra de propósito, o a tu al a rt. 4 7 8 deve ser redirecionado ao tra ta m e n to da revisibilidade dos contratos, em presença da te o ria da im previsào. No mais, o a tu a l art. 4 8 0 do CC de 2 0 0 2 , por se referir à revisão c o n tra tu a l, deve ser deslocado para a seção adequada, fig u ran d o com o § 2® do dispositivo m a triz de revisão do c o n trato . Por fim , o presente capí­ tu lo haverá de receber nova num eração de seus artigos e seções, por força de proposta legis­ lativa a n te rio r no to ca n te aos atuais arts. 4 7 6 e 4 7 7 . • Entende M a ria Helena D iniz fle x ib iliza r o dispositivo, em sua fin a lid a d e , ao asseverar que “se a norm a au to riza o mais (a resolução do c o n tra to ), p e rm itid o estará o m enos (a revisão v o ­ lu n tária, a rt. 4 7 9 , e a ju d ic ia l, art. 3 17)" (C u rso de D ire ito C iv il: Teoria das O brigações Con­ tra tu ais e Extracontratuais, Sào Paulo, Saraiva, 19. ed., 2 0 0 3 , p. 3 9).

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ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 440, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "É possível a revisão ou resolução por excessiva onerosidade em contratos aleatórios, desde que o evento superveniente, extraordi­ nário e imprevisível não se relacione com a álea assumida no contrato" • Enunciado 439, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "A revisão do contrato por onero­ sidade excessiva fundada no Código Civil deve levar em conta a natureza do objeto do contrato. Nas relações empresariais, observar-se-á a sofisticação dos contratantes e a alocação de riscos por eles assumidos com o contrato". • Enunciado 366, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "0 fa to extraordinário e impre­ visível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivam ente pelos riscos próprios da contratação". • Enunciado 365, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A extrem a vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elem ento acidental da alteração de circunstâncias, que com porta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentem ente de sua demonstração plena". • Enunciado 176, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Em atenção ao principio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 4 7 8 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual". • Enunciado 175, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A menção à imprevisibilidade e à extraordinariedade, insertas no art. 4 7 8 do Código Civil, deve ser interpretada não somente em relação ao fa to que gere o desequilíbrio, mas tam bém em relação às conseqüências que ele produz".

SÚMULAS • Súmula 302 do STJ: “É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que lim ita no tem po a internação hospitalar do segurado". • Súmula 286 do STJ: “A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida náo impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores".

JULGADOS • "Processo civil. Embargos de divergência. A jurisprudência da Segunda Seção consolidou-se no sentido de que fere o principio do ta n tu m d e v o lu tu m q u a n tu m a p p d la tu m a revisão, de oficio, pelo juiz, de cláusulas contratuais que náo foram objeto de recurso" (REsp 541.153/RS, Rei. M in. Cesar Asfor Rocha, DJ, 1 4 -9 -2 0 0 5 ). Agravo regim ental não provido (STJ, 2* Seção, AgRg nos EREsp 801.421/RS, Rei. M in. Ari Pargendler, DJU, 1 6 -4 -2 0 0 7 ). • "(...) 1. A revisão dos contratos é possível em razão da relativização do principio p a c ta s u n t se rvanda, para afastar eventuais ilegalidades, ainda que tenha havido quitação ou novação. 2. A compensação de valores e a repetição de indébito são cabíveis sempre que verificado o pagam en­ to indevido, em repúdio ao enriquecim ento ilícito de quem o receber, independentem ente da comprovação do erro. Precedentes. (...) 4. Agravo regim ental improvido" (STJ, 4 * 1 , AgRg no REsp 879.268/RS, Rei. M in. Hélio Quaglia Barbosa, DJU, 1 2 -3 -2 0 0 7 ).

DIREITO PROJETADO • Pelas razões anteriorm ente expostas, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão legislativa, que foi adm itida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002: C a p ítu lo II Da R e visã o e d a E x tin ç ã o d o C o n tra to S eção I Da re v is ã o A rt. 4 7 4 . N o s c o n tra to s d e e xe cu çã o s u c e s s iv a o u d ife rid a , to m a n d o -s e d e s p ro p o rc io ­ n a is o u e x c e s s iv a m e n te o n e ro s a s su a s p re s ta ç õ e s e m d e c o rrê n c ia de a c o n te c im e n to im p re ­

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visível, a n o r m a l e e s tra n h o a o s c o n tra ta n te s à é p o ca d a c e le b ra ç ã o c o n tra tu a l, p o d e a p a rte p re ju d ic a d a d e m a n d a r a re v is ã o c o n tra tu a l, d e sd e q u e a o n e ro s id a d e exce d a o s ris c o s n o rm a is d o c o n tra to . § 1a N a d a im p e d e q u e a p a r te d e d u za , e m ju íz o , p e d id o s c u m u la d o s , n a fo rm a a lte r ­ n a tiv a , o p o rtu n iz a n d o , a ssim , o e xa m e ju d ic ia l d o q u e v e n h a s e r m a is ju s t o p a ra o ca so c o n c re to . § 2* Se n o c o n tr a to a s o b rig a ç õ e s c o u b e re m a a p e n a s u m a d a s p a rte s , p o d e rá ela p le ite a r q u e a s u a p re s ta ç ã o s e ja re d u z id a , o u a lte ra d o o m o d o de e x e c u tá -la , a fim de e v ita r a o n e ro s id a d e excessiva. § 3* A p a r te q u e re q u e r a re v is ã o d o c o n tra to n ã o d e ve e n c o n tra r-s e e m m o ra n o m o m e n to d a a lte ra ç ã o d a s c irc u n s tâ n c ia s . § 4 * Os e fe ito s d a re v is ã o c o n tr a tu a l n ã o d e ve m s e r e s te n d id o s à s p re s ta ç õ e s s a tis fe i­ ta s, m a s s o m e n te à s a in d a d e vid as , re s g u a rd a d o s d ire ito s a d q u irid o s p o r te rce iro s. § 5° N o s c o n tra to s c o m o b rig a ç õ e s u n ila te ra is a p lic a m -s e o s d is p o s itiv o s a n te rio re s , n o q u e fo r p e rtin e n te , c a b e n d o à p a rte o b rig a d a p e d id o de re v is ã o c o n tr a tu a l p a ra re d u ç ã o d a s p re s ta ç õ e s o u m o d ific a ç õ e s n a fo rm a d e s e u c u m p rim e n to . S eção II D a re s o lu ç ã o p o r o n e ro s id a d e e xce ssiva A rt. 4 7 5 . R e q u e rid a a re v is ã o d o c o n tra to , a o u tr a p a rte p o d e o p o r-s e a o p e d id o , p le i­ te a n d o a s u a re s o lu ç ã o em fa c e d e g ra v e s p re ju íz o s q u e lh e p o s s a a c a rre ta r a m o d ific a ç ã o d a s c o n d iç õ e s c o n tra tu a is . P a rá g ra fo ú n ic o . Os e fe ito s d a s e n te n ç a q u e d e c re ta r a re s o lu ç ã o d o c o n tr a to re tro a g irõ o à d a ta d a c ita ç ã o . A rt. 4 7 6 . A re s o lu ç ã o p o d e rá s e r e v ita d a , o fe re c e n d o -s e o ré u a m o d ific a r e q u ita tiv a ­ m e n te as co n d iç õ e s d o c o n tra to . S eção III D o d is tr a to A rt. 4 7 7 . 0 d is tr a to fa z -s e p e la m e s m a fo rm a e x ig id a p a ra o c o n tra to . A rt. 478. A re s iliç ã o u n ila te ra l, n o s c a so s e m q u e a le i e xp re ssa o u im p lic ita m e n te o p e rm ito , o p e ra m e d ia n te d e n ú n c ia n o tific a d a à o u tr a p a rte . P a rá g ra fo ú n ic o . Se, d a d a a n a tu re z a d o c o n tra to , u m a d a s p a rte s h o u v e r fe ito in v e s ­ tim e n to s c o n s id e rá v e is p a ra a s u a e xe cu ção , a d e n ú n c ia u n ila te r a l só p ro d u z irá e fe ito d e p o is d e tra n s c o rrid o p ra z o c o m p a tív e l c o m a n a tu re z a e o v u lto d o s in v e s tim e n to s . S eção IV D a c lá u s u la re s o lu tiv a A rt. 4 7 9 . A c lá u s u la re s o lu tiv a e xp re ssa o p e ra d e p le n o d ir e ito ; a tá c ita d e p e n d e de in te rp e la ç ã o ju d ic ia l. A rt. 4 8 0 . A p a rte le s a d a p e lo in a d im p le m e n to p o d e p e d ir a re s o lu ç ã o d o c o n tra to , se n ã o p r e fe rir e x ig ir-lh e o c u m p rim e n to , ca b e n d o , e m q u a lq u e r d o s casos, in d e n iz a ç ã o p o r p e rd a s e d a no s. • 0 Projeto de Lei n. 699/2011 a d m ite as sugestões legislativas acim a referidas, antes constan­ tes do PL n. 6 .9 6 0 /2 0 0 2 , quando em prestou outra contextu ra, c o n fo rm e observado nos re­ gistros anteriores acerca do prim itivo projeto. Nesse passo, o dispositivo ganha, de acordo com o projeto legislativo a tu a l, a redaçào seguinte: A rt. 478. 0 d is tr a to fa z -s e p e la m e s m a fo rm a e x ig id a p a ra o c o n tra to . § 1* A re s iliç ã o u n ila te ra l, n o s c a so s e m q u e a le i e xp re ssa o u im p lic ita m e n te o p e rm i­ ta , o p e ra m e d ia n te d e n ú n c ia n o tific a d a à o u tr a p a rte .

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§ 2* Se, d a d a a n a tu re z a d o c o n tra to , u m a d a s p a rte s h o u v e r fe ito in v e s tim e n to s c o n ­ s id e rá v e is p a ra a s u a e xe cu ção , a d e n ú n c ia u n ila te r a l só p ro d u z irá e fe ito d e p o is de tra n s ­ c o rrid o p ra z o c o m p a tív e l c o m a n a tu re z a e o v u lto d o s in v e s tim e n to s . • Ver, a propósito da nova redação dada a este dispositivo, os com entários aos atuais arts. 4 7 2 e 473.

Seção IV (#)

De acordo com o novo Projeto de Lei n. 2 7 6 /2 0 0 7 , de 1 ° -3 -2 0 0 7 , em tra m ita ç ã o na legisla­ tu ra sob relatoria do D eputado Regis de Oliveira, a a tu a l Seção II passa a ser a IV, tratan d o , com o se observa da nova redação dada ao a tu a l art. 4 7 9 , da cláusula resolutiva. Nesse passo, os dois dispositivos relacionados naquela Seçào II são agora trasladados para a parte fin a l do C apítulo, constitu indo sua ú ltim a Seção.

Da cláusula resolutiva (**) A Seçào IV, d e le g e fe re n d a , c ontem p land o os dois últim o s dispositivos do C apitulo, te m a sua nom inação "Da cláusula resolutiva", com o refere a Seçào II a tu a l.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativa­ mente as condições do contrato.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Náo há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo repete a inteligência da parte fin a l do a rt. 1 .46 7 do Código Civil italiano: "A parte contra a qual fo r pedida a resolução poderá e v itá -la oferecendo m odificações e q u ita tivas das condições do contrato". 0 art. 4372, 2, do CC português ta m b é m reza: "Requerida a resolução, a parte contrária pode opo r-se ao pedido, declarando a c e ita r a m odificação do c o n tra to nos term os do núm ero anterior". Perm ite d a r solução diversa ao problem a da o n e ­ rosidade excessiva, por iniciativa do réu, inibindo a resolução do c o n trato . Serve de e fe tiv i­ dade ao princípio da b o a -fé que deve acom panhar a execução dos contratos, em desproveito do e n riq u ecim en to sem causa pela parte que recepciona, superven ien tem en te, vantagem excessiva. A m odificação será fe ita segundo juízos de equidade.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 367, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Em observância ao principio da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz m odificá-lo equitativam ente, desde que ouvida a parte autora, respeita­ da a sua vontade e observado o contraditório".

DIREITO PROJETADO • 0 Projeto de Lei n. 699/2011 dá ao presente dispositivo a redação seguinte: A rt. 479. A clá u su la re s o lu tiv a expressa opera de p le n o d ire ito ; a tá c ita depende de in te r­ p e la çã o ju d ic ia l. • Ver, a propósito da nova redação dada a este dispositivo, o com entário ao atual art. 474.

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Arts. 480 e 481

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no CC de 1916.

DOUTRINA • O em prego do dispositivo diz respeito à possibilidade da revisão co n tra tu a l decorrente de p leito daquele d e te n to r das obrigações do c o n tra to , no sentido de reduzir a sua prestação ou a lte ra r o m odo de e x e c u tá -la , em g aran tia do equilíbrio c o n tratu al. • Ver, a propósito da nova redação dada a este dispositivo, o c o m en tário ao a tu al art. 4 7 5 .

DIREITO PROJETADO • 0 Projeto de Lei n. 699/2011 dá ao presente dispositivo a redação seguinte: A rt. 480. A p a rte lesada p e lo in a d im p le m e n to p o d e p e d ir a re so lu çã o do c o n tra to , se n ã o p re fe rir e x ig ir-lh e o c u m p rim e n to , cabendo, em q u a lq u e r dos casos, a in d e n iz a ç ã o p o r p e rdas e danos.

T ítu lo VI — DAS VÁRIAS ES P É C IE S D E CO N TRATO

C ap ítu lo I — DA COM PRA E VENDA

Seção I



Disposições gerais

Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.122 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • 0 c o n tra to de com pra e venda é o c o n tra to b ilateral, consensual, oneroso, c o m u tativo ou aleatório, e, de m odo geral, não solene (a depender do objeto), de efeitos m eram en te o b rigacionais (obrigação a d tra d e n d u m ) que serve com o títu lo de aquisição de coisa d e te rm in a ­ da m ediante o p ag am en to do preço, d efin id o e em dinheiro, obrigand o o vendedor a trans­ fe rir a propriedade do bem em fa v o r do com prador. 0 sistema a d o tad o acom panha o alem ão (BGB, art. 4 3 3 ). A translatividade do m in ial se aperfeiçoa som ente pela tradição (se o bem fo r m óvel) ou pelo registro im o b iliário (se o bem fo r im óvel). • A fo rm a não será livre quand o a valid ad e da declaração de v o n ta d e depender de fo rm a es­ pecial exigida por lei (art. 108 do CC de 2 0 0 2 ), com o ocorre com a exigência de escritura pública, essencial à valid ade do negócio ju ríd ico , na com pra e venda de imóveis, de valor superior a trin ta vezes o m aior salário m ín im o v ig e n te no País (art. 108 do CC de 2 0 0 2 ).

Arts. 482 a 484

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Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.126 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • A com pra e venda pura produz e fe ito s im ediatos, diversa da realizada a te rm o ou dependen­ te de condição. D eflui da consensualidade, e lem en to essencial do c o n trato , quando ajustado o objeto do negócio e fixad o o preço. • Nos term os da ju s tific a tiv a do projeto, o art. 4 8 2 incorre em erro de g ram ática, com o corre­ ta m e n te a pontou o Prof. Sérgio N iem eyer: "De acordo com a estru tu ra h ip o té tic o -c o n d ic io nal da norm a ju ríd ica (dado ' f deve ser 'c'), e sendo a oração principal exam inada: 'considera r-s e -á o b rig a tó ria e p e rfe ita a com pra e venda quando pura’, a oração 'desde que as partes acordarem no o b je to e no preço’, em bora subordinada, exprim e-se com o verbo no tem p o errado, o fu tu ro do subjuntivo simples. A disposição estará mais bem redigida - diz ele - com a m elhor m anipulação do vernáculo, substitu indo-se a expressão 'desde que as partes acor­ darem ' por 'a p a rtir do m o m en to em que as partes acordem ’".

DIREITO PROJETADO • 0 Projeto de Lei n. 699/2011 dá ao presente dispositivo a redação seguinte: A rt. 482. A c o m p ra e venda, q u a n d o p u ra , c o n s id e ra r-s e -á o b rig a tó ria e p e rfe ita , a p a r tir do m o m e n to em que as p a rte s c o n tra ta n te s se te n h a m a co rd a do n o o b je to e no preço.

Art. 483. A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório.

HISTÓRICO • 0 dispositivo, na fase final de tram itação do projeto, sofreu alteração, pois foi suprimido o pará­ grafo único, cujo texto foi anexado ao ca p u t, substituindo-se a expressão "coisa futura" pelo dem onstrativo "neste". Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A com pra e venda te m por ob jeto , suscetível da translatividade do dom ín io (efeito s do art. 4 8 1), coisa a tu a l, o que qu er dizer existente ou de existência potencial dizendo respeito à coisa fu tu ra , seja ela corpórea ou incorpórea. Neste ú ltim o caso, o negócio ju ríd ic o ficará sem e fe ito , nào vindo a existir a coisa, ressalvada a hipótese de o c o n tra to ser aleatório, nos term os do art. 4 5 8 do CC de 2 0 0 2 e artigos subsequentes. A validade do negócio, d ia n te de co n trato a lea tó rio , é tra zid a no novo texto , com o inovação conveniente, ú til e benéfica, considerando a intenção das partes.

Art. 484. Se a venda se realizar à vista de amostras, protótipos ou modelos, entender-se-á que o vendedor assegura ter a coisa as qualidades que a elas correspondem. Parágrafo único. Prevalece a amostra, o protótipo ou o modelo, se houver contradição ou diferença com a maneira pela qual se descreveu a coisa no contrato.

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Art. 485

HISTÓRICO • Da análise do dispositivo em com ento, ao com pará-lo com o texto original do projeto proposto pela Câmara ("Parágrafo único. Se houver contradição ou diferença entre o protótipo ou o mode­ lo e a maneira pela qual se descreveu a coisa no contrato, prevalecem aqueles"), verifica-se que houve, através de emenda da lavra do Senador Josaphat M arinho, acréscimo do term o "amostra", constante do c a p u t do artigo e excluído do parágrafo, oferecendo-se nova redação. A inclusão do term o era absolutam ente necessária a fim de com patibilizar o parágrafo com o c a p u t do artigo, além de aperfeiçoar a redação do dispositivo, m otivo pelo qual se impunha a sua aprovação. Corresponde ao art. 1.135 do CC de 1916, vindo o novo texto estender, com sabedoria, a regulação aos protótipos ou modelos.

DOUTRINA • A venda que se realiza á vista de am ostra é venda sob condição suspensiva; obriga o ven d e­ dor a e n tre g a r a coisa com as qualidades por aquela apresentadas, ou seja, em correspondên­ cia ideal com as qualidades concebidas pelo exem p lar que serviu de padrão. A inexatidão e n tre a am ostra e a m ercadoria en tre g u e produz o a liu v o p ro a liu d (um a coisa por outra), im po rtan d o , pela desconform idade havida, o in ad im p lem en to c o n tra tu a l e perdas e danos. O com prador pode o p ta r e n tre a resolução do c o n tra to ou exig ir a entrega da coisa exata, com danos da m ora. A ugusto Zenun adverte, com p e rfe ito apuro, haver um a expressiva diferença entre a am ostra e o tipo . N aquela - acen tua - “há to ta l correspondência, em tu d o e por tudo, com a coisa, en q u an to o tip o é indicação m enos precisa, sem se apresentar com rigorosa identidade da coisa". Entende, ainda, o e m in e n te ju rista, aplicáveis à venda m ed ian te fo to ­ grafia os mesmos princípios que regem a venda realizada à vista de am ostra. • De acordo com José Fernando Sim ão, o artig o em questão tra ta de hipóteses em que o v en ­ dedor, ao invés de sim plesm ente descrever a coisa a ser vendida, u tiliza n d o -s e de um a m a­ neira abstrata ou verbal, exibe ao com prador parte da coisa a ser vendida (am ostra), ou m esm o um m odelo (com a descrição do que se pretende produzir) ou p ro tó tip o (prim eiro exem p lar de algo que se criou). Trata-se de fo rm a de fa c ilita r ao com prador que visualize o objeto , ab an don an do-se o cam po da abstração. Deve-se c o n c e itu a r e d iferen ciar em term os sem ânticos as palavras am ostra, m odelo e protótipo . E nquanto am ostra é um a parcela, fração ou porção da coisa a ser vendida, segundo C arvalho Santos, m odelo é a reprodução de um objeto a ser produzido em dimensões norm ais. 0 m odelo pode ser fe ito por m eio de um de­ senho, escultura, fo to g ra fia ou m esm o m aquete, pois consiste na reprodução am pliada ou reduzida de certa coisa real. 0 objetivo do m odelo é a fa c ilita çã o de sua visualização [A rte J u ríd ic a , coord. C laudete Canezin, Juruá Ed., 2 0 0 6 , v. III, p. 2 0 9).

Art. 485. A fixação do preço pode ser deixada ao arbítrio de terceiro, que os contratan­ tes logo designarem ou prometerem designar. Se o terceiro não aceitar a incumbência, fi­ cará sem efeito o contrato, salvo quando acordarem os contratantes designar outra pessoa.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.123 do CC de 1916.

DOUTRINA • A fixação do preço, com o elem en to essencial da com pra e venda, é convenção das partes por m ú tu o consenso, que logo é d e term in ad o com o soma em dinheiro a ser pago pelo adq u iren ­ te. Os contratan tes, quando náo puderem d e te rm in a r o preço ou ainda se assim o preferirem ,

Arts. 486 e 487

Jones Figueirêdo Alves

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poderão deixar a fixação do preço ao a rb ítrio de terceiro, a tu a n d o com o m a n d atário e v e r­ dadeiro árbitro, e cuja deliberação investe-se de fo rça o b rig ató ria, integrand o-se aos efeitos do c o n trato , salvo acontecendo, de sua parte, erro ou dolo. 0 c o n tra to ficará sem e fe ito q uando o terceiro nào a c e ita r o encargo e o u tro , em seu lugar, não fo r designado. • Q uestão interessante e de d ifíc il resposta diz respeito ao m o m en to em que o c o n tra to de com pra e venda se aperfeiço aria. O c o n tra to se fo rm a a p a rtir do m o m en to em que o preço fo i fixad o ou desde sua celebração? Explica José Fernando Sim ão que há divergência d o u tri­ nária. Pela p rim eira c o rren te, a com pra se considera realizada sob condição suspensiva. Q uando o preço é fixado, a condição se verifica e seus efeitos devem retro ag ir à data da celebração do c o n trato . Já em sentido co n trário , sustentam autores que a venda só se aper­ feiçoaria a p a rtir da fixação do preço. Entendem os que o c o n tra to de com pra e venda se aperfeiçoa desde sua celebração e poderá, inclusive, já te r produzido alguns efeitos mesmo antes da fixação do preço. Explica-se. Se o vendedor já entregou a coisa, o c o n tra to já pro­ duziu efeitos e ocorreu, inclusive, a transferência de propriedade da coisa (CC, art. 1.267). Se condição suspensiva houvesse, deveria a lei te r previsto para a hipótese regra sem elhante àquela contida para a venda a c o n te n to ou sujeita a prova, que d e te rm in a ser o com prador m ero c o m o d atário antes do im p lem en to da condição suspensiva (CC, a rt. 511) [A r te J u ríd ic o , coord. C laudete Canezin, Juruá Ed., 2 0 0 6 , v. III, p. 212).

Art. 486. Também se poderá deixar a fixação do preço à taxa de mercado ou de bolsa, em certo e determinado dia e lugar. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração relevante, seja por parte do Sena­ do Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • 0 dispositivo evidencia o u tro critério à escolha dos c o n tra tan te s para a fixação do preço na com pra e venda, fican d o determ inável pela taxa do m ercado ou da bolsa em certo e d e te r­ m inado dia e lugar. A taxa de dia certo e o lugar de m ercado asseguram a certeza e d e te rm i­ nação do preço a que deve corresponder o pagam ento. • Em sentido co n trário , entende José Fernando Sim ão que, d ia n te da ausência de previsão c o n tra tu a l, o mais adequado seria a utilização do preço quando do encerram ento da bolsa, pois, em regra, é esta a intenção das partes. Os usos indicam que, quando se fala em preço do p rod uto de acordo com a cotação na bolsa em d e term in ad o dia, a referência está sendo fe ita ao preço no m o m en to do encerram ento do pregão (A rte J u ríd ic a , coord. C laudete Ca­ nezin, Juruá Ed., 2 0 0 6 , v. III, p. 216). • 0 § 4® do art. 9 4 7 do CC de 19 16 nào tem mais correspondente. Elim inada a regra, a cotação variável no m esm o dia conduziria a um impasse na fixação do preço. A nosso sentir, a solução é dada por aplicação extensiva à regra do p arágrafo único do a rt. 4 8 8 , que reza: "Na fa lta de acordo, por te r havido diversidade de preço, prevalecerá o te rm o médio".

Art. 487. É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no CC de 1916.

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Jones Figueirêdo Alves

Art. 488

DOUTRINA • As partes podem eleger novo e terceiro critério para a fixaçào do preço, ao lado da sua esti­ m ativa fe ita por terceiro ou do deixado è taxa do m ercado ou da bolsa, em dia e lugar certo e determ in ad o . A fixaçào será o btida em fu n çào de índices ou parâm etros, desde que aptos a decidir, de fo rm a plena, e fe tiv a e im ed iata, o q u a n tu m do preço. 0 critério consagra um a nova dinâm ica de m ercado, adaptan d o -se a essa realidade. S ublinha o em in e n te Prof. M ig uel Reale em sua Exposição de M o tivos do A n te p ro je to (1 6 -1 -1 9 7 5 ): “N o to c a n te à questão do preço, fo i dada, por exem plo, m aior fle xib ilid ad e aos preceitos, prevendo-se, tal com o ocorre no plano do D ireito A dm in istrativo , a sua fixação m ed ian te parâm etros. Nào é indispensável que o preço seja sem pre predeterm inado, bastando que seja g a ra n tid a m e n te d eterm inável, de c o n fo rm id ad e com as crescentes exigências da vida contem p orânea. Tal m odo de ver se im põe, aliás, pela unidade da disciplina das atividades privadas, assente com o base da codi­ ficação". • Q uan to ao dispositivo em questão, leciona José Fernando Sim ão que esse te m por objetivo a conservação do negócio ju ríd ico , já que, n o rm a lm e n te, inexistindo o preço nula seria a co m ­ pra e venda. O artig o só terá aplicação nas hipóteses de vendedor que h a b itu alm e n te realize vendas, em razão da redação de seu c a p u t Assim, terá sua aplicação restrita a determ inados e especiais negócios de venda e com pra. A lei busca, inicialm ente, no ta b e la m e n to , a fo rm a de suprir a omissão q u a n to ao preço. Isso porque, se ta b e la m e n to oficial houver, as partes o b rig a to riam e n te deverão seguir o preço m áxim o indicado pelo Poder Público, por se tra ta r de norm a cogente. Assim, havendo ta b e la m e n to náo será necessária a verificação de qualquer o u tro critério o b je tiv o de fixaçào do preço. E ntretanto, se inexistir ta b e la m e n to , o segundo critério a ser u tiliza d o é do “preço corrente nas vendas habituais do vendedor". E xem plifica­ mos. Se o vendedor de verduras, em d e te rm in a d o c o n trato , o m ite o preço da coisa, o valor que ele poderá cobrar será aquele que ele h a b itu alm e n te pratica em suas vendas para outros com pradores ou mesmo o preço praticado em c o n tra to a n te rio r firm a d o com o mesmo co m ­ prador. Será do vendedor o ônus de provar ta l valor. N o te-se que a lei náo perm ite ao v e n ­ dedor um a fixação a rb itrá ria e subjetiva do preço que nào se avençou. Dem onstrará ele que pratica n o rm alm en te certo preço e que, p o rtan to , a ta l q u an tia fa rá jus [A rte J u ríd ic a , coord. C laudete Canezin, Juruá Ed., 2 0 0 6 , v. III, p. 2 2 0 -1 ).

Art. 488. Convencionada a venda sem fixação de preço ou de critérios para a sua de­ terminação, se não houver tabelamento oficial, entende-se que as partes se sujeitaram ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor. Parágrafo único. Na falta de acordo, por ter havido diversidade de preço, prevalecerá o termo médio. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A sujeição ao preço c o rre n te nas vendas habitu ais do vendedor, en te n d id a com o ta l d ian te da com pra e venda sem a sua fix a ç ão im ed iata ou da escolha de critérios objetivos que a d e te rm in e m , não im plica, por sua n atu reza, que o preço fiq u e deixado ao a rb ítrio exclusivo de quem vende. Esta presunção legal im põe q ue o preço seja o g e ra lm en te a d m itid o com o certo, usu alm en te praticado pelo vendedor, nào podendo ser m ajorado ou reduzido. Q u an ­ do oscilante, d e n tro da prática c o rren tia das vendas, este será a purado pelo v a lo r m édio exercido.

Arts. 489 e 490

Jones Figueirêdo Alves

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ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 441, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Na falta de acordo sobre o preço, nâo se presume concluída a compra e venda. 0 parágrafo único do art. 4 8 8 somente se aplica se houverem diversos preços habitualm ente praticados pelo vendedor, caso em que prevalecerá o term o médio".

Art. 489. Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço.

HISTÓRICO • A redação original do dispositivo tal como se apresentava no projeto era nos seguintes termos: "Art. 489. Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a taxação do preço". Com as alterações im plem entadas pelo Senador Josaphat Marinho, revestiu-se da composição atual. Objetivo procurado pela emenda foi o de melhorar a linguagem do texto, apenas substituindo o term o "taxação" por "fixação", o que, além de conferir mais cla­ reza e precisão ao dispositivo, como justificou o Senador Josaphat, m antém no projeto a expressão já constante dos arts. 1.123 e 1.124 do CC de 1916. Demais disto, a substituição vem a com pati­ bilizar a redação do art. 489 com os arts. 485, 486, 4 8 7 e 4 8 8 do próprio projeto, que utilizam sempre o term o "fixação". Sem falar que taxação é expressão mais afeita à seara do Direito Públi­ co. Corresponde ao art. 1.125 do CC de 1916.

DOUTRINA • A estipulação a rb itrá ria do preço por um dos c o n tratan tes fere a consensualidade do c o n tra ­ to, que o aperfeiçoa por disposição com um de vontades recíprocas. Esse acordo q u a n to ao preço é elem en to essencial, na fo rm a do a rt. 481 do CC de 2 0 0 2 . A fixação unilateral induz a nulidade do c o n tra to . É do consentim ento de am bos os c o n tratan tes que são gerados os seus efeitos obrigacionais.

Art. 490. Salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.129 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • N ào existindo convenção pelos c o n tratan tes a tin e n te às despesas do negócio, as de escritura e registro são da responsabilidade do com prador e adquirente, fican d o reservadas ao ven d e­ d o r as da tradição, com o ocorre com as do transporte da coisa m óvel para a e fe tiv a tra n s fe ­ rência da propriedade do bem o b je to da com pra e venda. • As despesas relativas aos trib u to s da transmissão ta m b é m fic a m a cargo do com prador, salvo cláusula em co n trário . Tenha-se, ainda, presente, a responsabilidade do p ro m iten te co m p ra­ d o r sobre as despesas condom iniais im pagas, ainda que nào registrado no C artó rio de Imóveis o com prom isso de com pra e venda (STJ, 3» T., REsp 211.116/SP, Rei. M in . Eduardo Ribeiro, DJ, 1 8 -9 -2 0 0 0 ). Nesse sentido: REsp 2 4 0 .2 8 0 ,1 9 5 .6 2 9 ,1 6 4 .7 7 4 ,1 2 2 .9 2 4 ,1 1 9 .6 2 4 ,7 6 .2 7 5 , 7 4 .4 9 5 e 4 0 .2 6 3 .

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Jones Figueirêdo Alves

Arts. 491 a 493

Art. 491. Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço.

HISTÓRICO • Esse dispositivo nào constava do texto do projeto e foi acrescentado através de emenda do Depu­ tado Tancredo Neves, no período inicial de tram itação. Trata-se de artigo que constava do an te­ projeto inicial do Relator, Prof. Agostinho Alvim , e que, por lapso, não integrou o texto definitivo, quando de sua elaboração. Repete integralm ente o art. 1.130 do CC de 1916.

DOUTRINA • Na com pra e venda à vista, a entreg a da coisa está condicionada ao p ag am en to im e d ia to do preço. E da essência do negócio o cu m p rim e n to c o n c o m ita n te das obrigações recíprocas. Razão assistirá ao vendedor re te r a coisa, e n q u a n to não recebido o preço.

Art. 492. Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador. § Io- Todavia, os casos fortuitos, ocorrentes no ato de contar, marcar ou assinalar coisas, que comumente se recebem, contando, pesando, medindo ou assinalando, e que já tiverem sido postas à disposição do comprador, correrão por conta deste. § 2r Correrão também por conta do comprador os riscos das referidas coisas, se estiver em mora de as receber, quando postas à sua disposição no tempo, lugar e pelo modo ajus­ tados.

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.127 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 c a p u t do artig o tem identidade com o disposto no art. 2 3 4 do CC de 2 0 02 . • Os riscos da coisa sáo do vendedor e n q u a n to nào a entregue, e os do p agam ento correm à conta do com prador. O vendedor obriga-se à entrega da coisa em igual estado do seu tem p o de venda, assum indo os riscos de perda ou deterioração desta. 0 com prador responderá pelos riscos do pagam ento , em fa c e do preço; pelos riscos da coisa posta à sua disposição em blo­ co, d ia n te dos casos fo rtu ito s ocorrentes no a to de contar, m arcar ou assinalar as coisas com pradas e, ainda, quando em disponibilidade o p o rtu n a delas, ou seja, no tem po , lugar e pelo m odo ajustados, se achar em m ora de as receber.

Art. 493. A tradição da coisa vendida, na falta de estipulação expressa, dar-se-á no lugar onde ela se encontrava, ao tempo da venda.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no CC de 1916.

Arts. 494 a 496

Jones Figueirêdo Alves

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DOUTRINA • A tradição é o a to da entrega da coisa vendida, a p e rm itir a transferência dom in ial ao co m ­ prador. Preceitua o a rt. 1.267 do CC de 2 0 0 2 : “A propriedade das coisas nào se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição". Ela é real pela e fe tiv a entrega m aterial da coisa; sim ­ bólica, quan d o por en tre g a representativa (v. g., chaves) e fic ta , quando o tra n s m ite n te c o n tin u a a possuir pelo c o n s titu to possessório. É m odo de aquisição da propriedade móvel. No caso de bens imóveis, a aquisição da propriedade ocorre com o registro do títu lo aquisi­ tiv o no Registro Im o b iliário com p eten te. 0 novo dispositivo regula a tradição, preceituando o seu exercício no lugar onde a coisa se encontrava ao tem p o da venda, desde que nào pac­ tu ad o pelos c o n tratan tes o u tro lugar, ou seja. a entrega será fe ita no lugar onde a coisa se achava no m o m en to da com pra e venda.

Art. 494. Se a coisa for expedida para lugar diverso, por ordem do comprador, por sua conta correrão os riscos, uma vez entregue a quem haja de transportá-la, salvo se das ins­ truções dele se afastar o vendedor. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.128 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • A norm a excepciona o c a p u t do art. 4 9 2 . Ocorre a assunção do risco, pelo com prador, se este o rdenar a expedição da coisa para lugar d ife re n te do ajustado, ou seja, o da execução da obrigação, salvo se o vendedor transgredir as instruções dele recebidas.

Art. 495. Não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tradição o com­ prador cair em insolvência, poderá o vendedor sobrestar na entrega da coisa, até que o comprador lhe dê caução de pagar no tempo ajustado. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete integralm ente o art. 1.131 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo tem id en tid ad e com o a rt. 4 7 7 . Na venda a crédito, o vendedor poderá sustar a entreg a da coisa, para fo rra r-s e de g aran tia ao a d im p le m e n to da obrigação assumida pelo com prador e n tã o insolvente, nào obstante já aten d id a prestação inicial ensejadora da espe­ rada entrega. Um a vez opo rtu n izad a a caução, levan ta-se a suspensão da execução do con­ tra to , retom and o o vendedor a sua obrigação na entrega da coisa.

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descen­ dentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido. Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.

478

Jones Figueirêdo Alves

Art. 496

HISTÓRICO • A redação original do dispositivo tal como se apresentava no projeto era nos seguintes termos: “Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes ex­ pressamente houverem consentido". Com as alterações im plem entadas por emenda substitutiva do Deputado Ernani Sátyro à Emenda n. 390, revestiu-se da composição atual, com o acréscimo do parágrafo único e passando a exigir tam bém o assentimento do cônjuge do alienante. A exi­ gência do assentim ento do cônjuge decorreu do fato de ele ter sido erigido à condição de herdei­ ro em concorrência com os descendentes. Se o regime é o da separação obrigatória, não há direi­ to de sucessão entre cônjuges. Mas nào é só: o art. 1 .6 4 7 ,1, do CC de 2002 dispõe que nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis. Corresponde ao art. 1.132 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 preceito o bjetiva, segundo observa Clóvis Beviláqua, "evitar que, sob color de venda, se façam doações, prejudicando a igualdade das legítimas". Tal com o previsto no art. 8 7 7 do CC português, a alien ação fe ita a filhos ou netos é anulável caso os outros filhos (ou netos) não a consintam , em bora o diplom a lusitano a d m ita , diversam ente, suscetível de suprim ento ju d icial o consentim ento quando não possa ser prestado ou recusado. N o dispositivo, co m ­ preende-se a venda a descendente, por interpo sta pessoa; ta m b é m exigível a prova da sim u­ lação (STJ, 4* T.. REsp 71.545/R S, DJ, 2 9 -1 1 -1 9 9 9 ). • A referência è a n u lab ilid ad e da venda fa z cessar a n tig o dissídio jurisprudencial a respeito: Pela Súm ula 4 9 4 do STF, de 3 -1 0 -1 9 6 9 , com origem no RE 5 9 .417, fix o u -se o e n te n d im e n to da nulidade p le n o ju re , com o decidido, ainda, pelo STJ no REsp 1 0 .0 3 8 /M S , de 2 1 -5 -1 9 9 1 , por frau d e à lei, d ian te da literalid ad e do te x to do a rt. 1.132 do CC de 1916, e, mais ad ian te, não ad m itid a pelo REsp 9 7 7 -0 /P B [DJ, 2 7 -3 -1 9 9 5 ), com b rilh a n te v o to do M in istro R elator (para o acórdão) Sálvio de Figueiredo Teixeira: “(...) Sem em bargo das respeitabiIíssim as opiniões em contrário, na exegese do art. 1.132 do Código Civil te m -s e por anulável o a to da venda de bem a descendente sem o consentim ento dos dem ais, um a vez: a) que a declaração de invalidade depende da iniciativa dos interessados; b) porque viável a sua confirm ação; porque não se invalidará o a to se provado que justo e real o preço pelo descendente". • Q uan to ao prazo para se d ecretar a nulidade relativa da venda, explica José Fernando Sim ão que os descendentes ou o cônjuge que nào anuíram terão um prazo de 2 anos contados da celebração do c o n tra to para p leitear sua anulação, sob pena de decadência (CC, a rt. 179). Nào há mais possibilidade de se d e b a te r se o prazo é de prescrição ou de decadência. Em se tra ­ ta n d o de tu te la desconstitutiva, nos exatos term os das lições de A gn elo A m orim Filho, o prazo será de decadência e deverá ser c o n tad o a p a rtir da celebração do negócio ju ríd ic o sem a devida au to rização. 0 início do prazo nào guarda relação com o fa le c im e n to do ascenden­ te, pois nada te m a ver com a ab ertu ra da sucessão ou com litíg io sobre herança de pessoa viva, pois a anulação é relativa ao c o n tra to de com pra e venda, que é a to in t e r v iv o s e produz efeitos im e d ia ta m e n te após a conclusão (Q uesfões c o n tro v e rtid a s , M é to d o , coord. Jones Figueirêdo Alves e M á rio Luiz Delgado, 2 0 0 5 , v. 4, p. 3 6 5).

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 368, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “0 prazo para anular venda de ascendente para descendente é decadencial de dois anos (art. 179 do Código Civil)". • Enunciado 177, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Por erro de tram itação, que retirou a segunda hipótese de anulação de venda entre parentes (venda de descendente para as­ cendente), deve ser desconsiderada a expressão 'em ambos os casos', no parágrafo único do art. 496".

Arts. 497 e 498

Jones Figueirêdo Alves

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DIREITO PROJETADO • 0 Projeto de Lei n. 699/2011 apresenta nova redação ao dispositivo: A rt. 496. ê a n u lá v e l a venda de a scendente a descendente, s a lv o se os o u tro s descendentes e o cô n ju g e do a lie n a n te expressam ente ho uve rem co n se ntid o . É ig u a lm e n te a n u lá v e l a venda fe ita a o cô n ju g e sem o c o n s e n tim e n to expresso d os descendentes do vendedor. P a rá g ra fo único. D ispensa-se o c o n s e n tim e n to do cô n ju g e se o regim e de bens fo r o da se p aração o b rig a tó ria . • Em justificativa de alteração, foi assinalado o seguinte: “A regra constante do art. 4 9 6 objetiva proteger a legitim a dos demais herdeiros contra as vendas que possam desfalcar o patrim ônio do a uto r da herança, obstando, inclusive, a possibilidade de simulação em que um descendente seja beneficiado em detrim ento dos demais. Entretanto, como o código am pliou o rol dos herdeiros necessários para aí incluir o cônjuge, é de bom alvitre que o art. 4 9 6 vede, tam bém , a venda rea­ lizada ao cônjuge sem o consentim ento dos descendentes do vendedor". No tocante à alteração do parágrafo único, afirm a o em inente parlam entar: "Também há necessidade de se corrigir a redação do parágrafo único que alude a duas hipóteses (em ambos os casos), quando o c a p u t contem pla apenas uma: a venda de ascendente a descendente sem o consentim ento dos demais herdeiros necessários. Deve, pois, ser suprimida a expressão ‘em ambos os casos', que abre o pará­ grafo único, o qual pode m uito bem iniciar-se com 'dispensa-se o consentimento

Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública: I — pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração; II — pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou indireta; III— pelos juizes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou con­ selho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade; IV — pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados. Parágrafo único. As proibições deste artigo estendem-se à cessão de crédito.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o c a p u t do a r t 1.133 do CC de 1916 e introduz, acertadam ente, parágrafo único, oriundo da parte inicial do art. 1.134 do mesmo Código.

DOUTRINA • As restrições legais im postas decorrem de preceitos éticos nas relações jurídicas, por razões de o fic io ou de profissão e, ainda, em face do princípio constitucional da m oralidade na A dm inistração Pública e, um a vez transgredidas, to rn am o a to nulo p le n o ju re . Pondera, com m aestria, Darcy A rrud a M ira n d a : "A proibição se assenta em princípio de ordem m oral, no sentido de resguardar a in tan g ib ilid ad e daquelas delicadas funções, visando, sobretudo, o interesse social. Previnem -se, com isso, possíveis abusos e tentações. É um a fo rm a de incapa­ cidade especial" (v. § 1o do art. 6 9 0 do CPC).

Art. 498. A proibição contida no inciso III do artigo antecedente, não compreende os casos de compra e venda ou cessão entre coerdeiros, ou em pagamento de dívida, ou para garantia de bens já pertencentes a pessoas designadas no referido inciso.

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Arts. 499 e 500

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição da parte final do art. 1.134 do Código Civil de 1916, eom pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • Sáo apontadas exceções às restrições contidas no artig o anterior, nas hipóteses que m encio­ na, tra d u zin d o -s e estas na inexistência de interesses antagônicos. M u ito ao revés, os interes­ ses são próprios e não se c o n flita m com as fu ndadas razões de proibição. Os coerdeiros, com o condôm inos, possuem interesses m útuos, d ia n te da propriedade com um , buscando p ro teg ê-la . 0 credor assume o seu papel, realizando o seu crédito. As pessoas designadas no inciso III não se acham im pedidas, d ia n te da hipótese elencada, um a vez que a com pra e venda ou a cessão sào realizadas para g aran tia de bens que já lhes sào pertencentes.

Art. 499. É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da comunhão.

HISTÓRICO • A redação permanece a mesma do projeto, a despeito de emenda que pretendia exigir a auto riza­ ção dos descendentes, oportunam ente rejeitada pela Câmara. Náo há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo põe te rm o à a n tig a controvérsia d o u trin á ria, originada da omissão do Código Civil de 1916 a respeito da possibilidade da venda e n tre cônjuges. Excetuado o regim e de com unh ão universal de bens (art. 1.667), pela obviedade do acervo com um , a dem o n strá-la desarrazoada e sem qualq u er préstim o, a lei considera lícita a venda, com a id en tid ad e de razões que de há m u ito a d m itiu a sociedade com ercial e n tre os cônjuges. A crítica fo rm u lad a por Caio M á rio da Silva Pereira fu n d o u -s e na circunstância de se c o n stitu ir ta l venda um a transgressão ao princípio legal da im u tab ilid a d e do regim e de bens, hoje, aliás, aten u ad o pelo CC de 2 0 0 2 (art. 1.639, § 2»).

Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço. § l- Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria reali­ zado o negócio. § T- Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso. § 3? Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda adcorpus.

Art. 501

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HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.136 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo cuida da com pra e venda de imóveis, na m odalidade a d m e n s u ra m , ou seja, q uando o preço é fixad o por m edida de extensão ou se determ in ad a a respectiva área. Há um a relação proporcional e n tre o preço e a dim ensão a trib u íd a ao im óvel. V erificada a in e­ x atid ão , com pete ao com prador o d ireito de reclam ar o com p lem en to da área (ação ex e m p to), e, não sendo isso possível, o de prom over a resolução do c o n tra to (ação redibitória) ou requerer o a b a tim e n to proporcional ao preço (ação q u a n ti m in o ris ). • E xcetuam -se os casos de referência às dim ensões com o m eram en te enunciativas, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésim o da área to ta l enunciada, ou quando o im óvel fo r vendido com o coisa certa e discrim inada, m esm o nào constando, de m odo expres­ so, te r sido a venda realizada a d e o rp u s (§§ 1* e 3 8). A prim eira exceção é presunção ju r is ta n tu m e não valerá se o com prador provar que, em tais circunstâncias, nào te ria realizado o negócio, operando-se a regra geral [c a p u t do artig o ). A segunda te m o escopo da lucidez de A ugusto Zenun, quand o refere ser inadm issível enten d er-se com o venda a d m e n s u ra m aquela em que o preço não fo r u n itário , a com preender o seu resultado fin a l, a q uantidade, o p tan d o -se pela venda a d e o rp u s quand o contenh a o c o n tra to as divisas e confrontações do im óvel (ou seja, coisa certa e discrim inada). • Diversam ente, a venda a d e o rp u s é aquela que para a fixação do preço considera o imóvel em sua to ta lid a d e (e o rp u s) um to d o concebido por suas confro ntações ou lim ites, sem o concurso in flu e n te do significado de sua extensão. • 0 § 2° é inovação relevante, sob inspiração do Código Civil italian o , suprim indo a omissão do Código Civil de 1916, a considerar o excesso de área e a não ciência do vendedor sobre a m edida exata da área vendida com o elem entos fáticos auto rizado res para a co m pletud e do preço ou da devolução do excesso, a inibir, assim, o e n riq u ecim en to sem causa do ad q u ire n ­ te. Vence, por igual, a dissensão d o u trin á ria, repelindo a tese de o com prador não se obrigar a repor o preço correspondente, d ia n te de a declaração de qu an tid ad e c o n stitu ir garantia para o com prador [a d u t ilit a t e m e m p to ris ) e não para o vendedor, defendid a por W ashington de Barros M o n te iro .

Art. 501. Decai do direito de propor as ações previstas no artigo antecedente o vende­ dor ou o comprador que não o fizer no prazo de um ano, a contar do registro do título. Parágrafo único. Se houver atraso na imissão de posse no imóvel, atribuível ao alie­ nante, a partir dela fluirá o prazo de decadência. HISTÓRICO • O presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no periodo inicial de tram itação do projeto para inclusão do parágrafo único, ausente na redação do ante­ projeto elaborado pelo Prof. Agostinho de Arruda Alvim. Os prazos de decadência devem ser contados, em regra, a partir de fatos ou atos determ inados ou facilm ente determ ináveis no tem ­ po. 0 registro preenche esse requisito, razão pela qual é a partir dele que o dispositivo faz fluir o prazo de decadência, enquanto a imissão de posse pode estar sujeita a dúvidas, gerando dificul­ dades ao aplicador da norma.

DOUTRINA • É prazo decadencial o estabelecido para as ações referidas no a rtig o antecedente. Bem assi­ nalou o Prof. M ig u el Reale, em sua Exposição de M o tivos do A n te p ro je to (1 6 -1 -1 9 7 5 ): "Pres­

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Art. 502

crição e decadência não se extrem am segundo rigorosos critérios lógico-form ais, dependen­ do sua distinção, não raro, de m otivos de conveniência e u tilid a d e social, reconhecidos pela política legislativa. Para pôr cobro a um a situação deveras desconcertante, optou a Comissão por um a fó rm u la que espanca quaisquer dúvidas. Prazos de prescrição, no sistema do Proje­ to, passam a ser, apenas e exclusivam ente, os ta x a tiv a m e n te discrim inados na Parte Geral, Título IV, Cap. I, sendo de decadência todos os dem ais, estabelecidos, em cada caso, isto é, com o com p lem en to de cada artig o que rege a m atéria, ta n to na Parte Geral com o na Especial". A propósito, o presente a rtig o , ao estabelecer o prazo decadencial de um ano, rom pe o siste­ ma a n tig o do CC de 1916, que tra ta v a da m atéria em sede do a rt. 177 (prazo presericional das ações pessoais em v in te anos). • 0 p arágrafo único constitui exceção ao prazo decadencial contado a p artir do registro do títu lo . Tem lugar a exceção, quando, por inexecução da obrigação ou por q u a lq u e r atraso da p arte do alien an te, dem orar o com prador a im itir-s e na posse no im óvel, situação fá tic a com prom etedora daquele prazo apurado pelo registro do títu lo aquisitivo. Regra-se, desse m odo, o côm p u to do prazo decadencial, a p a rtir da imissão de posse no im óvel.

Art. 5 0 2 .0 vendedor, salvo convenção em contrário, responde por todos os débitos que gravem a coisa até o momento da tradição. HISTÓRICO • O presente dispositivo, em relação ao texto do projeto, sofreu, por parte do Relator Ernani Sátyro, apenas uma pequena alteração de ordem redacional. Não há artigo correspondente no CC de 1916.

DOUTRINA • O dispositivo to rn a indene o com prador q u a n to aos débitos que gravem a coisa, antes de recebê-la. Dissipa controvérsias jurisprudenciais, a exem plo da q ue a d m ite obrigação ao p ro m iten te com prador de im óvel no to ca n te às despesas condom iniais preexistentes à tra d i­ ção. A responsabilidade som ente lhe será atrib u íd a havendo cláusula co n tra tu a l adversa.

DIREITO PROJETADO • O Projeto de Lei n. 699/2011 introduz parágrafo único ao presente dispositivo, com a redação seguinte: P a rá g ra fo único. N a venda de im óveis, serão n e cessariam ente tra n sc rita s, n a e s critu ra , as ce rtid õ e s n e g a tiv a s de d é b ito s p a ra com as Fazendas Federal, E s ta d u a l e M u n ic ip a l e de fe ito s a ju iza d o s em face do vendedor. • Trata-se de im portante acréscimo oferecido pelo projeto. "0 adquirente do imóvel é o responsável pelo pagam ento dos impostos, das taxas inerentes ao bem e das contribuições de melhoria, devi­ dos pelo alienante, e a única form a de o adquirente exim ir-se de tal responsabilidade é, antes de realizada a transação, obter certidões negativas de débitos fiscais e fazê-las constar no respectivo titulo", pondera o em inente parlamentar. Dessa form a, a exigência da certidão negativa, além de beneficiar a Fazenda Pública, exonera o adquirente de toda responsabilidade, estando o Código, ao exigir a certidão negativa em toda transferência de bens imóveis, a norm atizar um fato já consagrado pela jurisprudência. Nesse sentido: STF, Recursos Extraordinários n. 8 9 .1 7 5 /80 e 71.836. É de todo relevante lembrar que, nos term os do art. 130 do Código Tributário Nacional, o adqui­ rente de bem imóvel se torna responsável pelos tributos sobre ele incidentes e, ainda, que, nos termos do art. 2a da Lei n. 7.43 3 /8 5 é exigida a certidão acerca dos feitos ajuizados em face dos alienantes como condição de validade da escritura pública, im portando considerar que "qualquer pessoa m ediam ente sensata nào compra imóveis sem certidão negativa dos distribuidores da Justiça" (STF, RE 71.836, M in. Aliom ar Baleeiro). Com efeito, a norm atização apresentada com tal

Arts. 503 e 504

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parágrafo vem prestigiar aquela referida lei e, sobretudo, o principio da boa-fé que orienta a re­ lação contratual, em beneficio do adquirente, ao reduzir as chances de negócios obscuros.

Art. 503. Nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma não autoriza a rejeição de todas. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.138 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • C om plem en tam o dispositivo os preceitos dos arts. 441 e s. do CC de 2 0 0 2 .0 vício redibitório nas coisas vendidas em co n ju n to não au to riza a rejeição de todas, se apenas um a apresenta o d e fe ito ocu lto , em se tra ta n d o de coisa singular e in d ivid u alm en te considerada. M as se o d e fe ito de um a c o m p ro m eter o com plexo das coisas que fo rm em um to d o incindível, pela interdependência e n tre elas [v. g., um a obra com sua unidade ideológica em vários tom os, um par de sapatos), o vendedor responderá in te g ra lm e n te pelo vício.

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositado o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o reque­ rer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência. Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, have­ rão a parte vendida os comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o preço. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tram itação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.139 do CC de 1916.

DOUTRINA • A regra, a te n ta ao condo m ínio p ro in d iv is o , assegura ao condôm ino o d ireito de preferência à aquisição de p arte da coisa indivisível. C ondom ínio p ro in d iv is o é aquele onde a coisa per­ ten cen te a mais de um a pessoa, por indivisão de direito, nào é suscetível de divisão côm oda, por indivisão de fa to , tend o cada condô m ino d ireito ideal e idêntico sobre a coisa, no seu to d o e em cada parte. O condô m ino preterido em seu d ireito (§ 1o) exercerá ação de p refe­ rência ou de preem pçáo, com depósito do valo r do preço, no prazo decadencial, para a n u la r a alien ação a terceiro e alcançar a coisa para si. Resolve-se a concorrência condom inial de interesses em fa v o r do condô m ino que tiv e r ben feito rias de m aior valo r ou, inexistindo-as, daquele com m aior quinhão. Possuindo os condôm inos interessados quinhões iguais, todos haverão a p arte vendida, depositando o valo r correspondente ao preço. • A plica-se o dispositivo à herança, e n q u a n to indivisível, no to can te à cessão de direitos here­ ditários. Neste sentido, o posicionam ento avançado do STJ (REsp 50 .2 2 6 /B A , DJ, 1 9 -9 -1 9 9 4 ; 5 .4 3 0 /M G , DJ, 4 -1 1 -1 9 9 1 , e 4 .1 80/SP, DJ, 2 0 -5 -1 9 9 1 , todos da 4* Turm a e da R elatoria do M in. Sálvio de Figueiredo Teixeira).

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Seção II

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Arts. 505 e 506

Das cláusulas especiais à compra e vencia

Subseção I — Da retrovenda Art. 5 0 5 .0 vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despe­ sas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.

HISTÓRICO • 0 dispositivo foi alterado pela Câmara dos Deputados no periodo inicial de tram itação do projeto apenas para inclusão do advérbio "m áximo’' após o substantivo "prazo". Inovando em parte o sistema ora vigente, o art. 505, talvez por defeito de redação, aparenta que o prazo de recompra seja sempre, em todo e qualquer caso, fixado em três anos. Ora, não deve ser esta, sem dúvida, a m ens Icgis, porque vai contra a tradição do instituto e os ditames do art. 1.141 do CC de 1916. Embora se saiba que o instituto se prestou e ainda se presta ao abuso de poder econômico e a acobertar a prática da agiotagem , o prazo de três anos deve ser entendido como m áximo, e não único. Mais precisamente: não estipulado prazo menor, prevalecerá o máxim o, para o direito de retrato ou de resgate, tal como dispõe a parte final do art. 1.141 do CC de 1916:"(...) presumindo-se estipulado o máxim o do tem po, quando as partes nào o determinarem".

DOUTRINA • A retrovenda [pactum de retrovendendo) é pacto adjunto à compra e venda, cláusula especial e resolutiva pela qual o vendedor reserva-se o direito de adquirir de novo o imóvel vendido, mediante a devolução do preço recebido com reembolso das despesas do comprador, inclu­ sive das despendidas durante o período de resgate, por sua autorização ou decorrentes da realização de benfeitorias necessárias. Findo o prazo de resgate, sem que dele o vendedor o exercite, ter-se-á por irretratável o negócio da compra e venda, deixando a propriedade de ser resolúvel. A propriedade resolúvel também se extinguirá em exercendo o alienante o seu direito de resgate sobre o imóvel alienado. Art. 506. Se o comprador se recusar a receber as quantias a que faz jus, o vendedor, para exercer o direito de resgate, as depositará judicialmente. Parágrafo único. Verificada a insuficiência do depósito judicial, não será o vendedor restituído no domínio da coisa, até e enquanto não for integralmente pago o comprador.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • O depósito judicial, com efeito de pagamento, das quantias da devolução do preço pago, acrescido das despesas, é o procedimento do vendedor para reaver o imóvel vendido, se o comprador se recusar a receber as quantias a que faz jus, para o efeito de ser exercido o di­ reito de resgate da coisa. • A disposição do parágrafo único merece revisão, para ajustá-la aos termos da hipótese do depósito carecedor de integralidade suficiente. Ao empregar a expressão “até e enquanto não for integralmente pago o comprador", no sentido de obstar a restituição do imóvel ao ven­ dedor resgatante, o texto culmina por nào considerar prazo assinado e peremptório para a

Art. 507

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faculdade da com plem entaçâo do depósito, quando arguida a insuficiência, e, mais ainda, o fa to ju rid ic a m e n te relevante de, nào com pletado o depósito, a nào integralidade condu zir à im procedência do pedido originado no d ireito de retrato. Ora, em casos que tais, haverá um lim ite tem po ral para a oblaçào real, com a conclusào inarredável de im plicar o depósito in ­ com p leto e não integralizado, no prazo, a fa lta de ê xito da pretensão, devendo aplicar-se su p letivam en te a regra do c a p u t do art. 8 9 9 do CPC. Assim, se o resgatante nào aproveita o benefício processual da com plem entaçâo do depósito, deixando de fa z ê -lo e c erto que de­ positou q u an tia in fe rio r ao q u a n tu m , a insuficiência e/ou a nào com plem entaçâo re tira -lh e o pressuposto necessário ao exercício do resgate, qual seja o depósito correspondente à de­ volução do preço recebido com reem bolso das despesas do com prador (art. 5 0 5 do CC de 2 0 0 2 ). De sorte que caducará o d ireito de reaver o bem.

JULGADO • "Direito civil. Preferência. Condomínio. Direitos hereditários. Cessào. Depósito não corrigido. O fer­ ta insuficiente. Exigência do art. 1.139 do CC, desatendida. Recurso desprovido. Inacolhe-se a adjudicação, fundada em direito de preferência, quando a oferta não se faz atualizada pela cor­ reção m onetária, restando desatendida a norma do art. 1.139 do CC, sequer se valendo o condô­ mino da com plem entaçâo a que alude o art. 899 do CPC" (STJ, 4» T., REsp 5.430/M G , Rei. M in. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ, 4 -1 1 -1 99 1 ).

DIREITO PROJETADO • Em face dos argumentos acima aludidos, encaminhamos ao Deputado Ricardo Fiuza proposta para alteração do parágrafo único deste dispositivo, que passaria a contar com a seguinte redação, que foi acolhida pelo Projeto de Lei n. 6 .960/2002, agora reproduzido pelo PL n. 699/2011: A rt. 506. (...) P a rá g ra fo único. V e rifica d a a in s u fic iê n c ia d o d e p ó s ito ju d ic ia l, a n ã o in te g ra liz a ç ã o do valor, n o p ra zo de dez dias, a c a rre ta a im pro ced ê n cia d o p e d id o im p o rta n d o ao ve n de d o r a p e r­ da do seu d ire ito de resgate.

Art. 5 0 7 .0 direito de retrato, que é cessível e transmissível a herdeiros e legatários, poderá ser exercido contra o terceiro adquirente. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração relevante, seja por parte do Sena­ do Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, salvo no tocante à substituição da expressão "direito de resgate" por "direito de retrato", operada através de emenda de redação apresentada pelo Deputado Ricardo Fiuza no periodo final de tram itação do projeto.

DOUTRINA • A u lte rio r alienação da coisa retrovendida por parte do com prador não inibe o p rim itivo vendedor, em cujo fa v o r se opera o d ireito de re tra to , de ex erc itá -lo , den tro do prazo deca­ dencial, prom ovendo a ação cabível contra o terceiro adquirente. Isso decorre da existência da propriedade resolúvel, cujo conceito nos é oferecido por A derbal da Cunha Gonçalves, fix a d a pela "possibilidade de um a predeterm inaçào de revogabilidade, indep en d en te da v o n ­ ta d e de seu a tu al titu la r" ou. ainda, "quando adquirida em v irtu d e de um títu lo sujeito à resolução". A alienação fe ita a terceiros adquirentes será resolvida pelo exercício do d ireito de resgate, ainda que eles não conheçam a cláusula de retrato. Esse d ireito do vendedor, clausulado no negócio ju ríd ico , to rn a-s e transmissível, podendo ser cedido ou transm itido a herdeiros e legatários.

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Arts. 508 e 509

Art. 508. Se a duas ou mais pessoas couber o direito de retrato sobre o mesmo imóvel, e só uma o exercer, poderá o comprador intimar as outras para nele acordarem, prevalecen­ do o pacto em favor de quem haja efetuado o depósito, contanto que seja integral.

HISTÓRICO • “Se duas ou mais pessoas tiverem direito ao retraeto sobre o mesmo imóvel, e só uma o exercer, poderá o com prador intim ar as outras para nele acordarem, prevalecendo o pacto em favor de quem haja efetuado o depósito, contanto que seja integral.- Esta era a redação original do dispo­ sitivo no anteprojeto. Com as alterações empreendidas pelo em inente Senador Josaphat Marinho, temos a composição atual. M elhorar a linguagem do texto, tal foi a justificativa apresentada pelo Senado, tratando-se aqui, mais uma vez, de mero aperfeiçoam ento redacional, dispensando-se maiores considerações. Corresponde ao art. 1.143 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo pressupõe o d ire ito de retrato decorrente da retrovenda pactuada por condô­ minos, investidos todos eles do mesmo d ireito de reaver a coisa retrovendida. A cláusula prevalecerá em favo r daquele que houver procedido o depósito suficiente.

Subseção II — Da venda a contento e da sujeita a prova Art. 509. A venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará perfeita, enquan­ to o adquirente não manifestar seu agrado.

HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.144 do CC de 1916. A alteração da rubrica atendeu a circunstância de a subseção disciplinar a venda a contento reunida com a venda sujei­ ta a prova, cuja disciplina não é idêntica, como advertiu o Prof. Agostinho de Arruda Alvim.

DOUTRINA • A condição suspensiva da venda fe ita a co n ten to está dausulada pela subordinação do negó­ cio à circunstância da satisfação do adquirente. Enquanto o com prador nào ac eitar a coisa (no sentido de apro vá-la), ainda nào colhido o m anifesto do aprazim en to por quem ela fo i e n tre ­ gue, não se terá a venda com o perfeita e obrigatória. Da declaração da vontade do com prador depende a eficácia do negócio. A venda a co n ten to [p a c tu m d is p lic e n tia e ) é, conform e ensina Clóvis Beviláqua, "a que se conclui sob a condição de fic a r desfeita, se o com prador não se agradar da coisa vendida". Por conseguinte, a tradição da coisa nào corresponde à transferên­ cia do dom ínio, resum indo-se a transferir a posse direta, visto que e fe tu a d a a venda sob condição suspensiva. A presunção de a venda fe ita a con ten to do com prador ser sem pre rea­ lizada sob condição suspensiva afasta a hipótese de poder o co n trato d a r-lh e o caráter de condição resolutiva, antes referida pelo art. 1.144, parte fin a l, do CC de 1916. A propósito, não há mais se fa la r de condição resolutiva e, sim, de cláusula resolutiva. • Carlos A lb e rto Dabus M a lu f reconhece a venda fe ita a c o n te n to com o um c o n tra to sujeito a condição potestativa, que o Código Civil a d m ite e disciplina m inuciosam ente. E nfatiza, porém , en te n d e r a d o u trin a que tal condição nào é m eram en te potestativa, mas sim plesm ente p o ­ testativa, nào in frin g in d o o princípio do art. 115 do CC de 1916 (v. a rt. 122 do CC). O a rb ítrio do com prador não é, por isso, ilim ita d o . Ele fica constrito a um fa to ou circunstância, a do

Arts. 510 a 512

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agrado, nào incidindo m ero capricho. Desse m odo, constitui exceção à regra do m encionado a rtigo. • A lei não estabeleceu prazo para a m anifestação do com prador (v. a rt. 512).

Art. 510. Também a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • O p arágrafo único do a rt. 1 .1 4 4 do CC de 1 9 1 6 dispunha: "Nesta espécie de venda, se classi­ fica a dos gêneros, que se costum am provar, m edir, pesar, ou e x p erim en tar antes de aceitos". Revela, no exem plo, o característico d e te rm in a n te do pacto a d jeto a ta l espécie de com pra e venda. • O legislador do Código Civil de 2 0 0 2 deu novo tra ta m e n to à venda sujeita a prova ou expe­ rim e n ta ç ã o , ta m b é m realizada sob condição suspensiva, d is c ip lin a n d o -a em dispositivo próprio. A coisa vendida subm ete-se ao exam e do adquirente, na apuração das qualidades que lhes são inerentes e asseguradas pelo vendedor, com o condição ao a p e rfeiço am en to do co n tra to . Q uer dizer que, te n d o a coisa as qualidades afirm ad as com o certas, abonadas pelo vendedor, e reconhecida adequada para o fim a que se destina, nào poderá o com prador, fe ita a experim entação, recusá-las por puro a rb ítrio , sem a devida m otivação, o que im p o r­ ta ria em potestatividade pura, defesa por lei.

Art 511. Em ambos os casos, as obrigações do comprador, que recebeu, sob condição suspensiva, a coisa comprada, são as de mero comodatário, enquanto não manifeste aceitá-la. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.145 do CC de 1916, com melhoria da redação.

DOUTRINA • E nquanto nào m anifestada a declaração de vo n tad e do com prador (p o c ío a d g u s tu m ) ou aceita a coisa com prada pela co nfirm ação de suas qualidades e a p tid ã o para o fim a que se destina, o possuidor direto e pretenso ad q u iren te equipara-se ao com odatário, onde inato o dever de res titu í-la , com as obrigações de conservá-la com o se ela lhe fo ra dada em em prés­ tim o . Pela condição suspensiva, a coisa com prada tem sua tradição provisória, im plicando um a relação ju ríd ica assem elhada ao com odato.

Art. 512. Não havendo prazo estipulado para a declaração do comprador, o vendedor terá direito de intimá-lo, judicial ou extrajudicialmente, para que o faça em prazo impror­ rogável.

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Art. 513

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.147 do CC de 1916.

DOUTRINA • A declaração do com prador acerca da aceitação da coisa é pressuposto necessário para repu­ ta r-s e perfeita a venda fe ita a c o n te n to (art. 5 0 9 , parte fin a l) ou ainda a sujeita a prova, visto que, sem em bargo, com o vendas condicionais, a eficácia do a to fica na dependência daquela m anifestação. N ào avençado o prazo para a declaração, é n atu ral cum prir ao v en ­ dedor in tim á -lo para que exprim a seu agrado ou aquiescência, e, no caso, o prazo será fix a ­ do de m odo un ilateral. Nesse sentido: “Na venda a co n ten to , se no próprio c o n tra to não ficou estabelecido prazo para aceitação do negócio pelo com prador, é necessária a sua interpelação para os fins constantes do a rt. 1.147 do Código Civil" [RT, 4 4 5 /1 8 0 ). • O novo te x to inclui a in tim ação extraju dicial, ad o tan d o a prática com um dos avisos de co­ nhecim ento por m eio do Registro de Títulos e Docum entos.

Subseção M — Da preempção ou preferência Art. 513. A preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto. Parágrafo único. O prazo para exercer o direito de preferência não poderá exceder a cento e oitenta dias, se a coisa for móvel, e a dois anos, se imóvel.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao c a p u t do art. 1.149 do CC de 1916.

DOUTRINA • A preem pção ou preferência é cláusula especial à com pra e venda garantido ra ao vendedor do d ireito de recom prar a coisa vendida, se o ad q u ire n te resolver v e n d ê -la ou o fere c ê -la à dação em pagam ento . D iferencia-se da retrovenda, porque, nesta ú ltim a , o vendedor da coisa im óvel pode reservar-se o d ireito de recobrá-la, independente da v ontade do com prador, e por versar ta m b é m sobre coisa m óvel, consoante explicita o p arágrafo introduzido. • Desatendida a preferência, sujeita-se o com prador que alien ou a coisa ou d e u -a em paga­ m en to a responder por perdas e danos, não resolvendo, com o no d ireito de retrato, a venda ao terceiro ad q u ire n te (art. 507). Eis o m agistério de João Alves da Silva: "A cláusula de pre­ em pção não é um a condição suspensiva, nem resolutiva: não suspende a plena aquisição do dom ín io pelo com prador nem fa z resolver a venda, com o no pacto de retrovenda ou de m elhor com prador. É um a simples promessa unilateral de revender ao vendedor, em condições iguais às aceitas pelo com prador, oferecidas por terceiro. Por isso, só assegura ao vendedor um d ireito pessoal, que se resolve em perdas e danos, pelo in a d im p le m e n to da obrigação do comprador". A alienação da coisa sem a prévia ciência ao vendedor, acerca do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem , acarretará, contudo, responsabilidade solidária ao te r­ ceiro adquirente, se este tiv e r procedido de m á -fé (art. 518). • A o fe rta ao vendedor p rim itivo , titu la r da preem pção, para que exercite o seu d ireito de preferência, será fe ita m ed ian te notificação ju d icial ou extraju dicial. C um pre n o ta r que ela deverá c o n ter todas as condições do negócio (novo co n trato ), dispondo sobre preço, fo rm a de pagam ento, vantagens oferecidas por terceiro e outros elem entos integrativos da proposta.

Art. 514 e515

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• Os prazos decadenciais, c o n fo rm e o objeto , para o exercício do d ireito de prelaçào são m o ­ dificados sig n ificativam en te, em c o n fro n to com o ditad o pelo a rt. 1 .15 3 do CC de 1916 (v. a rt. 516).

Art. 514. O vendedor pode também exercer o seu direito de prelação, intimando o comprador, quando lhe constar que este vai vender a coisa.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.151 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • 0 dispositivo cuida da iniciativa da prelaçào pelo a n tig o vendedor, um a vez bastante ciente que o a tu a l prop rietário pretenda vender a coisa (ou d á -la em p agam ento ). U tiliza-se de fa c u ld ad e ao exercício do seu d ireito de preferência sobre a coisa em venda ou dação, a n te ­ cipando-se à o fe rta ob rig ató ria que haveria de ser fe ita pelo vendedor potencial a ele p re fe rente. A intim ação serve para evidenciar o seu interesse de recom prar a coisa, ta n to por ta n to (art. 515).

Art. 515. Aquele que exerce a preferência está, sob pena de a perder, obrigado a pagar, em condições iguais, o preço encontrado, ou o ajustado.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.155 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 exercício do d ireito de prelação na com pra pelo a n tig o prop rietário da coisa (preem ptor) o b rig a -o a concorrer com terceiros em igualdade de condições, sujeitando-se a pagar, ta n to por ta n to , o preço exibido ou ajustado, para fa ze r v aler a preferência. De conseguinte, ha­ vendo o com prador (atu al prop rietário) oferecido, em precedência, ao vendedor (e x -p ro p rie ­ tá rio ) a coisa que aquele vai vender (art. 513), c u m p re -lh e m a n ife s ta r o interesse de exercer ou não o seu direito. Caso o exercite, o preferente a c eitan te obriga-se a pagar o preço nas mesmas condições ajustadas pelo vendedor com even tual terceiro interessado, constitu indo essa obrigação a substância do in s titu to da preem pçào. • 0 exercício da preferência, no prazo ajustado ou no prazo legal (ausente a estipulação de prazo convencional), apresenta-se com o um a to com plexo. N ão ê suficiente a pretensão m anifesta evidenciando o interesse real de o vendedor readquirir a coisa vendida, preço por preço, ou em iguais condições. Assim, é necessário que, no te rm o fixado, seja pago o preço da coisa, sob pena da perda da preferência. Pondera João Luís Alves, co m entand o o CC de 1916: "Declarando que q u e r exercer a preferência, isto ê, que aceita a coisa - ta n to por ta n to - (art. 1.149), assume o vendedor a obrigação de com prar, isto ê, de pagar o preço na fo rm a ajustada. O in a d im p le m e n to dessa obrigação d e term in a contra o vendedor nào só a perda do d ireito de preferência, para o fu tu ro , na hipótese de não se realizar a com pra pelo terceiro, com quem fo ra ajustada, mas ainda a responsabilidade por perdas e danos que, no caso ocorram , com o as que resultam do fa to de nào poder o co m prador realizar o negócio com o terceiro, afastado pela declaração do vendedor, de que en ten d ia exercer a preem pçào e ac eitar o c o n tra to nas condições ajustadas, etc.". A ugusto Zenun é a firm a tiv o : "A p referên ­

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Arts. 516 e 517

cia te m de ser exercida por m eio de depósito do preço e da efe tiv a çã o da escritura d e n tro do prazo legalm en te fixado, com eçando tã o logo seja afro n ta d o , vale dizer, estiver um fre n te ao ou tro ; prazo que nào se estica, pois é de caducidade e nào de prescrição". 0 e n te n d im e n to está c o n fo rm e a jurisprudência “Na venda de im óvel vinculado ao in s titu to ju ríd ic o da pre­ em pção, o preço a ser depositado pelo c o m p ra d o r,' q u a n d o a fro n ta d o ', corresponderá ao valo r do bem c o n fo rm e a o fe rta . (...)" (g rifo nosso) (STJ, REsp 2.223/R S ). • A o fe rta ao preferente, com preendendo todos os elem entos da proposta (preço, prazo, con­ dições) ou das vantagens oferecidas ao prop onente pela coisa, exige seriedade e correção, não podendo ser a lterad a perante terceiros, sob pena de o a n tig o com prador, obrigado à o fe rta preferencial, responder por perdas e danos. • A Lei n. 8 .2 4 5 , de 1 8 -1 0 -1 9 9 1 , dispondo sobre as locações de im óveis urbanos, cuidou do d ireito de preferência do inqu ilino , d ita n d o -o com o preferência legal (art. 27).

JULGADOS • “(...) Direito de preempção ou perdas e danos. Náo levado a registro o contrato de locação, nào é exercitável o direito de preferência pelo locatário. Cabendo, contudo, se preterido esse direito, perdas e danos. Art. 33, Lei n. 8.245/91" (STJ, 5* T., REsp 130.008/SP, Rei. M in. José Arnaldo da Fonseca, DJ, 1 5 -9 -1 9 9 7 ). • "Preempção. Exercício do direito. Distinção entre preço para depósito e preço para pagamento. Na venda de imóvel vinculado ao instituto jurídico da preempção, o preço a ser depositado pelo comprador, quando afrontado, corresponderá ao valor do bem conform e a oferta. Para efeito de conceituaçáo, distingue-se depósito do preço, como manifestação da preferência na pré-com pra, e pagam ento do preço na compra e venda definitiva, nesta incluindo-se os acessórios ao preço e a correção m onetária do valor do depósito" (STJ, 31 T., REsp 2.223/RS, Rei. M in. Gueiros Leite, DJ, 1o- 10-1990).

Art. 516. Inexistindo prazo estipulado, o direito de preempção caducará, se a coisa for móvel, não se exercendo nos três dias, e, se for imóvel, não se exercendo nos sessenta dias subsequentes à data em que o comprador tiver notificado o vendedor.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.153 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 p arágrafo único do a rt. 513 estabelece o prazo m áxim o para o exercício do d ireito de pre­ ferência, a p a rtir de quando a fro n ta d o o vendedor. N ão existindo, to davia, prazo estipulado na cláusula de preem pção, reduz-se, sensivelm ente, o tem p o para a caducidade do d ireito de prelaçào a p a rtir de quand o o com prador tiv e r n o tificad o o vendedor. • A não m anifestação, no prazo correspondente, isto é, não se operando, den tro dele, a acei­ tação, im plica renúncia tá c ita ao d ire ito de preferência.

Art. 517. Quando o direito de preempção for estipulado a favor de dois ou mais indiví­ duos em comum, somente pode ser exercido em relação à coisa no seu todo; se alguma das pessoas, a quem ele toque, perder ou não exercer o seu direito, poderão as demais utilizá-lo na forma sobredita.

Arts. 518 e 519

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HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.154 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • Q uando a cláusula de preem pçào estabelecer preferência c o n ju n ta a dois ou mais vendedores (e n tão condôm inos), o d ireito de prelaçào terá de ser exercido considerando a coisa vendida no seu todo, tal com o fo ra alienada. Desse m odo, cada um o exercerá sobre o bem conside­ rado em sua integralidade, nada im p o rtan d o a proporção do q u in h ão que dispunha ao te m ­ po da venda, não podendo in c id ir a preferência sobre quo tas ideais correspondentes. 0 mesmo sucederá, à fa lta do nào exercício do direito, ou de sua perda, por p arte de qualquer um dos preferentes, fican d o os dem ais com o exercício c o n ju n to pelo to ta l da coisa preem pta , desde que ig u a lm e n te ten h am exercido a preferência no prazo. • V erificada a preferência u n ifo rm e , o exercício dos preferentes haverá de ser c o n c o m ita n te ou sim ultâneo, isto é, d e n tro do único prazo c erto e a tin e n te . Nào existem prazos sucessivos em face dos condôm inos, a resguardar um uso superveniente do d ireito pelos dem ais, se algum dos condôm inos, a quem ele caiba, não o ten h a exercido ou dele te n h a sido despojado, com o se poderia im aginar por interpretação extravasada da segunda parte do dispositivo em exam e. T rata-se de venda de coisa com um , e o prazo é com um . • D ire ito c o m p a ra d o : art. 513 do Código Civil alem ão.

Art. 518. Responderá por perdas e danos o comprador, se alienar a coisa sem ter dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem. Responderá solida­ riamente o adquirente, se tiver procedido de má-fé. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.156 do CC de 1916, com maior apu­ ro técnico e doutrinário.

DOUTRINA • A responsabilidade por perdas e danos dim an a do even to alien ação (ou a ele equiparado), quando, ocorrido este, o co m prador não houver ao vendedor dado ciência do preço e das vantagens que lhe oferecem pela coisa, preterindo o favorecido pela cláusula de preem pçào. A previsão legal co n firm a o d ireito da preem pçào com o d ireito pessoal, cabendo ao vendedor apenas reclam ar perdas e danos, provando-se os prejuízos decorrentes da nào observância ao seu d ireito de preferente. • Se o terceiro ad q u iren te tin h a co nhecim ento prévio da preem pçào, responderá solidariam en­ te pela obrigação de indenizar, por te r agido de m á -fé , ju n ta m e n te com o com prador, res­ ponsabilizado pelo in a d im p le m e n to da obrigação de dar preferência ao vendedor para read­ q u irir a coisa preem pta. A obrigação solidária significa responsabilidade igual, nào repartida, q u a n to à indenização reclam ada, podendo o vendedor d em andar contra qu alq u er dos dois, postulando a to ta lid a d e econôm ica dos prejuízos.

Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.

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Arts. 520 e 521

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto revisto. Corresponde ao art. 1.150 do CC de 1916, eom maior apuro técnico e doutrinário. 0 novo texto refere-se ao preço atual da coisa expropriada (muitas vezes em função da m aior valorização obtida pelas benfeitorias realizadas) e nào ao preço pelo qual foi o imóvel desapropriado, bem como adm ite destinaçáo diversa do bem, desde que de in­ teresse público (obras ou serviços públicos). Assinalou Agostinho Alvim que o anteprojeto inicial absteve-se de cogitar do náo uso, pelo Poder Público, da coisa expropriada, registrando em 2 5 -3 1973: “Embora o assunto da desapropriação seja de lei especial, deliberou a Comissão, ultim am en­ te, disciplinar aquela hipótese, inserindo um texto após o art. 512" (atual 518).

DOUTRINA • A o lado da preferência v o lu n tá ria ou convencional (negociai), referida pelo art. 513, tem -se presente, no dispositivo, a preferência legal, em fa v o r do e x -p ro p rie tá rio da coisa expropria­ da, ta m b é m cham ada retrocessào, o brigand o o Poder Público expropriante, em não a tend o destinado para a fin a lid a d e que pronunciou a desapropriação, ou náo a u tiliza d o em obras e serviços públicos, o fere c ê -la ao seu a n te rio r titu lar, recom pondo o d ireito de propriedade afe ta d o . A retrocessào significa, com o sustenta a d o u trin a, o d ire ito que o titu la r do bem expropriado tem de rein co rp o rá-lo ao seu patrim ô n io , quando desviado in te ira m e n te o seu uso e destinaçáo de interesse público ou social. A sua aplicação deve-se, inclusive, à e fe tiv i­ dade do princípio da m oralidade que deve reger a adm inistração pública (art. 37 da CF).

JULGADOS • “Resolve-se em perdas e danos o conflito surgido com o desvio de finalidade do bem expropriado" (STJ, 4* T., REsp 43.651/SP, Rei. M in. Eliana Calmon. DJ, 5 -6 -2 0 0 0 ). • “A ação de retrocessào é de natureza ‘real*, nào se lhe aplicando a prescrição qüinqüenal prevista no Decreto n. 20 .1 9 0 /32 . A transferência do imóvel desapropriado a terceiro (pessoa privada) constitui-se em desvio de finalidade pública, justificando o direito a retrocessào a ser postulado pelo proprietário expropriado" (REsp 62.506/PR, 1*T., Rei. M in. Demócrito Reinaldo, DJ, 1 9 -6 -1 9 9 5 ).

Art. 5 2 0 .0 direito de preferência não se pode ceder nem passa aos herdeiros.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.157 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 d ireito de prelaçáo é d ire ito personalíssimo, inábil de transm issibilidade, nào podendo ser objeto de cessão e tam p o u co os herdeiros do preem p to r o sucedem no seu exercício. N o seu elevado m agistério, A ugusto Zen u n sustenta, porém , o seguinte: “(...) no to ca n te à herança, pode dar-se a sucessão q u a n to à preferência do vendedor, se há cláusula expressa nesse sentido, podendo os herdeiros suceder na preferência, d ia n te da fa lta do vendedor". • M e lh o r seria a solução dada pelo Código Civil alem ão (art. 514) ao ex ce tu ar o preceito q u a n ­ do haja estipulaçào em co n trá rio ou fixação de prazo para o exercício do d ireito de prelação, o que im p o rta em tra ta m e n to e q u ivalen te à disciplina da retrovenda, onde o d ire ito de re­ tra to é cessível e transmissível (art. 507), com prazo decadencial estabelecido.

Subseção IV — Da venda com reserva de domínio Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.

Art. 522

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HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Nâo há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A cláusula de reserva de d o m ín io é cláusula especial de reforço de g aran tia ao vendedor, institu íd a agora no a tu a l Código Civil, quando, por mais de sessenta anos, teve sua regulação pelo D ecreto n. 1.027, de 2 -1 -1 9 3 9 . 0 in s titu to da com pra e venda sob essa m odalidade é tra ta d o , ainda, no Código de Processo Civil de 1 9 3 9 (arts. 3 4 2 e 3 4 3 ) e no a tu a l (arts. 1.071 e 1.072) e na legislação registrai (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 ), que exige o registro do c o n tra to para valer contra terceiros, com o já previsto no a n tig o D ecreto n. 4 .8 5 7 , de 9 -1 1 -1 9 3 9 (art. 1«). Pelo p a c tu m re s e rv a ti d o m in i, o vendedor m a n té m em seu fa v o r a propriedade da coisa vendida, e n q u a n to não e fe tu a d o o p ag am en to integral do preço, d ife rid a a passagem do d o m ín io para d e te rm in a d o dia, quando satisfeita a prestação fin a l do preço. 0 presente a rtig o lim ita o pacto da reserva de dom ín io som ente na venda de coisa móvel, porque apenas a ela se refe­ re, não obstante a Lei n. 9 .5 2 4 , de 2 0 -1 1 -1 9 9 7 , haver in stitu íd o a alienação fidu ciária de coisa im óvel, cuidando da caução e da cessão fid u ciá ria de direitos relativos a im óveis (art. 17, II e III), acrescentando, ainda, o item 35 ao inciso II e o item 17 ao inciso II, am bos do art. 167 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 ). • Segundo leciona A rnoldo W ald, “a venda a crédito em reserva de d o m ín io só é conhecida no D ireito brasileiro, em relação aos móveis, por existirem outras técnicas protetoras do ven d e­ d o r nas alienações im obiliárias (promessa de com pra e venda, hipoteca, etc.)". Por igual, ex ­ plica Jefferson D aibert: " 0 o b je to deverá ser sem pre coisa im óvel, certa, individuada e in co n ­ fu n d ív el com outras da mesma espécie, p o rtan to , infungível". • 0 in s titu to jurídico, em sua estrutura, exige a integração de cinco elem entos, apontados por Nicolau Balbino Filho e citados por M acedo de Campos, com o característicos essenciais: a venda deve ser em prestações: o ob jeto individuado sobre o qual recai a venda deve ser in ­ fu n g ível; a entrega ao com prador do bem negociado deve ser e fe tu a d a pelo vendedor; o p agam ento do preço, d e fin id o em prestações, deve ser e fe tu a d o no prazo convencionado, e o d o m ín io da coisa vendida, após o p agam ento do preço, deve ser tran sm itid o pelo vendedor ao com prador. • D ire ito c o m p a ra d o : A venda com cláusula de reserva da propriedade, alienação sob condição suspensiva, é tra ta d a pelo Código Civil português, nas disposições gerais dos contratos (art. 4 0 9 , 1 e II).

Art. 522. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A norm a estabelece que nas vendas a cré d ito ou em prestações, com reserva de d om ín io , a estipulação da cláusula c o n tra tu a l nào prescinde, por óbvio, da fo rm a escrita, e m enciona, ainda, a necessidade de registro perante o Registro de Títulos e Docum entos, já previsto pelo a rt. 129, item 5*. da Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6 .0 1 5 /7 3 ), para surtir efeitos em relação a terceiros (STJ, REsp 17.546/SP).

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Jones Figueirêdo Alves

Arts. 523 a 525

JULGADO • "Processo civil. 1. Prova. Quem pensa ter adquirido a propriedade plena de veículo autom otor, e se vê surpreendido pela apreensão judicial do bem, que se encontrava gravado com reserva de dom ínio, só precisa instruir a ação de indenização contra o Estado com o certificado de registro fornecido, sem qualquer ressalva, pelo Detran" (STJ, 2* T., REsp 21.503/SP, Rei. M in. Ari Pargendler, DJ, 2 9 -4 -1 9 9 6 ).

Art. 523. Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A individuação com pleta e p e rfic ie n te do bem é e lem en to essencial para a valid ade da cláu­ sula de reserva. A sua caracterização p e rfe ita é pressuposto necessário, de m odo a d is tin g u i-la de outras coisas do m esm o gênero ou similares. • Essa exigência - c ien tific a Jefferson D a ib e rt - é p e rfe ita m e n te explicável. A duz com clareza: "Se o com prador se to rn a r in ad im p len te, o ju iz deverá d e te rm in a r a apreensão da coisa e isto som ente será possível d ia n te de sua caracterização detalhada".

Art. 524. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando lhe foi entregue.

HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no periodo final de tram itação do projeto. O texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritam ente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • O ad q u ire n te da coisa vendida com reserva de d o m ín io tem a posse precária, d ian te da con­ dição suspensiva do c o n trato , vindo som ente a te r a propriedade do bem com o preço q u ita ­ do, ou seja, a transferência condiciona-se ao a d im p le m e n to integ ral das prestações por p arte do com prador. Pago o preço, o b rig a-se o ven d ed o r a tra n s fe rir o d om ín io , que se achava reservado em g aran tia do referido pagam ento. N o interregno, responde o devedor pelos riscos da coisa, a p a rtir de sua posse, certo que, te n d o -a precária, subm ete-se à o b ri­ gação de p ro teg ê-la e tra tá -la com o se sua fosse.

Art. 5 2 5 .0 vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio após constituir o comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação judicial.

Art. 526

Jones Figueirêdo Alves

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HISTÓRICO • Na redação original do projeto, perm itia-se que a constituição da mora se desse através de inter­ pelação extrajudicial. Emenda do Deputado Fernando Cunha deu ao dispositivo a redação atual. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • As notificações extrajudiciais nem sem pre proporcionam certeza de um a e fe tiv a realização. Na prática, não vêm dando resultado algum , senão confusão, discussões, para, afin a l, serem desprezadas nos julgados. Com os meios de com unicação ainda precários, as notificações epistolares não trazem plena certeza de seus objetivos. Por o u tro lado, se a lei perm ite a in ­ terpelação ju d icial aos casos de c o n tra to em que não se vinculem títu lo s cam biais, e protes­ to quando hajam tais títulos, logo prevê am bos os casos, sem necessidade de interpelação extraju dicial, hoje obsoleta. Trata-se de m ora e esta caracteriza-se, sem pre, pelo protesto, interpelação e citação.

JULGADO • “I - A mora do comprador de bem com reserva de dom ínio prova-se com o protesto do titulo lavrado pelo oficial do cartório com petente, inexistindo exigência de que do protesto haja sido intim ado pessoalmente o devedor" (STJ, 3* T., REsp 147.584/RS, Rei. M in. W aldem ar Zveiter, DJ, 3 -5 -1 9 9 9 ).

Art. 526. Verificada a mora do comprador, poderá o vendedor mover contra ele a com­ petente ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas e o mais que lhe for devido; ou poderá recuperar a posse da coisa vendida.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 vendedor tem a faculdade de optar, um a vez verificada a m ora do com prador, e n tre recla­ m ar seu cré d ito (art. 1.070 do CPC) ou recuperar a posse da coisa vendida, m ed ian te apreen­ são lim in ar (art. 1.071 do CPC). 0 CPC de 1973 nào repetiu a norm a inserida no e statu to processual de 1939 (art. 3 4 3 , c a p u t), permissiva do ven cim en to antecipado da dívida, e x ig in ­ do-se, a ta n to , dispor o c o n tra to a respeito. 0 CC de 2 0 0 2 agora au to riza, expressam ente, a cobrança das prestações vincendas, pelo que se deve en te n d e r desnecessária cláusula c o n tra ­ tu al c onferind o a possibilidade de ser cobrada a to ta lid a d e da dívida. É fa c u ld ad e do credor a rre g im e n ta r as prestações vencidas e im pagas e as dem ais, vincendas, para a ação que lhe cabe. • Na alienação com reserva de dom ínio, é incabível a ação de depósito prevista no art. 901 do CPC.

JULGADOS • "É inválida cláusula contratual que, em caso de mora, transform a a compra e venda em depósito" [JTARS, 8 3/298). • "Nas vendas a crédito com reserva de dom ínio, o credor nào tem ação de depósito contra o deve­ dor" [JTACSP-RT, 121/100).

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Jones Figueirêdo Alves

Arts. 527 e 528

Art. 527. Na segunda hipótese do artigo antecedente, é facultado ao vendedor reter as prestações pagas até o necessário para cobrir a depreciação da coisa, as despesas feitas e o mais que de direito lhe for devido. O excedente será devolvido ao comprador; e o que faltar lhe será cobrado, tudo na forma da lei processual.

HISTÓRICO • O presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no periodo inicial de tram itação do projeto. Emenda do Deputado Fernando Cunha, propondo a substituição do verbo "poderá" pela expressão "é facultado", deu ao dispositivo a redação atual. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • O dispositivo invoca a aplicação da p arte fin a l do art. 5 2 4 - co rreto o com prador responder pelos riscos da coisa a p a rtir de quando lhe fo i entregue. Desse m odo, com provado o despre­ zo da coisa, com a d im inuição progressiva do seu valor, o vendedor pode usar da faculdade de reter as prestações pagas, para e fe ito de acerto de contas, incluindo as despesas judiciais e extrajudiciais efetuadas e o mais que de d ireito lhe fo r devido. • O a c ertam e n to é ju d ic ia l, dele cuidando o § 3o do a rt. 1.071 do CPC. Vale observar que, d e fe ­ rida a apreensão da coisa sob reserva de dom ínio, esta será subm etida a vistoria, com a rb i­ tra m e n to do seu valo r (art. 1.071, § 1«).

Art. 528. Se o vendedor receber o pagamento à vista, ou, posteriormente, mediante financiamento de instituição do mercado de capitais, a esta caberá exercer os direitos e ações decorrentes do contrato, a benefício de qualquer outro. A operação financeira e a respectiva ciência do comprador constarão do registro do contrato.

HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela náo estava presente da redação do anteprojeto e foi acrescentado por em en­ da da Câmara dos Deputados, no período inicial de tram itação do projeto. 0 responsável pela inclusão desse artigo foi o Deputado Tancredo Neves, que assim a justificou: “Para facilitar os negócios a prazo de bens duráveis, a chamada legislação financeira perfilhou a alienação fid u ciária em garantia, cuja prática trouxe tais distorções, que hoje o bom senso está a indicar a sua substituição pela venda com reserva de dom ínio, adaptada ao mercado de capitais. Bem andou o projeto do Código Civil ao incluir em seu sistema a venda com reserva de dom ínio, conform e os bem-elaborados arts. 519 a 525. Resta apenas to rn á-la propicia ao mercado de capitais, em termos que facilitem os financiam entos regulares, para uma sadia circulação econômica dos bens de consumo duráveis. Ora, m antida a unidade negociai da venda, serão evitadas as distorções da alienação fidueiária em garantia, as suas onerosas complicações e ainda os problemas fiscais que a sua natureza pode acarretar. Por outro lado, assegurado ao financiador o exercício eficaz do direito e ação para o resgate do financiam ento, sem envolvê-lo na transmissão de destino dos bens objeto da venda condicionada, as operações de crédito poderão desenvolver-se norm alm ente, com bom atendim ento do vendedor e do comprador e sem prejuízo da instituição financeira. É o que a emenda ora apresentada visa atender, valorizando a venda com reserva de dom ínio, já consa­ grada por uma experiência de quase quarenta anos e que bem retrata a imaginação jurídica na­ cional". Náo há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A norm a intro duzida te m o escopo de g aran tia ao ag e n te financiador, que fica investido na qualidade e direitos do vendedor. Faz-se ancorada no objetivo de m elhor regular a evolução ju ríd ic o -c o m e rc ia l e em desem baraço da dinâm ica dos negócios do m undo m oderno.

Arts. 529 a 531

Jones Figueirêdo Alves

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ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 178, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “Na interpretação do art. 528, devem ser levadas em conta após a expressão 'a beneficio de' as palavras ‘seu crédito, excluída a concorrência de‘, que foram om itidas por manifesto erro material".

Subseção V — Da venda sobre documentos Art. 529. Na venda sobre documentos, a tradição da coisa é substituída pela entrega do seu título representativo e dos outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos. Parágrafo único. Achando-se a documentação em ordem, não pode o comprador recu­ sar o pagamento, a pretexto de defeito de qualidade ou do estado da coisa vendida, salvo se o defeito já houver sido comprovado.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Tam bém cláusula especial, a venda sobre docum entos, de intenso uso na vida hodierna, tem seu relevo ju ríd ic o a d o tad o pelo CC de 2 0 0 2 , coerente com a m odernidade e, no particular, com a glob alização da econom ia. Essa m odalidade co n tra tu a l é indispensável em consecução e fic ie n te de negócios com o com ércio exterior. M u n ir Karam a p o n ta sua im portân cia fu n d a ­ m en tal: " 0 vendedor se libera da obrigação de en treg ar a coisa, rem etendo ao com prador o títu lo representativo da m ercadoria e dos outros elem entos exigidos pelo c o n tra to (d uplica­ ta , etc.). (...) Q uanto à recusa, a pretexto de d e fe ito de qualidade ou do estado da coisa v e n ­ dida, lem bra o em in e n te m agistrado possuir o Código Civil italian o dispositivo ‘pelo qual o prazo para a denúncia de vício ou d e fe ito ap aren te de qualidade decorre do dia do recebi­ m en to ' (a rt. 1.511)".

Art. 530. Não havendo estipulação em contrário, o pagamento deve ser efetuado na data e no lugar da entrega dos documentos.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 te m p o e o local de p ag am en to são os previstos em lei, caso não determ inados no c o n trato , reportand o-se ao even to da entreg a dos docum entos para o cu m p rim e n to da obrigação prim acial do com prador. • A venda sobre docum entos te m sua vocação para operar com o com ércio exterior. Assim, nào poderia ser de o u tro m odo, segundo o a rt. 9®, c a p u t, da Lei de Intro dução ao Código Civil (Lei de Intro dução às Norm as do D ireito Brasileiro). A regra lo c u s r e g it a c tu m , de d ireito m aterial, ap o n ta a aplicação da lei do lugar em que a obrigação se constituiu.

Art. 531. Se entre os documentos entregues ao comprador figurar apólice de seguro que cubra os riscos do transporte, correm estes à conta do comprador, salvo se, ao ser con­ cluído o contrato, tivesse o vendedor ciência da perda ou avaria da coisa.

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Jones Figueirêdo Alves

Arts. 532 e 533

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Nâo há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • S om ente subsistirá a obrigação ao a lien an te se, ao te m p o da conclusão do c o n trato , este tin h a ciência da perda ou da avaria da coisa, prevalecendo o princípio da b o a -fé em fa v o r do adquirente. Caso incluída no d o c u m en tário apólice de seguro em cobertura dos riscos do transporte, libera-se o vendedor, correndo os riscos à conta do com prador.

Art. 532. Estipulado o pagamento por intermédio de estabelecimento bancário, caberá a este efetuá-lo contra a entrega dos documentos, sem obrigação de verificar a coisa vendi­ da, pela qual não responde. Parágrafo único. Nesse caso, somente após a recusa do estabelecimento bancário a efetuar o pagamento, poderá o vendedor pretendê-lo, diretamente do comprador.

HISTÓRICO • Originariam ente, este era o texto apresentado para o dispositivo tan to no anteprojeto como no projeto proposto pela Câmara: "Estipulado o pagam ento por interm édio de banco, caberá a este e fe tu á-lo contra a entrega dos documentos, sem obrigação de verificar a coisa vendida, pela qual não responde. Parágrafo único. Nesse caso, somente após a recusa do banco a efetuar o pagam en­ to, poderá o vendedor pretendê-lo, diretam ente do comprador". A partir das modificações im ple­ mentadas pelo em inente Senador Josaphat Marinho, passou a apresentar a atual composição. Com o mister de tornar o texto mais abrangente, a emenda apenas substituiu a palavra "banco" pela expressão "estabelecimento bancário". Efetivam ente, como bem justificou o Senador Josaphat M arinho, "o vocábulo 'banco' tem significado lim itado em face das leis. Mais prudente é usar a expressão mais ampla “estabelecim ento bancário, abrangente de situações como a da Caixa Eco­ nômica". Pelas mesmas razões e acordes, tam bém , com o relatório parcial do ilustre Deputado Vicente Arruda, foi acolhida a emenda.

DOUTRINA • A operação cogitada pela norm a, típica de c o n tra to in tern acio n al, te m um fim específico: contra a entrega do docu m en tário da venda das m ercadorias, o estabelecim ento bancário e fe tu a o pagam ento, sem v e rific a r a coisa vendida ou por ela responder. Com o a trad ição da coisa é substituída pela entrega de seu títu lo representativo, é nele que se fu n d a a obrigação do pagam ento.

C apítulo II — DA TROCA OU PERMUTA Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as se­ guintes modificações: I — salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca; II — é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.

Art. 533

Jones Figueirêdo Alves

499

HISTÓRICO • Houve aqui a m odificação do inciso II do dispositivo em análise, que assim versava: "II - É anulá­ vel a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento expresso dos outros descendentes". Com a alteração proposta pelo em inente Senador Lúcio Alcântara, o inciso ganhou a redação atual. Sugerida, como outras examinadas, pelo Prof. W agner Barreira, a emenda acentuou, em sua justificação, que "é sabido que a troca de bens ou valores como negó­ cio jurídico se aproxima da compra e venda, com a qual guarda acentuada parecença". E depois de salientar que o art. 4 9 6 do Projeto prevê a anulabilidade da "venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido", pede a mesma cautela para a troca. A emenda da lavra do Senador Lúcio Alcântara, ao incluir a ausência de consentimento do cônjuge do alienante como uma das hipóteses de anulabilidade da troca, o que já ocorre com a compra e venda, é de boa técnica jurídica e legislativa, já que os dois institutos são semelhantes. Corresponde ao art. 1.164 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 c o n tra to de troca ou p erm uta é aquele em que a aquisição de um a coisa a o u trem é fe ita m ediante a contra prestação sim ultânea de o u tra coisa, de v a lo r igual ou equivalente, ou mesmo desigual, m óvel, im óvel ou sem ovente, com efeitos obrigacionais e n tre as partes. D iferencia-se do c o n tra to de com pra e venda pelo único característico de os contraentes assum irem obrigações idênticas, coisa por coisa (re m p o rre ), sem que um deles exercite a sua prestação em dinheiro. Por essa sim ilitude e analogia, diz o dispositivo que se aplicam à tro ­ ca as disposições referentes à com pra e venda. • As despesas com o instru m en to da troca sáo rateadas e n tre as partes, em face da idêntica q u alidade de perm utan tes dos contraentes, caso não haja disposição co n tra tu a l que estabe­ leça de m odo diverso. • Com a mesma identidade do disposto no art. 4 9 6 , é anulável a troca de coisas de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem a permissão dos dem ais descendentes e do cônjuge do p e rm u tan te alien an te. O consentim ento é som ente o b rig ató rio quando as coisas em p erm uta nào tiverem v a lo r e q u ivalen te ou, mais precisam ente, quando a do ascendente tiv e r valo r superior, a c aracterizar c o m p ro m etim en to patrim o n ial. • A eventual desigualdade dos bens pode im plicar a com pletaçào em dinheiro, o que guarda mais sim ilitude com a com pra e venda, e com o ta l será havida, em sua natu reza jurídica, se o com p lem en to fo r m aior que a coisa em perm u ta. Alguns entendem , to davia, a reposição fe ita para e fe tiv a r a equivalência de valores, com o m ero elem en to acessório do c o n tra to de perm uta, sem descaracterizá-lo. • 0 a rtig o utiliza o vocábulo “alienante", o que enquadra a p erm uta e n tre os atos de alienação do bem, resolvendo a n tig a controvérsia d o u trin á ria. Logo, mesmo que presente na perm uta um a equivalência dos bens, em sendo um deles bem im óvel, necessária será a outo rg a con­ ju g a l (uxória ou m arital), nos term os do inciso I do art. 1.647. De mais a mais, a perm uta im plica a translatividade dom in ial, e porque aplicáveis à troca “as disposições referentes à com pra e venda", em bora com apenas duas m odificações, enunciadas nos incisos, não se há por c o g ita r poder ser dispensado o consentim ento do cônjuge à hipótese da troca de bens de valores iguais ou equivalentes envolvendo bens imóveis. E suficiente lem brar, aqui, a lição de R. Lim ongi França: “Na verdade não apenas essas as m odificações do e s ta tu to da troca à face da com pra e venda. Basta p artirm os da ideia, já acentuada, de que, de am bos os lados, se alien a e se adquire, e n q u a n to na com pra e venda se distingu e com clareza vendedor de co m ­ prador". Tenha-se em cotejo o exem p lo de troca de te rre n o por área construída.

DIREITO PROJETADO • Diante da alienação la to sensu, em que, na troca, o perm utante é ao mesmo tem po alienante e adquirente, cumpre incluir parágrafo único ao dispositivo, a demonstrar indispensável a outorga

Jones Figueirêdo Alves

500

Arts. 534 e 535

conjugal, em harm onia com o reportado art. 1 .6 4 7 ,1, do CC de 2002, sugestão que apresentamos ao Deputado Ricardo Fiuza, com a redação seguinte, que foi acolhida pelo Projeto de Lei n. 6 .960/2002, agora reproduzido pelo PL n. 699/2011: A rt. 533. (...) P a rá g ra fo único. 0 c ô n ju g e n e ces sita rá do c o n s e n tim e n to do o u tro , e xce to n o regim e de separação a b so lu ta , q u a n d o a tro c a e n v o lv e r bem im óvel.

C ap ítu lo III — DO CONTRATO ESTIMATÓRIO

Art. 534. Pelo contrato estimatório, o consignante entrega bens móveis ao consigna­ tário, que fica autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 c o n tra to estim atório, ou c o n tra to de vendas em consignação, de natureza com ercial, com significativa im po rtân cia nos negócios m ercantis, é agora in tro d u zid o no CC de 2 0 0 2 , rece­ bendo regulação e disciplina. Tem ele por ob jeto coisas móveis, entregues ao consignatário para serem vendidas a terceiros, em prazo d e te rm in a d o , onde, em seu te rm o fin a l, deve ser fe ito o p agam ento ao consignante do preço ajustado ou e fe tu a d a a devolução da coisa con­ signada. Diversam ente da com pra e venda, na consignação, a tradição da coisa m óvel não opera a sua transferência, m antend o o consignante a propriedade sobre o bem e responden­ do o consignado com o depositário da coisa dada em consignação. • D ire ito c o m p a ra d o : Código Civil ita lia n o (arts. 1 .5 5 6 a 1.558).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 32, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: “No contrato estim atório (art. 534), o consignante transfere ao consignatário, tem porariam ente, o poder de alienação da coisa con­ signada com opçáo de pagam ento do preço de estima ou sua restituição ao final do prazo ajus­ tado".

Art 5 3 5 .0 consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se tomar impossível, ainda que por fato a ele não imputável.

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 consignatário sujeita-se a um a obrigação definida: pagar o preço ou restituir a coisa consig­ nada que ficou sob sua posse por prazo certo, com o dever de conservá-la incólum e, e no fim específico de venda a terceiro. Assim, se vier a alien ar a coisa, obriga-se ao pagam ento ajusta­ do, eqüivalendo à alienação todo e qualquer evento que to rn e impossível restituí-la em sua integridade, respondendo, de conseguinte, pela perda ou deterioração da coisa, mesmo que não der causa. Tal obrigação guarda sim ilitude com as características do disposto no art. 629.

Arts. 536 a 538

Jones Figueirêdo Alves

501

Art. 536. A coisa consignada não pode ser objeto de penhora ou seqüestro pelos credo­ res do consignatário, enquanto não pago integralmente o preço. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A intangibilidade da coisa consignada decorre do fato de o bem não pertencer ao consigna­ tário, continuando o consignante com a propriedade do bem que se acha em poder daquele. Por conseqüência, não pode a coisa, passível de ser restituida ao seu dono, ser objeto de constrição judicial pelos credores do consignatário. De notar que, vencido o prazo, o adimplemento da obrigação do consignatário é atendido pelo recolhimento do preço ajustado ou pela devolução da coisa, casos em que, de nenhum modo, perfaz-se a translatividade do dom ínio a seu favor. Ou a coisa retorna às mãos do proprietário consignante ou passa à propriedade do terceiro que a adquiriu do consignatário. M esm o que o consignatário não a devolva, apropriando-se indevidamente da coisa consignada, a circunstância não autoriza a penhora ou o seqüestro, porquanto a coisa não é sua.

Art. 537.0 consignante não pode dispor da coisa antes de lhe ser restituida ou de lhe ser comunicada a restituição. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Na fluência do prazo da venda em consignação, tem o consignatário a disponibilidade da coisa consignada para venda a terceiro; esse poder de vender a coisa constitui elemento es­ sencial da natureza do contrato. É obrigação do consignante, guardando na execução do contrato os princípios de probidade e boa-fé, fazê-lo firme e valioso, não dispondo, por isso mesmo, da coisa oferecida em consignação, enquanto não lhe for restituida ou antes de lhe ser comunicada a restituição.

C ap ítu lo IV — DA DOAÇÃO

Seção I — Disposições gerais Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, trans­ fere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo, em relação ao texto do anteprojeto, sofreu, por parte do Relatório Ernani Sátyro, apenas uma pequena alteração de ordem redacional. Houve a substituição da frase “se obriga a transferir", pela expressão verbal "transfere". 0 objetivo da emenda, contra a qual se opôs o Prof. Agostinho Alvim, foi restabelecer a redação do art. 1.165 do Código anterior. A redação prevista no Código de 1916, que não falava em obrigação, jamais foi obstáculo ao entendimento

502

Jones Figueirêdo Alves

Art.538

de que o contrato de doação é de per si obrigatório. Como bem enfatizou o Deputado Siqueira Çampos, "mais certa é a linguagem empregada pelo Código atual. A doação induz ato realizado. É a denominação do instituto. Quando se pretende doar, não se integra ainda a figura. Mero pressuposto ou mera pretensão não se enquadra na figura. Esta se subentende realizada. Por isso a doação é a transmissão gratuita da coisa. Ao dizer-se que a doação é o contrato pelo qual alguém se obriga a transferir, dá a entender que se trata de pré-contrato ou promessa de doação, mas não é doação realizada, que é o que cogita o capitulo".

DOUTRINA • O dispositivo conceitua o contrato de doação, translativo de domínio, pelo qual o doador, em ato espontâneo e de liberalidade (anim us donandi), transfere, a título gratuito, bens e van­ tagens que lhe são pertencentes ao patrimônio de outrem, que, em convergência de vontades, os aceita expressa ou tacitamente. É contrato unilateral (obrigação unicamente exigida ao doador, salvo modal ou com encargo), gratuito, consensual e, em geral, solene (forma escrita). • O contrato serve de título de aquisição, a rigor não "transfere". A translatividade do domínio ocorre pela tradição (coisa móvel) ou pelo registro (coisa imóvel), tal com o sucede nos con­ tratos de compra e venda e de troca ou permuta. • Direito com parado: Código Civil português (art. 940, alínea 1); italiano (art. 769), espanhol (art. 618) e argentino (art. 1.789). 0 Código Civil francês não a determina com o contrato por ser ele unilateral, figurando a doação junto aos testamentos.

JULGADOS • Promessa de doação. 0 tema é enfrentado pela jurisprudência com acórdãos paradigmáticos. Vejamos: • "Administrativo. Desapropriação indireta. Imóvel ocupado para a implantação de ferrovia, com promessa do proprietário de doá-lo mediante a troca de benfeitorias na área remanescente. Do­ ação que não se concretizou, nem foram realizadas as benfeitorias. Superveniente declaração de utilidade pública do imóvel para os efeitos de desapropriação. 0 proprietário que autoriza a im­ plantação de ferrovia em área de sua propriedade, prometendo doá-la, não perde o direito a in­ denização, salvo se a doação for ultimada na forma da lei. A promessa de doação, como obrigação de cumprir liberalidade que se não quer ou não se pode mais praticar, não existe no direito brasi­ leiro. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Hipótese em que, não obstante a promessa de doação fosse modal, a solução é a mesma, porque os encargos não foram cumpridos e se tornaram incompatíveis com a vontade do Estado de desapropriar o imóvel, manifestada em decreto que o declarou de utilidade pública para esse efeito. Recurso especial conhecido e provido" (STJ, REsp 92.787/SP, Rei. Min. Ari Pargendler, DJ, 26-5-1997). • "Constitucional. Nota promissória. Promessa de doação. Ato jurídico perfeito. Direito adquirido. I. 0 acórdão não contrariou a norma constitucional do direito adquirido ou do ato jurídico perfeito, dado que, com base nos fatos e na legislação infraconstitucional, decidiu que a nota promissória objeto da demanda não é cambiariamente ou executivamente exigível, porque representava uma promessa de doação, e promessa de doação não se executa, não se exige coercitivamente. II. RE não conhecido" (STF, RE 122.054/RS, Rei. Min. Carlos Velloso, DJ, 6-8-1993). • "Doação. Promessa de doação. Discussão do tema, predominante na doutrina brasileira a da ine­ xistência da promessa de doação, acolhida na jurisprudência da corte. Precedentes. Recurso Ex­ traordinário conhecido e provido" (STF, RE 105.862/PE, Rei. Min. Oscar Corrêa, DJ, 20-9-1985). • 1. "Doação inoficiosa. Ação de anulação. Art. 1.176 do CC. Momento de aferição. A validade da liberalidade, nos termos do artigo 1.176 do CC, é verificada no momento em que feita a doação e, não, quando da transcrição do titulo no Registro de Imóveis. Recurso não conhecido" (STJ, 3»T., REsp 111.426/ES, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, DJ, 29-3-1999). 2. "A renúncia de todos os herdeiros da mesma classe, em favor do monte, não impede seus filhos de sucederem por direito próprio ou por cabeça. Homologada a renúncia, a herança não passa à viúva, e sim aos herdeiros remanes­ centes. Esta renúncia não configura doação ou alienação à viúva, não caracterizando o fato ge-

Arts. 539 a 541

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rador do ITBI, que é a transmissão da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis" (STJ, 1* T., REsp 36.076/MG, Rei. Min. Garcia Vieira, DJ, 29-3-1999). 3. "A anulação da doação no tocante à parcela do patrimônio que ultrapassa a cota disponível em testamento, a teor do art. 1.176 do Código Civil, exige que o interessado prove a existência do excesso no momento da liberalidade" (STJ, 3*1., REsp 160.969/PE, Rei. para Acórdão Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ, 23-11-1998).

Art. 5 3 9 .0 doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a libe­ ralidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.166 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • A aceitação é pressuposto necessário para aperfeiçoar, pela consensualidade, o contrato. Cabe ao donatário declarar que aceita o ato de liberalidade do doador, e. no seu silêncio, presume-se o consentimento (aceitação tácita), quando a doação é pura, feita sem encargos ou condições, isto é, inteiramente benéfica, sem quaisquer ônus para o favorecido. Dispensa-se a aceitação quando o donatário for absolutamente incapaz (art. 544).

Art. 540. A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perde o caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a gravada, no exce­ dente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo imposto. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.167 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • Diz-se doação feita em contemplação do merecimento do donatário aquela doação pura, cuja liberalidade tem com o motivo o reconhecimento ao mérito do donatário, exarado pelo doa­ dor, e que influi na decisão de doar (anim us donandi). A rigor, é doação contemplativa por estímulo ou homenagem, proveniente da amizade ou admiração do doador, nada significan­ do que o donatário venha obtê-la em virtude de seus méritos. O merecimento é form ado pelo juízo de valor ou manifestação de sentimento que faz o doador em face do donatário. • Doação remuneratória é a efetuada pelo doador em retribuição a serviços prestados de forma graciosa pelo donatário, no que refere à parte excedente ao valor que poderia ter-lhe sido cobrado. É premiação ao devotam ento profissional, em dem onstração do interesse de recompensar. • A doação gravada com encargo, também denominada modal, é a que, embora atribuindo o doador encargos ao donatário, não afasta a liberalidade, por exceder esta ao encargo impos­ to e cuja execução do encargo representa simples fim acessório. A incumbência cometida há de ser cumprida em favor do próprio doador, de terceiro ou do interesse geral, constituindo obrigação de fazer do donatário.

Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular.

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Art. 542

Parágrafo único. A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição. HISTÓRICO • O presente dispositivo, em relação ao texto do anteprojeto, sofreu, por parte do Rei. Ernani Sátyro, apenas uma alteração para acrescer o parágrafo único ao art. 541, tratando sobre a doação verbal. 0 objetivo da emenda foi restabelecer a redação do art. 1.168 do CC de 1916, cujo parágrafo único fora injustificadamente suprimido do texto do anteprojeto.

DOUTRINA • 0 contrato de doação deve revestir-se, de regra, da forma solene (caput do artigo), como essencial à validade do negócio jurídico, visto que prescrita pela dicção legal do artigo. É celebrado por escritura pública, se a coisa doada for bem imóvel, de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País (art. 108), dependendo do registro imobiliário para a translatividade dominial (aquisição da propriedade), prevalecendo, daí, o registro sobre qualquer outro negócio (REsp 260.051/SP) ou por instrumento particular, em caso de imóveis abaixo daquele valor ou de móveis de valor expressivo. • A doação é verbal, isto é, sem qualquer forma, quando a liberalidade apenas alcançar bens móveis de pequeno valor e se lhe seguir incontinenti a tradição.

JULGADO • A jurisprudência tem, todavia, temperado a norma, como observamos: "Doação à namorada. Em­ préstimo. Matéria de prova. 0 pequeno valor a que se refere o a rt 1.168 do Código Civil há de ser considerado em relação à fortuna do doador: se se trata de pessoa abastada, mesmo as coisas de valor elevado podem ser doadas mediante simples doação manual (Washington de Barros M o n ­ teiro) (...)" (STJ, 3* T., REsp 155.240/RJ, Rei. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, DJ, 5-2-2001).

Art. 542. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.169 do CC de 1916, com melhoria do sistema, substituindo o vocábulo "pais" pela expressão "representante legal".

DOUTRINA • É possível a doação feita ao nascituro (o infans conceptus, cujo nascimento se aguarda como fato futuro certo), visto que a lei põe a salvo desde a concepção os seus direitos (art. 2*. se­ gunda parte, do CC de 2002). O contrato de doação tem a sua validade, desde que já conce­ bido o donatário ao tempo em que é estabelecida a liberalidade e não do momento em que se dá a aceitação, segundo doutrina João Luís Alves. Trata-se de doação sob condição suspensiva: caducará a doação, se o nascituro for natimorto, ou seja, dado à luz sem vida, o que há de se distinguir do feto que, nascido não viável, de vida efêmera, morre imediatamente após o nascimento. Pelo ato instante e fugaz de vida obtém direitos, tornando-se definitiva a doação. • A aceitação, necessária para aperfeiçoar o contrato, dar-se-á pelo seu representante legal (v. art. 1.779, sobre a “curadoria ao ventre"). Ela é condicional ao nascimento com vida do nas­ cituro.

Arts. 543 e 544

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Art. 543. Se o donatário for absolutamente incapaz, dispensa-se a aceitação, desde que se trate de doação pura. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.170 do CC de 1916, com melhoria de redação e do sistema, substituindo o vocábulo "aceitar doações puras" pela expressão "dispensa-se a aceitação”.

DOUTRINA • A doação pura, desprovida de encargos, vem em benefício e interesse do absolutamente in­ capaz, desobrigando, por tais razões, a aceitação. A dispensa, em verdade, arrima-se em ló­ gica jurídica, posto que a norma tem finalidade protetiva, dando ensejo de ele poder receber doações. A aceitação, no caso, não é mais ficta ou presumida. Deixa de ser exigida, como elemento integrativo à formação do contrato. • Releva notar o tratamento diferenciado dado pela lei ao nascituro (art. 542) para o qual se exige a aceitação do representante legal. E o nascituro não é, sequer, absolutamente incapaz, porque ainda não nasceu.

Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo, em relação ao texto do projeto, sofreu, por parte do Relator Ernani Sátyro, apenas uma alteração para substituir "pais e filhos" por "ascendentes e descendentes" e "legitima" por "herança". Corresponde ao art. 1.171 do CC de 1916, onde apenas se contemplava a doação "dos pais aos filhos".

DOUTRINA • 0 artigo introduz no instituto a doação de bens de um cônjuge a outro, não tratada no Có­ digo Civil de 1916. Harmoniza-se com a regra do art. 1.829, I, pela qual é reconhecido ao cônjuge sobrevivente direito sucessório em concorrência com os descendentes. Decorre lógi­ ca a conclusão de que a doação versará sobre os bens particulares de cada cônjuge, certo que, no regime de com unhão universal, o acervo patrimonial é comum a ambos, o que seria ocioso doar; no de separação obrigatória de bens, o cônjuge não concorre na sucessão, e no da com unhão parcial, apenas concorre se o autor da herança não houver deixado bens par­ ticulares. • A doação de ascendentes a descendentes representa adiantamento da legítima. A jurispru­ dência tem norteado as questões polêmicas em torno da matéria, bastando assinalar, por decisivo: “Civil. Doação de ascendente a descendente. Ausência de consentimento de um dos filhos. Desnecessidade. Validade do ato. Art. 171. Não é nula a doação efetivada pelos pais a filhos, com exclusão de um, só e só porque não contou com o consentimento de todos os descendentes, não se aplicando à doação a regra inserta no art. 1.132 do Código Civil. Do contido no art. 1.171 do CC deve-se, ao revés, extrair-se o entendimento de que a doação dos pais a filhos é válida, independentemente da concordância de todos estes, devendo-se apenas considerar que ela importa em adiantamento da legitima. Com o tal - e quando muito - o mais que pode o herdeiro necessário, que se julgar prejudicado, pretender, é a garantia da intangibilidade da sua quota legitimária, que em linha de princípio só pode ser exercitada quando for aberta a sucessão, postulando pela redução dessa liberalidade até complementar

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Arts. 545 e 546

a legítima, se a doaçào for além da metade disponível. Hipótese em que a mãe doou deter­ minado bem a todos os filhos, eom exceção de um deles, que pretende a anulação da doação, ainda em vida a doadora, por falta de consentimento do filho não contemplado. Recurso não conhecido" (STJ, 4* T., REsp 124.220/MG, Rei. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ, 13-4-1998). • Preciso na regra ditada pelo art. 1.848, segundo a qual só se admite a imposição de cláusulas restritivas sobre os bens da legítima (inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunieabilidade), se houver justa causa, declarada no testamento, impende interpretação sistêmica ao art. 544, que deve seguir a mesma diretiva. Isso porque, importando a doação, na espécie, em adiantamento da legítima, referidas cláusulas apenas poderão ser impostas quando ocorra, a tanto, causa justificadora. Os dispositivos devem guardar conformidade, em seus comandos, certo que as cláusulas estabelecidas implicam em mitigar a liberdade do herdeiro na dispo­ sição do bem. Assim, somente quando presente interesse sério e legitimo, apontado por Zeno Veloso, em face do art. 1.848, as cláusulas poderão gravar a doação, na moldura do art. 544.

Art. 545. A doação em forma de subvenção periódica ao beneficiado extingue-se por morte do doador, salvo se este outra coisa dispuser, mas não poderá ultrapassar a vida do donatário. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.172 do CC de 1916, com melhoria de redação e do sistema.

DOUTRINA • A doaçào em forma de subvenção periódica ou sucessiva é doaçào condicional resolutiva, isto é, constitui-se com o pensão regular prestada pelo doador, extinguindo-se com a sua morte, salvo se houver disposição em contrário. Havendo convenção diversa da liberalidade, esta prolonga-se após o evento, ficando, porém, jungida ao limite temporal da vida do donatário. Significa constituição de renda, a titulo gratuito.

Art. 546. A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determina­ da pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.172 do CCde 1916, sem qualquer alteração.

DOUTRINA • Trata-se, a exemplo do art. 542, de doação sob condição suspensiva [si nuptiae sequuntui), que, na dependência de fato futuro e incerto, somente se aperfeiçoa com o evento. 0 casa­ mento é a condição. A donatio propter nuptias pode ser feita pelos cônjuges entre si ou por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro. A dispen­ sa da formalidade da aceitação - explica Clóvis Beviláqua - "resulta, naturalmente, da rea­ lização do casamento". Subordinados àquela condição, os donatários, ao celebrarem núpcias entre si, estarão a implementando, de tal modo que, tornando efetiva a doaçào, há de se entender tácita a aceitação. A doação, assim condicionada, ficará sem validade, se o casa­ mento não se realizar.

Arts. 547 e 548

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JULGADO • “A regra do art. 312 do Código Civil não é de ser entendida como significando que qualquer doa­ ção entre pessoas que pretendam easar-se deva fazer-se por instrumento público. Haverá de ser observada nas doações propter nuptias, que se sujeitam à regulamentação dos pactos antenupciais, de tal modo que se consideram desfeitas não sobrevindo o casamento" (STJ, 3* T.( REsp 62.605/MG, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, DJ, 3-5-1999).

Art. 547. 0 doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário. Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.174 do CC de 1916, acrescentando-lhe parágrafo único.

DOUTRINA • A doação a retorno é a estipulada pelo doador, quando no contrato de doação é incluída cláusula (resolutiva) de reversão que assegura o regresso da coisa doada ao seu patrimônio, caso sobreviva ao donatário. Pouco importa tenha ele deixado ou não herdeiros. Estes terão direito, apenas, aos frutos oriundos da utilização do bem, durante o período da condição. • 0 efeito retroator da cláusula, revertendo o bem doado ao doador, por morte do donatário, alcança a alienação que tenha ocorrido sobre a coisa doada, tendo-se a venda por anulada. • 0 parágrafo único introduzido ao artigo elucida antiga divergência doutrinária sobre a re­ versão em proveito de terceiro, vedando cláusula a respeito. O CC de 1916 na literalidade do art. 1.174 apenas concede o retorno ao próprio doador. Por ser a norma clara e exata, res­ tringe a hipótese. Essa, a compreensão de Caio M ário da Silva Pereira, por não admitir tenha a regra interpretação extensiva e, doutro aspecto, "porque seria modalidade de fideicomisso por ato inter vivos, em contrário aos princípios". 0 mestre Clóvis Beviláqua sustentou, todavia, opinião contrária, assinalando o direito pátrio reconhecer e regular os fideicomissos até o segundo grau. Agora, o pacto de reversibilidade do bem - afastada a controvérsia - não pode, expressamente, ser praticado em benefício de terceiro.

Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.175 do CC de 1916, sem qualquer alteração.

DOUTRINA • A norma impede a doação de todos os bens (doação universal), inibindo o ato de dissipaçào patrimonial, que expõe o doador à falta de condições de sua própria subsistência. Trata-se de tutela de amparo ao doador irrefletido, sob o risco de penúria, capaz, pela liberalidade arrimada em total desprendimento, de comprometer o mínimo existencial para viger a vida. • Afasta-se a restrição e, com ela, a invalidade da doação, se houver reserva de usufruto vita­ lício, ou reserva de parte que assegure ao doador os meios de sustento de vida, o que ocorre, ainda, quando disponha de renda suficiente de aposentadoria [RT, 511/212) ou constituída por terceiro (art. 803).

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Art. 549

JULGADOS • “Civil. Doação sem reserva de bens. Nulidade. Art. 1.175 do CCB. Não há que se reconhecer alega­ ção de nulidade de doaçào, fundamentada no art. 1.175 do CCB, se o doador se reserva usufruto de bens ou renda suficiente a sua subsistência. Recurso não conhecido" (STJ, 3a T., REsp 34.271/SP, Rei. Min. Cláudio Santos, DJ, 23-8-1993). • “Ao donatário se transfere o direito decorrente da doaçào de ações, passando o mesmo a figurar como acionista. A reserva de usufruto diz com os rendimentos das ações doadas, bem assim das distribuídas em bonificações ao acionista donatário (...)" (STJ, 3a T., REsp 2.648/CE, DJ, 18-2-1991).

Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.176 do CC de 1916.

DOUTRINA • É cediço na jurisprudência o com ando legal: "A doação naquilo que ultrapassa a parte de que poderia o doador dispor em testamento é de que se qualifica inoficiosa e, portanto, nula" (STJ, 4 a T., REsp 86.518/MS, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo, DJU, 3-11-1998). Diferentemente da nulidade cogitada pelo artigo anterior, alcançando a totalidade dos bens doados, a da doaçào inoficiosa afeta somente os bens excedentes, isto é, a porção que supere o montante disponível do doador no momento da liberalidade, reduzindo-se-lhe à sua correta proporção. É a magistral lição de Pontes de Miranda: "se o de cujus dispôs, em vida, de mais do que podia dispor, há invalidade da disposição, tal com o se dispôs, testamentariamente, de mais do que cabia na porção disponível. Aí não se trata de colação". Entenda-se, assim, como do­ ação inoficiosa o excesso da parte disponível, e nula a doação no que exceder, com a redução, ao seu limite legal. • Opera-se o excesso da doação quando, ultrapassada a metade disponível do doador, é preju­ dicada a legítima dos herdeiros necessários, constituída pela metade dos bens da herança (arts. 1.846, § 1®, e 1.857 do CC de 2002, e arts. 1.576 e 1.721 do CC de 1916). Sublinhe-se, de imediato, de nenhuma importância, para tal conseqüência, a hipótese de adiantamento da legítima: “(...) o fato de ter eventualmente ocorrido um adiantamento da legítima não implica em um aum ento da parte disponível do doador no momento da liberalidade. Isto porque o art. 1.785 do Código Civil, segunda parte (art. 2.202 e parágrafo único do CC de 2002), estabelece que os bens conferidos não aumentam a metade disponível" (TJSP, 5* Câm. de Dir. Priv. AC 254.359, Rei. Des. Luis Carlos de Barros, JTJSP, 195/50). Em síntese, a quota disponível do doador é a mesma prevista para a disposição testamentária. • Questão interessante versa sobre o cabimento da ação de redução em vida do doador, nutri­ da de dissensào doutrinária e jurisprudencial. Posição mais conservadora sustentou somente admissível ser intentada a ação anulatória com o momento da abertura da sucessão, por advir da herança o direito do reclamante, sendo defeso litigar sobre herança de pessoa viva [nulla viventis hereditos) [RT, 446/98, 415/170 e 426/67). Vem da doutrina portuguesa: “a inofieiosidade supõe a existência de herdeiros legitimários ao tempo da morte do doador”. • A maioria dos civilistas entende, porém, que a ação pode ser ajuizada a partir da liberalidade, coerente com a aferição da inofieiosidade ao tempo da doaçào. Essa posição - assevera Silvio Rodrigues - “melhor atende ao interesse da sociedade, que não pode tolerar que a ameaça de revogação dos negócios jurídicos se prolongue por muitos anos". 0 acerto é acres­ cido da reflexão do notável jurista: "De fato, se a doação excessiva tiver por autor homem

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moço, que só venha falecer trinta ou quarenta anos mais tarde, seus herdeiros poderão ajui­ zar a anulatória do negócio quase meio século mais tarde, de modo que a propriedade ad­ quirida pelo donatário estará ameaçada de resolução por todo esse período. Ora, isto consti­ tui um inconveniente, com o qual o ordenamento jurídico não pode compadecer". • M as não é só. Impõe-se, de pronto, a diligente advertência de Agostinho Alvim, na sua céle­ bre obra Da doaçõo: "o tempo mais ou menos longo que decorra permitirá ao beneficiário dissipar os bens recebidos, tornando a colação sem efeito, do prisma econômico, que é o único que interessa". • Nessa linha, colhe-se o brilhante voto do M inistro Costa Leite, presidente do Superior Tribu­ nal de Justiça, no REsp 7.879-0/SP (3* TJ, atento ao fato, segundo ensinança de W ashington de Barros Monteiro, de o legislador brasileiro haver imprimido "ao direito do herdeiro lesado a nota de atualidade e não de mera expectativa", não envolvendo, destarte, qualquer situação sucessória, como, aliás, antecipou, de há muito, o eminente A m old o Wald [RT, 262/130), aclamando a orientação dom inante de que seja a ação anulatória ou de redução intentada em vida do doador. No mesmo sentido: RT, 492/110. • 0 legislador om itiu-se de não mais permitir o dissídio jurisprudencial e doutrinário, a dirimir, por definitivo, a vexata quaestio, máxime pela urgente necessidade de se demarcar, com exatidão, o prazo prescricional, em favor da segurança jurídica dos negócios. • Sobre a questão do momento em que se deve proceder o cálculo da inoficiosidade, ensina José Fernando Sim ào que esse deve ser feito no momento da liberalidade, e, assim, se o do­ ador era homem rico e a doação foi de valor inferior à metade de seus bens, o negócio é lí­ cito, e eficaz, mesmo que haja empobrecido depois e morrido na miséria. 0 direito brasileiro não optou pelo momento da abertura da sucessão para se verificar o excesso da parte dispo­ nível ou da legítima dos herdeiros necessários, mas o momento da liberalidade. E se a redução do patrimônio ocorreu posteriormente comprometendo a legítima, a nulidade não será re­ troativa (Questões controvertidas, v. 4, Método, coord. Jones Figueirêdo Alves e M ário Luiz Delgado, 2005, p. 368). • É também controversa na doutrina a questão de a doação inoficiosa ser nula ou anulável. José Fernando Sim ào compila lições divergentes da doutrina pátria. Paulo Luiz Netto Lôbo entende que a nulidade é absoluta e não apenas relativa, não havendo prazos para sua de­ cadência ou prescrição. Em idêntico sentido, Maria Helena Diniz. Carvalho Santos informa que se trata de nulidade absoluta por ser sanção imposta pela lei contra a violação do direi­ to dos herdeiros necessários à legítima e que a ação pode ser intentada ainda em vida do doador ou depois de sua morte. Silvio de Salvo Venosa entende que haveria um prazo de 20 anos para a prescrição da ação de anulação da doação inoficiosa. No mesmo sentido, Silvio Rodrigues entende que a anulação da doação está sujeita a prazo prescritivo. Portanto, se a ação está sujeita a prazos, podemos concluir que a nulidade a que se refere o art. 549 seria apenas relativa e não absoluta, já que a declaração da nulidade absoluta não está sujeita a prazo prescricional ou decadencial. A conclusão de José Fernando Sim ào é que a nulidade é realmente relativa e, portanto, sua declaração está sujeita ao prazo decadencial de 2 anos, contados da celebração do negócio jurídico, nos termos do art. 179 do Código Civil (Qi/esfões controvertidas, v. 4, Método, coord. Jones Figueirêdo Alves e M ário Luiz Delgado, 2005, p. 369-71).

JULGADOS • "(...) o excesso deve ser considerado no momento da liberalidade" (STJ, 2* Seção, EREsp 160.969/ PE, Rei. Min. Rui Rosado de Aguiar, DJ, 29-5-2000). "Doação inoficiosa. Ação de anulação. Art. 1.176 do CC. Momento de aferição. A validade da liberalidade, nos termos do art. 1.176 do CC, é verificada no momento em que feita a doação e, não, quando da transcrição do título no registro

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Art. 550

de imóveis. Recurso não conhecido" (STJ, 2* T., REsp 111.425/ES, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, DJ, 293-1999). No mesmo sentido: REsp 151.935/RS; RT, 523/104.

DIREITO PROJETADO • Em face do exposto e diante do acertamento dado pelo REsp 7.879-0/SP [DJ, 20-6-1994), ofere­ cemos ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão, que foi acolhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002, agora reproduzido pelo PL n. 699/2011, no sentido de acrescentar o seguinte parágrafo único ao dispositivo: Parágrafo único. A ação dc nulidade pode ser intentada mesmo em vida do doador.

Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.177 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • É assegurada proteção ao acervo patrimonial dos cônjuges, durante a constância do casa­ mento, dizendo a lei ser anulável a doação feita pelo cônjuge ao seu cúmplice no adultério. O ato de doaçào não implica nulidade absoluta, cabendo ao outro cônjuge ou aos herdeiros necessários o pedido de anulação por fraude. • Qualquer dos cônjuges pode reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou trans­ feridos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adqui­ ridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos (ver com. ao art. 1.642). Observe-se, todavia, que a ação, de prazo prescricional, para a inva­ lidade da transferência dos bens, pode ser promovida durante a vida em comum do casal e não somente, a rigor, a partir de quando dissolvida a sociedade conjugal. • Merece relevo a questão da legitimidade ad causam dos herdeiros necessários para a propositura da ação anulatória. Sustenta Silvio Rodrigues tratar-se de legitimação sucessiva, exer­ cida somente após a morte do cônjuge inocente, dispondo esse, até então, de um direito privativo. Carlos Roberto Gonçalves com unga de igual posição, acentuando: "A prioridade para o seu ajuizamento é do cônjuge enganado. Enquanto estiver vivo, é o único legitimado, pois o adultério é ofensa cometida contra ele". Entretanto, a tese que reconhece ao direito do herdeiro lesado a nota de atualidade e não de mera expectativa (ver artigo anterior) con­ forta entendimento contrário e torna oportuna reflexão a respeito. • Sobreleva anotar outro aspecto significativo: a liberalidade atacada circunscreve-se ao perí­ odo em que o doador se ache em companhia do cônjuge e não dele separado de fato, con­ forme tem orientado a jurisprudência. O concubinato, na acepção do CC de 2002, diz respei­ to às relações não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de casar (art. 1.727), ou, mais precisamente, às relações adulterinas, importando essa caracterização a convivência conjugal. Aplica o CC de 2002 o conceito moderno de adulterinidade, segundo o qual a se­ paração de fato do casal afasta a hipótese do adultério. Embora o STF não tenha admitido tal conceito por entender vigorante a sociedade conjugal (RE 112.399-1 /RS, j. em 6-10-1987, RT, 624/251), o STJ vem sustentando posição contemporânea e dominante, diferenciando a companheira da concubina [RT, 623/170).

Arts. 551 e 552

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JULGADO • "(...) nula é a doação feita à concubina, pelo homem casado. A cúmplice no adultério não tem parte nenhuma do acervo conseguido pelo homem casado, com outra mulher" [RT, 466/95).

Art. 551. Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual. Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.178 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional no parágrafo único.

DOUTRINA • Cuida-se da doação conjuntiva, feita em comum e em simultâneo a mais de um donatário, com a presunção de que seja distribuída em partes iguais entre eles, salvo cláusula dispondo diferentemente a proporção dos valores. No caso dos donatários casados entre si, há uma perfeita mutualidade legal para o direito de acrescer: o cônjuge sobrevivo assume, por direi­ to exclusivo, em substituição, a proporção igualitária do outro que faleceu, subsistindo a totalidade da doação em seu favor, não passando o bem aos herdeiros necessários. • Com o obrigação divisível, poderá o doador dispor que a parte do que falecer acresça a dos donatários sobreviventes, tal como ocorre na reversão em beneficio dos usufrutuários sobre­ vivos, havendo disposição expressa.

Art. 552. O doador não é obrigado a pagar juros moratórios, nem é sujeito às conse­ qüências da evicção ou do vício redibitório. Nas doações para casamento com certa e deter­ minada pessoa, o doador ficará sujeito à evicção, salvo convenção em contrário. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao a rt 1.179 do CC de 1916.

DOUTRINA • A não responsabilidade do doador por juros moratórios e, ainda, pelas conseqüências da evicção (arts. 447 a 457) ou dos vícios redibitórios (arts. 441 a 446) da coisa doada é a regra geral. Isso decorre de ser a doação um contrato não oneroso, ditado pela liberalidade daque­ le que doa. A garantia da evicção é ressalvada, contudo, na doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa (donatio propter nuptios), de que trata o art. 546, instituída na dependência daquele acontecimento (doação condicional), fi­ cando, desse modo, sujeito o doador à evicção, exceto por cláusula que o exclua.

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Arts. 553 a 555

Art. 5 5 3 .0 donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a bene­ fício do doador, de terceiro, ou do interesse geral. Parágrafo único. Se desta última espécie for o encargo, o Ministério Público poderá exigir sua execução, depois da morte do doador, se este não tiver feito. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.180 do CCde 1916, sem qualquer alteração.

DOUTRINA • A doaçào gravada com encargo ou modal (art. 540) obriga ao donatário, podendo o doador revogá-la por inexecução do encargo (art. 555, 2* parte), salvo quando o encargo beneficiar o próprio donatário. Este fica sujeito ao adimplemento da obrigação, no prazo estipulado, desde que incorrer em mora (art. 562). Quando a incumbência cometida pelo doador for do interesse geral, e tendo aquele falecido, sem exigir a execução do encargo, o Ministério Pú­ blico tem legitimação superveniente, assegurada por lei (art. 6*. última parte, do CPC), para exigir o cumprimento da obrigação do donatário. O M P não é titular da relação jurídica de direito material ou dos interesses em conflito, tendo atuação somente por morte do doador, aparelhando no próprio contrato a pretensão da execução direta. • A constituição em mora do donatário se faz pelo vencimento do prazo. Não o havendo, para o cumprimento, obriga-se o doador a notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe, então, prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida [RT, 204/252).

Art. 554. A doação a entidade futura caducará se, em dois anos, esta não estiver cons­ tituída regularmente. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A eficácia da doaçào feita a entidade futura (portanto inexistente) é submissa a uma condi­ ção suspensiva: a constituição regular da entidade, no prazo assinado em lei. A doaçào, nessa espécie, ficará sem validade, se a entidade não se constituir. A aceitação há de se pre­ sum ir concomitante, portanto, com a existência da entidade donatária.

Seção II — Da revogação da doação Art. 555. A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.181 do CCde 1916, que o repete com redação diferente, suprimindo o parágrafo único. A regra de a doação onerosa poder ser revogada

Art. 556

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por inexecução do encargo, desde que o donatário incorrer em mora, ali constante, se acha refe­ rida no art. 563 do CC de 2002. • 0 Prof. Agostinho Neves de Arruda Alvim, responsável na Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil vigente pelos estudos relativos ao Direito das Obrigações, em sua Exposição de M o ­ tivos Complementar, registra haver formulado critica contra a estreiteza do Código Civil, por tratar, de modo incoerente, a revogação da doação. A sua proposta, perante a Comissão, tomada do modelo do Código Civil alemão (§ 530), articulou dispositivo nos seguintes termos: “A doação pode ser revogada quando o donatário, mostrando-se ingrato para com o doador, comete falta grave contra ele ou pessoa de seu estreito círculo familiar". A douta Comissão, embora haja aceito a critica, e alargado bastante a fórmula, não adotou a extensão preconizada pelo saudoso jurista. Entendeu ele, na aludida Exposição, haver a Comissão perseverado no sistema casuístico.

DOUTRINA • 0 doador pode, exercendo direito personalíssimo, pleitear a revogação da doação pura e simples, em virtude da ingratidão do donatário, por este revelada na insensibilidade e desres­ peito ao valor ético-jurídico da liberalidade feita em seu benefício. A ingratidão afronta o doador pelo inadimplemento de um dever moral - o do reconhecimento ou recogniçào do donatário pelos favores recebidos. A ingratidão é causa extintiva, superveniente, da doação, equivalente à revogação das liberalidades do testador ou da deserdação do herdeiro legítimo. • 0 dispositivo não oferece conceito jurídico de ingratidão, podendo ser considerado com o uma norma aberta, onde o controle da aferição dos atos típicos de falta grave contra o doador se faz exercido pelo sistema de causas genéricas. Nesse sentido, merece ser observada a redação dada ao art. 557. • A revogação por inexecução do encargo tem por fundam ento o inadimplemento de obrigação do donatário. M ais precisamente, é a resolução do contrato desde que o donatário incorra em mora. • Quanto ao prazo para a revogação da doação por inexecução do encargo, a matéria é con­ troversa. Explica José Fernando Sim ào que o debate passa pela natureza jurídica do contrato de doação em questão. 0 autor demonstra a divergência em questão compilando as lições de autores pátrios. Nelson Nery Junior esclarece que a doação com encargo continua sendo um contrato unilateral, mas o encargo lhe empresta feição onerosa. No mesmo sentido, Netto Lôbo entende que o encargo reduz o valor da doação, mas não se converte em contraprestação. Serpa Lopes explica, com base no art. 1.167 do Código de 1916 (atual art. 540) que na parte atingida pela onerosidade a doação é submetida aos princípios que regem os atos onerosos e o donatário fica obrigado a cumprir o encargo assumido. Não é esta a opinião de Silvio Rodrigues que vê a doação com encargo com o um negócio misto, que em parte é libe­ ralidade e em parte é negócio oneroso, pois a transferência de bens do patrimônio do doador tem com o causa a prestação correspectiva deste último, representada pelo encargo. Seguin­ do o entendimento pelo qual a revogação por inexecução tem por fundam ento o inadimple­ mento da obrigação do donatário, entende José Fernando Sim ào que estamos diante de re­ solução da doação, ficando esta sujeita ao prazo de 10 anos e não ao prazo de 1 ano previs­ to no art. 559 do Código Civil (Questões controvertidas, v. 4, Método, coord. Jones Figueirêdo Alves e M ário Luiz Delgado, 2005, p. 372-3).

Art. 556. Não se pode renunciar antecipadamente o direito de revogar a liberalidade por ingratidão do donatário. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete integralmente o art. 1.182 do CC de 1916.

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Art. 557

DOUTRINA • 0 direito de revogação é de ordem pública. Assim, a faculdade do exercício de direito de o doador revogar a doaçào por ingratidão é irrenunciável por antecipação. A renúncia prévia corresponderia conceder ao donatário carta de indenidade para ele vulnerar o dever ético-jurídico de corresponder, dignamente, à liberalidade do doador e, desse modo, não ser-lhe grato. A renúncia posterior coabita tacitamente, diante dos atos da ingratidão, se o doador não exercitar o direito no prazo prescricional, ou, de modo expresso, quando comunica ao donatário o perdão concedido. Nula será a cláusula dispondo, de antemão, a renúncia desse direito.

Art. 557. Podem ser revogadas por ingratidão as doações: I — se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele; II — se cometeu contra ele ofensa física; III — se o injuriou gravemente ou o caluniou; IV — se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessi­ tava. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.183 do CC de 1916, trazendo, toda­ via, significativa mudança substancial: o elenco das causas que autorizam a revogação deixa de ser taxativo.

DOUTRINA • O art. 1.183 do CC de 1916 utilizou a cláusula “só se podem revogar por ingratidão", com enumeração limitativa (numerus clausus) das hipóteses reveladoras dos atos de ingratidão. O novo texto, ao elencar as mesmas hipóteses, o faz, porém, alterando a cláusula anterior pela de “podem ser revogadas por ingratidão", o que torna o rol de causas meramente exemplificativo. A mudança tem origem nas críticas formuladas pelo Prof. Agostinho Alvim, d u ­ rante a discussão do projeto, ao defender a falta grave com o causa genérica, preconizada pelo Código alemão (§ 530). • O tratamento de não taxatividade das causas, à semelhança do sistema das cláusulas gené­ ricas para a separação judicial (art. 1.572), repete o caráter exemplifieativo constante do art. 1.573 no tocante aos motivos que podem caracterizar a impossibilidade da com unhão de vida, e permite, de conseguinte, um melhor controle judicial na aferição das hipóteses que ensejem a revogação por ingratidão do donatário. Passam as causas revocatórias ao plano da avaliação fática do caso concreto. Veja-se, diante do rol taxativo, com o a jurisprudência observou o problema: "Doação. Concubina. Anulação pretendida pelo companheiro. O abandono não a justifica, por não incluído entre os casos de ingratidão do art. 1.183 do Código Civil" (RJTJSP 46/47). • O inciso I introduz, ao lado do homicídio tentado, o homicídio consumado, corrigindo séria omissão do CC de 1916, percebida por Caio M ário da Silva Pereira. Diz ele: "definindo como ingratidão o atentado contra a vida do doador, e conceituando com o personalíssimo o direi­ to de revogar, consagra uma contradição material, por atribuir maior efeito ao atentado frustro do que ao homicídio realizado, uma vez que, tentado e não conseguido o resultado letal, tem o doador a faculdade de revogar a doaçào; mas, tentada e obtida a sua eliminação, não a tem os herdeiros". Desse modo, e exclusivamente nessa hipótese, a ação revocatória caberá aos herdeiros (art. 561), enquanto as fundadas nos demais casos cumprirá somente ao

Art. 558

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próprio doador. A ofensa do inciso II corresponde è lesão corporal dolosa, independente do seu grau de gravidade, representando motivo para a revogação. • 0 inciso III não arrola a difamação, delito típico, apenas tratado em sua autonomia com o Código Penal de 1940, razão pela qual o CC de 1916 não o contemplou. Entretanto, o CC de 2002 não poderia, por boa técnica e em harmonia com a doutrina penal, omiti-lo, o que exige a devida correção. • 0 inciso IV, por sua vez, refere-se è ausência de assistência material ao doador, privado por causa superveniente, de condições para sobreviver, quando o donatário, embora apto a prestá-la, deixa de ministrar-lhe os alimentos necessários. • A adequação do inciso III, como observada, reclama nova redação, atendendo, destarte, o tratamento de gravidade dado ao crime típico de difamação.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 33, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "0 novo Código Civil estabeleceu um novo sistema para a revogação da doação por ingratidão, pois o rol legal previsto no art. 557 deixou de ser taxativo, admitindo, excepcionalmente, outras hipóteses".

DIREITO PROJETADO • Pelas razões expostas, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão, que foi acolhi­ da pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002, agora reproduzido pelo PL n. 699/2011: III - s e o difamou ou o injuriou gravemente ou se o caluniou.

Art. 558. Pode ocorrer também a revogação quando o ofendido, nos casos do artigo anterior, for o cônjuge, ascendente, descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Não mais apenas o doador será havido com o o ofendido pela ingratidão, estendendo-se os efeitos desta, para a revogação, quando ofendidos o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão do doador, o que compreende círculo familiar clássico, além da família chamada nu­ clear. A extensão tem a sua logicidade: as ofensas alcançam o doador, pelo dano moral sofri­ do, e constituem, por igual, falta grave ao dever de apreço do donatário. • 0 dispositivo, ao referir ao descendente, "ainda que adotivo", comete impropriedade técnica e incide em afronta constitucional, diante da absoluta igualdade da filiação, onde os filhos havidos ou não da relação do casamento terão os mesmos direitos e qualificações. Impõe-se a supressão da ressalva, em harmonia com o que dispõem o § 6* do art. 227 da CF e o art. 1.596 do CC de 2002. Por outro lado, a remissão feita ao artigo anterior apresenta-se incabível, suscitando controvérsia quanto à incidência da aplicação extensiva, isto por ser aque­ le dispositivo meramente exemplificativo, o que recomenda também a sua supressão. • Omitiu-se, o legislador, de cuidar de extensão análoga, com semelhante identidade de razões, no que diz respeito aos atos praticados pelo filho ou cônjuge do donatário, mesmo que be­ neficiários diretos ou indiretos da liberalidade e, com o tais, sujeitos aos mesmos deveres

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Art. 559

éticos, por uma conduta humana suscetível de representar a elevação do espírito em com u­ nhão de vida familiar. 0 dever de gratidão, nesses casos, deveria, a nosso sentir, alcançar o cônjuge ou descendentes do donatário, desde que os efeitos da liberalidade irradiem vanta­ gens a(os) terceiro(s) e autor(es) da ofensa. Exemplifica-se com o imóvel doado intuitu familiae, que serve de residência ao donatário e sua família. Há quem sustente, porém, incabível a hipótese, mesmo assim, porque a pena não pode passar além da pessoa do culpado, e o donatário favorecido não teria, em princípio, culpa pela ofensa. Nessa linha, não se admitiu a revogação contra a viúva do donatário, por ingratidão dela [RT, 497/51). De qualquer modo, a extensão cogitada, peculiar e atípica, deve ser compreendida em consonância com os mais elevados interesses sociais, ordenando valores éticos inderrogáveis. • Pablo Stolze anota crítica à falta de menção do companheiro, dentre os ofendidos pelo do­ natário, ponderando, todavia, que “a despeito da omissão do art. 558, que não referiu á hi­ pótese de a agressão ser dirigida à companheira do doador, tal situação é indiscutivelmente possível e também autorizaria, numa interpretação constitucional, o desfazimento do bene­ fício. Isto porque o fato de família constituída pelo doador não estar sob o pálio ('religiosa­ mente legitimador') do casamento, mas sim no âmbito da união estável, não poderá impedir seja o donatário igualmente apenado pelo seu comportamento lesivo ou desabonador" (O Contrato de doaçào. Análise crítica do atual sistem a jurídico e o s seus efeitos no direito de família e das sucessões, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 184). • 0 dispositivo merece, pois, ser revisto, no intuito de melhor preservar os interesses sociais.

DIREITO PROJETADO • Pelos fundamentos acima expostos, apresentamos ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão para alte­ ração deste artigo, que foi acolhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002, agora reproduzido pelo PL n. 699/2011, inclusive com a introdução de parágrafo único, com redação seguinte: Art. 558. Pode ocorrer também a revogação quando o ofendido for o cônjuge, companhei­ ro, ascendente, descendente ou irmão do doador. Parágrafo único. Os atos praticados pelo cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão do donatário, quando beneficiários diretos ou indiretos da liberalidade, ofensivos ao doador, são suscetíveis, conforme as circunstâncias, de ensejar a revogação.

Art. 559. A revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada dentro de um ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário o seu autor. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo deve a sua redação à emenda do Deputado Henrique Alves, apresentada no período inicial de tramitação do projeto e decorreu de oportuna sugestão feita pelo Prof. Mário Moacyr Porto. Defendeu ele a seguinte posição: se o donatário atentar contra a vida do doador, e a autoria do crime permanecer desconhecida, não é correto que, vindo a conhecer esta autoria depois de um ano, não possa ser pleiteada a revogação da doação, por ingratidão. Para que o crime não aproveite ao criminoso. 0 exemplo se aplica às demais hipóteses previstas no projeto para revogação da doação. Restaura-se, assim, a orientação do Código vigente. Trata-se de mera repetição do art. 1.184 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • 0 termo inicial do prazo decadencial para a revogação judicial da doação é apurado do co­ nhecimento do doador quanto ao fato da ingratidão que a autorizar. Com a regra, assegura-

Arts. 560 e 561

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-se ao doador a efetividade da revoeatória, prejudicada que estaria com o conhecimento tardio, se o prazo tivesse em conta a data do evento.

DIREITO PROJETADO • Em decorrência de proposta anterior (art. 558), encaminhamos ao Deputado Ricardo Fiuza suges­ tão no sentido de incluir como autores o cônjuge ou descendente do donatário, recepcionada pelo PL n. 6.960/2002, nos seguintes termos: "Art. 559. A revogação por qualquer desses motivos de­ verá ser pleiteada em um ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário, seu cônjuge ou descendente, o autor da ofensa". • 0 PL n. 699/2011 incluiu o companheiro, ao lado do cônjuge e do descendente do donatário: Art. 559. A revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada em um ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário, seu cônjuge, companheiro ou descendente, o autor da ofensa.

Art. 560.0 direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do doador, nem prejudica os do donatário. Mas aqueles podem prosseguir na ação iniciada pelo doador, continuando-a contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de ajuizada a lide. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Trata-se de repetição do art. 1.185 do CC de 1916, com melhoria redacional e técnica.

DOUTRINA • 0 direito de o doador revogar a doação é personalíssimo e, com o tal, não se transmite aos herdeiros. Entretanto, havendo o doador promovido a demanda, cabe aos seus herdeiros continuá-la, inclusive contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois da propositura da ação contra si intentada. O CC reconhece em prol do doador-autor os efeitos internos da distribuição do feito ao empregar a expressão “depois de ajuizada a lide", enquanto o CC de 1916 apenas admite a possibilidade, quando faleça o donatário, "depois de contestada a lide". De fato, irrelevante tenha respondido ou não o donatário ou, ainda, tenha sido ou não for­ mada a relação processual, preponderando como decisivo o ajuizamento da ação. • Uma exceção é a do art. 561, conferindo legitimidade aos herdeiros para a demanda revocatória, no caso de homicídio doloso do doador praticado pelo donatário, já consagrada em jurisprudência (RT, 524/65).

JULGADO • "A disposição do art. 1.185 do CC, estabelecendo que personalíssimo o direito de pedir a revogação da doação, só se aplica quando isso se pleitear em virtude de ingratidão do donatário e não quan­ do o pedido se fundar em descumprimento de encargo" (STJ, 3* T., REsp 95.309/SP, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, DJ, 15-6-1998).

Art. 561. No caso de homicídio doloso do doador, a ação caberá aos seus herdeiros, exceto se aquele houver perdoado.

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Arts. 562 e 563

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A regra decorre do inciso I do art. 557 (ver comentários). A impossibilidade material de o doador exercitar a ação faz transferir aos seus herdeiros a iniciativa, certo que agora autori­ zada, com bastante lucidez. 0 homicídio frustro (tentativa) serve de causa revocatória, mas o exitoso não era previsto para a revogação, sob o pálio do direito personalíssimo do doador assassinado. 0 perdão do doador, todavia, elide a admissibilidade da demanda.

Art. 562. A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatá­ rio incorrer em mora. Não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assu­ mida. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao parágrafo único do art. 1.181 do CCde 1916.

DOUTRINA • A regra decorre da parte final do art. 555. Incorrendo em mora o donatário, sujeita-se ao desfazimento integral da doaçào, pronunciado judicialmente, não cabendo a revogação fora de juízo, por ato unilateral do doador. • A mora do donatário onerado opera-se pelo simples vencimento do prazo para o cum prim en­ to, facultando ao doador a ação de resolução do contrato. Não existindo prazo clausulado, o donatário incidirá em mora, quando assinando-lhe o doador prazo razoável para o adimplemento do encargo, este escoar sem que a obrigação seja cumprida.

Art. 563. A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida; mas sujeita-o a pagar os posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas doadas, a in­ denizá-la pelo meio termo do seu valor. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.186 do CC de 1916, com melhoria substancial.

DOUTRINA • Os direitos adquiridos por terceiros não são prejudicados, porquanto os efeitos da revogação não retroagem (ex nunc). • 0 donatário é obrigado a pagar os frutos percebidos, uma vez litigiosa a coisa pela citação válida (art. 219 do CPC), dispensado de restituir os anteriores àquele ato processual. 0 CC de 2002 inova bem a matéria, obrigando o donatário a partir de quando formada a relação ju­

Arts. 564 e 565

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rídico-processual e não mais quando instalada a lide pela contestação deste, com o refere, com desacerto, o CC de 1916. • Dar-se-á a indenização em caso de impossível restituição em espécie, com o sucede por não prejudicar direitos de terceiros, apurando-se o quantum indenizatório pela média do valor que a coisa doada experimentou ao longo do período compreendido entre a liberalidade prestada e a revogação da doação.

DIREITO PROJETADO • O Projeto de Lei n. 699/2011 apresenta nova redação ao presente dispositivo: Art. 563. A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida; m as sujeita-o a pagar os posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas doadas, a indenizá-las pelo meio-termo do seu valor. • Nos termos da justificativa, "aqui trata-se de mera correção gramatical. 0 vocábulo 'indenizá-la' refere-se 'às coisas doadas', portanto, por imperativo da concordância nominal, deveria estar grafado no plural 'indenizá-las', com o fonema 's' como desinência do pronome 'Ia'. 0 mesmo ocorre com a expressão 'do seu valor', que deveria ser 'dos seus valores', anotando-se que o pro­ nome possessivo 'seu/seus' prescinde do artigo definido 'o'".

Art. 564. Não se revogam por ingratidão: I — as doações puramente remuneratórias; II — as oneradas com encargo já cumprido; III — as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural; IV — as feitas para determinado casamento. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.187 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem técnica e doutrinária.

DOUTRINA • São insuscetíveis de revogação por ingratidão as doações puramente remuneratórias, isto é, aquelas que remuneram um serviço prestado pelo donatário, no que não exceder ao valor de tal serviço (inciso I). • Refere o inciso II às doações com encargo já cumprido, ou seja, com a condição satisfeita, diferentemente ao mesmo inciso incluído em artigo,do Código anterior que as aponta na espécie, tenha ou não sido cumprida a incumbência. É evidente a importância do acréscimo. Cum prindo o encargo, a exemplo daquele imposto a benefício de terceiro ou do interesse social, não há de se revogar a doação. • A doação decorrente da liberalidade feita para atendimento de obrigação não exigível (v. g., dívida de jogo ou dívida prescrita) também não pode ser revogada por ingratidão (inciso III). • No caso da doação feita em contemplação de casamento (casamento futuro), ela se torna irrevogável, com a celebração deste, tendo alcançado o fim a que se propôs (inciso IV).

C ap ítu lo V — DA LOCAÇÃO DE COISAS Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.

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Art. 566

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.188 do CCde 1916, sem qualquer alteração.

DOUTRINA • 0 contrato de locação no Código Civil de 2002, em suas modalidades básicas, é agora trata­ do, na espécie, em capítulos próprios. Versa o presente sobre o da locação de coisas - locatio rerum - (arts. 565 a 578). No tocante ao de serviços - locatio operarum - (arts. 1.216 a 1.235 do CC de 1916), passou este a constituir novo contrato nominado, o de prestação de serviços (arts. 593 a 609); o de execução de trabalho determinado, locação de obra ou em­ preitada, tem sua disciplina nos arts. 610 a 626. • A locação predial urbana é regida pela Lei n. 8.245/91 (Lei do Inquilinato). A de prédios rús­ ticos é regulada pelo Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64, arts. 92 e s.). 0 Decreto-Lei n. 9.760/46 disciplina a locação dos próprios nacionais. • Pelo contrato de locação de coisas, uma parte transfere a posse do bem à outra, por prazo certo ou indeterminado, mediante retribuição ajustada. Trata-se de contrato oneroso, de relação continuativa, não exigindo forma solene. • Coisa não fungível ou infungível é aquela que não pode ser substituída por outra, ainda que da mesma espécie, qualidade e quantidade, a exemplo de uma obra artística. A retribuição ou remuneração, certa e determinada, pelo uso e gozo da coisa cedida é chamada de aluguel ou aluguer. A s partes que integram o contrato são denominadas locador ou loeator (o que cede a coisa) e locatário ou conductor(o que a usa e usufrui).

Art. 566.0 locador é obrigado: I — a entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças, em estado de servir ao uso a que se destina, e a mantê-la nesse estado, pelo tempo do contrato, salvo cláusula expressa em contrário; II — a garantir-lhe, durante o tempo do contrato, o uso pacífico da coisa. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.189 do CCde 1916, sem qualquer alteração.

DOUTRINA • Diante da bilateralidade contratual, impondo deveres jurídicos recíprocos às partes da relação jurídica (composto contratante), a norma institui e especifica os deveres de prestação do locador, isto é, aqueles básicos defrontados com a coisa locada e os inerentes do vínculo locatício diante do locatário. Em relação ao bem objeto da locação, obriga-se o locador a en­ tregá-lo hábil a servir à utilidade designada [RT, 771/331) e a conservá-lo estável nesse fim, enquanto o contrato vigorar. Perante o locatário, assume a garantia de prover e tornar efe­ tivo o uso tranqüilo da coisa locada (posse mansa e pacífica), privando-se de qualquer con­ duta que venha arriscar o uso assegurado do bem alugado, respondendo, inclusive, pelos vícios ou defeitos do objeto, preexistentes à locação (art. 568, 2* parte). • A segurança do uso pacífico da coisa envolve cinco categorias, segundo J. M. de Carvalho Santos, arrimado em M anzini e conforme registro feito por Villaça Azevedo e Lauria Tucci em clássica obra jurídica sobre o tema: “a) abstenção de todo fato que possa privar o locatário da totalidade ou de uma parte mais ou menos considerável do gozo da coisa locada; b) não mudar a forma da coisa locada; c) garantir o locatário por todos os defeitos e vício da coisa locada que impeçam o seu uso; d) responder pelos impedimentos advindos ao uso e gozo por

Arts. 567 e 568

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ato da administração, ou por ato de terceiro; e) defender o locatário das turbações causadas por terceiro à coisa locada". • Cláusula contratual pode afastar a incidência da obrigação versada no primeiro inciso, en­ quanto o segundo inciso aponta obrigação legal não suscetível de ser excepcionada, isto porque pertine à segurança da efetividade do próprio contrato.

Art. 567. Se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Repete o art. 1.190 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • A redução proporcional do aluguel é assegurada por lei se a coisa locada sofrer deterioração, sem culpa do locatário, cabendo-lhe, por este modo, o direito de minimizar o preço da loca­ ção com o forma compensatória das restrições do uso, ou, alternativamente, rescindir o contrato pelo desproveito absoluto à finalidade daquele uso. Essa opção do locador é per­ missivo legal, não podendo o locador objetar tal direito.

JULGADO • "Não tem incidência a norma prevista no art. 1.190 do Código Civil, que autoriza ao locatário requerer a redução proporcional do aluguel ou a rescisão do contrato, na hipótese em que a re­ paração do imóvel deteriorado, objeto da locação, baseou-se em responsabilidade contratual. - Não agride o art. 1.206 do Código Civil a previsão contratual que impõe ao inquilino a conservação do prédio locado, porquanto as obras a que aludem referida cláusula referem-se à deterioração na­ tural do imóvel, não sendo decorrentes de fato alheio a sua conduta, como no caso do incêndio ocorrido no prédio. - Recurso especial não conhecido" (STJ, 6a T., REsp 85.929/SP, Rei. Min. Vicen­ te Leal, DJ, 20-8-2001).

Art. 568.0 locador resguardará o locatário dos embaraços e turbações de terceiros, que tenham ou pretendam ter direitos sobre a coisa alugada, e responderá pelos seus vícios, ou defeitos, anteriores à locação. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.191 do CC de 1916.

DOUTRINA • A posse direta do locatário sobre o bem locado não pode ser molestada, inclusive pelo loca­ dor, cumprindo este resguardá-la, notadamente de terceiros que tenham, aleguem dispor ou pretendam haver direitos sobre o objeto da locação. A coisa alugada haverá de permanecer incólume e desembaraçada, durante o tempo do contrato, com o deflui da obrigação come­ tida ao locador pelo inciso II do art. 566 e por tal com ando submete-se ele ao dever de proteger a coisa contra terceiros que pratiquem atos de embaraços ou turbativos de direito.

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Arts. 569 e 570

0 locador sujeita-se, ainda, a responder pelos vícios redibitórios ou pela evicçào da coisa locada. • Na qualidade de possuidor direto, o locatário poderá manejar as ações possessórias para resguardar o estado de fato e o seu direito de uso contra turbações de fato, isto é, aquelas praticadas por terceiro sem qualquer pretensão de direito e sobre as quais o locador não se obriga pôr a salvo.

Art. 569.0 locatário é obrigado: I — a servir-se da coisa alugada para os usos convencionados ou presumidos, confor­ me a natureza dela e as circunstâncias, bem como tratá-la com o mesmo cuidado como se sua fosse; II — a pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste, se­ gundo o costume do lugar, III — a levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros, que se pretendam fundadas em direito; IV — a restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a recebeu, salvas as dete­ riorações naturais ao uso regular. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.192 do CC de 1916.

DOUTRINA • A s obrigações estatuídas por lei ao locatário impõem: a) a fiel observância ao uso conven­ cionado ou presumido da coisa locada, restrito aos fins colimados no contrato; b) a guarda da coisa com responsabilidade e diligência idênticas às que teria o seu proprietário, ou seja, como se lhe pertencesse; c) o dever de pontualidade, no implemento da obrigação em prazo acordado ou, este não ajustado, conforme o costume local; d) o dever de fazer ciente o lo­ cador sobre as turbações de direito por pretensão de terceiros, perante as quais obriga-se aquele resguardar o locatário; e) a restituição da posse da coisa ao locador por término da locação, apresentando o bem as suas condições anteriores, eximindo-se, porém, o locatário, das deteriorações decorrentes de sua utilização normal.

Art. 570. Se o locatário empregar a coisa em uso diverso do ajustado, ou do a que se destina, ou se ela se danificar por abuso do locatário, poderá o locador, além de rescindir o contrato, exigir perdas e danos. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. O texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao caput do art. 1.193 do CC de 1916.

DOUTRINA • O desvio de uso da coisa locada implica modificar a destinaçào compatível que lhe seria dada em razão da avença e configura infração legal e contratual a permitir a rescisão do contrato, autorizando, ainda, indenização por perdas e danos. O mesmo ocorrerá por abuso de gozo do

Art. 571

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locatário que provoque danos à coisa, a que se obriga restituir no estado em que foi recebi­ da. Trata-se de deterioração culposa, respondendo o locatário por infringência ao disposto no inciso IV do art. 569.

Art. 571. Havendo prazo estipulado à duração do contrato, antes do vencimento não poderá o locador reaver a coisa alugada, senão ressarcindo ao locatário as perdas e danos resultantes, nem o locatário devolvê-la ao locador, senão pagando, proporcionalmente, a multa prevista no contrato. Parágrafo único. O locatário gozará do direito de retenção, enquanto não for ressarcido. HISTÓRICO • Ressalte-se a redação original do caput do presente dispositivo quando de sua propositura à Câ­ mara: "Art. 571. Havendo prazo estipulado à duração do contrato, antes do vencimento não po­ derá o locador reaver a coisa alugada, senão ressarcindo ao locatário as perdas e danos resultan­ tes, nem o locatário devolvê-la ao locador, senão pagando o aluguer pelo tempo que faltar". Com as implementações empreendidas pelo eminente Senador Josaphat Marinho, o dispositivo ganhou a redação atual. • A finalidade buscada e efetivamente alcançada foi a de adequar o texto do projeto à Lei do Inquilinato que lhe foi posterior e contém fórmula mais justa. A emenda compatibilizou o disposi­ tivo codificado com o art. 4° da Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/91), sancionada posteriormente à elaboração do projeto, tendo sido fruto de sugestão do Prof. Miguel Reale. Tem razão o Relator no Senado quando afirma que "a nova fórmula, mais justa, exige, no caso de devolução antecipa­ da do imóvel, o pagamento proporcional da multa prevista no contrato, e não o excessivo rigor de pagamento do aluguel pelo tempo que faltar, do contrato desfeito, como no regime anterior". Corresponde ao art. 1.193, parágrafo único, do CC de 1916, com a modificação referida. • A Lei n. 12.112, de 9-12-2009, alterou a redação do art. 4« da Lei n. 8.245/91, a fim de adaptá-lo ao atual Código Civil, uma vez que a redação anterior ainda fazia referência ao art. 924 do Códi­ go Civil de 1916. Trata-se, pois, de mera adequação legislativa. A rigor, na prática, não há mudan­ ças, pois o locador não poderá reaver o imóvel alugado durante o prazo estipulado no contrato, mas o locatário poderá devolver o imóvel desde que pague a multa pactuada proporcionalmente ao período do contrato ou, na falta dessa disposição, o que for pactuado judicialmente (nota da Coordenação - texto de Manuella Santos).

DOUTRINA • 0 permissivo da rescisão antecipada do contrato pelo locador sujeita-o a ressarcir o locatário das perdas e danos resultantes do rompimento prematuro da avença loeatíeia. 0 preceito indenizatório indica a necessidade de, em regra, o locador observar o prazo contratual, em garantia da estabilidade negociai, reparando, doutro modo, o locatário, caso interesse volitivo superveniente o delibere em reaver a coisa prematuramente. • De seu turno, o locatário, para devolver a coisa locada, obriga-se ao pagamento de multa, de valor variável, cuja proporcionalidade resulta de uma equação diferencial que contemple o cumprimento incompleto da obrigação à vista do tempo residual ou faltante ao vencimento do prazo ajustado. Ou seja, a mutabilidade da cláusula penal, com a variação do valor da cominação, observa, com efeito, uma redução proporcional da pena estipulada, tendo em conta o período das obrigações satisfeitas. • 0 locatário não se obriga à devolução prematura da coisa locada, senão quando ressarcido das perdas e danos providos da quebra do contrato. • A redação do art. 4o da Lei n. 8.245/91 foi alterada pela Lei n. 12.112, de 9-12-2009, confir­ mando a opção do legislador por uma decisão mais justa em caso de devolução do imóvel

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Arts. 572 e 573

pelo locatário, que, nessa hipótese, deverá pagar a multa pactuada proporcionalmente ao período do contrato ou. na falta dessa disposição, o que for pactuado judicialmente (nota da Coordenação - texto de Manuella Santos).

Art. 572. Se a obrigação de pagar o aluguel pelo tempo que faltar constituir indenização excessiva, será facultado ao juiz fixá-la em bases razoáveis. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Não há artigo correspondente no CC de 1916.

DOUTRINA • O dispositivo resultou mantido, não obstante a alteração feita ao artigo anterior, por emen­ da que ofereceu fórmula mais justa, afastando o desmedido rigor do pagamento do aluguel pelo tempo restante do contrato dissipado. 0 referido art. 571 teve a sua redação final em harmonia com o art. 4» da Lei n. 8.245, de 18-10-1991, onde a conseqüência da devolução prévia do bem locado impõe apenas ao locatário o dever de pagar a multa pactuada, de forma proporcional. Logo, não há mais cogitar de pagamento do aluguel pelo tempo que faltar, devendo a norma ater-se unicamente ao problema do valor da cominação imposta, tendo em conta a m ens legislatoris, o que, em verdade, repete a inteligência do art. 413.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 179, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “A regra do art. 572 do novo CC é aquela que atualmente complementa a norma do art. 4°, 2* parte, da Lei 8.245/91 (Lei de Loca­ ções), balizando o controle da multa mediante a denúncia antecipada do contrato de locação pelo locatário durante o prazo ajustado".

DIREITO PROJETADO • Pelas razões acima expostas, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão, que não foi acolhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002: Art. 572. Se o pagamento proporcional da multa constituir indenização excessiva, será facultado ao juiz fixá-la em bases razoáveis.

Art. 573. A locação por tempo determinado cessa de pleno direito findo o prazo estipu­ lado, independentemente de notificação ou aviso. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.194 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • A extinção da locação pelo seu termo final é fenômeno do tempo do contrato. Ele surgiu por vontade das partes e o decurso do prazo nele demarcado põe fim à relação jurídico-contratual. Encerrado o prazo, está finda a locação, obrigando-se o locatário a restituir a coisa (art. 569, IV), e a razão pela qual cessa a avença locatícia, de pleno direito, torna prescindível

Art. 574

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notificação ou aviso. A devolução não se resume, porém, a uma obrigação do locatário, cer­ to que ilícito retê-la, salvo sob os reclamos de benfeitorias (art. 578) ou do ressarcimento (parágrafo único do art. 571). O locatário tem, por igual, direito a devolver o bem locado, ao término do prazo, não prevalecendo exigência do locador em recebê-lo somente após a rea­ lização de qualquer reparo, o que caracterizaria condição potestativa. Eventual prejuízo de­ verá ser discutido em ação própria.

Art. 574. Se, findo o prazo, o locatário continuar na posse da coisa alugada, sem opo­ sição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação pelo mesmo aluguel, mas sem prazo determinado. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.195 do CC de 1916.

DOUTRINA • Presume-se prorrogada a locação, por tempo indeterminado, ante a falta de declaração con­ trária do locador, dentro dos trinta dias imediatos ao término do prazo contratual, permane­ cendo o locatário de posse da coisa por mais de um mês, sem dita oposição do locador. Diante da relação jurídica de trato sucessivo, continuada a cada mês, uma atitude expressiva de oposição, obstáculo de continuidade contratual, por parte do locador, é pressuposto ne­ cessário a afastar a presunção de prorrogação. Dar-se-á, em princípio, pela notificação para a entrega do bem e ao denunciar o término, no exercício de direito material que o locador obtém, mediante o comunicado de conhecimento, a efetiva extinção da locação. • M as é preciso seja o aviso premonitório, que guarda forma livre, expedido em tempo hábil no sentido de produzir os seus efeitos jurídicos a elidira presunção. O posicionamento jurisprudencial é exato, a conferir eficácia no plano do direito material decorrente da vontade con­ tida na notificação. O aviso basta em si mesmo; a sentença que vier declarar o direito de o locador reaver a coisa, apenas o pronuncia, pois locação já não mais existe. Outro obstáculo de oposição, inequívoco a evidenciar não prorrogada a relação exlocato, é o manejo imedia­ to da ação cabível para o locador reaver a coisa (cf. RT, 530/288: "a propositura da ação de despejo por término do prazo contratual é a mais expressiva oposição do locador à prorro­ gação tácita da locação..."). • Insta observar que o Código Civil não situa a prorrogação presumida no tempo. A presunção exige prova manifesta do desinteresse do locador, admitindo a manutenção continuativa da locação por permanecer o locatário na posse do bem. Entretanto, há de observar quando se tornará ilesa a locação por falta de oposição do autor, com o afirma a norma. Lembrem-se as locações residenciais, onde, findo o prazo estipulado, a presunção ocorre, “se o locatário permanecer por mais de trinta dias, sem oposição do locador" (art. 56, parágrafo único, da Lei n. 8.245/91). 0 decurso de tempo certo faz presumir ipso legis a prorrogação da locação. Tal ocorrerá, sem dúvida alguma, na locação que aqui se trata, embora o dispositivo em co­ mento omita o prazo. A inserção do lapso temporal é recomendável, para aclarar a norma. • Saliente-se, porém, uma vez prorrogada a locação por tempo indeterminado, permanecendo as condições antes pactuadas, esta vencerá mês a mês, cabendo, a qualquer tempo, a notifi­ cação, para cessar a indeterminação temporal e, de conseqüência, romper a locação amplia­ da. Cumpre assinalar, nesse aspecto, não cogitar a norma codificada prazo para a desocupa­ ção do bem objeto da locação posta sob tempo indeterminado. Ao afastar a concordância na manutenção, a parte locadora há de conceder, logicamente, prazo de aviso-prévio, mediando o período entre a denúncia e a efetiva restituição da coisa. 0 § 2» do art. 46 da Lei n. 8.245/91, com propriedade, refere à concessão do prazo de trinta dias, o que se compatibiliza com o

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Arts. 575 e 576

sistema. No mesmo sentido, tratou o art. 1.209 do CC de 1916, sem mais correspondente. De qualquer sorte, apesar da antedita disposição análoga, é indispensável menção ao prazo, contado da notificação, para a locação de coisa regida pelo Código atual.

DIREITO PROJETADO • Diante das lacunas apontadas, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza proposta para alteração do dispositivo, acolhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002, agora reproduzido pelo PLn. 699/2011, com a seguinte redação: Art. 574. Se, findo o prazo, o locatário continuar na posse da coisa alugada, por mais de trinta dias, sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação pelo mesmo aluguel, mas sem prazo determinado. Parágrafo único. Não convindo ao locador continuar a locação de tempo indeterminado, este notificará o locatário para entregar a coisa alugada, concedido o prazo de trinta dias.

Art. 575. Se, notificado o locatário, não restituir a coisa, pagará, enquanto a tiver em seu poder, o aluguel que o locador arbitrar, e responderá pelo dano que ela venha a sofrer, embora proveniente de caso fortuito. Parágrafo único. Se o aluguel arbitrado for manifestamente excessivo, poderá o juiz reduzi-lo, mas tendo sempre em conta o seu caráter de penalidade. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.196 do CC de 1916.

DOUTRINA • Em face da sistemática introduzida pela lei inquilinária, reguladora da locação predial urba­ na, restou revogado o art. 1.196 do Código Civil de 1916. Neste sentido: REsp 20.900/SP; 17.068/SP; 16.982/SP, 13.781/SP; 13.453/SP, entre outros. Assim sendo, a norma ali referida, ensejando ao locador arbitrar novo aluguel, não mais se compatibiliza com a sistemática legal daquelas locações. Contudo, trazendo o CC de 2002 idêntica norma, o arbitramento unilateral resulta cabível na espécie de locação regida por este, assum indo o aluguel no pe­ ríodo da retenção ilícita, pela resistência do locatário ao recobramento da coisa, caráter de penalização, a par da verba indenizatória pelos danos que a coisa venha a sofrer, inclusive os sucedidos de caso fortuito. • Acresce considerar que o arbitramento não pode se ressentir de sua razoabilidade, sob pena de constituir enriquecimento sem causa do locador. 0 controle da moderação é cometido ao juiz, autorizado pelo parágrafo único do presente dispositivo, verificando este se a imposição conforta-se em patamar justo e adequado às circunstâncias do caso. Impõe-se a redução do valor estipulado, quando, em contrário, importar excessiva onerosidade ao locatário reniten­ te em devolver a coisa, sem perda, todavia, de o aluguel representar sanção pela infringência contratual.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 180, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A regra do parágrafo único do art. 575 do novo CC, que autoriza a limitação pelo juiz do aluguel-pena arbitrado pelo locador, aplica-se também ao aluguel arbitrado pelo comodante, autorizado pelo art. 582, 2» parte, do novo CC".

Art. 576. Se a coisa for alienada durante a locação, o adquirente não ficará obrigado a respeitar o contrato, se nele não for consignada a cláusula da sua vigência no caso de alie­ nação, e não constar de registro.

Art. 577

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§ \ - 0 registro a que se refere este artigo será o de Títulos e Documentos do domicílio do locador, quando a coisa for móvel; e será o Registro de Imóveis da respectiva circunscrição, quando imóvel. § T- Em se tratando de imóvel, e ainda no caso em que o locador não esteja obrigado a respeitar o contrato, não poderá ele despedir o locatário, senão observado o prazo de no­ venta dias após a notificação. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. O texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.197 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 proprietário, apesar de não ter a posse direta, não perde a disponibilidade dominial da coisa locada, podendo aliená-la, no curso do contrato, conforme o seu interesse. Entretanto, para que a locação não prossiga até o seu término, a ela não se rendendo o terceiro adquirente, forçoso é a falta de cláusula de vigência no caso de alienação ou, em sua presença, não esteja o contrato registrado. O registro, no cartório competente (conforme a natureza da coisa, móvel ou imóvel), obriga o adquirente a respeitar o contrato de prazo determinado. Não havendo a cláusula vigorativa de permanência ou em se achando o contrato por prazo indeterminado, situa o § 2» do artigo em comento, a respeito da alienação de coisa imóvel, casos em que o adquirente obriga-se à notificação de retomada, concedido o prazo legal de trinta dias a contar do aviso. • Outro silêncio da lei aqui se faz detectado. M ais uma vez, o Código não aborda situações típicas da relação locacional, merecedoras de fomento ou proteção legal, com o é o caso do direito de preferência do locatário à aquisição do bem, embora trate do direito de retenção de benfeitorias (art. 578), quando a ele o CC de 1916 não se refere. A Lei n. 8.245, no seu art. 27, dispõe assim: "N o caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário terá preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do ne­ gócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca". Logo adiante, estabelece a caducidade de tal direito, se não manifestada pelo locatário, de modo incontroverso, sua aceitação integral à proposta, no prazo de trinta dias. Diante disso, é ponderável pensar que a preferência se opera, com o direito do locatário inerente à natureza da relação locacional, no mesmo feitio do art. 515, e somente quando não a exercida, estará o locador permitido à alienação livre. Dúvida não resta da necessária ciência das condições do negócio ao locatário com o dever do locador para aquele preferir o bem em igualdade de condições com terceiros.

DIREITO PROJETADO • Pelas razões antes expostas, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão, que foi acolhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002, agora reproduzido pelo PL n. 699/2011: Art. 576. Se o coisa for alienada durante a locação, não a preferindo o locatário, no prazo de trinta dias, o adquirente não ficará obrigado a respeitar o contrato, se nele não for consig­ nada a cláusula da sua vigência no caso de alienação, e não constar de registro.

Art. 577. Morrendo o locador ou o locatário, transfere-se aos seus herdeiros a locação por tempo determinado.

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Art. 578

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.198 do CC de 1916.

DOUTRINA • A alteração das partes contratantes, por sub-rogação objetiva, decorre desta previsão legal. A s partes são substituídas por seus sucessores enquanto em vigor o contrato de locação (REsp 167.978). A regra versa sobre efeito obrigacional, e, por não ser a obrigação personalíssima, cabível é a transferência da relação jurídica, com todas as suas implicações, direitos e deveres, aos herdeiros do locador ou do locatário, falecendo estes. 0 evento morte de um dos contra­ tantes acarreta a sucessão contratual da parte em um dos polos da relação ex loeato, m antendo-se-lhe a incolumidade da locação. Para esse efeito, obrigam-se ambas as partes a saber do contrato de prazo determinado. Entenda-se a referida sucessão operada automaticam en­ te ex lege, assim se aperfeiçoando sem dependência de qualquer procedimento ou form ali­ dade. A matéria está, por igual, regulada pelos arts. 11 e 12 da Lei n. 8.245/91. • A Lei n. 12.112, de 9-12-2009, acrescentou o § 2* ao art. 12 da Lei n. 8.245/91, de modo que o antigo parágrafo único transform ou-se em § 1fl. A nova disposição determina que o fiador poderá exonerar-se das suas responsabilidades no prazo de trinta dias contado do recebimen­ to da comunicação oferecida pelo sub-rogado, ficando responsável pelos efeitos da fiança durante cento e vinte dias após a notificação ao locador (nota da Coordenação - texto de Manuella Santos).

JULGADO • "Se o contrato de fiança, pacto de interpretação restritiva, possui natureza intuitu personae, a morte do locatário importa na exoneração da obrigação do fiador (...)" (STJ, 6* T., REsp 175.057/ MG, Rei. Min. Vicente Leal, DJ, 14-8-2000). Entendimento em contrário: REsp 167.978.

Art. 578. Salvo disposição em contrário, o locatário goza do direito de retenção, no caso de benfeitorias necessárias, ou no de benfeitorias úteis, se estas houverem sido feitas com expresso consentimento do locador. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.199 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 ju s retentionis é baseado em princípio de equidade, concedido ao locatário em face das benfeitorias necessárias ou, ainda, das úteis realizadas, se estas tiverem à sua execução a anuência expressa do locador. Uma inquirição histórica o encontra, em fonte primeva, na pignoratio privata, depois recepcionada pela ordem jurídica, significando um exercício arbi­ trário das próprias razões do retentor por um crédito insatisfeito pelo retomante. Diante de pretensão injusta do locador em reaver o bem sem a devida correlação de prestação indenizatória, resulta o direito de retenção com o um instituto de defesa eficaz ao reclamo de re­ embolso. • Na sua clássica obra Direito de retenção, A m old o Medeiros da Fonseca afirma categórico: “Sob a denominação específica de direito de retenção, e como figura jurídica autônoma, o que se compreende é a faculdade assegurada ao credor, independente de qualquer convenção, de continuar a deter a coisa a outrem devida até ser satisfeita, ou ficar extinta, uma obriga­ ção existente para com ele". Nesse passo, conforme assevera Carvalho de Mendonça, o direi­ to de retenção é “um meio de obrigar o devedor a executar a obrigação contraída, isto é, um

Art. 579

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remédio defensivo, um meio de vincular a coisa alheia ao cumprimento da obrigação relati­ va a essa mesma coisa; é um favor ao crédito, uma proteção à boa-fé e um expediente eco­ nômico, poupando as despesas e evitando as lentidões de um duplo processo". • Benfeitorias necessárias (impensae necessariae) são as indispensáveis, que se destinam a conservar a coisa ou a impedir o seu perecimento. Obriga-se o locador a indenizá-las, sob pena de enriquecimento sem causa. Benfeitorias úteis (impensae utiles) são as proveitosas, que prestam à coisa o seu melhor uso, dando-lhe comodidade e acrescentando-lhe valor, ou, no particular, aquelas essenciais à própria utilização da coisa ao uso a que se destina. A pre­ tensão de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias e úteis não obriga o locatário a outro aluguel que não o avençado, não se aplicando à hipótese o disposto no art. 575. Cláusula contratual pode ser incluída em que o locatário renuncie ao respectivo direito de retenção ou de indenização.

SÚMULA • Súm ula 335 do STJ: “Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção".

JULGADOS • "A doutrina e a jurisprudência exigem a existência de cláusula especifica prevendo a obrigação do locador ressarcir ao locatário pelas despesas com benfeitorias feitas. 2. Inexistindo cláusula nesse sentido, não há direito a indenização, motivo pelo qual não há se falar em direito de retenção do imóvel" (STJ, 6* T., REsp 36.584/BA, Rei. Min. Anselmo Santiago, DJ, 10-11-1997). "Locação. Ben­ feitorias. Licito convencionarem as partes não ser devida indenização por benfeitorias, ainda que necessárias" (STJ, 3»T., REsp 90.067/SP, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, DJ, 9-9-1991).

C ap ítu lo VI — DO EMPRÉSTIMO

Seção I — Do comodato Art. 579.0 comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Trata-se de mera repetição do art. 1.248 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • Os contratos de empréstimo são dois, nas suas espécies: com odato e mútuo. São contratos reais, isto é, aperfeiçoam-se pela entrega do objeto ou da coisa mutuada. A dissimilitude entre eles, para melhor ideia conceituai, é exposta, com acuidade, por Darcy Arruda Miranda. Diz ele: " 0 comodato é empréstimo de uso, abrangendo coisas móveis e imóveis, e o mútuo é empréstimo de consumo, que exige a transferência da propriedade ao mutuário, que fica com a faculdade de consumi-la. 0 mutuante deve ser dono da coisa mutuada para poder transferir o domínio. O mútuo pode ser gratuito ou oneroso e o com odato é sempre gratuito".

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Arts. 580 e 581

Na precisa lição, recolhe-se a distinção específica. Enquanto no comodato é a própria coisa emprestada que deve ser devolvida, no mútuo efetua-se a devolução em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade (art. 586). Anote-se, por outro lado, a análise feita por A g o s­ tinho Alvim em sua Exposição Complementar, destacando haver o Código Civil de 2002 alte­ rado a presunção de gratuidade do mútuo, "atendendo a que o anteprojeto regula a matéria civil e também a comercial". Nesse sentido, conferir o art. 591. • 0 comodato [com m odum datum, ou seja, dado para côm odo e proveito), empréstimo de uso, é contrato unilateral, essencialmente não oneroso, pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa móvel ou imóvel infungível, para que dela disponha em proveito, por período determinado ou não, devendo retorná-la ao comodante, quando findo o prazo do contrato ou ele tenha o seu término. É o que deflui da definição de Clóvis Beviláqua: "... contrato gratuito, pelo qual alguém entrega a outrem alguma coisa infungível, para que dela se utili­ ze, gratuitamente, e a restitua, depois". • Contrato gratuito reclama a entrega da coisa infungível por objeto, nele contida a obrigação de restituí-la ao depois, e realizado sem forma solene é, de regra, intuitu personae.

Art. 580. Os tutores, curadores e em geral todos os administradores de bens alheios não poderão dar em comodato, sem autorização especial, os bens confiados à sua guarda. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.249 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • Os cuidados da lei pretendem prevenir exorbitância de atribuições daqueles a quem são os bens confiados à sua guarda por força de um m un us legal ou convencional. Os administra­ dores de bens alheios não podem, por isso, cedê-los em comodato, cujo exercício apenas favorece o comodatário. Arnaldo M arm itt salienta a teleologia da norma explicando decorrer a vedação, sem o assentimento judicial, do caráter de gratuidade de que se reveste o com o­ dato. De fato. A não onerosidade importa em vantagem quase sempre exclusiva daquele que recebe a coisa por empréstimo gratuito. Desse modo, limitada a administração em geral aos atos a ela inerentes, deles não se cuidando a outorga de comodato, resulta uma inabilitaçào legal do administrador para a cessão aqui tratada. • Excepcionalmente, contudo, os bens alheios podem ser dados em comodato, uma vez m uni­ do o administrador de autorização especial ou judicial, possibilitando o empréstimo. Especial, generaliza a lei. M ais especificamente, o assentimento do titular dos bens administrados, quando capaz. Judicial, no particular, quando revestido o comodante potencial da qualidade de tutor ou curador. Observe-se, porém, que a autorização judicial não constitui mera for­ malidade. Haverá ela de avaliar o sentido propício da cessão, isto é, o significado oportuno do comodato aos interesses do incapaz, tal com o sucede quando for conveniente ou neces­ sário resguardar de dano o bem objeto do empréstimo.

Art. 581. Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido; não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado.

Art. 582

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HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.250 do CC de 1916, sem qualquer alteração.

DOUTRINA • 0 prazo pode ser, com o observa a norma, convencional ou presumido. 0 primeiro [ad pactum pertinet), de maior emprego, relaciona-se ao ajustado na avença; o segundo [ad usum) vin ­ cula-se, com absoluta exigência, ao tempo indispensável ou adequado ao uso normal da coisa. 0 preceito dispõe sobre o prazo indeterminado, com o aquele mínimo necessário à fruição da coisa pelo tempo essencial; é o que se determina pelo próprio uso outorgado, capaz de prover a finalidade do empréstimo da coisa. Dessa forma, não pode o comodante reavê-la antes do termo ajustado ou daquele inerente ao seu proveito. • Necessidade imprevista e urgente permite, todavia, o comodante demandar a coisa sob em­ préstimo, antes do tempo próprio, quer o convencional, quer o que se determine pelo uso outorgado. A recuperação antecipada funda-se, a rigor, em razões sérias e supervenientes, imprevisíveis ao tempo da outorga, sujeitas a uma cogniçào judicial e com o tal proclamadas. Em se tratando de prazo indeterminado, porém, tem a jurisprudência se inclinado a entender dispensável a justificativa de necessidades imprevistas e urgentes. Nesse sentido: STJ, 4» T., REsp 236.454/MG, DJ, 11-6-2001. • "Aqui colidem dois interesses. 0 do comodatário, que gratuitamente utiliza a coisa de outrem, e o do comodante, que, por não poder prever uma necessidade urgente, deu de empréstimo coisa que agora lhe faz falta. É evidente que a lei deve preferir o interesse do comodante, que é dono" (Silvio Rodrigues, Direito eivil; dos contratos e das declarações unilaterais da vonta­ de, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, p. 247-8).

JULGADOS • "0 comodato com prazo certo de vigência constitui obrigação a termo, que dispensa qualquer ato do credor para constituir o devedor em mora (mora ex re), nos termos do que dispõe o art. 960 do Código Civil" (STJ, 4* T., REsp 71.172/SP). • "Tratando-se de comodato por prazo indeterminado, para a restituição do bem é suficiente a notificação do comodatário" (STJ, 4a T., REsp 236.454/MG). • " 0 comodato sem prazo convencional, presumidamente pelo tempo necessário para o uso conce­ dido, pode ser extinto nos casos de necessidade imprevista e urgente (art. 1.250 do Código Civil). A necessidade de prova das condições em que foi celebrado o contrato, ainda que verbal, para que se possa definir o tempo de sua concessão, e da existência dos pressupostos estipulados no art. 1.250 do Código Civil, para o caso de sua suspensão antes de findo o prazo, justificam a realização de audiência. Nesse caso, o julgamento antecipado causa cerceamento de defesa. Recurso conhe­ cido e provido" (STJ, 4* T., REsp 72.821). • "Comodato. Extinção. Prazo indeterminado. Coisa de uso por tempo indefinido. 0 comodante que pretenda a retomada da coisa emprestada por prazo indeterminado deve provar ou que o prazo presumido, de acordo com as circunstâncias do contrato, já transcorreu, ou a necessidade impre­ vista e urgente. Art. 1.250 do C. Civil" (STJ, 4* T., REsp 54.000/PE). • "Não importa em tornar perpétuo o comodato a decisão que, aplicando o art. 1.250 do Código Civil, estabelece que o mesmo deverá demorar pelo tempo necessário para o uso concedido, com base em prova de que a situação de fato não indica necessidade imprevista e urgente, para a suspensão do contrato, pelo comodante, tanto mais quando a situação perdurará, no máximo, até a morte da comodatária" (STJ, 3* T., REsp 3.267/RS).

Art. 582.0 comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa em­ prestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena

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Art. 582

de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela res­ ponder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde aos arts. 1.251 e 1.252 do CC de 1916.

DOUTRINA • O dispositivo em comento situa as obrigações do comodatário em face da coisa emprestada e em relação ao comodante. • Obrigado a conservar, com o se sua própria fora, a coisa emprestada, tem o comodatário o dever de zelo e de conservação do bom estado da coisa, atendida com idêntica diligência de quem atua como se dela fosse o proprietário. A obrigação atende o princípio que rege o próprio contrato, o da restitutio in integrum, dado que se obriga o favorecido a restituir a coisa no mesmo estado em que a recebeu. O dever de guarda e de conservação impõe, por­ tanto, ao comodatário, um cuidado ativo e providencial, suficientemente adequado a manter e preservar a coisa, a tanto exacerbando a ideia do desvelo comum, diante da responsabili­ dade pelos riscos da coisa (art. 583), e, por outro lado, lhe torna defeso recobrar do com o­ dante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada (art. 584), nestas compreen­ dendo-se as usuais e ordinárias da conservação. • Obriga-se, por igual, o comodatário, a fazer uso da coisa emprestada, de acordo com o con­ trato ou com a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos e provocar, destarte, a rescisão do contrato. 0 desvio de uso configura séria infringência contratual, sujeitando-se o comodatário ao ressarcimento dos prejuízos dele advindos. • A obrigação de restituir a coisa é inerente à própria relação jurídica. “No com odato a termo, a recusa em devolver a coisa emprestada importa em esbulho" (STJ, 3*T., REsp 11.631/PR, Rei. Min. Dias Trindade, DJ, 16-9-1991). 0 inadimplemento de tal obrigação constitui o com oda­ tário em mora, pelo simples vencimento do prazo. Diz a jurisprudência: “O comodato com prazo certo de vigência constitui obrigação a termo, que dispensa qualquer ato do credor para constituir o devedor em mora (mora ex ré), nos termos do que dispõe o art. 960 do Código Civil" (STJ, 4*T., REsp 71.172/SP, Rei. M in .Sálvio d e Figueiredo Teixeira, DJ, 21-9-1998). No caso de prazo indeterminado, faz-se, de regra, comum a notificação para constituir o comodatário em mora. Entretanto, “é dispensável a prévia interpelação do comodatário, para fins de extinção do comodato por prazo indeterminado, cuja entrega é requerida pelo adqui­ rente do bem. Caso em que o comodatário é constituído em mora pela citação" (STJ, 3* T., REsp 25.298/SP, Rei. Min. Cláudio Santos, DJ, 16-11-1992). Dos efeitos da mora, decorre a sanção de o comodatário por eles respondê-los, nos termos do art. 399, assum indo irrestritamente todos os riscos da coisa, ainda que em caso fortuito, ficando, outrossim, sujeito a pagar o aluguel da coisa emprestada que for arbitrado pelo comodante. • 0 Código Civil de 2002 elucida que o valor do aluguel devido pelo comodatário constituído em mora será arbitrado pelo comodante, quando o art. 1.252 do CC de 1916 não dispõe sobre quem caiba fixá-lo. No entanto, a doutrina adotou a aplicação analógica do art. 1.196 do antigo Código Civil. Neste sentido, leciona o ilustre jurista W ashington de Barros Monteiro: “No tocante ao segundo, o comodatário fica responsável pelo aluguel arbitrado pelo com o­ dante, em conformidade com o art. 1.196 do Código; tenha-se presente, porém, que esse dispositivo não transforma o comodatário em inquilino; o aluguel é apenas a maneira pela qual se indeniza o comodante dos prejuízos resultantes da mora, entre os quais se inclui também verba de honorários de advogado" (Curso de direito civil: direito das obrigações, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2, p. 214). Por outro lado, pondera Caio M ário da Silva Perei­ ra: "Sancionando o dever de restituição, determina a lei que o comodatário, notificado, e

Arts. 583 e 584

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assim constituído em mora, estará sujeito ao pagamento do aluguel que lhe for fixado ao arbítrio do comodante, mesmo que em cifra exageradamente elevada, pois nào se trata de retribuição correlativa da utilidade, mas de uma pena, a que se sujeita o contratante moroso" (Instituições de direito civil, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1978, v. 3, p. 302-3). • Ao tratar da fixação do aluguel, cometida ao comodante, o CC de 2002 desconsidera a pos­ sibilidade de seu arbitramento em valores exacerbados, afastando è hipótese o tratamento legal dispensado pelo art. 572 quanto aos locativos arbitrados (entenda-se, com o já reporta­ do em linha propositiva, a multa proporcional). É que as situações jurídicas não se apresentam idênticas, nesta havendo resistência do comodatário em restituir a coisa emprestada, decor­ rendo. daí, o sentido de sanção da norma.

JULGADO • "0 esbulho se caracteriza a partir do momento em que o ocupante do imóvel se nega a atender ao chamado da denúncia do contrato de comodato, permanecendo no imóvel após notificado. Ao ocupante do imóvel, que se nega a desocupá-lo após a denúncia do comodato, pode ser exigido, a titulo de indenização, o pagamento de aluguéis relativos ao período, bem como de encargos que recaiam sobre o mesmo, sem prejuízo de outras verbas a que fizer jus" (STJ, 4* T., REsp 1.437-7/RJ, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ, 2-3-1998).

Art. 583. Se, correndo risco o objeto do comodato juntam ente com outros do comoda­ tário, antepuser este a salvação dos seus abandonando o do comodante, responderá pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir a caso fortuito, ou força maior. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.253 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • 0 dever de diligência sobre a coisa emprestada, com o obrigação resultante de conservá-la, com o se sua própria fora, é superior ao cuidado singelo, desde que aquela prefere aos próprios bens do comodatário. Assim é que, querendo antes a salvação dos seus em abandono do bem do comodante, responderá o comodatário pelo dano ocorrido, mesmo em caso fortuito ou força maior. • Ari Ferreira de Queiroz justifica tal preceito legal ao afirmar que "o comodato é contrato benéfico feito em proveito do comodatário, por isso a lei nào pode ser complacente com comportamento egoísta" (Direito civil; direito das obrigações, Goiânia, Editora Jurídica IEPC, 1999, p. 149). De fato, “se o proprietário da coisa é procurado por alguém que a pede em­ prestada; se a solicitação é atendida, ficando assim o primeiro privado temporariamente daquilo que lhe pertence; se, depois, a coisa dada em comodato corre o risco de perecer, em virtude de um sinistro qualquer; se o comodatário tem a oportunidade de salvá-la, mas pre­ fere sacrificá-la a fim de preservar bens próprios, justo seja compelido a indenizar o prejuízo sofrido pelo comodante, em retribuição, em gratidão mesmo, do serviço ou do favor por este prestado" (W ashington de Barros Monteiro, Curso de direito civil: direito das obrigações, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2, p. 215).

Art. 584.0 comodatário não poderá jam ais recobrar do comodante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada.

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Art. 585

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.254 do CC de 1916, sem qualquer alteração.

DOUTRINA • 0 preceito, aqui observado, é ínsito da obrigação de conservar a coisa emprestada. Das des­ pesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada, entendam-se aquelas ordinárias, sejam em decorrência do próprio uso, sejam as indispensáveis para a preservação do bem, manten­ do-o em seu regular estado. Nesse sentido, indica o julgado: "São devidos os encargos decor­ rentes de comodato, tais com o cotas condom iniais e imposto predial, procedendo a sua co­ brança contra o comodatário para reembolso do que despendeu o com odante" (TACRJ, AC 10.214/95 (Reg. 966-3), 4- C., Rei. Juiz José Rondeau, j. em 14-3-1996). • Para as despesas extraordinárias, faz-se mister o consentimento do comodante, tal não se exigindo, porém, caso necessárias e urgentes. Nessa excepcionalidade, “o comodatário tem direito de ser indenizado pelas benfeitorias extraordinárias e urgentes" (STJ, 4* T., REsp 64.114/ GO, Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar. DJ, 18-12-1995). Diante disso, cabe ao comodatário o direito de retenção da coisa emprestada, enquanto não ressarcido de tais despesas. “Entre­ tanto, benfeitorias constituídas por culturas a que o comodatário se obrigara pela própria natureza do contrato de comodato, envolvendo, como envolvem, o uso convencionado, excluem qualquer ideia de indenização" (W ashington de Barros Monteiro, Curso de direito civil; direi­ to das obrigações, 4. ed.# São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2, p. 213). “Tem, ainda, o comodatário direito à colheita dos frutos, desde que assim tenham convencionado as partes" (José Lopes Oliveira, Contratos, Recife, Livrotécnica, 1978, p. 157).

JULGADO • “As despesas feitas pelo comodatário, com a fruição da coisa emprestada, nos termos do art. 1.254 do Código Civil, são as ordinárias, para sua conservação normal e manutenção regular. Despesas outras realizadas sem consentimento do comodante, ainda que impliquem na mais valia do bem, só são indenizáveis se urgentes e necessárias, quando se classificam como extraordinárias" (STJ, 3* T., REsp 249.925/RJ, Rei. Min. Fátima Nancy Andrighi, DJ, 12-2-2001).

Art. 585. Se duas ou mais pessoas forem simultaneamente comodatárias de uma coisa, ficarão solidariamente responsáveis para com o comodante. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.255 do CC de 1916, sem qualquer alteração.

DOUTRINA • Preceitua o art. 265: A solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes. Aqui, a responsabilidade solidária está expressa pela norma. Diante da pluralidade de com odatários, cada um responde in solidum perante o comodante, por qualquer fato imputável de responsabilidade pela coisa com o se fosse único comodatário. É que a coisa dada em co­ modato deu-se em seu todo e a todos aproveita, responsabilizando-se cada um de per si integralmente pela coisa, na relação jurídica existente, ou seja, responde pela totalidade das obrigações, nenhuma influência repercutindo, p. ex., a forma pela qual dispuseram entre si o uso e gozo da coisa emprestada ou os cuidados a ela inerentes. • Resulta inequívoco, pois. dos pressupostos da responsabilidade solidária, a obrigação comum e absoluta dos comodatários perante a coisa e o comodante. Isso significa dizer que, haven­

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do diversos eomodatários, nào se dividem as responsabilidades, com o se cada um, por elas, tivesse uma quota respectiva. A responsabilidade solidária compreende cada comodatário responder ilimitadamente, como se nào houvesse os demais, podendo, assim, ser demandado para restituir a coisa e responder por danos causados a ela. No mais, as relações entre eles (solidariedade passiva) sáo disciplinadas pelos arts. 273 a 285 do CC de 2002.

Seção II — Do mútuo Art. 586.0 mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade. HISTÓRICO • A redaçào atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.256 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • 0 mútuo é empréstimo de consumo, mediante o qual é transferida a outrem coisa móvel fungível, obrigando-se este a restituir em coisa da mesma espécie, qualidade e quantidade. Em outras palavras, o proprietário, mutuante, transmite a propriedade da coisa mutuada, e nào apenas a posse, com o efeito e possibilidade de aquela ser consumida, obrigando-se o mutuário a com pensá-lo com a entrega de outra, substancial, qualitativa e quantitativamen­ te idêntica. A substituição com essa identidade é pressuposto necessário para configurar o mútuo. • 0 contrato de mútuo é real, condizendo, para sua perfeição, a tradição da coisa; unilateral, por constituir obrigações unicamente para o mutuário; gratuito ou oneroso; translatício da propriedade (art. 587); não solene e de prazo certo ou variável, acentuando-se, daí, a sua temporariedade, pois vinculado o mutuário ao dever de restituição equivalente. 0 mútuo tem por objeto quantia certa e líquida (STJ, AEREsp 264.809/MS, Rei. Min. Ari Pargendler, DJ, 4 -6 -

2001).

JULGADOS • "0 avalista de título de crédito vinculado a contrato de mútuo também responde pelas obrigações pactuadas, quando no contrato figurar como devedor solidário" (Súmula 26 do STJ). • "É nula a obrigação assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste" (Súmula 60 do STJ). • "Em principio, em todo e qualquer contrato de mútuo, ou de depósito em dinheiro, quem respon­ de pelos juros e pela atualização do valor monetário é a parte que recebe a propriedade do bem fungível, que dele usufrui em proveito próprio, ou seja, o devedor ou o depositário, o qual, depois, deverá devolvê-lo, com aqueles acréscimos, ao credor, ou depositante" (STJ, 3* T., REsp 123.233/ SP, Rei. Min. Waldemar Zveiter, DJ, 22-10-2001). • "Nos contratos de mútuo firmados com instituições financeiras, ainda que expressamente acor­ dada, é vedada a capitalização mensal de juros, somente admitida nos casos previstos em lei" (STJ, 4* T., REsp 325.327/RS, Rei. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ, 24-9-2001). • "A limitação da taxa de juros em 1 2 % ao ano, prevista na Lei de Usura (Decreto n. 22.626/33), nào se aplica ao mútuo bancário comum, não regido por lei especial quanto ao tema. Jurisprudência da Corte e incidência da Súmula n. 596/STF" (STJ, 3* T., Ag no REsp 324.845/RS, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ, 24-9-2001).

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Arts. 587 e 588

Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição. HISTÓRICO • O presente dispositivo nâo foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. O texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Trata-se de mera repetição do art. 1.257 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • O contrato de mútuo caracteriza-se pela translatividade dominial da coisa mutuada, que se opera a partir da tradição. Esse efeito decorre, a toda evidência, de tratar-se de empréstimo de consumo, e justamente “por não se conciliar a conservação da coisa com a faculdade de consumi-la, sem a qual perderia este empréstimo a sua utilidade econômica" (Caio M ário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1978, v. 3, p. 304). • Desse modo, com a efetiva tradição da coisa, passarão a correr por conta do mutuário todos os riscos a ela inerentes, perseverando a obrigação de sua restituição em espécie, “mesmo na hipótese de destruição da coisa por força maior ou em virtude de caso fortuito, pois res perit dom ino (o risco pelo perecimento da coisa corre por conta do proprietário) e o gênero presumidamente nunca perece" (Arnoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro; obrigações e contratos, 14. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 441).

Art. 588. O mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.259 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem técnica. É excluída, com oportunidade devida, a pessoa do abonador, ali mencionada.

DOUTRINA • Com o sabido, a validade do negócio jurídico requer agente capaz (art. 1 0 4 ,1, do CC de 2002). Assim, exige a relação jurídica a capacidade de o mutuário obrigar-se como corolário natural do vínculo ao contrato. 0 m útuo feito a pessoa menor, relativamente incapaz, requer, por­ tanto, a autorização daquele sob cuja guarda estiver, sob pena de, havido sem eficácia, o mutuante não reaver dela a coisa mutuada, nem de seus fiadores, excetuando-se as hipóte­ ses do artigo seguinte. A não observância implica, em princípio, a não exigibilidade da resti­ tuição. • 0 preceito protetivo é de ordem pública. Objetiva amparar o menor inexperiente dos abusos de sua boa-fé, por parte de quem possa explorá-lo em negócios extorsivos. Explica Clóvis Beviláqua: "o fim da lei é impedir que jovens inexperientes sejam arrastados para o vício, e explorados por usurários, que lhes facilitem empréstimos, visando lucros excessivos" (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil commentado, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1917, v. 4, p. 443). Nessa linha, alude Caio M ário da Silva Pereira: "Trata-se de um preceito protetor contra a exploração gananciosa da inexperiência do menor. E foi im aginado com o técnica para impedir as manobras especuladoras, mediante a punição ao emprestador, que perderá a

Art. 589

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coisa mutuada se fizer o empréstimo proibido" (Instituições de direito civil, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1978, v. 3, p. 306).

Art. 589. Cessa a disposição do artigo antecedente: I — se a pessoa, de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o emprés­ timo, o ratificar posteriormente; II — se o menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair o emprésti­ mo para os seus alimentos habituais; III — se o menor tiver bens ganhos com o seu trabalho. Mas, em tal caso, a execução do credor não lhes poderá ultrapassar as forças; IV — se o empréstimo reverteu em benefício do menor; V — se o menor obteve o empréstimo maliciosamente. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. O texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao a rt 1.260 do CC de 1916. • 0 inciso III do reportado art. 1.260 previa que, para admitir-se a validade do empréstimo realiza­ do por menor, mister se fazia que e/e tivesse bens da classe do art. 391, II, ou seja, bens ganhos em serviço militar, de magistério, ou em qualquer outra função pública. Esta reserva, porém, era ociosa e desnecessária, carecendo de qualquer justificativa, isto "porque, com o exercício de fun­ ção pública, o menor já se torna capaz (art. 98, III, do CC de 1916)", não necessitando, assim, de qualquer autorização, como, lucidamente, anota Ari Ferreira de Queiroz (Direito civil; direito das obrigações, Goiânia, Editora Jurídica IEPC, 1999, p. 153-4). 0 Código Civil de 2002 corrigiu essa imperfeição, inovando profundamente a matéria ao ampliar os bens para todos aqueles adquiridos com o trabalho do menor.

DOUTRINA • A lei estabelece algum as exceções è regra do art. 588, outorgando a validade do m útuo con­ traído pelo menor, desde que a pessoa de cuja autorização necessitava o ratificar posterior­ mente; se, estando ausente essa pessoa, for obrigado a contrair o empréstimo para os seus alimentos habituais; se o menor tiver bens adquiridos com o seu trabalho; se o empréstimo foi revertido em seu benefício ou se obteve o empréstimo maliciosamente. • De salientar a extensão do inciso IV, e o seu sentido ético, quando viabiliza a cobrança da coisa mutuada, à consideração do resultado de benefício ao menor em face do empréstimo, garantindo ao mutuante o direito de exigir o que emprestou, não podendo o beneficiado, por conseqüência, sem qualquer justa causa, se enriquecer à custa de outrem (art. 884). • Por seu turno, o inciso V arrola, como causa exdudente da norma impeditiva de o mutuante reaver o mútuo, a malícia do mutuário menor para lograr o empréstimo. A doutrina já exal­ tava que “o menor que declara ser maior torna-se responsável pelo débito em virtude do estabelecido no art. 155 do CC" (Am oldo Wald, Curso de direito civil brasileiro; obrigações e contratos, 14. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais. 2000, p. 445). Nesse sentido, recolhe-se o magistério de Maria Helena Diniz: “Essa norma deixará de ser aplicada se (...) o menor do­ losamente ocultar a sua idade para obter empréstimo; não poderá invocar a menoridade para eximir-se da obrigação (CC, art. 155) e para socorrer-se do benefício do art. 1.259, pois ninguém pode invocar a própria malícia" (Curso de direito civil brasileiro-, teoria das obriga­ ções contratuais e extracontratuais, 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3, p. 279). 0 Código

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Arts. 590 e 591

Civil de 2002 veio a inserir expressamente tal com ando no art. 589, como uma das hipóteses em que deixa de incidir a restrição do art. 588.

Art. 590. O m utuante pode exigir garantia da restituição, se antes do vencimento o mutuário sofrer notória mudança em sua situação econômica. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.261 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de ordem formal quando substituiu a expressão "fortuna" por "situ­ ação econômica".

DOUTRINA • Um dos efeitos jurídicos decorrentes do mútuo é o de permitir ao mutuante exigir garantia da restituição, se antes do vencimento o mutuário sofrer notória m udança em su a situação econômica. • A norma tem o preciso alcance de resguardar a pessoa do credor, em segurança do negócio realizado. É que "o credor consente no mútuo tendo em vista as condições de solubilidade do mutuário. Se estas pioram a ponto de tornar duvidoso o seu reembolso, permite o legislador sejam exigidas garantias de restituição" (Silvio Rodrigues, Direito civil; dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, p. 254). • Nào prestada a garantia, abstendo-se o mutuário de cumprir tal exigência, torna-se possível ao mutuante considerar antecipadamente vencida a obrigação, descontando da importância os juros legalmente cabíveis.

Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o a r t 406, permitida a capitalização anual. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.262 do CC de 1916.

DOUTRINA • O dispositivo introduz novidades em confronto com a norma correspondente do Código Civil de 1916. Presume devidos os juros, independente de cláusula expressa, como, a rigor, era antes exigida. O percentual correspondente ao limite legal nào é mais definido no texto do Código, conforme dispunha o art. 1.602 do CC de 1916, sendo este conforme "a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional" (art. 406 do CC de 2002), o que se revela mais dinâmico e realista. Ratifica, ademais, a regra da capitalização, nos casos de mútuo destinados a fins econômicos. • Embora a gratuidade seja a regra, quando o mútuo se destina a fins econômicos, os juros devem ser cobrados, como expressão de rendimento ou remuneração pelo empréstimo do dinheiro. Trata-se do denom inado "m útuo feneratício". Isto porque, com o leciona o ilustre jurista Silvio Rodrigues, “no crédito à produção, a ideia de gratuidade é inconcebível. Com efeito, o empresário que toma dinheiro emprestado, e o reaplica, obtém ou visa obter um gan ho" [Direito civil; dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 22. ed., São Paulo, Saraiva, 1994, v. 3, p. 256).

Art. 592

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• Presente o mútuo oneroso, dele tratou o Código Civil de 1916 (art. 1.262) ao permitir a estipulaçào dos juros, embora somente através de cláusula expressa, ao empréstimo de dinheiro ou outras coisas fungíveis, cuja fixação acentuou-se admitida abaixo ou acima da taxa legal, assim estabelecida em 6 % (seis por cento) ao ano (art. 1.062), permitindo, outrossim, a capi­ talização (art. 1.262). Segue-se que o Decreto n. 22.626/33 (Lei da Usura) veio submeter a incidência dos juros a um limite correspondente ao dobro da taxa legal prevista, impedindo, ademais, a sua capitalização.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 34, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "No novo Código Civil, quaisquer contratos de mútuo destinados a fins econômicos presumem-se onerosos (art. 591), ficando a taxa de juros compensatórios limitada ao disposto no art. 406, com capitalização anual".

SÚMULA • Súmula 381 do STJ: "Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas".

JULGADOS • Na interpretação do alcance da norma, a jurisprudência adotou temperamentos, atenuando a aplicação da Lei de Usura. Convém conferir: "No caso de contrato de empréstimo contraído junto a Instituição Financeira, a taxa de juros remuneratórios não está sujeita ao limite estabelecido pela Lei da Usura (Decreto n. 22.626/33). A capitalização dos juros somente é permitida nos contratos previstos em lei, entre eles as cédulas e notas de créditos rurais, industriais e comerciais, mas não para o contrato de mútuo bancário. Precedentes" (STJ, 3*T., REsp 184.958/RS, Rei. Min. Waldemar Zveiter, DJ, 1«-2-1999). "Na forma de precedentes indiscrepantes, os juros no contrato de mútuo de que cuida este feito não são limitados, sendo, entretanto, vedada a capitalização" (STJ, 3* T., REsp 248.266/RS, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ, 6-11-2000).

Art. 592. Não se tendo convencionado expressamente, o prazo do mútuo será: I — até a próxima colheita, se o mútuo for de produtos agrícolas, assim para o consu­ mo, como para semeadura; II — de trinta dias, pelo menos, se for de dinheiro; III — do espaço de tempo que declarar o mutuante, se for de qualquer outra coisa fungível. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Trata-se de mera repetição do art. 1.264 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • A temporariedade caracteriza o mútuo, sujeito a um prazo certo ou variável. Não convencio­ nado o prazo com o termo do empréstimo, o que comumente é fixado, a limitação temporal submete-se a prescrições especificadas em lei. Tal é o propósito da norma, regular o prazo adequado à falta de sua expressão contratual. 0 mútuo agrícola haverá de atender a próxima colheita; o de dinheiro, observará trinta dias, no mínimo, e, em se tratando de qualquer outra coisa fungível, o lapso temporal que vier a declarar o mutuante.

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Art. 593

• Assim, recorde-se o axioma: “não havendo estipulação, o prazo varia conforme a natureza da coisa emprestada" (José Lopes de Oliveira, Contratos, Recife, Livrotécnica, 1978, p. 163), caso em que o mutuário deverá restituir a coisa no prazo estatuído conforme a natureza do mútuo.

C ap ítu lo VII — DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO Art. 593. A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou à lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo. HISTÓRICO • Quando da primeira votação do texto pela Câmara dos Deputados, em 1984, houve uma propos­ ta apresentada pelo Deputado Tancredo Neves de supressão de todo o Capitulo VII, ao argumento de que as hipóteses de "prestação de serviços", ou seriam regidas pelas leis trabalhistas, ou pelas normas que regem a empreitada, nada, assim, lhe restando de próprio. A emenda veio a ser rejei­ tada pelo então relator geral, o Deputado Ernani Sátyro, que assim justificou: "Entre as atividades exercidas e caracterizadas pelo ‘vínculo empregatício' (às quais correspondem 'salários') e as ati­ vidades executadas em razão de 'empreitada', ainda resta um vasto campo de atividades autôno­ mas irredutíveis àquelas duas. Não se pode sequer afirmar, categoricamente, que esse resto esta­ ria coberto pelas leis especiais, dada a multiplicidade dos tipos de atividade que compõem o ins­ tituto da 'prestação de serviços'. 0 ilustre civilista Orlando Gomes, distinguindo claramente esse contrato, tanto da empreitada como do contrato de trabalho, enumera nada menos de 5 grandes categorias de serviços subordinados a essa parte do Código Civil (cfr. Contratos, Rio, Capitulo 24, págs. 326 e segs.). Quando mais não seja, por uma razão de prudência, é aconselhável se mantenham as disposições do Código Civil pertinentes à prestação de serviços, a qual se distingue pela ausên­ cia de vinculo de subordinação trabalhista, e pressupõe atividade autônoma, retribuída ou não, no mais das vezes de breve duração, caracterizadas pela autonomia de quem presta o serviço e livremente convenciona a sua 'retribuição*, sem ficar adstrito às normas cogentes do Direito do Trabalho, como as relativas aos 'contratos coletivos’. Trata-se, além do mais, de um domínio em que prevalece o principio da autonomia da vontade, a salvo de restrições como as que, por moti­ vos de ordem pública, vigoram no Direito do Trabalho. De outro lado, não nos parece que, dada a especificidade da matéria, se possa sujeitar todas as hipóteses de prestação de serviço ao contra­ to de empreitada, como pretende o ilustre autor da emenda, que, para tal fim, também oferece a Emenda n. 443, a qual importa no reconhecimento da distinção. Não se pode, pensamos nós, afirmar que a disciplina autônoma da 'prestação de serviços' deva ser considerada superada em nossa época. Ao contrário, crescem dia a dia, ao lado dos contratos de trabalho e de empreitada, novas exigências de 'serviços autônomos', dos quais o Código não pode fazer abstração. Não tem sentido data vcnia, afirmar-se que a supressão dos contratos de prestação de serviços seja uma exigência dos novos tempos. Para demonstrar a improcedência dessa tese bastará lembrar que o Código Civil italiano, que é de 1943, apesar de nele se conter toda a legislação do trabalho, reser­ va titulo especial (Tit. III do Livro 5o) ao trabalho autônomo, abrangendo a prestação de trabalhos intelectuais (arts. 2.222 usquc 2.238). A mesma distinção se encontra no recentissimo Código Civil português, que é de novembro de 1966, havendo nele o Capitulo VIII do Titulo II (Dos con­ tratos em especial) destinado ao 'Contrato de trabalho', e o Capitulo IX para a 'prestação de ser­ viços’, uma de cujas modalidades seria a empreitada (cfr. artigo 1.155°). 0 que se deve considerar em desuso é apenas a expressão 'locação de serviços', substituída no Projeto por ‘prestação de serviço’". • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 Código Civil de 2002 arrola a prestação de serviço, com o contrato civil autônomo, separando-a da locação. Constitui-se na contratação de pessoa, com qualificação técnica para

Arts. 594 e 595

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um serviço específico, prestando-o por período determinado, mediante remuneração. A ati­ vidade contratada não se caracteriza habitual em sua prestação ao contratante e é exercida pelo prestador de serviço com autonom ia técnica e sem qualquer subordinação de poder (sujeição hierárquica) ou dependência econômica em relação ao tomador do referido serviço. A prestação de serviço é, assim, matéria de contrato na esfera do direito civil, não se achan­ do incluída no direito laborai ou em lei extravagante.

Art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.216 do CC de 1916.

DOUTRINA • A norma oferece o conceito do contrato de prestação de serviços, a partir da licitude do trabalho a ser executado, material ou imaterial. Toda espécie de serviço ou trabalho lícito pode ser objeto do contrato, para o qual o prestador recebe, em contraprestação devida, a remuneração que atenderá a natureza ou especificidade do serviço ajustado. A diversidade ampla de serviços, a ensejar essa espécie de contrato, demonstra o seu largo espectro, envol­ vendo inúmeros ofícios técnicos e atividades profissionais. É um contrato, essencialmente, do cotidiano, a refletir relações eventuais em face das necessidades episódicas de determinados serviços. • É um contrato consensual, que impõe obrigações recíprocas, com comutatividade das pres­ tações, oneroso, não solene e, de regra, personalíssimo.

DIREITO PROJETADO • 0 Projeto de Lei n. 7.312, de 7-11-2002, então apresentado pelo Deputado Ricardo Fiuza, que está arquivado, ofereceu nova redação ao dispositivo: Art. 594. A prestação de serviço compreende toda atividade licita de serviço especializado, realizado com liberdade técnica, sem subordinação e mediante certa retribuição. • A proposta fundou-se na contribuição doutrinária do Prof. Jorge Salomo, quando, diante da am­ plitude que o tema prestação de serviço tem na atualidade, sustenta que a definição legal inseri­ da no art. 594 encontra-se ultrapassada, merecendo ser alterada diante dos elementos caracterís­ ticos do instituto.

Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Trata-se de mera repetição do art. 1.217 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • Não solene o contrato, tendo em conta o seu objeto, a própria natureza de trabalho autôno­ mo, quando o simples consenso das partes o aperfeiçoa, sem exigir forma especial, a presta-

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Arts. 596 e 597

ção de serviço pode, entretanto, ser expressada por escrito. Na hipótese, é suficiente o ins­ trumento particular, mesmo que qualquer das partes nào seja alfabetizada. Preceitua a norma que, nesse caso, alguém a substitua, assinando a seu rogo, com a participação de duas testemunhas instrumentais. Desse modo, o só fato de a lei indicar que o instrumento contra­ tual poderá ser escrito e assinado a rogo, quando qualquer das partes nào souber nem ler, nem escrever, nào o transmuda em solene.

Art. 596. Não se tendo estipulado, nem chegado a acordo as partes, fixar-se-á por arbi­ tramento a retribuição, segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e sua qualidade. HISTÓRICO • A redaçào atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.218 do CC de 1916.

DOUTRINA • O prestador do serviço faz jus a uma remuneração, cabendo a ele, em tratativas com o con­ tratante, estabelecer o quantum e a forma desse pagamento. Em primazia, é feito em dinhei­ ro, mas pode haver ajuste de outra forma permitida por lei. Quando essa retribuição não é estipulada, nem as partes envolvidas estabelecem consenso a seu respeito, a norma preconi­ za a sua fixação por arbitramento, de acordo com os costumes do lugar, levando-se em consideração o tempo de execução do serviço, bem com o sua qualidade. Nesses casos, o Poder Judiciário será acionado, devendo avaliar todas as circunstâncias estabelecidas na lei para a fixação do valor que deverá ser pago. • A gratuidade da prestação de serviço é inaceitável, observado o disposto no art. 594 do CC de 2002, o qual determina uma retribuição à prestação de serviço. • Jorge Lages Salomo, em exame do dispositivo em comento, estigmatiza o fato de ser possível a omissão do preço do serviço, asseverando, com eficiente observação:"(...) a remuneração constitui elemento essencial da prestação de serviços; não é admissível a ausência de sua estipulação, motivo pelo qual a parte inicial do citado art. 596 não tem razão de ser", e pon­ dera que “o assunto deve merecer uma melhor consideração do legislador brasileiro". Assiste-Ihe inteira razão. Indispensável que a remuneração esteja estipulada, é certo que tal elemen­ to deve integrar o contrato. Nessa diretiva, form ulou sugestão para a melhor redaçào do dispositivo.

DIREITO PROJETADO • Por relevante e oportuno o acolhimento da proposta de autoria do eminente jurista Jorge Lages Salomo, encaminhamos ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão a respeito, acolhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002 e agora reproduzida pelo PL n. 699/2011: Art. 596. A s partes devem fixar o preço do serviço e na hipótese de divergência, a retribui­ ção seró arbitrada judicialmente, segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e sua quali­ dade.

Art. 597. A retribuição pagar-se-á depois de prestado o serviço, se, por convenção, ou costume, não houver de ser adiantada, ou paga em prestações. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu

Arts. 598 e 599

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apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Trata-se de mera repetição do art. 1.219 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • A retribuição ou remuneração é levada a feito quando o serviço contratado é concluído, correspondendo ao dever jurídico do tomador em satisfazer o trabalho realizado. Essa cir­ cunstância temporal do pagamento, com o é de experiência máxima, está envolvida na reci­ procidade das obrigações. Serviço feito, serviço pago. Entretanto, as partes podem conven­ cionar sistema diferenciado, com a antecipação total ou parcial da retribuição ou mesmo em prestações, após executado o serviço. Dita flexibilidade, prevista no artigo, dinamiza a relação entre prestadores e tomadores de serviços, adequando-se ao tempo e à natureza da prestação de serviço ou às necessidades do prestador para o desempenho da tarefa, em conformidade com os interesses das partes e pelas circunstâncias ditadas à pretendida eficiência e rapidez na execução do serviço.

Art. 598. A prestação de serviço não se poderá convencionar por mais de quatro anos, embora o contrato tenha por causa o pagamento de dívida de quem o presta, ou se destine à execução de certa e determinada obra; neste caso, decorridos quatro anos, dar-se-á por findo o contrato, ainda que não concluída a obra. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Trata-se de mera repetição do art. 1.220 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • Este preceito delimita o tempo de duração do contrato de prestação de serviço em quatro anos, tanto no que se refere à execução de determinada obra, que lhe deu origem, ou no motivado pela satisfação de dívida de quem realize o serviço. 0 regime da temporariedade limitada a um prazo ponderado preserva o interesse daquele que presta o serviço, com esfor­ ço físico ou atividade intelectiva relativos ao desempenho do trabalho. A existência de um prazo duradouro, de extensão dilatada, importaria, por certo, em odiosa sujeição, capaz de infundir a ideia de servidão. Mencione-se, porém, que o excesso não implicará a nulidade do contrato, devendo este ser reduzido ao tempo máximo fixado em lei. • Uma observação se faz necessária: após o lapso temporal de quatro anos as partes podem acertar novo contrato por igual período ou inferior.

Art. 599. Não havendo prazo estipulado, nem se podendo inferir da natureza do con­ trato, ou do costume do lugar, qualquer das partes, a seu arbítrio, mediante prévio aviso, pode resolver o contrato. Parágrafo único. Dar-se-á o aviso: I — com antecedência de oito dias, se o salário se houver fixado por tempo de um mês, ou mais; II — com antecipação de quatro dias, se o salário se tiver ajustado por semana, ou quinzena;

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Jones Figueirêdo Alves

Art. 599

III — de véspera, quando se tenha contratado por menos de sete dias. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.221 do CC de 1916, eom pequena melhoria de ordem redacional e técnica. Substitui a expressão “rescindir" por “re­ solver", correta à hipótese.

DOUTRINA • Quando a prestação de serviço não estiver convencionada em prazo certo e, tampouco, esse prazo não possa ser deduzido da própria natureza do contrato, ou, ainda, do costume do lugar, qualquer das partes poderá, a seu empenho e vontade, resolver o contrato, sujeitando-se, porém, para a validade da rescisão, a avisar, por antecipação, a outra parte. A aplicação do “aviso prévio" é regulada no parágrafo único do presente artigo, dispondo sobre a ante­ cedência temporal da notificação de acordo com a forma do pagamento ajustado ou, por derradeiro, quando se tenha contratado por menos de sete dias. 0 comunicado é garantia para as partes envolvidas na relação contratual e sua inobservância pode implicar direito à parte prejudicada de reclamar perdas e danos. • A precisão terminológica, adequada à natureza do contrato, é tarefa que o legislador nào deve descuidar ou preterir. Expressões com o “aviso prévio", “salário", "despedida sem justa causa" são congênitas das relações trabalhistas, nào se com portando técnicas diante dos contratos civis. Releva notar que não obstante o artigo em comento refira a "salário", quer se reportar à "retribuição", expressão mais apropriada, tal com o empregada, anteriormente, nos arts. 594, 596 e 597. Pertinente a observação de Arnoldo Wald quando afirma: "A dou­ trina chama o aviso prévio em direito civil de denúncia, que é uma espécie de resilição que pode ser vazia quando nào precisa indicar os motivos e cheia indicando as razões previstas na lei. É uma constatação a qual busca afastar do contrato de prestação qualquer aproxima­ ção com o Direito Trabalhista. Válida a verificação e talvez conveniente a mudança no texto legal para melhor adequação do vocabulário com a matéria tratada". É extremamente opor­ tuna a reflexão. Idêntica crítica é formulada por Jorge Lages Salomo, em estudo do tema. • O dispositivo reclama a conformidade dos termos que utiliza para o contrato civil, desagre­ gando-os dos adotados pela legislação trabalhista.

DIREITO PROJETADO • Em face dos argumentos aludidos, encaminhamos ao Deputado Ricardo Fiuza proposta para alte­ ração do dispositivo, que foi acolhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002, dando nova redação ao artigo, para substituir a expressão "prévio aviso" por "denúncia imotivada", e aos incisos I e II do parágrafo único, para também substituir o vocábulo "salário" por "remuneração" e, ainda, a ex­ pressão "Dar-se-á o aviso" por "Far-se-á a denúncia", na abertura do parágrafo: Art. 599. Não havendo prazo estipulado, nem se podendo inferir da natureza do contrato, ou do costume do lugar, qualquer das partes, a seu arbítrio, mediante denúncia imotivada, pode resolver o contrato. Parágrafo único. Far-se-á a denúncia: I - com antecedência de oito dias, se a remuneração se houver fixado por tempo de um mês, ou mais; II - com antecipação de quatro dias, se a remuneração se tiver ajustado por semana, ou quinzena; III - de véspera, quando se tenha contratado por menos de sete dias. • 0 PL n. 699/2011 acolheu a sugestão, substituindo a expressão “remuneração" por "retribuição".

Arts. 600 a 602

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Art. 600. Não se conta no prazo do contrato o tempo em que o prestador de serviço, por culpa sua, deixou de servir. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.223 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem técnica. Substitui a expressão “locador" por "prestador de servi-

ço".

DOUTRINA • Cláusula legal de obrigação do prestador de serviço impõe que o contrato tenha sua execução no prazo convencionado ou legal. Isto pressupõe o correto envolvimento do prestador no tempo que medeia a duração do serviço, não se computando, por isso, na extensão desse tempo, aquele período em que deixou o prestador de servir, por culpa sua. Entenda-se, como tal, aquela em que o prestador, sponte sua, haja desertado de sua obrigação, ausentando-se, deliberadamente, por interesse pessoal e alheio aos ditames da execução do serviço prestado. O tempo contratual ou o inferido da natureza do contrato será computado, todavia, quando o prestador deixou de servir por motivo superior à sua vontade, isentando-se de culpa, como ocorre em casos de enfermidade, serviço militar, ou para atender serviço público obrigatório.

Art. 601. Não sendo o prestador de serviço contratado para certo e determinado traba­ lho, entender-se-á que se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com as suas forças e condições. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.224 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem técnica. Substitui a expressão "locador" por "prestador de servi­ ço".

DOUTRINA • A prestação de serviço corresponde, de fato, a uma obrigação de fazer. Esse fazer, em geral, é determinado, certo e específico. Desse modo, o prestador executará o serviço conforme a sua natureza e o objeto do contrato. Não estabelecendo o contrato, todavia, o serviço a ser prestado, a ficção legal é de a natureza exata de cada serviço guardar compatibilidade com as forças e condições do executante. Dele não se poderá exigir obrigação superior a essas limitações pessoais. Fica presente, mais uma vez, o caráter personalíssimo do contrato. A presunção legal que daí decorre é a de que todos e quaisquer serviços cometidos ao prestante são conciliáveis com as habilidades, capacidade física e demais condições peculiares à sua pessoa.

Art. 602.0 prestador de serviço contratado por tempo certo, ou por obra determinada, não se pode ausentar, ou despedir, sem justa causa, antes de preenchido o tempo, ou con­ cluída a obra. Parágrafo único. Se se despedir sem justa causa, terá direito à retribuição vencida, mas responderá por perdas e danos. O mesmo dar-se-á, se despedido por justa causa. HISTÓRICO • O presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto, apenas para melhorar a linguagem do parágrafo único. Trata-se

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Art. 603

de mera repetição do art. 1.225 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem técnica e acrés­ cimo da parte final do parágrafo único. Substitui a expressão "locador" por "prestador de serviço".

DOUTRINA • A bilateralidade do contrato implica obrigações recíprocas das partes, cumprindo ao executante prestar o serviço, a contento, no tempo devido, ou entregar a obra concluída na forma contratada. Desse modo, incabível se torna uma rescisão unilateral do contrato, sem que haja motivo justificado, segundo a lei ou o pacto celebrado. A infração legal e contratual subm e­ te o prestador a responder por perdas e danos, diante das conseqüências do inadimplemento da obrigação. • Aqui, mais uma vez, a imprecisão terminológica é visível, quando o dispositivo, em exame, ao cuidar da denúncia imotivada, a denomina com o despedida sem justa causa, em acepção peculiar de relação trabalhista.

DIREITO PROJETADO • Na esteira do que foi afirmado no art. 599 e em face do acima exposto, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão de nova redaçào ao dispositivo, acolhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002 e agora reproduzida pelo PL n. 699/2011: Art. 602. O prestador de serviço contratado por tempo certo, ou por obra determinada, não se pode ausentar, ou denunciar imotivadamente, antes de preenchido o tempo, ou concluída a obra. Parágrafo único. Se denunciar imotivadamente, terá direito à retribuição vencida, mas responderá por perdas e danos, ocorrendo o mesmo se denunciado motivadamente o contrato.

Art. 603. Se o prestador de serviço for despedido sem justa causa, a outra parte será obrigada a pagar-lhe por inteiro a retribuição vencida, e por metade a que lhe tocaria de então ao termo legal do contrato. HISTÓRICO • A redaçào atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.228 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional e técnica.

DOUTRINA • 0 dispositivo põe em realce os efeitos da denúncia imotivada do contrato de prestação de serviços pelo contratante ou tomador, obrigando-se, por isso mesmo, perante o prestador dos serviços contratados, a pagar-lhe por inteiro a retribuição vencida e por metade a que lhe tocaria de então ao termo legal do contrato. A norma sobressai, nesses efeitos, a responsa­ bilidade das partes contratantes. Demais disso, a estabilidade nas relações jurídico-contratuais reclama fiel observância às obrigações que delas decorrem, e a principal delas é o respei­ to integral ao ajuste, descabendo, de conseguinte, a dispensa do prestador sem causa eficien­ te a esse agir. • Repete-se a imprecisão terminológica, com o emprego da expressão "despedido sem justa causa" para a denúncia imotivada do contrato.

DIREITO PROJETADO • Pelo exposto acima e nos artigos antecedentes, encaminhamos ao Deputado Ricardo Fiuza pro­ posta de alteração do dispositivo, acolhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002 e reproduzida pelo PL n. 699/2011:

Arts. 604 e 605

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Art. 603. Se denunciado imotivadamente o contrato, pelo contratante, este será obrigado a pagar ao prestador do serviço por inteiro a retribuição vencido, e por metade a que lhe tocaria de então ao termo legal do contrato.

Art. 604. Findo o contrato, o prestador de serviço tem direito a exigir da outra parte a declaração de que o contrato está findo. Igual direito lhe cabe, se for despedido sem justa causa, ou se tiver havido motivo justo para deixar o serviço. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. O texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.230, primeira e se­ gunda partes, do CC de 1916, que trata do contrato de locação agrícola, referido pelo art. 1.222 do CC de 1916 e sem correspondente no CC de 2002.

DOUTRINA • Pelo dispositivo, é determinado que o tom ador do serviço ateste o término do contrato pelo vencimento do seu prazo ou quando o denuncie imotivadamente e, ainda, se o prestador do serviço, por motivo justo, o considerar encerrado. Para o prestador do serviço tal declaração seria de extrema importância - anotam os doutrinadores - em consideração da relevância da faculdade de poder, então, contratar, com outro, o seu serviço específico. • Essa previsão, constante no Código Civil de 1916, versava sobre o denom inado "contrato de locação agrícola", agora reservado à lei especial, afigurando-se a norma, portanto, ociosa ou de pouco uso, no rigor de regular a prestação de serviço ora tratada pelo Código Civil de 2002.

DIREITO PROJETADO • 0 Projeto de Lei n. 7.312, de 7-11-2002, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza, que está arquiva­ do, apresenta nova redação ao dispositivo: Art. 604. Findo o contrato, o prestador de serviço tem direito a exigir da outra parte a declaração de que o contrato está findo. Igual direito lhe cabe, se a outra parte denunciar imo­ tivadamente o contrato, ou se o prestador de serviço tiver motivo justo para deixar o serviço. • A proposição acolhe a sugestão feita pelo Prof. Jorge Salom o quando alerta que o art. 604 não acompanhou a modificação terminológica empreendida nos arts. 602 e 603 do Projeto de Lei n. 6.960 (atual n. 699/2011), no sentido de substituir a expressão "despedida sem justa causa" para "denúncia imotivada", com o melhor técnica aos contratos de direito civil. Para preencher essa pequena lacuna, propõe-se a nova redação. No intuito de evitar confusão na denominação das partes, foram também incluídas no texto as expressões "outra parte" e "prestador de serviço".

Art. 605. Nem aquele a quem os serviços são prestados, poderá transferir a outrem o direito aos serviços ajustados, nem o prestador de serviços, sem aprazimento da outra par­ te, dar substituto que os preste. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­

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Arts. 606 e 607

te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Trata-se de mera repetição do a rt 1.232 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional e técnica.

DOUTRINA • 0 contrato de prestação de serviço é um contrato intui ti personae e, por isso, personalíssimo. A cláusula de proibição de cessão observa esse caráter, impedindo que o recebedor do servi­ ço possa transferir a outrem o direito ao serviço contratado, bem como ao prestador deixar de pessoalmente realizá-lo, cometendo a terceiro a sua execução (terceirização do serviço), salvo se autorizado pelo contratante.

Art. 606. Se o serviço for prestado por quem não possua título de habilitação, ou não satisfaça requisitos outros estabelecidos em lei, não poderá quem os prestou cobrar a retri­ buição normalmente correspondente ao trabalho executado. Mas se deste resultar benefício para a outra parte, o juiz atribuirá a quem o prestou uma compensação razoável, desde que tenha agido com boa-fé. Parágrafo único. Não se aplica a segunda parte deste artigo, quando a proibição da prestação de serviço resultar de lei de ordem pública. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Contempla-se, aqui, a necessária retribuição ou remuneração pelo serviço prestado, quer tenha ou não o prestador do serviço a habilitação técnica adequada para a sua execução. A retribuição se torna exigível, como contraprestação correspondente, certo que o contratante não poderá locupletar-se do trabalho executado, deixando de remunerá-lo no preço habitu­ al à natureza e especificidade do serviço. • O valor será, todavia, atenuado, uma vez que quem o prestou não tenha título de habilitação, não podendo, daí, exigir o preço compatível ao serviço realizado. Desde que tenha atuado de boa-fé, por ignorar a necessidade de algum a habilitação técnica, mesmo que não saiba o contratante da insuficiência de aptidão, o prestador receberá pelo serviço um valor razoável, não existindo, porém, tal obrigação de compensar "quando a proibição da prestação de ser­ viço resultar de lei de ordem pública". A norma tem um sentido profilático, pretendendo inibir a execução de serviços por pessoas não habilitadas, em concorrência com os que reve­ lam uma habilitação especial, e o diferencial de valor da retribuição colima, exatamente, distinguir os desiguais. • A ressalva do parágrafo único objetiva impedir o exercício ilegal de atividade profissional para a qual a lei obriga o atendimento a determinados requisitos. M ais porque certas atividades necessitam de um conhecimento diferenciado, técnico e específico, sob pena de pôr em risco a vida ou o patrimônio das pessoas.

Art. 607.0 contrato de prestação de serviço acaba com a morte de qualquer das partes. Termina, ainda, pelo escoamento do prazo, pela conclusão da obra, pela rescisão do contra­

Art. 608

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to mediante aviso prévio, por inadimplemento de qualquer das partes ou pela impossibili­ dade da continuação do contrato, motivada por força maior. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde, parcialmente, ao art. 1.233 do CCde 1916.

DOUTRINA • A norma elenca as hipóteses de extinção do contrato de prestação de serviços, dispondo sobre as suas causas terminativas. A clareza dos motivos determinantes dispensa maiores comentários. De ver, porém, que a rescisão imotivada opera-se pela denúncia do contrato e não por aviso prévio, em se tratando de contrato civil, e com o tal inclui-se o contrato da prestação de serviço, valendo lembrar, assim, a anotação ao art. 599.

DIREITO PROJETADO • Em consonância com modificações sugeridas a artigos precedentes, a substituição da expressão “aviso prévio" por “denúncia imotivada" apresenta-se conforme a melhor técnica, dai por que oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão no sentido de nova redação do dispositivo, aco­ lhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002 e agora reproduzida pelo PL n. 699/2011: Art. 607. O contrato de prestação de serviço acaba com a morte de qualquer das partes; termina, também, pelo escoamento do prazo, pela conclusão da obra, pela rescisão do contrato mediante denúncia imotivada, por inadimplemento de qualquer das partes ou pela impossibili­ dade da continuação do contrato, motivada por força maior.

Art. 608. Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, hou­ vesse de caber durante dois anos. HISTÓRICO • A redaçào atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.235 do CC de 1916, que trata do contrato de locação agrícola, referido pelo art. 1.222 do CC de 1916 e sem correspondente no Código Civil de 2002.

DOUTRINA • Essa previsão, constante no Código Civil de 1916, versava sobre o denom inado "contrato de locação agrícola", agora reservado à lei especial, impondo pena pecuniária ao aliciador, cor­ respondente ao dobro do que houvesse de receber o locador do serviço durante quatro anos. Diz o art. 1.235 do CC de 1916: "Aquele que aliciar pessoas obrigadas a outrem por locação de serviços agrícolas, haja ou não instrumento deste contrato, pagará em dobro ao locatário prejudicado a importância, que ao locador, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante 4 (quatro anos)". 0 aliciamento, no âmbito penal, é crime tipificado pelo art. 207 do Código Penal. Afigura-se a norma, a exemplo do disposto no art. 604, ociosa ou de pouco uso, no rigor de regular a prestação de serviço ora tratada pelo Código Civil de 2002.

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Arts. 609 e 610

Art. 609. A alienação do prédio agrícola, onde a prestação dos serviços se opera, não importa a rescisão do contrato, salvo ao prestador opção entre continuá-lo com o adquiren­ te da propriedade ou com o primitivo contratante. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por parte da con­ sultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.236 do CC de 1916, com peque­ na melhoria redacional e técnica, substituindo a expressão "locador" por "prestador de serviços".

DOUTRINA • 0 só fato de o prédio agrícola ser alienado não constituirá causa extintiva do contrato de prestação do serviço, onde ali realizado, ficando ao prestador a opção de continuá-lo com o adquirente da propriedade ou com o primitivo contratante, conforme o ditame legal.

C ap ítu lo VIII — DA EMPREITADA Art. 610.0 empreiteiro de uma obra pode contribuir para ela só com seu trabalho ou com ele e os materiais. § A obrigação de fornecer os materiais não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes. § T O contrato para elaboração de um projeto não implica a obrigação de executá-lo, ou de fiscalizar-lhe a execução. HISTÓRICO • A redação atual é praticamente a mesma do projeto, com pequena melhoria de ordem redacional. Corresponde o caput ao art. 1.237 do CC de 1916.

DOUTRINA • A empreitada recebe no Código Civil de 2002 disciplina própria, apartada do gênero locação. Embora o Código não a defina, com o o faz o Código Civil italiano (art. 1.655), é importante realçar alguns avanços introduzidos na moldura desse contrato nominado. As modificações procedidas pela Comissão Supervisora pareceram ao Relator parcial, Prof. Agostinho de A r­ ruda Alvim, em sua Exposição Complementar, perfeitamente satisfatórias, vislumbrando ele, quanto à empreitada, a sua importância econômica e o interesse das firmas construtoras. Dentre elas, cita-se a incluída no caput do art. 614, conferindo o direito do empreiteiro de exigir o pagamento na proporção da obra executada, quando esta constar de partes distintas ou for de natureza das que se determinem por medida. • Conceitualmente pode ser dito que a empreitada é o contrato em que se convenciona a execução de uma determinada obra, obrigando-se o executante, denominado empreiteiro, por seu trabalho ou de terceiros, com ou sem os materiais a ela necessários, perante o empreitante, dono da obra, e de acordo com as instruções deste, que por ela fica obrigado a remunerá-la, independente do tempo necessário, por valor certo ou proporcional aos níveis do seu perfazimento. É contrato bilateral, consensual, comutativo, oneroso e não solene. • Quanto ao modo em que é definida a remuneração, a empreitada apresenta-se em espécies também distintas. A de preço fixo (marché à forfait), que compreende valor prefixado pela

Arts. 611 e 612

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obra em sua totalidade, sem segmentar as atividades de sua execução. A de preço fixo abso­ luto, que não admite variação remuneratória da mão de obra ou do preço dos materiais empregados na obra. A de preço fixo relativo, que permite quantia variável em face do valor de componentes da obra. • A norma cogita, no caput, acerca das duas espécies de empreitada: a de m õo de obra ou de lavor, onde o empreitante na execução fornece apenas o seu trabalho, e a mista, quando concorre o empreitante também com o fornecimento de materiais usados na obra. A dife­ renciação entre elas provoca efeitos jurídicos distintos, no tocante aos riscos da coisa em­ preitada. Assim, quando o empreiteiro fornece os materiais, correm por sua conta os riscos até o momento da entrega da obra (art. 611). Se, entretanto, o empreiteiro só fornece a mão de obra, todos os riscos, em que não tiver culpa, correrão por conta do dono (art. 612). • A obrigação de o empreiteiro fornecer materiais nào é presumida. Resulta, pois, de previsão legal ou de cláusula contratual que sobre ela disponha. Trata-se do contrato de empreitada onde se almeja a execução de toda a obra (empreitada global), nela se compreendendo, por­ tanto, os materiais utilizados. Outra solução oportuna dada pelo CC de 2002 diz respeito a distinguir, com nitidez, o objeto do contrato, ficando assente que da elaboração de um pro­ jeto contratado não resulta a obrigação de executá-lo ou de fiscalizar-lhe a execução, ativi­ dades específicas e não inerentes ao projeto em si mesmo.

Art. 611. Quando o empreiteiro fornece os materiais, correm por sua conta os riscos até o momento da entrega da obra, a contento de quem a encomendou, se este não estiver em mora de receber. Mas se estiver, por sua conta correrão os riscos. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.238 do CC de 1916.

DOUTRINA • Quando o empreiteiro fornece os materiais, suas ordens de responsabilidade pelos riscos da coisa empreitada, até o momento de sua entrega, são colocadas pela norma. Fornecedor do material, responde ele pela boa qualidade do conjunto de formação da obra contratada, sujeitando-se aos riscos, a exemplo de suportar os prejuízos por eventual acidente que a comprometa. Leciona, com razão, Darcy de Arruda Miranda, pela equivalência da empreitada, com fornecimento de mão de obra e de materiais, ao contrato de compra e venda, assim: "antes da entrega da obra não há tradição, e o dono dos materiais é o empreiteiro, que arca com os riscos até que ela se efetive". • Entretanto, se o empreitante estiver em mora de receber, cessa a responsabilidade daquele, correndo, então, referidos riscos, por sua exclusiva conta, tal com o sucede na compra e ven­ da (art. 492, § 2®, do CC de 2002). Os riscos não correm mais por igual entre as partes, quan­ do o empreitante estiver em mora de receber, conforme dispunha o art. 1.238 do CC de 1916, excetuando os princípios gerais de responsabilidade. Note-se, p. ex., a regra do § 2° do art. 1.127 do Código Civil de 1916, que dispõe diferentemente. 0 CC de 2002 corrigiu a exceção ali prevista, atendendo a melhor doutrina, já defendida no Código francês (art. 1.788). Advir­ ta-se, afinal, que, moroso o empreitante, caberá ao empreiteiro depositar judicialmente a obra concluída, observado o art. 615, forrando-se da isenção de responsabilidade.

Art. 612. Se o empreiteiro só forneceu mão de obra, todos os riscos em que não tiver culpa correrão por conta do dono.

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Art. 613

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.239 do CC de 1916.

DOUTRINA • Corre por conta do empreitante ou comitente a responsabilidade sobre os riscos da obra, quando se tratar de empreitada de lavor, desde que não haja culpa do empreiteiro. Particularizando a questão, essa responsabilidade diz respeito unicamente sobre a coisa, a incidir a hipótese de perda ou deterioração da obra empreitada. Entretanto, no que pertine à execução, isto é, à mão de obra, o empreiteiro responderá por ela.

JULGADO • "Acidente do trabalho. Indenização com base no direito comum. Contrato de empreitada. Respon­ sabilidade do empreitante. No contrato de empreitada, o empreitante somente responde solida­ riamente, com base no direito comum, pela indenização de acidente sofrido por trabalhador a soldo do empreiteiro, nos casos em que seja também responsável pela segurança da obra, ou se contratou empreiteiro inidôneo ou insolvente. 0 empreiteiro não é, de regra, preposto do emprei­ tante. Não incidência do art. 1.521 do CC. Recurso especial conhecido pela alínea c, mas ao qual é negado provimento" (STJ, 4* T., REsp 4.954/MG, Rei. Min. Athos Carneiro, DJ, 10-12-1990).

Art. 613. Sendo a empreitada unicamente de lavor (art. 610), se a coisa perecer antes de entregue, sem mora do dono nem culpa do empreiteiro, este perderá a retribuição, se não provar que a perda resultou de defeito dos materiais e que em tempo reclamara contra a sua quantidade ou qualidade. HISTÓRICO • O presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto, apenas para aprimorar a linguagem. Substituiu-se a palavra "salário" por "retribuição". Corresponde ao art. 1.240 do CC de 1916, com pequena melhoria de redação.

DOUTRINA • Defronta-se o legislador a regular sobre o perecimento da coisa, antes de sua entrega ao dono da obra, sem ele se achar incurso em mora e inexistindo culpa do empreiteiro. Este, porém, fica obrigado, para efeito de perceber a remuneração devida pela mão de obra, a provar a causa do perecimento no fato da quantidade insuficiente ou da má qualidade ou defeito dos materiais usados, e que, a par disso, houve em tempo hábil reclamado sobre tais deficiências. • Reconhecido o direito do empreiteiro em receber a retribuição, porquanto o perecimento tenha resultado dos fatos por ele denunciados, sobreleva anotar acerca do valor da remune­ ração. Na doutrina de Maria Helena Diniz, “se a perda resultou da má qualidade do material, o empreiteiro terá direito à remuneração avençada" (Curso c/e direito civil brasileiro; teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3, p. 257). Entenda-se, em minúcia: até o nível em que a obra fora executada [RT, 254/486), o que cor­ responde á justa retribuição.

JULGADO • “Responsabilidade do engenheiro. Desabamento de prédio em construção. Embora somente con­ correndo com o serviço, e recebendo do dono da obra os materiais a serem empregados, o enge­ nheiro contratado para elaborar o projeto e fiscalizar a construção é civilmente responsável pelo

Art. 614

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evento danoso, pois era de seu dever examinar os materiais empregados, tais como os tijolos, e recusá-los se frágeis ou defeituosos" (STJ, 41 T., REsp 8.410/SP, Rei. Min. Athos Carneiro, DJ, 9-121991).

Art. 614. Se a obra constar de partes distintas, ou for de natureza das que se determi­ nam por medida, o empreiteiro terá direito a que também se verifique por medida, ou se­ gundo as partes em que se dividir, podendo exigir o pagamento na proporção da obra exe­ cutada. § 1? Tudo o que se pagou presume-se verificado. § 2- O que se mediu presume-se verificado se, em trinta dias, a contar da medição, não forem denunciados os vícios ou defeitos pelo dono da obra ou por quem estiver incum­ bido da sua fiscalização. HISTÓRICO • "Art. 614. Se a obra constar de partes distintas, ou for das que se determinam por medida, o em­ preiteiro terá direito a que também se verifique por medida, ou segundo as partes em que se di­ vidir, podendo exigir o pagamento na proporção da obra executada". Esta era a redação original do dispositivo quando de seu encaminhamento ao Senado, onde, a partir da Emenda de n. 49, o Senador Josaphat Marinho promoveu a presente alteração com o intuito de melhorar a linguagem do texto. Corresponde ao art. 1.241 do CC de 1916.

DOUTRINA • Observe-se que o empreiteiro pode exigir o pagamento de parte da execução do seu serviço, se a obra tiver compartimentos separados ou se for das que podem ser averiguadas por me­ didas. Tem-se, no primeiro caso, a empreitada de obra de partes distintas, cuja independência eqüivale a obras autônomas. No segundo, cuida-se da empreitada ad mensuram, cabendo a entrega parcial da coisa empreitada, segundo a conclusão da obra, em suas respectivas etapas. 0 pagamento importa na presunção da verificação do serviço pelo empreitante, certo que se a constatação se der por partes da obra e houve o pagamento do serviço que estava findo, para vistoria, presume-se que ele estava a contento do dono da obra e com isso o empreitei­ ro dar por entregue a parte concluída. • Do mesmo modo, se a obra for de natureza que se determine por medida, existe a presunção de que o que se mediu resultou verificado, estando de acordo com a expectativa do dono da obra, se, em trinta dias, após a verificação, não forem por ele, ou por quem estiver incumbi­ do da sua fiscalização, denunciados o s vícios ou defeitos que a obra possa apresentar. Nesse âmbito, é lapidar a consideração de A m old o Wald: “O pagamento da obra faz presumir a verificação da mesma pelo dono" (Curso de direito civil brasileiro; obrigações e contratos, 14. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 407).

JDLGADO • A jurisprudência tem avaliado a questão, tendo em conta as circunstâncias especificas: "Ação de reparação de danos. Indenização em razão de descumprimento contratual que deixou a obra inacabada. Despesas efetivadas para a devida complementaçáo. Recebimento do serviço e seu pagamento. Inconelusa a obra contratada apesar do recebimento total do preço por parte da empreiteira, legitima a verba indenizatória objeto da condenação para cobrir os gastos necessários experimentados com outrem para a respectiva complementaçáo. 0 pagamento antecipado da empreitada não constitui presunção de acerto final, máxime se o recebimento do serviço foi pro­ visório, em razão da referida inexecução" (TJDF, 1*T. Cível, AC 2.943.193-DF, Rei. Des. Eduardo de Moraes Oliveira, DJU, 10-11-1993).

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Arts. 615 a 617

Art. 615. Concluída a obra de acordo com o ajuste, ou o costume do lugar, o dono é obrigado a recebê-la. Poderá, porém, rejeitá-la, se o empreiteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos dados, ou das regras técnicas em trabalhos de tal natureza. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.242 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • É imposta, por lei, ao dono da obra, a obrigação de recebê-la por ato de sua conclusão, es­ tando ela conforme ao que fora contratado ou de acordo com o costume local. Não poderá recusá-la sem justo motivo, incorrendo em mora o comitente, com os efeitos a ela inerentes, podendo, destarte, o empreiteiro, ante a recusa, efetuar a entrega sob depósito judicial. • O enjeitamento ou rejeição da obra empreitada dar-se-á possível quando o empreiteiro tenha desatendido as instruções recebidas e os planos a ele entregues, ou afrontado, na execução, as regras técnicas aplicáveis. 0 empreitante poderá, facultativamente, adotar a solução de receber a obra, com o abatimento do preço, segundo o permissivo do artigo subsequente. • A doutrina sustenta que a receptividade da obra não exclui, ao seu dono, o direito de pleite­ ar a correção dos defeitos que forem, no futuro, evidenciados (vícios ocultos), ou exigir a indenização cabível, isto porque o empreiteiro de materiais e execução responde pela solidez e segurança do trabalho, segundo o prazo de garantia (art. 618).

Art. 616. No caso da segunda parte do artigo antecedente, pode quem encomendou a obra, em vez de enjeitá-la, recebê-la com abatimento no preço. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.243 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • A norma cogita do emprego analógico do que concerne à faculdade prevista no art. 442, no tocante aos vícios redibitórios. O abatimento do preço atenderá, sem dúvida, em sua expres­ são econômica, ao necessário das despesas com a correção dos defeitos de execução, servin­ do para adequar a obra ao plano inicialmente previsto e ajustado. • Assistindo ao dono da obra, desde que a empreitada tenha se afastado das instruções for­ necidas, dos planos dados ou das regras técnicas, recebê-la com o abatimento do preço, uma vez não exercendo a faculdade e não a rejeitando, ocorre o recebimento tácito e definitivo do serviço, caso em que os vícios de natureza aparente, facilmente verificáveis, ficarão in­ teiramente cobertos pelo ato do recebimento, pondo fim a toda responsabilidade do em­ preiteiro.

JULGADO • Neste sentido: AC 1.761-DF, TJDF, 1a Turma Civel, Rei. Des. Cândido Colombo, DJ, 22-3-1971.

Art. 617.0 empreiteiro é obrigado a pagar os materiais que recebeu, se por imperícia ou negligência os inutilizar.

Art. 618

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HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.244 do CC de 1916, eom melhoria de ordem técnica, fazendo incluir também como causa da obrigação a negligência, conferindo-lhe, assim, maior campo de aplicação.

DOUTRINA • Nos contratos de empreitada, apenas de lavor, cumpre ao dono da obra fornecer o material, e compete ao empreiteiro usá-lo da melhor forma possível, não podendo inutilizá-lo, depre­ ciá-lo ou perdê-lo, por imperíeia ou negligência, sob pena de reposição ou do pagamento do material nào acautelado. • Essa obrigação subsiste, ainda no caso em que a obra for enjeitada. Recolhe-se, aqui, a lição de João Luís Alves: "O texto é uma conseqüência dos princípios estabelecidos: o empreiteiro é obrigado a restituir os materiais alheios, em espécie, ou na obra feita. Se os deixa perecer ou inutilizar por culpa sua, na qual se compreende a imperíeia, porque a ninguém é lícito assumir obrigações de fazer aquilo que ignora, é claro que responderá pela perda ou deterio­ ração (...). Essa responsabilidade existe, quer os materiais tenham sido empregados na obra, quer nào; abrange ainda o caso em que a obra for enjeitada (art. 1.242), devendo o emprei­ teiro demoli-la" (Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil anotado, Rio de Janeiro, F. Briguiet & Cia. Editores Livreiros, 1917, p. 851-2).

Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo. Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito. HISTÓRICO • O dispositivo em tela foi emendado pela Câmara no período inicial de tramitação apenas para inclusão do vocábulo "irredutível". Entendeu o legislador, como meio de assegurar a defesa do dono da obra, contra as manobras de algum empreiteiro malicioso, o acréscimo do vocábulo após a alusão do tempo. Corresponde ao art. 1.245 do CC de 1916.

DOUTRINA • É preciso considerar, de imediato, que o prazo qüinqüenal, previsto no caput do artigo, é prazo de garantia da solidez da obra e da responsabilidade do empreiteiro pelo trabalho que tenha executado, independente de culpa, “nào se reportando ao exercício que essa garantia venha a se fundamentar. Este, a seu turno, é estabelecido pelo prazo prescricional comum de 20 anos" (STJ, 3*T., REsp 161.351/SC, Rei. Min. Waldemar Zveiter, DJ, 3-12-1998). Com efeito, repita-se, o prazo de que cuida o caput "é de garantia e não de prescrição" (STJ. 3* T., REsp 37.556/SP, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, DJ, 13-3-1985). Diante do que dispõe o art. 205 do CC de 2002, a prescrição não é mais vintenária, ocorrendo em dez anos. • 0 parágrafo único tem consonância com o § 1ô do art. 445, no tocante aos vícios redibitórios, com o prazo decadencial, contado do momento em que deles tiver ciência o comitente ou terceiro adquirente da coisa empreitada. No entanto, a jurisprudência tem efetuado sólida e ponderada distinção, a acentuar o sentido da norma, senão vejamos o julgado paradigma seguinte: "Prazo qüinqüenal de garantia deve ser interpretado e aplicado tendo em vista as realidades da construção civil nos tempos atuais. Defeitos decorrentes do mau adimplemen-

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Art. 619

to do contrato de construção, e prejudiciais à utilização das unidades de moradia, não consti­ tuem vícios redibitórios, e sua reparação pode ser exigida no prazo vintenário. Não incidência do art. 178, § 5», IV, do Código Civil aos casos em que o defeito, na coisa imóvel, não se ca­ racteriza com o vício redibitório" (STJ, 4* T., REsp 32.676/SP, Rei. para Acórdão Min. Fontes de Alencar, DJ, 16-5-1994). • Para melhor compreensão, impende, ainda, afirmar que a responsabilidade qüinqüenal por garantia, a que responde o empreiteiro e construtor, é objetiva e, conforme assinala com precisão A m old o Wald, "existe sem prejuízo da ação contratual com prazo prescricional de vinte anos (agora, dez) que o dono tem contra o construtor. A garantia por cinco anos signi­ fica que durante mencionado prazo, independentemente de qualquer prova de culpa, have­ rá responsabilidade do construtor. É um caso de culpa presumida, sem prejuízo do exercício posterior da ação, provando-se a culpa do empreiteiro" (Curso de direito civil brasileiro; obrigações e contratos, 14. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais. 2000, p. 409). Para esse fim, o construtor é responsável perante quem com ele contratou e igualmente perante quem adquiriu o imóvel do anterior dono da obra (STJ, 4* T., REsp 7.363/SP). De todo o exposto, decorre lógica a conclusão que a introdução do parágrafo único não se faz controvertida, porquanto limita-se a aludir vício redibitório, tal como já proclamou, por identidade de razões, o reportado REsp 32.676/SP e copiosa jurisprudência a respeito. • Sobre a questão do prazo contido no parágrafo único do art. 618 explica José Fernando Simào que o texto legal apenas informa que "decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra", mas não esclarece qual o direito que sofrerá a decadência. Assim, duas são as possíveis opiniões sobre o tema. 0 prazo de 180 dias seria aquele para o desfazimento do contrato nos moldes da disciplina referente aos vícios redibitórios ou seria aquele para que o dono da obra pleiteasse as perdas e danos decorrentes? Tendo em vista a natureza decadencial do prazo, conclui Sim ào que o prazo é realmente para o desfazimento do negócio (confira-se o Enun­ ciado n. 181 do Conselho da Justiça Federal), sendo que o prazo para se pleitear perdas e danos é de 3 anos contados da data em que ocorreu o prejuízo, nos termos do artigo 206, § 3o, V, do Código Civil (Questões controvertidas, v. 4, Método, coord. Jones Figueirêdo Alves e M ário Luiz Delgado, 2005, p. 379-80).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 181, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “0 prazo referido no art. 618, parágrafo único, do CC refere-se unicamente à garantia prevista no caput, sem prejuízo de poder o dono da obra, com base no mau cumprimento do contrato de empreitada, demandar perdas e danos".

SÚMULA • Súmula 194 do STJ: "Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra"

JULGADOS • "Empreitada. Construção. Garantia. Sentido abrangente da expressão solidez e segurança do tra­ balho (CC de 1916, art. 1.245), não se limitando à responsabilidade do empreiteiro às hipóteses em que haja risco de ruína da obra. Precedentes" (STJ, 3*T., REsp 82.472/RJ, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, DJ, 16-2-1998). • "Venda de coisa futura a ser construída pelo vendedor. Equiparação à empreitada, incidindo o disposto no art. 1.245 do CC de 1916" (STJ, 3* T., REsp 27.223/RJ, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, DJ, 15-8-1994).

Art. 619. Salvo estipulação em contrário, o empreiteiro que se incumbir de executar uma obra, segundo plano aceito por quem a encomendou, não terá direito a exigir acrésci-

Art. 619

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mo no preço, ainda que sejam introduzidas modificações no projeto, a não ser que estas resultem de instruções escritas do dono da obra. Parágrafo único. Ainda que não tenha havido autorização escrita, o dono da obra é obrigado a pagar ao empreiteiro os aumentos e acréscimos, segundo o que for arbitrado, se, sempre presente à obra, por continuadas visitas, não podia ignorar o que se estava passan­ do, e nunca protestou. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. O texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.246 do CC de 1916. Em relação ao texto do Código Civil de 1916, acrescentou-se ao caput o parágrafo único, o qual confere maior esclarecimento ao texto legal, além de prevenir com destreza mais uma situação da qual poderia resultar uma lide.

DOUTRINA • Na empreitada a preço fixo, estabelecido o seu valor para a totalidade da obra, não poderá o empreiteiro exigir a alteração do preço, ainda que arrimado em modificações nela introdu­ zidas. 0 preço vincula-se definitivo e confortado ao projeto original, ficando o executante da obra a ele obrigado. Entretanto, se as alterações resultaram de instruções escritas do dono da obra, o acréscimo no preço poderá ser reclamado, porquanto representarem aquelas uma estipulação adicional a permitir o congruente reajuste. • A jurisprudência tem flexibilizado a norma, ao admitir a emenda do preço, aplicando ao contrato de empreitada a teoria da imprevisão, pela superveniência de fato extraordinário ou imprevisível, sobrecarregando o custo do material e dos encargos da obra. A reconciliação do preço, baseada na cláusula rebussicstantibus, tem sido aclamada, bastando lembrar julgado do STF, de 1964, no qual se afirma: "Cláusula rebus sic stantibus. A cláusula aplica-se aos contratos de empreitada. A cláusula só ampara o contratante contra alterações fundamentais, extraordinárias das condições objetivas, em que o contrato se realizou" (STF, 2* T., RE 56.960/ SP, Rei. Min. Hermes Lima, DJ, 8-12-1964). • A introdução do parágrafo único é saudável, preceituando, expressamente, a possibilidade da correção do preço por modificações assentidas tacitamente pelo comitente e dono da obra. Tem arrimo em julgados pioneiros e, a propósito, vale referir o discernimento de julgado da 1* Câm. Cível do TJDF (AC 31.306, de 10-8-1955, R F 164/217-219), bem lembrado por Rena­ to José de Moraes: "Destarte, em face dessa solução jurisprudencial, se há por ter por enun­ ciado o princípio geral segundo o qual o empreiteiro tem direito de ação para haver o custo das obras acrescidas, mesmo que a sua realização não haja sido autorizada por escrito, se o vulto, a espécie e as condições da mão de obra e do fornecimento dos materiais são de tal natureza que permitem a conclusão de que não poderiam ter sido realizadas sem pleno co­ nhecimento do dono da obra. Do contrário, o demasiado apego ao rigor arcaico da disposição contida no art. 1.246 do Código Civil iria permitir o enriquecimento ilícito do dono da obra" (Cláusula “rebus sic stantibus“, São Paulo, Saraiva, 2001, p. 222).

JULGADO • "Exigir, rigorosamente, autorização escrita do dono da obra em todos os casos de acréscimo, im­ portaria locupletamento com a jactura alheia" (STF, RE 11.442, Rei. Min. Luís Gallotti, 26-12-1949; RF, 569/93-4).

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Arts. 620 e 621

Art. 620. Se ocorrer diminuição no preço do material ou da mão de obra superior a um décimo do preço global convencionado, poderá este ser revisto, a pedido do dono da obra, para que se lhe assegure a diferença apurada. HISTÓRICO • Da observação do texto original do projeto proposto pela Câmara, tal era a redação do artigo em comento: “Art. 620. Se ocorrer diminuição no preço do material ou da mão de obra, superior a um décimo do preço global convencionado, poderá este ser revisto, a pedido do dono da obra, mas apenas quanto ao que exceder aquela parcela, feita a atualização dos valores monetários". Com as alterações empreendidas pelo Senado, através do Senador Gabriel Hermes, houve uma substi­ tuição de expressões a fim de permitir a permanência do dispositivo no corpo do projeto. A justi­ ficativa senatorial foi a seguinte: “Não se deve considerar apenas a 'desvalorização da moeda', para admitir a revisão de valores convencionados. Outros fatores, e imprevisíveis, poderão ocorrer, gerando o desequilíbrio das prestações e justificando o reajustamento delas. Cumpre, porém, alterá-lo mais. Prevendo que ocorra ‘diminuição no preço do material ou mão de obra superior a um décimo do preço global convencionado', admite que ‘este poderá ser revisto, a pedido do dono da obra, mas apenas quanto ao que exceder aquela parcela'. Não é clara a alusão 'ao que exceder aquela parcela’, até porque se prevê ‘diminuição no preço do material ou da mão de obra', e a revisão deve beneficiar o ‘dono da obra'". Diante disso, dá-se nova redação ao artigo, para evitar, seguramente, que haja enriquecimento indevido por quem executa a empreitada. • Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • De fato, consiste este artigo na aplicação do princípio da eticidade que regula o Código, obstando o enriquecimento sem causa. Não se pode negar a necessidade de estabelecer meios para a realização de um reequilíbrio econômico do contrato, no referente ao quantum do preço, se eventual mudança substancial do valor ensejar excessiva vantagem para o emprei­ teiro, com conseqüente prejuízo ao dono da obra. A revisão contratual se impõe para corrigir o preço, assegurando-se ao empreitante a diferença apurada em seu favor, no que compre­ ende o abatimento do valor do preço. Nesses casos, não prevalecerão o preço fixo ou o preço fixo absoluto, em homenagem ao princípio da harmonia econômica do contrato. • Por outro lado, escusado dizer, em todos os casos, a exigibilidade da correção monetária decorrerá, sempre, da razão de nào se poder comprometer a base econômica do contrato, em face do desequilíbrio econômico-financeiro superveniente, com o o resultante de plano eco­ nômico de governo, haja ou não cláusula de reajustamento. Neste sentido: STJ, 2* T., REsp 52.696-DF, Rei. Min. Ari Pargendler, DJ, 3-2-1997. Assim, se houver aumento excessivo no preço do material ou da mão de obra, ter-se-á incidente a teoria da imprevisão, conforme referido em anotação ao artigo anterior.

Art. 621. Sem anuência de seu autor, não pode o proprietário da obra introduzir modi­ ficações no projeto por ele aprovado, ainda que a execução seja confiada a terceiros, a não ser que, por motivos supervenientes ou razões de ordem técnica, fique comprovada a incon­ veniência ou a excessiva onerosidade de execução do projeto em sua forma originária. Parágrafo único. A proibição deste artigo não abrange alterações de pouca monta, ressalvada sempre a unidade estética da obra projetada. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

Arts. 622 e 623

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DOUTRINA • A lei reconhece a autoridade técnica do autor do projeto para nào tolerar venha a sua criação ser alterada, pelo dono da obra, afetando-lhe o conteúdo. As modificações introduzidas podem, inclusive, comprometer a segurança da obra. De sorte que somente autorizado o comitente, pela anuência daquele, o projeto obterá nova caracterização. Duas exceções são reconhecidas, todavia, na dicção legal: a) a inconveniência da execução do projeto original, por motivos supervenientes ou por razões técnicas; b) a excessiva onerosidade que se revele para a execução do referido projeto. • Na ressalva da lei, prescinde o dono da obra de autorização prévia do projetista. Em todo caso, tais fatos haverão de ser rigorosamente provados. Dir-se-á como inconveniência superve­ niente aquela indicada por determinadas situações sobrevindas que revelem a inviabilidade de sua execução aos fins propostos, diante do projeto original. Por razões técnicas, serão as reconhecidas por técnico de igual qualificação do autor do projeto. Por outro lado, quando a execução acarretar excessiva onerosidade, o projeto poderá ser adaptado a impedi-la, sem que para isso o seu autor precise oferecer o seu assentimento. 0 parágrafo único afasta a incidência da norma, toda vez que as alterações procedidas forem de pequena ou nenhuma importância, preservando-se, ainda assim, a unidade estética da obra projetada.

Art. 622. Se a execução da obra for confiada a terceiros, a responsabilidade do autor do projeto respectivo, desde que não assuma a direção ou fiscalização daquela, ficará limi­ tada aos danos resultantes de defeitos previstos no art. 618 e seu parágrafo único. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A norma regula e distingue as responsabilidades de cada interveniente no plano e execução da obra: o projetista, o empreiteiro de materiais e o de execução, tendo consonância com o disposto no § 2° do art. 610. A responsabilidade do autor do projeto, no que lhe compete, limita-se aos danos resultantes dos defeitos previstos no art. 618, pois que responde pela qualidade, solidez e segurança do trabalho elaborado.

Art. 623. Mesmo após iniciada a construção, pode o dono da obra suspendê-la, desde que pague ao empreiteiro as despesas e lucros relativos aos serviços já feitos, mais indeni­ zação razoável, calculada em função do que ele teria ganho, se concluída a obra. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.247 do CC de 1916.

DOUTRINA • A execução da obra, frustrada pelo seu dono, assegura ao empreiteiro haver as despesas e a remuneração proporcional aos serviços realizados. Acresce ao fato o dever de indenizar. 0 mestre Clóvis Beviláqua acentua: "A rescisão da empreitada pelo dono da obra lhe acarreta, em regra, a obrigação de indenizar o empreiteiro das despesas, do trabalho feito e dos lucros que poderia ter, se concluída a obra" (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil com m entado, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1917, p. 431).

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Art. 624

• Nào mais são referidas as justas causas do rol do art. 1.229 do CC de 1916, que, em geral, nào guardam identidade com a empreitada e pareciam indicar uma adequação ao sistema ali indicado. A ratio legis preponderante é clara, demonstrando depender a rescisão unilateral do contrato, pelo dono da obra, do pagamento das despesas e do serviço, além da indeniza­ ção compatível ao que o empreiteiro deixou, razoavelmente, de receber, se prosseguisse com a empreitada avençada. • Pondera observar o emprego incorreto do vocábulo "suspensão", inserido na norma, a sugerir paralisação episódica da obra, como se esta pudesse ter seguim ento futuro. 0 seu sentido dúbio merece correção. Suspensão é um adiamento da execução, ou execução protraída no tempo, diferindo o término da obra, por retardo ditado na iniciativa do comitente. Na evi­ dência de que a norma institui uma indenização calculada em função da obra concluída, isto quer significar, obviamente, a rescisão unilateral do contrato, e nào, a rigor, a mera suspensão do prazo contratual ou da execução em si mesma.

DIREITO PROJETADO • A dubiedade do vocábulo "suspensão" reclama seja dada ao dispositivo redação que melhor cor­ responda à colocação da matéria ora tratada pelo dispositivo, motivo por que oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão, acolhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002 e agora reproduzida pelo PL n. 699/2011: Art. 623. Mesm o apôs iniciada a construção, pode o dono da obra rescindir unilateralmente o contrato, desde que pague ao empreiteiro as despesas e lucros relativos aos serviços já feitos, mais indenização razoável, calculada em função do que ele teria ganho, se concluída a obra.

Art. 624. Suspensa a execução da empreitada sem justa causa, responde o empreiteiro por perdas e danos. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 presente dispositivo também trata da rescisão unilateral da empreitada, agora por parte do empreiteiro. Pressupõe os casos de rescisão injusta. Desse modo, o desfazimento do vinculo obrigacional impõe ao empreiteiro desistente a obrigação de responder por perdas e danos decorrentes da rescisão. Necessário observar, contudo, o que esclarece, com precisão, o Prof. Agostinho Alvim: “o primeiro requisito do dever de indenizar é o dano. (...) Ainda mesmo que haja violação de um dever jurídico e que tenha existido culpa e até mesmo dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que nào se tenha verificado prejuízo. Esta regra decorre dos princípios, pois a responsabilidade independentemente de dano redun­ daria em mera punição do devedor, com invasão da esfera do direito penal" (Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, São Paulo, Saraiva, 1949, p. 162). Com efeito, o título indenizatório, abrangendo o dano emergente e os lucros cessantes, haverá de ser constituído pelo pressuposto necessário e imprescindível da demonstração do dano (RT, 575/133). • Repetem-se as considerações feitas ao artigo anterior quanto à impropriedade de "suspensão", na hipótese aqui cogitada, pois representa, a rigor, rescisão unilateral da empreitada por parte do empreiteiro.

DIREITO PROJETADO • Em face do exposto, apresentamos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão, acolhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002 e agora reproduzida pelo PL n. 699/2011:

Arts. 625 e 626

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Art. 624. A rescisão injustificada do contrato dc empreitada, pelo empreiteiro, o obriga a responder por perdas e danos.

Art. 625. Poderá o empreiteiro suspender a obra: I — por culpa do dono, ou por motivo de força maior, II — quando, no decorrer dos serviços, se manifestarem dificuldades imprevisíveis de execução, resultantes de causas geológicas ou hídricas, ou outras semelhantes, de modo que torne a empreitada excessivamente onerosa, e o dono da obra se opuser ao reajuste do preço inerente ao projeto por ele elaborado, observados os preços; III — se as modificações exigidas pelo dono da obra, por seu vulto e natureza, forem desproporcionais ao projeto aprovado, ainda que o dono se disponha a arcar com o acrésci­ mo de preço. HISTÓRICO • O presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto, apenas para aprimorar a linguagem. Substituiu-se, no inciso II, a palavra “imprevistas" por "imprevisíveis". Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 dispositivo envolve os casos da rescisão motivada ou justa do contrato de empreitada, por parte do empreiteiro, que nas situações nele previstas isenta-se da responsabilidade de res­ ponder por perdas e danos. 0 empreiteiro poderá dar por findo o contrato pelas razões enumeradas nos incisos, não incidindo em qualquer culpa pela frustração da empreitada. Assim ocorrerá: a) por culpa exclusiva do comitente; b) por motivo de força maior; c) pelo advento da onerosidade excessiva, decorrente de dificuldades imprevisíveis de execução da empreitada que resultem de causas geológicas, hídricas ou outras a elas assemelhadas, quan­ do o dono da obra resistir ao reequilíbrio contratual, não aceitando, nesse fim, o reajuste do preço pactuado; d) quando as alterações ao plano original da obra, exigidas pelo comitente, por seu vulto e natureza, forem àquele desproporcionais, ainda que com a exigência preten­ da o dono da obra arcar com o acréscimo de preço. • Pelas mesmas razões anteditas (arts. 623 e 624), aqui não se trata de suspender mas de res­ cindir.

DIREITO PROJETADO • Em face do acima exposto, encaminhamos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão, aco­ lhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002 e agora reproduzida pelo PL n. 699/2011, quanto ao caput deste artigo: Art. 625. Poderá o empreiteiro rescindir o contrato, motivadamente:

Art. 626. Não se extingue o contrato de empreitada pela morte de qualquer das partes, salvo se ajustado em consideração às qualidades pessoais do empreiteiro. HISTÓRICO • A redaçào atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

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Arts. 627 e 628

DOUTRINA • Sabido que a lei dispõe aeerea dos casos de extinção do contrato, figurando como ordinário e comum o que decorre da conclusão da obra, a norma acentua nào ocorrer a extinção da empreitada pelo evento morte de qualquer das partes, quando nào for o contrato celebrado intui tu personae. Assim, se na formação do contrato nào se levaram em conta as qualidades pessoais do empreiteiro, os seus sucessores darão continuidade è execução da obra.

C ap ítu lo IX — DO DEPÓSITO

Seção I — Do depósito voluntário Art. 627. Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto para supressão do parágrafo único, que tinha a seguinte redação: "Parágrafo único. Este contrato é gratuito, mas as partes podem especificar que o depositário seja gratificado". Trata-se de mera repetição do art. 1.265 do CC de 1916, com a supressão do parágra­ fo único.

DOUTRINA • 0 depósito pode ser conceituado com o o contrato pelo qual uma determinada pessoa, deno­ minada depositário, recebe de uma outra, depositante, um certo objeto móvel para guardar gratuita e temporariamente e, quando reclamado, restituí-lo ao depositante, com o deflui da lição de Ari Ferreira de Queiroz (Direito civil; direito das obrigações, Goiânia, Editora Jurídica IEPC, 1999, p. 160). • Convém lembrar, ainda, a clássica definição: UÉ negócio feito no interesse do depositante e, com efeito, surge no campo do direito como um favor prestado a um am igo (un officc d'ami\, para quem, com zelo, se guarda um objeto por ele entregue" (Silvio Rodrigues, Direito civil; dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, p. 256). • A s suas principais características estão presentes na reportada definição; assim, o depósito é contrato unilateral, gratuito, real, intuitu personae, não solene e temporário.

Art. 628.0 contrato de depósito é gratuito, exceto se houver convenção em contrário, se resultante de atividade negociai ou se o depositário o praticar por profissão. Parágrafo único. Se o depósito for oneroso e a retribuição do depositário não constar de lei, nem resultar de ajuste, será determinada pelos usos do lugar, e, na falta destes, por arbitramento. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto, apenas para aprimorar a linguagem. Corresponde ao parágrafo único do art. 1.265 do CC de 1916 e manteve, com alguma ampliação, o que tal dispositivo já assegurava.

Art. 629

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DOUTRINA • Com o sublinha o dispositivo em comento, o depósito voluntário é naturalmente gratuito, permitindo-se, porém, haja convenção no sentido de se estipular uma gratificação ao depo­ sitário, sem que tal ajuste deturpe a natureza do contrato. • A graciosidade é característica própria do contrato de depósito civil. 0 depósito mercantil, por sua vez, possui natureza essencialmente remuneratória. É o que exalta a doutrina: "N o comércio, presume-se, pois, o pagamento de comissão ao depositário, ainda quando nào estipulada" (W ashington de Barros Monteiro, Curso de direito civil; direito das obrigações, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2, p. 229-30). Assim, prevê o CC de 2002 que o contrato de depósito é gratuito, exceto (...) se resultante de atividade negociai - com o a guarda de di­ nheiro em banco - ou se o depositário o praticar por profissão - com o a guarda de merca­ dorias em estabelecimentos especializados, ou em caso de convenção expressa em contrário. São as exceções previstas em lei à gratuidade, em regra, do contrato de depósito. • 0 parágrafo único estabelece, outrossim, que, em caso de depósito oneroso, desde que a re­ tribuição do depositário nào conste de lei nem de convenção ajustada entre as partes, essa retribuição será determinada pelos usos do lugar, que se baseiam “na prática longamente observada em determinadas relações (...), a praxe aceita unanimemente" (José Náufel, N ovo dicionário jurídico brasileiro, 7. ed., São Paulo, Parma, 1984, p. 390), e, em sua falta, por ar­ bitramento, que é a estimativa feita por pessoa escolhida pelas partes para atribuir e fixar o valor pecuniário da retribuição cabível.

Art. 629.0 depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante. HISTÓRICO • A redaçào atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.266 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • Do dispositivo em comento extraem-se as três obrigações fundamentais do depositário: a) guardar a coisa, o que é inerente e essência do contrato de depósito; b) conservá-la da mes­ ma forma com que atua na preservação das suas coisas próprias; c) restituí-la assim que re­ clamada pelo depositante. • A lei, tutelando a pessoa do depositante contra eventual depositário infiel, impõe o presente preceito, através do qual sujeita o depositário a proceder na conformidade das expectativas daquele, expressando, afinal, a obrigatoriedade da restituição da coisa depositada e na forma em que se encontrava quando da celebração do contrato ou do seu equivalente. Assim, "se a coisa depositada perece ou se deteriora por dolo ou culpa do depositário, a este cabe a res­ ponsabilidade. Na hipótese, entretanto, de a perda ou deterioração advir de força maior ou caso fortuito, não mais lhe cabe o dever de reparar, pois aqui aplica-se a regra res perit domi­ no, já conhecida, e o depositante é o dono da coisa" (Silvio Rodrigues, Direito civil: dos con­ tratos e das declarações unilaterais da vontade, 22. ed., São Paulo, Saraiva, 1994, v. 3, p. 264).

JULGADOS • "É vedada a prisão civil do devedor fiduciante em ação de busca e apreensão contra si proposta, porquanto não equiparável a depositário infiel. Precedentes" (STJ, 3* T., Ag no REsp 330.207/PR, Rei. Min. Fátima Nancy Andrighi, DJ, 5-11-2001).

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Art. 630 e 631

• "Alienação fidueiária em garantia (Lei n. 4.728/65 e Decreto-Lei n. 911/69). Prisão civil (falta de cabimento). Embargos de divergência. 1. Em 1999, decidiu a Corte Especial, em julgamento unâ­ nime, que 'não cabe a prisão civil do devedor que descumpre contrato garantido por alienação fidueiária' (EREsp 149.518, Min. Ruy Rosado, publicado no DJ de 28-2-2000). 2. Em 2000, a Corte Especial, por maioria de votos, manteve, por ocasião do julgamento do HC 11.918 (redigirá o acórdão o Min. Nilson Naves), a posição tomada no EREsp 149.518. 3. No atual julgamento, a Corte Especial, tornando à matéria, reafirma, em julgamento unânime, que é ilegal a prisão civil do alienante ou devedor como depositário infiel" (STJ, Corte Especial, EREsp 127.098/RJ, Rei. Min. Nilson Naves, DJ, 27-8-2001).

Art. 630. Se o depósito se entregou fechado, colado, selado, ou lacrado, nesse mesmo estado se manterá. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.267 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • Das obrigações de guarda, conservação e posterior restituição da coisa depositada intacta resulta o com ando do art. 630 do atual Código Civil. • Assim, salvo autorização expressa do depositante, se o depósito se entregou fechado, colado, selado ou lacrado, deve o depositário "respeitar o segredo da coisa sob sua guarda" (Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro; teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3, p. 296) e "ter nào só a delicadeza moral, como a obrigação jurídica, de conservá-lo nesse estado" (W ashington de Barros Monteiro, Curso de direito civil; direito das obrigações, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2, p. 234), sob pena de presunção de culpa do depositário e conseqüente responsabilidade deste por eventuais perdas e danos. • Cabe lembrar, ademais, que devidamente autorizado pelo depositante, poderá o depositário abrir o depósito que lhe foi entregue fechado. Entretanto, ainda assim, estará ele obrigado a guardar segredo da coisa, exceto em caso de ato ilícito.

Art. 631. Salvo disposição em contrário, a restituição da coisa deve dar-se no lugar em que tiver de ser guardada. As despesas de restituição correm por conta do depositante. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Uma das obrigações do depositário é a de restituir a coisa depositada assim que reclamada pelo depositante. 0 codificador de 1916 silenciou quanto ao local onde a coisa deveria ser restituida. A doutrina, entretanto, já consagrou que a coisa deverá ser devolvida no local combinado ou, na falta de estipulaçào, no lugar do depósito. 0 CC de 2002 corrige a omissão

Arts. 632 e 633

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com o presente artigo, pelo qual se determina que a restituição da coisa, salvo disposição em contrário, deverá se dar no local em que tiver de ser guardada. • Por fim, acrescenta o novel dispositivo que as despesas provenientes da restituição da coisa deverão correr por conta do depositante. Isto porque o contrato de depósito é negócio feito no interesse exclusivo do depositante, sendo, portanto, inadmissível exigir-se que o deposi­ tário arque com as despesas provenientes da restituição do objeto.

Art. 632. Se a coisa houver sido depositada no interesse de terceiro, e o depositário tiver sido cientificado deste fato pelo depositante, não poderá ele exonerar-se restituindo a coisa a este, sem consentimento daquele. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A obrigatoriedade de o depositário restituir a coisa depositada sofre as restrições elencadas pelo art. 633 do CC de 2002 (art. 1.268 do CC de 1916), quando excetuam-se o embargo judicial do bem, a constrição judicial sobre a coisa e a suspeita motivada de o bem deposita­ do ter sido obtido por meio criminoso, e, ainda, a do art. 644 do CC de 2002 (art. 1.279 do CC de 1916), correspondente ao direito de retenção do depósito. Ressalvadas essas hipóteses para a recusa do depositário em restituir a coisa sob depósito, e assente a obrigação de res­ tituir como regra, caso há, porém, da restituição condicionada. Tal ocorre quando o depósito é feito no interesse de terceiro. Tenha-se o exemplo clássico de o depositante ser procurador ou administrador dos bens e interesses de terceiros, procedendo, nessa qualidade, o depósito do bem. É certo, ademais, que assum indo o depositário as obrigações concernentes à natu­ reza do contrato, e bastante ciente do interesse de terceiro (podendo ser este proprietário ou não do bem), nào poderá exonerar-se da obrigação de restituir sem que, previamente, aque­ le a cujo favor operou-se o depósito preste a sua devida e necessária anuência. • A única hipótese de exonerar-se o depositário da obrigação sem o consentimento do tercei­ ro interessado encontra-se prevista no art. 635 do CC de 2002, fazendo-se mister, porém, haja "boa razão para romper o contrato, tal com o a ocorrência de fato que obrigue o depositário a viajar ou que, de qualquer maneira, torne impossível ou penosa a guarda da coisa" (Silvio Rodrigues, Direito civil; dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, p. 261).

Art. 633. Ainda que o contrato fixe prazo à restituição, o depositário entregará o depó­ sito logo que se lhe exija, salvo se tiver o direito de retenção a que se refere o art. 644, se o objeto for judicialmente embargado, se sobre ele pender execução, notificada ao depositário, ou se houver motivo razoável de suspeitar que a coisa foi dolosamente obtida. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto, para aprimorar a linguagem e atender a doutrina. A emenda proposta teve em vista que a origem criminosa da coisa pode estar não só em furto, ou roubo, mas

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Art. 634

em qualquer outro fato criminoso, como a apropriação indébita e o estelionato. Dai a expressão "dolosamente obtida", agora adotada. Trata-se, em resumo, de mera repetição do art. 1.268 do CC de 1916, com essa melhoria.

DOUTRINA • Em regra, ainda que celebrado por prazo determinado, o depositário deverá restituir o obje­ to depositado assim que reclamado pelo depositante, mesmo antes do vencimento do prazo estipulado. Isto porque o depósito é realizado, com o já referido, sempre em favor deste últi­ mo, cabendo-lhe, pois, escolher o momento certo em que se extinguirá o aludido contrato. • Entretanto, a esta obrigação do depositário, admitem-se algum as exceções: primeiro, se o depositário tiver o direito de retenção a que se refere o art. 644, o qual será examinado oportunamente; segundo, se o objeto estiver judicialmente embargado, “assim entendida qualquer forma de apreensão judicial, como o arresto, seqüestro ou a penhora" (Ari Ferreira de Queiroz, Direito civil; direito das obrigações, Goiânia, Editora Jurídica IEPC, 1999, p. 163); terceiro, se sobre o objeto depositado pender execução, "tendo o depositário sido notificado para nào abrir mão do bem" (Am oldo Wald, Curso de direito civil brasileiro; obrigações e contratos, 14. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 449); quarto, se houver razoável e fundamentada suspeita de que o objeto foi obtido por meio criminoso pelo depositante; e quinto, se noutro depósito a coisa depositada se fundar (art. 638 do CC de 2002). • 0 Código Civil de 2002, além de alterar a redação do art. 1.268, acrescentou a esse dispositi­ vo mais uma hipótese de exonerar-se o depositário em caso de sua recusa a restituir a coisa depositada. Tal hipótese consiste no fato de ele possuir o direito de retenção do bem até o pagamento dos encargos devidos pelo depositante. Embora nào previsto no art. 1.268 do CC de 1916, este já constituía um motivo de recusa à restituição, sendo que referido pelo art. 1.279 daquele diploma. • Agora, com a complementação do dispositivo em exame, note-se que tal enumeração pre­ tendeu ser taxativa, de modo que, fora os casos aqui expressamente previstos, não pode o depositário recusar-se a devolver a coisa que lhe foi confiada. Essa é a premissa. Entretanto, há ainda a ressalva à restituição do depósito prevista no art. 638, quando noutro depósito se fundar. Para a melhor compreensão sistêmica, cremos conveniente a remissão a este último dispositivo, tal com o feita em relação ao art. 644.

DIREITO PROJETADO • Diante do exposto, sugerimos ao Deputado Ricardo Fiuza nova redação ao artigo, acolhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002 e agora reproduzida pelo PL n. 699/2011: Art. 633. Ainda que o contrato fixe prazo à restituição, o depositário entregará o depósito logo que se lhe exija, salvo se tiver o direito de retenção a que se refere o art. 644, se o objeto for judicialmente embargado, se sobre ele pender execução, notificada ao depositário, se houver motivo razoável de suspeitar que a coisa foi dolosamente obtida, ou se noutro depósito se fun­ dar.

Art. 634. No caso do artigo antecedente, última parte, o depositário, expondo o funda­ mento da suspeita, requererá que se recolha o objeto ao Depósito Público. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­

Arts. 635 e 636

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te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Trata-se de mera repetição do art. 1.269 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • No caso de o depositário possuir razoável e fundamentada suspeita de que o objeto deposi­ tado fora obtido dolosamente pelo depositante, a lei confere àquele o poder-dever de recu­ sar-se a restituí-lo a este último e requerer, após expor os fatos que fundamentem a sua desconfiança, seja providenciado o recolhimento do objeto ao Depósito Público. • É importante salientar que, "embora a lei nào exija prova indubitável de que a coisa foi cri­ minosamente subtraída a seu dono, ela requer, pelo menos, que a suspeita seja razoável" (Silvio Rodrigues, Direito civil; dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27. ed., Sào Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, p. 264), buscando, assim, evitar a subm issão do depositante a constrangim entos injustos e desnecessários.

Art. 635. Ao depositário será facultado, outrossim, requerer depósito judicial da coisa, quando, por motivo plausível, não a possa guardar, e o depositante não queira recebê-la. HISTÓRICO • A redaçào atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.270 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • Em regra, deve o depositário devolver o objeto assim que reclamado, mesmo que o prazo fixado ainda não se tenha ultrapassado. Porém, a lei faculta ao depositário, desde que haja motivo plausível para nâo mais continuar com a guarda da coisa, devolvê-la ao depositante e, no caso de sua recusa em recebê-la, requerer seja providenciado o seu depósito judicial. • Anote-se, porém, indispensável a razoabilidade do motivo determinante que leve o deposi­ tário a pretender exonerar-se das responsabilidades pelo depósito antes admitido, “como, por exemplo, moléstia grave, viagem que ele tenha de empreender, serviço militar, etc." (W ashing­ ton de Barros Monteiro, Curso de direito civil; direito das obrigações, 4. ed., São Paulo, Sarai­ va, 1965, v. 2, p. 236).

Art. 636. 0 depositário, que por força maior houver perdido a coisa depositada e rece­ bido outra em seu lugar, é obrigado a entregar a segunda ao depositante, e ceder-lhe as ações que no caso tiver contra o terceiro responsável pela restituição da primeira. HISTÓRICO • A redaçào atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.271 do CC de 1916.

DOUTRINA • Apoiado na regra do art. 642 do CC de 2002, que isenta o depositário de responder pelos casos de força maior, o artigo sob exame prevê que, se “a coisa depositada se perdeu por fato inimputável ao depositário" (Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3 - Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 296), este é obrigado a entregar a segunda ao depositante, "pois que não pode locupletar-se com a sua retenção indevida" (Caio M ário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 10. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996, v. 3, p. 232). Porém, com o bem enfatiza o art. 642 do CC de 2002, para

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Art. 637

que valha a escusa, faz-se mister que o depositário prove a ocorrência do evento inimputável para, somente assim, exonerar-se da responsabilidade pelo ocorrido. Caso contrário, poderá o depositante cobrar do depositário todos os prejuízos oriundos do dano. • Conveniente lembrar que a lei obriga ao depositário “entregar ao depositante aquilo que recebeu a título de indenização. Se nada recebeu ainda, ou se incompleta a indenização, o primeiro cederá ao segundo as ações que lhe competiam, a fim de que se assegure, de modo integral, a satisfação do dano" (W ashington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2 - Direito das obrigações, p. 237). • Note-se que a presente norma, repetindo o art. 1.271 do CC de 1916, trata apenas da perda da coisa depositada decorrente de força maior. Todavia, deve-se aplicar tal com ando também aos casos provenientes do caso fortuito, em razão da similitude de seus efeitos (ver com en­ tário ao art. 642). Na realidade, a expressão mais correta seria “fato inimputável", utilizada frequentemente por Maria Helena Diniz, pois engloba os casos fortuitos e os de força maior.

Art. 637.0 herdeiro do depositário, que de boa-fé vendeu a coisa depositada, é obriga­ do a assistir o depositante na reivindicação, e a restituir ao comprador o preço recebido. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.272 do CC de 1916.

DOUTRINA • Sucedendo o falecimento do depositário, é transmitida aos seus herdeiros a obrigação de restituir a coisa depositada quando reclamada pelo depositante. Entretanto, se qualquer deles, estando de boa-fé, alienar a coisa a terceiro, será aquele obrigado a assistir o deposi­ tante na ação demandada contra o adquirente, além de restituir a este o preço por ela pago, “o que é evidente, pois não lhe pertencendo o bem alienado, nào há justificativa para con­ servar o preço" (Silvio Rodrigues, Direito civil, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 263). • 0 dispositivo tem incidência sobre o herdeiro de boa-fé, que agiu sem qualquer intenção de prejudicar o depositante, porquanto unicamente a ele se refere. Logo, se o ato praticado estiver eivado de má-fé, além de assistir ao depositante na ação judicial restituir o preço acolhido, o herdeiro do depositário responderá pelas perdas e danos decorrentes da alienação por ele efetuada. • Finalmente, “se a coisa depositada já nào mais existe, por ter sido consumida de boa-fé pelo comprador, o herdeiro indenizará o depositante, o mesmo ocorrendo se a tiver consum ido em seu uso pessoal" (José Lopes de Oliveira, Contratos, 1. ed., Recife, Livrotécnica, 1978, p. 172).

DIREITO PROJETADO • 0 Projeto de Lei n. 699/2011 reproduz o PL n. 6.960/2002 oferecendo nova redação ao caput do dispositivo e introduzindo parágrafo único: Art. 637. O herdeiro do depositário, que de boa-fé vendeu a coisa depositada, é obrigado a restituir ao comprador o pagamento recebido, sempre que este sofrer os efeitos da evicção. Parágrafo único. Se tiver agido de má-fé, responderá o herdeiro pelas perdas e danos, tanto do depositante, como do comprador.

Arts. 638 e 639

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• Conforme acentuou o Deputado Ricardo Fiuza, autor do projeto primitivo, a alteração foi sugerida pelo Prof. Sergio Niemeyer. 0 art. 637 repete ipsis litteris o art. 1.272 do Código de 1916. Introduz normativo heterotópico, de índole processual, tal a assistência obrigatória. Entrementes, tal figura nào encontra regulamentação no ordenamento processual em vigor. A ausência de regulamentação para a assistência obrigatória torna a norma inaplicável, uma excrescência jurídica atávica a empestear o atual Código Civil com os mesmos vícios da lei anterior, o que se afigura injustificável. Por outro lado, afigura-se despicienda a alusão à venda feita de boa-fé. Se de má-fé prevalece ainda o direito do proprietário depositante, pois a posse da coisa pelo depositário se transmite com todas as suas características, vale dizer, continua a ser precária, operando a regra do art. 1.268, ca p u t Para mais disso, responderá ainda o alienante por crime de disposição de coisa alheia como própria, responsabilidade esta distinta da civil. Portanto, não há necessidade de marcar a boa-fé com o elemento integran­ te da tipificação penal, pois, em qualquer hipótese, seja a venda de boa ou má-fé, a respon­ sabilidade civil, o dever de restituir o preço, não ficará prejudicada, mas tem atuosidade plena.

Art. 638. Salvo os casos previstos nos arts. 633 e 634, não poderá o depositário furtar-se à restituição do depósito, alegando não pertencer a coisa ao depositante, ou opondo com­ pensação, exceto se noutro depósito se fundar. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.273 do CC de 1916.

DOUTRINA • Uma vez reclamado o depósito, deverá o depositário restituí-lo ao depositante. As exceções a este com ando encontram-se expressa e taxativamente previstas no art. 633 do CC de 2002, de modo que nenhum outro motivo permitirá ao depositário recusar-se a devolver o bem. • Desse modo, a lei proíbe ao depositário subtrair-se à restituição da coisa, pelas razões enun­ ciadas: 1. Não pode isentar-se pela escusa de nào pertencer o bem ao depositante, "porque ele nào tem poderes para defender direitos de terceiros" (W ashington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2 - Direito das obrigações, p. 235). Porém, se o depositário tiver motivos razoáveis para suspeitar de que a coisa depositada foi dolosamente obtida pelo depositante, pertencendo a outrem, não será obrigado a restituí-la, com o observado pelo art. 633, in fine. 2. Não pode opor "compensação com crédito que tenha contra o depositante, exceto se noutro depósito se fundar" (Silvio Rodrigues, Direito civil, 22. ed., São Paulo, Saraiva, 1994, v. 3 - Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 266). Por compensação entende-se “o desconto que reciprocamente se faz no que duas pessoas devem uma à outra" (José Náufel, N ovo dicionário jurídico brasileiro, 7. ed., São Paulo, Parma, 1984, p. 295). Assinale-se, nesse âmbito, que “são compensáveis se ambas as dívidas se fundam em depósito" (José Lopes de Oliveira, Contratos, 1. ed., Recife, Livrotécnica. 1978, p. 171).

Art. 639. Sendo dois ou mais depositantes, e divisível a coisa, a cada um só entregará o depositário a respectiva parte, salvo se houver entre eles solidariedade. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu

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Arts. 640 e 641

apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.274 do CC de 1916.

DOUTRINA • Existindo pluralidade de depositantes e podendo a coisa depositada "partir-se em porções reais e distintas form ando cada qual um todo perfeito" (José Náufel, N ovo dicionário jurídi­ co brasileiro, 7. ed., São Paulo, Parma, 1984, p. 485), o depositário terá a obrigação de resti­ tuir a cada um dos credores a respectiva cota, “salvo se houver entre eles solidariedade (...), segundo a qual cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o cum pri­ mento da prestação, por inteiro" (José Lopes de Oliveira, Contratos, 1. ed., Recife, Livrotécnica, 1978, p. 171). • 0 artigo trata de coisa divisível. Se, porém, indivisível for a coisa depositada, leciona, ainda, Lopes de Oliveira, no sentido de que "os depositantes devem acordar no modo de recebê-la e, não havendo acordo, defere-se a solução do juiz" (cit., p. 171).

Art. 640. Sob pena de responder por perdas e danos, não poderá o depositário, sem li­ cença expressa do depositante, servir-se da coisa depositada, nem a dar em depósito a outrem. Parágrafo único. Se o depositário, devidamente autorizado, confiar a coisa em depó­ sito a terceiro, será responsável se agiu com culpa na escolha deste. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.275 do CC de 1916 e, com relação a este, inovou a matéria quando acrescentou que ao depositário também é vedado, salvo determi­ nação em contrário, dar a coisa depositada em depósito a outrem. 0 Código Civil de 2002 criou o parágrafo único do dispositivo em exame.

DOUTRINA • Diversamente do contrato de comodato, pelo qual uma das partes (comodante) entrega à outra (comodatário) certo objeto móvel ou imóvel infungível, para que dele se utilize tem­ porariamente, o contrato de depósito caracteriza-se de modo simples pela entrega de certo objeto móvel pelo depositante ao depositário, para que este temporariamente o guarde e o conserve. • De tal ordem, a norma impede ao depositário o uso e gozo da coisa depositada, salvo prévia e expressa autorização do depositante. Essa licença, todavia, nào desnatura a sua qualidade de depositário. Afrontando o caráter volitivo negativo do depositante, responderá o deposi­ tário por perdas e danos oriundos de seu ato de servir-se do depósito. • É vedado ao depositário dar a coisa depositada em depósito a terceiro. 0 contrato de depó­ sito voluntário é intuitu personae, isto é, fundado na confiança de que o depositante confe­ re a certo depositário, e disso decorre o óbice legal. Porém, permitindo expressamente o depositante, poderá o depositário confiar a coisa a outrem, ficando responsável, entretanto, se agiu com culpa na escolha deste.

Art. 641. Se o depositário se tom ar incapaz, a pessoa que lhe assumir a administração dos bens diligenciará imediatamente restituir a coisa depositada e, não querendo ou não podendo o depositante recebê-la, recolhê-la-á ao Depósito Público ou promoverá nomeação de outro depositário.

Art. 642

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HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.276 do CC de 1916.

DOUTRINA • Pela norma prevista, se, durante a vigência do contrato de depósito, o depositário se tornar incapaz, cumprirá ao administrador dos seus interesses restituir, imediatamente, a coisa ao depositante. Darcy Arruda Miranda, comentando o artigo, afirma que "a incapacidade super­ veniente resolve o contrato de depósito" (Anotações ao Código Civil brasileiro, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1995, v. 3, p. 365). É que, sobrevindo-lhe a incapacidade, o depositário incapaz não mais poderá "responder pelas obrigações oriundas do contrato, muito menos seus repre­ sentantes legais, que nada têm a ver com o depósito" (W ashington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2 - Direito das obrigações, p. 237). Ademais, assiste tal determinação o fato de ser o depósito voluntário intui tu personae. • Numa variante, diante da recusa do depositante em receber a coisa, por não querer ou por nào poder, competirá ao administrador dos bens providenciar o seu imediato recolhimento ao Depósito Público ou a nomeação de outro depositário. Vale considerar, no segundo caso, que não há previsão de culpa do depositário, na hipótese aqui versada, diferentemente do ato de confiar a coisa em depósito a terceiro, por licença expressa do depositante, conforme estabelece o parágrafo único do art. 640.

Art. 642. 0 depositário não responde pelos casos de força maior, mas, para que lhe valha a escusa, terá de prová-los. HISTÓRICO • A redaçào atual é quase a mesma do projeto. Repete o art. 1.277 do CC de 1916, mas descuida da cláusula "de força maior" ali contida, ao lado dos "casos fortuitos".

DOUTRINA • Impõe-se afirmar, segundo a doutrina, que, efetivamente, “os riscos no contrato de depósito correm à conta do depositante que é e continua sendo proprietário e res perit dom ino" (Caio M ário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1978, v. 3, p. 322). E são assim suportados por relevante o fato de o depósito voluntário ser efetuado em atenção exclusiva dos interesses do depositante. 0 depositário responderá pelos riscos se convenção houver nesse sentido (RT, 151/655). • Quando, porém, o dano advier de força maior, torna-se imperativo por dicção legal que o depositário comprove a ocorrência de tal evento para, então, forrar-se da responsabilidade pelo ocorrido. Adversamente, nào feita tal prova, não valerá a escusa, outorgando-se ao depositante, por conseqüência, cobrar do depositário os prejuízos advindos do dano. • A omissão da norma no tocante aos danos originados de casos fortuitos deve ser enfatizada, porquanto também não deverá responder o depositário em face de tais imprevistos. Pondera a respeito Ari Ferreira de Queiroz: "Os efeitos são sempre os mesmos, variando apenas a causa, pois força maior é evento humano, enquanto caso fortuito é evento da natureza" (Direito civil; direito das obrigações, 1. ed., Goiânia, Ed. Jurídica IEPC, 1999).

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Art. 643

JULGADOS • “Precedente da 2» Seção, REsp 169.293/SP, Relatora a Senhora Ministra Nancy Andrighi, julgado em sessão de 09/05/01, consolidando a jurisprudência da Corte, assentou que, verificada a impos­ sibilidade justificada da restituição do bem pela ocorrência de caso fortuito ou força maior, pode o credor, reconhecido o crédito, promover nos próprios autos a execução contra o devedor, valen­ do a sentença como titulo judicial, afastada a possibilidade da prisão civil" (REsp 24-7.671/SP). • “0 estabelecimento comercial que recebe o veiculo para reparo em suas instalações é responsável pela sua guarda com integridade e segurança, não se configurando como exdudente da obrigação de indenizar a ocorrência de roubo mediante constrangimento por armas de fogo, por se cuidar de fato previsível em negócio dessa espécie, que implica na manutenção de loja de acesso fácil, onde se acham automóveis e equipamentos de valor" (STJ, 4* T., REsp 218.470/SP, Rei. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ, 20-8-2001). • "Sempre que se verificar a impossibilidade justificada da restituição da coisa depositada objeto da alienação fidueiária em garantia pela ocorrência do caso fortuito ou força maior (por roubo ou furto, v. g.), a sentença que a reconhecer deverá afastar a infidelidade do depositário e a possibi­ lidade de prisão civil. Contudo, como o intuito satisfativo do credor, na alienação fidueiária, é o de receber o valor da divida, e não o próprio bem objeto do depósito, desde que reconhecido o crédito, pode o credor promover, nos próprios autos, a subsequente execução contra o devedor, valendo a sentença que o fixar como título executivo judicial, prestigiando-se os princípios da economia, da celeridade e da efetividade processuais" (STJ, 4* T., REsp 156.965/SP, Rei. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ, 3-5-1999).

DIREITO PROJETADO • Por tais idênticos efeitos, apenas alterada a causa, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza suges­ tão, acolhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002, e agora reproduzida pelo PL n. 699/2011, no sentido de repetir na inteireza o art. 1.277 do CC de 1916, nos termos seguintes: Art. 642. O depositário não responde pelos casos fortuitos, nem de força maior; mas, para que lhe valha a escusa, terá de prová-los.

Art. 643. O depositante é obrigado a pagar ao depositário as despesas feitas com a coisa, e os prejuízos que do depósito provierem. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.278 do CC de 1916.

DOUTRINA • Divergente do contrato de comodato, que favorece unicamente o comodatário com o uso e gozo da coisa emprestada, procede-se ao depósito voluntário em proveito do depositante. Ao depositário, apenas, cumpre guardar, com zelo, a coisa alheia. Assim, inadmissível seria igua­ lar o comodatário ao depositário e deste último exigir-se assumisse os gastos provenientes da guarda e conservação do objeto depositado. Nesse sentido, permanece a lição modelar de W ashington de Barros Monteiro: “É que eles aproveitam ao depositante, são feitos no inte­ resse deste; isentá-lo do respectivo pagamento seria possibilitar seu injusto locupletamento à custa do depositário. Esse direito só desaparece se a este se concedeu a faculdade de utili­ zar da coisa depositada” ( Curso de direito civil, 4. ed., São F*aulo, Saraiva, 1965, v. 2 - Direito das obrigações, p. 238). • De igual modo, a lei garante ao depositário o direito de ser reparado pelos prejuízos sobrevindos do contrato de depósito, "com o acontece na hipótese de ser a coisa portadora de vício ou defeito que possa causar danos a outras coisas depositadas ou ao próprio local" (Caio

Art. 644 e 645

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M ário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1978, v. 3, p. 318), e de cujo vício ou defeito não tenha sido oportunamente advertido.

Art. 644.0 depositário poderá reter o depósito até que se lhe pague a retribuição de­ vida, o líquido valor das despesas, ou dos prejuízos a que se refere o artigo anterior, provan­ do imediatamente esses prejuízos ou essas despesas. Parágrafo único. Se essas dívidas, despesas ou prejuízos não forem provados suficien­ temente, ou forem ilíquidos, o depositário poderá exigir caução idônea do depositante ou, na falta desta, a remoção da coisa para o Depósito Público, até que se liquidem. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao a rt 1.279 do CC de 1916.

DOUTRINA • Pelo com ando do art. 1.279 do CC de 1916, ao depositário era reconhecido, tão somente, direito de retenção pelas despesas e prejuízos decorrentes do contrato de depósito, não, porém, pela remuneração devida pelo depositante. Com o CC de 2002, passou-se a admitir o exercício pelo depositário do ju s retentionis em caso de o depositante não se prestar a satis­ fazer o valor ressarcitório ou o quantum da indenização. • Nas hipóteses de o depositante recusar-se a pagar a remuneração por ele devida (art. 628), ou o valor líquido das despesas efetuadas ou dos prejuízos decorrentes do depósito (art. 643), desde que provados com imediatidade e de forma satisfatória, a lei faculta ao depositário a retenção do bem objeto do depósito até que lhe seja paga a quantia correspondente. É necessário, porém, “que a prova seja suficiente e líquido o valor dessas despesas ou preju­ ízos" (José Lopes de Oliveira, Contratos, 1. ed., Recife, Livrotécnica, 1978, p. 172). Caso con­ trário, "faculta-se ao depositário exigir do depositante caução idônea ou, na falta da mesma, a remiçào da coisa para o depósito público até liquidação do débito" (Am oldo Wald, Curso de direito civil brasileiro, 14. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, v. 2 - Obrigações e contratos, p. 450).

Art. 645. O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete, na integra, o art. 1.280 do CC de 1916.

DOUTRINA • É certo que o depósito é o contrato pelo qual uma pessoa (depositário) recebe de uma outra (depositante) um bem necessariamente móvel, fungível ou infungível, para guarda provisória. Assim, tendo em conta a fungibilidade, o depósito poderá ser regular ou irregular, disciplina­ dos um e outro por disposições específicas. • Nesse passo, afirma o eminente Silvio Rodrigues: "a doutrina chama de irregular o depósito de coisas fungíveis, no qual o depositário não precisa devolver exatamente a coisa que lhe

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Arts. 646 e 647

foi confiada, podendo restituir coisas da mesma espécie, quantidade e qualidade" (Direito civil, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3 - Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 268). • Pela semelhança com o contrato de mútuo, o depósito irregular será regulado pelas disposi­ ções aplicáveis àquele; porém, jamais poderá ser cham ado de empréstimo, "pois visa assegu­ rar a disponibilidade da coisa"; "o depositário, ao guardá-la, nào aumentará o seu patrimônio, visto que do seu ativo sempre será excluído o valor representativo do quantum depositado, sujeito a restituição a qualquer momento, o que nào ocorrerá com o empréstimo, uma vez que o bem mutuado se incorporará ao patrimônio do devedor" (Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3 - Teoria das obrigações contra­ tuais e extracontratuais, p. 294). • A recusa do depositário a restituir em substituição à coisa fungível objeto do depósito irre­ gular. coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade, quando reclamada pelo depositante, autoriza que este último promova em face daquele a competente ação de cobrança.

JULGADOS • “Assentou a jurisprudência da 4* Turma que a disposição contida no a rt 1.280 do Código Civil, de que o depósito de coisas 'regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo', não implica em que o depósito irregular e o mútuo tenham (a mesma) identidade. A ação de depósito é adequada para o cumprimento da obrigação de devolver coisas fungíveis, objeto de contrato de depósito clássico, ainda que seja o irregular. (...) Diversamente, tratando-se de penhor mercantil incidente sobre bens fungíveis e consumiveis, avençado como garantia de contrato de mútuo, mediante tradição sim­ bólica, incabível a ação de depósito, como já assentou esta Corte. (...)" (STJ, 4* T., REsp 68.024/PR, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ, 30-4-2001). • “A ação de depósito é adequada para o cumprimento da obrigação de devolver coisas fungíveis, objeto de contrato de depósito clássico, ainda que seja o irregular e nào o propriamente dito" (STJ, 4*T., REsp 210.674, Rei. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ, 27-3-2000).

Art. 646.0 depósito voluntário provar-se-á por escrito. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete, na íntegra, o art. 1.281 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 depósito voluntário não exige, para a sua celebração, forma especial ou, mais especifica­ mente, solenização contratual. Entretanto, em matéria de prova, a lei reclama que haja apoio em instrumento escrito. • Silvio Rodrigues muito contribuiu para o esclarecimento da questão ao afirmar o seguinte: "Acho que a ideia do legislador, ao reclamar prova por escrito do depósito voluntário, foi apenas a de impedir a prova exclusivamente testemunhai, capaz de conduzir às maiores iniquidades. Assim, embora o depósito se aperfeiçoe independentemente de qualquer docu­ mento, mister se faz, para provar-se, um começo de prova escrita. Nesse sentido tem reiteradamente decidido a jurisprudência brasileira (cf. Dimas R. Almeida, Repertório de Jurispru­ dência, Julgados n. 1.112,1.113 e 1.114)" (Direito civil, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3 - Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 260).

Seção II — Do depósito necessário Art. 647. É depósito necessário:

Art. 648

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I — o que se faz em desempenho de obrigação legal; II — o que se efetua por ocasião de alguma calamidade, como o incêndio, a inundação, o naufrágio ou o saque. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete, na integra, o art. 1.282 do CC de 1916.

DOUTRINA • Diferente do contrato de depósito voluntário, o necessário ou obrigatório pressupõe a ocor­ rência de circunstâncias excepcionais, imprevisíveis e urgentes, razão pela qual independe da vontade das partes contratantes e abstrai a mútua confiança. A sua celebração decorre da necessária dependência a certas obrigações, sejam motivadas da lei (depósito legal), sejam de calamidade pública ocasionada pelo fortuito (depósito miserável). Exemplificam-se, em pri­ meira espécie, nos depósitos de bagagens em hotéis pelos hóspedes e de bens determinados em hospitais pelos pacientes. Na segunda, depósito repentino e imediato por necessidade impostergável ou, mais particularmente, sob o estado de perigo, feito por aqueles residentes em áreas de risco e que urgentemente carecem de colocar em guarda seus bens. • W ashington de Barros M onteiro bem conceitua essa espécie de depósito ao enfatizar que consiste naquele “fruto de circunstâncias imprevistas, mas imperiosas, que impõem, não só a realização do depósito propriamente dito, como também a própria designação do depositário" ( Curso de direito civil, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2 - Direito das obrigações, p. 239).

SÚMULA • Súmula 419 do STJ: "Descabe a prisão civil do depositário judicial infiel" [DJe, 11-3-2010).

JULGADOS • “(...) 0 depósito judicial e o contrato de depósito constituem institutos jurídicos de finalidade e natureza diversas; nào se aplica ao depósito judicial, em conseqüência, o regime civil do contrato de depósito de bens fungíveis" (STJ, 3«T., HC 18.903/MS, Rei. Min. Fátima Nancy Andrighi, DJ, 1911-2001). • "Depósito judicial. Penhora em execução. Posterior desligamento da empresa. Depositário infiel. 0 encargo de depositário judicial não é transferivel por ato de disposição da parte" (STJ, 4* T., HC 15.885/SP, Rei. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ, 17-9-2001).

Art. 648. O depósito a que se refere o inciso I do artigo antecedente, reger-se-á pela disposição da respectiva lei, e, no silêncio ou deficiência dela, pelas concernentes ao depó­ sito voluntário. Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se aos depósitos previstos no inciso II do artigo antecedente, podendo estes certificarem-se por qualquer meio de prova. HISTÓRICO • Mais uma vez, trata-se de mero aperfeiçoamento redacional. Aqui procedeu-se apenas a pequenas alterações no parágrafo único. A redação original do presente artigo, tal como fora proposto pela Câmara, era a seguinte: "Parágrafo único. Essas disposições aplicam-se, outrossim, aos depósitos previstos no artigo antecedente, n. II, podendo estes certificar-se por qualquer meio de prova". Com as alterações empreendidas pelo eminente Senador Josaphat Marinho melhorou-se a lingua­ gem do texto, passando a apresentar a redação atual. A substituição da expressão "n. II" por "in­ ciso II" é também de boa técnica legislativa. Corresponde ao art. 1.283 do CC de 1916.

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Art. 649

D O U T R IN A • A o depósito necessário legal serão aplicadas, quando omissa ou lacunosa a respectiva lei, as disposições regulamentadoras do depósito voluntário; o mesmo sucedendo, por expressão da presente norma, em relação ao denom inado depósito miserável. • Diferentemente do depósito voluntário legal, o depósito miserável nào exige, para sua com ­ provação, qualquer documento escrito, bastando a prova testemunhai. 0 ilustre jurista W ash­ ington de Barros M onteiro bem interpreta a necessidade de o legislador admitir tal regalia aos casos de depósito miserável. Leia-se: "Justifica-se, sem dúvida, esse tratamento liberal; as condições que rodeiam o depósito tornam impossível, muitas vezes, a observância de qualquer formalidade na celebração do contrato" (Curso de direito civil, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2 - Direito das obrigações, p. 240). • Ademais, com o ressabido, o depósito miserável é "o que se efetua por ocasião de alguma calamidade, com o o incêndio, a inundação, o naufrágio ou o saque" (inciso II do art. 647); portanto, por fatos notórios que, de tal modo, são conhecidos por alguns ou por todos. Em suma, a simples ocorrência do evento inimputável a revelar a necessidade de realização do depósito já pode ser tida como inicio de prova da existência do próprio depósito.

Art. 649. Aos depósitos previstos no artigo antecedente é equiparado o das bagagens dos viajantes ou hóspedes nas hospedarias onde estiverem. Parágrafo único. Os hospedeiros responderão como depositários, assim como pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nos seus estabeleci­ mentos. HISTÓRICO • Defrontando-se o atual texto da norma - após modificações implementadas pelo eminente Se­ nador Josaphat Marinho - com o dispositivo originalmente proposto pela Câmara, verifica-se que houve oportuna atualização de linguagem. 0 relator parcial da Câmara, Deputado Vicente Arruda, propôs, com o retorno do projeto à Casa de origem, que fosse suprimida do texto a expressão "viajantes", abrangida pelo termo "hóspedes", sendo desnecessária a sua manutenção no texto, o que nào se viabilizou por óbice regimental. Corresponde ao art. 1.284 do CC de 1916. D O U T R IN A • Os hospedeiros respondem como depositários pelas bagagens dos hóspedes, por força do depósito necessário. Desse modo, cumpre-lhes assegurar a incolumidade dos bens durante a permanência do hóspede no estabelecimento. É irrelevante a natureza dos bens, podendo ser ou não de uso próprio, porquanto todos eles são caracterizados com o bagagem [RT, 632/96). A doutrina, todavia, os tem reconhecido com o os bens habituais em viagem. Trata-se de responsabilidade legal; por isso assume o hospedeiro a obrigação de indenizar eventuais prejuízos causados aos bens colocados sob sua guarda, dela somente isentando-se, por hipó­ tese, em caso “de culpa ou concorrência de culpa do hóspede" [RT, 572/177). A cláusula de não indenizar apenas terá validade desde que resulte do consenso das partes, nào eficaz aquela constante de mero aviso, sem a anuência prévia do hóspede. • 0 parágrafo único preceitua a responsabilidade do hospedeiro também em face de furtos e roubos que cometerem contra o hóspede as pessoas empregadas ou admitidas no estabele­ cimento. A presunção de culpa é legis et de lege, imposta pela lei, em acepção de responsa­ bilidade objetiva, e tem razão de ser na assunção dos atos lesivos praticados por aquelas pessoas, porque, efetivamente, o hospedeiro chama a si os riscos do negócio.

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• Merece atenção a questão dos bens dos hóspedes recolhidos em cofres individuais e a eles disponíveis, por meio gratuito ou oneroso. Entende Caio M ário da Silva Pereira não ser o estabelecimento responsável pelos bens ali recolhidos, porquanto não entregues em depósi­ to. "A situação corresponde a um comodato ou a um aluguel, estando o cofre entregue ao hóspede, ignorando o hospedeiro o conteúdo" (Responsabilidade civil, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1992, p. 97-8). Anote-se, todavia, a posição do STJ: " 0 fornecimento de cofres para uso dos hóspedes não pode ser considerado com o uma cessão gratuita, pois se inclui nos custos da atividade, refletindo-se no preço da diária. Não se considera o roubo à mão arma­ da com o causa de força maior, pois quem fornece cofres tem consciência do risco, sendo a segurança inerente ao serviço" (STJ, 3*T., A G A 249825/RJ, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, DJ, 3 -4 2000).

JULGADO • Tem o hotel responsabilidade pelos hóspedes, sua segurança, bem-estar e integridade física, de­ vendo indenizar em caso de acidente ocorrido nas dependências do mesmo, independentemente de culpa, nos termos do art. 14 do CDC, admitindo-se a cumulaçáo de danos morais e materiais" [RT, 729/259).

A rt 650. Cessa, nos casos do artigo antecedente, a responsabilidade dos hospedeiros, se provarem que os fatos prejudiciais aos viajantes ou hóspedes não podiam ter sido evi­ tados. HISTÓRICO • Emenda do Senado Federal suprimiu a palavra "fregueses". De acordo com a linguagem adotada na emenda ao artigo anterior, nào havia razão para manter-se a referência. Demais correção, pretendida por subemenda do Deputado Vicente Arruda, em segunda fase do projeto na Câmara Federal, tornou-se impossível por razão regimental. Corresponde ao art. 1.285 do CC de 1916.

DOUTRINA • A exclusão da responsabilidade do hospedeiro é referida pela norma diante da inevitabilida­ de do ato lesivo. Fatos inimputáveis são aqueles para os quais o hospedeiro não concorreu com negligência ou falta do dever de vigilância. • Por outro lado, tenha-se presente o art. 642: " 0 depositário nào responde pelos casos de força maior; mas, para que lhe valha a escusa, terá de prová-los". Diga-se, a propósito, que o caso fortuito não é de per si exdudente de responsabilidade [RT, 579/233).

Art. 651. O depósito necessário não se presume gratuito. Na hipótese do a r t 649, a remuneração pelo depósito está incluída no preço da hospedagem. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.286 do Código Civil anterior, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • Ao contrário do que acontece com o depósito voluntário, o depósito necessário presume-se oneroso, somente se acolhendo a graciosidade mediante expressa previsão contratual. A onerosidade dos depósitos necessários, congregando tanto os legais quanto os miseráveis, tem arrimo na premissa de todos eles constituírem obrigações decorrentes de imposição legal

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Art. 652

ou de algum fato imprevisto e urgente, a ordenar não apenas a realização do depósito, como também a escolha nào livre do depositário, porquanto designado pelas circunstâncias e, em regra, entre pessoas estranhas ao depositante. • No caso do art. 649, o depósito da bagagem dos viajantes ou hóspedes igualmente se presu­ me oneroso, já incluída a remuneração no preço da hospedagem. É que o hospedeiro assume a obrigação de zelar e defender a coisa guardada em seu estabelecimento, responsabilizando-se por eventuais prejuízos, salvo quando inevitáveis. Bem por isso os doutrinadores equipa­ ram o negócio à prestação de serviços. • É importante salientar que a onerosidade presumida no depósito necessário acarreta maiores responsabilidades para o depositário, "pois quem recebe remuneração deve ser mais cuida­ doso e mais atento do que a pessoa que só aceita encargo para servir a um am igo" (Silvio Rodrigues, Direito eivil, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3 - Dos contratos e das declara­ ções unilaterais da vontade, p. 267).

Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressar­ cir os prejuízos. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.287 do Código Civil anterior, com pequena melhoria de ordem redacional. D O U T R IN A • Em derivando de relação de mútua confiança - depósito voluntário - ou de obrigação legal ou de fato imprevisto e urgente decorrente de calamidade pública - depósito necessário é certo que a lei pune severamente o depositário infiel, ou seja, aquele que se nega a restituir, quando reclamado pelo depositante, o objeto depositado sob sua guarda e conservação, com "a prisão não excedente de um ano e o ressarcimento dos prejuízos (...), pena corporal que será determinada na ação própria (Código de Processo Civil, arts. 901 e segs.) ou no processo de que resultar o depósito judicial" (Caio M ário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1978, v. 3, p. 322). • Tal penalidade encontra-se expressamente prevista na Constituição Federal de 1988, inciso LXVII do art. 5Ô, constituindo um dos dois casos taxativos de prisão civil. • Leciona o ilustre jurista José Lopes de Oliveira que se trata “de medida coercitiva, que tem por fim compelir o depositário infiel a restituir a coisa confiada à sua guarda" [Contratos, 1. ed., Recife, Livrotécnica, 1978, p. 175), persuadindo-o "de que é inútil a resistência" (W ashing­ ton de Barros Monteiro, Curso de direito civil, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2 - Direito das obrigações, p. 242). Por tal conduto, o legislador cuidou de fixar um prazo máximo para a duração da pena, nào tratando do lapso temporal menor. “Esse mínimo está na própria vontade do depositário infiel. A qualquer momento pode este liberar-se da prisão, desde que satisfaça a obrigação de exibir o depósito" (W ashington de Barros Monteiro, cit., p. 242-3). • Por fim, é relevante e oportuna a anotação de Maria Helena Diniz: "De acordo com a siste­ mática introduzida pelo novo estatuto processual civil, foi abolida a prisão liminar do depo­ sitário infiel, para admiti-la somente depois de julgado procedente e não cumprido o m an­ dado para entrega da coisa ou do equivalente em dinheiro, dentro do prazo marcado, em regra 24 horas [RT, 482:211 e 519:164)" (Curso de direito civil brasileiro, 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3 - Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 297).

Arts. 653 e 654

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C ap ítu lo X — DO MANDATO

Seção I — Disposições gerais Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.288 do CC de 1916.

DOUTRINA • Quando o interessado na consecução de determinado negócio jurídico não pode, ou mesmo nào quer, seja qual for a razão, praticá-lo, tem a faculdade de efetuá-lo por meio de outrem. • Tendo em vista a premência de um substituto para a feitura de atos de seu interesse, o inte­ ressado se coloca na contingência, então, de rogar a estranho, de sua confiança, a incumbên­ cia de realizar certo encargo, como se fora ele próprio. A essa transferência de responsabili­ dade se dá o nome de representação, cujos poderes derivam ou da lei (representação legal) ou do próprio negócio jurídico (representação voluntária ou negociai). A par dessa colocação preambular, tem-se que o mandato é a relação contratual pela qual uma das partes (mandatário) se obriga a praticar, por conta da outra (mandante), um ou mais atos jurídicos, criando-se, daí, uma espécie de obrigação interna entre ambos. Afigura-se, pois, imanente e imprescindível a ideia de representação no mandato, desde que estabelece relação contratual direta entre o representado e a terceira pessoa, por intermédio do repre­ sentante. • 0 mandato só pode ser conferido para a prática de atos jurídicos em que a lei não exija a pessoal intervenção do interessado, ou seja, para os atos destituídos de natureza personalís­ sima, vedando-se, p. ex., conceder mandato para elaborar e/ou revogar testamento, para o exercício do voto e para prestar depoimento pessoal. Há casos, contudo, embora raros, em que se dispensa a apresentação de mandato para tratar de negócios alheios, v. g., o registro e a averbação, no Registro Imobiliário, poderão ser provocados por qualquer pessoa (art. 217 da Lei n. 6.015/73). • Com o ressabido, a procuração consubstancia o mandato, à medida que por ela o outorgante manifesta sua intenção de assenhorear alguém para a prática de atos em seu nome. O traço característico do mandato, portanto, é a representação decorrente da fidúcia, da confiança, possibilitando ao mandante agir com o se estivesse a um só tempo em dois lugares.

Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumen­ to particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante. § l- O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos. § 2- O terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida.

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Art. 654

HISTÓRICO • Prudente analisar-se o § 1o deste artigo quando de sua aprovação pela Câmara antes de ser reme­ tido à revisão do Senado: "§ 1° 0 instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, os nomes do outorgante e do outorgado, a data e bem assim o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos". Posteriormente, após apreciação do Se­ nado, prevaleceu a redação atual com a justificativa de que a exigência de "qualificação do ou­ torgante e do outorgado" é de maior precisão do que a forma constante do projeto. A substituição do vocábulo "nomes" por "qualificação" era de melhor técnica, inclusive harmonizando-se com os dispositivos da legislação processual, que tratam sempre da "qualificação" das partes e de seus procuradores. 0 presente dispositivo corresponde ao art. 1.289 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 mandato está sujeito às regras gerais da capacidade, im pondo-se distinguir, dai, a incapa­ cidade absoluta da incapacidade relativa. Todas as pessoas maiores ou emancipadas, no gozo dos seus direitos civis, estão aptas a outorgar mandato mediante instrumento particular por elas assinado, que valerá desde que tenha a assinatura do mandante. • Os absolutamente incapazes de exercer, por si, os atos da vida civil não podem constituir mandatário, ao passo que os relativamente incapazes podem passar procuração, desde que assistidos pelos seus representantes legais e por instrumento público [RT, 438/135). Os pri­ meiros, todavia, não comparecem em pessoa e, por isso, são representados, pelo que não têm condições de constituir procurador, ou seja, de outorgar mandato, sob nenhuma de suas formas, porquanto não pode passar a outrem poderes para realizar ato jurídico quem, pesso­ almente, não pode fazê-lo. • Neste particular, é certo que a regra de capacidade reside, fundamentalmente, em saber se pode, ou não, o mandante executar validamente o ato autorizado. Se a resposta for afirma­ tiva, poderá, de maneira eficaz e legal, outorgar poderes a seu representante para, em seu nome, cumprir o mandato. • A capacidade é aferida contemporaneamente à formação do contrato, na oportunidade em que este é celebrado, diante da natureza do ato a executar. Inexistindo ela no momento da celebração do mandato, este se torna inoperante, e nulos ou anuláveis serão os atos dele decorrentes, não se convalidando o vício - ressalte-se - com a superveniente aquisição de capacidade por parte do mandante. Aliás, nem a boa-fé do mandatário tam pouco a do ter­ ceiro com que contratou o mandante têm o condão de suprir o requisito ou a restrição capacitária. Entretanto, a perda ou a diminuição da capacidade surgida somente após a cele­ bração do mandato não o invalida. • A procuração particular não precisa ser registrada em Cartório de Títulos e Documentos, pois é bastante o reconhecimento da firma dos signatários para revestir-se de validade perante terceiros. A lei não exige nenhuma outra formalidade, limitando-se a exigir o reconhecimen­ to oficial da assinatura aposta no documento (RT, 640/50). • Assim sucede porque, enquanto a procuração pública é autêntica por si mesma, fazendo prova por si própria, a particular, para tanto, necessita de autenticação, que se dá mediante o reconhecimento da firma. Cuida-se de condição essencial à sua validade perante terceiros, mas não relativamente ao mandante e ao mandatário. Contra estes dois, valem todas as si­ tuações jurídicas eventualmente surgidas em decorrência do mandato, pois quanto a eles a procuração gera todos os seus efeitos legais, ainda que ausente o reconhecimento da firma respectiva. • Quando se tratar de procuração ad judicia, no entanto, a exigência de reconhecimento de firma, constante da redação primitiva do art. 38 do CPC, foi cancelada pela Lei n. 8.952, de 13-12-1994, no novel esforço legislativo de reforma processual, ainda que a procuração

Art. 655

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contenha poderes especiais (STJ, 6? T., REsp 154.245/RS, Rei. Min. Fernando Gonçalves, DJ, 16-2-1998). Diz o v. Acórdão: “1 - O art. 38, do CPC, com a nova redação dada pela Lei 8.952/1994, a teor do que ensina a melhor doutrina, veio desburocratizar os trâmites proces­ suais, razão pela qual não mais se exige seja reconhecida a firma de procuração outorgada a advogado, com o fim de postular em juízo, mesmo aquela que contenha poderes especiais, pois, tratando-se de matéria de índole processual, fica afastada qualquer alusão è norma contida no art. 1.289, par. 3Ô, do CC. 2. Recurso especial não conhecido".

Art. 655. Ainda quando se outorgue mandato por instrumento público, pode substabelecer-se mediante instrumento particular. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o § 2“ do art. 1.289 do CC de 1916, com melhoria de redação. D O U T R IN A • 0 substabelecimento é o negócio unilateral pelo qual o mandatário (procurador) transfere ao substabelecido, no todo ou em parte, os poderes que lhe foram conferidos pelo mandante (outorgante). Sem embargo da controvérsia instalada em torno do tema e nào obstante as insuspeitáveis opiniões divergentes, parece-nos que o substabelecimento nào está sujeito à forma especial. É que, agora com a nova redação do texto, ainda quando a procuração tenha sido outorgada por instrumento público, o procurador nomeado pode substabelecer median­ te instrumento particular, com ou sem reserva de poderes, resolvendo o problema de inter­ pretação criado com a antiga redação. Tal orientação já era abraçada pela grande maioria da doutrina. Assim, p. ex., embora se tenha outorgado uma procuração por instrumento público para venda de determinado imóvel, cujo contrato deve perfazer-se por escritura pública, o mandatário pode substabelecer por instrumento particular. • Relevante é notar, ao entendimento ora manifesto, que, na redação do § 2o- do art. 1.289 do CC de 1916, o ato ali reportado condizia com aquele a nào exigir o instrumento público, enquanto a nova redação adotada pelo dispositivo em comento tem por indiferente exigir ou não o ato aquela forma especial. • No substabelecimento com reserva, o substabelecente (mandatário) permanece como procu­ rador, continuando a possuir, cumulativa e simultaneamente, os poderes por ele substabelecidos, ao passo que no efetuado sem reserva os poderes são transferidos, definitiva e total­ mente, para o substabelecido por meio de uma cessão integral, continuando responsável o mandatário (substabelecente) apenas se, com a cessão, não anuiu o mandante. Inexistente declaração a respeito, o substabelecimento se presume feito sob reserva de poderes. • Na didática lição de José Paulo Cavalcanti, "o substabelecimento pode ser total ou parcial. Se o substabelecimento for efetuado em parte com reserva, o substabelecente continua como procurador, solidariamente, com o substabelecido quanto aos poderes transferidos com re­ serva. Se for efetuado em parte sem reserva, haverá procuração individual somente ao esta­ belecido quanto aos poderes a ele transferidos sem reserva" (apud José Lopes de Oliveira, Contratos, 1. ed., Recife, Livrotécnica, 1978). • Impende rememorar, ainda, que "a mera juntada do substabelecimento nào dá oportunidade a que se conheça a seqüência dos mandatários, o que implica nào se saber se o substabele­ cente é, de fato, mandatário" (TJPE, 4* Câm. Cível, Agr. n. 69031 -9, Rei. Des. Napoleão Tavares, j. em 22-2-2001).

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Arts. 656 e 657

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 182, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “0 mandato outorgado por instrumento público previsto no art. 655 do CC somente admite substabelecimento por instru­ mento particular quando a forma pública for alternativa e não integrar a substância do ato".

DIREITO PROJETADO • Projeto de Lei n. 699/2011, reproduzindo o PL n. 6.960/2002, introduz parágrafo único ao presen­ te dispositivo, pretendendo estabelecer que a forma da procuração deve, sempre, corresponder à forma do ato a ser praticado. Se a transferência de imóveis só pode ser feita por escritura pública, também a procuração há de ser pública. Vejamos o texto: Art. 655. (...) Parágrafo único. É da essência do ato a forma pública, quando a procuração visar a cons­ tituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis.

Art. 656.0 mandato pode ser expresso ou tácito, verbal ou escrito. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do caput do art. 1.290 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • No que tange è sua forma, o mandato, como contrato consensual que é, pode ser expresso ou tácito, verbal ou escrito. É expresso quando o mandante, pessoalmente, outorga, por es­ crito, ao mandatário os poderes que lhe são inerentes, ocorrente naqueles casos que exigem procuração contendo poderes especiais. É tácito, por sua vez, quando resulta da prática de atos em nome do mandante sem sua autorização, mas mediante seu conhecimento e sem qualquer oposição. Nele, a aceitação do encargo se opera por atos que a presumem e pode ser provada por todos os meios em direito permitidos. Arnaldo Marmitt, lucidamente, susten­ ta ser ele simples "gestão de negócios, que se constitui sem declaração expressa do m andan­ te, à sua vista, sem sua oposição, por circunstâncias reveladoras da vontade de constituí-lo, e da existência do fator confiança do mandante para com o mandatário" (M andato , 1. ed., Rio de Janeiro, Aide, 1992). • É verbal o mandato quando, oralmente e independentemente de instrumento, o mandante outorga ao terceiro os poderes a ele conferidos, desde que a lei não exija mandato escrito, podendo provar-se por todos os meios reconhecidos em direito, inclusive o testemunhai. Tem-se com o exemplo aquele que não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foi celebrado (art. 401 do CPC), ante a ausência de documentação escrita que o comprove. Ainda, em outra pertinente ponderação, assevera o autor supracita­ do: “o mandato verbal distingue-se do tácito, porque no primeiro a autorização é expressa, ao passo que o mandato tácito repousa na presunção ou na dedução de circunstâncias" (p. 110); já o escrito é o mais comum, materializando-se na procuração, que lhe serve de instru­ mento - seja particular, seja público - nos casos expressos em lei.

Art. 657. A outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado. Não se admite mandato verbal quando o ato deva ser celebrado por escrito.

Arts. 658 e 659

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HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.291 do CC de 1916, com pequena melhoria de redação. D O U T R IN A • Com o observado anteriormente, o mandato verbal se dá quando alguém delega a outrem sua representação por palavra falada e prova-se por qualquer meio, inclusive testemunhai. Toda­ via, não comporta esta modalidade a prática de atos para os quais se exija o mandato escri­ to, seja público, seja particular. Logo, nào se admitirá mandato verbal, p. ex., para a consti­ tuição de servidão [RT, 115/179), para aceite de títulos cambiais [RT, 126/108, R F 101/317) e para outorga de fiança [RF, 87/728).

Art. 658.0 mandato presume-se gratuito quando não houver sido estipulada retribui­ ção, exceto se o seu objeto corresponder ao daqueles que o mandatário trata por ofício ou profissão lucrativa. Parágrafo único. Se o mandato for oneroso, caberá ao mandatário a retribuição pre­ vista em lei ou no contrato. Sendo estes omissos, será ela determinada pelos usos do lugar, ou, na falta destes, por arbitramento. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo, em relação ao anteprojeto de Agostinho Alvim, foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto, apenas para aprimo­ rar a linguagem. A redação original do dispositivo incluso no texto proposto pela Câmara era a seguinte: “Art. 658 .0 mandato presume-se gratuito, se não houver sido estipulada retribuição, ou se o seu objeto for daqueles que o mandatário trata por oficio ou profissão lucrativa". 0 Senador Josaphat Marinho apresentou a composição atual, melhorando a linguagem do texto. 0 caput do artigo repete o parágrafo único do art. 1.290 do CC de 1916, com a melhoria de redação aponta­ da. D O U T R IN A • É gratuito o mandato quando nào se estipula remuneração ao mandatário. 0 silêncio das partes interessadas sobre a remuneração faz presumir, até prova em contrário (presunção juris tantum), a gratuidade da função, sem direito a qualquer tipo de indenização. No one­ roso, ou se pactua, voluntariamente, um valor a ser pago ao mandatário, ou cabível, ex /ege, a remuneração, porque do seu objeto trata o mandatário por ofício ou profissão lucrativa, máxime quando a qualquer trabalho profissional corresponde uma remuneração para se atender aos preceitos constitucionais. Aqui a presunção é justamente o contrário, diante da obrigação de se remunerar o mandatário, tal como ajustado na convenção, ainda que o re­ sultado lhe seja desfavorável, sem que, com isso, entenda-se transformado o contrato em locação de serviços. • Em hipóteses tais, ausente o acordo sobre o quantum devido, o juiz, de plano, arbitrá-lo-á, levando em consideração não só a natureza do serviço, a sua complexidade e duração, como também o proveito com ele obtido.

Art. 659. A aceitação do mandato pode ser tácita, e resulta do começo de execução.

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Art. 660

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.292 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • A rigor, o mandato, è vista de sua consensualidade, reputa-se perfeito e acabado com o consentimento das partes. Por isso diz-se que ele somente se aperfeiçoa, ou melhor, se conclui, pela aceitação do mandatário, que nào recebe somente o poder, mas, ao revés, assume, pela aceitação, a obrigação de agir. • Nessa linha de ideias, ensina-nos De Plácido e Silva: " 0 poder ou a ordem para agir tem que se justapor à aceitação, ou a ato de aceitação, a fim de que desta conjugação ou justaposição de atos se gere o contrato de mandato". E arremata percucientemente: “A aceitação, pois, é que dá vida ao contrato. Dela se gera o dever de agir. Assim, o mandatário não terá somente o poder de ação, mas a obrigação de cumprir, dentro deste poder, o encargo ou a missão aceita" (Tratado dos m andatos e prática das procurações, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1963, v. 1, p. 25). • Tratando-se, a rigor, de condição existencial e de validade do negócio, a aceitação do m an­ dato, em regra, deve operar-se expressamente, seja por meio escrito, seja verbalmente. A d mite-se, contudo, a aceitação tácita, que resulta do começo de execução; porém, embora essa atuação exordial patenteie inequivocamente a aceitação do encargo, não representa a única forma de aceitação, a saber, da existência de outros meios que a indiquem, p. ex., quando o mandatário pratica atos só compatíveis com um comportamento de quem tomou a si a sua execução, conquanto esta nào esteja propriamente iniciada. • Nào basta que alguém outorgue a procuração fixando prazo para o mandatário aceitá-la ou repudiá-la, pois o simples vencimento do prazo de oposição nào o traduz em mandatário, salvo se, a despeito de nào a repudiar, começar a cumprir as obrigações outorgadas. • Em regra, o silêncio, por si só, não induz a aceitação do mandato; mas dele, porém, pode inferir-se, em certos casos, a aceitação do mandatário, quando este praticar algum ato com ­ patível com a vontade de aceitar. Bem por isso entre ausentes, quando o negócio para que foi dado é da profissão do mandatário, refere-se à sua qualidade oficial ou foi oferecido mediante publicidade e o mandatário não providencia, imediatamente, a sua recusa. Nessas situações presume-se, excepcionalmente, a aceitação do mandato, em face da apresentação a destempo da recusa; se o mandatário, portanto, recebendo a procuração, nào se manifesta negativamente desde logo, presume-se que aceitou o mandato.

Art. 660.0 mandato pode ser especial a um ou mais negócios determinadamente, ou geral a todos os do mandante. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.294 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • O mandato pode ser outorgado para negócio certo e especifico, podendo ser um ou mais, quando se diz mandato especial, restrito aos atos discriminados pelo mandante na procuração, de cujos lindes nào pode extravasar, porque vedada a sua extensão a outros, ainda que da mesma natureza. Esgota-se e extingue-se, simplesmente, com a realização do ato para o qual se destina.

Art. 661

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• 0 mandato geral, por seu turno, compreende todos os negócios do representado, que o re­ presentante se obriga a gerir. Se concebido em termos gerais, não se exige que o mandante especifique negócio por negócio e autoriza-se a prática de atos dispositivos, cujo objeto é a administração do negócio, sem que, com essa generalidade, permita-se o arbítrio por parte do mandatário, porque o mandato inadmite ampliações e extrapolações de quaisquer espécies. • Insta realçar que prevalece o entendimento, no seio jurisprudencial, de que "a extensão dos poderes, muitas vezes, nào se determina pelo caráter geral ou especial do mandato, mas pelos termos em que está redigida a procuração, quer seja geral ou especial o mandato" (Revista de Jurisprudência Brasileira, 38/20, Curitiba, Ed. Juruá). • Por último, cabe trazer à baila a indagação, por demais pertinente, do mestre W ashington de Barros Monteiro: “existirá mandato especial tácito, ou mandato especial há de ser sempre outorgado por escrito?" Embora controvertido o tema, o Excelso STF inclina-se no sentido de que “a assinatura do título, constantemente aposta por pessoa incumbida por alguém de cuidar de seus negócios, vincula o representado" [Arquivo Judiciário, 96/403).

Art. 661.0 mandato em termos gerais só confere poderes de administração. § 1? Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos. § 2- O poder de transigir não importa o de firmar compromisso. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.295 do CC de 1916. D O U T R IN A • 0 mandato “em termos gerais" somente habilita o mandatário a praticar atos de administra­ ção do interesse do mandante. São os cham ados “atos da administração ordinária", de que nos fala, pontualmente, o mestre W ashington de Barros Monteiro, quando sustenta que “a administração ordinária, a que se refere o texto, compreende atos de simples gerência, em que nào exista alienação ou disposição (pagar impostos, fazer reparações, contratar e despe­ dir empregados)" (Direito civil - direito das obrigações, 2a parte, 28. ed., 1995, p. 255). • A atuação do mandatário destina-se, em essência, a gerir ou dirigir os negócios com uns do mandante, sem atingir a sua substância e sem importar em disposição de interesses ou de direitos, seja total, seja parcialmente. A orientação jurisprudencial tem pronunciado, outrossim, que “não exorbita os poderes de administração mandatário que contrate locação por preço, prazo e condições usuais" [RF, 93/514). • Dada a importância da matéria, o legislador elencou, no § 1° deste dispositivo, num rol exemplifieativo, os atos que extrapolam os de mera administração, os quais, ipso facto, exigem poderes especiais. Excepcionam-se os atos que importem disposição sobre bens de fácil de­ terioração, e todos os demais que se destinam, especificamente, à venda. Para esses atos exigem-se poderes expressos na procuração, seja judicial, seja extrajudicial. Os poderes espe­ ciais conferidos interpretam-se restritivamente, vedada a sua extensão a atos análogos. • Por outro lado, o poder de transigir não importa o de firmar compromisso. O mandato para transigir nào abarca o poder para comprometer. Assim é porque, enquanto a transação é ato jurídico bilateral, no qual se extinguem as obrigações litigiosas, compromisso é o acordo entre as partes, que resolvem submeter sua desavença à solução arbitrai, comprometendo-se a acatá-la.

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Arts. 662 e 663

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 183, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Para os casos em que o pará­ grafo primeiro do art. 661 exige poderes especiais, a procuração deve conter a identificação do objeto".

Art. 662. Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar. Parágrafo único. A ratificação há de ser expressa, ou resultar de ato inequívoco, e retroagirá à data do ato. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.296 do CC de 1916.

DOUTRINA • Em princípio, o mandatário deve, tão somente, agir dentro dos poderes contidos no manda­ to e, com o corolário lógico, não seriam hábeis a criar obrigações para o mandante os atos praticados por quem nào tenha mandato ou que tenha excesso de poderes. A regra, pois, é a de que o mandatário só pode, validamente, agir nos estritos limites que lhe foram conferidos. • Se atua sem nenhum poder, ou excedendo os poderes a ele confiados, praticando ato não autorizado no mandato, pode o mandante, nas duas hipóteses, ou impugná-lo, porque rea­ lizado em seu nome, mas sem permissão, ou ratificá-lo. Na primeira, é como se o ato inexistisse para ele, mandante, porque nào se vincula ao ato excedente, cabendo somente ao mandatário, ipso fado, responder frente a terceiros pelas obrigações por ele assumidas e perante o próprio mandante pelos prejuízos dali advindos. • Se, de um lado, a impugnação deve ser fundamentada, a ponto de inadmiti-la se do ato, a despeito do excesso, não resultar prejuízo para o mandante (pos de nullité sa n s griet), de outro a ratificação pode ser expressa ou tácita; a primeira é a que se realiza por meio de declaração escrita ou verbal, em razão da qual o mandante, por ato positivo, demonstra a intenção de aprovar os atos executados pelo seu mandatário, fora dos lindes da outorga; a segunda resulta da evidência de ato inequívoco, pelo qual se tem com o certa a vontade do mandante em aprová-lo e, por conseguinte, em cumpri-lo. • Por se tratar de negócio unilateral receptício, a ratificação pode ser revogada pelo ratificante, enquanto nào comunicada ao destinatário, que é o sujeito que negociou com o agente sem poder algum de representação. M a s se nào revogada, retroage até o início, forrando tudo que se fez até ali, com o se o mandato, de fato, houvesse sido outorgado logo de proêmio.

Art. 663. Sempre que o mandatário estipular negócios expressamente em nome do mandante, será este o único responsável; ficará, porém, o mandatário pessoalmente obri­ gado, se agir no seu próprio nome, ainda que o negócio seja de conta do mandante. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.307 do CC de 1916.

DOUTRINA • O mandatário assume a obrigação ou se compromete a executar o negócio ou o afazer que serve de objeto ao mandato. Dessarte, a ele compete agir não em seu próprio nome, mas em

Arts. 664 e 665

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nome do mandante. Se o mandatário, porém, laborar em seu próprio nome, com o se fora seu o negócio, as obrigações dali advindas serão totalmente alheias ao mandante, que não se obrigará nem se beneficiará, ficando o primeiro direta e pessoalmente obrigado, na mera condição de credor ou de devedor. • A propósito, confira-se a brilhante admoestaçào de W ashington de Barros Monteiro: “se o mandatário age em seu próprio nome, duas conclusões se imporão: a) o mandante não pode proceder contra as pessoas com que tratou o pseudomandatário, pois são estranhos entre si; b) os terceiros não podem proceder igualmente contra o suposto mandante, por ausência de qualquer relação obrigacional entre os mesmos" [Direito eivil - direito das obrigações, 2» parte, 28. ed., 1995, p. 265).

Art. 664.0 mandatário tem o direito de reter, do objeto da operação que lhe foi come­ tida, quanto baste para pagamento de tudo que lhe for devido em conseqüência do mandato. HISTÓRICO • “Art. 664. 0 mandatário tem direito a reter, do objeto da operação que lhe foi cometida, quanto baste para pagamento de tudo quanto lhe for devido em conseqüência do mandato." Esta era a redação original do dispositivo quando de seu envio para o Senado, ganhando a atual composição por meio de emenda do eminente Senador Gabriel Hermes, que melhorou a linguagem do texto. 0 que se verificou no presente caso foi um mero aperfeiçoamento redacional, dispensando-se maiores considerações. Corresponde ao art. 1.315 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 mandatário tem o direito de reter (jus retentionis) o objeto que, por força do mandato, tiver em seu poder, até o efetivo reembolso do montante que houver gasto no desempenho do encargo. Este comando, comparando-se ao disposto sobre a matéria na legislação comer­ cial, assume feição mais restrita à medida que, na seara comercial, concede-se o direito de retenção por tudo aquilo devido ao mandatário em razão do mandato, não se limitando ao que gastou na execução do encargo. Assim é que, no âmbito mercantil, o ju s retentionis espalha-se à remuneração e à percepção de ressarcimento de perdas e danos. • 0 privilégio concedido ao mandatário limita-se à simples retenção, até que o mandante o reembolse das despesas efetuadas. Com o bem adverte o mestre Caio Mário, “nào pode o mandatário reter senão o objeto especifico do mandato para o qual efetuou o desembolso. Se cumpriu vários, não cabe reter o objeto de um, em garantia do despendido com outro; nem é lícito efetivá-la quanto a objetos do mandante, estranhos ao mandato, eventualmen­ te em poder do mandatário" (Instituições de direito civil, 10. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 261).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 184, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “Arts. 664 e 681. Da interpretação conjunta destes dispositivos, extrai-se que o mandatário tem o direito de reter, do objeto da ope­ ração que lhe foi cometida, tudo o que lhe for devido em virtude do mandato, incluindo-se a remuneração ajustada e o reembolso de despesas".

Art. 665.0 mandatário que exceder os poderes do mandato, ou proceder contra eles, será considerado mero gestor de negócios, enquanto o mandante lhe não ratificar os atos.

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Art. 666

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.297 do CC de 1916.

DOUTRINA • Sabe-se, em demasia, que a responsabilidade exprime o dever jurídico em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão que lhe sejam imputa­ dos para satisfazer a pretensão convencionada ou para suportar o encargo que lhe é impos­ to. A par desse axioma, observa-se que a responsabilidade atribuída ao mandatário funda­ menta, em relação ao mandante ou ao terceiro, o direito de exigir dele o cumprimento da obrigação que se lhe impunha. Vale dizer que a responsabilidade do mandatário concerne, a rigor, à própria execução do mandato, ou resulta da má execução dele. • Além de serem inidôneos, para vincular o mandante, os atos do mandatário praticados após a extinção do mandato [RT, 173/886), o mandatário que exceder os limites do mandato, ao assumir obrigações com terceiros, sem que haja ratificação do mandante, estará obrigado, perante estes, a responder, pessoalmente e a qualquer tempo, pelo excesso cometido [RT, 445/178), reputando-se com o mero gestor de negócios. • Deve o mandatário assumir e solver as despesas e encargos decorrentes dos atos que praticou com excesso de poderes, ou mesmo daqueles praticados em contratos que em tal situação firmou, caso não tenham sido ratificados pelo mandante.

Art. 666. O maior de dezesseis e menor de dezoito anos não emancipado pode ser mandatário, mas o mandante não tem ação contra ele senão de conformidade com as regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores. HISTÓRICO • Da análise do presente, verifica-se que a redação original do dispositivo, tal como fora enviado ao Senado, apresentava-se nos seguintes termos: "Art. 666. 0 maior de dezesseis e menor de vinte e um anos não emancipado pode ser mandatário, mas o mandante não tem ação contra ele senão de conformidade com as regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores". Emenda da lavra do eminente Senador Josaphat Marinho compatibilizou o dispositivo com a nova redação dos arts. 4o, 5a e 1.548 do projeto, no que se refere à diminuição da maioridade civil de vinte e um para dezoito anos. • Nessa toada, como bem justificou o ilustre senador Galvào Modesto, autor da emenda n. 1, "a tendência prevalecente é no sentido de fixar a maioridade civil em dezoito anos. Assim a estabe­ lecem o Código Civil italiano, de 1942 (art. 2°), o português, de 1966, com as alterações de 1977 (art. 130), o francês, com as inovações da Lei de 1974 (art. 488). Esta é a consagração, também, da Constituição espanhola de 1978 (art. 12). Acresce que nossa Constituição prestigia essa ten­ dência. Restringe a inimputabilidade penal aos menores de dezoito anos, sujeitando-os a legisla­ ção especial (art. 228). Considera o alistamento eleitoral e o voto obrigatórios para os maiores dessa idade e facultativos para os maiores de dezesseis anos (art. 14, § 1®, I e II, c). E estipula a idade de vinte e um anos como condição de elegibilidade ‘para deputado federal, deputado esta­ dual ou distrital, vice-prefeito e juiz de paz', bem assim a de 18 para vereador (art. 14, § 3°, VI, c e d), o que corrobora a fixação da maioridade aos dezoito anos. Essa inclinação legislativa repou­ sa, também, na certeza de que os meios de comunicação transmitem, permanente e crescente­ mente, conhecimentos e informações, que ampliam o poder de observação das pessoas e de dis­ cernimento dos fatos. Há de presumir-se, mesmo, que assim se teria orientado o Projeto, se sua elaboração houvesse sido posterior à Carta de 1988".

Art. 667

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• Corresponde ao art. 1.298 do CC de 1916, obviamente eom a alteração da sobredita antecipação da maioridade civil.

DOUTRINA • 0 insigne e saudoso mestre Clóvis Beviláqua, de antanho, já discordava dessa medida, julgando-a inoportuna e desnecessária, ao argumento de que "nem há necessidade de recorrerem os mandantes aos menores para os encarregarem de seus negócios, porque melhor os podem gerir os maiores" (apud De Plácido e Silva, Tratado dos m andatos e prática das procurações, Rio de Janeiro. Forense, 1963, v. 2, p. 145). • Todavia, não se afigura razoável dita objeção, porque, em verdade, a própria essência do mandato não se contrapõe à instituição de mandatário em nome do relativamente incapaz, a exemplo dos menores púberes não emancipados, para praticar atos sob responsabilidade do mandante. Isso em razão de que, instituindo-se menor púbere como mandatário, não se afronta a função basilar do mandato, certo que o relativamente incapaz não age por si, mas com o intermediário, em nome e sob responsabilidade do mandante, permanecendo, daí, isento de qualquer responsabilidade perante terceiros, desde que não atue com excesso de poderes. • Dessa regra pode-se afirmar que, na realidade, o mandatário nào contrata efetivamente, pois as obrigações surgidas de sua atuação e os conseqüentes riscos de nào se poder exigi-las correm à conta do mandante. Bem é dizer: nào se toma em consideração a capacidade do mandatário, eis que este, ao tempo em que obriga diretamente o mandante, não se obriga ele próprio pela operação contratada. Realmente, para o terceiro, é irrelevante que o m an­ datário seja, ou nào, capaz de contratar, porque quem vai responder, ao final, é o mandante. Basta apenas verificar se o mandante é capaz de outorgar o mandato e se o ato a ser prati­ cado pelo mandatário não excedeu os limites do instrumento. • Aviventa-se, neste contexto, a expressiva lição de Serpa Lopes: “o menor relativamente inca­ paz que for designado mandatário não responderá por perdas e danos em conseqüência da má execução que venha a dar ao mandato recebido, nem dele se pode reaver qualquer ele­ mento patrimonial em composição do dano produzido. Todavia, isso não importa converter uma medida de proteção em acobertamento de enriquecimento ilícito" (apud José Lopes de Oliveira, Contratos, 1. ed., Recife, Livrotécnica, 1978, p. 183).

Seção II — Das obrigações do mandatário Art. 667.0 mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente. § 1? Se, não obstante proibição do mandante, o mandatário se fizer substituir na exe­ cução do mandato, responderá ao seu constituinte pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do substituto, embora provenientes de caso fortuito, salvo provando que o caso teria sobre­ vindo, ainda que não tivesse havido substabelecimento. § T- Havendo poderes de substabelecer, só serão imputáveis ao mandatário os danos causados pelo substabelecido, se tiver agido com culpa na escolha deste ou nas instruções dadas a ele. § 3? Se a proibição de substabelecer constar da procuração, os atos praticados pelo substabelecido não obrigam o mandante, salvo ratificação expressa, que retroagirá à data do ato.

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§ 4- Sendo omissa a procuração quanto ao substabelecimento, o procurador será res­ ponsável se o substabelecido proceder culposamente. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.300 e seus parágrafos do CC de 1916. D O U T R IN A • Com o é sabido e ressabido, somente com a aceitação do mandato, ou seja, somente depois que a pessoa se constitui em mandatária de outrem, é que se estrutura, efetivamente, o contrato, derivado da conjunção de duas vontades, que visam ao mesmo resultado. Apenas a partir dessa aceitação, em perfeita contratação, é que o mandatário se vincula nos termos legais. A sua constituição nessa função, antes de sua anuência, configura mera proposta de contrato, decorrente de ato exclusivamente unilateral, que justamente em razão dessa pre­ cariedade pode nào se concretizar. • Com a efetiva aceitação do mandato, surge para o mandatário a obrigação legal de aplicar toda diligência e zelo necessários para o bom desempenho da atribuição que lhe foi cometi­ da. Das insuspeitáveis balizas do mestre Silvio Rodrigues extrai-se a lição de que "a obrigação do mandatário, e que decorre da própria natureza deste contrato, é a de agir em nome do mandante, com o necessário zelo e diligência, transferindo-lhe as vantagens que em seu lugar auferir, prestando-lhe, a final, contas de sua gestão" (Direito civil, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3 - Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 279). • A obrigação essencial do mandatário deve-se resumir ao fiel cumprimento do encargo a ele atribuído, com a habitual precaução e a observância de todas as instruções recebidas do mandante, até porque o mandato é contrato que se assenta na confiança do segundo para com o primeiro, que deve praticar, do melhor modo possível, o encargo a ele incumbido. Em outras palavras, "o mandatário deverá prestar a mesma diligência que empregaria se fosse realizar um negócio que lhe pertencesse" [RT, 101/626; RF, 87/693). • A despeito do caráter intuitu personae do mandato, cuja execução compete, pessoalmente, ao mandatário, a lei lhe autoriza, sem qualquer solução de continuidade, convocar, ou melhor, encarregar terceiros de seu cumprimento, pela realização, seja de alguns, seja de todos os atos competentes, contanto que a natureza do negócio não exija a sua atuação pessoal. Nessas situações, pode o mandatário transferir os poderes a ele conferidos mediante substabeleci­ mento, mas continua responsável perante o mandante por qualquer prejuízo causado por culpa sua ou do seu substabelecido, exceto quando expressamente autorizado o substabele­ cimento. • Se, mesmo com a proibição expressa do mandante, vedando a substituição, o mandatário substabelece, transferindo a outrem os poderes que lhe tenham sido confiados, responderá por todos os prejuízos advindos dessa proibida substituição em desfavor do constituinte, inclusive aqueles decorrentes de caso fortuito, a menos que comprove que o caso teria ocor­ rido se não houvesse o malsinado substabelecimento. • Com o visto, é sempre possível substabelecer, variando apenas as conseqüências; não há ne­ nhum a hipótese a impossibilitar o substabelecimento do mandato, pois, mesmo quando ex­ pressamente proibida a substituição, o mandatário pode fazê-la. 0 que vai acontecer, na realidade, é uma espécie de gradação para se aquilatar a responsabilidade deste último, consoante haja, ou nào, a vedação explícita de substabelecer. Impõe-se colher, neste parti­ cular, ensinamento do ilustre Orlando Gomes, que averba: “havendo proibição, ainda assim não estará tolhido de substabelecer, mas sua responsabilidade se agrava. Nesse caso, respon­ de até pelos prejuízos resultantes de caso fortuito, a menos que prove sobreviriam ainda não houvesse substabelecimento" (Contratos, 8. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1981, p. 417).

Art. 668

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• Se a substituição, porém, é consentida, autorizada, o mandatário não terá nenhuma respon­ sabilidade pela conduta desastrosa do substabelecido, salvo se houver incorrido na chamada culpa in eligendo, ou seja, se, ao fazer a escolha do preposto, escolher mal, arregimentando pessoa desprovida das qualidades essenciais ao desempenho da substituição, circunstância presumida e previamente por ele conhecida. • Caso a proibição de substabelecer conste da própria procuração, os atos praticados pelo substituto não vinculam o mandante, salvo se ratificados por este, quando, então, responde­ rá perante terceiros, eventualmente prejudicados. Vale dizer, as pessoas com quem contratar não terão ação contra o mandante, mas apenas diretamente contra o mandatário, se não houver a ratificação do mandante. • Quando a procuração for omissa quanto à possibilidade de substabelecimento, nem o permi­ tindo, nem o proibindo, o mandatário que vier a substabelecer somente responderá se o substituto laborar com culpa. • Convém mencionar, afinal, estudo de Hamid Charaf Bdine Júnior, Cessão da posição contra­ tual (São Paulo, Saraiva, 2007), no qual, analisando situações caracterizadoras ou nào da cessão contratual, esclarece: "A leitura dos parágrafos do art. 667 do Código Civil revela que o mandante só poderá postular indenização por responsabilidade contratual em face do mandatário - nada m encionando quanto ao substabelecido. Assim é porque a relação con­ tratual subsiste íntegra entre mandante e mandatário, nào havendo que falar, portanto, em cessão da posição contratual. Nessas condições, a referência ao substabelecimento do m an­ dato com o cessão da posição contratual não é precisa. 0 que efetivamente ocorre não é a substituição de uma das partes do contrato - o mandatário - por outra pessoa que estaria autorizada, sem autorização do mandante, a integrar o contrato, o substabelecido. Trata-se de mera transmissão de poder de representação - levado a efeito pelo mandatário, sem consentimento do mandante - mas insuscetível de modificar as partes originárias do con­ trato de mandato".

Art. 6 68.0 mandatário é obrigado a dar contas de sua gerência ao mandante, transfe­ rindo-lhe as vantagens provenientes do mandato, por qualquer título que seja. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.301 do CC de 1916, sem qualquer alteração, mesmo de ordem redacional. D O U T R IN A • Conforme já ensaiado à saciedade, deve o mandatário aplicar toda a prudência possível na execução do mandato, valendo-se da mesma diligência que o cidadão integro usa na gerên­ cia de seus próprios bens. Em regra, quando seus interesses se chocarem com os do m andan­ te, deve aos deste preferir, eis que a aceitação do mandato não lhe foi arbitrariamente im­ posta. Portanto, deve agir com o se fosse o próprio mandante, empregando a diligência habi­ tual no trato dos negócios a ele submetidos. • Dessa obrigação elementar decorre a de prestar contas ao mandante, salvo procurador em causa própria, transferindo-lhe todos os lucros e as vantagens granjeadas em decorrência do mandato, por qualquer título que seja. Trata-se de dever derivado da própria essência do mandato e de sua respectiva aceitação, porque o mandatário, acima de qualquer outra atri­ buição, acha-se incumbido de gerir negócio alheio, assum indo-o em toda a sua plenitude, a ele cabendo, portanto, a apresentação das contas, simplesmente por uma questão de probi­ dade e transparência, tal com o em qualquer outro negócio jurídico.

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Arts. 669 e 670

• Será obrigado, inclusive se for filho do mandante [RF, 97/401), a restituir-lhe qualquer lucro ilícito acaso recebido, e desde que não tipifique delito, exceto o recebido a título de gorjeta ou gratificação. • W ashington de Barros M onteiro situa, com precisão, o tema, quando afirma: "se o mandatá­ rio vende a coisa por preço superior ao fixado pelo mandante, deve entregar-lhe o excesso; se, por erro, o devedor do mandante paga mais do que devia, o mandatário tem de entregar-Ihe tudo quanto recebe, inclusive o excesso, pois só contra o mandante pode o devedor formular eventual reclamação" (Direito civil - direito dos obrigações, 2* parte, rev. e atual, por Carlos Alberto Dabus M a lu f e Regina Beatriz Tavares da Silva, 38. ed., 2011, p. 322).

Art. 669.0 mandatário não pode compensar os prejuízos a que deu causa com os pro­ veitos que, por outro lado, tenha granjeado ao seu constituinte. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.302 do CC de 1916. D O U T R IN A • A o mandatário não cabe compensar os prejuízos a que deu causa e sobre os quais, por isso, é responsável, com as vantagens direcionadas ao seu constituinte, certo que lhe compete desenvolver a sua atividade, procedendo, estritamente, conforme os poderes recebidos. • Em verdade, considerando que os lucros e as indenizações possuem fundam entos distintos, a não ocasionar, necessariamente, a simultaneidade entre devedor e credor, veda-se a com pen­ sação, máxime porque, enquanto os primeiros estavam na expectativa normal do negócio, as segundas não estavam. • Consoante valiosa observação empreendida pelo digno W ashington de Barros Monteiro, "essa disposição é ociosa: os proveitos pertencem necessariamente ao mandante; eonseguintemente, o mandatário não pode contrapô-los aos prejuízos que causou e pelos quais é responsável; não é possível compensação alguma, porque pressupõe esta duas partes reciprocamente credoras e devedoras e, no caso, só o mandante é credor” [Direito civil - direito das obriga­ ções, 2» parte, 28. ed., 1995, p. 263).

Art. 670. Pelas somas que devia entregar ao mandante ou recebeu para despesa, mas empregou em proveito seu, pagará o mandatário juros, desde o momento em que abusou. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.303 do CC de 1916. D O U T R IN A • Deve o mandatário remeter ao mandante o dinheiro a este pertencente. Se desviou a quantia recebida ou a utilizou em proveito próprio, inclusive a recebida para fazer face às despesas ordinárias, decorrentes do negócio, impõe-se como medida de boa-fé a restituição corrigida do quantum, desde o momento em que se locupletou. • Realmente, desde a aceitação do mandato, assume o mandatário obrigação de não fazer, qual seja, a de não se utilizar, impropriamente, das som as recebidas, que se destinarão, única e tão somente, aos fins estipulados no mandato. Se se desviar da finalidade, violará o mandatário tal obrigação negativa, ficando constituído em mora, conforme o art. 961 do diploma civil de 1916, desde a prática do ato de que devia se abster.

Arts. 671 e 672

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Art. 671. Se o mandatário, tendo fundos ou crédito do mandante, comprar, em nome próprio, algo que devera comprar para o mandante, por ter sido expressamente designado no mandato, terá este ação para obrigá-lo à entrega da coisa comprada. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Cria-se, aqui, regra nova, de lógica razoável, almejando, outrossim, a proteção do mandante para eventuais atos ímprobos, praticados pelo mandatário, em flagrante desrespeito à boa-fé e à fidúcia, caracteres inerentes à natureza do mandato. Afigura-se perfeitamente válida a pretensão do mandante em receber do mandatário algo que teria expressamente designado para que este comprasse no exercício de sua função e, mais ainda, valendo-se de fundos ou créditos do próprio outorgante.

Art. 672. Sendo dois ou mais os mandatários nomeados no mesmo instrumento, qual­ quer deles poderá exercer os poderes outorgados, se não forem expressamente declarados conjuntos, nem especificamente designados para atos diferentes, ou subordinados a atos sucessivos. Se os mandatários forem declarados conjuntos, não terá eficácia o ato praticado sem interferência de todos, salvo havendo ratificação, que retroagirá à data do ato. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.304 do CC de 1916, com pequena melhoria de redação e técnica. D O U T R IN A • 0 mandato, como visto, pode ser conferido a um ou mais mandatários, para a realização de um mesmo negócio, ou para atuações distintas, em negócios isolados. Quando se apresenta a pluralidade de mandatários, mister é saber com o se declarou no contrato: se foram cons­ tituídos para agir isoladamente, ou em conjunto, e, depois de ultrapassado esse óbice, em que ordem podem exercer os poderes a eles imputados. • Quando dois ou mais mandatários forem nomeados num único instrumento para negócios distintos, não haverá problema algum, porque se conservam independentes, autônomos, agindo separadamente, cada qual cumprindo, sozinho, os poderes que lhe foram especifica­ mente delineados no mandato, sem se importar com as atribuições daquele que, com ele, fez-se mandatário no mesmo instrumento contratual. É o cham ado “mandato fracionário ou distributivo". em que se estabelecem atribuições privativas, sem qualquer conexidade ou conjunção de poderes. Na realidade, nada os prende um ao outro, a não ser a unidade do ato que os constituiu. Relembre-se que tal distributividade deve vir positivamente declarada, sob pena de se reputar sucessivo o mandato. • Por outro lado, se, embora nomeados no mesmo instrumento, nào se faz qualquer menção aos poderes de cada um, presumir-se-á que o mandato é sucessivo, no sentido de que um só poderá agir na falta do outro, segundo a ordem de nomeação. Para que o segundo m anda­ tário possa executar o mandato, é preciso que o primeiro nào queira, nào possa ou esteja impedido de fazê-lo. No silêncio da pluralidade de mandatários, presume-se a sucessividade, de modo, é claro, juris tantum, a admitir a prova de que atuam em conjunto ou de que são solidários.

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Arts. 673 e 674

• Se expressamente declarado no contrato que os mandatários sào conjuntos ou simultâneos, não poderão agir separadamente, pois são solidários. Todavia, declarando-se textualmente que os vários mandatários sào solidários, cada qual poderá praticar todos os atos indepen­ dentemente do concurso dos demais ou de qualquer ordem de nomeação, com o se fosse o único procurador.

Art. 673.0 terceiro que, depois de conhecer os poderes do mandatário, com ele celebrar negócio jurídico exorbitante do mandato, não tem ação contra o mandatário, salvo se este lhe prometeu ratificação do mandante ou se responsabilizou pessoalmente. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.306 do CC de 1916, com pequena melhoria de redação. D O U T R IN A • O terceiro que, conhecendo plenamente os poderes do mandatário, com este celebrar con­ trato exorbitante desses poderes, agiu por sua conta e risco, nào tendo, por isso mesmo, ação nem contra o mandatário - salvo se este lhe prometeu ratificação por parte do mandante, ou se responsabilizou pessoalmente pelo contrato nem contra o mandante, a nào ser que este confirme o excesso cometido pelo mandatário. • Caso o mandatário se mantenha inerte quanto à prometida ratificação a ser efetuada pelo mandante, ao terceiro compete, então, acionar o primeiro, visando à indenização de todos os prejuízos decorrentes daquele contrato, assim também pelas perdas e danos suportados em razão da nào ratificação. De igual modo, caberá ação do terceiro contra o mandante, quando este nào cumprir a ratificação do excesso.

Art. 674. Embora ciente da morte, interdição ou mudança de estado do mandante, deve o mandatário concluir o negócio já começado, se houver perigo na demora. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.308 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional. D O U T R IN A • Em verdade, como a lei preserva os interesses em jogo, deve o mandatário, mesmo sabendo do óbito, interdição ou mudança de estado do constituinte, ultimar o negócio já começado, desde que haja perigo na demora da substituição pelos herdeiros. M esm o sabendo que as hipóteses extinguem, lidimamente, o mandato, ainda persiste um dever fundamental a ser respeitado pelo mandatário, que é o da lealdade. Prosseguir no exercício do mandato, a des­ peito de configuradas tais situações, significa que o mandatário, de fato, preocupa-se em evitar prejuízos à parte interessada. • Segundo a orientação jurisprudencial, “o mandatário terá a obrigação de concluir, com leal­ dade, o negócio já começado, se houver perigo na demora, ou seja, se da sua inação advier grave dano para o mandante ou seus herdeiros, apesar de ter ciência da morte, interdição ou mudança de estado do mandante, causas de extinção do mandato. 0 procurador que assim não proceder, causando dano com sua omissão ao mandante, poderá ser responsabilizado por isso, devendo pagar perdas e danos". E mais: “o perigo a que se refere o texto não é só o re­

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lativo ao mandante, ou seus sucessores; compreende também o daqueles com os quais con­ trata o mandatário" [Arquivo Judiciário, 97/71).

Seção III — Das obrigações do mandante Art. 675.0 mandante é obrigado a satisfazer todas as obrigações contraídas pelo man­ datário, na conformidade do mandato conferido, e adiantar a importância das despesas necessárias à execução dele, quando o mandatário lho pedir. H IS T Ó R IC O • 0 presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. 0 texto sofreu apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por par­ te da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.309 do CC de 1916.

DOUTRINA • Com o já se observou, o mandato representa um contrato com o outro qualquer, a estabelecer um perfeito vinculo jurídico entre as partes celebrantes, pelo qual as obrigações e direitos dele resultantes passam a integrar o plexo das exigências, que, recíproca e validamente, podem ser realizadas. • As obrigações do mandante, a rigor, exprimem todo o rol de responsabilidades já existentes e surgidas ao longo da execução do mandato, quer em relação ao próprio mandatário, que age em seu nome, quer em relação aos terceiros, com quem o mandatário contratou em cumprimento dos poderes recebidos. Nesta última hipótese, para que o mandante possa vir a ser acionado perante terceiros para adimplir o negócio praticado pelo mandatário, há de haver a conjugação de dois requisitos, a saber: a) que o mandatário tenha atuado em nome do mandante; e b) que o ato tenha sido realizado dentro dos limites conferidos. Se o m an­ datário, a despeito de ter sido convocado para agir em nome do mandante, assim não o faz, atuando em nome próprio, o mandante se desvincula da obrigação de reparar o terceiro, porque os efeitos do negócio extrapolaram a sua esfera de vontade. • M esm o na hipótese de exorbitância dos poderes por parte do mandatário, poderá o m andan­ te continuar adstrito ao cumprimento das obrigações contraídas pelo constituído, quando ele ratificar o excesso, expressa ou tacitamente, porquanto "a ratificação supre a falta de poderes, vale como mandato expost facto, é uma espécie de mandato retroativo" [RF, 143/175). • Além de honrar, perante terceiros, todos os compromissos em seu nome assum idos pelo m an­ datário, na conformidade dos poderes a este conferidos, assim como responsabilizar-se na hipótese de superveniente ratificação do excesso, o mandante deve adiantar, desde que re­ querido expressamente pelo mandatário, a importância das despesas necessárias à fiel exe­ cução do mandato, pois, recusando-se a fornecer tais adiantamentos, poderá o mandatário renunciar à função. • Pode o mandatário, porém, querendo, proceder previamente às despesas e, em seguida, soli­ citar o reembolso, cujo pagamento ficará o mandante obrigado a fazer, ainda que o negócio não surta o efeito desejado [RF, 103/464), haja vista não responder o mandatário, em face da própria natureza do contrato, pelo êxito de sua intervenção. • Demais disso, nas lúcidas palavras do mestre W ashington de Barros Monteiro, "da mesma forma, o mandante nào pode escusar-se ao pagam ento das despesas, sob alegação de que estas foram exageradas, ou poderiam ter sido menores. Não tendo havido prévia fixação de limites, responderá o mandante por todos os gastos que o m andatário realizou e com ­

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Arts. 676 e 677

provou, no desempenho do cargo" (Direito civil - direito das obrigações, 2* parte, 28. ed., 1995, p. 267).

Art. 676. É obrigado o mandante a pagar ao mandatário a remuneração ajustada e as despesas da execução do mandato, ainda que o negócio não surta o esperado efeito, salvo tendo o mandatário culpa. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.310 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional. D O U T R IN A • Se o mandato nào for gratuito, é curial que o mandatário deve ser remunerado pelos serviços prestados, de acordo com o previamente acordado, bem como na hipótese em que o objeto do contrato for daqueles que o mandatário trata por ofício ou profissão lucrativa, sendo desinfluente, em ambas as hipóteses, se o negócio logrou, ou não, o êxito pretendido. • É o que o mestre Orlando Gomes chama, muito propriamente, de “remuneração à forfait, pouco importando, assim, que o negócio tenha surtido o efeito esperado, eis que o manda­ tário não contrai obrigação de resultado, senão de meios" (Contratos, 8. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1981, p. 419). Essa regra, porém, não tem aplicação quando o insucesso do negócio estiver diretamente relacionado com a negligência ou imprudência do mandatário, caso em que passará a inexistir a obrigação de o mandante remunerá-lo. • Caso inexista ajuste entre as partes intervenientes no que tange à impreseindibilidade da remuneração, caberá ao Poder Judiciário arbitrar o quantum debeotur fundado na prática ou uso do lugar onde o mandato se cumprir. Assim proclama a jurisprudência: “o mandante terá a obrigação de reembolsar o mandatário das despesas feitas na execução do mandato, mes­ mo que o ato negociai por ele realizado não tenha êxito. 0 procurador apenas nào terá di­ reito de ser reembolsado das despesas feitas, se o negócio malograr em razão da culpa sua. Se contrariou as instruções fazendo despesas excessivas, só será reembolsado na proporção do valor médio das coisas, não tendo direito ao reembolso integral" (RF, 103/464).

Art. 677. As somas adiantadas pelo mandatário, para a execução do mandato, vencem juros desde a data do desembolso. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.311 do CC de 1916, com pequena melhoria de redação. D O U T R IN A • Ainda não se acha exaurida a relação das obrigações do mandante, pois deve ele pagar ao mandatário os juros e a correção monetária correspondentes à quantia por este eventual­ mente adiantada para fazer face á execução da obrigação, desde a data do efetivo desem­ bolso. Assim o é porque, nesse caso, o mandatário sofreu um desfalque em seu patrimônio em prol do mandante. • Havendo acordo a respeito, a taxa de juros poderá ser estipulada até o máximo de 1 2 % (doze por cento) ao ano; não havendo, serão os juros legais, à razão de 6 % (seis por cento) ao ano.

Arts. 678 e 679

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• Sob os indicativos do mestre W ashington de Barros Monteiro, "os juros, a que se refere o preceito legal, são compensatórios; incidem sobre as quantias adiantadas pelo mandatário e com putam -se desde o dia em que este as desembolsou. Se houver atraso no pagamento da remuneração avençada, o mandatário também terá direito a juros, que, nesse caso, serão moratórios" (Direito civil - direito das obrigações, 2•- parte, 28. ed., 1995, p. 268).

Art. 678. É igualmente obrigado o mandante a ressarcir ao mandatário as perdas que este sofrer com a execução do mandato, sempre que não resultem de culpa sua ou de exces­ so de poderes. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.312 do CC de 1916, com pequena melhoria de redação.

DOUTRINA • Se, de um lado, é inteiramente vedado ao mandatário manter consigo os lucros e as vantagens oriundas da execução do mandato, de outro é exato afirmar, outrossim, que ele nada pode perder por isso, cabendo, indistintamente, ao mandante o ressarcimento de todos os prejuízos surgidos com o consectário do desempenho da função, exceto quando tal prejuízo advier de conduta culposa sua, incluindo-se aí a sua atuação exorbitando os limites do contrato. • Com essa previsão, a lei protege a esfera patrimonial do mandatário, que dela se utilizou, durante o desenrolar do contrato e em benefício do constituinte, para cumprir, com perfeição, o seu encargo, sendo inteiramente razoável, por isso, que nào arque com ditas despesas extras, surgidas em decorrência - repita-se - da fiel execução do mandato.

Art. 679. Ainda que o mandatário contrarie as instruções do mandante, se não exceder os limites do mandato, ficará o mandante obrigado para com aqueles com quem o seu pro­ curador contratou; mas terá contra este ação pelas perdas e danos resultantes da inobser­ vância das instruções. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.313 do CC de 1916, com pequena melhoria de redaçào.

DOUTRINA • Regra geral, o mandante pode sofrer ação direta promovida por terceiros com que o m anda­ tário contratou, certo que ao primeiro compete honrar todas as obrigações pelo segundo contraídas, no limite dos poderes a este conferidos no mandato, salvo nas situações já disse­ cadas anteriormente. Tudo isso porque, com o já ressaltado à saciedade, o mandatário age em nome e sob responsabilidade do mandante, que assume responsabilidade de modo pleno, absoluto, desde que contraída pelo mandatário nos termos do mandato. • Ainda que o mandatário desatenda às instruções ministradas pelo mandante, mas com essa insurgência não exorbite os limites do mandato, o segundo ficará vinculado ao cum prim en­ to da avença, inclusive para com quem o primeiro contratou, ressalvando-lhe, todavia, o direito de ajuizar ação regressiva contra o mandatário, almejando o ressarcimento por perdas e danos, resultantes da desobediência às reportadas instruções.

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Arts. 680 e 681

• Em verdade, esse axioma origina-se do respeito ao princípio da segurança jurídica, no inte­ resse de manter a estabilidade das relações jurídicas, sejam elas mercantis, sejam civis. É que os terceiros negociantes com o mandatário apenas conhecem os termos do mandato, não podendo, por absoluta impossibilidade material, ficar vinculados às regras extras ministradas pelo mandante ao mandatário, justamente por não conhecerem sequer seu conteúdo, quan­ to mais sua extensão. • Neste particular, impõe-se colher insumo do insuperável Orlando Gomes, quando averbava: "à atuação exorbitante não se identifica a atuação contrária às instruções. Se o mandatário não as observa, o terceiro não será prejudicado, por isso que a infração não exonera o m an­ dante de satisfazer as obrigações contraídas, se os poderes não forem excedidos. Com o as instruções participam apenas da relação interna, o mandante terá ação contra o mandatário somente pelas perdas e danos resultantes de sua inobservância" (Contratos. 8. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1981, p. 419).

Art. 680. Se o mandato for outorgado por duas ou mais pessoas, e para negócio comum, cada uma ficará solidariamente responsável ao mandatário por todos os compromissos e efeitos do mandato, salvo direito regressivo, pelas quantias que pagar, contra os outros mandantes. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.314 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional. D O U T R IN A • Se forem vários os outorgantes, todos, por imperativo legal, serão solidariamente responsáveis, para com o mandatário, por todos os compromissos (despesas com reembolso, a título de indenização, ou pela própria remuneração) e efeitos do mandato. Configura-se, no caso, a hipótese de solidariedade legal, cuja repercussão prática é a de que o mandatário, querendo, poderá exigir de um deles apenas o cumprimento dos deveres do mandato, seja total, seja parcialmente. Em se acionando um deles para efetuar o pagamento integral, liberam-se os demais. • Contudo, aquele que vier a adimplir as obrigações terá ação regressiva, pela quantia paga, contra os outros que permaneceram inertes, para receber, de cada um, a parte que lhe couber, reavendo a quantia desembolsada, excluída apenas a sua cota-parte.

Art. 681.0 mandatário tem sobre a coisa de que tenha a posse em virtude do mandato, direito de retenção, até se reembolsar do que no desempenho do encargo despendeu. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.315 do CC de 1916, com pequena melhoria de redação. D O U T R IN A • Consoante valioso pronunciamento do mestre De Plácido e Silva, "n o sentido jurídico, o direito à retenção é o privilégio que se concede a certas pessoas, em poder de quem se en­ contrem coisas ou bens de outrem para que nào as entregue, transfira ou restitua, enquan­ to nào sejam satisfeitas em certas pretensões, derivadas de direitos, que lhe são assegurados"

Art. 682

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(Trotado dos m andatos e prática das procurações, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1963, v. 2. p. 182). • Da mesma forma que ao mandante, também se confere direito de retenção ao mandatário, só que com uma amplitude menor do que o da legislação comercial, que estende o ju s retentionis a tudo quanto seja devido ao mandatário em razão do mandato, inclusive a remune­ ração e o pagamento por perdas e danos. Na legislação civil, porém, tal privilégio se restrin­ ge, tão somente, aos gastos empreendidos pelo mandatário no desempenho do mandato [RT, 134/145). • Em última análise, ao mandatário civil se imputa o privilégio de assegurar, de maneira simples, o reembolso do montante antecipadamente pago, para suprir as deficiências do mandato ou conservar a coisa, ou daquelas quantias despendidas na execução do mesmo, com o corolário natural do seu desenvolvimento, acrescidas dos juros que lhe correspondem. Na realidade, o legislador, com tal previsão, apenas buscou enaltecer a velha máxima segundo a qual o di­ reito que expressa um privilégio há de ser exercitado restritivamente, ou seja, dentro dos estritos limites do preceito que o instituiu. E N U N C I A D O D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L -

C JF

• Enunciado 184, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “Arts. 664 e 681. Da interpretação conjunta destes dispositivos, extrai-se que o mandatário tem o direito de reter, do objeto da ope­ ração que lhe foi cometida, tudo o que lhe for devido em virtude do mandato, incluindo-se a remuneração ajustada e o reembolso de despesas".

Seção IV — Da extinção do mandato Art. 682. Cessa o mandato: I — pela revogação ou pela renúncia; II — pela morte ou interdição de uma das partes; III — pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer, IV — pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.316 do CC de 1916, com pequena melhoria de redação. D O U T R IN A • Nas percucientes palavras de Caio Mário, “como toda relação jurídica, a que se origina do mandato cessa nos casos que a lei (Código Civil, art. 1.316) menciona, oriunda de três ordens de causas: a vontade das partes, o acontecimento natural, o fato jurídico. São eles: a revo­ gação, a renúncia, a morte, a mudança de estado, a terminação do prazo, a conclusão do negócio. Os autores costumam ainda lembrar outras extintivas, que são de caráter geral, como a impossibilidade do objeto, a nulidade do contrato, a resolução por inadimplemento, a ve­ rificação de condição resolutiva" (Instituições de direito civil, 10. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 262-3). • Desta valiosa lição doutrinária dessume-se que a extinção do mandato compreende, a rigor, três ordens de fatores: natural (quando decorre do seu integral cumprimento, pela expiração do prazo para que se perfez ou pela feitura do negócio sobre que versava seu objeto), volu n­

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Art. 682

tária (por manifestação ou acordo das partes para ultimá-lo) e legal (quando a própria lei indica algum(ns) fato(s), cuja(s) ocorrência(s) invalida(m) o contrato). • Via de regra, o mandato pode, a qualquer tempo, ser revogado simplesmente porque, além de se fundar na confiança do mandante para com o mandatário, é sempre constituído no interesse do primeiro, que, exatamente por isso, pode revogá-lo a seu livre alvedrio, quando bem lhe aprouver. Deveras, trata-se de faculdade que lhe assiste, a ser exercitada a qualquer momento, ensejando, sem embargo, uma espécie de resilição unilateral, prescindindo de qualquer justificativa para tanto, desde que não mais lhe convenha o negócio (revogação ad nutum). Diz-se "via de regra", porquanto as partes podem estipular cláusula de irrevogabilidade, prevista no art. 683 do CC de 2002. • A revogação não produz efeitos retroativos, atingindo, apenas, os atos futuros (ex nunc), em respeito aos já praticados. • Se a manifestação de vontade provier do mandatário, haverá renúncia ao mandato, a qual, a exemplo da revogação, também detém cunho unilateral, mas há de ser comunicada a tem­ po, embora prescinda de sua justificação, a fim de que o mandante providencie a sua subs­ tituição. • A morte do mandante, com o a do mandatário, configura outra causa extintiva do mandato, haja vista se tratar de contrato intuitu personae. A interdição de mandante ou de mandatá­ rio, por seu turno, também tem o condão de aniquilar o mandato, à medida que incapacita o agente de exercê-lo, desalijando-o dos poderes necessários para continuar executando o contrato a si confiado. 0 interdito, com o sabido, não pode praticar os atos da vida civil, já que declarada judicialmente a sua incapacidade. • A hipótese trazida pelo inciso III - convém salientar - atina, em verdade, aos casos de esta­ do de pessoa, precisamente no seu aspecto civil, e nào à perda de capacidade propriamente dita. M udança de estado significa, doutrinariamente, a alteração do estado da pessoa no plano jurídico-civil, com o aquela decorrente do casamento ou de sua dissolução e da maio­ ridade civil e, ainda, da interdição por incapacidade superveniente. Para efeito da extinção do mandato, o Código Civil destaca a interdição em face da mudança de estado, colocando aquela em inciso próprio, ao lado da morte (art. 1.316, II, do CC de 1916 e art. 682, II, do CC de 2002), chegando, inclusive, a sobressaí-la, de forma mais contundente, quando a refere no art. 1.308 do antigo Código e no art. 674 do atual, assinalando o seguinte: Embora cien­ te da morte, interdição ou m udança de estado do mandante, deve o m andatário concluir o negócio jó começado, se houver perigo na demora. Isto tem consonância por identidade substancial de razões. Não há mudança de estado da pessoa em face de enfermidade mental senão aquela provocada pela interdição, cujos efeitos apenas sào produzidos com a sentença, e esta, aliás, produz seus efeitos desde logo, embora sujeita a recurso (art. 1.773 do CC de 2002). Bem por isso, cuidou Orlando Gomes, o mais completo civilista, de diversificar as hi­ póteses quanto à extinção do mandato, ao referir: " 0 mandato cessa: o) pela revogação; ò) pela renúncia; c) pela morte, interdição ou mudança de estado de uma das partes; d) pela extinção do prazo; e) pela conclusão do negócio" (Contratos, 2. ed., Forense, 1966, p. 358). E, assim o fazendo, deixou claro que se trata de causas extintivas bem demarcadas. Aliás, exa­ minando cada uma das hipóteses de per si, o festejado Silvio Rodrigues chega a afirmar, ao analisar o inciso III do art. 1.316 do antigo Código, o seguinte: “Este dispositivo perdeu gran­ de parte de seu interesse pois abrangia hipótese da mulher mandatária vir a casar-se. (...) Com o o legislador destacou da abrangência deste dispositivo o caso de interdição de uma das partes, poucas outras hipóteses se podem figurar em que o mesmo tenha aplicação" (Dos contratos, 3. ed., M ax Limonad, p. 326). Desse modo, forçoso se torna concluir que os modos terminativos do mandato estão bem delineados na lei, pelos incisos específicos da norma, e com tal distinção Maria Helena Diniz, a seu turno, empreende inclusive o entendimento de que “o mandato cessará no momento em que a sentença dedaratória transitar em julgado"

Arts. 683 e 684

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(Curso de direito civil brasileiro, 16. ed., 2001, v. 3, p. 324), o que transcende, nesse particular, a regra do art. 452 do antigo Código e a do reportado art. 1.773 do CC de 2002. No tocante á mudança de estado, esta diz respeito, propriamente, segundo a citada mestra, á inabilitaçào do mandante a conferir poderes, a exemplo do mandante solteiro que, passando procuração para alienar imóvel, e, ao depois, casando, seu casamento extinguirá o mandato, porque a lei reclama outorga uxória para tal ato [RF 149/130), ou do mandatário a recebê-los, a exemplo daquele que se torna falido, no que concerne aos atos de comércio, reconhecido que a falên­ cia constitui mudança de estado atingindo o mandato que verse sobre tais atos. Não há, pois, confundir, no atinente ao inciso III, inabilitaçào e incapacidade superveniente, esta última tratada em sede de interdição, no inciso anterior. Nesse sentido: TJPE, 2® Grupo de Câmaras Cíveis, nos El 34502-4, Rei. Des. João Bosco Gouveia de Melo. • Se o mandato foi outorgado por prazo determinado, quando o próprio instrumento assim estipular, cessará o contrato de pleno direito no momento em que expirar tal período. De igual modo, conferido o mandato somente para algum ato específico, ocorrendo este ato também extinguir-se-á.

Art. 683. Quando o mandato contiver a cláusula de irrevogabilidade e o mandante o revogar, pagará perdas e danos. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Sendo regra a possibilidade de revogação do mandato, pela sua própria natureza jurídica, a cláusula de irrevogabilidade, eventual e explicitamente inserta no contrato, deverá ser ob­ servada em toda a sua plenitude, justamente por estar presente, tão somente, em caráter excepcional, a que, sponte sua, anuíram os interessados. Vale dizer, se acordada pelas partes interessadas a sua previsão no contrato, há ela de ser rigorosamente cumprida, sob pena de o mandante responder pelas perdas e danos desta inobservância advindos. • 0 percuciente Caio Mário, já antevendo uma eventual problemática que poderia surgir nesse particular, asseverou que "tendo as partes em vista a natureza do negócio ou seus recíprocos interesses, podem convencionar que o mandante não tem a faculdade de cassar os poderes. Em tal caso, adquire o mandatário o direito de exercer o mandato, sem ser molestado. Mas, sendo a cassação da própria essência do mandato, tem-se entendido que, se o constituinte o revogar, não obstante a proibição convencionada, estará sujeito a pagar ao procurador a remuneração total, ou indenizá-lo dos prejuízos resultantes da revogação inoportuna ou injusta, com o qualquer outro contratante inadimplente" (Instituições de direito civil, 10. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 265). Em outras palavras, "com essa estipulação, ele assume obrigação de não fazer, que, violada, dá lugar à composição dos prejuízos" [RT, 150/525 e 178/168).

Art. 684. Quando a cláusula de irrevogabilidade for condição de um negócio bilateral, ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário, a revogação do mandato será ineficaz. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Em verdade, o reportado dispositivo traduz, ainda que de modo infiel, o inciso II do art. 1.317 do CC de 1916.

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Arts. 685 e 686

D O U T R IN A • Nesta hipótese, a cláusula de irrevogabilidade representa, verdadeiramente, uma condição acessória de um contrato principal, de natureza bilateral, ou funciona como um meio para cumprir o fim: a realização da obrigação contratada. • Doutra banda, a revogação do mandato não surtirá quaisquer efeitos, juridicamente consi­ derados, quando a cláusula de irrevogabilidade houver sido constituída em benefício do mandatário. A razão de ser dessa restrição reside, essencialmente, na necessidade de se res­ guardar e tutelar os interesses do mandatário, que se inclinou a aceitar a incumbência de representar o mandante, sem a contrapartida de perceber qualquer bônus para tanto. Nada mais razoável, portanto, do que fornecer-lhe tal garantia, para nào ser surpreendido com a repentina e injustificada resilição do mandato.

Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula “em causa própria”, a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis obje­ to do mandato, obedecidas as formalidades legais. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Segundo se sabe, a procuração em causa própria [in rcm propriam ou in rem suam), originá­ ria do direito romano, faz-se outorgada em exclusivo interesse do mandatário, que passa a atuar em seu nome e por sua conta. Por ela, o mandante transfere direitos ao mandatário, para que este possa, legitimamente, alienar bens do primeiro, sem a necessidade, inclusive, de prestação de contas sobre o ocorrido, acarretando, em última análise, uma espécie de cessão indireta de direitos. • Nào obstante algum as respeitáveis opiniões em contrário, acreditamos ser esta espécie de procuração irrevogável, permanecendo em vigor, mesmo após a morte do mandante ou do mandatário, eis que constituiu obrigação transmissível aos competentes herdeiros. • Avulta tórrido entendimento jurisprudencial segundo o qual "a procuração em causa própria, pela sua própria natureza, dispensa o procurador de prestar contas, pois encerra uma cessão de direitos em proveito dele. É, por isto mesmo, irrevogável e presta-se à transmissão do domínio mediante transcrição no Registro Imobiliário, desde que reúna os requisitos funda­ mentais e sejam satisfeitas as formalidades exigidas para a compra e venda" (RT, 577/214).

Art. 686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao constituin­ te as ações que no caso lhe possam caber contra o procurador. Parágrafo único. É irrevogável o mandato que contenha poderes de cumprimento ou confirmação de negócios encetados, aos quais se ache vinculado. H IS T Ó R IC O • O presente dispositivo, em relação ao anteprojeto de Agostinho Alvim, foi objeto de emenda por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto, apenas para acres­ centar o parágrafo único, ausente na redação original. Trata-se de mera repetição do art. 1.318 do CC de 1916, com o acréscimo do parágrafo único.

Arts. 687 e 688

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D O U T R IN A • Segundo já amplamente analisado, o mandatário se manifesta em nome e no exclusivo inte­ resse do mandante, ante, inclusive, a própria essência do mandato, razão por que permanece este último com o titular de direitos e obrigações oriundos dessa espécie contratual. A par dessa regra, deverá o mandante responder, com seu patrimônio, perante terceiros eventual­ mente prejudicados em razão da vontade emitida pelo mandatário, desde que dentro do rol de poderes a este outorgados. • Conquanto não se exija formalidade alguma para a revogação, o mandante tem a obrigação de com unicá-la não só ao mandatário, avisando que o destituiu dos poderes para agir em seu nome, como também aos terceiros com quem este último contratava. José Paulo Cavalcanti, em sua obra intitulada A representação voluntária no direito civil (Recife, 1965, p. 101), averba que “a revogação deve ser comunicada aos terceiros, sendo eficazmente realizada, qualquer que tenha sido o meio pelo qual lhes tenha sido efetuada a respectiva comunicação". • Dessa maneira, impõe-se a efetiva publicização da revogação, com os meios a tanto neces­ sários, com o fito de dar ciência a todos os possíveis interessados e, via oblíqua, não induzir ninguém em erro. Caso nào se proceda a essa comunicação, o mandante responderá, peran­ te terceiros, pelos negócios empreendidos pelo mandatário em seu nome, ressalvando-se ao primeiro o direito de regresso contra este último, nas situações previstas. • É assente o posicionamento jurisprudencial de que “para ficar livre e isento de qualquer responsabilidade, incumbe ao mandante tornar pública a revogação, apelando para todos os meios ao seu alcance, quer avisando as pessoas com as quais mantinha negócios, quer por intermédio de editais pela imprensa" [RT, 240/465 e 399/331).

Art. 687. Tanto que for comunicada ao mandatário a nomeação de outro, para o mesmo negócio, considerar-se-á revogado o mandato anterior. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.319 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional. D O U T R IN A • Embora presente o cunho unilateral que norteia a hipótese de revogação do mandato, ao sabor da vontade de um dos contratantes, é certo que tal manifestação nào pode prejudicar terceiros de boa-fé, cujos interesses devem ser resguardados, máxime quando o mandatário desconhecia a revogação, de modo a validar todos os efeitos dessa contratação. • No entanto, se, mesmo ciente da revogação, o mandatário permanece exercendo os poderes já anteriormente revogados, este é que responderá pela falta, já que decorrente de sua própria culpa. • Clóvis Beviláqua, interpretando este preceito, ponderou com a sagacidade de sempre: "A nomeação do novo procurador, para ter o efeito de revogar o anterior, deve ser para o mesmo negócio. A procuração geral para todos os negócios nào revoga a especial anterior se a ela, expressamente, se nào referir, e a especial posterior só revoga a geral anterior no que con­ cernir ao seu objeto peculiar" (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil commentado, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1919, v. 5, p. 67).

Art. 688. A renúncia do mandato será comunicada ao mandante, que, se for prejudica­ do pela sua inoportunidade, ou pela falta de tempo, a fim de prover à substituição do procu­

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Art. 689

rador, será indenizado pelo mandatário, salvo se este provar que não podia continuar no mandato sem prejuízo considerável e que não lhe era dado substabelecer. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.320 do CC de 1916, eom pequena melhoria de redação. D O U T R IN A • Da mesma forma que a lei faculta ao mandante revogar unilateralmente os poderes confiados ao mandatário, sem a necessidade de qualquer justificativa plausível, a este último se permi­ te, outrossim, a renúncia do mandato a si conferido. Dai infere-se que a revogação e a re­ núncia são institutos similares, cujas características se identificam sobremaneira. • Dessa assertiva preambular, enaltecendo a simetria dos institutos, percebe-se que o manda­ tário, a exemplo do mandante, pode exercer essa faculdade, livremente e a qualquer tempo, sem precisar motivar a renúncia, ou melhor, sem indicar quais os motivos que o levaram a abrir mão do negócio. • É exato dizer que a renúncia não se sujeita a nenhum tipo de restrição, exceto o limite tem­ poral, ou seja, deverá ser comunicada ao mandante, a tempo de permitir a sua substituição. Deve, pois, ser dirigida ao mandante, oportunamente e à custa do renunciante, a fim de que o primeiro providencie a substituição do segundo, de modo a não acarretar maiores prejuízos ao constituinte. • Se o mandante vier a sofrer prejuízos com a apresentação tardia, extemporânea, da renúncia, ao mandatário competirá compô-los, mediante o pagamento de indenização, salvo se se comprovar a impossibilidade de este último continuar o encargo sem danos razoáveis para si, porque justo nào seria alguém suportar quaisquer ônus, apenas em benefício de outrem, ou se não lhe era dado substabelecer. • Situação pontual nos oferece o mestre Silvio Rodrigues, quando, com precisão, leciona que: "a regra de livre resilição do contrato deixa de se aplicar quando o mandato visa assegurar, simultaneamente, tanto um interesse do mandante quanto um do mandatário, porque nesta hipótese o negócio adquire um aspecto sinalagmático, que desvirtua sua feição ordinária". E arremata, ao final: "enquanto a regra da indenização é verdadeira para o gratuito, nào pode sê-lo para a do mandato oneroso. 0 caráter especulativo do mandato oneroso impõe ao mandatário a responsabilidade pelos prejuízos que sua deserção provocar, ainda que prove ter renunciado o mandato para evitar prejuízo considerável" (Direito civil, 27. ed., Sào Paulo, Saraiva, 2000, v. 3 - Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, p. 289).

Art. 689. São válidos, a respeito dos contratantes de boa-fé, os atos com estes ajustados em nome do mandante pelo mandatário, enquanto este ignorar a morte daquele ou a extin­ ção do mandato, por qualquer outra causa. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.321 do CC de 1916, com pequena melhoria de redação. D O U T R IN A • Sabemos que o mandato, por possuir índole personalíssima, extingue-se com a morte ou incapacidade de qualquer das partes, sem a faculdade de transferência das obrigações ou dos

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direitos aos herdeiros, exceto se houver estipulação em contrário nesse sentido. Cuida este dispositivo de excepcionalizar o cunho personalíssimo do mandato, quando, pretendendo mitigar o rigorismo desse axioma, dispõe que os negócios celebrados com terceiros de boa-fé pelo mandatário, insciente da morte do mandante, reputam-se válidos e eficazes, a ponto de obrigar os herdeiros deste último. • Confira-se, a propósito, a jurisprudência a respeito: "se o mandante falecer, o mandato só cessará quando o procurador tiver ciência do ocorrido, sendo válidos os negócios que praticar enquanto ignorar o fato. 0 mesmo se diga se outra for a causa extintiva do m andato" [RT, 277/251 e 210/184).

Art. 690. Se falecer o mandatário, pendente o negócio a ele cometido, os herdeiros, tendo ciência do mandato, avisarão o mandante, e providenciarão a bem dele, como as cir­ cunstâncias exigirem. HISTÓRICO • A redaçào atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.322 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional. D O U T R IN A • 0 mandato se extingue com a morte do mandatário, ainda que seus herdeiros tenham habi­ litação para executá-lo. De fato, o óbito do mandatário acarreta idêntico resultado extintivo, exatamente pelo caráter intuitu personae do negócio a que se vincula, fundado em caracte­ rísticas inerentes, peculiares à sua pessoa, as quais, aliás, servem para justificar a escolha do mandante. • Desaparecidas tais características com a morte do constituído, não subsistem os motivos para a permanência do contrato, sem se cogitar, daí, da possibilidade de sua transmissão heredi­ tária, mas presente, ainda, a obrigação de prestar contas por parte dos herdeiros do m anda­ tário [RF, 142/235). • Diante disso, falecendo o mandatário e pendente o negócio a ele cometido, hão de se tomar algum as providências, sempre no intuito de resguardar os interesses do mandante. Assim, os herdeiros terão a obrigação de avisar ao constituinte o óbito e providenciarão a bem dele, de acordo com o que as circunstâncias exigirem no caso.

Art. 691. Os herdeiros, no caso do artigo antecedente, devem limitar-se às medidas conservatórias, ou continuar os negócios pendentes que se não possam demorar sem peri­ go, regulando-se os seus serviços dentro desse limite, pelas mesmas normas a que os do mandatário estão sujeitos. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.323 do CC de 1916, com pequena melhoria de redação. D O U T R IN A • Todas as precauções elencadas no artigo anterior não podem ser concebidas, de forma abso­ luta, sem qualquer margem de limitação; com a morte do mandatário e pendente ainda o negócio a ele incumbido, deverão os herdeiros tomar providências no escopo de resguardar os interesses do mandante, só que limitadas ou às medidas conservatórias ou à continuidade

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dos negócios ainda pendentes, ou seja, apenas daqueles cujo sobrestamento importaria pe­ rigo, regulando-se os seus serviços, dentro desse limite, pelas mesmas norm as a que os do mandatário estavam submetidos, antes de falecer.

Seção V — Do mandato judicial Art. 692.0 mandato judicial fica subordinado às normas que lhe dizem respeito, cons­ tantes da legislação processual, e, supletivamente, às estabelecidas neste Código. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • No anterior diploma substantivo de 1916, o mandato judicial era previsto nos arts. 1.324 a 1.330. Agora, entretanto, o legislador preferiu não se ocupar do tema, por demais relevante, remetendo-o para o Código de Processo Civil, ressaltando que somente se aplicarão as normas deste Código concernentes à matéria, de modo supletivo. • A atual previsão, atribuindo á legislação processual a competência para tratar do assunto, já foi, de há muito, visualizada pelo ilustre Prof. Silvio Rodrigues, que afirmava se tratar de matéria "que se situa na fronteira entre o direito civil e o processual, talvez mais dentro dos lindes deste, do que daquele ramo da ordenação jurídica" (Direito civil, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3 - Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, p. 291). • Portanto, em face da expressa previsão de que o mandato judicial está, agora, subordinado às norm as processuais e só supletivamente às de caráter substantivo, estatuídas nas disposi­ ções gerais acerca do tema, deste diploma resta despiciendo tecer maiores comentários a respeito.

C ap ítu lo XI — DA COMISSÃO Art. 693. O contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916. 0 Código Comercial de 1850 trazia, no entanto, artigo acerca do tema, de n. 165, in verbis: “Art. 165. A comissão mercantil é o contrato do mandato relativo a negócios mercantis, quando, pelo menos, o comissário é comerciante, sem que nesta gestão seja necessário declarar ou mencionar o nome do comitente". D O U T R IN A • Disciplinada pelo Código Comercial, e agora trazida para o Código Civil, a comissão é um contrato consensual, bilateral, oneroso, comutativo e intuitu personae, nào exigindo para a sua configuração formalidades especiais. Envolve as figuras do comissário, o comerciante que realiza negócios em proveito de outrem, e do comitente, aquele que ordena e orienta o tra­ balho negociai executado pelo comissário em seu favor, retribuindo-lhe com remuneração

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correspondente. Limita-se, com o expresso no dispositivo em comento, aos negócios de com ­ pra e venda de bens, sem a amplitude dada anteriormente pela redação do Código Comercial ("negócios mercantis"). • Tem sua definição extraída do dispositivo, gizada com extrema clareza por Maria Helena Diniz: "é o contrato pelo qual uma pessoa (comissário) adquire ou vende bens, em seu próprio nome e responsabilidade, mas por ordem e por conta de outrem (comitente), em troca de certa remuneração, obrigando-se para com terceiros, com quem contrata". • Para parte da doutrina, a comissão é um mandato sem representação, ante a circunstância de o comissário negociar em seu próprio nome, embora à conta do comitente. Outros adm i­ tem tratar-se de uma representação indireta ou imperfeita. De qualquer forma, o comissário é o comerciante, empreendendo atividade mercantil rotineira, em aquisição ou venda de bens, não obstante o texto do CC de 2002 não o refira, expressamente, com o tal. • A comissão, embora denomine o próprio contrato, é também utilizada para designar a eontraprestaçào pecuniária devida ao comissário. • Direito com parado: Código Civil italiano, arts. 1.731 e 1.736.

Art. 694.0 comissário fica diretamente obrigado para com as pessoas com quem con­ tratar, sem que estas tenham ação contra o comitente, nem este contra elas, salvo se o co­ missário ceder seus direitos a qualquer das partes. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. 0 Código Comercial de 1850 trazia, no entanto, artigo acerca do tema, de n. 166, in verbis: "Art. 166. 0 comissário, contratando em seu próprio nome, ou no nome da sua firma ou razão social, fica diretamente obrigado às pessoas com quem contratar, sem que estas tenham ação contra o co­ mitente, nem este contra elas; salvo se o comissário fizer cessão dos seus direitos a favor de uma das partes".

DOUTRINA • 0 comissário tem obrigações diretas e pessoais com os terceiros, com os quais contrata em seu próprio nome, conforme a inteligência do dispositivo, repetindo o já consagrado pelo art. 166 do Código Comercial. Fran M artins observa, a propósito: “Neste fato, reside a diferença principal entre a comissão e o m andato" (Contratos e obrigações comerciais, 13. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1995, p. 291). Outra distinção doutrinária apropriada é a que confere à comissão o seu traço nitidamente comercial, reservando-se ao mandato o negócio estrita­ mente civil. 0 art. 663 do CC de 2002, entretanto, ao dispor que se o mandatário agir em seu próprio nome, ainda que o negócio seja de conta do mandante, ficará pessoalmente obriga­ do, mais aproxima, por tal conseqüência - convenham os - , as duas espécies contratuais. Por outro lado, desponta, ainda, o art. 709 do CC de 2002, quando preceitua aplicáveis à comissão, no que couberem, as regras sobre mandato. Diante de tal dualidade, a doutrina tem sido enriquecida por inúmeras reflexões.

Art. 695.0 comissário é obrigado a agir de conformidade com as ordens e instruções do comitente, devendo, na falta destas, não podendo pedi-las a tempo, proceder segundo os usos em casos semelhantes. Parágrafo único. Ter-se-ão por justificados os atos do comissário, se deles houver re­ sultado vantagem para o comitente, e ainda no caso em que, não admitindo demora a rea­ lização do negócio, o comissário agiu de acordo com os usos.

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Art. 696

H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. 0 Código Comercial de 1850 trazia, no entanto, artigo acerca do tema, de n. 168, in verbis: “Art. 168. 0 comissário que aceitar o mandato, expressa ou tacitamente, é obrigado a cumpri-lo na forma das ordens e instruções do comitente; na falta destas, e na impossibilidade de as receber em termo oportuno, ou ocorrendo sucesso imprevisto, poderá exequir o mandato, obrando como faria em negócio próprio e conformando-se com o uso do comércio em casos semelhantes". D O U T R IN A • 0 comissário, em cumprimento do contrato, deverá atuar com exatidão, fazendo firmes e íntegras as ordens e instruções dadas pelo comitente, sob pena de responder por perdas e danos. Essa obrigação básica de fidelidade em concerto de boa disposição ao determinado decorre de o comissário executar a comissão no interesse daquele. • A inexistência instrutória ou a impossibilidade de tomar as ordens em tempo hábil autoriza o comissário a proceder segundo atuaria em casos análogos ou similares, agindo, de conse­ guinte, de maneira igual, a tudo recomendados a diligência e o zelo que se dariam por em­ penho de seu interesse pessoal. 0 recurso aos usos e costumes também é permitido nos casos em que não se admita a demora na realização do negócio, bem assim justificados os mesmos atos, quando deles decorrer resultado vantajoso para o comitente.

Art. 696. No desempenho das suas incumbências o comissário é obrigado a agir com cuidado e diligência, não só para evitar qualquer prejuízo ao comitente, mas ainda para lhe proporcionar o lucro que razoavelmente se podia esperar do negócio. Parágrafo único. Responderá o comissário, salvo motivo de força maior, por qualquer prejuízo que, por ação ou omissão, ocasionar ao comitente. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. No entanto, o Código Comercial de 1850 trazia artigo acerca do tema, de n. 169, in verbis: "Art. 169. 0 comissário que se afastar das instruções recebidas, ou na execução do mandato não satisfizer ao que é de estilo e uso do comércio, responderá por perdas e danos ao comitente. Será, porém, justificável o excesso da comissão: 1. quando resultar vantagem ao comitente; 2. não admitindo demora a operação cometida, ou podendo resultar dano de sua expedição, uma vez que o comis­ sário tenha obrado segundo o costume geralmente praticado no comércio; 3. podendo presumir-se, em boa-fé, que o comissário não teve intenção de exceder os limites da comissão; 4. nos casos do art. 163". D O U T R IN A • Não será apenas indispensável que o comissário opere em conformidade com o texto progra­ mado das ordens e instruções do comitente (art. 695). É, por igual, imperativo desempenhar a tarefa com cuidado e diligência. 0 desvelo e a cautela, o cuidado ativo e a presteza conju­ gam -se na persecuçào de dois propósitos bem definidos: impedir prejuízo, ainda que mínimo, ao comitente e assegurá-lo com os lucros que conforme à própria regularidade do negócio lhe seriam proporcionados. A imposição da norma é um preceito de garantia ao êxito da comissão. • O parágrafo único estabelece responsabilidade do comissário pelos prejuízos advindos de sua ação ou omissão e causados ao comitente, ressalvado motivo de força maior. Dessa forma não responderá apenas o comitente pelo excesso na comissão (falta de exação), mas, ainda,

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quando faltar ao desempenho de suas incumbências o mencionado cuidado ativo, im portan­ do tal inobservância em prejuízos ao comitente.

Art. 697. O comissário não responde pela insolvência das pessoas com quem tratar, exceto em caso de culpa e no do artigo seguinte. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. No entanto, o Código Comercial de 1850 trazia artigo acerca do tema, de n. 175, in verbis: "Art. 175. 0 comissário não responde pela insolvência das pessoas com quem contratar em execução da comissão, se ao tempo do contrato eram reputadas idôneas; salvo nos casos do art. 179, ou obran­ do com culpa ou dolo". 0 mencionado art. 179, por sua vez, refere-se à hipótese de comissão dei eredere.

DOUTRINA • A cláusula legal de isenção de responsabilidade na comissão mercantil é a de nào responder o comissário pela insolvibilidade de terceiros com quem contrata, correndo os riscos por conta do comitente. Entretanto, achar-se-á em culpa, p. ex., se contratar com pessoas inidôneas, com o decorre, a contrario sen su do que estabelece o art. 175 do Código Comercial, ou, ainda, exclui-se a isenção, no caso da comissão dei eredere, tratada pelo art. 698 do CC de

2002 . • Entenda-se a culpa, aqui referida, no seu sentido genérico e abrangente, incluindo-se, por obviedade, o dolo do comissário na realização do negócio a ele confiado pelo comitente.

Art. 698. Se do contrato de comissão constar a cláusula dei eredere, responderá o co­ missário solidariamente com as pessoas com que houver tratado em nome do comitente, caso em que, salvo estipulação em contrário, o comissário tem direito a remuneração mais elevada, para compensar o ônus assumido. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. No entanto, o Código Comercial de 1850 trazia artigo acerca do tema, de n. 179, in verbis: "Art. 179. A comissão dei eredere constitui o comissário garante solidário ao comitente da solvabilidade e pontualidade daqueles com quem tratar por conta deste, sem que possa ser ouvido com reclama­ ção alguma. Se o dei eredere não houver sido ajustado por escrito, e todavia o comitente o tiver aceitado ou consentido, mas impugnar o quantitativo, será este regulado pelo estilo da praça onde residir o comissário, e na falta de estilo por arbitra d ores".

DOUTRINA • A cláusula dei eredere corresponde à obrigação que o comissário assume em responder, ele mesmo, solidariamente com as pessoas com quem contratou, perante o comitente, em caso de insolvabilidade daquelas. Pela cláusula de garante, o comissário compromete-se à liquidez do débito contraído, pelo que se tem entendido apenas cabível nos casos de vendas a prazo, porquanto a remuneração exacerbada tem seu escopo e razão de ser nos maiores riscos as­ sum idos pelo comissário. • A lei estipula uma remuneração compensatória, superior à convencional, tendo em conta a responsabilidade assumida pelo comissário, qual seja a de garantir a capacidade de pagam en­ to por aqueles com quem contratar. Essa remuneração inerente à cláusula deixará de ser

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Arts. 699 e 700

atribuída ao comissário, havendo disposição contratual em contrário, ao tempo em que ad­ mitida, no contrato de comissão, a referida cláusula dei eredere. JU LG ADO • “Contrato de representação comercial. Princípio tempus regit aetum. Indenização. Cláusula dei eredere. Honorários. 1. Assinado o contrato sob regime legal que autorizava a cláusula dei crederee indicava um piso para o pagamento da indenização, nào pode a lei posterior alcançá-lo para afastar a referida cláusula e impor um piso maior, sob pena de violência ao principio tempus regit aetum" (STJ, 3a T., REsp 242.324/SP, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ, 5-3-2001).

Art. 699. Presume-se o comissário autorizado a conceder dilação do prazo para paga­ mento, na conformidade dos usos do lugar onde se realizar o negócio, se não houver instru­ ções diversas do comitente. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. No entanto, o Código Comercial de 1850 trazia artigo acerca do tema, de n. 176, in verbis: "Art. 176. 0 comissário presume-se autorizado para conceder os prazos que forem do uso da praça, sempre que nào tiver ordem em contrário do comitente". D O U T R IN A • A realidade de mercado pode, na consecução do próprio negócio, orientar o comissário à prática de conceder dilação do prazo para o pagamento, uma vez não existindo orientação diferente do comitente. Assim, a norma o diz autorizado, por presunção legal, diante de nenhuma manifestação prévia que a contrarie. Em todo caso, haverá o comitente de ter ci­ ência de referida dilação, a saber que o comissário atua em favor daquele.

Art. 700. Se houver instruções do comitente proibindo prorrogação de prazos para pagamento, ou se esta não for conforme os usos locais, poderá o comitente exigir que o comissário pague incontinenti ou responda pelas conseqüências da dilação concedida, procedendo-se de igual modo se o comissário não der ciência ao comitente dos prazos con­ cedidos e de quem é seu beneficiário. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. No entanto, o Código Comercial de 1850 trazia artigo acerca do tema, de n. 177, in verbis: "Art. 177. O comissário que tiver vendido a pagamento deve declarar no aviso e conta que remeter ao co­ mitente o nome e domicílio dos compradores, e os prazos estipulados; deixando de fazer esta declaração explicita, presume-se que a venda foi efetuada a dinheiro de contado, e nào será ad­ mitida ao comissário prova em contrário". D O U T R IN A • A prorrogação de prazo, acaso concedida, requer, com o observado no artigo anterior, esteja confortada aos usos do local onde celebrado o negócio. Segue-se que havendo o comitente instruído o comissário em contrário ou, ainda, tendo sido dilatado o prazo sem apoio na prática do mercado, sujeita-se este último às conseqüências do ato de protrair a obrigação do pagamento, inclusive ficando obrigado a pagar o preço, de imediato, desde que lhe seja exigido pelo comitente.

Arts. 701 a 703

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• De igual modo ocorrerá se a concessão de novo prazo e a identidade do beneficiário da dilação temporal ao adimplemento nào forem comunicadas ao comitente, suportando o com is­ sário, pela omissão, as mesmas conseqüências.

Art. 701. Não estipulada a remuneração devida ao comissário, será ela arbitrada se­ gundo os usos correntes no lugar. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. No entanto, o Código Comercial de 1850 trazia artigo acerca do tema, de n. 186, in verbis: “Art. 186. Todo comissário tem direito para exigir do comitente uma comissão pelo seu trabalho, a qual, quando não tiver sido expressamente convencionada, será regulada pelo uso comercial do lugar onde se tiver executado o mandato (art. 154)“. D O U T R IN A • A remuneração ou comissão a que faz jus o comissário pelo exercício do seu trabalho é, em regra, convencionada pelas partes, em percentual sobre o valor do negócio de compra e venda ou em valor nominal. Deverá essa remuneração atender a sua diligência e a importân­ cia do negócio, em conformidade com as tarefas que lhes são entregues pelo comitente. Elemento necessário do contrato de comissão, ganha, aliás, a própria designação dele, por representar, com esmero, a razão de ser form ado o contrato. Quando nào estipulada previa­ mente pelas partes, deverá ser arbitrada em consideração dos usos comerciais do lugar onde executado o negócio.

Art. 702. No caso de morte do comissário, ou, quando, por motivo de força maior, não puder concluir o negócio, será devida pelo comitente uma remuneração proporcional aos trabalhos realizados. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. No entanto, o Código Comercial de 1850 trazia artigo acerca do tema, de n. 187, in verbis: “Art. 187. A comissão deve-se por inteiro, tendo-se concluído a operação ou mandato; no caso de morte ou despedida do comissário, é devida unicamente a quota correspondente aos atos por este pratica­ dos". D O U T R IN A • A remuneração proporcional do comissário, à medida do trabalho por ele desenvolvido, previa-a o Código Comercial, no caso de morte ou despedida do comissário, assegurando-se-Ihe ou a seus herdeiros uma quota correspondente aos atos executados. O CC de 2002 contempla dita comissão em negócio inconcluso, acrescentando-se à hipótese o motivo de força maior, o que tem perfeito valimento, porquanto restaria, de outro modo, beneficiado indevidamente o comitente, fartando-se à custa do comissário não remunerado em face daquela causa antes não prevista.

Art. 703. Ainda que tenha dado motivo à dispensa, terá o comissário direito a ser re­ munerado pelos serviços úteis prestados ao comitente, ressalvado a este o direito de exigir daquele os prejuízos sofridos.

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Arts. 704 e 705

H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. No entanto, o Código Comercial de 1850 trazia artigo acerca do tema, de n. 187, in verbis: “Art. 187. A comissão deve-se por inteiro, tendo-se concluído a operação ou mandato; no caso de morte ou despedida do comissário, é devida unicamente a quota correspondente aos atos por este praticados". D O U T R IN A • 0 dispositivo cogita da remuneração por dispensa do comissário, fundada em motivo justo, não lhe retirando o direito de perceber a justa contraprestação, como previa, genericamente, o art. 187 do Código Comercial, ao tratar de sua despedida. 0 Código Civil de 2002 introduz, aqui, outro elemento importante em caso da dispensa ocorrida, uma vez verificada, com ela, a causaçào de prejuízos, cometendo ao comitente o direito de exigir a devida compensação pelos danos ocorridos em face do negócio inacabado.

Art. 704. Salvo disposição em contrário, pode o comitente, a qualquer tempo, alterar as instruções dadas ao comissário, entendendo-se por elas regidos também os negócios pendentes. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916 nem no Código Comercial de 1850. D O U T R IN A • Fica estabelecida, por presunção legal, autoridade ao comitente de modificar as ordens e instruções anteriormente fornecidas ao comissário. Essa mutabilidade de plano negociai na aquisição ou venda de bens é ditada pela dinâmica do mercado, a critério do comitente, cabendo ao comissário recepcionar as alterações ditadas por ele, com o nova e decisiva forma regedora dos futuros negócios e, ainda, daqueles não concluídos. Nào pode, ademais, o co­ missário opor-se às novas diretrizes colocadas, uma vez que, embora agindo em seu nome, o faz em favor e no interesse do comitente. • Alterada pela realidade de mercado determinada regência de negócio, essas novas instruções podem ser feitas verbalmente, não existindo cláusula adversa, caso em que todos os negócios pendentes e futuros por elas serão efetivamente regidos, tendo-se aquelas ratificadas pela se­ qüência dos negócios empreendidos. JU LG ADO • “Direito privado. Corretagem de valores. Mandato e comissão mercantil. Uso e costume. Autoriza­ ção ratificada. É de estilo e uso do comércio a autorização verbal para a realização de negócios por intermédio de empresa corretora de valores, entendendo-se como ratificados os atos negociais, pela continuidade da prática de semelhantes, ao longo do tempo de duração do mandato" (STJ, 3* T., AGA 6418/SP, Rei. Min. Dias Trindade, DJ, 25-2-1991).

Art. 705. Se o comissário for despedido sem justa causa, terá direito a ser remunerado pelos trabalhos prestados, bem como a ser ressarcido pelas perdas e danos resultantes de sua dispensa.

Arts. 706 e 707

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HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. No entanto, o Código Comercial de 1850 trazia artigo acerca do tema, de n. 188, in verbis: "Art. 188. Quando, porém, o comitente retirar o mandato antes de concluído, sem causa justificada proce­ dida de culpa do comissário, nunca poderá pagar-se menos de meia comissão, ainda que esta nâo seja a que exatamente corresponda aos trabalhos praticados". D O U T R IN A • A disposição relaciona-se com o art. 703, pelo principio isonômieo na relação jurídica, em face dos direitos e obrigações das partes contratantes. Se o comitente pode exigir do comis­ sário os prejuízos sofridos pela dispensa por este causada, também terá o direito de ser res­ sarcido pelas perdas e danos decorrentes de sua despedida sem justa causa. • A inovação trazida pelo Código Civil de 2002 é no sentido de assegurar ao comissário a justa remuneração, em atenção aos trabalhos por ele prestados, incorporando-se a esta comissão a verba indenizatória correspondente, a ser apurada em função da natureza e relevância do contrato desfeito.

Art. 706. O comitente e o comissário são obrigados a pagar juros um ao outro; o pri­ meiro pelo que o comissário houver adiantado para cumprimento de suas ordens; e o se­ gundo pela mora na entrega dos fundos que pertencerem ao comitente. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. No entanto, o Código Comercial de 1850 trazia artigo acerca do tema, de n. 180, in verbis: "Art. 180. 0 comissário que distrair do destino ordenado os fundos do seu comitente responderá pelos juros a datar do dia em que recebeu os mesmos fundos, e pelos prejuízos resultantes do nào cumprimento das ordens, sem prejuízo das ações criminais a que possa dar lugar o dolo ou fraude". • Também o art. 185, a seguir transcrito: "Art. 185. 0 comitente é obrigado a satisfazer à vista, salvo convenção em contrário, a importância de todas as despesas e desembolsos feitos no de­ sempenho da comissão, com os juros pelo tempo que mediar entre o desembolso e o efetivo pa­ gamento, e as comissões que forem devidas. As contas dadas pelo comissário ao comitente devem concordar com os seus livros e assentos mercantis; e no caso de nào concordarem poderá ter lugar a ação criminal de furto". D O U T R IN A • Com o é de direito o comissário ressarcir-se de todas as despesas que adiantou no seu traba­ lho de comissão, resta claro que o comitente, ao reembolsar todas as quantias despendidas, deverá fazê-lo com os juros relativos ao período de desembolso. • Por outro lado, a mora do comissário, no relativo ao dever de prestar contas dos negócios feitos à conta do comitente, sujeita-o ao pagamento dos juros pelo atraso. Os juros morató­ rios são, portanto, o pagamento pela retenção indevida do capital pertencente ao comitente, aplicando-se a esta segunda hipótese, quando nào convencionados ou quando o forem sem taxa estipulada, o art. 4 0 6 do CC de 2002.

Art. 707.0 crédito do comissário, relativo a comissões e despesas feitas, goza de pri­ vilégio geral, no caso de falência ou insolvência do comitente.

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Jones Figueirêdo Alves

Arts. 708 e 709

H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. No entanto, o Código Comercial de 1850 trazia artigo acerca do tema, de n. 189, in verbis: "Art. 189. No caso de falência do comitente, tem o comissário hipoteca e precedência privilegiada nos efei­ tos do mesmo comitente, para indenização e embolso de todas as despesas, adiantamentos que tiver feito, comissões vendidas e juros respectivos, enquanto os mesmos efeitos se acharem à sua disposição em seus armazéns, nas estações públicas, ou em qualquer outro lugar, ou mesmo achando-se em caminho para o poder do falido, se provar a remessa por conhecimentos ou cau­ telas competentes de data anterior à declaração da quebra (art. 806)". D O U T R IN A • 0 comissário coloca-se com o credor privilegiado no caso de falência ou insolvência civil do comitente, para realizar o seu crédito, pelas comissões a que faz jus e resgate das despesas que efetuou no contrato de comissão por ele desempenhado em favor do comitente. Essa preferência legal já era prevista pelo hoje revogado art. 189 do Código Comercial.

Art. 708. Para reembolso das despesas feitas, bem como para recebimento das comis­ sões devidas, tem o comissário direito de retenção sobre os bens e valores em seu poder em virtude da comissão. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916 e tampouco no Código Comercial. D O U T R IN A • O direito de retenção é assinalado para albergar o comissário no recebimento do seu crédito perante o comitente, relativo às comissões devidas e despesas efetuadas. O exercício do ju s retentionis alcança, apenas, os bens e os valores em poder do comissário em decorrência do próprio contrato de comissão. Como antes afirmado, a retenção é um instituto de defesa eficaz ao reclamo de reembolso e, ainda, no particular, por razão de crédito existente do comissário.

Art. 709. São aplicáveis à comissão, no que couber, as regras sobre mandato. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. No entanto, o Código Comercial de 1850 trazia artigo acerca do tema, de n. 190, in verbis: "Art. 190. As disposições do Título VI - Do mandato mercantil - são aplicáveis à comissão mercantil". D O U T R IN A • A o dispor que se aplicam è comissão, no que couberem, as regras sobre mandato, o Código Civil de 2002 aproxima-se da disciplina do Código Civil italiano, que a exara com o uma m o­ dalidade de mandato, sem, todavia, assim considerá-la. Diante da similitude dos contratos, mas cada qual com sua especificidade, a aplicação subsidiária das norm as de mandato ao trato da comissão exigirá, claramente, uma manifesta pertinência, ou conformidade apro­ priada, sob pena de confundi-los.

Arts. 710 e 711

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C ap ítu lo XII — DA AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada. Parágrafo único. O proponente pode conferir poderes ao agente para que este o repre­ sente na conclusão dos contratos. HISTÓRICO • O presente dispositivo, em relação ao anteprojeto de Agostinho Alvim, foi objeto de emenda por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto, apenas para promo­ ver pequena melhoria de redação, substituindo a expressão "por conta" pela equivalente "à conta". Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • É o contrato de representação comercial regulado pela Lei n. 4.886, de 9-12-1965, com as alterações efetuadas pela Lei n. 8.420, de 8-5-1992. Do caput do art. 1o da lei pioneira extrai-se o conceito do contrato de agência e distribuição, tal com o já era denom inado pelo Pro­ jeto do Código de Obrigações (1965): “Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter nào even­ tual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios". • Com efeito, trata-se de contrato em que o agente ou representante comercial exercita, com a devida remuneração, a promoção de negócios, à conta do agenciado ou representado, em regime de habitualidade e com autonom ia nas atividades que se desenvolvem em área pre­ viamente definida de atuação. • Impende distinguir o agente do distribuidor, porquanto este último caracteriza-se como tal ao dispor o bem a ser negociado e aquele desempenha a agência sem a disponibilidade da distribuição do referido bem. • Cumpre lembrar, afinal, a Lei n. 6.729/79, versando sobre a distribuição, embora no objeto restrito da concessão comercial de veículos automotores de via terrestre e a Lei n. 8.132/90, que produziu alterações.

Art. 711. Salvo ajuste, o proponente não pode constituir, ao mesmo tempo, mais de um agente, na mesma zona, com idêntica incumbência; nem pode o agente assum ir o encargo de nela tratar de negócios do mesmo gênero, à conta de outros proponentes. HISTÓRICO • Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. No entanto, os arts. 27, /, e 31 da Lei n. 4.886/65 (na redação conferida pela Lei n. 8.420/92) tratam, respectivamente, do tema, in verbis: "Art. 27. Do contrato de representação comercial, além dos elementos comuns e outros a juizo dos interessados, constarão, obrigatoriamente: i) exercício exclusivo ou não da representação a favor do representado" e "Art. 31. Prevendo o contrato de representação a exclusividade de zona ou zonas, ou quando este for omisso, fará jus o representante à comissão pelos negócios ai realizados, ainda que diretamente pelo representado ou por intermédio de terceiros. Parágrafo único. A ex­ clusividade de representação não se presume na ausência de ajustes expressos".

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Art. 712

DOUTRINA • Agora, diferentemente, a exclusividade do agente, em determinada zona e com incumbência certa, é presumida por lei, com o regra geral, à falta de ajuste expresso que permita a consti­ tuição de um outro agente para a mesma zona e com igual incumbência. Nesse caso, opera-se a exclusividade de representação estatuída pelo Código Civil de 2002, quando não for existente cláusula contratual que autorize o proponente a essa quebra de exclusividade. Por outro lado, está obrigado o agente à exclusividade do seu proponente, não podendo agenciar negócios semelhantes no interesse de outros proponentes. • Maria Helena Diniz, enfrentando o tema, depõe com verticalidade: “(...) o proponente nào poderá constituir, salvo ajuste em contrário, ao mesmo tempo, mais de um agente, na mesma zona, com idêntica incumbência, nem tampouco poderá o agente assumir o encargo de nela tratar de negócio do mesmo gênero por conta de outros proponentes. Logo, um representan­ te não poderá agenciar duas ou mais empresas para um mesmo gênero de negócios, se o contrato nào o permitir. No contrato de representação comercial, prevalece a seguinte norma: para toda zona e todo ramo de atividade, um só agente; e apenas um proponente para cada agente. Todavia, a exclusividade ou não exclusividade dependerá do que constar no contrato. Daí não ser a exclusividade seu elemento necessário, uma vez que a cláusula que a impõe poderá ser afastada". Realmente, pela sua natureza o contrato de agência e distribuição re­ clama, em princípio, uma reciprocidade exclusiva, no interesse absoluto dos negócios e em fidelidade à relação jurídica existente que ditou a representação comercial.

JULGADOS • “Comercial. Contrato de representação. Exclusividade. A exclusividade de representação não se presume (Lei n. 4.886/65, art. 31, parágrafo único); o ajuste de exclusividade, numa praça, só a esta se aplica, pouco importando que a representação tenha se estendido a outra praça, salvo aditamento expresso a respeito - no caso, inexistente. Recurso especial conhecido e provido em parte" (STJ, 3* T., REsp 229.761/ES, Rei. Min. Waldemar Zveiter, DJ, 9-4-2001). • "Representante comercial. Exclusividade. Atende a exigência legal de ajuste expresso (Lei 4.886/65, art. 31, parágrafo único) a declaração a praça, publicada em jornal, em que o representante afirma existir a exclusividade, pois o dispositivo em questão visa, exatamente, a resguardá-lo" (STJ, 3a T., REsp 135.548/SP, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, DJ, 3-8-1998).

Art. 712.0 agente, no desempenho que lhe foi cometido, deve agir com toda diligência, atendo-se às instruções recebidas do proponente. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo, em relação ao anteprojeto de Agostinho Alvim, foi objeto de emenda por parte da Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto apenas para retirar o verbo do inicio da frase. A redação original era a seguinte: "Deve o agente, no desempenho que lhe foi cometido, agir com toda diligência, atendo-se às instruções recebidas do proponente". Houve mero aperfeiçoamento redacional. Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 dever do cuidado ativo, para corresponder com fidelidade às instruções dadas pelo propo­ nente, é inerente ao exercício de agência, uma vez que o agente deve, no implemento de tal obrigação, assegurar o desempenho adequado aos interesses da representação comercial. Embora detenha autonom ia na atividade, o agente obriga-se a atuar com total zelo e apli­ cação para a efetividade dos objetivos do contrato.

Arts. 713 e 714

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Art. 713. Salvo estipulação diversa, todas as despesas com a agência ou distribuição correm a cargo do agente ou distribuidor. HISTÓRICO • A redaçào é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Essas despesas referidas pelo dispositivo concernem ao desempenho das atividades de agên­ cia e de distribuição, de responsabilidade do representante comercial ou distribuidor. Na dicção da totalidade, a envolver toda e qualquer despesa inerente ao exercício do trabalho de agenciamento ou de distribuição, Maria Helena Diniz compreende incluídas as despesas de propaganda do produto, salvo estipulação em contrário. 0 representado e proponente, por sua vez, assume tão somente a obrigação do pagamento da remuneração devida ao repre­ sentante e agente.

Art. 714. Salvo ajuste, o agente ou distribuidor terá direito à remuneração correspon­ dente aos negócios concluídos dentro de sua zona, ainda que sem a sua interferência. HISTÓRICO • O presente dispositivo, em relação ao anteprojeto de Agostinho Alvim, foi objeto de emenda por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto, para simplificar a linguagem. A redação original era a seguinte: "Se o contrato for estipulado com cláusula de ex­ clusividade, o agente ou distribuidor terá direito à remuneração correspondente aos negócios concluídos dentro de sua zona, ainda que sem a sua interferência". • Acertadamente, filiando-se à melhor doutrina e aperfeiçoando-se ao direito comparado, o proje­ to estabeleceu em seu art. 720 (atual 711, CC de 2002) a exclusividade como regra, permitindo, todavia, o ajuste em contrário. Paradoxalmente, o art. 723 do projeto alicerçou-se de modo exato em principio radicalmente oposto, porquanto partiu da premissa de que a exclusividade seria a exceção, tanto que nào proporcionava remuneração ao agente e distribuidor pelos negócios con­ cluídos dentro de sua zona sem a sua interferência, a nào ser quando expressamente pactuada a cláusula de exclusividade. Ora, se a não exclusividade, para existir, deve ser objeto de ajuste ex­ presso, coerentemente, deverá ter o agente a garantia prevista, salvo aquele ajuste. Houve, assim, a adequação da redaçào. Demais disso, a expressão "salvo ajuste" é bem mais ampla e pode com­ portar outras situações além da cláusula de exclusividade. Não há artigo correspondente no Có­ digo Civil de 1916. Ü O D T R IN A • Com o se vê, a norma sob comento impõe que, quanto aos negócios concluídos dentro de sua área de atuação, terá direito o agente à remuneração a eles correspondente, ainda que aque­ les negócios tenham sido aperfeiçoados sem a sua interferência ou intervenção direta. É que, na esteira do art. 711 do CC de 2002, a cláusula de exclusividade não é exigível em contrato, presumindo-se o caráter exclusivo das atividades quando não previsto que não o sejam, por ajuste expresso. Assim, a definição de área exclusiva de atuação prepondera, nos termos da lei, salvante disposição em contrário, e, para zelar dita cláusula, o direito de remuneração aos negócios nela realizados pertence ao agente exclusivo, mesmo que nào tenha regido com seu trabalho o negócio que por outrem se perfez.

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Jones Figueirêdo Alves

Arts. 715 a 717

Art. 715. 0 agente ou distribuidor tem direito à indenização se o proponente, sem justa causa, cessar o atendimento das propostas ou reduzi-lo tanto que se tom a antieconô­ mica a continuação do contrato. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • A norma está repleta de eticidade, coibindo práticas abusivas por parte do proponente e representado, a comprometer o próprio êxito da representação comercial, quando, p. ex., inviabiliza a atividade do agente ao desatender os seus pedidos ou reduz o ritmo de suas atividades, cerceando a dinâmica de ação do agente ao extremo de resultar antieconômica a continuidade da relação contratual. Em hipóteses tais, o agente ou distribuidor tem a si as­ segurado o direito à indenização pelos danos causados por tais práticas.

Art. 716. A remuneração será devida ao agente também quando o negócio deixar de ser realizado por fato imputável ao proponente. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • O dever do representado de satisfazer a remuneração do agente pelos negócios realizados não se limita aos casos de rotina. No art. 714, essa remuneração tem-se devida pelo relevan­ te fato de o negócio haver sido concluído na zona de atuação exclusiva do agente. Aqui, renova-se a extensão obrigacional, fazendo jus o agente à sua remuneração, quando o ne­ gócio resultar prejudicado ou inconcluso por fato imputável ao proponente, a exemplo de quando deixa o mesmo de atender pedido do agente, não fornecendo o bem objeto do ne­ gócio. 0 concurso exclusivo do proponente para a não realização do negócio o obriga peran­ te o agente com o se realizado fosse aquele negócio.

Art. 717. Ainda que dispensado por justa causa, terá o agente direito a ser remunerado pelos serviços úteis prestados ao proponente, sem embargo de haver este perdas e danos pelos prejuízos sofridos. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Renova-se aqui a preocupação do codificador civil em sublinhar nas relações contratuais a garantia de eticidade, plenificando, destarte, o princípio da boa-fé na execução e resolução dos contratos. Assim é que a dispensa do agente, mesmo que motivada, nào o exonera da devida remuneração pelos serviços úteis prestados ao proponente. Situação de igual alcance, quando se tratou, p. ex., do comissário (art. 703) ou do prestador de serviço (art. 603). Prepondera o interesse legislativo de obstar que qualquer das partes locuplete-se da outra, au­ ferindo vantagem indevida ou enriquecimento ilícito.

Arts. 718 a 720

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• A doutrina tem considerado como motivo justo para a rescisão unilateral do contrato a con­ duta do agente que, por falta de exação contratual, comprometa a representação.

Art. 718. Se a dispensa se der sem culpa do agente, terá ele direito à remuneração até então devida, inclusive sobre os negócios pendentes, além das indenizações previstas em lei especial. H IS T Ó R IC O • 0 presente dispositivo, em relação ao anteprojeto de Agostinho Alvim, foi objeto de emenda por parte da Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto a fim de simplificar a linguagem e emprestar, outrossim, maior precisão ao sentido da lei. A redação original era a se­ guinte: “Se a dispensa se der sem culpa do agente, terá ele direito à remuneração até então devi­ da, e, de conformidade com a lei especial, à relativa aos negócios pendentes, mais perdas e danos". Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • A expressão “indenizações previstas em lei especial" é bem mais ampla do que falar simples­ mente em "perdas e danos". Essa indenização tem nítido sentido social, pois constitui a retri­ buição, a esses profissionais, pelo valor incorpóreo do seu trabalho em prol dos proponentes, e consistente na captação da clientela. Ademais, essa indenização tarifada em leis específicas tem a vantagem de evitar os demorados e onerosos processos de composição de perdas e danos. Esse argum ento avulta no instante em que o Poder Judiciário está empenhado seria­ mente em reduzir o número das demandas, evitando o congestionam ento dos Tribunais, já assoberbados com o número excessivo de processos. • 0 dispositivo guarda identidade com o tratamento ético do CC de 2002, a exemplo do dis­ posto nos arts. 623 e 705, colimando a obrigação de indenizar em face da ruptura do con­ trato. A lei especial a que se refere o dispositivo é a de n. 4.886, de 9-12-1965, com as alte­ rações introduzidas pela Lei n. 8.240, de 8-5-1992.

Art. 719. Se o agente não puder continuar o trabalho por motivo de força maior, terá direito à remuneração correspondente aos serviços realizados, cabendo esse direito aos herdeiros no caso de morte. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • M ais uma vez é assegurada a percepção remuneratória pelo agente, tendo em conta a neces­ sidade de o representante retribuir o serviço por aquele efetivamente realizado, a ensejar, dessa forma, a contra prestação devida. Ocorrendo a interrupção da agência por motivo de força maior, essa remuneração será exigida do representante, cabendo por morte do agente aos seus herdeiros cobrá-la e recebê-la. Obsta-se, pelo presente, em reiteração, o enriqueci­ mento sem causa da parte favorecida pelo resultado útil do serviço.

Art. 720. Se o contrato for por tempo indeterminado, qualquer das partes poderá resol­ vê-lo, mediante aviso prévio de noventa dias, desde que transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente.

620

Jones Figueirêdo Alves

Arts. 721 e 722

Parágrafo único. No caso de divergência entre as partes, o juiz decidirá da razoabilidade do prazo e do valor devido. H IS T Ó R IC O • O texto original do dispositivo, quando de seu envio ao Senado Federal, era o seguinte: “A r t 720. Se o contrato for por tempo indeterminado qualquer das partes poderá resolvê-lo, mediante aviso prévio, com a antecedência de três meses, desde que transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente (art 473, parágrafo único)“. Com a subemenda feita pelo relator-geral no Senado à emenda de autoria do Senador José Lins, ganhou a redação atual, melhorando-se a linguagem do texto. Justificou o Senador Josaphat Marinho o seu texto, pois "permite nova redação ao artigo, quer para dizer-se aviso prévio de três meses, supri­ mindo-se a cláusula 'com a antecedência de’, que não imprime clareza ao texto, quer para evitar remissão, in fine, ao art. 472, parágrafo único, pois esse dispositivo não tem parágrafo". Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • A norma, circunscrita ao contrato de agência e distribuição por prazo indeterminado, sinali­ za o critério de apurar a razoabilidade da duração das relações contratuais para, somente então, dar por findo o referido contrato, notificando-se, daí, a outra parte, com a antecedên­ cia de noventa (90) dias. É de se ter por transcorrido um prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente. Essa razoabilidade, que harmoniza a possibilida­ de da rescisão unilateral com as condições peculiares do desempenho da agência, poderá ser aferida pelo magistrado, no caso de divergência das partes quanto à resilição do negócio. A diretriz será, sempre, a de inibir a ocorrência de danos mais graves, que possam advir da cessação do negócio, a quaisquer das partes.

Art. 721. Aplicam-se ao contrato de agência e distribuição, no que couber, as regras concernentes ao mandato e à comissão e as constantes de lei especial. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Com o verificado em comentário ao art. 709 no atinente è comissão, a aplicação supletiva das normas relativas ao mandato - e por sua vez, as da comissão, inclusive - aqui também terá incidência, diante da similitude de tais negócios mercantis. Por igual, aplicar-se-á a legislação especial que cuida da matéria, mencionada nos comentários antecedentes, desde que não colidente com a disciplina agora traçada pelo CC de 2002. Com o refere o dispositivo (“no que couber"), trata-se de aplicação subsidiária, preponderando, assim, a normatizaçâo codificada.

Capítulo XIII — DA CORRETAGEM Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.

Art. 723

Jones Figueirêdo Alves

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HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 atual Código introduz em capítulo próprio o contrato de corretagem ou de mediação como contrato típico e nominado. A sua natureza jurídica apresenta-se definida pelo primeiro dos oito artigos que oferecem a esse contrato uma disciplina normativa adequada. Pelos seus característicos específicos, nào se confunde com a prestação de serviços, o mandato, a co­ missão ou outro contrato em que haja vinculo de subordinação ou de dependência. E inte­ ressante assinalar que o contrato de mediação "nào tem objeto em si próprio, mas a formação de outro contrato" (Arquivos do TARJ, 29/219). • Trata-se de obrigação de resultado, visto que o corretor obriga-se perante o comitente a obter para este “um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas" e, nesse alcance, tenha-se presente o art. 725, quando, nessa linha, prescreve devida a remuneração ao corre­ tor, uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação. • A obrigação de resultado útil tem sido atenuada, desde que "m ais razoável e justa se afigura a posição intermediária, segundo a qual é devida ao corretor a comissão se, após a aproxi­ mação, já com a venda acertada, o negócio não se perfaz por desistência (...)" (STJ, 4« T., REsp 19.840/R0, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 8-6-1993, v. m.). No mesmo sentido: REsp 4.269,3.004 e 1.023. Demais disso, o art. 725 não deixa mais dúvida a respeito, afirmativo de a obrigação na intermediação corresponder somente aos limites conclusivos do negócio, mediante o acordo de vontade das partes, independentemente da execução do próprio ne­ gócio, no efeito de tornar devida a remuneração a que faz jus o corretor.

JDLGADO • "Civil. Corretagem. Comissão. Compra e venda de imóvel. Negócio não concluído. Resultado útil. Inexistência. Desistência do comprador. Comissão indevida. Hipótese diversa do arrependimento. 1. No regime anterior ao do CC/02, a jurisprudência do STJ se consolidou em reputar de resultado a obrigação assumida pelos corretores, de modo que a nào concretização do negócio jurídico iniciado com sua participação não lhe dá direito a remuneração. 2. Após o CC/02, a disposição contida em seu art. 725, segunda parte, dá novos contornos à discussão, visto que, nas hipóteses de arrependimento das partes, a comissão por corretagem permanece devida. Há, inclusive, pre­ cedente do STJ determinando o pagamento de comissão em hipótese de arrependimento. 3. Pelo novo regime, deve-se refletir sobre o que pode ser considerado resultado útil, a partir do trabalho de mediação do corretor. A mera aproximação das partes, para que se inicie o processo de nego­ ciação no sentido da compra de determinado bem, não justifica o pagamento de comissão. A desistência, portanto, antes de concretizado o negócio, permanece possível. 4. Num contrato de compra e venda de imóveis é natural que, após o pagamento de pequeno sinal, as partes requisi­ tem certidões umas das outras a fim de verificar a conveniência de efetivamente levarem a efeito o negócio jurídico, tendo em vista os riscos de inadimplemento, de inadequação do imóvel ou mesmo de evição. Essas providências se encontram no campo das tratativas, e a não realização do negócio por força do conteúdo de uma dessas certidões implica mera desistência, nào arrependi­ mento, sendo, assim, inexigível a comissão por corretagem. 5. Recurso especial não provido" (REsp 118.332-4/SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, 3* Turma, j. em 18-10-2011, DJc, 10-11-2011).

Art. 723.0 corretor é obrigado a executar a mediação com a diligência e prudência que o negócio requer, prestando ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento dos negócios; deve, ainda, sob pena de responder por perdas e danos, prestar ao cliente todos os esclarecimentos que estiverem ao seu alcance, acerca da segurança ou risco do negócio, das alterações de valores e do mais que possa influir nos resultados da incumbência.

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Jones Figueirêdo Alves

Arts. 724 e 725

HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda. A redação é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • São descritas pelo dispositivo as obrigações inerentes ao contrato de mediação. A primeira delas diz com o dever de o corretor atuar com aplicação e presteza, segundo reclamam o negócio e o interesse do cliente, fornecendo-lhe, nesses fins, por sua iniciativa e empreendi­ mento, as informações sobre as tratativas eventualmente existentes e a desenvoltura da mediação, a ensejar o êxito esperado. A segunda, também essencial ao desempenho, tem por escopo o resguardo do negócio, quanto aos riscos ou segurança dele, devendo o corretor de tudo fazer ciente o comitente, transmitindo-lhe todos os esclarecimentos que lhe seja pos­ sível prestar.

Art. 724. A remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no CC de 1916, mas assemelha-se ao disposto no art. 1.218, que trata da locação de serviços, e repetido pelo art. 596 do Código Civil de 2002.

DOUTRINA • Apesar de já existir regulamentação para a profissão de corretor, o Código disciplina também os contratos de corretagem celebrados. Assim, é devida remuneração a quem, voluntária ou oficiosamente, tenha realizado intermediação útil a um dos contratantes. Se o interessado se vale dos serviços prestados por quem não seja corretor, nào poderá furtar-se a pagar a retri­ buição. Em nào se tratando de corretor profissional, nào assistem ao intermediário fortuito as garantias previstas na lei especial. • A remuneração, também denominada comissão ou corretagem, representa o pagamento do preço do serviço pelo resultado útil que o trabalho ofereceu, ou seja, “pelo serviço que pres­ ta, aproximando as partes e tornando possível a conclusão de um negócio, tem o intermedi­ ário direito à remuneração" [RT, 488/200). A fórmula de determinar o valor a ser pago aten­ de a situação do caso concreto, observando-se, pela ordem de grandeza, disposição legal prevista, estipulaçào do quantum por ajuste prévio das partes ou arbitramento judicial, que atenderá a natureza do negócio desenvolvido e os usos locais, devendo o juiz, para tanto, orientar-se, com razoabilidade, pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, atento ao costume do lugar, como apoio preponderante para a fixação do valor, e observan­ do o tempo de duração das atividades desenvolvidas. A corretagem decorre, usualmente, de acordo informal com o vendedor do bem. Desprovida da existência formal de um contrato que a preveja em quantia fixa ou em percentual, a remuneração ou comissão será arbitrada tendo em conta, afinal, o valor do próprio bem vendido.

Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resul­ tado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arre­ pendimento das partes.

Art. 725

Jones Figueirêdo Alves

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HISTÓRICO • 0 presente dispositivo, em relação ao anteprojeto de Agostinho Alvim, foi objeto de emenda por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto. A redação original era a seguinte: "A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido a estipulação do negócio de que foi incumbido, ainda que este nào se efetive em virtude de arrependimento das partes, ou por força maior". Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. Houve simpli­ ficação da redação, excluindo-se, ademais, a força maior.

DOUTRINA • A doutrina e a jurisprudência consagraram o entendimento de ser a remuneração devida ao mediador, desde que tenha este logrado obter o acordo de vontades, pouco importando que o negócio nào venha a efetivar-se. 0 avanço arrimou-se na advertência seguinte: “(...) A ju ­ risprudência, mesmo quando embasada em reiterados julgados, refletida em antigos posicio­ namentos, deve evoluir para adaptar-se à multifária riqueza da vida, em seus variados aspec­ tos e circunstâncias, sob pena de agasalhar a injustiça e ferir elementares princípios de direi­ to" (STJ, 4* T., REsp 4.269/RS, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 6-8-1991, v. m.). • M ais recentemente, todavia, o STJ tem adotado posicionamento oposto: “O serviço de corre­ tagem somente se tem com o aperfeiçoado quando o negócio imobiliário se concretiza, posto que o risco é da sua essência. Destarte, indevida a comissão mesmo se, após a aceitação da proposta, o vendedor, que concordara com a intermediação, se arrepende e desiste da venda, situação esta sequer reconhecida pelas instâncias ordinárias" (STJ, 4* T., REsp 317.503/ SP, Rei. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. em 7-6-2001, v. u.); reconhecendo-se, destarte, que o contrato de corretagem nào impõe simples obrigação de meio, mas sim uma obrigação de resultado (STJ, 4*T., EDcl no REsp 126.587/SP, Rei. Min. Cesar Asfor Rocha, j. em 8-5-2001, v. u.). Deste modo, torna-se devido o pagamento da intermediação, apenas se for realizado o negócio almejado (STJ, 3*T., REsp 278.028/PE, Rei. Min. Fátima Nancy Andrighi, j. em 19-122000, v. u.), a tanto que, "nào se tendo aperfeiçoado o negócio jurídico em face da desistên­ cia, à derradeira hora, manifestada pelo interessado comprador, não faz jus a corretora à comissão pleiteada" (STJ, 4* T., REsp 238.305/MS, Rei. Min. Barros Monteiro, j. em 17-8-2000, v. m.). Adm ite-se indevida a comissão, mesmo se após a aceitação da proposta o vendedor, que concordara com a intermediação, se arrepende e desiste da venda (STJ, 4^T., REsp 193.067/ PR, j. em 21-9-2000, v. u.). • Impende observar o contraste da norma com a atual posição jurisprudencial do STJ. Em ver­ dade, o dispositivo em comento, ao proclamar devida a remuneração, quando alcançado o resultado previsto no contrato, reconhece, por igual, a dívida da mediação, ainda que aque­ le resultado não se efetive em virtude do arrependimento das partes. A inserção no disposi­ tivo da cláusula da não efetividade contratual por arrependimento, tendo em conta a ativi­ dade da intermediação do negócio, para o efeito de tornar devida a remuneração, é substan­ cialmente contrária ao entendimento do STJ nos julgados antes citados. Guarda identidade, porém, com o reconhecimento do direito à comissão em caso de distrato, proclamado pelo REsp 186.818/RS ou por fato imputado à parte, com o observado no julgado se g u in te :"(...) comprovada a efetiva prestação de serviço, daí decorrendo expresso acordo entre os contra­ tantes (recebimento de sinal, no caso, com dia e hora para a escritura), tem o corretor direi­ to a comissão, embora o negócio não se ultime por fato atribuível a uma das partes, exclu­ sivamente" (STJ, 3* T., REsp 1.023/RJ, Rei. Min. Nilson Naves, j. em 24-10-1989, v. u.). • A alteração das condições do negócio não suprime o direito do corretor, como assinala Car­ valho Neto, ao ponderar: "as circunstâncias do comitente alterar a sua oferta, mudar as condições dos negócios preliminarmente, nào retiram ao corretor o seu direito à remuneração".

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Jones Figueirêdo Alves

Arts. 726 a 728

Art. 726. Iniciado e concluído o negócio diretamente entre as partes, nenhuma remu­ neração será devida ao corretor, mas se, por escrito, for ajustada a corretagem com exclu­ sividade, terá o corretor direito à remuneração integral, ainda que realizado o negócio sem a sua mediação, salvo se comprovada sua inércia ou ociosidade. H IS T Ó R IC O • O presente dispositivo não foi objeto de emenda. A redação é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • 0 dispositivo frustra a remuneração na ocorrência de o negócio ter sido ajustado diretamen­ te pelas partes, sem qualquer intervenção do corretor, nào tendo este contribuído para o resultado satisfatório. A ressalva é a de que, mesmo em casos que tais, dispondo o corretor de opção da venda, terá ele direito à remuneração, em face da exclusividade de negociação do bem objeto. A autorização negociai concedida sob exclusividade está condicionada a prazo determinado, em que a intermediação privativa para a venda do bem vem de exigir, ademais, a atividade plena e o esforço produtivo do corretor, sob pena de descaracterizar, pela comprovada inércia ou ociosidade, o direito à remuneração, quando diante da venda feita pelo próprio comitente. • Noutra vertente, o corretor fará jus à sua remuneração se o negócio agenciado for concluído mesmo após o vencimento do lapso temporal previsto na autorização, "desde que com pessoa por ele indicada ainda quando em curso o prazo do credenciamento e nas mesmas bases e condições propostas" (STJ, 4* T., REsp 29.286/RJ). “0 prazo concedido ao corretor na opção, ainda que estipulado para conclusão do negócio, destina-se em realidade à obtenção de in­ teressados e aproximação entre estes e o comitente" (STJ, 4? T., EDcl no REsp 29.286/RJ).

Art. 727. Se, por não haver prazo determinado, o dono do negócio dispensar o corretor, e o negócio se realizar posteriormente, como fruto da sua mediação, a corretagem lhe será devida; igual solução se adotará se o negócio se realizar após a decorrência do prazo contra­ tual, mas por efeito dos trabalhos do corretor. H IS T Ó R IC O • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda. A redaçào é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Na circunstância de o negócio ser efetuado somente após a dispensa do corretor, decorrendo, porém, a sua conclusão das atividades mediadoras daquele, impõe-se o pagamento da co­ missão de corretagem. A remuneração é devida diante do resultado útil obtido e para o qual influiu o corretor pelos seus atos de intermediação, o que se contempla, ainda, na hipótese de o negócio se realizar após vencido o prazo contratual (ver nota ao artigo anterior).

Art. 728. Se o negócio se concluir com a intermediação de mais de um corretor, a re­ muneração será paga a todos em partes iguais, salvo ajuste em contrário.

Arts. 729 e 730

Zeno Veloso

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HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda. A redação é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • 0 dispositivo não distingue a atuação de cada um deles, os fatores concausais e o momento participativo da respectiva intermediação, podendo, o mais das vezes, o agir ter lugar em momentos distintos, para o efeito de se estabelecer o direito à remuneração. • Em caso de ultimação do negócio por outro corretor, quando a iniciativa das gestões perten­ cera ao primeiro mediador, entre as mesmas partes opera-se o princípio da proporcionalizaçào entre a participação deste e a comissão a lhe ser paga. Implica a figura da comissão parcial devida ao corretor que nào concluiu o negócio, mas atuou com o uma concausa eficiente para a sua conclusão exitosa.

Art. 729. Os preceitos sobre corretagem constantes deste Código não excluem a apli­ cação de outras normas da legislação especial. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • 0 dispositivo cogita da incidência normativa de legislação especial sobre o contrato de cor­ retagem, agora disciplinado no Código Civil. Trata-se de aplicação subsidiária ou complemen­ tar. visto que o regramento relativo ao novo contrato típico acha-se agora codificado. Bem por isso, permanecem atuais, sem conflito com o Código, a Lei Orgânica da Profissão de Corretor de Imóveis (Lei n. 6.530/78) e sua regulamentação, feita através do Decreto n. 81.871/78.

C ap ítu lo XIV — DO TRANSPORTE

Seção I — Disposições gerais Art. 730. Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a trans­ portar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas. HISTÓRICO • Este artigo corresponde ao art. 739 do Projeto de Lei n. 634/75. • Não há preceito correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Na Exposição de M otivos do Anteprojeto de Código Civil, em 16 de janeiro de 1975, o Prof. M iguel Reale destacou o fato de ser disciplinado o contrato de transporte, que tem existido entre nós como simples contrato inominado, com base em normas esparsas, expondo que a solução normativa oferecida resulta dessa experiência, è luz dos modelos vigentes em outros países, com precisa distinção entre transporte de pessoas e transporte de coisas.

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Zeno Veloso

Arts. 731 e 732

• Pelo contrato de transporte uma das partes, o transportador, se obriga a deslocar de um lugar para outro pessoas ou coisas, mediante o pagamento de um preço. A obrigação é de resultado. • Trata-se de contrato autônomo, típico, bilateral e oneroso: a obrigação de realizar o trans­ porte corresponde à de pagar a retribuição - passagem ou frete. • Conforme o meio empregado, o transporte pode ser terrestre (rodoviário e ferroviário), aquá­ tico (marítimo, fluvial, lacustre) e aéreo (CF, art. 178). • No transporte de coisas, em sentido amplo, inclui-se o de animais.

Art. 731. O transporte exercido em virtude de autorização, permissão ou concessão, rege-se pelas normas regulamentares e pelo que for estabelecido naqueles atos, sem preju­ ízo do disposto neste Código. HISTÓRICO • Este artigo corresponde ao art. 740 do Projeto de Lei n. 634/75. • Não há paralelo no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Consoante o art. 175 da Constituição Federal, incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre por meio de licitação, a pres­ tação de serviços públicos. • Compete à União explorar, diretamente, ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacio­ nais, ou que transponham os limites de Estado ou Território, bem com o os serviços de trans­ porte rodoviário interestadual e internacional de passageiros (CF, art. 21, XII, c/e e). • A os M unicípios compete organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, serviços públicos de interesse local, incluindo o de transporte coletivo, "que tem caráter essencial" (CF, art. 30, V). • 0 transporte intermunicipal, nào tendo sido deferido expressamente nem à União, nem aos Municípios, por força do art. 25, § 1o, da CF, é de competência dos Estados-membros (com­ petência remanescente). • Quando o transporte é privativo do Poder Público, o exercício dessa atividade pode ser con­ ferido a particulares através dos institutos de Direito Administrativo da autorização, permis­ são e concessão. 0 Poder Público, por meio de atos regulamentares, fixa as regras, as condi­ ções, enfim, as normas que regerão a prestação dos serviços. São modalidades de prestação indireta de serviços públicos por pessoas de direito privado. 0 Estado (no sentido amplo da expressão) fixa as regras, as condições, enfim, as normas que regerão a prestação dos serviços. • 0 transporte, nesses casos, obedecerá, prioritariamente, ao que for estabelecido nos atos de autorização, permissão ou concessão - especialmente quanto às obrigações, itinerários, ta­ rifas, prazos - e normas regulamentares, sem prejuízo do que dispõe este Código.

Art. 732. Aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação es­ pecial e de tratados e convenções internacionais.

Art. 732

Zeno Veloso

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HISTÓRICO • Este artigo corresponde ao art. 741 do Projeto de Lei n. 634/75. • Nâo há paralelo no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • M andam -se aplicar aos contratos de transporte, em geral, quando couber, os preceitos da legislação especial e de tratados e convenções internacionais, desde que não contrariem as disposições deste Código. • É da legislação especial e dos tratados já existentes que trata este dispositivo, com a ressalva nele constante. Os preceitos referidos são recepcionados, desde que se conformem com as regras do Código Civil. Obviamente, se forem editados, futuramente, leis especiais ou tratados internacionais sobre a matéria, os preceitos que contiverem prevalecerão sobre os deste Código, em caso de colidência normativa. • Abordando o problema da posição hierárquica do tratado internacional, Celso Ribeiro Bastos, citando Francisco Rezek, expõe que, com relação às normas infra-constitucionais, há países, com o a França, a Grécia e o Peru, que consagram o primado do tratado, enquanto outros lhe garantem apenas um tratamento paritário com as demais normas do ordenamento, obser­ vando: é o caso dos Estados Unidos e do Brasil (Comentários ò Constituição do Brasil, São Paulo, Saraiva, 1995, v. 4 , 1 .1, p. 98). • Portanto, não há prevalência hierárquica do tratado sobre o direito interno, nem deste sobre o tratado internacional. Em conseqüência, estão no mesmo nível o tratado e a lei federal. • Sendo assim, um tratado internacional que contiver disposições conflitantes, incompatíveis com as deste Código, haverá de revogar tais preceitos, com base no princípio /ex posterior derogat priori (LINDB - antiga LICC, art. 2*. § 1*). • Aliás, a tendência no direito internacional é a de conferir supremacia aos tratados sobre as normas de direito interno dos Estados envolvidos, e o que se está vendo, neste momento, no espaço europeu, é uma confirmação disso. No direito brasileiro, é preciso registrar a im por­ tante mudança determinada pela Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional n. 45/2004), que introduziu o § 3* no art. 55 da Constituição Federal com a seguinte redação: “os tratados e convenções internacionais sobre direitos hum anos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".

JULGADOS • "Direito civil. Responsabilidade civil. Extravio de bagagens e atraso de voo internacional. Dano moral. Inaplicabilidade da limitação tarifada. A quantificação da indenização por danos morais, decorrente de atraso de voo, deve pautar-se apenas pelas regras dispostas na legislação nacional, restando inaplieável a limitação tarifada prevista na Convenção de Varsóvia e em suas emendas vigentes, embora possam ser consideradas como mero parâmetro. Hipótese em que, contudo, a indenização por danos morais foi fixada em valor exorbitante. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido" (REsp 602.014/RJ, 4* T., Rei. Min. Cesar Asfor Rocha, j. em 18-12-2003, DJ, 14-6-2004, p. 237). • "Responsabilidade civil. Transporte aéreo. Extravio de bagagem. Código de Defesa do Consumidor. Tratando-se de relação de consumo, prevalecem as disposições do Código de Defesa do Consumi­ dor em relação à Convenção de Varsóvia e ao Código Brasileiro de Aeronáutica. Precedentes da Segunda Seção do STJ. Recurso especial não conhecido" (REsp 538.685/RO, 4* T., Rei. Min. Barros Monteiro, j. em 25-11-2003, DJ, 16-2-2004, p. 269).

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Zeno Veloso

Arts. 733 e 734

Art. 733. Nos contratos de transporte cumulativo, cada transportador se obriga a cum­ prir o contrato relativamente ao respectivo percurso, respondendo pelos danos nele causados a pessoas e coisas. § 1? O dano, resultante do atraso ou da interrupção da viagem, será determinado em razão da totalidade do percurso. § 2?- Se houver substituição de algum dos transportadores no decorrer do percurso, a responsabilidade solidária estender-se-á ao substituto. HISTÓRICO • Este artigo corresponde ao art. 746 do Projeto de Lei n. 634/75, com redaçào diferente; o texto atual resultou de subemenda à emenda n. 477, do relator-geral, Deputado Ernani Sátyro, na Câ­ mara, na primeira fase de tramitação do projeto. • Não há paralelo no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Dá-se transporte cumulativo quando vários transportadores - por terra, água ou ar - efe­ tuam, sucessivamente, o deslocamento, de um lugar para outro, de pessoas ou coisas. Cada transportador se obriga a cumprir o contrato relativamente ao respectivo percurso; se em tal percurso sofrerem danos as pessoas e coisas transportadas, o transportador responderá por eles. Os trechos ou fases do percurso a ser cumprido nào são estanques, independentes, for­ mam a unidade contratual, embora exista a pluralidade de transportadores. • O dano resultante do atraso ou interrupção da viagem numa das fases ou etapas do itinerá­ rio será determinado em razão da totalidade do percurso. O transporte é contrato de resul­ tado. • A responsabilidade dos transportadores é solidária (arts. 264 e 265). • Quando tramitou o projeto na Câmara, na primeira fase, o Deputado José Bonifácio Neto, atendendo sugestão da Associação Brasileira de Direito Marítimo, apresentou emenda subs­ titutiva ao capítulo do projeto que regulava o contrato de transporte, oferecendo ao art. 742 (que eqüivale ao art. 733 do Código) a redaçào seguinte: "N o s contratos de transportes em conexão, celebrados pelo expedidor ou passageiro com um transportador, para serem execu­ tados por ele e por outros, nos vários percursos da viagem, responderá aquele, solidariamen­ te, com os demais, pela execução do transporte ou pelos danos provenientes da sua inexecu­ ção, parcial ou total, de acordo com o disposto nesta Seção". • Essa emenda não foi aprovada, mas é transcrita para que seja feita a comparação. • Se houver substituição de algum dos transportadores no decorrer do percurso ou da viagem, a responsabilidade solidária estender-se-á ao substituto.

Seção II — Do transporte de pessoas Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade. Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização.

Art. 734

Zeno Veloso

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H IS T Ó R IC O • Este artigo corresponde ao art. 742 do Projeto de Lei n. 634/75, que, entretanto, mencionava "condutor", palavra que foi substituída por "transportador", por subemenda do relator-geral, Deputado Ernani Sátyro, na Câmara, na primeira fase de tramitação do projeto. • Não há norma similar no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 transportador tem de levar o passageiro vivo e incólume a seu destino, e responde pelos danos a ele causados, bem com o a sua bagagem. Em todo contrato de transporte há, insita, a cláusula de incolumidade. • No contrato de transporte, a responsabilidade do transportador é objetiva, prescindindo, portanto, de verificação de culpa, sendo suficiente a demonstração da relação causai entre a atividade e o dano. Tratando-se de transporte efetuado por pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, a responsabilidade objetiva é estatuída em norma constitucional (CF, art. 37, § 6o). • M as a exdudente da força maior (v/s maioi) aproveita ao transportador (art. 393 e parágra­ fo único). Se o navio, em meio à tempestade, naufragou; se despencou o raio que destruiu o ônibus, não há responsabilidade civil. • Encontramos decisões judiciais afirmando que não responde a empresa transportadora pela morte de passageiro, no interior do veículo, no meio da viagem, em conseqüência de assalto, pois tal evento resulta de força maior e não configura risco coberto pela tarifa [Adeoas, 1981, n. 80.420); nem pelo fato de passageiro de ônibus ser atingido por estilhaço de vidro produ­ zido por uma pedra atirada por terceiro, ato equiparado a caso fortuito, nào havendo que falar em divergência com a Súm ula 187 do STF [JB, 141:182). • É nula a cláusula de não indenizar, isto é, não tem qualquer validade e eficácia o dispositivo que afaste a responsabilidade do transportador. Nesse sentido, aliás, enuncia a Súm ula 161 do STF: "Em contrato de transporte é inoperante a cláusula de nào indenizar". Aponte-se, ainda, que, na maioria dos casos, o contrato de transporte form a-se por adesão, e, também por essa razão, para impedir que se frustrem as justas expectativas, a boa-fé e os direitos do aderente, a cláusula de não indenizar é abusiva, inadmissível, nula de pleno direito (arts. 421, 422, 423 e 424; Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, arts. 5 1 , 1, e 54). • A doutrina admite, todavia - com cuidados e ressalvas - , a cláusula que limite a responsa­ bilidade, desde que nào seja expediente falacioso, para burlar a proibição da cláusula excludente da responsabilidade, quando a indenização, p. ex., for fixada em valor ridículo, insig­ nificante (cf. STJ, 4*T.. REsp 76.619, j. em 12-2-1996).

JDLGADOS • Civil e processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Contrato de transporte aéreo de passageiros. Extravio de bagagem em voo internacional. Descumprimento contratual. Dano moral. Súmula 7/STJ. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor em detrimento da Convenção de Varsóvia. Valor indenizatório. Razoabilidade. 1. Esta Superior Corte já pacificou o entendimento de que não se aplica, a casos em que há constrangimento provocado por erro de serviço, a Convenção de Varsóvia, e sim o Código de Defesa do Consumidor, que traz em seu bojo a orientação constitucional de que o dano moral é amplamente indenizável. 2. A conclusão do Tribunal de origem, acerca do dano moral sofrido pela agravada, em razão de extravio de sua bagagem em voo internacional, não pode ser afastada nesta instância, por depender do reexame do quadro fático-probatório (Súmula 7/STJ). 3. Tendo em vista a jurisprudência desta Corte a respeito do tema e as circunstâncias da causa, deve ser mantido o quantum indenizatório, diante de sua razoabilidade, em R$ 7.000,00 (sete mil reais). 4. Agravo regimental improvido" (STJ, 3* T., AgRg no Ag. em REsp 27.528/RJ, Rei. Min. Sidnei Beneti, j. em 15-9-2011, DJe, 3-10-2011).

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Zeno Veloso

Art. 735

• "Prazo prescricional. Convenção de Varsóvia e Código de Defesa do Consumidor. 1. 0 art. 5o, § 2o, da Constituição Federal se refere a tratados internacionais relativos a direitos e garantias funda­ mentais, matéria não objeto da Convenção de Varsóvia, que trata da limitação da responsabilida­ de civil do transportador aéreo internacional (RE 214.349, Rei. Min. Moreira Alves, DJ, 11-6-99). 2. Embora válida a norma do Código de Defesa do Consumidor quanto aos consumidores em geral, no caso especifico de contrato de transporte internacional aéreo, com base no art. 178 da Constituição Federal de 1988, prevalece a Convenção de Varsóvia, que determina prazo prescri­ cional de dois anos. 3. Recurso provido" (RE 297.901-5,2aT., Rei. Min. Ellen Gracie, j. em 7-3-2006). • "Código de Defesa do Consumidor. Acidente aéreo. Transporte de malotes. Relação de consumo. Caracterização. Responsabilidade pelo fato do serviço. Vitima do evento. Equiparação a consumi­ dor. Artigo 17 do CDC. I - Resta caracterizada relação de consumo se a aeronave que caiu sobre a casa das vítimas realizava serviço de transporte de malotes para um destinatário final, ainda que pessoa jurídica, uma vez que o artigo 2o do Código de Defesa do Consumidor não faz tal distinção, definindo como consumidor, para os fins protetivos da lei,'... toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final'. Abrandamento do rigor técnico do critério finalista. II - Em decorrência, pela aplicação conjugada com o artigo 17 do mesmo diplo­ ma legal, cabível, por equiparação, o enquadramento do autor, atingido em terra, no conceito de consumidor. Logo, em tese, admissível a inversão do ônus da prova em seu favor. Recurso especial provido" (REsp 540.235/T0, 3« T.. Rei. Min. Castro Filho, j. em 7-2-2006, DJ, 6-3-2006, p. 372). • "Responsabilidade civil. Transporte aéreo. Extravio da bagagem. Dano material. Dano moral. A indenização pelos danos material e moral decorrentes do extravio de bagagem em viagem aérea doméstica não está limitada à tarifa prevista no Código Brasileiro de Aeronáutica, revogado, nessa parte, pelo Código de Defesa do Consumidor. Recurso conhecido e provido" (REsp 156.240/ SP, 4*T., Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 23-11-2000, DJ, 12-2-2001, p. 118).

Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passagei­ ro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva. H IS T Ó R IC O • Este artigo não constava no Projeto de Lei n. 634/75, e foi introduzido por subemenda do Relator, Deputado Ernani Sátyro, na Câmara, na primeira fase de tramitação do projeto. • Não há paralelo no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Se, p. ex., um outro veículo, por imperícia do condutor, desgovernou-se e atingiu o ônibus em que estava o passageiro, que sofreu fraturas e escoriações, a responsabilidade do trans­ portador persiste, e ele terá de indenizar os danos sofridos pela vítima. M as poderá acionar, regressivamente, o terceiro causador do acidente. • M as se o ato de terceiro, que causa o dano, é absolutamente estranho à relação de transpor­ te, sem nenhuma conexidade, com o no caso do sujeito que, postado à beira da via pública, lança uma pedra que atinge o passageiro, fica afastada a presunção de culpa do transporta­ dor, e elidida a sua responsabilidade pelo dano. 0 ato do terceiro, no exemplo dado, é impre­ visível, irresistível, equipara-se ao caso fortuito ou de força maior (cf. STJ, 3*T., REsp 154.311/ SP, Rei. Min. Ari Pargendler). Igualmente, se ocorre assalto com arma de fogo no interior do ônibus (cf. STJ, 3* T., REsp 286.110/RJ, Rei. Carlos Alberto Menezes Direito). SÚ M U LA • Súm ula 187 do STF: "A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva".

Art. 736

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JU LG AD O S • "Responsabilidade civil. Transporte de passageiro em coletivo. Assalto. 0 assalto à mão armada dentro de coletivo constitui força maior que afasta a responsabilidade da transportadora pelo evento danoso" (AgRg no REsp 866.619/TO, 3aT., Rei. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 3-122007, DJ, 12-12-2007, p. 417). • "Responsabilidade civil. Transporte coletivo. Assalto à mão armada. Força maior. Constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora o fato inteiramente estranho ao trans­ porte em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo. Precedentes. Recurso especial co­ nhecido e provido" (REsp 586.663/RS, 4a T., Rei. Min. Barros Monteiro, j. em 17-11-2005). • "Transporte. Assalto com arma de fogo. Responsabilidade. Precedentes da Corte. 1. Afirmando o Acórdão recorrido que houve assalto com arma de fogo no interior do ônibus, presente o fortui­ to, os precedentes da Corte afastam a responsabilidade do transportador. 2. Recurso especial nào conhecido" (REsp 286.110/RJ, 3* T., Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 20-8-2001, DJ, 1«-10-2001, p. 210).

Art. 736. Não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia. Parágrafo único. Não se considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneração, o transportador auferir vantagens indiretas. HISTÓRICO • Este artigo corresponde ao art. 743 do Projeto de Lei n. 634/75. • Nào há paralelo no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Se o transporte representa ato de mero favor, é feito gratuitamente, por amizade, cortesia, a rigor, nem configura contrato de transporte, que, necessariamente, é oneroso. A relação nào fica regida pelas normas deste Capítulo. Nem há, no caso, responsabilidade objetiva do condutor. Com maior razão se o transporte gratuito está sendo feito por necessidade, urgên­ cia, solidariedade; p. ex., o motorista, que ia passando, leva para o pronto-socorro pessoa que se acidentou na via pública. • 0 parágrafo único edita que, se o transportador aufere vantagens indiretas, o transporte, embora sem remuneração específica, nào se considera gratuito. Aplicam -se as normas do contrato de transporte. A gratuidade, no caso, é aparente; o transportador tem interesse patrimonial no transporte. • Nào se deve inferir, pelo caput deste dispositivo, que o condutor, porque está dando carona, prestando um favor, fique a salvo de qualquer responsabilidade. Realmente, a responsabili­ dade nào é objetiva, nào há presunção de culpa; porém, havendo dano ao passageiro, a responsabilidade do condutor é extracontratual ou aquiliana, subm etendo-se aos princípios gerais da responsabilidade civil. Precisa ser demonstrada a culpa do motorista (arts. 186 e 927). SÚ M ULA • Súm ula 145 do STJ: "N o transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave".

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Art. 737

Art. 737.0 transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior. H IS T Ó R IC O • Este artigo corresponde ao art. 744 do Projeto de Lei n. 634/75. • Não há disposição semelhante no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • O transportador tem de cumprir os itinerários, obedecer aos horários previstos no contrato ou regulamentos e, salvo motivo de força maior, responder pelos danos que decorrerem de atrasos ou mudanças de percurso. • São fatos que justificam o atraso ou alteração de rota: o mau tempo que impediu que o navio desatracasse na hora marcada; a queda da ponte que obrigou o condutor do coletivo a abandonar a rodovia principal e seguir viagem por uma estrada secundária; o acidente que fez o motorista do ônibus esperar a perícia da polícia rodoviária. JU LG AD O S • “Transporte aéreo internacional. Atraso. Dano moral. Pretendida comprovação do dano. Código de Defesa do Consumidor e Convenção de Varsóvia. Valor em francos poincaré. Conversão em 332 direitos especiais de saque do fundo monetário internacional. Redução do quantum fixado a ti­ tulo de dano moral. Recurso conhecido em parte e, na extensão, provido parcialmente. 1. A ma­ téria relativa à necessidade, ou não de prova, não restou decidida pela Corte de origem, pois a própria recorrente admitiu os transtornos causados pelo atraso de mais de 15 horas do voo inter­ nacional. Ausência de prequestionamento. 2. Rejeita-se o entendimento da recorrente, no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica à espécie dos autos,notadamente quan­ do se refere a atraso de voo internacional, pois ‘após o advento do Código de Defesa do Consu­ midor, as hipóteses de indenização por atraso de voo não se restringem às situações elencadas na Convenção de Varsóvia, o que, de outro lado, não impede a adoção de parâmetros indenizatórios nela ou em diplomas assemelhados estabelecidos' (REsp 265.173-SP, Rei. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ, 16-6-2003). 3. Na linha de iterativos precedentes, acolhe-se o pleito recursal, no sen­ tido da fixação do ressarcimento no equivalente a 332 Direitos Especiais de Saque do Fundo Monetário Internacional (antigos 5.000 francos poincaré). 4. Do cotejo dos elementos que emer­ gem dos autos, aliado ao fato de que restou fixada a indenização em francos poincaré, mostra-se consentâneo com o modo de julgar desta Corte a redução do valor arbitrado, a titulo de indeni­ zação por dano moral, para quantia equivalente a 5 (cinco) salários mínimos, para cada autor. 5. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, provido parcialmente" (REsp 277.541/SP, 4* T., Rei. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. em 16-8-2007, DJ, 27-8-2007, p. 255). • "Responsabilidade civil. Transporte aéreo. Atraso de voo. A demora injustificada no transporte de passageiros acarreta danos morais. Agravo regimental não provido" (AgRg no REsp 218.291/SP, 3* T., Rei. Min. Ari Pargendler, j. em 22-3-2007, DJ, 23-4-2007, p. 252). ~ • "Civil e processual. Agravo regimental. Indenização. Danos morais. Ovcrbooking. Contrato. Descumprimento. Responsabilidade. Valor da indenização. Razoabilidade. Enriquecimento ilícito. Inexistência. Agravo regimental improvido" (AgRg no Ag 817.823/PR, 41 T., Rei. Min. Aldir Passa­ rinho Junior, j. em 6-3-2007, DJ, 16-4-2007, p. 212). • "Agravo regimental. Responsabilidade civil objetiva. Voo internacional. Atraso. Extravio de baga­ gem. Aplicação do CDC. Problema técnico. Fato previsível. Dano moral. Cabimento. Argumentação inovadora. Vedado. - Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, as hipóteses de inde­ nização por atraso de voo não se restringem àquelas descritas na Convenção de Varsóvia, o que afasta a limitação tarifada. - A ocorrência de problema técnico é fato previsível, não caracteri­ zando hipótese de caso fortuito ou de força maior. - Em voo internacional, se não foram tomadas

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todas as medidas necessárias para que não se produzisse o dano, justifica-se a obrigação de inde­ nizar. - Cabe indenização a titulo de dano moral pelo atraso de voo e extravio de bagagem. 0 dano decorre da demora, desconforto, aflição e dos transtornos suportados pelo passageiro, não se exigindo prova de tais fatores. - Vedado no regimental desenvolver argumento inovador não ventilado no especial" (AgRg no Ag 442.487/RJ, 3* T., Rei. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 25-9-2006, DJ, 9-10-2006, p. 284). • "Civil. Overbooking. Indenização. Danos morais. Majoração. Razoabilidade. Sucumbência recipro­ ca. Não ocorrência. 1 - Conforme consolidado entendimento desta Corte, o valor do dano moral só pode ser alterado nesta instância quando ínfimo ou exagerado, o que não ocorre na hipótese. 2 - 0 acolhimento a menor do montante indenizatório, pedido a titulo de danos morais, não enseja a aplicação do a rt 21, caput, do CPC, apta à sucumbência reciproca de honorários advocaticios, dado que o valor é apenas estimativo, nào estando o magistrado a ele vinculado. Prece­ dentes do STJ. 3 - Recurso especial conhecido e parcialmente provido" (REsp 773.486/SP, 4* T., Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. em 27-9-2005, DJ, 17-10-2005, p. 315). • "Responsabilidade civil. Overbooking. Voo internacional. Nova conexão por pais cuja passageira nào detinha visto de entrada. Atraso de, pelo menos, 36 horas da chegada em relação a hora prevista. Danos morais. A quantificação da indenização por danos morais, decorrente de atraso de voo, deve pautar-se apenas pelas regras dispostas na legislação nacional, restando inaplicável a limitação tarifada prevista na Convenção de Varsóvia e em suas emendas vigentes, embora possam ser consideradas como mero parâmetro. Hipótese em que, contudo, a indenização por danos morais foi fixada em valor exorbitante. Recurso especial conhecido e parcialmente provido" (REsp 628.828/RJ, 4* T., Rei. Min. Cesar Asfor Rocha, j. em 20-4-2004, DJ, 4-10-2004, p. 326). • "Direito civil. Indenização. Atraso. Voo. Dano moral. Desnecessidade. Observância. Limite. Conven­ ção de Varsóvia. Possibilidade. Utilização. Critério. Parâmetro. Redução. Valor. 1. Consoante orien­ tação jurisprudencial desta Turma, não mais prevalece a limitação prevista na Convenção de Varsóvia para a determinação do valor a título de dano moral por atraso de voo, sendo possível a utilização do critério nela previsto como parâmetro indenizatório, fixado em hipóteses semelhan­ tes à espécie em 332 (trezentos e trinta e dois) Depósitos Especiais de Saque, resultantes da conversão de 5.000 (cinco mil) francos poincaré (Arts. 19 e 22 da Convenção de Varsóvia, com as alterações da Convenção de Haia e Protocolos 1 e 2 de Montreal). 2. Recurso especial conhecido e parcialmente provido" (REsp 228.684/SP, 4*T., Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. em 3-8-2004, DJ, 16-8-2004, p. 261). • "Civil. Ação de indenização. Atraso de voo. Dano moral. CDC. Valor. Francos poincaré. Conversão em DES (332). Decreto n. 97.505/89. I. Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, as hipóteses de indenização por atraso de voo não se restringem às situações elencadas na Conven­ ção de Varsóvia, o que, de outro lado, não impede a adoção de parâmetros indenizatórios nela ou em diplomas assemelhados estabelecidos. II. Inobstante a infraestrutura dos modernos aeroportos ou a disponibilizaçào de hotéis e transporte adequados, tal não se revela suficiente para elidir o dano moral quando o atraso no voo se configura excessivo, a gerar pesado desconforto e aflição ao passageiro, extrapolando a situação de mera vicissitude ou contratempo, estes plenamente suportáveis. III. Ressarcimento fixado no equivalente a 332 DES (antigos 5.000 francos poincaré), em consonância com a conversão prevista na tabela anexa ao Decreto n. 97.505/89, valor com­ patível com a situação fática descrita pelas instâncias ordinárias. IV. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido, para a explicitação da proporção da conversão a Direitos Espe­ ciais de Saque" (REsp 265.173/SP, 4* T., Rei. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 19-12-2002, DJ, 16-6-2003, p. 344).

Art. 738. A pessoa transportada deve sujeitar-se às normas estabelecidas pelo trans­ portador, constantes no bilhete ou afixadas à vista dos usuários, abstendo-se de quaisquer atos que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, ou dificultem ou impeçam a execução normal do serviço.

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Art. 739

Parágrafo único. Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à trans­ gressão de normas e instruções regulamentares, o juiz reduzirá equitativamente a indeni­ zação, na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano. HISTÓRICO •

Este artigo corresponde ao art. 745 do Projeto de Lei n. 634/75.



Não há paralelo no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • O contrato de transporte é oneroso, com o vimos, e bilateral. 0 transportador tem obrigações, bem com o o passageiro. A principal obrigação deste é a de pagar o preço da viagem (apas­ sagem, a tarifa). E, obviamente, isso não lhe dá o direito de praticar atos que incomodem ou causem prejuízos aos outros passageiros, que danifiquem o veículo ou impeçam a execução normal do serviço. A o contrário, estará violando as norm as do transporte. • Pode ocorrer de o passageiro ter sofrido dano em decorrência da transgressão de normas e instruções regulamentares. A responsabilidade do transportador é objetiva (art. 734), mas, se o prejuízo ou dano sofrido pelo viajante decorreu de sua própria atitude, de seu com porta­ mento antissocial, do descumprimento de norm as e instruções regulamentares, há necessi­ dade de avaliar a extensão, o grau de culpa do transportado, para que o juiz possa estabele­ cer o limite, fixar o valor da indenização. No caso de o evento danoso decorrer, inteira e exclusivamente, de culpa da vítima, não se deve levar o princípio da responsabilidade obje­ tiva a extremos que cheguem à injustiça, e, no caso, o dano não é indenizável.

Art. 739. O transportador não pode recusar passageiros, salvo os casos previstos nos regulamentos, ou se as condições de higiene ou de saúde do interessado o justificarem. HISTÓRICO • Este artigo corresponde ao art. 748 do Projeto de Lei n. 634/75; "condutor" foi trocado por "trans­ portador", na primeira fase de tramitação do projeto, na Câmara, por subemenda do relator-geral, Deputado Ernani Sátyro. • Não há preceito idêntico no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Em principio, nào se admite a recusa de contratar por parte do transportador, a nào ser nos casos previstos nos regulamentos, ou se as condições de higiene ou de saúde do interessado o justificarem. Imagine-se o caso de o passageiro se apresentar exalando mau cheiro extremo, incom odando e perturbando os demais passageiros, ou com saúde tão debilitada que só devesse ser transportado em ambulância. • Embora este artigo não mencione expressamente, devem ser incluídas outras situações, como a do passageiro que se encontra em trajes menores, indecentemente, ou o que está comple­ tamente embriagado ou drogado, ou que porta, na cintura, de modo ostensivo, arma branca ou de fogo. Isso para nào falar no viajante que forçou a entrada em ônibus interurbano, na rodovia Transamazônica, trazendo uma serpente enrolada no braço, alegando que a cobra venenosa era seu animal de estimação e que tinha de viajar em sua companhia. • No caso de ser menor o passageiro, o transportador tem o dever de verificar se estão aten­ didas as prescrições do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90).

Arts. 740 e 741

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Art. 740.0 passageiro tem direito a rescindir o contrato de transporte antes de inicia­ da a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem, desde que feita a comu­ nicação ao transportador em tempo de ser renegociada. § 1? Ao passageiro é facultado desistir do transporte, mesmo depois de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor correspondente ao trecho não utilizado, desde que provado que outra pessoa haja sido transportada em seu lugar. § 2? Não terá direito ao reembolso do valor da passagem o usuário que deixar de em­ barcar, salvo se provado que outra pessoa foi transportada em seu lugar, caso em que lhe será restituído o valor do bilhete não utilizado. § 3? Nas hipóteses previstas neste artigo, o transportador terá direito de reter até cinco por cento da importância a ser restituida ao passageiro, a título de multa compensa­ tória. H IS T Ó R IC O • Este artigo e os dois seguintes não constavam no Projeto de Lei n. 634/75. Na primeira fase de tramitação do projeto, na Câmara, foram introduzidos por subemenda do relator-geral, Deputado Ernani Sátyro. • Não há similar no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A rescisão unilateral do contrato de transporte tem de ser tempestiva. O passageiro pode desistir da viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem. M as terá de com u­ nicar o transportador em tempo de ser renegociada a passagem. • M esm o depois de iniciada a viagem, no meio do percurso, portanto, o passageiro pode desis­ tir do transporte, tendo direito à restituição do valor da passagem correspondente ao trecho não utilizado, desde que fique provado que, em seu lugar, outra pessoa foi transportada no percurso faltante. • O usuário que deixou de embarcar, que nào se apresentou na hora determinada para a par­ tida, que, intempestivamente, tenha desistido da viagem, não terá direito ao reembolso do valor da passagem, a nào ser que prove que outra pessoa foi transportada em sua vaga, e, aí, ser-lhe-á devolvido o valor do bilhete que nào utilizou. • Em qualquer dos casos previstos neste artigo, a título de multa compensatória, o transpor­ tador terá direito de reter até cinco por cento da importância a ser restituida ao passageiro.

Art. 741. Interrompendo-se a viagem por qualquer motivo alheio à vontade do trans­ portador, ainda que em conseqüência de evento imprevisível, fica ele obrigado a concluir o transporte contratado em outro veículo da mesma categoria, ou, com a anuência do passa­ geiro, por modalidade diferente, à sua custa, correndo também por sua conta as despesas de estada e alimentação do usuário, durante a espera de novo transporte. H IS T Ó R IC O • Ver o histórico do art. 740. • Não há similar no Código Civil de 1916.

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Arts. 742 e 743

DOUTRINA • Em qualquer hipótese, ainda que por caso fortuito, se a viagem for interrompida, o transpor­ tador fica obrigado a concluir o transporte contratado em outro veículo da mesma categoria ou, se o passageiro concordar, por modalidade diferente, à sua custa. Durante a espera do novo transporte, correm por conta do transportador as despesas de estada e alimentação do usuário. Fica bem demonstrado, por este artigo, que o transporte é uma obrigação de resul­ tado.

Art. 742. O transportador, uma vez executado o transporte, tem direito de retenção sobre a bagagem de passageiro e outros objetos pessoais deste, para garantir-se do paga­ mento do valor da passagem que não tiver sido feito no início ou durante o percurso. HISTÓRICO • Ver o histórico do art. 740. A redaçào do presente artigo, porém, deve-se à emenda n. 399-R, do relator-geral no Senado, Senador Josaphat Marinho. • Não há paralelo no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • No caso de o viajante não ter pago a passagem no início ou durante o percurso, terá de fazê-lo ao final, uma vez executado ou concluído o transporte. Nào o fazendo, o transportador tem direito de retenção sobre a bagagem e outros objetos pessoais do passageiro, para ga ­ rantir-se do pagamento do valor da passagem. • Esse direito de retenção pode ser exercido independentemente de autorização judicial e tem conteúdo menor do que o penhor legal concedido aos hospedeiros sobre as bagagens dos hóspedes (art. 1.467,1).

Seção III — Do transporte de coisas Art. 743. A coisa, entregue ao transportador, deve estar caracterizada pela sua nature­ za, valor, peso e quantidade, e o mais que for necessário para que não se confunda com outras, devendo o destinatário ser indicado ao menos pelo nome e endereço. HISTÓRICO • Este artigo corresponde ao art. 749 do Projeto de Lei n. 634/75, que utilizava a palavra “condutor", trocada por “transportador", conforme subemenda do relator-geral Ernani Sátyro, na Câmara, na primeira fase de tramitação do projeto. • Não há paralelo no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • No contrato de transporte de coisas participam o remetente ou expedidor - pessoa que entrega a coisa a ser transportada - e o transportador - pessoa que recebe a coisa, obrigan­ do-se a transportá-la. 0 destinatário ou consignatário é a pessoa a quem é destinada a coisa. À s vezes, o expedidor é ao mesmo tempo destinatário, com o no caso em que o remetente envia coisas em seu próprio nome, de um lugar para outro. • A descrição ou especificação da coisa transportada é necessária, para que nào se confunda com outras. Para tanto, deve estar caracterizada pela sua natureza, valor, peso, quantidade

Arts. 744 e 745

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e o que mais for preciso para determinar sua identificação. 0 destinatário deve estar indica­ do, ao menos, pelo nome e endereço, podendo constar outros dados, com o nacionalidade, estado civil, número de carteira de identidade, inscrição na Junta Comercial, número no cadastro de pessoas jurídicas etc.

Art. 744. Ao receber a coisa, o transportador emitirá conhecimento com a menção dos dados que a identifiquem, obedecido o disposto em lei especial. Parágrafo único. O transportador poderá exigir que o remetente lhe entregue, devida­ mente assinada, a relação discriminada das coisas a serem transportadas, em duas vias, uma das quais, por ele devidamente autenticada, ficará fazendo parte integrante do conhe­ cimento. HISTÓRICO • Este artigo corresponde ao art. 750 do Projeto de Lei n. 634/75; a palavra "condutor" foi substi­ tuída por "transportador", pela subemenda referida no histórico do artigo antecedente. • Não há similar no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • 0 conhecimento de transporte, também chamado conhecimento de frete ou conhecimento de carga, prova o recebimento da coisa e da obrigação de transportá-la. No conhecimento, a coisa deve estar identificada, com os dados mencionados no artigo anterior. Lei especial deve mencionar os demais requisitos do conhecimento. • 0 conhecimento é documento emitido pelo transportador. Está preso ao princípio da literalidade: o que está escrito vale e deve ser cumprido. Os direitos e deveres das partes estão nele consignados, pelo que goza de autonomia. É considerado título de crédito, embora impróprio, representando as coisas ou mercadorias objeto do transporte e mencionadas no documento. Em regra, é título à ordem, e, com o tal, pode ser endossado; o último endossatário e detentor do conhecimento presume-se titular da mercadoria constante no título. É claro, o conheci­ mento nominativo com a cláusula “nào à ordem" não pode ser endossado. • Para facilitar a elaboração do conhecimento e dar mais segurança à relação entre as partes, o transportador poderá exigir que o remetente lhe entregue, devidamente assinada, a relação discriminada das coisas que serão transportadas, em duas vias. Uma das vias, devidamente autenticada pelo transportador, ficará fazendo parte integrante do conhecimento. Cláudio Luiz Bueno de Godoy (Código Civil comentado, coord. Cezar Peluso, Barueri/SP, Manole, 2007, p. 611) adverte: "Trata-se de medida de cautela de que pode se valer o transportador, assim garantindo-se contra o eventual transporte de carga ilegal. Uma vez exigida e apresentada a declaração, uma de suas duas vias passa a fazer parte integrante do conhecimento".

Art. 745. Em caso de informação inexata ou falsa descrição no documento a que se refere o artigo antecedente, será o transportador indenizado pelo prejuízo que sofrer, de­ vendo a ação respectiva ser ajuizada no prazo de cento e vinte dias, a contar daquele ato, sob pena de decadência. HISTÓRICO • "Condutor" foi trocado por "transportador", em virtude da subemenda referida nos artigos ante­ cedentes. No restante, este artigo corresponde ao art. 751 do Projeto de Lei n. 634/75.

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Arts. 746 a 748

• Não há equivalente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • O contrato de transporte, como qualquer contrato, é regido pelos princípios de probidade e boa-fé (art. 422). Se o remetente apresenta ao transportador a relação das mercadorias com informação inexata ou falsa descrição destas, o transportador será indenizado pelo prejuízo que sofrer, devendo a ação respectiva ser ajuizada no prazo de cento e vinte dias. a contar da data em que ocorreu o dano, sob pena de decadência. • Para exemplificar, imagine-se o caso de a mercadoria ser altamente inflamável, ou de ser facilmente deteriorável, e essas circunstâncias terem sido omitidas pelo remetente, ou, o que é mais grave, terem sido prestadas falsas informações a respeito, e, no percurso, por causa dessas qualidades, ocorrer incêndio no navio, no trem, no caminhão etc., ou aparecer estra­ gado ou contaminado o restante da carga.

Art. 746. Poderá o transportador recusar a coisa cuja embalagem seja inadequada, bem como a que possa pôr em risco a saúde das pessoas, ou danificar o veículo e outros bens. H IS T Ó R IC O • Este artigo corresponde ao art. 752 do Projeto de Lei n. 634/75. • Não há paralelo no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Uma das obrigações do remetente é a de entregar a mercadoria devida e convenientemente embalada, atendendo è natureza e características da coisa que será transportada. Sendo inadequada a embalagem, verificando-se que ela pode pôr em risco a saúde das pessoas, ou danificar o veículo e outros bens, o transportador pode recusar a coisa, negando-se a efetu­ ar o transporte.

Art. 747.0 transportador deverá obrigatoriamente recusar a coisa cujo transporte ou comercialização não sejam permitidos, ou que venha desacompanhada dos documentos exigidos por lei ou regulamento. H IS T Ó R IC O • Este artigo corresponde ao art. 753 do Projeto de Lei n. 634/75; "condutor" foi trocado por "trans­ portador", conforme a subemenda referida no histórico do art. 743. • Não há paralelo no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Além dos casos previstos no artigo antecedente, e com maior razão, o transportador terá de recusar, "deve obrigatoriamente recusar”, a coisa cujo transporte ou comercialização nào sejam permitidos, ou que venha desacompanhada dos docum entos exigidos por lei ou regu­ lamento. Não se trata de uma faculdade do transportador, mas de um dever legal. O objeto transportado tem de ser lícito.

Art. 748. Até a entrega da coisa, pode o remetente desistir do transporte e pedi-la de volta, ou ordenar seja entregue a outro destinatário, pagando, em ambos os casos, os acrés­ cimos de despesa decorrentes da contraordem, mais as perdas e danos que houver.

Arts. 749 e 750

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HISTÓRICO • Este artigo corresponde ao art. 754 do Projeto de Lei n. 634/75. • Nâo há similar no Código Civil de 1916. D O U T R IN A •

Com o no transporte de pessoas, em que o passageiro tem direito arescindir o contrato antes de iniciada a viagem (art. 740), no transporte de mercadoria,até a entrega da coisa,pode o remetente desistir do transporte e pedi-la de volta, ou ordenar que seja entregue a outro destinatário. Em am bos os casos, terá de pagar os acréscimos de despesa decorrentes da contraordem, mais as perdas e danos que houver.

Art. 749.0 transportador conduzirá a coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas necessárias para mantê-la em bom estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto. HISTÓRICO •

Este artigo corresponde ao art. 755 do Projeto de Lei n. 634/75.



Não há paralelo no Código Civil de 1916.

D O U T R IN A • A cláusula de incolumidade (art. 734) considera-se ínsita, também, no transporte de coisas. 0 transportador deve tomar todas as cautelas para manter a mercadoria em bom estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto. Este artigo indica as principais obrigações do transportador. 0 transporte de coisas é também de resultado.

Art. 750. A responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conheci­ mento, começa no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado. HISTÓRICO • Este artigo corresponde ao art. 756 do Projeto de Lei n. 634/75. • Nâo há similar no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • No contrato de transporte de coisas, a responsabilidade do transportador - limitada ao valor constante do conhecimento - tem início no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa, e se encerra com sua entrega ao destinatário, ou quando é depositada em juízo, se o destinatário nào for encontrado. • Correm os riscos por conta do transportador, sendo sua responsabilidade objetiva, salvo força maior devidamente comprovada, ou se a coisa se perdeu ou deteriorou por culpa ex­ clusiva do remetente, com o na hipótese de vício próprio da coisa, sendo ela facilmente deteriorável, p. ex., e tendo sido circunstância omitida pelo expedidor. JU LG AD O • "Responsabilidade civil. Transporte aéreo internacional. Extravio de carga. O transportador aéreo internacional responde pelo extravio da carga, devendo indenizar o dono pelo seu valor integral.

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Arts. 751 a 753

Recurso conhecido pela divergência, mas desprovido" (REsp 269.353/SP, 4»T., Rei. Min. Ruy Rosa­ do de Aguiar, j. em 5-12-2000, DJ, 11-6-2001, p. 230; REPDJ, 25-6-2001, p. 187; REPDJ, 20-8-2001, p. 473).

Art. 751. A coisa, depositada ou guardada nos armazéns do transportador, em virtude de contrato de transporte, rege-se, no que couber, pelas disposições relativas a depósito. H IS T Ó R IC O • Este artigo corresponde ao art. 757 do Projeto de Lei n. 634/75. • Não há preceito semelhante no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • 0 artigo antecedente estatui que a responsabilidade do transportador começa a correr desde o momento em que recebe a mercadoria e só acaba com a efetiva entrega desta em seu destino. Pode ocorrer de antes de iniciada, efetivamente, a viagem, ou depois de terminada, seja a coisa depositada ou guardada nos armazéns do transportador, regendo-se a questão, no que couber, pelas disposições do contrato de depósito (arts. 627 e s.). • 0 contrato de transporte tem afinidades com o de locação de coisas e de serviços, o de em­ preitada e o de depósito. A respeito deste último, a relação é mais íntima, com o se conclui do disposto neste artigo.

Art. 752. Desembarcadas as mercadorias, o transportador não é obrigado a dar aviso ao destinatário, se assim não foi convencionado, dependendo também de ajuste a entrega a domicílio, e devem constar do conhecimento de embarque as cláusulas de aviso ou de entrega a domicílio. H IS T Ó R IC O • Este artigo corresponde ao art. 758 do Projeto de Lei n. 634/75. • Não há paralelo no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • É no conhecimento que devem constar as cláusulas de aviso ou de entrega em domicílio. O conhecimento é a prova do contrato de transporte, e o que nele for previsto deve ser cum ­ prido. • Feita essa ressalva, quando a mercadoria chega ao destino, o transportador nào é obrigado a dar aviso ao destinatário nem a entregá-la em domicílio, se assim não foi convencionado ou ajustado. A regra é de que a entrega será feita no estabelecimento do transportador (filial, depósito, armazém etc.); qualquer solução diferente precisa ser acordada expressamente.

Art. 753. Se o transporte não puder ser feito ou sofrer longa interrupção, o transporta­ dor solicitará, incontinenti, instruções ao remetente, e zelará pela coisa, por cujo perecimento ou deterioração responderá, salvo força maior. § Perdurando o impedimento, sem motivo imputável ao transportador e sem mani­ festação do remetente, poderá aquele depositar a coisa em juízo, ou vendê-la, obedecidos os preceitos legais e regulamentares, ou os usos locais, depositando o valor.

Art. 753

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§ 2? Se o impedimento for responsabilidade do transportador, este poderá depositar a coisa, por sua conta e risco, mas só poderá vendê-la se perecível. § 3- Em ambos os casos, o transportador deve informar o remetente da efetivação do depósito ou da venda. § 4- Se o transportador mantiver a coisa depositada em seus próprios armazéns, con­ tinuará a responder pela sua guarda e conservação, sendo-lhe devida, porém, uma remune­ ração pela custódia, a qual poderá ser contratualmente ajustada ou se conformará aos usos adotados em cada sistema de transporte. HISTÓRICO • Este artigo corresponde ao art. 759 do Projeto de Lei n. 634/75; na primeira fase de tramitação do projeto, na Câmara dos Deputados, por subemenda do relator-geral, Deputado Ernani Sátyro, "condutor" foi substituído por "transportador"; onde estava "mas não poderá vendê-la, se pere­ cível", ficou: "mas só poderá vendê-la se perecível", e foi acrescentado o § 4a; no Senado, trocou-se "preço" por "valor", no § 1o. • Não há similar no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Pode ocorrer o caso de, após ter sido entregue a mercadoria ao transportador, o transporte nào poder ser feito ou sofrer longa interrupção. P. ex.: se a rodovia está obstruída; se houve suspensão do tráfego ferroviário; se num trecho do itinerário está havendo uma conturbaçâo, uma revolução; se um furacão se aproxima do lugar em que terá de passar o navio etc. • Em qualquer hipótese, o transportador deverá, incontinenti, solicitar instruções ao remeten­ te, e zelará pela coisa, persistindo sua responsabilidade com relação ao perecimento ou de­ terioração daquela, salvo força maior. • Perdurando o impedimento, sem que haja culpa do transportador, e não havendo manifes­ tação do remetente, que, solicitado, nào deu instrução alguma, poderá o transportador sair do impasse depositando a coisa em juízo, ou vendendo-a, obedecidos os preceitos legais e regulamentares, ou os usos locais, depositando o valor. A possibilidade de ser alienada a coisa transportada é uma importante inovação deste Código, que tem sido recebida com alguma preocupação. Trata-se de uma atitude extrema, que deve observar os princípios da probidade e boa-fé, além da proporcionalidade, da razoabilidade. • A referência aos "usos locais" é sintomática. 0 contrato de transporte de coisas tem sido regulado na legislação comercial, que, como atesta Rubens Requião, mantém, tradicional­ mente, o prestígio dos usos e costumes com o regra subsidiária de suas normas (Curso de direito comercial, 18. ed., São Paulo, Saraiva, v. 1, n. 17, p. 27). • M as o impedimento pode ser por fato imputável ao transportador (p. ex., por falta de m anu­ tenção, apresentou defeito o sistema hidráulico da carreta), e ele poderá depositar a coisa, por sua conta e risco, mas só poderá vendê-la - observado o § 1o - se for perecível. • Em ambos os casos (§§ 1o e 2o), o transportador deve informar o remetente da efetivação do depósito ou da venda. • 0 § 4® prevê o caso de o transportador manter a coisa depositada em seus próprios armazéns, e continuará a responder por sua guarda e conservação, sendo-lhe devida, porém, uma re­ muneração pela custódia, a qual poderá ser contratualmente ajustada ou se conformará aos usos adotados em cada sistema de transporte (terrestre, aéreo, aquaviário). • Com o se sabe, a unidade básica e principal de articulação, nas leis, é o artigo. 0 parágrafo é um desdobramento, uma divisão, uma disposição secundária. Entre artigo e parágrafo há uma relação de principal e acessório. Ora, o § 4o está subordinado ao caput, que prevê a hipótese

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Zeno Veloso

Arts. 754 e 755

de o transporte nào poder ser feito ou sofrer longa interrupção. Se o impedimento ocorrer sem motivo imputável ao transportador (§ 1o), e se este mantém a coisa em seus próprios armazéns, é justo que receba remuneração pela custódia. Porém, se o impedimento for res­ ponsabilidade do transportador, nào tem sentido que ainda vá cobrar pela guarda e conser­ vação da mercadoria, e, neste caso, aplica-se o § 2°: o transportador poderá depositar a coisa, por sua conta e risco.

Art. 754. As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as re­ clamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos. Parágrafo único. No caso de perda parcial ou de avaria não perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega. H IS T Ó R IC O • Este artigo corresponde ao art. 760 do Projeto de Lei n. 634/75; no Senado, para melhorar a lin­ guagem, foi apresentada a emenda n. 386-R, do Senador Josaphat Marinho, e, na última fase de tramitação do projeto, na Câmara, parte do artigo foi desdobrada, transformando-se em parágra­ fo único. • Não há paralelo no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Terminada a viagem, as mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apre­ sentar o conhecimento endossado (art. 744), e quem as receber deve conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos. • Pode ocorrer, todavia, que, no ato de entrega e conferência, não tenha sido verificada perda parcial ou avaria, até porque não seria possível percebê-las à primeira vista. Conserva o des­ tinatário sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega; trata-se de prazo de decadência.

Art. 755. Havendo dúvida acerca de quem seja o destinatário, o transportador deve depositar a mercadoria em juízo, se não lhe for possível obter instruções do remetente; se a demora puder ocasionar a deterioração da coisa, o transportador deverá vendê-la, deposi­ tando o saldo em juízo. H IS T Ó R IC O • Este artigo corresponde ao art. 761 do Projeto de Lei n. 634/75. • Não há similar no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Pode chegar a mercadoria ao destino e haver dúvida acerca de quem seja o destinatário. 0 transportador deve depositar a mercadoria em juízo, se não lhe for possível obter instruções do remetente. Se a demora puder ocasionar a deterioração da coisa, o transportador deverá vendê-la - obedecidos os preceitos legais e regulamentares, é claro - , depositando o saldo em juízo.

Arts. 756 e 757

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Art. 756. No caso de transporte cumulativo, todos os transportadores respondem soli­ dariamente pelo dano causado perante o remetente, ressalvada a apuração final da respon­ sabilidade entre eles, de modo que o ressarcimento recaia, por inteiro, ou proporcionalmen­ te, naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano. H IS T Ó R IC O • Este artigo corresponde ao art. 762 do Projeto de Lei n. 634/75. • Nâo há paralelo no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • No transporte cumulativo (art. 733) a responsabilidade dos transportadores - “todos os transportadores" - pelo dano causado é solidária, mas este artigo ressalva a apuração final da responsabilidade entre eles, de modo que o ressarcimento (indenização pelo prejuízo) recaia, por inteiro, ou proporcionalmente, naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano.

C ap ítu lo XV — DO SEGURO

Seção I — Disposições gerais Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada. H IS T Ó R IC O • A redação é a mesma do projeto. 0 caput do presente artigo corresponde ao art. 1.432 do CC de 1916, com melhoria redacional. No mais, é introduzido parágrafo único ao dispositivo. D O U T R IN A • A norma oferece um conceito preciso ao dizer tratar-se o contrato de seguro daquele pelo qual uma pessoa (segurador) se obriga para com outra (segurado), mediante o pagamento de um prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado pelo que venha a sofrer pessoa ou coisa resultante de riscos futuros, incertos e predeterminados com o objeto do seguro, am ­ pliando, afinal, a substância conceituai fornecida pelo art. 1.432 do CC de 1916. A crítica da doutrina, em embate ao antigo dispositivo, situou-se no fato de este conter uma visão parcial do seguro, circunscrevendo-o à indenização do prejuízo, o que implicava apenas seguro de dano, não abrangendo o seguro de vida. • 0 seguro de coisas tem origem remota, nos cam inhos e dunas do antigo Extremo Oriente, durante as rotas de caravanas dos cameleiros, que. entre si, pactuavam em quotas a eventu­ al cobertura por perda de seus animais, durante as longas viagens. Tal prática também foi difundida pelos navegantes hebreus e fenícios, em torno de um "pacto de reposição" das embarcações perdidas nas empresas marítimas de ousadia e perigo. Seguiram -se novos ex­ perimentos de concessões de empréstimos com o garantias de viagens e transportes marítimos,

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Art. 758

operações de natureza especulativa proibidas em 1243 pelo Papa Gregório IX. A forma con­ tratual do seguro, tal com o é conhecida, ocorreu em 1374, conforme ata lavrada no Arquivo Nacional de Gênova. • O parágrafo único determina que o segurador seja entidade constituída e autorizada para a atividade securitária, com o já dispunha o § 1o do art. 20 do CC de 1916, e, ao depois, o De­ creto-Lei n. 2.063/40 e, mais recentemente, a Constituição Federal de 1988 (art. 192, II), mediante a EC n. 13/96. Anote-se que, antes da codificação civil, o Decreto n. 5.072, de 1903, já impunha uma prévia autorização ao funcionam ento das companhias de seguro. Em cote­ jo histórico, percebe-se que a exploração da atividade securitária era de prática exclusiva de particulares, até que em 1692, em Londres, Edward Uoyd fundou o "Lloyd's Coffee", ali or­ ganizando uma bolsa de seguros marítimos. No Brasil, a primeira seguradora surgiu com a vinda da Corte Imperial portuguesa (1808), fundando-se na Bahia a Companhia de Seguros Boa-Fé, com a disciplina legal regida pelas Regulações da Casa de Seguros de Lisboa, editadas em 1791. E N U N C I A D O S D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L -

C JF

• Enunciado 185, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas de previdência privada, que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas, não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão". • Enunciado 370, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Nos contratos de seguro por adesão, os riscos predeterminados indicados no art. 757, parte final, devem ser interpretados de acordo com os arts. 421,422,424, 759 e 799 do Código Civil e 1o, inc. III, da Constituição Federal". SÚ M U LAS • Súmula 229 do STJ: " 0 pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão" (ver art. 206, § 1o, II). • Súmula 101 do STJ: "A ação de indenização do segurado em grupo contra a seguradora prescreve em um ano". JU LG ADO • "0 contrato de seguro, típico de adesão, deve ser interpretado, em caso de dúvida, no interesse do segurado e dos beneficiários" [RT, 603/94).

Art. 758. 0 contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio. H IS T Ó R IC O • 0 presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto, para melhorar a linguagem. A redação do anteprojeto, elaborado pelo Prof. Agostinho de Arruda Alvim, era a seguinte: " 0 contrato de seguro prova-se com a exi­ bição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na sua falta, por outro documento". A nova redação proposta eliminou a referência, de todo inconveniente, à prova do contrato de seguro por "outros meios de direito". 0 bilhete de seguro é instrumento bastante satisfatório para a ampliação e simplificação das operações. 0 "certificado" deverá ser objeto de normas de nivel regulamentar ou de prescrições da apólice ou do bilhete. Não é o instrumento, mas a simples confirmação da existência do seguro. • 0 Código Civil de 2002 tratou da regra prevista no art. 1.433 do CC de 1916 em dois dispositivos, quais sejam os arts. 758 e 759. Com relação ao aqui examinado, a inovação por ele trazida pro-

Art. 759

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porciona maior facilidade ao segurado de comprovar, se necessário, a celebração do contrato de seguro.

DOUTRINA • A lei obriga, para aperfeiçoar o contrato de seguro, a existência de docum ento escrito, fato que o evidencia como contrato formal. Acentua Maria Helena Diniz: "a forma escrita é exi­ gida para a substância do ato”. O CC de 2002 racionaliza a prova do seguro prevendo eficien­ te docum ento comprobatório do pagam ento do prêmio com o instrum ento de prova da existência do contrato, na falta da apólice ou do bilhete do seguro. Assim, a apólice, reco­ nhecida pelos doutrinadores como o docum ento que manifesta o contrato de seguro, não é o único instrumento hábil para atestar a efetiva realização do negócio e, por conseguinte, não mais depende de o segurador remetê-la ao segurado para somente então ter-se por perfeito tal contrato, com o dispunha o art. 1.433 do CC de 1916, que a considerava como instrumento substancial do referido contrato. A jurisprudência de há muito corrigiu tal exi­ gência, a exemplo de precedente precursor citado por Silvio Rodrigues (STF, RT, 167/364).

JULGADOS • “Já decidiu a Corte que, não havendo dúvida sobre a existência do contrato de seguro, é de ser permitida a execução, e a matéria de defesa da seguradora deve ser examinada na ação de em­ bargos" (STJ, 3* T., REsp 242.329/PR, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ, 5-3-2001). • “A proposta de contrato de seguro de acidentes pessoais assinada pelo representante da segura­ dora, a que se soma o recebimento dos prêmios, é título executivo. Execução promovida pela beneficiária. Recurso especial conhecido e provido, para julgar improcedentes os embargos da seguradora" (STJ, 4* T., REsp 259.798/BA, Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ, 18-12-2000).

Art. 759. A emissáo da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declara­ ção dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto, para melhorar a linguagem. A redação do anteprojeto, elaborado pelo Prof. Agostinho de Arruda Alvim, era a seguinte: "A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita do segurado, com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido, e do risco". 0 Código Civil de 2002 suprimiu a expressão "do segurado", objetivando eliminar qualquer obstáculo à ampliação do mercado e facilitar o acesso dos segurados a este por meios indiretos, alguns dos quais já previstos nas normas vigentes. Corresponde ao art. 1.433 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 presente artigo configura desdobramento natural do antecedente, em que o contrato de seguro exige a forma escrita para obrigar as partes, e explicita a necessidade das disposições concernentes ao interesse a ser garantido pelo contrato e os riscos assumidos pela segura­ dora. Sem dúvida que os limites do contrato estarão na conformidade da avença pactuada, a definir os elementos essenciais do objeto do seguro, a saber, a espécie do sinistro, os inte­ resses a acobertar, os bens, as responsabilidades e obrigações, os valores de pagamento do prêmio e do seguro, os direitos e garantias, os riscos assum idos etc. • A proposta é o elemento informador prévio, que serve como declaração de vontade do segu­ rado em face do segurador e revela, com o pagamento do prêmio, ou seja, a quantia paga

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Arts. 760 e 761

pelo segurado (ou estipulante) em troca da transferência de risco, a completude contratual necessária para os efeitos jurídicos daí decorrentes. Tudo isso diz respeito, inclusive, a uma futura execução do contrato, objetivando garantir o interesse legítimo do segurado. Por isso que se reconhece, p. ex., abusiva a prática da seguradora de, incluído na apólice um valor sobre o qual o segurado paga o prêmio, pretender, posteriormente, indenizar este último por valor a menor, correspondente ao preço de mercado do bem, estipulado pela própria segu­ radora. Nesse sentido tem sido o posicionamento do STJ: REsp 176.890/MG, 4* T., Rei. Min. Waldemar Zveiter, DJ, 19-2-2001. JU LG ADO • “0 dano pessoal coberto pela apólice de seguro necessariamente compreende o dano moral, pois este é espécie de dano pessoal" (STJ, REsp 290.934/RJ, 4» T., Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ, 2-4-2001).

Art. 760. A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário. Parágrafo único. No seguro de pessoas, a apólice ou o bilhete não podem ser ao por­ tador. H IS T Ó R IC O • A redação é a mesma do projeto. Compreende as regras dos arts. 1.434, 1.447 e caput do 1.448 do CC de 1916 em um único dispositivo. D O U T R IN A • Com o instrumentos hábeis do seguro, a apólice e o bilhete devem conter o pacto por inteiro, dispondo sobre as condições em que se form ou o contrato, consignando os riscos assumidos, o período de validade da cobertura e o seu respectivo limite, bem como o valor a ser pago pelo segurado, que se denomina “prêmio", e, ainda, conforme a espécie, nom inando o segu­ rado e o beneficiário do seguro. A exposição circunstanciada colima em definir a responsa­ bilidade da seguradora e os interesses protegidos pelo contrato. • Dizem-se nominativas as apólices que identificam nominalmente a seguradora e o segurado, e, ainda, o terceiro beneficiário, quando existente; figurando aquele que contrata em favor deste último com o estipulante. Desde que autorizado o contrato, são transferíveis por cessão do direito. Apólices à ordem são as que operam a transmissibilidade pela forma do endosso. Consideram-se apólices ao portador, quando produzem os seus efeitos em favor de quem as detenha, por transferência informal. Nesse particular, o parágrafo único da norma em exame veda tal espécie de apólice quando se refira a seguro de pessoa, o que repete a parte final do caput do art. 1.447 do CC de 1916.

Art. 761. Quando o risco for assumido em cosseguro, a apólice indicará o segurador que administrará o contrato e representará os demais, para todos os seus efeitos. H IS T Ó R IC O • A redaçào é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

Arts. 762 e 763

Jones Figueirêdo Alves

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D O U T R IN A • Diz-se cosseguro a operação pela qual o mesmo risco de determinado segurado em um úni­ co contrato é repartido entre duas ou mais empresas seguradoras, dele resultando a apólice que indicará, dentre elas, a seguradora líder que atuará na administração do contrato e re­ presentará as demais. Essa distribuição do risco, em parcelas de responsabilidade assumidas, representa hoje uma prática comum no mercado, diante de valores extremamente elevados de diversos seguros, como o do World Trade Center, que congregou um grupo de grandes empresas seguradoras. • "N os casos de cosseguro é permitida a emissão de uma única apólice, cujas condições valerão integralmente para todas as cosseguradoras" (José Náufel, N ovo dicionário jurídico brasilei­ ro, 7. ed., São Paulo, Parma, 1984, p. 389).

Art. 762. Nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do se­ gurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro. H IS T Ó R IC O • A redação é a mesma do projeto. 0 reportado dispositivo corresponde ao a rt 1.436 do CC de 1916. 0 Código Civil de 2002 empregou melhor doutrina ao substituir a expressão "atos ilícitos" por "ato doloso". D O U T R IN A • 0 que aqui se trata diz respeito à juridicidade do objeto, isto é, do risco a que se refira o contrato, pois nâo se poderá cogitar que tal risco advenha de operações ilícitas, com o as de contrabando, como exemplifica, oportunamente, Maria Helena Diniz, ao tratar da liceidade do requisito objetivo do seguro. • 0 Código Civil de 1916 determina expressamente, em seu art. 1.436, que nulo será o contra­ to de seguro quando o risco, de que se ocupa, resulte de atos ilícitos do segurado, do bene­ ficiado pelo seguro, ou dos representantes e prepostos, quer de um, quer do outro. Entretan­ to. a jurisprudência a ele fez inúmeras restrições ao admitir a responsabilidade da segurado­ ra ao pagamento da indenização no caso de mera culpa do segurado, o que difere do dolo, em que há a vontade consciente de se obter o resultado nefasto. Lembre-se da ponderação de Silvio Rodrigues, quando afirma: "Isso ocorre sistematicamente a respeito de seguro de acidente de automóveis, onde não se exclui da abrangência do negócio aquelas indenizações resultantes de culpa leve do segurado, como ocorre em outros casos de responsabilidade civil". Agora, a matéria coloca-se pacificada, tornando certo que somente o ato doloso, uma vez reconhecido, será causa de nulidade do contrato. JU LG AD O • "Na linha da orientação firmada por este Tribunal, a culpa grave ou dolo de preposto na ocorrên­ cia de acidente de trânsito não é causa de perda do direito ao seguro, por não configurar agra­ vamento do risco, previsto no art. 1.454 do Código Civil, que deve ser imputado à conduta direta do próprio segurado, no caso a empresa segurada" (STJ, 4'T., REsp 189.009/SP, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ, 14-2-2000).

Art. 763. Não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamen­ to do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação.

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Jones Figueirêdo Alves

Art. 763

HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 levantamento da mora pelo segurado inadimplente ao pagamento de parcela do prêmio, antes do sinistro, constitui, pela dicção legal, pressuposto necessário para que venha a segu­ radora a responder pela cobertura securitária. Acaso ocorra o sinistro, estando em mora o segurado, este nào terá direito, em princípio, a qualquer indenização, porque no aludido período resultou sobrestado o contrato em seus efeitos ante a superveniência da mora, libe­ rando, temporariamente, a seguradora da responsabilidade pelos riscos assumidos. É o que agora dita claramente a norma, quando antes tratou o CC de 1916 apenas da hipótese de falência ou interdição do segurado, estando em atraso nos prêmios (art. 1.451). • A jurisprudência tem oferecido soluções divergentes. Vejamos: 1. “Se não for paga a última parcela do prêmio o seguro caduca. 0 pagamento da indenização depende do pagamento do prêmio devido, antes do sinistro" [RT, 488/119); 2. “Nos contratos de seguro, a cláusula con­ tratual prevendo a perda do direito à indenização pelo atraso ou falta de pagamento do prêmio, mormente se inadimplidas apenas as duas últimas prestações, é abusiva e iníqua. Pois coloca o segurado em admissível desvantagem, uma vez que lhe acarreta a perda total da cobertura securitária, embora a seguradora tenha recebido a quase totalidade do valor do prêmio" [RT, 773/254), a saber, ademais, reconhecido, o efeito retrooperante de reabilitação da apólice, quando satisfeitos os juros moratórios no prazo de tolerância usualmente conce­ dido pela seguradora, nào implicando, daí, a sua caducidade. • Em julgado paradigma, o STJ assim se posicionou: "Seguro. Inadimplemento da segurada. Falta de pagamento da última prestação. Adimplemento substancial. Resolução. A companhia seguradora não pode dar por extinto o contrato de seguro, por falta de pagamento da última prestação do prêmio, por três razões: a) sempre recebeu as prestações com atraso, o que estava, aliás, previsto no contrato, sendo inadmissível que apenas rejeite a prestação quando ocorra o sinistro; b) a segurada cumpriu substancialmente com a sua obrigação, não sendo a sua falta suficiente para extinguir o contrato; c) a resolução do contrato deve ser requeri­ da em juízo, quando possível será avaliar a importância do inadimplemento, suficiente para a extinção do negócio" (STJ, 4» T., REsp 76.362/MT, Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ, 1fl- 4 1996). Nesse julgado foi sustentada a aplicação do adimplemento substancial, definido pelo Prof. Clóvis do Couto e Silva com o “um adimplemento tão próximo do resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo tão-somente o pedido de indenização e/ou de adimplemento, de vez que aquela primeira pre­ tensão viria a ferir o principio da boa-fé" (apud Anelise Becker, A doutrina do adimplemento substancial no direito brasileiro e em perspectiva comparativista, Revista da FDUFRS, 9-1/60, 1993). Em conseqüência, admitiu-se procedente o direito da segurada à indenização, dedu­ zido o valor do prêmio em atraso, com juros e correção monetária. • Pois bem: na esteira desse julgado, é de entender cabível, mesmo com o advento do disposi­ tivo em comento, a impossibilidade da resolução do contrato, quando reiterado o exercício da seguradora em receber as prestações com atraso e/ou reconhecida a insignificância do inadimplemento em cotejo da parte substancialmente atendida pelo segurado. De tal sorte, o direito de o segurado ser credor da prestação da cobertura securitária, preponderando, em seu favor, o princípio do adimplemento substancial e descabendo a resolução. Com a palavra os doutos e os pretórios.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 376, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “Para efeito de aplicação do art. 763 do Código Civil, a resolução do contrato depende de prévia interpelação".

Arts. 764 e 765

Jones Figueirêdo Alves

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• Enunciado 371, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “A mora do segurado, sendo de escassa importância, não autoriza a resolução do contrato, por atentar ao principio da boa-fé objetiva".

DIREITO PROJETADO • 0 Projeto de Lei n. 7.312, de 7-11-2002, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza, que está arquiva­ do, apresentava nova redação ao dispositivo: Art. 763. Não terá direito o indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação, desde que o segurado tenha sido intimado, por escrito, para tanto. • Alinha-se o parlamentar às advertências feitas pela jurisprudência e assinaladas em nosso estudo, ao reconhecer que "o Superior Tribunal de Justiça vem repetidamente mitigando os efeitos da mora do segurado no pagamento do prêmio, para fins de pagamento da indenização". Sustenta, daí, o seu entendimento no sentido de que "a exigência da constituição em mora é necessária para alertar ao segurado da iminência da perda da cobertura securitária e permitir a eventual purgação".

Art. 764. Salvo disposição especial, o fato de se não ter verificado o risco, em previsão do qual se faz o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.452 do CC de 1916.

DOUTRINA • " 0 seguro é contrato aleatório, porque o ganho ou a perda está na dependência da verifica­ ção do risco (...). Basta a possibilidade de sua verificação para que o prêmio seja devido" (José Lopes de Oliveira, Contratos, Recife, Livrotécnica, 1978, p. 251). Por isso, nào pode o segura­ do esquivar-se de efetuar o pagamento do prêmio sob a alegação de que o risco previsto na apólice nào se verificou. "É ele credor de dívida condicional, mas devedor de dívida certa" (Orlando Gomes, Contratos, Rio de Janeiro, Forense, 1959, p. 441). • 0 Código Civil de 2002 substituiu a expressão "observadas as disposições especiais do direito marítimo sobre o estorno", prevista na parte final do art. 1.452 do CC de 1916, por "salvo disposição especial". Na realidade, o escólio dgutrinário já defendia a tese da desnecessidade de referência às normas de direito marítimo. É que, com o bem assinala José Lopes de Olivei­ ra ao citar o pronunciamento de João Luís Alves, "legislando sobre direito civil, nenhuma alteração comportaria o Código sobre as disposições do direito marítimo" (Contratos, Recife, Livrotécnica, 1978, p. 251).

Art. 765.0 segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circuns­ tâncias e declarações a ele concernentes. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.443 do CC de 1916, com pequena melhoria de redação.

DOUTRINA • 0 dispositivo provém da essência do art. 422, propagado por todo o Código. 0 princípio da mais estrita boa-fé (bona fidei negotia - CC de 1916, art. 1.443), assim com o as regras que

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Art. 765

o disciplinam, deve reger o pactuado pelas partes. A omissào de circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta, por falta do dever de veracidade, infringe a fase das tratativas, por culpa in contraendo, integrada magistralmente por Jhering na seara da responsa­ bilidade contratual. Desse modo, exige-se do segurado e do segurador um comportamento adequado a inspirar legítima e razoável confiança para a validade do contrato, agindo com boa-fé, lealdade e veracidade; e uma atuação permanente de probidade no especial interes­ se de preservar o contrato em sua firmeza obrigacional. • Judith Martins-Costa, com percuciente estudo da responsabilidade pré-negocial, em obra clássica sobre a boa-fé (A boa-fé no direito privado - sistem a e tópica no processo obriga­ cional, Sào Paulo, Revista dos Tribunais, 1999), aponta que os fatos indutores dessa respon­ sabilidade situam -se em fase antecedente à celebração contratual, e, pela sua relevância no iter contractus, tais relações de trato haverão de exigir uma conduta pré-contratual ponti­ ficada pela boa-fé. Realça, com farto escólio doutrinário, citando F. Benatti, que "a relação dirigida à conclusão de um negócio torna-se fonte da obrigação de comportar-se com boa-fé no momento em que surge para uma ou para cada uma das partes confiança objetiva na outra”. Assim, diante do elemento da "confiança legitima" e de sua vulneraçào, verificamos, com a notável mestra, incluídos ”os casos de dano decorrentes de informações falsas ou in­ suficientes acerca do objeto do contrato", o que representa a quebra de um dever jurídico, o de informação, “em razão do contrato a celebrar". Ora, o princípio da boa-fé permeia toda a construção dinâmica do contrato, importando, por isso, também considerá-lo nos âmbitos produtivos da responsabilidade pré-negocial e da pós-execuçào contratual, nada justifican­ do que a norma em comento limite-se à conclusão e execução do contrato. • Em atenção ao comentado no art. 422, e por identidade substancial com aquela norma, impõe-se o aperfeiçoamento do presente dispositivo, a considerar a probidade e a boa-fé em todo o sistema contratual, nele incluídas as fases preparatória e pós-executória. JU LG AD O S • "Seguro de assistência médico-hospitalar. Plano de assistência integral (cobertura total), assim nominado no contrato. As expressões 'assistência integral’ e ‘cobertura total' são expressões que têm significado univoco na compreensão comum e não podem ser referidas num contrato de seguro, esvaziadas do seu conteúdo próprio, sem que isso afronte o principio da boa-fé nos ne­ gócios" (STJ, 3* T., REsp 264.562/SE, Rei. Min. Ari Pargendler, DJ, 13-8-2001). • "Plano de saúde. Limite temporal da internação. Cláusula abusiva. 1. É abusiva a cláusula que li­ mita no tempo a internação do segurado, o qual prorroga a sua presença em unidade de trata­ mento intensivo ou é novamente internado em decorrência do mesmo fato médico, fruto de complicações da doença, coberto pelo plano de saúde. 2. 0 consumidor nào é senhor do prazo de sua recuperação, que, como é curial, depende de muitos fatores, que nem mesmo os médicos são capazes de controlar. Se a enfermidade está coberta pelo seguro, não é possível, sob pena de grave abuso, impor ao segurado que se retire da unidade de tratamento intensivo, com o risco severo de morte, porque está fora do limite temporal estabelecido em uma determinada cláusula. Não pode a estipulação contratual ofender o principio da razoabilidade, e, se o faz, comete abusividade vedada pelo art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor. Anote-se que a regra protetiva, expressamente, refere-se a uma desvantagem exagerada do consumidor e, ainda, a obri­ gações incompatíveis com a boa-fé e a equidade. 3. Recurso especial conhecido e provido" (STJ, 3*T., REsp 158.728/RJ, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ, 17-5-1999). • Em magistral sentença proferida pelo magistrado pernambucano Jorge Américo Pereira de Lyra, no Proc. 00197049203-1, da 9» Vara Civel da Comarca do Recife, repelindo fraude em seguro e referida pela doutrina como paradigmática, foi elaborada a seguinte ementa: "Direito Civil e Processual. Seguro de Vida. Embargos do devedor. Fraude à lei flagrantemente configurada. Nulidade da apólice com o conseqüente provimento da ação incidental. I. A prova da fraude se faz por todos os meios permitidos em direito, admitindo-se mesmo sua evidência em face de indícios e presunções, tanto bastando o prejuízo ocasionado a outrem pela prática do ato ocul­

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to ou enganoso. II. 0 contrato de seguro é, sobretudo, um contrato de 6oo-fé(art. 1.443 do Cód. Civ.), pois, por exigir uma conclusão rápida, requer que o segurado (embora a boa-fé seja também exigida do segurador) tenha uma conduta sincera e leal em suas declarações a respeito do seu conteúdo e dos riscos, sob pena de receber sanções se proceder com má-fé, em circunstâncias em que o segurador não pode fazer as diligências recomendáveis à sua aferição, como vistorias ou exames médicos, fiando-se apenas nas afirmações do segurado, que por isso deverão ser verdadeiras e completas, nào omitindo fatos que possam influir na aceitação do seguro. III. Des­ tarte, ilaqueada a boa-fé, em decorrência de manobras ilícitas do beneficiário da apólice, dai resulta, ipso iure, por força da fraude à lei, a nulidade do contrato de seguro. IV. Pedido a que se dá provimento". Na decisão, pronunciou o seguinte:'(...) como atesta o painel probatório, o se­ gurado, que se mantinha às custas do 'conserto de selas e arreios de cavalos', com renda mensal presumível de R$ 60,00 (sessenta reais), conforme relato das testemunhas, era, irrecusavelmente, pessoa de modestíssimas posses, que vivia abaixo da linha da pobreza absoluta, sendo-lhe, por isso mesmo, impossível desincumbir-se da contraprestação (prêmio) convencionada no contrato, fixada em torno de R$ 122,62 (cento e vinte e dois reais e sessenta e dois centavos) por mês". E mais adiante, acentua: "Por tudo isso, é inevitável concluir, acolhendo, desde logo, o primeiro dos fundamentos objetivos da demanda, que a boa-fé do contrato foi ilaqueada por manobras do beneficiário da apólice: o nome do segurado - em verdade um mísero alcoólatra que vivia da misericórdia alheia - foi sempre utilizado por aquele, em manobras ilícitas, com o evidente propósito de auferir cada vez mais vantagens indevidas. Primeiro quando contratara operação de mútuo rural em nome do segurado, sabido que o crédito advindo do financiamento revertia sempre no único proveito do embargado (beneficiário); segundo quando, igualmente em mani­ festa fraude à lei, contando, mais uma vez, com a indispensável colaboração de ex-gerente ad­ junto da agência (...) que posteriormente viria a ser demitido por justa causa, em razão dessa e de outras irregularidades, firmou o contrato de seguro sob exame, nos valores máximos permi­ tidos. 18. Mas não é só, conquanto já seja mais do que o bastante para o deslinde da pendenga. Ora, cuidando que a responsabilidade civil distingue-se da responsabilidade penal e é apurável segundo um regime de prova diverso (no crime, qualquer presunção, por mais veemente que seja, não autoriza a imposição de pena), tenho que, em face das provas, indícios e presunções que emergem fartamente dos autos, o beneficiário foi o causador da morte do segurado, razão por que, acolhendo, no particular, também, o segundo dos fundamentos objetivos da ação incidental, não poderá receber a soma estipulada, visto que não poderá fundar seu direito em crime que dolosamente cometeu e por se considerar nâo verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveitará o seu implemento".

DIREITO PROJETADO • Em face do acima exposto, apresentamos ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão para alterar este texto, acolhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002, e agora reproduzida pelo PL n. 699/2011: Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar, assim nas negociações preli­ minares e conclusão do contrato, como em sua execução e fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido. Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. 0 dispositivo sob exame unificou os arts. 1.444 e 1.445, ambos do Código Civil de 1916.

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Art. 766

• 0 art. 1.445 do CC de 1916 previa que, quando o segurado contratasse o seguro mediante pro­ curador, também este se faria responsável ao segurador pelas inexatidões, ou lacunas, que pu­ dessem influir no contrato. 0 eseólio doutrinário já criticava a má redaçào desse dispositivo, avaliando que a inserção do pronome “este" sugeria referir-se ao procurador, atribuindo-lhe responsabilidade pelas inexatidões, quando o principio jurídico exato seria, porém, a responsabi­ lidade do próprio segurado pelas inexatidões cometidas pelo seu representante, conforme obser­ vou Washington de Barros Monteiro (Curso de direito civil: direito das obrigações, 4. ed., Sâo Paulo, Saraiva, 1965, v. 2, p. 357). 0 Código Civil de 2002 sanou essa imperfeição, substituindo toda a obscuridade do art. 1.445 do CC de 1916 pela clareza do atual art. 766.

DOUTRINA • 0 dispositivo estabelece preceito sancionatório em face do inadimplemento ao dever de veracidade referido pelo artigo anterior. Na análise de sua teleologia, W ashington de Barros M onteiro (Curso de direito civil; direito das obrigações, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2, p. 357) considera que, na hipótese, "o legislador só comina pena para o segurado, porque este é que tem maior possibilidade de burlar o dever de veracidade e boa-fé, inerentes ao contra­ to. Se a dobrez e a m á-fé promanam do segurador, poderá o segurado pleitear a anulação do seguro; se do segurado, com o é mais freqüente, a conseqüência é também a nulidade, res­ pondendo pelo prêmio vencido". A norma dimana do principio da boa-fé. 0 caráter doloso das assertivas infundadas feitas pelo segurado na formação do contrato é punido pela perda do direito à garantia, obrigando-se, ainda, ele a pagar o prêmio ajustado. Desse modo, a má-fé somente ocorre, para os efeitos previstos neste artigo, operando a resolução do contrato e a sonctio juris, quando o segurado, ao fazer as declarações, omite-se de caso pensado, vi­ ciando, por conseguinte, o contrato. • Entretanto, se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de m á-fé do segurado, o segurador terá direito de resolver o contrato, caso o risco ainda não se tenha verificado, ou de cobrar, mesmo após a ocorrência do sinistro, a diferença do prêmio.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 372, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “Em caso de negativa de cober­ tura securitária por doença preexistente, cabe à seguradora comprovar que o segurado tinha conhecimento inequívoco daquela".

JULGADOS • "Direito civil. Apelação cível. Embargos à execução. Contrato de seguro de vida. Doença preexis­ tente. Cláusula de exclusão de cobertura. Má-fé da contratante. Causa impeditiva de indenização. Improvimento do apelo. Decisão unânime. 01. A omissão nas informações prestadas pela segura­ da, quanto ao seu real estado de saúde, no momento de celebração de contrato de seguro de vida, é causa impeditiva do direito ao recebimento do seguro pelo beneficiário, consoante preceituado no art. 766 do Código Civil pátrio. 02. Demonstrado o nexo de causalidade entre a morte da se­ gurada e a doença anterior, cuja informação foi sonegada à seguradora, torna-se indevida a pretendida cobertura indenizatória. 03. À unanimidade de votos, negou-se provimento ao recur­ so de apelação" (TJPE, 4*Câm. Civ., Rei. Des. Jones Figueirêdo Alves, AC 118.240-1, j. em 17-5-2007). • "Civil e processual. Seguro. Ação que postula cobertura indenizatória por morte de segurado. Óbito ocorrido logo após a contratação. Má-fé reconhecida pelas instâncias ordinárias. Omissão patente na declaração sobre o estado de saúde. Internação anterior. Matéria de fato. Súmula n. 7-STJ. I. Patenteada a deliberada omissão do segurado quanto à grande precariedade de seu es­ tado de saúde quando da contratação, ocorrendo o óbito poucos dias após, torna-se indevida a pretendida cobertura indenizatória, pelo reconhecimento da má-fé. II. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial - Súmula n. 7-STJ. III. Recurso especial não conhe­ cido" (REsp 617.287/PR, 4* T., Rei. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ, 14-11-2005).

Arts. 767 e 768

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• "Para que incida o disposto no a rt 1.444 do Código Civil, necessário que o segurado tenha feito declarações inveridicas quando poderia fazê-las verdadeiras e completas. E isso nâo se verifica se não tiver ciência de seu real estado de saúde" (STJ, 3» T., AGA 3.727/SP, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, DJ, 20-8-1990). • "A má-fé não se pressupõe. Deve resultar plenamente demonstrada pela prova dos autos, na dú­ vida o segurador responde pela obrigação" [RT, 585/127).

Art. 767. No seguro à conta de outrem, o segurador pode opor ao segurado quaisquer defesas que tenha contra o estipulante, por descumprimento das normas de conclusão do contrato, ou de pagamento do prêmio. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.464 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 estipulante, com o sabido, é aquele que contrata o seguro por conta de terceiros. Assume, eventualmente, a qualidade de beneficiário e equipara-se ao segurado nos contratos obriga­ tórios ou de mandatário do segurado nos seguros facultativos. Segundo a dicção do Decreto-Lei n. 73, de 21-11-1996, "nos casos de seguros legalmente obrigatórios, o estipulante equipara-se ao segurado para todos os efeitos de contratação e manutenção do seguro" (art. 21), e "nos seguros facultativos o estipulante é mandatário dos segurados" (§ 2a do art. 21). Evidente que, agindo o estipulante em atenção de terceiro, nessa espécie de seguro à conta de outrem, o segurador poderá opor ao segurado beneficiário os meios de defesa que contra o próprio estipulante do segurado tenha a produzir. • Com idênticos caracteres, recolhe-se a ensinança do permanente João Luís Alves: “Com o o devedor, na cessão de crédito, em relação ao cessionário, o segurador pode opor ao sucessor ou representante do segurado todos os meios de defesa que contra aquele lhe competiam, porque afetam a própria validade do contrato de seguro. Assim, pode opor o dolo do segu­ rado, o excessivo valor dado à coisa, o nào pagamento dos prêmios no prazo estipulado, ou no de graça, a existência de outro seguro pelo valor total da coisa, a agravaçào dos riscos, a falta de comunicação imposta pelo art. 1.455 (do CC de 1916), etc.” (Código Civil da Repú­ blica dos Estados Unidos do Brasil anotado, Rio de Janeiro, F. Briguiet, 1917, p. 1010).

Art. 768.0 segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato. H IS T Ó R IC O • Observe-se a redação original do dispositivo: “Art. 768. 0 seguro perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato". Comparando-se com a atual vê-se que houve tão somente melhoria de linguagem. 0 emprego da palavra "seguro" em lugar de "segura­ do" decorreu de erro de redação, atempadamente corrigido pelo Senado. Corresponde ao art. 1.454 do Código Civil de 1916, com redação melhorada.

DOUTRINA • A norma empreende hipótese legal de exclusão da cobertura securitária, quando o contra­ tante do seguro venha direta e intencionalmente agir de forma a agravar o risco, o que ocorre, por óbvio, após a conclusão do contrato. Deve o segurado, portanto, atuar com dili­ gência e cautela, de modo a não exacerbar as especificações do risco pactuado. Nào é o caso,

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Art. 769

p. ex., quando a própria seguradora admite assumir risco maior do que o normal, atribuindo-Ihe menor alcance do que razoavelmente ocorreria. Só se podem compreender, pois, por agravamento do risco os fatos ou circunstâncias que ocorram durante a eficácia do contrato, e, ainda assim, quando aja o segurado com intencionalidade àquele agravamento. • A douta ensinança de Pontes de Miranda, ao tratar do tema, em termos da punição da lei à infração do dever do segurado, expõe com clareza o seguinte: "para que haja a pena, é pre­ ciso que a mudança haja sido tal que o segurador, se ao tempo da aceitação existisse o risco agravado, nào teria aceito a oferta ou teria exigido prêmio maior" (Tratado de direito priva­ do, 2. ed., Rio de Janeiro, Borsoi, 1964, t. 45, § 4.924, n. 2, p. 329). • Com o observado, para a configuração da hipótese é imperativo que o segurado tenha, intencional ou dolosamente, agido de forma a aum entar o risco. Caso contrário, nâo po­ derá ele se responsabilizar pelo eventual agravamento. Assim, "nào terá conseqüência o gravam e oriundo do fortuito, pois que, em princípio, é contra a ação deste que se estipula o seguro, e o segurado viveria em clima de instabilidade permanente se o seu direito fosse suscetível de sofrer as conseqüências de alteração pelas circunstâncias involuntárias" (Caio M ário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 10. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996, v. 3, p. 306).

SÚMULA • Súm ula 465 do STJ: "Ressalvada a hipótese de efetivo agravamento do risco, a seguradora não se exime do dever de indenizar em razão da transferência do veículo sem a sua prévia com unicação" (DJe, 25-10-2010).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 374, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "No contrato de seguro, o juiz deve proceder com equidade, atentando às circunstâncias reais, e não a probabilidades infundadas, quanto à agravação dos riscos".

JULGADOS • Vale observar, afinal, que "não se estende ao segurado a culpa ou dolo que se possa atribuir ao preposto. Diferentemente do ilícito civil, o contrato de seguro se atém entre a linha seguradora-segurado, não se podendo transferir para este último um comportamento alheio, conquanto de preposto, se circunstância nenhuma aflora para jungir o preponente ao procedimento fora da lei" [RT, 589/118). Desse modo, tem sido reiterada a posição do STJ ao reconhecer que a culpa ou dolo do preposto não é causa da perda do direito ao seguro, porquanto o agravamento "deve ser im­ putado à conduta direta do próprio segurado" (STJ, 4* T., REsp 223.119/MG, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ, 25-10-1999), isto é, "exige-se que o contratante do seguro tenha direta­ mente agido de forma a aumentar o risco" (STJ, 4* T., REsp 79.533/MG, Rei. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ, 6-12-1999).

Art. 769.0 segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo inci­ dente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé. § 1 - 0 segurador, desde que o faça nos quinze dias seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado, poderá dar-lhe ciência, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato. § T- A resolução só será eficaz trinta dias após a notificação, devendo ser restituida pelo segurador a diferença do prêmio.

Art. 770

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HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. A do caput corresponde à do art. 1.455 do CC de 1916. A mudança redacional deu-se apenas no aspecto formal da norma, permanecendo inalterado o seu conteúdo. No mais, o Código Civil de 2002 criou os §§ 1* e 2« acima transcritos, inovando, nesse aspecto, a matéria securitária.

DOUTRINA • Cumpre ao segurado comunicar è seguradora os fatos e circunstâncias suscetíveis de agravar o risco assumido, permitindo-se a esta resolver o contrato, se não lhe convier assumir o agravamento, em prazo quinzenal contado da recepção do aviso da agravação. Há de se considerar, no efeito da incidência da norma, o conceito juridicamente indeterminado no tocante ao denominado "risco consideravelmente agravado". A inserção, dada a maior rele­ vância do agravamento, difere do conteúdo do art. 1.455 do CC de 1916, que se referiu ao risco agravado sem mensurar o grau de intensidade do agravamento potencial. Agora, é exigido que os fatos e circunstâncias exacerbem, notavelmente, o risco, nào se incluindo, portanto, o agravamento leve ou menos importante. Essa subjetividade pode prejudicar a ciência prevista ao segurador por parte do segurado, que não atuará de má-fé ao silenciar, caso não se lhe evidencie, de plano, o alcance maior do agravamento. Reserva-se a matéria ao estudo do caso concreto, estando, pois, sujeita à avaliação judicial. • A doutrina de antanho assim expressava: "É obrigação do segurado com unicar ao segurador, assim que saiba, todo incidente, isto é, qualquer fato imprevisto, estranho à vontade do se­ gurado, que, de qualquer modo, possa agravar o risco existente, sob pena de perder o seguro" (José Lopes de Oliveira, Contratos, Recife, Livrotécnica, 1978, p. 252). • Por outro lado, resultou estabelecido, diante da pretendida resolução, o prazo de trinta dias para o mantimento da eficácia do contrato, de modo a conferir ao segurado o direito à g a ­ rantia, nesse lapso temporal, onde, inclusive, poderá ocorrer revisitação de cláusula contra­ tual no tocante ao valor do prêmio, se preferir a seguradora, que, em vez de resolver o contrato, ajustá-lo-á a essa situação superveniente.

Art. 770. Salvo disposição em contrário, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio estipulado; mas, se a redução do risco for considerável, o se­ gurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOOTRINA • Sabido constituir a aleatoriedade uma das principais características do contrato de seguro, "porque o ganho ou a perda das partes está na dependência de circunstâncias futuras e in­ certas, previstas no contrato e que constituem o risco" (W ashington de Barros Monteiro, Curso de direito civil; direito das obrigações, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 3, p. 351), há de se reconhecer saudável a inovação. Ela se ajusta, perfeitamente, à ideia do equilíbrio econômico contratual, onde as partes assumem direitos e deveres em posições harmônicas, nenhuma delas auferindo maior vantagem que a outra, sob pena de enriquecimento sem causa. • Assim, uma vez relevante a redução do risco assumido pela seguradora, resulta despropor­ cional o valor do prêmio pago ou em curso de pagamento que considerou, em sua fixação, um risco de maiores proporções, caso em que se justifica seja esse valor revisto. É contrapon­

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Arts. 771 e 772

to ao artigo anterior, em que se torna possível, pelo agravamento, a revisão contratual, quando nào interessar à seguradora resolver o contrato. E tem seu escopo no tratamento isonômico das partes do com posto obrigacional em face das condições em que se form ou a relação jurídica do contrato.

Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as conseqüências. Parágrafo único. Correm à conta do segurador, até o limite fixado no contrato, as despesas de salvamento conseqüente ao sinistro. H IS T Ó R IC O • 0 caput do reportado artigo corresponde ao art. 1.457 do Código Civil de 1916, que preceituava o seguinte: "A rt 1.457. Verificado o sinistro, o segurado, logo que o saiba, comunicá-lo-á ao se­ gurador". D O U T R IN A • A par da obrigação cometida ao segurado de fazer ciente o segurador da ocorrência do si­ nistro, cum pre-lhe agora, também, empreender providências imediatas para atenuar as conseqüências deste, diligências e iniciativas que, por regras de experiência máxima, sào mais factíveis ao emprego do segurado do que da seguradora, comunicada ao depois e que, por razões lógicas, pouco ou nada dispõe de condições para a atenuação, com o antes cogitava o parágrafo único do art. 1.457 do CC de 1916. Cuida-se de deveres jurídicos do segurado, que inadimplidos o sujeitam à perda do direito de garantia. • Por outro lado, as despesas de salvamento conseqüente ao sinistro estão implícitas no con­ trato, até o valor ali fixado, não se podendo cogitar da sua exclusão, a desobrigar a segura­ dora, porquanto objetivam minorar as conseqüências do sinistro em relação ao(s) bem(ns) segurado(s). Veja-se o art. 779.

Art. 772. A mora do segurador em pagar o sinistro obriga à atualização monetária da indenização devida segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, sem prejuízo dos juros moratórios. H IS T Ó R IC O • Emenda da lavra do eminente Senador Josaphat Marinho alterou o texto original do presente, que assim dispunha: "Art. 772. A mora do segurador em pagar o sinistro obriga à correção monetária da indenização devida, sem prejuízo dos juros moratórios". 0 Senado apenas substituiu a expres­ são "correção monetária" por "atualização monetária da indenização devida segundo índices oficiais regularmente estabelecidos", com inegável acerto. Não há artigo correspondente no CC de 1916.

DOUTRINA • A correção, ou melhor, a atualização monetária, nos casos de liquidação de sinistro cobertos por contratos de seguros, já é tratada pela Lei n. 5.488, de 27-8-1968. E nesse alcance, a jurisprudência do STJ, em exegese da norma do art. 1«, § 2«, da reportada lei, vem acolhendo o entendimento no sentido de que a atualização monetária, no caso específico do contrato de seguro, quando não efetuada a indenização no prazo legal, é devida e o recibo de quitação, passado deform a geral, por si só não a exclui. Nesse sentido: REsp 43.768/PE, DJ, 15-8-1994.

Art. 773

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Por certo, entenda-se que a atualização monetária do valor devido e impago no tempo cer­ to constitui simples ajuste da expressão econômica do quantum a ser pago, no efeito de sua plena recomposição, mantendo-o, assim, incólume em seu significado de valor. Afirme-se, portanto: “Quem recebe com correção monetária não recebe um 'plus', mas apenas o que lhe é devido, de forma atualizada" [JTA, 109/372). 0 escólio jurisprudencial, sem franquear con­ trovérsia, tem assentado que, “sendo a correção monetária mero mecanismo para evitar a corrosão do poder aquisitivo da moeda, sem qualquer acréscimo do valor original, impõe-se que o valor segurado seja atualizado desde a sua contratação, para que a indenização seja efetivada com base em seu valor real, na data do pagamento". Bem por isso, "é entendimen­ to consolidado do STJ que a evolução dos fatos econômicos tornou insustentável a não inci­ dência da correção monetária, sob pena de prestigiar-se o enriquecimento sem causa do devedor, constituindo ela imperativo econômico, jurídico e ético indispensável à plena inde­ nização dos danos e ao fiel e completo adimplemento das obrigações" (STJ, 4*T., REsp 247.685/ AC, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ, 5-6-2000). • Em oportuno, registre-se, real time, a respeito da aplicação dos índices de correção monetá­ ria, decisão de 4-2-2002, da lavra do eminente Min. José Delgado, onde torna incontroversa a determinação percentual em períodos demarcados: “(...) Correção monetária. Índices e percentuais a serem utilizados. Omissão parcial no acórdão. 1. A aplicação dos índices de correção monetária far-se-á da seguinte forma: a) através do IPC, no período de março/1990 a fevereiro/1991; b) a partir da prom ulgação da Lei n. 8.177/91, a aplicação do INPC (até dezembro/1991); e c) a partir de janeiro/1992, a aplicação da UFIR, nos moldes estabelecidos pela Lei n. 8.383/91". No mais, a jurisprudência daquela Corte é pacífica, ainda, no sentido de que o índice de correção monetária aplicável ao período de julho e agosto de 1994 é a UFIR (STJ, 1*T., Ag. no REsp 268.881/PR, Rei. Min. Francisco Falcão, DJ, 3-9-2001). JU LG AD O • “0 termo inicial da correção monetária no caso de seguro de morte facultativo é a partir da data da apólice e não da morte do segurado, a fim de ser garantido o pagamento da indenização em valores monetários reais, sobretudo porque, como na hipótese, 'a seguradora, quando recebeu os prêmios mensais, por mais de dezoito meses, fazia com que, mês a mês, incidissem índices de correção sobre os valores pagos', pois o pais sofria de um surto inflacionário que aniquilava o valor real da moeda" (STJ, 4» T., REsp 176.618/PR, Rei. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ, 14-8-2000).

Art. 773.0 segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.446 do CC de 1916. D O U T R IN A • 0 risco é, de fato, a expectativa do sinistro. Elemento essencial à constituição do contrato de seguro, sem ele não se poderá formar o contrato para efeito de a seguradora assum i-lo e acobertar o segurado. É basilar que, sabendo o segurador de sua inexistência, ou que este passou a desmerecer a cobertura securitária, estará incorrendo em má-fé quando, apesar disso, expedir a apólice, locupletando-se à custa da credulidade do segurado. A lei sanciona essa improbidade penalizando o segurador com o pagamento em dobro do prêmio estipula­ do, tendo-se por nulo o contrato.

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Arts. 774 e 775

Art. 774. A recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, mediante expressa cláu­ sula contratual, não poderá operar mais de uma vez. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Nâo há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Pela peculiaridade do seguro, o dispositivo limita a ocorrência de renovações sucessivas e automáticas, por recondução tácita dessa espécie de contrato, a saber que a cláusula que expressamente a permita não poderá estabelecer uma continuidade de longa permanência por reiterada sucessividade, assim não podendo operar mais de uma vez. A ideia de renovação automática, sem restrições, colide com o necessário equilíbrio do pacto, quando o restabele­ cimento contratual não prescinde de nova avaliação dos riscos, necessita adequar-se às mutações havidas no objeto do seguro e observar com segurança os interesses das partes. Essa recondução automática do contrato tem sido comum nas apólices de Acidentes Pessoais e de Vida em Grupo e nas operações de resseguro. JU LG ADO • "I. Inobstante a omissão do segurado sobre padecer de 'diabetes melittus'quando da contratação, não se configura má-fé se o mesmo sobreviveu, por longos anos mais, demonstrando que possuía, ainda, razoável estado de saúde quando da realização da avença original, renovada sucessivas vezes. II. Verificado nos autos que o valor do seguro era irrisório, igualmente não pode ser afas­ tada a boa-fé se o segurado, por ocasião da última renovação, o elevou a patamar absolutamen­ te razoável, para que o mesmo tivesse a significação própria dessa espécie de proteção econômi­ ca contratual. III. Recurso especial conhecido e provido" (STJ, 4* T., REsp 300.215/MG, Rei. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ, 24-9-2001).

Art. 775. Os agentes autorizados do segurador presumem-se seus representantes para todos os atos relativos aos contratos que agenciarem. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • A norma tem uma teleologia, a nosso sentir, de expressivo significado e avanço na seara do consum idor de seguros: espanca a controvérsia sobre o papel do corretor de seguros havido como mero intermediário na contratação da apólice, e passa a responsabilizar o segurador por atos de seus agentes. É o que se extrai do com ando legal em exame. Desde que autori­ zados, os agentes securitários são, por dicção legal, para os efeitos do contrato que agencia­ rem, os representantes do segurador, quando em verdade atuam “em nome e para o benefi­ cio da empresa". 0 dispositivo ganha maior relevo, diante da regra do art. 758 do CC de 2002, quando o contrato de seguro, à falta da apólice ou do bilhete do seguro, prova-se por docu­ mento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio. • O novel dispositivo reformulou, sem dúvida, o posicionamento do STJ quando, enfrentando questão relativa à existência ou não de um contrato de seguro, pela nào emissão da apólice, embora houvesse sido feito o pagamento da primeira parcela do prêmio e emitido recibo provisório, decidiu que “a seguradora nào é responsável pelo pagamento do seguro quando não recebe a parcela do prêmio, retido pela corretora, que responde pela má prestação do

Arts. 776 e 777

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serviço, na forma de precedentes desta Corte" (REsp 202.613/ES). A questão assume relevan­ te interesse, porquanto, no alcance da presente norma, ocorrendo o sinistro, deverá, agora, a seguradora responder com a cobertura, mesmo que inexista apólice e não tenha recebido o prêmio, retido pelo seu agente autorizado. • É importante lembrar o brilhante acórdão de vanguarda da lavra do Relator Des. Carlos A l­ berto Bencke, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível 598.482.909, julgada em 27-5-1999, cuja ementa é a seguinte: "Civil. Seguro de Automóvel. Responsabi­ lidade da seguradora frente a conduta ilícita do corretor. Não repasse de valores do prêmio. 0 fato de os valores do prêmio não terem sido repassados à seguradora é alheio à relação entre seguradora e segurado. Questão que deve ser solvida no âmbito interno nào podendo o consum idor ser penalizado por tal agir, até porque é dever da seguradora fiscalizar quem a representa, tanto para evitar lesão a seu próprio nome com o para eventual responsabilida­ de frente aos consumidores dos seus serviços. Não há como negar a responsabilidade da se­ guradora frente aos danos causados por seu representante, pois que atua em nome e para o benefício da empresa (...)". No seu voto, vaticinando a norma, considerou que o corretor de seguros "apresenta-se com o um verdadeiro representante da seguradora, o que conduz à necessidade de seu agir ser fiscalizado por esta”, quando, por outro lado, a experiência tem demonstrado, de fato, que é aquele que recebe a quantia do prêmio, mormente quando se trate da primeira parcela. • Nào custa lembrar, afinal, para a incidência da norma, a teoria da aparência, em consideração da representação presumida, quando, induzido o segurado à crença de que trate com agen­ te autorizado da seguradora, esta assim contribua notoriamente para tal presunção ao re­ cepcionar contratos de seguros. JU LG AD O • Nessa linha, por identidade substancial de razões: Teoria da aparência. Investimento. Agente captador de recursos. Terceiro de boa-fé. Comprovado que o emitente do recibo de aplicação no mercado financeiro era notoriamente agente autorizado a captar recursos para aplicar em certa instituição financeira, responde esta pelo desvio do numerário, uma vez que a teoria da aparência protege o terceiro de boa-fé. Recurso conhecido e provido" (STJ, 4* T., REsp 276.025/SP, Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ, 12-3-2001).

Art. 776. O segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido, salvo se convencionada a reposição da coisa. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.458 do CC de 1916. D O U T R IN A • A indenização securitária ou a satisfação do interesse legítimo do segurado é feita, geralmen­ te, em pecúnia. 0 art. 1.458 do CC de 1916 refere-se, expressamente, ao pagamento em di­ nheiro. Nos seguros de coisas, entretanto, torna-se possível cláusula que disponha diferen­ temente, indicando-se a reposição do bem ou a sua recomposição, p. ex., mediante conserto ou reparos, em vez de certa quantia em dinheiro a ele correspondente pelo valor segurado na apólice. A inovação da norma consiste, justamente, em prever essa outra forma de con­ vencionar a reparação do prejuízo sofrido.

Art. 777.0 disposto no presente Capítulo aplica-se, no que couber, aos seguros regidos por leis próprias.

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Arts. 778 e 779

H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Nâo há artigo correspondente no CC de 1916. D O U T R IN A • A s disposições referentes aos seguros, presentes em capítulo próprio (XV) do Título VI do Livro I, relativo ao “Direito das obrigações" no Código Civil de 2002, aplicam-se, no que couber, aos seguros regidos por leis próprias, a exemplo da Lei n. 9.656, de 3-6-1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência è saúde; das Resoluções do CONSU - Con­ selho de Saúde Suplementar, ainda no tocante àqueles seguros; da Lei n. 6.194, de 19-12-1974, que dispõe sobre seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, com as modificações introduzidas pela Lei n. 8.441/91; do Decreto-Lei n. 73/66, que institui o seguro obrigatório contra acidente de trânsito, consagrando a teoria do risco, regulamentado pelo Decreto n. 61.867/67 (com as modificações introduzidas pelo Dec.-Lei n. 814/69) e alterado, mais recentemente, pela Lei n. 10.190, de 14-2-2001. • Tais disposições assumem, em sua maioria, caráter principiológico, pelo que deverão ser aplicadas, na maioria dos casos, coadunando-se, outrossim, com as leis especiais que tratam da matéria.

Seção II — Do seguro de dano Art. 778. Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto no art. 766, e sem prejuízo da ação penal que no caso couber. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde, parcialmente, ao art. 1.437 e à segunda parte do art. 1.438, ambos do Código Civil de 1916. D O U T R IN A • 0 axioma é o de que o valor do seguro não deve superar o da coisa ou do interesse segurável, ao tempo da celebração do contrato, segundo o ditame já previsto pelo art. 1.437 do CC de 1916: “nào se pode segurar uma coisa por mais do que valha...". É preceito inibidor do uso especulativo do seguro, visto que constituiria locupletamento ilícito o segurado vir a receber pelo sinistro valor indenizatório superior ao adequado da coisa sinistrada ou do interesse segurado. O valor despropositado constitui engenho de lucro indevido, pelo que se sujeitará, ainda, o segurado, à ação penal cabível. Afinal, o dever de veracidade, imposto pelo art. 765, norteia que as declarações sejam exatas, e uma delas diz respeito, claramente, ao valor real do interesse segurado. A infringência de tal dever impõe a conseqüência da perda do direito à garantia, além da obrigação ao prêmio vencido. De tal maneira, não estará também o se­ gurador autorizado a segurar o bem por valor superior, recebendo o prêmio sobre esse mes­ mo valor (ver, ainda, comentário ao art. 781).

Art. 779.0 risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou conseqüen­ tes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa.

Arts. 780 e 781

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H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.461 do CC de 1916, com novo tratamento substancial, o que merece ser enfatizado, uma vez que houve, nesse sentido, a supressão de "sal­ vo expressa restrição na apólice", antes constante do aludido dispositivo do Código de 1916.

DOUTRINA • A norma prescreve que o segurador responda, com a necessária abrangência, por todos os prejuízos resultantes ou conseqüentes dos esforços realizados para minimizar o dano ou mesmo evitá-lo, conforme referido no parágrafo único do art. 771 deste Código. Percebe-se, pela clareza do artigo, que foi excluída do contrato de seguro a não responsabilização do segurador na parte que diga respeito aos danos conseqüentes da tentativa de preservação do bem assegurado. 0 teor afirmativo da norma, sem facultar restrições na apólice, torna incon­ troverso o interesse da lei em melhor proteger o segurado, em face dos estragos ocasionados para "evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa", todos por sua origem incluídos no risco. Assim, o segurador responderá por todos os prejuízos decorrentes do risco assumido.

SÚ M ULA • Súmula 402 do STJ: " 0 contrato de seguro por danos pessoais compreende os danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão".

Art. 780. Avigência da garantia, no seguro de coisas transportadas, começa no momen­ to em que são pelo transportador recebidas, e cessa com a sua entrega ao destinatário. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.448, § 2a, do CC de 1916.

DOUTRINA • Estabelecida pela norma a vigência da garantia, isto é, a duração do contrato, o risco é com ­ preendido no itcr em que a coisa segurada se acha recebida pelo transportador ou seus prepostos até o momento de sua entrega no lugar do destino. • 0 contrato de seguro de coisas transportadas não exclui o contido no Decreto n. 2.681, de 7-12-1912, o qual já estabelecia a responsabilidade do transportador em levar as coisas in­ cólumes ao seu lugar de destino, ressalvando as circunstâncias de caso fortuito ou força maior e o que agora dispõe o art. 750 do CC de 2002, com responsabilidade objetiva, em principio, pelo transportador, na condução da coisa para sua entrega em bom estado (ver comentário ao artigo).

Art. 781. A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momen­ to do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em caso de mora do segurador. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto (art. 791). Não tem correspondente no CC de 1916. 0 art. 1.462 desse Código diferentemente dispunha: "Quando ao objeto do contrato se der valor deter­ minado, e o seguro se fizer por este valor, ficará o segurador obrigado, no caso de perda total, a

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Art. 782

pagar pelo valor ajustado a importância da indenização, sem perder por isso o direito, que lhe asseguram os arts. 1.438 e 1.439".

DOUTRINA • A disposição tenta conciliar o antagonism o de interesses na relação securitária, diante do escólio jurisprudencial firmado a respeito do tema. A esse propósito, resultou assente, p. ex., que “no seguro de automóvel, em caso de perda total, a indenização a ser paga pela segura­ dora deve tomar com o base a quantia ajustada na apólice (art. 1.462 do Código Civil/16), sobre a qual é cobrado o prêmio" (STJ, 3 ? T., REsp 191.189/MG), por se considerar prática abusiva pretender-se a indenização por valor inferior ao previsto na apólice sobre o qual o segurado houver pago o prêmio. • A indenização pelo limite máximo da apólice, a saber aquele cogitado com o valor do inte­ resse assegurado por ocasião da conclusão do contrato, sempre gerou embate doutrinário e jurisprudencial, entendendo-se compatível e justo aquela corresponder ao valor da apólice, na hipótese do perecimento da coisa, inclusive porque, "se (a seguradora) aceitou segurar o bem por valor superior, e recebeu o prêmio sobre esse mesmo valor, nào pode reduzir o pa­ gamento do bem sinistrado (...)" (/?T, 730/222). • Agora, ao ficar expresso que a indenização nào pode ultrapassar o valor do interesse segu­ rado no momento do sinistro, tem-se uma nova realidade temporal em termos de significado econômico do bem, apurando-se a sua expressão ao ensejo do evento danoso, que, por logicidade, representa o que implicou, efetivamente, prejuízo ao titular do interesse. Ponderável essa correlação, tem-se, por outro lado, o limite valorativo do bem jungido ao teto do valor da apólice, porque a este correspondeu o valor do prêmio. M a s é preciso ainda admitir e ponderar que, vindo o valor da indenização a ser menor do aquele mensurado ao tempo do ajuste e fixado na apólice, o prêmio pago será superior ao aqui estabelecido pelo valor do interesse assegurado no momento do sinistro, caso em que terá de ser reduzido, com a dife­ rença acrescida ao pagamento indenizatório. Essa conciliação de interesses afigura-se coro­ lário do princípio da eticidade que timbra o CC de 2002, pois nenhuma das partes deve obter vantagem indevida em detrimento do patrimônio da outra. • É ponderável, outrossim, que em caso de mora do segurador, com o prevê a parte final do dispositivo, venha o valor a ser ajustado ao tempo do adimplemento da sua obrigação, mes­ mo que supere o limite máximo de garantia fixado na apólice.

Art. 782.0 segurado que, na vigência do contrato, pretender obter novo seguro sobre o mesmo interesse, e contra o mesmo risco junto a outro segurador, deve previamente co­ municar sua intenção por escrito ao primeiro, indicando a soma por que pretende segurar-se, a fim de se comprovar a obediência ao disposto no art. 778. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto (art. 791). Não tem correspondente exato no Código Civil de 1916. 0 art. 1.437 desse Código refere que não se pode segurar uma coisa pelo seu todo mais de uma vez, e o art. 1.439 cuida de poder o segundo seguro da coisa já segura pelo mesmo risco e no seu valor integral ser anulado por qualquer das partes.

DOUTRINA • A cumulação de seguros de uma mesma coisa pelos mesmos riscos somente é permitida se o primeiro seguro não alcançar o seu valor integral, ou seja, o valor do interesse segurado ao tempo da conclusão do contrato. A duplicidade de apólices apenas terá lugar quando pre­ tender o segurado atender a integralidade do valor, ainda não protegido em sua inteireza. A

Arts. 783 e 784

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cobertura integral por mais de um segurador implica infringência ao disposto no art. 778, isto porque a garantia prometida nào pode ultrapassar, com o ali consignado, o valor do in­ teresse segurado aferido no ato de sua estipulação. • Desse modo, cumpre ao segurado, para efeito de contratar um segundo seguro, comunicar ao primeiro segurador essa sua intenção, indicando a soma que pretende segurar, a qual objetivará, sem dúvida, tornar integral o valor do seguro em relação ao valor da coisa ou do interesse segurado. A medida objetiva impedir seguros excessivos e práticas de má-fé.

Art. 783. Salvo disposição em contrário, o seguro de um interesse por menos do que valha acarreta a redução proporcional da indenização, no caso de sinistro parcial. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Nào há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • 0 seguro é fixado pelas partes de acordo com o valor de seu objeto. Caso este seja segurado por menos do que valha, em sucedendo sinistro parcial a obrigação do segurador será também proporcional. Nessa hipótese, incidia, sob a égide do CC de 1916, que não cuidou da matéria, a presunção absoluta (iuris et de iure) de que segurador e segurado seriam cosseguradores. De fato, pela porção nào atendida produzir-se-ia o efeito de o segurado atuar como se se­ gurador fosse de seu próprio interesse. • 0 Código Civil de 2002 inova ao dispor expressamente sobre o tema, eliminando a necessi­ dade de invocar-se a referida presunção, já que, segundo a norma em comento, o seguro de um interesse por menos do que efetivamente valha acarretará a redução proporcional da indenização, na hipótese de sinistro parcial - exceto se houver disposição expressa em con­ trário. Assim, ficam absolutamente dirimidas todas as eventuais dúvidas a respeito.

Art. 784. Não se inclui na garantia o sinistro provocado por vício intrínseco da coisa segurada, não declarado pelo segurado. Parágrafo único. Entende-se por vício intrínseco o defeito próprio da coisa, que se não encontra normalmente em outras da mesma espécie. HISTÓRICO • A redaçào atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.459 do Código Civil de 1916, com pequena mudança redacional e inclusão de parágrafo único. A redação desse artigo era a seguinte: “Art. 1.459. Sempre se presumirá não se ter obrigado o segurador a indenizar prejuízos resultantes de vicio intrínseco à coisa segura". D O U T R IN A • Cuida-se de causa excludente de garantia haver sido o sinistro provocado por vício intrínse­ co da coisa segurada. Isenta-se o segurador de qualquer responsabilidade se o risco nào for o normalmente previsto e declarado. Em outras palavras, aquele risco configurado em causa externa. É que, com o pondera João Luís Alves, o vício intrínseco não é objeto do contrato (Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil anotado, Rio de Janeiro, F. Briguiet, 1917, p. 1007). E, em regra, realmente, o segurado não responde pelos prejuízos resultantes de vício intrínseco à própria coisa segurada. No caso, porém, de o vício intrínseco ser decla­ rado pelo segurado, tornando-se essa causa interna um dado considerável da apólice, have­

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Arts. 785 e 786

rá de se ter obrigado o segurador a indenizar os prejuízos advindos daquele vício, isto porque objeto de previsão expressa. • 0 Código Civil de 2002 estabelece, no parágrafo único do artigo, uma definição para o vício intrínseco è coisa segura, tendo-o com o o defeito próprio da coisa e que nào se acha, em regra, em outras da mesma espécie.

Art. 785. Salvo disposição em contrário, admite-se a transferência do contrato a tercei­ ro com a alienação ou cessão do interesse segurado. § 1? Se o instrumento contratual é nominativo, a transferência só produz efeitos em relação ao segurador mediante aviso escrito assinado pelo cedente e pelo cessionário. § 2- A apólice ou o bilhete à ordem só se transfere por endosso em preto, datado e assinado pelo endossante e pelo endossatário. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.463 do CC de 1916, cuja redação é a seguinte: “0 direito à indenização pode ser transmitido a terceiro como acessório da proprieda­ de, ou de direito real sobre a coisa segura". D O U T R IN A • Este artigo trata da transmissibilidade dos direitos inerentes ao contrato de seguro. Como referido pelo art. 760, a apólice e o bilhete de seguro podem ser nominativos (onde constan­ te, nominalmente, o segurador e o segurado, bem com o o seu representante ou terceiro beneficiário), à ordem (transferíveis por endosso) ou ao portador (sem a nom inação do beneficiário, são transferíveis por mera tradição, nào exigindo nenhuma formalização). Des­ se modo, a transferência do contrato a terceiro por alienação ou cessão do interesse segura­ do é admitida com o válida, salvo existindo cláusula expressa em contrário. Entretanto, con­ forme leciona Silvio Rodrigues, "o transm issão do direito à indenização não pode implicar prejuízo para o segurador, cuja situação não deve ser por ela agravada" [Direito civil; dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27. ed., Sào Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, p. 355). Os parágrafos ao dispositivo inovam a matéria, trazendo-lhe melhor disciplina para efeito da transmissão.

Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano. § \- Salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consanguíneos ou afins. § 2? É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do se­ gurador, os direitos a que se refere este artigo. H IS T Ó R IC O • Interessante observar o texto original do dispositivo tal como fora proposto pela Câmara: "Art. 786. Paga a indenização (na redação original do anteprojeto falava-se 'Pagando a indenização'), o segurador se sub-roga integralmente nos direitos e ações que ao segurado competirem contra o autor do dano, sendo ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga tais direitos em prejuízo do segurador. Parágrafo único. Salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consanguíneos ou afins". Esse texto foi modificado por emenda da lavra do Senador Gabriel Hermes. Nào há artigo corres­ pondente no Código Civil de 1916.

Art. 787

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D O U T R IN A • A fórmula de garantir a sub-rogação "nos limites da indenização paga" é mais precisa. Como assevera em sua justificativa o eminente Senador, "nem sempre o seguro cobre integralmen­ te o dano sofrido pelo segurado", o qual “nào deve, por isso, ser compelido a transferir è seguradora o crédito de que seja titular contra o responsável civil, salvo nos limites da inde­ nização que aquela lhe tiver efetivamente pago". • Este artigo demonstra assente o direito do segurador de sub-rogar-se, nos limites do valor correspondente, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o causador do dano. É um imperativo lógico: os direitos e ações que o segurado teria contra o autor do dano serão do segurador, que houve de responder pela garantia, tendo, por conseqüência, os meios de recuperar a quantia indenizatória que pagou ao segurado. • Por sua vez, o § 1* estabelece que, salvo no caso de dolo, a sub-rogação não ocorrerá se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consanguíneos ou afins. É que, em situações tais, o segurador em exercício da sub-rogação afetaria o patrimônio da família do segurado, desnaturando o contrato de seguro em sua essência. • Finalmente, o § 2o estatui ser ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo. A cogência da norma tem o escopo de assegurar a incolumidade da sub-rogação, isto é, a integridade de seus efeitos.

Art. 787. No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro. § 1? Tão logo saiba o segurado das conseqüências de ato seu, suscetível de lhe acarre­ tar a responsabilidade incluída na garantia, comunicará o fato ao segurador. § 2- É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência ex­ pressa do segurador. § 3? Intentada a ação contra o segurado, dará este ciência da lide ao segurador. § 4- Subsistirá a responsabilidade do segurado perante o terceiro, se o segurador for insolvente. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Este artigo inova, ao tratar de uma modalidade especial, que é o seguro de responsabilidade civil, já existente anteriormente, porém nào disciplinado pelo CC de 1916. Por tal contrato, transferem-se ao segurador as indenizações eventualmente devidas pelo segurado a terceiros, resultantes de atos ilícitos determinantes dos prejuízos por ele causados e pelos quais seria responsabilizado. Um interessante caso particular desse contrato é o cham ado seguro de fi­ delidade funcional, cujo objeto é a reparação de prejuízo que possa vir a ser ocasionado por funcionários ou empregados que lidem com quantias em dinheiro. • 0 § 12 deste artigo preceitua ser obrigação do segurado comunicar de pronto ao segurador, tão logo delas tome conhecimento, as conseqüências de ato seu, capaz de lhe acarretar a responsabilidade objeto da garantia. Esse dever jurídico é ínsito à própria relação securitária, em que, no caso, o segurador assumiu as conseqüências dos atos que venham de ser come­ tidos pelo segurado.

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Art. 788

• 0 § 22, por sua vez, estatui ser proibido ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem com o transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamen­ te, sem anuência expressa do segurador. • A ideia da lei objetiva inibir a frustração de eventual direito do segurador, na hipótese de atuação do segurado è sua revelia, quando já se faz, em decorrência do seguro, incabível uma negociação direta entre o segurado e o terceiro sem a anuência expressa do segurador. • O § 3° determina que, intentada a ação contra o segurado, terá este de dar ciência da lide ao segurador. Também aqui o propósito é o de impedir seja causado injusto prejuízo ao segura­ dor que garantiu o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro. • Finalmente, o § 4° estatui que a responsabilidade do segurado perante o terceiro subsistirá, caso seja o segurador insolvente. É por demais evidente que nào poderia a celebração do seguro de responsabilidade civil dar margem à possibilidade de vir o terceiro a ficar sem ressarcimento algum pelos danos sofridos, o que teria lugar no caso de insolvência do segu­ rador. Assim, estabelece a lei que, uma vez constatada tal situação de insolvência, subsiste a responsabilidade do segurado perante o terceiro, quando aquele for o responsável direto pelo dano causado. E N U N C I A D O D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L -

CJF

• Enunciado 373, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Embora sejam defesos pelo § 29 do art. 787 do Código Civil, o reconhecimento da responsabilidade, a confissão da ação ou a transação não retiram ao segurado o direito à garantia, sendo apenas ineficazes perante a segu­ radora".

Art. 788. Nos seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios, a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado. Parágrafo único. Demandado em ação direta pela vítima do dano, o segurador não poderá opor a exceção de contrato não cumprido pelo segurado, sem promover a citação deste para integrar o contraditório. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Os seguros de responsabilidade civil obrigatórios são, pela natureza social de que se revestem, satisfeitos em face da simples ocorrência do dano, independentemente da apuração da culpa. Aplica-se em favor do segurado a teoria do risco, aludida no Decreto-Lei n. 73/66. 0 caráter assistencial emprestado ao seguro obrigatório exige, por tal conduto, seja o pagamento fei­ to pela seguradora diretamente ao interessado, terceiro prejudicado, evitando-se, destarte, que pessoas ineserupulosas dele obtenham vantagens indevidas. • 0 parágrafo único do artigo remete a hipótese ao disposto no art. 4 7 6 do CC de 2002. En­ tretanto, exige-se maior acuidade na interpretação do seu texto, em face da pretensa exce­ ção arguível. É que feito o seguro em favor de outrem não identificado, terceiro prejudicado potencial, nào teria, em verdade, tal exceção o condão de afastar a seguradora pelo paga­ mento do prêmio, enquanto não implementada a obrigação pelo segurado. É o que o sistema de tais seguros objetiva estabelecer: o princípio da universalidade, a tanto que a cobertura à vítima do dano é efetuada independentemente de o veículo ou a própria seguradora serem identificados, acionando o beneficiário do seguro qualquer das empresas seguradoras inte­ grantes do consórcio securitário (art. 7« da Lei n. 6.194) e, mais ainda, terá o terceiro preju­

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dicado direito è indenização pelo sinistro, mesmo que não efetuado o pagamento do prêmio pelo segurado. Nesse sentido, o STJ tem dirimido, eom segurança: “A indenização decorrente do chamado seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres (DPVAT), devida a pessoa vítima por veículo identificado que esteja com a apólice de referido seguro vencida, pode ser cobrada de qualquer seguradora que opere no comple­ xo" (STJ. 4» T., REsp 200.838/G0, Rei. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ, 2-5-2000). A jurisprudência tem sinalizado, de há muito, nessa linha: "N ão pode a seguradora se recusar a pagar a inde­ nização proveniente de seguro obrigatório alegando a falta de pagamento do prêmio pelo proprietário do veículo causador do acidente, pois a lei nào faz essa exigência, e, além do mais, aquela nào terá qualquer prejuízo, pois poderá ingressar com uma ação regressiva, tudo nos termos da Lei n. 6.194, com a redaçào dada pela Lei n. 8.441" [RT, 743/300). Observe-se, ademais, a orientação do STJ, ao particularizar a obrigação daquele causador do dano, so ­ mente quando inexistente consórcio segurador que assuma o risco: “0 dever de indenizar o prejudicado, pelo acidente causado por veículo cujo seguro estava vencido, é do proprietário deste, quando à época do evento danoso ainda não estava em vigor a norma que prevê a obrigação indenizatória do Consórcio de Seguradoras, para esses casos" (STJ, 3* T., REsp 218.418/SP, Rei. Min. Fátima Nancy Andrighi, DJ, 17-9-2001). Diante de tal sentir, afigura-se ambígua e desproposital a narração do texto do referido parágrafo, aparentando prevalecer, em tais hipóteses, a exceção do contrato nào cumprido, quando, em verdade, terá apenas a seguradora demandada o direito de regresso contra o segurado moroso.

DIREITO PROJETADO • Entendemos, pelas razões acima expostas, que o parágrafo único merece ser corrigido, para dar o tratamento adequado à matéria a que se reporta. Assim, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão, que foi acolhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002 e agora reproduzida pelo PL n. 699/2011: Parágrafo único. Dem andado em açõo direta pela vitima do dano, o segurador nõo poderá opor a exceção de contrato nõo cumprido pelo segurado, cabendo a denunciaçõo da lide para o direito de regresso.

Seção III — Do seguro de pessoa A rt 789. Nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o mesmo ou diversos seguradores. HISTÓRICO • A redaçào atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.441 do Código Civil de 1916, com pequena mudança redacional. 0 antigo texto era o seguinte: "Art. 1.441. No caso de seguro sobre a vida, é livre às partes fixar o valor respectivo e fazer mais de um seguro, no mesmo ou em diversos valores, sem prejuízo dos antecedentes". Essa seção, no Código Civil de 1916, era denominada "Do seguro de vida" (arts. 1.471 a 1.476); agora, no entanto, passa a ser "Do seguro de pessoa". D O D T R IN A • 0 seguro de vida, de origem londrina (1600), em suas diversas modalidades, e tal com o defi­ nido pelo art. 1.471 do CC de 1916, tendo por objeto garantir, mediante prêmio ajustado, o pagamento de certa soma, livremente fixada pelo segurado e aceita pelo segurador, em razão da morte do segurado, constitui espécie do gênero de seguro de pessoa, e agora está assim

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Arts. 790 e 791

tratado, em melhor adequação do sistema. 0 capital é livremente estipulado pelo proponen­ te, porque difere do seguro de coisa, em que pelo principio indenitário a indenização há de corresponder a um valor certo do dano sofrido pelo segurado. Em seguro de pessoa, esse princípio nào é aplicável, e sim o previdenciário, porquanto o prejuízo é abstrato, a garantia é contra os riscos de morte, de perigo á sua integridade física, de quebra e comprometim en­ to da saúde, e de acidentes dos mais variados, aos quais se acha sujeito o segurado, e, afinal, o valor da vida é inestimável. Por isso, resulta possível contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o mesmo ou mais de um segurador.

Art. 790. No seguro sobre a vida de outros, o proponente é obrigado a declarar, sob pena de falsidade, o seu interesse pela preservação da vida do segurado. Parágrafo único. Até prova em contrário, presume-se o interesse, quando o segurado é cônjuge, ascendente ou descendente do proponente. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.472 do CC de 1916, com pequena melhoria de redação. D O U T R IN A • Quando o seguro de pessoa nào compreender a do próprio segurado, mas de outrem, o pro­ ponente terá de justificar as razões legítimas e lícitas para a instituição do benefício, sejam de ordem jurídica, econômica, moral ou sentimental. • O parágrafo único do artigo, no entanto, estabelece presunção juris tantum - ou seja, rela­ tiva, por admitir prova em contrário - de existir tal interesse, se o segurado for cônjuge, ascendente ou descendente do proponente, já que a relação afetiva ou o parentesco entre eles conduz à conclusão, em geral inarredável, pelo liame existente, sobre o interesse do proponente à preservação da vida daquele(s). E N U N C I A D O D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L -

CJF

• Enunciado 186, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 companheiro deve ser consi­ derado implicitamente incluído no rol das pessoas tratadas no art. 790, parágrafo único, por possuir interesse legitimo no seguro da pessoa do outro companheiro". D IR E I T O P R O J E T A D O • Por simples omissão não foi arrolado o companheiro, aquele amparado pela regra do a rt 1.723 do CC de 2002, dentre as pessoas sobre as quais se presume o interesse do proponente. Por essa razão sugerimos ao Deputado Ricardo Fiuza nova redação do mencionado parágrafo único, aco­ lhida pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002 e agora reproduzida pelo PL n. 699/2011: Parágrafo único. Até prova cm contrário, prcsumc-se o interesse, quando o segurado é cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente do proponente.

Art. 791. Se o segurado não renunciar à faculdade, ou se o seguro não tiver como causa declarada a garantia de alguma obrigação, é lícita a substituição do beneficiário, por ato entre vivos ou de última vontade. Parágrafo único. O segurador, que não for cientificado oportunamente da substituição, desobrigar-se-á pagando o capital segurado ao antigo beneficiário.

Art. 792

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HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição da primeira parte do art. 1.473 do CC de 1916, com pequena melhoria de redação e inclusão de parágrafo único. D O U T R IN A • A lei permite a substituição do beneficiário do seguro de vida, por ato unilateral de vontade do segurado, que a essa faculdade não renunciou ao clausular as condições do seguro, desde que este nào tenha por origem declarada a garantia de determinada obrigação, o que se dará por ato intcr vivos ou mortis causa. • 0 parágrafo único desse artigo, por sua vez, estabelece que, caso o segurador nào seja cien­ tificado, em tempo oportuno, da substituição, resultará liberado do vínculo obrigacional pelo ato de pagamento do capital segurado ao primitivo beneficiário, não podendo, nessa hipó­ tese, o novo beneficiário postular que se lhe pague aquele capital.

Art. 792. Na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que for feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não se­ parado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da vocação hereditária. Parágrafo único. Na falta das pessoas indicadas neste artigo, serão beneficiários os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. O Código Civil de 2002, a rigor, desmembrou o vetusto art. 1.473 do CC de 1916, em dois novos artigos, quais sejam, os arts. 791 e 792. A redação deste úl­ timo dispositivo identifica-se, parcialmente, com a do art. 1“do Decreto-Lei n. 5.384, de 8-4-1943, que dispõe sobre os beneficiários do seguro de vida, assim transcrito, in litteris: “Art. 1« Na falta de beneficiário nomeado, o seguro de vida será pago metade à mulher e metade aos herdeiros do segurado. Parágrafo único. Na falta das pessoas acima indicadas, serão beneficiários os que den­ tro de seis meses reclamarem o pagamento do seguro e provarem que a morte do segurado os privou de meios para proverem sua subsistência. Fora desses casos, será beneficiária a União". D O U T R IN A • Em se tratando de seguro de vida, é certo que a livre escolha dos beneficiários constitui, por sua própria natureza, preceito basilar dessa espécie de seguro. Por isso, diz-se que o segura­ do pode, legitimamente, preterir os próprios parentes, em favor de estranhos. É licito, porém, ao segurado não indicar, desde logo, o nome do beneficiário, ou, fazendo-o, por alguma razão, nào prevalecer tal nomeação; nessas duas hipóteses negativas, a lei determina seja o montante segurado pago, pela metade, ao cônjuge não separado judicialmente, revertendo-se a outra metade aos herdeiros do segurado, obedecida, obviamente, a ordem da vocação hereditária. • 0 novel dispositivo privilegia o chamado "beneficiário subsidiário", quando, na ausência de individuação do beneficiário, coloca o cônjuge, desde que não separado judicialmente, em posição favorável quanto aos demais herdeiros do segurado, à medida que lhe garante, se­ paradamente, o seu respectivo quinhão (1/2 do capital segurado), deixando os demais her­ deiros, considerados num todo, com a outra metade do montante. • Estando o cônjuge falecido, ou separado judicialmente do segurado, aliado à ausência de qualquer herdeiro deste último, beneficiar-se-ão aqueles que necessitem do segurado para

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Arts. 793 e 794

sua própria subsistência, desde que provem, efetivamente, tal dependência econômica, como condição sine qua non para receber o seguro.

Art. 793. É válida a instituição do companheiro como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato. H IS T Ó R IC O • 0 presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto, para suprimir a expressão “desquite", já abolida pela Lei do Di­ vórcio e em fase ditada pela Resolução n. 01/2000, para adequação constitucional e harmonia sistêmica. Merece observação a melhor redação dada ao dispositivo, quando a redação primitiva era a seguinte: "Art. 793. E válida a instituição do concubino como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato do seu cônjuge há mais de 5 (cinco) anos". Trata-se de dispositivo sem correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • No Código Civil de 1916 não se admitia que o beneficiado pelo seguro de vida fosse pessoa a quem o segurado nào pudesse ofertar a sua liberalidade (v. g., concubina do segurado ca­ sado); tampouco seria lícito, segundo escólio jurisprudencial, o segurado indicar com o bene­ ficiário do seguro o filho adulterino, ao argum ento de que, presumidamente, este transferiria o benefício à sua mãe (arts. 1.474 e 1.177). Conferir: RT, 422/335. • Com o advento da Carta M agna de 1988, denominada pelo saudoso Ulysses Guimarães “Cons­ tituição Cidadã", é evidente que tais restrições ruíram por terra, em homenagem aos princí­ pios constitucionais nela albergados. Com o ressabido, foi no campo do Direito de Família que a Constituição Federal, havendo incursionado com maior profundidade, veio de reclamar do codificador civil uma nova regulamentação, operando-se, de fato, as novas regras, com des­ taque marcante, no efeito da presente análise, para a seguinte linha inovativa: a família passou a ser reconhecida e protegida, independentemente do casamento (art. 226, caput e § 3o), muito embora a entidade familiar, oriunda de união estável, não alcance a qualificação jurídica inerente àquela relação. • Realmente, a partir da Constituição de 1988, o modo da constituição familiar nào se tornou exclusivo da união originária do casamento, sendo, igualmente, modelos de família a união estável entre o homem e a mulher, admitida, em toda a sua inteireza, com o entidade familiar, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, § § 3o e 4°). Por tais razões, a norma confere atualidade constitucional à matéria ora tratada. Dessarte, reco­ nhece-se a união estável com o condição de assegurar ao companheiro o direito ao benefício, desde que respeitados os requisitos exigidos no capu t

Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.475 do CC de 1916, com melhoria de ordem redacional.

Art. 795

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D O U T R IN A • Pela simples leitura desse dispositivo, pereebe-se, claramente, que a verba oriunda de seguro não está sujeita à execução, não podendo, ipso facto, ser dada em garantia, porque impenhorável (art. 649, IX, do CPC). Noutro prumo, porém, a jurisprudência tem averbado que "é lícito estipular que a soma do seguro responda pelo pagamento dos prêmios atrasados ou empréstimos feitos pelo próprio segurado sobre a apólice" [RT, 131/725). • Além da vedação da penhora, o capital estipulado nào se comunica com a herança, para os efeitos legais. Trata-se de previsão legitima e razoável, ou, por que nào dizer, inteiramente lógica. Ora, a inclusão do montante, estipulado no seguro, no acervo hereditário, colocando o beneficiário, quanto a essa estipulação, em igualdade de condições com os demais herdei­ ros, representaria um verdadeiro contrassenso. É que, se o segurado almeja privilegiar o be­ neficiário, com a antedita estipulação, este passaria a repousar numa situação assaz desvan­ tajosa, à medida que concorreria com todos os herdeiros do segurado para receber o prêmio, desvirtuando, por completo, a essência da doação. • Em verdade, ocorrendo o sinistro, que, nesse caso, seria a morte do segurado, o prêmio deve reverter-se, sem dúvida, em favor do beneficiário, já que, a rigor, aquele montante jamais integrou o patrimônio do segurado para ser considerado com o parte da herança por este último deixada.

Art. 795. É nula, no seguro de pessoa, qualquer transação para pagamento reduzido do capital segurado. H IS T Ó R IC O • A redaçào atual é a mesma do projeto. Trata-se de dispositivo sem correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Pelo art. 1.442 do CC de 1916, se às partes seria lícito fixar entre si a taxa do prêmio e, na hipótese, de seguro feito em companhia que adote tabela de prêmio, presume-se que o valor do seguro esteja na conformidade do com ela proposto e aceito. Nesse caso, as tabelas inte­ gram o próprio contrato e, celebrado este, entende-se que as partes aceitaram e aderiram, voluntariamente, às respectivas taxas. • Observa-se daí que o segurado e o segurador estão obrigados a preservar a boa-fé, a lealda­ de e a veracidade, assim a respeito do objeto com o das circunstâncias e declarações a ele concernentes; todos os contratos, desenganadamente, devem respaldar-se na boa-fé e na honestidade, mas, no de seguro, sobreleva a importância desse elemento, porque, em regra, funda-se precipuamente nas mútuas afirmações das próprias partes contratantes. • Nessas condições, não é legítimo à seguradora transacionar com o beneficiário visando à diminuição do capital segurado, pois seria juridicamente inconcebível substituir a vontade do segurado, a esta altura já falecido, conferindo interpretação ampliativa ao contrato, ou melhor, m udando-lhe o alcance ou oferecendo-lhe destinaçào diversa daquela que resulta do seu texto originário, máxime quando esta puder efetivamente traduzir intenção diversa da que almejava o segurado. Justamente por se tratar de verdadeiro direito indisponível do segurado, é vedado qualquer tipo de transação para dim inuir o pagamento do capital segu­ rado. JU LG AD O S • O escólio jurisprudencial tem-se pautado no sentido de que "o recibo de quitação passado de forma geral, mas relativo à obtenção de parte do direito legalmente assegurado, nào traduz re-

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Arts. 796 e 797

núncia a este direito e, muito menos, extinção da obrigação" (STJ, 3*T., REsp 129.182/SP, Rei. Min. Waldemar Zveiter, j. em 15-12-1997, 07,30-3-1998). No mesmo sentido é a posição da jurispru­ dência, no tocante à falta da correção monetária, em face do pagamento pelo segurador moroso: "I - A jurisprudência do STJ, na exegese da norma do art. 1», par. 2», da Lei n. 5.488/68, acolheu entendimento no sentido de que a correção monetária, no caso especifico do contrato de seguro, quando não efetuada a indenização no prazo legal, ê devida e o recibo de quitação, passado de forma geral, por si só, não a exclui" (STJ, 3* T., REsp 43.768/PE, Rei. Min. Waldemar Zveiter, DJ, 15-8-1994).

Art. 796.0 prêmio, no seguro de vida, será conveniado por prazo limitado, ou por toda a vida do segurado. Parágrafo único. Em qualquer hipótese, no seguro individual, o segurador não terá ação para cobrar o prêmio vencido, cuja falta de pagamento, nos prazos previstos, acarreta­ rá, conforme se estipular, a resolução do contrato, com a restituição da reserva já formada, ou a redução do capital garantido proporcionalmente ao prêmio pago. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. 0 Código Civil de 1916 traz um artigo correspondente (de n. 1.476) ao caput desse dispositivo, cuja redação é a seguinte: “Art. 1.476. É também licito fazer o seguro de modo que só tenha direito a ele o segurado, se chegar a certa idade, ou for vivo a certo tempo". Quanto ao parágrafo único, porém, nào há qualquer dispositivo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Com o ensina Orlando Gomes, "o seguro de vida propriamente dito é o contrato mediante o qual o segurador se obriga a, por morte do segurado, pagar determinada quantia a quem este designar" (Contratos, 8. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1981, p. 438). A par dessa conceituação, tem-se que tanto o seguro pode ser concebido tendo em vista a morte do segurado como também para o caso de sua sobrevivência. • Dessa maneira, podem-se distinguir duas espécies de seguro de vida: a) quando o segurado morrer, o segurador assume a obrigação de pagar determinada quantia ao beneficiário; e b) o que tem com o evento eclotivo a sobrevida do segurado a uma data prefixada, ou seja, trata-se de uma condição suspensiva, sendo certo que o pagamento do prêmio fica condi­ cionado a um evento futuro e incerto, qual seja, o de o segurado ultrapassar determinada faixa etária. Na primeira hipótese, estamos diante do seguro de vida stricto sensu, que pode constituir-se por lapso temporal determinado, ou prolongar-se por toda a vida do segurado; na segunda, perfaz-se o chamado "seguro de sobrevivência", cujo risco reside na sobrevida do segurado a uma data-limite.

Art. 797. No seguro de vida para o caso de morte, é lícito estipular-se um prazo de ca­ rência, durante o qual o segurador não responde pela ocorrência do sinistro. Parágrafo único. No caso deste artigo o segurador é obrigado a devolver ao beneficiá­ rio o montante da reserva técnica já formada. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

Art. 798

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DOUTRINA • 0 reportado dispositivo vem proteger a figura do segurador, colocado, não raras vezes, em posição inferior à do segurado. Com o uma forma de possibilitar àquele um espaço de tempo para se reorganizar financeiramente, a lei faculta às partes interessadas estipularem um prazo de carência, isentando-o, nesse ínterim, de pagar a indenização pela ocorrência do sinistro. Somente ao cabo desse período é que o beneficiário poderá acionar o segurador para o cumprimento da obrigação. Nesse caso excepcional estará o segurador, todavia, obrigado a devolver ao beneficiário toda a quantia da reserva técnica já formada.

Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente. Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contra­ tual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi objeto de emenda. A redação é a mesma do anteprojeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Retrata o dispositivo a problemática referente à morte voluntária com o causa de desobrigatoriedade do dever de indenizar. Com o sabemos, somente poderá ser efetivamente exigida a obrigação do segurador quando a morte do segurado tenha sido involuntária. 0 Código Civil de 1916, através do parágrafo único do art. 1.440, estatuía que se considerava morte volu n­ tária a recebida em duelo, bem com o o suicídio premeditado por pessoa em juízo. • Agora, porém, a lei veio a estabelecer um limite temporal, como condição para pagamento do capital segurado, ao afirmar, categoricamente, que somente após dois anos da vigência inicial do contrato é que o beneficiário poderá reclamar o seguro devido em razão de suicídio do segurado. A rigor, é irrelevante, doravante, tenha sido, ou não, o suicídio premeditado, pois a única restrição trazida pelo Código Civil de 2002 é de ordem temporal. A norma, ao introduzir lapso temporal no efeito da cobertura securitária em caso de suicídio do segurado, recepciona a doutrina italiana, onde o prazo de carência especial é referido com o spatio deliberandi. Esse prazo de inseguraçâo protege o caráter aleatório do contrato, diante de eventual propósito de o segurado suicidar-se. • Assim, depois de passados dois anos da celebração do contrato, se vier o segurado a suicidar-se, poderá o beneficiário, independentemente de qualquer comprovação quanto à voluntariedade, ou nào, do ato suicida praticado, reclamar a obrigação. Observa-se que o preceito veio em abono à pessoa do beneficiário, em detrimento das com panhias seguradoras, que, amiúde, se valiam de eventuais suicídios para se desonerarem da obrigação, ao argumento de que teria sido premeditado o evento. • Sobre a questão, os pretórios superiores sumularam entendimentos no sentido seguinte: "0 seguro devida cobre morte por suicídio não premeditado" (Súmula 61 do STJ, de 20-10-1992); e “Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de ca­ rência não exime o segurador do pagamento do seguro" (Súmula 105 do STF, de 16-12-1963). Há um estudo interessante da lavra do eminente jurista pernambucano José Carlos Cavalcan­ ti de Araújo: "Exclusão do Suicídio da cobertura do contrato de seguro de acidentes pessoais. Distinção do Seguro de vida" [RT, 585/11-20).

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Art. 799

• Direito comparado: A Lei n. 17.418/67, conhecida com o Código de Seguros argentino, dispõe em seu art. 135 que o suicídio voluntário da pessoa cuja vida se assegura libera o segurador, salvo se o contrato estiver em vigor ininterruptamente por três anos. • O parágrafo único do art. 798 do CC de 2002 apenas fortalece a ideia de proteger os interes­ ses do beneficiário, quando reputa plenamente nula a cláusula contratual que exclui o pa­ gamento do capital por suicídio do segurado. E N U N C I A D O D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L - C J F • Enunciado 187, aprovado na III Jornada de Direito Civil, de 2004: "No contrato de seguro de vida, presume-se, de forma relativa, ser premeditado o suicídio cometido nos dois primeiros anos de vigência da cobertura, ressaltando-se ao beneficiário o ônus de demonstrar a ocorrência do cha­ mado suicídio involuntário". JU LG AD O S • "(...) 1. A interpretação do art. 798 do Código Civil de 2002 deve realizar-se de modo a compati­ bilizar o seu ditame ao disposto nos arts. 113 e 422 do mesmo diploma legal, que evidenciam a boa-fé como um dos princípios norteadores da nova codificação civil. 2. Nessa linha, o fato de o suicídio ter ocorrido no período inicial de dois anos de vigência do contrato de seguro, por si só, não autoriza a companhia seguradora a eximir-se do dever de indenizar, sendo necessária a com­ provação inequívoca da premeditação por parte do segurado, ônus que cabe à seguradora, con­ forme as Súmulas 105/STF e 61/STJ expressam em relação ao sucidio ocorrido durante o período de carência (...) (STJ, 4* Turma, AgReg. no Ag. no REsp. 42.273/RS, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 18-10-2011, DJe de 25-10-2011). • "0 artigo 798 do Código Civil de 2002 não alterou o entendimento de que a prova da premedita­ ção do suicídio é necessária para afastar o direito à indenização suecuritária" (AgRg no Ag. 1.244.022/RS e REsp. 1.077.342/MG).

Art. 799.0 segurador não pode eximir-se ao pagamento do seguro, ainda que da apó­ lice conste a restrição, se a morte ou a incapacidade do segurado provier da utilização de meio de transporte mais arriscado, da prestação de serviço militar, da prática de esporte, ou de atos de humanidade em auxílio de outrem. H IS T Ó R IC O • A redação é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no CC de 1916. D O U T R IN A • Na realidade, o dispositivo em questão confirma, em maior escala, a responsabilidade do segurador, ainda que o óbito provenha de ato do segurado, no qual se sobreleve maior risco e mesmo que da apólice conste essa restrição. Para que tal regra seja efetivamente aplicada, faz-se necessário que o segurado esteja em uma das quatro hipóteses taxativamente elencadas. São elas: o segurado há de estar no exercício regular do direito (prestação de serviço militar ou prática de esporte), praticando filantropia (atos de humanidade em auxílio de outrem) ou se utilizando de meio de transporte mais arriscado, quando - é óbvio - não vai prever o resultado, somente porque se trata de atividade de maior risco. • Novamente, esse artigo vem garantir o direito do beneficiário contra possíveis manipulações das com panhias de seguro, objetivando à postergação do pagamento devido. Nada mais justo do que proteger o beneficiário nessas situações, previstas taxativa e especialmente, justamente porque representam atividades, umas de maior risco, mas imprevisíveis, outras praticadas sob o império do altruísmo.

Arts. 800 e 801

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Art. 800. Nos seguros de pessoas, o segurador não pode sub-rogar-se nos direitos e ações do segurado, ou do beneficiário, contra o causador do sinistro. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • A regra geral, exposta no art. 786 do atual Código Civil, é a de que, uma vez paga a indeni­ zação, tem o segurador o direito de sub-rogar-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano. Entretanto, devido às eviden­ tes peculiaridades do seguro de pessoas, entendeu o legislador de estabelecer uma exceção: nessa modalidade específica de seguro, nào poderá o segurador sub-rogar-se nos direitos e ações do segurado, ou do beneficiário, contra o causador do sinistro. • Aqui o legislador atenta para a importância do bem jurídico objeto do seguro: nesse caso, fugiria ao bom senso transferir-se ao segurador o direito de acionar o terceiro causador do sinistro, já que o interesse do segurado ou do beneficiário pelo reconhecimento judicial de sua pretensão ante aquele é, evidentemente, muito mais relevante do que o do segurador em recuperar o prejuízo sofrido.

Art. 801. O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule. § l- O estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, e é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais. § 2?-A modificação da apólice em vigor dependerá da anuência expressa de segurados que representem três quartos do grupo. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.466 do CC de 1916. D O U T R IN A • O dispositivo visa à garantia dos segurados nos contratos de seguro em grupo, pondo-os a salvo de acordos feitos à sua revelia, pelos chamados estipulantes. O fato de exigirem-se três quartos dos segurados com o condição para qualquer alteração no contrato está a demonstrar que a regra é a sua inalterabilidade. Em verdade, a alegada impossibilidade prática de obter-se o assentimento de tão grande número de interessados, além de discutível, nào procede, pois dela nào se pode inferir que devam ser atribuídos ao estipulante poderes absolutos para mudança das cláusulas obrigacionais. A propósito, convém advertir que a justiça paulista já declarou nulas as alterações feitas no contrato de seguro de grupo, sem expresso assenti­ mento dos segurados. • Em sede doutrinária, extrai-se a lição de Silvio Rodrigues, que conceitua o seguro de vida em grupo com o "o negócio que se estabelece entre um estipulante e a seguradora, através do qual aquele se obriga ao pagamento de um prêmio global e aquela se obriga a indenizar pessoas pertencentes a um grupo determinado, denom inado grupo segurável, pessoas essas ligadas por um interesse comum e cuja relação, variável de momento a momento, é confiada à seguradora" (Direito civil; dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, p. 359).

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Art. 802

• Existem três partes interessadas no negócio: o estipulante, o segurador e o grupo segurado. 0 estipulante, porém, nào representa o segurador perante o grupo segurado, mas é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais. • Se o grupo segurado pretender insurgir-se contra o segurador, deve fazê-lo diretamente, e não por intermédio do estipulante, que, embora permaneça inalterável durante a vigência do contrato, detém, tào somente, a atribuição de firmar o contrato com o segurador, sem res­ ponder por este perante o grupo segurado. Por outro lado, o estipulante funcionará, na equação contrária, com o elo entre o segurador e o grupo, tendo a responsabilidade, perante o primeiro, de fiscalizar o cumprimento de todas as obrigações pelo grupo contraídas, uma vez que foi ele quem procurou a companhia para a consecução do negócio. • De mais a mais, a modificação da apólice em vigor dependerá da anuência expressa de segu­ rados que representem três quartos do grupo, numa evidente proteção da estabilidade nas relações contratuais, quando só admite a alteração, mediante expressa concordância e desde que por decisão tomada por três quartos dos componentes do grupo. • De m odo contrário à tendência atual, que contesta a validade das cláusulas limitativas, previu-se tal disposição restritiva como uma forma de acautelar os interesses da maioria, e, a partir daí, não se ameaçar o equilíbrio contratual pretendido por ocasião da celebração do contrato, privilegiando a manutenção do status quo ante. E N U N C I A D O D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L -

CJF

• Enunciado 375, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "No seguro em grupo de pesso­ as, exige-se o quórum qualificado de 3/4 do grupo, previsto no § 2« do art. 801 do Código Civil, apenas quando as modificações impuserem novos ônus aos participantes ou restringirem seus direitos na apólice em vigor". JU LG AD O • "0 segurado não tem ação contra a estipulante de seguro em grupo para haver o pagamento da indenização, mas tem legitimidade para promover ação contra a seguradora a fim de obter o cumprimento do contrato de seguro feito em favor de terceiro, indicado como primeiro benefi­ ciário, pois, no caso de haver saldo, este reverterá em favor do segurado" (STJ, 4* T., REsp 240.945/ SP, Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ, 19-6-2000).

Art. 802. Não se compreende nas disposições desta Seção a garantia do reembolso de despesas hospitalares ou de tratamento médico, nem o custeio das despesas de luto e de funeral do segurado. H IS T Ó R IC O • A redação é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Esse dispositivo cuida de despesas acessórias, que, eventualmente, podem surgir com o consectário lógico do evento principal. 0 art. 1.460 do CC de 1916 já dispunha que a apólice poderá limitar ou particularizar os riscos do seguro, eximindo, com isso, o segurador de res­ ponder por outros. Desse modo, a interpretação do contrato será concebida sempre de modo restritivo, a nào permitir que despesas acessórias, não previstas no instrumento contratual, ou nào inerentes ou intrínsecas ao objeto do contrato, devam ser de responsabilidade do segurador. Tal previsão se justifica, ainda mais porque, tratando-se de contrato aleatório, o segurador assume os riscos decorrentes do negócio, nos exatos termos da avença.

Arts. 803 e 804

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Capítulo XVI — DA CONSTITUIÇÃO DE RENDA Art. 803. Pode uma pessoa, pelo contrato de constituição de renda, obrigar-se para com outra a uma prestação periódica, a título gratuito. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.424 do CC de 1916. D O U T R IN A • A constituição de renda tem sua definição dimanada do próprio art. 1.424 do CC de 1916, no que couber, segundo o qual mediante ato entre vivos, ou de última vontade, e título onero­ so, ou gratuito, pode constituir-se, por tempo determinado, em benefício próprio ou alheio, uma renda ou prestação periódica, transferindo-se certo capital, em bens ou dinheiro, a pessoa que se obrigue a satisfazê-la. • Há inovação relevante no trato da matéria: ocorreu com o desmembramento em dois artigos, separando a constituição de renda a título gratuito da de título oneroso, a proclamar a dife­ rença existente, e facilitando a aplicação de ambas. • Foi suprimida a possibilidade de constituição de renda através de atos de última vontade. A subtração da possibilidade de constituição de renda através de testamento deu-se em face de o CC de 2002 considerar a constituição de renda como um verdadeiro contrato e assim sendo não poder ser feito por testamento, como aponta, com precisão, o jurista Ari Ferreira de Queiroz (Direito civil-, direito das obrigações, Goiânia, Ed. Jurídica IEPC, p. 183). • A sua obsolescência é reconhecida pela doutrina, embora alguns admitam a constituição de renda também com o fonte de decisão judicial, resultante de condenação por ilicitude civil, onde se determina uma prestação alimentar ao ofendido ou a seus dependentes.

Art. 804.0 contrato pode ser também a título oneroso, entregando-se bens móveis ou imóveis à pessoa que se obriga a satisfazer as prestações a favor do credor ou de terceiros. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Conforme já mencionado no artigo anterior, existe um artigo correspondente a este no CC de 1916, qual seja, o de n. 1.424. Observa-se, contudo, que a inovação aqui registrada se refere, única e exclusivamente, ao desmembramento deste último em dois artigos, o 803 e o 804. D O U T R IN A • Diferentemente da constituição de renda a título gratuito, onde a transmissão de determi­ nado bem ou capital é feita sem contraprestação, por mera liberalidade do instituidor, o que guarda semelhança com a doação, a celebrada a título oneroso obriga o rendeiro a fornecer àquele ou a terceiro renda ou prestação periódica, durante o prazo ajustado. • 0 propósito desse negócio jurídico oneroso e bilateral é o de o instituidor garantir uma me­ lhor remuneração ao seu capital, optando por transferir o seu dom ínio ao rendeiro ou censuário, mediante uma contraprestação. Nesse caso o instituidor desfalca seu patrimônio, entregando ao rendeiro o capital que produzirá a renda a ser recebida por ele próprio ou por terceiro beneficiário.

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Arts. 805 a 807

Art. 805. Sendo o contrato a título oneroso, pode o credor, ao contratar, exigir que o rendeiro lhe preste garantia real, ou fidejussória. H IS T Ó R IC O • A redaçào atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no CC de 1916. D O U T R IN A • A inserção desse artigo objetiva assegurar uma garantia ao instituidor da renda que, ao tempo em que subtrai seu patrimônio por livre deliberação própria (sponte sua), na certeza de que no domínio do rendeiro o capital entregue para a esfera patrimonial deste irá propiciar-lhe melhor renda, poderá, apesar da firme expectativa desse objetivo, acautelar-se mediante uma garantia real ou fidejussória, ficando, assim, em maior segurança quanto ao êxito do contrato. • A garantia real revela a vinculação de certo bem do rendeiro ao cumprimento da obrigação por ele assumida, permitindo ao instituidor credor, caso ocorra inadimplência por parte da­ quele, a constriçào do bem em garantia à realização da renda pactuada. • A garantia fidejussória, por sua vez, com o garantia pessoal, corresponde à segurança presta­ da por alguém, perante o instituidor, de que responderá pelo atendimento da obrigação do rendeiro, caso este nào a cumpra, a exemplo da fiança, da caução de títulos de crédito pes­ soal etc.

Art. 806. O contrato de constituição de renda será feito a prazo certo, ou por vida, podendo ultrapassar a vida do devedor mas não a do credor, seja ele o contratante, seja terceiro. H IS T Ó R IC O • O texto original aprovado pela Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do proje­ to, estava redigido nos seguintes termos: “Art. 806. O contrato de constituição de renda será feito a prazo certo, ou por vida. O prazo pode ultrapassar a vida do devedor mas não a do credor, seja ele o contratante, seja terceiro". No Senado Federal, o dispositivo foi alterado modificando-se apenas a forma redacional, restando intacto o seu conteúdo, passando a ter a redaçào atual. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Em regra de experiência máxima é de reconhecer que, geralmente, o prazo da constituição de renda é indeterminado, vigorando até a morte do instituidor, visto que o interesse de quem assim contrata é o de obter uma renda vitalícia. De igual sentir, ter-se-á extinto o contrato pela morte do beneficiário, quando constituída a renda a seu favor. Essa premissa é confor­ tada na regra em comento, quando assinala, com propriedade, limitar-se a constituição de renda à vida do credor, seja ele o próprio instituidor ou o terceiro que aufere a renda. Uma razão lógica se impõe: a renda é constituída, sempre, em favor de uma pessoa viva. Entretan­ to, não se dissolverá, necessariamente, o contrato por morte do rendeiro, respondendo os sucessores pelas prestações ali previstas.

Art. 807.0 contrato de constituição de renda requer escritura pública. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

Arts. 808 e 809

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DOUTRINA • A exigência de escritura pública para a celebração do contrato de constituição de renda é uma das inovações do atual Código Civil, já que, no regime do diploma de 1916, não se exi­ gia nenhuma forma especial. A escritura pública só era exigida no caso de ser imóvel o bem transferido e excedida a taxa legal, devido ao caráter translativo da propriedade imobiliária. • Bem lembrou o eminente Caio M ário da Silva Pereira que “a repercussão econômica de tal negócio jurídico na vida do beneficiário, com o na do devedor, aconselha, entretanto, que se exija sempre a forma escrita a d substantiam, com o aliás era do Projeto Beviláqua, e foi dis­ pensado, talvez por inadvertência, na sua passagem pelo Senado" (Instituições de direito civil, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1978, v. 3, p. 439), não figurando, todavia, na versão definitiva do Código Civil de 1916 essa exigência. • Agora, no entanto, devido aos já mencionados efeitos patrimoniais, bem como objetivando serem tais contratos sempre levados ao conhecimento do público em geral, entendeu o co­ dificador pela obrigatoriedade de escritura pública para todo e qualquer caso de contrato de constituição de renda.

A rt 808. É nula a constituição de renda em favor de pessoa já falecida, ou que, nos trinta dias seguintes, vier a falecer de moléstia que já sofria, quando foi celebrado o con­ trato. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.425 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

DOUTRINA • O dispositivo harmoniza-se com a regra do art. 806, no qual se reconhece eficaz o contrato enquanto vivo o instituidor ou beneficiário. Na identidade de tal pressuposto, a presente norma tem pela nulidade do contrato contraído em favor de pessoa já falecida ou daquela que, nos trinta dias subsequentes à conclusão do contrato, venha a falecer por doença pre­ existente. A moléstia superveniente ao contrato não dá causa á sua nulidade mas à sua ex­ tinção pelo evento morte, com o observado no dispositivo anterior. A morte decorrente de velhice ou de gravidez, no período estigmatizado pela norma, nào acarreta, todavia, a nuli­ dade do contrato, isto porque, como pondera, com acerto, Caio M ário da Silva Pereira, nào são considerados estados patológicos que autorizem a incidência da disposição legal [Insti­ tuições de direito civil, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 440).

Art. 809. Os bens dados em compensação da renda caem, desde a tradição, no domínio da pessoa que por aquela se obrigou. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.426 do CC de 1916.

DOUTRINA • A norma opera no sentido de evidenciar, quanto satis, o caráter real do contrato de consti­ tuição de renda, visto que a sua caracterização jurídica é a transmissibilidade dominial do bem, em favor do rendeiro, elemento essencial do contrato. O bem entregue ao rendeiro, em compensação da renda, passa a integrar, pela tradição, o seu acervo patrimonial. A renda

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Arts. 810 e 811

vinculada ao referido bem torna-se um direito real, obrigando-se o rendeiro, ou censuário, a prestá-la ao instituidor, na forma estipulada, sob pena de rescisão contratual.

Art. 810. Se o rendeiro, ou censuário, deixar de cumprir a obrigação estipulada, pode­ rá o credor da renda acioná-lo, tanto para que lhe pague as prestações atrasadas como para que lhe dê garantias das futuras, sob pena de rescisão do contrato. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Repete o art. 1.427 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional. D O U T R IN A • Com o antes referido, assume o rendeiro, perante o instituidor, a obrigação de prestar-lhe renda ou prestação periódica, em face da entrega de certo capital ou bem, vinculados estes à constituição de renda celebrada. 0 inadimplemento contratual implica o reclamo judicial do credor para a exigibilidade do seu crédito, no atinente às prestações vencidas, bem como poderá o instituidor exigir garantias para as rendas ou prestações futuras, na forma do art. 805, sujeitando-se o rendeiro, pela mora, à rescisão do contrato, em face da cláusula resolutiva tácita. • "Essas garantias não podem ser outras senão as comuns, consistentes na constituição de qualquer direito real de garantia, ou de fiança" (José Lopes de Oliveira, Contratos, Recife, Livrotécnica, 1978, p. 243). • Maria Helena Diniz acentua, nesse alcance, comentando o primitivo artigo, que, rescindido o contrato, retornam as partes ao status quo ante, "sem restituição das rendas embolsadas anteriormente pelo credor e dos frutos auferidos pelo devedor" (Código Civil anotado, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1997, p. 914).

Art. 8 11.0 credor adquire o direito à renda dia a dia, se a prestação não houver de ser paga adiantada, no começo de cada um dos períodos prefixos. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto.Trata-se de repetição integral do art. 1.428 do CCde 1916. D O U T R IN A • Em análise do dispositivo, Clóvis Beviláqua comenta, com rigor e brilho: "Pela constituição de renda, o instituidor entrega o capital, e o devedor obriga-se a pagar, por período, as pres­ tações combinadas. Se o pagamento se faz por períodos vencidos, a cada fração do tempo do período corresponderá uma fração proporcional da prestação. A prestação é anual, supo­ nha-se, e já decorreram cem dias; a renda devida será a do ano menos a proporção corres­ pondente do tempo necessário para completá-lo. Divide-se a renda anual pelo número de dias que tem o ano, e multiplica-se o quociente pelo número de dias decorridos" (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil com m entado; obrigações, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1919, v. 5, t. 2, p. 177). • Diante da lição aqui colacionada, conclui-se que a renda poderá, uma vez nào paga por adiantamento, no começo do período correspondente e prefixado, ser feita em parcelas, caso em que terá o instituidor direito à renda dia a dia, observadas as frações proporcionais.

Arts. 812 a 814

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Art. 812. Quando a renda for constituída em benefício de duas ou mais pessoas, sem determinação da parte de cada uma, entende-se que os seus direitos são iguais; e, salvo estipulação diversa, não adquirirão os sobrevivos direito à parte dos que morrerem. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. Repete, na íntegra, o art. 1.429 do CC de 1916. D O U T R IN A • Ressabido que a constituição de renda pode ser instituída com pluralidade de beneficiários, presume-se, à falta de disposição expressa sobre a parte de renda de cada um deles, que a perceberão em perfeita paridade. Também não haverá direito aos beneficiários sobrevivos de acrescer a renda atribuída ao que vier a falecer, salvo por prévia estipulação. Excetua-se dessa hipótese a circunstância de serem os beneficiários casados entre si, operando-se, nesse sentido, por analogia, a regra do parágrafo único do art. 551, ou seja, subsistirá na totalida­ de a renda para o cônjuge beneficiário sobrevivo, que a acrescerá à sua parte.

Art. 813. A renda constituída por título gratuito pode, por ato do instituidor, ficar isen­ ta de todas as execuções pendentes e futuras. Parágrafo único. A isenção prevista neste artigo prevalece de pleno direito em favor dos montepios e pensões alimentícias. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do anteprojeto. Repete o a rt 1.430 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional, acrescentando-se parágrafo único. D O U T R IN A • É lícito ao doador da renda gravá-la com a cláusula de inalienabilidade e impenhorabilidade, isentando-a de todas as execuções pendentes e futuras, "porque, tratando-se de liberalidade, em que o estipulante visa garantir a sobrevivência do beneficiário, a intenção daquele seria frustrada se se possibilitasse a alienação da renda ou sua penhora pelos credores do seu ti­ tular" (Silvio Rodrigues, Direito Civil; dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, p. 338-9). • Tal isenção existirá de pleno direito em favor dos montepios e pensões alimentícias, pontifi­ cando, a esse com ando da lei, a relevância assistencial da constituição de renda.

Capítulo XVII — DO JOGO E DA APOSTA Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito. § 1? Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhe­ cimento, novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante não pode ser opos­ ta ao terceiro de boa-fé. § 2 - 0 preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos.

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Art. 815

§ 3? Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.477 do CC de 1916, eom inclusão de mais dois parágrafos. Com relação ao caput e ao parágrafo único desse artigo (1.477), a mudança redacional deu-se apenas no aspecto formal da norma, restando intacto o seu conteúdo. No mais, o artigo em comento inovou a matéria, consignando-a de maneira mais ampla quando acrescentou os §§ 2o e 3° acima transcritos. D O U T R IN A • Impende reconhecer, de pronto, na assertiva legal de as dívidas do jogo ou aposta não obri­ garem ao pagamento, a negação da lei aos efeitos pretendidos pelas partes. Embora arrolados como contratos, Silvio Rodrigues aponta a contradição quando “o legislador proclama a inexigibilidade da dívida" [Direito civil; dos contratos e das declarações unilaterais da vonta­ de, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, p. 364). • A norma tratou de sanar a falha do CC de 1916, acrescentando os § § 2° e 3° do art. 814, os quais excetuam da regra geral prevista no caput do reportado dispositivo o s jo g o s e apostos legalmente permitidos e os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em com pe­ tição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que o s interessados se subm etam à s prescrições legais e regulamentares. Aliás, nesse sentido, a jurisprudência vinha se norte­ ando, sendo suficiente citar: " 0 art. 1.477 não incide sobre a Loteria Esportiva" [RT, 494/197). • Diante de tais conseqüências jurídicas, onde se torna inexigível a perda experimentada pelo jogador inexitoso, e, por outro lado, irrecuperável a quantia daquele que, vencido, satisfez voluntariamente a dívida, a lei fulmina de nulidade, de conseguinte, qualquer contrato que envolva o reconhecimento, novaçào ou fiança de dívida de jogo, não alcançando, porém, o terceiro de boa-fé, a cujo respeito impõe-se uma aferição complexa de tal qualidade. • Subm etidos aos mesmos preceitos, inclusive porque vinculados ao mesmo elemento sorte, jogo e aposta, todavia, merecem conceituações distintas. Essa distinção, recolhe-se, pela clareza do magistério de Maria Helena Diniz: "jogo é o contrato em que duas ou mais pesso­ as prometem, entre si, pagar certa soma àquela que conseguir um resultado favorável de um acontecimento incerto, ao passo que aposta é a convenção em que duas ou mais pessoas de opiniões discordantes sobre qualquer assunto prometem, entre si, pagar certa quantia ou entregar determinado bem àquela cuja opinião prevalecer em virtude de um evento incerto" (Curso de direito civil brasileiro; teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3, p. 418).

Art. 815. Não se pode exigir reembolso do que se emprestou para jogo ou aposta, no ato de apostar ou jogar. H IS T Ó R IC O • A redação atual é a mesma do projeto. Repete, na íntegra, a redação do a rt 1.478 do CC de 1916. D O U T R IN A • Uma das medidas implementadas pelo codificador brasileiro de 1916 e mantida pelo CC de 2002 consiste em estender a mesma injuridicidade que estigmatiza a dívida de jogo ou apos­ ta ao m útuo contraído pelo ato de apostar e jogar, "por constituir incremento ao vício e

Art. 816

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representar a exploração de um estado de superexeitação em que se encontra o jogador" [RT, 147/690). Todavia, acrescenta Maria Helena Diniz que, “se o empréstimo foi feito antes do jogo, para obter meios para fazê-lo, ou depois do jogo, para pagar o que nele se perdeu anteriormente, esse débito poderá ser exigido judicialmente" (Curso de direito civil brasilei­ ro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 16. ed., Sào Paulo, Saraiva, 2001, v. 3. p. 424).

Art. 816. As disposições dos arts. 814 e 815 não se aplicam aos contratos sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipulem a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem no vencimento do ajuste. HISTÓRICO • 0 texto original do projeto, que nâo tinha sido emendado pelo Senado, repetia integralmente o a rt 1.479, assim dispondo: "Art. 816. São equiparados ao jogo, submetendo-se, como tais, ao disposto nos artigos antecedentes, os contratos sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipule a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem, no vencimento do ajuste". Posteriormente, com a aprovação da Resolução do Con­ gresso Nacional n. 01/2000, o Relator Fiuza propôs a alteração do dispositivo, que restou incor­ porada pelo Senado e aprovada pela Câmara em votação final.

DOUTRINA • 0 Código Civil de 2002 aboliu o princípio da equiparação. Efetivamente, equiparar as opera­ ções das bolsas de futuros a jogo ou aposta era algo que nào podia permanecer no Código Civil. Observe-se que o Decreto-Lei n. 2.286, de 23-7-1986, já dispõe sobre a cobrança de impostos nas operações a termo de bolsas de mercadorias ou mercados outros de liquidações futuras, realizadas por pessoa física, tributando os rendimentos e ganhos de capital delas decorrentes. E no art. 3e são definidos com o valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei n. 6.385, de 7-12-1976, os índices representativos de carteiras de ações e as opções de compra e venda de valores mobiliários, sendo certo que o Conselho M onetário Nacional e o Banco Central do Brasil, através das Resoluções n. 1.190/86 e 1.645/89, respectivamente, referiam-se às bolsas, cujo objetivo é, justamente, a organização de um mercado livre e aberto para a negociação de produtos derivativos de mercadorias e ativos financeiros. • Isto já existe no Brasil desde 1986, quando foi criada a Bolsa de Mercadorias & Futuros, que realiza um volume de negócios equivalente a dez vezes o nosso Produto Interno Bruto. Tais bolsas existem na Alemanha, na França, na Itália, na Suíça, na Austrália, na Áustria, na Bél­ gica, em Luxemburgo, na Holanda, no Reino Unido e sobretudo nos Estados Unidos. Ser contra a existência dos negócios realizados nas Bolsas de Mercadorias e Futuros com base na afirmativa de eles terem por objeto negócios equiparados a jogo e aposta é despiciendo, porque nas clássicas Bolsas de Valores as ações compradas ou vendidas também variam de preço de um dia para o outro, sendo essa operação absolutamente aceitável e tributada. • Os negócios de mercadorias, derivativos e futuros, têm seu risco e a possibilidade sempre presente de, de um lado, alguém perder, e, de outro, alguém ganhar, tal com o ocorre nas Bolsas de Valores clássicas. E isso jamais foi considerado ilegal por constituir jogo ou aposta proibidos. M utatis mutandis, é o que ocorre nos negócios de títulos de bolsas de mercadorias, derivados e futuros, supracitados, mesmo quando a venda não é feita e o negócio se desfaz pelo pagamento da diferença, no preço, pelo que perdeu. • Afinal, só o volume negociado na Bolsa de Mercadorias & Futuros demonstra a sua im por­ tância, pois permite, entre outras coisas, a form ação transparente dos preços futuros de commodities da pauta comercial brasileira, tais com o o café, o açúcar, a soja e o algodão, facilitando as respectivas vendas a termo no Brasil e no exterior.

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Arts. 817 e 818

• Apresentou-se imperativa, portanto, a adequação do texto è legislação superveniente, dian­ te do que dispõe o art. 1* da Resolução n. 01/2000 do Congresso Nacional. Este foi o escorço doutrinário que embasou a emenda na fase legislativa aditiva em sede da referida Resolução.

JULGADO • “A operação de compra de títulos e venda destes a terceiros não se enquadra no art. 1.479 do Código Civil/16" [RT, 510/146).

Art. 817.0 sorteio para dirimir questões ou dividir coisas comuns considera-se siste­ ma de partilha ou processo de transação, conforme o caso. HISTÓRICO • A redação atual é a mesma do projeto. 0 reportado dispositivo repete o art. 1.480 do CC de 1916.

DOUTRINA • A norma nào considera essa espécie de sorteio com o jogo e aposta, quando se trate de desa­ te de pendências condominiais, não incidindo sobre ele as regras antes analisadas. É que, em tais hipóteses, não existem o lucro ou a perda, apenas elege-se o critério aleatório para o sistema de partilha, em relação aos bens comuns, ante a falta de outro critério que possa dirimir questões de interesse dos condôminos, havendo-se, ainda, tal critério com o um pro­ cesso de transação.

Capítulo XVIII — DA FIANÇA

Seção I — Disposições gerais Art. 818. Pelo contrato de Fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obriga­ ção assumida pelo devedor, caso este não a cumpra. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.481 do CC de 1916, com pequena alteração de ordem redacional.

DOUTRINA • A fiança é um contrato mediante o qual uma parte (fiador) assume para com outra, credor de determinada obrigação de terceiro (afiançado), a garantia de por ela responder caso aquele nào venha adimpli-la. Essa segurança oferecida constitui contrato acessório ao prin­ cipal, onde subsiste a obrigação por este garantida. É garantia fidejussória, por tratar-se de garantia pessoal, e, como tal, uma espécie do gênero garantia. A doutrina o reconhece como um contrato unilateral, em regra nào oneroso, acessório, solene e intuitu personae. • Em valioso estudo sobre a impenhorabilidade do bem de família do fiador, Mário Luiz Delgado sustenta que “a partir da decisão prolatada pelo Ministro Carlos Velloso no RE 352.940/SP, obser­ va-se uma radical mudança de rumos na jurisprudência, que doravante inclina-se a considerar que o art. 6o da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 26/2000, não recepcionou o a rt 3», VII, da Lei n. 8.009/90, alterado pela Lei n. 8.245/91. Trata-se de importante e paradigmática virada da jurisprudência, no sentido de assegurar eficácia e efetividade aos direi­

Arts. 819 a 820

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tos fundamentais plasmados na tábua axiológiea da Constituição. 0 a rt 82 da Lei n. 8.245/91, ao modificar a Lei n. 8.009/90, estabelecendo exceção à impenhorabilidade legal para o bem de fa­ mília do fiador de locação, deixou claramente de atender à determinação constitucional de pro­ teção ao direito à moradia". SÚ M U LAS • Súmula 268 do STJ: "0 fiador que não integrou a relação processual na ação de despejo não res­ ponde pela execução do julgado". • Súmula 214 do STJ: "0 fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu".

Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva. H IS T Ó R IC O • A redação é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do a rt 1.483 do CC de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional. D O U T R IN A • Pela sua natureza, depende da forma escrita, sem exigir, contudo, determinada forma espe­ cial para demonstrar efetivamente prestada a garantia, e o caráter benéfico de que se reves­ te a fiança não permite lhe seja dada uma interpretação extensiva [RT, 489/240). Silvio Ro­ drigues sustenta que o contrato é solene, pela necessidade de ser escrito (Direito civil; dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27. ed., Sào Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, p. 371); entretanto, segundo Ari Ferreira de Queiroz, “razão nào o assiste, porém, porque nào há solenidade alguma, com o se exige com o casamento ou com as escrituras públicas em geral" (Direito civil: direito das obrigações, Goiânia, Ed. Jurídica IEPC, 1999, p. 188). SÚ M U LA • Súmula 214 do STJ: "0 fiador não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu". JU LG AD O • "A jurisprudência assentada nesta Corte construiu o pensamento de que, devendo ser o contrato de fiança interpretado restritivamente, não se pode admitir a responsabilização do fiador por encargos locatícios decorrentes de contrato de locação prorrogado sem a sua anuência, ainda que exista cláusula estendendo sua obrigação até a entrega das chaves" (STJ, 6* T., REsp 299.154/MG, Rei. Min. Vicente Leal, DJ, 15-10-2001).

Art. 819-A. (Vetado.) Art. 820. Pode-se estipular a fiança, ainda que sem consentimento do devedor ou con­ tra a sua vontade. H IS T Ó R IC O • A redação é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.484 do CC de 1916. D O U T R IN A • 0 Código Civil de 2002, nesse particular, explicita que pode a fiança ser estipulada ainda que contra a vontade do devedor, referência inexistente no Código de 1916, que mencionava apenas a possibilidade de estipulação sem o consentimento daquele.

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Arts. 821 e 822

• A relaçào jurídico-fidejussória envolve tào somente o credor da obrigação de terceiro e aquele que a garante, daí tornando prescindível a intervenção do obrigado principal e afian­ çado. Essa a razão pela qual nào pode ele se opor à fiança, ou para a sua prestação ser ne­ cessário oferecer anuência, podendo, em conseqüência, o credor eleger o fiador sem que o afiançado interfira, porquanto a estipulação vem ao interesse exclusivo daquele. Forçoso reconhecer, entretanto, a aplicação residual da norma, sendo certo que, geralmente gratuita a fiança, em regra ê concedida por quem favorece o devedor, atendendo-lhe à necessidade de ser afiançado, e, de outro modo, é a mais das vezes este obrigado, por lei ou por acordo das partes, a dar fiador. A fiança onerosa ocorre quando, p. ex., nos casos das fianças bancá­ rias, o afiançado oferece ao fiador uma devida remuneração pela garantia prestada.

Art. 821. As dívidas futuras podem ser objeto de fiança; mas o fiador, neste caso, não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor. H IS T Ó R IC O • A redação é a mesma do projeto. Repete o art. 1.485 do CC de 1916. D O U T R IN A • É certo que a responsabilidade do fiador, por força do disposto neste artigo, atinge a dívida futura (STJ, 5*T., REsp 216.704/SP, Rei. Min. Edson Vidigal, DJ, 29-11-1999), mas na hipótese se torna imprestável o documento contratual da fiança com o título executivo extrajudicial relativo a dívida futura, diante do seu montante incerto. 0 fiador, em tal circunstância, so ­ mente poderá ser demandado depois de certa e líquida a obrigação do devedor principal. • Em se tratando, pois, de obrigação em caráter rotativo, incide a presente norma, exigindo-se a certeza e liquidez das obrigações afiançadas. M ais precisamente, o principio da acessoriedade é que impõe a eficácia da fiança quando somente resultar assente e afirmada a obriga­ ção que determinou a garantia. JU LG ADO • Nesse sentido: STJ, 4* T., REsp 2.069/SP, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ, 11-6-1990.

Art. 822. Não sendo limitada, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador. H IS T Ó R IC O • A redação é a mesma do projeto. Repete o art. 1.486 do CC de 1916. D O U T R IN A • Os encargos da fiança são os originalmente pactuados, fixando a esfera da responsabilidade do fiador. M as é preciso que a fiança se apresente limitada no ato de sua prestação, para que o fiador nào responda pela integralidade das obrigações decorrentes do contrato, bem como pelas indenizações decorrentes do descumprimento de qualquer delas. • Em outras palavras, prestada a fiança, sem que constem do instrumento as restrições, ter-se-á a fiança com o prestada em caráter universal, o que faz o fiador corresponsável por todo e qualquer prejuízo causado pelo afiançado. Nesse sentido: STJ, 6a T., REsp 49.568/SP, Rei. Min. Anselm o Santiago, DJ, 16-2-1998. Assim, nào limitada, expressamente, a fiança, esta compreenderá todos os acessórios da dívida principal, aí incluídos os juros moratórios, a

Arts. 823 e 824

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cláusula penal, os acréscimos legais da locação etc., e, na hipótese de demanda judicial, o fiador responderá pelas despesas judiciais, a partir de sua citação. Veja-se, neste último caso, que "a citação do fiador na ação de despejo visa, consoante a disposição (...) a responsabilizá-lo pelas despesas judiciais ou ensejar-lhe oportunidade de evitar o agravamento de sua obrigação" [RT, 489/240). JU LG AD O • "Sendo a fiança locaticia prestada por prazo limitado, descabe se estendê-la, fictamente, para além deste lapso temporal. É certo que procurar dar extensividade ilimitada à garantia fidejussória, que é limitada, configura, inarredavelmente, dupla ofensa ao art. 1.483, do Código Civil, que exige a forma escrita ao instituto da fiança, além de vedar a sua interpretação extensiva. 0 art. 39 da Lei 8.245/91 não determinou a extensividade da fiança em prejuízo da voluntária e desinteressada manifestação de vontade do fiador. É tanto assim que, na hipótese de a fiança haver sido presta­ da por prazo certo - como na hipótese - , e a locação se prorrogar indeterminadamente, dito diploma, em seu inciso V, art. 40, ofertou ao locador a possibilidade de exigir novo fiador, ou mesmo a substituição da modalidade de garantia" (STJ, 5* T., EEARES 275.383/MG, Rei. Min. Gilson Dipp, DJ, 25-6-2001).

Art. 823. A fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em condições menos onerosas, e, quando exceder o valor da dívida, ou for mais onerosa que ela, não valerá senão até ao limite da obrigação afiançada. H IS T Ó R IC O • A redação é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.487 d o C C d e 1916, tendo havido mudan­ ça de redação apenas quanto ao aspecto formal, restando intacto o conteúdo da norma. D O U T R IN A • Na fiança, a responsabilidade do garante pode ser por valor aquém ao da obrigação principal, ou seja, por parte da dívida, podendo ser inclusive prestada em condições menos onerosas do que aquela. Pelo princípio da acessoriedade nào poderá, outrossim, a fiança superar o valor da obrigação fiançada ou a sua onerosidade. Nesse caso, a eficácia da fiança será havida até o limite da obrigação principal. Do contrário, o fiador estaria respondendo em proporções mais extensas que as suportadas pelo próprio afiançado.

Art. 824. As obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resul­ tar apenas de incapacidade pessoal do devedor. Parágrafo único. A exceção estabelecida neste artigo não abrange o caso de mútuo feito a menor. H IS T Ó R IC O • A redação é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.488 do CC de 1916, que faz remissão, no seu parágrafo, ao art. 1.259. D O U T R IN A • A norma evidencia, aqui, mais uma vez, o princípio da acessoriedade, porquanto a fiança subordina-se à validade da obrigação principal. É natural que assim seja, por se constituir a fiança em obrigação acessória. A ressalva da norma tem seu conduto no fato de o Código admitir obrigações naturais.

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Arts. 825 a 827

• Explica, a propósito, o mestre Clóvis Beviláqua: “São susceptíveis de fiança as obrigações anuláveis por incapacidade pessoal do devedor. A razão, que se costuma dar para justificar esse preceito, é que há, neste caso, uma obrigação natural, portanto, nào falta, inteiramente, uma base à fiança. 0 fiador garante o credor contra os riscos decorrentes da incapacidade do devedor". E, adiante, esclarece: “Abstraindo da obrigação natural, haverá, em todo caso, um dever de pagar, porque a obrigação anulável subsiste enquanto não se anula. E o fiador, assegurando o cumprimento dessa obrigação, torna-se devedor direto e único, se o obrigado se excusa, sob o fundam ento de sua incapacidade" (Código Civil dos Estados Unidos do Bra­ sil com m entado; obrigações, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1919, v. 5. t. 2, p. 240). • Ressalte-se, afinal, o disposto no art. 588 do CC de 2002, em exame do parágrafo único do presente artigo. A fiança somente será válida se o mútuo feito a pessoa menor tiver a prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver.

Art. 825. Quando alguém houver de oferecer fiador, o credor não pode ser obrigado a aceitá-lo se não for pessoa idônea, domiciliada no município onde tenha de prestar a fiança, e não possua bens suficientes para cumprir a obrigação. H IS T Ó R IC O • A redação original do dispositivo era a seguinte: “Art. 825. Quando alguém houver de dar fiador, o credor não pode ser obrigado a aceitá-lo, se nào for pessoa idônea, domiciliada no Município, onde tenha de prestar a fiança, e não possua bens suficientes para cumprir a obrigação". Por meio de emenda do Senado Federal, ganhou a redação atual e melhorada. Corresponde ao art. 1.489 do CCde 1916. D O U T R IN A • Obrigado a dar fiador, por lei ou por convenção das partes, o devedor principal não pode, todavia, impor a escolha do garante ao credor. A recusa ao fiador indicado é autorizada por lei, nas hipóteses que menciona. Assim, não estará obrigado o credor a aceitar o fiador, quando se tratar de pessoa sem idoneidade moral ou financeira, que nào residir no município onde tenha de prestar a fiança ou, ainda, que não apresentar acervo patrimonial satisfatório ao cumprimento da obrigação acessória que aceita assumir.

Art. 826. Se o fiador se tom ar insolvente ou incapaz, poderá o credor exigir que seja substituído. H IS T Ó R IC O • A redação é a mesma do anteprojeto. Repete o art. 1.490 do CC de 1916. D O U T R IN A • Cuida-se de prerrogativa do credor a de exigir a substituição do fiador que se tornou insol­ vente ou incapaz, porque em tais casos não mais se apresenta em condições hábeis de res­ ponder pela obrigação acessória. Compete-lhe, entretanto, provar a arguiçào desse fato su­ perveniente.

Seção II — Dos efeitos da fiança Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.

Art. 828

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Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. O caput do reportado dispositivo corresponde ao art. 1.491 do Código Civil de 1916, ambos eom redações quase que idênticas. A única distinção reside no termo "executados", que, na redação anterior, lia-se "excutidos". 0 parágrafo único, por sua vez, perma­ nece com redação semelhante à anterior. D O U T R IN A • É induvidoso que, nas relações entre o credor e fiador, o segundo não poderá opor ao pri­ meiro as exceções resultantes do seu vínculo para com o devedor afiançado, mas poderá invocar as decorrentes da própria fiança, a exemplo do chamado "benefício de ordem” ou “de excussão”, pelo qual ao credor é vedado optar, sponte sua, entre o fiador e o devedor prin­ cipal, para exigir o pagamento de qualquer um deles. • 0 credor somente poderá acionar o devedor afiançado quando o devedor principal se quedar inerte quanto ao adimplemento da obrigação assumida, ou quando seus bens não forem bastantes para atender ao cumprimento desta última, exceto se contrataram sob condições menos onerosas. • Trata-se de um direito/privilégio instituído em favor do fiador, por demais lógico e razoável, de não ser ele compelido a pagar a dívida afiançada, sem que primeiro sejam executados os bens do devedor principal, simplesmente porque a acessoriedade e a subsidiariedade são duas das características mais marcantes da fiança, que, desrespeitadas, desfigurariam -na por completo. • A invocação do benefício de ordem nào se opera pleno iure, de imediato, sem a manifestação do fiador nesse sentido; exige-se, com o corolário lógico de admissibilidade, a expressa arguição pelo beneficiário (fiador), tão logo seja ele acionado pelo credor, aliada à inequívoca indicação dos bens do afiançado, quantos bastem para solver o débito e, desde que livres e desembargados de qualquer ônus, situados no mesmo município onde tramita o processo. • Para que se admita validamente o benefício de ordem, o fiador deverá reclamá-lo até a contestação da lide, se demandado em ação de cobrança, ou no prazo da nomeação de bens à penhora, se demandado em execução. Acolhida a exceção representada pelo benefício de ordem, o juiz suspenderá a execução contra o fiador, ordenando que se penhorem e executem os bens do devedor principal.

Art. 828. Não aproveita este benefício ao fiador: I — se ele o renunciou expressamente; II — se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário; III — se o devedor for insolvente, ou falido. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. O reportado dispositivo corresponde, em termos exatos, ao art. 1.492 do CC de 1916. D O U T R IN A • Em regra, quando nada estipulam as partes em contrário, todo fiador tem o direito de gozar do benefício de ordem, desde que: a) a ele não tenha renunciado expressamente, seja por

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Art. 829

cláusula inserta no instrumento mesmo da fiança, seja em documento apartado (inciso I); b) não tenha assumido o ônus de pagar a dívida com o principal pagador, ou seja, nào tenha pactuado fiança com cláusula de solidariedade [RT, 204/497) (inciso II); ou c) o devedor prin­ cipal nào seja insolvente ou falido, pois - é curial se instaurada a falência do devedor ou contra ele instaurado concurso de credores, fica afastada, em ambas as hipóteses, a possibi­ lidade de ser feita a indicação de bens livres e desembargados, indicação esta requisito inse­ parável do privilégio (inciso III). Em tais hipóteses, independentemente de o afiançado possuir patrimônio capaz de responder pelo pagamento do débito, primeiramente serão constritos os bens do dador da garantia. • Sustenta Flávio Tartuce que as hipóteses previstas nos incisos I e II do art. 828 do Código Civil "são casos em que o fiador abre mão, por força de previsão (ou imposição) no contrato, do direito de alegar um benefício que a lei lhe faculta (e) justamente porque o fiador está renunciando a um direito que lhe é inerente, é que defendemos que essa renúncia não vale­ rá se o contrato de fiança for de adesão por força da aplicação do art. 424 do CC". E N U N C I A D O D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L -

C JF

• Enunciado 364, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “No contrato de fiança é nula a cláusula de renúncia antecipada ao benefício de ordem quando inserida em contrato de adesão".

Art. 829. A fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa importa o compromisso de solidariedade entre elas, se declaradamente não se reservarem o benefício de divisão. Parágrafo único. Estipulado este benefício, cada fiador responde unicamente pela parte que, em proporção, lhe couber no pagamento. H IS T Ó R IC O • A redação é a mesma do projeto. Tanto a redação do caput quanto a do parágrafo único perma­ necem intactas em relação às anteriores e correspondem ao art. 1.493 e seu parágrafo único, ambos do CC de 1916. D O U T R IN A • A rigor, o fiador deve o adimplemento em nome do devedor principal, e não o objeto por este devido em face do credor. Assim, quando for a fiança prestada por dois ou mais fiadores, sem se especificar a parte da dívida a que cada qual responde individualmente, a garantia por eles prestada lhes estabelece o vínculo da solidariedade entre si, ou seja, o credor que acionou, ineficientemente, o devedor principal pode ir, indistintamente, contra qualquer deles, exigin­ do o total da dívida. Assim se sucede somente se inexistir manifestação expressa em contrá­ rio, dispondo que cada fiador responda, apenas, por uma parcela certa e determinada da obrigação por ambos assumida, caso em que se configurará o chamado "benefício da divisão". • A referida solidariedade nào se apresenta entre os fiadores e o devedor principal, mas apenas entre os primeiros, uns com os outros. Sem a limitação, portanto, da responsabilidade de cada fiador, isoladamente considerado, todos responderão integral e solidariamente pela dívida total, porque cofiadores se presumem solidários; estipulando-se, porém, no contrato, que cada qual responde apenas por parte dele, cada fiador não poderá vincular-se a mais do que o valor por ele afiançado, respondendo apenas pro rata. • Com o observado, o "benefício de divisão”, pressupondo pluralidade de fiadores, afasta a so ­ lidariedade, tornando divisível a obrigação, e só existirá se houver estipulação para tanto,

Arts. 830 e 831

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quando, de plano, já se pode determinar a parte do quantum debeatur que caberá a cada fiador. Dessarte, se a parcela da fiança, relativa a um deles, por qualquer motivo, se extingue, ou se prescreve a pretensão a ela correspondente, a fiança cessa em seu favor, desonerando-Ihe da obrigação. Ressalte-se, ainda, que, mesmo não sendo convencionado o multicitado benefício, podem os cofiadores, entre si, estipular a parte da dívida que lhes cabe, hipótese em que, dada a ausência de estipulação, não se configura o benefício de divisão, mas apenas uma mera manifestação volitiva, produzida extrajudicialmente, que surtirá, porém, o mesmo efeito prático ao final. • Entre o credor e todos ou alguns dos cofiadores, podem ser estabelecidos graus para as g a ­ rantias, bem com o prazos em que cada um, alguns ou todos tenham de cumprir o prometido.

JULGADO • A jurisprudência já assentou entendimento pelo qual "a fiança prestada por marido e mulher, se inexiste a reserva do beneficio de divisão, cai na regra da solidariedade estipulada no art. 1.493 do CC. Assim, a morte de um fiador nào limita a garantia até a data de seu falecimento, já que não incide a norma do art. 1.501 do mesmo Código quanto ao garante solidário" [RT, 635/268).

Art. 830. Cada fiador pode fixar no contrato a parte da dívida que toma sob sua respon­ sabilidade, caso em que não será por mais obrigado. HISTÓRICO • "Art. 830. Pode também cada fiador taxar, no contrato, a parte da divida que toma sob sua res­ ponsabilidade, e, neste caso, não será obrigado a mais." Esta era a redação original do dispositivo, que a partir de emenda senatorial passou a adotar o texto atual. A intenção buscada e efetiva­ mente alcançada pelo eminente Senador Josaphat Marinho foi, ao substituir a forma verbal "taxar" por "fixar", dar maior clareza, tecnicidade e precisão ao dispositivo com a ordem direta adotada. Demais disso, a substituição veio a compatibilizar a redação do art. 830 com os arts. 485,486,487, 488 e 489 do próprio projeto, que utilizam sempre o termo "fixação". Sem falar que taxação é expressão mais afeita à seara do direito público. No mais a emenda aperfeiçoou a redação. Cor­ responde ao art. 1.494 do CC de 1916, tendo havido mudança redacional apenas quanto ao as­ pecto formal da norma, restando intacto seu conteúdo.

DOUTRINA • Revela-se, aí, hipótese de limitação da responsabilidade individual dos fiadores, que emerge em razão de pacto por eles próprios empreendido no bojo do contrato. Assim com o o fiador único pode limitar a garantia a apenas uma parte da dívida (art. 1.487 do CC de 1916), nào é menos certo, também, que, sendo vários os fiadores, cada qual especifique, no contrato, a parte da dívida a ser tomada por sua responsabilidade, e, nesse caso, jamais será obrigado a responder por quantia superior. • Aqui a responsabilidade de cada fiador deixará de ser fixada em relação proporcional aos demais, passando a limitar-se, expressamente, a um montante, certo e individualizado.

Art. 831. O fiador que pagar integralmente a dívida fica sub-rogado nos direitos do credor, mas só poderá demandar a cada um dos outros fiadores pela respectiva quota. Parágrafo único. A parte do fiador insolvente distribuir-se-á pelos outros. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Tanto a redação do caput quanto a do parágrafo único perma­ necem intactas em relação à anterior, constante do art. 1.495 do CC de 1916.

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Jones Figueirêdo Alves

Arts. 832 e 833

DOUTRINA • Pelo instituto da "sub-rogação legal", o fiador que paga a dívida, total ou parcialmente, sub-roga-se, pleno iure, nos direitos do credor, na proporção do pagamento, podendo cobrar dos outros fiadores as respectivas cotas, ou do devedor principal o todo, reembolsando-se por tudo que despendeu em razão do pagamento da garantia. • Se o fiador, que pagou a dívida, acionar os outros fiadores, e um destes for insolvente ou falido, a parte de sua responsabilidade na dívida será distribuída entre os demais eofiadores solváveis, por ocasião da exigibilidade da prestação.

Art. 832.0 devedor responde também perante o fiador por todas as perdas e danos que este pagar, e pelos que sofrer em razão da fiança. HISTÓRICO • A redaçào é a mesma do projeto. 0 reportado dispositivo corresponde ao art. 1.496 do CC de 1916, ambos com redações quase que idênticas. A única distinção reside na expressão "perante o", quando, na redação anterior, lia-se “ao".

DOUTRINA • Consabido que a obrigação essencial do fiador é pagar a dívida do devedor principal, se este assim não proceder no tempo e no m odo acordados. Na hipótese de ser compelido a pagar a dívida, caberá ao fiador, contudo, ação regressiva em face do afiançado, de cunho inde­ nizatório, para dele reclamar não apenas a importância desembolsada a esse título, mas também todos os prejuízos eventualmente sofridos em razão da garantia prestada (despesas processuais, cláusula penal etc.), inclusive indenização por dano moral, desde que cabível na espécie.

Art 833.0 fiador tem direito aos juros do desembolso pela taxa estipulada na obrigação principal, e, não havendo taxa convencionada, aos juros legais da mora. HISTÓRICO • A redaçào é a mesma do projeto. 0 reportado dispositivo corresponde, em termos exatos, ao art. 1.497 do CCde 1916.

DOUTRINA • Caminhando, ainda, sobre os trilhos das relações entre fiador e afiançado, sabe-se que o primeiro, sub-rogando-se nos direitos do credor (art. 831), pode exigir do segundo o m on­ tante integral que pagou, acrescido dos juros do desembolso pela taxa estipulada na obriga­ ção principal, e, à falta dessa taxa convencionada, pela taxa legal, que corresponde aos juros moratórios de 6 % ao ano. • Sobre o assunto, insta rememorar lição do ilustre Prof. Silvio Rodrigues, quando nos ensina que, "sob esse aspecto, a fiança, embora constitua um contrato benéfico, apresenta nítida diferença da doação, porque, enquanto nesta quem faz a liberalidade deseja sofrer uma di­ minuição patrimonial em favor do beneficiário, na fiança o fiador conta em nào sofrer qualquer diminuição patrimonial, tanto que, se, por acaso e contra a sua vontade, tiver o fiador de fazer qualquer pagamento, encontra na lei um remédio para se reembolsar" [Direi­ to eivil; dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 15. ed., São Paulo, Saraiva, 1986, v. 3, p. 399-400).

Arts. 834 e 835

Jones Figueirêdo Alves

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Art. 834. Quando o credor, sem justa causa, demorar a execução iniciada contra o devedor, poderá o fiador promover-lhe o andamento. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. 0 reportado dispositivo corresponde ao art. 1.498 do CC de 1916, ambos com redações quase idênticas. A única distinção reside na supressão da expressão "ou abonador", que, na redação anterior, apresentava-se ao lado da palavra "fiador". D O U T R IN A • Na sistemática anterior, prevista no CC de 1916, tanto o fiador quanto o abonador (fiador do fiador) podiam, na incúria injustificada do credor, impulsionar a execução já iniciada contra o devedor principal. A subfiança é a fiança a fiador (fiança da fiança); afiança-se a dívida que o fiador, com sua promessa, assumiu. • Agora, porém, restringiu-se o âmbito da legitimidade para promover o regular andamento da execução iniciada contra o devedor principal, competindo tal atribuição, unicamente, ao próprio fiador, que, aliás, também tem, ao lado do credor, justo interesse em exonerar-se da responsabilidade e em exigir a celeridade da ação executiva, inclusive para evitar as drásticas conseqüências que poderão advir da demora no resultado da demanda.

Art. 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. O CC de 1916 traz um artigo correspondente, cuja redação é a seguinte: “Art. 1.500. 0 fiador pode exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando, porém, obrigado por todos os efeitos da fiança, anterio­ res ao ato amigável, ou à sentença que o exonerar". D O U T R IN A • A fiança por prazo determinado extingue-se com o advento do termo. Quando, todavia, foi prestada por prazo indeterminado, mas garantindo negócio com prazo determinado, ela cessa com a extinção do negócio subjacente, pois o acessório, com o sabemos, segue o prin­ cipal. Entretanto, se a fiança nào for prestada por prazo certo, garantindo negócio também indeterminado, a todo tempo é lícito ao fiador exigir a sua exoneração, que pode efetivar-se por mera manifestação volitiva ou por sentença judicial, simplesmente porque a garantia não é concedida em caráter perpétuo. • Em passagem memorável, Clóvis Beviláqua já reputava indispensável tal possibilidade de exoneração, quando dispôs que “a fiança, ato benéfico, desinteressado, nào pode ser uma túnica de Nessus. Assim com o o fiador, livremente, a tomou sobre si, livremente, lhe sacode o jugo, quando lhe convier, pois, nào tendo prometido conservá-lo por tempo certo, contra sua vontade, nào poderá permanecer indefinidamente obrigado" [Código Civil dos Estados U nidos do Brasil commentado, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1919, v. 5. p. 253). • Nesse ponto, o atual Código Civil traz m udanças significativas, que merecem ser ressaltadas: a um, porque admite a exoneração por simples comunicação (notificação) ao credor, inde­ pendentemente de anuência deste ou do devedor principal, ou mesmo de sentença judicial; a dois, porquanto, pelo prazo de sessenta dias, contados da notificação ao credor, o fiador continuará vinculado por todas as obrigações assumidas pelo devedor, produzindo, daí, efei­ tos ex nunc, voltados apenas para o futuro.

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Jones Figueirêdo Alves

Arts. 836 e 837

• Caio M ário da Silva Pereira, parecendo já antever dita alteração, anotava ser "injusta a letra da lei que libera o fiador apenas a partir da prolação da sentença exoneratória, alvitrando, como mais justa, a liberação do fiador a partir da citação do credor, retrotraindo os efeitos da sentença a partir da data daquela" (Instituições de direito civil, 10. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 360). JU LG AD O S • "(...) A 3* Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp 566.633/CE firmou a compreensão de que, havendo, como no caso vertente, cláusula expressa no contrato de aluguel de que a responsabilidade do fiador perdurará até a efetiva entrega das chaves do imóvel objeto da locação, não há falar em desobrigação por parte deste, ainda que o contrato tenha se prorro­ gado por prazo indeterminado. Embargos de declaração rejeitados" (STJ, 5» T., EDcl no REsp 620.072/ SP, Rei. Min. Arnaldo Esteves, j. em 6-2-2007). • "(...) Continuam os fiadores responsáveis pelos débitos locatíeios posteriores à prorrogação legal do contrato se anuíram expressamente a essa possibilidade e não se exoneraram nas formas dos artigos 1.500 do CC/1916 ou 835 do CC/2002, a depender da época que firmaram a avença" (STJ, 3* Seç., EREsp566.633/CE, Rei. Min. Paulo Medina, maioria, j. em 22-11-2006). • "A jurisprudência assentada nesta Corte construiu o pensamento de que é válida a renúncia ex­ pressa ao direito de exoneração da fiança, mesmo que o contrato de locação tenha sido prorro­ gado por tempo indefinido, vez que a faculdade prevista no art. 1.500 do Código Civil trata de direito puramente privado" (STJ, 6* T., REsp 318.345/PR, Rei. Min. Vicente Leal, DJ, 10-9-2001).

Art. 836. A obrigação do fiador passa aos herdeiros, mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da he­ rança. H IS T Ó R IC O • A redaçào é a mesma do projeto. 0 reportado dispositivo corresponde ao art. 1.501 do Código Civil de 1916, ambos com redações quase que idênticas. A única distinção reside na supressão do pronome "lhe", antes conjugado ao verbo "passa". D O U T R IN A • De rigor, a morte do fiador extingue a fiança, mas a obrigação correspondente passa aos seus herdeiros, limitada, porém, às forças da herança e aos débitos existentes até o momento do falecimento. Com efeito, os herdeiros do fiador morto continuam a ser responsáveis pelo débito surgido até o momento do óbito, desde que não ultrapasse as forças da herança. De igual modo, a morte do afiançado não extinguirá a fiança, pois os herdeiros serão seus continuadores. • Embora a fiança represente contrato personalíssimo, de caráter intuitu personae, em relação ao fiador, suas obrigações se transmitem mortis causa, desde que - repita-se - nascidas até o momento da abertura da sucessão. Bem é dizer: os efeitos da fiança produzidos até a m or­ te do fiador vinculam os seus herdeiros intra vires hereditates.

Seção III — Da extinção da fiança Art. 837.0 fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as extintivas da obrigação que competem ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade pessoal, salvo o caso do mútuo feito a pessoa menor.

Arts. 838 e 839

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HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. 0 Código Civil de 1916 traz um artigo correspondente, de n. 1.502, cuja redação é: " 0 fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as extintivas da obrigação que compitam ao devedor principal, se nào provierem simplesmente de incapacidade pessoal, salvo o caso do art. 1.259". 0 referido art. 1.259, por sua vez, refere-se ao mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver. D O U T R IN A • 0 presente artigo enfoca um dos m odos extintivos próprios da natureza da fiança. A fiança resulta extinta pela ocorrência de exceções pessoais ou extintivas, que excluem a responsa­ bilidade do garante, salvo se advindas de incapacidade deste, excepcionada a hipótese do mútuo feito a pessoa menor. • Exemplos de exceções pessoais são: a novação feita sem consenso do fiador com o devedor originário, a interrupção da prescrição produzida contra o principal devedor etc. Exemplos de exceções que extinguem a obrigação: pagamento, prescrição, nulidade da obrigação prin­ cipal, dentre outras.

Art. 8 38.0 fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado: I — se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor, II — se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferên­ cias; III — se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a perdê-lo por evicção. HISTÓRICO • A redação é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.503 do CC de 1916, tendo havido mudan­ ça de redação apenas quanto ao aspecto formal, restando intacto o conteúdo da norma. D O U T R IN A • 0 dispositivo cuida das causas em que, mesmo solidário com o obrigado principal, liberar-se-á o fiador de sua obrigação acessória. A moratória que o credor, sem o seu assentimento, concede ao devedor; o fato do credor que torne impossível a sub-rogação do fiador em seus direitos e preferências; a dação em pagamento, mesmo que o credor venha a perder a coisa dada por evicção, são causas extintivas da fiança por liberação do fiador.

Art. 839. Se for invocado o benefício da excussão e o devedor, retardando-se a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que o invocou, se provar que os bens por ele indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes para a solução da dívida afiançada. HISTÓRICO • A redação é a mesma do anteprojeto. Corresponde ao art. 1.504 do CC de 1916, com pequena melhoria de redação. D O U T R IN A • Em exercendo o fiador o benefício de ordem, na forma do parágrafo único do art. 827, com a indicação dos bens do devedor principal, a circunstância de operar-se atraso na execução

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Carlos Alberto Dabus Maluf

Art. 840

com a superveniente insolvência do devedor e executado tem a aptidão legal de exonerar o fiador, uma vez provando este que a nomeação feita dos bens do devedor ao tempo da penhora era eficaz o suficiente para garantir o juízo da execução e, em conseqüência, satisfazer o débito por ele afiançado. A hipótese legal é a de extinção da fiança, sustentando o credor, dai, as conseqüências de seu retardo ao ato de constrição judicial dos bens indicados, libe­ rando-se o fiador da sua obrigação.

Capítulo XIX — DA TRANSAÇÃO Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante con­ cessões mútuas. H IS T Ó R IC O • O dispositivo em tela não foi atingido por nenhuma espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do pro­ jeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • Semelhante ao art. 1.025 do Código Civil de 1916. • Este artigo cuida da transação, que pode ser definida com o a faculdade concedida às partes de prevenirem ou terminarem o litígio (o mesmo que demanda, lide, pendência, questão) mediante concessões reciprocas. Tem ela as seguintes características: a) um litígio surgido ou por surgir; b) a intenção de pôr-lhe fim; c) a existência de concessões mútuas. • A transação, no atual Código Civil, acuradamente, é considerada um contrato (bilateral ou sinalagmático, com concessões mútuas e necessariamente oneroso), e não um modo de ex­ tinção de obrigação. Aliás, fê-lo acom panhando os melhores Códigos, com o o francês, o italiano e o espanhol. • Assim, podemos conceituar a transação com o um contrato pelo qual as partes põem termo a um conflito de interesses já existente, ou preveem um conflito por nascer. • Na clássica lição de Luiz da Cunha Gonçalves (in D os Contratos em Especial, Lisboa, Ed. Ática, 1953, p. 343): “Transação é o contrato pelo qual os transigentes previnem ou terminam um litígio, cedendo, um deles ou ambos, partes das suas pretensões, ou prometendo, um ao outro, algum a coisa em troca do reconhecimento do direito contestado". • A transação admite duas modalidades, a judicial e extrajudicial, sendo que esta deve ser hom ologada pelo Juiz, desde que não seja preventiva de litígio [RT, 792/245), devendo, ambas as modalidades, sempre obedecer a forma escrita (art. 842). Quanto à forma, adverte Orlan­ do Gomes (in Contrato, 18. ed. atual, por Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 401) que: "exige-se, entre nós, que o contrato se conclua por escrito, quer a transa­ ção de direitos duvidosos, quer a de direitos litigiosos". • Sobre a matéria, vide Carlos Alberto Dabus Maluf, A transação no direito civil e no processo civil, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1999, p. 49. SÚ M ULA • Súm ula 488 do STJ: “O § 2o do art. 488 da Lei n. 9.469/97, que obriga a repartição dos hono­ rários advocatícios, é inaplicável a acordos ou transações celebrados em data anterior à sua vigência" [DJe, 12-8-2012).

Arts. 841 e 842

Carlos Alberto Dabus Maluf

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Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação. H IS T Ó R IC O • O presente artigo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • Em princípio, pode qualquer litígio terminar ou ser prevenido por meio de transação. M as existem coisas que, por sua natureza e relações jurídicas, fogem à regra, nào podendo ser objeto ou causa da transação. Assim, é ilícita e inadmissível a transação atínente a assuntos relativos a bem fora do comércio; aos direitos da personalidade (direito à vida, à honra, à liberdade etc.); ao estado e à capacidade das pessoas; à legitimidade e dissolução do casa­ mento; è guarda dos filhos; ao poder familiar; à investigação de paternidade [RF, 110/68 e 136/130; RT, 622/73); a alimentos futuros, por serem irrenunciáveis, embora se possa transi­ gir acerca do quantum [RT, 449/107). Em resumo, não pode haver transação sobre direitos indisponíveis. • Orlando Gomes, ao analisar esta matéria (in Contrato, 18. ed. atual, por Humberto Theodoro Júnior, Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 401), afirma que: “M a s é lícito transigir quanto aos interesses pecuniários vinculados ao estado de uma pessoa, como, v. g., o direito de sucessão de quem investiga a paternidade, desde que não importe transação sobre o estado que rei­ vindica. Proíbe-se a transação sobre a dívida de alimentos. Em suma, todo o direito de que o titular não pode dispor é insuscetível de transação". Neste sentido é a jurisprudência: “Tran­ sação. Renúncia de direitos patrimoniais de caráter privado. Admissibilidade" [RT, 792/289). • Este dispositivo é mera repetição do art. 1.035 do Código Civil de 1916, sem qualquer alte­ ração, nem mesmo de ordem redacional, devendo ser dado a ele mesmo tratamento doutri­ nário.

Art. 842. A transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a lei o exige, ou por instrumento particular, nas em que ela o admite; se recair sobre direitos contestados em juízo, será feita por escritura pública, ou por termo nos autos, assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em exame não sofreu nenhuma alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • Semelhante ao art. 1.028 do Código Civil de 1916. • A transação pode ser feita: a) por instrumento público, quando a lei assim o exigir, principal­ mente nos negócios solenes, v. g., envolvendo primordialmente imóveis (dação em pagam en­ to, hipoteca etc.); b) por instrumento particular, quando a lei assim o admitir, v. g., envolven­ do bens móveis em geral (tapetes, quadros, objetos de arte etc.); e c) por escritura pública ou termo nos autos, quando recair sobre direitos em litígio. A transação, nesta hipótese, deve ser hom ologada judicialmente, segundo o art. 269, III, do Código de Processo Civil. • Ao examinar este dispositivo legal, Maria Helena Diniz (in Código Civil anotado, 9. ed. rev. aum. e atual., Sào Paulo, Saraiva, 2003) vê neste artigo dois tipos de transação na p. 533:

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Carlos Alberto Dabus Maluf

Art. 843

"Transação extrajudicial. Será extrajudicial a transação se levada a efeito ante um litígio preventivamente evitado, mediante acordo dos interessados, que, fazendo concessões reci­ procas, resolvem as controvérsias por meio de escritura pública, se a lei a exigir, ou particular, nos casos em que a admitir, sem que haja necessidade de hom ologação judicial [JTACSP, 40:199; RT, 687:112, 669:102; 712:120; RJTJSP, 103:301). Transação judicial. A transação será judicial se se realizar no curso de um processo, recaindo sobre direitos contestados em juízo [RT, 670:170, 473:78, 328:236; JB, 84:313; RSJT, 89:305), devendo ser feita: a) por ter­ mo nos autos, assinado pelos transigentes e hom ologado pelo magistrado [RT, 484:216, 477:245, 413:193, 47 7:161, 478:343, 497:122,550:110 e 580:187; BAASP, 1922:7 e 8; JTACSP, 709:392, 720:312 e 742:328); b) por escritura pública, nas obrigações em que a lei exige, ou particular nas em que ela admite, que depois que assinadas pelos transigentes será juntada aos autos, tendo em seguida a hom ologação judicial, sem a qual a instância não cessará [RT, 2 3 9 :194, 276:517, 466:132, 428:273, 446:83, 577:139, 478:343, 453:146, 497:122, 550:110 e 580:187; RF, 773:206; RJTJSP, 99:235; JTACSP, 105:408; CPC, art. 269, III)". • Nas hipóteses de transação extrajudicial, feita precipuamente para prevenir litígios, não é necessária a hom ologação judicial, a não ser nas hipóteses previstas no art. 57 da Lei dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/95). Theotonio Negrão e José Roberto R. Gouvêa (in Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 38. ed. atual, até 16-2-2006, São Paulo, Saraiva, p. 1584) lembram que: “Esta disposição transcende, de muito, o âmbito do juizado especial, porque se aplica a todo ou qualquer acordo (= transação) extrajudicial, ainda que de valor superior a quarenta salários mínimos (neste sentido: RT, 687/112)". Assim: "Possível o pedido de hom ologação de acordo extrajudicial no juízo competente, qualquer que seja a matéria e o valor" [RT, 672/187 e RTJE, 93/86). No mesmo sentido: LexJTA, 140/347,146/348, 147/337; RJTJERGS, 155/274; BAASP, 2256/2283, salvo se o acordo visar a objetivo vedado por lei [RJTJESP, 127/169), ou que diga respeito às matérias elencadas no art. 3« da LJE [RT, 672/152). Há um acórdão no sentido de que: “A decisão do casal acerca da guarda dos filhos e alimentos pode ser manifestada mediante acórdão extrajudicial, devidamente hom ologado" [RT, 810/225). • Sobre a matéria, vide Carlos Alberto Dabus Maluf, A transação no direito civil e no processo civil, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1999, p. 104 e s.

Art 843. A transação interpreta-se restritivamente, e por ela não se transmitem, apenas se declaram ou reconhecem direitos. HISTÓRICO • Este dispositivo não serviu de palco a alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. Sua redaçào, na verdade, corresponde ao texto integral apresentado pelo projeto.

DOUTRINA • A transação, com o ensina Clóvis Beviláqua, não é ato aquisitivo de direitos; tem caráter meramente declaratório ou recognitivo. Contudo, segundo a melhor doutrina, à qual nos filiamos, sendo da essência da transação a reciprocidade de concessões, possui caráter cons­ titutivo, por inevitável a modificação a que tais concessões conduzem. M elhor teria o Código atual andado se tivesse seguido a linha de conduta do art. 8 0 4 do Anteprojeto de Código de Obrigações do Prof. Caio M ário da Silva Pereira, que, em face da nova conceituação de tipicidade contratual da transação, admite que as concessões recíprocas das partes podem criar, modificar ou extinguir relações iguais ou diversas da que tiver dado origem à pretensão ou contestação.

Arts. 844 e 845

Carlos Alberto Dabus Maluf

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• Com as observações acima, este artigo repete o de n. 1.027 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo a ele ser dispensado o mesmo tratamento doutriná­ rio (v. Carlos Alberto Dabus Maluf, A transação no direito civil e no processo civil, 2. ed., Sào Paulo, Saraiva, 1999, p. 93 e s.; 240 e 241).

Art. 844. A transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela intervierem, ainda que diga respeito a coisa indivisível. § 1- Se for concluída entre o credor e o devedor, desobrigará o fiador. § T- Se entre um dos credores solidários e o devedor, extingue a obrigação deste para com os outros credores. § 3? Se entre um dos devedores solidários e seu credor, extingue a dívida em relação aos codevedores. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em tela nâo foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Se­ nado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • 0 princípio geral é o da eficácia da transação só entre os transatores. Seus efeitos nào atin­ gem os que nào transigiram, vide RT, 661/125: "Com posição amigável entre as partes. Nào pode prejudicar os honorários do advogado se o acordo se fez sem o conhecimento deste, pois, do contrário, estar-se-ia permitindo que o litigante transigisse sobre direito que não lhe pertence". Em relação às pessoas que não intervieram na transação, é res inter alios (RT,', 394/337); consequentemente, nào aproveita [nec prodest) nem prejudica (nec nocet). Tran­ sigindo credor e devedor, o fiador estará desobrigado, já que nela não interveio, uma vez que com a extinção da obrigação principal extinguir-se-á também a acessória [RT, 737/308 e 740/354). Se a transação for feita entre um dos credores solidários e o devedor, ocorrerá a extinção da obrigação perante os demais, pois um dos efeitos da solidariedade ativa é a exoneração do devedor que paga qualquer um dos credores, vide RT, 800/273: “Transação. Hom ologação judicial. Vítima de acidente com embarcação que outorga quitação a todos os danos decorrentes do sinistro. Negócio jurídico válido que repercute em favor de terceiro não participante, em face do conteúdo liberatório do acordo relativamente a pretensões indenizatórias advindas do fato danoso". Sendo o pagamento feito por um dos devedores solidários, extinta estará a dívida relativamente aos demais, visto que, na solidariedade passiva, ter-se-á a exoneração de todos os codevedores. • Este dispositivo é mera repetição do art. 1.031 e seus parágrafos do Código Civil de 1916, devendo ser dado a ele o mesmo tratamento doutrinário (v. Carlos Alberto Dabus Maluf, A transação no direito civil e no processo civil, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1999, p. 158 e s.). E N U N C I A D O D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L -

C JF

• Enunciado 442, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "A transação, sem a participação do advogado credor dos honorários, é ineficaz quanto aos honorários de sucumbência definidos no julgado".

Art. 845. Dada a evicção da coisa renunciada por um dos transigentes, ou por ele transferida à outra parte, não revive a obrigação extinta pela transação; mas ao evicto cabe o direito de reclamar perdas e danos.

700

Carlos Alberto Dabus Maluf

Art. 846

Parágrafo único. Se um dos transigentes adquirir, depois da transação, novo direito sobre a coisa renunciada ou transferida, a transação feita não o inibirá de exercê-lo. H IS T Ó R IC O • 0 presente artigo nâo foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redaçào atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • Evicçào é a perda da coisa pelo adquirente, em conseqüência da reivindicação feita pelo verdadeiro dono, e por cujo resguardo, nos contratos bilaterais, é responsável o alienante (o mesmo que vendedor). Havendo evicçào do bem renunciado por um dos transigentes, ou por ele transferido è outra parte, a obrigação extinta pela transação não renascerá. A transação não implica renúncia a direito futuro, mas apenas àquele que o litígio objetivava, prevale­ cendo o direito adquirido sobre o bem renunciado ou transferido. Cabe sempre ao evicto o direito a perdas e danos. • Para Carlos Roberto Gonçalves (in Direito civil brasileiro, v. III, Contratos e atos unilaterais, 2004, São Paulo, Saraiva, p. 550): "Por essa regulamentação, o transator não dá garantia pelos riscos da evicçào, mas fica sujeito ao ressarcimento dgs danos causados ao lesado (evicto), para que não se locuplete às custas da outra parte. À primeira vista pode parecer que, evicta a coisa, a solução lógica seria o restabelecimento da obrigação. Todavia, explica Clóvis que, 'sem indenização, o evicto teria apenas prejuízo e a outra parte somente vantagens com a transação, quando é do conceito desta que as partes se façam mútuas concessões'". • 0 artigo repete o de n. 1.032, caput, e parágrafo único do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional; deve ser-lhe dado, pois, o mesmo tratamento doutrinário (v. Carlos Alberto Dabus Maluf, A transação no direito civil e no processo civil, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1999, p. 162 e s.).

Art. 846. A transação concernente a obrigações resultantes de delito não extingue a ação penal pública. H IS T Ó R IC O • Este era o texto original proposto pela Câmara: "Art. 846. A transação concernente a obrigações resultantes de delito não perime a ação penal pública". Quando da apreciação pelo Senado, emen­ da da lavra do eminente Senador Josaphat Marinho substituiu o verbo "perimir" por "extinguir", conferindo maior clareza ao texto e expurgando-o de termos e expressões pouco usadas. D O U T R IN A • Este dispositivo corresponde ao art. 1.033 do Código Civil de 1916. • A ação penal pública (a competência é do Estado, com o titular exclusivo do direito de punir, em que a acusação cabe ao Ministério Público) não se extinguirá, sendo a transação feita em razão das obrigações oriundas do ato criminoso. Em se tratando de ação penal privada, que é aquela cujo titular é o particular, é possível a transação de caráter patrimonial, que pode levar a não interposição ou mesmo a retirada da queixa. Segundo Carlos Roberto Gonçalves (in Direito civil brasileiro, v. III, Contratos e atos unilaterais, 2004, São Paulo, Saraiva, p. 549): “A transação que a Lei n. 9.099/95 permite na justiça criminal para infrações de menor poder ofensivo tem a finalidade de harmonizar as jurisdições civis e criminais em busca de soluções rápidas que somente a transação permite alcançar".

Arts. 847 e 848

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JULGADOS • "Dano moral. Composição dos danos civis por meio de transação nos Juizados Especiais. Circuns­ tância que acarreta renúncia dos ofendidos ao direito de pleitear demais reparações" [RT, 800/309). "Transação penal. Homologação judicial. Descumprimento do acordo. Oferecimento de denúncia. Admissibilidade. Decisão que produz, apenas, coisa julgada formal e possui eficácia rebus sic stantibusT [RT, 806/557). • "Crime contra o meio ambiente. Denúncia que atribui a prática de crime ambiental em determi­ nada área, causador do dano que celebra acordo se comprometendo a recuperar toda a área da­ nificada. Admissibilidade" [RT, 805/531).

Art. 847. É admissível, na transação, a pena convencional. HISTÓRICO • 0 dispositivo não sofreu qualquer espécie de alteração, nem por parte do Senado Federal, nem por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto.

DOUTRINA • Este dispositivo admite pena convencional (o mesmo que pena contratual, que é a sanção que fixa no contrato as perdas e danos) na transação. É mera reprodução do art. 1.034 do Código Civil de 1916, sem nenhuma alteração, nem mesmo de ordem redacional; deve, pois, receber o mesmo tratamento doutrinário. Justificava Clóvis Beviláqua esta regra, contida no Código Civil de 1916, asseverando que nos sistemas em que a transação é considerada forma especial de contrato pareceria inútil uma disposição com o direito comum. Nos sistemas, porém, em que a transação é simples modo de extinguir obrigações, nào é demais declarar que ela admite o reforço da cláusula penal, porque esta nào costuma andar ligada aos modos de pagamento [Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, 8. ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1950, v. 4, p. 186). • A pena convencional é comum nos acordos celebrados perante a Justiça do Trabalho. Como o Código Civil de 2002 considera a transação um contrato, torna-se despicienda a inclusão deste dispositivo legal.

Art. 848. Sendo nula qualquer das cláusulas da transação, nula será esta. Parágrafo único. Quando a transação versar sobre diversos direitos contestados, inde­ pendentes entre si, o fato de não prevalecer em relação a um não prejudicará os demais. HISTÓRICO • Este artigo não serviu de palco a nenhuma alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto.

DOUTRINA • A indivisibilidade é da essência da transação. Ela deve formar um todo, abrangendo o negó­ cio jurídico a que se refere, com os elementos que a compõem, em sua totalidade. A nulida­ de de uma das cláusulas provoca a nulidade da obrigação [RF, 146/296). No mesmo sentido é o julgado constante da RT, 771/290. • 0 artigo é mera repetição do art. 1.026 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário.

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Art. 849

JU LG AD O S • “Transação. Homologação. Inadmissibilidade se há cláusula nula ou ineficaz, liga aos demais pon­ tos da transigência. Eiva parcial que contamina o acordo por inteiro. Inteligência do artigo 1.026, •caput' do CC/1916" [RT, 771/290). • “A transação, quando abranger vários direitos independentes entre si e contestados, não tendo validade sobre um, não prejudicará os outros" [RT, 239/194).

Art. 849. A transação só se anula por dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa. Parágrafo único. A transação não se anula por erro de direito a respeito das questões que foram objeto de controvérsia entre as partes. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em exame nào foi atingido por nenhuma espécie de modificação, nem pelo Senado Federal, nem pela Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • 0 atual Código Civil, diferentemente do de 1916, seguindo a linha dos Códigos francês e italiano, faz claramente a distinção entre o erro de fato, caput non eontroversum (vício do negócio na indicação a que se refere a declaração de vontade), e erro de direito, caput co n troversum (erro resultante de nào aplicação da lei, por desconhecê-la ou por interpretá-la com equívocos). É anulável apenas a transação resultante de erro de fato. Por exemplo, “A " e "B " discutem sobre a propriedade de um quadro de Leonardo da Vinci, que se descobre depois falso. Nesse caso, o erro afeta o caput non eontroversum e vicia a transação, porque, conhecida essa circunstância, as pretensões aduzidas na controvérsia teriam sido outras [RT, 254/268). No erro de direito, caput eontroversum, o erro pode recair sobre a mesma relação jurídica controvertida. Assim, p. ex., uma das partes transige porque interpreta mal ou ina­ dequadamente um preceito jurídico, o que a leva a acreditar que sua pretensão nào está firmemente apoiada nele. Esse erro não dá ensejo à anulação da transação. A nulidade da transação abrange também o dolo e a coação [RT, 486/67). • Para Carlos Roberto Gonçalves (in Direito civil brasileiro, v. III, Contratos e atos unilaterais, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 551): T a l afirmativa contém uma impropriedade, porque a tran­ sação pode ser invalidada por qualquer das causas que conduzem a anulação dos negócios jurídicos em geral, bem com o a situação fática tomada com o seu suporte material pode não corresponder à realidade (quando, p. ex., as partes transigem a respeito de um crédito, e depois se apura que este nào existia; ou se os herdeiros transigem a propósito de um legado, e depois o testamento que o instituíra). Nestes casos a transação é inoperante. Além disso, como lembra ainda Caio Mário, sendo a transação 'um contrato, gerando obrigações para ambos os transigentes, pode comportar a resolução por inadimplemento’". • 0 artigo em análise nào tem dispositivo correspondente no Código Civil de 1916. JU LG ADO • “Responsabilidade civil. Acidente ferroviário. Morte da vitima. Acordo. Transigente analfabeto. Erro essencial. Reconhecimento. Anulação do ato. Responsabilidade civil. Vitima fatal do acidente ferroviário. Ação proposta pela mãe da vitima objetivando anular cláusulas do acordo firmado com a ré, por lhe ter sido lesivo. Autora analfabeta e sem conhecimento mínimo para discernir sobre os valores que lhe seriam devidos. Erro essencial quanto à coisa controversa. Artigos 87 e 1.130 do Código Civil de 1916. Interesse de agir da autora. Abatimento do valor recebido na in­

Arts. 850 e 851

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denização fixada. Incidência do percentual da verba honorária sobre as pensões vencidas e um ano das vincendas. Reforma parcial da Sentença" (TJRJ, 17* Câm. Cível, AC 1.799/99, Rei. Des. Fabrieio Bandeira Filho, j. em 9-2-2000).

Art. 850. É nula a transação a respeito do litígio decidido por sentença passada em julgado, se dela não tinha ciência algum dos transatores, ou quando, por título ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nâo foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • As causas de nulidade absoluta da transação sào duas: a) ação já decidida por sentença tran­ sitada em julgado, sem o conhecimento dos partícipes da transação, nada havendo que transigir [RT, 492/141). Tendo os partícipes conhecimento da decisão, entendem nossos Tri­ bunais: "Transação. Acordo celebrado entre litigantes, havendo sentença de julgamento de mérito que favorece integralmente uma das partes. Admissibilidade, desde que o pacto apresente os requisitos de validade" [RT, 773/285); b) descoberta de título ulterior que apon­ te ausência de direito sobre o objeto da transação relativamente a qualquer dos seus partí­ cipes [vide RT, 648/178). • Interessante é a hipótese formulada por Carlos Santos (in Código Civil brasileiro interpreta­ do, Freitas Bastos, 1938, v. 13, p. 421): "Suponham os que embora já tenha havido sentença, a parte a ignora, por não ter o seu advogado lhe dado conhecimento; desde que prove nào ter tido ciência dessa sentença, nào poderá a parte alegar a nulidade da transação que fez è revelia de seu advogado? Parece-nos que sim, pois nada obsta a que se admita tal conclusão, de vez que a ciência a que alude o texto legal é a pessoa de quem realiza a transação, em nada influindo, portanto, a ciência que da sentença tivesse o seu advogado".

Capítulo XX — DO COMPROMISSO Art. 851. É admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para resolver litígios entre pessoas que podem contratar. HISTÓRICO • Interessante é a análise feita do texto original deste dispositivo, bem como dos que lhe seguem, quando de sua elaboração pela Câmara dos Deputados (observe-se que na redação primitiva este capitulo compunha-se de quatro artigos - 851 a 854): “Art. 851. As pessoas capazes de contratar poderão louvar-se, mediante compromisso, em árbitro ou árbitros que lhes resolvam as pendências judiciais ou extrajudiciais. Art. 852. Nâo se admite compromisso para a solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial. Art. 853. Se as partes se fizerem representar por procurador, deverá este ter poderes especiais. Art. 854. Admite-se nos contratos a cláusula compromissória, pela qual as partes convencionem submeter quaisquer divergências a juízo arbitrai. Neste caso, deverão indicar desde logo o árbitro

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Art. 851

ou árbitros. Se estes nào puderem servir, e as partes nào acordarem em outros, ficará sem efeito a cláusula". • Com as alterações implementadas pelo Senado Federal, através de emenda do relator-geral, Se­ nador Josaphat Marinho, adaptou-se o texto do projeto à Lei de Arbitragem, que lhe foi posterior. Isso foi feito para evitar incompatibilidades com a legislação superveniente. Nesse aspecto, foi de extrema importância a contribuição do Senado Federal, merecendo destaque a bem-fundamentada justificativa do relator-geral naquela Casa, verbis: "A Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996, que dispõe sobre a arbitragem, revogou os arts. 1.037 a 1.048 do atual Código Civil, que são relativos a compromisso. Ocorre que o Projeto em exame também encerra normas sobre compromisso (arts. 851-855), alguns dos quais são essenciais à integridade do sistema. Dentre todas, devem ser substituídos os arts. 851 a 853, que tratam de aspectos adjetivos - o primeiro constando do Código de Processo Civil - art. 1.072, e os dois últimos, da Lei de Arbitragem - a rt 1° e art. 21, § 3o. No art. 853, ora proposto em substituição ao art. 854 do Projeto, suprimem-se as partes concernentes a árbitros e a seus impedimentos, fazendo-se menção à lei especial, em que particularidades dessa natureza devem ser tratadas. No que passa a ser o art. 854 se elimina a cláusula - 'que será a competente, se o réu não excepcio­ nar', referente à justiça comum. É inadmissível proibição, direta ou indireta, de apelo ao Poder Judiciário. Nos termos da Constituição, ’a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito' (art. 5o, XXXV). Dando-se o conteúdo definido na emenda, mantém-se o capitulo do compromisso, sem conflito com a lei especial sobre arbitragem". Fomos pela aprovação.

DOUTRINA • Compromisso é a promessa escrita, assumida em juízo (compromisso judicial) ou fora dele (compromisso extrajudicial), pela qual as pessoas capazes de contratar podem louvar-se em um árbitro que lhes resolva as pendências judiciais ou extrajudiciais, concernentes a direitos patrimoniais passíveis de transação. 0 com prom isso não atinge os direitos indisponíveis (questões de estado, v. g., casamento e regime de bens; de família, v. g., investigação de paternidade, alimentos e de outras que nào tenham caráter estritamente patrimonial). Pode ser estabelecido nos contratos mediante cláusula compromissória (estipulação constante de um contrato), pela qual as partes se comprometem a submeter à decisão arbitrai as pendên­ cias emergentes surgidas na avença [v. art. 4* da Lei n. 9.307. de 23-9-1996). É diferente do compromisso arbitrai, que é a convenção pela qual as partes submetem um litígio à arbitra­ gem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial (v. art. 9a da Lei n. 9.307/96). A s divergências serão resolvidas pelo juízo arbitrai (art. 3® da Lei n. 9.307/96), na forma prevista na lei especial que dispõe sobre a arbitragem (Lei n. 9.307/96).

JULGADOS • "Flomologação de laudo arbitrai estrangeiro. Requisitos formais: comprovação. Caução: desneces­ sidade. Incidência imediata da Lei n. 9.307/96. Contrato de adesão: inexistência de características próprias. Inaplicaçáo do Código de Defesa do Consumidor. 1. Hipótese em que restam comprova­ dos os requisitos formais para a homologação (RISTF, art. 217). 2. 0 Supremo Tribunal Federal entende desnecessária a caucáo em homologação de sentença estrangeira (SE 3.407, Rei. Min. Oscar Corrêa, DJ, 7-12-1984). 3. As disposições processuais da Lei n. 9.307/96 têm incidência imediata nos casos pendentes de julgamento (RE 91.839/GO, Rei. Rafael Mayer, DJ, 15-5-1981). 4. Nào é contrato de adesão aquele em que as cláusulas são modificáveis por acordo das partes. 5 .0 Código de Proteção e Defesa do Consumidor, conforme dispõe seu artigo 2a, aplica-se somen­ te a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Pedido de homologação deferido" (STF, SEC 5.847, Rei. Min. Maurício Corrêa, j. em 1 M 2 -1 9 9 9 , RT, 777/189). • "Arbitragem. Sentença arbitrai. Tutela antecipada. Inviabilidade de conceder a medida para o fim de anular e suspender os efeitos da decisão arbitrai. Impossibilidade de impedir o executante de exercer o seu direito à execução, pois o direito de ação é de ordem constitucional. Caso, ademais, que não se encontra dentro das hipóteses que autorizam a nulidade da sentença arbitrai. Nulida-

Arts. 852 e 853

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de que pode ser alegada em regular embargos do devedor. Inteligência dos arts. 32 e 33, § 3o, da Lei n. 9.307/96" [RT, 803/262).

Art. 852. É vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito pesso­ al de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial. DOUTRINA • Com o dito acima, o compromisso arbitrai nào atinge os direitos indisponíveis, como, p. ex., as questões de estado, casamento, regime de bens de família, investigação de paternidade, alimentos e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial. • Segundo Maria Helena Diniz (in Código Civil anotado, 9. ed. rev., aum. e atual., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 538): “Logo, não pode versar sobre questão de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham o caráter estritamente patrimonial. A arbitragem pode ser de direito ou de equidade, a critério das partes. Logo, estas podem não só escolher, livre­ mente, as normas de direito a serem aplicadas na arbitragem, desde que não haja ofensa aos bons costumes e à ordem pública, mas também convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, costumes e normas internacionais de comércio".

JULGADO • "Administrativo. Proposta de instalação de juízo arbitrai no estado do Acre. Forma extrajudicial de solução de conflitos. Natureza procedimental privada. Regência da Lei n. 9.307 de 23-9-1996. Incompetência do Tribunal de Justiça. Não conhecimento da matéria. 1. 0 juízo arbitrai objetiva dirimir conflitos relativos aos direitos patrimoniais disponíveis excluídos de apreciação, nesta sede, as questões de estado e de capacidade das pessoas, direitos difusos e falimentar, podendo as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. 2. Ante o caráter eminentemente privado do Tribunal de Arbitrai [sic], sua instituição refoge à competência do Tribunal de Justiça. 3. Proposta nào conhecida" (TJAC, PADM 00.000.002-1, COJ, Rei. Des. Eva Evangelista, j. em 24-10-2000).

Art. 853. Admite-se nos contratos a cláusula compromissória, para resolver divergências mediante juízo arbitrai, na forma estabelecida em lei especial. DOUTRINA • Ainda segundo Maria Helena Diniz (in Código Civil anotado, 9. ed. rev., aum. e atual., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 539): "A cláusula compromissória (pactum de compromittendo) é a convenção em que as partes, num contrato ou em documento apartado a ele referente, comprometem-se a submeter o eventual litígio relativo àquele contrato à abitragem. Se se tratar de contrato por adesão, tal cláusula apenas produzirá efeito se o aderente anuir ex­ pressamente (Lei n. 9.307/96, art. 4o, §§ I o e 2o). É uma simples promessa de firmar com pro­ misso. É preciso esclarecer que essa cláusula é autônoma relativamente ao contrato no qual está inserida, logo a nulidade do contrato não implica a da cláusula e, além disso, compete ao árbitro decidir ex offieio, ou a requerimento das partes as questões concernentes à exis­ tência, validade e eficácia da convenção da arbitragem e do contrato que contém a cláusula compromissória (Lei n. 9.307/96, art. 8o e parágrafo único)".

JULGADO • "Arbitragem. Cláusula compromissória. Execução. Existência de acordo prévio em que as partes estabelecem a forma de instituir a arbitragem, adotando as regras de órgão arbitrai institucional, ou de entidade especializada. Hipótese de cláusula compromissória cheia. Submissão às normas do órgão ou entidade, livremente escolhidas pelas partes. Desnecessidade de intervenção judicial

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Arts. 854 e 855

a firmar o conteúdo do compromisso arbitrai. Recurso provido" (TJSP, Agl 124.217/4/SP. 5* Câm. Dir. Priv., Rei. Des. Rodrigues de Carvalho, j. em 16-9-1999).

Título VII — DOS ATO S UNILATERAIS

Capítulo I — DA PROMESSA DE RECOMPENSA Art. 854. Aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou grati­ ficar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de cumprir o prometido. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em tela não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • A promessa de recompensa pode ser definida com o o ato obrigacional de alguém que, por anúncio público, se compromete a recompensar, ou gratificar, pessoa que preencha certa condição ou desempenhe certo serviço. É uma das formas de obrigação resultante de decla­ ração unilateral da vontade. Significa a aplicação do princípio da obrigatoriedade da pro­ messa feita a pessoa ausente. • Segundo Carlos Roberto Gonçalves (in Direito civil brasileiro, v. III, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 567): "Para que se torne obrigatória a promessa de recompensa, entretanto, são exigidos três requisitos específicos: a) que lhe tenha sido dada publicidade; b) a especificação da condição a ser preenchida ou o serviço a ser desempenhado; e c) a indicação da recompensa ou gratificação". • Este dispositivo repete o art. 1.512 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de reda­ ção; deve, assim, receber o mesmo tratamento doutrinário. JU LG AD O S • "A emissora de televisão presta um serviço e como tal se subordina às regras do Código de Defesa do Consumidor. Divulgação de Concurso com promessa de recompensa segundo critérios que podem prejudicar o participante. Manutenção da liminar para suspender a prática" (STJ, REsp 436.135, Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 17-6-2003). • "Rifa - Venda de cartelas, sem a devida autorização legal, como recebimento do valor correspon­ dente - Participante que tem o direito de receber a premiação, ou, em face de circunstâncias excepcionais, a entrega do equivalente em dinheiro - Hipótese que não constitui jogo de azar, mas promessa de recompensa - Inteligência dos artigos 1.512 a 1.517 do Código Civil (de 1916)" (TJSC, Agln 97.014757-0, 2* Câm., j. em 5-4-2001, Rei. Des. Vanderlei Romer, RT, 795/362).

Art. 855. Quem quer que, nos termos do artigo antecedente, fizer o serviço, ou satisfi­ zer a condição, ainda que não pelo interesse da promessa, poderá exigir a recompensa es­ tipulada.

Art. 856

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HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não se submeteu a nenhuma alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. Tal redação, na verdade, corresponde ao texto integral apresentado pelo projeto. D O U T R IN A • A promessa feita com publicidade é dirigida a qualquer pessoa. Se alguém apresentar aquilo que foi publicamente pedido, o promitente (aquele que se obriga, por promessa, a dar, fazer ou nào fazer algum a coisa) vinculado por sua promessa tem de aceitar a prestação, ou cum ­ prir o que prometeu. Não é necessário que o serviço tenha sido realizado no interesse da recompensa. Basta que corresponda às condições do anúncio, a não ser que o promitente haja, de modo expresso, exigido um ato que se realize por causa de sua solicitação. • Newton De Lucca (in Comentários oo N ovo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XII, p. 17) observa que para ter direito à recompensa: "0 executante deve estar legitimado a recebê-la, independentemente de sua capacidade civil. A criança de dez anos que encontra um cachorro perdido terá direito ao prêmio oferecido. A quitação será dada pelo seu representante legal, dada a incapacidade absoluta do menor de dezesseis anos (art. 3*. inciso I, do CC)". • W ashington do Barros M onteiro (in Curso de direito civil - Direito das obrigações, 2* Parte, 35. ed. rev. e atual, por Carlos Alberto Dabus M a lu f e Regina Beatriz Tavares da Silva, p. 474) nos ensina que: "Realizado o serviço, ou preenchida a condição, o promitente é devedor de uma obrigação de fazer, a de recompensar ou gratificar o executor, na forma constante da propaganda. Pelo não cumprimento daquela obrigação de fazer responde o promitente por perdas e danos, e a responsabilidade é do próprio promitente, que não pode escusar-se sob alegação de que a responsabilidade é de outrem (/?Ff 153/257)". • 0 artigo repete o art. 1.513 do Código Civil de 1916 com pequena melhoria de redação, de­ vendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário.

Art. 856. Antes de prestado o serviço ou preenchida a condição, pode o promitente revogar a promessa, contanto que o faça com a mesma publicidade; se houver assinado prazo à execução da tarefa, entender-se-á que renuncia o arbítrio de retirar, durante ele, a oferta. Parágrafo único. O candidato de boa-fé, que houver feito despesas, terá direito a re­ embolso. HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela nào foi atingido por nenhuma modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • A promessa pode ser revogada antes de prestado o serviço ou cumprida a condição, desde que seja dada à revogação a mesma publicidade dispensada à promessa. Se, contudo, for fixado prazo para o cumprimento da tarefa, subentende-se que, durante esse período, o promitente renuncia o direito à revogação. Fica salvaguardado ao candidato de boa-fé o reembolso das despesas eventualmente feitas, antes da revogação. M ais uma vez é valoriza­ do no atual Código Civil o princípio da boa-fé, que deve estar sempre presente nas relações obrigacionais.

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Arts. 857 e 858

• Segundo Hamid Charaf Bdine Jr. (in Código Civil comentado, doutrino e jurisprudência, coord. Cezar Peluso, Barueri-SP, Manole, 2007, p. 725): “A promessa de recompensa pode ser revo­ gada desde que: a) o serviço nào tenha sido executado ou a condição não haja se verificado; b) a revogação seja divulgada com a mesma publicidade dada à promessa; c) não tenha sido concedido prazo para a execução do serviço. No caso de haver prazo para a execução da tarefa, a retirada da oferta nào pode ser feita durante sua vigência. Nada impede, porém, que seja feita posteriormente. No entanto, ao se esgotar o prazo, a oferta ainda é válida se não tiver havido revogação? Sim, se o interesse do devedor ainda puder ser satisfeito. É o caso da recompensa oferecida a quem se prontificar a ir até uma ilha de difícil acesso resgatar de­ terminada pessoa em 24 horas. Ao ter decorrido o prazo se a promessa não for revogada, ela ainda é devida se a vítima for resgatada". • Este artigo é mera repetição do art. 1.514, caput, do Código Civil de 1916. Deveser-lhe dado, pois, o mesmo tratamento doutrinário.

Art. 857. Se o ato contemplado na promessa for praticado por mais de um indivíduo, terá direito à recompensa o que primeiro o executou. HISTÓRICO • Este dispositivo não foi objeto de emenda, nem por parte do Senado Federal, nem por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • Havendo pluralidade de pessoas no cumprimento de uma tarefa ou condição, aquele que a pratica em primeiro lugar tem o direito de exigir a prestação da recompensa, sobrepujando-se aos demais. • Para Sílvio de Salvo Venosa (in Direito civil, v. III, Contratos em espécie, 3. ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 476): “0 artigo 857 (antigo artigo 1.515) descreve as hipóteses de mais de um executante perfazer a tarefa. Legítima para o prêmio será o primeiro executante. Adota-se o critério da prioridade". • Carlos Roberto Gonçalves (in Direito civil brasileiro, v. III, Contratos e atos unilaterais, 2004, São Paulo, Saraiva, p. 570, observa que: " 0 dispositivo atende à precedência na execução do serviço, sem qualquer consideração de ordem pessoal. Esta somente ocorrerá se a situação ou estado das pessoas foi imposta nos anúncios em que a recompensa foi prometida (como nos concursos de beleza ou de robustez, p. ex.)". Assim, quando nâo existir especificação na promessa, só é possível verificar a situação no caso concreto, ou seja, se a intenção do pro­ ponente foi a de recompensar quem terminou o serviço primeiro ou quem o fez melhor. • 0 artigo é mera repetição do caput do art. 1.515 do Código Civil anterior, sem qualquer al­ teração, nem mesmo de ordem redacional. Deve, portanto, receber o mesmo tratamento doutrinário.

Art. 858. Sendo simultânea a execução, a cada um tocará quinhão igual na recompen­ sa; se esta não for divisível, conferir-se-á por sorteio, e o que obtiver a coisa dará ao outro o valor de seu quinhão. HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela não sofreu qualquer espécie de alteração, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto.

Arts. 859 e 860

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D O U T R IN A • Havendo simultaneidade na execução, a cada um dos executantes, cabe quinhão igual na recompensa, pois nào há razão para preferência. Sendo impossível a divisão da recompensa e ocorrendo a simultaneidade na execução, decidirá a sorte a quem deve esta caber, sendo certo que quem for sorteado deverá dar aos outros os respectivos quinhões. • Jones Figueirêdo Alves e M ário Luiz Delgado (in Código Civil anotado, São Paulo, Método, 2005, p. 368), destacam com razão que: “0 dispositivo contempla a teoria da divisibilidade, para o caso de haver a simultaneidade na execução da tarefa recompensável e, suprindo omissão do Código anterior, inova em sua parte final, ao estabelecer que na hipótese de pluralidade de participantes ou simultaneidade de execução, aquele que tiver obtido por sorteio a recompensa indivisa deve entregar ao candidato nào contemplado o valor corres­ pondente ao seu quinhão". • 0 artigo é mera repetição dos §§ 1® e 2® do art. 1.515 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo ser dado a ele o mesmo tratamento doutrinário.

Art. 859. Nos concursos que se abrirem com promessa pública de recompensa, é con­ dição essencial, para valerem, a fixação de um prazo, observadas também as disposições dos parágrafos seguintes. § 1- A decisão da pessoa nomeada, nos anúncios, como juiz, obriga os interessados. § T- Em falta de pessoa designada para julgar o mérito dos trabalhos que se apresen­ tarem, entender-se-á que o promitente se reservou essa função. § 3- Se os trabalhos tiverem mérito igual, proceder-se-á de acordo com os arts. 857 e 858. H IS T Ó R IC O • 0 artigo em exame não serviu de palco a nenhuma alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • No atual Código Civil, à feição do Código Civil de 1916, é feita a distinção entre a promessa de recompensa a um ato qualquer, ou atendimento de condições pedidas por anúncio públi­ co, e o concurso, que, sendo uma variedade dessa espécie, oferece particularidades que re­ clamam disciplina adequada. 0 concurso a que se refere esse artigo diferencia-se dos serviços de que trata o art. 854, pois, v. g., achar objetos perdidos ou mesmo denunciar criminosos exige certo esforço ou algum a astúcia, que difere, evidentemente, do certame, que exige, além disso, capacidade técnica, v. g., vestibular de ingresso a curso superior. Quem se subm e­ te ao concurso de que fala esse artigo aceita a decisão da pessoa nomeada no anúncio como julgadora do mérito dos trabalhos apresentados, ou, na falta deste ao julgamento, do anu n­ ciante, desde que essa decisão se ajuste às condições fixadas no anúncio (RF, 153/257). Tais condições obrigam as partes, valem para o concorrente e para o promitente (RT, 671/85). Na hipótese de haver empate, aplicam-se as regras dos arts. 857 (pluralidade de concorrentes em iguais condições) e 858 (execução simultânea). • Este dispositivo repete o art. 1.516 do Código Civil de 1916 com pequena melhoria de reda­ ção, devendo a ele ser dispensado o mesmo tratamento doutrinário.

Art. 860. As obras premiadas, nos concursos de que trata o artigo antecedente, só fica­ rão pertencendo ao promitente, se assim for estipulado na publicação da promessa.

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Art. 861

HISTÓRICO • 0 artigo não foi atingido por nenhuma espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto.

DOUTRINA • Se nada for estipulado no anúncio da promessa de que trata o art. 859, as obras premiadas não serão de propriedade do promitente; continuarão a pertencer ao concorrente, pois nào se presume a alienação da propriedade de obras, que tem duplo valor: o econômico e o es­ piritual. • Este dispositivo é mera repetição do art. 1.517 do Código Civil de 1916, com pequena melho­ ria de redação, devendo ser dado a ele o mesmo tratamento doutrinário (v. Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, 9. ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1954, v. 5, p. 223).

Capítulo II — DA GESTÃO DE NEGÓCIOS Art. 861. Aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando respon­ sável a este e às pessoas com que tratar. HISTÓRICO • 0 presente artigo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto.

DOUTRINA • Gestão de negócio é a administração nào autorizada (espontânea e à revelia) de negócios alheios, feita independentemente de mandato. A procuração, na espécie, é espontânea e presumida, uma vez que o gestor (administrador não autorizado) procura fazer aquilo que o dono do negócio o encarregaria, se soubesse da necessidade da providência. Assim, é gestor de negócios o herdeiro de uma fazenda, que a administra sem oposição dos demais herdeiros, e o condôm ino de coisa indivisível, que cuida do bem em comum com o se seu fosse e sem oposição dos demais, apenas prestando contas de sua gestão (recebimento de alugueres, arrendamentos etc.). • Segundo Silvio Rodrigues (in Direito civil, v. 3, D os contratos e das declarações unilaterais da vontade, 28. ed. atual., São Paulo, Saraiva, 2002, p. 398: “Dá-se, por exemplo, gestão de negócios quando alguém, presenciando em prédio alheio estragos capazes de o destruir, ajusta em nome do proprietário ausente, mas sem sua autorização, um empreiteiro para o reparar: ou quando o diretor de uma clínica chama oculista para cuidar de criança ali inter­ nada sem estar autorizado pelos pais da mesma; ou ainda quando, por ocasião de um incên­ dio o vizinho procura apagá-lo, faz remover os móveis, contrata o seu depósito, toma, enfim, todas as providências para salvaguardar os interesses do dono do prédio. Nas três hipóteses não está a pessoa, que assumiu a defesa no interesse de outrem, autorizada a fazê-lo. Nào obstante a lei, tendo em vista o propósito altruísta que inspirou o ato, empresta-lhe efeitos, se for útil ao dono do negócio. De fato, se for útil a gestão, a lei impõe ao dono do negócio a obrigação de honrar os compromissos assumidos pelo gestor e não só o obriga a reembol­

Art. 862

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sar o gestor das despesas que teve de fazer, com o a indenizá-lo dos prejuízos que lhe decor­ reram de sua atitude". • Newton De Lucca (in Comentários ao N ovo Código Civil, Forense, Rio de Janeiro, 2003, v. XII, p. 39-42), indica as seguintes características na gestào de negócios: “a) desconhecimento do dono do negócio pelo gestor; b) espontaneidade da intervenção, que nào deve resultar de qualquer prévio ajuste, ou ordem; c) o negócio deve ser alheio; d) desinteressado, atuando o gestor no interesse do dono do negócio; e) utilidade da gestão, pois o negócio deve ser pro­ veitoso ao dono; f) propósito de obrigar o dono do negócio, uma vez que nào haverá gestào se o gestor agir por mera liberalidade". • 0 artigo é mera repetição do art. 1.331 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional. Deve ser-lhe dado, portanto, igual tratamento doutrinário.

JULGADOS • "Despejo. Uso próprio. Legitimidade. Mandatário presumível ou gestor de negócio. Inoponibilidade do locatário ao contrato. Reconhecimento. A ação de despejo para uso próprio cabe, em regra, ao proprietário e locador. No entanto, não podem ser ignoradas hipóteses como o mandato táci­ to ou verbal (artigos 1.228 e seguintes do Código Civil de 1916) e a gestão de negócios (artigos 1.331 e seguintes do Código Civil de 1916), mormente quando o próprio locatário não pôs em questão a validade do contrato e nào haja suspeita de má-fé" {JTA 139/343). • "Gestão de negócios. Administrador. Procurador ad negotia. Comparecimento em juízo em nome próprio. Inadmissibilidade. A gestão de negócios possui analogia com o mandato, sobretudo com o mandato tácito. A diferença é que no mandato existe prévio acordo entre mandante e manda­ tário. Na gestão do negócio, inexiste este ajuste prévio" (2o TACSP, 5* Câm., Ap. 197.626, Rei. Juiz Sebastião Amorim, v. u., j. em 29-10-1986, in JTA-RT, 106/316).

Art. 862. Se a gestão foi iniciada contra a vontade manifesta ou presumível do interes­ sado, responderá o gestor até pelos casos fortuitos, não provando que teriam sobrevindo, ainda quando se houvesse abatido. HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela não foi alvo de qualquer espécie de modificação, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redaçào atual é a mesma do projeto.

DOUTRINA • Nesses casos, a gestão perde sua característica de intervenção benevolente e de realização da vontade presumida do dono do negócio. É considerada ato abusivo, e somente o seu su ­ cesso pode inocentar o gestor, cuja responsabilidade é maior. • No magistério de Caio M ário da Silva Pereira (in Instituições de direito civil, v. III, Contratos, declaração unilateral de vontade, responsabilidade civil, 11. ed., rev. e atual, por Regis Fichtner, Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 421): "Se iniciar o gestor contra vontade presumível do dono do negócio, responderá pelo fortuito, a não ser se prove que o dano adviria ainda que se tivesse abstido, e, se o proveito for inferior aos prejuízos, anterior, ou o indenize da diferença (Código Civil, art. 863). M a s se tiver havido intervenção contra a vontade manifes­ ta do dono, já não há gestào, ao contrário do que enganosamente menciona o artigo 862 do Código Civil, porém ato ilícito, com a aplicação dos preceitos a este atinentes. Aqui, não se há de cogitar se o gestor se conduziu com diligência, porém que houve uma gestào autori­ zada, e danosa". • 0 artigo é mera repetição do art. 1.332 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional, devendo receber, assim, igual tratamento doutrinário (v. Clóvis

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Arts. 863 e 864

Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, 9. ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1954, v. 5, p. 67). JU LG AD O S • "Instituição financeira. Alteração de aplicação de rendimento para outra de risco sem a necessá­ ria autorização por escrito do cliente. Inadmissibilidade. Hipótese em que, na qualidade de gesto­ ra de negócios, responde pelos prejuízos causados. Inteligência do artigo 1.332 do Código Civil de 1916" (1°TACSP, Ap. (sumário) 961.683-9, 1* Câm. de Férias, j. em 11-1-2001, Rei. Juiz Cyro Bonilha, RT, 793/268). • "Gestão de negócios Administradora de bens. Atos excessivos ao poder outorgado no mandato. Reconhecimento. A administradora de bens (mandatária) que excede os poderes do mandato é reputada como mero gestor de negócios (exegese do artigo 1.297 do Código Civil de 1916)" (2a TACSP, Agl 571.954-00/5, 7* Câm., Rei. Juiz Willian Campos, j. em 27-4-1999).

Art. 863. No caso do artigo antecedente, se os prejuízos da gestão excederem o seu proveito, poderá o dono do negócio exigir que o gestor restitua as coisas ao estado anterior, ou o indenize da diferença. H IS T Ó R IC O • 0 presente artigo não serviu de palco a nenhuma alteração, por parte do Senado Federal, ou por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • Supõe o artigo que a gestão é realizada contra a vontade expressa ou presumida do dono do negócio (dom inus negotii). Nessa hipótese, o gestor, além de responder pelos danos que ocorram, deverá repor as coisas no estado anterior (statu quo ante). Se isso for impossível, o gestor deverá indenizar a diferença, se existente, entre o prejuízo e o lucro. • Para Arnaldo Rizzardo (ín Direito das obrigações, 2. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 583): “Com o no dispositivo anterior, é realizada a gestão contra a vontade expressa ou presumida do dono do negócio. A indenização decorre unicamente na hipótese de não mais ser possível a restituição das coisas ao estado anterior, ou quando o dono do negócio não as reclame. O quantum será medido pela diferença entre os prejuízos e o proveito". • É este dispositivo simples repetição do art. 1.333 do Código Civil de 1916, sem nenhuma modificação. Deve ser-lhe dispensado, pois, o mesmo tratamento doutrinário.

Art. 864. Tanto que se possa, comunicará o gestor ao dono do negócio a gestão que assumiu, aguardando-lhe a resposta, se da espera não resultar perigo. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em comento não foi atingido por nenhuma espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do pro­ jeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • 0 gestor de negócio (gestor oficioso) assume as funções de mandatário para atender o dono do negócio, ou pela necessidade urgente de tomar uma providência (judicial ou extrajudicial).

Arts. 865 e 866

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Com o não tem autorização para assim proceder, deve, desde logo, levar o fato ao conheci­ mento do dono do negócio, que pode concordar com a continuidade da gestão ou interrom­ pê-la. Se for necessária, todavia, uma ação pronta, por estar em perigo de serem prejudicados os interesses do dono do negócio, não estará o gestor oficioso obrigado a esperar a sua res­ posta, não aumentando, nessa hipótese, sua responsabilidade. • 0 saudoso W ashington de Barros M onteiro (in Curso de direito civil, Direito das obrigações, 21 Parte, 35. ed., rev. e atual, por Carlos Alberto Dabus M a lu f e Regina Beatriz Tavares da Silva, 2007, São Paulo, Saraiva, p. 481) ensina que: "Recebendo a comunicação do gestor, o dono do negócio tomará uma das seguintes deliberações: a) desaprovará a gestão, caso em que a situação se regerá pelo artigo 874 do Código Civil de 2002; b) aprová-la-á expressa ou tacitamente, caso em que a gestào se converterá em mandato expresso ou tácito; c) aprová-la-á na parte já realizada, desaprovando-a porém, para o futuro; d) constituirá procurador, que assumirá o negócio no pé em que se achar, extinguindo-se assim a gestão; e) assumirá pessoalmente o negócio, cessando igualmente a gestão, com o no caso da letra anterior". • Este artigo é mera repetição do art. 1.334 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacional, devendo ser dado a ele o mesmo tratamento doutrinário.

Art. 865. Enquanto o dono não providenciar, velará o gestor pelo negócio, até o levar a cabo, esperando, se aquele falecer durante a gestão, as instruções dos herdeiros, sem se descuidar, entretanto, das medidas que o caso reclame. H IS T Ó R IC O • A presente disposição não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto.

D O U T R IN A • 0 gestor do negócio assume obrigações de mandatário, devendo velar pelo negócio enquan­ to o dom inus negotii não toma providência; se este falecer, deve aguardar instruções dos seus herdeiros. Responderá, porém, por perdas e danos se, sem motivo, suspender a gestão iniciada acarretando prejuízo a terceiro e ao dono do negócio. • Para Carlos Roberto Gonçalves (in Direito civil brasileiro, v. III, Contratos e atos unilaterais, 2004, São Paulo, Saraiva, p. 575): "A morte do dono do negócio, diferentemente do que su­ cede no caso do mandato, que é celebrado intui tu personae, não faz cessar a gestão, deven­ do o gestor prosseguir na execução das medidas cabíveis, enquanto aguarda instruções dos herdeiros". • Já para Caio M ário da Silva Pereira (in Instituições de direito civil, v. III, Contratos, declaração unilateral de vontade, responsabilidade civil, 11. ed., rev. e atual, por Regis Fichtner, Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 423): "Enquanto nào vierem as providências necessárias, velará o gestor pelo negócio, até levá-lo a cabo, esperando, se o dono falecer na sua pendência, as instruções dos herdeiros, sem se descuidar das medidas que o caso reclame (Código Civil, art. 865). Esta obrigação de continuar a gestão começada tem por objeto evitar que o zelo inter­ mitente do gestor e a sua falta de perseverança causem dano ao dom inus". • Esse dispositivo é idêntico ao art. 1.335 do Código Civil de 1916, devendo receber o mesmo tratamento doutrinário.

Art. 866.0 gestor envidará toda sua diligência habitual na administração do negócio, ressarcindo ao dono o prejuízo resultante de qualquer culpa na gestão.

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Art. 867

H IS T Ó R IC O • 0 artigo em tela não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • 0 gestor deve administrar o negócio com zelo, tom ando todas as providências necessárias ao seu bom andamento. Se assim não agir, causando prejuízo ao dono do negócio por culpa sua, deverá ressarci-lo. • Para Sílvio de Salvo Venosa (in Direito civil, v. III, Contratos em espécie, 3. ed., Sào Paulo, Atlas, 2003, p. 299): " 0 princípio geral determina que o gestor se conduza dentro dos moldes de mandatário, e aplicando a diligência habitual do bonus pater familias (art. 866; antigo art. 1.336) ressarcirá o dono de todo o prejuízo resultante de culpa na gestão". • Carlos Roberto Gonçalves (in Direito civil brasileiro, v. III, Contratos e atos unilaterais, 2004, São Paulo, Saraiva, p. 576) acentua que: "Deve o gestor, portanto, nào se fazer substituir por outro e cuidar dos interesses do dono do negócio com o trataria dos seus. No dispositivo em apreço acentuam-se as analogias com o mandato, cabendo ao gestor, em regra, as mesmas obrigações imputáveis ao mandatário, como já foi dito". • 0 artigo é mera repetição do art. 1.336 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo a ele ser dispensado o mesmo tratamento doutrinário. JU LG ADO • "Perdas e danos. Administrador de consórcio. Se não houve apropriação indébita de numerário por parte da administradora, mas prejuízos sofridos pelo condomínio por má gestão de negócios, limita-se a indenização ao valor desses, ainda mais se devidamente dimensionados em perícia. Apelações improvidas" (TJRS, AC 598184901, 20» Câm. Civel, Rei. Des. Ilton Carlos Dellandrea, j. em 13-4-1999).

Art. 867. Se o gestor se fizer substituir por outrem, responderá pelas faltas do substi­ tuto, ainda que seja pessoa idônea, sem prejuízo da ação que a ele, ou ao dono do negócio, contra ela possa caber. Parágrafo único. Havendo mais de um gestor, solidária será a sua responsabilidade. H IS T Ó R IC O • Este dispositivo não serviu de palco a nenhuma alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • Se o gestor se fizer substituir por outrem, ficarão responsáveis pela gestão os dois: o gestor e o substituto. Com o rigor da lei, o gestor deve ser mais cauteloso na escolha do substituto; o substituto mais cuidadoso em aceitar tal desiderato; e o dono do negócio ficará mais ga ­ rantido. No parágrafo único está estatuída outra responsabilidade excepcional. No mandato, a solidariedade não é presumida, deve resultar de estipulação expressa; na gestão, a solida­ riedade é prescrita em lei. • Para Arnaldo Rizzardo (in Direito das obrigações, 2. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 583): “Pelo art. 867 (art. 1.337 do Código anterior), o gestor que se faz substituir por outrem está em posição semelhante ao mandatário que, sem autorização, se faz substituir por outra

Art. 868

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pessoa, substabelecendo poderes que deveria exercer pessoalmente. Ocorrendo a substituição, responde solidariamente o substituído pelos atos do substituto. O dono terá ação contra os dois, a fim de ressarcir-se dos prejuízos verificados. Em consonância com o parágrafo único (parágrafo único do art. 1.337 do Código anterior), havendo mais de um gestor, configura-se igualmente a responsabilidade solidária de todos pelos danos ocorríveis. Conquanto se pre­ ocupe a lei em disciplinar, sobretudo, a indenização pelos danos, mister ressaltar os casos em que os benefícios excederem os danos. Considerando que a gestão é sobre negócio alheio, quem lucra as vantagens é o dono do negócio, e, assim, as mesmas lhe pertencem de pleno direito. Incumbe ao gestor a entrega a ele e não considerá-las com o remuneração ou com ­ pensação pela atividade desenvolvida". • Quanto à prestação de contas que integram a relação de obrigações, ensina Luiz da Cunha Gonçalves (in Tratado de Direito Civil, Coimbra, Coimbra Ed., 1932, v. IX, t. II, p. 567-8) ser também: "um a conseqüência lógica do direito de exigir a indenização das despesas e preju­ ízos, o que não é possível sem a apresentação de uma conta, quando tal reclamação seja feita em particular... Nas gestões que só tiverem por fim evitar danos iminentes, quer às coisas, quer às pessoas do dom inus ou da sua família, é evidente que não pode haver receitas, mas somente despesas; e, por isso. é somente a conta destas que ele terá que apresentar. E a prestação de contas tem lugar não só quando está já concluída, mas ainda quando a gestào esteja incompleta ou foi interrompida pelo dono do negócio ou por caso fortuito". • 0 artigo é idêntico ao de n. 1.337 do Código Civil de 1916, devendo ser a ele dado o mesmo tratamento doutrinário. JU LG AD O • "Prestação de contas pelo sócio remanescente. Gestão de negócios. Legitimatio ad causam. Cabí­ vel a ação de prestação de contas proposta pelo espólio contra o sócio remanescente, que passou a administrar a empresa em seu nome e proveito próprio, descabendo, dessa forma, a alegação de ausência de vínculo com aquele, pois o simples fato da gestão de negócios alheios ou direito de terceiros induz a obrigação de prestá-las" (TACMG, 6* Câm., Ap. 187.981-4/00, Rei. Pedro Henriques, v. u., j. em 1»-6-1995).

Art. 868.0 gestor responde pelo caso fortuito quando fizer operações arriscadas, ainda que o dono costumasse fazê-las, ou quando preterir interesse deste em proveito de interes­ ses seus. Parágrafo único. Querendo o dono aproveitar-se da gestào, será obrigado a indenizar o gestor das despesas necessárias, que tiver feito, e dos prejuízos, que, por motivo da gestão, houver sofrido. HISTÓRICO • Este dispositivo não sofreu nenhuma modificação, nem da parte do Senado Federal, nem da par­ te da Câmara dos Deputados. A redaçào atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • Som ente o dono pode arriscar o que é seu; ao gestor cabe administrar, e nào especular. Deve o gestor defender os interesses alheios na ausência do dono; assim, deve agir com prudência e moderação, ficando fora de sua órbita as operações arriscadas. Se arriscar ou especular, responderá, inclusive, pelo caso fortuito. Se o dono quiser aproveitar-se da gestào arriscada, deve indenizar o gestor das despesas feitas e do prejuízo que porventura tiver sofrido. • Caio M ário da Silva Pereira (in Instituições de direito civil, v. III, Contratos, declaração uni­ lateral de vontade, responsabilidade civil, 11. ed., rev. e atual, por Regis Fichtner, Rio de

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Art. 869

Janeiro, Forense, 2004, p. 423) observa que “a lei, entretanto, é mais exigente, quando o responsabiliza mesmo pelo fortuito, se preterir os interesses do dom inus em proveito dos seus (Código Civil, art. 868). Obtemperar-se-á que o rigor é demasiado, para quem procede ofi­ ciosamente. Contudo, o princípio é certo: nào era obrigado a iniciar a gestão, mas se intervém em negócio alheio, tem que agir com o máximo de diligência, para que não advenha prejuí­ zo causado por sua intromissão". • 0 dispositivo é mera repetição do art. 1.338 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo receber o mesmo tratamento doutrinário (ver Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, 9. ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1954, v. 5, p. 70).

Art. 869. Se o negócio for utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu nome, reembolsando ao gestor as despesas necessárias ou úteis que houver feito, com os juros legais, desde o desembolso, respondendo ainda pelos prejuízos que este houver sofrido por causa da gestão. § A utilidade, ou necessidade, da despesa, apreciar-se-á não pelo resultado obtido, mas segundo as circunstâncias da ocasião em que se fizerem. § T- Vigora o disposto neste artigo, ainda quando o gestor, em erro quanto ao dono do negócio, der a outra pessoa as contas da gestão. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em tela nâo foi atingido por nenhuma espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do pro­ jeto. D O U T R IN A • Se o negócio for utilmente administrado, o dono dele se equipara ao constituinte: deve cumprir as obrigações contraídas em seu nome, e indenizar as despesas úteis e necessárias que tiver feito o gestor, acrescida dos juros legais desde o desembolso. A utilidade ou a ne­ cessidade das despesas feitas deverá ser apreciada nào pelo resultado obtido, mas segundo as circunstâncias da ocasião em que foram feitas pelo gestor [RT, 240/233). Se, por erro, o gestor do negócio prestar contas a outrem, deve ser indenizado das despesas úteis e neces­ sárias pelo dominus. • Segundo Silvio Rodrigues (in Direito civil, D os contratos e das declarações unilaterais da vontade, v. 3, 28. ed. atual., 2002, São Paulo, Saraiva, p. 403-4): "A matéria é de grande im­ portância porque o dono, neste caso, se vê obrigado para com terceiros, contra a sua vonta­ de e desde que a gestão seja útil. Trata-se de obrigação que nào deriva da vontade do obri­ gado, mas da lei, pois é o próprio art. 869, caput, acima transcrito, que a impõe. Assim, mesmo sem o querer e desde que a gestão seja útil, fica o dono do negócio obrigado a honrar o contrato, contraído em seu nome pelo gestor, ou a reembolsar as despesas por este efetuadas, ou a indenizar os prejuízos pelo mesmo experimentados por força da gestão, ou a remunerar o gestor por sua atividade, quando tal for o caso, pelos serviços que resultaram proveitosos. Desse modo e de acordo com essa regra, deve o pai do menor internado em uma clínica cumprir o contrato de locações de serviços em seu nome efetuado pelo diretor, e pagar o oftalmologista que assistia a criança. Deve o dono do prédio incendiado reembolsar o vizinho que salvou os móveis que no prédio se encontravam e fez despesas para a sua conservação e guarda. Deve o cavaleiro, cuja montada desembestou, indenizar seu salvador dos gastos que teve com o tratamento dos ferimentos sofridos, quando de sua heróica ati­ tude freando o animal. Finalmente, reencontro o problema da remuneração devida ao gestor, por serviços prestados ao dono de negócio. Já aludi à moderna tendência de se permitir a

Arts. 870 e 871

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cobrança de tais serviços, em oposição ao entendimento, anteriormente difundido, de que a gestão era sempre gratuita". • 0 artigo é semelhante ao art. 1.339 do Código Civil de 1916 com pequena melhoria redacio­ nal, devendo receber o mesmo tratamento doutrinário. JU LG AD O S • Nossos Tribunais têm entendido que: "0 gestor tem direito ao reembolso das despesas necessárias e úteis. Não responde, portanto, apenas pelo recebimento senão pelo saldo. Recurso parcialmen­ te provido" (TJRJ, AC 2001.001.16026, 18* Câm. Cível, Rei. Des. José de Samuel Marques, j. em 23-10-2001). "Ação de consignação em pagamento. Gestão de negócios. Estudantes do DCE da PUC que assumiram a administração do restaurante universitário e receberam numerário. Reco­ nhecimento de uma gestão de negócios e o direito do gestor de consignar ao dono os valores recebidos. Ação cabível e procedente" (TJRS, AC 590073599, 5* Câm. Cível, Rei. Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, j. em 14-11-1990).

Art. 870. Aplica-se a disposição do artigo antecedente, quando a gestão se proponha a acudir a prejuízos iminentes, ou redunde em proveito do dono do negócio ou da coisa; mas a indenização ao gestor não excederá, em importância, as vantagens obtidas com a gestão. HISTÓRICO • 0 presente artigo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • Este artigo estabelece uma regra geral: o dom inus fica vinculado pelas obrigações contraídas, em seu nome, pelo gestor, e tem de reembolsar as despesas necessárias e úteis, que tiverem sido feitas, se o negócio for utilmente administrado, utiliter gestum. Se a gestão socorrer o dom inus de prejuízo iminente, deverá ele indenizar o gestor pelas despesas que tiverem sido feitas, acrescidas de juros legais desde a data do desembolso. Tal indenização nào poderá exceder em importância às vantagens provenientes da gestào, impedindo, assim, o enrique­ cimento sem causa do gestor. • Para Silvio de Salvo Venosa (in Direito civil, v. III, Contratos em espécie, 3. ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 302): “A respeito da urgência, reporta-se o art. 870 (antigo art. 1.340). Tem-se por gestào útil aquela dirigida a acudir prejuízos iminentes, ou que redunde em proveito do dono do negócio, ou da coisa. Enfatiza, porém, o dispositivo que 'a indenização ao gestor excederá, em importância, às vantagens obtidas com a gestão’. Enfatiza-se aí que a lei pro­ cura afastar qualquer caráter especulativo na gestão, ao lado do espírito da coibiçáo do in­ justo enriquecimento, cuja noção integra inelutavelmente a gestão. Adm itindo a gestão e fixado o valor a pagar ao gestor, o dono do negócio deve assumi-lo, liberando o gestor". • É repetição do art. 1.340 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, deven­ do ser dado a ele o mesmo tratamento doutrinário.

Art. 871. Quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda que este não ratifique o ato.

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Art. 872

H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em tela nâo foi alvo de nenhuma espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • Este artigo prevê um dever cujo cumprimento a lei impõe de modo rigoroso. A pessoa obri­ gada a prestar alimentos não pode fugir a essa obrigação de assistência legal, pois se assim não fosse o alimentário ficaria exposto ao abandono. Isso ocorreria se os estranhos que viessem em seu socorro nào tivessem o direito de repetir os adiantamentos que fizeram. Se o gestor cumprir a obrigação alimentar por caridade, nào pode repetir (v. parágrafo único, 2* parte, do art. 872). Tal situação, assim com o a prevista no artigo subsequente (art. 872), Orlando Gomes chama, em sua clássica obra (Contratos, 18. ed., atual, por Humberto Theodoro Júnior, Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 389), de situações afins à negotiorum gestio (gestão de negócio). • 0 artigo em comento transcreve o art. 1.341 do Código Civil de 1916; portanto, deve ser-lhe dado o mesmo tratamento doutrinário.

Art. 872. Nas despesas do enterro, proporcionadas aos usos locais e à condição do fa­ lecido, feitas por terceiro, podem ser cobradas da pessoa que teria a obrigação de alimentar a que veio a falecer, ainda mesmo que esta não tenha deixado bens. Parágrafo único. Cessa o disposto neste artigo e no antecedente, em se provando que o gestor fez essas despesas com o simples intento de bem-fazer. H IS T Ó R IC O • 0 presente artigo não serviu de palco a nenhuma alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • Na hipótese prevista neste artigo, aplica-se a mesma regra do artigo anterior, ou seja, se alguém paga as despesas de enterro, estas devem ser repetidas por quem tinha o dever de alimentar o de cujus, ainda que este nào possua bens. Se o gestor fez tais despesas com a intenção de fazer caridade, não pode repetir [RT, 255/191 e 242/575). • Pontes de Miranda (in M an ual do Código Civil brasileiro de Paulo de Lacerda, v. 16, t. II. n. 31, Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, 1916/1934, p. 86) nos ensina que: "É o caso de doação perfeita sem que alguém houvesse aceito. As despesas do enterro, propor­ cionadas aos usos locais e à condição do falecido, feitas por terceiro, podem ser cobradas da pessoa que teria obrigação de alimentar a que veio a falecer, ainda mesmo que esta não tenha deixado bens (artigo 1.342 do Código Civil de 1916). Cessam o disposto nesse artigo e no antecedente (artigo 871 do Código Civil de 2002) em se provando que o gestor fez essas despesas com o simples intento de bem fazer (parágrafo único). Houve desembolso, e anim us donandr. • 0 dispositivo é transcrição do art. 1.342 do Código Civil de 1916, devendo receber o mesmo tratamento doutrinário. D IR E I T O P R O J E T A D O • PL n. 699/2011:

Arts. 873 e 874

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Art. 872. A s despesas do enterro, proporcionais aos usos locais e à condição do falecido, feitas por terceiro, podem ser cobradas da pessoa que teria a obrigação de alimentar a que veio a falecer, ainda mesmo que esta não tenha deixado bens.

Art. 873. A ratificação pura e simples do dono do negócio retroage ao dia do começo da gestão, e produz todos os efeitos do mandato. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em tela não foi atingido por nenhuma modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. D O U T R IN A • Se o dono do negócio ratificar a gestão pura e simplesmente, converte-a em mandato, e as relações entre ele e o gestor passam a se regular com o se, desde o início, fossem mandante e mandatário. • Para Carlos Roberto Gonçalves, apoiado nas lições de Clóvis Beviláqua e Silvio Rodrigues (in Direito Civil brasileiro, v. III, Contratos e atos unilaterais, 2004, São Paulo, Saraiva, p. 578): “Ratificação é o ato pelo qual o dono do negócio, ciente da gestão, aprova o com portam en­ to do gestor. Ela pode ser expressa ou tácita. É desta última espécie quando, ciente da gestão e podendo desautorizá-la, o dom inus silencia. Neste caso, a figura da gestào se transforma no de mandato tácito. A afirmação de que a ratificação retroage ao dia do começo da gestào [om nis ratihabitio prorsus retrotrahitur) eqüivale a dizer que esta se extingue, transform an­ do-se em mandato. Por essa razão, cessam as responsabilidades especiais que vinculam o gestor e nào mais se cogitará de saber se foi útil, ou nào, a gestão. É com o se nào tivesse havido gestão de negócios, mas apenas mandato". • 0 artigo é idêntico ao de n. 1.343 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. JU LG AD O S • "Não é juízo de família e sucessões competente para apreciação de ação de prestação de contas, que envolva pessoa jurídica ao juízo sucessório, por se tratar de uma gestão de negócios" (TJRS, Agl 597.144.222, 8* Câm. Cível, Rei. Des. Antonio Carlos Stangler Pereira, j. em 26-3-1998). • "Gestào de negócios. Administrador. Procurador ad negotia. Comparecimento em juízo em nome próprio. Inadmissibilidade. A gestão de negócios possui analogia com o mandato, sobretudo com o mandato tácito. A diferença é que no mandato existe prévio acordo entre mandante e manda­ tário. Na gestão de negócios, inexiste este ajuste prévio" (2«TACSP, Ap. 197.626, 5* Cãm., Rei. Juiz Sebastião Amorim, j. em 29-10-1986).

Art. 874. Se o dono do negócio, ou da coisa, desaprovar a gestão, considerando-a con­ trária aos seus interesses, vigorará o disposto nos arts. 862 e 863, salvo o estabelecido nos arts. 869 e 870. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo nào foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • 0 dono do negócio só poderá recusar a ratificação se demonstrar que a gestào foi contrária a seus interesses, hipótese em que o gestor não só responderá por perdas e danos, como

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Art. 875

também pelo caso fortuito, se nào demonstrar que teriam ocorrido os prejuízos ainda quan­ do se houvesse abstido, e também pelos danos da gestào que excederem seu proveito, de­ vendo restituir as coisas ao estado anterior, ou indenizar a diferença. • Este dispositivo repete o art. 1.344 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de reda­ ção, devendo ser dado a ele o mesmo tratamento doutrinário. JU LG AD O S • “Ação de prestação de contas. Dever de prestá-las. Administradora de imóvel locado. Mandato. Segunda fase. Contas prestadas. Verificação de saldo credor a favor da proprietária do bem. Sen­ tença confirmada por seus próprios fundamentos. Recurso desprovido. 0 mandatário, tal como é o caso da administradora de imóvel locado, referentemente ao seu proprietário, é obrigado a dar contas de sua gerência ao mandante, transferindo-lhe as vantagens provenientes do mandato, por qualquer titulo que seja, conforme dispõe expressamente o art. 1.302 do CC (de 1916). 0 mandato, em termos gerais, só confere poderes de administração, sendo que o mandatário que exceder os poderes do mandato deve ser considerado como mero gestor de negócios, enquanto o mandante não lhe ratificar os atos. De qualquer forma, o artigo 1.344 do CC (de 1916), aplicação a esta última espécie contratual, preceitua que a sua desaprovação pelo dono da coisa acarretará indenização por parte de quem assim agiu, considerando-se ainda que a necessidade da despesa apreciar-se-á não pelo resultado obtido, mas segundo as circunstâncias da ocasião em que se fi­ zerem (arts. 1.344 e 1.339 do CC (1916)). Em suma, os atos do mandatário não podem ir além daqueles necessários ao cumprimento fiel do seu encargo" (TJSC, AC 99.005.297-4, 1» Câm. Cível, Rei. para Acórdão Des. Orli Rodrigues, j. em 21-3-2000). • "Cobrança e indenização. Gestão de negócios. Manutenção de gado. Despesas inúteis. Art. 1.344 do Código Civil (de 1916). Honorários. Art. 20, § 4«, do CPC. Não são indenizáveis as despesas inúteis desaprovadas pelo dono do negócio gerido em autorização. A existência de dúvida razoá­ vel e não solucionada na via própria acerca da posse da área em que se encontrava o gado impe­ de a indenização pelas despesas urgentes. Os honorários advocatícios nas causas em que não há condenação, como nas improcedentes, é de ser fixado segundo a norma do art. 20, § 4°, do CPC" (TACMG, AC 0299953-3, 3* Câm. Cível, Rei. Juiz Edilson Fernandes, j. em 15-3-2000).

Art. 875. Se os negócios alheios forem conexos ao do gestor, de tal arte que se não possam gerir separadamente, haver-se-á o gestor por sócio daquele cujos interesses agenciar de envolta com os seus. Parágrafo único. No caso deste artigo, aquele em cujo benefício interveio o gestor só é obrigado na razão das vantagens que lograr. H IS T Ó R IC O • 0 artigo em tela não foi alvo de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual ê a mesma do projeto. D O U T R IN A • Este artigo pressupõe que os negócios em que o gestor interveio nào sejam inteiramente alheios, mas conexos aos seus. Assim, não podem ser geridos separadamente; o gestor será considerado sócio do dono do negócio. Nesse caso aplicam-se as normas inerentes ao con­ trato de sociedade. • Segundo Arnaldo Rizzardo, ao analisar este artigo (in Direito das obrigações, 2. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 586), assevera que: “Há conexão de negócios, o que torna a gestào comum, pois nào é possível a gerência separada. 0 gestor considera-se sócio do titular. O beneficiado com a gestão só é obrigado em relação à outra pessoa na razão das vantagens que lograr - parágrafo único do dispositivo acima (parágrafo único do artigo 1.345 do Có­

Art. 876

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digo de 1916). Verificando-se prejuízos, nào responde o gestor, fato este que afasta a sua consideração como sócio, eis que, na sociedade, os lucros e perdas são repartidos entre os componentes". • Repete esse dispositivo o art. 1.345 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria redacio­ nal, devendo receber o mesmo tratamento doutrinário.

Capítulo III — DO PAGAMENTO INDEVIDO Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir, obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição. H IS T Ó R IC O • O presente dispositivo nào serviu de palco a nenhuma alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redaçào atual é a mesma do projeto.

DOUTRINA • Pagamento indevido é aquele feito voluntariamente, e por erro, sobre débito inexistente. Quem recebe pagamento indevido (accipiens) deve devolvê-lo, sob pena de locupletamento. Essa regra também se aplica na hipótese de pagamento de dívida condicional sem que tenha sido cumprida a condição. Em se tratando de pagamento de tributos indevidos, a regra a ser aplicada é a mesma (v. art. 165 do CTN). O instrumento hábil para o recebimento do valor pago indevidamente, não sendo a restituição voluntária ou administrativa, é a ação de repe­ tição do indébito. • Para Newton De Lucca (in Comentários ao N ovo Código Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XII, p. 79), os requisitos para caracterização do pagamento indevido são: “a) anim us solvendi, ou seja a intenção de pagar; b) inexistência do débito a pagamento endereçado àque­ le que não seja o credor". • Esse artigo repete o de n. 9 6 4 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redaçào, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. Sobre a matéria, vide Carlos Alber­ to Dabus Maluf, Pagamento indevido e enriquecimento sem causa, Revista da Faculdade de Direito da USP, v. 93, p. 115, 1998, e Pressupostos do pagamento indevido, RF, 257/379. SÚ M U LAS • Súmula 412 do STJ: "A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil". • Súmula 322 do STJ: "Para a repetição de indébito, nos contratos de abertura de crédito em conta-corrente, nào se exige a prova do erro".

JULGADOS • "Condomínio. Centro comercial. Taxa de publicidade. Alegação de pagamento indevido porque a unidade autônoma não está sendo utilizada. Inconsistência. Restituição de indébito julgada im­ procedente. Convenção condominial que nào exclui as unidades desocupadas. Recurso improvido" (TJSP, Ap. 331.483.4/7, Rei. Des. Álvares Lôbo, j. em 31-3-2004). • "0 locador, que aplica reajustes em desacordo com as formas e prazos contratuais sem a concor­ dância expressa do locatário, e concorre, decisivamente, para erro deste sobre o valor correto do aluguel, está obrigado a repetir o indevidamente recebido" (2o TACSP, Ap. 417.903, Rei. Juiz Laerte Sampaio, j. em 14-2-1995).

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Arts. 877 e 878

Art. 877. Àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro. H IS T Ó R IC O • O artigo em tela não foi atingido por nenhuma espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • Para se receber a restituição do pagamento feito indevidamente é necessário que este tenha sido feito por erro. 0 ônus da prova do erro incumbe a quem fez o pagamento indevido voluntariamente (solvens). • Carlos Roberto Gonçalves (in Direito eivil brasileiro, v. III, Contratos e atos unilaterais, 2004, São Paulo, Saraiva, p. 581) acentua que: "Inexistindo erro, portanto, mas ato refletido e consciente, afastado fica o direito à repetição. O ônus da prova é, com o se vê, do solvens. Se o pagamento não foi efetuado espontaneamente, mas em virtude de decisão judicial, incabível se mostra a referida ação, ainda que se trate de quantia nâo devida, sendo adequada a ação rescisória do julgado. A prova do erro, que pode ser de fato ou de direito e escusável ou grosseiro, é também exigida no aludido dispositivo. Entende a doutrina que efetua uma liberalidade e não tem direito à repetição aquele que deliberadamente satisfaz o que sabe não devido. Em caso de dúvida, deve o solvens consignar o pagamento, sob pena de assumir o risco de pagar mal e não pode invocar o supratranscrito artigo 877 do Código Civil. A ju­ risprudência tem dispensado a prova do erro e deferido a restituição ao solvens quando se trata de pagamento de imposto, contentando-se com a prova de sua ilegalidade ou inconstitucionalidade. Também tem proclamado que a correção monetária é devida a partir do indevido pagamento e nào apenas a contar do ajuizamento da ação de repetição do indébi­ to. Entretanto, o Código Tributário Nacional estabelece que os juros só são devidos desde o trânsito em julgado da sentença (art. 167, parágrafo único)". • Este dispositivo repete o art. 965 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo a ele ser dispensado o mesmo tratamento doutrinário. JU LG AD O S • “Repetição de indébito. Diferença de mensalidades escolares. Falta de comprovação dos pagamen­ tos terem sido feitos por erro. Improcedência da ação. Competia ao autor, caso não concordasse com a cobrança, consigná-la em juízo, nas datas dos vencimentos das mensalidades" (TJSP, Ap. 266.145-2/0/SP, Rei. Des. Quaglia Barbosa, j. em 17-9-1996). • “Repetição do indébito. Ocorrência. Quantias pagas indevidamente. Entidade beneficente assistencial. Contribuição previdenciária. Imunidade tributária. Presença dos requisitos do artigo 14 do CTN“ [RT, 806/370).

Art. 878. Aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações sobrevindas à coisa dada em pagamento indevido, aplica-se o disposto neste Código sobre o possuidor de boa-fé ou de má-fé, conforme o caso. H IS T Ó R IC O • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto.

Art. 879

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D O U T R IN A • Aquele que recebeu o pagamento indevido de boa-fé (accipiens de boa-fé) deverá devolver a coisa recebida indevidamente, mas terá direito de conservar os frutos percebidos e de ser indenizado relativamente às benfeitorias úteis e necessárias. Quanto às voluptuárias, poderá levantá-las, desde que não altere a substância da coisa. O accipiens de m á-fé deverá devolver tudo que recebeu, juntamente com seus frutos, não tendo direito a indenização por benfei­ torias úteis e necessárias, não podendo, ainda, levantar as voluptuárias. De resto devem ser aplicadas as regras do possuidor de boa-fé e do possuidor de má-fé (v. arts. 1.214 a 1.220 do Código Civil vigente). • 0 artigo é mera repetição do art. 966 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. JU LG AD O • 'Repetição de indébito. Valores recebidos por força de execução de titulo judicial posteriormente desconstituído por ação rescisória. Impossibilidade. Na seara trabalhista, onde sobrepaira o prin­ cipio protecionista, com vista a corrigir a desigualdade que permeia a relação empregado-empregador, a boa-fé no accipiens possui efeitos mais amplos do que aqueles que lhes são atribuídos pelo Código Civil (de 1916) (artigo 966). De fato, não se pode olvidar que as regras civilistas rela­ tivas à repetição de indébito dirigem-se à resolução de questões de natureza meramente patri­ monial, enquanto, no âmbito trabalhista, os pagamentos efetuados ao empregado detêm caráter essencialmente alimentar. Recurso desprovido" (TRT, 10* R., RO 1.146/00, 2* T., Rei. Heloisa Pinto Marques, DJU, 26-1-2001, p. 10).

Art. 879. Se aquele que indevidamente recebeu um imóvel o tiver alienado em boa-fé, por título oneroso, responde somente pela quantia recebida; mas, se agiu de má-fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos. Parágrafo único. Se o imóvel foi alienado por título gratuito, ou se, alienado por título oneroso, o terceiro adquirente agiu de má-fé, cabe ao que pagou por erro o direito de rei­ vindicação. H IS T Ó R IC O • “Art. 879. Se aquele que indevidamente recebeu um imóvel o tiver alienado em boa-fé, por titulo oneroso, responde somente pelo preço recebido; mas, se obrou de má-fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos. Parágrafo único. Se o imóvel se alheou por titulo gratuito, ou se, alheando-se por titulo oneroso, obrou de má-fé o terceiro adquirente, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação". Essa era a redação original do dispositivo, tal como proposto à Câma­ ra. A partir de emenda da lavra do Senador Josaphat Marinho aprimorou-se o texto, com a subs­ tituição dos verbos "obrar" por "agir" e "alhear" por "alienar", resultando na composição atual. D O U T R IN A • Se quem recebeu indevidamente o prédio vier a vendê-lo de boa-fé, deverá devolver tão somente o valor que recebeu; estando de má-fé, além do valor do bem imóvel, deverá pagar uma indenização por perdas e danos, se existentes. Se doado gratuitamente ou vendido a terceiro de má-fé, o que pagou por erro pode reivindicar o bem. • Para Silvio Rodrigues (in Direito civil - D os contratos e das declarações unilaterais de von­ tade, v. 3,28. ed. atual., São Paulo, Saraiva, 2002, p. 413-5): “Nesse caso depara o legislador, desde logo, com um conflito entre dois interesses colidentes, am bos amparados por respei­ tável princípio de direito. De um lado encontra o interesse do solvens que, havendo transfe­ rido, por erro, o dom ínio de certo bem, procura reintegrá-lo em seu patrimônio, de onde,

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Art. 879

aliás, nào devia ter saído. Se a transferência for considerada ineficaz, por defluir de um pa­ gamento indevido, o accipiens não poderia ter alienado o bem imóvel, visto não ser seu dono nem jamais tê-lo sido. De modo que a alienação por ele feita ao terceiro de boa-fé não pode gerar conseqüência, por ser a non domino. Portanto, aplicando-se a regra de que só o dono ou seu representante podem alienar, deve a lei permitir ao solvens que pagou reivindicar das mãos de quem quer que eventualmente detenha o imóvel dado em pagamento. De outro lado encontra-se o interesse do terceiro de boa-fé que, havendo adquirido o imóvel de que apa­ rentemente era seu dono, agiu com o agiria o prudente pai de família, sendo induzido ao negócio por circunstâncias que induziriam qualquer pessoa. Encontram-se portanto em pa­ ralelo, de um lado o interesse do solvens que pagou por seu próprio erro; de outro, o do terceiro que, agindo de boa-fé, foi conduzido a um negócio em virtude daquele erro. Qual dos dois interesses merecerá a proteção da lei? Evidentemente o do terceiro de boa-fé, que nada tendo a se censurar, que não havendo nem sequer indiretamente colaborado para aquela situação de fato, encontrar-se-ia, caso contrário, na iminência de sofrer um prejuízo inteiramente injustificado. De resto, o legislador, socorrendo o terceiro, não protege apenas o interesse deste último, mas também o da sociedade, pois a solução da lei atua no sentido de reforçar a confiança nas relações negociais, que se querem firmes e estáveis. Um elemen­ to de dúvida na eficácia dos registros públicos, a perspectiva de aquele que comprou, rode­ ado de todas as precauções legais, experimentar um prejuízo, representa um instrumento perturbador da ordem, que compete ao ordenamento jurídico conjurar. Portanto, na hipóte­ se em que o pagamento indevido se efetuou pela daçào de um imóvel, depois alienado, a título oneroso, pelo accipiens, a terceiro de boa-fé, nào defere a lei ao solvens o direito de reivindicar a coisa. Pelo contrário, compete-lhe absorver o prejuízo, só lhe remanescendo a prerrogativa da ação regressiva contra o accipiensr. • Examinando a alienação a título gratuito e de boa-fé, pelo “accipiens", do imóvel recebido indevidamente, Silvio Rodrigues (cf. Direito civil, cit., p. 413-5) nos ensina que: "Nesse caso, o conflito entre o interesse do terceiro adquirente e do solvens se propõe em termos diversos, porque enquanto o solvens procura evitar um prejuízo (certat de dam no vitando), o terceiro procura alcançar um lucro, isto é, quer obter o aumento de seu patrimônio (certat de lucro captando). Ora frequentemente, quando o legislador tem de decidir entre o interesse de qui certat de lucro captando, em face do interesse qui certat de dam no vitando, é o deste último que ele prefere. E, com efeito, ao mesmo tempo que a lei indefere ação reivindieatória contra o adquirente de boa-fé, e a título oneroso, ela a defere contra o adquirente a título gratuito, ainda que vestido de boa-fé". • Quando se trata de alienação pelo "accipiens", a título oneroso, a terceiro de má-fé, do imó­ vel recebido indevidamente, destaca Silvio Rodrigues (Direito civil, cit., p. 413-5): "Solução idêntica, isto é, permitindo a reivindicação do imóvel, se apresenta quando o terceiro adqui­ rente agiu de má-fé. Com efeito, se o terceiro adquiriu o imóvel sabedor de que fora objeto de um pagamento indevido, nào há razão para que a lei proteja seu interesse, dada a malícia de seu procedimento. Por conseguinte, deixa de atuar o princípio de respeito à boa-fé, para prevalecer o princípio protetor da propriedade. Assim, as soluções para o caso de aquisição a título gratuito, ou de aquisição por terceiro de má-fé, sào idênticas e se encontram discipli­ nadas no parágrafo único do art. 879, a saber: 'Parágrafo único. Se o imóvel foi alienado por título gratuito, ou se, alienado por titulo oneroso, o terceiro adquirente agiu de má-fé, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação'". • Ocorrendo a má-fé do “accipiens", na mesma hipótese, assevera Silvio Rodrigues (cf. Direito civil, cit., p. 413-5): “Se o accipiens agiu de má-fé, uma dupla solução se apresenta, confor­ me haja ou não o terceiro atuado de boa-fé. Na última hipótese a solução já foi apontada, pois, nào merecendo respeito a malícia do adquirente, o solvens pode reivindicar o imóvel. Contudo, se o accipiens estava de m á-fé e o terceiro adquirente de boa-fé, o respeito à po­

Arts. 880 e 881

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sição deste último conduz a que se mantenha o negócio. M as a lei, indeferindo açào reivindicatória a quem pagou indevidamente, confere-lhe o direito de reclamar, de quem malicio­ samente recebeu o pagamento, não apenas o preço recebido pela venda do imóvel, mas também as perdas e danos. É o que dispõe o art. 879, caput, do Código Civil". • Este dispositivo corresponde ao art. 968 do Código Civil de 1916, e deve merecer o mesmo tratamento doutrinário.

Art. 880. Fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o como parte de dívida verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a pretensão ou abriu mão das garantias que asseguravam seu direito; mas aquele que pagou dispõe de ação regressi­ va contra o verdadeiro devedor e seu fiador. HISTÓRICO • O dispositivo em tela não foi alvo de nenhuma alteração, nem por parte do Senado Federal, nem por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • Este artigo trata da hipótese do recebimento de boa-fé de quem não é o devedor, sendo a dívida verdadeira. O accipiens que, ao receber de boa-fé, inutiliza o titulo ou deixa prescrever a ação, ou ainda renuncia às garantias, não precisa restituir o pagamento. Quem pagou er­ roneamente - o solvens - terá ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador. • Carlos Roberto Gonçalves (in Direito civil brasileiro, v. III, Contratos e atos unilaterais, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 586) acentua que: "Trata o dispositivo do recebimento, de boa-fé, de dívida verdadeira, paga por quem descobre, posteriormente, não ser o devedor. Se o título foi inutilizado, o credor nào está obrigado a restituir a importância recebida, porque nào poderá mais, sem título, cobrar a dívida, do verdadeiro devedor. Contra este o solvens, que não deve ser prejudicado, dirigirá a ação regressiva, para evitar o enriquecimento indevido do réu. Assim também ocorrerá se o accipiens de boa-fé deixou prescrever a pretensão que poderia deduzir contra o verdadeiro devedor, ou se abriu mão das garantias de seu crédito". • Na lição do saudoso W ashington de Barros M onteiro (in Curso de direito civil, Direito das obrigações, 2*- Parte, 35. ed., rev. e atual, por Carlos Alberto Dabus M a lu f e Regina Beatriz Tavares da Silva, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 491): “Natural que assim aconteça. Se alguém, de boa-fé, recebe pagamento de dívida verdadeira, efetuado por quem se julga devedor, nào mais tem razão para conservar-lhe o título comprobatório ou preocupar-se com a dívida. Torna-se plausível, portanto, que inutilize o primeiro ou se quede inativo, permitindo de tal arte se consume a prescrição em curso. Seria injusto, ante essa eventualidade, sujeitá-lo a restituição. Mas, com o também não seria justo que se prejudicasse o solvens, o artigo 880 do Código Civil de 2002 ressalva-lhe o direito de voltar-se contra o verdadeiro devedor e seu garante a fim de ressarcir-se dos prejuízos sofridos". • Este dispositivo é mera repetição do art. 969 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário.

Art. 881. Se o pagamento indevido tiver consistido no desempenho de obrigação de fazer ou para eximir-se da obrigação de não fazer, aquele que recebeu a prestação fica na obrigação de indenizar o que a cumpriu, na medida do lucro obtido.

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Art. 882

H IS T Ó R IC O • 0 presente dispositivo nâo serviu de paleo a nenhuma alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. Tal redação, na verdade, corresponde ao texto integral apresentado pelo projeto. D O U T R IN A • Se o pagamento indevido abranger obrigação de fazer (obrigação positiva) ou obrigação de não fazer (obrigação negativa), quer sejam elas originadas de contrato ou de decisão judicial (preceito cominatório, arts. 632 a 645 do CPC), o accipiens deve indenizar o solvens, inde­ pendentemente de ter recebido de boa ou má-fé. A indenização terá com o base o lucro obtido, pois se assim não fosse caracterizar-se-ia um enriquecimento sem causa. Não haven­ do lucro do recebedor, não há que se falar em indenização, uma vez que o locupletamento não ocorreria. • Este artigo não tem dispositivo correspondente no Código Civil de 1916. JU LG AD O S • "Protesto. Ação anulatória. Indenização. Cumulaçáo de pedidos. Duplicata endossada. Falta de comunicação. Pagamento indevido de titulo. Irrelevância. Protesto de título. Admissibilidade. Apelação. Anulação de protesto acumulada com indenização. Duplicatas transferidas ao banco por endosso - cessão que as apontou a protesto, após os avisos regulares. Pagamento que se fi­ zera diretamente ao sacador, que não cuidou de comunicar ao endossatário-cessionário. 0 pro­ testo das duplicatas constitui-se em exercício regular de um direito, que isenta de responsabili­ dade civil, a teor do artigo 160,1, do Código Civil (de 1916), na garantia do direito de regresso (art. 13, §4«, da Lei n. 5.474/68). Negado provimento ao recurso" (TJRJ, AC 15.216/1999, 7* Câm. Cível, Rei. Des. Celia Meliga Pessoa, j. em 23-11-1999). • "Responsabilidade civil do banco. FGTS. Pagamento indevido. Homonímia. Obrigação de indenizar. Art. 159, CC (de 1916). Banco. Pagamento de FGTS a terceiro, que não 0 legitimo beneficiário e detentor de seu direito. Inexistência de culpa do correntista. Responsabilidade do estabelecimen­ to bancário. Risco profissional. Se 0 banco pagou 0 FGTS à pessoa que não 0 seu legitimo benefi­ ciário, resta caracterizado 0 dano suportado pelo favorecido do FGTS, devendo, pois, indenizá-lo" (TJRJ, AC 7601/96, 6a Càm. Cível, Rei. Des. Marianna Pereira Nunes, j. em 18-3-1997).

Art. 882. Não se pode repetir 0 que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo não foi atingido por modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • Este artigo trata do pagamento de dívidas prescritas (aquelas não cobradas em tempo hábil) e das oriundas de obrigação judicialmente inexigível, que é a obrigação natural, expressão usada no Código Civil de 1916. Segundo a definição de Clóvis Beviláqua: “Denom inam -se obrigações naturais as que não conferem direito de exigir seu cumprimento, as desprovidas de ação, como: as prescritas, as de jogo e apostas, em geral, as que consistem no cum prim en­ to de um dever moral" [Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, 9. ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1953, v. 4, p. 127). Assim, quem paga obrigação natural não pratica uma liberalidade, mas cumpre dever a que, em seu foro interior, se acha preso; portanto não tem 0 direito de repetir.

Art. 883

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• É mera repetição do art. 9 7 0 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo receber o mesmo tratamento doutrinário. JU LG AD O • "Ação do segurado contra o segurador. Dívida. Prescrição. Pagamento. Repetição do indébito. Seguro. Ação e reconvenção. Pagamento feito depois de prescrita a dívida (art. 178, § 6o, II, CC (de 1916)), ainda que seja a maior, nào enseja a repetição se incomprovado o erro (arts. 965 e 970 do CC (de 1916)). A intempestividade da contestação e da reconvenção, alegada, primeiramente, na réplica, foi reiterada como preliminar, apesar de inexistir o recurso da decisão saneadora. Contu­ do, formas temporâneas, pois o prazo se conta da data da juntada aos autos do aviso de recebi­ mento. Se o êxito da reconvenção prejudicaria o pleito indenizatório, a improcedência de ambos os pedidos, quanto aos efeitos do sucumbimento, impõe que as partes arquem, cada qual, com as despesas que teve, inclusive os honorários de seus ilustres patronos. Provimento, parcial, da ape­ lação" (TJRJ, AC 6391 /94/RJ, 6* Câm. Cível, Rei. Des. Melo Serra, j. em 14-2-1995).

Art. 883. Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilí­ cito, imoral, ou proibido por lei. Parágrafo único. No caso deste artigo, o que se deu reverterá em favor de estabeleci­ mento local de beneficência, a critério do juiz. H IS T Ó R IC O • 0 presente dispositivo, em relação ao anteprojeto de Agostinho Alvim, foi objeto de emenda por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação, apenas para simplificar a lin­ guagem. A redação original era a seguinte: "Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei. Parágrafo único. Neste caso, o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz". D O U T R IN A • 0 solvens nào poderá pleitear a quantia que pagou indevidamente, quando fez o pagam en­ to para obter fim ilícito ou proibido por lei (v. g., compra de substância entorpecente), ou ainda imoral (v. g., pornografia). É a aplicação do princípio nemo auditur propriam turpitudinem allegans, isto é, ninguém pode ser ouvido alegando sua própria torpeza. A quantia envolvida nesses negócios escusos será, a critério do juiz, doada a estabelecimentos benefi­ centes. • Para Carlos Roberto Gonçalves (in Direito civil brasileiro, v. III, Contratos e atos unilaterais, 2004, São Paulo, Saraiva, p. 586): “Se alguém, por exemplo, contrata uma pessoa, pagando-Ihe certa importância para que cometa um crime, não terá direito de repetir se esta embol­ sar o dinheiro e não cumprir o prometido. M esm o que nesse caso possa haver o enriqueci­ mento lícito do criminoso que embolsou o pagamento, nào assiste ao solvens direito à repe­ tição, pois o legislador deu prevalência ao princípio de que ninguém pode valer-se da própria torpeza (nem o auditur propriam turpitudinem allegans). Nesse caso, 'o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz', com o estatui o pará­ grafo único do supratranscrito dispositivo". • 0 Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 42, parágrafo único, estabelece que: “o con­ sum idor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipó­ tese de engano justificável". • Neste diapasão têm entendido nossos Tribunais: “Repetição de indébito. Devolução em dobro do valor indevidamente pago. Medida prevista no art. 42, par. ún., da Lei 8.078/90. Necessi­

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Art. 884

dade apenas da existência de injusta cobrança extrajudicial, tanto por dolo com o por culpa" [RT, 782/385). • O caput deste dispositivo corresponde ao art. 971 do Código Civil de 1916, devendo ser-lhe dado o mesmo tratamento doutrinário.

Capítulo IV — DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a re­ cebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido. H IS T Ó R IC O • O dispositivo em tela nâo foi alvo de nenhuma espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • O Código Civil de 2002 inova ao prever em seu texto a figura do enriquecimento sem causa. É louvável tal inserção, uma vez que se consolida na lei civil a matéria, nào ficando ela sujei­ ta às interpretações da jurisprudência. • Na clássica definição de Orlando Gomes: “Há enriquecimento ilícito quando alguém, a expensas de outrem, obtém vantagem patrimonial sem causa, isto é, sem que a tal vantagem se funde em dispositivo de lei, ou em negócio jurídico anterior. Sáo necessários os seguintes elementos: a) o enriquecimento de alguém; b) o empobrecimento de outrem; c) o nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento; e d) a falta de causa justa" (Obri­ gações, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1972, p. 289). • Aliás, o Prof. Agostinho Alvim, num magnífico artigo publicado na RT, 259/3 e s., assim se expressava: “Por outro lado, é inquestionável que a condenação de enriquecimento injusti­ ficado é princípio geral de direito, porque, com maior ou menor extensão, ela tem sido reco­ mendada por todos os sistemas, no tempo e no espaço". • 0 Prof. Agostinho Alvim (cf. op. cit.) lembra que o empobrecimento do autgr consiste ou numa diminuição de seu ativo patrimonial ou num acréscimo em seu passivo. É o caso, p. ex., da pessoa que prestou um serviço sem obter remuneração. Nega a necessidade perene desse requisito, que a seu ver, pode excepcionalmente faltar. M ostra que casos há em que nào ocorre emprobrecimento da pessoa e não obstante é cabível a ação de in rem verso. Lembra a hipótese do indivíduo que dá informação ao herdeiro de sua qualidade numa sucessão, permitindo-lhe receber herança. Aí não houve, em rigor, trabalho nem empobrecimento. Entretanto a ação cabe. • Para Silvio Rodrigues (in Direito civil - D os contratos e das declarações unilaterais de von­ tade, v. 3, 28. ed. atual., São Paulo, Saraiva, 2002, p. 422), é incabível a ação de in rem verso, pois o empobrecimento é sempre requisito essencial, pois sem ele falta legitimação a quem quer que seja, posição com a qual compartilhamos. • Se o enriquecimento tiver com o objeto coisa certa (determinada), a restituição dela é obri­ gatória. Se a coisa nào mais existir, deve ser restituído seu valor, que será o da época em que for exigida.

Art. 885

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• Merece ser destacado o exemplo figurado por Silvio Rodrigues (in Direito civil - D os contra­ tos e das declarações unilaterais de vontade, v. 3,28. ed. atual., Sào Paulo, Saraiva, 2002, p. 422): "Exemplo característico, objeto de aresto que se tornou fam oso por ser o primeiro em que a Corte de Cassação Francesa aplicou a teoria de enriquecimento sem causa, foi o pro­ ferido em 15 de junho de 1892 (D.P. 9 2 -1 -59 6 ) e do qual Goré (Enrichessement..., cit., p. 35) dá noticia. Um negociante havia entregue ao arrendatário de uma propriedade agrícola adubos por este comprados. Rescindido o arrendamento, o negociante, que nào conseguiu receber o preço da venda do arrendatário, que de resto se tornara insolvente, veio cobrá-lo do arrendante por meio da açào de in rem verso. Seu êxito na demanda equivaleu à consa­ gração do princípio do repúdio ao enriquecimento indevido, no direito francês". • Este artigo não tem dispositivo correspondente no Código Civil de 1916. E N U N C I A D O S D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L -

C JF

• Enunciado 188, aprovado durante a III Jornada de Direito Civil de 2004: "A existência de negócio jurídico válido e eficaz é, em regra, uma justa causa para o enriquecimento". • Enunciado 35, aprovado durante a I Jornada de Direito Civil de 2002: "A expressão ’se enriquecer à custa de outrem* do art. 844 do novo Código Civil nào significa, necessariamente, que deverá haver empobrecimento". JU LG AD O S • "Loteamento fechado. Administração entregue a associação de moradores criada para esse fim. Proprietário que se nega ao pagamento de sua cota-parte por não ser filiado à entidade. Inadmis­ sibilidade. Obrigação devida ante o efetivo aproveitamento dos serviços de manutenção, conser­ vação e segurança, sob pena de configuração de enriquecimento sem causa" [RT, 795/204). • "Consórcio. Desistência de consorciado. Direito a restituição dos valores pagos corrigidos monetariamente. Devolução pura e simples importa em enriquecimento sem causa" [RT, 708/117).

Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir. H IS T Ó R IC O • Este dispositivo não serviu de palco a alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. Tal redação, na verdade, corresponde ao texto integral apresentado pelo projeto. D O U T R IN A • Flavendo o enriquecimento desmotivado, por nào ter causa que o justifique, a devolução sempre é devida, inclusive se a causa deixou de existir. • Jones Figueirêdo Alves e M ário Luiz Delgado (in Código Civil anotado, São Paulo, Método, 2005, p. 377) destacam com razão que: "Aquele que auferir riqueza sem motivo é obrigado a restituir, quer pelo fato do motivo jamais haver existido, quer pelo fato de haver deixado de existir. As duas situações são equiparadas pelo legislador. Segundo Cleide de Fátima M a nica Moscon: 'com a inserção deste texto, haverá um incremento ao instituto do enriqueci­ mento sem causa no direito pátrio. Veja-se que se existia causa, mas esta deixou de existir, poderá ser aplicado o princípio que veda o enriquecimento sem causa, com o que está o di­ ploma legal a autorizar que, por exemplo, se havia uma causa a embasar a pretensão, dei­ xando de existir, passará a ser aplicável à actio de in rem verso. Este dispositivo está, de certa forma, em oposição a entendimento da doutrina italiana a qual afasta aplicação do enriquecimento sem causa, quando houver causa, mesmo que esta exista só em abstrato' (op.

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Art. 886

cit. p. 34). É o caso, por exemplo, de medidas provisórias que não venham a ser convertidas. Deixando de existir o dispositivo legal, desapareceu a causa que eventualmente justificaria o enriquecimento, nascendo, a partir daí, a pretensão restituitória". • Este artigo não tem dispositivo correspondente no Código Civil de 1916. JU LG ADO • "Processual Civil. Ação de restituição de parcelas. Promessa de compra e venda. Rescisão contra­ tual. Situação fática. Imóvel alienado novamente pelo proprietário a terceiro. Codecon. Arras. Correção monetária. Restituição devida, pena de enriquecimento ilícito. Sinal confirmatório. Re­ curso parcialmente provido. 1 - A questão sub judice envolve a pretensão do promitente com­ prador de imóvel urbano em receber a restituição de parcelas pagas, alegando que, embora não tenha conseguido cumprir com o pagamento integral do preço, a promessa de compra e venda foi rescindida, tendo o promitente vendedor alienado o imóvel a terceiro. 2 - A restituição é inerente à resolução do contrato e meio de evitar o enriquecimento injustificado. 3 - Seja no sistema do Código Civil, seja no Código de Defesa do Consumidor, a resolução do negócio leva a restituição das partes à situação anterior, nela incluída a devolução das parcelas recebidas pela vendedora, a quem se reconhece o direito de reter parte das prestações para se indenizar das despesas com o negócio e do eventual beneficio auferido pelo comprador quando desfrutou da posse do imóvel. 4 - Nos termos do artigo 1.097 do Código Civil (de 1916) em confronto com o artigo 53 do Codecon, o sinal confirmatório perde-se em beneficio do vendedor que não deu causa à resolução do contrato" (TACPR, AC 142.300.700, Londrina, 4* Câm. Civel. Rei. Juiz convo­ cado Jurandir Souza Júnior, DJPR, 28-4-2000).

Art 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em análise não sofreu nenhuma espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. D O U T R IN A • Existindo na lei outros meios que sirvam para ressarcir o prejuízo sofrido pelo lesado, não há que se falar em restituição por enriquecimento. • Para Giovanni Ettore Nanni (in Enriquecimento sem causa, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 268): “0 conceito básico que predomina a respeito da subsidiariedade é que a ação de enriqueci­ mento deve ser entendida como um remédio excepcional, cujo exercício é condicionado à inexistência de outra solução na lei", ainda segundo a lição de G. Ettore Nanni (cf. op. cit., p. 270): “a verificação da subsidiariedade nâo deve ser feita abstratamente, a priori, mas ana­ lisada em concreto, conforme as particularidades da questão submetida a julgamento em que se averiguará a possibilidade ou nào da existência de outros meios disponíveis ao dem andan­ te para recompor a pena sofrida". • Carlos Roberto Gonçalves (in Direito civil brasileiro, v. III, Contratos e atos unilaterais, 2004, São Paulo, Saraiva, p. 591) nos dá o seguinte exemplo: "Embora (...) o locador alegue o enri­ quecimento sem causa è sua custa, do locatário que nào vem pagando regularmente os aluguéis, resta-lhe ajuizar a ação de despejo por falta de pagamento, ou a ação de cobrança dos aluguéis, nào podendo ajuizar a de in rem verso. Se deixou prescrever a pretensão espe­ cífica, também não poderá socorrer-se desta última. Caso contrário, as demais ações seriam absorvidas por ela". • Este artigo não tem dispositivo correspondente no Código Civil de 1916.

Art. 887

Ricardo Fiuza/Newton De Lucca

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ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 36, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: " 0 artigo 886 do Novo Código Civil não exclui o direito à restituição do que foi objeto de enriquecimento sem causa nos casos em que os meios alternativos conferidos ao lesado encontram obstáculos de fato".

T ítu lo VIII — DOS TÍTULOS DE CRÉDITO CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS • 0 Código Civil regulou, no Titulo VII do Livro I (Do direito das obrigações) da Parte Especial, os atos unilaterais, cuidando dos títulos de crédito em Título distinto (VIII). Tal procedimento repropõe dis­ cussão doutrinária, existente no passado: as obrigações decorrentes dos títulos de crédito são origi­ nárias de um contrato ou, ao revés, derivam de declarações unilaterais de vontade? A opção de o Código Civil regular em dois Títulos diversos os atos unilaterais e os títulos de crédito - seguindo fielmente a solução consagrada pelo Código Civil italiano de 1942, fonte evidente de sua inspiração - significaria negar aos últimos a natureza jurídica dos primeiros? Já me manifestei pela resposta negativa. Quando participei, no dia 31 de outubro de 1972, da 7a reunião sobre o então Projeto de Código Civil, no Instituto Brasileiro de Direito Comercial Comparado e Biblioteca Tullio Ascarelli, na qual se iniciaram as discussões sobre esse Titulo VIII, relativo aos títulos de crédito, o eminente e saudoso autor Antônio Mercado Jr., relator da matéria e inegavelmente um dos maiores conhece­ dores do direito cambiário em nosso meio, realçava a plena possibilidade de ambas as interpretações, como pudemos deduzir de nossas anotações pessoais sobre os debates que, inolvidavelmente, se travaram na sala de reuniões da Associação Comercial de São Paulo, conforme se pode ver no se­ guinte trecho, in verbis (Observações sobre o Anteprojeto de Código Civil, quanto à matéria "Dos Títulos de Crédito", constante da Parte Especial, Livro I, Titulo VIII, in Revista de Direito Mercantil n. 9, p. 114): "Donde se poderia concluir que o Anteprojeto, disciplinando em um Título os Negócios Unilaterais e, em outro, distinto, os Títulos de Crédito, teria excluído estes últimos do campo das obrigações por declaração unilateral de vontade. Com isso, quebraria a tradição de nosso Direito que, como vimos, os inclui nesse campo, pelo menos no que diz com os títulos ao portador e os à ordem. Por que razões teria assim agido o Anteprojeto? Não as sabemos: sobre elas, a Exposição de Motivos silencia completamente. Observe-se, ainda, que, segundo tudo indica, o anteprojeto, ao disciplinar os títulos de crédito, seguiu o modelo do Código Civil Italiano de 1942. Ora, referindo-se a este, adverte Cariota Ferrara: 'A favor da unilateralidade é toda a sistemática da disciplina contida no novo código, e, antes, na lei cambiária'. Por outro lado, poder-se-ia entender que a inclusão, no Antepro­ jeto, das normas sobre títulos de crédito, em Titulo distinto, mas situado imediatamente depois do relativo aos negócios unilaterais, não importaria em negar àqueles a natureza destes: teria consti­ tuído mera solução técnico-legislativa de disposição das respectivas matérias, fundada na só consi­ deração de que o grande número daquelas normas demandaria sua reunião em Titulo à parte". • Não há que se fazer, no âmbito destes singelos comentários, um reviva! da controvérsia medrada no passado, sobretudo na Alemanha, no decorrer do século XIX. A maioria dos autores dos países que adotam o sistema chamado de continental entende que a declaração unilateral de vontade constitui a verdadeira natureza jurídica das obrigações cartulares, considerando-se tal debate como transitado em julgado. Mas a questão verdadeiramente crucial nessa matéria, na verdade, conforme foi destaca­ do por esse autor, é outra: diz ela respeito à oportunidade ou não de uma disciplina geral dos títulos de crédito num texto de lei. E sobre ela - por tratar-se de ponto preliminar e verdadeiramente funda­ mental para a interpretação de todo o Titulo objeto da análise a que se procederá nas páginas seguin­ tes - nào se poderá passar ao largo, nestas linhas introdutórias, ainda que de forma panorâmica. • Ninguém terá se aprofundado tanto nas criticas de uma disciplina geral dos títulos de crédito, num texto de lei, quanto Messineo e Ascarelli, críticas essas que, por certo, têm inteira pertinência ao nosso Código. Para o primeiro desses autores, responsável pela obra quiçá de maior enverga­ dura na doutrina italiana (/ Titoli di Credito, v. I, Pádua, Cedam, 1964, p. 78), a oportunidade de uma tal disciplina - expressa, na legislação peninsular, nos arts. 1.992 e s. do Código Civil - fora muito questionada, quer pela falta de congruência dos princípios nela consagrados com os que existem para os títulos emitidos em massa; quer pela exagerada importância emprestada aos

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chamados títulos de pagamento, fundamentalmente títulos abstratos, descurando-se em especial dos causais; quer pela ausência de normas verdadeiramente gerais, tornando-se extremamente reduzida a margem de aplicação dessa disciplina normativa; quer, ainda, pela confusão que tais normas geram quando correlacionadas com as particularidades dos títulos de crédito regidos por lei especial, de que é exemplo a disciplina das exceções extracartulares eventualmente oponíveis ao portador por parte do devedor; quer, finalmente, pela grande dificuldade para o exegeta, com supedâneo apenas na disciplina geral, de considerar como sendo títulos de crédito os chamados títulos inominados ou atípicos. • Para o segundo deles, autor dos estudos mais aprofundados que já se escreveram sobre os títulos de crédito, os óbices existentes para essa disciplina geral seriam ainda mais significativos. De forma grosseira, assim poderiam ser resumidas as agudas e percucientes considerações de Ascarelli (// problema preliminare dei titoli di credito e Ia logica giuridica, Problemi Giuridici, 1.1, p. 165 e s. e, igualmente, em Personalità Giuridica e Problemi delleSocietà, Problemi Giuridici, 1.1, p. 311): ao transportar para as "Disposições Gerais" o conceito de titulo de crédito formulado por Vivante (e definitivamente consagrado pela tradição doutrinária universal), o legislador dá azo a que duas hipóteses possam ocorrer. Na primeira, ele estaria simplesmente repetindo, sob designação gené­ rica, as normas especiais de cada um dos títulos de crédito singularmente considerados. Na se­ gunda delas o legislador estaria abrindo a possibilidade de livre criação dos chamados títulos atípicos. • Descobrir qual seria a utilidade prática para essa primeira hipótese, parece ter sido um exercício que ninguém terá levado adiante com êxito assinalável... Toda a construção exegética aponta, então, no sentido de que essa disciplina geral terá sido mesmo - seja na Itália, seja aqui no Brasil - destinada à previsão do livre surgimento de títulos nominativos e à ordem, assim como já exis­ te para os títulos ao portador, consoante a disciplina constante do Título VI do Código Civil de 1916, arts. 1.505 es. • Como explicou irrespondivelmente Ascarelli, porém, a interpretação de que essa disciplina geral destina-se à livre possibilidade de criação de títulos atípicos ou inominados conduz-nos a uma espécie de "círculo vicioso": aplicar-se-iam as disposições gerais aos títulos de crédito, mas esses títulos sempre correspondem a uma "fatispécie" determinada, à qual nào se aplicariam aquelas disposições gerais... Para cogitar-se da aplicação dessas disposições gerais seria necessário, preli­ minarmente, identificar-se a "fatispécie" dos títulos de crédito. Se essa disciplina normativa, no entanto, apenas destina-se aos títulos inominados ou atípicos, não há "fatispécie" possível à qual poder-se-iam aplicar tais disposições gerais... Numa tentativa (dir-se-á quase desesperada) de sairmos desse circulo vicioso, poder-se-ia afirmar, então, que a expressão "títulos de crédito", no Código, não possuiria o sentido da tradição doutrinária, isto é, que ela não corresponderia ao conceito vivantiano de "documentos necessários ao exercício do direito literal e autônomo neles mencionado" e sim ao de documentos aos quais se aplicariam as normas dos arts. 1.992, 1.993 e 1.994 (no caso do Código italiano) ou dos arts. 887, 888 e 889 (no caso do Código brasileiro). • Demonstrou Ascarelli, com acuidade extrema, que nem assim lograr-se-ia sair do círculo vicioso porque, nessa última singular inversão do raciocínio, estar-se-ia afirmando que os documentos disciplinados pelos arts. 1.992,1.993 e 1.994 (no caso do Código italiano) ou pelos arts. 887, 888 e 889 (no caso do Código brasileiro) - "títulos de crédito", portanto, por causa de tal sujeição estariam sujeitos... à disciplina desses mesmos arts. 1.992, 1.993 e 1.994 (no caso do Código ita­ liano) ou dos arts. 887, 888 e 889 (no caso do Código brasileiro)... • M as ainda não é tudo. Exaurindo todas as alternativas possíveis de construção exegética, insistiu Ascarelli, em seu raciocínio, afirmando que não seriamos afastados do tal círculo vicioso se con­ siderássemos serem títulos de crédito os documentos sujeitos à disciplina do art. 1.992 (art. 887 do Código brasileiro) e que tais títulos também sujeitar-se-iam aos arts. 1.993 e 1.994 (arts. 888 e 889 do Código brasileiro). • Como se nâo bastasse a ausência de uma justificativa dogmática para essa última conclusão, o que se estaria afirmando, em última análise, de forma absolutamente tautológica, é que os docu­ mentos previstos no art. 1.992 (art. 887 do Código brasileiro) acham-se sujeitos... à disciplina do art. 1.992_ • Assim exprimiu essa contradição, entre nós, o Eminente Professor Fábio Konder Comparato, em trabalho que se tornou clássico na doutrina nacional (O poder de controle na sociedade anônima,

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Tese apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Sâo Paulo para o provimento do cargo de Professor Titular, p. 270, nota de rodapé n. 27): "Ascarelli aplicou essa distinção concei­ tuai, pela primeira vez, no artigo 'Sul concetto di titolo di credito e sulla disciplina dei titolo V libro IV dei nostro Códice’, publicado em Banca, Borsa e Titoli di Credito, em 1954, num fasciculo em homenagem a Giacomo Molle, reimpresso cm Saggi di Diritto Commcrcialc, cit., pág. 567. Sustentou, então, que o conceito de 'titulo de crédito', tal como definido por Vivante, resumia o conjunto de elementos comuns a certos documentos jurídicos, disciplinados em lei. A partir do momento em que o legislador adotou esse conceito em ‘disposições gerais', comuns a todos os títulos de crédito em espécie, das duas uma: ou ele repetiu, simplesmente, sob a forma genérica, as regras próprias de cada um dos documentos doutrinariamente considerados ‘títulos de crédito' - o que é uma inutilidade, em texto de lei - ou então, caso se esteja permitindo a 'criação' de títulos de crédito atípicos, inominados, o legislador suscitou um autêntico círculo vicioso: essas disposições gerais se entendem aplicáveis aos 'títulos de crédito', e 'título de crédito' é uma ex­ pressão que designa os documentos disciplinados por essas disposições gerais. Ascarelli voltou ao assunto, com maior vigor, em ‘II problema preliminare dei titoli di credito e Ia logica giuridica', em Problcmi Giuridici, cit., I, pág. 165, e também na nota 76 do artigo 'Personalità Giuridica e Problemi delle Società’, em Problcmi Giuridici, I, cit., pág. 3 1 1 .0 assunto mereceria um maior debate e aprofundamento entre nós, pois os elaboradores do Anteprojeto de Código Civil entenderam de reproduzir, substancialmente, o mesmo esquema normativo do Código italiano, nessa matéria (arts. 929 e ss.)". • Feitas tais considerações introdutórias - excessivamente breves para que exaurissem a extrema complexidade do tema - , passa-se, a seguir, ao exame dos artigos isoladamente.

Capítulo I — DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 887. 0 título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei. HISTÓRICO • Este artigo nào foi objeto de nenhuma alteração durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. Nào havia norma correspondente no Código Civil de 1916 ou na legislação comercial que apresentasse uma definição geral para o titulo de crédito. D O U T R IN A • 0 conceito fornecido pelo artigo evoca, supostamente, a célebre definição de Vivante, para quem título de crédito é o "docum ento necessário para o exercício do direito literal e autô­ nomo nele m encionado" (Trattato di diritto commcrcialc, 5. ed., v. III, Ed. Francesco Vallardi, Milão, 1935, p. 63 e 164). Apenas è primeira vista, no entanto, tal evocação é rigorosamente pertinente. • 0 direito constante no título de crédito, para Vivante, não poderia estar nele "contido", como afirma esse artigo do nosso Código. 0 direito, para o maior comercialista de todos os tempos, apenas acha-se “mencionado" no título de crédito. No texto original de Vivante foi utilizada a expressão "m encionato" e nào "contenuto". • M uito mais poderosas, no entanto, para que jamais pudesse Vivante considerar "contido" o direito no título de crédito, na verdade, apenas se acha nele "mencionado", foram as suas explicações ministradas logo após sua definição: “Diz-se que o direito m encionado no titulo de crédito é literal, porquanto e/e existe segundo o teor do documento. D iz-se que o direito é autônomo, porque a boa-fé enseja um direito próprio, que nào pode ser limitado ou destruído pelas relações existentes entre os prece­

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dentes possuidores e o devedor. D iz-se que o título é o documento necessário para exercitar o direito porque, enquanto o titulo existe, o credor deve exibi-lo para exercitar qualquer direito, principal ou acessório, que ele porta consigo, n ào se podendo fazer nenhum a m u­ dança na po sse do titulo sem anotá-la sobre o mesmo. Este é o conceito jurídico, preciso e limitado, que se deve substituir à frase vulgar pela qual se consigna que o direito está incor­ porado no título" (grifos nossos). • A doutrina posterior a Vivante fartou-se de explicar que o fenômeno da "incorporação" do direito no titulo de crédito, no fundo, nada mais era do que uma "imagem plástica" (Ferri, I titoli di credito, Turim, 1965, p. 13; Messineo, I titoli di credito, p. 8) ou uma "m etáfora" (cf. Asquini, Titoli di credito, p. 38; Ascarelli, Teoria geral dos títulos de crédito, p. 266; Cervantes Raul Ahumada, Títulos y operaciones de crédito, Ed. Herrero, 7. ed., México, 1972; Rubio, Derecho cambiario, Madri, 1973, p. 16-17, entre outros), sendo muito útil para explicar, di­ daticamente, essa íntima conexão existente entre o direito e o título, ainda que a esterilida­ de dogmática dessa figura metafórica fosse predominantemente reconhecida (Bracco, La legge uniforme sulla cambiale, Studi di diritto privato, v. XII, p. 330). • Embora com o beneplácito da maioria - e mesmo considerada fecunda em sede doutrinária - deveria a metáfora ser albergada em texto de lei? Mercado Jr., com o qual estamos irrestritamente de acordo, responde negativamente (Observações sobre o Anteprojeto de Código Civil, quanto à matéria dos Títulos de Crédito, in Revista de Direito Mercantil, n. 9, p. 118). • Tivemos a oportunidade de escrever candentemente, ainda na década de 1970, que a defini­ ção de títulos de crédito, então constante do art. 923 do Anteprojeto, apresentava sérios problemas para sua interpretação. • Sublinhávamos, na oportunidade, que a expressão "docum ento necessário ao exercício do direito literal e autônom o nele contido" nada mais era do que um aposto do sujeito da frase "o título de crédito". Com o tal, poder-se-ia concluir - fazendo-se uma singela análise sintá­ tica - que o verbo da oração principal, no caso, é "produzir". •

Esse artigo de que estamos a tratar diz, assim, que o título de crédito (que vem aser, por força do aposto, um documento necessário para o exercício do direito literal e autônom o nele contido) somente produz efeito quando preenche os requisitos da lei.



Numa primeira possibilidade de interpretação - por mais curiosa que ela,à primeira vista, venha a parecer - , o dispositivo sugere que poderiam existir títulos de crédito, isto é, "docu­ mentos necessários ao exercício do direito literal e autônom o neles contido", que nào pro­ duziriam efeitos, à m íngua do preenchimento dos requisitos da lei.

• M as que efeitos seriam esses que um titulo de crédito, vale dizer, um docum ento necessário para o exercício do direito literal e autônom o nele contido, não poderia produzir, em razão da falta dos requisitos previstos na lei? Dir-se-ia, em princípio, que seriam os efeitos próprios dos títulos de crédito... Estar-se-ia afirmando, assim, na verdade, que os títulos de crédito, mesmo quando forem docum entos necessários para o exercício do direito literal e autônom o neles contido - e, por isso mesmo, verdadeiros títulos de crédito - não produzirão efeitos de títulos de crédito se não preencherem os requisitos que o art. 889 considera necessários para os títulos de crédito... • M as essa conclusão, a par de sua curiosidade (títulos de crédito que, eventualmente, nào produzam efeitos de títulos de crédito...) apresenta-se contraditória consigo mesma. Como pode, afinal de contas, um documento ser considerado "necessário ao exercício do direito literal e autônom o nele contido", sem que tenha os requisitos legalmente previstos para produzir efeitos próprios de títulos de crédito? • A contradição poderia ser aparentemente superada se supuséssemos que o artigo quis esta­ belecer, então, que o título de crédito a que faltassem os requisitos do art. 889 não poderia

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produzir nenhum tipo de efeito, fossem os efeitos próprios dos títulos de crédito, fossem quaisquer outros efeitos jurídicos... • Esse raciocínio, contudo, conquanto engenhoso e muito bem elaborado, não teria condições lógicas de prosperar. E nào o teria por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, porque o escrito a que faltar algum dos requisitos considerados essenciais para os títulos de crédito não poderá produzir os efeitos próprios previstos para esses títulos, mas certamente poderá produzir efeitos meramente probatórios de uma determinada obrigação civil ou comercial. Trata-se do fenôm eno da "conversão da eficácia do documento", de que nos falava Ascarelli. Em tais hipóteses, o título de crédito perde a sua condição de documento com eficácia dis­ positiva - ou, pelo menos, eficácia constitutiva - para transform ar-se em docum ento probatório, isto é, com a simples função de atestar a existência de uma dada relação jurídica. • É o que ocorre, p. ex., com a letra de câmbio, a nota promissória e o cheque quando as Leis Uniformes afirmam nos arts. 2* e 76, respectivamente, que o escrito que não contiver os requisitos previstos em lei nào produzirá efeito com o tais. • Em segundo lugar, esse raciocínio entraria em direta contradição com o artigo seguinte, de n. 888, que, com o se verá, afirma a validade do negócio subjacente (na terminologia italiana) ou da relação fundamental (na dicção germânica), independentemente da eficácia do escri­ to com o título de crédito. • É de concluir-se, portanto, a par de sua dubiedade intrínseca, no sentido da quase completa inutilidade desse dispositivo legal. 0 máximo de proveito que dele se poderá extrair - aceitando-se, é claro, a franciscana pobreza de tal raciocínio - é que a data da emissão, a indi­ cação precisa dos direitos que confere e a assinatura do emitente (requisitos constantes do art. 889 a que se refere esse art. 887) são necessários para que um determinado documento possa produzir os efeitos de um título de crédito... • Importante ressaltar, ademais, que este Título VIII nào revoga nenhuma das convenções in­ ternacionais de Genebra a que o Brasil aderiu e que foram introduzidas - ainda que muito serodiamente - na ordenação jurídica brasileira (Decreto n. 57.595, de 7 de janeiro de 1966, que prom ulgou as Convenções para adoção de uma lei uniforme em matéria de cheques e Decreto n. 57.663, de 24 de janeiro de 1966, que prom ulgou as Convenções para a adoção de uma lei uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias), nem tampouco revoga algum dispositivo das leis especiais, pois, no eventual conflito entre uma norma do Código Civil e uma norma da legislação especial, haverá de prevalecer sempre esta última, consoante apregoa o art. 903 daquele: "Salvo disposição expressa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código". • 0 grande propósito deste Título VIII - esclareceu-o, por diversas vezes, o saudoso Prof. M a u ­ ro Brandão Lopes, autor dessa parte do Anteprojeto - foi, partindo da lição histórica de que os títulos de crédito não foram criados pelos juristas e sim pelos comerciantes, deixar à livre criatividade dos empresários e das pessoas em geral a possibilidade de que eventuais novos títulos possam ser dados à estampa... Foi por ele dito que o objetivo do novo Código: "N ão foi reunir simplesmente o que é comum aos diversos títulos regulados em leis especiais...; foi fixar os requisitos mínimos para todos os títulos de crédito inominados, que a prática venha criar, deixando assim aberta a porta às necessidades econômicas e jurídicas do futuro. Tem assim a aludida regulamentação dois objetivos básicos: de um lado estabelecer os requi­ sitos mínimos para títulos de crédito, ressalvadas disposições de leis especiais; de outro lado, permitir a criação de títulos atípicos ou inominados. Neste último objetivo, está o principal valor do Anteprojeto; regulando ele títulos atípicos, terão estes de se amoldar aos novos requisitos. Os títulos atípicos, que estão indubitavelmente surgindo, encontrarão assim o seu apoio e o seu corretivo no Título VII - apoio, porque terão maior força jurídica do que os

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créditos de direito nào cambiário, embora menor força do que os títulos regulados em leis especiais com o a letra de câmbio e a nota promissória; corretivo, porque se evitarão títulos sem requisitos mínimos de segurança, os quais ficarão desautorizados pelo Código Civil. A questão fundamental, que foi preciso responder, não é jurídica; é legislativa. Devemos res­ tringir os títulos de crédito aos especialmente regulados em leis especiais? Se fosse positiva a resposta, seria inútil o Título VII, exceto por algum as regras relativas aos títulos ao portador, como as que correspondem a artigos do atual Código Civil (arts. 1.505 e s.). Ou devemos, regulando títulos atípicos, incrementar a tendência inegável do m undo econômico de criar novos instrumentos de crédito em resposta a novas necessidades? Adotada esta última posi­ ção, a regulamentação do Anteprojeto é sadia; ela virá facilitar o aparecimento de tais novos instrumentos, que, tom ando na prática contornos suficientemente nítidos, poderão então ser mais detalhadamente regulam entados por leis especiais, inclusive para cercear aspectos nocivos" [Anteprojeto de Código Civil, 2. ed. rev., Ministério da Justiça, 1973, p. 91-92).

JULGADO • "Execução - Contrato de desconto — Titulo executivo - Impossibilidade. Os borderôs de descon­ tos de duplicatas não podem ser considerados TÍTULOS executivos extrajudiciais por não consti­ tuírem TÍTULOS de CRÉDITOS hábeis a embasar uma execução, pois carecem dos requisitos da certeza e exigibilidade. Recurso não provido" (TJMG, Processo 1.0024.07.761920-3/001 (1), Rei. Alberto Aluizio Pacheco de Andrade, j. em 3-6-2008, publicado em 20-6-2008).

Art. 888. A omissão de qualquer requisito legal, que tire ao escrito a sua validade como título de crédito, não implica a invalidade do negócio jurídico que lhe deu origem. HISTÓRICO • 0 contido nesta disposição manteve a mesma redação do projeto original. Não há paralelo no Código Civil de 1916. 0 art. 2» da Lei Uniforme de Genebra, de 1930, relativa às letras de câmbio e notas promissórias, incorporada ao nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n. 57.663/66, es­ tipulava, apenas, o principio geral de que " 0 escrito em que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior nào produzirá efeito como letra", sem fazer menção ao negócio jurídico subja­ cente. 0 art. 2° da Lei n. 7.357/85 (Lei do Cheque) apresentava disposição semelhante.

DOUTRINA • Com o assinalado nos comentários ao artigo anterior, a partir do ensinamento de Ascarelli sobre a denominada “conversão da eficácia do documento", o escrito em que falte algum dos requisitos considerados essenciais para os títulos de crédito não pode produzir o s efeitos próprios previstos para esses títulos, mas poderá, por outro lado, produzir efeitos meramen­ te probatórios de uma determinada obrigação civil ou comercial. • Não se trata, com o poderia parecer à primeira vista, da chamada conversão dos negócios jurídicos, em sentido próprio, com o esclareceu muito oportunamente o citado autor penin­ sular (Teoria geral..., cit., p. 33, nota de rodapé n. 2), na qual concebe-se a possibilidade de que a mesma declaração de vontade, nào podendo alcançar os efeitos originalmente deseja­ dos, possa ser convolada para a obtenção de efeitos jurídicos menos importantes, mas de simples conversão dos efeitos da declaração cartular, de natureza dispositiva, em efeitos de natureza meramente declaratória do negócio fundamental. • 0 artigo não se harmoniza de todo com tal ensinamento pois emprega as expressões valida­ de e invalidade, correspondentes, com o é sabido, a outra categoria jurídica... • Percebe-se, no entanto, que deve ser necessariamente interpretado - nào apenas neste ar­ tigo mas em vários outros constantes deste Título VIII - que o legislador quis dizer eficácia, em vez de validade, assim com o terá querido dizer ineficácia, no lugar de invalidade...

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• Se assim nào se entendesse, nào só o artigo estaria em desarmonia eom o anterior com o fi­ caria, também, contraditório consigo mesmo. • Tal imprecisão é totalmente desculpável quando se leva em conta que tanto a Lei Uniforme quanto o Código Civil italiano nela incidiram por diversas vezes...

Art. 889. Deve o título de crédito conter a data da emissão, a indicação precisa dos direitos que confere, e a assinatura do emitente. § 1? É à vista o título de crédito que não contenha indicação de vencimento. § 2- Considera-se lugar de emissão e de pagamento, quando não indicado no título, o domicílio do emitente. § 3- O título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo. H IS T Ó R IC O • Esta norma foi alterada por emenda aprovada na Câmara dos Deputados, na primeira fase de votaçào do projeto, que inseriu o § 3o, fazendo mençào aos títulos emitidos por sistema eletrôni­ co de dados. As mesmas disposições do caput e dos §§ 1® e 2°, que tratam dos requisitos básicos para a emissào dos títulos de crédito em geral, estavam previstas nas leis especiais que regulam a letra de câmbio (Decreto n. 2.044/1908, art. 1a; Decreto n. 57.663/65, arts. 1° e 2a), a nota promis­ sória (Decreto n. 2.044/1908, art. 54; Lei Uniforme - Decreto n. 57.663/65 - art. 76), a duplicata (Lei n. 5.474/68, art. 2») e o cheque (Lei n. 7.357/85, art. 2«). D O U T R IN A • Os três requisitos previstos no caput deste artigo - data da emissào, indicação precisa dos direitos que confere e a assinatura do emitente - nào seriam específicos dos títulos de cré­ dito, mas sim integrantes de todo documento destinado a produzir efeitos próprios de um negócio jurídico qualquer. Tal não significa, porém, que se trate de uma disposição anódina conforme será mostrado. • 0 artigo estabelece duas espécies de requisitos do título de crédito - os cham ados essenciais e os nào essenciais ou, numa terminologia análoga, ossupríveis e os insupríveis — , a exemplo do que ocorre com os arts. 1®, 2®, 75 e 76 da Lei Uniforme, os dois primeiros referentes à letra de câmbio e os dois últimos relativos à nota promissória. • 0 primeiro requisito mencionado - a data da emissào - pode ser ou nào considerado essen­ cial (ou insuprível), dependendo da interpretação que se lhe dê. Se se entende que, por data da emissào, no texto legal, deve-se vislumbrar a data do vencimento, ter-se-á que se trata de um requisito suprível, uma vez que a própria lei supre a sua falta... • Embora tal exegese pudesse fazer algum sentido - na medida em que só assim se harm oni­ zariam os sentidos do caput do artigo e do seu § 1®, prevendo ser à vista o vencimento do título que não contenha tal indicação, parece mais provável que o legislador terá desejado dizer, na verdade, data da criação do título. Em tal caso, trata-se de requisito insuprível e o título que não o contiver nào produzirá os efeitos próprios de um título de crédito, nos termos do art. 888, já examinado. • Tais considerações se fazem necessárias pelo fato de que a expressão emissào, constante do texto legal, está, evidentemente, mal-empregada. Tudo indica que o legislador tenha querido dizer criaçào em vez de emissào. Só entre os ignaros dos conhecimentos básicos da teoria geral dos títulos de crédito é que se poderá vislumbrar sinonímia entre essas duas expressões.

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• Mas, com o é preferível repetir o óbvio a elaborar sobre o abstruso, com o já se disse algures, nunca será demais repetir que, criar um título de crédito é preenchê-lo de conformidade com os requisitos legais para ele previstos. Emiti-lo, ao contrário, é colocá-lo em circulação. Des­ sa distinção deriva a fundamental divergência entre as chamadas teorias da criação e da emissão. Embora para ambas a obrigação eartular decorra de um negócio jurídico unilateral - diferentemente do que ocorre para as teorias legais e para as teorias mistas - diverso é o momento em que se aperfeiçoa o negócio jurídico, com relevantes conseqüências no que se refere à disciplina das oponibilidades das exceções. Voltar-se-á, a respeito do tema, por oca­ sião dos comentários sobre o art. 905, infra (cf., igualmente, nosso A spectos da teoria geral dos títulos de crédito, cit., p. 88 e s.). Outra interpretação possível para o caput desse art. 889, tendo em conta a disposição feita logo a seguir no § 1*, é a de que quis ele se referir á data de vencimento, mas tal exegese, com o foi visto, nào parece ser a melhor... • 0 segundo requisito - a indicação precisa dos direitos que confere - assemelha-se ao ante­ rior no sentido de também ser inerente a todos os negócios jurídicos, de maneira geral, mas dele difere por nào existir forma de supri-lo. Trata-se, portanto, de requisito considerado essencial pela lei. Sem ele, nos termos do art. 888, anteriormente comentado, o escrito nào produzirá os efeitos de título de crédito. • 0 terceiro requisito - a assinatura do emitente tal como o primeiro, deve ser tido por suprível, tendo-se em conta a disposição do § 3* no sentido de que o titulo poderá ser emi­ tido a partir dos caracteres criados em com putador ou meio técnico equivalente e que cons­ tem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo. E N U N C I A D O S D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L -

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• Enunciado 462, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 889, § 3o Os títulos de cré­ dito podem ser emitidos, aceitos, endossados ou avalizados eletronicamente, mediante assinatura com certificação digital, respeitadas as exceções previstas em lei". • Enunciado 461, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 889. A s duplicatas eletrônicas podem ser protestadas por indicação e constituirão título executivo extrajudicial mediante a exibição pelo credor do instrumento de protesto, acom panhado do comprovante de entrega das mercadorias ou de prestação dos serviços".

Art. 890. Consideram-se não escritas no título a cláusula de juros, a proibitiva de en­ dosso, a excludente de responsabilidade pelo pagamento ou por despesas, a que dispense a observância de termos e formalidade prescritas, e a que, além dos limites fixados em lei, exclua ou restrinja direitos e obrigações. H IS T Ó R IC O • A redação deste artigo é a mesma do projeto original. O art. 44 do Decreto n. 2.044/1908 regula­ va de modo semelhante tais limitações relativamente à letra de câmbio. A cláusula de juros é permitida por leis especiais que regulam determinados títulos de crédito, a exemplo da cédula de crédito industrial (Decreto-Lei n. 413/69) e da cédula de crédito rural (Decreto-Lei n. 167/67). D O U T R IN A • Trata-se de mais um artigo pouco feliz do legislador. Se é verdade que, na tradição de nosso direito cambiário, determinadas cláusulas eram tidas por nào escritas, assim o eram tão so ­ mente para os efeitos de natureza cambial. • Sem a especificação, no texto desse art. 890, de que as cláusulas por ele mencionadas - a de juros, a proibitiva de endosso, a excludente de responsabilidade pelo pagamento ou por despesas, a que dispense a observância de termos e formalidades prescritas, e a que, além dos

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limites fixados em lei, exclua ou restrinja direitos e obrigações - serão consideradas nào escritas, apenas para os efeitos de natureza cartular, poder-se-á extrair uma conclusão que, conquanto exata em termos estritamente gramaticais, não se compadece, quer com a nossa tradição cambiária, quer com o próprio espírito de todo este Título VIII, mais especificamen­ te com o seu Capítulo I. • Com efeito, pelo artigo 44 de nosso Decreto n. 2.044, eram consideradas não escritas, para os efeitos cam biais: "I - a cláusula de juros; II - a cláusula proibitiva do endosso ou do protesto, a excludente da responsabilidade pelas despesas e qualquer outra, dispensando a observância dos termos ou das formalidades pres­ critas por esta Lei; III - a cláusula proibitiva da apresentação da letra ao aceite do sacado; IV - a cláusula excludente ou restritiva da responsabilidade e qualquer outra beneficiando o devedor ou o credor, além dos limites fixados por esta Lei". • Os § § 1» e 2o- desse mesmo art. 44 orientaram-se na mesma direção - adequada, sob todos os aspectos - de delimitar a proibição de certas cláusulas ao âmbito puramente cambiário, estabelecendo, respectivamente, ser considerado não escrito o cancelamento do endosso ou do aval, para efeitos cam biais (§ 1»), enquanto o § 2* desconsiderava, com o letra de cômbio, o título em que o emitente excluísse ou restringisse a sua responsabilidade cambial. • Assim, de acordo com o inciso I do artigo supratranscrito, era tida com o não escrita a cláu­ sula de juros, para efeitos cambiais, mas a doutrina nunca pôs em dúvida, ao que se saiba, a possibilidade de serem cobrados, pela via da ação ordinária, esses juros pactuados na cambial... • Quanto ao espirito desse Capítulo I, seja pelo claro propósito de permitir a livre criação dos títulos atípicos, seja pela disposição do art. 888 no sentido de que devem ser considerados distintos o negócio cartular do negócio subjacente que lhe deu origem, é claro não fazer o menor sentido que cláusulas já admitidas pela própria Lei Uniforme - verbigratia, a de juros na letra de câmbio com vencimento à vista ou a certo termo da vista; a da letra “nào à ordem"; a do aceite e do aval parcial, para ficar apenas em alguns exemplos - não possam produzir, ainda que não os efeitos jurídicos cambiários (e, mais amplamente, os cartulares), efeito ju ­ rídico de nenhuma espécie...

Art. 891.0 título de crédito, incompleto ao tempo da emissão, deve ser preenchido de conformidade com os ajustes realizados. Parágrafo único. O descumprimento dos ajustes previstos neste artigo pelos que deles participaram não constitui motivo de oposição ao terceiro portador, salvo se este, ao adqui­ rir o título, tiver agido de má-fé. HISTÓRICO • O enunciado por este dispositivo não foi objeto de alteração durante a tramitação do projeto. No que tange à letra de câmbio, o Decreto n. 2.044/1908, em seus arts. 3o e 4o, equiparava ao man­ dato a obrigação do emitente ou portador para preencher corretamente os espaços em branco de acordo com o estipulado entre as partes, e a prova em contrário somente seria admitida em caso de má-fé do portador. O a rt 10 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto n. 57.663/66) igualmente previa que a letra de câmbio incompleta somente pode ser preenchida em conformidade com o acordo ou ajustes realizados. D O U T R IN A • Segundo dispõe o art. 10 da Lei Uniforme, "se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobser­

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vância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave". • 0 Brasil subscreveu a reserva constante do art. 3° do Anexo II, segundo a qual, "Qualquer das Altas Partes Contratantes reserva-se a faculdade de não inserir o art. 10 da Lei Uniforme na sua lei nacional", motivo pelo qual sempre julgam os subsistente o art. 3® de nosso Decreto n. 2.044, que considerava os requisitos de uma letra de câmbio lançados ao tempo de sua emis­ são, admitida a prova em contrário nos casos de má-fé do comprador. • Em termos jurisprudenciais, igualmente, assinale-se que o Suprem o Tribunal Federal consi­ derou serem os requisitos dos títulos de crédito lançados ao tempo da emissão, consoante se depreende da Súm ula n. 387, do teor seguinte: “A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto". • Entende-se, portanto - no âmbito da teoria geral dos docum entos - , que o portador de um titulo de crédito em branco recebeu mandato implícito para preenchê-lo de conformidade com os ajustes celebrados entre ele e o signatário do título. • Se houver eventual abuso de preenchimento, sempre haverá a possibilidade de oposição entre o signatário e o tomador imediato, mas militará em favor deste último a presunção de veracidade das cláusulas lançadas no título. No que se refere ao terceiro portador de boa-fé, tal exceção será, em principio, inoponível, salvo se venha a ser provado o defeito na forma do título.

JULGADO • "Recurso especial. Nota promissória. Emissão em branco. Preenchimento incorreto. M á-fé do credor. Invalidade. 1. É licito emitir nota promissória em branco, para que o valor seja posterior­ mente preenchido pelo credor. 2. 0 preenchimento, entretanto, pode acarretar a nulidade do ti­ tulo se o credor agir de má-fé, impondo ao devedor obrigação cambial sabidamente superior à prometida. 3. Ainda que se afaste a tese da existência de falsidade ideológica, o titulo fica macu­ lado pela quebra da boa-fé, principio regente do direito privado e ignorado por quem preencheu a nota promissória" (STJ, 3* T., REsp 598891/GO, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 18-4-2006, DJ, 12-6-2006, p. 473).

Art. 892. Aquele que, sem ter poderes, ou excedendo os que tem, lança a sua assinatu­ ra em título de crédito, como mandatário ou representante de outrem, fica pessoalmente obrigado, e, pagando o titulo, tem ele os mesmos direitos que teria o suposto mandante ou representado. HISTÓRICO • Nenhuma modificação foi introduzida neste dispositivo durante a tramitação do projeto no Con­ gresso Nacional. A Lei Uniforme de Genebra, adotada no Brasil por força do Decreto n. 57.663/65, contém norma praticamente idêntica sobre a letra de câmbio.

DOUTRINA • Tal norma reproduz, com alterações singelas, o que já preceituava o art. 46 de nosso Decreto n. 2.044, in verbis: “Aquele que assina a declaração cambial, com o mandatário ou represen­ tante legal de outrem, sem estar devidamente autorizado, fica, por ela, pessoalmente obri­ gado". 0 dispositivo nào oferece dificuldades em sua aplicação. Quem assina um título de crédito, quer na qualidade de mandatário, quer na de representante, fica pessoalmente obrigado perante o portador legitimado, pois não se concebe que uma declaração cartular não produza nenhum tipo de efeito jurídico. Por outro lado, a sub-rogação nos direitos do mandante ou do representado por parte de quem paga o título é a conseqüência natural de

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toda a sistemática existente nos títulos de crédito, tal com o ocorre em relação aos devedores diretos e devedores regressivos.

Art. 893. A transferência do título de crédito implica a de todos os direitos que lhe são inerentes. HISTÓRICO • A redação desta norma é a mesma do projeto original. 0 art. 14 da Lei Uniforme de Genebra re­ lativa à letra de câmbio dispõe, semelhantemente, que “o endosso transmite todos os direitos emergentes da letra". 0 art. 20 da Lei n. 7.357/85 também contém regra equivalente com relação ao cheque. D O U T R IN A • 0 presente artigo é mera reprodução do art. 1.995 do Código Civil italiano, cujo texto é o seguinte: "II trasferimento dei titolo di credito comprende anche i diritti accessori che sono ad esso inerenti", ou, numa tradução estritamente literal, “A transferência do título de cré­ dito compreende também os direitos acessórios que lhe são inerentes". Este, por seu turno, ter-se-á insp irado no art. 14 da Lei Uniform e, que anteriorm ente assim dispusera: T e nd ossem en t transmet tous les droits résultant de Ia lettre de change", ou, na tradução portuguesa da Lei Uniforme, “O endosso transmite todos os direitos emergentes da letra". A redação do nosso texto legal foi mais adequada do que a desse art. 14 da Lei Uniforme, mas nào o é tanto quanto a do retrotranscrito art. 1.995 do Código Civil italiano, pois nào expli­ cita, com o este, a transferibilidade dos direitos acessórios, inclusive... • Seja com o for, o alcance do dispositivo deve ser o seguinte: ao transferir-se um título de crédito, não se transfere apenas o direito à prestação nele mencionada, mas, igualmente, todos os demais direitos acessórios inerentes ao próprio título. Nesse sentido, aliás, sempre se pronunciou a mais autorizada doutrina italiana, asseverando Messineo (M anuale di diritto civile e eommerciale, Milão, Giuffrè, 1972, v. 5, § 164 bis, p. 287), em livre tradução de nossa parte, que “a transferência do título ao portador implica ope legis, ou seja, indepen­ dentemente de manifestação de vontade ad hoc, também a transferência daqueles direitos acessórios que lhes sejam inerentes" (grifos do autor). • Fiorentino (Commentario dei Codice Civile, organizado por Antonio Scialoja e Giuseppe Branca, Livro IV, Das Obrigações, Nicola Zanichelli Editore, Bolonha, e Soc. Ed. Del Foro Ita­ liano, Roma, 1957, p. 89), igualmente, explicando esse art. 1.995, ensinou que "a transferên­ cia do titulo de crédito implica atribuir ao adquirente, além do direito cartular principal nele indicado, também todos os direitos acessórios eventualmente a ele inerentes", lembrando que essa norma repetiu, substancialmente, a do art. 1.263 do mesmo Código, relativa ao tema da cessão de crédito, pela qual a transferência ao cessionário fazia-se "com os privilégios, com as garantias pessoais e reais e com os outros acessórios". • Assim, exemplifieativamente no que se refere aos títulos de crédito típicos ou nominados, quando se transfere uma ação de sociedade anônima, transmite-se simultaneamente o direi­ to aos cupons, ao recebimento dos dividendos declarados nas assembléias gerais, o direito a voz e a voto nessas mesmas assembléias gerais, o de recuperação do título eventualmente extraviado e assim por diante, quer sejam direitos de garantia, quer sejam os decorrentes de lei ou daqueles que derivam do contexto da própria cártula.

A rt 894.0 portador de título representativo de mercadoria tem o direito de transferi-lo, de conformidade com as normas que regulam a sua circulação, ou de receber aquela

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independentemente de quaisquer formalidades, além da entrega do título devidamente quitado. H IS T Ó R IC O • 0 conteúdo deste dispositivo manteve a mesma redação do projeto original. 0 Decreto n. 19.473/30, ainda em vigor, regula a emissão do conhecimento de transporte e do título de garantia denomi­ nado warrant sobre mercadorias transportadas, referindo-se à questão da transferência e circu­ lação desses títulos em seus arts. 38 a 6«. No que tange ao conhecimento de depósito e respectivo warrant, os requisitos e procedimentos para circulação encontram-se previstos nos arts. 18 a 22 do Decreto n. 1.102/1903, que também permanece vigente. D O U T R IN A • Este artigo é praticamente uma reprodução do art. 1.996 do Código Civil italiano, cujo texto é o seguinte: “I titoli rappresentativi di merci attribuiseono al possessore il diritto alia consegna delle merci che sono in essi specificate, il possesso delle medesime e il potere di disporne mediante trasferimento dei titolo", ou, em vernáculo: “Os títulos representativos de mercadoria atribuem ao possuidor o direito à entrega das mercadorias neles especificadas, a posse das mesmas e o poder de delas dispor mediante a transferência do título". Com o já destacado em doutrina (v. Antonio Mercado Jr., cit., p. 121), a impropriedade técnica do ar­ tigo é palmar: não é qualquer portador do título representativo que terá os direitos neste indicados... Somente o portador legitimado é quem, efetivamente, os terá. • A procedência da crítica é indubitável, quer se pense nos títulos de crédito típicos, quer apenas nos atípicos. Claro está, portanto, que a lei não poderá estabelecer aquilo que for incompatível com o sistema jurídico no qual ela se insere. Nào se conceberia que um porta­ dor ilegítimo pudesse transferir direitos por ele não possuídos, assim como inaceitável seria, por parte dele, o recebimento da mercadoria indicada no título representativo sem que de seu portador legítimo, efetivamente, se tratasse... É de entender-se, portanto, que o portador contemplado pelo artigo é, necessariamente, o portador legitimado. • Outro aspecto importante deste artigo diz respeito à sua inadequação à realidade de certos títulos típicos, tais como: conhecimento de transporte, conhecimento de depósito, warrant etc. Nesses títulos, dependendo da modalidade de que se revistam, o exercício do direito dependerá do pagamento das despesas pertinentes. Veja-se, p. ex., o caso do conhecimento de transporte com frete a pagar. 0 direito ao recebimento da mercadoria, em tal hipótese, está necessariamente condicionado ao pagamento do respectivo frete, nào podendo ocorrer o seu exercício independentemente de tal despesa. Embora nào se deva entender que o con­ ceito de despesa possa ser incluído no de "quaisquer formalidades", esta última expressão poderia sugerir, entre os ignaros da sistemática dos títulos representativos - que sào extre­ mamente numerosos, diga-se de passagem, mesmo no meio assim chamado de acadêm ico - , a errônea ideia de que o portador do conhecimento de transporte com frete a pagar teria o direito ao recebimento da mercadoria nele indicada, sem que estivesse obrigado ao paga­ mento do respectivo frete. Veja-se, igualmente, a corriqueira situação do conhecimento de depósito. Permite-se ao portador dele a retirada da mercadoria antes do vencimento da dí­ vida constante do warrant, desde que ele pague as armazenagens e mais as despesas, nos termos da lei. Diz, com efeito, o art. 22 do Decreto n. 1.102, de 21 de novembro de 1903, que instituiu regras para o estabelecimento de empresas de armazéns-gerais, determinando os direitos e obrigações dessas empresas, in verbis: "A o portador do conhecimento de depósito é permitido retirar a mercadoria antes do vencimento da dívida constante do warrant, con­ signando no armazém-geral o principal e juros até o vencimento e pagando os impostos fiscais, armazenagens vencidas e mais despesas. Da quantia consignada o armazém geral passará o recibo, extraído de um livro de talão".

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• Assim, é preciso entender-se cum grano salis a expressão “ou de receber aquela independen­ temente de quaisquer formalidades, além da entrega do título devidamente quitado", cons­ tante do texto legal. 0 exercício do direito por parte do portador do título representativo de mercadoria, no sentido de receber esta última, dependerá sempre do pagamento das despe­ sas devidas. Veja-se, ainda, a hipótese de negociação separada do warrant em relação ao conhecimento de depósito, consoante a possibilidade expressamente autorizada pelo art. 18 do retrorreferido Decreto n. 1.102, de 21 de novembro de 1903. O titular deste somente poderá receber a mercadoria se efetuar, no armazém-geral, o pagamento do principal e dos juros devidos ao portador do w arrant • Com efeito, diz o art. 21 desse Decreto n. 1.102/1903, que "a mercadoria depositada será retirada do armazém-geral contra a entrega do conhecimento de depósito e do warrant correspondente, liberta pelo pagamento do principal e juros da dívida, se foi negociado". • Feitos tais esclarecimentos - excessivamente rudimentares, por certo, para os que já se acham devidamente familiarizados com o tema parece que o dispositivo legal não oferece ne­ nhuma outra eventual dificuldade.

Art. 895. Enquanto o título de crédito estiver em circulação, só ele poderá ser dado em garantia, ou ser objeto de medidas judiciais, e não, separadamente, os direitos ou mercado­ rias que representa. HISTÓRICO • A redação constante desta norma não foi objeto de qualquer alteração durante a tramitação do projeto. Não há precedente na legislação cambial.

DOUTRINA • Este artigo toma com o paradigma tanto o art. 17 do Decreto n. 1.102, de 21 de novembro de 1903, quanto o art. 1.997 do Código Civil italiano. Tais textos rezam o seguinte, respectiva­ mente: “Emitidos os títulos de que trata o art. 15, os gêneros e mercadorias não poderão sofrer embargo, penhora, seqüestro ou qualquer outro embaraço que prejudique a sua plena e livre disposição, salvo nos casos do art. 27". “II pegno, il seqüestro, il pignoramento e ogni altro vincolo sul diritto menzionato in un titolo di credito o sulle merci da esso rappresentate non hanno effetto se non si attuano sul titolo". Observe-se que este último texto faz a necessária distinção entre o direito m encionado no titulo e a s mercadorias por este repre­ sentadas. Já o artigo em com ento apenas refere-se a direitos e mercadorias que representa. • A utilidade dessa distinção está no fato de que ela põe em realce os direitos que o portador legitimado possui tanto sobre o próprio título, com o sobre a mercadoria neste último repre­ sentada. Não há dúvida de que ele poderá, além de exercitar os seus direitos isoladamente sobre o título, fazê-lo judicialmente sobre a própria mercadoria. Não obstante a redaçào do texto legal nào seja suficiente para conduzir a tal conclusão, a ela se chegará necessariamen­ te, a nosso ver, com os subsídios de natureza doutrinária e jurisprudencial. A propósito, o texto legal refere-se ao embargo, à penhora e ao seqüestro. Trata-se, evidentemente, de fi­ guras distintas, parecendo despiciendo recordá-las nesta sede.

Art. 896. O título de crédito não pode ser reivindicado do portador que o adquiriu de boa-fé e na conformidade das normas que disciplinam a sua circulação. HISTÓRICO • Este artigo manteve a redação do projeto original. Regras semelhantes eram dispostas no art. 16 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto n. 57.663/65) relativamente à letra de câmbio e no art. 24 da Lei n. 7.357/85, que disciplina o cheque.

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DOUTRINA • O presente artigo foi calcado na redação do art. 1.994 do Código Civil peninsular, cujo teor é o seguinte: "Chi ha acquistato in buona fede il possesso di un titolo di credito, in conformità delle norme che ne disciplinano Ia circolazione, non è soggetto a rivendieazione", ou, em vernáculo, "quem adquiriu de boa-fé a posse de um título de crédito, de conformidade com as normas que disciplinam a sua circulação, nào está sujeito a reivindicação". Anterior­ mente, no âmbito do direito cambial, a Lei Uniforme já houvera estabelecido, em seu art. 16, segunda alínea, que: "Se uma pessoa foi por qualquer maneira desapossada de uma letra, o portador dela, desde que justifique o seu direito pela maneira indicada na alínea precedente [que estabelece, em sua primeira parte, que o detentor de uma letra, desde que justifique o seu direito por uma série ininterrupta de endossos, é considerado o seu portador legítimo, ainda que o último endosso tenha sido passado em branco], não é obrigado a restituí-la, salvo se a adquiriu de má-fé ou se, adquirindo-a, cometeu uma falta grave". A redação que constava do texto do Anteprojeto - antes, portanto, de transformar-se no Projeto de Lei n. 634, de 1975 - fazia alusão ao portador do título de crédito não poder ser privado do mes­ mo. Contra ela insurgiu-se Mercado Jr. (cit., p. 122), acertadamente, com as observações seguintes: "O texto em exame é suscetível de reparo. Com efeito, o portador de titulo de crédito, que o adquiriu de boa-fé e consoante a sua lei de sua circulação, pode ser privado do título, se este, por exemplo, for penhorado e, afinal, arrematado ou adjudicado, ou, se, no caso de furto ou extravio, for parar às mãos de outro possuidor de boa-fé". • Embora esse problema tenha ficado resolvido com a redação atual do dispositivo em exame - que suprimiu, acertadamente, as expressões no sentido de que o portador nào poderia ser privado do título - há outros aspectos importantes que, embora inteiramente descurados em nosso meio, foram objeto de cuidadosa investigação por parte da doutrina italiana. Assim, ainda que de forma superficial, cabe perquirir o alcance dessa regra segundo a qual a posse de boa-fé vale titulo. A norma consagra um dos princípios fundamentais dos títulos de cré­ dito que é o da autonom ia cartular. Dois sào os sentidos desse princípio, consoante a lição primorosa de Ascarelli (Teoria geral dos títulos de crédito, cit., p. 270 e 279): "a) segundo um significado, ao falar em autonom ia quer-se afirmar que nào podem ser opostas ao subsequente titular do direito cartular as exceções oponíveis ao portador anterior, decorrentes de convenções extracartulares, inclusive, nos títulos abstratos, as causais...; b) segundo um outro significado, ao falar em autonomia, quer-se afirmar que não pode ser oposta ao terceiro possuidor do título a falta de titularidade de quem lho transferiu...". • Não se pode compreender adequada e corretamente o princípio da autonomia dos títulos de crédito sem o entendimento e a percepção desses dois sentidos destacados por Ascarelli. Com efeito, trata-se de duas situações inteiramente distintas, conforme já tivemos a ocasião de acentuar sublinhando que a doutrina brasileira, de maneira geral, terá passado ao largo desse duplo aspecto do princípio da autonomia cartular (v. nosso A spectos da teoria geral dos títulos de crédito, p. 53 e s.). Não apenas a doutrina nacional, aliás, terá sido omissa a esse respeito. Cervantes Ahum ada (Títulos y operaciones de crédito, ed. Herrero, 7. ed., M é ­ xico, 1972, p. 12), p. ex., assim explica a autonomia: “Nào é exato dizer que o titulo de cré­ dito seja autônomo, nem que seja autônom o o direito incorporado no título: o que se deve dizer que é autônom o (no ponto de vista ativo) é o direito que cada titular sucessivo vai adquirindo sobre o título e sobre os direitos nele incorporados, e a expressão autonomia indica que o direito do titular é um direito independente, no sentido de que cada pessoa que vai adquirindo o docum ento adquire um direito próprio, distinto do direito que tinha ou podia ter quem transmitiu o título. Pode dar-se o caso, por exemplo, de que quem transmita o título nào seja um possuidor legítimo e portanto não tenha direito para transmiti-lo; sem

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embargo, o que adquire o docum ento de boa-fé, adquire um direito que será independente, autônomo, diverso do direito que tinha a pessoa que o transmitiu". • Não obstante a correta lição do ilustre catedrático mexicano na explicação de um dos senti­ dos da autonom ia cartular, o seu exemplo dado da aquisição a non dom ino não se ajusta, simetricamente, às explicações que vinham sendo dadas sobre o alcance do princípio da autonomia. 0 exemplo por ele fornecido, na verdade, corresponde ao segundo dos sentidos mencionados por Ascarelli. A consideração segundo a qual o direito cartular é distinto do direito derivado da relação fundamental serve, com o mão è luva, para explicar a inoponibilidade das exceções extracartulares aos subsequentes titulares do direito cartular; sendo absolutamente imprestável, porém, para justificar porque o adquirente de um titulo de cré­ dito a non domino, desde que adquira o título de conformidade com a lei de sua circulação, torna-se o seu legítimo titular. Só mesmo o gênio insuperável de Ascarelli para apresentar, de forma cristalina, a razão pela qual são fundamentais os dois sentidos da autonom ia retrotranscritos (Teoria geral..., cit., p. 279): "Com efeito, é fácil observar que, admitida a autono­ mia somente neste último sentido, ele não poderia restringir as exceções atinentes ao direi­ to mencionado no título; com efeito, tal direito, seu titular o teria autonomamente, sim, (isto é, independentemente da titularidade do próprio antecessor), mas seria sempre aquele direi­ to. por isso sujeito sempre àquelas exceções" (grifos nossos). Esse art. 896, destarte, como já foi dito, consagra um dos princípios fundam entais dos títulos de crédito e precisa ser enten­ dido em seu verdadeiro alcance.

Art. 897. O pagamento de título de crédito, que contenha obrigação de pagar soma determinada, pode ser garantido por aval. Parágrafo único. E vedado o aval parcial. HISTÓRICO • O enunciado por este artigo não foi alterado no curso da tramitação do projeto no Congresso Nacional. A garantia cambial por meio do aval é instituto básico aplicável a todos os títulos de crédito, estando prevista nos arts. 30 a 32 da Lei Uniforme de Genebra relativa à letra de câmbio e nota promissória (Decreto n. 57.663/65), nos arts. 29 a 31 da Lei do Cheque (Lei n. 7.357/85) e no art. 12 da Lei de Duplicatas (Lei n. 5.474/68). D O U T R IN A • 0 aval, segundo Guido Rossi, um dos maiores tratadistas da matéria (Uovallo com e garanzia cambiaria tipica, Milão, Giuffrè, 1962), é uma garantia cambiária típica, podendo ser utili­ zado, evidentemente, para os demais títulos de crédito em geral. 0 artigo parece limitar a sua aplicação aos títulos cambiários (a letra de câmbio e a nota promissória) e cambiariformes (o cheque e a duplicata) ou, segundo outra dicção, aos títulos denom inados monetários - vale dizer, aqueles títulos que expressam a obrigação de pagar uma quantia determinada - , mas essa interpretação deve ser recusada, a nosso ver, sob pena de não se compadecer com o espírito de livre possibilidade de criação de títulos atípicos, orientador de todo este Título VIII. Qual seria o sentido, afinal, de incentivar-se tal possibilidade e, ao mesmo tempo, impedir-se a utilização de um instrumento que apresenta a função preeípua de facilitar a circulação dos títulos de crédito? Evidentemente, nenhum. • M uito pelo contrário, em se tratando de títulos nào legalmente previstos - nos quais, diga-se, a segurança jurídica oferecida aos terceiros adquirentes de boa-fé não seria, em princípio, idêntica àquela que se outorga aos títulos nom inados ou típicos - , a garantia exteriorizada pelo aval, quer se trate de títulos que expressem quantia determinada, quer se cuide daque­ les que representem outros tipos de valores, afigura-se mais conveniente do que nunca...

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Art. 897

• Restaria discutir, nessa linha de raciocínio, até que ponto a proibição constante do parágra­ fo único desse art. 897, no sentido de haver empeço à prestação do aval parcial, efetivamen­ te, se justifica. A doutrina, como se sabe, sempre esteve dividida quanto a essa questão... O Decreto n. 2.044 era omisso a respeito. Também o é a nossa Lei das Duplicatas, que nada diz em seu art. 12, sendo certo que o art. 23 desta manda aplicar subsidiariamente, no que cou­ ber, em matéria de emissão, circulação e pagamento, as disposições constantes da Lei Cambial, no caso, agora, predominantemente a Lei Uniforme. Esta, por sua vez, em seu art. 30, admitiu expressamente a possibilidade de o aval ser prestado parcialmente, donde se conclui, sem maiores dificuldades, ser o aval parcial possível, tanto nas letras de câmbio e nas notas pro­ missórias, quanto nas duplicatas e nos cheques. Diga-se, aliás, que a Lei Uniforme sobre o cheque já houvera, no art. 25, estabelecido a possibilidade de ser o aval nele prestado par­ cialmente, sendo que o art. 29 da atual Lei do Cheque - Lei n. 7.357, de 2 de setembro de 1985 - na esteira daquela, previu que o pagamento de um cheque poderia ser garantido no todo ou em parte por aval prestado por terceiro... • Fica um tanto quanto difícil, assim, conciliar a ideia de que o aval parcial seja possível nos principais títulos de crédito existentes - letra de câmbio, nota promissória, cheques e dupli­ catas - e não o possa ser justamente nos títulos de crédito atípicos ou inom inados para os quais, presumivelmente, toda e qualquer garantia adicional, ainda que meramente parcial, deveria ser tida por bem-vinda... • Curiosamente, no entanto, preferiu o legislador pátrio optar pela sua proibição pura e simples, contrariando não só a lógica de nosso sistema cambiário como o próprio espírito de todo este Título VIII, quer se entenda ser ele destinado apenas aos títulos atípicos ou inominados, quer se conceba, mais amplamente, a partir de uma razoável e funcional interpretação do art. 903, que ele possa servir, também, de norma supletiva para os títulos de crédito em geral. • 0 artigo é omisso quanto à possibilidade de poder o aval ser prestado não apenas por um terceiro como, igualmente, por um dos signatários do título. M uito se discutiu, na doutrina brasileira, acerca dessa possibilidade, sendo admitida, para uns, e proibida, para outros. • Saraiva (A cambial, § 93) e Carvalho de Mendonça (Tratado de direito comercial brasileiro, n. 753) postavam-se entre os que consideravam inviável a assunção da posição de avalista por parte de quem já se obrigara no título de crédito, ponderando o primeiro que "o eoobrigado não pode intervir com o avalista por lhe não ser facultado agravar sua responsabilidade além dos limites fixados por lei", enquanto, para o segundo, "o avalista nào deveria ser um dos coobrigados do título, uma vez que a sua responsabilidade em nada mudaria com o fato de prestar o aval". • Não obstante essas respeitabilíssimas posições, com o destacamos em anterior oportunidade (O aval, RDM , cit., p. 55), a opinião desses dois grandes juristas pátrios não logrou prevalecer em sede doutrinária, tendo João Eunápio Borges (D o aval, Forense, 4. ed., 1975, p. 48 e 49) apresentado, contra o primeiro deles, a seguinte contra-argumentação, à qual aderimos irrestritamente: "É verdade que nenhum obrigado pode restringir ou agravar sua responsabi­ lidade além dos limites fixados por lei (art. 44, IV), mas a autonomia e independência das obrigações cambiais (pense-se na possibilidade de homonímia; o título não permite afirmar, logo, se se trata do mesmo obrigado ou de outro) autoriza qualquer coobrigado a assumir outra obrigação, independente da primeira, cuja responsabilidade nem se restringe, nem se agrava". 0 autor refere-se ao art. 44, IV, do Decreto-Lei n. 2.044/1908. • Contra o argum ento de Carvalho de Mendonça, ponderou o Eminente Professor mineiro: “0 endossador que avaliza, equiparando-se ao aceitante, ao sacador, a um dos endossantes anteriores, exceção do que imediatamente o precede, robustece a garantia de pagamento com que contam todos os obrigados intermediários entre o endossador avalista e aquele a que se equiparou".

Art. 898

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• As Leis Uniformes sobre a cambial e sobre o cheque puseram cobro ao debate, afirmando expressamente que a garantia do aval poderia ser prestada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra (art. 30, segunda alínea), no caso das cambiais, e por um terceiro, excetuado o sacado, no caso dos cheques (art. 25, segunda alínea). • Com o interpretar-se o dispositivo diante de seu silêncio?... • Propendemos, indubitavelmente, a defender a ideia da possibilidade de ser o aval prestado também por um dos signatários do título. A s razões para que se conclua em tal direção pa­ recem consideravelmente mais poderosas do que a singela argumentação de que o silêncio do legislador deveria ser interpretado no sentido de que se ele quisesse permitir a possibili­ dade, tê-la-ia expressamente autorizado... • Em primeiro lugar - e o argum ento já se me afigura decisivo parece contraditório que se admita, na ordenação jurídica nacional, para os principais títulos de crédito nom inados ou típicos, uma solução diversa daquela que se pretenda para os títulos de crédito inom inados ou atípicos... • Com efeito, ainda que se interprete este Título VIII com o sendo destinado apenas a essa úl­ tima modalidade - e nào, também, com o norma subsidiária aos títulos de crédito típicos - nào se encontra nenhuma razão axiologicamente relevante para que os títulos atípicos, isto é, títulos não previstos adredemente por um modelo legal, venham a ser livremente criados com características diferentes daqueles que, pela sua função e estruturas, já foram devidamente reconhecidos pelo sistema jurídico. Ficaria muito difícil de entender por que na letra de câmbio, na nota promissória, nas duplicatas e nos cheques, poderia um signatário neles as­ sumir, igualmente, a situação de avalista, e nos outros títulos que viessem a ser criados - e, portanto, desconhecidos do público em geral - fosse proibida tal possibilidade... • Em vão contra-argumentar-se-á, a nosso ver, no sentido de que, na hipótese já examinada do aval parcial, a solução do Código foi diferente da que existe para os títulos de crédito típicos... Naquele caso, porém - embora a solução dada nos tenha parecido inteiramente contraditória, conforme já se frisou - , a proibição veio afirmada de forma expressa. Certa ou erradamente, o legislador quis estabelecer a apontada vedação... Pretender deduzi-la, no entanto, do simples silêncio da lei nào só se apresenta como hipótese absolutamente diversa com o também vai de encontro à diretriz constitucional básica, existente no âmbito do direi­ to privado, segundo a qual o que nào está expressamente proibido, acha-se implicitamente autorizado... • Em segundo lugar - e trata-se, também, de argum ento ponderável - , sabe-se que as obri­ gações assumidas por um signatário de um título de crédito são costumeiramente designadas pela doutrina com o autônom as e independentes entre si, assim denom inando-as igualmen­ te o art. 43 de nosso Decreto n. 2.044. Se assim é, com efeito, porque nào se permitir que o outro coobrigado, robustecendo a garantia do pagamento do titulo, assuma a condição de avalista, sendo esta uma obrigação autônom a e independente das demais?... • Concluímos, portanto, malgrado o silêncio do texto legal, no sentido da plena possibilidade de o aval ser prestado não apenas por um terceiro como, também, por um dos signatários do título de crédito. E N U N C I A D O D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L -

C JF

• Enunciado 463, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Art. 897. A prescrição da pretensão executória não atinge o próprio direito material ou crédito, que podem ser exer­ cidos ou cobrados por outra via processual admitida pelo ordenamento jurídico".

Art. 898.0 aval deve ser dado no verso ou no anverso do próprio título.

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Art. 898

§ \- Para a validade do aval, dado no anverso do título, é suficiente a simples assina­ tura do avalista. § 2- Considera-se não escrito o aval cancelado. HISTÓRICO • A redação desta disposição é a mesma do projeto original. 0 art. 31 da Lei Uniforme de Genebra sobre letra de câmbio e nota promissória (Decreto n. 57.663/65) contém norma semelhante, do mesmo modo que a Lei do Cheque (Lei n. 7.357/85, art. 30).

DOUTRINA • A leitura conjunta do caput do artigo e de seu § 1° revela a imediata compreensão de que, na foce ou no anverso do titulo, bastará a simples assinatura para que o aval se configure. Quando for aposto no verso, porém, há a necessidade de interpretar-se qual deva ser a forma pela qual ele irá exprimir-se, já que tanto o caput do artigo quanto o seu § 1o silenciaram inteiramente a respeito. Já o art. 14 de nosso Decreto n. 2.044 - não mais vigente entre nós em razão de não ter havido nenhuma reserva assinada pelo Brasil em matéria de aval, pre­ valecendo integralmente os arts. 30 a 32 da Lei Uniforme sobre as letras de câmbio e as notas promissórias - adotava solução diferente desta no tocante à forma do aval no verso do título. Dispunha ele, com efeito, que: " 0 pagamento de uma letra de câmbio, independen­ te do aceite e do endosso, pode ser garantido por aval. Para a validade do aval, é suficiente a simples assinatura do próprio punho do avalista ou do mandatário especial, no verso ou no anverso da letra”. • Pela nossa lei cambiária, portanto, era suficiente a simples assinatura no verso ou no anver­ so do título. Pelo art. 31 da Lei Uniforme, contudo, em se tratando do tergo ou dorso - vale dizer, o verso do título - , foi estabelecida a necessidade de mençào específica da garantia, mediante a utilização da expressão "bom para aval” ou por outra forma equivalente. • Teria sido preferível, evidentemente, que o artigo esclarecesse de uma vez a maneira pela qual deveria o aval exprimir-se no verso do título de crédito. Com o não o fez, resta, agora, a ta­ refa sempre delicada de interpretar-se o mais logicamente possível o seu silêncio... • Parece razoável a exegese segundo a qual, quando se cuide de aval prestado no verso do título, será sempre necessária a menção específica de garantia, tal com o ocorreu na Lei Uni­ forme. 0 fundam ento para tal interpretação, de caráter extremamente simples, é o seguinte: se o § 1* considera suficiente a simples assinatura do avalista no anverso do título, deve-se entender, contrario sensu, que ela será insuficiente se dada no verso do mesmo... Neste de­ verá constar, portanto, alguma expressão indicativa que se trata de aval, tais como: "bom para aval”, "avalizamos", “em aval", "em garantia” etc. • Outro problema que nào poderá deixar de ser referido é o seguinte: com o considerar-se uma assinatura constante do verso do título que nào indique a menção específica de garantia? Fundamentalmente, foram três as correntes que se formaram, no plano doutrinário, para explicar a categoria jurídica de tal assinatura. Assinale-se, em primeiro lugar, não ter preva­ lecido, na Convenção de Genebra, a posição sustentada por Arcangeli e Percerou no sentido de que as assinaturas que nào pudessem ocupar nenhuma outra posição cambiária deveriam ser sempre consideradas com o avais. Se a assinatura puder ser considerada com o endosso em branco - escusava dizê-lo - nào se poria o problema em tela. A questão surge, evidente­ mente, somente naquelas hipóteses nas quais a assinatura constante do verso do título rompe, inevitavelmente, com a cadeia normal dos endossos para a transferência do titulo... • A primeira corrente de pensamento, sustentada por uma plêiade invejável de juristas (Guido Rossi, in L'avallo com e garanzia cambiaria tipica, Milão, Giuffrè, 1962, p. 105 e s.; De Semo, in Trattato di Diritto cambiario, Pádua, Cedam, 1963, p. 461 e 462; Valeri, Diritto Combiario,

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II, n. 204; Asquini, Titoli de credito, Pádua, 1966, p. 261; Gualtieri, I titoli di credito, Turim, 1953, Ed. Torinese, p. 217; Oppo, Banca e credito agrario, 1952, p. 377, entre outros), consi­ dera que a assinatura de que se cuida nào poderá ser considerada como aval porquanto este deve ser prestado no anverso da letra ou, se outorgado for no verso, existir a menção inequí­ voca que caracteriza a assinatura com essa qualidade. • Entre os diversos autores, é Rossi quem parece desenvolver, com profundidade dogmática, os argum entos sobre essa postura doutrinária (op. cit., p. 109 e 110). Para os adeptos dessa corrente de pensamento, a assinatura prestada no verso, sem declaração de garantia, ficaria desprovida de qualquer valor cambiário pela sua insuficiência formal. Vale dizer: não será considerada nem aval, nem tampouco endosso em branco. • Para uma segunda posição, defendida por Stranz (apud Rossi, cit., p. 108, nota 33: "Blankoindossament ais Wechselbürgschaft", c. 1917), "se a assinatura no verso, sem qualquer menção de garantia, nào pode ser considerada nem aval e nem aceite, só poderia ser tida com o um endosso em branco, ainda que nào corresponda à cadeia de endossos existentes no título, porquanto se estaria diante de um problema de responsabilidade e não de interrupção da série de endossos". • Observa Rossi (op. cit., p. 108) que "se trata de uma tese parcialmente análoga à que foi acolhida pelo sistema anglo-americano, nào sendo sustentável perante a Lei Uniforme no momento em que essa assinatura de que estamos a tratar não apresenta qualquer ligação com o nexo cambiário, interrompendo a série de endossos". Consta, no entanto, que a própria jurisprudência alemã manifestou-se contra a possibilidade de ser considerada com o endosso em branco a simples assinatura no verso da letra. • Para uma terceira posição, a assinatura no verso da letra, ainda que sem qualquer menção de garantia, deveria ser considerada como aval (desde que a mesma interrompa a cadeia de sucessivos endossos), sustentando Angeloni (apud Rossi, cit., p. 106) que: "N inguém apõe a própria assinatura numa cambial sem que tenha a intenção de assumir uma obrigação cambiária, sendo interesse do portador, por outro lado, que a cambial tenha um obrigado a mais". Conclui esse autor com a consideração segundo a qual seria mais lógico atribuir a tal firma o valor de um aval antes de atribuir-lhe, sem necessidade, a função de destruir a regularidade da seqüência dos endossos. • Rossi combate a posição de Angeloni lembrando que "nos encontramos diante de requisitos de forma no exame dos quais devem ser afastadas, da maneira mais categórica, as conside­ rações relativas à intenção do signatário. A simples firma aposta sobre o verso da cambial" - prossegue Rossi - "não pode ser considerada, de modo algum uma firma de aval, uma vez que faltaria um requisito essencial de forma, qual seja, o da cláusula de garantia". • Embora a posição de Rossi seja prevalecente na maioria da doutrina, correspondendo, basi­ camente, ao pensamento de Vivante (Trattato di diritto cambiario, v. 3*. 318 e 319, § 1.222, Ed. Francisco Vallardi, 5. ed., 1935), a corrente que procura caracterizar a simples assinatura no verso da cambial com o aval parece ganhar novos adeptos, sendo de destacar-se a cuida­ dosa reflexão de Alegria (op. cit., p. 145 a 150) com novos e poderosos argum entos em favor dessa corrente. • Quanto ao § 2* desse art. 898, segundo o qual considera-se não escrito o aval cancelado, há que se observar o seguinte: pelo § 1® do art. 44 de nossa lei cambiária, quase idêntica era a solução, pois eram considerados nào escritos, para os efeitos cambiais, os cancelamentos do endosso e do aval. A diferença, então, está na circunstância de que, no Código Civil, não subsistirão os eventuais efeitos extracartulares do aval cancelado, enquanto era exatamente isso o que ocorria no regime do Decreto n. 2.044. • A solução não terá sido das mais felizes, por um lado, cabendo aqui as mesmas considerações já desenvolvidas a propósito do art. 890, isto é, o fato de não deverem certas cláusulas pro­

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duzir efeitos de natureza cambiária nào significa nào possam elas produzir efeitos jurídicos de natureza simplesmente probatória... • Por outro lado, o Código Civil resolveu, no âmbito de sua aplicação, intrincada questào que a Lei Uniforme terá deixado os seus intérpretes diante de uma interrogação. Previu ela, na primeira alínea do art. 16, o cancelamento do endosso. No art. 29, igualmente, antes de restituida a letra pelo aceitante, contemplou a possibilidade de cancelamento do aceite. No que se refere ao cancelamento do aval, no entanto, silenciou por completo, subsistindo a dúvida quanto à possibilidade de, no plano da Lei Uniforme, poder ou não o aval ser cance­ lado... • Considerando-se não escrito o aval cancelado, pelo § 3o, essa questão ficou teoricamente resolvida: é possível, então, proceder-se ao cancelamento do aval. Na prática, porém, resta saber com o poderia um aval constante do título, inteiramente riscado e tornado ilegível - e, portanto, sob o ponto de vista jurídico, cancelado - ser considerado não escrito a fim de que os seus efeitos fossem cartulares, fossem extracartulares, pudessem ser produzidos?... A me­ nos que fosse possível provar que o aval tivesse sido efetivamente dado - e, posteriormente, cancelado pelo próprio avalista - , a proibição legal do cancelamento resultaria, na prática, em algo inócuo... • Por derradeiro - embora se trate de questão situada em local diverso, já que constante do inciso III do art. 1.647, relativo ao direito de família cabe uma referência à novidade tra­ zida pela inserção do aval naquele dispositivo. Reproduze-se, para maior clareza, o caput do art. 1.647 e do seu inciso III: "Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: (...) III - prestar fiança ou avar. Já tive a ocasião de assinalar em oportunidade anterior (Comentários ao novo Código Civil, v. XII: dos atos unilaterais; dos títulos de crédito, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 204 a 207): "A/o redação original do Projeto não havia o avo! nesse inciso III e, com o tal, houvera sido aprovada. Su a inserção ocorreu no Senado, anteriormente sugerida no Projeto de Lei da­ quela Casa que propunha alteração do art. 235, inciso III, do Código Civil de 1916, de inicia­ tiva do então Senador Fernando Henrique Cardoso. Tal Projeto foi anexado para tramitação conjunta com o PLC n. 118/84. Inteiramente desarrazoada, a meu ver, tal inserção. Cabe anotar, em primeiro lugar, que ela não se com padece com a função eminentemente circulatória dos títulos de crédito. Seria abstruso que a outorga de um aval p a ssa sse a depender do exame de um a certidão de ca­ sam ento a fim de exigir-se, não sendo o regime de bens do casam ento de separação ab so­ luta, a autorização do outro cônjuge para o outorga do aval... Parece fora de propósito, com efeito, que num a simples operação de empréstimo, lastreada num a duplicata mercantil ou de serviços, absolutamente corriqueiro em n o sso meio, seja introduzida um a complicação desse tipo. Poder-se-ia contra-argum entar que, na prática, exigir-se-ó sempre que am bos o s cônjuges assinem o titulo no condição de avalistas, com o já vem sendo feito, há muito tempo, pelos bancos em geral, sabedores da possibilidade existente, desde o advento do Estatuto da M ulher Casada, de a mulher em bargar a su a m eação na execução prom ovida contra o m a­ rido, caso o produto da divida não tenha sido revertido em beneficio do casal, conforme farta jurisprudência a respeito da matéria... 0 argumento, todavia, não é de todo convincente. E não o é porque, na atual situação, apenas o que se discute é a parte referente à m eação do outro cônjuge. Por esse inciso III, porém, poder-se-á questionar a eficácia do aval ainda que seja eventualmente provado que a divida tenha sido contraída em beneficio do casal...

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Ao lado da função eminentemente circulatória dos títulos de crédito, a exigir que o direito neles mencionado subsista de forma literal e autônomo, independentemente de fatores outros que não se expressem na própria materialidade cartular, alia-se a circunstância de todo ponderável de que o instituto do aval, conformejá frisado anteriormente, tem a função precípua de garantia, outorgando ao título maior segurança quanto ao seu pagamento. A exigência em tela, como se percebe, colide frontalmente com tais propósitos. E, como se tudo isso não bastasse, cabe esclarecer que a exigência nõo se refere aos títulos de crédito previstos no Título VIII do Livro I da Parte Especial do Código - o que, como se viu, numa das interpretações possíveis, atingiria apenas os títulos atípicos ou inominados —, mas, indistintamente, a todo e qualquer título de crédito, o que significa dizer, indepen­ dentemente dos rumos daquela discussão acerca da abrangência de tais disposições, que os títulos de crédito típicos - entre eles a letra de câmbio, a nota promissória, o cheque e a duplicata, para ficar nos quatro principais deles -, tal como previstos na Lei Uniforme de Genebra, à qual o nosso país aderiu, e na nossa Lei de Duplicatas, não se coadunam com o procedimento preconizado por esse inciso III... Assim, o dispositivo em questão afigura-se criticável e deve ser combatido antes que venha causar maiores transtornos ao livre desenvolvimento dos negócios Parece que a minha crítica recebeu a adesão de doutos professores. Em recentíssimo prefácio ao livro de Francisco de Paula Eugênio Jardim de Souza Brasil (Títulos de crédito: o novo Código Civil - questões relativas aos títulos eletrônicos e do agronegócio, Rio de Janeiro: Forense, 2006), escreve o Prof. Theóphilo de Azeredo Santos:

“Com exceção de regime de separação absoluta, a prestação do aval exige a autorização de ambos os cônjuges, tal como ocorre com a fiança, novidade que desprotege a mulher casa­ da, que dificilmente recusará o pedido apresentado como indispensável à solução de pro­ blemas empresariais ou ao melhor desenvolvimento da organização comercial, industrial, agrícola ou de serviço. Essa alteração foi suscitada pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso, à época Senador, provavelmente a pedido de um eleitor poderoso, mas é rejeitada pela melhor doutrina (em especial, a lição do Desembargador Federal, Newton De Lucca), e censurada pela doutrina“. Art. 899. 0 avalista equipara-se àquele cujo nome indicar, na falta de indicação, ao emitente ou devedor final. § 1? Pagando o título, tem o avalista ação de regresso contra o seu avalizado e demais coobrigados anteriores. § 2- Subsiste a responsabilidade do avalista, ainda que nula a obrigação daquele a quem se equipara, a menos que a nulidade decorra de vício de forma. HISTÓRICO • 0 conteúdo deste dispositivo não foi objeto de emenda no curso da tramitação do projeto no Congresso Nacional. A Lei Uniforme de Genebra relativa à letra de câmbio de nota promissória (Decreto n. 57.663/65), em seus arts. 31 e 32, dispõe em igual sentido, do mesmo modo que o art. 31 da Lei n. 7.357/85, relativamente ao cheque. D O U T R IN A • A equiparação do avalista ao avalizado foi objeto da autorizada crítica de Mercado Jr. (art. cit., p. 123 e 124), para quem ela "poderia ser melhor expressa pela forma adotada nas Leis Uniformes da cambial (art. 3 2 ,1 * alínea) e do cheque (art. 2 7 ,1 * alínea)", sugerindo, em seu lugar, a seguinte: " 0 avalista fica vinculado do mesmo modo que o avalizado...". 0 art. 32,1*

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alínea, da Lei Uniforme, reza textualmente: "O dador do aval é responsável da mesma manei­ ra que a pessoa por ele afiançada". • Deixe-se de lado, inicialmente, a equivocada tradução portuguesa do francês "garant" para "afiançada", posta em relevo pelo saudoso Prof. Rubens Requiào (Curso de direito comercial, 9. ed., 1980, v. 2*. p. 346). Trata-se, na verdade, de erro muito grosseiro, tanto sob o prisma da linguagem com o no que se refere ao plano dogmático. No tocante ao primeiro, é de pal­ mar constatação o engano cometido. O texto francês reza: "Le donneur d'aval est tenu de Ia même manière que celui dont il s'est porté garant". No que se refere ao plano dogmático, como se sabe, a fiança e o aval sào institutos jurídicos absolutamente distintos, havendo regimes diversos para a obrigação do avalista e para a do fiador. • A obrigação do avalista, na lição sempre autorizada de Messineo (M anuale di Diritto Civile e Commerciale, Milão, Giuffrè, 1972, p. 368), tem natureza “subsidiária, enquanto o seu pres­ suposto indispensável é a exigência de uma outra obrigação, que seja formalmente válida, e à qual ela se reporta; mas, por outro lado, tal obrigação, com o foi dito, é autônoma, como toda outra obrigação cambiária, seguindo a própria sorte, independentemente da obrigação garantida (do avalizado)". Já na fiança, como se sabe, a nulidade da obrigação afiançada a fulmina com os mesmos efeitos, segundo a nossa lei civil. Segundo o disposto no art. 824 do atual Código, "as obrigações nulas nào são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor". Essa redação, aliás, reproduz literalmente o art. 1.488 do Código Civil de 1916, que já fora objeto da crítica de Clóvis Beviláqua (op. cit., v. 5, p. 191-192), para quem a linguagem do Código não estaria a obedecer aos rigores da técni­ ca: “As obrigações nulas nào são suscetíveis de fiança. É exato, mas seria dispensável afirmá-lo, pois que, se a fiança é obrigação acessória, não poderia subsistir onde nào existisse obrigação". Completa o ilustre jurista pátrio explicando que, na verdade, o Código pretendeu "referir-se às obrigações meramente anuláveis, porque estas existem, podem ser confirmadas e executadas. E o que cumpria declarar era que tais obrigações não podiam ser. validamente, afiançáveis; salvo quando a anulabilidade proviesse apenas de incapacidade pessoal do de­ vedor". No mesmo sentido da atecnia desse dispositivo, pode ser vista a posição do saudoso Prof. W ashington de Barros M onteiro (Curso de direito civil, 55 v., Direito das obrigações, 2*Parte, São Paulo, Saraiva, 1967, p. 384-385). • É claro que, com o não poderia deixar de ser, Mercado Jr. - mesmo considerando que a “equi­ paração" poderia ser mais bem expressa pela forma adotada na Lei Uniforme - não sugeriu a redação desta última, no sucedâneo por ele proposto, em razão de sua evidente inadequa­ ção. 0 “melhor" da Lei Uniforme - a que sem dúvida ter-se-á referido o ilustre autor - dizia respeito a não se empregar o termo "equiparação", com o afinal constou no Código Civil, para designar a situação jurídica do avalista em relação à do avalizado... A o utilizar a expressão “vinculaçào do mesmo modo", com o preferível à "equiparação", quis Mercado Jr. realçar, por certo, a mesma natureza cambiária da obrigação de ambos (avalista e avalizado) e tão so ­ mente isso... A própria expressão “responsabilidade da mesma maneira", como está na Lei Uniforme, é extremamente dúbia e chegou a levar, no passado, um importante Tribunal do País, o Egrégio 1o Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, a julgar, equivocadamente, que ser responsável “da mesma maneira" significava ser responsável pelo “mesmo valor". • Veja-se, a propósito, o seguinte trecho do v. acórdão: "Embora a responsabilidade do avalista seja autônoma e independente da responsabilidade do avalizado, sua responsabilidade é 'da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada' (art. 32 da Lei Uniforme). Por outro lado, a responsabilidade do avalista é solidária à do aceitante da cambial seu ava­ lizado. em relação ao portador (art. 47 da Lei Uniforme). Assim, se a responsabilidade é da mesma maneira que a do avalizado, e é solidária, pressupõe que a dívida tenha o mesmo valor tanto para o avalista com o para o avalizado.

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Ora, a dívida do avalizado, no caso dos autos, por ter sido contraída em moeda estrangeira, deve ser convertida á moeda nacional, à taxa cambial do dia da declaração da falência do avalizado, devedor principal. E a dívida do avalizado deve ser essa mesma dívida contraída em moeda estrangeira convertida è moeda nacional à data da declaração da falência do avalizado. A dívida do avalista não pode ser maior do que a do avalizado. Ademais, se o avalista não pode se habilitar na falência do avalizado pela dívida em moeda estrangeira convertida à data do pagamento, porque deve habilitar-se com a dívida em m o­ eda estrangeira convertida à data da declaração da falência do avalizado, haveria a vulneração do art. 49 da Lei Uniforme que declara que a pessoa que pagou uma letra pode reclamar dos seus garantes a som a integral que pagou. Seria um contrassenso o avalista estar obrigado a pagar dívida em moeda estrangeira con­ vertida à data do vencimento ou do pagamento, e só poder receber do avalizado essa mesma divida convertida à data da declaração da falência do avalizado". • Tal equívoco foi posteriormente corrigido pela nossa mais alta Corte de Justiça que, enten­ dendo corretamente o sentido e o alcance do princípio da autonom ia substancial do aval, consagrado pela Lei Uniforme, editou a seguinte ementa no RE n. 105.362-3, de 15 de abril de 1986, de que foi Relator o Eminente M inistro Carlos Madeira: "Aval. Autonom ia substancial. Tratando-se de garantia típica, no sentido de que se trata de obrigação distinta da do avalizado, a responsabilidade do avalista não se altera em virtude da diminuição da capacidade financeira ou da alteração da responsabilidade do avalizado. Nào beneficiam o avalista as circunstâncias que favorecem o avalizado, inclusive no que respeita a dívida em moeda estrangeira (art. 213 da Lei de Falências). Não pode o avalista defender-se com exceções próprias do avalizado. Recurso conhecido e provido". • Em seu voto, destacou o citado Relator o núcleo em torno do qual girava a controvérsia, isto é, se o avalista de dívida em moeda estrangeira deveria saldá-la convertida em moeda do país ao câmbio do dia em que foi mandada processar a concordata do devedor ou, ao revés, se­ gundo o câmbio do dia do pagamento. • Foram trazidas pertinentemente à colação as disposições constantes do art. 213 da anterior Lei Falimentar e do art. 41 da Lei Uniforme, respectivamente, in verbis: "O s créditos em moeda estrangeira serão convertidos em moeda do país, pelo câmbio do dia em que for declarada a falência ou mandada processar a concordata preventiva, e só pelo valor assim estabelecido serão considerados para todos os efeitos desta Lei". "Se numa letra se estipular o pagamento em moeda que nào tenha curso legal no lugar do pagamento, pode a sua importância ser paga na moeda do país, segundo o seu valor no dia do vencimento. Se o devedor está em atraso, o portador pode, à sua escolha, pedir que o pagamento da importância da letra seja feito na moeda do país ao câmbio do dia do venci­ mento ou ao câmbio do dia do pagamento." • Prosseguiu o Relator com as seguintes considerações: "Parece óbvio que, nào se tratando de habilitação na concordata, não cabe a aplicação do art. 213 da Lei de Falências. A conversão pelo câmbio do dia em que for declarada a falência ou mandada processar a concordata só se presta a quem se habilita em um outro procedi­ mento, como assenta a parte final do dispositivo legal. Se o credor, ao invés de se habilitar no concurso creditório, prefere executar o avalista, alheio ao processo de quebra ou de acertamento de relações patrimoniais entre o devedor e seus credores, nào há com o limitar seu crédito em moeda estrangeira antecipando a conversão em moeda do país pelo câmbio do marco inicial de um daqueles procedimentos.

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Art. 899

0 art. 41 da Lei Uniforme, integrado ao nosso direito, com o o reconhece esta Corte desde a sua decisão plenária no RE 70.356, Relator M inistro Bilac Pinto [RTJ 58/744) assegura ao credor a escolha entre o dia do vencimento e o dia do pagamento, para a conversão da dívi­ da em moeda estrangeira cobrada a devedor em atraso. A doutrina sustentada no acórdão recorrido, segundo o qual 'não se nega a autonomia e independência das obrigações cambiais, mas o que se afirma é que o avalista não pode ficar em situação inferior è do devedor principal', cede vez a evidência de que o aval é uma 'g a ­ rantia cambial típica, no sentido de que se trata de obrigação distinta da obrigação do ava­ lizado, revestida de literalidade e autonomia, sendo certo que essa última característica se dá de maneira absoluta no plano substancial, e de maneira apenas relativa no plano formal', como anota Newton De Lucca, em trabalho publicado na Revista de Direito Mercantil n. 55, p. 71". • Com efeito, no citado estudo, tivéramos a oportunidade de destacar: "Q uando a Lei Uniforme usou a expressão 'da mesma maneira' quis referir-se, evidentemen­ te, à mesma natureza cambiária da obrigação do avalista e do emitente. Qualquer outra in­ terpretação conduziria à total contradição entre a primeira e a segunda parte do artigo. Se a mesma Lei Uniforme, logo a seguir, diz que a obrigação do aval mantém-se ainda que nula a obrigação do avalizado, nào poderia ter dito antes que a mesma maneira significaria o mesmo valor, sob pena de, olvidando rudimentos da Lógica, estar contraditória consigo mes­ ma, já que obrigação nula, traduzida em termos quantitativos, eqüivale a zero e zero é ne­ cessariamente diferente, com o é óbvio, de qualquer valor, seja este dez, cem ou mil". • Em suma, a Lei Uniforme consagrou dois princípios fundamentais, quais sejam: o da autono­ mia substancial e o da acessoriedade formal do aval. Fica claro que o Código Civil, ainda que com redação imprecisa e defeituosa, seguiu-lhe o caminho. Quando o § 2a deste art. 899 afirma que a responsabilidade do avalista subsiste, ainda que nula a obrigação por ele avali­ zada, está acolhendo o princípio da autonomia substancial do aval. • Quando, por outro lado, ele afirma a insubsistência do aval na hipótese de a nulidade da obrigação avalizada decorrer de um vício de forma, está albergando, simultaneamente à autonomia substancial do aval, a acessoriedade formal deste. • A expressão "devedor final", constante do final do caput do artigo, é de inafastável dubieda­ de... Quem é devedor final de um título de crédito? • Mercado Jr., com inteira razão, afirma que ela seria "não só am bígua como inusitada em matéria de títulos de crédito". A ambigüidade decorre de haver duas possíveis interpretações para ela: ou bem se entende que ela foi utilizada com o sinônima de emitente ou nào. • Na primeira hipótese - a mais provável, segundo nos parece - , causa perplexidade a substi­ tuição da expressão "sacador", tão comum e, ao mesmo tempo, absolutamente técnica, pela "devedor final", desconhecida, vaga e até mesmo imprecisa... 0 sacador ou emitente - a sinonímia entre estas duas expressões é evidentemente inquestionável - nào sào, na verdade, "devedores finais" de um titulo de crédito, a menos que se queira dizer que a palavra "finais" tenha a mesma significação da palavra "solidários"... • Segundo a teoria geral dos títulos de crédito - muito pouco analisada, infelizmente, em nosso meio, mesmo entre aqueles que teriam notória responsabilidade profissional de fazê-lo fundamentalmente estruturada a partir dos estudos sobre a cambial, tanto os sacadores e aceitantes, quanto os endossantes ou avalistas de um título, todos sào solidariamente responsáveis para com o portador... • Na segunda hipótese, seria possível supor-se, então, que o legislador - ao utilizar "emitente ou devedor final" - não quis dizer que se tratava de expressões sinônim as e sim distintas, sendo este último (devedor final) pessoa diversa da do emitente.

Art. 900

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• Tal esforço exegético, porém, parece revelar-se inteiramente inócuo... Se o “devedor final" não é o emitente (ou sacador), “Quem poderia ser ele?", caberia, então, perguntar... • À míngua de uma resposta adequada para tal questão, só resta concluir mesmo pela primei­ ra hipótese, isto é, "devedor final" é um neologismo muito inadequado, criado pelo legislador pátrio, para designar a tradicional e inconfundível figura do sacador ou emitente de um tí­ tulo de crédito... • 0 § 1o deste art. 899 também desperta dúvida no espírito do intérprete por causa de nele estar atribuído ao avalista apenas o direito à açõo de regresso, silenciando-se a respeito de seu eventual direito à ação direta... • Teria o legislador lhe retirado tal direito de ação ou se cuida, na hipótese, de mais uma de suas impropriedades terminológicas e o que ele terá querido dizer, na verdade, é que o ava­ lista, ao pagar um título de crédito, adquire todos os direitos dele emergentes, tanto contra o avalizado com o contra todos os demais obrigados para com este, consoante apregoa, aliás, a 3* alínea do art. 32 da Lei Uniform e? • Parece mais razoável ficarmos com esta segunda hipótese... Quanto ao § 2» do artigo, nada mais há para ser acrescentado ao que foi dito, linhas acima. Na esteira da 2* alínea do art. 32 da Lei Uniforme, foram expressamente acolhidos os dois princípios fundam entais em matéria de aval: o da autonom ia substancial e o da acessoriedade formal. JU LG AD O • "Execução. Nota promissória. Avalista. Discussão sobre a origem do débito. Inadmissibilidade. Ônus da prova. - 0 aval é obrigação autônoma e independente, descabendo assim a discussão sobre a origem da divida. - Instruída a execução com titulo formalmente em ordem, é do devedor o ônus de elidir a presunção de liquidez e certeza. Recurso especial conhecido e provido" (STJ, 4* T., REsp 190.753/SP, Rei. Min. Barros Monteiro, j. em 28-10-2003, DJ, 19-12-2003, p. 467; RSTJ, v. 188, p. 425).

Art. 900.0 aval posterior ao vencimento produz os mesmos efeitos do anteriormente dado. H IS T Ó R IC O • A redaçào deste artigo manteve o conteúdo do projeto original. A Lei Uniforme de Genebra em matéria de letra de câmbio e nota promissória (Decreto n. 57.663/65), bem como o Decreto n. 2.044/1908, nào continham disposição semelhante. A Lei da Duplicata (Lei n. 5.474/68, art. 12, parágrafo único) prevê o mesmo efeito para o aval dado posteriormente ao vencimento. D O U T R IN A • Cuida este artigo do chamado aval póstumo, vale dizer, daquele que é aposto no título pos­ teriormente è data de vencimento deste. Sobre ele silenciaram tanto a nossa lei cambial quanto a Lei Uniforme. Tanto uma quanto outra trataram da figura do endosso póstumo, apresentando, cada uma, soluções diversas sobre os efeitos dele. Pelo Decreto n. 2.044, o endosso posterior ao vencimento da letra teria apenas o efeito de uma cessão civil, conforme o § 22 do art. 8*. Já para o art. 20 da Lei Uniforme, esse mesmo endosso possui os mesmos efeitos do endosso anterior. Somente se o endosso tiver sido feito posteriormente ao protes­ to por falta de pagamento ou depois de expirado o prazo para tirar-se o protesto é que o endosso passa a produzir apenas os efeitos de uma cessão ordinária de créditos, tal como no anterior regime de nossa lei cambial.

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Art. 901

• A solução do Código Civil foi feliz, e parece mais consentâneo com a função eminentemente circulatória dos títulos de crédito outorgar-se ao aval póstum o os mesmos efeitos de um aval dado anteriormente ao vencimento do título. Embora a redação do artigo possa dar margem a algum as interpretações diversas - tendo sido preferível que ele tivesse afirmado, pura e simplesmente, que a eficácia do aval seria idêntica, quer este fosse dado antes ou depois do vencimento do título torna-se necessário ter presente, a fim de que sejam futuramente evitadas possíveis confusões, que o legislador apenas quis dizer que a eficácia do aval, antes ou depois do vencimento, será a mesma... Nada a ver, portanto, com um aval dado posterior­ mente a outro aval, eventualmente existente...

Art. 901. Fica validamente desonerado o devedor que paga título de crédito ao legítimo portador, no vencimento, sem oposição, salvo se agiu de má-fé. Parágrafo único. Pagando, pode o devedor exigir do credor, além da entrega do título, quitação regular. HISTÓRICO • Nenhuma modificação foi introduzida neste artigo durante a tramitação do projeto no Congres­ so Nacional. Regras semelhantes a respeito do pagamento do título de crédito encontram-se previstas no art. 23 do Decreto n. 2.044/1908 e no art. 40, segunda parte, da Lei Uniforme de Genebra relativa à letra de câmbio e nota promissória (Decreto n. 57.663/65).

DOUTRINA • Para entender-se adequadamente este dispositivo, parece necessária a sua confrontação com o art. 1.192 do Código Civil italiano, especialmente com a 2* alínea deste, do qual se origina, e com o caput do art. 23 de nossa lei cambial, igualmente fonte de sua inspiração. Dispõe a referida 2* alínea: "O devedor que, sem dolo ou culpa grave, satisfaz a prestação diante do possuidor, fica exonerado ainda que este não seja o titular do direito". O caput do art. 23 do Decreto n. 2.044 prescreveu, por sua vez, que "Presume-se validamente desonerado aquele que paga a letra no vencimento, sem oposição". • Percebe-se ter havido grande esforço de síntese, por parte do legislador, entre essas duas disposições. Se, de um lado, tentou ele promover uma simbiose de ambas em uma única norma, o resultado obtido pelo artigo não pareceu muito animador, ao menos por duas razões, a seguir aduzidas. • Em primeiro lugar, com o reconhecido pelo próprio autor do anteprojeto, diante da irrespon­ dível argumentação de Mercado Jr., a expressão "sem oposição", constante do texto, nào apenas está sobrando com o pode dar margem a confusões... • O saudoso Prof. M auro Brandão Lopes, durante a 10» reunião do Instituto Brasileiro de Direi­ to Comercial Comparado e Biblioteca Tullio Ascarelli, realizada no dia 14 de novembro de 1972, da qual tivemos a honra e a oportunidade de participar, admitiu que a redação do dispositivo em questão poderia ser objeto de dois aprimoramentos sugeridos por Mercado Jr.: o primeiro deles, como constou no texto principal, foi a supressão da expressão “sem oposição"; o segundo foi a substituição da palavra "credor", constante do parágrafo único do artigo, pela "portador". • No caso do caput do art. 23 do Decreto n. 2.044, com o foi visto, ela se justificava plenamen­ te, pois nào havia nenhuma referência à má-fé. No texto deste art. 901, porém, há expressa alusão em tal sentido e a existência simultânea das duas expressões “sem oposição" e “salvo se agiu de m á-fé" parece ser inteiramente despicienda...

Art. 902

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• Ora, se o devedor é notificado para nâo pagar o título - existindo, portanto, a oposição ao pagamento - estará ele agindo de m á-fé se o fizer... Em suma, as noções de “sem oposição" e "salvo se agiu de má-fé", no caso, se confundem. • Em segundo lugar - residindo aqui a segunda razão mencionada anteriormente preferível teria sido, por certo, se o legislador pátrio tivesse reproduzido, também, a 1* alínea do art. 1.192, pois ela torna muito clara, em matéria de títulos de crédito, essa fundamental distin­ ção entre portador legitimado e titular do direito decorrente do título. • Nào há confundir-se, com efeito, a titularidade com a legitimação. • Ascarelli [Teoria GeraL, cit., p. 226 e 227), a propósito, bem esclarece que "embora se legitime como titular, o possuidor pode não ter o direito a exigir a prestação, ou porque este não existe, ou porque, eventualmente, o titular do direito existente é pessoa diversa daquela pela qual se legitima o possuidor". Esse grande autor nào poderia ter sido mais incisivo, como se vê adiante: "Encontram o-nos diante de problemas distintos e que nào devem ser confundidos: os atinentes à existência do direito, os que dizem respeito à determinação do seu titular e os que se referem à identidade entre o titular do direito e quem concretamente o exerce" (cit, p. 227). • De sorte que, nào apenas no que se refere a este art. 901, como também relativamente ao que se dirá no art. 906, seria necessário, tal com o o fez a retromencionada 1* alínea do art. 1.192 do Código Civil italiano, tornar claro caber ao portador legitimado o exercício do di­ reito. • Na maioria das vezes, com o é curial, ele se confundirá com o titular do direito cartular. Aquele que está legitimado ao exercício do direito mencionado no título é o próprio titular do direito cartular. Pode ocorrer, no entanto, de estar o portador legitimado para o exercí­ cio do direito mencionado no título de crédito sem que seja, efetivamente, o titular desse direito. • Este, por sua vez, poderá manifestar sua eventual oposição ao pagamento já que, apesar de titular do direito, não se acha legitimado para o seu exercício. E em razão de tal circunstân­ cia, sem dúvida, que o legislador peninsular terá optado por estabelecer, na retrorreferida 1* alínea do art. 1.192, o seguinte: " 0 possuidor de um título de crédito tem direito à prestação neste indicada diante da apre­ sentação do título, desde que esteja legitimado pelas formas na lei prescritas". • De toda sorte, ainda que nào tão bem explicitada quanto no Código Civil italiano, é claro ser possível - e, mais do que possível, conveniente - a interpretação segundo a qual estaria implícita no artigo de nosso Código Civil a ideia de que o devedor que paga ao portador le­ gitim ado fica liberado da obrigação, ainda que este último nõo seja o verdadeiro credor. • Por derradeiro, cabe a observação de que o devedor, no caso do caput do artigo deve ficar eficazmente desonerado, reportando-nos ao que ficou dito sobre os conceitos de validade e eficácia, quando do comentário ao art. 888.

Art. 902. Não é o credor obrigado a receber o pagamento antes do vencimento do títu­ lo, e aquele que o paga, antes do vencimento, fica responsável pela validade do pagamento. § 1? No vencimento, não pode o credor recusar pagamento, ainda que parcial. § 2? No caso de pagamento parcial, em que se não opera a tradição do título, além da quitação em separado, outra deverá ser firmada no próprio título. H IS T Ó R IC O • 0 disposto neste artigo manteve a redação do projeto original. Normas semelhantes encontram-se previstas no art. 22 do Decreto n. 2.044/1908 e no art. 40, primeira parte, da Lei Uniforme de Genebra relativa á letra de câmbio e nota promissória (Decreto n. 57.663/65).

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Art. 903

D O U T R IN A • Tanto o caput do artigo quanto os seus dois parágrafos estabelecem norm as já consagradas, quer em nossa tradição cambiária, quer no âmbito do direito comparado. Reproduza-se, portanto, o texto do art. 22 da nossa lei cambial a fim de que se possa fazer a comparação pertinente. Dispôs ele o seguinte: " 0 portador não é obrigado a receber o pagamento antes do vencimento da letra. Aquele que paga uma letra, antes do respectivo vencimento, fica responsável pela validade desse pagamento. §

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portador é obrigado a receber o pagamento parcial, ao tempo do vencimento.

§ 2° 0 portador é obrigado a entregar a letra com a quitação àquele que efetua o pagam en­ to; no caso do pagamento parcial, em que se não opera a tradição do título, além da quitação em separado, outra deve ser firmada na própria letra". • A mesma verbis: " 0 quitação. parcial, o seja dada

matéria, com idêntica solução, vem tratada nos arts. 39 e 40 da Lei Uniforme, in sacado que paga uma letra pode exigir que ela lhe seja entregue com a respectiva 0 portador não pode recusar qualquer pagamento parcial. No caso de pagamento sacado pode exigir que desse pagamento se faça menção na letra e que dele lhe quitação".

• “0 portador de uma letra nào pode ser obrigado a receber o pagamento dela antes do ven­ cimento. 0 sacado que paga uma letra antes do vencimento fá-lo sob sua responsabilidade. Aquele que paga uma letra no vencimento fica validamente desobrigado, salvo se da sua parte tiver havido fraude ou falta grave. É obrigado a verificar a regularidade da sucessão dos endossos mas não a assinatura dos endossantes". • Com exceção das expressões "credor" e "validade" - que deveriam ter sido substituídas por "portador" e “eficácia", respectivamente o artigo ficou tecnicamente correto. • A sua redação anterior é que apresentava, inquestionavelmente, um grave defeito. Estabele­ cia ela, ao contrário do que consta agora, que o responsável pelo pagamento antecipado era o credor que o recebia... Ora, quem paga antecipadamente é que deve assumir o risco de pagar duas vezes... • 0 artigo, com o presentemente se encontra, não oferece nenhum tipo de dificuldade para a sua compreensão e aplicação.

Art. 903. Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código. HISTÓRICO • A redação da norma não foi modificada durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. Não há paralelo no Código Civil de 1916 nem no Código Comercial de 1850. D O U T R IN A • A adequada interpretação desse art. 903 é absolutamente fundamental para o correto en­ tendimento do real sentido e alcance deste Título VIII. 0 Prof. M auro Brandão Lopes, por mais de uma vez, afirmou que este Título destínava-se a regular os cham ados títulos atípicos. Tive o privilégio de acompanhar, com o disse, os estudos e debates que se desenvolveram no lon­ gínquo ano de 1972, no período de 31 de outubro até o dia 29 de novembro daquele ano, sob a égide do Instituto Brasileiro de Direito Comercial Comparado e Biblioteca Tullio Ascarelli, anexo às Cátedras de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Pau­ lo, com a participação de entidades culturais e representativas das atividades econômicas e profissionais.

Art. 903

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• Uma das talvez mais intensas discussões que se travaram na ocasião entre vários juristas da mais alta envergadura (além dos já mencionados autores Antônio Mercado Jr. e M auro Bran­ dão Lopes, devem ser lembrados os nomes dos Profs. Oscar Barreto Filho, Philomeno Joaquim da Costa e Fábio Konder Comparato) versou sobre o alcance desse Título VIII: se ele se desti­ nava apenas aos títulos atípicos ou inom inados ou se, ao revés, também ele poderia ser aplicado, de forma subsidiária, aos títulos de crédito típicos, nas hipóteses de uma eventual lacuna da lei especial que os disciplina. • Inolvidável, sob todos os aspectos, o debate entre Mercado Jr. e M auro Brandão Lopes sobre tal questão. Defendia, o primeiro, a ideia de que este Título VIII cumpria simultaneamente as duas funções: regular os títulos atípicos e, subsidiariamente, fornecer soluções para situações não previstas nas leis especiais de cada título de crédito. Tanto assim que, em seu cuidadoso e minudente Relatório, convencido que estava do acerto dessa interpretação - e com ela obtendo, inquestionavelmente, sentido e alcance muito maiores para este Título VIII, com a solução de concretos problemas já experimentados em razão de lacunas existentes nas leis eambiárias - , chegou a sugerir a inclusão de alguns dispositivos regulamentadores de maté­ ria não constante das Leis Uniformes... • Já o segundo entendia que as normas se destinavam, efetivamente, a regular os títulos atí­ picos. Embora a certa altura do debate, na 7* reunião, tenha ele dito que a parte geral teria duas funções - uma meramente didática, com o propósito de destacar o que era comum a todos os títulos de crédito, e outra, de política legislativa, com o objetivo de deixar a porta aberta para a inventiva no m undo dos negócios - , por numerosas vezes propendeu para afirmar que o seu trabalho só se justificava por esta segunda razão. • Para realçar tal aspecto, chegou mesmo aquele preclaro professor a sustentar que esta parte geral do Código Civil só se aplicaria aos títulos típicos, regulados por leis especiais, quando inexistisse conflito entre ambos, concluindo que, nesta hipótese, o intérprete não teria ne­ cessidade de invocar a parte geral porquanto ele se utilizaria da própria lei especial... • Buscando exemplificar com um possível caso de aplicação desta parte geral do Código Civil, lembrou oportunamente, então, Mercado Jr., a questão da possibilidade ou não da cobrança de juros nas duplicatas, já que a lei disciplinadora desse nosso título cambiaríforme - om is­ sa a respeito do assunto - manda aplicar, no que couber, as disposições da lei cambial, sendo que a Lei Uniforme, nesse particular, permite a cláusula de juros na letra de câmbio... Obtemperava, então, o Prof. Mauro, afirmando que a parte geral nào poderia auxiliar na resposta a essa questão, a qual dependeria de uma interpretação da própria Lei das duplica­ tas... • Retrucava Mercado Jr. com a disposição do art. 903, m andando aplicar a parte geral, salvo disposições diversas em lei especial. Sendo a Lei das duplicatas omissa a respeito dos juros, seria o caso, então, de aplicar-se a parte geral, motivo pelo qual esse autor chegou a fazer uma série de sugestões a esta última, exatamente com a intenção de suprir as lacunas exis­ tentes, estando entre elas, inclusive, a questão da cobrança de juros nas duplicatas... • Esse grande jurista, a certa altura das discussões, chegou a considerar perdido o seu trabalho, já que o fizera na convicção de que este Título VIII não se destinava, na verdade, a regular apenas os títulos atípicos ou inominados, mas também poderia ser aplicado, de forma subsi­ diária, aos títulos de crédito típicos, nas hipóteses de uma eventual lacuna da lei especial disciplinadora destes. • 0 Prof. M auro Brandão Lopes, numa demonstração de grandeza científica, terminou por vislumbrar essa possibilidade de aplicação, reconhecendo-a nas hipóteses de omissão da lei especial e sem que houvesse contradição com os princípios desta, tendo o Instituto prosse­ guido no exame do trabalho do Relator, de acordo com o amplo espectro em que ele o concebera...

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Art. 904

• Assim, parece nào haver mais dúvida quanto ao exato sentido e correto alcance deste art. 903, a partir das inestimáveis contribuições dos juristas retromencionados: sempre que a lei especial for omissa - e não houver contradição com os seus princípios - poderão ser aplica­ das as normas constantes do presente Título VIII, conforme a dicção do artigo em tela. • Na I Jornada de Direito Civil, realizada em Brasília, dos dias 11 a 13 de setembro de 2002, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, essa matéria relativa aos títulos de crédito, conquanto topográfica mente atinente a outra Comissão de Trabalho, foi longamente debatida na Comissão de que participamos (Direito de Empresa), integrada por vários comercialistas do Brasil, entre eles o Eminente Professor Alfredo G on­ çalves de Assis Neto, Titular da Universidade Federal do Estado do Paraná. E N U N C I A D O D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L -

CJF

• A V Jornada de Direito Civil, de 2011, aprovou o Enunciado 464, que revisou o Enunciado 52, de 2002, estabelecendo: “As disposições relativas aos títulos de crédito do Código Civil aplicam-se àqueles regulados por leis especiais, no caso de omissão ou lacuna". JU LG ADO • "Cheque - Endosso - Factoring - Responsabilidade da endossante - Faturizada pelo pagamento. Salvo estipulação em contrário expressa na cártula, a endossante-faturizada garante o pagamen­ to do cheque a endossatária-faturizadora (Lei do Cheque, art. 21)" (STJ, 3* T., REsp 820.672/DF, Rei. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 6-3-2008, DJe, 1*-4-2008). D IR E I T O P R O J E T A D O • Procurando evitar o surgimento de interpretações equivocadas, o E. Deputado Ricardo Fiuza pro­ pôs nova redação ao dispositivo, acolhida no PL n. 7.312/2002, que está arquivado, nos termos seguintes: Art. 903. O disposto neste Código não se aplica aos títulos de crédito previstos em lei es­ pecial. Parágrafo único. São títulos executivos extrajudiciais os títulos de crédito regulados por este Código.

Capítulo II — DO TÍTULO AO PORTADOR Art. 904. A transferência de título ao portador se faz por simples tradição. H IS T Ó R IC O • Nenhuma modificação foi introduzida nesta disposição, que manteve a redaçào do projeto origi­ nal. Regra semelhante era prevista no art. 39 do Decreto n. 2.044/1908 relativamente à letra de câmbio e à nota promissória. D O U T R IN A • Nosso legislador optou por não definir o título ao portador, na esteira do Código Civil ante­ rior, que assim começava o Capítulo I, do Título VI, com o art. 1.505: “0 detentor de um tí­ tulo ao portador, quando dele autorizado a dispor, pode reclamar do respectivo subscritor, ou emissor, a prestação devida. 0 subscritor, ou emissor, porém, exonera-se, pagando a qualquer detentor, esteja ou não autorizado a dispor do título". Com entando esse artigo, Clóvis Beviláqua (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil commentado, 9. ed. atual., v. V, Livraria Francisco Alves, 1954, p. 211), apresentou sua definição dessa modalidade de título: "Título ao portador é um escrito consignando a obrigação, que alguém contraiu, de pagar

Art. 905

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certa soma, a quem quer que se lhe apresente como detentor do mesmo título". Fê-lo, con­ tudo, em sede doutrinária, provavelmente preferindo a velha liçào segundo a qual ao legis­ lador nâo compete definir os institutos jurídicos. Já Mercado Jr., ao revés - possivelmente influenciado pela circunstância de que essa parte geral forneceu uma definição de título de crédito — , propusera, inicialmente, que esse Capitulo II, apresentasse o seguinte conceito: "É título ao portador aquele cujo contexto não menciona o nome do credor da prestação". Posteriormente, com a evolução dos debates a respeito da matéria, entendeu cabível proce­ der-se ao seguinte acréscimo ao conceito por ele mesmo m inistrado:"... ou, embora o men­ cionando, contenha a cláusula 'ao portador*, ou expressão equivalente". • Embora a redaçào tenha sido, naquela oportunidade, unanimemente aprovada, nela absor­ vendo-se, inclusive, o texto desse artigo 904, nào a incorporou o Prof. M auro em seu traba­ lho, nem houve qualquer alteração posterior no Congresso Nacional a respeito. Prevaleceu, então, a ideia de nào se fornecer uma definição de título ao portador, mencionando-se, neste art. 904, apenas a forma pela qual ele é transferido, isto é, pela simples tradição. 0 Código Civil italiano também iniciou as disposições sobre os títulos ao portador, no art. 2.003, estabelecendo que “A transferência do titulo ao portador opera-se com a entrega do mesmo". • Assim, basta a simples tradição manual para que se transfira o título ao portador, sendo esta a sua principal característica, conforme destacado pelo artigo em questão. Numerosas con­ siderações, de caráter doutrinário, poderiam ser aqui desenvolvidas a propósito dessa clássi­ ca tricotomia, oriunda da Itália, pela qual os títulos de crédito se classificam, segundo a forma pela qual circulam, em nominativos, á ordem e ao portador. Com o se sabe, existe muita controvérsia sobre ela e acerca de algum as de suas conseqüências. Tendo em vista a opção metodológica relativamente à presente obra, porém, seja-nos permitido remeter o leitor ao nosso estudo doutrinário a respeito da matéria (Aspectos da teoria geral dos títulos de crédito, Pioneira, p. 109 a 116).

JULGADO • "Processual civil. Prescrição. Títulos da divida agrária. Expurgos inflacionários. IPC de janeiro de 1989. Prazo prescricional que se conta da data do resgate. Precedentes. Apelação improvida. 1. Os títulos da dívida agrária são títulos ao portador, dotados, como tal, de cartularidade, caracterís­ tica que faz com que seu detentor possua legitimidade para pleitear sua atualização. 2. 0 prazo prescricional para se pleitear expurgos inflacionários nos TDAs conta-se a partir do efetivo resga­ te dos títulos e nâo do esgotamento da via administrativa. Precedentes. 3. Apelação improvida" CTRF, 1* R., 5* T., AC 1997.34.00.004842-3/DF, Rei. Des. Federal Selene Maria de Almeida, j. em 6-3-2006, DJ, 20-3-2006 p. 77).

Art. 905.0 possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele indicada, me­ diante a sua simples apresentação ao devedor. Parágrafo único. A prestação é devida ainda que o título tenha entrado em circulação contra a vontade do emitente. HISTÓRICO • 0 conteúdo deste dispositivo manteve a redação do projeto original. Regras semelhantes à do caput do artigo são previstas no art. 39 do Decreto n. 2.044/1908 e nos arts. 16 e 17 da Lei Uni­ forme de Genebra (Decreto n. 57.663/65) com relação à letra de câmbio e à nota promissória.

DOUTRINA • As considerações anteriormente feitas a propósito do art. 901, no que se referem à distinção entre titularidade e legitimação, têm pertinência nesta sede. Não se trata, propriamente, de

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ter ou nào ter o direito à prestação e sim de estar ou não estar legitimado para reeebê-la... No Código Civil italiano, conforme visto, a diferença entre titular do direito cartular e por­ tador legitimado para o exercício do direito mencionado no título de crédito já ficara muito evidente, a partir da disposição constante da alínea do art. 1.192 daquele diploma, o mesmo nào acontecendo, infelizmente, no nosso... Poder-se-ia dizer, em defesa da legislação pátria, que a distinção entre os dois conceitos somente teria a sua razão de ser quando nào coincidisse a figura do titular do direito com a do portador legitimado para exercer esse mesmo direito, o que só ocasionalmente ocorre. Argum entar-se-á, ex abundantia, que a referida distinção, além de já ter sido devidamente realçada em sede doutrinária, terá ficado naturalmente implícita no contexto de toda essa parte geral... • Conquanto possa ser bastante ponderável tal argumentação - e ela o é, deveras o fato é que pode ocorrer, em determinadas situações, que o portador de boa-fé, devidamente legi­ timado para exercer o direito mencionado no título de crédito, não seja o seu verdadeiro titular. Em tal hipótese, com o é curial, ele não teria o direito à prestação, mas continuaria a estar legitimado para o exercício do direito mencionado no título... Parece, portanto que deve o dispositivo ser lido e entendido da seguinte forma: “0 possuidor do título ao portador é legitimado para o exercício do direito mencionado no titulo, mediante a apresentação deste ao devedor". • Outro aspecto a ser considerado - e que a redação do texto legal não logra pôr no devido destaque - é que o portador legitimado pode exercitar algum outro direito que nào seja o mais corriqueiro deles que é, inegavelmente, o relativo ao recebimento da prestação. Suponha-se, p. ex., a recorrente hipótese de ele querer transferir o título a terceiro. Trata-se de um direito inerente, aliás, aos títulos ao portador. Dir-se-á, talvez, que tal direito já fora mencio­ nado anteriormente no art. 904. Mas, e o direito de promover a ação de recuperação do ti­ tulo extraviado?... Nào se trata aqui do direito ao recebimento da prestação e nem mesmo de algum outro direito mencionado no título de crédito e sim de um direito que é conferido ao portador pela ordem jurídica vigente. A leitura do texto legal, destarte, deve ser feita da maneira acima indicada a fim de que não se tolha o exercício de direitos que são inerentes aos títulos ao portador. • Quanto ao parágrafo único, nada haveria a comentar, em princípio, pois se trata da consa­ gração da teoria da criação - vencedora na Convenção de Genebra - , e que constitui, por assim dizer, a própria pedra angular de toda a construção doutrinária do princípio da auto­ nomia dos títulos de crédito. Também o nosso Código Civil anterior adotara expressamente a teoria da criação, ao dispor no art. 1.506 que “A obrigação do emissor subsiste, ainda que o titulo tenha entrado em circulação contra a sua vontade", embora tivesse, no art. 521, estabelecido contraditoriamente que "Aquele que tiver perdido ou a quem houverem sido furtados cousa móvel ou título ao portador pode reavê-los da pessoa que os detiver, salvo a esta o direito regressivo contra quem lhos transferiu". Temos dito, à exaustão, que o direito brasileiro se apresentou absolutamente contraditório nessa questão pois, de um lado, parecia proteger o adquirente de boa-fé de um título ao portador entrado em circulação contra a vontade do emitente e, de outro, queria proteger exatamente aquele que fora injustamente desapossado de um título de crédito... Essa contradição, com o era óbvio, nào passou desper­ cebida ao arguto espírito de Ascarelli que, com toda a cordura, am enizou-a com o seguinte comentário (Teoria geral, cit., p. 341):"... o direito brasileiro, por um lado, exclui a oponibilidade da exceção de emissão involuntária, por outro, porém, não tutela quem adquire em boa-fé a non domino. Aplicando um raciocínio análogo, embora inverso, ao próprio da doutrina italiana, o princípio do art. 1.506 levaria à conclusão de ser, portanto, tutelado quem adquire em boa-fé a posse de um titulo ao portador, entrado em circulação contra a vonta­ de do emissor; de ser, portanto, tutelado mesmo quem adquire em boa-fé a posse de um título ao portador que circule contra a vontade de seu proprietário (por furto, extravio, apropriação indébita). Com efeito, o emissor é, poder-se-ia dizer, o primeiro proprietário do

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título; portanto o princípio aplicável ao título entrado em circulação contra a vontade do emissor dever-se-ia aplicar mesmo ao título circulante contra a vontade de seu proprietário". • E, em seguida, completa Ascarelli: "O s princípios dos arts. 622, 524 e 521 levam, porém, à conclusão de não ser, ao contrário, tutelado quem, embora de boa-fé, adquire a non domino, e de nào ser, portanto, tutelado quem, embora de boa-fé, adquire um título circulante contra a vontade de seu proprietário (por furto, extravio, apropriação indébita)". • Com o se sabe, duas grandes teorias - a da emissão e a da criação - disputavam a solução ideal para conciliar, de um lado, a conveniência de proteger-se aquele que foi injustamente desapossado de um título de crédito; e, de outro, a necessidade de igualmente proteger-se o terceiro portador de boa-fé e, por via oblíqua, de outorgar-se a maior proteção possível à própria circulação das riquezas. • Para a teoria da emissão, o negócio jurídico somente se aperfeiçoa com a entrada do título em circulação. Tal conceito significa que os vícios da relação de emissão, porventura existen­ tes, afetam a própria obrigação cartular, podendo ser opostos a todos os portadores, aí in­ cluídos os de boa-fé... Essa teoria traz com o conseqüência o fato - extremamente grave para a livre e segura circulação dos títulos de crédito - de que o título furtado, extraviado ou posto em circulação contra a vontade do emitente, não servirá para constituir direito nenhum a quem o adquira, ainda que este esteja na mais absoluta boa-fé no momento em que se deu essa aquisição... • Para a teoria da criação, ao contrário, a obrigação cartular já está constituída com a simples criação do título de crédito. Sua mais importante conseqüência é a de que os vícios da rela­ ção de emissão, porventura existentes, nào são oponíveis ao terceiro portador de boa-fé. As exceções de erro, dolo e violência - que dizem respeito, evidentemente, à relação de emissão - não podem ser opostas ao terceiro portador de boa-fé. É de perceptibilidade imediata justificar o porquê da inoponibilidade das exceções decorrentes dos vícios do negócio de emissào a quem nào tenha dele participado, conforme já tivemos a oportunidade de assina­ lar: sendo o adquirente um estranho à relação de emissão - e, portanto, inteiramente igna­ ro das eventuais exceções que poderiam ser opostas - , com o poderia ele defender-se eficaz­ mente destas últimas? • Por tudo isso, afigura-se inquestionável o acerto dessa disposição do parágrafo único. Resta saber, no entanto, se o lugar em que a norma foi implantada terá sido, efetivamente, o mais adequado... É certo que ninguém porá em dúvida cuidar-se de um princípio nào apenas afeito aos títulos ao portador e sim a todos os títulos de crédito em geral, sejam estes ao portador, à ordem ou nominativos. Se assim o é, com efeito, valeria a pena deixar essa regra apenas no capítulo referente aos títulos ao portador? Nào haveria o risco de interpretar-se que essa inserção, neste capítulo, poderia significar o seu nào acolhimento nas demais m o­ dalidades de títulos de crédito, vale dizer, na dos títulos à ordem e na dos nominativos?... Parece-nos que o receio seria relativamente infundado. Seria abstruso lidar-se com a ideia de que essa norma - verdadeiro princípio fundamental da autonomia do direito cartular - só pudesse ser aplicada aos títulos ao portador e não o fosse para os títulos à ordem e aos no­ minativos... • De toda sorte, sob um ponto de vista rigorosamente técnico e lógico, é claro que teria sido preferível que a norma tivesse sido contemplada no Capítulo I deste Título VIII, entre as dis­ posições gerais, a ter sido inserida no Capítulo II, restrito aos títulos ao portador.

Art. 906.0 devedor só poderá opor ao portador exceção fundada em direito pessoal, ou em nulidade de sua obrigação.

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H IS T Ó R IC O • Esta disposição nâo foi objeto de emenda no eurso da tramitação do projeto no Congresso Nacio­ nal. 0 art. 17 da Lei Uniforme de Genebra em matéria de letra de câmbio e nota promissória (Decreto n. 57.663/65), assim como o art. 25 da Lei do Cheque (Lei n. 7.357/85), definem o prin­ cípio geral da inoponibilidade das exceções pessoais nas relações cambiais entre as partes que integram uma cadeia cambiária de maneira diversa da constante neste artigo. D O U T R IN A • 0 artigo cuida da fundamental questão em matéria de títulos de crédito relativa ao regime das possíveis exceções oponíveis ao terceiro portador. É matéria difícil e delicada. Quando se trata de terceiro portador de boa-fé, com o se sabe, em virtude do princípio da inoponibili­ dade das exceções extracartulares a ele - com a conseqüente proteção da própria circulação dos títulos de crédito, como já foi frisado é bastante reduzido o campo possível de even­ tuais exceções, estabelecendo este artigo do Código, expressamente, apenas duas delas: 1*) a exceção fundada em direito pessoal do devedor contra o portador ou, na terminologia do nosso Decreto n. 2.044, na exceção fundada em direito pessoal do réu contra o autor; 2*) a exceção fundada na nulidade de sua obrigação. Há que se tratar de cada uma delas separa­ damente.

• 1») A exceçõo fundada em direito pessoal do devedor contra o portador • No que toca a esta primeira, não há muito a ser discutido. Se, p. ex., nào tendo circulado o título e foi o devedor vítima de coação - ou mesmo de qualquer outro vício que tenha con­ taminado a vontade do subscritor de obrigar-se cartularmente perante o portador a ex­ ceção é oponível porque ela diz respeito às partes diretamente envolvidas no negócio subja­ cente, inexistindo, no caso, a figura do terceiro portador de boa-fé. • Uma ou outra modalidade de direito pessoal, por outro lado, pode dar margem a dúvidas. Veja-se o caso de compensação. Se o devedor possui, contra o portador, um crédito seu, pode ele utilizar-se dessa exceção? Diz-nos Clóvis: "A lgu ns autores o negam. Mas, no sistema do nosso Código, essa negativa não tem fundamento, por duas razões decisivas: a primeira é que o artigo agora analisado declara, de modo muito positivo, que ao emissor ou subscritor é permitido opor defesa baseada em direito pessoal, que lhe assista contra o portador; e não se compreende com o a compensação seja desclassificada de entre os direitos pessoais do devedor contra o credor. A segunda é que a compensação é um verdadeiro pagamento (Saleilles, Théorie générale de robligation, 2. ed., p. 323-325)". Pode-se dizer, grosso modo, que a doutrina brasileira terá propendido para o entendimento segundo o qual a compensação é um direito que o acionado tem de opor o seu crédito con­ tra o autor, desde que seja igualmente líquido e certo e os seus efeitos de igual natureza e espécie, conforme apregoava o nosso velho Código Comercial de 1850, em seu art. 439, in verbis: "Se um comerciante é obrigado a outro por certa quantia de dinheiro ou efeitos, e o credor é obrigado ou devedor a ele em outro tanto mais ou menos, sendo as dívidas ambas igualmente líquidas e certas, ou os efeitos de igual natureza e espécie o devedor que for pelo outro demandado tem direito para exigir que se faça compensação ou encontro de uma dí­ vida com a outra, em tanto quanto ambas concorrerem". Nosso Código Civil anterior igualmente dispunha, em seus arts. 1.009 e 1.010, que a com pen­ sação entre as obrigações de duas pessoas que fossem simultaneamente credora e devedora uma da outra poderia ser efetuada até se compensarem desde que se tratasse de dívidas lí­ quidas, vencidas, e de coisas fungíveis. Enfocando o problema, no âmbito do direito eambiário, afirmou o Prof. Eunápio Borges (op. cit., n. 165, p. 129): "Há autores que, levando ao extremo o princípio da abstração, acham ilógico admitir na ação cambial qualquer defesa resultante das relações causais entre as partes. A obrigação do signatário - cuja promessa é incondicional e abstrata - é pagar. E se tiver contra o autor qualquer direito - que nào se

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reflete no título - volte-se depois contra ele pela ação que competir àquele direito: solve et repete, isto é, cumpra, sem tugir, nem mugir, sua obrigação cambial e, depois, tente, pelos meios ordinários, obter a restituição do que pagou a quem também lhe devia". Nâo concordando com tal maneira de sentir, prossegue o ilustre professor mineiro: "M a s a isso o próprio bom senso está contrapondo norma elementar de economia processual: se os dois direitos entre as partes têm o mesmo objeto - o pagamento de uma soma determinada - pouco importa que o direito de uma decorra do negócio cambiário e o da outra de uma relação extracambial qualquer: as duas pretensões antagônicas entre as mesmas pessoas são perfeitamente compensáveis e devem ser compensadas desde logo. Em vez de ordenar ao réu que pague e vá, com outra ação, pleitear a restituição de tal pagamento (o repetitio indebiti), permite a Lei que ele neutralize desde logo a pretensão do autor, opondo-lhe, em exceção, aquilo que iria fundamentar aquela ação. Isto é, ao solve et repete, o réu retruca vitoriosa­ mente com o dolo petis quod m ox restiturus es, isto é, pedes com dolo aquilo que logo depois terás de restituir". Ninguém negará, por certo, que a obrigação cambiária - em razão de sua abstração - é inatacável, em si mesma considerada (Andrea Arena, Introduzione alio studio dei diritto commereiale e Titoli di credito, p. 123-124), mas, com o diz Ascarelli, a exceção derivaria “de uma contrapretensão que cabe ao devedor cambiário contra aquele portador que exerce a ação; esta contrapretensão paralisa, por meio da exceção, a pretensão cambiária" (Teoria geral dos títulos de crédito, p. 129). Com o já assinalamos em oportunidade anterior (Revista de Direito Mercantil n. 24, Nova Série, 1976, p. 93), "basta ter presente o princípio da economia processual para apurar-se a impropriedade de não se acolher com o exceção a matéria que ensejaria ação própria". No Código Suíço das Obrigações, por seu turno, exclui-se a compensação da possibilidade de oposição por parte do subscritor. No direito italiano, essa questão parece ter se revestido de grande complexidade, com doutrina e jurisprudência concordando apenas relativamente ao elenco das exceções possíveis, previstas no art. 1.993, divergindo, no entanto, quanto ao seu alcance. A primeira propendia, em princípio, para uma distinção entre as exceções reais e as pessoais. Aquelas seriam oponíveis a qualquer portador, em razão da objetiva qualidade do portador legitimado do título, enquanto as pessoais somente poderiam ser opostas contra um determinado portador em função da peculiaridade de sua situação jurídica e nào contra todos os outros sucessivos intervenientes. Já a jurisprudência caminhou para solução diversa, entendendo que as exceções pessoais, fundadas sobre particulares relações extracartulares, poderiam ser opostas não apenas contra os sujeitos de tais relações, primeiros tomadores do título, mas também a todos os sucessivos portadores. No que concerne à exceção de dolo, igualmente, doutrina e jurisprudência rumaram para cam inhos opostos. Num resumo eviden­ temente grosseiro, girou a divergência sobre a expressão intencionalmente, constante do art. 1.993, em confronto com cientemente, adotada na Lei Uniforme de Genebra. Para alguns, o simples conhecimento do vício nào era suficiente para ser possível a exceção, requerendo-se, igualmente, a intenção de causar prejuízo ao devedor, pressupondo-se, assim, a necessidade de um conluio fraudulento entre o atual e o precedente possuidor em detri­ mento daquele. Para outros, ao revés, haveria desnecessidade de um conluio fraudulento entre os precedentes possuidores, bastando que existisse, no último portador, o simples propósito de causar dano ao devedor, privando-o daquelas exceções que este teria podido opor ao endossante. Enquanto a maior parte da doutrina parece ter propendido para a pri­ meira posição, a jurisprudência predominante inclinou-se pela segunda corrente de pensa­ mento (sobre essa distinção entre ciência do vicio e consciência de causar prejuízo, ver, igualmente, os comentários ao art. 916, logo m ais adiante). • 2*) A exceção fundada na nulidade da obrigação assum ida pelo devedor do título A exemplo da anterior, também esta segunda modalidade de exceção poderá dar margem às mais intensas controvérsias. Quanto à nulidade decorrente da forma do titulo, inexistirá

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dúvida a respeito. 0 vício de forma é oponível mesmo ao terceiro portador de boa-fé e a razào para que exista tal oponibilidade é muito simples, conforme já explicado anteriormen­ te: nào se cuida, como acontece nas exceções extracartulares, de vícios dos quais o portador não poderia ter conhecimento e deles nào poderia, portanto, defender-se eficazmente... Em se tratando, ao revés, de vícios de forma, porventura existentes no título, no momento de sua aquisição, poderiam eles ser identificados pelo portador, inexistindo razão aqui para que se outorgue a mesma proteção relativa às exceções extracartulares... Questão mais delicada, no entanto, é se a nulidade existente nào decorrer do vício de forma. Se dela o portador nào tinha conhecimento, como poderia defender-se eficazmente da opo­ sição? Veja-se o que sucede com a obrigação do avalista na Lei Uniforme. Diz a segunda alínea do art. 32 que a sua obrigação subsiste, “mesmo no caso de a obrigação que ele ga ­ rantiu ser nula por qualquer razão que nào seja um vício de forma". Esses dois princípios consagrados na Lei Uniforme - o da autonomia substancial e o da acessoriedade formal do aval - decorrem, por sua vez, do princípio fundamental da autonom ia das obrigações cartulares, que vem a ser a própria pedra angular da construção jurídica dos títulos de crédito. A nulidade da obrigação mencionada no título de crédito, em última análise, nào implica a nulidade do título, a menos que ela decorra de um vício de forma. Se assim não se entender, não haverá proteção eficaz ao terceiro portador de boa-fé e, por via da conseqüência, à circulação segura dos títulos de crédito. Entenda-se, portanto, o sentido e o alcance da autonom ia substancial do aval, de um lado, e de sua acessoriedade formal, de outro. 0 primeiro significa que, mesmo que nula a obrigação avalizada, a obrigação do avalista, por ser autônoma, subsiste. 0 segundo quer dizer que, se a nulidade decorrer de um vício de forma - que poderia muito bem ter sido identificado pelo terceiro portador no momento em que ele adquiriu o título de crédito - , ou da própria ine­ xistência da obrigação pelo avalista assumida, esta última nào deverá subsistir. Vivante deixou claro tal ponto. Sustentava ele que, em matéria de aval, este subsistia, mesmo que nula a obrigação avalizada, mas, ainda que nula, era preciso que ela pelo menos existis­ se, pois, com o asseverava: "N on si capisce Ia garanzia di un'obbligazione che non esiste, perchè non si garantisce il nulla", isto é, “nào se compreende a garantia de uma obrigação que não exista, porque não se garante o nada", segundo o ensinamento do grande comercialista (Trattato.... cit., § 1.225, p. 321). Esse caráter de dependência do aval, também foi expli­ cado, com grande acuidade, por Ascarelli, para quem "A acessoriedade do aval revela-se na sua dependência da validade extrínseca da obrigação do avalizado e no direito cambiário do avalista para com o avalizado, e para com aqueles que responderiam perante este; a sua autonomia revela-se na sua independência da validade intrínseca da obrigação do avalizado (art. 37 da lei cambiária). A função de garantia dessas obrigações não importa na subtração aos princípios das obriga­ ções cambiárias; elas também são assumidas em virtude de uma relação fundamental, dife­ rente nas várias hipóteses concretas; representam obrigações autônomas, abstratas, consti­ tuídas objetivamente a favor do portador do título" (Teoria geral..., p. 220, nota, 1°, 2o e 3o parágrafos). Assinale-se, por derradeiro, que este art. 906, embora específico para os títulos ao portador, deve ser lido conjuntamente com o art. 915, relativo aos títulos à ordem, no qual as exceções oponíveis - e que devem ser, fundamentalmente, as mesmas para ambas as espécies - estão explicitadas de maneira mais adequada do que a constante deste art. 906. JU LG ADO • "Recurso especial - Alínea *A‘ - Embargos à execução de titulo extrajudicial - Duplicata - Aba­ timento de crédito existente em favor do devedor - Possibilidade - Necessária anuência do credor - Artigo 10 da Lei n. 5.474/68. 0 artigo 10 da Lei n. 5.474, de 18 de julho de 1968, prevê

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a possibilidade de dedução ou compensação de créditos existentes a favor de devedor da dupli­ cata, como exceção ao principio da literalidade ou cartularidade inerente aos títulos de crédito. Essa previsão de caráter excepcional, contudo, não dispensa, seja em favor da Fazenda Pública ou de qualquer outro devedor, a necessidade de autorização do legitimo portador da duplicata para que se proceda ao abatimento do crédito, já que, via de regra, nào seria cabível a compensação. Recurso especial não conhecido" (STJ, 2* T., REsp 202.021/SE, rei. Min. Franciulli Netto, j. em 266-2003, DJ, 22-9-2003).

Art. 907. É nulo o título ao portador emitido sem autorização de lei especial. HISTÓRICO • A redação deste artigo nào foi objeto de qualquer modificação durante a tramitação do projeto. Nào há correspondente no Código Civil de 1916 nem na legislação cambial. D O U T R IN A • Desde o advento do Decreto n. 177-A,de 15 de setembro de 1893, passando-se pelo art. 1.511 do Código Civil anterior, sempre existiu, em nossa ordenação jurídica, a proibição de títulos ao portador com pagamento em dinheiro, sem a pertinente autorização legal. Pelo Código Penal vigente, aliás, constitui crime "emitir, sem permissão legal, nota, bilhete, ficha, vale ou título que contenha promessa de pagamento em dinheiro ao portador ou a que falte indica­ ção do nome da pessoa a quem deva ser pago", consoante os expressos termos de seu art. 292. • Este art. 907 segue a mesma tradição, ampliando-a, porém, para que a proibição atinja, igualmente, títulos de crédito ao portador que não mencionem uma obrigação de pagam en­ to em dinheiro, mas qualquer outro tipo de bem. Resta saber, então, se terá sido de bom alvitre a inovação... A razão de ser da proibição de emissão de títulos ao portador expressos numa quantia determinada, com o é sabido, foi para que não houvesse concorrência com a moeda circulante. Hoje - mais do que nunca, talvez - , em que as autoridades monetárias precisam controlar o fluxo de moeda e do crédito de sorte a conciliar as necessidades de desenvolvimento da economia com o indispensável controle da inflação, a vedação de tais títulos esteja mais do que justificada. Mas, em que medida, títulos ao portador representati­ vos de mercadoria poderiam representar algum perigo ou inconveniente para o bom funcio­ namento da economia, em geral, e para o adequado controle do fluxo de moeda e do crédi­ to, em especial? Parece-nos que nenhum problema maior subsistiria com a existência de tais títulos. Sabe-se ser comum, p. ex., que em algum as localidades do Brasil são utilizadas "notas promissórias" com o pagamento em determinado número de cabeças de gado. Sabe-se, igual­ mente, que tais títulos, às vezes, circulam ao portador, sendo "descontados" entre produtores rurais e fazendeiros criadores. Nessa ordem de ideias, será que dita proibição não poderia representar um entrave nessa natural forma de negociação existente em alguns lugares do nosso país?... E, de outro lado, será que essa vedação nào prejudicaria, igualmente, a prática existente de títulos ao portador de entrega de mercadoria, que circulam de mão em mão, até que o último portador receba a mercadoria mencionada no título de crédito?... • É possível, contudo, que a proibição estabelecida pelo artigo tenha origem em algum a con­ sideração de ordem tributária. É provável, talvez, que estimulada essa espécie de negociação, facilitada estaria a sonegação do imposto sobre circulação de mercadorias e de serviços... Estamos considerando a hipótese de haver, nas sucessivas negociações com o título - e, consequentemente, com as mercadorias nele representadas - , eventuais sobrepreços "por fora", o latere dos controles fiscais existentes... Essa, com efeito, terá sido a única razão que logramos encontrar para que seja quebrada mais uma das tradições de nossos títulos ao portador.

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Arts. 908 e 909

Art. 908.0 possuidor de título dilacerado, porém identificável, tem direito a obter do emitente a substituição do anterior, mediante a restituição do primeiro e o pagamento das despesas. HISTÓRICO • Nenhuma modificação foi introduzida neste dispositivo, que manteve a redação do projeto origi­ nal. 0 a rt 16 do Decreto n. 2.044/1908 trata da questão da substituição simples da letra de câmbio extraviada. No mais, a norma não tem precedente na legislação cambial. D O U T R IN A • 0 artigo reproduz, quase literalmente, o disposto no art. 2.005 do Código Civil italiano, in verbis: “0 possuidor de um título deteriorado que não esteja mais em condições de continu­ ar circulando, mas seja seguramente identificável, tem o direito de obter do emitente um título equivalente, mediante a restituição do primeiro e o pagamento das despesas". A única discussão possível que este dispositivo parece suscitar diz respeito ao mais adequado local para a sua inserção... Deve ele figurar apenas neste capítulo dos títulos ao portador ou, se o entendermos aplicável, igualmente, tanto aos títulos á ordem quanto aos títulos nominativos, deveria ele constar, com mais propriedade, no capítulo anterior, entre as disposições gerais, de molde a aplicar-se, indistintamente, a todas as espécies previstas neste Título V III? A ques­ tão não é tão simples com o parece ser à primeira vista. É certo que, nos títulos nominativos - sejam eles nominativos "tout court", sejam nominativos endossáveis - , a resposta se apre­ senta sem nenhuma dificuldade, porquanto sempre haverá o registro lançado nos livros do emitente, podendo haver toda e qualquer substituição de títulos dilacerados, sem maiores dificuldades. No que toca aos títulos à ordem, no entanto, parece que a regra seria de difícil aplicação prática, pois demandaria a convocação de todos os endossantes, coobrigados do título rasurado, para que apusessem as suas assinaturas no novo título... Tal procedimento constituiria uma inovação, sem sombra de dúvida, no direito brasileiro, com muito pouca similitude com os institutos existentes, de caráter predominantemente processual, da oposi­ ção ao pagamento, da reivindicação e da anulação e substituição de títulos de crédito... Ademais, com o oportunamente lembrado pelo Dr. Walter Barbosa Corrêa, num dos debates travados sobre este dispositivo, poderia ocorrer a hipótese de um portador nào legitimado, mediante o exercício do direito da substituição de um título rasurado por um novo, conseguir regularizar uma aquisição cuja origem teria sido, na verdade, irregular... Adequada, portanto, ao que parece, a manutenção deste dispositivo no âmbito exclusivo dos títulos ao portador.

Art. 909.0 proprietário, que perder ou extraviar título, ou for injustamente desapossado dele, poderá obter novo título em juízo, bem como impedir sejam pagos a outrem capi­ tal e rendimentos. Parágrafo único. O pagamento, feito antes de ter ciência da ação referida neste artigo, exonera o devedor, salvo se se provar que ele tinha conhecimento do fato. HISTÓRICO • 0 enunciado por este dispositivo não foi objeto de emenda na tramitação do projeto. Regra simi­ lar encontra-se prevista no art. 36 do Decreto n. 2.044/1908. D O U T R IN A • Trata-se de dispositivo inócuo. No que tange ao seu caput, como se percebe, a matéria é toda de ordem eminentemente processual e já se acha regulada nos arts. 907 a 913 do vigente

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Código de Processo Civil. Diz ele: "Aquele que tiver perdido título ao portador ou dele houver sido injustamente desapossado poderá: I - reivindicá-lo da pessoa que o detiver; II - reque­ rer-lhe a anulação e substituição por outro". A o dizer-se, portanto, que o proprietário de um título extraviado ou que dele tenha sido injustamente desapossado tem o direito de pleitear, judicialmente, a edição de outro título e, bem assim, o de impedir que sejam pagos capital e rendimentos ao detentor não legitimado, repete-se, assim, pura e simplesmente, o que já consta expressamente da lei adjetiva... Relativamente ao parágrafo único, parece ser a regra despicienda à vista do que já ficou estabelecido anteriormente no caput do art. 901.

Capítulo III — DO TÍTULO À ORDEM Art. 910.0 endosso deve ser lançado pelo endossante no verso ou anverso do próprio título. § Pode o endossante designar o endossatário, e para validade do endosso, dado no verso do título, é suficiente a simples assinatura do endossante. § 2o - A transferência por endosso completa-se com a tradição do título. § 3? Considera-se não escrito o endosso cancelado, total ou parcialmente. H IS T Ó R IC O • A redação final deste artigo é a mesma do projeto original. O ato de endosso é regulado por todas as leis especificas dos títulos de crédito, a exemplo da letra de câmbio e da nota promissória (Lei Uniforme de Genebra, Decreto n. 57.663/65, arts. 11 a 20; Decreto n. 2.044/1908, art. 8«), da duplicata (Lei n. 5.474/68, art. 2a, VII) e do cheque (Lei n. 7.357/85, arts. 17 a 28).

D O U T R IN A • No tocante ao caput do artigo e a seu § 1fl pouco há a comentar. A solução adotada pelo nosso Código Civil corresponde àquela existente na tradição cambiária nacional. 0 art. 8°, segunda alínea, da nossa lei cambiária, estabelecia que, para a "validade" do endosso, era suficiente a simples assinatura do próprio punho do endossador ou do mandatário especial, no verso da letra, nada dispondo sobre a assinatura no anverso desta... Já na Lei Uniforme, no âmbito das cambiais, ficou claro que, nas hipóteses de endosso em branco, este para ser "válido" deveria ser escrito no verso da letra ou na folha anexa, consoante a disposição de seu art. 13, segunda parte. • A Lei Uniforme sobre os cheques, na mesma esteira, na segunda alínea do art. 16, estabeleceu que: “O endosso pode nào designar o beneficiário ou consistir simplesmente na assinatura do endossante (endossante em branco). Neste último caso o endosso, para ser válido, deve ser escrito no verso do cheque ou na folha anexa". É de concluir-se, assim, que no regime das Leis Uniformes, tanto sobre as cambiais quanto sobre os cheques, o endosso em preto pode­ ria ser feito no anverso desses títulos, enquanto o endosso em branco deveria ser aposto, obrigatoriamente, no verso deles. Nossa Lei do Cheque (n. 7.357, de 1985) acompanhou a Lei Uniforme e dispôs, no § 1* do art. 19, que o endosso em branco só é “válido" quando lançado no verso do cheque. Assim, quer com o norma geral de reenvio dos títulos nom inados - cum ­ prindo aqui uma espécie de função didática - , quer como de previsão para o surgim ento de títulos inominados, a solução do Código Civil foi, sem dúvida, a mais adequada. Volvam-se, apenas, mais uma vez, às críticas anteriormente feitas (nos comentários ao art. 888) a pro­ pósito da expressão "validade", sabidamente incorreta, no lugar de “eficácia", fenômeno ao qual o legislador quis, efetivamente, se referir.

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Art. 911

• Quanto ao § 2*. equivocou-se o legislador pátrio ao afirmar que a tradição do título comple­ ta a transferência por endosso. É, na verdade, o contrário, que ocorre. Após esclarecer que o endosso integra a transmissão da posse, sendo elemento necessário para a circulação dos títulos à ordem, afirm a-nos Ascarelli, com a precisão de sempre (Teoria geral dos títulos de crédito, p. 314): “Entendido com o complemento da tradição, o endosso constitui um negócio unilateral de que participa somente o endossador e que, ademais, não contém nenhuma atribuição patrimonial, naturalmente quando dele nào deriva, ao contrário do que se dá nos títulos cambiários, uma responsabilidade do endossador" (grifos nossos). • Finalmente, no que concerne ao § 3 o, a substituição da expressão "riscado", anteriormente constante, pela "cancelado", mais de acordo com a nossa tradição cambiária, eliminou qual­ quer dúvida que poderia existir. Têm pertinência, nesta sede, as mesmas considerações retrodesenvolvidas relativamente ao cancelamento do aval. JU LG AD O • "Ação monitoria. Cheques prescritos. Possibilidade de apenas um endosso. Demais declarações consideradas como cessão. Inexistência de pertinência subjetiva do autor com o direito alegado na exordial. Indeferimento da inicial, por ilegitimidade ativa. Sentença mantida. Na data em que foram emitidos os TÍTULOS de crédito objeto da presente demanda, somente era possível transmi­ tir a ordem de pagamento por meio de endosso uma única vez. Essa declaração cambial apenas poderia ser feita uma vez, mas seria perfeitamente possível a transferência da cártula por meio da assinatura constante acima de seu nome no verso dos cheques, pois não pode ser considerada endosso, mas, sim, cessão dos CRÉDITOS. Diante da inexistência de qualquer outra assinatura nos versos dos cheques, que poderiam demonstrar uma cessão dos CRÉDITOS ao apelante, não se extrai sua pertinência subjetiva para figurar no polo ativo da demanda. Negado provimento ao recurso" (TJMG, Processo 1.0024.07.801594-8/001(1), Rei. Eduardo Mariné da Cunha, j. em 15-5-2008, publicado em 5-6-2008).

Art. 911. Considera-se legítimo possuidor o portador do título à ordem com série regu­ lar e ininterrupta de endossos, ainda que o último seja em branco. Parágrafo único. Aquele que paga o título está obrigado a verificar a regularidade da série de endossos, mas não a autenticidade das assinaturas. HISTÓRICO • 0 contido nesta disposição não foi objeto de emenda durante a tramitação do projeto no Con­ gresso Nacional. A mesma hipótese é disciplinada pelo art. 16 da Lei Uniforme de Genebra em matéria de letra de câmbio e nota promissória (Decreto n. 57.663/65), bem como pelo art. 22 da Lei n. 7.357/85 relativamente ao cheque. D O U T R IN A • Eliminado o inconveniente da redação anterior deste dispositivo - em vez de "legítimo pos­ suidor" constava a expressão "legítim o proprietário", baralhando-se, injustificadamente, os conceitos de legitimação e de titularidade - , o caput do artigo não mais oferece dificuldade. Acha-se o dispositivo em absoluta consonância com a melhor tradição do direito cambiário, tanto aqui com o no plano do direito comparado. Diz o art. 2.008 do Código Civil italiano: “(Legitimação do possuidor) 0 possuidor de um título à ordem é legitimado ao exercício do direito nele mencionado com base em uma série ininterrupta de endossos". A primeira parte da 1* alínea do art. 16 da Lei Uniforme, por sua vez, estabelece que: " 0 detentor de uma letra é considerado portador legítimo se justifica o seu direito por uma série ininterrupta de en­ dossos, mesmo se o último for em branco".

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• Que se dizer, no entanto, relativamente ao parágrafo único deste artigo, segundo o qual quem paga o título está obrigado a verificar a regularidade da cadeia dos endossos, mas nào a autenticidade das assinaturas? Será que quem paga o titulo nâo estaria obrigado a verificar ao menos a autenticidade da assinatura do último endossante? A resposta deverá ser neces­ sariamente afirmativa, não obstante a lei aludir, genericamente, a "autenticidade das assina­ turas", induzindo o intérprete a supor que se trata de toda e qualquer assinatura... Se assim nào se entendesse, aquele que paga o título de crédito, ainda que verificando a regularidade dos endossos lançados no título durante todo o seu período de circulação, poderia estar pagando a um portador nào legitimado para recebê-lo... Dir-se-ia, talvez, que o título, em razào do último endosso ter sido em branco, tornou-se ao portador e que, em relação a tal modalidade, presume-se ter ele a legitimação para recebê-lo, segundo o art. 905, retroeomentado. • M as nào é bem assim. 0 endosso em branco, nos títulos endossáveis, faz com que o título à ordem passe a circular com o se fora ao portador... Este nào se tom a ou se transforma em título ao portador. Um cheque, p. ex., é um título eminentemente à ordem (a menos que nele constasse, é claro, expressamente a cláusula NÃO À ORDEM, nos termos do § 1® do art. 17 da nossa Lei do Cheque e da segunda alínea do art. 14 da Lei Uniforme sobre os cheques), e tanto pode designar ou não o nome do beneficiário. Designando-o, ele continuará sendo um título à ordem, embora nominal, nada tendo a ver, evidentemente, com a disciplina dos títu­ los nominativos, pertencentes a outra categoria... • Sem a designação do beneficiário, de outro lado, o cheque não se torna ou se transforma num título ao portador. A lei prevê, nessa hipótese, que ele circule por simples tradição, isto é, com o se fora ao portador, mas em nenhum momento ela disse - o que seria um remata­ do disparate se o fizesse - que esse cheque p a sso u a ser ou se transformou ou se tornou, ou virou (ou alguma outra expressão de idêntico jaez) um título ao portador... E isso pela simples e boa razão de que ele continuará a ser um título à ordem até que, eventualmente, se lhe insira a cláusula nõo à ordem... Em suma, é preciso saber a quem se paga o valor menciona­ do no título de crédito. M esm o que ele esteja circulando ao portador, precisa-se saber quem é esse portador que se apresenta como legítimo possuidor. Caso contrário, estar-se-ia facili­ tando a vida dos portadores ilegítimos...

Art. 912. Considera-se não escrita no endosso qualquer condição a que o subordine o endossante. Parágrafo único. É nulo o endosso parcial. H IS T Ó R IC O • Este artigo manteve a redação do projeto original. Disposição semelhante encontra-se enunciada pelo art. 12 da Lei Uniforme de Genebra relativa a letra de câmbio e nota promissória (Decreto n. 57.663/65), no § 3o do art. 8o do Decreto n. 2.044/1908, assim como no art. 18 da Lei do Cheque (Lei n. 7.357/85).

DOUTRINA • Este artigo nào oferece dificuldade pois corresponde à tradição cambiária universal, tanto aqui com o alhures. A função eminentemente circulatória dos títulos de crédito nào se com ­ padece com restrições à sua incondicional transmissibilidade. Em nosso país, embora o art. 8® da Lei Cambiária tenha silenciado quanto à proibição de existir alguma condição para a eficácia do endosso, a doutrina sempre entendeu que qualquer condição, porventura exis­ tente, haveria de ser considerada com o não escrita. E, no âmbito do direito comparado, com maior evidência, tal ideia igualmente prevaleceu. Diz o art. 2.010 do Código Civil italiano:

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Art. 913

"(Endosso condicional ou parcial) Qualquer condição aposta ao endosso será tida com o nào escrita. É nulo o endosso parcial". A Lei Uniforme sobre as cambiais, em seu art. 12, estabe­ leceu: “O endosso deve ser puro e simples. Qualquer condição a que ele seja subordinado considera-se nào escrita". A mesma proibição ao endosso condicionado sempre existiu em relação ao endosso parcial. A nulidade deste, constante do parágrafo único, já constava ex­ pressamente do § 3® do art. 8® do nosso Decreto 2.044. Além do Código Civil italiano, como vimos, a Lei Uniforme, na segunda alínea do retrotranscrito art. 12, igualmente consagrou a nulidade do endosso parcial.

Art. 913.0 endossatário de endosso em branco pode mudá-lo para endosso em preto, completando-o com o seu nome ou de terceiro; pode endossar novamente o título, em bran­ co ou em preto; ou pode transferi-lo sem novo endosso. HISTÓRICO • A redação deste artigo não foi modificada durante a tramitação do projeto no Congresso Nacio­ nal. A mesma regra encontra-se prevista pelo art. 14 da Lei Uniforme de Genebra relativa a letra de câmbio e nota promissória (Decreto n. 57.663/65) e no art. 20 da Lei do Cheque (Lei n. 7.357/85).

DOUTRINA • Este artigo reproduz, praticamente, com exceção da primeira parte, o art. 2.011 do Código Civil italiano, in verbis: "(Efeitos do endosso) 0 endosso transfere todos os direitos inerentes ao título. Se o título for endossado em branco, o possuidor pode completar o endosso com o próprio nome ou com o de outra pessoa, ou então pode endossar de novo o título ou trans­ miti-lo a um terceiro sem completar o endosso ou sem apor um novo endosso". Este, por sua vez, foi inspirado no art. 14 da Lei Uniforme sobre a cambial: " 0 endosso transmite todos os direitos emergentes da letra. Se o endosso for em branco, o portador pode: 1°) preencher o espaço em branco, quer com o seu nome, quer com o nome de outra pessoa; 2®) endossar de novo a letra em branco ou a favor de outra pessoa; 3®) remeter a letra a um terceiro, sem preencher o espaço em branco e sem a endossar". Nào obstante tenha faltado a disposição inicial de que o endosso tem o condão de transferir todos os direitos inerentes ao título, como está no art. 2.011 do Código Civil italiano, ou todos os direitos emergentes da letra, conforme consta do art. 14 da Lei Uniforme, diferente não poderia ser a conclusão relativa­ mente a este art. 913 do Código Civil. Pode-se dizer, com segurança, que está absolutamen­ te implícita a ideia de que o endosso - modo típico de transferência dos títulos de crédito e absolutamente distinto da cessão ordinária do direito civil - , transmitindo direitos autônom os e nào derivados da relação fundamental, trespassa ao portador todos os direitos mencionados no titulo de crédito e todos aqueles que pela lei lhe são conferidos. Quanto aos direitos do endossatário relativamente à transferência do próprio título, parece que a redação do artigo consegue, de forma sucinta, abranger as três hipóteses de que tratam as alíneas do retrocitado art. 14 da Lei Uniforme, isto é: 1*) o endossatário de um endosso em branco pode transform á-lo em endosso em preto, quer apondo o seu nome com o beneficiário desse últi­ mo endosso, quer colocando o nome de outra pessoa a quem, porventura, pretenda fazer a entrega do título em pagamento; 21) esse mesmo endossatário de um endosso em branco poderá, igualmente, endossar a letra em branco ou em preto, ocorrendo tal possibilidade toda vez em que o endossatário subsequente, com o propósito de ter mais um coobrigado ao pagamento, queira que o endossatário anterior não lhe transfira o título pela simples tradição mas, transform ando-o em endossante, exija que a transferência se dê por intermédio de outro endosso, seja em branco, seja em preto; 30 finalmente, poderá o endossatário de um endosso em branco - que permite possa o título, nesse caso, circular como se estivesse ao portador - transferir o título sem a aposição de um novo endosso, mas sim pela simples

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tradição. Tal hipótese ocorrerá quando o novo portador nào exigir do portador anterior endossatário de um endosso em branco - um novo endosso, preferindo este, evidentemente, não passar a ser mais um coobrigado ao título... Essas três possibilidades, enfim, exprimem a natureza eminentemente circulatória dos títulos de crédito, conforme já destacado em co­ mentários anteriores.

Art. 914. Ressalvada cláusula expressa em contrário, constante do endosso, não res­ ponde o endossante pelo cumprimento da prestação constante do título. § 1- Assumindo responsabilidade pelo pagamento, o endossante se tom a devedor so­ lidário. § 2- Pagando o título, tem o endossante ação de regresso contra os coobrigados ante­ riores. HISTÓRICO • 0 conteúdo desta norma manteve a redação do projeto original. Tanto a Lei Uniforme de Genebra sobre letra de câmbio e nota promissória (Decreto n. 57.663/65), em seu art. 15, como a Lei do Cheque (Lei n. 7.357/85), no art. 21, estipulam regra no sentido oposto, dispondo que, “Salvo estipulaçâo em contrário, o endossante garante o pagamento".

DOUTRINA • 0 caput do artigo - exceção feita à expressão “salvo diversa disposição de lei" - reproduz o art. 2.012 do Código Civil italiano, in verbis: "Salvo diversa disposição de lei ou de cláusula contrária resultante do título, o endossante não é obrigado ao adimplemento da obrigação da parte do emitente". Já o art. 15 da Lei Uniforme dispôs em sentido diverso: “0 endossan­ te, salvo cláusula em contrário, é garante tanto da aceitação com o do pagamento da letra. 0 endossante pode proibir um novo endosso, e, neste caso, não garante o pagamento às pessoas a quem a letra for posteriormente endossada". • A solução da Lei Uniforme no sentido de o endossante ser, salvo cláusula em contrário, g a ­ rante do pagamento mencionado no título é mais consentânea com a natureza eminente­ mente circulatória dos títulos de crédito. Quando o brocardo popular diz que os títulos de crédito são com o os vinhos, isto é, quanto m ais velhos melhor, quer ele se referir, por certo, ao número maior de garantias que existirão para o portador quanto mais o titulo de crédito tenha circulado... Cada endossante que apõe a sua assinatura no título, assim, torna-se um coobrigado solidário, salvo com relação à hipótese de proibição de um novo endosso, quan­ do o endossante não responderá, então, pelo pagamento perante as pessoas a quem o título for posteriormente endossado. • 0 nosso Código Civil preferiu, no entanto, dar solução diversa e seguiu o modelo italiano. Quais terão sido as razões para tal opção do legislador pátrio?... Recordamo-nos, neste passo, graças aos apontam entos pessoais de 30 anos passados, que o eminente Prof. M auro Brandão Lopes, diante da posição do então Presidente do Instituto Tullio Ascarelli, Prof. Philomeno Joaquim da Costa - que se declarava perplexo e penalizado pelos “quinhentos anos de tra­ balho dos mercadores acabados pelos juristas do gabinete italiano" - tentou argum entar com uma justificativa de ordem prática... Aludiu, então, aos negócios celebrados pelos norte-americanos nos quais é comum a cláusula “sem regresso", denominada "w ithout report", sem a qual ficaria comprometida a realização do negócio. Embora não convencido do acerto da solução, o próprio Prof. Philomeno rendeu-se ao pensamento da maioria, ficando facultado ao endossante tornar-se solidário responsável apenas nas hipóteses em que ele queira dedarar-se em tal condição, como consta do § 1fl... De nossa parte, contudo, não podemos deixar de nos manifestar contrariamente à solução adotada pelo Código Civil. Se tanta ênfase foi

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dada è livre possibilidade de criação dos títulos atípicos ou inominados a fim de que nào se fechasse a porta para a inventiva dos empresários, a adoção do endosso sem a chamada garantia bonitas - apenas existente para os títulos de crédito rurais - não parece em nada conciliável com aquela pretendida ideia... • Com relação ao § 2°, nada há para ser comentado: o endossante que paga o título passa a ter, evidentemente, os direitos dele decorrentes, entre os quais o de agir regressivamente contra todos os obrigados solidários anteriores. Esse § 2® não mencionou, expressamente, como teria sido preferível, a palavra "solidários", utilizando-se, apenas, da expressão "coobrigados anteriores". M as tal omissão, a nosso ver, em nada afeta o alcance do dispositivo. Se existirem coobrigados anteriores - posto que assumiram a responsabilidade pelo paga­ mento nos termos do § 1o - eles serão, necessariamente, devedores solidários... JU LG AD O • "Apelação cível. Direito privado não especificado. Ação declaratória de nulidade de título. Sustação de protesto. Duplicata sem aceite e sem lastro causai. Endosso translativo. Protesto indevido. 1. Tratando-se de endosso translativo e recebida uma duplicata sem aceite, a instituição bancária que a aponta para protesto, deve arcar com o risco da atividade, tendo em vista a ausência de lastro causai que possibilitasse seu saque pela empresa sacadora, desimportando a alegação de que teria agido de boa-fé. 0 banco sujeita-se, nesse passo, às conseqüências decorrentes de sua negligência. 2. Com efeito, em razão do principio da autonomia dos títulos de crédito, o banco-endossatário tem o direito de ignorar as relações existentes entre sacadora e sacada, mas, nesse caso, deve receber por endosso somente as duplicatas que preenchem os requisitos legais (regu­ larmente aceitas, ou, acaso nào aceitas, acompanhadas da fatura dos comprovantes de recebi­ mento das mercadorias). Nestes lindes, tratando-se de endosso translativo e aceita uma duplicata sem os requisitos da cambial, a instituição bancária deve arcar com o risco de seu negócio, tendo em vista a ausência de causa que possibilitasse seu saque pela empresa sacadora, desimportando a alegação de que teria agido de boa-fé. Sujeita-se, nesse passo, às conseqüências decorrentes de sua negligência. 3. Todavia, em que pese a inegável nulidade do título de crédito por desapareci­ da causa debendi, impende ressalvar os direitos de regresso do apelante em relação à endossante, uma vez que é terceiro possuidor de boa-fé e os coobrigados respondem solidariamente pelo aceite e pelo pagamento conforme preceitua o artigo 18, § 2®, da Lei 5.474/68. Outrossim, nào há no caderno processual prova de que o recorrente tivesse recebido a duplicata tendo ciência da inexistência da relação causai. 4. Logo, resta garantido ao endossatário, ora apelante, que recebeu o titulo de crédito através de endosso translativo como terceiro de boa-fé, o direito de regresso contra o endossante. 5. No que concerne aos ônus de sucumbência, os mesmos devem ser manti­ dos conforme determinado na sentença fustigada, porquanto foram fixados em consonância com os critérios insculpidos no artigo 20, § 4a, do Código de Processo Civil. Deram parcial provimento ao apelo. Unânime" (TJRS, 9* Câm. Cível, AC 70020448890, Rei. Odone Sanguiné, j. em 19-12-2007, DJ, 23-1-2008).

Art. 915. O devedor, além das exceções fundadas nas relações pessoais que tiver com o portador, só poderá opor a este as exceções relativas à forma do título e ao seu conteúdo literal, à falsidade da própria assinatura, a defeito de capacidade ou de representação no momento da subscrição, e à falta de requisito necessário ao exercício da ação. HISTÓRICO • Esta disposição não foi objeto de emenda no curso da tramitação do projeto no Congresso Nacio­ nal. 0 art. 17 da Lei Uniforme de Genebra em matéria de letra de câmbio e nota promissória (Decreto n. 57.663/65), assim como o art. 25 da Lei do Cheque (Lei n. 7.357/85), estabelecem o mesmo principio geral da inoponibilidade das exceções pessoais nas relações cambiais.

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DOUTRINA • No capítulo dos títulos ao portador, com o já visto, a redação do art. 906, relativo ao meca­ nismo das exceções, é bem diversa. Nela se diz, apenas, que as exceções oponíveis ao portador, por parte do devedor, somente podem estar fundadas ou em direito pessoal (obviamente deste contra aquele), ou em nulidade de sua obrigação, isto é, em nulidade da obrigação do devedor do título. 0 artigo aqui está mais bem redigido e contempla expressamente hipóte­ ses não anteriormente previstas quando se cuidava das exceções existentes nos títulos ao portador, conforme sublinham os ao comentarmos o referido art. 906. Com o os arts. 915 e 91 6 exigem leitura e interpretação conjuntas, vejam-se os comentários ao artigo seguinte.

Art. 916. As exceções, fundadas em relação do devedor com os portadores precedentes, somente poderão ser por ele opostas ao portador, se este, ao adquirir o título, tiver agido de má-fé. HISTÓRICO • A redação deste artigo manteve a do projeto original. Disposição semelhante encontra-se previs­ ta no art. 17 da Lei Uniforme de Genebra em matéria de letra de câmbio e nota promissória.

DOUTRINA • Assim com o o art. 9 0 6 (relativo aos títulos ao portador, retroexaminado) disciplinou, sinteticamente, as exceções oponíveis pelo devedor ao portador, este art. 9 1 6 cuida da mesma matéria no âmbito dos títulos à ordem, disciplinando-a de forma mais abrangente do que o fez naquele dispositivo. Curiosamente, ao tratar dos títulos nominativos, com o será visto adiante, o legislador silenciou a respeito. M esm o sabendo-se que tal silêncio nào significa, evidentemente, inexistir o mecanismo das exceções para os títulos nominativos, teria sido preferível fosse o tema das exceções regulado uma única vez no capítulo das disposições gerais, posto tratar-se de matéria afeta às três espécies de títulos de crédito, quer ao porta­ dor, quer à ordem, quer aos nominativos... • De toda sorte, preferiu o legislador pátrio cuidar das exceções em capítulos distintos. M a s a diversa abrangência dos arts. 9 0 6 e 916, relativos aos títulos ao portador e aos à ordem, de um lado, e o completo silêncio do mesmo tema no capitulo dos títulos nominativos, de outro, podem suscitar ao intérprete a seguinte dúvida: haveria alguma diferença entre o regime da oponibilidade das exceções nessas três modalidades de títulos de crédito?... Com o interpretar-se, em última análise, a indisfarçável assimetria existente neste Título VIII, relativamente à matéria das exceções oponíveis pelo devedor ao portador? Apesar do deletério desprezo que se outorgou aqui no Brasil à teoria geral dos títulos de crédito, o positivism o de superfície deve ceder lugar à solidez dos princípios fundam entais daquela... Na Itália - onde a elabo­ ração doutrinária da teoria geral dos títulos de crédito terá chegado ao extremo - , não só a referida dúvida não se poria como, de fato, jamais terá sido posta... 0 próprio legislador pe­ ninsular encarregou-se de resolver a questão, disciplinando-a, com o já foi frisado, no art. 1.993 do Código Civil, in verbis: "O devedor pode opor ao possuidor do título além das exce­ ções de caráter pessoal, as exceções de forma, aquelas que são fundadas no contexto literal do título, inclusive aquelas decorrentes da falsidade da própria assinatura, de defeito de capacidade ou de representação no momento da emissão, ou da falta de condições necessá­ rias para o exercício do direito de ação. 0 devedor pode opor ao possuidor do título as exce­ ções fundadas nas relações pessoais com os precedentes possuidores, apenas se, na aquisição do título, o possuidor tenha agido intencionalmente em detrimento do mesmo devedor". Uma superficial comparação entre esse art. 1.993 do Código Civil italiano e os arts. 915 e 9 1 6 do Código Civil leva à conclusão de que, com mínimas alterações, o legislador pátrio distribuiu

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o conteúdo daquela norma entre esses dois dispositivos, fazendo-o, com pequenos deslizes, ainda que perdoáveis. Em primeiro lugar, pecou pela assimetria, relativamente ao art. 907 do próprio Código, que se refere à nulidade do título. É claro que esta é uma exceção absoluta­ mente oponível e não constou, com o deveria, quer no art. 915, quer no art. 916. • Em segundo lugar, a redação do art. 9 1 6 não corresponde, na verdade, à do art. 1.993, se­ gunda parte, do Código Civil italiano. Enquanto este se utiliza da expressão “apenas se, na aquisição do titulo, o possuidor tenha agido intencionalmente em detrimento do mesmo devedor", aquele dispõe: "somente poderão ser por ele opostas ao portador, se este, ao ad­ quirir o título, tiver agido de má-fé". Não emprega o legislador pátrio, com o se vê, o advérbio "intencionalmente", nem tampouco - o que, talvez, fosse preferível, malgrado a sua com ­ provada ambigüidade - a expressão "cientemente" ou "conscientemente", conforme constou dos arts. 17 e 19, segunda alínea, da Lei Uniforme sobre a cambial e do art. 22 da Lei Unifor­ me sobre o cheque. Restaria saber, então, qual é o exato significado da expressão m á-fé para que se compreenda o verdadeiro âmbito da oponibilidade da chamada exeepcio dolis generalis, prevista neste art. 916. Seja-nos permitido retornar às considerações que tivemos a oportunidade de desenvolver, em já longínquo estudo, quando houve a necessidade de des­ fazer certo mal-entendido existente em nosso meio sobre a necessária e imprescindível dis­ tinção - desconhecida até mesmo por parte de alguns professores de direito comercial entre "ciência do vício", de um lado, e "consciência de causar prejuízo", de outro. Tendo percebido, por alguns comentários de jurisprudência publicados na Revista de Direito M er­ cantil, que se julgavam equiparados aqueles conceitos, pronunciam o-nos minudentemente em relação ao sentido e ao alcance do art. 17 da Lei Uniforme, em nosso já citado estudo ao qual nos reportamos, por economia de espaço (Aspectos da teoria geral dos títulos de cré­ dito, cit., p. 66-7). JU LG AD O S • "Apelação cível. Direito privado não especificado. Embargos à execução. Cheque. Pessoa física. Circulação. Endosso à empresa de factoring. Possibilidade. Inoponibilidade de exceções pessoais. Aplicação dos princípios da abstração e autonomia. Ausência de impedimento legal à utilização de créditos de pessoa física em operações de factoring. Ilicitude não verificada. Sendo o cheque dotado dos atributos conferidos aos títulos de crédito, passível de circulação mediante endosso, é defeso, salvo comprovada má-fé do portador, opor exceções pessoais. No caso concreto, o titu­ lo foi endossado à empresa de fomento, através de operação de factoring, figurando a mesma como terceira de boa-fé e legitima portadora, não havendo que se falar em nulidade da operação. Apelo desprovido" (TJRS, 5» Câm. Civel, AC 70022391643, Rei. Umberto Guaspari Sudbrack, j. em 23-4-2008, DJ, 29-4-2008). • "Apelação civel. Direito privado não especificado. Cheque. Circulação. Endosso. Factoring. Inopo­ nibilidade das exceções pessoais. Aplicação dos princípios da abstração e autonomia. É consabido que o cheque, dotado dos atributos conferidos aos títulos de crédito, v. g. a autonomia e abstra­ ção, é passível, a teor do art. 17 da Lei n. 7.357/85, de circulação mediante endosso, sendo defeso, salvo comprovada má-fé do portador, opor exceções pessoais, consoante preceitua o art. 25 do mesmo diploma legal. Ao concreto, o titulo fora endossado à empresa de fomento, através de operação de factoring, figurando a mesma como terceira de boa-fé e legitima portadora. Prece­ dentes jurisprudenciais. Improcedência da ação anulatória e procedência da ação monitoria. Precedentes jurisprudenciais. Apelação provida, por maioria, vencido o eminente Desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana" UJRS, 10* Câm. Civel, AC 70020678819, Rei. Paulo Roberto Lessa Franz, j. em 18-12-2007, DJ, 21-2-2008). • "Apelação civel. Responsabilidade civil. Ação declaratória de inexistência de débito cumulada com ação de sustação de protesto. Dano moral. Inovação em sede recursal. Cheque. Endosso. Desvin­ culação da cambial à causa subjacente. Literalidade e autonomia dos títulos de crédito. Principio da inoponobilidade das exceções pessoais. Terceiro portador de boa-fé. 1. Os pedidos formulados na inicial foram de sustação de protesto, em sede de liminar, e de declaração de inexistência de divida. Dai que o pedido de indenização por dano moral decorrente de protesto indevido constan­

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te no apelo trata-se de inovação em sede reeursal e, como tal, nâo será conhecido. Apelo conhe­ cido em parte. 2. A requerida nega a existência de relação contratual com o autor, referindo ter recebido o cheque por endosso, e comprova que sua atividade econômica principal é a "distribui­ ção de filmes e vídeos", ramo que, obviamente, em nada se relaciona com a produção ou distri­ buição de insumos agrícolas. 0 autor, por outro lado, nada trouxe aos autos que demonstrasse a dita contratação. A alegação de que a requerida estaria atuando fraudulentamente, utilizando-se de "laranjas", não possui qualquer lastro probatório, não podendo ser seriamente considerada. 0 mesmo ocorre com a referência, constante no apelo, de que a ré teria se negado a fornecer nota fiscal. Diante de tal contexto, conclui-se que a ré, de fato, nào contratou com o autor, recebendo o cheque por endosso. 3. 0 cheque é ordem de pagamento à vista. No momento em que circula, desvincula-se da causa debendi, ou seja, da relação causai que deu origem ao titulo de crédito. A literalidade e a autonomia são características fundamentais dos títulos de crédito, de modo que, não comprovado vicio na origem da cártula, tem-se como autônomas e independentes as obriga­ ções assumidas no título. A parte autora tão somente poderia opor à demandada exceções rela­ tivas a fatos modifieativos ou extintivos de caráter cambial. Impossibilidade de oposição de exce­ ções pessoais ao portador de boa-fé. 4. Mantida a sentença de improcedência. Apelo parcialmen­ te conhecido e desprovido. Unânime" (TJRS, 9* Câm. Cível, AC 70021850029, Rei. Iris Helena Medeiros Nogueira, j. em 19-12-2007, DJ, 10-1-2008).

Art. 917. A cláusula constitutiva de mandato, lançada no endosso, confere ao endossatário o exercício dos direitos inerentes ao título, salvo restrição expressamente estatuída. § 1 - 0 endossatário de endosso-mandato só pode endossar novamente o título na qualidade de procurador, com os mesmos poderes que recebeu. § 2? Com a morte ou a superveniente incapacidade do endossante, não perde eficácia o endosso-mandato. § 3- Pode o devedor opor ao endossatário de endosso-mandato somente as exceções que tiver contra o endossante. HISTÓRICO • Nenhuma alteração foi introduzida neste artigo no curso da tramitação do projeto no Congresso Nacional. 0 a rt 18 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto n. 57.663/65), o § 1° do Decreto n. 2.044/1908, com relação à letra de câmbio e à nota promissória, e o art. 26 da Lei do Cheque (Lei n. 7.357/85) regulam a matéria no mesmo sentido. D O U T R IN A • 0 art. 2.013 do Código Civil italiano, sempre em livre tradução de nossa parte, estabelece: "(Endosso para cobrança ou por procuração) - Se ao endosso é aposta uma cláusula que implica conferir um mandato para a cobrança, o endossatário-mandatário poderá exercer todos os direitos inerentes ao título, mas não poderá endossar o título senão com o efeito de um endosso-mandato. 0 emitente somente poderá opor ao endossatário-mandatário apenas as exceções que seriam oponíveis ao endossante. A eficácia do endosso-m andato não cessa pela morte ou pela superveniente incapacidade do endossante". A doutrina italiana, de ma­ neira geral, denomina o endosso-m andato de endosso com efeitos limitados ou endosso impróprio para designar aquele que é utilizado nào para transferir a propriedade do título do endossante para o endossatário, mas com o propósito específico, e de natureza mais limitada, de atribuir poderes para o exercício do direito cartular em nom e do endossante (endosso per incasso o per procura) ou mesmo em nome próprio do endossatário para a satisfação de um interesse próprio (girata in garanzia). Ferri, ao explicar a diferença propedêutica entre a li­ mitação da circulação e a limitação da legitimação, destacou, com a propriedade de sempre, que a característica comum dessas duas espécies de endosso - girata per incasso o per procura e girata in garanzia - reside na circunstância de que nelas atua uma "limitação da

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legitimação” do endossatário, legitimação esta limitada somente ao exercício do direito car­ tular, nela não se incluindo a legitimação para a disposição do direito, mediante a disposição do título {Titoli di credito, Turim, UTET, 1965, n. 29, p. 128 e s.). Assim, o endossatário de um endosso impróprio nào poderá, de fato, pretender transferir o título para outro, podendo fazê-lo apenas por endosso-mandato; se, por acaso, o fizer com um endosso sem limitação (endosso próprio), este somente terá a eficácia de um endosso-mandato. Entre as duas espé­ cies de endosso impróprio existe uma significativa diferença - colocada em relevo pela doutrina - já que, enquanto o endossatário-mandatário exercita o direito em nom e e no interesse do endossante, o endossatário em garantia o exercita em nome e no próprio inte­ resse, seguindo-se a conseqüência de que, no confronto com o devedor, a situação do pri­ meiro nào é autônom a (posto que lhe são oponíveis também e apenas as exceções que po­ deriam ter sido opostas ao endossante, de conformidade com a segunda alínea desse art. 2.013), ao passo que autônoma vem a ser a situação do endossatário em garantia, perante o qual apenas serão oponíveis as exceções pessoais que o devedor teria podido opor ao endos­ sante, exceção feita para a hipótese de dolo do endossatário, conforme a segunda alínea tanto do art. 1.993 quanto do art. 2.014, a ser examinado mais adiante. Fundamentalmente no mesmo sentido do retrotranscrito art. 2.013 do Código Civil italiano é o art. 18 da Lei Uniforme sobre a cambial, na tradução portuguesa não de todo feliz, com o já anteriormente dito: "Q uando o endosso contém a menção Valor a cobrar' (valeur en recouvremert), 'para cobrança* (pourencaissem ent), 'por procuração' [parprocuratiori), ou qualquer outra menção que implique um simples mandato, o portador pode exercer todos os direitos emergentes da letra, mas só pode endossá-la na qualidade de procurador. Os coobrigados, neste caso, só podem invocar contra o portador as exceções que eram oponíveis ao endossante. O manda­ to que resulta de um endosso por procuração não se extingue por morte ou sobrevinda in­ capacidade legal do mandatário". • Mercado Jr. já assinalara, com relação a esse artigo, que a tradução correta seria a seguinte (A nova lei cam bial e a nova lei do cheque, cit., p. 99): “Quando o endosso contiver a cláu­ sula 'valor em cobrança', ‘para recebimento’, 'por procuração' ou qualquer outra que implique mandato, o portador pode exercer todos os direitos decorrentes da letra de câmbio (ou do cheque), mas, o endosso que lançar terá a eficácia, apenas, de endosso-m andato". 0 nosso art. 917 consagra, assim, as mesmas soluções dos textos legais transcritos e não cremos pos­ sa agora, depois de tudo o que já se escreveu sobre tais disposições, subsistir alguma dúvida. A expressão “endossatário de endosso-m andato", constante do § 1«, não corresponde ao jargão usual do m undo dos negócios. Teria sido preferível, sem dúvida, que se tivesse utiliza­ do a expressão corriqueira, isto é, endossatário-mandatário. Seja com o for, nem a cabeça do artigo, nem seus três parágrafos, oferecem qualquer tipo de dificuldade para sua correta aplicação. JU LG AD O • “Indenização. Danos morais. Duplicata. Protesto indevido de título pago. Endosso-mandato. Ins­ tituição bancária. Exclusão da lide. Empresa de factoring - Legitimidade passiva. Obrigação de indenizar. A empresa de 'factoring* é parte legitima para figurar no polo passivo de ação de inde­ nização decorrente de indevido protesto de duplicatas, pois recebe os créditos oriundos de compra e venda, passando a ser a legítima proprietária dos títulos, assumindo o risco de sua liquidação, e incumbindo-se de sua cobrança e recebimento. Tratando-se de endosso-mandato, não tem o endossatário legitimidade para figurar no polo passivo da ação em que se discute obrigação cam­ bial e indenização por danos morais decorrentes de protesto, uma vez que age tão somente na qualidade de mandatário do endossante. Não é possível negar que, quem vê, injustamente, o seu nome protestado sofre um dano moral que requer reparação. A indenização por danos morais há de ser fixada segundo o equitativo juízo discricionário do magistrado, a nào permitir uma repa­ ração irrisória, nem um enriquecimento sem causa" (TJMG, Processo 1.0024.01.045337-1/001 (1), Rei. Duarte de Paula, j. em 20-2-2008, publicado em 8-3-2008).

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Art. 918. A cláusula constitutiva de penhor, lançada no endosso, confere ao endossa­ tário o exercício dos direitos inerentes ao título. § 1? O endossatário de endosso-penhor só pode endossar novamente o título na qua­ lidade de procurador. § 2?- Não pode o devedor opor ao endossatário de endosso-penhor as exceções que tinha contra o endossante, salvo se aquele tiver agido de má-fé. H IS T Ó R IC O • O conteúdo desta norma não foi objeto de qualquer modificação durante a tramitação do proje­ to. O endosso-penhor é também previsto no art. 19 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto n. 57.663/65). D O U T R IN A • 0 paradigma evidente, para este artigo, são o art. 2.014 do Código Civil italiano e o art. 19 da Lei Uniforme. Tratando do endosso que contiver a expressão “valor em garantia", “valor em penhor", ou qualquer outra menção que implique uma caução, diz a primeira parte do art. 19 da Lei Uniforme: " 0 portador pode exercer todos os direitos emergentes da letra, mas um endosso feito por ele só vale com o endosso a título de procuração". E prossegue afirm an­ do que "os coobrigados nào podem invocar contra o portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais deles com o endossante, a menos que o portador, ao receber a letra, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor". No mesmo sentido é a disposição do art. 2.014 do Código Civil italiano, in verbis: “Se no endosso for inserida uma cláusula que implique a constituição de penhor, o endossatário pode exercer todos os direitos inerentes ao titulo, mas o endosso por ele feito somente vale com o efeito de endosso-mandato. 0 emitente não pode opor ao endossatário de endosso-penhor as exceções fundadas sobre suas próprias relações pessoais com o endossante, a menos que o endossatário, ao receber o titu­ lo, tenha agido intencionalmente em detrimento do emitente". A par dos comentários já feitos sobre o artigo anterior, oportunidade em que pudemos tecer algum as breves conside­ rações da doutrina italiana sobre o endosso denom inado com efeitos limitados ou impróprio - além de pôr em destaque a distinção entre o endosso-m andato e o endosso-pignoratício, com as conseqüências de amplitude das exceções oponíveis em relação a eles cabe-nos aduzir algo a respeito desta última modalidade. A doutrina italiana (Pietro Perlingieri, cit., p. 1.708-1.709) define o endosso-pignoratício com o uma declaração negociai cartular pela qual o endossante constitui um penhor sobre o título em favor do endossatário. Em se tratando de um penhor sobre o título, discutiu ela se o objeto desse penhor recairia sobre coisa ou sobre direito ou, ainda, sobre algo intermediário entre os dois (Messineo, cit., v. II, n. 258, p. 288 e s. e La Lumia, Corso di diritto commerciale, cit., p. 371-2). • Para Fiorentino, deve ser afastada a construção jurídica do penhor sobre direitos, uma vez que, no que concerne à constituição do penhor, não resta dúvida de que se está no âmbito do penhor de coisa, já que o penhor considera o título diretamente como "coisa" e nào como direito, a partir do fato de que o art. 2.014 repete a norma do art. 2.786 (penhor de coisa) e não a do art. 2.800 (penhor de direito). • Assim, não obstante as numerosas discussões sobre esta matéria, parece ter prevalecido a tese de que, na hipótese desse art. 2.014, o penhor efetivamente se dá sobre coisa e não sobre o direito mencionado no título de crédito. Ainda que se possa dizer, com segurança, que tanto a cabeça do artigo, com o seus dois parágrafos, apresentam soluções inquestionáveis no to­ cante à sua aplicação, Mercado Jr. propunha outra redaçào para eles, in verbis: "Se o endos­ so contiver cláusula 'em penhor', 'em caução’, 'em garantia' ou qualquer outra que exprima penhor, o endossatário pode exercer todos os direitos decorrentes do título, mas, o endosso

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Arts. 919 e 920

que lançar será eficaz, apenas, com o endosso-mandato, ainda que omitida a cláusula. Pará­ grafo único. Somente quando, ao receber o título em garantia, o endossatário-pignoratíeio houver agido cientemente em prejuízo do devedor, este poderá opor-lhe as exceções funda­ das em direito pessoal que tiver contra o endossante-pignoratício". Tal redação, com efeito, apresentaria a vantagem de deixar claro que o endosso, nas condições mencionadas na ca­ beça do artigo, seria eficaz apenas com o endosso-mandato, ainda que omitida a cláusula...

Art. 919. A aquisição de título à ordem, por meio diverso do endosso, tem efeito de cessão civil. HISTÓRICO • Esta disposição não foi objeto de emenda no curso da tramitação do projeto no Congresso Nacio­ nal. Não há correspondente na legislação cambial.

DOUTRINA • "A aquisição de um título à ordem", segundo o art. 2.015 do Código Civil italiano, "por meio diverso do endosso produz os efeitos da cessão". A segunda alínea do art. 11 da Lei Uniforme já dispunha que "Quando o sacador tiver inserido na letra as palavras 'n ão à ordem', ou uma expressão equivalente, a letra só é transmissível pela forma e com os efeitos de uma cessão ordinária de créditos". Na verdade, não é a aquisição do título à ordem, por meio diverso do endosso, que produzirá efeitos de uma cessão civil, mas sim a sua transferência, conforme oportunamente destacado pela doutrina. Antonio Mercado Jr. [RDM, n. 9, Ano XII, Nova Série, 1973, artigo citado, p. 131), ao comentar esse artigo - na época correspondente ao art. 978 do Projeto - assim se expressou: “0 texto é tradução do art. 2.015 do Código italia­ no, com o acréscimo do qualificativo civil. Entretanto, segundo parece, nào é a aquisição, mas a transferência, que tem efeito de cessão. Quanto àquele qualificativo, cremos não justificar-se, ante a unificação do direito privado" (grifos do autor). E propunha que, se pro­ cedentes fossem julgadas essas suas considerações, fosse acolhida a seguinte emenda: “A transferência do título à ordem, por meio diverso do endosso, tem efeito de cessão". Cabem aqui as mesmas considerações feitas a propósito do art. 913, retro, quando destacamos a peculiaridade de que, enquanto o endosso tem a virtude de transmitir direitos autônom os - transferindo ao portador todos os direitos mencionados no título de crédito e todos aque­ les que pela lei lhe sào conferidos na cessão os direitos que são transferidos ao cessionário não apresentam essa característica da autonomia pois eles são apenas derivados da relação fundamental, passando-se do terreno das inoponibilidades das exceções extracartulares entre o portador e os sucessivos portadores anteriores, existentes nas transferências por endosso, para o campo das oponibilidades entre cedente e cessionário. 0 art. 2.015 do Códi­ go Civil italiano, com o se viu, tendo promovido, ou tentado promover, a tão decantada unificação formal das obrigações civis e comerciais utilizou-se simplesmente do termo cessão e nào cessão civil, como está no artigo do nosso Código Civil. Parece-nos, efetivamente, em que pesem os argum entos desfiados em sentido contrário, que o emprego da expressão "ces­ são civil" era inteiramente desnecessário...

Art. 920.0 endosso posterior ao vencimento produz os mesmos efeitos do anterior. HISTÓRICO • A redação deste dispositivo manteve o mesmo enunciado do projeto original. 0 art. 20 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto n. 57.663/65) contém regra semelhante. A Lei do Cheque (Lei n. 7.357/85), em seu art. 27, atribui os mesmos efeitos da cessão civil ao endosso posterior ao pro­ testo ou à expiração do prazo de apresentação.

Art. 921

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DOUTRINA • Volvam -se aqui às mesmas considerações já tecidas por ocasião do art. 900, relativamente ao aval póstumo. É necessário entender-se a expressão "anterior" com todo o cuidado para que nào se chegue a um resultado absolutamente diverso daquele efetivamente preconizado pela lei. Se o artigo tivesse dito, pura e simplesmente, que a eficácia do endosso seria sempre a mesma, quer tenha sido ele feito anteriormente, quer posteriormente ao vencimento do tí­ tulo, nenhum problema de interpretação diversa poderia subsistir. Sucede que, ao utilizar o artigo do nosso Código Civil as expressões “posterior" e “anterior" poderá algum exegeta mais desavisado supor que possa tratar-se de um endosso posterior ao vencimento produzindo os mesmos efeitos de um outro endosso anteriormente feito... Suponha-se a hipótese de um título de crédito à ordem no qual havia um endosso-m andato ou um endosso-pignoratício passado antes do seu vencimento. Ocorrido este, surge um novo endosso, mas nào um en­ dosso feito pelo portador imediato - posto que, em tal hipótese, só poderia ter os efeitos do endosso-procuraçào ou do endosso-pignoratício - , mas por um dos endossatários que, pelo fato de ter recebido o titulo com endosso em branco, nào havia feito a transferência com o seu endosso e sim pela simples tradição, sendo-lhe agora solicitado o endosso comum de transferência de todos os direitos inerentes ao título... Tal endosso, posterior ao vencimento, não deverá ter os mesmos efeitos do endosso anterior, com o é óbvio. Assim como, em maté­ ria de aval, dissemos que o aval, anterior ou posterior ao vencimento, haveria de ter a mesma eficácia - nada tendo a ver, portanto, com um aval dado posteriormente a outro aval, even­ tualmente existente o mesmo ocorre em matéria de endosso: a sua eficácia é a mesma, quer tenha sido anterior, quer posterior ao vencimento. Este o sentido do dispositivo legal em tela.

Capítulo IV — DO TÍTULO NOMINATIVO Art. 921. É título nominativo o emitido em favor de pessoa cujo nome conste no regis­ tro do emitente. HISTÓRICO • Esta disposição nào foi objeto de emenda durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. Não há precedente na legislação cambial.

DOUTRINA • Verifica-se aqui, novamente, a assimetria metodológica do legislador pátrio, relativamente ao problema das definições dos institutos. Optou ele, em primeiro lugar, por definir o títu­ lo de crédito, no art. 887, quando extremamente problemática se mostrava, com o vim os na oportunidade, essa transposição do conceito doutrinário tradicional para o plano da lei. Ao iniciar o Capítulo II, relativo aos títulos ao portador, cuidou diretamente da transferência dessa espécie, optando por não form ular nenhum conceito a respeito dessa modalidade de título de crédito. A o iniciar o Capitulo III, relativo aos títulos à ordem, tratou logo da forma do endosso, parecendo ratificar a sua opção - anteriormente feita em relação aos títulos ao portador - de não conceituar a espécie objeto do capítulo. Quando tudo levava a crer, portanto, que a lógica do legislador teria sido a de definir apenas o gênero - título de cré­ dito - , abandonando a conceituação de suas três espécies - títulos ao portador, títulos à ordem e títulos nom inativos - , eis que o Capítulo IV, relativo a esses últimos, surpreenden­ temente inicia-se com a definição de título nominativo, ministrada pelo art. 921... Tirante

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Arts. 922 e 923

esta observação, de caráter meramente metodológico, incensurável é a definição fornecida por este art. 921. Todos os ensinam entos doutrinários, em última análise, estão no mesmo sentido dela.

Art. 922. Transfere-se o título nominativo mediante termo, em registro do emitente, assinado pelo proprietário e pelo adquirente. HISTÓRICO • 0 contido nesta norma manteve a redação do projeto original. Nào há precedente na legislação cambial.

DOUTRINA • A primeira alínea do art. 2.022 do Código Civil italiano dispõe que: “A transferência do títu­ lo nominativo opera-se mediante a anotação do nome do adquirente no título e nos registros do emitente ou com a expedição de um novo título já emitido em favor do novo titular. Dessa expedição deve ser feita a anotação no registro". A norma nào oferece dificuldade de nenhuma espécie até porque - além de reproduzir tradicional ensinamento da doutrina sobre os títulos nominativos - , conforme anteriormente frisado, é a regra que já temos para a transferência da ação nominativa das sociedades anônimas. O cuidado essencial a ser to­ mado no que se refere ao modo de transferência dos títulos nominativos diz respeito a uma importante diferença entre o direito italiano e o brasileiro nessa matéria. Tal será, no entan­ to, objeto de comentário ao artigo seguinte.

Art. 923.0 título nominativo também pode ser transferido por endosso que contenha o nome do endossatário. § 1- A transferência mediante endosso só tem eficácia perante o emitente, uma vez feita a competente averbação em seu registro, podendo o emitente exigir do endossatário que comprove a autenticidade da assinatura do endossante. § 2?- O endossatário, legitimado por série regular e ininterrupta de endossos, tem o direito de obter a averbação no registro do emitente, comprovada a autenticidade das assi­ naturas de todos os endossantes. § 3? Caso o título original contenha o nome do primitivo proprietário, tem direito o adquirente a obter do emitente novo título, em seu nome, devendo a emissão do novo título constar no registro do emitente. HISTÓRICO • A redação final deste dispositivo reproduz integralmente o contido no projeto original. Não há precedente na legislação cambial.

DOUTRINA • A afirmação constante do caput do artigo - que se acadrima com a concepção do título nominativo do direito italiano - parece quebrar a lógica da tricotomia adotada pelo legisla­ dor pátrio. Se o título nominativo, além de sua transferência mediante termo, conforme o art. 922, pode também ser transferido por endosso - ainda que, obrigatoriamente por en­ dosso em preto - ele não deixa de ser um titulo à ordem... Dir-se-á ocorrer o mesmo com o sistema italiano que, independentemente de ter o capítulo dos títulos à ordem, também previu, na disciplina dos títulos nominativos, o título nominativo transferível por endosso...

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Os sistemas, contudo, não são nem nunca foram simétricos. Exemplificativamente, a ação nominativa da sociedade anônima, no Brasil, tem forma de transferência diversa da ação nominativa da sociedade anônim a no direito italiano. M esm o com nome inteiramente idên­ tico - ação nominativa - a forma de sua transferência é diferente. Pouca gente parece ter se dado conta dessa assimetria existente entre o direito brasileiro e o italiano nessa matéria. Cham am os atenção para o fato, nos idos de 1977, nos seguintes termos: "A sistemática de transferência dos títulos nominativos no Direito italiano está, basicamente, regulada pelos arts. 2.021, 2.022 e 2.023 do Código Civil. O texto desses artigos revela, em primeiro lugar, que lá não existe, com o sucede aqui no Direito pátrio, transferência mediante termo lançado em livro especial do emitente para esse fim. A transferência no Direito italiano do título nominativo se dá por endosso (art. 2.023) ou pela apresentação do titulo (mesmo sem endos­ so) com o pedido da pessoa para que se anote a transferência (art. 2.022). Nesse caso, além do registro nos livros do emitente, emite-se um novo título ao novo adquirente ou anota-se o seu nome sobre o próprio título. É muito importante frisar-se que, no Direito italiano, nào parece pairar qualquer dúvida quanto ao fato de ser necessária a apresentação do título nominativo para efeito do registro da transferência. Entendemos que o texto do art. 2.021 leva necessariamente a tal conclusão. Tal entendimento, segundo pensamos, nos permite concluir, sem maiores dificuldades, que o título nom inativo é efetivamente um título de crédito, tal como está disciplinado pela legislação italiana. O mesmo poderá ser dito em re­ lação ao Direito brasileiro? Parece-nos que não. 0 nosso sistema é bem diverso do Direito italiano, embora isso nào tenha sido convenientemente assinalado pela doutrina nacional que, frequentemente, faz alusões à situação do Direito italiano sem se dar conta de que, naquele país, o instituto assume feições diversas. Em nosso país, as ações nominativas estão reguladas pelo art. 31, da recente Lei n. 6.404, de 15-12-1976, que disciplinou a sociedade por ações. Frise-se, desde logo, que a matéria era, nesse particular, idêntica no regime do anterior Decreto-Lei n. 2.627, de 26-9-1940. Transcreva-se o art. 31: 'A propriedade das ações nominativas presume-se pela inscrição do nome do acionista no livro de ‘Registro das Ações Nominativas'. § 1fl - A transferência das ações nominativas opera-se por termo lavrado no livro de Transferência de Ações Nominativas', datado e assinado pelo cedente e pelo cessio­ nário, ou seus legítimos representantes; § 2* - A transferência das ações nominativas em virtude de transmissão por sucessão universal ou legado, de arremataçào, adjudicação ou outro ato judicial, ou por qualquer outro titulo, somente se fará mediante averbação no livro de 'Registro de Ações Nominativas', à vista de docum ento hábil, que ficará em poder da companhia; § 3* - Na transferência das ações nom inativas adquiridas em Bolsa de Valores, o cessionário será representado, independentemente de instrumento de procuração, pela sociedade corretora, ou pela caixa de liquidação da bolsa de valores. Depreende-se da leitu­ ra do artigo que a transferência da ação nominativa efetua-se com o termo no livro de transferência ou pela averbação no livro de registro de ações nominativas. Inexiste (como inexistia no regime do Decreto-Lei 2.627) algo que permita concluir ser necessária a apre­ sentação do título, com o ocorre no Direito italiano. Sabe-se que, costumeiramente, nào se exige a apresentação do título para operar-se a transferência das ações nominativas. Assim sendo, é forçosa a conclusão de que a ação nominativa do Direito brasileiro nào pode ser considerada um título de crédito. E não pode sê-lo porquanto a sua apresentação não é necessária para o exercício do direito que nela é mencionado. Faltar-lhe-ia, assim, sob tal aspecto, o elemento essencial consistente na cartularidade, com o vim os no Capitulo IV. Esse raciocínio, para nós, é o que explica, com maior clareza, a razão pela qual nào se pode con­ siderar a ação nominativa do Direito brasileiro um título de crédito. E não significa de forma algum a - que a ação nominativa, no Direito italiano, deixe de ser considerada como tal, uma vez que lá, com o vimos, é diferente a sua disciplina". • Semelhantes ou idênticas considerações, nós as vim os fazendo, desde aquela data, no senti­ do de que as ações nom inativas da sociedade anônim a - por lhes faltarem os requisitos da

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cartularidade, da literalidade e da autonom ia - não poderiam ser consideradas títulos de crédito. Com o advento, entre nós, da Lei n. 8.021/90, conforme já assinalado por ocasião dos comentários feitos ao art. 908, retro, foram extintas as ações endossáveis e as ao portador, permanecendo apenas as nominativas. Parece inevitável chegar-se à conclusão, então, de que a ação da sociedade anônim a no direito brasileiro, não pode, rigorosamente falando, ser considerada um título de crédito, segundo a concepção tradicional dessa categoria especial de documentos. Lembramo-nos, a propósito, de que o saudoso Prof. Philomeno Joaquim da Costa (Anotações à s companhias, v. I, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1980, p. 202), após identificar que a ação da sociedade anônima brasileira seria, em princípio, considerada um título de crédito, tanto na concepção italiana quanto na brasileira, afirmava, com inteiro acerto: "Contudo, se a transferência depende de registro nos livros sociais, transferindo-se mesmo os seus direitos sem a exibição do papel (ação), este já nào é mais o docum ento ne­ cessário para o exercício de um direito literal e autônom o que nele se contém", citando, em nota de rodapé, o Prof. Theophilo de Azeredo Santos, que assim se expressara: “Incluir as ações nominativas entre os títulos literais, completos ou formais, abstratos e constitutivos de crédito é, a nosso ver, erro palmar". E conclui, nessa mesma nota, o tantas vezes citado Prof. Philomeno Joaquim da Costa: “Está certo". Na verdade, lidar com a natureza das ações no­ minativas parece ter sido sempre um tormento para a doutrina. Acom panhando um ensina­ mento preciso e precioso de Ascarelli [Appunti di diritto commerciale, v. II, 3. ed., Roma, 1936 e, também, Teoria geral dos títulos de crédito, Saraiva, 1943, p. 185), vim os insistindo na ideia de que as ações das sociedades anônim as não conferem a seu titular propriamente um cré­ dito - nem portam consigo um direito literal e autônom o nelas mencionado, conforme costum am os acrescentar para diferenciá-las dos títulos de crédito - mas antes, com maior rigor dogmático, outorgam uma posição, isto é, um estado de sócio, do qual decorrem, por sua vez, uma série de direitos de natureza patrimonial e extrapatrimonial e, até mesmo, de obrigações, com o as relativas ao pagamento das entradas das ações nào integralizadas. Tal ensinamento, sem dúvida inquestionável, serve para mostrar que esses direitos e obrigações têm como pressuposto comum a ação e nào os direitos que decorrem desse pressuposto como, p. ex., o direito ao dividendo e os cupões das ações que o representam, materializados em docum entos distintos. Daí dizer Ascarelli, com o descortino e a precisão habituais, que ela "constitui um título de crédito ou título-valor, enquanto faculta a incorporação dessa posição num título que circula conforme as regras dos títulos de crédito, ou seja, transferindo um direito literal e autônomo; constitui, mais exatamente, um título de participação, enquanto - na categoria geral dos títulos de crédito ou títulos-valores - pode-se subdistinguir a subespécie dos títulos de participação, caracterizados justamente pelo fato de se prenderem à posição de membro de uma pessoa jurídica, ou seja, ao pressuposto, do qual, por seu turno, verificados eventualmente demais requisitos, decorrem direitos, poderes, obrigações diversas" [Problemas das sociedades anônim as e direito comparado, Saraiva, p. 341). Em razão de todos esses aspectos expostos, parece que a reprodução pura e simples que o nosso Código Civil fez do Código Civil italiano apresenta alguns problemas consideráveis, conforme se verá. Em primeiro lugar, é de questionar-se o seguinte: se a própria ação da sociedade anônima brasileira - título típico negociado diariamente aos milhões nas Bolsas de Valores, entidades controladas pela Comissão de Valores Mobiliários - só pode revestir-se da forma nominativa, de acordo com a lei vigente no Brasil, qual seria o sentido de termos no Código Civil uma norma sobre título nominativo que autorize a sua transferência por endosso em preto? Se se pensa em norma de aplicação subsidiária, a sua distonia com o direito vigente revela-se, ao que parece, sem sentido. Inteira razão assistiria ao Professor M auro Brandão Lopes, a propó­ sito, quando ele argumentava que, nas hipóteses de conflito entre a disciplina normativa do Código Civil e a lei especial, esta última é que prevaleceria... 0 que adiantaria, nessa ordem de ideias, termos uma disposição na parte geral que, em termos da ação nominativa da so-

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ciedade anônima, principal título nominativo brasileiro, nào poderia ser aplicada em face do conflito com a lei especial desse título? Volva-se, necessariamente, ao argum ento do Profes­ sor Mauro: essa parte geral só se justifica, efetivamente, se for para regular os títulos atípicos. Entào, ao estabelecer-se a regra no sentido de ser possível a transferência de um titulo no­ minativo por endosso em preto não se estaria pensando, à evidência, na ação nominativa da sociedade anônima brasileira, mas sim num possível título que viesse a ser eventualmente criado e para o qual estabelecer-se-ia uma norma de transferência diversa daquela que exis­ te para o principal título nominativo brasileiro... Bem ponderadas as coisas, porém, se existem motivos suficientes para que, relativamente à ação nominativa da sociedade anônima, seja proibida a sua transferência por endosso (seja este em branco, seja em preto), quais seriam as razões - quer no plano lógico, quer no axiológico - que poderiam justificar tal assimetria de solução jurídica? Nem mesmo remotamente logram os vislumbrá-las... Até pelo contrário, pensamos que, em se tratando de títulos com estrutura e função desconhecidas - posto que ainda não existentes na realidade fenomênica, mas simplesmente aninhados no limbo igno­ rado da inventiva dos negócios devem eles, preferivelmente, ter um prévio controle de sua existência, sendo de todo recomendável que não se transfiram por endosso, ainda que em preto... De toda sorte, para efeitos práticos, temos essa curiosa situação: a ação nominativa da sociedade anônim a - o principal título nominativo brasileiro - só pode ser transferida por termo lançado no livro próprio da sociedade emissora, enquanto um eventual título nominativo que venha a ser criado a qualquer momento, por qualquer pessoa física ou jurí­ dica, poderá ser transferido por endosso em preto, nos termos desse caput do art. 923. • Quanto aos três parágrafos do artigo, pouco restaria a comentar porquanto eles refletem, na transferência dos títulos nominativos endossáveis, a mecânica que existiu para eles no Brasil e que até hoje predomina nos outros países nos quais eles continuam a existir. Assim, no que se refere à eficácia perante o emitente, a transferência mediante endosso só se opera após a competente averbação em seu registro, devendo - e nào, apenas, podendo - o emitente exigir do endossatário a pertinente comprovação da autenticidade da assinatura do endos­ sante. Igualmente inquestionável nos parece a regra estampada no § 2* desse art. 923, se­ gundo a qual o endossatário terá o direito de obter a averbação no registro do emitente, desde que, de um lado, esteja legitimado por uma série regular e ininterrupta de endossos e, de outro, seja devidamente comprovada a autenticidade das assinaturas de todos os endossantes. A 2» alínea do art. 2.022 e a 3» alínea do art. 2.023, am bos do Código Civil italiano, aliás, dispõem em igual sentido. Já no que toca ao § 3Ô, segundo o qual o adquirente tem o direito de obter do emitente um novo título emitido em seu nome, devendo tal emissào constar no registro do emitente, na esteira do que dispõe a retrocitada 3* alínea do art. 2.023, parece caber alguma discussão. É que, na redaçào brasileira, ao contrário do que teria ocor­ rido com os artigos do Código Civil italiano a respeito da matéria, constou uma condição "Caso o título original contenha o nome do primitivo proprietário" - que não parece, à pri­ meira vista, fazer muito sentido. Com o poderia, afinal de contas, não constar, no título ori­ ginal, o nome do primitivo proprietário?... Mercado Jr. teceu os seguintes comentários a respeito desse § 3o: "N ào compreendemos a razão do requisito, posto no § 3o, para a obtenção, pelo adquirente do título endossável (ou nominativo endossável), de novo título em seu nome: a indicação, no título original, do nome do primitivo proprietário. Salvo erro de nossa parte, o título original sempre terá o nome do primitivo proprietário". Assim, salvo melhor juízo posto não termos conseguido atinar com as razões pelas quais o legislador teria acrescenta­ do tal expressão - , parece que o princípio segundo o qual não existem palavras inúteis na lei terá sido irremediavelmente olvidado...

Art. 924. Ressalvada proibição legal, pode o título nominativo ser transformado em à ordem ou ao portador, a pedido do proprietário e à sua custa.

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Art. 925

HISTÓRICO • Nenhuma alteração foi introduzida neste artigo no curso da tramitação do Projeto no Congresso Nacional. Não há precedente na legislação cambial.

DOUTRINA • Seja-nos permitido volver às considerações já feitas anteriormente a propósito de ser a nor­ ma desse art. 9 2 4 - como, de resto, todas as demais - destinada a subsidiar soluções even­ tualmente nào previstas em lei especial ou, ao revés, ter com o propósito fundamental a disciplina dos títulos atípicos ou inominados. Infelizmente, estamos a girar monoeordicamente, a todo momento, sobre o mesmo circulo vicioso: se pensamos, inicialmente, na aplicabi­ lidade dessa norma aos títulos típicos, o pressuposto dessa aplicação, por força do art. 963 retrocomentado, é que não exista disposição diversa em lei especial ou que exista lacuna nesta última. Tomando-se, então, a lei que regula as sociedades anônim as no Brasil, verifica-se que as ações dessas com panhias só podem revestir-se da forma nominativa. Logo, nesse caso, a aplicação subsidiária do artigo ficou comprometida, já que inexiste lacuna, de um lado e, de outro, nào há uma disposição diversa daquela que existe no nosso Código Civil... Dian­ te dessa inequívoca inutilidade de lidar com a aplicação do dispositivo aos títulos típicos - já que inteiramente demonstrada a sua palmar impossibilidade relativamente ao principal deles - , resta sempre a saída de dar algum sentido ao dispositivo enquanto norma destinada a regular os títulos atípicos... Nessa última hipótese, contudo, conforme já comentado a pro­ pósito do artigo anterior, esbarra-se diante de uma assimetria de tratamento para a qual não se logra encontrar uma justificativa razoável, pois estar-se-ia dando a títulos inexistentes - e, portanto, inteiramente desconhecidos - um tratamento muito mais liberal do que aquele outorgado ao principal título típico nominativo brasileiro, a ação nominativa da so ­ ciedade anônima... Assim, a par da complexidade de tentar-se regular algo sobre o qual inexiste experiência anterior - pois tal é a situação, evidentemente, dos títulos atípicos, acerca dos quais nada se pode saber antecipadamente - , outra dificuldade se põe quando se tenta levar em consideração a experiência anterior obtida com um título típico (como a que existe, verbi gratia, com a da ação nominativa das sociedades anônimas): é que se achando ela repelida previamente pela solução dada pelo Código Civil, de que adiantaria levá-la em linha de conta?... Diante de tal constatação - ou de tal consternação, para nos utilizar, talvez, de uma expressão mais adequada nào se pode deixar de repetir, à exaustão e sem uma ponta de constrangimento, que se está a discorrer, palidamente, sobre normas de improvável aplicação prática, havendo nesses comentários de nossa parte, talvez, algo de caricato e de burlesco, para o qual se roga, com o não poderia deixar de ser. as indispensáveis e pertinentes escusas... Posto isso tudo - e, principalmente, ressalvado isso tudo - é claro que a norma, em si mesma considerada, teria sua total razão de ser. Há uma lição inolvidável de Ascarelli - até mesmo porque foi ela repetida em, pelo menos, oito passagens de sua obra - segundo a qual a natureza do título de crédito nào se altera pela simples circunstância da forma pela qual ele circula (Teoria geral dos títulos de crédito, cit., p. 25, 51, 216, 218, 225, 248, 317 e 428, conforme já havíamos destacado em nosso A cambial-extrato, cit., p. 64 e 65, nota de roda­ pé n. 98). Trata-se de ensinamento que ninguém, até hoje, ousou cometer o supremo desa­ tino de contestar... Quanto à possibilidade de ser cobrada a despesa relativa à conversão, já existe o precedente na lei acionária, representado pelo § 3* do art. 23 da Lei das Sociedades por Ações, segundo o qual a companhia poderá cobrar o custo da substituição dos certifica­ dos quando esta for solicitada pelo acionista.

Art. 925. Fica desonerado de responsabilidade o emitente que de boa-fé Fizer a trans­ ferência pelos modos indicados nos artigos antecedentes.

Art. 926

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HISTÓRICO • 0 contido nesta norma manteve a redaçào do projeto original. Não há precedente na legislação cambial.

DOUTRINA • 0 dispositivo está correto, em princípio, repetindo o que já fora disposto pela última alínea do art. 2.022 do Código Civil italiano, segundo a qual, com o já foi frisado ao comentarmos o art. 923 do diploma civil brasileiro, as anotações no registro e sobre o título são feitas sob os cuidados e responsabilidade do emitente, sendo este exonerado da responsabilidade som en­ te se proceder de conformidade com as regras de transferência previstas no artigo. Ocorre, no entanto, que, no caso do art. 925 do nosso Código Civil, prescreve-se ao emitente, de forma incondicional, a exoneração de sua responsabilidade, enquanto no art. 2.022 do esta­ tuto peninsular, de forma expressa, agrega-se a expressão "salvo no caso de culpa"... Parece-n o s haver, salvo melhor juízo, uma razão decisiva em favor da ressalva feita pelo direito italiano: havendo culpa do emitente, seja ela grave ou leve, por que não haveria de ser sua a responsabilidade por eventuais danos causados? E, independentemente da questão da culpa, nào se trataria, na hipótese, da responsabilidade pelo chamado risco do negócio?... Diante de tais considerações, ainda que silente o legislador pátrio no que concerne à hipótese de culpa do emitente, parece-nos que a solução nào poderia ser outra que não a adotada pelo Código Civil italiano.

Art. 926. Qualquer negócio ou medida judicial, que tenha por objeto o título, só produz efeito perante o emitente ou terceiros, uma vez feita a competente averbação no registro do emitente. HISTÓRICO • Este artigo manteve a mesma redação constante do projeto original. Nào há precedente na legis­ lação cambial.

DOUTRINA • Afigura-se extremamente estranha a redaçào deste artigo por várias razões. Em primeiro lugar, porque a medida judicial que tenha por objeto o título não pode ter a sua eficácia dependente de um procedimento qualquer a ser tomado por uma das partes... Se isso pudes­ se ser verdade, efetivamente, teríamos a completa falência do Poder Judiciário, sendo crista­ lino que, em termos parciais, esse estado falimentar já existe... Se uma sociedade, por hipó­ tese, na condição de ré de uma ação promovida por um portador de certificado de ações de sua emissào, se negasse a cumprir uma ordem judicial liminar no sentido de promover a tal e qual averbação, a medida judicial não mais produziria efeito em relação a ela?... É eviden­ te que o legislador não pode estar pactuado com o absurdo. Quis ele dizer, com certeza, algo inteiramente diverso do que disse... O que ele terá querido dizer, sem dúvida, é que as medi­ das judiciais deverão ter por objeto o próprio título, tal como sucede com os títulos repre­ sentativos de mercadoria, e tal como ficou dito, com razão, no art. 895, retro. Assim, a ne­ cessidade de que seja feita a averbação no registro do emitente, para produzir efeitos peran­ te o emitente e perante terceiros, diz respeito aos negócios porventura realizados com o tí­ tulo. Em tais hipóteses sim, com toda a razão, a disposição legal se justifica. Com relação às medidas judiciais, todavia, conforme se viu, o sentido deve ser necessariamente outro. Claro que uma sentença judicial, obtida em favor de um determinado portador, deverá ser averba­ da nos registros do emitente. Deverá ele cumprir o tipo de registro que for determinado na

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decisão judicial. 0 que, evidentemente, é inteiramente diverso de se dizer que desse procedi­ mento dependerá a eficácia do provimento jurisdicional...

T ítu lo IX — DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Capítulo I — DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obri­ gado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. HISTÓRICO • A redação original, segundo o projeto de Código Civil, cujo Livro referente ao direito das obrigações ficou a cargo de Agostinho Alvim, era a seguinte: "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, grande risco para os direitos de outrem, salvo se comprovado o emprego de medidas preventivas tecnicamente adequadas". Este dispositivo foi objeto de emenda na Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto, que importou em melhor acolhimento da teoria da responsabilidade objetiva, já que na redação atual refere somente o risco da atividade, sem dimensioná-lo, e suprimiu a parte em que era excepcio­ nada a sua aplicação diante da comprovação do emprego de medidas preventivas tecnicamente adequadas. A emenda, que foi apresentada pelo Deputado Cleverson Teixeira, justificou a alteração por meio da teoria do risco criado, acolhida no projeto, e a principal crítica realizada à redação anterior foi a de que o texto, ao mesmo tempo em que acolhia a responsabilidade sem culpa, inse­ ria o critério de culpa como motivo de exclusão de responsabilidade, pelo emprego de medidas tecnicamente adequadas. Há artigo correspondente no Código Civil de 1916 (art. 159) somente no que concerne ao caput deste artigo e que diz respeito à responsabilidade subjetiva, fundamentada na culpa, regra geral da responsabilidade civil, prevista no art. 186 do Código Civil de 2002.

DOUTRINA • Os novos inventos, a intensidade da vida e a densidade das populações aproximam cada vez mais as pessoas, intensificando suas relações, o que acarreta um aumento vertiginoso de motivos para a colisão de direitos e os atritos de interesses, do que surge a reação social contra a ação lesiva, de modo que a responsabilidade civil tornou-se uma concepção social, quando antes tinha caráter individual (cf. José de A guiar Dias, Da responsabilidade civil, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 1, p. 13). • Sào três os requisitos da responsabilidade civil: ação (violação a direito), dano (moral e/ou ma­ terial) e nexo casual (elo entre a ação e o dano), nos termos do art. 186 do Código Civil. Sobre o dano moral, a jurisprudência evoluiu para considerar que a gravidade do fato da violação presume a existência do dano, acolhendo a tese defendida por Carlos Alberto Bittar sobre o dano in re ipsa (Reparação civil por danos morais. 3. ed., Sào Paulo, Revista dos Tribunais, 1999). • M uito embora a doutrina não seja uniforme na conceituaçào da responsabilidade civil, é unânime na afirmação de que este instituto jurídico firma-se no dever de “reparar o dano", explicando-o por meio de seu resultado, já que a ideia de reparação tem maior amplitude do

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que a de ato ilícito, por conter hipóteses de ressarcimento de prejuízo sem que se cogite da ilicitude da açào (cf. Caio M ário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9. ed., Rio de Janei­ ro, Forense, 1998, p. 7-11). Na atualidade, a teoria da responsabilidade civil, mesmo que conserve seu nom en juris, "trata-se, com efeito, de reparação do dano" (José de A guiar Dias, Da responsabilidade civil, cit., p. 16). • Foi assim que a teoria da responsabilidade civil, embora mantendo a regra da responsabili­ dade subjetiva, com fundam ento na culpa, passou a adotar também a fundamentação no risco, por meio da denominada responsabilidade objetiva. Os perigos advindos da vida m o­ derna, a multiplicidade de acidentes e a crescente impossibilidade de provar a culpa do autor do ato ilícito acarretaram o surgim ento da teoria do risco ou da responsabilidade objetiva, a demonstrar que o Direito é "um a ciência nascida da vida e feita para disciplinar a própria vida" (Alvino Lima, Culpa e risco, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1960, p. 15-7). • Portanto, a teoria subjetiva ou teoria da culpa continua a fundamentar, com o regra geral, a responsabilidade civil, conforme o caput deste art. 927, que faz referência ao ato ilícito re­ gulado no art. 186, segundo o qual o ato ilícito é a ação ou omissão dolosa, negligente ou imprudente que viola um direito e causa dano a outrem. M as o Código Civil inova ao adotar, nào só diante de previsão legal expressa, mas também de risco na atividade do agente, a teoria objetiva ou teoria do risco no parágrafo único do dispositivo em tela (cf. Cláudio Luiz Bueno de Godoy, Responsabilidade civil pelo risco da atividade, São Paulo, Saraiva, 2009). • Na teoria objetiva ou teoria do risco não se cogita da intenção (dolo) ou do modo de atuação do agente (culpa em sentido estrito: negligência, imprudência ou imperíeia), mas apenas da relação de causalidade entre a ação lesiva e o dano (cf. Carlos Alberto Bittar, Responsabili­ dade civil nas atividades nucleares, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1985). Assim, enquan­ to na responsabilidade subjetiva, embasada na culpa, examina-se o conteúdo da vontade presente na ação, se intencional ou não, tal exame não é feito na responsabilidade objetiva, fundamentada no risco, na qual basta a existência do nexo causai entre a ação e o dano, porque, de antemão, aquela açào ou atividade, por si só, é considerada potencialmente pe­ rigosa. • Existem várias teorias sobre o risco: o risco integral, em que qualquer fato deve obrigar o agente a reparar o dano, bastando a existência de dano ligado a um fato para que surja o direito a indenização; a teoria do risco-proveito, baseada na ideia de que quem tira proveito ou vantagem de uma atividade e causa dano a outrem tem o dever de repará-lo - ubi emolumentum, ibi o n u s; a teoria dos atos norm ais e anormais, medidos pelo padrão médio da sociedade. No entanto, a teoria que melhor explica a responsabilidade objetiva é a do risco criado, adotada pelo Código Civil de 2002, pela qual o dever de reparar o dano surge da atividade normalmente exercida pelo agente, que cria risco a direitos ou interesses alheios. Nesta teoria nào se cogita de proveito ou vantagem para aquele que exerce a atividade, mas da atividade em si mesma, que é potencialmente geradora de risco a terceiros (cf. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, cit., p. 284 e 285). Com o se verifica na teoria do risco criado, a responsabilidade civil é realmente objetiva, por prescindir de qualquer elemen­ to subjetivo, de qualquer fator anímico; basta a ocorrência de dano ligado causalmente a uma atividade geradora de risco, normalmente exercida pelo agente. • 0 Código Civil, ao regular a responsabilidade civil, alarga a aplicação da responsabilidade objetiva, com a adoção da teoria do risco criado, já que o parágrafo único deste dispositivo estabelece a sua aplicação nào só nos casos previstos em leis especiais, mas também quando a atividade normalmente desenvolvida pelo agente implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, embora mantenha o sistema em que a regra geral é a responsabilidade subjetiva, conforme art. 186: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, come­ te ato ilícito".

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• No entanto, embora a teoria do riseo tenha galgado espaço em fase da introdução de ativi­ dades perigosas na sociedade, sendo ditada por leis especiais, com o o Código do Consum idor (Lei n. 8.078/90, arts. 12,13 e 14), a teoria subjetiva ou da culpa, que já era o grande “fundo anim ador" da responsabilidade civil em nosso ordenamento jurídico, continuou a sê-lo no Código Civil de 2002 (cf. Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 21. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, v. 7, p. 39). • No direito positivo, a subsistência da teoria da culpa é uma realidade com a qual deve coe­ xistir a teoria do risco. Ressalta-se que não há razão para que um conceito exclua o outro: a culpa e o risco se completam, na busca de seu objetivo comum - a reparação do dano (cf. W ashington de Barros Monteiro, Carlos Alberto Dabus M a lu f e Regina Beatriz Tavares da Silva, Curso de direito civil, 38. ed., São Paulo, Saraiva, 2011, v. 5, p. 581). • Pode-se concluir que o dever de reparar surge, em regra geral, de atos ilícitos, diante dos quais é necessária a demonstração da culpa, em sentido largo, do lesante, e, em caráter ex­ cepcional, por força de disposição legal expressa ou de risco na atividade do agente, de atos lícitos, os quais geram aquele dever com base no fato de o agente ter colocado em ação forças que são fontes de perigo e de potenciais danos para outrem. A responsabilidade civil avança conforme progride a civilização, havendo necessidade de constante adaptação deste instituto às novas necessidades sociais. Bem por isso, as leis sobre essa matéria devem ter caráter genérico, com o a regra a seguir sugerida, e aos tribunais cabe delas extrair os precei­ tos para aplicá-los ao caso concreto. Em suma, não se pode negar a importância da respon­ sabilidade civil, que invade todos os dom ínios da ciência jurídica, sendo o centro do direito civil e de todos os demais ramos do Direito, tanto de natureza pública quanto privada, por constituir-se em proteção à pessoa em suas mais variadas relações. • Dentre as relações de caráter privado destacam-se as familiares, em que também devem ser aplicados os princípios da responsabilidade civil, com o já reconhecem a doutrina e a juris­ prudência (cf. M ário M oacyr Porto, Responsabilidade civil entre marido e mulher, in Respon­ sabilidade civil: doutrina e jurisprudência, coord. Yussef Said Cahali, Sào Paulo, Saraiva, 1984, p. 203; Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, 3. ed., Sào Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 189; Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade civil, 7. ed., São Paulo, Saraiva, 2002, p. 80-5; José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 2, p. 14-6). Vide comentários ao art. 1.572 e julgados ali citados. • M uito embora as relações familiares sejam repletas de aspectos sentimentais, religiosos, pessoais e patrimoniais, envolvendo as pessoas num projeto grandioso, preordenado a durar, nem sempre isso acontece, dando-se o rompimento dessas relações. Se esse rompimento ocorre com a prática de ato ilícito - descumprimento de dever e violação a direito que acar­ reta danos morais ou materiais a outro membro da família - , sào aplicáveis os princípios da responsabilidade civil, já que preenchidos os seus pressupostos. Sào inúmeras as situações em que os deveres de família são violados, com desrespeito especialmente aos direitos da perso­ nalidade dos envolvidos nessas relações, a acarretar graves danos morais e materiais aos le­ sados, citando-se os seguintes exemplos: as lesões corporais ou sevícias, ofensivas à integri­ dade física, as injúrias graves, violadoras da honra, praticadas por um dos cônjuges contra o outro (cf. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e n o divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 76-9, 153 e 163-5); o atentado à vida da com pa­ nheira, configurado em contaminação de doença grave e letal ou em abandono moral e material (cf. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Responsabilidade civil dos conviventes, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, Síntese/IBDFAM, v. 1, n. 3. out./dez. 1999, p. 36-9); o abandono moral e material pelo filho do pai idoso e enfermo; a recusa quanto ao reconhecimento da paternidade e à realização de exames que possam comprovar a relação de filiação, com conseqüente negação à prestação de alimentos (cf. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reflexões sobre o reconhecimento da filia­

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ção extramatrimonial, Revista de Direito Privado, coord. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Sào Paulo, Revista dos Tribunais, n. 1, jan./mar. 2000, p. 83-4), o reiterado e injustificado descumprimento do dever de visitar o filho menor (cf. Regina Beatriz Tavares da Silva, Responsabilidade civil nas relações entre pais e filhos, N ovo Código Civil: questões controvertidas, responsabilidade civil, coord. M ário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves, Sào Paulo, Método, 2006, p. 463-75). Os lesados nessas circunstâncias, dentre tantas outras, em obediência ao princípio da proteção à dignidade da pessoa humana, merecem a devida reparação pelos danos sofridos. • 0 princípio da reparação de danos encontra respaldo na defesa da personalidade, "repugnando à consciência humana o dano injusto e sendo necessária a proteção da individualidade para a própria coexistência pacífica da sociedade", de modo que "a teoria da reparação de danos ou da responsabilidade civil encontra na natureza do homem a sua própria explicação" (Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 13-28). A aplicabilidade dos princípios da responsabilidade civil ao direito de família tem amplo respaldo constitucional, precisamente na cláusula geral de proteção à dignidade humana, constante do art. 1«, III, da Lei Maior. E outro relevante dispositivo da Constituição Federal que fundamenta a tese reparatória no direito de família é o art. 226, § 8*, ao estabelecer que "o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações". • Referência deve ser feita ao art. 186 do Código Civil de 2002, que estabelece: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito", sendo, evidentemente, ato ilí­ cito aquele praticado em violação a um dever de família. Nào obstante a aplicabilidade dos princípios da responsabilidade civil às relações de família baseie-se nesta regra geral, que consta da Parte Geral do Código e aplica-se, por conseguinte, a todos os Livros deste diploma legal, incluindo o Livro do Direito de Família, recomenda-se o estabelecimento da regra a seguir proposta, observando-se que no direito francês (Código Civil, art. 266) e português (Código Civil, art. 1.792), dentre outros ramos do Direito Comparado, há norma legal nesse sentido. • Independentemente do sistema jurídico sobre a dissolução do casamento, por tratar-se de norma geral aquela constante do art. 186, inserida na Parte Geral deste Código, a responsa­ bilidade civil deve ser havida como aplicável ao rompimento conjugal. Assim ocorre na união estável, em que nào existe regulamentação legal das form as de sua dissolução, mas se con­ sidera plenamente aplicável o princípio indenizatório em caso de violação a dever oriundo da união que gere dano, seja moral, seja material. Nào se pode deixar sem a proteção do instituto jurídico da responsabilidade civil o membro do casal que sofre danos morais e ma­ teriais oriundos de agressão física e de violência moral, entre outras práticas ilícitas no âm ­ bito do casamento e da união estável; merece também essa proteção o consorte que sofre danos materiais decorrentes do extravio ou dissipação de bens do casal pelo outro cônjuge ou companheiro. • Em suma, a responsabilidade civil é verdadeira tutela privada à dignidade da pessoa humana e a seus direitos da personalidade, inclusive na família, que é centro de preservação do ser humano, antes mesmo de ser havida com o núcleo essencial da nação. Conclui-se que a teo­ ria da responsabilidade civil visa ao restabelecimento da ordem ou equilíbrio pessoal e social, inclusive em relações familiares, por meio da reparação dos danos morais e materiais oriun­ dos da ação lesiva a interesse alheio, único meio de cumprir-se a própria finalidade do Direi­ to, que é viabilizar a vida em sociedade, dentro do conhecido ditame de neminem laedere.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 448, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Art. 927. A regra do art. 927, parágrafo único, segunda parte, do CC aplica-se sempre que a atividade normalmente desenvol­

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vida, mesmo sem defeito e nâo essencialmente perigosa, induza, por sua natureza, risco especial e diferenciado aos direitos de outrem. São critérios de avaliação desse risco, entre outros, a esta­ tística, a prova técnica e as máximas de experiência". • Enunciado 447, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 927. As agremiações espor­ tivas sào objetivamente responsáveis por danos causados a terceiros pelas torcidas organizadas, agindo nessa qualidade, quando, de qualquer modo, as financiem ou custeiem, direta ou indire­ tamente, total ou parcialmente". • Enunciado 446, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 927. A responsabilidade civil prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil deve levar em consideração não apenas a proteção da vítima e a atividade do ofensor, mas também a prevenção e o interesse da sociedade". • Enunciado 445, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 927. 0 dano moral indenizável nào pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento". • Enunciado 444, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Art. 927. A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos". • Enunciado 377, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: " 0 art. 7o, XXVIII, da Constituição Federal não é impedimento para a aplicação do disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil quando se tratar de atividade de risco". • Enunciado 286, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Art. 52. Os direitos da persona­ lidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos". Discordamos deste enunciado, já que as pes­ soas jurídicas são titulares de direitos da personalidade, como a honra e a liberdade, o que é re­ conhecido expressamente pelo art. 52 do Código Civil. A dignidade, prevista no art. 1®, III, da Constituição Federal, como cláusula geral de tutela da personalidade da pessoa humana, não elimina os direitos da personalidade da pessoa jurídica. Já que o dano moral decorre de grave violação a direito da personalidade, como a honra e a liberdade, esse Enunciado 286, se fosse aceitável, invalidaria o Enunciado 189, abaixo citado. • Enunciado 189, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “Art. 927. Na responsabilidade civil por dano moral causado à pessoa jurídica, o fato lesivo, como dano eventual, deve ser devi­ damente demonstrado". Este enunciado reconhece o dano moral á pessoa jurídica, mas acentua que precisa ser demonstrado para ser indenizável. • Enunciado 38, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Art. 927. A responsabilidade fun­ dada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade". Discordamos dessa interpretação que norteia a aplicação da responsabilidade objetiva segundo o maior risco acarretado a uma determinada pessoa em comparação com os demais membros da sociedade. Independentemente desse maior risco a uma determinada pessoa, esse dispositivo amplia o poder discricionário do juiz, ao possibilitar a aplicação da teoria do risco consoante a natureza da atividade do agente, geradora de risco.

SÚMULAS • Súmula 479 do STJ: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Sobre o tema, cf. Ênio Santarelli Zuliani, Responsabilidade dos bancos diante da Sú ­ mula 479 do STJ. Disponível em: < http://atualidadesdodireito.com.br/reginabeatriz/2012/07/11/ responsabilidade-dos-bancos-diante-da-sumula-479-do-stj>. • Súmula 404 do STJ: "É dispensável o aviso de recebimento (AR) na carta de comunicação ao con­ sumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros."

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• Súmula 388 do STJ: "A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral". Foi sumulada a matéria na devolução indevida de cheque, situação que justifica a aplicação da presunção do dano moral, em razão da gravidade desse fato. • Súmula 385 do STJ: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indeni­ zação por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancela­ mento". • Súmula 227 do STJ: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral".

JULGADOS • Exemplos de responsabilidade subjetiva. "Ação indenizatória. Danos materiais e morais. Compra e venda de veiculo. Furto. Responsabilidade civil subjetiva da alienante, tendo em vista o atraso na transferência da documentação do veiculo, impedindo a realização de seguro sobre o bem que, posteriormente, foi furtado. Inexiste prova consistente nos autos do nexo de causalidade entre a negligência da concessionária e a negativa de cobertura securitária do veiculo adquirido pelo autor..." (TJSP, 27* Câm. de Dir. Priv., AC 9080324-09.2009.8.26.0000, Rei. Des. Berenice Marcon­ des Cesar, j. em 31-7-2012). “Ação de indenização por danos morais e materiais. Contrato de mandato. Responsabilidade civil subjetiva. Obrigação de meio. Ausência de culpa dos réus. M an­ dato. Obrigação de meio, nâo de resultado. Ausência de prova do suposto ilícito contratual per­ petrado pelos advogados..." (TJSP, 26* Câm., AC 0003789-11.2011.8.26.0361, Rei. Des. Antonio Nascimento, j. em 25-7-2012). "Acidente de trânsito. Responsabilidade civil. Dano moral. Culpa não configurada. Indenização indevida. Recurso provido. No caso de responsabilidade civil subje­ tiva, necessário se provar dano, nexo causai e culpa. Não logrando a autora provar a culpa do réu, seu ônus, nos termos do art. 333, I, CPC, indevida a indenização pleiteada" (TJSP, 35* Câm. Dir. Priv., AC 0004718-62.2007.8.26.0562, Rei. Des. Clóvis Castelo, j. em 18-6-2012). "Responsabilida­ de subjetiva do médico. Videolaparoscopia. Perfuração intestinal. Erro médico. Inocorrência. São pressupostos da responsabilidade civil subjetiva: a conduta culposa do agente, o nexo causai e o dano, e a ausência de quaisquer destes elementos afasta o dever de indenizar. Hipótese em que restou assente no conjunto probatório coligido aos autos, mormente na prova pericial, a correção das condutas médicas adotadas pelo réu, as quais foram qualificadas pelo expertcomo salvadoras, sendo a perfuração intestinal sofrida pela paciente decorrência normal do procedimento de video­ laparoscopia, mostrando-se inviável o reconhecimento do dever de indenizar do suplicado..." (TJRS, 10* Câm. Civ., AC 70046345524, Rei. Des. Paulo Roberto Lessa Franz, j. em 3-5-2012). "Erro médi­ co. Responsabilidade civil subjetiva do profissional liberal que assumiu obrigação de meio. Ònus probatório da parte autora. Afirmação de maus procedimentos médicos e de que a terapia hor­ monal ministrada desenvolveu câncer de mama. Prontuário demonstrando que os procedimentos adotados foram corretos. Curto periodo de uso dos hormônios, o que seria, segundo laudo pericial, incapaz de causar câncer de mama..." (TJSP, 10* Câm. de Dir. Priv., AC 0054827-38.2007.8.26.0576, Rei. Roberto Maia, j. em 24-4-2012). "Responsabilidade civil subjetiva. Exigência de comprovação de dolo ou culpa... Responsabilidade civil por conduta dolosa ou culposa causadora de dano ao erário... 2. É assente a compreensão de que a obrigação de reparar o dano causado à Administra­ ção pelo servidor exige a comprovação de o agente público ter agido com dolo ou culpa, por tratar-se de responsabilidade subjetiva. Após essa comprovação, o ressarcimento ao Erário deverá ser buscado pelo ente público mediante ação judicial, não podendo decorrer somente dos princí­ pios da autotutela e autoexecutoriedade" (STJ, R M S 18780/RS, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, j. em 12-4-2012). "Ação de indenização. Erro médico. Morte de neonato decorrente da ausência de verificação de anomalia. Responsabilidade do médico. Responsabilidade civil subjetiva, amparada na existência de dolo ou culpa na conduta do profissional. Inexistência do dever de indenizar. Médico que adotou todos os procedimentos recomendados pela doutrina médica. Médico que foi induzido a erro pela informação errônea transmitida pela enfermagem. Informação incorreta que foi responsável pela morte da criança..." (TJSP, 7* Cám. de Dir. Priv., AC 0000179-26.2002.8.26,0563, Rei. Des. Luiz Antonio Costa, j. em 4-4-2012). • Exemplos de responsabilidade objetiva. "Apelação. Indenização por danos materiais e morais. Acidente de motocicleta ocasionado por fios da concessionária telefônica que se encontravam soltos ao nível da rua. Responsabilidade objetiva de concessionária de serviço público. Preceden­ tes doutrinários e jurisprudenciais. Aplicação do art. 927, parágrafo único, do CC/2002. Danos

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materiais comprovados, e cabível a indenização..." (TJSP, 8* Câm. de Dir. Priv., AC 910259983.2008.8.26.0000, Rei. Des. Ribeiro da Silva, j. em 25-4-2012). "Consumidor. Responsabilidade civil objetiva. S/te de compra coletiva. Oferta de aparelho celular vinculado a plano de utilização de linha telefônica. Aquisição de cupom sem a respectiva entrega do produto. Falha na prestação do serviço. Dano moral configurado. Precedentes deste Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Responsabilidade solidária dos integrantes da cadeia de consumo. Verba reparatória fixa­ da em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Recursos a que se nega seguimento" (TJRJ, 20* Câm. Civ., AC 0001387-41.2011.8.19.0202, Rei. Des. Marco Antonio Ibrahim, j. em 12-9-2011). "Dano moral. Indenização. Discutível aplicação da responsabilidade civil do provedor de hospedagem sobre os conteúdos de autoria de terceiros. De um lado, se afir­ ma a inexistência de um dever de censura do provedor de hospedagem sobre os pensamentos e manifestações dos usuários. De outro lado, se afirma que se trata, pela própria ausência de con­ trole, de atividade de risco, ou de risco da atividade. Inocorrência de dúvida razoável sobre a ilicitude do conteúdo, que em tese permitiria ao provedor aguardar determinação judicial. Comu­ nidades falsas com conteúdo nitidamente ofensivos à honra do autor que permitem, a um primei­ ro exame, a aferição da ilicitude por parte da ré. Criação de perfil falso e de conteúdo prima fatie ilícito, gerador de responsabilidade civil do provedor, retirado dias após a notificação do autor, antes mesmo da propositura da medida cautelar" (TJSP, 4* Câm. de Dir. Priv., AC 990.10.126.5648, Rei. Des. Francisco Loureiro, j. em 21-10-2010). "Agravo no recurso especial. Reexame de fatos e provas. Inadmissibilidade. Inscrição indevida em cadastro de inadimplentes. Dano moral in re ipsa. 1. É inadmissível o reexame de fatos e provas em recurso especial. 2. A inscrição indevida nos cadastros restritivos de crédito é suficiente para a configuração dos danos morais. 3. Agravo no recurso especial nào provido" (STJ, 3a T., AgRg no REsp 1.142.947-AL, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 7-10-2010). "Agravo regimental no agravo de instrumento. Indenização civil. Danos morais. Inscrição indevida em cadastro de inadimplentes. Comprovação. Desnecessidade. Dano in reipsa. Valor arbitrado moderadamente. Agravo improvido. I. A jurisprudência do STJ é uníssona no sen­ tido de que a inscrição indevida em cadastro restritivo gera dano moral in re ipsa, sendo despicienda, pois, a prova de sua ocorrência. (...)" (STJ, 4a T., AgRg no Ag 1.222.004SP, Rei. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 20-5-2010). "Prestação de serviços. Mecânica automobilística. Ação de indenização por danos materiais. Demanda entre empresas. Sentença de procedência. Julgamen­ to antecipado da lide. Cerceamento de defesa. Não caracterização. Retifica do motor malsucedida. Ré que argúi ter sido da própria autora a culpa, por nào ter autorizado o recondicionamento dos bicos injetores. Prova pericial em torno do alegado. Desnecessidade. Não incidência do Código de Defesa do Consumidor á espécie. Inexistência de relação de consumo. Inversão do ônus probante. Descabimento. Demonstração inequívoca, contudo, do serviço defeituoso. Obrigação de indenizar independente de culpa. Art. 927, parágrafo único, do Código Civil/2002" (TJSP, AC c/ Rev. 1.046.5250,30* Câm., Rei. Des. Marcos Ramos, j. em 30-7-2008). "Responsabilidade civil. Indenização. Danos morais. Acidente de desbarrancamento. Incidência, in easu, das responsabilidades objetiva e subjetiva. Culpa concorrente dos autores. Reexame necessário, considerado interposto, e recursos voluntários improvidos... É a responsabilidade que decorre da presunção do dever de segurança afeto ao dono da construção e quem a constrói, substituindo-se a ideia de culpa pela de risco, como ensina Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 580, na dicção do art. 927, parágrafo único, do CC, com a jurisprudência deste egrégio Tribunal grifando o risco especifico advindo da atividade de escavação..." (TJSP, AC c/ Rev. 670.171-5,11* Câm. de Dir. Públ., Rei. Des. Francisco Vicente Rossi, j. em 30-6-2008). "Ação de indenização de rito sumário. Compra de mercadoria pela Internet cujo pagamento seria efetuado em quatro parcelas. Entrega em do­ micilio nào efetuada. Cobrança indevida na fatura do cartão de crédito das referidas parcelas. Pedido sustentado na ocorrência de danos materiais e morais. Posterior estorno dos valores rela­ tivos à compra efetuada, mediante solicitação da ré-apelante junto à administradora do cartão de crédito. Danos materiais inexistentes. Agravo retido. Preliminar de ilegitimidade passiva ad causam rejeitada. Dano moral configurado. Responsabilidade civil objetiva. Código de Defesa do Consumidor. Culpa exclusiva de terceiro não configurada. Valor da indenização arbitrado em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade" (TJRJ, 13a Câm. Civ., AC 2004.001.19673, Rei. Des. Ernani Klausner, j. em 20-10-2004). • Exemplos de responsabilidade (subjetiva) aplicada às relações de casamento e de união estável. "Responsabilidade civil. Dano moral. Adultério. Ação ajuizada pelo marido traído em face do

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cúmplice da ex-esposa. Ato ilícito. Inexistência. Ausência de violação de norma posta. 1. 0 cúm­ plice de cônjuge infiel não tem o dever de indenizar o traído, uma vez que o conceito de ilicitude está imbricado na violação de um dever legal ou contratual, do qual resulta dano para outrem, e não há no ordenamento jurídico pátrio norma de direito público ou privado que obrigue terceiros a velar pela fidelidade conjugal em casamento do qual nào faz parte. 2. Não há como o Judiciário impor um 'nâo fazer' ao cúmplice, decorrendo disso a impossibilidade de se indenizar o ato por inexistência de norma posta - legal e não moral - que assim determine. 0 réu é estranho à rela­ ção jurídica existente entre o autor e sua ex-esposa, relação da qual se origina o dever de fideli­ dade mencionado no a rt 1.566, inciso I, do Código Civil de 2002..." (STJ, REsp 112.254-7/MG, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 10-11 -2009). "Petição inicial. Ação de reconhecimento e dissolução de união estável. Cumulação com pedido de indenização decorrente de fatos ocorridos durante a convivência. Competência do Juízo de Família. Precedentes da Câmara. Decisão que determinou a emenda da inicial reformada. Recurso provido" (TJSP, Ag. 663.949-4/0-00, 2* Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Morato de Andrade, j. em 25-8-2009). “Açào de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada com indenização por danos morais e materiais. Processamento perante o Juízo da Família. Possibilidade. Conexão entre ação indenizatória e reconhecimento e dissolução de união estável. Economia processual. Decisão reformada" (TJSP, 2» Câm. de Dir. Priv., Ag. 648.0644/1-00, Rei. Des. Morato de Andrade, j. em 23-6-2009). "Os integrantes da Turma Julgadora já exteriorizaram posições que não são absolutamente coincidentes sobre o cabimento de dano moral por adultério dos cônjuges, sendo que esse relator pontuou a oportunidade de se definir o direito diante de caso concreto, na medida em que o adultério, como definido nos arts. 1.566,1, e 58, caput, da Lei n. 6.515/77, por ser uma conduta antijurídica [tanto que proporciona o divórcio ou a separação litigiosa por constituir ato desonroso aos deveres do casamento e da união estável] poderá, em determinadas circunstâncias, ofender a honra objetiva e/ou a honra subjetiva do cônjuge traído. Portanto e desde que a prática do adultério repercuta na esfera íntima do marido ou da esposa, lesando direitos considerados como da personalidade do indivíduo [art. 5°, V e X, da CF], poderá ser concedida indenização para contemporizar os malefícios da ilicitude [art. 186 do CC]" (TJSP, Ap. 532.876.4/6-00, 4* Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Ênio Zuliani, j. em 16-4-2009). "Responsabilidade civil. Adultério do marido praticado com mulher do relacionamento social da família e que motiva o abandono abrupto do lar, desestruturando a vida da mulher abandonada, tanto no aspecto financeiro como na administração dos interesses comuns, especialmente por testemunhar o filho mais novo ser tomado pelo vicio das drogas. Ato ilícito que ultrapassa os li­ mites do Direito de Família e que provoca lesão a direitos da personalidade, justificando a inde­ nização por danos morais, admitida a solidariedade da amante, pela maneira maliciosa de agir. Não provimento do recurso dos requeridos, com provimento, em parte, do recurso da autora, majorando o quantum para R$ 20.000,00“ (TJSP, Ap. 361.324.4/7-00, 4» Câm. de Dir. Priv., voto divergente do Des. Ênio Zuliani, j. em 27-3-2008). "Reparação por danos materiais e morais. Descumprimento dos deveres conjugais de lealdade e sinceridade recíprocos. Omissão sobre a verda­ deira paternidade biológica. (...) 0 desconhecimento do fato de não ser o pai biológico dos filhos gerados durante o casamento atinge a honra subjetiva do cônjuge, justificando a reparação pelos danos morais suportados" (STJ, REsp 742.137/RJ, 3*T., Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 21-8-2007). "A mulher e o marido assumem com o casamento obrigação de mútua fidelidade e a violação dessa obrigação pela mulher que ainda coabita com o marido configura ato ilícito, ofensa à hon­ ra subjetiva e objetiva do cônjuge, constituindo tal fato um dano moral indenizável, primeiro porque mesmo no casamento estremecido o dever de fidelidade da mulher só cessa com decisão judicial autorizada da separação de corpos, depois porque a Carta Política de 1988 deu ao dano moral pódio constitucional e, finalmente, assim como o credor que negativa indevidamente o nome do cliente tem obrigação de indenizá-lo, o cônjuge que trai o outro causa-lhe dano moral também indenizável" (TJRJ, El 2006.005.00500, 16a Câm. Cível, Rei. Des. Miguel Angelo Barros, j. em 6-2-2007); "Responsabilidade civil. Dano moral. União estável. Violação do dever de respeito e consideração mútuos. Fidelidade reciproca. Art. 2°, I, da Lei federal n. 9.278/96. Admissibilidade. Dano configurado. Verba devida. Recurso parcialmente provido" (TJSP, Ap. 372.559-4/4, 5* Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Francisco Casconi, j. em 24-5-2006). "Legitimidade ad causam. Ação inde­ nizatória. Abuso sexual praticado contra menor de idade. Circunstância em que a mãe da vitima pode postular a reparação de lesões extrapatrimoniais. Sofrimento suportado pela filha que tam­ bém atinge sua genitora. Aplicação da teoria do dano 'ricochete' ou dano reflexo" (TJRJ, AC 2006.001.03858, 11a Câm. Cível, Rei. Des. José Carlos de Figueiredo, j. em 29-3-2006)."... a infi-

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delidade conjugal indica a desagregação e a falência moral da família e agrava a honra do outro cônjuge... (...) Ora, considerando que a autora e réu eram professores na mesma escola, onde também estudava a moça com quem se envolveu o varão (com toda repercussão dai advinda), parece-nos evidente que a dor moral causada pela infidelidade conjugal dele deve ter sido um martírio e causado na autora profundo mal-estar espiritual e angústia, caracterizando ataque de índole dolorosa e acentuada" (TJSP, Ap. 369.581-4/700, 6* Câm. de Dir. Priv., voto divergente do Des. José Percival Albano Nogueira Júnior, j. em 17-2-2005). “Apelação. Indenização por danos morais decorrentes de imputação de falsa paternidade. Pelo exame do conjunto probatório, evi­ dencia-se que a ré não agiu corretamente no que se refere à atribuição de paternidade ao autor, posto que, após a separação de fato do casal, não nega que teve relações sexuais com outro homem e, portanto, no mínimo, existia dúvida..." (TJSP, AC 205.129-4,9* Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Sérgio Gomes, j. em 1°-7-2003). “Não é possível resguardar a ordem social excluindo de apreciação do órgão judicante lesão a direito, porque a questão ficaria sem solução indefinidamente, gerando intranqüilidade e levando à autotutela, pelas insatisfações e inconformismos que se criam, ten­ dência natural do homem da p o lif (TJRS, AC 70001046937,9* Cãm. Civel em Regime de Exceção, Rei. Des. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, j. em 28-11-2001). "A melhor das indicações é a de que houve comportamento injurioso... tal fato, por si só, enquadra-se, a meu juízo, para fins de inde­ nização, no art. 159 do CC (atual art. 186 no novo Código Civil), que compreende... também o dano de natureza moral... Se existe um comportamento injurioso diante da lei brasileira, causando a ruptura do casamento, diante das atitudes dominadoras do marido que provocaram a instabilida­ de psíquica da mulher, a indenização é cabível" (STJ, REsp 37.051, 3* T., Rei. Min. Nilson Naves, j. em 17-4-2001). "Indenização. Dano moral e material. Adultério. Nascimento de uma criança na constância do casamento. Paternidade admitida pelo marido. Presunção. Pai biológico um tercei­ ro. Indenização devida. Procedência" (TJSP, AC 103.663-4, 61 Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Octavio Helene, j. em 31-8-2000, JTJ, 235/47). "Separação litigiosa (Lei n. 6.515/77, art. 5°, caput). Imputaçào de adultério à mulher. Irrogação caluniosa. Não obstante, decretação da separação por motivo diverso (Lei do Divórcio, art. 5o, § 1o) não articulado na inicial. Impossibilidade in casu. Vilarejo. Comunidade reduzida. Inevitável interpretação de que o acolhimento do pedido significa reconhecimento judicial do adultério imaginário. Reputação arruinada de mulher inocente. Im­ pensável concurso da justiça para o imerecido estigma. Provimento" [JTJ, 282/261). "Indenização por danos materiais e morais em virtude de liminar de separação de corpos, a qual afastou o re­ querente do lar em que vivia com sua companheira (autora da cautelar). Alegações da autora da cautelar não comprovadas..." (TJRS, AC 599040367, 2* Câm. de Férias Civel, Rei. Des. Orlando Heemann Júnior, j. em 18-8-1999). "Ação indenizatória. Concubinato. Pretensão formulada pela mulher contra ex-companheiro que a abandonou após engravidar, perder o emprego e em con­ seqüência abortar involuntariamente. Rejeição liminar da ação por ausência de sucedâneo jurídi­ co. Inadmissibilidade, pois existente adequação jurídica, interesse e legitimidade" (TJSP, Ap. 66.960-4/8, 2* Cãm. de Dir. Priv., Rei. Des. Enio Zuliani, j. em 23-2-1999, RT, 765/191); "Respon­ sabilidade civil. Contágio pelo vírus da AIDS. Culpa de companheiro, em relação concubinária. Exclusão da propalada culpa concorrente da vitima. Cumulaçào de indenizações por danos moral e material. Admissibilidade" (TJSP, AC 248.641-1,10* Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Quaglia Barbosa, j. em 23-4-1996). "Indenização. Simulação de estado de gravidez para fins escusos. Repercussão negativa. Perturbação das relações psíquicas do ex-marido. Dano moral devido" (TJSP, AC 272.221.1/2, 6» Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Testa Marchi, j. em 10-10-1996). "Marido foi conde­ nado a pagar indenização à mulher, em razão da 'dor moral' sofrida pela consorte, decorrente de ofensa à sua 'honra e dignidade', causa de pedir: ofensa praticada nos autos da ação de separação judicial - acusação injuriosa" (TJSP, AC 220.943-1/1, 4* Câm. Civel, j. em 9-3-1995); • Exemplos de responsabilidade subjetiva aplicada às relações entre pai e mãe e entre pais e filhos. “Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o conseqüente dever de in­ denizar/compensar no Direito de Família. 2. 0 cuidado como valor jurídico objetivo está incorpo­ rado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamen­ te tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - impor­

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ta em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de rea­ valiação na estreita via do recurso especial..." (STJ, REsp 115.924-2/SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 24-4-2012). "Civil. Recurso especial. Ação de compensação por danos morais. Pai que batiza o filho sem o conhecimento da mãe. Ausência de relacionamento amistoso entre os pais. Irrele­ vância. Danos morais. Ocorrência. Hipótese em que a recorrente (mãe) ajuizou ação de compen­ sação por danos morais, em face do recorrido (pai), porque este batizou o filho sem a presença da mãe, que somente obteve conhecimento desta cerimônia religiosa após sete meses da sua reali­ zação. Mesmo considerando que os pais são separados judicialmente e que não possuem, entre si, relacionamento amistoso, as responsabilidades sobre os filhos menores devem ser igualmente repartidas. Não há como atribuir essas responsabilidades em favor de um dos pais, em detrimento do outro. A fragilidade e a fluidez dos relacionamentos entre os pais não devem perpassar as re­ lações entre pais e filhos, as quais precisam ser perpetuadas e solidificadas. Em contraponto à instabilidade dos vínculos advindos das uniões matrimoniais, estáveis ou concubinárias, os laços de filiação devem estar fortemente assegurados, com vistas no interesse maior da criança. Dessarte, o recorrido, ao subtrair da recorrente o direito de presenciar a celebração de batismo do filho que tiveram em comum, cometeu ato ilícito, ocasionando danos morais à mãe, nos termos do art. 186 do CC/02. Recurso especial conhecido e provido" (REsp 1.117.793/RJ, 3* T., Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 4-2-2010). "Indenizatória. Ação de danos morais intentada pela filha em face de seu genitor. Lesões ao direito da personalidade decorrentes da relação familiar. Dano à integridade psicofísica configurado. A hipótese dos autos versa sobre indenizações por danos morais, pleiteadas pela filha, em face do genitor, com fundamento nas seqüelas psíquicas sofridas em razão dos destratos sofridos. Sendo o dano moral ofensa aos direitos da personalidade, e averiguados os danos psíquicos, tanto pela magistrada de primeiro grau quanto pelas perícias realizadas em processos anteriores, impõe-se o reconhecimento do direito da filha à reparação" (TJRJ, AC 2006.001.53948, 9* Câm. Cível, Rei. Des. Roberto de Abreu e Silva, j. em 27-2-2007). • Exemplos de reparação de danos morais à pessoa jurídica. "Responsabilidade civil. Cheques ex­ traviados. Protesto. Danos morais... 2. Esta Corte já firmou entendimento que 'nos casos de pro­ testo indevido de titulo ou inscrição irregular em cadastros de inadimplentes, o dano moral se configura in re ipsa, isto é, prescinde de prova, ainda que a prejudicada seja pessoa jurídica' (REsp 105.966-3/MS, Rei. Min. Nancy Andrighi, DJe, 17-12-2008)" (STJ, AgRg no Ag. em REsp 15861/SP, Rei. Min. Sidnei Beneti, j. em 17-4-2012). "Responsabilidade civil. Dano moral. Pessoa jurídica. Reexame de provas. Súmula 7/STJ. Súmula 227/STJ. Incidência. Inexistência de fatos novos. Liqui­ dação por arbitramento que se impõe. 1. Se as instâncias de origem, soberanas na análise do conjunto fático-probatório dos autos, concluem que a conduta da ré, isoladamente considerada, é bastante para atrair o dever de compensação, uma vez que em face das circunstâncias concretas da situação podia e devia ter agido de outro modo, revela-se descabido o exame da matéria, em sede especial, ante o óbice contido na Súmula 7 desta Corte. 2. Nos termos do enunciado n. 227 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, 'a pessoa jurídica pode sofrer dano moral'. 3. Situada a quantificação do dano moral em terreno de elevado grau de subjetivismo, a liquidação por ar­ bitramento apresenta-se como sede adequada à valoração do prejuízo sofrido. 4. Desarrazoada a manutenção de determinação pela apuração por artigos, quando a própria parte interessada admite inexistir fato novo a ser provado. 5. Recursos especiais da ré não conhecidos. Conhecido e provido o da autora" (REsp 466.770/DF, 4* T., Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. em 9-2-2010). "Ci­ vil e processual. Recurso especial. Ação de indenização. Protesto indevido. Dano moral. Responsa­ bilidade reconhecida pelo Tribunal a quo. Valor. Redução. Razoabilidade. Improvimento. I - Re­ conhecida a responsabilidade da recorrente pelas instâncias ordinárias pelo indevido protesto de título, feito em nome de pessoa jurídica diversa da devedora, cabível a indenização, que foi fixa­ da em montante razoável. II - Recurso especial improvido" (REsp 1.195.000/AM, 4* T., Rei. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 3-8-2010).

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• Julgados em que foi afastada a obrigação de reparar por ausência de nexo causai. "Responsabi­ lidade civil do Estado. Assalto praticado contra motorista parado em sinal de trânsito. Omissão do Estado em prover segurança pública no local. Nexo de causalidade. Requisito indispensável. A u ­ sência. 1. A imputação de responsabilidade civil, objetiva ou subjetiva, supõe a presença de dois elementos de fato (a conduta do agente e o resultado danoso) e um elemento lógico-normativo, o nexo causai (que é lógico, porque consiste num elo referencial, numa relação de pertencialidade, entre os elementos de fato; e é normativo, porque tem contornos e limites impostos pelo sistema de direito). 2. Nesse domínio jurídico, o sistema brasileiro, resultante do disposto no art. 1.060 do CC/1916 e no art. 403 do CC/2002, consagra a teoria segundo a qual só existe o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa. 3. No caso, não há como afirmar que a deficiência do serviço do Estado, que não destacou agentes para prestar segurança em sinais de trânsito sujeitos a assaltos, tenha sido a causa necessária, direta e imediata do ato ilícito pra­ ticado pelo assaltante de veiculo. Ausente o nexo causai, fica afastada a responsabilidade do Es­ tado. Precedentes do STF e do STJ..." (STJ, REsp 843.060/RJ, Rei. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 15-2-2011). "Recurso especial. Responsabilidade civil. Erro médico. Art. 14 do CDC. Cirurgia plástica. Obrigação de resultado. Caso fortuito. Excludente de responsabilidade. 1. Os procedimen­ tos cirúrgicos de fins meramente estéticos caracterizam verdadeira obrigação de resultado, pois neles o cirurgião assume verdadeiro compromisso pelo efeito embelezador prometido. 2. Nas obrigações de resultado, a responsabilidade do profissional da Medicina permanece subjetiva. Cumpre ao médico, contudo, demonstrar que os eventos danosos decorreram de fatores externos e alheios à sua atuação durante a cirurgia. 3. Apesar de não prevista expressamente no Código de Defesa do Consumidor, a eximente de caso fortuito possui força liberatória e exclui a responsabi­ lidade do cirurgião plástico, pois rompe o nexo de causalidade entre o dano apontado pelo pa­ ciente e o serviço prestado pelo profissional. 4. Age com cautela e conforme os ditames da boa-fé objetiva o médico que colhe a assinatura do paciente em 'termo de consentimento informado', de maneira a alertá-lo acerca de eventuais problemas que possam surgir durante o pós-operatório. Recurso especial a que se nega provimento" (REsp 1.180.815/MG, 3a T., Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 19-8-2010). "Responsabilidade civil. Tabagismo. Ação reparatória ajuizada por familiares de fumante falecido. Prescrição inocorrente. Produto de periculosidade inerente. Inexistência de violação a dever jurídico relativo à informação. Nexo causai indemonstrado. Teoria do dano dire­ to e imediato (interrupção do nexo causai). Improcedência do pedido inicial. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC quando o acórdão, de forma explicita, rechaça todas as teses do recorrente, apenas chegando a conclusão desfavorável a este. Também inexiste negativa de prestação jurisdicional quando o Tribunal de origem aprecia a questão de forma fundamentada, enfrentando todas as questões fátieas e jurídicas que lhe foram submetidas. 2. A pretensão de ressarcimento do próprio fumante (cuja prescrição é qüinqüenal, REsp. 489.895/SP), que desenvolvera moléstias imputadas ao fumo, manifesta-se em momento diverso da pretensão dos herdeiros, em razão dos alegados danos morais experimentados com a morte do fumante. Só a partir do óbito nasce para estes ação exercitável (actio nata), com o escopo de compensar o pretenso dano próprio. Prelimi­ nar de prescrição rejeitada. 3. 0 cigarro é um produto de periculosidade inerente e não um pro­ duto defeituoso, nos termos do que preceitua o Código de Defesa do Consumidor, pois o defeito a que alude o Diploma consubstancia-se em falha que se desvia da normalidade, capaz de gerar uma frustração no consumidor ao não experimentar a segurança que ordinariamente se espera do produto ou serviço. 4. Não é possível simplesmente aplicar princípios e valores hoje consagra­ dos pelo ordenamento jurídico a fatos supostamente ilícitos imputados à indústria tabagista, ocorridos em décadas pretéritas - a partir da década de 1950 - , alcançando notadamente perío­ dos anteriores ao Código de Defesa do Consumidor e a legislações restritivas do tabagismo. 5. Antes da Constituição Federal de 1988 - raiz normativa das limitações impostas às propagandas do tabaco - , sobretudo antes da vasta legislação restritiva do consumo e publicidade de cigarros, aí incluindo-se notadamente o Código de Defesa do Consumidor e a Lei n. 9.294/96, nào havia dever jurídico de informação que impusesse às indústrias do fumo uma conduta diversa daquela por elas praticada em décadas passadas. 6. Em realidade, afirmar que o homem não age segundo o seu livre-arbítrio em razão de suposta 'contaminação propagandista' arquitetada pelas indústrias do fumo, é afirmar que nenhuma opção feita pelo homem é genuinamente livre, porquanto toda escolha da pessoa, desde a compra de um veiculo a um eletrodoméstico, sofre os influxos do meio social e do marketing. É desarrazoado afirmar-se que nessas hipóteses a vontade não é livre. 7. A boa-fé não possui um conteúdo per se, a ela inerente, mas contextual, com significativa carga

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histórico-soeial. Com efeito, em mira os fatores legais, históricos e culturais vigentes nas décadas de cinqüenta a oitenta, não há como se agitar o princípio da boa-fé de maneira fluida, sem con­ teúdo substancial e de forma contrária aos usos e aos costumes, os quais preexistiam de séculos, para se chegar à conclusáo de que era exigivel das indústrias do fumo um dever jurídico de infor­ mação aos fumantes. Não havia, de fato, nenhuma norma, quer advinda de lei, quer dos princípios gerais de direito, quer dos costumes, que lhes impusesse tal comportamento. 8. Além do mais, somente rende ensejo à responsabilidade civil o nexo causai demonstrado segundo os parâmetros jurídicos adotados pelo ordenamento. Nesse passo, vigora do direito civil brasileiro (art. 403 do CC/2002 e art. 1.060 do CC/1916), sob a vertente da necessariedade, a 'teoria do dano direto e imediato', também conhecida como 'teoria do nexo causai direto e imediato’ ou 'teoria da inter­ rupção do nexo causai’. 9. Reconhecendo-se a possibilidade de vários fatores contribuírem para o resultado, elege-se apenas aquele que se filia ao dano mediante uma relação de necessariedade, vale dizer, dentre os vários antecedentes causais, apenas aquele elevado à categoria de causa necessária do dano dará ensejo ao dever de indenizar. 10. A arte médica está limitada a afirmar a existência de fator de risco entre o fumo e o câncer, tal como outros fatores, como a alimentação, o álcool, a carga genética e o modo de vida. Assim, somente se fosse possível, no caso concreto, determinar quâo relevante foi o cigarro para o infortúnio (morte), ou seja, qual a proporção cau­ sai existente entre o tabagismo e o falecimento, poder-se-ia cogitar de se estabelecer um nexo causai juridicamente satisfatório. 11. As estatísticas - muito embora de reconhecida robustez nâo podem dar lastro à responsabilidade civil em casos concretos de mortes associadas ao taba­ gismo, sem que se investigue, episodicamente, o preenchimento dos requisitos legais. 12. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, provido" (REsp 1.113.804/RS, 4* T., Rei. Min. Luis Fe­ lipe Salomão, j. em 27-4-2010). "Civil. Indenização. Dano moral. Cirurgia para descompressão da medula. Paraplegia do autor. Nexo causai. Inexistência. Comprovação. Violação ao art. 159 do CC/1916. Configurada. 1. Não há como se deferir qualquer pretensão indenizatória sem a com­ provação, ao curso da instrução nas instâncias ordinárias, do nexo de causalidade entre a cirurgia e a paraplegia do autor. 2. Viola o art. 159 do CC/1916, a decisão do Tribunal de origem que en­ tende rompido o nexo de causalidade da obrigação de indenizar e, mesmo assim, condena a re­ corrente ao pagamento de indenização por danos morais como resposta humanitária mínima. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido" (REsp 685.929/RJ, 4* T., Rei. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, desembargador convocado doTJAP, j. 18-3-2010). "Proces­ sual civil. Recurso especial. Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Incêndio no interior de estabelecimento de casa destinada a shows. Desafio ao óbice da Súmula 7/STJ. Ausência de nexo de causalidade entre a omissão estatal e o dano - incêndio. Culpa de terceiros. Prejudicada a análise do chamamento do processo. 1. Ação indenizatória em face de Município, em razão de incêndio em estabelecimento de casa destinada a shows, ocasionando danos morais, materiais e estéticos ao autor. (...) 4. A jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de que em se tratando de conduta omissiva do Estado a responsabilidade é subjetiva e, neste caso, deve ser discutida a culpa estatal. Este entendimento cinge-se no fato de que na hipótese de responsabi­ lidade subjetiva do Estado, mais especificamente, por omissão do Poder Público o que depende ê a comprovação da inércia na prestação do serviço público, sendo imprescindível a demonstração do mau funcionamento do serviço, para que seja configurada a responsabilidade (...). 5. In casu, o Tribunal de origem entendeu tratar-se da responsabilidade subjetiva do Estado, em face de conduta omissiva, consoante assentado (...). Deveras, em se tratando de responsabilidade subjeti­ va, além da perquiriçâo da culpa do agente há de se verificar, assim como na responsabilidade objetiva, o nexo de causalidade entre a ação estatal comissiva ou omissiva e o dano (...). Diante disto, não restaram dúvidas que o ato culposo foi praticado por terceiros que, de forma inescrupulosa decidiram promover o show pirotécnico, sem qualquer zelo com as 1.500 pessoas que superlotaram aquela casa noturna, não obstante terem conhecimento possuía capacidade para 270 pessoas (fl.). 10. 0 contexto delineado nos autos revela que o evento danoso nâo decorreu de atividade eminentemente estatal, ao revés, de ato de particulares estranhos à lide (...)" (REsp 888.420/MG, 1» T.. Rei. Min. Luiz Fux, j. em 7-5-2009). • Exemplos de questões sobre danos morais e abalo de crédito. "Inscrição indevida do nome da devedora em órgão de proteção ao crédito... 1. Esta Corte já firmou entendimento que nos casos de inscrição irregular em cadastros de inadimplentes, o dano moral se configura in re ipsa..." (STJ, AgRg no Ag. em REsp 141.808/SP, Rei. Min. Sidnei Beneti.j. em 24-4-2012). "Responsabilidade do

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serviço de proteção ao crédito pela inscrição indevida no cadastro de inadimplentes. Verificação. Dano moral. Desnecessidade de demonstração do prejuízo. In re ipsa. Valor exorbitante da inde­ nização. Nào verificação. Padrão jurisprudencial... 2. 0 entendimento desta Corte é firme no sentido de que o serviço de proteção ao crédito é responsável pelos danos resultantes da inscrição indevida no cadastro de inadimplentes, porque é a ele que compete, concretamente, a negativação do nome. 3. 0 dano moral decorrente da inscrição indevida no cadastro de inadimplentes é con­ siderado in re ipsa, não sendo necessária, portanto, a prova do prejuízo. Precedentes..." (STJ, AgRg no REsp 957.880/SP, Rei. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 6-3-2012). "Agravo regimental. Responsabilidade civil. Habilitação fraudulenta de linha telefônica. Inscrição indevida em cadastros de inadimplentes. Recurso infundado. Aplicação da multa prevista no art. 557, § 2a, do CPC... 2. 0 Tribunal de origem, procedendo com amparo nos elementos de convicção dos autos, constatou a conduta ilícita da empresa de telefonia e reconheceu o seu dever de indenizar pelos danos morais causados. Incidência da súmula 7/STJ. 3. A quantia fixada pelo Tribunal de origem atende as cir­ cunstâncias do caso concreto, não escapa à razoabilidade e nem se distancia dos parâmetros adotados por este Tribunal Superior, que preleciona ser razoável a condenação em 50 (cinqüenta) salários mínimos por indenização decorrente de inscrição indevida em cadastros de inadimplentes. Precedentes. 4. Agravo regimental nào provido, com aplicação de multa" (STJ, 4* T., AgRg no Ag. 1.089.767MG, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 18-8-2011). "Agravo regimental. Reclamação. Resolução STJ n. 12/2009. Inscrição indevida em cadastro de proteção ao crédito. Danos morais. Razoabilidade da quantia fixada. 1. A quantia fixada pelo Colegiado de origem não extrapola os limites admitidos por este egrégio Superior Tribunal de Justiça como razoáveis para hipóteses de inscrição indevida do nome do consumidor em cadastro de proteção ao crédito, isto é, valores em torno de cinqüenta salários mínimos..." (STJ, 2» S., AgRg na Rcl. 5.244-MT, Rei. Min. Raul Araújo, j. em 14-3-2011). “Agravo regimental em agravo de instrumento. Responsabilidade civil. Inscrição indevida em órgãos de proteção ao crédito. Dano moral. Banco. Abertura de conta por terceiro. Súmula 7/STJ. Valor da condenação. 1. 0 banco responde pelos danos morais decorrentes de inscrição indevida em cadastros de inadimplente, fundada em divida relativa à conta corrente aberta por terceiro, com utilização de documentos falsificados. Precedentes. 2. A quantia fixada nào se revela excessiva, considerando-se os parâmetros adotados por este Tribunal Superior, que preleciona ser razoável a condenação em 50 (cinqüenta) salários mínimos por indenização decor­ rente de inscrição indevida em órgãos de proteção ao crédito. Precedentes. Recurso a que se nega provimento" (STJ, 4* T., AgRg no Ag. 1.270.391 -PR, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 9-11 -2010). “Agravo regimental em agravo de instrumento contra a inadmissão de recurso especial. Indeniza­ ção por danos morais. Ausência de prévia notificação. Quantum indenizatório razoável. Súmula 7/STJ. Correção monetária, juros moratórios e honorários advocatíeios. Meros consectários legais. Agravo regimental desprovido... Desse modo, nào se mostra desproporcional a fixação em 50 (cinqüenta) salários mínimos a título de reparação moral em favor do ora agravado, em virtude dos danos sofridos pela ausência da prévia notificação da inscrição do seu nome em cadastro de inadimplentes, motivo pelo qual não se justifica a excepcional intervenção desta Corte no presen­ te feito, como bem consignado na decisão agravada. Precedentes. 2. A incidência de correção monetária e de juros moratórios, bem como o acréscimo decorrente da condenação em honorários advocatíeios, meros consectários legais da sucumbência, normalmente não têm o condão de tor­ nar exacerbado o quantum indenizatório arbitrado na Corte de origem..." (STJ, 41 T., AgRg no Ag. 1.255.892-SP, Rei. Min. Raul Araújo, j. em 21-9-2010)."(...) 0 cancelamento do nome do devedor junto aos cadastros de inadimplentes após a regular quitação da divida é de inteira responsabili­ dade do credor. Deixando o réu de assim proceder, causa dano imaterial ao autor, na exata me­ dida em que foi submetido à situação vexatória, sendo impedido de adquirir bens a prazo no comércio, em razão de constar a inscrição do seu nome no cadastro de inadimplentes da SERASA. II - Possui interesse processual a parte que utiliza o meio jurídico adequado, necessário e útil para satisfazer a pretensão de direito material, consistente em receber indenização por ilícito pratica­ do pelo ofensor. Comete ilícito civil, passível de reparação por abalo de crédito, empresa que, indevidamente, mantém o nome do devedor no rol de inadimplentes, por falta de pagamento, depois de quitada a divida. III - Considerando a natureza compensatória do montante pecuniário em sede de danos morais, a importância estabelecida em decisão judicial há de estar em sintonia com o ilícito praticado, a extensão do dano sofrido pela vitima com todos os seus consectários, a capacidade financeira do ofendido e do ofensor, servindo como medida punitiva, pedagógica e

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inibidora. Assim há de ser mantida a sentença que estabeleceu o valor fixado a titulo de compen­ sação por danos morais experimentados pelo autor..." (TJSC, Ap. 2006.034205-4, Rei. Des. Joel Dias Figueira Júnior, j. em 22-4-2010)."... Nâo há obrigação de compensar pecuniariamente quando ausente o dano moral, porquanto provado nos autos que o devedor, à época da restrição crediticia objeto da pretensão deduzida em juízo, possuía diversas outras anotações pendentes em órgãos de proteção ao crédito. Ocorre que a prática da inadimplência e a habitualidade em suportar esse tipo de constrangimento afasta os prejuízos de ordem extrapatrimonial alegadamente sofridos, com escopo manifesto em obter a indevida compensação pecuniária, porquanto inexistente qual­ quer prejuízo no caso concreto" (TJSC, Ap. 2007.045820-2, Rei. Des. Joel Dias Figueira Júnior, j. em 19-4-2010). "... Ainda que se reconheça a existência de um suposto fraudador que tenha falsificado os documentos do autor, é nítida a falha da empresa administradora de cartão de crédito, que tinha o dever de conferir a autenticidade dos dados apresentados pelo contratante, bem como a veracidade dos que indicou para o registro no rol de maus pagadores. II - Havendo inscrição nos órgãos de restrição ao crédito em razão de divida não contraída pelo Autor, as con­ seqüências danosas são presumíveis, restando ao lesante o dever de compensar pecuniariamente pelo dano causado independentemente da comprovação do prejuízo..." (TJSC, Ap. 2006.038224-7, Rei. Des. Joel Dias Figueira Júnior, j. em 16-4-2010)."... Se a instituição financeira rescinde unilateralmente o contrato de cheque especial de seu cliente, sem qualquer comunicação prévia e, em virtude desse fato, devolve cheque sem provisão de fundos por ter extrapolado o limite de saldo existente em conta, inscrevendo-o em cadastro de maus pagadores, pratica ilícito civil, causando-Ihe danos morais, que haverão de ser compensados pecuniariamente..." (TJSC, Ap. 2006.0175518, Rei. Des. Joel Dias Figueira Júnior, j. em 15-4-2010). "Civil. Ação indenizatória. Débito. Acordo para pagamento. Restrição cadastral interna. Recusa ao fornecimento de talonário de cheques. Impossibilidade. Supressão de crédito e vantagens a cliente. Ato compatível com a redução da confiança causada por inadimplência anterior. Ilícito reconhecido apenas parcialmente. Valor indenizatório reduzido. I - A relação instituição bancária/cliente, para fins de obtenção de crédi­ to, vantagens e tratamento privilegiado, tem como elemento essencial a confiança, que é con­ quistada pelo correntista ao longo do tempo, pela avaliação de dados como a pontualidade, ca­ pacidade econômica, idoneidade, e outros mais. II - Destarte, ocorrendo inadimplência por longo tempo, ainda que contornada, posteriormente, através de transação que abateu parte da divida, natural que haja um abalo no status então já alcançado, o que justifica a atitude do banco em suprimir certos benefícios anteriores e negar a concessão de novos créditos internamente, no âmbito da própria instituição, sem com isso incidir em prática ilícita. III - Extrapola, no entanto, essa faculdade, o bloqueio de talonário de cheques da correntista, porquanto é direito do cliente a livre movimentação, de modo usual, seguro e cômodo, do saldo positivo que mantém junto ao banco, e sobre o qual não pesam quaisquer restrições legais ou de ordem judicial, de modo que a restrição injustamente imposta pelo réu causa constrangimento e fere direitos suscetíveis de re­ paração, nos termos do art. 159 do Código Civil anterior, vigente à época dos fatos. IV - Redução do quantum indenizatório, para compatibilizá-lo com o porte da lesão, que se tem como menor que a admitida pela instância o quo. V - Recurso especial conhecido e parcialmente provido" (REsp 732.189/RS, 4a T., Rei. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 9-3-2010). "Consumidor. Inscrição em cadastro de inadimplentes. Dano moral inexistente se o devedor já tem outras anotações, regulares, como mau pagador. Quem já é registrado como mau pagador não pode se sentir moralmente ofendido por mais uma inscrição do nome como inadimplente em cadastros de proteção ao cré­ dito. Dano moral haverá se comprovado que as anotações anteriores foram realizadas sem a prévia notificação do interessado. Recurso especial não conhecido" (REsp 1.002.985/RS, 2* S., Rei. Min. Ari Pargendler, j. em 14-5-2008). "Agravo regimental. Agravo de instrumento. Quantum indenizatório. Alegação de excessividade. Não ocorrência. Valor proporcional. Adequação em re­ lação ao valor do débito inscrito. I - Para a verificação acerca da proporcionalidade do quantum indenizatório fixado por danos morais deve-se atentar não apenas para o valor absoluto, mas também para o valor do débito. II - No caso, o valor indenizatório, correspondente a 50 (cinqüen­ ta) salários mínimos, eqüivale a cerca de 17 (dezessete) vezes o valor do débito, não se configu­ rando desproporcionalidade a ensejar modificação por esta Corte. Agravo regimental improvido" (STJ, 3a T., AgRg no Ag. 889.010-SP, Rei. Min. Sidnei Beneti, j. em 11-3-2008). "Civil. Recurso es­ pecial. Ação de indenização. Danos morais. Extravio e roubo de talonário de cheques pertencentes ao autor. Emissão de um cheque devolvido por insuficiência de fundos. Ocorrência posterior de

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inclusão em órgão de proteção ao crédito. Negligência do banco caracterizada. Fixação do valor indenizatório. Redução. Divergência jurisprudencial. 1. Dissídio jurisprudencial comprovado, nos termos dos art. 541, parágrafo único, do CPC e 255, § 2°, do Regimento Interno desta Corte. 2. No presente pleito, o Tribunal de origem - ao concluir pela conduta ilícita do banco-recorrente, que, mesmo alertado do extravio/roubo de talonário, deixou de anotar no verso do cheque, emitido por terceiro, o motivo correto da devolução, acarretando, assim, a devolução do título por insu­ ficiência de provisão, e a posterior indevida inscrição do autor no SERASA - majorou o quantum indenizatório dos danos morais, fixado na sentença em R$ 6.000,00, para valor equivalente a 100 (cem) salários mínimos. 3. Inobstante a comprovada ocorrência do dano, mas diante dos princípios de moderação e de razoabilidade, o montante fixado pelo Tribunal mostra-se excessivo, não se limitando à compensação dos prejuízos advindos do evento danoso. Assim, para assegurar ao le­ sado justa reparação, sem incorrer em enriquecimento ilícito, e ajustando o valor indenizatório aos parâmetros adotados usualmente nesta Corte em casos semelhantes, fixo a indenização na quantia certa de RS 6.000,00 (seis mil reais), restabelecendo-se, assim, o quantum fixado na sen­ tença de primeiro grau. 4. Recurso conhecido e provido" (REsp 888.987/SP, 4* T., Rei. Min. Jorge Scartezzini, j. em 15-2-2007). "Civil. Ação de indenização. Inscrição de nome em banco de dados. Ausência de comunicação. CDC, art. 43, § 2a. Responsabilidade da entidade cadastral. Inadimplên­ cia confessa. Dano moral descaracterizado. Cancelamento do registro. I - Ao teor do art. 43, § 3a, do CDC, a inscrição em cadastro de inadimplentes deve ser comunicada ao devedor com antece­ dência, gerando lesão moral se a entidade responsável pela administração do banco de dados assim não procede. II - Hipótese excepcional em que o devedor confessa as dívidas e não mostra a sua quitação, mesmo após sabedor da inscrição, a retirar a razão para a indenização, apenas determinando-se, aqui, o cancelamento da inscrição até o cumprimento da formalidade legal pela entidade cadastral. III - Recurso especial conhecido e parcialmente provido" (REsp 780.410/RS, 4* T., Rei. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 7-12-2006). "Dano moral. Devolução indevida de cheque. Prova do dano moral. Valor. Precedentes da Corte. A devolução indevida de cheque por falta de provisão quando fundos havia, mas que tornados indisponíveis diante de bloqueio arbitrário da conta corrente, nas circunstâncias dos autos, impõe a reparação por dano moral. Já assentou a Corte que não é necessário provar o dano moral, mas, apenas, o fato que o ocasionou. 0 valor somente deve ser revisto quando absurdo ou insignificante, o que não ocorre neste feito. Recurso especial não conhecido" (STJ, REsp 745.807/RN, 3* T., Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 25-9-2006). "Civil. Indenização. Recurso especial. Danos morais. Protesto indevido de titulo. Valor. Redução. Possibilidade. Compensação de honorários advocatíeios. Art. 21 do CPC. Inviabi­ lidade. 1. Esta Corte, consoante entendimento pacifico, tem admitido alteração do valor indeni­ zatório de danos morais, para ajustá-lo aos limites do razoável, quando patente, como sucede na espécie, a sua desmesura. Tem sido de cinqüenta salários mínimos a indenização, resultante de situações semelhantes como a inscrição inadvertida em cadastros de inadimplentes, a devolução indevida de cheques, o protesto ineabivel de cambiais, etc. Precedentes. (...)" (STJ, 4* T., REsp 596.005-SC, Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. em 11-10-2005). "Na espécie, o quantum indeniza­ tório fixado pelo Tribunal o quo pela manutenção do nome do autor no cadastro de inadimplen­ tes - 60 salários mínimos - colocou-se em parâmetros razoáveis e conformes com a jurisprudên­ cia desta Corte, não justificando a excepcional intervenção do Superior Tribunal de Justiça para podar qualquer excesso" (STJ, 4* T., AgRg no Ag. 671.882-RS, Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. 24-5-2005). "Indenização. Protesto indevido. Duplicata paga. Inscrição SERASA. Danos morais. Pessoa jurídica. Possibilidade. Quantum indenizatório exagerado. Prequestionamento. Ausência. Intervenção do STJ. Redução para patamar razoável... A indenização por dano moral deve ser graduada de modo a coibir a reincidência e obviar o enriquecimento da vitima. É razoável a con­ denação em 50 (cinqüenta) salários mínimos por indenização decorrente de inscrição indevida no SPC, SERASA e afins" (STJ, 3* T., REsp 295130-SP, Rei. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 222-2005). "Indenização por inscrição indevida em cadastros de proteção ao crédito. Valor fixado com moderação e razoabilidade. Impossibilidade de revisão por esta Corte. Aplicação da Súmula 7/STJ. I - Consideradas e sopesadas as peculiaridades do caso, bem como analisados os valores corroborados por esta Corte em casos semelhantes, não se vislumbra ausência de razoabilidade na fixação de 50 salários mínimos para reparação de danos morais por inscrição indevida em cadas­ tros de proteção ao crédito..." (STJ, 3* T., AgRg no Ag. 562.568-RS, Rei. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. em 6-5-2004). "Levando em conta as conseqüências do fato, em que o autor sofreu

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constrangimento de ter seu nome injustamente lançado no cadastro do serviço de proteção ao crédito, levando-se em conta ainda as condições socioeconômicas do reclamante e como meio de produzir no causador do dano impacto bastante para dissuadi-lo de igual e novo atentado tenho como justo e necessário o arbitramento do dano moral em 200 (duzentos) salários mínimos... Nâo se justifica, assim, a intervenção desta Corte, pois 200 (duzentos) salários mínimos não se mostra quantia abusiva, tendo o Tribunal fixado de forma adequada, em decisão devidamente motivada" (STJ, 3* T., AgRg no Ag. 507.776-RJ, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 16-9-2003).

DIREITO PROJETADO • Muito embora a aplicação dos princípios da responsabilidade civil nas relações de família (casa­ mento, união estável, pais e filhos) esteja baseada nas regras gerais da responsabilidade civil, constantes da Parte Geral deste Código Civil (art. 186), aplicáveis a todos os seus Livros, dentre os quais está o Livro do Direito de Família, encaminhamos ao Congresso Nacional proposta para acréscimo do § 2« ao dispositivo, com a seguinte redação, que foi acolhida e inserida no Projeto de Lei elaborado pela mesma Comissão de Professores que emendou o Código Civil antes de sua aprovação no ano de 2002 (atual PL n. 699/2011): Art. 927. (...) § 2* Os princípios da responsabilidade civil aplicam-se também às relações de família.

Art. 928.0 incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele respon­ sáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda no Senado Federal. Na Câmara dos Deputados, recebeu emenda de redação no período final de tramitação do projeto. Não há artigo correspon­ dente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Este artigo deve ser interpretado de modo que o incapaz venha a responder com seu patri­ mônio se o responsável por ele sofrer tamanha redução patrimonial que o prive dos meios necessários è sua manutenção com dignidade. • Este dispositivo é uma exceção à regra geral da plena reparação do dano, constante do art. 927, cap u t • Está em conflito com o art. 942, que estabelece a responsabilidade patrimonial solidária dos incapazes e das pessoas designadas no art. 932, ou seja, dos pais e dos filhos, do tutor e do tutelado, do curador e do curatelado. Já que deve, antes, responder o patrimônio do respon­ sável, não há propriamente obrigação solidária do incapaz, mas sim subsidiária. 0 Projeto de Lei elaborado pela mesma Comissão de Professores que emendou o Código Civil antes de sua aprovação no ano de 2002 (atual PL n. 699/2011) propõe a supressão da regra, nos seguintes termos: "Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, observado o disposto no art. 932 e no parágrafo único do art. 942".

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 459, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 945. A conduta da vitima pode ser fator atenuante do nexo de causalidade na responsabilidade civil objetiva". • Enunciado 41, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Art. 928. A única hipótese em que poderá haver responsabilidade solidária do menor de 18 anos com seus pais é ter sido emancipa­ do nos termos do art. 5«, parágrafo único, inc. I, do novo Código Civil".

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• Enunciado 40, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Art. 9 2 8 .0 incapaz responde pelos prejuízos que causar de maneira subsidiária ou excepcionalmente como devedor principal, na hipótese do ressarcimento devido pelos adolescentes que praticarem atos infracionais nos termos do art. 116 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no âmbito das medidas socioeducativas ali previstas". • Enunciado 39, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Art. 928. A impossibilidade de privação do necessário à pessoa, prevista no a rt 928, traduz um dever de indenização equitativa, informado pelo principio constitucional da proteção à dignidade da pessoa humana. Como con­ seqüência, também os pais, tutores e curadores serão beneficiados pelo limite humanitário do dever de indenizar, de modo que a passagem ao patrimônio do incapaz se dará não quando esgo­ tados todos os recursos do responsável, mas se reduzidos estes ao montante necessário á manu­ tenção de sua dignidade".

JULGADOS • "Ressarcimento de danos. Pichação de muros de escola municipal. Ato infracional praticado por menores. Açào proposta em face de incapazes. Inobservância das condições do art. 928 do Código Civil. As conseqüências civis dos atos danosos praticados pelo incapaz devem ser imputadas pri­ meiramente aos pais. Extinção do processo sem resolução do mérito" (TJSP, 13* Cãm. Dir. Públ., Ap. 994.09.025881-9, Rei. Des. Ferraz de Arruda, j. em 9-6-2010). • "A responsabilidade civil do incapaz é subsidiária e está subordinada à existência de obrigação e à capacidade patrimonial dos responsáveis, nos termos do art. 928 do Código Civil de 2002. Res­ ponsáveis pelo incapaz que sequer foram citados na ação indenizatória. Menor que, na época dos fatos, tinha quinze anos de idade e se achava sob a guarda do avô, sem que os genitores estives­ sem destituídos do poder familiar. Caracterização da ausência do interesse de agir como uma das condições da ação indenizatória. Extinção do processo sem resolução do mérito, de oficio, com suporte no art. 267, VI, do C P C (TJRJ, 5* Câm. Civel, AC 2006.001.23833, Rei. Des. Paulo Gustavo Horta, j. em 1«-11-2006).

DIREITO PROJETADO • 0 Projeto de Lei elaborado pela mesma Comissão de Professores que emendou o Código Civil antes de sua aprovação no ano de 2002 - PL n. 6.960/2002, apresentado pelo Deputado Ricardo Fiuza, atual PL n. 699/2011 - dispõe: Art. 928. 0 incapaz responde pelos prejuízos que causar, observado o disposto no art. 932 e no parágrafo único do art. 942.

Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram. HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela nào foi alterado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. A redaçào atual é a mesma do projeto. 0 dispositivo correspon­ dente do Código Civil de 1916 é o art. 1.519, que não fazia referência à pessoa lesada como titu­ lar do direito à indenização do prejuízo nesta excludente da responsabilidade civil pelo estado de necessidade, em que é deteriorada ou destruída a coisa alheia na remoção de perigo iminente.

DOUTRINA • Este artigo assegura ao prejudicado o direito à indenização mesmo que o ato praticado seja havido como lícito, porque praticado em estado de necessidade, que é uma das excludentes da responsabilidade, conforme o art. 188, II, deste Código. Verifica-se no estado de necessi­ dade um conflito de interesses, em que uma pessoa, para evitar lesão a direito seu, atinge direito alheio. Embora haja certa semelhança com a legítima defesa, dela o estado de neces­

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sidade se distingue, já que naquela há uma agressão ou ameaça de agressão à pessoa ou a seus bens, enquanto neste nào há agressão, mas uma situação de fato, em que a pessoa vê um bem seu na iminência de sofrer um dano. É para evitar o dano que a pessoa deteriora ou destrói coisa alheia. Esse ato seria ilícito, mas é justificado pela lei desde que sua prática seja absolutamente necessária para a remoção do perigo (cf. Caio M ário da Silva Pereira, Respon­ sabilidade civil, 9. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 297). Por outras palavras, se o único meio de evitar um mal é causar um mal menor, há estado de necessidade. Vê-se, assim, que cessa a justificativa do ato quando o direito sacrificado é hierarquicamente superior àquele que se pretende proteger. • Típico exemplo de estado de necessidade é o seguinte: motorista de um veículo, dirigindo com o cuidado necessário, para não atropelar um pedestre que atravessa inopinadamente a rua, projeta seu carro sobre outro veículo. 0 ato do motorista justifica-se plenamente, mas, já que o proprietário do veículo abalroado não foi o causador do perigo, terá direito a inde­ nização, a ser paga pelo autor do dano, sendo que este último terá direito regressivo contra o terceiro - pedestre — que causou o acidente, conforme o art. 930, a seguir. Ainda se deve observar que o artigo que regulamenta o estado de necessidade (art. 188, II) diz respeito somente à deterioração ou destruição de coisa alheia, de modo que se refere ao direito de propriedade: se houver conflito entre outros direitos, como à vida, nào pode haver o sacrifí­ cio de uma em prol da outra. • Consoante dispõe o art. 65 do CPP, "faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhe­ cer ter sido o ato praticado em estado de necessidade", sendo esta uma das exceções ao princípio da independência das esferas civil e penal.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 443, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 393 e 927. 0 caso fortuito e a força maior somente serão considerados como excludentes da responsabilidade civil quando o fato gerador do dano não for conexo à atividade desenvolvida".

JULGADOS • “Colisão. Acidente causado por terceiro. Fato de terceiro que não exclui o dever de indenizar do causador direto do dano. Ausência de culpa do autor pelo acidente. Aplicação dos arts. 188, II, e 929 do Código Civil. Danos materiais comprovados. Condenação dos réus ao pagamento dos va­ lores correspondentes ao período de interrupção do uso do ônibus para conserto e das verbas indenizatórias pagas a seus passageiros..." (TJSP, Ap. 9121241-07.2008.8.26.0000,34* Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Hamid Bdine, j. em 18-6-2012). • "Indenização. Dano moral e material. Réu que agindo em defesa de sua propriedade proferiu disparo de arma de fogo contra um cão de propriedade do autor. Excludente de ilicitude caracte­ rizada. Art. 188, II, c/c o art. 929 do Código Civil. Inexistência de conduta culposa apta a caracte­ rizar responsabilidade civil de indenizar..." (TJSP, Ap. 9094045-62.2008.8.26.0000,4» Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Teixeira Leite, j. em 7-4-2011). • "Acidente de trânsito. Estado de necessidade. 0 estado de necessidade exclui a ilicitude do ato, mas não o dever de indenizar. Conforme determina o inciso II do art. 188 do Código Civil, não se considera ilícita a conduta de quem danifica bem alheio para remover perigo iminente. Porém, nos termos dos arts. 929 e 930, ao lesado assiste o direito de obter indenização do autor do dano, que deve buscar a via regressiva contra o causador do perigo" (TJSP, Recurso Inominado 011112, 2* Turma Civel do Colégio Recursal, Rei. Juiz Ronnie Herbert Barros Soares, j. em 9-6-2008). • "Execução. Acidente de trânsito. Dano contra as defensas metálicas. Alegação de estado de ne­ cessidade. Irrelevância. Obrigação de indenizar. 0 alegado estado de necessidade que culminou no choque do veiculo contra as defensas da rodovia para evitar acidente mais grave exclui apenas o ilícito e não a responsabilidade" (TJSP, Apelação sem Revisão 987.504-0, 35» Câm., Rei. Des. José Malerbi, j. em 1°-10-2007).

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• "Responsabilidade eivil. Dever de indenizar. Art. 929 do Código Civil... A responsabilidade civil, no caso concreto, decorre da disposição contida no art. 929 do Código Civil, eis que o causador do dano tem o dever de indenizar, mesmo em estado de necessidade, pois poderá pleitear a indeni­ zação do culpado" (TJSP, Ap. s/ Rev. 103.084-4-0/8, 35* Câm. Dir. Priv., Rei. Des. Artur Marques, j. em 29-1-2007).

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressar­ cido ao lesado. Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I). HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. Tal redação corresponde ao texto apresentado no projeto. Este artigo corresponde ao art. 1.520 do Código Civil anterior.

DOUTRINA • Assim como o artigo anterior, este dispositivo versa sobre o estado de necessidade, em que o terceiro causador do perigo é responsabilizado pelo dano causado à coisa alheia. Também responde pelo dano aquele em defesa de quem o dano foi causado.

JULGADO • "Responsabilidade civil. Acidente de veículos. Caminhão da ré que colide contra veículo parado no acostamento. Alegação de culpa de terceiro, que teria ‘fechado’ o caminhão. Responsabilidade do causador direto do dano, assegurado eventual direito de regresso contra o terceiro. Art. 930 do Código Civil. Reconhecimento de culpa concorrente do condutor do veículo de passageiros. Área de acostamento que somente pode ser utilizada em emergências. Mitigação da indenização ape­ nas em relação ao condutor do veiculo. Indenização integral dos danos sofridos pelas passageiras do veiculo. Danos morais comprovados..." (TJSP, Ap. 9077770-38.2008.8.26.0000,25* Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Edgard Rosa, j. em 23-5-2012).

Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individu­ ais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto. A redação original era a seguinte: "Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os farmacêuticos e as empresas farmacêuticas respondem solidariamen­ te pelos danos causados pelos produtos postos em circulação, ainda que os prejuízos resultem de erros e enganos de prepostos". A justificativa da emenda apresentada pelo Deputado Emanoel Waisman no inicio da tramitação do projeto e anteriormente ao Código de Defesa do Consumidor refere a necessidade de proteção ao consumidor, tendo como criada a responsabilidade objetiva das empresas, abrindo terreno fértil para a "elaboração de um 'código ou estatuto de responsabi­ lidade do fabricante' quanto aos produtos de sua fabricação". No entanto, o dispositivo, conforme esta primeira emenda, estabelecia que, "ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem pelos danos causados pelos produtos postos em circulação", sem referir expressamente que essa responsabilidade civil deve existir independente­ mente de culpa, razão pela qual sugerimos emenda de redação, realizada na Câmara dos Deputa­ dos, na fase final de tramitação do projeto. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

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DOUTRINA • Consoante a justificativa da primeira emenda realizada no artigo, acima mencionada, o dis­ positivo trata da responsabilidade objetiva das empresas e dos empresários individuais pelos produtos nas relações de consumo, mas este dispositivo foi elaborado muito tempo antes da aprovação do Código de Defesa do Consum idor - Lei n. 8.078, de 1 1 -9 -1 9 9 0 razão pela qual o texto, para evitar dúvida na sua interpretação, devia ser alterado, com o foi por nós proposto e acolhido em emenda de redação. Por fundam entar-se na responsabilidade sem culpa, baseada no risco da atividade, foi relevante a inserção da frase pela qual a responsa­ bilidade da empresa existe independentemente de culpa. Enquanto na responsabilidade subjetiva, ou baseada na culpa, examina-se o conteúdo da vontade presente na ação, se dolosa ou culposa, tal exame não é feito na responsabilidade objetiva, ou fundamentada no risco, na qual basta a existência do nexo causai entre a ação e o dano. porque, de antemão, aquela ação ou atividade, por si só, é considerada potencialmente danosa. • De relevo é a evolução que teve a responsabilidade civil das pessoas jurídicas, que, da fórm u­ la limitativa constante do art. 1.522 do Código Civil de 1916, pelo qual somente as pessoas jurídicas que exercessem exploração industrial deveriam ser responsabilizadas pelos atos de seus empregados ou prepostos, passaram a ter o dever de reparação ampla. A s pessoas jurí­ dicas de direito público deixaram o princípio da culpa e ingressaram na teoria do risco inte­ gral (CF, art. 37. § 6«). A s pessoas jurídicas de direito privado também passavam por grande evolução em matéria de responsabilidade civil, operada principalmente pelo Código de De­ fesa do Consumidor. Antes, partindo da irresponsabilidade criminal, entendia-se que as pessoas jurídicas de direito privado não podiam ser civilmente responsáveis. Já que a teoria da culpa baseia-se em ato de vontade, dizia-se que a pessoa jurídica seria incapaz de "querer"; com o efeito, não seria possível imputar-lhe um fato danoso (cf. Caio M ário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 117). No máximo, a pessoa jurídica que exercesse atividade de exploração industrial poderia ser responsabilizada por fato de outrem. Tal argumentação não vingou, de modo que a teoria da realidade superou a teo­ ria da ficção da pessoa jurídica, que, dotada de personalidade e de vontade, pode ser respon­ sabilizada por culpa, de modo a suportar os danos por ela acarretados. Embora o art. 1.522 do Código Civil de 1916 referisse somente as pessoas jurídicas que exercessem atividade ou exploração industrial, a boa hermenêutica passou a considerar toda e qualquer pessoa jurí­ dica como responsável, tivesse ou não fins lucrativos (religiosas, literárias, científicas, de beneficência etc.). Com o Código de Defesa do Consumidor, am pliou-se ainda mais a respon­ sabilidade civil das pessoas jurídicas, que, diante de relações de consumo, têm responsabili­ dade objetiva, independentemente da culpa.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 378, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Aplica-se o art. 931 do Código Civil, haja ou não relação de consumo", de modo que haja ou nào a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, tratando-se de empresa ou empresário individual, face aos riscos inerentes à atividade empresarial, haverá responsabilidade objetiva, independente da prova da culpa". • Enunciado 190, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Art. 931. A regra do art. 931 do novo CC não afasta as normas acerca da responsabilidade pelo fato do produto previstas no art. 12 do CDC, que continuam mais favoráveis ao consumidor lesado". • Enunciado 43, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Art. 931. A responsabilidade civil pelo fato do produto, prevista no art. 931 do novo Código Civil, também inclui os riscos do de­ senvolvimento". • Enunciado 42, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Art. 931. 0 art. 931 amplia o conceito de fato do produto existente no art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, imputan­ do responsabilidade civil à empresa e aos empresários individuais vinculados à circulação dos produtos".

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JULGADOS • “Recurso especial. Responsabilidade civil. Aquisição de refrigerante contendo inseto. Dano moral. Ausência. 1. A simples aquisição de refrigerante contendo inseto em seu interior, sem que seu conteúdo tenha sido ingerido ou, ao menos, que a embalagem tenha sido aberta, não é fato capaz de, por si só, provocar dano moral. 2. ’0 mero dissabor nào pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espirito de quem ela se dirige' (AgRg no REsp 403.919/RO, 4a T., Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 23-6-2003). 3. Recurso especial conhecido e pro­ vido" (REsp 747.396/DF, 4a T., Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. em 9-3-2010). • “Civil e processo civil. Recurso especial. Ação de indenização por danos materiais e compensação por danos morais. Anticoncepcional Microvlar. Acontecimentos que se notabilizaram como o 'caso das pílulas de farinha'. Cartelas de comprimidos sem principio ativo, utilizadas para teste de maquinário, que acabaram atingindo consumidoras e não impediram a gravidez indesejada. Análise do material probatório que aponta para a responsabilidade civil do fabricante. Danos morais. Ocorrência. Valor que não pode ser considerado excessivo. Quanto às circunstâncias que envolvem a hipótese, o TJ/SP entendeu que não houve descarte eficaz do produto-teste, de forma que a empresa permitiu, de algum modo, que tais pílulas atingissem as consumidoras" (REsp 1.096.325/ SP, 3a T., Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 9-12-2008). • "Indenização. Ingestão de refrigerante contaminado com inseto. Danos físico, moral e psíquico. Condenação em danos morais. Insurgência. Prova do refrigerante com inseto. Inexistência. Mera alegação. Ausência de exame laboratorial por negligência policial. Suprimento através de frasco contendo líquido e inseto. Atendimento da apelada em hospital. Dores físicas e mal-estar psico­ lógico. Comprovação. Valor indenizatório de pequena monta. Apelo desprovido. Sentença manti­ da. A ausência de exame laboratorial atestando a ocorrência de inseto no liquido do refrigerante pode ser suprida por declaração policial certificando a existência do material na Delegacia de Polícia, inocorrendo ausência de responsabilidade objetiva do fabricante. Tendo a consumidora ingerido refrigerante que possuía inseto em seu conteúdo, acarretando-lhe problemas psicossomáticos e atendimento hospitalar, incumbe ao fornecedor do produto a obrigação indenizatória. Comprovados o ilícito, seu agente causador e o prejuízo sofrido pela consumidora, sem alegação de quaisquer excludentes de responsabilidade civil, a fornecedora deverá pagar um quantum que atenue o sofrimento psicossomático da requerente. (...) Com o advento do Código Civil de 2002, os arts. 12 e 18 a 25 do CDC foram reforçados de maneira significativa, uma vez que o parágrafo único do art. 927 e o art. 931, ambos do Código Civil, confirmaram a tendência do Código Consumerista de ampliar a responsabilização de empresários e empresas, no tocante aos danos cau­ sados aos consumidores" (TJSC, AC 98.009680-4, 2a Câm. Cível, Rei. Des. Antônio do Rego M o n ­ teiro Rocha, j. em 5-8-2004).

DIREITO PROJETADO • 0 Projeto de Lei elaborado pela mesma Comissão de Professores que emendou o Código Civil antes de sua aprovação no ano de 2002 - PL n. 6.960/2002, apresentado pelo Deputado Ricardo Fiuza, atual PL n. 699/2011 - propôs acrescer ao dispositivo que a responsabilidade independe de culpa também na prestação de serviços, nos seguintes termos: Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação ou pelos serviços prestados. • Sugestão legislativa: Essa alteração proposta no referido projeto de lei deve excepcionar expres­ samente a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais, a ser apurada mediante a verificação de culpa, consoante dispõe o a rt 14, § 4o, do Código do Consumidor - Lei n. 8.078/90.

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I — os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua com­ panhia;

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II — o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III — o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV — os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V — os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concor­ rente quantia. HISTÓRICO • A modificação experimentada por este artigo no curso da tramitação do projeto se deu no inciso I. Da análise do inciso I do presente artigo, ao comparar-se com o texto original proposto pelo projeto ("I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia"), verifica-se que a alteração promovida pelo Senado Federal apenas atualizou a redação do dispo­ sitivo, compatibilizando-o com alterações operadas por outras emendas no Livro do Direito de Família, de modo a substituir a expressão “sob seu poder" por "sob sua autoridade". Corresponde ao art. 1.521 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 ato ilícito pode ser praticado pelo próprio imputado ou a ação ofensiva pode ser praticada por terceiro que esteja sob a sua esfera jurídica. Se o ato é praticado pelo próprio imputado, a responsabilidade civil classifica-se com o direta. Se o ato é praticado por terceiro, ligado ao imputado, sendo que essa ligação deve constar da lei, a responsabilidade é indireta. Tal res­ ponsabilidade existe porque a antijuridicidade da conduta, por si só, ou seja, a responsabili­ dade direta, nào satisfaz o anseio de justiça - dar a cada um o que é seu. Há vezes em que para haver justiça faz-se necessário ir além da pessoa causadora do dano e alcançar outra pessoa, a quem o próprio agente esteja vinculado por uma relação jurídica. Assim, há respon­ sabilidade indireta quando alguém é chamado pela lei para responder pelas conseqüências de fato de terceiro, expressão que também se utiliza na responsabilidade pelo fato provoca­ do por animal ou coisa, com o qual o responsável está ligado juridicamente. • A interpretação da lei na responsabilidade civil indireta é sempre restritiva, não podendo ir além dos casos expressamente previstos em lei. • É relevante mencionar que o artigo em análise estabelece que sào também responsáveis as pessoas antes referidas, de modo que os agentes propriamente ditos, especialmente se tiverem patrimônio, responderão igualmente pelos danos causados por seus atos, como forma de responsabilidade solidária, nos termos do art. 942, parágrafo único, com exceção do dispos­ to no art. 928, referente à responsabilidade dos pais, tutores e curadores pelos atos dos in­ capazes. • Na responsabilidade civil indireta, em razão do disposto no art. 933, foi adotada a presunção absoluta da culpa das pessoas indicadas no artigo em análise, já que sua responsabilidade existe independentemente de culpa. Portanto, nào há mais a possibilidade de debater sobre a existência ou não da culpa in vigilando ou in eligendo. Por essa razão, aos responsáveis indiretamente aplica-se a responsabilidade objetiva, que independe de culpa (cf. W ashington de Barros Monteiro, Carlos Alberto Dabus M a lu f e Regina Beatriz Tavares da Silva, Curso de direito eivil, 38. ed., São Paulo, Saraiva, 2011, v. 5, p. 594). • Se o ato lesivo é praticado por pessoa jurídica, deve-se distinguir se o foi por meio de repre­ sentante (legal ou estatutário) ou de empregado (pessoa a seu serviço). No primeiro caso, a empresa responde, sem que se tenha de fazer qualquer outra indagação. No segundo caso, para que a pessoa jurídica seja responsabilizada é preciso que o agente tenha praticado o ato

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ilícito no exercício de suas funções, na conformidade do inciso III deste dispositivo, cabendo sempre o direito de regresso contra o efetivo causador do dano (cf. Carlos Alberto Bittar, Responsabilidade civil: teoria e prática, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1989, p. 10). Desse modo, tratando-se de pessoa jurídica, deve-se primeiro verificar, concretamente, a espécie de empresa e a qualificação do agente, isto é, se age em nome da entidade ou a seu serviço. • Ainda, sobre a espécie de pessoa jurídica, as disposições legais respectivas devem ser consi­ deradas, consoante dispõe o Livro II da Parte Especial deste Código, sobre o direito de em­ presa. • Já era discutível, na legislação anterior, a responsabilidade dos hotéis diante do aviso de que não se responsabilizam por objetos dos hóspedes nào depositados em seu poder, com o cláu­ sula de nào indenizar, porque revestida da forma de imposição (cf. Caio M ário da Silva Pe­ reira, Responsabilidade civil, 9. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 305-6). Quanto aos cofres existentes em hotéis, firmou-se, no direito anterior, a opinião de que não se trata de contrato de depósito, por analogia aos cofres bancários, tratando-se de contrato de aluguel ou comodato, em que o hotel deveria responder pelos danos causados somente se provado que não agiu com a vigilância necessária quanto ao ingresso de terceiros em suas dependên­ cias (cf. Caio M ário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, cit., p. 97-8). • Quanto aos estabelecimentos de ensino, no que se refere aos educandos, essa responsabili­ dade ampla existe se o regime for de internato. Se o regime escolar for de externato, a res­ ponsabilidade do estabelecimento de ensino restringe-se ao período em que o educando estiver matriculado (cf. Caio M ário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, cit., p. 98-9). • A hipótese prevista no inciso V deste artigo nào trata propriamente de responsabilidade in­ direta. Se alguém se apropria gratuitamente, isto é, sem participação no ilícito, do produto do crime, deve responder até a quantia correspondente ao seu proveito.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 451, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 932 e 933. A responsabili­ dade civil por ato de terceiro funda-se na responsabilidade objetiva ou independente de culpa, estando superado o modelo de culpa presumida". • Enunciado 450, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 9 3 2 ,1. Considerando que a responsabilidade dos pais pelos atos danosos praticados pelos filhos menores é objetiva, e não por culpa presumida, ambos os genitores, no exercício do poder familiar, são, em regra, solidariamen­ te responsáveis por tais atos, ainda que estejam separados, ressalvado o direito de regresso em caso de culpa exclusiva de um dos genitores". • Enunciado 191, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Art. 932: A instituição hospita­ lar privada responde, na forma do art. 932, III do CC, pelos atos culposos praticados por médicos integrantes de seu corpo clinico".

JULGADOS • "Bem móvel. Aquisição de veiculo. Indenização. Danos materiais e morais. 1. 0 demandante ad­ quiriu veículo usado por meio de funcionário da demandada. A requerida responde objetivamen­ te por atos de seus funcionários (...) 3. Dissabores enfrentados pelo autor implicam no pagamen­ to de indenização por dano m oral..." (TJSP, 25* Câm. de Dir. Priv., AC 0331862-67.2010.8.26.0000, Rei. Des. Marcondes D'Angelo, j. em 18-4-2012). • "Responsabilidade civil. Cobrança vexatória praticada por terceiro contratado pelos réus. Respon­ sabilidade pelos atos praticados por seus prepostos. Art. 932 do Código Civil. Dano moral carac­ terizado. Indenização devida" (TJSP, 3* Câm. de Dir. Priv., AC 9183536-46.2009.8.26.0000, Rei. Des. João Pazine Neto, j. em 8-5-2012). • "Responsabilidade civil. Indenização. Dano moral e material. Furto de objetos do interior de quar­ to de hotel que fora arrombado. Notas fiscais atestando que os pertences subtraídos pertencem

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à pessoa jurídica e não ao autor da ação. Dano moral que não se configura. Pretensão indevida na obtenção do dano material dada a ausência do prejuízo experimentado apenas pela proprie­ tária dos bens cuja posse se encontrava com o autor da ação. Ação julgada improcedente" (TJSP, 38* Câm. de Dir. Priv., AC 0123872-05.2007.8.26.0003, Rei. Des. Maia da Rocha, j. em 3-8-2011). • “Civil. Responsabilidade civil. Ato ilícito. Responsabilidade por ato ou fato de terceiro. Responsa­ bilidade dos pais. Superveniência de maioridade. Irrelevância. (...) 1. Os pais são responsáveis pela reparação dos danos causados pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua com­ panhia (art. 1.521,1, do CC/1916). 2. Circunstâncias do caso a evidenciar que nenhum era o poder da mãe sobre o filho adolescente problemático e já corrompido" (TJSP, 9* Câm. de Dir. Públ., AC 0154015-20.2006.8.26.0000, Rei. Des. Décio Notarangeli, j. em 27-4-2011). • “Ação indenizatória. Dano moral. Responsabilidade objetiva de escola por ato de seus educandos. Inteligência do art. 932, inciso IV, do Código Civil. Ação procedente" (TJSP, 10* Câm. de Dir. Priv., AC 434.797-4/0-00, Rei. Des. Octavio Helene, j. em 25-5-2008). •

“Ação de reparação por danos morais. Alegação de conduta omissiva do estabelecimento de ensino por negligenciar o dever de vigilância evento não previsível que envolveu apenas dois menores de tenra idade. Culpa dos prepostos não configurada responsabilidade afastada" (TJSP, 10* Câm. de Dir. Priv., AC 9064436-73.2004.8.26.0000, Rei. Des. Testa Marchi, j. em 18-1-2011).

• "Danos morais. Divulgação pelos recorrentes de foto, atribuída a jovem recorrida, na escola onde estudam. Imagem da apelada denegrida. Indenização devida. Pais corresponsáveis, de acordo com o art. 932 do CC" (TJSP, 9* Câm. de Dir. Priv., AC 403.717-4/5-00, Rei. Des. José Luiz Gavião de Almeida, j. em 24-3-2009). • "Indenização. Legitimidade ad causam. Responsabilidade civil por fato de terceiro. Ato ilícito praticado por menor. Ação de reparação de danos proposta contra o pai, que, separado judicial­ mente, não mantém a guarda do filho. Admissibilidade. Menor que se encontrava em sua compa­ nhia quando da ocorrência do evento danoso. Ausência de coabitação que só isenta de responsa­ bilidade o genitor quando estiver ele impedido de fiscalizar e dirigir a conduta de seu filho. Ilegi­ timidade afastada" (TJSP, RT, 651/94). • "Responsabilidade civil. Menor impúbere. Lesões corporais em outro menor. Culpa presumida dos pais. Reparação de danos. Ação procedente" (TJSP, RT, 559/203). • "Responsabilidade civil. Furto praticado em decorrência de informações obtidas pelo preposto por ocasião do seu trabalho. Responsabilidade solidária do empregador. 0 empregador responde civilmente pelos atos ilícitos praticados por seus prepostos (art. 1.521 do CCB/1916 e Súmula 341/ STF)" (STJ, 3*T., REsp 623.040/MG, Rei. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 16-11-2006). • "Médicos. Afastamento. Condenação. Hospital. Responsabilidade objetiva. Impossibilidade. A res­ ponsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnico-profissional dos médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou seja, dependente de comprovação de culpa dos prepostos, presumindo-se a dos preponentes. Nesse sentido são as normas dos arts. 159, 1.521, III, e 1.545 do Código Civil de 1916 e, atualmente, as dos arts. 186 e 951 do novo Código Civil, bem como a Súmula 341 do STF (É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato cul­ poso do empregado ou preposto)" (STJ, 4*T., REsp 258.389/SP, Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. em 16-6-2005). • "Recurso especial. Processo civil. Denunciação da lide. Acidente de trânsito. A denunciação da lide nos casos de acidente de trânsito deve prosperar, como acentuam doutrina e jurisprudência, quando comprovada a culpa exclusiva do preposto da empresa denunciada e sua obrigação, de­ rivada da lei, de indenizar. Recurso especial não conhecido" (STJ, 4»T., REsp 155.224/RJ, Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. em 9-3-2004). • "0 estabelecimento responde pelos danos sofridos pelos hóspedes, porque ao admiti-los em suas dependências, assume dever de segurança para com suas vidas e seus bens. Esse preceito, que resulta da interpretação ampla do art. 1.521, IV, do Código Civil de 1916, foi reforçado pelo dis­ posto nos arts. 933 e 931 do Código Civil de 2002. (...) 0 roubo, que sistematicamente é conside­ rado caso fortuito para exclusão de responsabilidade civil, não o é para as empresas que necessi­ tam manter um certo aparato de vigilância interna e que permitem vulnerabilidade perigosa para os clientes, como ocorreu na hipótese. Portanto, considera-se que o requerido ofereceu para o consumidor um serviço sem garantia de incolumidade, o que contraria os princípios de segurança

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que sâo inerentes a toda relação de consumo. Não poderia a empresa obter alforria do dever de indenizar" (TJSP, Ap. 0171381-58.2009.8.26.0100, 5* Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. A. C. Mathias Coltro, j. em 21-3-2012). • Responsabilidade civil. Perdas e danos. Furto de joias e outros bens, mediante arrombamento das janelas, ocorrido em hotel, à luz do dia. Inocorrência de força maior. Ineficácia, ademais, da cláu­ sula de não indenizar" (TJSP, 4* Câm. de Dir. Priv. de Férias, AC 133.338-4/2, Rei. Des. Armindo Freire Mámora, j. em 30-1-2003). • "Dano moral. Indenização. Erro médico. Não realização do exame de tomografia computadoriza­ da em paciente que há dias se queixava de cefaleia, vindo, posteriormente, a falecer. Responsabi­ lidade do hospital pela negligência médica de seus prepostos. Verba devida" (TJSP, RT, 831/250). • "Indenização. Dano moral. Estabelecimento de ensino. Escola particular. Professor que desfere um tapa no rosto de aluna de nove anos de idade. Culpa in eligendo e in vigilando do colégio que deixou um professor sem condições psicológicas dar aula. Verba devida pela escola" (TJSP, RT, 821/22). • "Responsabilidade civil. Chaves de automóvel entregues por cliente a porteiro de restaurante. Manobra para estacionamento. Acidente de trânsito por ele causado. Empregado que não era motorista habilitado. Indenização. Obrigação do empregador. Recurso não provido" [RT, 590/150). • "0 fornecimento de cofres para uso de hóspedes não pode ser considerado como uma cessão gratuita, pois se inclui nos custos da atividade, refletindo-se no preço da diária. Não se considera roubo à mão armada como causa de força maior, pois quem fornece cofres tem consciência do risco, sendo a segurança inerente ao serviço" (STJ, AgRg 249.826-RJ, 3* T., Rei. Min. Eduardo Ri­ beiro, j. em 10-12-1999). • "Direito civil. Responsabilidade. Furto em estacionamento de hotel. Súm./STJ, verbete n. 130. Nos termos do Enunciado n. 130 da Súmula desta Corte, *a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veiculo ocorridos em seu estacionamento'" (STJ, 4» T., Al 188.569SP, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 6-5-1999). • "Ação de Indenização. Dano moral. Prestação de serviços hoteleiros. Ocorrência de assalto. Episó­ dio constrangedor" (TJMG, 14» Câm. Civ., AC 496397-7/000, Rei. Des. Elias Camilo, j. em 24-5-2006).

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo foi objeto de emenda de redaçào na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto, para o fim de corrigir a falha anterior, já que referia somente os incisos I a III do artigo antecedente. 0 texto é bem diverso da disposição constante do art. 1.523 do Código Civil de 1916, pelo qual era necessária a prova da culpa em todas as hipóteses corres­ pondentes àquelas elencadas no art. 932, excetuando-se apenas a hipótese constante do inciso V deste artigo.

DOUTRINA • Com este dispositivo foi adotada a responsabilidade objetiva, independente de culpa, em todas as hipóteses retratadas no art. 932, em razão de emenda de redação, por nós proposta e acolhida na Câmara dos Deputados, na fase final de tramitação do projeto. Não fazia sen­ tido estabelecer que as pessoas referidas nos incisos I a III do artigo anterior deveriam res­ ponder, mesmo que sem culpa, e deixar de referir as demais pessoas, constantes dos demais incisos do art. 932. • Sob a égide do Código Civil de 1916, por força de interpretação jurisprudencial, em todas essas hipóteses de responsabilidade indireta a culpa atribuída ao imputado era presumida, inobstante o disposto no art. 1.523, que impunha o ônus da prova ao lesado, não só quanto ao ato praticado pelo terceiro, com o quanto à culpa in vigilando ou in eligendo do imputado.

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Esse dispositivo excetuava somente a hipótese de participação gratuita em produto de crime da necessidade de prova, pelo lesado, da respectiva culpa. • A presunção da culpa por vezes era juris tantum, a admitir a prova em contrário, e por outras era absoluta, sem permitir contraprova. Assim, quanto ao pai, no que se refere aos atos pra­ ticados pelos filhos, há culpa in vigilando. O mesmo quanto a tutores e curadores, com vistas aos tutelados e curatelados. E também quanto aos donos de hotéis e estabelecimentos de ensino. Quanto ao empregador, a culpa é in eligendo. No entanto, já que se tratava de pre­ sunção relativa da culpa, a depender da hipótese, uma vez provado que não havia descuido quanto á vigilância ou eleição, deixava de ser atribuída responsabilidade às pessoas antes indicadas. No caso ocorria tipicamente uma inversão do ônus da prova: em vez de o lesado ter de provar a culpa, esta se presumia, cabendo ao réu da ação demonstrar que não havia agido culposamente. A possibilidade de comprovação de ausência de culpa pelo imputado, segundo nossa jurisprudência, existia nas hipóteses dos incisos I e II do art. 932 do novo Código; nos demais casos, a teoria aplicada aproximava-se muito mais do risco. Já quando se tratava de responsabilidade do empregador por atos de seus empregados, a interpretação jurisprudencial orientava-se no sentido de não aceitar a prova da ausência de culpa in eli­ gendo do patrão (ver Súm ula 341 do STF e Caio M ário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 122). • Com o Código Civil de 2002, os pais, com relação aos atos praticados pelos filhos, o tutor e o curador, referentemente aos atos praticados pelo tutelado e curatelado, o empregador, no que respeita aos atos praticados pelo empregado, os hotéis e similares, com referência aos hóspedes, e os estabelecimentos de ensino, quanto aos atos praticados pelos educandos, bem com o aqueles que, mesmo gratuitamente, tenham participado de produtos de crime, passaram a ter presunção absoluta de sua culpa e a responder objetivamente pelos danos causados, ou seja, independentemente de culpa in vigilando ou in eligendo.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 451, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 932 e 933. A responsabili­ dade civil por ato de terceiro funda-se na responsabilidade objetiva ou independente de culpa, estando superado o modelo de culpa presumida".

JULGADOS • "Responsabilidade civil. Serviços de drenagem e disciplinamento de águas pluviais em área rural. Atraso na conclusão dos trabalhos e danos à proprietária. Ação de indenização por danos materiais e morais (...) Obrigação da dona da obra, da contratada e da cessionária da prestação dos serviços de responderem pelos prejuízos. Responsabilidade objetiva da apelante, dona da obra. Inteligência dos arts. 932, III, e 933 do Código Civil. Caracterização da culpa e dos danos não afastada. Inde­ nização devida" (TJSP, 4* Câm. de Dir. Priv., AC 0292924-91.2005.8.26.0577, Rei. Des. Carlos Henrique Miguel Trevisan, j. em 28-6-2012). • "Responsabilidade civil. Lesão decorrente de artefato explosivo arremessado por menores no local em que o autor se encontrava. Prescrição inocorrente. Conduta culposa configurada, não impor­ tando qual dos réus efetivamente lançou o explosivo. Dever de indenizar atribuído aos pais, nos moldes do art. 933 do Código Civil" (TJSP, 13» Câm. de Dir. Públ., AC 0001075-68.2005.8.26.0400, Rei. Des. Borelli Thomaz, j. em 23-5-2012). • "Na condição de sócios e responsáveis pelo preposto, responderam solidariamente pelos danos causados, nos termos do art. 1.518 (atuais arts. 942,932,933 etc. do Código Civil de 2002)" (TJSP, 31» Câm. de Dir. Priv., AC 912.925-0/0/Ribeiráo Preto, Rei. Des. Adilson de Araújo, j. em 28-11-2006). • "Responsabilidade civil. Reparação de dano material e moral. Acidente de trânsito causado por preposto da primeira apelante. Responsabilidade objetiva do empregador pelos atos praticados pelo empregado no exercício de sua atividade. Inteligência dos arts. 932, III, e 933 do Código Civil em vigor. Comprovação do nexo causai do dano e da conduta ilícita" (TJRJ, 6» Câm. Civel, AC 2006.001.30019, Rei. Des. Luiz Zveiter, j. em 26-9-2006).

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• "Responsabilidade civil. Dano material. Evento causado por preposto da administradora de imóveis. Corretor autônomo. Exercício de atividades nas dependências da empresa. Indenização devida. Inexiste no direito positivo brasileiro a presunção legal de culpa de determinada pessoa se outra pratica o ato danoso. A culpa do autor do dano acarreta a responsabilidade objetiva da pessoa sob cuja direção se encontrar, pouco importando se infringiu, ou não, o dever de vigilância. Inteligên­ cia do art. 1.521, III, do Código Civil de 1916 e art. 932, III, do Código Civil de 2002. Recurso parcialmente provido" (TJSP, 28* Câm. de Dir. Priv., AC 801.418-0/8/SP, Rei. Des. Júlio Vidal, j. em 15-12-2005). • "Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos morais e materiais. Menina de seis anos de idade que teve o seu olho direito atingido pelo arremesso de uma pedra, efetuado com o uso de um estilingue, pelo filho do demandado. Provas verossímeis da autoria. Conduta ilícita carac­ terizada e que acarretou a perda da visão da autora, bem como o conseqüente dano estético. Pressupostos da responsabilidade civil por ato ilícito demonstrados. Por outro lado, levando-se em conta a incapacidade absoluta do autor do fato para responder pelo ato praticado, aplica-se o disposto nos arts. 9 3 2 ,1, e 933, ambos do Código Civil. Responsabilidade objetiva do pai da crian­ ça autora do ato ilícito. Imputação da responsabilidade pelo risco. Sentença reformada no que tange ao quantum indenizatório. Majoração da indenização por danos morais. Readequação das verbas indenizatórias no tocante à correção monetária e aos juros moratórios. Pedido implícito" (TJRS, 9* Câm. Civel, AC 70011941028, Rei. Odone Sanguiné, j. em 14-12-2005).

Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz. HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja no Senado Federal, seja na Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao a rt 1.524 do Código Civil anterior, sendo que este, ao referir-se à exceção do direito de regresso, mencionava somente o descendente como causador do dano, sem citar sua incapacidade.

DOUTRINA • Em todos os casos de responsabilidade indireta vigora o princípio do direito de regresso da­ quele que suporta seus efeitos contra aquele que tiver praticado o ilícito, a não ser na hipó­ tese da responsabilidade dos pais pelos atos dos filhos, por razões de ordem moral e de or­ ganização da família.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 44, da I Jornada de Direito Civil de 2002: "Art. 934. Na hipótese do art. 934, o empre­ gador e o comitente somente poderão agir regressivamente contra o empregado ou preposto se estes tiverem causado dano com dolo ou culpa".

JULGADOS •

“Ação de cobrança, cumulada com indenização por dano moral. (...) II - Troca de agulhas em sessão de acupuntura pelo médico réu. Culpa do réu reconhecida em ação promovida contra a clínica em que ele prestava serviços. Admissão, ademais, em declaração firmada pelo requerido. Necessidade de ressarcimento daquilo que a autora desembolsou em razão do erro do réu. Apli­ cação do disposto no art. 934 do Código Civil. Solidariedade entre a autora e o réu afastada, o mesmo ocorrendo em relação a culpa concorrente" (TJSP, 3* Câm. de Dir. Priv., AC 014769253.2007.8.26.0100, Rei. Des. Donegá Morandini, j. em 15-5-2012).



"Processual civil, administrativo e ambiental. (...) Responsabilidade civil do Estado por omissão. Arts. 3a, IV, c/c 14, § 1a, da Lei 6.938/81. Dever de controle e fiscalização. 1. A jurisprudência pre-

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dominante no STJ é no sentido de que, em matéria de proteção ambiental, há responsabilidade civil do Estado quando a omissão de cumprimento adequado do seu dever de fiscalizar for deter­ minante para a concretização ou o agravamento do dano causado pelo seu causador direto. Trata-se, todavia, de responsabilidade subsidiária, cuja execução poderá ser promovida caso o degradador direto não cumprir a obrigação, 'seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, por qualquer razão, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica, conforme preceitua o art. 50 do Código Civil' (REsp1.071.741/SP, 2» T., Min. Herman Benjamin, DJe de 16-12-2010)" (STJ, 1* T., AgRg no REsp 100.178-0/PR, Rei. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 27-9-2011). • “Ação regressiva. Acidente de trânsito causado por preposto da empresa. Sentença de primeiro grau condenando empregado e empregador. Responsabilidade solidária. Divida paga integralmen­ te pelo patrão. Direito de regresso contra o preposto configurado. Ausência de caráter de descon­ to salarial. Réu que, aliás, não figura mais como funcionário do autor" (TJSC, 21 Càm. Cível, AC 1999.012533-5, Rei. Des. Jorge Schaefer Martins, j. em 7-7-2005).

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questio­ nar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. HISTÓRICO • 0 texto original do dispositivo aprovado pela Câmara, que não alterou a redação do projeto, mantinha a redação do art. 1.525 do Código Civil de 1916, pela qual "a responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime". Após apreciação do Senado ganhou a redação atual, com a manutenção do mesmo conteúdo do dispositivo e a substituição da palavra "crime", impropriamente usada, por "juízo criminal".

DOUTRINA • Vigora em nosso Direito o princípio da independência da responsabilidade civil em relação à penal. A ação civil de reparação de dano pode ser proposta independentemente do corres­ pondente procedimento criminal (art. 64 do CPP). Mas, se a sentença criminal reconhecer o fato e o respectivo agente, na justiça civil não poderão mais ser questionadas essas matérias; por isso, "transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros" (art. 63, caput, do CPP). Também se a sentença criminal negar a existência do fato e sua autoria, na órbita civil essa decisão nào poderá ser contrariada. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer o estado de necessidade, a legítima defesa, o estri­ to cumprimento de dever legal e o exercício regular de direito (art. 65 do CPP), observado o disposto nos arts. 929 e 930 deste Código Civil, que asseguram o direito à indenização ao dono da coisa danificada em estado de necessidade e legitima defesa de terceiro. No entan­ to, a sentença absolutória que não reconhece categoricamente a inexistência material do fato não impede que o juízo civil decida diferentemente (art. 66 do CPP). Caso o agente seja absolvido em procedimento criminal por falta de provas, ou por nào constituir crime o fato de que resultou o dano, ou por estar prescrita a condenação, isto é, “por qualquer motivo peculiar à instância criminal quanto a condições de imposição de suas sanções", nada impe­ de que em procedimento civil seja condenado a reparar o dano (cf. art. 67 do CPP). Esse regram ento deve-se ao diferente tratamento dado à configuração do ato ilícito e à culpa nas esferas civil e penal; em suma, “o juízo cível é menos rigoroso do que o criminal na exigência dos requisitos da condenação" (W ashington de Barros Monteiro, Carlos Alberto Dabus M a lu f

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e Regina Beatriz Tavares da Silva, Curso de direito civil, 38. ed., São Paulo, Saraiva, 2011, v. 5. p. 600). • A Lei n. 11.719, de 20-6-2008, reformou o Código de Processo Penal e deu nova redação ao inci­ so IV do art. 387: “0 juiz, ao proferir sentença condenatória: (...) IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido". Essa modificação tem em vista dar celeridade e, portanto, eficiência à prestação jurisdicional no pleito ressarcitório. A indenização mínima é aquela decorrente do dano que fica comprovado no processo penal: "A expressão valor mínimo, destarte, deve ser entendida não como aquilo que é evidente aos olhos do leigo, mas como correspondente a todos os elementos trazidos aos autos, aptos a demonstrar ao juiz o efetivo dano experimentado. 0 chamado valor mínimo, então, po­ derá corresponder à totalidade do prejuízo, se o assistente assim o demonstrar" (Guilherme de Souza Nucci et al., Ação civil ex delicto: problemática e procedimento após a Lei 11.719/2008, RT 8881395). Já que o procedimento penal deve ter em conta a maior celeridade, o pedido de provas demoradas ou perícias complexas para a comprovação dos danos sofridos não é compatível com o processo penal mais atual (pós-reforma). Assim, mesmo tendo sido fixado o valor mínimo no processo penal, pode a vítima buscar a jurisdição civil, a fim de apurar toda a extensão dos danos sofridos, com ampla produção de provas. A Lei n. 11.719/2008 acrescentou o seguinte parágrafo único ao art. 63 do CPP: "Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem preju­ ízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido". Assim, o valor mínimo estará fixado e transitado em julgado, nào podendo o juízo cível modificá-lo, e, da indenização fixada no âmbito civil, deverá ser descontada a indenização mínima, já definida na esfera penal.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 45, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Art. 935. No caso do art. 935, não mais se poderá questionar a existência do fato ou quem seja o seu autor se essas questões se acharem categoricamente decididas no juízo criminal". Ao que parece, o acréscimo do vocábulo categoricamente tem em vista dissociar ainda mais a esfera civel da criminal no âmbito da res­ ponsabilidade civil.

JULGADOS • "Agravo de instrumento. Ação ordinária de indenização por dano material e moral. Deferimento da suspensão do processo até o deslinde da ação penal que visa apurar a ocorrência de crime contra o patrimônio, observado o prazo de um ano. Eventual ilícito civil que independe da tipifi­ cação do ilícito penal. Inexistência ou irrelevância de relação de prejudicialidade externa bem evidenciada. Facultatividade, ademais, da providência. Art. 110, caput, do CPC e art. 935 do CC de 2002 ..." (TJSP, 20» Câm. de Dir. Priv., Al 0013951-47.2012.8.26.0000, Rei. Des. Correia Lima, j. em 25-6-2012). • "Processual civil e civil. Agravo regimental no agravo de instrumento. (...) 2. Rejeitada a alegada infringência ao art. 935 do Código Civil, uma vez que ao contrário do alegado no apelo nobre, não houve no juízo criminal a absolvição da recorrente ao fundamento de que o acidente ocorrera por culpa exclusiva da vitima, ora agravada. A Corte Estadual asseverou que o referido artigo não se aplica ao caso porque houve apenas arquivamento de inquérito policial..." (STJ, 4» T., AgRg no Ag. 117.996-6/SP, Rei. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 23-11-2010). • "Recurso especial. Acidente de trânsito. Ação de indenização julgada procedente. Decisão criminal absolutória. Culpa exclusiva da vítima. Art. 386, IV, do CPP. Ausência de repercussão no juízo civel. Inteligência dos arts. 1.525 do CC/16 e 65 do CPP. Embora tanto a responsabilidade criminal quanto a civil tenham tido origem no mesmo fato, cada uma das jurisdições utiliza critérios di­ versos para verificação do ocorrido. A responsabilidade civil independe da criminal, sendo também de extensão diversa o grau de culpa exigido em ambas as esferas. Todo ilícito penal é também um ilícito civil, mas nem todo ilícito civil corresponde a um ilícito penal. A existência de decisão penal absolutória que, em seu dispositivo, deixa de condenar o preposto do recorrente por ausência de prova de ter o réu concorrido para a infração penal (art. 386, IV, do CPP) não impede o prossegui­ mento da ação civil de indenização. A decisão criminal que não declara a inexistência material do

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fato permite o prosseguimento da execução do julgado proferido na açào cível ajuizada por fa­ miliar da vítima do ato ilícito. Recurso especial nâo provido" (REsp 1.117.131/SC, 3«T., Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 1«-6-2010). • "Indenização por danos morais e materiais. Homicídio. Réu pronunciado. Sobrestamento da ação civil. Enquanto se resolve a questão na seara criminal. Desnecessidade diante da independência dos juizos cível e criminal. Inteligência do art. 935 do Código Civil. Legitima defesa afastada no sumário de culpa e nesta sede. Ausência de elementos que corroborem a tese do demandado. Dor da companheira e filhas da vitima que é inquestionável. Dano moral configurado. Indenização a título de danos materiais bem fixada. Menores cujo sustento ficou comprometido com a morte do pai. Recurso provido" (TJSP, AC c/ Rev. 349.075-4, 5* Càm. de Dir. Priv., Rei. Des. A. C. Mathias Coltro, j. em 30-4-2008). • "Indenização. Acidente de trânsito. Morte da vitima. Interesse de agir. Ocorrência. Prescrição. Inexistência. Culpa. Condenação criminal. Coisa julgada no civel. Impossibilidade de discussão da responsabilidade civil. Art. 935 do novo Código Civil. Danos morais. Valor. Redução" (TJMG, 17* Câm. Civel, AC 514.730-2/000, Rei. Des. Irmar Ferreira Campos, j. em 15-9-2005). • "Responsabilidade civil. Indenizatória. Ato ilícito praticado por preposto. Condenação definitiva na esfera penal. Circunstância que afasta debate acerca de culpa. Responsabilidade do emprega­ dor. Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal" (TJSP, 3* Câm. de Dir. Priv., AC 295.547-4/9, Rei. Des. Luiz Antonio de Godoy, j. em 10-2-2004). • "Recurso especial. Processual civil. Ação penal e correspondente ação de indenização. Art. 110 do CPC. Suspensão do processo. Possibilidade. Prazo máximo. Art. 265, § 5*. do CPC. Na hipótese em que, tanto na ação penal, como na correspondente açào indenizatória, o argumento de defesa consubstancia-se na alegação de ter-se agido em legitima defesa, resta evidenciada a possibilida­ de de decisões contraditórias no tocante a essa excludente de ilicitude, pelo que se justifica a suspensão do processo civil, nos termos do art. 110 do CPC. 0 prazo de tal suspensão não poderá exceder um ano (art. 265, § 5o, do CPC). Recurso especial a que se dá provimento" (STJ, 3* T., REsp 282.235/SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 19-12-2000). • "Responsabilidade civil. Atropelamento. Culpa: matéria de prova. Repercussão no civel do julgado criminal... 0 réu, no caso em tela, fora absolvido por falta de provas quanto à sua culpabilidade" (STJ, REsp 238.159-BA, 4* T., Rei. Min. 8arros Monteiro, j. em 29-2-2000). • "Indenização. Reparação de danos. Independência das esferas civil e criminal. Inteligência do art. 64 do CPP. (...) o sujeito pode ser absolvido no juizo criminal em face da prática de um fato ini­ cialmente considerado delituoso e, entretanto, ser obrigado à reparação do dano no juizo civel. 0 agente pode ser civilmente obrigado à reparação do dano, embora o fato causador do prejuízo não seja típico" [RT, 716/162). • "Processual civil. Liquidação de sentença penal condenatória. Responsável civil pelos danos. Ilegi­ timidade de parte. Carência da ação. A sentença penal condenatória não constitui título executi­ vo contra o responsável civil pelos danos decorrentes do ilícito, que não fez parte da relação juridico-processual, podendo ser ajuizada contra ele ação, pelo processo de conhecimento, tenden­ te à obtenção do titulo a ser executado. Recurso especial provido" (STJ, 3* T., REsp 343.917/MA, Rei. Min. Castro Filho, j. em 31-11-2003, RT, 647/129). • "Responsabilidade civil. Atropelamento e morte de menor. Indenização pleiteada pelos pais. Con­ denação criminal. Hipótese que constitui coisa julgada no civel. Título hábil à execução. Fixação do quantum por arbitramento" [RT, 615/110).

Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.527 do Código Civil de 1916, sendo que no dispositivo em análise foi abolida a hipótese prevista na­

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quele diploma legal, pela qual poderia ser excluída a responsabilidade do dono ou detentor do animal se provasse “que o guardava e vigiava eom cuidado preciso". Note-se que as hipóteses de exclusão de responsabilidade previstas nos incisos do art. 1.527 do Código Civil de 1916 tinham caráter alternativo, de modo que, se o dono do animal provasse que dele cuidava e o vigiava com o cuidado necessário, nào poderia ser responsabilizado pelos danos causados. Com o Código Civil de 2002 o dono do animal somente deixa de ser responsabilizado se provar que a culpa é da viti­ ma ou que o evento danoso foi causado por força maior.

DOUTRINA • Trata-se de típica responsabilidade indireta, com presunção da culpa do dono ou detentor do animal, presunção juris tantum por admitir prova em contrário, referente à culpa da vítima e à força maior. A força maior é excludente da responsabilidade, prevista no art. 393 deste Código, com o o “fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir", sem que seja realizada distinção do caso fortuito neste dispositivo; a principal característica dessa excludente da responsabilidade é a inevitabilidade do evento. M uito debatida foi essa espécie de responsabilidade civil, que em princípio deve caber àquele que causa o dano; mas, no caso, é exatamente a pessoa que concorre para o dano, porque não cuidou, com o devia, do animal que lhe pertence. Essa é a chamada culpa in custodiendo, modalidade da culpa in vigilando, que se presume, já que a pessoa descuida do animal que tem sob sua guarda, ou seja, nào o vigia com o devido cuidado. Importa verificar a guarda ou poder de direção ou comando, de modo que são responsáveis pelo animal tanto seu dono como seu detentor.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 452, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Art. 936. A responsabilidade civil do dono ou detentor de animal é objetiva, admitindo-se a excludente do fato exclusivo de terceiro".

JULGADOS • "Indenização. Responsabilidade civil. Concessionária de rodovia. Acidente de trânsito envolvendo animal que invadiu a pista em rodovia oficial privatizada. Danos causados ao veiculo. Responsa­ bilidade objetiva concorrente da concessionária dos serviços de exploração e conservação da ro­ dovia e do dono ou detentor do animal (arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor e 936 do Código Civil). Dever de indenizar da concessionária, que poderá exercer o direito de regresso. Recursos não providos neste ponto" (TJSP, 6* Cãm. de Dir. Públ., AC 0009395-68.2005.8.26.0510, Rei. Des. Reinaldo Miluzzi, j. em 18-6-2012). • "Acidente de trânsito. Indenização. Sentença de procedência parcial. Apelações de réus e autores. Colisão de motocicleta em rodovia vicinal com animal de propriedade e posse dos réus. Vitimaçáo do filho dos autores. Culpa exclusiva do proprietário e do detentor do animal comprovada. Art. 936 do Código Civil. Condenação na indenização por danos materiais e morais mantida. Reconhe­ cida, ainda, a ilegitimidade passiva da arrendadora da área em que pastava o animal" (TJSP, 34* Câm. de Dir. Priv., AC 9115586-88.2007.8.26.0000, Rei. Des. Nestor Duarte, j. em 28-5-2012). • "Apelação civel. Responsabilidade civil. Dano material e extrapatrimonial - moral e estético. Ataque de animal. Art. 936 do CC/2002. Culpa concorrente da vítima afastada. Demanda proce­ dente... Dever de indenizar reconhecido. Culpa concorrente afastada. É cediço que o dono ou detentor de animal responde objetivamente pelos danos que este causar a outrem, salvo se com­ provada a culpa da vítima ou força maior. Inteligência do art. 936 do CC/2002, vigente à época do fato. Caso em que o autor, ao transitar na via pública, foi atacado por um cão, da raça Dog Alemão, de propriedade dos réus. Prova oral que atesta a versão dos fatos exposta na inicial, no sentido de que não houve provação por parte do autor, inexistindo elementos aptos a confirmar a tese de que o demandante investiu contra o animal, ônus que competia aos demandados, ex vi do art. 333, II, do CPC. Culpa concorrente não reconhecida" (TJRS, 10* Câm. Civel, AC 70014524300, Rei. Paulo Roberto Lessa Franz, j. em 14-12-2006).

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• "Responsabilidade eivil. Dano material e estético. Infante atacado por câo da raça Fila, na própria residência do réu. Nexo causai evidente. Responsabilidade do dono do animal caracterizada. Se­ qüelas conseqüentes à mordida do animal evidenciadas. Dever de indenizar inconteste. Quantum indenizatório inalterado. Recursos improvidos, rejeitada a preliminar de cerceamento de defesa" CTJSP, 1* Câmara "A" de Direito Privado, AC 448.259-4/3, Rei. Des. Laerte Nordi, j. em 12-12-2006). • "Indenização. Responsabilidade solidária do Estado com a de pecuarista que deixou suas reses invadirem as áreas plantadas dos recorridos agricultores. 0 agricultor é responsável solidário porque obrigado a guardar seus animais, nâo os deixando invadir propriedade alheia, mesmo quando as cercas divisórias foram destruídas pelos ‘sem-terra* e assentados do ITESP" (TJSP, 7* Câm. Civel, Ap. c/ Rev. 271.309-5/1, Rei. Des. Guerrieri Rezende, j. em 7-11-2005). • "Açâo ordinária. Pedido de indenização por danos morais. Ataque de câo em via pública. Indeni­ zação por danos morais. Responsabilidade do dono do animal. Inteligência do art. 936 do Código Civil. Rateio das despesas processuais em razâo da sucumbência recíproca. Desprovimento da apelação e parcial provimento ao recurso adesivo" (TJRJ, 9 ' Câm. Civel, AC 2006.001.18524, Rei. Des. Renato Simoni, j. em 17-10-2006). • "Indenização. Ataque por câes bravos. Danos físicos e morais. Culpa in vigilando caracterizada. Reparação devida" [RT, 727/274). • “Açào indenizatória. Omissáo na guarda de animal bravo, que escapou do 'brete' e atingiu tercei­ ro na arena de rodeio. Vitima que veio a falecer em razáo dos ferimentos sofridos. Presunção de culpa do dono do animal" (TJSP, 4» Câm. de Dir. Priv., AC 301.950.4/4-00, Rei. Des. Francisco Loureiro, j. em 8-9-2005).

Art. 937.0 dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta. HISTÓRICO • Este dispositivo não foi modificado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.528 do Código Civil anterior, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional.

DOUTRINA • 0 dono do edifício ou da obra em construção é responsável pelos danos resultantes de sua ruína, desde que proveniente de manifesta falta de reparos, mas disporá de açào de regresso contra o empreiteiro para dele haver a indenização paga aos atingidos pelos efeitos danosos daquela ruína, conforme o art. 618: “Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo", devendo ser citado o parágrafo único deste dispositivo, pelo qual: "Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que nào propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito". Há corrente de pensamento segundo a qual a responsabilidade até o momento da entrega do edifício é do construtor, salvo prova da culpa por parte do proprietário, e existe outra pela qual a responsabilidade do proprietário existe em qualquer caso em razão de sua culpa in eligendo (cf. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade eivil, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 1, p. 363-7). Entendemos que, em razâo deste artigo, a responsabilidade do dono ou proprietário do edifício, esteja ou não em construção, sempre existe, podendo alcançar tam ­ bém o construtor ou empreiteiro, na conformidade do art. 618 deste Código.

JULGADOS • "Responsabilidade civil extracontratual. Indenização por dano moral. Autor que foi atingido pelo desabamento do muro do imóvel da ré, que resultou em lesões e seqüelas no seu joelho esquerdo.

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Art. 938

Inteligência do art. 937 do Código Civil. Ofensa à integridade física do autor. Dever de indenizar" (TJSP, 2* Câm. de Dir. Priv., AC 0013668-46.2007.8.26.0405, Rei. Des. Neves Amorim, j. em 29-52012).

• "Ação indenizatória. Responsabilidade da ré objetiva, com fundamento no art. 937 do Código Civil. (...) Indenização por danos morais e materiais. Desabamento do teto de templo religioso, vindo a atingir a filha da autora, que faleceu. Danos morais configurados" (TJSP, 5* Câm. de Dir. Priv., AC 0142693-86.2009.8.26.0100, Rei. Des. A. C. Mathias Coltro, j. em 6-7-2011). • "Civil. Dano ao imóvel vizinho. Responsabilidade solidária do proprietário da obra e do empreitei­ ro. 0 proprietário da obra responde solidariamente com o empreiteiro, pelos danos causados a terceiro" (STJ, 3» T., AgRg no REsp 473.107/MG, Rei. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 26-102006). • "Nào demonstrado que o desabamento do muro sobre carro estacionado fosse causado por sua má conservação ou pela desidia do proprietário do prédio em providenciar os devidos reparos, mas devendo-se a forte chuva, fenômeno natural imprevisível, nâo há cogitar-se de sua culpa pela inexecução da obrigação" [RT, 731/314).

Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nâo foi objeto de emenda no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.529 do Código Civil de 1916, que, pela época em que foi promulgado, referia-se à “casa" de onde caíssem ou fossem lançadas as coisas, e nâo ao "prédio", como faz o presente artigo.

DOUTRINA • A responsabilidade por fato das coisas é também indireta e funda-se no princípio da guarda, de poder efetivo sobre a coisa no momento do evento danoso. Desse modo, a determinação do guardião é fundamental nessa espécie de responsabilidade civil. Presume-se ser o proprie­ tário do prédio o guardião da coisa, mas se a guarda foi transferida pela locação, pelo com o­ dato ou pelo depósito, transfere-se a responsabilidade para o locatário, o comodatário ou o depositário. Ainda, se terceiro, sem o consentimento do dono da coisa, dela se apossa, ine­ xiste a responsabilidade do proprietário, que se transfere ao possuidor (cf. Caio M ário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, cit., p. 101-7).

JULGADOS • "Direito de vizinhança. Indenização. Danos materiais e morais. Responsabilidade civil. Condomínio. Objeto (ovo) lançado de edifício. Responde o condomínio pelos danos causados por objetos que caírem e/ou forem lançados de unidades não identificadas, independentemente de culpa" (TJSP, 10* Câm. de Dir. Priv., AC 0019267-03.2010.8.26.0003, Rei. Des. Roberto Maia, j. em 19-6-2012). • "Responsabilidade civil. Danos morais. Autora atingida na região da cabeça por pá de pedreiro manuseada em serviço de jardinagem realizada na parte superior da agência ré. Nexo de causali­ dade entre o fato e o dano sofrido, devidamente comprovado. Responsabilidade do banco réu reconhecida. Dano extrapatrimonial que existe in re ipsa" (TJSP, 9* Câm. de Dir. Priv., AC 0000244-56.2008.8.26.0451, Rei. Des. Galdino Toledo Júnior, j. em 14-2-2012). • “Tratando-se de queda de vaso em condomínio edilicio, em que nào se pode precisar o aparta­ mento pelo qual o objeto foi lançado, resta caracterizada a responsabilidade subsidiária do con­ domínio, nos termos do art. 938 do CC/2002, pelos danos causados" (TJRJ, 1* Câm. Civel, AC 2005.001.16539, Rei. Des. Mario Guimarães Neto, j. em 2-12-2005).

Art. 939

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• "Responsabilidade eivil. Reparação de danos. Lançamento ou queda de objeto, a partir de janela de unidade eondominial, situada em edifício de apartamentos, que atingiu transeunte nas proxi­ midades do local. Impossibilidade da identificação do autor do ilícito. Reparação devida pelo condomínio, conforme interpretação do a rt 1.529 do CC (art. 938 do Cód. Civil de 2002)" [RT, 767/194). • "A queda de objetos de unidades imobiliárias causando danos em transeuntes é fato grave e me­ rece reprimenda severa, sendo inequívoco que tenham as vítimas experimentado grande sofri­ mento, dor e angústia, geradora de indenização por danos morais" (TJRJ, 18* Câm. Civel, AC 2004.001.19946, Rei. Des. Jorge Luiz Habib, j. em 5-10-2004).

Art. 939. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro. HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela não foi alterado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.530 do Código Civil anterior, sem alteração.

DOUTRINA • Este dispositivo, bem como os arts. 940 e 941, são formas de liquidação do dano acarretado por cobrança indevida, que é havido como ato ilícito. Segundo tais dispositivos, presume-se a culpa, com indenização preestabelecida. No entanto, já havia jurisprudência sob a égide do Código Civil de 1916, que foi mantida após o Código Civil de 2002, pela qual a vitima deve provar a malícia ou dolo do autor da ação, sob pena de não serem aplicadas as sanções nestes dispositivos cominadas, inclusive sumulada sob a égide do Código Civil anterior (Súmula 159 do STF). Argumenta-se que a aplicação pura e simples dessa presunção criaria graves entraves ao direito de acionar, pelo receio dos litigantes quanto à aplicação das penalidades deles constantes. A critica doutrinária a esse pensamento jurisprudencial baseia-se nos princípios que norteiam a responsabilidade civil, cujos pressupostos sào tanto o dolo quanto a culpa em sentido estrito: negligência, imperíeia e imprudência, de modo que não deveria ser estabelecida uma exceção a tais princípios, impondo-se à vitima a difícil prova da intenção do autor da ação (dentre os defensores da aplicação do dispositivo sem a necessidade de demonstração do dolo, cf. José de Aguiar Dias, Da responsabili­ dade eivil, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 1, p. 96-104). A responsabilidade civil pela co­ brança indevida recebe nestes dispositivos uma prefixaçào do valor da indenização.

SÚMULAS • Súmula 159 do STF: "Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil". • Súmula 370 do STJ: "Caracteriza dano moral a apresentação antecipada do cheque pré-datado".

JULGADOS • "Declaratória. Nulidade de duplicatas. Prova de pagamento parcial da divida. (...) Validade e eficá­ cia da duplicata que representa o saldo da divida. Pagamento em dobro. Inadmissibilidade, eis que nào se trata de má-fé do credor. (...) A autora ainda permanece devedora da ré-apelada, e não houve controvérsia quanto ao serviço prestado, apenas as partes negociaram datas de vencimen­ to da divida e, desta forma, para que se aplique o comando do art. 939 do novo Código Civil (art. 1.531 do Código revogado), há que se demonstrar a má-fé por parte do credor" (TJSP, 14* Câm. de Dir. Priv., AC 9172846-89.2008.8.26.0000, Rei. Des. Ligia Araújo Bisogni, j. em 25-5-2011).

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Art. 940

• "Cambial. Cheque. Emissão ao portador. (...) Impossibilidade de cobrança dos títulos ainda não vencidos quando da propositura da ação. Aplicabilidade do art. 1.531 do Código Civil/16 e art. 939 do novo Código Civil ..." (TJSP, 20* Câm. de Dir. Priv. "A", AC 1.090.091-9, Rei. Des. Heraldo de Oliveira Silva, j. em 19-12-2005). • "Civil. Recurso especial. Cheque pré-datado. Apresentação antes do prazo. Compensação por danos morais. Não ataca o fundamento do acórdão o recurso especial que discute apenas a natureza jurídica do título cambial emitido e desconsidera o posicionamento do acórdão a respeito da existência de má-fé na conduta de um dos contratantes. A apresentação do cheque pré-datado antes do prazo estipulado gera o dever de indenizar, presente, como no caso, a devolução do ti­ tulo por ausência de provisão de fundos. Recurso especial não conhecido" (REsp 707.272/PB, 3J T., Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 3-3-2005). • "Cheque pré-datado. Apresentação antes do prazo. Indenização por danos morais. Precedentes da Corte. 1. A apresentação do cheque pré-datado antes do prazo avençado gera o dever de indeni­ zar, presente, como no caso, a conseqüência da devolução do mesmo por ausência de provisão de fundos. 2. Recurso especial conhecido e provido" (REsp 557.505/M6, 3a T., Rei. Min. Carlos Alber­ to Menezes Direito, j. em 4-5-2004). • "A devolução de cheque pré-datado, por insuficiência de fundos, apresentado antes da data ajus­ tada entre as partes, constitui fato capaz de gerar prejuízos de ordem moral" (REsp 213.940/RJ, 31 T., Rei. Min. Eduardo Ribeiro, j. em 29-6-2000).

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi modificado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. Tal redação corresponde ao texto integral apresentado pelo projeto. Repete o teor do art. 1.531 do Código Civil anterior, com melhoria de redação.

DOUTRINA • Com o acentuado na nota de doutrina ao art. 939, há jurisprudência no sentido de impor à vítima do ilícito de cobrança indevida o ônus de provar o dolo do lesante, para obter a repa­ ração prevista naquele e neste artigo.

SÚMULA • Súmula 159 do STF: "Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil".

JULGADOS • "Ação de cobrança. Prestação de serviços. Pedido contraposto de devolução em dobro nào aco­ lhido por ausência de prova de má-fé. (...) 1. Esta Corte Superior é firme no entendimento segun­ do o qual o disposto no art. 940 do Código Civil somente é aplicável quando comprovada a má-fé do credor" (STJ, 3* T., AgRg no Ag. 118.524-1/RJ, Rei. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j.em 8-5-2012). • "Condenação pela pena do art. 940 do Código Civil. Manutenção. (...) 0 ajuizamento de execução, quando o credor já recebeu, pela seguradora, parte da importância cobrada, e o restante, no curso da própria ação, constitui-se em vulneraçào do art. 940 do CC-02, e desobediência à regra de conduta de boa-fé entre os contratantes. 0 fiel adimplemento da obrigação decorrente da relação de débito e crédito é o ponto culminante da conduta esperada reciprocamente pelas partes, persistindo, contudo, os efeitos pós-contratuais, não obstante extinto o negócio pelo

Arts. 941 e 942

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adimplemento. A responsabilidade pós-negoeial, no sentido lato, vem sempre anelada ao principio da boa-fé objetiva - veda-se cobrar divida já paga..." (STJ,3*T., REsp 1068271/SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 24-4-2012). • "Alienação fiduciária. Ação de busca e apreensão. Noticia de que as prestações já se encontravam pagas antes do ajuizamento. Condenação ao pagamento em dobro do valor. Indispensabilidade da propositura de ação ou reconvenção. Insubsistência da condenação ..." (TJSP, 31* Câm. de Dir. Priv., AC 1119110-0/2, Rei. Des. Antonio Rigolin, j. em 11-12-2007). • "Ação de indenização. Art. 1.531 do Código Civil. Ausência de comprovação da má-fé. Preceden­ tes da Corte. Súmulas ns. 07 e 83 da Corte. 1. Como assentado em diversos precedentes, a inci­ dência do art. 1.531 do Código Civil 'supõe que, além da cobrança indevida, exista procedimento malicioso do autor, agindo consciente de que não tem direito ao pretendido. Não se pode afirmar a má-fé com base, tão só, na improcedência do pleito'. 2. 0 fato de ter sido a parte condenada nas penas de litigância de má-fé nos embargos à execução que foram julgados procedentes, ajuizados pelos autores da presente indenizatória, não traz como conseqüência necessária a res­ ponsabilidade prevista no art. 1.531 do Código Civil. 3. Afastada pelo Acórdão recorrido a ocor­ rência da má-fé, com base na prova dos autos, o reexame da matéria pela Corte não é possível nos termos da Súmula n. 7. 4. Recurso especial não conhecido ao abrigo da Súmula n. 83 da Corte" (REsp 184.822/SP, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3* T., j. em 14-10-1999, DJ, 13-12-1999, p. 142).

Art. 941. As penas previstas nos arts. 939 e 940 não se aplicarão quando o autor desis­ tir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido. HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela não foi atingido por qualquer espécie de modificação no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. Na conformidade do art. 1.532 do Código Civil anterior, não havia a ressalva ao direi­ to do réu a indenização por prejuízo sofrido.

DOUTRINA • Por este dispositivo, mesmo diante de desistência da ação de cobrança indevida antes da citação, o ali demandado pode vir a receber indenização pelos danos que comprove ter sofrido. Portanto, nesse caso, não há indenização prefixada, ao contrário do que estabelecem os arts. 939 e 940.

JULGADOS • "Apelação civel. (...) Hipótese de demanda por dívida já paga, que dá ensejo à aplicação da pena­ lidade prevista no art. 940 do Código Civil. Autor que não fez uso da faculdade prevista no art. 941 do Código Civil ..." (TJSP, 33* Câm. de Dir. Priv., AC 0034272-52.2008.8.26.0224, Rei. Des. Mario A. Silveira, j. em 9-1-2012). •

"0 credor que cobra em juizo quantia já paga, sem ressalvá-la, é obrigado a ressarcir, em dobro, o devedor, nos termos do art. 940 do Código Civil. E é isso o que aqui se nota, pois a embargada podia se livrar de citada condenação se tivesse desistido da execução antes da oposição dos em­ bargos, conforme lhe facultava o art. 941 do Código Civil, nào se olvidando que, há tempos, o recibo de quitação se encontrava encartado até mesmo nos autos principais de execução" (TJSP, 21* Câm. de Dir. Priv. "D", AC 7.132.497-9, Rei. Des. Siqueira de Pretto, j. em 23-8-2007).

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos respon­ derão solidariamente pela reparação.

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Art. 942

Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi objeto de emenda no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. Assim, a redação atual é a mesma do projeto. Corres­ ponde ao art. 1.518 do Código Civil anterior, em seu conteúdo, com a substituição do termo "cúmplice", usado no parágrafo único deste dispositivo, pela expressão "coautores", utilizada no parágrafo único do dispositivo em análise.

DOUTRINA • Este artigo regula a responsabilidade patrimonial, pela qual os bens do responsável pela violação respondem pela reparação do dano acarretado ao ofendido. • Quando duas ou mais pessoas violam direito alheio e causam-lhe dano, são solidariamente res­ ponsáveis por força deste dispositivo legal (cf. Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade eivil, 7. ed., São Paulo, Saraiva, 2002, p. 130-2). • E este dispositivo também estabelece a solidariedade na responsabilidade indireta, prevista no art. 932 deste Código, em que há responsabilidade por ato de terceiro. Tanto o agente causador do dano, assim como as pessoas enumeradas nos incisos I a IV do art. 932, são responsáveis pela re­ paração integral do dano. 0 mesmo principio da solidariedade aplica-se na participação gratuita em crime (art 932, V) e diante do concurso de agentes na prática do ilícito. No entanto, o art. 928 estatui uma hierarquização na responsabilidade patrimonial em casos de danos ocasionados por incapaz, ao estabelecer que "o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis nào tiverem obrigação de fazê-lo ou nào dispuserem de meios suficientes". No Pro­ jeto de Lei elaborado pela Comissão de Professores que emendou o Código Civil antes de sua aprovação no ano de 2002 (atual PL n. 699/2011), é proposta a eliminação dessa hierarquização na responsabilidade patrimonial do incapaz, com a absoluta solidariedade.

SÚMULAS • Súmula 476 do STJ: "0 endossatário de titulo de crédito por endosso-mandato só responde por danos decorrentes de protesto indevido se extrapolar os poderes de mandatário". • Súmula 475 do STJ: "Responde pelos danos decorrentes de protesto indevido o endossatário que recebe por endosso translativo título de crédito contendo vicio formal extrínseco ou intrínseco, ficando ressalvado seu direito de regresso contra os endossantes e avalistas".

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 453, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 942. Na via regressiva, a indenização atribuída a cada agente será fixada proporcionalmente à sua contribuição para o evento danoso".

JULGADOS • "Poluição ambiental. Empresas mineradoras. Carvão mineral. (...) 4. Havendo mais de um causador de um mesmo dano ambiental, todos respondem solidariamente pela reparação, na forma do art. 942 do Código Civil" (STJ, 2* T., REsp 647493/SC, Rei. Min. João Otávio de Noronha, j. em 22-52007). • "Solidariedade. Reconhecimento. Sentença que impôs o pagamento de indenização por ato ilícito. Obrigação solidária. Inteligência do art. 942 do Código Civil. 8anco agravante que adquiriu as duplicatas por endosso translativo e, nào obstante estarem quitadas, indevidamente as protestou. Decisão que reconheceu ser solidária a responsabilidade..." (TJSP, 38* Câm. de Dir. Priv., AC 0083142-82.2012.8.26.0000, Rei. Des. Fernando Sastre Redondo, j. em 27-6-2012).

Art. 943

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• "Civil e processual. Responsabilidade civil. Ação de cobrança. Acidente de trânsito. Colisão com poste de iluminação pública. Reparação do dano. Responsabilidade do proprietário do veiculo. (...). II - 0 proprietário de veículo que o empresta a terceiro responde por danos causados pelo seu uso. III - Recurso especial conhecido e provido" (REsp 895.419/DF, 4»T., Rei. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 3-8-2010). • "Dano moral. Responsabilidade civil. Erro médico. Lipoaspiração. Falecimento em razão de perfu­ ração de alça intestinal. Paciente que apresentava evidentes sintomas anormais após a cirurgia. Chamada do médico titular e realizador da operação por parte de médica plantonista. Posterior convocação do anestesista para verificar a razão da baixa pressão arterial da paciente. Hipótese em que foram ministradas altas doses de medicamentos sem que nenhuma providência investigativa fosse tomada para detectar a causa dos sintomas por parte dos médicos envolvidos. Sub­ missão de todos os profissionais à orientação insensata do seu superior. Negligência configurada. Proporcionalização da condenação afastada, reconhecida a responsabilidade solidária de todos os profissionais envolvidos. Arts. 942 e 951 do novo Código Civil. Verba indenizatória reduzida. Re­ cursos, tanto dos autores como dos réus, parcialmente providos. Declarações de voto vencedor e vencido" (TJSP, 5* Câm. de Dir. Priv., AC 165.946-4/6, Rei. Des. Dimas Carneiro, j. em 1°-2-2006). • "Na prática de um ato ilícito podem concorrer duas ou mais pessoas e se esse concurso se der sob a forma passiva, qualquer dos codevedores pode ser demandado pelo total da dívida, em face da solidariedade definida no art. 1.518 e seu parágrafo único do Código Civil, correspondente ao art. 942, caput e parágrafo único, do Código Civil de 2002" [RT, 529/179). • "Se o violador do direito ou causador do prejuízo não é uma pessoa, mas grupo de pessoas, estão todas e cada uma de per si obrigadas a reparar integralmente o dano. Nada obstante, aquele que pagar por inteiro a divida comum poderá exigir do codevedor a sua cota" [RT, 660/134). • "A indenização por danos causados a imóvel vizinho em decorrência de poluição industrial não é afastada ou diminuída pela existência de outras fontes poluidoras na localidade, pois há solida­ riedade entre os coautores do dano, podendo a vitima acionar isoladamente cada um deles, exi­ gindo do escolhido o total da indenização" [RT, 628/138). • "A responsabilidade civil decorrente de atropelamento com conseqüência fatal, ainda que se pretenda a indenização do seguro obrigatório, é sempre solidária, envolvendo segurado e segura­ dor" [RT, 565/132). • "Acidente de trânsito. Responsabilidade civil. Evento causado por menor púbere, sem habilitação. Veiculo de propriedade de terceiros. Responsabilidade solidária dos pais e dos titulares do bem" [RT, 707/85).

Art. 943.0 direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança. HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela não foi modificado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no perío­ do final de tramitação do projeto. Assim, a redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.526 do Código Civil anterior.

DOUTRINA • A obrigação de exigir a reparação e de prestá-la transmite-se por sucessão causa mortis, mas é limitada, quanto à responsabilidade do sucessor, às forças da herança. • Assim, este dispositivo deve ser interpretado com atenção às restrições constantes das outras regras deste Código Civil: “Art. 1.792. 0 herdeiro nào responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe a prova do excesso, salvo se houver inventário, que o escuse, dem onstrando o valor dos bens herdados" e “Art. 1.997. A herança responde pelo pagam en­ to das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube".

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Art. 944

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 454, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 943. 0 direito de exigir re­ paração a que se refere o art. 943 do Código Civil abrange inclusive os danos morais, ainda que a ação nào tenha sido iniciada pela vítima".

JULGADOS • "Tem legitimidade ativa o espólio para o ajuizamento de ação de indenização por danos materiais em face do Estado, devido ao atraso no cumprimento de medida liminar para fornecimento da medicação necessária ao tratamento de saúde do então requerente, que veio a falecer, tendo em vista que o espólio detém legitimidade ativa para postular em juízo a reparação dos danos sofridos pelo falecido, direito que é transmitido com a herança, nos termos do art. 943 do Código Civil" (STJ, 2*T.( AgRg no AgRg no REsp 129.298-3/AL, Rei. Min. Humberto Martins, j. em 1°-3-20l2). • "Dano moral. Morte da vítima. Transmissibilidade do direito. 0 direito de prosseguir na ação de indenização por ofensa à honra transmite-se aos herdeiros" (STJ, 4*T., REsp 440.626/SP, Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 3-10-2002). • "Dotado o espólio de capacidade processual (art. 12, V, do Código de Processo Civil), tem legitimi­ dade ativa para postular em Juízo a reparação de dano sofrido pelo c/e cujus, direito que se transmite com a herança (art. 1.526 do Código Civil)" (STJ, 3*T., REsp 343.654/SP, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 6-5-2002). • "0 direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos suces­ sores da vitima. '0 herdeiro não sucede no sofrimento da vítima. Nào seria razoável admitir-se que o sofrimento do ofendido se prolongasse ou se estendesse ao herdeiro e este, fazendo sua a dor do morto, demandasse o responsável, a fim de ser indenizado da dor alheia. M as é irrecusável que o herdeiro sucede no direito de ação que o morto, quando ainda vivo, tinha contra o autor do dano. Se sofrimento é algo entranhamente pessoal, o direito de ação de indenização do dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores' (Leon Mazeaud, em magistério publicado no Reeueil Critique Dalloz, 1943, p. 46, citado por Mário Moacyr Porto, conforme referido no acórdão recorrido)" (STJ, 1« T., REsp 324.886/PR, Rei. Min. José Delgado, j. em 3-9-2001).

Capítulo II — DA INDENIZAÇÃO Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. Portanto, sua redação corresponde ao texto integral apre­ sentado pelo projeto original. Durante o período inicial de tramitação, houve apenas uma emen­ da propondo a supressão do parágrafo único, que veio a ser rejeitada pela Câmara, com justifica­ tiva fundada na equidade e conseqüente necessidade de previsão legal expressa de diminuição da indenização quando houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916, embora o art. 1.059 deste diploma legal já esta­ belecesse o critério da extensão do dano - perdas efetivas e lucros cessantes - na fixação do quantum indenizatório pelo dano material.

DOUTRINA • No Código Civil de 1916, já se adotava a teoria da extensão do dano, com o critério para a fixação da indenização cabível em caso de prejuízo material. Mas, o quantum indenizatório

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independia da existência de dolo, vontade deliberada de causar o prejuízo, ou de culpa no sentido estrito. • A culpa dividia-se em grave - na qual o agente, embora sem a vontade deliberada de causar o dano, atuou como se o tivesse desejado leve - ausência de diligência média, observada por um homem normal em sua conduta - e levíssima - falta de diligência, tomada acima do padrão médio do ser hum ano (cf. Caio M ário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 71; Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 21. ed., Sào Paulo, Saraiva, 2007, v. 7, p. 43; Rui Stoco, Tratado de responsabilidade civil, 8. ed., Sào Paulo, Revista dos Tribunais, 2011, p. 151). • A mudança operada no Código Civil de 2002, nesse sentido, é significativa, já que no Código Civil de 1916 adotava-se somente a teoria da extensão do dano, com o critério para a fixação da indenização cabível em caso de prejuízo material. 0 quantum indenizatório, consoante o parágrafo único do artigo em tela, diante de excessiva desproporção entre o grau de culpa do agente e o dano, pode ser mensurado conforme a existência de dolo - vontade delibera­ da de causar o prejuízo - ou de culpa no sentido estrito - negligência, imprudência ou imperícia. • 0 parágrafo único deste artigo adota a teoria da gradação da culpa, a influenciar o quantum indenizatório, mas somente possibilita sua diminuição diante de desproporção entre a gra­ vidade da culpa e o dano. Esse parágrafo é inaplicável nas hipóteses de responsabilidade objetiva, em que não há apuração da culpa e, portanto, descabe a diminuição da indenização consoante o critério aqui estabelecido. Desse modo esse parágrafo é aplicável exclusivamen­ te à responsabilidade civil subjetiva (cf. W ashington de Barros Monteiro, Carlos Alberto Dabus M a lu f e Regina Beatriz Tavares da Silva, Curso de direito civil, 38. ed., São Paulo, Saraiva, 2 0 1 1,v. 5. p. 614). • 0 critério para a fixação do dano material é o cálculo de tudo aquilo que o lesado deixou de lucrar e do que efetivamente perdeu. Já que o evento danoso interrompe a sucessão normal dos fatos, a reparação de danos deve provocar um novo estado de coisas que se aproxime tanto quanto possível da situação frustrada, ou seja, daquela situação que, segundo a expe­ riência humana, seria a existente se não tivesse ocorrido o dano (cf. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 2, p. 407). • Vê-se, assim, que o critério da extensão do dano aplica-se perfeitamente à reparação do dano material, que tem caráter ressarcitório. • No entanto, na reparação do dano moral nào há ressarcimento, já que é praticamente im­ possível restaurar o bem lesado, que, via de regra, tem caráter imaterial. 0 dano moral resul­ ta, na maior parte das vezes, da violação a um direito da personalidade: vida, integridade física, honra, liberdade, direito moral do autor etc. (cf. Carlos Alberto Bittar, Os direitos da personalidade, 5. ed. atual, por Eduardo Carlos Bianca Bittar, Rio de Janeiro, Forense Univer­ sitária, 2001; Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, 3. ed., Sào Paulo, Re­ vista dos Tribunais, 1999, p. 57-65; Yussef Said Cahali, D ano moral, 4. ed., Sào Paulo, Revista dos Tribunais, 2011, p. 39; Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, Sào Paulo, Saraiva, 1999, p. 148-9). 0 dano moral não é m ensu­ rável da mesma forma em que é medido o dano material. Por conseguinte, este artigo mere­ ce aperfeiçoamento no que se refere ao dano moral. • Os dois critérios que devem ser utilizados para a fixação do dano moral sào a compensação ao lesado e o desestímulo ao lesante. Inserem-se nesse contexto fatores subjetivos e objetivos, relacionados às pessoas envolvidas, como a análise do grau da culpa do lesante, de eventual participação do lesado no evento danoso, da situação econômica das partes e da repercusão do dano (cf. Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 221).

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• A multiplicação dos danos resultante da vida moderna, em que os atritos de interesses são cada vez mais intensos, leva o ser mais egoísta a imaginar que um dia poderá experimentar o mesmo infortúnio, do que surge a reação social contra a ação lesiva, de modo que a res­ ponsabilidade civil tornou-se uma concepção social, quando antes tinha caráter individual (cf. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 1, p. 13). É precisamente essa natureza sociológica da responsabilidade civil que torna relevan­ te a presença do caráter de desestímulo na indenização por dano moral. Interessa ao Direito e ao cumprimento de sua finalidade que o relacionamento entre os entes que convivem em sociedade se mantenha dentro de padrões de equilíbrio e respeito mútuo. • O critério na fixação do quantum indenizatório deve obedecer à proporcionalidade entre o mal e aquilo que pode aplacá-lo, levando-se em conta o efeito, que será a prevenção ou o desestímulo. Em suma, a reparação do dano moral deve ter em vista possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas prá­ ticas lesivas, de modo a “inibir comportamentos antissociais do lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade", traduzindo-se em "montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que nào se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo" (Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 247 e 233; cf., também, Yussef Said Cahali, Dano moral, cit., p. 30; Rui Stoco, Tratado de responsabilidade civil, 8. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1.402). • A o juiz devem ser conferidos amplos poderes, tanto na definição da forma com o da extensão da reparação cabível, mas certos parâmetros devem servir-lhe de norte firme e seguro, ca­ bendo sua estipulação em lei, inclusive para que se evite, definitivamente, o estabelecimento de indenizações simbólicas, que em nada compensam a vitima e somente servem de estímu­ lo ao agressor. • Note-se que os critérios consagrados pela jurisprudência e propostos no projeto de lei ela­ borado pela Comissão de Professores que emendou o Código Civil antes de sua aprovação em 2002 (atual PL n. 699/2011) têm caráter genérico e abrangente, permitindo ao Poder Judici­ ário aplicá-los caso a caso e de acordo com as circunstâncias do caso concreto, a exemplo do Código Civil português (arts. 4 9 4 e 496) e do Código Civil italiano (arts. 2.056, 2.057, 2.058, 2.059,1.223, 1.226 e 1.227). • Observe-se, ainda, que este artigo, ao adotar a gradação da culpa do agente no cálculo da indenização, confere apoio legal ao caráter punitivo da reparação de danos, de modo que o PL 699/2011 está em perfeita consonância com a m ens legis.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 458, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 944. 0 grau de culpa do ofensor, ou a sua eventual conduta intencional, deve ser levado em conta pelo juiz para a quan­ tificação do dano moral". • Enunciado 457, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 944. A redução equitativa da indenização tem caráter excepcional e somente será realizada quando a amplitude do dano extrapolar os efeitos razoavelmente imputáveis à conduta do agente". • Enunciado 456, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 944. A expressão 'dano' no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas". • Enunciado 455, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: 'Art. 944. Embora o reconheci­ mento dos danos morais se dê, em numerosos casos, independentemente de prova [in re ipsa), para a sua adequada quantificação, deve o juiz investigar, sempre que entender necessário, as circunstâncias do caso concreto, inclusive por intermédio da produção de depoimento pessoal e da prova testemunhai em audiência".

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• Enunciado 379, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Art. 944. 0 art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil". • Enunciado 46, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002, com a redação dada pelo Enuncia­ do 380 da IV Jornada de Direito Civil: "Art. 944. A possibilidade de redução do montante da inde­ nização em face do grau de culpa do agente, estabelecida no parágrafo único do art. 944 do novo Código Civil, deve ser interpretada restritivamente, por representar uma exceção ao principio da reparação integral do dano".

SÚMULAS • Súmula 498 do STJ: “Não incide imposto de renda sobre a indenização por danos morais". • Súmula 420 do STJ: "Incabível, em embargos de divergência, discutir o valor de indenização por danos morais". • Súmula 362 do STJ: "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento". • Súmula 326 do STJ: "Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca".

JULGADOS • "Fornecimento de energia elétrica. Corte. Ilegalidade. Dano moral. Quantum indenizatório. Não exorbitante. Redução. Impossibilidade. (...) 2. Não é cabível, em regra, o exame, na via eleita, da justiça do valor reparatório, porque tal providência implicaria reavaliação de fatos e provas, o que é vedado nos termos da Súmula 7/STJ. 3. 0 Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que a revisão do valor da indenização somente é possível quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, evidenciando-se flagrante violação aos princípios da razo­ abilidade e da proporcionalidade..." (STJ, 1* T., AgRg no REsp 109.040-5/RO, Rei. Min. Arnaldo Esteves Uma, j. em 17-4-2012). • "Responsabilidade civil. Recurso especial. Transporte aéreo. Atraso de voo internacional. Prazo de­ cadencial. Art. 2 6 ,1, do CDC. Inaplicabilidade. Precedentes. Danos morais. Quantum. Afastamento de tarifaçáo. Aplicação do CDC. 0 prazo decadencial de 30 dias do CDC não se aplica às ações indenizatórias decorrentes de atrasos em voos. Precedentes do STJ. Não seria razoável entender-se que o CDC teria diminuído, em prejuízo ao consumidor, os prazos decadenciais e prescricionais do Código Civil; em casos análogos, a jurisprudência do STJ, em diversas oportunidades, reduziu o quantum indenizatório, de 4.150 Direitos Especiais de Saque - DES para 332 DES por passageiro. Comparado com a jurisprudência do STJ, o valor arbitrado em segundo grau de jurisdição mostra-se exagerado. A incidência do CDC nas situações de prestação deficiente no transporte aéreo, contudo, afasta qualquer possibilidade de tarifaçáo. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido" (REsp 877.446/SP, 3»T., Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 9-12-2008, DJc, 3-2-2009). • "Responsabilidade civil do Estado... 2. A indenização teve espaço porque ficou constatado na instância ordinária que os recorridos foram presos de forma indevida e ilegal, uma vez que foram submetidos a constrangimentos e humilhações. 3. 0 recorrente alega violação do art. 944 do CC, porque, com base na capacidade econômica das vitimas, que são porteiros, os valores arbitrados configuram verdadeiro enriquecimento ilícito. 4. Nào só a capacidade econômico-financeira da vitima é critério de análise para o arbitramento dos danos morais, sendo levado em conta, também, à mingua de requisitos legais, a capacidade econômico-financeira do ofensor, as circunstâncias concretas onde o dano ocorreu e a extensão do dano. Tais critérios foram analisados na instância ordinária de forma fundamentada, não podendo o STJ, em grau de recurso especial, ir de encon­ tro ao que preceitua a Súmula 7/STJ. Agravo regimental provido em parte, para não conhecer do recurso especial por outro fundamento" (AgRg no REsp 700.899/RN, Rei. Min. Humberto Martins, 2a T., j. em 19-2-2008, DJ, 6-3-2008, p. 1). • "Direito Civil. Responsabilidade civil. Hospital. Ação de indenização. Dano moral. Erro médico. Seqüelas estéticas e psicológicas permanentes. Conjunto probatório. Montante indenizatório.

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Razoabilidade. Súmula 7/STJ. Prequestionamento. Ausência. Embargos de declaração. Omissão e contradição inexistentes. Na revisão do valor arbitrado a título de dano moral não se mensura a dor, o sofrimento, mas tão somente se avalia a proporcionalidade do valor fixado ante as circuns­ tâncias verificadas nos autos, o poder econômico do ofensor e o caráter educativo da sanção. Recurso especial não conhecido" (STJ, 3* T., REsp 665.425/AM, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 26-4-2005). • "Na fixação do valor da condenação por dano moral, deve o julgador atender a certos critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição socioeconômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa; efeitos do dano no psiquismo do ofendido e as repercussões do fato na comunidade em que vive a vitima. Ademais, a reparação deve ter fim também pedagógico, de modo a desestimular a prática de outros ilícitos similares, sem que sirva, entretanto, a condenação de contributo a enriquecimentos injustificáveis" (STJ, 3* T., REsp 355.392/RJ, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 26-3-2002). • "A indenização por dano moral objetiva compensar a dor moral sofrida pela vitima, punir o ofen­ sor e desestimular este e a sociedade a cometerem atos dessa natureza" (STJ, 3» T., REsp 332.589/ MS, Rei. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. em 8-10-2001). • "0 arbitramento da indenização deve ocorrer "proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurispru­ dência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom-senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso. Ademais, deve procurar desestimular o ofensor a repetir o ato" (STJ, 4*T., REsp 246.258/SP, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 18-4-2000). • "A indenização pelo dano moral deve ter caráter punitivo, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, às suas atividades negociais, com atenção às peculiaridades de cada caso" (STJ, 4a T., REsp 173.366/SP, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 3-12-1998). • "Na indenização por violação a direito autoral cumpre "desestimular o comportamento reprovável de quem se apropria indevidamente da obra alheia" (STJ, 3*T., REsp 150.467/RJ, Rei. Min. Eduardo Ribeiro, j. em 24-8-1998). • "Responsabilidade civil. Dano moral. Pessoa jurídica. Valor da reparação. Preliminar de litispendência afastada. A reparação do dano moral há de ser arbitrada em consonância com as circuns­ tâncias de cada caso e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido, evitando que se converta em fonte de enriquecimento ou se torne inexpressiva. Valor da repara­ ção reduzido. Apelação provida em parte" (AC 70023756349, 5a Câm. Civel, TJRS, Rei. Léo Lima, j. em 30-7-2008). • "Dano moral. Diversos lesados. Inexistência de solidariedade. Possibilidade de cada envolvido buscar indenização independente. A indenização por dano moral tem por finalidade reparar a ofensa à individualidade, à personalidade do lesado, no que exige aferição singular de sua exten­ são, que não se coaduna com a alegação de que, por já haver sido condenada a indenizar outros envolvidos, deveria a requerida estar livre de ônus em relação ao autor" (TJSP, Apelação com Revisão 954.242-0, 26» Câm., Rei. Des. Ronnie Herbert B. Soares, j. em 22-10-2007). • "Responsabilidade civil. Danos materiais e morais. Ato comissivo culposo do preposto. Responsa­ bilidade do empregador. Seguradora. Direito de regresso. Danos morais. Quantificação exacerba­ da. Redução equitativa. Impõe-se a redução da reparação dos danos morais para R$ 60.000,00, cabendo R$ 20.000,00 a cada autor contemplado na r. sentença, à luz dos princípios da razoabi­ lidade, proporcionalidade, equidade e de Justiça. Considera-se no arbitramento ponderado, a falta nâo intencional do preposto da ré, estando, ainda, respondendo esta, por fato de seu moto­ rista, ex vi Icgis, com fulcro nos fatores previstos no modelo normativo do art. 944, parágrafo único, do Código Civil" (TJRJ, 9* Câm. Civel, AC 2006.001.43948, Rei. Des. Roberto de Abreu e Silva, j. em 31-10-2006).

DIREITO PROJETADO • 0 Projeto de Lei elaborado pela Comissão de Professores que emendou o Código Civil antes de sua aprovação no ano de 2002 - PL n. 6.960/2002, apresentado pelo Deputado Ricardo Fiuza, atual

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PL n. 699/2011 - contém nossa sugestão legislativa para inclusão do § 2o que estabeleça os cri­ térios da fixação da indenização do dano moral, que já estão consagrados na jurisprudência, nos seguintes termos: Art. 944. (...) § 2* A reparação do dano moral deve eonstituir-se em com pensação ao lesado e ade­ quado desestimulo ao lesante.

Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua inde­ nização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela foi alterado por emenda do relator geral no período inicial de tramitação do projeto. A redação original do projeto dizia que a indenização poderia ser "reduzida" no lugar de “fixada". Posteriormente não sofreu qualquer outra modificação, seja pelo Senado Federal, seja pela Câmara, no período final de tramitação. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A concorrência de culpas do agente causador do dano e da vítima, que, segundo este artigo, deve ser levada em conta na fixação da indenização, não era prevista no Código Civil de 1916, mas já estava consagrada na doutrina e na jurisprudência brasileiras. Assim, outras formas de expressão do Direito já mencionavam que, “se houver concorrência de culpas, do autor do dano e da vítima, a indenização deve ser reduzida" (W ashington de Barros Monteiro, Carlos Alberto Dabus M a lu f e Regina Beatriz Tavares da Silva, Curso de direito civil, 38. ed., São Paulo, Saraiva, 2011, v. 5, p. 577; Rui Stoco, Tratado de responsabilidade civil, 8. ed., Sào Paulo, Revista dos Tribunais, 2011, p. 168). • M uito embora vários julgados seguissem, antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, o critério da partilha igualitária dos prejuízos [RT, 564/146, 575/136, 582/94, 585/127), bem estabeleceu este artigo que na fixação da indenização será levada em consideração a exis­ tência de culpas concorrentes, sob o critério da gravidade da culpa da vítima em comparação com a culpa do agente causador do dano, cabendo, portanto, ao juiz, na verificação do caso concreto, estimar o valor da indenização segundo o grau da participação culposa da vítima, e nào simplesmente realizar a diminuição da indenização pela metade.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 459, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 945. A conduta da vitima pode ser fator atenuante do nexo de causalidade na responsabilidade objetiva". • Enunciado 47, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: “Art. 945. 0 art. 945 do Código Civil, que não encontra correspondente no Código Civil de 1916, não exclui a aplicação da teoria da causalidade adequada".

JULGADOS • "Responsabilidade civil. Indenização. Danos morais e materiais. Reconhecimento de culpa concor­ rente. Inteligência do disposto no art. 945 do Código Civil pátrio. Autora e ré contribuíram simul­ taneamente com o resultado perfeitamente previsível por ambas as partes. A motorista da Blazer por fazer manobra de exceção, retornou em marcha a ré em via publica a violar o disposto no art. 28 do Código de Trânsito Brasileiro; a vitima por iniciar a travessia da rua em local inadequado (fora da faixa destinada a pedestre), localizada a poucos metros do local do acidente, sem obser­ var os cuidados recomendados pela regra da experiência consubstanciados na cautela e bom

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senso, conforme determina o art. 69 do CTB. Dano moral fixado observando-se o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, com reflexo nas verbas de sucumbência" (TJSP, 28* Câm. de Dir. Priv., AC 0110232-58.2009.8.26.0004, Rei. Des. Júlio Vidal.j. em 22-6-2012). • "A culpa concorrente não altera a natureza da indenização, mas apenas restringe parcialmente a responsabilidade" [RT, 599/260). • "A partilha dos prejuízos, que se impõe nos casos de concorrência de culpas, deve guardar propor­ ção ao grau de culpa com que cada protagonista concorreu para o evento. Reconhecida a igual­ dade na proporcionalidade das culpas dos agentes, deve cada parte responder pela metade dos prejuízos causados à outra, e a partilha dos prejuízos não se faz através de mera compensação dos danos, que podem ser diversos e desproporcionais" [RT, 588/188). • “Tendo ambas as partes concorrido para o evento danoso, a responsabilidade deve ser dividida" [RT, 567/104). • “Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Atropelamento em via férrea. Culpa concorren­ te. Indenização por danos materiais e morais. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem negou provimento à apelação da sentença que julgou improcedente o pedido dos familiares da vitima, sob duplo fundamento: a) nào há como exigir seja cercada ou murada a via férrea; e b) a vitima era moradora das proximidades da linha férrea e, nessa condição, tinha 'verdadeiro reflexo dos trens', conhecendo o perigo. 2 .0 Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência no sentido de que é civilmente responsável, por culpa concorrente, a concessionária de transporte ferroviário pela morte de vítima de atropelamento por trem em via férrea, pois compete à empresa que explora a atividade cercar e fiscalizar a linha de modo a im­ pedir sua invasão por terceiros, principalmente em locais urbanos e populosos. 3. Recurso especial parcialmente provido" (REsp 1.155.559/SP, 2*1, Rei. Min. Herman Benjamin, j. em 25-5-2010); • "Civil. Ação de indenização. Atropelamento fatal. Morte de menor. Família de baixa renda. Culpa concorrente. Pensionamento devido. Fixação moderada. 1/3 do salário mínimo dos 16 aos 25 anos de idade da vitima. Dano moral. Excesso. Não configurado. Razoabilidade. Recurso especial não conhecido. I - 0 fato de existir culpa concorrente nâo retira o dever de indenizar por parte da recorrente, pois provada sua desatenção e excesso de velocidade na condução do veiculo. II - Em se tratando de família de baixa renda, é devido o pensionamento pela morte de filho menor, já estando a fixação da indenização, no presente caso, de 1/3 do salário mínimo, abaixo daquilo que tem sido estabelecido por esta Corte. III - Manutenção do valor fixado a título de danos morais, por não se verificar excesso, na espécie. IV - Recurso especial não conhecido" (REsp 1.090.810/ PB, 4a T., Rei. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 20-4-2010). • "Responsabilidade civil. Acidente ferroviário. Lesões graves que trouxeram à autora deformações físicas e anatômicas. Culpa exclusiva da ré, que tolera condutas que põem em risco a integridade humana (passagem clandestina), afastada a culpa concorrente alegada" (TJSP, 34a Câm. Dir. Priv., AC 909.475-0/3, Rei. Des. Rosa Maria de Andrade Nery, j. em 8-3-2006).

Art. 946. Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato dispo­ sição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nâo foi objeto de emenda no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. Assim, a sua redaçào atual é a mesma do projeto. Os arts. 1.533 a 1.536 do Código Civil de 1916 continham as disposições gerais sobre a liquidação das obrigações.

DOUTRINA • Líquida é a obrigação certa quanto a sua existência e determinada quanto a seu objeto, de modo que, se não tiver valor determinado, deverá ser apurada a indenização por meio de

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prévia liquidação, na conformidade da lei processual (CPC, arts. 4 7 5 -A e s., com a redaçào dada pela Lei n. 11.232/2005). Quando o contrato estabelece cláusula penal compensatória (Código Civil, arts. 408 e s.), há determinação prévia do valor da indenização. O art. 940 do Código Civil prevê critério legal de fixação da indenização em caso de cobrança indevida de dívida.

JULGADOS • “Propriedade intelectual. Ação de abstenção de uso de marca figurativa, cumulada com indeniza­ ção por danos materiais e morais. (...) 3. Danos materiais. Não reconhecimento. Ausência de de­ monstração, na fase de conhecimento, dos eventuais prejuízos experimentados em razão da in­ devida utilização da marca figurativa da autora. Inteligência do disposto no art. 946 do Código Civil" (TJSP, 3* Câm. de Dir. Priv., AC 0181166-78.2008.8.26.0100, Rei. Des. Donegá Morandini, j. em 26-6-2012). • "Hipótese típica de presunção absoluta sobre a ocorrência dos prejuízos à imagem com insuscetibilidade de demonstração no plano material, aliás, intuitivos consoante a lógica ordinária que como tal dispensou prova a respeito, oriundos tão só do ato-fato ilícito absoluto; lesões que deixaram, certamente, marcas indeléveis na mente e impressões internas e externas imperceptíveis, senão à própria vitima, avaliáveis de acordo com a perspicácia comum ministrada em situações análogas pela autoridade jurídica, conforme os parâmetros prudenciaise equitativos traçados nos arts. 4® e 5° da Lei de Introdução ao Código Civil, arts. 126,131 e 335, do Código de Processo Civil, por força de regra escrita no art. 946 do Código Civil" (TJSP, 14* Câm. de Dir. Priv., AC 008681474.2007.8.26.0000, Rei. Des. Thiago de Siqueira, j. em 23-11-2011).

Art. 947. Se o devedor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada, substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente. HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela não foi alterado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto, de modo que a redaçào atual é a mesma do projeto original. Cor­ responde ao art. 1.534 do Código Civil anterior, com supressão da parte final deste dispositivo, que mencionava o pagamento em "moeda corrente, no lugar onde se execute a obrigação".

DOUTRINA • Há duas formas de reparação de danos: reparação natural ou específica e reparação pecuni­ ária ou indenizatória. • Na reparação natural ocorre a entrega do próprio objeto ou de objeto da mesma espécie em substituição àquele que se deteriorou ou pereceu, de modo a restaurar a situação alterada pelo dano, tendo com o exemplo a contrapropaganda, que pode ser imposta ao fornecedor que incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, de modo a desfazer o respecti­ vo malefício, conforme prevê o art. 60 do Código de Defesa do Consum idor (Lei n. 8.078/90), ao regular a contrapropaganda. • Em princípio a reparação deve ocorrer in natura, com a reposição das coisas ao estado ante­ rior, de modo que, segundo o Código Civil atual e o anterior, a indenização pecuniária é subsidiária, embora aplique-se na maior parte dos casos. • A reparação indenizatória ou pecuniária é a mais comum em face das dificuldades inerentes à reparação natural e, especialmente, ao não restabelecimento por esta da situação anterior, como, p. ex., na retratação em caso de ofensa à honra ou a direito moral do autor, a qual, via de regra, não restaura o estado anterior, além de nào reparar o dano moral, devendo ser fi­ xada uma indenização pecuniária.

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JULGADOS • “Acordo encetado entre as partes homologado judicialmente. Demora na liberação do gravame pela instituição financeira. 1. A configuração do dever de indenizar exige a presença dos elemen­ tos constantes nos arts. 186 e 927 do Código Civil, quais sejam: conduta ilícita, dano, culpa e nexo de causalidade. Assim, evidenciada a conduta ilícita da instituição financeira ré, bem como evi­ dentes o liame causai entre tal proceder e o dano, o dever de indenizar é medida que se impõe. Hipótese em que restou comprovado que os danos experimentados pelo autor decorreram da conduta antijuridica da instituição ré, que houve por bem descumprir acordo para liberação do gravame da alienação. 2. Para se fixar o valor indenizatório ajustável ao caso concreto, deve-se ponderar o ideal da reparação integral e da devolução das partes ao status quo ante. Este prin­ cipio encontra amparo legal no art. 947 do Código Civil e no art. 6®, inciso VI, do diploma consumerista. No entanto, não sendo possível a restitutio in integrum em razão da impossibilidade material desta reposição, transforma-se a obrigação de reparar em uma obrigação de compensar, haja vista que a finalidade da indenização consiste, justamente, em ressarcir a parte lesada..." (TJRS, 9* Câm. Civ., Rei. p/ Acórdão Des. Iris Helena Medeiros Nogueira, j. em 1®-11-2011). • "Cartão de crédito. Cancelamento solicitado pelo consumidor. Pontos acumulados em programa de milhagem. Cláusula contratual que prevê a perda automática com o cancelamento do cartão de crédito. Cláusula exageradamente desvantajosa ao consumidor. A indenização sempre deve ser feita na mesma espécie dos prejuízos sofridos pela vitima, se tal providência for possível, nos termos do art. 947 do Código Civil, que, no caso, são as próprias milhas acumuladas, que podem ser devolvidas ao apelante, não se mostrando necessária a sua conversão em dinheiro" (TJSP, 37* Câm. de Dir. Priv., AC 991.09.058410-5, Rei. Des. Tasso Duarte de Mello, j. em 19-8-2010). • "Cabível a indenização por danos materiais quando não for possível o cumprimento em espécie da própria prestação devida, como decorre do art. 947 do Código Civil de 2002" (TJMG, 4* Câm. Civ., AC 1.0701.09.268001-9/001, Rei. Des. Heloisa Combat, j. em 18-5-2010).

DIREITO PROJETADO • Para que reflita a realidade, tendo em vista que para a aplicação da reparação in natura é neces­ sário que essa reparação efetivamente opere o retorno ao estado anterior à prática do ilícito, realizamos proposta ao Deputado Ricardo Fiuza, que foi acolhida no Projeto de Lei elaborado pela Comissão de Professores que emendou o Código Civil antes de sua aprovação no ano de 2002 (atual PL n. 699/2011), de que o presente dispositivo seja alterado, nos termos a seguir expostos: Art. 947. Se o devedor nõo puder cumprir a prestação na espécie ajustado, ou seu cumprimento nõo restaurar o estado anterior, substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente.

Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I — no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II — na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima. HISTÓRICO • A redação original do caput do presente artigo tal como fora proposta pelo projeto e recepciona­ da pela Câmara dos Deputados na primeira votação restringia a indenização no caso de homicídio às verbas estabelecidas em seus incisos, sem prever a possibilidade de outras reparações. A partir de emenda do então Senador Fernando Henrique Cardoso, foi aditada a cláusula "sem prejuízo de outras reparações", para o fim de deixar expresso que a enumeração constante deste artigo não é taxativa. Corresponde ao art. 1.537 do Código Civil de 1916, que não faz referência a outras reparações.

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DOUTRINA • De suma importância a emenda senatorial citada no histórico deste artigo, já que possibilita a reparação dos danos morais, cuja indenizabilidade está consagrada na Constituição Federal (art. 5®, V e X) e neste Código (art. 186: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negli­ gência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito"). • Na jurisprudência está reconhecida a indenizabilidade do dano moral em caso de morte, por homicídio, de filhos, mesmo que de tenra idade (cf. Súm ula 491 do STF), e do cônjuge ou companheiro, independentemente da existência do direito à pensão alimentícia, que tem em vista indenizar o dano material dos autores da ação indenizatória com relação ao falecido. Tal reconhecimento deu-se após longas batalhas processuais, que propiciaram a evolução jurisprudencial, já que o art. 1.537 do Código Civil de 1916 não fazia a ressalva que realiza o dispositivo em análise quanto a outros danos (cf. W ashington de Barros Monteiro, Carlos Alberto Dabus M a lu f e Regina Beatriz Tavares da Silva, Curso de direito civil, 38. ed., São Paulo, Saraiva, 2011. v. 5, p. 624). • A morte de um membro da família pode trazer dano moral a outro membro dessa mesma família - dor sentimental pela morte de ente querido - , com o ao cônjuge que sofre a perda de seu consorte, ou ao convivente cujo companheiro é morto, ou ao pai ou mãe que sofre a perda do filho, ou ao filho cujo pai ou mãe sofrem homicídio. Se a morte ocorre pela prática de ato ilícito, cabe a aplicação dos princípios da responsabilidade civil por dano moral, com o estabelecimento da devida indenização. • A reparação do dano moral pela morte de membro da família fundam enta-se na "perda das afeições legitimas", base da instituição da família (cf. Roberto H. Brebbia, El dado moral, 2. ed., Rosário, Orbir, 1967, p. 281-7), mas pode fundar-se também na teoria do dano reflexo ou dano em ricochete - par ricochet em que alguém sofre o reflexo do dano causado a outra pessoa (cf. M ário M oacyr Porto, Algum as notas sobre o dano moral, Revista de Direito Civil, 37/13, e Yussef Said Cahali, D ano moral, 4. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2011, p. 53). • Já que no dano reflexo o elemento certeza apresenta-se como norteador do direito â repa­ ração (Caio M ário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 44), examinemos que laços de família autorizam a indenização desses danos morais. A princípio, laços conjugais, de união estável e de ascendência e descendência. Porém, quando não existem cônjuge, ascendentes ou descendentes, os irmãos que suplantaram aqueles em elos familiares podem ocupar seus lugares para efeito de indenização (cf. Roberto H. Brebbia, El dado moral, cit., p. 285). Cabe observar que, embora a dor sofrida por outros parentes ou mesmo terceiros possa ser mais intensa do que aquela dos membros da família antes referidos, por razão de segurança nas relações jurídicas não se pode aceitar que todos os que se sintam afetados pela morte de outrem tenham direito a reparação; caso todos tivessem esse direito, haveria uma carga indenizatória insuportável e injusta ao lesante; por outro lado, se o valor da indenização pudesse permanecer inalterado, independentemente do número de lesados, a indenização tornar-se-ia inócua pela divisão de seu valor entre os vários sujeitos vitimados pelo ato ilícito. • Em nossa opinião, via de regra, deve ser realizada a prova da existência de afeto entre o postulante e a pessoa falecida, para que seja reconhecido o direito à indenização. Em caso de morte de filho, mesmo que haja presunção desse elo afetivo, essa presunção deve ser consi­ derada relativa e não absoluta, adm itindo-se prova em contrário, ou seja, prova de que não havia afeto entre o genitor e o parente falecido, com o quando houver prolongado rom pi­ mento das relações entre eles; observe-se que essa presunção afetiva entre pais e filhos nào se pode aplicar em caso de alegada paternidade socioafetiva, a não ser que essa espécie de paternidade já tenha sido reconhecida judicialmente.

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• Sob a égide do Código Civil anterior, a jurisprudência, em corrente majoritária, embora se referisse ao dano moral, reconhecia, na verdade, a indenizabilidade do prejuízo em termos materiais e futuros, tanto assim que determinava o pensionamento da vítima, em forma de alimentos, com termo inicial e final, com o será apontado a seguir. Corrente minoritária con­ siderava a plena indenizabilidade dos danos morais, sem qualquer ligação com os danos materiais, presentes ou futuros, fixando uma quantia a ser paga de uma única vez. Com o Código Civil de 2002, deve prevalecer esta última corrente jurisprudencial, já que o caput deste artigo refere expressamente "outras reparações", no caso de ordem moral, e o inciso II estabelece a reparação dos danos materiais, em forma de “prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima". • Quanto à morte do cônjuge e do companheiro também houve longa resistência ao reconhe­ cimento do direito à indenização, que somente era aceita diante de danos materiais pela morte do varão, em face da previsão expressa do art. 1.537 do Código Civil de 1916; negava-se a indenização pela morte da esposa, sob o argum ento de que não haveria dependência econômica do marido em face da mulher, ainda mais por caber ao varão a manutenção da família, na conformidade do art. 233, inciso IV, do Código Civil de 1916. Com fundam ento no art. 5», inciso X, da Constituição Federal, que consagrou a indenizabilidade dos danos morais, e o advento da Súm ula 37 do STJ, que acolheu a cumulação de danos morais e ma­ teriais, a indenizabilidade dos danos acarretados pela morte do cônjuge masculino ou femi­ nino, bem com o do genitor, seja pai ou mãe, ou seja, independentemente da dependência econômica, passou a ser admitida no plano moral e material, mesmo que cumulativamente. Hoje, a matéria encontra-se sumulada. • No caso de morte de filho, dispensa-se a comprovação do dano moral, uma vez que "a voz da natureza (terrível choque moral de uma mãe, diante do cadáver de sua filha) determina a convic­ ção induvidosa da existência do sofrimento moral, dispensando-se a prova do sangramento inte­ rior da infeliz genitora" [RT, 712/170). Presume-se a lesão moral, nestes casos (JTARS, 82/137). A presunção é considerada por vezes absoluta [RT, 730/93) e em outros casos relativa (JTJ, 181/59).

SÚMULAS • Súmula 491 do STF: "É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que nào exerça trabalho remunerado". • Súmula 402 do STJ: "0 contrato de seguro por danos pessoais compreende os danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão". • Súmula 37 do STJ: "São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".

JULGADOS • Julgados sobre donos materiais - pensionamento da vitima, com termo inicial e final: “Homicí­ dio culposo. Pensão devida ao viúvo. Dano moral às filhas. Art. 948 do Código Civil. Juros moratórios fluindo do evento. Súmula 54 do STJ" (TJSP, 37* Câm. de Dir. Priv., EDcl 916.755-914.2009.8.26.0000, Rei. Des. Carlos Abrão, j. em 8-3-2012). "Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Queda da janela do 3o andar de escola infantil. Morte da criança. Dano moral aos pais e avós. Pensionamento mensal. Correção. (...) 0 sofrimento pela morte de parente é dissemi­ nado pelo núcleo familiar, como em força centrifuga, atingindo cada um dos membros, em gra­ dações diversas, o que deve ser levado em conta pelo magistrado para fins de arbitramento do valor da reparação do dano moral. 3. Os avós são legitimados à propositura de ação de reparação por dano moral decorrente da morte da neta. A reparação nesses casos decorre de dano individu­ al e particularmente sofrido por cada membro da família ligado imediatamente ao fato (art. 403 do Código Civil). 4. Considerando-se as circunstâncias do caso concreto e a finalidade da repara­ ção, a condenação ao pagamento de danos morais no valor de RS 114.000,00 para cada um dos pais, correspondendo à época a 300 salários mínimos e de R$ 80.000,00 para cada um dos dois

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avós não é exorbitante nem desproporcional à ofensa sofrida pelos recorridos, que perderam filha e neta menor, em queda da janela do 3° andar da escola infantil onde estudava. Incidência da Súmula 7/STJ. Precedentes, entre eles: REsp 932.001/AM, Rei. Min. Castro Meira, DJ 11-9-2007. 5. No que se refere ao dano material, a orientação do STJ está consolidada no sentido de fixar a indenização por morte de filho menor, com pensão de 2/3 do salário percebido (ou o salário mí­ nimo caso nâo exerça trabalho remunerado) até 25 (vinte e cinco) anos, e a partir dai, reduzida para 1/3 do salário até a idade em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos. 6. Recur­ so especial conhecido em parte e provido também em parte" (REsp 1.101.213/RJ, 2* T., Rei. Min. Castro Meira, j. em 2-4-2009). "Civil. Responsabilidade civil. Morte de menor. Pensão. A jurispru­ dência prevalecente no Superior Tribunal de Justiça, que remonta a precedentes do Supremo Tribunal Federal, fixa em quatorze anos o termo a partir do qual as famílias pobres são indeniza­ das, em razão de dano material, pela morte de filho menor de idade. Embargos de divergência conhecidos e providos" (EREsp 107.617/RS, Rei. Min. Ari Pargendler, Corte Especial, j. em 4-5-2005, DJ, 1°-8-2005). "Responsabilidade civil. Explosão de botijão de gás. Falecimento do companheiro e filhos menores da autora. Pensionamento (...) Restabelecimento da pensão estabelecida em primeira instância (1/3 do salário mínimo) para cada filho menor, no período compreendido entre os 14 e 25 anos de idade. Termo final determinado na data em que as vitimas completariam 25 anos de idade, em face da limitação definida pela sentença, sem recurso. Na fixação do pensiona­ mento devido, em razão da morte do companheiro, deve ser abatido 1/3 do salário mínimo, cor­ respondente ao que despenderia ele com o próprio sustento. Recurso especial conhecido e provi­ do" (REsp 267.513/BA, Rei. Min. Barros Monteiro, 4» T., j. em 3-5-2005, DJ, 13-6-2005). "Civil. Ação de indenização. Morte de filho menor que não exercia trabalho remunerado. Família de baixa renda. Limite do pensionamento. Termo final. I - Em lares de famílias de condição econômica precária, os filhos menores constituem fonte de renda, motivo pelo qual admite-se a indenização de dano material. II — A contribuição financeira dos filhos, em casos tais, não cessa por atingirem eles uma determinada idade ou contraírem matrimônio. A experiência demonstra que o auxilio permanece, ainda que diminuído, pois a manutenção do núcleo familiar depende do trabalho de todos. III - Pensionamento estabelecido em 2/3 do salário mínimo, a contar da data em que seria admitido o inicio do trabalho do menor (14 anos), até quando atingiria 25 anos de idade. Dai para frente e até os prováveis 65 anos da vitima, a pensão é reduzida a 1/3 daquele mesmo salário. IV - Recurso conhecido pelo dissídio, mas desprovido" (REsp 113.989/SP, Rei. Min. Eduardo Ri­ beiro, Rei. p/Acórdão Min. Waldemar Zveiter, 3*T.,j. em 15-2-2001, DJ, 2-4-2001). • Julgados sobre danos morais: "Responsabilidade civil. Dano moral. Filha de criação. Despesas de luto e funeral. Precedentes da Corte. A orientação prevalecente da Corte é no sentido de que as despesas com luto e funeral dispensam comprovação, fixadas em valor compatível" (STJ, 3* T., REsp 700.042/RJ, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 29-11-2006). "Civil. Danos morais. Demora no ajuizamento da ação de responsabilidade civil. 0 decurso do tempo diminui, e às vezes até faz cessar, o sofrimento resultante do falecimento de uma pessoa da família, mas aquele que deu causa ao óbito responde pela indenização dos danos morais enquanto não prescrita a ação. Recurso especial conhecido e provido" (REsp 284.266/MG, Rei. Min. Ari Pargendler, 3* T., j. em 6-4-2006, DJ, 2-5-2006).

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto, de modo que a redação atual é a mesma do projeto original. Cor­ responde ao art. 1.538 do Código Civil de 1916, sendo que este prefixava o valor da indenização por dano moral em importância correspondente à multa no grau médio da respectiva pena crimi­ nal, e, em caso de aleijáo ou deformidade, com duplicação daquela soma.

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DOUTRINA • O dispositivo tem em vista a reparação dos danos materiais (despesas de tratamento e lucros cessantes) e dos danos morais resultantes de ofensa à integridade física e psíquica, que é direito da personalidade, pelo qual se tutela a incolumidade do corpo e da mente. • Segue a corrente de pensamento mais atualizada, expressa em leis recentes (Lei de Direitos Autorais - Lei n. 9.610/98 - e Código de Defesa do Consum idor - Lei n. 8.078/90), que re­ comenda a fixação de critérios genéricos e nào taxativos na reparação do dano moral (cf. Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribu­ nais, 1999, p. 219). 0 Código Civil de 1916, em seu art. 1.538, taxava o valor da indenização por dano moral, em caso de violação è integridade física, em importância correspondente à multa no grau médio da respectiva pena criminal. • M as o dispositivo em tela contém equívoco ao mencionar a prova desses outros danos, que têm natureza moral. 0 dano moral dispensa a prova do prejuízo em concreto, sua existência é presumida, por verificar-se na “realidade fática" e emergir da própria ofensa, já que exsurge da violação a um direito da personalidade e diz respeito à "essencialidade hum ana" (Car­ los Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 208-18). Essa presunção é ade­ quada à natureza do direito lesado, no caso a integridade física, que compõe a personalida­ de humana, de modo a surgir ipso facto a necessidade de reparação, sem que haja necessi­ dade de adentrar no psiquismo humano. Lembre-se, neste passo, de que o maior entrave na reparação do dano moral sempre foi essa prova, em razão das dificuldades de sua dem ons­ tração, porque não há com o penetrar na subjetividade do lesado.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 192, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Arts. 949 e 950: Os danos oriun­ dos das situações previstas nos arts. 949 e 950 do Código Civil de 2002 devem ser analisados em conjunto, para o efeito de atribuir indenização por perdas e danos materiais, cumulada com dano moral e estético".

JULGADOS • "Ação de indenização por danos materiais e morais decorrentes de acidente de trânsito. Ausência de pedido específico para condenação ao pagamento de indenização por dano estético, contem­ plado de forma autônoma no art. 949 do Código Civil. Dano moral que engloba o estético..." (TJSP, 12' Câm. de Dir. Priv., AC 0028144-63.2008.8.26.0564, Rei. Des. José Reynaldo, j. em 7-3-2012). • "Apelação. Acidente de trânsito envolvendo caminhão e motocicleta em cruzamento sinalizado. Lucros cessantes e danos morais. 1. Lucro cessante (art. 949 do CC). Devida a indenização, se comprovado que o autor percebia rendimentos como motoboye que restou afastado do trabalho por período indeterminado, a ser apurado em fase de liquidação. Do montante devido, deverão ser deduzidas as importâncias percebidas a título de auxilio-doença, considerando a causa de pedir, ou seja, o que efetivamente deixou de ganhar a vitima. 2. Danos morais caracterizados. Autor que fraturou o fêmur esquerdo, sofrendo intervenção cirúrgica (osteossintese), situação em que se viu obrigado a utilizar armação metálica para a recuperação do membro. Manutenção da verba arbitrada. Apelo parcialmente provido" (TJRS, 12* Câm. Civel, AC 70018930164, Rei. Orlan­ do Hermann Júnior, j. em 30-8-2007).

DIREITO PROJETADO • Para que se corrija a falha do dispositivo na parte em que exige a prova do dano moral, sugerimos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte alteração, que foi acolhida no Projeto de Lei elaborado pela mesma Comissão de Professores que emendou o Código Civil antes de sua aprovação no ano de 2002 (atual PL n. 699/2011): Art. 949. N o caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, sem excluir outras reparações.

Art. 950

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Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja ar­ bitrada e paga de uma só vez. HISTÓRICO • O dispositivo em tela nâo foi alterado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. Portanto, a redação atual é a mesma do projeto original. Corres­ ponde ao art. 1.539 do Código Civil anterior, com o acréscimo neste artigo da disposição constan­ te do parágrafo único.

DOUTRINA • Este dispositivo trata de ofensa à integridade física e psíquica que acarreta defeito que im­ possibilite ou diminua a capacidade de trabalho da vítima, estabelecendo indenização pelos danos materiais: despesas de tratamento, lucros cessantes até o fim da convalescença e pensão correspondente è importância do trabalho para que se inabilitou ou da depreciação sofrida. • Este dispositivo possibilita ao lesado exigir que o pagamento da reparação seja feito de uma só vez. O Código Civil anterior estabelecia o pagamento da indenização em pensões mensais (art. 1.538). • A pensão equivalente à inabilitaçào ao trabalho ou diminuição da capacidade laborativa, prevista neste artigo, tem caráter indenizatório do dano material. Já que o artigo não prevê a reparação dos danos morais e estéticos oriundos de ofensa que acarrete defeito físico per­ manente e durável, assim com o a sua indenizabilidade independentemente de perda ou di­ minuição da capacidade laborativa, é preciso buscar fundamentação para a indenização daqueles danos. • M uito embora o art. 949 do Código Civil não faça menção expressa aos danos morais e esté­ ticos, deixa abertura no final de seu dispositivo. Essa omissão precisa ser suprida. Recorde-se que o art. 1.538, § 1*. do Código Civil de 1916 já continha menção ao dano estético, ao prever a duplicação da indenização em caso de aleijão ou deformidade permanente. • A ofensa à integridade física da pessoa pode ou nào gerar deformidade permanente. F*ara que a deformidade seja permanente, deve ser irreparável ou de difícil ou longínqua reparabilidade (cf. Yussef Said Cahali, Dano moral, 4. ed., Sào Paulo. Revista dos Tribunais, 2011, p. 170). A deformidade permanente pode ou nào ser aparente. Se a deformidade nào for permanen­ te, poderá acarretar dano material - despesas de tratamento e lucros cessantes - e moral pela ofensa à integridade que acarreta dor física, a depender da natureza da agressão. Se a deformidade for permanente, poderá acarretar dano material - despesas de tratamento, lucros cessantes e incapacidade ou diminuição da atividade laborativa - e via de regra acar­ retará dano moral pela gravidade da ofensa à integridade física e pela ofensa à honra, que tem dois aspectos: subjetivo (autoestima) e objetivo (reputação social). Se a deformidade for permanente e aparente, poderá acarretar dano material - despesas de tratamento, lucros cessantes e incapacidade ou diminuição da atividade laborativa - e certamente acarretará dano moral, pela gravidade da ofensa à integridade física e à honra em seus dois aspectos: subjetivo (autoestima) e objetivo (reputação social) e pela ofensa à imagem, em razão do comprometimento estético.

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• Dano estético é definido por Teresa Ancona Lopez com o a "modificação duradoura ou per­ manente na aparência externa de uma pessoa, modificação esta que lhe acarreta um 'enfeamento' e lhe causa humilhações e desgostos, dando origem portanto a uma dor moral" (O dano estético: responsabilidade eivil, 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais. 2004, p. 45). • Desse modo, para a caracterização do dano estético, são necessários os seguintes elementos: transformação física aparente, com desequilíbrio entre o estado físico anterior e o presente, e permanência ou durabilidade do dano. • Exemplos de dano estético: cicatriz permanente, perda de um olho ou de parte da orelha ou de parte do lábio, paraplegia, sendo que o dano estético pode apresentar-se em qualquer parte do corpo da vítima e não só em suas partes socialmente visíveis. 0 requisito da trans­ formação física aparente diz respeito tanto ao dano visível socialmente, com o aquele que somente o lesado enxerga. Isto porque a ofensa pode atingir tanto a honra objetiva (consi­ deração social) com o a honra subjetiva (autoestima). • 0 dano estético, a rigor não é categoria de dano diferenciada do dano moral (cf. Teresa A n ­ cona Lopez, O dano estético: responsabilidade civil, 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 106, e M iguel Kfouri Neto, Responsabilidade civil do médico, 5. ed., Sào Paulo, Re­ vista dos Tribunais, 2003, p. 106). Dano moral é aquele que atinge um direito da personali­ dade do lesado. A origem do dano estético reside na ofensa à integridade física. Assim, por esse critério não há com o distingui-lo do dano moral, que é aquele que atinge um direito da personalidade. Quanto à caracterização do dano moral por seus efeitos, refere-se aos aspec­ tos sentimental ou afetivo, intelectual ou social da personalidade do lesado. Recordando a utilíssima distinção feita pelos irmãos Mazeaud: os danos morais podem ser divididos em duas categorias: 1?) os que afetam a "parte social do patrimônio moral" (ofensa à consideração social, que podem sofrer as pessoas naturais e jurídicas); e 21) os que atingem a "parte afeti­ va do patrimônio moral", alcançando o indivíduo em suas afeições (dor sentimental, que somente as pessoas naturais podem sofrer) (Henri e Leon Mazeaud, Traité théorique et pra­ tique de Ia responsabilité civil delictuelle et contractuelle, 4. ed., Paris, Sirey, 1947, t. 1, p. 319). Quanto à constatação dos efeitos do dano estético, atinge ao mesmo tempo duas es­ feras da personalidade do lesado: esfera sentimental ou afetiva e esfera social da personali­ dade do lesado. Desse modo, também por esse critério trata-se de dano moral. • É aí que reside o agravamento das conseqüências do dano estético: atinge, concomitantemente, dois aspectos da personalidade do lesado, já que causa dor moral, sentimento nega­ tivo, de caráter interno, e também atinge o indivíduo socialmente, já que sua aparência físi­ ca é alterada, é o aspecto exterior da personalidade do lesado que é atingido. 0 dano estéti­ co, pela transformação física, gera, ao mesmo tempo, sofrimento interior e dano à conside­ ração social do indivíduo. É dano moral agravado, em sua origem, por afetar a integridade física, a imagem e a honra, e seus efeitos, por atingir a esfera sentimental e a esfera social da personalidade do lesado (cf. Regina Beatriz Tavares da Silva, Dano moral e dano estético, in Responsabilidade civil: responsabilidade civil n a área da saúde, coord. Regina Beatriz Tava­ res da Silva, São Paulo: Saraiva, 2009 - Série GV/ow, p. 62).

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 381, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: " 0 lesado pode exigir que a in­ denização, sob a forma de pensionamento, seja arbitrada e paga de uma só vez, salvo impossibi­ lidade econômica do devedor, caso em que o juiz poderá fixar outra forma de pagamento, aten­ dendo à condição financeira do ofensor e aos benefícios resultantes do pagamento antecipado". • Enunciado 192, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Arts. 949 e 950: Os danos oriun­ dos das situações previstas nos arts. 949 e 950 do Código Civil de 2002 devem ser analisados em conjunto, para o efeito de atribuir indenização por perdas e danos materiais, cumulada com dano moral e estético".

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• Enunciado 48, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: “Art. 950, parágrafo único. 0 pa­ rágrafo único do art. 950 do novo Código Civil institui direito potestativo do lesado para exigir pagamento da indenização de uma só vez, mediante arbitramento do valor pelo juiz, atendidos os arts. 944 e 945 e a possibilidade econômica do ofensor".

SÚMULAS • Súmula 387 do STJ: “É possível a cumulaçâo das indenizações de dano estético e moral". Para o fim de agravar a indenização em caso de dano estético, já que esse dano atinge mais do que um direito da personalidade, ofendendo a integridade física, a imagem e a honra, julgados passaram a tratar esse dano como autônomo, possibilitando sua cumulaçâo com o dano moral, até que foi editada esta Súmula. • Súmula 313 do STJ: “Em açâo de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado".

JULGADOS • “Ação de reparação por danos materiais e compensação por danos morais e estéticos. Acidente de veiculo. Responsabilidade. Incapacidade parcial. Funcionário público. Recebimento dos vencimen­ tos pela entidade previdenciária e manutenção do cargo sem redução de vencimentos. Pensão. Cabimento. 1. 0 art. 950 do Código Civil nào exige que tenha havido também a perda do empre­ go ou a redução dos rendimentos da vítima para que fique configurado o direito ao recebimento da pensão. 0 dever de indenizar decorre unicamente da perda da capacidade laborai, que, na hi­ pótese foi expressamente reconhecida pelo acórdão recorrido. 2. A indenização de cunho civil não se confunde com aquela de natureza previdenciária. Assim, é irrelevante o fato de que o recor­ rente, durante o período do seu afastamento do trabalho, continuou auferindo renda através do sistema previdenciário dos servidores públicos. 3. A indenização civil, diferentemente da previden­ ciária, busca o ressarcimento da lesão física causada, nào propriamente a mera compensação sob a ótica econômica" (STJ, 3*T., REsp 1062692/RJ, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 4-10-2011). • "Processual civil e civil. Ação de indenização. Acidente automobilístico. Violação dos arts. 165,458, II, e 535,1e II, do CPC. Inexistência. Cumulaçâo de dano moral e dano estético. Cabimento. Quan­ tum indenizatório. Valor moderado. Impossibilidade de revisão. Súmula n. 7/STJ. Correção mone­ tária. Termo inicial. Exclusão do 13o salário e férias. 1. Inexiste violação dos arts. 165,458, II, e 535, I e II, do CPC quando o aresto impugnado decide, de forma objetiva e fundamentada, as questões que delimitam a controvérsia. 2. Aplicam-se os óbices previstos nas Súmulas n. 282 e 356/STF quando as questões suscitadas no recurso especial não tenham sido debatidas no acórdão recor­ rido nem, a respeito, tenham sido opostos embargos declaratórios. 3. É cabível a cumulaçâo de danos morais com danos estéticos quando, ainda que decorrentes do mesmo fato, são passíveis de identificação em separado. 4. A ausência de prova de que a vítima possuía, ao tempo do acidente, vinculo empregatício, constitui óbice à inclusão do décimo terceiro salário e da gratificação de férias no montante da indenização. 5. 0 termo inicial da correção monetária da indenização por danos materiais é a data da apuração do dano. 6. A revisão do valor da indenização por danos morais apresenta-se inviável em sede de recurso especial quando arbitrado com moderação na instância ordinária, a teor da Súmula n. 7/STJ. 7. Recurso especial conhecido em parte e provido" (REsp 659.715/RJ, 4*T., Rei. Min. João Otávio de Noronha, j. em 14-10-2008, DJe 3-11-2008). • “Apelação civel. Responsabilidade civil. Acidente nas dependências do réu. Danos materiais e morais. Configuração do dever de indenizar. Restando comprovados, nos autos, os danos sofridos pela autora em decorrência do acidente ocorrido nas dependências do parque do demandado, é de ser mantida a sentença de procedência da ação. Havendo a demandante sofrido abalo que ultrapassa os limites da normalidade, consubstanciado em lesões permanentes e danos estéticos em sua perna, além de incapacidade parcial permanente para o trabalho, restam configurados os pressupostos do dever de indenizar os danos morais causados, bem como de pagar à autora pen­ são mensal vitalícia, a fim de mitigar os prejuízos decorrentes da impossibilidade de trabalhar. Agravo retido não conhecido e apelo parcialmente provido" (TJRS, AC 70024837676,5* Câm. Civel, Rei. Des. Umberto Guaspari Sudbrack, j. em 30-7-2008).

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• “Direito civil. Danos material, moral e estético. Rapaz de 19 anos que, na varanda de uma boate, ao se debruçar para brincar com um amigo que se encontrava na rua, inadvertidamente toca em transformador de alta tensão mal instalado em poste vizinho. Choque elétrico da alta intensidade, do qual decorre queimadura em trinta por cento de seu corpo, além da amputação de seu braço direito e perda da genitália. Ação proposta em face da boate, da companhia de energia elétrica e do proprietário do transformador mal instalado... É possível a cumulaçâo de dano estético e dano moral. Precedentes. Para admissão de recurso especial com base em divergência jurisprudencial, é imprescindível que se faça o confronto analítico entre os julgados divergentes, o que não ocorreu na hipótese sub judicc. Na esteira de precedente da 3* Turma do STJ, a dor decorrente da perda de um ente querido diferencia-se da dor sofrida pela própria vítima de um acidente grave. Nào é desarrazoado dizer que uma pessoa que carrega seqüelas graves, pelo resto de sua vida, como é o caso da perda de um braço e da genitália, para um jovem de 19 anos, sofre abalo maior que a pessoa que perde um ente querido. Os precedentes do STJ que limitam a indenização por dano moral nas hipóteses de morte não justificam a limitação de indenizações para reparar eventos tão graves como os que estão discutidos neste processo. Não é exagerada a indenização de R$ 400.000,00 para reparação do dano estético, mais R$ 800.000,00 para reparação do dano moral, na hipótese em que a vítima, com apenas 19 anos de idade, sofre queimaduras de terceiro grau em 3 0 % de seu corpo, mais a amputação do braço direito e da genitália, em acidente que poderia ser perfeitamen­ te evitável caso qualquer um dos três réus tivesse agido de maneira prudente. Recursos especiais não conhecidos" (REsp 1.011.437/RJ, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 24-6-2008, DJc 5-8-2008). • “Indenização. 'Danos estéticos' ou 'danos físicos*. Indenizabilidade em separado. 1. A jurisprudên­ cia da 3* T. admite sejam indenizados, separadamente, os danos morais e os danos estéticos oriundos do mesmo fato. Ressalva do entendimento do relator. 2. As seqüelas físicas decorrentes do ato ilícito, mesmo que não sejam visíveis de ordinário e, por isso, não causem repercussão negativa na aparência da vitima, certamente provocam intenso sofrimento. Desta forma, as lesões não precisam estar expostas a terceiros para que sejam indenizáveis, pois o que se considera para os danos estéticos é a degradação da integridade física da vitima, decorrente do ato ilícito..." (REsp 899.869/MG, Rei. Min. Humberto Gomes de Barros, 3*T., j. em 13-2-2007, Dj, 26-3-2007, p. 242). • “Responsabilidade civil. Danos moral e estético. Indenização. Paciente submetida a cirurgia. Cons­ tatação subsequente de perfurações nas alças intestinais, com a necessidade de nova intervenção cirúrgica. Dano moral configurado, incluídos os estéticos, decorrentes dos inúmeros transtornos causados à autora. Valor indenizatório adequadamente fixado, corrigido segundo a Tabela Prática do Tribunal de Justiça. Agravo retido dos réus indeferido e recurso da autora parcialmente provi­ do" (TJSP, 5* Câm. Dir. Priv., AC 196.883-4/0, Rei. Des. A. C. Mathias Coltro, j. em 20-12-2006). • “Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Atropelamento de menor de idade. Pretensão de constituição de capital pelas rés, para assegurar o pagamento da indenização arbitrada. Descabimento, no caso. Indenização que deverá ser paga de uma só vez. Recursos dos réus não providos" (TJSP, 4* Câmara do extinto 1« Tribunal de Alçada Civil, AC 1.249.151 -5, Rei. Des. Oséas Davi Viana, j. em 6-12-2006). • "Sentença. Liquidação. Indenização. Danos morais, emergentes e lucros cessantes. Danos morais fixados no valor de RS 270.000,00. Quantia não exagerada. Dano moral, ora pleiteado, suportado pela própria vitima, que teve membro superior amputado e reimplantado na adolescência, sub­ metida a inúmeras operações e anos de tratamento médico para recuperação de parcela dos movimentos do braço. Dano psicológico advindo do prejuízo estético decorrente da perda de te­ cido e massa do membro, com o qual a vitima terá que conviver até o final da vida" (TJSP, 22* Câm. Dir. Priv., AC 7.073.488-4, Rei. Des. Andrade Marques, j. em 5-12-2006). • “Civil. Acidente de trânsito. Amputação da mão esquerda. Dano moral e estético. Dote. CC/1916, art. 1.538, § 2o. Exegese. Inclusão como dano moral. Valor. Juros moratórios. Termo inicial. Data do acidente. Responsabilidade civil extracontratual. Súmula n. 54" (STJ, 4»T., REsp 681.479/RS, Rei. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. em 15-8-2006). • "Responsabilidade civil. Dano moral e estético. 'Trote' universitário. Vitima queimada propositada­ mente. Queimaduras de 1o, 2o e 3o graus em 2 5 % do corpo. Nexo de causalidade. Reconhecimento. Submissão a inúmeras cirurgias restauradoras. Indenização devida. Sentença mantida. Recurso improvido" (TJSP, 4* Câm. Dir. Priv., AC 323.484-4/4, Rei. Des. Carlos Stroppa, j. em 23-3-2006). • “Responsabilidade civil. Dano estético e material. Queda acentuada de cabelos após utilização de produto destinado a alisá-los. Recomendação do fabricante para não se utilizar a sobra do pro­

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duto. Fato que impede o consumidor de produzir prova em juizo. Defesa fundada na ausência dessa prova que revela má-fé processual. Teste de reação alérgica que nâo se mostra seguro se­ gundo laudo pericial. Lesâo estética comprovada. Indenização devida. Dano material consistente no reembolso da despesa médica. Sentença reformada. Recurso provido" (TJSP, 9* Câm. Dir. Priv. "A", AC 204.490-4/7, Rei. Des. Jayme Martins de Oliveira Neto, j. em 13-12-2005). • "Dano moral. Responsabilidade civil. Indenização que compreende também o dano estético. Perda parcial definitiva da visâo. Funcionário do DER. Responsabilidade objetiva do DER afastada. Res­ ponsabilidade do corréu configurada. Elevação do valor indenizatório fixado na sentença. Recur­ so parcialmente provido para esse fim" (TJSP, 1* Câm. Dir. Públ., AC 259.246-5/5, Rei. Des. Franklin Nogueira, j. em 8-11 -2005). • "Civil. Danos estéticos e morais. Cumulaçâo. Os danos estéticos devem ser indenizados indepen­ dentemente do ressarcimento dos danos morais, sempre que tiverem causa autônoma. Recurso especial conhecido e provido em parte" (REsp 251.719/SP, Rei. Min. Ari Pargendler, 3« T., j. em 25-10-2005, DJ, 2-5-2006, p. 299).

DIREITO PROJETADO • Com a finalidade de regular expressamente o dano estético, que é dano moral agravado, foi pro­ posto ao Deputado Ricardo Fiuza acréscimo de dois parágrafos a este artigo, o que foi acolhido no Projeto de Lei elaborado pela mesma Comissão de Professores que emendou o Código Civil antes de sua aprovação no ano de 2002 (atual PL n. 699/2011), nos seguintes termos: Art. 950. (...) § 2a Sõo também reparáveis os danos morais resultantes da ofensa que acarreta de­ feito físico permanente ou durável, m esm o que nõo causem incapacitaçõo ou depreciação laborativa. § 3° N a reparação dos danos m orais deve ser considerado o agravam ento de su as conseqüências se o defeito físico, além de permanente ou durável, for aparente.

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperíeia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào foi objeto de emenda no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. Assim, a redação atual é a mesma do projeto original. Corresponde ao art. 1.545 do Código Civil de 1916. D O U T R IN A • Enquanto o art. 1.545 do Código Civil fazia referência à responsabilidade civil dos médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas que, por imprudência, negligência ou imperí­ eia, causassem a morte, inabilitaçào de servir ou ferimento ao paciente, o artigo em análise torna mais amplo o dispositivo, de modo a abranger todas as pessoas que em sua atividade profissional, com culpa em sentido estrito, causem dano ao paciente. • A responsabilidade civil de que trata este artigo é contratual. No campo contratual a classi­ ficação das obrigações de meio e de resultado direciona a prova da culpa: nas obrigações de meio cabe ao credor provar a culpa do devedor que se obrigou a empregar todos os meios e esforços para a consecução de um objetivo e não a alcançar certa finalidade, e nas obrigações de resultado presume-se a culpa do devedor, que nào alcançou a finalidade a que se obrigou. • As pessoas que atuam profissionalmente na área da saúde assumem obrigações, via de regra, de meio, já que o resultado depende não só do profissional contratado, mas também das

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condições orgânicas do paciente. Desse modo, a responsabilidade é subjetiva, porque, se a obrigação é de meio e não de resultado, deve a vítima ou lesado provar que o profissional não se utilizou de todos os meios a seu alcance para obter o direito à indenização. É preciso provar a culpa, ou seja, a atitude negligente, imprudente ou imperita do lesante, na utilização dos meios adequados para a cura ou o tratamento do paciente (cf. Regina Beatriz Tavares da Silva, Pressupostos e fundam entos da responsabilidade civil na área da saúde, in Responsa­ bilidade eivil: responsabilidade eivil na área da saúde, coord. Regina Beatriz Tavares da Silva, 2. ed., Sào Paulo: Saraiva, 2009 - Série GV/ow, p. 13). • No entanto, há obrigações assumidas na área da saúde que são de resultado: com o nos exa­ mes laboratoriais, em que se tem em vista um diagnóstico, desde que tragam certeza na análise, e no dever de informação ao paciente sobre as conseqüências e os riscos do proce­ dimento. Nesses casos, a obrigação assumida é de alcançar a finalidade almejada, já que o seu cumprimento depende unicamente do profissional contratado; aqui basta a prova de que não foi alcançado o resultado; aqui cabe a aplicação da presunção relativa da culpa, nos moldes do art. 6o, VIII, do CDC - Lei n. 8.078/90 (cf., na doutrina: Teresa Ancona Lopez, Res­ ponsabilidade civil dos médicos, in Responsabilidade eivil, cit.; Rui Stoco, Tratado de respon­ sabilidade eivil, 8. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2011, p. 628, e Regina Beatriz Tavares da Silva (coord.). Responsabilidade eivil n a área da saúde. Série GVIaw. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 15 e 162).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 460, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Art. 951. A responsabilidade subjetiva do profissional da área da saúde, nos termos do art. 951 do Código Civil e do art. 14, § 4o, do Código de Defesa do Consumidor, nào afasta a sua responsabilidade objetiva pelo fato da coisa da qual tem a guarda, em caso de uso de aparelhos ou instrumentos que, por eventual disfunção, venham a causar danos a pacientes, sem prejuízo do direito regressivo do profissional em relação ao fornecedor do aparelho e sem prejuízo da ação direta do paciente, na condição de consumidor, contra tal fornecedor".

JULGADOS • "Apelação. Danos decorrentes de erro médico. Responsabilidade civil dos médicos profissionais liberais é subjetiva, com base no art. 14, § 4o, do Código de Defesa do Consumidor. A responsabi­ lidade civil objetiva do hospital por ato de erro médico a ele vinculado, nos termos do art. 951 do Código Civil, só ocorre se demonstrada a culpa do médico..." (TJSP, 2» Câm. de Dir. Públ., AC 0002795-46.2002.8.26.0539, Rei. Des. José Luiz Germano, j. em 24-4-2012). • "Civil e processual civil. Responsabilidade civil. Reparação de dano moral. Processo de triagem de doadores em banco de sangue. Exame laboratorial de HIV e hepatite. Obrigação de informar ao doador a existência de anomalias. Defeito na comunicação. Precariedade do resultado. 'Falso positivo'. (...) Em ação de indenização por dano moral, reconhecida a falibilidade dos exames rea­ lizados no processo de triagem dos doadores de sangue, tendo em vista que a apuração de diag­ nóstico só pode ser realizada por exames específicos que não estão disponíveis em bancos de sangue, é necessário que o doador seja devidamente informado acerca da precariedade do resul­ tado, devendo ser orientado a se dirigir a serviços de referência que possam realizar os exames necessários, podendo ocorrer, como ocorreu, a comunicação de 'falso positivo'..." (REsp 1.071.969/ PE, 4*1., Rei. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 2-2-2010). • "Dano moral. Responsabilidade civil. Erro médico. Deformidade decorrente de mamoplastia redutora. Prova pericial realizada. Imperíeia e negligência do médico. Caracterização. Culpa concor­ rente da Fundação onde o médico trabalha. Ausência. Danos morais de 100 (cem) salários mínimos adequadamente fixados pela sentença. Majoração indevida. Recursos improvidos" (TJSP, 7* Câm. Dir. Priv., AC 482.962-4/0, Rei. Des. Luiz Antonio Costa, j. em 14-2-2007). • "Responsabilidade civil. Danos material e moral. Erro médico. Imperíeia. Comprovação. Ginecolo­ gista que prescreve cirurgia extirpadora de útero e ovários desnecessária ao tratamento da pa­ ciente. Prova. Suficiência. Condenação do médico pelo Conselho Regional de Medicina. Danos

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materiais não comprovados estando preclusa a prova pericial. Dano moral patente. Indenização devida. Arbitramento em 150 salários mínimos que se ajusta aos critérios jurisprudenciais de tentar amenizar a dor e reprimir conduta futura semelhante do ofensor, sem enriquecer ou em­ pobrecer os envolvidos. Responsabilidade solidária do convênio médico pelo credenciamento do profissional da medicina que agiu culposamente. Recursos parcialmente providos" (TJSP, 4* Câm. Dir. Priv., AC 414.535-4/0, Rei. Des. Maia da Cunha, j. em 13-7-2006). "Responsabilidade civil. Paciente que se interna para ablaçáo do ovário esquerdo e que sofre extirpação do ovário direito, cuja biopsia não indicou malignidade; hipótese em que ficou caracte­ rizado o erro do médico em extrair órgão sadio, sem prévio diagnóstico, sendo impossível admitir como legítima a mudança de diretriz em pleno curso da operação, por falta de informação e consentimento da mulher. Dever de indenizar do médico e do hospital, em quantia corresponden­ te a 150 salários mínimos" (TJSP, 4* Câm. Dir. Priv., AC 268.872-4/9-00, Rei. Des. Ênio Santarelli Zuliani.j. em 17-1-2007). "Responsabilidade civil. Danos material e moral. Erro médico. Dentista. Obturaçáo de dente. Inter­ venção que apresentou problemas, sendo posteriormente extraído o dente. Perfuração do seio maxilar da autora. Nào utilização de todos os meios necessários para a intervenção (Raio X). Ne­ gligência e imprudência caracterizadas. Indenização bem fixada. Recurso improvido" (TJSP, 31Câm. Dir. Priv., AC 390.682-4/7, Rei. Des. Beretta da Silveira, j. em 20-6-2006). "Dano moral. Erro médico. Erro grosseiro de diagnóstico. Procedimentos incorretos. Morte de recém-nascido. Negligência. Caracterização. Indenização devida. Responsabilidade da prestadora de serviços de saúde. Reconhecimento. Recurso provido" (TJSP, 41 Câm. Dir. Priv., AC 245.979-4/9, Rei. Des. Carlos Stroppa, j. em 30-3-2006). "Dano moral. Responsabilidade civil. Erro médico. Ocorrência. Impericia médica. Tratamento pós-cirúrgico. Indicação de tratamento ineficiente sabidamente, uso de pomada. Consenso médico para o tratamento do quadro clinico e cirúrgico. Indenização devida. Recurso parcialmente pro­ vido" (TJSP, 3» Câm. Dir. Priv., AC 152.727-4/7, Rei. Des. Andrea Ferraz Musa Haenel, j. em 3-2-2006). "Responsabilidade civil. Danos material e moral. Erro médico. Seqüelas que ocasionaram danos físicos no nascituro, durante o procedimento do parto. Imprudência, negligência e impericia do médico e do hospital demonstrados, por falta de atendimento e procedimento adequado para evitar a lesão. Responsabilidade por danos materiais e morais por erro médico, com seqüelas irre­ versíveis. Cabimento de indenização por dano moral, ficando a indenização por dano material relegada para a liquidação da sentença, por arbitramento. Recurso parcialmente provido" (TJSP, 10* Câm. Dir. Priv., AC 147.460-4/6, Rei. Des. Testa Marchi, j. em 4-10-2005). "Responsabilidade civil. Erro médico. Danos materiais e morais. Responsabilidade objetiva do hospital enquanto fornecedor de serviço. Prova suficiente da culpa do médico eleito que, imperito, não poderia realizar o ato para o qual se dispôs a fazer. Nexo causai estabelecido. Prova peri­ cial suficiente para concluir pela responsabilidade do médico. Provas testemunhai e documental confirmatórias dessa culpa. Obrigação reparatória por danos materiais que deriva da correta aplicação do artigo 1.537 do Código Civil de 1916. Montante fixado a título de dano moral, arbitrável em consideração à capacidade das partes e tendo por objetivo minimizar a dor e desesti­ mular a reiteração do ato culposo. Recursos não providos" (TJSP, 8* Cãm. Dir. Priv., AC 221.840-4/0, Rei. Des. Salles Rossi, j. em 15-9-2005). "Responsabilidade civil. Indenização. Erro médico. Alegada impericia, imprudência e negligência em atendimento emergencial por preposto da empresa prestadora de serviços de saúde. Paciente corretamente medicado em sua casa que, após complicação do seu estado, foi levado a hospital onde, a despeito dos cuidados dispensados, entrou em óbito 23 horas após. Quadro de alcoolismo crônico e problemas cardíacos. Ausência de nexo causai entre o evento danoso e a conduta do médico. Sentença mantida. Recurso improvido" (TJSP, 5* Câm. Dir. Priv., AC 177.932-4/5, Rei. Des. Oldemar Azevedo, j. em 14-9-2005). "Responsabilidade civil. Erro médico. Cirurgia oftalmológica. Obrigação de meio. Ausência de verossimilhança que justifique a inversão do ônus da prova. Responsabilidade subjetiva do médi­ co. Negligência no preenchimento de prontuários médicos sem nexo causai com a lesão. Falta de prova da ocorrência de atos culposos dos médicos, que tenham dado causa ao dano. Recurso improvido" (TJSP, 4* Câm. Dir. Priv., AC 396.923.4/1, Rei. Des. Francisco Loureiro, j. em 1°-9-2005).

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• "Responsabilidade civil. Dano moral. Erro médico. Morte de paciente acometido de câncer de próstata. Negligência e impericia. Procedimentos e exames não efetivados diante dos sintomas apresentados. Agravamento do estado de saúde. Médico que, diante da constatação da doença, não o encaminha a especialista. Dano verificado. Fixação do quantum segundo critérios prudenciais. Recursos parcialmente providos" (TJSP, 6» Câm. Dir. Priv. "A", AC 239.084-4/5, Rei. Des. Rubens Hideo Arai, j. em 20-5-2005). • “Responsabilidade civil. Erro médico. Amputação de dois dedos do pé esquerdo de paciente por­ tador de diabetes. Indenização pleiteada contra o médico e a empresa de assistência hospitalar em que realizado o tratamento, imputado de negligente e imperito. Ausência de comprovação de culpa profissional. Improcedência. Sentença confirmada. Recurso não provido" (TJSP, 2* Câm. Dir. Priv., AC 139.085-4/0, Rei. Des. Roberto Bedran, j. em 17-6-2003). • “Responsabilidade civil. Indenização. Erro médico. Prova de culpa dos réus. Grave negligência. Responsabilidade nào pela morte da paciente, mas por pior sobrevida. Apelação do autor provida com elevação do valor dos danos morais e condenação ao pagamento dos ônus da sucumbência e apelo dos réus não provido" (TJSP, 10a Câm. Dir. Priv., AC 138.582-4/1, Rei. Des. Maurício Vidigal, j. em 17-6-2003). • “Responsabilidade civil. Contrato médico. Obrigação de meio e não de resultado. Responsabilida­ de do médico que se cinge ao emprego do seu conhecimento técnico e científico para minorar o sofrimento do paciente. Descabimento em sancioná-lo se não cometeu negligência, impericia ou imprudência. Erro médico incomprovado. Ação julgada improcedente. Recurso não provido" (TJSP, 3* Câm. Dir. Priv., AC 121.368-4, Rei. Des. Waldemar Nogueira Filho, j. em 9-4-2002). • “Responsabilidade civil. Cirurgia. Queimadura causada na paciente por bisturi elétrico. Médico-chefe. Culpa in eligendo e in vigilando. Relação de preposição. Dependendo das circunstâncias de cada caso concreto, o médico-chefe pode vir a responder por fato danoso causado ao pacien­ te pelo terceiro que esteja diretamente sob suas ordens. Hipótese em que o cirurgião-chefe não somente escolheu o auxiliar, a quem se imputa o ato de acionar o pedal do bisturi, como ainda deixou de vigiar o procedimento cabível àquele equipamento" (STJ, REsp. 200.831-RJ, 4a T., Rei. Min. Barros Monteiro, j. em 8-5-2001). • “Médico. Responsabilidade civil. Indenização. Contrato entre profissional e paciente não cumpri­ do. Inexecução da obrigação pelo abandono do paciente sem assistência, não esgotando os cui­ dados terapêuticos exigiveis, culminando com a extração definitiva do rim do doente. A obrigação médica não é de resultado; nào assume o médico o dever de curar o paciente, de aplacar todos os seus males e de transformar-se em guardião absoluto da sua vida. E intuitivo que a obrigação é de meio, mas nem por isso está o médico desobrigado de esgotar os cuidados terapêuticos dispo­ níveis ao seu alcance" [RT, 723/435). • “Indenização. Responsabilidade civil. Danos moral e material. Erro médico. Parto normal sucedido com danos neurológicos ao feto. Imprudência, negligência e impericia. Fatos não caracterizados. Responsabilidade objetiva. Inadmissibilidade. Obrigação de meio. Ação improcedente. Recurso não provido" [JTJ, 295/175). "Indenização. Responsabilidade civil. Danos moral e material. Erro médico. Paciente acometida de acidente doméstico. Tratamento precário sem a observância de cautelas mínimas. Perda dos movimentos do dedo anular. Negligência e impericia. Caracterização. Ação procedente. Recurso nào provido" [JTJ, 280/135). • "Indenização. Responsabilidade civil. Erro médico. Danos moral e material. Morte de paciente submetida à cirurgia de lipoaspiração. Responsabilidade do cirurgião, do anestesista e do hospital. Impericia e negligência caracterizadas. Dano moral. Fixação do quantum segundo juízo prudencial. Ação procedente. Recursos parcialmente providos" [JTJ, 279/218). • “Indenização. Responsabilidade civil. Danos moral e material. Erro médico. Caracterização. Pacien­ te diabético acometido de infecção micótica. Atendimento negligente, desconsiderando sua do­ ença crônica. Fato que desencadeou processo gangrenoso perfeitamente previsível com amputa­ ção de membros inferiores. Verbas devidas. Recurso não provido" [JTJ, 278/147). • Indenização. Responsabilidade Civil. Danos moral e material. Erro médico. Lesões decorrentes do parto. Impericia do médico ao delegar o procedimento à enfermeira. Dano físico comprovado. Culpa evidente dos réus. Responsabilidade solidária entre os réus. Recursos parcialmente providos" [JTJ, 273/408).

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Art. 952. Havendo usurpação ou esbulho do alheio, além da restituição da coisa, a in­ denização consistirá em pagar o valor das suas deteriorações e o devido a título de lucros cessantes; faltando a coisa, dever-se-á reembolsar o seu equivalente ao prejudicado. Parágrafo único. Para se restituir o equivalente, quando não exista a própria coisa, estimar-se-á ela pelo seu preço ordinário e pelo de afeição, contanto que este não se avantaje àquele. HISTÓRICO • O dispositivo em tela não foi alterado no Senado Federal. Na Câmara dos Deputados foi objeto de emenda, no período final de tramitação, substituindo-se o verbo "embolsar" por “reembolsar". Corresponde aos arts. 1.541 e 1.543 do Código Civil anterior.

DOUTRINA • Há duas formas de reparação de danos: reparação natural ou especifica, com a entrega do próprio objeto, e reparação pecuniária ou indenizatória, em que é paga uma importância em dinheiro. • Em princípio, a reparação deve ocorrer in natura, ou seja, deve haver a restauração da situ­ ação alterada pelo dano, de modo que a indenização pecuniária é subsidiária. No entanto, em face das dificuldades inerentes à reparação natural, a reparação pecuniária ou indeniza­ tória é a mais comum. • Na avaliação do dano material, o prejuízo é quantificado por meio de comparação entre o estado atual do patrimônio e sua situação se o dano nào tivesse ocorrido. Aplica-se a cha­ mada "teoria da diferença", na qual há a apuração da diferença entre a situação real do patrimônio do lesado e a situação hipotética desse patrimônio se o dano nào tivesse ocorri­ do, e a compensação das vantagens perdidas, devida sempre que o evento danoso tenha produzido ao lesado não apenas danos efetivos, mas, também, perda de lucros (Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, 7. ed., Coimbra. Livraria Almedina, 1998, p. 687-9). • Em suma, na indenização do dano material busca-se a reposição do patrimônio do ofendido, de modo a recompor-se a situação ideal em que se encontraria se tivesse inexistido o ilícito. • 0 parágrafo único deste dispositivo estabelece a indenizabilidade do dano moral por ofensa a um bem material, quando este nào mais existe. 0 dano pode ser identificado como moral ou material de acordo com dois critérios básicos: 1) a verificação da origem do dano, relacionada ao bem violado e respectiva natureza; e 2) a constatação dos efeitos do dano, referente à natureza das conseqüências ou dos reflexos produzidos na esfera jurídica violada. De acordo com o segundo critério, o dano material tem como efeito um prejuízo econômico ou pecuni­ ário, mensurável por cálculo aritmético, e o dano moral refere-se aos aspectos sentimental ou afetivo, intelectual ou social da personalidade do lesado (cf. Carlos Alberto Bittar. Reparação eivil por danos morais, 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 29-37; Yussef Said Cahali, Dano moral, 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 18). É o segundo critério, antes referido, que explica o disposto no parágrafo único deste dispositivo, já que diante de violação a bem material cabe a indenização por dano moral, quando ele nào mais exista, como no extravio de bagagem em viagem aérea ou em transporte terrestre, devendo ser estimado também pelo valor da afeição, contanto que este não seja superior a seu preço ordinário.

JULGADOS • "Transporte aéreo de pessoas. Falha do serviço. Extravio de bagagem. Reparação por danos morais. 1. 0 Superior Tribunal de Justiça entende que a responsabilidade civil das companhias aéreas em decorrência da má prestação de serviços, após a entrada em vigor da Lei 8.078/90, não é mais regulada pela Convenção de Varsóvia e suas posteriores modificações (Convenção de Haia e Con­

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venção de Montreal), ou pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, subordinando-se, portanto, ao Código Consumerista. 2. 0 entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça é de que o valor estabelecido pelas instâncias ordinárias a título de reparação por danos morais pode ser re­ visto tão somente nas hipóteses em que a condenação revelar-se irrisória ou exorbitante, distan­ ciando-se dos padrões de razoabilidade, o que nào se evidencia no presente caso. 3. Não se mostra exagerada a fixação, pelo Tribunal a quo, em RS 10.000,00 (dez mil reais) a titulo de reparação moral em favor da parte agravada, em virtude dos danos sofridos por ocasião da utilização dos serviços da agravante, motivo pelo qual não se justifica a excepcional intervenção desta Corte no presente feito" (STJ, 4»T., AgRg no Ag. 138.021-5/SP, Rei. Min. Raul Araújo, j. em 19-4-2012). • "Reivindicatória. Laudo pericial comprovando o esbulho pela apelada. Direito da apelante a área invadida. Prejuízo não comprovado. Indenização indevida. Art. 952 do Código Civil" (TJSP, 9* Câm. de Dir. Priv. “D", AC 294.870.4/5-00, Rei. Des. Maria Goretti Beeker Prado, j. em 26-6-2009). • "Reintegração na posse... Ocultaçáo do veículo. Reintegração frustrada. Indenização. Cabimento. Inteligência do art. 952 do Código Civil. Valor da indenização. Princípios da razoabilidade e pro­ porcionalidade" (TJSP, 31* Câm. de Dir. Priv. "E", AC 992.08.022098-2, Rei. Des. João Ornar Marçura, j. em 6-4-2010). • "Responsabilidade civil. Ação de indenização por extravio de bagagens em viagem internacional. Condenação. Quantum. Proporcionalidade. Peculiaridades do caso concreto. Intervenção excep­ cional desta Corte (...) II - Nos termos da jurisprudência desta Corte, não se afere exorbitância ou irrisoriedade no valor equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada um dos autores, por danos morais decorrentes de extravio de bagagem em viagem internacional. Como já salientado em inúmeras oportunidades, as situações em virtude das quais há fixação de indenização por danos morais são muito peculiares, de modo que eventuais disparidades do quantum fixado, sem maior relevância, não autorizam a intervenção deste Tribunal. Agravo regimental improvido" (STJ, 3*T., AgRg no REsp 745.812/MT, Rei. Min. Sidnei Beneti, j. em 7-10-2008). • "Reparação de danos. Imperfeição na execução de serviço de conserto e afinação de piano de procedência alemã. Instrumento musical antigo, provavelmente fabricado há mais de cem anos. Peça que perdeu seu valor histórico, o seu referencial de objeto de arte ou de mercado. Indeniza­ ção que deve consistir no valor efetivamente desembolsado para corrigir os defeitos. Dano moral. Cabimento. Decorrência de abalo emocional que se abateu sobre o autor, provocado pela perda de característica marcante do piano, dada a desfiguração de sua identidade. Estabelecimento do quantum, porém, que está ligado ao grau de afeição de seu proprietário pelo objeto" [RT, 725/195).

Art. 953. A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido. Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso. HISTÓRICO • A redação original do dispositivo, tal como proposta pelo projeto e aprovada pela Câmara em primeira votação, era a seguinte: "Art. 953. A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido". Com as alterações implementadas pelo Senado Federal, por intermédio do Senador Josaphat Marinho, passou o dispositivo a apresentar a presen­ te redaçào, com a inclusão da difamação. Corresponde ao art. 1.547 do Código Civil de 1916, sendo que este dispositivo, em seu parágrafo único, estabelecia uma prefixação da indenização por dano moral, correspondente ao dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva.

DOUTRINA • Este dispositivo estabelece a reparação dos danos por violação è honra, que é direito da personalidade com posto de dois aspectos: objetivo - consideração social - e subjetivo autoestima. Nestes dois aspectos está contido o caráter múltiplo ou proteiforme da honra: individual, civil, política, profissional, científica, artística etc. (cf. José Castan Tobefias, Los

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derechos de Ia personalidad, Madrid, Ed. Reus, 1952, p. 49-50, e Carlos Alberto Bittar, Os direitos da personalidade, 5. ed. atual, por Eduardo Carlos Bianea Bittar, Rio de Janeiro, Fo­ rense Universitária, 2001, p. 131). • A injúria ofende a honra subjetiva, conceituada com o a "manifestação de conceito ou de pensamento, que representa ultraje, menosprezo ou insulto a outrem " (Carlos Alberto Bittar, Os direitos da personalidade, cit., p. 132). • A difamação atinge a honra objetiva, definida com o a atribuição de “fato que constitui m o­ tivo de reprovação ético-social" (Carlos Alberto Bittar, Os direitos da personalidade, cit., p. 132). • A calúnia viola a honra objetiva, configurada na “imputação de fato qualificado como crime" (Carlos Alberto Bittar, Os direitos da personalidade, cit., p. 132). • Pela violação à honra podem surgir danos materiais e morais. • 0 dispositivo constante do parágrafo único pode acarretar interpretação pela qual, diante de ofensa à honra, somente o dano material é, em princípio, indenizável, sendo cabível o dano moral somente em face da inexistência de dano material. A possibilidade de cumulaçâo da indenização do dano moral com o dano material está pacificada em nosso Direito, inclusive por meio da Súm ula 37 do Superior Tribunal de Justiça, pela qual “são cumuláveis as indeni­ zações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato". Com a consagração cons­ titucional da indenizabilidade do dano moral, inclusive cumulado com o dano material, não pode remanescer qualquer dúvida quanto à cumulatividade das duas indenizações (CF, art. 5®, V e X). Saliente-se que o art. 5®, V, da Constituição Federal assegura precisamente a inde­ nizabilidade dos danos morais e materiais por ofensa à honra, de modo que o parágrafo único deste artigo é inconstitucional. • Na Lei de Imprensa o quantum indenizatório era limitado se o ato ilícito fosse praticado com culpa em sentido estrito. Assim, se nào houvesse vontade deliberada de causar o dano, mas apenas negligência, impericia ou imprudência, por parte do autor do escrito, da transmissão ou da notícia, ou do responsável por sua divulgação, a responsabilidade civil do jornalista era limitada de dois a vinte salários mínimos, a depender da natureza da ofensa, de divulgação de notícia falsa ou de fato verdadeiro deturpado ou truncado à imputação falsa de crime a alguém (art. 5 1 ,1 a IV). E a responsabilidade civil da empresa que explora o meio de com uni­ cação era, por sua vez, limitada a dez vezes aquelas importâncias (art. 52). Essas limitações, no entanto, não mais prevalecem no direito brasileiro. Primeiramente porque a Constituição Federal de 1988 deu ao dano moral relevância especial em seu art. 5®, V: "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou á imagem"; e X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Dessa forma, não restaram recepcionados pela Constituição Federal os limites presentes nos arts. 51 e 52 da Lei de Imprensa. Esse entendimento já estava sedimentado na Súm ula 281 do STJ. Por fim, em julgamento do dia 30 de abril de 2009, o Suprem o Tribunal Federal, ao analisar a Arguiçào de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, declarou que a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67) é incompatível com a atual ordem constitucional. SÚ M U LAS • Súmula 403 do STJ: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autori­ zada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais". • Súmula 281 do STJ: “A indenização por dano moral não está sujeita à tarifaçáo prevista na Lei de Imprensa". • Súmula 221 do STJ: "São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de pu­ blicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veiculo de divulgação".

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• Súmula 37 do STJ: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".

JULGADOS • "Recurso especial. Responsabilidade civil. Publicação em revista de circulação nacional vinculando autoridades públicas a suposto esquema de corrupção em Tribunal Superior. (...) Veiculação de notícia que, diante da omissão de fatos, veio a atingir a honra de magistrados. Violação do art. 953 do Código Civil. Danos morais. Cabimento. (...) 3. A ofensa ocasionada pela divulgação pela imprensa de um fato revestido, naquele momento, da plena convicção de sua veracidade, após o mínimo cumprimento do dever de apuração e sob a perspectiva de um interesse legítimo, mesmo que posteriormente venha a ser modificado pela conclusão das investigações, isenta o seu autor de responsabilização. Inversamente, a imputação de fatos tidos como verdadeiros, porém com a omissão do resultado exculpatório que excluiu os envolvidos de qualquer responsabilidade pelos ilícitos divulgados, assumindo o resultado danoso, implica a responsabilização civil de quem a promover. 4. Consoante a jurisprudência já firmada nesta Corte Superior, se, por um lado, da atividade informativa não são exigidas verdades absolutas, provadas previamente em sede de investigação no âmbito administrativo, policial ou judicial, por outro, não há de se permitir a le­ viandade, por parte de quem informa, de veicular informações incompletas ou distorcidas dos fatos" (STJ, 3*T., REsp 126.397-3/DF, Rei. Min. Ricardo Vi lias BôasCueva, j. em 17-11-2011). • "Civil e processual. Ação indenizatória. Dano moral. Entrevista veiculada em programas de rádio alegadamente ofensiva à honra e à dignidade do autor. Demanda movida contra o jornalista-entrevistador. Aplicação da limitação tarifária da Lei de Imprensa, art. 51,11- Descabimento. Não recepção da Lei n. 5.250/67 pela Constituição de 1988. Superveniente arguiçáo de descumprimento de preceito fundamental julgada procedente pelo colendo STF (ADPF n. 130/DF). (...) III - Res­ sarcimento fixado em parâmetro compatível, embora deva ser afastada a condenação em salários mínimos, convertido o referencial em reais na data em que fixada a indenização no primeiro grau, atualizada monetariamente desde então. IV - Recurso especial conhecido em parte e provido" (REsp 877.138/SP, 4J T., Rei. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 1°-6-2010). • "Civil. Processual civil. Recurso especial. Violação ao art. 535 do CPC não configurada. Responsa­ bilidade civil. Danos morais. Declarações públicas de ministro de estado. Imputação da autoria de divulgação de gravações clandestinas a empresário autor da demanda. Episódio conhecido como ‘grampo do BNDES'. Obrigação de reparar. Inaplicabilidade do verbete sumular n. 07/STJ à espécie. Premissas fáticas bem delimitadas pelas instâncias de cognição plena. (...) Os atos reconhecida­ mente perpetrados pelo demandado, consistentes na reiteração de manifestação pública, em di­ versos veículos de comunicação, imputando ao autor da demanda a responsabilidade pela divul­ gação do conteúdo de gravações telefônicas obtidas a partir da prática de ilícito penal, no episó­ dio que ficou nacionalmente conhecido como ‘grampo do BNDES’, constituíram dano moral indenizável. 5. Recurso especial provido. Indenização fixada em RS 500.000,00, com atualização monetária a partir da data do arbitramento e acréscimo de juros de mora desde o evento danoso, nos termos da Súmula 54/STJ" (REsp 961.512/SP, 31 T., Rei. Min. Vasco Delia Giustina (Desembar­ gador convocado do TJ/RS), j. em 20-5-2010). • "Dano moral. Responsabilidade civil. Matéria veiculada em periódico editado pela ré. Ausente abuso no direito de informar (liberdade de imprensa). Matéria de interesse público. Fatos veicu­ lados nào impugnados ou provados. Ré que se limitou a cumprir seu dever de informação de forma verdadeira [ius narrandi). Ausente o dever de indenizar. Inexistência de ofensa à honra ou imagem dos autores. Verba não devida. Sentença reformada. Recurso provido" (TJSP, 8* Câmara "A " de Direito Privado, AC 235.022-4/4, Rei. Des. Fábio Henrique Podestá, j. em 21-6-2006). • "Dano moral. Responsabilidade civil. Comentários feitos por jornalista em programa televisivo. Alegação de ofensa ao Poder Judiciário e seus integrantes. Descabimento. Criticas próprias do exercício da liberdade de imprensa, não identificado qualquer excesso ou abuso no que foi divul­ gado. Honra não atingida, mesmo porque o Judiciário, como toda instituição, não está isento de ser criticado pela imprensa ou mesmo pela comunidade. Pedido dano moral afastado. Indenizatória improcedente. Recurso provido para esse fim, prejudicado o recurso dos autores" (TJSP, 9»

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Câmara “A " de Direito Privado, AC 218.584-4/3, Rei. Des. Jayme Martins de Oliveira Neto, j. em 27-9-2005).

DIREITO PROJETADO • Sugerimos ao Deputado Ricardo Fiuza a revogação do parágrafo único, em preservação da inde­ nizabilidade dos danos morais e materiais resultantes de ofensa à honra. Foi proposta, ainda, a utilização da palavra "dano" no plural, no caput do artigo. Nossa proposta foi acolhida no Proje­ to de Lei elaborado pela mesma Comissão de Professores que emendou o Código Civil antes de sua aprovação no ano de 2002 - PL n. 6.960/2002, apresentado pelo Deputado Ricardo Fiuza, atual PL n. 699/2011 - , nos seguintes termos: Art. 953. A indenização por injúria, difam ação ou calúnia consistirá na reparação dos danos materiais e morais que delas resulte ao ofendido.

Art. 954. A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem apli­ cação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente. Parágrafo único. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal: I — o cárcere privado; II — a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé; III — a prisão ilegal. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi alterado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. Assim, sua redação reproduz o texto integral apresentado pelo projeto. Corresponde aos arts. 1.550 e 1.551 do Código Civil anterior, com exclusão da prefixaçáo do valor da indenização por dano moral.

DOUTRINA • 0 direito à liberdade, tido como o poder de fazer ou nào fazer tudo aquilo que se quer. no âmbito resultante das limitações fixadas pelo ordenamento jurídico (cf. Adriano De Cupis, Os direitos da personalidade, trad. Adriano Vera Jardim e Antonio M iguel Caeiro, Lisboa, Livra­ ria Morais, 1961, p. 95 e s.), tem várias form as de manifestação, com o de locomoção, de pensamento e sua expressão, de crença e prática religiosa, de escolha e exercício de ativida­ de profissional, de relacionamento social etc. (cf. Carlos Alberto Bittar, O s direitos da perso­ nalidade, 5. ed. atual, por Eduardo Carlos Bianca Bittar, Rio de Janeiro, Forense Universitária, p. 101-2). • A Constituição Federal, após garantir a inviolabilidade do direito à liberdade (art. 5», caput), reconhece expressamente várias manifestações desse direito: manifestação de pensamento (art. 52, IV), consciência e crença religiosa (art. 5», VI), convicção filosófica ou política (art. 5*. VIII), atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5o, IX), atividade pro­ fissional (art. 5o, XIII), locomoção (art. 5o, XV), reunião (art. 5o, XVI), associação (art. 5o, XVII). • 0 presente artigo, no seu caput, refere-se à reparação de danos por ofensa à liberdade pes­ soal, que tem aquele caráter amplo. No entanto, no seu parágrafo único. 0 artigo cita apenas violações à liberdade de locomoção. Em razão das demais manifestações desse direito, inclu­ sive reconhecidas expressamente na Constituição Federal, considera-se necessária a m odifi­ cação do parágrafo único do dispositivo, para restar claro seu caráter exemplificativo e não taxativo.

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• Pelas mesmas razões expostas na nota ao art. 953, não se deve condicionar a reparabilidade do dano moral à inexistência do dano material, com o faz este artigo ao referir o parágrafo único do artigo anterior, que, nesta parte, assim com o ocorre no artigo anterior, é inconsti­ tucional.

JULGADOS • “Dano moral. Responsabilidade civil por ato ilícito. (...) Principio constitucional da liberdade de informar que é limitado. O objetivo da noticia é o interesse público e a liberdade de expressão e comunicação encontra seu limite na fronteira do abuso..." (TJSP, 11 Câm. de Dir. Priv., AC 028185253.2009.8.26.0000, Rei. Des. Paulo Eduardo Razuk, j. em 14-8-2012). • “Ação de indenização danos morais e materiais. Concurso vestibular. Liberdade religiosa. Isonomia. Autonomia universitária. Direito de realizar o exame vestibular em dia e horário compatíveis aos deveres religiosos. Atendimento aos requisitos administrativos previstos na legislação estadual para solicitação da benesse legal inteligência do art. 1o, §§ 1o e 2a, da Lei estadual n. 12.142/2005. Inexistência, in casu, de ofensa ao princípio da isonomia ou à autonomia das Universidades (art. 53 da Lei Federal n. 9.394/96). Ato ilícito caracterizado (art. 186 do CC/2002)..." (TJSP, 27* Câm. de Dir. Priv., AC 9199436-69.2009.8.26.0000, Rei. Des. Berenice Marcondes Cesar.j. em 24-7-2012). • "Responsabilidade civil. Dano moral. Autor encarcerado indevidamente, confundido com homô­ nimo. Sentença de procedência mantida. Se pessoa é presa injustamente, por três dias, confundi­ da com homônimo, ocorre falha do serviço público e a Administração responde pela indenização, configurada ofensa à liberdade pessoal do cidadão, nos termos do art. 954 do Código Civil" (TJSP, 11* Câm. de Dir. Públ., AC 0003484-53.2010.8.26.0590, Rei. Des. Luis Ganzerla.j. em 18-6-2012). • "Internet e religião. Video de jogo eletrônico com inclusão de personagens bíblicos e profeta do islamismo protagonizando cenas de violência, o que contraria os preceitos religiosos, caracteri­ zando-se como meio de ofensa aos valores preservados no art. 5a, VI, da CF, o que justifica manter a ordem para derrubar o video da rede, sem o que não se tutelam valores fundamentais prepon­ derantes, rejeitando-se, contudo, o dano moral coletivo, por nào constituir enredo produzido para menoscabar ou ridicularizar os protagonistas e os adeptos das religiões respectivas" (TJSP, 4* Câm. de Dir. Priv., AC 990.10.085770-3, Rei. Des. Énio Zuliani, j. em 25-11-2010). • "Administrativo, Civil e Processo Civil. Responsabilidade Civil do Estado. Alegada violação dos arts. 535, II; 515, § 3°; 165,333 e 458, II, todos do CPC, bem como dos arts. 93, IX, e 5°, IV, da CF. 'Cau­ sa madura' para o julgamento da apelação. Ausência de supressão de instância. Acórdão que encampa, ipsis literis, o parecer do Ministério Público. Possibilidade, no caso. Nulidade do acórdão por falta de fundamentação para a configuração dos pressupostos da responsabilidade objetiva da União e responsabilidade solidária do Estado de Santa Catarina. Prescrição. Decreto n. 20.910/32. Discussão sobre prescrição de pretensão de compensação por violação de direitos fundamentais. Tortura de cidadão brasileiro de ascendência alemã por "policiais da farda amarela" durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942. Responsabilidade do Estado pelas perseguições políticas, prisões, tortura, loucura e suicídio do cidadão, em decorrência de tais atos. Recurso especial ade­ sivo dos particulares. Pretensão de valoraçáo do arbitramento dos danos morais acima do arbitra­ do na segunda instância (R$ 500.000,00)" (REsp 797.989/SC, Rei. Min. Humberto Martins, 2*T., j. em 22-4-2008, DJ, 15-5-2008, p. 1). • "Processual civil. Administrativo. Recurso especial. Açào de indenização por danos materiais e morais. Responsabilidade civil do Estado decorrente de atos praticados pelo Poder Judiciário. Manutenção de cidadão em cárcere por aproximadamente treze anos (de 27-9-1985 a 25-8-1998) à mingua de condenação em pena privativa da liberdade ou procedimento criminal, que justifi­ casse o detimento em cadeia do sistema penitenciário do Estado. Atentado à dignidade da pessoa humana" (REsp 802.435/PE, Rei. Min. Luiz Fux, 1*T., j. em 19-10-2006, DJ, 30-10-2006, p. 253). • “Indenização. Fazenda Pública. Responsabilidade civil. Dano moral. Prisão em flagrante. Arbitra­ riedade. Ofensa à honra e à liberdade pessoal de Advogado. Verba devida. Recurso provido para esse fim" [JTJ, 213/139).

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D IR E I T O P R O J E T A D O • Pelas razões acima aludidas, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão legisla­ tiva, que foi inserida no Projeto de Lei elaborado pela mesma Comissão de Professores que emen­ dou o Código Civil antes de sua aprovação no ano de 2002 (atual PL n. 699/2011): Art. 954. A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagam ento dos danos que sobrevierem ao ofendido. Parágrafo único. Consideram-se, dentre outros atos, ofensivos à liberdade pessoal:

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T ítu lo X — DAS PREFERÊNCIAS E PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS Art. 955. Procede-se à declaração de insolvência toda vez que as dívidas excedam à importância dos bens do devedor. H IS T Ó R IC O • 0 presente dispositivo, em relação ao anteprojeto de Agostinho Alvim, foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto, apenas para substi­ tuir a expressão "concurso de credores", anteriormente empregada no art. 1.554 do Código Civil de 1916, por "declaração de insolvência".

DOUTRINA • Privilégios creditórios: A origem do termo vem de “privilegium", que em latim significa uma lei instituída em benefício privado; vale dizer que estabelece para determinado caso especial um sistema mais favorável. Nesse sentido é a lição de Hector Lafaille: "En latin 'privilegium' significa una ley instituída en beneficio privado; o en otros términos, que establece para un caso especial, un sistema más favorable que el derecho común. Si éste consagra el critério de Ia igualdad entre todos losacreedores, el 'privilegio' Io substrae excepcionalmente a esa regia para colocarlo antes que los demás. Por ello, puede usarse de esa palabra, o bien de los vocablos 'prelación’ o 'preferencia', que a este respecto serían equivalentes" (Trotado de Ias obligaciones, Buenos Aires, Ediar, 1947, v. 1, p. 568). O próprio Lafaille esclarece, no entanto, que não se pode confundir privilégios creditórios com concessões arbitrárias e casuísticas a favor de determinado credor em detrimento dos outros: "N o estamos por cierto ante favores o concesiones arbitrarias. Tampoco se basan en Ia simple calidad de Ias personas, como ocurrió en otro tiempo; ni responden a Ia mera tradición histórica. Por un deber de justicia, el legislador antepone el pago de un crédito a todos los restantes o al de ciertos otros, porque há sido necesario o conveniente para todos o una parte de los postergados. De otra manera, éstos obtendrían ventajas en detrimento de aquéllos; y por tal razón Ia teoria de los privilégios presenta notable afinidad con el enriquecimento sin causa" (Tratado de Ias obligaciones, Buenos Aires, Ediar, 1947, v. 1, p. 569). 0 nosso Código não define o que seja preferência ou privilégio creditório, ao contrário do que fez o Código Civil português, nos termos seguintes: "Art. 733. Privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, con­ cede a certos credores, independentemente do registro, de serem pagos com preferência a outros". 0 Código Civil argentino traz definição semelhante: "Art. 3.875. El derecho dado por Ia ley a un acreedor para ser pagado con preferencia a otro, se llama en este Código privile­ gio". Em resumo, podemos definir o privilégio creditório com o o direito, previsto em lei, que determinado credor possui de receber o seu crédito em primeiro lugar, sempre que vários credores pretenderem receber seus créditos ao mesmo tempo e o patrimônio do devedor comum não for suficiente ao pagamento integral de todos.

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Art. 955

• Declaração de insolvência: A chamada insolvência civil é instituto privativo do devedor nào empresário. Dá-se a insolvência toda vez que as dívidas excederem a importância dos bens do devedor (v. arts. 748 e s. do CPC). Declarada a insolvência, sempre por decisào judicial, o devedor perde o direito de administrar seus bens. Nesse sentido, o Código Civil espanhol contém dispositivo expresso: “Art. 1.914. La declaración de concurso incapacita al coneursado para Ia administración de su b ienesy para cualquiera otra que por Ia ley le corresponda". O Código atual, tal qual fez o anterior, preferiu que a norma constasse exclusivamente da legislação processual (CPC, art. 752: "Declarada a insolvência, o devedor perde o direito de administrar os seus bens e de dispor deles, até a liquidação total da massa"). • Digna de elogios a substituição da expressão "concurso de credores" por “declaração de in­ solvência", tendo em vista que é esta a denominação dada ao instituto pelo vigente Código de Processo Civil. Efetivamente a indispensabilidade da uniformização dos nomes dos insti­ tutos jurídicos, na legislação substantiva e na processual, justificou a alteração. • Insolvência civil vs falência: Insolvência e falência constituem modalidades de execução universal ou execução por concurso universal de credores. Enquanto a insolvência somente atinge o devedor não empresário, a declaração de falência é privativa do devedor empresário e seus requisitos sào completamente diversos, com o explica Noronha: "O s critérios para a declaração do devedor empresário (ou da sociedade empresária) em estado de falência são diferentes, porque diferentes sào os interesses a salvaguardar. Enquanto um empresário for solvendo suas dívidas, nào se justifica a devassa dos seus negócios, para saber qual é a sua situação patrimonial, mas logo que deixe de satisfazer compromissos deve ser declarado em falência, ainda que o seu ativo supere o passivo. Isto é assim, porque cada empresário tem ao mesmo tempo os seus devedores e credores e o nào pagamento a um credor pode gerar uma série de inadimplementos em cadeia, perturbando mais ou menos gravemente o m undo dos negócios. Enquanto o empresário tiver crédito é digno de tutela jurídica, qualquer que seja o montante de seu passivo: se deixa de satisfazer os seus compromissos, o seu crédito fica abalado e impõe-se a intervenção judicial, com o medida de proteção aos interesses da cole­ tividade" (Op. cit., p. 209-210).

JULGADOS • "Processual civil. Execução. Conversão em insolvência civil. Impossibilidade. Honorários advocatícios. Sentença terminativa. Fixação sobre o valor da causa. Possibilidade. 1. Mostra-se inviável a conversão do processo de execução singular em insolvência civil, dadas as peculiaridades de cada procedimento e a natureza concursal do último, implicando, eventualmente, até mesmo diferen­ tes competências de foro, por isso o juízo poderá, de ofício, reconhecer a impossibilidade jurídica do pedido. 2. Diferentemente do que ocorria no sistema revogado do Código de Processo Civil de 1939, no seu art. 929, que insculpira a insolvência civil como "incidente de execução singular", o atual sistema prevê uma "principialidade" para a insolvência civil, repelindo, pela própria sistemá­ tica, a ampliação dos sujeitos ativos, no sentido de transformar a execução individual em um concurso universal de credores. Vale dizer, o processo de insolvência civil nasce com feição de processo principal e nào como um incidente no processo de execução. 3. Nào há violação ao art. 20, § 4o, do CPC, quando, em sentença terminativa, fixam-se as verbas advocatíeias em 1 0 % sobre o valor da causa, desde que esse percentual eqüivalha a valores razoáveis. Precedentes. 4. Recur­ so especial improvido" (REsp 1.138.109/MG, 4â T., Rei. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 18-5-2010). • "Processual civil. Insolvência civil. Embargos do devedor insolvente. Rejeição. Apelação recebida apenas no efeito devolutivo. Aplicação analógica do art. 520, V, do CPC. Juridicidade. 1. A insol­ vência civil é ação de cunho declaratório/constitutivo, tendente a aferir, na via cognitiva, a insolvabilidade do devedor, condição esta que, uma vez declarada judicialmente, terá o efeito de es­ tabelecer nova disciplina nas relações entre o insolvente e seus eventuais credores. Tal premissa não há de ter, entretanto, o efeito de convolar em contestação os embargos disciplinados nos arts. 755 e segs. do CPC. 2. Mostra-se de todo apropriado o entendimento jurisdicional que equipara os embargos à insolvência aos embargos à execução opostos por devedor solvente, para fins de

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aplicação da regra insita no art. 520, V, do Código de Processo Civil, que determina o recebimen­ to da apelação apenas no seu efeito devolutivo. 3. Recurso especial não conhecido" (REsp 621.492/ SP, 41 T., Rei. Min. João Otávio de Noronha, j. em 15-10-2009). • "Insolvência civil. Requerimento do credor individual. Comprovação dos requisitos fundamentais. Declaração como conseqüência lógica. Ausência de bens. Irrelevância. 1. Preenchidos os requisitos estampados no CPC (art. 748 e s. do CPC) cumpre ao Judiciário, inclusive no 2o Grau, declarar a insolvência pretendida, pois, o seu pressuposto fundamental é a insuficiência patrimonial do de­ vedor. 2. A inexistência de bens não impede a declaração, pois, sabidamente, os reflexos da insol­ vência transcendem à simples arrecadação deles. 3. Apelo do credor a que se dá provimento, de­ clarando-se a insolvência civil pretendida" (TJMG, Apelação 1.0024.04.535599-7/001(1), Rei. Francisco Kupidlowski, j. em 6-7-2006, publicada em 28-8-2006). • "Insolvência civil requerida pelo credor. Interesse processual configurado. Pluralidade de credores. Irrelevância. Recurso a que se nega provimento. A inexistência de pluralidade de credores nào obsta ao deferimento do pedido de insolvência ajuizado pelo único credor, sendo suficiente, para tanto, que as dividas excedam a importância dos bens, consoante a regra do art. 748 do CPC. Na exegese do art. 754 do CPC, a existência ou não de outros credores somente é relevante para a instalação de habilitação, nào para o decreto de insolvência, exigindo-se apenas que o credor apresente o seu titulo executivo" (TJMG, Apelação 2.0000.00.444874-6/000(1), Rei. Osmando Almeida, j. em 6-9-2005, publicada em 1o- 10-2005). • "Processo civil. Declaração de insolvência. Requerimento do credor. Inexistência de bens arrecadáveis. Interesse de agir. Recurso provido. I. Tem o credor interesse na declaração de insolvência do devedor, mesmo que não existam bens passíveis de arrecadação, visto que o concurso univer­ sal alcançara não apenas os bens presentes do devedor, mas também os futuros. II. A inexistência de bens arrecadáveis apenas impõe a suspensão da ação, enquanto persistir esse estado" (STJ, REsp 78.966/DF, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ, 29-6-1998, p. 189).

Art. 956. A discussão entre os credores pode versar, quer sobre a preferência entre eles disputada, quer sobre a nulidade, simulação, fraude, ou falsidade das dívidas e contratos. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo não foi alterado durante a tramitação legislativa. Trata-se de mera repetição do art. 1.555 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Cada um dos credores poderá opor ao crédito do outro as defesas que tiver, quer im pugnan­ do a própria preferência estabelecida a favor de um deles, quer alegando a nulidade, a sim u­ lação, a fraude ou a falsidade das dívidas. • CPC, art. 7 6 8 : "Findo o prazo, a que se refere o n. II do art. 761, o escrivão, dentro de cinco (5) dias, ordenará todas as declarações, autuando cada uma com o seu respectivo título. Em seguida intimará, por edital, todos os credores para, no prazo de vinte dias, que lhes é comum, alegarem a s su a s preferências, bem com o a nulidade, simulação, fraude, ou falsidade de dívidas e contratosf. • Também o devedor poderá impugnar quaisquer dos créditos que lhe sejam apresentados (CPC, art. 768, parágrafo único).

JULGADOS • "Agravo de instrumento. Impugnação de crédito. Nota de crédito industrial. Título de crédito tí­ pico. Privilégio especial. Inteligência do art. 17 do DL n. 413/67. 0 juizo o quo julgou procedente a impugnação do credor, ora agravado. 0 magistrado acolheu a pretensão do credor, no sentido da reclassificação de parte de seu crédito. Inconformado o impugnado, ora agravante interpõe o

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presente recurso, sustentando em síntese, que o privilégio só abrange bens listados expressamen­ te por lei, artigos 963 e 964 do Código Civil. Art. 557 do CPC. Recurso a que se nega seguimento" (TJRJ, Al 0008851-77.2010.8.19.0000, Rei. Des. Marco Aurélio Froes, j. em 12-3-2010). • "Apelação cível. Previdência pública municipal. Município de Porto Alegre. Pensão integral. M as­ sa insolvente do montepio dos funcionários do município de Porto Alegre. Questões decorrentes do decreto de insolvência civil. Dies a quo dos juros. Honorários advocatíeios. (...) 2. Questões decorrentes do decreto de insolvência civil. 2.1. Aplicação por analogia das normas da falência à insolvência civil. Considerando que os arts. 768 a 786-A do CPC, que disciplinam a insolvência civil, silenciam quanto ao pagamento de custas e de honorários advocatíeios, bem assim de juros e de correção monetária, nem referem aplicação subsidiária das normas relativas à falência, nâo resta afastada a possibilidade de solução analógica (LICC, art. 4o), havendo necessidade e sendo compatível. 2.2. Custas e honorários advocatíeios. Quanto às custas e honorários, na anterior LF (DL n. 7.661/45), ainda aplicável aos processos iniciados sob sua égide (Lei n. 11.101/05, art. 192), há distinguir: (a) relativamente aos honorários advocatíeios, o § 2o do art. 208 se aplica tão só ao processo falencial e incidentes, não sendo possível invocá-lo por analogia na insolvência civil, em outros processos e incidentes; e (b) relativamente às custas, o caput e § 1® do art. 208 se aplicam por analogia na insolvência civil, inclusive em outros processos e incidentes, a fim de que a démarchc processual nào sofra solução de continuidade pelo citado motivo. 2.3. Juros e correção monetária. Quanto aos juros e correção monetária, se na anterior LF (DL n. 7.661/45), ainda apli­ cável aos processos iniciados sob sua égide (Lei n. 11.101/2005, art. 192), o art. 26 condiciona o pagamento dos juros à existência de ativo após o pagamento do principal, e o DL n. 858/69, en­ volvendo isenção condicionada da correção monetária (inclusive entendimento já superado), constituem normas excepcionais privilegiadoras, dentro do próprio instituto falencial, não se pode estendê-las à insolvência civil. As normas privilegiadoras por princípio de hermenêutica devem ser interpretadas restritivamente. Impunha-se, dessarte, a existência de previsão especifica no título IV do Livro II do CPC..." (TJRS, Ap. 70015277528,11 Câm. Cível, Rei. Des. Irineu Mariani, j. em 9-82006). • "Processo civil. Honorários de advogado. Impugnação de crédito em insolvência civil. Diferente­ mente da falência, em que há regra especial afastando os honorários de advogado (DL n. 7.661/45, art. 208, § 2o), na insolvência civil o vencido no incidente de impugnação de crédito se sujeita ao regime geral (CPC, art. 20), respondendo pela sucumbência. Recurso especial conhecido mas não provido" (REsp 37.703/SP, 3 ' T., Rei. Min. Waldemar Zveiter, Rei. p/ Acórdão Min. Ari Pargendler, j. em 8-6-2000).

Art. 957. Não havendo título legal à preferência, terão os credores igual direito sobre os bens do devedor comum. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi alterado durante a tramitação legislativa. Corresponde ao art. 1.556 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação.

DOUTRINA • Inexistindo crédito privilegiado, todos os credores concorrerão em igualdade de condições, respeitada a proporcionalidade de seus créditos. • Créditos quirografários: São os créditos comuns, sobre os quais nào há preferências ou pri­ vilégios. Os credores quirografários, ensina Noronha, “estão em igualdade de condições e têm de sofrer o concurso uns dos outros, independentemente da natureza e da data dos respec­ tivos créditos: se o patrimônio do devedor for deficitário, estes serão pagos em rateio. É isto que quer dizer o art. 9 57" (op. cit., p. 211).

Arts. 958 e 959

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JULGADOS • "Agravo de instrumento. Concurso de credores. Preferência do crédito hipotecário ante o crédito decorrente de contrato de promessa de compra e venda, independente da ordem cronológica de registro das penhoras incidentes sobre o mesmo imóvel. A jurisprudência desta C. Corte já consa­ grou o entendimento de que a ordem cronológica da penhora somente tem relevância quando se tratar de concurso entre credores quirografários. Além disso, há jurisprudência do E. STJ segundo a qual '0 Art. 711 do CPC nào exige que o credor preferencial efetue penhora sobre o bem objeto da execução. Em decisão monocrática, conheço em parte do recurso e, nesta, nego seguimento" (TJRS, Al 70030511679,20a Câm. Civel, Rei. Des. Glênio José Wasserstein Hekman, j. em 9-6-2009). • "Agravo de instrumento. Cumprimento de sentença. Duplicidade de penhora sobre o mesmo bem. Alienação. Concurso de credores. Crédito trabalhista. Preferência. Inteligência do art. 711 do CPC. 0 crédito trabalhista prefere aos quirografários no concurso de credores instaurado quando da alienação de bem objeto de várias penhoras, independentemente da anterioridade das constrições, que somente importará se não houver título legal à preferência (arts. 711 e 712 do CPC). Agravo de instrumento a que se nega seguimento, porque manifestamente improcedente (art. 557, caput, do CPC)" (TJRS, Al 70028987402,11a Câm. Civel, Rei. Des. Voltaire de Lima Moraes, j. em 7-4-2009).

Art. 958. Os títulos legais de preferência são os privilégios e os direitos reais. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi alterado durante a tramitação legislativa. Trata-se de mera repetição do art. 1.557 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Créditos privilegiados ou preferenciais: São aqueles que gozam de preferência estabelecida em lei. A s preferências dividem-se em privilégios reais (direitos reais de garantia sobre coisa alheia) e privilégios pessoais, tratados nos arts. 9 5 5 e s. deste Código. Os privilégios pessoais podem ser especiais (art. 964) e gerais (art. 965).

JULGADO • “Agravo de instrumento. Honorários advocaticios. Crédito privilegiado. Art. 24 do EOAB (Lei n. 8.906/94). Natureza alimentar. Preferência. Reserva de valores. Via própria. Desnecessidade. Inte­ ligência do § 1o do art. 24 do referido estatuto. 0 art. 24 do Estatuto da OAB (Lei n. 8.906/94) insere os honorários advocaticios na categoria de crédito privilegiado. 0 art. 958 do CC/02 con­ feriu preferência para os créditos privilegiados e os garantidos por direitos reais, devendo preva­ lecer no caso aquele de natureza alimentar, qual seja, o crédito oriundo dos honorários advocatícios. Por força do § 1o, a rt 24 do Estatuto da OAB (Lei n. 8.906/94), é facultado ao advogado a execução dos honorários nos mesmos autos da ação em que tenha atuado. Recurso provido. V.v. Divergências sobre o direito à percepção de honorários sucumbenciais em execução por quantia certa, estabelecidas entre os Advogados que substabeleceram, sem reservas, a procuração e o Advogado substabelecido, devem ser resolvidas em ação própria" (TJMG, Al 1.0056.01.0019323/001, Rei. Des. Antônio Bispo, j. em 28-10-2009).

Art. 959. Conservam seus respectivos direitos os credores, hipotecários ou privilegiados: I — sobre o preço do seguro da coisa gravada com hipoteca ou privilégio, ou sobre a indenização devida, havendo responsável pela perda ou danificação da coisa; II — sobre o valor da indenização, se a coisa obrigada a hipoteca ou privilégio for desapropriada.

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Arts. 960 e 961

HISTÓRICO • 0 dispositivo nâo foi alterado durante a tramitação legislativa. Corresponde ao art. 1.558 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 art. 959 enumera duas hipóteses em que, mesmo ocorrendo perda ou deterioração da coisa gravada, os privilégios continuam a existir: a) o credor privilegiado tem preferência no recebimento do seguro ou da indenização referente ao bem onerado; b) há também prefe­ rência sobre a indenização, no caso de desapropriação.

Art. 960. Nos casos a que se refere o artigo antecedente, o devedor do seguro, ou da indenização, exonera-se pagando sem oposição dos credores hipotecários ou privilegiados. HISTÓRICO • O dispositivo não foi alterado durante a tramitação legislativa. Corresponde ao art. 1.559 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Observa João Luís Alves, com insuperável objetividade, que "o segurador, a autoridade que desapropria, e o responsável pela indenização podem ignorar a existência do direito real ou do privilégio, e pagando ao dono da coisa o preço do seguro, da desapropriação ou o valor da indenização, realizam um pagamento válido. Para impedi-lo, deve o credor hipotecário ou privilegiado notificar ao obrigado pelo referido preço ou valor do seu direito, opondo-se ao pagamento ao seu devedor" (Código Civil anotado, cit., p. 1093 e 1094).

Art. 961.0 crédito real prefere ao pessoal de qualquer espécie; o crédito pessoal privi­ legiado, ao simples; e o privilégio especial, ao geral. HISTÓRICO • O dispositivo em tela não foi alvo de nenhuma espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. Corresponde ao art. 1.560 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Declarada a insolvência, devem ser classificados os diversos créditos, de modo que cada um dos credores seja pago segundo uma determinada ordem de preferência. 0 “privilégio" con­ fere ao credor privilegiado o direito de ter seu crédito quitado antes que o dos demais cre­ dores. • O presente dispositivo, no entanto, só tem aplicação aos privilégios de direito privado. Os de direito público, a exemplo dos créditos trabalhistas e tributários, gozam de ordem de prefe­ rência própria. A Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101/2005) estabelece a preferência absoluta dos créditos trabalhistas sobre qualquer outro. Na falência, a ordem de preferências é a seguinte: I - os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de traba­ lho; II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado; III - créditos tri­ butários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias; IV - créditos com privilégio especial, a saber: a) os previstos no art. 9 6 4 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002; b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais,

Art. 961

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salvo disposição contrária desta Lei; c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de re­ tenção sobre a coisa dada em garantia; V - créditos com privilégio geral, a saber: a) os previstos no art. 965 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002; b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei; c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo dispo­ sição contrária desta Lei; VI - créditos quirografários, a saber: a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo; b) os saldos dos créditos nào cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no I do caput deste artigo; VII - as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias; VIII - créditos subordinados, a saber: a) os assim previstos em lei ou em contrato; b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício (art. 83 da Lei n. 11.101/2005). • É da própria essência do direito real de garantia a sua preferência sobre o crédito pessoal, de qualquer espécie. • Crédito pessoal privilegiado: É aquele que goza de privilégio, geral ou especial, preferindo ao crédito simples ou quirografário. • Privilégio especial: É o que recai sobre coisa determinada

(art. 964).

• Privilégio geral: É o que decorre de origem da dívida (art.

965).

SÚMUUV • Súmula 478 do STJ: "Na execução de crédito relativo a cotas condominiais, este tem preferência sobre o hipotecário".

JULGADOS • "Cumprimento de sentença. Ação de responsabilidade civil por dano causado por animal, com vitima fatal. Indenização fixada em favor dos pais da vítima, englobando danos morais e pensão. Natureza indenizatória dos alimentos a que se refere o art. 948, II do CC. Impossibilidade de equipará-los, aos alimentos com origem no direito de família, que gozam de privilégio geral. Crédito indenizatório de natureza quirografária. Penhora incidente sobre imóvel gravado por hipoteca cedular. Impossibilidade do credor quirografário adjudicar para si o imóvel, em detri­ mento do credor munido de direito real de garantia. Inviabilidade de reconhecimento de suposta prescrição da pretensão do crédito privilegiado ser apreciado nesta sede. Recurso improvido" (TJSP, Al 990100926845, Rei. Des. Francisco Loureiro, j. em 27-5-2010). • "Execução. Honorários profissionais de advogado. Caráter alimentar. Privilégio especial, prevale­ cendo sobre os créditos com garantia real. Precedentes do STJ. Interpretação harmônica do artigo 961 do Código Civil com o artigo 24, caput, da Lei n. 8.906/94. Agravo não provido" (TJSP, Al 990100912380, Rei. Des. Ulisses do Valle Ramos, j. em 28-4-2010). • "Agravo de instrumento. Insolvência civil. Desrespeito ao quadro geral de credores. Restituição dos valores corrigidos. Ação própria. Desnecessidade. A homologação do quadro geral de credores obriga, segundo o art. 769 do CPC, sua observação para que os débitos sejam quitados na ordem estabelecida. A autorização para levantamento do dinheiro pertencente à massa, oriundo de arrematação de imóvel arrematado, pelos insolventes e credores quirografários, obriga à restituição do valor relativo ao crédito privilegiado. Para que se proceda à restituição desse valor, não há necessidade de ação própria, tendo em vista o principio da celeridade processual" (TJMG, Ag. 2.0000.00.515491-4/000(1), Rei. Dárcio Lopardi Mendes, j. em 23-6-2005, publicado em 12-82005). • "A insolvência civil não acarreta a resolução do contrato de alienação fidueiária, cujo bem é insusceptível de arrecadação. 0 concurso creditório diz respeito apenas aos quirografários, nào sendo afetados os privilégios legais, donde a irrelevância da falta de habilitação do fiduciário.

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Arts. 962 a 964

Subsiste a responsabilidade da entrega pelo fidueiante" (STJ, RHC 7.255/SC, 6* T., Rei. Min. Fernan­ do Gonçalves, DJ, 27-4-1998, p. 216).

Art. 962. Quando concorrerem aos mesmos bens, e por título igual, dois ou mais cre­ dores da mesma classe especialmente privilegiados, haverá entre eles rateio proporcional ao valor dos respectivos créditos, se o produto não bastar para o pagamento integral de todos. HISTÓRICO • 0 dispositivo nâo foi alterado durante a tramitação legislativa. Corresponde ao art. 1.562 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 rateio far-se-á entre os credores privilegiados da mesma classe e igual título. Assim nào haverá concorrência entre os credores com garantia real e credores privilegiados nem entre credores com privilégio especial e credores com privilégio geral, já que os primeiros sempre preferem aos segundos (art. 961). Créditos hipotecários só concorrem com outros credores hipotecários, e assim por diante. • Os credores especialmente privilegiados dividem-se em oito classes, dispostas nos incisos I a VIII do art. 964. 0 rateio entre eles, quando necessário, só se dará entre os credores de cada classe, sobre o valor dos bens nela mencionados.

JULGADO • “Arrolamento. Pluralidade de credores do espólio situados na mesma classe privilegiada (dividas trabalhistas). Pretensão de transferência de bens da herança exclusivamente a um deles, median­ te a expedição de alvará, em virtude de acordo formalizado em reclamação trabalhista. Inadmis­ sibilidade. Havendo credores da mesma classe privilegiada, o pagamento deve ser proporcional aos seus créditos, caso a herança nào baste para saldar todos. Inteligência do art. 962 do Código Civil. Irrelevância do acordo ser anterior ou de recair penhora sobre os bens, o que somente seria útil quando se tratasse de créditos sem preferência legal (art. 711 do CPC). Credores da mesma classe que devem ter tratamento igualitário. Decisão mantida. Recurso improvido" (TJSP, Al 990093655403, Rei. Des. Salles Rossi, j. em 24-2-2010).

Art. 963.0 privilégio especial só compreende os bens sujeitos, por expressa disposição de lei, ao pagamento do crédito que ele favorece; e o geral, todos os bens não sujeitos a crédito real nem a privilégio especial. HISTÓRICO • 0 dispositivo não foi alterado durante a tramitação legislativa. Corresponde ao art. 1.565 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Os privilégios, especial ou geral, não atribuem ao credor o direito de seqüela, mas apenas o de preferência, que só poderá ser exercido enquanto os bens permanecerem no patrimônio do devedor. • Só serão atingidos pelo privilégio os bens nào sujeitos a crédito real.

Art. 964. Têm privilégio especial:

Art. 965

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I — sobre a coisa arrecadada e liquidada, o credor de custas e despesas judiciais feitas com a arrecadação e liquidação; II — sobre a coisa salvada, o credor por despesas de salvamento; III — sobre a coisa beneficiada, o credor por benfeitorias necessárias ou úteis; IV — sobre os prédios rústicos ou urbanos, fábricas, oficinas, ou quaisquer outras construções, o credor de materiais, dinheiro, ou serviços para a sua edificação, reconstrução, ou melhoramento; V — sobre os frutos agrícolas, o credor por sementes, instrumentos e serviços à cul­ tura, ou à colheita; VI — sobre as alfaias e utensílios de uso doméstico, nos prédios rústicos ou urbanos, o credor de aluguéis, quanto às prestações do ano corrente e do anterior, VII — sobre os exemplares da obra existente na massa do editor, o autor dela, ou seus legítimos representantes, pelo crédito fundado contra aquele no contrato da edição; VIII — sobre o produto da colheita, para a qual houver concorrido com o seu trabalho, e precipuamente a quaisquer outros créditos, ainda que reais, o trabalhador agrícola, quan­ to à dívida dos seus salários. HISTÓRICO • O presente dispositivo nâo foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. Corresponde ao art. 1.566 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • O dispositivo enumera quais os créditos que gozam de privilégio especial, no que praticamen­ te repetiu o art. 1.566 do Código Civil de 1916, è exceção do inciso VIII, o qual esclarece que os salários do trabalhador agrícola terão preferência sobre o produto da colheita, com prio­ ridade sobre quaisquer outros créditos, inclusive créditos reais.

Art. 965. Goza de privilégio geral, na ordem seguinte, sobre os bens do devedor: I — o crédito por despesa de seu funeral, feito segundo a condição do morto e o cos­ tume do lugar, II — o crédito por custas judiciais, ou por despesas com a arrecadação e liquidação da massa; III — o crédito por despesas com o luto do cônjuge sobrevivo e dos filhos do devedor falecido, se foram moderadas; IV — o crédito por despesas com a doença de que faleceu o devedor, no semestre an­ terior à sua morte; V — o crédito pelos gastos necessários à mantença do devedor falecido e sua família, no trimestre anterior ao falecimento; VI — o crédito pelos impostos devidos à Fazenda Pública, no ano corrente e no anterior, VII — o crédito pelos salários dos empregados do serviço doméstico do devedor, nos seus derradeiros seis meses de vida; VIII — os demais créditos de privilégio geral.

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Art. 965

HISTÓRICO • Este era o texto original do inciso I tal como proposto no Anteprojeto: “I - o crédito por despesa de seu funeral, feito sem pompa segundo a condição do finado e o costume do lugar". Emenda apresentada no Senado Federal suprimiu, com razâo, a expressão "sem pompa", quer por ser des­ necessária em razão do inciso já se referir ao funeral "segundo a condição" do morto, quer pela subjetividade de sua conceituação. Por outro lado, a substituição da palavra "finado" por "morto" proposta na emenda foi de boa técnica, tanto por conferir maior simplicidade ao texto como por expurgá-lo de termos e expressões desatualizadas. Corresponde ao art. 1.569 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 artigo traz o elenco dos créditos que gozam de privilégio geral, repetindo o art. 1.569 do CC de 1916, à exceção do inciso VIII, acrescentado pelo novo Código. Estabelece também a ordem dos privilégios: “Com o dois ou mais privilégios podem incidir simultaneamente sobre as mesmas coisas, há necessidade de saber qual a ordem de prioridade que a lei estabelece, entre eles" (VARELA, João de M atos Antunes. D as obrigações em geral. v. II. 7J ed. Coimbra: Almedina, 1997, p. 574). • A enumeração constante deste artigo é meramente exemplifieativa, em face do disposto no inciso VIII. • Entretanto, conforme afirm am os nos nossos comentários ao art. 961, as preferências estabe­ lecidas pelo Código Civil para insolvência civil cedem lugar aos privilégios de direito público, a exemplo dos créditos trabalhistas e tributários. Daí concluirm os que na insolvência civil prevalece a seguinte ordem de preferências: 1® Créditos trabalhistas; 2® Créditos tributários e parafiscais; 3® Créditos com garantia real; 4® Créditos com privilégio especial; 5® Créditos com privilégio geral; e 6® Créditos quirografários. Afastamos, assim, a aplicação dos incisos VI e VII do art. 965. • Na falência, a ordem de preferências é completamente diversa. Lá o crédito tributário, por exemplo, fica subordinado também aos créditos com garantia real até o limite do bem ofe­ recido em garantia. Já a quantia que extrapolar esse limite permanece subordinada ao cré­ dito tributário (cf. art. 186 do CTN, com a redaçào dada pela Lei Complementar n. 118/2005 e art. 83 da Lei n. 11.101/2005).

JULGADOS • "A gravo de instrumento. Negócios jurídicos bancários. Honorários advocaticios. Natureza alimentar da verba honorária. Preferência em relação ao crédito tributário. Impossibilidade. Havendo habilitação de créditos de ordem fiscal e tributária, estes preferem aos valores de­ correntes de serviços prestados, como honorários advocaticios, consoante determina o Códi­ go Civil (arts. 9 6 5 e 1.847) e Código Tributário Nacional (art. 186). Negado seguimento ao agravo de instrumento em decisão monocrática" (TJRS, Al 7 0 0 3 7 5 5 2 6 4 3 ,16a Câm. Civel, Rei. Des. Ergio Roque Menine, j. em 20-7-2010). • "Inventário. Dívidas decorrentes das despesas com os funerais. Ressarcimento cabível. 1. Devem ser atendidas prioritariamente todas as despesas decorrentes dos funerais, onde se inserem também os valores decorrentes da anualidade e cemitério, pois despesas necessárias ao sepultamento. 2. 0 quinhão legitimário da herdeira necessária é com posto pelo valor dos bens existentes, deduzidas as dívidas e as despesas com os funerais, sendo que o crédito pelo pagamento dessas despesas é privilegiado. Inteligência dos arts. 1.847 e 965, inc. I, do Códi­ go Civil. 3. Os demais créditos que a companheira do de eujus possa ter frente ao espólio deverão ser devidamente habilitados, na forma da lei, ou reclamados nas vias ordinárias. Recurso provido em parte" (TJRS, Al 70028818128, 7a Câm. Cível, Rei. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. em 11-11 -2009).

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• "Alvará. Levantamento de resíduo previdenciário. Pedido fundado em crédito decorrente de despesas de funeral do beneficiário. Admissibilidade. Arts. 9 6 5 , 1, 872 e 1.998, todos do Có­ digo Civil. Extinção do processo afastada. Recurso provido" (...) "Um a vez demonstrado o pagamento das despesas funerárias por terceiro, nada impede que este venha a exigir devido ressarcimento, seja da massa da herança (art. 1.998, Código Civil), seja daquele que teria a obrigação de alimentar o que veio a falecer (art. 872, Código Civil). Por outro lado, cediço que o crédito por despesa de seu funeral, feito segundo a condição do morto e o costume do lugar, goza de privilégio geral sobre os bens do devedor, preferindo até aos impostos devidos à Fazenda Pública (art. 9 6 5 ,1, do Código Civil)" (TJSP, Ap. 994070919777, Rei. Des. Elliot Akel, j. em 17-5-2007).

Livro II — DO DIREITO DE EMPRESA T ítu lo I — DO EMPRESÁRIO

Capítulo I — DA CARACTERIZAÇÃO E DA INSCRIÇÃO Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômi­ ca organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colabora­ dores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. HISTÓRICO • A norma do art. 966, que conceitua o empresário, não teve sua redação alterada durante a tra­ mitação do projeto do Código Civil, cujo Livro II, que trata do direito de empresa, foi elaborado pelo consagrado jurista Sylvio Marcondes. 0 Código Civil de 1916 não se refere à empresa como agente econômico, mas, apenas, como atividade que poderia caracterizar as sociedades civis par­ ticulares (art. 1.371). 0 Código Comercial de 1850, por seu turno, não conhecia a figura intitula­ da empresário. Aquele que exercia atividade mercantil era definido como comerciante. 0 art. 4® do Código Comercial, agora revogado, considerava comerciante quem possuísse matricula peran­ te a Junta Comercial (requisito formal) e fizesse da mercancia profissão habitual (requisito mate­ rial). Mercancia significa, em linhas gerais, o exercício de atividade econômica de produção ou circulação de mercadorias, conceito atualizado pelo Código Civil de modo mais completo, abran­ gendo outros tipos de bens e serviços ofertados no mercado.

DOUTRINA • 0 caput deste art. 9 6 6 trouxe ao direito positivo brasileiro o conceito básico do que vem a ser a figura do empresário. A o contrário do que parece apregoar a maioria dos tratadistas da matéria - quase todos inclinados a identificar o surgimento do conceito jurídico da ativida­ de empresarial com o advento do Código Civil italiano de 1942, e de considerá-lo posterior àquele que foi desenvolvido pela Ciência Econômica - , essa noção, na realidade, é bem mais antiga do que normalmente se acredita, conforme oportunamente destacado por Francesco Galgano (Le teorie delTimpresa, in Trattato di diritto com m crcialc c di diritto pubblico dcircconomia, v. II, Pádua, Cedam, 1978, p. 1 e 2), relembrando esse grande autor peninsular que o Código Comercial francês de 1808 já houvera introduzido na linguagem jurídica a palavra "empresa" com o mesmo sentido da linguagem comum, parecendo possuir, assim, um

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significado próprio específico, consoante se depreende da dicção dos arts. 632 e 633 daque­ le diploma legal. Antes da reforma de 1942, vários comercialistas de renome - destacando-se, entre eles, a figura exponencial de Vivante - também se detiveram no conceito da empresa. Para ele, o conceito jurídico de empresa identificava-se com o econômico. Entendia ser a empresa o organism o econômico que combinava os vários fatores da produção - natureza, trabalho e capital - , de molde a repartir os riscos da iniciativa tomada pelo empresário nas tarefas de organização desses fatores. Os legisladores de 1942 nào lograram apresentar uma definição de empresa, com o se esperava à época, tendo o M inistro Dino Grandi, na famosa Rdozione, dito expressamente que "O Código nào fornece a definição de empresa, mas o seu conceito decorre da definição de empresário. É empresário quem exercita profissionalmente atividade econômica organizada para o fim de produção ou de troca de bens ou de serviços". O art. 2.082, com efeito, em livre tradução, dispôs: "É empresário quem exercita profissional­ mente uma atividade economicamente organizada com o propósito de promover a produção ou a troca de bens ou de serviços". Os juristas italianos foram, inquestionavelmente, os que mais se detiveram no estudo da empresa. O já citado Galgano, p. ex., escreveu sobre a teoria da empresa, analisando-a quer com o "ato de comércio" nos códigos do século XIX, quer como atividade produtora no Código Civil de 1942 e, ainda, identificou os embriões de uma nova concepção da empresa: na Constituição, na lei de planejamento econômico e nos contratos coletivos da atividade industrial; finalmente, debruçou-se sobre as concepções comunitária e democrática da empresa. Na mesma obra, mas em estudo jurídico distinto, investigou Gal­ gano o conceito de empresário, analisando-o com o produtor e distinguindo a atividade produtiva tanto da especulativa como da de investimento; extremou, a seguir, a atividade produtora da atividade intelectual, enfocando a árdua questão, já referida, da atividade in­ telectual considerada como elemento de empresa; estudou, ainda, o empresário como orga­ nizador, distinguindo o que é atividade econômica produtora de bens ou de serviços da ati­ vidade econôm ica organizada, sendo esta última a própria do empresário. Ainda nesse mesmo estudo, Galgano debruçou-se sobre o conceito de empresário com o produtor profis­ sional e o escopo de lucro que lhe é inerente. Cuidou, a seguir, do modo da produção: a economicidade da atividade empreendedora e o problema da empresa por conta própria. Em seção à parte, Galgano analisou o empresário comercial, precisando a distinção entre o em­ presário agrícola e o empresário comercial; conceituou, a seguir, a atividade comercial, desdobrando-a nas seguintes espécies: a) a atividade industrial e b) a atividade de interme­ diação na circulação de bens; tratou da empresa financeira em suas diferentes espécies e das empresas holdings, controladoras de grupos econômicos; estudou, por derradeiro, os outros entes com objeto de natureza comercial. Trata-se, indubitavelmente, de uma das investigações mais importantes para a exata compreensão, quer da teoria da empresa, quer de toda a ex­ tensão e limites desses conceitos no âmbito do Código Civil italiano, no qual o nosso novo diploma tanto ter-se-á inspirado... • A leitura da Exposição de M otivos do Projeto é muito importante para a compreensão dos propósitos do legislador nacional: “Do corpo do Direito das Obrigações se desdobra, sem solução de continuidade, a disciplina da Atividade Negociai. Naquele se regram os negócios jurídicos; nesta se ordena a atividade enquanto se estrutura para exercício habitual de ne­ gócios. Uma das form as dessa organização é representada pela empresa, quando tem por escopo a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Apesar, porém, da relevância re­ conhecida à atividade empresarial, esta nào abrange outras formas habituais de atividade negociai, cujas peculiaridades o Anteprojeto teve o cuidado de preservar, com o se dá nos casos: 1) Do pequeno empresário, caracterizado pela natureza artesanal da atividade, ou a predominância do trabalho próprio, ou de familiares, em relação ao capital; 2) Dos que exer­ cem profissão intelectual de natureza científica, literária ou artística, ainda que se organizem para tal fim; 3) Do empresário rural, ao qual, porém, se faculta a inscrição no Registro das Empresas, para se subordinar às norm as que regem a atividade empresária com o tal; 4) Da

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sociedade simples, cujo escopo é a realização de operações econômicas de natureza nào empresarial. Com o tal, nào se vincula ao Registro das Empresas, mas sim ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Note-se, outrossim, que uma atividade de fins econômicos, mas não em­ presária, nào se subordina às norm as relativas ao 'empresário', ainda que se constitua segun­ do uma das formas previstas para a 'sociedade empresária', salvo de por ações. Com o se de­ preende do exposto, na empresa, no sentido jurídico deste termo, reúnem-se e compõem-se três fatores, em unidade indecomponível: a habitualidade no exercício de negócios, que visem à produção ou à circulação de bens ou de serviços; o escopo de lucro ou o resultado econô­ mico; a organização ou estrutura estável dessa atividade. Nào será demais advertir, para dissipar dúvidas e ter-se melhor entendimento da matéria, que, na sistemática do Antepro­ jeto, empresa e estabelecimento sào dois conceitos diversos, embora essencialmente vincu­ lados, distinguindo-se am bos do empresário ou sociedade empresária que sào os 'titulares da empresa'. Em linhas gerais, pode dizer-se que a empresa é, consoante acepção dominante na doutrina, a 'unidade econômica da produção', ou 'a atividade econômica unitariamente es­ truturada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços'. A empresa, desse modo conceituada, abrange, para a consecução de seus fins, um ou mais 'estabelecimentos', os quais são complexos de bens ou 'bens coletivos’ que se caracterizam por sua unidade de destinação, podendo, de per si, ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos. Dessarte, o tormen­ toso e jamais claramente determinado conceito de 'ato de comércio* é substituído pelo de empresa, assim com o a categoria de 'fund o de comércio' cede lugar à de 'estabelecimento'. Consoante a justa ponderação de René Savatier, a noção de 'fundo de comércio' é uma con­ cepção jurídica envelhecida e superada, substituída com vantagem pelo conceito de estabe­ lecimento, 'que é o corpo de um organism o vivo', 'todo conjunto patrimonial organicamente grupado para a produção' [La Théoriedes Obligations, Paris, 1967, p. 124). Disciplina especial recebem, no Projeto, os 'titulares da empresa', que podem ser tanto uma pessoa física (em­ presário) com o uma pessoa jurídica (a sociedade empresária). Fixados esses pressupostos para a disciplina de todos os tipos de sociedade, fica superada de vez a categoria imprópria, ora vigente, de 'sociedade civil de fins econômicos', pois, no âmbito do Código Civil unificado, sào civis tanto as associações com o as sociedades, qualquer que seja a forma destas. Distinguem -se apenas as sociedades em simples ou empresárias, de conformidade com o objetivo econômico que tenham em vista e o modo de seu exercício". • Tais considerações da Exposição de M otivos sào fundamentais, com efeito, para a adequada compreensão do significado de todo este Livro II do atual Código Civil, relativo ao Direito de Empresa. Servem elas para salientar - em primeiro lugar e indubitavelmente - o reconheci­ mento da extrema importância da empresa no contexto da ordem econômica. Mas, de outro lado - e, aqui, evidencia-se a impropriedade da substituição da expressão atividade negociai por atividade empresarial - , o Código deixa claro que o notório relevo da atividade empre­ sarial não é de molde a esgotar todo o fenômeno da atividade negociai, compreendendo este, além da organização empresarial para a produção ou circulação de bens ou de serviços, também a atividade exercida pelas figuras do pequeno empresário, dos que exercem profissão intelectual de natureza científica, literária ou artística, do empresário rural e, finalmente, da sociedade simples. Não se desconhece, evidentemente, que as quatro exceções apontadas não se separam, ontologicamente, da atividade empresarial propriamente dita. O pequeno em­ presário - que se caracteriza, quer pela natureza artesanal de seu negócio, quer pela predo­ minância de trabalho próprio ou de seus familiares - não deixa de exercer, igualmente, uma atividade organizada para a produção de bens ou de serviços e, por isso mesmo, de ser con­ siderado um empresário, ainda que pequeno... O mesmo se diga em relação aos que exercem profissão intelectual de natureza cientifica, literária ou artística. Embora afastados da carac­ terização com o empresários - ainda que organizados para o desempenho de sua atividade estejam - , serão também tidos por empresários se o exercício de sua profissão constituir elemento de empresa, como diz o parágrafo único, in fine, deste art. 966. Bastante similar,

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igualmente, a situação dos que se dedicam è atividade rural, sempre concebida como algo inteiramente a latere da atividade tipicamente empresarial. Faculta-lhes o Código, agora, consoante a disposição expressa do art. 971, o requerimento de sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, tornando-se equiparados, para todos os efeitos, ao empresá­ rio sujeito a registro, convolando-se em empresários rurais. E, por fim, no que se refere às sociedades simples - quarto e último caso em que haveria atividade negociai e não empre­ sarial propriamente dita - , embora claro que o seu propósito seja a prática de operações econômicas de natureza não empresarial, nào se vinculando, por isso mesmo, ao Registro das Empresas e sim ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, não deixa de reconhecer o Código, em certo sentido, que elas também exercem uma atividade econôm ica organizada, tanto assim que a elas foram destinados mais de quarenta dispositivos (arts. 997 a 1.038), resultado da coordenação dos preceitos gerais das sociedades, tanto do Código Comercial quanto do Có­ digo Civil, estruturando-se, em conseqüência, com o bem salientado pelo Professor Sylvio M arcondes (Problemas de direito mercantil, São Paulo, M ax Limonad, 1970, p. 147 e, igual­ mente, na Exposição de M otivos complementar do Anteprojeto) com o "um compartimento comum, de portas abertas para receber e dar solução às apontadas questões". Insista-se, pois, em afirmar que, conquanto destacadas com o quatro exceções da atividade empresarial pro­ priamente dita - pequeno empresário, exercício de profissão intelectual de natureza cien­ tifica, literária ou artística, empresário rural e sociedade simples - , tais atividades jamais poderiam ser consideradas, cientificamente falando, com o distintas da atividade empresarial, como terá ficado claro. Tal com o sucedeu, no passado, na distinção entre o que era civil e o que era mercantil, reedita-se um critério semelhante, de natureza puramente empírica... • Prosseguindo-se na análise das considerações da Exposição de M otivos - fundamentais, como se disse, para a adequada compreensão do Livro II - , foi dito que elas terão servido, em pri­ meiro lugar, para pôr em realce a assinalada importância da empresa no contexto da ordem econômica. Ao lado disso, conforme terá ficado claro, reconheceu-se o relevo daquelas ati­ vidades que, embora nào tipicamente empresariais, em sentido estrito - mas sim, negociais, em denotação mais ampla - , pudessem desfrutar, conforme o caso, tanto de uma disciplina específica de sua atividade como, igualmente, daquela com que se contempla a figura do empresário, permitindo-se-lhes a opção por um ou outro regime. Nào apenas para tal desideratum, porém, serviram as explicações da Exposição de Motivos. Destaque-se, em segundo lugar, o esforço para precisar os três fatores - componentes e indecomponíveis - do núcleo da atividade empresarial: a sua habitualidade, a finalidade lucrativa ou de um resultado econôm ico e a sua organização estável. E, em terceiro, foram aquelas considerações igual­ mente importantes no esclarecimento da necessária distinção conceituai entre a empresa e o estabelecimento, pondo-se em destaque, por via oblíqua, os ensinamentos do grande mestre Waldemar Ferreira a respeito dos três conceitos que reinam sobre a matéria: empre­ sário, empresa e estabelecimento. Utilizou-se esse grande comercialista pátrio da conhecida figura geométrica dos três círculos concêntricos, conforme se recorda, colocando no circulo menor o estabelecimento, englobado pelo segundo circulo maior da empresa e am bos pelo círculo maior de todos, correspondente ao empresário (Instituições de direito comercial, Sào Paulo, 1952, v. 2, p. 45 e s.). Embora este art. 966 seja praticamente idêntico ao art. 2.082 do Código Civil italiano, não se poderá dizer que o legislador pátrio tenha adotado a mesma sistemática do estatuto peninsular. A o tempo do Projeto do Código de Obrigações, de 1965, poder-se-ia dizer, com o Prof. Waldirio Bulgarelli, que “o esquema adotado em relação à matéria sobre Empresário e Sociedade, pelo seu autor, Sylvio Marcondes, acompanhava fiel­ mente o do Código Civil italiano" [Tratado de direito empresarial, cit., p. 184). Além da ge­ nérica definição de empresário, constante do art. 1.106 (“É empresário quem exerce profis­ sionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços"), com a exclusão pura e simples, no parágrafo único, daqueles que exercem profis­ são intelectual, era o empresário rural conceituado, no art. 1.107, o empresário comercial no

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art. 1.108 (seguindo-se um elenco das atividades consideradas comerciais), e o pequeno empresário no art. 1.111. Formulara-se, assim - principalmente pela forma residual com que era definido o empresário comercial - , um sistema plasmado à imagem e semelhança do estatuto peninsular, havendo um conceito genérico do empresário, ao lado da concepção dos empresários rurais, dos empresários comerciais e dos pequenos empresários. Foi a partir da reformulação na parte do Empresário e das Sociedades para o Projeto de Código Civil em 1972 - diz-nos o Professor Waldirio Bulgarelli - que se pôde “verificar não apenas a corrigenda da forma adotada para o conceito de empresário comercial, com o também uma ampla reformulação que viria afirmar os traços da originalidade do sistema brasileiro proposto". • Ainda sobre o caput deste artigo, cabe um derradeiro esclarecimento: constitui erro crasso cometido por muitas pessoas - e mesmo por parte de professores da matéria - supor que a figura do empresário individual tenha sido inteiramente superada pelas formas societárias, bastando relembrar a oportuna menção do Prof. Alfredo de Assis Gonçalves Neto (Direito de Empresa - Comentários aos arts. 966 a 1.195 do Código Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 67) às estatísticas existentes no Departamento Nacional do Registro do Comércio (disponível em www.dnrc.gov.br). Enquanto foram criadas, entre os anos de 1985 e 2005, 4.300.257 sociedades limitadas; 20.080 sociedades anônimas; 21.731 sociedades cooperativas; e 4.534 outros tipos societários, as firmas individuais somaram 4.569.288, mais do que a metade, portanto, das 8.915.890 empresas constituídas no citado período. Ora, se se leva em consideração que muitas dessas 4.300.257 sociedades limitadas foram criadas, na verdade, por empresários individuais interessados em limitar sua responsabilidade pessoal - à míngua de uma disciplina normativa sobre a empresa unipessoal de responsabilidade limitada - , fica ainda mais evidente tanto a importância da figura do empresário individual com o a necessi­ dade da mencionada disciplina, com o já existe em vários outros países avançados do mundo. V., a propósito, os comentários sobre o art. 1.052, in fine. • Passemos ao comentário do parágrafo único deste art. 96 6 segundo o qual: “Não se conside­ ra empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão cons­ tituir elemento de empresa". • Questão extremamente problemática e que tem trazido infindáveis discussões diante das situações concretas que se apresentam no m undo da vida - absolutamente fundamental para a clara compreensão do sistema adotado pelo Código Civil no que concerne à dicotomia da atividade empresária, de um lado, e da nào empresária, de outro - diz respeito ao sentido e ao alcance da parte final deste parágrafo único do art. 966. Enquanto a cabeça deste arti­ go considera empresário “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços", o seu parágrafo único diz não se considerar empresário “quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da pro­ fissão constituir elemento de empresa". No que consiste a exceção da exceção, caracterizada pela parte final do parágrafo único, com a expressão “salvo se o exercício da profissão cons­ tituir elemento de em presa"? Dir-se-á que ela significa, fundamentalmente, a "produção ou a circulação de bens ou de serviços", consoante a definição de empresário constante do caput deste art. 9 6 6 e conforme, nas edições anteriores desta mesma obra, os comentários do emi­ nente e saudoso Deputado Ricardo Fiuza (N ovo Código Civil comentado, Sào Paulo, Saraiva, especialmente a 6. ed., 2006, p. 786). Os arts. 2.229 e s. do Código Civil italiano cuidaram, com o se sabe, das chamadas profissões intelectuais, sendo claro, por eles, que tais atividades não seriam consideradas empresariais, para efeitos de aplicação do Título II (arts. 2.082 e s.), salvo na hipótese de o exercício da profissão constituir elemento de um a atividade organi­ zada em forma de empresa, consoante a disposição constante da primeira parte do art. 2.238 daquele diploma legal. Analisando a questão no direito italiano, explica Galgano que o de­ senvolvimento de uma atividade definível com o produtora de riqueza é condição necessária

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para a assunção da qualidade de empresário, mas não de todo suficiente, tal ocorrendo pelo fato de existirem atividades que podem consistir na produção de bens ou de serviços e que, conquanto exercidas profissionalmente, nào dão lugar ao surgim ento de uma empresa. Es­ clarecendo, então, o sentido da primeira parte do art. 2.238, observa Galgano que o profis­ sional intelectual (ou artista) torna-se empresário somente quando desenvolve uma ulterior atividade, diversa da intelectual que lhe é inerente, em si mesmo considerada como sendo atividade de empresa, exemplificando: o médico que chefia uma clínica; o educador que administra um estabelecimento de ensino privado etc. Em tais casos, esses profissionais tornam-se empresários porque desenvolvem atividades por si mesmas consideradas atividades empresariais, independentemente de serem eles, simultaneamente, profissionais intelectuais. Por tal raciocínio, conclui esse autor que os farmacêuticos e os agentes de câmbio devem ser necessariamente considerados empresários, a despeito de serem, igualmente, profissionais intelectuais [Le teorie deH'impresa, in Trattato di diritto commerciale e di diritto pubblico deWeconomia, v. II, cit., p. 28 e s.). Também o Professor Sylvio M arcondes serviu-se do exem­ plo do médico, fazendo-o nos seguintes termos (Questões de Direito Mercantil, cit., p. 11): "Parece um exemplo bem claro a posição do médico, o qual, quando opera ou faz diagnósti­ co ou dá a terapêutica, está prestando um serviço resultante da sua atividade intelectual e por isso nào é empresário. Entretanto, se ele organiza fatores de produção, isto é, um capital, trabalho de outros médicos, enfermeiros, ajudantes etc., e se utiliza de imóvel e equipamen­ tos para a instalação de um hospital, seja pessoa física seja pessoa jurídica, será considerado empresário, porque está, realmente, organizando os fatores da produção, para produzir ser­ viços". Com o distinguir, porém, em nosso direito, quando o profissional liberal - seja ele um advogado, um engenheiro ou um médico - , não simplesmente apenas conta "com o concur­ so de auxiliares ou colaboradores", mas, no exercício de sua atividade, estará constituindo um "elemento de em presa"? Quando, em outras palavras, um escritório de advocacia ou um consultório médico deverão ser considerados elementos de empresa e, em conseqüência, os advogados e os médicos que os dirigem, respectivamente, serão tidos por empresários? Sabe-se que o propósito do legislador, é verdade - em razão mesmo da adoção da teoria da empresa - , foi o de suprimir a velha distinção entre o empresário civil e o mercantil, englo­ bando-os sob o mesmo regime jurídico da atividade empresarial. Não se questiona essa su­ pressão, evidentemente, mas sim a insuficiência do critério - extremamente fluido, sob todos os aspectos - para caracterizar quando o profissional liberal será considerado empresário ou não. • Diz-nos, a respeito, o Prof. Rubens Requiào (Curso de direito comercial, São Paulo, Saraiva, 27. ed., 2007, v. 1, p. 421): “0 Código não oferece indicação do sentido da expressão elemen­ to de empresa. A palavra elemento, registrada pelos dicionários, dentre outros significados, representa aquilo que faz parte de um todo, ou entra na composição de alguma coisa. Se for este o sentido da expressão usada pelo Código, estaremos diante de uma contradição, pois teremos que todas as sociedades pretensamente simples com objeto no exercício de uma atividade artística ou cientifica, que são eminentemente intelectuais, estarão explorando esta atividade, e portanto, integrando-a com o elemento da empresa que conduzirão, pelo que deixam imediatamente de ser sociedade simples, passando à condição de sociedades empre­ sárias. Apesar do risco de escorregar para a caricatura, podemos imaginar que um grupo de engenheiros crie uma sociedade (nào uma associação) para pesquisar o desenvolvimento de um ramo da engenharia, em suas várias escolas ou tendências, divulgando os resultados em conferências e publicando revista científica. Estaríamos diante da sociedade simples, como a vê o conceito do Prof. Sylvio Marcondes, preponderando nela a atividade intelectual. Se a sociedade utilizar o seu capital intelectual, prestando assessoramento técnico a terceiros, ou ministrando cursos, estará explorando aquela atividade intelectual com o elemento de em­ presa e portanto, segundo o parágrafo único do art. 966, deixa de ser sociedade simples, passando à condição de empresária. Nesse sentido, todas as atuais sociedades profissionais,

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inscritas nos respectivos Conselhos profissionais, são sociedades empresárias, nos termos do art. 982 com binado com o art. 966, parágrafo único, parte final". • Por essas razões, nào foram poucos os que se postaram contra essa expressão “salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa" e propuseram sua supressão pura e simples. Entre tantas manifestações, permito-me destacar duas delas. A primeira, por ocasião da tramitação do Projeto no Parlamento Nacional, apresentada pelo saudoso e então Depu­ tado Tancredo Neves, sendo a mesma de autoria do eminente Prof. Egberto Lacerda Teixeira, e a segunda, também no sentido da supressão da expressão “salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa", do Professor Alfredo Gonçalves de Assis Neto, Titular da Universidade Federal do Estado do Paraná, na I Jornada de Direito Civil. Som os daqueles que entendem assistir razão aos ilustres professores. Não foram poucas as discussões travadas naquela Jornada, já tantas vezes aludida, sobre essa questão da interpretação do que vem a ser elemento de empresa. • Em pronunciamento feito por mim na Ouvidoria Parlamentar da Câmara dos Deputados, no dia 4 de junho de 2002, permiti-me tecer as seguintes considerações a respeito da função social do empresário: “Um dos tópicos que estão a merecer atenção especial, por parte desta douta Ouvidoria diz res­ peito à questão da função social do empresário. Nenhum jurista de nomeada ousaria discordar, ao que suponho, da necessidade de pôr em realce essa função. • Afinal de contas, o parágrafo único do art. 116 de nossa Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, disciplinadora da sociedade por ações, já dispusera de forma deveras lapidar sobre o tema, con­ forme vimos há pouco. • Assim, nessa linha de raciocínio, poder-se-ia sugerir a inclusão de um § 1® ao atual a rt 966 (transformando-se o parágrafo único em § 2°), do seguinte teor: § 7® - '0 exercício da atividade empresarial, para ser legitimo, deve cumprir, necessariamente, a sua função social • É bem verdade que o art. 421 do Código Civil, como disposição geral dos contratos, estabeleceu que ‘A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato', devendo-se entender que essa disposição é aplicável também às sociedades, já que nestas se re­ conhece a natureza jurídica eminentemente contratual, ainda que se trate, na lição sempre inolvidável de Ascarelli, de um contrato plurilateral, e não simplesmente bilateral. Mas, a inserção de um dispositivo específico no Livro II apresentaria, a nosso ver, duas vantagens ponderáveis. • Em primeiro lugar, ela daria uma 'demonstração de coerência interna e externa* do Código, como oportunamente destacado pelo Prof. Waldirio Bulgarelli. • Em segundo lugar - e sobretudo - , pelo fato de que essa função social deve ser cumprida, nào apenas pelas sociedades em geral, mas igualmente pelo empresário individual. A norma do art. 421 alcança, tecnicamente falando, a figura das sociedades em geral - quer as empresárias, quer as nâo empresárias - , mas não abarca a atividade do empresário individual que a exerce, como é curial, independentemente da existência de um contrato de sociedade"... Tal debate propiciou, pouco depois, na I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Con­ selho da Justiça Federal, no Superior Tribunal de Justiça, no período de 11 a 13 de setembro de 2002, a aprovação do Enunciado 53, relativo ao art. 966 do Código Civil de 2002, redigido abaixo.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 392, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Nas sociedades, o registro ob­ serva a natureza da atividade (empresarial ou não - art. 966); as demais questões seguem as normas pertinentes ao tipo societário adotado (art. 983). São exceções as sociedades por ações e as cooperativas (art. 982, parágrafo único)".

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• Enunciado 197, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A pessoa natural, maior de 16 e menor de 18 anos, é reputada empresário regular se satisfizer os requisitos dos arts. 966 e 967; todavia, não tem direito a concordata preventiva, por não exercer regularmente a atividade por mais de dois anos". Cumpre esclarecer que, com o advento da Lei n. 11.101, de 9-2-2005, em vigor desde 9 de junho do mesmo ano, não mais subsiste a figura da concordata, havendo, em seu lugar, o instituto da recuperação judicial e extrajudicial. • Enunciado 196, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A sociedade de natureza simples não tem seu objeto restrito às atividades intelectuais". • Enunciado 195, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A expressão ‘elemento de em­ presa' demanda interpretação econômica, devendo ser analisada sob a égide da absorção da ati­ vidade intelectual, de natureza cientifica, literária ou artística, como um dos fatores da organiza­ ção empresarial". • Enunciado 194, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Os profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a organização dos fatores de produção for mais importante que a atividade pessoal desenvolvida". • Enunciado 193, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 exercício das atividades de natureza exclusivamente intelectual está excluído do conceito de empresa". • Enunciado 54, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: “É caracterizador do elemento empresa a declaração da atividade-fim, assim como a prática de atos empresariais". Parece, com efeito, que a distinção entre atividade-meio e atividade-fim possa servir de adminículo para a mais adequada caracterização do que venha a ser considerado elemento de empresa. • Enunciado 53, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Deve-se levar em consideração o principio da função social na interpretação das normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência expressa".

JULGADOS • "Falência. Execução frustrada de sentença em reclamação trabalhista. Ação ajuizada contra esco­ la, sociedade simples, cuja atividade econômica organizada consiste na prestação de serviços in­ telectuais. Não sujeição à falência. Inteligência do disposto no parágrafo único do art. 966 do CC. Sentença confirmada de extinção, sem exame do mérito. Apelação não provida" (TJSP, Acórdão 0002978117, Câmara Reservada à Falência e Recuperação, Rei. Des. Romeu Ricupero, j. em 4-5-

2010). • "Agravo de instrumento. Execução fiscal. Responsabilidade da firma mercantil individual. A firma mercantil individual não tem personalidade jurídica e a sua responsabilidade ilimitada confunde-se com a do seu titular. 0 empresário individual não se confunde com o societário, com conse­ qüente desnecessidade do instituto da desconsideração da personalidade jurídica e dos requisitos de ocorrência de abuso de poder, ilegalidade ou fraude para a sua responsabilidade patrimonial. Agravo provido" (TJSP. Acórdão 0002920916, 3* Câm. de Dir. Públ., Rei. Des. Leonel Carlos da Costa, j. em 6-4-2010). • "Processual civil e tributário. Violação do a rt 42 do Decreto n. 70.235/72. Incidência da Súmula n. 283/STF. Fundação. Opção pelo SIMPLES. Impossibilidade. Art. 3o da Lei Complementar n. 123/2006. 1. A fundação de direito privado não pode optar pelo regime de tributação Simples Nacional disposto na Lei Complementar n. 123/2006. 2. A Corte a quo entendeu que o regime legal das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte firmado na Lei Complementar n. 123/06 possui critérios diversos daqueles previstos na Lei n. 9.317/96, não havendo que se falar em direi­ to adquirido a regime jurídico. A recorrente deixou de impugnar o referido fundamento do acór­ dão recorrido atraindo, assim, a incidência da Súmula n. 283/STF no particular. 3. 0 legislador elegeu apenas a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 do Código Civil de 2002 para qualificarem-se, preenchidos os demais requisitos legais, como Microempresas ou Empresas de Pequeno Porte. Dessa forma, não há que se falar em direito líqui­ do e certo da recorrente em optar pelo regime de tributação SIMPLES, uma vez que a fundação

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nâo se confunde com a sociedade para fins de aplicação do art. 3o da Lei Complementar n. 123/2006. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido" (STJ, REsp 1.136.740/RS, 2a T., Rei. Min. Mauro Campbell Marques, j. em em 18-3-2010). • "Tributário. IRPJ, PIS e IRPF. Empresa individual. Multa prevista no art. 8i do Decreto-lei n. 1.968/82. Inaplicabilidade da pena prevista na legislação que rege a incidência do imposto de renda pessoa física à hipótese de descumprimento da obrigação acessória pela empresa individual. 1 .0 Tribunal de origem, apesar de reconhecer que não houve qualquer descumprimento da obrigação acessó­ ria da pessoa física, mas sim atraso na entrega da declaração da empresa individual, aplicou ao recorrente penalidade prevista na legislação que rege o imposto de renda de pessoa física. 2. 0 RIR/99 (Decreto n. 3.000/99) é claro ao dispor que são equiparadas a pessoas jurídicas, para os efeitos de cobrança do imposto de renda, as pessoas físicas que, como empresas individuais, pra­ ticarem operações imobiliárias, caso da hipótese em apreço. 3. Inaplicável a multa de 1 % (um por cento) prevista no art. 8o do Decreto-lei n. 1.968/82 à hipótese de descumprimento da obrigação acessória pela empresa individual. Recurso especial provido" (STJ, REsp 1.121.107/RS, 2a T., Rei. Min. Humberto Martins, j. em 1°-9-2009). • "A penhora sobre o faturamento de uma sociedade comercial deve ser a última alternativa a ser adotada em um processo de execução, visto que implica verdadeiro óbice à existência da empre­ sa, entendida como atividade econômica organizada profissionalmente para a produção, circula­ ção e distribuição de bens, serviços ou riquezas (Art. 966 do novo Código Civil: 'Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços' - conceito de empresa). 0 ordenamento jurídico pátrio con­ fere proteção especial ao exercício da empresa - mormente o Código Civil de 2002, por intermé­ dio do Livro II, com a criação do novo Direito de Empresa - , de sorte que se tornou ampla a construção doutrinária moderna acerca de suas características. Cesare Vivante, ao desenvolver a teoria da empresa no direito italiano (cf. Trattato de Diritto Commerciale. 4. ed. Milão: Casa Editrice Dott. Francesco Vallardi, 1920), congregou os fatores natureza, capital, organização, trabalho e risco como requisitos elementares a qualquer empresa. No mesmo sentido, Alfredo Rocco sa­ lienta a importância da organização do trabalho realizada pelo empresário e adverte que a em­ presa somente pode ser caracterizada quando a produção é obtida mediante o trabalho de outrem, a ser recrutado, fiscalizado, dirigido e retribuído exclusivamente para a produção de bens ou serviços (cf. Princípios dc Direito Comercial. Sào Paulo: Saraiva, 1931). Em espécie, denota-se inequívoca a caracterização da empresa exercida por B. Restaurantes de Coletividade Ltda. - em­ presário e sujeito de direito - , de modo que, embora seja uma abstração enquanto entidade jurí­ dica - tertius genus, para Orlando Gomes; ente suigeneris, conforme lição de Waldírio Bulgarelli e Ricardo Negrão; objeto de direito, segundo Rubens Requião - , a empresa merece tutela jurídica própria. Ora, ao determinar a realização da penhora sobre o faturamento da requerente, sem a nomeação de administrador, o ilustre Juízo de primeiro grau nào observou dois dos elementos principais da empresa, a saber, o capital e a organização do trabalho. A penhora sobre o montan­ te de 3 0 % (trinta por cento) do faturamento da executada, somada à ausência de nomeação de administrador, impedirá que a organização da atividade econômica pelo empresário seja realizada com regularidade e habitualidade, visto que o capital destinado ao investimento e circulação restará prejudicado. Dessa forma, por mais que o acórdão recorrido tenha corretamente fixado o percentual sobre o qual deveria incidir a constriçáo - qual seja, 5 % (cinco por cento) sobre o faturamento - , não nomeou administrador para gerir tal procedimento, o que representa inequí­ voca afronta ao art. 620 do Código de Processo Civil. A segunda penhora equivocadamente rea­ lizada, bem como a inexistência de administrador nomeado, evidenciam que a execução não ocorreu da forma menos gravosa para o executado. Recurso especial provido" (STJ, 2» T., REsp 594.927/RS,j. em 4-3-2004).

DIREITO PROJETADO • Conforme constou nas edições anteriores desta obra, o saudoso Deputado Ricardo Fiuza - a quem me permito prestar, neste meu pálido e canhestro trabalho de reescrever os seus comentários á presente obra coletiva, minha mais sincera e singela homenagem - , acolhendo fundamentalmen­

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te a nossa sugestão retrorreferida feita à Ouvidoria da Câmara dos Deputados e aprimorando-a, apresentou àquela Casa projeto de lei para modificação desse art. 966, com a seguinte redação: Art. 966. Considera-se empresário quem exerce habitualmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. § 1«N ão se considera empresário quem exerce atividade intelectual, de natureza cien­ tifico, literária ou artística, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercido da atividade constituir elemento de empresa. § 2* 0 exercício da atividade de empresário, fundada na valorização do trabalho hu ­ m ano e na livre iniciativa, observará os limites im postos pelo seu fim econôm ico ou social, pela boa-fé e pelos bons costumes.

Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade. HISTÓRICO • Este dispositivo foi alterado por meio de emenda de revisão na fase final de tramitação do proje­ to do Código Civil, para compatibilização com a vigente legislação do Registro Público de Empre­ sas Mercantis, tal como é denominado na atualidade. A matéria relativa à inscrição do empresário no registro das empresas era tratada pelo art. 4» do Código Comercial de 1850. Atualmente, en­ contra-se regulada pela Lei n. 8.934/94.

DOUTRINA • 0 artigo impõe a obrigatoriedade da inscrição do empresário, sem estabelecer sanção espe­ cífica para a falta do registro. Isso significa que nào houve mudança em relação ao regime anterior no qual havia o comerciante regular (aquele que levou os atos constitutivos de sua atividade ao registro na Junta Comercial) e o comerciante irregular (aquele que não os re­ gistrou). • A inscrição ou o arquivamento a que se refere este art. 967 diz respeito exclusivamente ao empresário titular de firma individual. Os sócios administradores de sociedades nào estão sujeitos à inscrição pessoal no Registro de Empresas, sendo esse procedimento exigido apenas para a sociedade empresária (arts. 985 e 1.150). A atividade desempenhada pelo empresário e pela sociedade empresária, destinada à produção ou circulação de bens ou serviços (art. 966), não deixa de ter natureza mercantil ou comercial, razão pela qual submetem esses agentes econômicos ao Registro Público de Empresas Mercantis. • Se o empresário quiser fazer-se representar por procurador para o ato da inscrição de que trata este dispositivo, a procuração deverá especificar esses poderes. Na hipótese de o em­ presário ser analfabeto, a procuração para o ato da inscrição deverá ser outorgada por ins­ trumento público, de conformidade com o preceituado nos arts. 653, 654 e 660 do Código Civil. 0 requerimento para o ato da inscrição deverá seguir o modelo anexo à Instrução Normativa D NRC 95/2003. Se a atividade a ser desenvolvida pelo empresário depender de aprovação prévia do governo, deverá ser observada a Instrução Normativa DNRC n. 76/98.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 383, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A falta de registro do contrato social (irregularidade originária - art. 998) ou de alteração contratual versando sobre matéria referida no art. 997 (irregularidade superveniente - art. 999, parágrafo único) conduzem à apli­ cação das regras da sociedade em comum (art. 986)".

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• Enunciado 382, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Nas sociedades, o registro ob­ serva a natureza da atividade (empresarial ou nâo - art. 966); as demais questões seguem as normas pertinentes ao tipo societário adotado (art. 983). São exceções as sociedades por ações e as cooperativas (art. 982, parágrafo único)". • Enunciado 199, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A inscrição do empresário ou sociedade empresária é requisito delineador de sua regularidade, e nâo da sua caracterização". • Enunciado 198, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “A inscrição do empresário na Junta Comercial não é requisito para a sua caracterização, admitindo-se o exercício da empresa sem tal providência. 0 empresário irregular reúne os requisitos do art. 966, sujeitando-se às nor­ mas do Código Civil e da legislação comercial, salvo naquilo em que forem incompatíveis com a sua condição ou diante de expressa disposição em contrário". • Enunciado 197, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A pessoa natural, maior de 16 e menor de 18 anos, é reputada empresário regular se satisfizer os requisitos dos arts. 966 e 967; todavia, não tem direito a concordata preventiva, por não exercer regularmente a atividade por mais de dois anos". Conforme já referido no comentário ao artigo anterior, com o advento da Lei n. 11.101, de 9-2-2005, em vigor desde 9 de junho do mesmo ano, não mais subsiste a figura da concordata, havendo, em seu lugar, o instituto da recuperação judicial e extrajudicial.

Art. 968. A inscrição do empresário far-se-á mediante requerimento que contenha: I — o seu nome, nacionalidade, domicílio, estado civil e, se casado, o regime de bens; II — a firma, com a respectiva assinatura autógrafa; III — o capital; IV — o objeto e a sede da empresa. § \-C om as indicações estabelecidas neste artigo, a inscrição será tomada por termo no livro próprio do Registro Público de Empresas Mercantis, e obedecerá a número de ordem contínuo para todos os empresários inscritos. § 2? À margem da inscrição, e com as mesmas formalidades, serão averbadas quaisquer modificações nela ocorrentes. § 3? Caso venha a admitir sócios, o empresário individual poderá solicitar ao Registro Público de Empresas Mercantis a transformação de seu registro de empresário para registro de sociedade empresária, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código. •

Incluído pela Lei Complementar n. 128, de 19-12-2008.

§ 4? O processo de abertura, registro, alteração e baixa do microempreendedor indivi­ dual de que trata o art. 18-A da Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006, bem como qualquer exigência para o início de seu funcionamento deverão ter trâmite especial e simplificado, preferentemente eletrônico, opcional para o empreendedor, na forma a ser disciplinada pelo Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios — CGSIM, de que trata o inciso III do a r t T- da mesma Lei. •

Incluído pela Lei n. 12.470, de 31-8-2011.

§ 5? Para fins do disposto no § 4?, poderão ser dispensados o uso da firma, com a res­ pectiva assinatura autógrafa, o capital, requerimentos, demais assinaturas, informações relativas à nacionalidade, estado civil e regime de bens, bem como remessa de documentos, na forma estabelecida pelo CGSIM. •

Incluído pela Lei n. 12.470, de 31-8-2011.

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Art. 968

HISTÓRICO • 0 dispositivo não sofreu alteração durante a tramitação do projeto do Código Civil. A redação atual é a mesma do anteprojeto original, eom exceção da norma do seu § 1«, que foi objeto de emenda de revisão na fase final de tramitação do projeto do Código Civil, para compatibilização com a legislação atual do Registro Público de Empresas Mercantis. A matéria relativa à inscrição do empresário no registro das empresas era tratada pelos arts. 4* a 9® do Código Comercial de 1850, estando atualmente regulada pela Lei n. 8.934/94 (arts. 37 e 38).

DOUTRINA • A inscrição do empresário titular de firma individual no Registro de Empresas deverá ser procedida a partir de requerimento que contenha os dados especificados nos incisos I a IV do art. 968. A firma corresponde ao nome empresarial que será aplicado no exercício da ativi­ dade econômica, que pode ser com posto pelo nome do empresário escrito por extenso ou abreviado, acrescido, facultativamente, da indicação do objeto empresarial. A assinatura ou autógrafo próprio e individualizador do empresário nos atos de representação da empresa, designativo de sua firma profissional, deve ser específico e somente utilizado nessa condição, podendo, todavia, diferir de sua assinatura pessoal. Em qualquer situação, é obrigatória a indicação do capital aplicado na atividade empresarial, separado da propriedade pessoal do empresário, assim com o a descrição precisa do objeto da empresa e a designação do endere­ ço da sede em que funcionará. A inscrição do empresário individual ficará registrada em livro próprio ou arquivo informatizado, com número de ordem continuo ou seriado. Qualquer alteração nos dados da inscrição, referidos nos incisos I a IV do art. 968, deverá ser averbada ou anotada no registro respectivo, que deve ser mantido permanentemente atualizado, para a produção dos efeitos jurídicos correspondentes. A extinção da empresa individual, pelo encerramento de suas atividades, por sua transformação em sociedade ou pela morte ou incapacidade do titular, importará no cancelamento da inscrição. • É de afastar-se, de uma vez por todas, o equívoco cometido por alguns no sentido de que ha­ veria um efeito constitutivo - e não apenas declaratório - no ato da inscrição do empresário. Nada mais inexato. 0 Registro apenas declara a condição de empresário individual, tornando-o regular, mas não o transforma em empresário. Para que alguém se constitua empresário, pe­ rante a lei, deverá exercer, necessariamente, a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, na definição do art. 966 do Código Civil. M uito tempo antes do Código Civil de 2002 e na vigência do Código Comercial de 1850, o Suprem o Tribunal Federal proclamara, com inteiro acerto, que a matrícula, isto é, o registro, não tem o condão, por si só, de efetivar a qualidade do comerciante (RE 37.099, in Revista Trimestral de Jurisprudência, 5/222), sendo que tal situação não foi modificada com o ad­ vento do atual Código Civil. Tal equívoco conceituai terá decorrido, muito provavelmente, por conta da legislação tributária que impôs ao comerciante individual um critério de lança­ mento de imposto similar ao que se previa para as pessoas jurídicas, sugerindo a errônea ideia de que ele seria, também, uma pessoa jurídica. M as somente para efeitos fiscais - e não ontologicamente falando - é que o comerciante era equiparado à pessoa jurídica. • 0 art. 10 da Lei Complementar n. 128, de 19-12-2008, introduziu o § 3o ao art. 968, acima reproduzido. Por ele está contemplada a hipótese de o empresário individual vir a admitir a entrada de sócios, o que, obviamente, lhe possibilitaria a transformação de seu registro em sociedade empresária e não mais o de empresário individual. Para tanto, deverão ser obser­ vados os requisitos previstos nos arts. 1.113 a 1.115, mais adiante analisados. • 0 art. 4® da Lei n. 12.470, de 31-8-2011, fruto da conversão da Medida Provisória n. 529, de 2011, acrescentou dois parágrafos (4° e 5°) a este art. 968. M ais uma vez o legislador tenta simplificar o processo de inscrição do microempresário, assim com o os efeitos dela decorren­ tes, na esteira da própria Constituição da República e do que já fora delineado, de forma

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programática, pelo art. 970, logo mais adiante comentado. Espera-se que o C G SIM - Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios discipline o quanto antes - e adequadamente - o trâmite especial e simplificado previsto no § 4*. No que se refere ao § 50, fica sinalizada a possibilidade de o C G SIM dispen­ sar uma série de documentos, principalmente se adotado o processamento eletrônico, hipó­ tese em que a própria firma autógrafa poderá ser substituída pela assinatura eletrônica e certificação digital, nos termos da legislação vigente.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 466, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 968, IV, parte final, e 997, II: Para fins do Direito Falimentar, o local do principal estabelecimento é aquele de onde partem as decisões empresariais, e não necessariamente a sede indicada no registro público". • Enunciado 465, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 968, § 38, e 1.033, parágra­ fo único: A ‘transformação de registro’ prevista no art. 968, § 3°, e no art. 1.033, parágrafo único, do Código Civil não se confunde com a figura da transformação de pessoa jurídica". • Enunciado 55, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "0 domicilio da pessoa jurídica empresarial regular é o estatutário ou o contratual em que indicada a sede da empresa, na forma dos arts. 968, IV, e 969, combinado com o art. 1.150, todos do Código Civil".

JULGADOS • "Execução fiscal. Firma individual. Requisição de informações patrimoniais, através do sistema BACEN-JUD, acerca da pessoa jurídica e de seu titular. Admissibilidade. Empresa individual que configura mera ficção jurídica, respondendo seu representante legal, com seus bens, por todos os atos praticados. Agravo provido" (TJSP, Acórdão 0002585455, 8a Câm. de Dir. Públ., Rei. Des. A n ­ tonio Luís de Carvalho Viana, j. em 16-9-2009). • "Ação de indenização fundada em direito de vizinhança. Alegação de nulidade dos atos processu­ ais após a extinção da firma individual. Mera irregularidade. Por se cuidar de firma individual inexiste personalidade jurídica distinta do seu titular. Considerando que a firma individual não tem personalidade jurídica própria e distinta de seu titular, tratando-se da mesma pessoa, con­ fundindo-se a pessoa física do empresário com sua atividade, é ele parte legítima para atuar no polo ativo da demanda, sendo irrelevante a baixa da firma no registro de comércio e no cadastro de pessoa jurídica. Recurso desprovido" (TJSP, Acórdão 0002502529, 30a Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Alberto de Oliveira Andrade Neto, j. em 5-8-2009).

Art. 969.0 empresário que instituir sucursal, filial ou agência, em lugar sujeito à ju ­ risdição de outro Registro Público de Empresas Mercantis, neste deverá também inscrevê-la, com a prova da inscrição originária. Parágrafo único. Em qualquer caso, a constituição do estabelecimento secundário deverá ser averbada no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede. HISTÓRICO • 0 art 969 foi alterado por meio de emenda de revisão na fase final de tramitação do projeto do Código Civil, para compatibilizaçáo com a vigente legislação do Registro Público de Empresas Mer­ cantis. A matéria relativa á inscrição do empresário no registro das empresas era tratada pelos arts. 4* a 9° do Código Comercial de 1850, estando atualmente regulada pela Lei n. 8.934/94 (arts. 37 e 38).

DOUTRINA • De acordo com o regime jurídico do Registro Público de Empresas Mercantis (CF, art. 24, III; Lei n. 8.934/94), a competência de cada Junta Comercial é restrita a determinado Estado da

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Federação. A inscrição da empresa em uma Junta Comercial nào importa, pois, na extensão de seus efeitos aos demais Estados. Assim, a constituição de filiais em Estados distintos da sede da empresa individual deve ser objeto de nova inscrição, averbando-se no Registro de Empresas da sede a criação de novos estabelecimentos. Nào apenas neste artigo do Código, como em vários dispositivos existentes na legislação extravagante, o legislador se utiliza, de maneira claramente inadequada, do termo jurisdição no lugar de competência. 0 ius dicere, no entanto, é privativo do Poder Judiciário. Dersa, CVM, Juntas Comerciais etc. têm com pe­ tência circunscrita a determinado território, mas não o poder de dizer o direito sobre ele... • 0 artigo refere-se, indistintamente, a sucursal, filial ou agência, com o se todos fossem esta­ belecimentos secundários da mesma natureza embora, na prática empresarial e em sede doutrinária, sabe-se existir diferentes graus de autonom ia negociai das sucursais, das filiais ou das agências em relação à matriz. Confira-se, em sede doutrinária, Luiz Tzirulnik, Empre­ sa s Et Empresários - no novo Código Civil - Lei 10.406, de 10.01.2002, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003, p. 27, in verbis: "Filial é definida como sociedade empresarial que, embora atue sob a direção e a administração de outra, a matriz, mantém a sua personalidade jurídi­ ca e o seu patrimônio, porém preservando a sua autonom ia diante da lei e do público, moti­ vo pelo qual nào há de ser confundida com sucursal nem com agência. Agência, em essência, refere-se à empresa especializada em prestação de serviços, cuja função é eminentemente a de intermediária. Sucursal, por sua vez, refere-se a estabelecimento empresarial acessório e distinto do estabelecimento principal, a cuja administração está ligada, sem, contudo, cons­ tituir nem filial nem agência". M a s há controvérsias. 0 Dicionário Jurídico da Academ ia Brasileira de Letras Jurídicas (Rio de Janeiro, Forense, 4. ed., 1997, p. 759) registra nào haver base legal para a distinção entre tais figuras.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 55, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "0 domicilio da pessoa jurídica empresarial regular é o estatutário ou o contratual em que indicada a sede da empresa, na forma dos arts. 968, IV, e 969, combinado com o art. 1.150, todos do Código Civil".

Art. 970. A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao em­ presário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes. HISTÓRICO • Este art. 970 do Código Civil foi objeto de grande polêmica durante a tramitação do anteprojeto original, entre outras coisas, inclusive porque abrangeu em um mesmo dispositivo os conceitos de empresário rural e de pequeno empresário, figuras juridicamente distintas em nosso sistema de direito positivo. Durante a tramitação do anteprojeto no Senado Federal, emenda da autoria do Senador Gabriel Hermes, transformada em subemenda pelo Relator-Geral, deu ao texto forma mais objetiva e concisa. Isto porque, em justificação, constatou-se que o desenvolvimento acele­ rado da atividade rural estava a recomendar, a curto prazo, sua progressiva sujeição aos deveres e restrições impostos aos demais empresários. Na redação originária do anteprojeto, o empresário rural era definido como aquele que exerce "atividade destinada à produção agrícola, silvícola, pecuária e outras conexas, como a que tenha por finalidade transformar ou alienar os respectivos produtos, quando pertinentes aos serviços rurais". Por outro lado, os elementos inerentes ao con­ ceito de pequeno empresário também podem alterar-se rapidamente, ao influxo das mudanças que são típicas da atividade econômica, tal como ocorre no âmbito de nossa legislação, que tem sido objeto de diversas alterações na definição da microempresa e da empresa de pequeno porte, a exemplo da Lei n. 8.864/94, substituída e revogada pela Lei n. 9.841/99, e esta, por seu turno, revogada pela Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006, que fixou novos limites

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legais e estabeleceu novo regime de tributação para as microempresas e empresas de pequeno porte, a partir de 1a de julho de 2007.

DOUTRINA • Ainda que se possa dizer ser este art. 970 uma norma de natureza programática dentro Código Civil (cf. Arnoldo Wald, Comentários ao novo Código Civil, Livro II - Do Direito Empresa, v. XIV, Forense, p. 51), a sua inutilidade parece flagrante. Ainda que seja uma geral, o Código Civil é uma lei ordinária, não parecendo haver nenhuma eficácia em uma ordinária que estabeleça qual deva ser o conteúdo de outra lei ordinária... Nào obstante aspecto, porém, algum as considerações adicionais são pertinentes.

do de lei lei tal

A atividade rural ou agrícola - mais conhecida, no âmbito do direito previdenciário, como atividade rurícola - historicamente sempre foi regulada pelo direito civil, constituindo ati­ vidade econômica tradicionalmente contraposta à atividade comercial. Essa separação re­ monta ao período do feudalismo europeu, quando havia nítida separação entre a proprieda­ de imobiliária rural e a atividade comercial dinâmica exercitada pela burguesia ascendente que habitava as cidades (burgos). 0 direito comercial moderno era, assim, um direito essen­ cialmente burguês, que se apresentava em contraposição à atividade rural, de origem feudal. Desse modo, a atividade rural ou de exploração agrícola ou pecuária sempre esteve subm e­ tida ao direito civil, regulada por um ramo específico, denominado direito agrário. O agricul­ tor ou pecuarista, assim, nào se enquadrava, inicialmente, como empresário. Ele adquiriu essa condição e passou a ter sua atividade regulada pelo direito de empresa a partir de sua ins­ crição facultativa no Registro Público de Empresas Mercantis, conforme o art. 971, a seguir comentado, inspirado no Código Comercial alemão, com o esclarecido pelo Prof. Sylvio M ar­ condes. É preciso ter presente, portanto, a amplitude conceituai do termo rural. Etimologicamente, a palavra vem do latim, ruralis, denotando o que é próprio do campo (rus). 0 que não se localiza no campo faz parte da cidade (urbis). Mas, por maior que seja o sentido que se empreste à atividade rural - e isso deve ser feito em razão das profundas mudanças ocor­ ridas nesse tipo de atividade nas últimas décadas - compreendendo a agricultura, a extração vegetal e a criação animal, não se poderá considerar, p. ex., a extração mineral incluída em seu âmbito, ainda que necessariamente exercida fora do ambiente urbano. A Lei n. 9.841/99 (art. 2°), por sua vez, definia com o microempresa a pessoa jurídica e a firma mercantil indi­ vidual que tivesse receita bruta anual igual ou inferior a R$ 244.000,00, e, com o empresa de pequeno porte, a pessoa jurídica e a firma mercantil individual que, nào enquadrada como microempresa, tivesse receita bruta anual superior a R$ 244.000,00 e igual ou inferior a R$ 1.200.000,00, tendo sido tais valores alterados pela Lei Complementar n. 123, de 14 de de­ zembro de 2006, que fixou novos limites legais (R$ 240.000,00 e R$ 2.400.000,00, respecti­ vamente) e estabeleceu novo regime de tributação para as microempresas e empresas de pequeno porte, a partir de 1a de julho de 2007.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 235, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 pequeno empresário, dispen­ sado da escrituração, é aquele previsto na Lei n. 9.841/99". • Enunciado 200, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: ' É possível a qualquer empresá­ rio individual, em situação regular, solicitar seu enquadramento como microempresário ou em­ presário de pequeno porte, observadas as exigências e restrições legais".

JULGADO • "Recuperação judicial. Pequena empresa. Hipótese em que se autoriza simplificação da escritura­ ção, mas que, de qualquer forma, não é dispensada. Ausência de apresentação de livro-caixa e registro de inventário. Pretensão indeferida. Recurso desprovido" (TJSP, Acórdão 0002124590,

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Art. 971

Câmara Reservada à Falência e Recuperação, Rei. Des. José Araldo da Costa Telles, j. em 17-122008).

Art. 971. 0 empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro. HISTÓRICO • 0 art. 971 foi alterado por meio de emenda de revisão na fase final de tramitação do projeto, para compatibilização com a vigente legislação do Registro Público de Empresas Mercantis. As defini­ ções de empresa e empresário rural, que não eram conhecidas no Código Civil de 1916, foram posteriormente referidas pela Lei n. 404, de 24 de setembro de 1948 (normas sobre empresas e cooperativas para a mecanização da lavoura), Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra), Lei n. 4.947, de 6 de abril de 1966 (normas de direito agrário), e pela Lei n. 5.889, de 8 de junho de 1973 (normas reguladoras do trabalho rural). Segundo o art. 3o da Lei n. 5.889/73, a empresa rural, sob a ótica do direito do trabalho, é aquela que desempenha "atividade agroeconômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com o auxilio de empregados". A atividade rural, normalmente, compete ao produtor rural, pessoa física, e, mesmo que venha a destinar sua produção para fins de comercialização, não se submete ao regime jurídico do direito empresarial. Mesmo assim, as figuras da empresa rural e do empresário rural não eram estranhas ao nosso ordenamento de direito positivo, vindo esse conceito, agora, a ser reafirmado e consolidado pelo Código Civil de 2002.

DOUTRINA • De acordo com o art. 971, é facultado a qualquer produtor rural organizar sua atividade econômica sob a forma de empresa. Nesse caso, ele pode atuar como empresário (antiga firma individual) ou mediante uma sociedade empresária, devendo seu correspondente ato constitutivo ser levado para arquivamento na Junta Comercial. Este dispositivo equipara, para todos os efeitos legais, o exercício de atividade rural por intermédio do empresário rural ou da sociedade empresária rural, quando a empresa tenha com o objeto a exploração de ativi­ dade agrícola ou pecuária e esta for economicamente dom inante para quem a realiza, como principal profissão e meio de sustento. A Lei das Sociedades por Ações (Lei n. 6.404/76, art. 2®, § 1®), sempre submeteu à legislação mercantil as empresas organizadas sob a forma de sociedades anônimas, independentemente de seu objeto social, até mesmo para abranger as companhias agrícolas e pecuárias, existentes em grande número em nosso país. Com o salien­ tado nos comentários ao artigo anterior, a atividade rural passou por significativas mudanças nos últimos tempos, constituindo a chamada agroindústria (“agrobusiness") que movimenta, anualmente, a cifra de bilhões de dólares em exportações. Veja-se, a propósito, a edição da Medida Provisória n. 221/2004, relativa ao Plano Agrícola e Pecuário do Governo Federal para o biênio 2004/2005, convertida na Lei n. 11.076/2004, criadora do certificado de depósito agropecuário, do warrant agropecuário, do certificado de direitos creditórios do agronegócio, da letra de crédito do agronegócio e do certificado de recebíveis do agronegócio, títulos que foram criados com o propósito, entre outros, de fomentar a liquidez do mercado agrícola e de captar recursos destinados ao desenvolvimento do setor (sobre as características de tais títulos, veja-se a obra do Prof. Gladston Mamede, Direito empresarial brasileiro, v. 3, Atlas, 2. ed., Cap. 14, p. 460 e s.) • 0 produtor rural que, mesmo desempenhando atividade econômica agrícola ou pecuária, preferir não adotar a forma de empresa rural permanecerá vinculado a regime jurídico próprio,

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com o pessoa física, também para os efeitos das legislações tributária, trabalhista e previdenciária, com responsabilidade ilimitada e com comprometimento direto de seu patrimônio pessoal nas obrigações contraídas em razâo do exercício de sua atividade. Ele pode ainda optar por organizar sua atividade rural com o sociedade simples (arts. 997 a 1.038), corres­ pondente è antiga sociedade civil, a qual adquire personalidade jurídica própria com o arqui­ vamento de seus atos constitutivos no cartório de registro civil das pessoas jurídicas.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 202, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 registro do empresário ou sociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-o ao re­ gime jurídico empresarial. É inaplicável esse regime ao empresário ou sociedade rural que nâo exercer tal opçáo". • Enunciado 201, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 empresário rural e a socieda­ de empresária rural, inscritos no registro público de empresas mercantis, estão sujeitos à falência e podem requerer concordata". Com o advento da Lei n. 11.101, de 9-2-2005, em vigor desde 9 de junho do mesmo ano, nào mais subsiste a figura da concordata, havendo, em seu lugar, o instituto da recuperação judicial e extrajudicial.

JULGADO • "Recuperação judicial. Açào ajuizada por produtores rurais que não estão registrados na Junta Comercial. '0 empresário rural será tratado como empresário se assim o quiser, isto é, se se ins­ crever no Registro das Empresas, caso em que será considerado um empresário, igual aos outros'. ‘A opçáo pelo registro na Junta Comercial poderá se justificar para que, desfrutando da posição jurídica de empresário, o empresário rural possa se valer das figuras da recuperação judicial e da recuperação extrajudicial, que se apresentam como eficientes meios de viabilizar a reestruturação e preservação da atividade empresarial, instrumentos bem mais abrangentes e eficazes do que aquele posto à disposição do devedor civil (concordata civil. Código de Processo Civil, art. 783)’. Só a partir da opção pelo registro, estará o empresário rural sujeito integralmente ao regime aplicado ao empresário comum. Sentença mantida. Apelação não provida" (TJSP, Acórdão 0002912751, Câmara Reservada à Falência e Recuperação, Rei. Des. Romeu Ricupero, j. em 6-42010).

Capítulo II — DA CAPACIDADE Art. 972. Podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos. HISTÓRICO • 0 Código Comercial de 1850 condicionava o exercício da atividade empresarial às pessoas capazes, maiores de vinte e um anos (art. 1o), tal como estabelecia o art. 9o do Código Civil de 1916. Com a redução da maioridade pelo Código Civil de 2002 para dezoito anos (art 5o), foi excluído, du­ rante a tramitação do projeto, o parágrafo único constante da redação original desse dispositivo, que previa: "Somente se tiver dezoito anos, poderá o menor emancipado pelo casamento exercer atividade de empresário", em razão de emenda da autoria do Senador Josaphat Marinho. As hi­ póteses de impedimento para o exercício da atividade de empresário estavam mencionadas no art. 2o do Código Comercial de 1850, cujo conteúdo se apresentava inteiramente defasado diante da realidade atual, motivo pelo qual essas hipóteses encontram-se, hoje, previstas na legislação ex­ travagante.

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Art. 973

DOUTRINA • Com o norma geral, qualquer pessoa maior de dezoito anos, brasileira ou estrangeira, pode ser empresário, na condição de titular de firma individual ou administrador de sociedade. Os maiores de dezesseis anos, legitimamente emancipados, também adquirem capacidade civil para o exercício de atividade empresarial. 0 atual Código Civil, ao contrário do Código Co­ mercial de 1850 (art. 2a), nào relacionou as pessoas impedidas de serem empresários. Sào proibidos de exercer a atividade empresarial aqueles expressamente impedidos por força de lei especial, com o os servidores públicos civis federais (Lei n. 8.112/90, art. 117, X), estaduais e municipais, os militares da ativa das Forças Arm adas e das Polícias Militares (Decreto-Lei n. 1.029/69, art. 35), os magistrados (Lei Complementar n. 35/79, art. 3 6 , 1 e II), os membros do M inistério Público (Lei n. 8.625/93, art. 44, III), os corretores, leiloeiros e despachantes adu­ aneiros, assim como os empresários falidos enquanto nào reabilitados (Lei n. 11.101, de 9 -2 2005, art. 102). Na condição de servidores públicos lato sensu, sào também impedidos de exercer atividade empresarial o Presidente da República, M inistros de Estado, Governadores dos Estados, Prefeitos M unicipais e ocupantes de cargos públicos comissionados em geral. Os membros do Poder Legislativo, como Senadores, Deputados Federais e Estaduais e Vereadores, não sào proibidos de exercer atividade empresarial, salvo se a empresa “goze de favor decor­ rente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada" (CF, art. 54, II, o). A legislação trabalhista (CLT, art. 482, c), por seu turno, também restringe o exercício de atividade empresarial aos empregados que não sejam expressamente autori­ zados pelo empregador. Nào pode também ser empresário a pessoa condenada a “pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação" (Código Civil, art. 1.011, § 1a; Lei n. 6.404/76, art. 147, § 1a). A norma do art. 972 veda o exercício de atividade empresarial, por meio de firma individual ou com o administrador de sociedade, mas nào impede, todavia, que qualquer das pessoas proibidas participe de socie­ dade empresária ou de sociedade simples na condição de sócio quotista ou acionista, desde que a ela não sejam atribuídos poderes de gestão.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 197, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A pessoa natural, maior de 16 e menor de 18 anos, é reputada empresário regular se satisfizer os requisitos dos arts. 966 e 967; todavia, nâo tem direito a concordata preventiva, por não exercer regularmente a atividade por mais de dois anos".

Art. 973. A pessoa legalmente impedida de exercer atividade própria de empresário, se a exercer, responderá pelas obrigações contraídas. HISTÓRICO • 0 dispositivo nào foi objeto de nenhuma alteração durante a tramitação do projeto do Código Civil no Congresso Nacional. 0 Código Civil de 1916, ao tratar das sociedades civis, já atribuía responsabilidade pessoal ao sócio que viesse a contrair dividas para a sociedade sem estar inves­ tido dos necessários poderes (art. 1.395). De modo mais direto e preciso, a vigente Lei das Socie­ dades por Ações (Lei n. 6.404/76) também estabelece a responsabilidade pessoal do acionista administrador que praticar atos com violação da lei ou do estatuto (art. 158). 0 Decreto n. 3.708/19, no tocante às sociedades por quotas de responsabilidade limitada, estipulava que era cabível ação de perdas e danos, sem prejuízo da responsabilidade criminal, contra o sócio que usasse indevida­ mente a firma social ou dela abusasse (art. 11).

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DOUTRINA • 0 exercício da atividade do empresário na administração da empresa somente é válido se a pessoa estiver investida dos devidos poderes, o que implica, necessariamente, seu desimpedimento, isto é, nào ser a ela vedado o exercício de atividade empresarial, nos termos do art. 972 e das leis especiais. Se a pessoa estiver proibida de ser juridicamente qualificada como empresário, os atos por ela praticados que possam representar obrigações para a empresa serão por ela assumidos pessoalmente, ou seja, com o comprometimento direto e objetivo de seu patrimônio particular, devendo este responder pelas obrigações contraídas. A empresa, ou, quando for o caso, a sociedade, somente assume as dívidas e obrigações que foram con­ tratadas por empresário ou sócio adm inistrador investido dos necessários poderes, sem qualquer tipo de impedimento para a prática de atos de gestão empresarial.

Art. 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, con­ tinuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança. § Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das circuns­ tâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continuá-la, podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos adquiridos por terceiros. § 2- Não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização. § 3? O Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais deverá registrar contratos ou alterações contratuais de sociedade que envolva sócio incapaz, desde que atendidos, de forma conjunta, os seguintes pressupostos: I — o sócio incapaz não pode exercer a administração da sociedade; II — o capital social deve ser totalmente integralizado; III — o sócio relativamente incapaz deve ser assistido e o absolutamente incapaz deve ser representado por seus representantes legais. HISTÓRICO • A redação deste dispositivo foi modificada durante a tramitação no projeto, quando foi suprimi­ do o seu § 3°, que previa a emancipação do menor comerciante quando este completasse dezoito anos. Com a redução da capacidade de vinte e um para dezoito anos, tal regra ficou sem sentido. O atual § 3o do art. 974 foi acrescido pela Lei n. 12.399, de 1o de abril de 2011. No Código Civil de 1916, havia a previsão de que, ocorrendo a incapacidade ou morte de um dos sócios na sociedade civil, tal fato seria causa de dissolução da sociedade (art. 1.399, IV), caso o contrato social não estipulasse a continuidade da sociedade (arts. 1.402 e 1.403). 0 Código Comercial de 1850, de modo semelhante, previa a dissolução da sociedade na hipótese do falecimento de um dos sócios, salvo convenção em contrário estipulada no contrato social (art. 335, n. 4), hipótese em que a sociedade poderia continuar com os herdeiros do de eujus, desde que fossem maiores ou legiti­ mamente emancipados; se os herdeiros fossem menores, nem com autorização judicial poderiam participar da sociedade (art. 308). Se o sócio falecido exercesse função de gerência ou adminis­ tração na sociedade, os credores seriam também chamados para a nomeação do novo gerente (art. 309). 0 Código Comercial de 1850, todavia, nào continha qualquer previsão relativamente aos casos de interdição ou incapacidade superveniente de sócios. Nas sociedades anônimas, a lei se refere, genericamente, à hipótese de vacância do cargo de administrador, que poderá se dar por morte, interdição ou renúncia, sendo que, em qualquer hipótese, caberá ao Conselho de Adminis­ tração designar o sucessor (Lei n. 6.404/76, art. 150).

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Art. 975

DOUTRINA • A norma do art. 9 7 4 contempla duas situações distintas, a saber, os casos de falecimento e de interdição do empresário, que ocorre com sua incapacidade superveniente. Tanto em um caso com o em outro, o atual Código Civil permite a continuidade da empresa, sem necessi­ dade da sua dissolução. No caso do interdito, será ele representado na empresa por meio de curador. Já na hipótese de falecimento do empresário, se o herdeiro for menor absolutamen­ te incapaz, será ele representado por seus pais ou tutores, e, sendo relativamente incapaz, deverá ser assistido por seus pais em todos os atos que vier a praticar na condição de sócio. Em todos esses casos, a continuidade da empresa ou a viabilidade da sucessão na empresa dependerá, sempre, de autorização judicial. Nào deverão integrar o capital da empresa os bens que o incapaz ou os herdeiros do falecido possuíam ao tempo da incapacidade ou da sucessão, quando esses bens integrarem o respectivo patrimônio pessoal não afeto à ativida­ de empresarial.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 467, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 974, § 3°. A exigência de integralizaçáo do capital social prevista no art. 974, § 3o, não se aplica à participação de incapazes em sociedades anônimas e em sociedades com sócios de responsabilidade ilimitada nas quais a integralizaçáo do capital social não influa na proteção do incapaz". • Enunciado 203, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: " 0 exercício da empresa por empresário incapaz, representado ou assistido somente é possível nos casos de incapacidade su­ perveniente ou incapacidade do sucessor na sucessão por morte".

Art. 975. Se o representante ou assistente do incapaz for pessoa que, por disposição de lei, não puder exercer atividade de empresário, nomeará, com a aprovação do juiz, um ou mais gerentes. § 1? Do mesmo modo será nomeado gerente em todos os casos em que o juiz entender ser conveniente. § T- A aprovação do juiz não exime o representante ou assistente do menor ou do in­ terdito da responsabilidade pelos atos dos gerentes nomeados. HISTÓRICO • A disposição do art. 975 nào sofreu alteração durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional, ficando mantida sua redação original. 0 Código Comercial de 1850 somente admitia a designação de um novo gerente ou administrador de sociedade mercantil, na hipótese de faleci­ mento de sócio, caso este estivesse habilitado para o exercício de atividade comercial, isto é, se pudesse ser qualificado juridicamente como comerciante (art. 309). Essa nomeação era sempre dependente de autorização judicial. De acordo com o Código Civil de 1916 (art. 1.403), também dependia de outorga judicial a participação de herdeiro menor devidamente assistido para a continuidade da sociedade civil, podendo o juiz decidir pela inviabilidade da manutenção do vinculo societário, se presentes riscos patrimoniais que justificassem tal medida.

DOUTRINA • Em qualquer hipótese, a designação para o exercício das atividades próprias de empresário, seja diretamente, nas situações comuns, seja por meio de representante, curador ou tutor de interditos ou menores, deve recair sobre quem possa, validamente, preencher os requisitos inerentes à profissão de empresário (art. 972). Nesse caso de exercício de atividade própria de empresário por representante de incapaz, responderá este, da mesma forma, como se empresário fosse, com as incompatibilidades e impedimentos previstos na lei para os empre­

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sários em geral, respondendo o representante, solidariamente, pelos atos do gerente desig­ nado em face de seu impedimento para o exercício de atividade empresarial. De toda sorte, o juízo de conveniência a respeito da idoneidade e da responsabilidade dos atos praticados pelos gerentes designados competirá à autoridade judiciária.

Art. 976. A prova da emancipação e da autorização do incapaz, nos casos do a r t 974, e a de eventual revogação desta, serão inscritas ou averbadas no Registro Público de Empre­ sas Mercantis. Parágrafo único. O uso da nova firma caberá, conforme o caso, ao gerente; ou ao re­ presentante do incapaz; ou a este, quando puder ser autorizado. HISTÓRICO • A redaçào final deste dispositivo é a mesma constante do projeto original, salvo emenda de reda­ ção apresentada pelo Relator, para adequação da norma à vigente legislação do Registro Público de Empresas Mercantis. Tem paralelo no Código Civil de 1916, que previa a emancipação do menor por outorga dos pais ou pelo exercício de atividade mercantil (art 9». § 1», I e IV). 0 Código Co­ mercial de 1850, por sua vez, regulava dois regimes diferenciados para o exercício de atividade empresarial por parte de menor com mais de dezoito anos: o regime de autorização, de natureza precária e revogável (art. 1o, n. 3, primeira parte), e o regime definitivo da emancipação, cuja idade mínima foi reduzida em face do Código Civil de 1916 (art 1o, n. 3, segunda parte). 0 Códi­ go Comercial de 1850 também exigia a inscrição dos títulos de habilitação civil perante o órgão do Registro do Comércio (art. 1«, n. 4, segunda parte). A Lei n. 8.934/94 estabelece a obrigatorie­ dade de arquivamento dos atos e documentos que, por determinação legal, como ocorre no caso de autorização ou emancipação do menor empresário, sejam atribuídos ao Registro Público de Empresas Mercantis (art. 32, II, e). D O U T R IN A • Este art. 976 enuncia que, em caso de emancipação do menor empresário, o título ou docu­ mento de emancipação que deve constar de escritura pública, de natureza irrevogável, deve ser inscrito na Junta Comercial. Quando ocorrer a hipótese de autorização, que é um ato precário e revogável, esse ato de autorização será averbado na Junta Comercial. 0 uso da firma, ou seja, o exercício dos poderes de gerência e administração da empresa, caberá ao gerente designado pelo juiz, pelo representante do incapaz, se habilitado para o exercício de atividade empresarial, ou, na hipótese de o menor ser autorizado ou emancipado, a ele pró­ prio.

Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória. HISTÓRICO • 0 dispositivo em questão não foi alvo de nenhuma espécie de alteração quando da tramitação do projeto do Código Civil no Congresso Nacional. Não tem precedente no Código Civil de 1916. Na redação primitiva do Código Comercial de 1850 (art. 1fi, n. 4), a mulher casada somente poderia exercer atividade comercial, separadamente de seu marido, se por este fosse autorizada. Com o novo regime jurídico regulado a partir do Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121/62), com a instituição da garantia da meação da mulher sobre o patrimônio do casal, a jurisprudência passou a inclinar-se na direção da possibilidade jurídica da constituição de sociedade comercial entre

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Art. 977

cônjuges. Essa orientação jurisprudencial dominante, originária do Supremo Tribunal Federal, vem agora a ser reconhecida e consagrada pelo Código Civil de 2002.

DOUTRINA • Este dispositivo foi alvo de críticas por parte de vários especialistas em direito societário. Embora o seu enunciado pareça instituir uma faculdade aos cônjuges, na verdade entre cônjuges quando o regime for o da com unhão universal (art. 1.667) ou o da separação obri­ gatória (art. 1.641). No primeiro caso, o da com unhão total, a sociedade seria uma espécie de ficção, já que a titularidade das quotas do capital de cada cônjuge na sociedade não estaria patrimonialmente separada no âmbito da sociedade conjugal, da mesma maneira que todos os demais bens nào excluídos pelo art. 1.668 a am bos pertencentes. No que tange ao regime da separação obrigatória, a vedação ocorre por disposição legal, nos casos em que sobre o casamento possam ser levantadas dúvidas ou questionamentos acerca do cumprimento das formalidades ou pela avançada idade de qualquer dos cônjuges. Estando os cônjuges casados pelos regimes da separação total ou da com unhão parcial, podem constituir sociedade, entre si ou com terceiros. Permite-se, assim, a sociedade entre cônjuges nos regimes de com unhão parcial e da separação total, em que am bos os cônjuges podem fazer suas contribuições in­ dividuais para a formação do patrimônio social, desde que nào haja abuso da personalidade jurídica societária com a intenção de prejudicar credores. A partir do atual Código Civil, a ordenação jurídica permite, expressamente, a constituição de sociedade empresária ou simples entre marido e mulher, superando, assim, lacuna existente em nossa legislação e as divergên­ cias jurisprudenciais que vinham sendo objeto de acalorados debates pela doutrina. • Em razão deste artigo, com binado com o de n. 2.031 - o qual, com a nova redaçào que lhe foi dada pela Lei 11.127, de 28 de junho de 2005, estabeleceu o prazo de 11 de janeiro de 2007 para que associações, sociedades, fundações e empresários, se adaptassem às disposições do Código Civil - , aflorou intensa controvérsia quanto à necessidade ou não de, nas socie­ dades formadas por cônjuges, casados sob o regime da com unhão universal de bens ou no da separação obrigatória, constituídas antes da entrada em vigor do atual Código Civil (11 de janeiro de 2003), proceder-se à alteração do quadro social ou do regime de casamento. Trata-se de delicada questão de direito intertemporal, parecendo a alguns que obrigatória se fazia tal alteração uma vez que o direito adquirido nào poderia ser alegado, em tal hipótese, sob pena de, alargando-se tal conceito em demasia, sustentar-se que uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada não precisaria se transformar em sociedade limitada, de acordo com o Código vigente, permanecendo indefinidamente sob a égide do Decreto n. 3.708/1919. Outros, no entanto (entre os quais nos incluímos, desde a nossa participação nas Jornadas de Direito Civil, promovidas pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em Brasília), calcados na Constituição Federal (art. 5*. XXXVI) e em primoroso ensinamento de Gabba (Teoria delia retroatività delle leggi, 3. ed., UTET, Turim, 1898, v. 4, p. 424, segundo o qual "As formas exteriores do contrato de sociedade, que decidem sobre a validade do mesmo, devem ser disciplinadas pela lei, sob cujo império o contrato foi celebra­ do"), defendiam a tese da não obrigatoriedade da alteração, quer do quadro social, quer do regime de casamento. 0 Departamento Nacional de Registro do Comércio, no Parecer Jurí­ dico n. 125/2003, de 4 de agosto, acolheu essa segunda tese, tendo a sua Coordenadora Ju­ rídica afirmado que “em respeito ao ato jurídico perfeito, essa proibição nào atinge as socie­ dades entre cônjuges já constituídas quando da entrada em vigor do Código, alcançando, tão somente, as que viessem a ser constituídas posteriormente. Desse modo, não há necessidade de se promover alteração do quadro societário ou mesmo da modificação do regime de ca­ samento dos sócios-eônjuges, em tal hipótese". Posteriormente, veio esse Ó rgão a ratificar esse mesmo entendimento fazendo-o na cláusula 3.2.5 do M anual de Atos de Registro de Sociedades Limitadas, in verbis: “Sócios, casados no regime da com unhão universal de bens

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ou no da separação obrigatória, de empresas registradas anteriormente a 11/01/2003, nào precisam alterar essa situação". • Em edições anteriores desta mesma obra, constou o posicionamento do eminente Prof. M ário Luiz Delgado - com o qual estou irrestritamente de acordo - do teor seguinte: "O contrato social de determinada sociedade formada ou integrada por sócios casados no regime da com unhão universal, ou no da separação obrigatória de bens, e constituída antes de 11-12003, deve ser visto com o um ato jurídico perfeito no que tange à constituição. Em outras palavras é ato consumado, já aperfeiçoado e que também já produziu todos os seus elemen­ tos constitutivos. Quando constituída a sociedade presentes estavam todos os elementos exigidos para perfectibilização do ato, aí incluída a plena capacidade dos contratantes. Ora, estabelecendo o Código Civil um novo tipo de impedimento, restritivo da capacidade de ser sócio, outrora desconhecido na legislação pertinente, parece-nos bastante óbvio que essa nova vedação legal não poderia retroagir para alcançar sociedades já constituídas quando inexistente a proibição, obrigando ao seu desfazimento. Norm as restritivas não se expandem, têm de receber interpretação estrita e nào podem, muito menos, projetarem-se para o pas­ sado. Em suma, a restrição prevista no art. 977 só se aplica às sociedades que venham a ser constituídas após 11 de janeiro de 2003” (Problemas de direito intertemporal no Código Civil, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 76-7).

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 205, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Adotar as seguintes interpreta­ ções ao art. 977: (1) a vedação à participação de cônjuges casados nas condições previstas no artigo refere-se unicamente a uma mesma sociedade; (2) o artigo abrange tanto a participação originária (na constituição da sociedade) quanto a derivada, isto é, fica vedado o ingresso de sócio casado em sociedade de que já participa o outro cônjuge". • Enunciado 204, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “A proibição de sociedade entre pessoas casadas sob o regime da comunhão universal ou da separação obrigatória só atinge as sociedades constituídas após a vigência do Código Civil de 2002".

JULGADOS • "Direito Empresarial e Processual Civil. Recurso especial. Violação ao art. 535 do CPC. Fundamen­ tação deficiente. Ofensa ao art. 5o da LICC. Ausência de prequestionamento. Violação aos arts. 421 e 977 do CC/02. Impossibilidade de contratação de sociedade entre cônjuges casados no regime de comunhão universal ou separação obrigatória. Vedação legal que se aplica tanto às sociedades empresárias quanto às simples. Nào se conhece do recurso especial na parte em que se encontra deficientemente fundamentado. Súmula 284/STF. Inviável a apreciação do recurso especial quan­ do ausente o prequestionamento do dispositivo legal tido como violado. Súmula 2 1 1/STJ. A liber­ dade de contratar a que se refere o art. 421 do CC/02 somente pode ser exercida legitimamente se não implicar a violação das balizas impostas pelo próprio texto legal. 0 a rt 977 do CC/02 inovou no ordenamento jurídico pátrio ao permitir expressamente a constituição de sociedades entre cônjuges, ressalvando essa possibilidade apenas quando eles forem casados no regime da comunhão universal de bens ou no da separação obrigatória. As restrições previstas no art. 977 do CC/02 impossibilitam que os cônjuges casados sob os regimes de bens ali previstos contratem entre si tanto sociedades empresárias quanto sociedades simples. Negado provimento ao recurso especial" (STJ, REsp 1.058.165/RS, 3J T., Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 14-4-2009). • “Alteração de regime de bens. Casamento realizado na vigência do Código Civil de 1916. Possibi­ lidade desde que procedentes as razões apresentadas. Caso concreto. Ausência. Reforma da sen­ tença. A alteração de regime de bens dos casamentos realizados na vigência do Código Civil de 1916 pode ser deferida sob a égide da nova legislação civilista, desde que comprovado justo motivo, e seja resguardado eventual direito de terceiros. A simples alegação de que as partes possuem sociedade empresária em comum não viabiliza a mudança do regime inicial do casamen­

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to, visto que a nova regra disposta no artigo 977, do Código Civil, não se aplica aos estabeleci­ mentos constituídos anteriormente à sua vigência. Provido" (TJMG, Processo 1.0439.08.0822174/001, & Câm. Civel, Rei. Des. Edilson Fernandes, j. em 7-4-2009).

DIREITO PROJETADO • Atendendo a ponderação do Prof. Álvaro Villaça Azevedo, o eminente Deputado Ricardo Fiuza apresentou projeto de lei para supressão da restrição, permitindo que os cônjuges possam livre­ mente contratar sociedade, entre si ou com terceiros (cf. PL n. 6.960/2002, atual PL n. 699/2011). Em sua justificativa, assim se pronunciou o citado professor Villaça, referindo-se, especificamen­ te, à atividade empresarial dos cônjuges: "A vida dos cônjuges nada tem a ver com o Direito de Família. São empresários e dirigem, ou não, a sociedade, de acordo com sua participação nela. 0 regime de bens valerá para ser arguido no momento da dissolução da sociedade conjugal (sepa­ ração, divórcio e morte de um ou de ambos os cônjuges). Os cônjuges não podem ser privados de realizar o negócio societário, sem restrições".

Art. 978. O empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real. HISTÓRICO • Em sua redaçào original, o dispositivo constante do projeto proposto pela Câmara estabelecia que “o empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, hipotecar ou alienar os imóveis que lhe são próprios e os adquiridos no exercício da sua atividade". Emenda da iniciativa do Senador Gabriel Flermes promoveu a alteração adotada na redação final. Ainda que o Código Civil de 1916, em sua redação primitiva, não contivesse norma semelhante, o a rt 3o da Lei n. 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada) veio prescrever que, "pelos títulos de divida de qualquer natureza, firmado por um só dos cônjuges, ainda que casados pelo regime de comunhão universal, somente responderão os bens particulares do signatário e os comuns até o limite de sua meação". Essa norma, segundo a melhor doutrina eomercialista (Rubens Requião, Curso de direito comercial, São Paulo, Saraiva, 27. ed., 2007, v. 1, p. 89; Waldirio Bulgarelli, Direi­ to comercial, São Paulo, Atlas, 1987, p. 99), veio provocar uma autêntica subversão no sistema de direito civil do Código de 1916 no que tange aos efeitos patrimoniais das obrigações contraídas pelos cônjuges em razão do exercício de atividade mercantil ou de outras empresas lucrativas. 0 art. 246 do Código Civil de 1916, com a redação da Lei n. 4.121/62, estabeleceu, por sua vez, que "A mulher que exercer profissão lucrativa, distinta da do marido, terá direito de praticar todos os atos inerentes ao seu exercício e à sua defesa. 0 produto do seu trabalho assim auferido, e os bens com ele adquiridos, constituem, salvo estipulação diversa em pacto antenupcial, bens reservados, dos quais poderá dispor livremente (...)". 0 Código Comercial de 1850 (art. 1o, n. 4), de índole bem mais conservadora, exigia, até mesmo, autorização do marido para que as mulheres pudessem exercer atividade mercantil.

DOUTRINA • Este dispositivo consolida um entendimento mais consentâneo com o princípio da separação patrimonial, nas sociedades empresárias, entre os sócios e a pessoa jurídica por eles consti­ tuída, dele resultando que qualquer dos cônjuges pode, sem necessidade de outorga uxória, alienar ou gravar de ônus reais bens que integrem o patrimônio da empresa de que cada um, isoladamente, participe. No caso das sociedades empresárias, com o dito, a aplicação desse principio decorre, diretamente, da separação patrimonial objetiva entre os bens da sociedade e os bens particulares dos sócios. No que se refere às firmas individuais, que nào adquirem personalidade jurídica própria, a norma em referência estabelece que, relativamente ao pa­

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trimônio imobiliário destinado pelo empresário para o exercício de sua atividade, tais bens poderào ser alienados ou gravados de ônus reais sem a necessidade de consentimento do respectivo cônjuge, uma vez que os bens imóveis diretamente afetados à atividade da em­ presa nào estão compreendidos no patrimônio conjugal.

Art. 979. Além de no Registro Civil, serão arquivados e averbados, no Registro Público de Empresas Mercantis, os pactos e declarações antenupciais do empresário, o título de doação, herança, ou legado, de bens clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade. HISTÓRICO • A redação deste dispositivo é a mesma do projeto original, com exceção de emenda de redação apresentada pelo Deputado Ricardo Fiuza, como Relator do projeto, na fase de tramitação final na Câmara dos Deputados, para compatibilizar o conteúdo da norma com a vigente legislação do Registro Público de Empresas Mercantis. 0 Código Civil de 1916, em seu art. 261, estipulava que os pactos antenupciais, para sua validade perante terceiros, deveriam ser levados para transcrição no competente cartório de registro de imóveis. A Lei n. 4.726/65, norma revogada que estabelecia o anterior regime jurídico do Registro do Comércio, estabelecia, em seu art. 37, II, n. 1, a obriga­ toriedade de ser levado a arquivamento o contrato antenupcial e do titulo dos bens incomunicá­ veis de seu cônjuge, bem como os títulos de aquisição, pelo empresário, de bens que não possam ser obrigados por divida. A vigente Lei n. 8.934/94 extinguiu tal obrigatoriedade de arquivamen­ to, que volta agora a ser exigida pelo art. 979 do Código Civil.

DOUTRINA • Para a correta e adequada certificação jurídica dos bens pessoais do empresário que podem ser objeto de garantia em face de suas obrigações diante de credores, afigura-se necessário que terceiros que venham com ele contratar estejam cientes quanto ao regime de bens ado­ tado no âmbito da respectiva sociedade conjugal. Se o regime for o da completa e total se­ paração de bens, somente o patrimônio pessoal do cônjuge que contraiu a obrigação poderá ser alcançado nas hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade de que participe. No caso dos pactos antenupciais, estes estarão sujeitos a registro perante a Junta Comercial da sede da empresa. Já os demais bens sujeitos a restrições de plena dispo­ nibilidade, adquiridos a título de doaçào, herança ou legado, tais condições restritivas deve­ rão ser objeto de averbação no Registro Público de Empresas Mercantis, para conhecimento e eficácia perante terceiros.

Art. 980. A sentença que decretar ou homologar a separação judicial do empresário e o ato de reconciliação não podem ser opostos a terceiros, antes de arquivados e averbados no Registro Público de Empresas Mercantis. HISTÓRICO • Esta norma não foi objeto de modificação durante a tramitação do projeto do Código Civil, salvo emenda de redação apresentada para adaptar a terminologia adotada à vigente legislação do Registro Público de Empresas Mercantis (Lei n. 8.934/94). Não existe correspondente no Código Civil de 1916 nem no Código Comercial ou na legislação comercial complementar. O art. 32 da Lei n. 6.515/77 (Lei dos Registros Públicos) estipula que a sentença definitiva do divórcio somente produzirá efeitos civis depois de registrada no cartório de registro competente. Todavia, para efeitos comerciais, não existe em nosso direito positivo nenhuma previsão equivalente. Este art. 980 representa, pois, significativa novidade no âmbito da legislação empresarial.

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Art. 980-A

DOUTRINA • O arquivamento da sentença que decretar ou hom ologar a separação judicial, com o também o divórcio do empresário (Lei n. 6.515/77), estará a gerar efeitos civis a partir do momento em que for registrada no cartório de registro civil competente. Todavia, para a produção de efeitos perante terceiros, em especial perante credores comerciais ou financeiros do empre­ sário, essa sentença, que estabelece e homologa a partilha de bens entre os cônjuges, som en­ te terá efeitos após seu arquivamento na Junta Comercial da sede da empresa. Esse procedi­ mento foi adotado com a finalidade de dar publicidade à situação relativa à disponibilidade dos bens do empresário, modificada pela alteração em seu estado civil e na conseqüente partilha do patrimônio anteriormente detido pelo casal em razão do regime de casamento, p o iso divórcio ou a separação judicial, nos casos de com unhão de bens, total ou parcial, após a partilha, sempre implica uma redução do patrimônio do cônjuge que exerce atividade empresarial.

T ítu lo I-A — DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA Art 980-A A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País. § O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão “EIRELI” após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada. § 2- A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade. § 3? A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independente­ mente das razões que motivaram tal concentração. § 4- (vetado). § 5- Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constitu­ ída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional. § 6^ Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas. HISTÓRICO • Em artigo estampado no artigo “A atividade empresarial no âmbito do novo Código Civil" (cf. Comentários ao Código Civil brasileiro: do direito de empresa, v. IX, Arruda Alvim e Thereza Alvim - coordenadores, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 83 a 93), quando a Lei n. 12.441, de 10-1-2002, acabara de vir a lume - e ainda usávamos a sigla NCC para designar o novo Código Civil - tivemos a oportunidade de assinalar o seguinte: "A ausência de uma disciplina normativa para a empresa individual de responsabilidade limitada, no NCC, foi bastante criticada pela doutrina pátria (cf. Oscar Barreto Filho, 0 Projeto de Código Civil e normas sobre a atividade negociai, Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Pau­ lo, n. 7, dezembro de 1975, p. 65; Waldirio Bulgarelli, A atividade negociai no Projeto de Código Civil brasileiro, Revista de Direito Mercantil n. 56, cit, p. 120; Othon Sidou, Breves notas sobre a atividade negociai no Anteprojeto do Código Civil, separata da Jurídica, revista da Divisão Jurídica do Instituto do Açúcar e do Álcool, Rio de Janeiro, 1973, p. 3 e s., para ficar apenas em

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alguns exemplos. Veja-se, igualmente, bem mais recentemente, o artigo intitulado “Empresa unipessoal de responsabilidade limitada", de autoria do Prof. Jorge Lobo, livre-docente em Direi­ to Comercial pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Direito empresarial contemporâneo, 2. ed., cit., p. 293 e s.), nâo só porque a teoria do patrimônio separado representaria a solução ideal para a limitação da responsabilidade ao acervo da empresa, como pelo fato de ter sido o Prof. Sylvio Marcondes autor de luminosa monografia sobre o tema, intitulada Limitação da responsabilidade do comerciante individual (tese de concurso para o provimento do cargo de Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1956). Tal silêncio nào se compadece com os dados da realidade empresarial de nossos dias, nem tampouco com o pensamento da maioria da doutrina nacional a respeito do tema. Quanto aos primeiros, parece suficiente verificar que, nos últimos anos, o número de firmas individuais e de sociedades por quotas de responsabilidade limitada ultrapassa, com facilidade, a casa dos 9 9 % das empresas registradas no País. No já distante ano de 1979, tive a oportunidade de chamar a atenção para o fato de que, em numerosas sociedades por quotas de responsabilidade limitada, um dos sócios apenas figurava como “testa de ferro" ou “homem de palha“, sem saber sequer onde ficava a sociedade da qual era sócio... (cf. Breves observações sobre as chamadas 'sociedades unipessoais', Revista Balancete Mensal, editada pela Associação dos Bancos no Estado de São Paulo, n. 68, agosto de 1979, p. 14 a 16). A pergunta que me fazia, então, era a seguinte: estaria a coletividade mais bem protegida com a existência de dois sócios em se tratando de uma sociedade por quotas de responsabilidade limi­ tada? Em que medida esse sócio puramente nominal, sem nenhuma ligação com a gerência dos negócios sociais, poderia estar garantindo o interesse de terceiros, uma vez integralizado previa­ mente o capital social? Parecia-me, assim, como continua a me parecer, após decorridos tantos anos, que devendo ser o sistema jurídico aderente à realidade social que ele procura regular, a proibição da sociedade unipessoal, em nossa ordenação jurídica interna, nào se ajustava realisticamente ao nosso meio. Se o legislador nacional já vinha dando mostras de sua sintonia com a realidade empresarial bra­ sileira, fosse desfazendo o manto cabalístieo dos sete sócios para a formação da sociedade anô­ nima; fosse admitindo que a companhia pudesse ser constituída por um único acionista (neces­ sariamente uma sociedade brasileira); fosse, ainda, reconhecendo a realidade dos grupos societá­ rios; tudo, enfim, parecia conspirar em favor de uma passagem do terreno abstrato para o con­ creto, do formal para o real, do falso para o verdadeiro e mesmo do demagógico para o lógico... Pude assinalar, então, já naquela oportunidade, que o reconhecimento das sociedades unipessoais, mesmo desde o momento de sua constituição, acabaria por ocorrer, como já vinha acontecendo na maioria dos Estados norte-americanos, tendo o Professor Fábio Konder Comparato, em sua clássica obra (O poder de controle na sociedade anônima, tese de concurso para o provimento do cargo de Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1975, p. 38, nota n. 8), chamado a atenção para o fato de que apenas quatro desses estados, até 1960, admitiam a criação de sociedades unipessoais, havendo tal número simplesmente sextuplicado dez anos depois... Conclui, por fim, que os estudos existentes a respeito das sociedades unipessoais e os vários exem­ plos que já poderiam ser colhidos no plano do direito comparado, invocando, entre outros, o mais conhecido deles, pela sua anterioridade, o do Principado de Liechtenstein (cf. Breves observações sobre as chamadas sociedades unipessoais, Revista Balancete Mensal, editada pela Associação dos Bancos no Estado de São Paulo, n. 68, Ano VI, agosto de 1979, p. 14 a 16) autorizavam a previsão de que tais sociedades haveriam de ser acolhidas, sem maiores tardanças, em nossa vida empre­ sarial. Foi mais um erro crasso de perspectiva, entre os tantos que, infeliz e desastradamente, venho cometendo em minha vida... Disse, linhas atrás, que a ausência de previsão legislativa para as sociedades unipessoais não se coaduna nem com os dados da nossa realidade empresarial, nem tampouco com o pensamento da maioria da doutrina nacional a respeito do tema.

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Relativamente a esse segundo aspecto, invoco o magistério sempre impecável do saudoso Profes­ sor Sylvio Marcondes. Entre tantos aspectos de relevo de sua preciosa monografia sobre o tema, permito-me destacar, por primeiro, a precisa observação - constante já das linhas introdutórias desse seu trabalho (cf., ob. cit., p. 11-12) e calcada em ensinamento de Paolo Greco (Le società di 'comodo' e il negozio indiretto, Rivista dei Diritto Commereiale, v. 30,1* Parte, Milão, p. 795) - no sentido de ser 'corrente que o principio da responsabilidade patrimonial ilimitada, especialmente no caso das pessoas físicas, não se coaduna com os caracteres da atividade econômica moderna. A extensão e o complicado entrelaçamento dos negócios, a enorme dificuldade de previsão nas operações comerciais e industriais, os riscos e perigos que as circundam na interdependência, frequentemente mundial, dos fatos econômicos, impõem a limitação dos riscos patrimoniais, e com um impulso irresistível, que se desafoga inevitavelmente no ludibrio à lei, quando não en­ contra nesta a fórmula correspondente'. Razão assistia, com efeito, ao preclaro professor. A possibilidade de limitação do risco, por parte de quem pretende lançar-se isoladamente ao exercício da atividade empresarial, é poderoso fator de estimulo ao surgimento de novas empresas. Se elas, como se viu no inicio destas linhas, desem­ penham papel de extremo relevo na sociedade contemporânea, não parece nada razoável a au­ sência de uma disciplina para a empresa individual de responsabilidade limitada, no nosso NCC. Em outra passagem, igualmente expressiva, ponderava esse mesmo mestre (ob. cit., p. 16): 'A limi­ tação da responsabilidade é uma aspiração incoercivel, que o comerciante singular, contra a ló­ gica do princípio vigente, concretiza pelo meio escuso de formas sociais fictícias. A empresa indi­ vidual com responsabilidade limitada pretende enfrentar essa realidade, conferindo-lhe uma so­ lução legal e, por isso mesmo, sincera. E o empenho em criar o instituto encontra inspiração e claridade na lição de lhering: 'A vida não deve dobrar-se aos princípios; os princípios é que hão de modelar-se pela vida. Não é, de modo algum, a lógica; é a vida, são as relações, o sentimento jurídico, que determinam o que deve ser'". Tão sábias palavras, por certo, já seriam mais do que suficientes para mostrar essa luta cada vez mais inglória, a meu ver, da seriedade contra a esperteza, para que a verdade substancial das ações humanas venha a prevalecer sobre a tirania hipócrita das formas... Todos sabem da absoluta ne­ cessidade, desde os primórdios do direito marítimo, da necessidade da limitação da responsabili­ dade patrimonial para o desenvolvimento das atividades mercantis. Nada mais natural e justo, afinal de contas, por parte de quem se aventura na vida empresarial, que queira fazê-lo pondo em risco apenas uma parcela predeterminada de seu patrimônio... Sabe-se que, em principio, domina a regra da responsabilidade ilimitada das pessoas que contra­ em dividas e assumem obrigações. Isso é inerente à própria segurança das relações entre os homens. Tal aspecto é posto em relevo com muita clareza pelo citado Prof. Sylvio Marcondes (ob. cit., p. 19): '0 principio da responsabilidade ilimitada, consagrado nas legislações e segundo o qual a pessoa responde por suas dividas com todos os bens, constitui o eixo de um inteiro sistema orga­ nizado no plano jurídico para prover à segurança das relações dos homens, na ordem econômica. Sujeitando a massa dos bens da pessoa à satisfação de suas obrigações, a lei, de uma parte, con­ fere aos credores garantias contra o inadimplemento do devedor; de outra, impõe a este uma conduta de prudência na gestão dos próprios negócios. E, assim, refreia a aventura, fortalece o crédito e incrementa a confiança'. Sobre essa necessária limitação do risco no exercício da atividade empresarial, vejam-se, ainda, as seguintes considerações do inolvidável Professor Sylvio Marcondes, verbis (ob. cit, p. 19-20): 'Não obstante, setores há de atividade, no campo da economia, em que a aplicação do principio deve sofrer atenuações, sob pena de entrave ao progresso dos empreendimentos humanos. Os vultosos recursos necessários ao desenvolvimento de certas iniciativas; o risco de prejuízos peculiar a de­ terminados negócios; a falta de habilitação técnica de pessoas providas de capitais; a longa du­ ração de algumas empresas; a timidez da pequena economia; a alta especialização de vários ramos profissionais, eis algumas, das múltiplas razões, subjetivas ou objetivas, que determinam a conci­ liação daquele preceito geral com interesses especiais da coletividade. É nas necessidades do tráfico que operam esses motivos e, por isso, ao Direito Mercantil e às leis do comércio compete regular-lhes os efeitos, harmonizando conveniências e engendrando as formas próprias*.

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À míngua de uma autorização legislativa para que possa proceder à indispensável separação entre o patrimônio pessoal e aquele destinado à atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços, o empresário individual vê-se compelido a ludibriar o legislador que não soube atender a essa sua necessidade básica... Cria, então, ainda que a contragosto, só para satisfazer a idolatria das formas preconizada pela lei, uma sociedade puramente fictícia, apenas para poder constituir um patrimônio da pessoa jurídica - correspondente aos limites to­ leráveis de seu risco - , distinto daquele que pretende salvaguardar para si e para sua família... Já tive a oportunidade, por diversas vezes, de fazer alusão ao problema da chamada Razâo Cínica, aplicada ao Direito. (Em palestra pronunciada em Canela, Estado do Rio Grande do Sul, em 1992, chamei a atenção para esse conceito de Razão Cínica, estudado e desenvolvido pelo filósofo es­ loveno, Slavoj Zizec, relativamente ao que se passava no Leste Europeu. Assim como lá, embora já estivesse evidente que o comunismo, enquanto sistema político-econômico de governo, de há muito se esgotara - mas era preciso fingir que ainda se acreditava nele a fim de preservar-se a própria lógica do sistema - , também de nosso lado os dogmas da autonomia privada e da igual­ dade das partes no contrato não deixaram de ser uma aplicação dessa mesma Razão Cínica (cf. Direito do Consumidor, aspectos práticos - perguntas e respostas, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1. ed., 1995, p. 93). Numa delas observei que não se terá procedido ainda, no Pais, pelo que sei, a um estudo aprofundado sobre o cinismo na sociedade brasileira, desde os primórdios até os dias atuais, sendo o material existente para tal investigação, no entanto, exuberantemente farto, presente que está em todas as esferas do Poder. (Fiquei profundamente desapontado, aliás, ao constatar que essa característica do cinismo - e de sua irmã siamesa, a arrogância - nào é exclu­ siva dos Poderes Executivo e Legislativo, mas está muito mais presente do que se imagina no seio do Poder Judiciário... E, no meio acadêmico, igualmente, no qual poder-se-ia supor a existência de uma postura intelectual que repudiasse, peremptoriamente, toda e qualquer forma de manobra cavilosa de seus integrantes, o que se percebe, confrangedoramente, é o triunfo da injustiça e, com ele, a consagração do apogeu da tirania...). Nas primeiras linhas do Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968 - um dos documentos que mais envergonham a nossa história, não obstante produzido pela mão de festejado jurista - , pode-se ler, por exemplo, essa passagem paradigmal do cinismo brasileiro, de tão triste memória: 'Considerando que a Revolução Brasilei­ ra de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana...’. Esse tipo de razão - que em nada se compara, evidentemente, com o cinismo grego, da figura ímpar de Diógenes (A chamada Escola Cinica, surgida na Grécia antiga com Antistenes, apregoa­ va o antimaterialismo como forma ideal de vida, sendo Diógenes o representante máximo daque­ la filosofia. Curiosamente, os cínicos da Grécia antiga faziam o contrário do que fazem os cínicos atuais. Eles eram assim chamados porque 'mordiam' os poderosos, dai a origem do apelido, pois, derivada do latim cynicus, a palavra servia para designar o cão. 0 grande Padre Antônio Vieira, em seu inolvidável e atual Sermão do bom ladrão, destacava a arguta atuação de Diógenes 'que tudo via com mais aguda vista do que a dos outros homens" e que bradou, ao ver ladrões serem levados à forca pelos homens da Justiça: 'Lá vão os ladrões grandes enforcar os pequenos...') - tem sido muito utilizada nos domínios do Direito, como, por exemplo, quando se falava em 'autonomia da vontade das partes no contrato', em 'ditadura do consumidor' e assim por diante (Cf., a propó­ sito, o interessante e aprofundado estudo de Carlos A. Ghersi, intitulado La paradoja de Ia igualdad dei consumidor en Ia dogmática contractual, Revista de Direito do Consumidor, n. 36, outubro-dezembro de 2000, Revista dos Tribunais, Sào Paulo, p. 38 e s.). A constituição de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, com dois sócios, sendo um apenas 'de fachada', como se diz no jargão popular, é mais uma dessas manifestações da razão cinica... Prosseguindo no exame de nossa doutrina a respeito da sociedade unipessoal, seja-me permitido trazer à colação, igualmente, trecho de estudo do Professor Jorge Lobo, livre-docente em Direito Comercial pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, verbis (cf. artigo citado, Empresa unipes­ soal de responsabilidade limitada, Direito empresarial contemporâneo, 2. ed., p. 293/294): 'Se

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considerarmos, primeiro, que os empresários, titulares das firmas individuais, se lhes fosse dado escolher, prefeririam, sem a menor sombra de dúvida, ao iniciarem suas atividades mercantis, li­ mitar sua responsabilidade a parte de seus bens e, segundo, que é prática assaz corriqueira o empresário abrigar-se sob o manto de uma sociedade limitada simulada, seja por quotas, seja anônima, vezes sem conta com a participação de um 'presta nome', amiúde através de um 'homem de palha' ou 'testa de ferro', para evitar comprometer e pôr em risco tudo que possui em garantia de obrigações e em pagamento de dividas contraídas no exercício de sua atividade empresária, concluir-se-á que urge criar, entre nós, a empresa unipessoal de responsabilidade limitada'. 8astante incisiva, como se vê, é a posição do mencionado professor em favor da criação, entre nós, da empresa unipessoal de responsabilidade limitada. Tânia Negri Paschoal, em interessante estudo a respeito do tema, após examinar as várias propostas existentes no sentido da limitação do risco do empresário individual - e, entre elas, a da permissão legal de criação de um patrimô­ nio especial, não personificado, afetado à empresa, correspondente à empresa unipessoal de responsabilidade limitada, defendida por Pisko e por Sylvio Marcondes - tece as seguintes consi­ derações a respeito (cf. Sociedades unipessoais, Revista Forense, v. 287,1984, p. 147 a 157, espe­ cialmente p. 156): 'Assim, pensamos que as dificuldades conceituais apontadas por Grisoli (Referiu-se a autora à obra Le soeietà com un solo socio, Cedam, Pádua, 1971, de Ângelo Grisoli) não são de molde a invalidar a construção em exame, desde que a lei fixe os precisos limites a que se circunscreverá essa esfera patrimonial autônoma explicitando as obrigações pelas quais respon­ derá o acervo de bens destinado ao exercício da empresa, que será, portanto, um patrimônio es­ pecial por definição legal, limitando a própria lei, a tal acervo, a responsabilidade patrimonial do empresário individual'. Como se a doutrina retroexposta nâo bastasse, por si só, para justificar a Entreprise Unipersonnelle ò Responsabilité Limitée - na expressão consagrada no direito francês - , uma breve incur­ são no plano do direito comparado reforça sobremaneira a convicção de sua extrema utilidade. Também a França, em 1985 (cf. Lei n. 697, de 11-7-1985), além de Portugal, mais recentemente (cf. Decreto-Lei n. 257, de 31-12-1996, cujo art. 28 acrescentou os arts. 270*-A e 2 703-G ao Có­ digo das Sociedades Comerciais, dando ao instituto o nome de sociedade unipessoal por quotas), contemplaram o instituto da sociedade unipessoal, o mesmo ocorrendo no âmbito da União Eu­ ropéia (antiga Comunidade Econômica Européia) com a Diretiva n. 667/CEE, de 21-12-1989, aceitando-a não apenas supervenientemente. Muitos dos que tratam da questão das sociedades unipessoais fazem-no, com efeito, sob o prisma da unipessoalidade superveniente, discutindo apenas e tão somente se é possível a subsistência da sociedade com um único sócio e de que maneira seria a responsabilidade deste diante das obrigações sociais. É o que sucede, exemplificativamente, com o trabalho do já citado autor português, Barbosa de Magalhães (As sociedades unipessoais à face da legislação portuguesa, Jornal do Foro, Lisboa, 1951) - quando a sociedade passa a contar com um único sócio sem que haja, por isso, a necessidade de sua dissolução - , mas desde o momento originário de sua constituição. Afora tais exemplos - aos quais deve-se acrescentar, sabidamente, desde a Lei n. 6.404/76, o do nosso pais, com a figura da subsidiária integral - , os demais países apenas aceitam a unipessoa­ lidade superveniente (em se tratando de sociedade de capitais, é o que ocorre na Alemanha, Es­ panha e Suécia, exemplificativamente) ou a aceitam apenas temporariamente. Nossa Lei n. 6.404/76, como se sabe, ao lado de contemplar a subsidiária integral, no art. 251, como forma de sociedade unipessoal originária, também admite a subsistência de uma sociedade anônima com um único acionista, desde que o número mínimo de dois seja recomposto até a assembleia geral do ano seguinte, conforme estatui a alínea d, do inciso I do art. 206 desse diploma legal. Além do Brasil, tanto a Inglaterra quanto a Itália admitem a possibilidade da unipessoalidade temporária, a pri­ meira pela Companies Act, e a segunda, pela disposição constante do art. 2.362 do Codice Civile de 1942, segundo o qual, em livre tradução, 'no caso de insolvência da sociedade, pelas obrigações assumidas no período em que as ações pertenceram a uma única pessoa, esta responde ilimitada­ mente'). De toda sorte, parece que o Código Civil perdeu, também aqui, a oportunidade de revelar-se um diploma realmente avançado para a sua época ...".

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• A Lei n. 12.441, de 11-7-2011, sejam quais forem os problemas que suscita - e eles existem, re­ almente - , representou o preenchimento dessa lacuna assinalada no artigo retrotranscrito. Ela passou a ser designada simplesmente por EIRELI.

DOUTRINA •

M uito se discute, em sede doutrinária, sobre a empresa unipessoal de responsabilidade limi­ tada. Ver-se-á, pouco mais adiante, que foram aprovados vários Enunciados na V Jornada de Direito Civil, destinados a espancar as dúvidas dos aspectos nebulosos que surgiram com o advento da nova lei, quer para deixar claro que pessoa jurídica nacional ou estrangeira nào poderia criar a EIRELI, quer para tentar pontuar a natureza jurídica do instituto (como novo ente jurídico personificado e não com o sociedade), quer, também, para tratar da árdua ques­ tão da extensão e dos limites da responsabilidade patrimonial e da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, quer, igualmente, para esclarecer as conseqüências da falta de arquivamento dos atos constitutivos da EIRELI no registro competente, quer, ainda, para mostrar o cochilo do legislador, ao utilizar-se da expressão "social", para designar a empresa individual de responsabilidade limitada, quer, finalmente, para interpretar quais os bens que poderiam, efetivamente, ser utilizados na integralizaçào do capital da EIRELI.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 473, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: Art. 980-A, § 5g: "A imagem, o nome ou a voz não podem ser utilizados para a integralizaçào do capital da EIRELI". • Enunciado 472, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: Art. 980-A: "É inadequada a utilização da expressão 'social' para as empresas individuais de responsabilidade limitada". • Enunciado 471, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Os atos constitutivos da EIRELI devem ser arquivados no registro competente, para fins de aquisição de personalidade jurídica. A falta de arquivamento ou de registro de alterações dos atos constitutivos configura irregularida­ de superveniente". • Enunciado 470, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 980-A. 0 patrimônio da empresa individual de responsabilidade limitada responderá pelas dividas da pessoa jurídica, não se confundindo com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, sem prejuízo da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica". • Enunciado 469, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 44 e 9 8 0 -A A empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) não é sociedade, mas novo ente jurídico personi­ ficado". • Enunciado 468, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 9 8 0 -A A empresa individu­ al de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural".

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas de alteração da Lei n. 12.441, de 11-7-2011, vide os Projetos de Lei n. 3.298/2012 e n. 2.468/2011, na Câmara dos Deputados, e Projeto de Lei n. 96/2012, no Senado.

Título II — D A SOCIEDADE Capítulo Único — DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

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Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados. HISTÓRICO • 0 texto do art. 981 é o mesmo do anteprojeto original. No Código Civil de 1916, o conceito de sociedade encontrava-se definido em seu art. 1.363, que estabelecia que “Celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns". 0 Código Comercial de 1850, apesar de não conter um conceito especifico para a sociedade comercial, enumerava seus elementos essenciais, ao assim dispor: “É da essência das companhias e sociedades comerciais que o objeto e fim a que se propõem seja lícito, e que cada um dos sócios contribua para o seu capital com alguma quota, ou esta consista em dinheiro ou em efeitos e qualquer sorte de bens, ou em trabalho ou indústria" (art. 287). 0 conceito ado­ tado por este dispositivo do art. 981 praticamente reproduz a definição de sociedade cooperativa, com a exceção de apenas não prever o objetivo de lucro, com o seguinte enunciado: "Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro" (Lei n. 5.764/71, art. 38).

DOUTRINA • 0 conceito de sociedade remonta ao Código de M anu (Índia, 1400 a.C.), o qual estabelecia que, "Q uando vários homens se reúnem para cooperar, cada um com seu trabalho, em uma mesma empresa, tal é a maneira por que deve ser feita a distribuição das partes" (art. 204). A sociedade, assim, com o anteriormente frisado por ocasião dos comentários ao art. 966, é um contrato plurilateral em que as partes, ou seja, os sócios, combinam a aplicação de seus recursos com a finalidade de desempenhar certa atividade econômica, com a divisão dos frutos ou lucros por ela gerados. A pluralidade do contrato de sociedade não decorre apenas da possibilidade de que nele possam existir mais de duas partes, mas pelo fato de que os interesses dessas partes não estão contrapostos, um defronte ao outro - como ocorre, p. ex., nos contratos bilaterais - mas sim confluentes, vale dizer, um ao lado do outro, visando a obter um escopo comum. Ascarelli socorreu-se da figura de uma linha reta na explicação dos contratos bilaterais e da figura de um círculo para ilustrar os contratos plurilaterais. Nessa contribuição decisiva para a Ciência Jurídica, mostrou o grande jurista peninsular que “a função do contrato plurilateral não termina, quando executadas as obrigações das partes (como acontece, ao contrário, nos demais contratos); a execução das obrigações das partes constitui a premissa para uma atividade ulterior; a realização desta constitui a finalidade do contrato; este consiste, em substância, na organização de várias partes em relação ao desen­ volvimento de uma atividade ulterior. Concluindo uma sociedade, as partes querem organizar-se para a realização de uma atividade ulterior: esta constitui o objetivo da sociedade, e a sua determinação é, portanto, juridicamente relevante. Eis porque, em tais contratos, devemos preocupar-nos com o objetivo ou o fim do contrato e com a possibilidade e com a legitimi­ dade deste objetivo". Em seguida, depois de explicar que os contratos de permuta visam uma distribuição dos bens entre os diversos sujeitos de direito, quer eles alcancem diretamente esta distribuição, quer eles estabeleçam apenas um vínculo obrigacional quanto a ela, mostra Ascarelli que, com relação aos contratos plurilaterais, ao revés, o que se procura é justamen­ te disciplinar a utilização dos bens a que se referem, concluindo que "N o s contratos plurila­ terais é mister distinguir entre o que respeita à form ação do contrato e o que respeita ao preenchimento da função instrumental dele: os requisitos exigidos a este último respeito nào visam apenas o momento da conclusão do contrato, mas, também, a vida da organização e devem, por isso, continuamente subsistir; podem, apesar de existirem no momento da con­ clusão, às vezes faltar, durante a duração do contrato, acarretando a dissolução dele” (Pro­ blemas das sociedades anônim as e direito comparado, São Paulo, Saraiva, 1969, p. 272-4).

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Essa fundamental construção do contrato plurilateral feita por Ascarelli para explicar a na­ tureza jurídica do negócio societário, genialmente intuída por Grócio, no século XVII, serviu para pôr em relevo a função instrumental exercida pelo contrato de sociedade no qual a satisfação do interesse individual dos sócios - a produção e a partilha de lucros - caracte­ riza-se pela com unhão de escopo. Ainda que possam existir entre os sócios eventuais confli­ tos de interesses - e eles existem, realmente, no momento da constituição da sociedade, tanto no que se refere è avaliação dos bens com que cada um contribui para a form ação do capital social quanto na atribuição dos poderes individuais de cada qual na gestão e na re­ presentação da sociedade, quanto na previsão da distribuição dos lucros e das perdas - , eles nào são de molde a descaracterizar a com unhão de escopo ínsita ao contrato de sociedade. • Três são os elementos essenciais da sociedade definidos por este art. 981: 1) a reunião de recursos, sob a forma de capital ou de trabalho, com cada sócio colaborando na sua formação; 2) o exercício em comum de atividade produtiva; 3) a partilha ou divisão dos resultados econômicos da exploração da empresa. De acordo com o parágrafo único do art. 981 a so­ ciedade pode constituir-se tanto para executar um objeto delimitado como para desempenhar uma atividade econômica contínua. Esse preceito procura alcançar, simultaneamente, a ideia de unidade e pluralidade no ato de constituição da sociedade. O elemento subjetivo da nor­ ma indica que pode integrar uma sociedade qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica. 0 parágrafo único do artigo esclarece que a sociedade pode ser constituída tanto para o exer­ cício de uma única modalidade de negócio com o para várias modalidades, conexas ou sub­ sidiárias entre si ou nào, denom inando-se SPE - sociedade de propósito específico - aquela que foi constituída para uma determinada e única finalidade.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 475, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 981 e 983. Considerando ser da essência do contrato de sociedade a partilha do risco entre os sócios, não desfigura a so­ ciedade simples o fato de o respectivo contrato social prever distribuição de lucros, rateio de despesas e concurso de auxiliares". • Enunciado 474, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 981 e 983. Os profissionais liberais podem organizar-se sob a forma de sociedade simples, convencionando a responsabilida­ de limitada dos sócios por dívidas da sociedade, a despeito da responsabilidade ilimitada por atos praticados no exercício da profissão". • Enunciado 206, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: 'A contribuição do sócio exclu­ sivamente em prestação de serviços é permitida nas sociedades cooperativas (art. 1.094,1) e nas sociedades simples propriamente ditas (art. 983, 2a parte)".

JULGADOS • "Civil e processual civil. Ação de dissolução parcial de sociedade empresária. Forma de sociedade limitada. Capital e indústria. Vedação legal. Prova da formação do contrato. Verificação. Distribui­ ção de haveres. Cabimento. Pedido procedente. Sentença mantida. Recurso conhecido e nào provido. Após a edição do Código Civil de 2002, o ordenamento jurídico vigente não mais permi­ tiu a criação de sociedade empresária na forma de ‘capital e indústria’. Provada nos autos a composição social da sociedade limitada e não demonstrado que o capital social foi formado apenas com recurso de um único sócio, até porque a lei não permite a quota de indústria ou de serviço, cabe a dissolução parcial pedida por parte dos sócios dissidentes e a distribuição dos haveres. Recurso conhecido e não provido" (TJMG, Processo 1.0024.07.444128-8/001, 17J Câm. Civel, Rei. Des. Márcia de Paoli Balbino, j. em 2-4-2009). • "Sociedade empresária. Simulação na constituição do contrato social. Invalidade do contrato e conseqüente nulidade por não observar os requisitos para a sua celebração. Sócio desaparecido, agiu de má-fé. Desconstituiçào da personalidade jurídica. Recurso provido" (TJSP, Acórdão 0001949260, 31 Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Artur Cesar Beretta da Silveira, j. em 16-9-2008).

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Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro ( a r t 967); e, simples, as demais. Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a socie­ dade por ações; e, simples, a cooperativa. HISTÓRICO • Este dispositivo não foi objeto de emenda durante sua tramitação no Congresso Nacional. 0 Có­ digo Civil de 1916, em seu art. 1.364, estabelecia a divisão formal entre as sociedades civis, regu­ ladas pela legislação civil, e as sociedades comerciais, regidas pela lei comercial. A Lei n. 6.404/76, no tocante às sociedades anônimas, em seu art. 2o, § 1o, estabelece que, “Qualquer que seja o seu objeto, a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio". No que tange às socie­ dades cooperativas, a Lei n. 5.764/71 define que "As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil" (art. 4°). Estas são as definições e distinções básicas contidas na legislação em vigor a respeito da natureza das sociedades civis e comerciais antes da vigência do Código Civil de 2002.

DOUTRINA • A norma deste art. 982 vem instituir uma nova divisão entre as form as societárias até então definidas pelo direito privado brasileiro. Ficou abolida, desde então, a antiga divisão entre sociedades civis e comerciais, oriunda da legislação francesa, passando-se à orientação ado­ tada pelo direito italiano, com o se vê na clara correspondência entre este art. 982 do Código Civil pátrio e o art. 2.249 do Código Civil peninsular. Se adotarmos um paralelismo simétrico, a antiga sociedade comercial passou a ser denominada sociedade empresária, enquanto a sociedade civil, regulada pelo Código de 1916, passou a ser definida como sociedade simples, ainda que esta última tenha, no contexto do Código, caráter indisfarçavelmente polissêmico, acerca do qual discorrer-se-á mais adiante, por ocasião dos comentários ao art. 997. A socie­ dade empresária é aquela que tem por finalidade o exercício de atividade empresarial, isto é, voltada para a produção e circulação de bens e serviços, e sujeita a registro na Junta Comer­ cial (art. 966). A sociedade simples, por sua vez, é aquela que tem por objeto o exercício de atividade relacionada a profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística (art. 966, parágrafo único), desde que o exercício da profissão, em si, não esteja a constituir ele­ mento de empresa, ou de outras atividades tipicamente não empresariais, tal como ocorre, p. ex., no âmbito das sociedades cooperativas. A sociedade de advogados é um típico exemplo de sociedade simples, até mesmo porque a lei de regulação da atividade advocatícia assim expressamente prevê (Lei n. 8.906/94, art. 15). Entretanto, se a sociedade de advogados pas­ sa a exercer atividade economicamente organizada para circulação de bens ou de serviços, passando, p. ex., a vender serviços de terceiros, pode vir a ser considerada uma sociedade empresária. Veja-se o caso de um grande escritório, com centenas de advogados, onde o cliente não procura o advogado "A " ou "B", mas o escritório "X". Esse escritório estará atu­ ando como verdadeira empresa, onde o exercício da advocacia constitui um de seus elemen­ tos. A questão, porém, é das mais polêmicas e só será definitivamente esclarecida pela juris­ prudência, sendo patente a controvérsia no âmbito doutrinário, conforme será mostrado mais adiante (comentários ao art. 997). • Sociedade empresária é aquela que tem por objeto o exercício de atividade própria de em­ presário sujeito a registro. As demais sociedades são consideradas simples. Conclui-se, por­ tanto, excluídas a sociedade por ações e a sociedade cooperativa - a 1* empresária e a 2* simples, independentemente de seu objeto, por força do parágrafo único deste art. 982 - que as demais sociedades (em nome coletivo, em comandita simples ou limitadas) poderão, de acordo com o seu objeto, assumir ou nào o papel de sociedades empresárias, subordinando-

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-se ou não, em conseqüência, ao regime jurídico estabelecido pela nova Lei Falimentar bra­ sileira (Lei n. 11.101/2005), conforme será visto adiante. • A sociedade simples é aquela constituída para o exercício de atividades que nào sejam estri­ tamente empresariais, como ocorre nos casos das atividades rurais, educacionais, médicas ou hospitalares; de exercício de profissões liberais nas áreas de engenharia, arquitetura, ciências contábeis, consultoria, auditoria, pesquisa científica, artes, esportes e serviço social. Ver, mais adiante, com maior aprofundamento, comentários ao art. 997. • A sociedade anônim a sempre foi considerada a mais típica das sociedades mercantis, daí por que passa a ser classificada com o sociedade empresária, independentemente de seu objeto, assim com o a sociedade cooperativa, também independentemente de seu objeto, sempre será considerada simples, segundo a dicção expressa do parágrafo único deste art. 982.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 476, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 982. Eventuais classificações conferidas pela lei tributária às sociedades não influem para sua caracterização como empresárias ou simples, especialmente no que se refere ao registro dos atos constitutivos e à submissão ou não aos dispositivos da Lei n. 11.101/2005". • Enunciado 382, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Nas sociedades, o registro ob­ serva a natureza da atividade (empresarial ou não - art. 966); as demais questões seguem as normas pertinentes ao tipo societário adotado (art. 983). São exceções as sociedades por ações e as cooperativas (art. 982, parágrafo único)". • Enunciado 207, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “A natureza de sociedade simples da cooperativa, por força legal, nâo a impede de ser sócia de qualquer tipo societário, tampouco de praticar ato de empresa". • Enunciado 196, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A sociedade de natureza simples não tem seu objeto restrito às atividades intelectuais".

JULGADOS "Falência. Sociedade civil limitada prestadora de serviços de medicina, especialização em eardiologia e exames complementares. Sociedade-ré não sujeita à falência sob a óptica do Código Civil, que a considera sociedade simples, bem como sob a disciplina do Decreto-Lei n. 7.661/45 e sob o regime da Lei n. 11.101/2005". A sociedade prestadora de serviços intelectuais-cientificos (medi­ cina), mesmo na forma de atividade econômica organizada e com o auxilio de colaboradores e empregados, ainda que adote o modelo legal de sociedade empresária, no caso vertente socieda­ de limitada, não está sujeita à falência, seja o pedido formulado com fundamento no Decreto-Lei n. 7.661/45, seja com supedâneo na Lei de Recuperação e Falências. A circunstância de a socieda­ de exercer atividade econômica com finalidade lucrativa, só por si, não confere a ela a qualidade de sociedade empresária. Impende ressaltar que a sociedade simples que tem por objeto social a prestação de serviços intelectuais só sujeitar-se-á à falência quando a atividade intelectual cons­ tituir elemento de empresa. Inteligência dos arts. 966, parágrafo único, 982, 983 e 1.150, todos do Código Civil; art. 1° do Decreto-Lei n. 7.661, de 1945, e Lei n. 11.101, de 2005" (TJSP, Câmara de Falências e Recuperações Judiciais, Ap. c/ Rev. 360.281.4/2-00). • "Direito Empresarial e Processual Civil. Recurso especial. Violação ao art. 535 do CPC. Fundamen­ tação deficiente. Ofensa ao art. 5o da LICC. Ausência de prequestionamento. Violação aos arts. 421 e 977 do CC/02. Impossibilidade de contratação de sociedade entre cônjuges casados no regime de comunhão universal ou separação obrigatória. Vedação legal que se aplica tanto às sociedades empresárias quanto às simples. Nào se conhece do recurso especial na parte em que se encontra deficientemente fundamentado. Súmula 284/STF. Inviável a apreciação do recurso especial quan­ do ausente o prequestionamento do dispositivo legal tido como violado. Súmula 2 1 1/STJ. A liber­ dade de contratar a que se refere o art. 421 do CC/02 somente pode ser exercida legitimamente se não implicar a violação das balizas impostas pelo próprio texto legal. 0 art. 977 do CC/02

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inovou no ordenamento jurídico pátrio ao permitir expressamente a constituição de sociedades entre cônjuges, ressalvando essa possibilidade apenas quando eles forem casados no regime da comunhão universal de bens ou no da separação obrigatória. As restrições previstas no art. 977 do CC/02 impossibilitam que os cônjuges casados sob os regimes de bens ali previstos contratem entre si tanto sociedades empresárias quanto sociedades simples. Negado provimento ao recurso especial" (STJ, REsp 1.058.165/RS, 3a T., Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 14-4-2009). • "Processual civil e tributário. Agravo regimental. Execução fiscal. Cooperativa sujeita à liquidação. Exclusão da multa moratória e dos juros moratórios. Aplicação analógica da lei de falências. Im­ possibilidade. 1. As sociedades cooperativas não se sujeitam à falência, dada a sua natureza civil e atividade não empresária, devendo prevalecer a forma de liquidação extrajudicial prevista na Lei n. 5.764/71, que não prevê a exclusão da multa moratória, nem a limitação dos juros moratórios posteriores à data da liquidação judicial condicionada à existência de saldo positivo no ativo da sociedade. 2. A Lei de Falências vigente à época - Decreto-Lei n. 7.661/45 - em seu art. 1o, con­ siderava como sujeito passivo da falência o comerciante, assim como a atual Lei 11.101/05, que a revogou, atribui essa condição ao empresário e à sociedade empresária, no que foi secundada pelo Código Civil de 2002 no seu art. 982, § único c/c art. 1.093, corroborando a natureza civil das referidas sociedades, e, o fortiori, configurando a inaplicabilidade dos preceitos da Lei de Quebras às cooperativas. 3. A lei especial convive com outra da mesma natureza, porquanto a especifici­ dade de seus dispositivos não encerram antinomias. 4. As obrigações tributárias acessórias não podem ser criadas ou extintas via processo analógico (art. 112 do CTN, verbis: A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I - à capitulação legal do fato; II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação). Precedentes: REsp 770.861/SP, Rei. Ministro Luiz Fux, 1a Turma, julgado em 11/09/2007, unânime, DJ 08/10/2007 p. 214; REsp 909065/PR, Rei. Ministro Luiz Fux, 1a Turma, julgado em 02.04.2009, pendente de pu­ blicação) 5. Agravo regimental desprovido" (STJ, AgRg no REsp 999.134/PR, 1a T., Rei. Min. Luiz Fux, j. em 18-8-2009). • "Processual civil. Agravo regimental. Cooperativa em liquidação judicial. Produto da arrecadação. Não aplicação das normas previstas no Decreto-lei n. 7.661/45. Manutenção da multa e dos juros moratórios. 1. A Lei de Falências não se aplica às cooperativas em liquidação, as quais se subordi­ nam ao procedimento de liquidação previsto pelos arts. 63 a 78 da Lei n. 5.764/1971, que não contempla o benefício de exclusão das multas moratórias tributárias, bem como não autoriza a remessa do produto da arrecadação da penhora ocorrida em execução fiscal ao juízo da liquidação. Precedentes: REsp 1094194/SP, Rei. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 12.2.2009; REsp 978.980/SP, Rei. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 9.3.2009. 2. Agravo regi­ mental nào provido" (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 799.547/SP, 2a T., Rei. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 5-5-2009). • "Tributário. Execução fiscal. Sociedade cooperativa. Inaplicabilidade da lei de falência. Exclusão da multa moratória e limitação da incidência dos juros de mora. Impossibilidade. Agravo regimen­ tal a que se nega provimento" (STJ, AgRg no Al 1.085.738/SP, I aT., Rei. Min.Teori Albino Zavascki, j. em 19-3-2009).

Art. 983. A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias. Parágrafo único. Ressalvam-se as disposições concernentes à sociedade em conta de participação e à cooperativa, bem como as constantes de leis especiais que, para o exercício de certas atividades, imponham a constituição da sociedade segundo determinado tipo.

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HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela não foi objeto de nenhuma alteração quando da tramitação do projeto no Congresso Nacional. Além da sociedade civil regulada pelos arts. 1.363 a 1.409 do Código Civil de 1916, o Código Comercial de 1850, complementado pelo Decreto n. 3.708/19 e pela legislação das sociedades por ações (Lei n. 6.404/76), conceituava e definia sete tipos de sociedades comerciais que, validamente, poderiam ser constituídas no âmbito de nosso sistema de direito positivo, a saber: 1) sociedade em comandita (arts. 311 a 314); 2) sociedade em nome coletivo (arts. 315 e 316); 3) sociedade de capital e indústria (arts. 317 a 324); 4) sociedade em conta de participação (arts. 325 a 328); 5) sociedade por quotas de responsabilidade limitada (Decreto n. 3.708/19); 6) sociedade anônima (Lei n. 6.404/76); e 7) sociedade em comandita por ações (Lei n. 6.404/76). As sociedades civis poderiam, todavia, adotar a forma de sociedade comercial, permanecendo civil o seu foro (Código Civil de 1916, art. 1.364).

DOUTRINA • Os arts. 1.039 a 1.092 do atual Código Civil definem cinco tipos de sociedades: 1) sociedade em nome coletivo (arts. 1.039 a 1.044); 2) sociedade em comandita simples (arts. 1.045 a 1.051); 3) sociedade limitada (arts. 1.052 a 1.087); 4) sociedade anônim a (arts. 1.088 e 1.089) e 5) sociedade em comandita por ações (arts. 1.090 a 1.092). Essas sociedades são considera­ das com o sendo personificadas, isto é, adquirem personalidade jurídica após regularmente constituídas. Além destas, temos que podem ser constituídas outras duas modalidades socie­ tárias, nào empresárias, subdivididas em sociedades não personificadas e sociedades perso­ nificadas. É sociedade simples não personificada a sociedade em comum (arts. 986 a 990). É sociedade simples personificada a sociedade cooperativa (arts. 1.093 a 1.096). • M esm o quando as sociedades simples adotarem uma das form as de sociedade empresária, subordinando-se às norm as especiais que regem o tipo societário adotado, devem os seus atos constitutivos ser levados para arquivamento perante o Registro Civil das Pessoas Jurídi­ cas. • A sociedade cooperativa, apesar de ser considerada sociedade simples, será levada a registro na Junta Comercial em face da prevalência da legislação especial {vide nossos comentários aos arts. 1.093 e 1.150). • A antiga sociedade comercial de capital e indústria foi extinta pelo atual Código Civil.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 477, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 983. 0 a rt 983 do Código Civil permite que a sociedade simples opte por um dos tipos empresariais dos arts. 1.039 a 1.092 do Código Civil. Adotada a forma de sociedade anônima ou de comandita por ações, porém, ela será considerada empresária". • Enunciado 475, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 981 e 983. Considerando ser da essência do contrato de sociedade a partilha do risco entre os sócios, não desfigura a so­ ciedade simples o fato de o respectivo contrato social prever distribuição de lucros, rateio de despesas e concurso de auxiliares". • Enunciado 474, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 981 e 983. Os profissionais liberais podem organizar-se sob a forma de sociedade simples, convencionando a responsabilida­ de limitada dos sócios por dívidas da sociedade, a despeito da responsabilidade ilimitada por atos praticados no exercício da profissão". • Enunciado 396, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A capacidade para contratar a constituição da sociedade submete-se à lei vigente no momento do registro". • Enunciado 382, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Nas sociedades, o registro ob­ serva a natureza da atividade (empresarial ou não - art. 966); as demais questões seguem as

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normas pertinentes ao tipo societário adotado (art. 983). São exceções as sociedades por ações e as cooperativas (art. 982, parágrafo único)". • Enunciado 208, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "As normas do Código Civil para as sociedades em comum e em conta de participação são aplicáveis independentemente de a atividade dos sócios, ou do sócio ostensivo, ser ou nào própria de empresário sujeito a registro (distinção feita pelo art. 982 do Código Civil entre sociedade simples e empresária)". • Enunciado 207, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A natureza de sociedade simples da cooperativa, por força legal, não a impede de ser sócia de qualquer tipo societário, tampouco de praticar ato de empresa". • Enunciado 206, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A contribuição do sócio exclu­ sivamente em prestação de serviços é permitida nas sociedades cooperativas (art. 1.094,1) e nas sociedades simples propriamente ditas (art. 983, 2* parte)". • Enunciado 57, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A opção pelo tipo empresarial não afasta a natureza simples da sociedade".

JULGADOS • "Direito Empresarial e Processual Civil. Recurso especial. Violação ao art. 535 do CPC. Fundamen­ tação deficiente. Ofensa ao art. 5o da LICC. Ausência de prequestionamento. Violação aos arts. 421 e 977 do CC/02. Impossibilidade de contratação de sociedade entre cônjuges casados no regime de comunhão universal ou separação obrigatória. Vedação legal que se aplica tanto às sociedades empresárias quanto às simples. Não se conhece do recurso especial na parte em que se encontra deficientemente fundamentado. Súmula 284/STF. Inviável a apreciação do recurso especial quan­ do ausente o prequestionamento do dispositivo legal tido como violado. Súmula 2 1 1/STJ. A liber­ dade de contratar a que se refere o art. 421 do CC/02 somente pode ser exercida legitimamente se nào implicar a violação das balizas impostas pelo próprio texto legal. 0 art. 977 do CC/02 inovou no ordenamento jurídico pátrio ao permitir expressamente a constituição de sociedades entre cônjuges, ressalvando essa possibilidade apenas quando eles forem casados no regime da comunhão universal de bens ou no da separação obrigatória. As restrições previstas no art. 977 do CC/02 impossibilitam que os cônjuges casados sob os regimes de bens ali previstos contratem entre si tanto sociedades empresárias quanto sociedades simples. Negado provimento ao recurso especial" (STJ, REsp 1.058.165/RS, 3a T., Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 14-4-2009). • "Civil e processual civil. Ação de dissolução parcial de sociedade empresária. Forma de sociedade limitada. Capital e indústria. Vedação legal. Prova da formação do contrato. Verificação. Distribui­ ção de haveres. Cabimento. Pedido procedente. Sentença mantida. Recurso conhecido e não provido. Após a edição do Código Civil de 2002, o ordenamento jurídico vigente nào mais permi­ tiu a criação de sociedade empresária na forma de 'capital e indústria'. Provada nos autos a composição social da sociedade limitada e não demonstrado que o capital social foi formado apenas com recurso de um único sócio, até porque a lei não permite a quota de indústria ou de serviço, cabe a dissolução parcial pedida por parte dos sócios dissidentes e a distribuição dos haveres. Recurso conhecido e nào provido" (TJMG, Acórdão 1.0024.07.444128-8/001, 17a Câm. Civel, Rei. Des. Márcia de Paoli Balbino, j. em 2-4-2009).

Art. 984. A sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empre­ sário rural e seja constituída, ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as formalidades do art. 968, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária. Parágrafo único. Embora já constituída a sociedade segundo um daqueles tipos, o pedido de inscrição se subordinará, no que for aplicável, às normas que regem a transfor­ mação.

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HISTÓRICO • A redaçào deste dispositivo é a mesma constante do projeto original, com exceção da emenda de redaçào apresentada pelo E. Deputado Ricardo Fiuza, como Relator do projeto, em sua fase de tramitação final na Câmara dos Deputados, para compatibilizar o conteúdo da norma com a vi­ gente legislação do Registro Público de Empresas Mercantis (Lei n. 8.934/94). A atividade rural sempre esteve, no passado regime jurídico, regulada no âmbito do direito civil e na legislação de direito agrário, de acordo com a Lei n. 4.504/64 (Estatuto da Terra) e a Lei n. 4.947/66 (normas de direito agrário).

DOUTRINA • 0 atual Código Civil permite que a atividade rural seja organizada e desenvolvida sob a for­ ma de sociedade empresária, em qualquer de suas modalidades. Para tanto, deve requerer sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, cumprindo as exigências previstas no art. 968. Depois de inscrita, será a empresa rural equiparada, para todos os efeitos jurídicos, inclusive de foro, às sociedades empresárias. A inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis pode ocorrer de forma originária, no ato de constituição de nova sociedade, ou de forma derivada, pela transformação de empresa rural ou sociedade civil em sociedade em­ presária.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 202, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 registro do empresário ou sociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-o ao re­ gime jurídico empresarial. É inaplicável esse regime ao empresário ou sociedade rural que não exercer tal opçáo". • Enunciado 201, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 empresário rural e a socieda­ de empresária rural, inscritos no registro público de empresas mercantis, estão sujeitos à falência e podem requerer concordata".

JULGADO • "Recuperação judicial. Ação ajuizada por produtores rurais que nào estão registrados na Junta Comercial. '0 empresário rural será tratado como empresário se assim o quiser, isto é, se se ins­ crever no Registro das Empresas, caso em que será considerado um empresário, igual aos outros'. ‘A opção pelo registro na Junta Comercial poderá se justificar para que, desfrutando da posição jurídica de empresário, o empresário rural possa se valer das figuras da recuperação judicial e da recuperação extrajudicial, que se apresentam como eficientes meios de viabilizar a reestruturação e preservação da atividade empresarial, instrumentos bem mais abrangentes e eficazes do que aquele posto à disposição do devedor civil (concordata civil. Código de Processo Civil, art. 783)’. Só a partir da opçáo pelo registro, estará o empresário rural sujeito integralmente ao regime aplicado ao empresário comum. Sentença mantida. Apelação não provida" (TJSP, Acórdão 0002912751, Câmara Reservada à Falência e Recuperação, Rei. Des. Romeu Ricupero, j. em 6-42010).

Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150). HISTÓRICO • A redação da norma mantém o mesmo conteúdo do projeto original. A regra de aquisição da personalidade jurídica societária era prevista no art. 18 do Código Civil de 1916, que estipulava que "Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição dos seus

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contratos, atos constitutivos, estatutos ou compromissos no seu registro peculiar, regulado por lei especial, ou com autorização ou aprovação do Governo, quando precisa", tendo sido mantida pelo caput do art. 45 do Código Civil atual: "Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo".

DOUTRINA • Os efeitos da personificação foram postos em relevo pelo Prof. Sylvio Marcondes, na Exposi­ ção de M otivos do anteprojeto, desta maneira: “A personificação, fenômeno posterior, do qual a existência da sociedade é pressuposto, constitui a fonte geratriz de um novo sujeito de direito, capacitado a ser titular do patrimônio especial que, previamente composto pelas partes separadas dos patrimônios individuais dos sócios, se desliga da titularidade destes, para transformar-se em patrimônio autônomo, objeto da nova titularidade". A aquisição de per­ sonalidade jurídica pela sociedade, simples ou empresária, depende da inscrição de seu ato constitutivo no registro próprio. No caso da sociedade simples, no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. No caso das sociedades empresárias, no Registro Público de Empresas Mercantis. Sào efeitos da aquisição da personalidade jurídica: a) o surgim ento de uma nova pessoa, distinta de seus sócios, que exercita direitos e assume obrigações em seu nome; b) formação de um patrimônio próprio, separado do patrimônio pessoal dos sócios que a integram; c) definição de sua nacionalidade, domicilio e sede; d) aquisição de capacidade jurídica ativa e passiva. A personalidade jurídica da sociedade mantém-se durante toda a existência da so ­ ciedade, podendo, todavia, em hipóteses excepcionais, ser desconsiderada, para alcançar o patrimônio particular dos sócios ou dos administradores, quando houver abuso da persona­ lidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, nos termos do art. 50 do Código Civil de 2002.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 396, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A capacidade para contratar a constituição da sociedade submete-se à lei vigente no momento do registro". • Enunciado 395, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A sociedade registrada antes da vigência do Código Civil não está obrigada a adaptar seu nome às novas disposições". • Enunciado 394, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Ainda que não promovida a adequação do contrato social no prazo previsto no art. 2.031 do Código Civil, as sociedades não perdem a personalidade jurídica adquirida antes de seu advento". • Enunciado 209, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 art. 986 deve ser interpreta­ do em sintonia com os arts. 985 e 1.150, de modo a ser considerada em comum a sociedade que não tiver seu ato constitutivo inscrito no registro próprio ou em desacordo com as normas legais previstas para esse registro (art. 1.150), ressalvadas as hipóteses de registros efetuados de boa-fé". • Enunciado 59, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Os sociogestores e os administra­ dores das empresas sào responsáveis subsidiária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de má gestão ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, consoante estabelecem os arts. 990,1.009,1.016, 1.017 e 1.091, todos do Código Civil".

JULGADO • "Recurso especial. Civil. Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos morais e materiais proposta por empresa prestadora de serviços de segurança sem autorização para atuar na área. Legitimidade e interesse. Existência. Valor arbitrado a titulo de danos morais. Razoabilidade e dissídio jurisprudencial não comprovado. I. A empresa prestadora de serviços de segurança priva­ da devidamente registrada na Junta Comercial, mas que atua sem a autorização prevista em Lei, tem legitimidade e interesse processual para pleitear a condenação da empresa concorrente, que

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invadiu a sua propriedade e a de seus clientes, eom a intenção de eausar-lhe danos, ao pagamen­ to de indenização por danos materiais e morais. II. 0 dissenso pretoriano deve ser demonstrado por meio do cotejo analítico, com transcrição de trechos dos acórdãos recorrido e paradigma que exponham a similitude fática e a diferente interpretação da lei federal. III. No que concerne ao valor arbitrado a título de danos morais, este Superior Tribunal admite sua revisão apenas quando o quantum arbitrado revelar-se irrisório ou exagerado, o que não ocorre na espécie. Recurso nào conhecido" (STJ, REsp 866.521/SC, 31 T., Rei. Min. Sidnei Beneti, j. em 25-3-2008).

Subtítulo I — DA SOCIEDADE NÃO PERSONIFICADA Capítulo I — DA SOCIEDADE EM COMUM Art. 986. Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas da sociedade simples. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. 0 Código Comercial de 1850, em seu art. 305, estipulava os meios de prova juridicamen­ te aceitáveis para demonstrar a existência das sociedades de fato.

DOUTRINA • Duas são as espécies de sociedades nào personificadas no Código Civil de 2002: a sociedade em comum e a sociedade em conta de participação. Distanciou-se inteiramente - e com evidente vantagem - da doutrina agasalhada pelo Código Comercial de 1850 que, relativa­ mente à personificação das sociedades, as classificava em regulares e irregulares. Tratava-se, com efeito, de um critério absolutamente falho. Enquanto nas sociedades regulares o con­ trato social, desde que devidamente registrado, tinha eficácia plena tanto para os sócios quanto para terceiros, nas sociedades irregulares, em razão da falta do registro, o contrato nào produzia efeitos quer perante terceiros - o que, de resto, seria natural que assim fosse - quer, também, entre os próprios sócios, o que representava verdadeiro disparate, já que o acordo de vontade entre estes constituía um negócio jurídico, apto a produzir efeitos ime­ diatos no plano societário e independentes da eventual personificação posterior... Esta, no dizer expressivo e preciso do Prof. Sylvio M arcondes (Problemas de direito mercantil, São Paulo, M ax Limonad, 1970, p. 145) "constitui a fonte geratriz de um novo sujeito de direito, capacitado a ser titular do patrimônio especial, que, previamente composto pelas partes separadas dos patrimônios individuais dos sócios, se desliga da titularidade destes, para transformar-se em patrimônio autônomo, objeto da nova titularidade". Tal patrimônio espe­ cial, com o se sabe, preexiste à personificação da sociedade e representa o complexo das re­ lações jurídicas decorrentes da atividade social, refletindo as relações societárias tanto entre os sócios com o destes para com terceiros. Daí por que o Código, segundo o citado professor, "considera a sociedade, na fase antecedente à personificação, nào com o um produto bastar­ do, que, denom inado de sociedade de fato, a lei atual manda viver nos quadros do direito comum, mas perfilhando-a à linhagem societária, no grupo das sociedades não personifica­ das". E conclui: "Aí, levada em conta a titularidade dos sócios, ainda não desligada do patri­ mônio especial que lhe serve de sucedâneo, recebe o nome de sociedade em comum, regida por preceitos específicos e suprida pelas normas aplicáveis da sociedade simples...". • A sociedade em comum é, portanto, um tipo de sociedade não personificada, constituída de fato por sócios para o exercício de atividade empresarial ou produtiva, com repartição de

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resultados, mas cujo ato constitutivo não foi levado para inscrição ou arquivamento perante o registro competente. As disposições deste capítulo sobre a sociedade em comum servem para regular as relações entre os sócios e destes com terceiros, como acima foi frisado, an ­ teriormente à aquisição de personalidade jurídica pela sociedade. A norma deste art. 986 excepciona da aplicação do regime da sociedade em comum as sociedades por ações, ou seja, a sociedade anônim a e a sociedade em comandita por ações, porque estas possuem um re­ gime especial de constituição, anterior à aquisição da personalidade jurídica. A sociedade em comum não possui personalidade jurídica, porque sua aquisição depende do arquivamento ou registro de seus atos constitutivos. A sociedade em comum pode provar-se por contrato escrito, ainda que não levado a arquivamento perante a Junta Comercial ou o Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Poderá existir sociedade em comum, todavia, ainda que não contrata­ da mediante instrumento escrito, mas possa ser provada sua existência por outros meios de prova admitidos em direito.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 383, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A falta de registro do contrato social (irregularidade originária - art. 998) ou de alteração contratual versando sobre matéria referida no art. 997 (irregularidade superveniente - art. 999, parágrafo único) conduzem à apli­ cação das regras da sociedade em comum (art. 986)". • Enunciado 209, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 a rt 986 deve ser interpreta­ do em sintonia com os arts. 985 e 1.150, de modo a ser considerada em comum a sociedade que não tenha seu ato constitutivo inscrito no registro próprio ou em desacordo com as normas legais previstas para esse registro (art. 1.150), ressalvadas as hipóteses de registros efetuados de boa-fé". • Enunciado 208, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “As normas do Código Civil para as sociedades em comum e em conta de participação são aplicáveis independentemente de a atividade dos sócios, ou do sócio ostensivo, ser ou não própria de empresário sujeito a registro (distinção feita pelo art. 982 do Código Civil entre sociedade simples e empresária)". • Enunciado 58, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A sociedade em comum compre­ ende as figuras doutrinárias da sociedade de fato e da irregular".

JULGADO • "Indenização. Danos morais e materiais. Anulação de contrato social. Vícios não suscitados. Onus probandi do autor. Fatos constitutivos do direito. Não comprovação. Art. 333, I, CPC. Recurso desprovido. 0 ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito, con­ forme insculpido no art. 3 3 3 ,1, do Código de Processo Civil. Para que faça jus a recebimento de indenização por danos morais e materiais, necessário que a prova acostada aos autos, constituti­ va do direito, seja robusta e inequívoca. 0 contrato social somente poderá ser anulado mediante a demonstração e comprovação de vícios capazes de macular o negócio jurídico. Nos termos do art. 986 do Código Civil, enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, subsidiariamente, pelas normas da sociedade simples. Negou provimento" (TJMG, Processo 1.0518.04.063145-0/001, 13* Câm. Civel, Rei. Des. Nicolau Masselli, j. em 12-3-2009).

Art. 987. Os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo. HISTÓRICO • Este dispositivo não sofreu alteração durante sua tramitação no Congresso Nacional. A prova da existência da sociedade de fato entre sócios e destes perante terceiros encontrava-se regulada

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pelos arts. 303 e 304 do Código Comercial de 1850, normas estas que já faziam referência ao conceito de sociedade em comum nâo personificada.

DOUTRINA • A existência jurídica da sociedade prova-se por seu contrato ou estatuto social validamente arquivado no registro competente, seja na Junta Comercial ou perante cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas. A ausência do ato formal de registro não implica em negar a existência, de fato, de relações entre pessoas que entre si contrataram a realização de uma atividade empresarial ou produtiva com a finalidade de repartição posterior de seus resulta­ dos, com objeto delimitado ou não. M as o reconhecimento da existência da sociedade em comum, por parte dos sócios, para a resolução de litígios entre si ou em face de terceiros, somente pode ser provado por meio de docum entos escritos, com o o contrato social nào registrado, termos de compromisso, recibos ou correspondências enviadas entre sócios ou destes para terceiros. Os terceiros que contrataram com os sócios, por sua vez, podem provar a existência da sociedade em comum por qualquer prova admitida em direito, inclusive a testemunhai, consoante a jurisprudência do STJ (REsp 203.929/PR, Rei. Min. Barros Monteiro, j. em 20-3-2001).

JULGADO • “Apelação civel. Ação declaratória de reconhecimento de sociedade de fato c/c pedido de disso­ lução, apuração de haveres e perdas e danos. Possibilidade de comprovação da sociedade comer­ cial de fato, hoje sociedade em comum, através de todos os meios de prova. Divisão igualitária dos bens e direitos. Recurso de apelação desprovido. Indenização pela utilização exclusiva dos bens pelo sócio remanescente. Perdas e danos. Possibilidade. Recurso adesivo provido" (TJSC, Processo 2004.016347-9, 2í Câm. de Dir. Com., Rei. Des. Sérgio Izidoro Heil, j. em 3-11-2008).

Art. 988. Os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum. HISTÓRICO • A redação final da norma é a mesma do projeto original do Código Civil. Não existia disposição semelhante no Código Civil de 1916 nem no Código Comercial de 1850 no tocante às sociedades de fato.

DOUTRINA • A sociedade em comum, com o sociedade de fato, apesar de não possuir personalidade jurí­ dica, deve compreender a reunião de capitais e bens por parte de seus sócios para o exercício da empresa, ainda que de modo irregular. De qualquer forma, a norma do art. 98 8 pressupõe a existência de um patrimônio próprio, especial, destinado pelos sócios para o atendimento do objeto da sociedade em comum. Esse patrimônio especial da sociedade de fato é que deverá responder pelas obrigações e dividas contraídas pela sociedade, assum indo os sócios responsabilidades em comum, ou seja, de modo igualitário e solidário entre si. Essa respon­ sabilidade é ilimitada, em face da inexistência de separação patrimonial, que somente ocor­ reria na sociedade que viesse a adquirir personalidade jurídica.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 210, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 patrimônio especial a que se refere o art. 988 é aquele afetado ao exercício da atividade, garantidor de terceiro, e de titulari­ dade dos sócios em comum, em face da ausência de personalidade jurídica".

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Arts. 989 e 990

JULGADO • “Agravo de instrumento. Reintegração de posse. Pedido liminar. Dissolução de sociedade em comum (de fato). Apuração de haveres. Plausibilidade inexistente. Incabivel o deferimento de medida li­ minar de reintegração de posse de bens afetados à sociedade em comum (de fato ou irregular), sendo indispensável seu reconhecimento prévio, secundado pela dissolução e apuração de haveres, na medida em que os arts. 988 e 989 do Código Civil estabelecem que os bens sociais constituem patrimônio especial, responsáveis pelos atos de gestào praticados por qualquer dos sócios. Negou provimento" (TJMG, Processo 1.0079.09.944835-3/001,131 Câm. Civ., Rei. Des. Cláudia Maia, j. em 5-11-2009).

Art. 989. Os bens sociais respondem pelos atos de gestão praticados por qualquer dos sócios, salvo pacto expresso limitativo de poderes, que somente terá eficácia contra o ter­ ceiro que o conheça ou deva conhecer. HISTÓRICO • A redação final da norma é a mesma constante do projeto original do Código Civil. Não existia disposição semelhante no Código Civil de 1916 nem no Código Comercial de 1850 no tocante às sociedades de fato.

DOUTRINA • 0 patrimônio especial constituído pelos sócios para o exercício de uma atividade societária em comum, de modo irregular, sem registro na esfera competente, ainda assim, pode ser demonstrado por provas de natureza contábil, fiscal ou financeira, entre outras, que com ­ provem o aporte de recursos e bens privados para o exercício de atividade mercantil ou de destinação econômica. Em razão da inexistência de personalidade jurídica na sociedade em comum, todos os sócios podem exercer poderes de gestão e representação, ainda que em nome próprio, ocultando a participação dos demais sócios. Nesse caso, todos os bens aplica­ dos na atividade econômica respondem pelas obrigações e pelos atos de gestão contratados em nome de um único sócio. A ressalva contida na norma do art. 989 exclui o conjunto dos bens destinados è sociedade em comum para a garantia de dívidas quando um terceiro que com ela contratou tivesse prévio conhecimento da limitação de poderes do sócio para com ­ prometer a totalidade do patrimônio reunido pela participação de todos os sócios, e não apenas por aquele responsável pela obrigação contratada.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 211, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “Presume-se disjuntiva a admi­ nistração dos sócios a que se refere o art. 989".

Art 990. Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no a r t 1.024, aquele que contratou pela sociedade. HISTÓRICO • 0 enunciado por este dispositivo foi objeto de emenda de redação na fase final de tramitação do projeto para melhor esclarecimento do ato de contratação de obrigações por parte de sócio da sociedade em comum. Não existia disposição semelhante no Código Civil de 1916 nem no Código Comercial de 1850 no tocante às sociedades de fato.

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DOUTRINA • A sociedade em comum, como sociedade de fato, não possuindo personalidade jurídica, im­ plica nào existir, consequentemente, separação entre o patrimônio da sociedade e o patri­ mônio particular dos sócios no caso de execução de dívidas contraídas pela sociedade. 0 art. 1.024 estabelece que “Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais". Todavia, no caso do sócio que contratou em nome da sociedade, com o sócio ostensivo e responsável pela assunção da obrigação, fica este excluído do benefício de ordem previsto no art. 1.024, podendo seus bens particulares ser objeto de execução antes dos bens dos demais sócios. No caso de insuficiên­ cia de bens por parte do sócio ostensivo, todos os demais sócios respondem solidária e ilimi­ tadamente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade em comum.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 212, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Embora a sociedade em comum nào tenha personalidade jurídica, o sócio que tem seus bens constritos por divida contraída em favor da sociedade, e não participou do ato por meio do qual foi contraída a obrigação, tem o direito de indicar bens afetados às atividades empresariais para substituir a constrição". • Enunciado 59, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Os sociogestores e os administra­ dores das empresas são responsáveis subsidiária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de má gestão ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, consoante estabelecem os arts. 990,1.009, 1.016,1.017 e 1.091, todos do Código Civil".

Capítulo II — DA SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes. Parágrafo único. Obriga-se perante terceiro tão somente o sócio ostensivo; e, exclusi­ vamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social. HISTÓRICO • A disposição deste art. 990 é a mesma do projeto original, não tendo sido objeto de nenhuma alteração na tramitação do projeto do Código Civil no Congresso Nacional. A sociedade em conta de participação era prevista e regulada pelos arts. 325 a 328 do Código Comercial de 1850.0 art. 325 do Código Comercial de 1850 assim definia a sociedade em conta de participação: "Quando duas ou mais pessoas, sendo ao menos uma comerciante, se reúnem, sem firma social, para lucro comum, em uma ou mais operações de comércio determinadas, trabalhando um, alguns ou todos, em seu nome individual para o fim social, a associação toma o nome de sociedade em conta de participação, acidental, momentânea ou anônima (...)".

DOUTRINA • A sociedade em conta de participação é uma espécie de sociedade não personificada, classi­ ficada com o sociedade empresária, mas que, diferentemente da sociedade em comum, em geral é constituída mediante contrato social, apesar de esse contrato nào ser levado a regis­ tro perante a Junta Comercial. 0 Prof. Rubens Requiào, com muita felicidade, assim se ex­ pressou a respeito desse peculiar tipo societário (Curso de direito comercial, São Paulo, Sa­ raiva, 27. ed., 2007, v. 1, p. 440-1): “É curiosa a sociedade em conta de participação. Não tem razão social ou firma; não se revela publicamente, em face de terceiros; não terá patrimônio, pois os fundos do sócio oculto sào entregues, fiduciariamente, ao sócio ostensivo que os

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Art. 991

aplica com o seus, pois passam a integrar o seu patrimônio. O Código Civil considera a con­ tribuição do sócio participante, bem como a do sócio ostensivo, um patrimônio especial, sendo que essa especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios (art. 994). A sociedade não é irregular, mas regular, por força de lei, embora não possua persona­ lidade jurídica. Nào será clandestina ou secreta, podendo os sócios divulgar sua existência se não forem impedidos pelo contrato". Nem sempre a sociedade em conta de participação terá sido muito bem compreendida entre os nossos autores. Autores houve, com o João Eunápio Borges, p. ex. (Curso de direito comercial terrestre, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1967, p. 310), que, sobre ela, chegaram a afirmar: “Disciplinada em nosso Código Comercial pelos arts. 325 a 328, é ela uma sociedade embrionária, cuja gestação nào chega a bom termo e que, esta sim, constitui autêntica 'esdruxularia', digna das severas críticas que os nossos comercialistas costumam reservar, sem razão, para a sociedade de capital e indústria". Não obstan­ te tão contundente crítica, porém, a verdade é que a sociedade em conta de participação serviu para a solução de muitas situações concretas da vida empresarial brasileira, conforme informado pelo Prof. M auro Brandão Lopes, na nota prévia de sua clássica obra sobre o tema (Ensaio sobre a sociedade em conto de participação no direito brasileiro, Sào Paulo, Revista dos Tribunais, 1964, p. 2). Com o se não bastasse o depoimento do saudoso professor, teve ela um período de ressurgimento, na década de sessenta, quando o Conselho M onetário Nacional editou a Resolução n. 103, extinguindo os fundos de financiamento, propiciando que ela servisse de modelo ao tipo de investimento nas empresas privadas, com a intermediação das Empresas de Crédito, Financiamento e Investimento, que faziam as vezes de sócia ostensiva, enquanto os investidores adquiriam as quotas na qualidade de sócios ocultos. Só muito mais tarde, com a edição do Decreto-Lei n. 2.303, de 21 de novembro de 1986, que alterou a le­ gislação tributária, com a equiparação da sociedade em conta de participação à pessoa jurí­ dica, passou a perder interesse esse tipo societário entre nós. De acordo com o parágrafo único deste art. 991, o contrato social delimitará os poderes do sócio ostensivo perante terceiros e deste junto aos demais participantes da sociedade. A sociedade em conta de par­ ticipação vinha sendo revitalizada nos últimos anos, principalmente para a execução de objetos delimitados e específicos, de natureza acidental. Cum prido esse objeto, a sociedade automaticamente inicia seu processo de dissolução. M auro Brandão Lopes (A sociedade em conta de participação, Sào Paulo: Saraiva, 1990, p. 13), no entanto, defende o ponto de vista de que as contas de participação têm natureza jurídica de sociedades. Em sentido contrário, temos João Eunápio Borges (Curso de direito comercial terrestre, v. 2, Rio de Janeiro, Forense, 1973, p. 102), que entende que a persona­ lidade jurídica é primordial para a caracterização societária.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 208, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "As normas do Código Civil para as sociedades em comum e em conta de participação sào aplicáveis independentemente de a atividade dos sócios, ou do sócio ostensivo, ser ou não própria de empresário sujeito a registro (distinção feita pelo art. 982 do Código Civil entre sociedade simples e empresária)".

JULGADOS • "Dissolução parcial da sociedade empresarial. Affectio societatis. Pró-labore. Serviço. Prestação. Autor. Ônus da prova. Irregularidades. A affectio societatis é um elemento especifico do contra­ to de sociedade empresarial, que se exterioriza pela vontade comum dos sócios de que o empre­ endimento prospere, em prol da sociedade e da atividade por ela desenvolvida. Inexistindo a affectio societatis, a consecução do fim social se torna impossível, permitindo a dissolução da sociedade empresarial, a teor do art. 1.034, II, do Código Civil. Sendo o pró-labore um pagamen­ to realizado em virtude da prestação de serviços à sociedade, não há que se falar em verba devida quando o serviço nào é efetivamente prestado. É ônus do autor provar os fatos constitutivos do

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seu direito, a teor do art. 333 do CPC. Inexistindo nos autos quaisquer provas das alegadas irre­ gularidades praticadas pelo sócio na gestão empresarial, nâo há que se acolher o pedido. Recurso nâo provido" (TJMG, Processo 1.0024.05.800563-8/001, 10* Câm. Civel, Rei. Des. Alberto Aluizio Pacheco de Andrade, j. em 15-12-2009). • "Apelação. Rescisão Contratual c/c Restituição de Valores. Sociedade em conta de Participação. Sócio Oculto que se comprometeu a investir capital no empreendimento, com o objetivo de obter lucro. Relação de Consumo nâo configurada. Liquidação Parcial da sociedade que deve ser pro­ cessada sob o rito da prestação de contas, com apuração de valores eventualmente devidos. Responsabilização da sócia ostensiva em relação aos sócios ocultos por prejuízos decorrentes de má administração que deve se dar em sede própria, observado o contraditório. Decisão Reforma­ da. Recurso provido" (TJSP, Acórdão 0002557622, 3â Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Egidio Jorge Giacoia.j. em 15-9-2009). • "Rescisão contratual e pedido de restituição. Não há que se falar em anulação parcial do proces­ so. 0 apelante assinou contrato de constituição de sociedade em conta de participação, sendo a ré a sócia ostensiva para aquisição da casa própria e quer a restituição das quantias pagas em razão de problemas de gerenciamento da sócia ostensiva, que sequer comprou o lote de terreno. Não obstante o instrumento firmado pelas partes receba a denominação de "Contrato de Consti­ tuição de Sociedade em Conta de Participação", patente que a relação jurídica subjacente repre­ senta uma verdadeira promessa de venda de imóvel mediante oferta pública e recebimento ante­ cipado de dividendos para entrega futura de bem imóvel. Ausência da affcctio societatis. 0 contrato realmente é nulo, destinado a fraudar o art. 53 do Código do Consumidor e a jurispru­ dência desta Corte. As quantias pagas deverão ser devolvidas de uma só vez. Exigivel a correção monetária a partir dos desembolsos e juros a partir da citação, com a condenação da apelada em custas e honorários de advogado fixados em 1 5 % sobre o valor total da restituição. Apelo provi­ do" (TJSP, Acórdão 0002230366, 81 Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. José Aguiar Pupo Ribeiro da Silva, j. em 11-3-2009).

Art. 992. A constituição da sociedade em conta de participação independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito. HISTÓRICO • A norma deste artigo é a mesma constante do projeto original, não tendo sido objeto de nenhuma alteração na tramitação do projeto do Código Civil no Congresso Nacional. Sua redação pratica­ mente reproduz a segunda parte do a rt 325 do Código Comercial de 1850, que assim enunciava: "Esta sociedade não está sujeita às formalidades prescritas para a formação das outras sociedades, e pode provar-se por todo o gênero de provas admitidas nos contratos comerciais".

DOUTRINA • A prova da existência da sociedade em conta de participação, não existindo contrato social escrito celebrado entre o sócio ostensivo e os sócios ocultos, poderá ser demonstrada por todos os meios de prova admitidos em direito, como, p. ex., prova testemunhai, documental ou pericial. Os documentos contábeis, fiscais ou instrumentos escritos, como correspondências por meio físico ou eletrônico, também servem para demonstrar a com unhão de interesses entre pessoas na exploração de uma atividade empresarial sob a forma de sociedade em conta de participação.

Art. 993.0 contrato social produz efeito somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade.

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Art. 994

Parágrafo único. Sem prejuízo do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier. HISTÓRICO • A norma deste artigo é a mesma constante do projeto original, não tendo sido objeto de alteração na tramitação do projeto do Código Civil no Congresso Nacional. Não existia disposição corres­ pondente no Código Comercial de 1850.

DOUTRINA • A hipótese deste artigo diz respeito à constituição da sociedade em conta de participação por meio de contrato social escrito. Todavia, esse contrato somente produz efeitos entre os sócios que integram a sociedade, pois, perante terceiros, quem responde pelas obrigações sociais é o sócio ostensivo, que contrata em seu próprio nome. O contrato social da sociedade em conta de participação nào pode ser levado a registro, seja na Junta Comercial, seja no cartó­ rio de Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Seu arquivamento, ainda que indevido, não pro­ duzirá nenhum efeito para fins de aquisição de personalidade jurídica pela sociedade. A fi­ gura do sócio ostensivo é única, ou seja, nào poderá haver mais de um sócio ostensivo, sob pena de ser desnaturado o próprio significado da conta de participação. Quando ocorrer si­ tuação em que apareçam dois ou mais sócios ostensivos, o sócio oculto que assumir ou contratar obrigações responderá solidariamente com o sócio ostensivo em todos os atos de que participar perante terceiros.

Art. 994. A contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, pa­ trimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais. § 1-A especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios. § 2? A falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade e a liquidação da respectiva conta, cujo saldo constituirá crédito quirografário. § 3? Falindo o sócio participante, o contrato social fica sujeito às normas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido. HISTÓRICO • A redação final da norma é a mesma constante do projeto original do Código Civil. 0 Código Comercial de 1850 estabelecia, em seu art. 328, regras especificas sobre a conta de participação no caso de falência ou insolvência do sócio ostensivo.

DOUTRINA • Entre os sócios integrantes da sociedade em conta de participação, será formado, unicamen­ te entre estes, um patrimônio próprio, destinado, exclusivamente, para a execução do objeto empresarial da sociedade. Cada sócio deverá contribuir, mediante aporte de capital, para a formação desse patrimônio comum, devendo o sócio ostensivo prestar contas perante os demais sócios participantes da aplicação e gestão desse patrimônio. Assim, todas as contri­ buições dos sócios constituem um patrimônio especial, que ficará vinculado, exclusivamente, à consecução dos negócios sociais. Considera-se com o especialização patrimonial, exatamen­ te, essa afetação específica e exclusiva dos capitais reunidos pelos sócios para fins de execu­ ção do objeto da sociedade. Na hipótese de, durante a existência da sociedade, o sócio os­ tensivo, pessoa física ou jurídica, ter sua falência decretada, a sociedade obrigatoriamente se dissolverá, com a apuração dos haveres devidos aos demais sócios, por meio de liquidação de

Arts. 995 e 996

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conta, créditos esses que serão habilitados no processo de falência com o créditos quirogra­ fários, ou seja, desprovidos de garantia real ou especial. No caso de ser decretada a falência de qualquer sócio oculto ou participante, a sociedade nào se dissolverá, aplicando-se as regras dos contratos bilaterais. Neste caso, o administrador provisório deverá decidir se a massa falida continuará, ou nào, participando da sociedade em conta de participação (Lei n. 11.101, de 9-2-2005, art. 117).

Art. 995. Salvo estipulação em contrário, o sócio ostensivo não pode admitir novo sócio sem o consentimento expresso dos demais. HISTÓRICO • A norma deste artigo é a mesma constante do projeto original, não tendo sido objeto de alteração na tramitação do projeto do Código Civil no Congresso Nacional. Não existia disposição corres­ pondente no Código Comercial de 1850.

DOUTRINA • Esta regra é norma básica ou elementar que sempre constou dos contratos das sociedades de pessoas, na qual existe forte vinculação pessoal entre os sócios, caracterizadoras da assim denominada affectio societatis. A admissão de um novo sócio, nesses tipos societários, sem­ pre dependerá do consentimento dos demais, seja o ingresso de sócio com aumento do ca­ pital, seja para substituição de sócios já existentes, mediante a transferência de suas quotas. 0 sócio ostensivo, apesar de ser o gestor e representante da sociedade, somente poderá ad­ mitir o ingresso de novo sócio com o consentimento expresso dos demais sócios ocultos ou participantes. 0 contrato social, todavia, pode autorizar o sócio ostensivo a permitir o ingres­ so de novos sócios sem que os demais sócios se manifestem, já que houve uma delegação anterior de poderes nesse sentido.

Art. 996. Aplica-se à sociedade em conta de participação, subsidiariamente e no que com ela for compatível, o disposto para a sociedade simples, e a sua liquidação rege-se pelas normas relativas à prestação de contas, na forma da lei processual. Parágrafo único. Havendo mais de um sócio ostensivo, as respectivas contas serão prestadas e julgadas no mesmo processo. HISTÓRICO • A redação final da norma é a mesma constante do projeto original do Código Civil. Não existia disposição semelhante no Código Comercial de 1850.

DOUTRINA • Quando o contrato social for omisso e inexistir disposição específica reguladora das relações entre os sócios ou deste com terceiros nas norm as relativas à sociedade em conta de partici­ pação, devem ser aplicadas as disposições que regulam a sociedade simples (arts. 997 a 1.038). Na hipótese de dissolução e liquidação da sociedade em conta de participação, o processo de apuração dos haveres e obrigações do sócio ostensivo relativamente aos demais sócios deve regular-se de acordo com as normas aplicáveis à prestação de contas contidas na legislação processual (Código de Processo Civil de 1973, arts. 9 1 4 a 919; Código de Processo Civil de 1939, arts. 655 a 674). Este art. 996, em seu parágrafo único, admite a existência de mais de um sócio ostensivo na sociedade em conta de participação, exigindo-se, nesse caso, que ambas as prestações de contas sejam realizadas e julgadas em um mesmo processo judicial.

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0 interessante nessa parte final do dispositivo do art. 9 9 6 é que, em qualquer hipótese, a sociedade em conta de participação somente pode dissolver-se, ter suas contas liquidadas e ser extinta mediante processo judicial.

JULGADOS • "Apelação. Rescisão Contratual c/c Restituição de Valores. Sociedade em conta de Participação. Sócio Oculto que se comprometeu a investir capital no empreendimento, com o objetivo de obter lucro. Relação de Consumo não configurada. Liquidação Parcial da sociedade que deve ser pro­ cessada sob o rito da prestação de contas, com apuração de valores eventualmente devidos. Responsabilização da sócia ostensiva em relação aos sócios ocultos por prejuízos decorrentes de má administração que deve se dar em sede própria, observado o contraditório. Decisão Reforma­ da. Recurso provido" (TJSP, Acórdão 0002557622, 3» Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Egidio Jorge Giacoia, j. em 15-9-2009). • "Ação cautelar. Exibição de documentos. Comprovantes de pagamento relativos a obrigações decorrentes de dissolução de sociedade em conta de participação. Sentença extintiva do processo sem resolução do mérito por falta de interesse processual (CPC, art. 267, VI). Inadequação da via eleita. Hipótese de ajuizamento de ação de prestação de contas. Inteligência do art. 996 do Códi­ go Civil. Sentença mantida. Recurso desprovido" (TJSP, Acórdão 0002080992,2a Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Ariovaldo Santini Teodoro, j. em 2-12-2008).

Subtítulo II — DA SOCIEDADE PERSONIFICADA Capítulo I — DA SOCIEDADE SIMPLES

Seção I



Do contrato social

Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: I — nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; II — denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; III — capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qual­ quer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; IV — a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; V — as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; VI — as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; VII — a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; VIII — se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais. Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato. HISTÓRICO • A redação deste artigo sofreu duas alterações, em face do projeto original do Código Civil. Emen­ da de autoria do Senador Gabriel Hermes adicionou o inciso VIII ao corpo do artigo. Posterior­

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mente, na etapa final de tramitação, emenda de autoria do Deputado Ricardo Fiuza substituiu a expressão "pessoas físicas", nos incisos I e VI por "pessoas naturais". 0 Código Civil de 1916 rela­ cionava as cláusulas essenciais do contrato da sociedade civil em seu art. 19. A Lei n. 6.015/73, em seu art. 120, estabelece as cláusulas obrigatórias dos contratos de constituição das sociedades e associações civis. No âmbito das sociedades comerciais, o art. 302 do Código Comercial de 1850 relacionava as cláusulas obrigatórias que deveriam constar dos contratos sociais.

DOUTRINA • Embora o caput do artigo mencione a possibilidade de o contrato da sociedade simples ser celebrado tanto por instrumento particular com o por escritura pública, a prática empresarial revela a parca utilização desta última forma. Os oito incisos deste artigo mencionam os re­ quisitos indispensáveis à caracterização da sociedade simples, a partir da identificação e qualificação dos sócios, os quais poderão ser pessoas naturais ou jurídicas. Particularizam a sociedade sua denominação, objeto, sede e prazo de duração. É obrigatória, também, a quan­ tificação do capital, sua divisão em quotas e a respectiva distribuição entre os sócios. Na sociedade simples, dada a sua natureza não empresarial, admite-se que um sócio contribua, apenas, com serviços ou trabalho, tal com o acontecia, anteriormente, com a sociedade civil, segundo autorizava o art. 1.376, do Código Civil de 1916, e com a sociedade de capital e indústria, prevista nos arts. 317 a 324 do Código Comercial de 1850. Com a previsão feita pelo inciso V deste art. 997 ("as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consis­ ta em serviços") e sendo essa contribuição em serviços cabível em diversas sociedades, supri­ miu-se a sociedade de capital e indústria do atual Código Civil, conforme esclarecido pelo Prof. Sylvio Marcondes, em sua já citada obra (Problemas de direito mercantil, São Paulo, M ax Limonad, 1970, p. 148). • Consoante já mencionado anteriormente (v. comentários ao art. 982), a sociedade simples assume, no Código, caráter indisfarçavelmente polissêmieo, sendo objeto de evidentes diver­ gências doutrinárias. Se, de um lado, como já destacado nos comentários ao art. 996, o Prof. Sylvio M arcondes (Problemas de direito mercantil, acima citado, p. 147 e, igualmente, na Exposição de M otivos complementar do Anteprojeto) explicou a sociedade simples com o "um compartimento comum, de portas abertas para receber e dar solução às apontadas questões", de outro, autores com o o Prof. Rubens Requião (Curso de direito comercial, Sào Paulo, Sa­ raiva, 27. ed., 2007, v. 1, p. 419), condenaram “a introdução da sociedade simples no direito brasileiro, sem raízes na tradição jurídica de nosso país", entendendo que teria sido preferível o Código Civil apenas estabelecer os princípios gerais relativos às sociedades, tal como ocor­ reu, exemplificativamente, com a França. Sobre a própria extensão e alcance do conceito da sociedade simples no direito brasileiro, não parece haver consenso na doutrina e as discussões entre os autores estão mais vivas do que nunca. 0 Prof. Fábio Ulhoa Coelho (Comentários ò N ova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, São Paulo, Saraiva, 2005, p. 22), p. ex., enxerga uma tríplice função para as sociedades simples, afirmando: “Além de tipo societário e de modelo geral, ela é, finalmente, uma categoria de sociedade. É esta a terceira função do conceito que interessa destacar para os objetivos deste item. Pelo art. 982 do Código Civil, as sociedades se consideram simples se não tiverem 'por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro'". Depois de esclarecer que as sociedades simples podem adotar qualquer um dos tipos das sociedades empresárias, excetuando-se o da sociedade anônim a e o da comandita por ações, subordinando-se às regras que lhe são próprias, pros­ segue o citado professor: "Então, a expressão 'sociedade simples' é, em decorrência da pri­ meira e última funções assinaladas, ambígua. Em sentido estrito designa um tipo de socieda­ de (ombreia-se, neste caso, à limitada, anônima, comandita por ações etc.); em sentido lato, designa a categoria das sociedades não empresárias. Quer dizer, de acordo com o sistema adotado pelo Código Reale, as sociedades personificadas se classificam, inicialmente, em empresárias e simples (não empresárias). A s empresárias podem adotar um de cinco tipos:

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nome coletivo, comandita simples, limitada, anônima e comandita por ações. As simples (em sentido lato), por sua vez, também podem adotar um de cinco tipos (em parte, diferentes): nome coletivo, comandita simples, limitada, cooperativa e simples (em sentido estrito)". Nào obstante tão judiciosas considerações do eminente professor - com as quais estou de acordo, fundamentalmente, por conduzirem o intérprete ao resultado exato quanto ao quadro de opções oferecido pelo atual Código Civil brasileiro a todos aqueles que se proponham a exer­ cer atividade econômica organizada, tenha esta feições empresariais ou nào - , que têm o inquestionável condão de pôr em realce a verdadeira importância destinada à sociedade simples no direito brasileiro, penso que esse aspecto tricotômico das funções das sociedades simples (como tipo societário, com o modelo geral e como categoria de sociedade) pode ser reduzido, dependendo do ângulo em que se coloque o estudioso, na verdade, a dois: com o tipo societário e como categoria de sociedade. A outra função a que se referiu o Prof. Fábio - vale dizer, a circunstância de suas normas servirem, subsidiariamente, às outras modalidades so­ cietárias, empresárias ou não, constituindo-se num repositório normativo suplementar - , não significa que tal papel escape â sociedade simples enquanto categoria de sociedade. Seja como for, a delimitação conceituai do instituto nào se afigura fácil. Tanto assim que o Prof. Alfre­ do de Assis Gonçalves Neto (Lições de direito societário, Ed. Juarez de Oliveira, Sào Paulo, 2. ed., 2004, p. 122-3), após pôr em realce as várias dificuldades decorrentes da sistemática adotada pelo Código Civil, considerou que a distinção entre sociedade simples e sociedade empresária - ora introduzida no lugar da antiga diferenciação entre sociedade comercial e civil - "revela-se igualmente fluida e confusa, porém, em menor intensidade", concluindo esse eminente comercialista que “mesmo assim, as décadas de discussão a respeito da dicotomia antiga serão substituídas com a reabertura de nova polêmica no enfrentamento de outras perplexidades, até que as novas dúvidas e dificuldades, aqui antevistas. sejam supe­ radas". • 0 contrato social deve prever, também, se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente pelas obrigações sociais, introduzindo, nas sociedades simples, o regime da responsabilidade limitada dos sócios, o que não ocorria na sociedade civil, em que os sócios sempre tinham responsabilidade subsidiária pelas dívidas e obrigações da sociedade. 0 parágrafo único des­ te dispositivo estatui que somente produzirão efeitos com relação a terceiros as normas e cláusulas que constem, expressamente, do contrato social, tornando ineficaz qualquer pacto em separado, que somente pode valer nas relações entre os sócios.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 479, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 997, VII. Na sociedade sim­ ples pura (art. 983, parte final, do CC/2002), a responsabilidade dos sócios depende de previsão contratual. Em caso de omissão, será ilimitada e subsidiária, conforme o disposto nos arts. 1.023 e 1.024 do CC/2002". • Enunciado 478, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Art. 997, caput e inciso III. A integralizaçáo do capital social em bens imóveis pode ser feita por instrumento particular de contrato social ou de alteração contratual, ainda que se trate de sociedade sujeita ao registro exclusivamente no registro civil de pessoas jurídicas". • Enunciado 466, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 968, IV, parte final, e 997, II: Para fins do Direito Falimentar, o local do principal estabelecimento é aquele de onde partem as decisões empresariais, e não necessariamente a sede indicada no registro público". • Enunciado 385, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “A unanimidade exigida para a modificação do contrato social somente alcança as matérias referidas no art. 997, prevalecendo, nos demais casos de deliberação dos sócios, a maioria absoluta, se outra mais qualificada não for prevista no contrato". • Enunciado 383, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A falta de registro do contrato social (irregularidade originária - art. 998) ou de alteração contratual versando sobre matéria

Art. 998

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referida no art. 997 (irregularidade superveniente - art. 999, parágrafo único) conduz à aplicação das regras da sociedade em comum (art. 986)". • Enunciado 214, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "As indicações contidas no art. 997 nâo são exaustivas, aplicando-se outras exigências contidas na legislação pertinente para fins de registro". • Enunciado 213, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: " 0 art. 997, II, não exclui a pos­ sibilidade de sociedade simples utilizar firma ou razão social". • Enunciado 206, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A contribuição do sócio exclu­ sivamente em prestação de serviços é permitida nas sociedades cooperativas (art. 1.094,1) e nas sociedades simples propriamente ditas (art. 983, 2* parte)".

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 998. Nos trinta dias subsequentes à sua constituição, a sociedade deverá requerer a inscrição do contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede. § 1 - 0 pedido de inscrição será acompanhado do instrumento autenticado do contrato, e, se algum sócio nele houver sido representado por procurador, o da respectiva procuração, bem como, se for o caso, da prova de autorização da autoridade competente. § T- Com todas as indicações enumeradas no artigo antecedente, será a inscrição to­ mada por termo no livro de registro próprio, e obedecerá a número de ordem contínua para todas as sociedades inscritas. HISTÓRICO • A redação deste dispositivo foi alterada durante a tramitação do projeto no Senado, em que o prazo original de quinze dias para o registro do contrato foi ampliado para trinta dias, por meio de emenda do Senador Gabriel Hermes. Nem o Código Civil de 1916, nem a Lei n. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) estabeleciam qualquer prazo para o registro dos atos constitutivos da socie­ dade civil. No que tange às sociedades comerciais, a Lei n. 8.934/94 (art. 36) exige o mesmo prazo de trinta dias para apresentação do contrato social para registro, após sua formal celebração entre os sócios.

DOUTRINA • Após a assinatura do contrato ou a lavratura da escritura pública de constituição da socie­ dade simples os sócios deverão levar o instrumento constitutivo perante o cartório do Regis­ tro Civil das Pessoas Jurídicas para o competente registro. Esse ato de análise e registro do contrato social procedido pelo cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas tem natureza constitutiva, e não declaratória, porque a existência legal das pessoas jurídicas somente co­ meça com o registro de seus atos constitutivos (Lei n. 6.015/73, art. 119). 0 cartório de Re­ gistro Civil das Pessoas Jurídicas pode recusar ou colocar em exigência o processo de registro se verificar que não foram atendidas as prescrições legais obrigatórias estabelecidas pelo art. 997. Todavia, a não observância do prazo de trinta dias previsto neste dispositivo não contém sanção que possa impedir o registro do contrato, mas o momento da constituição da socie­ dade dependerá do deferimento da inscrição no cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídi­ cas. A inscrição da sociedade deve ser realizada no cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas da respectiva sede da sociedade. 0 requerimento de inscrição será acom panhado de cópia autenticada do contrato social ou da escritura pública, permanecendo os instrumentos

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originais na posse dos sócios. Os procedimentos de inscrição e registro das sociedades simples encontram-se regulados, complementarmente, nos arts. 114 a 121 da Lei n. 6.015/73.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 383, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A falta de registro do contrato social (irregularidade originária - art. 998) ou de alteração contratual versando sobre matéria referida no art. 997 (irregularidade superveniente - art. 999, parágrafo único) conduzem à apli­ cação das regras da sociedade em comum (art. 986)". • Enunciado 215, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “A sede a que se refere o caput do art. 998 poderá ser a da administração ou a do estabelecimento onde se realizam as atividades sociais".

JULGADO • "Sociedade simples. Autor que se retirou de duas sociedades simples. Pretensão a exclusão de seu nome pela Junta Comercial do Estado de São Paulo. Impossibilidade. Sociedades constituídas de forma simples. Aplicação dos arts. 997 e 998 do novo CC. Registro perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Ação improcedente. Recurso improvido" (TJSP, Acórdão 0002832333, 12' Câm. de Dir. Públ., Rei. Des. Luiz Burza Neto, j. em 24-2-2010).

Art. 999. As modificações do contrato social, que tenham por objeto m atéria indicada no art. 997, dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime. Parágrafo único. Qualquer modificação do contrato social será averbada, cumprindo-se as formalidades previstas no artigo antecedente. HISTÓRICO • A norma deste artigo é a mesma constante do projeto original, não tendo sido objeto de nenhuma alteração na tramitação do projeto do Código Civil no Congresso Nacional. 0 Código Civil de 1916 estabelecia, no art. 1.394, como regra geral o quorum da maioria de votos para as deliberações nas sociedades civis. A averbação da modificação das cláusulas do contrato social encontrava-se prevista no parágrafo único do art. 19 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Esta disposição do art. 999 contém uma regra que torna praticamente inflexível o contrato social após seu registro. Isto porque se exige o voto da unanimidade dos sócios para alterar qualquer das cláusulas essenciais constantes do art. 997. Assim, eventual modificação no capital social, para seu aum ento ou redução, a transferência de quotas entre sócios ou o ingresso de novo sócio, depende da unanimidade dos sócios. Isto quer dizer que qualquer alteração do contrato social deve conter a assinatura de todos os sócios no respectivo termo aditivo. No que se refere à modificação de outras cláusulas do contrato não previstas no art. 997, esta pode dar-se por maioria absoluta dos votos, ou seja, pelo consentimento de mais da metade dos sócios integrantes da sociedade. A legislação societária anterior nào continha norma com tal rigidez que exigisse o voto da unanimidade dos sócios, senão para deliberar sobre a dissolução da sociedade (Código Civil de 1916, art. 1.399, VI; Código Comercial de 1850, art. 335, item 3). No antigo Código Civil, no silêncio do contrato, as deliberações dos sócios seriam, sempre, por maioria de votos (art. 1.394).

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• 0 quorum de unanimidade apresenta-se excessivamente rigoroso. Também nào há razão para que o contrato social não possa estabelecer quorum diverso para deliberação sobre essas outras matérias nào contempladas no art. 997, tal com o ora está posto no parágrafo único.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 385, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A unanimidade exigida para a modificação do contrato social somente alcança as matérias referidas no art. 997, prevalecendo, nos demais casos de deliberação dos sócios, a maioria absoluta, se outra mais qualificada não for prevista no contrato". • Enunciado 384, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Nas sociedades personificadas previstas no Código Civil, exceto a cooperativa, é admissível o acordo de sócios, por aplicação analógica das normas relativas às sociedades por ações pertinentes ao acordo de acionistas". • Enunciado 383, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A falta de registro do contrato social (irregularidade originária - art. 998) ou de alteração contratual versando sobre matéria referida no art. 997 (irregularidade superveniente - art. 999, parágrafo único) conduzem à apli­ cação das regras da sociedade em comum (art. 986)". • Enunciado 216, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 quorum de deliberação pre­ visto no art. 1.004, parágrafo único, e no art. 1.030 é de maioria absoluta do capital representado pelas quotas dos demais sócios, consoante a regra geral fixada no art. 999 para as deliberações na sociedade simples. Esse entendimento aplica-se ao art. 1.058 em caso de exclusão de sócio remisso ou redução do valor de sua quota ao montante já integralizado".

JULGADOS • "Agravo de instrumento. Execução fiscal. Exceção de pré-executividade. Sociedade civil. Alteração contratual. Registro no cartório de registro civil de pessoas jurídicas. Validade. Ex-sócia. Ilegitimi­ dade passiva configurada. Ainda que tenha sido a sociedade constituída como uma sociedade li­ mitada, tratando-se de verdadeira sociedade civil, por possuir como atividade principal a prestação de serviços educacionais, devem seus atos, sejam constitutivos ou modificativos, ser registrados no competente cartório de registro civil de pessoas jurídicas, inclusive para fins de publicidade. Observada tal exigência, vez que devidamente registrados no Cartório de Registro Civil de Pesso­ as Jurídicas tanto o Contrato Social da sociedade, como a sua alteração contratual em que se dera a retirada da executada de seu quadro societário, não há que se falar que tal alteração, não tem validade perante terceiros, de forma que, ocorridos os fatos geradores do crédito tributário em execução posteriormente à referida retirada, mostra-se indevida a inclusão da ex-sócia no polo passivo da execução fiscal. Súmula do julgamento: Dar provimento ao recurso" (TJMG, Processo 1.0024.04.216182-8/001, 3* Câm. Civel, Rei. Des. Elias Camilo, j. em 20-8-2009). • "Processual civil. Agravo de instrumento. Ação anulatória de decisão assemblear de maioria. Pre­ liminares. Rejeição. Sociedade empresária limitada. Alteração da forma contratual de distribuição de lucros aos sócios. Desproporcionalidade com relação às quotas sociais. Antecipação de tutela. Art. 273 do CPC. Presença dos requisitos legais. Deferimento. Reforma da decisão agravada. Re­ curso conhecido e provido. É de se rejeitar preliminares de decisão ultra pctito do relator, ou de que o recurso esteja prejudicado, se não se verificaram tais circunstâncias que as determinam. Os requisitos da antecipação de tutela são aqueles dispostos no art. 273 do CPC, ou seja, verossimi­ lhança da alegação e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Em se tratando de sociedade empresária, é verossimilhante a alegação de nulidade da deliberação em assembleia que decide sobre a distribuição, mesmo que disfarçada, de lucros de forma desproporcional das quotas, e de maneira não isonômica aos sócios. Há risco de dano irreparável em caso de não re­ cebimento de lucros da empresa pelo sócio, quando há distribuição mensal dos lucros para os demais sócios. Recurso conhecido e provido" (TJMG, Processo 1.0024.08.248353-8/001,17* Câm. Civel, Rei. Des. Márcia de Paoli Balbino, j. em 23-4-2009).

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Arts. 1.000 e 1.001

DIREITO PROJETADO • Em face das considerações acima e outrossim para que não reste dúvida de que a sociedade sim­ ples deve ser registrada no Registro Civil, o Deputado Ricardo Fiuza apresentou projeto de lei à Câmara dos Deputados propondo, para o art. 999, a redação seguinte: Art. 999. A s modificações do contrato social, ainda que tenham por objeto matéria indicada no art. 997, devem ser deci­ didas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar quorum diverso. Parágrafo único. Qualquer modificação do contrato social será averbada no Registro Civil da respectiva sede, cumprindo-se as formalidades previstas no artigo antecedente (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado). • PLn. 699/2011: Art. 999. A s modificações do contrato social, que tenham por objeto matéria indicada n o art. 997, dependem do consentimento de todos o s sócios; a s demais devem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato nõo determinar quorum diverso.

Art 1.000. A sociedade simples que instituir sucursal, filial ou agência na circunscrição de outro Registro Civil das Pessoas Jurídicas, neste deverá também inscrevê-la, com a pro­ va da inscrição originária. Parágrafo único. Em qualquer caso, a constituição da sucursal, filial ou agência deve­ rá ser averbada no Registro Civil da respectiva sede. HISTÓRICO • A redação original do dispositivo foi alterada, na Câmara dos Deputados, por emenda do Deputa­ do Geraldo Guedes, sendo posteriormente aperfeiçoada, no Senado Federal, por meio de emenda do Senador Josaphat Marinho, passando a adotar o enunciado do texto final. Com tal especifici­ dade não existe norma correspondente no Código Civil de 1916. Seu art. 19 trata, genericamente, da averbação das modificações do contrato social da sociedade civil.

DOUTRINA • Se a sociedade simples vier a instituir estabelecimento filial, sucursal ou agência em outro Município, diferente daquele de sua sede, no Registro Civil das Pessoas Jurídicas dessa outra circunscrição, deverá também inscrever e registrar a instalação da filial. Considerando que os cartórios de Registro Civil das Pessoas Jurídicas têm circunscrição municipal, e não estadual, como ocorre no âmbito do Registro de Empresas Mercantis, para a mera instalação de filial em outro Município, ainda que integrante, p. ex., de uma mesma região metropolitana, exige-se a inscrição no Registro Civil das Pessoas Jurídicas com circunscrição na área correspon­ dente.

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza.

Seção II



Dos direitos e obrigações dos sócios

Art. 1.001. As obrigações dos sócios começam imediatamente com o contrato, se este não fixar outra data, e terminam quando, liquidada a sociedade, se extinguirem as respon­ sabilidades sociais.

Art. 1.002

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HISTÓRICO • 0 presente dispositivo nào foi objeto de emenda na tramitação do projeto no Congresso Nacional, permanecendo com sua redação original. Seu conteúdo é praticamente o mesmo do art. 1.375 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 contrato de sociedade é personalíssimo e vincula os sócios entre si desde o momento em que ele é celebrado. Antes mesmo, portanto, do registro e da constituição formal da socie­ dade, os sócios obrigam -se entre si, devendo cumprir as disposições estipuladas no contrato, principalmente a obrigação de integralizar o capital subscrito. Durante o período de consti­ tuição, antes da inscrição da sociedade no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, e após inicia­ do o processo de dissolução da sociedade, a vinculaçào entre os sócios decorre das obrigações assumidas no contrato. Essas obrigações extinguem-se, somente, após a liquidação da socie­ dade, com o cumprimento das responsabilidades sociais perante terceiros.

JULGADO • “Apelação civel. Execução fiscal. Sociedade. Dissolução irregular. Exaurimento do patrimônio. Redirecionamento contra o sócio. Possibilidade. Penhora. 1. A dissolução irregular da sociedade empresária, no caso concreto, provada à sociedade e inclusive não negada pelos embargantes, é modalidade de responsabilidade dos sócios, e não dos administradores, tema que, em Direito So­ cietário, é substancialmente diverso. Na responsabilidade dos sócios por dissolução, não se admi­ te divida não paga, sob pena de se ensejar calote aos credores pelo artificio da extinção. Noutras palavras, a dissolução da sociedade não está contemplada na lei como hipótese de quitação de divida, exatamente para evitar o calote. E se assim era na dissolução de direito ou regular tanto às antigas sociedades civis (CC/1916, art. 1.407), quanto às mercantis (CCm, art. 346), e assim é atualmente (CC/2002, arts. 1.001 e 1.103, V), diferente não pode ser, pelo argumento o fortiori, na dissolução de fato ou irregular, sob pena de ser mais vantajoso descumprir a lei do que cumpri­ da. 2. Penhora. Nào deve prevalecer a penhora sobre direitos decorrentes de contrato de alienação fiduciária sobre veiculo, se o executado usa este como instrumento de trabalho. 3. Apelação parcialmente provida" (TJRS, Ap. 7001524372, 1a Câm. Civel, Rei. Des. Irineu Mariani, j. em 6-62007).

Art. 1.002. O sócio não pode ser substituído no exercício das suas funções, sem o consentimento dos demais sócios, expresso em modificação do contrato social. HISTÓRICO • A norma deste artigo é a mesma constante do projeto original, nào tendo sido objeto de alteração na tramitação do projeto no Congresso Nacional. Não existia disposição correspondente no Códi­ go de 1916.

DOUTRINA • A adequada interpretação dessa norma deve considerar por funções do sócio o exercício normal das suas atribuições, tais com o o exercício do direito de voto. de fiscalização dos atos de administração da sociedade e de participação em seus resultados. As funções básicas e essenciais que devem ser exercidas pelos sócios na sociedade, mesmo que este não faça par­ te da administração, são indelegáveis. Somente com o consentimento expresso de todos os demais sócios, autorizado pelo contrato social ou mediante termo aditivo, pode o sócio de­ legar a terceiro não sócio o exercício de suas funções societárias. No tocante à delegação dos poderes de administração pelo sócio-gerente, esta se encontra disciplinada nos arts. 1.018 e 1.019.

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Art. 1.003

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade. Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, respon­ de o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio. HISTÓRICO • A redação final da norma é a mesma do projeto original. O Código de 1916 (art. 1.388), assim como o Código Comercial de 1850 (art. 334), igualmente exigiam o consentimento dos demais sócios para a cessão de quotas da sociedade a terceiros, sob pena de nulidade. Relativamente ao prazo em que o sócio cedente e que se retira da sociedade fica responsável pelas obrigações sociais, tal regra constava do art. 1.407 do Código Civil de 1916, mas tão somente no tocante à dissolução total da sociedade. No âmbito das sociedades comerciais, o art. 339 do Código Comercial de 1850 limitava a responsabilidade do sócio retirante pelas obrigações sociais existentes até o momento de sua retirada. Esse prazo de dois anos em que continua subsistindo a responsabilidade do sócio retirante foi introduzido em nossa legislação pela antiga Lei de Falências (Decreto-Lei n. 7.661/45, art. 5°). A nova Lei de Falências manteve o mesmo prazo (Lei n. 11.101, de 9-2-2005, art. 81, § 1o).

DOUTRINA • A composição do quadro de sócios da sociedade, nas sociedades simples, assim com o nas demais sociedades de pessoas, deve constar, necessariamente, do contrato social. Assim, qualquer alteração na composição dos sócios e mesmo a transferência de quotas entre si deve ser objeto de alteração do contrato social. Este art. 1.003 exige que, no caso da cessão total, com a saída do sócio cedente, ou de cessão parcial das quotas por ele detidas, todos os demais sócios devem consentir com o ato de transferência, formalizando-se a cessão mediante termo aditivo ao contrato social. A Constituição Federal, em seu art. 5®, XX, estabelece o princípio de que “ninguém será compelido a associar-se ou a manter-se associado". Por conta desse princípio, é lícito a qualquer sócio que assim o deseje retirar-se da sociedade. Todavia, os demais sócios têm o direito reflexo de somente aceitar o ingresso de novo sócio caso assim lhes convenha. E diante destes a cessão das quotas a terceiros ou mesmo a outros sócios não produzirá efeitos enquanto não constar da necessária alteração do contrato social. 0 sócio que se retirar da sociedade continuará solidariamente responsável pelo prazo de dois anos, juntamente com o sócio cessionário de suas quotas, pelas dívidas e obrigações sociais exis­ tentes à época de sua saída da sociedade.

JULGADOS • “Agravo de instrumento. Execução ajuizada contra a empresa, da qual o agravante era sócio. Desconsideração da personalidade jurídica. Tese de que dela se retirou há mais de dois anos. Jun­ tada da ficha cadastral da Junta Comercial, provando a saida em 12-3-2007. Retirada superior a dois anos. Inteligência do parágrafo único do art. 1.003 do Código Civil. Aplicação da regra da sociedade simples à sociedade limitada [art. 1.053]. Precedentes jurisprudenciais da Corte paulis­ ta. Recurso provido" (TJSP, Acórdão 0002993833, 21a Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Virgilio de Oli­ veira Júnior, j. em 12-5-2010).

Art. 1.004

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• “Agravo interno. Art. 557, § 1o, CPC. Sociedade. Dissolução parcial. Tutela antecipada concedida para determinar a retirada do sócio do quadro societário. Pretensão do agravante de que a ordem judicial determine a sua saida da sociedade desde a data acordada pelos sócios. Impossibilidade. Modificação do contrato social que só produz efeitos perante terceiros após a sua averbação, quando é dada publicidade ao ato para conhecimento geral. Acordo entre os sócios que apenas estabelece relação obrigacional entre as partes. Recurso manifestamente improcedente. Segui­ mento negado por decisão monocrática. Agravo interno improvido" (TJSP, Acórdão 0002704349, 4* Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Fernando Antonio Maia da Cunha, j. em 12-11-2009). • “Agravo de instrumento. Ação de obrigação de fazer com pedido de antecipação de tutela. Ad­ missibilidade de adquirente de quotas sociais nas dependências da empresa com acesso a todos os documentos comerciais, financeiros e fiscais. Antecipação de tutela indeferida. Decisão man­ tida. Recurso improvido. Requisito da verossimilhança que não veio demonstrado. 'Cessão de quotas que deverá contar com consentimento dos demais sócios, com a modificação do contrato social, sem o que não terá eficácia quanto àqueles e a sociedade’. Negou provimento" (TJSP, Acórdão 000263089, 10* Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Octavio Helene Júnior, j. em 27-10-2009). • “Execução de titulo judicial. Desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada. Hipótese, todavia, que o sócio incluído no polo passivo se retirou da sociedade mais de sete anos antes da constituição do título executivo. Arts. 1.003, parágrafo único, e 1.032 do Código Civil. Exclusão do recorrente e de seus bens da execução determinada. Agravo provido para esse fim" (TJSP, Acórdão 0002571628, 23* Câm. de Dir. Priv., Rei. designado Luiz Antonio Rizzatto Nunes, j. em 16-9-2009).

DIREITO PROJETADO • Há proposição do Deputado Ricardo Fiuza à Câmara dos Deputados para que se suprima o prazo de dois anos de que trata o parágrafo único, sempre que as obrigações que o cedente tinha com a sociedade e com terceiros tenham "sido expressa e inequivocamente assumidas por cessionário outro que nào a própria sociedade" (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado).

Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições esta­ belecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora. Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § l- do art. 1.031. HISTÓRICO • Este dispositivo não foi objeto de modificação na tramitação do projeto. 0 Código de 1916 não continha disposição semelhante fixando procedimentos para a integralizaçào do capital subscrito. A norma em referência origina-se das disposições relativas às sociedades comerciais, dispondo o Código Comercial de 1850 (art 289) sobre o processo de execução e exclusão do sócio remisso.

D O U T R IN A • A primeira e principal obrigação de todo sócio a partir do momento em que assina o contra­ to social é integralizar o valor das quotas por ele adquiridas, no prazo fixado pelo mesmo contrato. Fixando o contrato um prazo para a integralizaçào do capital, e deixando o sócio de cumprir esse prazo, ele passa a ser considerado sócio remisso, ou seja, inadimplente da obrigação de pagar à sociedade sua parte para a formação do capital. Se a inadimplência superar o prazo de trinta dias após o recebimento da correspondente notificação, fica o sócio constituído em mora e responderá pelos danos e prejuízos que a sociedade vier a sofrer em razão do desfalque em seu capital. Nessa hipótese, os demais sócios poderão decidir entre

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Art. 1.004

duas alternativas: executar o sócio remisso pelos danos decorrentes da mora ou simplesmen­ te exclui-lo da sociedade, com redução do capital da sociedade caso os demais sócios nào subscrevam e integralizem as quotas do sócio inadimplente. Se o sócio remisso já houver contribuído, parcialmente, para a formação do capital, este será proporcionalmente reduzido na parte que faltar à integralizaçáo, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota (art. 1.031, § 1o). Com o interpretar-se esta expressão "maioria dos demais sócios", constante nos arts. 1.004, parágrafo único, e 1.030, respectivamente, para as deliberações que decidem a exclusão de sócio remisso ou a redução do valor de sua quota e a sua exclusão judicial? Dir-se-á, talvez, dever ser entendido, necessariamente - seja por questão de bom senso, seja por causa da regra geral dos arts. 999 e 1.010, existente nas sociedades simples, também aplicá­ vel às sociedades limitadas no sentido de tratar-se de maioria absoluta. Tal é o meu en­ tendimento, efetivamente, mas, por via das dúvidas, o Grupo de Trabalho do Direito da Em­ presa, na III Jornada de Direito Civil, considerou prudente aprovar-se o Enunciado 216 (aliás, por maioria e nào por unanimidade).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 216, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 quorum de deliberação pre­ visto no art. 1.004, parágrafo único, e no art. 1.030 é de maioria absoluta do capital representado pelas quotas dos demais sócios, consoante a regra geral fixada no art. 999 para as deliberações na sociedade simples. Esse entendimento aplica-se ao art. 1.058 em caso de exclusão de sócio remis­ so ou redução do valor de sua quota ao montante já integralizado".

JULGADOS • "Obrigação de fazer. Compra e venda de cotas de sociedade. Obrigação da ré em arquivar a alte­ ração contratual perante a JUCESP. Interesse de agir dos autores reconhecido. Inobservância do prazo de 30 dias para respectiva averbação. Efeitos não retroagem à data da assinatura do instru­ mento. Fixação de multa diária para a adoção da providência. Sentença reformada. Recurso par­ cialmente provido" (TJSP, Acórdão 0002993671, 7* Cãm. de Dir. Priv., Rei. Des. Elcio Trujillo, j. em 19-5-2010). • "Sociedade limitada. Exclusão de sócios. Descumprimento do dever de integralizar cotas subscritas. Fato que por si só justifica o pedido de exclusão, veiculado pela sociedade - Desnecessidade de previsão da hipótese no Contrato Social. Laudo pericial bem elaborado, inclusive de acordo com entendimento doutrinário e jurisprudencial. Apuração de haveres feita com base no patrimônio líquido da sociedade empresária. Argumentos expendidos pelo sócio recorrente que nâo infirmam as conclusões do expert. Ônus sucumbenciais que devem mesmo ser suportados, integralmente, pelos requeridos. Sociedade que não restou vencida pelo fato de ter que efetuar o pagamento de haveres apurados aos sócios. Sentença de procedência mantida. Recurso desprovido" (TJSP, Acór­ dão 0002911021,1a Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Carlos Augusto de Santi Ribeiro, j. em 30-3-2010).

DIREITO PROJETADO • 0 Deputado Ricardo Fiuza encaminhou proposta de alteração deste dispositivo, para permitir à sociedade efetuar a distribuição de lucros aos demais sócios que não estejam em mora, retendo, entretanto, a parcela que couber ao sócio remisso, na proporção do seu débito. A redação propos­ ta foi a seguinte: Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta e os demais sócios pelo dano emergente da mora e ficará privado dos lucros que lhe couberem, até o valor de seu débito, enquanto persistir a mora. Parágrafo único. Poderá a maioria dos demais sócios preferir à indenização pela mora, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante jó realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § J° do art 1.031, sem prejuízo de outras reparações (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado).

Arts. 1.005 e 1.006

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Art. 1.005. O sócio que, a título de quota social, transm itir domínio, posse ou uso, responde pela evicção; e pela solvência do devedor, aquele que transferir crédito. HISTÓRICO • A norma do art. 1.005 é a mesma constante do projeto original, não tendo sido objeto de nenhu­ ma emenda na tramitação do projeto no Congresso Nacional. 0 Código de 1916 (art. 1.377) também estabelecia a responsabilidade do sócio pela evicção no caso da integralizaçào do capital com bens de que nào fosse o legitimo proprietário.

DOUTRINA • 0 capital da sociedade simples pode ser integralizado em dinheiro, moeda corrente ou em bens, móveis ou imóveis, suscetíveis de avaliação pecuniária. Quando a integralizaçào do capital for realizada em bens, o sócio responde pela evicção de direito, no caso de posterior reivindicação de terceiro com relação a sua propriedade. Da mesma maneira ocorre quando o sócio realiza sua parte no capital com títulos de crédito de emissão de terceiros, em que responderá pela solvência do devedor, caso a obrigação creditícia não seja adimplida. Tanto em um caso com o no outro, frustrada a integralizaçào do capital em bens ou em títulos de crédito, nào sendo cumprida a obrigação de pagamento em favor da sociedade, o sócio po­ derá ser constituído em mora e contra ele aplicadas as mesmas normas sancionadoras do sócio remisso (art. 1.004).

Art. 1.006.0 sócio, cuja contribuição consista em serviços, não pode, salvo convenção em contrário, empregar-se em atividade estranha à sociedade, sob pena de ser privado de seus lucros e dela excluído. HISTÓRICO • A norma deste dispositivo é a mesma constante do projeto original, não tendo sido objeto de nenhuma alteração na tramitação do projeto. A previsão da participação do sócio com contribui­ ção em serviços, e não em capital, encontrava-se regulada pelo Código Civil de 1916 nos arts. 1.376, 1.381 e 1.409, parágrafo único.

DOUTRINA • Na sociedade simples, ao contrário da sociedade empresária, permite-se que um ou alguns dos sócios possam dela participar sem que contribuam para a formação de seu capital com dinheiro ou bens, mas apenas com serviços, isto é, com trabalho. É o caso típico das socieda­ des de profissionais liberais e artísticas, em que o capital intelectual ou laborai é contribuição fundamental para a viabilização do objeto societário. Essa participação em serviços deve ser devidamente especificada no contrato social, com pormenorizada descrição da atividade que será desempenhada pelo sócio. Nesse caso, o sócio deverá dedicar-se, com exclusividade, è sociedade, não podendo exercer qualquer oficio ou profissão estranho ao objeto social, salvo se o contrato o permitir expressamente. A pena para o sócio de serviço ou trabalho que se dedicar a atividade estranha à sociedade é a perda do direito à participação na distribuição dos lucros, ou. se assim decidirem os demais sócios, a própria exclusão do sócio da sociedade.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 206, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A contribuição do sócio exclu­ sivamente em prestação de serviços é permitida nas sociedades cooperativas (art. 1.094,1) e nas sociedades simples propriamente ditas (art. 983, 21 parte)".

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Arts. 1.007 e 1.008

Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, so­ mente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas. HISTÓRICO • Esta disposição nâo sofreu nenhuma modificação ou emenda durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. 0 Código de 1916 estabelecia a mesma regra da proporcionalidade com re­ lação à divisão dos lucros (art. 1.381), mas atribuía ao sócio de serviço ou indústria, apenas, o direito à distribuição nos lucros em montante equivalente ao quinhão do sócio com menor parti­ cipação no capital (art. 1.049, parágrafo único).

DOUTRINA • Sempre prevaleceu com o princípio fundamental do direito societário que a divisão dos lucros na sociedade deve ser feita de maneira proporcional à contribuição de cada sócio na form a­ ção do capital social. Essa regra de proporcionalidade é absoluta, com o modo de assegurar melhor remuneração em favor do sócio com maior participação no capital. Assim, p. ex., se um sócio detém 8 0 % das quotas da sociedade, deve ele ter direito à participação nos lucros no mesmo montante dos resultados auferidos pela sociedade. No caso do sócio que não contribuiu para a formação do capital, e que integra a sociedade como sócio de serviços ou indústria, terá ele direito à participação nos lucros, mas essa sua participação será calculada pela média dos lucros distribuídos aos demais sócios, obtida proporcionalmente ao valor das quotas de cada um deles. Considerando, p. ex., uma sociedade de quatro sócios, com três sócios capitalistas e um sócio de serviços, em que o sócio “A " tem direito a 6 0 % dos lucros, o sócio “B" tem direito a 3 0 % e o sócio “C" a 1 0 % ; então, o sócio de serviços, quando único, deverá receber 3 3 % dos lucros distribuídos, cuja participação deverá ser debitada, também proporcionalmente, do quinhão dos demais sócios, para que seja atingida a média determi­ nada na norma.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 206, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A contribuição do sócio exclu­ sivamente em prestação de serviços é permitida nas sociedades cooperativas (art. 1.094,1) e nas sociedades simples propriamente ditas (art. 983, 2* parte)".

DIREITO PROJETADO • 0 Deputado Ricardo Fiuza propôs nova redação ao dispositivo, remetendo ao contrato social a especificação da quota de lucros do sócio de serviços, nos termos seguintes: Art. 1.007. Salvo estipulação cm contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas. Aquele cuja contribuição consiste em serviços participa dos lucros e das perdas nos termos estabelecidos no contrato social (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado).

Art. 1.008. É nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas. HISTÓRICO • A redação final da norma é a mesma do projeto original. Esse principio que prevê, em qualquer hipótese, a participação do sócio na distribuição dos resultados da sociedade ou sua responsabi­ lidade pelos prejuízos constitui-se em regra consagrada tanto no Código Civil de 1916 (art. 1.372) como no Código Comercial de 1850 (art. 288).

Art. 1.009

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DOUTRINA • Todos aqueles que integram uma sociedade, de qualquer tipo ou natureza, têm o direito de participar dos lucros gerados pela atividade produtiva exercida em comum. De igual modo, reflexamente, se a sociedade é deficitária, se acumula prejuízos, cada sócio deve, na propor­ ção da respectiva contribuição, suportar os ôn us decorrentes. Partindo desse princípio jurí­ dico que existe desde a mais remota Antiguidade, será nula a cláusula ou estipulação con­ tratual que exclua o sócio da participação nos lucros da exploração da atividade societária ou que exonere qualquer sócio de responsabilidade pelas perdas ou prejuízos decorrentes da realização do objeto societário. Não se admite, assim, a chamada sociedade leonina, tal como a designara a doutrina (inspirada, evidentemente, na famosa fábula de Fedro, na qual o leão associara-se a outros animais para caçarem em conjunto, apropriando-se sozinho, em segui­ da, da totalidade da caça...), na qual a totalidade dos lucros caiba apenas a um ou a alguns deles em detrimento de outros [vide, a propósito, artigo do Prof. Fábio Konder Comparato, intitulado "Valor de reembolso no recesso acionário - Interpretação do art. 45 da Lei das Sociedades por Ações (in Revista dos Tribunais, ano 71, set. 1982, v. 563, p. 48 e s.), no qual explica que alguns dos direitos individuais dos acionistas correspondem a prerrogativas es­ senciais do sócio, independentemente do tipo de sociedade mercantil, pois tais prerrogativas seriam inerentes a qualquer sociedade, podendo-se afirmar que, sem aquelas, nào existiria esta última. Exemplifica o citado mestre “com o caso paradigmático do direito de participar dos lucros sociais, com a correlata regra da nulidade das sociedades leoninas (CCom, art. 288)", esclarecendo, em seguida, que "o mesmo não ocorre quando o direito individual é reconhecido em lei unicamente para a proteção do interesse minoritário, a modo de contra­ peso ao princípio do governo social pela maioria". Em matéria societária, assim, a regra ne­ cessariamente aplicável é aquela da proporcionalidade, isto é, cada sócio participa dos resul­ tados ou responde pelos prejuízos da atividade econômica da sociedade na exata proporção de sua participação no capital social.

JULGADOS • "Recurso especial repetitivo. Brasil Telecom. Contrato de participação financeira. Legitimidade passiva. Dividendos. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: 1.1. A Brasil Telecom S/A, como suces­ sora por incorporação da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), tem legitimidade passiva para responder pela complementaçáo acionária decorrente de contrato de participação financeira, celebrado entre adquirente de linha telefônica e a incorporada. 1.2. A legitimidade da Brasil Telecom S/A para responder pela chamada "dobra acionária", relativa às ações da Celular CRT Participações S/A, decorre do protocolo e da justificativa de cisão parcial da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), premissa fática intensa à análise do STJ por força das Súmulas 5 e 7.1.3. É devida indenização a título de dividendos ao adquirente de linha telefônica como decorrência lógica da procedência do pedido de complementaçáo das ações da CRT/Celular CRT, a contar do ano da integralizaçào do capital. 2. No caso concreto, recurso especial que se nega provimento" (REsp 1.034.255/RS, 2a S., Rei. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 28-4-2010). • "Processual civil. Agravo de instrumento. Ação anulatória de decisão assemblear de maioria. Pre­ liminares. Rejeição. Sociedade empresária limitada. Alteração da forma contratual de distribuição de lucros aos sócios. Desproporcionalidade com relação às quotas sociais. Antecipação de tutela. Art. 273 do CPC. Presença dos requisitos legais. Deferimento. Reforma da decisão agravada. Re­ curso conhecido e provido" (TJMG, Al 1.0024.08.248353-8/001, 171 Câm. Civel, Rei. Des. Márcia de Paoli Balbino, j. em 23-4-2009).

Art. 1.009. A distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade soli­ dária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade.

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Art. 1.010

HISTÓRICO • 0 enunciado normativo deste artigo é o mesmo do projeto original, não tendo sofrido alteração quando da tramitação do projeto no Congresso Nacional. A sanção em face da obtenção ou dis­ tribuição de lucros ilícitos era objeto de disposição expressa do Código de 1916 (arts. 1.392 e 1.393).

DOUTRINA • A sociedade somente pode distribuir entre os seus sócios os lucros que sejam devidamente apurados em balanço patrimonial, elaborado de acordo com as normas e princípios contábeis geralmente aceitos. Lucros ilícitos ou fictícios são aqueles inexistentes, isto é, gerados por meio de artifícios contábeis, mediante a superestimação de receitas e ocultação de despesas. Considerando que o lucro é uma resultante das contas do balanço patrimonial, ele somente poderá ser reconhecido com o válido e existente se os lançamentos nos registros contábeis correspondentes forem dignos de crédito. Ocorrendo divergência, falsidade ou ausência de docum entos hábeis nos lançamentos contábeis efetuados, os lucros apurados não serão considerados lícitos, caracterizando-se, no caso da distribuição de lucros inexistentes ou acima do valor contábil real, a responsabilidade solidária e ilimitada entre os sócios adm inis­ tradores, que autorizaram sua distribuição, e os sócios beneficiários, que conheciam ou de­ veriam conhecer a ilegitimidade dos resultados distribuídos.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 487, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 50,884,1.009,1.016,1.036 e 1.080. Na apuração de haveres de sócio retirante (art. 1.031 do CC), devem ser afastados os efeitos da diluição injustificada e ilícita da participação deste na sociedade". • Enunciado 59, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Os sociogestores e os administra­ dores das empresas são responsáveis subsidiária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de má gestão ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, consoante estabelecem os arts. 990,1.009,1.016,1.017 e 1.091, todos do Código Civil".

Seção III



Da administração

Art. 1.010. Quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um. § l -Para formação da maioria absoluta são necessários votos correspondentes a mais de metade do capital. § 2- Prevalece a decisão sufragada por maior número de sócios no caso de empate, e, se este persistir, decidirá o juiz. § 3? Responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove graças a seu voto. HISTÓRICO • A redação final da norma é a mesma constante do projeto original. Não tem correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • A s deliberações sobre os negócios da sociedade, no que tange a sua administração, ou seja, às decisões relativas à condução de suas atividades, devem observar o quorum da maioria de

Art. 1.010

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votos. É importante que nào sejam confundidas as deliberações dos sócios para fins de alte­ ração do contrato social das demais deliberações atinentes à execução do objeto mercantil, em que, por força da lei ou do próprio contrato, os sócios, administradores ou não, podem ser cham ados para decidir sobre questões de maior relevância para os destinos da sociedade. 0 contrato social pode limitar os poderes dos sócios-gerentes encarregados da administração da sociedade, com o nos casos mais com uns de concessão de garantias, de oneraçào ou de alienação de bens pertencentes à sociedade. A maioria absoluta nas deliberações administra­ tivas importa na aprovação por parte de sócios que detenham mais da metade do capital social, em que cada quota deve ser equivalente a um voto. Se houver empate nas deliberações de acordo com a participação de cada sócio no capital, o desempate deverá dar-se por meio de voto por cabeça, ou pelo número de sócios que aprovar a deliberação. Se persistir o em­ pate, a decisão caberá ao juiz que conhecer do feito. Se algum sócio tiver interesse em deli­ beração que for contrária ao interesse da sociedade, este não poderá participar do processo de votação, sob pena de responder por perdas e danos perante a sociedade pelos prejuízos que esta vier a sofrer.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 217, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Com a regência supletiva da sociedade limitada, pela lei das sociedades por ações, ao sócio que participar de deliberação na qual tenha interesse contrário ao da sociedade aplicar-se-á o disposto no art. 115, § 3o, da Lei n. 6.404/76. Nos demais casos, aplica-se o disposto no art. 1.010, § 3o, se o voto proferido foi deci­ sivo para a aprovação da deliberação, ou o a rt 187 (abuso do direito), se o voto nào tiver preva­ lecido".

JULGADO • "Antecipação da tutela. Ação que visa à responsabilização do réu pela prática de atos irregulares na administração de sociedade limitada, com seu afastamento da gerência e condenação ao pa­ gamento de indenização. Pretensão de antecipação de tutela para imediato afastamento do réu, ora agravado, do cargo de Diretor Vice-Presidente da sociedade. Não configuração do pressupos­ to de verossimilhança das alegações para o deferimento da antecipação da tutela. Manutenção do indeferimento da pretensão. Nega-se provimento ao recurso" (TJSP, Acórdão 0002531747, 51 Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Christine Santini, j. em 2-9-2009).

DIREITO PROJETADO • 0 Deputado Ricardo Fiuza apresentou à Câmara dos Deputados proposta para conferir nova re­ dação ao dispositivo, a fim de incorporar preceitos já consagrados no meio empresarial em razâo das disposições constantes da Lei das Sociedades por Ações, de modo a tornar mais preciso o propósito deste dispositivo, que contém diversos preceitos, todos de extrema relevância, quais sejam: (i) estabelecer o quorum da maioria absoluta como principio geral de tomada de delibera­ ções entre sócios [caput): (ii) definição da maioria absoluta (§ 1o); (iii) forma de solução de impas­ ses (§ 2°); e (iv) voto em conflito de interesse ou abusivo (§ 2°). A redação sugerida foi a seguinte: Art. 1.010. Quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria absoluta de votos, se maior quorum não for exigido pelo contrato social. § 1* Para formação da maioria absoluta são necessários votos correspondentes a mais de metade do valor do capital social ou do número de sócios, conforme dispuser o contrato social. § 2a No caso de empate, após pelo menos duas tentativas de deliberação, decidirá o juiz, se o contrato social não estabelecer procedimento de arbitragem e não contiver norma diversa. § J3 O sócio deve exercer o direito a voto no interesse da socieda­ de; considerar-se-á conflitante e abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à sociedade ou a outros sócios, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a sociedade ou para os outros sócios. § 4o A deliberação tomada em decorrência do voto de sócio que tem interesse conflitante com o da sociedade é

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Art. 1.011

anulável; o sócio responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir para a socieda­ de as vantagens que tiver auferido. § 9 0 sócio responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de voto, ainda que seu voto não haja prevalecido (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado).

Art. 1.011. 0 administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. § 1? Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; contra a eco­ nomia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concor­ rência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação. § T- Aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, as disposições con­ cernentes ao mandato. HISTÓRICO • Este dispositivo, em seu § 1o, foi objeto de emendas de redaçào no Senado Federal e, em sua fase de redação final, na Câmara dos Deputados, eom a finalidade de manter o impedimento do ad­ ministrador de sociedade enquanto perdurarem os efeitos da condenação, bem como atualizar os crimes incompatíveis com o exercício dos poderes de gestão de sociedade tais como definidos pela Constituição de 1988 e sua legislação complementar. O Código Civil de 1916 não continha regra semelhante. O caput deste art. 1.011 reproduz, de modo fiel, o dever de diligência dos adminis­ tradores das sociedades anônimas contido no art. 153 da Lei n. 6.404/76.

DOUTRINA • Somente pode exercer o cargo de administrador da sociedade simples a pessoa que não tiver sido condenada por crimes que, em razão do tipo penal e da natureza da infração, possam importar na perda de idoneidade para fins de representação da pessoa jurídica. Assim, con­ sidera-se incompatível com o exercício da função de administrador de sociedade a pessoa que esteja impedida de ter acesso a cargos públicos (Lei n. 8.112/90) ou que tenha sido con­ denada pela prática de crime falimentar (Lei n. 11.101/2005, arts. 168 e s.), de prevaricação (CP, art. 319), peita ou suborno (CP, art. 333), de concussão (CP, art. 316), peculato (CP, art. 312), de crimes contra a economia popular (Lei n. 1.521/51), contra o sistema financeiro nacional (Lei n. 7.492/86), contra as normas de defesa da concorrência (Lei n. 8.884/94), contra as relações de consum o (Lei n. 8.071/90), contra a fé pública (CP, arts. 289 a 311) ou contra a propriedade (CP, arts. 155 a 196). Isto porque tais práticas delituosas pressupõem, enquanto persistirem os efeitos da condenação, a inidoneidade da pessoa em relação a atos jurídicos que devem ser praticados perante terceiros e que exigem comportamento probo, digno de boa-fé. Os impedimentos constantes deste dispositivo dizem respeito, apenas, ao exercício de funções de gerência e administração da sociedade, nào impedindo, todavia, a participação da pessoa condenada como sócio, desde que sem poderes de representação. Uma vez que os administradores de sociedade são investidos de funções pelo respectivo contrato social, poderes estes delegados pelos demais sócios, suas atribuições são equiparadas ao mandato, para efeitos de aplicação subsidiária das normas inerentes, no silêncio do contrato de sociedade.

Arts. 1.012 e 1.013

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ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 218, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Nâo sâo necessárias certidões de nenhuma espécie para comprovar os requisitos do art. 1.011 no ato de registro da sociedade, bastando declaração de desimpedimento". • Enunciado 60, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "As expressões ‘de peita' ou ‘subor­ no’ do § 1o do art. 1.011 do novo Código Civil devem ser entendidas como corrupção, ativa ou passiva".

Art. 1.012.0 administrador, nomeado por instrumento em separado, deve averbá-lo à margem da inscrição da sociedade, e, pelos atos que praticar, antes de requerer a averbação, responde pessoal e solidariamente com a sociedade. HISTÓRICO • A norma deste artigo é a mesma do projeto original, não tendo sido objeto de alteração na tra­ mitação do projeto no Congresso Nacional. Não possui disposição correspondente no Código de 1916.

DOUTRINA • Em princípio, a administração da sociedade deve ser atribuída a sócios dela integrantes, e desse modo consignado no respectivo contrato social. Sempre que o exercício das atribuições de administrador da sociedade for imputado a outro sócio não autorizado pelo contrato social, ou a terceiro, não sócio, nomeado administrador por instrumento em separado, seja em termo aditivo ou mediante procuração, o título de delegação ou de atribuição de poderes de representação deve ser averbado no respectivo registro no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas no qual foi inscrita a constituição da sociedade. Enquanto essa delegação de poderes não for averbada no registro civil competente, o administrador nomeado por instrumento em separado responde pessoal e solidariamente, em conjunto com a sociedade que representa, pelas dívidas e obrigações sociais contraídas em razão do exercício do m an­ dato recebido. Após a devida e regular averbação do instrumento de delegação, a sociedade passará a assumir, com exclusividade, as obrigações contraídas pelo administrador por ela designado e contratadas em seu nome. A sociedade, no entanto, não estará vinculada às obrigações contraídas pelo administrador com excesso de poderes dependendo da extensão e alcance dados à aplicação da teoria ultra vires societatis e do inciso III do art. 1.015, abai­ xo comentado.

JULGADO • "Arrendamento mercantil de bens móveis. Ação declaratória de nulidade de acordo extrajudicial e perdas e danos. Vicio de representação. Representante sem poderes para representar a pessoa jurídica, porque não mais pertencia ao quadro social. Constituição do ex-sócio como procurador. Cerceamento de defesa e litigância de má-fé inexistentes. Sentença de improcedência. Preliminar rejeitada e recurso desprovido" (TJSP, Acórdão 0002815762, 20J Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Reinaldo de Oliveira Caldas, j. em 10-2-2010).

Art. 1.013. A administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios. § \- Se a administração competir separadamente a vários administradores, cada um pode impugnar operação pretendida por outro, cabendo a decisão aos sócios, por maioria de votos.

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Art. 1.014

§ 2- Responde por perdas e danos perante a sociedade o administrador que realizar operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria. HISTÓRICO • 0 conteúdo da norma é o mesmo constante do projeto original, com exceção de emenda de re­ dação apresentada na fase final de tramitação na Câmara dos Deputados, que, para melhor en­ tendimento, substituiu a expressão "disjuntivamente" por “separadamente", mais apropriada para a adequada interpretação das atribuições dos poderes nos contratos de sociedade que tivessem dois ou mais sócios como administradores. No Código de 1916, a divisão de atribuições entre os sócios, para o exercício comum dos poderes de administração, encontrava-se disciplinada nos arts. 1.384 a 1.386.

DOUTRINA • 0 contrato social, como regra geral e cláusula básica (art. 997, VI), deve indicar os sócios investidos dos poderes de gerência e administração que representarão a sociedade perante terceiros. Na omissão do contrato social, ou seja, não existindo cláusula que designe, especi­ ficamente, os sócios administradores, qualquer dos sócios que integram a sociedade pode exercer os poderes típicos de gestão e representação da sociedade, isso de modo separado ou isolado, sem necessidade da anuência dos demais sócios. Todavia, nesse caso, qualquer outro sócio pode im pugnar os negócios ou contratos realizados, isoladamente, por outro sócio, aplicando-se, para o processo de decisão quanto à validade e eficácia do ato de gestão pra­ ticado por um único sócio, o disposto no art. 1.010 do Código Civil. Se a deliberação da maioria for contrária ao ato ou negócio praticado isoladamente pelo sócio que deu causa à obrigação contratada em nome da sociedade, o sócio que assim procedeu e executou o ne­ gócio responde por perdas e danos. 0 conteúdo dessa norma objetiva, em síntese, evitar a omissão do contrato com relação à expressa delegação dos poderes de gestão de administra­ ção da sociedade.

JULGADO • “Execução fiscal. ICMS. Exclusão da sociedade. Responsabilidade de sócio. Responde pelos débitos perante o fisco o sócio que, embora não conste do contrato social como detentor dos poderes de gerência e administração, à época do fato gerador da obrigação tributária fazia parte da socieda­ de, a teor do art. 1.013 do Código Civil. Provido" (TJMG, Processo 1.0525.04.051618-5/002,4a Câm. Civel, Rei. Des. José Francisco Bueno, j. em 5-2-2009).

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.014. Nos atos de competência conjunta de vários administradores, toma-se ne­ cessário o concurso de todos, salvo nos casos urgentes, em que a omissão ou retardo das providências possa ocasionar dano irreparável ou grave. HISTÓRICO • 0 enunciado desta norma foi objeto de emenda de redação na fase final de tramitação do proje­ to na Câmara dos Deputados apenas para substituir a expressão “tardança" por "retardo", cujo significado é mais simples em face de nosso vocabulário comum. Disposição semelhante encon­ trava-se prevista no art. 1.385 do Código Civil de 1916.

Art. 1.015

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DOUTRINA • Quando a administração da sociedade competir a mais de um administrador, atuando estes conjuntamente, os atos de competência conjunta devem contar com a anuência de todos os administradores, sendo válida, todavia, a prática de ato isolado, quando a reunião de todos e a deliberação conjunta possam vir a ocasionar, para a sociedade, dano irreparável ou de grave conseqüência para o patrimônio ou para a normalidade da execução de seu objeto societário. Nesses casos extremos e urgentes, assim, a decisão isolada de um único sócio, atuando em nome do interesse comum, quando devidamente justificada, pode ser conside­ rada válida com o fito de evitar prejuízo maior para a sociedade.

Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I — se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da so­ ciedade; II — provando-se que era conhecida do terceiro; III — tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade. HISTÓRICO • O presente dispositivo não foi objeto de alteração na tramitação do projeto no Congresso Nacio­ nal, ficando mantida a mesma redaçào do projeto original. Normas tratando do mesmo assunto encontravam-se previstas nos arts. 1.383 e 1.386 do Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Este artigo autoriza os administradores da sociedade a praticarem todos os atos que estejam englobados nos poderes de administração, tal como vierem assim a ser definidos pelo respec­ tivo contrato social. No que se refere à alienação ou oneração de imóveis, se a sociedade nào for do ramo imobiliário, qualquer decisão referente a bens imóveis, no tocante a sua aliena­ ção, oneração ou indisponibilidade, deve ser aprovada pela maioria dos sócios, quando estes representem a maioria do capital social com direito a voto. Os administradores devem exer­ cer suas funções na administração da sociedade dentro do limite dos poderes fixados pelo contrato social. Quando o sócio investido dos poderes de administração praticar atos que extrapolarem os seus poderes, esses atos somente serão válidos perante terceiros, vinculando a sociedade, se nào ocorrerem quaisquer das hipóteses enumeradas nos incisos I, II e III do parágrafo único deste art. 1.015. Ou seja, se a limitação de poderes estiver averbada no re­ gistro competente, se a sociedade provar que o terceiro sabia que o administrador excedia aos seus poderes ou ainda se a obrigação contraída for manifestamente estranha ao objeto social, a sociedade não se obrigará, cabendo-lhe opor o excesso aos terceiros que houverem contratado com o administrador. Fica, assim, nesses casos, expressamente afastada a aplica­ ção da teoria da aparência, exigindo-se dos terceiros, sempre que forem contratar com a sociedade simples, examinarem o contrato social, a fim de verificar os exatos limites dos poderes de administração. Por ocasião da tramitação do Projeto, o Prof. Rubens Requiào (“Dissertação crítica ao Projeto de Código Civil", in Aspectos m odernos de direito comercial, v. 1,2. ed., Sào Paulo, Saraiva, 1988, p. 244) formulara procedente crítica a respeito de tal dispositivo, assinalando: "O Projeto, com o se percebe, abandonou a construção doutrinária e jurisprudencial. elaborada por nossos juristas e pelos tribunais, para se inspirar na lei italiana

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Art. 1.015

(...) é exigir demais que no âmbito do comércio, onde as operações se realizam em massa, avessas ao formalismo, que, a todo instante, o terceiro que contrata com uma sociedade solicite desta a exibição do contrato social, para verificação dos poderes do gerente. A dou­ trina que dá validade a tal cláusula é evidentemente contrária às tendências e espírito do direito comercial", propondo, assim, “que o legislador se mantenha fiel à jurisprudência do Suprem o Tribunal Federal, à lição predominante dos doutrinadores pátrios e à realidade das atividades comerciais em nosso país, que não devem estar sujeitas às delongas de com prova­ ções, nem sempre fáceis, dos poderes gerenciais, devido ao distanciamento entre as diversas regiões nacionais". Inteira razão assistia, com efeito, ao saudoso professor. Exceto a sua re­ ferência à lei italiana - na qual, ao contrário do sugerido, existe ampla proteção ao terceiro de boa-fé que contrata com a sociedade - , os seus argum entos sào absolutamente inques­ tionáveis. A nossa doutrina, de forma predominante (v. M ário Luiz Delgado, “A responsabili­ dade civil do administrador nào sócio, segundo o novo Código Civil", in N ovo Código Civil - Questões controvertidas, Sào Paulo, Método, 2004, v. 2, p. 310-1), sempre houve por bem repelir a ultra vires doctrine, de origem inglesa, mais tarde rejeitada nesse próprio país em que nasceu... 0 Prof. Fábio Ulhoa Coelho é absolutamente enfático ao descrever o progressi­ vo descrédito a respeito dessa teoria (Curso de direito comercial - Direito de empresa, Sa­ raiva, 10. ed., 2007, v. 2, p. 448): “0 rigor da teoria ultra vires, em sua formulação inicial, trouxe diversos problemas para as sociedades inglesas. Ninguém mais corria o risco de con­ tratar com elas sem que a inclusão do negócio no objeto social registrado fosse indiscutível. Com o o objeto social, até 1948, era inalterável no direito inglês, os atos constitutivos das sociedades passaram a ostentar, na cláusula respectiva, uma lista imensa e variada de ativi­ dades econômicas, às quais poderiam dedicar-se (Davies, 1954:203). Essa praxe de ampliar ao máximo o objeto social das sociedades generalizou-se em outros países, em que a ultra vires foi adotada, com o nos Estados Unidos, p. ex., e ainda se encontra hoje, em lugares de colo­ nização britânica. A o longo do século XX, diluiu-se o rigor da teoria. De nulo, o ato exorbi­ tante do objeto social passou a ser inimputável à pessoa jurídica. 0 terceiro podia demandar o cumprimento das obrigações pelo diretor da sociedade. Outra flexibilização deu importân­ cia à boa-fé do contratante, reconhecendo-lhe o direito de exigir da própria sociedade o cumprimento do contrato extravagante, se justificável o desconhecimento da cláusula delimitadora do objeto social (Farrar-Hannigan, 1985:107). Com a adesão do Reino Unido à Comunidade Econômica Européia, as necessidades de harmonização do direito-custo fizeram com que, em 1989, a teoria ultra vires fosse definitivamente descartada. N os Estados Unidos, ela, hoje, é lembrada, basicamente, na responsabilização de administrador por ato de libera­ lidade praticado à custa da companhia (Solom on-Schw artz-Baum an, 1982:161), senão como assunto de mera curiosidade histórica (Clark, 1986:675)". Nào obstante todas essas conside­ rações, porém, o fato é que, no que se refere à sociedade simples, o inciso III do parágrafo único deste art. 1.015, acolheu parcialmente essa famigerada doutrina, fazendo com que, por via oblíqua, também as sociedades limitadas que tenham com o regência supletiva as normas da sociedades simples, estarão albergadas por tal doutrina, em injustificável detrimento dos terceiros de boa-fé que, porventura, com elas contratem algo que extrapole os lindes de seus objetos sociais... É no mínimo curioso - para nào se dizer muito estranho - que um princípio tão basilar do Código Civil de 2002, com o o é a boa-fé objetiva, tenha sido lamentavelmen­ te conspurcado nesse particular...

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 219, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Está positivada a teoria ultra vires no Direito brasileiro, com as seguintes ressalvas: (a) o ato ultra vires não produz efeito ape­ nas em relação à sociedade; (b) sem embargo, a sociedade poderá, por meio de seu órgão delibe­ rativo, ratificá-lo; (c) o Código Civil amenizou o rigor da teoria ultra vires, admitindo os poderes implícitos dos administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, os

Art. 1.016

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quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade; (d) não se aplica o art. 1.015 às sociedades por ações, em virtude da existência de regra especial de respon­ sabilidade dos administradores (art. 158, II, Lei n. 6.404/76)". • Enunciado 216, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “0 quorum de deliberação pre­ visto no art. 1.004, parágrafo único, e no art. 1.030 é de maioria absoluta do capital representado pelas quotas dos demais sócios, consoante a regra geral fixada no art. 999 para as deliberações na sociedade simples. Esse entendimento aplica-se ao art. 1.058 em caso de exclusão de sócio remis­ so ou redução do valor de sua quota ao montante já integralizado".

JULGADO • "Apelação. Nulidade de atos jurídicos. Administrador de sociedade empresária. Atuação em exces­ so de poder. Contrair obrigações estranhas ao interesse social. Venda de bens imóveis. Art. 1.015 do Código Civil de 2002. Terceiros compradores de boa-fé. Homem medium. Atos ultra vires. Dí­ vida confessada. Transferência de parte de imóvel. Evidenciada qualquer das hipóteses descritas nos incisos do a rt 1.015 do Código Civil de 2002. Retorno ao statu quo ante. Recurso provido. Não causa qualquer perplexidade o condicionamento do deferimento do pedido de urgência mediante à apresentação de uma contracautela (caução adequada e idônea). Impõe-se a invali­ dação de atos jurídicos ante a demonstração de alguma nulidade ou existência de vícios de con­ sentimento a macular a vontade e autonomia da parte que o praticou. Todos os atos praticados pelo administrador de uma sociedade empresária gravitam inexoravelmente em torno dos objeti­ vos consignados no seu contrato social. Segundo o disposto no art. 1.015 do Código Civil de 2002, 'no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir'. Os atos ultra vires são aqueles realizados além do objeto da delega­ ção ou transferência de poderes, ou seja, são aqueles realizados com excesso de poder ou com poderes insuficientes pelos administradores de uma sociedade. Não se deve proteger o terceiro que tenha conhecimento, ou devesse ter, do objeto social e dos limites da atuação dos adminis­ tradores da sociedade empresária contratante, em razâo da profissionalidade de seus atos. Nega­ ram provimento ao agravo retido e deram provimento ao recurso" (TJMG, Ap. 1.0701.07.1960481/005,11a Câm. Civel, Rei. Des. Marcelo Rodrigues, j. em 25-3-2009).

Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções. HISTÓRICO • A redaçào do dispositivo é a mesma do anteprojeto original. Emenda do Senado Federal propôs que se acrescentasse a expressão "ou dolo", mas a emenda veio a ser posteriormente rejeitada pela Câmara dos Deputados. No Código Civil de 1916, no art. 1.380, já existia a estipulação da obriga­ ção de o sócio ressarcir a sociedade dos prejuízos causados por atos praticados com culpa. Já seu art. 1.398 estabelecia regra sobre a mesma matéria, mas para esclarecer que a solidariedade so­ mente existiria se o ato fosse praticado em proveito da sociedade, e isso com relação a todos os sócios e não apenas aos sócios administradores.

DOUTRINA • Todo administrador de sociedade é responsável pelos atos que praticar, podendo ser respon­ sabilizado pessoalmente por atos que, por culpa sua, possam vir a causar danos à sociedade. Se a administração da sociedade competir a dois ou mais sócios, estes sào solidariamente responsáveis entre si, perante os demais sócios e perante terceiros, pelas dívidas e obrigações contraídas em razão de negócios realizados e obrigações contraídas de modo negligente, com imprudência ou imperíeia, caracterizadores de atos ilícitos culposos (art. 186). A expressão "culpa", evidentemente, é empregada em sentido amplo, abrangendo a culpa em sentido

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Art. 1.016

estrito e o dolo. Aliás, não faria sentido que a responsabilidade decorresse de conduta impru­ dente, negligente ou imperita, mas nào existisse em casos, mais graves, de intenção conscien­ te e deliberada de causar prejuízo. Assim, a palavra "culpa" empregada no texto é a culpa em sentido amplo, onde já está implícito o dolo. A utilização da expressão em seu sentido mais amplo segue a linha tradicional, utilizada no Código de 1916, e deve, sempre que possível, ser preservada.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 220, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "É obrigatória a aplicação do art. 1.016 do Código Civil de 2002, que regula a responsabilidade dos administradores, a todas as sociedades limitadas, mesmo àquelas cujo contrato social preveja a aplicação supletiva das normas das sociedades anônimas". • Enunciado 59, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Os sociogestores e os administra­ dores das empresas são responsáveis subsidiária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de má gestào ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, consoante estabelecem os arts. 990, 1.009,1.016,1.017 e 1.091, todos do Código Civil".

JULGADOS • "Execução de sentença. Inclusão no polo passivo do gerente da empresa executada. Inadmissibi­ lidade. Ausência de provas de má gestão, ademais, administrador que não é sócio, não responde por obrigações da sociedade. Decisão reformada. Recurso provido" (TJSP, Acórdão 0002837021, 201 Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Paulo Roberto de Santana, j. em 24-2-2010). • "Agravo regimental em recurso especial. Execução fiscal. Contribuições previdenciárias. Revogação do art. 13 da Lei n. 8.620/93 pela Lei n. 11.941/2009. Nome do sócio constante da CDA. Redirecionamento. Responsabilização dos sócios. Possibilidade. Entendimento firmado sob a égide dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC). Agravo regimental improvido. 1. Conquanto tenha a Seguridade Social disciplina própria, reconhecida a natureza tributária da sua contribuição, a regra da solidariedade dos sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada (art. 13, caput, da Lei n. 8.620/93), há de ser interpretada em consonância com aqueloutras dos arts. 135, III, do Código Tributário Nacional e 146, III, b, da Constituição Federal. Revogação do art. 13 da Lei n. 8.620/93 pelo art. 79, VII, da Lei n. 11.941, de 27 de maio de 2009. 2. A Egrégia Primeira Seção, no julgamento do REsp n. 1.104.900/ES, da relatoria da Ministra Denise Arruda, publicado no DJe de 1°-4-2009, sob o regime do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução n. 8/2008 do Superior Tribunal de Justiça (recursos repetitivos), ratificou o posicionamento desta Corte Superior de Justiça no sentido de que é possível o redirecionamento da execução fiscal de maneira a atingir o sócio da empresa executada, desde que o seu nome conste da CDA, sendo que, para se eximir da responsabilidade tributária, incumbe ao sócio o ônus da prova de que não restou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do Código Tributário Nacional (excesso de mandato, infringência à lei ou ao contrato social). 3. Reconhecida no acór­ dão recorrido, com amparo nos elementos de prova, a ocorrência dos pressupostos necessários à desconsideração da personalidade jurídica, a alegação em sentido contrário, a motivar insurgência especial, requisito necessário ao reexame dos aspectos fácticos da causa, hipótese que é ve­ dada em sede de recurso especial, a teor do Enunciado n. 7 do Superior Tribunal de Justiça. 4. Agravo regimental improvido" (STJ, AgRg no REsp 1.090.001/SP, 1a T., Rei. Min. Hamilton CarvaIhido.j. em 15-12-2009). • "Dano moral. Diretor de clube recreativo. Expulso. Veiculaçáo pela imprensa. Ato da nova direto­ ria. Responsabilidade pessoal. Valor do dano moral reduzido. 1. Responde a diretoria da entidade associativa pelos prejuízos causados com infração do estatuto ou da lei, quando veicula pela imprensa sindicância onde apuradas ‘supostas irregularidades' cometidas pelo diretor não reelei­ to. 2. Dano moral fixado em valor desarrazoado, impondo-se sua redução a limites aceitáveis para impedir o enriquecimento sem causa. 3. Recurso especial conhecido em parte e, nesta extensão, provido" (REsp 675.941/MS, 4*T., Rei. Min. Fernando Gonçalves, j. 20-11-2008).

Art. 1.017

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Art. 1.017.0 administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-los à sociedade, ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá. Parágrafo único. Fica sujeito às sanções o administrador que, tendo em qualquer operação interesse contrário ao da sociedade, tome parte na correspondente deliberação. HISTÓRICO • A redaçào final da norma é a mesma do projeto original. No Código Civil de 1916, o inciso II do art 1.386 estabelecia que o sócio investido de poderes de administração somente poderia aplicar ou utilizar os bens da sociedade de acordo com o interesse social.

DOUTRINA • O patrim ônio da sociedade, form ado a partir da integralizaçào de seu capital, somente pode ser aplicado para os fins a que se destina a sociedade e para atender ao interesse social, fixado para a consecução de seu objeto. Havendo aplicação de créditos ou utilização de bens da sociedade em proveito do sócio adm inistrador ou de terceiro, estará ocorrendo desvio de finalidade, situação que se enquadra na consagrada teoria da ultra vires societatis, que estabelece sanções para todo sócio que se valer da sociedade ou dos bens sociais para obter vantagens individuais em detrimento da própria sociedade e dos demais sócios. Nesses casos, terá o sócio que agiu contra o interesse social a obrigação de restituir os bens indevidamente utilizados em proveito pessoal ou reparar os prejuízos causados, acrescidos dos lucros porventura obtidos. O parágrafo único desse dispositivo impede, também, o adm inistrador da sociedade de participar de qualquer deliberação em que tenha interesse direto ou indireto, que possa importar em vantagem a seu favor em detrimento do patri­ m ônio societário. Verificada tal hipótese, o adm inistrador responde pessoalmente, devendo ressarcir a sociedade da vantagem indevidamente auferida contra o interesse da sociedade. Existe, aqui, um dever jurídico de abstenção do administrador, quando a deliberação possa prejudicar ou desfalcar o patrim ônio social em operações e negócios em que tenha ele interesse. • O administrador também nào poderá participar, direta ou indiretamente, de quaisquer ne­ gócios ou operações do mesmo gênero daqueles realizados pela sociedade (art. 1.170).

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 59, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Os sociogestores e os administra­ dores das empresas são responsáveis subsidiária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de má gestão ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, consoante estabelecem os arts. 990,1.009, 1.016,1.017 e 1.091, todos do Código Civil".

JULGADO • "Direito civil e processual civil. Sociedade limitada. Socioadministrador. Destituição. Exclusão do quadro empresarial. Apropriação de bens móveis. Prova da existência dos objetos. Dever de resti­ tuição. Auxiliar de gerência. Custódia dos bens confiados à sua guarda. Relação jurídica de deten­ ção. Suposto crime de apropriação indébita. Arquivamento provisório da investigação. Irrelevân­ cia para o juizo cível. Recurso improvido" (TJMG, Processo 1.0209.00.009285-5/004, 16J Câm. Civel, Rei. Des. Sebastião Pereira de Souza, j. em 4-2-2009).

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza.

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Arts. 1.018 e 1.019

Art. 1.018. Ao administrador é vedado fazer-se substituir no exercício de suas funções, sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir mandatários da sociedade, es­ pecificados no instrumento os atos e operações que poderão praticar. HISTÓRICO • Ficou mantida nessa disposição a mesma redação que constava do projeto original. O Código Civil de 1916, em seu art. 1.383, definia as regras básicas para o exercício dos poderes de gerência na sociedade civil. Contudo, não continha regra sobre a delegação dos poderes de gerência a tercei­ ros não sócios.

DOUTRINA • O exercício das funções de administração da sociedade é indelegável, somente competindo ao sócio que receber tal atribuição nos termos do contrato social. Poderá o sócio administra­ dor, todavia, nos limites de seus poderes e desde que autorizado pelo contrato social, delegar poderes a terceiros, mediante procuração pública ou particular [v. arts. 653 a 691), especifi­ cando ou detalhando no instrumento de mandato os atos e operações que poderão praticar em nome da sociedade. Para a extensão dos efeitos do mandato perante terceiros, o instru­ mento de procuração deverá ser averbado no Registro Civil das Pessoas Jurídicas competen­ te (v. art. 1.012).

JULGADO • “Obrigação de não fazer. Tutela antecipada. Determinação de que o requerido se abstenha de praticar qualquer ato sem autorização por escrito dos administradores. Ausência de verossimi­ lhança das alegações do agravante, pois o seu afastamento da gerência da sociedade, como mandatário de sócio-gerente, não traz prejuízo para ele (que conserva a sua qualidade de sócio), para o sócio que o constituiu ou para a sociedade, que continua gerida por dois sócios, dentre eles o mandante. Decisão mantida nessa parte. Provimento parcial" (TJSP, Acórdão 0002630452, 10J Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. João Carlos Saletti, j. em 27-10-2009).

Art. 1.019. São irrevogáveis os poderes do sócio investido na administração por cláu­ sula expressa do contrato social, salvo justa causa, reconhecida judicialmente, a pedido de qualquer dos sócios. Parágrafo único. São revogáveis, a qualquer tempo, os poderes conferidos a sócio por ato separado, ou a quem não seja sócio. HISTÓRICO • Não ocorreu nenhuma modificação no conteúdo desta disposição na tramitação do projeto no Congresso Nacional. 0 art. 1.383 do Código de 1916 estabelecia, igualmente, a condição de irre­ vogabilidade dos poderes atribuídos ao administrador da sociedade.

DOUTRINA • A norma deste artigo institui duas regras básicas, a saber: a) os poderes conferidos ao sócio adm inistrador pelo contrato social, em princípio, são irrevogáveis; e b) se a delegação dos poderes de adm inistração for feita em ato separado, e nào pelo contrato social, tal dele­ gação é revogável a qualquer tempo. Deve ser levado em consideração, contudo, que o contrato social pode alterar a regra de atribuição dos poderes de adm inistração da socie­ dade (art. 997, VI), para substituição consensual dos administradores, desde que por deli-

Art. 1.020

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beraçào unânim e dos sócios (art. 999). Não havendo m odificação da designação dos adm i­ nistradores pelo contrato social, a delegação dos poderes de gerência é irrevogável, som en­ te podendo ser prom ovida mediante açào judicial de destituição do sócio administrador, por justa causa, ação esta de iniciativa de qualquer dos sócios. Nas hipóteses de delegação dos poderes de adm inistração através de instrum ento separado, para outro sócio ou para terceiro não sócio, essa delegação é revogável a qualquer tempo, independentemente de justo motivo.

JULGADO • “Apelação. Ação dedaratória cumulada com pedido de tutela antecipada. Julgado extinto o Pro­ cesso n. 158/2003. Art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Procedentes os pedidos cautelares n. 699/2003 e 399/2003. Extintos os processos com fundamento no art. 2 6 9 ,1, do Código de Proces­ so Civil. Inconformismo. Descabimento. Art. 1.063, § 1o, do Código Civil de 2002, que determina que a destituição do sócio administrador somente se opera com quotas correspondentes, no mí­ nimo, a dois terços do capital social, salvo estipulação contratual diversa. No caso, a própria sentença ressalta ausência de estipulação contratual diversa. Destituição é matéria privativa da assembleia-geral, no caso dos sócios cotistas da sociedade limitada, e não há como negar vigência ao previsto no contrato social e no próprio artigo citado do Código Civil de 2002, nào obstante a bem engendrada forma de cobrança de 4 0 % dos anúncios em beneficio da empresa, da qual são titulares o réu e seus filhos. Recurso desprovido" (TJSP, Acórdão 02102916, 8* Cám. de Dir. Priv., Rei. Des. Ribeiro da Silva, j. em 10-12-2008).

DIREITO PROJETADO • Existiu proposta do Deputado Ricardo Fiuza à Câmara dos Deputados de modificação deste dis­ positivo, a fim de permitir o reconhecimento extrajudicial da justa causa referida no caput, bem como para assegurar a isonomia entre aqueles que têm responsabilidades semelhantes, indepen­ dentemente da forma pela qual se dá a nomeação (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado).

Art. 1.020. Os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração, e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico. HISTÓRICO • Este dispositivo nâo foi objeto de alteração no Congresso Nacional durante a tramitação do pro­ jeto. Nào há correspondente no Código de 1916, que não previa a necessidade de levantamento anual de balanço e de inventário patrimonial na sociedade civil. 0 direito fundamental de fisca­ lização dos sócios no que se refere aos atos dos administradores encontrava-se previsto no art. 290 do Código Comercial de 1850, assim como subsiste consagrado no art. 109, III, da Lei n. 6.404/76.

DOUTRINA • 0 sócio administrador e todos os que participem da administração da sociedade devem, obrigatoriamente, prestar contas dos resultados da sociedade aos demais sócios. Essa presta­ ção de contas será, no mínimo, a cada ano. Por ocasião do encerramento do exercício social anual, a administração da sociedade fica obrigada a levantar um balanço anual e promover o inventário dos bens móveis e imóveis que integram o patrimônio social, apresentando as contas de resultados econômicos, sob a forma de balanço contábil, as quais indicarão se a sociedade auferiu lucros ou teve prejuízos. A s normas básicas de contabilidade e de escritu­ ração aplicáveis à sociedade simples devem seguir as mesmas regras aplicáveis à sociedade empresária, nos termos dos arts. 1.179 a 1.195 do atual Código Civil.

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Art. 1.021

• A expressão “balanço de resultado econôm ico" corresponde às demonstrações financeiras que acompanham o balanço patrimonial da empresa, referidas no art. 176 da Lei das S/A [vide nossos comentários ao art. 1.189). Também esta expressão - dem onstrações financeiras não é das mais indicadas, sendo fruto de inadequada tradução do "financial statement" americano, conforme noticiado por Rubens Requião (Curso de direito comercial, São Paulo, Saraiva, 27. ed., 2007, v. 2, p. 239), que também deu notícia da manifestação feita pela Fe­ deração do Comércio do Estado de Sào Paulo, por ocasião da tramitação do Projeto de Lei sobre as sociedades anônimas, na Câmara dos Deputados, propondo a substituição da expres­ são dem onstrações financeiras por dem onstrações contábeis. M algrado o acolhimento da oportuna sugestão pelo então Deputado Tancredo Neves e pelo plenário da Câmara, foi ela posteriormente derrubada no Senado, mantendo-se a impropriedade da expressão dem ons­ trações financeiras.

JULGADOS • “Prestação de contas. Sociedade. A obrigação de prestar contas não é apenas do mandatário ou do sócio com poderes de administração ou de gerência, mas de todos aqueles que administrem bens ou valores de terceiros. Não comprovado o dever legal das rés de prestar contas. Fundamen­ tos da sentença ratificados. Inteligência do a rt 252, do RITJSP/2009. Recurso desprovido" (TJSP, Acórdão 0002846628, 1a Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Luiz Antonio de Godoy, j. em 2-3-2010). • "Prestação de contas e inventário. Extinção. Inadequação. Legitimidade passiva do réu. Reco­ nhecimento. Obrigação de prestar as contas. Recurso provido para julgar a ação procedente, com observação. A obrigação de prestar contas incumbe aos sócios ou gerentes responsáveis pela administração da sociedade limitada. Na hipótese dos autos, o réu ex-sócio responsável pela gerência e administração da empresa, segundo se infere da cláusula quinta de sua ata constitutiva, razão pela qual está obrigado a prestar contas à autora. Ainda que a administra­ ção da empresa esteja a cargo da inventariante, tendo em vista a alegação do réu, fato con­ trovertido, deverá ele prestar as contas do período que atuou como administrador. Recurso provido" (TJSP, Acórdão 00 0 2 60 1 9 2 3 ,31 Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Jesus de Nazareth Lofrano, j. em 6-10-2009). • "Ação de prestação de contas. Revelia. Efeitos. Relatividade. Administração conjunta. Retirada de um dos sócios indemonstrada. Ônus da prova. Obrigação de prestar contas. Inocorrência. A presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em face à revelia é relativa, podendo ceder a outras circunstâncias constantes dos autos, de acordo com o principio do livre conven­ cimento do juiz. “A ação de prestação de contas pode ser proposta tanto por quem tem o direi­ to de exigi-las, bem como por quem esteja obrigado a prestá-las. Inexiste tal direito se a socie­ dade é administrada conjuntamente pelos dois sócios, quando não há nos autos comprovação de prática de ato isolado por um dos sócios ou negativa de fornecimento de documentos contábeis da sociedade. Não havendo gerência de negócio alheio inexiste obrigação de prestar contas, sendo inaplicáveis os arts. 1.020 do Código Civil e 293 do Código Comercial, pois se referem aos sócios administradores e não aos que têm igual poder de ingerência na sociedade. Negaram provimento" (TJMG, Processo 1.0134.08.097054-1/001,91 Câm. Civel, Rei. Des. Tarcísio Martins Costa, j. em 25-8-2009).

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.021. Salvo estipulação que determine época própria, o sócio pode, a qualquer tempo, examinar os livros e documentos, e o estado da caixa e da carteira da sociedade.

Art. 1.022

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HISTÓRICO • A redação da norma é a mesma do projeto original. 0 Código Civil de 1916 não dispunha sobre a fiscalização dos atos de administração pelos demais sócios, estabelecendo, apenas, tal como no art. 1.391, o direito de indenização pelos prejuízos resultantes de atos praticados pelos sócios administradores.

DOUTRINA • Em princípio, a época própria para que os sócios exerçam o direito de fiscalização dos atos de gestão e administração da sociedade será por ocasião da apresentação do balanço patri­ monial anual. Se o contrato nào estipular época própria para a prestação de contas da ad­ ministração, todo sócio de sociedade, independentemente de seu percentual de participação no capital social, tem direito a examinar livros, registros contábeis e documentos, como contratos, ordens de compra, notas fiscais e correspondências constantes dos arquivos dos órgãos de administração. Para o pleno conhecimento da situação patrimonial e dos negócios realizados pela sociedade, tem o sócio também a prerrogativa de examinar ascontas-correntes bancárias e os registros do fluxo de caixa da sociedade, bem com o de suas carteiras de fornecedores e clientes. É preciso entender-se, porém, que não se trata de um direito abso­ luto. Suponha-se, p. ex., que o sócio nào participante da administração da sociedade exerça uma atividade paralela que possa fazer, eventualmente, concorrência a ela. Em tal caso, como bem sustenta o Prof. Arnoldo Wald (Comentários ao N ovo Código Civil, Livro II - Do Direito da Empresa - , v. XIV, Rio de Janeiro, Forense, 2005, Sálvio de Figueiredo Teixeira [coord.], p. 202), tal direito poderá ser negado desde que fundado no interesse social.

JULGADO • "Medida cautelar de exibição de documento. Sócia minoritária. Pleito de exibição dos documentos relativos ao exercício da atividade empresarial. Direitos do sócio minoritário de fiscalização da gestão da sociedade. Configuração do pressuposto de verossimilhança das alegações para o defe­ rimento da antecipação da tutela. Manutenção do deferimento da pretensão. Nega-se provimen­ to ao recurso" (TJSP, Acórdão 0002993159, 51 Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Christine Santini, j. em 19-5-2010).

Seção IV



Das relações com terceiros

Art. 1.022. A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador. HISTÓRICO • Não houve qualquer modificação nesta norma durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. 0 Código Civil de 1916, nos arts. 1.395 a 1.398, estabelecia as regras básicas relativas às obrigações da sociedade e dos sócios para com terceiros.

DOUTRINA • A representação da sociedade perante terceiros, em especial para a prática dos atos próprios à execução do objeto social, deve competir a um sócio ou administrador investido de poderes. Essa disposição distingue dois tipos de administradores na sociedade: a) o administrador com poderes especiais ou específicos para a prática de determinados atos; e b) o administrador com poderes genéricos e não discriminativos, o qual poderá praticar qualquer ato de repre­ sentação da sociedade para fins de aquisição de direitos, assunção de obrigações e exercício

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Art. 1.023

de poderes de representação judicial ativa e passiva. Seja de um modo ou de outro, a socie­ dade somente se relaciona perante terceiros, e os atos pertinentes são eficazes na medida da regularidade de sua representação, respondendo pessoalmente o sócio que praticar ato sem dispor dos poderes necessários, se o contrato social e a atribuição de poderes de representa­ ção estiverem inscritos ou o instrumento de mandato estiver averbado no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. • Questão recorrente na vida empresarial diz respeito è representação da sociedade perante o Poder Judiciário. Se é verdade, de um lado, que o Código de Processo Civil determina, no inciso VI do art. 12, que as pessoas jurídicas são representadas em juízo, ativa e passivamen­ te, pelas pessoas designadas no contrato social ou, na omissão deste, pelos seus diretores, também é verdade, de outro, que a aplicação da teoria da aparência jurídica, em tais casos, torna-se imperiosa a fim de que a sociedade não tire partido da própria torpeza ao permitir que um funcionário seu, sem poderes para tanto, receba o ato citatório. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem propendido para esse segundo entendimento, conforme se pode ver nos Embargos de Divergência no REsp 156.970/SP, de que foi Relator o Min. Vicen­ te Leal [DJU, 22-10-2002).

JULGADO • "Direito comercial. Duplicata aceita e endossada em garantia pignoraticia. Execução pelo endos­ satário de boa-fé. Oposição pelo sacado. Impossibilidade. Autonomia e abstração do título. Direi­ to processual civil. Embargos de declaração. Prequestionamento. Fins não procrastinatórios. Multa do art. 538, parágrafo único, CPC. Inaplicabilidade. A duplicata mercantil é título de crédi­ to criado pelo direito brasileiro, disciplinada pela Lei n. 5.474/68, submetendo-se ao mesmo regi­ me jurídico cambial dos demais títulos de crédito, sujeita, portanto, aos princípios da cartularidade, da literalidade e, principalmente, da autonomia das obrigações. Nos termos do art. 15 da Lei n. 5.474/68, para execução judicial da duplicata basta o próprio titulo, desde que aceito. Assim, não se exige que o endossatário confira a regularidade do aceite, pois se trata de ato pelo qual o titulo transmuda de causai para abstrato, desvencilhando-se do negócio originário. Ausente qual­ quer indício de má-fé por parte do endossatário, exigir que ele responda por fatos alheios ao negócio jurídico que o vinculam à duplicata contraria a própria essência do direito cambiário, aniquilando sua principal virtude, que é permitir a fácil e rápida circulação do crédito. Embargos de declaração que tenham por fim o prequestionamento não se sujeitam à sanção do art. 538, parágrafo único, do CPC. Súmula 98/STJ. Recurso especial conhecido e parcialmente provido" (STJ, 3*T., REsp 1.102.227/SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 12-5-2009).

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsa­ bilidade solidária. HISTÓRICO • A redação deste dispositivo é a mesma do projeto original. 0 art. 1.396 do Código Civil de 1916 estipulava regra semelhante sobre a responsabilidade dos sócios pelas dividas da sociedade.

DOUTRINA • A responsabilidade dos sócios na sociedade simples é ilimitada, ainda que subsidiária, ou seja, se os bens da sociedade nâo forem suficientes para o pagamento de dívidas contraídas pe­

Art. 1.023

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rante seus credores, os bens particulares dos sócios poderão ser alcançados pela execução, até a integral liquidação das obrigações contraídas. Nesse caso, cada sócio responderá pelas dividas da sociedade proporcionalmente a sua participação no capital social. 0 contrato social, todavia, poderá estabelecer cláusula de responsabilidade solidária, a qual independe da par­ ticipação de cada sócio no capital, respondendo todos, em conjunto, perante os credores, pelo pagamento das dívidas da sociedade. Caso os sócios de sociedade simples pretendam limitar suas responsabilidades por dívidas sociais, podem eles constituir a sociedade segundo um dos tipos previstos nos arts. 1.039 a 1.092, que regulam as sociedades empresárias (v. art. 983). • Adverte M ário Luiz Delgado que a cláusula final deste artigo colide com o inciso VIII do art. 997, que se refere a responsabilidade subsidiária, a ponto de a I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, haver aprova­ do, em suas conclusões, o seguinte enunciado: " 0 termo 'subsidiariamente', constante do inc. 8a do art. 997 do Código Civil, deverá ser substituído por 'solidariamente' a fim de compati­ bilizar esse dispositivo com o art. 1.023 do mesmo Código" (Código Civil anotado - inovações anotadas artigo por artigo. Obra em coautoria com Jones Figueirêdo Alves, Sào Paulo, M é ­ todo, 2005, p. 474). • Nào é razoável aplicar o conceito de responsabilidade subsidiária de maneira automática, fazendo com que o patrimônio da pessoa jurídica praticamente venha a se confundir com o da pessoa física, a exemplo do que já ocorre com o empresário individual. Há que se com pa­ tibilizar o texto do art. 1.023 com as disposições do art. 50 e demais regras aplicáveis, que só admitem a responsabilidade pessoal do sócio em casos específicos, sobretudo onde se confi­ gure a fraude.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 61, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: " 0 termo 'subsidiariamente' cons­ tante do inc. VIII do art. 997 do Código Civil deverá ser substituído por 'solidariamente' a fim de compatibilizar esse dispositivo com o art. 1.023 do mesmo Código".

JULGADO • "Agravo de instrumento. Prestação de serviços. Cobrança. Execução. Desconsideração da persona­ lidade jurídica da sociedade simples. Decisão irrecorrida. Preclusào. Bloqueio "on-line" de ativos financeiros nas contas bancárias dos sócios. Pedido de desbloqueio sob a alegação de irresponsa­ bilidade por obrigações contraídas um ano após a retirada informal do sócio. Indeferimento. Admissibilidade. Responsabilidade subsidiária dos sócios por obrigações sociais contraídas até dois anos posteriormente à retirada, enquanto nào se requerer a averbação. Inteligência do art. 1.023 c.c. o art. 1.032, ambos do Código Civil. Nào há que se alegar irresponsabilidade do sócio por obrigações constituídas em contrato celebrado pela sociedade simples, que ainda formalmente integra, dentro do prazo legal de permanência da sua responsabilidade pelas obrigações sociais contraídas posteriormente a sua alegada retirada informal da aludida sociedade. Recurso impro­ vido" (TJSP, 32J Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002855387, Rei. Des. Walter Antonio Zeni, j. em 163-2010).

DIREITO PROJETADO • Pelas razões expostas acima, o Deputado Ricardo Fiuza pretendeu alterar a redação desse dispo­ sitivo, a fim de manter a responsabilidade pessoal e subsidiária dos sócios, tão somente até a in­ tegralizaçào do capital social. Sua redação proposta foi a seguinte: Art. 1.023. Enquanto nõo re­ alizado o capital social, se os bens da sociedade nõo lhe cobrirem as dividas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabili­ dade solidária (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado).

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Arts. 1.024 e 1.025

Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais. HISTÓRICO • Esta norma não foi modificada quando da tramitação do projeto no Congresso Nacional. O Códi­ go Civil de 1916, no art. 1.396, também estabelecia o principio da responsabilidade subsidiária dos sócios.

DOUTRINA • A responsabilidade subsidiária do sócio de sociedade decorre da regra da responsabilidade ilimitada. A sociedade, juntamente com seus sócios, deve responder pelo integral pagamento de todas as dívidas contraídas em decorrência do exercício da atividade econômica desem­ penhada. Todavia, os bens particulares dos sócios somente poderão ser alcançados pelos credores após a execução de todos os bens, créditos e direitos constantes do patrimônio da sociedade.

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.025. O sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das dívidas sociais anteriores à admissão. HISTÓRICO • Esta norma não foi alterada no processo legislativo do Código Civil de 2002 no Congresso Nacio­ nal. O Código de 1916 nào continha disposição semelhante.

DOUTRINA • De acordo com esta disposição normativa, se alguém adquirir a condição de sócio após a sociedade já estar constituída, assumirá ele todas as obrigações passivas existentes à época de sua admissão. Essa regra é uma decorrência do princípio da responsabilidade ilimitada, segundo o qual os sócios devem suportar os ônus e as obrigações perante terceiros indepen­ dentemente do momento em que se associaram. Entretanto o novo sócio poderá acionar regressivamente aquele de quem adquiriu as quotas pelos prejuízos que venha a suportar, desde que pactuado no contrato. 0 direito de regresso, no caso, deve ser estabelecido como corolário da liberdade de contratar. Cabe ao contrato assegurar ou excluir esse direito, de acordo com o negócio pactuado.

JULGADOS • “Tutela antecipada. Embargos à execução fiscal. ICMS. Empresa que não possui patrimônio sufi­ ciente à garantia da execução fiscal. Prosseguimento da ação executiva contra os seus sócios. Solidariedade passiva na obrigação de pagar o imposto, embutido no preço dos produtos comer­ cializados sem ter sido repassado ao Fisco. Responsabilidade dos sócios. Prescrição não operada, ainda que a inclusão dos sócios no polo passivo tenha ocorrido vários anos após a citação. Inércia da credora nào caracterizada. Penhora on-line. Admissibilidade. Art. 655-A do CPC. Recurso não provido" (TJSP, Acórdão 0003009648,10J Câm. de Dir. Púb., Rei. Des. Urbano Ruiz, j. em 19-4-2010). • "Cessão de quotas de sociedade limitada. Inadimplência dos adquirentes. Alegação de existência de passivo não assumido. Existência de cláusula contratual pela assunção do passivo e aplicação

Art. 1.026

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do a rt 1.025 do CC. Sociedade empresária devidamente transferida. Inaplicabilidade da exceção do contrato não cumprido. Eventuais diferenças e contas a serem apuradas, bem como interpre­ tação da cláusula contratual, que devem ser objeto de ação própria. Pagamento devido. Não provimento" (TJSP, Acórdão 0001615943, 4* Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Enio Zuliani, j. em 31-12008).

DIREITO PROJETADO • Pelas razões expostas acima, o Deputado Ricardo Fiuza apresentou à Câmara proposta para alte­ ração deste dispositivo, assegurando expressamente o direito de regresso do novo sócio. A redação por ele sugerida foi a seguinte: Art. 1.025. O sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das dividas sociais anteriores à admissão, sendo-lhe assegurado o direito de regresso que expressamente venha a contratar (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado). • No caso do sócio que se retira da sociedade, sua responsabilidade subsistirá pelo prazo de dois anos após a sua saída (art. 1.003, parágrafo único), em caráter solidário com o sócio que ingressou.

Art. 1.026.0 credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do deve­ dor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação. Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liqui­ dação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do a r t 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação. HISTÓRICO • A redação final da norma é a mesma constante do projeto original. Não há correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Este artigo diz respeito à execução dos bens particulares do sócio em razão de dívidas pes­ soais, e nào da sociedade, como tratado nos dispositivos anteriores. Se os bens particulares do sócio devedor forem insuficientes para o pagamento de suas dívidas, fica facultado ao credor executar os lucros a que o sócio porventura tiver direito na sociedade, ou, no caso de a sociedade encontrar-se em processo de dissolução, a parte que o sócio devedor teria direi­ to na liquidação dos bens patrimoniais, após a quitação de todas as dívidas da sociedade. Se esta se encontrar em funcionam ento regular, ou seja, se nào estiver dissolvida, e não existirem lucros a distribuir, o credor do sócio poderá requerer, judicialmente, a liquidação das quotas do sócio devedor, na proporção necessária à satisfação de seu crédito, de acordo com o pro­ cedimento de liquidação previsto no art. 1.031 do Código. Entretanto, essa liquidação da quota do devedor somente deve ser concedida em caráter excepcional e depois de ouvida a sociedade, assegurando ao acusado o contraditório, sob pena de ficar comprometida a con­ tinuidade do negócio.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 389, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Quando se tratar de sócio de serviço, nâo poderá haver penhora das verbas descritas no art. 1.026, se de caráter alimentar". • Enunciado 388, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "0 disposto no art. 1.026 do Código Civil não exclui a possibilidade de o credor fazer recair a execução sobre os direitos patri­ moniais da quota de participação que o devedor possui no capital da sociedade". • Enunciado 387, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “A opção entre fazer a execução recair sobre o que ao sócio couber no lucro da sociedade, ou na parte que lhe tocar em dissolução, orienta-se pelos princípios da menor onerosidade e da função social da empresa".

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Art. 1.026

• Enunciado 386, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “Na apuração dos haveres do sócio, por conseqüência da liquidação de suas quotas na sociedade para pagamento ao seu credor (art. 1.026, parágrafo único), não devem ser consideradas eventuais disposições contratuais res­ tritivas à determinação de seu valor“.

JULGADOS • “Agravo de instrumento. Direito civil, processual civil e empresarial. Cumprimento de sentença. Penhora de cotas de participação social por dívida particular do sócio. Esgotamento de outras formas de satisfação da execução. Possibilidade. Liquidação das cotas penhoradas. Possibilidade. É perfeitamente possível a penhora de cotas de participação social do devedor, desde que balda­ das as tentativas de localização de outros bens penhoráveis. Precedentes. Uma vez efetivada a penhora sobre as cotas sociais titularizadas pelo devedor na sociedade, seu desdobramento se­ guinte é a avaliação/atualização contábil, sendo ato contínuo liquidadas, isto é, convertidas em pecúnia no prazo de noventa dias. Inteligência dos arts. 1.026, caput e parágrafo único, e 1.031, caput e parágrafo único, do Código Civil. A decisão de liquidação da quota do sócio executado no processo de execução não resolve a sociedade, isto é nào tem o condão de dissolvê-la parcial ou totalmente. Simplesmente cumpre o desiderato procedimental de liquidar as quotas do sócio executado. A questão de equacionamento do quadro social e do capital fica a cargo dos sócios remanescentes que lavrarão alteração contratual onde será excluído do quadro social o sócio cuja quota tenha sido liquidada. Inteligência do parágrafo único do art. 1.030 do Código Civil, verbis: 'Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026'. Recurso provido" (TJMG, Al 1.0024.99.030539-3/001, 16J Câm. Civel, Rei. Des. Sebastião Pereira de Souza, j. em 23-9-2009). • “Execução. Sociedade limitada. Cotas sociais. Penhora. Possibilidade. Recurso improvido. Por for­ ça do disposto no art. 655, VI, do Código de Processo Civil, é possível a penhora de cotas sociais de sociedade limitada cujo capital social seja de propriedade do devedor. Tal possibilidade, con­ tudo, só deve ser admitida em hipóteses excepcionais e deve obedecer, em regra, ao disposto nos arts. 1026 e 1031 do Código Civil. Negou provimento" (TJSP, Acórdão 0002496072, 311 Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Armando Sérgio Prado de Toledo, j. em 4-8-2009). • “Agravo de instrumento. Penhora de quotas sociais de sociedade limitada. Inalienabilidade e impenhorabilidade (art. 6 4 9 ,1, do CPC). Inocorrência. Previsão no art. 1.026 do Código Civil e art. 655, VI, do CPC. Bens passíveis a satisfazer o crédito do exequente (art. 591 do CPC). Improcedência. As quotas em sociedade limitada não são consideradas, o priori, bens inalienáveis, con­ forme interpretação adequada dos dispositivos do Código Civil (Art. 1.026) e do Código de Pro­ cesso Civil (Art. 655, VI) que tratam da matéria. As quotas em sociedade limitada de propriedade do devedor podem ser penhoradas para satisfazer o crédito exequendo, obedecida a ordem legal de preferência (Art. 655 e incisos do CPC), por não haver restrição legal de impenhorabilidade ou qualquer outra, e em razão da regra geral da execução que determina que todos os bens do devedor respondem pelas suas obrigações, salvo as restrições legais (Art. 591 do CPC). Negaram provimento" (TJMG, Al .0024.07.693226-8/001,14* Câm. Civel, Rei. Des. Rogério Medeiros, j. em 7-5-2009).

DIREITO PROJETADO • Por essas razões, o Deputado Ricardo Fiuza propôs à Câmara dos Deputados nova redação ao parágrafo único deste dispositivo, nos termos seguintes: Art. 1.026. Se a sociedade nâo estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cabendo ao juiz decidir, depois de ouvida a sociedade. Em caso de decisão pela liquidação total ou parcial da quota, o seu valor será apurado na forma do art. 1.031, sendo depositado em dinheiro, no juizo da exe­ cução, até noventa dias após aquela liquidação, salvo estipulação contratual diversa quanto ao prazo e condições de pagamento dos haveres do sócio (cf. PL n. 7.160/2002, que está arqui­ vado).

Arts. 1.027 e 1.028

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Art. 1.027. Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicial­ mente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade. HISTÓRICO • O conteúdo deste dispositivo é o mesmo do projeto original, não tendo sido objeto de alteração na tramitação do projeto. Não existia norma similar no Código de 1916.

DOUTRINA • Esta norma regula duas situações distintas: a) o caso de falecimento de sócio e do seu côn­ juge, deixando herdeiros; e b) a hipótese de separação judicial ou divórcio de sócio. Tanto em uma situação com o em outra, deverá ocorrer a partilha dos bens do sócio falecido ou daque­ le que extinguiu a sociedade conjugal. Os herdeiros do sócio falecido podem passar a integrar a sociedade, por sucessão das respectivas quotas, desde que exista m útuo acordo entre estes e os demais sócios (art. 1.028, III). Mas, no que se refere aos herdeiros do cônjuge do sócio falecido, estes nào terão direito a assumir as quotas e participar da sociedade, até mesmo em respeito ao princípio da affectio societatis, que implica a prevalência da vontade de m anu­ tenção da relação associativa apenas entre os sócios enquanto assim o desejarem. Portanto, os herdeiros do cônjuge do sócio ou o cônjuge que anteriormente mantinha sociedade con­ jugal com o sócio não terão direito a integrar, automaticamente, a sociedade, com o conse­ qüência do resultado da partilha. A partilha em questão não poderá ter com o objeto as quotas detidas pelo sócio na sociedade, mas apenas o direito à percepção dos lucros que ao sócio falecido ou separado tocariam e que seriam distribuídos a cada ano, se positivo o re­ sultado social. No caso de a sociedade entrar em processo de liquidação, então, os herdeiros do cônjuge ou o cônjuge separado, enquanto não ultimada a partilha e no caso de as quotas da sociedade nào terem sido arrecadadas ou colacionadas no processo de separação ou in­ ventário, nessa hipótese, terão eles direito à participação nos bens sociais que remanescerem e forem distribuídos ou divididos na liquidação.

Seção V



Da resolução da sociedade em relação a um sócio

Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo: I — se o contrato dispuser diferentemente; II — se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; III — se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido. HISTÓRICO • Esta disposição não foi modificada na tramitação do projeto no Congresso Nacional. O Código Civil de 1916, em seu art. 1.399, inciso IV, previa que, no caso de morte de um dos sócios, a socie­ dade deveria ser dissolvida e consequentemente liquidada e extinta. Todavia, os arts. 1.402 e 1.403 admitiam a continuidade da sociedade se assim fosse deliberado entre os sócios remanescentes e os herdeiros do sócio falecido.

DOUTRINA • A sociedade simples nào se dissolve nem se extingue, automaticamente, no caso da ocorrên­ cia da morte de qualquer dos seus sócios. Na hipótese do falecimento de sócio, a regra geral é a da liquidação de suas quotas no capital social, com o pagamento aos herdeiros, com re­

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Art. 1.029

dução do capital social, se for o caso, mas sem prejuízo da continuidade da sociedade. A li­ quidação das quotas implica o pagamento dos haveres e créditos do sócio falecido em favor de seus herdeiros, impossibilitando a participação destes, consequentemente, com o membros da sociedade. Todavia, o contrato social pode estipular outro procedimento nesse caso, assim como os sócios remanescentes podem decidir pela dissolução da sociedade. A quota do sócio falecido também não será liquidada na hipótese de os herdeiros decidirem por sua substitui­ ção. M as essa substituição somente ocorrerá mediante a aceitação dos demais sócios, tendo em vista o princípio da affectio societatis, com o também em decorrência do disposto nos arts. 997 e 999.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 221, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Diante da possibilidade de o contrato social permitir o ingresso na sociedade do sucessor de sócio falecido, ou de os sócios acordarem com os herdeiros a substituição de sócio falecido, sem liquidação da quota em ambos os casos, é licita a participação de menor em sociedade limitada, estando o capital integralizado, em virtude da inexistência de vedação no Código Civil".

JULGADO • "Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Morte de sócio. Herdeiro impedido de ter acesso às dependências e documentos pertinentes à administração comercial. Pedido procedente. Imposição legal e contratual. Exclusão do espólio. Infração contratual. Espólio autor tem direito às quotas que pertenciam ao seu falecido pai e às perdas e danos Sentença mantida. Recurso improvido" (TJSP, 3a Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0003015991, Rei. Des. Adilson de Andrade, j. em 1° - 6 - 2010 ).

Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa. Parágrafo único. Nos trinta dias subsequentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade. HISTÓRICO • A redação da norma é a mesma constante do projeto original. Os arts. 1.404 a 1.406 do Código de 1916 estabeleciam as regras para a retirada voluntária do sócio da sociedade, sob a forma de renúncia, que poderia ser de boa ou de má-fé. 0 novo Código não contempla essa distinção. 0 art. 1.408 do antigo Código também previa a necessidade de justa causa para a retirada do sócio na sociedade constituída por prazo determinado.

DOUTRINA • Ninguém é obrigado a associar-se ou a manter-se associado (CF, art. 5a, XX). Assim, todo sócio tem o direito de se retirar da sociedade se for de seu interesse pessoal. Quando a socie­ dade for constituída por prazo indeterminado, o sócio pode retirar-se a qualquer tempo, bastando notificar os demais sócios, por escrito, com antecedência de sessenta dias. Se a sociedade for por prazo determinado, o sócio que pretender retirar-se tem de provar, por meio de ação judicial de dissolução de sociedade, a existência de justa causa motivadora para sua saída. Nesse caso, o juiz apreciará as razões em que se funda a decisão de retirada antes do tempo previsto para a dissolução da sociedade. 0 parágrafo único deste dispositivo diz respeito, apenas, à hipótese de retirada do sócio nas sociedades por prazo indeterminado,

Art. 1.029

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quando os demais sócios poderão deliberar pela dissolução total da sociedade, e nào apenas por sua dissolução parcial.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • A V Jornada de Direito Civil de 2011 decidiu, conforme aprovado no Enunciado 480, revogar o Enunciado 390, abaixo referido. • Enunciado 390, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “Em regra, é livre a retirada de sócio nas sociedades limitadas e anônimas fechadas, por prazo indeterminado, desde que tenham integralizado a respectiva parcela do capital, operando-se a denúncia (arts. 473 e 1.029)". Inexiste dúvida quanto ao seu acerto no que se refere às sociedades limitadas; o mesmo não ocorre, no entanto, no tocante às sociedades anônimas fechadas. Com efeito, a chamada dissolução parcial, como conseqüência da denúncia unilateral, só parece fazer sentido nas sociedades limitadas, in­ dependentemente, aliás, de não ter o Código Civil de 2002 incluído a denúncia unilateral como causa de dissolução de tal tipo societário. Aceitar a dissolução parcial, então, parece ser a alter­ nativa lógica para conciliar dois interesses em conflito: o daquele sócio que não quer permanecer na sociedade e o dos demais que desejam que a sociedade possa continuar existindo... A solução é mais adequada, máxime se estiver prevista no contrato social a regência supletiva das socieda­ des simples (sendo indubitavelmente aplicável, no caso, o art. 1.029 do Código Civil). Se o contra­ to social determinar a aplicação subsidiária da Lei das S/A, é provável que a jurisprudência siga a mesma tendência anterior ao Código Civil de 2002 no sentido de admitir a retirada do sócio nas sociedades limitadas.

JULGADOS • "Comercial e processual civil. Ação rescisória. Falência. Expressa menção aos dispositivos suscitados pela parte. Desnecessidade. Ausência de omissão. Livre convencimento fundamentado. Ocorrência. Violação do art. 535 do CPC. Inexistência. Sociedade limitada. Cessão de quotas. Inclusão dos ex-sócios no rol dos falidos. Apuração da responsabilidade. Violação do art. 51 do Decreto-Lei n. 7.661/1945. Ocorrência. I. A prestação jurisdicional foi concedida de acordo com a pretensão deduzida, pois o julgador nào está obrigado a responder a todas as considerações das partes, bastando que decida a questão por inteiro e motivadamente. Inexiste a contrariedade ao art. 535 do CPC. II. Nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada, o sócio apenas responde au­ tomaticamente pelas dividas sociais quando o capital social não estiver integralizado. III. Da exegese do art. 51 do Decreto-Lei n. 7.661/45, tem-se que a responsabilidade do ex-sócio pelas dividas contraídas antes da despedida da sociedade perdura até o momento de sua saída, quando o sócio retirante levanta os fundos correspondentes à sua quota que conferiu para o capital social. Trata-se, portanto, do direito de retirada, previsto no art. 1.029 do CC/02. IV. Assiste ao sócio que se despede da sociedade também o direito de negociar sua quotas, cedendo-as total ou parcial­ mente a qualquer sócio ou a terceiro, que adquire direito pessoal e patrimonial. É ato voluntário bilateral, no qual não há levantamento de fundos, mas sim uma alteração na titularidade das quotas. V. 0 art. 51 do Decreto-Lei n. 7.661/45 é fundamento para exclusão da responsabilidade no caso sub judicc, pois, com a cessão de quotas, incontroversamente havida, cessou a responsa­ bilidade dos recorrentes para com qualquer obrigação social, quer seja anterior à cessão, quer posterior, de modo que não respondem pelas dividas cujo inadimplemento motivou a propositura do pedido de falência. VI. Regra geral do art. 306 do Código Civil de 1916 não é aplicável na hi­ pótese, diante da especialidade do art. 51 da antiga Lei de Falências, a teor do art. 2o, § 2o, da LICC. VII. Iniciada a dissolução e a liquidação de uma sociedade antes da entrada em vigor do CC, essas permanecerão sob a égide da lei anterior (art. 2.034 do CC). É descabido, portanto, invocar-se os dispositivos do novo Código em relação à dissolução ou liquidação de pessoas jurídicas iniciadas antes de ele entrar em vigor. Por isso, conclui-se que não é aplicável o art. 1.032 do CC ao caso sub judice. Recurso especial provido" (REsp 876.066/PR, 3J T., Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 185-2010).

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Art. 1.030

• “Direito de retirada. Registro. Dissolução da sociedade empresarial. Affectio societatis. Quebra. Art. 1.034 do CC. 0 direito de retirada do sócio da sociedade, preconizado no art. 1.029 do CC, fica condicionado à notificação aos demais sócios e sua conseqüente alteração contratual, devidamen­ te registrada perante o órgão competente. 0 direito de retirada do sócio nào se confunde com a dissolução da sociedade empresarial. A affectio societatis é um elemento especifico do contrato de sociedade empresarial, que se exterioriza pela vontade comum dos sócios de que o empreen­ dimento prospere, em prol da sociedade e da atividade por ela desenvolvida. Inexistindo a affec­ tio societatis, a consecução do fim social se torna impossível, permitindo a dissolução da socie­ dade empresarial, a teor do art. 1034, II, do Código Civil. Recurso nào provido" (TJMG, 101 Câm. Civel, Processo 1.0024.06.077611-9/001, Rei. Des. Alberto Aluizio Pacheco de Andrade, j. em 125-2009). • "Agravo de instrumento. Dissolução de sociedade. Direito de retirada. Previsão do art. 1.029 do CC. Presente a prova inequívoca da verossimilhança das alegações. Antecipação de tutela. Recur­ so provido. Para a concessão da antecipação da tutela, o Código de Processo Civil, em seu art. 273 estabelece como requisitos a prova inequívoca, para que se convença da verossimilhança da ale­ gação e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou caracterização do abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Do exame dos autos, percebo que o recorrente cumpriu o disposto no art. 1.029 do Código Civil, notificando os demais sócios, com a antecedência mínima exigida, passando a exercer seu direito líquido e certo de retirar-se da so­ ciedade. Recurso provido" (TJMG, 16J Cãm. Civel, 1.0024.07.788273-6/001, Rei. Des. Nicolau Masseli.j. em 15-4-2009).

Art. 1.030. Ressalvado o disposto no a r t 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente. Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do a r t 1.026. HISTÓRICO • Nenhuma alteração ou emenda foi apresentada a este dispositivo durante a tramitação do proje­ to no Congresso Nacional. 0 art. 1.406 do Código Civil de 1916 não continha regra especifica para a exclusão do sócio que tivesse praticado falta grave, mas, apenas, a possibilidade de exclusão antecipada do sócio renunciante de má-fé.

D O U T R IN A • Qualquer sócio pode ser excluído, por iniciativa da maioria dos sócios, se vier a cometer falta grave, atentando contra a sociedade e contra as disposições do contrato social ou ain­ da quando constatada a sua incapacidade superveniente. Esse processo de exclusão deve ser feito por via judicial, por meio de ação própria, em que deverá ser justificada e provada a ocorrência de falta grave. Com o o direito de excluir o sócio é da sociedade, será ela a autora da ação, para cuja propositura exige-se a anuência da maioria dos demais sócios, excluído o faltoso. Assinale-se que essa possibilidade de exclusão está fundamentada no poder resolutório conferido aos sócios prejudicados - sejam eles majoritários ou nào - pelo sócio que cometeu a falta grave, e não na deliberação tomada pela maioria. Conforme muito bem es­ clarecido pelo Prof. Fábio Konder Comparato (Ensaios e pareceres de direito empresarial, Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 141), “A maioria não se confunde nunca com a sociedade, e o seu interesse próprio pode contrastar com o da empresa, por ela explorada. São essas algum as verdades elementares, que o Direito moderno vem iluminando sempre mais intensamente", demonstrando, a seguir, com a análise dos direitos germânico, suíço, italiano e francês sobre a matéria, ser essa a orientação adotada no plano do direito comparado.

Art. 1.030

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• É elogiável a exigência de processo judicial, uma vez que esse tipo de exclusão pode alcançar até mesmo o sócio majoritário. Observe-se que o Código não exige que os "demais sócios" sejam titulares de quotas representativas de mais da metade do capital social, referindo-se, apenas, à maioria dos sócios e não à maioria do capital. Ou seja, mesmo os sócios minoritários podem provocar a exclusão do majoritário. Nesse sentido é a posição do Prof. Arnoldo Wald (Comentários ao N ovo Código Civil, Livro II - Do Direito de Empresa, v. XIV, Forense, p. 238): "N a realidade, há que se convir que a dissolução parcial, conforme anteriormente referido, é uma forma de preservação da sociedade, não sendo influenciada pelos conceitos de maioria e minoria. Daí por que ser possível a exclusão do sócio majoritário, se necessário para a pre­ servação do fim social para o qual a sociedade foi constituída. Assim, a maioria dos demais sócios à qual se refere o legislador pode, em princípio, representar a minoria do capital da sociedade". • A ressalva feita ao art. 1.004 e seu parágrafo único refere-se ao processo de exclusão dife­ renciado aplicável ao sócio remisso, que deixa de integralizar o capital subscrito e que inde­ pende de decisão judicial. • Também independe de decisão judicial a exclusão do sócio que vier a falir, como empresário individual, ou cuja quota tenha sido objeto de liquidação para pagamento de dívidas pesso­ ais, tal com o previsto no parágrafo único do art. 1.026. E N U N C I A D O S D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L -

C JF

• Enunciado 481, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 1.030, parágrafo único. 0 insolvente civil fica de pleno direito excluído das sociedades contratuais das quais seja sócio". • Enunciado 216, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 quorum de deliberação pre­ visto no art. 1.004, parágrafo único, e no art. 1.030 é de maioria absoluta do capital representado pelas quotas dos demais sócios, consoante a regra geral fixada no art. 999 para as deliberações na sociedade simples. Esse entendimento aplica-se ao art. 1.058 em caso de exclusão de sócio remis­ so ou redução do valor de sua quota ao montante já integralizado". • Enunciado 67, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: “A quebra do affectio societatis nào é causa para a exclusão do sócio minoritário, mas apenas para dissolução (parcial) da socie­ dade". JU LG AD O S • "Tutela antecipada. Ação de dissolução parcial de sociedade limitada. Determinação liminar de concentração dos poderes de administração da empresa apenas nas mãos da sócia autora. Cabi­ mento. Existência de fortes indícios nos autos a indicar que o sócio réu cometeu falta grave, consistente na aquisição de matéria prima (alho) de forma simulada, com o intuito de sonegar tributos. Alegação de que a grande quantidade de alho adquirida teria sido utilizada como adubo e defensor agrícola natural em plantações de alimentos orgânicos que nào se encontra suficien­ temente comprovada. Tutela antecipada mantida. Recurso desprovido" (TJSP, Acórdão 0002846663, 1* Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Rui Cascaldi, j. em 23-2-2010). • "Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Incontornável divergência entre os sócios, três deles pleiteando a exclusão do quarto e vice-versa, em duas ações de dissolução parcial, com apuração de haveres. Perda por inteiro da affectio societatis entre os litigantes. Apelo do trio excluído, contra sentença que decretou sua exclusão. Procedência, pelas razões constantes do corpo do acórdão. Provimento para inverter o resultado do julgamento, excluído sim o quarto sócio, invertidos os ônus do sucumbimento. Recurso provido" (TJSP, Acórdão 0002629594,8J Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Luiz Antonio Ambra, j. em 21-10-2009). • “Declaratória cumulada com indenizatória, Sociedade comercial de fato. Prova oral demonstrou a existência da sociedade. Documentos corroboram a situação fática apresentada. Exclusão do autor do quadro de sócios da empresa enseja recebimento dos haveres. Verba reparatória apta a

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Art. 1.031

sobressair. Apelo desprovido" (TJSP, Acórdão 0002610772, 4a Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Natan Zelinschi de Arruda, j. em 1°-10-2009). • "Agravo de instrumento. Direito civil, processual civil e empresarial. Cumprimento de sentença. Penhora de cotas de participação social por divida particular do sócio. Esgotamento de outras formas de satisfação da execução. Possibilidade. Liquidação das cotas penhoradas. Possibilidade. É perfeitamente possível a penhora de cotas de participação social do devedor, desde que balda­ das as tentativas de localização de outros bens penhoráveis. Precedentes. Uma vez efetivada a penhora sobre as cotas sociais titularizadas pelo devedor na sociedade, seu desdobramento se­ guinte é a avaliação/atualização contábil, sendo ato contínuo liquidadas, isto é, convertidas em pecúnia no prazo de noventa dias. Inteligência dos arts. 1.026, caput e parágrafo único, e 1.031, capute parágrafo único, do Código Civil. A decisão de liquidação da quota do sócio executado no processo de execução não resolve a sociedade, isto é não tem o condão de dissolvê-la parcial ou totalmente. Simplesmente cumpre o desiderato procedimental de liquidar as quotas do sócio executado. A questão de equacionamento do quadro social e do capital fica a cargo dos sócios remanescentes que lavrarão alteração contratual onde será excluído do quadro social o sócio cuja quota tenha sido liquidada. Inteligência do parágrafo único do art. 1.030 do Código Civil, verbis: ‘Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026'. Recurso provido" (TJMG, Al 1.0024.99.030539-3/001, 16* Câm. Civel, Rei. Des. Sebastião Pereira de Souza, j. 23-9-2009). • "Ação de exclusão de sócio. Aplicabilidade do art. 1.030 do Código Civil. Falta grave no cumpri­ mento do dever de cooperação do sócio. Configuração. Quebra da affectio societatis. Recurso provido. Se comprovada falta grave por não cumprimento do dever de cooperação inerente a todos os sócios e se desaparecida a affectio societatis, razão nâo há mais para as partes manterem os laços societários que haviam estabelecido, justificando, portanto, a exclusão dos apelados da sociedade. Recurso provido" (TJMG, Processo 1.0024.03.030942-1/001, 13J Câm. Civ., Rei. Des. Nicolau Masselli, j. em 12-3-2009). D IR E I T O P R O J E T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. § 1? O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios su­ prirem o valor da quota. § T- A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário. H IS T Ó R IC O • Este dispositivo foi alterado por emenda apresentada à Câmara dos Deputados, ainda durante o período inicial de tramitação, sendo mantida pelo Senado Federal. A redação original não garan­ tia a liquidação das quotas do sócio retirante ou excluído com base no valor patrimonial efetivo das suas quotas, mas pelo seu valor contábil. Não tem correspondente no Código de 1916. D O U T R IN A • Quando ocorrer a saída de sócio, seja por retirada voluntária, seja por exclusão, terá ele di­ reito a receber o valor de suas quotas representativas do capital pelo correspondente valor

Art. 1.032

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patrimonial real, ou seja, pelo valor de sua participação no capital acrescido das reservas do patrimônio líquido. Para tanto, a sociedade é obrigada a levantar um balanço especial na data da dissolução parcial, com a finalidade de quantificar o valor patrimonial que deve ser reem­ bolsado a crédito do sócio retirante ou excluído. 0 contrato social, contudo, pode dispor diferentemente, para prever, p. ex., que o valor do pagamento das quotas venha a ser calcu­ lado com base no último balanço ou com base no valor contábil ou nominal das quotas, sem incorporar as reservas de resultados ou de reavaliação do ativo. Determinado o valor do re­ embolso das quotas do sócio retirante ou excluído, o capital da sociedade deverá ser reduzi­ do no mesmo montante, podendo os sócios remanescentes, todavia, para evitar a redução do capital, integralizar, com recursos próprios, os valores necessários à manutenção do valor do capital. Após definido e quantificado o valor do reembolso das quotas do sócio retirante ou excluído, a sociedade deverá realizar o pagamento integral dos valores devidos no prazo de noventa dias. 0 contrato social poderá, contudo, estabelecer prazos inferiores ou superiores para o pagamento dos valores devidos em razão da resolução da sociedade em relação a um sócio.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 482, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Arts. 884 e 1.031. Na apuração de haveres de sócio retirante de sociedade holding ou controladora, deve ser apurado o valor global do patrimônio, salvo previsão contratual diversa. Para tanto, deve-se considerar o valor real da participação da holding ou controladora nas sociedades que o referido sócio integra". • Enunciado 391, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “A sociedade limitada pode ad­ quirir suas próprias quotas, observadas as condições estabelecidas na Lei das Sociedades por Ações". • Enunciado 62, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: “Com a exclusão do sócio remisso, a forma de reembolso das suas quotas, em regra, deve dar-se com base em balanço especial, rea­ lizado na data da exclusão".

JULGADOS • "Processual civil e comercial. Resolução parcial de sociedade. Liquidação. Valores devidos aos sócios retirantes. Violação do art. 1.031 do Código Civil. Inocorrência. Súmula 7/STJ. Dissídio jurispru­ dencial não caracterizado. 1. Não configura ofensa ao art. 1.031 do Código Civil o acolhimento das conclusões de laudo pericial que, ao apurar o valor do fundo de comércio, utiliza-se de siste­ mática de cálculo consistente na "projeção da rentabilidade futura trazida ao valor presente", de modo a aferir os efeitos provocados pela perda da parcela intangível do patrimônio ('contas de clientes’), que seguira juntamente com os sócios retirantes, no patrimônio da sociedade. 2. Nào há de ser conhecido o recurso especial se o exame da suposta contrariedade do julgado recorrido a dispositivo de lei estiver condicionado à (re)avaliaçâo de premissa fático-probatória já definida no âmbito das instâncias ordinárias. Aplicação da Súmula 7/STJ. 3. A ausência de identidade (similitude fática e jurídica) entre os arestos recorridos e paradigmas impede o conhecimento do recurso especial sob o prisma da divergência pretoriana. 4. Recurso especial não conhecido" (REsp 968.317/RS, 4a T., Rei. Min. João Otávio de Noronha, j. em 14-4-2009). • "Sociedade limitada. Dissolução Parcial e liquidação. Quebra da affectio societatis. Notificação de retirada. Desnecessidade. Apuração de Haveres. Data base. Afastamento de fato do sócio retiran­ te. Fixação de honorários mantida. Recurso das autoras parcialmente provido e improvido o das rés" (TJSP, Acórdão 0002230495, 3a Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Adilson de Andrade, j. em 17-32009).

Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a re-

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Art. 1.032

solução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação. H IS T Ó R IC O • 0 conteúdo normativo desta disposição é o mesmo do projeto original. Não há correspondente no Código de 1916. A nova Lei de Falências (Lei n. 11.101, de 9-2-2005, a rt 81, § 1o) prevê o mesmo prazo de dois anos após a retirada de sócio da sociedade para que este continue a responder pelas dividas sociais existentes à época de sua saída. D O U T R IN A • Esta regra geral de permanência da responsabilidade do sócio que se retire da sociedade ou que venha a falecer, este com relação a seus herdeiros, encontra-se também prevista no parágrafo único do art. 1.003. Nas hipóteses de retirada voluntária ou de exclusão de sócio, este também responderá, no decorrer dos dois anos subsequentes, pelas dívidas e obrigações sociais existentes na data em que deixou de integrar a sociedade, quando o termo aditivo ao contrato social que formalizou sua saída tiver sido averbado perante o cartório de registro civil competente. Caso a resolução não venha a ser averbada, na época própria, no registro civil das pessoas jurídicas, a responsabilidade do sócio retirante ou excluído permanece e subsiste, também, pelas dívidas e obrigações contraídas posteriormente a sua saída da socie­ dade, pelo mesmo prazo de dois anos, e cessará, apenas, após a averbação prevista nesta disposição. Em termos jurídicos, a retirada ou exclusão de sócio somente terá efeito após averbada no registro civil das pessoas jurídicas. Já na hipótese da morte de sócio, a respon­ sabilidade dos herdeiros limita-se às obrigações contraídas nos dois anos anteriores à morte do sócio, nào se protraindo para os exercícios subsequentes, independentemente da averba­ ção do falecimento no registro próprio. JU LG AD O S • "Comercial e processual civil. Ação rescisória. Falência. Expressa menção aos dispositivos suscitados pela parte. Desnecessidade. Ausência de omissão. Livre convencimento fundamentado. Ocorrência. Violação do art. 535 do CPC. Inexistência. Sociedade limitada. Cessão de quotas. Inclusão dos ex-sócios no rol dos falidos. Apuração da responsabilidade. Violação do art. 51 do Decreto-Lei n. 7.661/45. Ocorrência. I. A prestação jurisdicional foi concedida de acordo com a pretensão dedu­ zida, pois o julgador não está obrigado a responder a todas as considerações das partes, bastando que decida a questão por inteiro e motivadamente. Inexiste a contrariedade ao art. 535 do CPC. II. Nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada, o sócio apenas responde automatica­ mente pelas dividas sociais quando o capital social não estiver integralizado. III. Da exegese do art. 51 do Decreto-Lei n. 7.661/45, tem-se que a responsabilidade do ex-sócio pelas dividas contraídas antes da despedida da sociedade perdura até o momento de sua saída, quando o sócio retirante levanta os fundos correspondentes à sua quota que conferiu para o capital social. Trata-se, por­ tanto, do direito de retirada, previsto no art. 1.029 do CC/2002. IV. Assiste ao sócio que se despe­ de da sociedade também o direito de negociar sua quotas, cedendo-as total ou parcialmente a qualquer sócio ou a terceiro, que adquire direito pessoal e patrimonial. É ato voluntário bilateral, no qual não há levantamento de fundos, mas sim uma alteração na titularidade das quotas. V. 0 art. 51 do Decreto-Lei n. 7.661/45 é fundamento para exclusão da responsabilidade no caso sub judicc, pois, com a cessão de quotas, incontroversamente havida, cessou a responsabilidade dos recorrentes para com qualquer obrigação social, quer seja anterior à cessão, quer posterior, de modo que não respondem pelas dívidas cujo inadimplemento motivou a propositura do pedido de falência. VI. Regra geral do art. 306 do Código Civil de 1916 não é aplicável na hipótese, diante da especialidade do art. 51 da antiga Lei de Falências, a teor do art. 2o, § 2a, da LICC. VII. Iniciada a dissolução e a liquidação de uma sociedade antes da entrada em vigor do CC, essas permanece­ rão sob a égide da lei anterior (art. 2.034 do CC). É descabido, portanto, invocar-se os dispositivos

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do novo Código em relação à dissolução ou liquidação de pessoas jurídicas iniciadas antes de ele entrar em vigor. Por isso, conclui-se que nâo é aplicável o art. 1.032 do CC ao caso sub judicc. Recurso especial provido" (REsp 876.066/PR, 3*T., Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 18-5-2010). • "Agravo de instrumento. Prestação de serviços. Cobrança. Execução. Desconsideração da persona­ lidade jurídica da sociedade simples. Decisão irrecorrida. Preclusáo. 8loqueio on /mede ativos fi­ nanceiros nas contas bancárias dos sócios. Pedido de desbloqueio sob a alegação de irresponsabi­ lidade por obrigações contraídas um ano após a retirada informal do sócio. Indeferimento. Ad­ missibilidade. Responsabilidade subsidiária dos sócios por obrigações sociais contraídas até dois anos posteriormente à retirada, enquanto não se requerer a averbação. Inteligência do art. 1.023 c.c. o art. 1.032, ambos do Código Civil. Não há que se alegar irresponsabilidade do sócio por obrigações constituídas em contrato celebrado pela sociedade simples, que ainda formalmente integra, dentro do prazo legal de permanência da sua responsabilidade pelas obrigações sociais contraídas posteriormente a sua alegada retirada informal da aludida sociedade. Recurso impro­ vido" (TJSP, 32* Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002855387, Rei. Des. Walter Antonio Zeni, j. em 4-32010). • "Execução de titulo extrajudicial. Retirada de sócio. Sociedade limitada. Art. 1.052 do CC. Inaplicabilidade do art. 1.032 do CC. Sociedades simples. Afastamento da responsabilidade da ex-sócia mantido. Recurso improvido. Nas sociedades limitadas a responsabilidade do sócio está limitada à integralizaçào do capital social (art. 1.052 do CC), afigurando-se despropositada a responsabili­ zação posterior do sócio retirante conforme contempla o art. 1.032 do Código Civil. Esse disposi­ tivo só tem aplicação para as sociedades em que a responsabilidade dos sócios é ilimitada, não para as sociedades limitadas. Negaram provimento ao recurso" (TJSP, 29* Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002852277, Rei. Des. Luis Camargo Pinto de Carvalho, j. em 3-3-2010). • "Execução. Responsabilidade solidária de sócio retirante. Desconsideração da Pessoa Jurídica. Responsabilização patrimonial dos sócios. Possibilidade de ex-sócia responder solidariamente, assegurada nos moldes dos arts. 1.003,1.032 e 1.057 da Lei Civil. Limitação temporal prevista nos dispositivos de lei, a ser observada. Responde o sócio retirante ou cessionário pelas obrigações da sociedade no prazo de até dois anos após a averbação da alteração do contrato societário. Saída da sociedade em 21/10/99, quando a obrigação era ainda iliquida. Desconsideração da personali­ dade jurídica da executada somente em 28/07/2008. Transcurso de tempo suficiente para afastar a responsabilidade da ex-sócia. Recurso a que se nega provimento" (TJSP, 23* Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002866764, Rei. Des. José Benedito Franco de Godoi, j. em 24-2-2010).

Seção VI



Da dissolução

Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer I — o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; II — o consenso unânime dos sócios; III — a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeter­ minado; IV — a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; V — a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar. Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, in­ clusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da socie­ dade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada,

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observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código. • Redaçào dada pela Lei n. 12.441, de 11-7-2011.

HISTÓRICO • A redação desta norma não foi objeto de modificação durante a tramitação do projeto, ficando mantido seu conteúdo primitivo. 0 art. 1.399 do Código Civil de 1916 previa as hipóteses de dissolução da sociedade, havendo identidade de situação, apenas, nos casos de vencimento do prazo de duração da sociedade e por vontade da unanimidade dos sócios. • 0 parágrafo único do art. 1.033 foi incluído no Código Civil pela Lei Complementar n. 128, de 18 de dezembro de 2009, e sua redaçào atual, com a inclusão da menção è empresa individual de responsabilidade limitada, foi dada pela Lei n. 12.441, de 11 de julho de 2011.

DOUTRINA • A dissolução das sociedades, genericamente consideradas, era tratada, no regime anterior, nos arts. 335 e s. do revogado Código Comercial de 1850 e, igualmente, com o acima referido, no art. 1.399 do Código Civil de 1916, havendo, naqueles dispositivos, tanto hipóteses idên­ ticas quanto diversas em relação às previstas neste art. 1.033. No caso das limitadas, havia intensa polêmica quanto ao regime jurídico da dissolução a elas aplicável, já que uns - que as concebiam com o sociedades de pessoas - sustentavam ser-lhes cabíveis os arts. 335 e s. do Código Comercial de 1850, enquanto outros - que as consideravam sociedades de capitais - entendiam que era de ser invocada a disciplina jurídica dos arts. 206 e s. da Lei das Socie­ dades por Ações. Autores com o Egberto Lacerda Teixeira e Carlos Fulgêncio da Cunha Peixo­ to, am bos profundos conhecedores da matéria das limitadas, sustentavam a conveniência de verificar-se, nos casos concretos, se tal tipo societário, mercê de suas características contra­ tuais, aproximava-se mais de uma sociedade de pessoas ou de uma sociedade de capitais, determinando-se, a partir de tal constatação, a aplicação do regime jurídico pertinente. Embora a controvérsia tenha ficado resolvida em favor da tese de sujeitar as antigas socie­ dades por quotas de responsabilidade limitada às disposições do Código Comercial - já que, em última análise, a única diferença efetiva entre os dois regimes residiria na questão de ser a falta de pluralidade de sócios causa de dissolução nas sociedades em geral e não o ser para as sociedades anônim as - , o fato é que, agora, com a disposição deste art. 1.033, em leitura combinada com os arts. 1.044 e 1.087, fica definitivamente acertado que o regime dissolutório, tanto para as limitadas quanto para os demais tipos societários (com a exclusão, evi­ dentemente, da anônima), é o estabelecido por estes arts. 1.033 e s. do Código. A dissolução implica a impossibilidade de a sociedade continuar existindo, por motivos diversos (o venci­ mento do prazo de duração; o consenso unânime dos sócios; a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; a falta de pluralidade de sócios e a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar), seguindo-se a ela o início do pro­ cesso de liquidação e, posteriormente ainda, o de sua conseqüente extinção. Percebe-se, portanto, que dissolução e liquidação correspondem a dois momentos da "desm ontagem " da estrutura organizacional de uma sociedade (cf. M auro Rodrigues Penteado, Dissolução e li­ quidação de sociedades, Brasília, Brasília Jurídica, 1995, p. 17 e 66), esclarecendo esse nosso colega da Universidade de Sào Paulo, pouco mais adiante, que a "... dissolução corresponde a u m evento pontual, que modifica o status da companhia por colocá-la em situação jurídi­ ca típica de liquidação, na qual se instaura, com menor ou maior rapidez, o procedimento tendente a esse fim, previsto em lei. Neste sentido preciso, a dissolução eqüivale à causa, ou como já se sustentou, ao 'm otivo jurídico' que, se nào removido pela assembleia geral de acionistas, leva è extinção da sociedade". Este art. 1.033 prevê cinco causas nas quais se opera, de pleno direito, a dissolução da sociedade, devendo ser iniciado necessariamente o seu processo. Qualquer interessado pode pedir judicialmente a dissolução da sociedade, com

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o propósito de ver promovida a liquidação judicial, conforme preceitua o art. 6 5 5 do Código de Processo Civil de 1939, ainda em vigor por força do art. 1.218, VII, do Código de Processo Civil vigente. Se a sociedade for constituída por tempo determinado, sua dissolução deverá ocorrer com o implemento dessa condição. Trata-se de hipótese raríssima, ao que se saiba. Quando os sócios estabelecem um critério de duração da sociedade, fazem -no muito episodicamente e o vinculam è obtenção de um fim específico e não ao escoamento de um deter­ minado lapso temporal. 0 inciso I deste art. 1.033 prevê uma hipótese de prorrogação tácita, já vislumbrada, no passado, por Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, Parte Especial, 3. ed., Sào Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, § 5.188, t. XUX, p. 144), com o se pode ver: "Aliás, os figurantes do contrato social podem estabelecer que o contrato se renove, tacitamente, se após o advento do termo os sócios continuam a atividade social. Se tal ocorre, nào criam eles sociedade de fato, porque a renovação supõe e implica justaposição, no tempo, de outra sociedade, com o mesmo objeto e sujeita às mesmas regras estatutárias". Segundo ela, nâo havendo oposição de qualquer dos sócios no tempo previsto para o início da dissolução, a sociedade passará a reger-se pelas normas aplicáveis às sociedades com prazo indetermi­ nado. No que se refere ao inciso II, é claro que o consenso unânime dos sócios no sentido da dissolução é hipótese até certo ponto óbvia. Na sociedade de prazo indeterminado, a maioria absoluta dos sócios (mais da metade do capital social, com direito a voto) pode deliberar que ela venha a ser dissolvida (inciso III). A falta de pluralidade de sócios, prevista no inciso IV, aplica-se aos casos em que a sociedade seja constituída, apenas, por dois sócios. Se um dos sócios vier a falecer ou se retirar voluntariamente, a sociedade poderá continuar existindo pelo prazo de 180 dias ou seis meses. Findo esse prazo, se o quadro social nào puder ou nào for recomposto, com o ingresso de um novo sócio, a sociedade deverá ser dissolvida. Nas sociedades constituídas sob regime de autorização, isto é, dependentes de autorização g o ­ vernamental para funcionar, quando extinta ou cassada tal autorização, deverá ela ser dis­ solvida. Essa hipótese, todavia, somente se aplica às sociedades sujeitas a regime jurídico de controle e fiscalização por parte do Estado, quando tenham por objeto a execução de ativi­ dades consideradas, por lei, de interesse público ou social. • 0 art. 335, 2, do Código Comercial, previa com o hipótese de dissolução a quebra da socieda­ de, ou de qualquer dos sócios. 0 Prof. Alfredo de Assis Gonçalves Neto [Lições de direito societário, cit., p. 317, nota 455) assim se pronunciou a respeito da matéria, fazendo-o, porém, antes do advento da nova Lei Falimentar (n. 11.101/2005): "N ão há razão para a falência nào figurar entre as causas de dissolução previstas nos arts. 1.033 e 1.034 do atual Código Civil. 0 fato de ter optado por não estendê-la a todas as sociedades (art. 1.044) nào é justificativa plausível, pois também a perda da autorização para funcionar nào tem caráter geral, eis que não se aplica às sociedades que dela prescindem. De todo modo, é estranho que o Código vigente, em sua proposta unificadora, estatua que só as sociedades empresárias estão sujeitas à falência. Nele não há qualquer regra dicotômica que justifique tal distinção. A matéria falimentar é tratada por lei especial, onde, apropriadamente, define-se quem está sujeito ao respectivo regime. A propósito, o Projeto de Lei n. 4.376-A, de 1993, que regula a Falência, a Concordata Preventiva e a Recuperação das Empresas, aprovado pela Câmara dos Deputados, nào cogitou do critério de separação entre sociedade empresária e nào empresária para efeito de aplicação dos institutos falimentares. Em emenda de última hora, inclui as socieda­ des simples no regime falimentar (arts. 1» e 2*)". 0 art. 1® da Lei n. 11.101/2005, no entanto, estatuiu que: “Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a fa­ lência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor". Vim os sustentando, a propósito - tanto em numerosas palestras proferidas a res­ peito do tema quanto, mais recentemente, em obra coletiva a respeito da nova lei brasileira [cf. Comentários ò N ova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências, Newton De Lucca e Adalberto Sim ào Filho (coords.), 1. ed., São Paulo, Quartier Latin, 2005, p. 73] - que as sociedades simples não estão sujeitas ao regime da NLF, com o preferem sustentar alguns.

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Admitir-se tal possibilidade, a nosso ver, seria ir de encontro à sistemática do atual Código Civil, o qual, com o vimos, faz uma radical distinção entre sociedades empresárias e socieda­ des simples. Assim, a despeito dos que pensam em sentido contrário, não vem os com o as sociedades simples possam submeter-se, igualmente, ao regime da NLF, seja porque o art. 1* não as contemplou, nem expressa, nem implicitamente - referindo-se apenas, conforme foi visto, a empresário e a sociedade empresária - , seja porque, conforme igualmente foi veri­ ficado, a admissão de tal possibilidade contrariaria inteiramente a lógica adotada pelo Códi­ go Civil pátrio ao fazer, para diversos efeitos, a distinção entre sociedades empresárias e sociedades simples. Com o este art. 1.033 destina-se a todas as sociedades em geral, sejam simples, sejam empresárias, quero crer acertada a omissão da falência com o causa de disso­ lução da sociedade. • O parágrafo único deste art. 1.033 foi introduzido pelo art. 10 da Lei Complementar n. 128, de 19 de dezembro de 2008, e sua redação atual, com a inclusão da menção à empresa indi­ vidual de responsabilidade limitada, foi dada pela Lei n. 12.441, de 11 de julho de 2011. Fica ressalvada, por ele, a possibilidade de o sócio que se torna titular da totalidade das cotas sociais requerer a transformação do registro da sociedade para empresário individual, desde que observados os requisitos previstos nos arts. 1.113 a 1.115, mais adiante analisados. • Em boa hora, o Brasil acaba de adotar o modelo jurídico da empresa unipessoal de respon­ sabilidade limitada, preenchendo uma lacuna na ordenação jurídica brasileira, conforme amplamente defendido pelo Professor Newton De Lucca nos comentários ao art. 1.052. A propósito, tal inovação, que ensejou a modificação do parágrafo único do art. 1.033, será objeto da mais ampla investigação na próxima edição desta obra.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 483, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 1.033, parágrafo único. Admite-se a transformação do registro da sociedade anônima, na hipótese do art. 2 0 6 ,1, d, da Lei n. 6.404/76, em empresário individual ou empresa individual de responsabilidade limitada". • Enunciado 465, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Arts. 968, § 3o, e 1.033, parágra­ fo único: A 'transformação de registro' prevista no art. 968, § 3o, e no art. 1.033, parágrafo único, do Código Civil nâo se confunde com a figura da transformação de pessoa jurídica". • Enunciado 67, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A quebra do affectio societatis não é causa para a exclusão do sócio minoritário, mas apenas para dissolução (parcial) da sociedade".

JULGADOS • "Dissolução parcial de sociedade e apuração de haveres. Afastadas as preliminares de impossibili­ dade jurídica do pedido e falta de interesse de agir. Notificação acerca da retirada do sócio-autor. Recusa no recebimento por funcionários da empresa e não localização do sócio remanescente. Medida que não constitui condição de procedibilidade para a ação de dissolução parcial da em­ presa. Inépcia da inicial nào caracterizada. Atendimento aos pressupostos fixados pelos arts. 282 e 283 do Código de Processo Civil. Dissolução parcial de sociedade composta por apenas dois sócios. Perda da affectio societatis. Negativa do sócio remanescente em proceder à alteração contratual. Possível a continuidade da empresa mediante admissão de novo sócio, no prazo de cento e oitenta dias, ou prosseguimento da atividade sob firma individual. Caso inexista a admis­ são de novo sócio no período, aplicáveis serão as regras pertinentes à sociedade simples. Alteração pelas rés da verdade dos fatos a impor a manutenção da multa por litigância de má-fé. Sentença confirmada. Recurso nào provido" (TJSP, Acórdão 0002569381,71 Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Elcio Trujillo, j. em 23-9-2009). • "Comercial e processual civil. Dissolução parcial de sociedade. Alegada violação ao art. 535 do CPC. Não ocorrência. Nomeação de liquidante. Descabimento. Procedimento de apuração de haveres. Indicação de técnico pelo juizo para realização de perícia contábil. Pedido genérico de condenação

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em honorários advocatíeios. Possibilidade. Existência de interesse recursal para majorar o quantum fixado pela sentença. Dissídio jurisprudencial. Rateio das custas e honorários em procedimento de dissolução parcial de sociedade. Precedentes desta corte que admitem a aplicação do principio da sucumbência. Incidência da Súmula 83/STJ. 1. Não se observa negativa de prestação jurisdicional quando a Corte local se manifesta acerca de todas as questões relevantes para a solução da con­ trovérsia. Ausência de violação ao a rt 535 do Código de Processo Civil. 2. A dissolução parcial de sociedade, com a retirada de um dos sócios, não prevê procedimento de liquidação, incompatível com o objetivo de preservação da atividade empresarial, sendo cabível a indicação de perito con­ tábil, pelo juízo, para apuração dos haveres do sócio excluído. 3. 0 interesse recursal subsiste mesmo na hipótese de pedido genérico de honorários advocatíeios, visto que não é possível quan­ tificar previamente o valor da condenação a ser fixada pelo magistrado. 4. Conforme precedentes desta Corte, comprovada a resistência dos réus em promover a dissolução extrajudicial da socie­ dade, forçando o autor a ingressar em juízo, incide a regra contida no art. 20 do CPC, com a su­ cumbência da parte vencida. 5. Recurso especial não conhecido" (REsp 242.603/SC, 4a T., Rei. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 4-12-2008). • "Sociedade empresarial. Pretensão à exclusão de sócio. Apelado que está afastado do empreendi­ mento, promoveu reclamação trabalhista contra a sociedade, além de ação objetivando reconhe­ cimento de sociedade de fato em relação a determinado período. Realidades a demonstrar perda da affectio societatis, elemento fundamental do contrato societário. Dissolução parcial de socie­ dade composta por tão somente dois sócios. Admissibilidade. Contudo, após o prazo de cento e oitenta dias do trânsito em julgado deste decisório, será restabelecida a pluralidade, conforme o art. 1.033, IV, do Código Civil. Caso inexista admissão de novo sócio no período, irregular será a continuidade sob a forma limitada, sujeitando-se, portanto, à forma comum. Apuração de haveres e liquidação conforme balanço especial a ser realizado nesse prazo, observando-se, o previsto na cláusula 13 do contrato social. Recurso parcialmente provido" (TJSP, Acórdão 0001618518,6a Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Encinas Manfré, j. em 21-2-2008). • "Ação ordinária de dissolução de sociedade mercantil. Ausência de affectio societatis. Dissolução parcial. 1. Quando um dos sócios manifesta interesse em se afastar da sociedade, caracterizada está a ausência de affectio societatis, razão pela qual deve ser declarada a dissolução parcial da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, constituída por prazo indeterminado. 2. Em se tratando de dissolução parcial, mesmo sendo a empresa composta de apenas 2 (dois) sócios, deve o sócio remanescente regularizar a sociedade no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, nos termos do art. 1.033, IV, do Código Civil. Apelação conhecida e provida" (TJGO, Ap. 2007.01.954978, 11 Câm. Civel, Rei. Des. Leobino Valente Chaves, j. em 27-11-2007).

Art. 1.034. A sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer dos sócios, quando: I — anulada a sua constituição; II — exaurido o fim social, ou verificada a sua inexequibilidade. HISTÓRICO • Este dispositivo manteve a redação do projeto original. Não há correspondente no Código de 1916. D O U T R IN A • A dissolução total da sociedade, afora as hipóteses previstas no respectivo contrato social, somente poderá ser promovida por meio de ação judicial. Apenas um dos sócios pode reque­ rer, judicialmente, a dissolução da sociedade, se seu processo de constituição estiver eivado de vícios jurídicos insanáveis, tal com o ocorre nos casos de incapacidade de parte, ilicitude do objeto ou quando não tenham sido observadas as formalidades e prescrições exigidas por lei. No tocante ao objeto societário, se este estiver vinculado a um fim determinado que

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Art. 1.035

tenha sido esgotado, ou se for inexequível, conforme avaliação diante dos dados da realida­ de, por impossibilidade, obsolescência ou inviabilidade de sua execução, em qualquer desses casos, o juiz que conhecer da causa e das provas deverá decidir sobre a continuidade da so ­ ciedade.

JULGADOS • “Dissolução de sociedade limitada que se encontra, pela quebra da affectio societatis, inativa e sem ativos partilháveis. Inadmissibilidade de resilição do contrato para admitir a saída de um sócio, sendo mais consentâneo com a vontade negociai a dissolução total com liquidação propor­ cional das cotas, admitida a compensação. Aplicação do art. 1.034, II, do CC. Provimento do re­ curso de Maria Tereza e não provimento dos agravos retidos e do recurso de Maria Carolina" (TJSP, 4* Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002780745, Rei. Des. Enio Santarelli Zuliani, j. em 21-1-2010). • “Dissolução parcial da sociedade empresarial. Affectio societatis. Pro labore. Serviço. Prestação. Autor. Ônus da prova. Irregularidades. A affectio societatis é um elemento específico do contra­ to de sociedade empresarial, que se exterioriza pela vontade comum dos sócios de que o empre­ endimento prospere, em prol da sociedade e da atividade por ela desenvolvida. Inexistindo a affectio societatis, a consecução do fim social se torna impossível, permitindo a dissolução da sociedade empresarial, a teor do art. 1.034, II, do Código Civil. Sendo o pro labore um pagamento realizado em virtude da prestação de serviços à sociedade, não há que se falar em verba devida quando o serviço nâo é efetivamente prestado. É ônus do autor provar os fatos constitutivos do seu direito, a teor do art. 333 do CPC. Inexistindo nos autos quaisquer provas das alegadas irre­ gularidades praticadas pelo sócio na gestão empresarial, não há que se acolher o pedido. Recurso não provido" (TJMG, 10* Câm. Civel, Processo 1.0024.05.800563-8/001, Rei. Des. Alberto Aluízio Pacheco de Andrade, j. em 15-12-2009). • “Direito de retirada. Registro. Dissolução da sociedade empresarial. Affectio societatis. Quebra. Art. 1.034 do CC. 0 direito de retirada do sócio da sociedade, preconizado no art. 1.029 do CC, fica condicionado à notificação aos demais sócios e sua conseqüente alteração contratual, devidamen­ te registrada perante o órgão competente. 0 direito de retirada do sócio não se confunde com a dissolução da sociedade empresarial. A affectio societatis é um elemento especifico do contrato de sociedade empresarial, que se exterioriza pela vontade comum dos sócios de que o empreen­ dimento prospere, em prol da sociedade e da atividade por ela desenvolvida. Inexistindo a affec­ tio societatis, a consecução do fim social se torna impossível, permitindo a dissolução da socie­ dade empresarial, a teor do art. 1.034, II, do Código Civil. Recurso nào provido" (TJMG, 10J Câm. Civ., Processo 1.0024.06.077611-9/001, Rei. Des. Alberto Aluízio Pacheco de Andrade, j. em 12-52009).

Art. 1.035. O contrato pode prever outras causas de dissolução, a serem verificadas judicialmente quando contestadas. HISTÓRICO • 0 conteúdo desta disposição é o mesmo do projeto original. Não há correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • Os sócios têm liberdade, dentro dos limites da lei, para estipular outras hipóteses de dissolu­ ção da sociedade no contrato social. Assim, o contrato social pode prever que a sociedade será dissolvida em razão de outras situações consideradas relevantes, por insuficiência de capital, ou que importem na impossibilidade de execução do objeto societário. Caso algum dos sócios conteste a ocorrência da causa que ensejou a dissolução total da sociedade, pode

Arts. 1.036 e 1.037

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ele se opor à dissolução por meio de ação judicial, devendo a causa ser apreciada pelo juiz competente. Assim, mesmo que haja previsão expressa no contrato social, a constatação, ou não, da causa ou motivo da dissolução dependerá de sentença judicial.

Art. 1.036. Ocorrida a dissolução, cumpre aos administradores providenciar imediata­ mente a investidura do liquidante, e restringir a gestão própria aos negócios inadiáveis, vedadas novas operações, pelas quais responderão solidária e ilimitadamente. Parágrafo único. Dissolvida de pleno direito a sociedade, pode o sócio requerer, desde logo, a liquidação judicial. H IS T Ó R IC O • Nenhuma modificação veio a ser promovida neste artigo durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. Os arts. 655 a 674 do Código de Processo Civil de 1939, mantidos em vigor pelo CPC de 1973, estipulavam as regras e procedimentos aplicáveis à dissolução e liquidação das sociedades civis. D O U T R IN A • A partir do momento em que a dissolução da sociedade seja instaurada, em razão de delibe­ ração dos sócios, por previsão do contrato social ou, ainda, de pleno direito, deve ser iniciado o correspondente processo de liquidação, destinado ao levantamento e quantificação do ativo e passivo da sociedade, com a finalidade inicial de pagamento de suas dívidas perante terceiros. Os sócios administradores, nesta hipótese, deverão dar por encerradas as atividades da sociedade, mantendo, apenas, procedimentos específicos para a conclusão de negócios e contratos considerados inadiáveis, isto é, que possam causar maiores prejuízos para a socie­ dade. Novas operações ou a assunção de novas obrigações são vedadas, sob pena de respon­ sabilidade solidária e ilimitada dos sócios que a estas derem causa. Nas hipóteses em que a sociedade deva ser dissolvida de pleno direito, por força de disposição legal ou contratual, qualquer dos sócios pode requerer o início do processo de liquidação. E N U N C I A D O D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L -

C JF

• Enunciado 487, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Arts. 50,884,1.009,1.016,1.036 e 1.080. Na apuração de haveres de sócio retirante (art. 1.031 do CC), devem ser afastados os efeitos da diluição injustificada e ilícita da participação deste na sociedade".

Art. 1.037. Ocorrendo a hipótese prevista no inciso V do art. 1.033, o Ministério Públi­ co, tão logo lhe comunique a autoridade competente, promoverá a liquidação judicial da sociedade, se os administradores não o tiverem feito nos trinta dias seguintes à perda da autorização, ou se o sócio não houver exercido a faculdade assegurada no parágrafo único do artigo antecedente. Parágrafo único. Caso o Ministério Público não promova a liquidação judicial da so­ ciedade nos quinze dias subsequentes ao recebimento da comunicação, a autoridade com­ petente para conceder a autorização nomeará interventor com poderes para requerer a medida e administrar a sociedade até que seja nomeado o liquidante. H IS T Ó R IC O • A redação desta norma é a mesma do projeto original. Não há correspondente no Código de 1916.

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Art. 1.038

D O U T R IN A • No caso das sociedades simples que necessitem de autorização governamental para funcionar, como ocorre, normalmente, nas sociedades destinadas è execução de atividades de educação, saúde pública ou assistência social, com o também, p. ex., nas sociedades de advogados au­ torizadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 8.906/94, arts. 15 e 16), a extinção ou cassação da autorização para funcionar importa no início do processo de liquidação da so ­ ciedade, que ocorrerá por iniciativa do Ministério Público, após com unicado o fato pela au­ toridade competente, ou pelos próprios administradores, que têm a obrigação de instaurar o processo judicial de liquidação no prazo de trinta dias após a ciência da perda da autorização. Como, nesta hipótese, trata-se de dissolução da sociedade de pleno direito, por perda da autorização para funcionar, qualquer dos sócios também pode requerer ao juiz competente o início do processo de liquidação. A obrigação principal de requerer a instauração do pro­ cesso de liquidação é do Ministério Público, que para tanto deve ser cientificado pela auto­ ridade responsável pela concessão da autorização. Se o Ministério Público não vier a prom o­ ver a liquidação judicial no prazo de quinze dias após receber a devida comunicação, a au­ toridade pública fiscalizadora competente deverá nomear um interventor com poderes para requerer o início do processo de liquidação judicial da sociedade, até que seja ele, o interven­ tor, substituído por um liquidante designado pelo juízo competente.

Art. 1.038. Se não estiver designado no contrato social, o liquidante será eleito por deliberação dos sócios, podendo a escolha recair em pessoa estranha à sociedade. § l- O liquidante pode ser destituído, a todo tempo: I — se eleito pela forma prevista neste artigo, mediante deliberação dos sócios; II — em qualquer caso, por via judicial, a requerimento de um ou mais sócios, ocor­ rendo justa causa. § 2- A liquidação da sociedade se processa de conformidade com o disposto no Capí­ tulo IX, deste Subtítulo. HISTÓRICO • O contido neste dispositivo não veio a sofrer modificação durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. Não há correspondente no Código de 1916.0 art. 657 do Código de Proces­ so Civil de 1939, que continua em vigor por força de norma expressa do CPC de 1973, estabelece regras semelhantes a respeito da nomeação do liquidante de sociedade civil dissolvida. D O U T R IN A • Em princípio, ainda que nào se verifique normalmente na prática, o contrato social pode indicar, desde a constituição da sociedade, o sócio que será responsável pela liquidação da sociedade. Nào havendo previsão expressa no contrato social, a partir do momento em que for decidida a dissolução da sociedade, os sócios, de comum acordo, por maioria absoluta, podem designar a pessoa que será responsável pela liquidação da sociedade, podendo a es­ colha recair sobre qualquer dos sócios ou mesmo sobre terceiro não sócio. 0 liquidante tem a função, semelhante à do administrador provisório na falência, de conduzir o processo de levantamento dos bens do ativo e quantificar o passivo e os credores da sociedade. Os sócios podem, a qualquer tempo, mediante deliberação majoritária, destituir o liquidante por eles indicado. A liquidação independe de processo judicial próprio. Todavia, ocorrendo justa cau­ sa para a destituição do liquidante, esta somente poderá ser realizada por meio de ação ju­ dicial, mediante requerimento de um ou mais sócios. No tocante aos procedimentos especí­ ficos, os arts. 1.102 a 1.112, constantes do Capítulo IX, estabelecem as novas regras aplicáveis à liquidação.

Art. 1.039

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JU LG AD O • "Dissolução de sociedade Ltda. c.c. apuração de haveres. Discordância das partes quanto ao valor da participação do apelado. Arguição de ilegitimidade dos sócios remanescentes nào merece acolhimento. Cabível a nomeação do liquidante na dissolução parcial, como meio de assegurar a apuração de haveres. Atribuição ao liquidante somente da função de supervisionar e fiscalizar a apuração de haveres e o pagamento ao apelado, sem interferência na gestão da apelante. Apura­ ção dos haveres com base no patrimônio real da sociedade, o que engloba os bens corpóreos e os incorpóreos. Precedentes. Prestação jurisdicional que se limitou ao an debeatur. 0 quantum de­ beatur sexz fixado em liquidação por arbitramento. Já considerada a sucumbência recíproca na fixação dos honorários. Recurso improvido" (TJSP, 1* Câm. de Dir. Priv., Acórdão 002602337, Rei. Des. Paulo Eduardo Razuk, j. em 15-9-2009).

Capítulo II — DA SOCIEDADE EM NOME COLETIVO Art. 1.039. Somente pessoas físicas podem tomar parte na sociedade em nome coletivo, respondendo todos os sócios, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais. Parágrafo único. Sem prejuízo da responsabilidade perante terceiros, podem os sócios, no ato constitutivo, ou por unânime convenção posterior, limitar entre si a responsabilida­ de de cada um. HISTÓRICO • Esta norma manteve a mesma redaçào do projeto original. A sociedade em nome coletivo encon­ trava-se regulada pelos arts. 315 e 316 do Código Comercial de 1850, sendo que o art. 315 definia a existência da sociedade em nome coletivo, ou com firma, "quando duas ou mais pessoas, ainda que algumas não sejam comerciantes, se unem para comerciar em comum, debaixo de uma firma social". D O U T R IN A • Antigamente, também chamada de sociedade solidária (pelo fato de os sócios responderem solidariamente pelas dívidas sociais) ou com firma (já que, à época do Código Comercial de 1850, era a única espécie de sociedade obrigada a ter uma firma social), a sociedade em nome coletivo fazia as vezes do papel que hoje passou a ser exercido pela sociedade simples, isto é, o de ser a vala comum dos demais tipos societários. Trata-se de uma típica sociedade de pessoas, destinada à consecução de atividade econômica, na qual a responsabilidade dos sócios perante terceiros é solidária e ilimitada. Dela somente podem participar pessoas físicas, assum indo forma empresária ou não. A principal desvantagem existente nesta espécie socie­ tária reside no fato de que a responsabilidade dos sócios, além de solidária, é ilimitada, ou seja, os bens particulares dos sócios podem ser alcançados na execução de dívidas que, em princípio, deveriam ter com o garantia, unicamente, o patrimônio da sociedade. 0 parágrafo único deste art. 1.039 instituiu a possibilidade de os sócios da sociedade em nome coletivo estabelecerem, no contrato social ou em termo aditivo aprovado por todos, limites pessoais de responsabilidade pelas dívidas sociais, sem que sejam oponíveis a terceiros. Tratar-se-á, no caso, de mero pacto interno, com efeitos apenas interna corporis. • Segundo a nova Lei Falimentar brasileira (n. 11.101, de 9-2-2005, em vigor desde 9 de junho do mesmo ano), a decisão que decretar a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurí­ dicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresen­ tar contestação, se assim o desejarem, conforme a disposição do art. 81.

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Arts. 1.040 e 1.041

D IR E I T O P R O J E T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza.

Art. 1.040. A sociedade em nome coletivo se rege pelas normas deste Capítulo e, no que seja omisso, pelas do Capítulo antecedente. H IS T Ó R IC O • A redação da norma é a mesma existente no projeto original. No Código Comercial de 1850, na ausência de disposição expressa reguladora das sociedades em nome coletivo, deveriam ser apli­ cadas as regras dos arts. 300 a 310, que regiam as sociedades mercantis. D O U T R IN A • Segundo o contido neste dispositivo, aplicam-se è sociedade em nome coletivo, ante a ine­ xistência de regra expressa neste Capítulo II, relativo às sociedades personificadas, as normas que regem a sociedade simples. A sociedade em nome coletivo, dadas suas características, guarda, assim, grande similaridade com as sociedades simples. • Entretanto a aplicação supletiva das normas que regem a sociedade simples nào pode ser feita de modo automático e deve se restringir ao que for compatível com o disposto neste Capítulo. • A sociedade em nome coletivo é uma espécie de sociedade em franco desuso, na medida em que a responsabilidade dos sócios permanece ilimitada perante terceiros. D IR E I T O P R O J E T A D O • Pelas razões expostas acima, o Deputado Ricardo Fiuza propôs alterar a redaçào deste dispositivo, a fim de se remeter a regência supletiva da sociedade em nome coletivo para o capítulo da socie­ dade simples, apenas em hipóteses excepcionais. A redação proposta foi a seguinte: Art. 1.040. A sociedade em nome coletivo se rege pelas norm as deste Capitulo e de seu contrato social, e, no que estes sejam omissos, pelas do Capitulo antecedente, no que forem compatíveis com as deste Capitulo (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado).

Art. 1.041. O contrato deve mencionar, além das indicações referidas no a r t 997, a firma social. H IS T Ó R IC O • Na tramitação do projeto no Congresso Nacional, nenhuma emenda modifieativa foi apresentada com relação à presente disposição, que permanece a mesma do projeto original. 0 art. 315 do Código Comercial de 1850 igualmente estabelecia a obrigatoriedade da sociedade em nome co­ letivo ser identificada por meio de firma social. D O U T R IN A • 0 contrato constitutivo da sociedade em nome coletivo deve conter as mesmas cláusulas básicas referidas no art. 997, reproduzindo, assim, as exigências próprias das cláusulas essen­ ciais da sociedade simples. No tocante à formação do nome empresarial, a sociedade em nome coletivo admite, apenas, a utilização de firma social, ou seja, a identificação oficial da socie­ dade deve mencionar o nome dos sócios que a integram, autorizados ao exercício dos pode­ res de representação e administração, nào podendo utilizar denom inação em seu nome

Arts. 1.042 e 1.043

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empresarial. 0 nome empresarial deve ser formado pelo nome dos sócios que a integram ou apenas por alguns deles, seguido da expressão "Et Companhia", por extenso ou abreviada­ mente (Rubens Requiào, Curso de direito comercial, São Paulo, Saraiva, 27. ed., 2007, p. 234 e 435). Sobre esse sistema, chamado da veracidade ou da autenticidade, ver, adiante, com en­ tários ao art. 1.157. D IR E I T O P R O J E T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.042. A administração da sociedade compete exclusivamente a sócios, sendo o uso da firma, nos limites do contrato, privativo dos que tenham os necessários poderes. H IS T Ó R IC O • A redação deste dispositivo é a mesma do projeto original. 0 art. 316 do Código Comercial de 1850 tratava do exercício dos poderes de administração e de uso da firma na sociedade em nome co­ letivo. D O U T R IN A • Somente os sócios podem integrar a administração da sociedade, sendo vedada a delegação de poderes a terceiros. 0 uso da firma social, ou seja, o exercício dos poderes de representa­ ção da sociedade, deve ser atribuído pelo contrato social, que também especificará e limita­ rá o exercício desses poderes.

Art. 1.043. O credor particular de sócio não pode, antes de dissolver-se a sociedade, pretender a liquidação da quota do devedor. Parágrafo único. Poderá fazê-lo quando: I — a sociedade houver sido prorrogada tacitamente; II — tendo ocorrido prorrogação contratual, for acolhida judicialmente oposição do credor, levantada no prazo de noventa dias, contado da publicação do ato dilatório. H IS T Ó R IC O • Esta disposição manteve a redação do projeto original. Não há correspondente no Código Comer­ cial de 1850. D O U T R IN A • A leitura combinada do caput do artigo com o seu parágrafo único parece levar à conclusão de que a norma apenas se destina às sociedades ajustadas por prazo determinado. Mesm o com essa interpretação mais lógica, porém, a inovação soa estranha na medida em que ela, de um lado, permite ao credor particular do sócio, para a satisfação de seu crédito, a penho­ ra da quota social, mas, de outro, condiciona sua liquidação à dissolução da sociedade. No afã de preservar o caráter intuitu personae da sociedade, talvez, o legislador acabou por inviabilizar, na prática, a satisfação do crédito por parte do credor do sócio numa sociedade em nome coletivo cujo prazo de duração seja muito longo. Tal estranheza também se revela no caráter assimétrico de seu com ando em relação às sociedades com prazo indeterminado. Qual será a razão axiológica, com efeito, para que numa sociedade com prazo determinado seja possível ao credor particular do sócio pretender a liquidação da quota social deste e não

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Art. 1.044

ser tal pretensão possível numa sociedade com prazo indeterminado? Seja como for, consti­ tuída a sociedade por tempo determinado, poderá o credor requerer a liquidação das quotas do sócio devedor se, na data prevista para a dissolução da sociedade de pleno direito, for prorrogado o prazo de duração. Em se tratando de prorrogação tácita, a liquidação das quo­ tas far-se-á de imediato; se formalizada, ao revés, em termo aditivo ao contrato social, o credor poderá, no prazo de noventa dias a contar da publicação do registro ou arquivam en­ to do ato dilatório, apresentar oposição judicial contra a prorrogação da sociedade, destina­ da a produzir efeitos, apenas, em relação ao sócio executado.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 489, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Arts. 1.043, II, 1.051,1.063, § 3o, 1.084, § 1°, 1.109, parágrafo único, 1.122,1.144,1.146,1.148 e 1.149 do Código Civil; e art. 71 da Lei Complementar n. 123/2006. No caso da microempresa, da empresa de pequeno porte e do microempreendedor individual, dispensados de publicação dos seus atos (art 71 da Lei Comple­ mentar n. 123/2006), os prazos estabelecidos no Código Civil contam-se da data do arquivamen­ to do documento (termo inicial) no registro próprio". • Enunciado 63, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Suprimir o art. 1.043 ou interpretá-lo no sentido de que só será aplicado às sociedades ajustadas por prazo determinado".

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, v/de Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza.

Art. 1.044. A sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enumera­ das no art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência. HISTÓRICO • A redação desta norma não foi objeto de qualquer alteração durante a tramitação do projeto. No Código Comercial de 1850, as hipóteses gerais de dissolução das sociedades comerciais eram previstas pelos arts. 335 e 336.

DOUTRINA • Este artigo estabelece que a sociedade em nome coletivo dissolve-se pelas mesmas causas aplicáveis às sociedades simples e relacionadas no art. 1.033 do atual Código Civil, ou seja, por vencimento do prazo de duração, pelo consenso unânime dos sócios ou por maioria absoluta, nas sociedades de prazo determinado, na falta de pluralidade de sócios por período superior a 180 dias e pela extinção da autorização para funcionar. Na hipótese de a socieda­ de em nome coletivo ser empresária, ou seja, se desempenhar objeto mercantil relacionado com a produção ou circulação de bens ou serviços, ela também pode ser dissolvida em razão de insolvência comercial, por meio do correspondente processo falimentar (Lei n. 11.101/2005). A o revés, se a sociedade em nome coletivo for constituída sob a forma de sociedade simples ela será nõo empresária e, consequentemente, estará fora do regime da lei falimentar. • Nem todas as form as de dissolução das sociedades simples (art. 1.033) deveriam ser aplicáveis automaticamente à sociedade em nome coletivo. 0 Código Comercial de 1850 (art. 335) e o Código Civil de 1916 (art. 1.399), quando estabeleceram regra geral para a dissolução de sociedades, qualquer que fosse o seu tipo societário, admitiram apenas a dissolução por consenso de todos os sócios, e não por maioria, simples ou absoluta. Posteriormente, muito embora a doutrina e a jurisprudência tenham caminhado no sentido de reconhecerem pos­ sível a dissolução parcial, em nenhum momento entenderam com o possível a dissolução in­

Art. 1.045

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tegral por deliberação da maioria, especialmente no que diz respeito às sociedades em nome coletivo e comandita por ações, em razão da responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios destas. Daí por que nào é conveniente aplicar-se a esses tipos de sociedades o disposto no inciso III do art. 1.033, que prevê a possibilidade de dissolução por deliberação da maioria absoluta, conforme já reconheceram doutrina e jurisprudência sedimentadas na vigência do sistema legal anterior. Também não se deve aplicar o disposto no inciso V, por referir-se basicamente a sociedades estrangeiras autorizadas a funcionar no País, e nào a sociedades brasileiras, de modo geral. JU LG AD O S • "Falência. Sentença de encerramento. Pretensão de extinção da personalidade jurídica da socie­ dade falida em razão da comunicação do ato à Junta Comercial. Descabimento. 0 mero encerra­ mento da falência, com a comunicação do ato ao registro comercial, não conduz à dissolução da sociedade, á extinção das obrigações do falido ou à revogação do decreto de quebra. A persona­ lidade jurídica da falida não desaparece com o encerramento do procedimento falimentar, pois a sociedade pode prosseguir no comércio a requerimento do falido e deferimento do juízo, ou mesmo, conforme determinava a anterior lei falimentar, requerer o processamento de concorda­ ta suspensiva. A sociedade falida perdura até que se promova o processo extintivo de suas obri­ gações, nos termos dos arts. 134 e 135 da anterior Lei Falimentar. A expedição de ofício comuni­ cando o encerramento do procedimento falimentar à Junta Comercial não impede a cobrança dos créditos remanescentes ou que o falido ou o sócio da sociedade falida requeira a declaração ju­ dicial da extinção de suas obrigações. Recurso especial a que se nega provimento" (REsp 883.802/ DF, 3a T., Rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 27-4-2010). • "Tributário. Execução fiscal. Massa falida. Nome do sócio na C D A Redirecionamento. Possibilida­ de. 1. Ainda que regular a dissolução da pessoa jurídica por falência, é admissível o prosseguimen­ to da execução fiscal contra os sócios cujos nomes constam da C D A 2. Agravo regimental provi­ do" (STJ, AgRg no Al 1.058.751/RS, 2a T., Rei. Min. Eliana Calmon, Rei. para acórdão Min. Castro Meira, j. em 19-11-2009). D IR E I T O P R O J E T A D O • Pelas razões expostas, o E. Deputado Ricardo Fiuza apresentou projeto de lei para conferir nova redaçào ao dispositivo, nos termos seguintes: Art. 1.044. A sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enumera­ das no s incisos I, II e IV do art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência (cf. PL n. 7.160/2002).

Capítulo III — DA SOCIEDADE EM COMANDITA SIMPLES Art. 1.045. Na sociedade em comandita simples tomam parte sócios de duas categorias: os comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; e os comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota. Parágrafo único. O contrato deve discriminar os comanditados e os comanditários. H IS T Ó R IC O • 0 presente artigo manteve a mesma redação constante do projeto primitivo. A sociedade em comandita simples encontrava-se regulada pelos arts. 311 a 314 do Código Comercial de 1850.

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Arts. 1.046 e 1.047

D O U T R IN A • A sociedade em comandita simples é um tipo de sociedade na qual existem sócios de duas categorias, a saber, os sócios comanditados, que representam e administram a sociedade, com responsabilidade solidária e ilimitada em face das obrigações sociais, e os sócios com anditários, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas, mas que nào participam da administração e gerência da sociedade, ficando limitada a responsabilidade de cada sócio comanditário ao valor das respectivas quotas do capital social. A sociedade em comandita simples, apesar da sua expressiva decadência como forma de exercício da atividade mercantil, apresentando-se em franco desuso (Waldirio Bulgarelli, Sociedades comerciais, São Paulo, Atlas, 1987, p. 150), teve sua espécie mantida pelo atual Código Civil, da mesma maneira com o permanece pre­ vista na legislação de outros países. A sociedade em comandita simples, pela nova disciplina instituída no Código Civil de 2002, pode ser empresária ou nào. Será empresária quando desempenhar atividade organizada destinada à produção ou circulação de bens ou serviços no mercado. Poderá, contudo, ter natureza estritamente civil, ou seja, não mercantil, quando vinculada ao exercício de atividades científicas, literárias ou artísticas (art. 966). D IR E I T O P R O J E T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.046. Aplicam-se à sociedade em comandita simples as normas da sociedade em nome coletivo, no que forem compatíveis com as deste Capítulo. Parágrafo único. Aos comanditados cabem os mesmos direitos e obrigações dos sócios da sociedade em nome coletivo. H IS T Ó R IC O • A redação desta norma permanece a mesma do projeto original. Não há correspondente no Códi­ go Comercial de 1850. D O U T R IN A • A sociedade em comandita simples é também uma típica sociedade de pessoas, na qual prepondera um forte vínculo entre os sócios, caracterizadores da assim chamada affectio socie­ tatis. Por esse motivo, ela se submete, subsidiariamente, às mesmas normas que regulam a sociedade em nome coletivo (arts. 1.039 a 1.044), desde que tais normas sejam compatíveis com a natureza e características dessa espécie societária. Os sócios comanditados, que exer­ cem os poderes de representação e administração da sociedade, são equiparados, em termos de direitos e obrigações, aos sócios da sociedade em nome coletivo, já que também são soli­ dária e ilimitadamente responsáveis pelas obrigações sociais.

Art. 1.047. Sem prejuízo da faculdade de participar das deliberações da sociedade e de lhe fiscalizar as operações, não pode o comanditário praticar qualquer ato de gestão, nem ter o nome na firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio comanditado. Parágrafo único. Pode o comanditário ser constituído procurador da sociedade, para negócio determinado e com poderes especiais.

Art. 1.048e 1.049

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HISTÓRICO • Nenhuma modificação alcançou o conteúdo desta disposição durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. A vedação à participação dos sócios comanditários na gestào dos negócios sociais encontrava-se prevista no art. 314 do Código Comercial de 1850. 0 art. 312 do Código Comercial dispensava até mesmo a identificação e inscrição do sócio comanditário no Registro do Comércio. D O U T R IN A • 0 sócio comanditário é mero prestador de capital, que não participa da administração da sociedade, não se obrigando, desse modo, perante terceiros. Na hipótese de o sócio com an­ ditário praticar qualquer ato de gestão ou vir a ter seu nome relacionado na firma social, com o representante da sociedade, será ele considerado como sócio comanditado, para todos os efeitos legais. Neste caso, assumirá responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais. A principal inovação introduzida pelo parágrafo único deste artigo é a que permite ao sócio comanditário atuar com o procurador da sociedade com poderes especiais para rea­ lizar ou celebrar um negócio determinado, sem risco de perder a condição de sócio nessa qualidade. 0 Código Comercial de 1850 (art. 314) vedava, terminantemente, a participação do sócio comanditário em qualquer negócio ou na prática de ato que importasse na assunção de obrigações pela sociedade, ainda que transitoriamente investido de poderes especiais ou limitados.

Art. 1.048. Somente após averbada a modificação do contrato, produz efeito, quanto a terceiros, a diminuição da quota do comanditário, em conseqüência de ter sido reduzido o capital social, sempre sem prejuízo dos credores preexistentes. HISTÓRICO • 0 conteúdo desta norma é o mesmo da redação do projeto do Código Civil de 2002. 0 Código Comercial de 1850, no art. 312, não exigia a inscrição do sócio comanditário no registro do co­ mércio, mas apenas o registro da quantia total dos fundos integralizados em comandita. D O U T R IN A • Na hipótese de redução do capital social à conta das quotas do sócio comanditário, tal redu­ ção somente produzirá efeitos perante terceiros após a averbação da alteração do contrato social no registro competente. Em se tratando de sociedade em comandita empresária, a averbação deve ser realizada no Registro Público de Empresas Mercantis. Se for o caso de sociedade simples sob a forma em comandita (art. 983), no Registro Civil das Pessoas Jurídi­ cas. M esm o após averbada a redução do capital do sócio comanditário, os direitos dos cre­ dores existentes è data da diminuição dos fundos em comandita não poderão ser prejudica­ dos até a extinção das obrigações contratadas.

Art. 1.049. O sócio comanditário não é obrigado à reposição de lucros recebidos de boa-fé e de acordo com o balanço. Parágrafo único. Diminuído o capital social por perdas supervenientes, não pode o comanditário receber quaisquer lucros, antes de reintegrado aquele. HISTÓRICO • Esta disposição não sofreu alteração durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. 0 Código Comercial de 1850 não continha regra semelhante.

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Arts. 1.050 e 1.051

D O U T R IN A • 0 levantamento dos balanços patrimoniais e a determinação dos dividendos que serão dis­ tribuídos à conta dos lucros da sociedade competem aos sócios comanditados. 0 sócio co­ manditário não participa da gestào da sociedade, mas apenas exerce seu direito de fiscaliza­ ção consoante o disposto no art. 1.048. Se em benefício do sócio comanditário vierem a ser distribuídos lucros pela sociedade, em decorrência de atos de gestão dos sócios investidos dos poderes de administração, responsáveis pela elaboração do balanço patrimonial, presume-se que tais lucros foram percebidos de boa-fé. Neste caso, o sócio comanditário não será obri­ gado a restituí-los á sociedade. Todavia, ficará o sócio comanditário impedido de receber dividendos ou créditos à conta de lucros, se a sociedade suportar prejuízos e seu capital social foi dim inuído por esse motivo. Somente após o capital ser integralizado, com novas contri­ buições dos sócios, para a compensação dos prejuízos acumulados, é que poderá o sócio comanditário perceber, futuramente, os lucros determinados pelos balanços patrimoniais posteriores, ou seja, após a reposição do capital.

Art. 1.050. No caso de morte de sócio comanditário, a sociedade, salvo disposição do contrato, continuará com os seus sucessores, que designarão quem os represente. H IS T Ó R IC O • A redação deste dispositivo é a mesma do projeto original. O Código Comercial de 1850 não pre­ via a hipótese de representação do sócio comanditário no caso de morte. Os arts. 1.402 e 1.403 do Código Civil de 1916 previam a continuidade da sociedade, se assim fosse deliberado entre os sócios remanescentes e os herdeiros do sócio falecido. D O U T R IN A • Falecendo o sócio comanditário, a sociedade nào entrará em processo de dissolução total. Seus herdeiros ou sucessores poderão escolher e designar aquele que assumirá a condição de sócio comanditário, sem necessidade de liquidação das quotas de que era titular. Todavia, em se tratando a sociedade em comandita de típica sociedade de pessoas e em respeito, também, ao princípio da affectio societatis, competirá aos sócios remanescentes (arts. 997 e 999) aceitar ou recusar a designação do novo sócio comanditário.

Art. 1.051. Dissolve-se de pleno direito a sociedade: I — por qualquer das causas previstas no art. 1.044; II — quando por mais de cento e oitenta dias perdurar a falta de uma das categorias de sócio. Parágrafo único. Na falta de sócio comanditado, os comanditários nomearão adminis­ trador provisório para praticar, durante o período referido no inciso II e sem assum ir a condição de sócio, os atos de administração. H IS T Ó R IC O • O enunciado desta norma não veio a ser objeto de nenhuma alteração durante a tramitação do projeto. No Código Comercial de 1850, as hipóteses gerais de dissolução das sociedades comerciais, entre elas a sociedade em comandita, encontravam-se previstas nos arts. 335 e 336. D O U T R IN A • Assim com o a sociedade em nome coletivo, a sociedade em comandita dissolve-se pelas mesmas causas aplicáveis às sociedades simples, relacionadas no art. 1.033 do atual Código

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Civil e reproduzidas em seu art. 1.044. Com o a sociedade em comandita simples estrutura-se a partir da presença de duas categorias de sócios, a falta de uma dessas categorias importa na inviabilização da continuidade da sociedade. Assim, se por falecimento ou retirada de sócio que implique a ausência de representante de uma dessas categorias, comanditado ou comanditário, a sociedade perde sua razão de ser, devendo, então, iniciar seu processo de dissolução. Ficando a sociedade sem a presença de sócio comanditado, que responde pelos atos de gestào e representação, os sócios comanditários não podem assumir tal função, de­ vendo, então, nomear um representante para que este assuma os encargos de administração da sociedade pelo prazo máximo de 180 dias. Ultrapassado esse prazo sem que haja o ingres­ so de novo sócio comanditado, a sociedade deve ser dissolvida. Essa disposição do art. 1.051, semelhantemente à do art. 1.044, retroexaminada, estabelece a dissolução de pleno direito da sociedade, "por qualquer das causas previstas no art. 1.044". Infere-se, portanto, de idên­ tica maneira à que se fez em relação à sociedade em nome coletivo, que se a sociedade em comandita simples for constituída sob a forma de sociedade simples ela será nào empresária e, consequentemente, estará igualmente fora do regime da lei falimentar. Quando a sociedade em comandita simples exercer seu objeto como sociedade empresária, também se sujeita á dissolução se decretada sua falência. E N U N C I A D O D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L -

C JF

• Enunciado 489, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 1.043, II, 1.051,1.063, § 3«, 1.084, § 1», 1.109, parágrafo único, 1.122,1.144,1.146,1.148 e 1.149 do Código Civil; e art. 71 da Lei Complementar n. 123/2006. No caso da microempresa, da empresa de pequeno porte e do microempreendedor individual, dispensados de publicação dos seus atos (art. 71 da Lei Comple­ mentar n. 123/2006), os prazos estabelecidos no Código Civil contam-se da data do arquivamen­ to do documento (termo inicial) no registro próprio". JU LG AD O • "Tributário. Execução fiscal. Massa falida. Nome do sócio na CDA. Redirecionamento. Possibilida­ de. 1. Ainda que regular a dissolução da pessoa jurídica por falência, é admissível o prosseguimen­ to da execução fiscal contra os sócios cujos nomes constam da C D A 2. Agravo regimental provi­ do" (STJ, AgRg no Al 1.058.751/RS, 2a T., Rei. Min. Eliana Calmon, Rei. para acórdão Min. Castro Meira, j. em 19-11-2009).

Capítulo IV — DA SOCIEDADE LIMITADA

Seção I



Disposições preliminares

Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralizaçáo do capital social. H IS T Ó R IC O • 0 conteúdo desta disposição foi objeto de emenda de redaçào na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, apenas para designação das quotas no plural, como é mais próprio para esse tipo societário, em que cada sócio detém quotas e não uma única quota, situação restrita diante de nossa experiência jurídica. A sociedade limitada, anteriormente denominada sociedade por quotas de responsabilidade limitada, era regulada pelo Decreto n. 3.708, de 10 de janeiro de 1919, agora revogado.

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Art. 1.052

DOUTRINA • A sociedade limitada tem sido, de há muito, o modelo jurídico mais recorrente no meio em­ presarial brasileiro. Basta consultar-se o site do Departamento Nacional de Registro do Co­ mércio (www.dnrc.gov.br) para que se tenha uma ideia dessa predominância incontestável da sociedade limitada. De 1985 a 1990, foram criadas 977.157 delas; de 1990 a 1994, esse número aum entou para 1.189.787; de 1995 a 1999, permaneceu quase igual, ficando na casa das 1.188.182; de 2000 a 2004,1.181.203; no ano de 2005, o número de sociedades limitadas criadas foi de 246.726, não tendo mais havido a atualização desses dados no referido sítio, salvo no que toca ao número de constituições, de alterações e de extinções de empresas. Assim, forçosa é a conclusão de que a limitada constitui a espécie societária mais adequada à constituição das empresas, sobretudo as de pequeno e médio porte, seja sob a forma de sociedade empresária, de natureza mercantil, seja com o modelo de organização da socieda­ de simples, que anteriormente caracterizava a sociedade civil sob a forma limitada. O Decre­ to n. 3.708/19 nào a conceituava, objetivamente, tal como o faz este art. 1.052 definindo-a como aquela em que a responsabilidade de cada sócio é restrita ou limitada ao valor de suas quotas, que se encontram representadas no capital social. A o contrário do que sucede, por­ tanto, com os tipos societários anteriormente examinados, a sociedade limitada possibilita a limitação da responsabilidade dos sócios ao valor de suas respectivas quotas, estabelecendo nítida separação entre o patrimônio da sociedade, representado a partir de seu capital, e o patrimônio pessoal dos sócios, que nào pode ser alcançado nem executado em razão de di­ vidas e obrigações sociais. É nessa limitação da responsabilidade dos sócios que reside o êxito desse tipo societário e a expressividade dos números retroassinalados a ele relativos. Estando o capital já integralizado, cessa a responsabilidade dos sócios, em princípio limitada ao valor de suas quotas. A responsabilidade solidária subsistirá entre eles, portanto, apenas quando o capital social não estiver integralizado. • Empresa unipessoal de responsabilidade limitada. A ausência de uma disciplina normativa para a empresa individual de responsabilidade limitada, no atual Código Civil, foi bastante criticada pela doutrina pátria, não só porque a teoria do patrimônio separado representaria a solução ideal para a limitação da responsabilidade ao acervo da empresa, com o pelo fato de ter sido o Prof. Sylvio M arcondes autor de luminosa monografia sobre o tema, intitulada Limitação da Responsabilidade do Comerciante Individual (Tese de concurso para o provi­ mento do cargo de Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Sào Paulo, 1956). Tal silêncio nào se compadece com os dados da realidade empresarial de nossos dias, nem tampouco com o pensamento da maioria da doutrina nacional a respeito do tema. Quanto aos primeiros, parece suficiente verificar que, nos últimos anos, o número de firmas individuais e de sociedades por quotas de responsabilidade limitada ultrapassa, com facilida­ de, a casa dos 9 9 % das empresas registradas no País. Quanto aos segundos, permito-me re­ meter o leitor ao estudo “A atividade empresarial no âmbito do novo Código Civil", in Co­ mentários ao Código Civil Brasileiro, D o Direito de Empresa, v. IX, Arruda Alvim e Thereza Alvim (eoords.), Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 83 a 93, no qual acham-se mencionados, entre outros: Oscar Barreto Filho, 0 Projeto de Código Civil e Normas sobre a Atividade Ne­ gociai, in Revista da Procuradoria Geral do Estado de S ã o Paulo, n. 7, dez. 1975, p. 65; Waldirio Bulgarelli, A Atividade Negociai no Projeto de Código Civil Brasileiro, in Revista de Direito Mercantil, n. 56, cit., p. 120; Othon Sidou, Breves Notas sobre a Atividade Negociai no Anteprojeto do Código Civil, separata da Jurídica, revista da Divisão Jurídica do Instituto do Açúcar e do Álcool, Rio de Janeiro, 1973, p. 3 e s., para ficar apenas em alguns exemplos. Veja-se, igualmente, bem mais recentemente, o artigo intitulado Empresa Unipessoal de Responsabilidade Limitada, de autoria do E. Prof. Jorge Lobo, Livre-Docente em Direito Co­ mercial pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, in Direito Empresarial Contemporâneo, 2. ed., cit, p. 293 e s.

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• Cabe assinalar que a Lei n. 11.638, de 28 de dezembro de 2007 - que alterou e revogou dispositivos tanto da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, quanto da Lei n. 6.385, de 7 de dezembro de 1976 estendeu às sociedades de grande porte disposições relativas à elaboração e divulgação de demonstrações financeiras, considerando com o tais, para os fins nela previstos, a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a RS 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a RS 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais), de conformidade com o parágrafo único do seu art. 3o. Assim, pode-se dizer que a ordenação jurídica brasileira contempla duas espécies de sociedades limitadas: a de pequeno e médio porte, e a de grande porte, segundo os valores mencionados no referido parágrafo único do art. 32 dessa Lei n. 11.638, de 28 de dezembro de 2007.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 65, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A expressão 'sociedade limi­ tada' tratada nos arts. 1.052 e seguintes do novo Código Civil deve ser interpretada, stricto sensu, com o 'sociedade por quotas de responsabilidade limitada'".

JULGADOS • "Tributário. Sociedade Limitada. Responsabilidade do Sócio pelas Obrigações Tributárias da Pessoa Jurídica (CTN, art. 173, III). I. 0 sócio e a pessoa jurídica formada por ele são pessoas distintas (Código Civil, art. 20). Uma não responde pelas obrigações da outra. II. Em se tra­ tando de sociedade limitada, a responsabilidade do cotista, por dívidas da pessoa jurídica, restringe-se ao valor do capital ainda não realizado (Dec. 3.708/1919, art. 9°). Ela desaparece, tão logo se integralize 0 capital. III. O CTN, no inciso III do art. 135, impõe responsabilidade, não ao sócio, mas ao gerente, diretor ou equivalente. Assim, sócio-gerente é responsável, nào por ser sócio mas por haver exercido a gerência. IV. Quando 0 gerente abandona a sociedade, sem honrar-lhe 0 débito fiscal, é responsável, nào pelo simples atraso de pagamento. A ilici­ tude que 0 torna solidário é a dissolução irregular da pessoa jurídica. V. A circunstância de a sociedade estar em débito com obrigações fiscais nào autoriza 0 Estado a recusar certidão negativa aos sócios da pessoa jurídica" (REsp 86.439/ES, Rei. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ, 12-7-1996). • "Tributário. Dívida Ativa Inscrita. Certidão Negativa de Débito. Pessoa Física. Sócios. CTN, art. 135, III. 1. A pessoa jurídica, com personalidade própria, nào se confunde com a pessoa de seus sócios. Constitui, pois, delírio fiscal, à matroca de substituição tributária, atribuir-se a responsabilidade substitutiva (art. 135, caput, do CTN) para sócios diretores ou gerentes antes de apurado 0 ato ilícito. 2. Recurso improvido" (REsp 139.872/Ceará, Rei. Min. M ilton Luiz Pereira, DJ, 10-8-1998). “Tributário. Sociedade Limitada. Responsabilidade do Sócio pelas Obrigações Tributárias da Pessoa Jurídica (CTN, art. 173, III). I. 0 sócio e a pessoa jurídica formada por ele sào pessoas distintas (Código Civil, art. 20). Uma não responde pelas obriga­ ções da outra. II. Em se tratando de sociedade limitada, a responsabilidade do cotista, por dívidas da pessoa jurídica, restringe-se ao valor do capital ainda não realizado (Dec. 3.708/1919, art. 92). Ela desaparece, tão logo se integralize 0 capital. III. 0 CTN, no inciso III do art. 135, impõe responsabilidade, nào ao sócio, mas ao gerente, diretor ou equivalente. Assim, sócio-gerente é responsável, nào por ser sócio mas por haver exercido a gerência. IV. Quando 0 gerente abandona a sociedade, sem honrar-lhe 0 débito fiscal, é responsável, não pelo simples atraso de pagamento. A ilicitude que 0 torna solidário é a dissolução irregular da pessoa jurídica. V. A circunstância de a sociedade estar em débito com obrigações fiscais não auto­ riza 0 Estado a recusar certidão negativa aos sócios da pessoa jurídica. VI. Na execução fiscal, contra a sociedade por cotas de responsabilidade limitada, incidência de penhora no patri­ mônio do sócio-gerente, pressupõe a verificação de que a pessoa jurídica não dispõe de bens suficientes para garantir a execução. De qualquer modo, 0 sócio-gerente deve ser citado em

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nome próprio e sua responsabilidade pela dívida da pessoa jurídica há que ser demonstrada em arrazoado claro, de modo a propiciar ampla defesa" (REsp 141.516/SC, Rei. Min. Humber­ to Gomes de Barros, DJ, 30-11-1998). • "Execução Fiscal. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Dívida da sociedade. Penhora. Bens de sócio não gerente. O quotista, sem função de gerência, não responde por dívida contraída pela sociedade de responsabilidade limitada. Seus bens nào podem ser penhorados em processo de execução fiscal movida contra a pessoa jurídica" (CTN, art. 134, Decreto n. 3.708/19, art. 2», Julgados do STJ n. 105, p. 23, REsp 151.209-0/AL, Rei. Min. H um ­ berto Gomes de Barros, DJ, 8-3-1999). • "De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) sào responsáveis, por substituição, pelos créditos corres­ pondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poder ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN. A solidariedade do sócio pela dívida da sociedade só se manifesta quando comprovado que, no exercício de sua administração, praticou os atos elencados na forma do art. 135, caput, do CTN. Há impossibilidade, pois, de se cogitar na atribuição de tal responsabilidade substitutiva pelos débitos da sociedade quando sequer estava o sócio investido das funções diretivas da mesma" (REsp 202.778/PR, Rei. Min. José Delgado, DJ, 1®-7-1999). • “1. Os bens dos sócios de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. 2. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente. 3. Não é res­ ponsável por dívida tributária, no contexto do art. 135, III, do CTN, o sócio que se afasta re­ gularmente da sociedade comercial, transferindo suas quotas a terceiro, sem ocorrer extinção ilegal da empresa. 4. Empresa que continuou em atividade após a retirada do sócio. Dívida fiscal, embora contraída no período em que o sócio participava, de modo comum com os demais sócios, da administração da empresa, porém, só apurada e cobrada três anos depois do aditivo contratual que alterou a composição societária. 5. Inexistência de responsabilida­ de tributária do ex-sócio" (REsp 215.349/MG, Rei. Min. José Delgado, DJ, 11-10-1999). • “Nos termos do que dispõe a lei tributária nacional, há que ser observado o princípio da responsabilidade subjetiva, nào prevalecendo a simples presunção quanto ao descumprimen­ to, pelo sócio, de suas obrigações sociais. Nào tendo ficado provado que o sócio exercia a gerência da sociedade, impossível imputar-lhe a prática de atos abusivos, com excesso de mandato ou violação da lei ou do contrato" (REsp 109.163/PR, Rei. Min. Peçanha Martins, DJ, 23-8-1999). • "Já se encontra assente na doutrina e na jurisprudência que a responsabilidade do sócio que se retira da sociedade, em relação às dívidas fiscais contraídas por esta, somente se afirma se aquele, no exercício da gerência ou de outro cargo na empresa, abusou do poder ou infringiu a lei, o contrato social ou estatutos, a teor do que dispõe a lei tributária, ou, ainda, se a so­ ciedade foi dissolvida irregularmente. É evidente que o nào recolhimento dos tributos exigi­ dos na execução fiscal em epígrafe, configura um ato contrário à lei, em razão de prejudicar o fim social a que se destina a arrecadação. Necessário, entretanto, é fixar-se os limites do que seja infração legal, porquanto a falta de pagamento do tributo ou não configura violação legal e é irrelevante falar-se em responsabilidade ou não (s/c) constitui violação da lei e, consequentemente, sempre haveria responsabilidade. O mero descumprimento da obrigação principal, desprovido de dolo ou fraude, é simples mora da sociedade devedora contribuinte, inadimplemento que encontra nas normas tributárias adequadas as respectivas sanções; não se traduz, entretanto, em ato que, de per si, viole a lei, contrato ou estatuto social, a carac­ terizar a responsabilidade pretendida pela recorrente” (REsp 201.808/MG, Rei. Min. Franciulli Netto, 2» T., v. u., j. em 7-8-2001, Boletim do STJ, n. 17. p. 72).

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• Julgados bem mais recentes do STJ corroboraram essa mesma tese, com o se pode ver: REsp 751.858/SC, Rei. M in.Teori Zavaseki.j. em 4-8-2005, DJ. 22-8 -20 0 5 ; REsp 7 1 1.395/RS, Rei. Min. Luiz Fux, j. em 6-12-2005, DJ, 6 -3-2006; Edcl. no REsp 7 1 1.395/RS, Rei. Min. Luiz Fux, j. em 18-4-2006, DJ, 18-5-2006; A gR g no REsp 809.640/DF, Rei. Min. Francisco Falcão, j. em 6-4-2006, DJ, 4 -5 -2 0 0 6 ; REsp 839.684/SE, Rei. Min. Eliana Calmon, j. em 15-8-2006, DJ, 308-2006; A g R g no A gl 757.024/RS, Rei. Min. Luiz Fux, j. em 19-9-2006, DJ, 16-10-2006, A gR g no Agl 728.540/RS, Rei. Min. Luiz Fux, j. em 5-10-2006, DJ, 26 -1 0 -2 0 0 6 ; e A gR g no REsp 761.925/RS, Rei. Min. Luiz Fux. j. em 24-10-2006, DJ, 20-11-2006. • Quanto à responsabilidade dos sócios pelos débitos previdenciários, em razão do art. 13 da Lei n. 8.620, de 5 de janeiro de 1993, segundo o qual “o titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social", vinha a jurisprudência do STJ e par­ te da doutrina (cf. M anoel de Queiroz Pereira Calças, in Sociedade Limitada no N ovo Código Civil, São Paulo, Atlas, 2003, p. 95) perfilhando o entendimento no sentido de reconhecer a responsabilidade solidária dos sócios em tais casos. M as a 1* Seção daquela Corte, em Acórdão de que foi Relator o E. Min. José Delgado (REsp 717.717/SP, j. em 28-9-2005), afastou tal aplicação, consoante se depreende dos seguintes trechos da Ementa, entre o u tro s:"... 3. A solidariedade prevista no art. 124, II, do CTN, é denominada de direito. Ela só tem validade e eficácia quando a lei que a estabelece for interpretada de acordo com os propósitos da Cons­ tituição Federal e do próprio Código Tributário Nacional. 4. Inteiramente desprovidas de validade são as disposições da Lei n. 8.620/93, ou de qualquer outra lei ordinária, que inde­ vidamente pretenderam alargar a responsabilidade dos sócios e dirigentes das pessoas jurí­ dicas. 0 art. 146, III, b, da Constituição Federal, estabelece que as normas sobre responsabi­ lidade tributária deverão se revestir obrigatoriamente de lei com plem entar.... 6. 0 teor do art. 1.016 do Código Civil de 2002 é extensivo às Sociedades Limitadas por força do prescri­ to no art. 1.053, expressando hipótese em que os administradores respondem solidariamente somente por culpa quando no desempenho de suas funções, o que reforça o consignado no art. 135, III, do CTN. 7. A Lei n. 8.620/93, art. 13, também nào se aplica às Sociedades Limita­ das por encontrar-se esse tipo societário regulado pelo Código Civil de 2002, lei posterior, de igual hierarquia, que estabelece direito oposto ao nela estabelecido. 8. Não há com o se aplicar à questão de tamanha complexidade e repercussão patrimonial, empresarial, fiscal, e econômica, interpretação literal e dissociada do contexto legal no qual se insere o direito em debate. Deve-se, ao revés, buscar amparo em interpretações sistemática e teleológica, adi­ cionando-se os com andos da Constituição Federal, do Código Tributário Nacional e do Códi­ go Civil para, por fim, alcançar-se uma resultante legal que, de forma coerente e juridica­ mente adequada, nào desnature as Sociedades Limitadas e, mais ainda, que a bem do consu­ midor e da própria livre iniciativa privada (princípio constitucional) preserve os fundam entos e a natureza desse tipo societário". • Vários dos acórdãos mais recentes do STJ, retromencionados. reproduziram, em seus trechos, a íntegra da ementa desse REsp 717.717/SP, julgado em 28-9-2005, de relatoria do M inistro José Delgado, quer afastando a responsabilidade solidária dos sócios por débitos previdenci­ ários, repelindo a aplicação do art. 13 da Lei n. 8.620/93, quer no que se refere ao não reco­ nhecimento automático da responsabilidade pessoal dos sócios em relação às dívidas fiscais contraídas pela sociedade, somente se confirm ando dita responsabilidade se aqueles sócios, no exercício da gerência ou de outro cargo na empresa, abusaram do poder ou infringiram a lei, o contrato social ou estatutos, a teor do que dispõe a lei tributária, ou admitindo-a, ainda, caso a sociedade tenha sido dissolvida irregularmente. • "Agravo de instrumento. Execução fiscal. Venda judicial de imóvel pertencente ao sócio da socie­ dade empresária falida. Conversão do valor em favor do juízo universal da falência. Arts. 1.052 e 1.080 do Código Civil. Impossibilidade. Não há razões fáticas, legais e jurídicas, na hipótese destes autos, para se responsabilizar patrimonialmente o sócio pelos débitos da massa falida, o que im­

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pede a remessa do valor obtido eom a venda judicial de seu imóvel, ocorrida na execução fiscal, em favor do juízo universal da falência. Inteligência extraída do disposto nos arts. 1.052 e 1.080 do Código Civil. Provido" (TJMG, Al 1.0471.03.011571-4/001, 1a Câm. Civ., Rei. Des. Geraldo A u ­ gusto, j. em 16-3-2010). • “Execução de título extrajudicial. Retirada de sócio. Sociedade limitada. Art. 1.052 do CC. Inaplicabilidade do art. 1.032 do CC. Sociedades simples. Afastamento da responsabilidade da ex-sócia mantido. Recurso improvido. Nas sociedades limitadas a responsabilidade do sócio está limitada à integralizaçào do capital social (art. 1.052 do CC), afigurando-se despropositada a responsabili­ zação posterior do sócio retirante conforme contempla o a rt 1.032 do Código Civil. Esse disposi­ tivo só tem aplicação para as sociedades em que a responsabilidade dos sócios é ilimitada, não para as sociedades limitadas. Negaram provimento ao recurso" (TJSP, Acórdão 0002852277, 29a Câm. de Dir. Priv., Rei. Des. Luis Camargo Pinto de Carvalho, j. em 3-3-2010). • "Agravo regimental em recurso especial. Execução fiscal. Contribuições previdenciárias. Revogação do art. 13 da Lei n. 8.620/93 pela Lei n. 11.941/2009. Nome do sócio constante da CDA. Redirecionamento. Responsabilização dos sócios. Possibilidade. Entendimento firmado sob a égide dos recursos repetitivos (art 543-C do CPC). Agravo regimental improvido. 1. Conquanto tenha a Seguridade Social disciplina própria, reconhecida a natureza tributária da sua contribuição, a regra da solidariedade dos sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada (art. 13, caput, da Lei n. 8.620/93), há de ser interpretada em consonância com aqueloutras dos arts. 135, III, do Código Tributário Nacional e 146, III, b, da Constituição Federal. Revogação do art. 13 da Lei n. 8.620/93 pelo art. 79, VII, da Lei n. 11.941, de 27 de maio de 2009. 2. A Egrégia Primeira Seção, no julgamento do REsp n. 1.104.900/ES, da relatoria da Ministra Denise Arruda, publicado no DJe de 1 M -2 0 0 9 , sob o regime do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução n. 8/2008 do Superior Tribunal de Justiça (recursos repetitivos), ratificou o posicionamento desta Corte Superior de Justiça no sentido de que é possível o redirecionamento da execução fiscal de maneira a atingir o sócio da empresa executada, desde que o seu nome conste da CDA, sendo que, para se eximir da responsabilidade tributária, incumbe ao sócio o ônus da prova de que não restou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do Código Tributário Nacional (excesso de mandato, infringência à lei ou ao contrato social). 3. Reconhecida no acórdão recor­ rido, com amparo nos elementos de prova, a ocorrência dos pressupostos necessários à desconsi­ deração da personalidade jurídica, a alegação em sentido contrário, a motivar insurgência especial, requisita necessário reexame dos aspectos fácticos da causa, hipótese que é vedada em sede de recurso especial, a teor do Enunciado n. 7 do Superior Tribunal de Justiça. 4. Agravo regimental improvido" (STJ, AgRg no REsp 1.090.001/SP, 1a T., Rei. Min. Hamilton Carvalhido, j. em 15-122009). • "Processual civil. Embargos de declaração no agravo regimental. Atribuição de efeitos infringentes. Agravo de instrumento. Recurso especial. Tributário. ISS. Sociedades de caráter empresarial. 1. Depreende-se dos autos que o Tribunal de origem, não obstante esteja fundado nos elementos probatórios contidos nos autos, principalmente no contrato social de cada sociedade que ora fi­ gura como embargante, delimitou de modo incontroverso a natureza jurídica de todas elas, razão pela qual devem ser afastados os óbices das Súmulas 5 e 7 desta Corte. 2. Nos termos do art. 1.052 do CC/2002, 'na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralizaçào do capital social’. Assim, nessa espécie de sociedade, a responsabilidade do sócio 'está limitada à força do capital social’ (Rubens Requião). Nesse contexto, não há falar em responsabilidade ilimitada dos sócios, tampouco em ausência de caráter empresarial. 3. A orientação das Turmas que integram a Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que, 'nos termos do art. 9o, § 3o, do DL 406/68, têm direito ao tra­ tamento privilegiado do ISS as sociedades civis uniprofissionais, que tem por objeto a prestação de serviço especializado, com responsabilidade social e sem caráter empresarial' (AgRg no Ag 458.005/PR, 1* Turma, Rei. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 4-8-2003). Na hipótese, tratando-se de sociedades de caráter empresarial, não há direito ao tratamento privilegiado previsto no art. 9o, § 3o, do Decreto-Lei 406/68.4. Embargos de declaração acolhidos, com a atribuição de efeitos

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infringcntes. Agravo de instrumento desprovido, por outros fundamentos" (STJ, Edel no Al 798.575/ PR, 1aT., Rei. Min. Denise Arruda, j. em 6-8-2009). • "Agravo de instrumento. Execução de sentença movida contra sociedade por cotas de responsa­ bilidade limitada. Interlocutória indeferindo pedido de penhora de bens particulares de sócios cotistas. Insurgência do credor. Ausência de elementos para ensejar a responsabilização. Inexistindo prova da atuação fraudulenta ou de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, não se admite a constrição do patrimônio dos sócios. Autonomia entre os bens da empresa e das pessoas físicas que a compõem (arts. 50 e 1.052 do CC). Precedentes da Câmara. Possibilidade do reexame da matéria frente à produção de prova demonstrando os pressupostos específicos para deferimento da medida excepcional. Interlocutória mantida. Recurso conhecido e desprovido" (TJSC, Al 2009.007940-4,3a Câm. de Dir. Com., Rei. Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, j. em 3-9-2009). • "Apelação civel. Direito civil. Processual civil. Embargos de terceiro. Petição inicial. Requerimento de citação do réu. Falta. Contestação. Suprimento. Falta de qualificação do embargado. Suprimen­ to pela existência no processo principal. Cumprimento de sentença. Devedor. Pessoa jurídica. Penhora de bem de sócio. Impossibilidade. Eventual mácula formal da peça de ingresso quanto ao requerimento de citação ficou suprida com a tempestiva apresentação de contestação pelo em­ bargado, inexistindo qualquer prejuízo ou nulidade nesse caso. A qualificação completa do em­ bargado também é despicienda, quando já constante e cognoscivel dos autos apensados. Não se confundem, via de regra, o patrimônio da pessoa física e da pessoa jurídica, sendo um dos obje­ tivos desta última justamente constituir acervo patrimonial distinto dos sócios que a compõem, que, no caso de sociedade limitada, somente respondem por dividas até o limite das suas quotas. Inteligência do art. 1.052 do Código Civil, não podendo o patrimônio de terceiro (sócio) sofrer constrição em virtude de relação obrigacional da qual não é o devedor. Provimento negado" (TJMG, Ap. 1.0145.07.416606-0/001,16a Câm. Civ., Rei. Des. Sebastião Pereira de Souza, j. em 4-2-2009). • "Processual civil e tributário. Agravo regimental. ISS. Sociedade uniprofissional. Responsabilidade limitada. Caráter empresarial. Art. 9o, § 1o, do DL 406/1968. Inaplicabilidade. 1. A tributação fixa do ISS, prevista no art. 9o, § 3o, do DL 406/1968, somente se aplica quando houver responsabili­ dade pessoal dos sócios e inexistir caráter empresarial na atividade realizada. 2. Na sociedade li­ mitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas (art. 1.052 do CC), o que afasta o benefício da tributação fixa. Precedentes do STJ. 3. Agravo Regimental não provido" (STJ, AgRg no REsp 1.075.488/MG, 2a T., Rei. Min. Herman Benjamin, j. em 25-11-2008).

Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. 0 contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima. HISTÓRICO • 0 Decreto n. 3.708/19 (art. 18) previa a aplicação da legislação das sociedades anônimas para suprir as lacunas e omissões das normas reguladoras das sociedades limitadas. Na redação original do anteprojeto, o presente dispositivo não possuía o atual parágrafo único, de maneira que todas as omissões na disciplina das sociedades limitadas seriam supridas pelas regras das sociedades simples. Durante a tramitação no Senado Federal, foi acrescido o parágrafo único mediante emen­ da proposta pelo Prof. Miguel Reale, com a seguinte justificativa: "Foi bem recebida a ideia de dar ampla disciplina normativa à sociedade limitada, a qual, com o advento da atual lei sobre as so­ ciedades anônimas, além de sua destinaçáo anterior, passou a atender a empresas que, por sua natureza ou configuração econômica, não se ajustam ao tipo das sociedades por ações, inclusive pelos custos administrativos que estas implicam. Em principio, deve ser preservado o enquadra­ mento da sociedade limitada entre as sociedades de pessoas, mas tem sido observado com razão

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que deve ser ressalvado aos sócios quotistas o direito de prever, no contrato, a regência supletiva da entidade pelos preceitos da sociedade anônima, dando-se, também, nesse ponto, preferência aos modelos abertos que constituem uma das diretrizes que nortearam a elaboração do Projeto de Código Civil".

DOUTRINA • Discorrer sobre as sociedades por quotas de responsabilidade limitada - hoje denominadas simplesmente sociedades limitadas - sempre representará um risco para quem o faz. Tanto impropriedades quanto erros de perspectiva foram cometidos no passado a respeito delas. Quanto às primeiras, o que aconteceu, efetivamente, foi que vários autores nacionais, de nomeada, confundiram a sociedade de responsabilidade limitada - que fora defendida por José Thomaz Nabuco de Araújo, então M inistro da Justiça, mediante a edição de um Projeto de Lei no sentido de criar, no Brasil, as sociedades de responsabilidade limitada, tal como existiam na Inglaterra, desde 1856, e na França, desde 1863 - com a sociedade por quotas de responsabilidade limitada, regulada pelo Decreto n. 3.708, de 1919. Deveras esclarecedo­ ra a lição de Sylvio Marcondes sobre esse equívoco dos escritores nacionais. Depois de fazer alusão a Inglez de Sousa, a Carvalho de Mendonça, a Waldemar Ferreira e a Villemor Amaral, arremata-nos esse Professor (Problemas de direito mercantil, p. 2 0 5 ): "Todos esses escritores incidem no m esm o equivoco de confundir a sociedade de responsabilidade limitada, preco­ nizada por N abuco de Araújo, com a sociedade de responsabilidade limitada, reconhecida pelo Dec. 3.708, tratando aquela com o primeira tentativa desta. A verdade histórica, porém, é que a sociedade de Nabuco significava um a sociedade anônim a livre, enquanto que a sociedade do Dec. 3.708 constitui o tipo autônomo, criado pelo legislador alemão". A ver­ dade é que até mesmo o nosso Papa dos Comercialistas (Carvalho de Mendonça), talvez devido a esse equívoco - assinalado pelo Prof. Sylvio M arcondes - cometeu um flagrante erro de perspectiva ao asseverar, a propósito dessa modalidade societária, que "a admissão dessas sociedades romperia a tradição, perturbaria o nosso sistema e não traria outras van­ tagens mais positivas além das que oferecem as sociedades anônim as e as comanditárias" (Tratado de direito comercial brasileiro, v. III, Livro II, Parte III, São Paulo, Duprat Et Comp., 1914, n. 573, p. 55, nota 5). Vários outros juristas pátrios criticaram asperamente o nosso velho Decreto n. 3.708, de 10 de janeiro de 1919, pelo seu aspecto eminentemente lacunoso e falho. Vejam-se, p. ex., as considerações do saudoso Prof. Fran M artins (Sociedades por cotas no direito estrangeiro e brasileiro, Rio de Janeiro, Forense, 1960, n. 114, v. I, p. 317. Sobre a origem histórica dessas sociedades, v., nessa mesma obra, p. 13 e s.): “Há apenas um conglomerado de dispositivos, muitos deles sem nenhum sentido lógico dentro do nosso sistema jurídico. E, acima de tudo, há uma falta absurda de detalhes que torna cansativo qualquer trabalho no sentido de conceituar esse tipo social, tendo por base as características do instituto". 0 Professor Sylvio Marcondes, depois de recordar que a nossa legislação sobre a sociedade por quotas de responsabilidade limitada plasmou-se nos princípios da lei portu­ guesa e, por via oblíqua, nos da germânica - a qual, por fatores políticos e econômicos re­ lacionados com a colonização dos territórios africanos conquistados, tentou criar uma nova modalidade de sociedade de pessoas, conciliando a versatilidade das sociedades anônimas, de um lado, com a limitação da responsabilidade de todos os sócios, de outro, com pondo uma forma híbrida, que invadiu a generalidade das legislações, com as devidas adaptações ao sistema de cada país — , fez a seguinte análise (Problemas de direito mercantil, cit., p. 150): "Embora influenciada por idêntica preocupação, a lei brasileira não conseguiu alcançar de modo satisfatório aquele objetivo. Conforme reconhece e proclama a doutrina, o diploma nacional suscitou e deixou em aberto inúmeros problemas, ainda não definitivamente resol­ vidos pela jurisprudência. A despeito disso, a alta prestância econômica do novo tipo de so ­ ciedade conquistou para ele a preferência do nosso meio, onde representa o maior número de sociedades, sejam comerciais, sejam civis. 0 que está a indicar a conveniência de remode­

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lar o instituto, abrindo-lhe campo para melhor e maior aplicação". Já o igualmente saudoso Prof. Rubens Requião, por seu turno, observara (Ci/rso de direito comercial, 1o v., cit., p. 4823): "N a realidade, porém, o estilo lacônico da lei não resultou em grande prejuízo para as empresas que adotaram esse tipo societário com o sua estrutura jurídica. Ao revés, deixou, ao alvedrio dos sócios, regularem com o bem desejassem, dentro, evidentemente, dos princípios gerais que regem as sociedades comerciais em nosso direito, a vida societária, através das normas contratuais. Permite-se, assim, à livre criatividade dos empresários e dos juristas, a estruturação da vida social através da liberdade do contrato". • As lacunas e falhas do Decreto n. 3.708, de 10 de janeiro de 1919, no entanto, jamais impe­ diram que as sociedades limitadas crescessem e frutificassem admiravelmente em nosso meio. Basta ver que o número de firmas individuais e de sociedades por quotas de responsabilida­ de limitada ultrapassa, com facilidade, a casa dos 9 7 % das empresas registradas no País, segundo os dados do Departamento Nacional do Registro do Comércio. Aqueles problemas relativos à aplicação subsidiária da Lei de Sociedade por Ações às sociedades por quotas de responsabilidade limitada; à penhorabilidade ou nào das quotas sociais; à exclusão do sócio; à subscrição de quotas por menores e à sociedade entre marido e mulher, para ficar nos exemplos principais, foram progressivamente sendo resolvidos pela doutrina e jurisprudência pátrias, de molde a nào haver a menor dificuldade no dia a dia dos negócios. De toda sorte, as sociedades por quotas de responsabilidade limitada nào dispunham de uma estrutura própria, como ocorre no âmbito do direito comparado, regendo-se pelo Código Comercial, no que se referia à sua constituição; pela Lei de Sociedade por Ações, nos casos omissos no contrato social e no que fosse aplicável; e, fundamentalmente, pelo lacunoso Decreto n. 3.708, de 10 de janeiro de 1919. Diante desse contexto, não há dúvida de que uma nova disciplina normativa sobre as sociedades limitadas só poderá representar avanço e nào retrocesso, devendo ser cuidadosamente elaborada para que não ocorra a hipótese de ficar a emenda pior do que o soneto, com o se diz no jargão popular... 0 E. Professor M iguel Reale assim procurou justificar esse avanço (Exposição de M otivos de 1975, item 25. d): "M inucioso tra­ tamento dispensado à sociedade limitada, destinada a desempenhar função cada vez mais relevante no setor empresarial, sobretudo em virtude de transformações por que vêm pas­ sando as sociedades anônimas, a ponto de requererem estas a edição de lei especial, por sua direta vinculaçào com a política financeira do País. Nessa linha de ideia, foi revista a matéria, prevendo-se a constituição de entidades de maior porte do que as atualmente existentes, facultando-se-lhes a constituição de órgãos complementares de administração, com o o Conselho Fiscal, com responsabilidades expressas, sendo fixados com mais amplitude os po­ deres da assembleia de sócios". • A sociedade limitada é regulada pelas normas e disposições que lhe sào próprias (arts. 1.052 a 1.087), nào cabendo mais dúvidas quanto à questão da revogação do Decreto n. 3.708, de 10 de janeiro de 1919, por esses artigos, com o alguns chegaram erroneamente a ter. É evi­ dente ter ocorrido tal revogação, ainda que o art. 2.045 - em franca distonia com o que apregoa a Lei Complementar n. 95/98, com a nova redaçào que lhe foi dada pela Lei C om ­ plementar n. 107/2001, m andando a cláusula de revogação mencionar expressamente quais as leis que estão sendo revogadas - tenha omitido, lamentavelmente, a menção àquele nosso velho diploma. O Enunciado n. 74 da I Jornada de Direito Civil, com o ver-se-á abaixo, foi enfático a respeito. • Ocorrendo omissão ou falta de regra expressa que regule a organização da sociedade limita­ da e as relações dos sócios entre si ou diante de terceiros, devem ser aplicadas as normas das sociedades simples (arts. 997 a 1.038). No caso das sociedades empresárias, em particular daquelas com maior grau de complexidade organizacional e societária, o parágrafo único deste dispositivo estipula que, por cláusula expressa constante do contrato social, as lacunas e omissões das disposições que regem a sociedade limitada podem ser supridas, diretamente, pelas normas aplicáveis às sociedades anônim as (Lei n. 6.404/76). Esse parágrafo único está

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muito mais de acordo com a tradição de nosso direito societário do que o caput do artigo. A o estabelecer aquela que a sociedade limitada rege-se, nas omissões do capítulo IV que a regula, pelas normas da sociedade simples, quebrou uma tradição em nosso Direito que vinha funcionando muito bem e que mandava aplicar, nas omissões do Decreto n. 3.708/19, no que coubessem, as normas relativas às sociedades por ações. Relembre-se, a propósito, a redaçào do art. 18 do Decreto n. 3.708/19, segundo a qual "serão observadas quanto às sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, no que não for regulado no estatuto social, e na parte aplicável, as disposições da Lei das Sociedades Anônim as". Embora muita divergência tenha havido no que tange ao sentido e alcance desse dispositivo, tendo sobre ele se pronun­ ciado os mais destacados juristas do País, com o Waldemar Ferreira, Cunha Peixoto, Rubens Requiào e Egberto Lacerda Teixeira, a verdade é que, a pouco e pouco, a partir da classifica­ ção formulada por este último no sentido de considerar as norm as da Lei n. 6.404/76, relati­ vamente à sociedade por quotas de responsabilidade limitada, em imperativas (quando passaram a integrar a regulamentação legal das sociedades limitadas); supletivas (aplicáveis na omissão do contrato ou da lei); facultativas (ajustáveis ao contrato das limitadas por deliberação dos sócios); e, finalmente, as incompatíveis (inaplicáveis às sociedades limitadas por sua absoluta inadequação), foi essa subsidiariedade da lei acionária em relação à socie­ dade por quotas gradativamente assimilada, de molde a não mais existirem problemas de monta nos dias atuais. Esse cuidadoso, pioneiro e providencial estudo do Dr. Egberto Lacerda Teixeira, intitulado Repercussões da nova Lei das Sociedades Anônim as na vida das sociedades limitadas no Brasil, acha-se publicado na Revista de Direito Mercantil, n. 23, Nova Série, 1976, p. 151 a 157. • Assim, o deslocamento dessa subsidiariedade para as sociedades simples, com o consta do art. 1.053 do Código Civil vigente - ainda que o parágrafo único deste artigo tenha estabelecido a possibilidade de o contrato social da sociedade limitada prever a sua regência supletiva pelas normas da sociedade anônima poderá trazer mais problemas do que soluções, sendo recomendável que ocorra a supressão pura e simples deste art. 1.053. • Pode-se dizer, a salvo de equívoco, que se trata de uma radical mudança tanto em nossa tradição jurídica com o na própria sistemática do direito societário no Código vigente. Vejam-se, a propósito, as seguintes considerações do já citado Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Dr. Paulo de M oraes Penalva Santos, em palestra proferida sobre a matéria (Revis­ ta da Escola da M agistratura do Estado do Rio de Janeiro, número especial 2004, A n a is dos Sem inários EM ERJ Debate o N o vo Código Civil, Parte II, jul. 2002 a abr. 2003, p. 12 e 13): "A maioria absoluta das sociedades adota a forma de sociedade limitada, por uma vantagem extraordinária que é a ampla liberdade contratual. A liberdade contratual da sociedade li­ mitada justifica que todos, desde o pequeno comerciante, até as maiores empresas de capi­ tal estrangeiro, adotem a forma de sociedade limitada. Tome-se com o exemplo a IB M do Brasil, a Gillette do Brasil, a Gessy Lever, a Kolynos, a Ford, todas essas grandes empresas de capital estrangeiro utilizam a mesma sociedade que interessa ao pequeno comerciante. A vantagem, com o já dissemos, é a autonom ia da vontade das partes na elaboração do con­ trato social. E a análise de um contrato social dessas empresas multinacionais revela que, por vontade dos sócios, a sociedade se aproxima mais de uma S A do que das sociedades tradicionais do Código Comercial". E arrematou esse autor, ainda nos idos de 2002: "N o novo sistema que vigorará a partir de janeiro de 2003, nota-se que a lei aproxim ou a sociedade limitada da S.A. fechada, mas com uma contradição flagrante: determinou que, salvo dis­ posição contratual em contrário, aplica-se supletivamente a regra geral das sociedades simples (art. 1.053)". Uma das emendas retifieadoras, a que se fez referência linhas atrás, a cargo do saudoso Deputado Ricardo Fiuza, procurava corrigir exatamente essa "contradição flagrante", aludida pelo Dr. Penalva Santos. Dizia a justificativa que “a proposta pretende corrigir a aparente contradição no art. 1.053 que previa, simultaneamente, a regência su­ pletiva das sociedades limitadas pelas norm as das sociedades simples e das sociedades

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anônimas. É bem mais adequado que as omissões no regramento das limitadas sejam supri­ das pelas leis das sociedades anônim as do que pelas regras das sociedades simples, nào só pela maior afinidade entre limitadas e anônimas, como pelo fato de ser esta a tradição do direito brasileiro". Tal é a posição que, efetivamente, venho sustentando mesmo antes da entrada em vigor do novo diploma. • Abstive-m e de mencionar, nas edições anteriores - por parecer-me ser um ponto incontro­ verso em sede doutrinária a possibilidade de as sociedades limitadas terem, em sua adm i­ nistração, um Conselho de Administração, desde que os sócios, no contrato social, optem pela aplicação subsidiária das normas relativas às sociedades anônimas, consoante o parágrafo único deste art. 1.053. Tendo em vista a posição defendida pela E. Professora Titular de Di­ reito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Profa Paula Forgioni, no sentido de que as normas relativas às sociedades limitadas “completam-se sempre com aquelas gerais postas na disciplina das sociedades simples, e somente após chamam a 'regên­ cia supletiva* das sociedades anônim as (A Unicidade do Regramento Jurídico das Sociedades Limitadas e o art. 1.053 do CC. Usos e Costumes e Regência Supletiva, in Revista de Direito Mercantil n. 147, São Paulo, Malheiros, julho/setembro de 2007) - raciocínio que, conse­ quentemente, levaria à conclusão de nào ser possível a existência de Conselho de Adm inis­ tração nas sociedades limitadas, ex vi do disposto no art. 1.018, de um lado e no art. 1.060, caput, combinado com o art. 1.071, II, de outro - penso ser necessário enfatizar, nào obs­ tante a respeitável posição retroassinalada, que os óbices existentes à adoção do Conselho de Administração nas sociedades limitadas, conquanto existentes, podem ser removidos por uma construção exegética que compatibilize os vários dispositivos existentes sobre a matéria, conforme amplamente demonstrado pelo Prof. Paulo Fernando Campos Salles de Toledo, em artigo intitulado "A s Sociedades Limitadas Podem Ter conselho de Administração?", in Poder de Controle e Outros Temas de Direito Societário e M ercado de Capitais, São Paulo, Quartier Latin, 2010, obra coletiva coordenada por Rodrigo R. M onteiro de Castro e Luís André N. de M oura Azevedo, p. 357 e s.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 392, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Nas hipóteses do art. 1.077 do Código Civil, cabe aos sócios delimitarem seus contornos para compatibilizá-los com os princípios da preservação e da função social da empresa, aplicando-se, supletiva (art. 1.053, parágrafo úni­ co) ou analogicamente (art. 4» da LICC), o art. 137, § 3°, da Lei das Sociedades por Ações, para permitir a reconsideração da deliberação que autorizou a retirada do sócio dissidente". • Enunciado 223, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 parágrafo único do art. 1.053 não significa a aplicação em bloco da Lei n. 6.404/76 ou das disposições sobre a sociedade simples. 0 contrato social pode adotar, nas omissões do Código sobre as sociedades limitadas, tanto as regras das sociedades simples quanto as das sociedades anônimas". • Enunciado 222, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Não se aplica o art. 997, V, à sociedade limitada na hipótese de regência supletiva pelas regras das sociedades simples". • Enunciado 217, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Com a regência supletiva da sociedade limitada, pela lei das sociedades por ações, ao sócio que participar de deliberação na qual tenha interesse contrário ao da sociedade aplicar-se-á o disposto no art. 115, § 3o, da Lei n. 6.404/76. Nos demais casos, incide o art. 1.010, § 3o, se o voto proferido foi decisivo para a apro­ vação da deliberação, ou o art. 187 (abuso do direito), se o voto não tiver prevalecido". • Enunciado 74, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Apesar da falta de menção expres­ sa, como exigido pelas LCs 95/98 e 107/2001, estão revogadas as disposições de leis especiais que contiverem matéria regulada inteiramente no novo Código Civil, como, v. g., as disposições da Lei n. 6.404/76, referente à sociedade em comandita por ações, e do Decreto n. 3.708/1919, sobre sociedade de responsabilidade limitada".

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JULGADOS • "Direito comercial. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Garantia assinada por sócio a empresas do mesmo grupo econômico. Excesso de poder. Responsabilidade da sociedade. Teoria dos atos ultra vires. Inaplicabilidade. Relevância da boa-fé e da aparência. Ato negociai que retornou em benefício da sociedade garantidora. 1. Cuidando-se de ação de declaração de nuli­ dade de negócio jurídico, o litisconsórcio formado no polo passivo é necessário e unitário, razão pela qual, nos termos do art. 3 2 0 ,1, do CPC, a contestação ofertada por um dos consortes obsta os efeitos da revelia em relação aos demais. Ademais, sendo a matéria de fato incontroversa, não se há invocar os efeitos da revelia para o tema exclusivamente de direito. 2. Nào há cerceamento de defesa pelo simples indeferimento de produção de prova oral, quando as partes, realmente, litigam exclusivamente em torno de questões jurídicas, restando incontroversos os fatos narrados na inicial. 3. A partir do Código Civil de 2002, o direito brasileiro, no que concerne às sociedades limitadas, por força dos arts. 1.015, parágrafo único, e 1.053, adotou expressamente a ultra vires doctrine. 4. Contudo, na vigência do antigo Diploma (Decreto n. 3.708/19, art. 10), pelos atos ultra vires, ou seja, os praticados para além das forças contratualmente conferidas ao sócio, ain­ da que extravasassem o objeto social, deveria responder a sociedade. 5. No caso em julgamento, o acórdão recorrido emprestou, corretamente, relevância à boa-fé do banco credor, bem como à aparência de quem se apresentava como sócio contratualmente habilitado à prática do negócio jurídico. 6. Não se pode invocar a restrição do contrato social quando as garantias prestadas pelo sócio, muito embora extravasando os limites de gestão previstos contratualmente, retornaram, direta ou indiretamente, em proveito dos demais sócios da sociedade fiadora, não podendo estes, em absoluta afronta à boa-fé, reivindicar a ineficácia dos atos outrora praticados pelo gerente. 7. Recurso especial improvido" (STJ, 4* T., REsp 704.546/DF, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 1o6 - 2010 ). • "Agravo de instrumento. Execução ajuizada contra a empresa, da qual o agravante era sócio. Desconsideração da personalidade jurídica. Tese de que dela se retirou há mais de dois anos. Jun­ tada da ficha cadastral da Junta Comercial, provando a saida em 12-3-2007. Retirada superior a dois anos. Inteligência do parágrafo único do art. 1.003 do Código Civil. Aplicação da regra da sociedade simples à sociedade limitada (art. 1.053). Precedentes jurisprudenciais da Corte paulis­ ta. Recurso provido" (TJSP, 2 1 ' Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002993833, Rei. Des. Virgilio de Oli­ veira Júnior, j. em 12-5-2010). • "Dissolução parcial de sociedade. Prazo de pagamento e apuração de haveres. Sócio excluído com direito a recebimento dos valores referentes à sua quota e em um só pagamento. Arts. 1.031, § 2o, c.c. 1.053 do Código Civil. Ação ajuizada pelo sócio que permanece. Ausência de discordância do excluído. Sucumbência reciproca. Recursos desprovidos" (TJSP, 4» Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002532303, Rei. Des. Carlos Teixeira Leite Filho, j. em 27-8-2009). • “Apelação. Ação declaratória c.c. pedido de tutela antecipada. Julgou extinto o processo n. 158/2003. Art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Procedentes os pedidos cautelares n. 699/2003 e 399/2003. Extintos os processos com fundamento no art. 2 6 9 ,1, do Código de Processo Civil. Inconformismo. Descabimento. Art. 1.063, do Código Civil de 2002, parágrafo 1o que determina que a destituição do sócio administrador somente se opera com quotas correspondentes, no mínimo, a dois terços do capital social, salvo estipulação contratual diversa. No caso, a própria sentença ressalta ausên­ cia de estipulação contratual diversa. Destituição é matéria privativa da assembleia geral, no caso dos sócios cotistas da sociedade Ltda, e nâo há como negar vigência ao previsto no contrato social e no próprio artigo citado do Código Civil de 2002, não obstante a bem engendrada forma de cobrança de 4 0 % dos anúncios em beneficio da empresa LH Sertanejo Classe A Ltda., da qual são titulares o réu e seus filhos. Recurso desprovido" (TJSP, 8J Câm. de Dir. Priv., Acórdão 02102916, Rei. Des. Ribeiro da Silva, j. em 10-12-2008). • "Tributário. Processual civil. Devolução da carta citatória não cumprida. Indicio insuficiente de dissolução irregular da sociedade. Art. 8o, III, da Lei n. 6.830/80.1. A Primeira Seção desta Corte, no julgamento do REsp 736.879-SP, de relatoria do Ministro José Delgado, publicado em 19-122005, firmou entendimento no sentido de fortalecimento da regra contida no art. 135, III, do CTN, do qual se extrai a previsão de que, no caso das sociedades limitadas, os administradores respon­

Art. 1.054

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dem solidariamente somente por culpa, quando no desempenho de suas funções. 2 .0 instituto do redirecionamento configura exceção ao principio da autonomia da pessoa jurídica. Por esse prin­ cípio, a sociedade constitui-se em um ente distinto da pessoa dos sócios, e o seu patrimônio é responsável pelas dívidas societárias. 3. Pelo art. 135 do CTN, a responsabilidade fiscal dos sócios restringe-se à prática de atos que configurem abuso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos da sociedade. A liquidação irregular da sociedade gera a presunção da prática desses atos abusivos ou ilegais. 4. No caso de dissolução irregular da sociedade, esta Corte tem o enten­ dimento de que indícios de dissolução irregular da sociedade que atestem ter a empresa encerra­ do irregularmente suas atividades são considerados suficientes para o redirecionamento da exe­ cução fiscal. Contudo, não se pode considerar que a carta citatória devolvida pelos correios seja indicio suficiente para se presumir o encerramento irregular da sociedade. Não possui o funcio­ nário da referida empresa a fé pública necessária para admitir a devolução da correspondência como indicio de encerramento das atividades da empresa. 5. Infere-se, do art. 8o, III, da Lei n. 6.830/80, que, não sendo frutífera a citação pelo correio, deve a Fazenda Nacional providenciar a citação por oficial de justiça ou por edital, antes de presumir ter havido a dissolução irregular da sociedade. Recurso especial improvido" (STJ, 2*T., REsp 1.017.588/SP, Rei. Min. Humberto Martins, j. em 6-11-2008).

DIREITO PROJETADO • PL n. 6.960/2002, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza, atual PL n. 699/2011: Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capitulo, pelas normas da sociedade anônima.

Art. 1.054.0 contrato mencionará, no que couber, as indicações do a r t 997, e, se for o caso, a firma social. HISTÓRICO • 0 legislador manteve inalterada a norma constante do projeto original. 0 art. 2« do Decreto n. 3.708/19 remetia o conteúdo das cláusulas obrigatórias que deveriam constar do contrato social da sociedade limitada aos arts. 300 a 302 do Código Comercial de 1850.

DOUTRINA • Sào cláusulas obrigatórias que devem constar do contrato social da sociedade limitada (art. 997): a) o nome, a nacionalidade, o estado civil, a profissão e a residência dos sócios, se pes­ soas físicas, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; b) a denominação, o objeto, a sede e o prazo da sociedade; c) o capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; d) a quota de cada sócio no capital social e o modo de realizá-la; e) as pessoas físicas, ou jurídicas, incumbidas da administração da sociedade e seus poderes e atribuições; f) a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas. A sociedade limitada terá seu nome empresarial formado por firma social ou denominação. A firma social designará, quando for o caso, os sócios investidos dos poderes de representação e administração da sociedade. Se o nome empresarial da sociedade vier a ser formado por denominação, o contrato social indi­ cará a identificação da empresa ou sociedade, acrescido de seu objeto. Percebe-se não exis­ tir rigorosa simetria entre as características típicas das sociedades limitadas e as descritas no art. 997 (ao qual esse art. 1.054 faz inadequada remissão), relativas às sociedades simples. Preferível fora, portanto, que o legislador tivesse mencionado expressamente todos os requi­ sitos do contrato das limitadas, evitando dúvidas e esclarecimentos quanto à aplicação ou não de alguns dos incisos do art. 997, com o sucedeu no Enunciado 222 da III Jornada de Direito Civil, transcrito abaixo.

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Art. 1.055

• Assinalou-se que, por ocasião da análise da cabeça do art. 997, não obstante aquela disposi­ ção mencione a possibilidade de o contrato da sociedade simples ser celebrado tanto por instrumento particular como por escritura pública, a prática empresarial tem revelado a parca utilização desta última forma. Os contratos de sociedade, especialmente os destinados a constituir uma sociedade limitada, são elaborados, normalmente, por instrumento particu­ lar. A doutrina clássica sobre a matéria (Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, A sociedade por cota de responsabilidade limitada, Rio de Janeiro, Revista Forense, 1956, n. 90, p. 75; Egber­ to Lacerda Teixeira, D as sociedades por quotas de responsabilidade limitada, Sào Paulo, Quartier Latin, 2007, p. 89 a 92) sempre assinalou que o caráter público do contrato seria de rigor quando a entrada do sócio se realizasse em bens imóveis, para cuja transmissão a escri­ tura pública fosse da essência do ato. Tal ensinamento foi repetido durante muito tempo sem maiores investigações. M ais recentemente, porém, os atualizadores da retrocitada obra do Prof. Egberto Lacerda Teixeira, Syllas Tozzini e Renato Berger, assinalaram com precisão (p. 41-2): "Aqui entendemos ser plenamente viável e recomendada a aplicação subsidiária da Lei das S A , que no art. 89 dispensa expressamente a escritura pública. Nesse caso, o ato socie­ tário que indica a conferência do imóvel é suficiente para que a transferência da proprieda­ de no Registro de Imóveis competente seja efetuada, sem que seja lavrada adicionalmente uma escritura pública referente a tal transferência. 0 método é lógico e pode ser transpor­ tado para as limitadas sem qualquer dificuldade. Caso contrário, seria exigida uma escritura pública apenas para repetir o teor do ato societário no qual o imóvel foi conferido ao capital, o que realmente não traria qualquer vantagem para parte alguma". • Nào há confundir-se, por outro lado - embora tal matéria tenha muito mais pertinência com as sociedades por ações, cuja disciplina jurídica se encontra fora do âmbito do Código Civil constituição de sociedade por subscrição pública com constituição por subscrição particular realizada mediante escritura pública. A constituição de sociedade por subscrição pública está expressamente reservada às sociedades anônim as abertas por força das disposições constan­ tes do art. 2o, § 2o e § 3o, I, da Lei n. 6.385, de 7-12-1976.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 222, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “0 art. 997, V, não se aplica a sociedade limitada na hipótese de regência supletiva pelas regras das sociedades simples". • Enunciado 214, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "As indicações contidas no art. 997 não são exaustivas, aplicando-se outras exigências contidas na legislação pertinente, para fins de registro".

Seção II



Das quotas

Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio. § 1? Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidaria­ mente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade. § 2- É vedada contribuição que consista em prestação de serviços. HISTÓRICO • A redação deste dispositivo foi alterada no Senado Federal por emenda apresentada pelo Senador Gabriel Hermes, que suprimiu a distinção entre quotas primitivas e quotas posteriormente adqui­ ridas, que era tratada pelo art. 5o do Decreto n. 3.708/19. A mesma emenda instituiu, no enuncia­ do do § 1o do art. 1.055, o prazo de cinco anos para qualquer questionamento que possa ser

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oposto por sócio ou terceiro contra o valor de avaliação dos bens integralizados ao capital da sociedade. D O U T R IN A • Nelson Abrào (Sociedade por quotas de responsabilidade limitada, São Paulo, Saraiva, 8. ed., 2000, p. 78) ensina que “a palavra 'qu ota' é, inequivocamente, adotada no sistema legal brasileiro com a acepção de 'parte', 'porção', 'quinhão' de bens, com que o sócio contribui para a formação do capital social". Este seria, sem dúvida, o seu sentido genérico, isto é, "a entrada ou contingente de bens, coisas ou valores com o qual cada um dos sócios contribui ou se obriga a contribuir para a formação do capital social", tal com o assinalado por Egberto Lacerda Teixeira (D as sociedades por quotas de responsabilidade limitada, cit., p. 97). M as a palavra quota possui um sentido específico: o de fração do capital social de que é titular o sócio. Tal é o sentido da expressão "quotas" empregada nesse art. 1.055. • 0 capital da sociedade limitada é representado por quotas quantificadas de acordo com o montante total do capital dividido pelo número de quotas detidas por cada sócio. As quotas podem ser divididas de modo igualitário, isto é, quando todos os sócios sejam titulares do mesmo número de quotas, ou de modo desigual, quando algum sócio possua um número de quotas superior àquelas pertencentes aos demais, apresentando-se este, assim, com o sócio majoritário ou controlador. Se as quotas da sociedade limitada forem repartidas igualmente entre os sócios, nessa situação, temos a divisão do capital em quotas iguais. Contudo, se um sócio detiver maior quantidade de quotas do que os demais, então, nesse caso, a divisão das quotas será desigual. Quando o capital da sociedade limitada vier a ser integralizado em bens, móveis ou imóveis, todos os sócios assumem a responsabilidade solidária pela avaliação des­ ses bens, até o prazo de cinco anos da constituição da sociedade ou do registro correspon­ dente ao aum ento do capital. Na sociedade limitada, a integralizaçào do capital somente pode ser realizada por meio de dinheiro ou bens, sendo vedada, nos termos do § 2* do art. 1.055, qualquer contribuição sob a forma de serviços, trabalho ou indústria. E N U N C I A D O D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L -

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• Enunciado 224, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “A solidariedade entre os sócios da sociedade limitada pela exata estimação dos bens conferidos ao capital social abrange os casos de constituição e aumento do capital e cessa após cinco anos da data do respectivo registro". JU LG AD O • "Civil e processual civil. Ação de dissolução parcial de sociedade empresária. Forma de sociedade limitada. Capital e indústria. Vedação legal. Prova da formação do contrato. Verificação. Distribui­ ção de haveres. Cabimento. Pedido procedente. Sentença mantida. Recurso conhecido e nào provido. Após a edição do Código Civil de 2002, o ordenamento jurídico vigente não mais permi­ tiu a criação de sociedade empresária na forma de ‘capital e indústria*. Provada nos autos a composição social da sociedade limitada e não demonstrado que o capital social foi formado apenas com recurso de um único sócio, até porque a lei não permite a quota de indústria ou de serviço, cabe a dissolução parcial pedida por parte dos sócios dissidentes e a distribuição dos haveres. Recurso conhecido e não provido" (TJMG, 17* Cám. Civ., Processo 1.0024.07.444128-8/00, Rei. Des. Márcia de Paoli Balbino, j. em 2-4-2009).

Art. 1.056. A quota é indivisível em relação à sociedade, salvo para efeito de transfe­ rência, caso em que se observará o disposto no artigo seguinte. § 1? No caso de condomínio de quota, os direitos a ela inerentes somente podem ser exercidos pelo condômino representante, ou pelo inventariante do espólio de sócio falecido.

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Art. 1.056

§ T- Sem prejuízo do disposto no art. 1.052, os condôminos de quota indivisa respondem solidariamente pelas prestações necessárias à sua integralizaçáo. HISTÓRICO • Nenhuma modificação foi introduzida neste artigo na tramitação do projeto no Congresso Nacio­ nal. A matéria relativa à quota indivisa e ao exercício dos direitos de sócio em condomínio de quotas encontrava-se regulada pelo art. 6* do Decreto n. 3.708/19.

DOUTRINA • O caput do artigo estabelece serem as quotas indivisíveis em relação à sociedade, ressalvan­ do a hipótese de transferência, já contemplada, na verdade, em outras passagens. Assim, cada quota corresponde è menor fração em que se divide o capital, devendo ser representada por um número inteiro. A indivisibilidade das quotas não importa em sua intransferibilidade, porque as quotas, que têm natureza de bem móvel, podem ser transferidas, mediante aliena­ ção ou doação, a outros sócios ou a terceiros. Quando uma ou mais quotas pertencerem a mais de uma pessoa em condom ínio ou copropriedade, estaremos diante de uma situação de condom ínio de quotas, quando deverá ser designado, perante a sociedade, um representante do condomínio, que será obrigatoriamente o inventariante do espólio no caso da atribuição comum de quotas aos herdeiros de sócio falecido. A quota indivisa é aquela cujos direitos sào exercidos em copropriedade, existindo solidariedade entre os condôm inos pela respectiva integralizaçáo ao capital da sociedade. Nâo se deve confundir o condom ínio de quotas ou copropriedade de quotas com a associação ò quota, com o bem esclarece o Prof. Alfredo de Assis Gonçalves Neto [Lições de direito societário, 2. ed., Sào Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2004, p. 217), figura prevista na segunda parte do art. 3 3 4 do revogado Código Comercial de 1850, mas que continua sendo possível, à míngua de previsào expressa do Código Civil de 2002. Esclarece o retrocitado professor que, "nessa associação, o sócio, independentemente da anuência dos demais, ajusta com o terceiro o compartilhamento dos direitos inerentes à sua quota social. Trata-se de negócio jurídico entre o sócio e terceiro, do qual nào participam os demais sócios nem a sociedade. Sendo assim, essa avença nào é oponível à sociedade nem aos outros sócios. Perante a sociedade e seus sócios remanescentes, o terceiro, que se associa à quota do sócio, é absolutamente estranho: não é sócio nem pode exercer qualquer dos direitos inerentes ao status socii, como o de preferência na aquisição de quotas, o de haver dividendos, o de votar e assim por diante. 0 ajuste existe, apenas, entre o sócio e o terceiro e tem natureza meramente obrigacional. Se descumprido pelo sócio, que é e continuará sendo o titular exclusivo da quota, ao seu associado só resta exigir o cumprimento judicial do ajuste perante o sócio, sem qualquer possibilidade de acionar a sociedade". Veja-se, a propósito, o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria (RO M S 2.559/MT, Rei. Min. Waldemar Zveiter, DJ, 6-3-1995, p. 4353): "Sócio de Sociedade Limitada pode ceder parte de suas quotas a terceiros, parentes ou estranhos, estabelecendo com eles a cotitularidade das cotas, à revelia da sociedade. Todavia, nào podem tais condôm inos eri­ girem-se à condição de sócios à revelia dos demais cotistas. Nulo o ato judicial que averbou no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas que 5 0 % das cotas do sócio foram transferidos a seus filhos menores por força de partilha decorrente de separação judicial em respeito à integridade do princípio da affectio societatis (arts. 1.388, do Código Civil, e 334, do Código Comercial)".

JULGADO • "Apelação. Ação monitoria. Sentença que acolhe alegaçào de ilegitimidade passiva. Incontroverso que o pedido monitório baseia-se no valor dos cheques emitidos por uma das rés em decorrência de contrato de cessão de cotas firmado por ambas. Evidente, portanto, a ocorrência de condomí­

Art. 1.057

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nio de cotas entre as embargantes impondo-se, na falta de outra previsão contratual, a solidarie­ dade de ambas perante o cedente, conforme deflui do art. 264 do Código Civil de 2002. Omisso o contrato quanto à obrigação pelo pagamento das quotas que adquiriram em conjunto, a vontade das partes emerge do regime imposto ao condomínio de cotas. Perante a sociedade e aos sócios remanescentes, a responsabilidade é sempre solidária, conforme dispõe o § 2° do art. 1.056 do Código Civil de 2002. Ilegitimidade passiva da embargante afastada porque evidenciada sua res­ ponsabilidade solidária com sua irmã. Apelo que se dá provimento" (TSJP, 191 Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0003039112, Rei. Des. Ricardo José Negrão Nogueira, j. em 18-5-2010).

Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmen­ te, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social. Parágrafo único. A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes. HISTÓRICO • Este dispositivo manteve a redaçào constante do projeto original. 0 Decreto n. 3.708/19 não continha norma regulando a transferência de quotas nas sociedades limitadas. D O U T R IN A • Em princípio, o contrato social deve prever o modo e os critérios pelos quais os sócios podem transferir as quotas de sua propriedade, seja a outros sócios, seja a terceiros estranhos, ou até mesmo vedar a cessão das quotas. Com o a sociedade limitada possui características próprias às sociedades de pessoas, qualquer alteração na composição societária deve contar com a concordância dos demais sócios. Nada dispondo o contrato social a respeito da transferência de quotas, pode o sócio, mediante alienação, por doaçào ou sucessão testamentária, ceder suas quotas. Se a transferência ocorrer entre os sócios, esta se opera independentemente do consentimento dos demais sócios. Mas, se a cessão for em relação a terceiro, que ingressará na sociedade, a transferência somente poderá ser realizada com a anuência de sócios que representem três quartos do capital social. No caso de o sócio cedente ser titular de três quartos ou mais do capital social, a transferência pode ser feita sem necessidade de consen­ timento dos demais sócios. • Embora seja apenas na hipótese de om issão do contrato social que este artigo estabelece a possibilidade de o sócio ceder a sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, inde­ pendentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social - permitindo aos sócios, destarte, caso nào se satis­ façam com a norma legal, estabelecer regra diversa, de acordo com as suas conveniências - , a norma não parece ter sido das mais felizes. Claro está que a possibilidade de ser diferente­ mente regulada a matéria no contrato social sempre existirá, seja no momento da confecção deste, seja posteriormente, se assim o entenderem os sócios. M as a norma legal sempre exerce, também, uma função didática... Sob tal aspecto, seria de todo preferível que nào se permitisse a livre transferência de quotas sociais de um sócio para outro, independentemen­ te do conhecimento dos demais sócios. É preciso considerar, de um lado, que para se realizar a transferência de quotas será necessário alterar o contrato social por deliberação da maioria, parecendo conveniente que saibam os sócios da alteração pretendida para a melhor com po­ sição do interesse de todos. De outro lado, é curioso que se fixe o percentual de um quarto do capital social - e não da maioria dele - para que um estranho ingresse nos quadros sociais... Tal possibilidade parece contrariar, de forma frontal, o caráter predominantemente intuitu

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Art. 1.058

personae que sempre existiu nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada e que parece ter subsistido nas atuais sociedades limitadas, ainda que em menor grau... É igualm en­ te curioso que o Código tenha, neste artigo, optado pela expressão "estranho", enquanto no art. 1.061 - mais adiante analisado - por intermédio de emenda proposta no Senado, tenha se trocado justamente a expressão "estranhos" por “nào sócios", por parecer mais adequada ao verdadeiro sentido da norma... Estranho, no caso, significa n õo pertencente ao quadro social, isto é, o nõo sócio, e não uma pessoa desconhecida dos demais sócios, pois esse ter­ ceiro, estranho ao quadro social, pode ser pessoa conhecida e eventualmente amiga de todos eles... Parece-me, portanto, que, em ambas as hipóteses, esta última expressão - “não sócios" - estaria mais bem empregada. A eficácia jurídica da transferência das quotas depende da averbação da alteração do contrato social no registro público competente, para produção de efeitos perante terceiros. E N U N C I A D O S D A S J O R N A D A S D E D IR E I T O C I V I L -

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• Enunciado 391, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A sociedade limitada pode ad­ quirir suas próprias quotas, observadas as condições estabelecidas na Lei das Sociedades por Ações". • Enunciado 225, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Sociedade limitada. Instrumen­ to de cessão de quotas. Na omissão do contrato social, a cessão de quotas sociais de uma socie­ dade limitada pode ser feita por instrumento próprio, averbado no registro da sociedade, inde­ pendentemente de alteração contratual, nos termos do art. 1.057 e parágrafo único do Código Civil". JU LG AD O S • “Agravo de instrumento. Obrigação de fazer. Citação da sociedade na pessoa do sócio que consta de seus registros perante a Junta Comercial. Validade. Instrumento de cessão formalizado entre os sócios (retirantes e atuais) que não possui validade perante terceiros já que nâo levado a regis­ tro, condição essa essencial para que possa ter eficácia erga omnes. Inteligência dos arts. 1.003 e 1.057 do Código Civil. Citação válida. Recurso provido" (TJSP, 8* Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002910761, Rei. Des. Luiz Fernando Salles Rossi, j. em 31-3-2010). • “Sociedade limitada - Retirada de sócios, com transferência de suas quotas aos sócios remanes­ centes, que deixaram de pagar o quanto fora combinado pela cessão dos títulos e que se recusa­ vam a providenciar o que devido para averbação da competente alteração do contrato social Sentença a fazer as vezes da vontade dos réus - Recurso destes não provido" (TJSP, AC 283.834 4/6, Rei. Des. José Geraldo de Jacobina Rabello). • “Responsabilidade Civil - Cessão de quotas de sociedade limitada - Falta de arquivamento na junta comercial - Providência que cabia tanto aos cedentes como aos cessionários [Lei 8.934/94) e que autoriza exigir dos cessionários a suposta reparação por efeitos de execução fiscal - Supe­ ração da preliminar de ilegitimidade passiva, aplicando-se o a rt 515, § 3°, do CPC, para julgar improcedente a ação - Provimento para esse fim" (TJSP, Ap. 457.926-4/9, Rei. Ênio San Tarelli Zuliani).

Art. 1.058. Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas. H IS T Ó R IC O • Emenda de redação apresentada pelo Relator na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados substituiu a expressão "estranhos" por "terceiros", mais adequada à exata compre-

Art. 1.059

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ensâo do sentido da norma. 0 Decreto n. 3.708/19, no art. 7o, estabelecia procedimento idêntico em face da inadimplência de sócio na integralizaçào do capital.

DOUTRINA • Sócio remisso, com o já visto anteriormente no art. 1.004, é aquele que não adimpliu sua obrigação principal de integralizar o capital subscrito, na forma e nos prazos estabelecidos no contrato social. Quando o sócio não cumpre essa obrigação na forma e nos prazos previs­ tos, a sociedade pode, com o primeira opção - desde que o contrato social, preenchendo os requisitos do inciso II, do art. 585, do Código de Processo Civil, constitua título executivo extrajudicial - , executar o sócio remisso, cobrando-lhe o valor de sua contribuição em di­ nheiro, acrescida dos juros legais ou contratuais, além da multa eventualmente prevista para a hipótese. Também os sócios podem, com o segunda opção, subscrever e integralizar, entre si, as quotas do sócio remisso, ou, ainda, poderão admitir novo sócio, que assumirá a obriga­ ção de integralizar o capital que faltar. Se o sócio remisso já tiver integralizado. parcialmen­ te, o montante correspondente às quotas subscritas, a sociedade deverá devolver o valor pago, deduzido dos juros moratórios, de outras prestações ou danos que foram assumidos pela sociedade em decorrência da inadimplência do sócio remisso, mais as despesas realizadas com a cobrança do pagamento necessário à integralizaçào do capital.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 391, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “A sociedade limitada pode ad­ quirir suas próprias quotas, observadas as condições estabelecidas na Lei das Sociedades por Ações".

JULGADO • "Sociedade limitada. Exclusão de sócios. Descumprimento do dever de integralizar cotas subscritas. Fato que por si só justifica o pedido de exclusão, veiculado pela sociedade. Desnecessidade de previsão da hipótese no Contrato Social. Laudo pericial bem elaborado, inclusive de acordo com entendimento doutrinário e jurisprudencial. Apuração de haveres feita com base no patrimônio líquido da sociedade empresária. Argumentos expendidos pelo sócio recorrente que não infirmam as conclusões do expcrt. Ônus sucumbenciais que devem mesmo ser suportados, integralmente, pelos requeridos. Sociedade que nào restou vencida pelo fato de ter que efetuar o pagamento de haveres apurados aos sócios. Sentença de procedência mantida. Recurso desprovido" (TJSP, 1a Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002911021, Rei. Des. Carlos Augusto de Santi Ribeiro, j. em 30-3-2010).

Art. 1.059. Os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com prejuízo do capital. HISTÓRICO • 0 enunciado por esta disposição foi objeto de emenda de redação na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, para adequação da terminologia jurídica e aperfeiçoamento do conteúdo do projeto original. Regra praticamente idêntica encontrava-se prevista no art. 9* do Decreto n. 3.708/19.

DOUTRINA • Sendo a intangibilidade do capital social uma norma de ordem pública - a resguardar os direitos dos terceiros que contrataram com a sociedade levando em conta, nessa contratação, o montante do capital social - , nada mais lógico que se coíba a distribuição de lucros ine­ xistentes ou a retirada de valores, a qualquer título, com prejuízo ou desfalque do capital,

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mesmo que tal possibilidade esteja prevista no contrato social. Se prejuízos porventura exis­ tentes nos exercícios passados pudessem comprometer a solidez e a integridade do capital social, com o bem explicava Egberto Lacerda Teixeira (op. cit., p. 343), "só haverá lucro (no sentido de lucros partilháveis entre os sócios) depois que aquela perda tenha sido, inteira­ mente, compensada pelos proventos do exercício subsequente". O Código Penal brasileiro, aliás, tipifica com o criminosa a atitude de o diretor ou gerente de sociedade, em falta de balanço, ou em desacordo com este, ou ainda mediante balanço falso, distribuir lucros ou dividendos fictícios, consoante dispõe o inciso IV, § 1o, do art. 177.

Seção III



Da administração

Art. 1.060. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado. Parágrafo único. A administração atribuída no contrato a todos os sócios não se esten­ de de pleno direito aos que posteriormente adquiram essa qualidade. HISTÓRICO • Esta norma nào sofreu nenhuma alteração no processo legislativo no Código Civil de 2002. 0 Decreto n. 3.708/19, em seus arts. 10 a 14, estabelecia as disposições relativas à administração e gerência da sociedade limitada. D O U T R IN A • A administração da sociedade limitada compete aos sócios que forem designados com o ad­ ministradores pelo contrato social. A s regras relativas à sociedade limitada denominam, ge­ nericamente, administrador a pessoa investida dos poderes de representação e gestão da sociedade. Os sócios, todavia, no contrato social, dispõem de liberdade para nom inar o cargo de administrador, que pode ser denom inado diretor, presidente ou superintendente. A ex­ pressão “gerente", pelo Código atual, somente se aplica a prepostos subordinados aos órgãos de administração da sociedade (art. 1.172). Mediante ato em separado, geralmente por pro­ curação pública, os sócios podem também delegar os poderes de administração tanto a sócios como a terceiros não sócios, desde que autorizados pelo contrato. Na omissão do contrato, presume-se que cada sócio pode, isoladamente, exercer os poderes de representação e adm i­ nistração da sociedade (art. 1.013). Quando a administração da sociedade for atribuída, pelo contrato social, a todos os sócios, essa delegação somente tem efeito com relação aos sócios primitivos, que integravam a sociedade no momento de sua constituição. Assim, tal atribuição de poderes nào é extensiva a sócio que ingressar posteriormente, que somente poderá exer­ cer os poderes de administração se assim for expressamente autorizado pelo respectivo termo aditivo ao contrato social. Questão de relevo - e sobre a qual já se controverte após a edição do Código - diz respeito à possibilidade ou nào de haver um Conselho de Administração nas sociedades limitadas, a exemplo do que ocorre com as anônimas. Dentro da flexibilidade existente sob a égide do Decreto n. 3.708/19, parecia nào haver dúvida quanto a tal possibi­ lidade. Já no regime do Código atual, há os que, com o o Prof. A m old o Wald (op. cit., p. 404), entendem que a constituição de tal órgão "independe de permissão legal, na medida em que decorre da própria maleabilidade da organização das sociedades limitadas e, eventualmente, da aplicação supletiva da disciplina das sociedades por ações", concluindo que “a existência de Conselho de Administração em nada contraria as normas societárias, apenas reforça a flexibilidade da estrutura das limitadas". Mas, de outro lado, há os que levantam possíveis óbices a tal conclusão, como, v. g., o fazem os atualizadores da clássica obra de Egberto La­ cerda Teixeira, Drs. SylIasTozzini e Renato Berger, in verbis (op. cit., p. 158): “M as tal tese nào

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é livre de objeções. Lembrando de nossa explicação de que a aplicação de lei supletiva só se justifica quando nào há regulação completa da matéria no capítulo das limitadas, fortes argum entos poderiam apontar que o CC/2002 não comporta órgão deliberativo que não seja a assembleia/reunião de sócios. 0 próprio art. 1.071 menciona que serão objeto de delibera­ ção dos sócios aquelas matérias listadas na lei ou outras indicadas no contrato. Com isso, o sistema legal vigente reconheceria apenas um órgão de deliberação - a assembleia/reunião de sócios e nào haveria espaço para a criação de Conselho de Administração. Sendo assim, qualquer matéria que dependesse de deliberação, fosse por disposição legal ou contratual, teria de ser submetida aos sócios. A os administradores eleitos (que não devem ser confundi­ dos com conselheiros de um suposto Conselho de Administração) caberia executar as delibe­ rações dos sócios e tratar diretamente todas as demais matérias que não estivessem sujeitas a deliberação prévia". Para obviar tais dificuldades, referidos autores fazem a sugestão prá­ tica da criação de um Conselho Consultivo (e, portanto, sem nenhum caráter deliberativo), principalmente para aquelas sociedades limitadas em que os sócios sejam pessoas jurídicas estrangeiras, não interessadas em deliberar sobre os assuntos corriqueiros da sociedade, mas desejosas de que pessoas naturais não residentes no Brasil pudessem sobre eles opinar. Enfim, bem sopesados os argumentos, a conclusão de que existiria plena liberdade de criação do Conselho de Administração revela-se acertada, ao que parece, se tal órgão for integrado pelos próprios sócios da sociedade. Tratando-se de administradores nào sócios, mas apenas eleitos por estes, sua atuação circunscreve-se à execução das deliberações sociais e ao trata­ mento dos temas não sujeitos ao pronunciamento dos sócios, nào se podendo confundir tais funções com as de um conselheiro de um autêntico Conselho de Administração.

JULGADO • "Embargos de devedor. Endosso. Assinatura de apenas um dossócios-gerentes. Nulidades. Demons­ tração. Ônus do devedor. Endosso parcial. Inexistente. Portador de boa-fé. Inoponibilidade. Su­ posta irregularidade no endosso praticado por apenas um dos sócios-gerentes, não gera nulidade, por não se confundir com endosso parcial, que é aquele em que o endossante procura transmitir apenas parte da importância mencionada no titulo. Enquanto o gerente constitui um preposto de maior qualificação, incumbido de viabilizar o contato direto com alguns terceiros e cumprir dire­ trizes fixadas, o administrador, na qualidade de membro de um órgão da sociedade e tal qual exposto no art. 47 do Código Civil, fica investido com poderes contratuais para a prática de atos de gestào e representa a pessoa jurídica. Havendo a circulação da cártula, o princípio da inoponi­ bilidade de exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, que advém do principio maior da abstração, impede que o devedor ofereça resistência para o pagamento ao possuidor do titulo. Negou pro­ vimento" (TJMG, 9* Câm. Civ., Processo 1.0701.08.214559-3/001, Rei. Des. José Antônio Braga, j. em 20-1-2009).

DIREITO PROJETADO • A possibilidade de designação de pessoa jurídica como administrador vem sofrendo contestações, quer por contrariar a prática do direito societário brasileiro, na qual a pessoa jurídica sempre delegou seus poderes de administração a pessoas naturais, quer porque a necessidade de as pes­ soas naturais virem a figurar nos atos ou contratos torna-se inevitável, em algum momento, mesmo nos casos de a administração da sociedade ser exercida por pessoas jurídicas. Tal foi o motivo pelo qual o Deputado Ricardo Fiuza resolveu propor nova redação ao dispositivo, deixan­ do expresso que apenas as pessoas naturais podem ser administradoras da sociedade, tal como subentendido pela redação do art. 1.062 (cf. PL n. 6.960/2002, atual PL n. 699/2011). Sobre essa polêmica questão, veja-se, também, o comentário ao art. 1.062, infra.

Art. 1.061. A designação de administradores não sócios dependerá de aprovação da

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unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de 2/3 (dois terços), no mínimo, após a integralizaçào. • Redaçào dada pela Lei n. 12.375, de 30-12-2010.

H IS T Ó R IC O • A redaçào deste dispositivo foi modificada em virtude de emenda apresentada, no Senado Federal, pelo Senador Gabriel Hermes, que reduziu o quorum de aprovação necessário para a designação, como diretor, gerente ou administrador, de terceiro não sócio, de três quartos para dois terços dos votos de sócios titulares de quotas representativas do capital social. Na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, este artigo foi objeto de emenda de redação, para substi­ tuição da expressão "estranhos" por "não sócios", mais apropriada para exprimir o exato sentido da norma, conforme frisado anteriormente. A possibilidade de atribuição dos encargos de admi­ nistração a pessoa que não fosse sócia estava também prevista no art. 13 do Decreto n. 3.708/19, desde que não fosse vedado pelo contrato social. D O U T R IN A • Pela nova redação dada ao artigo pela Lei n. 12.375, de 30-12-2010, não há mais necessida­ de de que o contrato social expressamente autorize a delegação dos poderes de administra­ ção a terceiro não sócio, conforme dispunha a redação anterior do artigo. Pela atual redação, a designação de administradores não sócios dependerá, tão somente, da aprovação da una­ nimidade dos sócios, enquanto o capital nào estiver integralizado, e de 2/3 (dois terços), após a integralizaçào, percentuais esses que permaneceram idênticos aos que constavam na reda­ ção anterior deste dispositivo. D IR E I T O P R O J E T A D O • Sustentam alguns juristas que a exigência de quorum qualificado para designação de administra­ dores não seria conveniente, constituindo, mesmo, um entrave à atividade empresarial. Apesar de concordar com a filosofia do dispositivo, o Deputado Ricardo Fiuza entendeu ser de bom alvitre submeter a proposta de supressão da exigência à discussão e deliberação da Câmara dos Deputa­ dos (cf. PL n. 7.160/2002, arquivado).

Art. 1.062.0 administrador designado em ato separado investir-se-á no cargo median­ te termo de posse no livro de atas da administração. § l- Se o termo não for assinado nos trinta dias seguintes à designação, esta se tor­ nará sem efeito. § 2?- Nos dez dias seguintes ao da investidura, deve o administrador requerer seja averbada sua nomeação no registro competente, mencionando o seu nome, nacionalidade, estado civil, residência, com exibição de documento de identidade, o ato e a data da nome­ ação e o prazo de gestão. H IS T Ó R IC O • 0 § 2a deste artigo foi modificado durante a tramitação do projeto no Senado Federal, quando emenda de autoria do Senador Gabriel Hermes substituiu a expressão "registro de empresas" por "registro competente", uma vez que a sociedade limitada tanto pode adotar a forma de sociedade empresária como de sociedade simples. Não há correspondente na anterior legislação das socie­ dades limitadas (Decreto n. 3.708/19).

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DOUTRINA • Em princípio, o contrato social já deve indicar quais os sócios que ficarão investidos dos poderes de gestão e representação da sociedade. Todavia, se o contrato nào designar os ad­ ministradores, estes serão investidos mediante instrumento separado (ato de nomeação) e o administrador tomará posse na função mediante termo lavrado no livro de atas da adm inis­ tração, que deverá ser aberto e mantido pela sociedade limitada. 0 prazo para a posse do administrador investido por ato em separado é de trinta dias, findo o qual a designação perde o efeito, exigindo-se, então, nova indicação, do mesmo ou de outro gestor. No prazo de dez dias após a investidura na função, o administrador deve levar o ato de designação, que indicará o prazo de gestào, para averbação no registro competente. Questão polêmica - existente tanto no regime legal anterior ao Código Civil de 2002 quanto no posterior a este - diz respeito à possibilidade de a administração da sociedade limitada ser exercida ou não por pessoa jurídica. 0 art. 1.054, inserido entre as disposições preliminares do tipo ora em estudo, como já visto anteriormente, determina que o contrato da sociedade limitada "m en­ cionará, no que couber, as indicações do art. 997". 0 inciso VI desse art. 997, por sua vez, impõe que o contrato social mencionará “as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições", sugerindo que só as pessoas físicas possam ser administradoras. Também o § 2® do art. 1.062, ao mencionar os dados a serem apresentados pelo administrador ao requerer a averbação de sua nomeação no registro competente (nome, nacionalidade, estado civil, residência, documento de identidade etc.), todos eles próprios das pessoas físicas e nào jurídicas, teria reforçado a ideia da proibição de a administração da li­ mitada ser exercida por pessoas jurídicas. Tanto assim que o Prof. M odesto Carvalhosa (Comentóríos ao Código Civil, São Paulo, Saraiva, 2003, v. 13, p. 63-4) afirmou textualmente: "Se o novo Código tivesse permitido a nomeação de pessoa jurídica com o administrador, teria mencionado no § 2° do art. 1.062 elementos de qualificação próprios de pessoas jurídi­ cas". M a s o art. 1.060, como já foi visto, diz ser a sociedade limitada “administrada por uma ou mais p e ssoas designadas no contrato social ou em ato separado", sem nenhuma restrição a que tais pessoas sejam apenas pessoas físicas ou naturais... 0 mesmo poder-se-á dizer, ao que parece, em relação ao parágrafo único desse art. 1.060, que alude à administração atri­ buída no contrato a “todos os sócios", indistintamente... 0 Prof. Alfredo de Assis Gonçalves Neto (op. cit., p. 240-1), após admitir a possibilidade de a sociedade limitada ser administra­ da por pessoa jurídica - albergando nesse conceito não apenas as sociedades, mas também as associações e as fundações - , ao cabo da referência que faz aos dispositivos retromencionados, conclui peremptoriamente: “Em verdade, a regra do art. 997 do Código Civil dirige-se à sociedade simples e se aplica à sociedade limitada com as adaptações próprias do respec­ tivo regime jurídico - ou, mais precisamente, por fidelidade ao seu texto, ’no que couber'. Vai daí que, se o art. 1.060 refere-se à administração da limitada por uma ou mais pessoas, é evidente que nào a está limitando a pessoas naturais e a isso o inciso VI do art. 997 tem de se adequar". • Parece prevalecer, na prática, o primeiro entendimento. 0 Departamento Nacional de Regis­ tro de Comércio, pouco tempo após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, ao editar o M a n u al de A to s de Registro de Sociedade Limitada (Instrução Normativa n. 98/2003), deter­ minou às Juntas Comerciais que exigissem apenas a designação de pessoas naturais para os cargos de administradores, tendo sido a orientação acolhida pelo meio empresarial brasileiro. Tal tem sido também, pelo menos até o momento, a orientação predominante entre os espe­ cialistas na matéria.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 66, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A teor do § 2° do art. 1.062 do Código Civil, o administrador só pode ser pessoa natural".

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D IR E I T O P R O J E T A D O • Em projeto apresentado à Câmara, o Deputado Ricardo Fiuza propôs a simplificação da redação do art. 1.062, bem como a supressão da exigência de termo de posse para o administrador, o que implica também o fim da exigência do livro de atas. Pela sua proposta, o artigo em comento passaria a contar com a seguinte redaçào: Art. 1.062. O administrador designado cm ato separa­ do investir-se-á no cargo na data do ato de designação. M as a designação só produzirá efeitos perante terceiros depois de averbada no registro competente. Parágrafo único. O ato de desig­ nação mencionará o nome do administrador, nacionalidade, estado civil, domicilio, documento de identidade, a data da nomeação e o prazo de gestão (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado).

Art. 1.063.0 exercício do cargo de administrador cessa pela destituição, em qualquer tempo, do titular, ou pelo término do prazo se, fixado no contrato ou em ato separado, não houver recondução. § l- Tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somen­ te se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes, no mínimo, a dois terços do capital social, salvo disposição contratual diversa. § T- A cessação do exercício do cargo de administrador deve ser averbada no registro competente, mediante requerimento apresentado nos dez dias seguintes ao da ocorrência. § 3? A renúncia de administrador toma-se eficaz, em relação à sociedade, desde o momento em que esta toma conhecimento da comunicação escrita do renunciante; e, em relação a terceiros, após a averbação e publicação. H IS T Ó R IC O • O caput deste dispositivo, bem como o texto dos §§ 1o e 2°, vieram a ser alterados por emenda do Senador Gabriel Hermes. Na redação do caput, apenas foi modificada a locução adverbial “em qualquer tempo", quando a redação primitiva era "em qualquer momento". Os §§ 1o e 2o também foram modificados, para reduzir o quorum de deliberação da destituição do administrador de três quartos para dois terços dos votos dos sócios, assim como para indicar que a averbação da cessa­ ção do exercício e dos poderes de gestão deve ser feita no registro competente, uma vez que a sociedade simples também pode ser constituída sob a forma de sociedade limitada. 0 Decreto n. 3.708/19 não continha norma semelhante a respeito da destituição ou renúncia do gerente da sociedade limitada. D O U T R IN A • O silêncio do Decreto n. 3.708/19 acerca da revogação do mandato ou destituição do então gerente das sociedades por quotas suscitou intensa controvérsia a respeito da matéria, m o­ tivo pelo qual o legislador de 2002 terá tentado eliminá-la com a fixação de diferentes quóruns para que possa ocorrer a destituição dos administradores. M as é de perceptibilidade imediata que ele não terá sido muito feliz no trato da questão, principalmente quando se leva em conta que a lei deve ser clara, simples e inteligível para qualquer um do povo. Não parece ser, efetivamente, o que acontece... Principia a cabeça deste artigo por mencionar duas das form as - entre as três previstas no dispositivo - pelas quais cessa o exercício do cargo de administrador nas sociedades limitadas: 1») a destituição em qualquer tempo; 2») o térmi­ no do prazo do mandato sem que tenha havido a recondução ao cargo. A terceira forma vem contemplada no § 3» deste mesmo artigo: a renúncia. Na destituição a qualquer tempo, faz-se mister distinguir, quase mefistofelicamente, entre as várias situações possíveis, se se trata de administrador sócio ou de administrador não sócio; se se trata de sócio nomeado administrador no contrato social ou se ele foi nomeado por ato separado; se se trata de administrador não sócio nomeado administrador no contrato social ou se ele foi nomeado

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por ato separado; se quorum maior ou menor terá sido estabelecido no contrato social e assim por diante. Quando se trata de nom eação de administradores nào sócios, há que se levar em conta, igualmente, se o capital já está ou não integralizado... Os autores têm recor­ rido à confecção de um quadro sinóptico para explicar todas essas situações, pois teremos, para a nomeação de administradores sócios feita no contrato social, a necessidade de quorum de 2/3 do capital social, em principio, se quorum maior ou menor nào tiver sido estabelecido no contrato. Já a indicação de administradores sócios feita em ato separado, o quorum pas­ sa a ser menor: bastará mais da metade do capital social, de acordo com a leitura combinada do inciso II do art. 1.071 com o inciso II do art. 1.076. Para a nomeação de administrador nào sócio, o quorum será de 2/3 se o capital já estiver integralizado, passando a ser necessária a unanimidade do capital social, se o capital não estiver integralizado. Para a destituição de administrador não sócio, bastará o quorum de mais da metade do capital social (inciso III do art. 1.071 combinado com o inciso II do art. 1.076), sendo que para a destituição de adm inis­ trador sócio, esse quorum sobe para 2/3 do capital social (se quorum maior ou menor nào tiver sido estabelecido no contrato), de acordo com o § 1° deste art. 1.063, ainda sob análise. Quanto aos § § 2* e 38, cabe observar-se que, ocorrendo a cessação do exercício do cargo de administrador da sociedade, por término do prazo de gestão ou destituição, deve o ato res­ pectivo ser levado para averbação no registro competente. Já na hipótese de renúncia, esta tem eficácia em relação à sociedade com a simples comunicação escrita, mas somente terá eficácia perante terceiros após averbado o ato no registro competente e sucessivamente publicado na imprensa oficial e em jornal de grande circulação (art. 1.152, § 1°). • Ainda sobre o problema do quorum de deliberação nas limitadas, v. comentários ao art. 1.076, infra.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 489, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 1.043, II, 1.051,1.063, §3°, 1.084, § 1», 1.109, parágrafo único, 1.122,1.144,1.146,1.148 e 1.149 do Código Civil; e art. 71 da Lei Complementar n. 123/2006. No caso da microempresa, da empresa de pequeno porte e do microempreendedor individual, dispensados de publicação dos seus atos (art. 71 da Lei Comple­ mentar n. 123/2006), os prazos estabelecidos no Código Civil contam-se da data do arquivamen­ to do documento (termo inicial) no registro próprio".

JULGADOS • "Anulatória. Deliberação social. Exigência de unanimidade não cumprida. Pedido que deve ser feito em Juízo. Retorno do autor à administração da empresa. Recurso do autor provido e preju­ dicado o recurso dos réus" (TJSP, 91 Câm. de Dir. Priv., Acórdão 00029502801, Rei. Des. José Luiz Gavião de Almeida, j. em 30-3-2010). • "Sociedade. Destituição. 0 fato de não mais ser administrador não impede o agravante de fisca­ lizar a sociedade. Recurso improvido" (TJSP, 9* Câm. de Dir. Priv., Acórdão 02724655, Rei. Des. José Luiz Gavião de Almeida, j. em 24-11-2009). • "Apelação. Ação deelaratória c.e. pedido de tutela antecipada. Julgou extinto o processo n. 158/2003. Art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Procedentes os pedidos cautelares n. 699/2003 e 399/2003. Extintos os processos com fundamento no art. 2 6 9 ,1, do Código de Processo Civil. Inconformismo. Descabimento. Art. 1.063, do Código Civil de 2002, § 1° que determina que a destituição do sócio administrador somente se opera com quotas correspondentes, no mínimo, a dois terços do capital social, salvo estipulação contratual diversa. No caso, a própria sentença ressalta ausência de estipulaçâo contratual diversa. Destituição e matéria privativa da assembleia geral, no caso dos sócios cotistas da sociedade Ltda., e não há como negar vigência ao previsto no contrato social e no próprio artigo citado do Código Civil de 2002, não obstante a bem engendrada forma de cobran­ ça de 4 0 % dos anúncios em beneficio da empresa LH Sertanejo Classe A Ltda., da qual são titula-

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res o réu e seus filhos. Recurso desprovido" (TJSP, 8J Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002102916, Rei. Des. José Aguiar Pupo Ribeiro da Silva, j. em 10-12-2008).

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.064.0 uso da firma ou denominação social é privativo dos administradores que tenham os necessários poderes. HISTÓRICO • A redação desta norma é a mesma do projeto original. 0 art. 13 do Decreto n. 3.708/19 regulava o uso da firma social pelos sócios-gerentes na sociedade limitada.

DOUTRINA • O conteúdo deste artigo parece ser de uma pobreza franciscana. Dizer, com efeito, que o uso da firma ou da denominação social vem a ser ato privativo dos administradores com poderes para tanto só serve para explicitar o óbvio: ou que os sócios não administradores nào podem usar a firma ou a denominação social - já que se trata de ato privativo dos administradores que tenham poderes para isso - , ou que os administradores, ainda que regularmente inves­ tidos em seus cargos, nào podem fazer uso da firma ou da denominação social, se nào rece­ beram expressos poderes para tal uso. O texto do artigo, assim, passa a latere do âm ago da questão que é a exata determinação dos direitos e deveres dos administradores das socieda­ des limitadas e o regime jurídico de sua responsabilidade. A doutrina clássica distingue os atos de abuso de poder (abus de pouvoii), de abuso do direito (obus de droit) e de desvio de finalidade ou de poder (détournement de pouvoii). Problema dos mais delicados, com efeito, é precisar, com segurança, quando o ato praticado ou o negócio celebrado é ou nào no in­ teresse da sociedade, se é ou não estranho ao objeto social. Trata-se do punctum saliens de que nos falava Waldemar Ferreira (Tratado de sociedades mercantis, Sào Paulo, Freitas Bas­ tos, 1954, v. 1, p. 214 e s.) e tão bem exposto por Egberto Lacerda Teixeira (D as sociedades por quotas de responsabilidade limitada, São Paulo, Quartier Latin, 2007, p. 119): “Ora é extremamente difícil no curso normal das transações traçar, com segurança e rapidez, em cada caso concreto, a linha demarcatória entre atos que se compreendem e atos que nào se compreendem dentro do 'negócio designado no contrato'. Daí a orientação propugnada por Carvalho de M endonça no trecho acima transcrito e cristalizada na legislação de vários paí­ ses, no sentido de declarar inválidas, em relação a terceiros, as restrições ou limitações feitas no contrato social ao emprego da firma pelos gerentes da sociedade", prosseguindo no sen­ tido de ser a questão delicada “porque requer a fixação de um ponto de equilíbrio entre os justos e legítimos interesses dos sócios que estabelecem, no seu contrato social, as normas de atuação externa dos gerentes, de um lado, e os reclamos de segurança e validade dos negócios celebrados pelos gerentes com terceiros de boa-fé, de outro". E nos arremata: “Impõe-se indagar até que ponto as limitações estatutárias quanto à competência dos ge­ rentes (assinaturas conjuntas, autorização prévia da assembleia geral de quotistas, etc.) devem ceder em face da proteção devida aos terceiros que de boa-fé negociaram com o órgão de representação da sociedade". • Tão judiciosas considerações servem para mostrar a insuficiência deste art. 1.064 no trato da matéria. Será necessário verificar, então, nos casos concretos que se apresentarem no “m un­ do da vida", se a sociedade limitada estará regida, supletivamente, pelas norm as atinentes à sociedade simples ou, se assim dispuser o contrato social, subsidiariamente pela Lei das S o ­

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ciedades por Ações. Na 1* hipótese, há que se atentar, principalmente, para o disposto nos incisos I, II e III do parágrafo único do art. 1.015 do Código Civil, já analisado anteriormente, sem prejuízo de eventual exame dos arts. 1.011, 1.013, 1.014, 1.016 e 1.017, relativos, res­ pectivamente, ao dever de diligência do administrador no desempenho de suas funções, à atuação conjunta ou separada dos administradores da sociedade, à responsabilidade solidária dos administradores perante a sociedade e perante os terceiros prejudicados e, ainda, è atu­ ação do administrador que agir em conflito de interesses com a sociedade. Na 2* hipótese, deverão ser aplicadas, quando cabíveis, as disposições constantes dos arts. 153 a 158 da Lei n. 6.404/76, que tratam, respectivamente, do dever de diligência, das finalidades das atribui­ ções e desvio de poder, do dever de lealdade, do conflito de interesse, do dever de informar e da responsabilidade dos administradores. No que se refere às formalidades de representação, há de ser aplicado o art. 144 da referida lei.

Art. 1.065. Ao término de cada exercício social, proceder-se-á à elaboração do inventá­ rio, do balanço patrimonial e do balanço de resultado econômico. HISTÓRICO • Nenhuma alteração foi promovida no enunciado desta norma na tramitação do projeto no Con­ gresso Nacional. 0 Decreto n. 3.708/19 nada dispunha sobre a contabilidade e a elaboração do balanço patrimonial na sociedade limitada, obrigações estas que eram reguladas pelos arts. 10 a 14 do Código Comercial de 1850. D O U T R IN A • Sobre os três docum entos previstos neste artigo - inventário, balanço patrimonial e balanço de resultado econômico - assinalou o Prof. Nelson Abrào (Sociedade por quotas de respon­ sabilidade limitada, 8. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, p. 141), in verbis: "Triparte-se a verten­ te erigida no contexto da legislação, uma vez que dela emerge a realidade do balanço, inven­ tário e a resultante do resultado econômico, vislum brando-se uma sintomática situação na qual a empresa procederá à radiografia econômico-financeira de sua atividade, com o de­ sencadear de todo o empreendimento, mantendo dados atualizados que facilitam a consulta e o acesso na conseqüente realização dos negócios". • Constitui princípio fundamental do direito societário que os administradores devem prestar contas dos atos da administração, em particular no que tange aos resultados anuais da so ­ ciedade para conhecimento dos demais sócios. Assim, essa norma expressamente prevê a obrigatoriedade de levantamento do balanço patrimonial no encerramento de cada exercício anual, devendo ser realizado o inventário físico dos bens do ativo da sociedade e a elaboração das contas de resultado econômico, representadas pelas demonstrações financeiras do res­ pectivo exercício. Os arts. 1.179 a 1.195 do Código Civil estabelecem as normas gerais de contabilidade e escrituração aplicáveis às sociedades empresárias. • A expressão "balanço de resultado econôm ico" não encontra nenhuma referência quer na Lei das Sociedades por Ações, quer na doutrina ou na jurisprudência, que apenas aludem às demonstrações financeiras da sociedade. Esta é a compreensão que deve ser dada a tal m o­ dalidade de balanço, assim como, conforme já frisado por ocasião dos comentários ao art. 1.020, retro, há de se entender que demonstrações financeiras sào demonstrações contábeis e compreendem o balanço patrimonial, a demonstração de lucros ou prejuízos acumulados, a demonstração do resultado do exercício e a demonstração das origens e aplicações de re­ cursos, todas previstas no Capítulo XV da Lei n. 6.404/76. • Sobre as sociedades limitadas de grande porte, vide comentários ao art. 1.052, in fine.

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Art. 1.066

D IR E I T O P R O J E T A D O • Por essas razões e para espancar qualquer dúvida de interpretação, foi apresentado pelo Deputa­ do Ricardo Fiuza à Câmara dos Deputados projeto de lei no qual propôs, ao artigo em comento, a seguinte nova redação: Art. 1.065. Ao término de cada exercício social, proceder-se-ó à elabora­ ção do balanço patrimonial e demais demonstrações financeiras da sociedade (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado).

Seção IV



Do conselho fiscal

Art 1.066. Sem prejuízo dos poderes daassem bleia dos sócios, pode o contrato instituir conselho fiscal composto de três ou mais membros e respectivos suplentes, sócios ou não, residentes no País, eleitos na assembleia anual prevista no a r t 1.078. § \-N ão podem fazer parte do conselho fiscal, além dos inelegíveis enumerados no § 1? do a r t 1.011, os membros dos demais órgãos da sociedade ou de outra por ela controlada, os empregados de quaisquer delas ou dos respectivos administradores, o cônjuge ou paren­ te destes até o terceiro grau. § T- É assegurado aos sócios minoritários, que representarem pelo menos um quinto do capital social, o direito de eleger, separadamente, um dos membros do conselho fiscal e o respectivo suplente. H IS T Ó R IC O • O contido nesta disposição mantém praticamente a mesma redação constante do projeto original. A única modificação relevante se deu no § 2°, que teve substituída a expressão “sócios dissidentes" por "sócios minoritários" por meio de emenda de redação na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, para melhor expressão do sentido da norma, uma vez que nem sempre os sócios minoritários podem ser considerados como dissidentes. A antiga lei das sociedades limi­ tadas (Decreto n. 3.708/19) nâo previa o funcionamento de conselho fiscal, órgão que é próprio das sociedades por ações (Lei n. 6.404/76). D O U T R IN A • Sem prejuízo do poder fisealizador inerente è assembleia dos sócios quotistas ou è reunião destes, poderá o contrato constitutivo das sociedades limitadas - especialmente daquelas que, com número relativamente expressivo de sócios, possuírem estrutura mais complexa instituir um conselho fiscal com competência para fiscalizar os atos dos administradores da sociedade. Tal órgão deverá ter um mínimo de três membros, não prevendo esta disposição limite máximo. Os integrantes do conselho fiscal serão escolhidos e eleitos em votação dos sócios que representem a maioria do capital social (art. 1.076), para o exercício de mandato anual, por ocasião da realização da assembleia geral ou da reunião dos sócios. Esclareça-se, desde já, sem embargo dos comentários a serem feitos ao § 1* do art. 1.072, logo mais adian­ te, que as assembléias gerais são obrigatórias para as sociedades limitadas que tenham mais de dez sócios. A limitada com menos desse número - e, portanto, dispensada de operar com a convocação da assembleia geral - poderia instituir o conselho fiscal? A resposta, ao que parece, só poderá ser positiva, pois a assembleia geral é órgão de natureza deliberativa, ca­ bendo o mesmo papel á reunião dos sócios. Já o conselho fiscal é órgão de natureza fiscalizadora, podendo ser útil ou até mesmo indispensável, em determinadas situações, indepen­ dentemente de a limitada deliberar por meio da assembleia geral ou por reunião de sócios. Os membros do conselho fiscal devem ter domicílio e residência no País, podendo ser esco­ lhidos entre os sócios ou terceiros não sócios. Aplicam -se aos membros do conselho fiscal os

Arts. 1.067 e1.068

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mesmos impedimentos e proibições para o exercício da atividade de empresário referidos no § 1» do art. 1.011 deste Código. Os sócios minoritários da sociedade, que representem um quinto do capital social, têm o direito de eleger, por meio de votaçào em separado, um dos conselheiros do órgão de fiscalização dos atos da administração. 0 conselho fiscal, todavia, é considerado com o órgão subordinado e auxiliar da assembleia dos sócios, que é a instância deliberativa superior da sociedade, com poderes para aprovar ou rejeitar os pareceres emiti­ dos pelo órgão de fiscalização. D IR E I T O P R O J E T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.067.0 membro ou suplente eleito, assinando termo de posse lavrado no livro de atas e pareceres do conselho fiscal, em que se mencione o seu nome, nacionalidade, estado civil, residência e a data da escolha, ficará investido nas suas funções, que exercerá, salvo cessação anterior, até a subsequente assembleia anual. Parágrafo único. Se o termo não for assinado nos trinta dias seguintes ao da eleição, esta se tom ará sem efeito. H IS T Ó R IC O • A redação da norma é a mesma do projeto original. Não existia disposição semelhante no Decre­ to n. 3.708/19. A organização e o funcionamento do conselho fiscal nas sociedades anônimas encontram-se regulados nos arts. 161 a 165 da Lei n. 6.404/76.

DOUTRINA • A sociedade limitada que constituir conselho fiscal deverá manter livro de atas e pareceres para registro das suas decisões e processos formais. Nesse livro, será registrada a posse dos membros integrantes do conselho, que exercerão mandato pelo prazo de um ano, cabendo à assembleia geral dos quotistas reconduzir os conselheiros ou eleger novos fiscais. 0 caput deste artigo prevê que o conselheiro poderá deixar de cumprir integralmente seu mandato, seja por renúncia ou por destituição, em decisão de sócios que representem a maioria do capital social (art. 1.076). A partir da eleição do membro do conselho fiscal na assembleia geral anual dos quotistas, este deverá tomar posse no prazo de trinta dias, sob pena de ine­ ficácia do ato de indicação, cabendo, nesse caso, a eleição de um novo conselheiro em as­ sembleia extraordinária. D IR E I T O P R O J E T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.068. A remuneração dos membros do conselho fiscal será fixada, anualmente, pela assembleia dos sócios que os eleger. H IS T Ó R IC O • A disposição não foi objeto de nenhuma alteração, ficando mantida a redação do projeto original. Sem paralelo em face do Decreto n. 3.708/19.

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Art. 1.069

D O U T R IN A • A função de membro do conselho fiscal na sociedade limitada deve ser remunerada, ainda que tal remuneração seja meramente simbólica, com o é recorrente na prática empresarial brasileira. Compete à assembleia geral ou à reunião dos quotistas fixar, a cada ano, o valor dessa remuneração, em princípio vinculada ao efetivo comparecimento do titular ou suplen­ te às sessões do conselho, a título de gratificação de representação em órgão colegiado, que geralmente adota a denominação de jeton. O § 3® do art. 162 da Lei n. 6.404/76, com a re­ daçào que lhe foi dada pela Lei n. 9.457/97, estabelece a obrigatoriedade do reembolso das despesas de locomoção e estadas necessárias ao desempenho da função, além da remunera­ ção previamente estabelecida. D IR E I T O P R O J E T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.069. Além de outras atribuições determinadas na lei ou no contrato social, aos membros do conselho fiscal incumbem, individual ou conjuntamente, os deveres seguintes: I — examinar, pelo menos trimestralmente, os livros e papéis da sociedade e o estado da caixa e da carteira, devendo os administradores ou liquidantes prestar-lhes as informações solicitadas; II — lavrar no livro de atas e pareceres do conselho fiscal o resultado dos exames re­ feridos no inciso I deste artigo; III — exarar no mesmo livro e apresentar à assembleia anual dos sócios parecer sobre os negócios e as operações sociais do exercício em que servirem, tomando por base o ba­ lanço patrimonial e o de resultado econômico; IV — denunciar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, sugerindo providências úteis à sociedade; V — convocar a assembleia dos sócios se a diretoria retardar por mais de trinta dias a sua convocação anual, ou sempre que ocorram motivos graves e urgentes; VI — praticar, durante o período da liquidação da sociedade, os atos a que se refere este artigo, tendo em vista as disposições especiais reguladoras da liquidação. H IS T Ó R IC O • Esta norma nào foi objeto de emenda durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. O Decreto n. 3.708/19 nada previa sobre o funcionamento e atribuições do conselho fiscal na socie­ dade limitada.

D O U T R IN A • Nào obstante o caráter de órgão colegiado do conselho fiscal, conforme assinalado por M i­ randa Valverde (Sociedade por ações, 2. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1953, v. 2, p. 348), sendo suas decisões tomadas por maioria de votos, as atividades de membro do conselho fiscal, na sociedade limitada, tanto podem ser exercidas em conjunto quanto individualmente. Todos eles têm o dever de comunicar e denunciar os atos praticados pelos administradores que estejam causando prejuízos à sociedade, sejam meros erros eventualmente cometidos, sejam atos mais graves de fraude ou de crime. A cada trimestre, pelo menos, o conselho fiscal deverá examinar os docum entos contábeis e os balancetes levantados, analisar as dis­ ponibilidades de caixa e os contratos e carteiras de negócios realizados e a realizar pela so­

Art. 1.070

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ciedade. No encerramento do exercício anual, os administradores devem apresentar os de­ monstrativos e resultados contábeis, financeiros e patrimoniais da sociedade, podendo ser adotados, caso assim esteja previsto no contrato social, os mesmos demonstrativos e relató­ rios contábeis aplicáveis às sociedades anônim as (Lei n. 6.404/76, arts. 175 a 188). Se a as­ sembleia ou a reuniào anual de quotistas não for convocada e realizada no prazo contratual, por omissão da administração, ou em se verificando qualquer fato grave ou urgente que demande deliberação do órgão máximo da sociedade, qualquer membro do conselho fiscal poderá expedir aviso de convocação dirigido a todos os sócios. 0 conselho fiscal nào será extinto na hipótese de a sociedade iniciar processo de liquidação, mas deverá funcionar até o encerramento da liquidação, exercendo os poderes de fiscalização que lhe são próprios. D IR E I T O P R O J E T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.070. As atribuições e poderes conferidos pela lei ao conselho fiscal não podem ser outorgados a outro órgão da sociedade, e a responsabilidade de seus membros obedece à regra que define a dos administradores (art. 1.016). Parágrafo único. O conselho fiscal poderá escolher para assisti-lo no exame dos livros, dos balanços e das contas, contabilista legalmente habilitado, mediante remuneração apro­ vada pela assembleia dos sócios. H IS T Ó R IC O • O enunciado da norma permaneceu inalterado, restando mantida sua redação primitiva. O Decre­ to n. 3.708/19 não continha nenhuma disposição sobre a existência de conselho fiscal na socie­ dade limitada. D O U T R IN A • Se a sociedade limitada constituir e mantiver em funcionam ento o conselho fiscal, suas atribuições sào privativas, ou seja, não podem ser delegadas a qualquer outro órgão societá­ rio, apenas se subordinando às deliberações soberanas da assembleia ou reunião dos quotis­ tas. Os membros do conselho fiscal, no exercício de suas funções, respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados por culpa no desempenho de suas funções, tal como preceitua o art. 1.016. A sociedade limitada não é obrigada a contratar empresa de auditoria ou contador para a verificação da regularidade dos balanços e demonstrações fi­ nanceiras elaborados pela administração, tendo a faculdade de contratar empresa ou profis­ sional de contabilidade para assessorar seus trabalhos de fiscalização. À assembleia ou reunião de quotistas cabe decidir sobre a remuneração a ser paga ao contratado para esse fim, bem como, na condição de órgão soberano, decidir sobre os demais aspectos relativos à contra­ tação. JU LG AD O • “Agravo de instrumento. Cautelar de arresto. Cooperativa de crédito. Desconsideração de perso­ nalidade jurídica. Responsabilização de membros do Conselho Fiscal. Possibilidade. Responsabili­ zação civil dos conselheiros fiscais segue a regra dos administradores. Conselho Fiscal é o órgão que fiscaliza as contas e a atuação dos administradores, velando pela legalidade destes, denun­ ciando à assembleia eventuais irregularidades cometidas, sob pena de com estes responder soli­ dariamente. Agravo provido" (TJSP, 24* Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002766902, Rei. Des. Luiz Augusto de Salles Vieira, j. em 13-12-2009).

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Seção V f)



Art. 1.071

Das deliberações dos sócios

Emenda da autoria do Senador Gabriel Hermes promoveu alteração no titulo da presente seção, que originariamente era denominada “Da assembleia dos sócios". A substituição proposta pela emenda era de melhor técnica, uma vez que nem sempre é obrigatória a realização de assembleia. Portanto, quando a lei fala em deliberação inclui tanto a reunião quanto a assembleia, e quando se refere expressamente sobre a assembleia apenas está falando deste tipo de deliberação. Convém lembrar que a permanência da designação “as­ sembleia" poderia sugerir a ideia de tratar-se de órgão permanente da sociedade. Além disso, as deliberações dos sócios só devem ser obrigatoriamente tomadas em assembleia geral nos casos em que a limitada possua mais de dez sócios.

Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato: I — a aprovação das contas da administração; II — a designação dos administradores, quando feita em ato separado; III — a destituição dos administradores; IV — o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato; V — a modificação do contrato social; VI — a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação; VII — a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas contas; VIII — o pedido de concordata. HISTÓRICO • A redação da norma é a mesma do projeto original. A anterior legislação da sociedade limitada nada previa sobre a forma e o conteúdo das deliberações dos sócios em reunião ou assembleia de quotistas. Por remissão do art. 18 do Decreto n. 3.708/19, era facultado à sociedade limitada constituir assembleia de quotistas, estruturada de acordo com as normas da lei das sociedades anônimas (Lei n. 6.404/76, arts. 121 a 137). D O U T R IN A • 0 dispositivo disciplina o processo de deliberação dos sócios nas matérias de maior interesse da sociedade, ficando a administração subordinada e devendo cumprir as decisões superiores emanadas do conjunto de sócios. Os incisos I a VIII mencionam os temas que, obrigatoria­ mente, devem ser objeto de deliberação pelos sócios. Tal enumeração não é taxativa, em num erus clausus, mas exemplificativa, em num erus apertus, podendo o contrato fixar outras matérias que somente podem ser decididas em reunião ou assembleia de quotistas. Assinale-se que, com o advento da Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, em vigor, no Brasil, desde 9 de junho daquele mesmo ano, deixaram de existir as figuras da concordata preven­ tiva e suspensiva, havendo, em seu lugar, os institutos da recuperação judicial e extrajudicial. Assim, tanto no inciso VIII deste art. 1.071 quanto nos demais dispositivos do Código Civil de 2002 nos quais a figura prevista é a da concordata, deve-se entender a referência como sendo a dos novos institutos da recuperação judicial e extrajudicial, pois não há dúvida de que eles foram o grande sucedâneo escolhido pelo legislador de 2005 da velha e desgastada figura da concordata. Diz-nos a respeito o Relatório do Senador Ramez Tebet: “Em lugar da atual concordata - um regime ao qual poucas empresas conseguem sobreviver e que tem como desfecho mais freqüente a decretação da falência - criam-se as opções da recuperação

Art. 1.072

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extrajudicial e da recuperação judicial. No primeiro caso, propomos um modelo em que não seja compulsória a participação de todos os credores e em que apenas os mais relevantes sejam chamados a renegociar seus créditos, de form a a perm itir a reestruturação da em pre­ sa sem com prom etim ento das características, prazos e valores dos créditos pertencentes aos demais credores. Na recuperação judicial, um processo mais form al e realizado sob controle da Justiça, os credores devem form ar maioria em torno de um plano de recuperação. Se o plano não fo r aprovado ou não atingir suas metas de recuperação, aí sim caberá ao ju iz de­ cretar a falência". • Assinale-se, porém, como já anotei anteriorm ente [Newton De Lucca e Adalberto Simão Filho (coords.), Com entários ò nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências, São Paulo, Quartier Latin, 2005, p. 202 e s.], que a nova Lei de Recuperação e Falim entar adotou, e fe ti­ vam ente, a teoria da empresa, tendo os novos institutos da recuperação judicial e extrajudi­ cial espectro m uito mais am plo do que a antiga concordata preventiva, tida como mero favor legal que então se dava ao comerciante "malheureux et de bonne foi", na sugestiva linguagem da lei belga. • Im portante frisar que sendo m atéria privativa dos sócios, caso as matérias constantes do elenco previsto neste artigo e no contrato social não sejam tomadas pelos sócios, ela será nula por fa lta r a form a prescrita em lei.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 227, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: ' 0 quorum mínimo para a deli­ beração da cisão da sociedade limitada é de três quartos do capital social".

JULGADOS • "Sociedade limitada. Assembleia que deliberou sobre aumento de capital, nomeação de adminis­ trador, adaptação do contrato social ao novo Código Civil e alteração da sede social. Decisões tomadas as duas primeiras por unanimidade, e, a última, por maioria de votos. Exigência de una­ nimidade prevista nos arts. 997 e 999 do CC apenas em relação às sociedades simples. Sociedade em exame por quotas de responsabilidade limitada, à qual se aplicam as regras especiais dos arts. 1.071 e seguintes do Código Civil. Ação Improcedente. Recurso improvido" (TJSP, 4* Cãm. de Dir. Priv., Acórdão 0002961415, Rei. Des. Francisco Eduardo Loureiro, j. em 22-4-2010). • "Antecipação da tutela. Ação que visa à responsabilização do réu pela prática de atos irregulares na administração de sociedade limitada, com seu afastamento da gerência e condenação ao pa­ gamento de indenização. Pretensão de antecipação de tutela para imediato afastamento do réu, ora agravado, do cargo de Diretor Vice-Presidente da sociedade. Não configuração do pressupos­ to de verossimilhança das alegações para o deferimento da antecipação da tutela. Manutenção do indeferimento da pretensão. Nega-se provimento ao recurso" (TJSP, 5* Cãm. de Dir. Priv., Acórdão 0002531747, Rei. Des. Christine Santini, j. em 2-9-2009).

DIREITO PROJETADO • Propôs o Deputado Ricardo Fiuza a modificação deste dispositivo para também condicionar o pedido de autofalência à deliberação conjunta dos sócios, pois não haveria sentido em que a concordata dependesse de deliberação (inc. VIII) e a falência pudesse ser requerida individualmen­ te por qualquer dos sócios (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado).

Art. 1.072. As deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010, serão tomadas em reunião ou em assembleia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocadas pelos administradores nos casos previstos em lei ou no contrato.

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Art. 1.072

§ A deliberação em assembleia será obrigatória se o número dos sócios for superior a dez. § T- Dispensam-se as formalidades de convocação previstas no § 3? do art. 1.152, quando todos os sócios comparecerem ou se declararem, por escrito, cientes do local, data, hora e ordem do dia. § 3? A reunião ou a assembleia tomam-se dispensáveis quando todos os sócios deci­ direm, por escrito, sobre a m atéria que seria objeto delas. § 4- No caso do inciso VIII do artigo antecedente, os administradores, se houver ur­ gência e com autorização de titulares de mais da metade do capital social, podem requerer concordata preventiva. § 5- As deliberações tomadas de conformidade com a lei e o contrato vinculam todos os sócios, ainda que ausentes ou dissidentes. § 6? Aplica-se às reuniões dos sócios, nos casos omissos no contrato, o disposto na presente Seção sobre a assembleia. HISTÓRICO • Ficou mantido na redação final o enunciado do projeto original. Nenhuma disposição ou regra sobre a reunião ou assembleia dos sócios era prevista pelo Decreto n. 3.708/19.

DOUTRINA • 0 dispositivo representa salutar inovação no direito societário brasileiro, corrigindo muitos abusos cometidos pelas maiorias que tom avam as decisões è revelia dos sócios minoritários. Tal ocorria em razão da norma do art. 15 do Decreto n. 3 .7 0 8 /1 9 e, posteriormente, tam bém pelo inciso VI do art. 35 da Lei n. 8.934/94, que perm itiam a alteração contratual com a as­ sinatura dos sócios majoritários, tornando corriqueira a tom ada de decisões por parte destes sem o conhecim ento daqueles sócios minoritários. Nem todos, porém, receberam tal inovação com entusiasmo. 0 Prof. Alfredo de Assis Gonçalves Neto [Lições de direito societário, 2. ed., São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2004, p. 272), p. ex., diz que "a determ inação de que se realizem assembléias ou reuniões para obviar tal inconveniente não me parece a melhor solução e ficou um tanto nebulosa nas disposições que lhes dizem respeito". Prossegue o E. professor paranaense com as seguintes observações: "Qual a razão de burocratizar e onerar as limitadas com custos desnecessários? Como fazer a distinção entre reuniões e assembléias? Os arts. 1.072 e seguintes do Código Civil nada explicam. Há uma preocupação de regular com certa minúcia as assembléias, mas, no tocante às reuniões, só está dito - e por duas vezes (arts. 1.072, § 6«, e 1.079) - que devem ser observadas as normas sobre as assembléias no que não fo r regulado pelo contrato social. As lacunas devem ser supridas com as parcas normas relativas às assembléias (v. g., art. 1.152, § 32), não se aplicando subsidiariamente, ao caso, as regras sobre as assembléias das associações (art. 44, parágrafo único), nem as dispo­ sições da Lei das Sociedades por Ações, salvo, quanto a estas últimas, no suprim ento de certas omissões legais ou contratuais". Seja como for, o fato é que, na sociedade lim itada de m enor porte, com até dez sócios, as deliberações serão tomadas em simples reunião, ainda que o legislador tenha sido lacunoso quanto ao funcionam ento desta. Tal omissão legislativa terá gerado algumas dúvidas. Uma delas, p. ex., diz respeito à obrigatoriedade ou não de ser realizada a reunião anual para as sociedades com dez ou menos sócios. Não há nada, na lei, que indique ou mesmo sugira tal obrigatoriedade. 0 art. 1.078 do Código Civil, com efeito, prevê a necessidade de realização anual da assembleia dos sócios, sendo silente quanto à reunião. A Junta Comercial do Estado de São Paulo (www.jucesp.sp.gov.br), no docum ento intitulado Im pactos do novo Código Civil na Junta Comercial, no inciso VI.4, coloca a seguin­ te questão: “Em contratos sociais de sociedades com menos de 10 sócios será adm itida d á u -

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sula contratual prevendo a apreciação de contas independentem ente da realização de reunião anual?". Após transcrever a cabeça do art. 1.078 e seu inciso I, relativos à necessidade de a assembleia dos sócios realizar-se ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes ao térm ino do exercício social, com o objetivo, entre outros, de tom ar as contas dos adm inistra­ dores e deliberar sobre o balanço patrim onial e o de resultado econômico, referido estudo conclui o seguinte: “As assembléias são obrigatórias para as sociedades com mais de 10 (dez) sócios, ficando assim dispensadas as reuniões exclusivas para a finalidade aqui questionada". Tal conclusão parece mais acertada, ainda que se possa argum entar no sentido de que uma deliberação anual, mesmo não tom ada em assembleia, é altam ente recomendável para o interesse de todos, seja para a própria sociedade, seus sócios e administradores, seja para os terceiros que com ela se relacionam. • Quando o núm ero de sócios fo r superior a dez membros, deverá ser instalada, para cada sessão deliberativa, uma assembleia de quotistas. A assembleia de quotistas não é um órgão perm anente da sociedade, somente funcionando quando convocada para deliberar e decidir sobre os principais negócios da sociedade. D iferente da reunião de quotistas, a assembleia exige, para sua convocação e realização, procedimentos mais solenes e formais. 0 art. 1.010 do Código Civil estabelece que, como regra geral, as deliberações dos sócios serão tomadas por maioria dos votos representativos das quotas do capital social. Se ocorrer em pate, a decisão será por cabeça, independente do valor das quotas detidas pelos sócios individual­ mente. Permanecendo o em pate, a decisão sobre a m atéria dependerá de processo judicial. A convocação da reunião ou assembleia com pete aos administradores, nas hipóteses previs­ tas na lei ou no contrato. Não existe um prazo m ínim o a m ediar a convocação e a realização da assembleia, cabendo ao contrato social determ inar esse prazo. Ao menos deverá ser rea­ lizada uma reunião ou assembleia a cada ano, designada como ordinária, para a aprovação das contas e do balanço patrim onial apresentado pela administração. Algumas solenidades poderão ser dispensadas na convocação e na realização da reunião ou assembleia, se todos os sócios comparecerem ou declararem haver tom ado ciência da data, hora e local de sua realização, assim como não será necessária a form al e sim ultânea reunião dos sócios se todos vierem a assinar docum ento escrito contendo os respectivos votos e manifestações sobre os assuntos levados a deliberação. Se a reunião ou assembleia fo r regularm ente convocada, as decisões tomadas vinculam todos os sócios, atê mesmo o sócio ausente e o sócio dissidente que discordar da deliberação. • Relativam ente ao § 4° deste artigo - que alude à possibilidade de requererem os adm inistra­ dores, se houver urgência e com autorização de titulares de mais da m etade do capital social, concordata preventiva - como já anotado por ocasião dos comentários aos arts. 966, 967, 971 e 1.071, há de entender-se que se trata, no caso, do instituto da recuperação judicial e extrajudicial. • 0 § 6° estabelece que, à míngua de previsão contratual, devem ser aplicadas à reunião as mesmas exigências e form alidades que regulam a assembleia de quotistas. É recomendável, portanto, nas sociedades lim itadas de atê dez quotistas, a regulação m inudente dos procedi­ mentos da reunião no contrato social, inclusive no tocante à form a de convocação dos sócios, sob pena de serem aplicados os procedimentos mais solenes e burocratizados que regem as assembléias.

DIREITO PROJETADO • 0 Deputado Ricardo Fiuza apresentou à Câmara dos Deputados projeto de lei para alteração do § 1» deste artigo, a fim de elevar o número mínimo de sócios em que a sociedade pode adotar ape­ nas o sistema deliberativo por "reunião" de dez para vinte sócios, em consonância com o que estabelece o art. 294 da Lei n. 6.404. Acima de vinte sócios, a realização de assembleia passaria a ser obrigatória (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado).

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Arts. 1.073 e 1.074

Art. 1.073. A reunião ou a assembleia podem também ser convocadas: I — por sócio, quando os administradores retardarem a convocação, por mais de ses­ senta dias, nos casos previstos em lei ou no contrato, ou por titulares de mais de um quinto do capital, quando não atendido, no prazo de oito dias, pedido de convocação fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas; II — pelo conselho fiscal, se houver, nos casos a que se refere o inciso V do art. 1.069. HISTÓRICO • Este dispositivo foi modificado durante a tramitação do projeto no Senado Federal, que suprimiu a alusão exclusiva à "assembleia de sócios" para permitir a inclusão da modalidade simples de "reunião" como foro deliberativo da sociedade. O Decreto n. 3.708/19 nada previa sobre o proces­ so de deliberação na sociedade limitada por meio de reunião ou assembleia de sócios quotistas.

DOUTRINA • Como regra geral, a reunião ou assembleia de quotistas deve ser convocada pela adm inistra­ ção da sociedade, nos termos do respectivo contrato social. Qualquer sócio, todavia, poderá proceder à convocação da reunião ou assembleia se a adm inistração deixar de convocá-la no prazo de sessenta dias da data prevista no contrato. Os sócios m inoritários que representem, pelo menos, um quinto do capital social tam bém podem requerer a convocação da assembleia ou reunião para apreciar m atéria específica, de relevante interesse para a sociedade, em solicitação que deve ser fundam entada, dirigida aos administradores. 0 conselho fiscal, se houver, tam bém pode convocá-la diretam ente, sem necessidade de consentim ento da adm i­ nistração, se esta retardar por mais de trin ta dias sua convocação anual ou quando ocorram motivos graves e urgentes (art. 1.069, V).

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art 1.074. A assembleia dos sócios instala-se com a presença, em primeira convocação, de titulares de no mínimo três quartos do capital social, e, em segunda, com qualquer nú­ mero. § 1 - 0 sócio pode ser representado na assembleia por outro sócio, ou por advogado, mediante outorga de mandato com especificação dos atos autorizados, devendo o instru­ mento ser levado a registro, juntam ente com a ata. § T- Nenhum sócio, por si ou na condição de mandatário, pode votar m atéria que lhe diga respeito diretamente. HISTÓRICO • O conteúdo da norma é o mesmo do projeto original, não tendo sido objeto de emenda. 0 Decre­ to n. 3.708/19 nada dispunha a respeito. Na sociedade anônima, a assembleia de acionistas pode ser instalada com a presença de pelo menos um quarto do capital social (Lei n. 6.404/76, art. 125).

DOUTRINA • Este dispositivo revela uma das características da nova regulam entação das limitadas insti­ tuída pelo atual Código Civil. A liberdade e a flexibilidade, anteriorm ente existentes, para que os sócios organizassem a vida social como bem lhes aprouvesse, ficaram comprometidas pela

Art. 1.075

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existência de normas cogentes a respeito de várias m atérias específicas. Uma delas terá sido esta do quorum m ínim o de três quartos do capital social, que poderá revelar-se elevado nas lim itadas com mais de dez sócios nas quais a assembleia, como já visto, é obrigatória (art. 1.072, § 1°). Nào atingido esse núm ero em primeira convocação, instalar-se-á a assembleia geral, em segunda convocação, com qualquer número. Mas para essa segunda convocação deverá ser designada uma nova data, com a publicação de novos anúncios para a sua reali­ zação, devendo ser lavrada uma ata da primeira tentativa de realização da assembleia, nào realizada pela falta do quorum m ínim o legal. • 0 exercício dos poderes do sócio para participar da assembleia e votar em suas deliberações pode ser delegado a outro sócio ou a advogado especialmente constituído para esse fim , sendo obrigatórios a apresentação e o arquivam ento do instrum ento de m andato no registro com petente no m om ento em que a ata da assembleia respectiva fo r levada para fins de averbação. Na vigência da legislação anterior, dotada de m aior flexibilidade, o sócio poderia ser representado nas deliberações e reuniões dos quotistas por qualquer pessoa capaz, inves­ tida dos devidos poderes de m andatário. A exigência de representação apenas por outro sócio só existia, m uito episodicamente, para o raro caso de coproprietários de quota indivisa (art. 60 do Decreto n. 3.708, de 1 0 -1 -1 9 1 9 ). Agora, o único terceiro nào sócio que poderá representar o sócio nas reuniões ou assembléias será o seu advogado, outra restrição impos­ ta na lei à am pla liberdade de alguém constituir m andatário qualquer pessoa de sua plena confiança. • 0 sócio que tiver interesse direto na deliberação levada a conhecim ento da assembleia de quotistas, por si ou por seu procurador, encontra-se legalm ente impedido de participar da votação da matéria.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 484, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 1.074, § 1o. Quando as de­ liberações sociais obedecerem à forma de reunião, na sociedade limitada com até 10 (dez) sócios, é possível que a representação do sócio seja feita por outras pessoas além das mencionadas no § 1» do art. 1.074 do Código Civil (outro sócio ou advogado), desde que prevista no contrato social". • Enunciado 226, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A exigência da presença de três quartos do capital social, como quorum mínimo de instalação em primeira convocação, pode ser alterada pelo contrato de sociedade limitada com até dez sócios, quando as deliberações sociais obedecerem à forma de reunião, sem prejuízo da observância das regras do art. 1.076 referentes ao quorum de deliberação".

JULGADO • "Pedido de tutela antecipada. Aprovação de Planejamento Estratégico 2010 em desrespeito às normas estabelecidas no contrato social. Insurgência contra decisão que indeferiu o pedido de liminar, reconhecendo a correção da deliberação. Improcedência. Existência de menção especifica na ata, no sentido de que não foi atingido o quorum necessário pelo fato dos sócios, representan­ tes de cada corrente. Deliberação aprovada com fundamento no art. 1.010 do Código Civil. Pos­ sibilidade. Decisão mantida. Agravo de instrumento desprovido" (TJSP, 6J Cãm. de Dir. Priv., Acórdão 0002978549, Rei. Des. Paulo Alcides Amaral Salles, j. em 13-5-2009).

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.075. A assembleia será presidida e secretariada por sócios escolhidos entre os presentes.

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Art. 1.076

§ Dos trabalhos e deliberações será lavrada, no livro de atas da assembleia, ata as­ sinada pelos membros da mesa e por sócios participantes da reunião, quantos bastem à validade das deliberações, mas sem prejuízo dos que queiram assiná-la. § 2- Cópia da ata autenticada pelos administradores, ou pela mesa, será, nos vinte dias subsequentes à reunião, apresentada ao Registro Público de Empresas Mercantis para ar­ quivamento e averbação. § 3? Ao sócio, que a solicitar, será entregue cópia autenticada da ata. HISTÓRICO • A redação deste dispositivo não foi objeto de modificação relevante na tramitação do projeto no Congresso Nacional. Por meio de emenda de redação foi corrigida a expressão "Registro das Em­ presas", com o acréscimo da palavra "Mercantis", adequando o dispositivo à terminologia empre­ gada na Lei n. 8.934, de 18 de novembro de 1994. Inexiste regra similar no Decreto n. 3.708/19.

DOUTRINA • A condução dos trabalhos na assembleia de quotistas com pete a um presidente e a um se­ cretário, indicados e n tre os sócios presentes no ato da instalação. Am bos com porão a mesa diretora dos trabalhos, cabendo ao presidente, após a prévia verificação do quorum m ínim o, declarar instalada a assembleia, dando início à discussão das m atérias constantes da ordem do dia. Os participantes têm d ire ito de pedir os esclarecim entos que entenderem pertinentes, sob a prudente direção do presidente. A sociedade lim itad a deverá m anter um livro de atas da assembleia, cujos registros poderão ser lançados por m eio m anuscrito ou inform atizado. 0 livro ou fo lh a que registrar os atos e deliberações da assembleia serão assinados, obriga ­ toriam ente, pelos m em bros da mesa e por tantos sócios quantos bastem para g a ra n tir o quorum m ínim o das deliberações tomadas. As atas das assembléias de quotistas devem ser apresentadas, no prazo de v in te dias, ao Registro Público de Empresas M ercantis para a rq u i­ vam ento e averbação. No caso da sociedade simples que adote a form a lim itada, a ata deve ser levada para averbação no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Todo sócio tem d ire ito , caso assim requeira, a receber cópia autenticada da ata da assembleia. DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.076. Ressalvado o disposto no a r t 1.061 e no § l- do a r t 1.063, as deliberações dos sócios serão tomadas: I — pelos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social, nos casos previstos nos incisos V e VI do art. 1.071; II — pelos votos correspondentes a mais de metade do capital social, nos casos pre­ vistos nos incisos II, III, IV e VIII do a r t 1.071; III — pela maioria de votos dos presentes, nos demais casos previstos na lei ou no contrato, se este não exigir maioria mais elevada. HISTÓRICO • O projeto original apresentava erros de remissão no tocante às normas referidas no caput deste dispositivo. Emenda apresentada no Senado Federal pelo Senador Fernando Henrique Cardoso corrigiu as falhas verificadas. O Decreto n. 3.708/19 não previa norma semelhante.

Art. 1.076

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DOUTRINA • Este artigo estabelece o quorum m ínim o necessário à aprovação de deliberações societárias relativas a matérias e assuntos de m aior im portância para a existência e continuidade da sociedade. 0 art. 1.061 estabelece que dependerá de aprovação da unanim idade dos sócios a designação de terceiro não sócio como adm inistrador enquanto o capital da sociedade não estiver totalm ente integralizado, e de sócios que sejam titulares de dois terços, no mínimo, das quotas, após a integralização do capital (art. 1.061). Também será de dois terços o quorum m ínim o necessário para a destituição de sócio designado como adm inistrador, se o contrato social não dispuser de modo diverso (art. 1.063, § 1«). Exige-se a aprovação de sócios que representem três quartos do capital social para que seja alterada qualquer cláusula do con­ trato social e para a realização de operações de incorporação e fusão ou para início da dis­ solução ou cessação do estado de liquidação da sociedade. Por maioria do capital votante, podem ser aprovadas m atérias relativas à designação dos administradores quando feita em ato separado, a destituição de administradores não sócios, a fixação da rem uneração dos administradores, bem como a autorização para o ajuizam ento de pedido de recuperação. Nos demais casos não expressamente referidos, as matérias levadas á deliberação dos quotistas podem ser aprovadas pelo quorum da maioria dos presentes à reunião ou assembleia, caso a lei ou o contrato nào exija maioria absoluta ou qualificada. • Percebe-se, pelo exposto, que foi abandonado o quorum de deliberação por maioria dos sócios - já tão enraizado em nossa cultura ocidental, desde os tempos de Aristóteles, na Grécia antiga - , estabelecendo-se a necessidade de 2 /3 do capital social integralizado, quer para a destituição de um sócio nomeado adm inistrador no contrato e que esteja desconten­ tando a maioria dos sócios; quer para a designação de um adm inistrador não sócio, se per­ m itida tal designação pelo contrato. Essa exigência de 2 /3 do capital social sobe para a unanim idade dos sócios quando o capital nào estiver totalm ente integralizado e quando se tra tar dessa segunda hipótese, isto é, quando fo r o caso de deliberação destinada a perm itir a designação de administradores não sócios, se assim for perm itido pelo contrato. Como se tal não fosse o bastante, veja-se a redação deste art. 1.076, estabelecendo quorum de três quartos do cap ital social (para os casos previstos nos incisos V e VI do art. 1.071); de mais da m etade do c a p ital social [nos casos previstos nos incisos II, III, IV e VIII do art. 1.071); e de m aioria de votos dos presentes (nos demais casos previstos na lei ou no contrato, se este nào exigir maioria mais elevada). Nào parece, efetivam ente, que essas normas vieram facilitar a vida dos sócios das sociedades limitadas. Antes, pelo contrário, seja pela diversidade de cri­ térios adotada, seja pela novidade de que se revestem, a tendência natural será a de com pli­ cá-la... Observe-se que há situações de m aioria simples (inciso III do art. 1.076); de m aioria absoluta (inciso II deste mesmo art. 1.076); de m aioria qualificada, seja com três quartos do capital social (inciso I deste mesmo art. 1.076), seja com dois terços do capital social (art. 1.061, in fine e § 1o do art. 1.063); e, ainda, da própria unanim idade dos sócios (art. 1.061, primeira parte), valendo sempre relem brar que a flexibilidade, anteriorm ente existente, no sentido de as deliberações sociais serem sempre tomadas por maioria dos sócios (veja-se, p. ex., a disposição constante do art. 15 do revogado Decreto n. 3 .7 08/19) nào ê mais a mesma com as normas retrotranscritas do Código Civil. Deduz-se, dessas mencionadas normas, que a simplicidade anteriorm ente existente (bastava, para a aprovação das matérias, como já se disse, a vontade dos sócios que representassem a maioria do capital social) foi substituída por, pelo menos, cinco diferentes espécies de quorum de deliberação: unanim idade, maioria qualificada de 3 /4 do capital, maioria qualificada de 2/3, maioria absoluta e maioria simples. Claro está que, para os especialistas m ilitantes na área do direito societário, não existirão maiores dificuldades. Resta saber, porém, se dúvidas não surgirão no dia a dia dos negócios para os empresários nào form ados em Direito...

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Art. 1.077

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 485, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Art. 1 .0 7 6 .0 sócio que participa da administração societária não pode votar nas deliberações acerca de suas próprias contas, na forma dos arts. 1 .0 7 1 ,1, e 1.074, § 2o, do Código Civil". • Enunciado 227, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 quorum mínimo para a deli­ beração da cisão da sociedade limitada é de três quartos do capital social".

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subsequentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031. HISTÓRICO • A redação deste dispositivo guardou o mesmo conteúdo do projeto original. 0 art. 15 do Decreto n. 3.708/19 estabelecia o direito de retirada do sócio que divergisse da alteração do contrato social.

DOUTRINA • O sócio da sociedade lim itada tem o direito de retirar-se da sociedade quando, por delibera­ ção da maioria, o contrato social fo r modificado, em qualquer de suas cláusulas. Também nas hipóteses de fusão e de incorporação, havendo discordância dessas operações por parte do sócio m inoritário, fica a ele facultado retirar-se da sociedade. A norma não se referiu às operações de transform ação e cisão societária como hipóteses que autorizam o sócio dissi­ dente a se retirar da sociedade, podendo o contrato, todavia, contem plar essas situações. O sócio dissidente deverá requerer sua retirada da sociedade nos trin ta dias que seguirem à realização da reunião ou assembleia que houver deliberado a m odificação do contrato social ou aprovado a operação de fusão ou incorporação. Exercendo o sócio dissidente seu direito de recesso, deverá receber o valor de suas quotas com base na situação patrim onial real, apurada em balanço especialmente levantado (art. 1.031). Caso os demais sócios não exerçam a opção de adquirir as quotas até então pertencentes ao sócio dissidente, o valor do capital social deverá ser reduzido no m ontante dos créditos pagos ao retirante.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 392, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Nas hipóteses do art. 1.077 do Código Civil, cabe aos sócios delimitarem seus contornos para compatibilizá-los com os princípios da preservação e da função social da empresa, aplicando-se, supletiva (art. 1.053, parágrafo úni­ co) ou analogicamente (art. 4» da LICC), o art. 137, § 3o, da Lei das Sociedades por Ações, para permitir a reconsideração da deliberação que autorizou a retirada do sócio dissidente".

JULGADO • "Recurso especial. Negativa de prestação jurisdicional (omissão). Inexistência. Interesse de agir. Existência. Julgamento de questões afetas à liquidação de sentença e tratam ento desigual entre as partes. Ausência de prequestionamento. Incidência da Súmula 211/STJ. Reforma da sentença em grau de recurso. Alteração da verba sucumbencial. Julgamento extra petita. Não configuração.

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Ação de dissolução de sociedade comercial com apuração de haveres. Compromisso arbitrai. Re­ conhecimento. Impossibilidade. Súmulas 5 e 7/STJ. Arbitragem. Inaplicabilidade, in casu. Recurso improvido. 1. Não há que se falar em omissão no acórdão prolatado pelo Tribunal de origem, quando apreciadas todas as questões que lhe foram devolvidas pela apelação. 2. Encontra-se presente o interesse de agir do autor da ação, consubstanciado na necessidade do pronunciamen­ to judicial para a sua saída da sociedade comercial e na aptidão do procedimento adotado (ação ordinária de conhecimento). 3. "Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, nào foi apreciada pelo tribunal a quo" (Súmula 2 1 1/STJ). 4. Não há julgamento extra petita nos casos de alteração da verba sucumbencial decorrente da reforma da sentença em grau de apelação. 5. Reconhecer a aplicação do compromisso arbitrai na ação de dissolução de sociedade comercial necessita do reexame do conjunto fático-probatório e de interpretação do contrato social, procedimento inviável nesta Corte nos termos das Súmulas 5 e 7/STJ. 6. Tendo o acórdão recorrido considerado que o compromisso arbitrai refere-se aos casos de recesso, exclusão ou morte do sócio, a sua aplicação não pode ser estendida à ação de disso­ lução de sociedade comercial. 7. 0 aforisma honestae vivere, alterum no laedere, suum euique tribuere deve ser privilegiado pelo julgador quando da prolação de suas decisões. 8. Recurso es­ pecial improvido" (STJ, 3a T., REsp 867.101/DF, Rei. Min. Massami Uyeda, j. em 20-5-2010).

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.078. A assembleia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes ao término do exercício social, com o objetivo de: I — tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico; II — designar administradores, quando for o caso; III — tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia. § 1? Até trinta dias antes da data marcada para a assembleia, os documentos referidos no inciso I deste artigo devem ser postos, por escrito, e com a prova do respectivo recebi­ mento, à disposição dos sócios que não exerçam a administração. § 2- Instalada a assembleia, proceder-se-á à leitura dos documentos referidos no pa­ rágrafo antecedente, os quais serão submetidos, pelo presidente, a discussão e votação, nesta não podendo tomar parte os membros da administração e, se houver, os do conselho fiscal. § 3? A aprovação, sem reserva, do balanço patrimonial e do de resultado econômico, salvo erro, dolo ou simulação, exonera de responsabilidade os membros da administração e, se houver, os do conselho fiscal. § 4- Extingue-se em dois anos o direito de anular a aprovação a que se refere o pará­ grafo antecedente. H IS T Ó R IC O • Não ocorreu modificação de relevo no enunciado deste artigo durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. A antiga lei de regência da sociedade limitada (Decreto n. 3.708/19) nada estabelecia ou dispunha sobre a assembleia de quotistas.

D O U T R IN A • Este dispositivo enum era as m atérias e procedim entos que deverão ser observados na reali­ zação da assembleia ordinária dos sócios da sociedade lim itada, que deverá ocorrer, ao menos,

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uma vez a cada ano, até quatro meses após o encerram ento do exercício social. Basicamente, essa assembleia anual de sócios quotistas destina-se a apreciar e aprovar as contas dos ad­ ministradores, apresentadas sob a form a do balanço patrim onial e demonstrações de resul­ tados. Nessa ocasião, com base nas disponibilidades do resultado econômico, será tam bém deliberada a distribuição dos lucros gerados pela sociedade. Nos casos em que o m andato dos administradores seja lim itado ao prazo de um ano, a assembleia ordinária tam bém deverá decidir sobre a renovação do m andato ou a substituição dos membros da administração. Para que seja possibilitada a prévia análise dos relatórios e dados levados á aprovação da assembleia, a adm inistração deverá colocar à disposição dos demais sócios as demonstrações financeiras e o balanço do exercício respectivo, no prazo de trin ta dias antes da realização da assembleia, sob pena de invalidade das deliberações tomadas sem conhecim ento dos fatos. Fica vedado aos sócios integrantes da adm inistração ou do conselho fiscal, se existente, tom ar parte e votar nas deliberações que tenham por objeto a apreciação das contas e demonstrações f i­ nanceiras da sociedade. As contas e demonstrações financeiras podem ser impugnadas e questionadas pelo prazo de dois anos após a realização da assembleia que as apreciou. Res­ salvadas as situações de erro, dolo ou simulação, os administradores e membros do conselho fiscal ficarão exonerados de quaisquer responsabilidades sobre a correção e veracidade das demonstrações financeiras aprovadas pela assembleia de sócios após decorrido esse prazo. Sobre a necessidade ou não de reunião anual dos sócios, vide comentários ao art. 1.072, supra.

E N U N C IA D O D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 228, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "As sociedades limitadas estão dispensadas da publicação das demonstrações financeiras a que se refere o § 3o do art. 1.078. Naquelas de até dez sócios, a deliberação de que trata o art. 1.078 pode dar-se na forma dos §§ 2o e 3o do art. 1.072, e a qualquer tempo, desde que haja previsão contratual nesse sentido". D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.079. Aplica-se às reuniões dos sócios, nos casos omissos no contrato, o estabe­ lecido nesta Seção sobre a assembleia, obedecido o disposto no § 1? do art. 1.072. H IS T Ó R IC O • Este dispositivo, que não constava do projeto original, foi acrescentado por emenda do Senador Josaphat Marinho, com a finalidade de distinguir os procedimentos mais formais necessários à convocação e realização da assembleia de quotistas daqueles exigidos, de modo mais simples, para as reuniões dos sócios, que são inerentes às sociedades limitadas menos complexas. Não tem correspondente no Decreto n. 3.708/19.

D O U T R IN A • Este dispositivo parece reproduzir o mesmo comando do § 6« do art. 1.072. A reunião cons­ titu i um modo simplificado de deliberação na sociedade lim itada - sempre que o núm ero de sócios não ultrapasse dez - em relação ao form alism o existente para a assembleia geral, sendo um sucedâneo interessante desta para que se opere uma economia de custos. Pode o contrato social regular a form a pela qual faz-se a reunião, estabelecendo, p. ex., que a con­ vocação seja feita por meio eletrônico, com e-m ail endereçado aos sócios, nele fazendo constar todos os dados necessários à sua deliberação na reunião. Nos casos em que o contra­

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to social fo r omisso, porém, aplicar-se-ão è reunião as mesmas normas existentes para a assembleia, nos termos do § 6« do art. 1.072 do Código. Na sociedade lim itada com mais de dez sócios, as deliberações deverão ser tomadas, obrigatoriam ente, em assembleia.

Art. 1.080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tomam ilimitada a res­ ponsabilidade dos que expressamente as aprovaram. HISTÓRICO • A redação desta norma nào foi objeto de modificação durante a tramitação do projeto no Con­ gresso Nacional. O art. 16 do Decreto n. 3.708/19 continha norma semelhante, prevendo a res­ ponsabilidade ilimitada dos sócios que houvessem participado e votado contra expressa disposição de lei ou do contrato social.

D O U T R IN A • Na sociedade lim itada, tal como definida no art. 1.052, a responsabilidade de cada sócio é restrita, perante credores ou terceiros, à respectiva participação no capital social. Essa lim i­ tação da responsabilidade somente é válida enquanto estiverem sendo atendidas e cumpridas as normas de regulação da sociedade prescritas na lei e estipuladas no respectivo contrato social. Ocorrendo deliberação contrária à lei ou à cláusula do contrato social, os sócios que assim deliberarem passam a ter responsabilidade ilim itada pelos atos decorrentes ou resul­ tantes dessa decisão. Em se verificando a situação de responsabilidade ilim itada, o patrim ônio pessoal do sócio que participou de deliberação infringente da lei ou do contrato poderá ser alcançado por dívidas que, em princípio, somente deveriam ser suportadas pelo patrim ônio da sociedade. Deveriam ser, sem dúvida, mas poderão não sê-lo... Repita-se aqui o que foi dito a respeito dos atos praticados u ltra vires, relativam ente à sociedade simples. 0 inciso III do parágrafo único do art. 1.015, acolhendo parcialm ente essa doutrina, fez com que, por via oblíqua, tam bém as sociedades limitadas que tenham como regência supletiva as normas da sociedade simples sejam alcançadas por aquele dispositivo, em injustificável detrim ento dos terceiros de bo a-fé que, porventura, com elas contratem algo que extrapole os lindes de seus objetos sociais... O Prof. Alfredo de Assis Gonçalves Neto (op. cit., p. 255), que define a solu­ ção adotada pelo Código Civil de "absurdo retrocesso", esclarece que ela não se aplica aos consumidores, em suas relações com as sociedades limitadas fornecedoras de bens e de ser­ viços, seja por força do art. 34 do Código de Defesa do Consumidor, seja pela aplicação dos princípios da b o a -fé e da aparência jurídica.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 487, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 5 0 ,8 8 4 ,1 .0 0 9 ,1 .0 1 6 ,1 .0 3 6 e 1.080. Na apuração de haveres de sócio retirante (art. 1.031 do CC), devem ser afastados os efeitos da diluição injustificada e ilícita da participação deste na sociedade". • Enunciado 229, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A responsabilidade ilimitada dos sócios pelas deliberações infringentes da lei ou do contrato torna desnecessária a desconsideração da personalidade jurídica, por não constituir a autonomia patrimonial da pessoa jurídica escudo para a responsabilização pessoal e direta".

JULGADOS • "Agravo de instrumento. Execução fiscal. Venda judicial de imóvel pertencente ao sócio da so­ ciedade empresária falida. Conversão do valor em favor do juízo universal da falência. Arts. 1052 e 1080 do Código Civil. Impossibilidade. Não há razões fáticas, legais e jurídicas, na hipótese destes autos, para se responsabilizar patrimonialmente o sócio pelos débitos da massa falida, o

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Art. 1.081

que impede a remessa do valor obtido eom a venda judicial de seu imóvel, ocorrida na execução fiscal, em favor do juizo universal da falência. Inteligência extraída do disposto nos arts. 1.052 e 1.080 do Código Civil" (TJMG, Processo 1.0471.03.011571-4/001, Rei. Des. Geraldo Augusto, j. em 7-4 -201 0). • "Penhora. Desconsideração da personalidade jurídica. Ação de execução por titulo executivo ex­ trajudicial. Pedido acolhido por não ser possível constatar o valor de mercado dos quarenta computadores penhorados e pelo fato de a empresa executada, que funcionava como casa de jogos, mais precisamente um bingo, encontrar-se fechada. Devedora, ademais, que não se mostra preocupada em quitar o débito, pois se limita a alegar a ausência dos pressupostos do art. 50 do Código Civil e que não foi lhe dada oportunidade de dizer se tem ou não bens para solver o débi­ to. Alegação de haver encerramento de fato corroborada pela circunstância de apenas terem sido localizados bens em nome dos sócios. Incidência do art. 1.080 do Código Civil. Irrelevante o fato de uma das sócias ter deixado a sociedade, uma vez que, de acordo com o art. 1.032 do Código Civil, a retirada do sócio não o exime da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores à sua retirada da sociedade, até dois anos após averbada a retirada. Recurso não provido" (TJSP, 21* Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002680483, Rei. Des. Itamar Gaino, j. em 4-11-2009). • "Penhora. Desconsideração da personalidade jurídica. Cumprimento de sentença. Ação monitoria. Indeferimento do pedido de desconsideração. Devedora, no entanto, que desde a fase de conhe­ cimento não se mostra preocupada em quitar o débito. Alegação de haver encerramento de fato corroborada pela circunstância de apenas terem sido localizados bens em nome dos sócios. Art. 1.080 do Código Civil. Recurso provido" (TJSP, 21a Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002723067, Rei. Des. Itamar Gaino, j. em 4-11 -2009). • "Cumprimento de sentença. Desconsideração da personalidade jurídica. Diligências destinadas a localizar os bens objeto da demanda ou equivalente em dinheiro, inclusive pela via on-line, infru­ tíferas. Dissolução Irregular caracterizada pela paralisação da atividade e pelo desaparecimento dos bens sociais. Hipótese de imputação direta da responsabilidade para os sócios, em virtude de ato ilícito. Configuração. Recurso provido" (TJSP, 21a Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002628041, Rei. Des. Itamar Gaino, j. em 7-10-2009).

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Seção VI — Do aum ento e da redução do capital Art. 1.081. Ressalvado o disposto em lei especial, integralizadas as quotas, pode ser o capital aumentado, com a correspondente modificação do contrato. § 1- Até trinta dias após a deliberação, terão os sócios preferência para participar do aumento, na proporção das quotas de que sejam titulares. § 2- À cessão do direito de preferência, aplica-se o disposto no caput do a r t 1.057. § 3? Decorrido o prazo da preferência, e assumida pelos sócios, ou por terceiros, a totalidade do aumento, haverá reunião ou assembleia dos sócios, para que seja aprovada a modificação do contrato. H IS T Ó R IC O • Emenda de autoria do Senador Gabriel Hermes alterou a redação original do § 38 deste artigo para mero aperfeiçoamento gramatical. 0 Decreto n. 3.708/19 não continha norma semelhante regu­ lando o processo de aumento de capital na sociedade limitada, sendo aplicável, todavia, por re­ missão expressa do art. 19 da antiga legislação, a Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76)

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para disciplinar a hipótese. 0 direito de preferência é um direito fundamental de todo sócio ou acionista de sociedade, estando disciplinado no art. 171 da Lei n. 6.404/76.

D O U T R IN A • 0 dispositivo é altam ente salutar, desfazendo as dúvidas e incertezas existentes no regime anterior oriundas do silêncio do Decreto n. 3.7 0 8 /1 9 a respeito da m atéria. Quando nào havia previsào no contrato social - hipótese mais comum o recurso à aplicação subsidiária da Lei das Sociedades Anônimas nem sempre era suficiente para que se resolvessem todos os problemas surgidos na prática. Agora a situação está clara. Somente após a integralizaçào do capital da sociedade lim itada é que ele poderá ser aum entado mediante novas contribuições dos sócios. Não faz sentido, efetivam ente, que o capital de uma lim itada possa ser aum enta­ do sem que as entradas prometidas pelos sócios nào tenham sido por eles realizadas, em bo­ ra nas sociedades anônimas a exigência legal seja de 3 /4 (três quartos) do capital social, conform e o art. 170 da Lei n. 6.404/76. A lei especial a que alude o caput do artigo refere-se à legislação societária com plem entar ou à Lei das Sociedades Anônimas, cuja aplicação pode ser estendida às sociedades limitadas, se assim previr o contrato (art. 1.053, parágrafo único). Ocorrendo deliberação dos sócios para o aum ento do capital, fica assegurado o exercício do direito de preferência a todos eles, e cada um terá direito a subscrever e integralizar as novas quotas, em itidas em razão do aum ento de capital, na exata proporção das respectivas quotas. A proposta de aum ento de capital, acompanhada da indispensável justificativa a respeito, com a conseqüente m odifica­ ção do contrato social, deverá ser aprovada pelo voto de sócios que representem 3 /4 (três quartos) do capital social (art. 1 .0 7 6 ,1). Um sócio poderá ceder seu direito de preferência a outro, independentem ente de consentim ento dos demais, ou a terceiro não sócio, se nào houver oposição de sócios que representem mais de um quarto do capital social (art. 1.057). Decorrido o prazo de trin ta dias para o exercício do direito de preferência, a administração deverá convocar reunião ou assembleia de quotistas para form alizar a decisão e a conseqüen­ te alteração do contrato social. JU LG A D O • “Sociedade simples limitada - Na forma do art. 983, segunda parte, do CC/2002 rege-se pelas normas da sociedade limitada e subsidiariamente da simples - Aumento do capital social regido pelo art. 1.081 do CC/2002 — Assembleia que realizou o aumento do capital social de forma irre­ gular e atribuiu quotas novas, bem como a forma de integralizaçào destas, ao réu ausente no ato e que não manifestou qualquer ato de vontade para o exercício do direito de preferência e aqui­ sição de novas quotas - Irregularidade - Não provimento". (TJSP, Ap. 389.908.4/7-00, Rei. Enio Santarelli Zuliani).

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.082. Pode a sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente modificação do contrato: I — depois de integralizado, se houver perdas irreparáveis; II — se excessivo em relação ao objeto da sociedade. H IS T Ó R IC O • 0 enunciado da norma é o mesmo do projeto original. 0 art. 173 da Lei das Sociedades Anônimas

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(Lei n. 6.404/76), por remissão do art. 19 do Decreto n. 3.708/19, regula as mesmas hipóteses deste dispositivo com relação à possibilidade de redução do capital social na sociedade limitada.

D O U T R IN A • Tanto no aum ento do capital social quanto na sua redução, faz-se necessária a alteração contratual pertinente. A redução do capital deverá ser realizada com a conseqüente dim inui­ ção proporcional do valor nom inal das quotas e só se tornará efetiva após sua averbação no órgão de registro com petente. Os incisos do artigo preveem duas hipóteses em que poderá dar-se a redução do capital: se vier a sofrer perdas irreparáveis ou se o capital fo r excessivo em relação ao objeto da sociedade. Tal como nos casos de aum ento de capital, o quorum m ínim o exigido para a redução é de 3 /4 (três quartos) do capital social (art. 1 .0 7 6 ,1, c/c o art. 1.071, V). Além dessas duas hipóteses, tam bém poderá ocorrer a redução do capital social em conseqüência do exercício do direito de recesso por parte de um sócio, se os demais não suprirem o valor da quota, nos termos do § 1° do art. 1.031 do Código.

D IR E IT O P R O JE T A D O • Foi apresentado à Câmara Federal pelo Deputado Ricardo Fiuza projeto de lei para aprimorar a redação do inciso I deste artigo, passando a utilizar o conceito de prejuízos acumulados, tal como faz a Lei das S/A, em vez do conceito impreciso de perdas irreparáveis (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado).

Art. 1.083. No caso do inciso I do artigo antecedente, a redução do capital será realiza­ da com a diminuição proporcional do valor nominal das quotas, tomando-se efetiva a partir da averbação, no Registro Público de Empresas Mercantis, da ata da assembleia que a tenha aprovado. H IS T Ó R IC O • Na redação original do dispositivo a expressão era "Registro das Empresas". Emenda de redação apresentada pelo Deputado Ricardo Fiuza atualizou o texto, passando a constar "Registro Público de Empresas Mercantis", embora fosse preferível a expressão "órgão de registro competente", já que as sociedades simples que optam pelo modelo das limitadas levam seus atos ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Não há correspondente na antiga Lei da Sociedade Limitada (Decreto n. 3.708/19).

D O U T R IN A • Na lição sempre precisa de Vivante, m uito repetida pelos autores nacionais, há que se distin­ guir o capital social do patrim ônio. O primeiro constitui o capital nom inal da sociedade en­ quanto o segundo é o capital efetivo dela, sendo equivalentes, em princípio, apenas no mo­ m ento em que se constitui a sociedade. A expressão em principio fica por conta da possibi­ lidade de constituição de sociedades com reserva de capital, na qual não ocorreria tal equi­ valência. Tirante tal hipótese, o capital social - valor das entradas que os sócios declaram estar destinado à realização do objeto social - corresponderá, num prim eiro m om ento, ao próprio patrim ônio da sociedade. Num segundo m om ento, tal correspondência tende a de­ saparecer, pois se a atividade desenvolvida pela sociedade fo r lucrativa, o patrim ônio to rn ar-se-á necessariamente m aior do que o capital. Se ela der prejuízo, ao revés, este será maior do que aquele. Conquanto elem entar, a explicação justifica-se, até certo ponto, tendo em vista que o revogado Código Comercial de 1850, em diversas passagens (arts. 28 8 e 289, entre outros) utilizava-se da expressão fundo social como sinônima de capital social, mas aquele primeiro conceito corresponde exatam ente ao de patrim ônio social. São palavras de

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Carvalho de Mendonça sobre o fundo social (op. cit., v. 3, n. 536): "É o patrim ônio da socie­ dade no sentido econômico, a dizer, a soma de todos os bens que podem ser objeto de troca, possuídos pela sociedade; compreende nào somente o capital social como tudo o que a so­ ciedade adquirir e possuir durante a sua existência". • Na hipótese de a reduçào do capital ter ocorrido em razão de perdas irreparáveis, sem que os sócios tenham reposto seu valor, a redução será feita mediante a dim inuição proporcional do valor das quotas possuídas pelos sócios, isto é, cada sócio sofrerá, individualm ente, a reduçào do valor de suas quotas na exata proporção do capital reduzido. Aduz o dispositivo, ainda, que a reduçào do capital somente produzirá efeitos jurídicos perante terceiros, em especial os credores da sociedade, após a averbação, no Registro Público de Empresas Mercantis, da ata da reunião ou assembleia de quotistas que aprovar a reduçào do capital. Lembre-se, contudo, que a alteração contratual que docum enta a dim inuição do capital social poderá ocorrer, independentem ente da realização de reunião ou da assembleia.

JULGADOS • "Processual civil e tributário. Agravo regimental. Execução fiscal. Cooperativa sujeita à liquidação. Exclusão da multa moratória e dos juros moratórios. Aplicação analógica da lei de falências. Im­ possibilidade. 1. As sociedades cooperativas não se sujeitam à falência, dada a sua natureza civil e atividade não empresária, devendo prevalecer a forma de liquidação extrajudicial prevista na Lei n. 5.764/71, que não prevê a exclusão da multa moratória, nem a limitação dos juros moratórios posteriores à data da liquidação judicial condicionada à existência de saldo positivo no ativo da sociedade. 2. A Lei de Falências vigente à época - Decreto-Lei n. 7.661/45 - em seu art. 1o, con­ siderava como sujeito passivo da falência o comerciante, assim como a atual Lei n. 11.101/2005, que a revogou, atribui essa condição ao empresário e à sociedade empresária, no que foi secun­ dada pelo Código Civil de 2002 no seu art. 982, parágrafo único, c/c o art. 1.093, corroborando a natureza civil das referidas sociedades, e, o fortiori, configurando a inaplicabilidade dos preceitos da Lei de Quebras às cooperativas. 3. A lei especial convive com outra da mesma natureza, por­ quanto a especificidade de seus dispositivos não encerram antinomias. 4. As obrigações tributárias acessórias não podem ser criadas ou extintas via processo analógico (art. 112 do CTN, verbis: A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favo­ rável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I. à capitulação legal do fato; II. à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III. à autoria, impu­ tabilidade, ou punibilidade; IV. à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação). Prece­ dentes: REsp 770.861/SP, Rei. Ministro Luiz Fux, 1a Turma, julgado em 11-9-2007, unânime, DJ 8 -1 0 -2 0 0 7 p. 214; REsp 909.065/PR, Rei. Ministro Luiz Fux, 1a Turma, julgado em 2 -4 -200 9, pendente de publicação) 5. Agravo regimental desprovido" (STJ, 1a T., AgRg no REsp 999.134/PR, Rei. Min. Luiz Fux, j. em 18-8-2009). • "Processual civil. Agravo regimental. Cooperativa em liquidação judicial. Produto da arrecadação. Não aplicação das normas previstas no Decreto-lei n. 7.661/45. Manutenção da multa e dos juros moratórios. 1. A Lei de Falências nào se aplica às cooperativas em liquidação, as quais se subordi­ nam ao procedimento de liquidação previsto pelos arts. 63 a 78 da Lei n. 5.764/71, que não con­ templa o beneficio de exclusão das multas moratórias tributárias, bem como não autoriza a re­ messa do produto da arrecadação da penhora ocorrida em execução fiscal ao juizo da liquidação. Precedentes: REsp 1094194/SP, Rei. Min. Benedito Gonçalves, 1a Turma, DJe de 12-2-2009; REsp 978.980/SP, Rei. Min. Flerman Benjamin, 2a Turma, DJe de 9 -3 -200 9. 2. Agravo regimental não provido" (STJ, 2a T., AgRg nos EDcl no REsp 799.547/SP, Rei. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 5-5-2009). • "Tributário. Execução fiscal. Sociedade cooperativa. Inaplicabilidade da Lei de Falência. Exclusão da multa moratória e limitação da incidência dos juros de mora. Impossibilidade. Agravo regimen­ tal a que se nega provimento" (STJ, AgRg no Ag 1.085.738/SP, 1* T., Rei. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 19-3-2009).

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D IR E IT O P R O JE T A D O • Além da redução proporcional do valor nominal das quotas deve ser assegurada também a possi­ bilidade de cancelamento de quotas. Para isso, o Deputado Ricardo Fiuza apresentou projeto de lei propondo a seguinte redação ao dispositivo: A rt. 1.083. No caso do inciso I do artigo a n te ­ cedente, a redução do cap ital será realizado com a dim inuição proporcional do valor nom i­ n a l ou do núm ero de quotas, tornando-se efetiva a p a rtir da averbação, no Registro Públi­ co com petente, da a ta da reunião ou assembleia que a tenha aprovado (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado).

Art. 1.084. No caso do inciso II do art. 1.082, a redução do capital será feita restituindo-se parte do valor das quotas aos sócios, ou dispensando-se as prestações ainda devidas, com diminuição proporcional, em ambos os casos, do valor nominal das quotas. § 1? No prazo de noventa dias, contado da data da publicação da ata da assembleia que aprovar a redução, o credor quirografário, por título líquido anterior a essa data, poderá opor-se ao deliberado. § T- A redução somente se tom ará eficaz se, no prazo estabelecido no parágrafo ante­ cedente, não for impugnada, ou se provado o pagamento da dívida ou o depósito judicial do respectivo valor. § 3? Satisfeitas as condições estabelecidas no parágrafo antecedente, proceder-se-á à averbação, no Registro Público de Empresas Mercantis, da ata que tenha aprovado a redução. HISTÓRICO • Não há paralelo na legislação anterior da sociedade limitada (Decreto n. 3.708/19).

D O U T R IN A • Autorizada doutrina (cf. Alfredo de Assis Gonçalves Neto, Lições de direito societário, eit., p. 203) costuma aludir a dois princípios relativos ao capital social: o da efetividade e o da in tangibilidade. Pelo prim eiro deles, tem -se que o capital social deve corresponder fielm ente aos valores (quer em dinheiro, quer em bens) com que os sócios concorreram para a form ação do patrim ônio inicial da sociedade e para a realização dos fins previstos no objeto social. Pelo segundo, deve o capital permanecer inalterado, salvo se a lei não dispuser em sentido con­ trário ou fo r deliberado pelos sócios o seu aum ento ou redução. 0 Decreto n. 3.7 0 8 /1 9 era quase silente a respeito de tais princípios, estabelecendo, apenas, algumas disposições para que a sociedade pudesse receber o valor das quotas não integralizadas, conform e se verifica pelos arts. 7° e 9°, além da norma do art. 8°, relativa à aquisição, pela sociedade, de suas próprias quotas. O Código Civil terá sido mais rigoroso na preservação daqueles mencionados princípios, seja pela regra da responsabilidade solidária dos sócios na integralizaçào do capi­ tal social, consoante o art. 1.052; seja na previsão das providências autorizadas para o rece­ bim ento do valor da quota do sócio remisso, conform e o art. 1.058; seja, tam bém , na fixação, por cinco anos, do prazo para a responsabilização dos sócios pela inexatidão da estimativa feita dos bens por eles conferidos ao capital social, de acordo com o preceituado no § 1« do art. 1.055; seja, ainda, na responsabilização dos sócios pelos lucros distribuídos com prejuízo do capital, expressamente prevista no art. 1.059; seja, finalm ente, pelos cuidados tomados nas normas relativas ao aum ento e redução do capital social, como se pôde ver nos arts. 1.081, 1.082 e, agora, neste 1.084. Assim, ocorrendo a hipótese de o capital apresentar-se excessivo em relação às necessidades de recursos pecuniários para a realização do objeto social, pode­ rão os sócios deliberar, pelo voto dos titulares de três quartos das quotas representativas do capital, no sentido da sua redução aos níveis objetivam ente vinculados às demandas pelo

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aporte de recursos. Se o capital já estiver totalm ente integralizado, a sociedade restituirá a cada sócio, proporcionalm ente às suas quotas, o m ontante considerado excessivo. No caso de ainda fa lta r o pagam ento referente a quotas subscritas, o sócio subscritor ficará dispen­ sado da obrigação de integralizar. Tanto em um caso como noutro, não ocorrerá redução do núm ero de quotas, mas dim inuição do valor nom inal atribuído a cada quota pelo contrato social. Durante o prazo de noventa dias, a decisão que im portar na redução do capital pode­ rá ser im pugnada, seja por credor quirografário ou qualquer interessado que tenha contra­ tado com a sociedade levando em consideração o valor prim itivo do capital social. 0 paga­ m ento ao credor ou o depósito judicial de dívida contraída pela sociedade, tendo como base o crédito concedido a partir do capital antes da redução, elide o interesse em im pugnar. Em qualquer situação, decorrido o prazo de noventa dias sem im pugnação do ato societário que deliberou sobre a reduçào do capital, a sociedade fica autorizada a levar para averbação no Registro Público de Empresas M ercantis a ata da reunião ou assembleia, com a correspon­ dente modificação do contrato social que form alizou a dim inuição do capital da sociedade.

E N U N C IA D O D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 489, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 1.043, II, 1.051,1.063, § 3«, 1.084, § 1», 1.109, parágrafo único, 1.122,1.14 4,1 .146 ,1.1 48 e 1.149 do Código Civil; e art. 71 da Lei Complementar n. 123/2006. No caso da microempresa, da empresa de pequeno porte e do microempreendedor individual, dispensados de publicação dos seus atos (art. 71 da Lei Comple­ mentar n. 123/2006), os prazos estabelecidos no Código Civil contam-se da data do arquivamen­ to do documento (termo inicial) no registro próprio". D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Seção VII — Da resolução da sociedade em relação a sócios m inoritários (#)

Por emenda do Senador Josaphat M arinho, foi acrescentada a Seção VII, “Da resolução da sociedade em relação a sócios minoritários", por sugestão do Prof. M iguel Reale. Foi mais uma sugestão do Prof. Reale acolhida pelo Relator-G eral no Senado, que assim o justificou: "A lei em vigor, que prevê exclusão de sócio mediante alteração contratual, é am plam ente aceita pela doutrina, havendo jurisprudência mansa e pacifica adm itindo esse procedimen­ to, desde que haja cláusula contratual prevendo a exclusão por justa causa. A em enda visa ressalvar essa praxe a fim de preservar a continuidade da empresa, quando posta em risco por conduta grave de sócios minoritários. Por outro lado, o parágrafo único do art. 1.085, tal como é proposto, visa im pedir que a exclusão possa ser decretada à revelia do sócio m inoritário, com surpresa para ele".

Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, represen­ tativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa. Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.

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H IS T Ó R IC O • Por meio de emenda de redação apresentada na fase final de tramitação do projeto na Câmara, por proposta do Deputado Ricardo Fiuza, foi acrescentada ao parágrafo único do dispositivo a expressão "e o exercício do direito de defesa". Essa modificação deveu-se à necessidade de com­ patibilizar o Código Civil com o principio constitucional da ampla defesa, assegurado como ga­ rantia fundamental pelo art. 5°, LV, da Constituição Federal de 1988. A simples alusão ao acusado, em processo que visa sua exclusão da sociedade, para comparecimento à reunião apresentava-se insatisfatória diante do texto da nossa Lei Maior. Assim, tornou-se necessário, para compatibilizar o dispositivo com as garantias constitucionais, o acréscimo da frase "e o exercício do direito de defesa". Não há correspondente na antiga lei das sociedades limitadas (Decreto n. 3.708/19), nem no Código Comercial de 1850.

D O U T R IN A • 0 alcance deste artigo é bem m aior do que aquele do art. 1.030, já analisado, pois lá se cui­ dava da exclusão ju d ic ia l de sócio, por iniciativa da maioria dos demais sócios, nos casos de falta grave ou incapacidade superveniente. Aqui se trata de exclusão adm inistrativa, deter­ minada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim , quando um ou mais sócios estiverem pondo em risco a continuidade da empresa, em razão de atos de ine­ gável gravidade. • A construção jurídica do direito de exclusão de sócios foi sendo progressivamente elaborada em todo o mundo e podemos encontrar, em Antônio José Avelãs Nunes (O direito de exclusão de sócios nas sociedades comerciais, Coimbra, 1968, e posteriormente, em edição brasileira, Cultural Paulista, 2001, São Paulo), precioso estudo a respeito da m atéria, aquinhoado com o prêmio da Fundação Calouste Gulbenkian como a m elhor tese europeia daquele ano de 1968, no qual, entre tantos ensinamentos úteis, assinala: "0 simples enunciado do problema parece desde logo inculcar a ideia de que a solução mais razoável é a que fornecer à socie­ dade o expediente necessário para se evitar a ruína da empresa social ou mesmo a sua liqui­ dação total. Isto mesmo reconhecem até aqueles autores que, negando às sociedades com er­ ciais o direito de exclusão de sócios ou conferindo-lho apenas em termos m uito restritos, lam entam , todavia, que a lei não tenha perm itido a exclusão dos sócios que não cumprem os seus deveres de socialidade. Não faltam , de resto, situações em que será de lam entar a nega­ ção à sociedade do direito de excluir do seu seio o sócio indesejável, o sócio que, com culpa ou sem ela, não cumpre o dever de colaborar na realização do escopo comum, o sócio que perturba a harm onia social, o sócio cuja presença - por contrária à realização daquele esco­ po que presidiu à criação do próprio ente social - se torna inexigível à sociedade". • Entre nós, o Prof. Fábio Konder Com parato (Ensaios e pareceres de direito empresarial, Fo­ rense, Rio de Janeiro, 1978, p. 144), depois de em itir claram ente a sua opinião no sentido da possibilidade jurídica da exclusão de sócio, com base nos princípios gerais do direito contra­ tual aplicados à sociedade, arrem ata-nos: “Tal opinião, perfeitam ente legítim a sob o aspecto da dogm ática jurídica, revela-se ainda como a mais conform e aos ditames da justiça e do interesse geral da economia. A consideração da questão sob esse ângulo, mesmo quando se adota uma posição estritam ente positivista, parece-nos im portante em nosso Direito, de vez que, por m andam ento legal, 'na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum ' (Decreto-Lei n. 4.657, de 1942, art. 5°)". • Tais considerações, por si sós, são suficientes para dem onstrar o acerto da solução adotada pelo Código Civil de 2002, prestigiando-se claram ente o princípio da preservação da em pre­ sa sobre a possibilidade de dissolução da sociedade pela vontade de apenas um dos sócios. Resta apurar, no entanto, para efeitos de aplicação do artigo, o que se deve considerar por “atos de inegável gravidade" que possam “pôr em risco a continuidade da empresa", carac­

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terizando-se a “justa causa" que deve estar prevista no contrato social como causa de exclu­ são... • Tais expressões, segundo o magistério do Prof. Arnoldo W ald (Com entários ao Novo Código Civil, Livro II - Do D ireito de Empresa, Rio de Janeiro, Forense, v. XIV, p. 564), "comportam um sentido amplo, abrangendo uma gama de situações nas quais, com a análise do caso concreto, se perceba que não há mais condições de m anter o vínculo com determ inado sócio". • De toda sorte, para que o significado de tais expressões nào fique adstrito a uma análise predom inantem ente subjetiva, tem a doutrina procurado caracterizar quais poderiam ser os atos ensejadores da justa causa para a exclusão de sócio, relembrando-se que o "Papa dos Comercia listas", Carvalho de Mendonça ( Tratado de direito com ercial brasileiro, v. III, Livro II, Parte III, Duprat Et Comp., 1914, São Paulo, n. 687, p. 1 5 3-5), já fizera o esforço de m en­ cionar os casos em que cabia a exclusão de sócio, conform e o tipo societário. Assim é que o Prof. Modesto Carvalhosa (Com entários ao Código Civil, São Paulo, Saraiva, 2003, v. 13, p. 3 1 3 -4 ) preleciona: “Deve considerar-se como de inegável gravidade com relação à sociedade, em prim eiro lugar, todo ato de sócio que viole a lei. Também será ato de natureza grave a violação ou o inadim plem ento contratual que resultar na quebra da a ffe c tio societatis, por­ que põe em risco o desenvolvimento do escopo comum que é o desenvolvimento das ativi­ dades sociais. Além disso, representa ato de inegável gravidade a ação ou omissão de um sócio que, mesmo sem constituir violação da lei ou do contrato social, provoque grave dissí­ dio no corpo social, im plicando tam bém a quebra da affectio societatis. Isso porque, rom pi­ do o elo subjetivo, que é essencial à vinculação dos sócios à sociedade, a presença de um deles, cujos interesses estão desagregados do escopo comum, põe em risco a harmonia do corpo social, podendo prejudicar o desempenho dos negócios e a continuidade da empresa. É, ainda, fundam ental, verificar se ao sócio que se deseja excluir pode ser im putada a culpa pelo ato eventualm ente ensejador da exclusão". • Até que ponto, porém, a quebra da affe ctio societatis, por si só, pode ser considerada causa efetiva de exclusão? 0 Enunciado de n. 67 considerou que “a quebra da affectio societatis não é causa para a exclusão do sócio m inoritário, mas apenas para dissolução (parcial) da sociedade". Com efeito, pode-se dizer, com o Prof. Arm ando Luiz Rovai [A caracterização da ju s ta causa n a exclusão de sócio na sociedade em presária do tipo lim itad a (aplicação do art. 1.085 do Código Civilfí, in Revista M agister, n. 9, jun ./jul. 2006, M agister Editora, p. 10) que "a compreensão de que a ausência da affe ctio societatis não é mais suficiente para operacionalizar-se uma exclusão adm inistrativa de sócios já é cediça entre os operadores do Direito. Agora, a questão está m uito mais relacionada aos interesses díspares e muitas vezes conflitantes (sempre do ponto de vista empresarial) e à form a de lidar com eles, consideran­ do sempre as relações pessoais e o escopo fundam ental da empresa - a sua continuidade, a fim de proporcionar os agregados sociais que surgem consequentemente". • Há que se aten tar para o fa to de que a exclusão nào é promovida pelos sócios e, sim, pela própria sociedade. 0 Prof. M iguel Reale ("A exclusão de sócios das sociedades mercantis e o registro do comércio, in Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 150, fase. 530, Ano XXXIII, jul. 1944, p. 463, como, tam bém , in Revista Forense, v. XCVIII, Ano XLI, fase. 490, p. 5 6 6 -7 ), em parecer sobre a m atéria, com inteira razão, esclareceu: "Na realidade, pensamos nós, nào é aos sócios propriam ente que assiste essa competência, mas sim à sociedade, cuja decisão é tom ada na form a da lei e do contrato. 0 instituto da exclusão existente para garantia da pessoa jurídica constitui sempre um ato desta, processado por meio de seus órgãos com pe­ tentes, geralm ente pela maioria, motivo pela qual é a sociedade, não os sócios, que deve requerer o registro da alteração contratual". Relativam ente à doutrina referida por M iguel Reale, pode-se ver, por todos, o magistério de Fran M artins (A exclusão de sócio nas socieda­ des por quotas, in D ireito societário, estudos e pareceres, Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 263) para quem “A exclusão do sócio da sociedade é ato desta, nào dos demais sócios indivi­

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dualm ente", citando, em seguida, não apenas M iguel Reale, mas, no âm bito do direito com ­ parado, Remo Franceschelli (D al vecchio a l nuovo d iritto com m erciale - Esclusione delsocio nellesocietò dipersone - Giuffrè, M ilão, 1970, p. 176), Giuseppe Ferri [Delle societó, Zanichelli, Foro Italiano, 1972, p. 298), Azevedo Souto [Lei das sociedades p o r quotas anotada, 3. ed., Coimbra, 1941, p. 85); e, aqui no Brasil, W aldem ar Ferreira ( Tratado das sociedades m ercan­ tis, v. III, n. 77). No que toca à jurisprudência, veja-se o seguinte Acórdão: "A affe ctio societatis, elem ento específico do contrato de sociedade comercial, caracteriza-se como uma vontade de união e aceitação das áleas comuns do negócio. Quando este elem ento não mais existe em relação a algum dos sócios, causando a impossibilidade de consecução do fim social, é plenam ente possível a dissolução parcial, com fundam ento no art. 3 3 6 , 1, do CCom, perm i­ tindo a continuação da sociedade com relação aos sócios remanescentes. 0 sócio que, sem motivos, se desajustar dos demais, com prom etendo a realização dos fins sociais, não deve ser levado ao sucesso de seus propósitos hostis com a extinção de toda a sociedade. A exclusão é a medida mais justa e eficaz" (AgRg em Agl n. 90.995/RS, 3* T., Rei. Min. Cláudio Santos, v. u., DJ, 1 5 -4 -1 9 9 6 , p. 11531). • Diz o parágrafo único que a exclusão somente poderá ser determ inada em reunião ou assem­ bleia especialmente convocada para esse fim . Além disso, é necessário que o sócio infrator seja cientificado, em tem po hábil, do m otivo da convocação, seja para perm itir seu com parecim ento, seja, ainda, para o exercício do direito constitucional à am pla defesa. • Para uma percuciente análise do tem a da exclusão de sócios nas sociedades anônim as, com am pla investigação do direito comparado, inclusive, confira-se a obra do mesmo nom e de autoria do Prof. Renato Ventura Ribeiro, Q uartier Latin, São Paulo, 2005.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 67, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A quebra da affectio societatis não é causa para a exclusão do sócio minoritário, mas apenas para dissolução (parcial) da socie­ dade".

JULGADOS • "Recurso especial. Negativa de prestação jurisdicional (omissão). Inexistência. Interesse de agir. Existência. Julgamento de questões afetas à liquidação de sentença e tratam ento desigual entre as partes. Ausência de prequestionamento. Incidência da Súmula 211/STJ. Reforma da sentença em grau de recurso. Alteração da verba sucumbencial. Julgamento extra petita. Não configuração. Ação de dissolução de sociedade comercial com apuração de haveres. Compromisso arbitrai. Re­ conhecimento. Impossibilidade. Súmulas 5 e 7/STJ. Arbitragem. Inaplicabilidade, in casu. Recurso improvido. 1. Não há que se falar em omissão no acórdão prolatado pelo Tribunal de origem, quando apreciadas todas as questões que lhe foram devolvidas pela apelação. 2. Encontra-se presente o interesse de agir do autor da ação, consubstanciado na necessidade do pronunciamen­ to judicial para a sua saída da sociedade comercial e na aptidão do procedimento adotado (ação ordinária de conhecimento). 3. 'Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo' (Súmula 2 1 1/STJ). 4. Não há julgamento extra petita nos casos de alteração da verba sucumbencial decorrente da reforma da sentença em grau de apelação. 5. Reconhecer a aplicação do compromisso arbitrai na ação de dissolução de sociedade comercial necessita do reexame do conjunto fático-probatório e de interpretação do contrato social, procedimento inviável nesta Corte nos termos das Súmulas 5 e 7/STJ. 6. Tendo o acórdão recorrido considerado que o compromisso arbitrai refere-se aos casos de recesso, exclusão ou morte do sócio, a sua aplicação não pode ser estendida à ação de disso­ lução de sociedade comercial. 7. 0 aforismo honestae vivere, alterum no laedere, suum cuique tribuere deve ser privilegiado pelo julgador quando da prolaçào de suas decisões. 8. Recurso es­ pecial improvido" (STJ, REsp 867.101/DF, 3aT., Rei. Min. Massami Uyeda, j. em 20-5-2010). • "Sociedade. Alteração unilateral do contrato. Exclusão ilegal de sócios. Necessidade de pagamen­ to dos haveres, de uma só vez, e pró-labore pela utilização do capital não devolvido. Elevação do

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valor arbitrado para a indenização do dano moral e para a verba honorária. Recurso dos requeri­ dos improvido, com observações. Recurso dos autores provido" (TJSP, Cãm. de Dir. Priv., Acórdão 0002778077, Rei. Des. Caetano Lagrasta Neto, j. em 3-2 -201 0). • "Agravo de instrumento. Açâo de exclusão de sócio. Antecipação da tutela. Inadmissibilidade. Quebra da 'affectio societatis' desafia juízo de cogniçáo exauriente, o que se contrapõe à nature­ za do presente instituto. Exclusão por simples conveniência não se mostra adequada, mesmo porque, o sócio/agravado já foi afastado da administração da sociedade em sede de cautelar, portanto, ausente o propalado dano. Agravo desprovido" (TJSP, 4* Cãm. de Dir. Priv., Acórdão 0002533925, Rei. Des. Natan Zelinschi de Arruda, j. em 3-9-2009). • "Dissolução parcial de sociedade. Ação de nulidade de decisão de exclusão de sócio, cumulada com pedido de dissolução parcial e apuração de haveres. Nulidade da decisão que excluiu o sócio mi­ noritário sem indicação dos motivos. Consenso entre as partes sobre o desaparecimento da affec­ tio societatis e da impossibilidade de prosseguimento em comum das atividades sociais. Socieda­ de já se encontra dissolvida parcialmente de fato, com o sócio minoritário afastado da governan­ ça e da administração da pessoa jurídica. Ação de dissolução parcial procedente. APURAÇÃO DE HAVERES. Apuração do valor da participação integralizada pelo sócio minoritário, a ser aferida no momento da citação, e não no momento da realização da perícia. Invalidade da decisão que de­ liberou a exclusão inapta a gerar efeitos jurídicos. Ganhos e perdas posteriores irrelevantes, e de risco ou proveito exclusivo dos sócios remanescentes. Apuração do valor real das quotas, median­ te levantamento em balanço de liquidação, com perícia contábil e de engenharia a serem realiza­ das em sede de liquidação. Valor do fundo de comércio e de outros ativos intangíveis a ser inclu­ ído na perícia. Crédito a ser pago de uma só vez, levando em conta o tempo já decorrido desde que foi o sócio afastado da administração da pessoa jurídica. Juros moratórios contados desde a citação na ação de dissolução parcial de sociedade, por se tratar de divida ilíquida. Juros de 12% ao ano após a vigência do Código Civil, em vista da interpretação dos tribunais superiores ao disposto no art. 406 do Código Civil. Recursos providos em parte" (TJSP, AC 401.757.4/2-00, Rei. Francisco Loureiro). • "Sociedade limitada. Ação de exclusão de sócio. Sócios que mantinham convivência marital. Com­ panheira que detinha 1% do capital social. Reconvençào visando à apuração de haveres. Proce­ dência da ação e improcedência da reconvençào. Inconformismo quanto à negativa de direito aos haveres. Desacolhimento. Comprovação de que a participação societária da ré constituía mera formalidade. Renúncia à meaçáo das cotas consignada em acordo judicial. Sentença proferida na dissolução de união estável que atribui a empresa exclusivamente ao varão. Prática de ato pela ré contrário ao interesse da sociedade, motivado por desentendimentos pessoais com o companhei­ ro. Sentença mantida. Observação quanto ao atendimento do prazo previsto no art. 1.033, IV, do Código Civil. Recurso desprovido, com observação" (TJSP, Ap. 196.876-4/8-00. Rei. Des. Grava Brasil.

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.086. Efetuado o registro da alteração contratual, aplicar-se-á o disposto nos arts. 1.031 e 1.032. H IS T Ó R IC O • 0 conteúdo deste artigo mantém a redação do projeto original, não tendo sido objeto de modifi­ cação na fase de tramitação do projeto no Congresso Nacional. Inexistia norma similar no Decre­ to n. 3.708/19.

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DOUTRINA • Cabe assinalar, inicialm ente, a im propriedade da remissão feita ao art. 1.032, motivo pelo qual o Deputado Ricardo Fiuza, no Projeto de Lei n. 7.1 60/200 2, propôs a eliminação de tal remissão. Com efeito, se a parte inicial desse art. 1.032 estabelece a responsabilidade do sócio excluído até dois anos após a averbação da decisão da sua exclusão, e se a parte final determ ina a sua responsabilidade pelas obrigações posteriores, até o período de dois anos, se não efetivada a averbação da exclusão, estar-se-ia agravando injustam ente a situação da­ quele que foi expulso da sociedade contra a sua própria vontade. Qual seria o fundam ento lógico ou axiológico para que um sócio excluído, pelo simples fato de não ter sido averbada a deliberação social ensejadora de tal exclusão, seja responsabilizado por atos da sociedade em relação aos quais não teve nenhum a participação e de maneira ainda mais gravosa do que a subsistente para os outros sócios remanescentes?... • Não há fundam ento nenhum e tal supressão, proposta pelo saudoso Deputado, efetivam en­ te se impõe. Já a referência ao art. 1.031 deve permanecer, pois é necessário que se proceda à pertinente apuração dos haveres do sócio excluído e essa apuração tanto poderá ocorrer de acordo com o estabelecido no contrato social - se houver previsão nesse sentido - ou segundo o balanço especialmente levantado, à data da exclusão, para verificação da situação patrim onial da sociedade, conform e preceituado naquele artigo.

JULGADOS • "Agravo interno. Sociedade. Dissolução parcial. Tutela antecipada concedida para determinar a retirada do sócio do quadro societário. Pretensão do agravante de que a ordem judicial determine a sua saída da sociedade desde a data acordada pelos sócios (01.09). Impossibilidade. Modificação do contrato social que só produz efeitos perante terceiros após a sua averbação, quando é dada publicidade ao ato para conhecimento geral. Acordo entre os sócios que apenas estabelece relação obrigacional entre as partes. Recurso manifestamente improcedente. Seguimento negado por decisão monocrática. Agravo interno improvido" (TJSP, 4* Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002704849, Rei. Des. Fernando Antonio Maia da Cunha, j. em 12-11-2009). • "Ação de dissolução de Sociedade por cotas de responsabilidade limitada. Autores que pugnam pela dissolução parcial da sociedade com a obrigatoriedade da retirada de três sócios, com cotas de 50% sobre o capital, sob o argumento de que são causadores da prática de atos graves que estavam colocando em risco a continuidade da empresa. Reconvenção apresentada pelos três sócios, em busca da dissolução integral da empresa. Sentença que julga improcedente o pedido inicial e procedente o pedido da reconvenção, decretando a dissolução total da sociedade. Prin­ cipio da preservação da empresa que deve ser observado. Sócios no total de seis, três deles pre­ tendendo permanecer com a empresa, sendo detentores de 50% do capital social. Prejuízos que não ocorreram para os sócios que se retirarão e que concordam com o término da empresa, o que por si só evidencia manifestação tácita em não continuar na empresa. Se a empresa encon­ tra-se ativa e regularizada, é possível continuar o seu ciclo social, beneficiando, desta forma, credores, empregados e os sócios remanescentes. Aos sócios insatisfeitos com a administração da sociedade, em como ela vem sendo conduzida, assiste o direito de ver excluídos os demais sócios (REsp 453.423/AL, Rei. Min. Humberto Gomes de Barros, 3* Turma julgado em 6 -4 -2 0 0 6 , DJ, 155-2006, p. 2006). Por tais razões, dá-se provimento ao recurso, dissolvendo-se parcialmente a empresa, com a exclusão dos sócios réus, restando improcedente a reconvenção. Ônus da sucumbência que deverão ser invertidos na proporção já fixada pelo Juízo de Primeiro Grau. Apuração de haveres que deverá ser procedida após o trânsito em julgado, para que sejam repartidos os lucros e os prejuízos" (TJRJ, 13» Câm. Civ., AC 2002.001.008406-2. Rei. Des. Sirley Abreu Biondi, j. em 19-3-2008). • "Dissolução de sociedade. Afastamento de sócios deliberado em assembleia. Inobservância das formalidades do processo convocatório. Ausência de participação dos referidos sócios. Ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório e aos ideais da democracia. Manutenção da decisão

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agravada. Recurso manifestamente improcedente. Inconformismo da agravante manifestado por meio de agravo interno. Necessidade de apreciação da matéria pelo colegiado. A assembleia, seja ela de que espécie for, com convocação por edital, ou sua dispensa por conhecimento dos sócios de suas circunstâncias e condições, especialmente a ordem do dia, deve ter o conhecimento de todos os sócios. Ora, se a deliberação em assembleia, como afirma a lei, é obrigatória como no caso em foco, a participação dos agravados na mesma era indispensável, pois continuam fazendo parte da sociedade e a sua motivação dizia respeito a eles diretamente. Saliente-se que nào foi dada a menor oportunidade dos agravados manifestarem qualquer arremedo de defesa. A maioria decidiu arbitrariamente, posto descumprida a lei, manifestando sua vontade, ferindo, contudo, e em especial o principio da ampla defesa e do contraditório e mesmo os ideais da Democracia, que nào permitem qualquer decisão sem a participação de todos. Recurso ao qual se nega provimen­ to" (TJSP, 16a Câmara Cível Processual Civil e Empresarial, Al 2006.002.065842-5, Rei. Des. Lindolpho Morais Marinho, j. em 5-8-2008).

DIREITO PROJETADO • PL n. 699/2011: Art. 1.086. Efetuado o registro da alteração contratual, apliear-se-ó o disposto no art. 1.031.

S e ç ã o V III



D a d is s o lu ç ã o

Art. 1.087. A sociedade dissolve-se, de pleno direito, por qualquer das causas previstas no art. 1.044. HISTÓRICO • Este artigo não foi objeto de nenhuma modificação durante a tramitação do projeto do Código Civil. Os arts. 335 a 353 do Código Comercial de 1850 disciplinavam o processo de dissolução e liquidação das sociedades comerciais, inclusive da sociedade limitada.

DOUTRINA • As hipóteses de dissolução da sociedade lim itada, quando esta deve iniciar seu processo de extinção, atenderão às mesmas situações do art. 1.033, aplicável por remissão expressa do art. 1.044 do Código Civil. Assim, são causas legais de dissolução da sociedade lim itada: a) o vencim ento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tem po indeterm inado; b) delibe­ ração da unanim idade dos sócios; c) deliberação da maioria absoluta dos sócios, na socieda­ de de prazo indeterm inado; d) a falta de pluralidade de sócios, nào reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; e) a extinção, na form a da lei, de autorização para funcionar. Além dessas causas, tal como já se concluiu, anteriorm ente, quer em relação às sociedades em nome coletivo, quer no tocante às sociedades em com andita simples, se a sociedade lim itada for constituída sob a form a de sociedade simples, ela será não empresária e, consequentemente, estará tam bém fora do regime da lei falim entar, assim como, de outro lado, quando a socie­ dade lim itada fo r organizada sob a form a de sociedade empresária e desempenhar objeto mercantil, sujeitar-se-á, tam bém , à falência como processo de dissolução (Lei n. 11.101/2005).

JULGADO • Tributário. Execução fiscal. Massa falida. Nome do sócio na CDA Redirecionamento. Possibilida­ de. 1. Ainda que regular a dissolução da pessoa jurídica por falência, é admissível o prosseguimen­ to da execução fiscal contra os sócios cujos nomes constam da CDA 2. Agravo regimental provi­

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Art. 1.088

do" (STJ, 2a T., AgRg no Al 1.058.751/RS, Rcl. Min. Eliana Calmon, Rei. para acórdão Min. Castro M eira.j. em 19-11-2009).

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza.

C ap ítu lo V — DA SOCIEDADE ANÔNIMA (*) A referência que se faz à sociedade anônim a e è sociedade em com andita por ações nos artigos seguintes, a despeito de já regulam entadas por lei especial, teve, segundo o legis­ lador, o objetivo de m anter esses dois tipos societários integrados ao sistema do Código Civil.

Seção Única — Da caracterização Art. 1.088. Na sociedade anônima ou companhia, o capital divide-se em ações, obrigando-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir. H IS T Ó R IC O • A redação deste dispositivo foi objeto de emenda na fase final de tramitação do projeto na Câ­ mara dos Deputados. A emenda foi apresentada com a finalidade de compatibilizar o conceito de sociedade anônima com a definição contida na legislação vigente, uma vez que o conceito primi­ tivo apresentava-se inteiramente defasado ao se referir à responsabilidade do acionista pelo valor nominal das ações de que fosse titular, quando, na moderna sociedade anônima, as ações da companhia, em sua expressiva maioria, não possuem mais valor nominal. A redação final da nor­ ma corresponde à definição da sociedade anônima contida no art. 1* da Lei n. 6.404/76.

DO DTR1NA • 0 Código Civil de 2002 veio respeitar a legislação especial que regula a sociedade anônim a. 0 art. 1.088 lim ita-se a form ular a definição legal dessa sociedade, que será sempre regida pelas "leis e usos do comércio" (Lei n. 6.4 04/76, art. 2», § 1*). Segundo a definição própria da sociedade anônim a, esta tem seu capital social dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas é lim itada pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir. Essa responsabilidade é pessoal, não havendo solidariedade entre os acionistas por eventuais obrigações assumidas pela sociedade. Cada acionista somente responde pelas ações que se obrigar a adquirir e que venha efetivam ente a realizar para a form ação do capital. Há cerca de oito anos, quando esse texto legal ainda se achava sob a form a de Projeto, assim me m a­ nifestei sobre esses dois artigos do Código Civil referentes às sociedades anônimas (A a tivi­ dade empresarial no âm bito do Projeto de Código Civil, in D ireito em presarial eontemporôneo, obra coletiva, 1. ed., São Paulo, Juarez de Oliveira, 2000, p. 47. Na 2* edição dessa obra, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2004, o texto citado acha-se à p. 81): "Trata-se de dois dispositivos inteiram ente inúteis, com o perdão da expressão. 0 primeiro reafirm a o que é absolutam en­ te consabido e o segundo estabelece algo que, na prática, será inaproveitável. É que não há, na verdade, omissões na Lei n. 6.4 04/76, ou na Lei n. 9.4 5 7 /9 7 , que possam ser suprimidas por algum a norma constante do Projeto. A ideia de o Projeto ser fo n te supletiva é plenam ente aceitável, mas, no caso, torna-se inteiram ente anódina”. M inha opinião continua a ser rigo­

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rosamente a mesma. De lá para eá, foi editada a Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, que entrou em vigor em 4 de março de 2002, atualizando a nossa lei acionária, seja alterando e acrescentando dispositivos na Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, seja na Lei n. 6.385, de 7 de dezembro de 1976. A dinâmica da sociedade por ações, portanto - fica mais uma vez evidenciado - , revelou-se incompatível com a estrutura pretensamente duradoura das gran­ des codificações... Ora, se a m atéria das sociedades anônimas sempre foi e continua sendo regida por diplomas legais específicos, resta saber qual sentido poderia remanescer para esse artigo, senão o de respeitar a legislação especial sobre a matéria. 0 próprio Prof. Sylvio M ar­ condes já esclarecera, com extrem a propriedade, no final da Exposição de M otivos de seu *A nteprojeto de Código das Obrigações" (Sociedades e exercício da atividade m ercantil, Ed. Imprensa Nacional, 1964, p. 3 1 -2 ): "Nenhum código moderno, e menos ainda o código de comércio, que abrange a disciplina dos setores fluídos do ordenam ento econômico, pode alm ejar substituir-se à legislação especial. A obra da codificação moderna - diferentem ente do que se fazia há um século - deve propor, sobretudo, o escopo de assinalar as linhas mes­ tras dos institutos, m ediante um certo núm ero de normas gerais mais duráveis, deixando à legislação especial a adaptação daquelas normas às circunstâncias contingentes. Esse o lim i­ te sistemático do anteprojeto". • Acresce mencionar, em relação à 6* edição desta obra, que outra modificação ocorreu recen­ tem ente. A Lei n. 11.638, de 28 de dezembro de 2007, alterou e revogou dispositivos da Lei n. 6.404, de 1976. Os arts. 176 a 179, 181 a 184, 1 8 7 ,1 8 8 ,1 9 7 , 199, 22 6 e 24 8 passaram a vigorar com nova redação; incluiu-se o art. 1 9 5 -A e foram revogadas as alíneas c e d do § 1° do art. 182 e o § 2» do art. 187. A alteração legislativa, em apertada síntese, no que diz res­ peito às sociedades por ações, ocupou-se em trazer novas disposições sobre suas dem onstra­ ções financeiras.

Art. 1.089. A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código. HISTÓRICO • Durante a tramitação do projeto do Código Civil não foi apresentada qualquer emenda a esta disposição, que manteve o mesmo conteúdo do projeto original. A disciplina legal da sociedade anônima encontra-se regulada pela Lei n. 6.404/76 e suas atualizações posteriores.

D O U T R IN A • A sociedade anônim a, típica sociedade empresária (art. 982, parágrafo único), rege-se por lei especial. 0 atual Código Civil lim itou-se a reconhecer e ordenar essa remissão necessária para a legislação de direito comercial. A vigente Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6 .4 04/76) é o diploma legal que deve reger e regular a constituição e funcionam ento dessa espécie so­ cietária de natureza em inentem ente mercantil. Somente em caso de omissão da Lei das So­ ciedades Anônimas, ou seja, na hipótese de lacuna da lei especial, é que poderão ser aplicadas as normas gerais do Código Civil que regem as sociedades empresárias. Diante dessa realida­ de - e considerada a possibilidade quase inexistente de uma aplicação subsidiária do Código Civil ao regram ento das sociedades anônimas - esse dispositivo parece revelar-se absoluta­ m ente inócuo.

• Poder-se-ia argum entar, em sentido co ntrá rio, que essa disposição do art. 1.089, seria de inegável utilid a d e prática, sempre que houvesse algum a lacuna na atual disciplina norm ativa da sociedade por ações. Por mais que se tente, todavia, fica d ifíc il im aginar qual dispositivo do Código Civil poderia, eventualm ente, ser utiliza d o em algum a hipótese de lacuna da Lei das Sociedades por Ações, seja porque esta, com mais de trezentos artigos e já objeto de

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Arts. 1.090 e1.091

várias alterações desde a sua redação original, parece mais do que suficiente para bastar-se a si mesma, seja porque as disposições gerais do Código não parecem fornecer nenhum ad minículo que efetivam ente possa servir de norma subsidiária ao diploma acionário específico. A aplicação do Código Civil para suprir eventual lacuna da lei especial poderia, ao contrário, apresentar algo de perigoso. Suponha-se, p. ex., a hipótese de uma sociedade entre marido e m ulher, não prevista na Lei n. 6 .4 0 4 /7 6 ou nas alterações posteriores e regulada, de maneira parca, pelo Código Civil. Como a redação do art. 1.089 alude à aplicação subsidiária deste últim o diploma àquela, utilizando a expressão"nos casos omissos” e não, simplesmente, “no que couber*, poder-se-ia entender possível uma sociedade aberta entre marido e mulher, com ações cotadas na Bolsa de Valores, conform e m uito bem destacado por A lfredo Gonçalves de Assis Neto, em inente Professor Titular da Universidade Federal do Paraná, na I Jornada de Direito Civil, realizada em Brasília.

E N U N C IA D O D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 230, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A fusão e a incorporação de sociedade anônima continuam reguladas pelas normas previstas na Lei n. 6.404/76, não revogadas pelo Código Civil (art. 1.089), quanto a esse tipo societário".

C ap ítu lo VI — DA SOCIEDADE EM COMANDITA POR AÇÕES Art. 1.090. A sociedade em comandita por ações tem o capital dividido em ações, re­ gendo-se pelas normas relativas à sociedade anônima, sem prejuízo das modificações constantes deste Capítulo, e opera sob firma ou denominação. H IS T Ó R IC O • Este dispositivo não foi objeto de emenda durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. A sociedade em comandita por ações tem suas normas especiais constantes da Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76, arts. 280 a 284).

D O U T R IN A • A sociedade em com andita por ações é um tipo societário pouco usual ou considerado menor pela doutrina (Fábio Ulhoa Coelho, Curso de direito comercial, 10. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, v. 2, p. 475), porque, mesmo sendo organizada à semelhança da sociedade anônim a, com seu capital dividido em ações, os acionistas diretores da sociedade respondem em cará­ ter subsidiário e ilim itado pelas obrigações sociais. Seu nom e empresarial pode ser form ado pela firm a social, que identificará os acionistas administradores, ou por denominação, do modo como adotado pela sociedade anônim a (Lei n. 6.404/76, art. 4«), sempre acompanhado da expressão "com andita por ações", por extenso ou abreviadam ente (Lei n. 6.4 04/76, art. 281, parágrafo único). Como bem esclarece o citado au tor [idem , ibidem), “A menção a esses tipos societários menores, por isso, tem o sentido form al de registro do direito positivo, qua­ se uma curiosidade histórica. Nada, hoje em dia, justifica a tecnologia jurídica se deter, d e m oradam ente, sobre o assunto".

Art. 1.091. Somente o acionista tem qualidade para administrar a sociedade e, como diretor, responde subsidiária e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade. § Se houver mais de um diretor, serão solidariamente responsáveis, depois de es­ gotados os bens sociais.

Art. 1.092

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§ T- Os diretores serão nomeados no ato constitutivo da sociedade, sem limitação de tempo, e somente poderão ser destituídos por deliberação de acionistas que representem no mínimo dois terços do capital social. § 3? O diretor destituído ou exonerado continua, durante dois anos, responsável pelas obrigações sociais contraídas sob sua administração. HISTÓRICO • A redação final da norma é a mesma do projeto original. Seu conteúdo reproduz as mesmas regras constantes do art. 282 da Lei n. 6.404/76, que regula a responsabilidade dos administradores na sociedade em comandita por ações.

DOUTRINA • 0 cargo de adm inistrador da sociedade em com andita por ações é privativo dos sócios, nào podendo haver delegação a terceiros estranhos à sociedade. A responsabilidade do adminis­ trador é ilim itada, podendo seus bens particulares ser alcançados na execução de dívidas da sociedade, mas somente após esgotado todo o patrim ônio social (responsabilidade subsidiá­ ria). Se a diretoria da sociedade fo r integrada por dois ou mais acionistas, existirá tam bém entre estes responsabilidade solidária pelas obrigações sociais. Os membros da diretoria serão designados pelo estatuto da sociedade no m om ento de sua constituição, para exercício da adm inistração por tem po indeterm inado. A destituição de acionista diretor somente poderá ocorrer com a aprovação de acionistas titulares de dois terços do capital social. 0 adm inis­ trador que se afastar, voluntária ou involuntariam ente, da diretoria da sociedade em com an­ dita permanece responsável, pelo prazo de dois anos, pelas obrigações sociais existentes na data de sua retirada ou destituição.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 59, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: “Os sociogestores e os administra­ dores das empresas são responsáveis subsidiária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de má gestão ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, consoante estabelecem os arts. 99 0,1.009 , 1.016,1.017 e 1.091, todos do Código Civil'.

Art. 1.092. A assembleia geral não pode, sem o consentimento dos diretores, mudar o objeto essencial da sociedade, prorrogar-lhe o prazo de duração, aum entar ou diminuir o capital social, criar debêntures, ou partes beneficiárias. HISTÓRICO • Nenhuma emenda foi apresentada a este dispositivo na tramitação do projeto no Congresso Na­ cional. Com exceção da referência à participação em grupo de sociedades, a redação da norma é a mesma do art. 283 da Lei n. 6.404/76.

DOUTRINA • Ainda que a assembleia geral de acionistas seja a instância máxima de deliberação na socie­ dade em com andita por ações, como nos demais tipos societários, os acionistas que integram a administração e que têm responsabilidade ilim itada pelas obrigações sociais, mesmo parti­ cipando m inoritariam ente do capital, dispõem de poder de veto em determinadas matérias de relevante im portância para a sociedade. Assim, quando se tra ta r de decisão afeta à alte­ ração do objeto essencial da sociedade, da prorrogação de seu prazo de duração, de aum en­ to ou dim inuição do capital e para emissão de debêntures ou partes beneficiárias, além da

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Art. 1.093

aprovação pela assembleia geral, a eficácia da deliberação dependerá da concordância dos acionistas diretores.

C ap ítu lo VII — DA SOCIEDADE COOPERATIVA Art. 1.093. A sociedade cooperativa reger-se-á pelo disposto no presente Capítulo, ressalvada a legislação especial. HISTÓRICO • Este artigo foi objeto de emenda de redação na parte final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, mas apenas para aperfeiçoamento de sua estrutura redacional. A sociedade coo­ perativa encontra-se regulada na Lei n. 5.764/71, que contém as normas especiais para sua regên­ cia. Autorizada doutrina sustenta a necessidade de uma nova disciplina normativa para as socie­ dades cooperativas tendo em conta o importante papel que desempenham na atualidade. Vejam -se, a propósito, as seguintes considerações a respeito do Professor Arnoldo Wald (Comentários ao Código Civil, Rio de Janeiro, Forense, v. XIV, p. 600): “Efetivamente, embora sejam apenas quatro os artigos do Código Civil, que tratam da matéria, parecendo ter realizado tão somente modificações pontuais em relação à legislação anterior, podem surgir várias dúvidas em matéria de interpretação no confronto dos dois textos, justificando-se, pois, a elaboração de uma nova legislação atualizada, que esteja mais de acordo com o contexto econômico e social do terceiro milênio".

DOUTRINA • O saudoso Professor M iguel Reale, na Exposição de Motivos ao Anteprojeto, preconizara a existência de normas genéricas para as sociedades anônimas e para as sociedades coopera­ tivas, sem prejuízo da legislação especial existente para cada uma delas. A sociedade coope­ rativa encontra-se definida pelo art. 3o da Lei n. 5.764/71, do seguinte modo: "Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocam ente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro". É a cooperativa, pois, um tipo peculiar de sociedade, que poderá ser cons­ tituída mesmo sem capital, mas apenas com serviços, nào tendo finalidade lucrativa. Por isso que o art. 4® da Lei n. 5.764/71 afirm a que as cooperativas são "sociedades de pessoas, com form a e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência", destacando que estas não possuem natureza m ercantil. Os arts. 1.093 a 1.096 do Código Civil estabelecem as regras gerais de regulação da sociedade cooperativa, sendo complementadas pelas normas da legislação especial. • No que se refere ao regime jurídico aplicável às cooperativas em geral, trata-se de matéria sujeita a numerosas controvérsias, dada a característica inquestionavelm ente peculiar desse tipo societário. Embora nào seja este o m om ento mais adequado para penetrar-se na brenha das discussões existentes a respeito da verdadeira natureza jurídica das cooperativas, a dou­ trina chega mesmo a m encionar a existência de um chamado Direito Cooperativo [cf., exem plificativam ente, M iguel Reale, Lições prelim inares de direito, São Paulo, Bushatsky, 1974, p. 408; W aldirio Bulgarelli, As sociedades cooperativas e sua disciplina jurídica, Renovar, 2. ed. rev. e atual., 2000, p. 104 e s., nas quais esse au tor faz referência à tese por ele apresentada à Faculdade de Direito de São Paulo, em 1967, defendendo a ideia de um Direito Cooperati­ vo; Renato Lopes Becho, Elementos de direito cooperativo (de acordo com o novo Código Civil), São Paulo, Dialética, 2002, p. 21 e s ., nas quais esse au tor defende a autonom ia do Direito Cooperativo; Modesto Carvalhosa, Com entários ao Código Civil, São Paulo, Saraiva,

Art. 1.093

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2003, v. 13, p. 399], dem andando a m atéria investigação cuidadosa, dado o caráter peculiar ou suigeneris de tais instituições, reconhecido tan to no plano doutrinário, quanto no legis­ lativo. No tocante ao âm bito doutrinário, já Pontes de M iranda ( Tratado de direito privado, Parte Especial, tom o XLIX, 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, § 5.247, p. 429) destacava essa peculiaridade das sociedades cooperativas, explicitando-a nos seguintes termos: "A sociedade cooperativa é sociedade em que a pessoa do sócio passa à frente do elem ento econômico e as conseqüências da pessoalidade da participação são profundas, a ponto de to rn á-la espécie de sociedade". 0 Eminente Professor Arnoldo W ald [Da natureza e do regime jurídico das cooperativas e do sócio dem itido ou que se retira da sociedade, in Revista dos Tribunais, Ano 84, jan. 1995, v. 711 e, igualm ente, em Com entários ao Novo Código Civil, Livro II - Do D ireito da Empreso, v. XIV, Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.), Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 602] tam bém põe em realce esse caráter, como se pode ver: "Consoante proclamam os doutrinadores e magistrados, à luz da legislação atinente, as sociedades coo­ perativas ostentam natureza jurídica sui generis, caracterizando-se precipuam ente por sua finalidade, e pela nítida configuração de sociedade de pessoas, tendo um regime próprio, ao qual não se aplicam, necessariamente, todas as demais normas do Direito Societário, preva­ lecendo sempre as regras estatutárias e, eventual e subsidiariamente, as normas de direito civil. Até hoje, ainda é motivo de intensos debates a real caracterização jurídica da coopera­ tiva - se em inentem ente societária, ou se diferente e peculiar. A respeito Georges Ripert assinalou, com inteira procedência, que os cooperados são, ao mesmo tem po, os sócios da cooperativa e os destinatários de sua atividade, ou seja, ao mesmo tem po, associados e clien­ tes". • 0 saudoso Prof. M iguel Reale, em estudo ao anterior Código e especifico sobre a natureza jurídica das cooperativas (Questões de direito, Sugestões Literárias, 1. ed., 1981, p. 259), já houvera proclamado que tais entidades “podem e devem ser consideradas sociedades desde que com este term o se entenda - tal como se fez no Projeto de Código Civil em tram itação na Câmara dos Deputados (Projeto de Lei n. 634, de 1975, de iniciativa da Presidência da República) - toda form a de organização de atividade econômica que tenha por escopo a produção ou a circulação de bens ou de serviços". Modesto Carvalhosa, com a propriedade de sempre, assim discorreu sobre a natureza jurídica da sociedade cooperativa: "E uma socie­ dade de pessoas, vale dizer, constituída preponderantem ente em razão de qualidades indivi­ duais de seus sócios [in tu itu personae), não obstante a Lei n. 5.764/71 estabeleça no referido art. 4», de form a bastante confusa, que as cooperativas possuem 'form a e natureza jurídica próprias, de natureza civil'. Dessa form a, a lei de 1971 prim eiram ente declara existir uma natureza jurídica própria das sociedades cooperativas para, em seguida, de form a contradi­ tória, classificar esse singular tipo societário como de 'natureza civil'. Diante da evidente contradição encontrada nesse dispositivo legal, entendia-se, na vigência do Código Civil de 1916, que as cooperativas possuíam natureza jurídica própria. Isso porque, conform e se verificará adiante, no exercício das atividades que lhe são particulares (os de­ nominados 'atos cooperativos'), a cooperativa sujeita-se às regras de um ram o do direito próprio, o Direito Cooperativo, que transcende as regras comuns de Direito Civil ou Comercial". E arrem ata-nos esse ilustre professor, de form a absolutam ente perem ptória: “Contudo, o Código Civil de 20 02 pôs fim a essa controvérsia, estabelecendo em seu art. 982, parágrafo único, que, independentem ente de seu objeto, a cooperativa terá sempre natureza jurídica de sociedade simples". Renato Lopes Becho, em percuciente estudo a respeito da matéria, após cotejar os arts. 44, 53 e 981 do Código Civil de 2002, assinala, com firm eza, que: "Dian­ te desse texto, caem por terra as vacilações antes existentes. 0 substrato econômico passa a diferenciar associações de sociedades, definindo m elhor seus contornos. Por certo que as cooperativas, pelo menos em sua maioria, visam uma atividade econômica, e serão classifi­ cadas, por isso, como sociedades. Os demais termos da definição serão m elhor verificados no próximo capítulo, mas já resta assentada a natureza societária das cooperativas, em contra­

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Art. 1.093

ponto a uma eventual natureza associativa. Se bem que, na m ultiplicidade das possibilidades de atuação cooperativada, podem existir eventualm ente atividades mais associativas do que societárias. É como nos parece ser com as chamadas cooperativas sociais. As demais form as de atuação cooperativada, as mais comuns e tradicionais, terão o cunho econômico, consti­ tuindo-se, em decorrência disso, como sociedades, e nào como associações, dentro das cate­ gorias do Direito Civil". W aldirio Bulgarelli, no já citado estudo exaustivo a que procedeu, depois de apontar as quatorze principais características das sociedades cooperativas, conclui: "Apenas um desses pontos característicos é comum às sociedades capitalistas, porém, decor­ re da própria natureza da sociedade cooperativa, que é o fa to de ela ser sociedade de pesso­ as, já que ainda as há no setor capitalista, embora em pequena escala, suplantadas que foram pelas sociedades de capitais. Os demais são todos originais das cooperativas e as tornam totalm ente distintas dos outros tipos de sociedades existentes no direito dos vários povos". E, para encerrarmos as conceituações feitas no âm bito doutrinário, quadra referir a disserta­ ção de mestrado de M aria Cecília Ladeira de Alm eida (As sociedades cooperativas como form a de desenvolvimento dos projetos de assentam ento dos núcleos rurais) apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em 1996, na qual essa autora rem ata: "Tentar classificar cooperativas em civil ou comercial é negar a sua própria existência. Nào há como negar várias características comuns entre as sociedades anônimas e as sociedades cooperativas: ambas exploram a empresa econômica e possuem um corpo de sócios amplo, ou pelo menos uma estrutura que com porta grande núm ero de sócios; ambas contêm vida estatutária que se estende aos demais sócios que venham a se incorporar após a sua consti­ tuição; ambas evidenciam o mesmo tipo de responsabilidade. Mas estas considerações nào podem levar o estudioso à equívoca conclusão de que as sociedades cooperativas não são sociedades de pessoas". • Independentem ente de seu objeto, as cooperativas passam a ser consideradas sociedades simples, a teor do disposto no art. 982 deste Código. Não obstante, continuam a te r seus atos arquivados na Junta Comercial, em face da ressalva na parte final do art. 1.093 combinada com a regra do art. 1.096. Nesse sentido foi a conclusão da I Jornada de Direito Civil, prom o­ vida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no Superior Tribunal de Justiça, no período de 11 a 13 de setembro de 2002, in verbis: “As sociedades cooperativas são sociedades simples sujeitas a inscrição nas juntas comerciais" (sobre a m atéria, vide, ainda, os nossos comentários ao art. 1.150). Na IV Jornada de Direito Civil, igualm ente reali­ zada em Brasília, a m atéria veio novam ente à balha em razão de proposta de Enunciado form ulada pelo E. Prof. Silvio de Salvo Venosa no sentido de ser com petente o Registro Civil da Pessoa Jurídica da sede da sociedade cooperativa para o arquivam ento e registro de seus atos constitutivos, apresentando-se como fundam ento as normas dos arts. 1.093, 1.096 e 1.150 do Código Civil, além da não recepção dos arts. 17 a 2 0 da Lei 5.764/71 pela Constitui­ ção Federal de 1988. Após acalorados debates no âm bito do Grupo do Direito de Empresa, a proposta foi rejeitada por maioria de votos, m antendo-se a orientação interpretativa adota­ da na I Jornada.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 69, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "As sociedades cooperativas são sociedades simples sujeitas à inscrição nas juntas comerciais".

JULGADO • "Apelação civel. Declaratória. Cooperativa. Natureza distinta de associação. Impossibilidade de substituição processual. Ilegitimidade ativa ad causam. Princípio da dialeticidade não violado. Recurso conhecido e improvido. Ainda que se evidencie um desenvolvimento confuso das teses recursais, não se pode atribuir à matéria devolvida a apreciação pelo órgão Colegiado, a pecha da violação ao principio da dialeticidade, quando se observa alguma conexão com os fundamentos

Art. 1.094

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da sentença. A Lei n. 5.764, de 1971, alterada pela Lei n. 7.231 de 1984, define a política nacional de eooperativismo, instituindo o regime jurídico das sociedades cooperativas, vindo o Código Civil de 2002, a dispor expressamente sobre seu aspecto empresarial. Segundo o art. 6Ú do Código de Processo Civil, "ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autoriza­ do por lei". Ainda que reste expressamente consignado em seu estatuto social das cooperativas, a possibilidade de representação de seus cooperados, judicial ou extrajudicialmente, bem como reste comprovada a sua constituição há mais de um ano, não se trata de uma associação, a teor do comando constitucional (art. 5o, XXI), devendo ser reconhecida a sua ilegitimidade ativa ad causam quando atua em substituição processual de seus cooperados" (TJMG, 11a Câm. Civ., Pro­ cesso 1.0024.06.248810-1/002, Rei. Des. Marcelo Rodrigues, j. em 17-6-2009).

Art. 1.094. São características da sociedade cooperativa: I — variabilidade, ou dispensa do capital social; II — concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a administração da sociedade, sem limitação de número máximo; III — limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar, IV — intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança; V — quorum, para a assembleia geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios presentes à reunião, e não no capital social representado; VI — direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a so­ ciedade, e qualquer que seja o valor de sua participação; VII — distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado; VIII — indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução da sociedade. HISTÓRICO • Nenhuma alteração foi introduzida neste dispositivo durante a tramitação do projeto no Congres­ so Nacional. Esta norma modifica algumas das características da sociedade cooperativa que constavam do art. 4® da Lei n. 5.764/71.

D O U T R IN A • 0 dispositivo descreve as características da sociedade cooperativa - as quais já revelam o seu caráter inquestionavelm ente sui g e n e r is -, pouco alterando o que já dispusera o retrorreferido art. 4« da Lei n. 5.764/71. Assinale-se, desde logo, que três incisos desse art. 4°, de n. IX, X e XI, relativos, respectivamente, à neutralidade e indiscriminaçào religiosa, racial e social; à prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa; e, por fim , à área de admissão de associados lim itada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços, conquanto não reproduzidos no Código Civil, permanecem em vigor. A cooperativa é uma espécie de sociedade não empresária de cunho em inentem ente democrático, na qual todos os sócios participam igualitariam ente, sejam como prestadores de capital, sejam como prestadores de serviços. A inexistência de núm ero máximo de sócios diz respeito ao caráter aberto e dem ocrático da entidade, não havendo nenhum interesse em lim itá-lo . Já com relação ao núm ero mínimo, dispunha o art. &- da Lei n. 5.764/71 ser necessário, para a constituição de cooperativas singulares, o núm e­ ro m ínim o de vinte sócios, tendo o inciso II deste art. 1.094 flexibilizado tal exigência, per­

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Art. 1.095

m itindo è sociedade cooperativa ser constituída com o núm ero de sócios necessário, apenas, para com por a sua administração. Como a cooperativa tem normas próprias de administração, com órgãos colegiados, é óbvio que nào se poderá adm itir a constituição de uma cooperativa de dois sócios. 0 núm ero mínimo será aquele indispensável à adm inistração da sociedade, incluindo-se nele o necessário à composição de todos os seus órgãos deliberativos. Indubitável o caráter personalíssimo da sociedade cooperativa, isto é, as quotas são intransferíveis a terceiros, mesmo por m otivo de herança. Mas tal aspecto da intransferibilidade não constitui empeço a que novos sócios ingressem na sociedade m ediante a criação e emissão de novas quotas. 0 direito de voto na cooperativa é individual, por cabeça, e não segundo a participa­ ção de cada sócio no capital. O estatuto da sociedade cooperativa tam bém deverá lim itar o núm ero de quotas que cada sócio, isoladamente, poderá possuir. Todavia, a distribuição de resultados não será igualitária, mas sim proporcional às operações e negócios que o sócio realizar com a sociedade.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 206, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A contribuição do sócio exclu­ sivamente em prestação de serviços é permitida nas sociedades cooperativas (art. 1 .0 9 4 ,1) e nas sociedades simples propriamente ditas (art. 983, 2» parte)".

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado. • PLn. 699/2011: Art. 1.094. As sociedades cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: IX - neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social; X - prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empre­ gados da cooperativa.

Art. 1.095. Na sociedade cooperativa, a responsabilidade dos sócios pode ser limitada ou ilimitada. § 1- É limitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio responde somente pelo valor de suas quotas e pelo prejuízo verificado nas operações sociais, guardada a pro­ porção de sua participação nas mesmas operações. § 2?- É ilimitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio responde solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. HISTÓRICO • A redação final desta disposição é a mesma do projeto original. Os arts. 11 e 12 da Lei n. 5.764/71 previam as mesmas duas hipóteses de responsabilidade na sociedade cooperativa, limitada ou ilimitada, mas não com relação aos sócios, e sim à sociedade.

DOUTRINA • As cooperativas podem ser classificadas de diversas formas: tanto quanto ao ramo de a tivi­ dade que exercem (habitacionais, de crédito, de prestação de serviços, de compra e venda

Art. 1.096

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comum etc.). quanto ao regime de responsabilidade dos sócios cooperativos. Em relação a este segundo critério, podem elas ser limitadas, nas quais a responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais vai até o respectivo capital subscrito (art. 11 da Lei n. 5.764/71), como podem ser ilimitadas, quando subsiste a responsabilidade pessoal e solidária pelas dívidas sociais, ainda que em caráter subsidiário, conform e a dicção do art. 12 dessa mesma lei. A disposição do art. 1.095 parece de espectro mais am plo do que as mencionadas disposições, perm itindo que, numa mesma cooperativa, possam existir sócios com responsabilidade lim itada e com responsabilidade ilim itada, tal como ocorre, exem plificativam ente, nas sociedades em com an­ dita. No primeiro caso, a responsabilidade do sócio consiste no pagam ento do valor de suas quotas e na obrigação de suportar o prejuízo decorrente das operações das quais o sócio tenha diretam ente participado. No segundo caso, isto é, nas cooperativas em que a respon­ sabilidade do sócio fo r ilim itada, poderá ele responder com seu patrim ônio pessoal pela execução de dívidas sociais, em caráter solidário com os demais sócios de responsabilidade ilim itada, mas subsidiariamente em relação à sociedade, sendo o patrim ônio desta excutido pelos credores em primeiro lugar.

JU LG A D O • “Agravo de instrumento interposto contra decisão que deferiu a desconsideração da personalida­ de jurídica de cooperativa agrícola devedora. Inconformismo dela firm e nas teses de que (1) não se pode falar em aplicação do art 50 do CC/2002 porque teve decretada sua liquidação extraju­ dicial; (2) a responsabilidade de seus sócios é limitada; e (3) possui bens para garantir a execução. Acolhimento. Questão que deve ser solvida nos termos do art. 1.093 do CC/2002 e pela Lei n. 5.764/71. Responsabilidade limitada dos sócios que só será solidária havendo demonstração de culpa ou dolo por parte deles. Recurso provido. No sistema de cooperativa todos são sócios e, portanto, não se pode aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica a partir de suposições ou alegações genéricas" (TJSP, 11â Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002468731, Rei. Des. Paulo Dias de Moura Ribeiro, j. em 30 -7-20 09).

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.096. No que a lei for omissa, aplicam-se as disposições referentes à sociedade simples, resguardadas as características estabelecidas no art. 1.094. H IS T Ó R IC O • Este artigo não foi objeto de qualquer modificação durante a tramitação do projeto no Congres­ so Nacional. Não há paralelo no Código Civil de 1916 ou na legislação especial da sociedade co­ operativa.

D O U T R IN A • 0 parágrafo único do art. 982, retroanalisado, enquadra a sociedade cooperativa como so­ ciedade simples, vale dizer, como sociedade não empresária. Assim, quando houver lacunas na legislação especial, devem ser aplicadas as normas que regem a sociedade simples (arts. 9 9 7 a 1.038), desde que respeitadas as características peculiares da sociedade cooperativa definidas no art. 1.094 acima.

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Art. 1.097

C ap ítu lo VIII — DAS SOCIEDADES COLIGADAS f)

A denominação deste Capítulo foi modificada na fase final de tram itação do projeto na Câmara dos Deputados, visando reduzir, ainda que parcialm ente, evidente incom patibilida­ de conceituai entre as disposições do Código Civil e a legislação das sociedades anônimas, que regulam as relações de participação societária. O mais correto seria a denominação deste capítulo como “Das sociedades coligadas, controladoras e controladas", como se apresenta na Lei n. 6.4 04/76. A expressão "sociedades ligadas" foi afastada em nome da m elhor técnica jurídica, uma vez que era um conceito estranho ao direito societário. As relações de coligação genérica são relações de participação de uma sociedade em outra, detendo ou nào seu controle. Todavia, para m elhor expressão dos conceitos abrangidos por este capítulo, deverá ele ser objeto de aperfeiçoam ento mediante projeto de lei de revisão.

Art. 1.097. Consideram-se coligadas as sociedades que, em suas relações de capital, são controladas, filiadas, ou de simples participação, na forma dos artigos seguintes. H IS T Ó R IC O • O título deste Capitulo VIII e o enunciado pelo art. 1.097 foram objeto de emenda na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, em que a expressão "ligadas" foi substituída por "coligadas". A expressão "sociedades ligadas", ainda que de maior amplitude, era estranha aos conceitos e institutos de direito societário. O conceito jurídico correto e corrente sempre foi "so­ ciedade coligada", porque ambas estão sujeitas, igualmente, a um mesmo controle no grupo de sociedades de que fazem parte, conforme nos ensina a melhor doutrina (Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, A Lei das S A , Rio de Janeiro, Renovar, 1992, p. 245-6). Assim, a expressão "sociedades ligadas" foi substituída por "sociedades coligadas", conceito que exprime o atual entendimento legal (Lei n. 6.404/76, art. 243) e doutrinário, e adotada, igualmente, pelo próprio projeto (art. 1.188, parágrafo único). A coligação passa assim a ser compreendida tanto em sen­ tido amplo, significando relação de controle, como em sentido estrito, quando nào existe vinculaçáo entre sociedades integrantes de um mesmo grupo econômico.

D O U T R IN A • Sociedades coligadas, em sentido am plo, são aquelas vinculadas a uma ou mais empresas sujeitas à mesma relação de controle, integrantes do mesmo grupo econômico. Nesse senti­ do am plo, constitui gênero no qual se compreendem três espécies: sociedades controladas, filiadas e de simples participação, na dicção adotada pelo artigo. Há, porém, outras espécies. Conform e o magistério de Fábio Ulhoa Coelho (Curso de direito comercial, 27. ed., São Pau­ lo, Saraiva, 2007, v. 2, p. 490), “as sociedades podem ligar-se por relações de controle ou coligação, como subsidiária integral, participação em grupos ou por consórcio". No caso do enunciado deste art. 1.097, a vinculação decorre de relações de capital, quando uma sociedade detém participação no capital de outra sociedade, exercendo ou não seu controle. Em senti­ do estrito, entende-se por sociedades coligadas aquelas em que uma participa do capital da outra, com dez por cento ou mais, sem controlá-la (cf. § 1® do art. 243 da Lei n. 6.404/76). As notas explicativas dos investimentos relevantes, exigidas nas demonstrações financeiras das sociedades anônimas relativam ente às sociedades controladas, tam bém devem ser observadas no que se refere às sociedades coligadas, a teor do art. 247 da referida Lei n. 6.404/76. Sobre a vedação da participação recíproca entre a sociedade anônim a e suas coligadas, v. art. 244 dessa mesma lei. Sobre a proibição de a sociedade participar de outra, que seja sua sócia, por m ontante superior, segundo o balanço, ao das próprias reservas, excluída a reserva legal, v. art. 1.101, infra.

Art. 1.098

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JULGADO • “Agravo de instrumento. Falência. Incidente processual. Desconsideração da personalidade jurídi­ ca. Sociedades coligadas. Decisão que determinou a indisponibilidade de bens e bloqueio de fatu ­ ramento líquido. Empresa que não faz parte do grupo econômico. Ilegitimidade passiva. Sob a ótica do direito civil e comercial, o conceito de ‘grupo econômico' é restrito, ao contrário da in­ terpretação conferida pela Justiça do Trabalho. De acordo com os arts. 1.097 a 1.101 do CC/2002, é necessário o preenchimento de diversas circunstâncias para se caracterizar a formação de um grupo, como, por exemplo, a subordinação da empresa ao controle ou administração de outra sociedade ou, então, que seja ela a controladora ou administradora das demais" (TJMG, 3* Câm. Civ., Processo 1.0024.07.799352-5/003, Rei. Des. Silas Vieira, j. em 7-8-2008).

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.098. É controlada: I — a sociedade de cujo capital outra sociedade possua a maioria dos votos nas deli­ berações dos quotistas ou da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos adminis­ tradores; II — a sociedade cujo controle, referido no inciso antecedente, esteja em poder de outra, mediante ações ou quotas possuídas por sociedades ou sociedades por esta já contro­ ladas. HISTÓRICO • 0 inciso I deste artigo foi corretamente alterado por emenda do Deputado Ricardo Fiuza aprova­ da na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados. A redação original do inciso I apresentava-se absolutamente defasada diante dos modernos institutos e conceitos do direito societário. A emenda corrigiu essa evidente distorção conceituai, adaptando a definição de acio­ nista controlador ao enunciado pelos arts. 116 e 243, § 2°, da Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76), impedindo, outrossim, que o Código Civil de 2002 entrasse em vigor apresentando uma inafastável contradição em face das normas especiais supervenientes a sua elaboração.

DOUTRINA • A relação de controle de uma sociedade por outra depende da ocorrência sim ultânea de dois fatores: a) a titularidade da maioria do capital com direito a voto; e b) o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade controlada. Na hipótese do inciso I, ocorre a rela­ ção de controle direto de uma sociedade por outra. Já no caso do inciso II, a relação de controle é indireta, existindo entre a sociedade controlada e a controladora superior, deno­ minada holding, outras sociedades que tam bém participam do capital da controlada. 0 § 2o do art. 243 da Lei n. 6.4 04/76, de modo mais preciso, define essas relações de controle direto e indireto, por meio de sociedades interpostas. • A insuficiência da definição de sociedade controlada fornecida por este artigo é palmar, ainda que o esforço do Deputado Ricardo Fiuza tenha sido, efetivam ente, m eritório. M uito antes da entrada em vigor do novo Código, tive a oportunidade de assinalar (A atividade empresarial no âm bito do Projeto de Código Civil, in D ireito em presarial contem porâneo, São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 1. ed., 2000, p. 78) que a ideia de sociedade controlada adotada pelo Código era “um triste exemplo de como esse texto está distante da realidade empresarial de nossos dias. Quem, por acaso, m inim am ente conhecedor do que seja o poder de controle

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Arts. 1.099 e 1.100

numa sociedade anônim a, poderia concordar com uma definição tão antiga e, ao mesmo tem po, tão ingênua?". • É de assinalar-se que, mesmo com o aprim oram ento feito pelo E. Deputado, além daquele por ele sugerido a seguir, o chamado controle externo - já previsto pela Aktiengeselchaft de 1966, na legislação germânica - nào está contem plado pela legislação pátria.

D IR E IT O P R O JE T A D O • 0 Deputado Ricardo Fiuza propôs o acréscimo de mais um artigo, após o art. 1.098, para inclusão da definição de controle, similar à adotada pela Lei das Sociedades Anônimas, com a seguinte redação: A rt. 1.098-A. Entende-se p o r controlador a pessoa, n a tu ra l ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas p o r acordo de voto, ou sob controle comum, que: I - seja titu la r de direitos de sócio que lhe assegurem, de m odo perm anente, a m aioria dos votos nas delibe­ rações e o poder de eleger a m aioria dos adm inistradores da sociedade; e II - usa efetiva­ m ente seu poder p a ra dirigir as atividades sociais e orien tar o funcionam ento dos negócios sociais (cf. PL n. 7.1 60/200 2, que está arquivado).

Art. 1.099. Diz-se coligada ou filiada a sociedade de cujo capital outra sociedade parti­ cipa com dez por cento ou mais, do capital da outra, sem controlá-la. H IS T Ó R IC O • Este artigo também foi objeto de emenda apresentada pelo Deputado Ricardo Fiuza na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados. A redação original demonstrava-se destoante da evolução posterior ocorrida na legislação societária a partir do advento da Lei n. 6.404/76. Os conceitos de sociedade ligada e sociedade filiada não guardavam correspondência no âmbito de nossa legislação e doutrina. As emendas introduzidas nos arts. 1.097 e 1.099 tiveram como finalidade adaptar as normas do Código Civil às definições de sociedades coligadas, controladoras e controladas presentes na vigente Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76, arts. 243 a 264).

D O U T R IN A • A sociedade coligada, em sua acepção estrita, corresponde ao que a redação original do Código Civil denom inava sociedade filiada. 0 conceito de sociedade coligada prevalente no direito societário é o constante do § 1® do art. 243 da Lei n. 6.4 04/76, reproduzido por este art. 1.099. Haverá relação de coligação entre duas sociedades quando uma participe de mais de dez por cento do capital da outra, sem, porém, exercer seu controle.

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado. • PLn. 699/2011: A rt. 1.099. D iz-se filiada a sociedade de cujo cap ital o u tra sociedade particip a com dez p o r cento ou mais, do cap ital da outra, sem controlá-la.

Art 1.100. É de simples participação a sociedade de cujo capital outra sociedade possua menos de dez por cento do capital com direito de voto.

Art. 1.101

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HISTÓRICO • A redação deste artigo não foi modificada durante a tramitação do projeto no Congresso Nacio­ nal, ficando mantida sua redação original. Não há correspondente no Código Civil de 1916 nem na legislação societária.

D O U T R IN A • Enquanto o art. 1.099, supra, ao conceituar a sociedade coligada ou filiada, fez alusão a percentual de ações do capital social, este art. 1.100 refere-se ao capital com direito de voto. Deduz-se, portanto, que parcela superior a dez por cento do capital, seja este votante ou não, implica a existência de coligação. É qualificada como de simples participação a relação entre uma sociedade e outra quando uma delas possuir menos de dez por cento do capital com direito a voto da outra. Inexistirá, em tal hipótese, mera coligação em sentido estrito, mesmo que as sociedades integrem um mesmo grupo econômico e estejam vinculadas, indiretam en­ te, a uma mesma sociedade holding.

Art. 1.101. Salvo disposição especial de lei, a sociedade não pode participar de outra, que seja sua sócia, por montante superior, segundo o balanço, ao das próprias reservas, excluída a reserva legal. Parágrafo único. Aprovado o balanço em que se verifique ter sido excedido esse limite, a sociedade não poderá exercer o direito de voto correspondente às ações ou quotas em excesso, as quais devem ser alienadas nos cento e oitenta dias seguintes àquela aprovação. HISTÓRICO • 0 conteúdo final deste dispositivo não foi alterado na tramitação do projeto. 0 art. 244 da Lei n. 6.404/76 trata da questão da participação recíproca no capital entre sociedades integrantes de um mesmo grupo econômico.

D O U T R IN A • Nos comentários ao art. 1.084, retro, aludiu-se aos dois princípios relativos ao capital social: o da efetividade e o da intangibilidade. Pelo princípio da efetividade, viu-se que o capital social deve corresponder fielm ente aos valores com que os sócios concorreram para a form a­ ção do patrim ônio inicial da sociedade e para a realização dos fins previstos no objeto social. Já pelo princípio da intangibilidade, constatou-se dever o capital permanecer inalterado, salvo se a lei não dispuser em sentido contrário ou fo r deliberado pelos sócios o seu aum en­ to ou redução. A vedação à chamada participação recíproca, já estabelecida pela Lei das Sociedades por Ações para as companhias e suas coligadas ou controladas, foi agora esten­ dida, por este art. 1.101, às sociedades em geral (e não apenas às sociedades comerciais, como im propriam ente designado por alguns autores, às vezes...), destinando-se a preservar a inte­ gridade do capital social. Com efeito, se adm itida fosse a participação de uma sociedade em sua sócia, além de certo valor - m ontante superior, segundo o balanço, ao das próprias re­ servas, excluída a reserva legal, conform e o estabelecido por este artigo - , a conseqüência seria uma verdadeira diluição do capital social. Ocorrendo a participação recíproca entre sociedades, as garantias dos credores enfraquecem, pois as participações recíprocas se anulam, reduzindo-se o valor real do capital de ambas as sociedades, no caso de participação recípro­ ca direta. Situação semelhante ocorre, tam bém , no caso de participação recíproca indireta. É a hipótese de uma sociedade (x) participar do capital de uma outra (y), esta (y) participar do capital de uma terceira (z), a qual, por sua vez, venha a participar do capital da primeira. Alguns problemas podem surgir por ocasião do exercício do direito de voto por parte das sociedades que participam do capital de outras. Se ambas as sociedades nas quais há parti-

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Art. 1.101

cipaçáo recíproca exercerem o direito de voto, poderá ocorrer a anulação de influência de uma sociedade em outra. Nesse sentido, a Lei das S/A, ao dispor sobre participação recíproca (art. 244), proíbe expressamente que ela se dê entre a sociedade e suas coligadas ou contro­ ladas. Estabelece uma única exceção à regra, podendo uma sociedade participar da outra pela aquisição das ações, para permanência em tesouraria ou cancelam ento, desde que até o valor do saldo de lucros ou reservas, exceto a legal, e sem a dim inuição do capital social, ou por doação, devendo a sociedade alienar dentro de seis meses as ações ou quotas que exce­ derem o valor dos lucros ou reservas, sempre que esses sofrerem redução. E as ações do ca­ pital da controladora, de propriedade da controlada, têm suspenso o direito de voto. Além disso, dispõe a Lei das S/A sobre os procedimentos a serem adotados no caso de ocorrência de participação recíproca em virtude de incorporação, fusão ou cisão ou da aquisição pela companhia do controle da sociedade, e a responsabilidade civil solidária dos administradores nos casos de aquisição de ações ou quotas que resulte em participação recíproca, equiparando-se, para efeitos penais, à compra ilegal de ações. • A aplicabilidade e a eficácia da disposição constante do art. 1.101, como se vê, esbarram na vedação contida no acima mencionado art. 24 4 da Lei das Sociedades Anônimas, que é a disposição especial ressalvada pela primeira parte deste artigo do Código Civil. Seria até vá­ lido adm itir, em raciocínio mais elástico, que a lei especial a que se refere o caput do art. 1.101 poderia autorizar a participação recíproca em m ontante superior ao das reservas dis­ poníveis do patrim ônio líquido, desde que nào com putada a reserva legal (Lei n. 6.404/76, art. 193). Não pode ser esse, contudo, o sentido da norma, já que a participação recíproca de uma sociedade em outra constitui procedim ento repudiado, expressamente, pela legislação societária. • A aplicação do art. 1.101, ao que parece, propiciará a ocorrência de dois cenários distintos: (i) no caso de sociedades, em que uma delas é sociedade anônim a, nào poderá haver partici­ pação recíproca, de acordo com a Lei das S/A, ressalvada a hipótese ali prevista, conform e acima mencionado, e (ii) no caso de sociedades que sejam dos demais tipos societários, como sociedades limitadas, p. ex., poderá haver a participação recíproca, respeitando o lim ite dis­ posto no Código Civil vigente.

JULGADO • “Agravo de instrumento. Falência. Incidente processual. Desconsideração da personalidade jurídi­ ca. Sociedades coligadas. Decisão que determinou a indisponibilidade de bens e bloqueio de fa tu ­ ramento liquido. Empresa que não faz parte do grupo econômico. Ilegitimidade passiva. Sob a ótica do direito civil e comercial, o conceito de "grupo econômico" é restrito, ao contrário da interpretação conferida pela Justiça do Trabalho. De acordo com os arts. 1.097 a 1.101 do CC/2002, é necessário o preenchimento de diversas circunstâncias para se caracterizar a formação de um grupo, como, por exemplo, a subordinação da empresa ao controle ou administração de outra sociedade ou, então, que seja ela a controladora ou administradora das demais. Parcial provimen­ to" (TJMG, 3a Cãm. Civ., Processo 1.0024.07.799352-5/003. Rei. Des. Silas Vieira, j. em 7-8-2008).

DIREITO PROJETADO • Para evitar exatamente esse conflito do Código Civil com a Lei das S/A, propôs o Deputado Ricar­ do Fiuza nova redação ao art. 1.101, nos termos seguintes: A rt. 1.101. Salvo disposição especial de lei, a sociedade não pode pa rticip ar de outro, que seja sua sócia, coligada ou controlada. § 1* O disposto neste artigo não se aplica no caso de um a sociedade p a rticip ar da outra, pela aquisição de ações ou quotas para perm anência em tesouraria ou cancelam ento, des­ de que a té o valor do saldo de lucros ou reservas, exceto a legal, e sem dim inuição do capi­ ta l social, ou p o r doação. § 2 ° As ações ou quotas do cap ital da controladora, de proprieda­ de da controlada, terão suspenso o direito de voto. § 3 * N o caso do § 1*. a sociedade deverá

Art. 1.102

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elim inar, dentro de seis meses, as ações ou quotas que excederem o valor dos lucros ou reservas, sempre que esses sofrerem redução. § 4 * A participação reciproca, quando ocorrer em virtude de incorporação, fusão ou cisão, ou da aquisição, pela com panhia, do controle de sociedade, deverá ser m encionada nos relatórios e dem onstrações financeiras de ambas as sociedades, e será elim inada no prazo m áxim o de um ano. § A aquisição de ações ou quotas de que resulte participação recíproca com violação ao disposto neste artigo im por­ ta responsabilidade civil solidária dos adm inistradores da sociedade, equiparando-se, para efeitos penais, à com pra ilegal das próprias ações (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado).

C ap ítu lo IX — DA LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE Art. 1.102. Dissolvida a sociedade e nomeado o liquidante na forma do disposto neste Livro, procede-se à sua liquidação, de conformidade com os preceitos deste Capítulo, res­ salvado o disposto no ato constitutivo ou no instrumento da dissolução. Parágrafo único. O liquidante, que não seja administrador da sociedade, investir-se-á nas funções, averbada a sua nomeação no registro próprio. HISTÓRICO • A redação desta norma não foi modificada por nenhuma emenda, ficando mantido seu enuncia­ do primitivo. Não há paralelo no Código de 1916. Os arts. 344 a 353 do Código Comercial de 1850 regulavam os procedimentos para liquidação das sociedades comerciais. 0 Código de Processo Civil de 1939 ainda permanece em vigor dispondo sobre as normas especiais aplicáveis à liquida­ ção judicial das sociedades (arts. 655 a 674).

D O U T R IN A • Mesmo com a sua dissolução, a sociedade continua a existir e, em conseqüência, permanece hígida a sua personalidade jurídica, que só desaparece com a superveniência da extinção. A tese da subsistência da personalidade jurídica, mesmo após a dissolução da sociedade, foi expressamente adotada pela Lei das Sociedades por Ações, conform e se verifica pelos seus arts. 207 e 219, o prim eiro no sentido de que a companhia dissolvida conservará sua perso­ nalidade jurídica até a extinção, exatam ente para que se proceda à liquidação, e o segundo, prescrevendo que um dos modos pelo qual se extingue a sociedade anônim a é pelo encerra­ m ento de sua fase de liquidação. Mas a doutrina já sustentava, com razão, a permanência da personalidade jurídica, mesmo após a dissolução, como se pode ver, entre outros, em Serpa Lopes (Curso de direito civil, 2. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1960, n. 82 4 e 836, p. 541 e 552), sendo anotado, por ele, que: "Até a ultim ação da liquidação, os antigos sócios não são titulares individuais de qualquer direito sobre o ativo, que m antém seu caráter social, de modo que as perdas sofridas por tais bens ou os prejuízos decorrentes de uma dim inuição de valor são levados à conta dos sócios, na proporção contratualm ente estabelecida". Tal como ocor­ re com as normas da Seção VI, do Capítulo I, do Subtítulo II, do Título II, do Livro II, relativas à dissolução da sociedade, aplicáveis tanto às sociedades simples como às sociedades empresá­ rias, tam bém os preceitos constantes deste capítulo referentes ao processo de liquidação aplicam -se a ambas as categorias societárias. A liquidação constitui, assim, a fase que prece­ de a extinção da sociedade. Durante o processo de liquidação, seja ela voluntária ou judicial, devem ser apurados os haveres de seu ativo remanescente e efetivado o pagam ento aos credores do passivo existente, havendo, em conseqüência, mudança no objeto da sociedade. Deve ser acrescentado à razão social da sociedade liquidanda a expressão “em liquidação", seguida da pertinente identificação do liquidante (parágrafo único do art. 1.103, infra). So­

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Art. 1.103

m ente pode ser extinta a sociedade após o pagam ento de todas as suas dívidas. Se houver algum a sobra, proceder-se-á ao rateio dela entre os sócios (o '‘ reliquat'). Poderá o contrato social dispor de regras especiais destinadas à regulação do processo de dissolução e liquida­ ção da sociedade. Caso inexistam regras próprias, devem ser aplicadas as disposições deste capitulo (arts. 1.102 a 1.112). Em princípio, o liquidante deve ser nomeado entre os adminis­ tradores da sociedade, conform e previsto no instrum ento constitutivo. Se assim não ocorrer, será nomeado liquidante estranho ao quadro social, cabendo a averbação do ato de desig­ nação no registro com petente, ou seja, no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, no caso de sociedade simples, e no Registro Público de Empresas Mercantis, no caso de sociedade em ­ presária.

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza.

Art. 1.103. Constituem deveres do liquidante: I — averbar e publicar a ata, sentença ou instrumento de dissolução da sociedade; II — arrecadar os bens, livros e documentos da sociedade, onde quer que estejam; III — proceder, nos quinze dias seguintes ao da sua investidura e com a assistência, sempre que possível, dos administradores, à elaboração do inventário e do balanço geral do ativo e do passivo; IV — ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios ou acionistas; V — exigir dos quotistas, quando insuficiente o ativo à solução do passivo, a integralização de suas quotas e, se for o caso, as quantias necessárias, nos limites da responsabi­ lidade de cada um e proporcionalmente à respectiva participação nas perdas, repartindo-se, entre os sócios solventes e na mesma proporção, o devido pelo insolvente; VI — convocar assembleia dos quotistas, cada seis meses, para apresentar relatório e balanço do estado da liquidação, prestando conta dos atos praticados durante o semestre, ou sempre que necessário; VII — confessar a falência da sociedade e pedir concordata, de acordo com as forma­ lidades prescritas para o tipo de sociedade liquidanda; VIII — finda a liquidação, apresentar aos sócios o relatório da liquidação e as suas contas finais; IX— averbar a ata da reunião ou da assembleia, ou o instrumento firmado pelos sócios, que considerar encerrada a liquidação. Parágrafo único. Em todos os atos, documentos ou publicações, o liquidante emprega­ rá a firma ou denominação social sempre seguida da cláusula “em liquidação” e de sua assinatura individual, com a declaração de sua qualidade. H IS T Ó R IC O • Apenas o inciso IX deste artigo foi alterado por emenda apresentada no Senado Federal, para inserir a referência à realização de reunião de sócios, e não apenas de assembleia, como constava do projeto original, para a formalização da decisão de encerramento do processo de liquidação. Os deveres do liquidante da sociedade comercial encontravam-se previstos no art. 345 do Código Comercial de 1850. Na liquidação judicial, o art. 660 do Código de Processo Civil de 1939 traz o elenco das obrigações que devem ser cumpridas pelo liquidante.

Arts. 1.104 e 1.105

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D O U T R IN A • 0 dispositivo enum era os deveres do liquidante no processo voluntário ou extrajudicial de liquidação da sociedade. Ele é responsável por form alizar o processo de dissolução da socie­ dade, iniciando a liquidação, promovendo, a partir de então, a arrecadação dos livros, docu­ mentos e arquivos contábeis, financeiros e negociais que se encontravam em poder dos ad­ ministradores. Efetuada a arrecadação, o liquidante deverá, nos quinze dias seguintes ao da sua investidura, elaborar o inventário e o balanço geral do ativo e do passivo, contando com a assistência, sempre que possível, dos administradores. Assemelha-se a função do liquidan­ te à do adm inistrador provisório na falência, cabendo-lhe, como atribuição principal, levan­ ta r o balanço especial na data da dissolução, apurar e arrecadar os bens do ativo e realizar o pagam ento das obrigações e dívidas sociais. C aber-lhe-á, tam bém , exigir dos quotistas a integralizaçào de suas quotas, se fo r o caso e se o ativo revelar-se, efetivam ente, insuficien­ te ao pagam ento do passivo. Caso o liquidante constate situação de insolvêneia, deverá re­ querer a autofalência da sociedade ou mesmo ingressar com pedido de recuperação judicial, quando poderá obter prazo mais dilatado para o pagam ento do passivo. Ao final do proces­ so de liquidação, o liquidante deverá prestar contas pormenorizadas a todos os sócios da sociedade, providenciando a baixa de sua inscrição no registro com petente. Como já escla­ recido nos comentários ao artigo anterior, durante todo o processo de liquidação a socieda­ de deverá ser identificada, após sua firm a social ou denominação, pela expressão “em liqui­ dação", seguida da identificação do liquidante (parágrafo único do art. 1.103, supra).

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.104. As obrigações e a responsabilidade do liquidante regem-se pelos preceitos peculiares às dos administradores da sociedade liquidanda. H IS T Ó R IC O • A redação deste dispositivo é a mesma do projeto original. Não há correspondente no Código Civil de 1916 ou no Código Comercial de 1850.

D O U T R IN A • A exemplo do que ocorre no âm bito das sociedades anônimas - no qual o art. 217 da Lei n. 6 .4 0 4 /7 6 prescreve que o liquidante terá as mesmas responsabilidades do adm inistrador - , de acordo com o enunciado por este artigo, o liquidante assumirá as mesmas obrigações e responsabilidades que com petiriam aos administradores da sociedade em liquidação. Este preceito diz respeito aos atos praticados pelo liquidante durante o processo de liquidação, e somente por eles assim responderá nessa condição. Se a responsabilidade dos adm inistrado­ res da sociedade liquidanda fo r subsidiária e ilim itada, o liquidante responderá da mesma form a pelos atos que praticar.

Art. 1.105. Compete ao liquidante representar a sociedade e praticar todos os atos necessários à sua liquidação, inclusive alienar bens móveis ou imóveis, transigir, receber e dar quitação. Parágrafo único. Sem estar expressamente autorizado pelo contrato social, ou pelo voto da maioria dos sócios, não pode o liquidante gravar de ônus reais os móveis e imóveis,

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Arts. 1.106 e 1.107

contrair empréstimos, salvo quando indispensáveis ao pagamento de obrigações inadiáveis, nem prosseguir, embora para facilitar a liquidação, na atividade social. H IS T Ó R IC O • Não houve proposta de modificação a esta disposição durante a tramitação do projeto no Con­ gresso Nacional. 0 art. 351 do Código Comercial de 1850 vedava qualquer ato de gestão ou dis­ posição sobre os bens sociais da parte do liquidante que não estivesse autorizado pelos demais sócios.

D O U T R IN A • 0 liquidante exercerá os poderes próprios e inerentes aos de competência dos adm inistrado­ res da sociedade, podendo praticar todos os atos de gestão e disposição sobre os bens sociais, até mesmo alienar bens móveis e imóveis, transigir, receber pagamentos e dar quitação. Esses poderes, todavia, nào são ilimitados, na medida em que o parágrafo único deste artigo fixa limites aos poderes de gestão de decisão do liquidante, ficando a este vedado, sem au toriza­ ção de norma do contrato social ou de consentim ento da maioria dos sócios, contrair em ­ préstimos, salvo quando indispensáveis, gravar os bens da sociedade de ônus reais ou pros­ seguir na execução do objeto ou de negócios sociais.

Art. 1.106. Respeitados os direitos dos credores preferenciais, pagará o liquidante as dívidas sociais proporcionalmente, sem distinção entre vencidas e vincendas, mas, em re­ lação a estas, com desconto. Parágrafo único. Se o ativo for superior ao passivo, pode o liquidante, sob sua respon­ sabilidade pessoal, pagar integralmente as dívidas vencidas. H IS T Ó R IC O • A redação da norma permaneceu inalterada, não havendo sido modificada no curso da tramitação do projeto. Não há correspondente no Código Civil de 1916 nem no Código Comercial de 1850.

D O U T R IN A • Uma das principais obrigações do liquidante é realizar o pagam ento dos credores da socie­ dade. Os credores preferenciais, isto é, aqueles titulares de créditos com garantia real ou preferência resultante de lei ou do contrato, como no caso dos créditos trabalhistas, previdenciários e tributários, deverão receber esses créditos de modo integral, ou seja, pelo valor total. Com relação aos credores sem preferência, os pagamentos realizados pelo liquidante serão proporcionais às disponibilidades de caixa apuradas com o levantam ento do ativo, isto é, devem ser feitos parcialm ente, seja das dívidas vencidas ou ainda das vincendas. No caso das dívidas vincendas, o liquidante deverá exigir a concessão de desconto correspondente ao prazo que decorreria até o respectivo vencim ento da obrigação. Se apurado um ativo superior ao passivo da sociedade, havendo, assim, disponibilidade de caixa, poderá o liquidante reali­ zar o pagam ento das dívidas vencidas pelo seu valor integral.

Art. 1.107. Os sócios podem resolver, por maioria de votos, antes de ultimada a liqui­ dação, mas depois de pagos os credores, que o liquidante faça rateios por antecipação da partilha, à medida em que se apurem os haveres sociais.

Art. 1.108

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H IS T Ó R IC O • 0 texto final da norma é o mesmo do projeto original, não tendo sido objeto de emenda. 0 art. 671 do Código de Processo Civil de 1939 estabelecia a regra geral de que, na liquidação, "a divisão e a partilha dos bens sociais serão feitas de acordo com os princípios que regem a partilha dos bens da herança" (ver arts. 1.772 a 1.779 deste Código). De modo semelhante, o art. 349 do Có­ digo Comercial de 1850 estipulava que, com relação às sociedades comerciais, "Nenhum sócio pode exigir que se lhe entregue o seu dividendo enquanto o passivo da sociedade se não achar todo pago".

DOUTRINA • No processo de liquidação da sociedade, sempre prevalecerá o princípio de que os sócios somente terão direito ao recebimento de valores a titu lo de partilha dos bens sociais ou de dividendos de lucros após pagos e satisfeitos todos os credores da sociedade. Enquanto as obrigações da sociedade não forem integralm ente pagas e liquidadas, os sócios não têm d i­ reito a nenhuma antecipação de haveres. Na hipótese, todavia, de satisfação de todos os créditos e obrigações da sociedade, antes de ultim ada a liquidação, os sócios podem decidir, por maioria de votos, que o liquidante promova o pagam ento antecipado, mediante rateios proporcionais, de importâncias que lhes tocariam na partilha final, na medida em que se apurem os haveres sociais, isto é, na medida em que haja disponibilidade de caixa. Em se tratando de liquidação judicial - e tendo em vista a subsistência da norma do CPC de 1939 no sentido de que, na liquidação, "a divisão e a partilha dos bens sociais serão feitas de acor­ do com os princípios que regem a partilha dos bens da herança" —, terá o magistrado a ta ­ refa de promover o fam oso “diálogo das fontes" de que nos fala o jurista Erik Jayme, pois terá de harm onizar a parte ainda vigente do retroaludido código, que manda aplicar à divisão e à partilha dos bens sociais os mesmos princípios aplicáveis à partilha dos bens da herança, com as normas supervenientes a respeito desta últim a.

Art. 1.108. Pago o passivo e partilhado o remanescente, convocará o liquidante assem­ bleia dos sócios para a prestação final de contas. H IS T Ó R IC O • O conteúdo desta disposição ficou mantido nos termos da redação do projeto primitivo. Não existia regra semelhante no Código Civil de 1916 nem no Código Comercial de 1850 sobre a rea­ lização de assembleia especial de prestação de contas na liquidação.

DOUTRINA • Conform e já visto no inciso V III do art. 1.103, supra, constitui um dever do liquidante apre­ sentar aos sócios o relatório da liquidação quando finda estiver esta. Após realizado o paga­ m ento de todo o passivo da sociedade - e viabilizados, portanto, os procedimentos da liqui­ dação esse relatório deverá ser apresentado aos sócios mediante a convocação da assem­ bleia para a prestação final de contas. Se, no curso da liquidação, os balanços e dem onstra­ tivos contábeis e financeiros indicarem que o ativo da sociedade não será suficiente para o pagam ento de todas as dívidas sociais, o liquidante tem a obrigação de requerer judicialm ente a autofalência da sociedade (art. 1.103, VII), transform ando-se o procedim ento voluntário da liquidação em processo de falência, regido por legislação especial (Lei n. 11.101/2005).

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

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Arts. 1.109 e1.110

Art. 1.109. Aprovadas as contas, encerra-se a liquidação, e a sociedade se extingue, ao ser averbada no registro próprio a ata da assembleia. Parágrafo único. O dissidente tem o prazo de trinta dias, a contar da publicação da ata, devidamente averbada, para promover a ação que couber. H IS T Ó R IC O • Este artigo entrou em vigor no Código Civil de 2002 sem sofrer modificação durante a tramitação do projeto. 0 Código Comercial de 1850 estipulava o prazo de dez dias para a apresentação de reclamações dos sócios contra a forma de divisão e partilha dos bens apurados em liquidação. Esse prazo decendial era considerado manifestamente exíguo pela doutrina dominante, tendo sido alargado para trinta dias pelo parágrafo único deste artigo.

D O U T R IN A • 0 procedim ento de liquidação da sociedade somente se encerra após a aprovação das contas do liquidante pela assembleia dos sócios. Em sendo as contas do liquidante aprovadas pela assembleia dos sócios, o procedimento seguinte será a averbação da ata da assembleia no registro com petente, quando, então, para todos os efeitos legais, será a sociedade conside­ rada extinta. Todavia, enquanto existir pendência ou discussão quanto à prestação de contas na liquidação entre o liquidante e os sócios, a sociedade não poderá ser extinta, cabendo a solução do litígio, caso permaneça o impasse, ao Poder Judiciário, mediante ação especial proposta, no prazo de trin ta dias, por qualquer dos sócios que discordar das contas aprovadas pela assembleia.

E N U N C IA D O D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 489, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Arts. 1.043, II, 1.051,1.063, § 38, 1.084, § 1«, 1.109, parágrafo único, 1.122,1.144, 1.146,1.148 e 1.149 do Código Civil; e art. 71 da Lei Complementar n. 123/2006. No caso da microempresa, da empresa de pequeno porte e do microempreendedor individual, dispensados de publicação dos seus atos (art. 71 da Lei Comple­ mentar n. 123/2006), os prazos estabelecidos no Código Civil contam-se da data do arquivamen­ to do documento (termo inicial) no registro próprio". D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.110. Encerrada a liquidação, o credor não satisfeito só terá direito a exigir dos sócios, individualmente, o pagamento do seu crédito, até o limite da soma por eles recebida em partilha, e a propor contra o liquidante ação de perdas e danos. H IS T Ó R IC O • Esta disposição não foi objeto de emenda durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional, ficando mantida sua redação original. Inexistia norma correspondente no Código Civil de 1916 ou no Código Comercial de 1850.

D O U T R IN A • A liquidação da sociedade somente se encerra com a aprovação das contas do liquidante na assembleia dos sócios. A partir de então, qualquer credor que se sinta prejudicado pelo nào recebimento integral de seus créditos poderá cobrar de cada sócio, individualm ente, o valor

Arts. 1.111 e 1.112

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que ele recebeu em decorrência da partilha do saldo do ativo remanescente. Isto porque os credores devem ter seus créditos satisfeitos antes da realização de qualquer partilha do ativo em favor dos sócios. Se houver partilha do ativo antes do pagam ento dos credores, assiste a estes tam bém o direito de ajuizar ação de perdas e danos contra o liquidante visando a re­ cuperação integral do seu crédito. Essa ação contra o liquidante e/ou contra os sócios pres­ creverá em um ano, contado o prazo da publicação da ata de encerram ento da liquidação da sociedade, conform e o art. 206, V, do Código Civil.

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.111. No caso de liquidação judicial, será observado o disposto na lei processual. H IS T Ó R IC O • Emenda apresentada durante a tramitação do projeto no Senado Federal alterou a redação deste artigo, com a finalidade de simplificar seu conteúdo, remetendo à legislação processual a regula­ ção da liquidação judicial. 0 Código de Processo Civil de 1939 ainda permanece em vigor dispon­ do sobre as normas especiais aplicáveis à liquidação judicial das sociedades (arts. 655 a 674). A liquidação judicial em razão de insolvência da sociedade empresária rege-se pela legislação falimentar (Lei n. 11.101/2005).

D O D T R IN A • A liquidação judicial da sociedade ocorre sempre que, nos casos previstos na lei ou no con­ trato social, houver litígio entre os sócios no que tange à decisão de dissolução da sociedade e ao início da sua liquidação. 0 procedim ento de dissolução e liquidação judicial encontra-se regulado pelos arts. 655 a 67 4 do Código de Processo Civil de 1939, que permanece em vigor por força de disposição expressa do Código de Processo Civil de 1973 (art. 1.218, VII), até que venha a ser atualizado por lei especial.

Art. 1.112. No curso de liquidação judicial, o juiz convocará, se necessário, reunião ou assembleia para deliberar sobre os interesses da liquidação, e as presidirá, resolvendo su­ mariamente as questões suscitadas. Parágrafo único. As atas das assembléias serão, em cópia autêntica, apensadas ao processo judicial. H IS T Ó R IC O • Esta disposição foi objeto de emenda apresentada no Senado Federal para acrescentar a possibi­ lidade de a deliberação ser realizada em reunião de sócios e nào apenas por meio de assembleia. 0 art. 657 do Código de Processo Civil de 1939 nada dispunha a respeito da realização de reunião ou assembleia de sócios, mas apenas que o pronunciamento dos sócios a respeito do processo de liquidação deveria ser feito mediante votos entregues em cartório.

D O D T R IN A • A liquidação judicial é conduzida pelo ju iz que conhecer da ação de dissolução societária; este deverá instaurar um procedim ento adm inistrativo específico que tem o liquidante como representante do juízo. Fica facultado ao ju iz convocar reunião ou assembleia dos sócios para

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Art. 1.113

deliberar sobre questões referentes ao processo de liquidação, devendo ser observadas, em qualquer caso, as disposições do contrato social que tratarem dessa m atéria (CPC de 1939, art. 657). 0 juiz poderá convocar tantas assembléias ou reuniões quantas forem necessárias para apreciar e deliberar os incidentes que surjam durante a liquidação, e todas as questões serão decididas sum ariam ente pelo juiz após a manifestação dos sócios que comparecerem e votarem . Todas as atas das reuniões e assembléias de sócios serão arquivadas, em cópia au­ tenticada, nos autos da ação de dissolução e liquidação da sociedade.

C ap ítu lo X — DA TRANSFORMAÇÃO, DA INCORPORAÇÃO, DA FUSÃO E DA CISÃO DAS SOCIEDADES (#)

Emenda de autoria do Senador Gabriel Hermes alterou a denom inação deste Capítulo X para introduzir a figura da cisão, tal como prevista na legislação societária. Todavia, não foi acrescentada nenhum a norma com a definição do conceito e dos procedimentos para a cisão, cabendo, neste caso, m odificação futu ra do Código Civil para inclusão das normas a ela relativas. As operações societárias de transform ação, incorporação, fusão e cisão de sociedades comerciais são reguladas pelos arts. 22 0 a 23 4 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76).

Art. 1.113.0 ato de transformação independe de dissolução ou liquidação da socieda­ de, e obedecerá aos preceitos reguladores da constituição e inscrição próprios do tipo em que vai converter-se. HISTÓRICO • A redação final da norma é a mesma do projeto original, não tendo sido alterada durante a tra­ mitação do projeto no Congresso Nacional. 0 conceito da operação de transformação de socie­ dade encontra-se previsto pelo art. 220 da Lei n. 6.404/76, que tem conteúdo semelhante ao desta disposição.

DOUTRINA • De acordo com o art. 22 0 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76), “A transform ação é a operação pela qual a sociedade passa, independentem ente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro". Andou bem o Código Civil em regular a m atéria, que pode envolver todo e qualquer tipo de sociedade e não apenas a sociedade anônim a. Se é certo que o legislador de 1976, ao regular a sociedade por ações, passou a usar, a partir do Capítulo XX da Lei n. 6.4 04/76, a expressão “sociedade" em lugar de “companhia", demonstrando o caráter não exclusivo dos institutos da transform ação, incorporação, fusão e cisão das sociedades anôni­ mas, não resta dúvida de que, dado o seu caráter geral, ficam eles mais bem situados num diploma genérico do que num a lei especial sobre um determ inado tipo societário. • Pelo fenôm eno da transform ação, opera-se a mudança da espécie societária, alterando-se aquilo que Vivante ( Trattato d i D irittto Commerciale, 5. ed., v. II, M ilão, Ed. Francesco V allardi, 1935, n. 353) considerava ser a função instrum ental da sociedade. Como bem esclarece Pontes de M iranda ( Tratado de D ireito Privado, cit., Tomo LI, § 5.353, p. 59), a expressão “tem de ser entendida no sentido de mudança de form a. M uda-se de tipo social". Trata-se, na dicção precisa de Carvalho de Mendonça ( Tratado de direito com ercial brasileiro, Freitas Bastos, 1914, v. 3, p. 64), do "corolário da liberdade dos contratos". Assim, pela operação de transform ação, uma sociedade lim itada pode adotar a form a de sociedade anônim a e viee-versa, sendo necessário, no primeiro caso, que a lim itada cumpra a disciplina jurídica da

Art. 1.114

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constituição de uma sociedade anônim a, prevista nos arts. 80 e s. da Lei n. 6.404/76; e bas­ tando, no segundo, que a sociedade anônim a observe as normas estabelecidas no Código Civil sobre as sociedades limitadas (arts. 1.052 e s.), sem que haja necessidade de extinção de qualquer uma delas. De modo semelhante, tam bém uma sociedade simples poderá ser trans­ form ada em sociedade lim itada, de natureza empresária. A transform ação decorre da m odi­ ficação do tipo ou espécie societária, sem que a sociedade primeva seja dissolvida. Por ser equivalente a um processo derivado de constituição societária, essa operação deve atender às normas e preceitos próprios que regulam a constituição da sociedade que resultará da transform ação, conform e frisado. No segundo exemplo citado - (sociedade simples a ser transform ada em sociedade lim itada, de natureza empresária) - , deverá ela cum prir as exi­ gências e requisitos legais que se aplicam à constituição desse tipo societário, com a inscrição de seus atos no Registro Público de Empresas Mercantis, atendendo às normas incidentes na espécie (arts. 1.053 e 1.054). • Referindo-se à transform ação da sociedade anônim a, diz Pontes de M iranda (idem, ibidem) que: “Na técnica legislativa, os dois problemas principais são o da proteção dos interesses dos acionistas que nào querem a transform ação, ou que não a querem como se pretende, e o interesse de terceiros".

Art. 1.114. A transformação depende do consentimento de todos os sócios, salvo se prevista no ato constitutivo, caso em que o dissidente poderá retirar-se da sociedade, aplicando-se, no silêncio do estatuto ou do contrato social, o disposto no art. 1.031. HISTÓRICO • 0 enunciado por este artigo foi alterado por emenda apresentada no Senado Federal para acres­ centar a referência a estatuto social, uma vez que o texto primitivo somente fazia menção ao contrato social. A mesma regra para aprovação do ato de transformação encontra-se prevista no a r t 221 da Lei n. 6.404/76.

DOUTRINA • A transform ação é um ato de sérias implicações, porque im porta na mudança do tipo socie­ tário, muitas vezes alterando profundam ente as regras do ato constitutivo da sociedade. Assim, o processo de transform ação deve ser aprovado pela unanim idade dos sócios, poden­ do o contrato ou estatuto, todavia, fixar um quorum m enor para a aprovação da operação. Os sócios que constituírem uma determ inada sociedade devem estar atentos para as conse­ qüências deste artigo, pois a fixação de quorum menor, no ato constitutivo, parece ser de todo conveniente a fim de que sejam evitados, no futu ro, possíveis abusos por parte de m i­ noritários especializados em infernizar a vida dos controladores. Bastará que um deles se oponha à operação transform adora para que ela não se realize. Há que se ponderar, por outro lado, acerca do fundam ento axiológico para a exigência legal da unanim idade. É que, com a transform ação, ocorrerá substancial modificação nas responsabilidades e no poder de decisão dos sócios ou acionistas. Como diz o Prof. Modesto Carvalhosa (Com entários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 4, São Paulo, Saraiva, 1998, p. 189), “o status do sócio ou acionista altera-se no campo das responsabilidades sociais e perante terceiros. Não seria possível, portanto, subm etê-lo, diante do princípio da segurança jurídica, a um novo tipo societário que modifica outrossim seu perfil de participação na form ação da vontade social; na derro­ gação eventual do princípio m ajoritário; na responsabilidade patrim onial eventualm ente aum entada etc.". • Havendo previsão de quorum deliberativo menor, poderá o sócio que dissentir da transfor­ mação retirar-se da sociedade, recebendo o valor de suas quotas, com ou sem redução do

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Arts. 1.115 e 1.116

capital social, aplicando-se os procedimentos previstos no art. 1.031, que trata do exercício do direito de recesso por sócio dissidente. Questão de relevo, em m atéria de direito de reces­ so, nos casos de transform ação societária, diz respeito à possibilidade de renúncia dos sócios ao exercício desse direito. Se é certo que o parágrafo único do art. 221 da Lei n. 6.4 04/76 contem plou a possibilidade de renúncia ao direito de retirada, quando prevista no contrato social, no caso de transform ação em com panhia, o mesmo não foi previsto no Código Civil, relativam ente a essa mesma possibilidade de renúncia ao direito de recesso, quando se tra tar de transform ação de sociedade anônim a em outro tipo societário. À míngua de previsão legal, poderia haver a previsão de renúncia ao direito de recesso no contrato social de uma socie­ dade lim itada? Em se tratando de direitos disponíveis e por uma questão de simetria lógica, parece mais razoável optar-se pela resposta afirm ativa.

Art. 1.115. A transformação não modificará nem prejudicará, em qualquer caso, os direitos dos credores. Parágrafo único. A falência da sociedade transformada somente produzirá efeitos em relação aos sócios que, no tipo anterior, a eles estariam sujeitos, se o pedirem os titulares de créditos anteriores à transformação, e somente a estes beneficiará. H IS T Ó R IC O • 0 conteúdo deste dispositivo manteve a redação do projeto primitivo. Os direitos dos credores na transformação estão igualmente previstos no art. 222 da Lei n. 6.404/76.

D O U T R IN A • Corolário do princípio da segurança jurídica - o qual, de resto, enform a toda ordenação jurídica - , a norma protege os credores anteriores ao negócio jurídico da transform ação. Seria efetivam ente esdrúxulo se os direitos desses credores pudessem ser afetados em decor­ rência da transform ação da sociedade, propiciando aos sócios com responsabilidade pessoal ilim itada pelas obrigações sociais escaparem dessa responsabilidade mediante o artifício de lim itá-la posteriorm ente pela técnica da transform ação em outro tipo societário no qual a sua responsabilidade passasse a ser lim itada. Assim, sob pena de adm itir-se a prática de fra u ­ de, devem os mesmos direitos patrimoniais e as mesmas garantias que afetam , subsidiariamente, os sócios das sociedades de pessoas, permanecer intocáveis após a operação societá­ ria da transform ação. Já dispunha a segunda parte do art. 222 da Lei n. 6.4 0 4 /7 6 que os di­ reitos dos credores continuarão “até o pagam ento integral dos seus créditos, com as mesmas garantias que o tipo anterior de sociedade lhes oferecia". As obrigações e o tipo societário anterior à transform ação continuam , tam bém , para efeitos falim entares, vinculando os cre­ dores pretéritos aos sócios que, antes da transform ação, estavam sujeitos à falência.

JU LG A D O • "Preliminar de litisconsórcio passivo necessário. Desnecessidade de inclusão de todos os credores e devedores no polo passivo. Eventual reconhecimento de sucessão que não altera a constituição do débito ou ato que gerou o crédito. A hipótese de reorganização empresarial ou sucessão não admite prejuízo a eventuais credores (art. 1.115 do CC). Preliminar rejeitada" (TJSP, 6J Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002822698, Rei. Des. José Percival Albano Nogueira Júnior, j. em 25-2-2010).

Art. 1.116. Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabele­ cida para os respectivos tipos.

Art. 1.116

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HISTÓRICO • Nenhuma emenda foi apresentada a este artigo durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. 0 conceito jurídico de incorporação, tal como constante nesta norma, encontra-se também previsto, em redação mais sintética, no art. 227 da Lei n. 6.404/76.

D O U T R IN A • A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações (art. 227 da Lei n. 6.404/76). As considerações de Pontes de M iranda ( Tratado de D ireito Privado, cit., t. LI, § 5.355, p. 74) a respeito da m atéria, conquanto feitas ao tem po do Decreto-Lei n. 2.627, continuam atuais e servem para explicar, ontologicam ente, o fenôm eno da incorporação: "Incorporar é pôr noutro corpo aquilo de que se trata: um corpo insere-se noutro, mas a inserção não suscita novo corpo, apenas au m en ta o corpo que há". E nquanto a sociedade in corpo radora cresce, a(s) incorporada(s) desaparece(m). A extinção da(s) incorporada(s) decorre da própria lei que assim o determ ina. No caso de a sociedade anônim a ser incorporada por algum a outra socie­ dade, é o inciso II do art. 21 9 da Lei n. 6.4 0 4 /7 6 que assim estabelece. Em todos os demais casos, a extinção da(s) incorporada(s) vem prescrita pelo art. 1.118 do Código Civil, in fra-analisado. A operação de incorporação deve ser aprovada tanto pelos sócios da sociedade incorporadora como pelos das sociedades incorporadas. A incorporação é uma operação societária de natureza patrim onial, em que, ao final, os patrimônios das sociedades ficam somados e representados pelo patrim ônio da incorporadora. • Questão de relevo que recorrentem ente aflora em nossos tribunais diz respeito ao sentido e alcance da afirm ação existente neste artigo de modo que, na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. Veja-se, p. ex., acórdão do nosso Superior Tribunal de Justiça (REsp 39 4.37 9/M G , Rei. M in. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4» T.) no qual foi ressaltado que "a incorporação de uma empresa por outra extingue a incorporada, nos termos do art. 227, § 3o, da Lei das Sociedades Anônimas, tornando irregular a representação processual". Em outro precedente (Ag. no REsp 142.215/ RJ) o M inistro Barros M onteiro asseverou que "extinta que foi a empresa incorporada, a in­ corporadora, ao prosseguir na demanda em seu lugar, deve exibir o instrum ento de m andato no que lhe concerne", existindo, no texto do aresto, a seguinte afirm ação: "Apesar da argu­ m entação desenvolvida pela agravante, de que a sociedade incorporadora sucedeu a em pre­ sa incorporada em todos os seus direitos e obrigações (art. 227, eaput, da Lei n. 6.404, de 1 5 -1 2 -7 6 ), certo é que tais razões pertinentes ao direito m aterial não prevalecem neste caso, onde está em análise o direito processual tão somente. E, sob a ótica deste, a incorporadora, para fazer-se representar regularm ente nos autos, devia exibir procuração em seu nome e nào valer-se de um m andato originariam ente outorgado pela empresa sucedida, já extinta". Já no voto vencido do M in. Aldir Passarinho foi consignado, em sentido oposto: "0 recurso pode ser aproveitado, ou irá haver, penso eu, uma incongruência. No caso, a incorporação societária é anterior à própria sentença, de sorte que, de rigor, até a intim ação dessa decisão, contra empresa extinta, nào poderia ter-se operado, a se privilegiar a tese sufragada até agora, pela douta maioria. Inobstante isso, foi interposta apelação em nome da empresa extinta, assim foi julgada pelo Tribunal estadual e, então, aviado o recurso especial da mesma form a. Exatam ente por tudo isso, tenho que pode ser aproveitado, conhecido o recurso. Ressalto, inclusive, que, consoante esclarece o advogado da tribuna, a execução está se fa ­ zendo contra a sociedade incorporadora. Entendo que está havendo um rigor form al quanto ao acatam ento dessa preliminar. Tanto é assim que não se vai ad m itir o recurso especial da empresa, mas, no entanto, a execução vai ter efeito contra a sucessora da empresa. Se há nos autos inform ação de que a empresa incorporadora sabia da existência da ação, então a au ­ tora tam bém sabia da existência dessa incorporação desde então, porque o docum ento está

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Art. 1.117

nos autos. Portanto, deveria ter pedido ao Juízo que houvesse a intim ação dessa empresa ineorporadora". • A Instrução Norm ativa n. 88, de 2 de agosto de 2001, do Departam ento Nacional de Registro do Comércio, uniform izou os procedimentos do registro público de empresas mercantis re­ lativos à transform ação, incorporação, fusão e cisão das sociedades mercantis. • No âm bito das instituições financeiras e no da atividade securitária, v., respectivamente, Circular Bacen/DC n. 3.017, de 6 de dezembro de 2000, e Resolução n. 121, de 29 de abril de 2005, da Superintendência de Seguros Privados.

E N U N C IA D O S D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 232, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Nas fusões e incorporações entre sociedades reguladas pelo Código Civil, é facultativa a elaboração de protocolo firmado pelos sócios ou administradores das sociedades; havendo sociedade anônima ou comandita por ações envolvida na operação, a obrigatoriedade do protocolo e da justificação somente a ela se aplica". • Enunciado 231, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A cisão de sociedades continua disciplinada na Lei n. 6.404/76, aplicável a todos os tipos societários, inclusive no que se refere aos direitos dos credores. Interpretação dos arts. 1.116 a 1.122 do Código Civil". • Enunciado 70, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "As disposições sobre incorporação, fusão e cisão previstas no Código Civil não se aplicam às sociedades anônimas. As disposições da Lei n. 6.404/76 sobre essa matéria aplicam-se, por analogia, às demais sociedades naquilo em que o Código Civil for omisso".

Art. 1.117. A deliberação dos sócios da sociedade incorporada deverá aprovar as bases da operação e o projeto de reforma do ato constitutivo. § \- A sociedade que houver de ser incorporada tomará conhecimento desse ato, e, se o aprovar, autorizará os administradores a praticar o necessário à incorporação, inclusive a subscrição em bens pelo valor da diferença que se verificar entre o ativo e o passivo. § 2- A deliberação dos sócios da sociedade ineorporadora compreenderá a nomeação dos peritos para a avaliação do patrimônio líquido da sociedade, que tenha de ser incorpo­ rada. H IS T Ó R IC O • Este dispositivo foi objeto de emenda no Senado Federal, que substituiu a expressão "assembleia" por "deliberação dos sócios", já que nem todas as sociedades são obrigadas a manter assembleia de sócios. 0 art. 227 da Lei n. 6.404/76 dispõe de modo semelhante sobre os procedimentos de incorporação.

D O U T R IN A • Os §§ 12,2^ e 32 do art. 227 da Lei n. 6 .4 0 4 /7 6 dispõem de maneira mais pormenorizada sobre os procedimentos relativos à incorporação e poderão ser invocados, quer de form a supletiva quando tal aplicação fo r determ inada pelo contrato social, quer em caráter analógico, na incorporação de quaisquer sociedades, para suprir lacunas ou insuficiências das sucintas normas existentes no Código Civil sobre a m atéria. A operação de incorporação deverá ser aprovada tanto pelos sócios das sociedades incorporadoras quanto pelos da incorporada, pela maioria absoluta deles, sendo que, na hipótese de incorporação de lim itada, tal aprovação dar-se-á pelo voto de sócios que representem três quartos do capital social (art. 1 .0 7 6 ,1). Na deliberação dos sócios da sociedade ineorporadora aprova-se 0 docum ento denominado

Art. 1.118

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"protocolo da operação", ou simplesmente "protocolo", tal como veio a ser designado nos §§ 1o e 2o da Lei n. 6.404/76, autorizando-se o aum ento de capital a ser subscrito e realizado pela sociedade, m ediante a versão do seu patrim ônio líquido. Os sócios da incorporadora deverão aprovar, tam bém , o projeto de reform a do contrato ou estatuto social, assim como a designação dos peritos que procederão à avaliação do patrim ônio líquido da sociedade incorporada, que será acrescido ao patrim ônio da incorporadora. Os sócios da sociedade in­ corporada, ao aprovar a operação, autorizarão a subscrição do capital na sociedade incorpo­ radora, pelo valor da diferença entre seu ativo e passivo, ou seja, pelo valor de seu patrim ô­ nio líquido.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 231, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “A cisão de sociedades continua disciplinada na Lei n. 6.404/76, aplicável a todos os tipos societários, inclusive no que se refere aos direitos dos credores. Interpretação dos arts. 1.116 a 1.122 do Código Civil". • Enunciado 232, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Nas fusões e incorporações entre sociedades reguladas pelo Código Civil, é facultativa a elaboração de protocolo firmado pelos sócios ou administradores das sociedades; havendo sociedade anônima ou comandita por ações envolvida na operação, a obrigatoriedade do protocolo e da justificação somente a ela se aplica".

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.118. Aprovados os atos da incorporação, a incorporadora declarará extinta a in­ corporada, e promoverá a respectiva averbação no registro próprio. HISTÓRICO • A redação deste artigo não foi modificada no curso da tramitação do projeto no Congresso Na­ cional. 0 art. 234 da Lei n. 6.404/76 igualmente prevê a averbação do ato de incorporação no registro competente, para formalização da extinção da sociedade incorporada.

DOUTRINA • Absorvido o patrim ônio da sociedade incorporada pela incorporadora, aquela será declarada extinta por esta, que deverá promover, tam bém , a averbação do ato de incorporação no re­ gistro com petente. A partir desse m om ento, a sociedade incorporadora sucede a incorporada para todos os efeitos legais. Nos termos do art. 1.122, infra, os credores anteriores ao ato de incorporação, que se sentirem eventualm ente por ela prejudicados, terão o prazo de noven­ ta dias, contados da publicação daquele ato, para pleitear a anulação do mesmo.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 231, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “A cisão de sociedades continua disciplinada na Lei n. 6.404/76, aplicável a todos os tipos societários, inclusive no que se refere aos direitos dos credores. Interpretação dos arts. 1.116 a 1.122 do Código Civil".

JULGADO • "Agravo regimental. Incorporação. Procedimento complexo. Término. Averbação na junta comer­ cial. A incorporação de uma sociedade empresária constitui procedimento complexo, cujo ponto derradeiro deságua na averbação do ato de incorporação na Junta Comercial. A incorporação tem

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Arts. 1.119 e1.120

início com a aprovação, em assembleia geral, dos sócios/acionistas da incorporada e também dos sócios/acionistas da ineorporadora. Aprovados os atos de incorporação, a ineorporadora declara­ rá extinta a incorporada e promoverá a respectiva averbação na Junta Comercial (art. 1.118 do Código Civil). Quando se trata de instituição financeira, a incorporação também depende da aprovação do Banco Central. Negado provimento" (TJMG, 15J Cãm. Civ., Processo 1.0045.09.0278289/003, Rei. Des. Tibúrcio Marques, j. em 14-1-2010).

Art. 1.119. A fusão determina a extinção das sociedades que se unem, para formar sociedade nova, que a elas sucederá nos direitos e obrigações. H IS T Ó R IC O • Este dispositivo permanece com a mesma redação constante do projeto original. 0 art. 228 da Lei n. 6.404/76 apresenta, com outras palavras, o conceito de fusão de sociedades.

D O U T R IN A • A fusão im porta na reunião do patrim ônio de duas ou mais sociedades, que se extinguem , para form ar uma nova, que as sucederá em todos os direitos e obrigações. A fusão pode envolver sociedades de distintas espécies, assim como a nova sociedade poderá ser de outro tipo societário, se os sócios decidirem, igualm ente, pela sua transform ação. Tal como ocorre na incorporação, há necessidade de a fusão ser votada, separadam ente, em cada uma das sociedades, cabendo aqui a mesma observação feita anteriorm ente a propósito da incorpo­ ração, isto é, a deliberação deverá ser tom ada pela maioria absoluta dos sócios, sendo que, na hipótese de lim itada, tal aprovação dar-se-á pelo voto de sócios que representem 3 /4 do capital social (art. 1 .0 7 6 ,1). 0 traço m arcante e característico existente na fusão é a reunião patrim onial das sociedades objeto da fusão, patrim ônio esse que será somado e transferido para a sociedade nova surgida com a fusão.

E N U N C IA D O D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 231, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A cisão de sociedades continua disciplinada na Lei n. 6.404/76, aplicável a todos os tipos societários, inclusive no que se refere aos direitos dos credores. Interpretação dos arts. 1.116 a 1.122 do Código Civil".

Art. 1.120. A fusão será decidida, na forma estabelecida para os respectivos tipos, pelas sociedades que pretendam unir-se. § Em reunião ou assembleia dos sócios de cada sociedade, deliberada a fusão e aprovado o projeto do ato constitutivo da nova sociedade, bem como o plano de distribuição do capital social, serão nomeados os peritos para a avaliação do patrimônio da sociedade. § 2? Apresentados os laudos, os administradores convocarão reunião ou assembleia dos sócios para tomar conhecimento deles, decidindo sobre a constituição definitiva da nova sociedade. § 3- É vedado aos sócios votar o laudo de avaliação do patrimônio da sociedade de que façam parte. H IS T Ó R IC O • Os §§ 1® e 2® deste artigo foram objeto de emenda modifieativa no Senado Federal, para acrésci­ mo da hipótese de "reunião de sócios" como instância deliberativa do ato de fusão. Os mesmos procedimentos para a formalização da fusão encontram-se previstos no art. 228 da Lei n. 6.404/76.

Art. 1.121

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DOUTRINA • A mesma observação feita acima, nos comentários ao art. 1.117, relativam ente à operação de transform ação, vale aqui para a fusão. Tal operação deverá ser aprovada, separadamente, em cada uma das sociedades envolvidas no processo, pelo quorum de maioria absoluta de seus sócios. Em se tratando de sociedade lim itada, tal deliberação deverá ser tom ada por sócios que representem 3 /4 do capital social (art. 1 .0 7 6 ,1). Cada sociedade deverá aprovar o projeto do ato constitutivo da nova sociedade, o plano de distribuição do capital social e nomeará peritos para avaliação do respectivo patrim ônio (§ 1«), sendo vedado aos sócios, por evidente conflito de interesses, votar o laudo de avaliação da sociedade que integram (§ 3o). Após a realização das reuniões ou assembléias dos sócios em cada sociedade e apresentado o laudo de avaliação, os administradores de ambas as sociedades convocarão reunião ou assembleia conjunta dos sócios, para conhecim ento dos laudos e para decidir sobre a cons­ tituição definitiva da nova sociedade, aprovando-se o ato constitutivo dela e procedendo-se á eleição dos seus administradores (§ 2°).

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 231, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “A cisão de sociedades continua disciplinada na Lei n. 6.404/76, aplicável a todos os tipos societários, inclusive no que se refere aos direitos dos credores. Interpretação dos arts. 1.116 a 1.122 do Código Civil-. • Enunciado 232, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Nas fusões e incorporações entre sociedades reguladas pelo Código Civil, é facultativa a elaboração de protocolo firmado pelos sócios ou administradores das sociedades; havendo sociedade anônima ou comandita por ações envolvida na operação, a obrigatoriedade do protocolo e da justificação somente a ela se aplica".

Art. 1.121. Constituída a nova sociedade, aos administradores incumbe fazer inscrever, no registro próprio da sede, os atos relativos à fusão. HISTÓRICO • A redação deste dispositivo não foi modificada no curso da tramitação do projeto. 0 art. 234 da Lei n. 6.404/76 igualmente prevê a averbação do ato de fusão no registro competente.

DOUTRINA • Os administradores da nova sociedade devem providenciar a averbação dos atos de extinção das sociedades fusionadas no registro com petente, bem como a inscrição da sociedade cons­ tituída a partir da form alização da fusão, no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, no caso de sociedade simples, ou no Registro Público das Empresas Mercantis, no caso de sociedade empresária.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 231, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “A cisão de sociedades continua disciplinada na Lei n. 6.404/76, aplicável a todos os tipos societários, inclusive no que se refere aos direitos dos credores. Interpretação dos arts. 1.116 a 1.122 do Código Civil".

DIREITO PROJETADO • 0 Deputado Ricardo Fiuza propôs o acréscimo de mais um artigo, após o art. 1.121, para inclusão da definição de cisão, idêntica à adotada pela Lei das S/A, com a seguinte redação: Art. 1.121-A A cisão é a operação pela qual uma sociedade transfere parcela do seu patrim ônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a sociedade cindida,

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Art. 1.122

se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão. § 7° A sociedade que absorver parcela do patrimônio da sociedade cindida sucede a esta nos di­ reitos e obrigações relacionados no ato da cisão. § 2a O ato de cisão parcial poderá estipular que as sociedades que absorverem parcelas do patrim ônio da cindida sejam responsáveis pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem solidariedade entre si ou com a sociedade cindida, mas, neste caso, qualquer credor anterior poderá se opor ò estipulação, em relação ao seu cré­ dito, desde que notifique a sociedade no prazo de noventa dias a contar da data do registro dos atos da cisão. § J2 A cisão com versão de parcela do patrim ônio ò sociedade jó existente obede­ cerá as disposições referentes à incorporação. § 4® Efetivada a cisão com extinção da sociedade cindida, caberá aos administradores das sociedades que tiverem absorvido parcelas do seu p a­ trimônio promover a averbação, no registro próprio, dos atos da cisão (cf. PL n. 7 .160/2002, que está arquivado).

Art. 1.122. Até noventa dias após publicados os atos relativos à incorporação, fusão ou cisão, o credor anterior, por ela prejudicado, poderá promover judicialmente a anulação deles. § \- A consignação em pagamento prejudicará a anulação pleiteada. § 2- Sendo ilíquida a dívida, a sociedade poderá garantir-lhe a execução, suspendendo-se o processo de anulação. § 3- Ocorrendo, no prazo deste artigo, a falência da sociedade ineorporadora, da socie­ dade nova ou da cindida, qualquer credor anterior terá direito a pedir a separação dos pa­ trimônios, para o fim de serem os créditos pagos pelos bens das respectivas massas. HISTÓRICO • 0 caput deste artigo e seu § 3° foram modificados por emenda apresentada no Senado Federal acrescentando a referência à cisão, ainda que, por omissão do legislador, no corpo deste capitulo não tenham sido conceituados e regulados os procedimentos relativos à cisão de sociedades, que deve reger-se pelo contido no art. 229 da Lei n. 6.404/76.

DOUTRINA • Como já salientado nos com entários ao a rt. 1.115, supra, relativam ente ao negócio ju ríd ico da transform ação do tip o societário, é um co rolário do princípio da segurança ju rídica que as operações societárias de incorporação, fusão ou cisão devem, após form alizadas, respeitar integralm ente os d ireito s dos credores anteriores a cada uma dessas operações. Curiosam en­ te, no e n ta n to , este a rt. 1.122 não m enciona os atos relativos à transform ação, ao lado da incorporação, fusão e cisão (esta ú ltim a posteriorm ente incluída no Senado, co nform e n o ti­ ciado acima). Embora não exista dúvida q u an to à absoluta sim etria da posição dos credores anteriores a essas diferentes fig u ra s jurídicas da transform ação, da incorporação, da fusão e da cisão - já que, em nenhum a delas, fa ria algum sentido que eles pudessem fic a r sem a devida proteção legal - , e ainda que o art. 1.115 já tivesse estabelecido que a transform ação não m odificaria ou prejudicaria, em qualquer caso, os d ireitos dos credores, conviria que este art. 1.122 tivesse tam bém m encionado os atos relativos à transform ação, pois ele regula prazo e procedim ento não previstos naquele a rt. 1.115. Diga-se, aliás, que a transform ação (em sentido estrito), a incorporação, a fusão e a cisão, constituem espécies de um mesmo gênero, que seria a transform ação em sentido am plo. A propósito, o M in istro H um berto Gomes de Barros, no ju lg a m e n to do REsp 242.721 /SC, com propriedade observou que as sociedades podem passar por m etam orfoses representadas por todas essas modalidades, as­ severando que "estes q u a tro fenôm enos constituem várias facetas de um só in s titu to : a transform ação das sociedades. Todos eles guardam um a trib u to com um : a natureza civil.

Art. 1.123

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Todos eles se consumam envolvendo as sociedades objeto da m etamorfose e os titulares (pessoas físicas ou jurídicas) das respectivas quotas ou ações. Em todo o encadeam ento dos negócios nâo ocorre qualquer operaçào comercial. Os bens permanecem no círculo patrim o­ nial da corporação". Seja como for, em qualquer hipótese, o credor que se sentir prejudicado pode ingressar, no prazo de noventa dias, com ação anulatória da operação societária. Se os administradores da sociedade incorporadora, da sociedade que surgiu da fusão ou da cindida promoverem a consignação em pagam ento do crédito reclamado, a ação anulatória ficará prejudicada e deverá ser extinta. Se o crédito reivindicado for ilíquido e a sociedade garantir, em juízo, o valor da dívida, o processo de anulação ficará suspenso até que seja quantificado o m ontante em discussão. Ocorrendo falência superveniente à operação de incorporação, fusão ou cisão, o credor de dívida anterior poderá requerer a separação dos patrimônios anteriores a cada operação, constituindo-se massas distintas para efeito de cum prim ento das obrigações creditícias.

E N U N C IA D O S D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 489, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Arts. 1.043, II, 1.051,1.063, §3°, 1.084, § 1°, 1.109, parágrafo único, 1.122,1.14 4,1 .146 ,1.1 48 e 1.149 do Código Civil; e art. 71 da Lei Complementar n. 123/2006. No caso da microempresa, da empresa de pequeno porte e do microempreendedor individual, dispensados de publicação dos seus atos (art. 71 da Lei Comple­ mentar n. 123/2006), os prazos estabelecidos no Código Civil contam-se da data do arquivamen­ to do documento (termo inicial) no registro próprio". • Enunciado 231, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “A cisão de sociedades continua disciplinada na Lei n. 6.404/76, aplicável a todos os tipos societários, inclusive no que se refere aos direitos dos credores. Interpretação dos arts. 1.116 a 1.122 do Código Civil".

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

C ap ítu lo XI — DA SOCIEDADE DEPENDENTE DE AUTORIZAÇÃO

Seção I — D isposições gerais Art. 1.123. A sociedade que dependa de autorização do Poder Executivo para funcionar reger-se-á por este título, sem prejuízo do disposto em lei especial. Parágrafo único. A competência para a autorização será sempre do Poder Executivo federal. H IS T Ó R IC O • Este artigo teve sua redação modificada no Senado Federal, tendo ocorrido a substituição do vocábulo "Governo" pela expressão "Poder Executivo", tecnicamente mais apropriada a designar o ente competente para autorizar o funcionamento de sociedade dependente de autorização. 0 a r t 18 do Código Civil de 1916 apenas fazia menção genérica à autorização governamental para o registro do ato constitutivo da pessoa jurídica. 0 art. 35, VIII, da Lei n. 8.934/94 veda o arquiva­ mento do ato constitutivo de sociedade ainda não aprovada pelo Governo, quando essa autoriza­ ção se faça necessária.

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Art. 1.123

DOUTRINA • Pelo parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal, assegura-se a todos o livre exercí­ cio de qualquer atividade econômica, independentem ente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. A cabeça desse mesmo artigo estabelece serem dois os fu n ­ damentos da ordem econômica brasileira: a valorização do trabalho hum ano e a livre inicia­ tiva. Já os princípios dessa mesma ordem econômica acham -se mencionados em nove incisos do citado artigo, estando previsto, no de núm ero IV, o da livre concorrência. Assim, um dos fundam entos da ordem econômica - a livre iniciativa - e um dos princípios dela - a livre concorrência - asseguram a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica. A li­ berdade de atuação constitui, portanto, a regra, tendo a necessidade de autorização para o funcionam ento da empresa caráter evidentem ente excepcional. Desde que observe as fo rm a­ lidades legais e seja lícito o seu objeto social, a sociedade pode ser constituída para o desem­ penho de qualquer atividade em que não esteja sujeita a regime especial determ inado em lei. Já o regime de autorização, em razão do interesse público envolvido, ê um sistema de o uto r­ ga em que a constituição da empresa depende de autorização governam ental, tal ocorrendo, p. ex., nos casos das instituições financeiras (Lei n. 4.5 95/64), que dependem de autorização do Banco Central, quer para funcionar, quer para transferir controle acionário, quer, ainda, para promover reorganização societária, o mesmo acontecendo com as sociedades de crédi­ to im obiliário (Decreto n. 58.377/66). É o caso, igualm ente, das empresas de seguros (Decre­ to-Lei n. 73/66), que devem ter seu funcionam ento autorizado pela SUSEP - Superintendên­ cia de Seguros Privados, das empresas de transporte aêreo (Lei n. 7.565/86) e dos estabeleci­ mentos de ensino (Lei n. 9.3 9 4 /9 6 , Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que prescreve ser o ensino livre à iniciativa privada, desde que devidam ente autorizada pelo Poder Público), dentre outras, as quais, em decorrência da peculiar atividade que exercem, necessitam de autorização do Poder Público e se sujeitam a seu controle e fiscalização. Tam­ bém as sociedades estrangeiras, isto é, com sede, administração e regidas pelas leis do país de origem, devem obter prévia autorização para funcionar no Brasil e aqui realizar negócios (Decreto-Lei n. 2.627/40). Considerando que é de com petência privativa da União legislar sobre normas de direito civil e comercial (art. 2 2 ,1), ao Poder Executivo Federal deve tam bém com petir autorizar a constituição de sociedades sujeitas a regime especial de funcionam en­ to e fiscalizar o cum prim ento das leis e regulam entos especiais que por estas devem ser ob­ servados. Assinale-se que o ato adm inistrativo de deferim ento ou indeferim ento da au to ri­ zação deve necessariamente ser orientado pelos princípios constantes do art. 37 da Consti­ tuição Federal, isto é, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiên­ cia. Há que se considerar, ainda, a imperiosidade de vir o ato adm inistrativo de deferim ento ou indeferim ento acom panhado de adequada fundam entação. Sem ela, aquele não poderá validam ente subsistir. Diz-nos, a respeito, o Prof. Gladston M am ede [D ireito Empresarial Brasileiro, v. 2, Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias, Atlas, São Paulo, 2004, p. 66): "Se não há fundam entação, ou seja, explicitação clara e técnica das razões de decidir, demonstrando o respeito às normas jurídicas e ao interesse público, há arbítrio, incompatível com o Estado Democrático de Direito, devendo ser anulado o ato, determ inando-se que outro seja realizado, obedecendo a tais balizas. Aliás, a decisão em si é direito dos adminis­ trados, não podendo o Poder Público negar-se a decidir ou protelar a decisão sobre o pedido como form a de evitar a concessão ou, em sentido contrário, a explicitação das razões pelas quais a nega". • Sobre a substituição do vocábulo “Governo" pela expressão "Poder Executivo", referida no histórico acima, tecnicam ente mais apropriada a designar o ente com petente para autorizar o funcionam ento de sociedade dependente de autorização, ver, em sentido contrário, a dou­ trina de Luiz A ntônio Soares Hentz e Gustavo Saad Diniz (Sociedades Dependentes de A u to ­ rização - Novo Regram ento no Código Civil de 2002, São Paulo, Thomson-IOB, 2004, p. 36), para quem a expressão Governo Federal seria “mais apropriada, pelo fa to de englobar o

Arts. 1.124 e 1.125

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Congresso Nacional, órgão legislativo federal que dispõe de competência legislativa, por in ­ term édio da qual pode ser autorizado o funcionam ento de empresa".

Art. 1.124. Na falta de prazo estipulado em lei ou em ato do poder público, será consi­ derada caduca a autorização se a sociedade não entrar em funcionamento nos doze meses seguintes à respectiva publicação. HISTÓRICO • A regra constante deste artigo nào foi modificada durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. Nào há correspondente no Código de 1916.

D O U T R IN A • Após a concessão de autorização governam ental para a constituição de sociedade sujeita a esse regime, deverá ela entrar em funcionam ento no prazo de doze meses, a contar da pu­ blicação do ato respectivo na imprensa oficial. Se assim não ocorrer, a autorização caducará, ou seja, perderá sua eficácia jurídica. Lei especial, todavia, poderá fixar outro prazo de cadu­ cidade, de m enor ou m aior intervalo tem poral. Dúvida poderá ocorrer quanto ao exato al­ cance da expressão "entrar em funcionam ento", constante do texto deste artigo, de eviden­ te dubiedade. Esclarece o Prof. Am oldo W ald (Com entários ao novo Código Civil, v. XIV, cit., p. 692) que ela "não significa, necessariamente, a plena execução do objeto social". A asser­ ção é, com efeito, inquestionável. A atividade de uma empresa, máxime a de uma dependen­ te de autorização, exige am pla variedade de providências preliminares e complementares à sua própria constituição, não se podendo determ inar, com segurança, o exato m om ento em que já esteja em funcionam ento... Por não ser semelhante ao m otor de um autom óvel, so­ m ente uma cuidadosa avaliação do caso concreto poderá fornecer elementos seguros de convicção de estar ou não a empresa em funcionam ento.

Art. 1.125. Ao Poder Executivo é facultado, a qualquer tempo, cassar a autorização concedida a sociedade nacional ou estrangeira que infringir disposição de ordem pública ou praticar atos contrários aos fins declarados no seu estatuto. HISTÓRICO • Este dispositivo foi alterado por emenda apresentada no Senado Federal, que se limitou a substi­ tuir a expressão "Governo" por "Poder Executivo" e passar a referência a "estatutos" para o sin­ gular. Vide, a propósito, comentários ao art. 1.124, supra. Não há correspondente no Código Civil de 1916 nem na legislação comercial.

D O D T R IN A • Uma das características inerentes ao regime de autorização é que o Poder Público exerce sobre a sociedade autorizada, a todo tem po, sua competência fiscalizadora, de modo a asse­ gurar o perm anente cum prim ento das leis e regulam entos a que ela se encontra submetida. Por isso que, verificado, mediante atividade de fiscalização, que a sociedade nacional ou estrangeira esteja a violar ou infringir princípio de ordem pública, assim definido em lei, ou esteja a exercer sua atividade em desconformidade com o objeto previsto em seu estatuto ou contrato social, poderá a autorização ser cassada, a qualquer tem po, assegurada, obvia­ mente, a observância do devido processo legal e o exercício do direito de defesa (CF, art. 5o, LIV e LV). Diz-nos, a respeito, o Prof. Gladston M am ede [D ireito Em presarial Brasileiro, v. 2, Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias, São Paulo, Atlas, 2004, p. 66): “Da

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Arts. 1.126 0 1.127

mesma form a que pode autorizar, o Poder Público, pelo órgão com petente, pode cassar a autorização, como consta do art. 1.125 do Código Civil, im plicando, a teor do art. 1.033, V, do Código Civil, a dissolução da sociedade. A faculdade de cassar a autorização poderá ser exercida pelo Poder Público a qualquer m omento, em bora esteja condicionada, diz o aludido art. 1.125, à demonstração - em decisão fundam entada, friso - de ter a sociedade infringi­ do disposição de ordem pública ou praticado atos contrários aos fins que foram declarados no seu estatuto".

Seção II — Da sociedade nacional Art. 1.126. É nacional a sociedade organizada de conformidade com a lei brasileira e que tenha no País a sede de sua administração. Parágrafo único. Quando a lei exigir que todos ou alguns sócios sejam brasileiros, as ações da sociedade anônima revestirão, no silêncio da lei, a forma nominativa. Qualquer que seja o tipo da sociedade, na sua sede ficará arquivada cópia autêntica do documento comprobatório da nacionalidade dos sócios. H IS T Ó R IC O • A redação desta norma manteve o mesmo conteúdo do projeto original. Não há correspondente no Código de 1 9 1 6 .0 art. 60 do Decreto-Lei n. 2.627/40, antiga Lei das Sociedades Anônimas, que permaneceu em vigor por remissão expressa da Lei n. 6.404/76, definia a sociedade nacional nos mesmos termos deste artigo, e continha regra idêntica à constante de seu parágrafo único.

D O U T R IN A • 0 atual Código Civil apresenta neste dispositivo essencial distinção entre sociedade nacional e sociedade estrangeira, definição esta fundam ental para fins de aplicação das normas que devem reger as empresas em nosso país. A sociedade nacional é aquela constituída sob a lei brasileira e que tenha sua sede no Brasil. Assim constituída, sua organização e funcionam en­ to regem-se pela nossa legislação, ainda que seus sócios ou acionistas controladores residam no exterior. A empresa m ultinacional, p. ex., quando constituída no Brasil, adotando uma das form as societárias de nosso direito, é considerada sociedade nacional. Em determ inadas si­ tuações, como no caso das empresas jornalísticas ou de radiodifusão (CF, art. 222), a Consti­ tuição ou a lei pode exigir que todos os sócios da sociedade, a maioria ou somente alguns sejam brasileiros natos ou naturalizados, caso em que, obrigatoriam ente, as ações deverão ser nominativas.

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.127. Não haverá mudança de nacionalidade de sociedade brasileira sem o con­ sentimento unânime dos sócios ou acionistas. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em tela não foi objeto de modificação durante a tramitação do projeto. Não há correspondente no Código de 1916 ou na legislação societária.

Arts. 1.128 e 1.129

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D O U T R IN A • Na hipótese de sociedade nacional ou brasileira pretender transferir sua sede e administração para outro país, tal mudança, de acordo com esta norma, deve ser aprovada pela unanim i­ dade dos sócios ou acionistas da sociedade. A mudança da sede da sociedade im porta na perda da condição de sociedade nacional, mesmo que seus sócios ou acionistas residam no Brasil.

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.128.0 requerimento de autorização de sociedade nacional deve ser acompanha­ do de cópia do contrato, assinada por todos os sócios, ou, tratando-se de sociedade anônima, de cópia, autenticada pelos fundadores, dos documentos exigidos pela lei especial. Parágrafo único. Se a sociedade tiver sido constituída por escritura pública, bastará juntar-se ao requerimento a respectiva certidão. H IS T Ó R IC O • Nenhuma alteração foi introduzida neste artigo, que manteve a redação original. Sem paralelo no Código Civil de 1916. Leis especificas relativas à necessidade de autorização governamental esta­ belecem as exigências para o respectivo requerimento. A autorização para constituição ou trans­ formação de sociedade anônima de capital aberto, para que possa em itir títulos e valores mobili­ ários no mercado de capitais, encontra-se regulada pela Lei n. 6.385/76.

D O U T R IN A • Sempre que a lei exigir autorização do Poder Público para a constituição de sociedade (art. 1.123), os responsáveis por esta deverão apresentar requerim ento acom panhado de cópia do contrato ou estatuto social, que deve conter a assinatura de todos os sócios. No caso de so­ ciedade anônim a, a legislação especial de regulação de cada atividade submetida a regime de autorização estabelecerá os documentos necessários e as exigências a serem cumpridas. Se a constituição da sociedade tiver sido form alizada m ediante escritura pública, o requeri­ m ento de autorização deverá ser instruído pela certidão correspondente à lavratura da escritura.

Art. 1.129. Ao Poder Executivo é facultado exigir que se procedam a alterações ou aditamento no contrato ou no estatuto, devendo os sócios, ou, tratando-se de sociedade anônima, os fundadores, cumprir as formalidades legais para revisão dos atos constitutivos, e juntar ao processo prova regular. H IS T Ó R IC O • Este artigo foi objeto de emenda apresentada no Senado Federal que substituiu a expressão "Go­ verno" por "Poder Executivo". Na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados o texto também sofreu pequena alteração apenas para aperfeiçoamento gramatical. Não há corres­ pondente no Código de 1916. A legislação especial das atividades sujeitas a regime de autorização igualmente exige a correção dos atos constitutivos que não atendam às exigências de conteúdo fixadas nas normas legais incidentes.

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Arts. 1.130 e 1.131

D O U T R IN A • A sistemática de autorização implica a necessidade de estrita observância dos requisitos es­ tabelecidos pela legislação aplicável a cada atividade submetida a esse regime. Assim, obvia­ mente, as normas dos contratos e estatutos sociais devem atender, rigorosamente, às pres­ crições legais. Na análise do processo de autorização, o Poder Público tem o dever de verifi­ car a satisfação ou preenchim ento desses requisitos e a conform idade das normas de cons­ tituição da sociedade a tais exigências. Caso seja constatada cláusula do contrato ou norma estatutária que desatenda às exigências legais, ou mesmo omissão de texto que deveria constar, a autoridade com petente poderá ordenar aos responsáveis pela sociedade a correção dos erros ou omissões nos atos constitutivos. Após sanadas as falhas verificadas, em cum pri­ m ento das exigências legais, juntando-se, para tanto, prova da retificação, será dado prosse­ guim ento ao processo de autorização.

Art. 1.130. Ao Poder Executivo é facultado recusar a autorização, se a sociedade não atender às condições econômicas, financeiras ou jurídicas especificadas em lei. H IS T Ó R IC O • Também ocorreu neste artigo alteração com a finalidade de substituir a expressão original, “Go­ verno", por “Poder Executivo". Foi ainda suprimida, por emenda do Senador Gabriel Hermes, a parte final do artigo, que estabelecia o motivo da negativa de autorização quando a criação da sociedade pudesse “contrariar os interesses da economia nacional". Não há paralelo no Código de 1916. A redação deste dispositivo reproduz o art. 62 do Decreto-Lei n. 2.627/40 (antiga Lei das Sociedades Anônimas). A legislação especial das sociedades autorizadas igualmente prevê a pos­ sibilidade de recusa da autorização se não forem observadas as condições econômicas, financeiras ou jurídicas previstas na lei.

D O U T R IN A • O processo de autorização é vinculado às exigências legais. A legislação especial aplicável a cada atividade econômica que para seu exercício dependa de autorização geralm ente esta­ belece as condições econômicas, financeiras e jurídicas que devem ser cumpridas pelas so­ ciedades em fase de constituição. A autorização, obviam ente, somente pode ser deferida às sociedades que preencherem os requisitos fixados na lei respectiva. A norma deveria ser cogente, isto é, não deveria simplesmente ser facultada ao Poder Público a negativa de au­ torização, mas, não tendo sido cumprido um requisito legal, ter ele o poder-dever de recusar a outorga autorizativa.

Art. 1.131. Expedido o decreto de autorização, cumprirá à sociedade publicar os atos referidos nos arts. 1.128 e 1.129, em trinta dias, no órgão oficial da União, cujo exemplar representará prova para inscrição, no registro próprio, dos atos constitutivos da sociedade. Parágrafo único. A sociedade promoverá, também no órgão oficial da União e no prazo de trinta dias, a publicação do termo de inscrição. H IS T Ó R IC O • A redação desta disposição é a mesma do projeto original. Cada lei especial relativa às atividades sujeitas à autorização estabelece um procedimento próprio para a formalização do ato final de autorização, que não se realiza mediante decreto do Poder Executivo, mas sim por ato adminis­ trativo da autoridade federal competente. Regra similar encontrava-se prevista no § 3o do art. 61 do Decreto-Lei n. 2.627/40.

Arts. 1.132 e 1.133

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DOUTRINA • Este artigo exige que o ato de autorização seja form alizado m ediante decreto, que é ato próprio do Presidente da República. No caso das instituições financeiras, p. ex., a autorização para constituição e funcionam ento é de competência do Presidente do Banco Central (Lei n. 4 .5 9 5 /6 4 , art. 10, X). Por delegação do Presidente da República, logicam ente, outras au to ri­ dades federais poderão expedir o ato final de autorização. 0 decreto ou ato de autorização deverá ser publicado no Diário O ficial da União no prazo de trin ta dias, ficando a sociedade habilitada para providenciar a inscrição de seus atos constitutivos perante o Registro Público de Empresas Mercantis, em se tratando de sociedade empresária, e no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, no caso de sociedade simples. 0 term o de inscrição no registro com peten­ te tam bém deverá ser objeto de publicação no Diário O ficial da Uniõo.

Art. 1.132. As sociedades anônimas nacionais, que dependam de autorização do Poder Executivo para funcionar, não se constituirão sem obtê-la, quando seus fundadores preten­ derem recorrer a subscrição pública para a formação do capital. § l- Os fundadores deverão juntar ao requerimento cópias autênticas do projeto do estatuto e do prospecto. § 2? Obtida a autorização e constituída a sociedade, proceder-se-á à inscrição dos seus atos constitutivos. HISTÓRICO • Emenda apresentada no Senado Federal substituiu a expressão "Governo" por "Poder Executivo", assim como promoveu pequena emenda de redação em seu § 1fl. Não há correspondente no Có­ digo de 1916. A redação desta disposição praticamente reproduz o contido no art. 63 do Decreto-Lei n. 2.627/40 (antiga Lei das Sociedades Anônimas). A constituição de sociedade anônima mediante subscrição pública encontra-se regulada pelos arts. 82 a 87 da Lei n. 6.404/76.

DOUTRINA • A sociedade anônim a pode ser constituída m ediante subscrição pública, com a emissão de ações para a integralização de seu capital. A constituição de companhia por subscrição pú­ blica depende do prévio registro da emissão na Comissão de Valores Mobiliários - CVM (Lei n. 6.404/76, art. 82). As exigências e requisitos para a constituição de com panhia por subs­ crição pública são bem mais amplos e detalhados pela Lei das Sociedades Anônimas, obrigan­ do os fundadores, inclusive, a apresentar estudo de viabilidade econômica e financeira do em preendim ento (Lei n. 6.4 04/76, art. 82, § 1°). Desse modo, existindo lei especial discipli­ nando com m aior especificidade a m atéria, deverá ela regular esse procedim ento especial de constituição da sociedade anônim a, ficando sem aplicabilidade esta disposição do Código Civil.

Art. 1.133. Dependem de aprovação as modificações do contrato ou do estatuto de so­ ciedade sujeita a autorização do Poder Executivo, salvo se decorrerem de aumento do capi­ tal social, em virtude de utilização de reservas ou reavaliação do ativo. HISTÓRICO • Este artigo também foi alterado por emenda que se limitou a substituir o vocábulo "Governo" por "Poder Executivo". Não há paralelo no Código de 1916. De modo semelhante, a legislação especial aplicada às atividades autorizadas também exige aprovação das alterações do contrato ou esta­

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Art. 1.134

tuto social da sociedade autorizada, para análise da conformidade da modificação com as exigên­ cias legais.

D O U T R IN A • Salvo no caso de alteração do contrato ou estatuto social em operações destinadas ao au­ m ento do capital social por utilização de reservas ou reavaliação do ativo, qualquer outra modificação do ato constitutivo da sociedade autorizada deverá, antes de levado para arqui­ vam ento e averbação no registro com petente, ser objeto de análise e aprovação por parte da autoridade com petente. Isto porque, durante todo o período de funcionam ento da socieda­ de, deverão ser observadas e mantidas as mesmas condições existentes por ocasião do ato autorizativo, e a mudança do contrato ou do estatuto da sociedade poderá im plicar o descum prim ento de exigências expressas previstas na legislação própria.

Seção III — Da sociedade estrangeira Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subor­ dinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de socieda­ de anônima brasileira. § Ao requerimento de autorização devem juntar-se: I — prova de se achar a sociedade constituída conforme a lei de seu país; II — inteiro teor do contrato ou do estatuto; III — relação dos membros de todos os órgãos da administração da sociedade, com nome, nacionalidade, profissão, domicílio e, salvo quanto a ações ao portador, o valor da participação de cada um no capital da sociedade; IV— cópia do ato que autorizou o funcionamento no Brasil e fixou o capital destinado às operações no território nacional; V — prova de nomeação do representante no Brasil, com poderes expressos para aceitar as condições exigidas para a autorização; VI — último balanço. § T- Os documentos serão autenticados, de conformidade com a lei nacional da socie­ dade requerente, legalizados no consulado brasileiro da respectiva sede e acompanhados de tradução em vernáculo. H IS T Ó R IC O • A redação deste dispositivo foi objeto de emenda durante a tramitação do projeto no Senado Federal somente para substituir a expressão "Governo" por “Poder Executivo". 0 Decreto-Lei n. 2.627/40, antiga Lei das Sociedades Anônimas, mantido em vigor por remissão expressa do art. 300 da Lei n. 6.404/76, regulava, em seus arts. 59 a 73, o processo de autorização de funciona­ mento, no Brasil, das sociedades anônimas e companhias estrangeiras. 0 Decreto n. 3.444/2000 estabelece a competência do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior para autorizar o funcionamento de empresas estrangeiras no Pais.

D O U T R IN A • A sociedade estrangeira é definida como aquela constituída de acordo com as leis de seu país de origem e que nele tem sua sede e administração. Pode a sociedade estrangeira atuar no

Art. 1.134

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Brasil por si mesma ou por interm édio de estabelecimentos filiais, sucursais, agências, escri­ tórios de representação ou postos comerciais, m antendo seu estabelecim ento sede no país em que foi constituída. Qualquer que seja seu objeto societário, a sociedade estrangeira deve requerer autorização governam ental para poder realizar atos e negócios em território nacio­ nal. Essa exigência de autorização não se aplica quando a sociedade estrangeira realizar negócios com empresas ou sociedades nacionais que sejam celebrados em seu próprio país ou no exterior. Todavia, para atos e negócios contratados no Brasil, deve ela obter a neces­ sária autorização do Poder Executivo. Não será necessária autorização, tam bém , para a so­ ciedade estrangeira participar do capital de sociedade anônim a nacional, constituída sob a lei brasileira. Nas edições anteriores à atual, em homenagem ao saudoso Deputado Ricardo Fiuza, m antive sua interpretação no sentido de que, se a sociedade estrangeira pretendesse tornar-se quotista de sociedade lim itada nacional, seria a autorização governam ental sempre imprescindível. Não parece ser essa, porém, a exegese preferível. Caberia lembrar, em prim ei­ ro lugar, a origem desse dispositivo. Ele provém do art. 64 da anterior lei acionária brasileira (Dee.-Lei n. 2 .6 27/194 0) segundo o qual "os sociedades anônim as ou com panhias estrangei­ ras, qualquer que seja o seu objeto, nõo podem, sem autorização do Governo Federal, fun­ cionar no país, p o r si mesmas, ou p o r filiais, sucursais, agências, ou estabelecim entos que as representem, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônim a brasileira (art. 60/*. De acordo com autorizada doutrina (Trajano de M iranda Valverde, Sociedade p o r Ações, v. 1, Rio de Janeiro, Forense, 1959, p. 420) a norma destinava-se a proteger a economia nacional, im pedindo que "possam as companhias estran­ geiras atuar, clandestinam ente, dentro do país, sem que o Poder Público tenha, portanto, elementos para controlar ou fiscalizar a sua atividade. Nenhum a razão, en tretanto, há para proibir as sociedades estrangeiras de serem acionistas de companhias brasileiras, já que estas estão integralm ente sujeitas às leis nacionais e podem ser controladas ou fiscalizadas pelo Poder Público". Sobreveio, posteriormente, a Lei n. 6.8 15/80, que dispôs sobre a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, tendo o seu art. 4 5 estabelecido que "a Junta Comercial, ao registrar firm a de que participe estrangeiro, rem eterá ao Ministério da Justiça os dados de identificação do estrangeiro e os do seu docum ento de identidade em itido no Brasil. Mais recentemente, a Instrução Normativa n. 7 6 /9 8 e o Parecer Jurídico DNRC/CONJUR n. 126/2006, ambos expedidos pelo Departam ento Nacional de Registro do Comércio, deixaram claro existir plena possibilidade de que pessoa jurídica estrangeira participe de sociedade lim itada brasileira, não obstante a redação constante deste art. 1.134. Acrescente-se, por derradeiro, a existência de proposta, no Parlam ento Nacional, para a mudança da redação do artigo, conform e abaixo mencionado. Para maiores aprofundam entos doutrinários sobre o tema, vejam -se os artigos do Prof. M ário Luiz Delgado (Participação de sociedade estrangeira em sociedade lim itada nacional: Interpretação finalístiea do art. 1.134 do Código Civil Brasileiro, in Novo Código Civil: Questões controvertidas: direito de empresa, Rio de Janeiro, Forense; São Paulo, M étodo, 2010, Série Grandes Temas de Direito Privado, v. 8, obra coletiva coorde­ nada por M ário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves, p. 295 e s.). Vide, igualm ente, nessa mesma obra, os trabalhos de Luciano Dequech (A necessidade de autorização governamental para o regular funcionam ento da sociedade lim itada com sócio estrangeiro e a interpretação do disposto no art. 1.134 do Código Civil, p. 273 e s.) e dos Profs. Erasmo Valladão A e N. França e Marcelo Vieira Von Adamek (Da livre participação, como regra, de sociedade estran­ geira em sociedade brasileira de qualquer tipo [Código Civil, art. 1.134, 2a parte], p. 283 e s.)

E N U N C IA D O D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 486, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Art. 1.134. A sociedade estran­ geira pode, independentemente de autorização do Poder Executivo, ser sócia em sociedades de outros tipos além das anônimas".

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Arts. 1.135 e 1.136

JU LG A D O • "Demolitória. Legitimidade passiva. Proprietário. Alteração da fachada do edifício. Aprovação. Unanimidade. 1. As disposições contidas no contrato de promessa de compra e venda havido entre os recorrentes e a empresa estrangeira não obrigam a terceiros, por lhe faltar um dos requi­ sitos de validade: o agente capaz - art. 1 0 4 ,1. Ocorre que a sociedade estrangeira somente ad­ quire capacidade para a prática de atos no Brasil após autorização do Poder Público, nos termos do art. 1.134 do Código Civil. 2. 0 art. 10 da Lei n. 4.591/64, aplicável ao caso, proíbe a alteração da fachada externa por qualquer condômino. 0 parágrafo segundo do aludido dispositivo prevê uma exceção á regra, caso a obra que modifique a fachada seja aprovada pela unanimidade dos condôminos. Realizada a respectiva assembleia geral, a alteração da fachada mediante a colocação de vidros não foi aprovada (fl. 96). Destarte, patente a ilegalidade da obra. Rejeitam a preliminar e negam provimento" (TJMG,151 Cãm. Cível, Processo 1.0024.02.857320-2/001(1), Rei. Des. W ag­ ner Wilson, j. em 1°-3-2007).

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.135. É facultado ao Poder Executivo, para conceder a autorização, estabelecer condições convenientes à defesa dos interesses nacionais. Parágrafo único. Aceitas as condições, expedirá o Poder Executivo decreto de autori­ zação, do qual constará o montante de capital destinado às operações no País, cabendo à sociedade promover a publicação dos atos referidos no art. 1.131 e no § 1- do a r t 1.134. H IS T Ó R IC O • 0 conteúdo deste artigo foi modificado por emenda no Senado Federal apenas para substituir a expressão "Governo" por “Poder Executivo". Disposição idêntica era prevista pelo art. 65 do De­ creto-Lei n. 2.627/40.

D O U T R IN A • Dependendo do tipo de atividade que será desempenhada pela sociedade estrangeira no Brasil, o Poder Executivo poderá estabelecer exigências adicionais para a concessão da au to­ rização em virtude de razões relacionadas à defesa dos interesses nacionais. Essas razões geralm ente se referem a questões inerentes à preservação da soberania nacional, como o princípio da ordem econômica, prescrito pelo inciso I do art. 170 da Constituição Federal. Aceitas as condições pela sociedade estrangeira, será expedido o ato de autorização, o que poderá ser feito por decreto ou ato delegado, tal como ocorreu recentem ente com o Decre­ to n. 3.4 4 4 /2 0 0 0 , que delegou ao M inistro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior a competência para autorizar o funcionam ento de empresa ou sociedade estrangeira no Brasil. Em seguida ao ato autorizativo, a sociedade estrangeira deverá providenciar o arqui­ vam ento e a inscrição, no registro com petente, dos documentos relativos ao processo de autorização, dando a devida publicidade mediante publicação no Diário O ficial da Uniõo (art. 1.131).

Art. 1.136. A sociedade autorizada não pode iniciar sua atividade antes de inscrita no registro próprio do lugar em que se deva estabelecer. § O requerimento de inscrição será instruído com exemplar da publicação exigida no parágrafo único do artigo antecedente, acompanhado de documento do depósito em di­ nheiro, em estabelecimento bancário oficial, do capital ali mencionado.

Art. 1.137

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§ T- Arquivados esses documentos, a inscrição será feita por termo em livro especial para as sociedades estrangeiras, com número de ordem contínuo para todas as sociedades inscritas; no termo constarão: I — nome, objeto, duração e sede da sociedade no estrangeiro; II — lugar da sucursal, filial ou agência, no País; III — data e número do decreto de autorização; IV — capital destinado às operações no País; V — individuação do seu representante permanente. § 3? Inscrita a sociedade, promover-se-á a publicação determinada no parágrafo único do art. 1.131. H IS T Ó R IC O • Este artigo veio a ser modificado, em seu § 1o, apenas para substituir a indicação original do Banco do Brasil S/A como instituição depositária do capital destinado pela sociedade estrangeira para operações no Pais para “qualquer estabelecimento bancário oficial". 0 parágrafo único do art. 65 do Decreto-Lei n. 2.627/40 também exigia o depósito do capital declarado para a realiza­ ção de operações e negócios em território nacional.

DOUTRINA • A sociedade estrangeira, após obter a devida autorização governam ental, somente poderá iniciar suas atividades no Brasil quando já tiver promovido a inscrição de sua autorização para funcionar no Registro Público de Empresas Mercantis, no caso de sociedade empresária, ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, se sociedade simples. Nessa oportunidade, ela de­ verá com provar o depósito do capital declarado e apresentar os documentos relacionados no § 2o deste artigo. Como procedim ento final, o registro da inscrição deverá ser publicado no Diário O ficial da Uniõo (art. 1.131, parágrafo único).

Art. 1.137. A sociedade estrangeira autorizada a funcionar ficará sujeita às leis e aos tribunais brasileiros, quanto aos atos ou operações praticados no Brasil. Parágrafo único. A sociedade estrangeira funcionará no território nacional com o nome que tiver em seu país de origem, podendo acrescentar as palavras “do Brasil” ou “para o Brasil”. H IS T Ó R IC O • A redação da norma é a mesma do projeto original. Disposições semelhantes eram previstas pelos arts. 66 e 68 do Decreto-Lei n. 2.627/40.

DOUTRINA • Os atos e negócios realizados pela sociedade estrangeira autorizada a funcionar no Brasil, aqui contratados, são regulados pela legislação nacional, nào se aplicando o regime legal do país de origem. 0 foro com petente para a apreciação de causas e processos relativos a con­ tratos celebrados em território nacional será tam bém , por força de lei, o da Justiça brasileira, independentem ente do foro de eleição das partes. A sociedade estrangeira atua no Brasil sob o mesmo nome empresarial ou denom inação de seu país de origem. É facultado, porém, à sociedade estrangeira autorizada, em sua identificação, acrescentar as palavras "do Brasil" ou "para o Brasil", nom e empresarial somente aplicável para a oferta de bens ou serviços e ne­ gócios realizados no País.

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Arts. 1.138 e1.139

Art. 1.138. A sociedade estrangeira autorizada a funcionar é obrigada a ter, permanen­ temente, representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade. Parágrafo único. O representante somente pode agir perante terceiros depois de ar­ quivado e averbado o instrumento de sua nomeação. H IS T Ó R IC O • O texto final deste dispositivo manteve a redação do projeto primitivo. O art. 67 do Decreto-Lei n. 2.627/40 estabelecia exigência idêntica no tocante à representação da sociedade estrangeira no Brasil.

D O U T R IN A • Mesmo que não venha a instalar, em te rritó rio nacional, estabelecim ento filia l, agência ou sucursal, a sociedade estrangeira deverá ser representada por d ire to r ou procurador especial­ m ente habilitado, residente e dom iciliad o no Brasil. Os poderes do representante devem ser amplos, com com petência para a gir ativa e passivamente em nome da sociedade estrangeira. O in stru m e n to de m andato ou designação deve ser levado a arquivam ento perante o registro respectivo, para validade dos atos do representante perante terceiros. JU LG AD O S • “Agravo de instrumento. Pessoa jurídica. Citação. Teoria da aparência. Representante da empresa. Validade. Face à teoria da aparência, se a citação efetivou-se na pessoa do procurador, represen­ tante legal da empresa no Brasil, considera-se esta válida, ainda que do respectivo instrumento não constem expressamente poderes para tal mister. Observando-se, ainda, a obrigatoriedade de manutenção permanente, das empresas estrangeiras, autorizadas a funcionar no Brasil, de repre­ sentante legal com poderes para receber citação. Recurso provido" (TJMG, 121 Câm. Civ., Processo 1.0702.07.405999-0/001. Rei. Des. Saldanha da Fonseca, j. em 4-2-2009). • "Citação. Nulidade. Não demonstração, a qualquer tempo, de que a ora agravante ostenta poderes de representação da sociedade estrangeira, ausente, na espécie, instrumento de nomeação conhe­ cido, registrado na forma da legislação pertinente (art. 1.138 do CC). Ausência, destarte, de lastro algum a legitimar a citação aqui hostilizada, inexistindo indicação segura de que a recorrente é uma projeção da corré estrangeira no território nacional. Ato em tela que deverá ser renovado por carta rogatória. Agravo provido" (TJSP, 10a Câm. de Dir. Priv., Acórdão 00659062, Rei. Des. Paulo Dimas Mascaretti, j. em 10-2-2004).

Art. 1.139. Qualquer modificação no contrato ou no estatuto dependerá da aprovação do Poder Executivo, para produzir efeitos no território nacional. H IS T Ó R IC O • 0 enunciado por este artigo foi objeto de emenda no Senado Federal para substituição do vocá­ bulo "Governo" por "Poder Executivo". 0 art. 69 do Decreto-Lei n. 2.627/40 continha disposição no mesmo sentido.

D O U T R IN A • A sociedade estrangeira que m odificar, em seu país de origem , seu co n tra to ou esta tuto social fica obrigada a subm eter tal alteração ao Governo brasileiro, uma vez que condições e regras especiais existentes quando da obtenção do a to de autorização podem im p o rta r em m udan­

Arts. 1.140 e 1.141

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ças em sua situação societária que não sejam compatíveis com a legislação nacional. Duran­ te todo o período em que funcionar no Brasil, a sociedade estrangeira deverá atender as mesmas condições econômicas, financeiras e jurídicas que embasaram o ato autorizativo.

Art. 1.140. A sociedade estrangeira deve, sob pena de lhe ser cassada a autorização, reproduzir no órgão oficial da União, e do Estado, se for o caso, as publicações que, segundo a sua lei nacional, seja obrigada a fazer relativamente ao balanço patrimonial e ao de resul­ tado econômico, bem como aos atos de sua administração. Parágrafo único. Sob pena, também, de lhe ser cassada a autorização, a sociedade estrangeira deverá publicar o balanço patrimonial e o de resultado econômico das sucursais, Filiais ou agências existentes no País. HISTÓRICO • O presente artigo não foi objeto de emenda no curso da tramitação do projeto no Congresso Nacional. Disposição praticamente idêntica encontrava-se prevista no art. 70 do Decreto-Lei n. 2.627/40.

D O U T R IN A • A sociedade estrangeira, no que tange à obrigação de publicação de seu balanço patrim onial e demonstrações contábeis, deve cum prir no Brasil as mesmas exigências a que se encontra sujeita em seu país de origem. Assim, se, no país onde foi constituída e tem sua sede, a lei obriga a publicação anual do balanço e demonstrações financeiras, deve ela tam bém provi­ denciar a publicação desses relatórios contábeis na imprensa oficial. Independentem ente da legislação de seu país de origem, caso a sociedade estrangeira m antenha filial, sucursal ou agência funcionando no Brasil, deve publicar, na imprensa oficial, o balanço patrim onial dos estabelecimentos situados em território nacional.

Art. 1.141. Mediante autorização do Poder Executivo, a sociedade estrangeira admitida a funcionar no País pode nacionalizar-se, transferindo sua sede para o Brasil. § Para o fim previsto neste artigo, deverá a sociedade, por seus representantes, oferecer, com o requerimento, os documentos exigidos no art. 1.134, e ainda a prova da realização do capital, pela forma declarada no contrato, ou no estatuto, e do ato em que foi deliberada a nacionalização. § 2 - 0 Poder Executivo poderá impor as condições que julgar convenientes à defesa dos interesses nacionais. § 3? Aceitas as condições pelo representante, proceder-se-á, após a expedição do de­ creto de autorização, à inscrição da sociedade e publicação do respectivo termo. HISTÓRICO • Por meio de emenda no Senado Federal, as referências a "Governo" foram substituídas por "Poder Executivo". 0 procedimento de nacionalização da sociedade estrangeira era regulado, de modo similar, pelo art. 71 do Decreto-Lei n. 2.627/40.

D O U T R IN A • Nossa legislação adm ite que a sociedade estrangeira que funcione no Brasil, m ediante a u to ­ rização, possa nacionalizar-se, isto é, transferir sua sede e administração para o território nacional, renunciando à nacionalidade de seu país de origem. Neste caso, ocorrerá uma es­

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Art. 1.142

pécie de constituição derivada da sociedade estrangeira, que passará a ser regulada, integral­ mente, pelas leis brasileiras. Não é o caso de ela se constituir, originariam ente, sob as leis nacionais, como ocorre com as empresas m ultinacionais que têm o controle acionário no exterior, mas de passar a ser dirigida por sua sede localizada no Brasil. 0 Poder Executivo deverá apreciar o pedido de nacionalização da sociedade estrangeira, e, atendidas as condições fixadas em razão do interesse nacional, será expedido o ato autorizativo, com o cum prim en­ to dos procedimentos complementares de inscrição da sociedade no registro com petente e publicação do ato de autorização.

T ítu lo III — D O ESTABELECIM ENTO

C ap ítu lo Ú nico — DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. H IS T Ó R IC O • A redação deste artigo não foi objeto de qualquer alteração, ficando mantido o texto do projeto original. Não há precedente no Código Civil de 1916 nem na legislação comercial. Trata-se de matéria inédita no direito positivo brasileiro.

D O U T R IN A • Elogiável a distinção a que procedeu o Código entre empresa e estabelecim ento, mostrando que este - corriqueiram ente designado por fundo de comércio - nada mais é do que a pro­ jeção patrim onial daquela, constituindo um conjunto de bens, corpóreos e incorpóreos, unidos pela vontade e determ inação de seu titu la r que é o empresário. Não se deve, com efeito, confundir o conceito de fundo de comércio com o de aviam ento ou o de clientela. Era m uito comum , em nosso meio, aludir-se à antiga Lei de Luvas como sendo uma lei protetora do fundo de comércio. Tal im propriedade era flagrante porque o que essa lei protegia, na verdade, era o aviam ento - “resultado de um conjunto de variados fatores pessoais, materiais e imateriais, que conferem a dado estabelecimento in concreto a aptidão de produzir lucros", na famosa explicação do Prof. Oscar Barreto Filho - , um dos atributos do estabelecimento. Também aviam ento e clientela não se confundem , inexistindo entre eles uma relação de causa e efeito, conform e aparentem ente se afigura. Consoante os ensinamentos do citado Prof. Oscar, inspirado num a lei da física, o que há é uma interação desses dois atributos do estabelecimento. São suas palavras (Teoria do Estabelecim ento Com ercial - Fundo de Co­ mércio ou Fazenda M ercantil, São Paulo, M ax Limonad, 1969, p. 180): “Os comercialistas atrás citados estavam certos quando diziam , ora que a clientela é o resultado do aviam ento, ora que o aviam ento resulta da clientela. 0 que ocorre, em verdade, é a interação m útua dos dois atributos do estabelecimento. Enquanto o m elhor aviam ento contribui para o aum ento da clientela, tam bém esta influi para conservar ou acrescer o aviam ento. Qualquer um deles pode ser considerado a 'ação' e o outro a 'reação'. Causa e efeito não estão implícitos na relação entre os dois conceitos, mas sim uma interação m útua e sim ultânea". E conclui o citado professor: "Esta concepção, que nos foi sugerida pelas leis da física, explica suficientem ente, a nosso ver, a natureza do fenôm eno aviam ento-clientela".

Art. 1.142

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• Diz-se que o estabelecimento é um conjunto de bens corpóreos e incorpóreos, unidos pela vontade e determ inação de seu titu la r que é o empresário. Podem ser citados, como bens corpóreos, exem plificativam ente, as mercadorias, as instalações e as m áquinas e utensílios, havendo controvérsia doutrinária quanto aos bens imóveis. Von Gierke, na Alem anha, propende pela possibilidade de serem incluídos os imóveis entre os componentes do estabeleci­ mento. Nega-a, entre nós, o Prof. Rubens Requião que assim se expressa (Curso de direito comercial, 1* v., São Paulo, Saraiva, 27. ed., 2007, p. 292): "Ora, se considerarmos o estabele­ cim ento, na sua unidade, uma coisa móvel, claro está, desde logo, que o elem ento imóvel não o pode constituir. É preciso, e é de bom aviso aqui frisar, que nào se deve confundir fundo de comércio com patrim ônio. O fundo de comércio não constitui todo o patrim ônio, é parte ou parcela do patrim ônio do empresário. A empresa, que é o exercício da atividade organi­ zada pelo empresário, conta com vários outros elementos patrimoniais, por este organizados, para a produção ou troca de bens ou serviços que nào integram o estabelecimento comercial. 0 imóvel pode ser elem ento da empresa, não o é do fundo de comércio. Fica, assim, esclare­ cida a questão". • Quanto aos bens incorpóreos, são recorrentem ente citadas as várias modalidades de direitos, tais como os relativos ao chamado ponto comercial, aos créditos, ao títu lo do estabelecim en­ to, aos privilégios de invenção, aos modelos de utilidade, aos modelos e desenhos industriais etc. Já quanto aos créditos e às dívidas, existe grande debate entre os doutrinadores, con­ form e se pode ver em Rubens Requião (op. eit., p. 295 e s.) e em Oscar Barreto Filho (op. cit., p. 151 es.). • Se grande m érito coube, inegavelmente, ao Professor Sylvio Marcondes, pela elaboração deste Livro II da Parte Especial, relativo ao direito de empresa, há que se hom enagear, igual­ mente, pela sua m eritória contribuição na m atéria concernente ao estabelecimento, a m e­ mória do saudoso Professor Oscar Barreto Filho. Este, em sua célebre obra já citada in titu la­ da Teoria do Estabelecim ento Comercial, pôs em relevo, em primeiro lugar, o verdadeiro conceito da ozienda m ercantil, fazendo-o nos seguintes termos ( Teoria do Estabelecimento Com ercial - Fundo de Comércio ou Fazenda M ercantil, São Paulo. M ax Limonad, 1969, p. 132): "Complexo de bens 'latu sensu' (inclusive serviços) organizados pelo empresário como instrum ento para o exercício da atividade empresarial". Foi desse conceito, evidentem ente, que decorreu o art. 1.142 do atual Código Civil, in verbis: "Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária". • A primeira grande conseqüência a ser extraída dessa disposição legal é a de que o estabele­ cim ento comercial - cuja natureza jurídica tem sido predom inantem ente entendida como uma universalidade de fa to (universitas facti\ - pode, inquestionavelm ente, ser objeto uni­ tário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza, consoante expressamente autorizado pelo art. 1.143. Passou a constituir, então, uma universalidade de direito [universitas ju ris)? Esclarecia, com efeito, o saudoso Professor Rubens Requião, à luz do direito anterior, que a conceituação do estabelecimento como uma universitas ju ris "nào é válida no direito brasileiro, tendo-se em vista que a uni­ versalidade de direito só se constitui por força de lei" (Curso de direito comercial, 1® v., cit., p. 279), citando como exemplos de tal conceito, acertadam ente, a herança e a massa falida, autênticas universalidades de direito, para concluir, em seguida, que "falta ao fundo de co­ mércio, pelo menos no direito brasileiro, idêntica estrutura legal, para enquadrar-se na ca­ tegoria de universitas ju risf [Curso..., idem, ibidem). Com a entrada em vigor do nosso Códi­ go Civil atual, poderia o estabelecimento ser considerado verdadeira universalidade de direi­ to, não fosse a amplíssima definição dada pelo art. 90 do Código Civil, segundo a qual "constitui universalidade de fa to a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária". Além disso, o parágrafo único desse artigo estabeleceu, tam bém , que "os bens que form am essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas

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Art. 1.143

próprias". Assim, ainda que pudesse ser considerado uma universalidade de direito, em razão de sua disciplina norm ativa estabelecida pelos arts. 1.142 e s. e à luz do disposto no art. 91 do mesmo Código Civil ("Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico"), tem -se optado pela classificação de universa­ lidade de fato.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 488, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “Art. 1.142 e Súmula 451 do Superior Tribunal de Justiça. Admite-se a penhora do websitee de outros intangíveis relacionados com o comércio eletrônico". • Enunciado 233, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "A sistemática do contrato de trespasse delineada pelo Código Civil nos arts. 1.142 e s., especialmente seus efeitos obrigacionais, aplica-se somente quando o conjunto de bens transferidos importar a transmissão da funciona­ lidade do estabelecimento empresarial".

JULGADOS • “Ação m onitória. Prova escrita consistente em cheques. Alegação de que houve m á -fé na relação jurídica que originou a emissão das cártulas. Conclusão de que se trata de alegação de prejuízos decorrentes desta relação, que deve ser tratada pela via própria. Alegação de liquidação parcial. Recibo que não identifica o recebedor nem especifica a que se refere. Compensação com contas pagas em nom e de terceira pessoa. Constituição da prova escrita em títu lo executivo. Sentença m antida. Apelação não provida" (TJSP, Ap. 7.1 43.326 -2, Co­ marca de Birigui, Rei. Luis Eduardo Scarabelli, j. em 1 7 -1 2 -2 0 0 7 ). • “Ação monitória. Improcedência. Cheques sustados. Exercício regular do direito. Compensação. Prova de que o em bargante quitou dívida do embargado. Inteligência dos arts. 985, III, 988 e 1.009 do Código Civil vigente à época dos fatos. Recurso improvido (art. 1.142 c/c o art. 1.146)" (TJSP, Ap. 1.090.016-6, Comarca de Guarulhos, Rei. Elizabeth Botoloto, j. em 6 -3 -2 0 0 6 ).

Art. 1.143. Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídi­ cos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza. HISTÓRICO • 0 texto da disposição não veio a ser modificado durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. Não tem paralelo no Código Civil de 1916 ou na legislação de direito comercial.

DOUTRINA • 0 Professor Rubens Requião que, com justa razão, se queixara do atraso do direito brasileiro na construção legislativa do instituto do estabelecimento [Curso..., 1* v., eit., p. 284), ao co­ m entar os artigos do então Anteprojeto de Código Civil, não teve dúvidas em afirm ar que “pela primeira vez, vingando o Anteprojeto, surgirá no direito brasileiro a disciplina jurídica do estabelecimento comercial de form a definida e clara, pondo fim às dúvidas e incertezas que inçavam a doutrina e a jurisprudência", esclarecendo que, no plano doutrinário, "os autores versam sobre o estabelecimento comercial como instrum ento do exercício da em pre­ sa, organizado pelo empresário" [idcm, ibidem). Assim prossegue esse mesmo autor: "Na impossibilidade legal de conceituá-lo como universitas juris, pois esta depende de criação da lei, e mesmo como patrim ônio separado, pois o direito brasileiro consagra o principio da unidade patrim onial como objeto de direito, resta aos comercialistas a classificação com pul­ sória como uma universalidade de fato" (idcm, ibidem). E conclui o saudoso professor: “Somos de opinião que o estabelecimento comercial pertence à categoria dos bens móveis, transcen­

Art. 1.143

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dendo às unidades de coisas que o compõem e são mantidas unidas pela destinaçào que lhes dá o empresário, form ando em decorrência dessa unidade um patrim ônio comercial, que deve ser classificado como incorpóreo. 0 estabelecim ento comercial constitui, em nosso sentir, um bem incorpóreo, constituído de um complexo de bens que não se fundem , mas m antêm unitariam ente sua individualidade própria" (idem, p. 284). Tais ideias parecem -m e inteira­ m ente afinadas com a doutrina mais autorizada sobre a m atéria e espelha, tam bém , o con­ ceito que logrou prevalecer no art. 2.555 do estatuto peninsular, verbis: "0 estabelecimento [ozienda) é o complexo de bens organizados pelo empresário para o exercício da empresa". • Aplausos, portanto, devem ser creditados ao legislador pátrio a respeito dessa im portante m atéria, que tan to tem desafiado a m ente dos juristas. Orlando de Carvalho, um dos mais destacados autores sobre o tem a, assim se expressou em sua célebre obra (Critério e Estru­ tura do Estabelecim ento Comercial, I, 0 problem a da empresa como objeto de negócios, Coimbra, A tlântica Editora, 1967, p. 3 a 6): "Com mais de um século de experiência jurídica, a literatura do estabelecimento encontra-se hoje, na generalidade dos direitos, numa com ­ pleta incerteza quanto à ideia desse fenôm eno. A confusão ou desorientação sem remédio de que Gierke falava em 1946 é ainda hoje patente, não apenas na Alem anha - país, em regra, de mais vezo especulativo - , mas inclusive na França, onde a doutrina é mais fiel à inspiração das exigências de ordem prática. E, como na Alem anha e na França, tam bém na Itália moderna (mesmo depois do Código Civil), e, por maioria de razão, naqueles sistemas de direito em que se seguem, mais ou menos, os anteriores: no português, no espanhol, no aus­ tríaco, no belga, nos sistemas jurídicos da América Latina e em quaisquer outros em que in ­ fluam os primeiros". Também Barbosa de Magalhães, em sua conhecida obra, põe em desta­ que a dificuldade da doutrina dos diversos países ao lidar com a noção de estabelecimento, fazendo -o nos seguintes termos [Do Estabelecimento Com ercial - Estudo de D ireito Privado, Coleção Jurídica Portuguesa, Lisboa, Edições Ática, 1951, p. 9 e s.): "Dar uma noção jurídica do estabelecimento comercial, se não é um problema difícil, tem , no entanto, dado lugar a grandes dúvidas e divergências. Como acontece em relação a várias outras figuras jurídicas, essas dúvidas e divergências começam logo, em quase todos os países, pelas próprias expres­ sões empregadas para designar aquilo que fundam entalm ente e essencialmente é o estabe­ lecimento comercial. Em Portugal e no Brasil - esta expressão tem vários significados e tan to na legislação, como na doutrina, como na vida comercial, é, por vezes, substituída por estas outras - estabeleci­ m ento m ercantil, empresa, casa comercial, casa de comércio, fundo comercial e negócio. Já no direito rom ano havia diversas palavras para exprim ir a mesma ideia: negotium , mensa, merx, taberna, m ercatura, negotiatio. Em França em pregam -se as expressões - fonds de commerce, maison de commerce, e ta m ­ bém, embora menos usada, a de établissem ent commerciai, e os ingleses e norte-am ericanos dizem good will, good w ill o f a trade; good w ill o f a business; os italianos, ozienda com m erciale, ou simplesmente ozienda: ultim am ente, nos livros de doutrina, em prega-se tam bém a palavra - impresa, e, menos frequentem ente, e num sentido restrito, a palavra - stabilim ento, os alemães - G eschaft ou Handelsgeschafts: os holandeses - Z aak e Handelszack] os espanhóis - hacienda com ercial e fondo comercial, e tam bém ultim am ente nos livros de doutrina a palavra empreso; e nos países sul-americanos de língua espanhola usam-se as expressões - estabelecim ento com ercial e fondo m ercantiP. • Por todas essas dificuldades, nunca será demais insistir na ideia de que o legislador nacional enfrentou corajosamente - e fê -lo de maneira bem-sucedida - a árdua questão do estabe­ lecimento. Tal afirm ação nào implica - era escusado dizê-lo - a inexistência de dificuldades de interpretação do sentido e alcance de alguns dos dispositivos do CC de 2002, consoante ver-se-á nos comentários aos artigos seguintes.

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Art. 1.144

E N U N C IA D O D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 393, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “A validade da alienação do estabelecimento empresarial não depende de forma especifica, observado o regime jurídico dos bens que a exijam".

Art. 1.144. O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial. H IS T Ó R IC O • Na redação original, o dispositivo utilizava a expressão "Registro das Empresas". Emenda de reda­ ção apresentada pelo Deputado Ricardo Fiuza atualizou o texto, que passou a empregar "Registro Público de Empresas Mercantis". Não há paralelo no Código Civil de 1916 ou na legislação de direito comercial.

D O U T R IN A • Como o estabelecimento comercial, considerado como instrum ento unitário do exercício da empresa, pode ser objeto de alienação, usufruto ou arrendam ento, tal como previsto no art. 1.143, a realização de qualquer desses negócios depende, para ter eficácia jurídica e produzir efeitos perante terceiros, da averbação do instrum ento respectivo no Registro Público de Empresas Mercantis, ou seja, na Junta Comercial, com subsequente publicação na imprensa oficial. Observe-se que aqui não se exige que a publicação seja feita em jornal de grande circulação (art. 1.152, § 1«), mas tão somente no Diário Oficial. E N U N C IA D O S D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 489, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 1.043, II, 1.051,1.063, § 3o, 1.084, § 1«, 1.109, parágrafo único, 1.122,1.14 4,1 .146 ,1.1 48 e 1.149 do Código Civil; e art. 71 da Lei Complementar n. 123/2006. No caso da microempresa, da empresa de pequeno porte e do microempreendedor individual, dispensados de publicação dos seus atos (art. 71 da Lei Comple­ mentar n. 123/2006), os prazos estabelecidos no Código Civil contam-se da data do arquivamen­ to do documento (termo inicial) no registro próprio". • Enunciado 396, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "A capacidade para contratar a constituição da sociedade submete-se à lei vigente no momento do registro".

JU LG A D O • "Penhora. Incidência sobre quarenta mil toneladas de cana-de-açúcar. Contrato de arrendamen­ to de terras entre usina executada e embargante, ambas representadas por uma única pessoa. Arrendamento não comunicado aos credores da usina executada. Oneraçào de estabelecimento empresarial em desacordo com os preceitos legais (art. 1.144 do CC/2002). Ineficácia do contrato perante credores. Bens encontrados no imóvel considerados de propriedade da devedora. Embar­ gos de terceiro improcedentes. Apelação improvida" (TSJP, 191 Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0003039102, Rei. Des. Ricardo José Negrão Nogueira, j. em 25-5-2010).

D IR E IT O P R O JE T A D O • De qualquer forma, o Deputado Ricardo Fiuza apresentou projeto de lei à Câmara dos Deputados para suprimir essa exigência de publicação, entendendo que a inscrição do contrato no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil já seria suficiente para a publicidade da alienação,

Arts. 1.145 e 1.146

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sendo dispensável a publicação na imprensa, que tem elevado custo (cf. PL n. 7.160/2002, que está arquivado).

Art. 1.145. Se ao alienante não restarem bens suficientes para soiver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notifi­ cação. HISTÓRICO • Nenhuma modificação foi introduzida no conteúdo desta disposição. Não há precedente no Có­ digo de 1916 ou na legislação comercial.

DOUTRINA • Na alienação do estabelecimento comercial, o alienante deve possuir bens suficientes para o pagam ento das dividas contraídas com seus credores existentes até a data da alienação. Se os bens do alienante foram insuficientes, isto é, inferiores a seu passivo, a alienação somen­ te poderá ser efetuada se todos os credores forem pagos ou se consentirem na realização da operação. Para tanto, nesse caso, antes da conclusão do processo de alienação, o alienante deverá notificar todos os seus credores da operação. Não se manifestando o credor no prazo de trin ta dias. haverá presunção de concordância tácita. Se ocorrer manifestação contrária de qualquer credor ao processo de alienação do estabelecimento, este nào poderá ser con­ cretizado, salvo m ediante o pagam ento do passivo existente.

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos ven­ cidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento. HISTÓRICO • 0 enunciado por este artigo manteve a redação do projeto original. Não há precedente no Código Civil de 1916. A anterior Lei de Falências (Decreto-Lei n. 7.661/45, art. 5o, parágrafo único) esta­ belecia o prazo de dois anos para a cessação da responsabilidade do alienante do estabelecimen­ to comercial na condição de sócio de responsabilidade solidária. A Lei de Falência atual (Lei n. 11.101/2005) manteve esse mesmo prazo de dois anos (§ 1® do art. 81).

DODTRINA • Na alienação ou trespasse, o estabelecimento é transferido em sua totalidade, com preenden­ do todos os seus bens corpóreos e incorpóreos e seu ativo e passivo. 0 adquirente assume a responsabilidade, perante os credores da empresa, pelas dívidas devidam ente contabilizadas na data da alienação. O alienante do estabelecimento, devedor prim itivo, ficará solidariamen­ te responsável perante o adquirente pelas dívidas vencidas e vincendas contabilizadas na data da alienação, pelo prazo de um ano. Para as dívidas vencidas, esse prazo é contado da data da publicação do ato de arquivam ento da alienação no Registro Público de Empresas M e r­

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Art. 1.147

cantis. Para as dívidas vincendas, o prazo de um ano se inicia a partir do vencim ento do t i­ tulo correspondente.

E N U N C IA D O D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 489, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 1.043, II, 1.051,1.063, § 3°, 1.084, § 1«, 1.109, parágrafo único, 1.122,1.14 4,1 .146 ,1.1 48 e 1.149 do Código Civil; e art. 71 da Lei Complementar n. 123/2006. No caso da microempresa, da empresa de pequeno porte e do microempreendedor individual, dispensados de publicação dos seus atos (a rt 71 da Lei Comple­ mentar n. 123/2006), os prazos estabelecidos no Código Civil contam-se da data do arquivamen­ to do documento (termo inicial) no registro próprio".

JU LG AD O S • "Sucessão empresarial. Preclusão consumativa. Inocorrência. Inexistência de decisão anterior acerca da ocorrência de sucessão empresarial. Preliminar rejeitada. Cumprimento de sentença. Decisão que determina a inclusão de empresário individual no polo passivo da demanda, ante a comprovação nos autos, de existência de sucessão de empresas. Admissibilidade. Decisão mantida. Recurso não provido" (TJSP, 18* Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0001950149, Rei. Des. Rubens Cury, j. em 1°-9-2008). • "Prestação de serviços. Fornecimento de energia elétrica. Novo ocupante do imóvel não responde por débito deixado por seu antecessor, salvo no caso de sucessão comercial (art. 1.146 do Código Civil e art. 4», § 22, Resolução Aneel n. 456). Recurso provido" (TJSP, AC 1.133.098-0/9, Comarca de São Paulo, 14* Vara Cível, Rei. Des. Arantes Theodoro, j. em 13-3-2008). • "Prestação de serviços. Fornecimento de energia elétrica. Medida cautelar inominada com pedido de liminar para restabelecimento de energia elétrica. Inadimplemento do usuário. Autor que, ar­ rendatário de estabelecimento comercial, comprometeu-se contratualmente a arcar com os dé­ bitos relativos ao serviço de energia elétrica que a empresa possuía anteriormente. Cláusula contratual expressa. Existência de previsão legal respaldando a cobrança. Possibilidade da suspen­ são do serviço público. Liminar. Cassação. Recurso a que se dá provimento" (TJSP, Agl 984.811 -0/0, Comarca de José Bonifácio, 2» Vara Cível, Rei. Des. Regina Capistrano, j. em 11-4-2006). • "Execução. Sucessão empresarial. Aplicabilidade do instituto ao campo da responsabilidade civil. Necessidade de se comprovar a aquisição do fundo de comércio. Não comprovação. Decisão man­ tida. Recurso improvido" (TJSP, Agravo 7.176.066-2, Comarca de Santa Rita do Passa Quatro, Rei. Rubens Cury, j. em 13-11-2007). • "Ação Monitória. Improcedência. Cheques sustados. Exercício regular do direito. Compensação. Prova de que o embargante quitou dívida do embargado. Inteligência dos arts. 985, III, 988 e 1.009 do Código Civil vigente à época dos fatos. Recurso improvido" (TJSP, Ap. 1.090.016-6, Comarca de Guarulhos, Rei. Elizabeth Botoloto, j. em 6-3-2006).

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência. Parágrafo único. No caso de arrendamento ou usufruto do estabelecimento, a proibição prevista neste artigo persistirá durante o prazo do contrato.

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HISTÓRICO • Este artigo não sofreu qualquer modificação durante a tramitação do projeto. Não há correspon­ dente no Código de 1916 ou na legislação de direito comercial.

DOUTRINA • A hipótese tratada nesta norma é denom inada doutrinariam ente cessão da clientela. Junto com o estabelecimento comercial e seus atributos, a alienação ou arrendam ento abrange a clientela que norm alm ente com ele realizava negócios, em razão de seu nom e empresarial, do seu ponto comercial, das marcas de seus produtos e de outros elementos corpóreos e incorpóreos que servem de referencial para a prática m ercantil. Na alienação do estabeleci­ mento, o alienante fica obrigado, pelo prazo de cinco anos, a não continuar exercendo a mesma atividade que era objeto do estabelecimento, no mesmo ramo de atividade comercial, salvo disposição expressa no contrato de alienação, perm itindo que o alienante possa con­ correr, na mesma praça, disputando clientela com o adquirente. Nas hipóteses de arrenda­ m ento ou usufruto do estabelecimento comercial, a cessão da clientela deverá ser observada pelo mesmo prazo de vigência do contrato que instituiu o arrendam ento ou usufruto. • Este artigo resolve um dos problemas mais delicados relativos ao trespasse do estabelecim en­ to, qual seja, o da proibição ao alienante de restabelecer-se com ercialm ente, de molde a fazer concorrência ilícita ao adquirente. Tanto faz em pregar a expressão trespasse, para designar a cessão do estabelecimento, como alienação ou transferência, estas duas últimas preferidas pelo Código. Todas elas servem para designar a transferência de um complexo unitário de bens instrum entais que servem à atividade empresarial. Na expressão cessão, porém, podem ser enquadrados outros negócios translativos do estabelecimento sem que haja, necessariamente, uma venda. É o que ocorre na perm uta, na dação em pagam ento, na doação etc. Ensina o Professor Oscar Barreto Filho ( Teoria do Estabelecimento Comercial, cit., p. 208) que "deve-se falar de trespasse do estabelecimento somente quando o negócio se refere ao complexo unitário de bens instrum entais que servem à atividade empresarial, ne­ cessariamente caracterizado pela existência do aviam ento subjetivo. O princípio geral que inspira toda a disciplina jurídica do trespasse, como vem expressa nas várias legislações, é sempre o de resguardar a integridade do aviam ento, por ocasião da mudança de titularidade da casa comercial".

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 490, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 1.147. A ampliação do pra­ zo de 5 anos de proibição de concorrência pelo alienante ao adquirente do estabelecimento, ainda que convencionada no exercício da autonomia da vontade, pode ser revista judicialmente, se abusiva".

JULGADOS • "Obrigação de fazer. Trespasse. Art. 1.147 do Código Civil. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos 5 anos subsequen­ tes à transferência. É dever legal de quem vende a abstenção da prática de ato que possa repre­ sentar concorrência desleal e desvio de clientela do negócio alienado. Atividade econômica do estabelecimento aberto pela ré que, embora não provada a venda efetiva, é em parte idêntica a do estabelecimento vendido. Obrigação de retirar da sua atividade a que coincide com a do esta­ belecimento vendido. Recurso provido em parte" (TJSP, 4a Cãm. de Dir. Priv., Acórdão 0002532337, Rei. Des. Fernando Antonio Maia da Cunha, j. em 27-8-2009). • "Agravo de instrumento. Obrigação de não fazer. Tutela antecipada indeferida, ausência dos re­ quisitos. Em principio, prudente a denegação da tutela antecipada antes da citação dos réus e eventual integração da lide. Obediência ao principio do contraditório e ampla defesa. Decisão

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mantida. Recurso improvido" (TJSP, Agl 570.981.4/3-00, Comarca de Araçatuba, Rei. Egídio Giacola, j. em 3-6 -200 8). • “Ação de indenização por danos materiais e morais. Compra e venda de estabelecimento comercial (trespasse). Cláusula de não restabelecimento e concorrência desleal. Sentença de procedência. Processo. Ilegitimidade ativa ad causam da primeira coautora reconhecida. Sócia que postula em nome próprio direito da sociedade. Impossibilidade (CPC, a r t 6o). Personalidade jurídica da em­ presa que não se confunde com a de seus sócios. Extinção decretada. Mérito. Sucessão empresarial verificada. Sub-rogação da sociedade nos direitos e obrigações do comprador primitivo em face do contrato de trespasse. Infração à cláusula de não restabelecimento comprovada. Prática de concorrência desleal verificada. Danos materiais. Indenização cabível. Apuração em regular liqui­ dação de sentença. Danos morais não caracterizados. Ausência de abalo à reputação da pessoa jurídica. Sentença reformada. Redistribuição dos ônus da sucumbência. Recurso provido em parte" (TJSP, 2* Cãm. de Dir. Priv., Acórdão 01677774, Rei. Des. Ariovaldo Santini Teodoro, j. em 8-4-2008). • “Ação de obrigação de fazer cumulada com reparação de danos materiais e morais. Descumprimento de cláusula contratual e legislação civil que veda a concorrência após o trespasse. Conces­ são parcial de tutela antecipada para que a ré se abstenha de trabalhar em estabelecimento idêntico ao que vendeu para a autora. Inconformismo. Desacolhimento. Provas juntadas que, em tese, dão indícios suficientes da celebração do negócio nas condições mencionadas e da similari­ dade das atividades. Decisão mantida. Recurso desprovido" (TJSP, Agl 551.282-4/4, Rei. Des. Grava Brazil, j. em 26-2-2008). • “Exceção de incompetência. Compra e Vendas Cotas Soc. LTDA. Ação cominatória. Demanda ajui­ zada em face de ex-sócios da empresa. Ação que se funda na alegada violação ao disposto no art. 1.147 do Código Civil (vedação ao alienante de estabelecimento comercial de fazer concorrência ao adquirente nos cinco anos subsequentes à transferência). Demanda que não versa sobre inadimplemento contratual, o que afasta a aplicabilidade da cláusula de foro de eleição constante do instrumento de compra e venda de unidade comercial e cessão de cotas. Prevalecimento da regra especial contida no art. 100, IV, d, do CPC sobre a do art. 94 do mesmo diploma legal. Competên­ cia do foro aonde a obrigação de não fazer deve ser satisfeita (Sorocaba). Exceção afastada. De­ cisão reformada. Recurso provido" (TJSP, Agl 521.024.4/3-00, Comarca de Sorocaba, 1* Vara, Rei. Salles Rossi, j. em 4-10-2007). • “Trespasse. Cláusula de nào estabelecimento. Contrato realizado na vigência do Código Civil de 1916. Validade da cláusula de não restabelecimento desde que obedecendo a limites materiais, espaciais e temporais. Nulidade quando sem limitação temporal. Livre concorrência. Possibilidade de reinicio das atividades após cinco anos. Ausência de comprovação de uso de nome empresarial. Não provimento" (TJSP, Ap. 337.777.4/2-00, Comarca de Limeira, Rei. Ênio Santarelli Zuliani, j. em 2-8-2007). • "Concorrência desleal. Ação de indenização por danos materiais e morais. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Desnecessária a dilação probatória, diante da robusta prova documental carreada aos autos. Inaplicabilidade do art. 1.147 do Código Civil à hipótese. Sócio excluído judicialmente da empresa. Situação dos autos que não versa sobre alienação de estabelecimento comercial. Sentença na ação de dissolução que não impediu o réu de se estabelecer no mesmo ramo de atividade. Pedido de abstenção de uso de marca que também improcede. Autores que não detêm o registro da expressão 'LEADER TRAINING'. Pedido indeferido pelo INPI. Trata-se, ademais, de expressão utilizada como meio de propaganda por ambas as partes (que possuem denominações sociais distintas) e outras empresas que atuam no mesmo ramo. Termo genérico ligado à ativida­ de em questão. Inviável seu registro (art. 124, VII, da Lei 9.279/96). Alegação de concorrência desleal e desvio de clientela formulada genericamente. Improcedência corretamente decretada. Recurso adesivo pleiteando majoração da verba honorária arbitrada. Inadmissibilidade. Falta de interesse dos apelantes, diante da ausência de condenação. Sentença mantida. Recurso improvido, não conhecido o adesivo" (TJSP, AC 442.043.4/4-00, Comarca de São Paulo, 41* Vara, Rei. Salles Rossi, j. em 8-3-2007).

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• T u te la antecipada. Insurgência contra r. decisão pela qual deferida essa medida de urgência para que o recorrente se abstivesse de comercializar nas proximidades da empresa agravada. Admissi­ bilidade desse decisório. Inocorrência de litispendência e de nulidade processual. Hipótese na qual, antes da inclusão da atual sócia em lugar do agravante, este contratara com a ex-sócia 'compra e venda da participação societária do estabelecimento comercial’. Existência de contrato de alie­ nação de quotas sociais, ponto comercial e fundo de comércio. Apresentação de instrumento particular de alteração do contrato social e consolidação, no qual consta dever essa sociedade estar representada pela sócia e pela ex-sócia. Inexistência de mora dessa parte a propósito de não entrega ao agravante de apartamento objeto do pagamento. Negociação feita em caráter irrevo­ gável e irretratável. Impossibilidade de o alienante do estabelecimento fazer concorrência ao adquirente nos cinco anos subsequentes à transferência. Recurso não provido" (TJSP, Agl 381.0424 /6 -0 0 , Comarca de São Paulo, Foro Regional de Santana, Rei. Encinas Manfré, j. em 27-4-2005).

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.148. Salvo disposição em contrário, a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da pu­ blicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante. H IS T Ó R IC O • A redação da norma permaneceu inalterada, não tendo sido objeto de nenhuma emenda no cur­ so da tramitação do projeto. Não há paralelo no Código de 1916 ou na legislação comercial.

D O O T R IN A • Os co n tra to s de obrigações de tra to sucessivo vinculados à atividade do estabelecim ento, ativos e passivos, celebrados perante terceiros, são transferidos para o adquirente do estabe­ lecim ento, que se sub-roga em seus direitos e obrigações. Quando esses contratos tiverem caráter pessoal, ou seja, estiverem vinculados ao aviam ento subjetivo do alienante do esta­ belecim ento, som ente por este podendo ser executados, tais co ntra to s não se transferirão autom aticam ente. Os terceiros que con tratara m com a empresa antes da alienação poderão, no prazo de noventa dias a co n ta r da publicação do ato de transferência, denunciar ou res­ c in d ir o co n tra to , desde que exista justa causa, ficando, neste caso, ressalvada a responsabi­ lidade do alienante. • Questão de grande relevância para o mundo dos negócios diz respeito à situação do contra­ to de locação quando ocorre o trespasse do estabelecimento empresarial. Como interpretar-se se há ou não "caráter pessoal" nesse contrato, para os efeitos deste art. 1.148? Intensa controvérsia estabeleceu-se a respeito, na Itália, tendo a jurisprudência, num prim eiro m o­ mento, entendido haver tal caráter pessoal no contrato de locação, a partir da disposição constante do art. 1.594 do Código Civil que im punha empeço à cessão da locação sem que houvesse a anuência prévia do locador. A doutrina peninsular, de outro lado, pugnava pela subsistência do direito ao ponto comercial, fundada na aparente contradição entre esse art. 1.594 e o art. 2.558, parecendo que a especialidade deste últim o deveria prevalecer sobre a generalidade daquele. Conform e o relato de Francesco Gazzoni (Cessione di azienda e successione nel rapporto locativo, in Giustizia Civile, Rivista M ensile d i Giurisprudenza, n. 4, Ano XXX, M ilão, Ed. G iuffrè, 1980, p. 196), a controvérsia foi parcialm ente contornada, em 1963,

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Art. 1.149

com a edição da Lei n. 19, de 27 de janeiro, que perm itiu a sublocaçào do imóvel ou a cessão do contrato de locação, “ainda que não haja o consentim ento do locador, desde que tam bém seja alienada ou alugada a ozienda". Referida lei. no entanto, dispensava a anuência prévia do locador apenas naqueles imóveis em que houvesse acesso de público, não se encontrando por ela albergados os demais imóveis utilizados pelos empresários, nos quais inexistisse tal acesso. Foi só com o advento da Lei n. 392, de 27 de julho de 1978, que se tornou possível a transferência do contrato de locação, por parte do alienante da ozienda, independentem en­ te do consentim ento prévio do locador. • Parece que a mesma discussão que existiu na Itália, no passado, irá repetir-se, agora, no Brasil. O Prof. Fábio Ulhoa Coelho assim se m anifestou a respeito ( Curso de D ireito Comercial, 11. ed., v. 1, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 122): "Desse modo. para fins de preservar a integri­ dade de seu investimento, o empresário, ao locar imóvel para instalação da empresa, deve negociar com o locador a inserção, no contrato de locação, da anuência prévia para eventu­ al cessào ou outra disposição contratual expressa que contem ple a sub-rogaçào. Se não conseguir essa condição negociai no início do vínculo locatício, ele poderá vir a ter dificul­ dades para recuperar o investim ento, quando do trespasse, caso o locador imponha luvas excessivas para anuir com a cessào do vínculo locatício".

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 489, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 1.043, II, 1.051,1.063, § 3o, 1.084, § 1«, 1.109, parágrafo único, 1.122,1.14 4,1 .146 ,1.1 48 e 1.149 do Código Civil; e art. 71 da Lei Complementar n. 123/2006. No caso da microempresa, da empresa de pequeno porte e do microempreendedor individual, dispensados de publicação dos seus atos (a rt 71 da Lei Comple­ mentar n. 123/2006), os prazos estabelecidos no Código Civil contam-se da data do arquivamen­ to do documento (termo inicial) no registro próprio". • Enunciado 234, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Quando do trespasse do esta­ belecimento empresarial, o contrato de locação do respectivo ponto não se transmite autom ati­ camente ao adquirente".

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.149. A cessão dos créditos referentes ao estabelecimento transferido produzirá efeito em relação aos respectivos devedores, desde o momento da publicação da transferên­ cia, mas o devedor ficará exonerado se de boa-fé pagar ao cedente. HISTÓRICO • Esta disposição não sofreu qualquer alteração, ficando mantida a redação do projeto original. Não há correspondente no Código de 1916 ou na legislação comercial.

DOUTRINA • 0 Código Civil não impôs uma form a legal para a cessão dos créditos do estabelecimento transferido, operando-se a mesma, destarte, pela form a convencional. Ensina o Prof. Am oldo W ald (Obrigações e Contratos, 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2004, p. 178) que, no que diz respeito à form a, “a cessão de crédito é convencional, quando decorrente de acordo de von­ tades entre o cedente e o cessionário (v. g., cessão contratual de um crédito), legal, quando surge em virtude de lei (no caso de sub-rogaçào estabelecido pelo art. 3 4 6 do atual Código Civil) e judicial, quando se apresenta como conseqüência necessária de uma sentença judicial,

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que pode ter sido hom ologatória de uma partilha (atribuindo a herdeiro ou legatário deter­ minado crédito do falecido) ou adjudicatória ao au tor de um crédito existente em favor do réu". Podem ser aplicadas à cessào dos créditos do estabelecim ento transferido, supletivamente, as normas dos arts. 28 6 a 298 do Código Civil, embora a norma prevista no art. 290 - que exige a necessidade de o devedor declarar, por escrito, que teve ciência da cessão de crédito que lhe foi notificada - revele-se incompatível com as características e a natureza da vida empresarial moderna. Este art. 1.149 estabelece que, a partir da publicação do ato de transferência na imprensa oficial, dar-se-á a produção dos efeitos jurídicos com relação aos créditos do estabelecimento perante terceiros, cabendo aos devedores da empresa, a partir desse m om ento, efetuar os pagamentos das dívidas vencidas e vincendas perante o adqui­ rente, que se equipara ao cessionário dos créditos. Se o devedor, de boa-fé, pagar a dívida ao alienante do estabelecimento, ficará exonerado da obrigação, com petindo ao adquirente proceder á cobrança contra o alienante.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 489, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Arts. 1.043, II, 1.051,1.063, § 3a, 1.084, § 1», 1.109, parágrafo único, 1.122,1.14 4,1 .146 ,1.1 48 e 1.149 do Código Civil; e art. 71 da Lei Complementar n. 123/2006. No caso da microempresa, da empresa de pequeno porte e do microempreendedor individual, dispensados de publicação dos seus atos (art. 71 da Lei Comple­ mentar n. 123/2006), os prazos estabelecidos no Código Civil contam-se da data do arquivamen­ to do documento (termo inicial) no registro próprio".

DIREITO PROJETADO • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

T ítu lo IV — D O S IN STITU TO S CO M PLEM ENTARES

C ap ítu lo I — DO REGISTRO Art. 1.150.0 empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária. HISTÓRICO • Este artigo foi modificado por emenda apresentada no Senado Federal, que acrescentou a refe­ rência às Juntas Comerciais, como órgão competente para desempenhar as atividades e funções inerentes ao Registro Público de Empresas Mercantis. A matéria relativa ao registro de empresas encontra-se regulada na Lei n. 8 .9 3 4 /9 4 .0 Registro Civil das Pessoas Jurídicas é disciplinado pela Lei n. 6.015/73 (arts. 114 a 126).

DOUTRINA • 0 art. 54 da Lei n. 8 .9 3 4 /9 4 estabelece que a prova da publicidade de atos societários, quan­ do exigida em lei, será feita m ediante anotação nos registros da Junta Comercial à vista da

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apresentação da folha do Diário Oficial, ou do jornal onde foi feita a publicação, dispensada a juntada da mencionada folha. Essa publicidade é inerente à atividade empresarial, interes­ sando não apenas aos sócios, empregados, parceiros, clientes, credores etc., assim como tam bém ao próprio Poder Público, especialmente ao Poder Executivo e ao Poder Judiciário. No que toca ao Poder Executivo, existem vários órgãos integrantes do chamado Sistema Nacional de Registro de Empresas M ercantis (SINREM), que deverão exercer a sua atividade de maneira uniforme, harmônica e independente, conforme o a r t 3* da referida Lei n. 8.934/94. São eles: o Departam ento Nacional de Registro de Comércio (integrante do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo), com funções supervisora, orientadora, coordenadora e norm ativa, no plano técnico, e suplem entar, no plano adm inistrativo; as Juntas Comerciais, como órgãos locais, com funções executora e adm inistradora dos serviços de registro. No que se refere ao Poder Judiciário, pela im portante função probatória exercida pela publicidade dos atos societários. Recorde-se, a propósito, o aresto do STJ no HC 15.988/PE, 5* Turma, Rei. M in. José Arnaldo da Fonseca, que deferiu o trancam ento de ação penal contra uma das acusadas da prática de estelionato fundado numa certidão da Junta Comercial que pôde atestar, à época dos fatos, que aquela ré não mais pertencia ao quadro da sociedade. Nada mais natural, portanto, que os atos jurídicos form ais relativos à constituição, à existência, à transform ação e à extinção das sociedades empresárias e das sociedades simples, bem como os que dizem respeito à situação jurídica do empresário, deverão ser arquivados no registro com petente: no caso de empresário e de sociedade empresária, no Registro Público de Em­ presas M ercantis e Atividades Afins (tal é o nom e com pleto desse Registro, constante da Lei n. 8.934, de 18 de novembro de 1994, que dispõe, conform e consta da epígrafe, sobre o Registro Público de Empresas M ercantis e Atividades Afins e deu outras providências, não obstante este art. 1.150 tenha se utilizado de form a simplificada), que é exercido pelas Jun­ tas Comerciais dos Estados; no caso de sociedade simples, perante o Cartório do Registro Civil de Pessoas Jurídicas de sua sede. Se a sociedade simples adotar uma das form as de so­ ciedade empresária, seus atos continuarão a ser arquivados ou averbados no Registro Civil das Pessoas Jurídicas que, no entanto, deverá passar a observar, no particular, as mesmas regras estabelecidas em lei para o Registro Público de Empresas M ercantis e Atividades Afins. O único caso de sociedade simples cujos atos serão registrados ou averbados no Registro Público de Empresas M ercantis e Atividades Afins é o da sociedade cooperativa, por força do disposto na lei especial [vide nossos comentários ao art. 1.093). A lei cooperativista (Lei n. 5.764/71), malgrado já houvesse definido a sociedade cooperativa como sociedade civil de natureza própria, estabeleceu que o seu registro fosse feito na Junta Comercial com petente. Sobre a discussão existente com referência ao órgão com petente para arquivam ento dos atos relativos às sociedades cooperativas, vide com entários ao art. 1.093, supra.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 209, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “0 art. 986 deve ser interpreta­ do em sintonia com os arts. 985 e 1.150, de modo a ser considerada em comum a sociedade que não tiver seu ato constitutivo inscrito no registro próprio ou em desacordo com as normas legais previstas para esse registro (art. 1.150), ressalvadas as hipóteses de registros efetuados de boa-fé". • Enunciado 55, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "0 domicílio da pessoa jurídica empresarial regular é o estatutário ou o contratual em que indicada a sede da empresa, na forma dos arts. 968, IV, e 969, combinado com o art. 1.150, todos do Código Civil".

DIREITO PROJETADO • Parecendo necessário que o dispositivo mencione expressamente a vinculaçào da sociedade coo­ perativa ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins - registro esse que se adapta mais adequadamente ao tipo societário das cooperativas, muitas das quais com grande área de atuação - , propôs o Deputado Ricardo Fiuza a este art. 1.150 a seguinte redação: Art.

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1.150. 0 empresário, a sociedade em presária e a blico de Empresas M ercantis a cargo das Juntas gistro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá registro, se a sociedade simples a d o ta r um dos 7.160/2002, que está arquivado).

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cooperativa vinculam -se ao Registro Pú­ Comerciais, e a sociedade simples ao Re­ obedecer às norm as fixadas p a ra aquele tipos de sociedade em presária (cf. PL n.

Art. 1.151. 0 registro dos atos sujeitos à formalidade exigida no artigo antecedente será requerido pela pessoa obrigada em lei, e, no caso de omissão ou demora, pelo sócio ou qualquer interessado. § 1? Os documentos necessários ao registro deverão ser apresentados no prazo de trinta dias, contado da lavratura dos atos respectivos. § 2- Requerido além do prazo previsto neste artigo, o registro somente produzirá efei­ to a partir da data de sua concessão. § 3- As pessoas obrigadas a requerer o registro responderão por perdas e danos, em caso de omissão ou demora. HISTÓRICO • 0 texto e a disposição das normas deste artigo foram objeto de modificação por emenda aprova­ da no Senado Federal, havendo sido desdobrada a estrutura original da norma, para inclusão do prazo que deve ser observado para que os atos sejam levados a registro. 0 art. 36 da Lei n. 8.934/94 fixa o mesmo prazo e efeitos para o arquivamento dos atos no Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins. A Lei n. 6.015/73 não estipulava prazo para o registro e inscrição das sociedades civis.

D O U T R IN A • Com pete principalm ente ao empresário ou aos administradores da sociedade providenciar o encam inham ento dos atos sujeitos a registro para que seja procedido o necessário arquiva­ m ento ou averbação. Mas a expressão "pessoa obrigada em lei" utilizada por este artigo obriga o intérprete a algumas considerações adicionais. Se é certo que, no caso das socieda­ des anônimas, há determinações no sentido de que os fundadores convoquem a assembleia geral que irá deliberar sobre a constituição da companhia (art. 8 6 da Lei n. 6.4 04/76); que a ata dessa assembleia, assinada por todos os subscritores presentes, deverá ter uma via arqui­ vada na própria companhia e outra será destinada ao registro do comércio (§ 4® do art. 87); que os fundadores entregarão aos primeiros administradores eleitos todos os documentos, livros ou papéis relativos à constituição da com panhia ou a esta pertencentes (art. 93); e, finalm ente, que os administradores providenciarão, nos trin ta dias subsequentes ao ato de arquivam ento dos documentos relativos à constituição da companhia, a publicação deles, bem como a certidão do arquivam ento em órgão oficial do local de sua sede (art. 98), con­ cluindo-se, assim, que a providência do arquivam ento dos atos constitutivos só poderá caber aos fundadores e aos administradores eleitos na assembleia de constituição, o mesmo não se poderá dizer, ao que parece, em relação aos demais tipos societários. A alusão feita, na ca­ beça do artigo, na hipótese de omissão ou de demora na providência de levar os atos cons­ titutivos a registro por parte da pessoa obrigada pela lei, ao sócio (além de qualquer interes­ sado), faz supor que a pessoa obrigada pela lei nào seja sócia... Mas, tirante a hipótese de eleição de administradores nào sócios, quem senão os sócios de uma sociedade lim itada, p. ex., haveria de providenciar esse registro, máxime pela circunstância de que nas lim itadas inexiste a figura dos fundadores?... A observação parece igualm ente aplicável aos demais tipos societários. Na omissão ou demora do responsável - seja ele o sócio administrador, o sócio ou simplesmente o administrador, qualquer pessoa interessada passará a ter legitim i­

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Art. 1.152

dade de representação perante o registro com petente. Este artigo prevê o prazo de trin ta dias após a celebração ou lavratura dos atos para que estes sejam levados a registro (§ 1o). A ten­ dido esse prazo, os efeitos jurídicos retroagirào è data da celebração do ato ou instrum ento. Se o docum ento fo r protocolado no registro após esse prazo, os efeitos jurídicos correspon­ dentes somente serão produzidos na data da concessão ou deferim ento do arquivam ento ou averbação (§ 2°). Quer pela preservação da bo a-fé de terceiros, quer pela possibilidade de fraude, é salutar que a produção retroativa dos efeitos do arquivam ento è data do ato leva­ do a registro só ocorra no prazo de trin ta dias. Para além dele, porém, a produção de efeitos jurídicos só deverá ocorrer a partir da data do despacho que deferiu o arquivam ento. 0 § 3o preceitua a responsabilidade das pessoas legalm ente encarregadas do registro por perdas e danos decorrentes de sua omissão ou atraso.

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, v/de Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art 1.152. Cabe ao órgão incumbido do registro verificar a regularidade das publicações determinadas em lei, de acordo com o disposto nos parágrafos deste artigo. § l -Salvo exceção expressa, as publicações ordenadas neste Livro serão feitas no órgão oficial da União ou do Estado, conforme o local da sede do empresário ou da sociedade, e em jornal de grande circulação. § 2o- As publicações das sociedades estrangeiras serão feitas nos órgãos oficiais da União e do Estado onde tiverem sucursais, filiais ou agências. § 3- O anúncio de convocação da assembleia de sócios será publicado por três vezes, ao menos, devendo mediar, entre a data da primeira inserção e a da realização da assembleia, o prazo mínimo de oito dias, para a primeira convocação, e de cinco dias, para as posteriores. H IS T Ó R IC O • A redação da norma é a mesma do projeto original. Nào há correspondente no Código Civil de 1916 ou no Código Comercial de 1850. Para a convocação, mediante publicação, da assembleia de acionistas das sociedades anônimas, o a r t 124 da Lei n. 6.404/76 prevê os mesmos prazos es­ tipulados no § 3o deste artigo.

D O U T R IN A • Sempre que lei obrigar a publicação de atos de registro, de balanços patrimoniais ou de editais de convocação de assembleia ou reunião de sócios, o órgão com petente pelo registro tem o dever de verificar a regularidade dessas publicações. Os atos e instrumentos devem ser publicados no Diário O ficial da Uniõo ou no Diário O ficial do Estado em que se localize a sede da empresa ou sociedade, bem como em jornal local considerado como de grande cir­ culação. A sociedade estrangeira fica obrigada a realizar suas publicações apenas na Im pren­ sa Oficial, mas deverá fazê-lo concom itantem ente no Diário O ficial da Uniõo e no do Estado no qual está instalada a sua filial, agência ou sucursal. Se a sociedade estrangeira funcionar no Distrito Federal, será feita a publicação tam bém no órgão oficial daquele Distrito, confor­ me já estabelece o art. 289 da Lei n. 6 .4 0 4 /7 6 para as sociedades anônimas. Para a convoca­ ção de reunião ou assembleia de sócios de sociedade simples ou empresária, o anúncio ou edital de convocação deverá ser publicado, por três vezes, no Diário O ficial e em jornal de grande circulação, com o prazo m ínim o de oito dias entre a primeira publicação e a data de realização do conclave. Não se realizando a assembleia, novo anúncio deve ser publicado, agora com antecedência mínim a de cinco dias. Cabe observar que o § 4® do art. 124 da Lei n.

Art. 1.153

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6.4 0 4 /7 6 já estabelecia que, independentem ente da publicação de aviso ou edital de convo­ cação. "será considerada regular a assembleia geral a que comparecerem todos os acionistas".

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.153. Cumpre à autoridade competente, antes de efetivar o registro, verificar a autenticidade e a legitimidade do signatário do requerimento, bem como fiscalizar a obser­ vância das prescrições legais concernentes ao ato ou aos documentos apresentados. Parágrafo único. Das irregularidades encontradas deve ser notificado o requerente, que, se for o caso, poderá saná-las, obedecendo às formalidades da lei. H IS T Ó R IC O • Emenda aprovada no Senado Federal suprimiu o § 28 deste artigo, que previa hipótese de recurso direto ao Poder Judiciário contra despacho do órgão de registro que indeferisse requerimento apresentado. Como o sistema de registro possui competência administrativa própria, com recursos hierárquicos que podem ser interpostos, demonstrava-se impróprio, em face do principio do art. 58, XXXV, da Constituição da República, transferir decisões administrativas em grau de recurso ao Poder Judiciário. Os arts. 37 e 40 da Lei n. 8.934/94 estabelecem os procedimentos que devem ser observados pelas Juntas Comerciais para o deferimento da inscrição ou arquivamento dos atos dos empresários ou das sociedades empresárias. No regime especifico das sociedades anônimas, o a r t 97 da Lei n. 6.404/76 contém disposições similares sobre o exame do cumprimento das for­ malidades legais na constituição das companhias. A Lei n. 6.015/73, no tocante ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, não contém disposição sobre o assunto.

D O U T R IN A • Este artigo repete, basicamente, a prescrição constante do art. 35 da Lei n. 8.934, de 18 de novembro de 1994, e do art. 57 do Decreto n. 1.800, de 3 0 de janeiro de 1996, que a regu­ lam entou. Pelo prim eiro desses dispositivos, não podem ser arquivados, entre outros docu­ mentos mencionados nos vários incisos do artigo, os que não obedecerem às prescrições legais ou regulam entares ou que contiverem m atéria contrária aos bons costumes ou á ordem pública, bem como os que colidirem com o respectivo estatuto ou contrato não m odificado anteriorm ente. 0 art. 57 do Decreto n. 1.800, por sua vez, prescreveu que todo ato, docum ento ou instrum ento apresentado a arquivam ento será objeto de exame, pela Junta Comercial, do cum prim ento das form alidades legais. Pode-se concluir, assim, que o Código Civil, neste art. 1.153, m anteve o cuidado, já anteriorm ente existente, de zelar para que apenas os docum entos observadores das prescrições legais possam ser arquivados nos órgãos com petentes. Mas terá ido longe demais, ao que parece, ao exigir a autenticidade e a legitim idade do signatário do requerim ento. Se os atos e docum entos apresentados esti­ verem em estrita observância às prescrições legais e regulam entares, qual é a necessidade de reconhecim ento da firm a do signatário do requerim ento? Mais do que isso, qual é a necessidade de ser o requerim ento assinado pelo sócio ou pelo adm inistrador se tal tarefa pode ser cum prida por um funcionário despachante da sociedade?... Diz-nos a respeito o Prof. Arnoldo W ald (Com entários ao novo Código Civil, cit., p. 780): "A legitim idade do signatário tam bém deverá ser analisada. Entendemos como parte legítim a para requerer o arquivam ento, conform e já referido no art. 1.151 do atual Código Civil, qualquer interessa­ do, seja ele sócio, adm inistrador ou mero funcionário da sociedade. Se o docum ento preen­ che as form alidades legais, a legitim idade deveria ser presumida. Não nos parece que um

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Arts. 1.154 e 1.155

determ inado ato possa te r o seu registro indeferido por falta de legitim idade do signatário do requerim ento, cabendo ao órgào com petente a te n ta r mais às form alidades legais do que à legitim idade". Caso seja verificada algum a irregularidade insanável, o requerim ento será indeferido (Lei n. 8.9 3 4 /9 4 , art. 40, § 1*). Se a irregularidade fo r sanável, o órgào de registro colocará o processo em exigência, que deverá ser cum prida no prazo de trin ta dias contados da ciência pelo interessado ou da publicação do despacho, sob pena de arquivam ento (Lei n. 8 .9 3 4 /9 4 , art. 40, § 2*).

D IR E IT O P R O JE T A D O • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.160/2002 de autoria do De­ putado Ricardo Fiuza, que está arquivado.

Art. 1.154.0 ato sujeito a registro, ressalvadas disposições especiais da lei, não pode, antes do cumprimento das respectivas formalidades, ser oposto a terceiro, salvo prova de que este o conhecia. Parágrafo único. O terceiro não pode alegar ignorância, desde que cumpridas as refe­ ridas formalidades. H IS T Ó R IC O • A redação deste dispositivo não foi modificada durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. Não há correspondente no Código de 1916 nem na legislação de registros públicos.

D O D T R IN A • De acordo com este artigo, somente produz efeitos perante terceiro o ato que já tiver sido arquivado no órgão de registro com petente. Entenda-se aqui o registro d efinitivo e nào o simples pedido de registro. Havendo um vício a ser sanado ou sobrevindo algum a exigência feita pelo órgào de registro, o ato só produzirá efeitos após sanado o vício ou devidam ente cumprida a exigência, ou. ainda, depois de julgado e provido o recurso interposto contra a exigência feita, no âm bito do processo revisional previsto na Lei n. 8.9 34/94. Veja-se que o artigo faz a ressalva da eficácia do ato em relação ao terceiro que, eventualm ente, tenha conhecim ento do teor do ato levado a registro. Em tal hipótese, o cum prim ento de todas as form alidades legais exigidas para a efetivação do registro passa a ser irrelevante em relação a esse terceiro que, inequivocam ente, tenha conhecim ento prévio daquele ato. Não se trata, evidentem ente, de qualquer terceiro, mas somente daquele que, com provadam ente, tenha tido ciência do ato. Já o parágrafo único deste artigo deixa claro e incontroverso que, cum ­ pridas as form alidades legais indispensáveis à obtenção do registro, não poderá o terceiro, em nenhuma hipótese, alegar a sua ignorância.

C ap ítu lo II — DO NOME EMPRESARIAL Art. 1.155. Considera-se nome empresarial a firma ou a denominação adotada, de conformidade com este Capítulo, para o exercício de empresa. Parágrafo único. Equipara-se ao nome empresarial, para os efeitos da proteção da lei, a denominação das sociedades simples, associações e fundações.

Art. 1.156

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HISTÓRICO • Este artigo foi objeto de modificação na fase final de tramitação do projeto no Congresso Nacio­ nal, em que a expressão "nome de empresário" foi substituída por "nome empresarial", sucedâneo mais coerente com as modernas definições do direito comercial, para adequação ao disposto nos arts. 33 e 34 da Lei n. 8.934/94. A mesma alteração foi promovida no titulo deste capitulo. Não há correspondente no Código Civil de 1916.

DOUTRINA • 0 nome empresarial é, na dicção precisa de W aldem ar Ferreira (Tratado de direito comercial, v. 3, São Paulo, Saraiva, 1961, p. 110), a expressão da personalidade comercial, vale dizer, o modo como a empresa se identifica oficialm ente em suas relações negociais. Antigam ente, era designado ora como "nome comercial" [v. arts. 1 9 1 ,1 9 4 e 195, V, da Lei n. 9.2 79/96), ora como "nome de empresa" (art. 124, V, da Lei n. 9 .2 7 9 /9 6 e o revogado Decreto-Lei n. 254/67), expressão corretam ente substituída por "nome empresarial", com o advento da Lei n. 8.934/94, e ora reafirm ada pelo Código Civil. O nom e empresarial é único, correspondendo a um em ­ presário individual ou a uma sociedade empresária. Trata-se de um gênero que pode ser composto por três espécies: 1*) a firm a individual, que vem a ser o nome usado pelo em pre­ sário individual; 2 0 a firm a ou razão social, que consiste no nome utilizado por alguns tipos societários (sociedade em nome coletivo, em com andita simples e, eventualm ente, pela lim i­ tada e pela em com andita por ações); 3*) a denom inação social, que é o nome sempre u tili­ zado pelas anônimas e pelas cooperativas e, eventualm ente, pelas lim itadas e pelas em co­ m andita por ações. A firm a - ou razõo comercial, na dicção de Carvalho de Mendonça identifica a empresa ou as pessoas que a titularizam perante o mercado a partir do próprio nome ou patronim ico de seu titu la r ou de sócio adm inistrador, contendo o nome pessoal com pleto ou abreviado. A denominação - a outra espécie de nome empresarial, além da firm a - é criada de acordo com a vontade dos sócios no ato constitutivo, ocultando sua identidade pessoal e compreendendo a form ação do nome a partir de palavras e expressões comuns, geralm ente seguidas da designação do objeto da empresa. O art. 3 4 da Lei n. 8.9 34/94 estabelece que o nome empresarial deverá atender aos princípios da veracidade (tam bém conhecido por autenticidade) e da novidade. A proteção ao nom e empresarial, segundo o art. 33 da Lei n. 8.934/94, decorre autom aticam ente do arquivam ento dos atos constitutivos de firm a individual e de sociedades, ou de suas alterações. Foi ela estabelecida no inciso XXIX do art. 5o da Constituição Federal, e expressamente estendida, pelo parágrafo único deste art. 1.155, às denominações das sociedades simples, associações e fundações, que somente podem se utilizar delas e não de firmas.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 386, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Na apuração dos haveres do devedor, por conseqüência da liquidação de suas quotas na sociedade, não devem ser consideradas eventuais disposições contratuais restritivas à determinação de seu valor".

Art. 1.156.0 empresário opera sob firma constituída por seu nome, completo ou abre­ viado, aditando-lhe, se quiser, designação mais precisa da sua pessoa ou do gênero de ati­ vidade. HISTÓRICO • O enunciado por esta disposição manteve a mesma redação do projeto original. A formação do nome do empresário individual por meio de firma era regulada pelo Decreto n. 916/1890 (art. 38).

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Art. 1.157

DOUTRINA • O empresário titu la r de empresa individual adotará na identificação de sua atividade seu nome pessoal, escrito por extenso ou abreviadam ente, que corresponde a sua firm a, vale dizer, a sua própria assinatura. É facultado ao empresário individual acrescentar, em seguida a seu nom e pessoal, a indicação do ram o ou gênero de atividade m ercantil que exerce, em especial para distinção de outros empresários homônimos. Assim, poderá ele se utilizar, p. ex., de M acedo marceneiro, seja para diferenciar-se de algum M acedo a lfa ia te ou M acedo fu n i­ leiro, seja, ainda, numa hipótese mais sofisticada, para diferenciar-se de um eventual M ace­ do carpinteiro, quando se sabe que, entre os entendidos em trabalhos com madeira, faz-se uma peculiar distinção entre m arceneiros e carpinteiros, atribuindo-se m aior qualificação profissional aos primeiros do que aos segundos.

Art. 1.157. A sociedade em que houver sócios de responsabilidade ilimitada operará sob firma, na qual somente os nomes daqueles poderão figurar, bastando para formá-la aditar ao nome de um deles a expressão “e companhia” ou sua abreviatura. Parágrafo único. Ficam solidária e ilimitadamente responsáveis pelas obrigações contraídas sob a Firma social aqueles que, por seus nomes, Figurarem na Firma da sociedade de que trata este artigo. HISTÓRICO • O texto final do artigo nào foi objeto de modificação durante a tramitação do projeto. A form a­ ção do nome empresarial nas sociedades com sócios de responsabilidade ilimitada era regulada pelo Código Comercial de 1850 em relação a cada um dos tipos societários, como na sociedade em comandita simples (art. 312) e na sociedade em nome coletivo (art. 315).

DOUTRINA • Quando a sociedade fo r constituída sob tipo em que existam sócios de responsabilidade ili­ m itada, deverá obrigatoriam ente adotar firm a social, que designará, por extenso ou abrevia­ dam ente, o nome pessoal de um ou de alguns sócios tam bém com ilim itaçào de responsabi­ lidade. A firm a social identifica os sócios de sociedade que respondem por sua administração e que, em determ inados casos, detêm responsabilidade ilim itada pelas obrigações sociais. Em seguida ao nom e pessoal do sócio ou sócios, quando todos não constem da firm a social, deverá ser acrescentada a palavra “e companhia" ou sua abreviatura, “e Cia." ou " & Cia.", o que designa a existência de outros sócios. Trata-se do sistema da veracidade ou da a u te n ti­ cidade, adotado pelo direito brasileiro, consoante o art. 34 da Lei n. 8 .9 3 4 /9 4 e arts. 5* e 6* da Instrução Norm ativa n. 99, de 21 de dezembro de 2005, do Departam ento Nacional do Registro do Comércio - DNRC, ora corroborados pelo Código Civil de 2002. Podem também os sócios, além dessa identificação legal, acrescentar à firm a social referência ao ramo de atividade ou negócio explorado pela empresa. Caso algum sócio de responsabilidade lim itada, como o sócio com anditário na sociedade em com andita simples, tiver seu nome colocado na firm a social, será ele equiparado aos sócios de responsabilidade ilim itada pelas obrigações contraídas por parte da sociedade, seja por força do art. 1.047 do Código Civil, seja em razão do disposto no parágrafo único deste artigo. E se algum sócio com anditário, numa sociedade em com andita por ações, colocar seu nome na firm a social dela, ficará ele equiparado ao sócio de responsabilidade ilim itada, mesmo que não exista, nos arts. 1.090,1.091 e 1.092 do Código Civil, que estabelecem a disciplina jurídica desse tipo societário, nenhum a previsão em tal sentido, como ocorre com o art. 1.047, retrom encionado, relativam ente ao sócio co­ m anditário na sociedade em com andita simples? Parece que a resposta deverá ser positiva em razão do preceituado no parágrafo único deste art. 1.157, ainda que se tenha por insub-

Art. 1.158

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sistente o art. 281 da Lei n. 6.404/76, referente às sociedades em com andita por ações, que era expresso no sentido de ficarem ilim itada e solidariam ente responsáveis pelas obrigações sociais os que, por seus nomes, figurarem na firm a ou razão social. Por outro lado, há de se com preender que esta norma do parágrafo único deste art. 1.157 não com porta interpreta­ ção inversa, conform e bem esclarece o Prof. Gladston M am ede (D ireito Em presarial Brasilei­ ro, v. 1, cit., p. 105): "A responsabilidade pessoal, solidária e ilim itada não está lim itada àquele cujos nomes componham a firm a social; aqueles sócios que, não obstante om itidos na razão social, tenham responsabilidade pessoal pelas obrigações societárias, em virtude da lei ou do ato constitutivo, podem ser demandados pelos credores da sociedade, não lhes servindo de defesa a alegação de que seus nomes não constam da firma".

Art. 1.158. Pode a sociedade limitada adotar firma ou denominação, integradas pela palavra final “limitada” ou a sua abreviatura. § \- A firma será composta com o nome de um ou mais sócios, desde que pessoas fí­ sicas, de modo indicativo da relação social. § 2?- A denominação deve designar o objeto da sociedade, sendo permitido nela figurar o nome de um ou mais sócios. § 3? A omissão da palavra “limitada” determina a responsabilidade solidária e ilimita­ da dos administradores que assim empregarem a firma ou a denominação da sociedade. HISTÓRICO • Nenhuma alteração ou emenda modificou o conteúdo deste artigo. A formação do nome empre­ sarial das sociedades limitadas era disciplinado pelo art. 38 do Decreto n. 3.708/19.

D O U T R IN A • A possibilidade de a sociedade lim itada optar, em seu nome empresarial, tan to por firm a quanto por denominação, decorre de seu caráter híbrido, ora assumindo características pró­ prias das sociedades de pessoas, ora, ao revés, revestindo-se das peculiaridades típicas das sociedades de capital, cabendo lembrar, a propósito, a inolvidável lição do Prof. Sylvio M a r­ condes (Ensaio sobre a sociedade de responsabilidade lim itada, São Paulo, 1940, p. 117), para quem "no contrato em que a contribuição pessoal do sócio com preender o prestígio de seu nome adotará uma firm a que o contenha, ao passo que, se o vigor da sociedade residir na contribuição patrim onial de cada sócio, ela tom ará uma denominação tirada do seu ob­ jeto". Em ambos os casos, com plem entando a firm a ou denominação, deverá constar a ex­ pressão "lim itada" ou sua abreviatura ("Ltda."), sob pena de, na hipótese de ocorrer tal omissão, os sócios responderem solidária e ilim itadam ente pelas obrigações sociais, de acor­ do com o § 3° deste art. 1.158. Na adoção de firm a social por parte da sociedade lim itada, será ela form ada pelo nome pessoal de um ou mais sócios, desde que esses sócios epônimos sejam pessoas físicas, de molde a indicar a relação social subjacente à sociedade. À firm a social, no entanto, tem prevalecido a escolha da denominação social por parte das sociedades limitadas, parecendo natural que assim seja. Já Carvalho de Mendonça ( Tratado de Direito Com ercial Brasileiro, cit., v. 3, n. 888 e s.) assinalava que a firm a social é característica das sociedades de responsabilidade ilim itada enquanto a denom inação constitui o apanágio da sociedade de responsabilidade lim itada por excelência, a sociedade anônim a. 0 § 28 deste art. 1.158, no entanto, ao estabelecer que denom inação deve designar o objeto da sociedade, reintroduziu uma exigência que já fora abolida pela Lei n. 8.3 94/94, sendo objeto de proce­ dentes críticas da doutrina [cf. Arnoldo W ald, Comentários..., cit., p. 790, considerando-a um "retrocesso bastante criticável"; Rubens Requião, Curso de D ireito Comercial, atualizado por Rubens Edmundo Requião, cit., 1fl v., p. 130, nota n. 21, acoim ando-a de não ter "qualquer

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Art. 1.159

base técnica", entre outros]. Como se tal não bastasse, esse § 2* suscitou uma outra dúvida de relevo. Nào tendo ele mencionado o grau de pormenorização exigido na designação do objeto social, resta saber até que ponto a indicação do gênero de atividade [industrial, co­ mercial, agropecuário, financeiro etc.) já seria suficiente ou se, ao revés, tam bém a designa­ ção da espécie (comércio de alim entos, indústria m ineral etc.) seria necessária... A respeito de tal problema, pondera o Prof. Gladston M am ede (D ireito Em presarial Brasileiro, v. 1, c it, p. 106): "A disposição merece redobrado cuidado, certam ente dividindo as opiniões entre os que a entendem im perativa e os que a entendem como mera referência program ática para a composição do nom e empresarial. Em fato , é de se questionar se a norma põe fim , no Brasil, à possibilidade de concisão no nome empresarial para todos os registros que sejam posterio­ res a 11 de janeiro de 2002, já que os registros anteriores estão protegidos pela garantia que a Constituição dá ao ato jurídico perfeito. Nào mais se poderiam registrar empresas com nomes tais como Gerdau S/A. Klabin S/A ou Toyota do Brasil Ltda.? M elhor seria se assim nào fosse. Entretanto, o art. 1.158, § 2°, do Código Civil é claro ao estipular a obrigação de se designar o objeto da sociedade, devendo ser cumprido, em bora se deva reconhecer que, para empresas com objeto social variado, será uma dificuldade". Tão judiciosas considerações estão a merecer dois singelos reparos: o primeiro, mero lapsus calam i ocorrido no texto, pois a data de início da vigência do Código Civil seria 11 de janeiro de 20 03 e nào, como constou, 2002; o segundo, relativo aos exemplos mencionados de sociedades anônimas, quando o § 2o do art. 1.158 refere-se apenas às limitadas. É de supor-se, porém, que o Prof. Mam ede, ao fo r­ necer os exemplos da Gerdau S/A e da Klabin S/A tam bém tivesse em m ente o art. 1.160, que conduz à mesma conclusão, ao estabelecer que a sociedade anônim a operará “sob denom i­ nação designativa do objeto social". Seja como for, no entanto, compreensível parece ser, de um lado. a perplexidade manifestada pelo referido professor e, de outro, irrecusável a con­ clusão a que chegou o Prof. M ário Luiz Delgado no sentido de que “a denom inação pode conter, apenas, referência ao objeto societário, com o acréscimo da expressão “e outros" ou "dentre outras", sem necessidade de transcrição integral da cláusula contratual designativa do objeto social" (cf. Código Civil an o tad o - inovações com entadas artig o p o r artigo. Obra em coautoria com Jones Figueirêdo Alves, São Paulo, M étodo, 2005, p. 571).

DIREITO PROJETADO • PL n. 6.960, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza, atual PL n. 699/2011: A rt. 1.158. (...) § 2a A denom inação será com posta p o r um ou m ais elem entos de fantasia, sendo perm itido nela fig u rar o nom e de um ou m ais sócios, ou ainda o objeto da sociedade;

U Art. 1.159. A sociedade cooperativa funciona sob denominação integrada pelo vocábu­ lo “cooperativa”. HISTÓRICO • A redação final deste artigo é a mesma do projeto original. 0 art. 5o da Lei n. 5.764/71 também prevê a formação do nome da cooperativa por meio de denominação.

DODTRINA • Tanto este artigo quanto o citado art. 5* da Lei n. 5.764/71 afastam a possibilidade de u tili­ zação da firm a social por parte da sociedade cooperativa. Assim, ela se identifica somente mediante denominação, com o acréscimo do vocábulo "cooperativa" antes da declaração de

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seu objeto ou atividade. Em razão de sua natureza, o nome dos sócios não pode integrar a denominação, a não ser em razão de homenagem que se faça a seu fundador ou instituidor.

Art. 1.160. A sociedade anônima opera sob denominação designativa do objeto social, integrada pelas expressões “sociedade anônima” ou “companhia”, por extenso ou abrevia­ damente. Parágrafo único. Pode constar da denominação o nome do fundador, acionista, ou pessoa que haja concorrido para o bom êxito da formação da empresa. HISTÓRICO • O enunciado da norma não foi objeto de modificação durante a tramitação do projeto. O art. 3o da Lei n. 6.404/76 estabelece de modo mais preciso e tecnicamente correto a formação da deno­ minação da sociedade anônima.

D O U T R IN A • Volvam -se aos comentários expendidos ao § 2a do art. 1.158, retro. As mesmas ponderações lá feitas, em relação às dificuldades trazidas pela exigência de dever a denom inação das so­ ciedades lim itadas designar o objeto social destas, têm pertinência neste artigo. Deverá ele ser entendido eum granus salis, sob pena de criar-se injustificável em baraço à vida das so­ ciedades anônimas no Brasil, sendo de insistir-se, prelim inarm ente, na ideia de que o próprio Código Civil, ao tra tar da anônim a no art. 1.089 (conform e já anteriorm ente analisado), afirm ou o seu caráter m eram ente subsidiário em relação a elas, aplicando-se-lhes a lei espe­ cial e, som ente nos casos omissos, a disciplina norm ativa de 2002. Na questão em tela, a lei especial não é omissa, antes pelo contrário. Observou-se, no histórico acima, ser mais técni­ ca do que este art. 1.160 a norma constante do art. 3* da Lei n. 6.4 04/76, que não exige a identificação do objeto social na denom inação da sociedade anônim a. Assim, apenas por esse motivo, já se poderia sustentar, com êxito, não proceder a exigência de ser a denominação necessariamente designativa do objeto social. A par desta consideração preambular, cabe fazer um ligeiro registro histórico. A Exposição de Motivos das principais inovações do pro­ je to que veio a se transform ar na atual Lei n. 6 .4 0 4 /7 6 assinalou que dispensava "a indicação dos fins da companhia na denom inação (art. 3a), porque referências genéricas como, por exemplo, 'indústria e comércio', pouco inform am ; nas sociedades com produção diversifica­ da de bens e serviços a indicação do fim é im praticável, e nas grandes companhias, com marcas am plam ente conhecidas no mercado, é dispensável". Tal solução foi m uito bem sau­ dada pela doutrina nacional que considerava aquela exigência absolutam ente injustificável, conform e se pode ver, por todos, em Rubens Requião ( Curso de D ireito Comercial, cit., 2a v., p. 30), in verbis: “Essa realista orientação, por outro lado, evita as denominações extensas, quilométricas, sem qualquer vantagem ou utilidade senão a de ocupar mais tem po na sua form ulação e mais espaço nos impressos indicativos da sociedade. A composição na denom i­ nação será, portanto, sumária". Ainda no tocante ao caput do art. 1.160, cabe esclarecer que a sociedade será designada por denom inação acompanhada das expressões "companhia" ou "sociedade anônim a", por extenso ou abreviadam ente. “Sociedade anônima" pode ser u tili­ zada antes, no meio ou ao final da denominação, não podendo o vocábulo "companhia" ser utilizado no final da denominação, pois assim poderia ser confundida com outras espécies societárias, como a sociedade em nome coletivo. Embora essa proibição não conste do art. 1.160, vem ela corretam ente estabelecida no art. 3* da Lei n. 6.4 04/76, inteiram ente em vigor conform e visto. Por derradeiro, de acordo com o parágrafo único do art. 1.160, adm ite-se que, em caráter de hom enagem ao acionista fundador ou a quem haja contribuído para o êxito da companhia, possa o nome do hom enageado ser integrado à denom inação social.

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Arts. 1.161 e 1.162

D IR E IT O P R O JE T A D O • PL n. 6.960, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza, atual PL n. 699/2011: A rt. 1.160. A sociedade anônim a opera sob denom inação integrada pelas expressões "sociedade a n ô n im a ''o u "com panhia", p o r extenso ou abreviadam ente. Parágrafo único. Pode constar da denom inação o nom e do fundador, acionista, ou pessoa que h aja concorrido para o bom êxito da form ação da empresa, bem como quaisquer expressões designa tivas do objeto social.

Art. 1.161. A sociedade em comandita por ações pode, em lugar de firma, adotar deno­ minação designativa do objeto social, aditada da expressão “comandita por ações”. H IS T Ó R IC O • A redação deste artigo manteve o texto do projeto original. A formação do nome empresarial da sociedade em comandita por ações também é disciplinada pelo art. 281 da Lei n. 6.404/76.

D O D T R IN A • Foi expressamente contem plada pelo art. 1.161 a possibilidade de a sociedade em com andi­ ta por ações adotar, em seu nome empresarial, firm a social ou denominação. Se o nome for form ado por firm a, dele somente poderão constar os nomes pessoais dos sócios diretores. Sendo constituído o nome empresarial por denominação, deverá ele conter a indicação do principal objeto social, com os tem peram entos a que se fez referência nos comentários aos arts. 1.160 e 1.158, § 2*. A denom inação ou firm a social deve ser seguida das palavras "co­ mandita por ações", sem em bargo da possível discussão sobre a subsistência ou nào do art. 281 da Lei n. 6.404/76. Se se considerá-lo subsistente - já que inexiste conflito entre ele e as normas do Código Civil - , conclui-se que "com andita por ações", a ser aditada à denom i­ nação social, poderá ser feita por extenso ou abreviadam ente, segundo dispõe o parágrafo único desse art. 281 da Lei n. 6.404/76. Na hipótese contrária - sem dúvida menos razoável - haveria de se entender que aquela expressão só poderia ser aditada por extenso. Com re­ lação ao caput do art. 281 - expressa no sentido de ficarem ilim itada e solidariam ente res­ ponsáveis pelas obrigações sociais aqueles que, por seus nomes, figurarem na firm a ou razão social --, é possível chegar à mesma conclusão, conform e ficou visto por ocasião dos com en­ tários ao parágrafo único do art. 1.157. • Sobre propostas para alteração deste artigo, vide Projeto de Lei n. 7.1 60/200 2, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza.

Art. 1.162. A sociedade em conta de participação não pode ter firma ou denominação. H IS T Ó R IC O • 0 texto final deste artigo é o mesmo do projeto original. 0 art. 325 do Código Comercial de 1850 igualmente vedava o uso de firma na identificação da sociedade em conta de participação.

D O D T R IN A • Coerente com a natureza da sociedade em conta de participação (arts. 991 a 996) -- um dos tipos de sociedade não personificada - , este artigo proibe-lhe que tenha firm a ou denom i­ nação. Não possuindo personalidade jurídica, não aparecendo perante terceiros e nào tendo patrim ônio próprio - já que os fundos a ela destinados pelos sócios ocultos passam a integrar o patrim ônio do sócio ostensivo - , nào faria sentido que pudesse ter firm a ou denominação.

Art. 1.163

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Este tipo societário reveste-se, com efeito, de peculiaridade ímpar. 0 revogado art. 3 2 5 do Código Comercial de 1850 dispunha, entre outras coisas, que a sociedade em conta de par­ ticipação poderia tom ar, além deste nome, tam bém o de acidental, m om entânea ou anônim a. E, na verdade, a designação de anônim a estaria m uito mais adequada a ela do que à socie­ dade p o r ações, que, tan to na lei quanto na prática, tom ou o nome de anônim a e com ele ficou definitivam ente consagrada. Nesta últim a, porém, anônimos são os sócios e não a própria sociedade, absolutam ente visível a todos. A sociedade em conta de participação, ao revés, é verdadeiram ente anônim a (e não propriam ente clandestina ou secreta, já que os seus sócios podem divulgá-la se tal não fo r proibido no contrato), pois os que com ela contratam pensam estar negociando apenas com o sócio ostensivo, desconhecendo, em princípio, a existência de uma sociedade... Vide, a propósito da sociedade em conta de participação, co­ mentários aos arts. 991 a 996, retro.

Art. 1.163. O nome de empresário deve distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo registro. Parágrafo único. Se o empresário tiver nome idêntico ao de outros já inscritos, deverá acrescentar designação que o distinga. H IS T Ó R IC O • Este artigo e seu parágrafo foram inteiramente reformulados mediante emenda aprovada pela Câmara dos Deputados na fase inicial de votação do projeto, acolhendo-se emenda do então Deputado Tancredo Neves. 0 texto original dispunha que: "0 direito ao nome civil não importa a faculdade de adotá-lo para firm a igual à de homônimo, já inscrita". Essa redação impedia que pessoa homônima de outra com firma já registrada pudesse exercer atividade mercantil sob seu nome. A emenda aprovada simplesmente adaptou e revigorou o preceito contido no a r t 6*. § 1®, do Decreto n. 916/1890.

D O U T R IN A • Como já visto nos com entários ao art. 1.155, retro, a proteção ao nome empresarial decorre, quer da própria Constituição Federal, conform e nela preconizado pelo inciso XXIX do art. 5«, quer do art. 33 da Lei n. 8.9 34/94, que a estabeleceu, autom aticam ente em razão do simples ato de arquivam ento dos atos constitutivos de firm a individual e de sociedades, ou de suas alterações. Este art. 1.163 diz que o nom e de empresário deve distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo registro. No caso de hom oním ia entre os nomes de dois ou mais empresários titulares de empresa individual, poderão todos eles exercer sua atividade u tili­ zando como firm a seu nome pessoal, bastando, para que não venham a ser confundidos, acrescentar à firm a uma designação ou expressão distintiva, que pode ser em razão do obje­ to m ercantil desempenhado ou pela identificação da localidade ou praça em que exerce sua atividade. 0 direito ao uso do próprio nome na empresa individual é inalienável, próprio da personalidade, não podendo ser restringido pela legislação. • Vide, sobre a m atéria, a Instrução Norm ativa n. 99, de 21 de dezembro de 2005, do Departa­ m ento Nacional de Registro do Comércio - DNRC, publicada em 9 de janeiro de 2006, que dispôs sobre o nome empresarial e revogou a anterior Instrução Norm ativa n. 53, de 6 de março de 1996, do mesmo órgão.

JD L G A D O S • "Indenização. Uso indevido de marca e nome comercial e concorrência desleal c.c. cominatória. Distinção entre marca e nome comercial. Empresas litigantes que não geram produtos a ser iden­ tificados por marca. Nomes empresariais de ambas que se identificam para exploração dos res­

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Art. 1.164

pectivos mercados consumidores. Atividades distintas. Comprovação do registro na JUCESP pela ré. Improcedência mantida. Apelo desprovido" (TSJP, 5* Cãm. de Dir. Priv., Acórdão 0002163334, Rei. Des. Antonio Dimas Cruz Carneiro, j. em 11-2-2010). • "Responsabilidade civil. Nome empresarial. Semelhança. Danos morais e materiais. Ausência de comprovação. Indenização afastada. 0 nome empresarial é protegido pelo registro na Junta Co­ mercial. Quem registra um nome empresarial tem direito a exclusividade do uso desse nome. Porém, a simples similitude existente entre dois nomes comerciais não se mostra capaz de, por si só, causar prejuízos de ordem moral ou material ao titular do primeiro registro, a quem compete a prova dos danos efetivamente sofridos. Negado provimento" (TJMG, 11a Cãm. Civ., Processo 1.0024.05.877586-7/002, Rei. Des. Duarte de Paula, j. em 5-8-2009).

D IR E IT O P R O JE T A D O • PL n. 6.960, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza, atual PL n. 699/2011: A rt. 1.163. O nom e em presarial deve distinguir-se de qualquer outro suscetível de causar confusão ou associação.

Art. 1.164. 0 nome empresarial não pode ser objeto de alienação. Parágrafo único. O adquirente de estabelecimento, por ato entre vivos, pode, se o contrato o permitir, usar o nome do alienante, precedido do seu próprio, com a qualificação de sucessor. H IS T Ó R IC O • A redação desta disposição foi alterada no curso da tramitação do projeto no Congresso Nacional apenas para substituição da expressão "nome de empresário" por "nome empresarial". Nào há correspondente no Código Civil de 1916. 0 art. 7Cdo Decreto n. 916/1890 previa hipótese seme­ lhante somente com relação à alienação da firma.

D O D T R IN A • Este artigo teve o inegável m érito de tornar perem ptória a proibição de ser o nome em pre­ sarial objeto de alienação, questão outrora duvidosa em relação à sociedade lim itada, já que o Decreto n. 3.7 0 8 /1 9 era silente a respeito da m atéria. Mas, por outro lado, traz um proble­ ma novo se nào fo r interpretado restritivam ente. Como se disse anteriorm ente, o nome empresarial é gênero, composto de três espécies, estando entre elas a firm a social e a deno­ minação social. No que se refere a esta últim a, sempre se entendeu, tanto na prática negociai como em sede doutrinária e jurisprudencial, ser possível sua alienação, dado que constitui um nome de fantasia, sem nenhuma relação com os direitos da personalidade relativos aos sócios. Afirm ava o saudoso Prof. Rubens Requião ( Curso de direito comercial, v. 1, c it, p. 243) que: “É claro que o direito comercial, no caso de denom inação, não outorga direitos humanos ou personalíssimos às pessoas jurídicas... A denom inação, que é uma das espécies do nome comercial, pode assim ser alienável e, por qualquer título, transmissível a terceiros, com ou sem a empresa. Em nosso entender nada impede que a denom inação, como nome de em pre­ sa que é, seja alienada isolada ou integrando a empresa". Mais adiante, tam bém (p. 300), esse mesmo jurista afirm aria que: "o títu lo e insígnia do estabelecimento são bens imateriais, e, como tais, legitim am ente negociáveis", sendo que, na 27. ed., de 2007, rev. e atual, por Rubens Edmundo Requião, uma oportuna nota de rodapé do seguinte teor foi inserida: “0 títu lo de estabelecimento revive, confirm ando a opinião do au to r quanto a ser um bem de natureza disponível, com a introdução dos nam ing rights, técnica de comercialização pela qual alguém negocia o direito de batizar ou de incluir no nome (às vezes de origem popular) um estabe­ lecimento, uma determ inada referência. Essa nominaçào, no caso, é obtida com certa marca

Art. 1.165

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ou núcleo de um nome comercial, agregado ao nome específico do estabelecim ento ou mesmo usada de modo isolado. Recentemente, em Curitiba, vimos a negociação do Clube A tlético Paranaense com a m ultinacional Kyocera, pela qual o novo estádio do Clube, origi­ nalm ente conhecido como Arena da Baixada, passou a ser chamado Are na-Kyocera. Outro exemplo é a denom inação do centro de convenções Estação Embratel, erguido no centro de compras conhecido como Estação, palavra a que se associou a marca da empresa de teleco­ municações Embratel, para form ar aquele título. Os exemplos se repetem pelo Brasil, espe­ cialm ente na área cultural, esportiva e de entretenim ento. 0 fenôm eno mostra a relevância, em todos os sentidos, do títu lo de estabelecimento". • Assim, se esse dispositivo não fo r interpretado restritivam ente, chegar-se-á à indesejável conclusão de que a alienação da denominação social, no direito brasileiro, encontra-se proi­ bida desde o advento de janeiro de 2003... Poder-se-ia dizer, em sentido oposto, que o artigo em tela, referindo-se à proibição da alienação do nome empresarial, como gênero, tam bém teria atingido as diferentes espécies deste e, em conseqüência, englobada tam bém estaria, na proibição de alienação, a denom inação social.

Art. 1.165.0 nome de sócio que vier a falecer, for excluído ou se retirar não pode ser conservado na firma social. HISTÓRICO • 0 conteúdo do artigo manteve a mesma redação do projeto primitivo. Norma semelhante encon­ trava-se prevista no art. 8° do Decreto n. 916/1890.

D O U T R IN A • Conform e anteriorm ente exposto, nos comentários ao art. 1.157, supra, tanto o art. 34 da Lei n. 8 .9 3 4 /9 4 quanto os arts. 5« e 6® da Instrução Norm ativa n. 99, de 21 de dezembro de 2005, do Departam ento Nacional do Registro do Comércio adotaram o princípio da veraci­ dade ou da autenticidade, no que foram inconfundivelm ente seguidos pelo Código Civil de 2002, vale dizer, a firm a social deve retratar o nom e dos componentes da sociedade. Sendo a firm a social o modo pelo qual a empresa é identificada perante o mercado, é natural que ela possa ser utilizada apenas enquanto a pessoa que lhe deu o nome permanecer na socie­ dade. Tal regra vale para os casos de falecim ento, exclusão ou retirada voluntária de sócio. Ocorrendo uma dessas hipóteses, a sociedade deverá providenciar a mudança do nome em ­ presarial, seja para adotar uma outra firm a social, seja para, eventualm ente, optar por uma denominação. Se a sociedade fo r integrada por irmãos ou parentes com o mesmo sobrenome, e este fo r o elem ento identificador, a m orte ou retirada de um deles da sociedade não im pli­ ca a necessidade de mudança da firm a social. Não obstante o caráter perem ptório da norma no sentido de que o nome de sócio que vier a falecer não pode ser conservado na firm a social, caberia indagar se, nas hipóteses de o contrato social perm itir tal conservação, seria ou não possível a permanência do nome do sócio falecido. Propende pela negativa o Prof. Am oldo W ald (Com entários ao novo Código Civil, cit., p. 802): “Parece-nos que uma interpretação sistemática do art. 1.165 conjugado com o art. 1.164 não perm ite a utilização de nome de sócio falecido, ainda que o contrato permita ou que se acrescente a expressão sucessorn. Também o Prof. Fábio Ulhoa Coelho (Curso de D ireito Comercial, D ireito de Empreso, v. 1, cit., p. 181), referindo-se especificamente às sociedades limitadas, assevera: “Em razão do princípio da veracidade, a retirada, expulsão ou m orte de sócio de responsabilidade lim itada impõe a alteração da firm a, quando o dissidente, expulso ou falecido havia emprestado o seu nome civil à composição do nome empresarial. Assim, saindo, sendo expulso ou falecendo o sócio de responsabilidade lim itada, cujo nome empresarial aproveitava o seu nom e civil,

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Art. 1.166

impõe-se a mudança para excluir a referência ao dissidente, expulso ou falecido, seja o nome empresarial firm a (CC, art. 1.165) ou denom inação (CC, art. 1.158, § 2®, in fine)”. Cabe obser­ var, contudo, que a tradição jurídica vem perm itindo, já de há m uito, que o nome de ex-só­ cios, já falecidos, seja m antido na firm a ou na denominação social. • Tratando-se, no caso do nome, de direito da personalidade, só não poderá ser m antido se tiver havido manifestação expressa do de cujus nesse sentido ou se seus herdeiros não con­ cordarem com a permanência do nome do sócio prem orto na sociedade.

D IR E IT O P R O JE T A D O • Por essas razões, o Deputado Ricardo Fiuza apresentou à Câmara dos Deputados projeto de lei, pretendendo atribuir ao dispositivo a redação seguinte: A rt. 1.165. O nom e de sócio que vier a falecer pode ser conservado na firm o, na razõo, ou na denom inação social, salvo m anifestação contrária em vida (cf. PL n. 7.160/2002, atual PL n. 699/20 11).

Art. 1.166. A inscrição do empresário, ou dos atos constitutivos das pessoas jurídicas, ou as respectivas averbações, no registro próprio, asseguram o uso exclusivo do nome nos limites do respectivo Estado. Parágrafo único. O uso previsto neste artigo estender-se-á a todo o território nacional, se registrado na forma da lei especial. H IS T Ó R IC O • 0 texto original deste artigo não foi objeto de modificação durante a tramitação do projeto. 0 regime de exclusividade e proteção do nome empresarial encontra-se disciplinado nos arts. 33 e 34 da Lei n. 8.934/94.

D O D T R IN A • Nào tivesse ocorrido o veto aos §§ 2° e 3° da referida Lei n. 8.9 3 4 /9 4 , a proteção ao nome empresarial (tanto a firm a quanto a denominação social) dar-se-ia em todo o território na­ cional. Sucede que ambos os parágrafos foram vetados pela Presidência da República, pare­ cendo à doutrina que essa proteção estaria adstrita ao território do estado da federação da sede da empresa (cf. Am oldo W ald, Com entários ao novo Código Civil, cit., p. 803). Susten­ taram alguns (José Waldecy Lucena, Dos sociedades p o r quotas de responsabilidade lim ita ­ da, 4. ed.f Rio de Janeiro, Renovar, 2001, p. 162), de outro lado, com base no art. 8° da Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (sendo a últim a Re­ visão de Estocolmo, de 1967), introduzida em nossa ordenação interna pelo Decreto n. 75.572, de 8 -4 -1 9 7 5 , que a proteção jurídica ao nome comercial existiria independentem ente do registro. A jurisprudência nacional, calcada no referido art. 8° da Convenção da União de Paris, vinha entendendo que "o direito ao uso exclusivo do nome comercial em todo o terri­ tório nacional não está sujeito a registro no INPI, e surge tão só com a constituição jurídica da sociedade, através do registro de seus atos constitutivos no Registro do Comércio, deven­ do prevalecer o registro do nome comercial feito com anterioridade, no caso de firm as com a mesma denominação e objeto social semelhante, que possibilite confusão" (REsp 8.169/A M , Rei. M in. Athos Carneiro), o mesmo ocorrendo no REsp 65.002/SP, julgado pela 3? Turma do STJ, Rei. M in. Menezes Direito: "Toda a estrutura do direito comercial em m atéria de deno­ minação social está apoiada na necessidade de proteção ao nome comercial". Diz o art. 8° da referida Convenção da União de Paris que: "0 nome comercial será protegido em todos os países da União sem obrigações de depósito ou de registro, quer faça ou nào parte de uma

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marca de fábrica ou de comércio". Tal orientação, porém, parece ter sido superada por este art. 1.166 do Código Civil, o qual, de resto, ratificou o disposto pelo § 1° do art. 61, do De­ creto n. 1.800, de 30 de janeiro de 1996, que regulam entou a Lei n. 8.9 34/94, in verbis: "A proteção ao nome comercial circunscreve-se à unidade federativa de jurisdição da Junta Comercial que procedeu ao arquivam ento de que trata o caput deste artigo". Ainda que se trate de tem a bastante controvertido - já que há quem entenda que as normas dos tratados internacionais não podem ser revogadas por leis federais internas por se encontrarem no mesmo s ta tu s à a s normas constitucionais - , predomina, em sede doutrinária e jurisprudencial a posição de que convenções internacionais e leis federais internas se eqüivalem (v., em doutrina, por todos, Francisco Rezek, D ireito internacional público, 10. ed., 3. tir., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 99 e s. e, em jurisprudência, o RE 25 2.748-3/S P , Rei. M in. Celso de Mello, j. em 2 -9 -1 9 9 9 ), conform e a am pla exposição de Manoel de Queiroz Pereira Calças (Sociedade Lim itada no Novo Código Civil, São Paulo, Atlas, 2003, p. 8 2 -8 8 ). Assim, parece mais pruden­ te o entendim ento de que o direito de exclusividade ao nome comercial (tanto em relação à firm a como no tocante à denominação), decorrente do princípio da novidade - o qual im ­ pede a adoção de nome igual ou semelhante ao de outro empresário - circunscreve-se ao Estado no qual a empresa ou sociedade tenha sua sede ou instalado estabelecim ento filial.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 491, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Art. 1.166. A proteção ao nome empresarial, limitada ao Estado-Membro para efeito meramente administrativo, estende-se a todo o território nacional por força do art. 5®, XXIX, da Constituição da República, e do art. 8® da Con­ venção Unionista de Paris".

JULGADOS • "Indenização. Uso indevido de marca e nome comercial e concorrência desleal c.c. cominatória. Distinção entre marca e nome comercial. Empresas litigantes que não geram produtos a ser iden­ tificados por marca. Nomes empresariais de ambas que se identificam para exploração dos res­ pectivos mercados consumidores. Atividades distintas. Comprovação do registro na JUCESP pela ré. Improeedência mantida. Apelo desprovido" (TSJP, 51 Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002163334, Rei. Des. Antonio Dimas Cruz Carneiro, j. em 11-2-2010). • "Marcas e patentes. Nome e marca. Identidade de segmentos. Pessoas jurídicas atuantes no mes­ mo ramo da metalurgia. Aplicação dos princípios da novidade e especialidade. Presença do risco de confusão entre as empresas no mercado consumidor. Anterioridade do registro efetuado pela autora. Prevalecimento. Sentença mantida. Recurso Improvido" (TJSP, 8J Câm. de Dir. Priv., Acór­ dão 0002532114, Rei. Des. Joaquim Garcia Filho, j. em 2-9-2009). • "Cominatória. Nome empresarial. Atuação em ramos distintos. Princípio da especialidade. Registros em unidades federativas diferentes. 0 nome comercial obedecerá aos princípios da veracidade e da novidade. Estabelecido o conflito, há de prevalecer o critério da anterioridade do registro, sendo que a vedação à repetição de nomes se limita aos casos em que as sociedades sejam esta­ belecidas no mesmo ramo de negócios. 0 art. 1.166 do Código Civil garante ao nome devidamen­ te registrado, seja no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, no caso das Sociedades Civis, seja na Junta Comercial, no caso das Sociedades Comerciais, proteção dentro do âmbito da uni­ dade federativa. Apenas mediante requerimento expresso do interessado é que a aludida proteção irá extrapolar os limites da jurisdição da Junta Comercial. Recurso não provido" (TJMG, 10J Câm. Civ., Processo 1.0145.06.342838-0/001, Rei. Des. Marcos Lincoln, j. em 20-1-2009).

DIREITO PROJETADO • PL n. 6.960, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza, atual PL n. 699/2011: Art. 1.166. Compete à Ju nta Com ercial indeferir de oficio o registro de nom e em pre­ sarial cuja expressão característica e distintiva reproduzir ou im ita r a de outro nom e em ­

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Art. 1.167

presarial já inscrito no mesm o registro e que seja, ao mesmo tempo, suscetível de causar confusão ou associação. P arágrafo único. M e d ian te provocação do interessado, a Ju nta Com ercial poderá, ouvida previam ente a p a rte contrária, cancelar o registro de nom e em presarial que c o nflitar com an terio r registro de m arca, ou com nom e em presarial já inscrito em o u tra Junta Co­ m ercial ou protegido p o r legislação especial ou convenção internacional ratifica d a pelo Brasil.

Art. 1.167. Cabe ao prejudicado, a qualquer tempo, ação para anular a inscrição do nome empresarial feita com violação da lei ou do contrato. H IS T Ó R IC O • Este artigo foi alterado por emenda aprovada pela Câmara dos Deputados na fase final de tram i­ tação do projeto, para a substituição da expressão "nome de empresário" por "nome empresarial", mais apropriada em face da recente legislação do Registro Público de Empresas Mercantis. Regra semelhante era prevista no art. 10 do Decreto n. 916/1890, e, no caso das sociedades anônimas, encontra-se disciplinada no § 2o do art. 3o da Lei n. 6.404/76.

D O D T R IN A • 0 Código Civil estabelece, neste artigo, a possibilidade de o prejudicado, a qualquer tem po, promover a ação para anular a inscrição do nome empresarial feita com violação da lei ou do contrato em sintonia com o seu art. 52, que manda aplicar às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. A expressão a qualquer tem po revela o caráter imprescritível dessa ação e, bem assim, a natureza personalíssima desse direito de exclusividade, ainda que existam certas peculiaridades em relação á pessoa jurídica. 0 art. 20 5 do Código Civil, por outro lado, fixou a prescrição em dez anos, quando a lei não haja previsto prazo menor. A jurisprudência do STJ anterior ao Código Civil vigente optava pela aplicação do art. 177, segunda parte, do Código Civil de 1916, que previa dez anos para a ação entre presentes e quinze anos entre ausentes, como se pode ver no REsp 418.580/SP, Rei. M in. Menezes Direito, j. em 1 1 -2 -2 0 0 3 . No julgam ento do REsp 43.305/SP (3*T., Rei. M in. W aldem ar Zveiter, j. em 2 5 -1 0 -1 9 9 4 , p. m., DJ, 1 4 -8 -1 9 9 5 , p. 24.024), entendeu o STJ, por apertada maioria, que o nome comercial "integra o patrim ônio do comerciante e dizê-lo pessoal é impossível, já que a exclusividade do uso é oponível a todos", fazendo incidir o prazo de prescrição relativo ao direito de propriedade, considerando, para o seu início, que “a prescrição corre da data em que a ação poderia te r sido proposta. E poderá sê-lo desde quando o direito pessoal se torna exigível ou do m om ento em que se verificou o desrespeito ao direito real. A ctio n a tc í, afastando, assim, a possibilidade de contar-se o prazo somente a partir da ciência da lesão. • Prejudicado pode ser o empresário ou a sociedade titu la r de direito de exclusividade ao uso do nome empresarial. Qualquer um deles poderá ingressar em juízo contra o ato da Junta Comercial que inscrever ou arquivar ato constitutivo de modo indevido, violando a proteção conferida ao nome empresarial. Todavia, antes de propor ação judicial, o prejudicado pode valer-se da via adm inistrativa, perante a própria Junta Comercial, de acordo com o processo revisional previsto nos arts. 4 4 a 51 da Lei n. 8.934/94. • A Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996, que regulou os direitos e obrigações relativos à pro­ priedade industrial, define como crime de concorrência desleal quem usa, indevidam ente, o nome comercial, títu lo de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências (inciso V do art. 195).

Art. 1.168

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Art. 1.168. A inscrição do nome empresarial será cancelada, a requerimento de qualquer interessado, quando cessar o exercício da atividade para que foi adotado, ou quando ultimar-se a liquidação da sociedade que o inscreveu. H IS T Ó R IC O • 0 texto deste artigo foi alterado por emenda aprovada na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, quando a expressão “nome de empresário" foi substituída por "nome empresarial". 0 mesmo principio de cancelamento do nome empresarial era previsto no art. 9a do Decreto n. 916/1890. A Lei n. 8.934/94 somente autoriza a perda automática da proteção do nome empresarial se expirado o prazo de duração da sociedade constituída por prazo determinado (art. 59) ou se a empresa for presumida como inativa, ao deixar de apresentar qualquer documento para registro pelo prazo de dez anos (art. 60, § 1a).

DOUTRINA • 0 artigo estabelece a extinção do direito ao nome empresarial em duas hipóteses: 1*) pela inatividade da empresa ou do empresário; 2») quando ocorrer a extinção da própria empresa em decorrência da ultim ação dos atos de liquidação da sociedade. Na primeira, em razão da subsistência do art. 60 e seu § 1° da Lei n. 8.934/94, segundo o qual se a empresa mercantil não proceder a nenhum arquivam ento no período de dez anos consecutivos e não comunicar à Junta Comercial que deseja m anter-se em funcionam ento, será tida por inativa, prom oven­ do aquele órgão o cancelam ento do registro e ocorrendo, em conseqüência, a perda a u to ­ m ática da proteção ao nome empresarial. Na segunda hipótese, um tan to quanto óbvia, com 0 arquivam ento dos atos liquidatórios por parte do liquidante, conform e determ inado pelo art. 1.109 do Código Civil e a conseqüente extinção da sociedade, é evidente que ocorrerá, sim ultaneam ente, a extinção do direito ao nome empresarial. Mas a m atéria com porta, ain ­ da, alguns esclarecimentos adicionais. • No que toca à sociedade constituída por prazo determinado, o art. 59 da mesma Lei n. 8.934/94, como referido no histórico acima, somente autoriza a perda autom ática da proteção do nome empresarial quando tiver expirado o prazo de duração da sociedade. Não mais parece possí­ vel. todavia, sustentar-se a subsistência desse artigo, diante da expressa disposição do inciso 1 do art. 1.033 do Código Civil, que prevê a prorrogação, por tem po indeterm inado, da socie­ dade que teve expirado o seu prazo de duração, mas que, sem oposição de sócio, não entrou em liquidação. Não apenas o Código Civil é posterior á Lei n. 8.9 34/94, como não parece razoável que a sociedade cujo prazo determ inado de duração transform ou-se tacitam ente em indeterm inado possa perder a proteção ao nome empresarial. • Qualquer interessado poderá requerer o cancelam ento do nome empresarial perante o Re­ gistro Público de Empresas M ercantis ou, no caso de sociedade simples, no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. 0 cancelamento do nome empresarial será feito de ofício, pelo registro com petente, quando forem ultimados ou concluídos os procedimentos de liquidação da so­ ciedade que era titu la r do nome, com a conseqüente extinção e baixa de seu registro.

D IR E IT O P R O JE T A D O • PL n. 6.960, de autoria do Deputado Ricardo Fiuza, atual PL n. 699/2011: Art. 1.168. A inscrição do nom e em presarial será cancelada, de oficio, após dez anos sem utilização efetiva, em razão de inexistência ou interrupção das atividades da empresa, ou a requerim ento de qualquer interessado, independentem ente de prazo, quando cessar o exercício da atividade p a ra que foi adotado, ou quando u ltim ar-se a liquidação da socieda­ de que o inscreveu.

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Arts. 1.169 e 1.170

C ap ítu lo III — DOS PREPOSTOS

Seção I — D isposições gerais Art. 1.169.0 preposto não pode, sem autorização escrita, fazer-se substituir no desem­ penho da preposição, sob pena de responder pessoalmente pelos atos do substituto e pelas obrigações por ele contraídas. H IS T Ó R IC O • A redação deste dispositivo é a mesma do projeto original. Não há correspondente no Código de 1916. 0 Código Comercial de 1850, em seus arts. 74 a 86, continha regras a respeito dos prepostos e gerentes, designados como agentes auxiliares do comércio. 0 art. 85 do Código Comercial enunciava regra semelhante ao vedar a delegação da preposição a terceiros.

D O U T R IN A • São prepostos, em geral, os colaboradores permanentes ou tem porários da empresa, com ou sem vínculo em pregatício, aos quais são delegados, pelo empresário ou pela sociedade em ­ presária, poderes de representação da empresa perante terceiros. 0 preposto pratica atos negociais em nome do preponente, a exemplo do vendedor, do balconista ou do caixa de uma loja comercial, agindo em nome da empresa, nos limites dos poderes e das funções dos cargos que exerce. Este art. 1.169 determ ina que o exercício da função de preposto é de caráter pessoal e nào pode ser transferido a terceiros estranhos à empresa, salvo se expressamente autorizado pelo preponente, titu la r da empresa, sob pena de responder pessoalmente pelos atos e obrigações contraídas pelo substituto não autorizado. 0 preponente, todavia, é con­ siderado responsável pelos atos praticados por seus prepostos no respectivo estabelecimento comercial, desde que esses atos estejam dentro de suas atribuições normais, cuja legitim ida­ de é presumida por aqueles que se relacionam com a empresa.

Art. 1.170.0 preposto, salvo autorização expressa, não pode negociar por conta própria ou de terceiro, nem participar, embora indiretamente, de operação do mesmo gênero da que lhe foi cometida, sob pena de responder por perdas e danos e de serem retidos pelo prepo­ nente os lucros da operação. H IS T Ó R IC O • Não houve modificação neste artigo quando tramitava o projeto no Congresso Nacional. Não há paralelo no Código de 1 9 1 6 .0 art. 84 do Código Comercial de 1850 previa a rescisão do contrato de preposição por justa causa na hipótese de o preposto negociar por conta própria ou alheia, fazendo concorrência ao próprio empresário preponente.

D O U T R IN A • O preposto representa a empresa com a finalidade de realizar negócios em nome do prepo­ nente e em benefício exclusivamente deste. Não pode, assim, fazer concorrência à própria empresa a que se vincula, seja direta ou indiretam ente, atuando em operação no mesmo ramo de atividade, salvo se expressamente autorizado pelo titu la r da empresa. Se assim proceder, promovendo atos de concorrência, de modo ilícito, poderá vir a pagar perdas e danos em relação aos prejuízos suportados pelos negócios que o preponente deixou de realizar, poden­ do este, conform e o caso, reter os lucros que seriam obtidos pelo preposto que agiu dessa form a. Este art. 1.170 outorga à função do preposto o indispensável elem ento de confiança

Arts. 1.171 e 1.172

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e de lealdade que deve existir em relaçào ao preponente. Assim, razão parece assistir ao Prof. Modesto Carvalhosa ( Com entários ao Código Civil, p. 745) ao sustentar que, mesmo que nào se trate de "operação do mesmo gênero", poderá ocorrer um conflito m aterial de interesses entre o preposto e o preponente, devendo o primeiro, tam bém nessa hipótese, abster-se da prática de ato em que possa te r interesse pessoal. • Apesar de m al-inserido, este dispositivo refere-se tam bém ao adm inistrador da sociedade e nào apenas ao preposto. Mesmo porque nào haveria sentido algum em a proibição atingir quem é mero preposto da sociedade e nào alcançar o seu gestor.

Art. 1.171. Considera-se perfeita a entrega de papéis, bens ou valores ao preposto, encarregado pelo preponente, se os recebeu sem protesto, salvo nos casos em que haja prazo para reclamação. H IS T Ó R IC O • A regra enunciada por este dispositivo nào foi modificada durante a tramitação do projeto. 0 Código Comercial de 1850, no art. 76, regulava a mesma matéria de modo semelhante.

D O U T R IN A • A afirm ação contida neste artigo, conquanto possa parecer óbvia, é necessária. Trata-se de resguardar-se a b o a -fé dos terceiros que contratam com o preponente e nào como errone­ am ente supuseram alguns, que a disposição cuidasse da relaçào jurídica de preposição exis­ ten te entre o preposto e o preponente... Assim, a entrega de papéis, de bens ou valores ao preposto, por parte de terceiros que negociaram com o preponente, considerar-se-á perfeita, se aquele nào tiver feito ressalva e não houver um prazo especifico para que seja feita algu­ ma reclamação. Torna-se palm ar a im portância do artigo quando se pensa nas recorrentes discussões sobre a validade do com provante da entrega e recebimento da mercadoria, assi­ nado pelo preposto da empresa sacada, o qual servirá para o sacador protestar a respectiva duplicata por falta de pagam ento e dar início ao processo de execução ou até mesmo, se for o caso, requerer a falência do empresário inadim plente.

Seção II — Do gerente Art. 1.172. Considera-se gerente o preposto permanente no exercício da empresa, na sede desta, ou em sucursal, filial ou agência. H IS T Ó R IC O • A redação da norma manteve o mesmo conteúdo do projeto original. Não há precedente no Có­ digo de 1916. 0 Código Comercial de 1850 (art. 86) mandava aplicar aos feitores, como eram antigamente designados os gerentes, as disposições relativas ao mandato mercantil.

D O D T R IN A • Este artigo utilizou-se da expressão gerente para designar o preposto (gênero da espécie) que, na linguagem do Prof. Rubens Requião (Curso de D ireito Comercial, cit., v. 1, p. 197), é o "encarregado perm anente da administração da empresa, ou de setores, departam entos ou unidades", acrescentando, oportunam ente, que "esta palavra nào designará, ao menos no aspecto técnico-jurídico, o adm inistrador da sociedade, nomeado pelo contrato social ou em ato em separado, sócio ou não sócio, conform e o tipo societário, responsável geral e im edia­

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Arts. 1.173 e 1.174

to pelos destinos da sociedade e de seus negócios, e que naturalm ente nào será preposto dela". Gerente, no caso deste art. 1.172, é apenas o au xiliar dependente interno, na dicção do referido professor, com vinculo em pregatício, subordinado aos administradores ou ao titu la r da firm a individual, mas com ascendência sobre os demais colaboradores da empresa no âm bito do estabelecimento-sede ou em sucursal, filial ou agência em que exercer suas funções.

Art. 1.173. Quando a lei não exigir poderes especiais, considera-se o gerente autori­ zado a praticar todos os atos necessários ao exercício dos poderes que lhe foram outorgados. Parágrafo único. Na falta de estipulação diversa, consideram-se solidários os poderes conferidos a dois ou mais gerentes. HISTÓRICO • 0 contido nesta disposição não foi objeto de qualquer modificação durante a tramitação do pro­ jeto. Não tem correspondente no Código Civil de 1916. 0 Código Comercial de 1850 (art. 86) mandava aplicar aos feitores, designação que antes era dada aos gerentes, as disposições relativas ao mandato mercantil.

D O U T R IN A • Diz o caput do artigo que o gerente estará autorizado a praticar todos os atos necessários ao exercício dos poderes que lhe foram outorgados, salvo quando a lei não exigir poderes espe­ ciais. Trata-se de disposição inteiram ente anódina. Se tivesse dito que ele estaria autorizado a praticar todos os atos necessários ao exercício de sua função de gerente e no interesse da empresa, teria resolvido algo. Dizer, no entanto, que o gerente está autorizado a praticar todos os atos necessários ao exercício dos poderes que lhe foram outorgados é o mesmo que, simplesmente, repetir o que já terá sido dito no próprio instrum ento de m andato ao gerente, nada sendo acrescentado a ele... Tautologia à parte, relembre-se que os poderes de represen­ tação e os destinados à realização dos negócios são outorgados ao gerente m ediante procu­ ração por instrum ento público ou particular. 0 instrum ento de m andato deve especificar os poderes que terá o gerente, devendo ele agir somente de acordo com os que lhe foram confiados, sob pena de responder, eventualm ente, pelos excessos de m andato. Poderá a lei exigir, em alguns casos, a outorga de poderes especiais e expressos para a prática de deter­ minados atos, tal como ocorre, exem plificativam ente, nos processos de licitação pública (Lei n. 8.666/93), que exigem a delegação de poderes específicos de representação para agir em nome da empresa. Pelo parágrafo único do artigo, nào havendo previsão expressa em senti­ do contrário, considerar-se-ão solidários os poderes conferidos a dois ou mais gerentes. Também aqui terá faltado precisão técnica ao dispositivo. A solidariedade prevista refere-se, evidentem ente, aos gerentes e nào aos poderes a eles conferidos.

Art. 1.174. As limitações contidas na outorga de poderes, para serem opostas a tercei­ ros, dependem do arquivamento e averbação do instrumento no Registro Público de Empre­ sas Mercantis, salvo se provado serem conhecidas da pessoa que tratou com o gerente. Parágrafo único. Para o mesmo efeito e com idêntica ressalva, deve a modificação ou revogação do mandato ser arquivada e averbada no Registro Público de Empresas Mercantis. HISTÓRICO • Este artigo foi modificado em virtude de emenda aprovada pela Câmara dos Deputados na fase final de votação do projeto, para que fosse feita remissão expressa ao Registro Público de Empre­

Art. 1.175

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sas Mercantis, tal como designado na legislação recente e mais atualizada sobre o assunto. Nào há correspondente no Código Civil de 1916. 0 Código Comercial de 1850 (art. 86) mandava apli­ car aos feitores, como eram antigamente designados os gerentes, as disposições relativas ao mandato mercantil.

DOUTRINA • Este artigo deve ser interpretado em conjunto com o art. 1.178, logo mais adiante exam ina­ do. Naquele, como se verá, é estabelecida a responsabilidade do preponente pelos atos pra­ ticados por seus prepostos, quando praticados no estabelecimento e relativos à atividade empresarial. Neste, consagra-se a necessária publicidade das limitações contidas na outorga de poderes ao gerente, com o obrigatório arquivam ento e averbação do instrum ento de m andato do gerente no Registro Público de Empresas Mercantis, para que tais limitações possam ser oponíveis, pelos titulares da empresa, a terceiros. A Lei n. 8 .9 3 4 /9 4 não exigiu o arquivam ento das procurações de outorga de poderes de gerência, tal como era previsto na antiga Lei do Registro do Comércio (Lei n. 4.7 26/65), tendo sido tal exigência ora revigorada pelo Código Civil. Na hipótese de a pessoa que realizou negócio com o gerente ter ciência da lim itação de seus poderes, e somente nesse caso, não se afigura obrigatório o arquivam ento do instrum ento de m andato. Para a produção dos mesmos efeitos perante terceiros, qualquer alteração nos poderes delegados ou a própria revogação do m andato deverá ser arquivada e averbada à margem da inscrição da empresa no Registro Público de Empresas Mercantis.

JULGADO • “Embargos infringentes. Gerente. Instrumento de revogação. Averbação na junta comercial. Efi­ cácia perante terceiros. A sociedade empresária pode atribuir à determinada pessoa a qualidade de gerente de suas atividades. 0 gerente nada mais é do que o preposto permanente do empre­ sário (art. 1.172 do CC) e está autorizado a praticar todos os atos necessários ao exercício dos poderes que lhe foram outorgados (art. 1.173 do CC). Os poderes conferidos ao gerente podem ser ampliados, restringidos ou revogados pelo empresário, sendo necessário, em qualquer hipóte­ se, o registro do documento na Junta Comercial para produzir efeitos perante terceiros (art. 1.174 do Código Civil), sob pena de responder pelos atos praticados pelo gerente. Provido" (TJMG, 151 Cãm. Civ., Processo 1.0473.06.008966-0/002, Rei. Des. Tibúrcio Marques, j. em 28-5-2009).

Art. 1.175.0 preponente responde com o gerente pelos atos que este pratique em seu próprio nome, mas à conta daquele. HISTÓRICO • 0 conteúdo desta norma manteve a redação do projeto original. Não há correspondente no Có­ digo de 1916. Regra sobre a mesma matéria, ainda que de conteúdo diverso, encontrava-se dis­ posta no art. 150 do Código Comercial de 1850, relativa ao mandato mercantil, aplicável por re­ missão expressa do seu art. 86.

DOUTRINA • 0 gerente exerce os poderes de seu m andato em nome e por conta do preponente, nos lim i­ tes dos poderes outorgados. Assim, em princípio, a responsabilidade perante terceiros dos atos praticados pelo gerente é do próprio preponente ou titu la r da empresa, que lhe delegou poderes para que realizasse os atos necessários à execução do m andato. Nos casos, todavia, em que o gerente pratique atos em seu p róprio nome pessoal, mas por conta do preponente, o titu la r da empresa responderá perante terceiros ju n ta m e n te com o gerente, situação em que existirá solidariedade entre eles.

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Arts. 1.176 e 1.177

Art. 1.176. O gerente pode estar em juízo em nome do preponente, pelas obrigações resultantes do exercício da sua função. H IS T Ó R IC O • Nenhuma alteração foi introduzida neste artigo no eurso da tramitação do projeto no Congresso Nacional. Não há paralelo no Código Civil de 1916 nem no Código Comercial de 1850.

D O U T R IN A • Este artigo outorga poderes ao gerente para estar em juízo em nome do preponente, desde que o seja pelas obrigações resultantes do exercício da sua função. Se a ação versar sobre algo que nào se relacione à atividade do gerente como preposto da empresa, essa presunção do art. 1.176, estabelecida independentem ente dos poderes de representação constantes no m andato outorgado ao gerente, deixa de subsistir. Se, ao revés, como geralm ente sucede, tal m andato confere os mais amplos poderes ao gerente para a representação ativa e passiva do preponente outorgante, independentem ente deste artigo e de a ação não versar especifica­ m ente sobre o exercício da empresa, prevalecerão os poderes de representação constantes do m andato. Esse poder genérico de representar o preponente em juízo, conferido ao geren­ te pelo artigo em tela, incluiria, tam bém , o de ele constituir advogados em nom e do prepo­ nente? Parece que a resposta deverá ser negativa, salvo se tal possibilidade estiver expressa­ m ente prevista no respectivo instrum ento de mandato.

Seção III — D o contabilista e outros auxiliares Art. 1.177. Os assentos lançados nos livros ou fichas do preponente, por qualquer dos prepostos encarregados de sua escrituração, produzem, salvo se houver procedido de má-fé, os mesmos efeitos como se o fossem por aquele. Parágrafo único. No exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente respon­ sáveis, perante os preponentes, pelos atos culposos; e, perante terceiros, solidariamente com o preponente, pelos atos dolosos. H IS T Ó R IC O • A redação deste dispositivo é a mesma do projeto original. Regras semelhantes relativas às res­ ponsabilidades do preponente e dos prepostos encontravam-se previstas nos arts. 77 e 78 do Código Comercial de 1850.

D O U T R IN A • 0 contabilista - ou guarda-livros, na designação do velho Código Comercial de 1850 - é o preposto encarregado da escrituração contábil da empresa, exercendo a profissão de técnico contábil de acordo com as normas do Decreto-Lei n. 80 6 /6 9 e Decreto n. 66 .408 /70 , que dispuseram sobre a profissão de atuário, assim considerados tanto os atuários diplomados na vigência do Decreto n. 20.158, de 3 0 de junho de 1931, quanto os bacharéis em Ciências Contábeis e Atuariais diplomados na vigência do Decreto-Lei n. 7.988, de 22 de setembro de 1945, além dos bacharéis em Ciências Atuariais, na form a da Lei n. 1.401, de 31 de julho de 1951. 0 Decreto-Lei n. 8 0 6 /6 9 prevê, em seu art. 5o, as atividades privativas dos atuários, estando entre elas a de assinar os balanços contábeis levantados pelas empresas. A fiscaliza­ ção do exercício dessa atividade profissional é feita pelo Conselho Federal de Contabilidade, criado pelo Decreto-Lei n. 9.295, de 27 de maio de 1946, e aos Conselhos Regionais de Con­ tabilidade, tendo existido m uita polêmica, no passado, acerca de quais profissionais das Ci­

Art. 1.178

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ências Contábeis e Atuariais tinham efetivam ente com petência para assinar os balanços contábeis levantados pelas empresas no Brasil. Seja como for, o fa to é que, independente­ m ente da diferença de atribuições entre o contador, o contabilista, o técnico de contabili­ dade, o fa to é que os registros lançados por tais profissionais, nos livros e documentos da escrituração da empresa, consideram-se feitos pelo próprio preponente, salvo na hipótese de ter o preposto agido de m á-fé. Como regra geral de responsabilidade na relação de preposi­ ção, o parágrafo único deste artigo estabelece que haverá responsabilidade objetiva da empresa quando o preposto venha a causar dano a terceiro em decorrência de ato culposo, cabendo ao preponente indenizar os prejuízos causados, com direito a promover ação regres­ siva contra o responsável. No caso de ato doloso, ocorrerá situação de solidariedade, poden­ do o preponente ser dem andado jun tam ente com o preposto para o ressarcimento de preju­ ízos provocados a terceiros. Sobre o Registro Profissional dos Contabilistas, v. a Resolução n. 867, de 9 de dezembro de 1999, do Conselho Federal de Contabilidade.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 392, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Nas hipóteses do art. 1.077 do Código Civil, cabe aos sócios delimitarem seus contornos para compatibilizá-los com os princípios da preservação e da função social da empresa, aplicando-se, supletiva (art. 1.053, parágrafo úni­ co) ou analogicamente (art. 4* da LICC), o art. 137, § 38, da Lei das Sociedades por Ações, para permitir a reconsideração da deliberação que autorizou a retirada do sócio dissidente".

Art. 1.178. Os preponentes são responsáveis pelos atos de quaisquer prepostos, prati­ cados nos seus estabelecimentos e relativos à atividade da empresa, ainda que não autori­ zados por escrito. Parágrafo único. Quando tais atos forem praticados fora do estabelecimento, somente obrigarão o preponente nos limites dos poderes conferidos por escrito, cujo instrumento pode ser suprido pela certidão ou cópia autêntica do seu teor. HISTÓRICO • A regra expressa por este artigo não foi modificada durante a tramitação do projeto. Disposição praticamente idêntica estava contida no art. 75 do Código Comercial de 1850.

DOUTRINA • Presumem-se autorizados pelo preponente os atos praticados pelos prepostos dentro do estabelecimento comercial da empresa, mesmo não existindo docum ento escrito. 0 preposto não é obrigado a apresentar ao cliente ou àquele que comparecer ao estabelecimento para realizar um negócio nenhum docum ento que comprove estar ele autorizado a praticar o ato negociai. Assim, o preponente sempre responderá pelos atos que seus prepostos pratiquem dentro do estabelecimento, havendo presunção de que estão autorizados. No que se refere aos atos praticados fora do estabelecimento, no entanto, o preponente somente responderá pelas obrigações contraídas pelo preposto expressamente constantes do docum ento ou ins­ trum ento de delegação de poderes para a prática de atos, o que pode ser provado por certi­ dão ou cópia autenticada. Se os atos do preposto excederem os limites dos seus poderes, o preponente não pode ser dem andado em razão de prejuízos eventualm ente causados a te r­ ceiros.

JULGADO • "Duplicata. Prestação de serviço. Inserção de publicidade em lista telefônica. Negociação. Remes­ sa do contrato via fac-simile. Análise e devolução. Assinatura por gerente de qualidade da con­

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Art. 1.179

tratante, na sede da empresa. Alegação de falta de autorização. Irrelevância. Boa-fé do terceiro. Aplicação da teoria da aparência. Ação declaratória e de nulidade improcedente. Cerceamento de defesa não configurado. Apelação improvida" (TJSP, 22a Câm. de Dir. Priv., Acórdão 0002194642, Rei. Des. Manuel Matheus Fontes, j. em 18-2-2009).

C ap ítu lo IV — DA ESCRITURAÇÃO Art. 1.179.0 empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patri­ monial e o de resultado econômico. § 1? Salvo o disposto no art. 1.180, o número e a espécie de livros ficam a critério dos interessados. § T- É dispensado das exigências deste artigo o pequeno empresário a que se refere o art. 970. H IS T Ó R IC O • 0 enunciado por esta norma manteve a redação do projeto original. As regras relativas à conta­ bilidade e escrituração da empresa eram reguladas pelos arts. 10 a 20 do Código Comercial de 1850, atualizadas pelo Decreto-Lei n. 305/67 e pelo Decreto-Lei n. 486/69. A escrituração contá­ bil das sociedades anônimas rege-se pelo disposto nos arts. 175 a 188 da Lei n. 6.404/76.

D O U T R IN A • Seguindo a esteira do art. 1o do Decreto-Lei n. 4 8 6 /6 9 , este dispositivo exige que o empresá­ rio e a sociedade empresária m antenham um sistema de contabilidade, que poderá ser feito por meio manual, mecanizado ou por processamento eletrônico de dados. A escrituração deve ser uniform e, atendendo aos requisitos intrínsecos e extrínsecos fixados na legislação. Para cada lançam ento efetuado na escrituração m ercantil deve existir um docum ento correspon­ dente, com probatório da existência do fa to contábil. Ensina A ntonio Lopes de Sá (Princípios fundam entais de contabilidade, 3. ed., São Paulo, Atlas, 2000, p. 2 0 -2 2 ) que a contabilidade se orienta por oito princípios fundam entais, adotados pela Resolução n. 75 0 /9 3 do Conselho Federal de Contabilidade, quais sejam: o da entidade (ou autonom ia da ozienda)', o da con­ tinuidade; o da oportunidade; o do registro pelo valor original; o da atualização m onetária; o da competência; o da prudência; e o da prevalência da essência sobre a form a. Tais princí­ pios, segundo o citado au tor (op. cit., p. 23), “são macrorregras para a política inform ativa patrim onial das aziendas ou entidades, baseados em doutrinas e teorias científicas, tendo por objetivos básicos uniform izar a term inologia, aproxim ar a im agem fiel do patrim ônio e guiar as normas gerais reguladoras dos sistemas informativos". Ao térm ino de cada exercício anu­ al, os registros contábeis devem ser apurados e consolidados em um balanço patrim onial que expresse as contas do ativo e do passivo, acom panhado de dem onstrativo de resultado eco­ nômico. Com exceção dos livros Diário (art. 1.181) e Registro de Duplicatas (Lei n. 5.474/68), de natureza obrigatória, ficará a critério da empresa a utilização de outros livros contábeis. A microempresa e a empresa de pequeno porte, de acordo com a Lei n. 9.3 17/96, poderão adotar contabilidade sim plificada, desde que m antenham escrituração organizada e lança­ mentos no livro-caixa e no livro de registro de inventário (art. 7*. § 1»). Equiparam-se aos documentos públicos, para os efeitos penais, os livros mantidos pelo empresário e pela socie­ dade empresária, consoante a disposição constante do § 2o do art. 297 do Código Penal. E o

Arts. 1.180 e 1.181

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art. 168 da Lei n. 11.101/2005, além de definir como crime a prática de ato fraudulento, nas condições que especifica, estabelece aum ento da pena quando o agente: elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos; om ite, na escrituração contábil ou no balanço, lançam ento que deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiros; destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados em com putador ou sistema inform atizado; simula a composição do capital social; destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialm ente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios (§ 1*. I a V).

E N U N C IA D O D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 235, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “0 pequeno empresário, dispen­ sado da escrituração, é aquele previsto na Lei n. 9.841/99".

Art. 1.180. Além dos demais livros exigidos por lei, é indispensável o Diário, que pode ser substituído por fichas no caso de escrituração mecanizada ou eletrônica. Parágrafo único. A adoção de fichas não dispensa o uso de livro apropriado para o lançamento do balanço patrimonial e do de resultado econômico. H IS T Ó R IC O • A redação deste dispositivo não veio a ser modificada na tramitação do projeto. 0 art. 11 do Código Comercial de 1850, assim como o art. 5o do Decreto-Lei n. 486/69, igualmente exigiam o Diário como livro obrigatório. 0 livro Copiador de Cartas, também exigido por aquele primeiro texto legal, foi expressamente abolido pelo art. 11 do segundo diploma citado.

D O U T R IN A • A lei, em determ inados casos, a exemplo das sociedades anônimas (Lei n. 6.4 04/76, art. 100), exige que a sociedade m antenha livros específicos para o registro de seus atos e de fatos contábeis. Todavia, obrigatoriam ente, todo empresário e sociedade empresária deverão m an­ ter e escriturar o livro Diário. Nele "serão lançados, dia a dia, diretam ente ou por reprodução, os atos ou operações da atividade m ercantil, ou que m odifiquem ou possam vir a m odificar a situação patrim onial do comerciante" (Decreto-Lei n. 4 8 6 /6 9 , art. 5e). Os registros e lança­ mentos contábeis podem ser efetuados por meio manual em livro encadernado ou em siste­ ma de fichas ou folhas soltas, quando fo r adotada escrituração mecanizada ou mediante processamento de dados por com putador, com impressão dos relatórios sob a form a contábil. 0 balanço patrim onial anual e o relatório de resultados econômicos tam bém poderão ser escriturados na form a prevista neste artigo, desde que, ao final, sejam encadernados em livros impressos.

Art. 1.181. Salvo disposição especial de lei, os livros obrigatórios e, se for o caso, as fichas, antes de postos em uso, devem ser autenticados no Registro Público de Empresas Mercantis. Parágrafo único. A autenticação não se fará sem que esteja inscrito o empresário, ou a sociedade empresária, que poderá fazer autenticar livros não obrigatórios. H IS T Ó R IC O • Este artigo foi alterado por emenda aprovada na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, para fazer a referência correta ao Registro Público de Empresas Mercantis. Os procedimentos de autenticação dos livros contábeis pela Junta Comercial estão disciplinados no art. 39 da Lei n. 8.934/94.

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Art. 1.182

D O U T R IN A • Este dispositivo parece refletir indisfarçável anacronismo do Código Civil. Se o legislador andou bem, no artigo anterior, perm itindo a substituição do livro Diário por fichas, no caso de escrituração mecanizada ou eletrônica, andou mal aqui, ao exigir que as fichas devam ser autenticadas antes de colocadas em uso. A Instrução Norm ativa n. 65/97, do Departam ento Nacional de Registro do Comércio, permite que a autenticação seja realizada antes ou depois da escrituração, em consonância com os Decretos-Leis n. 3 0 5 /6 7 e 4 8 6 /6 9 . Veja-se, a propó­ sito, o oportuno com entário feito na obra atualizada do Prof. Rubens Requião ( Curso de direito comercial, São Paulo, Saraiva, 27. ed., 2007, v. 1, p. 174, nota de rodapé 8): "De fato, não é realista autenticar previam ente fichas, folhas soltas, ou form ulários contínuos antes de preenchidos pelo sistema de processamento de dados, ou microfichas geradas por m icrofilmagem de saída direta de com putador. Os conjuntos de folhas soltas e os form ulários im ­ pressos por processamento eletrônico de dados serão apresentados encadernados, em blocados ou enfeixados. A autenticação prévia, determ inada pelo Código, está mais afinada com o uso de livros, com folhas numeradas tipograficam ente, em ordem crescente, costurados e encadernados, preenchidos à mão ou por m étodo de impressão não eletrônico. A regra do art. 1.181 nào poderá im plicar um recuo a sistemas usados na primeira m etade do século XX. 0 registro prévio deve ser obrigatório quando a técnica de escrituração escolhida exigir o uso de livro, no seu conceito clássico. Quando se tra ta r de m étodo que utilize o processamento de dados, com registro m ecanográfico em form ulários contínuos, fichas ou folhas soltas, a autenticação deve acontecer depois de encadernados, emblocados ou enfeixados os suportes em que a escrituração foi lançada. Aí teremos o livro a ser autenticado". Acha-se a matéria da autenticação regulada pela Instrução Norm ativa n. 102, de 25 de abril de 2006, do Depar­ tam ento Nacional de Registro do Comércio.

Art. 1.182. Sem prejuízo do disposto no art. 1.174, a escrituração ficará sob a respon­ sabilidade de contabilista legalmente habilitado, salvo se nenhum houver na localidade. H IS T Ó R IC O • 0 contido nesta disposição manteve a redação do projeto original. 0 art. 3o do Decreto-Lei n. 486/69 dispunha de modo semelhante sobre a matéria.

D O U T R IN A • Apenas os profissionais habilitados em contabilidade, nos termos da qualificação exigida pelo Decreto-Lei n. 8 0 6 /6 9 , inscritos no Conselho Regional de Contabilidade, podem ser respon­ sáveis pela escrituração da empresa. Na rem ota hipótese de nào existir profissional habilita­ do no município onde se situar a sede da empresa, outra pessoa com conhecimentos contá­ beis mínimos poderá exercer essa função. Pelo art. 1.177, conform e foi visto, os contabilistas agem como m andatários do empresário ou da sociedade empresária, sendo considerados prepostos destes. Encarregados da escrituração, os contabilistas legalm ente habilitados fazem com que os assentos por eles lançados nos livros ou fichas do m andante e preponente pro­ duzam, salvo se houver procedimento de m á-fé, os mesmos efeitos como se o fossem feitos pelo próprio empresário ou pela sociedade empresária. De nada adiantará, portanto, o em ­ presário alegar desconhecimento dos eventuais vícios existentes nos assentos lançados pelo seu contabilista. Ainda que este deva responder perante a empresa pelos danos que terá causado por sua ação dolosa ou culposa, conform e o caso, será a empresa a responsável pelos danos causados a terceiros. 0 art. 1.174, referido pelo dispositivo em exame, ao tratar dos poderes conferidos aos gerentes de empresas, exige o arquivam ento e averbação do instrum ento de m andato no Registro Público de Empresas Mercantis. Assim, de acordo com

Arts. 1.183 e 1.184

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este art. 1.182, em combinação com o citado art. 1.174, o ato de designação do contabilista responsável pela escrituração m ercantil da empresa deverá ser levado para arquivam ento no Registro Público de Empresas Mercantis.

Art. 1.183. A escrituração será feita em idioma e moeda corrente nacionais e em forma contábil, por ordem cronológica de dia, mês e ano, sem intervalos em branco, nem entreli­ nhas, borrões, rasuras, emendas ou transportes para as margens. Parágrafo único. É permitido o uso de código de números ou de abreviaturas, que constem de livro próprio, regularmente autenticado. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em referência não foi alterado no curso da tramitação do projeto no Congresso Nacional. Os mesmos requisitos de escrituração também constavam do art. 2» do Decreto-Lei n. 486/69.

D O U T R IN A • Assim como os arts. 1.179 e 1.180, retroexaminados, tratam dos chamados requisitos extrin secos da escrituração, os mencionados neste artigo são denominados requisitos intrínsecos. Estabelecem o modo como os lançamentos contábeis devem ser efetuados nos livros contá­ beis da empresa (idioma português, moeda corrente nacional e form a contábil, por ordem cronológica de dia, mês e ano), além das proibições que se destinam a im pedir a inserção, o posteriori, de lançamentos destinados a fraudar a escrituração. Assim, não poderá a escritu­ ração conter intervalos em branco, nem entrelinhas, borrões, rasuras, emendas ou transpor­ tes para as margens. Claro está que tal rigor haverá de ser tem perado com o indispensável bom-senso. A utilização de certas expressões em língua estrangeira, p. ex., de uso absoluta­ m ente correntio entre nós, ainda que sejam barbarismos que poderiam ser evitados se maior fosse o nosso am or à língua portuguesa, devem ser toleradas, tais como: softw are, hardw a­ re, faetoring, franchising, leasing, shopping center, no-break, spam, escrow, m arketing etc. 0 mesmo se diga em relação às rasuras. É óbvio que poderão ocorrer erros no m om ento da escrituração e eles devem ser corrigidos mediante o lançam ento de estorno, consoante apre­ goado pelo § 2o do art. 2° do citado Decreto-Lei n. 4 8 6/69 .

Art. 1.184. No Diário serão lançadas, com individuação, clareza e caracterização do documento respectivo, dia a dia, por escrita direta ou reprodução, todas as operações rela­ tivas ao exercício da empresa. § \°- Admite-se a escrituração resumida do Diário, com totais que não excedam o pe­ ríodo de trinta dias, relativamente a contas cujas operações sejam numerosas ou realizadas fora da sede do estabelecimento, desde que utilizados livros auxiliares regularmente auten­ ticados, para registro individualizado, e conservados os documentos que permitam a sua perfeita verificação. § 2? Serão lançados no Diário o balanço patrimonial e o de resultado econômico, de­ vendo ambos ser assinados por técnico em Ciências Contábeis legalmente habilitado e pelo empresário ou sociedade empresária. H IS T Ó R IC O • 0 texto final da norma é o mesmo do projeto original. 0 art. 5o do Decreto-Lei n. 486/69 regula­ va de modo semelhante a escrituração do livro Diário.

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Arts. 1.185 e 1.186

D O U T R IN A • Todas as operações e negócios, ativos e passivos, realizados pela empresa, que tenham ou possam ter reflexo de natureza patrim onial, devem ser lançados no livro Diário, com a obser­ vância da estrita ordem cronológica de sua ocorrência. Havendo movimentos em grande quantidade em contas específicas do balanço patrim onial, como na receita de vendas, rela­ tiva a milhares de operações realizadas em um mesmo dia, a empresa poderá adotar um livro diário auxiliar para cada umas dessas contas de significativo movim ento, escriturando no livro Diário o resumo dessas operações, por totais que nào ultrapassem o período mensal. 0 fecham ento do exercício anual será feito no livro Diário, com a expressão da posição de cada conta do ativo e do passivo, da qual resultarão o balanço patrim onial e a demonstração de resultados da empresa. 0 balanço e o dem onstrativo de resultados econômicos, no encerra­ m ento do exercício anual do livro Diário, deverão ser assinados pelo contabilista responsável, bem como pelo empresário ou adm inistrador da sociedade empresária.

Art. 1.185. 0 empresário ou sociedade empresária que adotar o sistema de fichas de lançamentos poderá substituir o livro Diário pelo livro Balancetes Diários e Balanços, ob­ servadas as mesmas formalidades extrínsecas exigidas para aquele. H IS T Ó R IC O • Este artigo não foi objeto de modificação durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. Não existe disposição correspondente no Código Comercial de 1850 ou no Decreto-Lei n. 486/69.

D O U T R IN A • 0 advento da Inform ática e seu extraordinário desenvolvimento, nos últim os anos, tornaram inteiram ente anacrônico o livro Diário em sua form a original. Programas de com putador perm item , com extrem a facilidade, a totalizaçào diária da posição das contas do ativo e do passivo da empresa, procedim ento este que, no sistema manual, exigia o cum prim ento de diversas etapas e demandava considerável tem po de quem as cumpria. 0 sistema de m icrofiehas, igualm ente recomendado para os casos de escrituração volumosa, são de grande valia para as empresas, tendo sido objeto de expressa previsão no art. 7* da Instrução Norm ativa n. 65, de 31 de julho de 1997, do Departam ento Nacional de Registro do Comércio. O cha­ mado sistema COM (Com puter o u tp u t m icrofilm ) é gerado pelo com putador e produz enorme quantidade de informações estampadas em microfichas. Esclarece o Prof. Gladston Mam ede (D ireito Em presarial Brasileiro, v. 1, cit., p. 132) que: “A base jurídica de sua utilização é oferecida pela Lei n. 5.433/68, que regula a m icrofilm agem de documentos oficiais e parti­ culares no país, com regulam entação pelos Decretos 1.7 99/96 e 1.800/96, a perm itir tan to o uso do m icrofilm e convencional, do sistema de processamento eletrônico de imagens e do sistema Com puter o u tp u t m icrofilm (COM)". 0 livro Diário, assim, poderá ser substituído por balancetes diários, que, computados e totalizados, expressam o resultado patrim onial da empresa em tem po real. As form alidades extrínsecas são aquelas que exigem a encadernação dos relatórios contábeis gerados por meio de sistemas inform atizados, com term o de aber­ tura e encerram ento, folhas numeradas, e que devem ser levados, a posteriori, para au te n ti­ cação no Registro Público de Empresas Mercantis.

Art 1.186.0 livro Balancetes Diários e Balanços será escriturado de modo que registre: I — a posição diária de cada uma das contas ou títulos contábeis, pelo respectivo saldo, em forma de balancetes diários; II — o balanço patrimonial e o de resultado econômico, no encerramento do exercício.

Art. 1.187

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HISTÓRICO • A redação desta disposição manteve o texto do projeto original. Não existe disposição correspon­ dente no Código Comercial de 1850 ou no Decreto-Lei n. 486/69.

D O U T R IN A • Prevê este dispositivo que a escrituração do livro de Balancetes Diários e Balanços seja feita com a inclusão do registro da posição diária de cada uma das contas ou títulos contábeis, tais como contas a pagar, contas a receber, caixa, clientes etc., fazendo-se pelo respectivo saldo, em form a de balancetes diários. Cada conta do ativo e do passivo sofrerá as mutações decor­ rentes das variações patrim oniais relativas às operações diárias realizadas pela empresa. No encerram ento de cada exercício financeiro, que corresponde ao térm ino do ano-calendário, será gerado pelo sistema inform atizado o balanço patrim onial e de resultado econômico da empresa com base nos dados acumulados e consolidados nos balanços diários. • 0 balanço de resultado econômico a que se refere o inciso II do art. 1.186 corresponde às demais demonstrações financeiras que devem acom panhar o balanço patrim onial da em pre­ sa, conform e previsão do art. 176 da Lei das S/A. Sobre a matéria, vide nossos comentários ao art. 1.189.

Art. 1.187. Na coleta dos elementos para o inventário serão observados os critérios de avaliação a seguir determinados: I — os bens destinados à exploração da atividade serão avaliados pelo custo de aqui­ sição, devendo, na avaliação dos que se desgastam ou depreciam com o uso, pela ação do tempo ou outros fatores, atender-se à desvalorização respectiva, criando-se fundos de amortização para assegurar-lhes a substituição ou a conservação do valor, II — os valores mobiliários, matéria-prima, bens destinados à alienação, ou que cons­ tituem produtos ou artigos da indústria ou comércio da empresa, podem ser estimados pelo custo de aquisição ou de fabricação, ou pelo preço corrente, sempre que este for inferior ao preço de custo, e quando o preço corrente ou venal estiver acima do valor do custo de aqui­ sição, ou fabricação, e os bens forem avaliados pelo preço corrente, a diferença entre este e o preço de custo não será levada em conta para a distribuição de lucros, nem para as percentagens referentes a fundos de reserva; III — o valor das ações e dos títulos de renda fixa pode ser determinado com base na respectiva cotação da Bolsa de Valores; os não cotados e as participações não acionárias serão considerados pelo seu valor de aquisição; IV — os créditos serão considerados de conformidade com o presumível valor de rea­ lização, não se levando em conta os prescritos ou de difícil liquidação, salvo se houver, quanto aos últimos, previsão equivalente. Parágrafo único. Entre os valores do ativo podem figurar, desde que se preceda, anu­ almente, à sua amortização: I — as despesas de instalação da sociedade, até o limite correspondente a dez por cento do capital social; II — os juros pagos aos acionistas da sociedade anônima, no período antecedente ao início das operações sociais, à taxa não superior a doze por cento ao ano, fixada no esta­ tuto; III— a quantia efetivamente paga a título de aviamento de estabelecimento adquirido pelo empresário ou sociedade.

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Art. 1.188

HISTÓRICO • Esta norma não foi objeto de alteração durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. Não existe disposição correspondente no Código Comercial de 1850 ou no Decreto-Lei n. 486/69. Norma similar fixando os critérios para a avaliação dos ativos das sociedades anônimas encontra-se prevista no art. 183 da Lei n. 6.404/76.

DOUTRINA • Como foi visto acima, por ocasião da análise da cabeça do art. 1.179, o empresário e a socie­ dade empresária são obrigados a levantar anualm ente o balanço patrim onial e o de resulta­ do econômico. Para fins de elaboração do balanço patrim onial, devem realizar, anualm ente, o inventário de seus bens móveis e imóveis, procedendo a sua avaliação segundo os critérios especificados neste dispositivo, levando em consideração o custo de aquisição, o preço cor­ rente no mercado ou a cotação em bolsa de valores, conform e cada espécie de bem. 0 ba­ lanço patrim onial é uma foto grafia da real situação econôm ico-financeira da empresa, no m om ento em que ele é levantado, sendo considerado o mais im portante relatório contábil da mesma. Deve ter aquela tríplice qualidade - clareza, verdade e honestidade - , a que se referiu, com propriedade, um dos pioneiros da contabilidade científica no Brasil, Frederico Herrm ann Júnior (Elementos de Adm inistração, São Paulo-Rio de Janeiro, Atlas, s/d, p. 102). 0 balanço patrim onial deverá ser lançado no livro Diário, conform e estatuído no § 2* do art. 1.184, retroexam inado. Se, porém, fo r adotado o sistema de fichas ou de microfichas (con­ form e visto nos comentários ao art. 1.185, supra) seu lançam ento dar-se-á no livro Balance­ tes Diários e Balanços, sucedâneo do livro Diário, consoante apregoado pelo art. 1.186. Assi­ nale-se, entre as principais inovações introduzidas por este dispositivo, a previsão, no inciso III do parágrafo único do artigo, do valor do aviam ento do estabelecimento comercial adqui­ rido, no exercício, pelo empresário ou sociedade empresária. Sejam quais forem as dificulda­ des doutrinárias existentes acerca da verdadeira natureza jurídica do aviam ento (organização da empresa, para Mossa; qualidade da ozienda, para Tamburrino; valor acrescido ao com ple­ xo de bens que constituem a ozienda, para Valeri, entre tantas conceituações), a inovação é salutar por reconhecer que a aptidão da empresa para produzir lucros é um valor real a ser efetivam ente considerado na vida empresarial.

Art. 1.188.0 balanço patrimonial deverá exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa e, atendidas as peculiaridades desta, bem como as disposições das leis especiais, indicará, distintamente, o ativo e o passivo. Parágrafo único. Lei especial disporá sobre as informações que acompanharão o ba­ lanço patrimonial, em caso de sociedades coligadas. HISTÓRICO • Este artigo foi objeto de emenda modificativa apresentada durante a fase inicial de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados. Com a emenda aprovada, a redação final foi simplificada, uma vez que o texto original era extremamente prolixo e por demais detalhado. 0 item 4 do art. 10 do Código Comercial de 1850 igualmente previa os critérios contábeis para a elaboração do balanço patrimonial.

DOUTRINA • Já se aludiu, nos comentários ao artigo anterior, ao balanço patrim onial como o mais im por­ tan te relatório contábil da empresa, pois trata-se de uma foto grafia da real situação econô­ m ico-financeira da mesma naquele m om ento em que ele é levantado. Por isso mesmo, na dicção deste art. 1.188, deverá ele exprim ir, com fidelidade e clareza, a situação real da

Arts. 1.189 e 1.190

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empresa, atendidas as peculiaridades desta, assim como as disposições das leis especiais. Diz o artigo que o balanço patrim onial indicará, distintam ente, o ativo e o passivo. Trata-se de duas colunas distintas do balanço. Escrituram-se no ativo os bens e os direitos, isto é, os dados positivos que proporcionam ganhos para a empresa, sejam decorrentes de bens móveis, de bens imóveis ou de direitos. No passivo, ao revés, são escrituradas as obrigações exigíveis da empresa, tais como salários a pagar, tributos a recolher, despesas com fornecedores, em ­ préstimos etc. Constam do ativo: o ativo circulante, o ativo realizável a longo prazo, o ativo perm anente ou fixo, os investimentos, o ativo im obilizado e o ativo diferido. Constam do passivo exigivel: o passivo circulante, o passivo exigivel a longo prazo e os resultados de exercícios futuros. O chamado patrim ô nio líquido da empresa é apurado m ediante o encon­ tro entre o seu ativo e o passivo. No caso da sociedade anônim a, a Lei n. 6.404/76, nos arts. 178 a 188, estabelece os conceitos contábeis, critérios e procedimentos para a elaboração do seu balanço patrim onial, normas que tam bém podem ser aplicadas às demais sociedades empresárias se assim fo r previsto no respectivo contrato social (art. 1.053, parágrafo único). A lei especial de que trata o parágrafo único deste artigo, referente à apresentação de rela­ tórios e informações que devem acom panhar o balanço patrim onial das sociedades coligadas, vinculadas a um mesmo grupo econômico, deve ser entendida como sendo a própria Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76, arts. 247 a 253), pelo menos até que sobrevenha uma eventual lei especial em tal sentido.

Art. 1.189. 0 balanço de resultado econômico, ou demonstração da conta de lucros e perdas, acompanhará o balanço patrimonial e dele constarão crédito e débito, na forma da lei especial. H IS T Ó R IC O • Este dispositivo, no texto original, apresentava redação complexa e extremamente pormenorizada. Emenda aprovada na Câmara dos Deputados, na fase inicial de tramitação do projeto, deu redação mais concisa e simplificada ao artigo. 0 art. 176 da Lei n. 6.404/76 define as demonstrações fi­ nanceiras que devem obrigatoriamente acompanhar o balanço patrimonial anual nas sociedades anônimas.

D O U T R IN A • Além do balanço patrim onial que representa as contas do ativo e do passivo, esta norma estabelece que deverá ser apresentado balanço de resultado econômico ou conta de lucros e perdas, na form a que vier a ser definida em lei especial. 0 art. 176 da Lei n. 6.4 0 4 /7 6 relacio­ na como demonstrações financeiras que devem acom panhar o balanço patrim onial da em ­ presa: a) demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados; b) demonstração do resultado do exercício; c) demonstração das origens e aplicações de recursos. Para a sociedade anônim a, vale sua lei especifica. Enquanto nào existir a lei especial a que se refere este artigo para regular a m atéria, à falta de norma própria, devem ser aplicadas as disposições da Lei das Sociedades Anônimas, que é o tipo principal de sociedade empresária. Sendo assim, deve-se com preender o significado da expressão "balanço de resultado econômico" como abrangen­ te das demais demonstrações financeiras que acom panham o balanço patrim onial da em pre­ sa, referidas no art. 176 da Lei das S /A

Art. 1.190. Ressalvados os casos previstos em lei, nenhuma autoridade, juiz ou tribunal, sob qualquer pretexto, poderá fazer ou ordenar diligência para verificar se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades prescri­ tas em lei.

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Art. 1.191

HISTÓRICO • A redação desta disposição não foi alvo de alteração durante a tramitação do projeto. 0 art. 17 do Código Comercial de 1850 continha disposição praticamente idêntica sobre o sigilo dos livros mercantis.

DOUTRINA • A similitude deste dispositivo com o art. 17 do Código Comercial de 18 50 - quando o sigilo dos livros comerciais constituía um bem jurídico relevante - poderia conduzir o intérprete a uma conclusão equivocada, qual seja, a de que o Código Civil de 2002 estaria a promover um re v iv a ldaquela situação passada. Não se trata disso, porém. Há de atentar-se para a ressalva constante logo no início do a rtig o : "Ressalvados os casos previstos em lei...". Com efeito, o Código Tributário Nacional, a Lei n. 8.2 12/91, e a Lei Com plem entar n. 105/2001, para ficar nos principais exemplos, foram atenuando cada vez mais o princípio do sigilo dos livros co­ merciais. A m atéria, não obstante a intensa controvérsia a respeito, acha-se sumulada pela nossa mais alta Corte de Justiça. Reza a Súmula 439 do Supremo Tribunal Federal que: "Estão sujeitos à fiscalização tributária, ou previdenciária, quaisquer livros comerciais, lim itado o exame aos pontos objeto da investigação". Também o Código de Processo Civil previu a pos­ sibilidade de pedido cautelar de exibição total da escrituração empresarial, nela incluídos balanços, balancetes e demais documentos constantes dos arquivos, possibilidade esta ex­ pressamente ratificada pela Súmula 3 9 0 do Supremo Tribunal Federal que assim dispôs: “A exibição judicial de livros comerciais pode ser requerida como medida preventiva". 0 art. 1.191 do Código Civil, adiante examinado, prevê as hipóteses e em que condições tal exibição poderá ser feita. Ressalte-se, por derradeiro, que a legislação de falências tipifica como crime falim entar, com aum ento de um sexto a um terço da pena para o delito previsto no art. 168 da Lei n. 11.101/2005: a elaboração da escrituração contábil ou do balanço com dados ine­ xatos; a omissão, na escrituração contábil ou no balanço, de lançam ento que deles deveria constar e a alteração da escrituração ou balanço verdadeiros; a destruição, a supressão ou adulteração de dados contábeis ou negociais armazenados em com putador ou sistema info r­ m atizado; a destruição, a ocultação ou a inutilizaçào, total ou parcial, de documentos de escrituração contábil obrigatórios, conform e os incisos I, II, III e V, do § 1o. respectivamente. 0 § 2^ desse mesmo art. 168 prevê o aum ento de pena de um terço até a m etade para a hi­ pótese de contabilidade paralela, isto é, se o devedor m anteve ou m ovimentou recursos ou valores paralelam ente à contabilidade exigida pela legislação. Também é considerado crime pelo art. 178 da mesma lei falim entar: "deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou hom ologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios".

Art. 1.191.0 juiz só poderá autorizar a exibição integral dos livros e papéis de escritu­ ração quando necessária para resolver questões relativas a sucessão, comunhão ou socie­ dade, administração ou gestão à conta de outrem, ou em caso de falência. § l- O juiz ou tribunal que conhecer de medida cautelar ou de ação pode, a requeri­ mento ou de ofício, ordenar que os livros de qualquer das partes, ou de ambas, sejam exa­ minados na presença do empresário ou da sociedade empresária a que pertencerem, ou de pessoas por estes nomeadas, para deles se extrair o que interessar à questão. § T- Achando-se os livros em outra jurisdição, nela se fará o exame, perante o respec­ tivo juiz. HISTÓRICO • 0 contido neste artigo manteve a mesma redação do projeto original. Disposições semelhantes eram previstas nos arts. 18 e 19 do Código Comercial de 1850.

Art. 1.192

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DOUTRINA • A exibição judicial dos livros comerciais já se acha prevista tan to no art. 381 do Código de Processo Civil - segundo o qual o ju iz pode ordenar, a requerim ento da parte, a exibição integral dos livros comerciais e dos documentos do arquivo, quer na liquidação de sociedade; quer na sucessão por m orte de sócio; quer, ainda, quando e como determ inar a lei - quanto no art. 38 2 do mesmo Código, pelo qual o juiz pode, de ofício, ordenar à parte a exibição parcial dos livros e documentos, extraindo-se deles a suma que interessar ao litígio, bem como reproduções autenticadas. Também o art. 8 4 4 do CPC prevê a exibição judicial, como proce­ dim ento preparatório, de docum ento próprio ou comum, em poder de sócio, entre outros (inciso II), como da escrituração comercial por inteiro, balanços e documentos de arquivo, nos casos expressos em lei (inciso III). Este art. 1.191 do Código Civil harmoniza-se, sem pro­ blemas, com as citadas disposições da lei adjetiva. As situações nele previstas - as relativas a sucessão, com unhão ou sociedade, administração ou gestão à conta de outrem , ou no caso de processos falim entares - exigem fundam entação adequada para que seja autorizada ju ­ dicialm ente a exibição total dos livros contábeis. Sem prejuízo de outras hipóteses, é claro, a mais recorrente parece ser a da separação judicial do empresário ou do sócio da sociedade empresária, existindo partilha de bens justificada por regime de comunhão. O § 1fl, de form a prudente e em consonância com o caráter excepcional de tal exibição, prescreve que poderá o Poder Judiciário ordenar que os livros de qualquer das partes, ou de ambas, sejam exam i­ nados na presença do empresário ou da sociedade empresária a que pertencerem, ou de pessoas por eles nomeadas, para dos livros se extrair o que interessar à questão. Se os livros e documentos estiverem localizados em comarca diversa daquela na qual a medida foi re­ querida, a exibição será feita m ediante a expedição da carta precatória ao juízo com petente.

Art. 1.192. Recusada a apresentação dos livros, nos casos do artigo antecedente, serão apreendidos judicialmente e, no do seu § 1?, ter-se-á como verdadeiro o alegado pela parte contrária para se provar pelos livros. Parágrafo único. A confissão resultante da recusa pode ser elidida por prova documen­ tal em contrário. HISTÓRICO • O parágrafo único deste artigo foi objeto de emenda aprovada na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, no qual a expressão original “destruída" foi substituída por "elidida", vocábulo mais apropriado juridicamente para a desconsideração de provas. A regra constante do caput reproduz a disposição do art. 20 do Código Comercial de 1850.

DOUTRINA • Proceder-se-á à busca e apreensão dos livros e documentos contábeis da empresa, na hipó­ tese de recusa da exibição destes por parte do empresário ou da sociedade empresária. A possibilidade de pedido de prisão, conquanto prevista pelo art. 20 do Código Comercial de 1850, foi sendo progressivamente repelida pela jurisprudência e definitivam ente abandona­ da com o advento do Código de Processo Civil de 1973. Na hipótese do § 1« do art. 1.191, ter-se-á como verdadeiro o alegado pela parte contrária para se provar pelos livros, servindo a recusa como confissão ficta, nos moldes da previsão constante do art. 359 do estatuto processual civil. Tal confissão poderá, contudo, no curso do processo, ser elidida por prova docum ental que demonstre o contrário.

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Arts. 1.193 e 1.194

Art. 1.193. As restrições estabelecidas neste Capítulo ao exame da escrituração, em parte ou por inteiro, não se aplicam às autoridades fazendárias, no exercício da fiscalização do pagamento de impostos, nos termos estritos das respectivas leis especiais. H IS T Ó R IC O • O disposto neste artigo não foi objeto de modificação no curso da tramitação do projeto. 0 art. 195 do Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172/66) contém regra no mesmo sentido, em que o principio do sigilo dos livros mercantis não pode ser oposto à fiscalização tributária.

D O U T R IN A • 0 art. 195 do Código Tributário Nacional estabelece que: “Para os efeitos da legislação tri­ butária, não têm aplicação quaisquer disposições legais exdudentes ou lim itativas do direito de exam inar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais ou produtores, ou a obrigação destes de exibi-los". Desse modo, as autoridades fazendárias dispõem de competência e prerrogativas legais para examinar, a qualquer tem po, os livros e documentos da escrituração m ercantil das empresas. 0 exercício da fiscalização não se refere, apenas, ao pagam ento de impostos, como restrita e inadequa­ dam ente consta neste art. 1.193, mas de todo e qualquer trib uto ou exação tributária.

Art. 1.194.0 empresário e a sociedade empresária são obrigados a conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondência e mais papéis concernentes à sua atividade, enquanto não ocorrer prescrição ou decadência no tocante aos atos neles consignados. H IS T Ó R IC O • A redação deste artigo manteve o conteúdo do projeto original. Disposição semelhante encontrava-se prevista no a r t 4« do Decreto-Lei n. 486/69.

D O U T R IN A • Tanto este dispositivo quanto o art. 4o do mencionado Decreto-Lei n. 4 8 6 /6 9 preconizam a mesma obrigação para o empresário e para a sociedade empresária, qual seja, a de conservar os livros contábeis, documentos, contratos, correspondências e todos os demais papéis que instrum entalizaram os lançam entos na escrituração m ercantil. Deverão ser mantidos em boa ordem e conservados pelo prazo correspondente à prescrição ou decadência das respectivas obrigações ou dos efeitos dos atos respectivos. Os arts. 20 5 a 211 do atual Código Civil esta­ belecem os prazos de prescrição e decadência que são aplicáveis às obrigações, contratos e negócios mercantis. Tendo em vista a possibilidade, de um lado, de ocorrer algum a causa interruptiva ou suspensiva da decadência ou da prescrição, conform e previsto nos arts. 197 e s. do Código Civil, e, de outro, a existência de prazos mais longos, de natureza trabalhista (o direito aos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço somente prescreve em trin ta anos), tributária (a Instrução Norm ativa n. 8 6 /2 0 0 1 , da Secretaria da Receita Federal, prevê que as empresas m antenham , à disposição do Fisco, os seus registros processados ele­ tronicam ente, pelo prazo decadencial previsto na legislação tributária) e previdenciária (os arts. 45 e 4 6 da Lei n. 8.212/91 estabelecem prazos decadencial e prescricional de dez anos, respectivamente, para as contribuições previdenciárias), a prudência recomenda a guarda prolongada da docum entação da vida empresarial. Se ocorrer o extravio, a deterioração ou a destruição de qualquer docum ento relativo à escrituração mercantil, há que se obedecer ao procedimento previsto no art. 10 do Decreto-Lei n. 4 8 6 /6 9 , ainda que nào repetido tal

Art. 1.195

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comando neste artigo do Código Civil. Tal disposição, ju n tam en te com o art. 11 da Instrução Norm ativa n. 6 5 /9 7 , do Departam ento Nacional de Registro do Comércio - DNRC, preveem que a empresa deverá publicar, em jornal de grande circulação no local de seu estabeleci­ mento, um aviso dando ao conhecim ento público tal fato, inform ando, em 4 8 horas, o ocor­ rido à Junta Comercial a que pertence. Após tais providências, deverá o empresário recompor a escrituração em novo instrum ento contábil, que deverá ter o mesmo núm ero do qual procedeu-se à substituição. Tendo em vista que a nova Lei Falim entar (11 .10 1/20 05), confor­ me visto por ocasião dos comentários ao art. 1.190, retro, capitulou como crime, com au ­ m ento de pena de 1/6 a 1/3, a destruição, ocultação ou inutilização, total ou parcial, dos documentos de escrituração contábil obrigatórios (inciso V do § 1® do art. 168), é de pergun­ tar-se se nào seria o caso, sem prejuízo das providências previstas no art. 10 do Decreto-Lei n. 4 8 6 /6 9 e no art. 11 da Instrução Norm ativa n. 65/97, do Departam ento Nacional de Regis­ tro do Comércio - DNRC, de proceder o empresário à justificação judicial, prevista nos arts. 861 a 86 6 do Código de Processo Civil, com oitiva de testemunhas, realização de eventual vistoria etc., a fim de que nào paire dúvida sobre a correção de seu procedimento. A d cautelam, propendo pela resposta afirm ativa.

Art. 1.195. As disposições deste Capítulo aplicam-se às sucursais, filiais ou agências, no Brasil, do empresário ou sociedade com sede em país estrangeiro. HISTÓRICO • A regra expressa por este artigo não foi modificada durante a tramitação do projeto. 0 regime das obrigações e formalidades aplicáveis à sociedade estrangeira era regulado pelo Decreto-Lei n. 2.627/40.

D O U T R IN A • Por ocasião dos com entários ao art. 969, retro, já foi tratada a questão da conceituação dessas expressões: sucursal, filial ou agência. Todas foram consideradas estabelecimentos secundários da mesma natureza pelo Código Civil de 2002, nào obstante haver, tan to na prática empresarial como em sede doutrinária, diferentes graus de autonom ia negociai das sucursais, das filiais ou das agências em relaçào à m atriz. Remete-se o leitor, portanto, às considerações lá desenvolvidas a respeito da m atéria. De toda sorte, é certo que as disposições relativas à escrituração contábil da empresa contidas neste capítulo devem ser aplicadas, igualm ente, às sucursais, às filiais e às agências da sociedade estrangeira que funcione no Brasil m ediante autorização, nos termos dos arts. 1.134 a 1.141 deste atual Código Civil, para as operações e negócios realizados em território nacional.

Livro m — DO DIREITO DAS COISAS (#)

Há m uito a expressão "Direito das Coisas" sofre severas críticas da doutrina contem porânea que a considera restritiva e incompatível com a am plitude do próprio Livro do Código, à medida que dispõe sobre a posse, considerando-a como fa to socioeconômico potestativo, e não como um direito real, além de tra ta r de todos os direitos reais. Por outro lado, a palavra “coisas" denota apenas uma das espécies de “bens" (gênero) da vida, razão pela qual se afigura m anifesta atecnia jurídica continuar conferindo a um dos Livros do Código Civil o títu lo de Direito das "Coisas", uma vez que regula as relações fá ti-

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Art. 1.196

cas e jurídicas entre sujeitos e os bens da vida suscetíveis de posse e direitos reais. Em face dessas ponderações, e, considerando-se que o Código atual primou por aplicar a m elhor term inologia aos institutos jurídicos, títulos, capítulos e seções, seria de boa índole que se corrigisse este lapso, conferindo ao Livro III a denom inação adequada: "Da Posse e dos Direitos Reais".

D IR E IT O P R O JE T A D O • Apresentei ao Deputado Ricardo Fiuza proposta para alteração do titulo do Livro III da Parte Es­ pecial, que passaria a ser: “Da posse e dos direitos reais". A sugestão foi acolhida e integra o Projeto de Lei n. 6.960/2002, atual PL n. 699/2011.

T ítu lo I — D A P O S S E C ap ítu lo I — DA POSSE E SUA CLASSIFICAÇÃO Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em tela não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Se­ nado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. • Assinala-se que o teor do dispositivo é, praticamente, o mesmo contido no art. 485 do CC de 1916, apenas com a acertada supressão da palavra "domínio", tornando-se assim a redação mais técni­ ca e correta, tendo-se em conta que a expressão rechaçada é limitada aos bens corpóreos, en­ quanto a posse, como situação potestativa socioeconômica, com projeção no plano fatual e re­ flexos no mundo jurídico, incide sobre bens semimateriais ou semi-incorpóreos (p. ex., energias elétrica, térmica, nuclear, gasosa e solar, ondas de transmissão de frequência radiotelevisiva, linhas telefônicas, infovias etc.). Por isso, a expressão "poderes inerentes à propriedade" designa de ma­ neira muito mais adequada o instituto em questão.

D O U T R IN A • A posse é uma situação fática com carga p o te sta tiva que, em decorrência da relação socio­ econôm ica form ada entre um bem e o sujeito, produz efeitos que se refletem no m undo jurídico. 0 seu prim eiro e fundam ental elem ento é, portanto, o poder de fato, que im porta na sujeição do bem à pessoa e no vínculo de senhoria estabelecido entre o titu la r e o bem respectivo. A posição de senhoria exterioriza-se através do exercício ou da possibilidade de exercício do poder, como desmembramento da propriedade ou outro direito real, no mundo fático. Por sua vez, o poder exteriorizado ou a possibilidade do seu exercício estará, via de regra, em consonância com o direito real que ele representa na órbita do mundo de fato. Em outras palavras, a situação potestativa do mundo fático corresponderá àquela pertinente ao m undo jurídico, dentro de suas limitações. Assim, p. ex., todo aquele que possui, como se fosse dono, tem o poder de fa to pertinente ao respectivo direito real de propriedade. A pos­ se não é o exercício do poder, mas sim o poder propriam ente d ito que tem o titu la r do rela­ ção fática sobre um determ inado bem, caracterizando-se tan to pelo exercício como pela possibilidade de exercício. Ela é a disponibilidade e não a disposição; é a relação p otestativa e nào, necessariamente, o efetivo exercício.

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• 0 titu la r da posse tem o interesse potencial em conservá-la e protegê-la de qualquer tipo de moléstia que porventura venha a ser praticada por outrem , m antendo consigo o bem numa relaçào de normalidade capaz de atingir a sua efetiva função socioeconômica. Os atos de exercício dos poderes do possuidor são m eram ente facultativos - com eles nào se adquire nem se perde a senhoria de fato, que nasce e subsiste independentem ente do exercício des­ ses atos. Assim, a adequada concepção sobre o poder fático não pode se restringir às hipó­ teses do exercício deste mesmo poder. O possuidor dispõe do bem, criando, em relaçào a ele, um interesse em conservá-lo e preservá-lo. • Por tudo isso, perdeu-se com a edição do novo Código Civil o m om ento histórico para corri­ gir um im portantíssimo dispositivo que vem causando confusão entre os jurisdicionados e, como decorrência de sua interpretação incorreta, inúmeros conflitos e demandas. Ademais, o dispositivo mereceria um ajuste em face das teorias sociológicas que, há m uito, diga-se de passagem, melhor explicam o fenôm eno da posse, tendo-se em conta que foram elas que deram origem à "função social da propriedade". Vale registrar que as teorias sociológicas da posse, a partir do início do século XX, na Itália, com Silvio Perozzi, na França, com Raymond Saleilles e, na Espanha, com A ntonio Hernandez Gil, que não só colocaram por terra as céle­ bres teorias objetiva e subjetiva de Jhering e Savigny, como tam bém tornaram -se responsá­ veis pelo novo conceito desses im portantes institutos no mundo contem porâneo, notadam ente a posse, como exteriorização da propriedade (sua verdadeira “função social"). • Ademais, o conceito traz em seu bojo o principal elem ento e característica da posse, assim considerado pela doutrina e jurisprudência, qual seja, o poder fático sobre um bem da vida, com admissibilidade de desm em bram ento em graus, refletindo o exercício ou possibilidade de exercício de um dos direitos reais suscetíveis de posse. • Assim, evolui-se no conceito de possuidor, colocando-o em sintonia com o conceito de pos­ se, em paralelismo harm onizado com o direito de propriedade, como sua projeção no mundo fatual. • Por esses motivos, afigura-se de bom alvitre uma nova redação para este dispositivo.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 492, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “A posse constitui direito autô­ nomo em relação à propriedade e deve expressar o aproveitamento dos bens para o alcance de interesses existenciais, econômicos e sociais merecedores de tutela". • Enunciado 236, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Considera-se possuidor, para todos os efeitos legais, também a coletividade desprovida de personalidade jurídica" (Autor: Se­ bastião da Silva).

JULGADOS • "(...) É da apuração da situação fática que se pode aferir a natureza da titularidade do possuidor. Colhe-se da doutrina que possuidor é aquele que atua frente a coisa como se fosse proprietário, pois exerce alguns dos poderes inerentes ao domínio e a posse (...)" (STJ, 3* T., AgRg no Ag. 29.384/ MS, Rei. Min. Waldemar Zveiter, j. em 9 -2 -199 3, DJU, 2 2 -3-19 93, p. 4541). • "... não é necessário o exercício direto da posse, já que nào se restringe ao contato físico, mas, ao contrário, abrange a possibilidade de o proprietário do imóvel dela usufruir" (TJSC, AC 2004.005.4173, Rei. Des. Volnei Carlin, j. em 30-9-2004). • "... Não se faz necessário que a posse acima citada como condição elementar à concessão da reintegração de posse seja exercida diretamente, porque nào se restringe meramente ao contato físico, mas abrange a possibilidade de usufrui-la que é conferida ao proprietário do imóvel. 0 ti­ tular do domínio útil do imóvel em litígio, em que pese não ser detentor de sua posse direta, porque nào a utiliza diretamente, vez que reside em outra comarca, tem a disponibilidade do direito de gozo da mesma. Destarte, impertinente se falar em abandono, porquanto o proprietário

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sempre manifestou sua intenção de possuidor, porque, desde o momento em que deixou de ha­ bitar o imóvel, outorgou sua administração a terceiros, que, por duas vezes, promoveram sua continua locação. Ainda, no último arrendamento, ajuizou ação de despejo e a presente demanda, de tal sorte a ensejar o reconhecimento inequívoco de seu interesse pelo imóvel e afastar o aban­ dono suscitado" (TJSC, AC 02001153-3, Rei. Des. Carlos Prudêncio).

DIREITO PROJETADO • Pelas razões antes expostas, ofereci ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão, que foi aco­ lhida e transformada em Projeto de Lei n. 6.960/2002 (atual Projeto de Lei n. 699/2011), passando a integrar o seu art. 1«. A rt. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem poder fático de ingerência socioeconômica, absoluto ou relativo, direto ou indireto, sobre determ inado bem da vida, que se m anifesta através do exercício ou possibilidade de exercício inerente à propriedade ou outro direito rea l suscetível de posse.

Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, po­ dendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. • Encontra disposição similar no Código Civil de 1916 no art. 486.

DODTRINA • Sem maiores dificuldades, percebe-se que o legislador deixou de acolher, nesse dispositivo, a orientação da doutrina dom inante das últim as décadas, diferentem ente do que fez em tantas outras passagens do Código. Na verdade, a redação deste artigo apresenta-se bastante tru n ­ cada, o que dificulta sensivelmente a sua aplicabilidade e compreensão, valendo ressaltar que problemas de ordem prática, sobretudo por se tra tar de artigo de larga aplicabilidade, certa­ m ente surgirão. Por isso, apresentei proposta de alteração ao ilustre Relator, Deputado Ri­ cardo Fiuza, para m odificação do dispositivo, durante a vacatio legis. • 0 dispositivo versa sobre os desmembramentos voluntários e classificação das posses com base nos poderes de ingerência dos titulares sobre o mesmo bem da vida, sem que sobre eles as posses se sobreponham ou se anulem (p. ex., arrendante e arrendatário, locador e locatá­ rio). Em outras palavras, como a posse pressupõe a existência de poder fático, e não neces­ sariam ente o seu exercício, que é uma form a de exteriorização deste poder, classifica-se em dois grupos distintos: o) posse absoluta (própria); e 6) posse relativa (im própria). Por sua vez, essas duas espécies estão combinadas com o tipo de manifestação do poder, ou seja, m ediata (indireta) ou im ediata (direta). Significa dizer que, no tocante ao tipo de manifestação graduada do poder, a posse absoluta e a relativa classificam-se verticalm ente em direta e indireta. • A posse relativa (ou im própria) é poder fático que tem origem no desm em bram ento de um direito (posse non dom ino), não gerando efeitos à prescrição aquisitiva (posse ad usucapionem). A posse relativa decorre da posse absoluta, que se apresenta como pressuposto de sua existência, por resultar de uma obrigação ou direito em que subsistem ambas as posses, sem que uma venha a anular a outra; significa possuir, mas não como dono.

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• Apenas um sujeito pode ser possuidor absoluto (posse própria); a titularidade m últipla da situação fático-potestativa, nesses casos, somente se verificará numa composse ou na posse periódica (v. art. 1.199). • Em qualquer hipótese, nenhum dos possuidores deixa de ter poderes fáticos sobre a coisa; assim, o que se verifica é um desm em bram ento do poder, form ando-se poderes de graduação diversa. Enquanto um sujeito tem posse como se fosse dono, o outro tem posse de locatário (posse absoluta indireta e posse relativa direta, respectivamente). A posse direta será sempre única; a posse indireta pode apresentar-se tantas vezes quantos forem desejados os desmem­ bramentos das relações fático-potestativas (por direito pessoal ou real), m antendo-se cada uma delas em graus e com poderes diferentes.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 501, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "0 conceito de posse direta refe­ rido no art. 1.240-A do Código Civil nào coincide com a acepção empregada no art. 1.197 do mesmo Código". Divergimos desse Enunciado e, em seguida, justificamos o nosso modesto enten­ dimento. Com a devida vênia, divergimos da conclusão apontada no Enunciado 501, primeiramen­ te, por inexistir no sistema normativo civil conceitos distintos de "posse direta". Igualmente, a doutrina e a jurisprudência não divergem acerca da compreensão dos fenômenos "posse direta" e "posse indireta". Na graduação de poderes, a posse pode ser absoluta (ou própria) ou relativa (imprópria), enquanto no plano vertical atinente à forma de exteriorização desse poder é que aparece a classificação da posse em direta (exercício direto, imediato, do poder de fato sobre o bem da vida) e em indireta (exercício indireto, mediato, do poder de fato sobre o bem da vida). Assim, parece-nos que o Enunciado em questão disse menos do que pretendiam afirm ar e concluir seus autores, pois a posse a que se refere o art. 1.240-A do CC é a posse absoluta direta, e nào a posse relativa direta (esta última sim, enquadrada na fórmula do art. 1.197). Na verdade, pareee-m e que os ilustres professores que aprovaram o Enunciado 501, com o devido respeito, confun­ diram a classificação da posse no que concerne a sua forma de exteriorização (plano vertical) com o tipo de manifestação da incidência do poder de fato socioeconômico exercido pelo possuidor (plano horizontal), no caso, o sujeito que permanece residindo no imóvel que era, em composse, ocupado pelo casal até o momento do abandono do lar pelo recalcitrante. Em outras palavras, a posse a que se refere o art. 1.240-A é, sim, direta (forma de exteriorização), enquanto o tipo de manifestação do poder é absoluto (único capaz de gerar a usucapião). Como observou a nossa ilustre coordenadora, Prof* Regina Beatriz, em suas bem-lançadas notas aos comentários ao art. 1.240-A, "a nova modalidade de usucapião inserida no Código Civil pela Lei n. 12.424/2011 con­ siste em sanção civil ao descumprimento dos deveres do casamento e da união estável. Aquele que abandona voluntária e injuriosamente o domicilio familiar, nas condições descritas neste disposi­ tivo legal, descumpre gravemente os deveres conjugais e os deveres oriundos da união estável e fica sujeito à perda do direito de propriedade em favor do consorte que ali permanece durante dois anos e sem oposição". Portanto, o sujeito que permanece no imóvel, nas condições fatuais descritas no art. 1.240-A exerce, sim, posse absoluta e direta, sendo essa a adequada exegese a ser conferida ao aludido dispositivo, sistematicamente compreendido com os arts. 1.196 e 1.197, todos do Código Civil. • Enunciado 76, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "0 possuidor direto tem o direito de defender a sua posse contra o indireto e este contra aquele (a rt 1.197, in fine, do CC)" (autor: Álvaro Manoel R. Bourguignon).

JULGADO • “Agravo de instrumento. Reintegração de posse. Alienação fiduciária de bem imóvel. Posse indi­ reta do credor-fiduciário comprovada. Requisito para concessão da liminar preenchido. Inteligên­ cia do art. 1.197 do Código Civil e arts. 23 e 30 da Lei n. 9.514/97. Agravo desprovido. 0 desdo­ bramento da relação possessória, a partir da constituição da propriedade fiduciária de imóvel, assegura ao credor-fiduciário o exercício da ação de reintegração de posse, na qualidade de possuidor indireto, em face do devedor-fiduciante inadimplente, como prescreve de maneira

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expressa o art. 1.197 do Código Civil e os arts. 23 e 30 da Lei n. 9.514/97" (TJPR, 18* Câm. Cível, Al 398784-6, Rei. Des. Abraham Lincoln Calixto, j. em 2-5 -200 7, DJ, 18-5-2007).

D IR E IT O P R O JE T A D O • Em face dos argumentos acima aludidos, encaminhei ao Deputado Ricardo Fiuza proposta para alteração do dispositivo, que passou a contar com a seguinte redação no Projeto de Lei n. 6.960/2002 (atual Projeto de Lei n. 699/2011), integrando o seu art. 1o: A rt. 1.197. A posse direta dos bens, mesmo que em caráter tem porário e decorrente de direito pessoal ou real, nào an ula a posse indireta de quem fo i havida, podendo, qualquer um deles, ag ir em sua defesa, inclusive p o r a to praticado pelo outro possuidor.

Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em tela não sofreu alteração substancial, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é, basicamente, a mesma do anteprojeto. • Durante a fase final de revisão do texto do projeto, apresentei ao relator-geral, Deputado Ricardo Fiuza, proposta (acolhida) para substituição, no parágrafo único, da expressão "à coisa" por "ao bem". A minha justificativa foi no sentido de que a palavra coisa denota uma espécie mais restri­ ta de bem da vida, enquanto os bens são o gênero e, desta feita, referem-se aos móveis, imóveis, semimateriais e imateriais, em toda a sua amplitude. • 0 dispositivo praticamente repete o art. 487 do CC de 1916.

D O D T R IN A • 0 detentor (fâm ulo da posse) nào exerce poderes sobre o bem da vida, mas os atos que pra­ tica assim o faz em nome de outrem , isto é, do possuidor. Por isso, em relaçào ao detentor, presume a lei (presunção ju ris tan tum ) que a situação se m antenha indefinidam ente. Caso contrário, o ônus da prova com pete ao detentor, no tocante a inversão da situação prece­ dente originária (causa possessionis) a atos potestativos de ingerência socioeconômica por ele exercidos sobre determ inado bem da vida, de maneira a excluir terceiros e o legítim o possuidor. Em outras palavras, quem era mero detentor pratica esbulho ou legitim a-se (v. g., através de aquisição) em face do bem da vida objeto de sua relaçào no plano fatu al, e, desta feita, passa a exercer poderes (posse viciada ou legítim a) sobre ele.

E N D N C IA D O S D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 493, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "0 detentor (art. 1.198 do Códi­ go Civil) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder". • Enunciado 301, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "É possível a conversão da de­ tenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios". JD LG A D O S • "(...) 1. Nos termos do art. 1.198 do Código Civil, detentor é aquele que, achando-se em relação de dependência e subordinação para com o legítimo proprietário, conserva a posse em nome deste e

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em cumprimento de ordens ou instruções suas. 2. A injustificada recusa de desocupação do imó­ vel feita pelo detentor, através de notificação extrajudicial, configura esbulho passível de proteção possessória" (TJDF, AC 2005.03.1.013470-5, 2* Turma Cível, Rei. Des. J. J. Costa Carvalho, DJU, 9 -1 1 -2 0 0 6 , p. 135). • “Apelação. Ação de manutenção de posse. 1) Contrato de trabalho. Detenção. Inexistência de di­ reito à proteção possessória em favor dos detentores. 2) Plantações. Boa-fé. Indenização. 3) Apuração de valores. Liquidação de sentença. Possibilidade. Recurso parcialmente provido. 1 - Não faz jus à proteção possessória aqueles que exercem a posse em nome de outrem, tal como os empregados em geral, pois tal fato caracteriza detenção e nào posse com animus domini. 2 - 0 detentor tem direito à indenização pelas plantações realizadas de boa-fé durante o período em que ocupou o imóvel. 3 - É possível a apuração de valores das acessões (plantações) em sede de liquidação de sentença" (TJES, 3» Cãm. Cível, AC 021.97.010489-5, Rei. Des. Rômulo Taddei, j. em 24-9-2002). • "Direito processual civil. Embargos de terceiro. Posse. Ausência. Detenção. Existência. Indeferimen­ to do pleito. Sentença prestigiada. I. Se alguém detém imóvel em nome de outrem, não é possui­ dor, mas mero detentor, razão por que nào exercia posse. Assim, não há se falar em posse, mas em mera detenção, afigurando irrelevante o período de ocupação. Julgam-se, pois, improcedentes os embargos de terceiro manejados para livrar o imóvel de reintegração de posse postulado. II Recurso conhecido e desprovido à unanimidade" (TJDF, 3* Turma Cível. AC 19990110910715, Rei. Des. Wellington Medeiros, j. em 9 -5 -2 0 0 2 , DJU, 1°-8-2002, p. 43). • “Em face do disposto no CC/1916, art. 487 (CC art. 1.198), é perfeitamente admissível o deferi­ mento de liminar de reintegração de posse de imóvel existente em chácara de lazer contra o empregado, contratado para exercer a função de caseiro da propriedade, pois aquele apenas conserva a posse em nome do possuidor e em cumprimento de ordem e instruções suas" (TJSP, 4* Cãm. Cível, Al 910.457-0, Rei. Des. Paulo Roberto de Santana, j. em 15-3-2000, RT, 778/300).

Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. • Trata-se de redação aprimorada do antigo art. 488 do CC de 1916.

DOUTRINA • A posse exclusiva não se confunde com a posse absoluta (própria e plena); enquanto a pri­ meira tem pertinência è titularidade do poder de fa to - exclusivo de um único possuidor - , a segunda diz respeito à m anifestação do conteúdo deste poder [vide comentários arts. 1.196 e 1.197). • Assim, fica mais fácil com preender que composse é a posse comum sobre o mesmo bem (divisível ou indivisível), exercida concom itantem ente por dois ou mais sujeitos (pessoas físi­ cas e/ou jurídicas). Está a composse para o mundo fático, assim como o condom ínio (art. 1.314) está para o mundo jurídico. Pode verificar-se a composse dentro da organização vertical da posse como se os cotitulares fossem condôminos (posse de coisa indivisa), ou a posse de um bem através do gozo do mesmo direito real lim itado, isto é, composses absolu­ tas ou próprias e plenas. • Diz-se que a composse pode ser pro diviso ou pro indiviso. Na compossessio pro diviso o poder fático comum m anifesta-se de maneira que cada possuidor, individualm ente, externa

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poderes sobre uma quota ou parte específica do bem. Na compossessio pro indiviso nào existe uma parte ou quinhão determ inado para atuaçào do poder fático, sendo que todos os sujeitos da com unhão têm poderes sobre a coisa em sua inteireza. Tem posse tanto o sujeito que direciona o poder fático sobre parte determ inada da coisa como aquele outro que possui parte ideal inespecífica. Não obstante, “só a compossessio pro indiviso é verdadeiram ente composse" (José Carlos Moreira Alves, Posse. Estudo dogmático, Rio de Janeiro, Forense, 1991, v. II, 1.1, n. 31, p. 4 9 8 -5 1 9 ). • A composse nào é apenas um paralelo da compropriedade no mundo fático, podendo apre­ sentar-se da mesma form a com relação aos outros direitos reais (excluída a hipoteca). • Denomina-se posse periódica a relação do mundo fático desmembrada da m ultipropriedade ou propriedade periódica. Essa nova variação pretende adaptar-se juridicam ente ao institu­ to da propriedade comum , possibilitando a utilização de imóveis, em unidades autônom as (p. ex., casas, chalés, apartam entos, flats), em determ inados períodos ou temporadas, por pes­ soas que não desejam pagar o preço total do respectivo em preendim ento referente à aqui­ sição efetiva do bem em questão, tam pouco alugar o imóvel a cada ano. Nessa modalidade de "uso" do imóvel em períodos compartidos sucessivos, vende-se regularm ente a proprieda­ de a diversos adquirentes de um mesmo bem com prévia definição de utilização durante determ inado mês (ou semanas) do ano, variando o preço de compra conform e o tem po de uso e tem porada (alta, média ou baixa). Essa situação fática e jurídica não foi regulam enta­ da pelo Código Civil de 2002. Dependendo da form a como for constituída, poderá assemelhar-se aos institutos do direito civil norte-am ericano conhecidos por lease-hold, que significa, em síntese, o direito de usar a propriedade alheia sob condições previam ente estipuladas num contrato, tendo por objeto, via de regra, um bem tangível, ou por tim e-sharing, que é uma form a de com partilhar a mesma propriedade entre diversos donos (propriedade comum) por tem po de uso previam ente determ inado (p. ex., uso durante duas semanas por ano). • Conform e a relação fática que se venha a form ar, o sistema organizacional da manifestação do poder de ingerência dos com possuidores sobre um bem pode criar situações diversas apresentadas num paralelismo entre o mundo fático e o jurídico. Assim, nada obsta a que se verifiquem : propriedade e composse; compropriedade (condom ínio) e posse singular (exclu­ siva ou m últipla); com propriedade e composse; ou compropriedade sem posse ou sem com ­ posse. • Assim como se verifica no condom ínio (art. 1.314 do CC), cada compossuidor pode usar da coisa comum conform e a sua destinação, exercendo sobre ela todos os direitos compatíveis com a indivisào, podendo recuperá-la de terceiro, defender sua posse a alhear ou gravar a respectiva parte ideal. Ademais, nenhum dos compossuidores pode alterar a destinação da coisa comum , nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros (art. 1.314, parágrafo único, do CC). A prática de atos de esbulho ou turbaçào por quaisquer dos compossuidores contra os demais dá ensejo à utilização de tutela interditai pelo prejudicado contra o causador do ilícito. Assim tam bém Caio M ário da Silva Pereira (Instituições de D ireito Civil. D ireito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 12. ed., p. 28).

JULGADOS • "(...) Comprovados os requisitos exigidos pelo art. 927 do Código de Processo Civil, resta configu­ rada a posse injusta apta a ensejar o remédio possessório adequado. No caso vertente, perfectibiliza-se o esbulho em decorrência do cercamento de área destinada à composse das partes median­ te acordo judicialmente homologado, impedindo-se a relação possessória por parte a autora (...)" (TJSC AC 00019084-5, Itajaí, Rei. Des. Carlos Prudêncio, j. em 20-3-2001). No mesmo sentido: TJSC, AC 2005019444-3, Itajaí. Rei. Des. MarcusTulio Sartorato, j. em 15-5-2007.

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• "Agravo de Instrumento. Reintegração de posse. Imóveis contíguos em regime de condomínio pro indiviso. Existência, contudo, em nível fático, da construção de 28 unidades habitacionais e de áreas comuns. Condomínio edilício não instituído (art. 1.332, CC/2002), em que os condôminos, irregularmente, exercem a atividade empresarial de hotelaria (arts. 986-990 CC/2002). Pretensão possessória à gerência da atividade, na qualidade de sindico do condomínio. Enleio. Viabilidade casuística, in abstrato, de tutela sob uma perspectiva preponderantemente possessória. Destinação econômica da coisa. Matéria que, tal como apresentada, guarda global equivalência ao regime ínsito às sociedades de fato. Pedido de inserção da recorrente na administração exclusiva do condomínio/hotel. Inconveniência. Ulterior nomeação, na ordem, de administrador judicial (Al n. 2004.033022-8). Providência que possibilita a coexistência dos direitos à posse física (art. 1.135, I e II, CC/2002) e à distribuição de frutos (art. 1.214, CC/2002), no caso dividendos (art. 1.007, CC/2002), entre as partes. Prejudicialidade. Recurso improvido" (TJSC, Al 2004001489-9, Capital, Rei. Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, j. em 19-7-2005). • "Composse. Área comum pro indiviso. Turbaçào. É cabível ação possessória intentada por possui­ dores para combater turbação ou esbulho praticado por um deles, cercando fração da gleba comum" (STJ, 4*T., REsp 136.922/TO, Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 18-12-1997, DJU, 16-3-1998, p. 145). No mesmo sentido, RT, 734/347). • "(...) Pratica esbulho contra condomínio o condômino que muda a destinação comum da coisa, passando a exercer a posse exclusiva. Neste caso, os demais condôminos têm direito a propor ação possessória para restabelecer a posse conjunta" (TACPR, AC 18.758, Rei. Des. Marcos de Luca Fanchin).

Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em tela não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Se­ nado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. • Idêntica à redação conferida ao art. 489 do CC de 1916.

DOUTRINA • 0 conceito de posse ju s ta (ou injusta) não se confunde com aquele definido no art. 1.228 do Código (art. 524 do CC de 1916). Em sede possessória, a concepção de injustiça ou ju s tiç a d a posse restringe-se aos três vícios que a maculam (stricto sensu), enquanto, no que concerne à propriedade, a expressão é empregada para designar todas as situações (e não apenas aqueles vícios) que repugnam ao mais am plo direito real. • São as circunstâncias do mundo fático, definidas nesse dispositivo, que maculam a aquisição da posse, tornando-a injusta e m antendo-a com essas mesmas características, indefinida­ mente, salvo prova em contrário. • Caracteriza-se o vício por ser inerente ao m om ento da aquisição da posse em relação ao novo titular. Assim, a posse pode ser viciosa por motivos objetivos (em conseqüência do fa to que lhe deu origem), ou subjetivos (em face do conhecim ento da mácula). • Posse injusta não se confunde jam ais com m á-fé. • Violência é a maneira de consecução do ato espoliativo m ediante constrangim ento físico ou moral praticado contra o possuidor ou contra quem possui em nome dele. Configura-se pela utilização da força física (armada ou nào), ou por interm édio da vis compulsiva (violência moral). Prescinde de confronto m aterial ou tum ulto entre as partes conflitantes (possuidor e esbulhador).

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• Clandestinidade é o vício que se m anifesta pela ocultaçào do ato espoliativo, de form a que o possuidor não tenha conhecim ento dele. Nào é suficiente o desconhecimento do ato, fa zendo-se necessário que a posse tenha sido tom ada às escondidas e com emprego de m ano­ bras tendentes a deixar o possuidor em determ inada posição de efetivo não conhecim ento do esbulho. Assim, se o esbulhador não agiu ocultam ente, em que pese o possuidor desco­ nhecer a prática do ato por qualquer m otivo, o vício da clandestinidade, neste caso, nào se configura. • Contudo, em qualquer circunstância, “só se considera perdida a posse para quem não pre­ senciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentam ente repelido" (art. 1.224). • Precariedade configura-se como vício da posse, nas relações em que o sujeito tem consigo, anteriorm ente, um bem a títu lo precário e recusa-se a devolvê-lo ao legítim o possuidor, quando requerido ou chegado o m om ento oportuno à devolução. Resulta de um abuso de confiança por parte daquele que previam ente recebera a coisa do possuidor, assumindo o compromisso (tácito ou expresso) de restituí-la em certo m om ento, ou quando verificada determ inada condição ou term o. • Sobre o tem a pertinente aos atos de esbulho, turbaçõo e ju s to receio de sofrer m olestam ento na posse, remetemos o leitor aos nossos comentários ao art. 1.210, infra.

JULGADOS • “(...) 0 conceito de posse injusta infere-se da violência, precariedade ou clandestinidade a que se refere o art. 1.200 do Código Civil de 2002. Se a posse dos requeridos decorre de contrato, não se pode considerá-la injusta, enquanto não declarada por sentença" (TJCE, 1a Câm. Cível, AC 2000.0083.3571-1/1, Rei. Des. Francisco Sales Neto, DJCE, 14-11-2007, p. 16). • "(...) Se demonstrada que a posse não é de m á-fé, eventual improcedência de reivindicatória, não afasta a indenização por benfeitorias ou construções. Distintos são os conceitos entre posse in­ justa e posse de boa-fé. Um, de cunho objetivo. Outro, de natureza subjetiva, ambos nào servem ao escopo de dar ao art. 524 conseqüência que este nào tem (...)" (STJ, 3* T., REsp 47.622, Rei. Min. Waldemar Zveiter, j. em 28 -11-1 994 , DJU, 2 0 -2-19 95, p. 3080).

Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impe­ de a aquisição da coisa. Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto, cujo Livro III, referente ao Direito das Coisas, ficou a cargo de Ebert Vianna Chamoun. • Redação idêntica à do art. 490 do CC de 1916.

DOUTRINA • Considerando-se os contornos legais estabelecidos, a b o a -fé significa o estado de subjetivi­ dade fonimus) em que se encontra o possuidor, correspondente ao desconhecimento de qualquer dos vícios (violência, clandestinidade ou precariedade) ou obstáculos (permissão ou tolerância), impeditivos à aquisição da posse. Esse desconhecimento em ofender o direito

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alheio exclui a possibilidade de culpa grave, aqui considerada no sentido de erro inescusável ou grosseira ignorância. • Tendo-se em conta que a posse justa respeita è inexistência de vício objetivo (causa possessionis - origem ou títu lo da posse), a posse de b o a -fé tem pertinência à ausência de defeito subjetivo (desconhecimento da relaçào viciosa antecedente). • Assinala-se que a extensão do conceito de “boa-fé" contido no art. 1.201 do CC nào é a mesma do art. 1.228, § 4o, do aludido Diploma, que versa sobre o novo e controvertido ins­ titu to jurídico da “expropriaçào judicial" (híbrido de desapropriação indireta e usucapião social). Na verdade, “a constitucionalidade desse instituto inserto no direito de propriedade, com o advento do Código Civil de 2002, como form a de lim itação, aquisição e perda da propriedade im obiliária (art. 1.228, §§ 4° e 5o - ‘expropriaçào ju d ic ia i), reside, fund am ental­ mente, na harmonização, adequação e equilíbrio de valores e direitos básicos definidos na Carta de 1988, de maneira tal que se respeite a propriedade privada, com observância da consecução de sua função social em face da posse pro labore. Para tanto, mister se faz con­ ferir interpretação histórica e extensiva à expressão b o a -fé contida no § 4» do art. 1.228 do CC, assim compreendido nesse contexto o conceito de posse ju s ta (posse nào viciada por atos de violência, clandestinidade ou precariedade), sob pena de subversão do próprio estado dem ocrático de direito" (Joel Dias Figueira Jr., A extensão do conceito de “boa-fé" em lim i­ tação do direito de propriedade definida no art. 1.228, § 4^, do Código Civil - o controverti­ do instituto da "expropriaçào judicial", In fo rm ativo INCIJUR, n. 68, março 2005, p. 1-3). Se nào fo r essa a interpretação a ser conferida aos aludidos parágrafos, chegaremos à absurda e inadmissível conclusão de que o legislador houve por bem insuflar as invasões de terras e violar o direito constitucional de propriedade. • Justo titu lo há de ser compreendido, antes de mais nada, desvinculado da ideia de "docu­ mento", tendo-se em conta que posse é situação pertencente ao mundo fático, destacada, portanto, do mundo jurídico. Assim, a concepção de justo títu lo deve estar ligada àquela de causa ou m odo de aquisição eficiente da posse (causa possessionis). Todavia, isso não sig­ nifica que não possa estar representado por um “título" (documento) - escritura pública ou particular. • Da mesma form a, não se deve confundir ju s to títu lo com titu lo leg itim o; o primeiro não é títu lo hábil à transferência da posse ou propriedade, revestindo-se de simples aparência de títu lo legítim o, ou seja, é o títu lo que seria apto à transferência da posse, mas não que de fato o seja. Diverso é o títu lo legitim o, que se reveste de todos os requisitos objetivos (formais) e subjetivos capazes de resultar na efetiva transferência da posse.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 303, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Considera-se justo título para presunção relativa da boa-fé do possuidor o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse, esteja ou não materializado em instrumento público ou particular. Compreensão na perspectiva da função social da posse". • Enunciado 302, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “Pode ser considerado justo ti­ tulo para a posse de boa-fé o ato jurídico capaz de transmitir a posse ad usucapionem, observado o disposto no art. 113 do Código Civil".

JULGADOS • "(...) 1. Presume-se 'de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa’ (art. 1.201 do CC/2002). 2. Tal presunção, no entanto, é juris tantum e, como tal, admite prova em contrário, amparando o possuidor de boa-fé, porque transfere o ônus de provar a parte adversa, a quem incumbe demonstrar que, a despeito do justo título, estava o possuidor ciente de não ser justa a posse. 3. ’0 Código Civil requer a existência de um justo titulo para aquisição dos frutos, porque deve dar direito a eles a posse que se assemelha a propriedade,

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ou tem sua aparência. Só nâo tem direito aos frutos o possuidor que tem apenas a posse, sem titulo que a valorize' (Carlos Roberto Gonçalves. São Paulo, Saraiva, p. 74)" (TJPR, 5* Câm. Cível, AC 165395-4, Rei. Des. Domingos Ramina, j. em 5-4-2005). • "(...) IV - Não é possível considerar como de m á-fé a presença do particular no imóvel público, por 44 (quarenta e quatro) anos, como também não se pode alegar clandestinidade. Assim, no parti­ cular, configura-se, como solução mais adequada e justa, o reconhecimento de que deve ser as­ segurado o direito à indenização pelas benfeitorias erigidas no local, com vistas à conservação do imóvel. V - Recursos conhecidos e desprovidos" (TJDF, AC 20000150034690/DF, 3* Turma Cível, Rei. Des. Wellington Medeiros, j. em 23 -10-2 000 , DJU, 7-3-200 1, p. 53). • "(...) Se demonstrada que a posse não é de m á-fé, eventual improcedência de reivindicatória, não afasta a indenização por benfeitorias ou construções. Distintos são os conceitos entre posse in­ justa e posse de boa-fé. Um, de cunho objetivo. Outro, de natureza subjetiva, ambos não servem ao escopo de dar ao art. 524 conseqüência que este não tem (...)" (STJ, REsp 47.622,3* T., Rei. Min. Waldemar Zveiter. j. em 28 -11-1 994 , DJU, 2 0 -2-19 95, p. 3080).

Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em tela não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto, cujo Livro III, referente ao Direito das Coisas, ficou a cargo do eminente jurista Ebert Vianna Chamoun. • 0 dispositivo encontra o seu correspondente no art. 491 do CC de 1916.

D O U T R IN A • Várias são as circunstâncias que fazem presumir o desaparecimento da boa-fé, e as principais são as seguintes: o) confissão do possuidor de que não tem nem nunca teve títu lo ; 6) n ulidade m anifesta do título; c) existência de instrum entos repugnantes à legitim idade da posse, em poder do possuidor (cf. Clóvis Beviláqua, D ireito das coisas, 5. ed., Rio de Janeiro, Foren­ se, v. I, p. 45); d] contestação da demanda (cf. Carvalho Santos, Código Civil interpretado, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1979, v. VII, p. 4 9 -5 0 ; e W ashington de Barros M onteiro, Curso de direito civil, São Paulo, Saraiva, 1979, v. VIII); e) citação judicial (sem perder de vista a obser­ vação feita por Lafayette Pereira no sentido de que o réu pode receber a comunicação e ju lg á -la infundada na crença - b o a -fé - de que o bem lhe pertence) (cf. D ireito das coisas, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1943, v. I). • Os efeitos práticos dessa questão concernem às benfeitorias, frutos, direito de retenção, prescrição aquisitiva e aquisição por "expropriação judicial" (instituto híbrido de desapropria­ ção indireta e usucapião social - art. 1.228, §§ 4o e 5°). Para que os efeitos revertam positi­ vam ente em prol do possuidor, faz-se mister que a posse seja adquirida com b o a -fé e que essa circunstância perdure durante todo o tem po.

JU LG AD O S • "(...) VI - 0 direito de retenção nào pode ser exercido pelo possuidor de m á-fé - condição que adquire o réu ao ser citado em ação de reintegração de posse --, a teor do a r t 1.220 do Código Civil. VII - Recurso da ré e remessa necessária conhecidos e improvidos" (TRF, 2* R., AC 1987.51.01.004525-1, 5* Turma Especializada, Rei. Juiz Fed. Conv. Mauro Luís Rocha Lopes, j. em 31 -10-2 007 , DJU,17-12-2007, p. 486).

Arts. 1.203 e 1.204

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• "Civil. Repetição de indébito. Admissão do pagamento indevido. Pesquisa do elemento subjetivo com relaçào aos acréscimos legais. Art. 510 do Código Civil. I - Ocorrendo o reconhecimento do pagamento indevido, o réu é obrigado a restituir por força do art. 964 do Código Civil. II - 0 possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos (CC, art. 510). III - A partir do conhecimento da titularidade dos valores levantados, a boa-fé do réu se transformou em má-fé, quanto ao saque retido e dispendido, passando este a responder por juros e correção monetária a partir de então. IV - Apelação a que se dá provimento em parte" (TRF, 1* R., AC 01237997/BA, 3»T., Rel. Juiz Cândido Ribeiro, j. em 9 -6 -1 9 9 7 , DJU, 19 -9-1997, p. 76004).

Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se m anter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. • A redação deste artigo é idêntica à do art. 492 do CC de 1916.

DOUTRINA • A presunção legal (“salvo prova em contrário") - presunção ju ris tan tu m - é no sentido de que se viciada a posse, assim haverá de ser m antida indefinidam ente; se adquirida com m á-fé, igualmente.

ENUNCIADO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 237, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "É cabível a modificação do ti­ tulo da posse - interversio possessionis - na hipótese em que o até então possuidor direto de­ monstrar ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por efeito a caracterização do animus dom inr (autor: Marco Aurélio Bezerra de Melo). Significa dizer que a posse direta, que até então era relativa (nào própria), transmuda-se através dos novos atos potestativos de exteriorização em posse absoluta (própria). Todavia, a nova posse torna-se, necessaria­ mente, viciosa, seja em decorrência de atos de violência, clandestinidade ou precariedade.

JULGADO • "(...) I - Hipótese em que o ex-companheiro da Autora teve o seu direito à aquisição do imóvel que ocupava assegurado em sentença com trânsito em julgado, com base no art. 65 da Lei n. 4.380/64; II - Inexistência de clandestinidade na posse da Autora, porquanto foi morar no imóvel em companhia do varão ocupante. Posse do ex-companheiro que se transmite à Autora com o mesmo caráter (art. 492 do Código Civil de 1916, correspondente ao art. 1.203 do Código Civil vigente); III - Não tendo o Réu contestado a ação consignatória, justifica-se a procedência do pedido consignatório; IV - A Autora está na posse do imóvel há quase trinta anos e, por meio da ação consignatória, já efetuou o pagamento de todo o preço do imóvel, constante na escritura pública, tendo, portanto, como ocupante, o direito à aquisição do imóvel, conforme a Lei n. 4.380/64. Procedência do pedido a d ju d ie a tó rio ; V - Remessa o fic ia l desprovida" (TRF-2, REO 1995.51.01.014525-4, 4* T.. Rel. Juiz Valmir Peçanha. DJU, 2 3 -5-20 03, p. 377).

C ap ítu lo II — DA AQUISIÇÃO DA POSSE Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se tom a possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.

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Art. 1.204

HISTÓRICO • 0 dispositivo em tela tinha a seguinte redação quando da remessa do anteprojeto è Câmara dos Deputados: "Adquire-se a posse quando se obtém o poder sobre uma coisa (a rt 1.235), inclusive pelo constituto possessório". Quando da primeira votação pela Câmara, através de subemenda do relator Ernani Sátyro, o dispositivo ganhou a redação atual, não tendo sido atingido por qualquer outra espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos De­ putados, no período final de tramitação do projeto. Considerou-se, naquela ocasião, que não é a obtenção de poder, mas o exercício do poder sobre o bem que caracteriza a posse; porém equivocou-se o legislador. • Sistematização totalmente diversa daquela preconizada no art. 493 do CC de 1916.

DOUTRINA • A alteração a que se procedeu no texto original do anteprojeto, m odificando a sua redação, suprimindo a referência ao constituto possessório, foi providência, no mínimo, infeliz, que está a merecer reparo legislativo urgente, sem contar com outros aspectos de ordem técnica doutrinária que nào podem passar despercebidos, em face da im portância do dispositivo e da reform ulação im plem entada com a reform a do Código. • Em prim eiro lugar, a posse não se adquire pelo “exercício" do poder, mas pela obtenção do poder de foto ou poder de ingerência socioeconômica sobre um determ inado bem da vida que, por sua vez, acarreta a abstenção de terceiros em relaçào a este mesmo bem (fenôm eno dialético da posse). • Portanto, basta que se adquira o poder de fa to em relação a determ inado bem e que o titu ­ lar deste poder tenha ingerência potestativa socioeconômica sobre ele, para que a posse seja efetivam ente adquirida. Ademais, para se adquirir posse, nào se faz mister o exercício do poder; basta a possibilidade de exercício. Não se pode prescindir é da existência do poder de ingerência. Para m aior aprofundam ento sobre o tem a e para evitar repetições desnecessárias, enviamos o leitor interessado aos nossos comentários ao art. 1.196, supra. • Nesse sentido, com plem enta Arruda Alvim ao lecionar que “a posse pode ser adquirida, como se disse, por cooperação do possuidor precedente, que transfere a coisa ao que passa a ser possuidor, como já se aflorou. A esta modalidade de aquisição referia-se especificamente o art. 493, III, c.c o parágrafo único, desse texto, do Código Civil de 1916. A chamada coope­ ração é útil, como se aflorou, para verificar-se que nào há ou houve objeção na aquisição da posse por parte daquele que teve a posse. Mas, o que se mostra relevante é que, para aqui­ sição da posse, necessário é que haja a efetividade do poder de foto sobre a coisa" (“Notas sobre o 'ius possessionis' e o 'ius possidendi’ e a sua proteção no processo", in Revista A u tô ­ nom a de D ireito Privado, Curitiba: Juruá Editora, 2007, item 4, p. 41). E, mais adiante, arre­ m ata o festejado mestre paulista: “(...) se ocorrer a convergência de vontades - e, não se tratando de constituto possessório - é certo que essa convergência de vontades não terá transferido a posse, se o posse não houver sido, efetivam ente, transferida" (idem, p. 42). • Em segundo lugar, é im portante fazer a referência ao instituto jurídico do constituto pos­ sessório neste art. 1.204, excluído acertadam ente do atual art. 1.205 deste Código, que versa apenas sobre os sujeitos da aquisição (diferentem ente do que se verificava no Código Civil de 1916, art. 494, que mesclava form as distintas de aquisição), mas elim inado sem razão do dispositivo em questão, para nào se correr o risco de fazer crer (erroneam ente), aos mais afoitos, que ele teria desaparecido do sistema m aterial, ou se tornado juridicam ente impos­ sível para bens imóveis. Por outro lado, a sua não inclusão neste dispositivo, por si só, nào teria o condão de suprim i-lo do sistema, sobretudo porque aparece mencionado como form a de tradição da propriedade móvel (art. 1.267, parágrafo único) e porque tam bém , na quali­ dade de instituto jurídico milenar, transcende tal circunstância.

Art. 1.205

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• De qualquer sorte, é de boa técnica e sistematização adequada que exista previsão norm ati­ va especifica no Título I (Da Posse), a respeito do constitu to possessório, prevenindo-se quaisquer dúvidas sobre tão im portante matéria. • Ademais, não se pode ainda esquecer de que se trata de instituto jurídico que encontra grande aproveitam ento nos dias de hoje, notadam ente nas relações contratuais envolvendo a posse indireta (p. ex., arrendam ento m ercantil, lease-hold, lease-back, lea sin g etc.), servin­ do m uito bem para a obtenção rápida de capital de giro ( working capital), à medida que se convertem os custos de ocupação em aluguel (lease-back). • Por últim o, veja-se, a esse respeito, a redação do art. 1.223 sobre a "perda da posse", cujo teor vai justam ente ao encontro do nosso entendim ento (art. 1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196). • Em outros termos, o que se há de propor é a m anutenção da redação prim itiva do texto do anteprojeto, com pequenas alterações, tendo-se em conta que atende a m elhor técnica ju rí­ dica e redacional. • C onstituto possessório é o instituto jurídico que se verifica quando o sujeito, na qualidade de possuidor absoluto (posse própria e plena), transfere a outrem a posse absoluta indireta (ou própria e mediata) e reserva para si a posse relativa direta (não própria imediata). 0 constitu­ to possessório não se presume (cláusula constituti). O constituto possessório não se presume (cláusula constituti). 0 constituto possessório é form a de aquisição e perda da posse.

E N U N C IA D O D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 77, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A posse das coisas móveis e imóveis também pode ser transmitida pelo constituto possessório" (autores: Joel Dias Figueira Jr., Marco Aurélio B. de Melo e Álvaro Manoel R. Bourguignon). JU L G A D O S • "(...) A aquisição da posse se dá também pela cláusula constituti, inserida em escritura pública de compra e venda de imóvel, o que autoriza o manejo dos interditos possessórios pelo adquirente, mesmo que nunca tenha exercido atos de posse direta sobre o bem (...)" (STJ, REsp 143.707/RJ, 4* T., Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 25 -11-1 997 , DJU, 2 -3 -1 9 9 8 , p. 102; RT, 754/245). • "(...) Conceituando-se a posse como o exercício de fato dos poderes inerentes ao domínio, o con­ trato de locação, por si só, não é meio apto à adquiri-la, sendo necessário que o locatário assuma efetivamente o imóvel e aja como proprietário" (STJ, REsp 28569/M G , 4* T., Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 10-10-1995, DJU, 6 -1 1-19 95, p. 37572).

D IR E IT O P R O JE T A D O • Pelas razões antes expostas, ofereci ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão, que passou a integrar o Projeto de Lei n. 6.960/2002 (atual Projeto de Lei n. 699/2011): Art. 1.204. Adquire-se a posse de um bem quando sobre ele o adquirente obtém po­ deres de ingerência, inclusive pelo constituto possessório.

Art. 1.205. A posse pode ser adquirida: I — pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante; II — por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação. H IS T Ó R IC O • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados. A redação atual é a mesma do anteprojeto.

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Art. 1.206

• Redação semelhante a do art. 494 do CC de 1916.

D O U T R IN A • Além da hipótese de sucessão universal, adquire-se a posse por ato entre vivos, diretam ente pela pessoa natural que pretende atingir esse escopo, ou por terceiro com m andato (seu representante) ou sem m andato, dependendo de ratificação sua. Tratando-se de pessoa ju rí­ dica, por atos praticados por seus representantes legais. • Adquire-se tam bém a posse pelo constituto possessório. Sobre este tem a, vide os nossos comentários ao art. 1.204. • A aquisição da posse por atos entre vivos pode ocorrer de maneira ilegítim a ou legítim a. A aquisição ilegítim a é aquela que se dá de maneira viciosa, ou seja, através da prática de ilí­ cito (civil e penal) configurador de esbulho por atos de violência, clandestinidade ou preca­ riedade, elementos caracterizadores da posse injusta do adquirente (art. 1.200). • Por sua vez, a aquisição legítim a, por ato entre vivos, opera-se com o assentimento das par­ tes (alienante e adquirente), de form a onerosa ou gratuita, verificando-se a aquisição no m om ento em que o adquirente passa a exercer poderes de ingerência socioeconômica sobre o bem da vida [vide os nossos comentários aos arts. 1.196 e 1.197). A aquisição poderá rea­ lizar-se em nome próprio ou através de representante, ou, ainda, por interm édio de terceira pessoa, sem m andato, dependendo de ratificação.

Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mes­ mos caracteres. H IS T Ó R IC O • O dispositivo em tela tinha a seguinte redação, quando da remessa do anteprojeto à Câmara dos Deputados: "A posse transmite-se aos herdeiros do possuidor com os mesmos caracteres, no mo­ mento de sua morte". Quando da primeira votação pela Câmara, por meio de emenda do Depu­ tado João Castelo, o dispositivo ganhou a redação atual, não tendo sido atingido por qualquer outra espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos De­ putados, no período final de tramitação do projeto. • A emenda procurou restaurar a redação do CC de 1916. Segundo o autor, era desnecessário acres­ centar a expressão "no momento de sua morte", uma vez que, pelo princípio dominante no direi­ to das sucessões, a herança se transmite com a morte. No caso, ao falar-se em herança, já está patente a configuração da morte do possuidor. • Redação praticamente idêntica à do a r t 495 do CC de 1916.

D O U T R IN A • O caráter ou natureza da posse m antém -se inalterado durante o período de permanência com seu titular, transm itindo-se aos herdeiros ou legatários, tal como verificado preceden­ tem ente. Recebendo-a, o sucessor a títu lo universal dá continuidade à posse de seu anteces­ sor com os mesmos caracteres previam ente estabelecidos (suceessio possessionis). Logo, se a posse padecia de algum vício objetivo ou subjetivo, assim permanecerá com o seu sucessor.

JU LG A D O • “Ação de usucapião. A juizam ento por espólio. Nào se arreda ao espólio do possuidor a legi­ tim idade para in tentar ação de usucapião (art. 12, V, do CPC). Como parte form al, o espólio está em juízo pela comunidade dos herdeiros (...)" (STJ, 4*T., REsp 2 8 .9 1 7/SP, Rei. M in. Barros M onteiro, j. em 2 9 -8 -1 9 9 5 , DJU, 2 3 -1 0 -1 9 9 5 , p. 35675).

Arts. 1.207 e 1.208

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Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor, e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais. H IS T Ó R IC O • O presente dispositivo não serviu de paleo a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. • Redação idêntica à do art. 496 do CC de 1916.

D O U T R IN A • O sucessor universal continua de direito na posse de seu antecessor, adquirindo-a com os mesmos caracteres. Assim, se a posse do antecessor era, p. ex., viciada em razão de precarie­ dade, a posse dos sucessores estará maculada pelo mesmo vício. • Ao sucessor singular (occess/o possessionis) é facultado unir a sua posse à do antecessor, para os efeitos legais. A m atéria sobre a união de posses assume m aior relevância quando levada ao plano da prescrição aquisitiva (usucapião).

E N U N C IA D O S D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 497, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “O prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses de m á-fé processual do autor". • Enunciado 494, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “A faculdade conferida ao suces­ sor singular de somar ou nào o tempo da posse de seu antecessor não significa que, ao optar por nova contagem, estará livre do vicio objetivo que maculava a posse anterior".

Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade. H IS T Ó R IC O • O dispositivo em tela não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Se­ nado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. • O presente dispositivo tem a mesma redação conferida ao art. 497 do CC de 1916.

D O U T R IN A • Os atos e as circunstâncias descritos neste artigo não conferem efeitos possessórios, tendo em vista que a manifestação de ingerência sobre determ inado bem da vida é insuficiente para a configuração da relaçào fatu al potestativa em questão. Por conseguinte, os sujeitos que se enquadram nessas hipóteses im peditivas à aquisição da posse (atos de simples permissão ou tolerância, violência ou clandestinidade, enquanto nào cessados) não são considerados titu ­ lares do poder fático (possuidores). • A norma estatuída fundam enta-se na garantia dos direitos do possuidor que tolera ou per­ m ite certos atos praticados por outrem (atividade social, econômica e/ou produtiva), atin en tes ao uso ou gozo da coisa, assim procedendo com o objetivo exclusivo de favorecer a convivência social, especialmente as relações de vizinhança. • Tanto os atos de permissão, que decorrem de consentim ento expresso do possuidor, como os atos de tolerância, que im portam em uma autorização tácita, derivam de um espírito de

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Joel Dias Figueira Jr.

Art. 1.209

condescendência, de relações de am izade e de boa vizinhança, caracterizados, via de regra, por elementos da transitoriedade e passividade. • A permissão ou tolerância dar-se-á por prazo determ inado ou indeterm inado, podendo configurar-se, inclusive, por longos anos, sem que o lapso tem poral transmude em posse a utilização precária do bem. Para que o uso precário, portanto, decorrente de mera permissão ou tolerância, transform e-se em posse, mister se faz que o permissionário comunique o legi­ tim o possuidor que está exercendo poderes socioeeonômicos sobre o bem da vida em questão (posse absoluta), ou, se instado a devolver a coisa, responda negativam ente. • Assim como já se verificava com o art. 497 do CC de 1916 (redação idêntica ao atual art. 1.208), a norma em exame é tam bém omissa quanto ao vício da precariedade. 0 acerto do dispositivo repousa na circunstância de que a caracterização do referido vício não cessa no plano do mundo fatu al, pois, configurado, assim permanecerá viciosa a posse. D iferentem en­ te, violência e clandestinidade transm udam -se com a cessação da vis (corporalis - com pulsus) ou através da publicidade da posse. Vejamos alguns exemplos: o com odatário ou arren­ datário (posse relativa direta) que, findo o contrato, não devolve espontaneam ente o bem ao possuidor (posse absoluta indireta), ou, após interpelação (judicial ou extrajudicial), não devolve o bem no prazo assinalado, circunstâncias essas que fazem surgir o vício da preca­ riedade.

JULGADOS • "Direito civil e processual civil. Ação de reintegração de posse. Bem público desafetado. Lei n. 4.545/64. Imóveis administrados pela Terracap. Inadmissibilidade da posse. Ausência de título de propriedade. Desnecessidade. Interditos proibitórios em área pública. Inacessibilidade ao particu­ lar, mero detentor. Indenização por benfeitorias. Possibilidade. I - A Lei n. 4.545/64, ao dispor sobre a reestruturação administrativa do Distrito Federal, declara que os imóveis que compete à Terracap administrar nào são suscetíveis de posse, mas, sim, de uso. E este, por sua vez, nào pode ser transformado em posse direta, sequer diante de possível inércia da administração pública. Assim, não há que se falar em turbação por parte desta se os ocupantes não possuem a compe­ tente autorização para a utilização da área pública. II - Em se tratando de imóvel que integre o patrimônio público do Distrito Federal, independentemente do titulo de propriedade, compete à Terracap a sua administração, conforme precedentes deste egrégio TJDF. III - Pratica esbulho o particular que ocupa imóvel público e se recusa a entregá-lo, pois sobre este não detém a posse, configurando-se a ocupação alegada em mera tolerância da administração. E quem não exerce posse, não tem acesso aos interditos (CC, art. 499) nem à tutela cautelar contra eventual esbulho, como é o caso do interdito proibitório" (TJDF, AC 20000150034690/DF, 3* Turma Cível, Rel. Des. Wellington Medeiros, j. em 23 -10-2 000 , DJU, 7-3-200 1, p. 53). • "Condomínio. Ação possessória. Ocupação de área comum. Prescrição. Definido pelo tribunal o quo tratar-se de mera ocupação precária deferida ao condomínio sobre parte da área comum, incide o disposto no art. 4 9 7 ,1« parte, do Código Civil ('não induzem posse atos de mera tolerân­ cia'), começando a correr a prescrição apenas com a recusa de restituição, caracterizando-se ai o precário" (STJ, REsp 48968/RJ, 4» T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 12-12-1994, DJU, 202-1995, p. 3198).

Art. 1.209. A posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a das coisas móveis que nele estiverem. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto.

Art. 1.210

Joel Dias Figueira Jr.

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• Esse dispositivo tem redação quase idêntica à do art. 498 do CC de 1916.

D O U T R IN A • Trata-se de presunção ju ris tantum . Porém, a regra está fundam entada na circunstância de que os móveis, como acessórios, pertencem ao respectivo imóvel, assim considerado como o bem principal. • Trata o dispositivo de coisas móveis que guarnecem o imóvel, isto é, que estejam nele inseri­ das de algum a form a e a qualquer títu lo (benfeitorias, art. 9 6 do CC), dele fazendo parte integrante, como, por exemplo, as mobílias, quadros, aparelhos eletroeletrônicos, sistemas de segurança em form a de alarm e ou videocâmeras, estátuas etc. • Diga-se o mesmo sobre automóveis ou pequenas embarcações (canoas, lanchas ou j e t skí\ que se encontrem parqueadas nas dependências de determ inado imóvel, pois exsurge a pre­ sunção de que todos os bens (imóvel e móvel) são possuídos pelo mesmo sujeito. Assim, se um bem móvel é conferido a outrem , a títu lo de com odato, mesmo que entre as partes a simples entrega inform al seja suficiente para a configuração do ato, para valer contra te r­ ceiros mister se faz o registro do docum ento no cartório com petente, nos moldes preconiza­ dos no disposto no art. 221 do CC.

C ap ítu lo III — DOS EFEITOS DA POSSE Art. 1 2 1 0 .0 possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molesta­ do. § O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse. § T- Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa. H IS T Ó R IC O • O dispositivo em tela não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto, cujo Livro III, referente ao Direito das Coisas, ficou a cargo de Ebert Vianna Chamoun. • O dispositivo aglutina, em outros termos e com algumas modificações, as normas delineadas nos arts. 499, 501, 502 e 505 do CC de 1916. D O U T R IN A • A perda da posse contra a vontade do possuidor pode verificar-se através da prática de atos de violência, clandestinidade, ou precariedade, tornando-a viciada e, por conseguinte, injus­ ta. Para um aprofundam ento sobre os vícios da posse, remetemos o leitor interessado aos nossos comentários ao art. 1.200, supra. • É de bom alvitre que se faça uma abordagem breve e prelim inar acerca da perda da posse, da pretensão de recuperação, sobre os atos turbativos e o ju s to receio de m olestam ento, porquanto são eles os elem entos essenciais form adores de todo o arcabouço que dará ense­ jo á pretensão de tutela interditai (p etitum e causa petendi) e, via de conseqüência, objeto de conhecim ento do Estado-juiz para a resolução de lide possessória.

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• A perda da posse dos bens contra a vontade do possuidor ocorre somente quando ele nào fo r m anutenido ou reintegrado em tem po h á b iU art. 1.223 c/c o art. 1.224 do CC). Dentro de nossa sistemática norm ativa, tem po com petente é o período que o legislador entendeu ra ­ zoável para o possuidor esbulhado recuperar a posse, ou seja, um ano e um dia (art. 92 4 do CPC). A respeito desse prazo, ressalta-se que a regra contida no art. 523 do CC de 1916 nào foi recepcionada no Código Civil de 2002. Todavia, tal circunstância nào m odifica ou suprime o qualitativo das demandas interditais que sào em inentem ente “sumárias" (tendo-se em conta o pedido e a causa de pedir, o plano probatório, o cognitivo e a form ação da coisa julgada). Soma-se ainda a admissibilidade instrum ental da form a especial preconizada no Livro IV do CPC, desde que ajuizada a ação no prazo de ano e dia a contar da turbação ou esbulho; passado esse prazo, o rito será ordinário, nào perdendo, contudo, o caráter posses­ sório da demanda (art. 92 4 do CPC), ou seja, em qualquer circunstância continuará fundada no ius possessionis. • É a ação reintegratória de posse ("ação de reintegração") o remédio jurídico adequado para recuperar o bem da vida perdido, sempre fundada no "direito de posse" [ius possessionis), em face de esbulho sofrido. Contudo, o possuidor que venha a ser tam bém titu la r de direito real sobre o mesmo bem (proprietário e possuidor) poderá, igualm ente, m anejar em seu favor ações recuperatórias de natureza real, tais como a reivindicatória ou a ação de imissào de posse (art. 1.228 do CC). Contudo, vale repetir, essas demandas não se fundam no "direito de posse", mas no "direito à posse" [ius possidendi), donde exsurge o seu caráter petitório, o que modifica todo o contorno da lide e a base jurídica sobre a qual se baseia a pretensão dedu­ zida em juízo. A prova, portanto, concentrar-se-á em demonstração de direito real violado e na “posse injusta" do réu, ou seja, aquela co nfrontante com o direito de propriedade do autor. Por conseguinte, nào poderá o postulante fazer uso da com m oda possessionis, em que a prova é simplificada, consubstanciando-se na demonstração de posse anterior e em sua perda, por prática de ato espoliativo (art. 927 do CPC). Mais complexa e dificultosa a obten­ ção de lim inar em sede de ação reivindicatória ou de imissào de posse, pois o autor haverá de dem onstrar satisfatoriam ente, com base em direito real, os requisitos da antecipação de tutela genérica (art. 273 do CPC). Mais adequado, porquanto conveniente, ao au tor titu lar da posse e da propriedade, em caso de perda do poder fático de ingerência socioeconômico sobre o bem da vida que lhe pertence, é a busca da tutela jurisdicional por meio da ação de reintegração de posse. • As ações reais tutelam a posse de maneira indireta, ou seja, por vias transversas, enquanto as demandas interditais típicas e puras (ação de reintegração, de manutenção e de interdito proibitório) tutelam a posse diretamente, com fulcro tão somente no ius possessionis. Em outras pala­ vras, várias ações de natureza real podem tutelar a posse (exs.: ação reivindicatória, ação de imissão de posse, ação confessória, ação negatória, ação de nunciaçào de obra nova, ação de busca e apreensão etc.); contudo as únicas três ações que sào tipicamente interditais, isto é, ba­ seadas exclusivamente no "direito de posse" em que o titular da demanda pode fazer uso da commoda possessionis em sede probatória são as ações de reintegração, manutenção e interdito proibitório. • Q uanto ao prazo m ínim o de posse para a obtenção da m anutenção ou reintegração, obser­ va-se que o legislador de 2002 não repetiu a regra contida no art. 507 do CC de 1916. Sobre esse tem a, enviamos o leitor interessado aos nossos com entários ao art. 1.211, infra. • 0 atu al Código Civil, assim como o de 1916, não define o que venha a ser esbulho, mas perm ite-nos chegar ao perfil necessário da actio spolii por meio de interpretação do art. 1.210. Na linguagem com um , esbulhar significa p riv a r alguém de alg u m a coisa, su b train ­ d o -a , to lh endo -a, elim in an d o -a. A pretensão jurídica articulada pelo possuidor esbulhado é, inquestionavelm ente, a restituição, a reintegração na posse do bem que lhe foi espolia­ do. Portanto, esbulho representa a perda, to ta l ou parcial, do poder fático de ingerência socioeconômica sobre um determ inado bem da vida. 0 esbulho possessório é ato ilícito

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civil e penal (crime de usurpaçào, previsto nos incisos I e II do art. 161 do CP), praticado por terceiro em d etrim en to da posse de outrem , que resulta no perdim ento (absoluto ou relativo) do poder de fato , invertendo-se a titu larid ad e da relaçào possessória, passando o esbulhador a ter injustam ente (posse ilegítim a) o uso e a disponibilidade econôm ica do bem respectivo. Em outras palavras, é ato eficien te capaz de im pedir o possuidor de prosseguir na sua norm al relaçào fático -p o testa tiva , retirando o bem da esfera de seu poder e to r­ n ando-o disponível ao au to r do esbulho ou a terceiros. Em suma, o esbulho é qualquer ato (ilícito) de m olestam ento que acarrete ao possuidor, injustam ente, a perda da posse, cor­ respondente à privação total ou parcial do poder de fa to socioeconômico de utilização e disponibilidade. Consequentemente, a prática de atos atinentes ao regular exercício de um direito, como, p. ex., a notificação do locador ao locatário manifestando form alm ente o seu interesse em re­ tom ar o imóvel objeto da locação, não caracteriza esbulho, turbação ou justo receio ao in ­ quilino de vir a sofrer algum tipo de moléstia em sua posse. Diga-se o mesmo a respeito da ordem judicial de recuperação de um móvel ou imóvel que, igualm ente, não dá ensejo à tutela interditai ao possuidor que é terceiro estranho à relaçào jurídico-processual em que teve origem a expedição de mandado recuperatório (nesse caso, preenchidos os requisitos, poderá o interessado utilizar-se apenas de embargos de terceiro). De form a diversa, pratica esbulho (precariedade) o com odatário que desatende notificação do com odante para desocupar o imóvel em data apontada, como se dá, por exemplo, com um dos cônjuges que continua a ocupar (gratuitam ente) a residência pertencente aos geni­ tores do outro que já desocupou o imóvel depois da dissolução do m atrim ônio ou união es­ tável. Esse exemplo, frisa-se, nào se confunde com a hipótese descrita no art. 1.240-A , que pressupõe, dentre outros requisitos específicos, a compropriedade preexistente do imóvel entre os cônjuges ou companheiros. • Quanto ao chamado elem ento subjetivo (ou psicológico) do esbulho - o anim us spoliandi - ou seja, a intenção de praticar a ofensa possessória, entendemos ser de absoluta irrelevân­ cia para fins de obtenção da tutela interditai, não podendo ser assimilado ou confundido com o dolo ou a culpa preconizados na teoria aquiliana. 0 anim us nào é requisito fático para configuração da perda da posse - o que se dá no mundo dos fatos - tam pouco requisito legal, nào passando de puro questionam ento ou especulação doutrinária. 0 componente subjetivo é supérfluo para a obtenção do resultado - a tutela possessória - porquanto o fundam ento da proteção reside na demonstração do elem ento objetivo, qual seja, a efetiva perda da posse, total ou parcial. No direito aplicado, o aspecto volitivo nào está com preen­ dido no a to -fa to da moléstia (esbulho ou turbação), pois nào pertence à estrutura do ato lesivo. Colocada a ação á exclusiva proteção de uma situação de fato , entendida no seu as­ pecto concreto e atual, nào pode ser lim itada pela falta de voluntariedade do ato nem pela circunstância que poderia justificar o com portam ento do agente. • Na distinção entre esbulho e turbação, o intérprete nào deverá valorar a abstrata correspon­ dência dos atos lesivos á noção de moléstia; deve, sim, passar à análise dos verdadeiros im ­ pedimentos da função social assinalada ao poder de fa to sobre o bem da vida, dentro da relaçào possessória. Som ente com portam entos que determ inem uma desfuncionalizaçào do poder de fato, além da normal tolerabilidade, merecem ser reprimidos por meio das ações possessórias. 0 esbulho significa a perda (total ou parcial) da posse; a turbação, a prática de atos de m olestam ento sem ocasionar a perda da posse. • A turbação é todo ato ilícito de moléstia à posse, diverso do esbulho, não compreendendo, portanto, qualquer situação fática de perda do poder de ingerência sobre o bem. Contudo, para sua caracterização faz-se mister a existência de uma lesáo à posse, nào sendo suficien­ te a turbação simples ou a mera intenção de turbar; imprescindível torna-se o agravam ento

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qualitativo ou quantitativo da situação possessória causada pela moléstia. Os atos turbativos, via de regra, tendem ao agravam ento no plano dos fatos, transm udando-se em esbulho è medida que o molestador tem por escopo possuir (ilicitam ente) o bem da vida pertencente a outrem . Assim, nào configura qualquer espécie de ofensa à posse a prática de atos perturbadores do sossego ou da tranqüilidade do sujeito, ou, ainda, a regular atividade de uma pessoa (física ou jurídica). Nào confundir jam ais perturbação do sossego ou das atividades regulares de alguém com atos de moléstia à posse. Situações indesejáveis como essas hão de ser reprim i­ das através de demandas de natureza inibitória (não fazer) de preceito com inatório não in­ terditai. Diferentes são as hipóteses de obstrução (total ou parcial) das atividades regulares de qualquer pessoa. Cita-se, como exemplo, a greve de determ inada categoria de trabalha­ dores que, através de piquetes, obstam (não raram ente utilizando-se de violência) o acesso de funcionários ou clientes ao estabelecimento comercial, empresarial ou órgào público. • Sem que a demanda interditai perca a sua natureza específica e o rito especial, em se tra ta n ­ do de moléstia praticada menos de ano e dia, é lícito ao au tor cum ular ao pedido possessório o de condenação em perdas e danos (danos emergentes, lucros cessantes e danos morais), cominação de pena para o caso de nova moléstia e o desfazim ento de construção ou plan­ tação feita em detrim ento de sua posse (art. 921 do CPC). A cumulação de outros pedidos ao possessório é tam bém admissível, desde que respeitados os parâmetros estabelecidos no art. 292 do CPC. Nestes casos, a dem anda nào perde o seu caráter interditai; porém, em face do cúmulo objetivo diverso daquele estabelecido no art. 921 do CPC, mesmo que a moléstia à posse date de menos de ano e dia, aplicar-se-á o procedimento comum (p. ex., ação de res­ cisão de contrato cumulada com reintegração de posse). Para aprofundam ento sobre o tem a "cumulação de pedidos e antecipação de tutela interditai", cf. Joel Dias Figueira Júnior, Limi­ nares nas ações possessórias, item n. 8. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2. ed. • Por sua vez, o interdito proibitório tutela a posse conferindo ao possuidor a abstenção por parte de terceiros da prática de turbação ou esbulho que ainda não se concretizaram , mas que ele tem ju s to receio de que se realizem futu ram ente. Esse futu ro foi chamado pelo le­ gislador de im inente. Tendo em vista as particularidades que envolvem as diversas situações de fato , com um ente complexas, nào se pode interpretar de maneira literal im inente como im ediato. Assim, deve-se considerar que se pretendeu o nào rom pim ento do liame tem poral em relação ao interesse do possuidor, razão por que não há de se falar num fu tu ro longínquo ou rem oto, mas que tam bém nào precisa ser breve ou im ediato - basta que seja próximo. O ju s to receio 6e sofrer perturbação im porta em tem or fundado, e nào em mera possibilidade, especulação ou ilação do possuidor. Resultará de ameaça (verbal ou escrita) ou terá como causa o com portam ento do sujeito que exprim a a sua vontade inequívoca em traduzir os seus gestos em atos de moléstia (esbulho ou turbação). A verdade é que a expressão ju s to receio representa ju rid icam en te um conceito vago, vinculando a interpretação do magistrado à análise das peculiaridades de cada caso concreto, porquanto somente estas dem onstrarão a existência desse requisito para a concessão da tutela interditai de conteúdo com inatório negativo. Acertada a lição de Hum berto Theodoro Júnior: “São as ameaças de medidas agressivas na ordem prática ou m aterial que ensejam o recurso ao interdito proibitório. Qualquer outro tipo de receio, que não seja o da violência im inente, nào configura o justo receio, de que fala o art. 932 do CPC" ( Curso de direito processual civil, 30. ed, Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. III, p. 138). • 0 § 1° versa a respeito da au totutela (legítim a defesa e desforço incontinenti). Sendo a pos­ se um im portante fenôm eno socioeconômico do mundo fático, palco natural dos principais acontecim entos da vida humana, perm itiu o legislador que o possuidor turbado ou esbulha­ do pudesse ser m antido ou restituído por força própria, desde que a providência fosse tom a­

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da logo. 0 advérbio “logo" ("... contanto que o faça lo g o ..".) designa im ediatidade ou brevís­ simo período de tem po que deve m ediar da prática do ato ilícito à execução efetiva dos atos de repulsa (defesa ou desforço). • Contudo, esses atos de defesa ou de desforço nào podem ultrapassar o lim ite indispensável à m anutenção ou restituição da posse. • São estes requisitos que devem estar presentes para justificar a prática de atos de defesa (contra a turbação) ou de desforço (contra o esbulho): o) ofensa à posse; b) im ediatidade ou tem po brevíssimo para a repulsa (resistência à turbação e recuperação da posse); e) m odera­ ção nos atos de defesa ou de desforço (equilíbrio entre a moléstia sofrida e o ato de repulsa); e d) prática dos atos pelas próprias mãos do possuidor ou por alguém a seu mando. • A exceptio proprietatis, mesmo como regra de exceção, sempre violou a pureza dos interdi­ tos, afrontando, assim, o senso m aior dos puristas que preconizavam a tutela possessória e o seu julgam ento com base tão som ente na questão de m érito ancorada no ius possessionis, visto que neste tipo de ação não se discute o títu lo de propriedade. A exceção vinha à baila somente quando ambos os litigantes postulavam a posse com base em direito real, ou quan­ do duvidosas as posses. Nesses casos, aplicava-se a segunda parte do art. 505 do CC de 1916 - excerto não mais repetido no § 2* deste art. 1.210 do CC - , que assim preconizava: "Não se deve, entretanto, ju lg ar a posse em favor daquele a quem evidentem ente não pertencer o dom ínio". Nesse sentido era o entendim ento do STJ, pois em sintonia com o Código de 1916 (cf. REsp 2000.353/CE, Rei. M in. Sálvio de Figueiredo Teixeira). Por óbvio, a jurisprudência do STJ adequou-se ao Código de 2002 (cf. REsp 768.102/SC, 3*T., Rei. M in. Nancy Andrighi, j. em 1 7 -4 -2 0 0 8 ). • Nos dizeres de Arruda Alvim, “é curial não haver mais exceção de dom ínio no direito brasi­ leiro, pois a regra do art. 1.210, § 2», guarda sintonia com o últim o estágio da precedente evolução legislativa ("Notas sobre o 'ius possessionis* e o 'ius possidendi' e a sua proteção no processo", Revista A utô nom a de D ireito Privado, Curitiba: Juruá Editora, 2007, item 2.1, p.

23). • Essa nova regra (proibição de alegação da exceção de propriedade) encontrará eficácia im e­ diata, ou seja, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, aplicando-se, portanto, aos processos em curso em que as partes estejam mesmo discutindo a posse em razão do dom ínio e a sentença ainda não tenha sido proferida. Nesses casos, o julgador haverá de desconside­ rar, de ofício, a alegação de propriedade e decidir a lide com base tão somente na situação possessória. Nào mais havendo a proibição contida na parte final do revogado art. 505 do CC de 1916, a posse pode ser conferida a quem evidentem ente não pertencer o dom ínio. Nesse sentido tam bém o entendim ento de Guilherm e Rizzo Amaral (cf. palestra intitulada Ensaio acerca do im pacto do novo Código Civil sobre os processos pendentes, proferida em "Mesa de Estudos Sistemáticos sobre o Novo Código Civil - Trench, Rossi & W atanabe - 1° Encon­ tro", Porto Alegre, 1 2 -4 -2 0 0 3 ). • A novidade insculpida no art. 1.210, § 2*. do CC m odifica radicalm ente o panorama sobre o tem a apresentado, considerando-se a supressão da segunda parte do antigo art. 50 5 do CC de 1916, que, em outros termos, significa a nào recepção do instituto jurídico da exceptio proprietatis. Doravante, os julgam entos em sede possessória haverão de pautar-se, tão so­ mente, com base na pureza dos interditos, isto é, levando-se em conta, para a tom ada de decisão, apenas as questões pertencentes ao mundo dos fatos. Em outros termos, mesmo que o au tor da demanda comprove ser o proprietário do bem litigioso, mas persistindo dúvida acerca da posse, o pedido interditai haverá de ser julgado im procedente, restando-lhe pos­ tular a proteção estatal através do ajuizam ento de demanda de natureza real. A pureza dos interditos possessórios chancelada no § 2o do art. 1.210 do CC vem reforçar a regra insculpida no art. 923 do CPC, que preconiza: "Na pendência do processo possessório é defeso, assim ao au tor como ao réu, intentar ação de reconhecim ento do dom ínio". Isto

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porque as relações litigiosas pertencem a mundos distintos, quais sejam, o plano dos fatos (posse) e o plano do direito (propriedade), na exata medida em que a tutela interditai fu n d a -se no ius possessionis (direito de posse), enquanto a tutela real perseguida ancora-se no ius possidendi (direito à posse). Soma-se, ainda, a circunstância de que o fenôm eno possessório haverá de ser demonstrado pelos litigantes em demanda interditai sob a luz das teorias so­ ciológicas, de acordo com a relaçào socioeconômica potestativa form ada entre o sujeito e o bem da vida litigioso que ele pretende recuperar ou conseguir manter. Aliás, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal no sentido de que não há inconstitucionalidade na proibição de ajuizam ento de demanda de natureza real (petitória) durante a pendência de ação interditai (possessória) [RTJ, 9 1 /594 ). Este tam bém é o abalizado entendim ento de Nelson Nery [CPC com entado, art. 923, item n. 5, p. 992. São Paulo: Revista dos Tribunais, 9 ed., 2006; RePro, 5 2 /170 , "Interditos possessórios"; RDPriv, 7 /1 2 6 “Proteção judicial da posse"). Assim, p. ex., na pendência de processo de reintegração de posse, obsta o art. 92 3 do CPC c/c art. 1.210, § 2®. do CC que o réu, se proprietário for, ajuíze demanda reivindicatória contra o mesmo autor. Ressalta-se que a restrição contida no art. 92 3 do CPC lim ita-se às demandas interditais em face de ações de reconhecim ento de dom ínio (natureza real), razão pela qual nada impede que se afore, p. ex., ação de reivindicação quando pendente ação de usucapião (cf. TJSP, RJTJSP, v. 145/147). • Verifica-se que as denominadas ações vindicatórias da posse (ou reivindicatórias da posse) funda­ das no art. 521 do CC de 1916 foram suprimidas (injustificadamente) do Código Civil de 2002, quando deveriam ter sido apenas deslocadas do Capitulo IV, "Da perda da posse", onde se encon­ travam, passando a integrar este Capitulo III, "Dos efeitos da posse", por ser o seu habitat, mantendo-se, assim, a coerência do sistema. • Por isso, afigura-se de boa técnica a inclusão da previsão normativa da demanda apontada, para que dúvidas futuramente não pairem, a fim de autorizar o possuidor a proteção interditai, sem ter de recorrer à demanda puramente real (reivindicatória), visto que esta ação (vindicatória) pode ser dirigida contra terceiros com justo titulo e boa-fé, o que é juridicamente impossível com as ações de reintegração de posse (art. 1.212). Ademais, a vindicatória da posse, quando ajuizada no prazo de ano e dia, torna-se muito mais vantajosa, em termos práticos, se comparada com a ação reivindicatória (ação real típica ou pura), justamente por se tratar de demanda sumária (com li­ mitação cognitiva probatória, ancorando-se a pretensão no ius possessionis, em que pese a sua natureza eclética ou mista), acrescentando-se a facilidade de utilização do rito especial do Códi­ go de Processo Civil, que permite a obtenção de tutela liminar interditai, cujos requisitos são bem mais simplificados e não se confundem com aqueles, delineados como tutela genérica, do art. 273 do mesmo Diploma Instrumental. Por essas razões, ofereci ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão que passou a integrar o Projeto de Lei n. 6.960/2002 (atual Projeto de Lei n. 699/2011), acrescen­ tando mais um parágrafo (§ 3o) ao art. 1.210 [vide "Direito projetado", infra).

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 495, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "No desforço possessório, a ex­ pressão 'contanto que o faça logo' deve ser entendida restritivamente, apenas como a reação imediata ao fato do esbulho ou da turbação, cabendo ao possuidor recorrer à via jurisdicional nas demais hipóteses". • Enunciado 493, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: “0 detentor (art. 1.198 do Códi­ go Civil) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder". • Enunciado 238, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: “Ainda que a ação possessória seja intentada além de 'ano e dia' da turbação ou esbulho, e, em razão disso, tenha seu trâmite regido pelo procedimento ordinário (CPC, art. 924), nada impede que o juiz conceda a tutela possessória liminarmente, mediante antecipação de tutela, desde que presentes os requisitos

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autorizadores do a r t 2 7 3 ,1 ou II, bem como aqueles previstos no art. 461-A e §§, todos do CPC" (autor: Glauco Gumerato Ramos). Esse, aliás, sempre foi o nosso posicionamento doutrinário (cf. Liminares nas ações possessórias, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, item n. 10, p. 198-216; Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, v. 4 , 1.1, art. 273, item n. 11). Todavia, apontamos o equivoco do enunciado referido (n. 238) ao afirm ar que se trata de lim inar possessória quando concedida a tutela com fulcro nos arts. 273 e 461-A do CPC. Sem dúvida, os efeitos da concessão da providência haverão de incidir diretamente no plano dos fatos (possessório), mas o fundamento jurídico da decisão favorável não seró jam ais interditai, porquanto ancorado em elementos e requisitos de outra natureza (= perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, ou defesa temerária e verossimilhança do direito alegado), enquanto a tutela especifica de caráter possessório funda-se tão somente nas hipóteses delineadas no art. 1.210, caput, do CC, em sintonia com o art. 927 do CPC (eommoda possessionis). • Enunciado 79, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: “A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações possessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabele­ ceu a absoluta separação entre os juízos possessório e petitório" (autor: Adroaldo Furtado Fabricio). • Enunciado 78, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: “Tendo em vista a nào recepção, pelo novo Código Civil, da exceptio proprietatis (art. 1.210, § 2o), em caso de ausência de prova suficiente para embasar decisão liminar ou sentença final ancorada exclusivamente no ius pos­ sessionis, deverá o pedido ser indeferido e julgado improcedente, não obstante eventual alegação e demonstração de direito real sobre o bem litigioso" (autor: Joel Dias Figueira Jr.).

SÚM ULA • Súmula 487 do STF: “Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada". Com a nova normativa codificada acerca do tema, por conseguinte, perde a citada Súmula a sua eficácia.

JULGADOS • “(...) 0 Código de Processo Civil vigente não incluiu a ação de imissão na posse como procedimen­ to especial, tampouco reeditou o dispositivo então previsto no CPC/1939. Porém, a ação é juridi­ camente possível e unanimemente aceita pela doutrina e pela jurisprudência, tratando-se de ação real fundada em direito de propriedade de vindicar o bem que se encontra em poder de quem quer que injustamente o possua ou detenha (art. 1.228 do CC), adotando-se, para o seu proces­ samento, o procedimento comum (ordinário ou sumário), admitindo-se, por conseguinte, todos os meios de defesa e produção probatória (demanda plenária), inclusive a alegação de direito de retenção por benfeitorias (art. 1.219 do CC) e a usucapião (Súmula 237 do STF)" (TJSC, Al 2 0 080 321 31-7 ,1* Câm. Cível, Rei. Des. Joel Dias Figueira Jr., j. em 3-5-2011). • "(...) I - Deferida a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, seja ela em liminar (cogniçâo sumária e limitada) ou sentença (cognição plena e exauriente), deve o recurso de apelação ser recebido somente no efeito devolutivo no tocante ao objeto da antecipação. Isto porque, se a decisão interlocutória, que é fundada em cognição sumária e limitada, tem o condão de permitir a obtenção da satisfatividade no plano fático, não há razões para que a sentença de procedência do pedido, prolatada com fulcro em cognição ampla e exauriente, não atinja seu escopo sociojurídico de realização efetiva do direito material em face da interposiçào de recurso de apelação. Desse modo, há de se interpretar de maneira extensiva o inciso VII do art. 520 da Lei Instrumental atribuindo ao verbo ‘confirmar’, igualmente, o sentido de 'conceder'. II - Quando a tutela antecipatória é concedida ao final, no momento da prolação da sentença, haverá de ser impugnada por intermédio de apelação, único recurso cabível segundo norma expressa insculpida no art. 513 do Código de Processo Civil, e nào por meio de agravo de instrumento. Aplica-se aqui o principio da singularidade (ou da unirrecorribilidade), porquanto, mesmo que a sentença se apresente subdi­ vidida em partes, continua sendo ato de prestação de tutela jurisdicional homogêneo, uno e in­ divisível, impugnável tão somente por meio de apelação, nào havendo justificativa lógica e jurí­ dica para a interposiçào de recursos distintos contra o mesmo pronunciamento jurisdicional, somando-se ao fato de que, entendimento diverso, além de equivocado por nào encontrar amparo no sistema instrumental civil, afronta o principio da economia processual" (TJSC, 1* Câm. Civil, Al 2010.083736-7, Rei. Des. Joel Dias Figueira Jr., j. em 19-4-2011).

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• "(...) A ação de imissào de posse é de natureza petitória, funda-se em titulo de domínio e é própria para aqueles que são proprietários mas não exercem a posse, e pressupõe a demonstração da prova do domínio, na determinação do bem e da posse injusta. 0 conceito de posse injusta pres­ cinde dos quesitos da violência, precariedade ou clandestinidade, e configura-se, tão somente, pela demonstração de que o réu não possui titulo de domínio ou qualquer outro que justifique juridicamente sua ocupação. A usucapião pode ser arguida em matéria de defesa, e cumpre ao réu demonstrar o lapso temporal especificado em lei, a posse mansa, pacífica e ininterrupta, e o animus domini, não valendo a sentença como titu lo hábil ao Registro Imobiliário" (TJSC, AC 2010.071479-4, Rel. Des. Fernando Carioni, j. em 1°-3-201l). • "(...) Considerando-se que a ação de usucapião visa o reconhecimento do domínio, nào poderá ser manejada na pendência de lide possessória, em observância ao art. 923 da Lei Instrumental. En­ tretanto, tendo em vista que, in easu, primeiro foi ajuizada a ação de usucapião e depois foi proposta a ação de reintegração de posse, afigura-se visível a inexistência de prejudicialidade, porquanto o óbice legal repousa em situação inversa. Ademais, no caso em exame, curiosamente, trata-se do mesmo sujeito integrante do polo ativo das ações de usucapião e de reintegração de posse, ora agravante. Portanto, no caso, não há prejudicialidade externa que justifique a suspen­ são da ação de reintegração de posse até o julgamento da ação de usucapião" (TJSC, 1* Cãm. Civil, Al 2009074351-6, Rel. Des. Joel Dias Figueira Jr., j. em 14-12-2010). • “(...) A ação reivindicatória é a via processual adequada para o proprietário não possuidor retomar o bem daquele que injustamente o possua. 0 conceito de 'posse injusta' conferido no art. 524 do Código Civil de 1916 [correspondente art. 1.228 CC/2002] não se confunde com aquele do art. 489 do mesmo Diploma Legal [correspondente art. 1.200 CC/2002], sendo este último restrito aos vícios da posse (violência, clandestinidade ou precariedade), enquanto o primeiro é amplo, apli­ cável a todas as hipóteses em que a posse do réu se contrapõe ao direito de propriedade do reivindicante. Assim, comprovada nos autos a propriedade dos Autores sobre o imóvel reivindicado, que está perfeitamente individualizado, e a posse injusta dos réus, chancelada em contrato de locação firmado com terceiro não proprietário, o acolhimento do pedido formulado é a medida que se impõe" (TJSC, 1* Cãm. Civil, AC 2004.013373-1, Rel. Des. Joel Dias Figueira Jr., j. em 1 1 -5 2009)". • (...) 1. ‘A determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil’ (Conflito de Jurisdição n. 6.959), bastando que a questão sub­ metida à apreciação judicial decorra da relação de emprego. 2. Ação de interdito proibitório cuja causa de pedir decorre de movimento grevista, ainda que de forma preventiva. 3. 0 exercício do direito de greve respeita a relaçào de emprego, pelo que a Emenda Constitucional n. 45/2004 incluiu, expressamente, na competência da Justiça do Trabalho conhecer e julgar as ações dele decorrentes (art. 144, inciso II, da Constituição da República). 4. Recurso extraordinário conheci­ do e provido para fixar a competência da Justiça do Trabalho" (STF, RE com Repercussão Geral 579648-M G , TP, Rela. p/ acórdão Min. Cármen Lúcia, j. em 2 4 -4-20 08, p.m.( DJe, 6-3-2009). • "(...) A presente ação nào comporta discussão na seara dos direitos oriundos da propriedade, pois a recorrida se limita a defender sua posse. Independentemente de a turbação ser qualificada como de fato ou de direito, não se pode olvidar que, em qualquer hipótese, a vis inquietativa somente se caracteriza se a violação efetivamente puser em xeque o usufruto da posse. Confrontando-se a constituição de hipoteca e a posse, fica patente que aquela não gera qualquer efeito sobre essa. Em outras palavras, a hipoteca, por si só, nào limita de nenhuma forma o pleno exercício da pos­ se. Recurso especial conhecido e provido" (STJ, 3*T., REsp 768102/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 17 -4-2008, DJe, 30-4-2008). • '(...) Ajuizada ação de usucapião especial urbano posteriormente e contra aquele que já havia deduzido em juízo sua pretensão de reintegração de posse, suspendeu-se este último processo, por prejudicialidade externa, com fundamento no art. 265, IV, ‘a’. CPC. - Não há prejudicialidade externa que justifique a suspensão da possessória até que se julgue a usucapião. A posse não depende da propriedade e, por conseguinte, a tutela da posse pode se dar mesmo contra a pro­ priedade. Recurso especial provido" (STJ, 3» T., REsp 866249/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 17 -4-2008, DJe, 30 -4-20 08). Nào comungamos com este entendimento esposado neste julgado pelo STJ, pelos motivos apontados precedentemente [vide item “doutrina").

Art. 1.210

Joel Dias Figueira Jr.

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• "Concorrência de ações. Ação de reivindicação e ação possessória. Trancamento da ação de reivin­ dicação com base na interpretação literal da primeira parte do art. 923 do Código de Processo Civil. Aplicando-se à hipótese o a r t 308, VII, do Regimento Interno, e havendo sido rejeitada a arguição de relevância, o recurso extraordinário só poderá ser apreciado no que diz respeito à alegação de ofensa ao art. 153, capute § 22, da Emenda Constitucional 1/69. Não é inconstitu­ cional o art. 9 2 3 ,1 * parte, do Código de Processo Civil, não o sendo também a interpretação lite­ ral que lhe deu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário não conhecido" (STF, Pleno, RE 87.344/ MG, Rei. Min. Moreira Alves, j. em 14-9-1978, RTJ, 91/594-601, t II). • "(...) 1. Tratando-se de ação de reintegração de posse, o limite da demanda é justamente o direito de posse, que é o exercício do poder de fato sobre a coisa. Portanto, é extra petita a decisão cujos fundamentos se baseiam em aspectos relativos à propriedade do imóvel em litígio" (TJSC, 3* C., AC 2005019444-3, Itajaí, Rei. Des. MarcusTulio Sartorato, j. em 15-5-2007). • "(...) 2. A arguição do recorrente de que é adquirente de boa-fé, trazendo para tanto os contratos de compra e venda firmados com terceiros, nào merece qualquer relevância no que diz respeito à proteção possessória, eis que, como cediço, é vedada a exceção de dominio nas ações possessórias" (TJES, AC 012.02.000142-1, 2* Câm. Cível, Rei. Des. Subst. Fernando Estevan Bravin Ruy, j. em 3110-2006, DJES, 28-11-2006). • "(...) Na pendência de processo possessório é vedado tanto ao autor como ao réu intentar ação de reconhecimento de dominio, nesta compreendida a ação de usucapião" (STJ REsp 171624, 4* T., Rei. Min. Barros Monteiro, j. em 29-6-2004). • "(...) II - 0 esbulho se caracteriza a partir do momento em que o ocupante do imóvel se nega a atender ao chamado da denúncia do contrato de comodato, permanecendo no imóvel após noti­ ficado. III - Ao ocupante do imóvel, que se nega a desocupá-lo após a denúncia do comodato, pode ser exigido, a titulo de indenização, o pagamento de aluguéis relativos ao período, bem como de encargos que recaiam sobre o mesmo, sem prejuízo de outras verbas que fizer jus" (STJ, REsp 143.707/RJ, 4»T., Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 25 -11-1 997 , DJU, 2-3 -199 8, p. 102, RT, 754/245). • "(...) Não é inconstitucional o art. 9 2 3,1* parte, do Código de Processo Civil, não o sendo também a interpretação literal que lhe deu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário não conhecido" (STF, T. Pleno, RTJ, 91/594-601, t. II, Rei. Min. Moreira Alves). • "Concorrência de ações. Ação de reivindicação e ação possessória. Trancamento da ação de rei­ vindicação com base na interpretação literal da primeira parte do art. 923 do Código de Processo Civil. Aplicando-se à hipótese o art. 308, VII, do Regimento Interno, e havendo sido rejeitada a arguição de relevância, o recurso extraordinário só poderá ser apreciado no que diz respeito à alegação de ofensa ao art. 153, eapute § 22, da Emenda Constitucional 1/69. Não é inconstitu­ cional o art. 9 2 3 ,1 * parte, do Código de Processo Civil, não o sendo também a interpretação lite­ ral que lhe deu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário não conhecido" (STF, Pleno, RE 87.344/ MG, Rei. Min. Moreira Alves, j. em 14 -9-1978, RTJ, 91/594-601, t. II).

DIREITO PROJETADO • Pelas razões expostas, no que concerne à ação vindieatória da posse, ofereci ao Deputado Ri­ cardo Fiuza a seguinte sugestão, que passou a integrar o Projeto de Lei n. 6.960/2002 (atual Projeto de Lei n. 699/2011). Considerando que o Código Civil de 2002 absorveu a teoria da propriedade aparente e encontra-se entremeado pelo principio da boa-fé, sugerimos também, ao nobre Deputado, emenda complementar à redação constante do Projeto, a ser incluída por ocasião de sua votação, para excepcionar as hipóteses definidas no art. 1.268, caput. A ressalva sugerida para emenda de complementação encontra-se assinalada no texto seguinte do Proje­ to, em negrito: Novo § 3 ° Se a coisa m óvel ou titu lo ao p o rtad o r houverem sido furtados ou perdidos, o possuidor poderá reavê-los da pessoa que o detiver, ressalvado a esta o direito de regres­ so contra quem lhos transferiu. Sendo o objeto com prado em leilão público, feira ou m er­ cado, o dono, que pretender a restituição, é obrigado a pag ar ao possuidor o preço p o r que o comprou, excetuadas as circunstâncias aludidas no a rt. 1.268.

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Joel Dias Figueira Jr.

Art. 1.211

Art. 1.211. Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoria­ mente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso. H IS T Ó R IC O • O presente dispositivo não estava previsto no anteprojeto de Ebert Vianna Chamoun, tendo sido acrescentado por emenda do Deputado Marcelo Gato, ainda no período inicial de tramitação na Câmara dos Deputados. Posteriormente nào veio a sofrer qualquer nova alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. • A emenda teve por escopo conservar a disposição constante do art. 500 do CC de 1916, com uma ligeira alteração: "tiver" em lugar de "detiver". Comentando o art. 500, lembra Pontes de Miranda que corresponde ao chamado summarissimum posscssorium, ou seja, medida administrativa, extrajudicial, de proteção da posse. Se o possuidor esbulhado pode desforçar-se, inclusive com emprego da violência, também pode, com maior razão, solicitar auxilio à autoridade judiciária. Esta, obediente ao principio da conservação da situação fática que preside a toda proteção pos­ sessória, dar-lhe-á força, se for manifesto que o reclamante foi despojado da posse injustamente; caso contrário, manterá na posse aquele que estiver em poder do bem. • Trata-se de regra importante que merecia ser mantida no sistema. A proteção possessória não está afeta apenas ao Judiciário, e suprimir tal regra significa dar alento aos inescrupulosos. A substi­ tuição do verbo "detiver" pelo verbo "tiver" foi feita em atenção à terminologia do projeto, que configura a detenção como a posse em nome de outrem. Tiver", aí empregada, alude a poder corpóreo, físico, sobre a coisa, isto é, aquilo a que se chama "tença". • A redação do art. 500 do CC de 1916 era praticamente idêntica ao dispositivo objeto destes comentários.

DOUTRINA • Nesses casos mencionados no dispositivo em análise, será provisoriamente m antida na posse do bem a pessoa que estiver possuindo, no m om ento da propositura da ação, nào sendo m anifesto que a obteve de outras por modo vicioso, isto é, se houver um possuidor aparente, cuja posse não seja viciosa, este é quem deve ser m antido na posse, sem qualquer indagação sobre a qualidade dela. Assim, o êxito da demanda interditai depende da qualidade da posse que se pretende m anter ou recuperar. • Porém, o Código Civil de 20 02 não recepcionou a regra insculpida no art. 507 do CC de 1916 que sempre era interpretado sistem aticam ente com o art. 500 e que, efetivam ente, com ple­ tavam -se entre si, in verbis: “Art. 507. Na posse de menos de ano e dia, nenhum possuidor será m anutenido, ou reintegrado judicialm ente, senão contra os que nào tiverem melhor posse. Parágrafo único. Entende-se m elhor a posse que se fundar em justo título; na falta de título, ou sendo os títulos iguais, a mais antiga; se da mesma data, a posse atual. Mas, se todas forem duvidosas, será seqüestrada a coisa, enquanto se nào apurar a quem toque". • Agora, incumbe à doutrina e aos tribunais conferir esse entendim ento, na interpretação e aplicação do novo dispositivo. Como a posse é exteriorização da propriedade ou outro direi­ to real no plano fatu al, e considerando-se a função social e econômica norteadas pela Cons­ tituição Federal, chanceladas agora pelo art. 1.228 do novo Diploma, sobretudo nos §§ 1* e 2®, o principal critério abalizador da manutenção ou reintegração de posse haverá de ser, indubitavelm ente, a utilização socioeconômica do bem litigioso e nào mais o prazo de ano e dia de titularidade da posse. Portanto, substitui-se o critério puram ente objetivo do parágra­ fo único do antigo art. 507 pelos critérios sociopoliticos e econômicos ancorados na função

Art. 1.212

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social da propriedade que, em últim a análise, reside na própria posse. Nào significa dizer, contudo, que os juizes não possam considerar em suas decisões, como elem ento de form ação de seus convencimentos, os "títulos" de posse e/ou a sua respectiva data, ou, ainda, que não possam, de ofício, utilizar-se do poder geral de cautela, autorizado expressamente pelos arts. 798 e 799 do CPC, determ inando, p. ex., o seqüestro cautelar do bem litigioso. O que estamos a afirm ar é que o ponto norteador para a m anutenção ou reintegração haverá de ser a pos­ se efetiva em consonância com as suas finalidades sociais e econômicas. Assim, interpreta-se sistemática, teleológica e axiologicam ente o art. 1.211 do Código Civil de 2002 e o art. 927 do CPC, sob a luz da Carta M agna de 1988.

E N U N C IA D O D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 239, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2002: “Na falta de demonstração ine­ quívoca de posse que atenda à função social, deve-se utilizar a noção de melhor posse, com base nos critérios previstos no parágrafo único do art. 507 do CC/1916" (autor: Glauco Gumerato Ramos).

Art. 1.212.0 possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em tela não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Se­ nado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. • A redação atual é idêntica à do art. 504 do CC de 1916.

D O U T R IN A • A ação de indenização tem natureza pessoal (obrigacional), enquanto a ação de esbulho (reintegração de posse) tem natureza fático-po testativa (interditai). No plano do direito m aterial, a natureza das ações decorre da natureza do próprio conflito levado ao conheci­ m ento do Estado-juiz (lide). Assim, p. ex., se a relação de direito m aterial conflituosa é de direito obrigacional, a ação correspondente à tutela destes direitos terá, necessariamente, natureza pessoal. • As ações de m anutenção (turbação) ou de reintegração (esbulho) de posse somente podem ser dirigidas contra o sujeito que, efetivam ente, praticou o ato ou contra terceiros que estão em poder do bem, sabedores dos vícios que maculam a posse adquirida. Em outras palavras, verifica-se carência de ação por falta de legitim idade passiva no direcionam ento de dem an­ da interditai contra terceiro com justo títu lo e boa-fé. Resta-lhe, se fo r tam bém titu la r de direito real, ajuizar demanda de natureza real (direito de seqüela e oponível erga omnes). • Se aprovado o Projeto de Lei n. 6 .9 60/200 2 (atual Projeto de Lei n. 6 9 9/20 11), art. 1° (art. 1.210, § 2o), no tocante à sugestão que apresentamos para a permanência no atual Código da ação vindicatória da posse (art. 521 do CC de 1916), o possuidor titu la r da demanda, em caráter excepcional, poderá dirigi-la contra terceiros com justo títu lo e boa-fé, diante de sua natureza eclética ou mista (interditai e real). Para m aior aprofundam ento sobre esse tema, enviamos o leitor interessado aos nossos comentários ao art. 1.210, supra.

E N U N C IA D O D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 80, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "É inadmissível o direcionamento de demanda possessória ou ressarcitória contra terceiro possuidor de boa-fé, por ser parte passi­ va ilegítima, diante do disposto no art. 1.212 do novo Código Civil. Contra o terceiro de boa-fé cabe tão somente a propositura de demanda de natureza real" (autor: Joel Dias Figueira Jr.).

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Arts. 1.213 e 1.214

Art. 1.213.0 disposto nos artigos antecedentes não se aplica às servidões não aparen­ tes, salvo quando os respectivos títulos provierem do possuidor do prédio serviente, ou da­ queles de quem este o houve. H IS T Ó R IC O • O presente dispositivo nâo foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. • Dispositivo semelhante ao art. 509 do CC de 1916.

D O U T R IN A • A nova redação conferida ao art. 509 do CC de 19 16 suprim e as hipóteses de servidões continuas e descontínuas. 0 legislador de 2 0 0 2 preferiu (acertadam ente) sim plificar o problem a que envolve a tu te la in terd itai das servidões, excepcionando apenas a aplicação das disposições insculpidas nos artigos precedentes às não aparentes, pouco im portando se elas são contínuas ou descontínuas, ten do-se em conta que o cerne do enleio sempre foi a fa lta de sinais exteriores capazes de id en tificá-las, salvo se os títu lo s respectivos se originassem do possuidor do prédio serviente, ou daqueles de quem este os houvera, re­ chaçando, assim, qualquer possibilidade de co nfundir-se com os atos de permissão ou tolerância. • Nenhum a dúvida resta quanto à tutela interditai que o sistema confere às servidões aparen­ tes, diante de sua fácil constatação (m aterialização ou exteriorização de atos).

SÚ M U LA • Súmula 415 do STF: "Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção pos­ sessória". JU LG A D O • “Servidão de trânsito e sua transformação, por destinação, em via pública. A servidão aparente de trânsito, embora descontínua e não titulada, confere direito à proteção possessória a ser exercido por qualquer dos donos dos prédios dominantes. Se a afetação ao domínio não se operou median­ te expropriaçào regular, cabe ao proprietário do prédio serviente reivindicar o ressarcimento das perdas e danos" (STJ, 4* T., REsp 21.540, Rel. Min. Antônio Torreão Braz, j. em 3 0 -5 -1 9 9 4 , DJU, 8-8-1994).

Art 1.214.0 possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos. Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em tela não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. • 0 dispositivo em tela encontra similitude nos arts. 510 e 511 do CC de 1916.

Art. 1.215

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DOUTRINA • Conform e já anotam os nos com entários ao art. 1.202 [supra], se nào ocorrerem situações que m odifiquem o caráter subjetivo da posse, o possuidor de bo a-fé tem direito, enquanto ela assim perdurar, aos frutos percebidos. • Terá igualm ente direito aos frutos ainda nào colhidos (“frutos pendentes") enquanto durar a boa-fé, m om ento que serve de divisor de águas para a restituição deles, após deduzidas as despesas de produção e custeio a eles relacionadas. • Os frutos que foram colhidos com antecipação devem ser tam bém restituídos ao legitimo possuidor, tendo em vista que a lei pressupõe a colheita em m om ento adequado à satisfação das necessidades humanas. Conduta em sentido inverso já serve como indício de prática contrária à b o a -fé nas relações possessórias. • Nesses casos, considera-se como não realizada a colheita.

JULGADOS • “(...) I - 0 direito à percepção dos frutos emana, em princípio, da faculdade do proprietário em usar e gozar do bem que lhe pertence, razão pela qual o direito do possuidor de boa-fé aos frutos percebidos decorre de expressa disposição legal. II - 0 art. 52 da Lei n. 9.478/97, ao empregar a palavra proprietário, resolveu manter-se em harmonia com a regra geral do art. 524 do Código Civil de 1916, reproduzida pelo art. 1.228, caput, do diploma em vigor, o que não implicou injus­ tiça, uma vez a utilidade em causa, diferentemente dos frutos naturais e industriais, resultar di­ retamente da coisa, sendo despiciendo agir do possuidor direto. III - Provimento do apelo" (TRF, 3» T., 5» R., AC 331406/RN, Rel. Des. Ridalvo Costa, j. em 11 -5-2006, DJU, 5 -7 -200 6, p. 923). • "Investigação de paternidade. Petição de herança. Procedência. Herdeiros, possuidores de boa-fé, fazem seus os frutos percebidos. Provimento do agravo retido e improvimento das apelações" (TJSP, 3* Cãm. de Dir. Priv., AC 203.254-4/M onte Alto, Rel. Des. Carlos Roberto Gonçalves, j. em 25-9-2001). • "Civil. Repetição de indébito. Admissão do pagamento indevido. Pesquisa do elemento subjetivo com relação aos acréscimos legais. Art. 510 do Código Civil. I - Ocorrendo o reconhecimento do pagamento indevido, o réu é obrigado a restituir por força do art. 964 do Código Civil. II - 0 possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos (CC, art. 510). III - A partir do conhecimento da titularidade dos valores levantados, a boa-fé do réu se transformou em m á-fé, quanto ao saque retido e despendido, passando este a responder por juros e correção monetária a partir de então. IV - Apelação a que se dá provimento em parte" (TRF, 1* R., 3* T., AC 01237997/BA, Rel. Juiz Cândido Ribeiro, j. em 9 -6 -199 7, DJU, 19-9-1997, p. 76004).

Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia. HISTÓRICO • Este artigo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto, cujo Livro III, referente ao Direito das Coisas, ficou a cargo de Ebert Vianna Chamoun. • 0 dispositivo identifica-se com o art. 512 do CC de 1916.

DOUTRINA • Os frutos naturais e industriais reputam -se colhidos logo que sào separados; o ato de sepa­ ração é que dá aos frutos o caráter de "percebidos ou colhidos", pouco im portando se por ato próprio do possuidor ou m eram ente casual (natural).

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Arts. 1.216 e 1.217

• Os fruto s civis sào prestações regulares e periódicas percebidas pelo preço do serviço ou da u tilidad e da coisa, tais com o juros, aluguéis, foros, rendas ou im portâncias decorrentes de contratação em face de um bem que constitui o seu objeto. Esses reputam -se perce­ bidos dia a dia, significando dizer que o possuidor de b o a -fé adquire o direito aos rendi­ mentos do bem até a data do vencim ento, pouco im portando que tenham sido e fe tiv a ­ m ente pagos.

Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se cons­ tituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio. H IS T Ó R IC O • O dispositivo em tela não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Se­ nado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto, sendo a redação atual a mesma do anteprojeto. • 0 texto conferido a esse dispositivo é quase o mesmo encontrado no art. 513 do CC de 1916.

D O U T R IN A • O possuidor de m á -fé responderá civilm ente, indenizando a parte contrária pelos frutos colhidos e percebidos, assim como pelos que por "culpa" sua deixou de perceber, desde o m om ento da constituição deste estado subjetivo que maculou a sua posse. • O ilícito civil praticado que origina a obrigação de indenizar haverá de ser definido em sen­ tença judicial, caso não acordado entre as partes extrajudicialm ente. 0 valor da indenização será fixado com base na qualidade e quantidade dos frutos não colhidos ou percebidos, considerando-se as atividades executadas por um bom administrador. • O elem ento subjetivo - a culpa - contido no dispositivo há de ser compreendido de m anei­ ra ampla, à medida que ultrapassa as três modalidades clássicas para açambarcar tam bém a culpa grave e o dolo. Para o sistema civil, pouco im porta qual a modalidade da "culpa" em que incidiu o possuidor, pois o que efetivam ente conta é que se o sujeito encontrava-se de m á-fé, como tal haverá de responder pelos frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que deixou, por culpa sua, de perceber desde o m om ento em que não mais exerceu poderes de ingerência socioeconômica sobre um determ inado bem da vida, com boa-fé.

Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa. H IS T Ó R IC O • O presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. • Este dispositivo tem a mesma redação do art. 514 do CC de 1916.

D O U T R IN A • O dispositivo trata da irresponsabilidade civil do possuidor de bo a-fé pela perda ou deterio­ ração do bem a que não der causa. A responsabilidade existirá somente para as hipóteses de dolo ou culpa.

Arts. 1.218 e 1.219

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Art. 1.218.0 possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindi cante. H IS T Ó R IC O • O dispositivo em tela não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. • A redação deste dispositivo é basicamente a mesma do art. 515 do CC de 1916.

D O U T R IN A • A única exceção à responsabilidade civil de indenizar por parte do possuidor de m á -fé en­ contra-se na hipótese de vir a provar que o resultado danoso ocorreria do mesmo modo, se o bem estivesse em poder do postulante ("reivindieante"). • Tendo em vista que o dispositivo faz uso da expressão “reivindieante", nào é difícil concluir que pressupõe a prática de ato espoliativo (perda do bem). Contudo, a palavra “reivindicante" não está a indicar a propositura de ação reivindicatória, mas acena para a existência de ajuizam ento de ação de recuperação do bem da vida litigioso. Ora, se a situação é possessó­ ria, em princípio a demanda há de ser interditai (reintegração de posse). • De qualquer sorte, o dispositivo faz alusão à demanda ressarcitória (indenização por perdas e danos); portanto, a interpretação a ser dada é que se está diante de uma ação única de indenização ou de ação de reintegração de posse cumulada com indenização, onde a palavra "reivindieante" encontra-se em pregada como sinônima de “postulante”, ou seja, aquele que "reivindica" em ju ízo algum a coisa, no caso, a indenização em face do esbulho praticado que se agrava pela perda ou deterioração do bem, ainda que acidentais, estando o possuidor de m á-fé.

Art. 1.219.0 possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das ben­ feitorias necessárias e úteis. H IS T Ó R IC O • 0 presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. • A redação deste artigo é basicamente a mesma encontrada no art. 516 do CC de 1916.

D O U T R IN A • 0 dispositivo regula o direito do possuidor de bo a-fé ao ressarcimento pela feitura de ben­ feitorias necessárias, úteis e voluptuárias (art. 96, §§ 1o, 2o e 3°, do CC). Quanto às voluptuá­ rias, se nào lhe forem pagas, poderá o possuidor de b o a -fé retirá-las do bem, desde que nào cause danos na coisa. Poderá, ainda, exercer o direito de retenção em face do valor aplicado pelas benfeitorias necessárias e úteis. • Se a hipótese em concreto fo r uma ação especial de reintegração de posse (ação de força nova), em que sempre residem os pedidos liminares interditais, havendo benfeitorias realiza­

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Art. 1.220

das por possuidor de boa-fé, ele deverá alegar, no prim eiro m om ento processual, ou seja, na contestação, sob pena de predusão, a existência de benfeitorias e de sua boa-fé, a fim de exercer o seu direito de retenção. Caso a lim inar seja concedida in a u d ita altera pars, deverá agravar de instrum ento, a fim de obter o efeito suspensivo da decisão que favoreceu o pos­ tulante. •

Se o caso vertente com portar pedido lim inar de tutela antecipatória genérica (art. 273 do CPC) em ação de reintegração ou em demanda reivindieatória, verificando-se, igualm ente, benfeitorias realizadas por possuidor de boa-fé, deverá alegar a exceção de mérito, em mo­ m ento oportuno, que é a contestação; se a lim inar tiver sido concedida de plano, conform e já mencionado anteriorm ente, haverá de agravar de instrum ento para reverter a decisão, por interm édio de efeito suspensivo.

• Frisa-se que após o advento da Lei n. 10.444, de 7 -5 -2 0 0 2 , e da Lei n. 11.382/2006, que a lte ­ raram o Código de Processo Civil, os embargos de retenção por benfeitorias somente encon­ trarão ressonância nos moldes preconizados no art. 745, § 1®, do CPC, nas hipóteses de exe­ cução fundada em títu lo extrajudicial, valendo lem brar que o art. 744 do mesmo diploma foi revogado. Sobre o tem a, cf. Joel Dias Figueira Jr., Com entários à novíssima reform a do CPC-Lei 10.444, de 7 de m aio de 2002, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 2 3 9 -4 4 ; RePro, 9 8 /7; Ações sincréticas e embargos de retenção por benfeitorias no atual sistema e no 13° A nte­ projeto de Reforma do CPC - enfoque às demandas possessórias; Liminares nas ações pos­ sessórias, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, n. 27, p. 33 9 -5 1 .

E N U N C IA D O D A S J O R N A D A S D E D IR E IT O C IV IL - CJF • Enunciado 81, da I Jornada de Direito Civil de 2002: “0 direito de retenção previsto no art. 1.219 do CC decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis também se aplica às acessões (construções e plantações), nas mesmas circunstâncias" (autor: Marco Aurélio B. de Melo). SÚ M U LA • Súmula 158 do STF: "Salvo estipulação contratual averbada no registro imobiliário, não responde o adquirente pelas benfeitorias do locatário". JU LG AD O S • "II - Se, após a concessão de liminar de imissào de posse, o réu alegar direito de retenção por benfeitorias e a ocorrência de prescrição aquisitiva do imóvel litigioso, afigura-se prudente e plausível a suspensão da decisão concessiva da tutela de urgência, pois a desocupação imediata do bem poderá acarretar-lhe dano de difícil reparação" (TJSC, Al 2008.032131-7, 1* Câm. Civil, Rei. Des. Joel Dias Figueira Jr., j. em 3-5 -201 1). • "(...) 2 - Ao possuidor de boa-fé assiste o direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e as úteis, podendo exercer o direito de retenção do imóvel até que lhes sejam restituidos referidos valores (CC, art. 1.219). 3 - Apelação provida em parte" (TJDF, AC 2006.01.1.049226-4, 6* Turma Cível, Rei. Des. Jair Soares, DJU, 14 -2-2008, p. 1462). • "Ação de reintegração de posse - Propriedade imóvel - Lote - Provas - Valoração - Possuidor de Boa-fé - Ausência de presunção - Benfeitorias - Indenização - Retenção - Possibilidade - Sucumbência reciproca. 0 possuidor com justo título tem, em seu favor, a presunção de boa-fé, admi­ tindo-se prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite essa presunção (a rt 1.201, parágrafo único, do Código Civil). Conforme verbete 81 da Jornada de Estudos do Colendo STJ, ’o direito de retenção previsto no a rt 1.219 do CC, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (construções e plantações) nas mesmas circunstâncias'" (TJMG, AC 1014.802.005.967-8/001, Lagoa Santa, Rei. Des. Mauro Soares de Freitas, j. em 22-2-2006).

Art 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.

Art. 1.221

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HISTÓRICO •



O dispositivo em tela nâo foi atingido por qualquer espécie de modificação,seja daparte doSe­ nado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. A

redação difere um pouco da encontrada no art. 517 do CC de 1916.

D O U T R IN A • Em nenhuma hipótese o sistema confere ao possuidor de m á -fé direito de retenção, enquan­ to a pretensão ao ressarcimento lim ita-se às benfeitorias necessárias.

JU L G A D O S • "(...) VI - 0 direito de retenção nào pode ser exercido pelo possuidor de m á-fé - condição que adquire o réu ao ser citado em ação de reintegração de posse - , a teor do art. 1.220 do Código Civil. VII - Recurso da ré e remessa necessária conhecidos e improvidos" (TRF 2l R., AC 1987.51.01.004525-1, 5* Turma Especializada, Rel. Juiz Fed. Conv. Mauro Luís Rocha Lopes, j. em 3 1 -10 -2 0 0 7 , DJU, 17-12-2007, p. 486). • “Apelação cível. Ação de reintegração de posse com pedido de desfazimento de construção. Cons­ truções realizadas em área pertencente ao Município de São José dos Pinhais. Ciência dos possui­ dores acerca da situação do imóvel. Posse em caráter precário. Presunção de boa-fé afastada. Indenização por benfeitorias necessárias. Admissibilidade. Incidência do art. 1.220 do Código Civil. Desalojamento que, embora juridicamente devido, impõe o dever de ressarcir os requeridos pelos gastos despendidos, a fim de evitar enriquecimento ilícito, propiciar dignidade humana e acesso a moradia. Recurso desprovido. A inércia do município em reaver o local (espaço reservado a via pública) não acarreta a perda da posse em proveito do possuidor. Ao possuidor de m á-fé admite-se a indenização pelas benfeitorias necessárias. Ademais, convém notar que a indenização aqui vai além de ressarcir os apelantes pelos gastos efetuados, propiciando aos mesmos condições dignas de sobrevivência e de moradia, fundamentos basilares assegurados no art. 1fi, III, e art. 6«, caput, da Constituição Federal" (TJPR, AC 297256-1/Pinhais, 17a Cãm. Cível, Rel. Des. Manassés de Albuquerque, j. em 26-10-2005).

Art. 1.221. As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimen­ to se ao tempo da evicção ainda existirem. HISTÓRICO • 0 presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. • 0 dispositivo é idêntico ao art. 518 do CC de 1916.

D O U T R IN A • Trata-se de hipótese anômala de compensação, conforme assinala Rubens Limongi França, ci­ tado por Maria Helena Diniz. Ocorre que o instituto da compensação só opera, em regra, entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis. "Assim, para evitar que proprietário e possuidor, obrigados a pagar, um ao outro, determinadas quantias, movam uma ação contra o outro, a lei permite a compensação, possibilitando, assim, entre eles um acerto de contas, de modo que aquele em favor de quem ficar acusado um saldo receberá do outro o quantum respectivo" (M aria Helena Diniz, Código Civil anotado, São Paulo, Saraiva, 1995, a r t 518, p. 394). • Por outro lado, somente terá lugar a compensação dos danos causados com as benfeitorias realizadas, se estas ainda existirem no m om ento em que se verificar a evicção.

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Art. 1.222

JU LG A D O • "Imissão de posse. Benfeitorias. Compensação. Aluguel. Para a compensação do valor das benfei­ torias com o valor dos danos (art. 518 do CC), no qual foram incluídos, pelas instâncias ordinárias, os aluguéis pagos pelos autores da ação, estes devem corresponder ao tempo em que cessou a boa-fé dos possuidores (data da citação na ação de imissão) até a data em que manifestaram, nos embargos que vieram a ser julgados procedentes, a pretensão de serem indenizados pelas benfei­ torias necessárias e úteis, uma vez que a partir dai estavam exercendo o direito de retenção. 0 valor dos aluguéis deve corresponder, aproximadamente, ao valor locativo do imóvel objeto da ação" (STJ, REsp 279303/BA, 4* T., Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 14-12-2000, DJU, 1 2 -3 2001, p. 149).

Art. 1.222.0 reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indeni­ zará pelo valor atual. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em tela tinha a seguinte redação quando da remessa do anteprojeto à Câmara dos Deputados: "0 reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo". Quando da primeira votação pela Câmara, por subemenda do rela­ tor Ernani Sátyro, o dispositivo ganhou a redação atual, não tendo sido atingido por qualquer outra espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. • A nova redação procurou atender os reclamos da doutrina e jurisprudência dominantes, tendo em vista que, inversamente ao que ocorria com o Código antigo, faz distinção entre a indenização a ser paga para o possuidor de boa-fé e para o de má-fé. • 0 dispositivo em questão tem redação assemelhada ao art. 519 do CC de 1916, em que pese ter trazido modificações importantes ao texto legal. D O U T R IN A • 0 reivindicante pode ser titu la r de direito real (proprietário) ou apenas possuidor que procu­ ra retom ar o bem que lhe foi esbulhado, por interm édio de ação de reintegração de posse. Assim, há de se interpretar aqui o reivindicante como sendo o titu la r do direito subjetivo, autor da açõo de recuperação do bem litigioso, independentem ente da natureza jurídica da demanda (real ou interditai). • Faculta o Código Civil de 2002 ao autor da demanda recuperatória, obrigado a indenizar ao possuidor de m á -fé pelas benfeitorias, optar entre o respectivo valor atual ou o seu custo. Ocorre que as benfeitorias realizadas podem valer mais ou menos do que teriam efetivam en­ te custado. • Ao possuidor de boa-fé, o reivindicante indenizará sempre pelo valor atual. Nào é por menos que o au tor da demanda recuperatória deverá estar atento a essa circunstância quando de sua propositura, pois não é incomum, na prática forense, tornar-se o postulante vencedor da causa e, ao final, constatar que o valor das benfeitorias (e acessões), que serão objeto de indenização em face do direito de retenção do possuidor de boa-fé, supera em m uito, p. ex., o valor de mercado do imóvel (terra nua) em questão.

JU LG A D O • "(...) IV - 0 fundamento da indenização das benfeitorias e acessões realizadas pelo possuidor não é permitir a aquisição de imóvel idêntico, e sim evitar enriquecimento sem causa do proprietário. V - Admitindo-se que o possuidor agiu de boa-fé, deve prevalecer o disposto no art. 1.222 do Código Civil, subsidiariamente aplicável, que dispõe que as benfeitorias devem ser indenizadas pelo valor atual, conceito que deve levar em conta a depreciação do bem, e, ao mesmo tempo,

Art. 1.223

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desconsiderar a plus valia, que se refere à pessoa do possuidor. VI - 0 direito de retenção nào pode ser exercido pelo possuidor de m á-fé - condição que adquire o réu ao ser citado em ação de reintegração de posse a teor do art. 1.220 do Código Civil. VII - Recurso da ré e remessa necessária conhecidos e improvidos" (TRF, 2* R., AC 1987.51.01.004525-1, 5* Turma Especializada, Rel. Juiz Fed. Conv. Mauro Luís Rocha Lopes, j. em 31 -10 -2 0 0 7 , DJU, 17-12-2007, p. 486).

C ap ítu lo IV — DA PERDA DA POSSE Art. 1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em tela não sofreu praticamente nenhuma alteração substancial, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do pro­ jeto, tendo mantido basicamente a mesma redação do anteprojeto. • Quando da fase final de revisão do texto legal, apresentei proposta de correção encaminhada ao ilustre relator-geral, Deputado Fiuza, que terminou por ser acolhida, no sentido de substituir, no texto primitivo, a palavra "coisa" por "bem", por ser esta mais adequada em face da sua am plitu­ de (gênero), enquanto aquela representa uma de suas espécies. • 0 dispositivo encontra seu paralelo no art. 520 do CC de 1916, não obstante as inúmeras alterações verificadas.

D O U T R IN A • 0 possuidor perde a posse quando não há mais, contra sua vontade, poder fático de ingerên­ cia socioeconômica sobre determ inado bem da vida. • Nào se pode esquecer de que o poder de fa to de ingerência sobre um bem da vida, capaz de excluir terceiros e form ar a relaçào socioeconômica entre o seu titu la r e o bem respectivo (form ação dialética do fenôm eno possessório) é o núcleo deste instituto, elem ento impres­ cindível para a sua configuração. Por isso, cessado esse poder contra a vontade do possuidor, considera-se perdida a posse. • Todavia, por verdadeira ficção jurídica, o possuidor esbulhado só vem a perder a posse de um bem quando não busca a reintegração dentro do período de ano e dia, que passa a funcionar como uma espécie de condição suspensiva fatual, ou seja, suspensão tem porária do prazo com a expectativa de recuperação (prazo decadencial que nào se suspende ou interrom pe, não podendo ser am pliado ou reduzido). Trata-se de ficção jurídica porque o possuidor perde, de fato , a posse do bem. Nào obstante, a lei confere a garantia de m anter-se ou restituir-se por força própria, contanto que o faça logo (art. 1.210, § 1®), ou, ajuizando demanda interditai, com rito especial, no prazo de ano e dia, a contar da data do esbulho, para a obtenção da reintegração lim inar (art. 92 4 do CPC). Caso contrário, aquele que estiver na posse nela será mantido até ser convencido pelos meios ordinários, com as ressalvas delineadas no art. 1.211.

JU LG A D O • "A perda da posse pelo abandono da coisa, no regime do Código Civil de 1916, art. 5 2 0 ,1 [diga-se o mesmo no tocante à aplicação do CC/2002) não admite presunção, devendo estar provada, tanto em seu elemento físico - corpus - quanto no aspecto psíquico - animus. Indemonstrada a intenção do possuidor em se desfazer da coisa, inexiste perda da posse, do que resulta caracte­ rizado o esbulho do réu..". (TJRS, 17* Cãm. Cível, AC 70005.411.053, Rel. Des. Alexandre Mussoi Moreira, j. em 21-10-2003).

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Arts. 1.224 e 1.225

Art. 1.224. Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retom ar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é vio­ lentamente repelido. H IS T Ó R IC O • O artigo em tela nâo foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto, de autoria de Ebert Vianna Chamoun. • 0 artigo encontra o seu similar no art. 522 do CC de 1916. Verifica-se que o legislador teve a in­ tenção de melhorar a redação do dispositivo, ao substituir a palavra "ausente" pela expressão "... para quem nào presenciou o esbulho.."., e a expressão "tendo notícia da ocupação" por "tendo noticia dele" (do esbulho); porém, foi infeliz ao usar o verbo "retornar" (a coisa) em substituição de "retomar" (a coisa). Assim pensamos porque “retomar" significa recuperar, reaver o bem da vida (móvel ou imóvel) objeto do ato espoliativo. • Na tentativa de recuperação por força própria do bem da vida que lhe foi esbulhado, mediante a prática de autotutela (desforço), o possuidor nào poderá ultrapassar os limites do indispensável aos atos de restituição da posse, nos termos preconizados no art. 1.210, § 1°, do CC. D O U T R IN A • A doutrina e a jurisprudência, durante a vigência do Código de 1916, já assinalavam que a expressão "ausente" empregada no art. 522 não tinha o mesmo sentido descrito no art. 463 daquele mesmo Código (pessoa desaparecida de seu domicilio...), mas designava aquele que não presenciava a ocupação. • A esse respeito, doutrina Carvalho Santos: "0 dispositivo legal quer dizer que a simples ausên­ cia não im porta na perda da posse, podendo o possuidor, embora ausente, continuar a posse solo animo, ainda que a coisa possuída por ele tenha sido ocupada por um terceiro, durante a sua ausência" (Código Civil interpretado, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1979, v. VII, p. 257). • Assim, para o possuidor que nào presencia o ato espoliativo, a posse somente considera-se perdida quando ele, tendo notícia do ilícito, se abstém de apossar-se do bem que lhe perten­ ce, ou. se tenta recuperá-lo, é violentam ente (violência física ou moral) impedido. JU LG A D O • "(...) A ação possessória é destinada à proteção daquele que detém a posse de determinado bem, sendo certo que posse é o exercício material de poder sobre a coisa. A medida possessória initio litis deve ser concedida pelo juiz se convencido da configuração dos pressupostos do art. 927 do CPC, com vistas a restaurar a situação anterior modificada pelo esbulho. Somente se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho ou não teve noticia dele quando, na tenta­ tiva de recuperar o bem, o possuidor é violentamente repelido, nos termos do a r t 1.224 do CC/2002. Nesta hipótese, a lei não prevê ao possuidor esbulhado a defesa direta de sua posse pelo uso da força, uma vez que inexiste o requisito da imediatidade, restando apenas a este notificar o esbuIhador. Havendo notificação para a devolução do bem móvel, configura-se esbulho a não entrega do mesmo, após o prazo determinado no referido instrumento" (TJMG, Al 100240626942290011, Rei. Des. Didimo Inocêncio de Paula, j. em 18-4-2007).

T ítulo II — D O S DIREITOS REAIS C ap ítu lo Ú nico — DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 1.225. São direitos reais:

Art. 1.225

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I — a propriedade; II — a superfície; III — as servidões; IV — o usufruto; V — o uso; VI — a habitação; VII — o direito do promitente comprador do imóvel; VIII — o penhor, IX — a hipoteca; X — a anticrese; XI — a concessão de uso especial para fins de moradia; XII — a concessão de direito real de uso. H IS T Ó R IC O • Este dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto, cujo Livro III, referente ao Direito das Coisas, ficou a cargo do eminente jurista Ebert Vianna Chamoun.

DOUTRINA • Entende-se por direito real a relaçào jurídica em razão da qual o titu la r pode retirar do bem as utilidades que ele é capaz de produzir. O rol constante dos incisos do artigo em com ento é taxativo, ou seja, num erus elausus. A superfície veio substituir a enfiteuse, e foi acrescen­ tado o direito do prom itente com prador do imóvel entre os direitos reais. • Nào podem os direitos reais ser criados livrem ente pelas partes contratantes, nem os parti­ culares estabelecê-los contratualm ente, pois estão eles vinculados aos tipos jurídicos criados pelas normas que os colocam à disposição das partes contratantes. Portanto, o dispositivo que os elenca é taxativo (numerus elausus). • 0 prim eiro dos direitos reais é a propriedade (inciso I deste artigo). • Entre os direitos reais, temos tam bém o direito real sobre coisa alheia, que na magistral de­ finição de G offredo da Silva Telles Júnior (D ireito Subjetivo - I, Enciclopédia Saraiva de Di­ reito, v. 28, n. 15, p. 3 1 7 -3 1 9 ) é: "o de receber, por meio de norma jurídica, permissão do seu proprietário para usá-la ou tê -la como se fosse sua, em determ inadas circunstâncias ou sob condição de acordo com a lei e com o que foi estabelecido em contrato válido". Entre os direitos reais sobre coisa alheia, temos os direitos reais de gozo ou de fruição, que sào aque­ les em que seu titu la r tem o direito de usar ou gozar, ou somente usar a coisa alheia. Sào eles: o) a superfície (inciso II deste artigo); 6) a servidão (inciso III deste artigo); c) o usufru­ to (inciso IV deste artigo); d) o uso (inciso V deste artigo); e) a habitação (inciso VI deste ar­ tigo) e f) a enfiteuse (art. 2.038). • Ainda entre os direitos reais sobre coisa alheia, temos o direito real de garantia, que ocorre quando o bem alheio é dado em garantia de uma dívida. Sào eles: o) o penhor (inciso VIII deste artigo); 6) a hipoteca (inciso IX deste artigo) e c) a anticrese (inciso X deste artigo). • Temos tam bém o direito real de aquisição, que é o compromisso de venda e compra previsto no inciso VII deste artigo. • 0 inciso XI, introduzido pela Lei n. 11.481/2007, cuida da concessão de uso especial para fins de moradia. 0 instituto jurídico da concessão de uso especial para fins de moradia em áreas públicas é um im portante instrum ento para propiciar segurança da posse - fundam ento do direito à moradia - a milhões de moradores de favelas e loteam entos irregulares.

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Art. 1.226

• Finalmente, temos o inciso XII, tam bém introduzido pela Lei n. 11.481/2007, que trata da concessão do direito real de uso, que se assemelha ao instituto cuidado no Decreto-Lei n. 271, de 2 8 -2 -1 9 6 7 , que, no seu art. 7*. previu e disciplinou “a concessão de uso de terrenos pú­ blicos ou particulares rem unerada ou gratuita, por tem po certo ou indeterm inado" como direito real resolúvel, para fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cul­ tivo da terra, ou outra utilização de interesse social. Tal concessão pode ser contratada por instrum ento público ou particular ou por simples term o adm inistrativo, inscrita e cancelada em livro especial (§ 1o). Desde a inscrição, o concessionário fruirá plenam ente do terreno para os fins estabelecidos no contrato e responderá por todos os encargos civis, adm inistrativos e tributários (§ 2o). Resolver-se-á a concessão antes do term o, desde que o concessionário dê ao imóvel diversa destinação, vindo a perder as benfeitorias (§ 3°), e, salvo disposição especial em contrário, transfere-se por ato in te r vivos ou causa m ortis (§ 4o).

Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição. H IS T Ó R IC O • 0 dispositivo em tela não foi alvo de nenhuma espécie de alteração, nem da parte do Senado Federal, nem da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do Projeto.

D O U T R IN A • Trata este artigo da criação de direitos reais sobre bens móveis por ato in te r vivos, que se adquire com a entrega da coisa (tradição). Assim, sào eles constituídos ou transmitidos por ato in te r vivos, e são sempre adquiridos com a entrega da coisa, com a intenção de transferi-la, que é a tradição. Podemos afirm ar, ainda, que nesta hipótese o contrato, puro e simples, não é apto para criar o direito real, gera apenas um direito pessoal de vínculo obrigacional. Somente a tradição, que é a efetiva entrega da coisa, faz nascer o direito real. • J. M . Othon Sidou (in Dicionário Jurídico, 3. ed. rev. e atual., Rio de Janeiro, Forense Univer­ sitária, 1994, p. 774) define tradição como: “o modo de aquisição de posse ou dom ínio de coisa móvel", apontadas as seguintes modalidades de tradição (cf. cit., p. 774): “Tradição efetiva, a que se opera pela entrega da coisa. Tradição simbólica, quando o transm itente continuar a possuir, pelo constituto possessório. Tradição flcta, diz-se da transferência da propriedade em entrega real e efetiva da coisa. Tradição indireta (em direito romano, traditio brevi manu), transferência que se opera em conseqüência da aquisição da posse indireta pelo adquirente ou cessionário, quando a coisa alienada ou objeto de exceção de direitos estiver em poder de terceiro". JU LG A D O S • “Processual civil. Gratuidade judiciária. Omissão do juízo singular. Concessão tácita. Tendo sido requerida a gratuidade judiciária pelo embargante na inicial e restando o juízo omisso quanto a este pedido, subentende-se concedido tacitamente. Até porque, a sentença, em sua parte dispo­ sitiva, foi clara ao suspender a exigibilidade dos encargos sucumbenciais, ante o benefício da AJG. Apelação cível. Propriedade e direitos reais sobre coisas alheias. Embargos de terceiro. Penhora de automóvel ainda registrado em nome do executado. Prova. Ônus. A lei protege o direito do ter­ ceiro que teve sua posse esbulhada ou turbada por constrição judicial (art. 1.046 do CPC). Todavia, deve o embargante provar a sua posse justa e seu direito. No caso concreto, verifica-se que o embargante demonstrou, de modo suficiente, a aquisição do veiculo penhorado em data anterior ao ajuizamento da execução. Se a transferência de propriedade dos bens móveis se dá mediante a mera tradição, a prova exigivel do embargante no caso concreto é justamente esta: de que o

Art. 1.227

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veículo lhe tenha sido tradicionado em data anterior ao ajuizamento da execução, o que restou suficientemente atendido. Notório que, tratando-se de veículos usados, é comum ocorrerem su­ cessivas transferências de propriedade mediante simples procuração ou substabelecimento, sem que haja o registro no DETRAN, justamente para evitar o pagamento de taxas e impostos e/ou multas vencidas. Logo, a apresentação pelo terceiro embargante de procuração através da qual o executado outorga-lhe amplos poderes para dispor do bem, com firma reconhecida em data an­ terior ao ajuizamento da execução, é prova suficiente para afastar a ocorrência de fraude à execução. Recurso provido. Unânime" (TJRS, 18* Câm. Cível, AC 70.007.568.975, Rei. Pedro Celso Dal Pra.j. em 17-6-2004). • "Remessa necessária. Departamento de trânsito. Alvará judicial. Regravação de chassi. Possibilida­ de diante da prova de regular tradição do bem e propriedade do veiculo. Sentença correta. De­ monstrando o proprietário que a aquisição do veiculo deu-se de forma regular, bem como que o mesmo não é fruto de furto, roubo, ou qualquer outra origem ilícita. Não pode o órgão de trân­ sito negar o pedido de transferência, nem de autorização para a regravação do chassi. Art. 114, § 2o, do Código de Trânsito Brasileiro. Sentença correta. Reexame necessário improvido" (TJPR, 3a Câm. Cível, RN 100.892.000, Rei. Des. Nério Spessato Ferreira, j. em 27-3-2001).

Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código. HISTÓRICO • 0 dispositivo em comentário foi modificado por emenda aprovada pela Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. Foram substituídas as expressões "transcrição" e "Re­ gistro de Imóveis" pela palavra "registro" e por "Cartório de Registro de Imóveis", respectivamen­ te, adequando-se sua redação à Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73).

D O U T R IN A • Trata este artigo do modo de se adquirirem direitos reais sobre bem imóvel, que se concreti­ za com o registro im obiliário, que é a form a solene pela qual se arquivam os atos translativos da propriedade imóvel. • 0 modo de aquisição de direito real sobre bens imóveis, por ato entre vivos, é o registo no Cartório de Registro de Imóveis do titu lo que o cria. P. ex.: ao se dar, por contrato, um imóvel em hipoteca a alguém, este ato gerará um direito obrigacional entre os contratantes, somen­ te após o registro desse contrato no Cartório de Registro de Imóveis é que se constituirá o direito real de garantia sobre o dito imóvel. • Para Carlos Roberto Gonçalves (in D ireito Civil Brasileiro, v. V, D ireito das Coisas, 2006, São Paulo, Saraiva, p. 203): “0 registro é, efetivam ente, indispensável para a constituição do d i­ reito real entre vivos, bem como sua transmissão. A transmissão m ortis causa nào está sujei­ ta a esta form alidade, pois, aberta a sucessão, opera-se desde logo a transmissão do dom ínio e da posse (CC, art. 1.784). No m om ento do registro opera-se a afetação da coisa pelo direi­ to, nascendo o ônus que se liga à coisa (princípio da inerência), que a ela adere e a segue, qualquer que sejam as vicissitudes que sofra a titularidade dom inial. E sua extinção se faz apenas havendo uma causa legal, ou seja, causa prevista em lei".

JU L G A D O S • "Condomínio - Despesas condominais - Ação de cobrança - Ação proposta em face da União - Admissibilidade - Obrigação de a União pagar as despesas condominiais por ser ela a proprie­ tária do imóvel, já que este se acha transcrito em seu nome - Obrigação de natureza propter rem, que cabe ao titular do direito real - A União - , a qual nào pode se eximir da responsabilidade sob o argumento de ter alienado a particular - Observância do disposto do art. 676 do CC (de 1916,

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atual a r t 1.227 do CC de 2002), que não pode ser afastada pelo Dec.-Lei n. 9.760/46" (TRF, 2* R., 2* T., Ap. 2000.02.01.010273-1/RJ, j. em 24-10-2001, Rei. Juiz eonv. Guilherme Couto de Castro, DJU, 17 -1-2002, RT, 802/397). • "Compra e venda de imóvel. Negócio solene. Forma prevista em lei: Escritura pública. Aquisição da propriedade: somente com o registro correspondente. Apelo improvido" (TJRS, AC 70000319160, 19a Câm. Cível, Rei. Des. Mário José Gomes Pereira, j. em 16-5-2000).

T ítu lo III — D A PROPRIEDADE

C ap ítu lo I — DA PROPRIEDADE EM GERAL

Seção I — D isposições prelim inares Art. 1.228.0 proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1 - 0 direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalida­ des econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabe­ lecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patri­ mônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. § 2- São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. § 3? O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por neces­ sidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente. § 4 - 0 proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consis­ tir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de conside­ rável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5- No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores. HISTÓRICO • 0 dispositivo é praticamente o mesmo do projeto. Durante a tramitação no Senado a Emenda de n. 128 procurou modificar-lhe o § 2°, a fim de que viesse a apresentar a seguinte redação: "São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer utilidade, e sejam animados pela inten­ ção de prejudicar outrem". 0 relator Fiuza discordou da alteração e propôs a sua rejeição, o que se deu sob o argumento de que a redação original era mais ampla, além de "mais conveniente do ponto de vista hermenêutico, mesmo porque estabelece simetria com a classificação das benfei­ torias". Tratando dos bens reciprocamente considerados, o projeto distingue, ao lado das benfei­ torias úteis ou necessárias, também as "voluptuárias", caracterizadas, estas últimas, como sendo aquelas "de mero deleite ou recreio, que nào aumentem o uso do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor" (art. 96 e § 1o). Nào seria aceitável contemplar uma moda­ lidade de beneficiamento para, posteriormente, exclui-la, subsumindo-a noutra das categorias elencáveis. Quanto ao mérito, é de considerar que a restrição, imposta ao direito de propriedade, repousa essencialmente no intuito de prejudicar terceiros (animus nocendi), e nào nos limites da fruição do bem".

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• No tocante aos §§ 4o e 5o, o relatório Fiuza, recepcionando por sua vez o relatório Ernani Sátyro, acolhe os argumentos do Prof. Miguel Reale quando afirma que se trata de "um dos pontos mais altos do Projeto, no que se refere ao primado dos valores do trabalho como uma das causas fundantes do direito de propriedade. De outro lado, não há, a nosso ver, nada de surpreendente no fato de ser atribuído ao juiz competência para, no caso especialíssimo previsto no art. 1.266, declarar a desapropriação dos bens reivindicandos, a fim de que seja pago ao reivindieante o justo preço de seu imóvel, sem se locupletar ele à custa dos frutos do trabalho alheio. Como bem observou o Relator especial, os múltiplos casos de 'desapropriação indireta', que são casos típicos de 'desapro­ priação pretoriana', resultantes das decisões de nossos tribunais, estão ai para demonstrar que o ato expropriatório não é privilégio nem prerrogativa exclusiva do Executivo ou do Legislativo. Nada existe que torne ilegítimo que, por lei, em hipóteses especiais, o poder de desapropriar seja atribu­ ído ao juiz, que resolverá em função das circunstâncias verificadas no processo, em função do bem comum. Sobretudo depois que a lei de usucapião especial veio dar relevo ao trabalho como ele­ mento constitutivo da propriedade, conferindo efeitos dominicais à 'posse-trabalho' (consoante terminologia do Prof. Miguel Reale, em sua Exposição de Motivos, ou à posse pro labore, segundo expressão do Estatuto da Terra), tornou-se ainda mais imperioso dar garantia, no Código, àquelas situações em que se defrontam, de um lado, o possuidor de boa-fé, com o produto de seu trabalho, e, do outro, o proprietário com o seu título de domínio. Para atender a esse conflito de interesses sociais, o Projeto prevê que o juiz não ordene a restituição do imóvel ao reivindieante, que teve êxito na demanda, mas que lhe seja pago o justo preço. Solução equitativa e do maior alcance socioeconômico, sobretudo porque tem em vista regularizar, de maneira prática e imediata, a situa­ ção de considerável número de pessoas que, por mais de cinco anos, com boa-fé, houverem reali­ zado, em extensas áreas, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social relevante". • Já na fase final de tramitação do projeto, emenda aprovada pela Câmara dos Deputados substituiu o vocábulo "transcrição" pela palavra "registro", visando adequar a redação do artigo à Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73).

DOUTRINA • Na definição de R. Limongi França, "propriedade é o direito, excludente de outrem , que, dentro dos limites do interesse público e social, subm ete juridicam ente a coisa corpórea, em todas as suas relações (substância, acidentes e acessórios), ao poder da vontade do sujeito, mesmo quando, injustam ente, esteja sob a detenção física de outrem " (Instituições de direi­ to civil, São Paulo, Saraiva, 1988, p. 436). Uso, gozo e disposição indicam o conteúdo positi­ vo do direito de propriedade. A expressão "... reavê-la do poder de quem quer que injusta­ m ente a possua ou detenha”, contida na parte final do caput deste artigo, nada mais é do que o direito de seqüela que dá ensejo à ação reivindicatória. • 0 caput do artigo em com ento é praticam ente idêntico ao art. 52 4 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratam ento doutrinário. • Sobreleva notar que no § 1° verifica-se a preocupação com a função social da propriedade, com a preservação da flora e da fauna, com a defesa do meio am biente e do patrim ônio histórico através do tom bam ento. Portanto o atual Código Civil, com esta regra, procurou despertar no homem comum o exercício da cidadania, impondo limitações de caráter social ao direito de propriedade (v. Carlos Alberto Dabus M aluf, Limitações ao direito de proprie­ dade, São Paulo, Saraiva, 1997, p. 197). No § 2o o Código atual condena o abuso de direito, ou daquele que age com mero espírito de emulação. No que tange à desapropriação, que é um poder do Estado inerente à sua própria natureza, para restringir o direito de propriedade dos particulares, serão feitas as considerações doutrinárias no artigo específico. As regras contidas nos §§ 4® e 5® abalam o direito de propriedade, incentivando a invasão de glebas urbanas e rurais, criando uma form a nova de perda do direito de propriedade, m ediante o arbitram ento judicial de uma indenização, nem sempre justa e resolvida a tem po, impondo dano ao proprietário que pagou os impostos que incidiam sobre a gleba. As regras insculpidas nesses parágrafos são agravadas pela letra do art. 10 e seus parágrafos da Lei n. 10.257, de 1 0 -7 -2 0 0 1 , conhecida como o Estatuto da Cidade, uma vez que nela é perm itido que essa

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usucapião especial de imóvel urbano seja exercida em área m aior de duzentos e cinqüenta metros, considerando área m aior do que essa "extensa área". Prevê tam bém que a população que a ocupa form e, m ediante o requerim ento da usucapião, um condom ínio tradicional; e mais, não dá ao proprietário o direito a indenização. Tal form a de usucapião aniquila o direi­ to de propriedade previsto na Lei M aior, configurando um verdadeiro confisco, pois, como já dissemos, incentiva a invasão de terras urbanas, subtrai a propriedade de seu titular, sem ter ele direito a qualquer indenização. Essas regras, a do atual Código Civil e a do art. 10 e seus parágrafos da Lei n. 10.257/2001, devem ser modificadas por um projeto de lei específico, evitando-se, assim, que o Judiciário seja obrigado, por interm édio de inúmeras ações que haverão de surgir, a declará-las inconstitucionais.

ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL - CJF • Enunciado 507, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "Na aplicação do principio da função social da propriedade imobiliária rural, deve ser observada a cláusula aberta do § 1« do art. 1.228 do Código Civil, que, em consonância com o disposto no art. 5o, inciso XXIII, da Constituição de 1988, permite melhor objetivar a funcionalizaçáo mediante critérios de valoraçáo centrados na primazia do trabalho". • Enunciado 497, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "0 prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses de m á-fé processual do autor". • Enunciado 496, aprovado na V Jornada de Direito Civil de 2011: "0 conteúdo do art. 1.228, §§ 4* e 5o, pode ser objeto de ação autônoma, não se restringindo à defesa em pretensões reivindicatórias". • Enunciado 311, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Caso não seja pago o preço fi­ xado para desapropriação judicial, e ultrapassado o prazo prescricional para se exigir o crédito correspondente, estará autorizada a expedição de mandato para registro da propriedade em favor dos possuidores". • Enunciado 310, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Interpreta-se extensivamente a expressão ‘imóvel reivindicado' (art. 1.228, § 4°), abrangendo pretensões tanto no juízo petitório quanto no possessório". • Enunciado 309, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "0 conceito de posse de boa-fé de que trata o a r t 1.201 do Código Civil não se aplica ao instituto previsto no § 4a do art. 1.228". • Enunciado 308, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Ajusta indenização devida ao proprietário em caso de desapropriação judicial (art. 1.228, § 5o) somente deverá ser suportada pela administração pública no contexto das políticas públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado 84 da I Jornada de Direito Civil". • Enunciado 307, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Na desapropriação judicial (art. 1.228, § 4a), poderá o juiz determinar a intervenção dos órgãos públicos competentes para o li­ cenciamento ambiental e artístico". • Enunciado 306, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: “A situação descrita no § 4® do art. 1.228 do Código Civil enseja a improcedência do pedido reivindicatório". • Enunciado 305, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "Tendo em vista as disposições dos §§ 3a e 4« do art. 1.228 do Código Civil, o Ministério Público tem o poder-dever de atuação nas hipóteses de desapropriação, inclusive a indireta, que envolvam relevante interesse público, determinado pela natureza dos bens jurídicos envolvidos". • Enunciado 304, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006: "São aplicáveis as disposições dos §§ 4° e 5a do art. 1.228 do Código Civil às ações reivindicatórias relativas a bens públicos domini­ cais. Mantido, parcialmente, o Enunciado 83 da I Jornada de Direito Civil, no que concerne às demais classificações dos bens públicos". • Enunciado 241, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "0 registro da sentença em ação reivindicatória, que opera a transferência da propriedade para o nome dos possuidores, com fun­ damento no interesse social (art. 1.228, § 5a), é condicionado ao pagamento da respectiva inde­ nização, cujo prazo será fixado pelo juiz".

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• Enunciado 240, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Ajusta indenização a que alude o § 5o do art. 1.228 não tem como critério valorativo, necessariamente, a avaliação técnica lastreada no mercado imobiliário, sendo indevidos os juros compensatórios". • Enunciado 239, aprovado na III Jornada de Direito Civil de 2004: "Na falta de demonstração ine­ quívoca de posse que atenda à função social, deve-se utilizar a noção de 'melhor posse' com base nos critérios previstos no parágrafo único do art. 507 do CC de 1916". • Enunciado 84, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "A defesa fundada no direito de aquisição com base no interesse social (art. 1.288, §§ 4° e 5o, do NCC) deve ser arguida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento da indenização". • Enunciado 83, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Nas ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público não sào aplicáveis as disposições constantes dos §§ 4o e 5o do art. 1.228 do NCC". • Enunciado 82, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: “É constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4® e 5® do art. 1.228 do NCC". Em que pese a conclusão contida neste enunciado, discordamos totalm ente dele, na forma do que foi explicita­ do em nossos comentários acima. • Enunciado 49, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002: "Art. 1.228, § 2°: a regra do art. 1.228, § 2®, do atual Código Civil interpreta-se restritivamente, em harmonia com o principio da função social da propriedade e com o disposto no art. 187".

JULGADOS • "Ambiental e Administrativo. Mandado de Segurança. Inexistência de violação do art. 535, II, do CPC. Parque Nacional das Araucárias. Invalidação de licenças ambientais para o aproveitamento de árvores caídas, secas ou mortas, pelo decreto instituidor do parque. Possibilidade. Debate que não se resume à transferência da propriedade particular para o domínio público. Degradação ambiental iminente. Desnecessidade de ato formal para que a proteção a fauna, flora, belezas naturais e o equilíbrio ecológico seja implementada. 1. Inexiste a alegada violação do art. 535, II, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, como se depreende da análise do acórdão recorrido. 2. Qualquer alteração danosa ou potencialmente danosa ao ecossis­ tema deve ser combatida pelo Poder Público, sendo a criação de Parque Nacional mais um dos inúmeros instrumentos oferecidos pelo ordenamento jurídico á sociedade - para a preservação do meio ambiente. 3. A criação de Parque Nacional não muda a essência ecológica da área em questão; autoriza sim a alteração da natureza da propriedade, ou seja, não é a criação de tal Unidade de Conservação de Proteção Integral, ou a desapropriação em si, que vai garantir prote­ ção ao ecossistema, pois esta proteção lhe é inerente e independe da criação de qualquer Unida­ de de Conservação ou de qualquer formalização pelo Poder Público, sendo essencialmente pau­ tada na concepção fática da relevância ambiental da área, seja pública ou particular. Caso con­ trário, a defesa do meio ambiente somente poderia ocorrer em áreas públicas. 4. A formalização de qualquer das modalidades de Unidade de Conservação invalida as licenças ambientais anterior­ mente concedidas. Além disso, é patente, in casu, que a extração pretendida é danosa ao ecossis­ tema do Parque, o que impede a concessão de novas licenças. Recurso especial provido" (REsp 1.122.909/SC, 2* T., Rel. Min. Humberto Martins, j. em 24-11-2009). • "Reivindicatória. Extinção sem apreciação do mérito decorrente de o proprietário haver exercido e perdido a posse do imóvel. Inadmissibilidade. Proprietário que, embora pudesse valer-se da via possessória, mais fácil e menos abrangente, não está impedido de fazer uso da reivindicatória, mais difícil e abrangente. Extinção afastada" (TJSP, Ap. 329.711-4/9/Peruibe/ltanhaém, 2» Cãm. Dir. Priv., Rel. Des. Maia da Cunha, j. em 27-4-2004). • "Ação reivindicatória. Ausência da completa e correta descrição do imóvel reivindicado, inclusive quanto às suas confrontações. Requisito especifico da admissibilidade da ação, cuja falta possibi­ lita a declaração de nulidade do processo em qualquer fase e em qualquer grau de jurisdição, inclusive ex officio" [RT, 779/298). • "Incertezas no registro do imóvel, bem como na regularidade da cadeia sucessória, constantes dos títulos de domínio. Necessidade de identificação da área objeto da reivindicação, pois dai decorrem conclusões quanto à legitimidade das partes e da própria viabilidade do pleito" [RT, 762/234).

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Art. 1.229

D IR E IT O P R O JE T A D O • PL n. 699/2011: A rt. 1 .2 2 8 .................................................................................................................................................... § & No caso do parág rafo antecedente, o ju iz fixará a ju s ta indenização devida ao proprietário; pago integralm ente o preço, valerá a sentença como títu lo p a ra o registro do im óvel em nom e do respectivo possuidor.

Art. 1.229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a ati­ vidades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las. H IS T Ó R IC O • 0 artigo em tela não foi atingido por nenhuma modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto.

D O U T R IN A • 0 espaço aéreo é caracterizado pela sua utilização, sem que agrida a propriedade de outrem nem ofenda a ordem pública. Subsolo é uma coisa corpórea que, pela sua natureza e ligação íntim a com o solo, é suscetível de ser objeto do direito de propriedade [v. Carlos Alberto Dabus M aluf, Limitações ao direito de propriedade, São Paulo, Saraiva, 1997, p. 85 e 91). • Segundo W ashington de Barros M onteiro (in Curso de D ireito Civil - Direito das Coisas, v. 3, 37. ed. rev. e atual, por Carlos Alberto Dabus M aluf, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 89): "...o proprietário do imóvel tem direito não só à respectiva superfície como ao espaço aéreo e ao subsolo correspondentes. Mas a propriedade é tam bém fato econômico, de modo que a ex­ tensão do espaço aéreo e do subsolo se delim ita pela utilidade que ao proprietário pode proporcionar. Igualm ente, a este nào assiste o direito de im pugnar a realização de trabalhos que se efetuem a uma altura ou a uma profundidade tais, que não tenha interesse em im pe­ di-los. Aqui intervém o interesse social a cercear a propriedade. No Rio de Janeiro, por exem ­ plo, o proprietário nào poderia opor-se à passagem dos cabos empregados na tração do bonde do Páo-de-Açúcar, devido à sua grande altura. Em São Paulo, igualm ente, nào assis­ tiria ao proprietário direito de contestar a perfuração do subsolo para instalação do metrô". • Ainda segundo W ashington de Barros M onteiro (cf. op. cit., p. 89), apoiado na lição de Car­ valho Santos: "Já no tocante à passagem de fios telegráficos, telefônicos ou condutores de energia elétrica, cumpre distinguir: se nào há colocação de postes no terreno e nenhum risco se impõe ao proprietário, não pode este