Capitalismo, Trabalho e Educação em Tempos de Devastação Neoliberal 9788553104345

"Com o intuito de contribuir para a compreensão dos desafios impostos à classe trabalhadora e à educação em tempos

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Capitalismo, Trabalho e Educação em Tempos de Devastação Neoliberal
 9788553104345

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Doutor em Educação pela Unicamp. Mestre em Educação pela Unicamp. Pós Doutor em Educação pela UNIOESTE. Membro do Grupo de Estudos, História, Sociedade e Educação no Brasil – HISTEDBR. E-mail: [email protected]

Paulino José Orso Doutor em Educação pela Unicamp. Pós-doutorado em Educação pela UERJ. Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1996). Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em História da Educação do Oeste do Paraná. Professor no Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIOESTE e no Curso de Pedagogia, Campus Cascavel – PR. E-mail: [email protected]

CAPITALISMO, TRABALHO E EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE DEVASTAÇÃO NEOLIBERAL

Eraldo Leme Batista

Ultraliberalismo significa uma espécie de síntese das políticas do Liberalismo Clássico, com as políticas Keynesianas, em que se conjuga o “Estado social mínimo para os trabalhadores” e “Estado máximo para o capital”, ou seja, reduzido, senão ausente em termos de direitos sociais e populares, e máximo, portanto, para o capital em termos de extração e expropriação da mais valia, simultaneamente à intensificação do controle e repressão social.

Batista e Orso (org.)



LUTAS ANTICAPITAL

CAPITALISMO, TRABALHO E EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE DEVASTAÇÃO NEOLIBERAL Eraldo Leme Batista Paulino José Orso (org.)

Com o intuito de contribuir para a compreensão dos desafios impostos à classe trabalhadora e à educação em tempos de extrema concentração e voracidade do capital, apresentamos a coletânea organizada pelos pesquisadores brasileiros, Eraldo Leme Batista e Paulino José Orso, da qual fazem parte onze artigos, escritos por um pesquisador mexicano, quatro argentinos e treze brasileiros, pertencentes a diferentes instituições educacionais e regiões do país. Ela está sendo socializada pro público no momento em que o Brasil, outros países da América Latina e do Mundo encontram-se sob severa ameaça, correndo o risco de, além de sofrer uma inclemente regressão sócio educacional e humanitária, serem submetidos a uma devastação de grandes proporções por meio de uma guerra nuclear, que até recentemente, parecia pertencer ao museu da história. Boa leitura!

Capitalismo, Trabalho e Educação em Tempos de Devastação Neoliberal

Organizadores: Eraldo Leme Batista Paulino José Orso

Capitalismo, Trabalho e Educação em Tempos de Devastação Neoliberal

Organizadores: Eraldo Leme Batista Paulino José Orso

1ª edição LUTAS ANTICAPITAL Marília – 2019

Editora LUTAS ANTICAPITAL Editor: Julio Okumura Conselho Editorial: Andrés Ruggeri (Universidad de Buenos Aires - Argentina), Bruna Vasconcellos, Candido Giraldez Vieitez (UNESP), Dario Azzellini (Cornell University – Estados Unidos), Édi Benini (UFT), Fabiana de Cássia Rodrigues (UNICAMP), Henrique Tahan Novaes (UNESP), Júlio César Torres (UNESP), Lais Fraga (UNICAMP), Mariana da Rocha Corrêa Silva, Maurício Sardá de Faria (UFRPE), Neusa Maria Dal Ri (UNESP), Paulo Alves de Lima Filho (FATEC), Renato Dagnino (UNICAMP), Rogério Fernandes Macedo (UFVJM). Projeto Gráfico e Diagramação: Mariana da Rocha Corrêa Silva e Renata Tahan Novaes Imagem da capa: Diego Rivera: Serie Historia de México. El mundo de hoy y de mañana. fresco, 1929-1935, muro sur, Palacio Nacional, México. Capa: Mariana da Rocha Corrêa Silva Impressão: Renovagraf Batista, Eraldo Leme. B333c

Capitalismo, trabalho e educação em tempos de devastação neoliberal / Eraldo Leme Batista, Paulino José Orso. – Marília : Lutas Anticapital, 2019. 324p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-53104-34-5 1. Capitalismo. 2. Trabalho – Aspectos sociais. 3. Educação. 4. Neoliberalismo. I. Orso, Paulino José.

CDD 320.51 Ficha elaborada por André Sávio Craveiro Bueno CBR 8/8211 FFC – UNESP – Marília 1ª edição: maio de 2019 Editora Lutas anticapital Marília –SP [email protected] www.lutasanticapital.com.br

Sumário Apresentação Eraldo Leme Batista e Paulino José Orso...........................................7 Capítulo I: O trabalho precario no metabolismo social do capital na época neoliberal Adrián Sotelo Valencia....................................................................13 CAPÍTULO II: La autogestión del trabajo: un debate político y teórico desde la experiencia de las empresas recuperadas Andrés Ruggeri……………………………………………………………….41 Capítulo III: Lógicas de imposición del capital en grandes corporaciones. Disputas en torno a la negociación y la subjetivación laboral Juan Montes Cató e Claudia Figari………………………………………..77 Capítulo IV: A proletarização dos trabalhadores intelectuais e a consolidação de uma superpopulação relativa como expressões do desenvolvimento capitalista: o caso argentino Ricardo Donaire.............................................................................99 Capítulo V: Reforma do estado e mercantilização do ensino superior no brasil dos governos FHC e Lula (1995-2010) Fábio Mansano de Mello e José Rubens Mascarenhas de Almeida ....................................................................................................125 Capítulo VI: Notas esparsas e preliminares sobre a história do SinproSP nos marcos da expansão do ensino privado durante a ditadura militar brasileira (1964-1985) Carlos Bauer e Hélida Lança.........................................................151 Capítulo VII: A agenda educacional do capital na autocracia burguesa e alguns apontamentos sobre as alternativas Roberto Leher, Vânia Cardoso da Motta e Bruno Gawryszewski.....177 Capítulo VIII: Produção destrutiva, agroecologia e ensino médio integrado ao médio do Movimento Sem Terra Henrique Tahan Novaes................................................................211

Capítulo IX: Trabalho-educação, economia e cultura em comunidades tradicionais: entre a reprodução ampliada da vida e a reprodução ampliada do capital Ana Elizabeth Santos Alves e Lia Tiriba.........................................241 Capítulo X: A produção associada camponesa e sua inerente produção de saberes: por uma educação popular, de classe e socialista Edson Caetano e Cristiano Apolucena Cabral................................275 Capítulo XI: Educação e lutas de classes: concepções e propostas pedagógicas Paulino José Orso........................................................................315

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Apresentação

Com o intuito de contribuir para a compreensão dos desafios impostos à classe trabalhadora e à educação em tempos de extrema concentração e voracidade do capital, apresentamos uma coletânea organizada pelos pesquisadores brasileiros, Eraldo Leme Batista e Paulino José Orso, da qual fazem parte onze artigos, escritos por um pesquisador mexicano, quatro argentinos e treze brasileiros, pertencentes a diferentes instituições educacionais e regiões do país. Ela está sendo colocada a público no momento em que o Brasil, a América Latina e o Mundo encontram-se sob severa ameaça, correndo o risco de, além de sofrer uma inclemente regressão sócio educacional e humanitária, serem submetidos a uma devastação de grandes proporções por meio de uma guerra nuclear, que até recentemente, já parecia ser apenas coisa do museu da história. Estando sob o domínio do capital, contraditoriamente, o momento em que presenciamos um grau extremamente grande de conhecimento e de tecnologias, também é o mesmo em que se verifica o maior número de desempregados, o maior grau de poluição e devastação do meio ambiente, o maior ataque aos direitos sociais, condenando milhões de pessoas à pobreza, à miséria e até mesmo a morte. Milhões de pessoas migram de países miseráveis, sem nenhuma condição de sobrevivência razoavelmente digna de vida. Africanos, em condições desumanas, buscam abrigo e sobrevivência em países europeus, onde são rechaçados, mandados de volta aos países de origem ou mesmo presos. Embarcações com milhares de pessoas passando fome e sede são impedidas de desembarcar nos países europeus. A miséria no México, fruto do avanço destruidor do neoliberalismo, leva milhares de pessoas a buscarem um pouco de dignidade nos Estados Unidos, mas são barrados, perseguidos, caçados como animais selvagens. Essa é a lógica insana de um sistema que produz a

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miséria e a desigualdade por todos os cantos do planeta, sob o comando do Imperialismo Norte Americano. Dada a produção coletiva das riquezas e a apropriação privada dos frutos do trabalho, verificamos não só um altíssimo grau de concentração de conhecimento, tecnologias, bens e riquezas, com um incomensurável número de desempregados convivendo com o subemprego e a intensificação do trabalho por parte dos que ainda conseguem se manter no emprego. Ou seja, ao invés do desenvolvimento técnico e científico estarem a serviço do homem, garantindo uma vida plena, com a redução do tempo de trabalho e esforço físico de todos para produzir os bens necessários à sobrevivência, em decorrência da privatização dos meios de produção, vemos se ampliar a jornada de trabalho e também a precarização das condições de trabalho. Mesmo assim, a pesar desse trágico contexto, há resistência, tanto do ponto de vista teórico, em que a cada dia, um número cada vez maior intelectuais mergulham na história para pesquisar e compreender o atual momento com o intuito de contribuir para a construção de instrumentos que possibilitem sua superação e também na realização de inúmeras experiências de trabalho e de vida que se opõem à forma capital de organizar e produzir a vida social. Apesar de ser praticamente consenso caracterizar o momento social, político e econômico atual e de manter sua nomenclatura e significação conforme o entendimento corrente, assim como o fazem alguns autores desta obra, entendemos que a denominação mais apropriada é ultraliberalismo, tal como já mencionado em um artigo intitulado “Neoliberalismo: equívocos e consequências” (ORSO, 2007), na coletânea organizada por José Claudinei Lombardi e José Luis Sanfelice, intitulada “Liberalismo e educação em debates”, pela Editora Autores Associados. Ultraliberalismo significa uma espécie de síntese das políticas do Liberalismo Clássico, com as políticas Keynesianas, em que se conjuga o “Estado social mínimo para

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os trabalhadores” e “Estado máximo para o capital”, ou seja, reduzido, senão ausente em termos de direitos sociais e populares, e máximo, portanto, para o capital em termos de extração e expropriação da mais valia, simultaneamente à intensificação do controle e repressão social. Assim, com o intuito de compreender a atual fase do “capitalismo, trabalho e educação em tempos de devastação neoliberal”, apresentamos os onze capítulos que seguem. No primeiro, intitulado “El trabajo precario en el metabolismo social del capital en la época neoliberal”, o sociólogo e pesquisador mexicano Adrián Sotelo Valencia analisa as conexões entre a precariedade das relações de trabalho no capitalismo contemporâneo e a barbarie que afeta a clase trabalhadora em todo o mundo. No segundo, “La autogestión del trabajo: un debate político y teórico desde la experiencia de las empresas recuperadas”, o professor da Universidade Nacional Arturo Jauretche e Diretor do Programa de Faculdade Aberta da Universidade de Buenos Aires, Argentina, Andrés Ruggeri, discute acerca do lugar na economia e as diferentes abordagens do conceito de autogestão que surgiram em decorrência das experiências de ocupação das fábricas no país, como resposta às consequências das políticas neoliberais, bem como, analisa seu significado social e político no contexto do capitalismo neoliberal globalizado. No terceiro, denominado de “Lógicas de imposición del capital en grandes corporaciones. Disputas en torno a la negociación y la subjetivación laboral”, os pesquisadores argentinos Juan Montes Cató e Claudia Figari discutem acerca da ofensiva que opera sobre as conquistas dos trabalhadores impondo sujeições em âmbito global pelas grandes corporações transnacionais. No quarto, intitulado “A proletarização dos trabalhadores intelectuais e a consolidação de uma superpopulação relativa como expressões do desenvolvimento capitalista. O caso argentino”, o pesquisador desse país,

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Ricardo Donaire, discorre sobre aquilo que define como “a consolidação de uma superpopulação operária relativa e a proletarização dos trabalhadores intelectuais” na Argentina, em que esboça uma conceitualização da relação entre estes fenômenos, no intuito de contribuir para o debate teórico sobre a atual fase do capitalismo e a construção de indicadores para identificar essa fase. No quinto, os pesquisadores da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) – Brasil, Fábio Mansano de Mello e José Rubens Mascarenhas de Almeida, analisam a “Reforma do estado e mercantilização do Ensino Superior no Brasil dos governos FHC e Lula (1995-2010)”, em que procuram explicitar a articulação do Estado com os interesses da burguesia “nacional” e do capital internacional, presentes nas reformas mercantilizantes realizadas durante os dois governos, de maneira especial no Ensino Superior, profundamente marcadas pela ideologia da suposta “universidade flexível”. No sexto, os professores da Universidade Nove de Julho, Brasil, Carlos Bauer e Hélida Lança, no artigo denominado “Notas esparsas e preliminares sobre a história do SINPRO-SP nos marcos da expansão do ensino privado durante a ditadura militar brasileira (1964-1985)”, apresentam elementos que nos ajudam a compreender o Sindicato dos Professores de São Paulo (SINPRO-SP), em um de seus momentos mais marcantes, a ditadura militar de 1964 a 1985. No sétimo, denominado “A agenda educacional do capital na autocracia burguesa e alguns apontamentos sobre as alternativas”, Roberto Leher, Vânia Cardoso da Motta e Bruno Gawryszewski, professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil, analisam “as condições objetivas e as forças sociais e políticas da pedagogia do capital”, em que pontuam possíveis tendências educacionais, problematizam o sentido das resistências da classe trabalhadora e indicam debilidades e alternativas para a unificação das forças políticas progressistas no campo da educação, na perspectiva da escola unitária.

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No oitavo, intitulado a “Produção destrutiva, agroecologia e Ensino Médio Integrado ao Médio do Movimento Sem Terra”, Henrique Tahan Novaes, professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Brasil, apresenta a contribuição do Movimento Sem Terra (MST) para a educação integrada em que procura respostas para as seguintes questões: Será que a escola técnica do MST se diferencia da escola técnica estatal? Como os princípios da agroecologia aparecem nas escolas do MST? No nono, denominado “Trabalho-educação, economia e cultura em comunidades tradicionais: entre a reprodução ampliada da vida e a reprodução ampliada do capital”, as professoras Ana Elizabeth Santos Alves e Lia Tiriba, das Universidades Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e da Federal Fluminense (UFF), Brasil, respectivamente, trazem à tona práticas econômicas e culturais que, não obstante se encontrarem atravessadas por mediações do capital, são calcadas nos valores de solidariedade, reciprocidade e cooperação. No décimo, denominado “A produção associada camponesa e sua inerente produção de saberes: por uma educação popular, de classe e socialista”, os professores Edson Caetano, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), e Cristiano Apolucena Cabral, da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC), Brasil, considerando que o modo de produção capitalista não é homogêneo, analisam e explicitam tanto os mecanismos de controle do capital, como as ações de resistência e disputa presentes na organização da produção da existência camponesa, como no caso da produção autogestionária. Por fim, considerando que a sociedade se encontra dividida em classes e, portanto, que a neutralidade teóricometodológica é impossível, o professor Paulino José Orso, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste – Brasil, destaca a importância da escolha da concepção analítica dos fatos e relações sociais. Em seu o artigo denominado “Educação

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e lutas de classes: concepções e propostas pedagógicas” discorre sobre a relação entre educação e sociedade, avulta a configuração da sociedade atual, assim como, aparta as diferentes concepções de análise e explicita suas especificidades e as implicações sociais decorrentes das mesmas. _____________________________ Eraldo Leme Batista Paulino José Orso (organizadores)

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Capítulo I O trabalho precario no metabolismo social do capital na época neoliberal Adrián Sotelo Valencia1

En este ensayo planteamos la hipótesis relativa a que la actual crisis capitalista, que se despliega con fuerza en escala global, fundamentalmente afecta las relaciones sociales, de producción, de vida y de trabajo, particularmente de las clases asalariadas y oprimidas de la sociedad burguesa. Para ello relacionamos el proceso de precarización del mundo del trabajo con fenómenos particulares como la tensión y la fractura social que afecta a las clases trabajadoras mediante la desarticulación de sus instrumentos de lucha como son el sindicato, la huelga, la manifestación y, lo más importante, la posibilidad de la transición social hacia un nuevo modo de producción, de vida y de trabajo no capitalista. Crisis del patrón de acumulación y de los mecanismos de producción de valor y plusvalor La raíz histórica de la hecatombe financiera e inmobiliaria de 2007-2008 es la crisis estructural de la economía capitalista mundial, que tuvo su centro en Estados Unidos y se ramificó hacia el resto de la economía internacional. Podemos hacernos una idea de las características de esa crisis si la comparamos con la que estalló en 1929-33, la cual, al igual que la presente, ocurrió dentro de

Sociólogo, investigador del Centro de Estudios Latinoamericanos (CELA) de la FCPyS-UNAM, México, Correo: [email protected]. 1

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una onda larga deresiva de la economía internacional2, pero mientras en aquélla los recursos financieros eran apenas de alrededor de 30% del producto bruto mundial, en la actualidad superan más de 20 veces el mismo, lo cual revela la hegemonía que han adquirido, con el neoliberalismo, el capital ficticio y sus instituciones financieras. El Banco de Basilea calcula que dicho monto es de 612 billones de dólares, o sea, entre 11 y 12 veces el producto bruto mundial.3 Citando datos de Mitsubishi UFJ Securities, István Mészáros compara el tamaño de la "economía real", estimado en 48.1 trillones de dólares, con la llamada "economía financiera" (suma de las acciones, títulos y depósitos), que asciende a 151.8 trillones de dólares. "De modo que la economía financiera se ha inflado tres veces el tamaño de la economía real, creciendo especialmente rápido durante las dos décadas pasadas." (MÉSZÁROS, 1 de marzo de 2009) En la entrevista que citamos anteriormente MÉSZÁROS concluye que "estamos en presencia ahora, no de una […] preeminencia financiera sobre el capital industrial [sino que] el capitalismo de hoy en día es básicamente financiero". Se puede afirmar que la crisis del capitalismo de hoy en día es financiera, debido al peso del capital ficticio en la dinámica de la economía en su conjunto; pero también es industrial, de servicios, agrícola y tecnológica y actúa bajo el predominio del capital financiero y, dentro de él, del capital especulativo o parasitario. En este contexto asociamos la gestión y la crisis del fordismo-taylorismo, y su relativa superación por el toyotismo y la automatización flexible, con las modalidades del neoimperialismo (de predominio financiero) cuyas políticas impulsadas por el Banco Mundial y el FMI, particularmente

Según MANDEL (1986) la crisis mundial de 1929-1933 se dio en el contexto de la onda depresiva de 1919-1940. La actual, a nuestro juicio, también se da dentro de una onda de este tipo que dio comienzo con la crisis mundial capitalista de mediados de la década de los setenta del siglo pasado. Una revaloración de esta teoría se puede encontrar en un artículo que MANDEL escribió antes de su muerte (2008). 3 Datos obtenidos de DENVIR, 5 de agosto de 2008. 2

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desde la década de los ochenta del siglo pasado, se encaminan a evitar, a toda costa, la desvalorización del capital, contrarrestar la caída de la tasa de ganancia y mantener su dominación a escala mundial. Esto es debido a que la crisis es de sobreproducción (mayor oferta que demanda) y de realizaciónsubconsumo de mercancías y de capital (por ende, de producción de anti-valor y de dificultades de realización de plusvalía). Hay que recordar que las crisis son cíclicas, es decir que la economía capitalista pasa periódicamente por una sucesión de momentos de expansión, prosperidad, recesión, depresión y crisis en cada uno de los cuales intervienen el Estado y las políticas del capital. Cada ciclo tiene características peculiares y es irreversible; su sucesión describe una espiral ascendente como proceso histórico estructural que en cada ciclo de alrededor de diez años ve reducirse la duración de los periodos de crecimiento económico y de producción de valor y aumentar los de recesión, de depresión y de crisis. Al respecto dice MARX (1982: Vol. I: 26): "Las categorías más abstractas, a pesar de su validez — precisamente debida a su naturaleza abstracta— para todas las épocas, son no obstante, en lo que hay de determinado en esta abstracción, el producto de condiciones históricas y poseen plena validez sólo para estas condiciones y dentro de sus límites".

Por tanto, las categorías son históricas. Esta tesis es contraria al pensamiento dominante, pues afirma que las categorías del pensamiento son un fiel reflejo tanto de la "realidad externa" al hombre (el mundo empírico, la naturaleza) como de la historia, y que de ninguna manera constituyen categorías aisladas o eternas, como las de "globalización", "fin de la historia", "postcolonialismo", "democracia" o

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"posmodernidad" que pregonan las corrientes idealistas.4 En breve, para decirlo con Lenin: El mundo exterior, reflejado en nuestra conciencia, existe independientemente de nuestra conciencia. Sólo esta solución materialista es compatible realmente con las ciencias naturales y sólo ella elimina la solución idealista de la cuestión de la causalidad, propuesta por Petzoldt y Mach (Lenin, 1975: 89).

De esta forma la crisis capitalista contemporánea, si bien tiene rasgos comunes con otras crisis anteriores, su forma de manifestación tiene características peculiares que la distinguen, por ejemplo, de la de 1929-33, lo que necesariamente se tiene que reflejar en los conceptos que se emplean para analizarla (véase SHAIKH, 4 de febrero de 2011). Además, el carácter mundializado y salvaje del capitalismo actual le ofrece cierto margen y diversas salidas. Ésta no es la "crisis terminal del sistema", a pesar de su severidad y espectacularidad, y de que ciertos marxistas lo estén postulando; pero sí es preludio del agotamiento de la fase progresiva, desde el punto de vista del desarrollo de las fuerzas productivas, del capitalismo en términos históricos. El capital posee dispositivos que le permiten relativamente autorregenerarse para procurar su autovalorización, entre los que se encuentran, en tiempos de Son elocuentes las siguientes palabras de una autor italiano del siglo XVII respecto de la 'globalización': 'Se ha difundido a tal punto por todo el globo terrestre la comunicación entre los pueblos, que casi puede decirse que todo el mundo se ha convertido en una sola ciudad en la cual se efectúa una feria permanente con todo tipo de mercancías, y donde cualquier hombre, mediante el dinero y permaneciendo en su casa, puede proveerse y disfrutar de todo lo que producen la tierra, los animales y la industria humana. ¡Maravillosa invención!" Geminiano Montanari, Della moneta, escrito de 1683, y citado por Marx en los Grundrisse (Vol. III: 151). En aquélla época ¡sólo faltaba la 'maravillosa' tecnología de las redes de comunicación (Internet) y su hardware, la computadora!, que hicieron su aparición cuatro siglo después de pronunciadas aquéllas proféticas palabras. 4

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"normalidad": la intervención del Estado en los sistemas financieros, el aumento de las tarifas impositivas, la inflación, la extensión del crédito, la privatización de empresas energéticas en manos del Estado, la manipulación de los tipos de cambio que favorecen a los especuladores, pero también, en casos extremos —cuando la crisis y la lucha de clases son incontrolables para el imperialismo y sus agentes de seguridad y ponen en jaque al sistema de dominación—, la represión y la fuerza bruta (como en Irak, Afganistán o Siria). En última instancia la guerra imperialista y la generalización del régimen socioeconómico de superexplotación del trabajo se imponen como "salidas" para paliar la crisis y permitir la recuperación del crecimiento económico y de la tasa de ganancia, aunque en un nivel bastante inferior al alcanzado durante los Trente Annés Glorieuses. Desde la década de los ochenta del siglo pasado, cuando asumen la supremacía las "estrategias de estabilización" del neoliberalismo y del capital financiero, las crisis capitalistas modernas exigen, mucho más que nunca antes, la reestructuración del mundo del trabajo (es decir, de los salarios, la organización del proceso de trabajo, la formación sindical y de los programas de capacitación, la calificación, el adiestramiento y el ejército industrial de reserva) con el fin de adecuarlo a la lógica y condiciones de funcionamiento de los llamados "mercados libres". En este proceso asumen un papel estratégico las políticas del Estado capitalista encaminadas a estimular el crecimiento de la tasa de ganancia, contrarrestar las tendencias a la disminución del ritmo de acumulación y favorecer la reestructuración y desregulación de la fuerza de trabajo (Véase O’ CONNOR, 1987). Estas políticas conservadoras de reconversión industrial regresiva y de ajuste de las economías nacionales a los requerimientos de las grandes empresas no bastaron en la década de los ochenta y de los noventa, como no bastan hoy, para resolver la crisis capitalista, la cual más bien se proyecta a nuevos espacios, amenazando peligrosamente la viabilidad

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tanto del sistema como de la propia humanidad. Estos espacios son hoy la biodiversidad, el medio ambiente, el aire y el territorio, que pretenden ser convertidos en mercancías, es decir, sometidos a la rígida ley del valor y de la plusvalía. Bensaid (3 de septiembre de 2008) en un artículo lo expresa de la siguiente manera: No se trata solamente de la privatización de las empresas o incluso de los servicios, sino, más ampliamente, de la privatización de la información, del derecho (con el avance del poder en la relación contractual en detrimento de la ley), del espacio urbano, del agua, del aire, de lo viviente. Su secuela es una desintegración social que toma formas diferentes en los países ricos y en los Estados frágiles […] También ha tenido como consecuencia una atrofia del espacio público y una anemia inquietante de la vida democrática.

Ese patrón de reproducción y de vida social se expresa en la gestación de cambios significativos en el Estado que lo convierten en un Estado neoliberal, minimalista y empresarial; en un "Estado penal y de seguridad" (Bensaid) que se está imponiendo con mucha fuerza en el mundo con el fin de legalizar las políticas del gran capital en materia económica, social y ambiental, tendientes a la mercantilización de bienes, territorios y de fuerza se trabajo. En la "era de la democracia" este tipo de configuración se puede denominar Estado del cuarto poder (MARINI, s/f: 69-95 y 18 de octubre-diciembre de 1978: 21-28.): un Estado "democrático" con gran influencia del poder militar, que es capaz de revitalizarse tanto en los países del capitalismo avanzado como, y con mucho mayor fuerza, en los dependientes y subdesarrollados que han asumido una configuración política formalmente democrática. La dimensión neoliberal-conservadora que ha asumido el Estado capitalista es sustancialmente más funcional a la reproducción del capital y completamente incapaz de cubrir las crecientes necesidades alimentarias, de salud, educación,

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vivienda y recreación de las grandes masas poblacionales como postulan los autores keynesianos y las corrientes neoclásicas y weberianas; o como llegó a plantear OLIVEIRA (1998: 29) con su propuesta de un "fundo público" —recursos que el Estado destina a la reproducción de la fuerza de trabajo, o bien, a la seguridad social, el bienestar o a la alimentación— en tanto "antivalor": "Un fondo público que no es valor en su función de sustentación del capital, que destruye el carácter autoreflexivo del valor, central en la constitución del sistema capitalista en cuanto sistema de valorización del valor". La implicación teórica de esta idea, apoyada en Piero Sraffa, es un cambio de paradigmas: ese "fondo público" desfigura los conceptos y realidades del capital y de la fuerza de trabajo; la "desmercantiliza" y a aquél le retira sus funciones de ser presupuesto-parámetro del sistema, para que estas funciones pasen a ser gestionadas directamente por el fondo público del Estado. La dificultad de esta tesis radica en que el autor no indaga —y aquí radica toda la debilidad de su análisis y, por tanto, su incapacidad explicativa— el origen de los recursos de ese fondo público desde la perspectiva de la teoría del valor y de la creación de plusvalor, ya que es de éste último, en última instancia, donde nace aquél. El Estado puede redistribuir parte de la plusvalía, pero ello depende tanto de la naturaleza de ese Estado (fascista, dictatorial, democrático-progresista) en concordancia con la lucha de clases y el poder del proletariado para obligar a ese Estado a servir a sus intereses. Pero ocurrió otra cosa: el proceso de reestructuración del capital adaptó el sistema productivo a las necesidades de la acumulación y reproducción del capital de los países desarrollados de occidente, para lo que el neoliberalismo recurrió a la privatización de buena parte de las funciones que antes desempeñaba el Estado y a la imposición de políticas económicas de choque-ajuste-estabilización; también se alcanzó dicha adaptación a través de fases de crecimiento económico (relativo) que, más tarde, produjeron crisis estructurales y financieras del sistema capitalista mundial (que

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en México tuvieron su momento más álgido en 1994-1995 y en 2001 (PETRAS y VELTMEYER 2003 y SOTELO, 2014). El gran ente privilegiado y beneficiario de estas políticas fueron las grandes empresas trasnacionales apoyadas por los Estados dependientes y por los imperialistas. Ello reforzó la cohesión del capital en los niveles industrial, comercial, rentista, bancario, financiero y ficticio, con lo que se presentó un panorama ideológico de "globalización del poder trasnacional". Se proclamó, entonces, el "fin de la historia" y del trabajo en el contexto del auge de la new economy y del "consenso de Washington". El resultado de todos estos cambios durante las décadas de los ochenta y noventa del siglo pasado no fue la constitución de un "capitalismo productivo, competitivo y robusto" como fruto de las reestructuraciones neoliberales tano del capital fijo como del capital variable (fuerza de trabajo); sino de la forma parasitaria del capital ficticio (CHESNAIS, noviembre de 1993, CARCANHOLO y NAKATANI, 2015: 89-124 y CARCANHOLO y SABADINI, 2015: 125-159): una cierta supremacía hegemónica en el capitalismo globalizado del siglo XXI que castiga con severidad los sistemas productivos y las tasas de crecimiento del empleo productivo e industrial. Esta supremacía del capital ficticio (que no crea valor ni plusvalor pero sí somete a su dominio al capital productivo), aunada a la contracción de las tasas de crecimiento promedio del sistema productivo y económico, sumergieron al capitalismo en la crisis más severa que hemos padecido desde 1929-1933 (SHAIKH, febrero de 2011). En suma, la crisis actual financiera es sólo manifestación de profundas mutaciones y ajustes del mundo del trabajo que opera en los sistemas productivos y de la organización empresaral en donde la precarización del mundo del trabajo constituye la superficie de un fenómeno mucho más profundo que es la generalización, en el sistema capitalista avanzado (véase SOTELO, 2018, en preparación), del régimen de superexplotación de la fuerza de trabajo y la imposición de

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una relación flexible entre el trabajo y el capital, cuya tendencia es consolidarse como la nueva normatividad de las relaciones laborales y contractuales. Es esta la esencia de las nuevas relaciones sociales de producción, que resultaron de la crisis y de la reestructuración del modo capitalista de producción en escala planetaria. Crisis, tensión y fractura social en el capitalismo neoliberal La palabra: "barbarĭes", del latin, significa "rusticidad", "crueldad" o "ferocidad". Ha sido — es — ampliamente utilizada por teorías evolucionistas y estructuralistas en las ciencias sociales, generalmente para conferirle un sesgo negativo a las sociedades no industriales, periféricas, subdesarrolladas, "iletradas" que, supuestamente, se encuentran "por debajo" de las capitalistas occidentales —"en estadios inferiores de la cadena del desarrollo humano y económico-social"— las que, a la vez, se autocalifican de "civilizadas", "modernas", "desarrolladas", con "rangos superiores" en relación con las primeras. Así se originó la dicotomía: "civilización vs. barbarie" en función de la cual se llevaron a cabo las más terribles atrocidades contra los pueblos originarios del mundo por parte de los imperialismos occidentales colonialistas del capitalismo avanzado. Existe una estrecha relación entre trabajo y barbarie que en la actualidad se manifiesta fehacientemente en la desprotección jurídico-institucional cada vez más generalizada de los vendedores y vendedoras de su fuerza de trabajo en relación con los derechos laborales y sociales. A diferencia del pasado, cuando por lo menos existían leyes, normas y reglamentos laborales que reglamentaban y protegían esos derechos conquistados por las luchas obreras y proletarias en el curso del siglo XX, en la actualidad la mujer y el hombre que trabajan, cada vez más lo hacen en condiciones de desprotección, de precariedad, inseguridad y fatiga corporal e intelectual. De esta forma, se impuso una normatividad de trabajo que devuelve al obrero a condiciones muy similares a las que prevalecían en el siglo XIX bajo el impiadoso látigo del

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taylorismo, cuando prácticamente la patronal y el Estado eran todopoderosos para implementar e imponer sus condiciones de explotación, de miseria y de trabajo al conjunto de las categorías obrerras que constituían el mundo del trabajo. Como esta situación no es coyuntural o accidental, sino sistémica, estructural e histórica, se ha incrustado dentro del metabolismo socio laboral de la reproducción del capital y cuya superación necesariamente implica, a la par, la superación de ese sistema. Trabalho e tensão social En ausencia de una poderosa y activa organización de la clase obrera capaz de oponer resistencia y embate ante los procesos de reestructuración, segmentación y flexibilidad del trabajo, el capital impone un ambiente de tensión sociolaboral que, bifurcado en el intrincado sistema económico-jurídicoinstitucional y psíquico-emocional, termina por neutralizar y contrarrestar los intentos de rebeldía de los trabajadores para luchar por sus intereses y demandas de clase (STANDING; 2011; para una crítica SOTELO, 2016). La actualización de la precariedad del trabajo, a través del proceso de precarización, produce un fenómeno adicional que definimos como tensión social que es un estado que guarda una comunidad, grupo o individuo social que se exponen a la acción de fuerzas opuestas y agresivas, así como a una situación hostil, latente, entre personas, grupos, clases sociales, naciones y razas. Lógicamente cuando se estira dicho estado de tensión surge el peligro, primero, de la fractura y, luego, de la rotura de la red del tejido social que articula el mundo del trabajo y a sus diversos actores participantes. La tensión social es un conjunto de fuerzas y relaciones sociales antagónicas que interactúan en los procesos de trabajo y laborales, en los sindicatos, en las instituciones y en los regímenes jurídico-políticos. Esas fuerzas pueden provocar tensión, pero también rupturas, deformaciones y crisis permanentes que sacuden el orden establecido, sea en el sentido de reforzarlo o, en el de contravenirlo y subvertirlo.

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Destacamos que este fenómeno socio-laboral de la tensión social es heterogéneo y desigual. Lo primero porque en algunos lugares, países, regiones, regímenes jurídico-laborales, instituciones y procesos productivos, todavía existen relaciones laborales que mantienen, en sustancia, los derechos y prerrogativas de los trabajadores dentro de la integridad de un contrato laboral que articula categoría, salario y función desempeñada, tal como ocurre en aquéllos países europeos en el marco del Estado de bienestar y del fordismo —que hoy han entrado en una profunda crisis— mientras que en otros, por ejemplo, España, Grecia y Portugal, o en muchos lugares de América Latina (Argentina, Brasil y México) ya no es así. Aquí, por el contrario, la desregulación, la flexibilidad, la informalidad, la precariedad, la inestabilidad en el empleo y la pérdida de derechos sociales y laborales se erigieron en régimen hegemónico en el capitalismo neoliberal. Al decir de BECK, 2000: 96, "…nunca los trabajadores (independientemente de sus aptitudes y currículum) fueron más vulnerables que en nuestros días: trabajan de manera individualizada, sin ningún contrapeso colectivo y más independientemente que nunca, pues trabajan en unas redes flexibles cuyo sentido y pautas les resultan indescifrables a la mayoría de ellos".5 La heterogeneidad del contrato de trabajo se manifiesta en 2 formas: a) una que mantiene el viejo expediente fordista que articulaba la función desempeñada con los otros componentes: el salario y la categoría (A) y el nuevo que corresponde al neoliberal, flexible, toyotista y polivalente que posibilita el sistema just in time caracterizado por la desarticulación y la autonomización de dichos componentes (B). Este último (B) asume la hegemonía y tiende a absorber al primero (A) en el contorno del metabolismo sociolaboral del neoliberalismo. Es desigual, porque en ambas situaciones se En otro texto, este autor denomina "sociedad del riesgo mundial" (weltrisikogesellschaft) a la capacidad que tiene la sociedad posindustrial para afrontar, en la "segunda modernidad", cinco procesos interrelacionados: la globalización, la individualización, la revolución de los géneros, el subempleo y riesgos globales como las crisis ecológicas y de los mercados financeiros (BECK, 2007). Existe edición en castellano: BECK, 2008. 5

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presentan casos diversos en función de las características del país, de su grado de desarrollo económico y, sobre todo, de las luchas obreras y sindicales por la manutención de sus derechos fundamentales. En otras palabras: la intensidad y magnitud de la heterogeneidad y la desigualdad de los procesos de trabajo, socio-laborales y organizacionales, van a depender de los procesos estructurales determinados por el nivel de desarrollo de la composición orgánica del capital y de la incorporación de tecnología; de la estabilidad o crisis del sistema económico, de las características del Estado y, finalmente, del grado de cohesión, organización y lucha de los trabajadores y de las clases explotadas de la sociedad en la defensa y mejoramiento de sus condiciones de vida y de trabajo. Estas características que diferencian la heterogeneidad y la desigualdad de las relaciones sociales y laborales por países y regiones, poseen un ingrediente común: la tendencia a la precarización del trabajo conforme se va pronunciando la crisis económica y las empresas van adoptando el toyotismo y los métodos flexibles de producción y organización del trabajo (para este tema desde el punto de vista de la educación véase ANTUNES y PINTO, 2017). En esta idea han insistido algunos autores, por ejemplo, VASAPOLLO (2007) señala que una de las características del mundo actual en el tema laboral es la conversión del trabajo "atípico" en norma más que en excepción, mientras que para el sociólogo francés CASTEL (1998, p. 516) es un craso error considerar a los empleos precarios —contratos de trabajo por obra determinada, interinatos, part time, empleos subsidiados por el Estado— como "particulares o atípicos" y agrega que, en general tanto el desempleo como la precarización, hay que considerarlos como fenómenos "insertos en la dinámica actual de la modernización. Por su parte, BECK (2000: 135) cree que "La desregulación y flexibilización del trabajo introducen en occidente como normalidad lo que durante largo tiempo fue una catástrofe superable: la economía informal y el sector informal". Este mismo autor establece como uno de los principios de lo que denomina "segunda modernidad" que: "También la sociedad formal del trabajo y el pleno empleo, y con ella la red tejida en el plano del Estado asistencial, entra en crisis ante un nuevo

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modo de producción y cooperación 'deslocalizadas" (BECK, 2000: 28-29). Para este autor la "segunda modernidad", que implica la "modernidad reflexiva", se define por las crisis ecológica, el trabajo remunerado en retroceso, la individualización, la globalización y la revolución sexual (BECK, 2000: 25) incluyendo la crisis del mundo del trabajo (arbeitswelt) y la crisis ambiental (umweltkrise). Trabalho precario e reformas estructurais De ser producto de la crisis del capitalismo y de los mercados de trabajo el trabajo precário se convirtió en principio jurídico-institucional de los regímenes de trabajo y de los contratos individuales y colectivos que son congruentes con las políticas e intereses del capital y de sus agentes representativos: los empresarios y sus aparatos burocráticos, represivos y administrativos. En efecto, "Parece como si la seguridad socioeconómica, tal y como la define la Organización Internacional del Trabajo (OIT), se hubiera convertido en el privilegio de una minoría social a principios del siglo XXI en la mayoría de los países del mundo" (ALTVATER (2011:262). Este autor menciona Alemania, el país más desarrollado de la Unión Europea. En Italia las reformas laborales implementadas por el gobierno con la Ley 848 de febrero de 2003, introdujeron de lleno "el trabajo atípico" que desmontó, por lo menos, tres características fundamentales del trabajo prevaleciente antes de la reforma que sustentaba el "trabajo típico": a) el horario estipulado era de tiempo integral, b) reconocía el derecho a fijar el tiempo y el lugar para la promoción de los puestos de trabajo de los trabajadores empleados, así como para el inicio de la actividad autónoma de los trabajadores independientes o autónomos y, c) por último, se establecía una gran diversidad de posiciones y papeles entre quien trabajaba como empleado y quien lo hacía como trabajador independiente (VASAPOLLO, 2006: 49.). Entre otras consecuencias de estas reformas llamadas estructurales que se han implementado en Europa, además de incentivar el desempleo, estimularon el desarrollo de la informalidad laboral, al decir de ALTVATER (2011: 263 y

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ss), como un auténtico "parachoques de la globalización" que cumple cuatro funciones: a) Asegura la subsistencia de los hogares urbanos. b) Contribuye a solucionar la crisis de los mercados laborales. c) Se reproduce en las pequeñas empresas, informales y precarias, que superexplotan a sus trabajadores. d) Alberga un profundo y exacerbado depósito de fuerza de trabajo barata que nutre las necesidades de trabajo de las empresas transnacionales. Agregamos, además, que estimula el aumento de la explotación e intensifica la competencia entre los obreros que, entre otros efectos, provoca baja salarial, precariedad del empleo, aumento del desempleo. Lo mismo sucede con el incremento de la tensión social entre las clases trabajadoras. En efecto, el toyotismo y la automatización flexible adecúan el trabajo a los mercados y necesidades de las empresas (just in time) y generalizan su precarización en un contexto de debilidad sindical o de nula organización obrera. Así, el trabajo precario, la realidad generalizada que va incorporando cada vez más a amplios sectores de las clases trabajadoras de todo el mundo, en primera instancia, introduce un estado de tensión en los sujetos que ven perdidos — o van experimentando cómo se pierden — sus derechos laborales y sociales y se enfrentan, al mismo tiempo, a una cruda realidad de escasez y competencia por puestos de trabajo de cualquier naturaleza y, por supuesto, a un futuro incierto y lleno de interrogantes que crea problemas incluso de salud mental (nerviosismo, ansiedad, depresión, miedo, sufrimiento), además del aumento de los accidentes en el trabajo. Pudiendo pasar, así, en ese estado, semanas, meses, o aún años enteros en el paro, esos trabajadores y trabajadoras terminan por obtener, si bien les va, un cuasi-empleo insuficiente y precario que les proporciona un parco ingreso para medio satisfacer sus necesidades y las de sus familias ¡y eso: si bien les va! O bien, francamente renunciar a seguir buscando empleo, cuestión que favorece la estadística oficial en el sentido de suponer que ha disminuido

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la tasa del desempleo abierto. El alcoholismo, la drogadicción, la angustia y el estado permanente de estrés — cimiento, éste, angular sobre el que se erige la organización informática del trabajo de tipo toyotista — acompañan el intervalo del paro y se extienden, aun, cuando se encuentra un empleo temporal que, sin embargo, as sólo para medio sobrevivir. Si eso le sucede a un individuo, lo mismo ocurre de manera masiva a cientos y miles de personas que comparten la misma situación de precariedad y similares circunstancias adversas en las que quedan atrapados. El colectivo obrero, entonces, experimenta un fenómeno generalizado de tensión social que, o bien se organiza para la lucha o bien se perfila a uma posible fractura social—que se puede extender a la familia obrera, a la pareja, al círculo de amigos y al propio individuo al sentirse frustrado— lo que significa definitivamente su desintegración y la conversión al individualismo acrítico que es el peor enemigo de las luchas sociales en general y de los trabajadores en particular. De aquí, entonces, al suicidio, hay sólo un paso como "fórmula" de "salida" de la crisis objetiva e individual. El resultado de todos estos cambios, entre otros, ha sido un aumento de las enfermedades y la muerte en el trabajo como indica la AFL-CIO en un Informe sobre la muerte en el trabajo (31de mayo de 2011). También una ola de suicidios en France Telecom, que contaba con 100,000 empleados del grupo en ese país, se desencadenó trágicamente: entre 2008 y 2010 se registraron más de sesenta, de los que 27 están ligados al trabajo, según la plataforma sindical Observatorio del Stress y de la Movilidad Laboral Forzada (Pérez, 28 de abril de 2011).6 La Organización Internacional del Trabajo (OIT, 24 de mayo de 2002) revela que cerca de 5 mil 480 personas fallecen cada día en el mundo por accidentes o enfermedades laborales, o 2 millones cada año. Además, 270 millones de trabajadores padecen de lesiones y 160 millones adquieren enfermedades profesionales como, por ejemplo, el LER (Lesiones por Esfuerzo Repetitivo), que es una enfermedad profesional que se produce a causa de los esfuerzos repetitivos dentro de una jornada laboral excesiva de entre 14 y 15 horas al día — tan frecuente en nuestros días— con poco o nulo descanso para el trabajador. Otro fenómeno colateral que afecta al trabajo es el estrés laboral — lo que los sicólogos denominan: burnout (síndrome de agotamiento o fatiga laboral crónica) — y que produce por lo menos tres trastornos: agotamiento 6

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Dentro del trabajo enajenado y tenso se produce la "captura-apropiación de la subjetividad" del obrero por el capital que acrecienta las enfermedades del trabajo con énfasis en los trastornos mentales, lo que explica la fabulosa expansión de los negocios farmacéuticos —y de los laboratorios trasnacionales— que lucran con la salud y la desgracia humana, particularmente mediante la venta masiva de antibióticos y antidepresivos que generalmente no actúa en las causas sino solamente en los síntomas de la enfermedad. Si las contradicciones de clase entre el trabajo y el capital no consiguen restituir un cierto "equilibrio" dentro de las coyunturas adversas para el primero como resultado de la negociación y de la lucha de clase entre trabajo y capital, entonces se entra en un umbral que puede provocar fractura social; una situación de desempleo y eventualidad masivos caracterizada por la ausencia de prestaciones o subsidios y, por ende, de seguridad en la sociedad. Este fenómeno implica una aguda regresión social derivada de la reestructuración del capital y de sus crisis sistémicas en el mundo del trabajo que conlleva una inherente reducción y consiguiente degradación de los derechos laborales y de las condiciones de vida no solamente del ser (hombre o mujer) que trabaja, sino de la población en general. La fractura social significa un despiadado y peligroso proceso de fragmentación de la clase obrera, de sus sindicatos, ámbitos y símbolos socioculturales articulados en la familia, en la vida cotidiana, en las formas de pensamiento y en las ideologías, así como en la dimensión pública de la reproductividad social cotidiana. Cuando hablamos de fragmentación nos referimos a: "…una confusión acerca de la cuestión de la diferencia y la mismidad (o unidad), pero la percepción clara de estas categorías es necesaria en cada fase de la vida. Estar confundido acerca de lo que es diferente y lo que no lo es, es estar confundido acerca de todo. Así que no es accidental que nuestra forma fragmentaria de pensar nos

emocional y físico, baja productividad laboral y despersonalización del trabajador. Para este tema véase: SENNETT: 1998.

C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 29 esté llevando a un amplio conjunto de crisis: social, política, económica, ecológica, psicológica, etc., tanto en el individuo como en la sociedad considerada como un todo. Esta forma de pensar supone el inacabable desarrollo de un conflicto caótico e insensato, en el cual tienden a perderse las energías de todos en movimientos antagónicos o, si no, en malentendidos" (Bohm, 1988: 39-40).

La fragmentación social es un fenómeno necesario y vital del capital en general y de las ideologías dominantes en particular (positivismo, evolucionismo, funcionalismo sociológico) para erigir la organización científica y tecnológica del trabajo —y de sus procesos productivos— en función de sujetos interactuantes que se ajusten a sus intereses y condiciones y que, al mismo tiempo, sean incapaces de oponer resistencia al sistema porque permanecen fragmentados y aislados. Es, en síntesis, la esencia del socio-metabolismo del capital en la época del neoliberalismo, de la flexibilidad, el trabajo precario y la informalidad que anulan, primero, al colectivo y, después, al individuo para aislarlo respecto a sus semejantes y sumergido en una vaciedad pisco-traumática que es consagrada por la ideología dominante a través de los medios de comunicación y se sus intelectuales orgánicos que le sirven de soporte. De esta forma fragmentación y organización toyotista van de la mano en la medida en que, promovidas por las políticas neoliberales, consiguen fragmentar a la clase obrera; desreglamentan, reducen o anulan sus derechos sociales y laborales en un contexto de profundización del régimen de superexplotación de la fuerza de trabajo que en la actualidad, por cierto, se está generalizando en el sistema económico, social y productivo del capitalismo avanzado (SOTELO, 2015 y 2018). En tanto fenómenos humanos, la fragmentación y la fractura social se aprecian también en las ideas y en las ciencias sociales que presentan visiones fetichistas, nebulosas, parciales y distorsionadas de la realidad social con el fin de hacerlas "pasar" como objetivas y holísticas y generar una visión "inmutable" del orden social existente; tanto, que se hace imposible su superación e inducen al mismo

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tiempo el conformismo social (ROITMAN, 2010) en las entrañas mismas de la subjetividad obrera y que se puede interpretar, de acuerdo con el autor, como "…un tipo de comportamiento cuyo rasgo más característico es la adopción de conductas inhibitorias de la conciencia en el proceso de construcción de la realidad. Se presenta como un rechazo hacia cualquier tipo de actitud que conlleve enfrentamiento o contradicción con el poder legalmente constituido" ROITMAN, 2010: 1). Este conformismo es una perspectiva ideológica que el sistema construye y difunde todos los días ex-ante —y proyecta ex-post— de la relación entre globalización, desarrollo tecnológico y mundo del trabajo a través de los departamentos de relaciones humanas de las grandes compañías corporativas que los difunden masivamente en los medios de comunicación. Esta ilusión se deriva de una premisa teórica que supone, en términos abstractos, que el desarrollo científico-técnico y su aplicación a los procesos de trabajo y a la organización laboral, contribuirían a contrarrestar la tensión social, la precarización y la fragmentación del mundo del trabajo con el fin de afianzar la superación de los elementos negativos de la reestructuración. ¡Cuando lo que en realidad sucede es exactamente todo lo contrario! Hay que aclarar que la pretendida autonomía de la ciencia y la técnica — a través de la escuela y, en general, del proceso de enseñanza-aprendizaje (GRAMSCI, 1975; ANTUNES y PINTO, 2017, y CAMARANNO y LEME, 2006) — no tiene otro objetivo que el de garantizar la reproducción capitalista por lo que limita, pero no sustituye, al trabajo asalariado en la producción de valor y de plusvalía. Más bien, es posible advertir que la tecnología implicada en los procesos productivos, así como la adopción de nuevas formas de organización del trabajo basadas en el neofordismo, el neotaylorismo, la reingeniería y el toyotismo (todas ellas llamadas "tecnologías blandas"), por término medio, reforzaron seis ámbitos de la reestructuración del trabajo: la propiedad privada, la solidaridad de clase, la despolitización, la cultura, la compra-venta de fuerza de trabajo y la ciencia y la tecnología, al mismo tiempo que extendieron su radio de acción a la economía y a la sociedad amenazando seriamente a las poblaciones trabajadoras de todo el planeta.

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En el plano ideológico, la lucha de las ideas y la toma de conciencia de clase y anticorporativa por parte de las clases trabajadoras de todos los países y continentes son fundamentales para la comprensión crítica, identitaria y consciente de la realidad social, política y laboral para descubrir y estimular las potencialidades de su transformación en todos los planos de la existencia humana. La organización independiente de los trabajadores también se ve franqueada por los aparatos ideológicos —disuasivos y represivos—que manipulan el Estado y las empresas (de comunicación) privadas llamadas "industrias culturales" pero que, en verdad, son auténticos aparatos de clase ideológicos del Estado y del capital. Estos pueden ser positivos en manos de los trabajadores cuando inducen reflexión y análisis sobre el tema del trabajo y, sobre todo, cuando postulan que son sus sujetos concretos los que pueden, potencial y realmente, transformar a las sociedades existentes y al sistema capitalista que les sirve de sustento. Los trabajadores y trabajadoras recuperan, de este modo, su potencial creativo para convertirse en sujeto histórico de transformación del modo de producción y de la sociedad con miras a constituir una nueva formación no capitalista. De esta manera, al decir de un autor, "El trabajo, lejos de perder su potencia, se presenta con toda su carga explosiva, poniendo en juego dinámicas de recomposición de clase" (VASAPOLLO, 2004: 75) de donde debe surgir, agregamos nosotros, el nuevo sujeto histórico de transformación y superación de la formación social capitalista: el proletariado revolucionario. Esta visión realista de la sociedad y del mundo del trabajo se contrapone a las figuras mediáticas y a las imágenes preciosistas que promueven los medios de comunicación privados y oficiales que no encuentran sustento en la realidad social de nuestros países y sociedades, así como en las tendencias macro y micro que se proyectan en el horizonte del mundo del trabajo: reducción de plantillas laborales de las empresas, sustitución de trabajadores por la automatización, reducción de los salarios y de las prestaciones sociales, incremento de las tasas de rotación laboral, aumentos de la productividad con cargo en la redoblada explotación del trabajo, inflación de precios y de costos de las mercancías de

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consumo popular que determinan el valor de la fuerza de trabajo. La sociedad capitalista está marcada por la razón instrumental que destruye los empleos, precariza el trabajo y causa desempleo estructural; además rige la organización del trabajo y la lógica de la producción de valor, de plusvalía y de ganancias. Esto quiere decir que recursos como la reingeniería de procesos (HAMMER y CHAMPY, 1993)7 que redunda en reducción de puestos de trabajo (SENNETT: 1998: 50), o el toyotismo, como formas dominantes de organización y explotación del trabajo que van abarcando cada vez más a las distintas organizaciones del trabajo, no podrían funcionar adecuadamente sobre los antiguos patrones de acumulación y de reproducción del capital sustentados en el keynesianismo y en el fordismo. Fue preciso reestructurar a éstos —así como sus instituciones jurídico-políticas e ideológicoadministrativas—para que la organización del trabajo en ciernes pudiera convertirse en hegemónica en la creación de valor y en la valorización del capital de acuerdo con las nuevas exigencias del juego empresarial estratégico reposado en la producción de trabajo excedente (plusvalía). Sustentada en criterios de rentabilidad y racionalización del capital para obtener altas cuotas de ganancia, esta lógica instrumental provoca efectivamente la subordinación real de la fuerza de trabajo al capital y sus características se van extendiendo y homogeneizando en la producción y en el mundo del trabajo, incluso en los países dependientes de América Latina. Ello con independencia de las formas (dispersas) concretas que va asumiendo la fragmentación de la fuerza de trabajo y, en particular, del trabajo asalariado como característica derivada de las políticas

La reingeniería (Business Process Reeingeniering) es el ajuste constante de las empresas a la realidad cambiante del capitalismo, para lo que se parte de cero con el fin de revisar y rediseñar radicalmente los procesos y conseguir mejoras radicales de rendimientos en rubros como costos, calidad, servicio y rapidez. En la mayor parte de los casos implica despidos masivos de personal. Podemos, así, identificar, en cuanto a sus efectos en el mundo del trabajo, la reingeniería con la precarización en tanto mecanismo de actualización de la precariedad. 7

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neoliberales de flexibilización laboral que han favorecido las contrataciones de corta duración (temporal, estacional, part time), el pago fragmentario por horas trabajadas, ampliado las causales legales del término del contrato laboral por disposición de las empresas y reducido la indemnización por despido justificado o injustificado. Todas estas son demandas históricas de la patronal de todos los países capitalistas del orbe para fortalecer su dominio real, ya no solamente formal, sobre el trabajo con el objeto de afianzar y hacer más eficientes sus sistemas de organización y explotación. Las reformas del Estado (ajuste estructural, privatización, apertura externa, reformas laborales) parten de la desregulación, pasan por la fragmentación, precarizan el trabajo, culminan en la constitución del estado de tensión síquico-social como una poderosa herramienta que contrarresta las capacidades y voluntades organizativas de los trabajadores porque combina las condiciones objetivas (crisis económicas, desempleo, bajos salarios, altas tasas de explotación y competencia) con las subjetivas (falta de conciencia de clase entre los trabajadores, desilusión laboral, angustia ante el umbral del desempleo, de la pobreza y la derrota). El obrero aislado, tenso y convertido en un sujeto individualizado con sentimiento de impotencia, se enfrenta a los poderosos e infatigables aparatos subliminales de la sociedad burguesa (medios de comunicación, represivos, carcelarios, hospitalarios psiquiátricos, sistemas judiciales) que condicionan y modifican su conducta (por ejemplo de una activa y de lucha a otra pasiva y de aceptación incondicional del orden existente) y lo envuelven y determinan su identidad (enajenación); lo convierten en un ser extraño frente a su propio trabajo y sus productos y luego lo incomunican del colectivo obrero y de la misma sociedad. El resultado final, dice CASTELLS (2004: 29), es una flagrante contradicción entre el yo y las "redes globales de intercambios instrumentales" que se sintetiza en una peligrosa ruptura de los canales de comunicación. La extensión y profundización de la enajenación, de la fragmentación social y del estado de tensión que introducen la

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flexibilidad laboral8 y organizacional y los nuevos paradigmas de la organización social del proceso de trabajo, como el toyotismo, recrean un umbral que puede provocar tanto un estado de fractura y de ruptura de los vasos y valores comunicantes y las redes entre los colectivos obreros (que puede alcanzar a la misma cohesión de clase) y de los propios instrumentos de lucha como el sindicato, la huelga, la potencialidad de la manifestación política como, y sobre todo, de la constitución de la clase obrera como vanguardia del cambio social radical y transformador. Este último punto es el que interesa estratégicamente al capitalismo atacar y destruir en su actual fase neoliberal e informática: utiliza todos sus instrumentos y los aparatos del Estado a su disposición, incluyendo la fuerza de la represión de masas (desde la fragmentación y del estado de tensión social) con el fin de impedir que la clase obrera y los trabajadores se recompongan en tanto sujetos históricos de transformación de la sociedad y del modo de producción capitalista para que, a partir de un conformismo social deificado, renieguen de la necesidad histórica de realizar la revolución y el cambio social. De alguna manera en el curso de la década de los ochenta se logró ese objetivo estratégico: neutralizar y, en situación extrema, derrotar al movimiento social de los trabajadores prácticamente en todo el mundo con la ayuda del Estado imperialista encabezado por Reagan en Estados Unidos y la Dama de Hierro en Inglaterra. Y este hecho histórico, social y político fue la base de la crisis del Estado del bienestar para su posterior desestructuración en la década de los noventa del siglo pasado y su conversión en Estado neoliberal hegemónico, a lo que coadyuvó la desintegración de la URSS y la imposición del Consenso de Washington, entre otros hechos históricos trascendentes.

CASTEL (1998: 337-338.) considera que la flexibilidad "…no se reduce a la necesidad de ajustarse mecánicamente a una tarea puntual, sino que exige que el operador esté de inmediato disponible para responder a las fluctuaciones de la demanda". 8

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De ahí resultó un "efecto demostración" ideológico relativo a que había "acabado" la lucha de clases y, en particular, la de la clase obrera, y que el sujeto histórico estaba fragmentado y desfasado para acometer esa tarea. En su lugar, la intelectualidad orgánica del sistema dominante proclamó a los llamados (nuevos) "movimientos y sujetos sociales" in abstracto como los "únicos actores" que protagonizaban el cambio social, entre los que aparecían los grupos de mujeres, las ONGs, los movimientos altermundistas (antiglobalización) o anti-sistémicos, los campesinos e indígenas y los estudiantes, entre otros, pero todos ellos aislados, debido a que el movimiento obrero y sindical en el curso de la década de los ochenta sufrió fuertes golpes —incluso físicos— y derrotas ante la reestructuración del capital que, con el apoyo de los medios de comunicación, introducía y reforzaba el neoliberalismo y las economías flexibles de mercado basadas en el dispositivo del just in time, en la precarización y superexplotación del mundo del trabajo. Derivada de la crisis y de la reestructuración del capital la clase obrera fue fragmentada y desarticulada de los núcleos reivindicativos de sus organizaciones de clase. La fractura social y la tensión social desempeñaron ese papel e introdujeron el aislacionismo, el individualismo acrítico y el sentimiento de derrota entre sus filas, fenómeno que se expresó en una fuerte caída de las tasas de sindicalización en todo el mundo prácticamente hasta la actualidad. En tanto se produjo esta situación en las filas sindicales de la clase obrera, el Estado logró hegemonía (consenso/represión/fractura) con ayuda de los medios de comunicación y electrónicos, así como con su activa participación como ejecutor de la privatización del sistema económico y social (acumulación de capital mediante el despojo) y la promoción de las fuerzas del mercado como presuntos motores del desarrollo general de la sociedad y de la economía.

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Conclusión La crisis, la fragmentación y la reestructuración constituyeron un pistón adicional para desreglamentar, flexibilizar, fracturar y precarizar el mundo del trabajo en el curso del Siglo XXI. Las iniciativas del capital —privatización, ajustes estructurales, disminución de los costos y reformas laborales, despidos masivos de trabajadores, reorientación de sus inversiones hacia sectores competitivos y de alta rentabilidad— avanzaron en la dirección de profundizar e incentivar por todas partes la fragmentación, la fractura social y la monumental extensión del trabajo precario e informal de nuestros días. Si esto no hubiera ocurrido difícilmente se podría imaginar que el capital hubiera dado el "salto de tigre" para resolver la profunda crisis capitalista del Estado del bienestar y la posterior reestructuración del capital a partir de mediados de la década de los setenta del siglo pasado, porque el proceso no es mecánico, sino que articula las condiciones estructurales que ocurren en los procesos de trabajo bajo los imperativos de las gerencias de las empresas y de sus tasas de ganancia, pero también bajo las condiciones de la lucha de clases que, en particular, desplieguen, o no, los trabajadores a través de los sindicatos, las organizaciones de masas y los verdaderos partidos obreros y de la izquierda anticapitalista. Referencias AFL-CIO, Informe 2011, "Dead on the job", cit. Por: Norberto Emmerich, "Ajuste, desregulación, privatizaciones, despidos y cierres en Estados Unidos", en: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=129447, 31de mayo de 2011. ALTVATER, Elmar, El fin del capitalismo tal y como lo conocemos, El Viejo Topo, Madrid, 2011. ANTUNES Ricardo y PINTO, Gerlado Augusto, A fábrica de educação, da especialização taylorista à flexibilização de toyotista Cortez Editora, São Paulo, 2017.

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Capítulo II La autogestión del trabajo: un debate político y teórico desde la experiencia de las empresas recuperadas Andrés Ruggeri1

Las empresas recuperadas por los trabajadores (ERT) son una experiencia de la clase trabajadora que, con distintos niveles de conflictividad y masividad, se ha ido desarrollando como respuesta a las consecuencias sociales y económicas que las políticas neoliberales han ido provocando en América Latina desde fines de los años 80 y especialmente en la década de los 90, con gran difusión a partir del surgimiento de un movimiento con características propias en la Argentina de la crisis de 2001. La presencia de miles de trabajadores y trabajadoras ocupando fábricas y todo tipo de unidades económicas abandonadas por los patrones o llevadas a un cierre abrupto motivó no solo la expansión de prácticas de autogestión del trabajo, sino un renovado debate sobre el rol de la autogestión en la generación de una economía alternativa al capitalismo neoliberal globalizado. En este texto, debatiremos los distintos enfoques surgidos acerca del concepto de autogestión surgido de estas experiencias, su lugar en la economía y su significación social y política. Una visión generalizada, tanto en la literatura especializada como en escritos políticos o periodísticos, entiende a las empresas recuperadas por sus trabajadores (ERT) como uno más de los novedosos movimientos sociales Prof. Adjunto Universidad Nacional Arturo Jauretche/Director Programa Facultad Abierta, Universidad de Buenos Aires [email protected] 1

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que emergieron al calor de la debacle de la economía argentina en diciembre de 2001, generalmente al lado de las asambleas populares y los movimientos de desocupados2. Se trataría, en esa clave, de un “nuevo movimiento social” especialmente significativo, por sus características de desarrollo en el centro mismo de las relaciones sociales capitalistas, es decir, de la disputa por la propiedad de los medios de producción. Mostraba este proceso, de acuerdo a algunas de estas interpretaciones, la posibilidad de una sociedad y una economía sin patrones, gestionada por los trabajadores (Carpintero y Hernández, 2002; Sitrin, 2005; Novaes 2015, entre otros). En otros términos, las ERT aparecían como un caso de autogestión en sentido restringido, económico3, que daba pie no solo a replantearse la problemática de la autogestión en este sentido, sino a pensar en la autogestión generalizada, a niveles más amplios. Esa relación posible atrajo a intelectuales y militantes sociales y políticos de todo el mundo, muchos de los cuales vieron en este fenómeno una alternativa contra el proceso mundial de globalización neoliberal4. Desde este punto de vista, las ERT y sus trabajadores se convirtieron en depositarios de una esperanza de cambio social inimaginable en la génesis de su lucha. El término “empresa recuperada” no existía antes de 2001, ni en la Argentina ni en ningún otro lugar del mundo. Se En numerosos trabajos publicados en los años posteriores a la crisis de 2001, se plantea la emergencia de “nuevos movimientos sociales” surgidos a partir de la crisis, por lo general las asambleas populares, los movimientos piqueteros y las empresas recuperadas (Palomino, 2003; Carpintero y Hernández, 2002; Brunet y Pizzi, 2011, entre otros), así como desde la literatura vinculada a la izquierda política argentina, ver Heller (2004), Martínez (2002), Lavaca (2004) e internacional (el documental “The take” de Klein y Lewis, 2003; Sitrin, 2005) y el periodismo (Magnani, 2003). 3 Tomamos acá la distinción entre autogestión en sentido restringido y ampliado que hace Albuquerque y que desarrollamos más adelante (Albuquerque, 2003) 4 Un ejemplo claro de esta visión es el documental The Take (la Toma) de Lewis y Klein (2003), cuyos realizadores visitaron el país entre fines de 2002 y mediados de 2003.

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trata de un término surgido al calor del conflicto y desde los propios trabajadores, que pretendieron con esa denominación resaltar el hecho de la recuperación de una fuente de trabajo perdida de no mediar su lucha. Esa recuperación es pensada, además, como una recuperación para la golpeada economía del país, más allá de los puestos de trabajo propios. Se sitúan así en una tradición que no es necesariamente la de la lucha obrera anticapitalista, sino la del sindicalismo argentino histórico, estructurado mayoritariamente, desde mediados del siglo XX, alrededor del movimiento peronista5. Pero, dentro de esta pertenencia histórica y de clase, numerosas rupturas acompañan a algunas continuidades, rupturas que muestran ese potencial de superación de la lógica capitalista que hace que las ERT no sean meros procesos de lucha gremial. Pero que no existiera el rótulo “empresa recuperada” no significa que las empresas recuperadas hayan surgido por primera vez en diciembre de 2001. Existen ERT que reconocen orígenes en los primeros años noventa o antes todavía, e incluso hubo muchos intentos de aquellos años y anteriores que no pudieron prosperar, pero que obedecen a las mismas causas y avanzaron en procesos similares a las ERT que lograron sobrevivir y trascender. La particularidad argentina no es solamente la denominación, que le terminó dando a estos casos -que provisoriamente podemos definir como unidades económicas que pasan de una gestión capitalista a la gestión colectiva de los trabajadores- una identidad particular y precisa, sino la relativa masividad del fenómeno, que conformó no solo un proceso individual particularizado, sino un movimiento con organización y perfil propio y autónomo. Podríamos extender esta lógica al sindicalismo en general, entendiendo a los sindicatos como organizaciones de la clase trabajadora en el marco de la relación capital-trabajo, sin que eso implique necesariamente la ruptura de esa relación. En ese sentido, podríamos ver la semejanza de lo que aquí denominamos tradiciones del “sindicalismo argentino histórico (peronista)” con la de las organizaciones sindicales mayoritarias de otros países, asumiendo que el sindicalismo revolucionario es ampliamente minoritario a nivel mundial, en especial en el período posterior a la segunda guerra mundial. 5

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Mientras en muchos otros países donde podemos encontrar ERT éstas no sólo no constituyen un movimiento social específico y diferenciado, sino que por lo general se pierden dentro de las organizaciones del cooperativismo tradicional6, la denominación que los trabajadores argentinos le dieron a sus propios casos permite distinguir estos procesos de otros en los que la formación de una cooperativa es un objetivo definido desde el principio, y en los que generalmente no hay ningún proceso de desapropiación de los capitalistas (aun cuando, en la inmensa mayoría de los casos argentinos, como vamos a ver, sea el propio capitalista el que abandona el emprendimiento). Las empresas recuperadas como procesos de autogestión de los trabajadores Hemos definido anteriormente a la empresa recuperada por los trabajadores como un proceso mediante el cual una unidad económica, sea de producción de bienes o de servicios, se transforma a través de una cierta diversidad de mecanismos desde una gestión capitalista a una gestión colectiva de los trabajadores que la constituyen (Ruggeri et al., 2005; Ruggeri, 2014a). Esta forma de definir a la empresa recuperada como un proceso y no como un hecho consolidado la distingue de una caracterización que pase por determinadas particularidades de su conformación o funcionamiento (como,

Podemos ejemplificar esta situación con el caso de México, donde existen ERT, en general provenientes de conflictos gremiales que terminaron mediante el traspaso de la propiedad empresaria a los huelguistas en pago por las deudas y salarios caídos, como es el caso de la cooperativa Refrescos Pascual, pero que en general permanecen sin identificar de una forma especial dentro del universo del cooperativismo. Un equipo de investigación de la UAM-Xochimilco, que forma parte de la Red Latinoamericana de Investigadores en Empresas Recuperadas (Proyecto SPU 338, dirigido por la Dra. Florencia Partenio, codirigido por el autor), encuentra enormes dificultades para iniciar este proceso de identificación de ERT por esta razón. Casos similares podemos encontrar en Colombia, Perú, España, Francia o Italia, por citar algunos países de los que tenemos referencias. 6

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por ejemplo, los mecanismos de autogestión, o el hecho de haber sido ocupada por los trabajadores) o, por el contrario, por la adscripción a una figura normativa (como la forma cooperativa, o haber sido beneficiada por leyes de expropiación7), o distintas características que tengan relación con las legislaciones específicas de países, provincias o incluso de niveles locales. Al poner el acento en el proceso, la idea de la “recuperación” pasa a pensarse como una dinámica social, histórica, relacionada con distintos aspectos sociales y económicos que le dan racionalidad en un contexto determinado, en lugar de un hecho pasible de ser reducido a una situación que pueda ser formalizada y uniformizada. Esta perspectiva, por supuesto, abre numerosos aspectos a analizar y que han sido tratados de forma diferenciada por distintos autores, que examinaremos brevemente aquí. Lo primero que nos interesa destacar es que, al acentuar el aspecto procesual, estamos señalando la presencia de una dinámica social que tiene una situación de origen -que debe ser analizada- y un momento de conclusión que, si no se lo puede llamar de cierre, por las razones que expondremos a continuación, sí es un punto de llegada también dinámico: la gestión colectiva del trabajo, a la que podemos denominar aquí (aunque hace falta, más adelante, avanzar en la discusión de un concepto complejo y nodal para nuestro propósito) proceso de autogestión. Si el punto de partida está claro -o relativamente claro, ya que el momento de inicio del conflicto que inaugura el proceso puede ser objeto de diferentes Como ya señalamos, no todas las ERT son cooperativas ni responden a una misma configuración jurídica (como puede ser el hecho de haber sido beneficiarias de una ley de expropiación). Esta forma de definir a las empresas recuperadas en tanto cooperativas o figuras legales es sostenida por el Movimiento Nacional de Fábricas recuperadas por los Trabajadores (MNFRT) y desde el ámbito académico ha impactado en la importancia dada a la conformación jurídica por quienes han seguido en su investigación la trayectoria de este movimiento (Gracia, 2011). 7

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interpretaciones-, la finalización del proceso no lo está de ninguna manera, pues el logro de la “recuperación” por parte del colectivo de trabajadores no siempre significa la puesta en marcha de una gestión colectiva. La autogestión no sólo es una construcción que no puede ser decretada por ninguna normativa, ni por la adopción de determinada forma jurídica cooperativa, ni siquiera por la toma colectiva de una decisión en ese sentido por la asamblea de los protagonistas, sino que su supervivencia depende de que logre convertirse en una dinámica de organización y funcionamiento colectivo que se mantenga a lo largo del tiempo y logre hacer funcionar a la empresa recuperada en tanto unidad económica (aunque sea modificando sustancialmente su objeto con respecto a la original) y no solo, por ejemplo, como espacio físico recuperado o espacio social y político8. Y este proceso autogestionario que depende de la voluntad consciente de sus miembros y no de normativas formales o consignas abstractas, debe ser llevado adelante en la práctica, no puede ser simplemente sancionado. Además, corre el riesgo de agotarse, ser revertido por un proceso de burocratización, ser absorbido o condicionado por la presión incesante del mercado capitalista hegemónico, ser imposibilitado de continuar por el proceso político, etc. Por todo eso sostenemos que es muy difícil determinar cuándo se consolida, cuando se agota un proceso de autogestión (o incluso cuando se suplanta por un proceso jerárquico pero con discurso autogestionario), pues depende de variables que por lo general son arduas de reconocer externamente. La mayor parte de los trabajos sobre los procesos autogestionarios deben, por lo tanto, intentar establecer algunas características que permitan determinar o no, aun a riesgo de cierta arbitrariedad, si estamos o no frente a este tipo de procesos. Nos detendremos 8 Por

ej., cuando se recuperan espacios de antiguas unidades productivas pero se los destina a otros propósitos en manos de colectivos o individuos, como centros culturales o comunitarios, emprendimientos laborales de otros grupos, bachilleratos, etc., sin que se verifique una continuidad laboral relativa a la empresa o al grupo original de trabajadores.

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más adelante sobre esta cuestión que es central para nuestro análisis. Al referirnos a un proceso de transformación de una unidad económica determinada, es importante discernir de qué tipo de organización económica estamos hablando, qué tipo de propiedad es la que se recupera. Cuando el movimiento de empresas recuperadas argentino adquirió visibilidad, tanto para la opinión pública como para los investigadores, en el momento más agudo de la crisis de 2001-2002, lo que se identificó generalmente como empresa o fábrica recuperada eran mayoritariamente establecimientos privados cuyos propietarios habían abandonado o quebrado, por lo general en forma fraudulenta. La absoluta mayoría de las ERT está conformada por este tipo de casos en la Argentina, Brasil y Uruguay (Tauile et al, 2005; Chedid Henriques, 2013, 2014, Rieiro, 2014, Martí, 2006), los tres países sudamericanos donde se puede identificar un movimiento de empresas recuperadas claramente constituido, pero pronto empezaron a conocerse otros procesos que eran en todo similares salvo por el carácter de la propiedad de la empresa que atravesó el proceso de recuperación. En las primeras aproximaciones al tema en el caso brasileño, por ejemplo, José Ricardo Tauile (2005) habla de “emprendimientos autogestionarios provenientes de empresas fallidas o en proceso de quiebra”, señalando desde la misma denominación del proceso el origen en empresas privadas quebradas o por quebrar. En otros países, no siempre es la quiebra de la empresa lo que lleva a la recuperación, aunque sí se trata de empresas en crisis. Para el caso argentino, los datos de los cuatro relevamientos del Programa Facultad Abierta muestran el absoluto predominio de estas situaciones (Ruggeri et al., 2005; 2011; 2014), constatándose una situación similar en Uruguay (Rieiro, 2014; 2016) y en investigaciones más recientes en Brasil (Chedid Henriques et al, 2013). El proceso más alejado de estas situaciones es el venezolano, en el que la mayoría de las empresas recuperadas fueron cerradas o

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abandonadas por los empresarios como una medida política de oposición al gobierno bolivariano, y ocupadas posteriormente por los trabajadores y, en algunos casos, expropiadas por el Estado (Azzellini, 2011; Salazar et al., 2016). A pesar de ser la situación ampliamente mayoritaria, no necesariamente la recuperación comienza a partir de una empresa de gestión capitalista típica. En algunos casos, se trata de cooperativas recuperadas o “recooperativizadas”, empresas ya anteriormente constituidas como cooperativas que han atravesado un proceso de recuperación similar a las de las empresas de gestión privada. La más conocida es uno de los emblemas del movimiento de empresas recuperadas de la Argentina, cabeza visible de una de sus organizaciones históricas (el Movimiento Nacional de Empresas Recuperadas, MNER), la metalúrgica IMPA (Ávalos, 2009; Rofinelli, 2014). También podemos encontrar empresas de propiedad estatal que pasan a ser cooperativas de trabajadores, en general episodios concretos de sectores de empresas estatales que fueron cooperativizados por los trabajadores en la Argentina como defensa de sus puestos de trabajo frente a privatizaciones o cierre de esos establecimientos, atravesando a partir de esa situación procesos similares a los de las empresas recuperadas provenientes de establecimientos privados. El debate sobre la “estatización bajo control obrero” como solución de los problemas que tienen las empresas recuperadas, por un lado, pero más específicamente como camino al cambio estratégico y estructural de la economía capitalista caracterizó fuertemente el debate político en relación a las empresas recuperadas en los primeros tiempos después de la crisis de 2001 y vuelve a aparecer recurrentemente como idea fuerza reivindicada por sectores de la izquierda partidaria y corrientes intelectuales a ella vinculadas, tanto en la Argentina como en otros países (Heller, 2004; Aiczicson, 2009, Lombardi Verago, 2011). En ese sentido, debe ser tenido en cuenta por sus implicancias teóricas para analizar la cuestión de la propiedad estatal como origen de la empresa recuperada

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o, más ampliamente, como punto de partida de procesos de autogestión o participación y control de los trabajadores. A pesar de su repercusión en la militancia, no deja de ser un debate marginal dentro del conjunto de los trabajadores que protagonizan los procesos, si bien en otros países latinoamericanos que vale la pena tener en cuenta para el análisis aparece con fuerza la cuestión del Estado como actor, como en Venezuela (como “control obrero”, “empresas nacionalizadas”, “fábricas socialistas”, “empresas de propiedad estatal/social”) (Azzellini, 2011; Salazar et al., 2016) y en Cuba (donde se impulsa la cooperativización de determinados sectores productivos urbanos hasta hace poco en manos de un férreo sistema de planificación central de propiedad estatal) (Piñeiro Harnecker, 2011). Enfoques y debates sobre el concepto recuperada y los procesos de autogestión

de

empresa

Dejando momentáneamente de lado aquellas definiciones que tienen mayor relación con posturas ideológicas de determinadas corrientes políticas identificadas con sectores de la izquierda clásica, que ponen el énfasis en las medidas de lucha adoptadas o en el hecho del conflicto (quienes prefieren hablar de “fábricas ocupadas”, especialmente en los primeros tiempos, o resaltar por sobre todo la cuestión fabril: “fábricas” recuperadas)9, la mayor parte de los autores que se han ocupado del tema –aunque en general en forma no contradictoria con el enfoque procesual que aquí adoptamos– se centraron en las características de las ERT y en determinados aspectos considerados nodales, independientemente de la etapa del proceso que se tenga en cuenta.

Heller (2004), Lombardi Verago (2011), Martínez (2002), Carpintero y Hernández (2002). 9

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Esto lleva el análisis a otros aspectos que se relacionan con la atención que cada autor le da a las diferentes esferas desde las cuales se puede considerar el fenómeno. Por ejemplo, para Briner y Cusmano (2003:19), las empresas recuperadas son las firmas que "fueron reabiertas a partir de la iniciativa de los trabajadores para sostener la fuente de trabajo” o, para Szlutzky, Di Loreto y García (2006:9) son “empresas (…) puestas en producción por sus trabajadores (…) asumiendo la organización del proceso de trabajo y de valorización”, por citar a dos autores cuyos trabajos datan de los años inmediatamente siguientes a la crisis de 2001. Fajn y Rebón (2005) dan una serie de características de la empresa recuperada, un “perfil arquetípico” que representa las características generales del tipo de empresa que se recupera, cómo y por quienes. Esto no significa necesariamente una visión estática, sino que, en realidad, todas esas características que pueden conformar ese perfil y que son destacadas después en el análisis pueden tomarse en cuenta en el mismo momento de conceptualizar a la empresa recuperada, usando la noción de proceso y pensando a este proceso como permanentemente abierto y pleno de heterogeneidades. Brunet y Pizzi (2011:188), nos señalan que hay un amplio consenso en la literatura en que “la recuperación de empresas y la autogestión de las mismas por sus trabajadores constituye una consecuencia de la crisis económica provocada por el modelo de la convertibilidad en la Argentina”, citando a la mayoría de los autores que habíamos escrito sobre la problemática en los primeros años posteriores a la crisis de 2001. Si bien esto es cierto en relación al movimiento de empresas recuperadas que surge en el país alrededor de aquellos años, la afirmación queda desfasada si la extendemos hasta años posteriores. El cuarto relevamiento de empresas recuperadas que hemos concluido a principios de 2014 y que se centra en los casos de ERT iniciados en el período entre los años 2010 y 2013, muestra un número ya casi tan grande de empresas recuperadas en la Argentina que no tienen origen

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directo en aquella crisis como los provenientes de aquellos años, y ese dato se refuerza con el informe de 2016, en que podemos observar que para marzo de ese año se reparten prácticamente en mitades las provenientes de la crisis de la convertibilidad y las de los años de la postconvertibilidad (que podemos fijar, junto con Aspiazu y Schorr, a partir de 2004 y con término en 201510). Al mismo tiempo, las empresas recuperadas no son un fenómeno exclusivamente argentino, por más que sea en Argentina donde el movimiento haya alcanzado notoriedad y adquirido identidad. En ese sentido, vincularlas con relación de causalidad a la crisis del modelo de convertibilidad tiene sentido en una perspectiva de proceso histórico concreto, pero lo pierde apenas ampliamos la mirada temporal y geográfica. Esa relación vuelve a aparecer con claridad cuando nos extendemos a los efectos de las políticas neoliberales a nivel global (Azzellini, 2014; Ruggeri, 2014a). Otro criterio que suele tomarse para la identificación de las ERT es a partir de algún o algunos indicadores formales, relacionados con aspectos de la figura legal adoptada. No suele ser este es el enfoque de los investigadores en ciencias sociales, pero sí desde organismos públicos o desde ámbitos relacionados con lo jurídico. Incluso uno de los movimientos argentinos de empresas recuperadas, el Movimiento Nacional de Fabricas Recuperadas por los Trabajadores (MNFRT), usa en su discurso como distintivo de la “fábrica recuperada” dos de estos criterios. El primero de ellos es constituirse como cooperativa de trabajo, el segundo –aunque no excluyente– poseer una ley de expropiación11. Gracia (2011), una Es un debate dentro del ámbito de la teoría económica la caracterización de la política económica del período kirchnerista. Aquí nos ceñimos a la denominación, descriptiva, de Aspiazu y Schorr, en Hecho en Argentina (2010). 11 Las leyes de expropiación son instrumentos constitucionales que permiten al Estado expropiar un bien o propiedad por razones de “utilidad pública”, de acuerdo al art. 17 de la Constitución de la Nación Argentina. Se empezó a usar como instrumento para la resolución de conflictos por la tierra en la década del ochenta, y luego se aplicó a las empresas recuperadas, por lo general por los estados provinciales. 10

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investigadora que trabajó exclusivamente con las cooperativas del MNFRT, analiza esta postura en tanto criterios que conforman la definición de “fábrica recuperada”, tanto para el Estado (el Ministerio de Trabajo a través del Programa Trabajo Autogestionado) como para el MNFRT, si bien reconoce limitaciones en esta visión que hace atravesar la identidad por la legalidad, por “despolitizar las prácticas y acciones colectivas encaradas por los trabajadores” (2011:283). La asociación de la empresa recuperada con la empresa quebrada y el traspaso por diversos mecanismos legales a las cooperativas de trabajadores fue también uno de los enfoques con los que se trabajó en el Brasil, en una de las primeras investigaciones sistemáticas sobre el fenómeno en ese país, que vivió un proceso de recuperación de empresas por los trabajadores en un número importante con algunos años de anterioridad a la crisis argentina de 2001. El detallado estudio de Tauile et al. (2005) se refirió a estos procesos como “emprendimientos autogestionarios provenientes de activos en quiebra”, que es como podríamos traducir la expresión empreendimentos autogestionários provenientes de massa falida. Tauile y su equipo también situaron el proceso como una “respuesta de los trabajadores al período de crisis económica” (2005:17) y como “empresas fallidas o en proceso de quiebra que fueron disputadas y asumidas por los trabajadores”, incorporando claramente la noción de conflicto en contraposición con un mero paso de una condición legal a otra, cuestión sobre la que profundizaron al insistir además sobre la importancia del uso por los mismos trabajadores del término autogestión, que alcanza tanto “a las alteraciones verificadas en la forma de propiedad de las empresas, como también a las características democráticas que deben presidir la organización del proceso de trabajo y la forma de gestión de la cooperativa” (2005:19). Sarda de Faria (2011), que participó del equipo de Tauile, también ve a las empresas recuperadas como resultado de la toma o la asunción por los trabajadores de empresas quebradas, que es por lo general el caso en el

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Brasil, pero enfoca la definición hacia la autogestión del trabajo como resultado del proceso. Además, a lo largo de este libro y otros textos posteriores, amplía la mirada a otros casos históricos y presentes en que la autogestión, precedida en muchas ocasiones por la ocupación de las fábricas, no es resultado de la quiebra o el abandono empresario sino de otro tipo de situaciones y relaciones, incluidas crisis revolucionarias (Sardá de Faria y MacDonald, 2011, Sardá de Faria y Novaes, 2011). Investigaciones más recientes sobre el universo de las ERT en el Brasil, como el extenso relevamiento hecho por el equipo dirigido por Chedid (2013), coinciden con nuestro enfoque acerca de la cuestión y toman nuestra definición (Ruggeri, 2014a) para delimitar su universo de investigación. Ya en el curso del trabajo de campo para el relevamiento de las ERT brasileñas, y frente a los casos en que las cooperativas presentaban ciertas características que hacían difícil establecer con claridad el criterio, tomaron la autoadscripción como primera aproximación válida para juzgar si se encontraban en presencia de una ERT que había avanzado en un proceso autogestionario. Como señalan los investigadores, “(es) posible identificar en una entrevista la existencia concreta de un proceso de recuperación, pero no la efectividad de la gestión colectiva, lo que nos hizo considerar la autodeclaración como criterio principal. No perdemos de vista, entretanto, la necesidad de establecer criterios e indicadores que nos ofrezcan pistas sobre el real ejercicio del poder de decisión de los trabajadores asociados” (Chedid et al., 2013: 30). Esos criterios e indicadores no pueden ser satisfechos a partir de un breve ejercicio de entrevista o registro de indicadores cuantitativos o formales, pues, como hemos sostenido en otros trabajos, el proceso de autogestión es una dinámica de relaciones sociales y económicas que no pueden ser reducidos a determinada normativa o característica independientemente del desarrollo de ese proceso en el tiempo (Ruggeri, 2014a), lo cual lleva a la importancia de los métodos cualitativos propios de la antropología para la investigación de la autogestión.

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Otro fenómeno asimilado y con puntos de contacto con las ERT es el llamado workers buyout, que no es otra cosa que el mecanismo juridico por el cual los trabajadores se hacen cargo del traspaso de los activos de las firmas quebradas, lo que puede asimilarse a la reforma de la ley de quiebras realizada en Argentina en 2011. Sin embargo, este mecanismo está bastante lejos de ser un recurso poco común en las economías capitalistas. De hecho, es bastante frecuente en los Estados Unidos y en otros países centrales. En Italia, por ejemplo, es ampliamente utilizada la legge Marcora, que prevé similares traspasos (Vieta et al., 2016; Ghantuz Cubbe, 2015), y la mayoría de las ERT brasileñas se concretaron a través de este tipo de trámites (Chedid et al, 2013). Por lo general, el workers buyout tiene el problema de que los trabajadores adquieren la empresa incluso con sus pasivos, lo que hace muy trabajosa la recuperación pues obliga a la cooperativa resultante a participar de acuerdos con los acreedores de la antigua empresa12. Como se verá, se trata de un proceso bastante alejado de la idea de “empresa recuperada” que implica un proceso de lucha y autogestión, aunque eso no significa que debamos descartar a este tipo de procesos como ERT. El problema aquí reside en que este tipo de procesos pueden ser iniciativas patronales antes que del colectivo de asalariados, se presta a negociaciones entre patrones y empleados en que la consecuencia, antes que una empresa autogestionada, bien puede ser una forma de empresa de trabajadores precarizados por una patronal que los contrata “de empresa a empresa”, o bien una estrategia del capital para deshacerse de sectores poco rentables de la industria o de determinados servicios con pocos costos, en lugar de ser un avance de los trabajadores en el control de su propio espacio de trabajo y medios de vida. La crisis global que comenzó en Estados Unidos en 2008 y se expandió posteriormente a la Eso es un obstáculo importante en el Brasil, mientras que la ley italiana prevé fondos de financiamiento mixtos entre el Estado y las organizaciones del cooperativismo. 12

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Unión Europea y otras partes del mundo ha hecho que desde ciertos sectores ligados a las políticas sociales compensatorias de las consecuencias del modelo neoliberal el workers buyout apareciera como una alternativa para la transformación de determinadas empresas en cooperativas que, disminuyendo su nivel de actividad y rentabilidad, mantengan al mismo tiempo los niveles de empleo y de contención a un porcentaje de la población que, indefectiblemente, va a quedar fuera del mercado de trabajo (Delgado, 2014). Sobre el concepto de autogestión y su relación con la economía social, solidaria, popular Como señala Peixoto de Albuquerque (2003:20-26), el concepto de autogestión resurge asociado al surgimiento o la visibilización social de las empresas recuperadas en el marco del proceso de globalización neoliberal y, al mismo tiempo, “retomando las luchas políticas e ideológicas que dieron origen al concepto, esto es, asociada a un ideal utópico, de transformación y cambio social” (2003:22). Sin embargo, como también afirma, no deja por eso de ser ambiguo, remitiendo por lo general a la idea de colectivismo en las relaciones sociales y, específicamente, en las económicas, sin profundizar ni precisar demasiado sobre qué se está hablando. Este autor hace una distinción esencial entre autogestión “en sentido restringido”, es decir, en el campo estrictamente económico, y “generalizada”, en que se amplía la noción de autogestión a lo social y lo político, como un proyecto para la sociedad toda. Las ERT, a nuestro entender, se deben analizar en el sentido de autogestión restringida que, sin embargo, tiene o puede tener una proyección más allá de las prácticas puramente económicas. En este sentido, el debate sobre la autogestión atraviesa la historia de las luchas obreras en el marco del capitalismo (aunque no necesariamente utilizando este concepto, que es relativamente reciente), en especial en cuanto a las relaciones entre ambas dimensiones de la autogestión

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(restringida y generalizada), las relaciones entre los procesos de autogestión del trabajo y la economía general, entre estos procesos y el Estado y, también y principalmente, con el mercado capitalista. Tomando el cooperativismo desde sus orígenes prácticamente simultáneos con el movimiento obrero en la Revolución Industrial inglesa, a fines del siglo XVIII y principios del XIX, la discusión sobre los alcances y condicionantes de esta relación existe prácticamente desde los inicios, teniendo en Marx (1985, tomo III: 418-419), Bernstein (cit. en Cole, 1959) y Rosa Luxemburgo (1967), desde el campo marxista, sus primeros grandes contrapuntos (Ranis, 2016; Cole, 1957; 1959). Posteriormente, y al calor de las grandes revoluciones del siglo XX, teóricos como Trotsky (1973), Gramsci (2010), Karl Korsch (1973), Pannekoek (2005) y otros discutieron el papel del control obrero, los consejos de fábrica y los consejos de trabajadores como organismos de autogobierno en la transformación radical de la sociedad (Ciolli, 2009; Mandel, 1973; Ness y Azzellini, 2011), desde el campo marxista, y Malatesta (cit. en Di Paola, 2011), Kropotkin (1977), Abad de Santillán (1978), Guérin (2008) y otros desde el campo del anarquismo, especialmente a partir de la experiencia de las colectivizaciones rurales e industriales durante la guerra civil española. Finalmente, la experiencia de Yugoslavia bajo Tito (entre 1949 y las postrimerías de los ochenta) rescató la noción marxiana de una economía basada en la “asociación libre de los productores”, reformulada a partir de la nacionalización y planificación central de la economía siguiendo el modelo soviético, pero dejando un amplio margen de autonomía a las empresas manejadas por consejos de trabajadores, formulando incluso el propio término de autogestión (samoupravljanje, en serbo-croata) para denominar a este proceso (Djorjevich, 1961; Jakopovich, 2010; Lebowitz, 2008). Desde ese rescate yugoslavo de los principios y debates que el modelo de economía centralizada del “socialismo real” habían dejado a un lado en la agenda de la izquierda a nivel mundial, la ola de

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movilizaciones de fines de los sesenta en Francia, Italia y otros países europeos, junto con la descolonización y las luchas de liberación del Tercer Mundo en los sesenta y setenta volvió a plantear la autogestión como eje a tener en cuenta (por ejemplo, en Gorz [1976], Marglin [1976], Vidojevic [1973]), también plasmado en experiencias como la de la Argelia de Ben Bella (Southgate, 2011), las comunas de la Revolución China (Jiang, 2014), el “socialismo africano” de Julius Nyerere (Friedland y Rosberg, 1967), el debate sobre el papel del trabajador en la construcción del socialismo en Cuba (Guevara, 2006; Yaffe, 2011), y la formulación del poder popular en los cordones industriales del Chile de la Unidad Popular (Gaudichaud, 2004; Kries, 2013). Es importante señalar, también, que la gran mayoría de estos procesos formaron parte de un doble movimiento de la lucha de la clase trabajadora, tanto para mejorar sus condiciones de vida como para intentar acabar con el sistema de explotación dominante. En ese sentido, podemos caracterizarlos como momentos en etapas de ofensiva de los trabajadores, donde éstos buscaron a través de la lucha social cambios globales, a veces por la vía revolucionaria, que afectaran el conjunto de su vida y su sociedad. Sin embargo, estos planteos y experiencias que implicaron a la autogestión tanto en sentido económico como generalizado o su inserción en proyectos socialistas a partir de experiencias económicas en momentos de crisis revolucionarias, parecen alejados del contexto actual de hegemonía neoliberal global, en que las nuevas experiencias de autogestión del trabajo surgen en períodos y situaciones de resistencia, como ya hemos puntualizado. La interacción entre aquellos debates y los actuales aparece lejana, pero sin embargo no pierden capacidad de diálogo con determinadas experiencias y no dejan de plantear ejes de debate teórico que algunos procesos contemporáneos, como el chavismo en Venezuela, han vuelto a poner sobre el tapete (Lebowitz, 2008; Azzellini, 2011).

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Esto es una distinción importante a la hora de analizar las experiencias actuales en América Latina, especialmente en Argentina, en que se trata, más bien, de procesos de resistencia a la situación de expulsión del mercado de trabajo consecuencia de las políticas neoliberales que se impusieron en todo el continente, primero con las dictaduras militares, y posteriormente generalizadas como políticas económicas hegemónicas en los años noventa, llevando a millones de trabajadores al desempleo permanente y la marginalidad social. Es el propio proceso autogestionario en esas difíciles condiciones el que genera en los mismos trabajadores, en cambio, una perspectiva más estratégica a partir de su propia práctica, por más que se trate de organización para la defensa de su subsistencia. Desde nuestra perspectiva, entonces, podemos establecer que cuando hablamos de autogestión en las ERT nos referimos al proceso por el cual se desarrolla la gestión de los trabajadores sobre una unidad empresarial prescindiendo de capitalistas y gerentes y desarrollando su propia organización del trabajo, bajo formas no jerárquicas. En otras palabras, autogestión significa que los trabajadores imponen colectivamente las normas que regulan la producción, la organización del proceso de trabajo, el uso de los excedentes y la relación con el resto de la economía y la sociedad. La autogestión es una dinámica permanente de relación entre los trabajadores que la protagonizan, que no puede reducirse meramente a una normativa. La autogestión, además, significa una apropiación por parte de los trabajadores del proceso de trabajo, con la posibilidad y, en más de un caso, con el sentido, de modificar las reglas que lo rigen en la empresa capitalista, generando una nueva lógica económica (Ruggeri, 2014a). Creemos también importante señalar que la autogestión aparece como un proceso no siempre explícito, pero por lo general presente en los diferentes marcos conceptuales que se han venido utilizando para estudiar el proceso que nos ocupa. Además de las diferentes variables y enfoques que hemos

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reseñado hasta ahora en el campo de las investigaciones que se han ocupado de las ERT, son numerosos los autores que las incluyen dentro del campo de la Economía Social y Solidaria (ESyS) o, más recientemente, la Economía Popular (Coraggio, 2008; Coraggio y Sabaté, 2010; Gaiger, 2004; Guerra, 2012; Díaz Muñoz, 2015). Chedid (2014), explicita esto al explicar por qué prefiere usar el concepto de empresa recuperada por los trabajadores frente a “empresa de autogestión”, que era lo usual en el Brasil hasta hace pocos años: “Por mucho tiempo (las ERT) fueron llamadas dentro del movimiento de economía solidaria ‘empresas de autogestión’ (…). En Chedid Henriques (2014), esa conceptuación es problematizada, ya que supuestamente todos los emprendimientos ligados a ese movimiento son ‘de autogestión’”. Gaiger (2004), otro de los estudiosos de la Economía Solidaria en el Brasil, da una serie de características que deben cumplir los emprendimientos económicos solidarios (EES), entre los cuales figura la autogestión. En la concepción desplegada por este autor, la autogestión es una de tantas características distintivas de la economía solidaria, lo que abonaría la tesis de Chedid, en la que no sólo las ERT serían “empresas de autogestión” dentro de la economía solidaria, pues todas lo son. En otros autores que teorizan sobre la economía solidaria o social, de diferentes tradiciones y vertientes, esto ya no está tan claro, y otros factores (como el “factor C” o factor solidario, del chileno Razeto [1997]) aparecen como prioritarios. Es importante distinguir que, en determinadas corrientes del estudio de la economía social, las formas “sociales” de la economía no siempre se plantean como opuestas o diferentes al trabajo asalariado capitalista, ni tampoco ni necesariamente como alternativa al sistema capitalista (Collin Harguindeguy, 2014). Esta idea se corresponde con la del Tercer Sector de la economía, constituido por todo lo no estatal y no privado, lo que incluye distintas formas de la economía doméstica, de subsistencia, informal, todo tipo de cooperativas, pero también ONGs y hasta

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PyMes. Frente a esto, Trinchero argumenta que la noción de Tercer Sector “tendería a representar un conjunto de actividades orientadas por organizaciones autoidentificadas como de carácter no-mercantil” (Trinchero, 2009:27), cuyo “incremento se lo asocia en forma directa con el desempleo estructural”. El carácter no-mercantil, sin embargo, excluiría a las ERT, que en su inmensa mayoría, al tratarse de empresas anteriormente operativas en el mercado formal, tienden a seguir reproduciéndose económicamente y funcionando en ese ámbito (de lo contrario, debería insertarse en otro tipo de redes que garantizaran su sostenibilidad económica y la vida de sus trabajadores, lo que no sucede de acuerdo a nuestros registros en ningún caso). Esta situación es reconocida en algunas investigaciones, como la realizada por un equipo dirigido por José Luis Coraggio y Alberto Sabaté en la Universidad Nacional de General Sarmiento, en la que se hace un relevamiento de lo que denominan “emprendimientos socioeconómicos asociativos” (2010). En este trabajo se divide a estos emprendimientos entre mercantiles (entre los que se incluyó a las ERT) y no mercantiles (todo tipo de emprendimiento comunitario aunque no genere ingresos para sus miembros). Entre ambas categorías aparecen diverso tipo de organizaciones, incluso vinculadas a políticas públicas y agencias del Estado en sus niveles más bajos (municipios, institutos tecnológicos, universidades). En este caso, la unidad económica sujeta a esta clasificación pasa por un eje que es la asociación, que tiene como principio garantizar las condiciones de vida de sus miembros, ganando escala y sostenibilidad a través de la formación de redes –lo que no siempre se verifica pero sería una continuidad deseable para instaurar las lógicas de “solidaridad interna y externa (que) son componentes críticos en la estructuración y sostenibilidad a largo plazo de las formas de economía social y solidaria (Coraggio y Sabaté, 2010:22). Sin embargo, la asociación no significa autogestión, pues no es suficiente condición para garantizar la gestión

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colectiva del trabajo. Los autores aclaran que se refieren al “trabajo asociado autonomizado de patrones”, lo cual insinúa los principios de la autogestión, pero no necesariamente significa el mismo tipo de proceso. En el capítulo destinado a analizar datos sobre ERT, los autores reconocen que debieron modificar el instrumento metodológico utilizado para dar lugar a “la escala, la complejidad productiva y otras características propias de las empresas recuperadas, que las diferencian de los emprendimientos asociativos” (íd, p. 189). En realidad, y en tanto proceso vivo y en pleno desarrollo, se trata de conceptos en permanente disputa y reformulación. Las ERT han tenido en ese sentido un rol disruptivo al revitalizar el concepto de autogestión, que había quedado casi en desuso desde su auge en los años sesenta y setenta. Esta revitalización tuvo su impacto sobre los conceptos teóricos utilizados para describir a un muy amplio sector económico y social en el que, desde distintos puntos de vista, se ha incluido a las empresas recuperadas y muchos otros fenómenos de autogestión del trabajo. La autogestión, en un sentido estricto, puede aparecer como menos abarcativo de los fenómenos asociados a los conceptos de economía social o economía popular, tercer sector, cooperativismo e incluso su interacción con la noción de exclusión social, que, como señala Trinchero (2009) intenta naturalizar, en el esquema del modelo neoliberal, la generación permanente de desocupados como parte del funcionamiento inherente a la nueva etapa del régimen de acumulación capitalista y el traspaso al Estado, ya no de parte del costo de reproducción de la fuerza de trabajo como en el Estado de Bienestar, sino de la función de garante de la continuidad de la expropiación permanente del trabajo por el capital, mediante el sostenimiento de los mínimos niveles de gobernabilidad necesarios en una situación social límite, que de otro modo sería (y frecuentemente lo es) explosiva y riesgosa para la misma naturaleza de las reformuladas relaciones entre el capital y el trabajo.

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En este punto, Coraggio y Sabaté incluyen los “emprendimientos socioeconómicos asociativos (mercantiles y no mercantiles)”, dentro de un conjunto más amplio, el de la economía popular. De acuerdo a su definición, mediante la “economía popular” (que amplía y contiene lo que en anteriores trabajos ha llamado, siguiendo a Polanyi, la economía doméstica), “los sectores populares –en particular los trabajadores excluidos o empobrecidos– sus unidades domésticas y sus organizaciones, vienen desarrollando iniciativas económicas cuyo sentido es la obtención de medios de vida para resolver necesidades acuciantes” (Coraggio y Sabaté, 2010: 19). Enumerando a continuación una serie de estas iniciativas (en las que incluye “actividades mercantiles autogestionadas realizadas individualmente, en familia, en comunidad o en grupos asociados libremente” y “recuperando tierras rurales, suelo urbano, instalaciones fabriles o de otras empresas en falencia económica”), se las considera como parte de la “economía popular que es a su vez parte del sistema económico dominado por la lógica de la acumulación del capital. Tal economía popular registra comportamientos competitivos particularistas e individualistas (predominantes en muchas actividades que suelen identificarse con el sector informal urbano) como disposiciones a la cooperación y reciprocidad con diversos alcances (notorias en la existencia de cooperativas, mutuales y asociaciones, pero no solo en esas formas tradicionales)” (íd., p. 20). Este conjunto de actividades económicas, formas organizativas y sectores tiene un grado de amplitud tal que la inclusión de las empresas recuperadas provoca una serie de problemas conceptuales, que van desde su propia escala económica y lógica de organización que, si bien tiene puntos de contacto en cuanto a ser protagonizada por “sectores populares”, hay una diferencia notoria con muchas actividades de esta economía popular –que se asocian claramente con el trabajo informal no asociado de la primera variante considerada por Coraggio–, hasta la misma condición de

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empresas autogestionadas, que no forma parte de numerosos emprendimientos de la economía popular y, como ya hemos dicho, no alcanza con el “asociativismo” para caracterizarla. Sin embargo, el concepto de “economía popular” está en auge, a partir de que una de las organizaciones sociales más importantes de los últimos años en la Argentina la adoptó como definición: la Confederación de Trabajadores de la Economía Popular (CTEP). En este sentido, se ha planteado una asociación del concepto de economía social con la economía popular, he incluso el de “economía de los trabajadores”13. En un texto mucho más reciente y evidentemente relacionado con el auge de la CTEP14, José Luis Coraggio hace una lectura de la necesidad de la confluencia de los trabajadores formales y los informales organizados en la CTEP, abogando por el reconocimiento por parte de las organizaciones sindicales del trabajo para el autoconsumo y el cuidado del hogar no remunerado, tomando el argumento de la CTEP de que la Concepto que hemos introducido a partir de la organización del Encuentro Internacional Economía de los Trabajadores (http://www.recuperadasdoc.com.ar/2007encuentro.html), 14 La CTEP se forma en 2010 conformada por cooperativas y organizaciones vinculadas al Movimiento Evita, el Movimiento de Trabajadores Excluidos (MTE), el Movimiento Nacional de Fábricas recuperadas (MNFRT) y otras organizaciones menores, reclamando un lugar en la CGT como organización gremial de los trabajadores de la “economía popular”. Esa composición fue cambiando y ampliándose con el tiempo, pues si bien el ME y el MTE permanecen como pilares de la organización, el MNFRT se retiró pronto por cambio de estrategia política de su referente Luis Caro y fue reemplazado, años después, por el MNER de Eduardo Murúa, y se sumaron otras organizaciones como el Movimiento La Dignidad, Los Pibes y grupos vinculados a distintas organizaciones políticas de izquierda. A partir de la llegada de Mauricio Macri al gobierno, la CTEP, que hasta el año anterior proponía la formación de un Ministerio de Economía Popular junto al candidato kirchnerista a la presidencia, Daniel Scioli, pasó a tener una estrategia de negociación con el gobierno, demostrando al mismo tiempo capacidad de convocatoria, participando de grandes movilizaciones junto a la CGT, que finalmente accedió a reconocerla como un interlocutor. La CTEP, además, a través del referente del MTE Juan Grabois, de larga relación con Jorge Bergoglio, logró tener una buena relación con el Vaticano, lo que acrecienta su capital para convertirse en un actor importante a nivel político. 13

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economía popular es una economía formada por trabajadores en distinto grado de precariedad15. Justamente, el planteo de la CTEP acerca de qué es la economía popular, expresado por dos de sus referentes más importantes, Emilio Pérsico y Juan Grabois, identifica como sujeto del sector al mismo universo de formas económicas descriptos por Coraggio y Sabaté. En su descripción de los trabajadores de la economía popular, incluyen a los informales y precarios de todo tipo, cuentapropistas de oficios varios, cooperativistas, empresas recuperadas y trabajadores no registrados, es decir, todos los que no tienen formalización como asalariados. Los sectores y las actividades económicas son las mismas que citan Coraggio y Sabaté para la economía popular/social y solidaria, con una diferencia importante: el acento está puesto en la condición de trabajador y la rama de actividad antes que en la forma de organización económica. En ese sentido, la CTEP se presenta como un sector de los trabajadores, las víctimas de la expulsión del mercado de trabajo por el capitalismo neoliberal, los perdedores del sistema: “La economía popular es el conjunto de actividades laborales que el pueblo se inventó para sobrevivir afuera del mercado formal” (Pérsico y Grabois, 2014:31). A diferencia del planteo citado anteriormente para el trabajo sobre los emprendimientos asociativos, pero a semejanza del último texto de Coraggio en el diario Página/12, la economía popular es presentada por la CTEP como una economía de los trabajadores excluidos, “informales, precarizados, externalizados y de subsistencia” (íd. p. 29). “La economía popular tiene una característica que la distingue: los medios de producción, los medios de trabajo, están en manos de los sectores populares. De ahí que nos atrevemos a soñar con un proceso de auto-organización de nuestros compañeros que permita erradicar las tendencias patronales del seno de nuestro Artículo de José Luis Coraggio en Página 12, del 21 de septiembre de 2016, con el título “Una confluencia fundamental”: https://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/1-309904-2016-09-21.html 15

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pueblo pobre y construir una economía popular comunitaria, solidaria, fraterna, socialmente integradora” (íd. p. 3). Este último párrafo se aproxima a la vertiente que podemos llamar “programática” de la economía social y solidaria, expresada en términos socialistas por el brasileño Paul Singer como una “utopía militante” (Singer, 1999) y por el propio Coraggio, como “una propuesta transicional de prácticas económicas de acción transformadora, conscientes de la sociedad que quieren generar desde el interior de la economía mixta actualmente existente, en dirección a otra economía, otro sistema económico, organizado por el principio de la reproducción ampliada de la vida de todos los ciudadanostrabajadores, en contraposición con el principio de la acumulación de capital” (Coraggio, 2008:37). Desde nuestro punto de vista, las formas económicas autogestionarias generadas por los trabajadores en el marco de la resistencia a la expulsión de las relaciones salariales, como son las empresas recuperadas, o como manera de subsistir en un contexto de miseria y extrema vulnerabilidad social y laboral, se ubican en un lugar transicional, pero no como una propuesta hacia otra economía, sino como resistencia a esa transición entre los dos grandes grupos en que en la presente etapa del capitalismo neoliberal globalizado se divide la clase trabajadora mundial, como define Gómez Solórzano (2014). Y es en ese pasaje en que se generan prácticas económicas que dan elementos para pensar y practicar lógicas económicas alternativas, ahora sí, a la acumulación de capital (Ruggeri, 2014b). En este sentido compartimos con Carenzo y Míguez la necesidad de ser conscientes de la carga normativa y moral que desde las expectativas de los investigadores y militantes se les adjudica a las experiencias de autogestión, y en concentrarnos más en el análisis de las experiencias prácticas de los trabajadores implicados para, desde allí, poner a prueba estas miradas (Carenzo y Míguez, 2010).

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Capítulo III Lógicas de imposición del capital en grandes corporaciones. Disputas en torno a la negociación y la subjetivación laboral Juan Montes Cató1, Claudia Figari2 Las instituciones garantistas surgidas bajo los estados de bienestar -con sus diversas graduaciones y características nacionales- comenzaron su declive gradual y no exento de conflicto y contradicciones con la crisis de la década del setenta. La crisis capitalista del 2008 agudizó estas tendencias. Pero no es hasta entrado el siglo XXI cuando sus transformaciones sistémicas se vuelven evidentes a través de un movimiento que combina varios elementos que tienden a potenciarse: se busca transformar la subjetividad plasmándola en determinados marcos culturales; se modifican las referencias jurídicas desde las cuales se regula el comportamiento de los Estados y las grandes empresas; y se opera en la organización y relaciones de trabajo. Este escenario de dominaciones múltiples es lo que les permite a las empresas transnacionales3 expandirse a través de la acumulación por desposesión (Harvey, 2003), que consiste en acaparar nuevos espacios y sectores por parte del capital para superar las crisis. Con el objetivo de liberar regiones y 1Doctor

en Ciencias Sociales de la Universidad de Buenos Aires(UBA) y Mag. en Ciencias Sociales del Trabajo. Investigador del Centro de Estudios e Investigaciones Laborales (CEIL-CONICET). Prof. en la UBA. [email protected] y [email protected] 2Doctora en la UBA e Investigadora independiente de. CEIL-CONICET. Vicedirectora del Centro de Estudios e Investigaciones Laborales (CEIL). Prof. Titular en la UBA y en la Universidad Nacional de Luján –UNLu-, Depto. De Educación. Correo electrónico: [email protected] y [email protected] 3 En este capítulo se utiliza de manera indistinta la noción empresas transnacionales y el de multinacionales.

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sectores para poder invertir el capital excedente, el capital aprovecha las desigualdades de poder para, por ejemplo, obligar a estados a devaluar sus economías a través de la servidumbre de las deudas, mercantilizar la naturaleza y conseguir privatizar servicios públicos o sectores estratégicos. Este proceso permitió a las empresas transnacionales convertirse en las estructuras del sistema económicofinanciero mundial al erigirse como el método de organización del comercio internacional. A través de la intervención en los tres niveles mencionados antes se aumenta el grado de arbitrariedad en detrimento de grandes mayorías que sufren las consecuencias de la globalización capitalista. Para comprender la arquitectura que adopta esta configuración global y neoliberal, en el capítulo abordamos el estudio de dos de esas esferas que están sufriendo fuertes cambios, haciendo hincapié en los modos en que se vienen generando nuevos consensos globales que modifican la subjetivación laboral y en las políticas y herramientas empleadas por las grandes empresas transnacionales que imponen en la negociación colectiva de trabajo pautas flexibilizadoras tendientes a erosionar conquistas laborales, pero también los paradigmas desde los cuales son pensados. En el primer nivel interesa explicitar las lógicas de articulación ideológica detrás del denominado Pacto Global-PG-, instrumento que regimenta los parámetros de acción empresaria a través de la definición de estándares globales. En segundo lugar, abordamos, para el caso de las multinacionales que operan en Argentina, el contenido de la materia negociada en los convenios colectivos de trabajo en cuanto estos últimos cristalizan la organización del trabajo y las relaciones laborales orientadas a individualizar el vínculo laboral que facilita el control de la fuerza de trabajo. Las evidencias presentadas se sustentan en hallazgos obtenidos en investigaciones desarrolladas en los últimos años en las que ha predominado el análisis de de contenido de

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documentos, como así también el registro cuantitativo del tipo de cláusulas negociadas en los CCT4. Los nuevos consensos globales y la formación de la subjetividad laboral El gobierno de las grandes corporaciones en el orden mundial no puede desvincularse de la potencialidad adquirida por las doctrinas del management contemporáneo en el marco de un nuevo consenso mundial, a partir de la firma del Pacto Global-PG- hacia finales de Milenio. La consolidación hegemónica de las grandes empresas transnacionales reenvía a dicho Pacto y a las lógicas de los estándares internacionales que regulan las formas de hacer y de sentir en las sociedades. En el marco descripto, se definen rigurosas recomendaciones hacia las empresas que adhieren al PG, éstas deberán ser autoevaluadas anualmente a través de los denominados informes de sustentabilidad. Allí se deben exponer las principales acciones que las grandes empresas generan a los fines de cumplimentar las recomendaciones5. Más que un mero ejercicio de buena voluntad, se trata de concretizar el orden global, con sus nuevas reglas y consensos, en las empresas y territorios de emplazamiento fabriles. La nueva normativa internacional tiene efectos significativos en la definición de índices de calidad, que tendrán impacto en el posicionamiento

4Este

capítulo desarrolla y recupera resultados obtenidos en los siguientes proyectos PIP del CONICET de Argentina: “Empresas Multinacionales en Argentina. Análisis sobre su impacto en la economía, las relaciones laborales y las estrategias sindicales 2003-2013” (programación 2015-2018), dirigido por Juan Montes Cató y ”Hegemonía empresarial y accionar político-gremial. Disputas en los espacios de trabajo y en los territorios de emplazamiento fabriles, sede CEIL del CONICET (programación 2013-2016), dirigido por Claudia Figari. Se toman en cuenta, asimismo, hallazgos derivados de proyectos UBACYT dirigidos por los autores, radicados en la UBA, Facultad de Ciencias Sociales, Carrera de Relaciones del Trabajo. 5 http://www.pactomundial.org/category/aprendizaje/10-principios/

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de las corporaciones en el orden global. El Pacto global, como ámbito de consenso entre estados-parte, organismos internacionales y grandes empresas se orienta a sostener un capitalismo que expresa su cara más cruda con millonesde trabajadores desempleados y con una escasa posibilidad de reincorporarse al mercado de trabajo formal. En un mundo cada vez más desigual, el poder de las grandes corporaciones gobierna a partir de sostener la acumulación encontrando formas cada vez más novedosas de legitimación social (Ramalho, 2010). En ese contexto, el esfuerzo empresarial se sustenta en un conjunto heterogéneo, múltiple, pero sistémico de herramientas manageriales que buscan formar nuevas subjetividades. El lenguaje de la responsabilidad social empresaria –RSE- convive con la rendición de cuentas continua y con las formas más sofisticadas de un management que se nutre de las ciencias del comportamiento para colonizar las conciencias y enmascarar la conflictividad entre el capital y el trabajo (Fernández Rodríguez, 2007; Alonso, Fernández Rodríguez, 2011; Álvarez Newman, 2012). En las categorías nativas empleadas por las corporaciones la idea de un ciudadano global/corporativo se impone (así como en los 90 la figura del colaborador y el del emprendedor tenían un papel protagónico). En la última década, las tendencias encontradas en nuestros estudios realizados en grandes empresas (de diferentes sectores de la actividad económica) encuentran claras recurrencias que han aportado para consolidar contribuciones teóricas-conceptuales6.

Se han analizado diferentes fuentes relacionadas con el Pacto Global hacia las empresas: https://www.unglobalcompact.org/what-isgc/mission/principles y los Global reportinginitiative: https://www.globalreporting.org/Pages/default.aspx, en varias de sus versiones. Fue consultada una vasta documentación realizada por las redes locales, algunas constituyen guías prácticas para la implementación de los principios del PG. 6

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Las citas que transcribimos a continuación corresponden a informes de sustentabilidad (que se comienzan a firmar desde el año 2004), correspondientes a la filial argentina de Arcelor Mittal y al informe para Sudamérica de Honda: “Desde Acindar Grupo Arcelor Mittal hemos asumido, desde un inicio, el compromiso con una gestión orientada a la sustentabilidad, focalizada en el largo plazo y por ello nuestras decisiones de negocio son abordadas desde una mirada social, ambiental y económica. Asimismo, la pertenencia a un grupo de alcance internacional, reafirma el compromiso con el cumplimiento de los más altos estándares de calidad contribuyendo a un desempeño sostenible. Teniendo en cuenta estas premisas y los pilares de Responsabilidad Corporativa, consideramos como prioridades estratégicas: desarrollar nuestras operaciones de manera segura para todo el personal involucrado (colaboradores propios y contratistas), implementar las mejores prácticas ambientales para los procesos, colaborar con el progreso de las comunidades en las que la compañía tiene operaciones y continuar trabajando en la competitividad de la empresa, asegurando de esta forma la sustentabilidad de la misma”. Informe de Acindar, Grupo Arcelor Mittal p. 3.

La trama de sentidos abreva en la sustentabilidad, que posibilita la extensión de la impronta corporativa en las comunidades y bregar por un accionar integral: económico, social y ambiental. El desarrollo sostenible se articula con la noción de responsabilidad social corporativa –RSC, también denominada empresaria- de la cual emana una serie de acciones: prácticas ambientales, progreso de comunidades y competitividad de la empresa. Es decir, la sustentabilidad para la competitividad requiere de la RSC a los efectos de implementar acciones específicas que puedan ser referenciadas en los informes de sustentabilidad. En muchos de ellos se

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menciona un “círculo ético virtuoso”: más competitividad, más valorización del capital.

RSE,

más

“Por encima de todo, buscamos que la sociedad venga a desear que Honda exista en todas las comunidades. PRINCIPIOS BÁSICOS Como empresa con visión global, estamos dedicados a contribuir al bienestar de las comunidades locales alrededor del mundo, por medio de nuestros productos y tecnologías. Como buen ciudadano corporativo, Honda profundiza su compromiso con todas las comunidades locales en las cuales realiza negocios. Contribuiremos para cultivar una sociedad donde los individuos dedicados y perseverantes participen activamente de actividades socialmente responsables”. Informe de sustentabilidad. Honda Sudamérica, Año 2013, p 6.

En el caso de la Honda Sudamérica, el alcance regional y la dimensión internacional están claramente indicados, en ese marco se señala la relevancia que asume forjar un buen ciudadano corporativo al que se lo vincula con las actividades socialmente responsables. Destacamos las filiaciones entre hegemonía empresarial y lo que hemos denominado Pacto Social Corporativo (Figari, Giniger, 2014). Desde nuestra perspectiva se pone de manifiesto un nuevo patrón civilizatorio tributario de la fase actual de desarrollo de las fuerzas productivas. En este contexto, la función legitimadora de la RSE y de la cosmovisión managerial cobra un alcance global. Sin embargo, dicha dimensión requiere concretarse en espacios situados en el nivel de las filiales. Laa filial Toyota, radicada en Zárate, Provincia de Buenos Aires, es clave, ya que expresa un caso emblemático de lo que venimos postulando: “Toyota ha participado en la divulgación oportuna y justa de información corporativa y financiera como se indica en la Política de RSC "Contribución para Sostenible Desarrollo". Con el fin de garantizar la correcta, equitativa,

C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 83 y la divulgación oportuna de información, Toyota ha establecido el Comité de Divulgación presidida por un oficial de la División de Contabilidad. El Comité sostiene reuniones periódicas con el fin de preparar la presentación de informes, y la evaluación de su informe anual de valores, (…) Toyota, junto con sus filiales, ha creado y mantenido un clima corporativo sólido basado en el "Principio de Toyota de referencia" y el "Código de Toyota Conducta. "Toyota integra los principios del problema, identificación y la mejora continua en su proceso de la operación del negocio y hace continuos esfuerzos para capacitar a los empleados que pondrán estos principios en práctica”. Informe de sustentabilidad, 2013, p.36.

Los informes de sustentabilidad no son meros discursos abstractos, se trata de instrumentos del management para impulsar, transmitir y difundir las denominadas “buenas prácticas” y viabilizar así los principios asociados a la responsabilidad social y ambiental. Como hemos definido en otros estudios, nos apartamos de aquélla concepción que analiza si efectivamente las buenas prácticas se concretizan. Es decir, no se trata de un planteo verificacionista, sino de comprender los alcances de un Pacto que conlleva en su realización la necesidad de sustentar el capitalismo a través de instrumentos legitimación. Con este fin, las nuevas reglas de juego imperantes del management se deben hacer efectivas en el espacio de la producción y en las comunidades donde se radican. La cita anterior pone de de manifiesto la existencia de una praxis empresarial que conllevatodo un proceso de trabajo orientado a producir información a tiempo real para nutrir a los informes. Aquí, trabajadores de diferentes jerarquías, mandos y consultoras participan activamente en su realización. Otro elemento sustantivo que se deriva de la cita transcripta es el código de conducta y la formación necesaria de los trabajadores. En esta materia, Toyota ha desarrollado sofisticadas herramientas tendientes a transmitir los valores corporativos en el espacio de trabajo y evaluarlos a tiempo real.

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Esta situación tiene consecuencia para los trabajadores; no ajustarse a las reglas supone sanciones y limita la movilidad profesional. Más que un mero enunciado empresarial, los informes de sustentabilidad constituyen una materialidad derivada de una praxis puesta en acto en múltiples territorios que es matrizada por agencias y agentes locales, regionales y globales. En esta trama los principios del Pacto deberán ser cumplimentados por las organizaciones adherentes. Con este fin existen agencias (en el nivel de los organismos internacionales) que tienen por función elaborar los denominados Global Reporting Initiative-GRI- que definen las principales recomendaciones para elaborar las comunicaciones de progreso que deberán ser publicadas a través de los informes de sustentabilidad que se presentan todos los años. Asimismo, es la agencia encargada de calificar los avances que presentan los adherentes al Pacto a través de los informes. De los GRI a las autoevaluaciones, que se informan en los reportes, existe un conjunto importante de mediaciones que aportan documentación específica a los fines de instrumentar “buenas prácticas” que harán posible implementar las recomendaciones del PG y las reglas corporativas del management contemporáneo. En la última conferencia de Davos, realizada en Buenos Aires, Klaus Schwab7 refiere lo siguiente: “El verdadero liderazgo en un mundo complejo, incierto y ansioso como el nuestro, requiere que los líderes naveguen con un sistema de radar y una brújula. Deben ser receptivos a las señales de un paisaje siempre cambiante, y deben estar dispuestos a hacer los ajustes necesarios(…) sin desviarse de su verdadero norte, es decir, una visión basada en valores auténticos.(…) Es por eso que en el Foro Económico Mundial hemos hecho del "Liderazgo responsable y que responde" el tema principal

7https://www.weforum.org/es/agenda/2017/01/cinco-prioridades-de-

liderazgo-para-2017

C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 85 de nuestra reunión anual de enero en Davos(…) los líderes tendrán que construir un sistema dinámico e inclusivo de gobernanza global para las múltiples partes interesadas. Los desafíos económicos, tecnológicos, ambientales y sociales de hoy en día sólo pueden abordarse mediante la colaboración público-privada global; pero nuestro marco actual para la cooperación internacional fue diseñado para la era de la posguerra, cuando los Estados-nación eran los actores clave”.

El liderazgo responsable asociado a la gobernanza global, aún están distantes, es decir, una civilización corporativa requiere el control de las corporaciones y alianzas estratégicas con los estados parte y la sociedad civil. Esta instancia es marcada al señalar en la cita precedente que la forma de gestión global aún tiene como protagonistas a los estados parte. Davos es expresivo del ámbito natural de los grandes monopolios en el nivel global y de las demandas que hoy requiere un gobierno global que deba ajustar cuando la “brújula” así lo demande. El contexto que venimos caracterizando no puede lograrse sin instalar una cosmovisión corporativa que abreve en una nueva subjetividad laboral /global. Debilitar al sector del trabajo organizado será una batalla cultural definitoria que es referenciada en el nivel de los organismos internacionales, las consultoras y las grandes empresas. El orden corporativo global demanda una efectiva agencia pedagógica, dada su potencialidad para transmitir los valores corporativos en la escena productiva y extra-productiva (Wanderley Neves, org., 2005; Figari, 2015).Cabe destacar que el nuevo patrón civilizatorio en el nivel más agregado (expresado a través de los consensos en el marco del PG) tiende puentes con las agencias locales y regionales En este marco, la estrategia pedagógica del capital gobierna sobre la base de un desafío: disciplinar a trabajadores, consumidores, proveedores e instituciones de la sociedad civil y política. A la noción de colaboración extendida en los años 90 como estrategia para

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enmascarar el conflicto, hoy la de ciudadanía corporativa es expresiva en toda la cosmovisión del management. Así, la lógica de internacionalización económica, a través de las corporaciones transnacionales, busca, a partir de una batalla técnico-productiva y política cultural, articular la acumulación con los procesos de legitimación social. La inversión de las grandes corporaciones en capacitación requiere ser comprendida a la luz de este embate cultural que implica, antes que nada, internalizar la cosmovisión corporativa. Esta tarea exige múltiples agentes internos (a las organizaciones) y externos (consultoras) en pos de hacer efectivos los contenidos de la doctrina corporativa en los espacios de trabajo. Al respecto, muchas investigaciones han permitido demostrar la relevancia que asumen los grupos de trabajo como espacio de imposición de sentidos de la patronal, pero también su lugar protagónico como potencial expresión de la resistencia obrera. La formación empresarial dista de ser lineal, existen múltiples intersticios en los cuales el accionar de los trabajadores puede abrevar y transformar, en términos de Gramsci, (1992) el sentido común en buen sentido. Las prescripciones corporativas sobre lo que hay que hacer y los códigos de conducta no son meros aspectos decorativos de lo que buscan las empresas, se trata de desnaturalizar esas prescripciones para luego comprender el alcance que asume su trasvasamiento en los espacios de trabajo (Denis,2007). La educación sigue siendo el resorte por el cual las empresas pretenden generar conciencia e instalar la competencia entre trabajadores. Un ejemplo de ello lo constituye los trabajadores efectivos y tercerizados que co-existen en el mismo lugar trabajo, muchas veces realizando las mismas tareas pero con condiciones muy precarias. Más allá de instalar una gestión de saberes corporativos y generar una suerte de disvalor de la pericia técnica, las empresas siguen funcionando gracias a la cooperación que prestan a los trabajadores y, en ese marco, a los saberes técnicos y al saber hacer fruto de la experiencia acumulada.

C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 87 “hay mucha gente que es orgullosa en su mayoría de su trabajo, inclusive tiene permanentemente un compromiso con el mismo más que con la empresa, en la forma de trabajar inclusive de las sugerencias porque lo que tenemos de bueno, y lo veo en los argentinos es que somos capaces a la hora de tratar de mejorar cosas, (…) buscar la manera de mejorar algunas cosas en el proceso, (…)a veces no está muy incentivada la cosa pero también de algunas personas surgen cosas que le dan mucho beneficio a la empresa por qué? porque se ahorran una ponchada de guita (…)” ( Delegado ASIMRA, Villa Constitución)

El orgullo del buen trabajo y de la pericia técnica de los trabajadores se contrapone en algunas empresas con una praxis empresarial que busca valorizar las competencias actitudinales, es decir, aquéllas que demuestran una buena adhesión a las reglas corporativas. Y, en realidad, las corporaciones necesitan de los saberes técnicos para producir y obtener ganancias. La imposición de la ideología managerial del ciudadano corporativo también puede observarse en ciertas transformaciones en la organización del trabajo y en las Relaciones del Trabajo a través de la flexibilización laboral. Flexibilización y normalización de las relaciones laborales El dominio económico de las empresas transnacionales, además de observarse a través de la firma del Pacto Global, puede evidenciarse en el comportamiento de la inversión extranjera directa (IED). De acuerdo con la United Nations Conference onTrade and Development (UNCTAD), en 2007 la IED alcanzó un máximo de 1,97 billones de dólares, mientras que en 2015 ese valor a nivel mundial era de 1,73 billones de dólares (UNCTAD, 2016). A su vez, según la misma fuente, en 2007 las 79 mil EMN que controlaban790 mil filiales alrededor

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del mundo generaban un valor agregado que representaba el 11% del producto bruto interno (PBI) mundial. En 2015, la IED recibida por América Latina y el Caribe tuvo un nuevo récord histórico: 179.100 millones de dólares que representaban el 3,7% de su PBI. En este marco América del Sur recibió el 82% de las inversiones extranjeras realizadas en la región. Este comportamiento regional se corrobora también para Argentina, donde el proceso de extranjerización productiva es el resultado de los crecientes flujos de IED que se evidencian a lo largo de toda la historia económica nacional. Según datos de la Encuesta Nacional a Grandes Empresas (ENGE) del Instituto Nacional de Estadísticas y Censo (INDEC), el número de empresas con participación de capitales extranjeros entre las 500 firmas más grandes del país se incrementó de 219 en 1993 a 315 en 2013, aunque alcanzó el pico de 340 en el año 2002. Asimismo, la participación de las empresas con capital extranjero en el valor agregado de ese conjunto de firmas pasó del 60% en 1993 al 79% en 2013. Gráfico 1: EMN en Argentina 1993-2013 (% en las 500 Grandes Empresas) 100 95 90 85 80 75 70 65 60 55 50 45 40 35 1993

1994

1995

1996

Cantidad de empresas

1997 1998 1999 Valor de producción

2000

2001

2002

2003 2004 2005

Valor agregado bruto

Utilidad

2006

2007

2008

2009

Puestos de trabajo asalariados

Fuente: Roitter y Erbes, 2017

2010 2011

2012

Salarios devengados

2013

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Más allá de la importancia que adquieren las empresas multinacionales de mayor tamaño, la cantidad total de filiales que operaban en 2015 en Argentina en los sectores de industria, comercio y servicios era de 1.140 y daban cuenta del 12% del total del empleo registrado. En cuanto a su distribución sectorial, 37% eran empresas industriales; 20% se dedicaban a las actividades de comercio y 44% participaban del sector servicios, mientras que, en lo que refiere al origen del capital, el 42% eran filiales de empresas que tienen su casa matriz en EE.UU. y una proporción algo menor (40%) se concentraba en países europeos (Alemania, Italia, Francia y España, principalmente). El resto de Europa representaba un 8% del total, mientras que Brasil y Chile tenían una participación del 5% en el conjunto de EMN. Por otro lado, las EMN, de origen argentino, representaban el 2%, y el resto de los países explicaban el 3% del total (MTEySS, 2015). En el contexto que venimos describiendo la negociación colectiva asume relevancia, ya que se constituyó y constituye en una vía potente para regular cláusulas que interesan muy especialmente a la patronal. Muchas de ellas expresan la intensificación persistente del trabajo humano que cobra impulso a partir de la doctrina de flexibilizacxión laboral. Se puede observar entre los 166 CCT de actividad y de empresa relevados8 en Argentina (entre los años 2005 y 2013), el predominio de ciertas prácticas como la polivalencia (68%), otros pagos variables (89%), evaluación de desempeño (59%) y, en menor medida, premios por productividad y calidad; mientras que la jornada diferencial alcanza el 61% del total de CCT analizados. Como se observa en el cuadro de referencia siguiente, la lógica de individualización salarial, vía otros pagos variables, parece extenderse como práctica de gestión entre las firmas con casas matrices en distintos países. Alcanza mayor difusión en los países europeos, exceptuando España. Por su En este apartado se recuperan hallazgos publicados en Delfini y Drolas (2014) y Delfini, Drolas y Montes Cató (2015). 8

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parte, la evaluación de desempeño parece bastante extendida entre el conjunto de CCT analizados excluyendo a las empresas de España donde sólo el 39% incorpora esta cláusula, a diferencia de la polivalencia, que alcanza entre estas empresas el mayor nivel de su utilización. La jornada diferencial de trabajo se encuentra en la totalidad de los casos analizados de otros países y presenta una menor extensión entre los convenios de firmas de EEUU. Cuadro 1: Prácticas de gestión de la fuerza de trabajo incluidas en los CCT por país de origen, actividad económica y tamaño (en %)

Al analizar las variables mencionadas anteriormente, en torno a la actividad económica, puede mencionarse que los pagos variables predominan en los sectores de “suministro de

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luz, gas y agua” (97%), “servicios de radio, televisión y telecomunicaciones” (94%) y “otras industrias” (93%). Asimismo, los sistemas de pagos variables por productividad alcanzan altos niveles entre las firmas de “suministro de luz, gas y agua” y en el “sector automotriz”, siendo en este último sector donde más desarrollado se encuentra el pago variable por calidad. En torno a la polivalencia se puede observar que se presenta predominantemente entre los CCT de “extracción de petróleo, gas, minería y servicios vinculados” (90%), entre “otras industrias” y nuevamente, en el “sector automotriz” (79%). En este último sector también predomina la evaluación de desempeño (74%), un poco por debajo del sector vinculado a “extracción de petróleo, gas, minería y servicios vinculados” (75%). Por su parte, la jornada diferencial adquiere relevancia también en esta actividad (95%), en el sector de “suministro de luz, gas y agua” (76%) y en “otras industrias” (71%) y en menor medida, en el “sector automotriz” (63%). En torno al tamaño de las firmas, pueden destacarse algunos rasgos que pone en evidencia el cuadro de referencia. Así, la jornada diferencial alcanza su mayor nivel entre las firmas de menor tamaño y también en éstas se firman los CCT donde sobresalen los premios por calidad. Por otra parte, en el resto de las variables que conforman el análisis se observa que el uso de las prácticas de gestión de la fuerza de trabajo se encuentra más extendido en las firmas de mayor número de empleados. Considerando las formas de gestión de la fuerza de trabajo que emergen de la lectura de los CCT sobre la base de la tipología presentada anteriormente-, se puede destacar la preeminencia de formas de gestión de recursos humanos. Así, el 42% de los CCT de las EMN firmados entre 2005 y 2012, que se encuentran actualmente vigentes, tienen una gestión del trabajo flexible y sistemas de pagos variable, mientras que una gestión tradicional es sostenida en el 21% de los CCT. En este sentido, la de menor importancia relativa está representada por la gestión tradicional con incentivos (11%).

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Al analizar las prácticas de gestión de la fuerza de trabajo en torno al país de origen de la empresa, puede destacarse, que la práctica de gestión vinculada a las lógicas de recursos humanos –sustentadas en la cosmovisión del management contemporáneo- sea significativa entre las firmas de origen latinoamericano, aunque éstas lógicas de gestión sean más relevantes entre las firmas de otros países, siendo en este último caso muy influenciada por la presencia de empresas de capitales japoneses. Por su parte, la flexibilidad organizativa emerge como significativa entre las firmas de origen español, en tanto que las lógicas tradicionales con incentivos sobresalen entre las firmas de origen estadounidense. Cuadro 2: Prácticas de gestión de la fuerza de trabajo en EMN

Al poner la mirada sobre la actividad económica emergen algunos elementos que evidencian el predominio que tiene ésta como factor explicativo relevante de las formas de gestión de la fuerza de trabajo en las firmas. Así, observando el cuadro de referencia 2, se pone en evidencia que las prácticas de gestión vinculadas a la lógica de recursos humanos son significativas en actividades vinculadas a la “extracción de petróleo, gas y minería y servicios vinculados”, “automotriz” y “suministro de luz, gas y agua”, mientras que la gestión tradicional es predominante, entre las actividades industriales básicas como la de la “alimentación, bebida, tabaco, confecciones y curtiembre”, y también entre las empresas de

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los “servicios de radio, televisión y telecomunicaciones”, donde es significativa la gestión tradicional con incentivos. Por su parte, la flexibilidad organizativa es relevante entre las firmas de “transporte y almacenamiento”, donde también, pero en menor medida, es significativa la gestión tradicional. Estos datos permiten observar el modo en que operan diferentes formas de gestión de la fuerza de trabajo derivadas de los estudios sobre los CCT, siendo la de mayor relevancia la que hemos denominado “gestión de recursos humanos”, que articula formas de gestión del trabajo flexible con sistemas de individualización salarial y, en menor medida, la gestión vinculada a la flexibilidad organizativa. Se pone en evidencia la relevancia que tiene la gestión del trabajo en su forma flexible para este tipo de firmas, ya que el 68% de los CCT analizados muestran la presencia de este tipo de prácticas. La gestión del trabajo tiende a ser cada vez más estratégica y flexible al tiempo que se individualizan los vínculos laborales en contextos de organizaciones que establecen una clara disputa en el orden político-cultural (en cuanto al desarrollo de sistemas de valores, actitudes y administración comportamental del trabajo). Pero esta tendencia, aún recurrente, no constituye una propensión homogénea como intentamos mostrar con la construcción de la tipología que presentamos. El análisis derivado de la tipología en relación con las características de las EMN, muestran ciertas lógicas de funcionamiento, donde la actividad de inserción de la firma foránea se destaca por sobre el país de origen y el tamaño de la firma. De esta manera, ciertos sectores (como el automotriz o el suministro de luz, gas y agua) evidencian la puesta en práctica de formas de gestión de recursos humanos asociadas al management contemporáneo, mientras que empresas vinculadas a las industrias básicas sobresalen por una gestión de carácter más tradicional. En estos últimos casos es ineludible la observancia de la acción sindical y las condiciones de posibilidad emergentes de su disposición para aceptar las dinámicas impuestas por las empresas, para explicar su

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devenir y afirmar el hecho de que es imposible pensar la gestión de la fuerza de trabajo como acción unilateral de las empresas.Las relaciones laborales constituyen articulados sociales en los que impactan no sólo las estrategias empresarias sino también las formas de acción colectiva, la capacidad de los sindicatos de resistir ciertas imposiciones y el marco normativo-cultural que las contiene. Asimismo, las prácticas de gestión de recursos humanos han tenido un mayor nivel de penetración entre las firmas latinoamericanas y de otros países, mientras que las firmas de origen norteamericano han incorporado además formas de individualización salarial como elemento destacable. En este sentido, se pone de manifiesto la influencia que tienen los sistemas de relaciones laborales locales sobre lo que buscan incorporar las empresas en sus filiales. Conclusiones El poder de las corporaciones en el orden global cobra expresión en la región latinoamericana lesionando las condiciones de trabajo y los derechos adquiridos de los trabajadores. Las regulaciones internacionales, a través del consenso global vía el Pacto Global, así como las regulaciones laborales, a través de la negociación colectiva, convergen en un esquema donde domina la exclusión de los trabajadores y la intensificación de la precariedad. Un tópico central en nuestros análisis se basa en desnaturalizar las herramientas empleadas por la patronal a los efectos de generar procesos de legitimación social y cultural. Desde nuestra perspectiva, la RSE asume este papel que se irradia a los informes de sustentabilidad que presentan anualmente las corporaciones que adhieren al Pacto Global. Estos co-existen con los convenios colectivos de trabajo, contexto en el que se percibe la pregnancia de las denominadas “buenas prácticas” corporativas. Otro elemento que venimos investigando pone de manifiesto las modalidades diversas a partir de las cuales las empresas concretizan los mega

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acuerdos en el orden regional y local. Esta situación impacta directamente en los trabajadores, dado que muchos de los dispositivos empleados por el management se orientan a forjar nuevas subjetividades laborales. Categorías nativas como colaborador o ciudadano corporativo son expresivas del alcance que asumen las prescripciones globales en escenarios situados. La vida se encuentra colonizada a partir de las formas variadas en que se expresa la acumulación. Los ensayos en las empresas se extienden hacia la sociedad civil y política. En el escenario productivo-laboral, las estrategias de negociación colectiva han sido un vehículo fundamental para regular derechos y fijar límites a la patronal. Sin embargo, también fueron y lo son en la actualidad una vía fértil para sostener contenidos flexibilizadores e incorporar incluso las tendencias contemporáneas del management. La estrategia de negociación sólo puede ser interpretada en el marco de condiciones históricas específicas que en la actualidad se sustentan en una correlación de fuerzas ampliamente desfavorable para el sector del trabajo. Las materias negociadas son expresión de lo anterior y en tal sentido no pueden revertir el embate neoliberal que se forjó en los años 90. El poder de las corporaciones y sus estrategias hoy se instala de lleno en las políticas gubernamentales. El gobierno de los CEO avanza despiadadamente sobre el sector del trabajo. La región latinoamericana se encuentra lesionada e interpelada. En ese marco se reconocen variadas expresiones de lucha y organización colectivas junto a movimientos y organizaciones sociales que resisten el embate del capital sobre el trabajo. Referencias Alonso, Luis y Fernández Rodríguez, Carlos (2011), “La innovación social y el nuevo discurso del management: limitaciones y alternativas”, en Arbor, vol. 187, Núm. 752., pp 97-118.

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Capítulo IV A proletarização dos trabalhadores intelectuais e a consolidação de uma superpopulação relativa como expressões do desenvolvimento capitalista: o caso argentino Ricardo Donaire1 A Argentina pode ser caracterizada como uma sociedade de capitalismo desenvolvido, no sentido de que as relações assalariadas estão amplamente espalhadas na população como um

todo,

uma

caracterização

que,

obviamente,

não

é

contraditória com seu status de país dependente. A partir de um primeiro olhar das estatísticas oficiais, e considerando aqueles que aparecem como empregados ou empregadores, e portanto, como polos dessas relações, segundo os dados do último censo populacional, essas categorias atingiam 78,3% da população ocupada em 2010. O proletariado, no sentido estrito do termo, ou seja, o grupo daqueles que, expropriados de suas condições de existência, são forçados a vender sua força de trabalho para sobreviver, consigam ou não, têm constituído mais da metade da população, pelo menos desde o final do século XIX2. Um pouco mais de um século depois, estimamos Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires. Pesquisador do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas e Técnicas (CONICET) e do Programa de Investigaciones sobre el Movimiento de la Sociedad Argentina (PIMSA). [email protected] 2 Embora até então a maioria da população era predominantemente rural (58%), estima-se que, em 1895, o proletariado e o semi-proletariado atingiam 54,5% da população. Esse é precisamente o momento em que as primeiras 1

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seu peso no ano de 2001 em 69% da população ativa (DONAIRE, ROSATI, 2009). O peso do proletariado é um indicador do grau que tem atingido o desenvolvimento das relações capitalistas em uma sociedade. E essa é a importância da sua medição3. No entanto, a tentativa de estimar sua evolução atualizada tem encontrado uma série de dificuldades, particularmente em relação à comparabilidade dos dados censitários ao longo do tempo.4 De fato, a forma como os dados foram coletados no último censo populacional do ano de 2010, especialmente no que se refere às características da ocupação das pessoas, não permite que essa estimativa seja feita.5

tentativas de luta e a organização operária centralizadas a nível nacional começaram a aparecer, as quais serão consolidadas na década seguinte (ver ORTIZ, 1987 e IÑIGO CARRERA, 2012). 3 “Assim como a reprodução simples reproduz continuamente a própria relação capitalista – capitalistas de um lado, assalariados de outro –, a reprodução em escala ampliada, ou seja, a acumulação, reproduz a relação capitalista em escala ampliada – de um lado, mais capitalistas, ou capitalistas maiores; de outro, mais assalariados. A reprodução da força de trabalho, que tem incessantemente de se incorporar ao capital como meio de valorização, que não pode desligar-se dele e cuja submissão ao capital só é velada pela mudança dos capitalistas individuais aos quais se vende, constitui, na realidade, um momento da reprodução do próprio capital. Acumulação do capital é, portanto, multiplicação do proletariado” (MARX, 2013, p.837). 4 Uma avaliação da informação do censo de 2010 pode ser encontrada em SACCO (2015). Sobre o censo de 2001, e especialmente a captação dos dados sobre desemprego, ver INDEC (2005). Quanto à forma de captação da população ativa no censo de 1991 em relação aos anteriores, uma síntese pode ser encontrada em GROISMAN (1999). 5 Não há outras fontes contínuas oficiais que atinjam toda a população do país. A mais próxima é uma Pesquisa Anual de Domicílios Urbanos (conhecida como EAHU, pela sigla de “Encuesta Anual de Hogares Urbanos”), realizada desde 2010, cujos dados foram publicados até 2014 e que abrange a população urbana e doméstica. Embora representativa de mais de 90% da população do país, exclui a população rural e a que mora em habitações coletivas (por

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De qualquer forma, os obstáculos não são reduzidos a problemas "técnicos" da pesquisa, mas à dificuldade de se aproximar a alguns fenômenos que têm mudado a própria fisionomia dos grandes grupos sociais nas últimas décadas. Analisaremos neste artigo dois desses fenômenos, que, a primeira vista, parecem aparentemente desconectados: a consolidação de uma parte do proletariado como superpopulação relativa e a proletarização de uma parte da pequena burguesia. Como veremos, esses dois processos fazem com que a estimativa apresentada acima referente ao peso do proletariado deva ser entendida como uma medida, em qualquer caso, de um mínimo. A seguir, desenvolveremos cada um desses fenômenos, expondo o grau de progresso alcançado na pesquisa das características de cada um deles e sua medição. Embora salientemos, em termos gerais, as dificuldades operacionais encontradas, estamos mais interessados em esboçar uma primeira conceitualização da relação entre os dois fenômenos, a fim de contribuir para o debate, por um lado, teórico sobre a atual fase capitalista, e por outro, metodológico, referido à construção de indicadores para a identificação dessa fase. A consolidação de uma superpopulação relativa Quando observamos sua evolução nos últimos quarenta anos na Argentina, é possível ver que diferentes indicadores, como desemprego, pobreza, trabalho sem carteira assinada, etc. aumentaram até atingir um pico durante os anos noventa exemplo, prisões) ou na rua, as quais estão incluídas no recenseamento. A despeito destas limitações, com o fim de complementar a informação censual, esta fonte é geralmente utilizada, e também a Pesquisa Permanente Domiciliaria (EPH, por “Encuesta Permanente de Hogares”), esta última de natureza trimestral e restrita às principais aglomerações urbanas. Ambos levantamentos de dados são desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Estadística y Censos (INDEC).

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e especialmente após a crise de 2001, e ainda que depois tenham diminuído, se estabilizaram em um “piso” similar ou superior, segundo o indicador, aos níveis que eram seu “teto” até meados dos anos 70. Aliás, desde o ano de 2016, esses indicadores parecem voltar a aumentar novamente. Se considerarmos, por exemplo, o desemprego aberto entre a população urbana, embora com oscilações, uma vez que sua medição contínua começou no país no início da década de 1960, raramente ultrapassou 6% (particularmente nos anos de 1964 a 1967 e 1972-73), mas em meados da década de 1980 e mais permanentemente no final daquela década, quebrou esse teto, e desde 1988 cresceu flutuando, quebrando picos sucessivos até chegar a 21,5% em 2002. A partir daí, diminuiu novamente e se estabilizou a partir de 2007 entre 6,4% e 9,1%. Atingiu seu mínimo nesta etapa em 2015, quando ficou excepcionalmente em 5,9% e desde então aumentou novamente, oscilando entre 7,6 e 9,3%. O processo que se desenvolve desde o final dos anos oitenta até que a taxa de desemprego atinge o seu pico, e cujo nome de "hiper-desemprego" o atribui a uma condição aparente de "desordem" socialmente "anormal”, na verdade, parece expressar uma situação de transição entre dois momentos em que a taxa flutua dentro de intervalos mais limitados. Claro, esses intervalos são bem diferentes em cada momento. No segundo deles, embora a taxa de desemprego volte a se estabilizar, atinge um novo ponto de equilíbrio diferente do anterior, já que seu piso excepcionalmente decresce a um patamar inferior ao que era considerado o teto da etapa anterior. Este novo equilíbrio então expressa uma "nova ordem": as novas condições para o desenvolvimento capitalista na Argentina.6 Por esse motivo, esse indicador, juntamente com outros, que, como indicamos, seguem uma tendência similar,

Retomamos e estendemos aqui alguns elementos da caracterização feita por PODESTÁ (1999). 6

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já nos alertam sobre uma mudança orgânica, qualitativa, acontecida na estrutura social.7 Sabemos, no entanto, que o desemprego é apenas a manifestação mais aberta de um fenômeno muito mais amplo próprio do desenvolvimento da sociedade capitalista: a geração e consolidação de uma superpopulação operária relativa. Essa superpopulação adquire formas periódicas, crônica ou aguda, segundo a fase do ciclo econômico, mas também formas contínuas, entre as quais é possível distinguir três: flutuante, latente e estagnada.8 Cada uma delas está associada a um certo espaço e modo produtivo. E sobre cada uma delas, o capital imprime um certo movimento, o que resulta em uma tendência particular e efeitos específicos sobre a classe trabalhadora e, além disso, cada uma é nutrida e recrutada de certas partes dessa classe. A forma flutuante está associada ao movimento periódico de atração e repulsão típico do regime capitalista que atinge sua forma mais completa na grande indústria. Por isso, está concentrada em grandes centros urbanos. A forma latente tem sido historicamente associada ao desenvolvimento da produção capitalista no campo, onde o movimento de repulsão não é complementado por outro de atração e, portanto, sua condição de excedente não se manifesta abertamente até migrar para a cidade. Numa sociedade em que as relações capitalistas estão amplamente

Este movimento parece estar relacionado a outro componente "ideologicamente justificativo", segundo o qual tende a aumentar o nível da taxa que é considerado como um indicador de "pleno emprego". Assim, mesmo para os países do "Primeiro Mundo", "... revela-se significativo que, na década de cinquenta, uma taxa de desemprego de até 3% fosse considerada como pleno emprego; que nos anos sessenta o nível fosse aumentado para 4%; que na década de oitenta fosse considerada, pelo menos, entre 5% e 5,5%, e que na atualidade, um piso de 6 ou 7% já seja julgado mais do que aceitável" (NUN, 2001, p.253/4, tradução própria). 8 Seguimos aqui a análise de MARX (2013). Em algumas traduções ao espanhol, a forma “estagnada” também aparece traduzida como “intermitente”. 7

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disseminadas e, portanto, a população agrícola tem diminuído para representar apenas uma pequena proporção, essa forma de superpopulação tende a diminuir com ela. Mesmo assim, é possível encontrar uma forma de manifestação assimilável em outros ramos, como os associados ao emprego estatal. O caráter relativamente excedente para o capital desta população é manifesto nas declarações de seus quadros intelectuais orgânicos quando “denunciam” insistentemente o "desemprego oculto" na administração pública.9 Finalmente, a forma estagnada é o resultado da repulsão progressiva produzida pelo desenvolvimento do próprio capitalismo, que cresce e se perpetua com esse desenvolvimento e que tenta sobreviver a partir de uma base de trabalho altamente irregular, com salários mínimos e longas jornadas de trabalho. Já a partir desta breve conceitualização é fácil intuir que uma boa parte, senão talvez a maior parte da superpopulação relativa, não esteja necessariamente desempregada em forma aberta. Entre a sua forma flutuante, é possível encontrar não apenas desempregados, mas semi-empregados, parcialmente repelidos, já que o próprio desenvolvimento da grande indústria funciona como base de diferentes mecanismos formais (bancos de horas, suspensões temporárias, redução de jornadas, etc.), que permitem que certas camadas da classe trabalhadora mantenham seus empregos mesmo em tempos de crise, claro É uma parcela da população que, persistente e recorrentemente, durante quarenta anos na Argentina, tem sido assinalada como excedente para as necessidades do capital, pela boca de seus próprios intelectuais. Em IÑIGO CARRERA, CAVALLERI E MURRUNI (2010), numerosas declarações de quadros políticos e ideológicos da cúpula da burguesia na Argentina desde a década de 1970 foram compiladas nesse sentido. Aliás, mais recentemente, com o novo governo nacional assumido no final de 2015, muitos desses quadros, agora associados a essa gestão, têm tentado basear nessa caracterização uma política de demissões em massa no setor público. Não precisa dizer que o próprio MARX (2011a, p.147) já havia assinalado a criação de cargos estatais como forma de ocupar essa "superpopulação ociosa, que não encontra lugar nem no campo nem nas cidades”. 9

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que em troca de piores condições de trabalho. Entre a superpopulação estagnada, encontramos proletários que alternam períodos de desemprego com outros de empregos ocasionais e bicos, nos quais eles podem se encontrar não somente ocupados, mas até mesmo super-empregados. Finalmente, a característica própria da superpopulação latente, como o seu próprio nome indica, é apresentar-se como oculta, em parte sob a forma de ocupados. Qual é a volume da superpopulação operária na Argentina? Quais formas a compõem? De acordo com um primeiro exercício de estimativa própria sobre a população urbana do país, em 2010 pelo menos 61,6% do proletariado estava em condição de supérfluo para as necessidades do capital. Esta porcentagem estava composta por 54,6% correspondente à forma estagnada, 4,4% à latente, 2,4% á flutuante, além do restante, 0,2%, que não pôde ser classificado por falta de informação (DONAIRE et alli, no prelo). É possível então observar o peso predominante da forma estagnada dentro da superpopulação relativa. A proporção é notória, ainda mais, considerando que no momento da medição, a taxa de desemprego atingiu "apenas" 7,4% da população ativa. No entanto, foi acompanhada por um subemprego de 9,3%, os trabalhadores assalariados sem carteira assinada no setor privado representaram cerca de 33,5% do total dos ocupados, 27% da população total apresentou uma renda abaixo da linha de pobreza, e 23,3% morava em domicílios cujas rendas provinham de subsídios e ajudas de instituições públicas ou privadas.10 A partir desses indicadores, não é tão surpreendente, então, a existência de Todos os dados acima mencionados foram calculados a partir da já referida EAHU, correspondente ao terceiro trimestre de 2010. Para o cálculo da pobreza, dado o questionamento público aos indicadores oficiais, inclusive por membros da própria comissão de especialistas convocados pelo então governo nacional para seu diagnóstico e avaliação, foi decidido usar a forma de medição alternativa desenvolvida pelo Centro de Investigación y Formación de la República Argentina. 10

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uma superpopulação relativa que consiste principalmente em uma massa estagnada nessa condição e que consegue sobreviver da inserção intermitente em uma variedade de empregos ocasionais ou bicos, em condições de pobreza, ou somente superando-a mediante diferentes tipos de subsídios. Contudo, a presença dessa forma de superpopulação relativa não se esgota aí. Porque é necessário também considerar, além da massa que caracterizamos como parte do proletariado, a existência de outra parcela importante, que reúne dez por cento da população, que classificamos como "pequena burguesia em possível processo de proletarização e pauperização". Dentro desse grupo esconde-se também uma boa parte da modalidade estagnada, que, por razões relacionadas à forma de levantamento dos dados nas estatísticas oficiais, é apresentada como "trabalhadores por conta própria ", ou seja, como aparentes pequenos proprietários ou trabalhadores independentes. Seu caráter "aparente" refere-se ao fato de que, na verdade, pelo menos desde a década de 1980, uma parte importante das oscilações no volume desta categoria responde ao movimento de uma porção do proletariado encoberta, composta principalmente por serviçais domésticos, vendedores ambulantes e trabalhadores ocasionais, especialmente na construção. Segundo as alternativas do ciclo econômico (e segundo as modificações introduzidas nos instrumentos censuais), esta população tem aparecido alternadamente como ocupada, desempregada e até mesmo inativa. E, nos momentos em que esta população está ocupada, aparece como "trabalhadores por conta própria", em grande parte porque, mesmo quando estão vendendo sua capacidade de trabalhar para diferentes empregadores, eles se representam a si mesmos como produtores independentes de um serviço que requer pouca ou nenhuma qualificação e que produzem para diferentes compradores. Portanto, apesar do fato de que com certeza essas condições os determinem como parte da população excedente para as necessidades do capital, sua forma de subsistência é apresentada como se fosse uma

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ocupação independente (DONAIRE, 2007). Assim, o que em certos momentos pode ser apresentado como uma expansão da "pequena propriedade com base em seu próprio trabalho" é, na verdade, uma das formas assumidas pela superpopulação relativa na Argentina, mais especificamente, sob a modalidade estagnada. Porém, dentro dessa massa também podem ser encontradas porções da pequena burguesia que talvez, apenas circunstancialmente, sejam atingidos pela crise (por exemplo, um trabalhador efetivamente independente que ocasionalmente encontra poucos ou nenhum cliente ou, como veremos a seguir, um profissional que está temporariamente desempregado), mas que não façam parte estritamente da população operária. Daí, a dificuldade para determinar o seu volume e, portanto, o próprio volume do proletariado. Segundo seja ou não considerada essa massa de pequenos proprietários aparentes em possível processo de pauperização e proletarização, o tamanho do proletariado varia de 59,2 a 69,3% da população.11 A decomposição da pequena burguesia O segundo fenômeno se refere a mudanças na própria composição da pequena burguesia e, portanto, não deve ser confundido com o anterior. Já não se trata de uma massa de população que, mesmo que seja expropriada, aparece como

Na verdade, essas estimativas não consideram que a medição apresenta 11,2% da população para a qual não há dados para sua classificação. Essa é população que mora principalmente em domicílios compostos inteiramente por inativos e cujo chefe de família é parte dessa mesma população (principalmente aposentados, ou pessoas dedicadas ao cuidado da casa). É possível que a maior parte dessa população também pertença ao proletariado, mas mesmo supondo que os casos sem informação sejam distribuídos de acordo com as proporções da população para a qual temos dados, a porcentagem do proletariado variará entre 66,7% e 78,1%, novamente, segundo se considera ou não a porção de "pequena burguesia no processo de pauperização e proletarização". 11

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pequenos proprietários aparentes, mas é a própria decomposição de elementos tradicionalmente considerados como parte efetiva da pequena burguesia. Nesse sentido, nos últimos cinquenta anos houve uma mudança significativa na composição deste grupo social na Argentina, especialmente entre suas camadas abastadas. Se, em 1960, seu elemento característico de patrões pequenos e médios era predominante entre elas, desde então, observou-se um processo de crescimento tendencial daqueles que exercem funções intelectuais assalariadas. Os primeiros passaram de 61% em 1960 para 27% em 2001 e, em contraste, os segundos, de 31% para 58%. A pequena proporção restante em cada caso corresponde à categoria de intelectuais e profissionais que exercem de forma independente. Os movimentos opostos dessas categorias produzem bruscas expansões e contrações da pequena burguesia, que o fazem flutuar abruptamente em torno de 15% da população durante o mesmo período (DONAIRE E ROSATI, 2009).12 Esse movimento de peso crescente de elementos intelectuais assalariados dentro da pequena burguesia coincide, por sua vez, com uma forte expansão do sistema educacional, especialmente em seus níveis secundário e superior. Em 1960, apenas 5,7% da população com mais de 14 anos tinha se formado apenas no ensino secundário e somente 1,4% tinha se formado também no nível superior. Em 2010, essas percentagens aumentaram para 29% e 11,6%, respectivamente. Tem aumentado então a parcela da população em condições de acessar o ensino superior e aquela que efetivamente acessa esse nível. Isso provoca uma mudança na

Claro que as variações também respondem aos processos de concentração e centralização que influem na massa de pequenos e médios empregadores, personificação dos capitais menos concentrados. Esses movimentos também são afetados por mudanças na forma de medição estatística, embora, em qualquer caso, seja possível observar como, entre estes patrões, ganham peso os que se inserem nos ramos da circulação de mercadorias e capital (comércio e finanças) em detrimento dos dedicados aos ramos da produção. 12

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articulação entre o sistema educacional e a estrutura social: o ensino secundário se torna massivo e legalmente obrigatório, e o nível superior expande e diversifica-se em um subsistema universitário e um subsistema não universitário, este último principalmente destinado à formação de professores e pessoal técnico-profissional (DONAIRE, 2015). E, embora o ensino superior continue restrito, observa-se, pelo menos desde o final dos anos noventa, um grande volume de diplomados que tende a ficar inserido em ocupações que não exigem conhecimento teórico para sua realização, especialmente como pequenos comerciantes e como trabalhadores de escritório assalariados, quando não desempregados. Até hoje, essa população gira em torno de 30% dos graduados ativos do nível superior, mas entre os superiores não universitários oscila em torno de 40% e entre os graduados universitários, em cerca de 20% (DONAIRE, 2017). Ao mesmo tempo, vários quadros ideológicos e políticos do capital mais concentrado apontam para o caráter "excedente" de parte desses graduados13. Como destacamos, esses processos fazem parte de uma transformação em curso na forma como a estrutura social e o sistema educacional são articulados, em parte como resultado da expansão secular do acesso à escolaridade em diferentes níveis em um contexto de forte polarização social. Nesse contexto, os elementos descritos tendem a apontar para a possível existência de um processo de decomposição de uma parcela da pequena burguesia e a proletarização de certas categorias. 13 Uma

primeira pesquisa através do jornal La Nación, em que são expressos os interesses estratégicos da cúpula da burguesia argentina, permite observar entre 2002 e 2016 a presença de expressões tais como "superprodução de graduados sem trabalho potencial" ou a referência ao ensino universitário como "educação para o desemprego", especialmente no que diz respeito às disciplinas de humanidades e ciências sociais, um amplo grupo que se estende para incluir direito, contabilidade e administração. Em consonância com isso, as críticas à criação de novas universidades e ao acesso irrestrito nelas são recorrentes (DONAIRE, inédito).

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Obviamente, esse processo de decomposição não é reduzido nem a salarização dessas categorias nem ao seu caráter mais ou menos excedente, mas ambos os elementos podem ser associados a um processo mais geral de expropriação de suas condições de existência. Como parte dele, a subordinação dessas ocupações ao regime de produção próprio do capital tem um lugar central (MARX, 2013 e 1978, BRAVERMAN, 1987). Esse processo provavelmente tenha graus e ritmos de desenvolvimento muito diferentes para cada categoria específica, mas infelizmente temos pouca informação para uma determinação precisa. Sabemos, no entanto, que a cooperação simples, isto é, a reunião e coordenação de trabalhadores assalariados de acordo com um plano, vinculados em um processo de produção sob um único comando, é a primeira modalidade sob a qual o regime capitalista tende a se impor sobre processos de trabalho pré-existentes. Embora sob este regime o trabalho seja apenas formalmente subsumido ao capital e, portanto, o processo de trabalho não tenha sido radicalmente alterado, esta modalidade já tem consequências importantes, pois dá ao processo de trabalho um caráter social: os instrumentos de produção, através do seu emprego coletivo, e a força produtiva, através da geração de uma força de massa superior à soma das forças individuais, adquirem esse carácter social, mas também a força de trabalho, uma vez que esse regime permite estabelecer uma força de trabalho média através da compensação das divergências individuais. Mas este caráter social se desenvolve sob uma forma capitalista, ou seja, já supõe anteriormente um comprador dessas forças de trabalho para uni-las em combinação, por meio do qual sua coordenação é apresentada aos próprios trabalhadores como uma potência alheia, como planejamento e direção externa, isto é, já supõe uma forma de expropriação. O desenvolvimento da cooperação capitalista então implica um certo grau de padronização que permita estabelecer tanto o valor da força de trabalho quanto o valor do que é

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produzido por ela. E essa determinação se refere às próprias possibilidades de existência de uma mais-valia, isto é, um excedente de trabalho acima do valor da força de trabalho. Este processo de padronização parece desempenhar um papel central no caso de serviços de natureza intelectual, pois na sua origem são indeterminados em termos de valor, em parte porque esse tipo de ocupações oculta originariamente formas de participação da própria classe dominante no excedente social, e porque o preço desses serviços aparece tradicionalmente fixo de forma convencional e arbitrária. Sua determinação econômica, primeiro desses serviços e, eventualmente, dos próprios produtores deles, só vá sendo imposta como resultado do desenvolvimento histórico (MARX, 2011b). Se essa tendência tivesse sido desenvolvida até chegar a este último ponto, trataria-se de um processo da própria constituição da força de trabalho e, portanto, de proletarização14. Mesmo com as limitações para abordar o grau de desenvolvimento desses processos a partir da informação estatística, realizamos um exercício baseado em dados censitários (DONAIRE, 2010), tentando detectar a existência de grandes coletivos de trabalhadores assalariados intelectuais reunidos sob um único comando, como indicador das

Daí a importância de diferenciar o processo de proletarização em relação ao processo de empobrecimento. Caso os serviços desses trabalhadores profissionais e intelectuais tenham caído sob as leis da produção mercantil simples e os preços deles tenham começado a oscilar oscilado então em torno de seu valor, poderemos falar de um processo de passagem das camadas abastadas da pequena burguesia para suas camadas pobres, e nesse sentido, de pauperização. A proletarização, em compensação, pressupõe que o pagamento a esses trabalhadores corresponde à sua capacidade de trabalhar e não ao serviço produzido e, portanto, têm caído sob a órbita das leis da produção capitalista e não apenas da produção mercantil. Ao contrário da concepção vulgar, a proletarização não se refere ao fato de que este tipo de trabalhadores seja pago com uma renda inferior à que corresponde ao valor que produzem, mas que corresponde efetivamente ao de sua capacidade de produzir, isto é, ao valor da sua força de trabalho. 14

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condições necessárias para a subordinação do trabalho sob a forma da cooperação simples. Em termos gerais, na Argentina apenas encontramos elementos deste desenvolvimento nos ramos da educação e da saúde, que se baseiam precisamente na produção de serviços em estabelecimentos que reúnem grupos mais ou menos consideráveis de trabalhadores intelectuais: professores, por um lado, e médicos e paramédicos, por outro. Mas, mesmo em ambos os ramos, encontramos elementos muito diferentes que precisam ser considerados: na saúde, a margem para o exercício de certas profissões de forma independente é muito maior do que no ensino - o que poderia parcialmente atuar como uma limitação para um processo de proletarização - e, no entanto, é nela que são observadas condições para um maior desenvolvimento da divisão técnica do trabalho, precisamente sob a forma de um corpo de técnicos que cumpre diversas funções auxiliares (do enfermeiro ao pessoal de laboratório, radioterapia, etc.), uma divisão que apresenta-se mais embrionária na educação. Contudo, apesar do fato de que no ramo da saúde parece haver uma base técnica material mais desenvolvida, sob a forma de máquinas de todos os tipos para diagnóstico e cura, ainda existe uma proporção de profissionais independentes que é muito maior do que a que existe na educação. Em outras ocupações com presença massiva, é possível observar também essa convivência entre grupos de intelectuais de diferentes hierarquias e funções, mas com base em uma dispersão muito maior entre ramos e estabelecimentos de diferentes escalas. Este é o caso daquelas relacionadas à gestão administrativa, jurídica, contábil, orçamentária ou financeira (advogados, contadores, etc. e seus respectivos assistentes), espalhados entre muitos ramos, entre os quais apenas salientam a administração pública, os serviços empresariais ao interior dos quais também existe uma grande dispersão entre pequenos estabelecimentos, tais como escritórios contábeis, jurídicos, etc.-, e a atividade bancária. Uma

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dispersão semelhante é observada entre ocupações de natureza intelectual ligadas à produção (engenheiros, arquitetos, etc. e seus respectivos técnicos auxiliares), onde novamente o ramo mais proeminente é precisamente aquele dos serviços empresariais, onde há uma grande desagregação entre escritórios de todos os tipos (informática, arquitetura, etc.)15. A dispersão em vários ramos e estabelecimentos de ocupações já em si heterogêneas poderia atuar como uma limitação ao processo de proletarização, pois dificultaria a formação de uma força de trabalho média, mesmo entre aqueles que exercem a mesma profissão em forma assalariada, dada a possibilidade de coexistência de forças de trabalho divergentes entre diferentes trabalhadores, dispersos, por sua vez, entre capitais de diferentes tamanhos investidos em diferentes ramos de atividade. Por exemplo, não haveria a mesma possibilidade de padronização no caso de uma massa de técnicos contábeis assalariados para um escritório cuja atividade se baseie na produção desse tipo de serviços, do que no caso de um técnico contábil que exerça uma função auxiliar em uma grande empresa, e mesmo em condições semelhantes, a situação deste último poderia variar dependendo do ramo e do tamanho do capital que o empregue.

De qualquer forma, no caso das ocupações como as de profissionais e técnicos industriais, engenheiros, mestres de construção e similares, e particularmente em que eles coexistem em ramos com grandes coletivos de trabalhadores (como em estabelecimentos da grande indústria nos ramos da construção, da fabricação, da energia, etc.), seria necessário observar até que ponto elas mesmas são o resultado do próprio desenvolvimento do processo de divisão do trabalho dentro da fábrica sob o regime de produção capitalista, através do qual o trabalho intelectual é separado do manual e essas tarefas são atribuídas a diferentes grupos de trabalhadores, cujo trabalho combinado forma o chamado "trabalhador coletivo". Se esta categoria de intelectuais surgiu dentro da fábrica, intimamente ligada ao processo de trabalho e ao pessoal operário, pode ser analisada nos mesmos termos que aquelas em que o assalariamento tem resultado, pelo contrário, da ligação de diferentes funções intelectuais originárias previamente independentes (como, por exemplo, no caso do ensino)? 15

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Porém, os grandes coletivos de professores e pessoal de saúde que estão, ao contrário, mais concentrados em termos de ramos e estabelecimentos, também estão, de qualquer forma, menos expostos à pressão imediata das leis do capital. Ao invés do que acontece entre os profissionais e técnicos de produção, e em menor grau, entre os de gestão, onde há um peso maior do emprego por capitalistas privados, na saúde e ainda mais na educação, o peso dos trabalhadores intelectuais contratados pelo Estado é relativamente maior do que nos anteriores, não para sustentar um processo de valorização do capital a partir da produção de uma mercadoria a ser realizada através da sua venda, mas para produzir um serviço oferecido gratuitamente para a população. Em qualquer caso, o efeito que a contratação massiva pelo Estado tem como padronizador geral das condições de trabalho desses grupos não deve ser subestimado e, nesse sentido, eventualmente, se eles tiverem se constituído como vendedores de força de trabalho, ainda que o excedente produzido não apareça como mais-valia, pode mesmo representar uma economia de renda pública sob a forma de mais-trabalho. Novamente, esses dados nos permitem apenas uma primeira aproximação à detecção de certas condições para o desenvolvimento de um processo de proletarização, o que não deve ser confundido com o conhecimento do grau de desenvolvimento efetivo desse processo. De qualquer forma, é possível observar que se, à estimativa mencionada no início deste trabalho, segundo a qual o proletariado e o semiproletariado em 2001 representam 69% da população ativa, adicionamos a proporção de trabalhadores intelectuais assalariados, alcançaria 78,6%, quando a mesma soma em 1960 teria resultado em 73,9%16. O descrito refere a uma análise estatística e, portanto, com grandes limitações já que apenas considera a ocupação principal da população, que também é agrupada em grandes classificações que subsumem várias ocupações, etc. Essas limitações só podem ser superadas com base no conhecimento efetivo da forma adotada pelo processo de trabalho em cada 16

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Conclusões Na busca de determinar o peso do proletariado na Argentina atual, detectamos dois elementos que afetam seu volume e que, à primeira vista, parecem contraditórios com um processo de ampliação do proletariado: uma expansão da pequena burguesia em certas conjunturas, seja como pequenos proprietários independentes, seja como profissionais, professores e outros intelectuais assalariados, que dariam a aparência de um predomínio do desenvolvimento em extensão das relações capitalistas no país. Mas, na realidade, esses dois fenômenos estão, em vez disso, organicamente relacionados com a decomposição de certas categorias da pequena burguesia e a geração e consolidação de uma massa de superpopulação operária relativa para as necessidades do capital. Processos que não se esgotam em sua incidência quantitativa sobre o proletariado, mas que o afetam qualitativamente em sua composição. Ambos os processos também se referem à expulsão de porções de população de certos espaços sociais que ocupavam e, em termos do movimento da sociedade argentina, expressam o resultado do predomínio da direção do desenvolvimento capitalista em profundidade, uma vez que seu desenvolvimento em extensão foi esgotado, mudança que pode ser localizada em meados do século XX e que coincide com a crise nas condições de dominação do capital industrial e a gênese daquelas necessárias para a imposição da dominação do capital financeiro a partir de meados dos anos 70 (IÑIGO CARRERA e PODESTÁ, 1989). Portanto, esses dois fenômenos, que, à primeira vista, parecem independentes um do outro, na

ramo e na maneira como ela afeta as categorias acima mencionadas. Avançamos em uma abordagem nesse sentido para o caso dos professores (DONAIRE, 2012 e 2016).

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realidade, articulam-se ao desenvolvimento desse movimento de repulsão17. Mas em termos ainda mais globais, esses processos podem ser associados a tendências gerais que o conhecimento teórico acumulado assinalou como resultado do desenvolvimento das forças produtivas sociais sob a forma capitalista. Em breve e apertada síntese, entre essas tendências estão: a) que uma riqueza social constante ou maior tenda a ser gerada por uma menor proporção de trabalhadores inseridos na atividade produtiva, e b) que uma parte crescente da população trabalhadora se consolide como relativamente excedente para as necessidades do capital. Esses pontos são comumente reconhecidos como parte explícita da formulação da chamada "lei geral da acumulação capitalista".18 No entanto,

De nossa perspectiva, a estrutura social deve ser entendida como uma parte constitutiva das relações entre as forças sociais, não porque essas forças se reduzam aos processos presentes na estrutura, mas porque as relações ligadas à estrutura social constituem um primeiro momento objetivo, onde uma disposição determinada das relações sociais e dos interesses inerentes a elas é já expressa, disposição também resultante de confrontos anteriores e condicionante das confrontações futuras das forças sociais que se constituem de forma política e potencialmente militar. Nesta perspectiva, o predomínio deste movimento de repulsão na estrutura econômica permite explicar que, uma vez impostas as novas condições e claramente estabelecida a hegemonia do capital financeiro no início dos anos noventa, o confronto na Argentina recente tenha tendido a estar ordenado predominantemente entre duas forças sociais, a do regime, de caráter oligárquico e imperialista, que impulsiona esse processo, e outra, de caráter democrático, nacional e popular, mas também com liderança burguesa, cujo programa busca compensar os movimentos de repulsão, através do desenvolvimento de um autodenominado "capitalismo com inclusão" (para uma análise mais completa da relação de forças na Argentina hoje, veja COTARELO, 2016). 18 “A lei segundo a qual uma massa cada vez maior de meios de produção, graças ao progresso da produtividade do trabalho social, pode ser posta em movimento com um dispêndio progressivamente decrescente de força humana, é expressa no terreno capitalista – onde não é o trabalhador quem emprega os meios de trabalho, mas estes o trabalhador – da seguinte maneira: quanto maior a força produtiva do trabalho, tanto maior a pressão dos trabalhadores sobre seus meios de ocupação, e tanto mais precária, portanto, a condição de 17

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menos lembrado é que, como parte desse mesmo desenvolvimento: c) uma maior parte do excedente produzido destina-se a sustentar, não só, obviamente, à burguesia como classe (e por extensão, grandes terratenentes, altos funcionários, etc.), mas também a uma parcela crescente de população não produtiva, no sentido de uma população que recebe renda sem se inserir imediatamente na atividade econômica19, d) uma parte desta população não produtiva constitui uma parte crescente do proletariado,20 e) e sua existência do assalariado, que consiste na venda da própria força com vistas ao aumento da riqueza alheia ou à autovalorização do capital. Em sentido capitalista, portanto, o crescimento dos meios de produção e da produtividade do trabalho num ritmo mais acelerado do que o da população produtiva se expressa invertidamente no fato de que a população trabalhadora sempre cresce mais rapidamente do que a necessidade de valorização do capital.” (MARX, 2013, p.875/6). 19 “Admitamos tenha a produtividade da indústria progredido tanto que, antes, 2/3 da população participavam diretamente da produção material, e agora apenas 1/3. Antes, 2/3 forneciam os meios de subsistência para 3/3; agora, 1/3 para 3/3. Antes, a renda líquida (em oposição à renda do trabalhador) era 1/3; agora, 2/3. Omitindo-se o antagonismo de classes, a Nação precisaria agora não de 2/3, como dantes, mas de 1/3 de seu tempo para a produção direta. Repartida essa fração por igual, todos teriam sobre de 2/3 de tempo para trabalho improdutivo e lazer. Mas, na produção capitalista tudo parece e é contraditório. Aquela suposição não exige que a população seja estacionária, pois, se 2/3 crescessem, 1/3 cresceria também; assim, medida em quantidade, número cada vez maior de seres humanos poderia estar ocupado em trabalho produtivo. Todavia, relativa, proporcionalmente à população toda, seria sempre 50% menos que antes. Parte dos 2/3 consistiria nos possuidores de lucro e renda, e parte, nos trabalhadores improdutivos (também mal pagos em virtude da concorrência), que ajudam aqueles a consumir a renda e lhes dão, em contrapartida, um equivalente em serviços, ou lhes impõem serviços, como os trabalhadores improdutivos políticos. Podia-se admitir que – excetuados a horda de criados, os soldados, marinheiros, policiais, funcionários subalternos, etc. concubinas, palhaços, malabaristas – esses trabalhadores improdutivos no conjunto teriam melhor nível de cultura que os anteriores trabalhadores improdutivos, e sobretudo que o número de artistas, músicos, advogados, médicos, homens de letras, professores, inventores, etc., mal pagos, teria também aumentado” (MARX, 1980, p.199). 20 “Por último, o extraordinário aumento da força produtiva nas esferas da grande indústria, acompanhado como é de uma exploração intensiva e extensivamente ampliada da força de trabalho em todas as outras esferas da

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parcela não imediatamente assimilável ao proletariado tende a se "dessacralizar" e a cair sob a órbita das leis do trabalho assalariado21.

produção, permite empregar de modo improdutivo uma parte cada vez maior da classe trabalhadora e, desse modo, reproduzir massivamente os antigos escravos domésticos, agora rebatizados de “classe serviçal”, como criados, damas de companhia, lacaios etc.” (MARX, 2013, p.631/2). E, em um sentido mais amplo, “embora muito parcimoniosa a origem, a burguesia, com a produtividade crescente do capital, isto é, dos trabalhadores, passa a imitar o sistema feudal de dependentes... Que belo arranjo este que faz uma operária suar 12 horas na fábrica, para que o patrão ponha a seu serviço pessoal, com parte do que não lhe pagou do trabalho, a irmã dela, como criada, e o irmão, como criado de quarto, e o primo, como soldado o guarda” (MARX, 1980, p.180). 21 “Na própria sociedade burguesa, faz parte dessa rubrica ou categoria toda troca de prestação de serviço pessoal por renda – do trabalho para o consumo pessoal, cozinha, costura etc., jardinagem etc., até as classes improdutivas, funcionários públicos, médicos, advogados, intelectuais etc. Todos os, criados domésticos etc. Por meio de suas prestações de serviços – com frequência, impostos – todos estes trabalhadores, do mais humilde ao mais elevado, conseguem para si uma parte do produto excedente, da renda do capitalista. Todavia, não ocorreria a ninguém imaginar que, por meio da troca de sua renda por tais prestações de serviços, i.e., por meio de seu consumo privado, o capitalista se põe como capital. Com essa troca, ao contrário, ele dissipa os frutos de seu capital. O fato de que as próprias proporções em que a renda é trocada por semelhante trabalho vivo são determinadas pelas leis de produção universais nada altera na natureza da relação” (Marx, 2011, p.622/3). Mais adiante, é salientada a crescente "dessacralização" dessas prestações, que pode ser associada em parte, ao seguinte: “na produção capitalista, por um lado a produção dos produtos como mercadorias, e por outro a forma de trabalho como trabalho assalariado, se absolutizam. Uma série de funções e atividades envoltas outrora por uma auréola, e consideradas como fins em si mesmas, que se exerciam gratuitamente ou se pagavam indiretamente (como o profissionais (professionals), médicos, advogados (barristers) etc, na Inglaterra, que não podiam ou não podem se queixar, para obter o pagamento de seus honorários), por um lado se transformam diretamente em trabalhos assalariados, por diferente que possa ser seu conteúdo e pagamento; por outro, caem – sua avaliação, o preço dessas diversas atividades, desde a prostituta até o rei – sob as leis que regulam o preço do trabalho assalariado” (MARX, 1978, p.73).

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É possível considerar os fenômenos presentes na atual sociedade argentina como resultado do desenvolvimento dessas tendências? Se considerarmos, por um lado, o peso que adquire a superpopulação operária e o fato de que sua porção predominante permanece estagnada e sobrevive de sua precária inserção irregular como trabalhadores no serviço doméstico, no comércio (como camelôs, catadores ou outras formas intercaladas na cadeia de revenda a varejo sujeita às redes do capital comercial) e na construção (como um reservatório para certos capitais ou para consertos domésticos ocasionais); e por outro, o peso elevado atingido pelas ocupações intelectuais assalariadas entre a pequena burguesia, depois de ter deslocado o seu elemento tradicionalmente característico de empregadores pequenos e médios, o desenvolvimento de circunstâncias favoráveis para a sua "desmistificação" sob a aparição de condições para o desenvolvimento de sua subordinação formal, mas em grande parte sob formas que não valorizam o capital, juntamente com a expansão do sistema educacional até gerar uma massa de população educada, uma parte da qual é mesmo assinalada pelos quadros do grande capital como excedente; então encontramos presentes elementos de um desenvolvimento avançado das relações capitalistas. Desta forma, não só o volume do proletariado, mas a própria presença e extensão dos fenômenos descritos, podem ser considerados como outros tantos indicadores do grau de desenvolvimento que o capitalismo tem alcançado na Argentina. O fato de que, como parte desse desenvolvimento capitalista, tendem organicamente a ser ligadas massas populacionais relativamente maiores em relações não produtivas, e que ainda tendam a ser destruídas, novamente em termos de população enlaçada, mais relações produtivas do que as que são criadas, e como parte desse movimento, um volume crescente fique em condição de superpopulação sem poder reproduzir sua vida sob as condições vigentes, ou seja,

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vendendo sua força de trabalho em troca de um salário e tendo que sobreviver através de assistência pública ou de caridade privada, também indicariam que esse desenvolvimento estaria passando por uma fase de decomposição22. Essa caracterização nos permite localizar o processo atual como uma fase no desenvolvimento mais amplo do capitalismo como modo de produção, em termos de sua gênese, formação, desenvolvimento e decomposição e, portanto, não deve ser entendida como "colapso" ou "desaparecimento" iminente. Pelo contrário, se nos guiarmos pelo desenvolvimento de modos de produção anteriores, o processo de decomposição pode durar vários séculos. Mesmo desde o início do século XX, a atual fase do capitalismo foi caracterizada como aquela do domínio do capital financeiro e, embora exista consenso nas ciências sociais sobre o império deste capital no estágio atual - mesmo sob várias formas de denominação-, notavelmente, a reflexão sobre o processo de decomposição capitalista, tal como aparece classicamente, perdeu presença. A análise dos fenômenos descritos neste trabalho faz parte de uma linha de pesquisa que procura recuperar esse conceito23, e eles levantam a necessidade de uma maior investigação sobre a forma concreta em que este processo afeta os diferentes grupos que compõem a estrutura social: como a população não-produtiva é conformada? Como está distribuída entre as diferentes classes sociais? Qual é o peso que essa população tem dentro de cada uma delas? E em termos mais gerais: como avançar para um sistema de indicadores que, tendo como referência central empírica a distribuição da população segundo as diferentes esferas do trabalho social e segundo os diferentes grupos

“Retomamos aqui a o conceito empregado por MARX (1995). A caracterização da forma assumida pelo desenvolvimento capitalista na Argentina como expressão da imposição das condições de dominação do capital financeiro desde os anos setenta e sua conceituação como decomposição são apresentadas em IÑIGO CARRERA E PODESTÁ (1986 e 1997) e depois desenvolvidas em IÑIGO CARRERA (2015). 22 23

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sociais, permita abordar o desenvolvimento do processo de decomposição? Referências BRAVERMAN, H. Trabajo y capital monopolista. Nuestro Tiempo: México DF, 1987. COTARELO, M. C. Argentina, 1993-2010: El proceso de formación de una fuerza social. Imago Mundi: Buenos Aires, 2016. DONAIRE, R. A surplus of university graduates for capital in Argentina? An exploratory approach based on journalistic statements. Para ser apresentada no 36th International Labour Process Conference, Buenos Aires, 21 al 23 de marzo de 2018, inédito. DONAIRE, R. ¿Persistencia de una masa de reserva entre los egresados superiores en Argentina? Estudios del Trabajo, 53, disponível em http://www.scielo.org.ar/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S 2545-77562017000100001&lng=es&tlng=es, 2017. DONAIRE, R. Elementos teóricos sobre o processo de proletarização dos professores a partir de uma pesquisa empírica. Educere Et Educare, Paraná, V (II), 23, s/p, 2016. DONAIRE, R. Acceso al sistema educativo de la población urbana argentina: 2001-2010. Perspectivas de Políticas Públicas, Remedios de Escalada, 9, 13-51, 2015. DONAIRE, R. Los docentes en el siglo XXI: ¿empobrecidos o proletarizados? Siglo XXI: Buenos Aires, 2012. DONAIRE, R. Los trabajadores intelectuales en Argentina: formulación de un sistema de problemas a partir de una caracterización general de su inserción ocupacional. PIMSA Documentos y Comunicaciones, 13, 7-49, 2010.

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Capítulo V Reforma do Estado e mercantilização do ensino superior no Brasil dos governos FHC e Lula (1995-2010) Fábio Mansano de Mello1, José Rubens Mascarenhas de Almeida2 O contexto da reforma do Estado brasileiro A reforma do Estado brasileiro levada a cabo a partir de 1995 teve por base o documento “A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle”. Seu idealizador, Bresser Pereira (1997), então ministro da Administração Federal e Reforma do Estado do governo de Fernando Henrique Cardoso, apontava a reforma como solução da crise engendrada, segundo ele, por políticas públicas que privilegiaram o mercado como único regulador da economia. Ao assim se posicionar, defendia a consolidação de um estado (neo)liberal, seguindo os rumos delineados para os países periféricos do capitalismo pelas instituições multilaterais. A linha político-econômica preponderante naquele contexto sustentava a tese de que os governos deveriam primar pela recuperação da poupança pública, pela superação da crise fiscal, pela reorganização das áreas de atuação do Estado e implantar uma administração pública gerencial, substituindo a administração burocrática e interveniente. Afirmava:

Professor de Sociologia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Memória, Linguagem e Sociedade (UESB).E-mail: [email protected] 2 Pós-doutor pela Universidad Nacional Autónoma de México e doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor de Departamento de História da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). E-mail: [email protected] 1

126 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . ) A reforma do Estado envolve quatro problemas que, embora interdependentes, podem ser distinguidos: (a) um problema econômico-político – a delimitação do tamanho do Estado; (b) um outro também econômicopolítico, mas que merece tratamento especial – a redefinição do papel regulador do Estado; (c) um econômico-administrativo – a recuperação da governança ou capacidade financeira e administrativa de implementar as decisões políticas tomadas pelo governo; e (d) um político – o aumento da governabilidade ou capacidade política do governo de intermediar interesses, garantir legitimidade, e governar (PEREIRA, 1997, p. 7).

No que tange à questão da delimitação do Estado, o autor destacava os conceitos de privatização, “publicização” e terceirização. Sua aplicabilidade estava relacionada às áreas de atuação do Estado, entendida como três: a) atividades exclusivas do Estado; b) serviços sociais e científicos do Estado; e c) produção de bens e serviços para o mercado. Em relação ao primeiro item, Bresser Pereira afirmava que o Estado devia voltar-se para as atividades relacionadas à garantia de estabilidade da moeda e do sistema financeiro, o que implicaria que a reforma não deveria incidir sobre tais esferas. No tocante ao terceiro item, relacionado ao campo da siderurgia, petroquímica, telecomunicações, energia elétrica, etc., destacava o autor que se tratavam de áreas a serem dominadas pela iniciativa privada, seguindo a cartilha neoliberal preconizada por Hayek3 e Friedman4 entre outros. O fato de que, ao longo do século XX, o Estado tenha sido protagonista nestes setores podia ser explicado por dois motivos: eram ramos cujos investimentos, por serem grandiosos demais para a iniciativa privada, para serem alavancados necessitava de recursos que só o Estado poderia Referência a Friedrich August von Hayek, economista britânico de origem austríaca que escreveu O Caminho da Servidão (1943), cuja tradução só chegou ao Brasil em 1946. Prêmio Nobel de Economia em 1974. 4 Nobel de Economia (1976), durante o golpe de Estado no Chile de Pinochet teve uma presença marcante na elaboração do projeto piloto neoliberal, transformando aquele país no primeiro laboratório desta experiência, levando a cabo políticas de reforma trabalhista, estabilização fiscal e reforma do Estado. 3

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aportar; por outro lado, tratavam de “setores monopolistas que poderiam ser autofinanciados a partir dos elevados lucros que poderiam ser realizados” (1997, p. 24). Com a crise fiscal dos anos 80, o Estado encontrou na privatização o álibi no qual sustentaria uma suposta redução da dívida. Observava também Bresser Pereira que a atividade empresarial era mais eficiente quando controlada pelo mercado, além de que, nestas condições, resolvia-se também a dificuldade do Estado em conciliar duas prerrogativas: a função empresarial (de auferir lucros) e a função de distribuir renda. Ao abordar as atividades da área social e científica que não são exclusivas do Estado, o autor citava como exemplo as escolas, as universidades, hospitais, museus e, trazendo a seguinte referência: Se o seu financiamento em grandes proporções é uma atividade exclusiva do Estado – seria difícil garantir educação fundamental gratuita ou saúde gratuita de forma universal contando com a caridade pública – sua execução definitivamente não o é. Pelo contrário, estas são atividades competitivas, que podem ser controladas não apenas através da administração pública gerencial, mas também e principalmente através do controle social e da constituição de quase-mercados. Nestes termos não há razão para que estas atividades permaneçam dentro do Estado, sejam monopólio estatal. Mas também não se justifica que sejam privadas – ou seja, voltadas para o lucro e o consumo privado – já que são, frequentemente, atividades fortemente subsidiadas pelo Estado, além de contarem com doações voluntárias da sociedade. Por isso a reforma do Estado nesta área não implica em privatização mas em “publicização” – ou seja, em transferência para o setor público não-estatal. A palavra “publicização” foi criada para distinguir este processo de reforma do de privatização (PEREIRA, 1997, p. 25).

Esse discurso marcado por efemeridades, busca redefinir o papel do Estado, retirando-lhe o papel de responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social, concentrando seu papel na promoção e regulação desse

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desenvolvimento. O campo público não-estatal vem contemplar essa perspectiva na medida que entende que a propriedade pública se subdivide em estatal e nãoestatal (...) e segundo, as instituições de direito privado voltadas para o interesse público e não para o consumo privado não são privadas, mas sim públicas não-estatais (PEREIRA, 1997, p. 26).

Exemplos dessa modalidade são as entidades do chamado “terceiro setor”, agentes sem fins lucrativos, organizações não governamentais, etc. Além da privatização e da publicização, já mencionados, Bresser Pereira indicava que a terceirização era o modelo a ser implantado pelo Estado na contratação de funcionários nas áreas ditas auxiliares, tais como limpeza, vigilância, transporte, processamento de dados, etc. Mediante licitação pública “esses serviços, que são serviços de mercado, passam a ser realizados competitivamente, com substancial economia para o tesouro” (Op. Cit., 1997, p. 29). Em suma, a flexibilização reordenaria também a própria estrutura do Estado. Denominada agora de administração pública gerencial, assim se caracterizaria: O paradigma gerencial contemporâneo, fundamentado nos princípios de confiança e da descentralização da decisão, exige formas flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas, descentralização de funções, incentivos à criatividade. Contrapõe-se à ideologia do formalismo e do rigor técnico da burocracia tradicional. À avaliação sistemática, à recompensa pelo desempenho, e à capacitação permanente, que já eram características da boa administração burocrática, acrescentam-se os princípios da orientação para o cidadão-cliente, do controle por resultados, e da competição administrada (BRASIL, 1995, p. 17).

O próprio Bresser Pereira, que foi o ministro da reforma do presidente FHC apresenta, na sua clássica obra “Desenvolvimento e crise no Brasil” (2003), em edição atualizada, alguns limites da reforma empreendida por aquele

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governo. Após tecer elogios à credibilidade do governante e às suas medidas modernizadoras realizadas em diversos segmentos sociais, aponta que o governo deixou a desejar no aspecto gerencial, já que não contornou as crises econômicas que foram amparadas pelo FMI, à custa de aumento exponencial da dívida externa. Mais do que isso, além de não estabilizar macroeconomicamente o país, “deixou uma herança pesada para o futuro governo em termos de altas dívidas – interna, ou do Estado, e externa, ou do país – e de altos déficits – público, ou do Estado, e externo, ou da nação” (2003, p. 336). De forma incisiva, aponta como equívoco da equipe econômica naquele momento não priorizar a estabilidade das contas externas e atender às determinações do que chama de “Segundo Consenso de Washington”, que significou a retomada do crescimento recorrendo à poupança externa. As consequências da adesão a este modelo econômico implicaram num maior endividamento do país, aplicando reformas direcionadas para o mercado, com o apoio das agências financeiras internacionais. O próprio presidente Fernando Henrique Cardoso explicitava a orientação econômica voltada para o mercado em seus discursos, sobretudo no sentido de acalmar os ânimos dos investidores em períodos de acirramento das crises. Na análise de Matos (2006, p. 231), o discurso econômico e a reforma do Estado empreendida pelo governo de FHC demonstram a preponderância do mercado nas relações internacionais, uma vez que “dita as condições para a inexorável integração à economia global, onde o Estado tem como papel fundamental adaptar a sociedade às suas exigências”. O compromisso com as agências financeiras, consolidado e enaltecido pelo governo que, por seu lado, apresentava orgulhoso e eufórico à comunidade os empréstimos junto ao FMI como sinal de credibilidade – o que outrora seria sintoma de fracasso da política econômica e dependência do capital estrangeiro. De qualquer sorte, o Brasil chega ao final da década de 1990 mergulhado em crise econômica e social tendo as reformas neoliberais promovendo um cenário de desemprego, precarização do trabalho e marcado por ferrenho arrocho

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salarial. Coadjuvando, deu-se um aumento da criminalidade, crise na saúde e educação e escândalos envolvendo o dinheiro das privatizações, quadro que desgastou bastante o governo FHC. A resposta veio em ataques às conquistas sociais dos trabalhadores e a CLT passa a ser negligenciada em função das novas necessidades da acumulação de capitais. Para Pinheiro (2004, p. 115), o segundo mandato de Fernando Henrique sofreu abalos por conta dessa crise, do aumento da dependência do capital estrangeiro e dos baixos índices de crescimento. Por seu lado, o governo não conseguiu emplacar seu candidato às eleições de 2002, abrindo espaço para a ampla aliança por um projeto de centro capitaneado pelo Partido dos Trabalhadores, que elegeu a Luiz Inácio Lula da Silva. No governo Lula, as reformas de caráter profundamente neoliberal seguiram seu rumo, de forma que, em 2005, se consolida um programa conservador que privilegia a austeridade fiscal, consolidada por uma política de juros altos, apesar dos discursos de analistas se referirem a esse governo como de transição do neoliberalismo para um suposto neodesenvolvimentismo, guinada que as políticas e as diretrizes econômicas não conseguiram demonstrar (PAULA, 2016). As orientações e a incorporação dos conceitos reformistas neoliberais são expostas já na “Carta ao povo brasileiro” (2002), missiva do então candidato à Presidência da República Lula, reforçando a ideia de “pacto social”, cujo intuito era apresentar ao grande capital internacional garantias de crescimento econômico e estabilidade financeira do país caso fosse eleito. A mercantilização do ensino superior no contexto da reforma do Estado Ao apresentarmos o contexto político-econômico da reforma do Estado, o fazemos como plano de fundo da análise de seus reflexos no ensino superior, cujas mudanças indicavam para uma “flexibilização” por parte do Estado, que passou a demandar uma “universidade flexível”. No contexto, a limitação dos recursos estatais para a área social (no que nos interessa

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diretamente aqui, para a educação superior) reduziu a dotação orçamentária das IES públicas, forçando um novo metabolismo entre ensino superior e mercado. A universidade, centrada no tripé ensino-pesquisa-extensão, passou a sofrer sistemáticos ataques à sua autonomia com vistas a submetê-la às determinações da lógica da livre concorrência, ajustando-se, gradualmente, aos interesses dominantes do mercado de trabalho. Sistematicamente foram estreitadas as conexões econômicas e políticas que marcam o mundo do trabalho e suas interfaces com a dinâmica da realidade universitária brasileira. A ciência, tornada força produtiva e objetivada na produção de mercadorias, estende tal processo às atividades acadêmicas, que passam a sofrer o empuxo da mercantilização da produção e difusão do conhecimento, descaracterizando esta instituição autônoma e organizadora de cultura. Para Pinheiro (2004, p. 124), À medida que a mercantilização avança, mina e destrói a configuração histórica da universidade, com sua forma de vida, sua própria sociabilidade, seu sentido e significado (...). Rompe-se, na atualidade, a configuração histórica da universidade nos seus parâmetros público, autônomo, democrático, de interdependência intelectual e de massa crítica. Porém, a tragédia que ameaça a universidade assenta-se, também, no fato de que a mercantilização das práticas acadêmicas e, como consequência, a reestruturação do trabalho universitário, são incompatíveis com exigências próprias da elaboração e difusão democrática do conhecimento, entre elas a liberdade intelectual, a capacidade crítica, a autonomia, as incertezas da pesquisa básica, o tempo próprio da investigação que se contrapõe ao da eficiência empresarial, a profundidade, extensão e consistência da reflexão e da elaboração de conhecimento que precisam mergulhar na história do conhecimento, dialogar com a dinâmica social e diferentes teorias e experiências e proceder à análise de conjunto.

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Os ajustes neoliberais da reforma do Estado desse período pressupõem a submissão e a adequação às orientações e determinações das agências multilaterais como o FMI e o Banco Mundial (BM). No âmbito da reforma mais geral, o caso da reforma universitária não é diferente, sendo a década de 1990 sintomática no que tange às mudanças relativas ao reordenamento das IES públicas e ao crescimento numérico das IES privadas, reflexo, sobretudo, da influência do BM no redirecionamento desse setor. Waismann & Corsetti (2015, p. 137) mostram como a formulação da LDB/1996 perpassa o ideário neoliberal – seguindo orientações do Banco Mundial – apontando caminhos da desregulamentação do mercado e da redução das políticas sociais, uma vez que os objetivos da instituição era alcançar o equilíbrio orçamentário com o controle do déficit público. No governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), as políticas públicas desenvolvidas para o ensino superior foram aplicadas tendo como plano de fundo um “novo modelo de Estado”, agindo mais como um regulador do que como agência interventora. Assim, dentre as propostas do Plano Diretor da Reforma do Estado (1995) constava a mudança do caráter jurídico das Universidades Federais para Organizações Sociais, denominadas de Entidades Públicas Não-Estatais. Segundo avaliação de Carvalho (2015, p. 75), as consequências nefastas implicariam que (...) a autonomia financeira e administrativa atrelada à avaliação do desempenho descredenciaria o segmento federal de educação superior da administração indireta, logo, este perderia a parcela específica de recursos orçamentários e ficaria submetido ao contrato de gestão.

A proposta governamental não obteve êxito, sendo descartada com o fim do Ministério da Administração e Reforma do Estado, em 1999. No entanto, a perspectiva da racionalidade econômica do Estado gerencial ganha fôlego ao se deparar com a demanda por vagas no ensino superior (questão interna) e com as recomendações dos órgãos multilaterais (questão externa) de que é possível um

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crescimento do setor com restrições orçamentárias por parte do Estado, abertura para o investimento privado e flexibilização da oferta de novos cursos. Questões que o governo responderá com alinhamento às orientações do Banco Mundial para o ensino superior: fomentar a maior diferenciação das instituições, inclusive dos estabelecimentos privados. Afirma Carvalho (2015, p. 77) que, No governo FHC, a diversificação na oferta de cursos tornou-se questão essencial da política de expansão de vagas contemplando os interesses das IES privadas, bem como as recomendações dos organismos multilaterais, baseando-se no argumento de que se abriria a possibilidade de acesso à vasta demanda reprimida que não poderia frequentar um curso convencional. No intuito de aumentar a escolaridade líquida tornava-se necessário dar oportunidade educacional às camadas mais pobres e de trabalhadores em cursos não tradicionais, mais curtos e voltados, precipuamente, ao mercado de trabalho. Para atingir esse objetivo, foram criadas três modalidades de cursos: sequencial, tecnológico e à distância.

Os cursos sequenciais de educação superior foram criados em 19995 e divididos em duas categorias: 1) cursos superiores de formação específica, com destinação coletiva, conduzindo a diploma; 2) cursos superiores de complementação de estudos, com destinação coletiva ou individual, conduzindo a certificado (BRASIL, 1999). Com exigência mínima do ensino médio completo, essa modalidade é vista como alternativa para uma formação superior para quem não deseja cursar uma graduação. Trata-se de cursos baratos que atendem à parcela da população mais carente, com difícil acesso ao ensino superior. Embora sem grande impacto no montante dos cursos de graduação no país, essa modalidade cresceu no início dos anos 2000, já que a ausência de uma Regulamentado pela Resolução CES n° 1, de 27 de janeiro de 1999. Dispõe sobre os cursos sequenciais de educação superior, nos termos do art. 44 da Lei 9394/96. 5

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normatização pontual, a flexibilidade de seu currículo e tempo reduzido de formação atraiu o interesse das IES privadas. No entanto, em linhas gerais, essa modalidade não teve o desempenho esperado pelo governo e os números do Censo de 2010 mostram como tais cursos foram abandonados gradativamente pelas instituições de ensino.

Os cursos tecnológicos de formação superior6, por sua vez, são equivalentes a cursos de graduação, com diplomas com validade nacional, também de curta duração voltados para a formação profissionalizante. Trata-se de uma modalidade de ensino vigente desde a Reforma Universitária de 1968, mas que ganha destaque após a LDB/1996 não só por atender às demandas do mercado de trabalho, mas também às exigências das agências multilaterais, por seguir uma tendência de expansão do ensino superior privado com cursos aligeirados, focados nas demandas da indústria e serviços, alinhados aos conceitos de produtividade e competitividade típicos do ideário neoliberal (FAVRETTO & MORETTO, 2013). Esta modalidade cresceu exponencialmente, como mostra a tabela a seguir:

Explicitado pelo Parecer CNE/CES nº 436/2001, aprovado em 2 de abril de 2001, que traz orientações sobre os cursos superiores de tecnologia – Formação de Tecnólogos. 6

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A educação à distância7 (EaD) foi outro modelo adotado pelo governo, cujo discurso vinha no sentido de garantir a abertura de novas vagas para o ensino superior e democratizar o acesso a esse setor educacional para significativas parcelas da população que não alcançavam a faculdade tradicional, atingindo, segundo Carvalho (2015, p. 79), a princípio, como público alvo o corpo docente em serviço, a clientela poderia ser estendida a trabalhadores com regime de trabalho em turno, presidiários, donas de casa, estudantes residentes em áreas distantes dos centros urbanos.

No primeiro momento, houve dificuldade estruturais de adaptação das IES à modalidade EaD. No entanto, após o ano 2000 seus números não pararam de crescer, revelando, inclusive, o interesse dos empresários em investir no setor, uma vez que a educação presencial atingira certos limites de sua expansão. O Censo do Ensino Superior registrava, em 2002, apenas 46 cursos no país; em 2010 já contabilizava 1192 polos nas IES públicas e 4175 nas IES privadas. Além da estratégia de diferenciação de cursos, o Governo FHC implementou uma especificação institucional que potencializou a mercantilização e a expansão das IES, em duas direções. Primeiro, criou-se a “instituição particular em sentido estrito”. Em consonância com as orientações do Banco Mundial (que sugere que as universidades de ensino, sem pesquisa, são 7

Regulamentada pelo Decreto nº 2494 de 10 de fevereiro de 1998.

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mais adequadas para os países em desenvolvimento do que as universidades de modelo humboldtiano, com pesquisa e extensão), tais como maior diferenciação institucional e diversificação do financiamento da educação (o ensino superior deve ser visto como uma mercadoria, cujos investimentos caberiam, sobretudo, à iniciativa privada), a LBD (Brasil, 1996) regimenta: Art. 208. As instituições privadas de ensino se enquadrarão nas seguintes categorias: I – particulares em sentido estrito, assim entendidas as que são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem as características dos incisos abaixo; II – comunitárias, assim entendidas as que são constituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas educacionais, sem fins lucrativos, que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade (redação dada pela Lei n° 12.020, de 2009); III – confessionais, assim entendidas as que são constituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior; IV – filantrópicas, na forma da lei.

Esses documentos forneciam o aparato legal de diferenciação entre as instituições não-lucrativas e as empresas educacionais. Quem optasse pelo estatuto de empresa lucrativa perderia a isenção sobre o imposto de renda, o patrimônio, os serviços, bem como o acesso ao fundo público. No entanto, o apoio do Estado é garantido às instituições que aderiram ao Programa Universidade para Todos (PROUNI) a partir de 2005, isento do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e de três subscrições: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição Social para o Financiamento da

O referido artigo foi regulamentado pelos decretos n° 2.207 e 2.306, ambos de 1997, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso. 8

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Seguridade Social (COFINS) e Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) (CARVALHO, 2013). A diferenciação institucional é consolidada com a criação dos centros universitários, responsáveis, em grande parte, pela expansão do ensino superior principalmente na rede privada, como o mostra a tabela a seguir:

Os dados acima mostram o crescimento numérico expressivo das IES particulares a partir de 1995, sem dúvida influenciado pela Lei n° 9.394/96, que afirma, no § 2° do art. 54, que estende as atribuições de autonomia universitária a instituições que comprovem alta qualificação para o ensino ou para a pesquisa, com base em avaliação realizada pelo Poder Público. Segundo Dias (2006), trata-se do momento em que as faculdades isoladas se transformam em centros universitários, consolidados pelo Decreto nº 2207, de 15 de abril de 1997, logo substituído pelo Decreto nº 2306, de 19 de agosto do mesmo ano, que mantém as condições gerais apresentadas no decreto anterior, acrescentando “além da criação e extinção de cursos e programas, a possibilidade dos centros universitários remanejarem e mesmo ampliarem o número de vagas dos cursos existentes” (DIAS, 2006, p. 67). Na análise de Camargo (2012), a partir desse momento as instituições procuram novos investimentos, e quando não conseguem, vendem ou buscam uma fusão com quem evidentemente tenha condições de levar o projeto adiante, levando a cabo o processo de centralização de capitais, atraindo a entrada do capital estrangeiro para aplicação na educação superior, respaldada pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Esse processo demarca a

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expansão do ensino superior privado, adequando a educação ao capitalismo, consolidando a de caráter universitário como serviço rentável na acumulação e reprodução de capitais. Além da diferenciação dos cursos e instituições, outra medida adotada pelo Governo FHC, novas formas de acesso ao ensino superior facultariam o ingresso às IES, marcada pelo discurso da democratização, momento em que o vestibular deixa de ser a única possibilidade de admissão. Em 1998, o Ministério da Educação (MEC) implantou o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a princípio facultativo, mas que, gradativamente, passou a ser aceito tanto pelas IES publicas como privadas. Segundo Cunha (2003, p. 45), “O ENEM tornase, assim, um exame de saída do ensino médio, mas ao mesmo tempo, um exame de entrada no ensino superior, guardando semelhanças (...) com o baccalauréat francês e o Abitur alemão”. Por trás do discurso supostamente democratizante do acesso democrático ao ensino superior, outros interesses governamentais sobrepunham-se, como o bem afirma Cunha (2003, p. 56): Antes de tudo, vale destacar as mudanças nos mecanismos de acesso ao ensino superior, que, ao eliminar a obrigatoriedade dos exames vestibulares, pretenderam resolver dois problemas, ao mesmo tempo. Primeiro, estabelecer um padrão de qualidade do ensino médio em rápido crescimento, o que pode influenciar sobre a qualidade da demanda de ensino superior. Segundo, reduzir os custos de seleção dos candidatos aos cursos superiores, especialmente das IES privadas, que se vêem na contingência de realizar vários exames ao longo do ano para preencher as vagas disponíveis, situação essa que tende a ficar mais crítica por causa do acirramento da concorrência intra-setorial (CUNHA, 2003, p. 56).

Em linhas gerais, constatamos que a política de FHC para o ensino superior seguiu um modelo de reforma na qual a educação universitária seria vista como atividade não-estatal. É nesse sentido que se enquadra, por exemplo, a universidade de ensino. Ao preterir a pesquisa e a extensão, tal modelo se

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alinhada à perspectiva de contenção de gastos e ampliava a oferta de vagas, daí o interesse do governo nesse molde institucional. Com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) ao poder, apesar da aparente guinada que poderia ser tomada em relação à política econômica neoliberal, devido sua trajetória de esquerda ligada aos movimentos sociais, o que se viu foi uma continuidade das reformas já iniciadas no governo anterior, que mantinha o viés privatista do ensino superior, apesar da roupagem mais polida, a demonstrar um aspecto inclusivo e supostamente democratizante dessa modalidade. Mais que isto, remontando à campanha presidencial do então candidato Lula, constata-se nos documentos de sua equipe críticas ao caráter privatista da educação superior do seu antecessor, acirrada pela consolidação das universidades de ensino. Paralelo a isso, havia uma preocupação para que as camadas economicamente excluídas pudessem acessar a universidade e, posteriormente, tivesse condições de concluir os cursos, superando a inadimplência e a evasão. Apesar disso, uma vez eleito, sua política educacional se voltou para a manutenção da rede privada – que atendia uma parcela considerável de estudantes, bem como fortalecia o sistema universitário federal (CARVALHO, 2015). E, embora tecesse críticas à política de diversificação dos cursos elaborada pelo governo FHC, as modalidades de cursos sequencial, tecnológico e à distância não sofreram grandes modificações, seja porque se estruturou um mercado próspero com estes segmentos de ensino, seja pelo impacto do atendimento das demandas por vagas no ensino superior. O mesmo aconteceu aos cursos sequenciais e ao ensino tecnológico. O primeiro apenas passou a exigir certificado de conclusão do ensino médio para o ingresso na modalidade (anteriormente não havia controle sobre tal acesso). No segundo caso, notou-se uma preocupação do governo em reestruturar os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), o que ocorre de fato no segundo mandato de Lula da Silva. Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs) que surgem da fusão de CEFETs, Escolas Agrotécnicas e demais escolas vinculadas às universidades federais, são

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instituições de forte teor reprodutivo da acumulação de capitais, ofertando educação profissional e tecnológica e realizando pesquisa aplicada, buscando fortalecer o empreendedorismo e o cooperativismo, além de produzir, desenvolver e transferir tecnologias sociais. Reestruturação, aliás, passível de preocupação com uma expansão do ensino tecnológico a toque de legislação, sem um investimento contundente na sua infraestrutura. Nesse sentido, Mancebo (2015, p. 157) afirma que Estas instituições, em sua grande maioria, não estavam preparadas para a sua transformação em instituições de educação superior, multicampi, com todas as funções, direitos e deveres de uma universidade, com oferecimento da graduação, licenciatura e pos-graduação, atividades de pesquisa e extensão, além de outras não exigidas para as universidades, mas obrigatórias para os Institutos Federais, tais como: o ensino médio, técnico e educação de jovens e adultos. Todo este hibridismo aliado à forte expansão, e sem o suporte financeiro e humano necessário, é digno de preocupação e crítica de analistas da área.

A educação à distância, por sua vez, manteve seu crescimento no período, demandando regulamentações específicas, expandindo-se tanto na esfera pública quanto na privada. Ganhou destaque a criação do programa Universidade Aberta do Brasil (UAB) em 2006, com o fito de atender, a princípio, aos professores da rede básica em exercício, com cursos de licenciatura e de formação inicial e continuada, tendo seus cursos oferecidos em parceria do governo federal com os municípios e ministrados por IES públicas em polos de apoio presencial. O crescimento dessa modalidade deu um salto quantitativo de 52 cursos, em 2003, para 930 em 2010, o que, segundo Carvalho (2015, p. 85), em 2010, 32% dos cursos não presenciais eram ofertados pelas IES federais e 54% nas IES particulares. Para além das comemorações oficiais com o crescimento do setor (ampliação de vagas, baixo custo operacional, tempo de formação reduzido...), o vasto investimento do setor privado levou uma “fração da burguesia

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brasileira à busca de novos espaços nos mercados do setor educacional, principalmente, em um momento em que os marcos regulatórios oficiais eram genéricos” (MANCEBO, 2015, p. 154). Outro compromisso de campanha do candidato Lula contava com o fortalecimento do sistema universitário público, centrado no tripé ensino-pesquisa-extensão, que só foi implantado efetivamente no seu segundo mandato, impulsionado pelo crescimento econômico vivenciado pelo país no referido período. Assim, o governo federal implantou, entre 2008 e 2012, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Segundo Mancebo (2015, p. 152), O REUNI foi apresentado às universidades federais através do Decreto Presidencial n° 6.096, de 24 de abril de 2007, como um contrato de gestão entre o Ministério da Educação (MEC) e as referidas universidades, condicionando boa parte do financiamento destas IES à execução de metas de expansão de vagas discentes e de reestruturação político-pedagógica.

Dentre as metas estabelecidas pelo Programa, estavam o incremento do número de cursos de graduação nas IES federais; o aumento da proporção de estudantes por professor em sala; a flexibilização dos currículos (com criação de cursos de curta duração e/ou bacharelados interdisciplinares); a ampliação de matrículas em cursos noturnos; e a redução das taxas de evasão. Como incentivo, as IES federais que aderissem ao plano teriam um acréscimo de 20% das despesas de custeio e pessoal (MANCEBO, 2015; CARVALHO, 2015). Sobre as consequências práticas dessa expansão, Mancebo (2015, p. 152): Duplicar a oferta de vagas e aumentar, pelo menos em 50%, o número de concluintes, a partir de um incremento de apenas 20% das atuais verbas de custeio e pessoal (excluídos e inativos!) é a indicação sub-reptícia de que a reestruturação proposta pelo Decreto cobrou uma superutilização dos recursos existentes nas

142 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . ) universidades federais e apontou somente dois caminhos para o cumprimento de sua meta global: o mais-trabalho do professor e o aligeiramento do ensino, chamado em algumas universidades de “pedagogias alternativas”, o que aprofundou o processo de certificação em larga escala.

O ENEM se consolidou como mecanismo alternativo ao vestibular, assumindo protagonismo principalmente junto às IES particulares. Na avaliação do governo, sua manutenção estava atrelada ao sucesso obtido pelo dispositivo (não o utilizar traria um prejuízo político) e à crítica de entidades representativas do segmento educacional (ANDES, UNE, ABMES) ao vestibular tradicional. Reformado em 2009, o ENEM revela alguns elementos que apontam os limites de sua pele democrática. Seu caráter restritivo vem à tona com a vinculação ao SISU (Sistema de Seleção Unificada)9, o que gera uma distorção geográfica de vagas. Além disso, o deslocamento dos estudantes por um país de proporção continental requer uma política estudantil contundente, capaz de garantir a permanência desse alunado nas universidades. Apesar de algum avanço desse mecanismo no conjunto da estrutura universitária, o ENEM também se mostra excludente quando se constata o óbvio em termos de processo seletivo: os que tiverem melhor formação, mais tempo para os estudos e demais condições para se preparar para o exame são aprovados (PAULA & NOVAES, 2015). A tabela que se segue mostra o crescimento dos inscritos no exame por ano:

9

Regulamentado pela Portaria Normativa nº 21 de 5 de novembro de 2012.

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Será mesmo com a implementação do Programa Universidade para Todos (PROUNI)10 – que passa a ser o principal critério para concessão de bolsas de estudos integrais e parciais junto as IES privadas – e com a implantação do SISU –, que as universidades federais passam a optar por uma das quatro possibilidades de utilização do novo exame no processo seletivo: como fase única, com o sistema de seleção unificada, informatizado e on-line; como primeira fase; combinado com o vestibular da instituição; como fase única para as vagas remanescentes do vestibular (PAULA & NOVAES, 2015, p. 17). O PROUNI, por sua vez, fortaleceu a mercantilização do ensino superior através da compra de vagas nas instituições privadas, ainda que o governo alegue a existência de vagas ociosas nessas IES, o que gerou uma crítica contundente ao governo pelo não repasse direto do montante de recursos para as IES públicas. Pelo contrário, o que fez o governo aumentar a demanda na rede particular. Nesse sentido, Leher, ao “O Programa Universidade para Todos – PROUNI é um programa do Ministério da Educação, instituído mediante Medida Provisória nº. 213, de 10 de setembro de 2004, e regulamentado pela Lei nº. 11.096, de 13 de janeiro de 2005, que visa à oferta de bolsas de estudo em instituições de ensino superior privado mediante isenção fiscal” (PAULA & NOVAES, 2015, p. 18). 10

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analisar relatório do Tribunal de Contas da União, afirma que o custo de uma bolsa do PROUNI para o Estado ultrapassa o valor das mensalidades dos bolsistas. Ou seja, se paga mais pelas vagas do que elas efetivamente custam. Diz: [...] O governo Cardoso foi asperamente criticado pelo PT por ter ampliado as matrículas na educação superior privada a partir da concessão de empréstimos subsidiados aos estudantes pelo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). Mas as matrículas subsidiadas pelo FIES cresceram em ritmo ainda maior no governo Lula da Silva. Por meio de verdadeiras cambalhotas na argumentação, os intelectuais-funcionários agora reivindicam a ampliação privado-mercantil como um “avanço democrático” [...] (LEHER apud PAULA & NOVAES, 2015, p. 13).

Uma valiosa contribuição sobre os impactos do PROUNI e a questão da gratuidade do ensino superior é apresentada por Minto (2014), para quem as reformas universitárias das quais estamos tratando colocam em xeque não só o ensino público, gratuito e de qualidade, mas também refletem acerca do caráter da gratuidade posta na concessão de bolsas aos estudantes que ingressam na rede privada. Em primeiro lugar, o financiamento é realizado com recursos públicos para ser mediado pela lógica do capital, pois na empresa de ensino esse investimento acaba se consubstanciando em lucro. Em segundo lugar, as isenções fiscais elencadas como contrapartida do programa também operam mediadas pela dinâmica capitalista. As IES privadas financiam parcelas de seus lucros mediante subvenções estatais, ou seja, se apropriando de parte do fundo público. Por fim, mas não menos importante, está a gradativa adesão à privatização por parte das IES públicas, que ocorre mediante escassez de verbas públicas, intensificação e precarização do trabalho de docentes e servidores, políticas restritivas de financiamento à pesquisa, políticas de expansão “precarizante”, dentre outras (MINTO, 2014, p. 324-325).

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Não menos importante é destacar, nesse período, a implementação das Parcerias Público-Privadas (PPP)11, através das quais pode se efetivar a isenção fiscal de tributos em troca das já mencionadas “vagas ociosas” nas IES privadas. O objetivo dessas parcerias era atrair investimentos privados para financiar obras públicas tidas como urgentes, na sua maioria aquelas que implicam alto investimento e retorno mínimo ou incerto: “Seu funcionamento consiste em o Governo, na busca por recursos financeiros adicionais, possibilitar que investidores possam construir e manter obras tendo estes, em troca, o direito de exploração comercial dos serviços provenientes destas” (OLIVEIRA et ali, 2005, p. 329). Sensível à inadimplência e às vagas ociosas em IES privadas, o governo vem criando e impulsionando dispositivos legais que, direta e indiretamente, beneficiam IES privadas. Nesse processo, a propalada expansão significativa por meio das IES públicas não vem se concretizando de modo satisfatório. A renúncia fiscal em troca de vagas, conforme estabelece o PROUNI, constituiu-se em mecanismo que se aproxima da lógica das PPPs na educação superior. (...) Em especial, o PROUNI e a Lei de IIPCT apresentam-se como Regulamentadas pela Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. 11

146 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . ) dispositivos sui generis de aplicação das PPPs na educação superior, dando continuidade ao processo de mercantilização desse nível de ensino (OLIVEIRA et al, 2005, p. 333-334).

Ainda que pareça contraditório o fato de o governo ter como prioridade o resgate da universidade pública de pesquisa, ao lado de medidas que favoreçam a iniciativa privada (que fornece exclusivamente ensino, muitas vezes de qualidade duvidosa), o apoio à esta última esfera educacional vai se ampliando e se constituindo numa enorme estrutura de aporte vultuoso de recursos. Considerações finais A articulação do Estado com os interesses tanto da burguesia nacional quanto do capital internacional tem buscado executar reformas levadas pela lógica da mercantilização, o que não isenta desse processo o ensino superior. Este projeto reformista não diz respeito à privatização clássica do setor, ou seja, à venda da universidade pública à iniciativa privada, mas como pode-se notar, constitui-se um amplo projeto político que visa minar a importância da esfera pública, atrelando os conceitos de eficiência, competitividade, qualidade e democratização do acesso ao ensino superior à uma “moderna” universidade, que chamamos de flexível. As ações concretas capitaneadas pelo Estado partem da reforma da legislação, na qual a LDB/1996 é sintomática, no sentido de fomentar o crescimento numérico das IES privadas no país. O processo de mercantilização passa pelo privatismo que adentra os portões da universidade pública, minando as bases consolidadas mediante inúmeras lutas no seio universitário, tais como a autonomia e a tríade ensinopesquisa-extensão. Dentre as consequências desse fenômeno podemos destacar diretamente a precarização do trabalho docente e, indiretamente, mas não menos importante, uma formação deficitária que pouco contribui com o desenvolvimento técnico, científico e social do país. O tão propagado slogan “democratizar o ensino superior” se

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apresenta a um olhar crítico muito mais próximo de “hierarquizar” a ocupação das salas de aula, na medida em que ranqueou as classes sociais que as ocupariam. Referências BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf. Acesso em 01/12/2015. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Resolução CNE/CES n.1, de 27 de janeiro de 1999. Dispõe sobre os cursos seqüenciais de educação superior, nos termos do art. 44 da Lei 9.394/96. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 3 fev. Seção 3, 1999. p.13. BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Estado. Aprovado em 21 de setembro de 1995. Disponível em http://www.bresserpereira.org.br/documents/mare/planodir etor/planodiretor.pdf. Acesso em 03/05/2016. CAMARGO, Luís Fernando de Freitas. A condição do professor do ensino superior privado: características estruturais da atividade docente e os processos de transformação nas relações de trabalho. São Paulo: Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade de São Paulo, 2012. Tese de Doutorado. CARVALHO, Cristina Almeida de. A mercantilização da educação superior brasileira e as estratégias de mercado das instituições lucrativas. In: Revista Brasileira de Educação, v. 18, n. 54, jul.-set. 2013. ______. Política de expansão da educação superior nos governos democráticos brasileiros (1995-2013). In: SOUSA, José Vieira de (org). Expansão e avaliação da educação superior brasileira: formatos, desafios e novas configurações. Belo Horizonte: Fino Traço/Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, 2015.

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Capítulo VI Notas esparsas e preliminares sobre a história do Sinpro-SP nos marcos da expansão do ensino privado durante a ditadura militar brasileira (1964-1985) Carlos Bauer1 , Hélida Lança2

Temos desenvolvido uma série de estudos acadêmicos preocupados em preservar a memória coletiva, das pessoas envolvidas e colaborar com a construção da história das associações e das organizações sindicais dos trabalhadores da educação3. Nesse itinerário, estamos perseguindo os rastros documentais, realizando entrevistas e iniciando uma pesquisa sobre alguns dos momentos mais nevrálgicos do percurso social do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP), que se produziram durante a vigência da ditadura militar brasileira, entre os anos de 1964 a 1985. Essas notas esparsas e preliminares trazem o objetivo de estabelecer o diálogo crítico com aqueles que estão interessados em compreender e trazer à tona determinados questionamentos sobre as condições sociais e econômicas do professorado que vende sua força de trabalho no âmbito do ensino privado paulistano; suscitando reflexões sobre as

Professor Titular da Diretoria de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Nove de Julho, São Paulo, Brasil E-mail - [email protected] 2 Professora da Diretoria de Educação e Coordenadora do Curso de Pedagogia, da Universidade Nove de Julho, São Paulo, Brasil E-mail - [email protected] 3 Consultar, especialmente, os três volumes do livro Sindicalismo e associativismo dos trabalhadores em educação no Brasil, publicados pela Paco Editorial, da cidade paulista de Jundiaí. In: https://www.pacolivros.com.br/buscabusca_produtos?nome_produto=Sindic alismo+e+Associativismo+dos+Trabalhadores+em+Educa%C3%A7%C3%A3o+ no+Brasil 1

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dificuldades encontradas e os elementos motivadores que impulsionaram os professores a atuarem de forma organizada nessa esfera, política e econômica, do mundo do trabalho educacional, que é a sindical. Essas práxis professorais não são usuais de serem estudadas, mas é muito importante reconhecer que encerram um conjunto de experiências significativas que precisam ser buscadas, avaliadas e encontrar o seu lugar na história da educação. Presença dos interesses privados na educação A presença dos interesses privados na educação brasileira é muito remota e está muito longe de quaisquer possibilidades de se constituir de forma coesa e homogênea, grosso modo, na atualidade, se materializando em mega agrupamentos de interesse nitidamente financeiros e empresariais, organizações filantrópicas, religiosas e uma miríade de instituições calcadas nos mais diversificados e díspares objetivos. O que, de certa forma, não lhe tem conferido coesão interna e consistente e longeva capacidade organizativa para interferir com peso ainda mais significativo na organização do aparelho do Estado, de tal modo a obter vantagens jurídicas ou políticas na assunção de mecanismos coercitivos que tornassem possível e viabilizassem a mais completa subalternização dos professores que empregam. A expansão dos seus objetivos, que giram em torno do congraçamento do direito à educação privada, atingiu praticamente todos os estados do país, evidentemente, com velocidade e intensidade extremamente diferenciadas, o que, por sua vez, não permitiu estabelecer plenas condições para a disciplina profissional e o ordenamento salarial do trabalho dos professores de forma absoluta e ferrenha. Além do que, como

C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 153 [...] as classes sociais são a expressão das relações de produção dominantes na sociedade, e como dentro de uma formação social específica podem coexistir relações de produção diferenciadas que se expressam em frações da classe dominante, há diferentes meios de atingir e manter os interesses de classe vigente. No sistema capitalista, a classe dominante objetiviza a manutenção do sistema de propriedade privada, a divisão entre capital e trabalho e as relações sociais estabelecidas em termos de mercadoria. (Cury, 1986, p.4)

Essa representação mais geral, talvez, nos ajude a entender, no caso do Sinpro-SP, o porquê da rotineira e aguardada publicação, por anos à fio, em seu jornal, de um ranking de salários das instituições de sua base de atuação, nos oferecendo ainda alguns indícios das motivações econômicas que impulsionavam os professores para atuarem nessa esfera do mundo do trabalho educacional, na medida em que, para uma parcela desses trabalhadores, o estimulo salarial constituía-se em um elemento objetivado do comportamento político obsequioso que adotavam em certas instituições do ensino privado e os tornassem avessos ao engajamento e a participação na cotidianidade da vida sindical professoral. Dimensionar os valores das horas/aulas disponíveis no mercado privatista do trabalho educacional também desmascara a tragédia da precarização que está em curso, de forma conflituosa e espantosa, atingindo, em seu âmago, as visões meramente ideológicas do papel e as formas de inserção dos professores na sociedade de classes engendradas no mundo do capital. Ocorre que, gradativamente, os organismos do patronato educacional se constituíram, inclusive, com o objetivo de ordenar o seu domínio sobre o conjunto dos professores, legitimando-o do ponto de vista jurídico, político e ideológico. Esses aspectos estão, irremediavelmente, interligados, como também subtraem a necessidade da coação

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pelo uso da força e da intimidação, pelo contrário, produzindo condições para que seus interesses financeiros e econômicos e a disseminação dos seus valores morais ou ideológicos sejam assimilados como expressão da vontade geral ou, mesmo, de uma subordinação, consentida e obediente, no seio da escola. Esse quadro pode ter contribuído para a não formação de uma vanguarda de professores, com a devida legitimidade, social e política, com capacidade de organizar e conduzir as lutas dessa categoria profissional nos marcos da independência de classe que interessa aos que vivem do próprio trabalho no mundo educacional. Mediante a difusão de sua ideologia tornar coesa toda a sociedade, ocultando as diferenças sociais pela proclamação do discurso igualitário. Contudo, tal adesão não se faz por adição, mas por contradição. O que repõe de modo mais claro a questão da hegemonia. A hegemonia é a capacidade de direção cultural e ideológica que é apropriada por uma classe, exercida sobre o conjunto da sociedade civil, articulando seus interesses particulares com os das demais classes de modo que eles venham a se constituir em interesse geral. (Cury, 1986, p. 48)

Aqui é necessário abrir um parêntese para observar que estamos entendendo os professores como parte da classe trabalhadora. Isso, porque, como já observamos em escritos anteriores, embora a utilização do balizamento conceitual dos trabalhadores da educação como parte da classe trabalhadora possa não ser plenamente aceito, o mesmo, “jamais delineou um determinado conjunto de pessoas, mas foi antes uma expressão para o processo social em curso” (Braverman, 1977, p. 31). Essa problemática é antiga, mas, para os nossos objetivos de compreensão generalizante das relações políticas, econômicas e sociais, a sua utilização procura representar aqueles que vivem do próprio trabalho nos países capitalistas.

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Para Braverman (1977, p. 32), evidentemente, por certo, existem limitações definidoras, consequências das inúmeras e ininterruptas mudanças registradas no mundo do trabalho, “quando quase todas as pessoas foram colocadas nesta situação, a ponto de que a definição englobe camadas ocupacionais das mais diversas espécies”. Desta sorte, seguimos com esse autor (idem), “não é a definição estéril que importa, mas sua aplicação”. Logo, a compreensão de como a massa salarial foi composta e distribuída entre os professores que experimentaram as mais variadas situações empregatícias, adotadas pelos incontáveis e diversificados setores privatistas da educação, nos parece ser algo relevante de ser buscado e analisado. Isso porque, muitas vezes, é a circunstância de penúria que mergulha aqueles que vivem do próprio trabalho para as condições de sordidez, marginalidade ou desprestígio social, mas também para o caminho da organização política e sindical. Tal quadro nos ajuda a explicar porque as políticas adotadas pelos sindicatos, normalmente, estão voltadas quase que inteiramente ao atendimento dos propósitos corporativistas, como é o caso da defesa dos salários e de melhores condições de trabalho; essa situação também nos oportuniza compreender as razões da ausência de grupos ou frações, em franca e declarada oposição às direções sindicais que, então, sem muitas dificuldades, tendem a manter-se por incontáveis anos e décadas inteiras à frente das direções sindicais. Podemos inferir, então, que os sindicatos dos professores do ensino privado têm se mantido como representantes de uma ínfima fração da classe trabalhadora com uma conduta rotineira e interminável de defesa dos interesses corporativos gradativamente institucionalizados na esfera da educação particular multifacetada que se opera no Brasil, como a conhecemos, pelo menos, desde os meados do século XX.

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Interesses privatistas transnacionais dos mantenedores educacionais Do ponto de vista das questões imediatas e da contemporaneidade histórica educacional à qual estamos aprisionados, é preciso refletir, cada vez mais, sobre os interesses privatistas transnacionais, empresariais e multifacetados dos mantenedores educacionais que vem sendo os dos oligopólios mercantis do ensino; paulatina e organicamente aglutinados com o objetivo de pressionar o poderio estatal, mormente, na busca dos recursos financeiros oferecidos pelo governo federal, mas, também, suas benesses jurídicas e legislativas, visto que este, pelos preceitos constitucionais, não pode descartar a adoção de marcos comum para o estabelecimento e o desenvolvimento educacional brasileiro, sobretudo, o seu financiamento. Mas, no tempo social que nos dispomos estudar, essa clarividência empresarial-político-organizativa ainda estava por se fazer realizar; inexistindo uma consciência patronal comum, com postulados muito claros e definida, no âmbito do debate público e do convencimento da sociedade civil, por exemplo, favorável a transformação das instituições de ensino em empresas de capital aberto, com ações sendo oferecidas nas bolsas de valores e a internacionalização do mercado educacional brasileiro. Nesse aspecto, fazemos um novo parêntese e para dizer que também seria imperioso poder reconhecer que alguns dos portentosos organismos empresariais, como são os casos dos Institutos Millenium e Itaú, o Todos pela educação, a Fundação Lemann e o Instituto Airton Sena, são paradigmáticos e deveriam ser merecedores de toda a nossa atenção; ainda mais quando nos dispomos a compreender o papel dos intelectuais da burguesia na disseminação ideológica da valorização dos interesses privatistas educacionais na concretude social produzida no Brasil contemporâneo.

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Desde os efervescentes e tumultuados dias da década de 1930, em se tratando do estado de São Paulo, os mantenedores estavam articulados em torno de entidades que pudessem representá-los publicamente, na defesa dos seus interesses junto aos governantes e parlamentares, como podemos conferir nessas informações disponíveis no portal do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo. No dia 16 de outubro de 1932, 13 colégios reuniram-se na sede da antiga Escola Comercial da Mooca, com a finalidade de “fundar uma federação das escolas de comércio desta capital e do interior, tendo em vista satisfazer cabalmente o andamento do ensino comercial, forma que as escolas do comércio, unidas formando um todo, possam ver realizados os seus interesses de serem instrutivas, e judiciais, que perante as juntas competentes, terceiros e entre si, e consequentemente a solução de problemas como: intercâmbio intelectual, proteção aos diplomados, vigilância à execução das leis que regem o ensino comercial e as respectivas profissões”, segundo palavras escritas na primeira ata oficial. Estava, assim, formada a Federação das Escolas de Comércio de São Paulo. No ano seguinte, a Federação mudou de nome, passando a ser conhecida como Associação Profissional do Estado de São Paulo. Em janeiro de 1945, época em que recebeu sua primeira Carta Sindical, a instituição passou a chamar-se Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Comercial no Estado de São Paulo. Entretanto, foi somente em 1987 que a Comissão de Enquadramento Sindical do Ministério do Trabalho concedeu nova Carta Sindical que estendia a representatividade para todas as escolas do Estado, com exceção para o Ensino Superior, Auto e Motoescolas. Após essa mudança é que a entidade recebeu a denominação oficial de Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo. (Portal do Sieeesp, acesso em 25 set. 2017)

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Os professores que trabalhavam nas instituições de ensino privado, por sua vez, estavam agrupados em diferentes associações, tendo inúmeros fatores objetivos, ideológicos e legais que dificultavam a sua aglutinação em organizações, propriamente ditas, sindicais. Com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, começou a se desenvolver uma legislação trabalhista, culminando, em 1931, com a promulgação do Decreto n. 19.770 de 19 de março, que pode ser considerada a primeira lei sindical a estimular a efetivação do sindicalismo de Estado no Brasil, passando a influenciar, de forma determinante, na organização sindical docente. De fato, para muitos analistas, com essa “Lei de Sindicalização” estariam criados os pilares do modelo de sindicalismo predominante no Brasil. Mas é importante ressaltar que: Na apresentação deste decreto, assim se pronunciou Lindolfo Collor, primeiro ministro do Trabalho do governo Vargas: ‘Os sindicatos ou associações de classe serão os para-choques destas tendências antagônicas. Os salários mínimos, os regimes e as horas de trabalho serão assuntos de sua prerrogativa imediata, sob as vistas cautelosas do Estado’. (Antunes, 1986, p. 41)

Como parte desse contexto histórico, de acordo com o seu atual presidente, professor Luiz Antonio Barbagli, a representação sindical paulistana foi fundada no dia 18 de dezembro de 1940, com o nome Sindicato dos Professores do Ensino secundário e primário, sendo que, perto de quatro décadas depois, no dia 27 de junho de 1978, a entidade passou a ser nomeada de Sindicato dos professores de São Paulo (Sinpro-SP).

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Algumas perguntas que precisamos responder para construir a história do Sindicato dos professores de São Paulo (Sinpro-SP) Na cidade de São Paulo, o Sinpro-SP é o mais importante porta-voz dos interesses corporativos dos professores que atuam no impressionante mosaico de instituições de ensino privadas que tem sede nessa municipalidade. O Sinpro-SP publicou em seu portal que: [...] há mais de 60 anos, o Sinpro-SP representa os interesses dos professores que trabalham nas escolas particulares de todos os níveis e graus da cidade de São Paulo. Nesse longo período, tem sido o Sindicato, graças ao apoio que recebe de sua categoria, o principal responsável pela ampliação sistemática dos direitos e garantias que cercam nossa atividade profissional. (Portal do Sinpro-SP, acesso em 25 set. 2017)

Tendo ainda como objetivos primordiais oferecer assistência jurídica, observando, claramente, que “todo professor sindicalizado conta com o Departamento Jurídico do Sindicato, que possui advogados altamente especializados para mover ações trabalhistas individuais ou coletivas” (Portal do Sinpro-SP, acesso em 25 set. 2017). Não obstante e sem o prejuízo de quaisquer análises que possamos realizar no futuro de nossa pesquisa, por ora, é importante informar que a entidade se comprometia a oferecer: [...] para o descanso e lazer dos associados nos períodos de férias, de recesso, feriados e finais de semana a sua Colônia de Férias. Localizada na Vila Caiçara, na Praia Grande, a Colônia de Férias possui 20 apartamentos para atender os professores sindicalizados. Além disso, conta com quadra poliesportiva, duas piscinas (sendo uma delas infantil), alimentação e uma ótima infraestrutura. (Portal do Sinpro-SP, acesso em 25 set. 2017)

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Desta sorte, ao que nos parece, a fundação do SinproSP traduzia as preocupações e o esforço objetivo de parte dos professores com a consolidação e a manutenção dos seus direitos trabalhistas, benefícios corporativos e ganhos salariais que os tornavam parte de uma pretensa classe média urbana e do alardeado e milagroso desenvolvimento do consumismo nacional. Por seu turno, em plena ditadura, a eclosão de movimentos grevistas e protestos de toda ordem se tornariam cada vez mais frequentes no âmbito do exercício do magistério nas instituições públicas de ensino. Na verdade, por aqueles dias, estava: [...] superada a época em que os educados originavam-se das classes médias altas ou das elites brasileiras e, portanto, não mais fazia sentido denominá-lo de “professor”. Melhor naquela conjuntura, era considerá-lo nominalmente como “trabalhador” da educação, o que, pressupunha a sua aliança política com os funcionários da escola pública. (Ferreira Jr.; Bittar, 2006, p. 87)

Porém, salve ledo engano de nossa parte, não tivemos o registro de quaisquer movimentos, ações ou, mesmo, gestos de solidariedade ativa e posturas políticas que pleiteassem a unificação das lutas das entidades dirigentes dos professores das instituições públicas e privadas paulistanas. Embora, em alguns momentos da história recente da educação brasileira, tenha sido possível vislumbrar, uma busca de atuação unitária, como foi o caso do movimento pela formulação e aprovação da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB), mas, pelo menos, naquela oportunidade, isso acabou não ocorrendo. Poucos anos mais tarde, no cerne do período que nos interessa pesquisar, sua força representativa havia alcançado significativos patamares de adesão, em uma base social de alguns milhares de professores trabalhando a soldo do ensino particular paulistano. Esse formidável crescimento pode ser

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explicado pela crescente ampliação dos investimentos dos setores privados que atuam no mercado educacional, mas também pelo abandono da escola pública por parte das autoridades estatais, o que gerou o seu sucateamento e desprestígio social. Além do que o desenfreado crescimento trouxe também a disputa mercadológica entre os mantenedores e o seu resultado mais visível foi à intensa internacionalização financeira e especulativa da educação brasileira. Essa problemática atinge diretamente as condições de trabalho dos professores atuantes no âmbito do ensino privado, na medida em que esse movimento tende a transformar a educação em uma relês mercadoria, disputada pelo mercado internacional e lançada nos pregões das bolsas de valores, aponta para os caminhos da deterioração das relações e direitos trabalhistas dos professores; substancialmente daqueles que vendem sua força de trabalho nas instituições que passaram a conceber a educação como fator de investimentos baixos e imediatos, mas de lucros fáceis e vantajosos! A convivência entre os professores das instituições públicas e privadas paulistanas, até o presente momento histórico, em uma mesma entidade que os representassem, não foi possível de se constituir política e socialmente. Mesmo nos anos das agudíssimas mobilizações sindicais e políticas, dos fins da década de 1970 e dos inícios dos anos 1980, que trouxeram para a cena política nacional a presença da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a unidade entre os trabalhadores mostrava-se imperiosa para impor a derrocada da ditadura militar, isso não aconteceu! O projeto de criação de uma entidade sindical que fosse capaz de representar os interesses particulares, conjunturais e históricos dos professores paulistanos, nos idos da década de 1940, parece-nos ser parte inalienável do grau de consciência em si dos professores: mergulhada no próprio meio em que havia surgido de forma ingênua, preocupada em responder aos problemas imediatos e compreender a realidade que a

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circundava, quando muito defendendo valores mais humanistas e exequíveis dentro dos limites das estruturas capitalistas existentes. Mas, ainda extremamente afastada de um projeto que fosse capaz de integrá-la nas lutas históricas e políticas emancipatórias do conjunto da classe trabalhadora pela transformação da realidade concreta. A gênese sindical estava em sintonia com os desdobramentos da legislação varguista e a sua ambição de penetrar profundamente nas organizações reivindicativas que são próprias do mundo do trabalho. Analisando a terminologia utilizada pelo Sinpro-SP, na redação de sua autoapresentação, disponível no portal da entidade, é possível revelar alguns traços reacionários ou mesmo de corte autoritário que estão presentes nas condutas rotineiras da patronal da educação, senão, vejamos: Ao longo da história da educação brasileira, o trabalho do professor foi acompanhado de uma simbologia de abnegação que mais serviu para ocultar as péssimas condições em que ele era desenvolvido do que para sua valorização. Por conta de uma imagem que os transformava em “sacerdotes” desprovidos de reivindicações, os educadores deram mui- to de si para as escolas privadas, que acabaram por se constituir num setor econômico onde, na maioria das vezes, os interesses financeiros estão acima de quaisquer outras considerações. Têm sido numerosos os momentos em que os donos de escola tentam ludibriar o Direito; e, a cada ano, os professores têm que redobrar os esforços para manter inalteradas as conquistas obtidas até aqui. Ou porque apostam na desarticulação social promovida pelo Estado neoliberal, ou porque imaginam que a esperteza pode se transformar na pauta de conduta com que os empresários lidam com seus trabalhadores, as escolas particulares inventam de tudo para escapar do compromisso de respeito que os professores exigem. Em qualquer hipótese, a maior e mais eficaz arma de que dispomos é o Sindicato. Daí porque é necessário

C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 163 fortalecê-lo sempre e retribuir com consciência e participação aquilo que nossa entidade tem oferecido historicamente à categoria que representa. (Portal do Sinpro-SP, acesso em 25 set. 2017)

A incapacidade da patronal educacional parece crônica no encaminhamento do atendimento das demandas profissionais e o uso sistemático de ações coercitivas, punitivas e nitidamente calcadas na intimidação contra os esforços organizativos e reivindicativos dos trabalhadores da educação tem se constituído em um dos traços mais peculiares e estruturais de sua conduta empresarial. No conjunto de preocupações como essas, vamos precisar saber desde quando, como e por que o patronato educacional tem se posicionado dessa forma? Essas características também decorrem, provavelmente, do caráter fragmentário e extremamente diversificado da origem, consolidação e expansão das instituições educacionais privadas instaladas na cidade de São Paulo, como de resto em todo o país. Não sendo raro que muitos empresários educacionais nem mesmo considerassem os professores como trabalhadores, providos de direitos sociais e trabalhistas assegurados por lei, mas que desempenhavam o seu ofício como uma espécie de favor que lhes foram concedidos pelo diretor, leia-se, o dono da escola; vai daí, termos na cotidianidade do mundo do trabalho educacional, uma espécie singular de mais valia relativa que é o trabalho doado que se produz em abundância nas dependências escolares privadas espalhadas, literalmente, por todo o Brasil. Essa modalidade de entrega compulsória da força de trabalho incorpora elementos morais, na medida em que o exercício do poder é praticamente direto, sem quaisquer mediações ou intermediações no trato das questões de ordem trabalhistas; que se consistem no caso das incontáveis horas de trabalho que são literalmente dadas ao patronato educacional nos momentos que se realizam atividades culturais e pedagógicas extraclasses, festejos de datas cívicas,

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excursões etc., resultando em avançados patamares de exploração dos professores inseridos nessa invisível e largamente empregada dinâmica de exploração laboral. Esse procedimento, face à miríade de instituições escolares se produziu na história da educação brasileira contemporânea, é mais comum do que se possa imaginar, remetendo o debate para questões de ordem ideológica. Mas, antes de nos enveredarmos nessa direção, julgamos oportuno remeter o leitor para a “Relação de Escolas”, encontrada na página oficial do Sindicato dos professores de São Paulo (), para que possamos nos aproximar do fascinante número de instituições privadas de ensino paulistanas que fazem parte da base social do Sinpro-SP, escrutinados pelo grau, modalidade de ensino e presença das escolas nas regiões geográficas da cidade no ano de 2016. Algumas facetas históricas da expansão do ensino privado brasileiro Ao procurarmos tecer alguns comentários sobre as questões de ordem ideológica que estiveram intensamente presentes ou apenas permearam a vida política dos professores que atuaram no ensino privado da cidade de São Paulo, nos idos das décadas de 1960 e 1970; o fazemos procurando lembrar que (tal qual já havia ocorrido com os trabalhadores dos mais diversificados ramos de atividades econômicas, das áreas industriais, do comércio, dos setores financeiros e de serviços) esses também haviam procurado se mobilizar, organizar e fortalecer sua entidade sindical. Essa premissa pode ser comprovada quando localizamos e analisamos os documentos sindicais impressos ou entrevistamos alguns dos seus ativistas daquele tumultuado período histórico que se fez com incontáveis repercussões e desdobramentos em todas as esferas educacionais brasileiras.

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Entre esses acontecimentos, rapidamente, podem ser lembrados os longos debates que culminaram na aprovação daquela que é considerada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024/1961); os movimentos de base que questionavam a escola como mero fator de preparação e reprodução da força de trabalho; o malfadado Decreto 4.464/1964, que haveria de extinguir a União Nacional dos Estudantes (UNE) (SANFELICE, 1986); os Decretos 228/1967 e 477/1969 que, respectivamente, coibia a existência de associações estudantis ao âmbito da própria instituição e punia, severamente, os membros da comunidade universitária acusados de subversivos e desenvolverem atividades contrárias ao regime ditatorial; e, com a consolidação dos golpistas de 1964 no poder, não poderia deixar de ser mencionada a Reforma Universitária de 1968 (Lei 5540/1968), que trouxe um momento bastante amargo, de perseguições, prisões e mortes de estudantes e professores, banimentos e aposentadorias forçadas de técnicos e docentes (SAVIANI, 2010); mas também a cooptação de muitos dos seus quadros marcaram de forma indelével essa página da história da educação brasileira. Por esses dias, o aparato repressivo estatal foi largamente ampliado com inestimável colaboração empresarial, nacional e estrangeira, e utilizado para garantir o controle social e combater o chamado inimigo interno, considerado, então, o principal adversário do regime ditatorial. Ocorre que, como havia sido preconizado pelo ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels (1897-1945), em sua máxima, de que uma mentira repetida mil vezes tornar-se-ia uma verdade; e que somente a utilização da força física, a truculência militar e a desenfreada repressão política e social não são suficientes para conter aqueles que se organizam e lutam contra arbítrio, também seria necessário lançar mão do controle ideológico da sociedade para que as tiranias pudessem se manter! Na esfera do ensino superior, a ação reformista de 1968 foi extremamente crivada de elementos ideológicos associados

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à chamada teoria do capital humano, que trouxeram para a cena educacional um modelo centrado em mecanismos de seletividade, acadêmica e social; e a expansão do acesso aos cursos universitários canalizados para o setor privado, com estímulo a organização de verdadeiras empresas educacionais, inclusive, com recursos financeiros e colaboração pública, previamente assegurada pela Constituição de 1967. Na ferina análise realizada por Florestan Fernandes (1975, p. 51-5) o ensino privado caracterizava-se por uma espécie de mosaico de instituições organizadas a partir de estabelecimentos isolados, voltados para a mera transmissão de conhecimentos de cunho marcadamente profissionalizantes e distanciados da atividade de pesquisa. Desta sorte, pouco poderia contribuir com a formação de um horizonte intelectual crítico para a análise da sociedade brasileira e das transformações de sua própria época. Cercada de grande propaganda ideológica, as premissas e o modelo de ensino superior que se colocou em vigor não guardava quaisquer similitudes como aqueles que se haviam constituído no passado recente ou, mais precisamente, entre 1945 e 1961; se organizando como empreendimentos voltados para o lucro e o atendimento imediato, dinâmico, acelerado e crescente mercado educacional no Brasil. A consolidação desse modelo privatista e mercadológico do ensino superior, mas com consideráveis reflexos na educação básica, trouxe um impacto muito grande para os professores que haviam se formado e construído suas concepções, entre os meados das décadas de 1940 e 1960, centradas nos ideários do ensino, da pesquisa, da extensão, na defesa da autonomia docente e universitária; como também no compromisso político com a causa pública e a soberania nacional. Agora, com os seus estudantes transformando-se em clientes e ávidos consumidores do mercado educacional, tal designío seria difícil de fazer realizar histórica e socialmente. Mas, ironicamente, com isso, abrir-se-ia as portas para o

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mundo do trabalho educacional para um significativo, expressivo e até antão inimaginável número de professores universitários. Tudo ainda acompanhado do sonho dos chamados setores ou camadas médias da população de realizar sua ascensão social pelos caminhos de meritocracia universitária! Esse quadro trouxe a instauração de um irrefreável pragmatismo no ensino superior, entre outros fatores, por exemplo, com o objetivo de se ampliar o número de vagas, as instituições privadas foram autorizadas a substituir o vestibular pelos exames classificatórios e recursos públicos, humanos e financeiros foram constitucionalmente alocados para a sua planejada expansão. Nesse processo de vertiginoso e acelerado crescimento, o ensino superior privatista e mercadológico organizou-se social e politicamente, trazendo, de forma consistente, para o debate público e a defesa dos seus interesses empresariais, junto aos governantes e setores da sociedade civil, instituições como a Associação Brasileira de Mantenedores do Ensino Superior (Abmes), o Sindicato de Estabelecimentos de Ensino Comercial no Estado de São Paulo, atualmente, Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo (Sieeesp) e o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo, presentemente, denominado de Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp). E os professores, como se organizaram nesse período? É o que veremos no próximo subitem. Os professores do ensino privado paulistano e suas dificuldades organizativas O Sinpro-SP assumiu, nos idos de 1940, a condição de representante legal na defesa dos interesses corporativos e profissionais dos professores que atuam no ensino privado da cidade de São Paulo. Do ponto de vista da sua organização, o

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seu objetivo primordial foi o de procurar estabelecer as condições necessárias para a categoria poder fazer frente às estruturas patronais que atuavam pela sujeição do trabalho dos professores no interior das escolas e pelo controle repressivo e ideológico em seus domínios. Em que pese o fato de muitos anos terem se passado, desde os primórdios da organização sindical, pelo menos, até os fins da década de 1960, o comportamento do patronato educacional havia mudado muito pouco em relação ao trato com os professores. A busca de dominação ideológica também parece ter sofrido pouquíssimas modificações, de tal sorte que os interesses dos empresários educacionais continuaram sendo formulados imbuídos de irretocável altruísmo e apresentados como sendo os do conjunto da comunidade escolar. Na maioria das instituições, o empresário educacional jamais poderia ser encarado como um patrão, mas, deveria, sim, ser visto como um amigo de todas as horas, o diretor e, até mesmo, um emérito professor da escola. Essa compreensão ideologizada e largamente difundida do patronato educacional representou uma gama adicional de dificuldades para aqueles que buscavam organizar sindicalmente os professores desde o seu local de trabalho. Enquanto os empresários avançavam e consolidavam sua organização e representação classista, os professores ainda não haviam despertado para a importância de sua força organizativa, não se mobilizavam e nem adquiriam experiência sindical condizente com a sua presença social. A atuação do Sinpro-SP, desde a segunda metade do século XX, ficou marcada por direções estáveis e que, gradativamente, foram se incrustando no aparelho sindical. Isso, talvez, como uma espécie de ardil com a finalidade de promover a defesa dos professores que assumiam essas responsabilidades de comando contra as perseguições do patronato educacional, mas, por ora, não descartaremos que houve também uma forte pressão burocratizante sobre a vida

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desses dirigentes sindicais que precisariam ser mais bem explicitadas. Entre os meados das décadas de 1960 e 1970, os estabelecimentos educacionais multiplicavam-se de forma acelerada, correspondendo a um número impressionante de milhares de professores lecionando a soldo do ensino privado paulistano. Esses números ainda carecem de uma melhor precisão, contextualização e de uma análise mais aprofundada, mas nos chamam a atenção e nos permitem observar o acelerado processo de crescimento do ensino privado na cidade de São Paulo e, por conseguinte, dimensionar a fabulosa expansão da quantidade de horas/aulas disponíveis no mercado de trabalho educacional. Provavelmente, houve a exposição pública de algumas contradições e disputas econômicas e financeiras entre os mantenedores, mas que não haveriam de se constituir em conflitos incontornáveis no seio dos organismos erigidos pela fração de classe da burguesia educacional para aglutinar e defender os seus interesses. As vertiginosas transformações experimentadas pelo ensino privado na capital paulista, a partir de 1964, trouxe uma considerável ampliação da oferta de trabalho para os professores dispostos a venderem a sua força de trabalho nas escolas particulares. Embora seja possível mensurar esse enorme crescimento de sua atividade profissional, os professores não conseguiram granjear forças políticas e sindicais capazes de operar mudanças substanciais nas suas condições de trabalho e valorização dos salários recebidos pela ampla maioria da categoria. Exceto o caso de uma minoria de professores atuantes no ensino privado que dispunha de polpudos vencimentos, a maioria estava imersa em uma massa salarial constituída de baixa remuneração e a possibilidade de elevá-los ou mesmo equilibrá-los mostrava-se muito longe de ser alcançada, mas esse intento deveria ser perseguido pela direção sindical.

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Em matéria assinada por Antônio Góis e publicada, em 10 de março de 2007, pela Folha de S. Paulo, temos uma pequena amostra dessa impressionante diversidade de salários nas escolas particulares de São Paulo que, então, variavam até 624%: Os salários de professores da rede privada de São Paulo variam mais de 600% por escola, de acordo com um ranking feito pelo Sinpro-SP (Sindicato dos Professores de São Paulo) na educação básica e superior priva- da paulistana. O levantamento mostra também que há casos de professores de 5ª a 8ª série ganhando mais do que seus colegas em universidades. Segundo o Sinpro, na educação infantil e de 1ª a 4ª série do ensino fundamental, os maiores salários são pagos pelo colégio Porto Seguro (Morumbi, zona sul), com R$ 4.151 por turno de 22 a 25 horas semanais. Esse é um valor 624% superior aos R$ 573 recebidos pelos professores de educação infantil da Escola Floresta Encantada (Santana, zona norte) ou 548% maior do que os R$ 640 pagos aos mestres de cinco escolas (Rumo Certo, Meta Educacional, Nossa Senhora das Graças, Sena Miranda e Gonçalves Gallo). A partir da 5ª série, os salários são calculados por hora-aula. Tanto de 5ª a 8ª quanto no ensino médio, os maiores são pagos pelo Colégio Santa Clara (Vila Madalena, zona oeste), com R$ 42,41. Os piores de 5ª a 8ª estão nas escolas 10 de Maio (Jardim São Bernardo, zona sul) e Grajaú (Grajaú, zona sul): R$ 7,57 por hora/aula. No ensino médio, o menor, segundo o Sinpro, é o dos professores do Cidade Canção (Parque das Árvores, zona sul): R$ 8,43. O salário pago no colégio Santa Clara, de acordo com o sindicato, chega a ser mais do que o dobro do pago em instituições de ensino superior, como a Unisa (R$ 18,89 por hora/aula), a Faculdade Ítalo Brasileira (R$ 18,77), a Unib (R$ 15,68) e a Unip (R$ 13,38). (...). Na avaliação do presidente do Sinpro, Luiz Antonio Barbagli, a variação de mais de 600% nos salários tem relação direta com o público atendido. “Há muita variação entre as escolas particulares de São Paulo. Aquelas que atendem a um

C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 171 público de mais alta renda têm mais condições de cobrar uma mensalidade maior e, por consequência, pagar salários melhores para atrair bons profissionais. Há escolas situadas em bairros mais pobres, no entanto, que cobram mensalidades menores e pagam salários muito mais baixos”, diz ele. O mesmo argumento é usado por Barbagli para explicar por que algumas escolas de nível fundamental pagam salários maiores do que universidades. “As escolas de elite atendem a uma clientela de alto poder aquisitivo, que tendem a entrar em universidades públicas. Muitas instituições privadas, no entanto, trabalham com um público diferente. De olho nos alunos de menor renda, cobram mensalidades muito mais baixas. Para justificar isso, pagam pouco ao professor e, às vezes, colocam mais de 100 alunos em sala de aula. ”

Nessa linha de atuação, na busca do equilíbrio salarial, entre os seus representados, o Sinpro-SP postulou medidas de negociação que protegessem os professores e reclamando do patronato educacional a outorga de direitos sociais. Parece-nos importante ressaltar que, diante do avassalador crescimento do mercado educacional paulistano, proporcionado pelos estímulos políticos e materiais provenientes do governo ditatorial e da, não menos impressionante, discrepância da política salarial reinante entre os empregadores, a perspectiva de se garantir os direitos sociais para os professores mostrou-se como uma das condutas de atuação mais contumazes do sindicato. Pode-se, então, inferir que houve uma clara opção da direção sindical pelo fortalecimento dos mecanismos de negociação, mormente, em separado, com os diferentes e incrivelmente diversificados representantes do patronato educacional paulistano. Essa proposição nos obriga a procurar desvelar as formas de relacionamento que se operaram entre os representantes das partes interessadas em dirimir os conflitos trabalhistas na esfera da educação privada paulistana em plena vigência da ditadura militar.

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Os baixos salários pagos, em média, aos professores, contrastaram com os crescentes lucros e a expansão do ensino privados registrados no período. Quais condições teriam explicado, então, a não formação de uma vanguarda sindical, com peso, representatividade e envergadura política, capaz de conduzir a categoria de forma unitária e massificada, contra um patronato, cada vez mais próspero, coeso e fortalecido, política e socialmente? A direção do Sinpro-SP, embora claudicante e demonstrando tendências burocratizantes e apego ao aparato sindical, longe de conseguir aglutinar amplamente os seus representados e sem poder impor ao patronato os seus reclamos, conseguiu se firmar e obter algumas vantagens no processo de acelerada expansão do ensino privado que se objetivava em nosso país. Pelo menos, desde os meados da década de 1960, o ensino particular objetivou-se e irradiou-se com forte e impressionante adesão social, por meio de claros mecanismos de proteção dos interesses privados pela ação estatal, inclusive, na formação e qualificação da força de trabalho representada pelos professores e na difusão ideológica de sua primazia em detrimento da escola pública; mas também de todo um aparato legislativo, jurídico e de relações políticas, financeiras e econômicas, irremediavelmente, presos aos seus interesses expansionistas. A ditadura militar, instaurada em 1964, haveria de criar condições efetivas para o constructo e para o ordenamento expansionista da exploração da educação pelo capital; quando necessário, lançando mão de mecanismos coercitivos contra aqueles que ousavam questionar os seus desígnios políticos educacionais. Na trajetória do Sinpro-SP estavam postos o desafio e a necessidade de compreender e incrementar a melhor maneira de se relacionar com um patronato educacional, com fortes vínculos governamentais, havidos de lucros e planos expansionistas, hegemonizados de valores liberais e privatistas, mas impulsionados por um Estado militarizado,

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policialesco e fadado a colocar fim à democracia liberal e favorecer a participação política apenas daqueles que concordassem com seus desígnios. Em que pese, em suas hostes, houvesse o derramamento de algumas lágrimas de crocodilo, com o sacrifício da democracia liberal burguesa no país, o setor privatista da educação estava muito satisfeito com a forma pela qual o Estado assumia as responsabilidades de sua expansão; como também afirmava a tendência de dominação assentada em mecanismos de coerção e repressão policial contra todo e qualquer adversário disposto a questionar o seu poderio político e social. Em um quadro como esse, a dificuldade organizativa dessa parcela dos professores brasileiros foi notória. Desde o seu local de trabalho até fóruns mais amplos de discussão, sua organização política e sindical não possibilitou um enfretamento claro e direto contra as arbitrariedades patronais e a violência institucionalizada do Estado que se abateu sobre muitos dos seus porta-vozes. Os anos da segunda metade da década de 1970 haveriam de se inscrever nas páginas da história dos conflitos das classes sociais de forma nevrálgica, trazendo as vozes, o comportamento e a organização política dos trabalhadores para o centro da cena política e do combate da ditadura militar instalada no Brasil em 1964. Foi um tempo tumultuado em que a convergência de classe se mostrava no horizonte político como uma possibilidade de superação das múltiplas divergências ideológicas enraizadas nas práxis sociais e densa capilaridade no seio das organizações sindicais. Considerações e questionamentos preliminares No transcurso das discussões teóricas, elaboração dos planos metodológicos, da localização e do recolhimento das fontes documentais que tornaram possível a redação desses escritos iniciais sobre a história do Sinpro-SP, um dos aspectos

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que mais nos chamou atenção na conduta dos seus dirigentes foi um pretenso desestímulo às discussões políticas e ideológicas, embora essas temáticas fossem muito comuns nos ambientes universitários, como também em associações e nos movimentos protossindicais da esfera pública do trabalho docente. Todavia, as direções sindicais que se seguiram ao longo dos anos, conferiram a necessária respeitabilidade social ao sindicato, ainda nos marcos das conturbadas relações de classe que se colocaram em marcha a partir de 1964 no país. Nesse aspecto, nos pareceu ser merecedor de atenção procurar verificar, compreender e, entre outras coisas, indagar como se estabeleceram os interesses da fração burguesa educacional no seu relacionamento com os professores do ensino privado paulistano? Existiram afinidades, quais foram às dimensões alcançadas pelas contradições econômicas, salariais e na consagração dos direitos sociais desses trabalhadores? Houve um silêncio obsequioso, a existência de um trabalho oferecido ou doado e até mesmo uma servidão consentida na cotidianidade educacional de caráter privatista? A gênese da história do Sinpro-SP o mantém aprisionado a um campo gravitacional eivado de valores ideológicos conservadores e reticentes quanto a constatação de que os seus representados fazem parte do mundo do trabalho; que tem a sua narrativa escrita pelas transformações que são geradas e se colocam em movimento pela dinâmica da luta de classes que é própria da sociedade burguesa que se constituiu no Brasil. Também nos pareceu importante perguntar se houve a efetivação consciente de uma política de acomodação dos interesses patronais e laborais e até que ponto esse pode ser considerado um traço marcante da conduta política do SinproSP no período estudado. Os objetivos do empresariado educacional paulistano de conseguir amplas condições políticas, econômicas e financeiras favoráveis à expansão dos seus negócios, alicerçaram a

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edificação de um projeto cada vez mais coeso de intervenção que haveria de se materializar com a criação de inúmeras entidades patronais. Mas, nesse ínterim, qual papel político e social coube ao Sinpro-SP para dar coesão aos professores e prepará-los para enfrentar o poderio patronal, em um momento histórico marcado pela virulência e terrorismo estatal contra os movimentos sociais, da juventude e dos trabalhadores brasileiros? Ainda nesse quadro de preocupações investigativas, cabe-nos perguntar como a direção sindical procurou caracterizar e combater a sujeição quase que absoluta do trabalho dos professores nas escolas particulares que se multiplicaram por todos os bairros e regiões da cidade de São Paulo? Esse momento histórico que estamos estudando exigiu enormes sacrifícios, tenacidade e muito da capacidade de resistência, disposição de organização, política e sindical, da classe trabalhadora no Brasil; levando-a a formular posicionamentos e a efetivar projetos de grande envergadura e consciência política, em um enfrentamento direto da escalada da violência estatal que marcou indelével e profundamente a nossa história social. Tal compreensão é a que mais nos motiva a indagar e perseguir os traços sobre qual foi a substância e concretude social dos meandros e das próprias linhas escritas pelo SinproSP no fulcro dessa história educacional? Referências ANTUNES, Ricardo. Brasiliense, 1986.

O que é sindicalismo.

São

Paulo:

BARREYRO, Gladys Beatriz. Mapa do ensino superior privado. Brasília-DF: MEC/ INEP, 2008.

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BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1977. CUNHA, Luiz Antonio. A universidade crítica: o ensino superior na república populista. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983. CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e contradição: elementos metodológicos para uma teoria crítica do fenômeno educativo. 2. ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1986. FÁVERO, Maria de Lourdes. A UNE autoritarismo. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995.

em

tempos

de

FERNANDES, Florestan. Universidade brasileira: reforma ou revolução? São Paulo: Alfa-Ômega, 1975. FERREIRA JR, Amarilio; BITTAR, Marisa. Proletarização e sindicalismo de professores na ditadura militar (1964-1985). São Paulo: Terras do Sonhar, Edições Pulsar, 2006. GÓIS, Antônio. Salários nas escolas particulares de São Paulo variam até 624%. Folha de S. Paulo, 10 de março de 2007. HORTA, J. S. A expansão do ensino superior no Brasil. Petrópolis: Vozes, v. 69, n. 6, 1975. _____. A educação no Congresso Constituinte 1966-1967. In: FÁVERO, Osmar (org.). A educação nas Constituintes (18231988). Campinas: Autores Associados, 1996. MARTINS, Carlos Benedito. Ensino pago: um retrato sem retoques. São Paulo: Cortez, 1988. SAMPAIO, Helena. O ensino superior no Brasil: o setor privado. São Paulo: Hucitec, 2000. SANFELICE, José Luis. Movimento estudantil: a UNE na resistência ao golpe de 1964. São Paulo: Cortez, 1986. SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 3. ed. rev. Campinas: Autores Associados, 2010.

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Capítulo VII A agenda educacional do capital na autocracia burguesa e alguns apontamentos sobre as alternativas Roberto Leher1, Vânia Cardoso da Motta2, Bruno Gawryszewski3 A hegemonia da pedagogia do capital A relação entre educação, trabalho e desenvolvimento econômico não se estabelece de forma linear e unidimensional, como se a educação moldasse o mundo do trabalho e gerasse novos padrões de desenvolvimento. São outras as linhas de força que movem o processo de causação. A educação nacional, em geral expressa no conceito de escola pública, é indissociável das relações de classe, da correlação de forças do bloco de/no poder, de ‘condensação’ de relações de forças que conformam o Estado (POULANTZAS, 1986) e da forma histórica de revolução burguesa (FERNANDES, 1987). Na análise das relações de classe e da correlação de forças entre as mesmas sempre é importante lembrar que os setores dominantes estão em relação com o capitalismo mundial, expressando lugares específicos no capital imperialismo (FONTES, 2010).

Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ. Doutor em Educação pela USP. Coordenador do Coletivo de Estudos em Marxismo e Educação (COLEMARX). Contato: [email protected] 2Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ. Doutora em Serviço Social pela UFRJ. Coordenadora do Coletivo de Estudos em Marxismo e Educação (COLEMARX). Contato: [email protected] 3Professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Integrante do Coletivo de Estudos em Marxismo e Educação (Colemarx). Doutor em Educação pelo PPGE/UFRJ.Contato: [email protected] 1

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Historicamente, é o padrão de acumulação do capital que determina a educação. Isso não apaga a particularidade das relações sociais no campo educacional: para os trabalhadores, a escola pública é um projeto a ser forjado em lutas no capitalismo e, muitas vezes, contra o capitalismo. Muito da ciência, da arte, das tecnologias foi produzida por pesquisadores socialistas ou, pelo menos, defensores da democracia com igualdade social. O mesmo pode ser dito sobre o pensamento pedagógico na educação básica. A síntese de Marx na Crítica ao Programa de Gotha é magistral nesse aspecto, como pode ser visto adiante. Por parte da agência do capital, a educação é um território a ser mantido sob seu controle. Nela é forjada a socialização das novas gerações de tal modo que todas e todos se percebam como capital humano4, força de trabalho em busca de oportunidades e, por conseguinte, inscritas na lógica de dominação do capital – para a produtividade e para a passividade. Embora seja um conhecimento utilitário e que não encontra suporte macroeconômico e na história dos povos, para o capital é fundamental que tal formulação assuma dimensões tecnocientíficas, especialmente na esfera microeconômica. De fato, intelectuais orgânicos do capital se dedicam para elaborar sofisticadas fórmulas matemáticas e reengenharias para conferir caráter científico às proposições que, afinal, têm real eficácia na socialização da classe trabalhadora em suas diversas conformações. A fragilidade dos implícitos e pressupostos da dita teoria é eclipsada pela legitimação do establishment acadêmico mundial que tem sido generoso na distribuição de prêmios Nobel para autores dessa linhagem, em especial, da Escola de Chicago, como Milton Friedman, Theodore Schultz e Gary Becker, alguns dos expoentes laureados. Um dos aspectos que as frações de classe dominante mais ressaltam é que a alavancagem do crescimento econômico

4Concepção

sistematizada por Theodore Schultz nos anos 1950.

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depende da elevação da produtividade do trabalho – na perspectiva marxista, corresponde a ampliar a extração de mais-valia. A produtividade do trabalho5 pelo Banco Mundial é definida como “o valor dos produtos (outputs) produzidos (ou com o valor agregado), dividido pelo número de trabalhadores. Trata-se, portanto, da medida da quantidade de riqueza gerada por cada trabalhador.” (BANCO MUNDIAL, 2018, p.8). Outra maneira de mensurar a produtividade do trabalho se dá pelo emprego do Produto Interno Bruto dividido pelo volume de horas trabalhadas por ano. Essa metodologia respaldou a Fundação Getúlio Vargas a classificar o Brasil como país de baixa produtividade, pois os trabalhadores brasileiros gerariam somente US$ 16,8 por hora trabalhada, muito atrás da Noruega, a líder do ranking com US$ 102,8, e a Alemanha, exemplo recorrentemente comparativo de modelo de Educação Profissional para o Brasil, que teria gerado US$ 64,4 (COSTA, 2018). As formulações dos organismos internacionais e entidades empresariais destacam que a produtividade do trabalho no Brasil está estagnada e apresenta um quadro preocupante, tendo em vista a incorporação ao mercado de trabalho mundial de um grande contingente de jovens com elevada formação (China, Leste Asiático em geral, Leste Europeu e, agora, em virtude da flexibilização laboral, a Europa Ocidental e os EUA). Desse modo, pode não ser vantajoso produzir no Brasil determinados produtos e serviços. O quadro torna-se mais grave quando se considera que a abundante força de trabalho jovem não será mais reposta no mesmo volume,o que a médio e longo prazos pode desincentivar setores econômicos intensivos em força de trabalho, visto que nessas

5Outra

medida, derivada, é a Produtividade Total dos Fatores (PTF), que mensura o impacto combinado de insumos, como o desenvolvimento do trabalho através do entendimento como “capital humano” e do capital físico (maquinaria, edificações, matérias-primas) no processo produtivo. Segundo o Banco Mundial (2018, p.8), “a evolução da PTF pode ser encarada como uma medida econômica do progresso técnico”.

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condições o Exército Industrial de Reserva (EIR) pode encolher, provocando aumento do custo do trabalho. Nos termos do Banco Mundial, resultando na perda de uma “janela de oportunidade demográfica” para um salto qualitativo da produtividade (BANCO MUNDIAL, 2016). Na nova conjuntura política e econômica, após a mudança não institucional de governo no Brasil, duas questões interligadas devem ser consideradas. Como enfrentar o problema concebido pelo Banco Mundial como da baixa produtividade do trabalhador no Brasil em um ambiente de abundante oferta de força de trabalho com maior qualificação em âmbito mundial? E, como é possível melhorar a competitividade do país, considerando a persistência da crise estrutural do capital e o esfriamento das taxas de crescimento econômico? No caso brasileiro, o encaminhamento dessas questões pelo bloco de poder envolve acentuar, ainda mais, o caráter particularista do Estado, ampliando a aplicação do fundo público em prol dos interesses das frações burguesas dominantes. A saída da crise envolve a remoção de direitos trabalhistas e previdenciários, sociais e ambientais ao processo de reprodução ampliada do capital, notadamente, o crescimento acima da inflação do salário-mínimo e outros direitos trabalhistas consagrados na legislação desde o início da segunda metade do século XX e diversos dispositivos constitucionais que consubstanciam a seguridade social e a flexibilização da legislação socioambiental. Tudo isso objetivando a ampliação do uso do fundo público em prol dos rentistas e de setores que estão na alta direção do bloco de poder e mudanças no relacionamento interestatal e nas formas de incentivo a setores protegidos pelo Estado – encolhendo a influência de certas frações burguesas locais no cenário mundial e nacional. Embora o presente capítulo não seja o lugar para desenvolver o tema, é importante registrar que o impeachment extraconstitucional do governo Dilma Rousseff foi um consenso

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entre as principais organizações empresariais, excetuando a FEBRABAN (Federação Brasileira de Bancos) que se manteve publicamente discreta. A usurpação da presidência seguramente foi a porta de entrada das grandes medidas de reenquadramento do padrão de acumulação no país, vis-à-vis à nova ordem planetária em que a intensificação da exploração do trabalho e o aumento da desigualdade social são expressões robustas. Em termos florestanianos (FERNANDES, 1987), contexto que pode ser pensando como de autocracia burguesa. Efetivado o impeachment, o foco central passou a ser a Emenda Constitucional 95/2006, a contrarreforma trabalhista (Lei 13.467/2017), a flexibilização da legislação ambiental e profundas mudanças na previdência social. O efeito combinado dessas ações tem como propósito promover drástica queda do custo geral da força de trabalho e da produção de bens e serviços. Essa nova realidade laboral e social requer, ao mesmo tempo e de modo complementar, ações de controle social repressivo e ações de socialização e de conformação social. O presente capítulo examina em maior detalhe as ações socializadoras empreendidas pelos aparelhos privados de hegemonia do capital e, também, pelo Estado. Considerando a imensidão de formulações contidas em produção de materiais de propaganda, editais de apoio financeiro e técnico e discursos em eventos acadêmicos e corporativos, é possível apontar que as principais frações de classe dominante estão criando novas trincheiras para ampliar, recalibrar e conferir maior organicidade a sua direção sobre o conjunto do processo pedagógico de adequação da “formação humana” aos interesses do bloco de poder. O denominador comum das demandas das principais frações burguesas é a necessidade de formar trabalhadores adequados às condições postas pela precarização e pela intensificação da exploração da força de trabalho. Para legitimar a direção intelectual e moral no processo de

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“reforma”6 da escola, intelectuais de diversos tipos sistematizam e difundem suas ações, ideias, formulações políticas e justificativas que, apoiados pelos grandes meios de comunicação, buscam formar a opinião pública e legitimar sua pedagogia. O controle privado sobre a esfera educacional é incompatível com o conceito de escola pública, gratuita, laica, universal e comprometida com a formação omnilateral das crianças e jovens da classe trabalhadora. É refratário à autonomia das instituições e dos sistemas públicos de ensino. É hostil com a liberdade de cátedra das professoras e dos professores. Considera inadmissível o conceito de servidor público com proteção para melhor desenvolver suas atividades formativas em um ambiente de liberdade e criatividade. Em resumo, o controle privado somente é possível com o encolhimento e a descaraterização da educação pública. O modus operandi para alcançar tal objetivo é conhecido. É imperativo desconstruir a imagem da escola pública e de seus trabalhadores docentes. Em geral, o processo tem início com o “diagnóstico” de que o processo formativo escolar brasileiro é extenso, enciclopédico e conteudista, sobretudo no ensino médio - etapa da escolarização que imediata e mediatamente se relaciona com a transição para o mundo do trabalho para os jovens das camadas mais pauperizadas da classe trabalhadora. Nos termos de um de seus propagandistas:

O uso de aspas na palavra “reforma” será aplicado quando considerar necessário ressaltar elementos de contrarreforma nas políticas públicas, compreendidos como retrocessos no tocante às conquistas da classe trabalhadora; na educação, em especial, em seu princípio de direito social. 6

C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 183 Para a maioria que nele [o ensino médio] encerra sua escolaridade, faz mais sentido aprender o que servirá mais imediatamente na vida, em vez de conhecimentos somente úteis em um curso superior. E por ser distante do mundo dos alunos, a escola é vista como supremamente chata e desinteressante (CASTRO, 2016, s/p, grifos do autor).

A narrativa amplamente difundida pelas frações dominantes locais, em consonância com as proposições dos organismos internacionais - destacadamente, Unesco e, sobretudo, OCDE e Banco Mundial – está centrada na tese de que a formação escolar atual não condiz com as expectativas da sociedade em geral. Objetivando a adesão dos jovens, apregoam a necessidade de torná-la mais atraente para a integração virtuosa dos jovens na “sociedade do conhecimento” – difundindo a imagem de uma genérica e idealizada juventude engajada no mundo das tecnologias, nas redes sociais, mais comunicativa, informada e participativa e, por isso mesmo, bastante heterogênea e fluida em seus gostos, comportamentos e interesses. No Brasil, essa genérica e idealizada juventude é a que mais vem sofrendo os impactos da crise estrutural do capital. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do quarto trimestre de 2017, o nível de ocupação dos jovens de 18 a 24 anos atingiu 51,7%, bem abaixo dos 59,7% em comparação ao quarto trimestre de 2012. Tal indicador sugere que a população jovem estaria fazendo um movimento de buscar a elevação de sua escolaridade. Embora tal hipótese não esteja de todo equivocada, visto os graduais avanços quantitativos no grau de escolarização, não é capaz de explicar os índices em sua extensão, pois, ao examinar a taxa de desocupação dos adultos jovens de 18 a 24 anos, esta se mantém no patamar médio entre 32 a 34% entre 2012 e 2017, o que nos permite inferir que mesmo no período anterior à recessão econômica, o patamar de desemprego para a força de trabalho jovem já estava em nível deveras elevado (IBGE, 2018).

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Os organismos internacionais e a educação da juventude trabalhadora Com a convenção de Bretton Woods no pós-segunda guerra mundial, criaram-se os agentes determinantes no controle do trabalho – os organismos internacionais –; aparelhos de função hegemônica supranacionais cujas funções são formular e operar as reformas estruturais voltadas para administrar a coesão social e criar condições favoráveis à expansão do capital: governabilidade-segurança (consensocoerção) são as palavras de ordem. Em diferentes frentes, uns organismos mais voltados para as políticas macroeconômicas, outros elaborando e difundindo os elementos ideológicos, todos atuam na perspectiva do nexo consenso-coerção e operam mais incisivamente nos países capitalistas dependentes, territórios em que os conflitos podem ser mais disruptivos. Acirradas as contradições com as crises a partir dos anos 1970, a educação ganha centralidade nos encaminhamentos de políticas públicas dos organismos internacionais. Estes definem e dirigem as novas estratégias hegemônicas de reprodução da força de trabalho global e recomposição burguesa, pontuando os ajustes necessários na educação, em todos os níveis de escolaridade. Segundo Bruno (2011, p. 533-534), com a reestruturação produtiva a composição social da classe trabalhadora inseriu uma nova hierarquia no mercado de trabalho, com níveis diferenciados de qualificação da força de trabalho e ocupações estratégicas na cadeia de produção de valor. Esta nova organização do trabalho exigiu reformas educacionais para além da questão nacional, que passam a ser concebidas, executadas, reguladas e recontextualizadas pelos nexos entre as frações de classe dominantes locais, seus blocos de poder, e os organismos internacionais. Com efeito, tais “reformas” são mediadas e operadas pelos governos e por aparelhos privados de hegemonia que, nos anos 2000, são predominantemente vinculados aos setores empresariais.

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Nessa direção, é necessário examinar a proposta do “Pacto Global das Nações Unidas”, lançado em julho de 2000 e que teve como objetivo estimular empresas a adotarem políticas de responsabilidade social, o que pressupunha promover um diálogo das empresas com os governos locais, os sindicatos e organizações não-governamentais, a fim de promover o que denominam como ‘desenvolvimento de um mercado global mais inclusivo e sustentável’.7 Como observou Bruno (2011, p. 553): “A regulação da educação passou a envolver múltiplos agentes: além de agências multilaterais, associações empresariais, organizações transnacionais, também ONGs locais e internacionais, em geral, verdadeiros braços sociais das empresas”. Na visão de Fontes (2010, p.265): Introduziam-se padrões de sociabilidade de novo tipo, que incluíam agora o custo empresarial para administrar conflitos, imiscuindo-se nas mais variadas entidades organizativas, redefinindo a composição da sociedade civil em suas reivindicações e em sua articulação com o Estado.

As “reformas” operadas no Brasil dos anos 1990 resultaram no atendimento de questões centrais encaminhadas pelos centros de poder do capital8, destacadamente, a abertura para o setor privado – com ou sem fins lucrativos – e, para tal, a ressignificação da educação como direito social em conformidade com a concepção definida pela Reforma Administrativa do Aparelho do Estado em 1995 Sobre o pacto ver o site Pacto Global Brasil [http://pactoglobal.org.br/]. Sobre a concepção da ONU de mercado inclusivo ver: PNUD. Criando valores para todos: estratégias para fazer negócios com os pobres. New York, NY (USA): ONU: Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos, julho de 2008. 8 Não será possível aqui discorrer sobre as disputas travadas na Educação nos anos 1980-90 que culminou na nova LDBEN. Contudo, importante registrar o protagonismo do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública nesse período, reunindo entidades sindicais e acadêmicas e movimentos sociais que defenderam o direito à educação pública, estatal, gratuita, laica, unitária e de qualidade socialmente referenciada. 7

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(BRASIL, 1995), um serviço público, porém não-estatal, e a definição, e posterior regulamentação, das organizações sociais de direito privado e de caráter público. Estas regulamentadas em duas categorias: Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)9 e Organizações Sociais (OS)10. Mais tarde, em vista da necessidade de regulamentar as parcerias público privadas definiu-se no âmbito da Lei nº13.204/201511 outra categoria, a Organização da Sociedade Civil (OSC).12 Sob o manto da responsabilidade social empresarial ou “investimento social privado” – que contrapõe às práticas mais voluntaristas e passa requerer maior controle do investimento (MOTTA, 2016)–, “abriram o caminho para o empresariamento da solidariedade, do voluntariado e para a formação de uma nova massa de trabalhadores totalmente desprovida de direitos, ao lado do fornecimento de uma espécie de “colchão amortecedor” (FONTES, 2010, p. 267-268). Nesta “conversão mercantil-filantrópica” (Ibidem, Idem, p. 255), muitos empresários criaram seus “braços sociais”, regulamentados como OSCIP e concebidos como um suposto “terceiro setor”

BRASIL. Lei n. 9.790, de 23 de março de 1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como organizações da sociedade civil de interesse público, institui e disciplina o termo de parceria, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 mar. 1999. 10 BRASIL. Lei n. 9.637, de 15 de maio de 1998. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 maio 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências. 11 Esta Lei altera a de nº13.019 de 2014 que estabelece o regime jurídico das parcerias com a administração pública e as organizações da sociedade civil. 12Definida na Lei nº13.019 de 2014 como: “entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva”. 9

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entre o mercado e o Estado13. Desde os primórdios da década de 1990 esse processo infletiu em direção a uma cidadania da urgência e da miséria, convertendo as organizações populares em instâncias de “inclusão cidadã” sob intensa atuação governamental e crescente direção empresarial. Consolidava-se uma subalternização direta da força de trabalho, mediada, porém, por entidades associativas empresariais, que procurava conservar nominalmente os elementos anteriores, doravante subordinados à dinâmica da reprodução da vida social sob o capitalimperialismo (FONTES, 2010, p.257).

Episódios políticos e econômicos recentes criaram condições favoráveis para legitimar o simplório diagnóstico elaborado pelos economistas da Casa das Garças (LEHER;VITTORIA; MOTTA, 2017, p. 17), de que, desde 1990 a crise do capital é uma crise fiscal e, com isso, é necessário cortar os gastos públicos, mais profundamente nos setores sociais, para garantir o pagamento dos juros e serviços da dívida que, seguramente, seguirá em curva ascendente. Tais procedimentos resultaram em mudanças vertiginosas no país, pois as políticas neoliberais reencaminham-se de forma ainda mais exacerbada, como “o individualismo possessivo, a homofobia, o racismo e o irracionalismo”, iniciativas apoiadas financeira e ideologicamente por fundações nacionais e estrangeiras de direita. (...) urdidas por think tanks nacionais (Instituto Millenium, Instituto Liberdade, Estudantes pela Liberdade, Fórum pela Liberdade, entre outros) e estrangeiros (Mont Pelèrin Society, Students for liberty,

A concepção de “terceiro setor” insere a concepção liberal de esferas distintas entre Estado, sociedade civil e mercado, que operam com funções também distintas, porém, na crença de atuar colaborativamente; difundindo a ideologia de um possível equilíbrio de interesses em prol do bem comum. 13

188 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . ) Friederich Naumann, Cato Institute, John Templeton Foundation, Heritage Foundation…)de extrema-direita. Isso com fortes imbricações na sociedade política, ramificações no Executivo, no Legislativo e, de modo especialmente perigoso, no Judiciário, visto que setores deste poder atuam claramente como partido.(LEHER;VITTORIA; MOTTA, 2017, p.17)

Desqualificando a educação pública e tomando as rédeas do controle do trabalho pedagógico, a mercantilfilantropia adentra ferozmente aos fundos públicos por meio de programas federais na educação, projetos educativos, mercantilização de suas “soluções inovadoras”.14 Ampliado largamente a mercantilização no ensino superior, agora, o radar dos investidores volta-se para ensino médio como podemos constatar as ações de grandes corporações do ramo educativo – como na recente compra pela Kroton do grupo Somos, e também na expansão de grupos também com ações na bolsa, a exemplo do SEB – e a investida do empresário Jorge Lemann na aquisição de colégios particulares elitizados. A análise da correlação de forças na definição dos encaminhamentos de políticas públicas da educação brasileira expressa os limites da luta em defesa pela escola pública numa ordem burguesa que se constitui sob “condições estruturais O Programa Educação Conectada é um dos exemplos. Trata-se de “parceria” de investimentos entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), o MEC, o empresário Jorge Lemann e sua Fundação Lemann mais o Centro de Inovação para a Educação Brasileiras, estas últimas consideradas como participação da sociedade civil, para a adoção de tecnologias nas redes publicas. Disponível: http://computerworld.com.br/mec-e-bndes-buscamparceiros-para-inovacoes-em-educacao. Acesso: 26 mar 2018. Em abril do mesmo ano, a Infomoney veicula que o investimento neste programa será de R$30 milhões, sendo que R$20 milhões não reembolsáveis do Fundo Social do BNDES, R$10 milhões da Fundação Lemann e espera-se mais R$15milhões de outros parceiros, “no mesmo formato que a Fundação”, sem explicá-lo. Disponível: http://www.infomoney.com.br/carreira/educacao/noticia/7396430/bndesfundacao-lemann-anunciam-investimentos-milhoes-educacao-brasil. Acesso 3 Maio 2018. 14

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mínimas e à forma residual do ‘modo de ser burguês’” (FERNANDES, 1981, p.69), que bloqueia qualquer possibilidade de avanço democrático possível. Uma condição estrutural que reforça a condição heterônoma. A heteronomia é econômica, política, social, ideológica e moral. ‘A integração econômica satelizada se desdobra culturalmente, na construção das mentalidades e das aspirações, de tal modo a criar comportamentos, expectativas e laços que reforçam a condição heteronômica’(LEHER, 2012, p. 1163).

Diante de um quadro de recrudescimento da situação de “desalento”15 da juventude (e, no caso brasileiro, ainda com a memória de Junho de 2013), o capital coloca um novo “pacto” na mesa. O Relatório 2015 da Unesco “Educação para a cidadania global: preparando alunos para os desafios do século XXI” (UNESCO, 2014)16se apresenta como sistematizador de um “novo pacto”, pós o “Educação para Todos”, em resposta às demandas de seus Estados membros, objetivando “empoderar alunos e torná-los cidadãos globais responsáveis” (Ibidem, p.8). Seus objetivos são: - estimular alunos a analisar criticamente questões da vida real e a identificar possíveis soluções de forma criativa e inovadora; - apoiar alunos a reexaminar pressupostos, visões de mundo e relações de poder em discursos “oficiais” e considerar pessoas e grupos sistematicamente subrepresentados ou marginalizados; - enfocar o engajamento em ações individuais e coletivas, a fim de promover as mudanças desejadas; e O IBGE criou a categoria “desalentados” para definir os trabalhadores que não têm emprego e que desistiram de procurar. 16O relatório é alicerçado nos debates que ocorreram em dois eventos da Unesco: Consultoria Técnica sobre Educação para a Cidadania Global1 (Seul, setembro de 2013) e o Primeiro Fórum da UNESCO sobre Educação para a Cidadania Global2 (Bangkok, dezembro de 2013). 15

190 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . ) - envolver múltiplas partes interessadas, incluindo aquelas que estão fora do ambiente de aprendizagem, na comunidade e na sociedade mais ampla.(...) Em situações de conflito e pós-conflito, a ECG [Educação para a Cidadania Global] pode dar apoio à construção nacional, bem como ao desenvolvimento de coesão social e de valores positivos em crianças e jovens. (UNESCO, 2014, p. 16)

Considerando que no Brasil o EIR é engrossado, ano a ano, pelos jovens mais expropriados e explorados da classe trabalhadora, é relevante examinar os percursos educativos desejados para adequar essa situação ao sistema educacional. Alguns jovens, por distintas razões, têm expectativa de ingressar nos setores produtivos modernos (população latente)17, outros, situados no segmento estagnado do EIR, acomodam-se em “ocupações irregulares e eventuais” (MARX, 2011, p. 746) com atividades laborais extensas e de baixo valor agregado – trabalho simples precarizado.18Finalmente, outros, em geral fora do sistema educacional, engrossarão o contingente pauperizado– contingente que a indústria do tráfico de drogas recruta parte de sua força de trabalho. Importante destacar que no atual padrão de acumulação do capital as “ocupações irregulares e eventuais” estão sendo ressignificadas e regulamentadas como

17Fazendo

referência à lei geral de acumulação do capital (MARX, 2011, p.715) que situa o EIR como a massa de trabalhadores desempregados ou que se sucumbiram frente à nova divisão social do trabalho e que exerce uma funcionalidade na dinâmica da acumulação do capital: “O trabalho excessivo da parte empregada da classe trabalhadora engrossa as fileiras de seu exército de reserva, enquanto inversamente a forte pressão que este exerce sobre aquela, através da concorrência, compele-a ao trabalho excessivo e a sujeitarse às exigências do capital” (Ibidem. Idem. p. 738). 18A nosso ver, a questão da educação do EIR não é secundária no Brasil. Estudo de Nelson N. Granato Neto e ClausGermer (2013) confirma a flutuação do EIR e, sobretudo, coloca em destaque o enorme percentual de jovens e adultos nesta condição; aguardando a retomada do ciclo expansivo.

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empreendedorismo. Os novos empreendedores são em maioria jovens e de baixa escolaridade. No relatório da Confederação Nacional dos Jovens Empresários (CONAJE, 2014)consta que em 2013 existiam aproximadamente 60% de jovens empreendedores (na faixa etária entre 18-30 anos) e 76% potenciais empreendedores. No SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, ligado ao setor patronal) esses empreendedores são definidos como trabalhadores informais que passaram a ser reconhecidos como MEI (Micro Empreendedor Individual) e, em 2013, somavam quase quatro milhões de indivíduos (3.962.198.30)19. Conforme tabela divulgada no referido portal - “Total de Empresas Optantes no SIMEI, do Brasil, por Faixa Etária” -, na faixa etária entre 16 a 30 anos de idade, os empreendedores individuais somavam 1.672.394, quase a metade do total evidenciado. No relatório Global Entrepreneurship Monitor20(GEM, 2013)foi identificado que na categoria “empreendedor inicial” a faixa etária mais relevante estava entre 25-34 anos de idade, com a taxa de 21,9% empreendedores; seguida pela faixa de 35-44 anos, com 19,9% e na faixa entre 18-24 anos de idade, apontava o percentual de 16,2%. Esses dados revelaram que os

19Dados

extraídos em 26/04/2014 12:00 no Portal Sebrae por meio do link http://www.portaldoempreendedor.gov.br/mei-microempreendedorindividual/lista-dos-relatoriosestatisticos-do-mei. Acessado em 30/04/2014, mas que não se encontra mais disponível. 20OGEM é um relatório internacional coordenado por BabsonCollege, Universidad Del Desarrollo, Global EntrepreneurshipResearchAssociation(GERA). O Projeto GEM Brasil é executado pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP), em parceria com o SEBRAE, entre outras unidades do Sistema S e entidades acadêmicas. Tem como objetivo apreender o papel do empreendedorismo no desenvolvimento econômico, identificando “fatores críticos que contribuem ou inibem a iniciativa empreendedora”. Disponível: https://m.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/estudos_pesquisas/pesquisagem-empreendedorismo-no-brasil-e-nomundodestaque9,5ed713074c0a3410VgnVCM1000003b74010aRCRD. Acesso: 30 de abr de 2018.

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empreendedores iniciais são jovens, pois a faixa de 18 a 34 anos soma 38,1%; e no GEM (2017) essa taxa eleva, passa para 43%, pois a faixa etária entre 18-24 anos de idade sobe para 20,1%. Em relação à escolaridade, o GEM-2016 (2017) apresenta alterações significativas no perfil brasileiro. No GEM (2013) 50,9% dos empreendedores iniciais apresentavam níveis de escolaridade menor que ensino médio completo; 35,1% possuíam o ensino médio completo; 14% maior que ensino médio completo. Já no GEM-2016(2017) as taxas são: alguma educação, 19,5%; secundário completo, 20,5%; pós secundário, 14,4%. Neste último relatório foi incluída uma quarta categoria, “experiência pós-graduação”, que trouxe um fato revelador: 22,9% dos empreendedores iniciais brasileiros possuem mestrado ou doutorado completo ou incompleto, mas que não confere com o GEM-2016 Resumo Executivo (s/d). Neste último, somadas as categorias Educ0 e Educ1 os empreendedores iniciais sem “educação formal” até o ensino médio incompleto chegam a 38,9% e os de níveis superiores (Educ3) totalizam 14,6%.21 Em suma, os jovens, principalmente os de baixa

Dados extraídos da “Tabela 2.5 - Taxas específicas de empreendedorismo inicial (TEA) segundo nível de escolaridade - Países selecionados – 2016”, p. 39. Categorias: Alguma educação = Ensino fundamental completo e ensino médio incompleto; Secundário Completo = Ensino médio completo e superior incompleto; Pós-Secundário = Superior completo, especialização incompleto e completo e mestrado incompleto; Experiência pós-graduação = Mestrado completo, Doutorado incompleto e completo. Os dados não completam 100%. Os mesmos dados no documento GEM-2016 Resumo Executivo (GEM, s/d) são apresentados com base em outras categorias e apresentam discrepâncias em relação ao anterior: “Tabela 3 - Taxas específicas1 dos empreendedores iniciais (TEA) e estabelecidos (TEE) para os estratos de gênero, faixa etária, renda e escolaridade - Brasil – 2016”, categorias: Educ0 = Nenhuma educação formal e primeiro grau incompleto (19,9%); Educ1 = Primeiro grau completo e segundo incompleto (19%); Educ2 = Segundo grau completo e superior incompleto (20,5%); Educ3+ = Superior completo, especialização incompleta e completa, mestrado incompleto e completo, doutorado incompleto e doutorado completo (14,6%). 21

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escolaridade, ficam expostos à ideologia do empreendedorismo. Trata-se de educar ao seu modo essa massa de jovens trabalhadores, qualificados ou não, para as adversidades que o mercado impõe e manter as condições políticas e sociais necessárias para a reprodução ampliada do capital. Desse modo, o superintendente do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, pontua que É absolutamente fundamental que o ensino médio tenha capacidade de flexibilizar trajetórias, tanto acadêmicopropedêuticas, quanto técnico-profissionalizantes, para que ao final desse período de 12 anos de ensino, os jovens tenham alguma possibilidade de fazer uma projeção de futuro consistente com a sua mobilidade social (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2016).

Portanto, a diversificação formativa é erigida a uma condição democrática e que trata os indivíduos como sujeitos protagonistas da sua própria história. Ao passo que então é discursivamente respeitado e proclamado o direito à diversidade e à diferença de possibilidades formativas; concomitantemente, é reiterado que deve existir um núcleo comum capaz de assegurar a equidade no alcance do conhecimento a todos os estudantes, independente de região geográfica, do nível socioeconômico, etc. A publicidade em torno da Base Nacional Curricular Comum é uma forma de eclipsar o fato de que, objetivamente, com a reforma do Ensino Médio (BRASIL, 2017), os cinco itinerários possíveis denotam percursos escolares distintos, negando o fortalecimento do que é o comum na educação básica. Como poucas escolas conseguirão assegurar os itinerários com maior presença das áreas das ciências da natureza e de matemática, restarão itinerários cada vez mais centrados na profissionalização precária. O instrumento educacional de suma importância para garantir a equidade seria a instituição da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), conferindo sentido de

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planejamento, objetivos e qualidade para a educação em âmbito nacional, conforme ressalta o diretor executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne, em audiência na Câmara Federal sobre o tema: A educação brasileira não é aquela desejada, nem é aquela que permitirá que a nação dê o salto de desenvolvimento, de inclusão e de cidadania. Se o Brasil não conseguir dar uma educação pública, de qualidade pra todas as crianças brasileiras em alta excelência, não seremos capazes de construir a nação que a gente quer. A Base consolida o que a nação deseja, onde se quer chegar. Todos os países que tem sistemas educacionais efetivos têm uma Base. Isso define senso de equidade, como uma espinha dorsal do sistema (MIZNE, 2016).

Cabe aqui uma observação importante. O conceito de que a escola pública é a escola comum, a escola de todos, logo, a escola unitária, que é da lavra do movimento socialista. Como salienta Mariátegui (2007), os liberais podem defender a escola pública gratuita, a laicidade, a co-educação mas nunca poderão defender a escola unitária, pois, como assinala Gramsci (2001), a escola unitária recusa a disjunção entre pensar e fazer e o dualismo escolar. E isso somente pode ser uma causa anticapitalista. A BNCC não corresponde ao conceito de escola unitária e, sequer, da escola comum liberal democrática. Os esforços em delimitar os conteúdos previstos ao que seria considerado como “educação de alta excelência”, embora exalte discursivamente a igualdade de oportunidades, não deixa de mirar a formação da força de trabalho (simples) a se constituir enquanto tal – num mercado de trabalho instável e reduzido. Para além de difundir conteúdos (simplificados), a educação precisaria desenvolver habilidades para a vida, de modo a que os jovens estejam dotados de “competências” relevantes para se colocarem como sujeitos protagonistas em um mundo marcado por desenraizamento, instabilidades e incertezas. Por isso, os

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jovens necessitariam ser contemplados com um projeto formativo em que se desenvolvam competências técnicas específicas para o século XXI, orientação para que possam delinear perspectivas e tomar boas decisões acerca do seu “projeto de vida” e fortalecer competências chamadas como socioemocionais, relacionadas a valores morais (filtrados pelos fundamentalistas da Escola Sem Partido e pela bancada evangélica) e procedimentos comportamentais, tais como resiliência, adaptabilidade e persistência. No relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - Competências para o Progresso Social: o poder das competências socioemocionais-, a OCDE orienta que: As crianças precisam de um conjunto equilibrado de competências cognitivas e socioemocionais para ser bemsucedidas na vida moderna. A capacidade de atingir objetivos, de trabalhar eficientemente em grupo e de lidar com as emoções será essencial para enfrentar os desafios do século 21(OCDE, 2015).

Neste, analisa ainda: (...) os efeitos das competências sobre diversos indicadores de bem-estar individual e progresso social, cobrindo aspectos de nossas vidas tão diferentes quanto educação, desempenho no mercado de trabalho, saúde, vida familiar, engajamento cívico e satisfação com a vida (IBIDEM, IDEM).

A congruência da “Reforma do Ensino Médio” (Artigo 3º, § 7º da Lei 13.415/2017), com a difusão dessas competências emocionais e sociais é robusta.

196 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . ) Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais (BRASIL, 2017).

No entanto, ainda pode restar a dúvida: como compatibilizar a prescrição e a regulação a respeito do que vai ser ensinado em um núcleo comum a “todos”, acrescido de uma acentuada diversificação de trajetórias formativas? A efetividade da BNCC está intimamente associada ao processo de fortalecimento da direção intelectual e moral dos setores dominantes sobre a escola pública, tal como já assinalado. Inicialmente, coalizões empresariais como Todos pela Educação vinham defendendo a padronização curricular e de descritores de competências, por meio de uma miríade de exames de avaliação padronizados. A conversão do IDEB em Lei, no escopo da Lei do Plano Nacional de Educação, e, mais recentemente, a aprovação dos conteúdos da BNCC mostra que, sob o ponto de vista normativo, o projeto está avançando de modo impetuoso. Mas não apenas no plano políticonormativo ocorrem avanços, pois os maiores grupos educacionais sob direção financeira como Kroton, Ser Educacional, SEB, estão atuando fortemente na venda para todas as escolas públicas dos chamados sistemas de ensino nos quais a BNCC é simplificada (ainda mais!) na forma de cartilhas e aulas programadas, apoiada por recursos tecnológicos como, além das cartilhas citadas, videoaulas, softwares etc. Os referidos sistemas já possuem uma forma própria de avaliação preparatória – em termos de descritores de competências – para os exames centralizados. Nesse contexto, a expropriação do conhecimento dos docentes é uma dimensão crucial. O último aspecto a ser mencionado acerca do projeto formativo de educação nacional defendido pelas principais frações da classe dominante é talvez aquele mais perverso porque promete um caminho rumo a um suposto eldorado. Nos

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termos do representante do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques: Nesta negociação de mais tempo escolar, é preciso construir esse cenário de futuro. E esse cenário do futuro tem que dar conta de um valor que é muito difícil dentro da fase da juventude. Precisa ser negociado no cotidiano escolar de que existe uma relação de troca que é o investimento em curto prazo em educação e o retorno do seu posicionamento no mercado de trabalho em longo prazo (EDUCAÇÃO INTEGRAL – ENSINO MÉDIO, 2014).

O discurso do investimento como investimento em “capital humano” estabelece a relação causal: qualificação e competências para o trabalhador, crescimento econômico para o país e, consequentemente, uma situação de empregabilidade e maior possibilidade de mobilidade social para o próprio trabalhador. Nesse sentido, para o diretor de educação e de competências da OCDE, Andreas Schleicher, em reportagem do Valor Econômico, “garantir educação de qualidade a todas as crianças do Brasil é o caminho mais eficiente para reduzir a enorme desigualdade de renda e oportunidades” (VALOR ECONÔMICO, 2018). E que para muitas crianças “é a única chance de sair da pobreza”. Esse discurso apologético possui profundo enraizamento no conjunto da classe trabalhadora, inclusive de seus instrumentos, como os partidos e sindicatos. E é sobre esse tema que a pedagogia do trabalho tem de se insurgir. Eis o busílis da questão. O sentido das resistências e a debilidade das alternativas O sentido das resistências está em conexão com a agência do capital e, dialeticamente, tem de transcendê-la. Gramsci sustenta que os subalternos não podem prescindir de atuar intelectual e organizativamente em prol de outra hegemonia, mesmo em contexto de correlação de forças

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negativa para os trabalhadores. Ao longo do presente artigo, os autores procuraram delinear os contornos da agência do capital, que podem ser assim sistematizados: (i) após terem avassalador controle sobre o fornecimento da educação superior e, ainda, de terem inserido nas estatísticas educacionais como algo natural a enorme dimensão de educação a distância e de cursos de curta duração, ditos tecnológicos, os fundos de investimentos (private equity, sobretudo) estão em franco movimento de ampliação do controle da educação básica que, embora predominantemente pública (78,5 das escolas e 81,8% das matrículas), está em viés de baixa (em 2011 eram 84,2%), indicando um processo acelerado de concentração privada-mercantil. (ii) Os fundos de investimentos que controlam as corporações privadas possuem cada vez maior influência sobre o conjunto das escolas privadas de educação básica por meio dos chamados sistemas de ensino e do controle editorial do material pedagógico. Com a robusta aquisição pela Kroton (por significativos R$ 6,2 bilhões) do Grupo Somos Educacional, o maior grupo privado de educação básica, controlado igualmente por fundos de investimentos Tarpon (73%) e pelo fundo soberano Cingapura (18%), também a educação básica passa a estar sob crescente controle das corporações financeiras. A influência da nova corporação sobre o conjunto da educação básica no país se dá por meio da aquisição dos principais grupos editoriais de material didático e paradidático, como Ática, Scipione, Saraiva, Atual e Benvirá (33 milhões de estudantes alcançados), por capitalizados sistemas de ensino que alcançam milhares de escolas privadas (escolas parceiras, como Bradesco e que utilizam seus sistemas de ensino, somando algo como 998 mil

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estudantes em 3.451 escolas) e outros milhares de escolas públicas, com os sistemas Anglo, pH, Ser, Geo, Maxi, Ético, além, naturalmente, de escolas próprias (KOIKE, 2018). Com a aquisição, a Kroton assume a liderança dos sistemas de ensino e da produção e distribuição de livros didáticos (43% no setor privado e 31% no setor público). É o capital que opera a matriz curricular, a forma de avaliação e estrutura, cada vez mais, o cotidiano escolar. (iii) Os centros de pensamento do capital com forte autoridade na agenda educacional lograram considerável êxito na definição do Plano Nacional de Educação e, em particular, da BNCC, imprimindo a mesma, um teor conservador – as concessões ao arcaísmo confessional foram evidentes ao longo do processo – e obtiveram igual êxito na reforma do ensino médio, imprimindo itinerários que impossibilitam os estudantes do ensino médio de obter a formação humana, ampla, referenciada na ciência, na arte e na cultura. Essas ações repercutem nas políticas de formação de professores, sempre no sentido de uma formação desidratada em termos teóricos e baseada em uma prática balizada no empirismo vulgar, afinal, o que é dado a pensar será assegurado pelas corporações, centros de pensamento do capital e pelas coalizões dos setores dominantes – as universidades públicas devem ser paulatinamente afastadas de qualquer ascendência efetiva sobre a formação docente massiva. (iv) O predomínio da agenda do capital na educação básica, técnica e tecnológica abrange com ênfase inédita a socialização, em sentido definido por Durkheim (1985), atualmente denominada como comportamental, baseada na competência emocional, compreendendo atributos como resiliência, preparando os jovens para um mundo do trabalho

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precário, flexível, nos moldes da reforma trabalhista. Embora não organicamente vinculado aos setores dominantes, é importante salientar a presença das confissões religiosas, especialmente neopentecostais, e da Escola sem Partido nos debates educacionais, por sua presença relevante no Congresso Nacional, empreendendo uma agenda antissecular e abertamente hostil à laicidade da educação pública. Gramsci (2000) ressalta a importância de se analisar as “relações de forças” em seus distintos momentos e graus, a fim de estudar “se existem na sociedade as condições necessárias e suficientes para uma sua transformação” (p.40): “o grau de realismo e de viabilidade das diversas ideologias que nasceram em seu próprio terreno [...], das contradições” (Ibidem, Idem) geradas no desenvolvimento do capital; os graus “de homogeneidade, de autoconsciência e de organicidade” (Ibidem, p. 40-41) alcançadas pelas forças políticas. Nesta perspectiva, é preciso examinar como se organizam os subalternos e qual a agenda “alternativa” por eles trabalhada. Brevemente, no campo sindical, o maior protagonismo pode ser visto nos sindicatos dos trabalhadores da educação básica pública, entidades organizadas a partir de bases territoriais estaduais e unificadas, em sua maior parte, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação filiada à CUT. Existe um claro descompasso entre a pujança das greves e lutas empreendidas na presente década e as lutas nacionais, muito mais escassas e potentes. Merece destaque as importantes greves estaduais que enfrentaram temas políticos, como avaliação, concepção de carreira etc. Contudo, perto da metade (41%) dos trabalhadores docentes estão na condição sazonal de vínculo empregatício através da contratação temporária (SEKI et al, 2017). Por mais importante que tenham sido as greves – e foram – é forçoso reconhecer que não houve um enfrentamento nacional organizado. Os docentes das universidades públicas igualmente se destacaram por greves importantes, em 2001 e 2012, além de

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diversas outras greves que, embora impactantes, não lograram unificar o conjunto dos trabalhadores. O Andes-SN seguiu como o sindicato de maior importância por focalizar dimensões políticas das lutas – em torno da carreira, enfrentando o tema da previdência social e das aposentadorias, da falta de verbas e, mais recentemente, o congelamento e redução dos gastos públicos (despesas primárias da União), medida materializada na derrota da Emenda Constitucional n. 95/2016. Aqui o tema da mudança extraconstitucional de governo foi destacado. Também os trabalhadores técnicos e administrativos das universidades federais, por meio da Fasubra realizaram greves diversas, contudo, igualmente, sem empolgar o conjunto de sua base social. As lutas da educação tecnológica, lideradas pelo Sinasefe foram destacadas, com alcance irregular no período, mas, a exemplo das anteriores, sem assumirem um caráter nacional abrangente. Em comum, lutas importantes, mas que não chegaram a polarizar com as medidas do governo federal e com a agenda do capital, em especial na educação básica. A tentativa de unificação dessas lutas, debilitada pelo desmanche do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública a partir de 2005 e do Departamento Nacional dos Trabalhadores em Educação da Central Única dos Trabalhares não logrou êxito. De um lado, parte do movimento, vinculado aos governos Lula e Dilma, buscou fortalecer o Fórum Nacional de Educação (FNE) e as Conferências nacionais de Educação(CONAE) criados pelo Ministério da Educação. A derrota da escola pública no Plano Nacional de Educação (PNE) atesta que tais forças não estiveram no centro das decisões ao longo do processo de elaboração do referido PNE. Com efeito, é mais fácil encontrar as vozes do TPE, do Sistema S e do empresariado do que as vozes do público no texto final da Lei 13.005/2014. O governo Temer descaracterizou o FNE e a CONAE (Decreto Executivo de 26 de abril de 2017 e Portaria n. 577 de 27 de abril de 2017). As alternativas propostas pelas entidades

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vinculadas originalmente ao FNE não lograram capacidade de unificação com o conjunto dos sujeitos que realizaram lutas e elaborações críticas à pedagogia do capital. O intento de realizar a Conferência Nacional Popular de Educação (CONAPE) ainda não pode ser plenamente avaliada – em geral as plenárias estaduais tiveram modesto alcance, não logrando incidir de modo pujante na correlação de forças negativa ao público. A CONAPE será realizada em maio de 2018 e, se demonstrar capacidade convocatória, pode expressar uma retomada do protagonismo das forças organizadas pela CUT. De outro lado, os sindicatos e movimentos estudantis de esquerda lograram construir uma frente com uma agenda que se opunha à do capital, por meio do Encontro Nacional de Educação - ENE. Contudo, também aqui houve um estreitamento e não foi possível ultrapassar as fronteiras dessas organizações e movimentos, liderados pelo Andes-SN, Sinasefe e correntes estudantis diversas. A pauta avançou, mas não logrou um arco de forças suficientemente amplo para abarcar todos os setores que realizaram lutas nos últimos quinze anos. Na frente dos movimentos sociais, a iniciativa mais relevante foi a ampliação da agenda do MST que passou a interpelar não apenas a educação do campo, mas o conjunto da educação básica e superior, notadamente no II Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária – ENERA (setembro de 2015). A sua Carta final é uma referência indispensável para os debates sobre as alternativas. A contraposição com a agenda do capital é precisa e sistemática. Amplamente discutido nas bases do movimento, o II ENERA esteve circunscrito aos movimentos da Via Campesina no Brasil. Essa breve caracterização, simplificada, certamente, não faz jus a todas as lutas realizadas na última década, mas sugere que ainda não existe uma frente ampla de ação com meios e disposição de luta contra a agência do capital. Do ponto de vista organizativo, é forçoso reconhecer a forte supremacia

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da organização do capital – por meio de frentes de classe, como o TPE, e por um conjunto de aparelhos privados de hegemonia que atuam de modo sistemático, profissionalizado e com o horizonte de classe para si no polo do capital. Assim, o grande tema por parte da classe trabalhadora é o da organização ampla. E este somente pode ter avanços com um conjunto de proposições sobre a conjuntura e a agenda educacional que pode interessar ao futuro dos trabalhadores. A mudança na correlação de forças exige um programa que oriente a unidade de ação, o que concretamente envolve a agenda do ENE, do II ENERA e da CONAPE. E não bastará um arrazoado forçado das principais proposições de cada um destes coletivos, mas uma síntese dialogada. Entre os pontos centrais, por suposto, atualizar a defesa da escola pública (básica, tecnológica e superior) como dever do Estado e direito humano fundamental. Os temas do financiamento, da autonomia universitária e da gestão administrativa, financeira e patrimonial (tema extensivo, respeitando as suas particularidades, para os demais níveis educacionais) terão de assumir centralidade. Resulta evidente que é impossível ampliar verbas públicas para o setor público com o crescimento exponencial das transferências públicas para o setor privadomercantil, por meio do FIES e do ProUni. O público é também incompatível com a gestão privada das escolas públicas de educação básica. As questões da vida laboral – carreira, concursos públicos e aposentadoria são cruciais. O eixo de luta aqui passa pelo enfrentamento da EC 95, das contrarreformas trabalhista e da previdência, das questões agrária e urbana e da auditoria independente da dívida externa. Parte desta agenda é consensual, mas a sua dimensão substantiva – sobre as feições da mercantilização no tempo presente – seguramente irá exigir um trabalho mais longo e complexo. O programa educacional é certamente o eixo de menor acúmulo e unidade por parte das lutas. Após muitos anos de derrotas e de correlação de forças negativa, a agenda dos movimentos e dos trabalhadores tornou-se mais reativa e, a

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despeito de lampejos importantes, ainda resta pouco desenvolvida. Entre os pontos necessários, sobressaem: o que entendemos por cultura científica, tecnológica, artística e cultural – em resumo, o secularismo e a compreensão crítica da natureza e da sociedade; a laicidade (e a luta contra as discriminações da juventude LGBT); o real universalismo (e a luta contra o racismo e a discriminação das pessoas com deficiências); os nexos entre a escola e o mundo do trabalho, buscando a perspectiva da escola unitária – que rejeita a disjunção entre pensar e fazer, mandar e obedecer, dirigentes e dirigidos. Este eixo concretamente é o mais importante para mobilizar os estudantes e os trabalhadores da educação e envolver as famílias dos trabalhadores. É preciso uma elaboração capaz de mobilizar e apaixonar todos estes sujeitos na defesa e no ‘fazimento’ de uma escola pública que suplante a concepção empobrecida do capital humano, noção que coisifica os seres humanos como força de trabalho descartável. Os germes da escola do futuro foram plantados pelas lutas. O desafio é torná-los ideias e práticas que possibilitem uma vontade nacional popular na qual o conhecimento e o esclarecimento crítico possibilitem forjar alternativas civilizatórias que enterrem para sempre a barbárie aninhada nos projetos antissecularistas e irracionalistas empreendidos pela agência do capital e pelas forças hostis à emancipação humana. Referências BANCO MUNDIAL. Emprego e crescimento: a agenda da produtividade. Brasília: Grupo Banco Mundial, 2018. Disponível em , acesso em 18 abr. 2018.

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Capítulo VIII Produção destrutiva, agroecologia e ensino médio integrado ao médio do Movimento Sem Terra Henrique Tahan Novaes1 Este capítulo apresenta os resultados parciais de uma pesquisa em andamento que tem como objetivo geral analisar a contribuição do Movimento Sem Terra (MST) para a educação integrada e como objetivos específicos: a) analisar os princípios pedagógicos das escolas de ensino técnico integrado ao médio do MST; b) verificar se e como os princípios da agroecologia estão presentes nos cursos de ensino técnico integrado ao médio do MST do Estado de São Paulo. Historicamente a Educação Profissional estatal tendeu a especializar/adestrar os trabalhadores tendo em vista a sua inserção, na melhor das hipóteses, no mercado de trabalho. Diante da crise estrutural do capital, da qual podemos destacar a crise crônica do desemprego-subemprego e o colapso ambiental, os movimentos sociais têm criado espaços de resistência, como assentamentos baseados na produção e comercialização agroecológicas. Ao mesmo tempo, criam escolas técnicas que ajudam a reproduzir estas novas formas de produzir, baseadas nos princípios da agroecologia. Diante disso, surgem as seguintes perguntas: será que a escola técnica do MST se diferencia da escola técnica estatal? Como os princípios da agroecologia aparecem nas escolas do MST? Lutas pela agroecologia e a agenda agroecológica do Movimento Sem Terra (MST) Na segunda metade dos anos 1970 surgiram inúmeras lutas puxadas pelos trabalhadores. Lutas contra a fome, por Docente da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus de Marília. Professor do Programa de Pós Graduação em Educação – UNESP. [email protected] 1

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habitação, emprego, melhores salários, melhores condições de trabalho para o funcionalismo público, lutas dos bancários, lutas por terra e teto, creches, saneamento básico, lutas por educação e democratização da escola pública, lutas dos atingidos por barragens, pela utilização adequada da floresta (Amazônia), etc. eclodiram em todos os cantos do país (Sader, 1988). No fim das contas, o capital saiu vitorioso com a sua “transição gradual, lenta e segura”. Não conseguimos as diretas já. O capital esteve no controle desta transição, a ponto de Florestan Fernandes (1986) se perguntar se estávamos mesmo entrando na fase da “Nova República”. No que se refere às lutas contra “revolução verde”, para Mészáros (2004) esta “criou corporações-monstro, como a Monsanto, que estabeleceram de tal forma seu poder em todo o mundo, que será necessária uma grande ação popular voltada às raízes do problema para erradicá-lo”. Para nós, o Movimento Sem Terra (MST) é um dos movimentos sociais que está promovendo a denúncia do pacote da “revolução verde” e ações práticas voltadas para a promoção da agroecologia. O MST surgiu em 1984 e tem desde 1995 um setor de gênero, configurando uma espécie de “luta dentro da luta”. Na luta por terra surgem inúmeras lutas na terra, como a ambiental, a de gênero, por cooperação e estímulo ao cooperativismo, contra a transgenia, pela soberania alimentar, etc. Em Novaes (2012 e 2016) e Novaes e Pires (2016) mostramos que o MST incorporou a agenda agroecológica nos anos 2000. Para nós, a agenda agroecológica do MST é composta de alguns princípios, dos quais destacamos: a) soberania e segurança alimentar; b) reforma agrária popular, c) denúncia do pacote da “revolução verde” (agrotóxicos, adubos sintéticos, transgênicos, tratores e implementos agrícolas); d) experimentação prática da agroecologia; e) igualdade de gênero, f) promoção do trabalho associado, g) comercialização popular; h) agenda de pesquisa, ensino e extensão das instituições públicas voltada para a promoção da agroecologia.

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As escolas de ensino médio integrado do MST: princípios pedagógicos, agroecologia e forma de integração entre ensino técnico e ensino médio Em linhas gerais, a pequena quantidade de escolas de agroecologia vinculadas aos movimentos sociais deve ser compreendida dentro do contexto de ofensiva do capital2. Mônica Molina, Lizete Arelaro e Wolf (2015) nos mostram o incisivo assédio de empresas monoculturas - vinculados ao agronegócio - às escolas do campo. Em Teodoro Sampaio, a empresa denominada “Usina Odebrecht Agroindustrial”, a partir de diferentes estratégias de envolvimento do poder público municipal, de membros da comunidade, de lideranças e de agentes da escola, através do “Programa Energia Social para a Sustentabilidade Local”, tem conseguido se inserir nas escolas do campo da região disseminando e promovendo contra valores entre os docentes, os discentes e a comunidade, enaltecendo os “benefícios” do agronegócio para o território, dificultando a compreensão das imensas contradições que sob este modelo agrícola se escondem. Uma das mais perversas tem sido o convencimento da juventude das áreas de Reforma Agrária da região, de abrir mão da maior vitória alcançada com a luta pela terra, que significa o domínio deste meio de produção, convencendo esta juventude a vender sua força de trabalho a estas empresas monocultoras, conseguindo inclusive, que muitas famílias acabem arrendando seus lotes para estas mesmas empresas (Molina; Arelaro; Wolf, 2015). Do outro lado do front, a construção dos Centros de Agroecologia do MST está ligada aos objetivos fundadores do Movimento Sem Terra: “lutar pela terra, lutar por reforma

Poderíamos ir até mais longe, pois a ofensiva do capital impede o surgimento de escolas de movimentos sociais e ao mesmo tempo fecha escolas rurais e urbanas. Isso pode ser visto, por exemplo, no excelente documentário “Granito de Arena” sobre o fechamento de escolas técnicas rurais no México, e os inúmeros artigos que saíram sobre as ocupações de escolas no Brasil nos últimos anos. Vale a pena consultar os textos da Seção 22, dos professores do sul do México e dos docentes de Neuquén (Argentina). 2

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agrária e lutar por mudanças sociais no país” e mais recentemente a disputa pela matriz produtiva, tendo em vista a produção de alimentos saudáveis. Neste contexto, os princípios pedagógicos dos Centros de Agroecologia do MST são: - Ser um espaço de formação para as organizações da classe trabalhadora; - Ser um espaço para os encontros do Movimento Sem Terra e outras organizações, que buscam os mesmos objetivos de transformação social; - Ser uma referência no desenvolvimento de experiências na área de produção agroecológica, apresentando resultados concretos para os agricultores/as; - Ser um espaço de desenvolvimento de valores humanistas socialistas, desenvolvidos através da vida coletiva; - Aperfeiçoar o método de formação técnica e política e escolarização desde o ensino fundamental, como também no ensino médio e superior; - Ser espaços de desenvolvimento de experiências científicas e tecnológicas, voltados à realidade camponesa; - Ser um espaço de incentivo e vivência da cultura popular, resgatando especialmente cultura camponesa; - Ser um espaço onde as pessoas possam conviver, educando – se, trabalhando, divertindo-se e construindo perspectivas de futuro (MST–PR, 2004; LIMA, 2011, p. 87).

Para nós, a criação dos Centros de Agroecologia do MST representa: a) um espaço importante, em construção, na formação técnica e política de jovens do campo; b) na socialização do conhecimento histórico crítico e científico produzido pela humanidade; c) na integração entre conhecimento técnico e de ensino médio, d) na aproximação dos trabalhadores do campo e da cidade, apoiando a construção de ações coletivas de comum interesse, e e) na promoção da agroecologia (Lima, et. al. 2012, p. 194; Pires, 2015). Os fundamentos teóricos metodológicos que norteiam o Projeto Político-Pedagógico (PPP) dos cursos desenvolvidos nos Centros de Agroecologia do MST estão fundamentados na práxis política e educativa dos princípios da pedagogia

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socialista, da educação popular, do materialismo histórico dialético e da Pedagogia do Movimento Sem Terra (Caldart, 2004, 2015; Guhur, 2010; Lima et. al., 2012; Pires e Novaes, 2016). Consultando a obra de Caldart (2004, p. 315), constatase que a formação do sem terra tem como principal sujeito pedagógico o MST, “como uma coletividade em movimento, que é educativa e que atua intencionalmente no processo de formação das pessoas que o constituem”. Dentro disto, a Pedagogia do Movimento, tem sua matriz formativa desenvolvida sob cinco dimensões: a) pedagogia da luta social, b) pedagogia da organização coletiva, c) pedagogia da terra, d) pedagogia da cultura e e) pedagogia da história. Buscando articular trabalho, educação, escola e comunidade a proposta educativa dos cursos de agroecologia desenvolvida nos Centros além da Pedagogia do Movimento Sem Terra, também tem como referência o conceito de “trabalho socialmente necessário” desenvolvido por Viktor Shulgin (2013). Dessa forma, o “trabalho socialmente necessário” propõe a base da vida escolar, não como uma mera adaptação, adestramento das mãos e/ou método de ensino, mais ligado organicamente e estreitamente com o ensino. Usualmente a integração significa compreender os “fundamentos científicos do trabalho” geralmente negados a classe trabalhadora. Distinta da formação aligeirada, adestradora e voltada para o mercado de trabalho, na escola única o objetivo principal não é distribuir desigualmente os conhecimentos de acordo com a classe social de origem. Para Freitas (2012), a falsa dualidade entre formar técnicos ou formar para o ensino médio, é superada na “escola única do trabalho” com a bandeira da “integração” entre conhecimentos gerais e conhecimentos técnicos. Maria Ciavatta e Marise Ramos (2012) observam que a expressão Ensino Médio Integrado significa muito mais do que uma forma de articulação entre ensino médio e educação profissional: “ela busca recuperar as concepções de Educação politécnica, educação omnilateral e escola unitária” (Ciavatta e Ramos, 2012, p. 306)

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Nesse sentido, os Projetos Políticos Pedagógicos dos Centros de Agroecologia vão ser construídos com base na Pedagogia do Movimento Sem Terra, que tem uma certa influência dos princípios e conceitos desenvolvidos pelos pedagogos soviéticos, entre eles Pistrak e Shulgin. Nessa perspectiva o trabalho como princípio educativo, a autoorganização, a relação com a comunidade são princípios que compõem seu PPP e seu Projeto Metodológico (Promet) como podemos ver no caso da Escola José Gomes da Silva (EJGSParaná) apresentado no Quadro 1: Quadro 1 - Princípios Pedagógicos da Escola “José Gomes da Silva” – Paraná Princípios

Descrição

Direção coletiva

Todas as instâncias serão formadas por comissões de trabalhadores/as com igual direito e poder. As decisões serão tomadas, prioritariamente, por consenso político.

Divisão de tarefas Estimular e aplicar a divisão de tarefas e funções entre os sujeitos dos coletivos valorizando a participação de todos e evitando a centralização e o personalismo. Profissionalismo

Todos os membros dos setores e coletivos devem encarar com profissionalismo suas funções. Considerando profissionalismo sob dois aspectos: a) transformar a luta pela terra e a organização do Movimento como sua profissão militante. Ter amor e dedicar-se de corpo e alma por ela; b) Ser um especialista, procurando aperfeiçoar-se cada vez mais, naquelas funções e tarefas que lhe forem designadas, tendo em vista o conjunto da organicidade do Movimento.

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Princípios Disciplina

Descrição Aplicar o princípio de que a disciplina é o respeito às decisões do coletivo, desde o cumprimento de horários, mas, sobretudo de tarefas e missões. Planejamento Aplicar o princípio de que nada acontece por acaso, mas tudo deve ser avaliado, definido e planejado a partir da realidade e das condições objetivas da organização. Estudo Estimular e dedicar-se aos estudos de todos os aspectos que dizem respeito às atividades do Movimento. A organização que não formar seus próprios quadros políticos não terá autonomia para conduzir as lutas. Vinculação com as Massas A vinculação permanente com as massas de trabalhadores/as é a garantia do avanço das lutas e da aplicação de uma linha política correta. Das massas devemos aprender as aspirações, anseios e a partir de sua experiência, corrigir nossas propostas e encaminhamentos. Crítica e autocrítica Aplicar sempre o princípio da avaliação crítica de nossos atos e, sobretudo ter a humildade e grandeza de fazer a autocrítica, procurando corrigir os erros e encaminhar soluções. Fonte: Organizado por Pires (2015)

Por meio destes princípios pedagógicos, propõe-se que a formação seja desenvolvida desde um trabalho pedagógico voltado para a vivência de novas relações sociais, a organicidade3, o trabalho e o aprendizado em uma dimensão coletiva e participativa. 3 O termo organicidade é bastante usado nos debates internos do MST, seu significado e conteúdo abrangem: ampliar a participação, elevar o nível de consciência das famílias, formar militantes – quadros, ter o controle político do

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Partindo da organicidade os educandos e educandas que participam dos cursos de técnicos em agroecologia, por exemplo, vão ser organizados em Núcleos de Base e equipes de trabalho. O trabalho aparece “como provocador de novas aprendizagens, com o paradigma prática-teoria-prática, produzindo conhecimento sobre a realidade” (PPP, 2010, p. 11). A organização dos tempos educativos se dá em consonância com as outras esferas de ensino e aprendizagem nas equipes de trabalho (autosserviço) e nas Unidades produtivas da Escola (autossustento), conforme apresentamos no Quadro 2: Quadro 2 - Descrição dos Tempos Educativos da Turma “Revolucionários da Terra” Tempo Educativo

Descrição

Tempo aula

É o tempo em que são desenvolvidas as disciplinas e eixos temáticos nas áreas do conhecimento do currículo do curso. Os eixos temáticos referem-se a: disciplinas do momento de escolarização dos educandos, temas do caráter técnico entre outros. Podendo haver algumas mudanças, pois é preciso conciliar com as agendas dos educadores/as.

Tempo leitura

Atividade destinada à leitura e estudos dirigidos individuais, orientados pela necessidade de cada educando de se apropriar de determinados assuntos, com objetivo de construir um método adequado do estudo e desenvolvimento do hábito de leitura, da pesquisa e desenvolvimento intelectual, proporcionando momentos de socialização das mesmas no conjunto da turma.

espaço geográfico, implantar os círculos orgânicos, manter-se permanentemente vigilante, afastar os inimigos, acumular forças. Tudo isso ajudará na elaboração da estratégia na luta política pela Reforma Agrária, dando condições de fazer a disputa política na sociedade brasileira (MST, 2005).

C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 219 (continuação Quadro 2)

Tempo Educativo

Tempo trabalho

Tempo oficina e seminário

Tempo mística

Descrição É definido em vista às demandas internas da EJGS, contribuindo para a produção e manutenção nos diversos setores/ unidades do Centro/escola e atividades necessárias ao bem estar da comunidade e a formação de valores sociais e humanistas. Nesse sentido o tempo trabalho deve acontecer como elemento formativo que desenvolve a coletividade, a organização e a cooperação. A inserção dos educandos/as também cumpre papel de realizar pesquisas produtivas contribuindo no planejamento das atividades e na construção orgânica dos setores Destinado ao aprendizado e desenvolvimento de habilidades específicas aos focos de capacitação da turma. É o tempo previsto para que os educandos dominem novas atividades. Também pode ser usado para qualificação do trabalho nas unidades de produção. É organizado conforme a dinâmica das aulas e leituras. A mística é a alma da identidade Sem Terra. A EJGS tem a tarefa de resgatar o amor ao trabalho e a pertença do educando e da comunidade Sem Terra à classe trabalhadora. A mística é mais do que um tempo, é uma energia que perpassa o cotidiano. Por isso precisa-se dela no início de grandes atividades e, resgatá-la em vários momentos do dia. Esta atividade é de responsabilidade dos núcleos de base. Devese aprender a trabalhar e vivenciar a mística, cultivar a luta dos trabalhadores, datas importantes e conquistas. Também é o tempo de conferência dos núcleos de base e de informações.

220 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . ) (continuação Quadro 2)

Tempo Educativo

Tempo reflexão escrita

Tempo cultura e lazer

Tempo núcleo de base

Tempo notícia

Descrição Destinado ao registro das vivências e experiências que cada educando vai extraindo do processo educativo do Centro e do curso, que contribuirão na sua militância. É o momento que o educando tem para refletir sobre sua prática cotidiana e os desafios a serem superados. Para isto cada um terá um caderno específico, esta tarefa será feita cotidianamente, a partir da organização de cada sujeito. O mesmo será solicitado pela coordenação pedagógica para acompanhamento semanalmente. Destinado para atividades culturais, teatros, danças, visitas, músicas, cultura camponesa entre outras. A equipe de comunicação e cultura terá a responsabilidade de coordenar este tempo. Este tempo será organizado conforme as demandas apresentadas pela turma. Destinado à discussão e encaminhamentos gerais da turma e do curso, sendo também um espaço de estudo e debate para a autoorganização dos educandos nos processos de organicidade da EJGS e do MST É o momento destinado para acompanhar os noticiários através da televisão, jornais, revistas, fazendo uma reflexão crítica sobre os fatos que são noticiados pela mídia. Incluem-se também vídeos, documentários e palestras. Esta atividade será de inteira responsabilidade da unidade de cultura junto a equipe de comunicação e com orientações da CPP.

C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 221 (continuação Quadro 2)

Tempo Educativo Tempo estudo complementar

Tempo mutirão

Tempo comunidade

Descrição A intenção deste momento é proporcionar aos estudantes espaço de autoorganização para os estudos individuais e/ou coletivos, realizações de trabalhos das disciplinas e outras atividades. Visa contribuir com o cuidado da Escola, com a valorização das pequenas tarefas, com embelezamento do espaço público coletivo. Também é usado para fazer uma limpeza geral nas dependências da escola. É discutido conforme a dinâmica e demanda da EJGS. Os objetivos deste tempo são: Realizar atividades delegadas pela organização no qual o educando faz parte; comprometerse com a execução das linhas de produção alternativa; desenvolver atividades orientadas pelos educadores das disciplinas e pela coordenação pedagógica, desenvolver práticas de campo. A cada etapa esse trabalho será avaliado e reencaminhado. Os educandos desenvolverão as atividades que serão acompanhadas pela coordenação política pedagógica do curso, técnicos, coletivos dos setores do MST e direções das brigadas.

Tomando como referência os apontamentos de Shulgin (2013) sobre o “Trabalho socialmente necessário” observa-se que a PPP dos Centros do MST propõe três pontos básicos importantes: 1) orientado para melhoria econômica e da vida; 2) pedagogicamente valioso; e 3) estar em conformidade com as forças e particularidades dos adolescentes. Os tempos educativos, descritos no quadro acima, reforçam os princípios de que a “escola é um lugar de formação humana, e por isso as várias dimensões da vida devem ter lugar nela, sendo trabalhada pedagogicamente”. Dessa forma, “os tempos educativos contribuem no processo de organização dos

222 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

educandos levando-os a gerir interesses, estabelecer prioridades e assumir responsabilidade” (PPP, 2007, p 12). Cada tempo educativo além de ser parte estruturante da formação do futuro técnico, tem a característica de ser integrada quando apresenta a intencionalidade de fazer com que eles vivenciem e compreendam a Escola e o curso como um todo, por meio do princípio prático do “trabalho socialmente necessário”. Pires (2015) observa que os cursos de técnicos em agroecologia dos Centros do MST têm o objetivo de: formar profissionais comprometidos com a implantação de modelos de desenvolvimento rural sustentável, na sua forma multidimensional, ou seja, profissionais que tenham uma compreensão de uma variedade de dimensões do conhecimento como a “agricultura orgânica, biodinâmica, permacultura, entre outros (Pires, 2015, p.115).

Destaca-se também, a atenção dada no objetivo de “desenvolver o hábito da leitura, da pesquisa, do estudo e da elaboração escrita”, com o intuito de “promover a integração entre os diferentes níveis de conhecimento”. Na mesma vertente, aponta a intencionalidade de formar profissionais pesquisadores com “visão humanista, valores éticos e holísticos, conscientes e socialmente comprometidos, além de inseridos como sujeitos ativos nas lutas dos movimentos sociais” (Guhur, 2010; Lima, 2011; Pires, 2016). E terceiro a inter-relação entre o trabalho, a autoorganização e a relação com a comunidade, os cursos funcionam no regime de alternância, articulado em dois tempos complementares: o tempo escola (TE) e tempo comunidade (TC), que até certo ponto podem ser compreendidos como uma organicidade intencional com respeito a superar as formas de ensino que Shulgin (2013) denominou de “complexos sentados”4.

Os complexos sentados são a formação promovida pelas instituições de ensino baseando-se unicamente no ensino teórico e livros didáticos, faz referência a 4

C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 223

Nesse sentido, Guhur (2010) salienta que: Os cursos formais do MST são organizados no regime ou sistema de alternância, combinando períodos de atividades na escola (e também atividades de campo promovidas pela escola), o Tempo Escola (TE), que é um tempo/espaço presencial; e períodos nas comunidades de origem dos(as) educandos(as), o Tempo Comunidade (TC), que pode ser entendido como um tempo/espaço semipresencial. Importante salientar que “comunidade de origem” está aqui diretamente vinculada ao movimento social ao qual o educando pertence; é no TC que a Pedagogia do Movimento, (...), atua com mais força. Assim, “para os Sem Terra, o MST é o pedagogo do TC” (Iterra apud Guhur, 2010, p. 156).

Além das atividades que compõem o tempo escola, caracterizado como a participação orgânica e colaborativa entre a Coordenação Política Pedagógica, as famílias que residem no Centro e os próprios estudantes na condução dos processos pedagógicos de manutenção, produção e auto-organização da escola e do ensino5. Dominique Guhur (2010, p. 156) coordenadora da Escola Milton Santos faz a seguinte observação: No TC, os (as) educandos (as) desenvolvem trabalhos dirigidos pela escola, tais como: leituras, registros, pesquisas de campo, estágios, experimentações e cursos complementares. Além disso, devem participar ativamente na organicidade e nas lutas do Movimento Social de que fazem parte, e manter o enraizamento na comunidade ou coletivo de origem, participando de suas atividades (às vezes, o Movimento Social responsável pode enviar os educandos a outra comunidade em determinados TC, ou os educandos podem permanecer uma leitura da realidade, contudo, não se inserem numa vivência prática da realidade estudada (Shulgin, 2013). 5 Para uma leitura mais centrada na questão da gestão participativa dos Centros/Escolas de Agroecologia do MST no Paraná ver a dissertação de Laís dos Santos (2015).

224 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . ) na escola, contribuindo manutenção).

para

sua

construção

ou

Entende-se que o TC é o tempo em que os educandos e educandas, seguindo orientações dos tempos educativos, dos educadores e das demandas locais durante o (TE), inserem-se em sua localidade com a intenção de aproximar os conhecimentos adquiridos, fazendo o enfrentamento entre a contradição do real com o ideal, ou seja, a transição do paradigma da chamada “revolução verde” ao agroecológico. Na articulação do processo formativo entre o TE e TC está a importância dos espaços de formação vivenciados e sistematizados, como oportunidade da classe trabalhadora se apoderar do conhecimento que lhe foi retirado, mas, também, do conhecimento gerado no local, na ótica de quem está vivendo as contradições do capitalismo. De maneira geral, os cursos formais de educação profissional – tomada aqui em sentido alargado – representa o lócus “(...) onde mais o MST, como um conjunto, expressa sua concepção de escola, nas suas tensões, contradições e reafirmação de princípios, geralmente no contraponto com a lógica de suas instituições parceiras (MST apud Lima et. al. 2012, p.193-194)

Pires analisou (2016) analisou o Curso técnico em agroecologia integrado ao médio realizado na Escola José Gomes da Silva (Paraná). Sua dissertação de mestrado nos ajudou a perceber que a formação integrada nos Cursos do MST é diferente da formação e integração da escola estatal quanto: a) os princípios e a natureza da integração, b) os conteúdos disseminados de ensino médio e c) formação técnica e política. Como vimos acima, a formação técnica, histórica e política nos cursos de movimentos sociais tende a ser mais crítica que a formação dada pelo Estado e com outros objetivos. Para o nosso caso, os conteúdos teóricos e as experiências práticas de agroecologia tendem a ser mais críticos. A integração entre ensino médio e técnico tem em vista a

C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 225

formação de “técnicos” que ajudem na transição agroecológica dos assentamentos. No que se refere aos conteúdos de ensino médio, tendem a ser mais críticos que os veiculados na escola estatal, principalmente em função da visão teórica dos professores que circulam nas escolas de movimentos sociais. E mais que isso, a combinação entre Tempo Escola e Tempo Comunidade procura “materializar” as experiências agroecológicas, isto é, intervir de forma consciente e organizada nos assentamentos que pretendem transitar da “revolução verde” para a agroecologia. Em suma, utilizando a Pedagogia do Movimento Sem Terra, os Centros de Agroecologia pretendem formar jovens que possuem integrem o conhecimento geral do ensino médio (muitas vezes numa perspectiva crítica) e os fundamentos teóricos e práticos da agroecologia (conhecimentos “técnicos” e princípios da agroecologia), sempre tendo em vista a transição agroecológica nos assentamentos e a produção de alimentos saudáveis. Os cursos Técnicos em Agropecuária integrados ao Médio do MST no Estado de São Paulo O MST do Estado de São Paulo não caminhou no mesmo ritmo que nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná no que se refere à transição agroecológica nos assentamentos e a criação de cursos técnicos integrados ao ensino médio. No entanto, no ano de 2006, o COTUCA (Escola técnica da UNICAMP) e a Faculdade de Engenharia Agrícola da UNICAMP, em parceria com o Movimento Sem Terra (MST), com financiamento do PRONERA-INCRA e certificação do Centro Paula Souza, realizaram três turmas de Ensino Técnico em Agropecuária integrado ao Ensino Médio, nos polos de Presidente Prudente, Ribeirão Preto e Itapeva. Ao que tudo indica em 2006 as diretrizes do MST para a transição agroecológica já se faziam presentes em parte ou com força nos cursos criados pelo movimento. Em 2017, o Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia (UNESP-Marília), do qual fazemos parte, em

226 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

parceria com o MST e o Centro Paula Souza, começou a executar o projeto “Ensino Técnico em Agropecuária integrado ao Ensino Médio”, com financiamento do PRONERA-INCRA, coordenado por mim. Cumpre salientar que os princípios da agroecologia estão presentes no projeto, no entanto, por razões de ordem burocrática, o nome do curso permaneceu como “técnico em agropecuária integrado ao médio”. O Curso é voltado para a formação de 50 alunos do Sudeste do Brasil, principalmente do Estado de São Paulo. A reforma do Ensino Médio e os limites das escolas integrais estatais Frigotto (2005) observa que o Brasil é um país de capitalismo dependente e associado. Para ele, constituímos um capitalismo “esquisito”, “ornitorrinco”, com um sistema educacional público frágil, desintegrado e pequeno. Em resumo, as classes proprietárias brasileiras não quiseram construir um sistema educacional de qualidade, voltado para as maiorias. A nossa tragédia pode ser vista em números: cerca de metade dos jovens brasileiros estão fora do ensino médio, cerca de 80% fora do Ensino Superior. Nas favelas da cidade do Rio de Janeiro, metade do ano letivo do ensino fundamental foi cancelado em função do tráfico de drogas (Folha de São Paulo, 2017). Nosso país nunca fez reforma agrária e urbana. Nossos “cidadãos” moram em barracos, favelas, casebres e “puxadinhos” de baixa qualidade. Não conseguimos formar um sistema público de saúde de qualidade e transporte de qualidade. Cerca de metade da população em idade ativa não tem carteira assinada, vivendo de bicos, trabalhos temporários, na informalidade. Para piorar nossa tragédia, a mercantilização da educação e da saúde caminharam a passos largos nas últimas décadas. Diante disso, Frigotto (2005) conclui que se a nossa república é frágil, nossa democracia também é frágil e restrita. No governo Lula, a Lei 5.154/2004 criou algumas possibilidades de integração entre o ensino técnico e o ensino

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médio que resultaram na criação dos cursos analisados por nós. No entanto, mais uma vez as classes proprietárias não quiseram destinar uma quantidade de recursos significativa para “revolucionar” nosso sistema educacional. Kuenzer (2017) – no artigo “Trabalho e escola: a flexibilização do ensino médio no contexto do regime de acumulação flexível” fez inúmeras ponderações sobre a o regime de acumulação flexível e a proposta de Ensino Médio do Governo Temer. Sob o comando de Maria Helena Guimarães Castro, secretária executiva do MEC, surgiram propostas de uma nova Base Nacional Comum Curricular e a efetivação da Reforma do Ensino Médio, que têm sido questionadas por especialistas do campo crítico. No que se refere a quantidade de escolas integradas, é preciso destacar que a proposta da Reforma de Ensino Médio estipula somente 25%, o que pode ser interpretado como um baixo investimento em termos de promoção de escolas de qualidade. No que se refere à qualidade da integração, Kuenzer (2017) observa que esta nova proposta está, na melhor das hipóteses, adequada a nova fase da “acumulação flexível”, tendo em vista a formação de “colaboradores pró ativos”. Na melhor das hipóteses pois sabemos que historicamente o Brasil tende a “excluir” muito mais que “incluir”, tende a deixar de fora, muito mais do que inserir jovens numa formação “flexível”, “colaborativa”, “cooperativa”, “por habilidades, atitudes e competências”, ainda que essa exista em pequenos espaços mais dinâmicos do sistema educacional. Ao que tudo indica, boa parte da população continuará vivendo no desemprego ou subemprego, onde estas novas pedagogias não fazem muito sentido. Em síntese, tudo leva a crer que continuaremos com um sistema educacional público precário, com péssimas condições de trabalho e de remuneração para os professores, com baixa integração entre ensino técnico e ensino médio. Para Nelson Piletti (2016):

228 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . ) As sucessivas crises do ensino médio – acho que não seria incorreto falar de uma única e persistente crise, prolongando-se ao longo de toda a nossa história, alimentada até mesmo pelas frequentes mudanças a que foi submetido esse grau de ensino – conferem certa razão a Darcy Ribeiro quando afirma que “a crise da educação brasileira não é um problema, é um programa.

Historicamente a Educação Profissional estatal tendeu a especializar/adestrar os trabalhadores tendo em vista a sua inserção, na melhor das hipóteses, no mercado de trabalho. Ao que tudo indica a nova Reforma do Ensino Médio e sua proposta de ensino médio integral estão alicerçadas na nova relação entre escola e mercado de trabalho, no contexto da “acumulação flexível” (Kuenzer, 2017; Harvey, 1993). Possivelmente ela tem como “paradigma” a “sociedade do conhecimento”, símbolo da nova fase do capitalismo, que tem por objetivo formar “colaboradores” flexíveis e adaptados a nova realidade da sociedade capitalista, mais líquida, dinâmica e intensa, que requer inovações cada vez mais rápidas. Para encerrar, podemos afirmar que diante da crise estrutural do capital, na qual podemos destacar a crise crônica do desemprego-subemprego e o colapso ambiental, os movimentos sociais têm criado espaços de resistência, como assentamentos baseados na cooperação e na produção e comercialização agroecológicas. Ao mesmo tempo, criam escolas técnicas que ajudam a reproduzir estas novas formas de produzir, baseadas nos princípios da agroecologia. Nessas escolas, a certificação é dada pelos Institutos Federais ou pelo Centro Paula Souza, mas o controle dos cursos pelo MST varia de médio a alto. Que siga o instigante debate sobre a agroecologia e escolas de agroecologia dos movimentos sociais.

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Capítulo IX Trabalho-Educação, Economia e Cultura em comunidades tradicionais: entre a reprodução ampliada da vida e a reprodução ampliada do capital Ana Elizabeth Santos Alves1, Lia Tiriba2 O trabalho se constitui como mediação dos seres humanos com a natureza para assegurar a reprodução da vida social, material e simbólica. A premissa do princípio educativo do trabalho nos reafirma a necessidade de compreender em que circunstâncias históricas e em que relações sociais de produção se dá a atividade do trabalho, o que requer, entre outras coisas, responder perguntas clássicas da economia política: o que produzimos? Como produzimos? Por que e para quem produzimos? Como repartimos os frutos do trabalho? Para além da concepção ‘economicista’, que caracteriza a economia burguesa, vale recuperar o sentido etimológico da palavra economia: do grego Oikos (casa) e nemo (eu distribuo). Na Grécia Antiga, a Oikonomia era entendida como o conjunto de preceitos sobre a atividade de obtenção dos recursos necessários para a vida em família. Entendemos que, como atividade que se desenvolve no espaço familiar, dentro e fora da unidade doméstica, com o fim de satisfazer as necessidades da família e da comunidade (economia familiar/economia popular/economia comunitária), ou como ciência que rege os processos de produção, distribuição e consumo de uma 1 Doutora em educação (UFBA). Docente do Programa de Pós-Graduação em Memória, Linguagem e Sociedade, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Membro do Museu Pedagógico da UESB. Email: ana_alves183@hotmail .com 2 Doutora em Ciências Políticas e Sociologia (Programa de Sociologia Econômica e do Trabalho), pela Universidade Complutense de Madrid. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal Fluminense (UFF) – Mestrado e Doutorado. Email: [email protected]

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sociedade, a economia só pode ser compreendida no conjunto das relações sociais que, historicamente, os grupos e as classes sociais estabelecem nos processos de produção da existência humana. É no ambiente das comunidades tradicionais, onde queremos refletir sobre as relações trabalho-educação, entendidas como unidade dialética. Tendo em conta que o trabalho de produção da vida social é em si educativo, nosso propósito é trazer à superfície evidências empíricas de práticas econômicas e culturais que, embora atravessadas por mediações do capital, são calcadas nos valores de solidariedade e cooperação. Optamos pelos termos ‘povos e comunidades tradicionais’ ou ‘comunidades tradicionais’ para nos referir a pescadores artesanais do Rio Paraguai (Pantanal matogrossense), a quilombolas de Mato Grosso, a ribeirinhos e pescadores artesanais do Rio Tocantins (Cametá/Pará), a trabalhadores(as) rurais que se autodenominam pequenos agricultores e a suas famílias que moram na microrregião de Vitória da Conquista (Bahia) e a trabalhadores rurais associados que residem na região cacaueira de Camacã (no sul da Bahia)3. Economia, cultura e hegemonia: alguns pontos de partida Poderia parecer redundante dizer que no modo de produção capitalista são hegemônicas as relações capitalistas de produção da vida social. Entretanto, acreditamos que, tanto E. P. Thompson (1981), como Raymond Willians (2011) nos ajudam a aprofundar o entendimento dessa assertiva marxiana

3 Este artigo é fruto da articulação de duas pesquisas: ‘Reprodução ampliada da vida: dimensões educativas, econômicas e culturais do trabalho de produzir a vida associativamente’, coordenada por Lia Tiriba (2016), e ‘A centralidade do trabalho e da educação nas histórias de vida de mulheres e homens em comunidades rurais’, coordenada por Ana Elizabeth Santos Alves (2014-2017), com financiamento do CNPq. Os dados empíricos citados são oriundos das análises dessas e de outras pesquisas.

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– o que, para nós, justifica, epistemologicamente, a opção por eleger os modos de vida em comunidades tradicionais como objeto de reflexão. Sobre a formação econômica e cultural da classe trabalhadora, mediada pela experiência humana, individual e coletiva, Thompson nos diz que a classe se delineia segundo o modo como homens e mulheres vivem suas relações de produção e segundo a experiência de suas situações determinadas, no interior do ‘conjunto de suas relações sociais’, com a cultura e as expectativas a eles transmitidas e com base no modo pelo qual se valeram dessas experiências em nível cultural (THOMPSON, 2001, p. 277).

Refutando o reducionismo econômico e reafirmando as relações dialéticas entre base e superestrutura, ao se referir ao “conjunto das relações sociais”, Thompson quer chamar atenção para a necessidade de se considerar as formas como as pessoas apreendem as relações sociais capitalistas (que são hegemônicas) e, também, outras relações econômicas e culturais no fazer-se de homens e mulheres trabalhadores(as). Nessa perspectiva, a cultura popular se constitui como elemento indispensável para análise das experiências de classe ocorridas ao longo da ‘formação da classe operária na Inglaterra’. Concebendo a história como “processo estruturado”, em Costumes em comum, Thompson (1998) analisa as práticas culturais como parte integrante da “economia moral das multidões”, em defesa de um modo de vida que se contrapõe ao modo de vida capitalista. Em nossos estudos, parece-nos fundamental a contribuição de Raymond Willians em relação à hegemonia, cujo conceito apreendeu do pensamento de Antonio Gramsci e que é chave para uma concepção materialista de cultura. Para Willians, hegemonia não pode ser entendida como um conceito estático, dado que suas estruturas internas são complexas e precisam ser constantemente desafiadas e, portanto, precisam

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ser recriadas e defendidas continuamente. Como um conjunto de significados e valores que são experimentados enquanto práticas e que se confirmam mutuamente, a hegemonia abrange muitas áreas da vida. Ela constitui “um sentido absoluto por se tratar de uma realidade vivida além da qual se torna muito difícil para a maioria dos membros da sociedade mover-se” (WILLIANS, 2011, p. 53). No entanto, é preciso considerar o que acontece ‘fora’ do modo dominante, pois como afirma Willians (2011, p. 59): Nenhum modo de produção e, portanto, nenhuma sociedade dominante ou ordem da sociedade e, destarte, nenhuma cultura dominante pode esgotar toda gama de prática humana e da intenção humana (essa gama não é o inventário de alguma ‘natureza humana’ original, mas ao contrário, é aquela gama extraordinária de variações práticas e imaginadas pelas quais seres humanos se veem como capazes).

Nos Estados da Bahia, Mato Grosso e Pará, não seria coincidência encontrar nas comunidades tradicionais o que Raymond Williams chama de “culturas residuais” e “culturas emergentes”. Para não considerar como arcaicas ou atrasadas as culturas nessas comunidades e, muito menos, cair no romantismo em relação aos modos de vida que lá se configuram, é importante estar atento para perceber que, na prática, os modos de vida tanto podem ser ‘alternativos’, como podem ser ‘opositores’ ao modo de produção capitalista. Sobre as dificuldades de superar a hegemonia do capital sobre o trabalho, precisamos considerar que: As dificuldades da prática humana fora ou em oposição ao modo dominante são obviamente reais. Elas dependem muito da prática estar ou não em uma área em que a classe e a cultura dominantes têm um interesse e uma participação. Se o interesse e a participação são explícitos, muitas novas práticas serão alcançadas e, se

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A partir das contribuições de Thompson e Willians, acreditamos que as comunidades tradicionais são parte integrante e constitutiva dessas “variações práticas e imaginadas”, o que nos faz eleger seus modos de estar no mundo, considerando os nexos entre economia e cultura como pares dialéticos. Não se trata de entender questões de ‘ordem econômica’ ou de ‘ordem cultural’, mas de apreender as relações econômico-culturais que tecem os fios da produção da existência humana, no intercâmbio com outros seres da natureza. Entre quilombolas, ribeirinhos e pescadores: mediações do capital e do trabalho de produzir a vida associativamente Mediação, contradição e particularidade são categorias do materialismo histórico que nos conduzem à análise da totalidade social, onde jovens, adultos e crianças, das comunidades tradicionais, (de)formam-se na luta pela reprodução ampliada da vida. No livro 17 contradições e o fim do capitalismo, David Harvey (2016) analisa a crise atual do capitalismo no século 21, a qual – assim como todas as suas crises – é essencial para sua reprodução: “como disse Marx certa vez, as crises mundiais sempre foram ‘a concentração real e o ajuste forçoso de todas as contradições da economia burguesa’” (HARVEY, 2016, p. 12). Para compreender os problemas que nos desafiam, o autor nomeia as contradições do capitalismo como “fundamentais”, “mutáveis” e “perigosas”. Como “contradições fundamentais”, Harvey destaca a contradição entre valor de uso e valor de troca, entre o valor social do trabalho, sua representação pelo dinheiro e a apropriação privada da riqueza, as quais geram a própria unidade contraditória entre produção e realização. São aquelas que são constantes do capital, em qualquer época ou lugar e

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cujas leis básicas se mantêm ao longo da história do capitalismo. São elas que “definem o terreno político no qual podemos delimitar uma alternativa para o mundo criado pelo capital” (HARVEY, 2016, p. 90). Entre as “contradições mutáveis”, ou seja, aquelas que resultam de determinadas circunstâncias do desenvolvimento das forças produtivas, o autor apresenta a questão do avanço da tecnologia, a descartabilidade humana, as formas desiguais de produção do espaço e de desenvolvimentos geográficos, as disparidades de renda e riqueza, entre outros. Quanto às “contradições perigosas”, tanto para o capital, como para a humanidade, ressalta a relação do capital com a natureza que, em nome de um crescimento exponencial infinito, é remodelada e reconfigurada pelas ações do capital, ameaçando a vida no planeta. Para ele, “o ecossistema é construído a partir da unidade contraditória entre capital e natureza, da mesma maneira que a mercadoria é a unidade contraditória entre valor de uso (sua forma material e ‘natural’) e valor de troca (sua valoração social)” (HARVEY, 2016, p. 230). Em outras palavras, “o capital transformou a questão ambiental em um grande negócio. As tecnologias ambientais são cotadas a valores altíssimos nas bolsas de valores” (HARVEY, 2016, p. 231). É no ambiente das contradições fundamentais, mutáveis e perigosas do sistema capital que os povos e as comunidades tradicionais resistem e afirmam seus modos de vida e o direito de decidir sobre seus destinos. Mas antes de tudo, é preciso dizer que o Brasil é considerado o maior consumidor de agrotóxicos do mundo: em 2010, foram utilizados mais de 800 milhões de litros em nossas lavouras, cabendo o consumo de 5,2 litros a cada brasileiro. Neoextrativismo, monocultura, uso crescente de inseticidas, de herbicidas e de outros agrotóxicos são alguns dos ingredientes da chamada ‘revolução verde’, cujo objetivo é promover desenvolvimento das forças produtivas do capital. Em busca de obter um rendimento da terra superior ao dos cultivos tradicionais, as monoculturas são geneticamente uniformes

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(cultivos homogêneos de variedades de laboratório) e, a cada safra, o produtor precisa adquirir novos pacotes tecnológicos. Ao poluir as águas, extinguindo espécies nativas e grande parte da fauna dos rios, o modo de produção capitalista caminha no sentido contrário à preservação da vida, causando desequilíbrios ecológicos na cadeia alimentar. Sendo o avesso dos sistemas agrícolas tradicionais, o agronegócio desconsidera, ou coloca a seu favor os conhecimentos tradicionais sobre a interação solo-planta-água-ecossistema. No Estado de Mato Grosso, encontramos 45 etnias, localizadas em 78 terras indígenas, que lutam pela demarcação e proteção de suas terras. Resistem também 68 comunidades pantaneiras e 69 comunidades quilombolas, espalhadas nos biomas do Pantanal, Cerrado e Amazônia (SATO et alli, 2013). Nesse Estado, considerado a capital do agronegócio, verificamse a exploração sobremaneira dos ecossistemas, a degradação da diversidade e de homens e mulheres, cuja racionalidade econômica e cultural dos modos de vida se distingue da lógica do modo capitalista de produção da vida social. A riqueza ambiental e cultural que ali se constitui, torna-se objeto de resistência e de luta contra a espoliação. Sobre os conflitos sociais ambientais, foi verificada, em 2012, a existência de “194 pontos de ocorrência, com 359 causas propulsoras, sendo 68 desses pontos denunciados como ameaças de morte e 12 locais sinalizam a prática desumana do trabalho escravo”, o que nos possibilita constatar o “cenário de insustentabilidade social e ecológica do modelo de desenvolvimento instituído em MT” (SATO et alli, 2013, p. 124). Em Mato Grosso4, Camilla Neves (2013) analisou os significados da produção associada para moradores da

4 O Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação (GPTE/UFMT), coordenado pelo Prof. Dr. Edson Caetano, tem analisado diversas comunidades tradicionais no Estado de Mato Grosso, entre elas citamos a Comunidade tradicional pantaneira, de São Pedro de Joselândia; a Comunidade tradicional do Imbé; a Comunidade quilombola Campina de Pedra; a Comunidade

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Comunidade Quilombola de Capão Verde, localizada no município de Pocomé. Os dados revelam que não são poucos os problemas encontrados, entre eles a forte influência do SEBRAE, em relação à perspectiva empreendedora da agroindústria de derivados de banana da terra; a saída dos mais jovens em busca de trabalho na cidade; além da escassez de água encanada: “Agora nós tamo nessa peleja aqui resolvendo questão de água. Fez rede, mas a água não chegou na minha casa, nas outra vai água tudinho insuficiência de falta de água entre outros” (CATARINO, apud NEVES, 2013, p. 151). O descaso do poder público se manifesta em todas as esferas da vida. Quando não são suficientes o cuidado e a solidariedade dos moradores em relação às pessoas que adoecem, é preciso buscar atendimento médico: Se precisa fazê exame vai lá no Chumbo. Nós não tem carro próprio, aí é difícil demais pra ir; o ônibus não passa lá. Prá nóis é até mais fácil ir prá Cuiabá, porque aqui nóis mora na beira da avenida, pega o ônibus e vai direto. Prá ir para Poconé nóis tem que ir lá no entroncamento de Livramento, é difícil (MARIA ALBERTINA, apud NEVES, 2013, p. 106).

No Pantanal mato-grossense, onde existem cerca de 1.000 espécies de aves, 300 espécies de mamíferos, 480 espécies de répteis e 300 espécies de peixes, o sistema capital tem ameaçado a flora, a fauna e o modo de vida dos ribeirinhos e dos pescadores artesanais. No trabalho de campo realizado no Rio Paraguai, adentramos numa pequeníssima parte do patrimônio ambiental do Sistema Paraguai-Paraná de Zonas Úmidas, que abrange Brasil, Argentina, Bolívia, Uruguai e Paraguai. A beleza exuberante do Pantanal vem acompanhada de outras paisagens: plantações de soja, eucalipto, pinos e outras monoculturas; utilização sem limites de agrotóxicos e quilombola Capão Verde; o Assentamento Rural 14 de Agosto, em Campo Verde; as Comunidades tradicionais de Cáceres, aldeias da etnia Chiquitano.

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fertilizantes químicos; crescimento do rebanho bovino e suíno; poluição e contaminação dos recursos hídricos causadas por dejetos industriais, em especial pelos frigoríficos. Isso, sem falar dos empreendimentos futurísticos do hidronegócio: os projetos para construção de mais de 100 usinas hidrelétricas; a eminente ativação da Hidrovia Paraguai-Paraná, para escoamento da produção agropecuária; a crescente construção de barragens e de tanques para a piscicultura, nas lâminas d’água da região, etc. A ganância voraz do capital tem alterado o pulso de inundações na planície do Pantanal, prejudicando a biodiversidade da região, limitando a migração de peixes que sobem os rios para a reprodução e retendo organismos aquáticos importantes para a alimentação dos seres humanos e não humanos (TIRIBA; SANTANA, 2017). Mediados pelo capital e pelo trabalho de produzir a vida associativamente (TIRIBA; FISCHER, 2013), mulheres e homens das comunidades tradicionais resistem, estabelecendo intensas relações com a natureza. Como lembra Valter Cruz (2012, p. 598), “esses grupos possuem extraordinária gama de saberes sobre os ecossistemas, biodiversidade e os recursos naturais [...]” e que “[...] o acervo de conhecimento está materializado no conjunto de técnicas e sistemas de uso e manejo dos recursos naturais, adaptado às condições do ambiente em que vivem”. É por isso que, para o pescador Sérgio, do Pantanal Mato-grosense, “é como se a [gente] fosse um biólogo, na verdade”. Para Seu Justino, que está atento ao caminho das águas e dos peixes, é um equívoco antecipar a Piracema para o mês de outubro: Sabe por quê? Porque natureza é natureza. A chuva pode vir mais cedo ou vir mais tarde. Eu penso é isso. De repente, [a temporada de pesca] fecha mês que vem. De repente a chuva não vem. O peixe que vai sofrer. Não somos nós. O peixe não vai subir. A ova vai ficar na barriga dele. Se tiver água, ela vai subir. Se não tiver, ela não vai subir. É isso o que vale (JUSTINO, apud TIRIBA; SANTANA, 2017, p 70).

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Pescador artesanal do Pantanal Mato-grossense. Fonte: Lia Tiriba, tirada em 2016.

Acampamento depescadores artesanais do Pantanal Mato-grossense. Fonte: Lia Tiriba, tirada em 2016.

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No cotidiano da pesca, é preciso se proteger de muitos perigos, entre eles, o perigo da Onça Pintada e “do bichohomem, ou melhor, dos homens-de-negócio que se enriquecem à custa da exploração do trabalho alheio” (TIRIBA; SANTANA, 2017, p.70 ). Para driblar a lógica perversa dos atravessadores e de outros representantes dos interesses do capital, além de se vincular à Colônia de Pescadores Z-02, um grupo de pescadores e pescadoras têm se mobilizado, com o apoio do Núcleo UNEMAT – UNITRABALHO, da Universidade do Estado do Mato Grosso, para organizar uma cooperativa que fortaleça laços de solidariedade e reciprocidade. Em Cametá, no Estado do Pará, os pescadores artesanais do Rio Tocantins sabem Prá onde sopram os ventos (BARRA, 2015). Depois da criação da Usina Hidroelétrica de Tocantins e de outras ações de empresários vinculados ao agronegócio e ao hidronegócio, os impactos ambientais foram desastrosos. A usina foi projetada na época da ditadura empresarial-militar e sua construção iniciada em 1975. O objetivo da política de modernização conservadora foi tornar navegável um trecho do Rio Tocantins, gerar energia para a região, em especial para siderúrgicas de produção e exportação de alumínio. Ao desviar o curso do rio e provocar inundações numa área de 2.830 km², a obra expulsou centenas de família das comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas e pequenos trabalhadores rurais, remanejando mais de 25 mil pessoas. Além disso, a construção da barragem, fechada em 1984, repercutiu em praga de mosquitos, em surto de malária, entre outros5. Em síntese,

5 Sobre as consequências, 25 anos depois da construção da Hidrelétrica de Tucuruí, ver o vídeo Tucuruí - a saga de um povo, produzido pelo Movimento Nacional de Atingido por Barragens (2010). Disponível em: .

252 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . ) a instalação desse projeto alterou profundamente o modo de vida dos habitantes dessa área, principalmente por terem incluído em seu cotidiano outras formas de relacionamento com os novos atores que chegavam à região: as grandes empresas, particularmente a Eletronorte (DIEGUES, 1999, p. 55).

A cerca de 200 km ao norte de Tucuruí, às margens do Rio Tocantins, encontra-se o município de Cametá, com suas esplendorosas ilhas, igarapés e povoados. Sobre os sentidos do trabalho para o pescador artesanal, José Barra (2015, p. 26) nos indica que “o rio e a terra são compreendidos não só como espaço de trabalho, mas também de moradia, de sobrevivência, de convivência comunitária e de educação”. No entanto, a deterioração do meio ambiente faz com que os ribeirinhos do Baixo Tocantins, tanto de terra firme, quanto das ilhas, tenham que buscar outras formas de trabalho. Em julho de 2017, participamos de uma reunião com pescadores, lideranças locais, além de professores e pesquisadores da Universidade Federal do Pará/Campus de Cametá. As necessidades de complementar a renda familiar pareciam ser tantas, que um antigo pescador se mostrou muito preocupado com o futuro das crianças e jovens ribeirinhos, sugerindo que a escola passasse a dar aula de informática para os alunos, ou seja, preparasse-os para um mundo de trabalho estranho aos ribeirinhos. Em sua tese de doutorado, Egídio Martins (2017) analisa, exaustivamente, as condições de vida e trabalho dos pescadores de Cametá. O relato de um pescador artesanal diz que eles necessitam de ajuda, “[...] porque a dificuldade é grande, não existe como a gente somente pescar para sustentar a família diretamente do Baixo Tocantins. Saio para mariscar, por exemplo, com a malhadeira, às vezes não consigo do almoço” (Pescador 5 apud MARTINS, E., 2017, p. 143). Para assegurar melhores condições de vida e de trabalho, os pescadores artesanais reivindicam do Estado seus direitos sociais. Foi fundamental a organização e a resistência dos(as)

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trabalhadores(as) em torno da Colônia de Pescadores Z-16 que, até o final da década de 1980, atendia aos interesses dos atravessadores e de outros representantes do capital. Com ajuda da pastoral dos pescadores, começamos a reunir, a gente reunia três, quatro, cinco, vezes, debatendo, discutindo as formas, de conquistar a Colônia. Dessas nossas reuniões surgiu uma reunião grande, realizada no sindicato dos trabalhadores rurais, eu não estava, mas eu soube que queriam brigar, teve briga, o pessoal do Lilico se revoltaram contra o nosso pessoal (Pescador 3, apud MARTINS, E., 2017, p. 116).

Além de outras formas associativas de trabalho, a Colônia de Pescadores Z-16 estimulou a criação, em 2008, da COOPAC – Cooperativa de Empreendimentos Autogestora de Cametá, que produz e comercializa palmito, além de manter um tanque de peixes, camaroeira, plantio de banana e cupuaçu. Segundo um dos pescadores “[...] o projeto da fábrica de palmito, de gelo, o laboratório de alevinos, tudo é resultado da Colônia, todos estão funcionando” (Pescador 3, apud MARTINS, E., 2017, p. 143).

Cametá, margens do Rio Tocantins/Pará. Fonte: Lia Tiriba, tirada em 2017.

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Embalagem do Palmito produzido pela COOPAC. Fonte: Lia Tiriba, tirada em 2017

É continua a luta para que prevaleçam os interesses do trabalho e não do capital. Os embates ocorrem, inclusive, nos momentos de eleição dos coordenadores de base, cujo trabalho é encaminhar as demandas da comunidade, estimular sua participação nos cursos de formação e em outras atividades promovidas pelo grupo. Orgulhoso, um pescador conta que quando se tornou coordenador de sua comunidade passou “[...] a contribuir na conscientização do povo da importância que tinha o nosso direito [...] às vezes ficava velho na pesca era quando ia se aposentar, não tinha entidade nenhuma para se representar” (Pescador 6, apud MARTINS, E., 2017, p. 150). Os pescadores considerados ‘capitalizados’ representam uma constante ameaça aos pescadores artesanais: O desafio daqui para frente é não deixar a ‘peteca cair’, segurar a Colônia nas nossas mãos, [...] já tem uma chapa formado, para disputar a eleição da Colônia, tem um pessoal que já estão capitalizado, não querem ser considerado pescador artesanal, aquele que não tem o grande capital, pescador artesanal tem que ter barco de dez tonelada para baixo, pescador que se diz pescador capitalizado, tem grande barco e outras coisas, comércio etc. por isso que tem essa polêmica aí (Pescador 3, apud MARTINS, E., 2017, p. 160).

Os saberes adquiridos no processo de trabalho e nos processos formativos promovidos no âmbito da Colônia de Pescadores Z-16 têm sido importantes para enfrentar a força do vento, que sopra mais a favor do capital e muito menos a

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favor de mulheres e homens trabalhadores que povoam a região. No que diz respeito à conquista do Seguro Defeso e ao Acordo de Pesca, Doriedson Rodrigues (2015, p. 44) lembra que, “ao tomarem o saber sobre o Estado e suas políticas assistencialistas, [os pescadores] fortalecem-se politicamente enquanto classe para si e percebem nesses elementos, fatores importantes para manter a coesão enquanto classe.” Para Martins, as experiências construídas na práxis política dos pescadores da Z-16 estão imbuídas de contradição, de modo que, ao lutarem para dar conta de sua subsistência, lutam também contra as ações das ideologias da classe que detém o poder dos meios de produção, mas, ao mesmo tempo, necessitam dessa classe, por meio do Estado, para subsidiar sua condição de existência (MARTINS, E., 2017, p. 49).

Enfim, ribeirinhos, pescadores e quilombolas lutam como povos e comunidades tradicionais e como classe trabalhadora para assegurar modos de vida fundados em relações de solidariedade. Sobre formas de sociabilidade que fortalecem a associatividade entre homens e mulheres trabalhadoras, John Comerford (2003) ressalta a importância dos laços existentes de parentesco, compadrio, amizade e pertencimento religioso. Tomando de Bailey o conceito de “comunidade moral”, centrada na construção de relações de reputação, indica que, no processo de luta em defesa dos direitos sociais, os laços vão se fortalecendo no interior das comunidades rurais e dos sindicatos de classe, constituindo-se como “comunidade moral militante”. Mas, é preciso não mistificar as relações que se estabelecem nas comunidades tradicionais. Como nos indica Thompson (1998), embora o sentimento de pertencimento ao grupo seja um elemento indicativo da existência de práticas e de valores

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compartilhados, a cultura não se constitui como campo de consenso, mas como campo de conflitos6. Modos de vida e sociabilidade em comunidades tradicionais rurais ‘Modos de vida’ é um conceito multidimensional e de definição incerta, em função de diversas concepções teóricometodológicas presentes no campo das ciências sociais (BRAGA; FIÚZA; REMOALDO, 2017). Para a finalidade de nossa análise, neste texto, ‘modos de vida’ é compreendido como um conjunto de práticas sociais cotidianas de um determinado grupo social, relacionadas ao mundo do trabalho, à vida familiar, ao consumo e ao lazer, articuladas com a sociedade em geral (GUERRA, 1993). Os modos de vida, em comunidades tradicionais rurais, remetem-nos a formas de existir do camponês na luta diária em busca de sobrevivência, nas práticas rotineiras para manutenção e reprodução da vida construída em torno da terra, da família e do trabalho, mediado por relações de solidariedade com parentes e vizinhos (MARQUES, 2004). A ajuda mútua visa o bem comum da comunidade. Materializa-se nas trocas cotidianas de ferramentas de trabalho, nos mutirões para plantio e para colheita, na manutenção de estradas, pontes, na organização de casamentos, batizados e festividades que acontecem após a realização dos trabalhos coletivos.

6 Pesquisas realizadas no Brasil, no campo da antropologia e da sociologia, inspiradas em teorias funcionalistas, definiam uma Comunidade “como um lugar de igualdade, integração e afeto, sem levar em conta os conflitos, as mudanças e as hierarquias” (ALVES; SILVA, 2013, p. 43). Esses estudos podem ser conhecidos em coletânea organizada por Florestan Fernandes (1972). No Estado da Bahia, por exemplo, no final dos anos 1940, realizaram Estudos de Comunidade na região da Chapada Diamantina, especialmente nas cidades de Rio de Contas e Nossa Senhora do Livramento de Brumado, no desenvolvimento do “Programa de Pesquisas Sociais Estado da Bahia” em parceria com a Universidade de Columbia -EUA.

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Os saberes do trabalho são produzidos cotidianamente. A cultura é transmitida de geração em geração. Como Tardin, podemos dizer que, cotidianamente, o ser camponês estabelece fortes relações com a natureza e que sua forma de estar no mundo exige conhecimentos amplos, entre outros, sobre as plantas cultivadas e os animais silvestres criados; saberes sobre produção, proteção, conservação, transformação e armazenagem; sobre usos que incluem a gastronomia [...]; sobre o clima, o vento, a temperatura, a chuva, a seca, a geada; sobre as estações do ano e o ciclo lunar; sobre fertilizantes, ferramentas e máquinas de trabalho; sobre construção; e sobre produção artesanal, roupas, calçados, adornos (TARDIN, 2012, p. 180).

Em comunidades tradicionais rurais da região de Planalto (BA7), os modos de vida se caracterizam por vínculos estreitos de homens e mulheres com a natureza, por relações de parentesco e de vizinhança com fortes laços comunitários, fundadas em princípios de sociabilidade que visam a “construção política de um ‘nós’ que se contrapõe ou se reafirma por projetos comuns de existência e coexistência sociais” (WELCH et alli, 2009, p. 13), na conservação de costumes e tradições. A sociabilidade entre os grupos familiares se manifesta na ajuda mútua no trabalho doméstico, na roça e na cooperação em acontecimentos importantes, como a realização de festas de casamento e a construção de casas. Ao mesmo tempo, evidenciamos que os modos de vida também são tecidos no âmbito da sociabilidade do capital, por meio da inserção produtiva no trabalho assalariado em outras terras ou nas cidades. A narrativa de uma das moradoras retrata bem essa situação:

7 Análises sobre as comunidades tradicionais rurais de Planalto (BA) já foram objeto de outras publicações como Alves (2016; 2013).

258 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . ) Nos tempo das plantações mesmo as chuvas faltam, outra hora quando dá uma chuvinha a gente pranta, o tempo levanta. Eles acham melhor trabalhar fora pra ganhar o dinheiro já apurado de que trabalhar na roça e risca não ter nada, mas muita gente não pensa assim não [...] (A LUTA..., 2014)8.

Nessa região, a produção familiar enfrenta as adversidades das condições naturais do lugar, pelo tipo de vegetação da Caatinga, com baixa precipitação pluviométrica, além da instabilidade gerada pela fragilidade das condições econômicas, educacionais e tecnológicas. A esse respeito, a Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), órgão do governo estadual da Bahia, desenvolveu projeto de extensão, de 2008 a 2011, nessas comunidades, com o objetivo de ensinar e de colocar em prática conhecimentos sobre quintais produtivos (para as mulheres) e sobre criação de pequenos animais (para os homens). Também distribuiu mudas de plantas e incentivou os moradores a fundar a Associação dos Pequenos Agricultores de Jacó e Poço Dantas. A iniciativa de formação de uma associação contribuiu para o fortalecimento político dos moradores. Eles tomaram para si essa ação e foram em busca de recursos e de estratégias alternativas para a construção de um projeto emancipatório, para a vida das famílias. A perspectiva de ajuda mútua, que caracteriza a cultura camponesa, pode ser verificada, como indica Tardin (2012, p. 181), com a “formalização de sistemas organizativos voltados para o alcance de resultados econômicos mais vantajosos”, como associações comunitárias e cooperativas. Entretanto, esse projeto esbarrou nas contradições do capitalismo, que produz um perverso processo social que desestrutura o universo das relações pessoais dos indivíduos (ALVES; ALMEIDA, 2014). Além dos conflitos com os modos de vida próprios do mundo rural, considerados por muitos como Entrevista concedida pela moradora Rosa, no documentário A luta da vida da gente: História, Trabalho e Educação em comunidades rurais (A LUTA..., 2014). 8

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símbolo de atraso, é premente a necessidade de busca de trabalho em outros lugares. Em grande parte, a satisfação das necessidades básicas de sobrevivência das famílias é feita fora da roça, também pelas aposentadorias e por recursos das políticas sociais. Muitas vezes, é preciso sair para trabalhar fora da comunidade. Contudo, persiste sempre a esperança e a resistência em retornar ao lugar, como explica uma das moradoras “A gente nasceu e criou aqui, né, a gente gosta daqui, né, do lugar que a gente nasceu. Eu lhe disse que eu sair fora muitos anos pra cuidar dos filhos, pra trazer sempre as coisas pra casa, mas o lugar que a gente nasceu é muito bom pra gente morar” (A LUTA..., 2014)9. Em um passeio porta adentro, nas casas dos grupos familiares das comunidades de Planalto, observamos um modo de vida arranjado e provisório, mas, ao mesmo tempo, um lugar de acolhimento para quem visita ou para quem tem familiaridade com os moradores. José de Souza Martins (1998, p. 695) descreve realidade semelhante, quando observa os modos de vida de gente simples das cidades do interior do Nordeste. As casas são distintas entre si e evidenciam a existência de condições econômicas diferentes entre os grupos familiares, atestando a existência de uma certa hierarquia entre eles, em termos de estrutura ocupacional e nível de renda. Por exemplo, há casas que possuem instalações sanitárias, portas nos cômodos, fogão a gás e a lenha, geladeira, televisão, máquina de lavar e computador. Outras não possuem sanitários, somente o fogão a lenha, televisão e as entradas dos quartos são fechadas com cortinas. É também interessante chamar a atenção para a marcante presença dos símbolos religiosos nas paredes de todas as casas, em acessórios usados pelas mulheres, nas roupas, nos calendários, nas estatuetas, como diferentes Entrevista concedida pela moradora Edilene, no documentário A luta da vida da gente: História, Trabalho e Educação em comunidades rurais (A LUTA..., 2014). 9

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formas de as pessoas manifestarem sua religiosidade e seu fervor. Essa característica, própria “das tradições sertanejas” (MARTINS, J., 1998, p. 690), revela um modo de vida desse povo, em constante devoção, esperança e fé. A presença da antena parabólica, da TV e do telefone celular evidencia a não separação entre o urbano e o rural, entre o tradicional e o moderno. O modo de vida segue os costumes típicos da cultura nordestina, que lembram o tempo das chuvas, o tempo do São João. Porém, o modo de agir, de vestir dos jovens e os artigos dentro das casas sofrem influências da vida da cidade, construindo um elo entre as pessoas das comunidades e o mundo das mercadorias. Por exemplo, observamos a reutilização de objetos para a execução de funções diferentes das originalmente previstas, como a transformação de peneiras de cessar grãos ou areia em escorredor de pratos; a transformação de latas vazias de extrato de tomate em canecas, evidenciando “o que é reutilizado” (MARTINS, J., 2011, p. 33).

A casa e os símbolos religiosos. Fonte: Juliana Pereira Barbosa, tirada em 2012.

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Sala de visitas da casa em uma comunidade rural. Fonte: Ediléia Rodrigues Lima, tirada em 2012.

A louça escorrendo na peneira Fonte: Tânia Maria Rodrigues da Rocha, tirada em 2013.

Ainda que esteja claro, entre os moradores, a apropriação dos modos de viver do mundo urbano, por meio do uso e do consumo de mercadorias – a exemplo do celular, das motocicletas – os modos de vida tradicional e o sentimento de pertencimento ao lugar permanecem. Martins (1998, p. 692) lembra que as transições de vida e de mentalidade que ocorrem

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nas “populações regionais, de modo algum significam que houve grandes transformações nos costumes e nas tradições”. Em comunidades na região de Planalto (BA), essas formas específicas de modos de vida rural originaram a cooperação junto a uma associação local. Nessa associação, além do desenvolvimento das atividades de lazer, de reuniões com os associados para discutir os problemas das comunidades, os moradores conseguiram conquistas relacionadas a projetos coletivos de produção da vida social. Um exemplo são as parcerias para a construção de tanques de captação de água da chuva com a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), formada por uma rede de sindicatos rurais, associações de agricultores e agricultoras, cooperativas, organizações não governamentais (ONG’s) e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Como lembra Tardin (2012, p. 183) sobre a cultura camponesa, “do imediato familiar, as relações se estendem para o plano da comunidade, como espaço de vizinhança, da realização do trabalho solidário e cooperado e da sociabilidade mais intensa.” A dissertação de mestrado de Urania Teixeira Amaral (2016) revela que, num outro local, no povoado de Itaipu (BA), também região de caatinga, os grupos familiares apresentam a característica particular de serem compostos por famílias extensas, que mantêm proximidade entre as casas dos parentes e que estabelecem laços afetivos com o lugar. Ao lado disso, o ciclo de vida dos moradores também se faz pela migração temporária. Os homens vão trabalhar na construção civil e as mulheres como empregadas domésticas. Outro exemplo são as migrações anuais para as lavouras de café, em regiões circunvizinhas, com o objetivo de trabalhar no processo de colheita até o término da safra, retornando, ao final do trabalho, para o povoado. Tais trabalhadores(as) não migram livremente, mas são condicionados(as) pelo sistema capital. Essa realidade confronta com o modo de vida no povoado, que se caracteriza pelas estratégias associativas das famílias com seus vizinhos e seus parentes. Abandonam, ainda que

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temporariamente, a produção autônoma de sua existência “para a reprodução de um modo de vida compatível com a ordem social institucionalizada por aqueles que são os seus opressores” (WELCH et alli, 2009, p. 13). Depoimentos de trabalhadores(as) que foram trabalhar em São Paulo, segundo Amaral (2016, p. 70), evidenciam o quanto eles(as) “se sentiram muitas vezes, ‘estranhos’ num ambiente totalmente diferente do que estavam habituados”. A grande metrópole produz um “processo de estranhamento do cidadão diante da cidade”, como explica Ana Fani Carlos (2007, p. 38), e os sujeitos não se reconhecem como habitantes daquele lugar. “O processo de mobilidade do trabalho é difícil para os trabalhadores, se levado em conta a representação simbólica que construíram ao longo de um tempo histórico com o lugar e os grupos sociais com os quais conviveram” (AMARAL, 2016, p. 49). Em outra localidade, no Assentamento da Fazenda Nova Ipiranga, município de Camacã, região sul da Bahia, onde vivem trabalhadores assentados, conforme a pesquisa de campo desenvolvida por Claudete Ramos de Oliveira (2018), há uma associação de moradores assentados, desde 1998, que garante atividades coletivas para os trabalhadores e suas famílias, ainda que rudimentares e reconhecidamente insuficientes pelos próprios moradores. Receberam os lotes por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) sem, entretanto, ganhar os direitos trabalhistas por parte do antigo proprietário. O que caracteriza esse lugar como uma comunidade associada são as moradias. Dividem o mesmo espaço, quatro grupos de moradias: dois grupos que já viviam na fazenda antes dela se constituir em um assentamento e dois grupos que se mudaram para lá após o governo federal constituir o assentamento e formar a associação de moradores. O assentamento possui uma escola municipal, que atende crianças até o 5º ano do Ensino Fundamental; igrejas de denominações diferentes – Católica e Protestante – organizadas a partir das necessidades dos moradores e pelos próprios

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interessados. A associação reúne os moradores que discutem as necessidades coletivas como financiamentos, formação para o trabalho rural e participação em eventos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) regional. Os assentados se autodenominam trabalhadores rurais assentados. A falta de documentos oficiais definindo que pedaço de terra cabe a cada família provoca discussões, divergências e incredulidade de que um dia venham a obter o documento de posse. A possibilidade da posse da terra para realização de um projeto de vida coletivo, orientado pelos valores da ética camponesa, propicia aos próprios trabalhadores se contraporem a formas de dominação da grande propriedade, “concebida como destruidora da dignidade social” (WELCH et alli, 2009, p. 15), e a situações de exploração e humilhação que sofreram pelos proprietários das fazendas de cacau. As mulheres trabalham no lote da família e quando há necessidade, por falta de renda da terra, oferecem sua força de trabalho na zona urbana da cidade, normalmente como empregadas domésticas. Quando jovens, trabalham em pequenas lojas e recebem valores insignificantes. Segundo as próprias trabalhadoras, “acabam pagando para trabalhar”, pois gastam com o transporte e a alimentação. Em outro assentamento na mesma região, na Fazenda Auxiliadora, há três grupos de moradias, um deles préexistente ao assentamento. A associação promove, junto à Secretaria de Governo Estadual, um projeto de piscicultura para os jovens trabalhadores rurais, mas esse tipo de cultivo não faz parte da cultura e do modo de viver dessas pessoas. Eles são, tradicionalmente, cacauicultores. Essa situação causou prejuízos para a comunidade e desânimo entre os(as) trabalhadores(as) de continuar desenvolvendo o trabalho. Há um secador e despolpador do café que é produzido no assentamento, no entanto, muitos preferem vender o café ainda ‘mole’ aos atravessadores, como uma forma de obtenção de dinheiro mais rápido. De acordo com Oliveira (2018), essa realidade desqualifica a existência do projeto associado. Parece

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que esses projetos de extensão rural, fundamentalmente, são caracterizados pelos trabalhadores como uma agressão as suas próprias relações com a terra e ao sentimento de pertencimento ao lugar, ou seja, eles impõem uma luta em defesa de um modo de vida. Ainda no Estado da Bahia, em uma Comunidade Remanescente de Quilombo, no município de Vitória da Conquista, segundo a dissertação de mestrado desenvolvida por Tania Maria Rodrigues Rocha (2015, p. 12), os moradores vivem uma relação social construída no trabalho coletivo na agricultura familiar de subsistência, entre os grupos familiares, com uso de técnicas tradicionais, “movidos por um sentimento de pertença [...] um comprometimento com o outro, e na partilha da terra”. Os costumes introduzidos pelos antepassados são ensinados aos mais jovens, por meio da oralidade, junto aos mais velhos, a fim de assegurar a preservação da memória desse povo. Por exemplo, uma das tradições guardadas pelos moradores do quilombo é o casamento entre parentes, com a finalidade de preservar as famílias e a posse da terra. Além disso, para eles, a instituição social do casamento tem um sentido simbólico e cultural. O “exemplo disso é a confecção do vestido da noiva por uma única senhora costureira da comunidade, que além de costurar o vestido, é testemunha dos casamentos, tornando-se madrinha da maioria [...]” das noivas (ROCHA, 2015, p. 66). A manutenção da “cultura costumeira” (THOMPSON, 1998) significa a afirmação de um modo de vida, preservando as tradições, os costumes, a memória e a força de um povo perante a sociedade em geral. O significado da terra e a sua conquista para a comunidade permitem construir um projeto coletivo de vida e de trabalho, que, quiçá, possa se tornar parte integrante de um projeto maior de homens e mulheres assumirem plenamente o controle do próprio processo de trabalho – projeto esse que se constitui como principal objetivo da luta da classe trabalhadora.

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Para concluir... O agricultor conhece as suas estações, o marinheiro conhece seus mares, mas ambos permanecem mistificados em relação à monarquia e à cosmologia. (THOMPSON, 1981, p. 16)

Edward Palmer Thompson (1981) convida-nos a refletir que a experiência do trabalho é válida dentro de determinados limites. Podemos dizer que entre a experiência vivida, a experiência percebida e a experiência modificada, há um grande caminho a percorrer, o que requer, entre outros elementos, que homens e mulheres das comunidades tradicionais tenham acesso a uma educação que lhes permita compreender e confrontar seus modos de vida com o modo capitalista de produção da existência humana. Afinal, como é possível pensar um projeto de emancipação humana sem considerar que tanto as contradições fundamentais, como as contradições mutáveis do capitalismo, indicadas por Harvey (2016), afetam sobremaneira seus modos de vida? Na verdade, essas contradições são constitutivas da totalidade social, na qual homens e mulheres se produzem e são produzidos. O fim dessas contradições pressupõe o fim do próprio capitalismo, cujo crescimento exponencial tem ameaçado a vida de todos os seres da natureza. Historicamente, as políticas agrárias brasileiras perpetuam as grandes propriedades e não estimulam o acesso à posse da terra por parte dos desapropriados, ou dos pequenos donos de terra, nem a formas de investimentos em capitais tecnológicos e educacionais (WANDERLEY, 2009). As classes dominantes buscam controlar a força de trabalho e a formação de um exército de reserva de desempregados ou subempregados. Nesse sentido, as formas de sociabilidades comunitárias são atravessadas por formas de sociabilidade impostas pelo capital.

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Embora, muitas vezes, esses trabalhadores e essas trabalhadoras sejam obrigados(as) a vender sua força de trabalho para realização de trabalho assalariado precário, afirmam-se por meio de relações econômicas e culturais construídas no âmbito da comunidade, com o objetivo de garantir a reprodução ampliada da vida, e não do capital. Essas relações são estabelecidas mediante estreitos vínculos com a sociedade em geral, tanto pelo acesso aos meios de comunicação de massa, como pelo consumo de mercadorias produzidas por empresas capitalistas. Ali, ainda que em menor escala, o fetiche da mercadoria também se faz presente. Acreditamos que os espaços/tempos das comunidades tradicionais, onde se verificam experiências do trabalho de produzir a vida associativamente (TIRIBA; FISCHER, 2013; 2015), podem ser considerados como espaços/tempos de formação humana tensionados pelas contradições entre capital e trabalho. Embora o objetivo das atividades de trabalho seja a reprodução ampliada da vida, o modo de produção capitalista, por ser hegemônico a outros modos de produção da vida social, vai criando as condições objetivas e subjetivas para que homens e mulheres de comunidades tradicionais se submetam, de forma subordinada, aos processos de reprodução ampliada do capital. Nessa perspectiva, o ‘trabalhar para viver’ vai se transformando em trabalho-mercadoria, cujo objetivo é a produção de valores para o mercado capitalista. Na luta cotidiana pela sobrevivência, as mediações primárias são atravessadas por mediações do capital. De qualquer maneira, podemos afirmar que os modos de vida que encontramos em comunidades tradicionais no Mato Grasso, no Pará e na Bahia, como em outras regiões do Brasil, evidenciam que as relações entre seres humanos, natureza e cultura não correspondem ao modo dominante, instituído pelo capital. Trata-se de um fenômeno extremamente mutável, conforme as transformações sócio-culturais e econômicas da sociedade, o que faz com que os nexos entre trabalho, educação

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e sociabilidade também o sejam da mesma forma. Como nos assegura Wanderley (2000, p. 89): As profundas transformações resultantes dos processos sociais mais globais – a urbanização, a industrialização, a modernização da agricultura – não se traduziram por nenhuma ‘uniformização’ da sociedade, que provocasse o fim das particularidades de certos espaços ou certos grupos sociais.

Os povos e as comunidades tradicionais resistem, em maior ou menor grau, à contradição vital entre sociabilidades pautadas na reprodução ampliada da vida e sociabilidades pautadas na reprodução ampliada do capital. Florestan Fernandes lembra que Antonio Cândido, autor da obra clássica, Os parceiros do Rio Bonito, analisou o modo de vida dos “caipiras paulistas” e em uma de suas reflexões sobre a pequena comunidade, demonstrou o “dilema social que a civilização urbana cria para a integridade e a continuidade da cultura caipira” (FERNANDES, 1972, p. 49). Entretanto, é interessante observar que os costumes das comunidades tradicionais se mantêm, pois não é pouca a resistência dessa gente em preservar seus modos de vida baseados na solidariedade, na cooperação e na reciprocidade. Não por acaso, Thompson (1987; 1998) insiste que a classe é uma formação tanto econômica, como cultural e, portanto, toda luta de classes se constitui como luta por valores. Eleger mulheres e homens trabalhadores de comunidades tradicionais como objeto/sujeito de nossas pesquisas contribui para desvelar saberes tradicionais, costumes e normas de convivência que não coadunam com a lógica perversa do capital. Sem desconsiderar a premissa das determinações econômicas como última instância, assim como E. P. Thompson, entendemos que economia e cultura não são instâncias separada da vida social. De acordo com suas próprias palavras: “é essencial manter presente no espírito o fato de os fenômenos sociais e culturais não estarem ‘a

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reboque’, seguindo os fenômenos econômicos à distância: eles estão em seu surgimento, presos na mesma rede de relações” (THOMPSON, 2001, p. 208). Estudos sobre cultura popular de povos e comunidades tradicionais podem contribuir para o entendimento de como a sociedade de mercado vai expandindo a assimilação de hábitos de consumo do “mundo maravilhoso das mercadorias” (MARTINS, J., 2012, p. 43) para essa gente, fomentando o processo de acumulação do capital. Também contribuem para evidenciar que, contraditoriamente, mulheres e homens expressam modos de vida calcados em relações econômicasculturais não capitalistas. Tendo em conta as contribuições de Raymond Willians em relação à hegemonia, cujas estruturas internas são complexas e precisam ser recriadas continuamente, insistimos que os modos de vida, nessas comunidades tradicionais, nos asseguram que nenhum modo de produção e, portanto, nenhuma cultura dominante pode esgotar a “gama extraordinária de variações práticas e imaginadas pelas quais seres humanos se veem como capazes” (WILLIANS, 2011, p. 59). Como pesquisadoras, nosso desafio é apreender a “estrutura na particularidade histórica do conjunto das relações sociais” (THOMPSON, 2001, p. 248). Referências A LUTA da vida da gente: História, Trabalho e Educação em comunidades rurais. Produção de Ana Elizabeth Santos Alves et alii. Vitória da Conquista: Museu Pedagógico da UESB/PROVÍDEO, 2014. DVD. ALVES, Ana Elizabeth S.; SILVA, Lucineide Silva. Notas de leitura sobre o método 'estudos de comunidade' no Brasil e o programa de pesquisas sociais do Estado da Bahia. In: MENEZES, J. M. F.; SANTANA, E. C.; AQUINO, M. S. (Orgs.). Educação, região e territórios: formas de inclusão e exclusão. 1 ed. Salvador: EDUFBA, 2013, v. 12, p. 37-59.

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