Análise do Self [1st ed.]

Table of contents :
CAPA......Page 0
Rosto
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Sumário
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Agradecimentos
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Prefácio
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Capítulo 1 - Considerações Introdutórias
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Parte I - A Ativação Terapêutica do Objeto Onipotente
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Capítulo 2 - A Transeferência Idealizadora
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Capítulo 3 - Uma Ilustração Clínica da Transferência Idealizadora
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A transferência
idealizadora de formas maduras de idealização......Page 73
Variedades de transferência idealizadora
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O processo de elaboração e outros problemas clínicos na transferência idealizadora
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Parte II - A Ativação Terapêutica do Self Grandioso
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Capítulo 5 - Tipos de Transferências Especulares: Uma Classificação de Acordo com Considerações Evolutivas
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A transferência especular em sentido mais estrito
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Exemplos clínicos
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A transferência especular primária
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A mobilização reativa do self grandioso
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A transferência especular secundária
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Capítulo 7 - O processo Terapêutico nas Transferências Especulares
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O problema do ativismo terapêutico
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Os objetivos do processo de elaboração referentes ao self grandioso ativado
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As funções do analista na análise da transferência especular
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A importância da transferência especular como instrumento do processo de elaboração
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Observações gerais sobre os mecanismos que promovem o progresso terapêutico na psicanálise
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Parte III - Problemas Clínicos e Técnicos nas Transferências Narcísicas
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Considerações teóricas
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Considerações clínicas
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Estados traumáticos
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Capítulo 9 - Ilustração Clínica das Transferências Narcísicas
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Capítulo 10 - Algumas Reações do Analista à Transferência Idealizadora
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Capítulo 11 - Algumas Reações do Analista às Transferências Especulares
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Aumento e expansão do amor objetal
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Desenvolvimentos progressivos e integradores dentro da área narcísica
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Empatia
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Criatividade
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Humor e Sabedoria
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Bibliografia
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Relação dos Casos
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Índice
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Citation preview

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IMAGO

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CIP-13rasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

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Koh ut, Heinz, 1913-1981 A nálise do self: uma abordagem sistemática do tratamento psicanalftico dos distúrbios narcísicos da personalidade I Heinz Kohu t; trad ução de Maria Tereza Búrigo Marcondes Godoy.- Rio de Janeiro: lmago Ed., 1988. Tradução de: The analysis of lhe seif. ISBN 85-312-0012-1

1. Self (Psicologia). 2. Narcisismo. 3. Psicanálise. I. Tftulo.

88- 0554

CDD - 155.2 - 6 16.8582 616.8917 C DU - 159.964.2 616.89

HEINZ

(Sélie Analytica) Revisão Técnica

PAULO ROBERTO SAUBERMAN Direção de

JAYME SALOMAO

IMAGO EDITORA LTDA. - Rio de Janeiro -

Título odginal THE ANA LYSfS OF THE SELF

Copydght © 1971, by lnternational Universities Press Inc. by anangement with Mark Paterson

Produção editorial: Celso Fernandes Tradução: Maria T. B. M. Godoy Copidesque: Ricardo Cruz Revisão: Pedrina Ferreira, Angela G. Castello Branco e Maira Parulla Capa: Perez Zambelli

Direitos adquiridos por !MAGO EDITORA LTOA. Rua Santos Rodrigues, 201-A- Estácio CEP 20250- Rio de Janeiro- RJ Tels.: 293-1092- 293-1098

Todos os direitos de reprodução, divulgação e tradução são reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida por fotocópia, microfilme ou outro processo fotomccânico.

Impresso no Brasil Printed in Brazil

Para E . e G.

SUMÁRIO

Agradecimentos

11

Prefácio

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1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

17

P a rte I A ativação te•·apêutica do objeto onipotente

2. A TRANSFERÊNCIA IDEALIZADORA

45

3. UMA ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DA TRANSFERÊNCIA IDEALIZADORA

60

4. ASPECTOS CLÍNICOS E TERAPÊUTICOS DA TRANSFERÊNCIA IDEALIZADORA A transferência idealizadora diferenciada de formas maduras de idealização Variedades de transferência idealizadora O processo de elaboração e outros problemas clínicos na transferência idcalizado ra

73 73 76 82

P arte 11

A ativação terapêutica do sclf grandioso S. TIPOS DE TRANSFERÊNCIAS ESPECULARES: UMA

CLASSIFIC AÇÃO DE ACORDO COM CONSIDERAÇÕES EYOLUTIV AS A fusão por meio da extensão do self grandioso A transferência alter-ego ou gemelaridade A transferência especular no sentido mais resllito Exemplos clínicos

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97 104 104 105 113

6. TIPOS DE TRANSFERÊNCIAS ESPECULI-\RES: UMA CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM CONSIDERAÇÕES GENÉTICO-DINÂMICAS A transferência especular primária A mobilização reativa do self grandioso A transferência especular secundária

7. O PROCESSO TERAPÊUTICO NAS TRANSFERÊNCIAS ESPECULARES Acting out nas transferências narcfs icas: o problema elo ativismo terapêutico Os objetivos elo processo de e laboração referentes ao self g randioso ativado As funções d o analista na análise da transferência especul ar A importância da transferência especular como instrumento elo processo ele elaboração Observações gerais sobre os mecan ismos que provocam o progresso terapêutico na psicanálise

119 119 120 122

126 135 145 150 162 167

Parte III Pr·oblcmas clínicos e técnicos nas tJ·ansferências narcísicas 8. OBSERVAÇÕES GERA IS SOBRE AS TRANSFERÊNCIAS NARCÍSICAS Considerações teóricas Considerações clfnicas Estados traumáticos

173 173 186 193

9. ILUSTRA ÇÃO CLÍNICA DAS TRANSFERÊNCIAS l..JARCÍSJCAS

201

10. ALGUMAS REA ÇÕES DO ANA LISTA À TRANSFERÊNCIA JDEALIZADORA

217

11. ALGUIV!AS REAÇÕES DO ANALISTA ÀS TRANSFERÊNCIAS ESPECULA RES

225

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12. ALGU MAS TRANSFORM AÇÕES T ER A PÊUTICAS NA ANÁLISE DE PERSONALIDADES NARCÍS ICAS A ume nlo e expansão do amor objetai

245 245

Desenvolvimentos progressivos e integradores den tro da área narcfsica

246

Empatia Criatividade Humor e sabedoria

254

248 266

Bibliografia

270

Relação de Casos

283

Índice

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AGRADECIMENTOS

O psicanalista que apresenta o que espera serem válidos insights da psicologia profunda deve, em primeiro lugar, re nde r sua gratidão a seus pacie ntes, de c uja cooperação e crescente a utocompreensão ele se benet'iciou . Em segundo lugar, eleve agradecer a seus alunos, cujas discussões e perguntas constitue m um inestimável ince nti vo para o professor que começa a dividir suas novas idéias c descobertas com a próxima geração de colegas . Por difere ntes razões, e mbora óbvias, conforme o caso, os agradeci me ntos dirigidos a esses doi s grupos de ajudantes devem ser gerais, e os destinatários dessa gratidão devem permanecer anônimos. Há outras pessoas a quem posso expressar diretamente minha gratidão. Devo um agrad ecimento especial a Anna Freud, que leu a primeira versão deste estudo . S uas pergu ntas es timularam-me e m muitas direções importantes. Sou especialme nte grato à Dr~ Marianne Kris pelo incessante apo io que me deu para prosseguir minhas investigações. Sou também grato a um grupo de colegas que me deram suas opi niões às versões posteriores do manuscrito: Drs. Michael F . Basch, Ruth S. Eissler, John E. Gedo, Arnold Goldberg, George H . Klumpner, Paul H . Ornstein, Pau l H. Tolpin e Jan ice Norton. O Dr. Charles Kligerman, além disso, ajudou-me de fom1a decisiva na elaboração do título deste livro. Agradeço a ajuda de colegas que se consultaram comigo e de candidatos a quem supervisei. O material dos casos que se me torno u ass im disponível petmitiu-me ampliar as bases empíricas de minha apresentação. Nesse aspecto, devo agradecimentos aos Drs. David Marcus, Janice Norton, A nna Ornstein e Paul H . Ornste in. Quero agradecer aos diretores elo J ournal of the American PJ)'Choanalytic Associati.on, elo lntemational Joumal of Psycho-Analysis e de The PJychoanalytic Study of the Child pela permissão de usar ma terial q ue apareceu pela primeira vez em suas publicações. A ajuda financeira para a preparação do manuscrito final, cuidadosamente datilografado por Regina Lieb e Lillian Bigler, veio de: (a) Fundo Charlotte Rosenbaum, por intermédio da C línica Estudantil de Saúde Mental e do Departamento de Ps iquiatria da Uni versidade de Chicago; e (b) Fundo de Pesquisas do Instituto de Psicanálise de Chicago. Finalme nte , desejo agradecer a Lottic M. Newman pela ajuda com a prepa ração do manuscrito para publicação. Seus sensíveis conselhos refe- 11-

rentes a melhorias de fo rma e conteudo foram .s empre voltados para achar a melhor maneira de comunicar minhas idéias do modo mais claro possfvel. Nossa cooperação foi uma experiência muito gratificante para mim .

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PREFÁCIO

O tema do narcisismo, isto é, da catexia do self (Hartmann) é bastante vasto e importante, uma vez que se pode com razão dizer que se refere à metade do conteúdo da mente humana - a outra me tade constituindo, naturalmente, os objetos. Fazer uma apresentação abrangente dos problemas do narcisismo seria, portanto, um e mpreendimento de imensas proporções que bem poderia ultrapassar o conhecimento e a capacidade de qualquer colaborador isolado . Entre tanto, mais importante ainda do que a magnitude da tarefa é o fato de que uma apresentação abrangente pressupõe um campo que está ma is ou menos estabelecielo, ou cuja investigação parece, pelo menos, ter a ting ido um nível es tá vel. Em ou tras palavras, uma a bordagem em forma de livro é particularmente adequada para aque le ponto no tempo em que se fez urna série de importa ntes avanços num campo específico e estes agora exigem uma avaliação e uma integração mais imparcial, na forma de um levan tamento que tente reunir os conhecimentos recém-adquiridos e apresentá-los numa fo rma eq uilibrada. Essas não são as condições que prevalecem no momento a respeito do tema do narcisismo. Um avanço apare ntemente simples, mas pioneiro e decisivo, na metapsicologia psicanalftica, a sepru·ação conceitual e ntre self e ego (Hru·tmann); o inte resse na aquisição e na manutenção ele uma " ide ntidade", bem como nos pe1igos aos quais es te conteúdo mental (pré)consciente é exposto (Eri kson); a gradual cri stalização de uma existência psicobiológica separada, fora da matriz da uni ão de mãe e criança (Mahlcr); e algumas detalh adas e importantes contribuições clfnico-teóricas (Jacobson) e clínicas (A. Reich) formuladas psicanaliticamente nos últimos a nos- todo esse trabalho atesta o cresce nte interesse elos psicanalistas por um assu n to que te ndia a ser lançado para o segund o plano pelo farto material que contribui para a in vcs tig açlio do mundo dos objetos, isto é, para as vicissitudes d inüm icas c evoluti vas elas imagos, o u - mais ele acordo co m a posição centra l dos processos cognit ivos elo ego elo que com a dos impulsos, denu·o elo contexto elo id- das re prese ntações dos objetos. Uma das clificulclacles e nfrentadas quando se abordam os proble mas teóri cos do narc isis mo - uma clific ulclacle que até agora tem se tornado mai o r do que a con fu são antes generalizada e ntre a catexia do se lf e a catexia elas fu nções do ego- é a su posição freqíiente ele que a existência de relações obje tais exclui o narc isismo. Pelo conu·ário, conforme se enfati- [3 -

zará nas páginas seguimes, algumas das mais intensas experiências narcfsicas relacionam-se a objetos; isto é, objetos q ue são usados a serviço do self e da manutenção de :;eu investimento instintivo, ou objetos que são, e les próprios, vivcnciados como parte do self. Rcferir-mc-ei a estes últimos como self-objetos. Alguns esclarecimentos conceituais básicos devem ser feitos de início. Por um lado, as noções de self, e por outro, de ego, superego e id, bem como as de personalidade e identidade , são abstrações que per tencem a níveis diferentes de formação conceitual. O ego, o id e o superego são os componentes na psicanálise de uma abstração especffica, de alto nível, isto é, distante da experiência: o aparelho psíquico. Personalidade, embora muitas vezes útil no sentido geral, como identidade, não é inerente à psicologia psicanaHtica; pertence a uma estrulUra teórica diferente, que está mais de acordo com a observação do comportamento social e com a descrição da experiência (pré)consciente da própria prova na interação com os outros do que com as observações da psicologia profunda . O self, entretanto, surge na situação psicanalítica e é conceituado na fom1a de uma abstração psicanaHtica de um nível relativamente baixo, isto é, relativamente próxima à experiência, como um conteúdo do aparelho mental. Embora não seja, dessa forma, uma instância da mente , é urna estru tura dentro da mente, pois (a) está catexizado com energia instintiva e (b) tem continuidade no tempo, isto é, é duradou ro. Sendo uma esu·utura psfquica, o self tem também, além disso , uma localização psf4uica . Mais espec ifi c~me nte, várias - e freqüentemente inconsistentes - representações do self estão presentes não somente no id, no ego e no superego, mas também dentro de uma única instância da mente. Podem existi.J·, por exemplo, representações conu·aditórias do self, conscientes e pré-conscientes - por exemplo, de grandiosidade e inferioridade - lado a lado, ocupando locais delimitados dentro do ego o u posições setoriais na esfera da psique na qu al id e ego formam um contín uo. O self, assim, bastante análogo às representações dos objetos, é um conteúdo do aparelho mental, mas não é um dos seus constituintes , isto é, não é uma das instâncias da mente. Tais esclarecimentos teóticos fornecem uma estrutura para o principal tema deste li vro que tenta integrar dois objetivos: a descrição em profundidade de um g rupo de fenômenos específicos normais e anormais denu·o da esfera do narc isismo e a compreensão da fase evolutiva especffica que está geneticamente ligada a eles. O campo desta monografia, apesm· de extenso, forma somente parte de um estudo mais amp lo do narcisismo. Especificamente, este estud o concentra-se quase com exclusividade no papel das forças libidinais na

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análise de persona lidades narcísicas; a discussão do papel da agressividade será vista em separado . Por outro lado, este livro é uma continuação e expansão de uma série de estudos, publicados em 1959, 1963 (com Seitz), 1966 e 1968. O mate1·ial dos casos, as conclusões tiradas a partir dele, e as conceituações contidas nesses trabalhos, fo ram livremen te usados nas páginas seguintes. Esta monografia constitui o burilamento e a fi nalização da investigação dos aspectos libidinais do narcisismo que haviam sido iniciados nesses ensaios anteriores.

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CAPÍTULO l

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

O tema desta mo nografia é o estudo de certos fenômenos de transferência, OLJ semelhantes à transferência, na psicanálise de personalidades narcísicas, e das reações do analista a eles, inclusive de suas contratransferências. O foco básico de atenção não se concentrará em esquizofrenias e depressões, que estão se ndo tratadas por diversos psicanalistas com especial interesse e talento neste campo, ou mesmo em formas mais brandas ou disfarçadas de psicoses, às quais muitas vezes são citadas como estados fron teiriços, mas nos distúrbios de personalidade específicos, contíguos, de menor gravidade, 1 cujo tratamento constitui uma considerável parte daprática psicanalítica atual. Sem dúvida, nem sempre é fácil estabelecer uma linha demarcatória entre essas condições e as graves perturbações com que elas parecem estar relacionadas. Durante 011cilações regressivas temporárias no decorrer da análise de alguns desses pacientes, podem surgir sintomas que possivelmente pareceriam, à primeira vista, ser indicativos de psicose para aqueles que não estão acostumados com a análise de graves perturbações narcísicas de personalidade. No entanto, estranhamente, nem o analista nem o paciente tendem a ficar muito alarmados por essas experiências regressivas temporárias, mesmo que seu con teúdo (desconfiança paran6ide, por exemplo; ou sensações físicas delirantes e mudanças profu ndas na autopercepçüo), se julgado isoladamente, justifique mesmo a apreensão de ser iminente um sério rompimento com a realidade. Mas o quadro total continua tranqliilo, em particular o fato de que costuma ser possível identificar o even to que precipitou a regressão, e de que o próprio paciente logo aprende a procurar pela pertu rbação na transferência (um mau acolhimento da parte do analista, por exemplo), quando o desenvolvimento regressivo es tá acontecendo. Uma vez que o analista tenha se acostumado com o paciente- e, em particu lar, logo que e le observou que uma das formas da u·ansferência narcísica estabeleceu-se espontaneamente - em geral, ele será capaz de 1 Dos diferentes casos rcfcritlos neste livro, somente um (paciente G.) era psicótico. Todos os outros eram pessoas ativas, re lativamente bem ajustadas~ sociedade, com desempenho razoavellllCntc bom, e cujos disnlrl>ios de personalidade, no entanto,_interferiam de forma mais ou menos stria em sua capacidade para u·al>alhar c produzir, c com a feli cidade e a paz interior.

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chegar à confiante conclusão de que a pcrLUrbação dominante do paciente não é uma psicose, e mais tarde ele manterá sua convtcção apesar da ocorrência dos fenômenos acima mencionados no decorrer da análise, gravemente regressivos , mas temporários. Como se deve diferenciar entre a psicopatologia das perturbações narcísicas da personalidade analisáveis e as das psicoses e dos estados fronteiriços? A partir de que características identificáveis do comportamento do paciente, ou de sua sintomatologia, ou do processo analítico podemos obter a sensação de relativa segurança experimentada por analisando e analista; apesar da presença de a lguns sintomas iniciais apare ntemente agou rentos e de alg umas oscilações regressivas aparentemen te perigosas durante a análise? Estou discutindo essas questões com alguma relutância a esta altura, não somente porque confio em que esta monografia, como um todo, gradualmente esclarecerá a questão do diagnóstico diferencial à medida que a compreensão teórica e a descrição clfnica se integrem na mente do leitor, mas especialmente em vista do fato de que minha abordagem da psicopatologia é g uiada por uma 'orientação de psicologia profunda que não me leva a ver os fenômenos clínicos de acordo com o tradicional modelo médico, ou seja, como en tidades de doença ou sfndromes patológicas que devem ser diagnosticadas e diferenc iadas com base em critérios comportamentais. Para aux iliar na exposição, entretanto, fornecerei agora um resumo prévio dos pontos essenciais da patologia desses pacientes analisáveis em termos d inâmico-estruturais e genéticos, e um esboço de como as queixas desses indivíduos podem ser compreendidas tendo como pano de fundo uma compreensão metapsicológ ica de sua perturbação de personalidade. Esses pac ientes es tão sofrendo de perturbações espec(ficas na esfera do self e na daque les objetos arcaicos catexizaclos com libido nmcfsica (self-objetos) que ainda es tão em íntima co nexão com o self arcaico (isto é, objetos que não são vivenciados como separados e independentes do selt). Apesar do fato de gue os pontos de fixação da psicopatolog ia dominante destes casos estão situados num período bastante antigo do eixo temporal do desenvo lvimento psíquico, é importante enfatizar não somente as deficiências da organ ização psíquica desses pac ientes , mas tabém as qualidades. 2 2 É importante ressaltar que a natureza da psicopatologia não está necessariamente relacionada~ gravidade do distúrbio. Existem condições clfnicas incapacit;ullcs (por exemplo, estados histéricos de fuga em proporções psic6Licas), causadas pela maciça intrusão das catcxias de objetos infantis que dominam o ego- realidade; c há breves disfunções de porções circunscritas do ego (por exemplo, certos atos falhos) que se devem ao efeito da c.,tex ia narcfsica. Um exemplo nolável de tal ato falho narcfsico encontra-se em Kohut ( 1970a).

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No lado negativo, podemos dizer que esses pacientes pe1maneceram fixados em config urações arcaicas grandiosas do self e/ou em objetos arcaicos, superestimados e narcisicamente catexizados. O fato de que essas configurações arcaicas não tenham ficado integradas com o resto da personalidade tem duas conseqüências principais: (a) a personalidade ad ulta e suas funções maduras são empobrecidas porque são privadas das energias que estão investidas nas estruturas antigas; e/ou (b) as atividades adultas, realistas, desses pacientes são tolhidas pela ruptura e pela intrusão das estruturas arcaicas e de suas arcaicas ·reivindicações. Em outras palavras, o efeito patogênico do in vestimento dessas contigurações arcaicas é, em ce1tos aspectos, análogo ao efeito exercido pelo in vestimento instintivo de objetos incestuosos inconscientes reprimidos nas clássicas neuroses de transferência. Apesar de sua psicopatologia poder ser desconcertante, é importante perceber que esses pacientes têm qualidades específicas que os diferenciam das psicoses e dos estados fronteiriços. Ao contrário dos pacientes que sofrem destes tíltimos distúrbios, os pacientes com perturbações narcísicas ela personalidade conseguiram na essência um self coeso e construíram objetos arcaicos idealizados coesos. E, ao contrário das cçmdições que prevalecem nas psicoses e nos estados fro nteiriços, esses pacientes não estão seriamente ameaçados pela possibilidade de uma desintegração iiTeversível do self arcaico o u dos objetos arcaicos narcisicmne nte catexizados. Em conseqüência da obtenção dessas configurações psfquicas, coesas e está veis, esses pacientes são capazes de es tabelecer transferências narcísicas estáveis e específicas, que p~.!rmitem a reativação terapêutica das esu·uturas arcaicas sem o perigo de sua fragmentação por meJO de outra regressão: são, assim, analisáveis. Pode-se acrescentar, a esta altura, que o estabe lecimento espontâneo de uma das transferências narcfsicas estáveis é o melhor e mais confiável s inal diagnóstico que diferencia esses pacientes elos psicóticos ou dos casos frontei riços por um lado, e elas neuroses de u·ansferência comuns, por outro. Em outras palavras, a avaliação de uma amílise de prova tem maior valor diagnóstico e prognóstico do que as conclusões resu ltantes elo exame de si ntomas e manifestaç.ões comporLamentais. Os dois sonhos típicos que se seguem podem nos fomecer uma compreensão prévia da natureza das transferências narcfsicas na análise das perturbações narcísicas da personalidade, em par tic ul ~u· elo fato de que a psicopatologia espec ífica q ue é mobilizada na transferência não ameaça o paciente com a desintegração psicótica. Sonho 1: O paciente está num foguete, girando em tomo do Globo, distante da Terra. No e ntanto, está protegido de um arremesso para o es-

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paço fora de conu-ole (psicose) pela invisfvel mas fo n emente e ficaz au-ação da Terra (o analista nal'cisicamente catexizado, isto é , a transferência narcfsica) no centro de sua órbita. Sonho 2: O paciente es tá num balanço, balançando-se para frente e para tiás , cada vez mais al to - no entanto, nunca há um sério perigo de o paciente voar para o espaço ou balançar-se sem controle fazendo um círculo comple to. O primeiro sonho foi son hado de forma quase idêntica por dois pacie ntes que não são mais mencionados neste tiabalho. O segundo sonho foi sonhado pela srta. F num período em que se sentia ansiosa graças à estimulação causuda por seu intenso exibicionismo arcaico que havia sido mobilizado em meio ao trabalho analítico. /\ trans ferê ncia narcfsica protegeu os dois primeiros pacientes contia o perigo de uma po tencial p erda permanente do self (isto é, contra a esquizofrenia), um perigo que havia su rgido em conseqüência da mobilização de fan tasias a rcaicas grandiosas du rante a terapia. No segundo caso, a transferência narcfs ica pro tegia o paciente contra uma supe restimulação potencialme nte perigosa do ego (um estado lhipo)manfaco) - uma superestimulação que se havia tornado uma ameaça como resultado da mobilização da libido exibicionista arcaica durante a análise. O relacionamen to tiansferencial com o analista que é retiatad o nesses sonhos, em todos os três exemplos é impessoal (a atração impessoal da gravidade, o paciente estando ligado ao centro do balanço) uma notável demonstração da natureza narcfsica do relacionamento. Embora a psicopatologia essencial das perturbações narcfsicus da personalidade difira substancialmente da psicopatologia das ps1coses, o es tudo da primeira contribui para nossa compreensão desta última. O exame das oscilações específicas, terapeu ticamente contioladas e limitadas, te ndentes à fragmentação do self e dos self- objetos e os fenômenos quase-psicóticos correlatos que ocorrem não poucas vezes no decorre r da análise de perturbações narcfsicas da personalidade oferece, em particular, um acesso promissor à compreensão das psicoses - assim como pode ser proveitoso examinar, e m pro fundidade e detalhe, a reação de algumas células malignas o u q uase malignas dentro do tecido saudável do organismo, em vez de abordar o problema do carcinoma pela atenção exclusiva sobre os pacientes que estão morrendo de metástases generalizadas. Dessa forma, embora esta monogra11a não tiate das psicoses e dos estados fro nteiriços, farei agora algumas afirmações acerca das perspectivas adquiridas a partir dessas g raves formas de psicopatologia à luz dos distúrbios analisáveis com os quais estou lidando. Como acontece com as penu rbações na rcísicas da personalidade, os distúrbios psicóticos devem não some nte (e talvez nem mes mo prcdoml-

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nantemente) ser examinados à luz da investigação de sua regressão (a) do amor objetal (b) para o narcisismo (c) para a fragmentação auto-erótica e (d) restituição secundária (delirante) da realidade. Em vez disso, é especialmente proveitoso examinar a psicopatologia das psicoses - em harmonia com o pressuposto de que o narcisismo segue uma linha independente de desenvolvimento -- à luz da investigação de sua regressão ao longo de um caminho parcialmente diferente que conduz através das seguintes estações intermediárias: (a) a desin tegração de fom1as mais altas de narcisismo; (b) a regressão a posições narc{sicas arcaicas; (c) o colapso das posições narcfsicas arcaicas (incluindo a perda de objetos arcaicos narcisicamente catexizados), portanto a fragmentação do self e dos self-o bjetos arcaicos; e (d) a ressurreição secundária (restituliva) do self arcaico e dos objetos narcfsicos arcaicos numa forma manifestamente psic6tica.3 A última fase mencionada s6 é encontrada de passagem durante a análise de perturbações narcísicas da personalidade; mas os importantes fenômenos efêmeros permitem a obser vação de detalhes que estão escondidos nas posições patológicas rigidamente estabelecidas nas psicoses. Por exemplo, é particularmente instrutiva a comparação das configurações narcísicas arcaicas coesas (o self grandioso e a imago parenta! idealizada) (a) com suas formas regressivamente alteradas à medida que se movem em direção à fragmentação, e (b) com suas contrapartidas res titutivas quando a condição ríg ida e crônica de uma psicose mais ou menos manifesta se estabeleceu. Detalhes de alg umas das expedências do paciente com fragmenLos hipercatexizados e desconexos do corpo, da mente, e de funções fís icas e mentais podem, por exemplo, ser observados durante as regressões terapêuticas temporádas a partir do self grandioso coesivamente catexizado e a partir da imago parenta! idealizada que podem não ser acessíveis nas regressões correspondentes das psicoses em que a capacidade de comunicação fica gravemente per tu rbada e a auto-observação é diminuída o u grandemente distorcida. Por meio de leves oscilações regressivas, entretanto, que ocorrem durante a análise de perturbações narcísicas da personalidade, temos acesso a muitas sutilezas dessas transf01mações regressivas. Podemos ver detalhadamente , e estudar com relativa calma, os vários distúrbios de sensação física e au topercepção, a degeneração da lingua3 Para uma abordagem recente da mctapsicologia das psicoses, vide Arlow c Brenner ( 1964). Em oposição à tese aqui advogada, esses autores acreditam que us psicoses (c assim, por implicação, também as perturbações) podem ser ndcqundrunente elucidadas explicando-se os sin tomas c os disnlrbios comportamcntais do paciente psicótico como uma conseqüência de seus conllitos e defesas, istQ é, em essência, dentro do quadro de referência da metnpsicologia das neuroses de transferência.

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gem, a concreuzação do pensamento e a