Brasil, uma economia que não aprende: Novas perspectivas para entender nosso fracasso [1 ed.]

Table of contents :
A quem se destina o livro
Agradecimentos
Apresentação
Apresentação
Prefácio
1. Introdução
2. O segredo da riqueza das nações está na fábrica de alfinetes
3. Breve história da origem do pensamento sobre desenvolvimento econômico
4. Um mundo com centro e periferia
5. Quem sai na frente costuma ganhar o jogo industrial
6. Estruturas produtivas sofisticadas enriquecem países
7. Redes complexas são necessárias para se produzir bens sofisticados
8. A sofisticação produtiva depende da geração e acúmulo de ideias
9. Os países ricos têm alto conteúdo tecnológico proprietário
10. O desenvolvimento econômico depende da ação do estado e do mercado
11. Economias complexas são menos desiguais
12. Erros e acertos no Brasil
13. Conclusão
Referências Bibliográficas
Lista de siglas e acrônimos
Apêndice: Manufaturas no mundo
Apoiadores
Notas do editor

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ESTE LIVRO FOI EDITADO POR FINANCIAMENTO COLETIVO

Copyright @ 2020 by André Roncaglia de Carvalho e Paulo Gala Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Capa e Projeto Gráfico: Antonio Carlos Castro Revisão: Valéria Palma 2020

Todos os direitos desta publicação reservados aos autores da obra.

Paulo Gala @PSGala1 https://www.paulogala.com.br/

André Roncaglia @andreroncaglia

Índice A quem se destina o livro

Agradecimentos Apresentação

Apresentação Prefácio

1. Introdução 2. O segredo da riqueza das nações está na fábrica de alfinetes

3. Breve história da origem do pensamento sobre desenvolvimento econômico 4. Um mundo com centro e periferia

5. Quem sai na frente costuma ganhar o jogo industrial 6. Estruturas produtivas sofisticadas enriquecem países

7. Redes complexas são necessárias para se produzir bens sofisticados 8. A sofisticação produtiva depende da geração e acúmulo de ideias

9. Os países ricos têm alto conteúdo tecnológico proprietário 10. O desenvolvimento econômico depende da ação do estado e do mercado

11. Economias complexas são menos desiguais 12. Erros e acertos no Brasil

13. Conclusão Referências Bibliográficas

Lista de siglas e acrônimos Apêndice: Manufaturas no mundo

Apoiadores Notas do editor

Para Vitoria, Tomás e Lucas (in memoriam)

indústria substantivo feminino

1. habilidade ou aptidão para realizar algo; 2. arte, destreza, perícia.

A QUEM SE DESTINA O LIVRO ESTE LIVRO SE DIRIGE A INICIANTES NOS ESTUDOS DE ECONOMIA, economistas profissionais e policy makers que se interessam pelo tema do Desenvolvimento Econômico. O texto tem um tom informal para incentivar o leitor a pesquisar mais sobre os temas tratados, estimular o debate e tornar a leitura mais interessante. As análises e discussões são simples, diretas e atuais, mas com forte embasamento teórico e empírico, além de trazerem recomendações de leitura adicional. O objetivo é motivar o leitor a seguir explorando os conceitos e ideais apresentados a partir da discussão de temas do dia a dia. Além de tratar de debates correntes da economia brasileira e mundial, o livro aborda temas teóricos de maneira aplicada, buscando sempre a conexão entre teoria e prática.

AGRADECIMENTOS ESTE LIVRO SÓ SE TORNOU POSSÍVEL GRAÇAS A COLABORAÇÕES e contribuições de uma infinidade de pessoas que conhecemos e com as quais pudemos estudar e debater ao longo de nossa vida acadêmica. Seria impossível nomear todos e agradecer os comentários e sugestões recebidos. Fazemos aqui uma tentativa de listar os nomes aos quais devemos inspiração e a paternidade de muitas das ideias discutidas no livro: Luiz Carlos BresserPereira, José Marcio Rego, Yoshiaki Nakano, Albert Fishlow, HaJoon Chang, José Gabriel Palma, Luiz Gonzaga Belluzzo, Roberto Frenkel, Lance Taylor, Erik Reinert, Jose Antônio Ocampo, Gilberto Tadeu Lima, Mark Setterfield, Peter Skott, Raul Cristóvão dos Santos, Jorge E. C. Soromenho, Fernando Postali, José Francisco Gonçalves, Venilton Tadini, Luís Eduardo Assis, Walter Appel, Ramon Garcia Fernandez, Codrina Rada, Nelson Barbosa, Gilberto Libanio, K. S. Jomo, José Luis Oreiro, Nelson Marconi, Fernanda Graziella Cardoso, Luciana Rosa, André Gal Mountian, Daniel Pereira da Silva, Ivan Salomão, Marco Cavalieri, Fábio Terra, Luiz Fernando de Paula, Lilian Furquim, Márcio Holland, Elias Jabbour, Rogério Mori, Jhean Camargo, André Levy, Rodrigo Medeiros, Alex Alves, Felipe Augusto Machado, Alberto Carlos Almeida, Ligia Zagato, Fernando Ferro, Paulo Morceiro, Fausto Oliveira, Marina Liuzzi, Rodrigo Medeiros, Luiz Eduardo Simões, Gabriel Galípolo, Danilo Fernandes Araújo, Igor Rocha, Guilherme Magacho, João Guilherme Machado, Eliane Araujo, João Romero, Elton Freitas, Dominik Hartmann, Renata Fialho de Oliveira, Wilson Andrade, Gustavo Serra, Guilherme Klein, Pedro Luiz Aprigio, Cristiano Caris, Kaleb Menezes, Henrique Alvarez, Allan Nacif, Patricia Albizu, Daniel Bispo, Luís Felipe Giesteira, Uallace Moreira, Vinicius Pedote, Pietro Parronchi e todos os nossos leitores do Blog, Twitter, Facebook e Instagram. Sem essas pessoas este livro não seria possível. Nosso obrigado a todos!

APRESENTAÇÃO Luiz Carlos Bresser-Pereira TERÃO RAZÃO PAULO GALA E ANDRÉ RONCAGLIA DE CARVALHO ao afirmar no título do seu livro que o Brasil não aprende? Têm, mas talvez fosse melhor mudar um pouco a pergunta: Por que o Brasil deixou de aprender? De fato, entre 1930 e 1980 a nação brasileira adotou um regime de política econômica desenvolvimentista e foi o país que mais se desenvolveu no mundo. Com quem aprendeu? Com os países ricos e as revoluções industriais e capitalistas que esses países realizaram no século XIX. Por que a nação brasileira deixou de aprender a partir de 1990? Este livro nos dá bons argumentos para responder essa questão. Resumo-os em uma frase: porque os brasileiros continuaram a querer aprender com os mesmos países ricos, que adotaram um liberalismo econômico radical e passaram a crescer muito pouco. Outra teria sido a história destes últimos 40 anos se tivessem se inspirado nos países do Leste da Ásia que continuaram desenvolvimentistas, mantiveram suas contas fiscais e suas contas externas equilibradas, não permitindo que o Estado ou o país se endividassem, e, assim, experimentaram um crescimento extraordinário e se tornaram ricos.

APRESENTAÇÃO João Sayad O LIVRO DE PAULO GALA E ANDRÉ RONCAGLIA nos leva a um incrível passeio pelo Brasil e pelo mundo dos últimos 30 anos. O trabalho atualiza e mostra a relevância dos conceitos e ideias da antiga Cepal para entender o Brasil e o Mundo no século XXI. Nos traz uma visão atualizada da chamada “globalização”. Na grande imprensa e para o público em geral, a globalização é vista como a vitória do mercado, o resto é passado. Será que chegamos ao fim da história? O que é globalização? Apesar de você poder comprar vinhos franceses no armazém da esquina, o comércio de mercadorias nos anos 1990 era ainda menor, com relação à produção mundial, do que os níveis observados no final do século XIX. Até o final dos anos 1920, a ampliação do comércio e internacionalização do capital financeiro também foi muito grande. Em 1930, o mundo passou por profunda crise de desemprego que mudou o curso da história. No período 1945-1979, por causa da Grande Depressão de 30 e pela ameaça comunista, o mundo capitalista modificou a política econômica intervindo nos mercados financeiros, regulando as relações entre capital e trabalho, restringindo a conversibilidade das moedas e praticando juros menores. O crescimento foi rápido, o desemprego baixo, e a inflação, crescente. Nazismo na Alemanha, New Deal e Plano Marshall no pós-guerra, Getúlio no Brasil. Essa fase foi superada. A partir das ideias dos monetaristas, o mundo passou a considerar a inflação como problema mais sério do que o desemprego, que passou a ser considerado “natural” e cresceu muito. Nesse mesmo período a Ásia do Leste floresceu seguindo as mesmas políticas usadas na época de Bretton Woods e New Deal. O Ocidente perdeu espaço, o Oriente avançou de forma vigorosa. Hoje, Japão, Coreia e China, juntos, já são maiores do que toda a Europa ou EUA em termos econômicos. O Japão tem organização muito parecida com mercado, mas muito diferente, com bancos de desenvolvimento, proteção comercial, subsídios, oligopólios e cooperação entre empresas e bancos. A melhor coisa dos países do Sudeste Asiático – que, aliás, poderíamos copiar – foram os investimentos em tecnologia

e educação, que não foram determinados pelo mercado, mas pela visão estratégica dos seus governantes e pela tenacidade dos orientais. A China tem sido muito citada como caso de sucesso. Soube aprender os segredos tecnológicos do Ocidente e agora cria os seus próprios. O Brasil que já ensinou muitas coisas ao mundo precisa agora voltar a aprender. Este livro de Paulo Gala e André Roncaglia é uma leitura necessária para a retomada dessa consciência no Brasil. Uma leitura indispensável para entender nosso fracasso e os possíveis caminhos a trilhar para os próximos governos.

PREFÁCIO Luiz Gonzaga Belluzzo PAULO GALA E ANDRÉ RONCAGLIA OFERECEM AOS LEITORES interessados um livro com um título instigante: Brasil, uma economia que não aprende. Já na casa dos 77 anos, arrisco a pele para sugerir que o Brasil já foi uma economia que ensinou. Nos idos de 1978, uma missão chinesa aportou às terras de Pindorama para observar e indagar das façanhas brasileiras na caminhada para a industrialização e o desenvolvimento. Nesse momento, fumegavam no Império do Meio as reformas de Deng Xiaoping e o Brasil liderava com folga a marcha da industrialização entre os países então ditos “em desenvolvimento”, hoje apelidados de “emergentes”. A visita chinesa ocorreu um ano antes do gesto americano empunhado por Paul Volcker em outubro de 1979. A elevação da taxa de juro pelo Federal Reserve deu impulso à “nova expansão americana”. À sombra do fortalecimento do dólar, os Estados Unidos impuseram a liberalização financeira Urbi et Orbi, assim como impulsionaram a metástase produtiva para o Pacífico dos pequenos tigres, e do Novo Dragão chinês. No livro Os antecedentes da tormenta ousei escrever que, em todas as etapas, o capitalismo em seu movimento engendra transformações financeiras, tecnológicas, patrimoniais e espaciais que decorrem da interação de duas forças: 1) o processo de concorrência movido pela grande empresa, sob a tutela das instituições nucleares de “governança” do sistema: a finança e o Estado hegemônico; e 2) as estratégias nacionais de “inserção” das regiões periféricas. As transformações que hoje observamos são impulsionadas pelo jogo estratégico entre o “polo dominante” – no caso a economia americana, sua capacidade tecnológica, a liquidez e profundidade de seu mercado financeiro, o poder de seigniorage de sua moeda – e a capacidade de “resposta” dos países em desenvolvimento às alterações no ambiente internacional. É desnecessário dizer que as economias periféricas dispõem de estruturas e trajetórias sociais, econômicas e políticas muito

dessemelhantes, o que dificulta para umas e facilita para outras a chamada “integração competitiva” nas diversas etapas de evolução do capitalismo. Assim, por exemplo, a trajetória de sucesso do Brasil, até o início dos anos 1980, foi interrompida pela crise que iria provocar o seu reiterado “fracasso” na tentativa de se ajustar às novas condições internacionais. No polo oposto, o fracasso chinês até os anos 1980 propiciou condições iniciais mais favoráveis para o sucesso das reformas empreendidas a partir de então. A globalização, ao operar nas órbitas financeira, patrimonial e produtiva, engendrou dois tipos de regiões: aquelas cuja inserção internacional se faz pelo comércio e pela atração do investimento direto destinado aos setores produtivos afetados pelo comércio internacional, e aquelas, como Brasil e Argentina, que buscaram sua integração mediante a abertura da conta de capitais. Não há como compreender a trajetória da economia brasileira nas últimas décadas sem mencionar as “visões” que informaram as camadas dirigentes a respeito das razões da crise da dívida externa. O mal, como sempre, foi atribuído ao intervencionismo do Estado, ao poder dos interesses corporativos, ao protecionismo, à “repressão financeira”, aos obstáculos ao livre movimento de capitais. Tais dissonâncias cognitivas nos levaram às políticas econômicas dos anos 1990. Na esteira de um novo ciclo de liquidez internacional, o Brasil alcançou a almejada estabilização do nível geral de preços. As classes conservadoras e conversadoras não aprendem e – ao contrário dos Bourbons – tampouco se lembram de coisa alguma. Diante da pletora de dólares, passaram a salivar com intensidade e patrocinar as visões mais grotescas a respeito das relações entre desenvolvimento econômico, abertura da economia e relações entre política fiscal e monetária. Aproveitaram a abundância de dólares para matar a inflação, mas permitiram a valorização do câmbio, sob a alegação primária (exportadora?) de que a liberalização do comércio e dos fluxos financeiros promoveria a alocação eficiente dos recursos. Nesta visão, os ganhos de produtividade decorrentes das mudanças no comportamento empresarial diante do câmbio valorizado seriam

suficientes para dinamizar as exportações, atrair investidores externos e deslanchar um forte ciclo de acumulação. Depois da bem-sucedida estabilização de 1994, os “reformistas liberais” brasileiros apoiaram sua estratégia em cinco pontos: 1) a estabilidade de preços criou condições para o cálculo econômico de longo prazo, estimulando o investimento privado; 2) a abertura comercial imporia disciplina competitiva aos produtores domésticos, forçando-os a realizar ganhos substanciais de produtividade; 3) as privatizações e o investimento estrangeiro removeriam os gargalos de oferta na indústria e na infraestrutura, reduzindo custos e melhorando a eficiência; 4) a liberalização cambial, associada à previsibilidade quanto à evolução da taxa real de câmbio, atrairia “poupança externa” em escala suficiente para complementar o esforço de investimento doméstico e para financiar o déficit em conta corrente; 5) o gotejamento da renda promovida pela acumulação de riqueza na camadas superiores – auxiliada pela ação das políticas sociais “focalizadas” – seria a forma mais eficiente de reduzir a desigualdade e eliminar a pobreza. Na verdade, a privatização desarticulou um dos mecanismos mais importantes de governança e de coordenação estratégica da economia brasileira. O setor produtivo estatal – num país periférico e de industrialização tardia – funcionava como um provedor de externalidades positivas para o setor privado: 1) o investimento público era o componente “autônomo” da demanda efetiva (sobretudo nas áreas de energia, transportes e telecomunicações) e corria à frente da demanda corrente; 2) as empresas do governo ofereciam insumos generalizados em condições e preços adequados; e 3) começavam a se constituir – ainda de forma incipiente – em centros de inovação tecnológica. Os celebrados efeitos da privatização sobre a eficiência da economia não se concretizaram. Senão, vejamos: 1) a indexação das tarifas e preços das empresas privatizadas produziu um aumento expressivo dos custos dos insumos de uso generalizado e 2) o investimento em infraestrutura passou a correr atrás da demanda, gerando pontos de estrangulamento; 3) as grandes empresas “exportaram” os seus departamentos de Pesquisa e Desenvolvimento e os escritórios de engenharia reduziram

dramaticamente seus quadros; e 4) iniciativas importantes, como o Centro de Pesquisas da Telebras, foram praticamente desativadas. No debate em curso sobre a situação da indústria brasileira, há quem proclame desdenhosamente que a desindustrialização é um “mito”. Mal sabem que a encrenca vai além dos problemas criados pelas importações predatórias, danosas à produção corrente e à ocupação da capacidade já instalada. A abertura comercial com câmbio valorizado e juros altos suscitou o desaparecimento de elos das cadeias produtivas na indústria de transformação, com perda de valor agregado gerado no país, decorrente da elevação dos coeficientes de importação – sem ganhos nas exportações – em cada uma das cadeias de produção. Para juntar ofensa à injúria, esta forma anacrônica de abertura afastou o Brasil do engajamento nas cadeias produtivas globais. Com essa estratégia, o crescimento da economia brasileira foi pífio. O investimento estrangeiro buscou as fusões e aquisições das empresas públicas oferecidas pelo festival de privatizações. No outro lado da cerca, a construção de nova capacidade produtiva na manufatura deslocou-se para regiões mais atraentes, como a China, onde as políticas cambial e monetária favoreceram as iniciativas de política industrial e construíram o caminho para o rápido crescimento da exportação de manufaturados. Os dados da OMC mostram que a China avançou velozmente na sua participação nas exportações mundiais. Suas vendas externas evoluíram de menos de 2% em 1998 para 10,4% em 2019. A China figura em primeiro lugar no ranking dos grandes exportadores, superando a Alemanha, o Japão e os Estados Unidos. A partir de 2003, ainda à sombra de uma política monetária excessivamente conservadora, o Brasil executou uma política fiscal prudente com queda das dívidas bruta e líquida como proporção do PIB. A acumulação de reservas construiu defesas para prevenir os efeitos de uma eventual crise de balanço de pagamentos. Isto foi proporcionado por uma conjuntura internacional excepcionalmente favorável que levou às alturas os preços das commodities. Nas condições descritas acima, seria desejável buscar uma combinação câmbio-juro real mais

estimulante para o avanço das exportações e para o investimento nos setores mais dinâmicos do comércio mundial. Estes seriam passos decisivos para a integração do país nos fluxos de exportação e importação exigidos pela nova configuração da indústria global. A dilaceração das cadeias produtivas pelo “real forte” e a estagnação dos investimentos só serão reparadas com o aumento dos gastos na formação da nova capacidade, sobretudo nos setores novos e intensivos em tecnologia. Isto vai demandar, sim, o exercício do animal spirits dos dirigentes empresariais, a centralização do capital, agora disperso em empresas sem a escala requerida para participar do atual estágio da concorrência global, e a elevação do gasto autônomo do Estado. O salto de escala e tecnológico das indústrias brasileiras não vai ocorrer sem políticas adequadas que recuperem o papel do BNDES. A experiência chinesa demonstra que é incontornável a constituição de um sistema financeiro formado pela interação virtuosa entre grandes bancos comerciais públicos e privados articulado a bancos de desenvolvimento de grande porte, rigorosamente regulados e supervisionados, capazes de desenvolver instrumentos financeiros destinados para o crédito de longo prazo. O esperado efeito “acelerador” decorrente desse arranjo vai dinamizar os setores já existentes, cuja “proteção” não deve ser concedida sem contrapartidas de desempenho nas exportações, na inovação tecnológica e na substituição de importações. A economia mundial está diante de capacidade de oferta excedente em quase todos os setores, e isso vai tornar ainda mais acirrada a conquista de mercados. É natural, portanto, que essas novas relações entre investimento e comércio exigissem uma maior flexibilidade na importação de insumos, componentes, partes e peças. De outro lado, a abertura pura e simples às importações não seria suficiente como fator de atração do investimento externo, na ausência de um regime cambial e de incentivos favorável às exportações. A abundante literatura sobre o desenvolvimento das economias do Leste Asiático demonstra inequivocamente que a forte promoção de exportações

antecedeu e combinou-se virtuosamente com a abertura comercial. A crise de 2008 acirrou a concorrência mundial na proporção em que os mercados se contraíam. Isto deixou ainda mais patente a fragilidade da inserção externa da economia brasileira. Não por acaso, as medidas de incentivo tributário perdem eficácia, neutralizadas pelo pecado original da valorização da moeda. Isso, além de comprometer o crescimento, o equilíbrio fiscal e a conta-corrente do balanço de pagamentos, coloca pressão sobre a taxa de juro. Para quem tem um conhecimento elementar dos processos de industrialização e de expansão industrial das economias emergentes, a manutenção do câmbio sobrevalorizado ao longo de muitos anos é um erro crasso de política econômica que afeta negativamente a política fiscal e a política monetária. Além dos fatores sistêmicos favoráveis como câmbio adequado, custo de capital reduzido e infraestrutura eficiente, a competitividade depende de certas características da estrutura empresarial, particularmente da capacidade de inovação em empresas com estratégias agressivas de conquista de mercados ou da competência de redes de pequenas e médias empresas na ocupação de nichos de mercado. É bastante reconhecida a necessidade da intervenção do Estado em processos que envolvam externalidades positivas e negativas, informação assimétrica, incerteza, risco elevado e concentração do poder econômico. Entre as externalidades positivas estão a construção de infraestrutura e outros bens públicos, como a geração de conhecimento científico e tecnológico. A existência de assimetria de informação afeta particularmente os mercados de crédito e de capitais e o mercado de câmbio, podendo dar origem não só à alocação ineficiente de crédito, à marginalização de pequenas empresas, bem como ensejar episódios especulativos. A incerteza, por sua vez, além de provocar volatilidade recorrente nos mercados de valores mobiliários, tem, por isso mesmo, efeitos adversos sobre o investimento produtivo, sobretudo aquele que envolve inovação. O risco elevado inibe operações de longo prazo de maturação. As falhas de mercado até agora analisadas recomendariam apenas a adoção de políticas “horizontais” e minimalistas. As

condições de concorrência nas áreas mais dinâmicas da moderna economia industrial impõem, no entanto, intervenções estratégicas e concebidas de forma a abranger cadeias industriais inteiras. Isso diz respeito às vantagens competitivas construídas pelas empresas em suas relações com fornecedores e clientes. O novo paradigma industrial vem acentuando sobremaneira a importância destas vantagens. Entre elas, devemos destacar: 1) processos cumulativos de aprendizado – learning by doing – na produção flexível, no desenvolvimento de produtos; 2) economias de escala dinâmicas (ganhos de volume associados ao tempo e ao aprendizado; 3) estruturação de redes eletrônicas de intercâmbio de dados que maximizam a eficiência ao longo das cadeias de agregação de valor (economia de capital de giro, sobretudo minimização de estoques, de custos de transporte e de armazenagem; 4) novas economias de aglomeração (centros de compras e de assistência técnica e formação de polos de conhecimentos técnicos e gerenciais; 5) economias derivadas da cooperação tecnológica e do codesenvolvimento de produtos e processos. A literatura relevante na área de estratégias empresariais (Porter, Drucker) ou no âmbito da economia industrial (Dosi, Freemann, Arcangeli, Zysman, Tyson, Malerba) reconhece o caráter decisivo desses processos e, sem exceção, observa que conformam um padrão de concorrência radicalmente distinto do paradigma anterior. Este último era baseado em produção padronizada, tecnologia codificada, escalas rígidas, aversão à cooperação. Os autores, em sua maioria, assinalam que a coordenação do Estado foi muito importante para acelerar a mudança de paradigmas, particularmente nas economias que estavam em processo de industrialização rápida. A nova concepção de políticas industriais ou de competitividade coloca no centro das preocupações a indução daquelas sinergias baseadas no conhecimento e na capacidade de resposta à informação. O novo papel do Estado deve estar concentrado na indução da cooperação, na coordenação dos atores e na redução da incerteza. Sua tarefa não é a de “escolher vencedores”, mas a de criar condições para que os vencedores apareçam.

A relativa complexidade do fenômeno torna difícil sua compreensão e comunicação no debate público devido à disseminação de simplificações midiáticas e à partidarização das posições em confronto. Por isso, é mais que oportuno o empenho de Paulo Gala e André Roncaglia em construir uma exposição, ao mesmo tempo acessível e conceitualmente rigorosa, a respeito dos sucessos e percalços da industrialização brasileira. A regressão industrial brasileira foi escoltada por um retrocesso de igual intensidade no debate econômico. Contingente expressivo de economistas conservadores empreendeu uma campanha de desqualificação das ideias que proclamavam a importância crucial da indústria nas economias contemporâneas. Paulo Gala e André Roncaglia registram o fenômeno: “No Brasil e no mundo, muitos economistas ainda não acreditam na potência da indústria para gerar o desenvolvimento econômico. Isso se deve a um longo engessamento intelectual na fé ingênua do espontaneísmo de mercado e do livre comércio em promover o progresso material das nações, bastando apenas produzir aquilo que se faz de melhor”. Sou obrigado a recorrer aos ensinamentos do grande historiador Carlo Cipolla. Ele afirmou que a vida dos Homens atravessou dois momentos cruciais: o neolítico e a Revolução Industrial. No neolítico, os povos abandonaram a condição de “bandos selvagens de caçadores” e estabeleceram as práticas da vida sedentária e da agricultura. Entre as incertezas e brutalidades da “vida natural”, tais práticas difundiram condições mais regulares de subsistência dos povos e assentaram as bases da convivência civilizada. Podemos afirmar que ao longo de milênios as sociedades avançaram lentamente nas técnicas de gestão da terra, desenvolvidas à sombra de distintos regimes sociais e políticos e, portanto, sob formas diversas de geração, apropriação e utilização dos excedentes. Às vésperas da Revolução Industrial, os fisiocratas consideravam “produtiva” somente a classe de agricultores. A manufatura era a atividade da classe estéril que conseguia apenas repor seus custos por meio das trocas e, assim, prepararse para o período de produção seguinte. A agricultura era, neste sentido, “produtiva, ou seja, a única atividade capaz de gerar

excedente. “A Revolução Industrial”, escreveu Cipolla, “transformou o Homem agricultor e pastor no manipulador de máquinas movidas por energia inanimada”. A ruptura radical no modo de produzir introduziu profundas alterações no sistema econômico e social. Aí nascem, de fato, o capitalismo, a sociabilidade, a urbe moderna e seus padrões culturais. A diferença entre a vida moderna e as anteriores decorre do surgimento do sistema industrial que não só cria novos bens e os bens instrumentais para produzi-los como suscita novos modos de convivência, de “estar no mundo”. Deste ponto de vista, a indústria não pode ser concebida como mais um setor ao lado da agricultura e dos serviços. A ideia da Revolução Industrial como um momento crítico trata da constituição histórica de um sistema de produção e de relações sociais que subordinam o crescimento da economia à sua capacidade de gerar renda, empregos e criar novas atividades. O surgimento da indústria como sistema de produção apoiado na maquinaria endogeniza o progresso técnico e impulsiona a divisão social do trabalho, engendrando diferenciações na estrutura produtiva e promovendo encadeamentos intra e intersetoriais. Além de sua permanente auto-diferenciação, o sistema industrial deflagra efeitos transformadores na agricultura e nos serviços. A agricultura contemporânea não é mais uma atividade “natural” e os serviços já não correspondem ao papel que cumpriam nas sociedades pré-industriais. O avanço da produtividade geral da economia não é imaginável sem a dominância do sistema industrial no desenvolvimento dos demais setores. Os autores do século XIX anteciparam a industrialização do campo e perceberam a importância dos novos serviços gestados nas entranhas da expansão da indústria. Não há como ignorar, por exemplo, as relações umbilicais entre a Revolução Industrial, a revolução nos Transportes e as transformações dos sistemas financeiros no século XIX. São reconhecidas as interações entre a expansão da ferrovia, do navio a vapor e o desenvolvimento do setor de bens de capital apoiado no avanço da indústria metalúrgica e da metalomecânica e na concentração da capacidade de mobilização de recursos líquidos nos bancos de negócios.

A história dos séculos XIX e XX pode ser contada sob a ótica dos processos de integração dos países aos ditames do sistema mercantil-industrial originário da Inglaterra. Essa reordenação radical da economia exigiu uma resposta também radical dos países incorporados à nova divisão internacional do trabalho. Para os europeus retardatários, para os norte-americanos e japoneses e, mais tarde, para os brasileiros, coreanos, chineses, russos e outros, a luta pela industrialização não era uma questão de escolha, mas uma imposição de sobrevivência das nações, de seus povos e de suas identidades. Paradoxalmente, a especialização de alguns países na produção de bens não industriais é fruto da própria diferenciação da estrutura produtiva capitalista à escala global comandada pela dominância do sistema industrial. Este é o caso de países dotados de uma relação população e recursos naturais favorável, como Austrália, Nova Zelândia, Uruguai, Chile. Essa especialização decorre da própria divisão do trabalho suscitada pela expansão do sistema industrial.

I

1. NTRODUÇÃO

O desenvolvimento econômico é uma transformação estrutural que leva pessoas da agricultura para a indústria e depois para os serviços modernos, um processo conhecido como Revolução Industrial. Trata-se, no jargão dos economistas, de uma mudança do lado da oferta da economia ou, nos termos de Bresser-Pereira (2014), uma sofisticação tecnológica do tecido produtivo. Países que têm uma estrutura produtiva complexa e sofisticada têm empresas que investem muito em pesquisa e desenvolvimento de produtos e serviços (P&D). Empresas de países de estrutura produtiva pobre não têm porque investir nessas áreas. O Brasil passa cada vez mais para esse segundo grupo de economias, uma vez que parou seu processo de industrialização no meio do caminho. Viramos reféns do que os economistas chamam de armadilha de renda média, um ponto em que o país esgota seu estoque ocioso de mão de obra antes de atingir um estágio de sofisticação produtiva mais avançado. Vale dizer, ocupamos nossos trabalhadores em atividades de baixa produtividade, especialmente serviços não escaláveis, agropecuária, commodities e indústrias de baixa intensidade tecnológica. O Brasil conseguiu avançar muito em sua transformação estrutural até os anos 1980; chegou na metade da jornada, parou e depois começou a regredir. Nosso sistema produtivo caminhou no sentido de diversificação e aumento da complexidade até os anos 2000, depois regrediu e voltou a se especializar em produtos menos complexos. Quase conseguimos nos desenvolver, faltou pouco. No início dos 1980 a produção industrial brasileira era maior do que a chinesa e a coreana somadas. Exportávamos todo ano mais do que esses dois países, hoje ícones de sucesso de desenvolvimento econômico no mundo. Por que paramos? Uma explicação simples: perdemos o bonde da sofisticação produtiva mundial. Sabíamos fazer muitas coisas, hoje não sabemos mais. A indústria brasileira quase chegou a padrões mundiais e quase conquistou mercados lá fora; os anos 1980 foram o ápice de nosso desenvolvimento tecnológico relativo. Desde então, as indústrias brasileiras foram perdendo espaço no mundo e no mercado interno e hoje somos

capazes de fazer bem menos produtos. Nossa capacidade tecnológica está minguando. Nossa sofisticação produtiva vai pelo ralo e a complexidade do tecido produtivo brasileiro só diminui. A era Vargas, depois JK, o milagre econômico e o II PND, apesar de todos seus problemas, coroaram o salto tecnológico e de complexidade da economia brasileira do período desenvolvimentista. A Petrobras, a CSN, o BNDES e tantos outros marcos do Brasil foram criados nessa fase. O plano de metas de JK lançou as bases de infraestrutura rodoviária, ferroviária e energética que usamos até hoje. A construção de Brasília iniciou a integração da região central do país com o arco litorâneo das cidades da época colonial. A exploração do Planalto Central e hoje nossa agricultura de ponta no centro-oeste se devem a esses passos ousados dados nessa época. Foi também um período de excessos, com endividamento público, emissão monetária inflacionária e desequilíbrios internos e externos. Nos anos 1960 as importantes reformas institucionais (modernização da lei trabalhista, reforma do sistema financeiro, criação da correção monetária, do SFH etc.) lançaram as bases para o crescimento do país nas décadas subsequentes. As exportações de produtos manufaturados cresceram a um ritmo explosivo no milagre econômico, o crédito se ampliou fortemente. As manufaturas brasileiras começaram a conquistar mercados no mundo e finalmente o Brasil melhorou seu perfil exportador, reduzindo a dependência de café e bens agrícolas. Lembremonos da importância dada às exportações de manufaturas nos 1970 e da política de minidesvalorizações cambiais do ministro Delfim Netto. Após o primeiro choque do petróleo, os militares lançam o II PND, que logrou ainda produzir crescimento em um período de instabilidade. Itaipu, Rodovia dos Bandeirantes, polos petroquímicos, obras todas dessa época. Os desequilíbrios causados pelo II PND foram ainda maiores do que na era pós-JK. Grande parte dos investimentos foi apoiada em estatais com dívida externa. Pagamos a conta nos anos 1980. Essa fase ficou conhecida como a década perdida da economia brasileira: hiper-inflação, caos monetário e financeiro. Como mostraram Carvalho, Sampaio e Garcia (2017), houve uma

completa desorganização de nosso sistema de preços que atrapalhou enormemente o funcionamento do sistema financeiro e, portanto, de toda a estrutura produtiva. A crise foi principalmente fruto de nossa dívida externa após o choque do petróleo e choque de juros nos Estados Unidos promovido por Paul Volcker. A reposta das autoridades brasileiras foi mais fechamento do país para economizar divisas externas. Passamos por fuga de capital, calotes na dívida externa, grandes desvalorizações cambiais, inúmeras trocas de moedas e corte de zeros, um verdadeiro caos econômico e financeiro. Tudo isso já sabemos. O aumento de protecionismo gerou mais ineficiência nas empresas domésticas e a resposta para o Brasil no final dos anos 1980 passou a ser: abertura econômica e estabilização do sistema de preços. Na década de 1990 iniciamos uma nova transição econômica. A abertura da economia, o controle da inflação, a privatização, uma melhora fiscal e novos marcos regulatórios prepararam o país para um novo ciclo de crescimento. O período que vai de 1990 até 1999 ficará na história como uma grande fase de ajustamento com crescimento baixo, mas importantes reformas institucionais da economia brasileira. O paralelo aqui com os anos 1960 é evidente. Adiantou? Um outro lado menos apreciado de nossa economia nessa época foi a capacidade de aprender a produzir coisas, produtos que hoje não sabemos mais fazer. O Brasil avançou muito em termos de capacidades produtivas locais desde os anos 1960. Nos anos 1980, a economia brasileira atingiu seu auge em termos de sofisticação produtiva. Éramos capazes de produzir muito do que existia no mundo: cilindros de mergulho, prensas, carros, motos, motores, turbinas, computadores etc., tudo com ineficiência e alguma precariedade, mas sabíamos produzir ainda que de modo incipiente. A Gurgel e várias outras marcas brasileiras produziam carros domesticamente. A Mafersa foi a maior fabricante nacional de material ferroviário do Brasil, produzia vagões, caminhõesbetoneira, usinas de concreto, caminhões-basculantes etc. A Engesa produzia tanques de guerra e veículos de combate. A Villares S/A, hoje uma mera subsidiária da austríaca Voestalpine AG, foi um grupo industrial riquíssimo, desenvolvendo motores,

elevadores e escadas rolantes por sua subsidiária Atlas Elevadores. Produzia máquinas e equipamentos pesados fazendo frente, em alguns segmentos, a Caterpillar, Komatsu e John Deere. E tantas outras incríveis empresas brasileiras do passado. A Engesa é um belo exemplo da excelência de engenharia que foi cultivado no Brasil nos anos 1960 e 1970 e morreu nos anos 1980. Em 1958, a empresa foi criada por José Luiz Whitaker Ribeiro. Em 1968, produzia componentes para a exploração de petróleo para a Petrobras. Ao ter seus caminhões enfrentando estradas de terra e barro para chegarem ao destino no litoral, desenvolveu uma caixa de transferência com tração especial, depois aplicada com sucesso em seus veículos nacionais. Em 1970 o Exército brasileiro passou a usar seus veículos. O Osório, tanque de guerra produzido pela empresa, foi um dos primeiros do mundo a usar um computador de 21 bits embarcado com um giroscópio integrado, produção 100% nacional, que conseguia andar e manter a mira no seu alvo. Os tanques americanos tinham que parar para mirar e atirar; o Osório tinha uma vantagem tecnológica ímpar. Na época, estavam em desenvolvimento os blindados Cascavel e Urutu. A Engesa aceitou associar-se ao projeto e em 1974 a empresa foi capaz de vender à Líbia o blindado Cascavel, com canhão de 90 milímetros. Começou a exportar e em poucos anos vendeu este blindado a 18 países do Oriente Médio, África, América do Sul e Mediterrâneo. Ampliou sua produção para vários tipos de modelos, mas não conseguiu sobreviver às fortes instabilidades econômicas dos 1980. Em 1990 a empresa entra em concordata. Em 1995 decretou-se a falência da Engesa. Todo o material do acervo tecnológico e bélico foi transferido para a fábrica de Piquete, na região de São José dos Campos. Em 2005, essa fábrica foi vendida à Embraer. O acervo tecnológico do jipe Marruá foi incorporado pela empresa Agrale e segue em produção até hoje.

Da indústria para o Uber no Brasil

Na abertura comercial e estabilização dos anos 1990 a maioria dessas empresas com grande acervo tecnológico brasileiro quebrou. Perdemos milhares de capacidades produtivas que poderiam ter sido desenvolvidas para conquistar o mundo; jogamos o bebê fora junto com a água do banho. A ancoragem cambial da era FHC e Gustavo Franco controlou nossa inflação, mas desferiu um golpe quase mortal em nossas indústrias domésticas. A economia brasileira “desaprendeu”, nossa estrutura produtiva regrediu e perdemos enorme espaço para nossos concorrentes do mundo emergente, especialmente no Leste Asiático, China e Coreia do Sul. Controlamos a inflação, reduzimos as tarifas e nos abrimos para o exterior. Tudo isso a um custo altíssimo de sobrevalorização cambial e altíssimas taxas de juros. Matamos nossa própria complexidade econômica, sofisticação produtiva e capacidades técnicas. O que temos hoje? Inflação baixa e regressão tecnológica e produtiva. Joseph Stiglitz mostra em seu livro Creating a learning society (Stiglitz e Greenwald, 2014) a importância das capacidades produtivas locais para gerar desenvolvimento econômico e prosperidade, algo que os economistas desenvolvimentistas e estruturalistas sempre souberam e defenderam. Nossas capacidades tecnológicas foram sendo perdidas principalmente para a Ásia do leste ao longo do tempo. Nossa sofisticação produtiva se perde a cada dia e, com ela, vão embora “bons” empregos e o principal meio de transformar conhecimento, educação e capital humano em produtos, serviços e renda. Na atual tendência, restará no país um pequeno setor de serviços altamente sofisticado e complexo e alguma produção industrial inseridos em um mar de empregos de serviços não sofisticados, uma economia dual, como veremos. Em interessante trabalho, McMillan, Rodrik e Verduzco-Gallo (2014) mostram como a rodada de abertura comercial e melhora institucional ocorrida na América Latina e África dos anos 1990 acabaram por não produzir o resultado esperado de aumento da produtividade agregada dos países dessas regiões. O argumento e as evidências empíricas mostradas por Rodrik no trabalho são relativamente simples de se entender. O pequeno aumento de produtividade promovido dentro das empresas sobreviventes foi

bem menor do que a transferência de trabalhadores de setores de alta produtividade (indústria e serviços empresariais) para setores de baixa produtividade intrínseca. Os trabalhadores da América Latina e África saíram de empregos de manufaturas e serviços relativamente sofisticados e foram parar em serviços não sofisticados (varejo, restaurantes, padarias, cabeleireiros etc.). Os autores mostram que o movimento oposto ocorreu na Ásia, dinâmica que ganhou enorme produtividade com a transferência de trabalhadores para os setores “certos”. Rodrik critica as análises microeconômicas feitas para Brasil e outros países de América Latina e África por não responderem a questão mais importante de todas: onde foram parar os trabalhadores que foram demitidos das empresas sobreviventes (para não mencionar a grande maioria das empresas que sumiu)? Rodrik responde: no setor de serviços não sofisticados. Houve regressão tecnológica e produtiva. Na Ásia, a “abertura” funcionou, na América Latina e África não. Os dados empíricos que Rodrik mostra são avassaladores. No Brasil, a abertura comercial produziu aumento de produtividade dentro dos setores existentes mas destruiu setores produtivos e dinâmicos e várias de nossas capacidades produtivas, ainda que incipientes. No início da era Lula, a indústria brasileira passou por um renascimento e boom de produção a partir de 2003. A primeira fase do governo foi caracterizada por forte expansão e exportação de manufaturas graças ao câmbio muito desvalorizado do final de 2002 e o forte impulso de demanda interna que veio com a expansão do crédito. A segunda fase do governo Lula e todo o governo Dilma, por outro lado, se caracterizaram por grande expansão das importações de bens manufaturados e retração das manufaturas na pauta de exportação. A crise mundial de 2008 interrompeu a bonança de crescimento externo e cortou a demanda mundial por manufaturas. A resposta expansionista do governo da China à crise causou explosão do preço de commodities e reforçou a trajetória de apreciação da moeda brasileira, que já vinha com força desde 2006. Até 2007, a indústria brasileira conseguiu acompanhar o boom de demanda aumentando a produção, ainda na esteira da desvalorização cambial de 2002. A partir da crise de

2008, a nossa indústria sucumbiu à concorrência internacional, aos aumentos de custo de produção em reais, principalmente salários, e à forte apreciação da taxa de câmbio nominal e real. A expansão de PIB observada após 2008 foi toda baseada em serviços. A demanda interna por bens industriais passou a ser suprida por importações. Sem estímulos para produzir domesticamente por conta do câmbio muito apreciado e sem condições de se lançar na competição mundial, o empresário industrial brasileiro passou a ser importador, montador (maquilador) ou simplesmente encerrou seu negócio. Houve enorme perda de sofisticação produtiva da economia brasileira pós-2010. Houve desindustrialização e reprimarização da pauta exportadora, com avanço das commodities. Em 2014, por exemplo, cinco produtos responderam por quase 50% das exportações brasileiras: ferro, soja, açúcar, petróleo e carnes. Desde a abertura comercial dos 1990, as indústrias brasileiras ficaram viciadas em nosso mercado interno. O que deveria ter sido uma catapulta para conquistar o mercado mundial, como fizeram os asiáticos, virou fim em si mesmo. As apreciações cambiais da era FHC e da era Lula reforçaram o sinal da produção para abastecer o mercado nacional e tiraram o ímpeto exportador de nossas empresas. A implosão da economia brasileira em 2015 arrastou nossa indústria (que já vinha se arrastando) para o buraco. O desaparecimento do crédito e da demanda interna tiveram efeitos diretos e violentos na produção doméstica de carros, motos, caminhões, móveis, eletrodomésticos, bens de consumo em geral, matérias da construção civil, aço, entre outros. Nossa produção industrial colapsou com queda de 20% entre 2014 e 2016. Na era Lula e Dilma, a alavancagem de crédito (imobiliário e não imobiliário) provocou um boom de consumo e um boom de construções imobiliárias, resultando em grande aumento de endividamento e oferta de imóveis. Os investimentos foram primordialmente direcionados para o setor de bens non-tradables (prédios comerciais, residenciais e shopping centers). As desonerações de impostos da era Dilma agravaram o problema injetando demanda agregada e complicando a situação de contas públicas. O represamento de preços administrados

como energia, gás e gasolina contribuiu na mesma direção. Em 2015, essas políticas foram revertidas de forma brusca e a bolha que já vinha desinflando estourou. O choque de juros, o realinhamento de preços livres e administrados e a forte desvalorização cambial, também decorrente do estouro da bolha de commodities, deram o tiro de misericórdia na atividade econômica e estouraram a bolha de crédito e consumo no Brasil. A grande maioria dos empregos gerados nesses anos foi em setores com baixa produtividade intrínseca: construção civil, serviços não sofisticados em geral (lojas, restaurantes, cabeleireiros, serviços médicos, call centers, telecom etc.), serviços de transporte (motoristas de ônibus, caminhões e táxis), entre outros. Os empregos industriais ficaram estagnados e depois de 2015 mergulharam (para uma ótima análise desse período, ver Carvalho, 2018). Nossa indústria entrou em estagnação e, depois de 2015, mergulhou para uma queda de US$ 100 bilhões de produção industrial em relação a 2014. O Brasil passa hoje por um dos maiores processos de desindustrialização em valores absolutos do mundo (para uma análise crítica das políticas industriais da era Lula e Dilma, ver Machado, 2019). Em face desta tendência, costuma-se dizer agora, no Brasil, que “o engenheiro virou motorista de Uber”. É cada vez mais comum encontrar motoristas de Uber e táxi que vieram do setor industrial brasileiro; muitos vêm também do setor derivado de serviços empresariais (marketing, design, TI, logística, finanças). O efeito da destruição do tecido industrial e produtivo do Brasil é visível a olhos nus. Viramos a economia das padarias, dos cabeleireiros, das manicures e dos lojistas de shopping: serviços não escaláveis, sem produtividade, sem desenvolvimento tecnológico. A indústria brasileira que já chegou a representar quase 25% do PIB caiu para 10% em 2018. Países como Coreia de Sul, Japão e Alemanha têm ainda hoje setor industrial na casa de 25% do PIB. Tailândia e China chegam a 30% de indústria no PIB. Na Índia, Vietnã, Turquia e países do Leste Europeu, o setor industrial segue conquistando espaço. Até mesmo países que desenvolveram muito o setor de serviços sofisticados como EUA, Canadá e Austrália, com renda per capita na casa de US$ 50 mil,

têm indústria que representa 10% do PIB, mas em termos de renda per capita têm produção industrial de 3 a 4 vezes maior do que a brasileira; tanto EUA quanto Austrália quando mais pobres já tiveram mais de 20% do PIB em indústria (ver apêndice estatístico). O Brasil se desindustrializou antes de ficar rico. Claro que nosso setor agropecuário e minerador são potencias, mas por si só serão insuficientes para trazer desenvolvimento econômico ao Brasil. Todas potências agrícolas no mundo são também potências industriais. A mineração e a agropecuária nunca representam mais do que 10% do PIB de qualquer país rico, e empregam em média somente 5% das pessoas em idade de trabalhar. Países muito pobres têm contingentes enormes de pessoas ainda na agricultura de subsistência não produtiva, muitas vezes acima de 25% da força de trabalho. No mundo todo, 50% dos empregos está concentrado em serviços não escaláveis que têm baixa produtividade. A diferença entre países ricos e pobres está nos outros 50%; quanto mais pessoas trabalhando em indústrias medium e high tech e serviços empresariais escaláveis, mais próspera a nação. Países ricos produzem serviços sofisticados como Uber, Netflix e Amazon; nós dirigimos Uber, assistimos Netflix e compramos na Amazon. Veremos neste livro que Eugênio Gudin estava errado ao defender nossa vocação agrícola como o caminho para o enriquecimento, e que Roberto Simonsen estava correto ao destacar a importância da indústria (Simonsen e Gudin, 2010). Ao desenvolver seu potencial produtivo, países vão aprendendo a fazer produtos mais sofisticados e complexos. Os bens industrializados e serviços sofisticados são mais ricos em conteúdo tecnológico e demandam mais capital humano em sua produção. Em geral, são feitos com máquinas modernas e têm economias de escala e escopo que trazem mais produtividade; quanto mais se produz, menor é o custo unitário de produção e maiores podem ser os lucros e salários envolvidos no processo produtivo. As empresas que produzem esses bens conquistam, via patentes, marcas e conhecimento proprietário, poder de monopólio, e conseguem influenciar os preços nos mercados onde vendem seus produtos. Seus trabalhadores encontram,

portanto, empregos com melhores condições de aproveitamento intelectual e menor esforço físico. Quem estuda e obtém um diploma encontra oportunidades que recompensam o esforço de assimilar conhecimentos novos e de melhorar o ambiente em que vive. Além disso, as pessoas consomem mais e melhor e tornam rentáveis os negócios que dão oportunidades a outras pessoas esforçadas e talentosas. É uma rede de relações mútuas que nutre uma vida econômica e social mais sofisticada e mais rica, em todos os sentidos, para todos os envolvidos. Quanto mais inteligência é aplicada ao processo produtivo, menor é o desgaste físico e mental, menor é o desperdício (de esforço inclusive), menor é a poluição e menores são os malefícios à qualidade de vida dos que habitam o nosso planeta. Por isso, o desenvolvimento é uma força inclusiva que coloca na equação não só o bem-estar humano, mas o de todas as espécies que habitam o planeta. Pensar o desenvolvimento econômico no Brasil e no mundo não é um luxo. É uma necessidade. No Brasil e no mundo, muitos economistas ainda não acreditam na potência da indústria para gerar o desenvolvimento econômico. Isso se deve a um longo engessamento intelectual na fé sobre a capacidade do mercado e do livre comércio em promover o progresso material das nações. No entanto, após o incrível sucesso recente da China e dos países do Leste Asiático, com suas políticas industrialistas e dirigistas, essa mentalidade está mudando. Abre-se agora a oportunidade para uma revisão crítica dessa perspectiva liberal ingênua e uma busca por alternativas recorrendo a antigas receitas, mas em novos moldes. As novas políticas de promoção industrial na Alemanha, França, Reino Unido, Estados Unidos e de outros países ricos mostram que o ocidente acordou em relação à China e às suas próprias estratégias de sucesso no passado. Rodrik e Aiginger (2020) fazem um importante levantamento da nova literatura que surge no mundo para explicar a importância da indústria, o papel da política industrial no desenvolvimento econômico e o sucesso do Leste Asiático. Nessa onda, importantes economistas estruturalistas no mundo e no Brasil voltaram a ganhar força. Nas páginas que seguem exploramos essas ideias em detalhe,

trazendo contribuições recentes para nos ajudar a pensar o Brasil. A boa notícia é que o conhecimento teórico e empírico sobre o tema melhorou muito e pode agora nos ajudar com novas perspectivas para entendermos o empobrecimento da sociedade brasileira. Este breve livro explora essas ideias de maneira simples e didática com o objetivo de tentar contribuir com o debate sobre o tema no Brasil.

2.

O SEGREDO DA RIQUEZA DAS NAÇÕES ESTÁ NA FÁBRICA DE ALFINETES

O processo de desenvolvimento sempre intrigou os economistas. Pensadores do passado como o italiano Antonio Serra, de Nápoles, no início do século XVII; John Cary, de Bristol, no final do século XVII; ou Duarte Ribeiro de Macedo, de Portugal, na mesma época se indagavam sobre o que fazer para acelerar o progresso do reino e alcançar riqueza para todos. Veneza se tornou poderosa aos olhos de Antonio Serra porque conseguiu criar um cluster de indústrias, inovação, aprendizagem, comércio e pessoas qualificadas, num processo de “cumulação causativa”. Estes fatores juntos colocaram Veneza numa trajetória diferente daquela em que Nápoles se encontrava. Para Serra, Nápoles com sua estrutura agrária não seria capaz de resolver seus problemas econômicos sem criar uma base produtiva semelhante à de Veneza. Para o embaixador português em Madri, Duarte Ribeiro de Macedo, a pobreza de Portugal nos anos 1600 estava relacionada à ausência de manufaturas e indústrias no Reino (o termo usado na época era artes); um pouco disso se observava na Espanha, que perdeu suas manufaturas da região de Segóvia para outros países. Para Duarte Ribeiro de Macedo, o atraso de Portugal estava ligado à ausência de processos produtivos mais sofisticados como o que se via nas manufaturas inglesas e holandesas. John Cary, grande comerciante de Bristol, explicou a dinâmica das manufaturas da Inglaterra em seu belíssimo livro de 1695 An essay on the state of England in relation to its trade, its poor, and its taxes, for carrying on the present war against France (Cary, 2010). Muito antes de Adam Smith ter escrito o livro A riqueza das nações que se tornou clássico, esses economistas já estudavam a questão da riqueza e da pobreza das nações, que perdura até hoje e continua inflamando corações e mentes. A divisão do trabalho, “causa do aprimoramento das forças produtivas”, aparece na obra de Smith (2003) como um dos pilares do avanço produtivo e, portanto, dos ganhos de produtividade. O famoso exemplo da fábrica de alfinetes mostra em detalhe como a especialização produtiva e a divisão de tarefas traz ganhos de produtividade. Para Adam Smith, a divisão do trabalho encontrada nas manufaturas era da maior importância

para explicar os aumentos de produtividade dos trabalhadores devido a três motivos: I) aperfeiçoamento e aumento de habilidade decorrente da concentração em uma única atividade, destreza, nas palavras de Smith, II) economia de tempo relativo a mudanças de local e de atividades em casos de divisão do trabalho, e III) mecanização do processo produtivo ou utilização de máquinas inventadas pelos trabalhadores, fabricantes de máquinas e “filósofos”. Smith fornece contas específicas para as fábricas de alfinetes que visitou e conjectura que um trabalhador sozinho talvez fosse capaz de produzir uns 20 alfinetes por dia, ou talvez até mesmo um só por dia se tivesse que conduzir o processo do começo ao fim. Enquanto numa pequena fábrica de alfinetes com 10 pessoas, graças ao processo integrado de produção e a grande divisão do trabalho, um trabalhador era capaz de produzir até 4.800 alfinetes por dia na média. Uma produtividade individual monumentalmente maior do que no caso de produção sem divisão do trabalho. Smith menciona que as atividades não são neutras do ponto de vista de potencial de geração de divisão do trabalho; algumas atividades são mais propícias, outras menos. Serviços não sofisticados, agricultura e recursos naturais tendem a promover menor divisão do trabalho, como veremos adiante.

Divisão do trabalho e retornos crescentes de escala Manufaturas e produtos mais complexos apresentam maior potencial de promoção de especialização produtiva e divisão do trabalho dentro das empresas e entre as empresas. Bens produzidos em grandes redes geram maiores oportunidades de ganhos de produtividade. Logo, os ganhos “smithianos” de produtividade não são setor neutro, dependem do tipo de atividade produtiva desenvolvida no espaço econômico em questão. A fábrica de alfinetes de Adam Smith era, antes de mais nada, uma fábrica. Segundo Smith (2003, p. 42-43), “a natureza da agricultura não comporta tantas divisões do trabalho, nem uma diferenciação tão grande de uma atividade para outra, quanto ocorre nas manufaturas”. Ou ainda: “As nações mais opulentas geralmente superam todos seus vizinhos na agricultura como nas

manufaturas: geralmente, porém, distinguem-se mais pela superioridade na manufatura do que na agricultura”. No jargão atual, manufaturas exibem em geral retornos crescentes de escala, agricultura não. O setor industrial se destaca por sua complexidade; de todos os subsetores produtivos é o que mais exerce efeitos de encadeamento para frente e para trás sobre os outros subsetores e em seu próprio subsetor. Isso ocorre porque a indústria de transformação demanda insumos e oferta produtos de e para todos os demais setores da economia, como também porque os elos entre os setores produtivos dentro da indústria são mais densos. Movimentos de expansão ou contração no setor manufatureiro afetam mais o conjunto da economia do que impulsos observados fora desse setor. Até o final dos anos 1980, era relativamente consensual entre economistas das mais variadas linhagens teóricas a premissa de que a possibilidade de mecanização e especialização é maior na indústria do que em outros setores por conta da maior possibilidade de divisão do trabalho intraindústria e entre a indústria e outros setores. Este consenso foi alcançado após uma longa história de contribuições teóricas que foram refinando o nosso entendimento sobre a importância dos processos de sofisticação produtiva que a experiência histórica da manufatura tão claramente encarnava. Assim, os insights originais de Adam Smith sobre as manufaturas e a fábrica de alfinetes foram ampliados no trabalho de Allyn Young, Divisão do trabalho e retornos crescentes, nos anos 1920, e também elaborados no pensamento austríaco de Eugen von BöhmBawerk; por isso, para alguns austríacos inspirados por este autor, o setor industrial também é chave. Na vertente keynesiana preocupada com o crescimento de longo prazo, Nicholas Kaldor partiu dos trabalhos de Allyn Young e da divisão do trabalho dentro das empresas e entre as empresas para destacar a importância dos retornos crescentes de escala na indústria. Essa característica da indústria e das possibilidades de divisão do trabalho ficaram conhecidas entre os seguidores da escola austríaca como as economias de “produção indireta” (roundaboutness), que diz o seguinte: se o Robinson Crusoé estiver sozinho numa ilha, vale mais a pena gastar tempo fazendo

um barco e uma vara de pesca do que sair nadando para pescar peixes. Ou seja, se ele dividir a tarefa de pesca e “mecanizá-la” será bem mais produtivo do que se sair a nado para pescar. Nessa linha, Allyn Young destacou a importância da cooperação entre as etapas de produção (ou roundaboutness) que Smith tão bem sacou e Böhm-Bawerk aprofundou. As atividades industriais são as mais propícias para se aplicar o roundaboutness (divisão do trabalho, especialização e mecanização) e, portanto, são o motor da produtividade de uma economia. Este foi um assunto explorado e discutido com bastante detalhe a partir dos trabalhos de Nicholas Kaldor e Gunnar Myrdal nos anos 1960 e 1970. Para os autores heterodoxos, o objeto adequado da análise econômica não era a alocação ótima de recursos escassos, como defende a abordagem neoclássica (ou ortodoxia). Ao contrário, a economia se ocupava de compreender como se dá a produção destes recursos ao longo do tempo. Afinal, como disse Keynes certa vez, o economista é o guardião das possibilidades materiais da sociedade. A história da economia real revelava a luta da humanidade para fugir das limitações impostas pela natureza e não sua submissão “ótima” às escassezes que enfrentava. Por isso mesmo, Karl Marx havia definido a economia política como a “histórica crítica da tecnologia”, muito embora o tenha feito apenas numa nota de rodapé de sua obra magna O Capital. A industrialização revelou como nenhuma outra invenção humana a determinação da nossa espécie de fugirmos das desvantagens comparativas evolucionárias a que Thomas Malthus nos havia sombriamente sentenciado. Desde os primeiros capítulos da Revolução Industrial no século XVII, a manufatura expunha os efeitos de realimentação positiva do investimento, ocasionando processos desestabilizadores e cumulativos de crescimento da capacidade produtiva, com amplos poderes de difusão sobre vastas áreas do conhecimento técnico e produtivo da humanidade. Por isso, economistas interessados na dinâmica da produção entendiam que o investimento em capital produtivo trazia incorporado em si o progresso técnico. Este último era uma espécie de externalidade positiva, na medida em que potencializava

simultaneamente a produtividade do capital e do trabalhador que operava agora uma máquina mais sofisticada. Daí nasce a chamada Lei de Kaldor-Verdoorn (Oreiro, 2016), que estabelece uma relação entre a taxa de crescimento do estoque de capital e a taxa de crescimento da produtividade do trabalho. No plano mais geral, este era o segredo ao qual as nações avançadas chegaram antes: ao aproveitar os retornos crescentes à escala, seus efeitos amplificaram as diferenças com relação àqueles setores, regiões e países que mantiveram sua produção pouco indireta e pouco sofisticada. O problema central não era tanto entender estes mecanismos, mas sim como operar uma mudança tão profunda e abrangente na matriz estrutural das economias atrasadas. Isso nos leva ao problema central da economia do desenvolvimento e as alternativas que os intelectuais pioneiros neste campo ofereceram.

Desenvolvimento balanceado ou desequilibrado? A primazia da indústria como motor do desenvolvimento pode ser facilmente observada nas economias mundo afora a partir da análise das matrizes insumo-produto de cada país. Desenvolvida por Wassily Leontief nos anos 1950, esta metodologia abriu o caminho para a exploração dos mecanismos ocultados pelo véu dos agregados macroeconômicos. Esta ferramenta permitiu significativos avanços na programação econômica, de forma a permitir a identificação dos setores mais dinâmicos da economia e com efeitos indutores mais fortes sobre o dinamismo dos outros setores da economia. As matrizes insumo-produto oferecem uma visão “anatômica” e “fisiológica” da estrutura produtiva de um país. Trata-se de uma forma de visualização das interdependências produtivas internas à economia. Com ela, podemos saber quanto um setor é importante para que a produção de outro seja viável. Por exemplo, um aumento na produção agrícola pode aumentar a demanda pelo setor de transportes, o qual eleva a demanda dos setores produtores de pneus, de combustíveis, de serviços mecânicos e assim por diante. O desenvolvimento deste tipo de análise ofereceu um suporte empírico importante para os economistas preocupados

com a heterogeneidade estrutural das economias atrasadas, que se manifestava em uma rígida dualidade que fazia coexistirem setores de alta produtividade com setores de baixíssima eficiência. Devido à sua preocupação com as “estruturas”, estes economistas foram rotulados de “estruturalistas”, os quais se dividem em duas tradições de pensamento econômico: uma europeia e a outra latino-americana. Na linhagem europeia, Paul Rosenstein-Rodan, Ragnar Nurkse, Arthur Lewis, H. Singer, Albert Hirschman, Gunnar Myrdal e Hollis Chenery formam o grupo de pensadores econômicos associados ao estruturalismo original ou pioneiros da teoria do desenvolvimento. Estes pensadores definem o desenvolvimento econômico como uma transformação radical na estrutura produtiva das economias no sentido de sofisticação do tecido produtivo. Assim, a Economia do Desenvolvimento trata dos mecanismos econômicos, sociais, políticos e institucionais, públicos e privados, necessários para promover melhorias persistentes no bem-estar social das economias retardatárias. Em essência, a preocupação deste campo de pesquisa foca a mudança estrutural como parte essencial desse processo de descoberta e aproveitamento do potencial produtivo de um país sem perder de vista a centralidade dos mecanismos distributivos que acompanham a sofisticação produtiva. Com base na hipótese de que a estrutura produtiva industrial de um país afeta tanto o ritmo quanto a direção do desenvolvimento econômico, a literatura estruturalista destaca a importância da mudança estrutural, pela via da industrialização, como o melhor caminho para o desenvolvimento das nações. Sem um processo de industrialização robusto não é possível aumentar o emprego, a produtividade e a renda per capita de um país. Sem estes movimentos, reduzir a pobreza se torna inviável. Neste sentido, o processo de desenvolvimento implica necessariamente uma realocação da produção de setores de baixa produtividade para setores de alta produtividade, nos quais prevalecem os retornos crescentes de escala. Ao longo das décadas de 1940 e 1960, este novo campo de pesquisa se dividiu em dois polos. De um lado estavam os teóricos que defendiam o desenvolvimento balanceado entre os

setores; do outro, aqueles que não entendiam como realista (ou até mesmo desejável) um desenvolvimento equilibrado, alegando a existência (e mesmo os benefícios) do desenvolvimento desequilibrado como motor central da transformação estrutural em países retardatários. No primeiro grupo, Rosenstein-Rodan (1943) elabora o primeiro “modelo” de desenvolvimento baseado na experiência do Leste Europeu, salientando-se a importância de um esforço maciço e abrangente de investimento multissetorial (o big push) de forma a turbinar as interdependências setoriais (tecnológicas e de demanda) que garantiriam sustentação à imensa estrutura industrial que seria sobreposta a uma matriz produtiva dominantemente rural. Cerca de uma década mais tarde, Nurkse e Lewis demonstrariam com rigor e objetividade a importância da disponibilidade de poupança para destravar os investimentos nestes países. Para Nurkse, uma armadilha da pobreza mantinha os países pobres exata e simplesmente porque sua pobreza impedia o acúmulo de poupança para viabilizar a mudança estrutural; com efeito, o autor afirmava que “um país é pobre porque é pobre” (Nurkse, 1953, p. 8). Nurkse e Lewis concordavam em que a superação deste círculo vicioso da pobreza seria possível por meio do aproveitamento do desemprego disfarçado de mão de obra no campo e do tamanho do mercado interno como gerador de demanda para validar um “aumento na produção de um amplo setor de bens de consumo, equilibrado de modo a corresponder ao esquema de preferências dos consumidores, cria[ndo] sua própria demanda” (Nurkse, 1953, p. 265). Lewis (1954) foi mais conciso e formulou um modelo simplificado com conclusões muito assertivas e claras. Dividindo a economia em dois setores com dinâmicas diferentes, ele analisa teoricamente o problema das economias duais que diferiam de economias homogêneas em termos da produtividade do trabalho. No modelo de Lewis, as sociedades rurais teriam uma “poupança oculta” (isto é, energia econômica ociosa armazenada) na forma de contingentes de mão de obra com produtividade próxima a zero. Com efeito, uma oferta potencial “ilimitada” de mão de obra tornava os salários reais estáveis durante as primeiras fases de expansão industrial. Com isso,

qualquer expansão da economia canalizaria os frutos do crescimento para os lucros dos empresários das novas atividades urbano-industriais, dando suporte à posterior realimentação do ciclo de investimentos. Porém, em fases mais adiantadas da mudança estrutural, conforme os contingentes populacionais deslocados do campo para a cidade fossem esgotando este exército laboral de reserva, os salários reais passariam a crescer, de maneira a remunerar o esforço dos trabalhadores de acordo com sua produtividade marginal. Em suma, capital e trabalho eventualmente chegariam a um acordo, contanto que a economia continuasse crescendo. Os autores deste polo tinham, portanto, o entendimento de que apenas amplos programas de desenvolvimento, financiados e dirigidos por governos e com o apoio do capital estrangeiro, dariam conta de quebrar as armadilhas do atraso a que foram submetidas as economias retardatárias da Revolução Industrial. A melhoria do parque industrial viabilizaria uma pauta de exportações mais robusta e com maiores efeitos dinamizadores sobre a economia interna. Devido à presença de indivisibilidades (isto é, custos fixos monumentais em termos da escala das plantas e dos projetos de infraestrutura, para ficar em dois exemplos), de externalidades pecuniárias e tecnológicas e de retornos crescentes à escala, qualquer esforço localizado de mudança estrutural tenderia a ser autoderrotante, por não garantir tração econômica suficiente para validar os projetos de investimento. Esta visão uniforme (e otimista) do desenvolvimento não foi aceita incondicionalmente. Hirschman (1958) defenderia poucos anos mais tarde que o desenvolvimento é um processo essencialmente desbalanceado, em que a escassez de recursos (financeiros, naturais e humanos) vai sinalizando para a economia quais deveriam ser suas prioridades. Segundo o autor, este “benefício” do desequilíbrio atenuaria um problema central em economias atrasadas, a saber: a incapacidade decisória de políticos e empresários frente a problemas numerosos cujo diagnóstico raramente era claro. Neste sentido, Hirschman defendia um processo sequencial de superação de gargalos produtivos, identificando aqueles com maior potencial gerador de

incentivos ao investimento em outros setores, conceito este rotulado como “encadeamentos para frente e para trás”. Assim, aceitava-se a ideia de que a mudança estrutural seria um caminho repleto de fricções e desajustes temporários, como a disseminação de uma corrente elétrica por uma rede. O problema era identificar os setores com maior poder de difusão (tecnológico e de demanda) para neles centrar a atenção da política de desenvolvimento e os escassos recursos disponíveis. Aprofundar as diferenças entre estes polos da economia do desenvolvimento nos distrairia de nosso objetivo central, que é evidenciar o desenvolvimento econômico como processo de aprendizagem tecnológica. A despeito de suas divergências, ambas as vertentes baseavam suas análises sobre desenvolvimento econômico em conceitos de encadeamentos (linkages) ou ligações produtivas, complementaridades entre setores, armadilhas de pobreza e dualismos. Uma economia dual tem sempre um setor moderno e produtivo com bons empregos e salários que convive com um setor atrasado e arcaico com empregos de baixa qualidade e salários. Os clássicos do desenvolvimento econômico diferenciavam as atividades produtivas em termos de suas habilidades para gerar crescimento e desenvolvimento. Atividades com retornos crescentes de escala, alta incidência de inovações tecnológicas e altas sinergias decorrentes de divisão do trabalho dentro das empresas e entre empresas são fortemente indutoras de desenvolvimento econômico. Vejamos dois exemplos históricos da força da indústria.

Bangladesh e Vietnã Bangladesh e Vietnã são casos interessantes de industrialização rápida e recente. Ainda que em produtos low tech e de baixa sofisticação, ilustram a enorme potência da indústria para aumentar a produtividade geral de um país e tirar pessoas da pobreza. O Vietnã já ultrapassou o Brasil entre os maiores exportadores do mundo. É um dado chocante, mais ainda sabendo que a população do Vietnã é metade da brasileira e seu território é 66 vezes menor do que o nosso. Qual foi o grande

acerto do Vietnã para esse sucesso? Já tendo as mínimas condições de sobrevivência, em 1986, o Partido Comunista do Vietnã, inspirado no socialismo de mercado chinês e preocupado com o fim da URSS, resolveu também abrir o país para a competição mundial, tal qual a China tinha feito em 1978. Em 1990, o PIB per capita do Vietnã era de US$ 200, mas já em 2017 saltou para US$ 2.400. Desde as reformas, o Vietnã cresce a uma média de 7,2%, sendo que as exportações crescem a uma média de 20% ao ano. A indústria vietnamita tem se tornado cada vez mais complexa, nacional e competitiva. O país também ostenta uma expectativa de vida de 76 anos, que é maior do que a do Brasil. De sua população total, 92% têm acesso à eletricidade e 80% à água potável. A pobreza caiu drasticamente, saiu de mais de 50% para 15% da população em somente 20 anos. O Vietnã está saindo da periferia mundial para a relevância geopolítica e competição em tecnologias, um líder regional notável. O Vietnã é um dos casos mais bem-sucedidos de industrialização com integração recente às cadeias globais de valor (CGVs). Uma espécie de fábrica de alfinetes do século XXI. Especificamente, encaixa-se bem no chamado paradigma dos “gansos voadores”, o desenvolvimento sequencial de indústrias, característica marcante da integração regional asiática. Trata-se de um processo de industrialização liderado pelas economias mais dinâmicas da região. Teria se iniciado com o “ganso” líder Japão, que deslocou atividades industriais mais simples, maduras e padronizadas para um 2º nível de países seguidores, os tigres asiáticos. Este modelo depende do Investimento Estrangeiro Direto (IED) proveniente das nações mais desenvolvidas da região. De fato, as principais origens do IED no país são os tigres asiáticos e o Japão. Aproximadamente um terço da produção global dos smartphones da Samsung ocorre hoje no Vietnã. Em 1986, ano das primeiras reformas, o país exportava apenas bens primários. Trinta anos depois, eletrônicos e têxteis dominam a pauta exportadora. O estágio de desenvolvimento em que se encontra um país delimita as alternativas de que dispõe para avançar. Para Bangladesh, por exemplo, a adesão às cadeias globais de valor

pelo elo de menor valor agregado trouxe claros benefícios. A oferta quase ilimitada de mão de obra atraiu a tradicional indústria têxtil, que representa hoje mais de 90% das exportações do país. Retirou dezenas de milhões de pessoas da agricultura de subsistência, de baixa produtividade, e as colocou na indústria, dobrou sua renda per capita de US$ 2 mil para US$ 4 mil nos últimos 20 anos. Como próximo passo, a intenção do governo é estimular atividades mais complexas em outros setores e na própria indústria têxtil, como bordados, apliques e materiais de alta performance, mas acima de tudo desenvolver outros setores. Nesse ponto, chama a atenção a tentativa de emular a estratégia da vizinha Índia, por meio do estímulo a serviços de TI e farmacêuticos. Na indústria farmacêutica, Bangladesh ainda vem se aproveitando das renúncias a tratados internacionais de propriedade intelectual devido ao seu status de país menos desenvolvido com o objetivo de estimular a produção de medicamentos genéricos e a granel. Um caso curioso de Bangladesh é que o pontapé inicial da indústria de têxteis foi dado partir de tecnologia trazida da Coreia para se aproveitar da mão de obra barata no país. Um empreendedor local atraiu a empresa Daewoo da Coreia do Sul e a partir daí clusters de produção de tecidos foram se formando e expandindo na região. No contexto do acordo comercial de multifibras (MFA) dos EUA com a Ásia, os coreanos aproveitaram Bangladesh como base exportadora para se enquadrar na cota definida pelos EUA. O MFA estabeleceu cotas firmes para a quantidade de roupas que outros países poderiam vender para os Estados Unidos e países europeus. As regras eram incrivelmente detalhadas: o Sri Lanka podia vender apenas uma quantidade certa de sutiãs para os EUA a cada ano. A China poderia vender camisetas e nada mais. Empresários em Bangladesh fizeram um acordo original com a coreana Daewoo para iniciar uma grande fábrica de roupas em Chittagong, Bangladesh, com características coreanas. Naquela época, a Daewoo era uma grande fabricante de camisetas, mas a Coreia do Sul já havia atingido sua cota no âmbito do MFA. Isso deu às empresas coreanas um incentivo para se instalar em outro lugar, como

Bangladesh, para poder fabricar roupas para exportação aos EUA. Claro que esses dois países estão longe ainda de enriquecer, quiçá atingir o nível de renda média acima dos US$ 10 mil por ano. Para isso precisam avançar muito na jornada da sofisticação produtiva, não bastando somente se industrializar, mas migrar para produtos mais complexos. As atividades industriais de baixo valor agregado e intensidade tecnológica praticadas por Vietnã e Bangladesh podem ser caracterizadas como “dog industries”, em geral praticadas em países pobres. Como nos ensinam Kattel e Reinert (2010, p. 7), entender o subdesenvolvimento é compreender o que acontece nas indústrias onde as estratégias de Michael Porter não funcionam; as “dog industries” que ele diz a seus clientes para se manterem longe (Porter, 1980). “Star industries”, por outro lado, são atividades onde em geral predominam competição imperfeita e todas as características desse tipo de estrutura de mercado: retornos crescentes de escala, alta incidência de inovações tecnológicas, altas sinergias decorrentes de divisão do trabalho dentro das empresas e entre empresas, importantes curvas de aprendizagem, rápido progresso técnico, alto conteúdo de R&D, alta concentração industrial, grandes barreiras à entrada e diferenciação por marcas. No livro A vantagem competitiva das nações, Porter (1990) leva as conclusões tiradas da arena da competição industrial para o nível nacional. O conselho que ele dá às nações é essencialmente o mesmo que ele dá às corporações: cultivar “star industries” e manter-se longe das “dog industries”. Segundo Erik Reinert, as recomendações da estratégia nacional de Porter são essencialmente uma versão mais sofisticada das recomendações das escolas de pensamento mercantilista. O grupo de atividades industriais e serviços de alto valor agregado se contrapõem às atividades de baixo valor agregado com típica estrutura de competição perfeita: baixo conteúdo de R&D, baixa inovação tecnológica, informação perfeita, ausência de curvas de aprendizado e baixas possibilidades de divisão do trabalho. A construção de um sistema industrial complexo e diversificado é, portanto, a face mais visível do processo de desenvolvimento econômico. A mera especialização em

agricultura e em atividades extrativistas, como mineração bruta, inibe o florescimento deste tipo de evolução tecnológica. Atividades de baixa qualidade são normalmente representadas por mercados em concorrência perfeita, em que os produtores não têm qualquer poder de monopólio, ficando muito sujeitos às oscilações de mercado. Assumem a posição de tomadores de preço e participam do sangrento “oceano vermelho” da concorrência acirrada dentre vários produtores por bens sem muita diferenciação: o caso atual de Vietnã e Bangladesh. Por outro lado, as atividades de alta qualidade normalmente envolvem dominar uma competência particular que as concorrentes não conseguem imitar com facilidade. Neste sentido, falamos que setores de alta qualidade geralmente participam no “oceano azul” da concorrência imperfeita. Por definição, as atividades de alta qualidade aparecem em mercados com estruturas de oligopólio e concorrência monopolíticas, o que já dificulta sobremaneira a entrada de novos players de países emergentes. Pense num produtor de limão tentando diferenciar seu produto de outros que concorrem com o dele. Agora pense na Apple ou na Microsoft. Fazer com que o carro-chefe de uma estrutura produtiva migre da primeira para a segunda é tarefa de enorme dificuldade. É justamente deste salto que depende o processo de desenvolvimento econômico. Para se desenvolver, um país precisa ser capaz de constituir empresas nesses setores já muito bem ocupados onde os potenciais de economias de escala e lucros são enormes: aí está a produtividade. Tarefa nada fácil para um país emergente; sem entrar nesses mercados e ocupar espaço relevante, não há ganhos de produtividade relevantes e não há desenvolvimento econômico.

O setor de serviços A contribuição dos pioneiros do desenvolvimento tinha como objetivo compreender os entraves à – bem como os mecanismos que poderiam levar à – transição de uma economia rural para uma economia liderada pela produção industrial. Por este motivo histórico, os modelos com heterogeneidade estrutural focados nas economias atrasadas salientavam apenas o dualismo rural-

urbano, sem dar centralidade aos serviços. Nos estágios iniciais de desenvolvimento, entendia-se que o setor de serviços andava a reboque da indústria de transformação, oferecendo suporte a todo o aparato manufatureiro, como os tradicionais serviços de educação, saúde e transporte urbano e rodoviários. Os serviços de vendas, de marketing, de comunicação etc. eram todos internalizados verticalmente pelas empresas, de maneira que faziam parte orgânica da produção manufatureira. No entanto, os economistas focados na experiência dos países desenvolvidos foram provocados pela agenda da economia do desenvolvimento para refletir sobre a dinâmica entre os setores industrial e de serviços. Até os anos 1960, os modelos de crescimento não faziam distinção entre setores. Era como se a estrutura produtiva se ajustasse com flexibilidade, ao sabor dos preços relativos, atraindo recursos aonde fossem mais bem remunerados. Como vimos acima, passado o ponto de inflexão de Lewis, em que a economia se tornava urbana, industrial e, portanto, desenvolvida, os modelos previam que seu crescimento era setorialmente balanceado e orgânico, crescendo todos à mesma taxa aproximada. Porém, o que ainda não havia ocorrido aos teóricos do mainstream era que, uma vez que a matriz industrial estivesse completa em suas etapas essenciais, o desafio das economias avançadas era o de manter o ritmo de elevação da produtividade do trabalho, de maneira a acomodar as crescentes aspirações de consumo da massa de trabalhadores urbanos. Daí surgiu a famosa Lei de Engel, segundo a qual o desenvolvimento econômico ocasiona uma mudança qualitativa no orçamento familiar em que, inicialmente, os alimentos eram substituídos por bens manufaturados e, quando a economia se tornava industrialmente “madura”, os serviços passariam a dominar os gastos de consumo das famílias. O economista americano William Baumol deu uma explicação muito elegante para a maior produtividade da indústria em relação aos serviços menos sofisticados, isto é, não escaláveis (ou não sujeitos a economias de escala): quando o trabalho é uma atividade-fim, como educação, saúde e lazer, que são “tecnologicamente não progressivas”, fica muito mais difícil, se não impossível, de obter a mecanização e o alcance de economias de escala; ao contrário

das atividades em que o trabalho é uma atividade-meio, por exemplo, manufaturas que são “tecnologicamente progressivas” (Baumol, 2012). Neste último caso, as economias de escala e de escopo estão mais presentes, o que eleva os ganhos de produtividade dos setores. Contudo, o leitor pode indagar: se a indústria é o motor mais pujante do desenvolvimento, como podem as economias maduras continuarem crescendo e se desenvolvendo se o setor de serviços não está à altura do desafio? Esta é uma pergunta comum quando se confunde a indústria com a manufatura. Esta é apenas uma das representações concretas do conceito mais amplo de “produção indireta” associada ao termo “indústria”. O que realmente importa não é se a produção ocorre em um chão de fábrica ou em um escritório climatizado no Vale do Silício; o que vale é a densidade da rede de atividades mutuamente relacionadas para produzir cooperativamente bens e serviços complexos. Como o cardume está para os peixes e a alcateia para os lobos, a indústria é um coletivo para atividades produtivas complementares dentro de um setor. Podemos, claro, pensar em economias de escala e escopo também em serviços mais sofisticados: marketing, design, tecnologia da informação, finanças, advocacia etc. O desafio é que muitos dos serviços não conseguem aumentar produtividade de forma relevante e persistente pois não apresentam economias de escala nem possibilidade de mecanização: músicos, educação, garçons, cabeleireiros etc. são iguais em todos os lugares. Como disse Baumol (2012) em seu livro mais recente, a Nona Sinfonia de Beethoven tem a mesma duração desde sua composição, mas os salários dos membros da orquestra cresceram substancialmente desde então. Qual a implicação da natureza heterogênea dos setores e das particularidades dos serviços? Para Baumol, como o aumento de produtividade ocorre principalmente no setor de bens industriais, o aumento de produtividade neste último acaba pressionando também os salários dos setores de serviços. Os preços e salários do setor de serviços sobem organicamente, mesmo na ausência de aumentos de produtividade do trabalho. Por isso cortar cabelo em Zurich fica mais caro do que cortar em

São Paulo, apesar da produtividade de nossos cabeleireiros ser a mesma dos suíços (a “doença de custos” de Baumol). Quase que simultaneamente, nos anos 1960 os economistas Paul Samuelson e Bela Balassa seguiram a mesma linha da dualidade setorial, porém recortando o problema de outra forma, associada à possibilidade de comercialização dos produtos no mercado internacional, a saber: produtos transacionáveis (ou tradables) e os não transacionáveis (non-tradables). Novamente, os ganhos de produtividade de uma economia ocorrem principalmente no setor de bens transacionáveis (manufaturas e commodities) e não no setor de bens non-tradables (serviços). Esses aumentos de produtividade no setor de tradables causam aumento de salários que transbordam para o setor de non-tradables. Como não há aumento expressivo de produtividade neste último setor, os preços sobem mais rapidamente do que no setor de bens comercializáveis. O resultado da maturidade é uma inibição espontânea do dinamismo da matriz produtiva, na medida em que a elevação de produtividade dos setores manufatureiros e de serviços escaláveis nos países ricos acaba vazando para os salários de serviços não sofisticados, encarecendo-os. Paradoxalmente, a produtividade da indústria acaba inflando o preço dos serviços. Segundo essa dinâmica, o preço interno dos tradables cai em relação aos preços dos non-tradables. Com a elevação da participação do setor de serviços na estrutura de produção e de preços da economia, a inflação também tende a ser maior durante o processo de desenvolvimento. O brutal diferencial de produtividade entre países pobres e ricos pode ser encontrado nos preços dos bens não transacionáveis (serviços) convertidos em dólar. Esta é uma das forças que explicam o fato empírico de a inflação média dos países em desenvolvimento ser maior do que a inflação média nos países desenvolvidos.

B

3. REVE HISTÓRIA DA ORIGEM DO PENSAMENTO SOBRE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Adam Smith explicou a base do funcionamento do sistema capitalista em sua famosa passagem de A riqueza das nações: “Não é da benevolência do outro que devo aguardar o meu sustento, mas do interesse que os outros têm pelos produtos que posso produzir”. Quanto mais raro e mais valioso for o que eu produzo, maior o valor que as pessoas estarão dispostas a pagar pelo meu esforço. Por outro lado, quem não tiver talentos que lhe diferenciem dos outros estará fadado a concorrer com vários outros também com potencial mediano e receberá menos pelo seu esforço. O capitalismo é baseado na liberdade de inciativa, no autointeresse de se ganhar a vida por meio da venda de um bem em troca de lucro, isto é, um ganho que exceda os gastos para manutenção do capital produtivo ou financeiro. Os proprietários de terra, de imóveis e de invenções e patentes recebem uma renda por deterem a propriedade deste capital na forma de juros, aluguéis e de royalties. Porém, como ensinou Karl Marx, uma vez que nem todos têm capital ou propriedades restalhes apenas a possibilidade de oferecer sua força de trabalho e receber um salário em troca de sua produtividade. Goste-se ou não do capitalismo, foi o arranjo institucional que mais desenlaçou o potencial humano para a criação e para a produção. Mais do que isso, como nos mostra Bresser-Pereira, só é possível pensarmos em desenvolvimento econômico no contexto do capitalismo. Justamente por ter sido este o único sistema capaz de difundir o trabalho assalariado, a ideia de lucro como objetivo da atividade econômica e a acumulação de capital por meio da constante incorporação de progresso técnico. Como nos mostra Bresser-Pereira (2011), a passagem das sociedades para o modo de produção capitalista de produção foi a transformação mais importante da história humana desde a invenção da agricultura, da passagem das sociedades nômades para as sedentárias e a formação dos primeiros impérios. No plano social, isso significou o surgimento de duas classes: a burguesa e a trabalhadora. No plano político, esse processo deu origem aos Estados-nação. No plano econômico, isso implicou o

surgimento do mercado, do trabalho assalariado e dos lucros. Bresser-Pereira ressalta a centralidade do papel do Estado para o êxito do capitalismo, pois demonstra que a consolidação do modelo político do Estado-nação foi fundamental para o êxito do projeto do capitalismo industrial. O mundo passou a crescer aceleradamente após a Revolução Industrial capitalista no final do século XVIII. É interessante notar como o ser humano se libertou da “maldição de Malthus”, que sentenciava a humanidade à eterna luta contra a escassez de alimentos pelo fato de que a população cresceria sempre a taxas maiores do que a produção de comida. Foi o desenvolvimento tecnológico que nos livrou desta maldição. Ao menos, na média, isto é, quando se toma a chamada renda per capita, ou a renda total dividida pela população total. No entanto, se o capitalismo depende do lucro esperado que resulta do oferecimento de certos bens e serviços à sociedade, o que acontece com aqueles que não têm talentos, nem dinheiro ou propriedades que lhes garantam um rendimento mínimo para uma boa vida? Não são todas as sociedades que oferecem aos seus cidadãos a oportunidade de ganhar a sua vida exercitando plenamente os seus talentos e o fruto dos seus esforços. Há pessoas talentosas para as artes sutis da pintura e da música que, dado o atraso relativo na cultura artística de sua sociedade, têm pouco incentivo para viver profissionalmente como um pintor ou um músico. Isso nos leva a uma discussão sobre a estrutura produtiva das sociedades. Quanto mais complexa forem as relações de produção, maior será a chance de talentos variados encontrarem um lugar no sistema para oferecer seus serviços em troca de rendimento para garantir seu sustento material e social. Podemos estender esta ideia a uma ampla gama de áreas da ação humana, como literatura, ciências, filosofia, engenharia etc. A crescente eficiência produtiva do capitalismo é, infelizmente, acompanhada por uma forte tendência a concentrar riqueza e renda nas mãos de poucas pessoas muito ricas. As melhorias em termos de bem-estar são indiscutíveis. Em média, o mundo humano vive mais, come mais e tem maior leque de possibilidades culturais. Todavia, tamanha potência produtiva não é capaz de garantir a todas as pessoas a boa qualidade de vida e

a longevidade que a tecnologia pode oferecer. Uma parcela ainda substancial da população mundial não se beneficiou deste avanço técnico geral, sofrendo desnutrição e enfermidades de fácil prevenção, analfabetismo e restrições materiais das mais brutais. Eis a questão da distribuição do produto nacional e da justiça social: quem ganha o quê e por que ganha tal quantia? Em resumo, o problema econômico envolve duas grandes perguntas. A primeira é: como aumentar a produtividade do trabalho humano por meio da tecnologia e da organização eficiente da produção? A segunda questão, por sua vez, é: como repartir os resultados deste esforço coletivo entre todas as pessoas da sociedade de maneira a garantir a todos um padrão mínimo de vida material e social? De forma mais simples: como aumentar o tamanho do bolo e como dividir o bolo?

List contra Ricardo Desde antes de Adam Smith até meados dos anos 1960, a preocupação central dos economistas era com a primeira pergunta, isto é, as causas e os motores do crescimento econômico. No plano da discussão entre economistas, o centro vai se deslocando dos metais preciosos e do comércio (mercantilistas) para a qualidade produtiva da terra (fisiocratas), daí migra para a combinação de máquinas e trabalho no espaço da produção (economistas clássicos e neoclássicos), e, por fim, o motor do crescimento foi identificado na educação e na inovação tecnológica (de Karl Marx, Joseph Schumpeter e Alfred Marshall em diante). Mesmo quando o problema era a desigualdade, o foco da análise recaía sobre as taxas desiguais de crescimento entre as nações, o chamado problema da convergência dos níveis de renda ou catching-up. Afinal, a organização doméstica da produção depende essencialmente das trocas comerciais com outras nações. Nenhum sistema econômico mais complexo é autossuficiente. Nenhum país pode contar apenas com insumos produtivos domésticos e todas as competências técnicas para produzir tudo o que precisa. A interdependência das nações é o pano de fundo do desenvolvimento econômico.

Numa primeira etapa do pensamento econômico moderno entraram em conflito duas grandes abordagens sobre como organizar um sistema produtivo doméstico competitivo. A primeira baseia-se na ideia de vantagens comparativas de David Ricardo, economista britânico. Segundo este autor, cada país deveria concentrar seus esforços naquilo que faz melhor, isto é, produzir os bens e serviços que lhe custam menos em termos de energia humana e de matéria-prima. Um país que tenha amplas extensões de terras aráveis e uma volumosa população deve concentrar seus esforços na produção de bens agrícolas. A abundância dos recursos reduz o seu preço (salários e renda da terra), tornando os produtos domésticos atraentes aos consumidores dos outros países por serem baratos e de boa qualidade. Em troca desta exportação de bens agrícolas, o país em questão pode importar bens e serviços de outro país que não contam com o território e a população de mesma magnitude. Este último pode ter se especializado em produzir roupas ou computadores. Se cada um produzir o que lhe é mais barato, todos os países sairão ganhando. O mundo inteiro se beneficiaria dos amplos ganhos advindos do comércio internacional. A exposição a concorrentes externos em um setor pode gerar o incentivo à melhoria da tecnologia adotada na produção, bem como a qualificação dos trabalhadores engajados naquelas atividades, de sorte a gerar melhoramentos qualitativos e quantitativos que resultem em maiores ganhos ao país exportador. Todos ganhariam com um comércio internacional vibrante e todas as economias nacionais gozariam de alta produtividade e, portanto, de elevado crescimento econômico. A brilhante teoria de Ricardo é muito convincente e conquistou a profissão do economista até os dias de hoje. É comum ouvirmos economistas pregando a necessidade de abertura comercial da economia como uma forma de destravar o crescimento econômico e promover o desenvolvimento da nação. Quem fala isso não está cometendo nenhum erro; o problema reside em como fazer tal abertura. Ainda que teoricamente muito elegante, a teoria das vantagens comparativas enfrenta muitas dificuldades quando aplicada ao mundo real. Foi como crítica à teoria de Ricardo que emergiu uma proposta alternativa. Segundo

Friedrich List, economista prussiano (hoje, Alemanha), a Inglaterra detinha elevada competitividade comercial por ter desenvolvido antes das outras nações todo um aparato industrial que lhe garantia a melhor vantagem comparativa de todas: a de vender produtos caros (porque só ela produzia) em troca de produtos baratos (que vários países concorrentes produziam). Logo, não seria à toa que seus teóricos ventilassem argumentos abstratos – com verniz filosófico e científico – que reforçassem sua posição geopolítica e comercial, e que negavam as práticas que a própria Inglaterra adotou para se desenvolver. List costumava dizer que os países ricos “chutavam a escada” do desenvolvimento após terem atingido um nível de avanço econômico e tecnológico. Faziam isso para impedir que os países atrasados desenvolvessem suas próprias forças produtivas e se tornassem potenciais concorrentes no plano internacional. Ciente de tal retórica ricardiana, List defendia que cada país aplicasse tarifas comerciais sobre produtos importados que protegessem a lucratividade de suas “indústrias infantes”, bem como lançasse mão de subsídios que reduzissem o custo de produção dos bens a serem exportados, para garantir maior competitividade. O que List propunha era o ancestral do processo atual de incubadora tão praticado na conversão de uma ideia em produto comercial; observou essas políticas funcionando nos Estados Unidos de Alexander Hamilton no final do século XVIII. Hamilton, o primeiro secretário do tesouro norte-americano (17891795), está entre um dos principais formuladores de medidas protecionistas que estimularam a instalação e desenvolvimento da indústria manufatureira norte-americana. Seu conhecido trabalho Report of the Secretary of the Treasury of the United States, on the subject of manufactures (1791) contém muitas das ideias que seriam depois formalizadas por Friedrich List no argumento da proteção à indústria infante presente em seu trabalho National system of political economy (1856). Antes de List ter escrito seu famoso tratado sobre o assunto, passou vários anos nos Estados Unidos estudando as práticas protecionistas americanas. O projeto dos Estados Unidos, especialmente dos estados do norte, se contrapunha frontalmente às recomendações do liberalismo inglês que, segundo alguns

americanos, era produzido para exportação e não para consumo interno. Um dos exemplos do fervor protecionista americano no século XIX encontra-se na Guerra Civil. Além da questão da escravidão, o outro estopim do conflito foi o embate entre o protecionismo da União, que representava as indústrias do norte, e o liberalismo da Confederação, representando os interesses agrícolas do sul. Abraham Lincoln foi eleito a partir do voto decisivo dos estados protecionistas, especialmente New Jersey e Pensilvânia. A vitória dos estados do norte na Guerra Civil transformou os Estados Unidos em um dos mais assíduos praticantes da proteção à indústria infante até a Primeira Guerra Mundial (ver DeLong e Cohen, 2016). Thomas Jefferson tentou até proibir a publicação dos The principles of political economy and taxation de David Ricardo nos Estados Unidos, já que, segundo análise de muitos americanos da época, era uma obra excessivamente liberal. De fato, segundo Adam Smith, a melhor estratégia de desenvolvimento para os Estados Unidos estaria no aproveitamento da agricultura, sua vantagem comparativa natural, e não em práticas protecionistas para o desenvolvimento da indústria. Adam Smith ignorou a própria história da Inglaterra, que abusou de tarifas e subsídios em seu passado até chegar à condição de potência mundial. Os reis ingleses adotaram uma série de medidas protecionistas nos séculos XV e XVI contra a próspera indústria de tecidos nos países baixos, especialmente em Bruges e Ghent, no que hoje é a Bélgica. Medidas como a proibição de exportação de lã bruta para o continente e fortes restrições à entrada de tecidos produzidos nos países baixos foram fundamentais para estimular as tecelagens inglesas. A indústria têxtil que seria depois a base da revolução industrial inglesa só foi capaz de suplantar a potência dos países baixos a partir de uma miríade de ações de proteção e estímulo industrial de diversas monarquias inglesas, especialmente de Henrique VII (1485-1509) e Elizabeth I (15581603), isso para não mencionar o mercantilismo ferrenho praticado pelo primeiro ministro Robert Walpole (1714-1727) durante o reinado de George I (1714-1727).

As manufaturas da Nova Inglaterra

O caso da economia americana é particularmente interessante para a nossa discussão aqui: uma economia riquíssima em recursos naturais, mas que se tornou a grande potência industrial do mundo durante muitos anos junto com Alemanha e Japão. A industrialização americana remonta ao final do século XVIII, antes ainda da guerra civil. A indústria de navios e prestação de serviços da Nova Inglaterra, com destaque para Nova York, Filadélfia, Boston e Baltimore, prosperou durante o bloqueio continental de Napoleão. A indústria de tecelagens que surgiu em Nova York e Filadélfia no início dos anos 1800 contribuiu para o avanço manufatureiro americano, como bem aponta Douglass North (1966) em seu clássico trabalho sobre a história econômica dos EUA. Nessa época, o sul ainda era a região mais dinâmica do país puxada por exportações de algodão para a revolução industrial inglesa, mas a demanda por navios da Nova Inglaterra e outros bens manufaturados do norte cresciam criando uma nova dinâmica econômica. O oeste se integrava como grande fornecedor de matérias-primas e agricultura. Assim foi se formando a base da estrutura produtiva da economia americana. Douglass North analisa em detalhes como esse tecido econômico evoluiu até 1860, às vésperas da grande Guerra de Secessão. Lá já estariam presentes os elementos que fariam do norte os vencedores da batalha e a grande potência econômica americana em termos regionais: a base produtiva manufatureira. Estrutura esta que serviria de matéria-prima para os pensamentos de Hamilton e List sobre a importância das manufaturas para o desenvolvimento econômico. No início dos anos 1800, a indústria da Nova Inglaterra começou a florescer: fabricação de casas com artesãos locais fornecendo para as suas comunidades, fábricas de fiação de algodão, descaroçadores de algodão, a indústria de armas com peças intercambiáveis, indústria de ferro, fornos e laminadores foram rapidamente suplantando pequenas forjas locais. Em 1804, um motor a vapor de alta pressão que era adaptável a uma grande variedade de fins industriais foi desenvolvido na Filadélfia. Dentro de alguns anos passou a equipar navios, serrarias, moinhos de farinha, máquinas de impressão, bem como fábricas

têxteis. A construção ferroviária também desempenhou um papel importante no transporte de pessoas e de carga para o oeste, aumentando o tamanho do mercado americano. Com a nova infraestrutura, até mesmo partes remotas do país ganharam a habilidade de se comunicar e estabelecer relações comerciais com os centros de comércio da Nova Inglaterra. Os retornos crescentes reinaram e as indústrias da Nova Inglaterra passaram então a ser o principal fornecedor do sul agrário e do oeste agrícola durante todo o período pós-guerra civil até o século XX. Numa dinâmica, aliás, muito parecida com o que se observou no sudeste brasileiro, fazendo o café as vezes do algodão para a dinâmica brasileira e o estado de São Paulo, se constituído como a nossa “Nova Inglaterra”. Claro que com um século de atraso, já com o bonde da história perdido. Assim como a Nova Inglaterra se tornou o polo econômico e financeiro dos EUA a partir de sua primazia nas manufaturas, São Paulo também se tornou nosso polo dinâmico e nossa Wall Street. Os robber barrons, barões ladrões americanos, reinaram nesse ambiente de pujança manufatureira e industrial do nordeste americano. Ferrovias, aço, navios a vapor, eletricidade floresceram nessa época e catapultaram os EUA para a posição de economia mais importante do mundo já no início do século XX.

Aço na Coreia do Sul Nos anos 1960, o Banco Mundial sugeriu à Coreia do Sul se especializar na produção de arroz, sua vantagem comparativa. A Coreia não ouviu, resolveu desenvolver sua indústria e recebeu muitas críticas da comunidade internacional. O advento da indústria siderúrgica na Coreia é uma história de convicção do general Park Chung Hee, que governou o país entre 1961 e 1979 e via a autonomia na produção do aço como o melhor caminho para o desenvolvimento nacional. “Aço é poder nacional”, afirmou, quando da celebração do décimo aniversário da siderúrgica estatal POSCO. Dependente militarmente dos EUA e ameaçada pelo regime comunista ao norte, a junta militar comandada por Park colocou o desenvolvimento de uma indústria de defesa como prioridade nacional. A produção de aço era

central, já que sem uma fonte estável deste produto a Coreia do Sul não poderia se diversificar para outras indústrias essenciais. Além disso, pesava para Park sua experiência pessoal, nutrindo um sentimento ambíguo em relação ao Japão, ao qual serviu como militar na época em que a Coreia era colônia daquele país. Por um lado, viveu na pele o preconceito e a exploração dos japoneses sobre os coreanos e acendeu o alerta para a necessidade de segurança nacional. Por outro, aprendeu a admirar a modernização empreendida pelo Estado japonês desde a Revolução Meiji. Em menos de meio século, um Japão feudal passou a competir com as grandes potências pela hegemonia global na Segunda Guerra Mudial. Por fim, Park tinha a necessidade de legitimar o seu governo internamente por meio de crescimento econômico, já que ascendeu ao poder por meio de golpe de estado. A questão, portanto, não era “se” mas “como” deveria viabilizar a construção de uma planta integrada de aço no país. Desprovida de capital, tecnologia e mercado, a Coreia do Sul sofreu para adquirir as condições necessárias para o empreendimento. Em 1968, o Banco Mundial recusou o pedido de empréstimo da POSCO alegando que o país não tinha vantagem comparativa para a produção de aço. Seu aliado militar, os EUA, frequentemente recusava apoio a projetos de desenvolvimento econômico do país considerando-os demasiadamente estatistas e até mesmo irresponsáveis. Foram sete anos de intensa política externa para conseguir apoio ao projeto. No final, após convencer líderes industriais japoneses a fazerem lobby pela POSCO junto ao governo em Tóquio, foram as reparações de guerra e a tecnologia japonesas que viabilizaram a construção da planta. Ao contrário de outros setores importantes para o Estado coreano, Park não conseguiu convencer os grandes conglomerados (chaebols) a construírem a planta, tendo que confiar o empreendimento a uma estatal. Também em oposição aos outros setores, nos quais o Estado coreano incentivou uma estrutura de competição oligopolista, a POSCO recebeu direito de monopólio sobre a produção de aço. O risco de captura política acabaria sendo mitigado pelo status estratégico que Park concedeu ao projeto. Por fim, os recursos

das reparações de Guerra eram limitados, de forma que a POSCO não poderia contar com eles por muito tempo. Para assegurar a sobrevivência, a empresa teve que embarcar em uma agressiva estratégia baseada em exportações para se tornar competitiva. Em 1987, menos de 20 anos após recusar o empréstimo à POSCO, o Banco Mundial acabaria reconhecendo a empresa como a mais eficiente produtora de aço do mundo. Setores a jusante como o automobilístico, o naval, o eletrônico, o de construção civil e o de eletrodomésticos passaram a ter uma fonte estável e competitiva de aço para se desenvolver e alavancar a renda do país. Tendo se transformado em menos de cinquenta anos de uma pequena economia rural em um dos países mais tecnologicamente avançados do mundo, a Coreia do Sul é provavelmente o melhor exemplo de país que realizou catchingup por meio da implantação de políticas industriais. Sob o governo do famoso general Park, entre 1963 e 1979, o país adotou uma estratégia de desenvolvimento, embasada no planejamento e na aplicação de diretrizes que se revelariam muito bem-sucedidas na promoção de avanços tecnológicos. A burocracia coreana foi responsável não apenas pela criação desses planos, mas também pela sua aplicação por meio da adoção de medidas de eficiência. A cada nova etapa de desenvolvimento, o Estado reavaliava os setores a serem incentivados. No começo da década de 1960 foram priorizados os segmentos de perucas, brinquedos, compensado de madeira, cimento, fertilizantes e fibras sintéticas. No começo dos anos 1970, indústrias de base, como a química, a siderúrgica e a de maquinário foram as prioridades, de tal modo que, ao final da década, a Coreia do Sul já tinha setores sofisticados de construção naval e aço. Houve então uma nova onda de substituição de importações que permitiu a produção de automóveis e, depois, a de eletrônicos. Em meados da década de 1980, a Coreia do Sul já tinha uma indústria autônoma intensiva em tecnologia que produzia peças para o setor automotivo e bens de alta tecnologia, como computadores, chips de memória, eletrônicos e semicondutores para exportação (Amsden, 1992).

Além de ter escolhido os setores e empresas privadas a serem auxiliados pelo Estado, o governo coreano também tinha o importante papel de decidir quais empresas manteriam seus benefícios por meio do uso de “cenouras” e “chicotes”, para usar os termos de Rodrik (2008). O Estado não se limitou a dar incentivos a empresas, já que assegurou um sistema no qual apenas empresas privadas que apresentassem resultados continuassem a ser beneficiadas pelo setor público. Isso foi crucial para evitar o problema de rent-seeking, no qual empresas receberiam proteção sem contrapartidas de progresso tecnológico e de competitividade que o desenvolvimento econômico exige. Um dos grandes pontos fortes do Estado desenvolvimentista coreano foi sua grande capacidade de não apenas “escolher vencedores”, mas também “podar perdedores”, isto é, não apenas conceder benefícios a empresas potencialmente capazes, mas também retirar benefícios a empresas que se mostrassem incompetentes. O setor automotivo é um grande exemplo desse processo: apesar de no passado algumas produtoras de automóveis terem sido estabelecidas na Coreia com ajuda de subsídios estatais diretos e indiretos, hoje resta apenas uma empresa puramente coreana no setor, a Hyundai (Studwell, 2013). As empresas coreanas passaram por um longo período de aprendizagem, no qual assimilaram e adaptaram tecnologia estrangeira nas décadas de 1960 e 1970, antes de terem começado a internalizar a realização de P&D em meados dos anos 1980. No começo de sua industrialização, a Coreia do Sul desenvolvera setores tecnológicos de ciclo longo e produção de baixo valor agregado, como têxteis e perucas. Para isso, fiou-se principalmente em fabricantes originais de equipamento (OEMs, em inglês) do tipo montadora, e adotou tarifas e sucessivas desvalorizações de sua moeda. Mais tarde, fez gradualmente a transição para setores de tecnologia de ciclo mais breve, produzindo produtos de ponta e alto valor agregado. No entanto, a partir de um determinado ponto deste processo, empresas locais passaram a adotar uma estratégia de “pular etapas”, realizada por empresas de outros países. Isso significou produzir produtos de design próprio efetivamente inovadores, que

renderam direitos de propriedade de modo a evitar a importação de produtos caros. Na década de 1980, a LG, por exemplo, tomou um “atalho” e ao invés de replicar a tecnologia japonesa de TVs analógicas de alta definição passou a produzir diretamente TVs digitais de alta definição. A Hyundai, por exemplo, lançou o primeiro carro “coreano” em 1974, ainda com motor japonês e design italiano. Partes de plástico trincavam, maçanetas se rompiam, freios falhavam e a pintura enfraquecia em semanas. Apenas em 1991 um motor nativo foi desenvolvido e, mesmo assim, conforme suas próprias estimativas, sua produtividade não atingia metade dos da Honda e da Toyota. A reputação da marca foi péssima por anos, mas hoje a Hyundai é a terceira maior produtora de carros no mundo. Foram anos de prejuízo, sustentados por generosos subsídios do Estado, protecionismo, ajuda das demais empresas do grupo (como o segmento de construção civil e naval) e pelas restrições à entrada de concorrentes (apenas Hyundai e Daewoo podiam vender carros leves). Diante do limitado mercado coreano, regulações restringiam o número de modelos que podiam ser fabricados, buscando gerar economias de escala. A partir de 1985, a guerra comercial EUA-Japão facilitou o acesso coreano ao mercado norte-americano e mudou a empresa de patamar. A Hyundai também tinha um grande programa de integração tecnológica com os japoneses. A Samsung tentou fabricar carros leves, mas sem muita relevância, e a Ásia Motors também. Concorrência interna e as metas de melhoria dos produtos foi algo exigido pela ditadura coreana; os primeiros motores foram desenvolvidos por empresas menores compradas pelo grupo Hyundai. Demorou e foi custoso, mas o Estado e a empresa seguiram comprometidos com uma estratégia nacional de desenvolvimento baseada em aprendizado produtivo e tecnológico (ver Lee, 2011 e Kim e Vogel, 2011).

Navios na Coreia e China Na Ásia do Leste, especialmente na Coreia do Sul e China, o governo sempre forçou a iniciativa privada na direção que julgou correta para tentar conquistar espaço nesses difíceis mercados

do mundo. Deu incentivos, subsídios, crédito e cobrou resultados. Nunca houve vantagem comparativa natural dos asiáticos em aço, navios, carros ou qualquer outro bem industrial. O governo da Coreia concedeu monopólio na produção de plataformas offshore e no transporte de petróleo à Hyundai. Também financiou a construção dos navios e a própria subsidiária de navegação da empresa. Lucros somente seriam obtidos mais de dez anos depois do plano de Heavy Chemical and Industry Policy (1973), que caracterizou o setor como estratégico, e da entrega do primeiro navio pela Hyundai em 1974. A empresa reinvestiria tais lucros no seu setor automobilístico e no complexo naval. Nesse mercado, a China era quase tão retardatária quanto o Brasil no início dos anos 2000. Desde o 11º Plano Quinquenal (2006-2010), considerou o setor naval como estratégico. Recebendo altos volumes de subsídios, o país se tornou um dos mais relevantes em participação no mercado mundial. Aprendizado tecnológico leva tempo. A China começou com navios com baixo conteúdo nacional e de menor tamanho e qualidade, mas vem se sofisticando rapidamente. Mesmo assim, seus navios ainda são menos eficientes e seus lucros seguem mais baixos do que os dos vizinhos. Em 2002, uma empresa chinesa, Chinluck Holdings, de Hong Kong, adquiriu da Ucrânia um porta-aviões que depois foi “vendido” para a marinha chinesa. Na época, países ocidentais temiam que os chineses fossem usar esse navio como porta-aviões, o que de fato correu. O empresário Xu Zengping, dono da Chinluck Holdings, que adquiriu o navio, disse aos ucranianos que iria transformá-lo num cassino flutuante em Macau. Xu foi jogador de basquete e também empresário na área de eventos. Então a história do cassino flutuante pareceu verossímil. Depois, a marinha chinesa “comprou” o navio, numa história um tanto quanto esquisita. A China comprou o que restava desse porta-aviões incompleto e abandonado no estaleiro com nome Varyag. Concluíram a construção do navio posteriormente, em estaleiro chinês, e depois o colocaram em serviço ativo com o nome de Liaoning. Desde então, os chineses estabeleceram uma velocidade impressionante na modernização de sua marinha. Avançados submarinos, destroieres, fragatas, corvetas e navios de

desembarque multipropósitos de deslocamento estão sendo construídos em ritmo alucinante, reduzindo ou eliminando qualquer desvantagem tecnológica chinesa rapidamente. Ou seja, não há nada de natural ou inevitável no domínio asiático da construção naval. Ele é resultado da convicção destes países de que o aprendizado tecnológico é chave para o desenvolvimento, ainda que essas políticas sejam custosas e demoradas e que seu sucesso seja incerto. Assim funciona o Leste Asiático. A questão que todas essas histórias nos colocam é: qual a melhor forma de desenvolver o potencial produtivo de uma nação? Abrir a economia à concorrência externa para focar os esforços apenas nas vantagens comparativas? Ou proteger setores estratégicos contra a concorrência mais avançada até que se consolide uma estrutura econômica capaz de concorrer no comércio mundial? As visões de Ricardo e List se definem a partir do entendimento que eles têm sobre o funcionamento do mercado internacional. Ricardo adota uma visão harmônica, segundo a qual cada indivíduo e cada nação coopera com o bemestar mundial por meio de um critério técnico e abstrato, as “vantagens comparativas”. List explicita, por sua vez, que o comércio entre nações é uma das faces da geopolítica. Países mais ricos fazem uso do comércio mundial para ampliar e explorar as assimetrias tecnológicas, militares e econômicas existentes entre economias em diferentes estágios do desenvolvimento de suas forças produtivas.

4.

UM MUNDO COM CENTRO E PERIFERIA

Os pioneiros do desenvolvimento desafiaram a visão neo-clássica acerca da eficiência do mercado, a flexibilidade do sistema de preços e a elasticidade das estruturas produtivas como forças que dirigiriam espontaneamente a mudança estrutural que caracteriza o desenvolvimento econômico. Diferente da pretensa universalidade das abstrações neoclássicas, a teoria do desenvolvimento já nasceu cosmopolita e, portanto, reconhecia a heterogeneidade das experiências nacionais. Dentre os nove pensadores tão bem retratados por Fernanda Cardoso (2018) em Nove clássicos do desenvolvimento econômico, três eram do Leste Europeu e três eram latino-americanos, de maneira que esses autores se preocupavam com a realidade das economias atrasadas, isto é, com a periferia do sistema. Vários destes intelectuais tiveram ampla experiência de emigração e exílio (Rosenstein-Rodan, Nurkse, Singer, Hirschman, Furtado), de forma que sua visão de economia foi, assim, profundamente inspirada e motivada pela experiência real com a pobreza e o subdesenvolvimento em seus países. Estes aspectos conferem à teoria do desenvolvimento uma natureza holística, que combina aspectos sociais, históricos, políticos e institucionais, além dos eminentemente econômicos. Além disso, esta teoria tem uma vocação imediata à sua aplicação na forma de políticas de desenvolvimento. Isto se deve ao fato de que muitos destes autores foram ligados aos organismos multilaterais criados no pós-guerra, em sua maior parte vinculados à ONU. Na CEPAL, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, estavam Raúl Prebisch, Juan Noyola Vázquez e Celso Furtado; na Comissão Econômica para a Europa estava Gunnar Myrdal; na UNCTAD também esteve Prebisch; o Secretariado da ONU contou com a participação de Michal Kalecki e Hans Singer; e Rosenstein-Rodan fez parte dos quadros do Banco Mundial. Por fim, apesar de heréticos ao “establishment” teórico neoclássico, estes autores alcançaram importante destaque nos meios acadêmico e político. Vários detinham postos acadêmicos em instituições prestigiadas nos

Estados Unidos, bem como, dentre eles, figuram dois ganhadores do Prêmio Nobel, Lewis e Myrdal. O estruturalismo latino-americano está relacionado à Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe criada nos anos 1950. À luz das experiências históricas, as principais contribuições apresentadas nesta versão latino-americana estão nas obras de Raúl Prebisch, Celso Furtado, Juan Noyola Vázquez, Aníbal Pinto, Ignácio Rangel e Osvaldo Sunkel, dentre outros. A preocupação central destes pensadores dizia respeito aos desafios específicos enfrentados por países em desenvolvimento para crescer em uma economia mundial dividida em dois polos: o “centro” e a “periferia”, com suas distintas estruturas produtivas (Prebisch, 1949; Furtado, 1961). A CEPAL foi criada no imediato pós-Guerra a partir da necessidade de se adequar a teoria econômica à realidade social e histórica da América Latina. Para os cepalinos era imprescindível combinar a análise das estruturas econômicas no plano nacional com a dinâmica internacional, garimpando suas diferenças e suas diferenciações, confrontando-as com a realidade historicamente observada. Este procedimento levou à noção de hierarquia entre nações, isto é, a divisão entre centro e periferia. O problema da ciência econômica mainstream como apresentada na época estaria na tentativa de aplicar na periferia categorias analíticas adequadas apenas à realidade socioeconômica dos países centrais. Era preciso formular uma teoria que informasse uma nova forma de fazer política econômica. Foi neste contexto que surgiu o manifesto cepalino de 1949, da pena de Raúl Prebisch, trabalho fundador da escola de pensamento latino-americana. Podemos resumir a visão cepalina sobre a dinâmica internacional que prende as economias periféricas na armadilha da baixa renda da seguinte forma: o subdesenvolvimento da periferia resulta da tentativa de expansão dos mercados nos países desenvolvidos. A produtividade alcançada pelas inovações tecnológicas das revoluções industriais se deparou com a deficiência de demanda em seus mercados internos, bem como pela elevação dos custos de produção devido ao aumento no poder de barganha dos trabalhadores. Com vistas a elevar a rentabilidade dos

investimentos, as empresas dos países industrializados passaram então a buscar matérias-primas, trabalho barato e demanda para seus produtos no mundo subdesenvolvido. Como nestes países não existe uma estrutura sindical organizada e raramente as elites econômicas detêm um projeto de desenvolvimento autônomo, nasce uma interação específica entre os interesses estrangeiros e os das elites dirigentes. Formam-se alianças com as elites locais para bloquear o avanço de forças sociais que acompanham o desenvolvimento econômico e que poderiam vir a ameaçar a estrutura social vigente. Afinal, não é do interesse das empresas estrangeiras o desenvolvimento local, pois isso poderia levar ao aumento do poder dos trabalhadores e consequentemente à elevação dos custos das matérias-primas a serem exportadas para o centro, além do surgimento de concorrência industrial. Desta forma, não se observa a formação nem de uma “burguesia nacional” nem um “capitalismo autóctone”, que poderia conduzir ao que Acemoglu e Robinson (2012) chamaram de instituições inclusivas em seu livro Por que as nações fracassam. Ao penetrarem nos esquemas produtivos destes países, as empresas estrangeiras não promovem a mesma modernização econômica, tecnológica e institucional que o desenvolvimento do capitalismo imprimiu nos países centrais.

Países ricos são industrializados e países pobres são primário-exportadores Segundo Prebisch (1949), a contradição do desenvolvimento latino-americano residiria na insuficiência de acumulação de capital exigida pela tecnologia contemporânea, em face do modo exagerado de consumo do grupo das altas rendas. Se deixada à mercê do livre comércio baseado em vantagens comparativas, tal estrutura tenderia a se agravar. A especialização em produtos primários deixaria os países periféricos dependentes de bens cujos preços tenderiam a perder espaço conforme o desenvolvimento econômico avançasse mundo afora: a hipótese da deterioração dos termos de troca, peça central do manifesto de 1949. Apenas a industrialização seria capaz de emancipar os países periféricos de uma situação subordinada no contexto do

capitalismo internacional e de diminuir a distância entre centro e periferia. Como dificilmente este processo ocorreria espontaneamente por meio do mercado, a industrialização deveria ser coordenada pelo Estado. Este seria mais autônomo com relação aos interesses das elites econômicas e, além disso, poderia dispor de um corpo técnico eficiente, sendo crucial, neste tocante, a formação de um corpo de economistas atentos aos desafios peculiares ao desenvolvimento latino-americano. A teoria econômica vinda do hemisfério norte ignorava os traços históricos e institucionais da região como, dentre outros, o padrão feudal de propriedade da terra que tornava rígida a oferta de alimentos, gerando pressões inflacionárias nos centros urbanos a cada fase expansiva do ciclo de crescimento industrial (Kalecki, 1954 e Georgescu-Roegen, 1968). A aplicação desta teoria tinha tudo para piorar as coisas; o sucesso do centro se daria necessariamente às custas do avanço da periferia. Portanto, ao abandonar o princípio da harmonia, os estruturalistas latino-americanos viam o mundo de forma totalmente diferente. Em vez de equilíbrio, percebiam indomáveis e persistentes desequilíbrios atormentando suas economias. O pleno emprego dos trabalhadores e da capacidade produtiva era, por sua vez, uma fábula que jamais haviam visto; se ocorresse de fato, os trabalhadores poderiam contar com maior poder de barganha e demandar salários mais elevados, como preveria mais tarde o clássico modelo de William Arthur Lewis de 1954. A ideia de mercados e preços se ajustando de forma fluida e desimpedida não se conformava às estruturas produtivas rígidas e altamente desiguais observadas na América Latina. O que os teóricos cepalinos observavam era o atraso em todas as dimensões das sociedades periféricas. O capitalismo pleno e moderno não se tornara na região a forma dominante de organizar a produção. Os setores produtivos se modernizaram de forma desigual e com viés primário-exportador, de forma que o atraso industrial tornava estas sociedades altamente dependentes do ritmo de expansão dos mercados internacionais. Não demoravam, portanto, a aparecer o desemprego estrutural e disfarçado (Robinson, 1936 e Rosenstein-Rodan, 1943) nas aglomerações urbanas, os grandes desequilíbrios na distribuição

da renda e a instabilidade política. Por isso não se pode abstrair o funcionamento das economias nacionais de toda a organicidade que caracteriza a relação de dependência entre centro e periferia. Como bem colocou Furtado (1999, p. 108), “a tecnologia moderna penetrava com intensidade no estilo de vida e muito debilmente no aparelho de produção. Essa distonia está na raiz do fenômeno que em nossa época veio a ser conhecido como subdesenvolvimento”. A quase identificação entre capitalismo, dependência e subdesenvolvimento torna-se um elemento indispensável para a análise da evolução econômica da América Latina. Em resumo, podemos esquematizar o núcleo da Teoria Cepalina do desenvolvimento latino-americano em duas proposições centrais: I) economias latino-americanas desenvolveram estruturas pouco diversificadas e integradas; setor primário-exportador dinâmico, porém incapaz de difundir progresso técnico para o resto da economia, de empregar produtivamente o conjunto da mão de obra e de permitir o crescimento sustentado dos salários reais; livre comércio aprofundaria estes traços ao longo do tempo na ausência de uma indústria dinâmica e II) ritmo de incorporação do progresso técnico e de aumento na produtividade é maior nas economias industriais (centro) do que nas especializadas em produtos primários (periferia), gerando a diferenciação secular da renda em favor do centro; os preços de exportação dos produtos primários apresentam tendência declinante em relação aos produtos industrializados: dá-se aqui a percepção de que a tendência à deterioração dos termos de troca levaria à transferência dos ganhos de produtividade do setor primário-exportador para os países industrializados. Originalmente, a abordagem cepalina se apresentou como um corpo teórico não formal, em que a elaboração de hipóteses, conceitos e implicações foi conduzida paralelamente à descrição dos aspectos da realidade econômica da América Latina. Por isso, há certa ambiguidade na especificação das hipóteses e definições básicas das relações causais entre as variáveis e predições da teoria cepalina. Como argumentou Colistete (2007, p. 27), as proposições requerem que se explicitem e se

verifiquem algumas hipóteses adicionais para que se possa avaliar a validez da abordagem como um todo. Supõe-se que os efeitos dinâmicos sobre a economia seriam mais intensivos em uma economia industrial. Logo, a diversificação industrial seria o principal meio para reverter os efeitos negativos da especialização primária. Não há na teoria, todavia, qualquer especificação quanto à natureza da diversificação industrial, apenas a ênfase na indústria de bens de capital como o núcleo da geração e difusão do progresso técnico. O processo de industrialização deveria incorporar setores de bens de produção mais complexos e capazes de gerar e difundir progresso técnico por toda a estrutura industrial. Já as hipóteses adicionais postulam que a produção primário-exportadora é limitada em termos de incorporação de valor agregado e, por consequência, que os efeitos de encadeamento das atividades exportadoras sobre os outros setores produtivos são limitados.

O café no Brasil Uma maneira de avaliarmos, na prática, as proposições dos economistas cepalinos e clássicos do desenvolvimento é estudar as estruturas de mercado dos principais produtos do mundo revelados no comércio mundial. Uma análise dos padrões de comércio atuais no mundo nos mostra que países de renda per capita elevada se especializam em atividades de concorrência imperfeita, enquanto países pobres não conseguem se especializar senão em atividades de concorrência quase perfeita. África, América Latina e Ásia pobre produzem e exportam os principais bens primários do mundo, e os países ricos processam e revendem esses mesmos produtos: minério de ferro, de cobre, soja, açúcar, petróleo, cacau etc. Um bom exemplo disso é a cadeia produtiva de café no globo. O Brasil se especializou no elo mais fraco da cadeia de valor do café. Países especializados em commodities são tomadores de preços em um mercado que se aproxima da concorrência perfeita. O produto é homogêneo, há baixa diferenciação por marcas e P&D é pouco relevante. Já os torradores recebem 80% do valor do grão. A atividade requer P&D e know-how para

harmonizar os sabores ao gosto dos clientes. A concorrência é imperfeita: as marcas top 10 atingem 35% do mercado mundial. Há diferenciação por marcas e produtos: Nestlé e Starbucks estão entre os maiores. Dos 60 milhões de sacas produzidas por ano no Brasil, 20 milhões são consumidos por aqui e o resto exportado. O Brasil segue sendo um dos maiores exportadores do mundo logo a frente de Suíça e Alemanha. Apesar de não plantarem um único pé de café, esses dois países dominam parte relevante desse mercado no mundo. Em termos de cápsulas e extratos, aparecem em 2014 como exportadores relevantes também. O mercado de cápsulas ilustra bem a pobreza do Brasil em termos de capacidade de adicionar valor aos seus produtos básicos e subir na escada tecnológica rumo ao desenvolvimento econômico, conforme alertava a CEPAL. Em relação às cápsulas, o poder de mercado e diferenciação de produtos é ainda maior do que na torrefação. A mais recente fábrica da Nespresso construída na cidade alemã de Schwerin representa um dos maiores investimentos feitos no setor nos últimos anos. A escala de produção e a localização da cidade no centro da rede consumidora europeia tornam a competição para empresas brasileiras muito difícil. Na fábrica, os 350 empregos gerados pagarão salários interessantes e adicionarão ainda mais riqueza à região. A saca de café de 60kg que saía no Brasil a R$ 400 em 2018, ou seja, R$ 6,6 o quilo, se transforma numa cápsula que é vendida no varejo brasileiro por R$ 400 o quilo. O preço remunera a construção da fábrica e gera um fluxo de salários e produtividade lá bem maior do que aqui. Depois, a cápsula é reexportada para o Brasil e vendida por um preço 70 vezes maior do que o preço de saída. Aqui, um lojista brasileiro ganha um salário baixo de serviço não sofisticado para vender a cápsula. O barista consegue ainda adicionar algum valor para tentar vender o produto um pouco mais caro. O ciclo de pobreza e riqueza do café se fecha então. Quem ganhou dinheiro mesmo foram os alemães e suíços que processaram o café. Algo parecido com o café ocorre também no petróleo brasileiro: exportamos cada vez mais óleo bruto e importamos derivados como querosene de aviação, nafta, solventes, coque e lubrificantes. Nossas refinarias vão ficando ociosas e atrasadas.

Praticamente tudo o que comemos no café da manhã, almoço e jantar depende de gigantes multinacionais suíças, francesas, inglesas e americanas. Países ricos importando as matérias-primas dos emergentes, processando, colocando suas marcas e revendendo com mais valor. A Givaudan, IFF, Firmenich, quase todas suíças, compram ingredientes básicos e simples no Brasil, processam, produzem essências, condimentos e extratos e depois vendem para a Unilever e outras gigantes. Estas, por sua vez, adicionam isso a outras matérias-primas e produzem alimentos processados; põem suas marcas e vendem nos supermercados brasileiros. Há oligopsônio na compra dos ingredientes básicos, poucos e enormes compradores, e oligopólio na venda dos alimentos processados, poucos vendedores muito grandes. Onde fica o lucro? As matériasprimas da África, Ásia e América Latina viram lucro na Suíça, Alemanha, França e EUA – café, cacau, frutas, especiarias, condimentos. Poder de monopólio, marcas fortes, concentração de mercado, diferenciação de produtos garantem a concentração produtiva e de lucros. Mesmo raciocínio se aplica a aromas, fragrâncias, perfumes, desodorantes, detergentes, sabão, bebidas; frutas naturais para extração de óleo; especiarias como cravo e canela, flores como hibisco e maracujá e extratos botânicos, e milhares de outras matérias-primas. A CEPAL segue mais atual do que nunca.

O mercado de cosméticos no mundo Barreiras à entrada, grandes economias de escala e diferenciação por marcas são algumas das características que dificultam muito o acesso de novas empresas do mundo emergente a esses mercados industriais de alta qualidade. Alguns exemplos ilustram facilmente o ponto e ajudam a entender como a economia mundial está estruturada hoje em termos desses mercados. Aviões: Boeing, Airbus, Bombardier e Embraer. Automóveis: Toyota, Hyundai, GM, Ford, Fiat. Alimentos processados: Nestlé, Danone. Eletrônicos: Apple e Samsumg, e assim por diante. Fármacos com Roche, Pfizer, Merck, Sanofi, Novartis, Bayer e Johnson & Johnson. O mundo dos cosméticos,

em outro exemplo, é dominado por poucas empresas europeias e norte-americanas. No entanto, algumas empresas asiáticas, sobretudo japonesas, sul-coreanas e chinesas, têm adentrado este bilionário mercado. O mercado de cosméticos é muito oligopolizado e sete empresas detêm cerca de 180 marcas para cuidado da pele para o corpo e rosto, cabelo, perfume e maquiagem. A Estée Lauder possui 24 marcas de produtos nestas categorias. Entrar nesses mercados não é tarefa fácil. Mas algumas empresas de países asiáticos já conquistaram mercados globais, principalmente as japonesas Bioré, Kosé, Kenzo, Issey Miyake e sul-coreanas como Missha, Amoré Pacific, Clio, LG (a mesma de eletrônicos). Como estas empresas estão entrando em um mercado tão oligopolizado? Com inovação e criação de patentes e crescentes investimentos em P&D. A Coreia é o quinto país no mundo que mais investe em P&D no setor. O governo destinou a esta indústria bilhões de dólares, criando um cenário perfeito para que as marcas criem e testem suas inovações, que incluem fórmulas, ingredientes, processos e embalagens. Esta estratégia também foi desenvolvida para que a Coreia do Sul se torne uma potência mundial na indústria de biosaúde e cosmética, áreas em que as pesquisas ganharão mais investimentos nos próximos anos. O Ministério da Saúde e Bem-Estar do governo sul-coreano vai apoiar a expansão de investimento em P&D para produtos antienvelhecimento e outros cosméticos. Até 2020, o governo espera que as duas principais empresas de beleza do país entrem no top 10 das marcas globais em termos de receita. No Brasil temos o incrível caso de sucesso da Natura Cosméticos, que soube se alavancar a partir de nosso mercado doméstico para se tornar uma gigante mundial e brigar na liga dos campeões. Atrás apenas dos Estados Unidos, China e Japão, o Brasil ocupa hoje a quarta posição no ranking mundial no consumo de cosméticos. Para se fortalecer na briga com os gigantes mundiais, a Natura comprou recentemente a Avon por meio de troca de ações. A Natura Holding, que resultará em combinação de negócios, operações e bases acionárias, está avaliada em US$ 11 bilhões; com a combinação dos negócios passará a ser a quarta maior empresa de cosméticos do mundo,

com quase 70% das receitas vindas do exterior. Embora o negócio tenha iniciado com uma primeira loja física em 1970 na rua Oscar Freire, em São Paulo, com atendimento pessoal de Luiz Seabra, foi com o modelo de negócios de venda direta adotado a partir de 1974 que a empresa se solidificou. A venda direta é o famoso “porta a porta”, na qual revendedores fazem a venda aos consumidores no ambiente doméstico ou profissional, sem envolvimento do varejo tradicional. Caracteriza-se por margem de lucro alta, pois o consumidor paga o preço do varejo sem o envolvimento deste último. Em 2009, 40 anos após a sua fundação, a Natura registrou 1 milhão de consultoras. Com a junção de negócios com a Avon, passarão a ser mais de 6,3 milhões de representantes e consultoras da Avon e Natura. Fortemente aderente à cultura da sustentabilidade e com estratégia de valorização da brasilidade, a Natura se destacou nos anos 2000 com o lançamento da linha Ekos, com ativos da biodiversidade nacional, com a formação de fornecedores locais na Amazônia. A estratégia da empresa incluiu desenvolvimento de capacidades produtivas nas comunidades, pesquisas sobre biodiversidade, reforma de escolas e construção de fábricas no Pará. O mercado internacional foi explorado inicialmente via contrato de distribuição no Chile, em 1982. A segunda etapa consistiu na instalação de operações na Argentina e Peru, em 1992. Mais de uma década depois, em 2005, a Natura abriu loja em Paris, e, em 2016, em Nova York, além de várias outras no Brasil. Mais recentemente, a Natura adotou arrojada estratégia de consolidação com aquisição da Aesop em 2013 e The Body Shop em 2017 (esta última por €$ 1 bilhão), e agora recentemente a Avon.

5.

QUEM SAI NA FRENTE COSTUMA GANHAR O JOGO INDUSTRIAL

Qualquer pessoa que já tenha empurrado um carro enguiçado numa avenida sabe quanta força é necessária para deslocar o veículo por poucos metros. Agora, quando o carro funciona, um leve pisar no acelerador pode levá-lo em poucos segundos a uma velocidade de mais de 100 km/h. De forma análoga, na presença de retornos crescentes de escala, uma firma ou setor conseguem grande acréscimo da quantidade do produto final, mais do que proporcionalmente ao aumento da quantidade de utilização de um fator de produção (terra, capital ou trabalho). Assim, um aumento de 10% na quantidade de horas trabalhadas, por exemplo, pode determinar um aumento de 15%, 20% ou muito mais da produção da empresa. Este fenômeno aparece quando empresas ou setores operam com complexas redes de cooperação, a partir de uma intrincada divisão do trabalho tanto dentro das empresas como entre as empresas. Uma maior produção significa que cada insumo adicionado é mais produtivo e, ao combinar-se com outros fatores, reduz o custo de cada unidade adicional do bem produzido (o que os economistas chamam de custo marginal). Se produzir mais significa menores custos, as empresas e setores se aproveitam da sua produtividade e têm, portanto, fortes estímulos para expandir produção e buscar mais lucros, e dominar maior fatia do seu mercado. O setor manufatureiro costuma se destacar neste aspecto. Em contraste com a maioria das empresas do setor de serviços não sofisticados ou do agronegócio, as empresas industriais enfrentam custos marginais decrescentes ao expandir a produção; ou seja, sua atividade se beneficia de retornos crescentes de escala e escopo. Adicionar um turno à jornada de produção ou implantar uma nova máquina no chão da fábrica pode multiplicar em muitas vezes a capacidade de produção de uma determinada indústria. Nos setores de serviços não sofisticados e agronegócio, a expansão da atividade tende a custar caro, sem acrescentar na margem uma capacidade produtiva significativa. São setores que sofrem com retornos decrescentes conforme se amplia a escala da produção. Atividades com retornos crescentes de escala exibem também

fortes externalidades de redes e dinâmicas de aglomeração. Isso significa que quem faz a primeira jogada ou tem a melhor ideia (os first movers) ganha posição de destaque no mercado e tende a atrair mais atenção e maior poder sobre o mercado. A empresa que sai na frente tem forte poder de aglutinar fornecedores e consumidores em sua rede de influência, dando espaço à dinâmica de “armadilha” (lock-in), o que torna o comportamento da rede dependente da trajetória (path-dependent). Isto significa que as condições iniciais determinam boa parte da história posterior do sistema; daí a importância de, como no jogo de xadrez, ser “o primeiro a jogar”. Um bom exemplo aqui está na disputa entre os padrões VHS e Betamax dos aparelhos videocassete dos anos 1980. Mesmo com um padrão tecnológico pior, o sistema VHS ganhou a batalha pois saiu na frente e equipou primeiro a casa dos consumidores (ver David, 1985).

Redes produtivas e dinâmicas de aglomeração A produção sujeita a economias de escala e retornos crescentes também se concentra no espaço. Por exemplo, no Brasil de 2017 quase metade do PIB do país foi gerado por apenas 69 municípios segundo o IBGE. Juntas, essas cidades reuniam mais de um terço de toda a população brasileira. Outro recorte mostra que 25% de toda a economia do país estava concentrada em apenas sete municípios. Isso se repete em todos países do mundo, trata-se de uma característica de processos produtivos com essas propriedades. Todos os sistemas que operam com fortes economias de escala e retornos crescentes criam centros e preferias dentro dos países e entre países. Prebisch e Furtado apenas observaram isso na economia mundial: os países ricos ou “centro” desenvolvem mais atividades com economias de escala do que os países pobres ou “periferia”. Para entender melhor o funcionamento desses processos usemos o que os estatísticos chamam de “urna de Polya”. Imagine uma urna que contém inicialmente 10 bolas azuis e 10 bolas vermelhas; agora, para cada bola azul retirada aleatoriamente da urna acrescente mais uma azul e repita o procedimento para bolas vermelhas. Depois de algum tempo a

urna estará mais carregada de bolas azuis ou vermelhas dependendo da aleatoriedade dos passos iniciais do processo. Digamos que o acaso tenha favorecido as bolas azuis no começo, depois de muitas repetições deste processo a urna estará cheia de bolas azuis e com uma proporção bem pequena de bolas vermelhas. Quanto mais bolas azuis se coloca na urna, maior a probabilidade de se retirar novamente uma bola azul. Se o processo continuar, as bolas vermelhas praticamente desaparecerão como proporção das azuis. Esse tipo de dinâmica ilustra claramente um processo de retornos crescentes e path dependent. Poderíamos, por exemplo, dizer que Alemanha, Japão, China e Coreia do Sul hoje seriam as indústrias sofisticadas “bolas azuis”. Façamos agora o mesmo experimento com duas urnas de Polya, uma brasileira e outra alemã: cada bola azul (indústria high tech) sorteada na urna da Alemanha implica retirar uma bola azul da urna brasileira. E assim continuamos sorteando bolas na urna alemã e cada vez que sai uma azul, tiramos mais uma do Brasil e mandamos para lá. Depois de algumas rodadas, teremos muito mais bolas vermelhas (indústrias simples) para o Brasil e mais bolas azuis para a Alemanha. Por que isso ocorre? As economias de escala e retornos crescentes geram forças centrípetas (em relação aos polos já existentes), e os custos de transporte, do trabalho e de ocupação geram forças centrífugas. As gigantescas economias de escala da Alemanha (ou de China e EUA) atrairão para si, como bombas de sucção, bolas azuis, até que os custos de transporte e trabalho interrompam o processo. A localização das redes produtivas ao redor do globo dependerá, portanto, da resultante dessas forças, trazendo importantes consequências para países desenvolvidos e em desenvolvimento. No caso do comércio internacional, esse processo cumulativo é atenuado por fricções como os custos de transporte, barreiras comerciais (tarifárias e não tarifárias), bem como políticas de administração da taxa de câmbio e de fomento de indústrias estratégicas locais. Para mais detalhes de experiências internacionais neste sentido, Chang e Lin (2009) é uma leitura imperdível. Krugman, Fujita e Venables (1999) também discutiram amplamente essas ideias do ponto de vista

teórico em seus modelos do tipo centro periferia da chamada nova geografia econômica. Paul Krugman teve as sacadas para modelar esses processos a partir de uma conversa com um empresário, que contava para ele como o Japão usou seu mercado interno para “treinar” suas empresas de carros para depois conquistar a América (o mesmo ocorreu com TVs, cortadores de grama, motos, semicondutores, eletrônicos em geral e outros produtos). Usando modelagem mais formal, não era difícil perceber que com retornos crescentes de escala quem sai na frente ganha, estabelece uma posição competitiva com custos decrescentes que dificilmente poderá ser contestada no futuro (first mover advantage). Mercados não conseguem “resolver” isso automaticamente, a distância entre países e empresas aumenta, surgem divergências e não convergências. Assim surgiu o que ficou conhecido como a Nova Teoria do Comércio Internacional que formalizou em modelos o que os antigos economistas estruturalistas e do desenvolvimento econômico sempre disseram. Aqui o papel da inovação é essencial. Quem inova mais chega em primeiro lugar e assume a liderança do mercado, enquanto os concorrentes tentam copiar as novidades. Na economia do aprendizado (learning economy) é preciso trabalhar intensamente apenas para manter a sua posição relativa. Como ocorre em muitos esportes, há muitas barreiras à entrada nesta categoria de elite do campeonato mundial da tecnologia. É preciso muito investimento em pesquisa e desenvolvimento apenas para conseguir uma vaga nestes mercados, bem como para, uma vez dentro, manter-se competitivo apenas como um imitador (ou emulador) dos líderes. As atividades de produção industrial e serviços escaláveis oferecem as melhores oportunidades de gerar diferenciações que se traduzem em sofisticação produtiva. As indústrias transacionáveis mais complexas e sofisticadas de um país e do planeta operam nesta categoria de elite; elas são a vanguarda. Quanto maiores as economias de escala presentes na indústria e no processo, maior a probabilidade de retornos crescentes e de concentração da produção à la urna de Polya. Por outro lado, commodities e serviços não sofisticados apresentam, via de regra, retornos

decrescentes de escala e, por isso, inibem a formação de redes complexas em nível similar ao da manufatura e serviços sofisticados. Como já vimos anteriormente, setores de baixa complexidade perdem produtividade com a escalabilidade dos negócios. Uma concentração excessiva do tecido produtivo de um país em atividades desse tipo tende a diminuir a produtividade agregada dessa economia, bem como a capacidade do sistema produtivo de absorver avanços técnicos tanto no maquinário quanto no conhecimento exigido dos trabalhadores, o capital humano. Uma outra questão fundamental sobre a relação entre redes produtivas e o desenvolvimento econômico diz respeito à “transacionabilidade” dessas redes (ou tradeability, como bem argumentou Gunnar Myrdal em seus trabalhos pioneiros sobre o tema). Este conceito se refere à dificuldade de levar tais redes para fora do país, como um quebra-cabeças que, uma vez montado, precisa ser transportado. Vale destacar que as capacidades produtivas locais contidas nessas redes são insumos não transacionáveis; as redes produtivas não “viajam bem” e, portanto, são locais e se instalam em determinados países. Nessa perspectiva fica evidente que uma abertura ampla e generalizada do comércio mundial não afetaria uniformemente todos os países. Mais do que isso, o jogo tende a ficar desequilibrado de forma persistente e as diferenças tecnológicas entre países tendem a se autorreforçar. A partir da relação das suas estruturas produtivas locais com as dos seus parceiros comerciais, há uma tendência a se gerarem fortes concentrações regionais das indústrias mais sofisticadas, com maiores retornos de escala e com menor transacionabilidade: as redes não saem dos países. Ainda na linha de Myrdal, o que se observa é um processo de causação cumulativa, em que países com estruturas produtivas menos sofisticadas têm mais dificuldade de entrar na liga dos campeões. Esta dificuldade aumenta quanto mais tempo permanecem fora da liga, tornando cada vez menos plausível seu aprimoramento produtivo para concorrer com os campeões mundiais (o que chamamos de catching-up). Essa discussão já estava presente nos clássicos trabalhos de Alfred Marshall sobre economias de aglomeração, redes

produtivas locais e externalidades positivas presentes nas análises de “distritos industriais” do final do século XIX. O desenvolvimento econômico é sempre um fenômeno regional e local. As regiões, cidades e países que têm as redes produtivas mais complexas e sofisticadas são ricos e desenvolvidos. Os insights de economias de rede são, portanto, chave para se entender a complexidade produtiva dos diversos países e sua conexão com desenvolvimento econômico. A criação de produtos complexos requer grandes redes produtivas, com ampla integração entre firmas. Os exemplos clássicos aqui são computadores, automóveis e aviões que necessitam de uma infinidade de fornecedores e produtores, dentro do próprio país de produção e fora, integrados ao processo produtivo: as chamadas cadeias globais de valor. No caso de um avião da Boeing, por exemplo, as turbinas são feitas na Europa e nos EUA, as asas na Ásia, o trem de pouso no Reino Unido e partes da fuselagem no próprio Estados Unidos, China e outros países da Ásia. As portas dos compartimentos de carga são feitos na Suécia e as portas dos passageiros na França. A produção de carros no mundo também é um bom exemplo do que discutimos aqui. Temos uma dinâmica industrial de aglomeração do tipo “Krugman” nessas indústrias. Uma abertura generalizada de todos os mercados do mundo em relação a importação de carros criaria alguns grandes clusters produtores (first mover advantage) com plataformas exportadoras (Coreia, Japão, China, EUA e Europa). Na verdade, já é assim hoje, no mundo e no Brasil. Só países de renda alta e alguns de renda média são capazes de produzir carros. Na África e Ásia central não há quem produza carros. O mesmo vale para aviões, navios, helicópteros, máquinas, químicos e bens mais sofisticados e complexos. Por outro lado, todos os países do mundo são capazes de construir shopping centers. Um shopping nada mais é do que um grande imóvel que abriga várias lojas de varejo, cinemas e restaurantes: serviços não sofisticados. Que empregos são gerados lá dentro? Lojistas e atendentes de todos os tipos: sem necessidade de qualificação, sem aprendizado tecnológico. Empregos de baixa qualificação e baixos salários. Os shoppings são um belo exemplo de estrutura produtiva que gera pouco ou

nenhum avanço tecnológico na economia. Vamos pensar agora em uma fábrica de automóveis de ponta: Mercedes-Benz. O que fazem as pessoas lá dentro? Desenvolvimento de inovações e tecnologias o tempo todo: motores, sistemas de transmissão, design, TI e controle dos carros etc. Quem trabalha numa fábrica dessas? Robôs e engenheiros altamente qualificados. Salários altos e uma busca incessante por escala e conquista de mercados locais e mundiais. São negócios também altamente lucrativos para as marcas de ponta: Toyota, Hyundai, BMW, Mercedes etc. Diante disso perguntamos, então: faz diferença para um país se concentrar na produção de shoppings ou fábricas de automóveis? Será que qualquer atividade econômica promove o desenvolvimento econômico?

Shenzhen A zona de exportação de Shenzhen na China é um belíssimo exemplo de cluster industrial high tech que conseguiu inclusive chegar à liga dos campeões mundiais. Vale a pena ver documentário Shenzhen: The Silicon Valley of hardware da revista Wired sobre a região. A cidade é hoje uma das maiores e mais importantes da China, localizada na província de Guangdong, no sul do país, ao norte de Hong Kong. Era uma vila de pescadores com menos de 100 mil habitantes nos anos 1970, hoje tem mais de 15 milhões de moradores. Foi a primeira cidade chinesa a abrigar uma zona econômica especial, implementada pelo governo chinês em 1979 e que transformou radicalmente a cidade numa base exportadora de manufaturas high tech. Sua população cresceu mais de 5000% nesses últimos 33 anos, e sua economia, mais de 9000% desde então. O poderio econômico apresentado por Shenzhen, figurando como um dos principais centros financeiros, urbanos, culturais e administrativos da China atual, é fruto de gigantescos estímulos do governo e atração de investimento estrangeiro. Em 2010 Shenzhen ficou na 4ª posição entre as cidades mais ricas da China, ficando atrás somente de Xangai, Hong Kong e da capital Pequim. A cidade virou o “Vale do Silício da China” e superou a renda per capita do experimento liberal mais bem-sucedido do pós-

guerra, Hong Kong, seu vizinho no Delta do Rio Pérola. O feito é impressionante por vários motivos. Escolhida como primeira Zona Econômica Especial para testar as reformas na China pós-Mao, Shenzhen iniciou seu crescimento, em grande medida, por meio de investimentos externos diretos de Hong Kong, que na época era industrializado. Colônia britânica até 1997, Hong Kong adotou uma via mais liberal oferecendo sua vantagem comparativa na época, a mão de obra barata, em troca de investimentos externos para produzir bens simples. Quando os custos aumentaram, as fábricas partiram para lugares como Shenzhen. Sem indústria, e com localização e topografia apropriadas, Hong Kong se especializou em serviços desde então. Já Shenzhen, por meio de incessante planejamento governamental, tornou-se referência em alta tecnologia. No início o governo constituiu uma “zona econômica especial” dando isenção tributária geral para quem ali produzisse para exportação; ao mesmo tempo promoveu forte política de proteção tarifária protegendo as indústrias chinesas nascentes. Num segundo momento, convidou os estrangeiros para usar essa incrível base logística na foz do Rio Pérola, repleta de mão de obra produtiva e barata. Auxiliou também a região e o país com uma política cambial ultracompetitiva para conquista de mercados no mundo. O aprendizado tecnológico ali foi incrível. Nos estágios finais as tarifas foram removidas e Shenzhen virou um filho prodígio. A cidade de Shenzhen produziu em 2010 mais de 75% dos tablets do mundo. É hoje um dos principais clusters regionais que produzem novas tecnologias para o mundo.

Mittelstand na Alemanha O estado alemão de Baden-Württemberg, que conta com 10 milhões de habitantes, produz o equivalente ao PIB norueguês e três vezes mais do que o PIB português. O que se produz lá que faz com que as pessoas sejam tão ricas? Ouro? Muito pelo contrário. A produção de riquezas naturais e agricultura é praticante irrelevante. Seriam os restaurantes, as farmácias, hospitais, shopping centers e cabeleireiros a fonte de tanta produtividade? Também não. A grande fonte de riqueza e

produtividade desse estado está na produção de bens transacionáveis sofisticados. Aí se baseiam companhias como Porsche, Hugo Boss, Zeiss, Mercedes e SAP e inúmeras outras pequenas e médias empresas nas áreas de mecânica de precisão, maquinaria e outros setores de ponta. A região não é rica graças aos seus recursos naturais, é rica por conta de sua rede produtiva altamente sofisticada que abastece o mundo inteiro com bens transacionáveis complexos. Ainda na mesma região, no estado vizinho da Bavaria os destaques são BMW, Audi, Siemens, Continental, MAN, Puma e Adidas. O chamado “mittelstand” alemão abastece o mundo com seus produtos e tecnologia de ponta; aí está o segredo da riqueza da Alemanha. Dos 80 milhões de alemães, 42 milhões trabalhavam em 2011. Dos que trabalhavam, 17,52% estavam na indústria e 15,34% nos serviços empresariais e finanças. Ou seja, quase 36% em empregos do tipo engenharia, design, marketing, TI, gestão, todos eles com grandes economias de escala e alta qualificação. No Brasil, para uma população de 200 milhões em 2011, 105 milhões (52,5%) trabalhavam. Desses, 10,6% estavam na indústria, bem mais low tech em relação à Alemanha, e 10,5% em serviços empresariais e finanças, também menos high tech do que na Alemanha. O Brasil emprega muita gente em agropecuária e serviços não sofisticados, setores onde a produtividade do trabalho tende a ser baixa. Até 2009 a indústria brasileira ocupava muita gente ainda, algo que vem sendo revertido de maneira preocupante desde 2013. O número de pessoas empregadas na agropecuária brasileira de 15% (apesar de ter caído 10 pontos percentuais desde os anos 1980) ainda é muito alto quando comparado ao que se vê em países desenvolvidos que têm aproximadamente 2% dos empregos nesse setor. Além de ocupar o maior número de trabalhadores em setores de baixo desempenho em termos de produtividade, os empregos industriais brasileiros também apresentam baixa produtividade quando comparados aos seus congêneres em países emergentes e desenvolvidos. Ou seja, o Brasil sofre em termos de composição setorial “ruim” para produtividade e de nível baixo de produtividade mesmo dentro dos setores “corretos”. Temos uma configuração setorial ruim no sentido de

perda de espaço da manufatura e aumento de espaço do setor de serviços tradicionais. Muitos empregos ainda em agricultura familiar e subsistência, sem escala e mecanização. Então, nossa produtividade em agricultura é baixa quando comparada a países ricos. Nossa indústria também é fraca e atrasada em relação ao que se vê em países ricos desenvolvidos; o grosso que temos de produção industrial é low tech, enquanto países desenvolvidos têm indústrias middle tech e high tech. Nossos serviços tradicionais também são ultrassimples, sem mecanização no pouco que é possível. Em commodities somos muito produtivos, por exemplo em Petrobras e Vale, mas esse setor ocupa menos de 2% do nosso emprego total. Em serviços modernos também vamos bem, mas é um setor pequeno do ponto de vista de geração de empregos. Temos, portanto, baixa produtividade dentro de nossos setores econômicos e também maior participação de setores com baixa produtividade intrínseca no PIB.

6.

ESTRUTURAS PRODUTIVAS SOFISTICADAS ENRIQUECEM PAÍSES

O tema da complexidade ganhou destaque em economia com os trabalhos de Brian Arthur na liderança do Instituto Santa Fé no Novo México, no final dos anos 1980. Com aplicações em várias frentes, a perspectiva de sistemas dinâmicos complexos tem sido usada em diversos campos de pesquisa em economia e outras ciências, tais como teoria dos jogos, ciência política, biologia, física. Em economia, as aplicações originais modelavam o funcionamento de mercados financeiros, como os indivíduos tomam decisões em variados contextos, bem como estudos sobre path dependence, isto é, dinâmicas que dependem de sua trajetória inicial. Recentemente, os físicos Albert Barabási e César Hidalgo e o economista Ricardo Hausmann deram novo impulso ao estudo dos sistemas complexos em economia ao disseminar o uso das redes complexas para o estudo do comércio internacional. O mais recente Altas da Complexidade Econômica de 2011 combina avanços dessa discussão de complexidade com a tecnologia de Big Data para criar um dos mais modernos e relevantes banco de dados em economia na atualidade. A ironia é que toda a sofisticação da metodologia de análise dos dados obtém resultados empíricos incrivelmente próximos às teses defendidas por antigos economistas do desenvolvimento e estruturalistas, como vimos nos capítulos anteriores.

Complexidade econômica e sofisticação produtiva Medir a sofisticação produtiva ou “complexidade econômica” de um país não é tarefa simples; envolve uma combinação de precisão teórica e cuidado empírico. Ricardo Hausmann, César Hildalgo e coautores publicaram, em 2011, um método de extraordinária simplicidade e comparabilidade entre países numa parceria entre o Media Lab do MIT e a Kennedy School de Harvard. A partir da análise da pauta exportadora de um determinado país, deduziram a sofisticação tecnológica de seu tecido produtivo. A construção dos índices de complexidade econômica (ECI, em inglês) exigiu o desenvolvimento de uma metodologia que culminou no Atlas da Complexidade Econômica,

que reúne extenso material sobre ampla variedade de produtos e países num período de 50 anos desde os anos 1960. A complexidade produtiva econômica é atestada por meio de dois indicadores: a ubiquidade e a diversidade de produtos encontrados na pauta exportadora de países. Se uma determinada economia é capaz de produzir e exportar muito bens não ubíquos, isto é, bens raros, entende-se que se trata de um sofisticado tecido produtivo. Os bens não ubíquos devem ser divididos entre aqueles que têm alto conteúdo tecnológico e, portanto, são de difícil produção (aviões), e aqueles que são altamente escassos na natureza, por exemplo, diamantes, e, portanto, têm uma não ubiquidade natural. Isto significa que a escassez de recursos naturais pode influenciar enganosamente a medição de complexidade; o fato de um bem ser raro envolve um “acaso” da natureza e não o resultado de capacitações tecnológicas e produtivas. Para corrigir essa distorção, os autores do Atlas da Complexidade usam uma técnica engenhosa: combinam a ubiquidade do produto feito em um determinado país com a diversidade de produtos que esse país é capaz de exportar. Isso impede que o índice confunda complexidade com mera exploração extrativista. Por exemplo, Botsuana e Serra Leoa produzem e exportam algo raro e, portanto, não ubíquo, diamantes brutos. Por outro lado, têm uma pauta exportadora extremamente limitada e não diversificada. Assim, a não ubiquidade não deriva de sofisticação produtiva, de forma que o indicador de complexidade desses países precisa ser corrigido para representar uma estrutura produtiva baseada em produtos primários, com baixo valor agregado. Alternativamente, produtos não ubíquos, mas de alta sofisticação, podem ser encontrados, por exemplo, em equipamentos médicos de processamento de imagem, algo que praticamente só Japão, Alemanha e Estados Unidos conseguem fabricar. Neste caso, as pautas exportadoras desses países são extremamente diversificadas. Por fim, países que tenham uma pauta muito diversificada, mas com bens ubíquos (peixes, tecidos, carnes, minérios etc.), deixam a desejar em termos de complexidade econômica; não têm nenhum diferencial produtivo relevante.

A comparação entre Cingapura e Paquistão ajuda a ilustrar a metodologia. Os dois países têm aproximadamente o mesmo tamanho de PIB, mas o Paquistão é 34 vezes mais populoso do que Cingapura, de forma que é muito mais pobre em termos per capita. A diversidade de exportação do Paquistão e de Cingapura é praticamente a mesma: ambos os países exportaram aproximadamente 133 produtos distintos em 2014. Todavia, o indicador de complexidade econômica (ECI) é bastante diferente entre os dois: em 2014 o Paquistão tinha uma complexidade econômica de -0.75 e Cingapura de 1.40, significando que o segundo país era bem mais complexo do que o primeiro nesse ano. Os produtos exportados pelo Paquistão são também exportados por países que têm pautas de exportações pouco diversificadas, enquanto produtos exportados por Cingapura são exportados por concorrentes com exportações diversificadas e não ubíquas. Paquistão exporta tecidos, toalhas e lençóis principalmente. Cingapura exporta máquinas, computadores e circuitos integrados majoritariamente. A capacidade exportadora dos diversos países no mercado mundial é medida no Atlas através da vantagem comparativa revelada, uma comparação entre a participação de cada bem na cesta exportadora de um país em relação a participação do bem no comercial mundial. Quem exporta muito em termos relativos demonstra muita competência e vantagem na produção daquele bem. Uma das grandes virtudes dos indicadores de complexidade é que eles trabalham com medidas quantitativas a partir dos cálculos de álgebra linear para chegar aos resultados. Isso significa que não há juízo de valor em relação ao que se considera complexo ou não complexo. Outra vantagem interessante está na identificação de enormes mudanças nas tecnologias produtivas ao longo do tempo de forma ajustada ao paradigma tecnológico de cada era. Por exemplo, uma televisão dos anos 1970 é completamente diferente de uma televisão de 2014. Um carro, avião ou motocicleta dos anos 1980 não se comparam aos seus modelos atuais. Ainda assim a metodologia do Atlas da Complexidade captura a dificuldade relativa em se produzir cada bem em qualquer momento do tempo. Um país capaz de produzir uma motocicleta hoje talvez fosse incapaz de

produzi-la em 1980, em virtude da inexistência de tecnologias transferíveis e da baixa integração comercial. Mesmo assim, hoje, provavelmente, uma motocicleta obtém no Atlas um indicador de sofisticação bem menor do que obteria nos anos 1980. O conceito de complexidade se mantém ao longo do tempo sempre como uma medida relativa entre países e produtos ajustada por transformações tecnológicas. Nessa linha de raciocínio, Hausmann e Hidalgo (2011) seguem classificando diversos países e chegam a correlações impressionantes entre níveis de renda per capita e complexidade econômica (ECI) dos tecidos produtivos; esse indicador pode ser tomado como uma proxy do desenvolvimento econômico relativo entre países. O desenvolvimento econômico se manifesta no domínio de técnicas de produção mais sofisticadas que, em geral, levam à maior geração de valor adicionado por trabalhador, como defendiam os clássicos do desenvolvimento. Os resultados da análise empírica do Atlas apontam justamente para esse padrão de especialização no comércio mundial: países ricos (Europa, Ásia e EUA) produzem bens mais complexos, enquanto os mais pobres (América Latina e África) produzem bens menos complexos. Ademais, há baixa rotatividade no topo da complexidade produtiva mundial: Japão, Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido e Suécia estão sempre entres os 10 primeiros países nos rankings de complexidade dos últimos 30 anos. Países africanos são grandes produtores de castanha de caju, cacau, alpiste, minério de cobre e petróleo. Dependem muito ainda de agricultura e atividades de extrativismo.

A escada tecnológica A pesca de pequeno porte, por exemplo, é uma atividade extrativa que envolve apenas extrair da natureza algo que ela produziu. O esforço criativo é reduzido e as habilidades requeridas envolvem uma combinação de conhecimento dos rios e dos mares para navegação, do funcionamento do barco e como manipular as redes lançadas sobre as águas. Não se trata de uma atividade fácil ou pouco exigente. Ao contrário, requer muito esforço físico e muita destreza na relação com a natureza:

lembremo-nos do filme Mar em fúria com George Clooney. Mais tempo na água é menos tempo com os livros: é muito esforço sem recompensa garantida. Salários de pescadores são baixos apesar do gigantesco esforço. Conforme subimos a escada tecnológica em direção a produtos processados, ao queijo e aos cosméticos por exemplo, vamos adicionando camadas de sofisticação e etapas de produção, envolvendo processos mais complicados e que requerem maior conhecimento para que tudo saia como desejado pela sociedade e pelos consumidores. São produtos de baixa e média intensidade tecnológica que, em geral, pagam maiores salários e trazem mais produtividade aos trabalhadores em processos fabris de produção. Mais acima na escada encontramos a nata do conhecimento e do conteúdo tecnológico. O último estágio dessa subida é representado por produtos de alta intensidade tecnológica, fortemente industrializados e que em geral demandam também serviços muito sofisticados. Por exemplo medicamentos e aparelhos de raio-X, cujas produções requerem os mais qualificados conhecimentos e máquinas de altíssima precisão. Nestes exemplos retirados do Atlas da Complexidade Econômica podemos entender por que alguns países conseguem enriquecer e outros não e por que o Brasil parou no tempo. A Holanda, por exemplo, se industrializou muito, e é capaz de produzir bens de média e alta tecnologia como máquinas de raioX e medicamentos (bem não ubíquos). A Argentina, por outro lado, está no estágio da renda média, produzindo bens de baixa densidade tecnológica (ou low tech) e de média intensidade (medium tech), como alimentos processados e ceras de sapato; o Brasil também se encontra nesse estágio hoje. Gana, na África, é um país muito pobre, onde a pesca ainda constitui importante fonte de renda e de nutrição para a população. A Holanda também faz queijos excelentes, ceras de sapato e tem um razoável setor pesqueiro. Consegue fazer o que todos conseguem fazer, mas também faz mais coisas que poucos países no mundo são capazes de fazer. Áustria, Finlândia, Dinamarca e Suíça estão entre os países mais complexos e sofisticados do mundo. Áustria está hoje na fronteira tecnológica de produção de aço e materiais metálicos

hipersofisticados. A aldeia austríaca de Donawitz tem sido um centro de fundição de ferro desde o século XIV, quando o minério era escavado de minas nos picos nevados nas proximidades. Ao longo dos séculos, Donawitz desenvolveu-se como o centro de produção de aço do Império Habsburgo e, no início dos anos 1900, tinha a maior planta de produção da Europa. Com a abertura recente do novo laminador Voestalpine AG, a indústria segue robusta e absurdamente produtiva. Nesta fábrica totalmente automatizada, 14 pessoas vão produzir 500.000 toneladas de aço por ano. A Finlândia, pequena, rural, periférica e de renda média baixa no início do século, tornou-se potência industrial e gerou uma empresa de alta tecnologia como a Nokia, que está na vanguarda das redes 5G e serviços digitais. O limitado mercado finlandês dificilmente geraria escala para se tornar uma campeã nacional neste setor. Foi a estatal Televa que desenvolveu a tecnologia que se tornaria determinante para a ascensão posterior da Nokia: o sistema de comutação digital DX200, ideal para o padrão GSM que seria implementado nos anos 1990, dando a ela a vantagem de ser first mover em telefonia móvel. Hoje, Finlândia, com a Nokia, e Suécia, com a Ericsson, são os únicos dois países em posição para brigar com a chinesa Huawei por espaço no mercado de telefonia 5G. Nenhum outro país rico, inclusive EUA, tem capacidades técnicas para produzir esses equipamentos rapidamente. No caso da Ericsson, os gastos em defesa também contribuíram para o seu desenvolvimento tecnológico e econômico. A empresa, uma das maiores fabricantes de equipamento de rede de telefonia móvel do mundo, desenvolveu uma série de radares e sensores avançados para o meio militar em projetos para o governo sueco. Em 1956 foi fundada a Ericsson Microwave Systems, dedicada principalmente à criação de sistemas aeronáuticos e de defesa. Entre a década de 1960 e 1970, a empresa participou do desenvolvimento do caça Viggen, junto a outras empresas suecas como Volvo e Saab, atendendo a demanda da Força Aérea Sueca por um modelo próprio, com maior nacionalização da produção possível. A Ericsson contribuiu com o desenvolvimento de radares, sensores e computadores para as diversas versões da aeronave que possuía bom

desempenho em relação aos similares produzidos pelas grandes potências. No fim da década de 1970, a Força Aérea Sueca cogitava importar caças estrangeiros para substituírem os Viggen. O Comitê da Indústria Aeroespacial Militar da Suécia, por sua vez, alertou que 12 mil trabalhadores eram empregados pela indústria aeroespacial sueca e que os efeitos da importação de aeronaves estrangeiras seriam terríveis para a indústria local, que possuía grande importância estratégica para o país. Com o governo sueco optando por um substituto advindo da indústria local, foi formado o consórcio JAS, tendo Ericsson novamente como integrante, junto com a Volvo, Saab e FFV, para desenvolver o JAS 39 Gripen (vendido mais recentemente ao Brasil em sua versão mais moderna, Gripen E/F). Um sistema desenvolvido pela Ericsson bem conhecido dos brasileiros no mercado de defesa é o radar Ericsson PS-890 Erieye, que equipa os aviões de alerta antecipado e controle E-99, produzidos pela Embraer e que atualmente vêm sendo modernizados pela Saab. Em 2006, a Ericsson Microwave Systems foi vendida para a Saab por US$ 521,5 milhões junto com a participação de 40% da empresa na joint venture Saab Ericsson Space. A empresa alegou que a venda ajudava em seu processo de reestruturação para focar exclusivamente no setor de telecomunicações. A Dinamarca, com uma população de 5,5 milhões de habitantes, empregava 414.000 pessoas nos setores de manufaturas, mineração e agricultura e exportava US$ 88,4 bilhões em 2010 (US$ 213 mil per capita exportado no ano). O Senegal, com 15,8 milhões de habitantes, empregava 2.673.000 nesses mesmos três setores e exportava US$ 2,5 bilhões em 2010 (US$ 939 por ano per capita). Uma diferença de 230 vezes. Claro que parte do que se exporta é importado antes, especialmente na Dinamarca, então teríamos que descontar da exportação a importação direta relacionada, dados bem mais difíceis de se conseguir, além do consumo interno. Ainda assim, percebe-se a brutal diferença de produtividade de um trabalhador dinamarquês em relação a um senegalês. Essa diferença se encontra no setor de bens transacionáveis, especialmente manufaturas. O estado dinamarquês sempre se destacou por políticas de fomento à inovação e hoje o país está na fronteira do

mundo na produção e inovação em robótica e drones, por exemplo. O produto industrializado mais exportado pela Suíça em 2017 foi medicamento. O produto químico mais exportado pelo Brasil em 2017 foi óxido de alumínio, um bem que os economistas chamam de commodity por não ser um produto sujeito a muitas diferenciações entre produtores concorrentes. No outro extremo, a produção de medicamentos envolve uma intrincada divisão de tarefas entre trabalhadores altamente especializados. Trata-se de um processo produtivo muito mais indireto, encadeado e complexo do que de óxido de alumínio. Medicamentos são intensivos em P&D e exigem conhecimento formal, prático e organizacional de várias áreas complementares entre si. Esta densidade de know-how custa muito caro às empresas, levando as mesmas a solicitar patentes que garantem direitos de uso exclusivo, a menos que se paguem royalties para usar as ideias e processos inovadores. Como complexidade e conhecimento se retroalimentam, o desenvolvimento de medicamentos gera muito mais inovações e transbordamentos do que a produção de óxido de alumínio. O Brasil, com quase 210 milhões de habitantes, exporta por ano cerca de US$ 220 bilhões. A Suécia, com 10 milhões de habitantes, exporta cerca de US$ 140 bilhões. Ou seja, a Suécia tem somente 5% da população brasileira e um território 18 vezes menor que o nosso, mas exporta 60% daquilo que exportamos. Como isso é possível? A Suécia é a quinta economia mais complexa do mundo. É a pátria-mãe de empresas como a Electrolux, Ericsson, Scania, Volvo e Spotify. Considerável parte desse alto volume de exportação sueca são os produtos automobilísticos. A Suécia é mãe das marcas Volvo e Scania, que estão entre as maiores fabricantes de caminhões pesados do planeta, que no Brasil são, respectivamente, a segunda e a terceira marcas de caminhões que mais venderam unidades em 2018. As empresas suecas colocaram 18 mil caminhões nas estradas brasileiras neste ano. Embora haja negociações acionárias de compra da Scania pela estatal alemã Volkswagen e de parte da Volvo pela chinesa Geely, a sede de ambas as empresas ainda permanece na Suécia e juntas geram mais de

135 mil empregos. No Brasil, há cerca de 220 empresas suecas que movimentam mais de 30 bilhões de coroas suecas anualmente. São Paulo é frequentemente chamada de “a segunda maior cidade industrial da Suécia” (depois de Gotemburgo). No Brasil observamos enorme ganho de complexidade produtiva até os anos 1980. Começamos a década de 1960 com uma pauta de exportação fortemente dependente de café e de outras commodities. Chegamos ao final dos anos 1970 com exportações expressivas de máquinas, autopeças e produtos químicos. Atingimos um nível de complexidade produtiva intermediária, compatível com um país de renda média. Desde os anos 1990, nossa complexidade produtiva começou a regredir e voltamos a nos concentrar na produção e exportação de commodities como minério de ferro, soja e petróleo. O Brasil de hoje tem praticamente o mesmo nível de complexidade dos anos 1980. A dificuldade do país em escapar destas vantagens comparativas regressivas inibe a diversificação do sistema produtivo nacional. O limitado grau de complexidade da nossa economia gera um dinamismo manco e uma potência fraca, e também ajuda a explicar nossos altos níveis de desigualdade de renda como veremos mais adiante.

Hubs de conhecimento Hausmann e Hidalgo (2011) nos mostram que manufaturas se caracterizam em geral como bens mais complexos e commodities como bens menos complexos. Maquinário, produtos químicos, medicamentos, aviões, navios e eletrônicos se destacam como bens mais complexos do mundo. Por outro lado, pedras preciosas, petróleo, minerais, peixes e crustáceos, frutas, flores e agricultura tropical apresentam baixíssima complexidade. Têxteis, equipamentos para construção e alimentos processados situamse numa posição intermediária. A grande maioria de patentes existentes no mundo hoje estão ligadas a bens manufaturados (ver Schoen et al., 2012). Apenas cinco setores produtivos concentram 90% das patentes mundiais: I) engenharia elétrica, II) ótica e instrumentos de precisão, III) química, IV) fármacos, e V)

engenharia mecânica e metalurgia. Bens com muita complexidade são uma espécie de “hub de conhecimento produtivo”. Estão carregados de potencial de conhecimento e de tecnologia. Produzir um desses bens aumenta a probabilidade de produzir algo próximo com tecnologia parecida. Produzir bens complexos facilita a nova produção de outros bens complexos, cria-se alto potencial multiplicativo de conhecimento. Alguns exemplos históricos interessantes: o Tratado de Versalhes proibiu a produção de aviões na Alemanha, e a BMW, que produzia turbinas para os aviões, começou a produzir motores de moto, depois motos e carros. Na Suécia, a Saab fazia aviões e começou depois a produzir carros (recentemente a empresa foi vendida aos chineses). A Rolls Royce começou a produzir carros e depois foi para as turbinas. A Lamborghini começou produzindo tratores e depois avançou para a produção de carros, segundo a lenda, após uma rixa do fundador com Enzo Ferrari sobre a má qualidade das Ferraris. A Hyundai começou na construção civil, avançou para navios e depois para carros. No Canadá, a Bombardier começou fazendo veículos para andar na neve, o Ski-Doo, depois avançou para aviação e trens. A divisão de veículos recreacionais da Bombardier, a Bombardier Recreational Products, explora até hoje produtos como Sea-Doo (jet skis) e snowmobiles. Países que produzem motores de carros avançados provavelmente tem engenheiros e conhecimentos que permitem produzir uma série de coisas similares e sofisticadas como motores de barcos, de motos e outros tipos de motores. Países que produzem somente bananas ou frutas têm conhecimentos limitados e provavelmente serão incapazes de fazer bens mais complexos no futuro. Uma turbina de avião tem potência de pelo menos 100.000 cavalos. Inclui milhares de peças milimetricamente encaixadas. Um motor turbojato funciona comprimindo o ar e fazendo sua combustão através de um compressor que mistura combustível com o ar comprimido e um combustor que queima a mistura e passa o ar quente de alta pressão através de uma turbina e um bocal. O compressor é alimentado pela turbina que extrai energia do gás em expansão que passa por ela. O motor converte energia interna do

combustível em energia cinética produzindo empuxo, tarefa nada trivial e que demanda engenharia e conhecimento técnico de várias pessoas e empresas. Uma bananeira é fácil de plantar. Para produzir um avião, é preciso conhecimento para produzir uma asa com superaerodinâmica, acoplá-la na fuselagem de forma segura, pendurar duas turbinas de 100.000 cavalos cada uma para fazer o avião voar; avionics para controlar todos instrumentos de voo: angulação dos flaps, ajuste fino do leme, equilíbro do peso; sistema de ativação e recolhimento de trem de pouso. Tudo isso tendo que funcionar de maneira sincronizada, com precisão cirúrgica. Na mineração pura e simples nada disso e necessário: as retroescavadeiras cavam, os tratores transportam, colocam na esteira, no trem, no navio e enviam tudo para China e Japão. O que é mais fácil “fazer”: um avião (bem muito complexo) ou um minério de ferro (nada complexo)?

Diversificação produtiva gera complexidade Hausmann traz um argumento da maior importância sobre complexidade econômica, especialização e diversificação nas diversas sociedades. A especialização em nível de pessoas resulta em diversificação em nível de cidades e países. A especialização em nível micro resulta em diversificação em nível macro. É precisamente porque os indivíduos e as empresas se especializam que as cidades e os países a diversificam. Considere o exemplo de um centro médico rural e um importante hospital da cidade. O primeiro provavelmente tem um único clínico geral que é capaz de fornecer um conjunto limitado de serviços. No hospital urbano, os médicos são especializados em diferentes áreas (oncologia, cardiologia, neurologia, e assim por diante), o que permite ao hospital oferecer um conjunto mais diversificado de tratamentos. A especialização de médicos leva à diversificação dos serviços hospitalares. A especialização generalizada das pessoas em uma sociedade leva à diversificação encontrada dentro das cidades. As cidades maiores são mais diversificadas do que as cidades menores. Entre as cidades com populações semelhantes, as mais diversificadas são

mais ricas do que as menos diversificadas. Como destaca Hausmann, as cidades maiores tendem a crescer mais rapidamente e tornarem-se ainda mais diversificadas, não só porque têm um mercado interno maior, mas também porque são mais diversificadas em termos do que podem vender para outras cidades e países (ver Balland, 2020). As cidades são os locais onde as pessoas que se especializaram em diferentes áreas de conhecimento se reúnem para combinar o seu know-how. Como bem demonstram Hausmann e Hidalgo na abordagem de complexidade, cidades ricas são caracterizadas por um conjunto mais diversificado de habilidades que apoiam um conjunto mais diversificado e complexo de indústrias e, assim, proporcionam mais oportunidades de emprego para os diferentes especialistas. No processo de desenvolvimento econômico, cidades, estados e países não se especializam, se diversificam. Evoluem de sistemas com algumas indústrias simples para um conjunto cada vez mais diversificado de indústrias mais complexas. As maiores economias do mundo são também as mais complexas. Seguindo a metáfora de Hidalgo e Hausmann, o desenvolvimento econômico pode ser entendido com o uso do brinquedo Lego. São ricos e desenvolvidos aqueles países que possuem muitas peças e são capazes de montar “brinquedos” complexos. O que são as peças de Lego? São as capacidades locais de produção ou competências técnicas de um país; não das pessoas individualmente, mas das empresas e organizações de uma determinada sociedade. Quanto maior e mais diversificado o número de empresas de um país, maior a quantidade de peças que são conhecidas e maior a quantidade de produtos que podem ser feitos. Cada peça é uma capacidade produtiva que pode ser combinada com outra para gerar um produto (brinquedo). Dentro das empresas existem, portanto, várias capacidades produtivas que podem ser usadas em várias direções. Quanto maior a diversidade de empresas, maior a disponibilidade de capacidades e, portanto, maior o potencial de se produzir mais coisas e mais complexa a economia. Como consequência da lógica acima, se um país se especializar na geração de produtos simples e não caminhar na

direção de complexidade e diversificação não conseguirá progredir. Por isso a ideia de vantagens comparativas deve também ser pensada em termos dinâmicos. Como bem apontam os autores destacados nessas discussões, o processo de desenvolvimento se dá num ambiente de intensa competição e nações ricas lutam para preservar suas vantagens competitivas em relação aos países em desenvolvimento em mercados de produtos mais sofisticados, tornando o processo de crescimento de economias muito mais desigual e assimétrico. Países de sucesso são aqueles que conseguiram construir vantagens comparativas em determinados setores ao longo do tempo (indústria automobilística no Japão e produção de aço na Coreia do Sul, por exemplo). Uma exploração estática das vantagens comparativas existentes, especialmente nos setores de retornos decrescentes de escala, como extrativismos em geral, não promove o desenvolvimento econômico. E muitas vezes o mercado por si só não é capaz de tirar o país desse tipo de armadilha.

Política industrial para sofisticação produtiva Em um trabalho de 2003 com título Economic development as self-discovery, R. Hausmann e D. Rodrik analisam com maestria o papel da política industrial no desenvolvimento econômico no passado e nos dias de hoje. Eles mostram que nem a visão mainstream do Estado “hands off” nem a visão do velho desenvolvimentismo estão certas em relação ao papel que a política industrial exerceu e deve exercer no processo de desenvolvimento econômico. Rodrik defende uma visão pragmática em relação à questão; o Estado deve ajudar o setor privado a encontrar oportunidades produtivas novas e rentáveis que contribuam para o desenvolvimento econômico. Não se trata então de “pick winners”. Se trata de ajudar o setor privado na busca de novas oportunidades e fronteiras tecnológicas que poderão ser eficientemente exploradas. Trata-se de uma busca por vantagens comparativas adjacentes em relação a novos produtos e processos produtivos mais sofisticados. Rodrik cita como exemplos de sucesso desse tipo política industrial no Chile:

salmão, uvas, madeiras e móveis; no Brasil, aço e aviões, e no México a indústria automotiva, além dos clássicos exemplos de Coreia, China e Taiwan. Rodrik caminha num meio termo entre os extremos ortodoxos e heterodoxos sugerindo várias medidas práticas de uma política industrial intermediária. Trata-se no limite de um equilíbrio entre estímulos (carrot) e punições (stick). Para Rodrik, a diferença fundamental entre leste da Ásia e América Latina, por exemplo, está na calibragem do uso desses dois instrumentos. A América Latina descambou para um protecionismo estéril que só aumentou a ineficiência do sistema produtivo depois de um determinado ponto. O leste da Ásia usou protecionismo com pragmatismo e criou gigantes competitivos e eficientes. A diversificação produtiva no Chile, por exemplo, não foi o resultado do livre funcionamento dos mercados. No México, a indústria automotiva e a indústria de informática são a criação de políticas de substituição de importações, seguidas por políticas tarifárias preferenciais no âmbito da NAFTA. O papel desempenhado por essas políticas no Leste Asiático é bem conhecido. O que é menos apreciado é a forma como o mesmo vale também para a América Latina. Quando se deixa de lado as exportações de commodities tradicionais, tais como cobre, petróleo bruto e bens agro, aparecem produtos que foram grandes beneficiários de políticas industriais. No caso do Brasil, o aço, aviões e a indústria calçadista foram criação de políticas de substituição de importações do passado. Altos níveis de proteção, subsídios e crédito público foram deliberadamente usados para gerar rendas para os empresários que investiram em novas áreas e para construir clusters industriais. No caso do Chile, políticas industriais desempenharam um grande papel nos setores de frutas, madeiras e salmão. A Fundacion Chile é um órgão público que foi criado por fundos doados pela ITT; começou a experimentar com salmão na segunda metade da década de 1970 e criou uma empresa no início de 1980 usando uma tecnologia adaptada do que se fazia na Noruega e na Escócia. A empresa foi vendida para uma empresa de pesca japonesa. Antes dos esforços da Fundação Chile, o país não exportava praticamente nenhum salmão; hoje é

um dos maiores exportadores de salmão do mundo. Os gastos públicos em P&D para frutas foi também significativo nos anos 1960, o que ajudou a preparar a indústria para o mercado mundial. E no caso das madeiras, há uma história de pelo menos 60 anos de subsídios para plantações, bem como um grande impulso a partir de 1974 para transformar a madeira, papel e celulose em um cluster de móveis e madeiras para exportações (ver Rodrik, 2008) . Rodrik sugere que podemos pensar em política industrial como investimentos de Private Equity em empresas novas ou emergentes. Muitos falham, mas os que acertam compensam em larga medida as falhas. Na Ásia, a estratégia que se mostrou mais acertada foi usar o mercado mundial como benchmark para medir o sucesso ou fracasso do resultado industrial das companhias que recebem subsídios e proteção tarifária. China, Japão, Taiwan e Coreia acertaram bem. América Latina, Indonésia, Malásia e Filipinas erraram muito. Se o governo não faz nada, dificilmente o status quo econômico muda só por conta das forças de mercado (retornos crescentes e economias de escala mantêm tudo como está). Idealmente os erros que resultam em “escolher os perdedores” devem ocorrer. Estratégias públicas do tipo defendido aqui são muitas vezes ridicularizadas porque podem levar à escolha de “perdedores” em vez de vencedores. É importante, naturalmente, construir salvaguardas contra este tipo falha. Mas uma estratégia ótima para descobrir o potencial produtivo de um país envolveria necessariamente alguns erros deste tipo. Algumas atividades promovidas falharão. O objetivo das políticas não deve ser minimizar as chances de que os erros sejam cometidos, o que resultaria em nenhuma “autodescoberta” produtiva. Esforços devem ser feitos para minimizar os custos dos erros quando eles ocorrem. Se os governos não cometerem erros, isso apenas significa que não estão se esforçando o bastante. As atividades de promoção industrial precisam ter a capacidade de se renovar, de modo que o ciclo de descobertas de capacidades produtivas torne-se dinâmico. Assim como não há uma fórmula única para a realização de política industrial, as próprias necessidades e circunstâncias para as descobertas produtivas mudam ao longo

do tempo. Isso requer que as agências que realizam estas políticas tenham a capacidade de se reinventar e se reimaginar. Nessa linha de raciocínio de Rodrik, a política industrial adquire quase um carácter psicanalítico ou de “autodescoberta”, como diz o próprio título já citado de um de seus trabalhos com Hausmann, O desenvolvimento econômico como autodescoberta.

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7. EDES COMPLEXAS SÃO NECESSÁRIAS PARA SE PRODUZIR BENS SOFISTICADOS

Desenvolvimento econômico é acúmulo de capital humano de uma sociedade que se traduz na capacidade de produzir bens e serviços complexos que, por sua vez, geram poder de monopólio, “lucros excedentes” e altos salários. Para isso não basta apenas investir em educação. É preciso que exista um setor produtivo capaz de utilizar as competências gestadas na educação. Em importante passagem da mitologia que envolve a figura de Pitágoras, um dos mais brilhantes intelectuais da Antiga Grécia, o filósofo pede a seu escravo que entregue uma moeda a um de seus discípulos, quando este lhe pergunta para que serve o triângulo em que Pitágoras trabalhava naquele momento. Teria dito o filósofo a seu pupilo que ele era o tipo de ser humano que espera um lucro por tudo aquilo que faz. A passagem é marcante por revelar a histórica tensão (talvez antropológica) entre o saber filosófico, que persegue a verdade, e o saber técnico, que procura resolver problemas práticos, geralmente associados a alguma relação custo e benefício. Em palestra na FEA-USP em 2012, o economista João Sayad disse que “educação não serve para nada”. Após o assombro tomar conta da plateia, o professor ratificou sua declaração dizendo que a educação é um fim em si mesmo, isto é, prescinde de motivações práticas. É um exercício de exploração das capacidades humanas cujos efeitos se desdobram não apenas sobre o setor produtivo – preocupado com o sustento imediato dos grupos sociais –, mas também se incorporam ao estoque cultural das sociedades, dentro do qual se encontra a tecnologia. Quem contempla a Monalisa de Leonardo Da Vinci está captando os frutos do desenvolvimento da geometria analítica em pleno Renascimento, a qual também serviu para informar a arquitetura e as engenharias civil e naval até os dias de hoje. Em uma interessante palestra no TED Talks Education, em 2013, o britânico nomeado cavaleiro real Sir Ken Robinson, consultor internacional em educação, discorreu sobre os três princípios que caracterizam a condição humana, a saber: a individualidade, a curiosidade e a criatividade. Cada ser humano

é único e isso torna a humanidade um incrível mosaico heterogêneo de qualidades e potencialidades. A curiosidade diz respeito à capacidade de indagar o porquê das coisas, como o mundo funciona e, principalmente, como melhorar nossa condição de vida. Por fim, a criatividade mobiliza as duas primeiras características para transformar o mundo à nossa volta. A preocupação de Robinson é, há anos, evitar que, por inércia ou por negligência, a escola formal sufoque estes aspectos da condição humana, levando à evasão escolar em massa. Diz o autor: “Nós temos que reconhecer que esse é um sistema humano, e há condições sob as quais as pessoas prosperam, e condições sob as quais elas não prosperam. Nós somos afinal de contas criaturas orgânicas, e a cultura da escola é absolutamente essencial. Cultura é um termo orgânico, não é?” Para ilustrar a importância da dimensão orgânica do conhecimento, ele conta uma parábola que vale repetir integralmente. Robinson mora próximo a um lugar chamado Vale da Morte, no estado da Califórnia. É o lugar mais quente e seco dos Estados Unidos. Por isso, nada cresce neste terreno; daí, o nome Vale da Morte. Porém, no inverno de 2004, choveu forte no Vale da Morte. Os 17cm de chuva por um período muito curto causaram, no verão de 2005, um fenômeno impressionante: o Vale da Morte estava carpetado com flores por um período. Conclui Robinson: “Isso prova que o Vale da Morte não está morto. Está dormente. Logo abaixo da superfície existem estas sementes de possibilidades esperando pelas condições certas para brotarem, e com sistemas orgânicos, se as condições forem propícias, a vida é inevitável. Acontece o tempo todo. Você pega uma área, uma escola, um distrito, você modifica as condições, dá às pessoas um sentido de possibilidade diferente, um conjunto de expectativas diferentes, uma ampla gama de oportunidades, você estima e valoriza o relacionamento entre professores e aprendizes, você oferece às pessoas o critério para serem criativas e para inovarem no que fazem, e escolas que uma vez foram privadas desabrocharão para a vida.” Ken Robinson tem um olhar de fora para dentro da escola, em como aprimorá-la e gerar modelos localmente adaptados que

se aproximem da cultura educacional finlandesa. Este capítulo terá como fio condutor a ideia de organicidade do conhecimento, porém com um foco diferente. A visão dos economistas é a partir da “escola” para o setor produtivo, mas há diferenças substanciais. A economia convencional do capital humano, na linha da Escola de Chicago de Gary Becker, Milton Friedman, Jacob Mincer e Theodore Schultz, enfatiza a importância da instrução escolar como produtora de conhecimento útil ao mercado, o qual daria conta de absorver os melhores profissionais de acordo com sua produtividade e sua postura perante o risco. Segundo esta análise, o sucesso profissional está fortemente ligado à dedicação do indivíduo aos seus estudos; é a visão liberal de meritocracia. Uma segunda visão adota a mesma premissa de que a lógica de mercado operaria a “sabedoria das massas”, mas que as instituições, isto é, as regras do jogo econômico e político, poderiam influenciar o processo de organização via mercados. Esta é a abordagem neoinstitucionalista de Douglass North e Daron Acemoglu, dentre outros, segundo a qual a estrutura institucional das sociedades define os retornos das atividades produtivas em geral, bem como dos investimentos individuais e dos governos em educação. Ao corrigir as distorções institucionais, o jogo econômico mediado pelo mercado daria conta de promover o desenvolvimento econômico. Alternativamente, defendemos que é a estrutura produtiva e sua inserção nas redes internacionais de comércio que delimitam, dinamicamente, o espaço de atuação conjunta de mercados e governos. Isto significa que reconhecemos a importância das instituições e dos investimentos em educação, mas reclamamos a prioridade causal, analítica e histórica das estruturas produtivas. Estas dependem das condições materiais locais, como disponibilidade e diversidade de recursos naturais e humanos, os quais, em conjunto com a forma de interação econômica com outras nações, motivarão, informarão e inspirarão as inovações produtivas, tecnológicas e institucionais; enfim, sua cultura. Por isso, é essencial compreender as forças que colocam a evolução das estruturas produtivas em trajetórias progressivamente mais complexas e sofisticadas ou caminhos de regressos tecnológico e

atraso. Estes grandes movimentos estruturais determinarão a utilidade dos diversos tipos de atividade para a economia e, portanto, sua remuneração relativa. Por isso, analisar o conjunto institucional sem considerar as condições materiais das sociedades pode levar a generalizações falaciosas, cujas implicações políticas podem agravar os problemas e entraves ao desenvolvimento. Nossa preocupação é, portanto, com os efeitos de rede sobre a organização produtiva do mercado de trabalho, isto é, em quais condições o setor produtivo absorverá os indivíduos que saem das escolas (em todos os níveis). O desafio aqui é garantir que as oportunidades de aplicação das competências formadas no ambiente escolar sejam não apenas aproveitadas (em forma de maior produtividade da economia), mas também retroalimentadas pelos desafios que a estrutura produtiva oferece a cada pessoa. Mais especificamente, indagamos se o setor produtivo oferece condições para o crescimento do estoque de capital humano. E aqui entram em jogo as chamadas “externalidades em rede”, isto é, ganhos de produtividade resultantes de efeitos de aglomeração que resultam do aumento da sofisticação da estrutura produtiva. Em estudo publicado no Fórum Econômico Mundial 2019, em Davos (Suíça), o Brasil registrou importante “fuga de cérebros”. A pesquisa da INSEAD (Lanvin e Monteiro, 2020) mostra que o Brasil pode ficar para trás na revolução digital caso não reaja depressa. Sem mão de obra qualificada para atender as novas exigências do mercado, o país voltou a cair no ranking de Competitividade Global de Talentos, ficando em 80º lugar entre as 132 nações analisadas. A explicação para este pífio desempenho reside na incapacidade do Brasil de criar, reter e atrair novos talentos. Em apenas um ano, o país saltou da 45ª para a 70ª posição no item “fuga de cérebros”. O que chama a atenção é o fato de o Brasil investir somas vultosas em educação, inovação e qualificação. Além disso, as universidades do país também estão bem avaliadas em comparação com o resto do mundo. O problema está, é claro, no baixo retorno destes investimentos em termos dos investimentos feitos em educação por esses profissionais. Em outras palavras, o setor produtivo brasileiro não

dá conta de oferecer bons empregos para segurar os nossos melhores cérebros. Olhar para a educação sem a conexão com a estrutura produtiva é a receita para o fracasso.

Educação não é tudo o que precisamos para alcançar o desenvolvimento econômico Sistemas produtivos mais simples baseados em agropecuária, commodities e indústrias low tech demandam menos educação. São setores que demandam, mas não produzem tecnologia. Para países com boa complexidade produtiva, por outro lado, a educação é fundamental para avançar rumo ao topo da escada tecnológica. A educação é muito importante para indústrias medium e high tech e serviços sofisticados. Em países com produção focada em commodities e produtos low tech, a educação é bem menos relevante, mas tem obviamente um papel civilizatório fundamental. Em sociedades complexas o desafio é outro. A educação tem que poder acompanhar as mudanças rápidas das tecnologias mundiais e tem que haver altos investimentos em ciência e pesquisa (ver Mehta e Jesus, 2014). A Europa com seus altos salários, por exemplo, não tem mais como sustentar uma sociedade com empregos fabris de baixa qualidade; pesquisa em ciência e desenvolvimento científico é a única opção de sobrevivência. Empresas bem organizadas precisam surgir para empregar pessoas com níveis de educação altos o suficiente para alcançar produtividade. A eficiência organizacional também se baseia no conhecimento, mas é de um tipo diferente. Não é o conhecimento que um indivíduo possui, mas o conhecimento que um grande número de indivíduos possui sobre como cooperar e coordenar entre si a produção dentro de uma organização. Sem mediação empresarial e produtiva, os investimentos em conhecimentos e habilidades codificados em livros podem obter baixos retornos na sociedade. Em particular, na ausência de empresas capazes de empregar trabalhadores de forma produtiva, os investimentos em educação e habilidades só podem resultar no surgimento de um grande número de pessoas desempregadas com elevado grau de instrução e de habilidades (Khan, 2019).

Organizações eficientes permitem aos indivíduos aproveitarem seu estoque de conhecimento formal e tácito de sorte a realizar plenamente seu potencial produtivo. Estes dois tipos de saberes podem auxiliar na estruturação de organizações capazes de aproveitar as externalidades e complementaridades estratégicas que caracterizam essas atividades. Trata-se de um tipo específico de “conhecimento coletivo”, distinto do conhecimento codificado e do know-how incorporado nos indivíduos. “Sem capacidades organizacionais apropriadas, os investimentos em outros tipos de conhecimento não conseguem obter retornos adequados” (Khan, 2019). Embora muitas empresas de países em desenvolvimento possam adquirir máquinas para muitas atividades básicas de produção e tenham disponibilidade de trabalhadores qualificados, falta-lhes a capacidade de processar e operar articuladamente todos estes fatores para uma produção competitiva. Além de as tecnologias diferirem, sensíveis diferenças em termos de hierarquias sociais, padrões de trabalho coletivo, estruturas externas de governança e de controle tendem a variar sobremaneira. Khan (2019) mostrou recentemente o quão intrincado e arredio é o processo de assimilação de conhecimento tecnológico, o qual pode ser assimilado pelo indivíduo ou por coletividades. No primeiro caso, o conhecimento formal codificado (alfabetização, conhecimento matemático e científico) pode ser necessário para adquirir habilidades específicas tácitas, associadas à prática profissional. Nesta última categoria encontra-se o conhecimento do tipo não codificado, que se manifesta no know-how embutido em rotinas inconscientes e muitas vezes complexas que são compreendidas e internalizadas através da aprendizagem na prática. No plano do conhecimento compartilhado, Khan sugere um tipo específico de “hiato de conhecimento” que inibe a transformação estrutural conducente à maior competitividade: as capacidades organizacionais. Conhecimento tácito e capacidades organizacionais são obstáculos envolvidos no aprendizado tecnológico das nações e dizem respeito aos custos associados à assimilação das tecnologias transferidas de parceiros comerciais posicionados na fronteira tecnológica. Amsden (2001, p. 29) nos mostra que o

desenvolvimento econômico pode ser entendido como “um processo em que se passa de um conjunto de ativos baseados em produtos primários, explorados por mão de obra não especializada, para um conjunto de ativos baseados no conhecimento, explorados por mão de obra especializada. Essa transformação exige que se atraia capital tanto humano como físico da busca de renda do comércio e da agricultura para as manufaturas, o coração do crescimento econômico moderno”. Os recursos tecnológicos que criam novos produtos e novas técnicas de produção constituem ativos “invisíveis” de uma empresa, como salientou Itami e Roehl (1987). Tais ativos são não apropriáveis, são intangíveis e, portanto, difíceis de se copiar, gerando lucros anormais apoiados em rendas de monopólio conferidas aos seus proprietários. A existência de fortes barreiras à difusão de tecnologias por meio da imposição de patentes e conhecimento proprietário torna, portanto, falaciosa a ideia de que o conhecimento seja um bem público. É, portanto, ilusório acreditar que a mera escolarização da população será capaz de elevar a produtividade de um país aos níveis requeridos pela competitividade nos mercados internacionais. A transformação estrutural em tempos de acelerada evolução tecnológica requer uma estratégia de aprendizagem tecnológica eficaz. Para tanto, é preciso identificar os hiatos de conhecimento relevantes e as políticas que podem ser implementadas de maneira correta para lidar com essas deficiências. Nas palavras do próprio autor: “Não se trata apenas de produzir trabalhadores com níveis de ensino secundário ou superior em volume certo para atender às demandas projetadas. Esses trabalhadores também precisam ter o conhecimento adequado para poder operar competitivamente as tecnologias existentes e emergentes”.

Externalidades em rede e topocracias As forças de atração e de aglomeração são mecanismos cuja ação precedem a compreensão humana a seu respeito. Elas explicam a formação de grandes centros urbanos e de polos tecnológicos, como o Vale do Silício e São José dos Campos, por

exemplo. Por estarem sujeitas a retornos crescentes, estas forças promovem o que já vimos de causação cumulativa, isto é, uma tendência do sistema a reproduzir indefinidamente um comportamento, tornando-o uma “armadilha” (lock-in). Esta pode ter natureza positiva ou negativa frente aos valores sociais vigentes. O problema é que uma vez que tais forças são acionadas torna-se muito difícil desfazê-las, pois o próprio sistema vai descobrindo “benefícios” em se manter nela. É apenas quando os “custos” superam estes benefícios que alguma transformação mais profunda tende a ocorrer. Este é o caso das revoluções tecnológicas e sociais que a história registra em cores fortes. O notório historiador Yuval Harari discute de forma abrangente os efeitos das tecnologias de rede em seu livro 21 lições para o século xx1, de 2018. Diz ele: “No final do século XX as democracias superaram as ditaduras porque são melhores no processamento de dados. A democracia difunde o poder para processar informação e as decisões são tomadas por muitas pessoas e instituições, enquanto a ditadura concentra informação e poder num só lugar” (Harari, 2018, p. 94). Como já alegou Winston Churchill, a democracia é o pior sistema político depois de todos os outros, de forma que suas limitações operacionais levam a imensa insatisfação, muito embora não haja alternativas à altura. Para Harari, esta condição sub-ótima da democracia que garantia alguma legitimidade para sua defesa (lock-in) estava condicionada ao padrão tecnológico. “Dada a tecnologia do século XX, seria ineficiente concentrar toda a informação e poder num só lugar. Ninguém tinha capacidade para processar toda a informação com rapidez suficiente para tomar decisões corretas” (Harari, 2018, p. 94). Este teria sido um dos motivos pelos quais as democracias ocidentais sobreviveram ao experimento soviético. Todavia, a mudança no paradigma tecnológico rumo à Inteligência Artificial e às técnicas de processamento da Big Data teriam a capacidade de alterar as condições de operação do sistema econômico e político. A era dos algoritmos e do blockchain lança mão das economias de aglomeração no plano virtual para mobilizar o insumo da decisão humana: a informação e o conhecimento.

Estas economias de aglomeração estão por trás também do sucesso das redes sociais que sobreviveram à intensa concorrência inicial. Os mais jovens não se lembrarão dos tempos em que o Orkut impunha um magnetismo enorme, que há anos o Facebook conseguiu superar. O poder das redes sociais reside exatamente numa espécie de “esquema de pirâmide” virtual sem qualquer promessa financeira. O objetivo destas redes é atrair pessoas para o seu espaço. Por quê? A aglomeração permite produzir informação mais próxima da realidade concreta em diversos níveis de agregação: por país, por cor de pele, por etnia, por religião, por faixa de renda, por posicionamento político etc. O compartilhamento constante de informações, conhecimento e experiências gera um manancial de oportunidades de aprendizado e enriquecimento em escala gigantesca (se for bem utilizado, é claro). No entanto, há também perigos que nascem da concentração do poder de controlar a informação nas mãos de poucas empresas e pessoas. Um último traço importante de retornos crescentes em decorrência da presença de externalidades em rede é sua vocação genética ao monopólio. Como salienta Harari, “no século XXI, os dados vão suplantar tanto a terra quanto a maquinaria como ativo mais importante, e a política será o esforço por controlar o fluxo de dados” (Harari, 2018, p. 107). A especialização das redes sociais em dinâmicas particulares de interação como Twitter, WhatsApp e Instagram geram enormes economias de escala, o que chamamos de “retornos crescentes à escala”. Isto significa que faz sentido concentrar a informação gerada nestas três redes sociais em uma ou poucas empresas que geram ganhos operacionais. Não à toa, a lista de aquisições do Facebook já passa de 80 empresas, dentre elas duas das principais redes sociais. Desta plataforma digital, inúmeros desdobramentos se sucederam, como o Uber, o Waze, o Google, Amazon, Alibaba, Netflix, dentre inúmeros outros. Existem ganhos de escala na interação também, de forma que estas redes servem mutuamente umas às outras como forma de direcionar o conteúdo aos consumidores com base em seu histórico de uso.

O nome do jogo é concentrar, aglomerar, atrair as pessoas para o seu espaço de funcionamento, onde a empresa controla as regras do jogo. O país mais populoso do mundo hoje se chama Facebook, com 2,4 bilhões de usuários ativos em 2019. O maior mercado do mundo se chama Amazon, com 145 milhões de usuários em 2019, apenas nos EUA, com vendas de 4.000 itens por minuto, com quase 120 milhões de produtos disponíveis e mais de 2,4 milhões de vendedores usando a sua plataforma (chamada tecnicamente de marketplace). Como veremos abaixo, esta nova economia digital tem sua dinâmica determinada por efeitos de rede que formam o que César Hidalgo e coautores chamaram de topocracia. A localização de cada agente no espaço (topo) das redes determina seu poder (cratos). A capacidade de se tornar um hub, um elo central numa rede, uma referência de acesso e de consulta dá poder de mercado e influência não apenas sobre a economia, mas sobre a política também. Não deve surpreender que os polos tecnológicos de onde brotam estas inovações oferecem os empregos mais bem pagos do mundo e geram muitas das maiores riquezas pessoais do mundo. É notável como essa lógica de aglomeração atravessou diferentes paradigmas econômicos, sendo inicialmente o lugar das trocas (derivados das feiras que se tornaram permanentes), para se tornar centros urbano-industriais e, mais recentemente, expulsou a indústria para se especializar nos serviços. A título de exemplo, o Moinho Santo Antônio, no bairro paulistano da Moóca, representa bem este processo, passando de uma fábrica de processamento de alimentos na primeira metade do século XX para uma badalada casa de eventos e entretenimento na cidade. As forças de aglomeração vão deslocando as atividades espacialmente, conforme as preferências dos sistemas sociais evoluem. Quando falamos de indústria, não estamos necessariamente nos referindo ao chão de fábrica do Moinho Santo Antônio. Esta é apenas a manifestação concreta e localizada do sistema de relações produtivas como um todo. O sistema fabril é uma parte do que chamamos de sistema industrial. Este representa uma forma, um método de organizar a produção. Trata-se da formação e gestão de redes complexas de

tarefas especializadas que cooperam entre si para produzir o que a sociedade necessita. Todavia, este sistema orgânico não é estático. Ele funciona de forma dinâmica, evolucionária e sem um destino certo; em outras palavras, é um sistema aberto (openended). Essas características estão todas condicionadas pelo grau de especialização (ou divisão do trabalho), o qual depende, por sua vez, do tamanho do mercado. Quanto maior for o espaço da troca, mais granular e abstrata pode ser a contribuição de cada pessoa. Fazer carreira como youtuber só é possível se houver outras pessoas produzindo alimentos, combustíveis, energia elétrica e apps de edição de vídeo, dentre outros itens que fazem parte da cesta de consumo de um youtuber. O mesmo vale para o astrofísico contemplando a imensidão do universo, enquanto encomenda seu almoço via aplicativo digital. Os efeitos da divisão do trabalho motivaram o exemplo de “indústria” que Adam Smith utilizou em sua famosa parábola da “fábrica de alfinetes”, em A riqueza das nações. Quanto mais granular a atividade, maior o potencial de aprimoramentos que se traduzem em maior produtividade e, portanto, menor custo. O que Smith não salientou foi o potencial de retroalimentação deste sistema industrial em termos de aprendizagem e, potencialmente, de inovação. O setor industrial de uma economia converte o acúmulo de conhecimento em produtos e serviços que geram o poder de monopólio. Sem vagas de trabalho que demandam conhecimento, a educação gera êxodo de pessoas qualificadas. Um relato de um pesquisador alemão que estudava desigualdade e educação no interior da Paraíba ajuda a explicar o que ocorre. Nessa cidade pobre e sem oportunidades todos queriam estudar para sair dali o quanto antes; o destino principal era São Paulo, onde os salários são altos. A universidade e o estudo eram vistos como passaporte para emigrar para capitais ou para fora do país. Ninguém tinha objetivo de ficar e aplicar os conhecimentos para melhorar o lugar; a pobreza e falta de oportunidades era tanta que o único estímulo era partir, mesmo que deixando conhecidos e família para trás. Isso foi algo que Robert Lucas notou, em 1985, ao desenvolver a sua mecânica do desenvolvimento

econômico, publicada em 1986, ao reconhecer que, diferentemente do que prega a teoria do comércio internacional, é o trabalho que procura os melhores capitais, via migração de mão de obra, e não o contrário. A educação que não encontra respaldo em oportunidades no mercado de trabalho promove fuga de cérebros. Sem sistema produtivo para abrigar seus cérebros notáveis um país acaba simplesmente educando mão de obra para o mundo, o famoso brain drain. Por isso, a forma como organizamos o modelo operacional do sistema produtivo afeta os retornos aos investimentos em educação. Em artigo ao jornal Folha de S. Paulo, Marcio Pochmann destacou a encruzilhada brasileira no momento em relação a dois modelos possíveis para o nosso futuro (Pochmann, 2011): o Brasil da FAMA (fazenda, mineração e maquiladoras. Vale assistir o documentário Maquilapolis) ou o Brasil do VACO (valor agregado e conhecimento). A FAMA nos mantém copiando os valores e os impulsos estrangeiros, à mercê de modismos e de turbulências de outras nações. O VACO nos motiva a procurarmos o nosso próprio caminho, buscando potências internas a desenlaçar para a nação soberana que desejamos. No VACO valeremos muito mais do que o nosso peso, pois nossos cidadãos pensarão além do lucro imediato; objetivarão um benefício intertemporal, forjando a herança de um país acolhedor às futuras gerações. Como vimos até aqui, o conhecimento gerador de aprendizagem e inovação do VACO é central para se garantir uma estrutura produtiva capaz de aproveitar a riqueza dos recursos naturais e das capacidades humanas disponíveis em cada sociedade.

Ataris e supercomputadores Além de todos esses aspectos há ainda uma importante força direcionando a formação da produção em redes: as limitações cognitivas dos seres humanos. Cada indivíduo enfrenta restrições quanto ao volume de informações que consegue acumular. César Hidalgo define o conceito de “personbyte” como a quantidade de informação máxima possivelmente armazenada por uma única pessoa. Assim, produtos exigindo mais do que um “personbyte”

de informação para serem produzidos demandarão necessariamente trabalhos coletivos e produção integrada em rede com vários “personbytes”, de preferência harmonicamente, para que se possa combinar e integrar os diversos conhecimentos entre pessoas. Consideremos o desafio de formar uma banda de música. É uma estratégia ruim contratar vários músicos desconhecidos e colocá-los para tocar juntos. Uma boa banda apresenta um entrosamento entre seus membros que transcende a mera sobreposição das virtuosidades musicais individuais. Harmonização envolve uma substância que excede a soma das partes. Algo a mais é criado quando potenciais individuais se relacionam. No caso das redes produtivas complexas, a integração harmônica entre pessoas e firmas é fundamental e existe uma dependência mútua generalizada na rede para que o processo seja bem-sucedido. O “personbyte” é equivalente ao conceito de “firmbyte”, isto é, o limite de informação que uma firma pode carregar. Bens complexos requerem muitos “personbytes” e “firmbytes”, os quais só podem ser organizados em sofisticadas redes produtivas. O caso do avião da Boeing e os produtos da Apple e Samsung são exemplos dessa dependência entre firmas para se gerar produtos complexos. A construção do iPod só foi possível graças a um micro hard drive desenvolvido pela empresa Toshiba. O Gorilla Glass, vidro superresistente dos iPhones, foi desenvolvido por uma empresa de manufaturas de vidro em Nova York chamada Corning. Qualquer computador pessoal, independentemente de sua marca, carrega em geral um chip da Intel ou AMD, um hard drive Quantum, Seagate ou Fujitsu e uma memória feita provavelmente pela Kingston ou Corsair. Nas palavras de César Hidalgo, os computadores de hoje em dia nada mais são do que uma salada de eletrônicos. O desenvolvimento econômico surge nessa perspectiva de Hidalgo (2015) como a capacidade de criação de uma rede produtiva sofisticada. Assim, países ricos são aqueles com alta capacidade computacional para processar informação e gerar produtos em uma intrincada rede produtiva. Para Hidalgo, países desenvolvidos funcionam como supercomputadores processando informações para produzir bens

e serviços complexos; países pobres são como antigos videogames Atari tentando fazer alguma coisa. Nessa perspectiva, Hidalgo e Hausmann (2009) constroem um modelo simplificado e bastante interessante para entender o desenvolvimento econômico. A partir da relação entre conhecimento produtivo tácito e redes produtivas complexas e locais, é possível descrever a configuração e a dinâmica das relações de comércio mundial a partir de três simples hipóteses: I) produtos do comércio mundial necessitam de capacidades locais não transacionáveis para serem produzidos; II) cada país pode ser caracterizado por um conjunto dessas capacidades locais; e III) países só podem produzir produtos para os quais tenham a totalidade das capacidades locais produtivas necessárias. Os produtos altamente complexos estão no centro das redes de comércio mundial e os de baixa complexidade estão na periferia (as commodities agrícolas, minerais e energéticas). Como mostrava a CEPAL nos anos 1950, os países ricos produzem e exportam os produtos do centro da rede de comércio mundial, enquanto os países pobres produzem e exportam os produtos da periferia da rede. O núcleo de produtividade de um país se nutre dessas atividades “complexas” produzidas em redes integradas e com elevada simbiose produtiva e tecnológica (como é o caso de serviços sofisticados). O restante é formado por commodities e serviços não sofisticados com baixos graus de diferenciação e de complexidade. Alguns exemplos retirados do Atlas da Complexidade ilustram bem o ponto: maquinário de escavação e carros são altamente complexos em termos de conhecimento produtivo; petróleo, minério de ferro e soja são não complexos. Os principais produtos de exportação do Brasil hoje são de baixa sofisticação, não demandam redes produtivas complexas e carregam um baixo conteúdo de conhecimento. Em suma, a história das nações mostra que quem dominou o núcleo das atividades produtivas complexas e sofisticadas, de alto conteúdo de capital humano e aprendizagem, ficou rico (casos dos EUA, Japão e Europa). Muitos países tentaram, alguns conseguiram. O leste da Ásia conseguiu. O leste da Europa também está conseguindo. África e América Latina tentaram, mas não conseguiram. Este resultado está ligado

intimamente à forma como tais economias equiparam suas estruturas estatais para oferecer suporte à configuração destas redes produtivas calcadas no contínuo processo de aprendizagem. O sucesso dos ricos não veio espontaneamente pelas forças de mercado apenas. Ele foi construído a partir de uma articulada integração entre Estado, sociedade civil e mercados locais. Quando o assunto é desenvolvimento econômico, não há bala de prata.

A

8. SOFISTICAÇÃO PRODUTIVA DEPENDE DA GERAÇÃO E ACÚMULO DE IDEIAS

Desde os trabalhos de Antonio Serra em Nápoles dos 1600, os economistas se preocupam com as causas do crescimento econômico e rotas a perseguir para a prosperidade. Até os anos 1970, as preocupações giravam em torno da acumulação de capital, uma expressão pomposa que significa “aumentar a quantidade de tecnologia à disposição de cada trabalhador”. O foco no crescimento do maquinário e dos equipamentos que constituíam as estruturas produtivas dos países ficou conhecido como “fundamentalismo do capital”. Ao longo das décadas, os modelos econômicos foram elaborados para responder à pergunta: se todos os países investirem em máquinas e equipamentos e abrirem as suas economias à concorrência externa, todos eles convergirão ao mesmo nível de renda per capita? O famoso modelo de crescimento de Robert Solow, publicado em 1956, é um marco na busca por esta resposta. A bala de prata do crescimento se resumiria a dotar os trabalhadores com suficiente quantidade de máquinas para aumentar sua produtividade. Quanto mais pobre um país, maior seria o efeito de qualquer adição de capital (pense no efeito de um trator numa pequena propriedade rural) e, portanto, maior seria a taxa de crescimento da economia na trajetória até o estado estacionário. Nesta situação, as novas oportunidades de crescimento se esgotariam e os investimentos deveriam ser suficientes para cobrir o desgaste das máquinas (depreciação, no jargão) e o crescimento da população. Afinal, as máquinas ficam obsoletas ou quebram e precisam ser trocadas, bem como mais trabalhadores entrando no mercado de trabalho requerem aumento na quantidade de máquinas, para que nenhum fique com menos capital, perdendo produtividade perante os outros. Solow criou uma teoria simples que mostrava a importância da acumulação de capital para que um país atinja o seu estado estacionário. Este seria determinado, por sua vez, pelo crescimento populacional. Quanto mais trabalhadores, maior a quantidade de capital exigida e maior o incentivo dos empresários

para investir em máquinas e equipamentos. Assim, países pobres com amplos contingentes populacionais e famílias numerosas teriam enormes oportunidades de investimentos, enquanto países industrializados e com famílias menores não encontrariam tantas formas de incrementar o capital por trabalhador. Sob a força da rentabilidade do capital, a mão invisível do mercado dirigiria os recursos para onde fossem mais escassos e o crescimento econômico resultaria da força empreendedora dos capitalistas. Eventualmente, todos os países atingiriam o seu estado estacionário com níveis de renda similares. Esta é a tese otimista da convergência dos níveis de renda entre países que emerge do modelo de Solow. Contudo, havia um problema a resolver: a mobilidade dos fatores produtivos entre países. Os recursos produtivos (terra, trabalho e capital) estão esparramados de forma desigual pelo planeta. Alguns países possuem mais terras, outros mais pessoas, outros mais capital; a maioria dos países obviamente possui alguma combinação intermediária destes fatores produtivos. Mas, como podem estes fatores chegar onde são mais necessários? Uma vez que Deus ou o acaso jogaram as peças sobre o tabuleiro, definindo as dotações iniciais de fatores de cada país, caberia aos preços informar onde o fator é mais escasso. O país que puder pagar por ele atrai o recurso para si, diminuindo a disponibilidade do recurso para quem tem menos capacidade de pagamento. Onde há mais terras e pouca gente, o valor da terra tende a ser baixo e o valor do trabalho, elevado. Em países onde há muita terra e muita mão de obra, o capital tende a valer muito, devido à sua escassez. Neste último caso, a rentabilidade do capital seria mais elevada do que em países industrializados, cuja população já se encontra quase saturada de capital. Os capitais correriam, portanto, dos mais ricos para os mais pobres. Eventualmente, as taxas de retorno do capital se igualariam em todos os países, conforme os retardatários alcançassem seus estados estacionários, os quais convergiriam aos níveis dos países ricos. Todavia, nem sempre o país já saturado com capital optará por deslocar seus recursos a um país mais pobre. Como a mão de obra é escassa em países ricos, os salários tendem a ser

muito altos, atraindo trabalhadores qualificados de países pobres que não encontram bons empregos em seus países justamente por falta de investimentos em máquinas e equipamentos. Esta “drenagem de cérebros” (brain drain) que os países pobres sofrem se traduz em imigração nos países ricos, que podem continuar sua expansão e investir muito em capital. Adicionalmente, surgirão nos países ricos oportunidades para trabalhadores pouco qualificados, à medida em que a população local é absorvida pelos melhores empregos e deixa as atividades menos sofisticadas serem ocupadas por imigrantes de países pobres. Mesmo estas atividades oferecem salários mais elevados aos imigrantes do que eles obteriam em sua terra natal. Graças à produtividade dos setores industriais e de serviços sofisticados, como vimos na explicação de Baumol, Balassa e Samuelson, a produtividade transborda para os salários de toda economia. A narrativa que surge do modelo de Solow é muito esperançosa quanto às virtudes do capitalismo em fazer uma eficiente distribuição dos fatores produtivos via sistema de preços entre países. Quando o autor testou seu modelo, um ano mais tarde, em 1957, ele notou que apenas 25% do crescimento econômico é explicado pela intensidade de capital por trabalhador. O resto se devia a um emaranhado de variáveis não observáveis, como progresso tecnológico, características institucionais, ambiente de negócios, qualidade das empresas. Solow chamou este “resíduo” não explicado de “a medida da nossa ignorância”. Os modelos teóricos tentaram estender a sabedoria embutida no modelo de Solow, buscando compreender o que determinava este “resíduo” inexplicado, mas que parecia explicar toda a prosperidade almejada pelas nações. O trabalho de Mankiw, Romer e Weil (1992) conseguiu mostrar que o capital humano era uma variável-chave. Ao ampliar o conceito de “capital” para englobar o conhecimento produtivo ou “capital humano”, os autores mostraram que usando uma “densidade” maior de capital por trabalhador conseguem resultados empíricos que se assemelham mais aos dados colhidos da realidade. Todavia, um pequeno revés se impunha ao otimismo de Solow: o capital humano determinava diferenças persistentes entre os níveis de renda per capita que os países conseguiriam atingir, ou

seja, cada país convergiria ao seu próprio estado estacionário. A feliz descoberta para a ciência econômica significava uma dura e sombria revelação da realidade concreta dos países atrasados.

As ideias de Paul Romer A aspereza da desigualdade econômica havia mostrado sua face mais pungente poucos anos antes, quando Paul Romer (Romer, 1986 e 1990) e Robert Lucas (Lucas, 1988) abriram a caixa de pandora dos “retornos crescentes à escala”. Até então, todos os modelos convencionais funcionavam no mundo dos retornos constantes. O efeito desta premissa é a obtenção de uma taxa de crescimento em um estado estacionário ao qual eventualmente todas as nações convergiriam. Ao incorporar ao modelo de Solow à produção do conhecimento, Romer expandiu as fronteiras convencionais da teoria do crescimento e revelou que o abismo que separa os países ricos dos pobres é ainda maior do que acreditávamos até então. Romer mostrou que o principal motor da prosperidade das nações era a produção de ideias, as quais geravam bens e serviços cada vez mais sofisticados como aqui mostramos. No entanto, o setor produtor de inovações competiria pelos “recursos” usados por outros setores, em particular a mão de obra qualificada que, em vez de ser absorvida pelo corpo a corpo das atividades produtivas cotidianas dos mercados, destinaria sua energia à produção de conhecimento. Há, contudo, um “pequeno” detalhe conhecido por todos havia muito tempo, mas que nenhum economista convencional ousara confrontar como o fez Romer: o conhecimento não era um bem como qualquer outro. Ao contrário dos bens e serviços privados, o conhecimento se encaixava numa categoria desconfortável ao propósito de obtenção de lucro, o qual exige que o bem seja rival (o consumo por alguém diminui o quanto outra pessoa pode consumir) e excludente (por exemplo, quem não consegue pagar fica sem consumir). Até então, o conhecimento vinha sendo tratado pela teoria do crescimento como um bem público, livremente acessível por qualquer indivíduo ou empresa desejosa de assimilá-lo. Sua

transmissão entre nações seria desimpedida e, por isso, eventualmente todo o conhecimento seria absorvido por todos, garantindo a convergência das nações ao mesmo patamar de prosperidade, ainda que em ritmos diferentes. Romer colocou o dedo na ferida e mostrou que o bem “conhecimento” pode ser excludente por meio da emissão de patentes ou processos produtivos proprietários, mas sua não rivalidade seria difícil de contornar. O que isso significa? Uma vez produzida a ideia, sua disseminação não seria restringida por qualquer limite quantitativo. Pense no teorema de Pitágoras ou no cálculo de variações de Isaac Newton: a ideia pode ser “consumida” por todas as pessoas virtualmente, sem que o “estoque” daquela ideia sofra qualquer redução. É possível cobrar pelo uso comercial da mesma (eis a função da patente, marcas e processos produtivos proprietários), mas não é possível impedir a sua replicação; afinal, se uma pessoa produziu uma ideia, qualquer outro ser humano dotado do mesmo poder cognitivo básico pode assimilá-la e reproduzi-la, ainda que com variados graus de dificuldade (ver Amsden, 2001). À primeira vista, este pode parecer um problema desprezível. A teoria econômica mostra, entretanto, que a não rivalidade do conhecimento torna sua produção menos lucrativa pois há dúvidas quanto a possibilidade de apropriação futura dos ganhos gerados pela ideia. Por outro lado, uma boa ideia proprietária tem muito valor. As patentes aliviam o problema, mas não o resolvem. Romer enfatizou que a concorrência imperfeita e as externalidades para a descoberta de novas ideias são importantes. A concorrência imperfeita fornece os lucros que incentivam os empreendedores a inovar. Mais tarde, inventores e pesquisadores se beneficiam do conhecimento daqueles que vieram antes. Ideias, embora não sejam rivais, não são bens públicos. Um bem público puro é algo que não é rival nem é excludente, como vimos. Embora a não rivalidade seja uma propriedade do conhecimento, a exclusão é uma função das decisões que as empresas e sociedades tomam. Segredos comerciais e conhecimento proprietário podem permitir que ideias sejam apropriadas privadamente por empresas, pelo menos por um determinado período de tempo. É possível cobrar bem caro

por novas e boas ideias. As ideias não fluem naturalmente para países mais pobres para se aproveitar de mão de obra barata, como se imaginava em modelos mais simplistas. Elas se concentram em países ricos e geram produtos caros e com alto conteúdo tecnológico que pagam bons salariais localmente em sua produção, e depois são vendidos para os países pobres por multinacionais mundo afora (ver Warsh, 2006).

Produzir conhecimento não é tarefa para qualquer um A vida é dura para quem é pobre. Produzir conhecimento é proibitivamente caro e, como tal, só os países ricos conseguem financiá-lo a contento. O modelo de Romer (1990) ilustrou com elegância que vantagens na produção de ideias ampliam e sustentam as desigualdades entre os níveis de renda per capita das nações. Em essência, a receita para se obter prosperidade é deslocar o máximo de trabalhadores possível para a produção de ideias, sem sacrificar a disponibilidade de trabalhadores nos outros setores. O deslocamento destes recursos seria motivado pela rentabilidade dos investimentos em inovação, a qual depende da produtividade do setor de pesquisa que tende a diminuir conforme o estoque de conhecimento acumulado vai crescendo. Vale a pena, portanto, nos determos brevemente e de forma bem simplificada nos aspectos econômico-financeiros da produção de inovações. Uma inovação tecnológica enfrenta muitos custos para ser descoberta. É preciso um conjunto de trabalhadores e pesquisadores altamente qualificados e, por isso, muito caros. A depender do conteúdo tecnológico acumulado no setor em questão, mais máquinas e mais equipamentos serão necessários para dar suporte aos pesquisadores. Pense na diferença entre obter uma nova receita de tapioca assada e um medicamento de combate ao câncer, em que componentes químicos ou microrganismos vivos precisam atacar apenas as células cancerígenas. Note que ambas são úteis, mas a segunda requer um grau de complexidade tecnológica muito mais elevado e... muito mais caro. Este ponto é particularmente importante: a

produção de conhecimento enfrenta custos fixos elevados e que são indivisíveis. A indivisibilidade da produção de inovações se manifesta da seguinte forma: considere o custo de desenvolver o Windows da Microsoft. Foram anos de dedicação de um time muito seleto de programadores, especialistas em marketing, designers gráficos etc., em que a empresa teve de pagar mensalmente pelo trabalho deles, sem ter qualquer retorno na forma de vendas. Assim, a primeira unidade de cada inovação tem um custo monumental de milhões, ou até de bilhões de dólares. Este custo fixo elevado é uma barreira à entrada nestes mercados, pois ameaça qualquer competidor em busca de pegar uma “carona” naquela onda por meio de imitação ou espionagem industrial. Afinal, com um trabalho colaborativo tão complexo, meticuloso e com qualificações tão diversas, decompor o produto final como este em suas partes é uma tarefa quase impossível. Para fazer isso, um competidor teria de, pelo menos, contratar uma equipe similar, com custo também elevado. Por isso a espionagem e a cópia são quase constantes na história da tecnologia. Ainda que o custo fixo elevado seja um inibidor das inovações, o maior desafio às descobertas diz respeito à incerteza. Note que não estamos falando de risco, uma medida de probabilidade com base no histórico de um problema. A inovação é a fronteira da humanidade com o desconhecido. Para além desta linha, o inventor está em território totalmente desconhecido. Para inovar ele depende das ferramentas acumuladas no passado para, passo a passo, desbravar sempre de forma muito cautelosa as possibilidades abertas pelo horizonte agora ampliado. Não há como calcular a probabilidade de sucesso e os esforços acabam sendo mais frequentemente frustrados do que bem-sucedidos. Somando os dois problemas acima, o resultado da conta é: custo elevado por tempo indeterminado. A este resultado, somase um terceiro: uma vez obtida a inovação, nada garante que seu usufruto seja o suficiente para pagar pelos custos enfrentados. Imitadores podem aumentar a concorrência, aproveitando-se de um acesso ao conhecimento acumulado para vender os bens finais a preços muito mais baixos; ou mesmo o conhecimento

obtido pode não se tornar um produto interessante aos consumidores e, por isso, nenhuma empresa se encarregar de transformar aquela inovação em um bem ou serviço. Além disso, a inovação pode ser cara demais para quem realmente dela necessita, de forma que o mercado apenas pode não dar conta de gerar demanda o suficiente para remunerar o esforço inovativo. Estes e vários outros problemas constituem o que os economistas chamam de incentivos à inovação. É exatamente para tentar amenizar estes problemas que os empresários desenvolveram o mecanismo jurídico das “patentes”. Com elas, o inventor tem algum poder de monopólio para encarecer a imitação de competidores. Quem quiser usar um conhecimento registrado, deverá pagar um “pedágio” por isso, na forma de royalties. Porém, um caso interessante pode ilustrar como a presença de patentes não garante a viabilidade da inovação. Em artigo publicado no prestigioso periódico American Economic Review, Budish, Roin e Williams (2015) tentaram compreender por que os grandes laboratórios farmacêuticos focavam seus esforços para desenvolver tratamentos contra o câncer apenas para estágios muito avançados da doença. Eles notaram que havia um problema de proteção à inovação. Pelas regras da agência de vigilância sanitária dos EUA, a Food and Drug Administration (FDA), um tratamento contra o câncer em estágios iniciais precisa cumprir testes clínicos que duram, no mínimo, 18 anos, uma vez que os desdobramentos da enfermidade nestes estágios podem ser muito variados e ter muitas implicações. Acontece que o registro da patente de 20 anos do novo medicamento deve ser feito logo antes de se iniciarem os testes clínicos, quando o conhecimento novo obtido pela pesquisa é revelado ao público. Portanto, sendo 18 anos o tempo mínimo de duração dos testes, as empresas teriam apenas dois anos para usufruir seu poder de monopólio de forma a remunerar todo o esforço de pesquisa e desenvolvimento. Qual é o resultado desta “distorção” nos incentivos? Como a duração mínima é de apenas alguns anos para estágios mais avançados da doença, os laboratórios preferem se concentrar nas descobertas mais lucrativas, diminuindo a oferta de inovações para estágios iniciais da

doença, quando o tratamento tende a ser mais eficaz e, portanto, a salvar mais vidas, em particular das pessoas em pior condição econômica. Falhas de mercado como esta emergem do desalinhamento entre os lucros privados e os interesses coletivos. No início de 2020, os temores de uma nova pandemia de gripe emergiram com força e rapidez com a identificação do novo coronavírus que causou a morte de dezenas de pessoas na cidade de Wuhan, na China. Devido à interconectividade planetária, o vírus rapidamente chegou à costa oeste dos EUA, no estado de Washington. Como lidar com uma crise de saúde pública quando as vacinas são produzidas por multinacionais espalhadas mundo afora? Isso nos remete aos incentivos à produção de conhecimento especializado, neste caso no setor de vacinas. Um interessante trabalho de Smith, Lipsitch e Almond (2011) mostrou uma forte concentração de mercado na produção de vacinas de interesse global. Entre as grandes empresas farmacêuticas multinacionais, apenas duas, a Sanofi Pasteur (parte do grupo Sanofi-Aventis) e a GlaxoSmithKline, fabricavam uma ampla gama de vacinas geralmente patenteadas para uso em todo o mundo. Outros laboratórios, como Merck, Pfizer e Novartis, ofereciam uma gama mais restrita de produtos (associados a indicações específicas de doenças ou nichos de mercado específicos). Diferentemente de outras fatias do mercado farmacêutico, em que as receitas foram reduzidas pela expiração de patentes, o setor de vacinas teve razoável estabilidade no crescimento do faturamento. Um dos motivos é que vacinas contendo agentes biológicos são muito mais difíceis de produzir e de patentear “genericamente” do que as drogas com componentes químicos. Além disso, fortes investimentos em P&D e know-how industrial, bem como os custos associados à formulação do produto final, fornecem altas barreiras à entrada de possíveis novos participantes, mesmo para vacinas não patenteadas. Estes exemplos de natureza microeconômica apenas ilustram casos de produtos ou empresas individuais. No entanto, uma descoberta como um novo princípio químico ativo ou um método de cortar chapas de aço com mais precisão abrem novas

possibilidades de avanços adicionais. O conhecimento é uma construção coletiva, em que uma descoberta se apoia na que veio antes, de forma cumulativa. Cada inovação que deixa de ver a luz do dia por falta de alguém que assuma o risco da empreitada está condenando à obscuridade toda uma série de avanços futuros. E isso nos leva ao problema da pesquisa básica, a qual muitas vezes não gera produtos e serviços comerciais imediatamente. Sem este conhecimento básico acumulado, a pesquisa e desenvolvimento mais próximos aos consumidores não conseguem inovar. Usando o exemplo do tratamento contra o câncer citado acima, observa-se que as empresas privadas dependem das pesquisas básicas feitas por universidades e institutos de pesquisa e que são em grande parte financiadas por dinheiro público. Vejamos um exemplo curioso de como estes incentivos podem gerar alianças políticas, à primeira vista, inusitadas. Logo no início do mandato presidencial de Donald Trump em 2017, montou-se uma forte oposição dos laboratórios farmacêuticos norte-americanos contra a proposta do governo de cortar o financiamento dos Institutos Nacionais de Saúde (National Institutes of Health – NIH) e a Fundação Nacional da Ciência (National Science Foundation – NSF), responsáveis pela pesquisa biomédica básica nos EUA. Não deveriam os laboratórios terem ficado contentes com a tentativa do governo de reduzir a participação do Estado, abrindo espaço para que a iniciativa privada pudesse prosperar? A realidade é mais complexa do que o nosso senso comum. Um estudo do Centro de Integração da Ciência e Indústria (CISI) mostrou que, entre 2010 e 2016, todos os 210 medicamentos aprovados para serem comercializados saíram de pesquisas apoiadas pelo NIH (ver Cleary et al., 2018). Dos US$ 100 bilhões gastos nacionalmente nesse período, mais da metade – US$ 64 bilhões – foi canalizada pelo Estado para o desenvolvimento de 84 medicamentos de alta complexidade. Todavia, os institutos nacionais de saúde não conseguem usar os lucros da venda destes medicamentos para financiar mais pesquisas. Os laboratórios financiados pelo Estado realizam anos de pesquisa básica para obter um grande avanço, que é então apropriado, modificado e patenteado pelos grandes

laboratórios farmacêuticos, que ganham bilhões com taxas de lucro enormes sobre o custo dos medicamentos desenvolvidos com dinheiro do contribuinte. Mas por que utilizar dos recursos públicos, arrecadados com o dinheiro suado dos impostos, em vez de investir em áreas mais necessárias como atendimento à saúde, educação e saneamento básico? Por que não estimular as empresas privadas a buscar essas inovações? Não seria mais razoável deixar a rentabilidade das inovações decidir para onde o dinheiro do público vai? Como mostramos, o setor privado não conseguiria ocupar este espaço do setor público pelos três motivos que já vimos acima: custo fixo elevado (ou indivisibilidade), elevada incerteza da inovação e, por fim, as externalidades positivas do conhecimento (apenas parcial e provisoriamente protegidas pelas patentes). Trocando em miúdos, é preciso que a pesquisa com maior probabilidade de insucesso não venha colocar em risco a existência do agente que a executa. Um insucesso no setor de inovação pode levar uma empresa à falência, mas jamais ao Estado, que é o único agente poderoso o suficiente do ponto de vista financeiro capaz de enfrentar o que está além do nosso horizonte conhecido. Por fim, um quarto obstáculo se impõe: há limites “naturais” à quantidade de ideias novas que se pode produzir. Quanto mais ideias são produzidas, mais difícil se torna alcançar uma inovação verdadeiramente disruptiva. Em geral, obtêm-se ideias incrementalmente inovadoras a um custo cada vez maior, o que reduz a atratividade do gasto em P&D. A solução para os rendimentos decrescentes do esforço em pesquisa é a cooperação por meio da criação de sistemas nacionais de inovação, como os Institutos Nacional de Saúde dos EUA mencionados acima. Contudo, novamente se coloca o problema econômico: se uma inovação pode oferecer barreiras proibitivas, imagine criar uma rede de instituições e pessoas em contínuo esforço em busca de novos conhecimentos. Montar um sistema nacional de inovação é, portanto, uma missão arriscada, com elevados custos de instalação, de manutenção e de ampliação. É preciso atingir uma rede com escala mínima de institutos de pesquisa, universidades (públicas e privadas), pesquisadores e estudantes (com boa formação nos

níveis de ensino básico, fundamental e médio) para que haja produção relevante de inovações. Complementarmente, além de um eficaz sistema de registro e de fiscalização de patentes (e um eficiente sistema judiciário que puna a violação das mesmas), é necessário haver proximidade deste setor de pesquisa básica com empresas que invistam em P&D e que consigam, portanto, converter este conhecimento em bens e serviços que possam ser comercializados de forma massificada. Devido ao seu peculiar poder de aglutinação e mobilização de recursos via tributação, as sociedades desenvolvidas designaram ao Estado uma tarefa hercúlea e muito dispendiosa. Além disso, a capacidade do Estado de coordenar e direcionar esforços em diferentes etapas da inovação favorece a sociedade nos setores em que avanços são necessários. Isso não significa que ele deve ser necessariamente o agente executor direto. O que é imprescindível é que o Estado assuma o papel de viabilizador de última instância da inovação no país, o fiador das nossas explorações tecnológicas. Em face de tantos riscos e ameaças, não surpreende que os ícones de quase todas as sociedades são os desbravadores, que se lançam a terras, mares e céus desconhecidos sem qualquer garantia de sucesso. Marco Polo, Pedro Álvares Cabral, Américo Vespúcio e Cristóvão Colombo, para mencionar alguns, são historicamente notórios exatamente por este motivo. Porém, todos eles tinham algum monarca representando o maciço poder estatal para viabilizar suas ambições. Analogamente, se hoje Elon Musk ou Richard Branson estão próximos de viabilizar um sistema privado de transporte ao espaço sideral é porque o Estado (seja o soviético ou o norte-americano) mobilizou todo o seu poder econômico para levar o homem à lua, e com os acertos, erros e tragédias acumulados. Enfrentou os monumentais custos fixos desta empreitada e produziu conhecimento a ponto de tornar viável a exploração comercial por uma empresa privada. O Estado não expulsa o setor privado da pesquisa. Ao contrário, sem o Estado não haveria desenvolvimento tecnológico sustentado. O conhecimento é o motor do crescimento e da sofisticação produtiva que leva à desigualdade entre as nações. E como a instalação deste setor

impõe elevados custos econômicos, uma causação cumulativa novamente se apresenta. Se os países ricos estão mais capacitados economicamente para produzir o motor da riqueza, reduzem-se dramaticamente as possibilidades de os países pobres alcançarem o mesmo nível de prosperidade.

O capital humano se distribui de forma desigual entre atividades Um dos principais economistas do início do século XX, Alfred Marshall foi professor de Keynes e de toda uma geração de economistas renomados. Marshall (1996) nos relembrou que “do mesmo modo que uma catedral é algo mais que as pedras de que é feita, assim como uma pessoa é algo mais que uma série de pensamentos e sentimentos, assim também a vida da sociedade é algo mais que a soma da vida dos indivíduos”. Isto significa que a forma como combinamos as partes de um todo determina o valor que este todo terá. Afinal, a diferença entre um pedaço de carvão e um diamante resulta da forma como suas moléculas são combinadas. Em seu livro Why information grows, César Hidalgo nos mostra que os produtos são “cristais da imaginação”, o que equivale a dizer que há “capital humano” incorporado às matérias-primas que formam os bens finais (Hidalgo, 2015). Este conhecimento significa uma forma específica de fabricar as partes e combiná-las entre si. Hidalgo nos oferece um exemplo para iluminar esse aspecto da complexidade, perguntando: Quanto vale uma Ferrari nova? Quanto valem as mesmas peças e materiais que a compõe, se quebrados depois de um acidente? O valor claramente está incorporado no design, no motor, na combinação de todos os equipamentos, na engenharia e beleza de uma Ferrari. As mesmas peças que produzem uma Ferrari podem produzir um amontoado de lata sem qualquer utilidade, muito menos velocidade. Em um plano mais concreto, por trás de cada Ferrari há uma rede industrial complexa que aprende com seus erros e usa seus acertos para buscar novidades além do horizonte conhecido. Para além da eletrizante emoção que a corrida automobilística

oferece, com seus heróis da Fórmula 1 e as histórias pessoais de superação, aquele espaço é um laboratório para expandir a fronteira tecnológica do setor. É ali que é gestada a tecnologia que eventualmente tornará a vida de milhões de motoristas mais “confortável”. Indo além, se considerarmos a indústria automobilística como um todo, são centenas de milhares de pessoas e empresas trabalhando nessa cadeia produtiva. Quanto mais tecnologia e mais conhecimento, maior o valor produzido pelas empresas e, portanto, mais deste valor pode correr para o bolso de cada trabalhador (ver Mehta e Jesus, 2014) Uma das grandes contribuições do economista russo W. Leontief para a ciência econômica foi o estudo das chamadas matrizes insumo-produto. Leontief estava preocupado em entender o detalhe das estruturas produtivas, o que cada cidade, região e país produziam. O conceito de PIB é muito agregado e mistura laranjas, bananas, computadores, reatores etc. A estrutura de oferta capaz de produzir cada uma dessas coisas é obviamente diferente. Bens muito high tech demandam uma estrutura de oferta intensiva em capital humano, com alto conteúdo tecnológico, e paga altos salários. Para produzir bananas basta bom clima. Quando olhamos PIB e PIB per capita dos países temos que nos lembrar que lá dentro existe muita coisa diferente, como destacava Leontief. César Hidalgo chamou essa abordagem de “under the hood economics”; “economia por baixo do capô”. É preciso desgregar o “PIB” até chegarmos nas estruturas produtivas microeconomicas, e lá vamos descobrir a riqueza e pobreza das nações: produtos e serviços de baixa ou alta complexidade tecnológica. O capital humano só é acumulado em ocupações específicas. Profissões como cabeleireiro, manicure, pedicure, lojista, motorista de táxi são as mesmas há milênios. O capital humano acumulado em uma sociedade está em suas redes produtivas complexas, uma delicada divisão do trabalho com absurda especialização em cada etapa. Atividades simples não permitem esse tipo de acumulação de capital humano, como majoritariamente no Brasil de hoje. O conhecimento não flutua, se incorpora em produtos e serviços sofisticados e “nichados” e cria poder de monopólio. As pessoas não “flutuam” por aí, trabalham

em algum lugar. A acumulação de capital humano em engenharia é exponencial, por assim de dizer, no cabeleireiro é “linear”. O potencial de acumulação de capital difere por ocupação. Os diferenciais de salário são explicados por diferenciais de anos de estudo. Os diferenciais de anos de estudo são explicados por diferencias de ocupações. Os diferenciais de ocupações são explicados por diferenciais de estrutura produtiva (ver Mehta e Jesus, 2014). Os setores industriais e de serviços sofisticados são muito mais intensivos em capital, máquinas, ideias e equipamentos do que serviços tradicionais. As manufaturas high tech demandam muito capital humano, algo que por exemplo uma fábrica de sapatos simples não precisa. Serviços digitais escaláveis como Uber, Google e Netflix são infinitamente mais intensivos em capital humano do que padarias, salões de beleza e restaurantes. Falta no mundo de Solow, Mankiw e Romer o que sobra nos modelos cepalinos e de economistas do desenvolvimento: uma desagregação do PIB em termos de setores e produtos para entender a dinâmica tecnológica. Dessa ótica, fica claro entender onde erramos no Brasil desde os 1990: trocamos nossas atividades ricas em tecnologia, a indústria, por serviços tradicionais não sofisticados; o tema principal desse livro. O capital humano da pessoa se traduz em ganhos maiores e salários, se aplicado a uma atividade capaz de remunerá-lo. O engenheiro que dirige Uber ganha o mesmo que o motorista analfabeto. A complexidade produtiva é, provavelmente, a principal variável omitida que ajuda a explicar o resíduo de Solow. O grande problema dos modelos de Solow, Mankiw e até mesmo de Romer é que eles não levam em conta a importância da composição setorial como determinante da intensidade de capital físico e humano de uma economia. O PIB precisa ser desagregado por setores e produtos. E como tudo que é ruim pode sempre piorar, alguns setores têm maior vocação inovativa do que outros. Esta é mais uma das instâncias da máxima: “o que” produzir é tão importante quanto a quantidade produzida. Em outras palavras, o padrão de especialização da economia afeta o processo de aprendizagem da sociedade e, portanto, de seu desenvolvimento (ver Palma, 2014).

9.

OS PAÍSES RICOS TÊM ALTO CONTEÚDO TECNOLÓGICO PROPRIETÁRIO

O centro da economia mundial tem alto conteúdo tecnológico proprietário em seus produtos, logo, tem poder de monopólio considerável e a periferia não. Isso torna muito difícil para países da América Latina, África e Ásia chegarem lá. Alguns países do Leste Asiático conseguiram. O desenvolvimento econômico pode ser entendido, então, como um processo de aprendizagem produtiva. Alguns países pobres são capazes de aprender ao longo do tempo, outros não. Essa aprendizagem leva à produção de bens e serviços com poder de monopólio e alto conteúdo tecnológico, que dificulta o avanço dos outros (ver Reinert, 2008). O conhecimento produtivo é o grande valor que um país tem, isso o torna rico. Este conhecimento está nas empresas, marcas, tecnologias e patentes de propriedade de seu sistema produtivo. Isso nunca é transferido para os países emergentes, especialmente por multinacionais que protegem seu core tecnológico e muitas vezes drenam tecnologia quando alguma empresa emergente desponta; compram, absorvem a tecnologia e mandam para a matriz. Alice Amsden (2001, p. 5) nos relembra que, mesmo na ausência de patentes, a natureza tácita e proprietária das tecnologias produtivas dificultam a aquisição de conhecimento. As características de uma dada tecnologia não podem ser totalmente documentadas, de forma que a otimização do processo e a especificação do produto permanecem uma “arte”, dependendo de habilidades gerenciais que são mais tácitas do que explícitas. Na tipologia empregada por Amsden em seu livro A ascensão do resto, os grandes países emergentes podem ser divididos em duas subcategorias: os independentes e os integracionistas. O primeiro, composto por países como Coreia do Sul, China, Índia e Taiwan, teriam confiado pouco nos investimentos estrangeiros e buscaram investir e desenvolver tecnologias próprias. Já o segundo, que conta com Brasil, Argentina, Chile, México e Turquia, confiaram muito no investimento externo, no efeito transbordamento de multinacionais, e contaram com a compra de tecnologia estrangeira.

O que fazem as multinacionais ao redor do mundo? Constroem suas bases produtivas perto dos mercados consumidores e em bases exportadoras com mão de obra barata; uma lógica econômica quase pura. Os centros de pesquisa e desenvolvimento de produtos, marcas, conteúdo tecnológico e centros de inovação ficam em geral nas bases principais dessas empresas, na matriz em países ricos. Nesses locais estão os melhores cérebros, as melhores capacidades produtivas e o grosso do capital humano, patentes e conhecimento acumulado por essas empresas, o centro nervoso. A parte produtiva high tech e de serviços empresariais fica nos países ricos. Por que então as bases produtivas em outros países? Por conta dos custos de transporte para alcançar mais mercados ou de mão de obra superbarata para construir bases de exportação. A parte “nobre” da rede produtiva e de inovação fica sempre no país-mãe, em geral por questões meramente econômicas mesmo. Muitas das empresas domésticas que começam a despontar e conseguem desenvolver conteúdo tecnológico proprietário são compradas por multinacionais. Foi o caso da Embraer e de tantas outras belas empresas no Brasil. Por exemplo, o caso da empresa brasileira de turbinas Celma: nascida como fabricante de ventiladores, a Celma começou ainda nos anos 1950 a fazer manutenções superficiais de hélices para a Varig, graças a estímulos públicos no governo JK. Nos anos 1970 participou no desenvolvimento do avião a jato Xavante, e a seguir, no âmbito do Projeto AMX, foi uma das beneficiárias nas encomendas para o avião Alenia. A Celma se preparou com investimentos pesados para o porte da companhia à época para fabricar motores a jato completos para o caça A1, o primeiro caça ítalo-brasileiro. A demanda foi muito menor do que o esperado e no início dos anos 1990 a Celma, apesar do notável sucesso na absorção de tecnologias sofisticadas, estava pesadamente endividada e acabou pedindo concordata. Ao contrário de outras empresas de alto nível tecnológico como a Engesa, a Celma foi adquirida por outra empresa, a GE. Um duro golpe para os planos ambiciosos da Força Aérea Brasileira (FAB), mas uma vitória para Petrópolis e para as famílias dos trabalhadores. Hoje a Celma, que exporta US$ 2 bilhões por ano em serviços industriais de alto valor

agregado, é a mais eficiente das unidades de manutenção da GE globalmente.

Setor automobilístico na China, México e Brasil As estratégias de desenvolvimento do setor automobilístico de Brasil, México, Índia e China nos ajudam a entender melhor essa dinâmica. O Brasil atraiu montadoras estrangeiras para construir sua cadeia de fornecimento. O México abriu a economia para se integrar às cadeias globais e se inseriu montando maquilas que importam produtos do Leste da Ásia e vendem nos EUA. A China, assim como a Índia, exigiu joint ventures (JVs) com empresas nacionais e mirou nos carros elétricos. Alguns dos maiores desafios de quem depende de investimento externo são: convencer as multinacionais a realizarem P&D localmente, exportarem a partir de suas filiais e criar ligações com a economia local. O Brasil foi parcialmente bem-sucedido apenas no último quesito. A China exigiu até 2018 joint ventures com no máximo 50% de participação estrangeira para acessar o seu imenso mercado. Rotulada como transferência forçada de tecnologia pelos EUA, a estratégia parece estar surtindo efeito. Desde 2008 ja é a maior produtora mundial de carros. Porém, seu maior acerto foi ter se preparado para os veículos elétricos (EVs). Enquanto seus concorrentes lutam para superar a dependência da rota tecnológica dos motores de combustão interna, a China já desenvolveu uma cadeia doméstica de baterias e EVs. A BMW, por exemplo, vai produzir seu X3 elétrico na China não para extrair o máximo da mão da obra barata, mas para usufruir da capacidade produtiva de ponta desenvolvida com apoio crucial do Estado chinês e utilizar o país como plataforma de exportação. No Brasil, a multinacional BMW decidiu produzir no país para driblar o IPI de 30% sobre os importados se valendo do Programa Inovar-Auto, mas não gerou ligações locais e não exportou. No Brasil, o Programa Inovar-Auto ajuda a ilustrar o ponto. Começou a ser desenhado em 2011 para conter a importação de automóveis diante da reclamação de grandes montadoras instaladas por aqui. Por incrível que pareça, elas se sentiam ameaçadas pela chegada de nova leva de automóveis

importados, incluindo as marcas chinesas. Naquele ano os modelos trazidos do exterior tiveram participação de 23,6% no mercado nacional, índice que despencou para 13,5% em 2015, não só pela sobretaxação imposta pelo regime, mas também por causa da nova relação cambial, com profunda desvalorização do real. Naquela época, a primeira iniciativa foi impor adicional de 30 pontos porcentuais no IPI de carros importados, que já pagam Imposto de Importação de 35%, a maior alíquota permitida pela OMC (para cota de mais de 4.800 carros importados por ano). Na realidade, a OMC via o Programa Inovar-Auto, que exige alto conteúdo nacional em carros fabricados no país para ter diferenciação de imposto, como “protecionismo exagerado”. Para montadoras que têm fábrica aqui não há adicional de 30% do IPI e a alíquota de importação é mantida (ver Lima, 2016). Em autopeças, a história foi similar. Na estrutura de produção automotiva no Brasil, o setor de autopeças ganha destaque pois possui 25% do faturamento total por companhias de capital nacional, e ainda mais relevante é verificar-se que 40% do total dos investimentos realizados são justamente feitos por essas empresas brasileiras. Dessa forma, os impactos do programa tornam-se mais relevantes por existir um potencial significativamente maior, ante aos das montadoras, na estrutura e complexidade produtiva brasileira de autopeças. Os resultados verificados pelo Programa Inovar-Auto na indústria de autopeças brasileira são ambíguos, pois o foco do programa implantado pelo governo residiu sobremaneira nas montadoras, o que a princípio poderia nos levar a concluir que tal estímulo teria um efeito “dominó” no setor de fornecimento de autopeças. No final das contas tal efeito parece ter sido parcial, ajudou as multinacionais a arbitrar produção em diversas regiões para maximizar lucros. Entre 2014 e 2016, instalaram-se ou ampliaram sua capacidade nove novas fábricas de carros no Brasil. Segundo as próprias empresas, todos os investimentos foram estimulados pelo Inovar-Auto e pelo vigor do mercado interno. Entre essas empresas, temos: I) Cherry, localizada em Jacareí (SP), com um investimento de R$ 1,2 bilhão, aberta em agosto de 2014; II) Jeep, localizada em Goiana (PE), com um investimento de R$ 4 bilhões; III) Nissan, instalada em Resende (RJ), com investimento

de R$ 2,6 bilhões; IV) BMW, instalada em Araquari (SC), com investimento que ultrapassa R$ 1 bilhão; v) Jaguar Land Rover, em Itatiaia (RJ), com um investimento de R$ 750 milhões; VI) Honda, instalada em Itirapina (SP), com investimento de R$ 2 bilhões; VII) Mercedes-Benz, em Iracemápolis (SP), com investimento de R$ 510 milhões; VIII) Audi, em São José dos Pinhais (PR), com investimento de R$ 450 milhões; e IX) Hyundai CAOA, em Anápolis (GO), fábrica já existente com ampliação do investimento em R$ 600 milhões. No próprio projeto do Inovar-Auto não constavam regras rígidas que exigissem que seus parâmetros e exigências fossem cumpridos. O programa até promoveu alguma internalização de tecnologia estrangeira, mas isso não significa necessariamente que o setor logre ganho de competitividade. Seria necessário promover o aprofundamento da capacidade de geração e difusão de inovações para poder ampliar a importância das filiais de empresas estrangeiras no Brasil. Também seria importante e necessário que as suas corporações mundiais, por transbordamentos, favorecessem as empresas fornecedoras nacionais nas bases inferiores da pirâmide, fato que não foi contemplado no programa. O Inovar-Auto estava mais associado a uma política de caráter emergencial de curto prazo do que a uma política industrial setorial de longo prazo que proporcionasse transformações estruturais. Não tinha o objetivo claro de estimular o upgrading no desempenho das indústrias existentes que conectam as empresas nacionais com a economia global. Não direcionou os investimentos para aumentar a posição de agregação de valor do país nas cadeias globais de valor. A indústria de autopeças na China, por outro lado, foi fortemente promovida através de requisitos de conteúdo local. O governo chinês exigia que as montadoras estrangeiras investissem no mercado doméstico para alcançar um nível relativamente elevado de conteúdo nacional dentro de um curto período de tempo (normalmente 70% no prazo de três anos). Isto obrigou as empresas multinacionais a cooperar estreitamente com os fornecedores locais no desenvolvimento e utilização de novas tecnologias. Na cadeia de abastecimento de automóveis na China, os próprios fabricantes estrangeiros continuaram a

comprar dos fornecedores locais depois que a obrigatoriedade de conteúdo local foi abolida em conformidade com as regras da OMC, numa prova de que o sistema foi capaz de criar produtores domésticos eficientes. As fontes locais de abastecimento se mostraram superiores em termos de combinação de custo e qualidade quando comparadas às alternativas importadas. Caminho muito parecido seguiu a Índia e também teve enorme sucesso. O coeficiente importado da indústria automobilística da China foi de apenas 5% em 2013/2014. O 2º maior produtor, EUA, teve 27%, não muito acima do Brasil, com 22%. O 3º maior produtor, Japão, apresentou apenas 10% de coeficiente importado. O México teve 56%. A integração mexicana aos EUA aumentou suas exportações de carros ao mercado vizinho. Porém, a principal atividade exercida naquele país é a de montagem, de baixo valor adicionado, baixo P&D, baixos encadeamentos domésticos e competitividade via compressão dos salários. A atração feita pela China de empresas estrangeiras no setor automotivo teve sempre o objetivo de fomentar as capacidades internas e locais de produção. Para isso, o governo sempre usou uma série de políticas para assegurar que a transferência de tecnologia teria lugar e que uma indústria local forte e competitiva fosse criada. O governo chinês usou um sistema de estímulos e controles para tentar promover eficiência e competitividade. Os investidores estrangeiros foram obrigados a entrar em joint ventures com empresas nacionais para ter acesso aos mercados nacionais. Houve fraca aplicação das leis de proteção intelectual, habilitando produtores domésticos a praticar engenharia reversa e imitar tecnologias estrangeiras sem punições relevantes. Os governos regionais tiveram autonomia e investiram na criação de clusters industriais em áreas específicas do país. Claro que muitas empresas locais fracassaram e nem tudo deu certo, mas no geral essas estratégias parecem ter sido acertadas na medida em que várias empresas chinesas amadureceram e foram capazes de competir no mercado mundial e internamente com concorrentes estrangeiros. Hoje, existem seis grandes empresas estatais que produzem carros na China. Quatro pertencem e são administradas por

governos municipais e duas pertencem ao governo central. Cada empresa estatal fabrica produtos com sua própria marca e realiza parcerias de joint ventures separadas com montadoras globais: Corporação da Indústria Automotiva de Pequim com Daimler e Hyundai; Corporação da Indústria Automotiva de Xangai com GM e Volkswagen; Corporação da Indústria Automotiva de Guangzhou com Honda, Toyota e FCA; Automóveis de Changan com Suzuki, Ford e Mazda; First Auto Works com Toyota, Volkswagen e Audi; Motores de Dongfeng com Nissan, PSA, Honda e Kia. Os Seis Grandes da China (e suas joint ventures estrangeiras) representaram cerca de 75% do total de veículos fabricados e vendidos na China em 2017, ou cerca de 23 milhões de veículos. Eles competem ferozmente por participação de mercado e lucros. As três grandes empresas privadas são a Geely que comprou a Volvo, a BYD que tem investimentos de Bill Gates e de Warren Buffett e a Great Wall. A Geely Motors adquiriu em 2010 a renomada fabricante sueca Volvo, absorveu seu know-how e o prestígio da marca, concedeu liberdade total para a engenharia e o departamento de design e hoje é referência de um case de sucesso de investida chinesa no setor automotivo. Pequim tem dado suporte financeiro para aquisições capitaneadas por suas fábricas automotivas na compra de players ocidentais com rede de distribuição consolidada na Europa e EUA. Com marcas de boas reputações e centros de P&D com importantes patentes em motores energeticamente eficientes e tecnologia embarcada, porém carentes de recursos financeiros, essas companhias parecem ser alvos perfeitos para as empresas chinesas ricas e com sede de crescer. A Great Wall Motors fundada em 1984 é outro belo exemplo de firma doméstica que prosperou nesse ambiente criado pelo governo chinês. Hoje a maior empresa manufatureira de pickups e SUVs da China, foi listada na bolsa de valores de Hong Kong em 2003 e na bolsa de valores de Shangai em 2011.Também em 2011, a fabricação teve um resultado de quase 500 mil unidades, sendo a produção de 2019 a décima maior da China. A companhia começou suas vendas na Europa a partir de 2006, oferecendo vans de porte pequeno. Os produtos da Great Wall foram disponibilizados pela primeira vez no mercado australiano

em 2009, e a empresa era, a partir de 2010, o único fabricante chinês de automóveis a vender na Europa.

Gurgel No Brasil dos 1980, época da Gurgel, as multinacionais trabalharam para desbancar nossas empresas domésticas, um comportamento esperado dentro do capitalismo; o governo brasileiro nada fez a respeito. No momento de auge da empresa, o lobby das montadoras multinacionais conseguiu a isenção de impostos para carros de até 1.0 ou com motor refrigerado a ar. Isso permitiu às quatro montadoras usar veículos de sua linha para atender a demanda de carro urbano popular encontrada pela Gurgel. A ideia era abastecer toda a demanda reprimida antes que a Gurgel tivesse sua fábrica pronta. As montadoras estrangeiras fizeram pressão sobre fornecedores de autopeças, proibindo a venda de peças criadas para elas para a Gurgel. A empresa aproveitava muitas peças de outros veículos e isso nunca tinha sido problema. Com a proibição de compartilhamento de muitas dessas peças, a Gurgel teve que desenvolver seus próprios projetos para poder continuar produzindo seus veículos. O BNDES também atrasou sistematicamente a liberação dos recursos que haviam sido aprovados para a construção da fábrica nova. A soma desses fatores levou a Gurgel à falência. Na Ásia do leste este tipo de coisa não ocorre. Em 1997, quando a Kia quebrou na Coreia do Sul com provável venda para estrangeiros, o governo coreano fez uma jogada em que só autorizou empresas nacionais a comprar a Kia, que acabou na mão da Hyundai. Hoje a Hyundai ocupa quase 80% do setor automobilístico do país. O governo japonês ajudou a Toyota por mais de uma década, até que a empresa conseguiu finalmente amadurecer e conquistar o mundo. Nos EUA o governo também ajudou a salvar a Ford e a GM da crise de 2008. A Gurgel começou a incomodar as grandes montadoras multinacionais ainda nos anos 1980. Primeiramente foi a Volkswagen, quando esta perdeu mercado para o Gurgel X12 no Caribe. Logo incomodou também todas as outras quando conseguiu uma redução do imposto IPI para 5%. Ali já deixava de

ser uma marca nascente e começava a preocupar por um motivo simples: seus carros vendiam muito bem para uma empresa iniciante. Quando o governo abre a isenção para todos os carros com motor 1.0 e corta todo e qualquer tipo de financiamento para a Gurgel inovar, começa a derrocada. Quando foi reduzida a alíquota para as outras montadoras, a Fiat usou o motor Fiasa do antigo Fiat 147 e do dia para a noite conseguiu enquadrar o motor como 1.0 e abocanhar a redução tributária. A Fiat não era a grande montadora que é hoje. Foi muito apoiada pela relação entre Itália-Brasil. No final, o governo brasileiro acabou fazendo políticas públicas que auxiliaram as montadoras multinacionais, por incrível que pareça.

Automóveis na Índia A incrível história do setor automotivo da Índia ajuda a mostrar um outro caminho que poderia ter sido seguido por aqui. Na última década, a indústria automobilística indiana emergiu como uma das indústrias de crescimento mais rápido no mundo, com níveis crescentes de sofisticação tecnológica entre os países emergentes. Este setor é fundamental na economia indiana, pois proporciona emprego em massa à população local do país e suas receitas de exportação ajudam a impulsionar o comércio exterior. Ao contrário de outros países emergentes, como o Brasil, a África do Sul e a Argentina, a indústria automobilística indiana consiste de empresas domésticas com capacidades tecnológicas e de inovação por empresas de capital nacional. Em 2008, a empresa indiana Tata Motors projetou e desenvolveu o carro mais barato do mundo, o Tata Nano. No mesmo ano, outras empresas indianas como Mahindra & Mahindra lançaram carros de passageiros concebidos e feitos domesticamente como por exemplo o Scorpion, um produto de design e desenvolvimento nacional. Estes desenvolvimentos pegaram outras empresas automotivas globais de surpresa, uma vez que as expectativas quanto ao sucesso indiano eram muito baixas. Na era pós-independente, a política industrial e econômica da Índia era dominada por uma ideologia de substituição de importações, na qual as intervenções e regulamentações do

Estado desempenhavam um papel fundamental na direção do desenvolvimento de capacidades tecnológicas locais. O governo indiano estabeleceu várias políticas focadas em regulamentar e restringir rigorosamente as importações de tecnologia para proteger o esforço técnico local das empresas indianas. No entanto, em 1990, a crise do balanço de pagamentos desencadeou grandes mudanças na orientação da política industrial e econômica. De um conjunto de políticas relativamente voltado para o mercado interno que estava em vigor até o final da década de 1980, o regime adotado em 1991 buscava derrubar os muros de proteção dentro dos quais a indústria indiana operava. A partir de 1991, houve uma mudança para a industrialização com foco numa economia mais aberta e voltada para a promoção de exportações, inclusive no setor automotivo. O IDE (Investimento Direto Estrangeiro) no setor de automóveis foi autorizado pela primeira vez em 1983, quando a Suzuki foi convidada para uma joint venture com o governo indiano. O Estado permitiu que quatro empresas japonesas – Toyota, Mitsubishi, Mazda e Nissan – entrassem no mercado indiano de veículos comerciais leves por meio de joint ventures com empresas indianas. Na década de 1980, essas quatro empresas colaboraram com empresas indianas privadas e algumas participações compartilhadas com governos de nível estadual. Em 1971, Sanjay Gandhi, filho de Indira Gandhi, fundou a Maruti Motors Limited com a missão de desenvolver um carro acessível, econômico, de baixa manutenção e baixo consumo de combustível. No entanto, apesar do apoio do governo, a Maruti não conseguiu desenvolver o “carro do povo” e subsequentemente, em 1980, o governo da Índia assumiu a empresa. Em 1983, a Maruti formou uma joint venture com a Suzuki Motor Corporation do Japão. Inicialmente, o governo indiano foi a favor de uma joint venture com a Volkswagen e o VW Golf foi o carro escolhido. No entanto, o governo sentiu que o Golf era um carro caro para o mercado indiano e decidiu ir à Europa e ao Japão para procurar parceiros. O governo queria que o parceiro no exterior trouxesse 40% de participação e teve conversas com a Nissan, Mitsubishi, Daihatsu e Suzuki. Apenas a

Suzuki estava disposta a assumir 26% do capital com a opção de aumentar para 40%. O estabelecimento da Maruti Udyog Limited (MUL) marcou uma nova fase para a indústria automobilística na Índia. Em uma década, a produção de automóveis de passageiros aumentou cinco vezes e a MUL passou a ocupar mais de 50% do mercado doméstico. O governo indiano estabeleceu a Maruti Udyog Limited em 1981 com o objetivo de modernizar a indústria automobilística indiana e produzir carros desenvolvidos para atender às necessidades da população em crescimento. O contrato de joint venture foi assinado com a Suzuki Motor Company em 1983, pelo qual a Suzuki adquiriu 26% do capital e concordou em fornecer as mais recentes tecnologias, bem como práticas de gestão japonesas. A MUL criou história ao conseguir lançar em 13 meses seu primeiro veículo, o Maruti 800, em 1984. Este foi o primeiro carro produzido no país com tecnologia moderna completa. No início o Maruti 800 tinha 97% de conteúdo importado e apenas pneus e baterias eram feitos localmente. O governo estabeleceu uma meta de 93% de conteúdo nacional dentro de cinco anos e, assim, a empresa começou a desenvolver fornecedores locais a partir do zero. A empresa atraiu empreendedores oferecendo-lhes espaços nos complexos da empresa e forneceu eletricidade de sua própria usina. Além disso, os engenheiros da Suzuki ajudaram os novos fabricantes com práticas de automação e gerenciamento, como a fabricação just-in-time. Até 1990, a MUL dominou o mercado indiano, com o Maruti 800 ocupando 62% de participação de mercado. Antes da chegada da MUL, o setor automotivo da Índia vinha há décadas oferecendo apenas dois modelos para a população; com destaque para o famoso Hindustan Ambassador. A liberalização econômica em 1991 iniciou uma fase significativa no desenvolvimento da indústria automobilística indiana. O licenciamento para importação de veículos foi abolido em 1991 e a tarifa média ponderada foi reduzida de 87% para 20,3% em 1997. Em 2001, o governo indiano removeu as cotas de importação de automóveis e permitiu 100% de IDE no setor. O governo reduziu os impostos especiais de consumo para 24% em automóveis de passageiros e concentrou-se no desenvolvimento

de infraestrutura de apoio. Neste período, a Mahindra & Mahindra fez uma transição de ‘trator e jeep maker’ para um moderno fabricante de automóveis de passageiros. Em 2002, lançou o Scorpio como um veículo utilitário esportivo (SUV), produto do esforço e desenvolvimento interno. Em 1989, a Suzuki aumentou sua participação acionária para 40% na empressa Maruti Suzuki e três anos depois para 50%. Além disso, a Suzuki pagou um prêmio de controle de R$ 10 bilhões ao governo indiano para controle total da administração. Em 2003, a Cummins JV, uma empresa produtora de motores americana, ajudou a Telco (Tata Engineering and Locomotive Company, depois renomeada para Tata) a desenvolver motores a diesel em conformidade com rigorosas normas de emissão e a introduzir uma versão a diesel de carros e caminhões. A Tata Motors decidiu realizar atividadeschave internamente, como fabricação de motores e transmissões, soldagem e pintura de painéis de carroceria e montagem de carros. Todas as outras atividades foram terceirizadas. A Tata Motors envolveu os principais fornecedores no processo de design, tornando-os parceiros iniciais. Os fornecedores menores foram agrupados em dois níveis: nível 1 e nível 2. Os fornecedores de nível 2 forneceram peças aos fornecedores de nível 1, que montaram e forneceram os motores à Tata. Em 1997, a Telco investiu na Tata Autocomp Systems Limited (TACO), uma empresa promovida pela Tata Industries para estabelecer uma série de joint ventures com fabricantes de componentes internacionalmente aclamados. Posteriormente, a TACO formou uma joint venture com os principais fabricantes de componentes automotivos, que se tornaram fornecedores-chave da Tata Motors. A Tata Motors importou vários itens importantes de equipamentos de fornecedores estrangeiros, como centros de usinagem de alta velocidade da Alemanha e EUA e máquinas de corte de engrenagens da Alemanha e da Itália. Em 1995, a Telco comprou a fábrica australiana da Nissan por US$ 20 milhões. Esta fábrica estava produzindo o Nissan Bluebird e posteriormente fechou. A fábrica da Nissan com 21 robôs foi embarcada para a divisão de máquinas da Telco e instalada em uma fábrica na cidade de Pune, na Índia. Três prensas para montar os painéis para o

modelo do carro Indica, da Tata, foram encomendadas da Alemanha; uma nova e duas usadas, compradas da MercedesBenz e modificadas para atender as necessidades do modelo. A Tata Motors está hoje no negócio de carros de luxo e caminhões e comprou as marcas Jaguar e Land Rover da Ford Motor Company por US$ 2,3 bilhões em 2008 (ver Kale, 2011).

A incrível sofisticação produtiva da China O resultado dessas estratégias de transferência tecnológica e joint ventures forçadas pode ser visto também na indústria chinesa de eletrônicos, hoje com uma estrutura bem diferente do que se vê no México, por exemplo. As empresas nacionais desempenham um papel significativo na China, além do número elevado de joint ventures entre empresas estrangeiras e nacionais. A interação das empresas multinacionais com empresas nacionais criou uma genuína história de sucesso global na China. Os carros e os smartphones chineses estão à prova em boa parte do mundo já para confirmar isso. Isto também ocorreu no mercado de eletrodomésticos. Grandes empresas surgiram neste mercado: Midea, TCL, Gree Electric, Xiaomi, Haier, a estatal Hisense, Galanz, Kelon e mais centenas de outras médias e pequenas empresas. Além disso, as empresas chinesas adquiriram divisões de empresas europeias e americanas de eletrodomésticos. Hoje, as marcas chinesas são grandes concorrentes das maiores fabricantes de eletrodomésticos em todo o mundo. O papel do Estado Chinês foi preponderante para que as empresas ganhassem o mundo, como afirmam Gilmar Masiero e Diego Bonaldo Coelho no artigo A política industrial chinesa como determinante de sua estratégia going global, para a Revista de Economia Política: “Um modelo produzido e articulado pelo Estado, no qual as empresas receberam tecnologia, as quais foram implementadas e desenvolvidas em parceria, propiciando aprendizado rápido, capacitando-as a gerar inovações”. Com isso, o país não se torna apenas a fábrica do mundo (Masiero e Coelho, 2014), mas um player competitivo em tecnologia, inovação e valor agregado (ver Mescollotto, 2018).

Essa tendência já pode ser verificada em casos tais como: a expansão da Haier no mercado mundial de eletrodomésticos; a Galanz com mais da metade do mercado global de micro-ondas; a China Medical como líder mundial no desenvolvimento de ultrassom; a BYD como segunda maior fabricante do mundo de baterias recarregáveis; a Vimicro com mais de 60% do mercado internacional de processadores multimídia. Em 1991, a Haier se tornou a maior companhia de refrigeradores da China, e a partir de 1995 começou a se expandir com joint ventures em outros países. Em 1997 entrou no mercado americano, e em 2005, já havia conquistado 26% do mercado de pequenos refrigeradores e 50% do mercado de adegas, ocupando boa parte das prateleiras de grandes varejistas como a Walmart. Em 2016, a Haier adquiriu a subdivisão de eletrodomésticos da General Electric por US$ 5,4 bilhões. Com a Galanz não foi diferente. Hoje, a empresa produz um quarto dos micro-ondas no mundo. No mercado dos smartphones, as empresas chinesas têm invadido o mercado global com seus produtos. Huawei, Honor (subsidiária da Huawei), Xiaomi, OPPO, Vivo, One Plus, Lenovo, ZTE, Meizu, LeEco, entre outras, são empresas que surgiram no segmento. Algumas delas em pouco tempo de história já se colocam entre as principais marcas vendidas globalmente. É o caso da Xiaomi, empresa criada em 2010 e que se tornou a queridinha dos chineses, inclusive com um exército de fãs que divulgam e consomem a marca. A Huawei, que não é tão nova quanto a Xiaomi, é uma das marcas mais vendidas na Europa, com 23% da participação no comércio de smartphones. As outras marcas chinesas completam, juntamente com a Huawei, cerca de 32% do mercado europeu, com mais de 42 milhões de celulares vendidos em 2018. O que se viu na China dos últimos 30 anos foi o contrário do ocorrido no Brasil. A China protegeu, nutriu e fortaleceu suas indústrias, depois lançou-as para conquistar o mundo. O não respeito à propriedade intelectual, falsificações e dumpings de várias naturezas deram incrível vantagem à China nessa luta. A política cambial ultra-agressiva chinesa foi encontrada no Brasil com sobrevalorização de nossa moeda graças ao boom de preços das commodities provocado pela própria China. Podemos

até dizer que a China deu dois golpes fatais no Brasil nos últimos anos. Por um lado, desalojou nossa indústria no mercado interno e no mercado mundial com preços baratos, câmbio ultracompetitivo e escalas de produção sem precedentes. Por outro lado, ao consumir nossa soja e nosso minério de ferro forçou nossa especialização produtiva neste sentido, ampliando os mecanismos de maldição dos recursos naturais e doença holandesa, fenômenos que explicaremos nas próximas páginas. Desmontamos nossas indústrias e nos tornamos meros fornecedores de matérias-primas brutas e importadores de bens industriais da China. Lembrando que em 1980 nossa produção industrial era maior do que a chinesa e coreana somadas, e que individualmente exportávamos mais do que cada um desses países.

O

10. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DEPENDE DA AÇÃO DO ESTADO E DO MERCADO

A complexidade econômica se manifesta no grau de sofisticação produtiva de um país que, por sua vez, reflete o ritmo de progresso técnico das sociedades. Investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) e o número de patentes registradas são ambas medidas indiretas desses processos. Estudo recente do Banco Mundial mostrou que grande parte da inovação na América Latina é capitaneada pelo Estado. O trabalho descobriu que nenhum país da América Latina e do Caribe exibe um nível de patentes que se aproxime dos países de alta renda. Além disso, a maioria dos países da América Latina e do Caribe (AL&C) teve menos patentes aprovadas pelo órgão dos EUA quando comparados a outros países de renda média. O Brasil, por exemplo, registrou apenas cinco patentes por milhão de pessoas entre 2006 e 2010, metade do número per capita da China (10) e pouco menos de um quarto do número per capita da Bulgária (22). Na marcha do desenvolvimento, é preciso correr para se manter no mesmo lugar, já disse o ex-ministro Delfim Netto. Concorrer no mercado internacional implica se expor ao “estado da arte da tecnologia mundial”. É o equivalente a uma versão tecnológica da Copa do Mundo: só os melhores entram em campo. Manter-se entre os melhores requer investimentos constantes em estratégia, pesquisa e desenvolvimento de produtos. Por isso, a conquista de novos mercados no mundo através do comércio é, sem dúvida, uma manifestação clara de “empreendedorismo transformacional”. Implica em se expor a riscos enormes e a se submeter a uma rigorosa disciplina de mercado. Com exceção de empresas que se beneficiam da possibilidade de extrair altas rendas de monopólios naturais, apenas aquelas com desempenho superior podem prosperar nos mercados de exportação. O processo de internacionalização das empresas domésticas envolve expô-las a um acirrado ambiente competitivo, mas com ganhos robustos que podem ser revertidos ao país de origem na forma de maior produtividade e sofisticação tecnológica. A

internacionalização pode dar às empresas acesso a tecnologias e know-how disponíveis em mercados estrangeiros, o que pode impulsionar seu próprio potencial de inovação. Abrem-se possibilidades de acesso a um grande pool de trabalhadores qualificados, bem como a mercados financeiros mais desenvolvidos, o que pode remover alguns dos obstáculos à inovação que enfrentam em casa. Todavia, todo este maravilhoso potencial parece um sonho distante para a AL&C. As empresas multinacionais criadas na região, as multilatinas, investem muito pouco em inovação quando comparadas a outras regiões. As multilatinas do setor industrial investem, em média, apenas US$ 0,06 para cada US$ 1.000 de receita, cerca de 400 vezes menos do que a média dos países desenvolvidos e cerca de 30 vezes menos do que o EAP4, o grupo de países do Leste Asiático que investe menos em P&D.

Novo Desenvolvimentismo Na construção de um notável corpo de pensamento teórico e empírico chamado Novo Desenvolvimentismo, Bresser-Pereira (2018) defende um conjunto de políticas econômicas nacionais que não sejam autoderrotistas que vêm ao encontro do que defendemos nesse livro. Apesar de muitos atribuírem à “mão invisível” os avanços alcançados com o capitalismo, em verdade todos os países que até hoje conseguiram ascender à condição de “desenvolvidos” contaram não apenas com um mercado eficiente, mas também com um Estado preocupado com a promoção de desenvolvimento econômico. Não foi o liberalismo, mas o desenvolvimentismo o modelo dominante de teoria e prática econômica nos países de sucesso. Coube ao Estado desenvolvimentista não apenas garantir que suas nações fossem capazes de inovar e terem setores cada vez mais tecnológicos e competitivos, mas também assegurar um ambiente macroeconômico que não colocasse em risco a competitividade das melhores empresas nacionais (Zagato, 2019). Existem problemas de gestão macroeconômica fundamentais que precisam ser administrados pelo governo. O mais grave de todos, a crônica sobre apreciação da taxa de câmbio, anula a

lucratividade das exportações de bens complexos em favor de bens ubíquos e pouco sofisticados como as commodities e o agronegócio. Ao não neutralizar os efeitos da apreciação da moeda sobre os setores nacionais alinhados ao “estado da arte da tecnologia mundial”, o Estado acaba impedindo a participação das empresas industriais nacionais na categoria de elite do comércio mundial. O resultado é uma regressão tecnológica da pauta de exportação, com efeitos danosos sobre a sofisticação produtiva das empresas nacionais que, sob esta restrição, competem apenas nos campeonatos locais e regionais. Cabe à política macroeconômica, portanto, remover esta inibição cambial autoimposta, evitando-se assim dificultar ainda mais uma concorrência por si só já muito desafiadora. Sobrevalorizações cambiais são especialmente nocivas para processos de desenvolvimento econômico, pois reduzem substancialmente a lucratividade da produção e investimento nos setores de bens comercializáveis manufatureiros. Ao realocar recursos para os setores não manufatureiros, especialmente para a produção de commodities e para setores não comercializáveis, as sobrevalorizações cambiais acabam por afetar toda a dinâmica tecnológica da economia. Subvalorizações, por outro lado, estimulam a produção e investimento nos setores manufatureiros onde retornos crescentes de escala são preponderantes. Ao definir a rentabilidade da produção de manufaturas através da relação de preços tradables e non tradables, o câmbio real acaba por definir a viabilidade de setores econômicos importantes para o aumento da produtividade geral da economia. Sobrevalorizações podem impedir a transferência de mão de obra dos setores de baixa produtividade para os de alta produtividade já que o preço dos bens não comercializáveis fica artificialmente elevado. Um dos canais importantes de progresso técnico e aumento de produtividade fica assim bloqueado, impedindo a economia de transitar da situação de imaturidade para a maturidade, nos termos do economista Nicholas Kaldor. Uma moeda competitiva, por outro lado, pode ser um estímulo adequado para a integração de trabalhadores em atividades de alta produtividade e retornos crescentes.

Países pobres e em desenvolvimento com muitos recursos naturais acabam virando vítimas de vantagens comparativas sendo somente capazes de exportar recursos naturais e produtos agropecuários para o mundo. Sofrem do que os economistas chamam de doença holandesa, um termo criado para descrever os problemas da economia da Holanda nos anos 1970 resultantes da descoberta do enorme campo de gás e petróleo de Groningen. A apreciação da moeda holandesa decorrente do fluxo de divisas do gás e óleo exportados atrapalhou o avanço do setor manufatureiro holandês, prejudicando a economia como um todo. Bresser-Pereira (2018) nos mostra como esse problema tomou conta do Brasil e América Latina, a partir dos anos 1980. Toda estrutura tarifária montada para proteger nossa indústria dessa maldição, o excesso de vantagens comparativas em recursos naturais, foi desfeita. Bresser-Pereira nos ajuda a entender o fracasso latino-americano e brasileiro com essa perspectiva. Os mecanismos de neutralização da doença holandesa foram desmontados. Quando se usam tarifas de importação para neutralizar a doença holandesa em relação ao mercado interno, estas tarifas deverão ser mantidas enquanto a doença existir; devem ser aumentadas ou diminuídas de acordo com a variação do preço das commodities. Sem esse auxílio do Estado nossas indústrias sucumbiram, e junto foram nossa sofisticação produtiva, complexidade econômica e capacidades tecnológicas.

A política econômica cujo nome não pode ser pronunciado Diante de resultados frustrantes de crescimento econômico de países mais pobres da América Latina e África, o próprio FMI vem questionando recentemente o sucesso das promessas feitas pelas doutrinas de corte mais liberal. Ainda mais recentemente, a mesma instituição resolveu radicalizar de vez e publicou o trabalho intitulado O retorno da política cujo nome ninguém ousa pronunciar: princípios de política industrial. O FMI recolocou sobre a mesa a importância da política industrial, políticas de estado para ajudar a sofisticação produtiva de países pobres e

emergentes. A motivação do trabalho é a seguinte: “A evidência empírica mostra que são muito baixas as chances de países pobres ou de renda média alcançarem elevados níveis de renda dentro de algumas gerações. Entre 1960 e 2014, menos de 10% das economias (16 de 182) atingiram altos níveis renda. Em contraste com os milagres asiáticos, os outros que conseguiram chegar lá ou descobriram grandes quantidades de petróleo ou se beneficiaram da adesão à União Europeia” (Cherif e Hasanov, 2019, p. 2). A pesquisa conclui que “as prescrições padrão de política de crescimento não são suficientes”, de forma que não se pode “ignorar o papel proeminente da política industrial”. A experiência dos países asiáticos que viveram seus “milagres” do desenvolvimento mostra que não apenas “conseguiram alcançar o mundo avançado, como o modelo econômico dos milagres asiáticos resultou em uma desigualdade de renda muito menor do que na maioria dos países avançados” (Cherif e Hasanov, 2019). O trabalho propõe três princípios-chave que constituem a “Política Industrial Verdadeira”, no original, em inglês, os autores definem como True Industrial Policy, também descrita como Technology and Innovation Policy (TIP). A saber: (I) intervenção estatal para corrigir falhas de mercado que impedem o surgimento de produtores domésticos em indústrias sofisticadas desde o início, para além da vantagem comparativa inicial; (II) orientação para exportação, em contraste com a típica “política industrial” falida dos anos 1960-1970, que foi principalmente industrialização por substituição de importações (ISI); e (III) a busca de mais concorrência tanto no exterior quanto no mercado doméstico com rigorosa responsabilidade e com transparência. Além disso, “a importância do salto tecnológico para as indústrias sofisticadas logo no início e a ampliação da criação de tecnologia pelas firmas domésticas”, bem como “políticas que enfatizem inovação e tecnologia em todas as etapas do processo de desenvolvimento” são determinantes do sucesso na forma de crescimento sustentado de longo prazo. Por fim, espera-se que, ao seguirem esta política industrial verdadeira, os países exportadores de bens primários logrem diversificar e elevar a sofisticação dos seus setores de bens comercializáveis (Cherif e Hasanov, 2019, p. 6).

O Estado é e sempre foi peça central no desenvolvimento tecnológico dos países hoje ricos. Exatamente por conta de sua ampla capacidade de mobilizar recursos via orçamento público, bancos de desenvolvimento e variadas formas de poupança forçada, o Estado consegue enfrentar os assombrosos riscos de insucesso envolvidos na pesquisa básica em inovação tecnológica no estado da arte em cada campo do saber. Uma vez superada a fase em que os investimentos geram apenas despesas e nenhum retorno financeiro, as inovações são então aproveitadas pelo setor privado que as transforma, por meio de desenvolvimentos acessórios e agregados, em bens ou serviços proprietários comercializáveis na economia. Não é à toa que as histórias em quadrinhos e o cinema frequentemente retratam cientistas que se tornam vilões, sob a pressão de prazos de contratos de desenvolvimento tecnológico com as forças armadas, bem como agências governamentais secretas (como o MI-6 de James Bond – 007) desenvolvendo tecnologia militar de ponta que, eventualmente, são adaptadas para as necessidades do mercado consumidor, como o PC (computador pessoal) ou o iPad, da Apple (ver Mazzucato, 2014).

O Estado empreendedor Mariana Mazzucato mostra em seu interessante livro de 2014 o papel do Estado empreendedor tanto na qualidade de fomento dos estágios iniciais de empresas como Apple, quanto no financiamento e desenvolvimento de tecnologias que depois são apropriadas pela iniciativa privada com grandes lucros. Algumas das tecnologias usadas no novo Boeing 787 foram testadas e desenvolvidas pela NASA. Em um processo recente na Organização Mundial do Comércio sobre subsídios na aviação, a Airbus chamou o novo Boeing 787 Dreamliner de “subsidyliner”: o avião que mais recebeu subsídios do governo na história da aeronáutica: US$ 5 bilhões do tesouro americano em subsídios diretos e indiretos segundo o processo. Na Europa, o aprendizado com o Concorde e os enormes gastos públicos feitos nessa área pelo governo francês e do Reino Unido foram importantes para o futuro desenvolvimento dos aviões da Airbus;

os sistemas de fly-by-wire, piloto automático para voo, pouso e decolagem, hidráulica de alta pressão, freios de carbono, e outras técnicas avançadas para manufaturas ligadas à aviação vêm desse projeto. No filme Ford vs Ferrari (direção de James Mangold, 2019), estrelado por Matt Damon e Cristian Bale, vemos os inúmeros incêndios causados em carros de corrida nos anos 1960 por conta do superaquecimento do sistema de freios anteriores ao uso do carbono. Certa vez um engenheiro da empresa americana Raytheon, a gigante privada que desenvolve as demandas militares do Pentágono, deixou um saco de milho para pipoca na frente de um radar de magnétron; a pipoca começou a estourar! Em 1947 a Raytheon vendeu seu primeiro forno de micro-ondas para um restaurante e depois o primeiro para uso caseiro, mas perdeu completamente a corrida para os asiáticos. Algo parecido aconteceu com o avião 707, grande hit da Boeing, que nasceu como subproduto de um avião militar para reabastecimento de caças encomendados pelo governo americano à Boeing. Ou ainda a Gigante Westinghouse que nasceu como grande fornecedora do governo no campo de energia nuclear e elétrica. Assim foi também com a indústria de semicondutores, de computadores e nuclear. Papinha de bebê, solado dos tênis Nike Air, óculos Ray-Ban, bolas de golf, aspirador de pó são todos produtos privados que se beneficiaram de inovações tecnológicas que vieram do dinheiro público da NASA, especialmente ligados ao projeto Apollo para colocar o homem na Lua. Um ótimo exemplo aqui é a empresa Apple e seus produtos. O iPhone, por exemplo, funciona a partir de internet e GPS, duas tecnologias essenciais desenvolvidas a partir de investimentos públicos e militares nos EUA e depois aproveitadas com maestria por Steve Jobs com design e integração de software e hardware. Até mesmo o primeiro iPod só foi possível por conta de avanços de tecnologias fomentadas e financiadas por investimentos públicos na Europa e nos EUA, que depois acabaram resultando nos hard drives magnéticos de tamanho ínfimo com capacidade de armazenagem absurda. A agência estatal de pesquisa americana, Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA), teve participação direta ou indireta na pesquisa dos

seguintes componentes hoje essenciais para a existência do iPhone: memórias DRAM, microprocessadores, micro hardrives, a Siri e comandos de voz. Ou seja, como mostra Mazzucato, o estado empreendedor tem papel fundamental no desenvolvimento tecnológico. Como aliás sempre foi o caso desde a marinha bélica e mercante holandesa, por exemplo, e as inúmeras inovações tecnológicas feitas na cidade de Delft dos 1600 e arredores. Smith, Lipsitch e Almond (2011) nos mostram que a produção de vacinas oferece barreiras naturais aos países pela variabilidade cultural e genética das populações mundo afora e pelo fato de lidar com micro-organismos biológicos de elevada complexidade e de difícil patenteamento. Há, no entanto, um fator adicional que inibe a produção com variedade, qualidade e quantidade suficientes destas. Para produzir uma vacina é preciso muita pesquisa básica acumulada em universidades e institutos de pesquisa, uma estrutura muito cara de se manter, mas que é decisiva para o sucesso no setor. A ciência formal permitiu nas últimas décadas avanços expressivos nas áreas de imunologia e microbiologia, o que ampliou nossa compreensão sobre a formação das doenças trazendo ao alcance da humanidade tratamentos para uma série de enfermidades anteriormente intratáveis. No caso da produção de vacinas contra o recente surto de gripe causada pelo novo coronavírus, a política industrial foi novamente utilizada para lidar com uma questão estratégica para a saúde pública dos EUA. As vacinas são produzidas por multinacionais sediadas em outros países, logo, fora da jurisdição do Estado americano. Para contornar este problema de alinhamento entre incentivos privados e interesse público, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA emitiu, em pouco tempo, um novo contrato de US$ 226 milhões para aumentar a capacidade doméstica de produção de vacinas contra a gripe. Essa decisão decorreu de uma ordem executiva de setembro de 2019 para “incrementar a segurança nacional, aprimorando as capacidades de vacinas dos EUA” (Cowen, 2020). Por estes motivos, o sucesso da política industrial em promover o binômio inovação-competitividade dependerá de uma

adequada articulação entre Estado, mercado e sociedade civil. A combinação entre sinais de mercado e a mão visível do Estado pode direcionar trabalho e capital a atividades que o mercado não necessariamente empreenderia (Cherif, Hasanov e Kammer, 2016). Na ausência desta ação coordenada, os recursos e as habilidades humanas (inatas ou adquiridas) podem ser mal utilizados ou mesmo não encontrar emprego adequado, reduzindo, portanto, o que a teoria econômica convencionou chamar, com Mincer (1958), de retornos ao investimento em capital humano.

Israel, Cingapura e Irlanda A história bem-sucedida do setor de TI de Israel é também um belo exemplo de sucesso de ação combinada entre Estado e mercado. Durante as décadas de 1950 e 1960, o Estado israelense adotou planejamento de longo prazo e políticas industriais tradicionais, em geral protecionistas, para fomentar setores e indústrias específicos, como os de têxteis e defesa. Na época, o desenvolvimento de indústrias de alta tecnologia não era uma meta e as políticas de Ciência e Tecnologia (C&T) decorreram principalmente de esforços de instituições públicas de pesquisa, enquanto as atividades de pesquisa e desenvolvimento dos setores civis privados eram praticamente inexistentes (Breznitz, 2007). No entanto, como as demandas altamente tecnológicas da defesa do país aumentaram, o desenvolvimento do setor de TI contou com a externalidade positiva do incentivo governamental. O setor privado começou a representar um papel importante depois da criação da agência pública Office of the Chief Scientist (OCS), do Ministério da Indústria e do Comércio, lançada em 1968. Desde o princípio, as políticas industriais promovidas pela OCS focavam quase que exclusivamente no desenvolvimento de capacitação para a criação de novos produtos baseados em P&D. As políticas estatais de P&D em Israel passaram a progressivamente considerar as empresas do setor privado como principais agentes de P&D e o Estado como fornecedor de capital para essas atividades. A partir dessa visão, o papel da agência

passou a ser disseminar know-how de universidades e do setor de defesa para setores industriais civis, de modo a promover o desenvolvimento de capacidade tecnológicas no mercado privado. Além disso, cabia à OCS coordenar negociações entre representantes de P&D privada e pública. Com isso, em menos de vinte anos, Israel despontou como protagonista na produção mundial de TI, tendo empresas locais como pioneiras em muitos nichos de hardware e software: protocolo de voz sobre internet (VoIP), encriptação, inspeção de circuitos, proteção e antivírus, impressão digital e firewalls (Breznitz, 2007). Na Irlanda, a implantação de políticas industriais promoveu a diversificação da economia por meio de exportações ainda nos 1980. O governo irlandês decidiu desenvolver e adotar uma política industrial focada na atração de investidores estrangeiros dos setores mais dinâmicos da economia mundial na época, como computação, química e petroquímica. A estratégia foi implantada pela Autoridade de Desenvolvimento Industrial, a Industrial Development Authority (IDA). A IDA foi eficiente, atraindo diversas grandes empresas, como Intel, IBM, Motorola e Microsoft (Godoi, 2007). Em poucas décadas, a economia irlandesa passou de predominantemente agrícola e de manufaturas tradicionais para uma economia baseada na produção de alta tecnologia e na oferta de serviços internacionais sofisticados. Com isso, o país se tornou um dos maiores exportadores de software do mundo, e é altamente competitivo em setores como o de produtos químicos e de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), que representaram 35% das exportações nacionais em 2014, apesar de ser hoje ainda quase totalmente dependente de multinacionais. Cingapura é mais um belo exemplo dessa interação virtuosa. O processo de catching-up do país pode ser considerado como trabalho intensivo na década de 1960, voltado para exportações na década de 1970, competitivo em custos na década de 1980, e voltado para o desenvolvimento empreendedor na década de 1990, período no qual o país mais avançou na construção de complexidade econômica. A primeira fase de industrialização foi, como costuma ocorrer em países em desenvolvimento, baseada no uso da mão de obra barata como meio pragmático de solução

dos graves problemas de desemprego que afetavam o país. A isso se seguiu a adoção de uma estratégia comum entre países asiáticos à época de implantar um modelo de industrialização voltado para exportações. Para atrair mais empresas multinacionais (EMNs), a ilha explorou sua localização comercial estratégica, investiu em infraestrutura física e em uma força de trabalho cada vez mais qualificada. Ao contrário da maioria dos países da região, como a Coreia do Sul, o país deixou de lado o desenvolvimento de empresas nacionais nas fases iniciais e não criou empresas locais, o que teria consequências profundas em termos do desenvolvimento de tecnologia nativa. Na década de 1980, a industrialização estava estabelecida em setores avançados, com manufatura de componentes eletrônicos, engenharia e construção civil, logística e finanças com multinacionais. Depois que Cingapura começou a se desenvolver economicamente, sua vantagem competitiva em custos diminuiu em termos comparativos e países como China, Indonésia e Tailândia começaram a oferecer custos operacionais mais atraentes. Por isso o país precisou novamente alterar sua estratégia de desenvolvimento na década de 1990, e passou a focar em empreendimentos locais. Para isso, o governo introduziu políticas industriais para maximizar o potencial de crescimento econômico. Investiu em pesquisa pública e incentivou o empreendedorismo das empresas do setor privado na conquista de vantagens competitivas de nicho na economia global, dominada por agentes maiores e oligopolistas (Goh, 2006). Além disso, foram lançados diversos planos nacionais, como o SME Master Plan, de 1998, e o Technopreneurship 21, de 1999 (Yue, 2005). Esse esforço de promoção de P&D nativo ainda está em curso e é crucial para compreender o atual êxito econômico dos países. Cingapura representa mais um belo caso do modelo de sucesso asiático: Estado e mercado para conquistar o mundo.

Os campeões internacionais da China O projeto Made in China 2025 também dá um belo exemplo de como as coisas funcionam na Ásia do Leste. O governo chinês elegeu 10 setores como prioritários para investimentos públicos e

esforços de desenvolvimento local: I) equipamento marítimo e embarcações de alta tecnologia; II) ferrovias e equipamento avançado; III) maquinaria e tecnologia agrícola; IV) equipamentos aeronáuticos e aeroespaciais; V) produtos biofarmacêuticos e equipamentos médicos de ponta; VI) circuitos integrados e novas tecnologias de informação; VII) tecnologia e equipamentos de geração de energia elétrica; VIII) robótica; IX) veículos de baixa poluição e novas energias; e X) materiais novos e avançados. O programa representa um incentivo à inovação autóctone, especialmente em setores-chave. A execução da iniciativa Made in China 2025 está sendo liderada pelo Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação, com foco na promoção do uso de produção integrada e digital, especialmente em tecnologia de manufatura inteligente. O lançamento do programa é um resposta do governo à perda potencial de competitividade da indústria chinesa, dado que o país enfrenta concorrência crescente tanto de países em desenvolvimento, com custos de mão de obra igualmente competitivos, como de países desenvolvidos, que se beneficiam de ganhos de eficiência baseados em tecnologias inovadoras. Em equipamentos médicos a China também avança com rapidez. Um hospital em Xangai usou recentemente tecnologia 5G para transmitir ao vivo uma cirurgia feita com avançado sistema robótico que facilita intervenções complexas ao usar método minimamente invasivo. No caso, foi realizada uma cirurgia em paciente com diagnóstico de câncer de intestino, em Ningbo, na província de Zhejiang. A área da saúde é uma das mais importantes para qualquer país. Por isso os chineses estão investindo pesadamente em inovação, novas patentes, produtos com qualidade, e já são exportadores na área de equipamentos hospitalares e médicos, sendo o Brasil um dos principais importadores. Produtos que requerem maiores pesquisas e tecnologia e mais sofisticados têm sido o caminho escolhido pelo governo chinês para escapar da dependência tecnológica, inovar e competir globalmente na área da saúde. Neste setor, o país também foi capaz de realizar o catching-up, passou a produzir equipamentos médicos nacionais com qualidade, alto valor

agregado e mesmo nível de tecnologia dominada por países ricos (Mescollotto, 2018). Algumas empresas chinesas têm se destacado na produção desses equipamentos que envolvem a simbiose indústria e universidade. Na província de Shandong, no litoral leste da China, surgiu a empresa Biobase que, em conjunto com a Acadêmia de Ciências de Shandong, foca na produção de equipamentos médicos e dispositivos experimentais. Seus produtos já são vendidos para mais de 190 países. A empresa colabora com cientistas na criação de máquinas para o desenvolvimento de células-tronco. Além disso, possui 186 patentes com certificações na Europa e EUA. As gigantes China Medical, a Alibaba com a sua fintech Ant Financial e a Tencent com a WeDoctor (chamada de “Amazon da Saúde” na China) também entraram neste mercado de trilhões de dólares. A Alibaba lançou um software de Inteligência Artificial (IA) que pode ajudar a interpretar uma tomografia computadorizada em laboratórios médicos para ajudar nos diagnósticos dos pacientes. A Tencent lançou, na região sudoeste de Guangxi o Miying, um programa de imagens médicas que ajuda a detectar sinais precoces de câncer. Este programa já é usado em cerca de 100 hospitais em toda a China. Além destas gigantes, centenas de startups de saúde surgem como desenvolvedoras de IA para melhorar a eficiência do sistema de saúde da China. A campeã nacional chinesa, Huawei, é o outro exemplo de sucesso. Fundada em 1987 por Ren Zhengfei (ex-membro do exército chinês, o PLA), a multinacional tem sede em Guangdong e se destaca hoje como a segunda maior produtora mundial de smartphones, superando a Apple e perdendo apenas para a Samsumg. A Huawei se tornou a maior empresa de equipamentos de telecom do mundo. Especialistas a consideram a empresa mais avançada no desenvolvimento da tecnologia 5G, crítica para um futuro baseado em Inteligência Artificial e Internet das Coisas (IoT). Os contratos militares com o governo chinês foram desde o início combustível importante para a sua expansão. Um dos empréstimos recebidos do banco estatal China Development foi da ordem de US$ 30 bilhões. O foco inicial da empresa foi a fabricação e o desenvolvimento de switches e

roteadores de telecom para atender as necessidades do exército chinês desde os anos 1990, e os aportes do governo para a companhia foram o pilar para o seu desenvolvimento. Teve inúmeras proteções contra empresas estrangeiras no início e uma série de benesses do governo chinês. Em 10 anos, foram pelo menos US$ 1,6 bilhões de subvenções reconhecidas nos balanços da empresa. Ainda, engenheiros seus receberam centenas de milhares de dólares e enormes terrenos foram concedidos por apenas 1/10 do valor de mercado pelo governo de Shenzhen. Acusada de proximidade com o governo chinês, a empresa, cujas ações seriam controladas pelos empregados, afirma ter total autonomia. Contudo, 99% das ações são controladas pelo Comitê do Sindicato e estes são todos submetidos à supervisão do Partido Comunista Chinês (PCC). Financiamentos de dezenas de bilhões de dólares foram fornecidos por bancos chineses a estrangeiros que contratassem bens e serviços da empresa. Aproveitando a vanguarda do sucesso, a Huawei quer ser também a pioneira no 6G e já estipula que em 2030 a tecnologia terá plena aplicação real. O 6G permitirá mirar em uma velocidade de conexão de 1 terabyte por segundo, operando no espectro de frequência de 1 THz (terahertz). Uma empresa estatal chinesa, a China Mobile, disponibilizou cerca de 10 mil pessoas para o desenvolvimento da tecnologia, com um gasto anual em ciência que passa dos 20 bilhões de yuans. Outros países também já estão investindo muito em pesquisas para desenvolver o 6G. As sul-coreanas Samsung e LG trabalham juntas do instituto estatal KAIST (Instituto Avançado de Ciência e Tecnologia da Coreia) para não ficar para trás na corrida. Equivalente à ANATEL dos EUA, a agência estatal FCC (Comissão Federal de Comunicações) já abriu as frequências entre 95 GHz e 3 THz para fins experimentais, dando um passo importante na corrida pelo pioneirismo do 6G. Mais uma vez, o Estado na frente das inovações e nas pesquisas de longo prazo. Na produção de aviões a China avança também. A empresa aeroespacial estatal chinesa COMAC, fundada em 2008, já começa a preocupar a centenária estadunidense Boeing e a vanguardista europeia Airbus. Ela é formada por um consórcio de

empresas mas controlada pelo governo chinês. Contou com a ajuda de 19 grandes fornecedores de componentes europeus e americanos, como a General Electric que fornecerá as turbinas, para construir um avião comercial na tentativa de reduzir a dependência por aeronaves da Boeing e Airbus. A grande concentração de venda dessas empresas são os grandes jatos, principalmente os de até 200 lugares. A família 737 da Boeing é a mais vendida da empresa, com mais de 10 mil aeronaves entregues em média por ano. Na Airbus, a família mais vendida é a A320, que em 2019 completou 9 mil aeronaves entregues. Um mercado gigante que os chineses querem adentrar com a COMAC, lançando o avião C919. O novo jato chinês virá com preço bem mais barato do que os concorrentes. Cada unidade do C919 custará em torno de US$ 50 milhões, enquanto a família Airbus A320 tem o preço de US$ 100 milhões e a família 737 da Boeing tem o preço unitário de US$ 120 milhões. O C919 é baseado nos rígidos requisitos de segurança e operação ocidentais. Os aviões deverão passar por aproximadamente 700 testes, em solo e em voo, acumulando mais de 4.000 horas no ar. O avião, que tem expectativa para ser entregue em 2021, já conta com 970 encomendas, a maioria feita por empresas chinesas, num dos maiores mercados consumidores de grandes jatos do planeta. As autoridades chinesas afirmam que o foco do C919 será o mercado doméstico chinês. Se a COMAC obtiver pelo menos um terço do mercado doméstico chinês, deverá garantir mais 3.000 encomendas nos próximos anos. Caso a China opte por mercados de países subdesenvolvidos, a COMAC também apresenta crédito mais flexível concedido por Pequim a países sem acesso aos bancos europeus e estadunidenses. A empresa foi fundada em 2008, na cidade de Xangai, pelo órgão governamental Comissão de Supervisão e Administração de Ativos do Conselho de Estado (SASAC). Com investimento inicial de US$ 2,7 bilhões do governo chinês, o governo central é o principal acionista, juntamente com o governo de Xangai. O ambicioso projeto pessoal de Xi Jinping quer enfrentar o duopólio da aviação mundial: Airbus e Boeing. A COMAC quer agora se aproveitar dos problemas ocorridos com a Boeing em seu avião

737 Max, visto que muitas companhias aéreas estão preocupadas com os acidentes ocorridos com a aeronave da empresa norte-americana. O primeiro voo de sucesso do C919 ocorreu em 2017. As autoridades chinesas estão buscando acordo para aeronavegabilidade do C919 com a Europa e EUA, e assim a COMAC poderá vender seu avião fora da China. O governo chinês quer aproveitar a Rota da Seda (One Belt One Road) e colocar o avião para sobrevoar o Sudeste Asiático e a África. O mercado chinês precisará de mais de 10 mil aeronaves novas até 2038 para apoiar o rápido crescimento do tráfego aéreo doméstico. A China já é o terceiro país em uso de aeronaves, atrás apenas dos EUA e da União Europeia. O C919 é um dos expoentes do plano governamental Made in China 2025. A ideia da China como indústria da cópia barata e da mão de obra “escrava” está obviamente bem longe da realidade. O país já disputa a liderança mundial na produção de tecnologias da informação e comunicação (Huawei, Xiaomi e ZTE), trens de alta velocidade (China South Locomotive, Rolling Stock), energias renováveis (Trina Solar e Yingli Green Energy), energia solar e eólica (Goldwind, United Power e MingYang) e supercomputadores (Sunway Systems), escavadeiras e máquinas de construção pesada (Sany, XCMG) e uma infinidade de produtos manufaturados high tech. A formação desses grandes conglomerados acompanhou o surgimento de empresas em segmentos não tradicionais, como a Baidu (Google chinesa), a Tencent (que fez o WeChat, WhatsApp chinês), a Alibaba (Amazon chinesa) e a Didi (a Uber chinesa). Terá a China dado o salto final rumo a sofisticação produtiva e enriquecimento? A China praticou uma política cambial com moeda ultracompetitiva, não respeitou patentes e forçou transferência tecnológica de empresas do ocidente para suas próprias como condição para acesso a seu mercado e mão de obra barata. Fez isso durante 30 anos e deu certo. EUA, Japão e Alemanha finalmente perceberam o truque e começaram a tentar proteger suas empresas agora com tarifas, fundos estatais de proteção e proibição de controle estrangeiro em setores-chave. Foi o mesmo truque que Alemanha, Japão e EUA usaram para derrubar a Inglaterra no século XIX; que também deu certo, só que se

esqueceram disso. A Inglaterra, por sua vez, fez a mesma coisa para derrubar os holandeses dos 1600. Quando um país fica rico, a defesa do “livre mercado” passa a ser a posição natural para evitar a subida dos mais fracos. Os ricos chutam a escada para defender seu domínio do core tecnológico mundial. A China não respeitou essas “instituições do ocidente”.

11.

ECONOMIAS COMPLEXAS SÃO MENOS DESIGUAIS

Se é difícil subir a escada do desenvolvimento para alcançar o enriquecimento é igualmente desafiadora a tarefa de manter a sofisticação e complexidade das estruturas produtivas em face de grandes mudanças na estrutura global de produção. Recentemente o historiador do MIT, Peter Temin, mostrou em seu livro The vanishing of the middle class (O desaparecimento da classe média) que os EUA vêm passando por um longo processo regressivo em sua estrutura produtiva com claros e nefastos efeitos concentradores da renda e da riqueza. Haveria um setor de Finanças, Tecnologia e Eletrônica (FTE) responsável por concentrar grande parte dos rendimentos totais do país, deixando uma parcela muito pequena do produto nacional para um vasto contingente de trabalhadores não qualificados alocados em setores de baixa densidade tecnológica. Para Lance Taylor, da New School for Social Research, em trabalho recente com a economista Özlem Ömer, esta dualidade resulta de um retorno da economia norte-americana a uma estrutura econômica muito desigual, em face de mudanças institucionais e tecnológicas profundas e da expansão chinesa. A China conseguiu deslocar para si grande parte dos empregos industriais de média complexidade dos EUA. A pesquisa mostra que a combinação dos efeitos das mudanças na produção e na produtividade fez que os “setores estagnados” (de baixa produtividade) absorvessem a maior parte da criação de empregos. A “aniquilação de empregos” se concentrou em setores como tecnologia da informação, atacado, varejo, agricultura e manufatura. A robotização, fruto do processo de automação que ocorre há mais de dois séculos, também teria contribuído para um crescimento mais lento do emprego, principalmente ao bloquear o acesso de jovens ingressantes na força de trabalho industrial (Taylor e Ömer, 2019). Este desemprego industrial contribuiu com a compressão salarial de toda a economia e com a deterioração de numerosos centros urbanos dependentes da produção industrial, como Detroit e Flint, no estado de Michigan. A desigualdade econômica que daí resultou fez florescerem os recortes raciais e étnicos da polarização social e política que

estaria por trás da eleição de Donald Trump. Daí decorre sua plataforma eleitoral de reconstrução da indústria americana que busca a volta dos bons empregos para o país. “Make America Great again”! O filme American factory que ganhou o Oscar de melhor documentário de 2020 foi feito pela produtora de Barack Obama e sua mulher Michelle. Conta a história de uma fábrica em Dayton, Ohio, que foi comprada por chineses para instalar uma planta de produção de vidros para a indústria automotiva. No filme os chineses são “capitalistas vorazes” e os americanos “quase comunistas”. Com investimentos de US$ 500 milhões, os chineses da empresa Fuyao compram as antigas instalações da GM que empregava 10.000 pessoas no local para fazer carros e SUVs e que havia sido fechada em 2008. O filme gira em torno do choque de cultura entre 200 funcionários chineses e 1.300 americanos. O drama maior do filme está na tentativa de sindicalização dos trabalhadores americanos para se protegerem da “exploração” chinesa. O alto comando chinês começa contratando gerentes e diretores americanos, mas a estratégia não funciona. Em um segundo momento, o presidente mundial da companhia coloca um chinês para gerir a Fuyan América. O filme tem inúmeras nuances, vale muito assistir. No final da história, os próprios americanos votam contra a possiblidade de sindicalização por medo de perderem o emprego. Na China, o sindicato é praticamente sócio da empresa, que tem membros do partido comunista em seu comando. O cunhado do presidente da Fuyao diz que sem ajuda do governo central nada daquilo teria acontecido. Várias questões perpassam o enredo do documentário. Como bem observa Obama comentando o filme, não há linha editorial. Dele emerge uma realidade incrível, honesta e contraditória. O desemprego causado pela automação, a invasão dos chineses e asiáticos. Talvez o mais interessante do filme seja observar uma das voltas da “globalização”. Na antiga fábrica da GM, o salário-hora era de US$ 29,00 para entrantes, além de todos benefícios de plano de saúde e regras sindicais. A GM não aguentou o tranco da concorrência dos carros asiáticos (Hyundai, Toyota) e quase quebrou em 2008. Foi socorrida por Obama, que

depois produziu o filme para mostrar um pouco deste mundo. Uma empresa chinesa que produz vidros para carros se instalou no mesmo lugar e paga salários de US$ 14,00 a hora para americanos. A empresa high tech GM que pagava ótimos salários quase quebrou. A empresa low tech chinesa avançou e entrou inclusive nos EUA para se aproveitar da mão de obra barata em próprio solo americano. A destruição da classe média americana aparece de forma clara no filme. A ascensão de uma classe média chinesa é o reverso da medalha. Os salários nos EUA nunca mais subiram na mesma proporção da produtividade; na Ásia não param de subir. Muitas empresas americanas sucumbem, as asiáticas avançam. O American Dream vira “nightmare” e desperta o sonho dos chineses.

Gini, complexidade e desigualdade Para entender melhor o fenômeno da desigualdade, precisamos de alguns conceitos. Em primeiro lugar é preciso diferenciar entre nível de renda per capita, que é uma média do que todos os cidadãos ganham, e o nível de desigualdade, o qual reflete o grau de concentração da renda. Vejamos alguns exemplos: a Noruega e os Emirados Árabes oferecem ao seu cidadão médio uma renda per capita próxima dos US$ 70.000 por ano. No entanto, quando olhamos o grau de concentração desta renda observamos que a Noruega é um país menos desigual, isto é, uma parcela expressiva da população vive com renda próxima à média nacional. Quando olhamos para os Emirados Árabes, a concentração de renda é bem mais elevada, o que sinaliza que uma pequena parcela (mais rica) da população consegue atrair grande parte da renda nacional para si, obtendo um nível de renda muito superior à média nacional. A Noruega é um país rico e igualitário, enquanto os Emirados Árabes são também ricos, muito embora produzam disparidades enormes entre os rendimentos dos seus cidadãos. No início do século XX um estatístico italiano chamado Corrado Gini desenvolveu um método simples para avaliar a concentração de renda em um país. Partiu da referência abstrata do que seria uma sociedade perfeitamente igualitária: como todos

ganham exatamente o mesmo valor nesta sociedade idealizada, se dividíssemos a população desta sociedade em dez grupos de igual tamanho (os chamados decis, pois representam 10% da população), cada grupo deveria obter o equivalente a 10% da renda nacional. Reduzindo a escala, podemos dividir a população em 100 grupos de pessoas, gerando os percentis populacionais. Cada 1% da população deveria obter 1% da renda nacional. Gini então definiu um índice mostrando que, nesta situação, a concentração de renda seria nula (seu índica marcaria zero), pois todos os cidadãos receberiam rigorosamente a renda média nacional. Alternativamente, Gini imaginou uma sociedade em que uma única pessoa detivesse toda a renda nacional. Neste caso, seu índice registraria o valor de 1. A vida real encontra-se entre estes extremos da igualdade plena e da concentração total da renda. Vejamos como funciona. Ordene a população de um país de acordo com a renda anual obtida por cada cidadão ou família, indo do mais pobre para o mais rico. Em seguida, divida esta população em 10 categorias com mesmo número de pessoas. O que notaremos é que os 10% mais pobres não conseguem obter 10% da renda. O segundo decil mais pobre (porém mais “rico” que o primeiro) também não consegue atingir os 10% da renda nacional e, se somado ao primeiro decil, também não consegue atingir os 20% da renda nacional. O padrão normalmente se repete até o nono decil; ou seja, 90% da população não consegue obter 90% da renda nacional. O decil mais rico é formado pelos 10% no topo da distribuição de renda. Quanto maior for a distância entre estas duas medidas (real e ideal), maior é a concentração de renda e mais próximo do 1 estará o índice. No nosso exemplo acima, os Emirados Árabes eram muito mais desiguais (Gini de 0,4) em 2018 do que a Noruega (Gini de 0,27). Não se surpreenda o leitor ao descobrir que a Noruega tem uma economia mais complexa. Metade do que os Emirados Árabes exportam para o mundo é formado por produtos primários, como petróleo e outros bens com baixo conteúdo tecnológico, enquanto a Noruega exporta, além de petróleo e gás natural, manufaturas e máquinas complexas, serviços sofisticados de tecnologia da informação e comunicação e de transportes.

Em um instigante trabalho que conecta complexidade, instituições e desigualdade, Dominik Hartmann e Cesar Hidalgo (Hartmann et al., 2017) se uniram a outros pesquisadores para demonstrar de maneira robusta que países mais complexos e sofisticados apresentam níveis de desigualdade menores. Os autores constroem uma criativa metodologia que combina o índice Gini que mede desigualdade entre países e os índices de complexidade (ECI) do tecido produtivo. Chegam a resultados impressionantes em termos de correlações entre o que se produz e quão desigual, internamente, é um país. Todos os países produtores de cobre no mundo, por exemplo, são mais desiguais do que todos os países produtores de máquinas e peças de maquinário. A comparação que os autores fazem entre Chile e Malásia é bem ilustrativa. Chile tinha renda per capita PPP (PIB per capita) de US$ 21.044 e escolaridade média de 9,8 anos, com Gini de 0,49 e posição 72 no ranking de complexidade produtiva em 2012. Malásia com praticamente a mesma renda per capita de US$ 22.314 PPP, 9,5 anos de escolaridade média, tinha um índice Gini de 0,39 e posição de 24 no ranking de complexidade econômica, patamar bem melhor do que o chileno. O trabalho desses autores mostra que países especializados em produção de commodities são mais desiguais, como o Chile. Países apenas agrícolas e mineradores têm os maiores índices Gini do mundo. São países que têm uma estrutura produtiva de baixa sofisticação que não estimula acúmulo de capital humano, inovação e complexidade produtiva. Finlândia, Noruega, Áustria, Dinamarca, Suécia, Alemanha, Suíça e Japão estão entre os menos desiguais do mundo com Gini em torno de 0,30. São também os países mais complexos e sofisticados do mundo com indicadores ECI acima de 1,0. A complexidade econômica é a mediação, o meio pelo qual o capital humano é incorporado ao processo produtivo. Este passo lógico essencial – que falta à análise econômica convencional – nos permite entender os efeitos das diferentes estruturas produtivas sobre a atividade humana e seu bem-estar. Posto de forma muito simples, países em que a maioria da população trabalha em atividades high tech e serviços sofisticados terão uma qualidade de vida melhor do que países cuja população

carrega sacos de cimento nas costas ou passa seus dias sob o sol escaldante na lavoura. Vale repetir: não se trata de desmerecer estes ofícios e profissões; ao contrário, na ausência da complexidade, estas trabalhadoras e trabalhadores são heroicos guerreiros que fazem muito esforço, descansam pouco e, infelizmente, morrem cedo. A sofisticação produtiva, por outro lado, reduz a desigualdade. Afinal, como vimos, uma maior coleção de produtos sofisticados ou complexos na pauta de exportação de um país gera maior “transbordamento” salarial para outros setores e empregos. É verdade que as transferências de renda via aumentos de salário mínimo e programas sociais como Bolsa Família, por exemplo, ajudam a promover mais igualdade de oportunidade nos países. Porém, sem avanços na sofisticação produtiva não haverá redução de desigualdade de forma sustentável. O aumento da sofisticação produtiva permite um desenvolvimento mais inclusivo da economia, contribuindo para criação de circuitos virtuosos que se retroalimentam para formar uma rede produtiva mais sustentável. Uma vez que os ganhos de produtividade sejam distribuídos entre os elementos da rede, criase o ambiente propício para o desenvolvimento comum onde as inovações e ganhos de eficiência, o desenvolvimento cultural, social e tecnológico promovem os ganhos de produtividade. Hartmann et al. (2016) mostram que o enorme avanço em termos de redução de desigualdades da Ásia dinâmica, por exemplo, está relacionado ao aumento da sofisticação produtiva e complexidade econômica dos últimos 30 anos. A manutenção da desigualdade da América Latina se deve a uma estrutura produtiva ainda “arcaica”, baseada em commodities, de baixa complexidade e que agora regride. O Chile, por exemplo, apesar de ter elevada renda per capita, continua ainda com uma estrutura produtiva de baixa sofisticação que não estimula acúmulo de capital humano, inovação e complexidade produtiva. O Chile tem 18 milhões de habitantes e um território 11 vezes menor que o do Brasil. Exporta, em valor, cerca de US$ 70 bilhões todos os anos. Em termos de América Latina, um país com quase US$ 25 mil de PIB per capita, como é o Chile, está em uma situação confortável. Porém o país é ainda extremamente

dependente da exportação de minérios. Só em 2017, as exportações minerais responderam por quase 60% do total das exportações. A maior exportadora de minérios do país é ainda a estatal CODELCO. Um exemplo dessa dependência: de 2017 para 2018 houve um aumento internacional do preço do cobre que foi suficiente para fazer o país mais que duplicar sua taxa de crescimento de um ano para o outro, saindo de 1,7% para 3,5%. O Chile é um país rico em relação a América Latina, porque tem uma enorme quantidade de riqueza natural para distribuir seus benefícios entre poucas pessoas e tem uma mínima complexidade econômica, principalmente fomentada pelo Estado. O Brasil, assim como o Chile, é muito desigual pois tem um sistema produtivo ruim, com baixa complexidade e pouca sofisticação. Faltam oportunidades, faltam bons empregos e faltam bons salários: não temos nem empresas nem produtos para gerar essas oportunidades. Um produto sofisticado ou complexo requer maiores habilidades produtivas e, portanto, gera salários mais altos. Um produto sofisticado ou complexo gera uma divisão de trabalho relativamente extensa e isso leva à criação de empregos. Assim, um produto sofisticado ou complexo constrói uma classe média forte e gera longas “escadas de carreira”.

A curva de Kuznets As relações entre desigualdade e complexidade levantam uma questão provocativa: por quais mecanismos os frutos do crescimento econômico (ou da falta deste) são distribuídos dentro de cada país? Esta pergunta dirigiu a atenção dos economistas para a distribuição de renda entre residentes de um mesmo país, um tema que começou a ser explorado, no século XIX, por David Ricardo, Karl Marx e Vilfredo Pareto. Ganhou rigor com os estudos de Simon Kuznets a partir dos anos 1940 e obteve ampla notoriedade com os esforços mais recentes de Thomas Piketty, Anthony Atkinson, Joseph Stiglitz, Branko Milanovic, dentre inúmeros outros autores. Um dos modelos mais influentes desta literatura foi o de Kuznets (1955). Em seu discurso de posse na Associação Americana de Economia (American Economic

Association), o autor descreveu uma relação entre crescimento e desigualdade em formato de U-invertido. Nas fases iniciais do desenvolvimento econômico, com predominância do setor rural de baixa produtividade, a desigualdade entre as pessoas seria baixa, pois a baixa renda nacional estaria bem dividida entre uma população uniformemente pobre. Conforme a acumulação de capital ganhasse força nos centros urbanos, os salários mais altos atrairiam a mão de obra do campo e os lucros elevados enriqueceriam mais rapidamente os empresários industriais, aumentando a desigualdade durante as fases de aceleração do crescimento. A maior participação da indústria na produção total elevaria gradativamente os salários dos trabalhadores da cidade (pelo aumento da produtividade) e do campo (pela crescente escassez de mão de obra devida ao êxodo rural). A elevação dos custos do trabalho eventualmente diminuiria, sob condições de maior concorrência nos mercados, os lucros dos empresários. Esta mudança na composição da estrutura produtiva seria capaz de elevar o crescimento econômico e, em seu devido tempo, reduzir a desigualdade que permitiu a fase de aceleração ao redistribuir os frutos do crescimento econômico antes concentrados nos lucros empresariais. Segundo este modelo, os fatores recebem de acordo com sua produtividade marginal. Assim, os rendimentos do trabalho também estariam sujeitos a uma dispersão correspondente aos diferentes níveis de produtividade e de escassez relativa. Por exemplo, durante a fase de implantação de setores industriais haveria elevada demanda por um conjunto de ocupações, tais como engenheiros, administradores, contadores, operários especializados e toda uma gama de atividades específicas, levando os salários destas categorias a crescerem mais do que as outras atividades apenas indiretamente afetadas pelo surto de investimentos. Afinal, quanto mais escasso é um tipo de competência, maior o preço que o mercado paga ao profissional que a detém. Conforme o desenvolvimento progredisse, a demanda por todos os tipos de trabalho se elevaria, pressionando todos os salários para cima. O aumento do poder de barganha dos trabalhadores levaria a um aumento na fatia da renda

nacional apropriada pelos trabalhadores, levando a uma redução da concentração da renda nas classes sociais mais abastadas. O crescimento econômico resultaria da mudança estrutural de uma economia agrária e pouco sofisticada para uma economia urbano-industrial complexa. Ao longo desta mudança, a desigualdade seria gradualmente reduzida a patamares socialmente aceitáveis. O processo de sofisticação produtiva não é linear e o caminho para a evolução da complexidade pode ser bastante tortuoso. Do ponto de vista regional, um aumento de complexidade e produtividade resulta sempre em aumento de desigualdade num primeiro momento. A região que passa por aumento de complexidade apresenta enorme salto de renda em relação às regiões ou cidades que não passaram por esse processo. Num segundo momento a desigualdade de renda dentro dos centros complexos diminui muito, conforme mostram os dados de Hidalgo e Hartmann e também um recente trabalho de Hausmann, Cheston e Santos (2015) com análises detalhadas para municípios e estados no México. Nas comparações entre as regiões complexas e não complexas a desigualdade explode, o que está de acordo com as dinâmicas geográficas e regionais de retornos crescentes e redes produtivas. Ou seja, o aumento de complexidade dentro de uma região causa redução de desigualdade interna, mas aumenta a desigualdade externa na comparação com outras regiões. Alguns exemplos clássicos aqui são norte e sul da Itália, região da Nova Inglaterra nos EUA e a cidade e o estado de São Paulo no Brasil.

Desigualdade e crescimento econômico Da ótica dos trabalhadores e empresas, o aumento de produtividade e complexidade permite aumentos relevantes e sustentados de salários reais; sem populismos que levam a descontroles fiscais e no balanço de pagamentos. O caminho da distribuição de renda deve ser conjunto com o do aumento de produtividade, criando um ciclo virtuoso de aumento de produção e repartição dos ganhos produtivos; uma rede ou sistema onde as inovações e ganhos de eficiência promovem os ganhos de

produtividade que, bem distribuídos, promovem novas ondas de ganhos de produtividade e complexidade, num ambiente geral de criação de riquezas. Os arranjos produtivos criativos, inovadores e complexos podem favorecer o avanço de produtividade e viceversa. Ou seja, a redução da desigualdade pode funcionar como motor da inovação e ganhos de produtividade com “trabalho e capital” alinhados na mesma direção. Exemplos interessantes desse alinhamento são encontrados nas relações trabalhistas na Alemanha, Japão, países nórdicos e norte de Espanha. O que importa aqui é atingir ganhos de produtividade e inovações que possam ser distribuídas de forma justa e sustentada. A desigualdade de oportunidades produtivas significa enorme obstáculo à esse progresso: significa falta de acesso às possibilidades de produzir. Aqui, o Estado tem papel fundamental para tentar contribuir na construção e nas possibilidades de acesso a essas redes produtivas que levam ao avanço da complexidade das cidades, regiões e países. Desigualdade e desenvolvimento são processos sociais complexos e que se afetam mutuamente. Cabe agora indagar os efeitos da desigualdade sobre o crescimento e, em última instância, sobre o desenvolvimento econômico. Em seu livro Rethinking economic development, growth and institutions, Jaime Ros mostra que nem toda a desigualdade é danosa ao crescimento econômico (Ros, 2013, cap. 16). O autor diferencia as desigualdades funcionais daquelas disfuncionais ao desenvolvimento. Segundo Ros, ao desconsiderar as interações entre nível de renda e desigualdade (em oposição ao crescimento e desigualdade de renda) a literatura mais recente falha em distinguir essas duas fontes de desigualdade, bem como seus efeitos sobre o desenvolvimento. Todavia, alerta o autor, cada uma dessas duas fontes de desigualdade de renda pode ter efeitos diferentes sobre o crescimento econômico, tanto em tamanho quanto em sinal. Além disso, o nível de desigualdade também é importante para determinar a magnitude dos efeitos sobre o crescimento. Em suma, não há resultados simples e decisivos. As desigualdades funcionais dependem da composição das dotações de fatores e de como esta afeta a estrutura de

recompensa para cada fator de produção. Por exemplo, o capital físico e humano tende a ser mais desigualmente distribuído do que o fator “mão de obra” em todos os países. Isso significa que há maiores rendimentos para o capital físico e para o capital humano (conhecimento, habilidades e tecnologia) do que para o vasto volume de trabalhadores sem qualificações diferenciadas. Como estes últimos são mais abundantes e de difícil diferenciação, o “preço” do fator “trabalho” é menor. Não deve surpreender o leitor o fato de os países menos desenvolvidos contarem com menor estoque de máquinas e de conhecimento e, por isso, tenderem a ser mais desiguais (especialmente os países de renda média) do que países ricos, os quais têm abundância de capital físico e humano. No entanto, justamente pela escassez relativa desses fatores, os efeitos deste tipo de desigualdade sobre o crescimento tendem a ser positivos; afinal, altos rendimentos para capital físico e mão de obra qualificada incentivam investimentos tanto em maquinário e tecnologia quanto na aquisição de habilidades e competências técnicas (educação). Por este motivo, países menos desenvolvidos podem se aproveitar desta desigualdade nas dotações de fatores para alavancar o seu crescimento e, ao longo de sua trajetória de desenvolvimento, sofisticar a sua estrutura produtiva, de forma a reduzir este nível de desigualdade conforme se aproxima dos níveis mais elevados de desenvolvimento. A segunda fonte de desigualdade está associada à “estrutura de propriedade”, ou seja, ao grau de concentração da riqueza em um país. Assim, um país com uma concentração anormalmente alta da propriedade de terras ou de capitais (ativos financeiros, empresas, patentes etc.) tenderá a ter maior desigualdade de renda – mantendo-se tudo o mais constante – do que um país com uma distribuição mais igualitária de riqueza. Este segundo componente tem maior probabilidade de ter efeitos negativos no crescimento, seja pelas taxas de acumulação de capital e aquisição de habilidades, seja pela eficiência no uso de dotações de fatores. A desigualdade disfuncional emerge, portanto, das diferenças de “condições iniciais” entre indivíduos, diferenças estas que nada têm a ver com a competência potencial e com o esforço dos mesmos, mas que derivam da concentração da

riqueza pessoal e do poder político e econômico nas mãos de poucos grupos sociais e do escasso acesso a serviços públicos básicos, como saneamento, saúde e educação. Este tipo de desigualdade joga contra a prosperidade vislumbrada por Adam Smith, pois impede que o potencial produtivo de cada indivíduo venha a contribuir com o bem-estar coletivo. Como vimos acima, a complexidade produtiva permite reduzir a desigualdade de natureza disfuncional e potencializar as desigualdades funcionais ao desenvolvimento. Considerando estes dois tipos de desigualdade, é importante analisarmos como eles afetam o crescimento econômico de longo prazo. Os dados revelam que o “nível inicial” de desigualdade em que se encontra um país tem um efeito positivo sobre o crescimento populacional. Assim, sociedades originalmente mais desiguais, com níveis semelhantes de renda, tendem a ter uma maior taxa de crescimento populacional. Quanto mais cresce a população, maior deve ser o investimento para manter (ou aumentar) a quantidade de capital por trabalhador. Porém, isso apenas ocorrerá se o nível da desigualdade disfuncional não for baixo o suficiente para causar taxas mais elevadas de acumulação de capital (para cada nível de renda). Infelizmente, países pobres costumam ter elevada desigualdade disfuncional. Neste caso, a elevada concentração de riqueza no topo da distribuição de renda implica uma baixa taxa de investimento produtivo como parcela da renda dos 10% mais ricos da sociedade. A ausência de incentivos ao investimento pode estar associada à propensão de sociedades desiguais a gerar muitas oportunidades de captura da renda (rent-seeking), bem como por serem mais instáveis política e socialmente. Além destes aspectos, há também evidências consistentes de que a desigualdade gera demanda insuficiente nos setores de retornos crescentes, pois os trabalhadores não têm renda suficiente para adquirir os bens e serviços mais sofisticados. A demanda restringida limita a rentabilidade destes setores, o que torna o esforço de sofisticação da matriz produtiva intermitente. Como resultado, em países com baixos níveis de renda per capita os efeitos positivos da desigualdade funcional sobre o crescimento

tendem a ser suplantados pelos efeitos nocivos da desigualdade disfuncional associada à concentração de riqueza. O principal desafio do desenvolvimento é potencializar os efeitos distributivos do crescimento por meio da sofisticação da estrutura produtiva. O aumento da complexidade do tecido econômico eleva a produtividade de todos os trabalhadores, ainda que de forma gradual. Todavia, superar este desafio é uma tarefa hercúlea em que posições binárias, como a polarização ingênua entre Estado e mercado, são pouco promissoras. A literatura econômica recente tem tentado compreender as forças que produzem estas desigualdades funcionais e disfuncionais ao desenvolvimento e como as duas se retroalimentam ou se repelem entre si. Trata-se de uma vasta produção acadêmica, de forma que citaremos apenas alguns trabalhos mais expressivos como introdução a este instigante campo de pesquisa. A seguir, analisamos essencialmente três forças principais: as instituições, o mercado de trabalho e o comércio internacional. Daron Acemoglu e James Robinson (2012) mostraram em seu notável livro Por que as nações fracassam a inquestionável importância das instituições políticas e econômicas para a prosperidade das nações. A experiência de desenvolvimento dos países ricos estaria associada a instituições inclusivas, em que os indivíduos teriam a liberdade para exercer suas competências no ambiente de mercado, com direitos de propriedade bem definidos e um governo eficiente na oferta de bens públicos. Instituições inclusivas inibem a expropriação de renda por parte de elites com base em seu poder econômico e político, permitindo uma remuneração apropriada do esforço produtivo de indivíduos e empresas. Alternativamente, aqueles países que desenvolveram instituições predatórias acabaram sofrendo uma “reversão da fortuna”, que acompanhava a disponibilidade de recursos naturais e humanos. A influência nociva de elites extrativistas se daria na forma de I) corrupção e desvios de recursos (privilégios e rendas anormais), II) geração de distorções na estrutura de rentabilidade das atividades mais sofisticadas, e III) eliminação de incentivos econômicos que justificassem o investimento nestes setores. O resultado seria o desenvolvimento de estruturas econômicas desiguais e com limitado potencial de crescimento econômico.

Como salientou Thomas Piketty em artigo de 2015, a desigualdade deve ser recolocada no centro das reflexões da ciência econômica. Neste artigo ele respondeu a inúmeras críticas feitas ao seu monumental livro O capital no século XXI, publicado em 2014, e disparou contra Acemoglu e Robinson por tentarem explicar a desigualdade por meio de duas grandes categorias genéricas de instituições. Para Piketty, há inúmeras instituições e políticas que canalizam renda e riqueza para os mais ricos, em detrimento dos trabalhadores e das famílias mais vulneráveis às mudanças no mercado de trabalho. Uma combinação de taxação de grandes fortunas em escala global e a retomada de políticas fiscais redistributivas e de restauração do estoque de capital do Estado e de sua oferta de bens e serviços públicos seriam, na visão de Piketty, uma boa forma de conter o avanço da desigualdade. No plano do mercado de trabalho, Milberg e Winkler (2013) documentaram a intensa desarticulação do movimento sindical no ocidente a partir dos anos 1980, o que levou à flexibilização das leis trabalhistas, reduzindo o poder de barganha dos trabalhadores em face do aumento do poder de mercado das grandes corporações em escala planetária. Sob o peso da desindustrialização de vários países (efeito Leste Asiático) e da inovação tecnológica desacompanhada de acesso à educação superior e à qualificação profissional, aumentaram os contingentes de trabalhadores alocados em empregos “inúteis”, como argumentou David Graeber (2018) em seu livro Bullshit jobs: a theory. Sensível às evidências abundantes de aumento na parcela de empregos precários, o mesmo Daron Acemoglu (2019) veio a reconhecer a importância da qualidade do emprego em artigo recente intitulado It’s good jobs, stupid! e publicado pelo Economics for Inclusive Prosperity. Disse o autor que uma boa política pública que objetive a redução da desigualdade deve promover “a criação de ‘bons’ empregos, com altos salários”. Segundo Acemoglu, empregos “bons” fornecem não apenas um salário consistente com um padrão de vida confortável de “classe média”, mas também uma certa estabilidade e proteção contra condições de trabalho precárias e perigosas e poder excessivo dos empregadores sobre os empregados. Acemoglu reconhece,

entretanto, que o mercado sozinho não dá conta de criar uma oferta adequada de bons empregos, sendo necessária a atuação estatal para induzir a criação dos mesmos. No entanto, os efeitos da presença de empregos de qualidade vão muito além da queda da desigualdade de renda e da pobreza, afetando a participação cívica e política dos cidadãos. A escassez de bons empregos dificulta o engajamento cívico e torna a participação política, se houver, mais sensível a insatisfações e dificuldades econômicas, abrindo as portas para o populismo e as políticas clientelistas. Bons empregos ajudam a manter a estabilidade política dos países. Por fim, no plano do comércio internacional e reforçando o argumento de Milberg e Winkler acima, Luiz Carlos BresserPereira (2019) mostrou, em artigo publicado no periódico Challenge, que subordinar o desenvolvimento nacional às impessoais vontades do mercado internacional levou a América Latina, em especial o Brasil, a um aprisionamento da matriz produtiva em setores de baixo conteúdo tecnológico devido à desindustrialização, o que ele chamou de “armadilha da liberalização”. Central neste processo foi a opção, a partir do final dos anos 1980, pela poupança externa como forma de financiamento da estratégia de crescimento, levando a uma apreciação cambial de longo prazo, a qual favorece os setores primário-exportadores enquanto bloqueia a viabilidade econômica dos setores industriais mais complexos. Ao renderem-se às vantagens comparativas, os países em desenvolvimento reforçam os elos de uma estrutura produtiva dual, em que setores de alta produtividade (com elevados salários e lucros) coexistem com setores de baixa produtividade e precárias condições de trabalho, cuja rentabilidade é limitada e os salários são relativamente muito baixos. Como resultado, a dualidade estrutural pode abrir um abismo social e econômico sem qualquer força automática que leve ao seu fechamento. A economia fica presa numa “armadilha da renda média”, por se ver incapaz de continuar difundindo a prosperidade obtida para uma parte da sociedade nas fases iniciais do desenvolvimento. Nesta estrutura dual, a economia do conhecimento que vimos acima tende a não gerar frutos para toda a sociedade, mas tão somente

para aquela parte que conseguiu entrar no “clube da produção sofisticada” no “oceano azul” da concorrência imperfeita. Ao restante dos trabalhadores e empresários resta o conjunto de atividades pouco sofisticadas e de baixa diferenciação, em que se obtêm baixos rendimentos a partir de um esforço enorme de sobrevivência no “oceano vermelho” da concorrência perfeita. Neste mundo de baixa qualificação, um amplo espectro de atividades gera rendas muito diferentes entre si, mas com nível médio muito inferior ao clube da sofisticação produtiva.

12.

ERROS E ACERTOS NO BRASIL

Para a perspectiva aqui apresentada, o papel do Estado é fundamental para escapar da armadilha do subdesenvolvimento. A importância das chamadas políticas de ITT (Industrial, Trade and Technology) e de política macroeconômica adequada (Novo Desenvolvimentismo) aparece na discussão como uma das principais explicações do sucesso dos países hoje considerados ricos. Obviamente que apenas o uso de políticas protecionistas para desenvolver a indústria nascente não garante o sucesso de empresas e países. São exemplos de fracasso a tentativa de desenvolver a indústria aérea na África do Sul e na Indonésia, bem como a lei da informática e Zona Franca de Manaus no Brasil dos anos 1980 e 1990 e inúmeros outros exemplos. A história recente da política industrial mostra que a quantidade de fracassos supera o número de sucessos. Não basta fomentar uma indústria. Ela precisa crescer, amadurecer e se tornar eficiente para lutar no cenário internacional, como se observou no Japão, Inglaterra, EUA e países do Leste Asiático.

Zona Franca de Manaus Nossa Zona Franca de Manaus (ZFM) seguiu a mesma lógica de “maquila de importação” usada no setor automotivo brasileiro: o “filet mignon tecnológico” vem do exterior e aqui adicionamos os componentes mais simples. A ZFM foi criada para estimular a ocupação territorial de uma área remota do país. O objetivo principal era atrair empresas para produzir e abastecer o mercado interno brasileiro e, por tabela, ocupar a região. Não havia e não há metas de exportação, de upgrade tecnológico e tentativas de conquistar mercados no mundo. A Zona Franca de Manaus é um polo industrial na cidade de Manaus. Foi criada pelo decreto-lei número 3.173 de 6 de junho de 1957 e depois aprimorado por nova lei de 1967. Com o propósito de impulsionar o desenvolvimento econômico da Amazônia e administrado pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), o polo industrial abriga hoje cerca de 600 indústrias concentradas nos setores de eletroeletrônicos, químico e motocicletas.

Nos últimos anos, o polo recebeu um novo impulso com os incentivos fiscais para a implantação da tecnologia de televisão digital no Brasil. Entre os produtos fabricados destacam-se: aparelhos celulares de áudio e vídeo, televisores, motocicletas, concentrados para refrigerantes, entre outros. Há também um polo agropecuário que abriga projetos voltados à atividades de produção de alimentos, agroindústria, piscicultura, turismo, beleza, beneficiamento de madeira, entre outras. As indústrias instaladas na Zona Franca de Manaus recebem os seguintes benefícios fiscais: isenção do imposto de importação e exportação, isenção de IPI, desconto no ICMS e isenção temporária de IPTU. A Zona Franca de Manaus sempre teve o formato do processo de substituição de importações com foco no mercado interno. Trata-se de uma zona de processamento de importação, uma maquila introvertida, que sequer chegou perto do que se viu em termos de sofisticação produtiva na Índia e China. Claro que tudo isso tem muito a ver com o fato de seu modelo industrial ter se baseado sempre no mercado interno e não para a busca de mercados externos baseados em novas tecnologias. A tendência foi e continua sendo o desenraizamento completo do seu parque industrial em relação à realidade e aos verdadeiros potenciais ligados à biodiversidade da região amazônica. Investe-se muito em plantas industriais ligadas à mineração (no Pará) e produtos eletroeletrônicos (como na ZFM), enquanto se esquece do potencial da biodiversidade da floresta. Um diferencial em termos de potencial de criação de uma base industrial realmente diversificada que poderia ser enraizada socialmente. Em outras palavras, em vez de construirmos um modelo ousado de floresta industrializada, moderna, competitiva e inovadora, preferimos um modelo mais simples de imitação, sem aprendizado, e baseado na construção de ilhas de produção industrial desconectadas da realidade regional. Ou ainda, enclaves de grandes projetos de exportação de recursos naturais.

Embraer

Temos também no Brasil exemplos de muito sucesso. Vale citar alguns aqui para mostrar que é possível avançarmos apesar de todas as dificuldades elencadas neste livro. Por exemplo a Embraer, talvez o maior símbolo dessa feliz articulação entre Estado e mercado em terras brasileiras. A empresa nasceu como uma iniciativa do governo; um projeto estratégico para se implementar a indústria aeronáutica no país. São considerados os precursores da Embraer o antigo Centro Técnico Aeroespacial (CTA), que em 2009 passou a ser denominado Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Ambas as instituições foram criadas, respectivamente, em 1946 e 1950 pela Força Aérea Brasileira. Em 1946, foi criada a Comissão de Organização do Centro Técnico de Aeronáutica (COCTA), com sede temporária no Campo de Marte (zona norte de São Paulo, SP) com o objetivo de viabilizar o início da execução do plano geral de estabelecimento do Centro Técnico de Aeronáutica. Após pouco mais de quatro anos de atuação, em 1950, a COCTA concluiu a implantação na cidade paulista de São José dos Campos das duas primeiras unidades do Centro Técnico de Aeronáutica: o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e o Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IPD). Embora ainda sob a gestão da COCTA e sem todas as unidades implantadas, em pouco tempo o Centro Técnico de Aeronáutica se tornou o principal centro de pesquisas aeronáuticas do Brasil. O IPD absorveu grande parte dos engenheiros aeronáuticos formados pelo ITA, especialmente os militares. No IPD foram projetados três dos quatro primeiros aparelhos fabricados pela Embraer: o Bandeirante, o avião agrícola Ipanema e o planador Urupema. A própria criação da Embraer foi uma iniciativa de um grupo de engenheiros militares que atuava no IPD. Dessa forma, pode-se estabelecer as origens da Embraer na própria implantação do CTA, de onde saíram os principais projetistas e dirigentes da indústria aeronáutica brasileira da década de 1970. Fundada no ano de 1969 como uma sociedade de economia mista vinculada ao então Ministério da Aeronáutica, a Embraer teve inicialmente a maior parte de seu quadro de funcionários formado com pessoal oriundo do Instituto

Tecnológico de Aeronáutica, que fazia parte do então CTA. De certo modo, a então Embraer nasceu dentro do CTA. Durante as décadas de 1970 e 1980 a Embraer conquistou importante projeção nacional e internacional com os aviões Bandeirante, Xingu e Brasília. Ao iniciar uma parceria com a Itália em 1981, foi possível elaborar o avião de ataque ar-terra AMX, considerado um importante salto tecnológico para a elaboração de novos projetos. Em 1988 teve início o desenvolvimento de um avião binacional que seria projetado e construído tanto pela então Embraer quanto pela argentina Fábrica Militar de Aviones (FMA). A aeronave teve a designação de CBA-123, sendo CBA a sigla para Cooperação Brasil-Argentina. Em 1990 o primeiro protótipo voou, mas seu alto preço, além da crise econômica e política da época, acabou com o projeto. O final da década de 1980 foi marcado por crises financeiras que abalaram a economia brasileira e atingiram em cheio a Embraer, que quase fechou. Em 1994, durante o governo Itamar Franco, a empresa foi leiloada para depois passar por um longo processo de reestruturação e apresentar novos projetos que a tornariam uma gigante do setor. Antes de ser privatizada, a companhia estava à beira da falência. Depois de alguns anos da privatização e com a fundamental ajuda financeira do BNDES no final dos anos 1990, a empresa passou a ser a terceira maior fabricante de jatos comerciais do mundo. Essa recuperação de mercado após a privatização foi resultado do sucesso do programa ERJ-145, uma aeronave concebida para acompanhar a tendência mundial na aviação regional na época, que era de utilizar aviões de maior porte, com propulsão a jato. O sucesso continuou com os modelos ERJ-170 e ERJ-190. Uma das áreas em que a empresa mais investiu nessa época foi em Pesquisa e Desenvolvimento. Outro incrível sucesso da companhia foi o recente cargueiro de guerra KC-390 (agora Boeing Milennium). O projeto é fruto de contrato assinado em 2009 entre a Força Aérea Brasileira e a Embraer. Os investimentos requeridos para o seu desenvolvimento integraram o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), garantindo priorização em sua execução orçamentária.

A Embraer Defesa e Segurança foi criada em 2011 como o braço da empresa encarregado do desenvolvimento de projetos militares. Com o KC-390, a grande aposta da empresa, a Embraer busca ocupar um espaço importante no mercado mundial de transportes militares, passando a competir diretamente com empresas como a estadunidense Lockheed Martin, a europeia AirBus e a ucraniana Antonov. A empresa busca se inserir nesse novo nicho de mercado a partir de um modelo de baixo custo aquisitivo e operacional. Este elevado grau de competitividade apoia-se na ampla utilização de componentes da tradicional família de jets regionais da empresa. O custo de desenvolvimento do projeto foi de R$ 5 bilhões, valor muito baixo quando comparado com os € 20 bilhões gastos pela Airbus no desenvolvimento de seu cargueiro A400M Atlas. O mercado potencial do KC-390 é extremamente atrativo, pois em muitos países do Ocidente a vida útil de seus cargueiros se aproxima do término. Os novos modelos do Hércules e do AirBus A400, seus concorrentes diretos, possuem custos significativamente superiores, e a aquisição de cargueiros russos ou orientais é descartada por ampla parcela das Forças Armadas do Ocidente devido ao seu elevado custo de adaptação. Adicionalmente, a aeronave diferencia-se de seus competidores em outros pontos: é um avião com propulsão a turbina e não a hélice, como a maioria dos competidores dessa categoria, reduzindo o tempo de voo das aeronaves; tem menor custo e tempo de manutenção; utiliza tecnologias e equipamentos conhecidos e disponíveis no mercado, reduzindo custos e riscos. Uma das coisas incríveis do novo cargueiro militar da Embraer é o trem de pouso capaz de suportar o peso de cargas gigantes. Quem produziu foi uma empresa brasileira chamada ELEB, hoje já uma joint venture alemã com Embraer. São trens de pouso capazes de suportar as 84 toneladas do novo avião militar; para se ter uma ideia a família de jatos Embraer E-145 suporta 24 toneladas. A ELEB nasceu em 1984 para produzir, sob licença, os trens de pouso dos caças ítalo-brasileiros A1-AMX para a FAB. A experiência adquirida com os italianos a capacitou para produzir o trem de pouso da aeronave de caça leve A-29 Super Tucano. No caso do KC-390, os pousos em regiões

extremamente inóspitas como Amazônia ou Antártida demandaram a criação de um sistema inédito de distribuição do peso do avião no trem de pouso. A patente da nova tecnologia foi depositada nos Estados Unidos. Diferentemente das opções existentes no mercado, esse produto faz com que o impacto no pouso seja absorvido de maneira mais eficaz de forma distribuída na estrutura do trem e rodas. Para suportar mais peso foi necessário que a empresa entrasse na usinagem de titânio e aço, matérias-primas de alta densidade e com mais resistência para as peças. Para outras aeronaves de menor porte, predomina o uso de alumínio. Foi necessário rever processos e adquirir novas máquinas para a planta industrial onde trabalham 600 funcionários. As peças do trem de pouso nascem de um grande bloco de metal que pode pesar até 4,5 toneladas. O material é tratado termicamente para triplicar a resistência. Depois de passar horas em fornos a 470º C e receber choque térmico na água, o valor de resistência do aço aumenta bem até ser capaz de suportar todo o peso requerido do trem de pouso. São poucas as empresas no mundo capazes de fabricar um componente desses. A ELEB se junta à americana Gooddrich e à francesa Messier Dowty no pequeno grupo que domina todo o processo de desenvolvimento de trens de pouso de um avião. Resta ver como a aquisição da Embraer pela Boeing afetará esse projeto como um todo e se a empresa se tornará mais uma história de sucesso no Brasil vendida para uma multinacional. Os projetos mais importantes das Forças Armadas brasileiras hoje são a fragata classe Tamandaré, os submarinos Prosub, os caças Gripen NG e o sistema de lançamento de mísseis Astros. O míssil de cruzeiro é a arma contemporânea por excelência: um foguete guiado em tempo real, com precisão de até 10 m. Nosso modelo tem um motor inicial a combustível sólido e depois é propulsado por uma turbina nacional da empresa Polaris; terá alcance de 300 a 500 km. Esses projetos são feitos com produção doméstica e transferência relevante de conteúdo tecnológico de parceiros do exterior no caso do Gripen sueco. A onda de cortes orçamentários a partir de 2015 prejudicou bastante o projeto para a modernização dos navios da marinha brasileira. No momento, o projeto da corveta Tamandaré ainda

está de pé e já foi escolhido o vencedor para a construção dos navios: o consórcio entre a Embraer e a Thyssenkrupp, o Meko100, que irá fazer quatro corvetas por US$ 400 milhões e terá conteúdo nacional de 40%. O programa Prosub assinado com os franceses prevê a construção de cinco submarinos, sendo um nuclear e quatro a diesel por R$ 35 bilhões, incluindo a construção de um estaleiro para submarinos da marinha. O problema é que o submarino Scorpène é um projeto antigo dos anos 1970 e já foram gastos R$ 21 bilhões com entrega de apenas um submarino. Com 20% de conteúdo nacional, cada submarino irá custar aproximadamente US$ 700 milhões. O programa Prosub para desenvolvimento de submarinos movimentou 700 empresas civis nacionais, 18 universidades e institutos de pesquisa e foi responsável pela geração 4,8 mil empregos diretos e 12,5 mil empregos indiretos. Será que esses projetos vão sobreviver aos cortes orçamentários?

Weg Outro caso interessante de sucesso no Brasil é a empresa WEG. Em abril de 1961, na cidade de Jaraguá do Sul, estado de Santa Catarina, a WEG surgiu de uma avaliação mercadológica que os três amigos Werner, Eggon e Geraldo identificaram. A partir do fato de que frigoríficos da região estavam tendo problemas com pequenos motores elétricos para refrigeração vindos de São Paulo, viram espaço para uma nova empresa. Dada a demanda existente, decidiram produzir tais equipamentos a fim de atender as necessidades locais, que se inseriam em um contexto nacional de política industrial de substituição de importação. Adotando desde o início uma boa política de governança, investimento em capacitação de recursos humanos e Pesquisa & Desenvolvimento, a empresa elevou sobremaneira sua produção e porte corporativo. Em 1970, após visita à Alemanha, eles viram que existiam dois tipos de empresas no mercado: as grandes e dominantes, e as pequenas e fadadas as fracasso. Os empresários optaram por uma política de não acomodação e decidiram internacionalizar a empresa, iniciando as vendas para o Uruguai, Guatemala, Paraguai, Equador e Bolívia. Dessa forma

sabiam que o arranjo do mercado interno deveria servir de suporte para uma exposição constante ao mercado externo e, assim, evoluir de forma qualitativa e quantitativa. Na década de 1980, a WEG inicia um processo de diversificação de sua produção apoiada no constante investimento em pesquisa e de seu extenso know-how no segmento de motores elétricos. Cria a WEG Transformadores, WEG Energia, WEG Automação e WEG Química, que iniciou a fabricação de tintas especiais e verniz eletroisolante. Por toda a década de 1990 a WEG seguiu investindo constantemente em pesquisa e na internacionalização constante de suas operações, exportando por ano cerca de 30% de sua produção. Em 2010 a empresa realizou mais uma grande investida estratégica ao participar ativamente do processo de leilão de energia eólia em parceria com a espanhola MTOI, e forneceu os aerogeradores do parque eólico de Ibiapina, no Ceará. Mais uma vez a empresa encadeou um novo segmento produtivo a partir de seu conhecimento “core” em motores e geradores elétricos. A partir da demanda por produção de energias por fontes renováveis provocada pelo Governo Federal, a WEG se posicionou competitivamente em um setor complexo e na vanguarda mundial de energia. Se associou aos espanhóis e depois a uma empresa americana, que acabou comprando para absorver know-how na produção de grandes aerogeradores. Fundamental destacar o papel do Governo Federal para o florescimento desse novo e promissor mercado de aerogeradores no Brasil. A partir do Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), decreto nº 5.025, de 2004, foi estabelecido um marco regulatório que viabilizou a contratação de fontes alternativas em nossa matriz energética e sobretudo a vinculação de 60% de nacionalização dos empreendimentos. A regulação governamental ofereceu segurança para que a WEG solidificasse suas expectativas de retornos aos investimentos nessa nova fronteira tecnológica e o Brasil foi alçado ao 4º mercado com maior crescimento da produção elétrica de fonte eólica em 2014. Hoje possui um player competitivo no mercado internacional de aerogeradores. O parque eólico brasileiro já

representa 10% da geração de toda energia do país, superando até mesmo a usina de Itaipu. Outro aspecto que é importante apontar neste caso de sucesso foi a capacidade de verificação e revisão da política de desenvolvimento promovida pelo Governo Federal. No caso específico da norma de contrapartida de 60% de nacionalização do empreendimento exigido pelo Proinfa, notou-se que o índice vinha sendo alcançado computando a fabricação local das pás e da torre dos equipamentos de geração de energia eólica, sendo a parte complexa e importante do maquinário importada. A partir disso estabeleceu-se novas metas físicas por etapas e com um cronograma gradual para a elevação efetiva da produção local dos aerogeradores. O resultado disso foi que em meados de 2014 a WEG anunciou a oferta de um produto com 100% de tecnologia nacional, em parceria com a Tractebel e investimentos na ordem de R$ 160 milhões. A WEG é um belo exemplo de diversificação e sofisticação produtiva no Brasil. A partir de motores elétricos para frigoríficos no sul do país, avançou até os sofisticados aerogeradores de parques eólicos. Soube “construir” complexidade e hoje usufrui de uma excelente posição em vários mercados no Brasil e no mundo. Hoje é uma das mais bem posicionadas empresas brasileiras para surfar a onda de motores elétricos para carros e caminhões.

A lei dos genéricos Um outro exemplo de sucesso é a lei brasileira dos genéricos que provocou grande impulso em nossa indústria. Um medicamento genérico tem o mesmo princípio ativo, a mesma dose e forma farmacêutica do medicamento de referência sem ter o mesmo nome comercial. São mais baratos porque os fabricantes de genéricos produzem os medicamentos usualmente após o período de proteção de patente ou outros direitos de exclusividade terem vencido ou terem sido renunciados. Diferentemente dos medicamentos inovadores que envolvem investimentos representativos em pesquisas clínicas – o que pode levar anos –, a produção de genéricos envolve apenas ensaios de equivalência farmacêutica, os quais, embora

rigorosos, possuem custos muito mais reduzidos. Por lei o medicamento genérico deve custar 35% menos do que o de referência. A história da legislação de genéricos no Brasil inicia-se em 1991 pelo Deputado Federal Eduardo Jorge, que apresentou o Projeto de Lei 2022 e planejava remover marcas comerciais dos medicamentos. Em 1993 o presidente Itamar Franco publicou o Decreto nº 793 que determinava apresentação da denominação genérica – e portanto apenas do componente ativo – na embalagem do medicamento. Em 1999, mesmo ano da criação da Anvisa, os medicamentos genéricos foram efetivamente introduzidos no Brasil, durante o governo FHC, época na qual José Serra era o Ministro da Saúde. Já a Lei 9.787 viabilizou a comercialização por qualquer laboratório de medicamentos cujas patentes estivessem expiradas. As embalagens deveriam ser padronizadas, mostrando uma tarja amarela e um grande “G” de genérico. Todo aparato regulatório decorrente de tal lei, visando qualidade, segurança e eficácia de genéricos de forma a garantir a sua intercambialidade com o medicamento de referência, foi importante também para aprimorar a indústria como um todo. Não só os consumidores foram beneficiados com a política de genéricos que permitiu acesso a medicamentos seguros por preços mais acessíveis. As empresas farmacêuticas brasileiras se beneficiaram fortemente dessa regulação aproveitando suas bases produtivas já existentes aqui e ampliando-as com recursos de iniciativas de apoio à indústria nacional desenvolvidas, entre outros, pelo BNDES. Enquanto no início dos anos 2000 a estrutura produtiva no país era predominantemente multinacional, hoje grande parte das maiores farmacêuticas atuantes no Brasil em termos de faturamento tem capital de origem nacional. Gigantes do setor, tais como EMS Pharma, Neo Química, Eurofarma, Cimed, Aché, abastecem o mercado interno e nele figuram como líderes de vendas. Algumas dessas também com apoio do BNDES migraram para o segmento de biofármacos, que é mais lucrativo. As farmacêuticas brasileiras estão em processo de internacionalização. Com crescimento impulsionado pela lei de genéricos há 20 anos, hoje, mais robustas, passam a investir também em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Importante dizer que a legislação brasileira de proteção da propriedade intelectual, inclusive no que se refere a patentes de medicamentos, atende aos padrões exigidos pelo acordo TRIPS da OMC. O Brasil destacou-se por sua política de medicamentos genéricos por ser o primeiro país da América Latina a implantar o registro de medicamentos genéricos inspirado em sistemas avançados. Em termos muito simplificados, o acordo TRIPS impõe padrões mínimos de proteção de direitos de propriedade intelectual que os países membros da OMC devem incorporar em suas respectivas leis nacionais; é uma “padronização mínima” em nível mundial dos direitos de propriedade intelectual. Em 2017, houve emenda no TRIPS que permitiu a exportação de genéricos produzidos sob regime de “licença compulsória” para países sem ou com capacidade limitada de produção. Licença compulsória existe quando há uma patente vigente, porém o Estado obriga que ela seja licenciada (ou seja, suspende a exclusividade a ela relativa) para que outros possam fabricar o remédio em situações específicas, como emergência nacional, interesse público, abuso pelo detentor da patente, entre outras. Em uma situação extrema, se houvesse apenas um fabricante no mundo com direito de fabricar certo remédio e esse fabricante impusesse preços exorbitantes ou agisse de forma abusiva com respeito à sua patente, o Estado poderia obrigar a licença compulsória para permitir à população acesso ao medicamento. O aditamento ao TRIPS de 2017 é positivo para a indústria de genéricos brasileira pois possibilita a exportação de medicamentos produzidos sob regime de licença compulsória para países ainda menos favorecidos. De qualquer maneira, vale ressaltar que a licença compulsória é regime de exceção, a regra é a proteção patentária de forma a assegurar investimentos em desenvolvimento de novas moléculas que serão, por sua vez, remuneradas pela exclusividade garantida pela patente.

13.

CONCLUSÃO

Existem no Brasil atual duas grandes correntes de economistas com visões de mundo bem distintas acerca do desenvolvimento e crescimento. Para o grupo dos economistas ortodoxos ou “mainstream”, o desenvolvimento econômico tende a ser um processo espontâneo guiado pelo mercado e que depende basicamente de boas políticas internas, tais como: governo parcimonioso que não tribute demais, bom funcionamento da justiça, controle da inflação, educação de qualidade, defesa da concorrência. Se essas políticas forem perseguidas, o desenvolvimento será apenas uma questão de tempo. Seria o equivalente a esperar um bom desempenho de um atleta, garantindo-lhe apenas sua integridade física e a alimentação diária de sua preferência. Bastaria submetê-lo sistematicamente à “disciplina” das competições de mercado mundial, sem necessidade de treino, planejamento ou condicionamento físico. Na metáfora futebolística, os países ricos teriam ficado ricos porque descobriram seus “Romários” em cada posição do campo de futebol, mas sem um técnico que definisse uma estratégia de jogo. Os exemplos de Marta (Brasil) e de Salah (Egito) mostram que talento sem estrutura não garantem a vitória. Os economistas ortodoxos defendem, portanto, a educação e as instituições “corretas” como elementos centrais para o desenvolvimento. Basta descobrir seu talento e jogar sem a necessidade do técnico (no caso, a política industrial) que os campeonatos e as medalhas virão, mais cedo ou mais tarde. Se não desempenhar bem, troque de esporte. Para o grupo dos desenvolvimentistas ou heterodoxos, o processo de desenvolvimento econômico se dá num contexto de interação estratégica entre nações. Especialmente no que diz respeito ao domínio de técnicas produtivas e capacidade de aprendizagem em setores específicos. Aquilo que o economista convencional vê como causa do desenvolvimento é tido como resultado. Por exemplo, em um estudo recente Carvalho, Ribeiro e Marques (2018) mostraram como os vários aspectos estruturais do desenvolvimento estão relacionados às taxas de inflação mais altas em países em desenvolvimento. Aspectos de longo prazo,

como sofisticação produtiva, densidade tecnológica das exportações, participação da indústria no PIB, volatilidade cambial, dentre outros, ajudam a explicar o comportamento de longo prazo da inflação. Por trás deste resultado encontra-se a premissa de que é a estrutura produtiva que delimita a qualidade das instituições econômicas e políticas e, por meio destas, seus resultados. Além disso, não se pressupõe qualquer harmonia automática entre os interesses econômicos e comerciais das nações. As multinacionais e os governos dos países ricos defendem com unhas e dentes seus mercados e suas tecnologias de produção. O padrão de especialização produtiva perseguido por estas nações significa dominar tecnologias avançadas de produção e criar capacidades e competências locais proprietárias nos setores mais nobres. Significa fazer o melhor uso dos recursos da nação, mas de forma estratégica. Produzir castanhas de caju ou chips de computador, carros ou havaianas, bananas ou computadores faz diferença. Ou seja, o processo de desenvolvimento não é setorneutro, depende da composição agricultura, serviços e indústria do PIB e do tipo de produto que um país é capaz de produzir. A produtividade da economia deixa de ser algo que depende dos indivíduos, como na visão ortodoxa, e passa a ser algo sistêmico, que depende da configuração setorial e produtiva de uma economia conforme vimos. Trabalhadores inseridos em setores tecnologicamente sofisticados serão produtivos devido às características intrínsecas do setor e não a dos trabalhadores. A empregada doméstica que é retreinada para trabalhar numa fábrica tem sua produtividade aumentada enormemente, por exemplo. A educação num país com uma matriz produtiva sofisticada oferece ao trabalhador estudioso o devido retorno pelo seu esforço intelectual. A desindustrialização brasileira criou uma geração de trabalhadores com um ou mais diplomas universitários que viraram cozinheiros de hambúrgueres em redes de fast food ou entregadores e taxistas de aplicativo.

Produzir bananas é diferente de produzir carros

O processo de desenvolvimento se dá num ambiente de competição em que nações ricas lutam para preservar suas vantagens competitivas em relação aos países em desenvolvimento em determinados mercados, tornando o processo muito mais desigual e assimétrico. A harmonia de interesses prevalece na medida em que a periferia se resigna em ficar em seu devido lugar. Na conhecida expressão do economista alemão Friedrich List, após atingirem um elevado estágio de desenvolvimento os países ricos “chutam a escada”, tentando impedir que países pobres percorram o mesmo percurso; são estratégias de maximização de lucro das próprias empresas multinacionais. A visão ortodoxa de mundo tem uma postura mais individualista e menos sistêmica; são essenciais para esta corrente as características intrínsecas do homem, em particular, o grau e a qualidade média da instrução escolar e acadêmica. Alternativamente, a visão desenvolvimentista entende que as ocupações em si e tipos de vagas de trabalho são mais importantes do que a qualificação. Se não houver postos de trabalho qualificados, não adianta qualificar a população. E por este motivo o desenvolvimento decorre do tipo de atividade praticada e do bem que se produz; ou seja, para a visão inspirada em List, “o que” e “como” se produz são essenciais para se gerar o desenvolvimento econômico. Um alto nível de produção per capita só pode ser atingido a partir da sofisticação do tecido produtivo de uma economia. E para isso ocorrer não basta se expor à enorme competição existente no mercado mundial. Os first movers de países ricos têm vantagens gigantescas sobre seus concorrentes em países pobres e em desenvolvimento no que diz respeito a domínio de mercados, propriedades de tecnologias, escala de produção etc. Eles não fazem tudo isso porque são ricos, mas, ao contrário, por terem chegado antes e protegerem suas conquistas econômicas e tecnológicas é que conseguem se manter na liderança do mundo. Na perspectiva desenvolvimentista não existe objetivo maior do que criar uma indústria local, competente, capaz de produzir para o mercado mundial com grande excelência tecnológica. Como esses campeões internacionais não surgem naturalmente

do dia para a noite, o governo deve ajudar com subsídios, tarifas e financiamentos até que essas empresas atinjam escala e força suficiente para competir no mercado doméstico e mundial. Tratase da velha ideia da indústria infante, cujo conceito precisa ser constantemente atualizado para os movimentos tecnológicos e comerciais do jogo econômico, para que capacidades obsoletas não sejam nutridas por políticas rígidas e inerciais. Não basta ter as “instituições certas” em dado momento do tempo. É preciso que as próprias instituições econômicas e políticas sejam suficientemente flexíveis para incorporar as inovações de forma sólida e direcionada ao desenvolvimento social e econômico. Muitos dos gigantes asiáticos de hoje surgiram de estratégias desse tipo, envolvendo políticas industriais e direcionamento estatal que se somaram a uma competentíssima iniciativa privada, aguerrida e eficiente. Mas não se engane o leitor ao pensar que este é um jogo de cartas marcadas e resultados garantidos. Há muitos exemplos de fracasso, corrupção desenfreada e má alocação de recursos que demonstram a dificuldade estratégica em articular entre si forças internas e externas em prol do desenvolvimento nacional. Tanto a história brasileira quanto diversas experiências internacionais mostram que a economia política das reformas não é um jogo para amadores. A narrativa das vantagens comparativas na produção de bens e serviços deriva de uma noção emprestada da astronomia do século XVIII, em que os planetas participam de órbitas estáveis e bem-comportadas e todos desempenham um papel dentro do concerto interplanetário. Como isso se traduziu para a economia? Sabemos que todo mundo não pode ser bom em tudo o que faz. Assim, David Ricardo deduziu, de forma rigorosa, porém parcial, que se cada um se concentrar em fazer o que é melhor, sua vantagem comparativa, o comércio internacional se daria entre as estruturas produtivas mais eficientes. A história é a seguinte: Ao produzir bens “baratos” para o mundo, meus parceiros comerciais também poderiam se ocupar daquilo que fazem melhor, oferecendo-me também produtos “acessíveis” a partir da venda dos meus. É o que a literatura econômica chama

de “ganhos de comércio” que resultam dos “ganhos da especialização”. O argumento da CEPAL nos anos 1950 era exatamente de que o desenvolvimento econômico das nações levaria a resultados viesados em favor daqueles que produziam os bens com maior conteúdo tecnológico. Por isso, o comércio internacional não poderia resultar da especialização vocacional de cada nação, mas da transformação tecnológica de suas matrizes produtivas. Isso requeria alterar ativa e deliberadamente a estrutura de produção para desenvolver as “vocações” inibidas pelo esquema “vocacional” passivo – porque ditado pelos concorrentes – que levava à subutilização dos recursos internos às nações. A diversificação oferecia ganhos de comércio muito mais intensos se combinados à especialização setorial estratégica, que poderiam gerar condições para novas rodadas de transformação produtiva.

Política industrial para o século XXI As breves histórias de Embraer, WEG, lei dos genéricos, de programas militares brasileiros e diversos outros exemplos deste livro ilustram de forma prática o funcionamento de um “Sistema Nacional de Inovação” (Lundvall, 2010); um grupo articulado de instituições dos setores público e privado (agências de fomento e financiamento, instituições financeiras, empresas públicas e privadas, instituições de ensino e pesquisa etc.) cujas atividades geram e difundem novas tecnologias, sendo a inovação seu aspecto crucial. O nível de articulação entre os diversos atores que compõem um sistema desses determina a capacidade de uma cidade, região ou país em gerar inovações. Um Sistema Nacional de Inovação compõe-se do envolvimento e integração entre três principais agentes: o Estado, responsável por aplicar e fomentar políticas públicas de ciência e tecnologia; universidades e institutos de pesquisa responsáveis por criar e disseminar o conhecimento e empresas responsáveis pelo investimento na transformação do conhecimento em produtos. Nestes sistemas, o investimento público e a ação do Estado como fomentador, financiador e aglutinador são sempre essenciais.

O fomento e a proteção da política industrial requerem disciplina no seu uso, para que se gerem as contrapartidas. Caso contrário, recursos públicos são desperdiçados ao atender aos interesses econômicos de grupos de pressão sem beneficiar a coletividade. Neste sentido, o “intervencionismo” do governo não é uma panaceia, muito pelo contrário. Traz consigo o risco de ocorrência de inúmeros problemas associados ao rent-seeking, bem como distorções na aplicação das políticas. A tentativa de se criar complexidade não é, portanto, isenta de custos, nem de riscos. Na política industrial, o governo age como um técnico de futebol, articula os jogadores, escala o time mas não entra em campo. O técnico não sabe quem vai fazer gol, quando e como. Mas a presença dele aumenta a probabilidade de sucesso e vitória. O mesmo ocorre com países, estados e empresas. Política industrial não é uma questão de onisciência do planejador central; trata-se na verdade de uma função de articulação que melhora o funcionamento dos mercados. Mazzucato e Penna (2016), por exemplo, fizeram um interessante plano para o Brasil nos moldes da postura “mission oriented” do Estado defendida pela autora. Em trabalho de 2004 com o título Política industrial para o século XXI, Dani Rodrik (2004a) discute como desenhar uma política industrial eficiente. Por um lado, existe o claro risco de uma proximidade excessiva entre os burocratas e empresários que dê margem à “captura” do estado. Surgem processos de corrupção e rent-seeking que desvirtuam a articulação e coordenação da política industrial, tornando-a mero instrumento de rent-seeking, busca de “enriquecimento fácil”. A reposta de desenho institucional para tentar evitar esse tipo de comportamento seria o isolamento dos burocratas e criação de distância em relação aos empresários regulados e coordenados. Conforme argumenta Rodrik, essa boa estratégia para evitar corrupção vai exatamente na contramão de outra necessidade da política industrial que é justamente aproximar o setor público e privado para que juntos encontrem soluções produtivas mais rentáveis e promissoras. O equilíbrio entre esses dois aspectos constitui para Rodrik o que seria uma política industrial ideal. Como fazer isso?

Rodrik enumera algumas medidas práticas que podem ajudar neste sentido. Primeiro: o status da política industrial deve ser elevado no governo e contar com ministro ou instância de poder de primeira ordem para lidar com esses assuntos, equiparado inclusive à importância do Ministério da Fazenda e do Banco Central ao ente de governo que deveria comandar a política industrial. O cargo pode ser de ministro, vice-presidente ou até mesmo o presidente da república, como destacada Rodrik em relação ao general Park Chung Hee na Coreia do Sul. Segundo: criação de conselhos e fóruns de coordenação entre setor público e iniciativa privada; agências de fomento, organizações privadas sem fins lucrativos, além dos próprios organismos de representação de classe. São fóruns onde a troca entre setor público e privado pode fluir melhor, com as demandas do setor privado sendo apresentadas e as opções de caminhos públicos a seguir podem ser melhor discutidas. Terceiro: criação de mecanismos de transparência e “accountability”. A política industrial deve ser enxergada pela sociedade como uma ferramenta para promoção de avanço tecnológico e desenvolvimento de novas atividades produtivas e não um canal para apropriação de ganhos fáceis de rent-seeking e oportunidades de corrupção. As decisões dos conselhos de política industrial e os recursos públicos destinados a esses políticas devem ser totalmente transparentes e sujeitas a crítica permanente da sociedade. O setor público pode e deve contribuir com políticas de estímulo à inovação e educação adequadas além da manutenção de preços macro adequados (equilíbrio fiscal, inflação baixa e estável, câmbio competitivo, prêmio de risco e juros baixos). O protecionismo à indústria infante pode ser usado em casos específicos, mas com metas de ganhos de produtividade e prazos bem definidos, como se fez no Leste Asiático. Sempre haverá, no entanto, o risco de captura da agência pública pelo regulado, o que desvirtua completamente o processo. Por outro lado, desregular os mercados e abrir a economia de forma indiscriminada tampouco resolverá o problema do desenvolvimento. Economias com empresas fracas, sujeitas a fulminante concorrência internacional, especialmente no setor de

bens transacionáveis complexos, verão seu tecido produtivo ser dizimado rapidamente em condições de abertura indiscriminada e preços macroeconômicos errados; como se viu no Brasil das últimas décadas. Ainda sobre essa questão da abertura comercial, é importante observar que o nível da taxa de câmbio real é chave. Sobrevalorizações muito intensas equivalem a zeragem de tarifas: um pouco do que vimos no Brasil da era FHC e também da era Lula e Dilma. Para concluir este breve livro, gostaríamos de destacar finalmente que a perspectiva aqui apresentada tem um propósito muito mais ilustrativo sobre o potencial dessas abordagens. Trata-se de um convite para engajar estudantes e pesquisadores em trabalhos e estudos futuros nesta linha. A ótica da complexidade econômica revela que não há caminho possível para o desenvolvimento sem que se siga a rota da sofisticação do tecido produtivo. Todos os países ricos amadureceram suas economias na direção de maior complexidade, enquanto todos os países pobres falharam em tal propósito. Como chegar lá continuará sendo objeto de acaloradas disputas teóricas e políticas. O que realmente importa é não desviar do propósito e do destino de todo este debate, os quais foram tão bem colocados por Celso Furtado (1998, p. 47): “Quando a capacidade criativa do homem se volta para a descoberta de suas potencialidades e ele se empenha em enriquecer o universo que o gerou, produz-se o que chamamos de desenvolvimento”. O Brasil se perdeu, mas sempre é possível reencontrar a rota para um futuro melhor.

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LISTA DE SIGLAS E ACRÔNIMOS AL&C - América Latina e Caribe Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social C&T - Ciência e Tecnologia CBA - Cooperação Brasil-Argentina CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CGV - Cadeia Global de Valor CISI - Centro de Integração da Ciência e Indústria COCTA - Comissão de Organização do Centro Técnico de Aeronáutica CODELCO - Corporación Nacional del Cobre de Chile COMAC - Commercial Aircraft Corporation of China CSN - Companhia Siderúrgica Nacional CTA - Centro Técnico de Aeronáutica DARPA - Defense Advanced Research Projects Agency DCTA - Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial DRAM - Dynamic Random Access Memory EAP - East Asia and the Pacific ECI - Economic Complexity Index ELEB - Embraer Divisão Equipamentos EMNs - Empresas Multinacionais Engesa - Engenheiros Especializados S.A. EV - Electric Vehicle FAB - Força Área Brasileira FCA - Fiat Chrysler Automobiles FCC - Federal Communications Commission FDA - Food and Drug Administration FEA-USP Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo FTE - Finanças, Tecnologia e Eletrônica FMA - Fábrica Militar de Aviones IA - Inteligência Artificial IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IDA - Industrial Development Authority

IED - Investimento Estrangeiro Direto IFF - International Flavours and Fragrances Inovar-Auto - Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores INSEAD - Instituto Europeu de Administração de Empresas IoT - Internet of Things IPD - Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento IPI - Imposto sobre Produtos Industrializado IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano ISI - Industrialização de Substituição de Importações ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica ITT - Industrial Trade and Technology KAIST - Korea Advanced Institute of Science and Technology Mafersa - Material Ferroviário S/A MFA - Multifiber Agreement MIT - Massachusetts Institute of Technology MUL - Maruti Udyog Limited NAFTA - North American Free Trade Agreement NASA - National Aeronautics and Space Administration NIH - National Institutes of Health NSF - National Science Foundation OCS - Office of the Chief Scientist OEM - Original Equipment Manufacturer OMC - Organização Mundial do Comércio ONU - Organização das Nações Unidas PAC - Programa de Aceleração do Crescimento PCC - Partido Comunista Chinês P&D - Pesquisa e Desenvolvimento Petrobras - Petróleo Brasileiro S.A. PIB - Produto Interno Bruto PLA - Exército de Libertação Popular da China POSCO - Pohang Iron and Steel Company PND - Plano Nacional de Desenvolvimento PPP - PIB per capita Proinfa - Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica Prosub - Programa de Submarinos R&D - Research & Development

SASAC - State-owned Assets Supervision and Administration Commission of the State Council SFH - Sistema Financeiro da Habitação SUFRAMA - Superintendência da Zona Franca de Manaus SUV - Sport Utility Vehicle TACO - Tata AutoComp Systems Telco - Tata Engineering and Locomotive Company Telebras - Telecomunicações Brasileiras S/A TI - Tecnologia da Informação TIC - Tecnologia da Informação e Comunicação TIP - Technology and Innovation Policy TRIPS - Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights UNCTAD - Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento VHS - Video Home System VoIP - Voz sobre Protocolo de Internet WIPO - World Intellectual Property Organization ZFM - Zona Franca de Manaus

APÊNDICE: MANUFATURAS NO MUNDO País

Manufatura per capita 2017, em US$

População 2017

Manufatura total 2017, em US$

Irlanda

22.049

4.807.388

106.000.117.832

Suíça

14.709

8.451.840

124.314.040.774

Cingapura

11.379

5.612.253

63.860.453.328

Alemanha

9.097

82.657.002

751.905.498.188

Coreia do Sul

8.201

51.466.201

422.064.505.673

Áustria

8.008

8.797.566

70.450.452.654

Japão

7.945

126.785.797

1.007.330.720.000

Dinamarca

7.332

5.764.980

42.269.758.925

Suécia

7.054

10.057.698

70.948.985.113

Finlândia

7.004

5.508.214

38.577.980.042

EUA

6.684

325.147.121

2.173.319.535.000

Bélgica

5.522

11.375.158

62.817.288.708

Oman

5.465

4.829.480

26.391.157.347

Holanda

5.367

17.131.296

91.935.133.076

Catar

5.322

2.724.724

14.501.373.626

República Tcheca

4.904

10.594.438

51.952.587.375

Israel

4.894

8.713.300

42.639.578.289

Eslovênia

4.835

2.066.388

9.991.718.580

Itália

4.833

60.536.709

292.571.280.723

Noruega

4.832

5.276.968

25.498.730.606

Bahrein

4.394

1.494.074

6.564.574.468

Canadá

4.393

36.540.298

160.531.130.000

Nova Zelândia

3.917

4.794.066

18.778.650.000

França

3.866

66.865.144

258.470.437.875

Reino Unido

3.625

66.058.859

239.432.918.823

EAU

3.558

9.630.000

34.262.136.689

Espanha

3.210

46.593.236

149.560.948.505

Eslováquia

3.137

5.439.232

17.061.075.049

Austrália

3.133

24.601.860

77.072.931.594

Lituânia

2.858

2.828.403

8.084.151.621

Hungria

2.825

9.787.966

27.655.128.143

Estônia

2.748

1.317.384

3.620.821.205

Arábia Saudita

2.682

33.099.147

88.773.671.033

Portugal

2.646

10.300.300

27.253.628.898

China

2.567

1.386.395.000 3.558.403.858.673

Polônia

2.437

37.974.826

92.561.320.880

Malásia

2.241

31.105.028

69.712.584.876

Romênia

2.155

19.587.491

42.204.861.197

Uruguai

1.924

3.436.646

6.611.344.878

Argentina

1.875

44.044.811

82.603.486.998

Turquia

1.849

81.101.892

149.990.124.318

Tailândia

1.797

69.209.858

124.382.995.775

Grécia

1.784

10.754.679

19.182.310.423

Croácia

1.731

4.124.531

7.139.074.247

México

1.601

124.777.324

199.811.300.029

Chile

1.577

18.470.439

29.121.586.053

Costa Rica

1.441

4.359.692

6.283.300.000

Rússia

1.335

144.496.740

192.870.358.827

Bielorrússia

1.246

9.498.264

11.836.878.332

Bulgária

1.208

7.075.947

8.547.565.543

Paraguai

1.091

6.956.070

7.586.021.832

Rep. Dominicana

1.073

10.513.131

11.276.416.920

Cazaquistão

1.043

18.037.776

18.815.956.086

Brasil

1.041

207.833.831

216.435.420.192

Argélia

1.002

41.389.199

41.463.240.000

Sérvia

948

7.020.858

6.657.776.759

Panamá

898

4.176.870

3.749.000.000

Equador

893

16.785.361

14.983.046.000

Peru

870

31.444.297

27.369.421.868

Indonésia

774

264.645.886

204.748.965.608

África do Sul

737

57.000.451

41.986.118.727

Colômbia

728

48.901.066

35.593.475.668

Sri Lanka

655

21.444.000

14.046.683.809

El Salvador

632

6.420.000

4.057.000.000

Filipinas

580

105.173.264

61.014.842.932

Tunísia

515

11.433.443

5.883.566.173

Marrocos

484

35.581.294

17.219.149.814

Hong Kong

470

7.451.000

3.502.925.627

Egito

401

96.442.593

38.702.939.740

Vietnã

363

94.596.642

34.308.986.384

Bolívia

352

11.192.854

3.935.972.504

Ucrânia

302

44.831.135

13.530.564.057

Índia

292

1.352.617.330 394.398.167.553

Bangladesh

271

159.670.593

43.203.829.626

Angola

270

29.816.748

8.036.418.688

Uzbequistão

265

32.388.600

8.577.022.757

Senegal

260

15.419.381

4.013.236.581

Gana

221

29.121.471

6.426.777.456

Camarões

215

24.566.045

5.281.711.942

Azerbaijão

195

9.854.033

1.920.462.468

Costa do Marfim

192

24.437.469

4.683.333.259

Paquistão

176

207.896.686

36.543.620.429

Zimbábue

173

14.236.745

2.459.491.712

Nigéria

172

190.873.311

32.847.645.980

Quênia

126

50.221.473

6.337.163.316

Zâmbia

125

16.853.688

2.102.379.327

Congo, Rep. Dem.

91

81.398.764

7.408.828.771

Etiópia

48

106.400.024

5.058.822.417

Fonte: Banco Mundial https://data.worldbank.org/indicator/NV.IND.MANF.CD

APOIADORES ESTE LIVRO SÓ FOI POSSÍVEL GRAÇAS AOS 786 APOIOS RECEBIDOS durante a campanha de financiamento coletivo realizada entre os dias 11 e 25 de maio de 2020 na plataforma Benfeitoria (https://benfeitoria.com/brasilnaoaprende). Gostaríamos de agradecer a cada uma e cada um de vocês que acreditou e se interessou pelo conhecimento que compartilhamos agora. Esperamos que da mesma forma que 0 livro nos entusiasmou, inspire e incentive todas e todos no compromisso de sempre buscar um país melhor e mais justo. Muito obrigado! Adans Hans Abad Adilson Roberto Gonçalves Fernandes Adílson Simão Adria Gimenes Adriana Paiva Mancini Adriana Raich Adriano Andrade de Mattos Adriano Cunha Adriano Pescarmona Adriano Savitras Adriano Slompo Scarante Agda Ferreira Rodrigues da Cunha Reis Agnaldo Dos Santos Ahrends & Ahrends Advogados Associados Airton Saboya Alan Broner Alan Coaglio Silva Menezes Alan Damasceno Rodrigues Alan Eleutério Alan Guizi Alberto Teixeira Alessandra Galasso Alessandro Ribeiro Alessandro Serafin Octaviani Luis Alex Alves Tolkmitt Alexandre Anselmo Alexandre Cavalieri Alexandre de Paula Baptista Alexandre Gouveia Gama Alexandre Grimmer Davis

Alexandre Oliveira Alexandre Simões Alexandre Torres Alexandre Zatkovskis Carvalho Alexandro Silva Ferreira Aline Martini Pontes Vidal Allan Lelis Pinheiro Allan Nacif Allan Patrick Medeiros Lucas Almir Delon dos Santos Alvaro Rios Alyson Ribeiro Amanda Corcelli Jorri Ana Barbara Tavares Lopes Ana Carolina Cardoso Lobo Ribeiro Ana Carolina da Silva Camilo Ana Huber Ana Karolina Oliveira Silva Ana Maria Barufi Ana Maria Bianchi Ana Paula Ribeiro Pimentel Weiler Ana Paula Vieira Ana Tereza Lanna Figueiredo Anderson de Freitas Vietro Anderson Rossi de Sousa André Avelino da Silva André Carvalho André Cruz França André de Mattos Marques André Ferraz Andre Gabriel André Luis dos Santos Soares André Luis Squarize Chagas André Luiz Ribeiro André Mellini Andre Montano Reis André Morais André Mountian André Pontes Ângelo Bonvenuto Antonio Chacar Hauaji Neto Antonio Dantas de Freitas Filho Antonio Luiz Ribeiro Monteiro Antonio Marcos Machado Antonio Vieira

Aquiles Chaves Arandi Ginane Bezerra Jr. Ariana Cericatto Ariete Mendonça de Andrade Armando Moraes da Silva Arthur Pentagna Arthur Romanzini Lazzarotto Artur Ribeiro Contrucci Artur Sampaio de Andrade Augusto Silva Augusto Tundis Ferreira Barbara Marques Beatriz Mioto Beatriz Momente Miquelin Bernardo de Carvalho Frankenberg Bernardo Leão Bernardo Martins Bernardo Rocha Carvalho Bruna Coelho Jaeger Brunno Henrique Sibin Bruno Bis Abbade Bruno Cordeiro Bruno Ferreira Bruno Ferreira da Silva Bruno Ferreira de Oliveira Bruno Ferreira Santos Bruno Guerra Timm Bruno Passamani Machado Bruno Saggiorato Bruno Stival Silva Bruno Turetto Rodrigues Bruno Vinicius Lopes da Silva Caick Purificação Caio Alexandre Grigoli Caio Cardozo Caio Correa Salero Caio Correia Caio Henrique Ferreira Amancio Caio Leonardo Caio Souza Leão Camila do Carmo Hermida Camila Pinatto Carina Garcia Carlos Alexandre Abreu Carlos Andre Santos

Carlos Araújo Carlos Augusto Rodrigues Alvarenga Carlos Augusto Terras Carlos Eduardo Bellini Borenstein Carlos Eduardo Garcia Figueiredo Carlos Eduardo Grando Rocha Carlos Eduardo Metidieri Menegozzo Carlos Watanabe Seane Sa Carolina Amaral Carolina Zanatta Cássio Flauzino Cássio Lima Celso Barbosa Massola César Augusto Morais Costa Cezar Augusto Miranda Guedes Cezar Vasquex Charles Savaris Christian Velloso Kuhn Clara Castilho Oliveira Claudio S. de Almeida Machado Cleber Dias Clemilton Gomes de Sousa Clesio Lourenco Xavier Clinton Junior Geoege Cristiano Bezerra Lara Cristiano de Barros Caris Cristiano de Carvalho Cristina Cavoto Dalton Cardillo Macedo Daniel Arruda Coronel Daniel Batista de Freitas Daniel do Vale Rocha Daniel Lopes de Freitas Daniel Moura da Costa Teixeira Daniel Nicolau Ferrara Daniel Penariol Daniel Pereira da Silva Daniel Ruiz Romano Daniel Salles da Silva Daniela Giovana Siqueira Danielly Sugino Danilo Miranda Danilo Oliveira Danilo Tavares Danilo Vieira

Daphine Americano Davi Augusto Santana de Lelis David Camoleze David Eduardo Rodrigues Dayse Vianna de Carvalho Demetrius Martins Denio Nogueira Jr. Diana Cabral Siqueira Diego Batista Guerra Diego Dgyovane Bonacolsi Diego Dias da Cruz Diego Luiz Souza Martins Diego Matos Dillion Arpis Braz Ferreira Diogo Ferraz Domingos Roberto Todero Dora Isabel Paiva da Costa Douglas Municelli Edimara Lucia Rupolo Edmilson Celso Edmilson Gomes Edmir Denis Diniz Ednilson Ribeiro Edson de Carvalho Junior Edson Santos Eduardo Oliveira Eduardo Calil Tannus de Oliveira Eduardo Kimura Eduardo Lanna Eduardo Londero Eduardo Lopes de Oliveira Eduardo Martorelli Eduardo May Zaidan Eduardo Paiva Eduardo Roncaglia de Carvalho Eduardo Souza Brasileiro Edwilson J. S. Costa Edyarley Kyn Santos Sanches Elder Leandro Elder Pereira da Silva Eliane Cristina de Araujo Eliane Teixeira dos Santos Elias Cavalcante Filho Elias da Gloria Braga Élida Graziane

Elionardo Moraes Pintas Eliseth Roncaglia Eliseu Ribeiro Gomes Eloiza Regina Ferreira de Almeida Elson Perez Emerson Amorim Cortes Emerson de Moraes Alves Emerson Maria Emilu Ellen Beserra Damasceno Emily Oliveira de Souza Érica Patente Nascimento Evandro Felicio Everton G. de Freitas Ewerton de Souza Henriques Fabio de Brito Orsini Fabio Henrique Bittes Terra Fabio Peroba Esteves Fábio Pompeo Parreira Fábio Santos Fabricio Mancini Fausto Oliveira Felipe Augusto Machado Felipe de Andrade Neves Lavratti Felipe de Paiva Lima Felipe Duarte Felipe Hygor Barbosa Felipe Lanhi Felipe Levi Felipe Lima Brito Felipe M. Rosseto Felipe Matos Lima Melo Felipe Pires Coelho Felipe Rampazzo Felipe Ribeiro Pereira Felipe Rubinatto Rosolem Felipe Smolski Felipe Soares de Carvalho Parra Felipe Souza Felipe Takeshi Felipe Teixeira Felipe Toledo Duarte Felipe Zagnoli Vieira Fernanda Cardoso Fernanda Rocha Veras e Silva Fernando Amorim

Fernando Brunetti Fernando Camilo Ramalho Fernando de Barros Ribeiro Fernando Garcia Fernando Mendonça de Oliveira Junior Fernando Padilha Avena Fernando Piva Fernando Rovigatti Filipi Melo Flávia Morales Alves Flávio Camilo Luz Flavio Matos Ferreira Flávio Pereira Cruz Flavio Saldanha Flavio Teixeira Barbosa Francisco Agustin Machado Echalar Francisco Ailson Alves Severo Filho Francisco Cezar de Luca Pucci Francisco Ebeling Barros Francisco José Araújo Bezerra Francisco Mendes Costa Francisco Mourão Francisco Rolim de Morais Junior Francisco Samuel Ferreira Francisco Santana Francisco Thainan Frank Marçal Franklin de Oliveira Lacerda Franklin Peixoto Goncalves Frederico Krepe da Silva Frederico Mazzucchelli Frederico Papini Gabriel Daudt Gabriel de Paula Richa Gabriel Guedes Meira Gabriel Moralez Gabriel Mounzer Gabriel Nicolau Silva Gabriel Rabello Yoshida Gabriel Silva Garcia Gabriel Vidal Gabriel Vieira Fernandes Gabriela de Andrade Neves Gabriela de Brelàz Gerardo Neto

Gil Lopes Gilberto Martins da Silva Gilberto Senechal de Goffredo Filho Gilson Jacob Bergoc Giordano Spencer e Souza Giovanna Gonçalves Giovanna Padilla Bortoto Giovanna Tonzar dos Santos Giovanne Vilela Morais Gui Peçanha Guilherme Ataides de Matos Guilherme Batista Guilherme de Menezes Guilherme De Oliveira Santos Guilherme Henrique Kurz Guilherme Klein Martins Guilherme Lutti Guilherme Pires Souto Guilherme Ribeiro de Souza Guilherme Riccioppo Magacho Guilherme Sivieri Pompeu de Sousa Brasil Gustavo Augusto Keusch Albano Nogueira Gustavo Caniatti Gustavo Pereira da Silva Gustavo Pereira Serra Gustavo Tavares da Costa Gustavo Tonheiro Palmeira Gustavo Vieira de Azevedo Dias Hélber Gonçalves Helder Evandro de Medeiros Alves Filho Helvio Lima carvalho Hely Lembi Ferreira Junior Henning Menke Hermes Moreira Junior Hernani Macedo Hildete Nunes Damasceno Hugo Chu Hugo Silva Iago Luiz Ícaro Felipe Igor Campos Igor Nardo Irineu Brinker Isabella Lofrano Ítalo Nogueira Soares

Ivan Lahr Furquim de Camargo Ivy Vilela Lima Izabella Bonato Marques Jacob Marques da Silva Neto Jailson Cândido Pereira Jaime Pedro Folster Javier Toro Jean Mistrelli Jéferson Soares Damascena Jesse Pacheco Joana Campinho R. C. R. Delgado João Barros João Cid Campelo João Guilherme Rocha Machado Joao Jorge João Miranda João Paulo Pínola João Paulo Ribeiro de Carvalho Joao Romero Joao Urbano Dias João Victor Meneses Silva Leal Jocelio Santos Joelson Oliveira Sampaio Jonas Isaac Silveira Barreto Jorge Humberto Silva Elias Jorge Luis Fernandes Jorge Rabello José Alves Júnior José Anderson Soares Barros José Cardoso Junior José Carlos da Cunha Jr. José Celso Júnior Jose Cleverson Santos Fraga José de Paula Galvão Jr. Jose Eduardo Rodrigues José Francisco Lima Gonçalves José Godoy José Luís Rabelo de Santana Jose Manoel de Arruda Alvim Netto José Massonetto Jose Oreiro José Quintella Joseane Mariano de Lima Santos Juan Abreu Juarez Barroso Ferreira

Juci Oliveira Julia Torracca Juliana Franco Juliana Santos Oliveira Juliana Tramandinoli Juliano Canuto Juliano Tom Julinho Bersot Julio Matheus Donato da Costa Julio Pereira Silva Karen Morais Dos Santos Karina Aparecida Lopes da Costa Karina Herrera Silva Karla Karoline Lira Martins Katia Morinaga Honda Nemoto Kauã Pinna Kelson Rabelo Kimura Mauricio Kleber de Vasconcellos Viana Larissa Iafelix Ferreira Leandro Andre Cardoso de Souza Leandro Oliveira Leandro Penedo Manzoni Leandro Salman Torelli Leo P. do Amaral Leonam Bueno Pereira Leonardo Afonso Leonardo Esteves Pinto Leonardo Fernandes Justino Leonardo Furtado Machado Leonardo Guimaraes Motola Leonardo Oliveira dos Santos Silva Leonardo Palharini Leonardo Prado Ribeiro Leonardo Sosinski Leonardo Vieira de Melo Abreu Leone Oliveira Ferraz Leônidas Paixão Letice Praia Lima Leticia Aparecida Daniel da Silva Lidia Gimenez Lindemberg Lopes Areias Neto Loki Hermes Lucas Alessandro Pires Lucas Cordeiro dos Santos

Lucas Correa Mendes Lucas de Almeida Borges Lucas França Louvera Lucas Gabriel Gonçalves Barros Lucas Linhares Lucas Melo Moitinho Lucas Penteado Lucas Squarize Chagas Lucas Stauffer Costa Lucas Thixbai Freitas Fraga Lucas Yamauchi Torres Lucas Zambon Adami Luccas Calheirani Luciana Onusic Luciano Galicki Luciano Pereira da Silva Ludmila Macedo Correa Luis Felipe Fernandes Barros Luis Felipe Soares dos Santos Luis Fernando da Silva Beck Luís Guilherme Oliveira Luis N. Meloni Luis Paulo Bueno Luiz Alberto Marangoni Luiz Antonio da Silva Barros Luiz Antonio Rodrigues Luiz Bonfim Luiz Bruno Dantas Luiz Felipe Bruzzi Curi Luiz Gonzaga Chiavegato Filho Luiz Guilherme da Cunha Mello Luiz Paulo Diniz Luiz Paulo dos Santos Luli Ramalho Luzimar de Oliveira Coutinho Maiara Sarmento Rufino Manoel Fernandes Garcia Neto Marcel Bertti Marcello Pilar Marcelo A. M. de Carvalho Marcelo Augusto Alves Moreira Filho Marcelo Bernardineli Marcelo Dantas Falcão Marcelo de Almeida Pontes Marcelo Luís Neis

Marcelo Pereira Marcelo Pinho Marcelo Siqueira Campos Marcelo Sobreiro Maciel Marcelo Souza Marcelo Teles de Lima Marcio dos Reis Uno Márcio Ricardo Márcio Valério Alves da Costa Marcio Yuji Matsumoto Marco Brancher Marco Cavalieri Marco Túlio de Melo Vieira Marcos Antônio Alves de Araújo Marcos Avelino Marcos Lopes de Abreu Marcos Vinicius Gomes Januario Marcus Alves Abreu Oliveira Marcus Mattei Marcus Mello Rego de Amorim Marcus Zoega Bueno Maria Amelia Silva Maria Clara Pecorelli Maria Eugênia Reis Maria José Galdino Mariana Soares Silveira Bueno Mariane Rodrigues Mariel Liberato Schwartz Marimelia Porcionatto Marina Liuzzi Mario Luis de Almeida e Silva Coelho Braga Mário Salerno Marta do Espirito Santo Matheus de Alvarenga Catta Preta Rocha Matheus Dias Gonçalves Matheus dos Santos Carvalho Matheus Fernandes Gama Basilio Matyas Laszlo Abeling Szabo Maurício Martinelli Luperi Mauricio Oliveira Maurício Sampaio Vidor Mauricio Simões Gonçalves Júnior Mauro Thury de Vieira Sá Mauro Zacher Max F. Lutkemeier

Melania Pereira de Farias Michel Barros Felippe Jabour Miguel Alkmim Milena Correa Ferrari Moreno Zaidan Garcia Neila Soares da Silva Nelson Caprini Junior Nelson L. M. Macedo Nery Agenor Silva Neuza R. Fioravante Nicholas Charles Bezerra Nicole Stephanie Florentino de Sousa Carvalho Nildes Raimunda Pitombo Leite Nilma Almeida do Nascimento Nilson Figueiredo Filho Nilson Lourenço de Araujo Olivar Pedro Alves Moraes Papanikolopoulos Orlando Ramos Osvaldo Agripino de Castro Junior Osvaldo Irineu Lopes de Araújo Costa Oswaldo Junqueira Otávio Spinace Pablo Henrique Fortaleza de Oliveira Paolo Lima Patricia Helena Fernandes Cunha Paula Silva de Carvalho Pauline Sebok de Siqueira Vargas Paulo Andre Miranda Lima Paulo Arruda Paulo Augusto Franke Paulo Fernando Cirino Mourao Paulo Frediani Urruth Paulo Markowski Paulo Monteiro dos Reis Paulo Morceiro Paulo Prado Paulo Roberto Agrizzi Nacaratti Paulo Roberto de Souza Trajano da Silva Paulo Sérgio de Andrade Paulo Sobral Paulo Victor Paulo Vitor Gurtler Pedro Augusto Pedro Bara Zanotto Pedro de Paula

Pedro Demarchi Gomes Pedro Eduardo Soto Penhalver Pedro Galvão Pedro Henrique Siqueira Soares Pedro Henrique da Silva Pedro Henrique Lopes Ribeiro Pedro Henrique Zanoni Filho Pedro Luiz Aprigio Pedro Luiz Costa Cavalcante Pedro Porto Pedro Pregioni de Souza Pedro Procianoy Schissi Pedro Scucuglia Pedro Viscardi Pedro Waldecildo de Matos Philipe Dias Poliana Dalpra Priscila Hernandes Rafael Antunes Campos Rafael Arosa deMattos Rafael Barisauskas Rafael Botelho Mota Rafael Brisque Neiva Rafael Campos Facundes Rafael de Almeida Soares Rafael do Vale Martins Mesquita Rafael Franco de Lima Rafael Jose Duraes dos Santos Rafael Junio Andrade Alves Rafael Pinho Rafael PIzzato Vier Rafael Pratti do Vale Rafael Sousa Oliveira Raimundo Jorge Nascimento de Jesus Ramon Garcia-Fernandez Ramon Pereira Lopes Ramon Silva Motta Ramon Wolf Raphael Neves Raphael Reis Anacleto Raul Carvalho Silva Raul Ribeiro Ray Rabelo Remo Bastos Renan Augusto Batista de Souza Araujo

Renan Komavczewski Renan Soldani de Carvalho Renata D’Elia Renato Alves Renato Borges Renato Henrique de Gaspi Renato Moredo Ormeni Renato Rezende Renatta Christina Toledo Rene da Silva Bastos Ricardo Batista de Siqueira Xavier Ricardo Escorse Ricardo Faustino Ricardo Jorge Pires dos Anjos Ricardo José da Silva Ricardo Neves Streich Ricardo Pimenta Bertolla Rinaldo Faria Rinaldo Lima da Silva Roberto Carlos de Araújo Silva Roberto Dalle Molle Filho Roberto Rocha Robson Antonio Grassi Rodemarck Castello Branco Rodney Mota Rodolfo Augusto Bravo de Conto Rodolfo Lima Ribeiro Rodolfo Vaz Rodolpho Santos de Vasconcelos Rodrigo Bedin de Lima Rodrigo Costa Rodrigo Cunha Rodrigo Dutra Vaz Rodrigo de Brito Antunes Rodrigo Mineiro Rodrigo Moreira Lopes Rodrigo Ribeiro Roger Melo Roger Tavares Rogerio da Silva Junior Rogerio Dias Rômulo Manzatto Ronaldo de La Pena Lobo Vianna Felipe Ronaldo Rollin Pinheiro Rosa Helena Barin

Rubens Freire Ribeiro Rubens Júnior Ruy da Costa Val Camargos Ryan Saad de Simas Sabrina Vieira Lima Sabriny Pedrosa Salvador Correa de Sá e Benevides Sammuel Augusto Ramos Pereira Samuel Araujo da Silva Samuel Borges Sandro Henrique Sarita Marie Cavalcanti de Souza Saul Ramos de Oliveira Sergio Diniz Sergio Granville Sérgio Lopes Shan Ping Tsai Sidney Oliveira Silvio Cezar Arend Silvio Sales Lima Simão Luiz Stanislawski Simone Mandim Solon Campos Sampaio Stefani Bertuccelli Vilella Stefany Osorio Stephanie Lucas Sousa Tadeu Braga Taís Maria Lima Tarcisio Rodrigues Botelho Tarcisio Romero de Oliveira Tarciso Gouveia da Silva Tatiane Cristina Ribeiro Tauan Manieri Telpo Cargnin Thales Fernando de Souza Thalita Alves Lins Thamirys Figueredo Evangelista Thays Viana Ishikawa Thiago Augusto Casotti Thiago Chagas Bezerra Thiago de Deus Rodrigues Thiago dos Santos Santana Thiago Drumond Moraes Thiago Dutra Hollanda de Rezende Thiago Pacatuba

Thiago Paranhos Thiago Piffer Thiago Possiede Thiago Soares de França Thiago Souza Onofre Thiago Tauyl Barreiro Thiago Yamasaki Kawase Tiago Castro Tiago Couto Tiago da Silva Pinz Tiago de Oliveira Loiola Tiago Nicolosi Tiago Nogueira de Noronha Tiago Santos Ton Melo Tsuyoshi Fukuda Tulio Chiarini Túlio Freitas Uallace Moreira Lima Uriel Garber Valdoir Luiz do Nascimento Silva Vanderson Henrique dos Passos Vanessa Cristina Barragan Tacchi Vanio Morais Correa Veronica Rios Eufrasino de Pinho Vicente Ronaldo Coelho Correia Junior Victor Albuquerque de Melo Victor Alves do Nascimento Victor Stefanelli Victor Teles Vinicius Barroso de Matos Vinicius Leandro dos Santos Silva Vinícius Pereira Oliveira Vitor Cezario Lima Vitor De Santis Tavares Vitor Fernandes Verdi Vitor Keland Leite de Sousa Vitor Rosar Wagner Emanuel Aiello Wagner Rocha Mendes Walber de Moura Agra Wallace Rodrigues de Melo Welder Henrique Vasconcelos dos Santos Weliton Rodrigues Wellington Carrilho

Werner Fernandes Piana Wesley Damiani Willame Parente Mazza William Herrera Wilson Andrade Wilson Carvalho Wlademir José de Santis Junior Wonder Bettin

NOTAS DO EDITOR 1. Os nomes listados anteriormente seguem as grafias dos cadastros preenchidos pelos próprios apoiadores e apoiadoras na plataforma Benfeitoria. 2. Alguns apoiadores ou apoiadoras não encontrarão seus nomes nesta lista porque não preencheram esta informação em seu cadastro no site Benfeitoria e, posteriormente, também não responderam às nossas tentativas de contato por e-mail até o dia 03 de junho de 2020. Nossas mais sinceras desculpas.

ESTA

OBRA FOI PREPARADA COMO E-BOOK PARA O FINANCIAMENTO

COLETIVO DOS AUTORES NA PLATAFORMA BENFEITORIA EM JUNHO DE 2020.

Table of Contents A quem se destina o livro Agradecimentos Apresentação Apresentação Prefácio 1. Introdução 2. O segredo da riqueza das nações está na fábrica de alfinetes 3. Breve história da origem do pensamento sobre desenvolvimento econômico 4. Um mundo com centro e periferia 5. Quem sai na frente costuma ganhar o jogo industrial 6. Estruturas produtivas sofisticadas enriquecem países 7. Redes complexas são necessárias para se produzir bens sofisticados 8. A sofisticação produtiva depende da geração e acúmulo de ideias 9. Os países ricos têm alto conteúdo tecnológico proprietário 10. O desenvolvimento econômico depende da ação do estado e do mercado 11. Economias complexas são menos desiguais 12. Erros e acertos no Brasil 13. Conclusão Referências Bibliográficas Lista de siglas e acrônimos Apêndice: Manufaturas no mundo Apoiadores Notas do editor