Análise Complexa em uma Variável e Aplicações

Este é um livro de apoio ao inı́cio do estudo de Análise Complexa e centra-se nos aspectos básicos de funções compl

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Análise Complexa em uma Variável e Aplicações

Table of contents :
Prefácio-0.1cm......Page 5
Introdução......Page 17
Estrutura algébrica......Page 18
Estrutura topológica......Page 22
Representação geométrica de funções......Page 27
Funções polinomiais e funções racionais......Page 31
Função exponencial......Page 32
Funções trigonométricas e hiperbólicas......Page 33
Logaritmos......Page 35
Potências e exponenciais de base complexa......Page 37
Funções trigonométricas inversas......Page 38
Limite e continuidade......Page 39
Introdução......Page 41
Diferenciabilidade e derivada......Page 42
Transformações conformes......Page 51
Introdução......Page 65
Integral em caminho......Page 67
Primitiva......Page 70
Teorema de Cauchy local......Page 75
Índice de caminho fechado e homotopia de caminhos......Page 76
Fórmula de Cauchy local em conjuntos convexos......Page 80
Introdução......Page 83
Sucessões e séries de números complexos......Page 86
Sucessões e séries de funções uniformemente convergentes......Page 87
Séries de potências......Page 88
Definição e propriedades básicas de funções analíticas......Page 91
Zeros de funções analíticas......Page 94
Fórmula de Parseval para séries de potências......Page 95
Introdução......Page 105
Holomorfia, analiticidade e teorema de Cauchy local......Page 107
Teorema Fundamental da Álgebra......Page 110
Estrutura local de funções holomorfas......Page 111
Analiticidade das séries de funções analíticas......Page 116
Cadeias e ciclos......Page 125
Teorema e fórmula de Cauchy globais......Page 130
Invariância de integrais de funções holomorfas......Page 131
Regiões simplesmente e multiplamente conexas......Page 132
Extensões do Princípio do Módulo Máximo......Page 135
Introdução......Page 145
Singularidades e séries de Laurent......Page 147
Funções meromorfas e teorema dos resíduos......Page 150
Contagem de zeros e pólos de funções meromorfas......Page 158
I. Elementos de topologia geral......Page 181
II. Espaços de homologia e teorema da curva de Jordan......Page 205
-0.13cmBibliografia......Page 215

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ANÁLISE COMPLEXA EM UMA VARIÁVEL E APLICAÇÕES

Luis T. Magalhães

Agosto de 2018

Departamento de Matemática • IST • Lisboa

Estas notas s˜ ao parte de um texto em prepara¸c˜ao, com cap´ıtulos adicionais.

Facultam-se para utiliza¸c˜ao exclusiva por professores e alunos do IST.

´Indice Pref´ acio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 Plano complexo 1.1 Introdu¸c˜ ao . . . . . 1.2 Estrutura alg´ebrica . 1.3 Estrutura m´etrica . . 1.4 Estrutura topol´ ogica

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2 Fun¸ co ˜es 2.1 Introdu¸c˜ ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.2 Representa¸c˜ ao geom´etrica de fun¸c˜oes . . . . 2.3 Fun¸c˜ oes polinomiais e fun¸c˜oes racionais . . 2.4 Fun¸c˜ ao exponencial . . . . . . . . . . . . . . 2.5 Fun¸c˜ oes trigonom´etricas e hiperb´ olicas . . . 2.6 Logaritmos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.7 Potˆencias e exponenciais de base complexa 2.8 Fun¸c˜ oes trigonom´etricas inversas . . . . . . 2.9 Limite e continuidade . . . . . . . . . . . .

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1 1 2 6 6

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11 11 11 16 16 17 20 21 22 23

3 Derivada 25 3.1 Introdu¸c˜ ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 3.2 Diferenciabilidade e derivada . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 3.3 Transforma¸c˜ oes conformes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 4 Integral 4.1 Introdu¸c˜ ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.2 Integral em caminho . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.3 Primitiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.4 Teorema de Cauchy local . . . . . . . . . . . . . . . 4.5 ´Indice de caminho fechado e homotopia de caminhos 4.6 F´ormula de Cauchy local em conjuntos convexos . .

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49 49 51 54 59 60 64

5 Fun¸ co ˜es anal´ıticas 5.1 Introdu¸c˜ ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.2 Sucess˜oes e s´eries de n´ umeros complexos . . . . . . . . . . 5.3 Sucess˜oes e s´eries de fun¸c˜oes uniformemente convergentes 5.4 S´eries de potˆencias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.5 Defini¸c˜ ao e propriedades b´ asicas de fun¸c˜oes anal´ıticas . . 5.6 Zeros de fun¸c˜ oes anal´ıticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.7 F´ormula de Parseval para s´eries de potˆencias . . . . . . .

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67 67 70 71 72 75 78 80

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´ INDICE

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6 Unifica¸ c˜ ao de holomorfia, analiticidade, teorema de Cauchy 6.1 Introdu¸c˜ ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.2 Holomorfia, analiticidade e teorema de Cauchy local . . . . ´ 6.3 Teorema Fundamental da Algebra . . . . . . . . . . . . . . 6.4 Estrutura local de fun¸c˜oes holomorfas . . . . . . . . . . . . 6.5 Analiticidade das s´eries de fun¸c˜oes anal´ıticas . . . . . . . .

89 . 89 . 91 . 94 . 95 . 100

7 Teorema e f´ ormula de Cauchy globais 7.1 Introdu¸c˜ ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7.2 Cadeias e ciclos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7.3 Teorema e f´ormula de Cauchy globais . . . . . 7.4 Invariˆ ancia de integrais de fun¸c˜oes holomorfas . 7.5 Regi˜ oes simplesmente e multiplamente conexas 7.6 Extens˜ oes do Princ´ıpio do M´odulo M´aximo . .

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8 Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos 8.1 Introdu¸c˜ ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8.2 Singularidades e s´eries de Laurent . . . . . . . . . . 8.3 Fun¸c˜ oes meromorfas e teorema dos res´ıduos . . . . . 8.4 Contagem de zeros e p´ olos de fun¸c˜oes meromorfas .

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109 109 110 114 115 116 119

res´ıduos129 . . . . . 129 . . . . . 131 . . . . . 134 . . . . . 142

Apˆ endices 165 I. Elementos de topologia geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165 II. Espa¸cos de homologia e teorema da curva de Jordan . . . . . . 189 Bibliografia

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Pref´ acio Este ´e um livro de apoio ao in´ıcio do estudo de An´alise Complexa e centra-se nos aspectos b´ asicos de fun¸c˜ oes complexas de uma vari´ avel. O tema tem trˆes caracter´ısticas interessantes: ideias simples unificadoras e clarificadoras de conceitos que (em an´ alise real) aparecem como distintos ou complicados, fertilidade para o desenvolvimento de outras ´areas da matem´ atica, e relevˆancia para aplica¸c˜ oes a outras ciˆencias e `a engenharia. A An´alise Complexa tem caracter´ısticas unificadoras e explicativas de conceitos e situa¸c˜ oes encontrados em ´algebra e an´ alise real elementares que se tornam evidentes no quadro complexo, como se vˆe com os exemplos simples: (i) Todo n´ umero real ou complexo diferente de zero tem exactamente n ra´ızes complexas de ordem n distintas, igualmente espa¸cadas numa circunferˆencia de centro na origem do plano complexo, quando pode ter zero, uma ou duas ra´ızes reais1 . (ii) As equa¸c˜ oes polinomiais com coeficientes reais ou complexos de grau n tˆem sempre n solu¸c˜ oes complexas, contando multiplicidades, quando at´e podem n˜ ao ter qualquer solu¸c˜ao real, mesmo quando tˆem coeficientes reais2 . (iii) No quadro complexo as fun¸c˜oes trigonom´etricas podem ser expressas em termos da fun¸c˜ ao exponencial, unificando fun¸c˜oes que no quadro real aparecem desligadas. (iv) As s´eries de Taylor3 de fun¸c˜oes complexas indefinidamente diferenci´ aveis num ponto convergem absolutamente para o valor da fun¸c˜ao nos pontos a uma distˆ ancia menor do que um raio de convergˆencia e divergem nos pontos a distˆ ancia maior do que este valor, que ´e precisamente a distˆ ancia do ponto considerado aos pontos mais pr´ oximos em que a fun¸c˜ ao n˜ ao ´e diferenci´ avel ou n˜ ao est´ a definida, quando a s´erie de Taylor de uma fun¸ca˜o real indefinidamente diferenci´ avel pode n˜ ao convergir para a fun¸c˜ ao sem que ocorram pontos em que deixe de ser indefinidamente diferenci´ avel4 . Portanto, no quadro complexo as √ √ √ Resp., 2k a, com a < 0 e k ∈ N , 2k+1 a, com a < 0 e k ∈ N ou ± 2k a, com a > 0 e k ∈ N . Abrevia-se “respectivamente” por “resp.” em todo o texto. 2 e.g. x2k +1 = 0 , com k ∈ N . 3 Taylor, Brook (1685-1731). 4 1 e.g. a fun¸c˜ ao real 1+x e indefinidamente diferenci´ avel em R , mas tem s´erie de Taylor 2 ´ convergente se |x| < 1 e divergente se |x| > 1 , enquanto a fun¸c˜ ao complexa definida pela mesma f´ o√ rmula ´e indefinidamente diferenci´ avel para |x| < 1 , mas n˜ ao est´ a definida nos pontos ± −1, que tˆem valor absoluto 1, o que explica que o raio de convergˆencia seja 1. 1

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An´ alise Complexa em Uma Vari´ avel

fun¸c˜ oes anal´ıticas5 s˜ ao precisamente as fun¸c˜oes diferenci´ aveis, o que n˜ ao se verifica no quadro real. Al´em disso, uma fun¸c˜ao complexa diferenci´ avel ´e automaticamente indefinidamente diferenci´ avel e anal´ıtica, quando uma fun¸c˜ ao real diferenci´ avel pode at´e n˜ ao ter segunda derivada. Um outro aspecto ´e a fertilidade da An´alise Complexa para o desenvolvimento de outras ´ areas da Matem´atica, como Teoria do Potencial e Equa¸c˜oes Diferenciais Parciais (dado que as partes real e imagin´ aria de uma fun¸c˜ao complexa diferenci´ avel s˜ ao solu¸c˜oes da equa¸c˜ao diferencial parcial de Laplace que ´e satisfeita pelo potencial associado a fen´omenos de equil´ıbrio de processos conservativos em meios cont´ınuos), An´alise Funcional e C´ alculo de Varia¸c˜ oes (pois as solu¸co˜es da equa¸c˜ao de Laplace satisfazem o Princ´ıpio de Dirichlet de minimiza¸ca˜o do quadrado da norma do resp. gradiante, o que corresponde a minimizar a energia dos campos vectoriais de que s˜ ao potenciais), An´alise Harm´ onica (uma vez que s´eries de Fourier e transforma¸c˜oes de Fourier e de Laplace s˜ ao definidas no quadro complexo), Geometria Diferencial (em que a pr´ opria no¸c˜ao de variedade diferencial e de Geometria Riemanniana encontrou a primeira motiva¸c˜ao nas chamadas “superf´ıcies de Riemann” inicialmente consideradas em An´alise Complexa para resolver por fun¸c˜ oes (que definem rela¸c˜oes un´ıvocas) a “invers˜ ao” de fun¸c˜oes n˜ ao injectivas6 ), Topologia Alg´ebrica (pois as no¸c˜oes de n´ umero de rota¸c˜ao de caminho fechado, homotopia, homologia, recobrimento, grupo fundamental ocorrem naturalmente no estudo de fun¸c˜oes de uma vari´ avel complexa), Geometria Alg´ebrica (pois os conjuntos de n´ıvel de fun¸c˜oes complexas s˜ ao curvas alg´ebricas), Teoria Anal´ıtica de N´ umeros (em que a distribui¸c˜ao dos n´ umeros primos pode ser esclarecida atrav´es da Fun¸c˜ao Zeta de Riemann7 ). A An´alise Complexa tem muitas aplica¸c˜oes. O seu desenvolvimento inicial confundiu-se com o de certas ´areas de aplica¸c˜ao como cartografia, hidrodinˆ amica, aerodinˆ amica, elasticidade, electroest´ atica, electromagnetismo, processos de difus˜ ao em qu´ımica e em biologia. A liga¸c˜ao da An´alise Complexa a ´ areas de outras ciˆencias e da engenharia ´e t˜ao ´ıntima que o pr´ oprio desenvolvimento de v´arias dessas ´areas se confundiu com os m´etodos de An´alise Complexa, por exemplo no c´alculo do movimento de fluidos, da elasticidade em s´ olidos, dos campos el´ectricos e electromagn´eticos resultantes de distribui¸c˜ oes de cargas e correntes el´ectricas, da for¸ca de sustenta¸c˜ao de asas de avi˜oes, de sistemas de controlo, de an´ alise de sinais. Houve at´e uma ´epoca em que o termo Matem´atica Aplicada era praticamente sin´ onimo de m´etodos de an´ alise complexa e equa¸c˜oes diferenciais. Com estas caracter´ısticas, n˜ ao ´e surpreendente que v´arios dos mais destacados matem´ aticos de toda a hist´ oria se tenham interessado pela An´alise 5

i.e. represent´ aveis por s´eries de potˆencias num conjunto aberto. e.g. z 2 .P 7 −z ζ(z) = ∞ . Laplace, Pierre-Simon (1749-1827). Dirichlet, Johann Peter Gustav n=1 n Lejeune (1805-1859). Fourier, Joseph (1768-1830). Riemann, Bernhard (1826-1866). 6

Pref´ acio

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Complexa. Encontramos n˜ ao s´ o contribui¸c˜oes dos seis gigantes da hist´ oria da matem´ atica que contribu´ıram especialmente para a An´alise Complexa cujas biografias s˜ ao resumidas no apˆendice IV – Euler, Gauss, Cauchy, Weierstrass, Riemann e Poincar´e8 – como, mais recentemente, de matem´ aticos distintos entre os quais uma lista impressionante de premiados com a Medalha Fields9 em v´arios anos desde 1936, quando este pr´emio come¸cou a ser atribu´ıdo de quatro em quatro anos10 : L. Ahlfors (1936), A. Selberg (1950), K. Kodaira (1954), J.P. Serre (1954), M. Atiyah (1966), A. Grothendieck (1966), H. Hironaka (1970), E. Bombieri (1974), P. Deligne, C. Fefferman (1978), S.-T. Yau (1982), S. Donaldson (1986). S. Mori (1990), J.-C. Yoccoz (1994), C. McMullen (1998), M. Mirzakhani (2014). Tamb´em ´e interessante observar a rapidez do desenvolvimento da An´alise Complexa de fun¸c˜ oes de uma vari´ avel, principalmente nos cem anos de 1810 a 1910 e, com menos intensidade, nos trinta anos seguintes, embora com contribui¸c˜ oes pontuais importantes durante todo o per´ıodo desde ent˜ao. Este livro pode ser a base de uma primeira disciplina de um semestre de An´alise Complexa, mas tem a particularidade dos primeiros oito cap´ıtulos serem apresentados de modo adequado a uma primeira disciplina de meio semestre que tamb´em seja uma base s´ olida para estudos subsequentes. Usam-se frequentemente, desde o in´ıcio, representa¸c˜oes geom´etricas com o objectivo de desenvolver intui¸c˜ ao sobre as restri¸c˜oes e as formas de transforma¸c˜ao associadas ` a diferenciabilidade de fun¸c˜oes complexas, em particular explorando transforma¸c˜ oes conformes, o que transparece nas cerca de 150 figuras inclu´ıdas. Come¸ca-se por rever a defini¸c˜ ao de n´ umeros complexos, a sua representac¸˜ao geom´etrica como pontos de um plano e as estruturas alg´ebrica, m´etrica e topol´ogica do plano complexo, dando ˆenfase `a extens˜ao alg´ebrica dos n´ umeros reais pelos n´ umeros complexos e `a identifica¸c˜ao m´etrica e topol´ogica do plano complexo com o plano real. No cap´ıtulo 2 define-se exponencial complexa e as correspondentes fun¸c˜oes logaritmo, e s˜ ao esclarecidas as suas rela¸c˜oes com fun¸c˜oes trigonom´etricas, hiperb´ olicas e potˆencias, mostrando que no quadro complexo todas 8

Euler, Leonhard (1707-1783). Gauss, Carl Friedrich (1777-1855). Cauchy, AugustinLouis (1789-1857). Weierstrass, Karl (1815-1897). Poincar´e, Henri (1854-1912). 9 John Charles Fields (1863-1932) instituiu em 1936 as Medalhas Fields, consideradas uma esp´ecie de Pr´emio Nobel da Matem´ atica. Estas medalhas s˜ ao tradicionalmente atribu´ıdas a matem´ aticos com menos de 40 anos no Congresso Internacional de Matem´ atica que re´ une de 4 em 4 anos, embora tenha havido uma interrup¸c˜ ao entre 1936 e 1950 devida a II Guerra Mundial. ` 10 Ahlfors, Lars (1907-1966). Selberg, Atle (1917-2007). Kodaira, Kunhiiko (1915-1997). Serre, Jean Pierre (1926-). Atiyah, Michael (1929-). Grothendieck, Alexander (1928-2014). Hironaka, Heisuke (1931-). Bombieri, Enrico (1940-). Deligne, Pierre (1944-). Fefferman, Charles (1949-). Donaldson, Simon (1957-). Yoccoz, Jean-Christophe (1957-2016). Yau, Shing-Tung (1949-). Mori, Shigefumi (1951-). McMullen, Curtis (1958-). Mirzakhani, Maryam (1977-2017).

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An´ alise Complexa em Uma Vari´ avel

estas fun¸c˜ oes traduzem aspectos da fun¸c˜ao exponencial. S˜ ao introduzidos diversos modos de representa¸c˜ao geom´etrica de fun¸c˜oes complexas: deforma¸c˜ ao geom´etrica do plano pela representa¸c˜ao de fam´ılias de curvas e das suas imagens, gr´ aficos das partes real e imagin´ aria, gr´ aficos do m´ odulo e de um argumento, linhas de n´ıvel das partes real e imagin´ aria. Seguem-se trˆes cap´ıtulos dedicados, por ordem, `as no¸co˜es de derivada, integral e fun¸c˜ ao anal´ıtica. S˜ ao estabelecidas as condi¸c˜oes de Cauchy-Riemann entre as derivadas parciais das partes real e imagin´ aria da fun¸c˜ao em rela¸c˜ ao ` as partes real e imagin´ aria da vari´ avel independente que s˜ ao necess´arias para diferenciabilidade e exploram-se consequˆencias, em particular a de fun¸c˜ oes com derivadas diferentes de zero definirem transforma¸c˜oes conformes, analisando-se em detalhe a importante classe das transforma¸c˜oes de M¨obius11 e como deformam o plano complexo. No cap´ıtulo dedicado a integral, al´em da resp. no¸c˜ ao discute-se a existˆencia de primitiva, e estabelece-se o Teorema de Cauchy (integrais de fun¸c˜oes holomorfas em caminhos fechados s˜ ao nulos) e a F´ormula de Cauchy (que d´ a o valor de uma fun¸c˜ao holomorfa em termos de integrais em caminhos fechados) locais para fun¸c˜oes holomorfas (i.e. diferenci´ aveis) em conjuntos convexos, com base no resultado de E. Goursat que em 1900 dispensou a hip´ otese de continuidade da derivada; com a F´ormula de Cauchy obt´em-se a Propriedade de Valor M´edio de fun¸c˜oes holomorfas em c´ırculos fechados que d´ a que o valor da fun¸c˜ao no centro ´e a m´edia da fun¸c˜ ao na circunferˆencia que limita o c´ırculo. Adopta-se a op¸c˜ao de K. Weierstrass e E. Cartan de identificar a no¸c˜ao de fun¸c˜ao anal´ıtica com fun¸c˜ ao represent´ avel por s´erie de potˆencias; esclarece-se o conceito de convergˆencia simples, absoluta e uniforme de s´eries, e a convergˆencia de s´eries de potˆencias. Como aplica¸c˜oes, estabelece-se que as fun¸c˜oes anal´ıticas s˜ ao indefinidamente diferenci´ aveis e as derivadas de qualquer ordem tamb´em s˜ ao anal´ıticas, esclarece-se que os zeros de fun¸c˜oes anal´ıticas em regi˜ oes (i.e. conjuntos abertos conexos) em que n˜ ao se anulam s˜ ao pontos isolados e tˆem ordem finita, prova-se o Teorema de Unicidade de Fun¸c˜oes Anal´ıticas (fun¸c˜ oes anal´ıticas numa regi˜ ao que coincidem num conjunto que tem um ponto limite s˜ ao iguais), estabelece-se a F´ormula de Parseval para s´eries de potˆencias e usa-se esta f´ormula para obter as estimativas de Cauchy (majora¸c˜oes das derivadas de qualquer ordem num ponto em termos de majorantes da fun¸c˜ ao num c´ırculo centrado no ponto e no raio do c´ırculo), o Teorema de Liouville (as u ´ nicas fun¸c˜oes inteiras, i.e. anal´ıticas em todo C , limitadas s˜ ao as constantes), o Princ´ıpio do M´odulo M´aximo (fun¸c˜oes anal´ıticas com valores absolutos que assumem um valor m´ aximo numa regi˜ ao s˜ ao constantes) e o correspondente resultado para m´ınimos12 . O cap´ıtulo seguinte ´e de unifica¸c˜ao das no¸c˜oes introduzidas indepen11

, com a, b, c complexos e ad−bc 6= 0 . i.e. fun¸c˜ oes do tipo az+b cz+d ´ ´ M¨ obius, August Ferdinand (1790-1868). Goursat, Edouard (1858-1936). Cartan, Elie (1869-1951). Liouville, Joseph (1809-1882). 12

Pref´ acio

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dentemente nos trˆes cap´ıtulos precedentes, estabelecendo a equivalˆencia de holomorfia, validade do Teorema de Cauchy em conjuntos convexos, e ana´ liticidade. Prova-se o Teorema Fundamental da Algebra e esclarece-se a estrutura local de fun¸c˜ oes holomorfas, considerando-se tamb´em os teoremas da Fun¸c˜ ao Inversa e da Aplica¸c˜ao Aberta. Prova-se um teorema de Weierstrass que estabelece a analiticidade dos limites de sucess˜oes e s´eries de fun¸c˜ oes anal´ıticas uniformemente convergentes em conjuntos compactos. Assim, fica claro que o processo de extens˜ao de fun¸c˜oes polinomiais a fun¸c˜oes anal´ıticas pela considera¸c˜ ao de s´eries, quando aplicado a fun¸c˜oes anal´ıticas com a convergˆencia uniforme em conjuntos compactos, n˜ ao conduz a uma nova extens˜ ao das fun¸c˜ oes consideradas. O cap´ıtulo termina com resultados de A. Hurwitz13 sobre passagem de v´arias propriedades dos termos de sucess˜ oes de fun¸c˜ oes uniformemente convergentes em conjuntos compactos para os resp. limites (inexistˆencia de zeros, injectividade e inclus˜ao de contradom´ınios num mesmo conjunto). No cap´ıtulo 7 estabelece-se o Teorema e a F´ormula de Cauchy globais, expressos em termos de homologia de caminhos, que ´e definida com base no n´ umero de rota¸c˜ ao (ou ´ındice) de um caminho fechado em rela¸c˜ao a um ponto. Como consequˆencia, o Teorema de Cauchy ´e imediatamente v´alido para fun¸c˜ oes holomorfas em regi˜ oes simplesmente conexas. Tamb´em se consideram extens˜ oes do Princ´ıpio do M´odulo M´aximo a regi˜ oes ilimitadas. No cap´ıtulo seguinte consideram-se singularidades isoladas de fun¸c˜oes complexas, que s˜ ao classificadas como remov´ıveis, p´ olos e singularidades essenciais, e estabelece-se o desenvolvimento em s´erie de Laurent (s´erie de potˆencias que inclui expoentes inteiros negativos) de uma fun¸c˜ao numa singularidade isolada. Introduz-se a no¸c˜ao de fun¸c˜ao meromorfa (sem singularidades ou com singularidades que s˜ ao p´ olos isolados) e estabelece-se o Teorema dos Res´ıduos (que permite calcular integrais de fun¸c˜oes meromorfas sobre um caminho fechado por soma de res´ıduos dados pelo 1o coeficiente de ordem negativa da s´erie de Laurent em p´ olos na regi˜ ao limitada pelo caminho) como corol´ ario simples do Teorema de Cauchy Global do cap´ıtulo precedente. Seguem-se v´arias aplica¸c˜oes do Teorema dos Res´ıduos ao c´alculo de integrais de fun¸c˜ oes complexas e de fun¸c˜oes reais, incluindo integrais impr´oprios em R , e ` a prova do Princ´ıpio do Argumento e do Teorema de Rouch´e14 sobre contagem e localiza¸c˜ao de zeros e p´ olos. Termina aqui a parte com o objectivo espec´ıfico de apoiar uma primeira disciplina de meio semestre em fun¸c˜ oes complexas de uma vari´ avel. Alguns t´ opicos cl´ assicos importantes de An´alise Complexa em Uma Vari´ avel aparecem como exerc´ıcios, principalmente a partir do cap´ıtulo 6: princ´ıpio de simetria para fun¸c˜ oes holomorfas; ordem, tipo e g´enero de fun¸c˜ao inteira; teorema dos trˆes c´ırculos de Hadamard; fun¸c˜ao Gama (que estende 13 14

Hurwitz, Adolf (1859-1919). Rouch´e, Eug`ene (1832-1910).

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An´ alise Complexa em Uma Vari´ avel

factorial de n´ umeros naturais); teorema de Mittag-Leffler (de existˆencia de fun¸c˜ oes meoromorfas com p´ olos e partes singulares pr´e-estabelecidas); produtos infinitos (incluindo o teorema de factoriza¸c˜ao de Weierstrass que estende para fun¸c˜ oes inteiras a factoriza¸c˜ao de polin´ omios em factores elementares, cada um dependente de um dos zeros da fun¸c˜ao); fun¸c˜ao zeta de Riemann (a s´erie dos rec´ıprocos dos n´ umeros naturais elevados a cada ponto do dom´ınio, associada `a distribui¸c˜ao dos n´ umeros primos e `a relacionada Hip´otese de Riemann); expans˜ oes assimpt´oticas em s´eries de potˆencias (dando aproxima¸c˜ oes de fun¸c˜oes num ponto por s´eries que podem divergir); f´ormula de Jensen (para o valor de uma fun¸c˜ao no centro de um c´ırculo fechado em que ´e holomorfa); fun¸c˜oes el´ıpticas, i.e. fun¸c˜oes meromorfas biperi´ odicas, incluindo a fun¸c˜ao-℘ de Weierstrass; dom´ınio m´ aximo de existˆencia de uma fun¸c˜ ao holomorfa e dom´ınio de holomorfia de uma fun¸c˜ao (incluindo que toda regi˜ ao de C ´e dom´ınio de holomorfia de alguma fun¸c˜ ao); teorema de Runge (de aproxima¸c˜ao de fun¸c˜oes holomorfas por fun¸c˜oes racionais com p´ olos pre-fixados fora do conjunto de holomorfia); teorema de Mittag-Leffler (de existˆencia de fun¸c˜oes meromorfas com p´ olos e partes 15 singulares pre-fixados) . Tamb´em se incluem muitos exerc´ıcios sobre aplica¸c˜oes a diversas ´areas, e.g. circuitos el´ectricos, sistemas mecˆ anicos, hidrodinˆ amica, electroest´ atica, propaga¸c˜ ao de calor em equil´ıbrio, an´ alise e processamento de sinais, an´ alise e controlo de sistemas lineares, dinˆ amica de fluidos, aerodinˆ amica, elasticidade. A parte final do livro consiste em cinco cap´ıtulos adicionais em temas fundamentais mais avan¸cados, com incidˆencia em aspectos geom´etricos julgados particularmente u ´ teis para continua¸c˜ao do estudo de An´alise Complexa. Podem ser usados como base para a segunda parte de uma disciplina de um semestre ou para partes de disciplinas subsequentes, mas a principal raz˜ ao para os incluir ´e para despertar a curiosidade de estudantes pelos temas inclu´ıdos e apoiar o estudo individual desses assuntos. O cap´ıtulo 9 ´e sobre fun¸c˜oes harm´onicas, que s˜ ao as fun¸c˜oes que satisfazem num conjunto a equa¸c˜ao diferencial parcial de Laplace. Tˆem uma campo de aplica¸c˜ ao vasto porque as suas solu¸c˜oes correspondem a potenciais de campos vectoriais conservativos com divergˆencia nula e descrevem solu¸c˜ oes de equil´ıbrio de sistemas descritos em meios cont´ınuos, por exemplo para campo gravitacional num conjunto sem massas, campo el´ectrico num conjunto sem cargas el´ectricas, campo de velocidades de um fluido incompress´ıvel estacion´ ario e irrotacional, densidade em processos de difus˜ ao (em f´ısica, qu´ımica, biologia). Considera-se o Problema de Dirichlet de determina¸c˜ ao de uma fun¸c˜ ao harm´onica num conjunto limitado que na fronteira tem valores dados por uma fun¸c˜ao cont´ınua, primeiro em c´ırculos e depois 15

Hadamard, Jacques (1865-1963). Mittag-Leffler, Magnus G¨ osta (1846-1927). Jensen, Johan Ludwig (1859-1925). Runge, Carl David (1856-1927).

Pref´ acio

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em conjuntos mais gerais com o M´etodo de Perron16 desenvolvido em 1923, que ´e simultaneamente simples e muito geral e permite separar a existˆencia de solu¸c˜ oes no interior do conjunto da sua continuidade na fronteira com a utiliza¸c˜ ao de fun¸c˜ oes subharm´ onicas para obter sucess˜oes de fun¸c˜oes que convergem para a solu¸c˜ ao. Este cap´ıtulo abre a porta para o estudo de Teoria do Potencial, Equa¸c˜ oes Diferenciais Parciais e C´ alculo de Varia¸c˜oes. O objectivo principal do cap´ıtulo 10 ´e identificar condi¸c˜oes em que existem homeomorfismos conformes entre duas regi˜ oes de C , o que, em particular, permite obter fun¸c˜ oes harm´onicas numa das regi˜ oes a partir de fun¸c˜oes harm´onicas na outra regi˜ ao e alargar a obten¸c˜ao de solu¸c˜oes da equa¸c˜ao de Laplace. D´a-se o Teorema da Transforma¸c˜ao de Riemann, provado em 1912, que estabelece o forte e possivelmente surpreendente resultado de existirem homeomorfismos conformes entre qualquer regi˜ ao simplesmente conexa propriamente contida em C e o interior de um c´ırculo. Considera-se tamb´em a extens˜ ao por continuidade de homeomorfismos conformes `a fronteira da regi˜ ao e a identifica¸c˜ ao de propriedades da fronteira que permitem uma tal extens˜ao. Na pen´ ultima sec¸c˜ ao do cap´ıtulo obtˆem-se caracteriza¸c˜oes diversas de conjuntos abertos simplesmente conexos (topol´ogicas do conjunto, topol´ogicas do complementar do conjunto, anal´ıticas, alg´ebricas), unificadoras de diversos conceitos. O cap´ıtulo termina com resultados muit´ıssimo interessantes sobre fun¸c˜ oes holomorfas injectivas, chamadas fun¸c˜oes univalentes, que estabelecem restri¸c˜ oes que os coeficientes de s´eries de Taylor de tais fun¸c˜oes tˆem de satisfazer e as exploram para obter que n˜ ao podem contrair regi˜ oes do plano mais do que uma certa grandeza, pelo que os contradom´ınios de tais fun¸c˜ oes definidas num conjunto aberto de C contˆem discos abertos com raios pelo menos iguais a um valor fun¸c˜ao do produto do valor da derivada da fun¸c˜ ao num ponto pela distˆ ancia do ponto `a fronteira do contradom´ınio da fun¸c˜ ao e rela¸c˜ oes de limita¸c˜ ao da distor¸c˜ao resultantes da aplica¸c˜ao de tais fun¸c˜ oes. Estabelece-se o resultado obtido de L. Bieberbach em 1916 que o valor absoluto do coeficiente do termo de ordem 2 da s´erie de Taylor em 0 de uma fun¸c˜ ao f univalente no c´ırculo aberto com raio 1 e centro na origem B1 normalizada com f (0) = 0 e f ′ (0) = 1 ´e majorado por 2, de que obteve o Teorema de Um Quarto de Koebe, conjecturado por P. Koebe em 1907 mas provado s´ o em 1916 por L. Bieberbach, segundo o qual os contradom´ınios destas fun¸c˜ oes contˆem o disco aberto com centro na origem e raio 41 e este raio ´e ´optimo no sentido de tal disco ser o maior disco aberto com centro na origem contido nos contradom´ınios de todas as fun¸c˜oes com as propriedades de f . Na altura, L. Bieberbach formulou a famosa Conjectura de Bieberbach segundo a qual o valor absoluto do coeficiente do termo de ordem n da s´erie de Taylor em 0 ´e majorado por n e esta majora¸c˜ao ´e ´optima, que ficou em aberto 69 anos, e foi grande not´ıcia matem´ atica em 1985 quando foi provada por L. de Branges, um exemplo de v´arios resultados importantes obtidos em 16

Perron, Oskar (1880-1975).

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An´ alise Complexa em Uma Vari´ avel

d´ecadas recentes. Em 1991 L. Weinstein publicou uma prova mais directa17 .

Seguidamente estudam-se aspectos globais de fun¸c˜oes anal´ıticas, como prolongamento a conjuntos m´ aximos de analiticidade, fun¸c˜oes anal´ıticas globais, superf´ıcies de Riemann, caracteriza¸c˜ao alg´ebrica de regi˜ oes conformes. A considera¸c˜ ao de superf´ıcies de Riemann, concebidas por B. Riemann em 1854, teve uma importˆ ancia determinante para o desenvolvimento da Geometria Diferencial e, em particular, da Geometria Riemanniana, mas s´ o em 1913 foram descritas por H. Weyl de maneira precisa, como variedades complexas, semelhante `a defini¸c˜ao de variedade diferencial de dimens˜ao 2 mas com vizinhan¸cas de coordenadas complexas relacionadas por homeomorfismos conformes entre subconjuntos abertos do plano complexo em vez de homeomorfismos entre subconjuntos abertos do plano real. Inclui-se a caracteriza¸c˜ ao alg´ebrica de regi˜ oes conformes do plano complexo por isomorfismos das ´ algebras de fun¸c˜oes holomorfas pelo Teorema de Bers de 1948 e de regi˜ oes conformes de superf´ıcies de Riemann pelo Teorema de Iss’sa de 1965. O cap´ıtulo termina com uma sec¸c˜ao sobre aspectos do tamanho do contradom´ınio de fun¸c˜ oes holomorfas numa regi˜ ao do plano complexo, em particular sobre conterem c´ırculos com raios estimados em termos da derivada da fun¸c˜ ao num ponto e na distˆ ancia desse ponto `a fronteira da regi˜ ao, principalmente com resultados obtidos entre 1924 e 1938, mas simplificados e refinados at´e ao final do s´ec. XX. Estes resultados s˜ ao aplicados para estabelecer o Pequeno Teorema de Picard (fun¸c˜oes n˜ ao constantes holomorfas em todo plano complexo assumem todos valores complexos excepto possivelmente um) e o Grande Teorema de Picard (fun¸c˜oes holomorfas assumem em vizinhan¸cas de singularidades essenciais isoladas todos os n´ umeros complexos, excepto possivelmente um, infinitas vezes). Estes dois teoremas foram provados pela primeira vez por E. Picard em 1879, mas foram depois obtidas provas mais simples ao longo de praticamente todo18 s´ec. XX. 17

Bieberbach, Ludwig (1886-1982). Koebe, Paul (1882-1945). de Branges, Louis (1932-). Weinstein, Lenard. 18 Weyl, Hermann (1885-1955). Bers, Lipman (1914-1993). O Teorema de Iss’sa foi publicado sob o pseud´ onimo Hej Iss’sa pelo matem´ atico Heisuke Hironaka (1931-); a palavra japonesa que se pronuncia como “Issa” significa “um ch´ a” ou “uma ch´ avena de ch´ a” ou “um gole de ch´ a”, que j´ a tinha sido usada no pseud´ onimo Kobayashi Issa adoptado pelo poeta japonˆes de nome de nascimento Kobayashi Nobuyki (1763-1828), um expoente da forma de poesia curta japonesa Haiku cuja essˆencia ´e a captura de uma imagem ou sensa¸c˜ ao com linguagem sensorial, e.g. como no seu poema traduzido para inglˆes como Summer night – ´ even the stars are whispering to each other. Picard, Charles Emile (1856-1941).

Pref´ acio

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O pen´ ultimo cap´ıtulo ´e dedicado ao Teorema de Uniformiza¸c˜ao para superf´ıcies de Riemann simplesmente conexas, que L. Ahlfors considerou “talvez o teorema mais importante em toda a teoria de fun¸c˜oes anal´ıticas de uma vari´ avel” e D. Hilbert incluiu como o pen´ ultimo dos chamados Proble19 mas de Hilbert . Este teorema estende para superf´ıcies de Riemann simplesmente conexas o Teorema da Transforma¸c˜ao de Riemann para regi˜ oes simplesmente conexas do plano complexo. Como se referiu no pen´ ultimo par´ agrafo anterior, o Teorema da Transforma¸c˜ao de Riemann estabelece que as regi˜ oes simplesmente conexas do plano complexo s˜ ao, a menos de bijec¸c˜oes conformes, o plano complexo ou um c´ırculo aberto; a extens˜ao para todas superf´ıcies de Riemann simplesmente conexas s´ o exige a possibilidade adicional de uma superf´ıcie esf´erica. O livro termina com um cap´ıtulo sobre dinˆ amica definida por itera¸c˜oes de fun¸c˜oes racionais complexas, em particular com propriedades da dinˆ amica na vizinhan¸ca de pontos de equil´ıbrio ou ´orbitas peri´ odicas e dos conjuntos de Julia, Fatou e Mandelbrot20 , que teve as primeiras contribui¸c˜oes entre 1870 e 1920 mas se desenvolveu especialmente num per´ıodo de renascimento a partir 1965, mas acentuado depois de 1982 e que ainda prossegue. Incluem-se dois apˆendices sobre aspectos de Topologia, um sobre topologia geral e outro com uma prova do Teorema da Curva de Jordan. Tamb´em se inclui um curto apˆendice com uma breve apresenta¸c˜ao das biografias dos seis gigantes da matem´ atica referidos no in´ıcio deste pref´acio que contribu´ıram decisivamente para o desenvolvimento da An´alise Complexa: Euler, Gauss, Cauchy, Weierstrass, Riemann e Poincar´e. As introdu¸c˜oes aos v´arios cap´ıtulos contˆem referˆencias hist´ oricas detalhadas que s˜ ao usadas para apresenta¸c˜ ao dos correspondentes assuntos e informa¸c˜ao sobre como foram desenvolvidos, e no final do livro s˜ ao inclu´ıdas tabelas cronol´ ogicas que permitem uma vis˜ao global do desenvolvimento hist´ orico dos conceitos tratados. H´a uma preocupa¸c˜ ao sistem´atica de situar historicamente os v´arios t´ opicos, ` a medida que s˜ ao apresentados. O texto foi muito influenciado pelos livros de L. Ahlfors, Complex Analysis, W. Rudin, Real and Complex Analysis e B. Chabat, Introduction a ` l’Analyse Complexe, mas distingue-se destes e de outros textos em muitos aspectos. O 1o destes livros permanece uma das melhores referˆencias actuais sobre o assunto, apesar da 1a edi¸c˜ao ter sido h´ a mais de 50 anos. Os u ´ ltimos cinco cap´ıtulos tamb´em foram influenciados por outros dois li19 Um conjunto de 23 problemas propostos por David Hilbert (1862-1943) no Congresso Internacional de Matem´ aticos de 1900, em Paris, que este esperava poderem ter um contribui¸c˜ ao significativa para o avan¸co da Matem´ atica no s´ec. XX, a maioria dos quais vieram a influenciar importantes desenvolvimentos; Paul Cohen (1934-2007) recebeu a Fields Medal em 1966 pelo seu trabalho no 1o Problema de Hilbert, sobre a Hip´ otese do Continuum, designadamente, que n˜ ao h´ a conjuntos com cardinalidade entre a de N e a de R . 20 Julia, Gaston (1893-1978).Fatou, Pierre (1878-1929).Mandelbrot, Benoit (1924-2010).

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An´ alise Complexa em Uma Vari´ avel

vros: Ahlfors, L.V., Conformal Invariants – Topics in Geometruic Function Theory, e Remmert, R., Classical Topics in Complex Function Theory21 . Apesar dos primeiros oito cap´ıtulos do livro terem o objectivo principal de apoiarem um curso de apenas meio semestre de introdu¸c˜ao a An´alise Complexa, houve a preocupa¸c˜ao de ser uma base coerente e s´ olida sobre que possam ser naturalmente alicer¸cados estudos subsequentes, n˜ ao s´ o de An´alise Complexa mais avan¸cada, como de Geometria Riemanniana, Geometria Alg´ebrica, Topologia Alg´ebrica e An´alise Harm´onica, sem que se justifique refazer com mais profundidade partes dos assuntos inclu´ıdos. Referem-se a seguir algumas ideias gerais simples que determinaram a orienta¸c˜ ao deste livro. Um primeiro ponto ´e que a aprendizagem de Matem´atica, para al´em de um estudo regular que permita um gradual amadurecimento da apreens˜ao dos conceitos, requer a resolu¸c˜ao de exerc´ıcios por cada aluno individual´ quase sempre ao tentarmos resolver problemas que esclarecemos mente. E conceitos e nos apercebemos de dificuldades que n˜ ao notamos durante leituras ou a participa¸c˜ ao em aulas. Por esta raz˜ ao incluem-se muitos exerc´ıcios no final dos v´arios cap´ıtulos. A resolu¸c˜ao de exerc´ıcios, a procura de exemplos, contra-exemplos e demonstra¸c˜oes, para esclarecer quest˜oes que surgem durante o estudo, constituem uma insubstitu´ıvel componente experimental que ´e essencial para progredir no conhecimento de Matem´atica. Esta referˆencia ` a necessidade de resolu¸c˜ao de problemas por cada aluno deve ser bem compreendida: n˜ ao se trata de automatizar a resolu¸c˜ao de “exerc´ıcios tipo”; bem pelo contr´ ario, um exerc´ıcio deixa de ser u ´ til para a aprendizagem quando a sua resolu¸c˜ ao est´ a automatizada e n˜ ao oferece dificuldades. Um outro ponto ´e a minha convic¸c˜ao que no ensino de Matem´atica, tal como de outras disciplinas, os aspectos de natureza utilit´ aria ligados `a necessidade deste ou daquele t´opico para ´areas de aplica¸c˜ao imediata devem ser integrados em objectivos de forma¸c˜ao mais ambiciosos e n˜ ao devem ser tomados como objectivos dominantes a adquirir por simples automatiza¸c˜ao. Treinar alunos exclusivamente num receitu´ ario de c´alculo sem ensinar os racioc´ınios que os fundamentam n˜ ao ajuda a prepar´a-los para, no futuro, poderem acompanhar o progresso da ciˆencia e da tecnologia, contribu´ırem para o seu desenvolvimento e aplica¸c˜ao, ou at´e para simples mudan¸cas de actividades ao longo da vida. Al´em disso, a forma¸c˜ao de tipo exclusivamente utilit´ ario ´e geralmente feita em condi¸c˜oes em que os alunos n˜ ao conseguem identificar as limita¸c˜ oes dos m´etodos usados nem adapt´ a-los a situa¸c˜oes que n˜ ao sejam de rotina escolar. Do ponto de vista de forma¸c˜ao geral ´e mais importante ensinar ideias e conceitos que se revelaram f´erteis e ilustrar a sua influˆencia noutras actividades, em particular em ´areas relacionadas com as especializa¸c˜ oes dos alunos, do que insistir num tratamento exclusivamente 21

Rudin, Walter(1921-2010). Chabat, Boris(1917-1987). Remmert, Reinhold(1930-2016).

Pref´ acio

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virado para a gin´ astica de c´ alculo. A fertilidade de conceitos demonstrada historicamente ´e o u ´ nico crit´erio s´ olido para escolha de t´opicos a estudar. Este livro teve uma gesta¸c˜ ao muito prolongada, na forma de apontamentos manuscritos testados em aulas para alunos do 2o ano dos v´arios cursos de engenharia, f´ısica e matem´ atica do IST, inicialmente da Universidade T´ecnica de Lisboa e agora da Universidade de Lisboa, durante um per´ıodo de v´arios anos anterior a 1997. Depois de uma ausˆencia minha de cinco anos em fun¸c˜ oes de administra¸c˜ ao p´ ublica de ciˆencia e tecnologia retomei o texto, ampliando-o e modificando-o durante o ensino de um honours course no semestre de Primavera de 2002/03, altura em que foi pela primeira vez disponibilizado a alunos. Infelizmente, n˜ ao tive ent˜ao oportunidade de completar a prepara¸c˜ ao do texto para publica¸c˜ao devido a ausentar-me mais uma vez da Universidade para fun¸c˜oes de administra¸c˜ao p´ ublica de ciˆencia e tecnologia, agora tecnologias digitais e a sua apropria¸c˜ao social, e s´ o pude retomar a prepara¸c˜ ao do texto para publica¸c˜ao recentemente. Gostaria de agradecer a v´arios colegas e alunos que me foram indicando falhas no texto ao longo do per´ıodo em que foi preparado. Agrade¸co especialmente a Lu´ıs Miguel Diogo e Fernando Jorge Machado, alunos do honours course de 2002/03, e ao meu colega Jo˜ ao Palhoto Matos com quem partilhei os princ´ıpios orientadores do texto no per´ıodo inicial em que foi concebido. N˜ao ´e poss´ıvel mencionar explicitamente todos os outros aqui, pelo que fica um agradecimento colectivo, lamentavelmente an´ onimo. Lisboa, Agosto de 2018

Luis T. Magalh˜aes

Cap´ıtulo 1

Plano complexo 1.1

Introdu¸ c˜ ao

Os n´ umeros complexos come¸caram por ser introduzidos para dar sentido `a resolu¸c˜ao de equa¸c˜ oes polinomiais do 2o grau com coeficientes reais como, 2 por exemplo, x + 1 . Como os quadrados de n´ umeros reais s˜ ao sempre maiores ou iguais a zero, esta equa¸c˜ao n˜ ao tem solu¸c˜oes reais. Resolvˆe-la corresponde a introduzir n´ umeros que sejam ra´ızes quadradas de n´ umeros reais negativos. A primeira referˆencia a esta possibilidade parece ter sido em 1545 por H. Cardano. Foi seguida da exposi¸c˜ao das propriedades alg´ebricas destes n´ umeros por R. Bombelli em 1572, que tamb´em introduziu o s´ımbolo √ −1 . Em 1748, L. Euler designou por i este s´ımbolo, a que se chamou “unidade imagin´ aria”. Foi tamb´em L. Euler que introduziu em 1747 a express˜ ao iθ e = cos θ + i sin θ, de que obteve como caso particular a curiosa rela¸c˜ao eiπ = −1 que relaciona numa igualdade os n´ umeros 1, e, π, i que surgiram em contextos muito diferentes22 . A considera¸c˜ ao de n´ umeros complexos n˜ ao s´ o apareceu como necess´aria para resolver certas equa¸c˜ oes polinomiais do 2o grau com coeficientes reais como forneceu todas as poss´ıveis solu¸c˜oes de equa¸c˜oes polinomiais de qualquer grau, tanto com coeficientes reais como complexos. A 1a formula¸c˜ao ´ clara deste resultado, hoje conhecido por Teorema Fundamental da Algebra, foi publicada por L. Euler em 1743 para o caso particular de equa¸c˜oes polinomiais com coeficientes reais e a prop´osito da resolu¸c˜ao de equa¸c˜oes diferenciais lineares com coeficientes constantes. O Teorema Fundamental ´ da Algebra e as correspondentes observa¸c˜oes hist´ oricas aparecem mais detalhadamente no cap´ıtulo 6, em que ´e provado com An´alise Complexa. O termo “n´ umero complexo” deve-se a C.F. Gauss tal como a dissemina¸c˜ao da concep¸c˜ ao dos n´ umeros complexos como pontos de um plano, no seguimento de uma publica¸c˜ ao sua em 1831. Esta rela¸c˜ao est´ a impl´ıcita na tese de doutoramento de C.F. Gauss de 1799 sobre o Teorema Fundamental ´ da Algebra e aparece claramente numa carta que enviou a F.W. Bessel em 1811, mas a representa¸c˜ ao geom´etrica dos n´ umeros complexos num plano 22

Cardano, Hieronimo (1501-1576). Bombelli, Rafael (1526-1572).

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Plano complexo

apareceu tamb´em em 1799 num trabalho de C. Wessel, precedido em 1673 pela representa¸c˜ ao no plano de ra´ızes da equa¸c˜ao polinomial do 2o grau por J. Wallis. Tamb´em foi descoberta, independentemente, por J.-R. Argand e A.-Q.Bu´ee em 1806 e J.Warren em 1828, embora tenha passado despercebida aos matem´ aticos desse tempo e n˜ ao tenha sido explorada para prosseguir o estudo dos n´ umeros complexos. Esta ideia permitiu uma defini¸c˜ao concreta destes n´ umeros e abriu caminho ao desenvolvimento do estudo dos n´ umeros complexos e das fun¸c˜oes complexas. Na publica¸c˜ao de 1831 j´a referida C.F. Gauss propˆos definir os n´ umeros complexos como pares ordenados de n´ umeros reais com propriedades alg´ebricas espec´ıficas e explorou esta defini¸c˜ ao e a sua identifica¸c˜ ao com pontos de um plano. Esta defini¸c˜ao depende, naturalmente, da defini¸c˜ao de n´ umeros reais, que s´ o foi dada com rigor em 1872 por G. Cantor. A nota¸c˜ao (a, b) para n´ umeros complexos foi iniciada em 1837 por W.R. Hamilton23 .

1.2

Estrutura alg´ ebrica

Os n´ umeros complexos s˜ ao pares ordenados de n´ umeros reais (x, y) ∈ R×R com uma adi¸c˜ ao e uma multiplica¸c˜ao definidas por (x1 , y1 )+(x2 , y2 ) = (x1 +x2 , y1 +y2 ) ,

(x1 , y1 )(x2 , y2 ) = (x1 x2 −y1 y2 , x1 y2 +y1 x2 ) .

Estas opera¸c˜ oes s˜ ao comutativas, associativas e tˆem elementos neutros (resp., zero (0, 0) e unidade (1, 0) ). Cada n´ umero complexo (x, y) tem um sim´e−y x trico (−x, −y) e, quando diferente de zero, tem um rec´ıproco x2 +y 2 , x2 +y 2 . A multiplica¸c˜ ao ´e distributiva em rela¸c˜ao `a adi¸c˜ao. Portanto, os n´ umeros complexos com a adi¸c˜ ao e a multiplica¸c˜ao consideradas s˜ ao um corpo. Al´em de corpo, os n´ umeros complexos com as opera¸c˜oes consideradas s˜ ao um espa¸ co linear complexo; designam-se ambas estruturas alg´ebricas por C , dado que a ambiguidade n˜ ao traz problemas. Uma vez que (x, 0)+(y, 0) = (x+y, 0) e (x, 0)(y, 0) = (xy, 0) , ´e usual identificar cada n´ umero real x com o n´ umero complexo (x, 0) e, desta forma, considerar C como uma extens˜ao de R, e R como subconjunto de C . Tamb´em se define a unidade imagin´ aria i = (0, 1) (note-se que i2 = (0, 1)(0, 1) = (−1, 0) = −1 ) e se identifica cada n´ umero complexo z = (x, y) com a express˜ ao x+ iy . Chama-se a x e y , resp., parte real e parte imagin´ aria de z = (x, y) = x+iy , e escreve-se x = Rez e y = Imz . Aos n´ umeros complexos (0, y) = iy , com y ∈ R , chama-se imagin´ arios puros. Observa-se que i0 = 1, i1 = i, i2 = −1, i3 = −i, i4 = 1, e assim sucessivamente, pelo que i4k = 1, i4k+1 = i, i4k+2 = −1, i4k+3 = −i, para k ∈ Z ; em particular, 1i = −i . Como os n´ umeros complexos s˜ ao pares ordenados de n´ umeros reais, podem ser representados num plano (Figura 1.1). O eixo das abcissas ´e {(x, 0) ∈ C}, designado eixo real. O eixo das ordenadas ´e {(0, y) ∈ C}, 23

Bessel, Friedrich (1784-1846). Wessel, Caspar (1745-1818). Wallis, John (1616-1703). Argand, Jean-Robert (1768-1822). Bu´ee, Adrien-Quentin (1746-1826). Warren, John (1796-1852). Hamilton, William Rowan (1805-1865). Cantor, Georg (1845-1918).

1.2 Estrutura alg´ ebrica

3

designado eixo imagin´ ario. Como se ilustra na Figura 1.1, a utiliza¸c˜ao de coordenadas polares d´ a a representa¸ c˜ ao polar (ou representa¸c˜ao trigonom´etrica) de n´ umeros complexos, na forma z = (x, y) = r(cos θ, sin θ) ou p z = x+ iy = r(cos θ + i sin θ) . A |z| = r = x2 +y 2 chama-se m´ odulo24 ou valor absoluto de z e a θ chama-se argumento de z . Assim, o argumento de z 6= 0 ´e definido a menos da adi¸c˜ao de m´ ultiplos inteiros de 2π. Chama-se argumento principal de z ao argumento que pertence a ]−π, π] , que se designa Arg z . Pode-se escrever em termos da fun¸c˜ao real arco tangente cujo contradom´ınio ´e o intervalo ]− π2 , π2 [ , na forma (Figura 1.1):  z arctan Im  Re z + π , se Re z < 0 , Im z ≥ 0   π   , se Re z = 0 , Im z > 0 +2 Im z (1.1) Arg z = arctan Re z , se Re z > 0   π −2 , se Re z = 0 , Im z < 0    Im z arctan Re z − π , se Re z < 0 , Im z < 0

Figura 1.1: Representa¸c˜ ao cartesiana e polar de n´ umeros complexos A adi¸c˜ ao de n´ umeros complexos coincide com a de pares ordenados de n´ umeros reais no espa¸co linear real R2 (Figura 1.2); corresponde `a usual regra do paralelogramo para a soma de vectores. A multiplica¸c˜ao de n´ umeros reais por n´ umeros complexos coincide com a multiplica¸c˜ao por escalares reais no espa¸co linear real R2 ; corresponde `a expans˜ ao ou contrac¸c˜ao da distˆ ancia `a origem, conforme o n´ umero real tem m´ odulo maior ou menor do que 1, com manuten¸c˜ ao ou invers˜ ao de sentido conforme o n´ umero real ´e positivo ou negativo (Figura 1.2).

Figura 1.2: Adi¸c˜ ao de complexos e multiplica¸c˜ao de reais por complexos 24

A nota¸c˜ ao |z| para o m´ odulo, tanto de n´ umeros reais como complexos, foi introduzida por K. Weierstrass nos “Cadernos de Munique” de 1841, publicados apenas em 1894, e usada numa sua comunica¸c˜ ao ` a Academia de Ciˆencias de Berlim em 1859.

4

Plano complexo

O que destingue o espa¸co linear complexo C do espa¸co linear real R2 , ou seja o plano complexo C do plano R2 , ´e a multiplica¸c˜ao de n´ umeros complexos (n˜ ao reais). Por exemplo, a multiplica¸c˜ao de n´ umeros complexos z = (x, y) pela unidade imagin´ aria i d´ a iz = (0, 1)(x, y) = (−y, x) , o que corπ responde a uma rota¸c˜ ao de 2 no sentido positivo. Em geral, a multiplica¸c˜ao por n´ umeros complexos pode envolver expans˜ oes/contrac¸c˜oes e rota¸c˜oes, ou seja pode ser decomposta numa homotetia seguida de uma rota¸c˜ao, ambas centradas na origem (Figura 1.3), a multiplica¸c˜ao de z1 = r1 (cos θ1 , sin θ1 ) e z2 = r2 (cos θ2 , sin θ2 ) d´ a z1 z2 = r1 r2 cos(θ1 +θ2 ), sin(θ1 +θ2 ) .

Figura 1.3: Multiplica¸c˜ao de n´ umeros complexos Conv´em introduzir j´a a nota¸ c˜ ao exponencial para a representa¸c˜ao polar de n´ umeros complexos, definindo a exponencial de imagin´ arios puros por eiθ = (cos θ, sin θ) , para θ ∈ R . A exponencial complexa satisfaz: ei0 = 1 ,

ei(θ+ϕ) = eiθ eiϕ ,

1 eiθ

= e−iθ ,

(eiθ )n = einθ ,

para θ, ϕ ∈ R , n ∈ Z .

A representa¸c˜ ao polar de um n´ umero complexo pode-se escrever z = |z| eiθ , em que θ ∈ R ´e um argumento de z , e o produto de complexos z1 = |z1 | eiθ1 e z2 = |z2 | eiθ2 pode-se escrever z1 z2 = |z1 | |z2 | ei(θ1 +θ2 ) . Dado um n´ umero complexo z = (x, y) = x+iy , define-se o seu conjugado por z = (x, −y) = x− iy . Geometricamente z ´e a reflex˜ao de z em rela¸c˜ao ao eixo real. Verifica-se z = z , zz = |z|2 e, para z, w ∈ C ´e z+w = z + w , z−z zw = z w , e, se w 6= 0 , ( wz ) = wz . Al´em disso, Re z = z+z 2 e Im z = 2i . Tamb´em ´e eiθ = e−iθ , para θ ∈ R . umeros complexos z1 = (x1 , y1 ) = |z1 |(cos θ1 , sin θ1 ), Para a divis˜ ao zz21 de n´ z2 = (x2 , y2 ) = |z2 |(cos θ2 , sin θ2 ) 6= 0 , tem-se qualquer uma das f´ormulas |z1 | z1 z2 1 |z2 |2 , x2 +y 2 (x1 x2 +y1 y2 ,−x1 y2 +x2 y1 ), |z2 |

 cos(θ1 −θ2 ), sin(θ1 −θ2 ) ,

|z1 | i(θ1−θ2 ) . |z2 | e

As potˆ encias de expoente inteiro positivo k ∈ N de um n´ umero complexo z = |z|(cos θ, sin θ) , com θ ∈ R , satisfazem z k = |z|k (cos kθ, sin kθ).

1.2 Estrutura alg´ ebrica

5

Atendendo a que o argumento de um n´ umero complexo ´e definido a menos da adi¸c˜ao de um m´ ultiplo inteiro de 2π, obt´em-se para ra´ızes de ordem k ∈ N de z os k n´ umeros complexos p  2πj  θ wj = k |z| cos kθ + 2πj , para j ∈ {0, 1, . . . , k−1} , k , sin k + k

ou seja

wj =

p k

θ

|z| e k +

2πj k

,

para j ∈ {0, 1, . . . , k−1} ,

Conclui-se que todo n´ umero complexo z 6= 0 tem exactamente k ∈ N ra´ızes de ordem k distintas, e que no plano complexo estas ra´ızes est˜ ao igualmente p k espa¸cadas sobre a circunferˆencia de raio |z| (Figura 1.4).

Figura 1.4: Ra´ızes c´ ubicas de n´ umero complexo z Como ´e natural, s˜ ao satisfeitas as propriedades seguintes de ra´ızes inteiras positivas de n´ umeros reais que s˜ ao reais: (i) as ra´ızes reais de ordem par de n´ umeros reais positivos s˜ ao sempre duas e sim´etricas uma da outra, (ii) n˜ ao h´ a ra´ızes reais de ordem par de n´ umeros reais negativos, (iii) as ra´ızes reais de ordem ´ımpar de n´ umeros reais n˜ ao nulos s˜ ao uma e s´ o uma para cada ordem e o sinal da raiz ´e o do n´ umero considerado. Observa-se que a existˆencia de ra´ızes inteiras reais tem uma descri¸c˜ao um pouco complicada ´ um que fica clarificada e simplificada no ˆambito dos n´ umeros complexos. E o 1 exemplo de diversas situa¸c˜ oes que ficam simultaneamente clarificadas e simplificadas quando se passa de n´ umeros reais para n´ umeros complexos. Um caso particular de interesse s˜ ao as ra´ızes da unidade. Para qualquer ordem k ∈ N das ra´ızes, uma das ra´ızes de ordem k da unidade ´e a pr´ opria unidade e as outras k−1 ra´ızes complexas da unidade s˜ ao os n´ umeros complexos que correspondem a dividir a circunferˆencia de raio 1 no plano complexo em arcos com comprimentos iguais, a partir da unidade (Figura 1.5). Por exemplo, as√ ra´ızes quadradas da unidade s˜ ao ±1 , as ra´ızes c´ ubicas 3 1 ao ±1 , ±i , da unidade s˜ ao 1, − 2 ± i 2 , as ra´ızes de ordem 4 da unidade s˜

6

Plano complexo

  2π etc. Com w = cos 2π ızes de ordem k da unidade s˜ ao k + i sin k , as k ra´ 2 k−1 1, w, w , . . . , w . Verifica-se k−1 wk = 1 , 1+w+w2 + · · · +w Pk−1= j0 , em que a u ´ ltima igualdade resulta de (1 − w) j=0 w = 1 − wk = 0 . √ Se k z designa uma qualquer das ra´ızes de ordem k de um complexo z 6= 0 , √ todas as ra´ızes de ordem k de z s˜ ao wj k z, com j = 0, 1, . . . , k−1 .

Figura 1.5: Ra´ızes inteiras positivas da unidade de ordens k = 2, 3, 4, 5, 6, 7 As potˆencias inteiras negativas de n´ umeros complexos z 6= 0 definem-se, p 1 −k como no caso real, por z = z k , para k ∈ N . As potˆencias racionais z q , com p ∈ Z e q ∈ N , definem-se pelas ra´ızes de ordem q do n´ umero complexo z p .

1.3

Estrutura m´ etrica

1.4

Estrutura topol´ ogica

p umero complexo (x, y) ´e uma O valor absoluto |(x, y)| = x2 +y 2 de um n´ norma no espa¸co linear C , e a mesma f´ormula define uma norma no espa¸co linear real R2 . Em particular, para z, w ∈ C tem-se a desigualdade triangular |z + w| ≤ |z|+ |w| , com igualdade se e s´ o se um dos z, w ´e m´ ultiplo z |z| positivo do outro ou ´e zero. Tamb´em |zw| = |z||w| e, para w 6= 0 , w = |w| . A distˆ ancia entre dois n´ umeros complexos z, w ´e |z−w| . Assim, as no¸c˜oes de norma e distˆ ancia coincidem no espa¸co linear complexo C e no espa¸co linear real R2 . Portanto, as no¸c˜oes m´etricas em C e em R2 s˜ ao coincidentes: 2 C e R s˜ ao indistingu´ıveis metricamente. Por exemplo, um conjunto do plano ´e limitado em C se e s´ o se ´e um conjunto limitado em R2 .

A estrutura m´etrica de C define uma topologia com base que s˜ ao os c´ırculos abertos Br (z) = {w : |w − z| < r} de raios r > 0 e centros em pontos z ∈ C . Como as estruturas m´etricas de C e R2 coincidem, tamb´em

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 1

7

coincidem as resp. estruturas topol´ogicas: C e R2 s˜ ao indistingu´ıveis topologicamente. Em particular, um conjunto do plano ´e aberto, fechado, conexo, simplesmente conexo, compacto em C se e s´ o se o ´e em R2 . Analogamente, as no¸c˜ oes de ponto interior, exterior, fronteiro, de acumula¸ c˜ ao, isolado de um conjunto e de conjuntos interior, exterior, fronteira, fecho (ou aderˆ encia) de um conjunto s˜ ao coincidentes 2 em C e em R . Chama-se regi˜ ao em C a um subconjunto de C n˜ ao-vazio, aberto e conexo. Exerc´ıcios 1.1 Indique as representa¸c˜ oes cartesianas e trigonom´etricas do n´ umero complexo: 2+i3 c) i5 +i16 . a) (1+i)3 b) 3−i4 1.2 Determine o conjunto dos n´ umeros R tais que: P k a) x+iy = |x+iy| b) x+iy = (x−iy)2 c) x+iy = 100 k=0 i . 1.3 Calcule as ra´ızes quadradas de: a) i

b) −i

c) 1+i .

1.4 Prove: Trˆes n´ umeros complexos de m´ odulo 1 com soma 0 s˜ ao v´ertices de um triˆ angulo equil´ atero inscrito na circunferˆencia com raio 1 e centro em 0 . 1.5 Prove que z, v, w ∈ C s˜ ao v´ertices de um triˆ angulo equil´ atero se e s´ o se z 2 +v 2 +w2 = zv+zw+vw . 1.6 Prove: Para z, w ∈ C verifica-se: z >0 . a) |z−w|2 ≤ (1+|z|2 )(1+|w|2 ) . b) |z−w| = |z|+|w| , com w 6= 0 , se e s´ o se w 1.7 Determine em que condi¸c˜ oes a equa¸c˜ ao az+bz+c = 0 em C define uma recta. 1.8 Prove: Para a, b, c ∈ R , com a 6= 0 , a equa¸c˜ ao azz + bz + bz + c = 0 define uma circunferˆencia no plano complexo. 1.9 Prove: Todas circunferˆencias que passam por pontos a, nalmente a circunferˆencia |z| = 1 .

1 a

∈ C intersectam ortogo-

|a−b| = 1 se |a| = 1 ou |b| = 1 mas n˜ ao ambos, e indique que excep¸c˜ ao 1.10 a) Prove: |1−ab| deve ser feita se |a| = |b| = 1 . b) Mostre que a igualdade em a) d´ a lugar a uma desigualdade se |a|, |b| < 1 .

1.11 Descreva geometricamente a transforma¸c˜ ao do dom´ınio para o contradom´ınio definida pela fun¸c˜ ao complexa f (z) = z+2 . z+3 que transforme a circunferˆencia |z| = 2 1.12 Determine uma fun¸c˜ ao da forma f (z) = az+b cz+d na circunferˆencia |z+1| = 1 , o ponto −2 na origem e a origem em i . 1.13 Determine as transforma¸c˜ oes da forma f (z) = az+b que transformam a circunferˆencz+d cia |z| = R , com R > 0 , em si pr´ opria.

1.14 Prove: Uma transforma¸c˜ ao em C que deixa a origem fixa e preserva distˆ ancias ´e uma rota¸c˜ ao ou uma rota¸c˜ ao seguida de uma reflex˜ ao em rela¸c˜ ao ao eixo real. 1.15 Prove: Identidade de Lagrange25 para n´ umeros complexos Pn Pn 2 2 Pn 2 Pn z w = |z | |w | − k k=1 k k k=1 k k=1 1≤j≤k≤n |zj w k −zk w j | .

1.16 Assim como os n´ umeros reais podem ser representados numa circunferˆencia em que um dos pontos representa ∞ (recta real estendida R∞ ) tamb´em os n´ umeros complexos podem ser representados numa superf´ıcie esf´erica com o p´ olo Norte correspondente a ∞ (plano complexo estendido C∞ ). a) Determine uma representa¸c˜ ao deste tipo na superf´ıcie esf´erica em R3 (x1 )2 + (x2 )2 + (x3 )2 = 1 , 25

Lagrange, Joseph-Louis (1736-1813).

8

Plano complexo dada pela correspondˆencia biun´ıvoca entre os n´ umeros complexos z representados no plano equatorial x3 = 0 (com o eixo dos x1 identificado com o eixo real e o eixo dos x2 com o eixo imagin´ ario) e os pontos da superf´ıcie esf´erica que pertencem a uma mesma recta que passa pelo p´ olo Norte, provando que (Figura 1.6) 2

1−|z| z+z z−z , x1 = 1+|z| x2 = 1+|z| x2 = − 1+|z| 2 , 2 , 2 . Chama-se superf´ıcie esf´ erica de Riemann a esta representa¸c˜ ao do plano complexo26 e projec¸ c˜ ao estereogr´ afica ` a correspondˆencia assim definida de cada ponto do plano complexo para cada ponto da superf´ıcie esf´erica. x1 +ix2 1−x3

b) Prove: z e w s˜ ao pontos diametralmente opostos da superf´ıcie esf´erica de Riemann se e s´ o se zw = −1 .

c) Prove: As projec¸c˜ oes estereogr´ aficas de rectas ou circunferˆencias no plano complexo s˜ ao circunferˆencias na superf´ıcie esf´erica de Riemann.

Figura 1.6: Superf´ıcie esf´erica de Riemann e projec¸c˜ao estereogr´afica Exerc´ıcios com aplica¸ c˜ oes a circuitos el´ ectricos e a sistemas mecˆ anicos 1.17 A rela¸c˜ ao entre tens˜ ao e corrente sinusoidais num circuito el´ectrico27 com resistˆencias, condensadores e bobinas pode ser facilmente expressa em n´ umeros complexos, dado que uma fun¸c˜ ao real t 7→ a sin(ωt + ϕ) , com a, ω, ϕ ∈ R , a que se chama, resp., amplitude, frequˆ encia angular, fase, ´e igual ` a parte imagin´ aria de a ei(ωt+ϕ) = a eiϕ) eiωt = A eiωt , com A ∈ C , chamada amplitude complexa28 . a) Considere um circuito RLC em s´erie (Figura 1.7). Sabendo que a rela¸c˜ ao entre a tens˜ ao V (t) e a corrente I(t) no instante t nos terminais de uma resistˆencia R , de uma bobina de indutˆ ancia L e de um condensador de capacidade C , ´e, resp., Z V (t) = RI(t) ,

26

V (t) = LI ′(t) ,

V (t) = 1c

I(t) dt ,

A representa¸c˜ ao do plano complexo estendido numa superf´ıcie esf´erica foi proposta por B. Riemann em 1851. 27 As 1a s leis gerais da an´ alise de circuitos el´ectricos foram formuladas em 1845 pelo matem´ atico Gustav Robert Kirchoff (1824-1887) na sequˆencia do matem´ atico Georg Simon Ohm (1789-1854) ter estabelecido em 1827 a rela¸c˜ ao de proporcionalidade da corrente el´ectrica atrav´es de um condutor com a diferen¸ca de potencial el´ectrico entre os terminais (Lei de Ohm). A 1a lei de Kirchoff ´e a soma das correntes que entram por ramos ligados a um n´ o de um circuito ´e igual ` a soma das correntes que saem por ramos ligados ao mesmo n´ o e a 2a lei de Kirchoff ´e a soma das for¸cas electromotrizes ao longo de uma malha de um circuito ´e igual ` a soma das diferen¸cas de potencial nos ramos da malha. 28 A representa¸c˜ ao complexa de sinais el´ectricos sinusoidais e de impedˆ ancias foi introduzida em 1893 pelo engenheiro Charles Steinmetz (1865-1923) e contribuiu para o r´ apido progresso da engenharia de sistemas el´ectricos de corrente alternada no in´ıcio do s´eculo ´ usada rotineiramente na an´ XX. E alise de circuitos e sinais e no controlo de sistemas. A s´ olida prepara¸c˜ ao obtida por C. Steinmetz na Alemanha como estudante universit´ ario de matem´ atica permitiu-lhe dispor de conhecimentos de an´ alise complexa invulgares nos engenheiros da ´epoca.

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 1

9

mostre que se a tens˜ ao aplicada nos terminais do circuito ´e sinusoidal com frequˆencia angular ω e amplitude complexa V0 , ent˜ ao a corrente no circuito ´e sinusoidal com frequˆ e ncia angular ω e amplitude complexa I0 , e a rela¸c˜ ao entre ambas ´e   1 V0 = R+i ωL− ωC I0 .

b) Chama-se impedˆ ancia de um circuito el´ ectrico bipolar (Figura 1.8) com tens˜ ao e corrente sinusoidais nos terminais com amplitudes complexas, resp., V0 , I0 0 a Z= V . Determine a impedˆ ancia dos circuitos das Figuras 1.7 e 1.8, supondo no I0 u ´ ltimo caso que Zk ´e a impedˆ ancia de um circuito bipolar com terminais que s˜ ao os n´ os do correspondente ramo do circuito. ´ an´ Observa¸ca ˜o: E alogo para sistemas mecˆ anicos lineares de massas e molas com atrito, substituindo tens˜ ao el´ ectrica por for¸ca, intensidade de corrente por velocidade, bobinas de indutˆ ancia L por massas de grandeza L, condensadores de capacidade C por molas com for¸ca de restitui¸ca ˜o proporcional ao deslocamento do ponto de equil´ıbrio com factor 1 de proporcionalidade C e resistˆ encias por amortecedores com for¸cas de atrito proporcionais ` a velocidade com factor de proporcionalidade R (Figura 1.7). Tamb´ em se considera analogamente a no¸ca ˜o de impedˆ ancia mecˆ anica.

Figura 1.7: Circuito em s´erie RLC e sistema mecˆanico an´alogo

Figura 1.8: Circuito bipolar e circuito com impedˆancias

Cap´ıtulo 2

Fun¸c˜ oes 2.1

Introdu¸ c˜ ao

Neste cap´ıtulo consideram-se v´arios exemplos de fun¸c˜oes complexas e ilustram-se representa¸c˜ oes geom´etricas destas fun¸co˜es que contribuem para a apreens˜ao geom´etrica dos seus efeitos e para a compreens˜ ao de como podem estender fun¸c˜ oes reais. O mais importante ´e o da exponencial complexa, em associa¸c˜ ao natural com fun¸c˜ oes logaritmo que s˜ ao inversas da exponencial em conjuntos em que esta ´e uma fun¸c˜ao injectiva. Consideram-se tamb´em outras fun¸c˜oes complexas definidas a partir da exponencial, como fun¸c˜ oes trigonom´etricas, hiperb´ olicas, potˆencias e exponenciais de base e expoente complexos. Para o leitor que lidou com estas fun¸c˜oes exclusivamente no ˆambito de n´ umeros reais pode parecer surpreendente que as fun¸c˜oes trigonom´etricas possam ser obtidas das fun¸c˜ oes exponenciais, dada a grande diferen¸ca de gr´ aficos destas fun¸c˜ oes no caso real e porque originaram em contextos muito distintos. Foi L. Euler quem identificou a rela¸c˜ao entre fun¸c˜oes trigonom´etricas e a fun¸c˜ ao exponencial, numa carta a J. Bernoulli29 em 1740 em que escreveu a f´ormula 2 cos θ = eiθ + e−iθ . A exponencial complexa, al´em do crescimento geom´etrico da exponencial real, cont´em as oscila¸c˜oes das ´ mais um exemplo do poder fun¸c˜oes trigonom´etricas reais seno e coseno. E unificador e simplificador da an´ alise complexa que se encontra em v´arias outras situa¸c˜ oes. O cap´ıtulo termina com as no¸c˜oes de limite e continuidade.

2.2

Representa¸ c˜ ao geom´ etrica de fun¸ c˜ oes

As fun¸c˜ oes complexas s˜ ao definidas num conjunto de n´ umeros complexos e tˆem valores complexos, f : S → C com S ⊂ C . Para z = x+iy ∈ S, x, y ∈ R , a fun¸c˜ao pode-se escrever f (x+iy) = u(x, y)+iv(x, y) , com u(x, y), v(x, y) ∈ R . Chama-se ` as fun¸c˜ oes u, v, resp., parte real e parte imagin´ aria da fun¸c˜ao f , e escreve-se f = (u, v) . 29

Bernoulli, Johann (1667-1748).

12

Fun¸ co ˜es

Analogamente a fun¸c˜oes reais, se uma fun¸c˜ao complexa ´e dada por uma express˜ ao sem indica¸c˜ ao do dom´ınio, considera-se que o dom´ınio ´e o m´ aximo subconjunto S ⊂ C para que a express˜ ao d´ a valores complexos. A visualiza¸c˜ ao do efeito de fun¸c˜oes complexas ´e semelhante `a de fun¸c˜oes com valores e vari´ aveis em R2 , nomeadamente por: imagens de curvas no dom´ınio, gr´ aficos (das partes real e imagin´ aria, ou das fun¸c˜oes m´ odulo e argumento), conjuntos de n´ıvel (das partes real e imagin´ aria). (2.1) Exemplo: A fun¸c˜ao complexa f (z) = z 2 definida no semiplano superior complexo S = {(x, y) ∈ C : y > 0}.

Uma possibilidade de visualizar a fun¸c˜ao ´e a representa¸ c˜ ao de imagens de curvas que preenchem o plano complexo de modo a dar uma ideia geom´etrica de como a fun¸c˜ao deforma regi˜ oes do plano quando se passa do dom´ınio para o contradom´ınio. ´ pr´ E atico analisar o efeito da fun¸c˜ao considerada neste exemplo w = f (z) em coordenadas polares, com z = r(cos θ, sin θ) e w = ρ(cos ϕ, sin ϕ) . A rela¸c˜ ao entre w e z pode ser expressa por ρ = r 2 e ϕ = 2θ . Cada semicircunferˆencia com raio r0 e centro na origem no semiplano superior complexo transforma-se no subconjunto da circunferˆencia com raio ρ = (r0 )2 e centro na origem obtido retirando-lhe apenas o ponto no semieixo real positivo (Figura 2.1). Cada semirecta do semiplano superior complexo com origem no ponto zero com pontos de argumento θ0 transforma-se na semirecta com origem no ponto zero e com pontos com argumento ϕ = 2θ0 (Figura 2.1). Assim, o semiplano superior complexo transforma-se no plano complexo menos o semieixo real positivo e a origem. Im

Im

2i

i 2

3

7 6 4 -2

-1

2i

i 1

2

5

8 0

1

1

2

Re -2

-1

5 6 8 7

1

2

Re

4 -i

3 -i -2i

-2i

Figura 2.1: Transforma¸c˜ao definida pela fun¸c˜ao f (z) = z 2 A fun¸c˜ ao pode ser representada em coordenadas cartesianas, com z = (x, y) e w = f (z) = (u(x, y), v(x, y)) . Obt´em-se u(x, y)+iv(x, y) = (x+iy)2 = (x2 −y 2 )+i2xy . Cada recta horizontal y = y0 do semiplano superior complexo ´e transformada na curva de equa¸c˜ oes param´etricas u = x2 − (y0 )2 , v = 2xy0 , com parˆ ametro

2.2 Representa¸ c˜ ao geom´ etrica de fun¸ co ˜es

13 2

x > 0 . Eliminando x , obt´em-se a equa¸c˜ao da par´ abola u = (2yv0 )2 − (y0 )2 (Figura 2.2). Cada semirecta vertical do semiplano superior com origem no eixo real, x = x0 , y > 0 , transforma-se no arco de par´ abola com equa¸c˜oes 2 2 param´etricas u = (x0 ) − y , v = 2x0 y , y > 0 . Eliminando y obt´em-se a 2 abola anterior equa¸c˜ao da par´ abola u = (x0 )2 − (2xv 0 )2 , que ´e sim´etrica da par´ com y0 = x0 em rela¸c˜ ao ao eixo imagin´ ario (Figura 2.2). Im

Im 5

2i

-2

2i

8

7i

6

5

4

3

2

1

-1

0

1

1 6

i 2

2

Re

-2

30

-1 7

-i

-i

-2i

8 -2i

1

2

Re

4

Figura 2.2: Transforma¸ca˜o definida pela fun¸c˜ao f (z) = z 2 Outra representa¸c˜ ao geom´etrica poss´ıvel ´e pelos gr´ aficos das partes real e imagin´ aria da fun¸ c˜ ao. Estas fun¸c˜oes reais s˜ ao u(x, y) = x2 −y 2 e v(x, y) = 2xy, com y > 0 (Figura 2.3). -2 Re 0 1

-2

-1

2

Re 0 1

-1

2

6 6 v0 -6 6

u0 -6 6 0

0 1 Im

2

1 Im

2

Figura 2.3: Gr´ aficos das partes real e imagin´ aria da fun¸ca˜o definida no semiplano complexo superior por f (z) = z 2 Tamb´em se pode representar geometricamente uma fun¸c˜ao complexa f pelos conjuntos de n´ıvel das partes real e imagin´ aria de f , o que corresponde a determinar os conjuntos de pontos do dom´ınio que s˜ ao transformados em rectas verticais u = u0 e em rectas horizontais v = v0 , que neste exemplo s˜ ao, resp., os arcos de hip´erboles de equa¸c˜oes cartesianas x2−y 2 = u0 , ao hip´erboles equil´acom y > 0, e o arco de hip´erbole xy = v20 , com y > 0 . S˜ teras com ass´ımptotas, resp., as bissectrizes dos quadrantes definidos pelos eixos dos coordenados e esses pr´ oprios eixos (Figura 2.4).

14

Fun¸ co ˜es Im 2.5

Im 2.5

2

2

1.5

1.5

1

1

0.5

0.5

0

-2

-1

0

1

2

Re

0

-2

-1

0

1

2

Re

Figura 2.4: Curvas de n´ıvel das partes real e imagin´ aria da fun¸c˜ao definida no semiplano complexo superior por f (z) = z 2 Outra representa¸ca˜o geom´etrica u ´ til ´e o gr´ afico da fun¸c˜ao (x, y) 7→ |f (x + iy)| , a que se chama o relevo de f ; juntamente com o gr´ afico de um argumento de f , (x, y) 7→ arg f (x+iy) , obtˆem-se representa¸c˜ oes geom´etricas completas da fun¸c˜ao f (como o argumento de um n´ umero complexo ´e determinado a menos de um m´ ultiplo inteiro de 2π, para facilitar a visualiza¸c˜ ao pode ser u ´ til assegurar a continuidade do gr´ afico nos pontos em que seja poss´ıvel pela utiliza¸c˜ao de valores apropriados do argumento em regi˜ oes diferentes do dom´ınio, em vez de uma escolha predeterminada como, por exemplo, o argumento principal). Neste exemplo |f (reiθ )| = r 2 e pode-se escolher arg f (reiθ )) = 2θ (Figura 2.5).

Re 0 1 12

-2 -1

2

Re 0 1 2π π

-2 -1

2

arg π

¨f¨ 0 0

0 0 1 Im

2

1 Im

2

Figura 2.5: Relevo e gr´ afico de um argumento de f (z) = z 2 A fun¸c˜ ao f (z) = z 2 com dom´ınio no semiplano superior ´e uma bijec¸c˜ao para todo o plano menos o semieixo real positivo e a origem. Se f (z) = z 2 com dom´ınio todo o plano complexo, o contradom´ınio seria todo o plano complexo e cada ponto n˜ ao nulo deste plano seria imagem de dois pontos distintos, um no semiplano superior unido com o semieixo real positivo e outro sim´etrico desse em rela¸c˜ao `a origem, e, portanto, na uni˜ ao do semiplano inferior complexo com o semieixo real negativo, ou seja os valores de f : C → C , com f (z) = z 2 , cobrem o plano (com excep¸c˜ao da origem) duas vezes; f n˜ ao ´e injectiva e diz-se que a rela¸c˜ao inversa ´e plur´ıvoca com dois ramos cont´ınuos m´ aximos que tˆem contradom´ınio o semiplano superior (resp., inferior) unido com o semieixo real positivo (resp., negativo). A rela¸c˜ao inversa neste caso d´ a as ra´ızes quadradas de cada n´ umero complexo, que s˜ ao duas para n´ umeros diferentes de zero, sim´etricas em rela¸c˜ao `a origem.

2.2 Representa¸ c˜ ao geom´ etrica de fun¸ co ˜es

15

1 (2.2) Exemplo: A fun¸c˜ ao complexa f (z) = z−1 .

 O dom´ınio de f ´e C\{1}. Com z = (x, y) e w = f (z) = u(x, y), v(x, y) , u(x, y)+iv(x, y) =

1 (x−1)+iy

=

(x−1)−iy (x−1)2 +y 2

.

O conjunto de pontos transformados na circunferˆencia com centro na origem e raio r0 , com equa¸c˜ ao cartesiana x2 + y 2 = (r0 )2 , ´e a curva com equa¸c˜ao 2 cartesiana (x− 1) + y 2 = (r01)2 ; logo, ´e uma circunferˆencia com centro em

ao transformados na uni˜ ao das (1, 0) e raio r10 . O conjunto de pontos que s˜ semirectas de declive m com extremidade na origem das coordenadas, que tˆem equa¸c˜ ao cartesiana v = mu , com (u, v) 6= (0, 0) , tem equa¸c˜ao cartesiana y = −m(x−1) , com (x, y) 6= (1, 0) , que ´e a uni˜ ao das semirectas de declive −m com origem no ponto (1, 0) (Figura 2.6). O conjunto de pontos do dom´ınio que s˜ ao transformados no eixo imagin´ ario, u = 0 , ´e a recta vertical x = 1 (Figura 2.6). O contradom´ınio de f ´e C\{0}. Im

Im 6

2i

2i

i

i

3 7 5

-2

-1 4

0

1

2 1

3 -i

Re

4 -2

-1 5

8

1

2

Re

6 -i

2

1

2

8

7

-2i

-2i

1 Figura 2.6: Transforma¸c˜ao definida por f (z) = z−1

O relevo de f ´e o gr´ afico da fun¸c˜ao (x, y) 7→ |f (x + iy)| , indicado na Figura 2.7. O gr´ afico do argumento principal de f pode ser obtido notando 1 = Arg (x−1, y) (ver Figura 2.7). que Arg f (x+iy) = (x−1)+iy

1 Figura 2.7: Relevo e argumento principal de f (z) = z−1

16

Fun¸ co ˜es

2.3

Fun¸ c˜ oes polinomiais e fun¸ c˜ oes racionais

Chama-se fun¸ c˜ ao polinomial complexa de grau n a uma fun¸c˜ao da forma P (z) =

n X k=0

ak z k = a0 +a1 z+a2 z 2 + · · · + an z n ,

com an 6= 0 , em que os coeficientes ak , k ∈ {0, . . . , n} s˜ ao n´ umeros complexos. Podem tamb´em ser consideradas fun¸c˜oes polinomiais complexas com coeficientes reais. Chama-se fun¸ c˜ ao racional complexa a uma fun¸c˜ao que ´e o quociente de duas fun¸c˜oes polinomiais complexas.

2.4

Fun¸ c˜ ao exponencial

Define-se a fun¸c˜ ao exponencial complexa por (Figuras 2.8 e 2.9) ez = ex+iy = ex (cos y+i sin y) ,

para z = (x, y) ∈ C .

A express˜ ao no lado direito s´ o envolve fun¸c˜oes reais de vari´ avel real que podem ser definidas pelas s´eries reais de potˆencias ex =

P∞

xk k=0 k!

,

cos x =

P∞

k=0

(−1)k x2k (2k)!

,

sin x =

P∞

k=0

(−1)k x2k+1 (2k+1)!

,

P zk e multiplicando as s´eries obt´em-se ez = ∞ k=0 k! . A exponencial complexa ´e uma extens˜ ao da exponencial real, pois ex+i0 = ex (cos 0 + i sin 0) = ex , e satisfaz as propriedades b´ asicas da exponencial ez 6= 0 , ez+w = ez ew , e−z = e1z , para z, w ∈ C . Al´em disso, ez = ez e |ez | = eRe z para z ∈ C , |eiy | = 1 para y ∈ R , e Im z ´e um argumento do n´ umero complexo ez . O contradom´ınio da fun¸c˜ ao de vari´ avel real y 7→ eiy ´e a circunferˆencia no plano complexo com raio 1 e centro em 0 e o contradom´ınio da exponencial complexa ´e C\{0} . A exponencial complexa n˜ ao ´e injectiva, mas ez = ew se e s´ o se z−w = ik2π com k ∈ Z .

Figura 2.8: Gr´ aficos das partes real e imagin´ aria da exponencial

2.5 Fun¸ co ˜es trigonom´ etricas e hiperb´ olicas

17

Figura 2.9: Relevo e argumento da exponencial Analogamente a fun¸c˜ oes reais, diz-se que uma fun¸c˜ao complexa f ´e peri´ odica de per´ıodo w ∈ C\{0}, ou w ´e um per´ıodo de f , se f (z+w) = f (z) para todo z no dom´ınio de f ; todos m´ ultiplos inteiros positivos de w, kw com k ∈ N tamb´em s˜ ao per´ıodos de f . Diz-se que w ´e um per´ıodo m´ınimo de f se ´e um per´ıodo e nenhum seu subm´ ultiplo inteiro ´e per´ıodo de f . Em contraste com fun¸c˜ oes reais, uma fun¸c˜ao complexa pode ter mais de  um per´ıodo m´ınimo (e.g. se para x ∈ R se designa [x] = max ]−∞, x] ∩ Z , f (x+iy) = (x−[x])+i(y−[y]) para (x, y) ∈ C tem per´ıodos m´ınimos 1 e i ). A exponencial complexa ´e per´ı´odica com u ´ nico per´ıodo m´ınimo i2π.

2.5

Fun¸ c˜ oes trigonom´ etricas e hiperb´ olicas

´ imediato da defini¸c˜ E ao de exponencial complexa que para y ∈ R ´e 1 iy 1 iy −iy (e − e−iy ) . As fun¸c˜oes complexas coseno cos y = 2 (e + e ) e sin y = 2i e seno definem-se estendendo estas f´ormulas para n´ umeros complexos e as z sin z fun¸c˜oes tangente e cotangente s˜ ao, resp., tan z = cos z , cot z = cos sin z , ou seja (Figuras 2.10 a 2.12) cos z = e

iz +e−iz

2

, sin z = e

iz −e−iz

2i

iz

−iz

iz

−iz

e +e −e , tan z = −i eeiz +e −iz , cot z = i eiz −e−iz .

Figura 2.10: Relevo e argumento do coseno

18

Fun¸ co ˜es

Figura 2.11: Gr´ aficos das partes real e imagin´ aria do seno complexo

Figura 2.12: Relevo e argumento da tangente Como a exponencial ´e uma fun¸c˜ao peri´ odica de per´ıodo i2π, as fun¸c˜oes complexas coseno e seno s˜ ao peri´ odicas de per´ıodo 2π. Da fun¸c˜ao real tangente ser peri´ odica de per´ıodo π e da defini¸c˜ao da fun¸c˜ao complexa tangente obt´em-se que esta tamb´em ´e peri´ odica de per´ıodo π. Pode-se provar que estes s˜ ao os u ´ nicos resp. per´ıodos m´ınimos. Verifica-se i2z i2z  i2z i2z  − e −2+e = 1, sin2 z+cos2 z = e +2+e 4 4

i.e. sin2 z + cos2 z = 1 para todo z ∈ C , estendendo a f´ormula v´alida para vari´ avel real. Definem-se analogamente as fun¸c˜oes complexas coseno hiperb´ olico, seno hiperb´ olico e tangente hiperb´ olica como extens˜oes das correspondentes fun¸c˜ oes reais (Figuras 2.13 a 2.15): cosh z = e

z +e−z

2

,

sinh z = e

z −e−z

2

,

´ claro que E cosh z = cos(iz) ,

sinh z = −i sin(iz) ,

z

−z

−e tanh z = −i eez +e −z .

tanh z = −i tan(iz) .

Portanto, as fun¸c˜ oes complexas coseno hiperb´ olico e seno hiperb´ olico s˜ ao peri´ odicas de per´ıodo i2π, a tangente hiperb´ olica ´e peri´ odica de per´ıodo iπ

2.5 Fun¸ co ˜es trigonom´ etricas e hiperb´ olicas

19

e estes s˜ ao os seus u ´ nicos per´ıodos m´ınimos. O coseno hiperb´ olico pode ser π obtido por uma rota¸c˜ ao de 2 em torno da origem seguida da aplica¸c˜ao do coseno trigonom´etrico; o seno e a tangente hiperb´ olicos podem ser obtidos por uma rota¸c˜ ao de π2 em torno da origem seguida da aplica¸c˜ao da correspondente fun¸c˜ ao trigonom´etrica e, depois, uma rota¸c˜ao de − π2 em torno da origem, sendo esta u ´ ltima equivalente a trocar a parte real com a imagin´ aria e, no final, mudar o sinal da parte imagin´ aria. Estas observa¸c˜oes s˜ ao facilmente identificadas nos gr´ aficos destas fun¸c˜oes dados nas figuras. Verifica-se   cosh2 z − cosh2 z = 14 (ez +e−z )2 −(ez −e−z )2 = 1 , i.e. cosh2 z−cosh2 z = 1 para z ∈ C , estendendo a f´ormula v´alida para z ∈ R .

Figura 2.13: Relevo e argumento do coseno hiperb´ olico

Figura 2.14: Gr´ aficos das partes real e imagin´ aria do seno hiperb´ olico

Figura 2.15: Relevo e argumento da tangente hiperb´ olica

20

2.6

Fun¸ co ˜es

Logaritmos

Dado um n´ umero complexo em representa¸c˜ao polar z = reiθ 6= 0 , uma vez ln r que z = e eiθ = eln r+iθ , define-se o seu logaritmo por ln z = ln r + iθ , em que ln r designa o logaritmo real de r < 0 (Figuras 2.16 e 2.17). Como o contradom´ınio da exponencial ´e C \ {0}, todos n´ umeros complexos 6= 0 tˆem logaritmos; em particular, os n´ umeros reais negativos tˆem logaritmos complexos, apesar de n˜ ao terem logaritmos reais. Como o argumento θ de cada z 6= 0 pode ser escolhido num conjunto infinito de valores que diferem de m´ ultiplos inteiros de 2π, o logaritmo complexo pode ser escolhido entre infinitos valores que diferem de m´ ultiplos inteiros de i2π. Para assegurar a unicidade de valor e a continuidade de ln z pode-se restringir θ a um intervalo semiaberto I ⊂ R de largura 2π (corresponde a separar diferentes “ramos” do logaritmo com “cortes” ao longo de uma semirecta com origem no ponto zero). Cada uma destas escolhas conduz a um ramo cont´ınuo do logaritmo30 , ln z = ln r +iθ, com θ ∈ I. Chama-se valor principal do logaritmo de z a ln z = ln r+iθ0 , em que θ0 ∈ ]−π, π] designa o argumento principal de z . Os logaritmos complexos assim definidos s˜ ao extens˜ oes do logaritmo real e tˆem propriedades b´ asicas semelhantes, como ln(zw) = ln z+ln w ,

ln wz = ln z−ln w ,

ln z n = n ln z ,

(a menos de ik2π, com k ∈ Z)31 . Por conven¸c˜ao, o logaritmo de um n´ umero real positivo ´e sempre considerado como o seu logaritmo real e, portanto, ´e definido univocamente, a menos que se diga o contr´ ario.

Figura 2.16: Gr´ aficos das partes real e imagin´ aria do logaritmo 30 Podem-se obter outros ramos, e.g. considerando “cortes” ao longo de linhas curvas ilimitadas com origem no ponto zero e sem auto-intersec¸c˜ oes. 31 H´ a n´ umeros da forma ln z +ln w que n˜ ao s˜ ao da forma ln(zw) , embora deles difiram de ´ an´ um m´ ultiplo inteiro de i2π ; o contr´ ario n˜ ao acontece. E alogo para as outras f´ ormulas.

2.7 Potˆ encias e exponenciais de base complexa

21

Figura 2.17: Relevo e valor principal do argumento do logaritmo

2.7

Potˆ encias e exponenciais de base complexa

Dados C\{0} , w ∈ C\Q, define-se a potˆ encia complexa de base complexa e expoente complexo w por (Figura 2.18) z 7→ z w = ew ln z . Se z ´e um n´ umero real positivo, ent˜ao ln z ´e real e z w tem um u ´ nico valor. Caso contr´ ario, ln z ´e um logaritmo complexo e, portanto, z w pode ser definido por uma escolha em valores que diferem de factores de eik2πw , com k ∈ Z . Chama-se valor principal da potˆ encia complexa z 7→ z w `a fun¸c˜ao que se obt´em pela express˜ ao acima tomando ln z igual ao valor principal do logaritmo de z . Se z n˜ ao ´e um n´ umero real positivo, z w tem um u ´ nico valor poss´ıvel se e s´ o se w ∈ Z . Neste caso, z w ´e uma potˆencia inteira de z e coincide com o correspondente valor da potˆencia inteira como definida no cap´ıtulo 1. Se w ∈ Q , ´e w = pq com p ∈ Z e q ∈ N que podem ser considerados sem factores primos comuns, pelo que z w pode ser definido por uma escolha entre q valores que coincidem com as q ra´ızes de ordem q de z p e, portanto, p √ a definida para z = 0 se w = pq > 0 . z q = q z p , que tamb´em est´

Figura 2.18: Relevo e argumento do valor principal da potˆencia z 7→ z i (z i = ei ln z = ei(ln |z|+iArg z) = e−Arg z ei ln |z| ; logo, |z i | = e−Arg z , Arg z i = ln |z| )

22

Fun¸ co ˜es

As potˆencias complexas satisfazem z −w = z1w , z w1 +w2 = z w1 z w2 , mas (ew1 )w2 = ew1 w2 eik2πw2 e ln z w = w ln z+ik2π, com k ∈ Z . Dados z, w ∈ C com z 6= 0 define-se exponencial complexa de base z por (Figuras 2.19) w 7→ z w = ew ln z ,

com observa¸c˜ oes semelhantes `as feitas para a potˆencia complexa de base complexa e, analogamente, chama-se valor principal da exponencial complexa de base z `a fun¸c˜ao que se obt´em pela express˜ ao acima com ln z igual ao valor principal do logaritmo de z .

Figura 2.19: Relevo e argumento do valor principal da exponencial comπ π plexa w 7→ iw ( iw = ew ln i = ewi 2 ; logo, |iw | = e− 2 Im w , Arg iw = π2 Re w )

2.8

Fun¸ c˜ oes trigonom´ etricas inversas

Para definir inversas da fun¸c˜ao complexa coseno, por w = arccos z com z = cos w = 12 (eiw +e−iw ) , nota-se que tal equivale a (eiw )2 −2zeiw +1 = 0 , √ √  pelo que eiw = z ± z 2 −1 e, portanto, arccos z = w =−i ln z ± z 2 −1 , ou, √ √ √   ao atendendo a que z + z 2 −1 z − z 2 −1 = 1, pelo que z ± z 2 −1 s˜ n´ umeros rec´ıprocos, ´e (Figura 2.20)   p arccos z = ±i ln z+ z 2 −1 .

Como o logaritmo de um n´ umero complexo 6= 0 pode ser definido por uma escolha num n´ umero infinito de valores que diferem de m´ ultiplos inteiros de i2π, tamb´em arccosz pode ser definido atrav´es de uma escolha em infinitos valores que diferem de m´ ultiplos inteiros de 2π. Os valores poss´ıveis de arccosz tamb´em incluem os sim´etricos do logaritmo considerado (pois o coseno ´e uma fun¸ c˜ ao par, i.e. cos(−z) = cos z ) que, em geral, formam um conjunto diferente de pontos que diferem entre √ si de m´ ultiplos inteiros de 2 umero real i2π (os dois conjuntos coincidem se e s´ o se z + z −1 ´e um n´ positivo).  A invers˜ ao da fun¸c˜ ao complexa seno ´e imediata de sin w = cos π2 −w , e d´ a arcsin z = π2 −arccos z e

2.9 Limite e continuidade

23

p  arcsin z = π2 ∓i ln z+ z 2 −1 . que tamb´em pode ser definido por uma escolha em infinitos valores que diferem de m´ ultiplos inteiros de 2π.

Figura 2.20: Relevo e argumento de um ramo do arcos z complexo

2.9

Limite e continuidade

Como as estruturas topol´ ogicas de C e R2 coincidem, dada uma fun¸c˜ao f : S → C , com S ⊂ C , e um ponto z0 = (x0 , y0 ) ∈ C , diz-se que o limite de f = (u, v) em z0 existe e ´e Z = (X, Y ) , e escreve-se limz→z0 f (z) = Z , se lim(x,y)→(x0 ,y0 ) [(u, v)](x, y) = (X, Y ) no sentido dos limites de fun¸c˜oes em R2 . Tamb´em se consideram limites infinitos e no infinito: lim f (z) = ∞ , se lim k(u, v)(x, y)k = ∞ , z→z0

(x,y)→(x0 ,y0 )

lim f (z) = Z ,

se

lim f (z) = ∞ ,

se

z→∞

|z|→∞

lim

(u, v)(x, y) = (X, Y ) ,

lim

k(u, v)(x, y)k = ∞ .

k(x,y)k→∞ k(x,y)k→∞

Diz-se que f ´e cont´ınua num ponto z0 ∈ S se lim f (z) = f (z0 ) . Diz-se z→z0 que f ´e cont´ınua num conjunto C ⊂ S se ´e cont´ınua em cada ponto de C , ´ claro que, e diz-se que f ´e cont´ınua se ´e cont´ınua em todo o dom´ınio S. E f = (u, v) ´e cont´ınua em z0 = (x0 , y0 ) se e s´ o se (u, v) ´e cont´ınua em (x0 , y0 ) como fun¸c˜ ao real de vari´ avel em R2 . Em consequˆencia, o limite da soma, produto e quociente de fun¸c˜oes complexas num ponto ´e, resp., igual ` a soma, produto e quociente dos correspondentes limites das parcelas (no caso do quociente, se o limite do denominador n˜ ao ´e zero). Analogamente, as somas, produtos, quocientes, composi¸co˜es de fun¸c˜oes cont´ınuas s˜ ao fun¸c˜ oes cont´ınuas (no caso do quociente, nos pontos em que o valor do denominador no ´e zero). Em particular, as fun¸c˜oes polinomiais complexas s˜ ao cont´ınuas em C . As fun¸c˜oes racionais s˜ ao cont´ınuas em todos os pontos do dom´ınio, i.e. em todos pontos em que o denominador n˜ ao se anula.

24

Fun¸ co ˜es

A fun¸c˜ ao que a cada complexo faz corresponder o seu conjugado, z 7→ z ´e cont´ınua em C , assim como as fun¸c˜oes Re z , Im z , |z| . A fun¸c˜ao Arg z ´e cont´ınua em C\{(x, 0) : x ≤ 0}. As fun¸c˜oes complexas exponencial, coseno, seno, coseno hiperb´ olico e seno hiperb´ olico s˜ ao cont´ınuas em C . A tangente complexa ´e cont´ınua no dom´ınio, i.e no conjunto de pontos em que o denominador no quociente de ao se anula, ou seja fun¸c˜oes que a define n˜  π `a tangente hiperb´ olica, em C\ z ∈ C : z = 2 +kπ,  k ∈ Z . Aplica-se o mesmo que tem dom´ınio C\ z ∈ C : z = i π2 +ikπ, k ∈ Z . Exerc´ıcios 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 2.7

2.8

2.9

Determine os valores de 2, i, (−1)2i na forma a+ib , com a, b ∈ R . Determine os valores de sin i , cos i , tan(i+1) . Determine todos os valores de z ∈ C para os quais ez ´e igual a 2, −1, i, − 2i , −1−i, 1+2i . Obtenha express˜ oes para arctan w, em que w ´e um n´ umero complexo, em termos de logaritmos. Prove que |z i | < eπ , para z ∈ C\{0} . Prove que a fun¸c˜ ao complexa | cos z| ´e ilimitada. Prove que para a ∈ R e −π < θ ≤ π ´e (cos θ+i sin θ)a= cos(aθ)+i sin(aθ) e mostre que a restri¸c˜ ao aos valores de θ ´e necess´ aria. Mostre que se a ∈ Z , a f´ ormula verifica-se para todo θ ∈ R ; neste caso ´e conhecida por f´ ormula de De Moivre32 . Determine equa¸c˜ oes cartesianas para os conjuntos do plano complexo que s˜ ao transformados em rectas paralelas aos eixos coordenados pela fun¸c˜ ao complexa definida por z+ez e represente-os graficamente. n Mostre que lim 1+ nz existe para todo z ∈ C e ´e igual a ez . n→+∞

2.10 Determine o contradom´ınio da restri¸c˜ ao da fun¸c˜ ao complexa tan z ` a faixa vertical do plano complexo |Re z| ≤ π4 e indique as imagens das rectas verticais e dos segmentos de rectas horizontais desta faixa.

32

A f´ ormula de De Moivre apareceu publicada pela primeira vez em 1748 no livro de L. Euler Introductio. De Moivre, Abraham (1667-1754).

Cap´ıtulo 3

Derivada 3.1

Introdu¸ c˜ ao

O 1o estudo sistem´atico das fun¸c˜ oes complexas e das suas aplica¸c˜oes a problemas de an´ alise matem´ atica, hidrodinˆ amica e cartografia deve-se a L. Euler, em 1776-77. Fun¸c˜ oes deste tipo tinham sido anteriormente consideradas, principalmente por J.R. d’Alembert33 que utilizou fun¸c˜oes complexas em 1752 no ˆ ambito do estudo do movimento de fluidos. L. Euler obteve condi¸c˜oes necess´arias para diferenciabilidade de uma fun¸c˜ao complexa, embora n˜ ao as tenha explorado completamente. Estas condi¸c˜oes resultam da forma especial das fun¸c˜ oes lineares complexas, dado que a diferenciabilidade de uma fun¸c˜ ao num ponto corresponde a poder ser aproximada por uma fun¸c˜ao linear numa vizinhan¸ca do ponto. Por volta de 1825 A.-L. Cauchy deu um sentido preciso `a no¸c˜ao de derivada de fun¸c˜ ao, tornando rigorosa a no¸c˜ao de limite da resp. raz˜ ao incremental, na sequˆencia de uma ideia de d’Alembert cerca de 1752. A.-L. Cauchy deu passos decisivos no estudo de fun¸c˜oes complexas com base nas condi¸c˜oes necess´arias de diferenciabilidade obtidas por L.Euler, mas s´ o com o trabalho de B.Riemann em 1851 estas condi¸c˜oes s˜ ao plenamente exploradas. Ficaram conhecidas por “condi¸c˜ oes de Cauchy-Riemann”. Podem ser expressas por equa¸c˜oes que relacionam as derivadas parciais das partes real e imagin´ aria da fun¸c˜ ao. Estabelecem que a diferenciabilidade de fun¸c˜oes complexas implica fortes restri¸c˜ oes de interliga¸c˜ao das partes real e imagin´ aria, ausentes 2 2 na diferenciabilidade de fun¸c˜ oes de R em R . As condi¸c˜ oes de Cauchy-Riemann s˜ ao necess´arias para diferenciabilidade de fun¸c˜ oes complexas num conjunto aberto e s˜ ao claramente suficientes para fun¸c˜oes com partes real e imagin´ aria que s˜ ao C 1 como fun¸c˜oes de duas vari´ aveis reais que s˜ ao as partes real e imagin´ aria da vari´ avel independente, dado que tais fun¸c˜ oes s˜ ao diferenci´ aveis como fun¸c˜oes de vari´ avel em R2 , mas ainda s˜ ao suficientes para fun¸c˜ oes cont´ınuas no conjunto aberto considerado, como provado por D. Menchoff34 em 1935. 33 34

d’Alembert, Jean le Rond (1717-1783). Menchoff, Dmitrii (1892-1988).

26

Derivada

As transforma¸c˜ oes lineares definidas pelas derivadas de fun¸c˜oes complexas diferenci´ aveis num conjunto aberto correspondem a rela¸c˜oes geom´etricas de semelhan¸ca do dom´ınio para o contradom´ınio, i.e. transforma¸c˜oes que preservam ˆ angulos entre rectas e expandem (ou contraem) comprimentos uniformemente em todo o espa¸co. Como as derivadas de uma fun¸c˜ao definem transforma¸c˜ oes lineares que s˜ ao boas aproxima¸c˜oes locais da fun¸c˜ao, as propriedades referidas tendem a ser satisfeitas pela fun¸c˜ao no limite quando a vari´ avel independente tende para um ponto de diferenciabilidade. L. Euler chamava-lhes “transforma¸c˜oes infinitesimamente semelhantes” para traduzir a ideia de na vizinhan¸ca de cada ponto tenderem a definir transforma¸c˜oes de semelhan¸ca no sentido da geometria elementar (triˆ angulos semelhantes tˆem ˆ angulos correspondentes iguais e lados correspondentes proporcionais com a mesma constante de proporcionalidade). Estas transforma¸c˜oes foram consideradas nos trabalhos de L. Euler de 1777 sobre cartas geogr´ aficas da R´ ussia, que tinha sido encarregado de elaborar pela Academia das Ciˆencias de S. Petersburgo. Um aspecto essencial para o uso pr´ atico de mapas ´e que o “tra¸cado de rumos” definindo um ˆangulo de direc¸c˜ao de percurso com uma direc¸c˜ ao de referˆencia (e.g. com o Norte magn´etico ou celeste) possa ser feito marcando o mesmo ˆ angulo numa carta plana, o que exige a preserva¸c˜ao de ˆ angulos na constru¸c˜ ao de mapas planos da superf´ıcie do globo terrestre e, portanto, a propriedade de corresponderem a “transforma¸c˜oes infinitesimamente semelhantes”. A designa¸c˜ao “transforma¸c˜oes conformes”, utilizada para transforma¸c˜ oes do plano com as propriedades geom´etricas referidas, foi introduzida em 1789 por F.T. Schubert35 , acad´emico de S. Petersburgo.

3.2

Diferenciabilidade e derivada

Seja f : Ω → C uma fun¸c˜ao definida num conjunto aberto n˜ ao-vazio Ω ⊂ C . Diz-se que f ´e diferenci´ avel num ponto z0 ∈ Ω se existe o limite da raz˜ ao incremental de f de z0 para z ∈ Ω quando z → z0 : f ′ (z0 ) = lim

z→z0

f (z)−f (z0 ) z−z0

.

A f ′ (z0 ) chama-se a derivada de f em z0 . Se f ´e diferenci´ avel em todos os pontos de um subconjunto aberto de Ω que cont´em ∅ = 6 S ⊂ Ω , diz-se que ´e holomorfa36 em S . O conjunto de todas as fun¸c˜oes holomorfas em S designa-se por H(S) . Chama-se fun¸ c˜ ao inteira a uma fun¸c˜ao holomorfa em C ; logo, o conjunto das fun¸c˜oes inteiras ´e H(C) . (3.1) Exemplos: 1. A fun¸c˜ ao complexa f (z) = |z|2 s´ o ´e diferenci´ avel no ponto z = 0 , pois, iθ com h = re , com r > 0 e θ ∈ R , ´e f (z+h)−f (z) h 35 36

=

(z+h)(z+h)−zz h

=

zz+zh+hz+hh−zz h

= z hh +z+h = z e−i2θ +z+h .

Schubert, Friedrich Theodor von (1758-1825). Nome introduzido em 1875 por Charles Briot (1817-1882) e Jean Bouquet (1819-1885).

3.2 Diferenciabilidade e derivada

27

(z) = z e−i2θ +z . Para z 6= 0 este limite varia com θ, pelo Logo37 , lim f (z+h)−f h h→0

que n˜ ao existe, e para z = 0 o limite existe e ´e zero. Portanto a derivada de f s´ o existe no ponto 0 e f ′ (0) = 0 . 2. Para uma fun¸c˜ ao complexa constante f (z) = c ´e f ′ (z) = lim

h→0

f (z+h)−f (z) h

c−c h→0 h

= lim

= 0.

Fun¸c˜oes constantes em C s˜ ao fun¸c˜oes inteiras com derivada nula em todos pontos de C . 3. Para a fun¸c˜ ao identidade f (z) = z ´e f ′ (z) = lim

h→0

f (z+h)−f (z) h

= lim

h→0

z+h−z h

= 1.

A fun¸c˜ao identidade ´e inteira e tem derivada 1 em todos os pontos de C . 4. Para uma fun¸c˜ ao potˆencia de expoente inteiro positivo f (z) = z n , com n ∈ N , da f´ormula binomial de Newton38 ´e " n   # X n ′ n n n−k k n 1 1 f (z) = lim h [(z + h) −z ] = lim h z h −z h→0 h→0 k k=0 " #   n n   X n X n n−k k−1 n−k k n n 1 = lim h z + z h −z = lim z h = nz n−1 . h→0 h→0 k k k=1

k=1

Logo, f (z) = z n ´e uma fun¸c˜ ao inteira com derivada f ′ (z) = nz n−1 para z ∈ C . As derivadas nos exemplos anteriores foram calculadas directamente a partir da defini¸c˜ ao, como limites de raz˜ oes incrementais. Contudo, da defini¸c˜ao de derivada resultam propriedades de deriva¸c˜ao de opera¸c˜oes de fun¸c˜oes an´ alogas ` as de fun¸c˜ oes reais e que se estabelecem da mesma maneira. Em particular, somas, produtos e quocientes com denominadores n˜ ao nulos de fun¸c˜oes complexas diferenci´ aveis num ponto s˜ ao diferenci´ aveis nesse ponto, e composi¸c˜ oes de fun¸c˜ oes complexas diferenci´ aveis em pontos correspondentes na decomposi¸c˜ ao s˜ ao f ′ g−f g ′ f ′ , (f ◦g)′ = (f ′ ◦g)g ′ . (f +g)′ = f ′ +g′ , (f g)′ = f ′ g+f g ′ , g = g2

Logo, somas, produtos e quocientes com denominadores n˜ ao nulos de fun¸c˜oes holomorfas num conjunto aberto Ω ⊂ C s˜ ao holomorfas em Ω , e composi¸  c˜oes de fun¸c˜ oes holomorfas s˜ ao holomorfas, i.e. se g ∈ Ω e f ∈ H g(Ω) , ent˜ao f ◦g ∈ H(S) . Em particular, o conjunto H(S) das fun¸c˜oes holomorfas num conjunto S ⊂ C ´e um espa¸co linear complexo com a soma e a multiplica¸c˜ao por escalares complexos usuais, e substituindo os escalares por n´ umeros reais ´e um espa¸co linear real. 37

Este limite ´e a derivada direccional da correspondente fun¸c˜ ao em R2 no ponto (x, y) = z segundo o vector (cos θ, sin θ) . 38 Newton, Isaac (1642-1727).

28

Derivada

(3.2) Exemplos:

P 1. As fun¸ co ˜es polinomiais complexas P (z) = nk=0 ck z k s˜ ao inteiras, pois s˜ ao somas de produtos de constantes por potˆencias de expoentes inteiros n˜ ao negativos, que s˜ ao fun¸ c˜oes inteiras. As regras de deriva¸c˜ao de opera¸c˜oes Pn−1 ′ de fun¸c˜ oes d˜ ao P (z) = k=0 (k+1)ck+1 z k . Logo, a derivada de uma fun¸c˜ao polinomial de grau n ´e uma fun¸c˜ao polinomial de grau n−1 .

P (z) 2. As fun¸ co ˜es racionais Q(z) , em que P, Q s˜ ao fun¸c˜oes polinomiais e Q n˜ ao ´e o polin´ omio zero, s˜ ao holomorfas no resp. dom´ınio, i.e. no conjunto de pontos em que o denominador Q(z) n˜ ao ´e zero, pois s˜ ao quocientes de fun¸c˜ oes inteiras. As derivadas de fun¸c˜oes racionais podem ser calculadas com a regra de deriva¸c˜ ao do quociente de fun¸c˜oes e a f´ormula de deriva¸c˜ao de polin´ omios do exemplo precedente.

Se f : Ω → C , com Ω ⊂ C , ´e uma fun¸c˜ao diferenci´ avel no ponto z0 , a fun¸c˜ ao definida por  f (z)−f (z )−f ′ (z )(z−z ) 0 0 0 , se z 6= z0 z−z0 E(z, z0 ) = (3.3) 0 , se z = 0 satisfaz lim E(z, z0 ) = 0 e a fun¸c˜ao Tz0 : C → C tal que Tz0 (z) = f ′ (z0 ) z z→z0 ´e uma transforma¸c˜ ao linear no espa¸co linear complexo C . Portanto, da correspondˆencia entre pontos de C e de R2 , a diferenciabilidade de uma fun¸c˜ ao complexa f num ponto z0 ∈ C corresponde `a diferenciabilidade da fun¸c˜ ao (u, v) = f de R2 em R2 no ponto (x0 , y0 ) = z0 cuja derivada ´e uma transforma¸c˜ ao linear em R2 que corresponde a uma transforma¸c˜ao linear no espa¸co linear complexo C . Designando (A, B) = f ′ (z0 ) , ´e  Tz0 (x, y) = (A+iB)(x+iy) = (Ax−BY )+i(Ay +Bx) = (Ax−BY, Ay +Bx).

A representa¸c˜ ao matricial da correspondente transforma¸c˜ao linear em R2 na base can´ onica coincide com a matriz jacobiana da fun¸c˜ao (u, v) em (x0 , y0 )   " ∂u − ∂u # A −B ∂x ∂y , = ∂v ∂v B A ∂x

∂y

´ o que ´e consistente com a observa¸c˜ao em Algebra Linear das representa¸c˜oes matriciais das transforma¸c˜oes lineares em R2 que correspondem a transforma¸c˜ oes lineares complexas em C serem na base can´ onica de R2 as matrizes reais 2×2 com as componentes na diagonal principal iguais e as outras duas componentes sim´etricas uma da outra. Ficou provado o resultado seguinte. (3.4) Equa¸ co ˜es de Cauchy-Riemann: Se f : Ω → C com Ω ⊂ C ´e diferenci´ avel em z0 = (x0 , y0 ) ∈ Ω e f = (u, v) , ent˜ ao em z0 verificam-se as equa¸co ˜es de Cauchy-Riemann ∂v ∂v ∂u ∂u ∂x = ∂y , ∂x = − ∂y , e a derivada de f ´e dada por qualquer das quatro f´ ormulas seguintes: ∂f ∂u ∂v def ∂f ∂v ∂u def ∂u ∂v ∂v ′ ′ ′ ′ f = ∂x +i ∂x = ∂x , f = ∂y −i ∂y = −i ∂y , f = ∂x −i ∂u ∂y , f = ∂y +i ∂x .

3.2 Diferenciabilidade e derivada

29

As equa¸c˜ oes de Cauchy-Riemann estabelecem fortes restri¸c˜oes de interliga¸c˜ao das partes real e imagin´ aria de fun¸c˜oes complexas diferenci´ aveis, mas tamb´em estabelecem restri¸c˜ oes ` as pr´ oprias partes real e imagin´ aria, como se vˆe nos exemplos seguintes. (3.5) Exemplos: 1. Se f = (u, v) ´e uma fun¸c˜ ao holomorfa numa ao Ω ⊂ C com parte  regi˜ ∂u real u(x, y) = x2 − xy − y 2 , ´e ∂u (x, y), (x, y) = (2x−y, −x−2y) , e, das ∂x ∂y  ∂v ∂v equa¸c˜oes de Cauchy-Riemann, ´e ∂x , ∂y = (x+2y, 2x−y) . Primitivando as duas componentes em rela¸c˜ ao ` as vari´ aveis das resp. derivadas parciais d´ a   1 2 1 2 v(x, y), v(x, y) = 2 x +2xy+k1 (y) , 2xy− 2 y +k2 (x) ,

e equacionando as duas componentes obt´em-se v(x, y) = 12 x2 +2xy− 21 y 2 +c , com c uma constante real. Logo, a parte imagin´ aria v de uma fun¸c˜ao holomorfa numa regi˜ ao com a parte real u dada tem de ser desta a forma. 2. Se f = (u, v) ´e uma fun¸c˜ ao holomorfa numa regi˜ ao Ω ⊂ C com parte 2 2 real u(x, y) = x + y , obt´em-se analogamente ao exemplo precedente  v(x, y), v(x, y) = −2xy+k1 (y) , 2xy+k2 (x) e equacionando as duas componentes −2xy + k1 (y) = 2xy + k2 (x) , que ´e imposs´ıvel. Portanto, n˜ ao h´ a fun¸c˜oes complexas holomorfas com parte real u(x, y) = x2 + y 2 , ou seja n˜ ao h´ a fun¸c˜ oes holomorfas f com Ref (z) = |z|2 . A diferenciabilidade de uma fun¸c˜ao complexa num ponto z0 corresponde a acr´escimos dos valores da fun¸ca˜o numa vizinhan¸ca de z0 em rela¸c˜ao ao valor da fun¸c˜ ao em z0 serem bem aproximados por uma fun¸c˜ao linear complexa, no sentido do quociente do desvio de aproxima¸c˜ao do valor da fun¸c˜ao num ponto pelo desvio do ponto a z0 tender para zero quando o ponto tende para z0 , o que corresponde geometricamente ao gr´ afico da fun¸c˜ao em R2 associada ` a fun¸c˜ ao complexa admitir um plano tangente (n˜ ao vertical) no ponto correspondente a z0 , e implica continuidade em pontos de diferenciabilidade. (3.6) Fun¸co ˜es complexas s˜ ao cont´ınuas em pontos de diferenciabilidade. Dem. Com E(z, z0 ) como na f´ormula (3.3) para z numa vizinhan¸ca de z0 , ´e f (z)−f (z0 )−f ′ (z0 )(z−z0 ) = (z−z0 )E(z, z0 ) , e lim f (z) = f (z0 ) . Q.E.D. z→z0

O exemplo seguinte mostra que as equa¸c˜oes de Cauchy-Riemann s˜ ao necess´arias, mas n˜ ao suficientes para diferenciabilidade.  p (3.7) Exemplo: Se f (x, y) = |xy| para (x, y) ∈ C e f = (u, v) , ´e u(x, 0) = u(0, y) = v(x, y) = 0 , as derivadas parciais de u e v em z0 = 0 s˜ ao nulas e, portanto, as equa¸c˜ oes de Cauchy-Riemann s˜ ao satisfeitas em iθ z0 . A raz˜ ao incremental de f em z0 , com z = re , em que r > 0 , θ ∈ R , ´e √ q r |(cos θ)(sin θ)| f (reiθ ) −f (0) | sin(2θ)| −iθ = = e , 2 reiθ reiθ

30

Derivada

cujos valores variam com θ, e.g. o valor ´e 0 para θ = 0 e ´e 12 (1−i) para θ = π4 . ao existe, e, portanto, f n˜ ao ´e diferenci´ avel em z0 = 0 , Logo, lim f (z) −z f (0) n˜ z→0

embora satisfa¸ca as equa¸c˜oes de Cauchy-Riemann. Sabe-se do estudo de fun¸c˜oes em R2 que uma condi¸c˜ao suficiente para diferenciabilidade de uma fun¸c˜ao num conjunto aberto n˜ ao-vazio ´e que as duas componentes reais da fun¸c˜ao sejam C 1 , i.e. as derivadas parciais existam e sejam cont´ınuas. Esta propriedade permite estabelecer condi¸c˜oes em que as equa¸c˜ oes de Cauchy-Riemann s˜ ao necess´arias e suficientes para diferenciabilidade de uma fun¸c˜ao complexa. (3.8) Se Ω ⊂ R2 ´e um conjunto aberto n˜ ao-vazio e u, v : Ω → R s˜ ao 1 fun¸co ˜es C , a fun¸ca ˜o complexa f = (u, v) ´e holomorfa em Ω se e s´ o se as equa¸co ˜es de Cauchy-Riemann se verificam em Ω . Dem. A fun¸c˜ ao (u, v) como fun¸c˜ao com valores em R2 e vari´ avel em R2 ´e 2 diferenci´ avel e a derivada ´e uma transforma¸c˜ao linear em R que corresponde a uma transforma¸c˜ ao linear no espa¸co linear complexo C se e s´ o se a matriz jacobiana tem as componentes na diagonal principal iguais e as outras duas componentes sim´etricas, que s˜ ao as equa¸c˜oes de Cauchy-Riemann. Q.E.D. (3.9) Equa¸ co ˜es de Cauchy-Riemann em coordenadas polares ´ E por vezes u ´ til considerar as equa¸c˜oes de Cauchy-Riemann em coordenadas polares. Como a rela¸c˜ao de coordenadas cartesianas com polares ´e (x, y) = (r cos θ, r sin θ) , a mudan¸ca para coordenadas polares no dom´ınio de fun¸c˜ oes u(x, y), v(x, y) pode ser expressa por u(x, y) = u(r cos θ, r sin θ) = U (r, θ) ,

v(x, y) = v(r cos θ, r sin θ) = V (r, θ) .

Com a regra de deriva¸ca˜o da fun¸c˜ao composta obt´em-se " ∂U ∂U # " ∂u ∂u #  ∂x ∂y cos θ −r sin θ ∂r ∂θ = ∂v ∂v . ∂V ∂V sin θ r cos θ ∂r

∂x

∂θ

∂y

As equa¸c˜ oes de Cauchy-Riemann em coordenadas cartesianas s˜ ao ∂u ∂x

pelo que " ∂U ∂r

∂U ∂θ

∂V ∂r

∂V ∂θ

#

def

∂v = A, = ∂y

∂v ∂x

def

= − ∂u ∂y = B ,



 A cos θ−B sin θ −r(A sin θ+B cos θ) = ; A sin θ+B cos θ r(A sin θ−B cos θ)

logo, as equa¸ co ˜es de Cauchy-Riemann em coordenadas polares s˜ ao (3.10)

∂V ∂θ

= r ∂U ∂r ,

∂U ∂θ

= −r ∂V ∂r .

3.2 Diferenciabilidade e derivada

31

(3.11) Exemplos: 1. Considera-se a fun¸c˜ ao complexa f (z) = ez . Com f = (u, v) e z = (x, y) , ´e z x e = e (cos y+sin y) , pelo que u(x, y) = ex cos y, v(x, y) = ex sin y, e ∂u ∂x

= ex cos y ,

∂u ∂y

= −ex sin y ,

∂v ∂x

= ex sin y ,

∂v ∂y

= ex cos y .

Estas fun¸c˜ oes s˜ ao cont´ınuas e satisfazem as equa¸c˜oes de Cauchy-Riemann em C ; logo, do resultado precedente, a exponencial complexa ´e uma fun¸c˜ao inteira, com derivada (ez )′ =

∂v ∂u ∂x +i ∂x

= ex cos y + i ex sin y = ez .

A derivada da exponencial ´e a exponencial, tal como da exponencial real. 1 iz 2. As fun¸c˜ oes complexas cos z = 12 (eiz + e−iz ) e sin z = 2i (e − e−iz ) s˜ ao inteiras, pois somas, produtos e composi¸c˜oes de fun¸c˜oes inteiras s˜ ao inteiras, e tˆem derivadas ′ (cos z)′ = 12 (eiz +e−iz ) = 12 (i eiz − i e−iz ) = − sin z , ′ 1 1 iz (e −e−iz ) = 2i (i eiz + i e−iz ) = cos z . (sin z)′ = 2i

Logo, a derivada do coseno complexo ´e o sim´etrico do seno e a derivada do seno complexo ´e o coseno, tal como para as correspondentes fun¸c˜oes reais. sin z Como a tangente complexa tan z = cos e um quociente de fun¸c˜oes inz ´ teiras, ´e holomorfa no seu dom´ınio, i.e. no conjunto em que o denominador cos z n˜ ao se anula, C\{ π2 +kπ, k ∈ Z} . A derivada ´e  2 z + sin2 z sin z ′ (tan z)′ = cos = cos12 z , = cos cos 2z z que tamb´em ´e a f´ormula de deriva¸c˜ao da tangente real.

3. Obt´em-se analogamente que as fun¸c˜oes complexas coseno hiperb´ olico ′ e seno hiperb´ olico s˜ ao fun¸c˜ oes inteiras com derivadas (cosh z) = sinh z e (sinh z)′ = cosh z , e a tangente hiperb´ olica ´e holomorfa no seu dom´ınio, em 1 . que tem derivada (tanh z)′ = cosh 2 z 4. Viu-se na sec¸c˜ ao sobre logaritmos do cap´ıtulo precedente que o logaritmo de n´ umeros complexos pode ser definido por escolhas em infinitos valores, mas podem-se considerar fun¸c˜ oes dadas por cada ramo do logaritmo ln z , e.g. ln z +i(Arg z+k2π) , com k ∈ Z fixo. Cada um destes ramos do logaritmo complexo est´ a definido em C\{0} e ´e descont´ınuo no semieixo real negativo, com a parte imagin´ aria a aproximar-se de (2k + 1)π quando os pontos do dom´ınio se aproximam deste semieixo pelo semiplano complexo superior Im z > 0 e de (2k − 1)π quando se aproximam pelo semiplano complexo inferior Im z < 0 . As partes real e imagin´ aria de cada um destes ramos s˜ ao, em coordenadas polares, z = reiθ com θ ∈ ](2k − 1)π, (2k + 1)π] , resp. U (r, θ) = ln r e V (r, θ) = θ . Verifica-se ∂U ∂r

= 1r ,

∂U ∂θ

=0 ,

∂V ∂r

=0 ,

∂U ∂θ

=1 .

Estas fun¸c˜ oes s˜ ao cont´ınuas e satisfazem as equa¸c˜oes de Cauchy-Riemann em coordenadas polares em {(r, θ) ∈ [0, +∞[×](2k−1)π, (2k+1)π] }, que em

32

Derivada

coordenadas cartesianas corresponde a C\{(x, 0) ∈ C : x < 0}. A continuidade de U e V no conjunto indicado implica a continuidade das partes real e imagin´ aria em coordenadas cartesianas, u, v, de cada ramo do logaritmo considerado C \{(x, 0) ∈ C : x < 0}. De (3.8), cada uma destas fun¸c˜oes logaritmo ´e holomorfa no conjunto referido. A derivada pode ser facilmente calculada com a regra de deriva¸c˜ao da fun¸c˜ao composta, derivando eln z = z , o que d´ a eln z (ln z)′ = 1 , pelo que (ln z)′ = 1z , analogamente `a f´ormula de deriva¸c˜ ao do logaritmo real. 5. Tamb´em se viu no cap´ıtulo precedente que as potˆencias complexas s˜ ao w w ln z 39 + w definidas para w ∈ C \ Q por z 7→ z = e . Para z ∈ / R , z pode ser escolhido de infinitos valores, tal como ln z , e para z ∈ R+ convencionou-se tomar para ln z o logaritmo real, o que d´ a uma u ´ nica possibilidade para os valores de z w que corresponde ao valor principal do logaritmo complexo. Cada um dos ramos do logaritmo complexo considerados no exemplo precedente corresponde a um ramo da potˆencia complexa z w e ´e uma fun¸c˜ao complexa definida em C\{(x, 0) ∈ C : x < 0}, tal como o correspondente ramo de ln z . A f´ormula z w = ew ln z d´ a cada ramo de z 7→ z w como composi¸c˜ao de fun¸c˜ oes holomorfas no resp. dom´ınio, pelo que tamb´em ´e uma fun¸c˜ao holomorfa no resp. dom´ınio. A derivada de cada ramo de z 7→ z w nos pontos de C\{(x, 0) ∈ C : x < 0} calcula-se pelas regras da deriva¸c˜ao de opera¸c˜oes com fun¸c˜ oes diferenci´ aveis, obtendo-se (z w )′ = (ew ln z )′ = ew ln z wz = wz w−1 , an´ aloga ` a f´ormula para a derivada da fun¸c˜ao real potˆencia de base positiva. Para z ∈ C e w ∈ Q com w = pq em termos m´ınimos com p ∈ Z e q ∈ N , p ´e z q = z w = ew ln z , pelo que as conclus˜oes anteriores tamb´em se aplicam neste caso. Para as potˆencias inteiras positivas z w com w ∈ N j´a se obteve no exemplo (3.1.4) a mesma f´ormula de deriva¸c˜ao, e para potˆencias inteiras negativas z w com −w ∈ N obt´em-se  1 ′ 1 (z w )′ = (z −|w| )′ = z |w| = − (z |w| |w|z |w|−1 = −|w|z −|w|−1 = wz w−1 , )2 que ´e a mesma f´ormula de deriva¸c˜ao obtida para os casos anteriores.

6. As exponenciais complexas de base complexa foram definidas na correspondente sec¸c˜ ao do cap´ıtulo precedente por w 7→ z w = ew ln z , para z ∈ C\{0}. Para cada um dos ramos do logaritmo, esta fun¸c˜ao ´e uma composi¸c˜ao de fun¸c˜ oes inteiras e, portanto, tamb´em ´e inteira. A derivada calcula-se com as regras da deriva¸c˜ ao de opera¸c˜oes de fun¸c˜oes diferenci´ aveis, obtendo-se (z w )′ = (ew ln z )′ = ew ln z ln z = z w ln z , a mesma f´ormula da derivada de exponenciais reais com bases positivas. 7. Na sec¸c˜ ao sobre inversas de fun¸c˜o√ es trigonom´ etricas do√cap´ıtulo   prece2 2 dente obteve-se arccos z = ±i ln z + z −1 = ±i ln z + i 1−z . Para 39

Designa-se R+ = ]0, +∞[ .

3.2 Diferenciabilidade e derivada

33

definir uma fun¸c˜ ao correspondente a um ramo desta rela¸c˜ao h´ a que escolher o sinal, escolher um ramo da raiz quadrada e um ramo do logaritmo. Podese escolher o valor principal do logaritmo, o ramo da raiz quadrada definido no plano sem o semieixo real negativo e que assume valores de parte imagin´ aria positiva, e o sinal negativo. Para que 1−z 2 n˜ ao esteja no semieixo real negativo, excluem-se do dom´ınio os n´ u meros reais z da uni˜ ao de intervalos √ 2 ] − ∞, −1] √ ∪ [1, +∞[ . Se z + i 1−z pertence ao semieixo real negativo, como z −i 1−z 2 ´e o seu rec´ıproco, tamb´em este pertence ao semieixo real negativo e a soma dos dois 2z ´e um n´ umero real negativo. Como√o intervalo ] − ∞, −1] a exclu´ıdo, resta verificar que para z ∈ ] − 1, 0[ ´e 1−z 2 > 0 √ est´ 2 e z + i 1−z n˜ ao ´e √real, para  concluir que se pode considerar a fun¸c˜ao 2 ao C\ ]−∞, −1] ∪ [1, +∞[ arccos z = −i ln z +i 1−z definida na regi˜ com o valor principal do logaritmo (ver Figura 2.20). Para n´ umeros reais z ∈ [−1, 1] o valor desta fun¸c˜ ao ´e o mesmo da fun¸c˜ao real arccos , que tem contradom´ınio [0,π] . A fun¸c˜ ao ´e definida por composi¸c˜oes, produtos e somas de fun¸c˜ oes holomorfas, pelo que ´e holomorfa em Ω . A derivada desta fun¸c˜ao arccos z calcula-se facilmente pela regra de deriva¸c˜ao de opera¸c˜oes com fun¸c˜ oes diferenci´ aveis, obtendo-se   p ′  ′ = −i z + i√11−z 2 1+i 2√−2z (arccos z) = −i ln z+i 1−z 2 1−z 2 √  2 − iz 1−z 1 i √ = − √1−z 2 , = − z + i√1−z 2 1−z 2

concordante com a f´ormula para a correspondente fun¸c˜ao real. Para arcsin z = π2 − arccos z pode-se tomar o ramo de arccos z acima considerado. Como ´e uma diferen¸ca de fun¸c˜oes holomorfas em Ω , tamb´em ´e uma fun¸c˜ ao holomorfa em Ω . Com as regras de deriva¸c˜ao de opera¸c˜oes de fun¸c˜oes complexas obt´em-se,  ′ 1 . (arcsin z)′ = π2 −(arccos z) = −(arccos z)′ = √1−z 2

O resultado seguinte d´ a condi¸c˜oes simples para uma fun¸c˜ao holomorfa numa regi˜ ao ser constante. Ilustram, mais uma vez, que a existˆencia de derivada de uma fun¸c˜ ao complexa numa regi˜ ao imp˜ oe restri¸c˜oes fortes de interliga¸c˜ ao entre as partes real e imagin´ aria, e os m´ odulo e argumento. (3.12) Uma fun¸ca ˜o holomorfa f numa regi˜ ao de C ´e constante se f ′ = 0 ou uma das fun¸co ˜es Re f , Im f , |f |, arg f ´e constante.

Dem. Se a derivada de f = (u, v) ´e nula numa regi˜ ao Ω ⊂ C , as derivadas parciais de u, v s˜ ao nulas e, portanto, u, v s˜ ao constantes em todos segmentos de recta paralelos aos eixos coordenados contidos em Ω . Como Ω ´e um conjunto aberto e conexo, qualquer par dos seus pontos pode ser ligado por uma linha poligonal em Ω com segmentos sucessivos paralelos a um dos eixos coordenados; logo, u, v e, portanto, tamb´em f , s˜ ao constantes em Ω . ∂u Se u = Re f (resp., v = Im f ) ´e constante em Ω , ent˜ao f ′ = ∂u ∂x −i ∂y = 0 ∂v ∂v +i ∂x = 0) e, do par´ agrafo precedente, f ´e constante em Ω . (resp., f ′ = ∂y

34

Derivada

Se |f | ´e constante em Ω , tamb´em u2 +v 2 ´e constante em Ω . Derivando em ordem a x e y e com as equa¸c˜oes de Cauchy-Riemann obt´em-se ∂v ∂v ∂v ∂v u ∂u u ∂u −u ∂x +v ∂x =0 . ∂x +v ∂x = 0 , ∂y +v ∂y = 0 , a O sistema de equa¸c˜ oes lineares com a 1 e a u ´ ltima destas equa¸c˜oes ´e equivalente ` a equa¸c˜ ao matricial  # "  ∂u u v ∂x = 0. v −u ∂v ∂x O determinante da matriz de coeficientes ´e −(u2 +v 2 ) . Se u2 +v 2 se anula num ponto, como ´e constante em Ω anula-se em toda esta regi˜ ao e f = 0 em ∂v Ω ; caso contr´ ario, o sistema tem solu¸c˜ao u ´ nica 0, e f ′ = ∂u −i ∂x ∂x = 0 , pelo que, do pen´ ultimo par´ agrafo anterior, f ´e constante em Ω . Se o argumento de f ´e constante em Ω , u e v tˆem valores numa mesma semirecta com extremidade na origem, pelo que ou u = 0 em Ω e do pen´ ultimo par´ agrafo anterior f ´e constante em Ω , ou para algum c ∈ R ´e v = cu e Re(1+ic)f = Re [(1+ic)(u+iv)] = u−cv = 0 , e, desse par´ agrafo, (1+ic)f = 0 , e, como 1+ic 6= 0 , ´e f = 0 em Ω . Q.E.D. Im

Im

2

2

1

1 Re

0 -1

Re

0 -1

-2

-2 -2

-1

0

1

2

-2

Im

-1

0

1

2

Im

3

1.5

2

1

1

0.5 Re

0

Re

0 -0.5

-1

-1

-2

-1.5 -1.5-1-0.5 0 0.5 1 1.5

-3 -3 -2 -1 0

1

2

3

Im

Im

3

3

2

2

1

1 Re

0 -1

Re

0 -1

-2

-2

-3

-3 -3 -2 -1 0

1

2

3

-3 -2 -1 0

1

2

3

Figura 3.1: Intersec¸c˜ao ortogonal das curvas de n´ıvel das partes real (tra¸co grosso) e imagin´ aria (tra¸co fino) de fun¸c˜oes holomorfas (exemplos: z 2 , 1z , ez , tan z, ln z, arccos z )

3.3 Transforma¸ co ˜es conformes

35

A consequˆencia seguinte das equa¸c˜oes de Cauchy-Riemann ´e muito u ´ til para representa¸c˜ ao geom´etrica de fun¸c˜oes holomorfas. Mais uma vez, verificase que a diferenciabilidade de uma fun¸c˜ao complexa num conjunto aberto imp˜ oe fortes restri¸c˜ oes de interliga¸c˜ao das suas partes real e imagin´ aria, neste caso com uma express˜ ao geom´etrica muito simples. (3.13) Curvas de n´ıvel das partes real e imagin´ aria de uma fun¸ca ˜o holomorfa intersectam-se ortogonalmente (Figura 3.1). Dem. Se f = (u, v) , das equa¸c˜ oes de Cauchy-Riemann, o produto interno 2 can´ onico em R de ∇u, ∇v satisfaz ∇u ·∇v =

∂u ∂v ∂u ∂v ∂x ∂x + ∂y ∂y

=

∂u ∂v ∂v ∂u ∂x ∂x − ∂x ∂x

= 0.

Logo, ∇u, ∇v s˜ ao ortogonais, e as curvas de n´ıvel de u e v tamb´em. Q.E.D.

3.3

Transforma¸c˜ oes conformes

Para analisar como transforma¸c˜ oes definidas num plano deformam o espa¸co ´e u ´ til observar o efeito em curvas dos dom´ınios das transforma¸c˜oes. As no¸c˜ oes de curva e caminho em subconjuntos de C e em R2 s˜ ao an´ alogas. Em particular, um caminho em Ω ⊂ C ´e uma fun¸c˜ao cont´ınua definida num intervalo de n´ umeros reais com valores em Ω . Chama-se curva γ ∗ em Ω ao contradom´ınio de um caminho γ em Ω . Um caminho regular ´e um caminho C 1 com derivada que n˜ ao se anula. Para um caminho regular γ : I → C , em que I ⊂ R ´e um intervalo, γ ′ (t) 6= 0 ´e um vector tangente `a curva γ ∗ no ponto γ(t) , para t ∈ I .

Figura 3.2: Transforma¸c˜ ao de curvas por uma fun¸c˜ao holomorfa Se Ω ⊂ C ´e aberto, f ∈ H(Ω) e γ ´e um caminho regular em Ω , β = f◦γ tamb´em ´e um caminho em Ω . A curva β ∗ correspondente ´e a imagem da curva γ ∗ pela fun¸c˜ ao f (Figura 3.2). Da regra de deriva¸c˜ao da fun¸c˜ao composta, β ′ (t) = f ′ γ(t) γ ′ (t) , para t ∈ I . Se f ´e C 1 , β ´e um  caminho ′ ∗ ′ ′ regular se e s´ o se f (z)6= 0 , para z ∈ γ , e arg β (t) = arg f γ(t) +arg γ ′ (t) , para t ∈ I com f ′ γ(t) 6= 0 . Se t0 ∈ I , z0 = γ(t0 ) e f ′ (z0 ) 6= 0 , o ˆangulo entre as tangentes dirigidas γ ′ (t0 ) e β ′ (t0 ) aos caminhos, resp., γ e β nos pontos, resp., z0 = γ(t0 ) e w0 = f (z0 ) ´e igual a arg f ′ (z0 ) . Logo, caminhos regulares

36

Derivada

que formam um ˆ angulo θ em z0 s˜ ao transformados por f em caminhos que formam o mesmo ˆ angulo θ em w0 (Figura 3.3). Tamb´em ´e lim

z→z0

|f (z)−f (z0 )| |z−z0 |

= |f ′ (z0 )| ,

pelo que pequenos segmentos de recta com origem em z0 s˜ ao, no limite quando z → z0 , contra´ıdos ou expandidos na raz˜ ao |f ′ (z0 )| . Portanto, a mudan¸ca de escala no ponto z0 resultante da transforma¸c˜ao f ´e independente da direc¸c˜ ao (Figura 3.3). Quando uma fun¸c˜ao satisfaz estas duas propriedades diz-se que ´e uma transforma¸ c˜ ao conforme.

Figura 3.3: Preserva¸c˜ao de ˆangulos e mudan¸ca de escala em cada ponto sob transforma¸c˜oes definidas por fun¸c˜oes holomorfas Assim, as fun¸c˜ oes holomorfas satisfazem restri¸c˜oes geom´etricas muito fortes, como j´a se tinha observado com as curvas de n´ıvel das partes real e imagin´ aria de uma fun¸ca˜o holomorfa a intersectarem-se ortogonalmente. Os dois tipos de conformidade para uma fun¸c˜ao f : Ω → C num ponto z0 ∈ Ω implicam que f ′ (z0 ) existe: o m´ odulo de f ′ (z0 ) ´e a raz˜ ao de contrac¸c˜ao ou expans˜ ao de pequenos segmentos com origem em z0 e o argumento ´e, para cada caminho regular γ que passa em z0 , a diferen¸ca dos argumentos das tangentes dirigidas dos caminhos γ e β = f ◦γ em, resp., z0 e f (z0 ) . O resultado seguinte d´ a, sob a hip´ otese adicional de f = (u, v) ser C 1 numa vizinhan¸ca de z0 como fun¸c˜ao de R2 em R2 , que o 1o tipo de conformidade implica diferenciabilidade de f em z0 e o 2o tipo de conformidade implica a diferenciabilidade de f ou f em z0 , com derivadas 6= 0 . (3.14) Se Br (z0 ) ⊂ C com r > 0 ´e um c´ırculo aberto centrado em z0 ∈ C ∂f e f : Br (z0 )→ C ´e tal que nos pontos z = (x, y) ∈ Br (z0 ) ∂f ∂x , ∂y existem e s˜ ao cont´ınuas, ent˜ ao: 1. A preserva¸ca ˜o dos ˆ angulos entre caminhos regulares em z0 equivale a existˆencia f ′ (z0 ) 6= 0 . ` 2. A existˆencia de uma raz˜ ao de expans˜ ao (ou contrac¸ca ˜o) de distˆ ancias de pontos a z0 no limite quando tendem para z0 equivale ′ ´ltimo caso f prea existˆencia de f ′ (z0 ) 6= 0 ou f (z0 ) 6= 0 (no u ` serva valores absolutos de ˆ angulos entre caminhos regulares que se intersectam em z0 mas inverte sentidos).

3.3 Transforma¸ co ˜es conformes

37

Dem. J´ a se provou que a existˆencia de f ′ (z0 ) 6= 0 implica a validade das duas condi¸c˜ oes de conformidade. Como os valores absolutos de complexos conjugados s˜ ao iguais e os ˆ angulos definidos por complexos conjugados n˜ ao nulos s˜ ao iguais em valor absoluto mas de sentidos contr´ arios, a existˆencia de ( f )′ (z0 ) 6= 0 em z0 tamb´em implica a validade das duas condi¸c˜oes de conformidade, com invers˜ ao de sentidos de ˆangulos. De (3.8), a existˆencia de derivada de f (resp., f ) em z0 ´e equivalente `a validade das equa¸c˜ oes de Cauchy-Riemann de f (resp., f ) em z0 , pelo que basta mostrar que, separadamente, cada uma das condi¸c˜oes de conformidade implica a validade das equa¸c˜ oes de Cauchy-Riemann em z0 e f ′ (z0 ) 6= 0 (resp., ′ ( f ) (z0 ) 6= 0 ). Para um caminho regular z : I → Br (z0 ) , com z0 = z(t0 ) , t0 ∈ I,  1 z(t) = x(t), y(t) e w(t) = f z(t) , ´e x′ = 12 (z ′+z ′ ), y ′ = i2 (z ′−z ′ ) = −i 21 (z ′−z ′ ) ,   ′ + ∂f y ′ = 1 ∂f −i ∂f z ′ + 1 ∂f +i ∂f z ′ x w′ = ∂f ∂x ∂y 2 ∂x ∂y 2 ∂x ∂y

em que as derivadas parciais de f s˜ ao calculadas em z0 e as derivadas de x, y, z, w s˜ ao calculadas em t0 . Prova de 1): Se os ˆ angulos entre caminhos regulares em z0 s˜ ao preservados, ∂f  ∂f  z ′ 1 ∂f 1 ∂f w′ (3.15) z ′ = 2 ∂x −i ∂y + 2 ∂x +i ∂y z ′

deve ser 6= 0 e ter argumento independente de z ′ . Quando z ′ percorre todos ′ os poss´ıveis valores complexos, o quociente zz ′ percorre a circunferˆencia do plano complexo com raio 1 e centro na origem, pelo que os valores de (3.15) ∂f ∂f  1 ∂f percorrem a circunferˆencia com centro em 12 ∂f ∂x − i ∂y e raio 2 ∂x + i ∂y . Au ´ nica situa¸c˜ ao em que o argumento permanece constante ´e com raio nulo, ∂f ∂v ∂u ∂v i.e. ∂f + i = 0 , que, om f = (u, v) , equivale a ∂u ∂x ∂y ∂x = ∂y e ∂y = − ∂x , que s˜ ao as equa¸c˜ oes de Cauchy-Riemann. Portanto, f ´e diferenci´ avel em z0 . Como a express˜ ao (3.15) tem de ser 6= 0 e o 2o termo no lado direito ´e zero ∂f ∂f ∂f w′ ′ e ∂f ∂x +i ∂y = 0 , resulta de (3.15) que z ′ = ∂x 6= 0 e, de (3.4), f = ∂x 6= 0 .

Prova de 2): Se pequenos segmentos de recta com origem em z0 s˜ ao, no limite quando os comprimentos tendem para zero, expandidos (ou contra´ı′| dos) numa raz˜ ao constante pela transforma¸c˜ao f , ´e |w |z ′ | 6= 0 e independente de z ′ , pelo que o valor absoluto da express˜ ao (3.15) tem de permanecer constante quando z ′ percorre todos os poss´ıveis valores complexos. Como os valores assumidos por (3.15) percorrem uma circunferˆencia, os seus m´ odulos s´ o permanecem constantes se o raio da circunferˆencia ´e nulo ou o centro est´ a na origem. J´ a se viu que o 1o caso implica a validade das equa¸c˜oes de Cauchy-Riemann e, portanto, a diferenciabilidade de f em z0 . O 2o caso ∂f ∂f ∂f corresponde a ∂f ∂x = i ∂y , ou seja a ∂x = −i ∂y , que implica a validade das equa¸c˜oes de Cauchy-Riemann de f e, portanto, a diferenciabilidade desta fun¸c˜ao em z0 . Como no par´ agrafo precedente, obt´em-se ( f )′ (z0 ) = .

∂f ∂x

=

∂f ∂x

6= 0 .

Q.E.D.

38

Derivada

(3.16) Exemplos: As fun¸c˜oes holomorfas consideradas em sec¸c˜oes anteriores d˜ ao exemplos de transforma¸c˜oes conformes. Consideram-se sem seguida trˆes exemplos espec´ıficos mais detalhadamente. 1. A transforma¸ca ˜o exponencial Considera-se a fun¸c˜ ao exponencial f (z) = ez = ex (cos y + i sin y) , com z = (x, y) . Como a exponencial ´e uma fun¸c˜ao peri´ odica de per´ıodo i2π, cada faixa horizontal do plano complexo com largura 2π ´e transformada em todo o contradom´ınio da exponencial, i.e. em C\{0}.

Figura 3.4: Transforma¸c˜ao do plano definida pela exponencial complexa As rectas verticais x = a s˜ ao transformadas em circunferˆencias com centro na origem e raio ea (Figura 3.4). Em particular, o eixo imagin´ ario ´e transformado na circunferˆencia com centro na origem e raio 1, as rectas verticais do semiplano direito em circunferˆencias com raio > 1 e as rectas verticais do semiplano esquerdo em circunferˆencias com raio < 1 . As rectas horizontais y = b s˜ ao transformadas em semirectas com extremidade na origem sem a conter que fazem ˆangulo b com o semieixo real positivo (Figura 3.4).

Figura 3.5: Transforma¸c˜ao de um rectˆ angulo pela exponencial complexa Uma vez que as rectas horizontais s˜ ao ortogonais `as rectas verticais, tˆem imagens que tˆem de ser curvas ortogonais, pois (ez )′ = ez 6= 0 para z ∈ C , o que se confirma pelas semirectas que passam pela origem serem ortogonais as circunferˆencias de centro na origem. `

3.3 Transforma¸ co ˜es conformes

39

A exponencial transforma biunivocamente rectˆ angulos de altura inferior a 2π em sectores de coroas circulares (Figura 3.5). Rectˆ angulos de altura superior a 2π s˜ ao transformados em coroas circulares n˜ ao injectivamente. 2. Transforma¸co ˜es de M¨ obius Chama-se transforma¸ c˜ ao de M¨ obius40 a uma fun¸c˜ao complexa f (z) =

az + b cz + d

,

em que a, b, c, d ∈ C e ad−bc 6= 0 (o exemplo (2.2) ´e o caso particular com a = 0, b = c = 1, d = −1 ). Vˆe-se num dos cap´ıtulos finais que estas transforma¸c˜oes desempenham um papel fundamental no esclarecimento da diversidade poss´ıvel das transforma¸c˜ oes conformes. Com as regras de deriva¸c˜ ao de opera¸c˜oes obt´em-se f ′ (z) =

a(cz+d) − c(az+b) (cz+d)2

=

ad − bc (cz + d)2

,

 se cz+d 6= 0 . Logo, se c 6= 0 , a derivada existe e f ′ 6= 0 em C\ − dc ; se c = 0 , a derivada existe e f ′ 6= 0 em C . Portanto, as transforma¸c˜oes  de M¨ obius com c = 0 s˜ ao conformes em C, e com c 6= 0 s˜ ao conformes em C\ − dc . Verifica-se dw−b w = az+b cz+d ⇐⇒ czw+dw = az+b ⇐⇒ z(cw−a) = −dw+b ⇐⇒ z = −cw+a .

em que +b cw−a = c az cz + d − a =

caz + cb − acz − ad cz + d

=

cb − ad cz + d

6= 0 .

Portanto, a fun¸c˜ ao f ´e injectiva e a inversa ´e f −1 (w) =

dw − b −cw + a

.

Como da−(−b)(−c) = ad−bc 6= 0 , a inversa de uma transforma¸c˜ao de M¨obius tamb´em ´e uma transforma¸c˜ ao de M¨obius. ´ E especialmente simples de analisar o caso a = d = 0 , b = c = 1 , nomeadamente a fun¸c˜ ao rec´ıproco R(z) = 1z , que tem dom´ınio e contradom´ınio iguais a C\{0}. Como R(iz) = −iz , a imagem pela fun¸c˜ao R da rota¸c˜ao de um conjunto S ⊂ C de ˆ angulo π2 em torno da origem ´e a rota¸c˜ao de ˆangulo π − 2 de S. Para ver como R transforma rectas e circunferˆencias, como estas tˆem equa¸c˜ oes cartesianas que, com z = (x, y) , podem ser escritas (3.17)

A(x2 +y 2 ) + Bx + Cy + D = 0 ;

s˜ ao rectas que passam na origem se (A = 0 , B 6= 0) ou (A = 0 , C 6= 0 ); se A 6= 0, completando quadrados de somas pode-se escrever a equa¸c˜ao como   2 2 C 2 B 2 + y+ 2A = B +C4A−4AD x+ 2A , 2 40

Tamb´em s˜ ao conhecidas por transforma¸ c˜ oes homogr´ aficas, transforma¸ c˜ oes lineares fraccion´ arias ou transforma¸ c˜ oes bilineares fraccion´ arias.

40

Derivada

e se A 6= 0 e B 2 + C 2 − 4AD > 0 , (3.17) √´e a equa¸c˜ao cartesiana da circunfe 2 2 −4AD C B ,− 2A e raio B +C rˆencia com centro em − 2A . Com as substitui¸c˜oes 2|A| x = 21 (z+z) ,

x2 +y 2 = zz ,

1 (z−z) , y = i2

w = z1 = u+iv , u = 21 (w+w) ,

u2 +v 2 = ww ,

1 v = i2 (w−z) ,

a equa¸c˜ ao (3.17) transforma-se sucessivamente em Azz + 1 + A ww

A+ (3.18)

B 2 (z+z)

 1

B 1 2 w+w

B 2 (w+w)

+

+

+

C i2 (z−z) +

D = 0.

C 1 i2 w − w

+ D = 0.

C i2 (w−w)

 1

+ Dww = 0 .

D(u2 +v 2 ) + Bu − Cv + A = 0 .

A u ´ ltima equa¸c˜ ao tem a forma de (3.17) com coeficientes diferentes, pelo que ´e a equa¸c˜ ao cartesiana de rectas que passam na origem se (D = 0 , B 6= 0) ou (C = 0 , C 6= 0 ), ou de circunferˆencias se D 6= 0 e B 2 + C 2 − 4AD > 0 . Portanto, as imagens de rectas que passam na origem ou circunferˆencias ao rectas que passam na origem ou circunferˆencias. pela fun¸c˜ ao R(z) = z1 s˜ Em particular, rectas verticais x = −D (da forma (3.17) com A = C = 0 , B = 1 ) transformam-se na recta u = 0 se D = 0 , ou em circunferˆencias D(u2 +v 2 )+u = 0 se D6= 0 . Por analogia com (3.17) estas circunferˆencias 1 1 , 0 e raio 2|D| (Figura 3.6). tˆem centro em − 2D

Figura 3.6: Transforma¸c˜ao de uma recta vertical por z 7→ 1z Da an´ alise anterior conclui-se que uma grelha de rectas verticais e horizontais ´e transformada pela fun¸c˜ao R(z) = z1 numa grelha de circunferˆencias tangentes aos eixos coordenados na origem intersectando-se ortogonalmente e pelos pr´ oprios eixos coordenados (Figura 3.7). Para analisar o caso geral, nota-se que se c 6= 0 , ´e w = f (z) =

az + b cz + d

=

bc − ad 1 c cz + d

+

a c

.

3.3 Transforma¸ co ˜es conformes

41

Portanto, uma transforma¸c˜ ao de M¨obius geral com c 6= 0 ´e a composi¸c˜ao de trˆes transforma¸c˜ oes A1 , R, A2 na forma A1 ◦R◦A2 , em que: • A1 : z 7→ z1 = A1 (z) = cz+d (homotetia e rota¸c˜ ao centradas na origem seguidas de transla¸c˜ao) • R : z1 7→ z2 = R(z1 ) = z11 (transforma¸c˜ao rec´ıproco analisada acima) • A2 : z2 7→ w = A2 (z2 ) = αz2 +β (homotetia e rota¸c˜ ao centradas na origem seguidas de transla¸c˜ao); bc − ad ao fun¸c˜oes afins. Se c = 0 , em que α = c e β = ac . As fun¸c˜oes A1 e A2 s˜ ao afim, pelo que corresponde a uma homotetia e f (z) = ad z +b ´e uma fun¸c˜ rota¸c˜ao centradas na origem seguidas de transla¸c˜ao.

Figura 3.7: Transforma¸c˜ao de M¨obius z 7→ 1z 3. Transforma¸ca ˜o de Joukovski A transforma¸ c˜ ao de Joukovski41 ´e a fun¸c˜ao  J(v) = 21 z+ z1 ,

´ uma fun¸c˜ao racional e, portanto, ´e holomorfa que tem dom´ınio C \{0}. E  no dom´ınio. A derivada ´e J ′ (v) = 12 1− z12 , que se anula nos pontos ±1 e apenas nestes pontos, que s˜ ao pontos fixos de J pois J(±1) = ±1 . Portanto, a transforma¸c˜ ao de Joukovski ´e uma transforma¸ c˜ao conforme na regi˜ ao  C \ {−1, 0, 1} . Verifica-se a simetria J 1z = J(z) , ou seja a imagem de um ponto z 6= 0 coincide com a imagem do seu rec´ıproco z1 e J(eiθ ) = 12 (eiθ +e−iθ ) = cos θ = Re eiθ , pelo que a circunferˆencia com raio 1 e centro na origem ´e transformada no segmento de recta no eixo real entre os n´ umeros −1 e 1 ; pares de pontos conjugados dessa circunferˆencia s˜ ao transformados no mesmo ponto do segmento de recta, que ´e a parte real desses pontos. A imagem da circunferˆencia de raio r 6= 1 obt´em-se com z = reiθ e de   −iθ  (3.19) X +iY = f (reiθ ) = 12 reiθ + e r = 21 r+ 1r cos θ + 2i r− 1r sin θ , 41

Joukovski, Nicolai (1847-1921).

42

Derivada

pelo que X2 1 2 1 (r+ ) 4 r

+

Y2 1 2 1 (r− ) 4 r

= 1.

Logo, a circunferˆencia com raio r 6= 1 e centro na origem ´e transformada na elipse com semieixos ao longo ario de compri do eixo real e do eixo imagin´ ao exterior mentos, resp., 12 r+ 1r e 21 r− 1r (Figura 3.8). Portanto, toda regi˜ a circunferˆencia com raio 1 e centro na origem ´e transformada no comple` mentar em C do segmento de recta no eixo real de extremos nos n´ umeros ±1 e o mesmo acontece para o complementar da origem no c´ırculo com raio 1 e centro na origem.

1

1

r

r

1

1

Figura 3.8: Gr´ aficos das fun¸c˜oes

1 2

 r+ 1r e 21 r− 1r

Da f´ormula (3.19) tamb´em se obt´em, para θ ∈ R tal que cos θ 6= 0 e X2 Y2 sin θ 6= 0 , cos 2 θ + sin2 θ = 1 , pelo que as rectas de declive com valor absoluto | tan θ| que passam na origem s˜ ao transformadas na hip´erbole com semieixo real de comprimento | cos θ| ao longo do eixo real e eixo transverso de comprimento | sin θ| ao longo do eixo imagin´ ario (Figura 3.9). Estas hip´erboles s˜ ao ortogonais ` as elipses acima consideradas, pois s˜ ao imagens de curvas ortogonais por uma transforma¸c˜ao conforme. O eixo real (excluindo a origem) ´e transformado na uni˜ ao das semirectas que se obtˆem retirando ao eixo real o segmento de recta com extremidades nos n´ umeros ±1 , e cada um dos semieixos imagin´ arios {iy : y > 0}, {iy : y < 0} ´e transformado em todo o eixo imagin´ ario (Figuras 3.9); os conjuntos {iy : y > 1}, {iy : −1 < y < 0} s˜ ao transformados no semieixo imagin´ ario {iy : y < 0} e os conjuntos {iy : 0 < y < 1}, {iy : y < −1} s˜ ao transformados no semieixo imagin´ ario positivo. Com w = f (z) , obt´em-se  z + 1/z − 2 z 2 − 2z + 1 z−1 2 w−1 w + 1 = z + 1/z + 2 = z 2 + 2z + 1 = z + 1 . +1 w−1 e uma transforma¸c˜ao de M¨obius com inversa ζ 7→ ζζ − Como w 7→ w +1 ´ 1, a transforma¸c˜ ao de Joukovski w = J(z) resulta da composi¸c˜ao de trˆes transforma¸c˜ oes, w = (M −1 ◦Q◦M )(z) , em que −1 M : z 7→ z1 = zz + 1,

Q : z1 7→ z2 = (z1 )2 ,

+1 M −1 : z2 7→ w = zz22 − 1,

com M e M −1 transforma¸c˜oes de M¨obius e Q a fun¸c˜ao potˆencia de expoente 2. Verifica-se M ∈ H(C\{−1}) , Q ∈ H(C) e M −1 ∈ H(C\{1}) . Como estas transforma¸c˜ oes s˜ ao conformes, preservam os ˆangulos entre curvas regulares

3.3 Transforma¸ co ˜es conformes

43

em todos os pontos dos seus dom´ınios. Q duplica os argumentos em rela¸c˜ao a z1 = 0 , que corresponde ao ponto do dom´ınio z = M −1 (0) = 1 . Com a fun¸c˜ao rec´ıproco R(z) = 1z obt´em-se que a transforma¸c˜ao de Joukovski tamb´em ´e a composi¸c˜ ao R ◦ N◦ Q ◦ M −1 , e, como R ´e uma transforma¸c˜ao de M¨obius holomorfa em C\{0} e conforme no seu dom´ınio, as transforma¸c˜oes R, M, M −1 preservam os ˆ angulos entre curvas regulares em todos os pontos dos seus dom´ınios e a transforma¸c˜ao Q duplica os argumentos em rela¸c˜ao a −1 z1 = 0 , que corresponde ao ponto do dom´ınio z = M −1 (0) = M (0) = −1 . Portanto, a transforma¸c˜ ao de Joukovski duplica os argumentos em rela¸c˜ao a qualquer dos pontos z = ±1 . Im

3

-2

Im

1

-1

2

3

Re

-2

-1

Im

-1

1

2

Re

1

2

Re

Im

1

Re

-2

-1

Figura 3.9: Transforma¸c˜ao de Joukovski Qualquer circunferˆencia S que √ passa nos pontos ±1 tem centro num ponto ia do eixo imagin´ ario e raio 1+a2 , com a ≥ 1 . A imagem do arco de S contido no semiplano complexo inferior pela transforma¸ca˜o R ´e um arco de circunferˆencia que passa nos pontos ±1 inclu´ıda no semiplano complexo superior, ou seja ´e o arco da circunferˆencia S inclu´ıdo no semiplano complexo superior. Como J ◦R = J, a imagem do arco de S no semiplano complexo inferior coincide com a do arco de S no semiplano complexo superior. Esta imagem ´e um arco de uma circunferˆencia C que passa nos

44

Derivada

pontos ±1 . Designando por α > 0 o ˆangulo da tangente a S no ponto +1 com a semirecta com origem neste ponto contida no semieixo real positivo (Figura 3.10), obt´em-se que a transforma¸c˜ao de Joukovski J ´e uma fun¸c˜ao bijectiva conforme do interior do c´ırculo delimitado por S para U = C \ C e o arco de circunferˆencia C faz um ˆangulo 2α com a semirecta de origem neste ponto contida no semieixo real positivo. Tamb´em se obt´em que J ´e uma fun¸c˜ ao bijectiva conforme do exterior desse c´ırculo para U . A transforma¸c˜ ao de Joukovski transforma a regi˜ ao delimitada pela circunferˆencia S e por uma outra qualquer circunferˆencia tangente a S no ponto 1 numa regi˜ ao semelhante ao perfil cl´ assico da asa de um avi˜ao planador (Figura 3.10).

Figura 3.10: Transforma¸c˜ao de Joukovski da regi˜ ao delimitada por duas circunferˆencias tangentes em 1, com uma delas a passar no ponto -1 Os exemplos precedentes mostram que as propriedades de conformidade podem ser u ´ teis para obter o tra¸cado das imagens de certas curvas do plano complexo que resultam da aplica¸c˜ao de uma dada fun¸c˜ao holomorfa. Pode-se assim ter uma ideia geom´etrica do modo como essa fun¸c˜ao deforma regi˜ oes do plano complexo. O estudo de transforma¸c˜oes conformes tem grande interesse tanto de um ponto de vista estritamente matem´ atico como para aplica¸c˜oes em diversas outras ´ areas. Por exemplo, as transforma¸c˜oes de M¨obius foram usadas a partir de 1939 em electrotecnia e linhas de transmiss˜ ao em comunica¸c˜oes no estudo de varia¸c˜ oes de impedˆ ancia de circuitos quando certos componentes do circuito s˜ ao alterados, atrav´es do diagrama de Smith42 , e a transforma¸c˜ao de Joukovski foi usada em 1906 para calcular a for¸ca de sustenta¸c˜ao de um perfil de asa de avi˜ao e foi a base do 1o m´etodo de c´alculo da aerodinˆ amica de asas de avi˜oes, directamente ou com outras fun¸c˜oes com propriedades gerais semelhantes adaptadas a outros perfis de asas. Este u ´ ltimo exemplo ´e um caso particular de uma situa¸c˜ao de interesse mais geral u ´ til para re42

Em inglˆes diz-se Smith chart. Foi introduzidos em 1939 por Philip Smith (1905–1987) para c´ alculo de linhas de transmiss˜ ao e melhorado em 1944. Embora a utiliza¸c˜ ao de diagramas de Smith em papel ou pl´ astico tenha sido substitu´ıda por software digital, o diagrama de Smith ainda ´e a apresenta¸c˜ ao gr´ afica mais utilizada para resultados de c´ alculo computacional para circuitos de Radio-Frequˆencia.

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 3

45

solu¸c˜ao de certas equa¸c˜ oes diferenciais parciais, nomeadamente no ˆambito de hidrodinˆ amica, aerodinˆ amica, elasticidade, electroest´ atica, entre outras ´areas. Em certos casos de interesse pr´ atico ´e poss´ıvel resolver com relativa facilidade uma dada equa¸c˜ ao diferencial numa regi˜ ao adequada, como por exemplo num rectˆ angulo ou num c´ırculo, e com transforma¸c˜oes conformes apropriadas obter solu¸c˜ oes da equa¸c˜ao diferencial noutras regi˜ oes por simples transforma¸c˜ oes de vari´ aveis. Exerc´ıcios 3.1 Determine o conjunto em que a fun¸c˜ ao complexa dada ´e holomorfa: a) f (x, y) = x2 − y 2 − 2xy+i2y(x−1)

b) f (x, y) = ey (cos x+i sin x)

c) f (x, y) = x2 y 2 +i2x2 y 2 .

3.2 Determine os polin´ omios de duas vari´ aveis com todos os termos de grau 4 sem mon´ omios proporcionais a x2 y 2 que adicionados ` a parte real e ` a parte imagin´ aria da fun¸c˜ ao em 3.1.c) d˜ ao uma fun¸c˜ ao inteira. 3.3 Determine a fun¸c˜ ao inteira f = (u, v) tal que v(x+iy) = 3x2−y 3 , x, y ∈ R , e f (0) = 1 . 3.4 Seja Ω ⊂ C aberto. Prove: f ∈ H(Ω) se e s´ o se g ∈ H(Ω) com g(z) = f (z) .

3.5 Defina uma fun¸c˜ ao numa regi˜ ao apropriada que seja a soma de raizes quadradas de 1+z e 1−z, com z complexo, procurando uma regi˜ ao t˜ ao grande quanto poss´ıvel. Determine o conjunto em que a fun¸c˜ ao ´e holomorfa. 3.6 Resolva o exerc´ıcio precedente para uma composi¸c˜ ao de dois logaritmos complexos. 3.7 Seja Ω ⊂ C uma regi˜ ao e f ∈ H(Ω) tal que |f 2 −1| < 1 em Ω . Mostre que Re f > 0 ou Re f < 0 em Ω .  3.8 Prove o truque de Herglotz43 : toda fun¸c˜ ao f ∈ H BR (0) ⊂ C para algum R>1  que satisfaz satisfaz a f´ ormula de duplica¸ c˜ ao 2f (2z) = f (z)+f z+ 12 , para todo z, z+ 21 , 2z ∈ Br (0), ´e constante. . (Sugest˜ ao: Obtenha 4 maxB |f ′ | ≤ 2 maxB |f ′ | para B = Br (0) com 0 < r < R).

3.9 Prove: Se f ∈ H(C\Z) ´e uma fun¸c˜ ao ´ımpar (i.e. f (−z) = −f (z)) tal que (z − p)f (z) ´e holomorfa numa vizinhan¸ca de cada p ∈ Z que satisfaz a f´ ormula de duplica¸c˜ ao do exerc´ıcio precedente em C\Z , ent˜ ao f (z) = π cot(πz) .  (Sugest˜ ao: Comece por obter tan z = cot z −2 cot(2z) e tan(πz) = cot z + 12 .

3.10 Diz-se que uma fun¸c˜ ao com valores reais u ´e harm´ onica num conjunto aberto Ω ⊂ C se satisfaz a equa¸ c˜ ao de Laplace em cada ponto (x, y) ∈ Ω , i.e. se 2 def ∂ 2 u + ∂∂ 2 uy ∂2 x

∆u =

=0 .

a) Determine as fun¸c˜ oes polinomiais de duas vari´ aveis reais com todos os termos de grau 3 que s˜ ao fun¸c˜ oes harm´ onicas em C . onica em Ω . b) Prove: u ´e harm´ onica em Ω se e s´ o se v(z) = u(z) ´e harm´ c) Prove: As partes real e imagin´ aria de uma fun¸c˜ ao holomorfa com derivada cont´ınua num conjunto aberto s˜ ao harm´ onicas nesse conjunto. 3.11 Mostre que se z1 , z2 , . . . P , zn ∈ C est˜ ao situados lado de uma recta que Pn do mesmo −1 z = 6 0 , e se (z ) = 0 , ent˜ ao os pontos n˜ ao passa na origem, ent˜ ao n k k k=1 k=1 podem estar situados do mesmo lado de uma recta que passa na origem. 43 Em inglˆ es diz-se Herglotz trick. Gustav Herglotz (1881-1953) inclu´ıa-o nas suas li¸co ˜es, mas n˜ ao o publicou. Apareceu publicado em 1950 na 1a edi¸ca ˜o do livro de Constantin Carath´ eodory (1873-1950) referido na bibliografia final. Anteriormente, tinha sido inclu´ıdo em notas de li¸co ˜es sobre fun¸co ˜es complexas de v´ arias vari´ aveis de Solomon Bochner (1899-1982) de 1936. Foi usado em 1964 por Emil Artin (1898-1962) para a Fun¸ca ˜o Gamma.

46

Derivada

Q 3.12 Prove: Todos os zeros da derivada de uma fun¸c˜ ao polinomial P (z) = n k=1 (z −zk ) pertencem ao inv´ olucro convexo dos zeros dessa fun¸c˜ ao polinomial, i.e. ao menor conjunto convexo44 que os cont´em (que ´e um pol´ıgono convexo em que os v´ertices s˜ ao zeros da fun¸c˜ ao polinomial). 3.13 Prove que z 7→ z n˜ ao ´e uma transforma¸c˜ ao de M¨ obius.

´e um difeomorfismo complexo 3.14 Prove: A transforma¸ c˜ ao de Cayley45 phi(z) = z−i z+i do semiplano superior complexo H = {z ∈ C : Im z > 0} no c´ırculo B1 (0) com inversa 1+w . φ−1 : B1 (0) → H tal que φ−1 (w) = i 1−w

3.15 Determine uma transforma¸c˜ ao de M¨ obius que transforma os pontos 0, i, −i , nos pontos, resp., 1, −1, 0 .

3.16 Determine uma transforma¸c˜ ao conforme que transforma a intersec¸c˜ ao dos c´ırculos do plano complexo |z| < 1 e |z−1| < 1 no c´ırculo |z| < 1 .

3.17 Determine uma transforma¸c˜ ao conforme que transforma a regi˜ ao entre as circunferˆencias do plano complexo |z| = 1 e |z− 12 | = 21 no semiplano Im z > 0 .

3.18 a) Prove: Uma transforma¸c˜ ao de M¨ obius tem 0 e ∞ como u ´nicos pontos fixos se e s´ o se ´e uma expans˜ ao uniforme. b) Prove: Uma transforma¸c˜ ao de M¨ obius tem ∞ como u ´nico ponto fixo se e s´ o se ´e uma transla¸c˜ ao.

3.19 Prove: Uma transforma¸c˜ ao de M¨ obius comuta com uma transforma¸c˜ ao de M¨ obius T diferente da identidade se tem os mesmos pontos fixos de T . 3.20 Identifique as transforma¸c˜ oes de M¨ obius correspondentes a rota¸c˜ oes da superf´ıcie esf´erica de Riemann (ver exerc´ıcio 1.16) em torno de diˆ ametros. 3.21 Prove: Para cada par ordenado de ternos (z1 , z2 , z3 ) e (w1 , w2 , w3 ) de pontos distintos de C existe uma e s´ o uma transforma¸c˜ ao de M¨ obius que transforma cada zk em wk , para k = 1, 2, 3 . (Sugest˜ao: Comece por provar para (w1 , w2 , w3 ) = (0, 1, ∞) ).

Figura 3.11: Determina¸c˜ao geom´etrica de pontos sim´etricos em rela¸c˜ ao a uma circunferˆencia ∗

3.22 Pontos z, z ∈ C s˜ ao sim´ etricos em rela¸ c˜ ao a uma circunferˆ encia C se s˜ ao colineares com o centro de C e o produto das distˆ ancias dos pontos ao centro de C ´e igual ao quadrado do raio. Chama-se simetria em rela¸ c˜ ao a C ` a fun¸c˜ ao que transforma cada ponto z no seu sim´etrico z ∗ em rela¸c˜ ao ` a circunferˆencia C. a) Prove: z, z ∗ ∈ C s˜ ao pontos sim´etricos em rela¸c˜ ao a uma circunferˆencia C se e s´ o se toda circunferˆencia que passa nos dois pontos ´e ortogonal a C. b) Mostre que ´e v´ alida a seguinte constru¸c˜ ao geom´etrica simples: o sim´etrico z ∗ de um ponto z do interior do c´ırculo delimitado por C em rela¸c˜ ao ` a circunferˆencia C ´e a intersec¸c˜ ao da recta r que passa em z e no centro de C com a tangente a C no ponto de intersec¸c˜ ao de C com a recta perpendicular a r que passa por z (Figura 3.11); vice versa, o sim´etrico z de um ponto z ∗ no exterior do c´ırculo delimitado por C em rela¸c˜ ao a C ´e a intersec¸c˜ ao da recta r que passa por z ∗ e pelo centro de 44 Diz-se que S ⊂ C ´ e um conjunto convexo se todos os segmentos de recta com extremidades em S est˜ ao totalmente contidos em S. 45

Cayley, A. (1821-1895).

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 3

47

C com a perpendicular ` a recta que passa no ponto de tangˆencia a C de uma recta que passa por z ∗ ; o sim´etrico de cada ponto de C ´e esse pr´ oprio ponto. c) Prove: As transforma¸c˜ oes de M¨ obius transformam pontos sim´etricos em rela¸c˜ ao a uma circunferˆencia ou a uma recta em pontos sim´etricos em rela¸c˜ ao ` a imagem da circunferˆencia ou recta (propriedade de conserva¸ c˜ ao da simetria). Exerc´ıcios com aplica¸ c˜ oes a hidrodinˆ amica, electroest´ atica e propaga¸ c˜ ao de calor em equil´ıbrio 3.23 Considera-se um escoamento hidrodinˆ amico plano estacion´ ario, ou seja tal que o campo de velocidades (u, v) do fluido n˜ ao varia com o tempo, est´ a definido numa regi˜ ao Ω ⊂ C e ´e constante em pontos numa mesma recta perpendicular ao plano 1 complexo. Sup˜ oe-se que o campo irrotacional,  de velocidades ´e C e ´e lamelar ou ∂u ∂v ∂u i.e. rot (u, v, 0) = 0, 0, ∂x − ∂y = 0 , e solenoidal, i.e. div (u, v, 0) = ∂x + ∂v =0 . A ∂y 1a condi¸c˜ ao corresponde ` a circula¸c˜ ao do campo de velocidades em caminhos fechados que delimitam subconjuntos de Ω ser zero (n˜ ao h´ a v´ ortices totalmente contidos em Ω ) e a 2a condi¸c˜ ao corresponde a um princ´ıpio de conserva¸c˜ ao (h´ a conserva¸c˜ ao de massa e o fluido ´e incompress´ıvel). Se Ω ´e uma regi˜ ao simplesmente conexa, existem campos escalares potenciais ϕ e ψ tais que (u, v) = ∇ϕ e (−v, u) = ∇ψ ; chama-se potencial do campo de velocidades ` a fun¸c˜ ao ϕ . Numa curva de n´ıvel ψ(x, y) = c de ψ , em que u = ∂ψ 6= 0 , fica definida implicitamente y em fun¸c˜ ao de ∂y  ∂y   1 dx ∂ψ ∂ψ dx dy x de tal modo que ∂x + ∂y ∂x = 0 , pelo que dt , dt = u dt (u, v) e, portanto, a curva de n´ıvel ´e uma linha de corrente ou linha de fluxo, raz˜ ao por que se chama a ψ fun¸ c˜ ao de corrente ou fun¸ c˜ ao de fluxo. Chama-se potencial complexo do campo de velocidades a ` fun¸c˜ ao complexa f = (ϕ, ψ) . Observa¸ca ˜o: Um campo electroest´ atico num conjunto sem cargas el´ ectricas tamb´ em ´ e irrotacional e solenoidal, pelo que a cada situa¸ca ˜o de um escoamento hidrodinˆ amico plano estacion´ ario com campo de velocidades irrotacional e solenoidal corresponde uma situa´ ¸ca ˜o an´ aloga em electroest´ atica plana num conjunto sem cargas el´ ectricas e vice-versa. E an´ alogo em propaga¸ca ˜o do calor em equil´ıbrio, substituindo o potencial do campo de velocidades por temperatura e as linhas de fluxo do fluido por linhas de fluxo de calor.

a) Prove: Uma fun¸c˜ ao complexa f definida e C 1 em Ω ´e o potencial complexo de um campo irrotacional e solenoidal se e s´ o se f ∈ H(Ω) .

Figura 3.12: Escoamento sobre um leito plano com um obst´aculo vertical b) Determine o potencial complexo, as linhas de corrente e a velocidade de um escoamento plano de profundidade infinita sobre um leito plano com um obst´ aculo vertical de altura h perpendicular ao leito e velocidade no infinito perpendicular ao plano do obst´ aculo e com magnitude 1 (Figura 3.12). Observa¸ca ˜o: Este potencial tamb´ em determina o campo el´ ectrico na mesma regi˜ ao se a fronteira ´ e um isolador el´ ectrico perfeito e a intensidade do campo el´ ectrico no infinito ´ e perpendicular ao plano da barra condutora na vertical e tem magnitude 1. Neste caso, o potencial ϕ ´ e o sim´ etrico do potencial el´ ectrico e as linhas de corrente s˜ ao as linhas de fluxo do campo el´ ectrico. Por outro lado, o campo el´ ectrico na mesma regi˜ ao com intensidade no

48

Derivada infinito igual a 1, mas com fronteira que ´ e um condutor perfeito, tem potencial proporcional a fun¸ca ` ˜o de corrente ψ e as linhas de fluxo do correspondente campo el´ ectrico s˜ ao as linhas de n´ıvel do potencial ϕ do campo de velocidades. (Sugest˜ ao: Considere o escoamento no semiplano superior complexo e o obst´ aculo como um segmento de recta vertical no eixo imagin´ ario de comprimento h a partir da origem. Determine uma transforma¸ca ˜o conforme do dom´ınio no semiplano superior. Mostre que as 1 h2 2 ). linhas de fluxo satisfazem y = ψ0 1+ x2 +(ψ )2 0

3.24 Considere f (z) = arccos z como potencial complexo (ver exerc´ıcio anterior) em electroest´ atica, mostre que as linhas equipotenciais e as linhas de corrente s˜ ao as representadas na Figura 3.13 e descreva como este potencial permite obter cada um dos campos el´ectricos seguintes:

1. Exterior a um condutor cil´ındrico de sec¸c˜ ao ortogonal el´ıptica carregado, inclusivamente no caso limite de uma fita condutora; 2. Entre duas superf´ıcies condutoras cil´ındricas com sec¸c˜ oes ortogonais el´ıpticas confocais, ou entre uma destas superf´ıcies e a fita condutora de sec¸c˜ ao igual ao segmento entre os focos; 3. Entre folhas conexas de duas superf´ıcies condutoras cil´ındricas com sec¸c˜ oes ortogonais hiperb´ olicas confocais, ou entre uma destas e um semiplano condutor com aresta a passar pelo foco e pertencente ao plano de simetria da superf´ıcie cil´ındrica; 4. Entre dois semiplanos condutores complanares de arestas separadas paralelas; 5. Entre um plano e um semiplano ortogonal de aresta paralela ao plano e n˜ ao o intersectando.

Figura 3.13: Linhas de n´ıvel das partes real e imagin´aria de f (z) = arccos z

Cap´ıtulo 4

Integral 4.1

Introdu¸ c˜ ao

Uma 1a referˆencia a integral de fun¸c˜ao complexa e a algumas das suas aplica¸c˜oes aparece num trabalho de L.Euler apresentado na Academia das Ciˆencias de S. Petersburgo em 1777. A no¸c˜ao n˜ ao era rigorosa nem era mencionado que o integral ´e sobre caminhos no plano complexo, pois ainda n˜ ao se conhecia a identifica¸c˜ ao dos n´ umeros complexos com pontos de um plano. A 1a referˆencia a uma no¸c˜ ao com preocupa¸c˜ao de rigor de integrais de fun¸c˜oes complexas sobre caminhos aparece numa carta enviada por C.F. Gauss a F.W. Bessel em 1811, que tamb´em menciona um resultado de independˆencia do integral em caminhos de integra¸c˜ao com as mesmas extremidades, equivalente ao Teorema de Cauchy. Estes resultados nunca foram publicados, mas C.F. Gauss usou integrais complexos em 1816 num dos seus ´ artigos com o objectivo de provar o Teorema Fundamental da Algebra. a A 1 publica¸c˜ ao com integra¸co˜es de fun¸c˜oes complexas foi de S.D. Poisson46 em 1813. Em 1814 A.-L. Cauchy apresentou na Academia das Ciˆencias de Paris uma mem´ oria que referia integrais de fun¸c˜oes complexas analogamente a L. Euler em 1777, que s´ o foi publicada em 1825 com uma nota adicionada por A.-L. Cauchy em 1822 mencionando que os integrais sobre a fronteira de um rectˆ angulo de lados paralelos aos eixos coordenados s˜ ao nulos para fun¸c˜oes complexas continuamente diferenci´ aveis no fecho do rectˆ angulo. Este resultado, que pode ser obtido do Teorema de Green47 para fun¸c˜oes reais definidas em conjuntos de R2 , ´e um caso particular do Teorema de Cauchy, embora com a hip´ otese excessivamente forte de continuidade das derivadas da fun¸c˜ ao integranda. A defini¸c˜ ao rigorosa de integral, mesmo de fun¸c˜oes reais cont´ınuas num intervalo limitado e fechado, s´ o apareceu em 1823, tamb´em por A.-L. Cauchy. Em 1854, B. Riemann estendeu esta no¸c˜ao de integral a fun¸c˜oes reais 46

Poisson, Sim´eon D´enis (1781-1840). A 1a afirma¸c˜ ao e utiliza¸c˜ ao do Teorema de Green, embora sem prova, foi em 1846 por A.-L.Cauchy, precisamente no contexto de An´ alise Complexa. Green, George (1793-1841). 47

50

Integral

limitadas num intervalo limitado e fechado sem exigir continuidade e, em 1902, H. Lebesgue48 estendeu de modo geral o conceito de integral de fun¸c˜ oes reais na tese de doutoramento que apresentou com o t´ıtulo Int´egrale, Longeur, Aire. O Teorema de Cauchy estabelece que integrais de fun¸c˜oes holomorfas num conjunto sobre caminhos fechados nesse conjunto s˜ ao nulos, sob certas condi¸c˜ oes topol´ ogicas ou geom´etricas relativas ao conjunto e aos caminhos γ considerados. Esta propriedade equivale `a igualdade dos integrais entre qualquer par ordenado de pontos da curva fechada γ ∗ sobre os diferentes caminhos que unem os pontos ao longo da curva. Em consequˆencia, a validade do Teorema de Cauchy para os caminhos fechados num certo conjunto ´e equivalente ` a invariˆ ancia do integral em classes de caminhos com as mesmas extremidades que se obtˆem uns dos outros por deforma¸co˜es cont´ınuas poss´ıveis sem deixar o conjunto e, portanto, `a propriedade referida na carta ´ ali´as, esta propriedade de C.F. Gauss a F.W. Bessel acima mencionada. E, que A.-L. Cauchy considera na M´emoire sur les int´egrales d´efinies prises entre des limites imaginaires, tamb´em publicada em 1825, para caminhos bem mais gerais do que fronteiras de rectˆ angulos, mas tamb´em com a hip´ otese de continuidade das derivadas das fun¸c˜oes integrandas. O mesmo trabalho inclui uma defini¸c˜ao rigorosa de integrais complexos que, embora correspondam aos integrais sobre caminhos, s˜ ao a´ı definidos sem qualquer referˆencia geom´etrica e considerados relativamente a fun¸c˜oes auxiliares que se viu for¸cado a introduzir para poder tornar consistente a defini¸c˜ao. Parece claro que A.-L. Cauchy desconhecia na altura a identifica¸ca˜o dos n´ umeros complexos como pontos de um plano, que, embora tivesse aparecido em 1799 num trabalho de C. Wessel e estivesse impl´ıcita na tese de doutoramento de C.F. Gauss do mesmo ano, e tivesse depois aparecido em 1806 em publica¸c˜ oes de J.-R. Argand e A.-Q.Bu´ee, s´ o ficou amplamente conhecida ap´ os dissemina¸c˜ ao de um artigo de C.F. Gauss publicado em 1831. Em 1900 E. Goursat provou uma vers˜ ao do Teorema de Cauchy sem a hip´ otese de continuidade da derivada da fun¸c˜ao integranda e abriu o caminho para estabelecer que as fun¸c˜oes holomorfas num conjunto aberto arbitr´ario s˜ ao sempre indefinidamente diferenci´ aveis, garantindo que basta existir derivada de uma fun¸c˜ ao complexa num tal conjunto para existirem nesse conjunto todas as derivadas de ordem superior e, portanto, a fun¸c˜ao ser indefinidamente continuamente diferenci´ avel. Uma outra consequˆencia interessante ´e que a existˆencia de primitiva de uma fun¸c˜ao complexa cont´ınua num conjunto aberto implica que a fun¸c˜ao ´e holomorfa e, portanto, indefinidamente continuamente diferenci´ avel. Estas propriedades contrastam radicalmente com o que acontece para fun¸c˜oes de vari´ aveis reais. Neste cap´ıtulo estabelece-se o Teorema de Cauchy em conjuntos convexos e no cap´ıtulo 7 uma vers˜ ao global. Do Teorema de Cauchy decorre a F´ormula 48

Lebesgue, Henri (1875-1941).

4.2 Integral em caminho

51

de Cauchy, que d´ a os valores de uma fun¸c˜ao holomorfa num conjunto de pontos fora de uma curva fechada por integrais que s´ o envolvem os valores da fun¸c˜ ao sobre a curva. Para circunferˆencias, esta f´ormula foi obtida em 1831 pelo pr´ oprio A.-L.Cauchy numa mem´ oria dedicada a Mecˆanica Celeste. Uma consequˆencia da F´ormula de Cauchy ´e a Propriedade de Valor M´edio de fun¸c˜ oes holomorfas que estabelece que o valor de uma fun¸c˜ao no centro de um c´ırculo fechado em que ´e holomorfa ´e a m´edia dos valores que tem na fronteira do c´ırculo. Esta propriedade aparece em 1823 numa publica¸c˜ao de S.D. Poisson. A F´ormula de Cauchy envolve a considera¸c˜ao do sentido e do no de voltas de um caminho em torno de um ponto, o que ´e expresso pela no¸c˜ao de ´ındice, ou n´ umero de rota¸c˜ ao, de um caminho em rela¸c˜ao a um ponto. Esta no¸c˜ao foi introduzida por L. Kronecker em 1869 e redescoberta mais tarde por H. Poincar´e. Este ´ındice ´e invariante sob deforma¸c˜oes cont´ınuas do caminho na regi˜ ao complementar ao ponto considerado, ideia tornada rigorosa com a no¸c˜ao de homotopia entre caminhos introduzida por C. Jordan em 1866 e desenvolvida por H. Poincar´e, passando a constituir um dos elementos de base da Topologia Alg´ebrica49 .

4.2

Integral em caminho

As no¸c˜oes de caminho em C e em R2 s˜ ao idˆenticas, pelo que h´ a apenas que clarificar e relembrar a terminologia e a nota¸c˜ao adoptadas. Como para subconjuntos de R2 um caminho em S ⊂ C ´e uma fun¸c˜ao cont´ınua γ de um intervalo de R em S . Uma curva em S ´e o contradom´ınio γ ∗ de um caminho γ em S. Diz-se que γ representa ou percorre a curva γ ∗ e que esta curva corresponde ao caminho γ . Neste livro consideram-se os caminhos definidos em intervalos limitados e fechados de R e as correspondentes curvas.

Figura 4.1: Sim´etrico de caminho e concatena¸c˜ao de caminhos O sim´ etrico de um caminho γ : [a, b] → C ´e −γ : [a, b] → C tal que  (−γ)(t) = γ b− (t − a) , que ´e um caminho que representa a mesma curva em sentido contr´ ario (Figura 4.1 `a esquerda). Chama-se concatena¸ c˜ ao dos caminhos γj : [aj , bj ] → C , j = 1, . . . , n, cada um com com ponto final igual ao ponto inicial do seguinte, ao caminho que percorre sucessivamente as curvas Pj correspondentes pela ordem indicada γ : [a, b] → C, com t0 = a , tj = a+ k=1 (bk−ak ) , b = tn e a restri¸c˜ao de γ a cada intervalo [tj−1 , tj ] igual 49

Leopold Kronecker (1823-1891). Jordan, Camille (1838-1922).

52

Integral

ao caminho t 7→ γj (t−tj +aj ) para j = 1, . . . , n, que se designa γ1 + · · · +γn (Figura 4.1 ` a direita). Chama-se caminho regular a um caminho C 1 com derivada 6= 0 em todos os pontos. Diz-se que um caminho ´e seccionalmente regular se existe uma parti¸c˜ ao finita do dom´ınio em subintervalos tal que a restri¸c˜ao a cada um dos fechos dos subintervalos ´e um caminho regular. Um caminho fechado ´e um caminho γ : [a, b] → C com γ(a) = γ(b) (Figura 4.2 ` a esquerda). Diz-se que um caminho que n˜ ao ´e fechado ´e um caminho simples se ´e uma fun¸c˜ ao injectiva e diz-se que um caminho fechado γ ´e um caminho simples se ´e uma fun¸c˜ ao injectiva no intervalo semifechado obtido excluindo um dos extremos do intervalo do dom´ınio de γ . A um caminho fechado simples chama-se caminho de Jordan e diz-se que a curva correspondente ´e uma curva de Jordan (Figura 4.2 `a direita).

Figura 4.2: Caminhos fechados e curva de Jordan Um caminho poligonal ´e uma concatena¸c˜ao π = π1 + · · · + πn de um n´ umero finito de caminhos regulares simples que descrevem segmentos de recta. O comprimento de um caminho poligonal π ´e a soma dos comprimentos dos segmentos de recta que o comp˜ oem, ou seja se os dom´ınios dos caminhos π s˜ a o os intervalos [a , b ] para k = 1, · · · , n , o comprimento de k k k Pn π ´e k=1 kπk (bk )−πk (ak )k . Um caminho poligonal inscrito num caminho γ ´e um caminho poligonal π = π1 + · · · +πn tal que as extremidades dos caminhos regulares simples πk que descrevem segmentos de recta, consideradas na ordem k = 1, . . . , n, s˜ ao pontos da curva γ ∗ ordenados de acordo com o sentido de percurso do caminho γ (Figura Fig43).

Figura 4.3: Caminho poligonal inscrito num caminho Chama-se caminho rectific´ avel a um caminho γ tal que o conjunto dos comprimentos de todos os caminhos poligonais inscritos no caminho ´e majorado e ao supremo deste conjunto chama-se comprimento do caminho50 , 50

Esta no¸c˜ ao foi adoptada em 1866, por Jean Marie Duhamel (1797-1872) na sequˆencia de uma defini¸c˜ ao semelhante em 1833 de Enno Heeren Dirksen (1788-1850).

4.2 Integral em caminho

53

que se designa Lγ . Um caminho γ : [a, b] → C seccionalmente regular ´e recRb tific´ avel e o seu comprimento ´e Lγ = a kγ ′ k , mas h´ a caminhos rectific´ aveis que n˜ ao s˜ ao seccionalmente regulares.

Se γ : [a, b] → C ´e um caminho, γ ∗ ´e a curva correspondente e f ´e uma fun¸c˜ao complexa definida em γ ∗ , define-se o integral de f no caminho γ Z b Z b Z b Z   ′  ′ f (z) dz = f γ(t) γ (t) dt = Re[f γ(t) γ (t)]dt+i Im[f γ(t) γ ′ (t)]dt, a

a

a

γ

quando os integrais oes reais no lado direito da f´ormula existem51 .  das fun¸c˜ Com X(t), Y (t) = γ(t) e (u, v) = f , obt´em-se Z b Z    f (z) dz = u X(t), Y (t) +i v X(t), Y (t) [X ′ (t)+i Y ′ (t)]dt a

γ

Z b    = u X(t), Y (t) X ′ (t)−v X(t), Y (t)Y ′ (t) dt a Z b     +i v X(t), Y (t) X ′ (t)+u X(t), Y (t) Y ′ (t) dt . a

Portanto, o integral tem partes real e imagin´ aria dadas por integrais de linha  2 em R calculados sobre o caminho α : [a, b] → R2 tal que α(t) = X(t), Y (t) , Z Z Z Z Z f (z) dz = u dx−v dy + i v dx+u dy = (u,−v)·dα + i (v, u)·dα. (4.1) γ

Como para caminhos em R2 , dois caminhos em C , γj : [aj , bj ] → C , para j = 1, 2, dizem-se equivalentes se diferem apenas por uma reparametriza¸c˜ao que preserva o sentido, i.e. se existe uma bijec¸c˜ao C 1 ϕ : [a2 , b2 ] → [a1 , b1 ] com ϕ′ > 0 em todos os pontos, tal que γ2 = γ1 ◦ ϕ . Em consequˆencia do teorema de mudan¸cas de vari´ avies de integra¸c˜ao para integrais de fun¸c˜oes reais de vari´ avel real, Os integrais de fun¸co ˜es complexas s˜ ao invariantes sob reparametriza¸co ˜es, i.e. os integrais sobre caminhos equivalentes s˜ ao iguais.

Obtˆem-se propriedades gerais destes integrais a partir das propriedades de integrais de fun¸c˜ oes reais de vari´ avel real, mas conv´em chamar a aten¸c˜ao para as quatro propriedades seguintes: 1) Linearidade do integral Z Z Z (c1 f1 +c2 f2 )(z) dz = c1 f1 (z) dz + c2 f2 (z) dz , γ

γ

γ

c1 , c2 ∈ C .

51 O leitor pode usar o integral de Cauchy, Riemann ou Lebesgue, conforme prefira. Naturalmente, os caminhos que podem ser considerados e as fun¸c˜ oes integr´ aveis s˜ ao diferentes nos trˆes casos, mas tal ´e, em geral, indiferente para os resultados que se consideram neste livro, pois, em geral, as fun¸c˜ oes a integrar s˜ ao cont´ınuas e podem-se usar caminhos regulares, seccionalmente regulares ou rectific´ aveis, conforme a no¸c˜ ao de integral adoptada. Naturalmente, para fun¸c˜ oes limitadas, ou fun¸c˜ oes ilimitadas sem mudan¸ca de sinal, o conjunto das fun¸c˜ oes integr´ aveis ´e mais amplo para o integral de Lebesgue do que para o de Riemann, e para este ´e mais amplo do que para o de Cauchy.

54

Integral 2) Simetria do integral de caminhos sim´etricos Z Z f (z) dz = − f (z) dz . −γ

γ

3) Aditividade do integral em rela¸ca ˜o ` a concatena¸ca ˜o de caminhos Z Z Z f (z) dz = − f (z) dz + f (z) dz . γ2

γ1

γ1 +γ2

4) Majora¸ca ˜o do integral de fun¸co ˜es limitadas Z b Z f (z) dz ≤ kf k∞ |γ ′ (t)| dt = kf k∞ Lγ , γ

a

em que kf k∞ = supz∈γ ∗ |f (z)| e Lγ ´e o comprimento do caminho γ .

4.3

Primitiva

Diz-se que uma fun¸c˜ ao F ´e primitiva de uma fun¸c˜ao f num conjunto aberto ´ imediato da defini¸c˜ao que as fun¸co Ω ⊂ C se F ′ = f em Ω . E ˜es que se obtˆem somando constantes a uma primitiva de uma fun¸ca ˜o f tamb´em s˜ ao primitivas de f . Em regi˜ oes de C a rec´ıproca tamb´em ´e verdadeira. (4.2) Se F ´e primitiva de uma fun¸ca ˜o f numa regi˜ ao Ω ⊂ C , ent˜ ao o conjunto de todas as primitivas de f em Ω ´e o conjunto das fun¸co ˜es que se obtˆem de f adicionando-lhe constantes. Dem. Se F1 , F2 s˜ ao primitivas de f em Ω , a derivada de G = F1 −F2 ´e G′ = 0 e, de (3.12), G ´e constante em Ω . Q.E.D. Quando se conhece uma primitiva de uma fun¸c˜ao cont´ınua num subconjunto aberto de C , os integrais sobre caminhos neste conjunto podem ser simplesmente calculados pelas diferen¸cas dos valores da primitiva nos extremos dos caminhos, como com a regra de Barrow52 para fun¸c˜oes reais53 . (4.3) Se F ´e primitiva de uma fun¸ca ˜o f cont´ınua num conjunto aberto Ω ⊂ C e γ : [a, b] → C ´e um caminho seccionalmente regular em Ω , Z   f (z) dz = F γ(b) −F γ(a) , γ

e se o caminho γ ´e fechado, Z

f (z) dz = 0 .

γ

52

Barrow, Isaac (1630-1677). Com integrais de Cauchy o resultado ´e v´ alido para caminhos regulares e com integrais de Lebesgue para caminhos rectific´ aveis. Para a generalidade dos resultados seguintes com integrais de fun¸c˜ oes cont´ınuas em caminhos seccionalmente regulares ´e an´ alogo. 53

4.3 Primitiva

55

Dem. Seja {a0 , . . . , an } uma parti¸c˜ao finita de [a, b] tal que a restri¸c˜ao de γ a cada subintervalo [ak−1 , ak ], k = 1, . . . , n , ´e regular. Como F ′ = f ´e cont´ınua em Ω , F ´e C 1 em Ω . Da regra de deriva¸c˜ao da fun¸c˜ao composta e da regra de Barrow para fun¸c˜ oes reais, ´e Z b Z b Z Z n Z ak X  (F ◦γ)′ f (z) dz = F ′ (z) dz = F ′ γ(t) γ ′ (t) dt = (F ◦γ)′ = γ

γ

=

n X  k=1

a

a

k=1 ak−1

    F γ(ak ) −F γ(ak−1 ) = F γ(b) −F γ(a) .

Se γ ´e fechado, γ(b) = γ(a) e o lado direito da f´ormula ´e zero.

Q.E.D.

(4.4) Para todo R caminho fechado seccionalmente regular γ em C\{0} e k ∈ Z\{−1} ´e γ z k dz = 0 . k+1 ′ Dem. Do resultado precedente, pois z k= zk+1 ´e cont´ınua em C\{0}.Q.E.D.

Como, em condi¸c˜ oes relativamente gerais, as derivadas de integrais indefinidos de fun¸c˜ oes reais cont´ınuas coincidem com a fun¸ca˜o integranda (Teorema Fundamental do C´ alculo para fun¸c˜oes reais), uma ideia natural para provar a existˆencia de primitiva de uma fun¸c˜ao num conjunto ´e construir uma candidata a primitiva por integra¸c˜ao da fun¸c˜ao dada de um ponto fixo at´e cada ponto do conjunto. Para integrais de fun¸c˜oes complexas sobre caminhos esta constru¸c˜ ao exige que todos pares de pontos do conjunto possam ser ligados por caminhos no conjunto (o que para um conjunto aberto corresponde a ser conexo) e que os integrais sobre caminhos diferentes que liguem o mesmo par ordenado de pontos sejam iguais (equivalente `a anula¸c˜ao dos integrais sobre todos caminhos seccionalmente regulares fechados).

Figura 4.4: Figuras para ilustra¸c˜ao da prova de (4.5) (4.5) Se f ´e uma fun¸ca ˜o complexa cont´ınua numa regi˜ ao Ω \ C , as afirma¸co ˜es seguintes s˜ ao equivalentes: 1. f tem primitiva em Ω . R 2. γ f (z) dz = 0 para todo caminho fechado seccionalmente regular γ em Ω . 3. Integrais de f sobre caminhos seccionalmente regulares em Ω com o mesmo par ordenado de pontos inicial e final s˜ ao iguais.

56

Integral

Dem. Se γ1 , γ2 s˜ ao caminhos seccionalmente regulares em Ω com o mesmo par ordenado de pontos inicial e final, a concatena¸c˜ao γ1 +(−γ2 ) ´e um caminho fechado seccionalmente regular (Figura 4.4 `a esquerda). O integral na concatena¸c˜ ao ´e a soma dos integrais nos caminhos γ1 e −γ2 , pelo que ´e a diferen¸ca entre os integrais nos caminhos γ1 e γ2 ; logo, estes integrais s˜ ao iguais se e s´ o se o integral no caminho fechado γ1 +(−γ2 ) ´e zero. De (4.3), a existˆencia de primitiva de uma fun¸c˜ao cont´ınua em Ω implica a anula¸c˜ ao dos integrais sobre caminhos seccionalmente regulares fechados em Ω . Reciprocamente, como integrais de f sobre caminhos seccionalmente regulares fechados em Ω s˜ ao nulos, os integrais de f sobre caminhos seccionalmente regulares em Ω com o mesmo par de pontos inicial e final s˜ ao iguais. Toma-se um ponto arbitr´ario a ∈ Ω e define-se a fun¸c˜ao Z F (z) = f (ζ) dζ , z ∈ Ω , αz

em que αz ´e um caminho seccionalmente regular em Ω que liga a a z . Como Ω ´e um conjunto aberto conexo, existem caminhos com estas propriedades para todo z ∈ Ω , pelo que a fun¸c˜ao F fica definida em Ω . Como Ω ´e aberto, para cada z0 ∈ Ω existe r > 0 tal que o c´ırculo aberto Br (z0 ) est´ a contido em Ω . Com z0 fixo, como os c´ırculos s˜ ao conjuntos convexos, para qualquer z ∈ Br (z0 ) tal que βz : [0, 1] → C com βz (t) = (1 − t)z0 + tz ´e um caminho regular em Br (z0 ) ⊂ Ω que percorre o segmento de recta de z0 a z . A concatena¸c˜ao de caminhos αz +βz +(−αz ) ´e um caminho seccionalmente regular fechado em Ω (Figura 4.4 `a direita), pelo que o integral de f sobre este caminho ´e nulo e, portanto, a diferen¸ca dos integrais de R f sobre αz e αz0 ´e igual ao integral de f sobre βz . Logo, F (z)−F (z0 ) = βzf (ζ) dζ e R F (z)−F (z0 ) 1 [f (ζ)−f (z0 )] dζ . −f (z0 ) = z−z z−z0 0 βz A continuidade de f garante que qualquer que seja ε > 0 existe δ > 0 tal que |f (ζ)−f (z0 )| < ε se |z−z0 | < δ . Logo, F (z)−F (z0 ) 1 −f (z0 ) ≤ |z−z |z−z0 | ε = ε , se |z−z0 | < δ , z−z0 0|

e, portanto, lim

z→z0

F (z)−F (z0 ) = f (z0 ) z−z0

para z0 ∈ Ω , pelo que F ∈ H(Ω) e F ′ = f ;

logo, F ´e uma primitiva de f em Ω .

Q.E.D.

Considera-se agora a existˆencia de primitivas de fun¸c˜oes holomorfas. Viu-se na prova do resultado precedente que uma ideia natural para provar a existˆencia de primitiva de uma fun¸c˜ao num conjunto ´e construir uma candidata por integra¸ca˜o da fun¸c˜ao de um ponto fixo at´e cada ponto do conjunto, o que exige que todos pontos do conjunto possam ser ligados por caminhos seccionalmente regulares nesse conjunto e que os integrais sobre caminhos seccionalmente regulares fechados sejam nulos. Para obter uma

4.3 Primitiva

57

candidata a primitiva basta que as duas propriedades mencionadas se verifiquem para uma classe particular de caminhos para que os c´alculos sejam simples. Os caminhos mais simples que ligam pares de pontos correspondem a segmentos de recta, pelo que ´e mais f´acil aplicar esta ideia em conjuntos convexos e com caminhos que percorrem segmentos de recta. Em conjuntos convexos a 1a propriedade mencionada ´e automaticamente garantida, mas ´e necess´ario assegurar a validade da 2a propriedade, que neste caso ´e a igualdade dos integrais sobre caminhos poligonais resultantes da concatena¸c˜ao de segmentos de recta que liguem o mesmo par ordenado de pontos. Esta propriedade ´e equivalente ` a anula¸c˜ao dos integrais sobre as fronteiras de triˆ angulos fechados contidos no conjunto. O resultado seguinte, que ´e uma pequena varia¸c˜ ao de um resultado de E. Goursat publicado em 1900, estabelece esta propriedade para fun¸c˜oes holomorfas num conjunto aberto convexo, excepto possivelmente num dos seus pontos54 .

Figura 4.5: Triˆ angulos ilustrar a prova do teorema 4.6 (4.6) Teorema de Goursat: Se Ω ⊂ C ´e aberto, ∆ ⊂ Ω ´e um tria ˆ ao R ngulo fechado, p ∈ Ω , f ´e cont´ınua em Ω e f ∈ H(Ω \ {p}) , ent˜ f (z) dz = 0 , em que ∂∆ ´ e a fronteira de ∆ e o integral ´ e sobre um ∂∆ caminho seccionalmente regular simples que a percorre. Dem. Designam-se v´ertices ordenados de ∆ por a, b, c . Sup˜oe-se 1o que p ∈ / ∆ . Designa-se por a′ , b′ , c′ os pontos a meio dos lados, resp., bc, ac, ab. Para os triˆ angulos ∆j , j = 1, 2, 3, 4, com v´ertices ′ ′ ′ ′ ′ ordenados (a, c , b ), (b, a , c ), (c, b , a′ ), (a′ , b′ , c′ ) (Figura 4.5 `a esquerda) ´e Z 4 Z X def f (z) dz . f (z) dz = J = ∂∆

j=1

∂∆j

O valor absoluto de pelo menos um dos integrais na direita ´e maior ou igual angulos com esta propriedade. Repetindo a J4 . Seja ∆1 um dos quatro triˆ o argumento com ∆1 no lugar de ∆ , e assim sucessivamente, obt´em-se uma 54 Vˆe-se no cap´ıtulo 6 que estas fun¸c˜ oes s˜ ao holomorfas em todo Ω ⊂ C , mas a prova nas presentes condi¸c˜ oes ´e usada para provar o resultado imediatamente depois do resultado seguinte de existˆencia de primitiva e para provar a F´ ormula de Cauchy no final deste cap´ıtulo, que s˜ ao ambos usados para provar o resultado mencionado do cap´ıtulo 6.

58

Integral

sucess˜ao de triˆ angulos ∆n tal que ∆ ⊃ ∆1 ⊃ ∆2 ⊃ · · · . Existe um u ´ nico ponto ∞ −n z0 ∈ ∩n=1 ∆n , o comprimento de ∂∆n ´e L2 , em que L ´e o comprimento de Z ∂∆, e verifica-se n |J| ≤ 4 f (z) dz , n ∈ N . ∂∆n

Como f ´e holomorfa em ∆ , qualquer que seja ε > 0 existe r > 0 tal que |f (z)−f (z0 )−f ′ (z0 )(z−z0 )| ≤ ε|z−z0 | , z ∈ Br (z0 ) . ParaZn grande ´e ∆n ⊂ Br (z0 ) , e |z−z0 | < L2−n para z ∈ ∆n . Como

[f (z)−f (z0 )−f ′ (z0 )(z−z0 )] dz Z Z Z Z ′ ′ = f (z) dz − f (z0 ) 1 dz − f (z0 ) z dz + f (z0 ) z0 1 dz ,

∂∆n

∂∆n

∂∆n

∂∆n

de (4.4), os integrais no lado ao nulos com excep¸c˜ao do Z direito s˜ Z f (z) dz = [f (z)−f (z0 )−f ′ (z0 ) (z−z0 )] dz . ∂∆n

∂∆n

1o

pelo que

∂∆n

Portanto, para n ∈ N suficientemente Z grande verifica-se |J| ≤ 4n f (z) dz ≤ 4n ε (L2−n )2 = εL2 . ∂∆n

Como ε > 0 ´e arbitr´ario, ´e J = 0 se p ∈ / ∆ , como se pretendia provar. Sup˜oe-se agora que p ´e um v´ertice de ∆ , sem perda de generalidade p = a. O integral sobre ∂∆ ´e a soma dos integrais sobre as fronteiras dos triˆ angulos de v´ertices ordenados (a, x, y) , (x, b, y) , (b, c, y) , em que x e y s˜ ao, resp., pontos dos lados ab e ca do triˆ angulo (Figura 4.5 ao centro). Do caso considerado no par´ agrafo precedente, os integrais sobre as fronteiras dos dois u ´ ltimos triˆ angulos s˜ ao nulos. Portanto, o integral sobre ∂∆ ´e igual ao integral sobre o triˆ angulo de v´ertices (a, x, y) . Como o per´ımetro deste triˆ angulo pode ser tomado arbitrariamente pequeno tomando x e y suficientemente pr´ oximos de a, e f ´e cont´ınua neste ponto, logo limitada numa sua R vizinhan¸ca, tamb´em se obt´em para este caso ∂∆ f (z) dz = 0 . Se p ´e um ponto arbitr´ario no triˆ angulo ∆ , aplicando o resultado do par´ agrafo precedente aos triˆ angulos de v´ertices ordenados (a, b, p) , (b, c, p) , R (c, a, p) (Figura 4.5 ` a direita) obt´em-se tamb´em ∂∆ f (z) dz = 0 . Q.E.D. O resultado seguinte estabelece a existˆencia de primitivas (locais) de fun¸c˜ oes cont´ınuas em conjuntos convexos em que s˜ ao holomorfas excepto possivelmente num ponto.

Figura 4.6: Primitiva de fun¸c˜ao holomorfa em conjunto convexo

4.4 Teorema de Cauchy local

59

(4.7) Se Ω ⊂ C ´e convexo aberto e p ∈ Ω , ent˜ ao toda fun¸ca ˜o f ∈ H(Ω\{p}) cont´ınua em Ω tem primitiva em Ω . Dem. Seja a um ponto arbitr´ario de Ω . Como Ω ´e convexo, cont´em o segmento de recta az para cada z ∈ Ω . O caminho αz : [0, 1] → C tal que αz (t) = (1−t)a+tz , percorre esteZ segmento de recta. Define-se F (z) =

f (ζ) dζ ,

αz

z ∈Ω .

Para cada z0 ∈ Ω o triˆ angulo fechado de v´ertices a, z, z0 est´ a contido em Ω . Do teorema precedente, F (z)−F (z0 ) ´e o integral de f sobre o segmento de recta de z0 para z (Figura 4.6). Procedendo exactamente como na parte final da prova de (4.5) obt´em-se f = F ′ em Ω . Q.E.D.

4.4

Teorema de Cauchy local

Os resultados anteriores permitem estabelecer a seguinte vers˜ ao local do Teorema de Cauchy em conjuntos convexos55 . (4.8) Teorema de Cauchy local em conjuntos convexos: Se Ω ⊂ C ´e aberto e convexo, γ ´e um caminho fechado seccionalmente regular em R Ω , p ∈ Ω , f cont´ınua em Ω e f ∈ H(Ω\{p}), ent˜ ao γ f (z) dz = 0 .

Dem. De (4.7) f tem primitiva e de (4.3) o integral ´e zero.

Q.E.D.

Como se referiu na introdu¸c˜ ao a este cap´ıtulo, o Teorema de Cauchy come¸cou por ser obtido por A.-L. Cauchy em rectˆ angulos, com a hip´ otese excessivamente forte da fun¸c˜ ao integranda ser C 1 , caso em que o resultado ´e consequˆencia directa do Teorema de Green para fun¸c˜oes reais definidas em conjuntos de R2 . Mesmo considerando um qualquer dom´ınio regular com cantos D ⊂ R2 e n˜ aoZ apenas rectˆ angulos a Z Z o Teorema de Green d´  ∂Q ∂P (P, Q) · dα = ∂x − ∂y dxdy , ∂D

D

para um campo vectorial (P, Q) C 1 no fecho de D , em que α = (X, Y ) ´e um caminho seccionalmente regular fechado simples que descreve a fronteira56 55

Usa-se este resultado no cap´ıtulo 6 para provar que as fun¸c˜ oes holomorfas s˜ ao sempre indefinidamente diferenci´ aveis e represent´ aveis por s´eries de potˆencias, que s˜ ao usados no cap´ıtulo 7 para estabelecer uma vers˜ ao global do Teorema de Cauchy. 56 Um dom´ınio regular com cantos D ⊂ R2 ´e um conjunto aberto que ´e o interior do seu fecho com fronteira que ´e uma curva seccionalmente regular fechada. O Teorema da Curva de Jordan assegura que toda curva de Jordan separa o plano em dois conjuntos conexos abertos, um ilimitado e outro limitado; o conjunto limitado ´e um dom´ınio regular com fronteira que ´e a curva de Jordan considerada. A existˆencia de pelo menos duas componentes conexas no complementar de uma curva de Jordan seccionalmente regular em que uma e s´ o uma ´e ilimitada ´e uma consequˆencia dos resultados da sec¸c˜ ao seguinte, mas a parte mais dif´ıcil ´e que s´ o h´ a uma componente conexa limitada. Embora o Teorema da Curva de Jordan n˜ ao seja explicitamente usado neste texto, d´ a-se uma demonstra¸c˜ ao no apˆendice II.

60

Integral

de D . Da f´ormula (4.1), para uma fun¸c˜ao f ∈ H(D) , com (u, v) = f e γ = X +iY , Z Z Z f (z) dz = (u,−v) · dα + i (v, u) · dα , γ

pelo que para f C 1 em D o Teorema de Green aplicado aos dois integrais no lado direito e as equa¸c˜oes de Cauchy-Riemann para f d˜ ao Z

ZZ ZZ  ∂u ∂v − ∂x − ∂y dxdy +i f (z) dz =

γ

D

D

∂u ∂v ∂x − ∂y

ZZ ZZ  dxdy = 0 dxdy + 0 dxdy = 0 . D

D

O conjunto D pode n˜ ao ser convexo, mas a exigˆencia de f ser C 1 ´e excessivamente forte, pelo que se prefere generalizar para um resultado global a formula¸c˜ ao local em conjuntos convexos anterior no cap´ıtulo 7. Este resultado estabelecido com base no Teorema de Green tem a vantagem de tornar directamente vis´ıvel a liga¸c˜ao entre a anula¸c˜ao dos integrais sobre caminhos fechados e as equa¸c˜oes de Cauchy-Riemann, e evidencia que a anula¸c˜ ao dos integrais sobre caminhos fechados ´e uma express˜ ao integral das restri¸c˜ oes impostas pela diferenciabilidade de fun¸c˜oes complexas. As vers˜ oes do Teorema de Cauchy consideradas desde a 1a proposta em 1822 at´e 1900 consideravam a hip´ otese adicional de f ser C 1 . Esta hip´ otese s´ o foi dispensada em 1900 com a contribui¸c˜ao de E. Goursat. Com o Teorema de Cauchy local em conjuntos convexos pode-se estabelecer a F´ormula de Cauchy, que d´ a os valores de uma fun¸ca˜o holomorfa num conjunto de pontos fora de uma curva fechada seccionalmente regular por integrais que envolvem apenas os valores da fun¸c˜ao nessa curva. Como os valores destes integrais dependem do sentido e do no de voltas em que o caminho percorre a curva, ´e necess´ario tornar precisa e quantificar esta dependˆencia. Para tal introduz-se na sec¸c˜ao seguinte o ´ındice ou n´ umero de rota¸c˜ ao de um caminho fechado seccionalmente regular em rela¸c˜ao a um ponto fora da curva que descreve.

4.5

´Indice de caminho fechado e homotopia de caminhos

O resultado seguinte permite definir ´ındice ou n´ umero de rota¸c˜ao de um caminho fechado seccionalmente regular γ em rela¸c˜ao a um ponto z ∈ / γ ∗ que representa. Este ´ındice, que se designa por Indγ (z) , ´e um n´ umero inteiro que d´ a informa¸c˜ ao sobre o sentido e o no de voltas que o caminho γ d´ a na ∗ curva γ em torno do ponto z . ´u E ´ til entender geometricamente como se pode calcular um n´ umero com o objectivo indicado por integra¸c˜ao de uma fun¸c˜ao apropriada sobre o caminho. Com argumentos de pontos ao longo do caminho em rela¸c˜ao a um sistema de eixos coordenados centrado em z a variarem continuamente ao longo do caminho, a diferen¸ca entre o valor dos argumentos no fim e no in´ıcio de um caminho fechado ´e um m´ ultiplo inteiro 2πn de 2π, em que n ∈ Z ´e a

4.5 ´ Indice de caminho fechado e homotopia de caminhos

61

diferen¸ca entre o no de voltas do caminho em torno de z no sentido positivo e no sentido negativo (Figura 4.7). Para obter 2πn por integra¸c˜ao sobre o caminho usa-se uma fun¸c˜ ao integranda tal que o integral dˆe a varia¸c˜ao total do argumento. Recordando que a parte imagin´ aria do logaritmo de um n´ umero ´e um argumento desse n´ umero, obt´em-se um argumento de w ∈ γ ∗ relativamente a z como parte imagin´ aria de ln(w −z) . Nenhum logaritmo pode ser definido como fun¸c˜ ao cont´ınua em todo o plano complexo, mas ´e poss´ıvel definir continuamente t 7→ ln(γ(t) − z) considerando a passagem 1 d ln(w −z) = w−z , ´e natural para ramos apropriados do logaritmo. Como dw 1 considerar como fun¸c˜ ao integranda sobre o caminho a fun¸c˜ao w 7→ w−z . A parte imagin´ aria do integral d´ a 2πn como se pretendia, e a parte real d´ aa diferen¸ca entre o logaritmo do m´ odulo dos pontos inicial e final do caminho e, como estes coincidem, ´e zero. Chama-se ´ındice ou n´ umero de rota¸ c˜ ao de um caminho fechado seccionalmente regular γ em rela¸c˜ ao a um ponto z a (Figura 4.7) Z 1 1 Indγ (z) = i2π w−z dw . γ

θ+4π

θ z

Arg

θ

Figura 4.7: ´Indice de caminho γ em rela¸c˜ao a ponto z (4.9) Se γ ´e um caminho fechado seccionalmente regular em C, Z 1 1 Indγ (z) = i2π w−z dw γ

define uma fun¸ca ˜o de Ω = C \γ ∗ em Z constante em cada componente conexa de Ω e nula na componente conexa ilimitada de Ω .

ζ ∈ Z se e s´ o se Dem. Seja γ : [a, b] → C e fixe-se z ∈ Ω . Como para ζ ∈ C ´e i2π ζ e = 1, a condi¸c˜ ao Indγ (z) ∈ Z equivale ϕ(b) = 1 com ϕ : [a, b] → C tal que  Z t γ ′ (s) ϕ(t) = exp γ(s)−z ds . a

62

Integral ′

γ (t) Como ϕ′ (t) = ϕ(t) γ(t)−z excepto no conjunto finito de pontos S ⊂ [a, b] em que γ n˜ ao tem derivada, para s ∈ [a, b]\S ´e ϕ(s) ′ ϕ′ (s) γ ′ (s) ϕ′ (s) = γ(s) γ(s) − z − z − [γ(s) − z]2 = 0 ,

ϕ(s) e cont´ınua em [a, b] e tem derivada nula em pelo que a fun¸c˜ ao s 7→ γ(s) −z ´ [a, b]\S . Logo, esta fun¸c˜ao ´e constante em cada subintervalo de [a, b]\S e a continuidade no n´ umero finito de pontos de S implica que ´e constante em γ(s)−z [a, b] . Como ϕ(a) = 1, ´e ϕ(s) = γ(a)−z . Como γ ´e fechado, γ(a) = γ(b) e, portanto, ϕ(b) = 1, o que prova que o contradom´ınio de Indγ (Ω) ⊂ Z .

A fun¸c˜ ao Indγ : Ω → Z ´e cont´ınua, pois Z Z   z−w 1 1 1 Indγ (z)−Indγ (w) = 1 s−z − s−w ds = 2π i2π (s−z)(s−w) ds γ γ n o |z−w|L 1 : s ∈ γ∗ , ≤ 2π γ max |(s−z)(s−w)| em que Lγ ´e o comprimento de γ, pelo que Indγ (z)−Indγ (w) → 0 quando |z − w| → 0 . A imagem de um conjunto conexo por uma fun¸c˜ao cont´ınua ´e um conjunto conexo. Como Indγ (Ω) ⊂ Z , conclui-se que a fun¸c˜ao Indγ ´e constante em cada componente conexa de Ω . Finalmente, para |z| suficientemente grande, Z b γ ′ (s) Indγ (z) = 1 2π γ(s)−z ds < 1 . a

Logo, Indγ (z) = 0 para z na componente conexa ilimitada de Ω .

Q.E.D.

O sinal e o valor absoluto de Indγ (z) d˜ ao, resp., o sentido e o no de voltas que o caminho γ d´ a em torno de z , como se ilustra no resultado seguinte para uma circunferˆencia γ ∗ . (4.10) Se γ ´e o caminho regular que d´ a n voltas com sentido positivo na circunferˆencia com raio r > 0 e centro no ponto a ∈ C definido por γ : [0, 2π] → C tal que γ(θ) = a+reiθ , ent˜ ao  n , se z ∈ Br (a) Indγ (z) = 0 , se z ∈ / Br (a) . Dem. Do resultado precedente basta calcular Z Z 2πn 1 ireiθ 1 1 dw = Indγ (z) = i2π dθ = w−z i2π reiθ γ

0

Z

1 2π

2πn

1 dθ = n . 0

Q.E.D.

Os ´ındices de dois caminhos fechados seccionalmente regulares que podem ser deformados continuamente de um para o outro num conjunto Ω ⊂ C s˜ ao necessariamente iguais em pontos de C\Ω . Tal como em R2 , o conceito apropriado para traduzir a no¸c˜ao de deforma¸c˜ao cont´ınua de caminhos num conjunto Ω ⊂ C ´e a homotopia.

4.5 ´ Indice de caminho fechado e homotopia de caminhos

63

Diz-se que dois caminhos γ1 , γ2 : [a, b] → Ω fechados (resp., n˜ ao fechados mas com o mesmo par ordenado de pontos inicial e final, γ1 (a) = γ2 (a) = A e e γ1 (b) = γ2 (b) = B ) s˜ ao homot´ opicos em Ω se existe uma fun¸c˜ao cont´ınua H : [a, b]×[0, 1] → Ω , chamada homotopia de γ1 para γ2 em Ω , tal que H(t, 0) = γ1 (t) , H(t, 1) = γ2 (t) para t ∈ [a, b] e H(a, s) = H(b, s) (resp., H(a, s) = A e H(b, s) = B) para s ∈ [0, 1] (Figura 4.8). Homotopia ´e uma rela¸c˜ ao de equivalˆencia57 , pelo que estabelece no conjunto de todos caminhos seccionalmente regulares fechados em Ω (ou n˜ ao fechados mas com o mesmo par ordenado de pontos inicial e final em Ω ) classes de equivalˆencia, chamadas classes de homotopia em Ω .

Figura 4.8: Caminhos homot´ opicos num conjunto C O resultado seguinte mostra que o ´ındice em rela¸c˜ao a um ponto no complementar de Ω ´e invariante em cada classe de homotopia de caminhos fechados em Ω , e que, para dois caminhos n˜ ao fechados homot´ opicos em Ω o ´ındice do caminho fechado que ´e concatena¸c˜ao de um dos caminhos com o sim´etrico do outro em rela¸c˜ ao a pontos no complementar de Ω ´e nulo. (4.11) Se Ω ⊂ C, z ∈ C\Ω e γ1 , γ2 s˜ ao caminhos seccionalmente regulares: 1. Se γ1 , γ2 s˜ ao caminhos fechados homot´ opicos em Ω , ent˜ ao Indγ1 (z) = Indγ2 (z) . 2. Se γ1 , γ2 s˜ ao caminhos n˜ ao fechados (com o mesmo par ordenado de pontos inicial e final) homot´ opicos, ent˜ ao γ = γ1 +(−γ2 ) ´e um caminho fechado e Indγ (z) = 0 . Dem. Sejam γ1 , γ2 : [a, b] → Ω . As partes real e imagin´ aria de integrais de fun¸c˜oes complexas f = (u, v) em γ, s˜ ao dadas por integrais de linha em R2 Z Z Z f (z) dz = (u,−v) · dαj + i (v, u) · dαj , γj

em que αj ´e o caminho em R2 correspondente ao caminho γj em C para j = 1, 2, pelo que o resultado pode ser estabelecido aplicando o que se conhece 2 para integrais de linha R de campos vectoriais em R 1. Como Indγj (z) = γj fz (w) dw com fz (w) = i2π(w−z) dw, para j = 1, 2, e 57

Uma rela¸ c˜ ao de equivalˆ encia num conjunto ´e uma rela¸c˜ ao bin´ aria no conjunto com as trˆes propriedades: reflexividade, simetria e transitividade.

64

Integral

fz ∈ H(C \ {z}) , pelo que verifica as equa¸c˜oes de Cauchy-Riemann em Ω , ∂u ∂v ∂v ∂u ao cont´ınuas em Ω . As ∂x = ∂y e ∂x = − ∂y . Estas derivadas parciais s˜ equa¸c˜ oes de Cauchy-Riemann garantem que os campos vectoriais (u, −v), (v, u) com valores e vari´ aveis em R2 s˜ ao fechados58 em Ω . α1 , α2 em R2 s˜ ao caminhos seccionalmente regulares homot´ opicos em Ω . Da invariˆ ancia de integrais de linha de campos vectoriais fechados sobre caminhos seccionalmente regulares homot´ opicos (quando n˜ ao fechados tˆem o mesmo par ordenado de pontos inicial e final) num conjunto em que os campos s˜ ao C 1 , que pode ser estabelecida como consequˆencia do Teorema de Green em R2 , Z Z Z Z (u,−v) · dα1 = (u,−v) · dα2 , (v, u) · dα1 = (v, u) · dα2 , R R pelo que γ1 fz (w) dw = γ2 fz (w) dw . Se γ1 , γ2 s˜ ao caminhos fechados, a u ´ ltima igualdade ´e Indγ1 (z) = Indγ2 (z) ; se n˜ ao s˜ ao fechados, γ1 +(−γ2 ) ´e fechado e Indγ (z) = 0 . Q.E.D.

4.6

F´ ormula de Cauchy local em conjuntos convexos

A F´ormula de Cauchy d´ a os valores de uma fun¸c˜ao holomorfa num conjunto em pontos fora de uma curva fechada seccionalmente regular nesse conjunto por integrais que envolvem apenas os valores da fun¸c˜ao sobre a curva. A prova desta f´ormula baseia-se no Teorema de Cauchy, pelo que se estabelece agora a F´ormula de Cauchy para conjuntos convexos, nos quais foi estabelecida acima a validade do Teorema de Cauchy. No cap´ıtulo 7 estabelece-se a F´ormula de Cauchy geral com o Teorema de Cauchy Global. (4.12) F´ ormula de Cauchy local em conjuntos convexos: Se Ω ⊂ C ´e um conjunto aberto convexo, γ um caminho fechado seccionalmente regular em Ω , z ∈ Ω\γ ∗ e f ∈ H(Ω) , ent˜ ao Z f (w) 1 f (z) Indγ (z) = i2π w−z dw . γ

Dem. A fun¸c˜ ao definida por ( gz (w) =

f (w)−f (z) w−z f ′ (z)

, se w ∈ Ω\{z} , se w = z

satisfaz as hip´ oRteses do Teorema de Cauchy local em conjuntos convexos (4.8), pelo que γ gz (w) dw = 0 , ou seja Z Z Z f (z) f (w) (w) 1 1 1 0 = i2π w−z dw − i2π w−z dw = i2π fw−z dw − f (z) Indγ (z) . γ

γ

γ

Q.E.D.

58

Diz-se que h = (h1 , h2 ) : S → R2 , S ⊂ R2 , ´e um campo fechado se

∂h2 ∂x

1 = ∂h em S . ∂y

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 4

65

A F´ormula de Cauchy ´e uma outra express˜ ao integral das fortes restri¸c˜oes impostas pela diferenciabilidade de fun¸c˜oes complexas, dado que se obtˆem os valores da fun¸c˜ ao em todos os pontos z de um conjunto em que ´e holomorfa fora de um caminho fechado seccionalmente regular γ com Indγ (z) 6= 0 apenas em fun¸c˜ ao dos valores da fun¸c˜ ao na curva γ ∗ e dos valores de Indγ (z) . Em particular, os valores de uma fun¸c˜ao complexa numa curva γ ∗ (que ´e um conjunto de medida nula no plano) num conjunto convexo em que ´e holomorfa determinam os valores da fun¸c˜ao em todas as componentes conexas de Ω\γ ∗ em que Indγ (z) 6= 0 . Uma consequˆencia importante da F´ormula de Cauchy ´e que o valor de uma fun¸c˜ ao no centro de um c´ırculo fechado em que ´e holomorfa ´e a m´edia dos valores na fronteira do c´ırculo. (4.13) Propriedade de Valor M´ edio de Fun¸ co ˜es Holomorfas: ao Se f ´e uma fun¸ca ˜o holomorfa num c´ırculo fechado Br (a) ⊂ C , ent˜ o valor f (a) de f no centro do c´ırculo ´e igual ` a m´edia dos valores na circunferˆencia que o delimita: Z 2π 1 f (a) = 2π f (a+reiθ ) dθ . 0

 Dem. Como f ∈ H Br (a) , f ∈ Br+ε (a) para algum ε > 0 . Se γ : [0, 2π] → C ´e o caminho regular simples tal que γ(θ) = a+reiθ , pode-se aplicar a F´ormula de Cauchy do resultado precedente, que d´ a Z Z 2π Z 2π f (w) f (a+reiθ ) 1 1 1 iθ ire dθ = i2π f (a+reiθ ) dθ . f (a) Indγ (a) = i2π w−a dw = i2π reiθ γ

0

De (4.10) obt´em-se Indγ (a) = 1 , o que termina a prova.

0

Q.E.D.

Com a Propriedade de Valor M´edio verifica-se mais uma vez que os valores de fun¸c˜ oes holomorfas satisfazem fortes restri¸c˜oes de interliga¸c˜ao. Vˆe-se no cap´ıtulo 9 que as fun¸c˜ oes complexas cont´ınuas que satisfazem a propriedade de valor m´edio em todos os c´ırculos fechados contidos num conjunto aberto Ω ⊂ C s˜ ao necessariamente holomorfas, pelo que esta Propriedade de Valor M´edio para fun¸c˜ oes complexas cont´ınuas caracteriza as fun¸c˜oes holomorfas. Exerc´ıcios 4.1 Com (x, y) = z ∈ C , calcule percorre:

R

γ

x dz, em que γ ´e um caminho regular simples que

a) O segmento de recta orientado de 0 a 1+i . b) A circunferˆencia com raio r > 0 e centro na origem no sentido positivo (cal2 cule de duas formas: directamente e observando que x = 21 (z + z) = 12 z + rz na circunferˆencia). R 4.2 Calcule γ z 21−1 dz , em que γ ´e um caminho regular simples que percorre a circunferˆencia com centro na origem e raio r ∈ [0, +∞[ \{1} .

66

Integral

4.3 Calcule uma primitiva da fun¸c˜ ao complexa f (x +iy) = 2x(1−y) + i(x2 +2y −y 2 ) , com x, y ∈ R . R 4.4 Mostre que γ f (z) f ′ (z) dz ´e um imagin´ ario puro, para todo caminho fechado seccionalmente regular γ e toda fun¸c˜ ao f C 1 numa regi˜ ao que cont´em γ ∗ . R f ′ (z) 4.5 Mostre que γ f (z) dz = 0 para todo caminho fechado seccionalmente regular γ numa regi˜ ao em que a f ´e C 1 e satisfaz |f −1| < 1 . R 4.6 Descreva condi¸c˜ oes em que se verifica γ ln z dz = 0 . 4.7 Calcule os integrais seguintes, em que γr ´e um caminho regular simples que percorre a circunferˆencia com raio r > 0 e centro na origem: R z R R z R R 1 z c) γ1 zen dz , dz , e) γ1sinz z dz . a) γ1 ez dz , b) γ2 1+z d) γ1sin 2 dz , z3

Cap´ıtulo 5

Fun¸c˜ oes anal´ıticas 5.1

Introdu¸ c˜ ao

As fun¸c˜ oes anal´ıticas s˜ ao as represent´aveis por s´eries de potˆencias. At´e meados do s´ec. XVII a no¸c˜ao de fun¸c˜ao confundia-se com a de f´ormula alg´ebrica com vari´ aveis, envolvendo somas, diferen¸cas, produtos, quocientes e ra´ızes de qualquer ordem. A partir da descoberta de uma s´erie de potˆencias para o logaritmo em 1668, independentemente por N. Mercator e W. Brouncker, seguiu-se um per´ıodo em que foram descobertas s´eries para muitas fun¸c˜ oes, nomeadamente por J. Gregory, I. Newton, G.W. Leibniz, entre outros, embora a convergˆencia de s´eries ainda n˜ ao fosse um conceito rigoroso. J. Gregory sugere claramente em 1668 a identifica¸c˜ao de fun¸c˜ ao com f´ormula que envolve express˜ oes alg´ebricas e s´eries destas express˜ oes. A obten¸c˜ ao de s´eries de potˆencias para certas fun¸c˜oes racionais e trigonom´etricas e a descoberta por J. Gregory em 1671 das s´eries de Taylor de fun¸c˜oes levaram a que neste per´ıodo a no¸c˜ao de fun¸ca˜o se confundisse com a de fun¸c˜ ao anal´ıtica, mesmo sem se dispor de um esclarecimento cabal da convergˆencia de s´eries59 . Em 1748, ap´ os importantes contribui¸c˜oes para o c´alculo de somas de certas s´eries num´ericas e do comportamento assimpt´otico de s´eries divergentes (em particular a rela¸c˜ ao do logaritmo com a s´erie dos rec´ıprocos dos n´ umeros naturais, conhecida por s´erie harm´onica), L. Euler publicou s´eries de potˆencias para, entre outras, as fun¸c˜ oes exponencial, seno e coseno. Em 1755, L. Euler aplicou s´eries de Taylor para desenvolver o c´alculo diferencial e utilizou as s´eries como instrumento unificador da Teoria de N´ umeros e da An´alise, utilizando-as para obter propriedades de n´ umeros, como a distribui¸c˜ao dos n´ umeros primos com a fun¸c˜ ao zeta de Riemann que, para um dado valor da vari´ avel, d´ a a soma da s´erie dos rec´ıprocos dos n´ umeros naturais elevados a esse valor. Em 1812, C.F. Gauss estudou sistematicamente a convergˆencia da s´erie hipergeom´etrica e obteve s´eries para uma ampla classe de fun¸c˜oes. O conceito de convergˆencia de sucess˜oes e s´eries s´ o foi estabelecido ri59

Mercator, Nicholas (1620-1687). Brouncker, William (1620-1684). Gregory, James (1638-1675). Leibniz, Gottfried Wilhelm (1646-1716).

68

Fun¸ co ˜es anal´ıticas

gorosamente em 1821 por A.-L. Cauchy no Cours d’Analyse Alg´ebrique da ´ Ecole Polytechnique, em que tamb´em aparece a defini¸c˜ao actual de fun¸c˜ao como correspondˆencia un´ıvoca entre pontos de dois conjuntos sem referˆencia a express˜ oes que as definam. A.-L. Cauchy considera esta no¸c˜ao de fun¸c˜ao a prop´osito da no¸c˜ ao de continuidade, mas n˜ ao a explora noutros contextos, como por exemplo o de integral. B. Bolzano60 j´a tinha considerado esta no¸c˜ ao de fun¸c˜ ao em 1817, tamb´em a prop´osito do estudo de continuidade, nas li¸c˜ oes na Universidade de Praga, que permaneceram como manuscrito at´e serem publicadas em 1930. As consequˆencias desta defini¸ca˜o de fun¸c˜ao para o conceito de integral aparecem claramente nos trabalhos de P.G. Dirichlet de 1829 e de B. Riemann de 1854. N.H.Abel estabeleceu em 1826 que toda s´erie de potˆencias complexa tem um raio de convergˆencia de 0 a +∞ , i.e. a s´erie ´e absolutamente convergente em pontos no interior de um c´ırculo com esse raio e centro no ponto em que a s´erie de potˆencias est´ a centrada, e diverge no exterior desse c´ırculo. A f´ormula para calcular o raio de convergˆencia a partir dos coeficientes da s´erie apareceu num trabalho de A.-L. Cauchy de 1821, embora tenha sido provada apenas em 1892 na tese de doutoramento de J. Hadamard61 . Em v´arias situa¸c˜ oes ´e necess´ario calcular integrais de fun¸c˜oes definidas por s´eries, para o que ´e conveniente poder integrar s´eries termo a termo. Em 1826 N.H. Abel apresentou exemplos de s´eries de fun¸c˜oes cont´ınuas convergentes com soma que n˜ ao ´e uma fun¸c˜ao cont´ınua, ao contr´ario do que era afirmado num artigo de A.-L. Cauchy de 1821. K. Weierstrass introduziu a no¸c˜ ao de convergˆencia uniforme62 e provou nos “Cadernos de Munique” de 1841, s´ o publicados em 1894, que s´eries de fun¸c˜oes cont´ınuas uniformemente convergentes podem ser integradas termo a termo. Em 1848, G. Stokes e P.L. Seidel, independentemente, introduziram o mesmo conceito para integrar s´eries de fun¸c˜ oes termo a termo63 . As fun¸c˜ oes anal´ıticas s˜ ao indefinidamente diferenci´ aveis e tˆem derivadas de qualquer ordem que tamb´em s˜ ao fun¸c˜oes anal´ıticas, e, portanto, fun¸c˜oes cont´ınuas. Al´em disso, as representa¸c˜oes em s´eries de potˆencias de uma fun¸c˜ ao s˜ ao necessariamente as correspondentes s´eries de Taylor, em que o coeficiente de cada ordem ´e a derivada dessa ordem da fun¸c˜ao no ponto em que a s´erie de potˆencias est´ a centrada dividida pelo factorial da ordem de deriva¸c˜ ao. Neste cap´ıtulo s˜ ao estabelecidas as afirma¸c˜oes referidas e algumas consequˆencias importantes, entre as quais: o conjunto dos zeros de uma fun¸c˜ao anal´ıtica numa regi˜ ao onde n˜ ao ´e identicamente zero ´e finito ou infinito nu60

Bolzano, Bernhard (1781-1848). Abel, Niels Henrik (1802-1829). 62 Num artigo de 1838 sobre fun¸c˜ oes el´ıpticas Christoph Gudermann (1798-1852), cujas li¸c˜ oes K.Weierstrass seguiu, usou pela 1a vez o termo “convergˆencia uniforme” para fun¸c˜ oes el´ıpticas, embora n˜ ao tenha aplicado esta propriedade para estabelecer qualquer resultado. 63 Stokes, Gabriel (1819-1903). Seidel, Philipp Ludwig (1821-1896). 61

5.1 Introdu¸ c˜ ao

69

mer´ avel sem pontos limite na regi˜ ao; as estimativas de Cauchy, obtidas por A.-L. Cauchy em 1835 (os valores absolutos dos coeficientes da F´ormula de Taylor de uma fun¸c˜ ao anal´ıtica num c´ırculo aberto em que ´e limitada s˜ ao majorados pelo quociente de um majorante da fun¸c˜ao pela potˆencia do raio do c´ırculo de exponente igual ` a ordem do termo da s´erie de Taylor); o Teorema de Liouville, provado em 1844 por A.-L. Cauchy (fun¸c˜oes inteiras limitadas s˜ ao constantes) que foi foi designado em 1879 por C.W. Borchardt64 com o nome de J.Liouville por este ter no in´ıcio das suas li¸c˜oes sobre fun¸c˜oes duplamente peri´ odicas de 1847 afirmado esta propriedade para fun¸c˜oes complexas duplamente peri´ odicas; o Teorema de Unicidade de Fun¸c˜oes Anal´ıticas (fun¸c˜oes anal´ıticas numa regi˜ ao que coincidem num conjunto que tem um ponto limite s˜ ao iguais), o Princ´ıpio do M´odulo M´aximo (embora para fun¸c˜oes harm´onicas, o m´ odulo de uma fun¸c˜ao harm´onica numa regi˜ ao n˜ ao pode ter m´ aximos locais a n˜ ao ser que seja constante) e o correspondente resultado para m´ınimos (o m´ odulo de uma fun¸c˜ao anal´ıtica numa regi˜ ao onde n˜ ao ´e constante s´ o pode ter m´ınimos locais em pontos em que ´e nula). Os trˆes u ´ ltimos resultados mencionados no par´ agrafo precedente apareceram em 1851 na tese de doutoramento de B. Riemann. O Teorema de Unicidade de Fun¸c˜ oes Anal´ıticas tinha aparecido em embri˜ ao numa publica¸c˜ao de N.H. Abel de 1827 em que prova que fun¸c˜oes anal´ıticas iguais num intervalo de n´ umeros reais s˜ ao iguais em toda c´ırculo de convergˆencia, num artigo de C. Gauss de 1840 para o caso particular de fun¸c˜oes potenciais de massas sob atrac¸c˜ ao gravitacional, e, numa vers˜ ao mais pr´ oxima do resultado geral, num artigo de A.-L. Cauchy de 1845. O Princ´ıpio do M´odulo M´aximo para as partes real e imagin´ aria de fun¸c˜oes holomorfas apareceu num livro de H. Burkhardt de 1897. Embora n˜ ao se saiba quando o resultado foi enunciado e provado para fun¸c˜oes holomorfas, foi explicitamente invocado por C. Carath´eodory em 1912 quando deu uma prova simples do Lema de Schwarz. As provas que s˜ ao aqui apresentadas para os resultados mencionados nos dois par´ agrafos precedentes baseiam-se na F´ormula de Parseval para s´eries de potˆencias complexas, que ´e aqui designada assim por ser um caso particular da F´ormula de Parseval, obtida inicialmente em 1799 para s´eries trigonom´etricas por M.-A. Parseval, em espa¸cos lineares complexos euclidianos (i.e. com produto interno) de igualdade do quadrado da norma de um vector ` a soma dos quadrados dos valores absolutos das componentes do vector num sistema ortonormal, generalizando o Teorema de Pit´ agoras para triˆ angulos. Esta f´ormula foi publicada na forma que ´e aqui usada (a soma da s´erie dos quadrados dos m´ odulos dos termos da s´erie de Taylor da fun¸c˜ao num ponto calculados numa circunferˆencia com raio menor ao raio de convergˆencia da s´erie de Taylor ´e igual `a m´edia do quadrado do m´ odulo da fun¸c˜ ao na circunferˆencia) por A. Gutzmer em 1888, embora pudesse ser 64

Borchardt, Carl Wilhelm (1817-1880).

70

Fun¸ co ˜es anal´ıticas

obtida com o m´etodo descoberto +or M.-A. Parseval 90 anos antes65 .

5.2

Sucess˜ oes e s´ eries de n´ umeros complexos

Uma sucess˜ ao em C ou sucess˜ ao de n´ umeros complexos {zn } ´e uma fun¸c˜ ao de N em C , n 7→ zn . Diz-se que a sucess˜ao {zn } em C ´e convergente se s˜ ao convergentes as sucess˜oes em R {xn } e {yn } cujos termos s˜ ao, resp., as partes real e imagin´ aria de cada termo de {zn } . Em caso de convergˆencia, o limite da sucess˜ ao {zn } ´e o n´ umero complexo com partes real e imagin´ aria que s˜ ao, resp., os limites das sucess˜oes de n´ umeros reais {xn } e {yn } . Segue-se que as propriedades usuais dos limites de somas, produtos e quocientes de sucess˜oes em R tamb´em se verificam para sucess˜oes em C . Diz-se que uma sucess˜ao {zn } em C ´e uma sucess˜ ao de Cauchy se qualquer que seja ε > 0 existe M ∈ N tal que |zn+m −zn | < ε para n, m ∈ N com n > M . Com (xn , yn ) = zn , ´e |zn+m −zn |2 = |xn+m −xn |2 +|yn+m −yn |2 , uma sucess˜ao {zn } em C ´e sucess˜ao de Cauchy se e s´ o se as sucess˜oes em R das suas partes real e imagin´ aria {xn } e {yn } s˜ ao sucess˜oes de Cauchy. Como as sucess˜oes de Cauchy em R s˜ ao convergentes para n´ umeros reais, ou seja R com a distˆ ancia entre pontos definida pelo valor absoluto da diferen¸ca entre eles ´e um espa¸ co completo, tamb´em as sucess˜oes de Cauchy em C , com a distˆ ancia de pontos definida pelo valor absoluto da diferen¸ca desses pontos, s˜ ao convergentes para n´ umeros complexos e C ´e um espa¸ Pco∞ completo. Diz-se que uma s´erie de n´ umeros complexos n=0 zn , em que (xn , yn ) = P zn ∈ C , ´e convergente se as s´eries das partes real e imagin´ aP∞ ∞ y s˜ a o convergentes; caso contr´ a rio, diz-se que x e ria, resp., n n n=0 P n=0 e divergente. Em caso de convergˆencia, chama-se limite a s´erie ∞ n=0 zn ´ P∞ ou soma da s´ erie n=0 zn ao limite S da sucess˜ao das suas somas parciais P∞ P∞ P∞ P z SN = N n=0 yn . n=0 xn +i n=0 zn = n=0 n e escreve-se S =

Como as sucess˜oes de termos de s´eries convergentes de n´ umeros reais convergem para zero, tamb´em as sucess˜ oes de termos de s´eries convergentes de n´ umeros complexos convergem para zero. P e absolutamente Diz-se que uma s´erie de n´ umeros complexos ∞ n=0 zn ´ convergente se a s´erie de n´ umeros reais dos valores absolutos dos seus termos ´e convergente. P∞ Se (xn , yn ) = zn , ´e |xn |, |yn | ≤ |zn | e a convergˆencia absoluta de P∞ n=0 zn implica a convergˆencia absoluta das s´eries de n´ umeros reais n=0 xn e P∞ y , logo, tamb´ e m a convergˆ e ncia simples destas s´ e ries e a indepenn n=0 dˆencia das resp. somas reordena¸c˜oes dos termos, o que ´e equivalente `a Pde ∞ convergˆencia da s´erie n=0 zn e `a independˆencia da soma de reordena¸c˜oes dos termos. Portanto, tal como para s´eries de n´ umeros reais, convergˆencia absoluta de uma s´erie de n´ umeros complexos implica convergˆencia (simples) 65

Ver cap´ıtulo 10. Burkhardt, Heinrich (1861-1914). Schwarz, Hermann (1843-1921). Parseval, Mark-Antoine (1775-1836). Pit´ agoras (c. 569 AC – c. 475 AC). Gutzmer, August (1860-1924).

5.3 Sucess˜ oes e s´ eries de fun¸ co ˜es uniformemente convergentes 71 e a soma de s´eries absolutamente convergentes ´e independente de reordena¸co ˜es dos termos.

5.3

Sucess˜ oes e s´ eries de fun¸ c˜ oes uniformemente convergentes

Diz-se que uma sucess˜ao de fun¸c˜ oes complexas {fn } definidas em conjuntos Un ⊂ C ´e uma sucess˜ ao uniformemente convergente em U ⊂ C se para cada z ∈ U , a sucess˜ao {fn (z)} em C ´e convergente e, designando por f (z) o limite, qualquer que seja ε > 0 existe N ∈ N tal que U ⊂ Un e |fn (z)−f (z)| < ε para todos n > N, z ∈ U (ou seja |fn (z)−f (z)| < ε pode ser uniformemente 66 n > N ). assegurada em todos pontos z ∈ U , porP ∞ Diz-se que uma s´erie de fun¸co˜es e uma s´ erie uniformen=0 fn (z) ´ mente P convergente num conjunto U ⊂ C se a sucess˜ao das somas parciais Sn (z) = nk=0 fk (z) ´e uniformemente convergente em U .

Os dois resultados seguintes estabelecem que limites de sucess˜oes e s´eries uniformemente convergentes num conjunto U ⊂ C com termos que s˜ ao fun¸c˜oes cont´ınuas em U s˜ ao fun¸c˜ oes cont´ınuas em U e podem ser integradas termo a termo sobre caminhos seccionalmente regulares em U . (5.1) Se {fn } ´e uma sucess˜ ao de fun¸co ˜es com cada fn definida e cont´ınua em Un ⊂ C , fn → f uniformemente em U ⊂ C , e γ ´e um caminho fechado seccionalmente regular em U , ent˜ ao f ´e cont´ınua em U e R R f (z) dz → f (z) dz . n γ γ

Dem. Como fn → f uniformemente num conjunto U , qualquer que seja ε > 0 existe N ∈ N tal que U ⊂ Un e |fn (z)−f (z)| < ε para todos n > N, z ∈ U , pelo que para n > N e quaisquer z, z0 ∈ U ´e |f (z)−f (z0 )| ≤ |f (z)−fn (z)|+|fn (z)−fn (z0 )|+|fn (z0 )−f (z0 )| ≤ ε+|fn (z)−fn (z0 )|+ ε .

Como fn ´e cont´ınua em Un , limz→z0 fn (z) = fn (z0 ) e lim |f (z)−f (z0 )| ≤ 2ε, z→z0

e como ε > 0 ´e arbitr´ario, f ´e cont´ınua em todo z0 ∈ U . do caminho Z γ , ´e Z Se n > N, zZ∈ U e Lγ ´ e o comprimento Z fn (z) dz − f (z) dz = [fn (z)−f (z)] dz ≤ |fn (z)−f (z)| dz ≤ εLγ . γ γ γ γ R R Q.E.D. Como ε > 0 ´e arbitr´ario, γ fn (z) dz → γ f (z) dz . P (5.2) Se f (z) = ∞ e uniformemente convergente com cada fn n=0 fn (z) ´ uma fun¸ca ˜o cont´ınua em U ⊂ C e γ ´eR um caminho regular R P seccionalmente em U , ent˜ ao f ´e cont´ınua em U e γ f (z) dz = ∞ f (z) dz . n=0 γ

66 A distin¸c˜ ao da defini¸c˜ ao de sucess˜ ao de fun¸c˜ oes convergente em cada ponto de um conjunto U e uniformemente convergente em U ´e apenas a troca do quantificador universal “qualquer que seja” do in´ıcio dos quantificadores na defini¸c˜ ao para o fim, ou seja de ∀z∈U ∀ǫ>0 ∃N∈N ∀n>N : |fn (z)−f (z)| < ε para ∀ǫ>0 ∃N∈N ∀n>N ∀z∈U : |fn (z)−f (z)| < ε.

72

Fun¸ co ˜es anal´ıticas

´ consequˆencia imediata de aplicar o resultado precedente `a sucess˜ao Dem. E P de somas parciais SN = N Q.E.D. n=0 fn (z) com Un = U . Para assegurar convergˆencia uniforme ´e muitas vezes u ´ til o seguinte.

(5.3) Se {fn } ´e uma sucess˜ ao de fun¸co ˜es complexas definidas em U ⊂ C tal que |fm (z)−fn (z)| ≤ |am −an | para z ∈ U , em que a sucess˜ ao {an } ⊂ C ´e convergente, ent˜ ao {fn } ´e uniformemente convergente em U . ´ consequˆencia imediata das sucess˜oes em C convergentes serem as Dem. E sucess˜oes de Cauchy. Q.E.D. Um caso particular simples´ e: se |fn (z)| ≤ M |an | para alguma constante P M > 0 e {an } converge, ent˜ ao ∞ n=0 fn (z) converge uniformemente (testeM de Weierstrass). Este teste s´ o se aplica para s´eries absolutamente convergentes, mas o campo de aplica¸c˜ao do resultado anterior ´e mais amplo.

5.4

S´ eries de potˆ encias

As s´ eries de potˆ encias complexas s˜ ao da forma ∞ X cn (z−a)n , (5.4) n=0

com z, a, cn ∈ C , para n ∈ N ∪ {0} . Diz-se que ´e uma s´ erie de potˆ encias centrada no ponto a e chama-se a {cn }n∈N∪{0} sucess˜ao dos coeficientes da s´ erie de potˆ encias. Com a, cn ∈ C e n ∈ N ∪ {0} fixos, se C ⊂ C designa o conjunto de pontos z em que a s´erie (5.4) converge, a soma da s´ erie define uma fun¸ c˜ ao P n. S : C → C , tal que S(z) = ∞ c (z−a) n=0 n Para uma s´erie de potˆencias complexa centrada em a existe um c´ırculo aberto BR (a) com raio R > 0 e centro em a em que a s´erie converge e em cujo exterior diverge, ou a s´erie converge em todo o plano complexo (designando B∞ (a) = C pode-se dizer que converge em BR (a) com R = +∞ ), ou converge com z = a e diverge com z ∈ C\{a} (designando B0 (a) = {a} pode-se dizer que converge em BR (a) com R = 0 ), e que a convergˆencia ´e uniforme em cada c´ırculo fechado com centro em a contido em BR (a) . O valor de R ´e dado pelo limite superior (diz-se “lim sup”) de sucess˜oes de n´ umeros reais, definido por lim un = lim sup um , como indicado no resultado seguinte. n→+∞

n→+∞ m>n

(5.5) Uma s´erie de potˆencias complexa R=

lim

1p

n→+∞

n

P∞

n n=0 cn (z−a)

|cn |

com

,

e R = 0 ou = +∞ conforme o denominador ´e, resp., = +∞ ou = 0 , ´e: 1. uniformemente convergente em Br (a) se 0 < r < R ,

5.4 S´ eries de potˆ encias

73

2. absolutamente convergente em cada z ∈ BR (a) , 3. divergente em cada z ∈ C\BR (a) ,

em que B0 (a) = {a} e B∞ (a) = C . existe, ent˜ ao R = L1 . Se L = lim cn+1 cn n→+∞

Dem. A prova baseia-se no teste da raiz para convergˆencia de s´eries, que, por seu lado, se baseia na convergˆencia de progress˜oes geom´etricas de n´ umeros reais com raz˜ ao < 1 e divergˆencia com raz˜ ao ≥ 1 . p n |cn | < r1′ . 1. Se 0 < r < r ′ < R , existe M ∈ N tal que n > M implica  n r n Portanto, z ∈ Br (a) ´e |z −a| < r e |cn (z −a)| < r′ r para n > M . A P∞ para r n ao r′ < 1 , pelo que ´e s´erie n=0 r′ ´e uma progress˜ P ao geom´entrica de raz˜ convergente. Logo, a s´erie ∞ c (z −a) ´ e absolutamente convergente e, n=0 n do teste-M de Weierstrass no final da sec¸c˜ao precedente, ´e uniformemente convergente em Br (a) com 0 < r < R . 2. Ficou provada no curso da prova de 1) no par´ agrafo precedente. 3. Se z ∈ C\BR (a) e R < ρ < |z −a| , existe n ∈ N arbitrariamente grande tal p n que n |cn | > ρ1 . Logo, |cn (z−a)n | > |z−a| ρn > 1 para infinitos termos, pelo que P n {cn (z−a)n } n˜ ao converge para 0 e ∞ n=0 cn (z−a) diverge. n+1

(z−a) | existe, ´e lim |cn+1 = L|z−a| , e o teste da raz˜ ao n| n→+∞ |cn (z−a) P∞ para s´eries reais implica convergˆencia de n=0 |cn (z −a)n | se L|z − a| < 1 e divergˆencia se L|z−a| > 1 , pelo que, dos pontos precedentes, R = L1 . Q.E.D. P n Chama-se raio de convergˆ encia da s´ erie de potˆencias ∞ n=0 cn (z−a) p n 67 a R = 1/ lim |cn | , e R = 0 ou = +∞ conforme o denominador ´e, resp., n→+∞ +∞ ou 0 , e chama-se a, resp., BR (a) , B0 (a) = {a} , B∞ (a) = C , c´ırculo de convergˆ encia da s´ erie de potˆencias. |cn+1 | n→+∞ |cn |

Se L = lim

A convergˆencia uniforme de uma s´erie de potˆencias centrada em a em Br (a) , com 0 < r < R em que R ´e o raio de convergˆencia da s´erie, conjugada com (5.2) garante que a s´erie define uma fun¸c˜ao cont´ınua em BR (a) e integrais em caminhos seccionalmente regulares em Br (a) podem ser calculados integrando a s´erie termo a termo, o que se usa abaixo para provar que fun¸c˜oes holomorfas s˜ ao represent´ aveis por s´eries de potˆencias. Em pontos da fronteira do c´ırculo de convergˆencia uma de potˆencias P s´erie 1 n complexa pode ser ou n˜ ao convergente. Por exemplo, n=0 na z com a > 0 tem raio de convergˆencia 1 e ´e absolutamente convergente se a > 1 e divergente se 0 < a ≤ 1 em todos pontos da fronteira do c´ırculo de convergˆencia. Em qualquer ponto da fronteira do c´ırculo de convergˆencia em que a s´erie converge verifica-se a propriedade seguinte68 . 67

Esta ´e a f´ ormula de Hadamard para o raio de convergˆencia de s´eries de potˆencias. Os conjuntos SM no enunciado deste teorema s˜ ao a intersec¸c˜ ao do c´ırculo de convergˆencia com um ˆ angulo < π sim´etrico em rela¸c˜ ao ao diˆ ametro do c´ırculo que passa em z0 . 68

74

Fun¸ co ˜es anal´ıticas

(5.6) Teorema dePlimite de Abel: Se R > 0 ´e o raio de convergˆencia n iθ0 da s´erie complexa ∞ n=0 cn (z−a) que converge em z = z0 = a+Re , com θ0 ∈ R , e fM ´e a restri¸ca ˜o da soma da s´erie ao conjunto SM ∪{z0 }, em  |R − e−iθ0 (z−a)| ≤ M , ent˜ ao lim fM (z) = f (z0 ) . que SM = z ∈ BR (a) : R − |z−a| z→z0

P n Dem. Se R > 0 ´e o raio de convergˆencia da s´erie complexa ∞ n=0 cn (z−a) que converge em z = z0 = a+Reiθ0, com θ0 ∈ R , e fM ´e a restri¸c˜ao da soma da s´erie  −iθ0 (z−a)| ≤ M , ent˜ao ao conjunto SM ∪{z0 }, em que SM = z ∈ BR (a) : |R−e R−|z−a| lim fM (z) = f (z0 ) . Pode-se supor sem perda de generalidade que a = 0 , z→z0

z0 = 1 , pois tal obt´em-se com uma mudan¸ca de vari´ aveis por transla¸c˜ao da origem para o ponto a seguida de uma rota¸c˜ao de −θ0 em torno P∞ da origem e de uma divis˜ ao por R . Com esta simplifica¸c˜ao a s´erie ´e n=0 cn z n com  P∞ ≤ M , e, tamb´em sem z0 = 1 , n=0 cn convergente e SM = z ∈ B1 (0) : |1−z| 1−|z| P perda de generalidade, pode-se supor ∞ n=0 cn = 0 , pois pode-se subtrair a c0 a soma ao for 0P. Os termos da sucess˜ao de somas parciais da P da s´enrie se n˜ s´erie ∞ c z s˜ a o s (z) = kn=0 cn z n , pelo que ck = sk (1)−sk−1 (1) para n k n=0 k ∈ N , e, agrupando termos como indicado, k k X X [sn (1)z n −sn−1 (1)z n ] cn z n = sk (z) = =

n=0 k−1 X

n=0

n=0

n

sn (1)(z −z

n+1

k

)+sk z = (1−z)

k−1 X

sn (1)z n +sk z k ,

n=0

k∈N .

P k n Como limk→+∞ sP e f (z) = (1−z) ∞ Dado que kz = 0 , ´ n=0 sn (1)z . ∞ limn→+∞ sn (1) = k=0 ck = 0 , para qualquer ε > 0 existe N ∈ N tal que P∞ P k n n ≥ N ⇒ |sn (1)| < ε , pelo que ∞ erie ´e k=N sk (1)z ≤ ε k=N |z| . Esta s´ geom´etrica com raz˜ ao |z| e, como |z| < 1 para z ∈ SM , obt´em-se ! −1 N −1 NX X N |z| ≤ |1−z| sk (1)z k +M ε, z ∈ SM . |f (z)| ≤ |1−z| sk (1)z k +ε 1−|z| k=0 k=0 PN −1 Como limz→1 |1−z| k=0 sk (1)z k = 0 , ´e limz→1 |f (z)| ≤ M ε para todo ε > 0 , pelo que limz→1 |f (z)| = 0 = f (1) . Q.E.D. (5.7) Exemplos:

P (−1)n+1 n n z , que ´e ∞ n=1 cn z com n cn+1 n = lim cn = lim n+1 = 1 , o raio de n→+∞ n→+∞ (−1)n+1 n ′ = (−z)n−1 e a s´erie z Como n

1. Considera-se a s´erie de potˆencias cn =

(−1)n+1 n

. De (5.5), como L

P∞

n=1

convergˆenciaPda s´erie ´e R = 1 . n−1 ´ geom´etrica ∞ e uma s´erie de fun¸c˜oes cont´ınuas uniformemente n=1 (−z) convergente em Br (0) , com 0 < r < 1 , de (5.2), pode ser integrada termo a A um ˆ angulo deste tipo chama-se ˆ angulo de Stolz. Stolz, Otto (1842-1905).

5.5 Defini¸ c˜ ao e propriedades b´ asicas de fun¸ co ˜es anal´ıticas

75

termo em P qualquer caminho seccionalmente regular em Br (0) . Como para ∞ n−1 = 1 , integrando ambos os lados no caminho γ : |z| < 1 ´e n=1 (−z) 1+z R0 R0 1 P [−x, 0] → C tal que γ(t) = t , com 0 < x < 1 , ∞ (−t)n−1 dt = −x 1+t dt , n=1 −x P∞ 1 n o que d´ a erie alternada com x = −1 , n=1 n x = −ln(1 − x) . Como a s´ P∞ 1 1 n e convergente porque n=1 n (−1) , ´ n = 0 , do teorema de limite P∞ 1limn→+∞ n de Abel precedente obt´em-se n=1 n (−1) = − limx→−1 ln(1−x) = − ln 2 , pelo que a soma da s´erie harm´onica alternada ´e ∞ X (−1)n+1 = ln 2 . n n=1

P∞

P k+1 z 2k−1 ´e ∞ cn z n com c2k−1 = (−1) n=1 2k−1 q p 1 e c2k = 0 , k ∈ N , e lim n |cn | = lim 2k−1 2k−1 = 1 , pelo que o raio de n→+∞ k→+∞  k+1 2k−1 ′ = (−1)k+1 z 2(k−1) = (−z 2 )k−1 , convergˆencia ´e R = 1 . Como (−1) 2k−1 z considera-se, analogamente ao exemplo precedente, a s´erie geom´etrica P∞ 2 )k−1 = 1 (−z e integrando ambos os lados desta igualdade no cak=1 1+z 2 P∞ (−1)k+1 2k−1 = arctan x . Para x = −1 a s´erie no minho γ obt´em-se k=1 2k−1 x P (−1)k e converlado esquerdo desta igualdade ´e a s´erie alternada ∞ k=1 2k−1 , que ´ 1 gente porque limk→+∞ 2k−1 = 0 , e, do teorema de limite de Abel obt´em-se P∞ (−1)k π k=1 2k−1 = limx→−1 arctan x = arctan(−1) = − 4 , e ∞ X (−1)k−1 π 2k−1 = 4 . 2. A s´erie de potˆencias

k=1

(−1)k+1 2k−1

k=1 P k e convergente se e 3. A s´erie de potˆencias geom´ e de raz˜ ao z , ∞ k=1 z ´ P∞ trica 1 k s´ o se |z| < 1 e neste caso k=1 z = 1−z . Apesar da divergˆencia da s´erie fora do disco aberto com raio 1 e centro na origem, a fun¸c˜ao no lado direito est´ a definida e ´e holomorfa em C\{1}, pelo que pode ser que uma fun¸ca ˜o possa ser estendida como fun¸ca ˜o holomorfa para al´em do c´ırculo de convergˆencia de uma sua s´erie de potˆencias.

5.5

Defini¸ c˜ ao e propriedades b´ asicas de fun¸ c˜ oes anal´ıticas

Diz-se que uma fun¸c˜ ao complexa definida num conjunto aberto Ω ⊂ C ´e uma fun¸ c˜ ao anal´ıtica69 Pem Ω se paran cada c´ırculo aberto Br (a) ⊂ Ω existe uma s´erie de potˆencias ∞ n=0 cn (z−a) centrada em a com soma f (z) para cada z ∈ Br (a) (Figura 5.1). Assim, as fun¸c˜oes anal´ıticas s˜ ao as fun¸c˜oes represent´ aveis por s´eries de potˆencias. 69 Alguns autores preferem definir fun¸c˜ ao anal´ıtica como fun¸c˜ ao diferenci´ avel, identificando na defini¸c˜ ao analiticidade e holomorfia. Prefere-se a defini¸c˜ ao de analiticidade pela existˆencia de representa¸c˜ oes em s´eries de potˆencias, seguindo a op¸c˜ ao de K. Weierstrass e de E. Cartan.

76

Fun¸ co ˜es anal´ıticas

O conjunto das fun¸co ˜es anal´ıticas num subconjunto Ω de C ´e um espa¸co linear complexo com a adi¸ca ˜o e a multiplica¸ca ˜o por escalares complexos usuais. O resultado seguinte d´ a uma classe de fun¸c˜oes anal´ıticas definida por integrais que ser´ a usado v´arias vezes. No cap´ıtulo seguinte estabelece-se que tamb´em s˜ ao anal´ıticas as fun¸c˜oes obtidas por limites de sucess˜oes e s´eries de fun¸c˜ oes anal´ıticas uniformemente convergentes em subconjuntos limitados e fechados do dom´ınio da fun¸c˜ao definida pelo limite. Este processo de passagem ao limite de sucess˜oes e s´eries de fun¸c˜oes que estende as fun¸c˜oes polinomiais ` as fun¸c˜ oes anal´ıticas, aplicado a estas n˜ ao leva a outra extens˜ao. (5.8) Se Ω ⊂ C ´e um conjunto aberto, γ ´e um caminho seccionalmente regular em C e g ´e uma fun¸ca ˜o complexa definida eRabsolutamente integ(w) gr´ avel em γ, ent˜ ao a fun¸ca ˜o f definida por f (z) = γ w−z dw ´e anal´ıtica ∗ ∗ em Ω\γ e tem, em cada c´ırculo aberto Br (a) ⊂ Ω\γ , a representa¸ca ˜o em s´erie de potˆencias  ∞ Z X g(w) dw (z−a)n , z ∈ Br (a) . f (z) = (w−a)n+1 n=0

γ

z−a ≤ |z−a| < 1 para z ∈ Br (a) e Dem. Se Br (a) ⊂ Ω \ γ ∗ , como w−a r ∗ w ∈ γ , para cada z ∈ Br (a) fixo a s´erie geom´etrica em fun¸c˜ao de w, P∞ (z−a)n 1 1 ∗ n=0 (w−a)n+1 = w−z converge uniformemente em γ . Com Sz (w) = w−z P (z−a)n e Sz,N = N n=0 (w−a)n+1 , qualquer que seja ε > 0 existe M ∈ N tal que para N > M e w ∈ γ ∗ ´e |Sz,N (w)−Sz (w)| < ε e Z Z Z Z Sz,N (w) g(w) dw − S(w) g(w) dw ≤ |Sz,N (w)−S(w)| |g(w)| dw ≤ ε |g(w)| dw . γ

γ

γ

Logo,

f (z) =

Z

γ

g(w) w−z

dw =

∞ Z  X

n=0 γ

g(w) (w−a)n+1 dw

γ



(z−a)n ,

z ∈ Br (a) ,

pelo que f ´e anal´ıtica em Br (a) . Portanto, f ´e anal´ıtica em Ω\γ ∗ . Q.E.D.

Figura 5.1: Analiticidade de f em Ω : s´erie de Taylor em a d´ a f em Br (a) O resultado seguinte estabelece que fun¸c˜oes anal´ıticas s˜ ao indefinidamente diferenci´ aveis e as suas derivadas podem ser obtidas derivando termo a termo as correspondentes s´eries de potˆencias.

5.5 Defini¸ c˜ ao e propriedades b´ asicas de fun¸ co ˜es anal´ıticas

77

(5.9) Toda fun¸ca ˜o anal´ıtica f num conjunto aberto Ω ⊂ C ´e indefinidamente diferenci´ avel em Ω (em particular f ∈ H(Ω)) e as derivadas f (k) de qualquer ordem k ∈ N s˜ ao anal´ıticas em Ω . Se ∞ X (5.10) f (z) = cn (z−a)n , z ∈ Br (a) ⊂ Ω , n=0

ent˜ ao

(5.11)

f (k) (z) =

∞ X

n−k n! (n−k)! cn (z−a)

n=0

(5.12)

cn =

f (n) (a) n!

,

k ∈ N , z ∈ Br (a) ,

.

Dem. Os raiospde convergˆencia da s´erie ao, resp., p (5.10) e das s´eries (5.11) s˜ R0 = 1/ lim n |cn | e Rk = 1/ lim n (n!/(n−k)!)|cn |, pelo que, como70 n→+∞ p n→+∞ lim n n!/(n−k) = 1 , Rk = R0 para k ∈ N . Se for provado que f ´e diferen-

n→+∞

ci´avel em a e tem derivada dada pela f´ormula (5.11) com k = 1 , a validade desta f´ormula para derivadas de ordem superior obt´em-se por aplica¸c˜ao sucessiva da f´ormula para a 1a derivada. A f´ormula (5.12) para os coeficientes da s´erie de f ´e (5.11) com z = a . Resta provar que f ´e diferenci´ avel em a e tem derivada dada por (5.11) com k = 1 . Sem perda de generalidade considera-se a = 0 para aliviar a nota¸c˜ao (basta mudar vari´ aveis ze = z −a ). Fixa-se z ∈ BR0 (0) e r > 0 tal que |z| a fun¸c˜ao g definida pelo lado P< r < R0 en−1 direito de (5.11) com k = 1, g(z) = ∞ n c z . Para w ∈ Br (0)\{z} ´e n n=0 f (w) − f (z) w−z

− g(z) =

∞ X

w n −z n n−1 w−z −nz

cn

n=1



.

Para n = 1 a express˜ P ao entre parˆentesis ´e 0 e para n ≥ 2 , como se tem wn −z n = (w−z) nk=1 wn−k z k−1 , obt´em-se w n −z n n−1 w−z −nz

Verifica-se (w−z) −

n−1 X

k=1 n−1 X k=1

kwn−k−1 z k−1 =

n−1 X k=1

=

n X k=1

wn−k z k−1 −nz n−1 .

kwn−k z k−1 −

n−1 X

kwn−k−1 z k =

k=1 n−2 X

kwn−k−1 z k = wn−1 −(n−1)z n−1 +

n−2 X

(j +1)wn−j−1 z j

j=0

n X

wn−k−1 z k =

k=1

k=1

wn−k z k−1 −nz n−1 .

Com as trˆes u ´ ltimas f´ormulas obt´em-se n−1 ∞ X X f (w)−f (z) k|w|n−k−1 |z|k−1 |cn | w−z −g(z) ≤ |w−z| ≤ |w−z|

70 ´

q

n! < kn , 1 < n E 1 < (n−k)!

n=2 ∞ X

n=2

k=1

n−1 X

k = |w−z|

n→+∞

n→+∞

|cn |r n−2

k=1

∞ X n(n−1) 2

n=2

√ √ √ √ n n n! < k n n , lim k = 1 , lim n n = 1 . (n−k)!

|cn | r n−2 .

78

Fun¸ co ˜es anal´ıticas

Como lim

p n

n→+∞

n(n−1)/2 = 1 , ´e lim

p n

n→+∞

[n(n−1)/2]|cn | = lim

p n

n→+∞

|cn | , e como

r < R0 , a s´erie no u ´ ltimo termo ´e convergente, pelo que o limite desse termo quando w → z ´e 0 e, portanto, f ′ (z) = g(z) . Q.E.D. Este resultado estabelece que para uma fun¸ca ˜o ser represent´ avel por uma s´erie de potˆencias centrada num ponto a ∈ C tem de ser indefinidamente diferenci´ avel e a s´erie ´e a s´ erie de Taylor da fun¸ca ˜o centrada em a, ∞ X f (n) (a) n!

(z−a)n .

n=0

´ poss´ıvel ter s´eries de Taylor de fun¸c˜oes reais indefinidamente diferenci´ E aveis que n˜ ao convergem para essas fun¸c˜oes, ou seja h´ a fun¸c˜oes reais indefinidamente diferenci´ aveis que n˜ ao s˜ ao anal´ıticas. No cap´ıtulo seguinte prova-se que tal n˜ ao pode acontecer para fun¸c˜oes complexas. Para estas fun¸c˜oes basta existir a 1a derivada num conjunto aberto para que a fun¸c˜ao seja indefinidamente diferenci´ avel e anal´ıtica nesse conjunto.

5.6

Zeros de fun¸ c˜ oes anal´ıticas

O resultado seguinte estabelece que o conjunto Z(f ) dos zeros de uma fun¸ c˜ ao f n˜ ao identicamente zero anal´ıtica numa regi˜ ao ´e um conjunto de pontos isolados e cada zero tem uma ordem ou multiplicidade, i.e. um n´ umero m ∈ N que ´e o menor inteiro positivo para que a derivada de ordem m da fun¸c˜ ao nesse zero n˜ ao se anula. (5.13) Se f ´e uma fun¸ca ˜o anal´ıtica complexa numa regi˜ ao Ω ⊂ C onde n˜ ao ´e identicamente zero, o conjunto Z(f ) dos zeros de f em Ω n˜ ao tem pontos limite em Ω , i.e. n˜ ao existe qualquer sucess˜ ao {zn } ⊂ Z(f )\{z} convergente para z ∈ Ω , Z(f ) ∩ K ´e finito para todo K ⊂ Ω compacto, Z(f ) ´e finito ou infinito numer´ avel, e a cada a ∈ Z(f ) corresponde um u ´nico m ∈ N tal que f (z) = (z−a)m g(z) para todo z ∈ Ω , com g anal´ıtica em Ω e g(a) 6= 0 ; m ´e a ordem do zero a de f . Dem. Designa-se por A o conjunto dos pontos limite de Z(f ) em Ω . Como f ´e cont´ınua em Ω , A ⊂ Z(f ) e os pontos limite de A pertencem a A que, portanto, ´e fechado. Se a ∈ Z(f ) e r > 0 ´e tal que Br (a) ⊂ Ω ,Pcomo f ´e anal´ıtica em Ω , tem n representa¸c˜ ao em s´erie de potˆencias f (z) = ∞ n=0 cn (z −a) para z ∈ Br (a) , e tem-se a alternativa seguinte: (i) cn = 0 para todo n ∈ N , ou (ii) existe um menor inteiro m ∈ N tal que cm 6= 0 . No caso (i) f (z) = 0 para z ∈ Br (a) , pelo que Br (a) ⊂ A e a ∈ int A. No caso (ii) define-se  (z−a)−m f (z) , se z ∈ Ω\{a} g(z) = cm , se z = a .

5.6 Zeros de fun¸ co ˜es anal´ıticas

79

´ g(z) = P∞ cm+k (z −a)k para z ∈ Br (a) , pelo que g ´e anal´ıtica em Ω e E k=0 g(a) = cm 6= 0 . Da continuidade de g, existe uma vizinhan¸ca de a em que g ´e 6= 0 , e a ´e um ponto isolado de Z(f ) , pois f (z) = (z−a)m g(z) para z ∈ Ω . Como no caso (ii) a ´e um ponto isolado de Z(f ) , se a ∈ A , ´e o caso (i) e, portanto, a ∈ int A , pelo que A ´e um conjunto aberto. Como A ´e um conjunto aberto e fechado, com B = Ω \ A ´e Ω = A ∪ B e A ∩ B = ∅ com A e B abertos e disjuntos, e, como Ω ´e um conjunto conexo, tem de ser A = Ω ou A = ∅ ; se A = Ω , f ´e identicamente zero em Ω e Z(f ) = Ω , e se A = ∅ , como toda sucess˜ao de pontos num conjunto compacto tem pelo menos um ponto limite nesse conjunto, Z(f ) tem um no finito de pontos em cada subconjunto compacto de Ω . Como qualquer subconjunto aberto de C ´e uma uni˜ ao numer´avel de uma fam´ılia expansiva de conjuntos 71 compactos , Ω = ∪n∈N Kn , em que Kn ⊂ Kn+1 para n ∈ N , conclui-se que Z(f ) ´e finito ou ´e infinito numer´avel. Prova-se por indu¸c˜ ao que as derivadas de qualquer ordem de f (z) = (z−a)m g(z) satisfazem f (k) (z) =

m−k m! g(z) (m−k)! (z−a)

+ (z−a)m−k+1 hk (z) ,

k∈N , k≤m ,

em que cada hk ´e anal´ıtica em Ω . Logo, f (k) (a) = 0 para k < m , e f (m) (a) = m! g(a) ; m ´e o menor k ∈ N para que f (k)(a) 6= 0 . Q.E.D. Uma consequˆencia ´e o seguinte resultado obtido em 1851 por B.Riemann. (5.14) Teorema de Unicidade de Fun¸ co ˜es Anal´ıticas: Se f, g s˜ ao fun¸co ˜es anal´ıticas complexas numa regi˜ ao Ω ⊂ C e f = g num conjunto com um pelo menos um ponto limite em Ω , ent˜ ao f = g em Ω .

Dem. f −g ´e anal´ıtica em Ω e Z(f −g) tem pelo menos um ponto limite em Ω . Do resultado precedente, Z(f −g) = Ω e f = g em Ω . Q.E.D. Este resultado garante que uma fun¸c˜ao anal´ıtica numa regi˜ ao ´e univocamente determinada pelos seus valores em qualquer conjunto que tenha pelo menos um ponto limite da sua regi˜ ao de analiticidade. Em consequˆencia, duas fun¸co ˜es diferentes anal´ıticas numa regi˜ ao Ω ⊂ C s´ o podem coincidir num conjunto finito de pontos em cada subconjunto compacto de Ω , e num conjunto numer´ avel de pontos de Ω . Em regi˜oes desconexas com infinitas componentes conexas duas fun¸c˜oes anal´ıticas diferentes podem coincidir num conjunto numer´avel de pontos. 71

Ver exerc´ıcios do apˆendice I.

80

Fun¸ co ˜es anal´ıticas

5.7

F´ ormula de Parseval para s´ eries de potˆ encias

Nesta sec¸c˜ ao obtˆem-se propriedades importantes de fun¸c˜oes anal´ıticas complexas que podem ser provadas com a F´ormula de Parseval para s´eries de potˆencias complexas, pela qual a m´edia quadr´ atica da soma de uma s´erie de potˆencias sobre uma circunferˆencia de raio menor do que o raio de convergˆencia da s´erie ´e igual `a soma dos quadrados dos m´ odulos dos termos da s´erie num ponto da circunferˆencia. (5.15) F´ ormula de Parseval para s´ eries de potˆ encias: P n para z ∈ B (a) , em que R > 0 ´ Se f (z) = ∞ c (z − a) e o raio de R n=0 n convergˆencia da s´erie, e 0 < r < R , ent˜ ao Z π ∞ X iθ 2 1 |cn |2 r 2n . |f (a+re )| dθ = 2π −π

n=0

P n inθ . Para 0 < r < R esta Dem. Define-se72 g(θ) = f (a + reiθ ) = ∞ n=0 cn r e s´erie ´e uniformemente convergente com θ ∈ [−π, π] . Considera-se o produto R 1 π interno para fun¸c˜ oes cont´ınuas em [−π, π] definido por hϕ, ψi = 2π −π ϕψ . Das propriedades do produto interno e como s´eries uniformemente convergentes podem ser integradas termo a termo (5.2) obt´em-se Z π ∞ ∞ X X n inθ iθ 2 1 cn r n einθ i c r e , |f (a+re )| dθ = hg, gi = h n 2π −π

∞ X

=

n=0

n=0

cm cn r

m+n

m,n=0

pois heimθ , einθ i =

Z

1 2π

π

ei(m−n)θ dθ =

−π

imθ

he 

, einθ i =

∞ X

n=0

|cn |2 r 2n ,

1 , se m = n 0 , se m = 6 n.

Q.E.D.

Este resultado permite obter majora¸c˜oes simples para o valor e as derivadas de qualquer ordem de fun¸c˜oes anal´ıticas, como as do resultado seguinte. (5.16) Estimativas de Cauchy: Se f ´e uma fun¸ca ˜o anal´ıtica num c´ırculo aberto BR (a) , com R > 0 , e |f (z)| ≤ M para z ∈ BR (a) , |f (k) (a)| ≤

72

M k! Rk

,

k ∈ N∪{0} .

Esta s´erie com (xn , yn ) = cn ´e uma s´erie trigonom´etrica complexa com partes real e imagin´ aria que s˜ ao s´eries trigonom´etricas reais: ∞ ∞ X X    cn r n xn cos(nθ)−yn sin(nθ) +i xn sin(nθ)+xn cos(nθ) . cn r n einθ = n=0

n=0

5.7 F´ ormula de Parseval para s´ eries de potˆ encias

81

Dem. Da F´ormula de Parseval para s´eries de potˆencias com 0 < r < R , Z π ∞ X 2 2n 1 |cn | r = 2π |f (a+reiθ )|2 dθ ≤ M 2 . n=0 2 | r 2n ≤ M 2

−π

Portanto, ´e |cn e |cn | ≤ rMn para n ∈ N ∪ {0} . Como r ∈ ]0, R[ ´e M arbitr´ario, |cn | ≤ Rn . Da f´ormula (5.12), |f (k) (a)| ≤ k! |ck | ≤

M k! Rk

,

k ∈ N∪{0} .

Q.E.D.

Segue-se outra importante consequˆencia da F´ormula de Parseval. (5.17) Teorema de Liouville: As fun¸co ˜es anal´ıticas limitadas em C s˜ ao constantes. Dem. No resultado precedente R > 0 pode ser arbitrariamente grande, pelo que k!|ck | = f (k) (a) = 0 e ck = 0 , para k ∈ N ; logo, f = c0 . Q.E.D. Para concluir com o argumento precedente que uma fun¸c˜ao anal´ıtica em C ´e constante n˜ ao ´e necess´ario supor que f ´e limitada; basta que |f | seja sublinear. (5.18) As fun¸co ˜es anal´ıticas f : C → C tais que |f (z)| ≤ C +M |z|a para z ∈ C , com 0 ≤ a < 1 e C, M ≥ 0 s˜ ao constantes. a

R ) k! k! = Ck! + RMk−a para Dem. Das estimativas de Cauchy, |f (k) (z)| ≤ (C+M Rk Rk (k) z ∈ C , k ∈ N ∪ {0}, R > 0 ; logo, f = 0 para k ∈ N e f = f (0) . Q.E.D.

Ainda outra consequˆencia da F´ormula de Parseval para s´eries de potˆencias ´e que o m´ odulo de uma fun¸ca˜o anal´ıtica numa regi˜ ao Ω ⊂ C n˜ ao pode ter m´ aximos locais a n˜ ao ser quando a fun¸c˜ao ´e constante73 (Figura 5.2).

Figura 5.2: Ilustra¸c˜ ao do Princ´ıpio do M´odulo M´aximo em regi˜ oes e do seu corol´ ario para m´ınimos 73

Este resultado apareceu provado na tese de doutoramento de B. Riemann, em 1851, com uma demonstra¸c˜ ao diferente da que aqui se apresenta.

82

Fun¸ co ˜es anal´ıticas

(5.19) Princ´ıpio do M´ odulo M´ aximo: Se f ´e uma fun¸ca ˜o anal´ıtica numa regi˜ ao Ω ⊂ C , |f | n˜ ao tem m´ aximos locais em Ω a n˜ ao ser que f seja constante; se K ⊂ Ω ´e compacto e f n˜ ao ´e constante em K, o m´ aximo de |f | em K ´e assumido em pontos da fronteira de K. Dem. Seja Br (a) ⊂ Ω , com r > 0 , tal que |f (a+ reiθ )| ≤ |f (a)|, para todo θ ∈ [0, 2π] . Da F´ormula de Parseval para s´eries de potˆencias em (5.15) ´e Z π ∞ X 2 2n 1 |cn | r = 2π |f (a+reiθ )|2 dθ ≤ |f (a)|2 = |c0 |2 , n=0

−π

e, portanto, cn = 0 para n ∈ N , e f (z) = c0 = f (a) para z ∈ Br (a) . Da Unicidade de fun¸c˜ oes anal´ıticas (5.14), f ´e constante em Ω . Como |f | ´e cont´ınua no conjunto compacto K, do teorema de Weiertrass para extremos de fun¸c˜ oes cont´ınuas, assume um valor m´ aximo em K. Este valor n˜ ao pode ser assumido no interior de K porque |f | teria m´ aximos locais em pontos interiores a Ω ; logo, o valor m´ aximo ´e assumido em ∂K. Q.E.D.

O Princ´ıpio do M´odulo M´aximo pode ser provado directamente para fun¸c˜ oes holomorfas numa regi˜ aRo Ω ⊂ C com a Propriedade de Valor M´edio 1 π (4.13), que implica |f (a)| ≤ 2π −π |f (a+ reiθ )|dθ se Br (a) ⊂ Ω , pois, se |f | tem um m´ aximo local em a ∈ Ω , existe um c´ırculo aberto BR (a) , com R > 0 , em que |f | ≤ |f (a)| e se existissem r ∈ ]0, R[ e θ0 ∈ [0, 2π] tais que |f |(a + reiθ ) < |f (a)| com θ = θ0 , da continuidade de f esta desigualdade tamb´em se verificaria para valores de θ numa vizinhan¸ca de θ0 e a m´edia de |f | na circunferˆencia com centro a e raio r suficientemente pequeno seria < |f (a)| , em contradi¸c˜ ao com a Propriedade de Valor M´edio; logo, |f | = |f (a)| em BR (a), e, de (3.12), f ´e constante em BR (a) . O resto ´e como no final da prova do resultado precedente. O resultado seguinte estabelece que o m´ odulo de uma fun¸c˜ao anal´ıtica numa regi˜ ao Ω ⊂ C onde n˜ ao ´e constante s´ o pode ter m´ınimos locais em pontos onde se anule (Figura 5.2). (5.20) Corol´ ario do Princ´ıpio do M´ odulo M´ aximo: Se f ´e uma fun¸ca ˜o anal´ıtica numa regi˜ ao Ω ⊂ C, |f | s´ o tem m´ınimos locais em pontos de Ω em que se anula ou ´e constante em Ω ; se K ⊂ Ω ´e compacto e f n˜ ao ´e constante e n˜ ao tem zeros em K, o m´ınimo de f em K ´e em ∂K. Dem. Os pontos em que f se anula s˜ ao m´ınimos locais de |f | . De (5.13), o conjunto Z(f ) dos zeros de f em Ω verifica a alternativa: (i) Z(f ) = Ω, ou (ii) Z(f ) n˜ ao tem pontos limite em Ω . No caso (i) |f | tem m´ınimo local zero em todos os pontos de Ω . No caso (ii) Z(f ) ´e fechado e U = Ω\Z(f ) ´e aberto. Se A, B s˜ ao conjuntos disjuntos fechados relativamente a U tais que U = A∪B, A∪Z(f ao conjuntos disjuntos fechados relativamente  ) e B s˜ a Ω e Ω = A∪Z(f ) ∪B. Como Ω ´e um conjunto conexo, tem de ser B = ∅

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 5

83

ou B = Ω , o que implica que U ´e conexo, e, como ´e aberto, ´e uma regi˜ ao em C . Como f n˜ ao se anula na regi˜ ao U , o Princ´ıpio do M´odulo M´aximo em (5.19) pode ser aplicado a f1 e obt´em-se que |f1 | n˜ ao tem m´ aximos locais. Logo, |f | n˜ ao tem m´ınimos locais em U a n˜ ao ser que seja constante em U . Do Teorema de Weierstrass para extremos de fun¸c˜oes cont´ınuas, |f | > 0 assume um valor m´ınimo no conjunto compacto K. Como este valor n˜ ao pode ser assumido em pontos interiores a K porque, ent˜ao, |f | teria m´ınimos locais n˜ ao nulos nesses pontos de Ω , o que n˜ ao pode acontecer, o valor m´ınimo em K ´e assumido em pelo menos um ponto de ∂K. Q.E.D. Exerc´ıcios 5.1 Prove: Uma fun¸c˜ ao anal´ıtica em C que satisfaz |f (z)| ≤ |z|n , para algum n ∈ N e todo z ∈ C tal que |z| ´e suficientemente grande ´e polinomial.

1 erie de potˆencias centrada em cada a ∈ R e determine o raio 5.2 Desenvolva 1+z 2 em s´ de convergˆencia. P k 5.3 Prove: Se P f (z) = ∞ erie tem raio de convergˆencia R > 1 , k=0 ak z , em que a s´ n k e Sn (z) = k=0 ak z , ent˜ ao o valor m´ınimo do desvio quadr´ atico m´edio de um R 2π P 2 1 polin´ omio de P de grau n ∈ N a f , 2π |f (eiθ )−P (eiθ )|2 dθ , ´e ∞ e k=0 |an+k | e ´ 0 assumido se e s´ o se P = Sn .

5.4 Determine todos os valores de C para os quais a s´erie dada ´e convergente:  k P∞ z k P P P∞ P P kz k z −z k zk e) ∞ f) ∞ a) ∞ b) ∞ k=0 k2 d) k=0 z+1 k=0 e . k=0 z−2 k=0 z k=0 k c)

5.5 Calcule o raio de convergˆencia da s´erie dada, para z ∈ C e n ∈ N :  P P P P P (k!)2 −k k k k n k k! zk k b) ∞ c) ∞ d) ∞ e) ∞ . a) ∞ k=0 (kz ) k=0(k2 ) z k=0 z k=0 (2k)! z k=0 k

5.6 a) Mostre que a fun¸c˜ ao complexa definida por f (z) = ezz−1 pode ser estendida por continuidade a z = 0 e que essa extens˜ ao fe ´e anal´ıtica num c´ırculo centrado na origem; determine fe(0) e o m´ aximo raio de c´ırculos centrados em 0 em que a extens˜ ao ´e anal´ıtica. Designa-se Bn = fe(n) (0) para n ∈ N∪{0} . b) Prove: z cot z = iz + fe(i2z) nos pontos da intersec¸c˜ ao dos dom´ınios das fun¸c˜ oes nos dois membros da igualdade e z cot z pode ser estendida por continuidade a z = 0 , a igualdade tamb´em v´ alida para essa extens˜ ao em z = 0 , e em consequˆencia B2k+1 = 0 para k ∈ N e B1 = − 21 . Pn−1 n c) Prove: umeros B2k , k=0 k Bk = 0 , que permite calcular recursivamente os n´ k ∈ N{0} , chamados n´ umeros de Bernoulli74 . (Sugest˜ ao: Multiplique as s´ eries de Taylor no ponto 0 de fe e 1/fe).

d) Prove: A sucess˜ ao de n´ umeros de Bernoulli ´e uma sucess˜ ao de ilimitada de n´ umeros racionais que come¸ca com os n´ umeros: 1 1 1 5 691 B0 = 1, B2 = 61 , B4 = − 30 , B6 = 42 , B8 = − 30 , B10 = 66 , B12 = − 2730 , B14 = 67 .

e) Mostre que a s´erie no ponto 0 para a extens˜ ao por continuidade ` a P de Taylor n 1 2n origem de z2 cot z2 ´e ∞ . n=0 (−1) (2n)! B2n z

f) Obtenha os coeficientes das f´ ormulas de Taylor no ponto 0 para tan z e para a extens˜ ao por continuidade de sinz z a z = 0 em termos dos n´ umeros de Bernoulli75 .  n . 5.7 Mostre que se f ´e anal´ıtica numa vizinhan¸ca de 0, existe n ∈ N tal que f n1 6= (−1) n3

Pn k Jakob Bernoulli (1665-1705) descobriu-os para calcular j=1 j para k, n ∈ N , descoberta que s´ o foi publicada postumamente em 1713, com as f´ ormulas correctas para k de 1 a 10, sem prova. 75 Estas s´ eries aparecem no livro de L. Euler, Introductio in Analysin Infinitorum, de 1748. 74

84

Fun¸ co ˜es anal´ıticas

5.8 Prove: Se f, g s˜ ao fun¸c˜ oes anal´ıticas numa regi˜ ao de C onde f g = 0 , pelo menos uma ´e 0 na regi˜ ao. 5.9 Prove: Se f, g, f g s˜ ao fun¸c˜ oes anal´ıticas numa regi˜ ao de C, ent˜ ao f = 0 ou g ´e constante na regi˜ ao. 5.10 Prove: Uma fun¸c˜ ao anal´ıtica em C tal que as representa¸c˜ oes em s´erie de potˆencias centradas em qualquer ponto de C tˆem pelo menos um coeficiente 0 ´e polinomial. 5.11 Prove: Se f, g s˜ ao fun¸c˜ oes anal´ıticas e sem zeros num c´ırculo aberto Br (a) cont´ınuas em Br (a) e |f | = |g| em ∂Br (a) , f = λg em Br (a) para algum λ ∈ C com |λ| = 1 .

5.12 Prove: Se f ´e anal´ıtica em Br (a) e |f ′ (z)−f ′ (a)| < |f ′ (a)| para z ∈ Br (a)\{a}, f ´e injectiva em Br (a) . Exerc´ıcios com aplica¸ c˜ oes a hidrodinˆ amica, electroest´ atica e propaga¸ c˜ ao de calor em equil´ıbrio 5.13 Consideram-se escoamentos hidrodinˆ amicos planos estacion´ arios, solenoidais e irrotacionais76 (ver exerc´ıcio 3.23) com potencial de campo de velocidades ϕ, fun¸c˜ ao de corrente ψ e potencial complexo f = (ϕ, ψ) . a) Fonte ou sumidouro. Uma fonte ou um sumidouro ´e uma singularidade pontual da qual radiam linhas de corrente (ψ constante) e em torno da qual as equipotenciais do campo de velocidades (ϕ constante) s˜ ao circulares. Mostre que um potencial complexo para uma fonte de magnitude e fluxo sim´etrico em rela¸c˜ ao ` a Q ln z (Figura 5.3 ` a esquerda). singularidade situada na origem ´e f (z) = 2π b) Sobreposi¸ c˜ ao de fonte e sumidouro. Mostre que um potencial complexo de um fluxo que ´e sobreposi¸c˜ ao linear de uma fonte e um semidouro de magnitudes Q ±Q nos pontos, resp., ±reiθ , com r, θ ∈ R , ´e f (z) = 2π [ln(z −reiθ ) − ln(z +reiθ )] (Figura 5.3 ao centro). c) Dipolo. Chama-se dipolo ao limite do par fonte-sumidouro da al´ınea ante= m ´e constante. Mostre que um potencial complexo ´e rior, quando r → 0 e Qr π iθ

f (z) = − mez

(Figura 5.3 ` a direita).

d) Fonte perto de parede. Mostre que um potencial complexo de um fluxo no semiplano complexo superior resultante de uma fonte de magnitude Q situada no ponto ia do eixo imagin´ ario (o eixo real ´e uma “parede”, i.e. a componente da 76 Estas situa¸co ˜es de hidrodinˆ amica correspondem a situa¸co ˜es de electroest´ atica. As al´ıneas deste exerc´ıcio correspondem aos campos el´ ectricos de: (a) um filamento condutor cil´ındrico carregado perpendicular ao plano na origem; (b) um par de filamentos condutores cil´ındricos carregados perpendiculares ao plano e sim´ etricos; (c) um dipolo bifilar el´ ectrico perpendicular ao plano na origem; (d) um filamento condutor cil´ındrico carregado perpendicular a um semiplano limitado por um isolador el´ ectrico perfeito plano; (e) um par de filamentos condutores cil´ındricos perpendiculares ao plano com cargas iguais, sobreposto a um campo el´ ectrico uniforme; em alternativa, um campo el´ ectrico uniforme no infinito na presen¸ca de um isolador el´ ectrico perfeito cil´ındrico perpendicular ao plano e com sec¸ca ˜o igual a oval de Rankine; ` (f) um dipolo bifilar el´ ectrico perpendicular ao plano na origem sobreposto a um campo el´ ectrico uniforme; em alternativa, o resultado de um campo el´ ectrico uniforme no infinito com um isolador el´ ectrico perfeito cil´ındrico de revolu¸ca ˜o perpendicular ao plano; (g) uma corrente el´ ectrica constante num filamento rectil´ıneo perpendicular ao plano; (h) um canto definido por dois semiplanos isoladores el´ ectricos perfeitos intersectando-se ao longo de uma recta perpendicular ao plano na origem. Podem-se obter outras situa¸co ˜es de electroest´ atica trocando isoladores por condutores e fun¸co ˜es potenciais por fun¸co ˜es de corrente. Tamb´ em se obtˆ em situa¸co ˜es de propaga¸ca ˜o de calor em equil´ıbrio substituindo o potencial da velocidade por temperatura e as linhas de fluxo de fluido por linhas de fluxo de calor. Rankine, William (1820–1872).

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 5

85

velocidade na direc¸c˜ ao normal ao eixo real ´e zero nos pontos deste eixo) ´e, para x, y ∈ R , y > 0 (Figura 5.4 ` a esquerda)     Q 2 f (x+ iy) = 4π ln (x +(y−a)2 )(x2 +(y+a)2 +i2 arctan y−a +arctan y+a . x x

(Sugest˜ ao: Sobreposi¸ca ˜o da fonte dada com uma fonte auxiliar que ´ e a sua imagem sim´ etrica em rela¸ca ˜o ao eixo real. Este m´ etodo ´ e conhecido por m´ etodo das imagens).

Figura 5.3: Fonte ou sumidouro, fonte e sumidouro, dipolo (com invers˜ ao de sentido) e) Oval de Rankine. Considere um escoamento resultante da sobreposi¸c˜ ao linear de uma fonte e um sumidouro pontuais de magnitudes ±Q situados nos pontos ±a do eixo real, e um fluxo uniforme (velocidade rectil´ınea constante) de magnitude V∞ na direc¸c˜ ao e sentido do eixo real positivo. Mostre que um potencial complexo ´e (Figura 5.4 ao centro) h   i h i (x+a)2 +y 2 Q 2ay Q f (x+ iy) = V∞ x+ 4π ln (x−a) arctan x2 +y + i V∞ y− 2π . 2 +y 2 2 −a2

Mostre que uma das linhas de corrente ´e oval. Observe que o fluxo exterior ` a oval ´e o fluxo de uma corrente de escoamento em torno de um obst´ aculo cil´ındrico com sec¸c˜ ao que ´e a oval, quando a velocidade no infinito ´e constante na direc¸c˜ ao e no sentido do eixo real positivo.

Figura 5.4: Fonte perto de parede, oval de Rankine, obst´aculo cil´ındrico f) Escoamento em torno de obst´ aculo cil´ındrico de revolu¸ c˜ ao com velocidade uniforme no infinito e circula¸ c˜ ao nula em torno do obst´ aculo. Mostre que o potencial complexo de um escoamento em torno de um obst´ aculo cil´ındrico de revolu¸c˜ ao de eixo na origem e raio R > 0 com velocidade no infinito constante na direc¸c˜ ao e no sentido do eixo real positivo e circula¸c˜ ao em torno do 2 (Figura 5.4 ` a direita). obst´ aculo nula ´e f (z) = V∞ z+ Rz (Sugest˜ ao: Sobreposi¸ca ˜o de um fluxo uniforme com um dipolo na origem na direc¸ca ˜o do eixo real tal que a circunferˆ encia com raio R e centro na origem seja uma linha de corrente).

g) V´ ortice potencial. Um v´ ortice potencial ´e uma singularidade pontual em torno da qual as linhas de corrente s˜ ao circunferˆencias centradas na singularidade e as equipotenciais s˜ ao semirectas com origem na singularidade. Mostre que um potenΓ Γ cial complexo ´e f (z) = −i 2π ln z , com 2π a magnitude do v´ ortice (Figura 5.5).

86

Fun¸ co ˜es anal´ıticas h) Escoamentos em cantos. Mostre que um potencial complexo para o escoamento num canto de amplitude angular 0 < θ < 2π , com v´ertice na origem e um π dos lados ao longo do eixo real ´e f (z) = V z θ (Figura 5.6). (Sugest˜ao: Aplique uma transforma¸ca ˜o conforme que transforme o semiplano superior no canto).

Figura 5.5: V´ortice potencial

Figura 5.6: Escoamentos em cantos

5.14 Considere dois cilindros condutores paralelos de sec¸c˜ oes ortogonais circulares de raios R > 0 perpendiculares ao plano complexo com eixos sobre os pontos do eixo real ±b com potenciais el´ectricos ±V . Mostre que as linhas de fluxo e as linhas equipotenciais do campo el´ectrico s˜ ao como indicado na Figura 5.7, e que a capacidade dos condutores por unidade de comprimento ´e C = coshπε −1 b farads/metro, R em que ε ´e a constante diel´ectrica do meio. (Sugest˜ ao: Na al´ınea e) do exerc´ıcio anterior, obtenha equa¸co ˜es cartesianas para as equipotenciais, observe que s˜ ao circunferˆ encias e relacione a com b e R de modo ` as circunferˆ encias com raio R e centros em ±b serem equipotenciais, calcule a fun¸ca ˜o de fluxo Φ = εψ . Calcule a carga por unidade de comprimento integrando a fun¸ca ˜o de fluxo em torno de um condutor. Obtenha a capacidade por unidade de comprimento, dividindo a carga por unidade de comprimento pelo potencial V do condutor).

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 5

Figura 5.7: Campo el´ectrico de dois condutores cil´ındricos paralelos ortogonais ao plano complexo

87

Cap´ıtulo 6

Unifica¸c˜ ao de holomorfia, analiticidade e teorema de Cauchy 6.1

Introdu¸ c˜ ao

O cerne deste cap´ıtulo ´e a unifica¸c˜ ao de holomorfia, validade do Teorema de Cauchy e analiticidade, que foram consideradas separadamente nos trˆes u ´ ltimos cap´ıtulos com base em, resp., derivadas, integrais e s´eries de potˆencias. ´ uma ilustra¸c˜ E ao elegante e u ´ til do car´ acter especial das fun¸c˜oes complexas. A possibilidade de representa¸c˜ao de fun¸c˜oes complexas continuamente diferenci´ aveis no interior de c´ırculos onde a fun¸c˜ao ´e holomorfa por s´eries de potˆencias foi comunicada por A.-L. Cauchy `a Academia das Ciˆencias de Turim em 1831. A.-L. Cauchy n˜ ao justificou a integra¸c˜ao termo a termo de uma s´erie usada na demonstra¸c˜ ao, o que levou P. Chebyshev77 , a assinalar em 1844 que tal s´ o era poss´ıvel em casos particulares, dificuldade que foi ultrapassada com convergˆencia uniforme, como referido na introdu¸c˜ao ao cap´ıtulo precedente. Em 1886 J. Morera78 provou um rec´ıproco do Teorema de Cauchy, estabelecendo que as fun¸c˜ oes complexas com integrais nulos sobre as fronteiras dos triˆ angulos fechados contidos no conjunto de continuidade da fun¸c˜ao integranda s˜ ao holomorfas no interior do conjunto. Com a contribui¸c˜ ao de E. Goursat em 1900 que permitiu provar o Teorema de Cauchy para fun¸c˜ oes holomorfas sem a hip´ otese de continuidade das derivadas foi poss´ıvel estabelecer a equivalˆencia de holomorfia e analiticidade, e destas com a existˆencia de primitivas locais. ´ Neste cap´ıtulo tamb´em se prova o Teorema Fundamental da Algebra (todo polin´ omio real ou complexo n˜ ao constante tem pelo menos um zero 77 78

Chebyshev, Pafnuty (1821-1894). Morera, Jacinto (1856-1909).

90

Unifica¸ c˜ ao de holomorfia, analiticidade, teorema de Cauchy

complexo) ilustrando a aplica¸c˜ao de v´arios dos resultados de An´alise Complexa obtidos, com quatro variantes baseadas em facetas diferentes de fun¸c˜ oes anal´ıticas. Este teorema tem uma longa hist´ oria. Foi previsto para polin´ omios com coeficientes reais por A. Girard em 1629 e foi formulado claramente em 1743 por L. Euler a prop´osito da resolu¸c˜ao de equa¸c˜oes diferenciais lineares com coeficientes constantes (no ano anterior tinha escrito numa carta a A. Clairaut que o resultado ´e “indubit´avel, embora eu n˜ ao o possa demonstrar perfeitamente”), mas resistiu a v´arias tentativas de prova durante dois s´eculos. As 1a s tentativas consideraram polin´ omios com coeficientes reais, em particular por J.R. d’Alembert em 1746, L. Euler em 1749, F.D.Foncenex em 1759, J.-L.Lagrange em 1772, P.-S.Laplace em 1795. C.F. Gauss indicou em 1799, na sua tese de doutoramento, falhas nessas tentativas e propˆos uma prova, tamb´em incompleta por utilizar uma propriedade de curvas alg´ebricas ainda n˜ ao estabelecida. Em 1806 J.R. Argand publicou uma tentativa de prova na linha de J.R.d’Alembert, mas tamb´em incompleta por assumir a validade do Teorema de Weierstrass de extremos de fun¸c˜oes cont´ınuas em subconjuntos limitados e fechados do plano, que ainda n˜ ao estava estabelecido. A ideia central usada por J.R. d’Alembert e J.R. Argand ´e a das provas apresentadas neste cap´ıtulo com base em propriedades de fun¸c˜ oes anal´ıticas. As duas provas ficaram completas na viragem79 do s´ec. XIX para o s´ec. XX com a prova do teorema de extremos de valores de fun¸c˜oes cont´ınuas referido. A insatisfa¸c˜ao de C.F. Gauss com a prova na sua tese de doutoramento ´e evidenciada por ter publicado mais trˆes artigos, dois em 1816 sobre provas com ideias diferentes e um em 1849 refinando o argumento da tese de doutoramento para polin´ omios com coeficientes complexos, mas sem resolver a lacuna referida, que s´ o foi superada em 1920 por A.Ostrowski. Uma das provas de C.F. Gauss de 1816 ´e um argumento alg´ebrico extenso seguindo a ideia de prova de L. Euler e veio a ser a 1a prova a ficar completa. Na altura ficou apenas pendente do teorema de valor interm´edio para fun¸c˜oes reais cont´ınuas – Teorema de Bolzano – que no essencial foi provado no ano seguinte por B. Bolzano, mas que, por sua vez, ficou pendente de uma defini¸c˜ ao rigorosa dos n´ umeros reais, s´ o dada em 1872 por G.Cantor, o que permitiu a K. Weierstrass completar pouco depois a prova do Teorema de Bolzano nas suas li¸c˜ oes, publicadas pela 1a vez em 1878, preenchendo a lacuna da prova alg´ebrica de C.F.Gauss de 1816. Entretanto foram apresentadas dezenas de outras provas, em geral recorrendo a An´alise Complexa, Topologia ou Geometria Alg´ebrica, a ponto de ter sido considerado por v´ arias pessoas que ´ o resultado n˜ ao pertencia `a Algebra e convinha obter uma prova puramente alg´ebrica80 . As provas referidas n˜ ao s˜ ao construtivas, i.e. n˜ ao s˜ ao com 79

Uma prova para fun¸c˜ oes definidas em intervalos limitados fechados de n´ umeros reais por K. Weierstrass foi publicada em 1878 e M. Fr´echet estendeu em 1904 o resultado para fun¸c˜ oes definidas em subconjuntos compactos de espa¸coos com uma no¸c˜ ao de convergˆencia de sucess˜ oes que inclui fun¸c˜ oes de v´ arias vari´ aveis reais com a distˆ ancia euclidiana. 80 A prova de C.F. Gauss em 1816 que foi a 1a a ser completada, embora intrincada,

6.2 Holomorfia, analiticidade e teorema de Cauchy local

91

m´etodos que possam ser aplicados para calcular zeros aproximadamente. K. Weierstrass tentou obter uma prova construtiva, embora sem sucesso. A 1a prova construtiva s´ o foi obtida em 1940 por H. Kneser, de que o seu filho M. Kneser apresentou uma vers˜ ao simplificada em 198181 . D´a-se tamb´em o Teorema da Fun¸c˜ao Inversa (toda fun¸c˜ao holomorfa num conjunto aberto tem inversa local holomorfa numa vizinhan¸ca de cada ponto em que a derivada n˜ ao ´e 0 e em tal vizinhan¸ca transforma conjuntos abertos em conjuntos abertos), a caracteriza¸c˜ao local das fun¸c˜oes holomorfas em regi˜ oes (s˜ ao a soma de potˆencias inteiras de fun¸c˜oes invert´ıveis holomorfas com constantes ou s˜ ao constantes) e o Teorema da Aplica¸c˜ao Aberta (imagens de regi˜ oes por fun¸c˜ oes holomorfas n˜ ao constantes s˜ ao regi˜ oes). Tamb´em se prova um resultado de K. Weierstrass obtido nos seus “Cadernos de Munique” de 1841 (s´ o publicados em 1894) estabelecendo que as sucess˜oes e s´eries de fun¸c˜ oes anal´ıticas uniformemente convergentes em conjuntos compactos s˜ ao anal´ıticas e podem ser indefinidamente derivadas termo a termo. Em particular, o processo de extens˜ao de fun¸c˜oes polinomiais a fun¸c˜oes anal´ıticas pela considera¸c˜ao de s´eries uniformemente convergentes n˜ ao conduz a novas fun¸c˜ oes quando ´e aplicado a fun¸c˜oes anal´ıticas.

6.2

Holomorfia, analiticidade e teorema de Cauchy local

Prova-se a seguir que holomorfia e analiticidade s˜ ao equivalentes e d´ a-se uma F´ormula de Cauchy local para as derivadas de fun¸c˜oes holomorfas. (6.1) Seja Ω ⊂ C um conjunto aberto. f ∈ H(Ω) se e s´ o se f ´e anal´ıtica em Ω . Em caso afirmativo, se Br (z) ⊂ Ω e γ ´e um caminho seccionalmente regular fechado em Br (z)\{z}, para f e suas derivadas ´e Z f (w) k! f (k)(z) Indγ (z) = i2π dw , k ∈ N ∪ {0} . (w−z)k+1 γ

´ ´e t˜ ao alg´ebrica quanto poss´ıvel pois al´em de Algebra s´ o usa o Teorema de Bolzano, que ´e uma propriedade minimalista de distin¸c˜ ao entre n´ umeros reais e racionais (no sentido de na defini¸c˜ ao axiom´ atica de n´ umeros reais como corpo ordenado (como os racionais) que satisfaz o axioma de todo subconjunto majorado ter supremo, este axioma poder ser substitu´ıdo pelo Teorema de Bolzano) e em algum ponto esta distin¸c˜ ao tem de surgir. O ´ autor deste livro obteve no in´ıcio de 2018 uma prova com Algebra Linear que pode ser considerada a mais elementar alguma vez obtida, pois pode ser dada na parte inicial de ´ uma 1a disciplina de Algebra Linear porque s´ o usa: desigualdade de Cauchy-Schwarz em Cn, produto de matrizes, independˆencia linear, determinante e o Teorema de Weierstrass de extremos de fun¸c˜ oes cont´ınuas em conjuntos limitados e fechados, que, tal como o Teorema de Bolzano e no mesmo sentido, ´e uma propriedade minimalista de distin¸c˜ ao entre n´ umeros reais e racionais. 81 Girard, Albert (1595-1632). Clairaut, Alexis (1713-1765). Foncenex, Fran¸cois Daviet de (1734-1799). Fr´echet, Maurice (1878-1973). Ostrowski, Alexander (1893-1986). Kneser, Hellmuth (1868-1973). Kneser, Martin (1928-2004).

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Unifica¸ c˜ ao de holomorfia, analiticidade, teorema de Cauchy

Dem. De (5.9), se f ´e anal´ıtica em Ω , f ∈ H(Ω) . Se f ∈ H(Ω) , Br (z) ⊂ Ω e γ ´e um caminho seccionalmente regular fechado em Br (z)\{z} , da F´ormula de Cauchy local em conjuntos convexos em (4.12), Z (w) 1 f (z) Indγ (z) = i2π fw−z dw . γ

(z) \ γ ∗

De (5.8), f Indγ ´e anal´ıtica em Br e tem em cada c´ırculo aberto ∗ Br′ (a) ⊂ Ω\γ a representa¸c˜ao em s´erie de potˆencias  ∞ Z X f (w) 1 dw (z−a)n , z ∈ Br (a) . f (z) Indγ (z) = i2π (w−a)n+1 n=0

γ

P∞ n A unicidade dos coeficientes cn das s´eries de potˆencias n=0 cn (z − a) centradas num ponto a que representam uma mesma fun¸c˜ao, estabelecida em (5.9), garante que se obt´em a mesma s´erie de potˆencias centrada em a para fR(z) Indγ (z) qualquer que seja γ com as propriedades indicadas, e  f (w) 1 cn = i2π dw . Esta representa¸ c˜ao em s´erie de potˆencias centrada γ (w−a)n+1 em a ´e v´alida para todo z ∈ Br (a) ⊂ Ω\γ ∗ , pelo que f ´e anal´ıtica em Ω\γ ∗ . Para pontos de z ∈ γ ∗ aplica-se o que foi estabelecido com o caminho γ , substituindo-o por um caminho γ e seccionalmente regular fechado em Ω\γ ∗ . A f´ormula para as derivadas de f obt´em-se directamente de (5.9). Q.E.D. Este resultado implica: o raio de convergˆencia da s´erie de Taylor centrada num ponto a de uma fun¸ca ˜o f ∈ H(Ω) ´e a distˆ ancia de a a ∂Ω . Portanto, a u ´ nica obstru¸c˜ao `a convergˆencia da s´erie de Taylor centrada num ponto a de uma fun¸c˜ao diferenci´ avel complexa para o correspondente valor da fun¸c˜ ao a partir de uma certa distˆ ancia de a ´e a fun¸c˜ao n˜ ao estar definida ou n˜ ao ser holomorfa num ponto a essa distˆ ancia de a . Isto contrasta com fun¸c˜ oes reais diferenci´ aveis e permitindo explicar a limita¸c˜ao de raios de convergˆencia de s´eries de Taylor de fun¸c˜oes diferenci´ aveis reais pela ocorrˆencia de pontos no plano complexo fora do eixo real em que as extens˜ oes complexas das fun¸c˜oes reais consideradas n˜ ao s˜ ao diferenci´ aveis. Um 1 exemplo simples ´e o da fun¸c˜ao real 1+x2 referida na introdu¸c˜ao deste livro. Este resultado tamb´em implica que as derivadas de qualquer ordem de fun¸c˜ oes holomorfas num conjunto existem e s˜ ao holomorfas nesse conjunto. (6.2) Fun¸co ˜es holomorfas num conjunto aberto Ω ⊂ C s˜ ao indefinidamente diferenci´ aveis em Ω e tˆem derivadas de qualquer ordem holomorfas; em particular, s˜ ao C ∞ . ´ consequˆencia imediata do resultado precedente e da existˆencia de Dem. E derivada num ponto implicar a continuidade da fun¸c˜ao nesse ponto. Q.E.D. Este resultado implica o rec´ıproco seguinte do Teorema de Cauchy.

6.2 Holomorfia, analiticidade e teorema de Cauchy local

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(6.3) Teorema de Morera: Se R Ω ⊂ C ´e um conjunto aberto e f : Ω → C ´e uma fun¸ca ˜o cont´ınua tal que ∂∆ f (z) dz = 0 para todo triˆ angulo fechado ∆ ⊂ Ω , ent˜ ao f ∈ H(Ω) . Dem. Se Br (a) ⊂ Ω ´e um c´ırculo aberto em Ω , da existˆencia de primitivas de fun¸c˜ oes holomorfas em conjuntos convexos em (4.7), f tem primitiva F em Br (a) e, de (6.1), F ∈ H(Ω) ;, logo, f = F ′ ∈ H(Ω) . Q.E.D. Com (6.2) prova-se que a raz˜ ao incremental de uma fun¸c˜ao entre dois pontos distintos de subconjunto aberto de C em que ´e holomorfa pode ser estendida por continuidade como fun¸c˜ao dos dois pontos com o valor da derivada da fun¸c˜ ao no ponto e a fun¸c˜ao ´e holomorfa no conjunto inicial quando considerada como fun¸c˜ ao de um dos pontos com o outro fixo. (6.4) Se Ω ⊂ C ´e um conjunto aberto, f ∈ H(Ω) e g : Ω×Ω → C ´e tal que ( f (w)−f (z) , se w 6= z w−z g(w, z) = ′ f (z) , se w = z , ent˜ ao g ´e cont´ınua em Ω×Ω e as fun¸co ˜es w 7→ g(w, z) com z ∈ Ω fixo e z 7→ g(w, z) com w ∈ Ω fixo, s˜ ao holomorfas em Ω . Dem. A continuidade de g em pontos de Ω×Ω\{(a, a) : a ∈ Ω} ´e imediata da continuidade de fun¸c˜ oes holomorfas e da continuidade de diferen¸cas e quocientes de fun¸c˜ oes holomorfas em pontos em que o denominador n˜ ao se anula. A diferenciabilidade de g em a ∈ Ω implica a continuidade das fun¸c˜oes de uma das vari´ aveis, com a outra fixa, em pontos (a, a) , mas ´e preciso provar a continuidade de g como fun¸c˜ao de duas vari´ aveis nestes pontos. Para (w, z) ∈ Ω×Ω com w e z num c´ırculo aberto de C com centro em a contido em Ω considera-se o caminho regular de z a w por um segmento de recta γw,z : [0, 1] → Ω com γw,z (t) = tw+(1−t)z e designa-se (u, v) = f . Z 1 Z 1  ′ 1 1 (f ◦γw,z )′−f ′ (a) = w−z f ′ γw,z (t) γw,z (t) dt−f ′ (a) g(w, z)−g(a, a) = w−z Z

1 = w−z

f′

0

0

Z 1     f ′ γw,z (t) (w−z) dt−f ′ (a) = f ′ γw,z (t) −f ′ (a) dt.

1

0

0

De (6.2), ´e cont´ınua em Ω , pelo que para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que z, w ∈ Bδ (a) implica f ′ γw,z (t) −f ′ (a) < ε , pois γw,z (t) ∈ Bδ (a) para R1 t ∈ [0, 1] ; logo, |g(w, z)−g(a, a)| ≤ 0 ε = ε , e g ´e continua em (a, a) . Resta provar a diferenciabilidade das fun¸c˜oes de uma vari´ avel, com a outra fixa. Para cada w ∈ Ω , a fun¸c˜ao definida em Ω por z 7→ g(w, z) ´e diferenci´ avel em todos os pontos z 6= w das regras de deriva¸c˜ao das opera¸c˜oes usuais de fun¸c˜ oes. De (6.1), fun¸c˜oes holomorfas s˜ ao anal´ıticas e, como a representa¸c˜ ao de uma fun¸c˜ ao anal´ıtica por s´erie de potˆencias centrada num

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Unifica¸ c˜ ao de holomorfia, analiticidade, teorema de Cauchy

ponto ´e a s´erie de Taylor da fun¸c˜ao nesse ponto, obt´em-se, para cada w ∈ Ω , lim 1 [g(w, w+h)−g(w, w)] = lim h12 [f (w)−f (w+h)]− h1 f ′ (w) h→0 h h→0 X  ∞ ∞ X (n) 2 f (w) f (n+2) (w) n ′ 1 =lim h2 h −f (w)−f (w)h =lim hh2 n! (n+2)! h→0 h→0 n=0 n=0

hn = 21 f ′′ (w).

pelo que z 7→ g(w, z) tamb´em ´e diferenci´ avel em z = w ; logo, para cada w ∈ Ω , esta fun¸c˜ ao ´e holomorfa em Ω , e pode-se trocar w com z. Q.E.D. O teorema seguinte unifica em conjuntos abertos de C holomorfia, validade do Teorema de Cauchy na fronteira de triˆ angulos fechados contidos nesses conjuntos, existˆencia de primitivas locais em subconjuntos convexos de tais conjuntos, e analiticidade. (6.5) Teorema de Unifica¸ c˜ ao: Se Ω ⊂ C ´e um conjunto aberto e f : Ω → C , as afirma¸co ˜es seguintes s˜ ao equivalentes: 1. f ´e holomorfa em Ω . 2. f ´e anal´ıtica em Ω . R 3. f ´e cont´ınua em Ω e ∂∆ f (z) dz para todo triˆ angulo fechado ∆ ⊂ Ω . 4. f tem primitiva em todo subconjunto aberto convexo de Ω . Dem. A equivalˆencia de 1 e 2 foi provada em (6.1), a de 1 e 3 resulta do teorema (4.6), do Teorema de Morera 6.3 e da continuidade de fun¸c˜oes holomorfas, a de 1 e 4 resulta de (4.7), da continuidade de fun¸c˜oes holomorfas e de (6.2) aplicados a F tal que F ′ = f . Q.E.D. ´ interessante notar que, de um ponto de vista hist´ E orico, Cauchy baseouse na caracteriza¸c˜ ao 3, Weierstrass na 2 e Riemann na 1.

6.3

´ Teorema Fundamental da Algebra

Com a analiticidade das fun¸c˜oes holomorfas, o Princ´ıpio do M´odulo M´aximo e a no¸c˜ ao de ordem de zero de uma fun¸c˜ao anal´ıtica obt´em-se uma ´ prova curta do Teorema Fundamental da Algebra, que assume um interesse especial se recordarmos que os n´ umeros complexos foram introduzidos inicialmente para obter zeros de polin´ omios reais sem zeros reais. ´ (6.6) Teorema Fundamental da Algebra: Um polin´ omio complexo P de grau n ∈ N tem n zeros em C, contando multiplicidades de acordo com as resp. ordens como zeros da fun¸ca ˜o P . Se z1 , . . . ,P zk s˜ ao os zeros k distintos de P com multiplicidade, resp., m1 , . . . , mk , ´e j=1 mj = n e P (z) = an (z−z1 )m1 · · · (z−zk )mk ,

an ∈ C\{0} .

P P aj Dem. P (z) = nj=1 aj z j com an 6= 0 . Como P (z) = z n nj=1 z n−j para z 6= 0 , iθ limr→+∞ |P (re )| = +∞ , pelo que para |z| = r suficientemente grande ´e

6.4 Estrutura local de fun¸ co ˜es holomorfas

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|P (z)| > |P (0)| . Se P n˜ ao tivesse zeros, seria f = P1 ∈ H(C) e, portanto, f seria anal´ıtica em C , com |f (0)| > |F (z)| para |z| suficientemente grande, em contradi¸c˜ ao com o Princ´ıpio do M´odulo M´aximo82 (5.19); logo, P tem pelo menos um zero z1 em C . De (5.13), ´e P (z) = (z −z1 )m1 P1 (z), em que P1 ´e um polin´ omio de grau n−m1 . Se n−m1 > 0 , aplica-se a P1 o argumento anterior, e assim sucessivamente, obtendo zeros zj de ordens, resp., mj at´e P que P (z) = (z −z1 )m1 · · · (z −zk )mk Pk (z) com Pk de grau n− kj=1 mk = 0 , logo igual a uma constante, que ´e an . Q.E.D. ´ u E ´ til ter o resultado para polin´ omios com coeficientes reais seguinte.

(6.7) Um polin´ omio complexo com coeficientes reais P de grau n ∈ N tem n zeros em C, contando multiplicidade dos zeros de acordo com as resp. ordens como zeros da fun¸ca ˜o anal´ıtica P , e os zeros que n˜ ao s˜ ao n´ umeros reais ocorrem em pares conjugados de zeros de ordens iguais. P P Dem. Se P (z) = nj=1 aj z j com aj ∈ R , ´e P (z) = nj=1 aj z j , pelo que se w ´e zero de P , tamb´em w ´e, e s˜ ao distintos se e s´ o se w ∈ / R . Se w ∈ / R e a ordem do sero w de P ´e m , ent˜ ao P (z) = (z−w)m Q(z) , em que Q ´e um polin´ omio m com coeficientes reais com Q(w) 6= 0 , e P (z) = P (z) = (z −w) Q(w) , pelo que a ordem do zero w de P tamb´em ´e m. Q.E.D.

6.4

Estrutura local de fun¸ c˜ oes holomorfas

Prova-se nesta sec¸c˜ ao que contradom´ınios de fun¸c˜oes holomorfas numa regi˜ ao s˜ ao uma regi˜ ao ou um ponto, e outros aspectos relacionados, incluindo o seguinte Teorema da Fun¸c˜ ao Inversa que estabelece a existˆencia de inversa local holomorfa de uma fun¸c˜ ao holomorfa com derivada 6= 0 num ponto. (6.8) Teorema da Fun¸ c˜ ao Inversa: Se Ω ⊂ C ´e um conjunto aberto, ϕ ∈ H(Ω) , a ∈ Ω e ϕ′ (z0 ) 6= 0 , existe uma vizinhan¸ca de z0 V ⊂ Ω tal que: 1. ϕ ´e injectiva e ϕ′ n˜ ao tem zeros em V , 2. W = ϕ(V ) ´e um conjunto aberto, 3. A inversa da restri¸ca ˜o de ϕ a V , ϕ−1: W → V ´e holomorfa e (ϕ−1 )′ = ϕ′ ◦1ϕ−1 , em V .

 Dem. Com (u, v) = ϕ e (x, y) = z, (x, y) 7→ u(x, y), v(x, y) como fun¸c˜ao de vari´ aveis reais ´e C 1 e, das equa¸c˜ oes de Cauchy-Riemann, tem jacobiano 2  ∂u ∂v ∂u ∂v ∂v 2 J(u, v) = ∂x ∂y − ∂y ∂x = ∂u = |ϕ′ |2 , ∂x + ∂x 82

Em alternativa, pode-se substituir o Princ´ıpio do M´ odulo M´ aximo pela Propriedade de Valor M´edio, ou usar o Teorema de Liouville pois lim|z|→+∞ f (z) = 0 ⇒ f ´e limitada e, portanto, ´e constante e igual a 0 em C , o que s´ o seria poss´ıvel se P tivesse grau 0 . Agora ´ temos n˜ ao s´ o uma prova do Teorema Fundamental da Algebra com An´ alise Complexa, mas trˆes variantes baseadas em facetas diferentes de fun¸c˜ oes anal´ıticas complexas. No final da sec¸c˜ ao seguinte d´ a-se uma 4a variante baseada na contagem de zeros de fun¸c˜ oes.

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Unifica¸ c˜ ao de holomorfia, analiticidade, teorema de Cauchy

que ´e 6= 0 em (x0 , y0 ) = z0 . Portanto, do Teorema da Fun¸c˜ao Inversa para fun¸c˜ oes de vari´ avel em R2 , existe uma vizinhan¸ca V de (x0 , y0 ) = z0 em que (u, v) ´e injectiva, J(u, v) 6= 0 , W = [(u, v)](V ) ´e aberto e a inversa da restri¸c˜ ao de (u, v) a W , (u, v)−1 : W → V ´e C 1 . Logo, ϕ tem as propriedades no enunciado, faltando s´ o verificar a f´ormula para a derivada, que ´e imediata da regra de deriva¸c˜ ao da fun¸c˜ao composta aplicada a ϕ◦ ϕ−1 = 1W . Q.E.D. Com este resultado, a propriedade dos zeros de fun¸c˜oes holomorfas n˜ ao identicamente nulas serem isolados, a no¸c˜ao de ordem de zero de fun¸c˜ao anal´ıtica e a existˆencia de primitiva local em conjuntos convexos de fun¸c˜oes holomorfas pode-se estabelecer a caracteriza¸c˜ao simples seguinte das fun¸c˜oes holomorfas em regi˜ oes: a menos da adi¸c˜ao de constantes s˜ ao localmente potˆencias inteiras de fun¸c˜oes invert´ıveis holomorfas. (6.9)Estrutura local das fun¸ co ˜es holomorfas em regi˜ oes: Se Ω ⊂ C ´e uma regi˜ ao e f : Ω → C n˜ ao ´e constante em Ω , f ∈ H(Ω) se e s´ o se cada ponto z0 ∈ Ω existe uma vizinhan¸ca V ⊂ Ω de z0 tal que m f (z) = w0 + ϕ(z) , z ∈ V , em que w0 = f (z0 ) , m ´e a ordem do zero z0 da fun¸ca ˜o anal´ıtica f −w0 e ϕ ´e uma bijec¸ca ˜o holomorfa de V sobre um c´ırculo aberto Br (0) tal que ϕ(z0 ) = 0 e ϕ′ n˜ ao tem zeros em V (Figura 6.1). Dem. Da holomorfia de somas e composi¸c˜oes de fun¸c˜oes holomorfas, f da forma indicada numa vizinhan¸ca de cada ponto de Ω ´e holomorfa em Ω . Se f ∈ H(Ω) e ρ > 0 ´e tal que Bρ (w0 ) ⊂ Ω , como de (5.13) os zeros de f −w0 s˜ ao isolados e Bρ (w0 ) ´e compacto, neste conjunto h´ a um no finito de e = Bρe(z0 ) e tais zeros, e existe ρe∈ ]0, ρ[ tal que z0 ´e o u ´ nico dos zeros em Ω e, (6.10) f (z)−w0 = (z−z0 )m g(z) , z ∈ Ω   ′ e e, como Ω e = Bρe (z0 ) e n˜ e . Logo, g ∈ H Ω em que g ∈ H Ω ao tem zeros em Ω g  ′ e . Verifica-se ´e aberto e convexo, de (4.7), g tem primitiva h ∈ H Ω g



−ge−h h′ = g′ e−h − g e−h gg = 0 . e . Sem perda de generalidade Portanto, existe c ∈ C tal que g e−h = c em Ω ′ h sup˜oe-se c = 1 e g = e , pois para tal basta considerar uma primitiva de gg h(z) obtida adicionando uma constante a h . Define-se ϕ(z) = (z −z0 ) e m para e . A potˆencia m de ambos os lados desta f´ormula com (6.10) d´ z∈Ω a a f´ormula no enunciado. Como ϕ ´e definida por produtos e composi¸c˜oes de e , tamb´em ´e holomorfa em Ω e . Como ϕ(z0 ) = 0 e fun¸c˜ oes holomorfas em Ω −h ′

(g e

h(z0 )

′ −h

) =ge

ϕ′ (z0 ) = e m 6= 0 , do Teorema da Fun¸c˜ao Inversa precedente, existe uma vizinhan¸ca Ve de z0 sem zeros de ϕ′ e esta fun¸c˜ao ´e uma bijec¸c˜ao de Ve sobre  f = ϕ Ve . Como W f ´e aberto e ϕ(z0 ) ∈ W f , existe um o conjunto aberto W f . Como ϕ c´ırculo aberto com centro na origem e raio r > 0 tal que Br (0) ⊂ W

6.4 Estrutura local de fun¸ co ˜es holomorfas

97

´e cont´ınua em Ve , as pre-imagens por ϕ de conjuntos abertos s˜ ao conjuntos −1 abertos, o que conclui a prova com V = ϕ [Br (0)] . Q.E.D.

Como a potˆencia de expoente m ∈ N ´e uma fun¸c˜ao de m para 1 em qualquer c´ırculo aberto Bρ (0)\{0} sem o centro sobre Bρm (0)\{0} , o resultado precedente garante que uma fun¸c˜ao f holomorfa e n˜ ao constante numa regi˜ ao ´e, numa vizinhan¸ca V de cada ponto z0 da regi˜ ao, uma fun¸c˜ao de m para 1 em V \ {z0 } sobre Brm (w0 )\{w0 } , em que w0 , m, r s˜ ao como no enunciado do resultado precedente (Figura 6.1). Se m > 1 , diz-se que z0 ´e um ponto de ramifica¸ c˜ ao83 da fun¸ c˜ ao f de ordem m.

Figura 6.1: Vizinhan¸ca de ponto de ramifica¸c˜ao de ordem m = 3 (exemplo com z0 = 1 , z0 = 0 , ϕ(z) = ln z , f (z) = (ln z)3 ) Em consequˆencia dos resultados anteriores, obt´em-se o resultado seguinte que implica que a n˜ ao anula¸c˜ ao da derivada de fun¸c˜oes holomorfas ´e necess´ aria e suficiente para injectividade local, em contraste com fun¸c˜oes reais. (6.11) Se f ´e uma fun¸ca ˜o holomorfa e injectiva num  conjunto aberto ′ −1 Ω ⊂ C , ent˜ ao f n˜ ao se anula em Ω e f ∈ H f (Ω) .

Dem. Se z0 ∈ Ω e f ´e injectiva em Ω , f n˜ ao ´e constante em qualquer vizinhan¸ca de z0 , pelo que a f´ormula no enunciado de (6.9) d´ a a sua estrutura local, e f s´ o ´e injectiva se nessa f´ormula ´e m = 1 , e, portanto, f ′ (z0 ) 6= 0 para todo z0 ∈ Ω . Do Teorema da Fun¸c˜ao Inversa (6.8), f −1 ´e holomorfa numa vizinhan¸ca de cada ponto de Ω , pelo que f −1 ∈ H f (Ω) . Q.E.D. (6.12) Teorema da Aplica¸ c˜ ao Aberta: fun¸co ˜es holomorfas n˜ ao constantes84 em subconjuntos de C transformam conjuntos abertos em conjuntos abertos e regi˜ oes em regi˜ oes. Dem. De (6.9), se Ω ´e aberto, para cada z0 ∈ Ω existe um c´ırculo aberto Br f (z0 ) ⊂ f (Ω) , pelo que f (Ω) ´e aberto. Como f ´e cont´ınua em Ω , se este ´e conexo, tamb´em f (Ω) ´e, pois se A, B s˜ ao abertos disjuntos tais 83

Em inglˆes diz-se branching point.

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Unifica¸ c˜ ao de holomorfia, analiticidade, teorema de Cauchy

que f (Ω) = A ∪ B, ´e Ω = f −1 (A) ∪ f −1 (B) , em que estas pre-imagens dos conjuntos abertos A, B s˜ ao conjuntos abertos porque f ´e cont´ınua e Ω ´e aberto. Como Ω ´e conexo, uma destas pre-imagens tem de ser Ω , pelo que tamb´em um dos conjuntos A, B tem de ser Ω , e f (Ω) ´e conexo. Q.E.D. Uma consequˆencia imediata dos dois u ´ ltimos resultados ´e: uma fun¸ca ˜o 85 holomorfa e injectiva num conjunto aberto ´e um homeomorfismo (i.e. uma bijec¸ca ˜o cont´ınua com inversa cont´ınua) deste conjunto na sua imagem. Com o Teorema da Aplica¸c˜ao Aberta (6.12) tem-se uma prova alternativa do Princ´ıpio do M´odulo M´aximo para fun¸c˜oes anal´ıticas (5.19) clara e curta, pois se f ´e uma fun¸c˜ ao holomorfa n˜ ao constante num conjunto aberto Ω ⊂ C e a ∈ Ω , deste teorema, f (Ω) ´e um conjunto aberto que cont´em um c´ırculo centrado em f (a) , e, portanto, pontos com valores absolutos > |f (a)| , pelo que |f | n˜ ao pode ter m´ aximos locais em Ω a n˜ ao ser que seja constante. Esta prova mostra que o Princ´ıpio do M´odulo M´aximo ´e consequˆencia de propriedades topol´ ogicas de fun¸c˜oes anal´ıticas. Um outro aspecto da estrutura local de fun¸c˜oes holomorfas ´e o da contagem de zeros ou dos pontos em que ´e assumido um dado valor w0 (contando multiplicidades) num c´ırculo centrado num ponto. O resultado seguinte d´ a uma f´ormula para contar estes pontos pela integra¸c˜ao de uma fun¸c˜ao apropriada sobre um caminho que percorre a circunferˆencia que delimita o c´ırculo. Antes de enunciar e provar o resultado conv´em entender a raz˜ ao por que se espera que uma f´ormula deste tipo resulte. Os pontos em que uma fun¸c˜ao f assume um valor w0 s˜ ao os zeros de f − w0 , pelo que o problema ´e sempre de contagem de zeros. Neste caso, o resultado seguinte estabelece que o no de zeros de uma fun¸c˜ao f holomorfa num c´ırculo de centro num ponto a cuja fronteira n˜ ao tem zeros R ffechado ′ 1 de f ´e i2π γ f , em que γ ´e um caminho regular simples que percorre a circunferˆencia fronteira do c´ırculo no sentido positivo. A fun¸c˜ao w = f (z) transforma γ num caminho regular fechado Γ = f ◦ γ e, com a regra de deriva¸c˜ ao da fun¸c˜ ao composta e mudan¸ca de vari´ aveis de integra¸c˜ao, obt´emse Z Z Z Z (f ◦γ)′ f ′ (z) (f ′ ◦γ) γ ′ 1 = f ◦γ f ◦γ = w dw , f (z) dz = γ

I

I

Γ

em que I ´e o intervalo em que o caminho γ est´ a definido. O u ´ ltimo integral ´e, por defini¸c˜ ao, (i2π) IndΓ (0) , pelo que ´e o no de voltas N que Γ d´ a em torno da origem quando o γ d´ a uma volta sobre a circunferˆencia. Supondo que os zeros de f no c´ırculo delimitado por γ ∗ s˜ ao simples e que n˜ ao h´ a mais de um zero no mesmo raio do c´ırculo, enquanto o raio da circunferˆencia passa uma vez por cada ponto do c´ırculo no dom´ınio durante uma volta em torno do centro, a sua imagem passa N vezes pelo ponto zero no contradom´ınio 85

Os homeomorfismos tamb´em s˜ ao chamados transforma¸ c˜ oes topol´ ogicas.

6.4 Estrutura local de fun¸ co ˜es holomorfas

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(Figura86 6.2). No caso dos zeros serem simples, tal implica que h´ a N pontos no c´ırculo considerado em que f ´e zero, pelo que a f´ormula conta os zeros de f . Se os zeros de f n˜ ao s˜ ao todos simples ou h´ a zeros num mesmo raio do c´ırculo, tamb´em ´e poss´ıvel obter, com base na estrutura local das fun¸c˜oes holomorfas em (6.9) que a f´ormula conta os zeros de f de acordo com as resp. ordens (Figura 6.2).

Figura 6.2: Correspondˆencia local entre valores de z e f (z) ; contagem de zeros e do n´ umero de pontos em que f assume um mesmo valor Se Γ n˜ ao passa em f (a) , existe um c´ırculo no contradom´ınio de f com centro em f (a) numa componente conexa de C\Γ e todos pontos deste c´ırculo s˜ ao varridos o mesmo no de vezes pela imagem do raio da circunferˆencia considerada no dom´ınio durante uma volta. Portanto, o no de pontos no c´ırculo do dom´ınio que tˆem como valor um ponto do c´ırculo no contradom´ınio ´e o mesmo do no de pontos no c´ırculo do dom´ınio em que f assume o valor f (a) , contando as resp. ordens como zeros de f − f (a) , de acordo com a estrutura local das fun¸c˜ oes holomorfas em (6.9). (6.13) Se Ω ⊂ C ´e um conjunto aberto, γ ´e um caminho fechado regular simples que percorre no sentido positivo a circunferˆencia que delimita um c´ırculo Br (a) ⊂ Ω , f ∈ H(Ω) n˜ ao ´e constante e ∗ o w0 ∈ C \ f (γ ) , ent˜ ao o n de pontos em Br (a) em que f assume w0 , contando multiplicidades de acordo com as ordens dos zeros de f −w0 , ´e 86

A fun¸c˜ ao considerada nesta figura ´e z 7→ (z−z1)(z−z2 ) , com zeros z1 , z2 que s˜ ao os dois pontos marcados no dom´ınio com os c´ırculos maiores a cheio. Cada ponto na componente conexa de C\Γ∗ que cont´em a origem ´e assumido em pares de pontos distintos do c´ırculo delimitado pela circunferˆencia tra¸cada no dom´ınio, com excep¸c˜ ao de f (a) que ´e assumido apenas no ponto a . Cada ponto na outra componente conexa limitada de C\Γ∗ ´e assumido num u ´ nico ponto do c´ırculo considerado no dom´ınio.

100

Unifica¸ c˜ ao de holomorfia, analiticidade, teorema de Cauchy

Nw 0

 f ; Br (a) =

1 i2π

Z

γ

f ′ (z) f (z)−w0

dz .

Dem. Os pontos em quef assume w0 s˜ ao os zeros def−w0 . Como (f−w0 )′= f ′, basta provar para w0 = 0 , o que corresponde a contar o no de zeros de f em Br (a) . Como os zeros de uma fun¸c˜ao holomorfa n˜ ao constante s˜ ao pontos isolados e Br (a) ´e um conjunto compacto, o no de zeros de f em Br (a) ´e finito. Como, por hip´ otese, f n˜ ao tem zeros em γ ∗ , os zeros em Br (a) e em Br (a) s˜ ao os mesmos. Portanto, pode-se designar os zeros de f em Br (a) , sem repeti¸c˜ oes,  por Pk z1 , . . . , zk , e as resp. ordens por m1 , . . . , mk , e, ent˜ao, Nw0 f ; Br (a) = j=1 mj . As fun¸c˜oes holomorfas s˜ ao anal´ıticas, pelo que para cada zero z0 de f de ordem m0 , o desenvolvimento de f em s´erie de potˆencias centrada em z0 d´ a f (z) = (z − z0 )m g0 (z) , em que g0 ∈ H(Ω) e g0 (z0 ) 6= 0 . Aplicando sucessivamente esta ideia para todos os zeros de f em Br (a) , obt´em-se f (z) = (z −z1 )m1 · · · (z −zk )mk g(z) , em que g ∈ H(Ω) e g(z) 6= 0 para todos z ∈ Br (a) . Portanto, verifica-se f ′ (z) f (z)

=

g ′ (z) mk z ∈ Br (a) . z−zk + g(z) , iθ γ(θ) = a+re , o Teorema de Cauchy

m1 z−z1

+ ··· +

Com γ : [0, 2π] → Ω tal que em conjuntos R f′ R g′ Pk convexos (4.8) implica γ g , e γ f = (i2π) j=1 mj Indγ (zj ) . Como Br (a) ´e uma componente conexa de C\γ ∗ , de (4.9), Indγ ´e constante em Br (a) , e, R ′  P de (4.10), Indγ (a) = 1 ; logo, γff = i2π kj=1 mj = i2πN0 f ; Br (a) . Q.E.D. ´ Este resultado d´ a uma outra prova do Teorema Fundamental da Algebra com An´alise Complexa, diferente das trˆes referidas em (6.6) baseadas no Princ´ıpio do M´odulo M´aximo, na Propriedade de Valor M´edio ou no Teorema de Liouville: se P ´e um polin´ omio de grau n , ´e f´acil verificar R P ′ (z) R que i2π γ P (z) dz pode ser arbitrariamente aproximado por i2π γ nz dz = n , em que γ ´e um caminho regular simples que percorre no sentido positivo a circunferˆencia com centro na origem e raio r > 0 suficientemente grande. Os dois integrais tˆem valores inteiros, pelo que, para r > 0 suficientemente grande, s˜ ao iguais. Do resultado precedente, P tem n zeros em C , contando multiplicidades.

6.5

Analiticidade das s´ eries de fun¸ c˜ oes anal´ıticas

Limites de sucess˜oes e s´eries de fun¸c˜oes levaram a alargar o conjunto das ´ fun¸c˜ oes polinomiais, dando origem ao conjunto das fun¸co˜es anal´ıticas. E natural indagar se a aplica¸c˜ao do mesmo processo a fun¸c˜oes anal´ıticas complexas conduz a uma nova extens˜ao ou se, pelo contr´ ario, continua a dar fun¸c˜ oes anal´ıticas. O resultado seguinte, estabelecido por K. Weierstrass em 1841 nos seus “Cadernos de Munique”, publicados s´ o em 1894, mostra que se verifica este u ´ ltimo caso quando a convergˆencia ´e uniforme em subconjuntos compactos do dom´ınio da fun¸c˜ao definida pelo limite, propriedade j´a verificada para as representa¸c˜oes de fun¸c˜oes anal´ıticas em s´eries.

6.5 Analiticidade das s´ eries de fun¸ co ˜es anal´ıticas

101

(6.14) Teorema de Weierstrass para sucess˜ oes de fun¸ co ˜es: Se Ω ⊂ C ´e um conjunto aberto e {fn } ´e uma sucess˜ ao de fun¸co ˜es com fn anal´ıtica num conjunto aberto Ωn ⊂ C e fn → f uniformemente em subconjuntos compactos de Ω , ent˜ ao f ´e anal´ıtica em Ω e (fn )(k) → f (k) uniformemente em subconjuntos compactos de Ω , para todo k ∈ N. Dem. Como os c´ırculos fechados contidos em Ω s˜ ao compactos, a sucess˜ao ´e uniformemente convergente nesses c´ırculos. Como as fun¸c˜oes fn s˜ ao cont´ınuas nesses c´ırculos, f tamb´em ´e cont´ınua neles, e, portanto, ´e cont´ınua em Ω . Seja ∆ ⊂ Ω um triˆ angulo fechado. Como Ω ´e aberto, existe um triˆ angulo e ⊂ Ω com ∆ no interior. Como ∆ e ´e compacto, {fn } converge unifechado ∆ R R e , pelo que formemente em ∆ ∂∆ fn → ∂∆ f . Do Teorema de Goursat (4.6), Z Z fn (z) dz = 0 . f (z) dz = lim ∂∆

n→+∞ ∂∆

Do Teorema de Morera (6.3), f ∈ H(Ω) . Se K ⊂ Ω ´e compacto, existe r > 0 tal que U = ∪z∈K Br (z) ´e um subconjunto compacto de Ω . Da estimativa de Cauchy para a derivada de f −fn em (5.13), |fn′ (z)−f ′ (z)| ≤

1 r

max |f −fn | , U

z ∈K ,

Como fn → f uniformemente no conjunto compacto U , (fn )′ → f ′ uniformemente em K, o que prova o resultado para k = 1 . Para k > 1 resulta de aplica¸c˜oes sucessivas a derivadas de ordens sucessivas. Q.E.D. Segue-se o resultado an´ alogo para s´eries que estabelece que somas de s´eries de fun¸c˜ oes complexas anal´ıticas uniformemente convergentes em conjuntos compactos s˜ ao anal´ıticas e as suas derivadas podem ser obtidas por deriva¸c˜ao termo a termo que d´ a s´eries tamb´em uniformemente convergentes em conjuntos compactos, em contraste radical com fun¸c˜oes reais, para as quais s´eries de fun¸c˜ oes indefinidamente diferenci´ aveis at´e podem convergir para fun¸c˜ oes n˜ ao diferenci´ aveis em qualquer ponto87 . (6.15) Teorema de Weierstrass para s´ eries de fun¸ co ˜es: Se Ω ⊂ C ´e um conjunto aberto e uma s´erie de fun¸co ˜es fn ∈ H(Ω) converge uniformemente em subconjuntos compactos de Ω para ca ˜o P P∞uma fun¸ (k) (z) = (k) (z) f (z) = ∞ f (z) , ent˜ a o f ´ e anal´ ı tica em Ω e f (f ) n=0 n n=0 n para todo z ∈ Ω e k ∈ N , em que esta s´erie tamb´em converge uniformemente em subconjuntos compactos de Ω , para cada k ∈ N . ´ consequˆencia imediata do resultado precedente, aplicado `a sucess˜ao Dem. E das somas parciais da s´erie, com Ωn = Ω . Q.E.D. 87

O 1o exemplo foi dado por K. Weierstrass em 1872.

102

Unifica¸ c˜ ao de holomorfia, analiticidade, teorema de Cauchy

Verificar que uma sucess˜ao {fn } de fun¸c˜oes anal´ıticas converge uniformemente num conjunto compacto K pode ser facilitado pelo Princ´ıpio do M´odulo M´aximo (5.19), pois como |fn −f | assume o m´ aximo em K na fronteira, basta verificar a convergˆencia uniforme na fronteira. A no¸c˜ ao de convergˆencia uniforme ´e especialmente u ´ til porque v´arias propriedades dos termos de sucess˜oes uniformemente convergentes em subconjuntos compactos de um conjunto Ω ⊂ C passam para o limite da sucess˜ao, o que, em geral, n˜ ao acontece com convergˆencia simples. J´ a se observou que assim ´e com continuidade em (5.1), analiticidade em (6.14) e deriva¸c˜ao de ordem arbitr´aria em (6.14). Os resultados seguintes88 estabelecem que inexistˆencia de zeros de fun¸c˜oes anal´ıticas num conjunto Ω ⊂ C , injectividade de fun¸c˜ oes anal´ıticas, e inclus˜ao de contradom´ınios de fun¸c˜oes anal´ıticas num mesmo conjunto se a fun¸c˜ao limite n˜ ao for constante tamb´em s˜ ao propriedades que passam para os limites de sucess˜oes uniformemente convergentes em subconjuntos compactos de um conjunto Ω ⊂ C . (6.16) Teorema de Hurwitz: Se Ω ⊂ C ´e um conjunto aberto, {fn } ´e uma sucess˜ ao de fun¸co ˜es anal´ıticas em Ω tal que fn → f uniformemente em subconjuntos compactos de Ω , as fun¸co ˜es fn n˜ ao tˆem zeros em Ω e f n˜ ao ´e identicamente zero em Ω , ent˜ ao f n˜ ao tem zeros em Ω . Dem. Do teorema (6.14), f ´e anal´ıtica em Ω . Se n˜ ao ´e identicamente zero em Ω , de (5.13), os seus zeros, caso existam, s˜ ao isolados. Logo, para cada a ∈ Ω existe r > 0 tal que f 6= 0 em Br (a)\{a} ⊂ Ω . Em particular, a fun¸c˜ao cont´ınua |f | tem um m´ınimo m > 0 no conjunto compacto ∂Br (a) , pelo que para n ∈ N suficientemente grande ´e 1 1 |fn −f | |fn −f | m − = |fn −f | > m |fn | > |f |− m 2 , 2 ≥ 2 , fn f |fn ||f | < m2 /2 . 1 1 Como fn → f uniformemente em ∂Br (a) , tem-se fn → f uniformemente em ′ ′ ∂Br(a) . De R em ∂Br (a) R . Logo,  (6.14), tamb´em (fn ) → f uniformemente 1 ′ 1 ′ → uniformemente em ∂B (a) , e, de (5.1), f → r n ∂Br (a) ∂Br (a) f . fn f

De (6.13), como as fun¸c˜oes Rfn n˜ ao tˆem zeros em Br (a) , tˆem integrais em ∂Br (a) nulos, e, portanto, ∂Br (a) f = 0 . De (6.13), f n˜ ao tem zeros em Br (a) . Como a ∈ Ω ´e arbitr´ario, f n˜ ao tem zeros em Ω .

Q.E.D.

O resultado seguinte ´e consequˆencia imediata deste teorema. (6.17) Teorema de Injec¸ c˜ ao de Hurwitz: Se {fn } ´e uma sucess˜ ao de fun¸co ˜es anal´ıticas num conjunto aberto Ω ⊂ C e fn → f uniformemente em subconjuntos compactos de Ω , ent˜ ao: 1. Se as fun¸co ˜es fn s˜ ao injectivas em Ω , f ´e injectiva em Ω . 2. Se fn (Ω) ⊂ S ⊂ Ω e f n˜ ao ´e constante em Ω , ent˜ ao f (Ω) ⊂ S. 88

Obtidos em 1889 por A. Hurwitz.

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 6

103

Dem. 1. Seja a ∈ Ω . Da injectividade de fn , a fun¸c˜ao fn−fn (a) n˜ ao tem zeros em Ω\{a}. Esta fun¸c˜ ao ´e anal´ıtica em Ω e fn−fn (a) → f−f (a) uniformemente em subconjuntos compactos de Ω , pelo que, do teorema precedente, f−f (a) n˜ ao tem zeros em Ω , e f ´e injectiva em Ω . 2. Seja b ∈ C \ S. As fun¸c˜ oes fn − b s˜ ao anal´ıticas em Ω e fn − b → f − b uniformemente em subconjuntos compactos de Ω . Como as fun¸c˜oes fn −b n˜ ao tˆem zeros em Ω , e f −b n˜ ao ´e identicamente zero em Ω , pois f n˜ ao ´e constante, o teorema precedente implica que f −b n˜ ao tem zeros em Ω e f n˜ ao assume o valor b em Ω . Logo, f (Ω) ⊂ S. Q.E.D. Exerc´ıcios 6.1 Determine o maior c´ırculo em que o prolongamento por continuidade de desenvolvimento em s´erie de potˆencias centrada na origem.

z sin z

tem

6.2 Determine o maior c´ırculo centrado na origem em que a fun¸c˜ ao dada ´e injectiva: a) z 2 +z b) ez . 6.3 Prove as propriedades de fun¸c˜ oes inteiras seguintes: a) Se os valores de f ∈ H(C) est˜ ao no semiplano complexo esquerdo, f ´e constante. b) Se f ∈ H(C) e lim|z|→+∞ |f (z)| = ∞ , ent˜ ao f tem pelo menos um zero.

6.4 Prove: Toda fun¸c˜ ao inteira com per´ıodos z, w ∈ C\{0} com

z w

∈ R ´e constante.

6.5 Prove: Se uma fun¸c˜ ao ´e cont´ınua no c´ırculo aberto Br (a) e holomorfa nos semic´ırculos {z ∈ Br (a) : Im z > 0} e {z ∈ Br (a) : Im z < 0}, ent˜ ao ´e holomorfa em Br (a).  6.6 Prove: Se f ∈ H Br (a) , |f | ≤ M em Br (a) e |f (a)| = b > 0 , ent˜ ao o no de zeros de f em Bρ (a) , com 0 < ρ < r, contando multiplicidades de acordo com a ordem dos  r −1 . / ln zeros da fun¸c˜ ao anal´ıtica f , ´e ≤ ln M b ρ (Sugest˜ ao: Se z1 , . . . , zn designam os zeros de f em Bρ (a) , repetidos de acordo com as  Qn −1 z e note que g(0) = f (0)). resp. ordens como zeros de f , defina g(z) = f (z) k=1 1− z k

6.7 Prove as propriedades seguintes: a) Se as fronteiras de duas regi˜ oes disjuntas Ω1 , Ω2 ⊂ C tˆem em comum um segmento de recta ou um arco de circunferˆencia L, fk ∈ H(Ωk ) e fk ´e cont´ınua em L, para k = 1, 2, e f1 = f2 em L, ent˜ ao a fun¸c˜ ao f = fk em Ωk ∪L, para k = 1, 2, ´e holomorfa em Ω1 ∪ Ω2 ∪L. (Sugest˜ao: Use o teorema de Morera.) b) Se Ω1 ⊂ C ´e uma regi˜ ao com fronteira que cont´em um segmento de recta ou uma recta γ ∗ , Ω2 ´e a regi˜ ao sim´etrica de Ω1 em rela¸c˜ ao ` a recta R que cont´em γ ∗ ∗ e f ∈ H(Ω1 ) ´e prolong´ avel por continuidade a Ω1 ∪ γ , ent˜ ao a fun¸c˜ ao fe obtida ∗ por prolongamento de f a Ω1 ∪ γ ∪ Ω1 por simetria em rela¸c˜ ao ` a recta R e por continuidade a γ ∗ ´e holomorfa em Ω1 ∪γ ∗ ∪Ω1 .

6.8 Prove: Se Ω ⊂ C ´e uma regi˜ ao cuja fronteira numa vizinhan¸ca de um dos seus pontos ´e um arco de curva regular simples γ ∗ e f ∈ H(Ω) ´e prolong´ avel por continuidade a γ ∗ anulando-se neste arco, ent˜ ao f = 0 em Ω .

6.9 Prove o Princ´ıpio de Simetria89 ou Princ´ıpio de Reflex˜ ao: Sejam Ω1 , Ω∗1 ⊂ C regi˜ oes cujas fronteiras contˆem segmentos de recta ou arcos de circunferˆencias, resp., L, L∗, e sejam Ω2 , Ω∗2 ⊂ C regi˜ oes sim´etricas e disjuntas de, resp., Ω1 , Ω∗1 . Se f ´e uma transforma¸c˜ ao conforme de Ω1 sobre Ω∗1 tal que f (L) = L∗, ent˜ ao pode ser prolongada a uma transforma¸c˜ ao conforme de Ω1 ∪L∪Ω2 sobre Ω∗1 ∪L∗ ∪ Ω∗2 . (Sugest˜ ao: Aplique o exerc´ıcio 6.7).

89 O Princ´ıpio de Simetria foi mencionado pela 1a vez em 1851 por B. Riemann na sua tese de doutoramento e foi provado em 1869-1870 por H. Schwarz, que tamb´ em explorou consequˆ encias.

104

Unifica¸ c˜ ao de holomorfia, analiticidade, teorema de Cauchy

6.10 Prove o seguinte resultado de prolongamento anal´ıtico devido a H. Schwarz: Se Ω ⊂ C ´e uma regi˜ ao cuja fronteira cont´em um arco anal´ıtico90 γ ∗, toda transforma¸c˜ ao conforme f de Ω sobre um c´ırculo aberto Br (0) tem um prolongamento anal´ıtico atrav´es de γ ∗. (Sugest˜ao: Aplique o exerc´ıcio precedente). 6.11 Prove: Seja Ω ⊂ C limitado e f ∈ H(Ω)  cont´ınua em Ω . Se a ∈ Ω e |f (z)−f (a)| ≥ d > 0 para z ∈ ∂Ω , ent˜ ao f (Ω) ⊃ Bd f (a) .   6.12 Seja F = f ∈ H B1 (0) : f ′ (0) = 1 . a) Prove o Teorema de Bloch91 Se f ∈ F, ent˜ ao existe a ∈ B1 (0) tal que √    f B1 (0) ⊃ f Bρa (a) ⊃ Bβ f (a) , com ρa = 1−2|a| , β = 23 − 2 .

(Sugest˜ ao: Designe por a ∈ B1 (0) um ponto de m´ aximo de |f ′ (z)|(1−|z|) em B1 (0) . Observe que |f ′ | ≤ 2|f ′ (a)| em Bρa (a) . Estime o resto da f´ ormula de Taylor de 1a ordem 2

de f em a com base na F´ ormula de Cauchy e prove que, com K(ρ) = ρ − ρ ρ−ρ , se tem a ′ |f (z)−f (a)| ≥ K(ρ) |f (a)| para |z −a| = ρ < ρa . Aplique o exerc´ıcio anterior).

  b) Prove:Nas condi¸c˜ oes de a), f ´e injectiva em Bρa /3 (a) e f Bρa /3 (a) ⊃ B1/72 f (a) .

(Sugest˜ ao: Estime com base na F´ ormula de Cauchy e aplique o exerc´ıcio 5.12).

c) Chama-se constante de Bloch92 a B = inf{β(f ) : f ∈ F }, em que

β(f ) = sup{r : ∃ um c´ırculo aberto C ⊂ B1 (0) em que f ´ e injectiva tal quef (C) cont´ em um c´ırculo aberto de raio r}.

Prove: A constante de Bloch B satisfaz 93

1 72

≤ B ≤ 1.

d) Chama-se constante de Landau a L = inf{λ(f ) : f ∈ F }, em que  λ(f ) = sup{r : f B1 (0) cont´em um c´ırculo aberto de raio r }. Prove: As constantes de Bloch e de Landau satisfazem B ≤ L ≤ 1 .  e) Prove: Se f ∈ F , f B1 (0) cont´em um c´ırculo aberto com raio L .

f) Prove: Se Ω ⊂ C ´e uma regi˜ ao, f ∈ H(Ω) e f ′ (c) 6= 0 para algum c ∈ Ω , ent˜ ao para cada ε > 0 f (Ω) cont´em um c´ırculo de raio d(c, ∂Ω) |f ′ (c)|/(L−ε) , em que d(c, ∂Ω) ´e a distˆ ancia de c a ∂Ω . g) Prove94 : Contradom´ınios de fun¸c˜ oes inteiras n˜ ao constantes contˆem c´ırculos de raios arbitrariamente grandes. 90

Um arco anal´ıtico ou uma curva anal´ıtica ´ e a imagem de um caminho que ´ e uma fun¸ca ˜o anal´ıtica de vari´ avel real, i.e. represent´ avel por s´ eries de potˆ encias em vizinhan¸cas de cada ponto do dom´ınio. 91 Andr´ ao mais forte com √ e Bloch (1893-1948) provou este resultado em 1924 (uma vers˜ β = 23 2 − 2 ≈ 0,12 ). Em 1926 √ Edmund Landau (1892-1969) simplificou consideravelmente a √ 1 1 prova, mas com β = 16 < 12 < 32 − 2 < 32 2−2 . A prova sugerida neste exerc´ıcio foi proposta em 1971 por Theodor Estermann (1902-1991). A. Hurwitz foi quem 1o provou, em 1904, um resultado  do tipo do Teorema de Bloch: se f ∈ H B1 (0) , f (0) = 0 , f ′ (0) = 1 e f (z) 6= 0 para todo z 6= 0 ,  1 1 ent˜ ao f B1 (0) ⊃ Br (0) , para r = 58 ; C. Carath´ eodory mostrou em 1907 que neste caso r = 16 ´ eo √ 1 raio ´ optimo. Em 1938 L. Ahlfors obteve o resultado com β = 4 3 ≈ 0,43 , mais do triplo do obtido por A. Bloch (ver cap´ıtulo 11). 92 A constante de Bloch foi introduzida por E.Landau em 1929, que provou a estimativa indicada. Em 1937 L. Ahlfors e Helmut Grunsky (1904-1986) provaram   q√ √ 1 11 3−1 Γ 3 Γ 12 0,43 ≈ 43 ≤ B ≤ ≈ 0,47 . 1 2 Γ 4

e conjecturaram que a estimativa superior ´ e o valor de B, o que n˜ ao est´ a estabelecido. Em 1990 √ 3 +10−14 ≤ B, e em 1996 Mario Bonk simplificou a prova de L. Ahlfors e H. Grunsky e obteve 4 √ Huaihui Chen e Paul Gauthier provaram 43 +2×10−4 ≤ B . 93 A constante de Landau foi introduzida por Edmund Landau (1877-1938) em 1929, quando tamb´ em obteve a estimativa indicada e provou o resultado em e). Em 1943 Hans Rademacher Γ(5/6) (1892-1969) provou 0,5 < L ≤ Γ(1/3) ≈ 0, 543 e conjecturou que a estimativa superior ´ e o Γ(1/6) valor de L , o que n˜ ao est´ a estabelecido. 94 O Pequeno Teorema de Picard (cap´ıtulo 11) estabelece o resultado mais forte de fun¸co ˜es inteiras n˜ ao constantes n˜ ao poderem omitir mais de um ponto de C .

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 6

105

6.13 Prove: A equa¸c˜ ao diferencial dw = P (w, z) , com P fun¸c˜ ao polinomial de duas dz vari´ aveis complexas tem uma u ´nica solu¸c˜ ao holomorfa numa vizinhan¸ca de a ∈ C .

6.14 6.15 6.16 6.17 6.18

Exerc´ıcios sobre localiza¸ c˜ ao de zeros de polin´ omios n Pn−1 k Prove: omio z + n=0 ak x , com ak ≤ 0 para k = 0, 1, . . . , n−1 e Pn−1 Um polin´ o um zero positivo. n=0 ak < 0 tem um e s´ P k Prove: Se z0 ´e um zero de um polin´ omio z n + n−1 ao |z0 | ≤ p, em que p n=0 ak x , ent˜ P n−1 ´e o u ´nico zero positivo do polin´ omio z n − n=0 ak xk . P k Prove: Se a0 6= 0 , nenhum zero do polin´ omio z n + n−1 n=0 ak x tem valor absoluto n Pn−1 menor do que o u ´nico zero positivo do polin´ omio z + k=0 |ak |xk . P k Prove: Se a0 > a1 > · · · > an > 0 , o polin´ omio n ao tem zeros em B1 (0) . k=0 ak x n˜ P k Prove: Se ak > 0 para k = 0, 1, . . . , n−1, os zeros dopolin´ omio n k=0 ak x pertencem ak a coroa circular min R ≤ |z| ≤ max R, em que R = a ` : k = 0, . . . , n−1 . k+1

6.19 Mostre que os zeros da equa¸c˜ ao z 4 +z 3 +4z 2 +2z +3 = 0 pertencem ao semiplano complexo esquerdo. (Sugest˜ ao: Mostre que n˜ ao h´ a zeros no 1o quadrante com o Princ´ıpio do Argumento aplicado a um caminho fechado que percorre a fronteira de um quarto de c´ırculo no 1o quadrante com centro na origem e raio suficientemente grande).

P k 6.20 Prove: Se todos zeros do polin´ omio n k=0 ak x pertencem ao semiplano complexo esquerdo, todos coeficientes ak , k = 0, 1, . . . , n , s˜ ao 6= 0 e tˆem o mesmo sinal. 6.21 Diz-se que uma m-pla ordenada de polin´ omios reais (P1 , . . . , Pm ) ´e uma cadeia de Sturm95 se em cada zero de Pk os polin´ omios adjacentes Pk−1 e Pk+1 tˆem valores 6= 0 de sinais contr´ arios e Pm n˜ ao tem zeros. Chama-se cadeia de Sturm generalizada a uma m-pla ordenada de polin´ omios reais obtidos de uma cadeia de Sturm multiplicando cada elemento por um mesmo polin´ omio real. a) Prove: Se P, Q s˜ ao polin´ omios reais com o grau de P maior ou igual ao de Q, ent˜ ao a m-pla ordenada (P1 , . . . , Pm ) , com P1 = P , P2 = Q e cada um dos outros elementos Pk igual ao resto da divis˜ ao polinomial dos dois elementos anteriores (resto da divis˜ ao de Pk−2 por Pk−1 ) ´e uma cadeia de Sturm generalizada. b) Chama-se ´ındice de Cauchy de uma fun¸c˜ ao racional real R ` a diferen¸ca I(R) entre o n´ umero de saltos de −∞ para +∞ nos valores de R(x) quando x cresce de ′ −∞ para +∞ .Prove: O no de zeros reais distintos de um polin´ omio real P ´e I PP . c) Dada uma cadeia de Sturm generalizada P = (P1 , . . . , Pm ) , designa-se por ∆S(P ) a diferen¸ca entre os no s de mudan¸cas de sinal na m-pla ordenada P1 (x), . . . , Pm (x) quando x → +∞ e quando x → −∞ . ′ Prove96 : Se (P1 , . . . , Pm ) ´e uma cadeia de Sturm generalizada, I PP = ∆S(P ) .

d) Considere o polin´ omio complexo com coeficientes reais

P (z) = an z n +bn−1 z n−1 +an−2 z n−2 +bn−3 z n−3 + · · · .

Chama-se tabela de Routh a a0 a1 a2

95

···

···

b0

b1

b2

c0

c1

c2

···

d0 .. .

d1 .. .

d2 .. .

···

··· b n n− 2

a n  2

Sturm, Jacques (1803-1855). Este resultado ´ e o caso particular do Teorema de Sturm sobre o no de zeros de um polin´ omio real num intervalo J, em que J = R , estabelecido em 1829 por J. Sturm. 96

106

Unifica¸ c˜ ao de holomorfia, analiticidade, teorema de Cauchy   em que n2 ´e o menor inteiro ≥ n2 e os elementos de cada linha a partir da 2a s˜ ao obtidos das duas linhas precedentes subtraindo aos elementos da pen´ ultima linha anterior os elementos correspondentes da u ´ ltima linha anterior multiplicados pelo no tal que a diferen¸ca obtida na 1a coluna seja nula, omitindo depois esta diferen¸ca nula com o correspondente deslizamento de uma posi¸c˜ ao para a esquerda de todas as outras diferen¸cas calculadas. Prove o crit´ erio de Routh97 : Todos zeros de um polin´ omio tˆem partes reais negativas se e s´ o se todos elementos na qa coluna da tabela de Routh correspondente s˜ ao 6= 0 e do mesmo sinal.

(Sugest˜ ao: Aplique o Princ´ıpio do Argumento com um caminho que percorre o arco da circunferˆ encia no semiplano complexo direito com centro na origem e raio R → +∞ e o correspondente diˆ ametro contido no eixo imagin´ ario, mostre que o aumento de um argumento cont´ınuo de P (iω) quando iω percorre o eixo imagin´ ario de baixo para cima ´ e πI(R) , em que I(R) ´ e o ´ındice de Cauchy de R(ω) =

b0 ω n−1 −b1 ω n−3 +b2 ω n−5 −··· a0 ω n −a1 ω n−2 +a2 ω n−4 −···

,

e calcule I(R) com base na al´ınea b)).

Exerc´ıcios com aplica¸ c˜ oes a an´ alise e processamento de sinais R 6.22 a) Para f : R → R define-se a fun¸c˜ ao real fˆ(ω) = R f (t) e−iωt dt , chamada transformada de Fourier98 de f , considerando o integral de Lebesgue. Esta fun¸c˜ ao fica ` definida em R se e s´ o se F ´e integr´ avel ` a Lebesgue em R , ou seja f ∈ L1 (R) . A ´ uma transfortransforma¸c˜ ao F[f ] = fˆ chama-se transforma¸ c˜ ao de Fourier99 . E ma¸c˜ ao linear de L1 (R) no espa¸co das fun¸c˜ oes reais definidas em R e pode-se provar que pode ser invertida em condi¸c˜ oes muito gerais, por exemplo: Se f, fb ∈ L1 (R) R 1 e g(t) = 2π fb(ω) eiωt dω, para t ∈ R, ent˜ ao g est´ a definida e ´e cont´ınua em R, R g(t) → 0 quando t → ±∞ e f = g q.t.p.100 em R . Uma consequˆencia imediata ´e: A transforma¸c˜ ao de Fourier ´e injectiva como fun¸c˜ ao definida em101 L1 (R) .

Figura 6.3: Decomposi¸c˜ao espectral de um impulso unit´ario de largura 2∆ A transforma¸c˜ ao de Fourier ´e muito u ´ til no estudo e resolu¸c˜ ao de equa¸c˜ oes diferenciais, na an´ alise e controlo de sistemas, na an´ alise e processamento de sinais. 97

O crit´ erio de Routh foi publicado em 1887 por Edward Routh (1831-1907). A transforma¸ca ˜o de Fourier foi introduzida pelo pr´ oprio J. Fourier, em associa¸ca ˜o com a introdu¸ca ˜o de s´ eries de Fourier, numa comunica¸ca ˜o sobre a propaga¸ca ˜o do calor apresentada na Academia das Ciˆ encias de Paris em 1807, mas s´ o publicada em 1822 depois de grande controv´ ersia pela surpresa da afirma¸ca ˜o da possibilidade de representa¸ca ˜o de uma ampla classe de fun¸co ˜es em termos de fun¸co ˜es trigonom´ etricas. Contudo, a transforma¸ca ˜o de Fourier s´ o foi tornada rigorosa com trabalhos de v´ arios matem´ aticos no final do s´ ec. XIX e no in´ıcio do s´ ec. XX, inclusivamente com a adop¸ca ˜o do integral de Lebesgue por H. Lebesgue em 1902. O desenvolvimento da an´ alise de Fourier veio a originar a An´ alise Harm´ onica. 99 Encontram-se boas introdu¸co ˜es ` a transforma¸ca ˜o de Fourier nos livros de W. Rudin, Real and Complex Analysis e de E. Stein e R. Shakarchi Complex Analysis, indicados na bibliografia final. Stein, Elias (1931-). Shakarchi, Rami. 100 q.t.p. significa “quase em toda a parte”, i.e. a menos de um conjunto de medida nula. 101 Pressup˜ oe identificar em L1 (R) fun¸co ˜es iguais q.t.p., ou seja tomar como elementos de L1 (R) as classes de equivalˆ encia das fun¸co ˜es integr´ aveis em R com a igualdade q.t.p. 98

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 6

107

Neste contexto ´e usual chamar ` a transformada de Fourier de uma fun¸c˜ ao decomposi¸ c˜ ao na frequˆ encia ou decomposi¸ c˜ ao espectral de f . Representa-se esta decomposi¸c˜ ao graficamente em fun¸c˜ ao da frequˆencia pelos gr´ aficos do m´ odulo e de um argumento (ou, na linguagem de an´ alise de sinais, de amplitude e fase) da transformada de Fourier (Figura 6.3). b) Prove: Se f ∈ L1 (R) e existemRM, a > 0 tais que |f (t)| ≤ M e−a|t| para t ∈ R , ao de vari´ avel a transformada de Fourier fˆ(ω) = R f (t) e−iωt dt definida como fun¸c˜ complexa ´e holomorfa na faixa horizontal do plano complexo {z ∈ C : |Im z| < a}.

6.23 Considere o circuito da Figura 6.4 e recorde os exerc´ıcios 1.17 e 6.22. a) Supondo que existem, mostre que as transformadas de Fourier das tens˜ oes de  −1 sa´ıda e entrada, resp. vˆ0 e vˆi , est˜ ao relacionadas por vˆ0 = 2 1+i 3RC ω vˆi (ω) 2 oes gr´ aficas na e observe que o m´ odulo e o argumento de vˆvˆ0i tˆem as representa¸c˜ Figura 6.5. Em particular, as componentes espectrais de alta frequˆencia do sinal de entrada s˜ ao mais atenuadas do que as de baixa frequˆencia, pelo que se diz que este circuito ´e um filtro passa-baixo.

Figura 6.4: Circuito el´ectrico

Figura 6.5: M´odulo e argumento de para o circuito da figura anterior b) Chama-se largura de banda de um filtro passa-baixo ` a frequˆencia FB = ω2πB em que o sinal ´e atenuado a −3dB102 do seu valor em ω = 0 . Mostre que para o 2 . Calcule o valor de C de modo circuito considerado ωB ´e aproximadamente 3RC ao filtro ter largura de banda de 100 Hz.

102 ´ uma medida logar´ıtmica de amplitude de sinais que foi introduzida “dB” designa decib´ eis. E em ac´ ustica para quantificar a intensidade sonora: um sinal de amplitude A tem 20 log10 A dB.

Cap´ıtulo 7

Teorema e f´ ormula de Cauchy globais 7.1

Introdu¸ c˜ ao

O Teorema de Cauchy Global ´e descrito nesta sec¸c˜ao pelo ´ındice de um caminho fechado em rela¸c˜ ao a um ponto, seguindo uma ideia de E. Artin de 1951 que corresponde a estender o Teorema de Cauchy a um sistema de caminhos fechados (ciclos) com soma de ´ındices em rela¸c˜ao aos pontos exteriores a um conjunto onde a fun¸c˜ ao ´e holomorfa igual a zero (i.e. hom´ ologos a zero). A demonstra¸c˜ ao aqui dada para o Teorema de Cauchy e para a F´ormula de Cauchy globais deve-se a J.D. Dixon103 em 1971. O caso de conjuntos simplesmente conexos foi considerado por A.-L.Cauchy em 1825 para fun¸c˜ oes com derivada cont´ınua e por E. Goursat em 1900 sem exigir continuidade da derivada, hip´ otese que este provou ser sup´erflua como se observou no cap´ıtulo precedente. O caso de conjuntos multiplamente conexos ´e considerado no final do cap´ıtulo com a no¸ca˜o de conectividade para conjuntos introduzida por B. Riemann em 1857 para superf´ıcies. Os conceitos de homologia, cadeia e ciclo devem-se a H. Poincar´e, no per´ıodo 1895-1904 quando contribuiu de maneira decisiva para iniciara a nova ´area Topologia Alg´ebrica da Matem´atica ao estudar propriedades topol´ogicas de superf´ıcies com m´etodos alg´ebricos. Incluem-se no final do cap´ıtulo extens˜oes do Teorema do M´odulo M´aximo para fun¸c˜ oes holomorfas em regi˜ oes ilimitadas, inclusivamente com crescimento moderado no infinito, estas obtidas com o Princ´ıpio de Phragm´enLindel¨of obtido em 1908 por L. Phragm´en e E. Lindel¨of104 . 103 Ver E. Artin, Collected Papers, Addison-Wesley Publishing Co. (1965). E Artin resolveu em 1927 o 17o Problema de Hilbert, sobre fun¸c˜ oes racionais definidas positivas em n vari´ aveis com coeficientes reais serem uma soma de quadrados. Dixon, John D. (1937-). 104 Phragm´en, Lars Edward (1863-1937). Lindel¨ of, Ernst (1870-1946).

110

7.2

Teorema e f´ ormula de Cauchy globais

Cadeias e ciclos

No cap´ıtulo 4 consideraram-se sim´etricos e concatena¸co˜es de caminhos, o que exigiu lidar com detalhes sobre os dom´ınios e as rela¸c˜oes definidas que s˜ ao inconvenientes, e at´e irrelevantes, para integra¸c˜ao. Al´em disso, ´e u ´ til poder concatenar caminhos sem preocupa¸c˜oes com aspectos secund´arios, como a ordem em que s˜ ao considerados e a escolha das extremidades de caminhos ´ por estas raz˜ fechados. E oes que se introduz a no¸c˜ao de cadeia de caminhos. Chama-se cadeia em Ω ⊂ C a um conjunto finito de caminhos γ1 , . . . , γn seccionalmente regulares105 em Ω , designado Γ = γ1 + · · · +γn , identificando cadeias tais que para cada fun¸c˜ao cont´ınua na uni˜ ao das curvas descritas pelos caminhos que as comp˜ oem os integrais sobre ambas as cadeias s˜ ao iguais, com o integral de uma fun¸ c ˜ a o f sobre a cadeia Γ definido por R Pn R k=1 γkf , sempre que existam os integrais no lado direito; diz-se que Γf = a cadeia Γ ´e a soma dos caminhos γ1 , . . . , γn ; chama-se sim´ etrico da cadeia Γ ` a cadeia −Γ = (−γ1 )+ · · · +(−γn ) , em que −γ ´e o sim´etrico do caminho γ ; se os caminhos γ1 , . . . , γn s˜ ao fechados, diz-se que a cadeia Γ ´e ∗ ∗ n um ciclo. Designa-se Γ = ∪k=1 γk .

A soma de cadeias Γ = γ1 + · · · + γn e Σ = σ1 + · · · + σm ´e a cadeia Γ+Σ = γ1 + · · · +γn +σ1 + · · · +σm e a diferen¸ ca de cadeias por Γ+(−Σ) . A soma de uma cadeia Γ consigo pr´ opria k ∈ N vezes ´e designada por kΓ; define-se (−k)Γ = −kΓ para k ∈ N , e cadeia nula ou cadeia vazia por 0 = 0Γ = ∅ . Assim, podem-se considerar combina¸c˜oes lineares finitas de ´ imediato das decadeias num conjunto Ω ⊂ C com coeficientes inteiros. E fini¸c˜ oes que se f ´e uma fun¸c˜ao complexa cont´ınua definida em Ω ⊂ C, Γ, Σ s˜ ao cadeias em Ω e a, b ∈ Z , ´e Z Z Z f = a f +b f. aΓ+bΣ

Γ

Σ

no

As somas e subtrac¸c˜ oes de um finito de cadeias em Ω ⊂ C d˜ ao cadeias em Ω e a soma ´e comutativa, associativa, tem elemento neutro e cada elemento tem sim´etrico, ou seja o conjunto das cadeias em Ω ⊂ C ´e um grupo comutativo. Chama-se ´ındice de umPciclo Γ = γ1 + · · · + γn em rela¸ c˜ ao a um n ∗ ponto z ∈ C\Γ a IndΓ (z) = k=1 Indγk (z) . ´ imediato das defini¸c˜oes que se Γ, Σ s˜ E ao ciclos e a, b ∈ Z , ´e IndaΓ+bΣ = a IndΓ + b IndΣ .

Como as componentes conexas de C\Γ∗ s˜ ao as intersec¸c˜oes das componentes conexas de C\γ1∗ , . . . , C\γ1∗ e, de (4.9), Indγk ´e constante em cada componente conexa limitada de C \ γk∗ e ´e zero na componente conexa ilimitada deste conjunto, para k = 1, . . . , n , tamb´em se Γ ´e um ciclo, IndΓ ´e constante em cada componente conexa de C\Γ∗ e ´e zero na componente conexa ilimitada deste conjunto. 105

Com integrais de Lebesgue basta considerar caminhos rectific´ aveis.

7.2 Cadeias e ciclos

111

´ conveniente ter um m´etodo pr´ E atico para calcular ´ındices de ciclos, para o que ´e u ´ til o resultado seguinte que, sinteticamente, afirma que o ´ındice de um caminho fechado γ em C aumenta de 1 quando ´e atravessado “da direita para a esquerda”. Como Indγ = 0 na componente conexa ilimitada de C \ γ ∗ , com este resultado pode-se determinar Indγ sucessivamente em conjuntos de pontos ao longo de caminhos τ que come¸cam na componente conexa ilimitada de C\γ ∗ e cortam transversalmente γ de modo a intersectar com caminhos deste tipo pontos de todas as componentes conexas de C\γ ∗ (Figura 7.1).

Figura 7.1: Determina¸c˜ ao de Indγ em cada componente conexa de C\γ ∗ (7.1) Se Ω ⊂ C ´e um caminho seccionalmente regular fechado, a < u < v < b s˜ ao tais que a circunferˆencia com centro no ponto P a meio do segmento de recta com extremidades em γ(u) e γ(v) que passa nestes dois pontos e n˜ ao intersecta a curva γ ∗ em qualquer outro ponto,  o c´ırculo por ela limitado intersecta γ ∗ no conjunto γ [u, v] , e B+ , B− designam as componentes conexas de B \γ ∗ com P ± iQ ∈ B± , em que , e z ∈ B+ , w ∈ B− , ent˜ ao Indγ z = Indγ w+1 (Figura 7.2). Q = γ(v)−γ(u) 2 Dem. Para simplificar a nota¸c˜ ao reparametriza-se γ de modo a ser u = 0 e ( v = π e define-se C(t) , se t ∈ [0, π] it C(t) = P − Q e , para t ∈ [0, 2π] , f (t) = γ(2π−t) , se t ∈ [π, 2π] , ( ( γ(t) , se t ∈ [a, 0]∪[0, π] γ(t) , se t ∈ [0, π] . , h(t) = g(t) = C(t) , se t ∈ [0, π] C(t) , se t ∈ [π, 2π]

Como γ(0) = C(0) e γ(π) = C(π) , os caminhos f, g, h s˜ ao fechados (Figura 7.2). Seja r = kQk o raio da circunferˆencia considerada no enunciado. Se E ⊂ B e ζ ∈ C ∗ \E , 2P −ζ ´e o ponto na circunferˆencia C ∗ diametralmente oposto a ζ , e verifica-se E ⊂ B2r (2P − ζ) e ζ ∈ / B2r (2P − ζ) . Com E = g∗, ζ = P − iQ , ´e Indg (P − iQ) = 0 . Como B− ´e conexo e B− ∩ g∗ = ∅ , ´e Indg (w) = 0 para w ∈ B− . Analogamente, Indf (z) = 0 para z ∈ B+ . Logo, ´e Indγ (z) = Indγ (z)+Indf (z) = Indh (z) = Indh (w) = Indh (w)+Indq (w) = Indγ (w)+IndC (w) = Indγ (w)+1 .

112

Teorema e f´ ormula de Cauchy globais Q.E.D.

Figura 7.2: Ilustra¸c˜ao para prova de (7.1), Indγ (z) = Indγ (w)+1 Diz-se que um ciclo Γ em Ω ⊂ C ´e um ciclo hom´ ologo a zero em Ω se IndΓ = 0 no conjunto C\Ω (Figura 7.3 `a esquerda). Diz-se que dois ciclos Γ e Σ em Ω s˜ ao ciclos hom´ ologos em Ω se o ciclo Γ−Σ ´e hom´ ologo a zero em Ω , i.e. se IndΓ = IndΣ em C\Ω (Figura 7.3 `a direita). A homologia ´e uma rela¸c˜ ao de equivalˆencia no conjunto dos ciclos em Ω ⊂ C , pelo que estabelece nesse conjunto classes de equivalˆencia, chamadas classes de homologia.

Figura 7.3: Caminhos e ciclos hom´ ologos a zero (γ1 ≈ γ2 ≈ γ3 ≈ 0) e caminhos e ciclos hom´ ologos (γ1 +γ2 ≈ γ3 , λ1 ≈ λ2 ≈ σ1 + σ2 ) Como o ´ındice de um caminho γ em rela¸c˜ao a um ponto que n˜ ao pertence a γ ∗ ´e o no de voltas que o caminho d´ a em torno desse ponto no sentido positivo, um ciclo ´e hom´ ologo a zero em Ω se os caminhos fechados que o comp˜ oem d˜ ao em torno de cada uma das componentes conexas de C \ Ω tantas voltas no sentido positivo como negativo (Figura 7.3 `a esquerda). Pela mesma raz˜ ao, dois caminhos s˜ ao hom´ ologos em Ω se ambos tˆem a mesma diferen¸ca entre o no de voltas que d˜ ao no sentido positivo e negativo em torno de cada uma das componentes conexas de C\Ω (Figura 7.3 `a direita). Na sec¸c˜ ao 4.5 considerou-se a no¸c˜ao de homotopia entre pares de caminhos fechados seccionalmente regulares num dado conjunto e, tamb´em, a no¸c˜ ao de homotopia entre pares de caminhos seccionalmente regulares com o mesmo par ordenado de pontos inicial e final. Este conceito estende-se a cadeias e a ciclos. Γ e Σ em Ω ⊂ C s˜ ao cadeias (ou ciclos) homot´ opicas(os) em Ω se podem ser decompostas(os) em somas finitas de caminhos com uma corres-

7.2 Cadeias e ciclos

113

pondˆencia biun´ıvoca entre as parcelas destas somas com caminhos correspondentes homot´ opicos em Ω (Figura 7.4). A homotopia ´e uma rela¸c˜ao de equivalˆencia no conjunto das cadeias (ou ciclos) em Ω ⊂ C , e estabelece nesse conjunto classes de equivalˆencia, chamadas classes de homotopia.

Figura 7.4: Caminhos e ciclos homot´ opicos (γ1 ∼ γ2 , λ1 ∼ λ2 , σ1 ∼ σ2 ) H´a uma rela¸c˜ ao simples entre homologia e homotopia106 de ciclos. (7.2) Ciclos homot´ opicos em Ω ⊂ C s˜ ao hom´ ologos em Ω . ´ imediata da defini¸c˜ Dem. E ao de homotopia de ciclos e da invariˆ ancia do ´ındice de pontos no complementar de Ω em cada classe de homotopia de caminhos fechados seccionalmente regulares em Ω , de (4.11). Q.E.D.

Figura 7.5: Rela¸c˜ oes entre classes de homotopia, classes de homologia, conjunto de ciclos e uni˜ oes finitas de caminhos fechados seccionalmente regulares (resp., rectific´ aveis) num conjunto Ω ⊂ C H´a conjuntos Ω ⊂ C com ciclos hom´ ologos em Ω n˜ ao homot´ opicos (e.g. γ1 e γ2 na Figura 7.3) em Ω , pelo que, em geral, a decomposi¸c˜ao em classes de equivalˆencia de homotopia de ciclos em Ω ´e mais fina do que a decomposi¸c˜ao em classes de equivalˆencia de homologia em Ω , i.e. toda classe de homotopia 106

N˜ ao se exploram neste texto as consequˆencias das importantes no¸c˜ oes de homotopia e ´ homologia no ˆ ambito de Topologia Alg´ebrica e de Algebra Homol´ ogica, al´em da utiliza¸c˜ ao de homologia na demonstra¸c˜ ao do Teorema da Curva de Jordan no apˆendice II. O leitor interessado em Topologia Alg´ebrica poder´ a consultar textos gerais nessa ´ area como, por exemplo, o excelente texto introdut´ orio de W. Fulton, Algebraic Topology, A First Course. Springer-Verlag, New York, 1995. Fulton, William (1939-).

114

Teorema e f´ ormula de Cauchy globais

em Ω est´ a contida numa classe de homologia em Ω e toda classe de homologia em Ω ´e uma uni˜ ao disjunta de classes de homotopia em Ω (Figura 7.5).

7.3

Teorema e f´ ormula de Cauchy globais

A prova do Teorema de Cauchy Global e da correspondente F´ormula de Cauchy aqui apresentada ´e de J. Dixon107 , em 1971. (7.3) Teorema de Cauchy Global e F´ ormula de Cauchy Global: Sejam Ω ⊂ C um conjunto aberto, Γ, Γ1 , Γ2 ciclos em Ω e f ∈ H(Ω) . R 1. Se Γ ´e hom´ ologo a zero em Ω , Γ f (z) dz = 0 . R f (w) 1 dw . 2. Se Γ ´e hom´ ologo a zero em Ω , f (z) IndΓ (z) = i2π R R Γ w−z 3. Se Γ1 e Γ2 s˜ ao hom´ ologos em Ω , Γ2 f (z) dz = Γ1 f (z) dz .

Dem. 2 implica 1. Toma-se a ∈ C\Γ∗ e define-se F (z) = (z −a) f (z) . Como F ∈ H(Ω) e F (a) = 0 , de 2, ´e Z Z (z) = i2πF (a) IndΓ (a) = 0 . f (z) dz = Fz−a Γ

Γ

1 implica 3. Se Γ1 e Γ2 s˜ ao hom´ ologos em Ω , Γ1 −Γ2 ´e hom´ ologo a zero em Ω e, de 1, ´e Z Z Z f (z) dz − f (z) dz = f (z) dz = 0 . Γ1

Γ2

Γ1 −Γ2

Resta provar 2, para o que s˜ ao u ´ teis as fun¸c˜oes g : Ω × Ω → C, h : Ω → C, h0 : Ω0 → C , em que Ω0 = {z ∈ C\Γ∗ : IndΓ (z) = 0}, tais que ( Z Z f (w)−f (z) , se w 6= z (w) 1 1 w−z dw, g(w, z) = , h(z) = i2π g(w, z) dw, h0 (z) = i2π fw−z f ′ (z) , se w = z Γ Γ

e notar que 2 equivale a h(z) = 0 para z ∈ Ω\Γ∗ . De (6.4), g(w, z) ´e cont´ınua como fun¸c˜ ao das duas vari´ aveis e holomorfa como fun¸c˜ao de z para w ∈ Γ∗ fixo e, com o resultado a seguir a esta prova, obt´em-se h ∈ H(Ω) . De (5.8), h0 ´e anal´ıtica; logo, holomorfa em Ω0 . Em Ω0 ∩ Ω ´e h = h0 −i2πf IndΓ = h0 . Como Ω0 ´e uma uni˜ ao de componentes conexas do conjunto aberto C\Γ∗ e, portanto, Ω0 ´e um subconjunto aberto de C , ϕ : Ω∪Ω0 → C tal que ϕ = h em Ω e ϕ0 = h0 em Ω0 ´e holomorfa em Ω∪Ω0 ; como C\Ω0 , ϕ ´e uma fun¸c˜ao inteira. A componente conexa ilimitada de C\Γ∗ est´ a inclu´ıda em Ω0 , pelo que lim|z|→+∞ ϕ(z) = lim|z|→+∞ h0 (z) = 0 . Do Teorema de Liouville (5.14), ϕ ´e constante e, portanto, ϕ = 0 em C . Logo h = 0 em C\Γ∗ . Q.E.D. O resultado seguinte, utilizado na prova precedente, ´e u ´ til noutras situa¸c˜ oes, pelo que se considera separadamente. 107

John D. Dixon, A brief proof of Cauchy’s integral theorem, Proc. Amer. Math. Society, 29 (1971), 625-626.

7.4 Invariˆ ancia de integrais de fun¸ co ˜es holomorfas

115

(7.4) Se Ω1 , Ω2 ⊂ C s˜ ao conjuntos abertos, Γ ´e uma ccadeia em Ω1 , g : Ω1 ×Ω2 → C ´e cont´ınua, Rz 7→ g(w, z) ´e holomorfa em Ω2 para w ∈ γ ∗ e h : Ω2 → C ´e tal que h(z) = Γ g(w, z) dw, ent˜ ao h ∈ H(Ω2 ) . Dem. A prova usa propriedades de continuidade e convergˆencia uniforme, e os teoremas de Fubini, de Cauchy em conjuntos convexos e de Morera. Como o integral sobre uma cadeia ´e uma soma finita de integrais sobre caminhos seccionalmente regulares e a soma de fun¸c˜oes holomorfas ´e holomorfa, basta provar o resultado com a cadeia Γ substitu´ıda por um caminho seccionalmente regular em Ω1 , γ : [a, b] → Ω1 . Como g ´e cont´ınua em Ω1 ×Ω2 , ´e uniformemente cont´ınua em cada subconjunto compacto deste conjunto. Se {zn } ´e uma sucess˜ao em Ω2 que converge para um ponto z ∈ Ω2 , g(w, zn ) → g(w, z) uniformemente para todo w ∈ γ ∗ , pois γ ∗ ´e um conjunto compacto. Integrando os termos da sucess˜ao e o seu limite obt´emse h(zn ) → h(z) quando n → +∞ . Logo, h ´e cont´ınua em Ω2 , e para todo triˆ angulo fechado ∆ ⊂ Ω2 pode-se aplicar o Teorema de Fubini e o Teorema de Cauchy local em conjuntos convexos (4.8), obtendo-se Z Z Z Z Z g(w, z) dw dz = 0 . g(w, z) dw dz = h(z) dz = ∂∆

∂∆

γ

Do Teorema de Morera (6.3), h ∈ H(Ω2 ) .

γ

∂∆

Q.E.D.

Se γ ´e um caminho seccionalmente regular fechado num conjunto aberto convexo Ω ⊂ C e z ∈ C \ Ω , do Teorema de Cauchy local em conjuntos convexos (4.8), ´e Indγ (z) = 0 , pelo que todo ciclo em Ω ´e hom´ ologo a zero em Ω . Logo, se Ω ´e convexo e f ∈ H(Ω) , as condi¸c˜oes da hip´ otese de (7.3) verificam-se para todo ciclo Γ em Ω , pelo que o Teorema de Cauchy Global (1 em (7.3)) generaliza o Teorema de Cauchy local em conjuntos convexos (4.8) e a F´ormula de Cauchy global (2 em (7.3)) generaliza a F´ormula de Cauchy local em conjuntos convexos (4.12).

7.4

Invariˆ ancia de integrais de fun¸ c˜ oes holomorfas

O resultado seguinte ´e consequˆencia imediata do Teorema de Cauchy Global. (7.5) Invariˆ ancia de integrais de fun¸ co ˜es holomorfas sobre caminhos hom´ ologos ou homot´ opicos: Se γ1 , γ2 s˜ ao caminhos seccionalmente regulares homot´ oRpicos, Rou fechados e hom´ ologos num conjunto aberto Ω ⊂ C e f ∈ H(Ω) , γ1 f = γ2 f .

Dem. Para caminhos fechados hom´ ologos em Ω ´e consequˆencia imediata de 3 no Teorema de Cauchy Global. Caminhos fechados homot´ opicos em Ω s˜ ao hom´ ologos em Ω , pelo que nesse caso ´e consequˆencia imediata do

116

Teorema e f´ ormula de Cauchy globais

resultado para caminhos fechados hom´ ologos. Resta provar para caminhos homot´ opicos em Ω n˜ ao fechados. De (4.11), o ´ındice do caminho fechado γ = γ1 −γ2 em rela¸c˜ ao a cada ponto de C\Ω ´e nulo, pelo que o ciclo Γ = γ ∗ ´Re hom´ oRlogo aR zero Rem Ω e,Rde 1 no Teorema de Cauchy Global, obt´em-se Q.E.D. γ1 f − γ2 f = γ1 f + −γ2 f = Γ f = 0 . No cap´ıtulo 4 viu-se que os integrais de uma fun¸c˜ao complexa sobre caminhos seccionalmente regulares equivalentes s˜ ao invariantes, pelo que os integrais de fun¸c˜ oes complexas ficam bem definidos nas correspondentes classes de equivalˆencia. O resultado precedente estabelece a invariˆ ancia dos integrais de uma fun¸c˜ ao holomorfa em Ω ⊂ C sobre caminhos seccionalmente regulares homot´ opicos em Ω , pelo que os integrais de fun¸c˜oes holomorfas em Ω ficam bem definidos nas classes de homotopia de caminhos em Ω . O resultado tamb´em estabelece a invariˆ ancia dos integrais de uma fun¸c˜ao holomorfa em Ω sobre caminhos fechados seccionalmente regulares hom´ ologos em Ω , pelo que os integrais de fun¸c˜oes holomorfas em Ω ficam bem definidos nas classes de homologia de caminhos em Ω . Como as cadeias (resp., os ciclos) num conjunto Ω ⊂ C s˜ ao somas finitas de caminhos (resp., caminhos fechados) seccionalmente regulares em Ω , o resultado precedente e estas observa¸c˜ oes tamb´em se aplicam a cadeias (resp., ciclos).

7.5 Regi˜ oes simplesmente e multiplamente conexas Tal como ´e usual em Rn , diz-se que Ω ⊂ C ´e uma regi˜ ao simplesmente conexa se ´e uma regi˜ ao onde todo caminho seccionalmente regular fechado ´e homot´ opico a um caminho constante em Ω (i.e. a um caminho γ tal que γ ∗ ´e um ponto) (Figura 7.6).

Figura 7.6: Regi˜ oes simplesmente conexas O resultado seguinte estabelece que todos ciclos numa regi˜ ao simplesmente conexa Ω ⊂ C s˜ ao hom´ ologos a zero em Ω , ou seja n˜ ao h´ a ciclos em Ω ` a volta de pontos que n˜ ao pertencem `a regi˜ ao. Logo, para regi˜ oes simplesmente conexas a aplica¸c˜ao do Teorema de Cauchy Global (7.3) fica muito simplificada, pois ´e desnecess´ario verificar se um ciclo numa tal regi˜ ao ´e hom´ ologo a zero porque ´e sempre. (7.6) Ciclos numa regi˜ ao simplesmente conexa Ω ⊂ C s˜ ao hom´ ologos a zero em Ω .

7.5 Regi˜ oes simplesmente e multiplamente conexas

117

Dem. Todo caminho fechado seccionalmente regular em Ω ´e homot´ opico a um caminho constante em Ω e, de (7.2), tamb´em ´e hom´ ologo a um caminho constante em Ω . O ´ındice de um caminho constante em rela¸c˜ao a um ponto do complementar de Ω ´e zero, pelo que um tal caminho ´e hom´ ologo a zero. Logo, todo caminho fechado seccionalmente regular em Ω ´e hom´ ologo a zero em Ω . Como ciclos em Ω s˜ ao somas finitas de caminhos seccionalmente regulares em Ω , todos ciclos em Ω s˜ ao hom´ ologos a zero. Q.E.D. O Teorema de Unifica¸c˜ ao (6.5) garante a equivalˆencia de holomorfia numa regi˜ ao e existˆencia de primitiva local em cada aberto convexo contido na regi˜ ao. Pode-se provar o resultado an´ alogo (n˜ ao local) que se obt´em substituindo conjuntos convexos por simplesmente conexos. (7.7) Uma fun¸ca ˜o complexa numa regi˜ ao simplesmente conexa Ω ⊂ C ´e holomorfa em Ω se e s´ o se tem primitiva em Ω . Dem. Do resultado precedente, todo caminho fechado seccionalmente regular ologo a zero; se f ∈ H(Ω) , do Teorema de Cauchy Global, R γ em Ω ´e hom´ γ f (z) dz = 0 ; logo, de (4.5), f tem primitiva em Ω . Reciprocamente, se F ´e uma primitiva de f em Ω , ´e F ′ = f e, portanto, F ∈ H(Ω) , pelo que ´e indefinidamente diferenci´ avel, e f ∈ H(Ω) . Q.E.D. ´ u E ´ til dispor da caracteriza¸c˜ ao seguinte das regi˜ oes em que todos ciclos s˜ ao hom´ ologos a zero, i.e. onde n˜ ao h´ a ciclos em torno de pontos que n˜ ao pertencem a essas regi˜ oes. Obt´em-se, assim, uma propriedade alternativa de conjuntos em que a aplica¸c˜ ao do Teorema de Cauchy Global ´e simplificada.

Figura 7.7: Ilustra¸ca˜o de apoio a prova de (7.8) (7.8) Se Ω ⊂ C ´e uma regi˜ ao, as afirma¸co ˜es seguintes s˜ ao equivalentes: 1. Todos ciclos em Ω s˜ ao hom´ ologos a zero em Ω . 2. Nenhuma das componentes conexas de C\Ω ´e limitada. Dem. 2 ⇒1. Se Γ ´e um ciclo em Ω , o conjunto aberto C\Γ∗ tem uma e s´ o uma componente conexa ilimitada U e, de (4.9), IndΓ = 0 em Ω . Se C\Ω 6= ∅ e nenhuma das suas componentes conexas ´e limitada, ´e C\Ω ⊂ U , pelo que IndΓ = 0 em C\Ω e, portanto, Γ ´e hom´ ologo a zero em Ω .

118

Teorema e f´ ormula de Cauchy globais

1 ⇒2. Sup˜oe-se que 2 ´e falsa. Existe uma componente conexa K de C\Ω limitada. Como ∂K ⊂ ∂Ω e ∂(K ∪ Ω) = ∂Ω \ ∂K, K ´e limitado e fechado, logo compacto; se ∂(K ∪Ω) 6= ∅ , a distˆ ancia mais curta entre pontos de K e ∂(K ∪Ω) ´e um n´ umero d > 0 . Se ∂(K ∪Ω) = ∅, toma-se d > 0 arbitr´ario. Fixa-se k ∈ K e cobre-se todo o plano com uma rede de quadrados fechados Qj com lados de comprimento √d2 de modo a k ficar no centro de um dos quadrados (Figura 7.7). Para cada quadrado Qj considera-se o caminho poligonal fechado simples γj que percorre a fronteira de Qj no sentido positivo P em rela¸c˜ ao aos pontos do interior de Qj . Considera-se o ciclo Γ = j γj , em que a soma respeita aos quadrados que intersectam K. Como k est´ a no ∗ interior de um dos quadrados, ´e IndΓ = 1 . Como Γ ´e igual ao ciclo γ em que γ ´e o caminho poligonal fechado simples que percorre no sentido positivo a fronteira da uni˜ ao dos quadrados que intersectam K, Γ ´e um ciclo em Ω . Como IndΓ = 1 e k ∈ C\Ω , Γ ´e um ciclo em Ω n˜ ao hom´ ologo a zero em Ω . Logo, 1 ´e falsa. Provou-se que 2 ´e falsa ⇒ 1 ´e falsa, ou seja 1 ⇒ 2. Q.E.D. Este resultado e (7.6) garantem que as condi¸c˜oes 1 e 2 deste resultado s˜ ao necess´arias para uma regi˜ ao ser simplesmente conexa. Vˆe-se no cap´ıtulo 10 que tamb´em s˜ ao suficientes, e, portanto, s˜ ao caracteriza¸c˜oes alternativas das regi˜ oes simplesmente conexas.

Figura 7.8: Regi˜ oes multiplamente conexas com conectividade n = 2, 3, 4 Uma regi˜ ao Ω ⊂ C multiplamente conexa ´e uma regi˜ ao que n˜ ao ´e simplesmente conexa (Figura 7.8). Mais especificamente, diz-se que uma regi˜ ao tem conectividade finita n se o seu complementar tem exactamente n componentes conexas limitadas (podendo ter ou n˜ ao componentes conexas ilimitadas) e diz-se que uma regi˜ ao tem conectividade infinita se o seu complementar tem infinitas componentes conexas limitadas. A no¸c˜ ao de conectividade foi introduzida por B. Riemann em 1857 para superf´ıcies de modo que, quando aplicada a subconjuntos de um plano, corresponde ao m´ınimo no de cortes, cada um ao longo de um caminho totalmente contido no conjunto, que pode ser considerado at´e separar o conjunto em conjuntos simplesmente conexos. Esta ´e a raz˜ ao de conectividade n de um conjunto corresponder ao complementar do conjunto ter n − 1 componentes conexas limitadas. Se Ω ⊂ C ´e uma regi˜ ao com conectividade finita n , K1 , . . . , Kn−1 s˜ ao as componentes conexas limitadas de C\Ω , e Γ ´e um ciclo em Ω , pode-se obter como na prova de (7.8) que IndΓ ´e constante em cada Kj , para j = 1, . . . , n−1 ,

7.6 Extens˜ oes do Princ´ıpio do M´ odulo M´ aximo

119

e se Kn ´e uma componente conexa ilimitada de C \ Ω , ´e IndΓ = 0 em Kn (pode haver v´arias componentes conexas ilimitadas em C \ Ω e nesse caso IndΓ = 0 em todas estas componentes). Como na prova de (7.8), podem-se obter ciclos Γj em Ω tais que IndΓj = 1 em Kj e IndΓj = 1 em C\(Ω∪Kj ) , para j = 1, . . . , n−1 . Se para um dado ciclo P Γ em Ω cj ∈ Z ´e o valor de IndΓ em Kj , para n−1 j = 1, . . . , P n − 1 , e Σ = Γ − j=1 cj Γj , ´e IndΣ = 0 em C \Ω . Logo, Γ ´e hon−1 m´ ologo a j=1 cj Γj em Ω . Portanto, todo ciclo em Ω ´e hom´ ologo a uma combina¸c˜ ao linear com coeficientes inteiros dos ciclos Γj , com j = 1, . . . , n−1 . Esta combina¸c˜ ao linear ´e u ´ nica, pois a diferen¸ca de duas combina¸c˜oes lineares dos ciclos Γj hom´ ologas a um mesmo ciclo Γ ´e hom´ ologa a zero em Ω e, portanto, tem todos os coeficientes zero. Por isso, diz-se que os ciclos Γj , j = 1, . . . , n−1 , s˜ ao uma base de homologia para a regi˜ ao Ω de conectividade n . As bases de homologia n˜ ao s˜ ao u ´ nicas, mas prova-se como para bases de espa¸cos lineares de dimens˜ao finita que todas bases de homologia no de elementos. Do Teorema de Cauchy Global (7.3), Rpara Ω tˆem oPmesmo n−1 R j=1R cj Γj f (z) dz para f ∈ H(Ω) . Em certos casos os valoΓ f (z) dz = res dos integrais Γj f (z) dz sobre os elementos de uma base de homologia podem ser obtidos facilmente e este ´e um m´etodo conveniente que permite avaliar muitos integrais sem fazer integra¸c˜oes expl´ıcitas, o que se explora no cap´ıtulo seguinte com o Teorema dos Res´ıduos.

7.6

Extens˜ oes do Princ´ıpio do M´ odulo M´ aximo z

Se Ω = R+i[− π2 , π2 ] , com z = x+iy , x, y ∈ R , a fun¸c˜ao f (z) = ee satisfaz π  x f x± i π = eex e±i 2 = | e±iex | = 1 , lim ee = +∞ , 2 x→+∞

pelo que |f | ´e ilimitada em Ω apesar de ser 1 em ∂Ω . Portanto, embora do Princ´ıpio do M´odulo M´aximo (5.19) se f ´e uma fun¸c˜ao anal´ıtica num subconjunto limitado e fechado K de uma regi˜ ao Ω ⊂ C , o m´ aximo de |f | em ´ K ´e assumido em ∂K, tal pode falhar se K ´e ilimitado. E poss´ıvel estender o resultado a regi˜ oes ilimitadas se na vizinhan¸ca de ∞ |f | ´e majorada pelo m´ aximo de |f | em ∂Ω . Prova-se um resultado um pouco mais geral.

(7.9) Se f ´e uma fun¸ca ˜o anal´ıtica numa regi˜ ao Ω ⊂ C e existe M > 0 tal que para cada b ∈ ∂Ω , e para b = ∞ se Ω ´e ilimitada, existe uma vizinhan¸ca Vb de b tal que |f | ≤ M em Vb ∩ Ω , ent˜ ao |f | ≤ M em Ω . Dem. Seja ε > 0 . Como para cada b ∈ ∂Ω , ou b = ∞ se Ω ´e ilimitada, existe uma vizinhan¸ca Vb de b tal que |f | ≤ M em Vb ∩Ω , Aε = {z ∈ Ω : |f (z)| > M+ε} ´e limitado e Aε ⊂ Ω ; portanto, Aε ´e um subconjunto limitado e fechado da aximo de regi˜ ao Ω e, do Princ´ıpio do M´odulo M´aximo, se fosse Aε 6= ∅ , o m´ |f | em Aε seria assumido em ∂Aε e, como neste conjunto |f | = M +ε, seria |f | ≤ M +ε em Aε e, portanto, Aε = ∅ . Logo, |f | ≤ M +ε em Ω e, como ε > 0 ´e arbitr´ario, |f | ≤ M em Ω . Q.E.D.

120

Teorema e f´ ormula de Cauchy globais

(7.10) Se f ´e fun¸ca ˜o anal´ıtica na faixa vertical do plano complexo Ω = {x + iy : a < x < b , y ∈ R} , limitada e cont´ınua em Ω , e Sf (x) = supy∈R |f (x+iy)| para x ∈ [a, b] , ent˜ ao Sfb−a (x) ≤ Sfb−x (a) Sfx−a (b) para x ∈ [a, b] , e |f | ≤ max{Sf (a), Sf (b)} em Ω . b−z

z−a

Dem. Se Sf (a), Sf (b) > 0 , a fun¸c˜ao g(z) = Sfb−a (a) Sfb−a (b) ´e inteira, nunca ´e 0 em Ω , que

f g

1 g

´e limitada em Ω e |g(x+iy)| = M (x) para x ∈ {a, b} , y ∈ R , pelo

satisfaz as propriedades de f no enunciado com S f (a) = S f (b) = 1 . g g b−z z−a Do resultado precedente, fg ≤ 1 em Ω , pelo que |f (z)| ≤ Sfb−a (a) Sfb−a (b) em Ω , e, Sfb−a (x) ≤ Sfb−x (a) Sfx−a (b) para x ∈ [a, b] ; logo,

Sfb−a (x) ≤ max{Sf (a), Sf (b)}b−x max{Sf (a), Sf (b)}x−a = max{Sf (a), Sf (b)} , x ∈ [a, b] ,

e, portanto, |f | ≤ max{Sf (a), Sf (b)} em Ω . Se Sf (a) = 0 , f = 0 em toda a recta vertical Re z = a , do Princ´ıpio de Simetria (ver exerc´ıcio 6.10) f pode ser estendida a uma fun¸c˜ao holomorfa na faixa vertical aberta limitada pelas rectas verticais Re z = a− (b− a) e Re z = b , e, como esta fun¸c˜ao holomorfa ´e 0 na recta Re z = a , ´e 0 em toda essa faixa vertical e, portanto, em Ω , pelo que o resultado ´e trivialmente v´alido neste caso. Q.E.D. Tamb´em ´e poss´ıvel uma extens˜ao a conjuntos ilimitados sem exigir |f | uniformemente limitada em vizinhan¸cas de pontos em ∂Ω ou ∞ mas restringindo o crescimento de |f (z)| quando z tende para esses pontos, analogamente ` a extens˜ ao do Teorema de Liouville a fun¸c˜oes ilimitadas sublineares (5.18), por aplica¸c˜ ao do Princ´ıpio de Phragm´en-Lindel¨of que, em geral, consiste em multiplicar uma fun¸c˜ao f holomorfa numa regi˜ ao ilimitada Ω por uma fun¸c˜ ao hǫ tal que limε→0 hε = 1 , de modo a limitar o produto |f hε | < M e ⊂ Ω e aplicar o Princ´ıpio do M´odulo na fronteira de uma regi˜ ao limitada Ω e , expandindo depois a regi˜ e M´aximo para obter que f hε ´e limitada em Ω ao Ω para Ω e estabelecendo que f hε ´e limitada em Ω , para seguidamente fazer ε → 0 e obter f hε → f concluindo que f ´e limitada em Ω . (7.11) Princ´ıpio de Phragm´ en-Lindel¨ of: Se f ´e uma fun¸ca ˜o anal´ıtica numa regi˜ ao simplesmente conexa Ω ⊂ C e existem M, ε0 > 0 e ϕ ∈ H(C) que n˜ ao assume o valor 0 e ´e limitada em Ω tais que para cada b ∈ ∂Ω , e para b = ∞ se Ω ´e ilimitada, existe uma vizinhan¸ca Vb de b tal que para todo ε ∈]0, ε0 [ ´e |f (z)| min{1, |ϕ(z)|ε } ≤ M para z ∈ Vb ∩ Ω , ent˜ ao |f | ≤ M em Ω . Dem. Seja K > 0 tal que |ϕ| ≤ K em Ω . Como εϕε−1 ´e uma fun¸c˜ao holomorfa em Ω , de (7.7) tem primitiva holomorfa em Ω , e esta ´e um ramo de ϕε . A fun¸c˜ ao F = f ϕε K −ε ´e anal´ıtica e satisfaz |F | ≤ M max{1, K −ε } em Ω . Do resultado precedente, |f | ≤ |ϕ|−εM max{1, K −ε } em Ω . Como ε > 0 pode ser arbitrariamente pequeno, ´e |f | ≤ M em Ω . Q.E.D.

7.6 Extens˜ oes do Princ´ıpio do M´ odulo M´ aximo

121

(7.12) Corol´ ario: Se f ´e fun¸ca ˜o anal´ıtica no sector angular de abertura π 1 π iθ a , Ω = {re : r > 0, |θ| < 2a } com a ≥ 2 , e existem M, C > 0 e ρ < a tais que para cada b ∈ ∂Ω existe uma vizinhan¸ca Vb de b tal que |f | ≤ M em ρ Vb ∩ Ω e |f (z)| ≤ Ce|z| para z ∈ Ω com |z| grande, ´e |f | ≤ M em Ω . σ

π Dem. Seja σ ∈ ]ρ, a[ e ϕ(z) = e−z para z ∈ Ω . Com z = reiθ , |θ| < 2a , ´e σ π iθ −r cos(σθ) |ϕ(re )| = e . Como |σθ|< 2 , ´e cos(σθ) ≥ δ para algum δ > 0 e |ϕ| < 1 em Ω. Para qualquer ε > 0 e para r > 0 suficientemente grande ´e

|f (reiθ )||ϕ(reiθ )|ε ≤ Cer

ρ −εr σ

cos(σθ)

≤ Cer

ρ −εr σ δ

→ 0,

quando r → +∞ .

Do Princ´ıpio de Phragm´en-Lindel¨of (7.11), |f | ≤ M em Ω .

Q.E.D.

π (7.13) Corol´ ario: Se f ´e fun¸ca ˜o anal´ıtica em Ω = {reiθ : r > 0, |θ| < 2a }, 1 com a ≥ 2 , existe M > 0 tal que para cada b ∈ ∂Ω existe uma vizinhan¸ca Vb de b tal que |f | ≤ M em Vb ∩ Ω e para cada ε > 0 existe C > 0 tal que a |f (z)| ≤ Ceε|z| para z ∈ Ω com |z| grande, ´e |f | ≤ M em Ω . a

Dem. Sejam δ > ε > 0 arbitr´arios e g = f e−δz . Existe C > 0 tal que para a x > 0 ´e |g(x)| ≤ Ce(ε−δ)x → 0 quando x → +∞ , pelo que {|g(x)| : x > 0} ´e um subconjunto majorado de R e, portanto, tem um supremo M1 . Designa-se π } . O corol´ ario precedente M2 = max{M1 , M } e Ω± = {reiθ : r > 0 , 0 < ±θ < 2a pode ser aplicado com g em vez de f , Ω± em vez de Ω e M2 em vez de M , pois cada um dos conjuntos Ω± ´e a menos de uma rota¸c˜ao em torno da origem um sector do tipo considerado nesse corol´ ario, obtendo-se |g| ≤ M2 em cada um dos sectores Ω± e, portanto, tamb´em no sector inicial Ω , pois Ω\Ω−∪Ω+ ´e o semieixo real positivo e a´ı |g| ≤ M1 ≤ M2 . Se fosse M2 = M1 > M , |g| assumiria o seu valor m´ aximo M1 em algum ponto xmax > 0 e considerando sectores limitados e fechados contidos em Ω ∩ {reiθ : 0 < r < R} ∪ {0} com R > |xmax | , do Princ´ıpio do M´odulo M´aximo, g ´e constante nestes sectores, logo, constante em Ω , e, portanto |g| = M1 = M em Ω em contradi¸c˜ao com a M1 > M ; logo, M2 = M e |g| ≤ M em Ω , pelo que |f | ≤ M eδRe z para z ∈ Ω . Como δ > ε > 0 podem ser arbitrariamente pequenos, |f | ≤ M em Ω . Q.E.D. a

A condi¸c˜ ao de limita¸c˜ ao de crescimento no infinito |f (z)| ≤ Ceε|z| deste a resultado ´e ´ optima, pois com f (z) = ez , em pontos da fronteira de Ω ´e π π  = e(ra e±i 2 ) = |e±ira | = 1 e f (r) = era , r > 0 , ´e ilimitada. f re±i 2a (7.14) Corol´ ario: Se f ´e fun¸ca ˜o anal´ıtica na faixa horizontal do plano complexo Ω = {x+iy : x ∈ R , |y| < π2 } e cont´ınua em Ω , e existem M, ε > 0 ρ|Re z| para todo z ∈ Ω e |f (x± i π2 )| ≤ M e ρ ∈ ]0, 1[ tais que |f (z)| ≤ M eεe para x ∈ R , ent˜ ao |f | ≤ M em Ω .

Dem. Princ´ıpio de Phragm´en-Lindel¨of (7.11) com ϕ(z) = e−e

ρ|Re z|

. Q.E.D.

122

Teorema e f´ ormula de Cauchy globais

Com o Princ´ıpio de Phragm´en-Lindel¨of pode-se provar facilmente o Princ´ıpio de Incerteza de Hardy108 segundo o qual as fun¸c˜oes gaussianas s˜ ao as u ´ nicas fun¸c˜ oes que decaem no infinito mais rapidamente que fun¸c˜oes gaussianas e tˆem transformada de Fourier tamb´em com esta propriedade de decaimento. De um modo geral princ´ıpios de incerteza referem-se a n˜ ao ser poss´ıvel ter uma fun¸c˜ ao simultaneamente “localizada no espa¸co e na frequˆencia”, ou seja tais que tanto a fun¸c˜ao como a sua transformada de Fourier decaem no infinito rapidamente. Por exemplo (ver exerc´ıcio 6.22), uma fun¸c˜ ao f ∈ L1 (R) que decai no infinito mais rapidamente do que exponencialmente (o que inclui fun¸c˜oes que s˜ ao 0 fora de um intervalo limitado) tem transformada de Fourier fˆ estendida ao plano complexo que ´e uma fun¸c˜ao inteira, e, como os zeros de uma fun¸c˜ao inteira que n˜ ao ´e identicamente nula s˜ ao isolados, fˆ n˜ ao pode ser nula em qualquer intervalo real, em particular as fun¸c˜ oes de vari´ avel real f e fˆ n˜ ao podem ambas anular-se fora de intervalos  −

√t

2

2σ , limitados. A transformada de Fourier de uma gaussiana f (t) = Ke com K, σ > 0 , ´e Z Z 2 √ σ2 2 − 1 (t+i √1 σω)2 −iωt − σ2 ω 2 ˆ 2 dt = Ke f (ω) = f (t) e e 2σ2 dt = Kσ 2π e− 2 ω ,

R

R

pelo que tamb´em ´e uma gaussiana, o que corresponde a igual “localiza¸c˜ao no tempo e na frequˆencia”. O Princ´ıpio da Incerteza de Hardy garante que esta ´e a situa¸c˜ ao limite de “localiza¸c˜ao no tempo e na frequˆencia”.

(7.15) Princ´ıpio de Incerteza de Hardy: Se fˆ ´e a transformada 2 de Fourier de f ∈ L1 (R) e existem C, a > 0 tais que |f (t)| ≤ Ce−at , 1 2 2 |fˆ(ω)| ≤ Ce− a ω , t, ω ∈ R , ent˜ ao f (t) = Ke−at para algum K > 0 . √ Dem. Com mudan¸cas de vari´ aveis t′ = at e ω ′ = √ωa e multiplicando f por pode-se supor sem perda de generalidade a = 1 e C = √1π . Devido ao decaimento supraexponencial no infinito de f , fˆ pode ser estendida a C e 1 √ C π

esta extens˜ ao ´e uma fun¸c˜ao inteira. Como para x, y ∈ R ´e Z Z Z 2 yt −i(x+iy)t ˆ dt ≤ |f (t)| e dt ≤ √1π e−t eyt dt |f (x+iy)| = f (t) e R R R Z Z 2 y y 2 y 2 2 = √1π e−(t −yt) dt = √1π e( 2 ) e− t− 2 dt = e( 2 ) . R

R

z 2 Logo, a fun¸c˜ ao inteira F (z) = e( 2 ) fˆ(z) ´e tal que a restri¸c˜ao de |F | aos eixos imagin´ ario e real ´e majorada por 1 e x+iy 2 y 2 x 2 y 2 xy y 2 x 2 |F (x+iy)| ≤ e( 2 ) e( 2 ) = e[( 2 ) −( 2 ) +i 2 ] e( 2 ) = e( 2 ) .

Do Princ´ıpio de Phragm´en-Lindel¨of (7.11) com Ω = C \ {x : x ≤ 0 }, M = 1 x 2 e ϕ(x + iy) = e−( 2 ) , obt´em-se |F | ≤ 1 em C ; logo, F ´e uma fun¸c˜ao inteira limitada, pelo que, do Teorema de Liouville, ´e constante e, portanto, 108

Foi formulado em 1933 por Godfrey Harold Hardy (1877-1947).

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 7

123

z 2 existe k ∈ R tal que fˆ(z) = ke−( 2 ) para z ∈ C , que ´e uma gaussiana e, do 1 2 que se viu antes do enunciado deste resultado, f (t) = K ′ e− 2 t para algum K ′ ∈ R . Invertendo as mudan¸cas de vari´ aveis do in´ıcio da prova obt´em-se 2 −at para algum K > 0 . Q.E.D. f (t) = Ke

Exerc´ıcios 7.1 Prove: Se Ω ⊂ C ´e aberto e compacto e f ∈ H(Ω) , existe um ciclo Γ em Ω\K tal R f (w) 1 dw, para z ∈ K. que se verifica a F´ ormula de Cauchy f (z) = i2π Γ w−z (Sugest˜ ao: Construa um ciclo Γ em Ω\K e aplique o Teorema de Cauchy Global).

7.2 Mostre que em qualquer regi˜ ao simplesmente conexa que n˜ ao cont´em a origem podem ser definidas fun¸c˜ oes holomorfas que s˜ ao ramos de: a) ln z b) z a c) z z 7.3 Mostre que em toda a regi˜ ao Ω ⊂ C tal que os pontos ±1 pertencem a uma mesma componente conexa de C \ Ω pode ser definida umaR fun¸c˜ ao holomorfa que ´e um ramo de (1−z 2 )1/2 . Quais s˜ ao os valores poss´ıveis de γ (1−z 21)1/2 dz , em que γ ´e um caminho fechado seccionalmente regular em Ω ? P 7.4 Mostre que f (z) = n=0 z 2n ´e anal´ıtica em B1 (0) , mas n˜ ao tem prolongamento anal´ıtico a uma regi˜ ao que contenha propriamente este c´ırculo.  7.5 Prove: Toda fun¸c˜ ao f ∈ H Br (a) tem um prolongamento anal´ıtico a um c´ırculo aberto BR (a) ⊃ Br (a).  7.6 Prove: Se = b, f ′ (a) 6= 0 e |f − b| ≤ M ∈ R em Br (a), ent˜ ao  f ∈ H Br (a) , f (a) 1 f Br (a) ⊃ BR (b) com R = 6M r 2 |f ′ (a)|2 . (Sugest˜ ao: Considere a s´ erie de Taylor de f − b centrada em a , aplique a desigualdade triangular e estimativas de Cauchy para obter |f (z) − b | ≥ R para |z − a| = 3R , tome 2 w ∈ BR (b) e aplique o Teorema de Rouch´ e para mostrar que f −w e f −b tˆ em o mesmo no de zeros em B 3R (a) ).

2 R +∞ 7.7 Dada uma fun¸c˜ ao f : R+ → R , define-se a fun¸c˜ ao complexa F (s) = 0 f (t) e−st dt , chamada transformada de Laplace109 de f , considerando o integral de Lebesgue. Esta fun¸c˜ ao fica definida num ponto s = α+iω , com α, ω ∈ R , se e s´ o se a fun¸c˜ ao

109 A transforma¸ca ˜o de Laplace foi usada por L. Euler em 1737 para resolver uma equa¸ca ˜o diferencial e foi explorada por P.S. Laplace em 1812 em Probabilidade. Depois das contribui¸co ˜es de P.S. Laplace e de J. Liouville, Joz´ eph Petzval (1807-1891) desenvolveu-a consideravelmente, mas a sua utiliza¸ca ˜o generalizada s´ o ocorreu depois de: (i) Oliver Heaviside (1850-1925) ter obtido entre 1880 e 1887 um c´ alculo operacional para resolver equa¸co ˜es diferenciais ordin´ arias por equa¸co ˜es alg´ ebricas obtidas por substitui¸ca ˜o da solu¸ca ˜o (y(t) por uma fun¸ca ˜o complexa Y (s) e as derivadas por produtos pela vari´ avel complexa s ; (ii) Thomas John Bromvich (1875-1929) ter obtido uma f´ ormula integral para invers˜ ao da transforma¸ca ˜o de Laplace; (iii) Gustav Doetsch (1892-1977) ter contribu´ıdo em 1930-1937 para o desenvolvimento do m´ etodo; (iv) Horatio Carslaw (1870-1954) e John Conrad Jaeger (1907-1979) terem prosseguido os trabalhos anteriores no per´ıodo 1938-1940, culminando com a ampla dissemina¸ca ˜o do m´ etodo no livro que publicaram em 1941 Operational Methods in Applied Mathematics. A adop¸ca ˜o da transforma¸ca ˜o de Laplace na rotina de forma¸ca ˜o e pr´ atica em engenharia foi muito r´ apida: em 1947 j´ a era amplamente aplicada e ensinada a estudantes de engenharia quando menos de 10 anos antes alguns dos seus aspectos essenciais eram objecto de investiga¸ca ˜o.

124

Teorema e f´ ormula de Cauchy globais f Eα , em que Eα (t) = e−αt , ´e integr´ avel ` a Lebesgue em R+ , ou seja se e s´ o se 1 + 1 + ` f ∈ Lα (R ) = {f : f Eα ∈ L (R ) } . A fun¸c˜ ao definida por L [f ] = F chama´ imediato que L [f + g] = L [f ] + L [g] e se transforma¸ c˜ ao de Laplace110 . E L [cf ] = cL [f ] para f, g ∈ L1α (R+ ) , c ∈ C , α ∈ R . A transforma¸c˜ ao de Laplace pode ser invertida em condi¸c˜ oes relativamente gerais. Em particular, pode-se provar: Se f ∈ L1α (R+ ) , Fα ∈ L1 (R) , em que Z α+iΩ 1 Fα (ω) = F (α+iω) , α, ω ∈ R , F = L [f ] , g(t) = i2π F (s) est dt , t > 0 , lim Ω→+∞ α−iΩ

ent˜ ao g ´e cont´ınua, limt→+∞ g(t) = 0 e f = g q.t.p. em R+ ; uma consequˆencia imediata ´e: A transforma¸c˜ ao de Laplace ´e injectiva.  a) Prove: Se f ∈ L1α0 (R+ ) , com α0 ∈ R , e F = L [f ] , ent˜ ao F ∈ H Π+ α0 , em que Π+ ao: Use o Teorema de Morera). α0 = {z ∈ C : Re z > α}. (Sugest˜

b) A convolu¸ c˜ ao de fun¸c˜ oes f, g ∈ L1α (R) , em que α ∈ R , ´e definida por Z t (f ∗g)(t) = f (t−τ ) g(τ ) dτ , t > 0 . 0

Prove: Se f, g ∈ L1α (R) , ent˜ ao L [f ∗g] = L [f ]+L [g] .

c) Prove:Se f, f ′ ∈ L1α (R) e f (0+) = limt→0+ f (t) ∈ R , L [f ′ ](s) = s L [f ](s)−f (0+) .

d) Considere a equa¸c˜ ao diferencial y ′′ +2y ′ +2y = f (t) , t > 0 , com condi¸c˜ oes iniciais ′ y (0) = y(0) = 0 e f (t) = e−2t . Mostre que a transformada de Laplace da solu¸c˜ ao y s+2 ´e Y (s) = s2 + . Obtenha a solu¸c˜ ao do problema de valor inicial dado. 2s + 2

e) Considere a equa¸c˜ ao diferencial y ′′ +2y ′ +2y = f (t) , t > 0 , com condi¸c˜ oes iniciais ′ 1 1 . Mostre que Y = L [y] satisfaz y(0) , y (0) e f ∈ Lα (R+ ) . Designe T (s) = s2 +2s+2 Y (s) = T (s) F (s)+T (s) [y ′ (0)s + 2y(0)] , em que F = L [f ] , pelo que T (s) caracteriza a equa¸c˜ ao diferencial, dando a transformada de Laplace da solu¸c˜ ao por produtos com a transformada de Laplace do termo independente e com um polin´ omio com coeficientes que dependem das condi¸c˜ oes iniciais. 7.8 Chama-se ordem111 e tipo de uma fun¸c˜ ao inteira f a, resp.,      1 ρ(f ) = lim ln1r ln ln sup |f | , σ(f ) = lim rρ(f sup |f | . ) ln r→+∞

|z|=r

r→+∞

|z|=r

a) Mostre que a ordem de uma fun¸c˜ ao inteira f ´e ≤ ρ se e s´ o se existem constantes ρ A, σ tais que |f (z)| ≤ A eσ|z| para z ∈ C , e se a ordem ´e ρ , o tipo de f ´e ≤ σ se e s´ o se existe A > 0 tal que a desigualdade anterior se verifica. b) Prove: A ordem de fun¸c˜ oes inteiras tem as propriedades gerais seguintes: (i) ρ(f +g) ≤ max{ρ(f ), ρ(g)} (ii) ρ(f ′ ) = ρ(f ) (iii) ρ(f g) ≤ max{ρ(f ), ρ(g)} .

c) Determine a ordem da fun¸c˜ ao inteira dada: √ n z (iv) ez (v) ee . (i) sin z (ii) cos z (iii) cos z 1 P∞ 1 d) Prove:A ordem de uma fun¸c˜ ao inteira f (z) = n=0 cn z n ´e ≤ ρ se e s´ o se n p |cn | n ´e uma sucess˜ ao limitada. e) Prove112 : Se f ´e uma fun¸c˜ ao inteira de ordem finita ρ(f ) , f (0) 6= 0 e {zn } ´e uma sucess˜ a o de zeros de f tal que limn→+∞ |zn | = +∞ , para qualquer ε > 0 a s´erie P∞ 1 n=0 z ρ+ε converge. n f) Prove: Se f ´e uma fun¸c˜ ao inteira de ordem 1 e tipo σ < τ limitada no eixo real e |f | ≤ M para x ∈ R , |f (x+iy)| ≤ M eτ |y| para x, y ∈ R . g) Prove: Se f ´e uma fun¸c˜ ao inteira de ordem < 1 , ou de ordem 1 e tipo 0, limitada sobre uma recta em C , f ´e constante.

110 A transforma¸ca ˜o de Laplace L relaciona-se com a de Fourier F (ver exerc´ıcio 6.22) por   ao de f a R nula em ]−∞, 0[ . L [f ] = (a+iω) = F feEα (ω) , com α, ω ∈ R, f ∈ L1α (R+ ), fe a extens˜ 111 A no¸ca ˜o de ordem de uma fun¸ca ˜o inteira foi introduzida por H. Poincar´ e em 1883, mas esta ´ defini¸ca ˜o deve-se a Emile Borel (1871-1956), em 1897. 112 Este resultado foi provado em 1893 por J. Hadamard.

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 7

125

7.9 Prove o seguinte teorema de interpola¸ c˜ ao113 : Se f ´e uma fun¸c˜ ao inteira de ordem ρ < 1 , ou de ordem ρ = 1 e tipo σ < τ para algum τ > 0 , ent˜ ao N X  sin τ z f nπ f (z) = lim . τ τ z−nπ N→+∞

n=−N

R

w γN (w−z) sin(τ w) circunferˆ encia |z| = (N + 12 ) π τ

1 (Sugest˜ ao: Para N ∈ N designe FN (z) = i2π

dw, em que γN ´ e um caminho

regular simples que descreve a no sentido positivo, aplique o Teorema dos Res´ıduos e mostre que |FN (z)| → 0 quando N → +∞ , estimando |f (z)| com base numa estimativa | sin z| ≥ m eIm z , para z ∈ γN , e aplicando o exerc´ıcio precedente).

7.10 Prove: Se f, fb∈ L1 (R) e fb tem suporte num intervalo compacto [−τ, τ ] (i.e. fb tem valor 0 em R \ [−τ, τ ] ), em que fˆ designa a transformada de Fourier de f (ver exerc´ıcio 6.22), a extens˜ ao complexa da f´ ormula de invers˜ ao da transformada de R 1 fb(ω) eiωt dω (g = f q.t.p. em R) ´e uma fun¸c˜ ao inteira de ordem Fourier, g(t) = 2π R ρ ≤ 1 e, quando ρ ≤ 1 , ´e de tipo σ ≤ τ (compare com exerc´ıcio 6.22). (Sugest˜ ao: Aplique o Teorema de Morera e majore o integral).

7.11 Prove o teorema dos trˆ es c´ırculos de Hadamard: Se f ´ e holomorfa na coroa circular encias com centro na origem e raios r2 > r1 > 0 , aberta Cr1 ,r2 limitada pelas circunferˆ S(r) = maxθ∈[0,2π] |f (r iθ )| e r1 < a < r < b < r2 , ent˜ ao log S(r) ≤

log S(b/r) log b/a

log S(a) +

log S(r/a) log b/a

log S(b) .

.

Exerc´ıcios com aplica¸ c˜ oes a an´ alise e controlo de sistemas lineares 7.12 Considere o problema de valor inicial para uma equa¸c˜ ao diferencial ordin´ aria linear escalar de ordem n ∈ N com coeficientes complexos constantes, termo independente que ´e combina¸c˜ ao linear do valor e das derivadas de uma fun¸c˜ ao r e condi¸c˜ oes iniciais nulas y (n) +an−1 y (n−1) + · · · + a1 y ′ +a0 y = bn−1 r (n−1) (t)+ · · · +b1 r ′ (t)+b0 r(t) , y (n−1) (0) = · · · = y ′ (0) = y(0) = 0 .

(s) Mostre que, com Y = L [y], R = L [r] e T (s) = YR(s) se obt´em

T (s) =

bn−1 s(n−1) + ··· +b1 s+b0 sn +an−1 s(n−1) + ··· +a1 s+a0

.

A fun¸c˜ ao T caracteriza o sistema linear definido pela equa¸c˜ ao diferencial e ´e ´ usual considerar r(t) como conhecida por fun¸ c˜ ao de transferˆ encia do sistema. E 113 Este resultado ´ e conhecido por Teorema de Amostragem e ´ e muitas vezes atribu´ıdo ao matem´ atico Claude Shannon (1916-2001) embora fosse conhecido muito antes. C. Shannon, que em 1941-1952 trabalhou no (Bell Labs Mathematics of Communication Research Department) introduziu-o na comunidade de telecomunica¸co ˜es dos pa´ıses ocidentais em 1949 no livro A Mathematical Theory of Communication em que criou a Teoria de Informa¸ca ˜o, embora a frequˆ encia de amostragem, chamada frequˆ encia de amostragem de Nyquist, tivesse sido considerada em telecomunica¸co ˜es em 1928 por Harry Nyquist (1889-1976), que tamb´ em trabalhou nos (Bell Labs em 1934-54. Uns anos depois do trabalho de C. Shannon soube-se que Vladimir Kotelnikov (1908-2005) tinha obtido o resultado na R´ ussia em 1933, tamb´ em a prop´ osito de telecomunica¸co ˜es. Contudo, o resultado era conhecido de E. Borel desde 1897, no estudo de s´ eries de interpola¸ca ˜o, e de outros matem´ aticos, como Edmund Whittaker (1873-1956) em 1915 e John Whittaker (19051984) em 1935 que tamb´ em consideraram este tipo de resultados antes de V. Kotelnikov e C. Shannon. O resultado estabelece que uma fun¸ca ˜o de ordem ρ = 1 e tipo σ < τ pode ser exactamente interpolada a partir dos seus valores nos pontos nπ/τ com n ∈ Z. Conjugando com o exerc´ıcio precedente obt´ em-se que uma fun¸ca ˜o f ∈ L1 (R) com transformada de Fourier fb∈ R com suporte num intervalo compacto [−τ, τ ] ´ e exactamente interpolada pela express˜ ao dada, apenas a partir dos seus valores nos pontos nπ . Portanto, uma frequˆ e ncia de amostragem ≥σ ´ e suficiente τ τ σ (i.e. de larpara reconstituir exactamente um sinal com espectro de frequˆ encia limitado por 2π σ ), ou seja basta uma frequˆ encia de amostragem dupla da frequˆ encia m´ axima gura de banda 2π no espectro do sinal.

126

Teorema e f´ ormula de Cauchy globais sinal de entrada e y(t) como sinal de sa´ıda ou resposta do sistema, e representar o sistema por um diagrama de blocos como na Figura 7.9.

Figura 7.9: Diagrama de blocos para sistema linear com fun¸c˜ao de transferˆencia T a) Mostre que, com condi¸c˜ oes iniciais diferentes de zero, a resposta do sistema a uma entrada ´e a soma da resposta com condi¸c˜ oes iniciais nulas ` a entrada considerada adicionada ` a resposta com as condi¸c˜ oes iniciais consideradas e entrada nula. Chama-se a estas componentes aditivas da resposta, resp., resposta for¸ cada e resposta natural ou resposta livre do sistema. b) Mostre que para um sistema linear com fun¸c˜ ao de transferˆencia T , se h ´e tal que T = L [h] , a resposta for¸cada y obt´em-se da entrada r e da fun¸c˜ ao h pela convolu¸c˜ ao y = h∗r. Mostre que a resposta for¸cada yL correspondente a um impulso positivo com largura L > 0 e integral 1 na entrada, rL (t) = L1 se 0 ≤ t < L , e rL (t) = 0 se t ≥ L , satisfaz yL (t) → h(t) quando L → +∞ , para todo t > 0 . Por esta raz˜ ao, chama-se a h resposta impulsiva do sistema. Calcule a resposta impulsiva do sistema das duas u ´ ltimas al´ıneas do exerc´ıcio precedente (Figura 7.10).

Figura 7.10: Resposta impulsiva de sistema linear 1 com fun¸c˜ ao de transferˆ ancia T (s) = s2 +2s+2

1 Figura 7.11: Diagrama de Bode para fun¸c˜ao de transferˆencia T (s) = s2 +2s+2

c) Analogamente ` a representa¸c˜ ao gr´ afica de transformadas de Fourier em an´ alise e processamento de sinais (ver exerc´ıcio 6.23), representa-se graficamente a fun¸c˜ ao de transferˆencia T de um sistema linear “em fun¸c˜ ao da frequˆencia” ω por gr´ aficos do m´ odulo e de um argumento de T (iω) em fun¸c˜ ao de ω (ou, na linguagem de an´ alise de sistemas, amplitude (ou ganho) e fase da fun¸c˜ ao de transferˆencia). A este tipo de representa¸c˜ ao gr´ afica chama-se diagrama de Bode114 do sistema; tal como para sinais (exerc´ıcio 6.23), ´e usual adoptar escalas logar´ıtmicas para a 114 Hendrik Wade Bode (1905-1982) iniciou a utiliza¸ca ˜o dos gr´ aficos da amplitude (em dB) e da fase de fun¸co ˜es de transferˆ encia na an´ alise e projecto de amplificadores com retroac¸ca ˜o em 1940. H.W. Bode foi para os Bell Telephone Laboratories em 1926, logo depois de obter o Mestrado, e em 1929 entrou para o influente Mathematical Research Group dos Bell Labs, que dirigiu no per´ıodo 1944-1955, e depois foi Director de Investiga¸ca ˜o em Ciˆ encias F´ısicas at´ e 1958 e seguidamente um

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 7

127

amplitude e para a frequˆencia angular em decib´eis (dB) e uma escala linear para a fase. Mostre que o diagrama de Bode do sistema linear das duas u ´ ltimas al´ıneas do exerc´ıcio precedente ´e o indicado na como na Figura 7.11.

Figura 7.12: Diagrama de blocos da liga¸c˜ao em s´erie de dois sistemas 7.13 a) Mostre que a liga¸ c˜ ao em s´ erie de sistemas lineares (ver os dois exerc´ıcios anteriores) com fun¸c˜ oes de transferˆencia T1 e T2 (i.e. a sa´ıda do 1o ´e a entrada do 2o ) ´e um sistema linear com fun¸c˜ ao de transferˆencia T = T2 T1 (Figura 7.12). b) Mostre que a fun¸c˜ ao de transferˆencia do sistema linear de controlo com retroac¸ c˜ ao115 na Figura 7.13, em que G e H s˜ ao fun¸c˜ oes de transferˆencia de KG sistemas lineares (ver os dois u ´ ltimos exerc´ıcios anteriores) e K > 0 , ´e T = 1+KHG .

Figura 7.13: Diagrama de blocos de sistema com retroac¸c˜ao

Figura 7.14: Diagrama de blocos de sistema em malha aberta e com retroac¸c˜ao dos dois Vice-Presidentes dos Bell Labs para Military Development and Systems Engineering at´ e 1967 quando se aposentou. Pouco depois de se aposentar dos Bell Labs foi eleito para Gordon McKay Professor of Systems Engineering na Harvard University, fun¸co ˜es que exerceu at´ e 1974. 115 Em inglˆ es diz-se feedback. O uso de retroac¸ca ˜o no projecto de sistemas remonta ` a antiguidade grega, para aumento da precis˜ ao de medi¸ca ˜o do tempo por rel´ ogios de ´ agua e para regula¸ca ˜o do n´ıvel de dep´ ositos de l´ıquidos. Durante a Revolu¸ca ˜o Industrial no final do s´ ec. XVIII e ao longo do s´ ec. XIX foram desenvolvidos sistemas industriais com retroac¸ca ˜o, para m´ aquinas a vapor, moinhos, teares mecˆ anicos, fornos de combust˜ ao, com a introdu¸ca ˜o de reguladores de temperatura, press˜ ao, velocidade. Um outro avan¸co importante foi a introdu¸ca ˜o de girosc´ opios em 1910 e de sistemas de controlo com retroac¸ca ˜o para manuten¸ca ˜o de rumo em navios e pilotos autom´ aticos em 1922 (ver exerc´ıcio 8.32). Contudo, o maior impulso tecnol´ ogico para o desenvolvimento das t´ ecnicas de projecto de sistemas com retroac¸ca ˜o foi a prop´ osito de amplificadores electr´ onicos de ganho muito elevado na ind´ ustria de comunica¸co ˜es, em particular com a introdu¸ca ˜o de retroac¸ca ˜o negativa no projecto de amplificadores por Harold Black (1898-1983) em 1927. O papel do Mathematical Research Group dos Bell Labs foi determinante para este desenvolvimento em 1927-1940, com a introdu¸ca ˜o de m´ etodos baseados em An´ alise Complexa como: crit´ erio de estabilidade de Nyquist em 1932 (exerc´ıcio 8.33) e diagrama de Bode em 1940 (exerc´ıcio 7.12).

128

Teorema e f´ ormula de Cauchy globais

Figura 7.15: Respostas dos sistemas com retroac¸c˜ao e em malha aberta da figura precedente (` a direita) ao escal˜ ao unit´ ario (` a esquerda) K1 e o sistema c) Considere o sistema linear com fun¸c˜ ao de transferˆencia G(s) = 10s+1 linear com retroac¸c˜ ao da Figura 7.14. Determine a resposta ao escal˜ ao unit´ ario (u(t) = 0 para t < 0 , u(t) = 1 para t ≥ 0 ) do sistema em malha aberta com fun¸c˜ ao de transferˆencia116 G e do sistema com retroac¸c˜ ao considerado, para K1 = Kt = 1 e Ka = 100 (Figura 7.15). d) Chama-se erro de um sistema linear de controlo com retroac¸c˜ ao como na Figura 7.13 ` a diferen¸ca entre a sa´ıda e a entrada e = y − r. Mostre que a transformada de Laplace do erro ´e E = 1+KHG−KG . 1+KHG

e) Chama-se erro estacion´ ario117 de posi¸ c˜ ao ess de um sistema de controlo com retroac¸c˜ ao ao limite quando t → +∞ do erro no instante t quando a entrada ´e o escal˜ ao unit´ ario. Mostre que o erro de posi¸c˜ ao do sistema da Figura 7.13 ´e ess = lim

s→0

1 + K H(s) G(s) − K G(s) 1 + K H(s) G(s)

.

1 e Se H = 1 (diz-se sistema com retroac¸ c˜ ao identidade) ´e ess = lims→0 1 + KG(s) se H = 0 (diz-se sistema em malha aberta) ´e ess = lims→0 [ 1−KG(s) ] . 1 (Observa¸ca ˜o: Em c) para malha aberta ´ e ess = 0 e para retroac¸ca ˜o identidade ess = 101 , e uma varia¸ca ˜o de 10% no ganho K1 do sistema causa uma varia¸ca ˜o de 10% no erro de posi¸ca ˜o em malha aberta e de 0,1% com retroac¸ca ˜o identidade. Portanto, embora seja teoricamente poss´ıvel um erro de posi¸ca ˜o nulo em malha aberta, a sensibilidade a varia¸co ˜es do parˆ ametro do sistema (inevit´ aveis na pr´ atica) ´ e total para o sistema em malha aberta e muito menor para o sistema com retroac¸ca ˜o, apesar de ter de haver erro de posi¸ca ˜o).

116 Esta fun¸ca ˜o de transferˆ encia pode ser de um motor de corrente cont´ınua em que a sa´ıda y(t) ´ e a velocidade. O sistema com retroac¸ca ˜o indicado corresponde a realimentar a velocidade observada por um tac´ ometro com ganho Ksubtraindo-a ` a entrada r(t) , que ´ e a velocidade pretendida. 117 Em inglˆ es diz-se steady state error.

Cap´ıtulo 8

Singularidades, fun¸c˜ oes meromorfas e teorema dos res´ıduos 8.1

Introdu¸ c˜ ao

Nos cap´ıtulos anteriores encontraram-se diversas manifesta¸c˜oes de propriedades bastante restritivas de fun¸c˜oes holomorfas, entre outras as equa¸c˜oes de Cauchy-Riemann, o Teorema de Liouville, o Teorema de Unicidade, a Propriedade de Valor M´edio, o Princ´ıpio do M´odulo M´aximo e o Teorema de Cauchy. Cada fun¸c˜ ao holomorfa num conjunto aberto limitado ´e determinada pelos valores na fronteira, o que fica mais claro no cap´ıtulo seguinte. Neste contexto assumem particular interesse os pontos isolados da fronteira do conjunto de holomorfia em que a fun¸c˜ao admite singularidades. As singularidades isoladas podem ser de trˆes tipos: remov´ıveis (a fun¸c˜ao ´e prolong´avel ao ponto de modo a tamb´em ser a´ı holomorfa), p´ olos (a fun¸c˜ao tende para infinito como potˆencias inteiras negativas das diferen¸cas ao ponto de singularidade) e essenciais (os valores da fun¸c˜ao numa vizinhan¸ca da singularidade s˜ ao densos em C ). A conclus˜ao que esta situa¸c˜ao se verifica sempre para uma singularidade isolada que n˜ ao ´e remov´ıvel nem ´e um p´ olo foi estabelecida em 1868 independentemente por Y. Sohotsky, na sua tese de doutoramento, e por F. Casorati, e oito anos depois K. Weierstrass deu outra prova. Como o trabalho de Y. Sohotsky demorou algum tempo a ser conhecido na Europa ocidental, o resultado ficou com o nome de Teorema de Casorati-Weierstrass. O nome “p´ olo” foi introduzidoem 1857 por C. Briot e J. Bouquet118 . Quando a singularidade isolada ´e essencial ou um p´ olo, a fun¸c˜ao n˜ ao ´e extens´ıvel na vizinhan¸ca da singularidade a uma fun¸c˜ao holomorfa e, portanto, n˜ ao admite a´ı uma representa¸c˜ao em s´erie de potˆencias centrada na singularidade com expoentes n˜ ao-negativos. Contudo, a fun¸c˜ao pode ser re118

Sohotsky, Yulian (1842-1927). Casorati, Felice (1835-1890).

130

Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos

presentada na vizinhan¸ca destas singularidades como soma de uma s´erie de potˆencias de expoentes n˜ ao-negativos com uma fun¸c˜ao polinomial do rec´ıproco da vari´ avel independente (se a singularidade ´e um p´ olo) ou com uma s´erie de potˆencias negativas (se a singularidade ´e essencial), todas centradas no ponto de singularidade. Estas representa¸c˜oes s˜ ao chamadas s´eries de Laurent119 , por terem sido estabelecidas por P.F. Laurent em 1843, embora j´a aparecessem nos “Cadernos de Munique” de 1841 de K. Weierstrass, s´ o publicados em 1894. O nome “res´ıduo” foi introduzido em 1826 por A.-L. Cauchy para a diferen¸ca dos integrais de uma fun¸c˜ao sobre dois caminhos com as mesmas extremidades delimitando uma regi˜ ao onde a u ´ nica singularidade ´e um p´ olo da fun¸c˜ ao. Esta diferen¸ca tinha sido identificada por A.-L. Cauchy num trabalho de 1814. O nome “res´ıduo” traduz literalmente a ideia de uma componente residual que, nas condi¸c˜oes indicadas, faltava a um dos integrais para dar o valor do outro. Os integrais em caminhos fechados de fun¸c˜oes que s˜ ao holomorfas num conjunto com excep¸c˜ao de um conjunto de pontos isolados em que tˆem p´ olos, chamadas fun¸c˜oes meromorfas (nome dado por C. Briot e J. Bouquet em 1857), podem ser calculados por simples soma de res´ıduos. Esta possibilidade foi estabelecida por A.-L. Cauchy em 1826, no Teorema dos Res´ıduos, com a hip´ otese das fun¸c˜oes serem C 1 . J´ a se viu que com o trabalho de E. Goursat em 1900 a hip´ otese da fun¸c˜ao ser C 1 pode ser omitida. O teorema tem extensas aplica¸c˜oes, nomeadamente porque quando pode ser aplicado reduz o c´alculo de integrais sobre caminhos fechados e de integrais impr´oprios de certas fun¸c˜oes reais a simples somas de res´ıduos. Uma outra consequˆencia do Teorema dos Res´ıduos ´e o Princ´ıpio do Argumento, que estabelece que a varia¸c˜ao do argumento dos pontos da imagem de uma fun¸c˜ ao meromorfa f ao longo de um caminho fechado ´e proporcio′ nal ao integral ff sobre o caminho considerado, e que este permite obter a diferen¸ca entre os no s de zeros e p´ olos, contando multiplicidades, na regi˜ ao em torno da qual o caminho d´ a uma volta. Este resultado generaliza para fun¸c˜ oes meromorfas a f´ormula de contagem de zeros de fun¸c˜oes holomorfas obtida no cap´ıtulo 6. O cap´ıtulo termina com uma aplica¸c˜ao do Princ´ıpio do Argumento que d´ a a igualdade das diferen¸cas de no s de zeros e p´ olos de cada uma de duas fun¸c˜ oes meromorfas f e g numa regi˜ ao em torno da qual um caminho fechado γ d´ a uma volta, desde que se verifique a |f − g| < |f | + |g| sobre a curva γ ∗ . Este resultado, provado por T. Estermann em 1962 e, independentemente, por I. Glicksberg120 em 1976, ´e uma pequena extens˜ao do Teorema de Rouch´e, provado por E. Rouch´e em 1862, que tem a mesma tese mas a hip´ otese um pouco mais forte |f−g| < |g| em γ ∗ . Mostra-se, tamb´em, que este teorema pode ser aplicado para obter uma curta prova do Teorema Fundamental da 119 120

Laurent, Pierre Alfonse (1813-1854). Estermann, Theodor (1902-1991). Glicksberg, Irvin.

8.2 Singularidades e s´ eries de Laurent

131

´ Algebra, diferente das 4 variantes dadas no cap´ıtulo 6.

8.2

Singularidades e s´ eries de Laurent

Se Ω ⊂ C ´e um conjunto aberto, a ∈ Ω e f ∈ H(Ω\{a}) mas f ∈ / H(Ω) , diz-se que f tem uma singularidade isolada em a . Se f pode ser definida (ou redefinida) em a de modo ` a nova fun¸c˜ao ser holomorfa em a , diz-se que a singularidade em a ´ e remov´ıvel. (8.1) Seja Ω ⊂ C um conjunto aberto, a ∈ Ω , f ∈ H(Ω\{a}) e f ∈ / H(Ω) . Se f ´e limitada em Br (a)\{a}, para algum r < 0 , ent˜ ao a singularidade de f em a ´e remov´ıvel. Dem. Define-se h(z) =



(z−a)2 f (z) , se z ∈ Ω\{a} . 0 , se z = a

Como f ´e limitada em Br (a) \ {a} , ´e h′ (a) = 0 e h ∈ H(Ω) . Em consequˆencia, P h pode ser ndesenvolvida em s´erie de potˆencias centrada em a , h(z) =P ∞ em-se n=2 cn (z − a) , para z ∈ Br (a) . Definindo f (a) = c2 obt´ ∞ n f (z) = n=0 cn+2 (z −a) para z ∈ Br (a) , pelo que f ´e holomorfa em Br (a) e, portanto, a singularidade de f em a ´e remov´ıvel. Q.E.D. O resultado seguinte caracteriza as singularidades isoladas. (8.2) Se Ω ⊂ C ´e aberto, a ∈ Ω , f ∈ H(Ω \ {a}) e f ∈ / H(Ω) , ent˜ ao verifica-se uma das alternativas: 1. f tem uma singularidade remov´ıvel em a ; P −k 2. existem c1 , . . . , cm ∈ C , com cm 6= 0 tais que f (z)− m k=1 c−k (x−a) tem uma singularidade remov´ıvel em a e existe r > 0 tal que ∞ m X X c−k (z−a)−k + f (z) = cn (z−a)n , z ∈ Br (a) ; (8.3) n=0  k=1 3. f Br (a)\{a} ´e denso em C, para todo r > 0 tal que Br (a) ⊂ Ω .

Dem. Se n˜ ao se verifica 3, existem r, δ > 0 e w ∈ C tais que |f (z)− w| > δ para z ∈ Br (a)\{a}. g(z) = f (z)1− w satisfaz g ∈ H Br (a)\{a} e |g| < 1δ em Br (a)\{a}, pelo que, do resultado precedente, g ´e extens´ıvel a uma fun¸c˜ao holomorfa em Br (a) , que se continua a designar por g . Se g(a) 6= 0 , f = w+g1 define uma extens˜ ao de f em Bρ (a) para algum ρ > 0 , pelo que tem uma singularidade remov´ıvel em a e verifica-se 1 do enunciado. Se g(a) = 0 e m ∈ N ´e a ordem deste zero de g , ´e g(z) = (z −a)m g1 (z) para z ∈ Br (a) , em que g1 ∈ H Br (a) e g1 (a) 6= 0 . Com h = g1 em Br (a) e ρ > 0 tal que g1 n˜ ao 1  P∞ se anula em Bρ (a) , ´e h ∈ H Bρ (a) e, portanto, h(z) = n=0 bn (z−a)n , para z ∈ Bρ (a) , com b0 6= 0 pois h n˜ ao tem zeros, e, para z ∈ Br (a)\{a} , ´e

132

Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos

1 f (z) = w + g(z) =w+

∞ X

bn (z−a)n−m =

n=0

m X k=1

c−k (z−a)−k +

∞ X

cj (z−a)j ,

j=0

em que c−k = bm−k , c0 = w+bm , cj = bm+j , pelo que se verifica 2.

Q.E.D.

No caso 2 deste resultado diz-se que f tem um p´ olo de ordem m em a , chama-se parte principal ou parte singular de f em a `a fun¸c˜ao raP −k e diz-se que (8.3) ´ cional definida por Q(z) = m c (z−a) e a s´ erie de k=1 −k Laurent de f centrada em a . No caso 3 diz-se que f tem uma singularidade essencial em a ; todo n´ umero complexo w pode ser aproximado pelos valores de f em pontos de uma sucess˜ao {zn } ⊂ C tal que zn → a ; do resultado que se segue, f tem em Br (a) \ {a} , para algum r > 0 , um desenvolvimento em s´ erie de Laurent centrada em a da forma ∞ m +∞ X X X cn (z−a)n , f (z) = c−k (z−a)−k + cn (z−a)n = (8.4) k=1

P

n=0

n=−∞

(z − a)n

Uma s´erie de Laurent diz-se (resp., absolutamente n∈Z cn ou uniformemente convergente) convergente se as s´eries que correspondem aos termos de potˆencias n˜ ao negativas e de potˆencias negativas s˜ ao (resp., absolutamente ou uniformemente) convergentes; a estas s´eries chamase, resp., parte regular de f em a , e parte principal (ou parte singular) 1 de f em a . Como exemplo, a fun¸c˜ao e z tem singularidade essencial em 0 .

Figura 8.1: Coroa de convergˆencia de uma s´erie de Laurent Os resultados gerais de convergˆencia de s´eries de potˆencias implicam que a parte regular de uma s´erie de Laurent ´e absolutamente convergente no interior de um c´ırculo de convergˆencia com raio (de convergˆencia) √ R2 = 1/ lim n cn e a parte principal ´e absolutamente convergente no exn→+∞ √ terior de um c´ırculo com raio R2 = 1/ lim n c−n . Portanto, uma s´erie de n→+∞ Laurent ´e absolutamente convergente no interior de uma coroa circular limitada por circunferˆencias de raios 0 ≤ R1 ≤ +∞ e 0 ≤ R2 ≤+∞ , chamada coroa de convergˆ encia da s´erie de Laurent (Figura 8.1); pode ser R1 ≥ R2 , caso em que o conjunto de convergˆencia da s´erie de Laurent ´e vazio. Se o conjunto de convergˆencia n˜ ao ´e vazio, ´e o interior de uma coroa circular com possivelmente pontos da sua fronteira em que a convergˆencia pode n˜ ao ser absoluta. Dos resultados gerais para s´eries de potˆencias, a convergˆencia ´e

8.2 Singularidades e s´ eries de Laurent

133

uniforme em cada subconjunto compacto da coroa de convergˆencia. O Teorema de Weierstrass para s´eries uniformemente convergentes assegura que a soma de uma s´erie de Laurent ´e anal´ıtica na coroa de convergˆencia. Mais geralmente, tem-se o resultado seguinte publicado por P.A.Laurent em 1843, mas que aparece nos “Cadernos de Munique” de K. Weierstrass de 1841, s´ o publicados em 1894.  (8.5) Se f ∈ H BR2 (a)\BR1 (a) , com a ∈ C e R2 > R1 ≥ 0 , ent˜ ao, para ´nico z ∈ BR2 (a)\BR1 (a) , f tem desenvolvimento em s´erie de Laurent u Z +∞ X f (w) 1 cn (z−a)n , com cn = i2π f (z) = dw , n ∈ Z , (w−a)n+1 γ

n=−∞

em que γ : [0, 2π] → C satisfaz γ(θ) = a+reiθ e R1 < r < R2 .

  Dem. Prova-se que f = f1 +f2 , em que f1 ∈ H BR2 (a) e f2 ∈ H C\BR2 (a) com lim|z|→+∞ f2 (z) = 0 . Para tal define-se Z Z f (w) f (w) 1 1 dw , z ∈ B (a) , f (z) = − f1 (z) = i2π r 2 i2π (w−z) dw , z ∈ C\Br (a) . (w−z) γ

γ

  De (5.8), f1 ∈ H Br (a) e f2 ∈ H C \ Br (a) . Do Teorema de Cauchy Global (7.3), os valores dos integrais nas defini¸c˜oes de f1 e f2 s˜ ao os mesmos para todo r ∈ ]R1 , R2 [ , com r 6= ormulas  |z − a| , pelo que as f´ B (a) . Para anteriores definem fun¸ c o ˜ es f ∈ H B (a) e f ∈ H C \ R 1 R 2 1 2 R P f (w) n , em que a = 1 dw . Com z ∈ BR2 (a) ´e f1 (z) = ∞ a (z − a) n i2π γ (w−a)n+1 n=0 n  1 g(s) = f2 a + s , como lim|z|→+∞ f2 (z) = 0 , ´e lims→0 g(s) = 0 e a fun¸c˜ao g ´e limitada em B1/R1 (0) \ {0}. De (8.1), a singularidade de gna origem ´e remov´ Pıvel comn g(0) = 0 e, com esta extens˜ao, g ∈ H B1/R1 (0) , pelo que g(s) = ∞ n=1 bn s , em que Z Z Z f2 (a+ 1s ) g(s) f2 (w) 1 1 1 ds = i2π (w−a) bn = − i2π sn+1 ds = − i2π −n+1 dw , sn+1 λ

λ

γ

P com λ : [0, 2π] → C tal que λ(θ) = Logo, f2 (z) = ∞ b (z − a)−n , n=1   n para z ∈ C\BR1 (a) . Como g ∈ H B1/R1 (0) e f1 ∈ H BR2 (a) , do Teorema de Cauchy Global (7.3), para n ∈ N , ´e Z Z Z g(s) f2 (w) g(s) sn−1 ds = 0 , dw = − ds = − (w−a)n+1 s−n+1 1 −iθ . re

Z

λ

γ

γ

f1 (w) (w−a)−n+1

λ

Z dw = f1 (w) (w−a)n−1 dw = 0 , γ

e, portanto, c0 = a0 , cn = an , c−n = bn , para n ∈ N , pelo que se tem o desenvolvimento em s´erie de Laurent ∞ ∞ ∞ X X X cn (z−a)n . bn (z−a)−n = an (z−a)n + f (z) = f1 (z)+f2 (z) = n=0

n=1

n=−∞

134

Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos

Resta verificar unicidade. Se γ ∗ ´e um subconjunto compacto da coroa de convergˆencia da s´erie de Laurent, esta converge uniformemente em γ ∗ . Logo, uma s´erie obtida multiplicando todos os termos por uma potˆencia fixa de ∗ (z −a) tamb´em converge uniformemente R em γ j, e, portanto, pode ser integrada termo a termo em γ . De (4.4), γ (w−a) = 0 para j ∈ Z\{−1} , e, de R (4.10), ´e γ (w−a)−1 = i2π , pelo que Z Z ∞ X f (w) dw = ck (z−a)k−n−1 = i2π cn , n ∈ N ; (w−a)n+1 γ

k=−∞

γ

esta f´ormula determina os coeficientes da s´erie de Laurent. (8.6) Exemplo: f (z) =

1 (z−1)(z−2)

Q.E.D.

´e holomorfa em cada uma das coroas

circulares B1 (0)\{0}, B2 (0)\B1 (0), C\B2 (0) . Para desenvolver f em s´eries 1 1 − z−1 e de Laurent nestas coroas circulares, observa-se que f (z) = z−2 ∞ X n 1 1 z 1 1 , z ∈ Br (0) , z−r = − r 1−z/r = − r r 1 z−r

=

1 1 z 1−r/z

=

1 z

∞ X

n=0

n=0

 r n = 1r z

∞ X

n=1

 z −n , r

z ∈ C\Br (0) ,

Logo, obtˆem-se os desenvolvimentos em s´eries de Laurent ∞ ∞ ∞ X X  n  X n 1 z n z , z ∈ B1 (0) , 1− 2n+1 z = + f (z) = − 12 2 f (z) = − 12 f (z) =

1 2

n=0 ∞ X n=0

∞ X

n=1

 z n − 2

n=0 ∞ X

n=0

z −n ,

z ∈ B2 (0)\B1 (0) ,

n=1

∞ ∞ X X   −n −n 1 z −n z = 1− 2−n+1 − z , 2 n=1

n=1

z ∈ C\B2 (0) ,

Portanto, f n˜ ao tem parte singular em B1 (0)\{0} (i.e. ´e holomorfa em B1 (0)) e n˜ ao tem parte regular em C\B2 (0) , enquanto em B2 (0)\B1 (0) tem tanto parte singular como parte regular diferentes de zero.

8.3

Fun¸ c˜ oes meromorfas e teorema dos res´ıduos

Diz-se que uma fun¸c˜ ao complexa f ´e meromorfa num conjunto aberto Ω ⊂ C se existe um conjunto A ⊂ Ω tal que: (1) f ∈ H(Ω\A) , (2) f tem um p´ olo em cada ponto de A , e (3) A n˜ ao tem pontos limite em Ω . Designa-se o conjunto das fun¸c˜ oes meromorfas em Ω por M (Ω) . ´ imediato da defini¸c˜ao que se Ω ´e um subconjunto aberto n˜ E ao vazio de C , M (Ω) ´e um que ´e um espa¸co linear complexo com as opera¸co ˜es usuais. As fun¸c˜ oes meromorfas s˜ ao as fun¸c˜oes sem singularidades (A = ∅) ou com singularidades que s˜ ao p´ olos isolados. A condi¸c˜ao (3) implica que nenhum conjunto compacto tem infinitos pontos de A , pelo que o conjunto de p´ olos de uma fun¸ca ˜o meromorfa ´e numer´ avel.

8.3 Fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos

135

De (8.2), uma fun¸c˜ ao meromorfa tem numa vizinhan¸ca P de cada ponto a k do seu dom´ınio desenvolvimento em s´erie de Laurent f (z) = ∞ k=oa ck (z−a) , com oa ∈ Z , em que f tem um p´ olo de ordem −oa ou um zero de ordem oa em a se, resp., oa < 0 ou oa > 0 , pelo que se chama a oa a ordem da fun¸ c˜ ao meromorfa f em a . Se f ´e uma fun¸c˜ ao meromorfa num conjunto aberto Ω ⊂ C e a ∈ Ω ´e um p´ olo de f , chama-se res´ıduo de f em Za a Res(f ; a) =

(8.7)

1 i2π

f (z) dz ,

γ

em que γ : [0, 2π] → C ´e tal que γ(θ) = a+r eiθ e r > 0 ´e tal que no interior do c´ırculo limitado pela circunferˆencia γ ∗ a fun¸c˜ao f n˜ ao tem singularidades al´em do p´ olo em a (Figura 8.2). Do Teorema de Cauchy, os integrais calculados em diferentes circunferˆencias γ ∗ nas condi¸c˜oes anteriores s˜ ao iguais. Nas condi¸c˜ oes indicadas, resulta de (8.2) que f tem representa¸ c˜ao em P n em B (a)\{a} , em que R > 0 ou R = +∞ s´erie de Laurent ∞ c (z−a) R n=−∞ n ´e a distˆ ancia de a ` a mais pr´ oxima das outras singularidades de f e (8.8) Res(f ; a) = c−1 . Se o p´ olo de f em de ordem 1), a s´erie de Laurent de f P a ´e simples (i.e. n e c centrada em a ´e ∞ c (z−a) −1 = limz→a (z−a)f (z) , pelo que n=−1 n

Res(f ; a) = lim (z−a)f (z) , se o p´ olo em a ´e simples. (8.9) z→a Se o p´ olo de f em a ´e de ordem m ∈ N , a s´erie de Laurent de f centrada em P∞ (m−1) 1 limz→a ddz m−1 [(z−a)m f (z)] , pelo que a ´e n=−m cn (z−a)n e c−1 = (m−1)!  (m−1)  1 lim ddzm−1 (z −a)m f (z) , se o p´ olo em a ´e de ordem m. (8.10) Res(f ; a) = (m−1)! z→a

Nas condi¸c˜ oes indicadas, se Γ ´e um ciclo em Ω , a ∈ A\Γ∗ e P designa a parte principalZde f em a, ´eZ

(8.11)

1 i2π

1 P (z) dz = i2π

Γ

m X

Γ k=1

1 dz = c−1 IndΓ (a) = Res(P ; a) IndΓ (a) . c−k (z−a)−k+1 z−a

Esta f´ormula ´e um caso particular do Teorema dos Res´ıduos que se segue. Este resultado foi estabelecido para fun¸c˜oes continuamente diferenci´ aveis por A.-L.Cauchy num trabalho publicado em 1826, seguido de v´arios artigos seus com aplica¸c˜ oes. Permite calcular o integral de uma fun¸ca˜o meromorfa num conjunto por somas finitas de quantidades locais num no finito de pontos de singularidade da fun¸c˜ ao e tem amplas aplica¸c˜oes.

1 Figura 8.2: P´ olos ak e res´ıduos Res(f ; ak ) = i2π

R

γkf (z) dz

de f ∈ M (Ω)

136

Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos

(8.12) Teorema dos Res´ıduos: Se Ω ⊂ C ´e aberto, Γ ´e um ciclo em Ω hom´ ologo a zero em Ω , f ∈ M (Ω) e A ´e o conjunto dos p´ olos de f em Ω , Z X 1 Res(f ; a) IndΓ (a) . i2π f (z) dz = Γ

a∈A

em que a soma tem um no finito de termos.

Dem. Seja B = {a ∈ A : IndΓ (a) 6= 0} . A fun¸c˜ao IndΓ definida em C \ Γ∗ ´e zero na componente conexa ilimitada V de C ⊂ Γ∗ . Como A n˜ ao tem pontos limite em Ω e C\V ´e compacto, B ´e um conjunto finito, e a soma no enunciado tem um no finito de termos. Se a1 , . . . , am s˜ ao os elementos de B, as partes principais de f nestes pontos s˜ ao, resp., P1 , . . . , Pm e g = f−(P1 + · · · +Pm ) (se B = ∅ , ´e g = f ), como g tem singularidades remov´ıveis nos pontos a1 , . . . , am , do TeoremaR de Cauchy Global (7.3) aplicado a g no conjunto aberto Ω0 = Ω\(A\B) , ´e Γ g(z) dz = 0 , e com (8.11) obt´em-se Z Z m m X X 1 1 Res(Pk ; ak ) IndΓ (ak ) . f (z) dz = P (z) dz = k i2π i2π Γ

k=1

Γ

k=1

A prova termina verificando que f e Pk tˆem o mesmo res´ıduo em ak . Q.E.D.

1 Figura 8.3: Valores I dos integrais de f (z) = (z−1)(z−2) em circunferˆencias em C\{1, 2} no caminho λ indicado

(8.13) Exemplos: 1 , considerada no Exem1. Para calcular o integral de f (z) = (z−1)(z−2) plo (8.6), em caminhos γa,r : [0, 2π] → C tais que γa,r (θ) = a + r eiθ , com

8.3 Fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos

137

a ∈ C\{1, 2}, r ∈ R+{|a−1|, |a−2|}, nota-se que, de (8.9), Res(f ; 1) = −1 e Res(f ; 2) = 1 , pelo que o Teorema dos Res´ıduos d´ a (Figura 8.3)  0 , se 0 < r < min{|a−1|, |a−2|}    Z  Res(f ; 1) = −1 , se |a−1| < r < |a−2| f (z) dz =  Res(f ; 2) = 1 , se |a−2| < r < |a−1| γa,r    Res(f ; 1)+Res(f ; 2) = 0 , se r > max{|a−1|, |a−2|} . π

O integral de f no caminho λ : [0, 2π] → C com λ(ϕ) = 32 +3 cos(ϕ) e−i 4 sin ϕ ´e Z f (z) dz = Res(f ; 1) − Res(f ; 2) = −1 − 1 = −2 . λ

2. oes racionais de senos e cosenos da forma R 2π Todos os integrais de fun¸c˜ R(cos θ, sin θ) dθ, em que R ´e uma fun¸c˜ao racional de duas vari´ aveis, 0 podem ser facilmente calculados com o Teorema dos Res´ıduos. Tamb´em podem ser calculados por primitiva¸c˜ao, mas, em geral, com muito mais iθ −iθ iθ −iθ e sin θ = e −e , com γ : [0, 2π] → C tal trabalho. Como cos θ = e +e2 2i iθ iθ que γ(θ) = e , a substitui¸c˜ ao z = e , e o Teorema dos Res´ıduos, permitem escrever o integral considerado na forma Z Z 2π X   1  1 z− z1 z1 dz = 2π Res(f ; a) , R(cos θ, sin θ) dθ = i R 21 z+ z1 , 2i 0

γ

a∈A  1 em que f (z) = R 2 z + , 2i z − z1 1z e A ´e o conjunto de p´ olos de f no c´ırculo com raio 1 e centro na origem B1 (0) . Rπ 1 Como exemplo concreto calcula-se o integral 0 a+cos θ dθ , para a > 1 . Como cos(2π−θ) = cos θ , Z π Z 2π Z Z 1 1 1 1 1 1 1  z dz = i 2 1 dz . a+cos θ dθ = 2 a+cos θ dθ = i2

1

0

1 z

0



1 1 γ a+ 2i z+ z

γ

z +2az+1

O denominador na fun¸c˜ ao integranda no u ´ ltimo termo desta√equa¸c˜ao pode ser factorizado na forma (z −z+ )(z −z− ) , em que z± = −a± a2 −1 . Como 1 , ´e z− < −1 < z+ < 0 , ´e A = {z+ } e, com f (z) = (z−z+ )(z−z −) 1 = Res(f ; z+ ) = lim [ (z−z+ ) f (z) ] = lim z−z − z→z+ z→z+ Rπ 1 Portanto, 0 a + cos θ dθ = √aπ2 −1 .

1 z+ −z−

=

√1 2 a2 −1

.

Diz-se que uma fun¸c˜ ao f holomorfa em Ω ⊂ C que cont´em uma vizinhan¸ ca do infinito (i.e. Ω ⊃ C \ Br (0) para algum r > 0 ) tem uma singularidade isolada (resp., remov´ıvel, p´ olo de ordem m, essencial) 1 tem uma singularidade isolada (resp., no infinito se a fun¸c˜ ao g(z) = f (z) remov´ıvel, p´ olo de ordem m, essencial) em zero. Se f tem um p´ olo de ordem m no infinito, define-se o res´ıduo de f no infinito por Z 1 Res(f, ∞) = i2π f (z) dz , (8.14) −γr

138

Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos

em que γr : [0, 2π] → C com γr (θ) = reiθ e r > 0 ´e tal que a fun¸c˜ao f n˜ ao tem ∗ singularidades no exterior do c´ırculo limitado pela circunferˆencia γr . Como Z 2π Z 2π Z iθ  iθ  −iθ −iθ f (z) dz = f (re ) (−ir) e dθ = − g er r 2 e−i2θ g ier dθ 0 0 −γr Z Z  = − g(z) z12 dz = − f 1z z12 dz , γ1 γ1  r r 1 1 com a fun¸c˜ ao h(z) = −f z z 2 , ´e (8.15)

Res(f ; ∞) = Res(h; 0) .

P

−n , obt´ em-se n∈Z c−n z  P 1 n f (z) = g z = n∈Z cn z , que

Da s´erie de Laurent de g centrada em zero, g(z) =

a s´ erie de Laurent de f centrada em ∞ , tem partes singular e regular dadas pelos termos de ordem, resp., positiva e negativa desta s´erie, pelo que (8.16)

Res(f ; ∞) = −c−1 .

ou seja, o res´ıduo no infinito ´e o sim´etrico de um coeficiente da parte regular da s´erie de Laurent centrada no infinito. Em particular, se f tem uma singularidade remov´ıvel no infinito, o seu res´ıduo no infinito pode ser 6= 0 . O resultado elementar seguinte, relativo `a soma total de res´ıduos, ´e u ´ til em situa¸c˜ oes como a do exemplo que se lhe segue. (8.17) Se f ∈ M (C) tem um conjunto finito olos e um p´ olo em ∞ P A de p´ ou uma singularidade em ∞ remov´ıvel, Res(f ; a)+Res(f ; ∞) = 0 . a∈A

Dem. Se γr ´e um caminho nasR condi¸c˜oes do pen´ ultimo par´ agrafo anterior 1 f (z) dz , e o Teorema dos Res´ıduos d´ a ao enunciado, Res(f, ∞) = i2π −γr R P 1 f (z) dz = a∈A Res(f ; a) , que implica a f´ormula no enunciado. Q.E.D. i2π −γr

Figura 8.4: P´ olos de

1 (1+z 8 )2

8.3 Fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos (8.18) Exemplo: Pode-se calcular 2eiθ ,

R

1 γ (1+z 8 )2

139

dz , em que γ : [0, 2π] → C sa-

tisfaz γ(θ) = sem calcular os res´ıduos no conjunto A dos 8 p´ olos de ordem 2 da fun¸c˜ ao integranda (Figura 8.4). Como todos os p´ olos est˜ ao na circunferˆencia com centro na origem e raio 1 e, portanto, s˜ ao interiores ao c´ırculo limitado por γ ∗ , do Teorema dos Res´ıduos e do resultado precedente, Z X X 1 dz = i2π Res(f, a) = −i2π Res(f, ∞) . 8 2 (1+z ) γ

a∈A a∈A  f (z) = tem uma singularidade remov´ıvel no infinito, pois g(z) = f 1z ´e extens´ıvel a uma fun¸c˜ ao holomorfa numa vizinhan¸ca da origem com  o valor 0 na origem, e este zero Rtem ordem 16, pelo que, com h(z) = f 1z z12 , ´e Res(f ; ∞) = Res(h; 0) = 0 , e γ (1+z1 8 )2 dz = 0 . 1 (1+z 8 )2

O Teorema dos Res´ıduos permite calcular certos integrais impr´oprios de fun¸c˜oes de uma vari´ avel real, como no exemplo seguinte. R +∞ eitx (8.19) Exemplo: Considera-se a fun¸c˜ao real ϕ(t) = −∞ 1+x 2 dx. Este integral impr´oprio converge absolutamente, pois a fun¸c˜ao integranda tem m´ o1 dulo 1+x2 que tem integral impr´oprio de −∞ a +∞ convergente. Prolonga-se itz

e a fun¸c˜ao integranda ` a fun¸c˜ ao complexa f (z) = 1+z 2 e escolhe-se um caminho seccionalmente regular fechado simples que percorre o segmento de recta no eixo real que liga os pontos −R a R e, depois, percorre a semi-circunferˆencia com raio R > 0 e centro na origem contida no semiplano superior de C ; designa-se esta u ´ ltima parte do caminho por γR (Figura 8.5). A fun¸c˜ao f ´e meromorfa em C com os p´ olos simples em ±i , pelo que itz

e Res(f ; ±i) = lim (z∓i) 1+z 2 z→±i

eitz z±i z→±i

= lim

∓t

= ± e2i .

Do Teorema dos Res´ıduos, para R > 1 ´e Z Z R f (x) dx + f (z) dz = i2π Res(f ; i) = π e−t . −R

γR

Para obter o integral impr´oprioR que define ϕ ´e natural fazer r → +∞ e ∗ ´ e ver o que acontece ao integral γR f (z) dz . Como para (x, y) = z ∈ γR R −ty e πR |f (z)| ≤ R2 −1 , para t ≥ 0 tem-se limR→+∞ γR f (z) dz ≤ limR→+∞ R2 −1 = 0 , RR ao limita o e ϕ(t) = limr→+∞ −R f (x) dx = π e−t . Para t < 0 esta majora¸c˜ao n˜ −ty ∗ valor do integral porque e ´e ilimitada para (x, y) = z ∈ γR e R → +∞ . De modo an´ alogo, mas substituindo a semi-circunferˆencia do semiplano superior pela sua sim´etrica do semiplano inferior e designando o resp. caminho por λR , obt´em-se tamb´em para t < 0 uma majora¸c˜ao an´ aloga. Como o Teorema dos Res´ıduos d´ a, para R > 1 , Z Z R f (x) dx + f (z) dz = −i2π Res(f ; −i) = π e−t . −R

λR

e para t < 0 ´e ϕ(t) = limR→+∞

RR

t −R f (x) dx = π e .

Logo, ϕ(t) = e−|t| , t ∈ R .

140

Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos

itz

e Figura 8.5: P´ olos de ft (z) = 1+z 2 , para t ∈ R , e caminhos de integra¸c˜ ao considerados no exemplo (8.19)

A ideia aplicada no exemplo anterior ´e u ´ til noutras circunstˆancias, pelo que conv´em explicit´a-la no resultado seguinte121 . (8.20) Lema de Jordan: Seja f uma fun¸ca ˜o definida e cont´ınua em {z ∈ C : Imz ≥ 0 , |z| > r}, γR : [0, π] → C tal que γR (θ) = R eiθ , e K(R) ∗ para R > r. Se lim um majorante deR |f | em γR R→+∞ K(R) = 0 , para itz t > 0 ´e limR→+∞ γR f (z) e dz = 0 ; substituindo Imz ≥ 0 por Imz ≤ 0 e γR (θ) = R eiθ por γR (θ) = R e−iθ obt´em-se a mesma conclus˜ ao para t < 0 . itγ (θ) R = e−tR sin θ ≤ e−2tR πθ . Para Dem. Para θ ∈ [0, π2 ] ´e sin θ ≥ 2θ π e e π−θ θ ∈ [ π , π] ´e sin θ = sin(π−θ) ≥ 2(π−θ) eitγR (θ) = e−tR sin θ ≤ e−2tR π . Logo π Z 2 Z π  Z π 2 θ −2tR π −2tR (π−θ) f (z) eitz dz ≤ K(R) π e R dθ + e R dθ = K(R) πt (1 − e−tR ) . π 0

γR

2

As parcelas no lado direito desta desigualdade tendem para 0 quando R → +∞ . Se t < 0 , verifica-se a desigualdade substituindo t por |t| . Q.E.D. (8.21) Exemplos: 1. O m´etodo do exemplo com o Lema de Jordan permite calcular os R +∞ (8.18) ix integrais da forma −∞ R(x) e dx , em que R ´e uma fun¸c˜ao racional com o grau do denominador duplo olos no eixo R +∞ pelo menos P do numerador e sem p´ ix real, obtendo-se −∞ R(x) e dx = i2π a∈A Res(f ; a) , com f (z) = R(z) eiz e A o conjunto dos p´ olos de f no semiplano complexo superior.

Figura 8.6: Caminho de integra¸c˜ao do exemplo (8.21.1) 121

´ Apareceu pela 1a vez em 1894 no Cours d’Analyse da Ecole Polytechnique de C.Jordan.

8.3 Fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos

141

Figura 8.7: Caminho de integra¸c˜ao do exemplo (8.21.2) R +∞ 2. Para integrais −∞ R(x) eix dx como no exemplo precedente, mas com R uma fun¸c˜ ao racional com o grau do denominador igual ao do numerador mais 1, ´e poss´ıvel mostrar que a mesma f´ormula permite calcular o integral com os res´ıduos dos p´ olos da mesma fun¸c˜ao no semiplano complexo superior, embora por um processo diferente. N˜ao s´ o n˜ ao ´e f´acil estimar o integral sobre semicircunferˆencias, como a considera¸c˜ao dessas semicircunferˆ encias Rr permitiria, quanto muito, provar a convergˆencia de limr→+∞ −r R(x) eix dx (i.e. o valorR principal do integral impr´oprio) quando o que se pretende ´e c o limite de −b R(x) eix dx quando b e c tendem, independentemente, para +∞ . No exemplo precedente esta quest˜ao n˜ ao surgia porque a convergˆencia do integral podia ser assegurada `a partida. Por isso, neste caso ´e natural considerar a integra¸c˜ ao sobre a fronteira de um rectˆ angulo de v´ertices −b, c, c+iy e −b+iy, com b, c, y > 0 . Para valores suficientemente grandes de b, c, y > 0 , o rectˆ angulo cont´em todos os p´ olos de f no semiplano complexo superior (Figura 8.7). Como o grau do denominador ´e o do numerador mais 1, a fun¸c˜ ao |z R(z)| ´e limitada por uma constante K > 0 . Logo, o integral de R y −t R y e−t K dt ≤ K f no lado vertical direito do rectˆ angulo ´e ≤ K 0 |c+it| C 0 e dt < C , e analogamente, obt´em-se que o integral de f no lado vertical esquerdo do angulo rectˆ angulo ´e < K C . O integral de f no lado horizontal superior do rectˆ −y

´e < K(b+c)e . Portanto, se A ´e o conjunto dos p´ olos de f no semiplano y complexo superior, ´ e Z c X  −y ix R(x) e dx − i2π Res(f ; a) < K 1b + 1c +K e y (b+c) . −b

a∈A

Com y, b, c a tenderem, independentemente, para +∞ , obt´em-se Z +∞ X R(x) eix dx = i2π Res(f ; a) . R +∞

−∞ sinx x

a∈A

3. Para calcular 0 dx procede-se como no exemplo (8.19). A extens˜ ao natural da fun¸c˜ ao integranda ao plano complexo ´e a fun¸c˜ao complexa −iz eiz −e−iz eiz f (z) = sinz . As fun¸c˜ oes 2iz e e2iz tˆem uma u ´ nica singularidade, z = 2iz situada na origem. Portanto, ´e natural evitar a origem considerando a integra¸c˜ao ao longo de um caminho seccionalmente regular simples que percorre sucessivamente a semi-circunferˆencia com raio r > 0 e centro na origem contida no semiplano superior de C , o segmento de recta no eixo real que liga

142

Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos

os pontos r e R > 0 , a semi-circunferˆencia com raio R e centro na origem contida no semiplano superior de C e o segmento de recta no eixo real que liga os pontos −R e −r (Figura 8.8). Obt´ !em-se Z ! Z R Z R Z −r Z R R −ix ix ix ix sinx e e 1 e 1 e x dx = i2 x dx − x dx = i2 x dx + x dx , r

r

r

−R

r

e designando a parte do caminho que percorre a semi-circunferˆencia de raio r por γr e a parte que percorre a semi-circunferˆencia de raio R por γR , com o Teorema de Cauchy, obt´em-se Z Z −r Z Z R eiz eix eiz eix x dx + z dz + x dx + z dz = 0 . γR γr −R r ∗ ´ Como, para z ∈ γR e z1 ≤ R1 , o Lema de Jordan implica que o limite do 2o integral na f´ormula tende para zero quando R → +∞ . Logo, das duas u ´ ltimas f´ormulas obt´em-se !

Z

0

+∞ sin x x

dx = lim

R→+∞ r→0

Z

r

R sinx x

1 dx = − i2

iz

lim

R→+∞

Z

eiz z

γR

dz + lim

r→0

Z

eiz z

γr

dz

Z

1 = − i2 lim r→0

eiz z

dz.

γr

A fun¸c˜ ao g(z) = e z−1 tem uma singularidade remov´ıvel na origem. Do Teorema de Weierstrass, |g| ´e majorado no c´ırculo B1 (0) por algum K > 0 . R iz Logo, γr e z−1 dz ≤ πrK, que tendem para 0 quando r → 0 . Portanto, Z +∞ Z Z π Z π sin x 1 1 − sin θ+i cos θ 1 1 1 dθ = π2 . x dx = − i2 lim z dz = 2 lim i(cos θ+i sin θ) dθ = 2 lim 0

r→0 γr

Figura 8.8: P´ olo de

8.4

eiz z

r→0 0

r→0 0

e caminho de integra¸c˜ao do exemplo (8.21.3)

Contagem de zeros e p´ olos de fun¸ c˜ oes meromorfas

Para uma fun¸c˜ ao complexa f definida em Ω ⊂ C designa-se o n´ umero de zeros de f em Ω por N0 (f ; Ω) e o n´ umero de p´ olos de f em Ω por N p (f ; Ω) , contando multiplicidades de acordo com as ordens dos zeros e p´ olos da fun¸c˜ ao f . O resultado seguinte d´ a a diferen¸ca dos no s de zeros e polos de fun¸c˜ oes meromorfas numa regi˜ ao por aplica¸c˜ao do Teorema dos Res´ıduos, estendendo o resultado (6.13) de contagem de zeros de fun¸c˜oes holomorfas.

8.4 Contagem de zeros e p´ olos de fun¸ co ˜es meromorfas

143

(8.22) Princ´ıpio do Argumento: Se Ω ⊂ C ´e uma regi˜ ao, f ∈ M (Ω) e γ ´e um caminho fechado seccionalmente regular em Ω hom´ ologo a zero em Ω que n˜ ao passa em zeros ou p´ olos de f tal que Indγ (z) ∈ {0, 1} para z ∈ Ω\γ ∗ e Ω1 = {z ∈ Ω : Indγ (z) = 1}, ent˜ ao Z f ′ (z) 1 N0 (f ; Ω1 ) − N p (f ; Ω1 ) = i2π f (z) dz = IndΓ (0) , γ

em que Γ = f ◦γ (Figura 8.9).



Dem. Como f ´e meromorfa em Ω , as singularidades de ϕ = ff em Ω s˜ ao p´ olos ou zeros de f . Como os zeros de f tˆem ordem finita, as singularidades de ϕ s˜ ao p´ olos isolados, e ϕ tamb´em ´e meromorfa em Ω . Se f tem um ao zero de ordem m(a) em a ∈ Ω , ´e f (z) = (z −a)m(a) h(z) , em que h e h1 s˜ m(a) h′ (z) holomorfas numa vizinhan¸ca V de a . Para z ∈ V \{a} ´e ϕ(z) = z−a + h(z) e, ′

olo simples em a e Res(ϕ; a) = m(a) . como hh ´e holomorfa em V , ϕ tem um p´ Analogamente, se f tem um p´ olo em b ∈ Ω de ordem p(b) , a singularidade de f1 em b ´e remov´ıvel e a sua extens˜ao holomorfa g a uma vizinhan¸ca de b tem um zero em b de ordem p(b) . Logo g(z) = (z − b)p(b) k(z) , em que k e k1 s˜ ao holomorfas numa vizinhan¸ca Ve de b . Para z ∈ Ve \ {b} ´e  ′ (z) 1 ′ ϕ(z) = g(z) e, obt´em-se analogamente que ϕ tem um p´ olo g(z) = − gg(z) simples em b e Res(ϕ; b) = −p(a) . Designa-se A = {a ∈ Ω1 : f (a) = 0} e B = {bZ∈ Ω1 : f tem um p´ olo em b}. O Teorema dos Res´ıduos d´ a X X 1 ϕ(z) dz = Res(ϕ; a) + Res(ϕ; b) = N0 (f ; Ω1 ) − N p (f ; Ω1 ) . i2π γ

a∈A

b∈B

Resta calcular IndΓ (0) . Designando o dom´ınio do caminho γ por [c, d] , Z Z d Z d Z f ′ (z) (f ◦γ)′ (f ′ ◦γ) γ ′ 1 1 1 1 1 IndΓ (0) = i2π dz = = = z i2π f ◦γ i2π f ◦γ i2π f (z) dz . Γ

c

c

γ

Q.E.D.

Figura 8.9: Ilustra¸c˜ ao do Princ´ıpio do Argumento (2 zeros e 1 p´ olo em B1 (0) ; ` a direita indica-se a imagem da fronteira do c´ırculo e dos 4 raios indicados ` a esquerda, 2 passando nos zeros e 1 no p´ olo)

144

Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos

A raz˜ ao do nome Princ´ıpio do Argumento ´e que se fosse poss´ıvel definir uma fun¸c˜ ao logaritmo ln f sobre os valores do caminho γ , seria uma primi′ tiva de ff , pelo que da f´ormula no enunciado ln f variaria de i2πK ao longo de γ, em que K ´e a diferen¸ca entre os n´ umeros de zeros e p´ olos de f em Ω1 , i.e. a parte imagin´ aria de ln f , ou seja o argumento de f , variaria de 2πK. N˜ao se pode definir uma fun¸c˜ao logaritmo nestas circunstˆancias em f (γ ∗ ) R ′ (se fosse poss´ıvel implicava o absurdo γ ff = 0 ), mas pode-se tornar rigorosa a conclus˜ao que, considerando varia¸c˜oes cont´ınuas do argumento de f sobre o caminho γ , a varia¸c˜ ao total do argumento do ponto inicial ao final ´e 2πK, o que corresponde aos valores f (z) darem K voltas no sentido positivo em torno da origem ` a medida que z percorre a curva γ ∗ ao longo do caminho γ (ver figuras 8.9, 6.2 e 4.7). O resultado seguinte foi obtido em 1962 por T.Estermann e, independen´ uma pequena extens˜ao do Teorema temente, em 1976 por I.Glicksberg122 . E de Rouch´e cl´ assico, o qual tem a mesma tese mas a hip´ otese um pouco mais ∗ forte |f −g| < |g| em γ . (8.23) Teorema de Rouch´ e: Se Ω ⊂ C ´e uma regi˜ ao, f, g ∈ M (Ω) e γ ´e um caminho fechado seccionalmente regular em Ω hom´ ologo a zero em Ω que n˜ ao passa em zeros ou p´ olos de f ou g tal que Indγ (z) ∈ {0, 1} para z ∈ Ω\γ ∗ e Ω1 = {z ∈ Ω : Indγ (z) = 1}, ent˜ ao

|f −g| < |f |+|g| em γ ∗ =⇒ N0 (f ; Ω1 )−N p (f ; Ω1 ) = N0 (f ; Ω1 )−N p (f ; Ω1 ).

Dem. Em γ ∗ , fg −1 < fg +1 e fg ∈ C\{z ∈ C : Re ≥ 0}, que ´e o dom´ınio do ′ ′ logaritmo principal ln z , pelo que numa vizinhan¸ca de γ ∗ ´e ln fg = (ff/g) /g . O Princ´ıpio do Argumento aplicado a f e g d´ a Z   f′ g′  p p 1 − N0 (f ; Ω1 )−N (f ; Ω1 ) − N0 (f ; Ω1 )−N (f ; Ω1 ) = i2π f g Z Z  ′ γ (f /g)′ f 1 1 = i2π ln g = 0 . f /g = i2π Q.E.D. γ γ A desigualdade na hip´ otese deste resultado, |f (z)−g(z)| < |f (z)|+|g(z)| , ´e a desigualdade triangular excluindo a possibilidade de igualdade. Logo, verifica-se sempre excepto quando f (z) e g(z) s˜ ao vectores colineares com o mesmo sentido, ou seja se e s´ o se f (z) e g(z) tˆem o mesmo argumento ou um deles ´e 0 , ou, ainda, se e s´ o se pertencem a uma mesma semirecta com extremidade na origem. Portanto, esta vers˜ ao do Teorema de Rouch´e tem a vantagem de permitir uma descri¸c˜ao geom´etrica simples da desigualdade considerada na hip´ otese, que pode ser substitu´ıda por: f e g n˜ ao tˆem em ∗ qualquer ponto de γ o mesmo argumento. Para fun¸c˜ oes f e g holomorfas numa regi˜ ao Ω ⊂ C e para um caminho γ com as propriedades na hip´ otese do Teorema de Rouch´e, tais que 122

I.L. Glicksberg, A remark on Rouch´e’s theorem. Amer. Math. Monthly, 83 (1976), 186.

8.4 Contagem de zeros e p´ olos de fun¸ co ˜es meromorfas

145

|f −g| < |f |+|g| em γ ∗ , este teorema d´ a a igualdade do no de zeros de f e g . O Teorema de Rouch´e tamb´em pode ser aplicado, em condi¸c˜oes an´ alogas, para obter a igualdade do no de pontos em que fun¸c˜oes f e g holomorfas numa regi˜ ao assumem um dado valor b ∈ C , contando multiplicidades. (8.24) Exemplo: Para determinar o no de zeros de P (z) = z 4 + 10z + 1 na coroa circular B2 (0) \ B1 (0) consideram-se os caminhos que percorrem as circunferˆencias que limitam a coroa circular γ1 , γ2 : [0, 2π] → C tais que γk (θ) = Rk eiθ , com Rk = k , k = 1, 2 . Com Ω = C verificam-se as condi¸c˜oes do Teorema de Rouch´e, para γ1 e para γ2 , com Ω1 , resp., B1 (0) e B2 (0). A fun¸c˜ao f = P ´e holomorfa em Ω = C . Para z ∈ γ1∗ ´e |P (z)−(10z+1)| = |z|4 = 1 ,

|10z+1| ≥ |10z|−1 = 9 ,

pelo que |P (z)−(10z+1)| < |10z+1| ≤ |P (z)|+|10z +1| ,

e o Teorema de Rouch´e d´ a que o no de zeros de P e de g1 (z) = 10z +1 em 1 , que pertence B1 (0) ´e o mesmo, logo 1, pois g1 tem apenas um zero z = 10 ∗ a B1 (0) . Para z ∈ γ2 ´e |P (z)−(z 4 +10z)| = 1 , |z 4 +10z| = |z||z 3 +10| ≥ 2(10 − |z|3 ) = 4 ,

|P (z)−(z 4 +10z)| < |z 4 +10z| ≤ |P (z)|+|z 4 +10z| , e o Teorema de Rouch´e d´ a que o no de zeros de P e de g2 (z) = z 4 +10z em B2 (0) ´e o mesmo, logo 1, pois √ os zeros de g2 s˜ ao 1 na origem e as 3 ra´ızes 3 de 10 na circunferˆencia de raio 10 > 2 , todos com multiplicidade 1. Como, contando multiplicidades, P tem exactamente 1 zero tanto em B1 (0) como em B2 (0) , conclui-se que n˜ ao tem zeros na coroa circular123 B2 (0)\B1 (0) . O Teorema de Rouch´e pode ser aplicado para obter uma curta prova do ´ Teorema Fundamental da Algebra (a 5a variante de prova neste livro). Se P ´e um polin´ omio complexo de grau n ∈ N e coeficiente grau cn 6= 0 , P (z) de maior n −1 < 1 para |z| < R ; = 1 . Logo, para R > 0 grande, ´ e lim|z|→+∞ cPn(z) n z cn z em particular, p n˜ ao tem zeros fora de BR (0) . O Teorema de Rouch´e pode 123 ´ E poss´ıvel obter do Teorema de Rouch´ e informa¸ ˜o muito precisa sobre a distˆ ancia ` a origem √ ca dos zeros do polin´ omio dado. Observando que 4 10 < 2,2 obt´ em-se que g tem 4 zeros no c´ırculo B2,2 (0) . Para z = 2,2 ´ e |P (z)−(z 4 +10z)| = 1 ,

|z 4 +10z| = |z||z 3 +10| ≥ |z|(|z|3 −10) = 2,2((2,2)3 −10) > 1,4 ,

|P (z)|−(z 4 +10z)| < |z 4 +10z| ≤ |P (z)|+|z 4 +10z| , e o Teorema de Rouch´ e d´ a que P e g tˆ em 4 zeros em B2,2 (0) . Para |z| = 0,2 ´ e |P (z)−(10z +1)| = |z|4 = (0,2)4 , |10z +1| ≥ 10|z|−1 = 1 , |P (z)−(10z +1)| < 10z +1 ≤ |P (z)|+|10z +1|| , e o Teorema de Rouch´ e d´ a que P e g tˆ em 1 zero no c´ırculo B0,2 (0) . Como o grau do polin´ omio P ´ e 4, este polin´ omio tem 4 zeros, trˆ es entre as circunferˆ encias de centros na origem com raios 2 e 2,2, e um no c´ırculo de centro na origem com raio 0,2. Pode-se refinar sucessivamente a precis˜ ao da localiza¸ca ˜o dos zeros de modo an´ alogo.

146

Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos

ser aplicado, com Ω = C , γ : [0, 2π] → C tal que γ(θ) = R eiθ , Ω1 = BR (0) , f = P , g(z) = cn z n . Como P, g s˜ ao holomorfas em Ω , tˆem o mesmo no de zeros em BR (0) , contando multiplicidades, e como g tem apenas 1 zero, na origem e de ordem n , P tem n zeros em BR (0) , contando multiplicidades. Exerc´ıcios 8.1 Determine e classifique todas as singularidades da fun¸c˜ ao dada e indique o raio de convergˆencia da resp. s´erie de Taylor no ponto a . 2 1 z z 1 a) 1+z e(z−1)(z+1) , a = 1 d) z−1 e−z , a = 0 b) z 2 −z−2 , a = 0 c) z−2 3 , a=1

8.2 Classifique a singularidade na origem da fun¸c˜ ao dada. Se for remov´ıvel, defina a fun¸c˜ ao na origem de modo a ser holomorfa numa vizinhan¸ca da origem; se for um p´ olo, determine a parte principal da fun¸c˜ ao na origem; se for essencial, calcule a imagem de c´ırculos de raios suficientemente pequenos centrados na origem. 1

1 g) z n +sin z1 , N∪{0} a) sinz z b) cos zz−1 c) e z d) ln(1+z) e) z cos z1 f) 1−e z z2 1 8.3 Determine os desenvolvimentos de z(z−1)(z−2) em s´erie de Laurent nos conjuntos:

a) B1 (0)\{0} b) B2 (0)\B1 (0) c) C\B2 (0) P 2k 8.4 Determine o raio de convergˆencia de ∞ e a soma da k=0 z . Verifique que se f (z) ´ 2 2n 2n s´erie para z no c´ırculo de convergˆencia, f (z) = z + · · · + z +f (z ) , para n ∈ N. Mostre que o conjunto de pontos de singularidade de f ´e denso em B1 (0) .  8.5 Prove: Se {an } ⊂ Br (a) ´e uma sucess˜ ao com limite a e f ∈ H(Br (a)\ {a}∪{an } tem p´ olos nos pontos de {an }, ent˜ ao para todo w ∈ C existe uma sucess˜ ao {zn } ⊂ Br (a)\ {a}∪{an } com limite a tal que f (zn ) → w. 8.6 Calcule com res´ıduos o integral sobre um caminho regular simples γ que percorre a circunferˆencia com centro em a e raio r2 no sentido positivo: R R z z a) γ z 2 −z−2 dz , a = 0, r 6= 1 dz , a = 2, r = 1 b) γ ze z−1 R 5+z 2 R z4 c) γ 1+z 2 dz , a = 0, r = 2 d) γ (1−z)3 dz , a = 0, r = 3

8.7 Calcule ıduos: R +∞ R +∞ 2 −x+2 R 2π os1 integrais seguintes com res´ x2 b) 0 x4 +6x c) −∞ x4x+10x a) 0 a+sin 2 x dx , a > 0 2 +13 dx 2 +9 dx R +∞sin2 kx R +∞ ln x d) −∞ x2 dx , k > 0 e) 0 (1+x2 )2 dx R1 1 1 e 0 t−z dt e 8.8 Identifique as regi˜ oes de holomorfia das fun¸c˜ oes complexas sin(1/z) determine as suas singularidades isoladas e n˜ ao isoladas. 8.9 Determine as regi˜ oesR onde as fun¸c˜ oes complexas est˜ ao definidas: R1 1 R 1 1 seguintes +∞ 1 tz tz dt b) 0 1+t a) 0 1+tz c) −1 1+t 2 e dt 2 e dt 8.10 Mostre que as fun¸c˜ oes seguintes tˆem singularidades essenciais no infinito: a) ez b) sin z c) cos z 8.11 Prove: Fun¸c˜ oes inteiras sem singularidade essencial no infinito s˜ ao polinomiais. 8.12 Prove: Fun¸c˜ oes meromorfas sem singularidade essencial no infinito s˜ ao racionais. 8.13 Prove: Uma singularidade isolada de uma fun¸c˜ ao complexa f n˜ ao ´e p´ olo de ef. Deduza: Se Ref ´e limitada numa vizinhan¸ca de uma singularidade isolada, esta singularidade ´e remov´ıvel. 8.14 Mostre que a equa¸c˜ ao z ea−z = 1 , com a > 1 , tem uma e s´ o uma raiz no c´ırculo B1 (0) , que ´e um n´ umero real positivo. 8.15 Prove que a equa¸c˜ ao a−z−e−z = 0 , com a > 1 , tem uma e s´ o uma raiz no semiplano Re z ≥ 0 , que ´e um n´ umero real. Exerc´ıcios sobre a Fun¸ c˜ ao Gama R +∞

8.16 A Fun¸ c˜ ao Gama124 ´e definida, para Re z > 0 por Γ(z) = 124

0

e−t tz−1 dt . Prove:

A Fun¸ca ˜o Gama foi introduzida por L.Euler em 1729 como fun¸ca ˜o real. C.F.Gauss consideroua como fun¸ca ˜o complexa. A designa¸ca ˜o “Fun¸ca ˜o Gama” e a nota¸ca ˜o Γ foram introduzidos em 1811 por Adrien-Marie Legendre (1752-1833).

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 8

147

a) Γ(z+1) = z Γ(z) para Re z > 0 , Γ(n) = (n−1)! para n ∈ N , e Γ pode ser estendida a uma fun¸c˜ ao definida em D = C\{−n ∈ N∪{0}}, ainda designada Γ, de modo a satisfazer Γ(z+1) = z Γ(z) para z ∈ D. R +∞ b) Fn (z) = 1 e−t tz−1 dt ´e inteira para n ∈ N , e Γ ´e holomorfa em D de a). n c) Considere as fun¸c˜ oes definidas pelos 1o s n+1 termos da s´erie de Taylor na origem P∞ k −z de e , En (z) = n=0 (−1)k zk! . Mostre que para Re z > 0 ´e Z 1 Z +∞   −t  1 = e −En (t) tz−1 dt + e−t tz−1 dt , Γ(z) − En n+z 0

1

pelo que esta fun¸c˜ ao ´e holomorfa no semiplano Re z > −(n+1) , para n ∈ N .

d) Γ ´e uma fun¸c˜ ao meromorfa em C com os p´ olos simples em 0 e nos inteiros nen gativos −n , com os res´ıduos, resp., (−1) para n ∈ N ∪ {0} (Figura 8.10). n!

e) O resultado de unicidade125 : Se F ´e uma fun¸c˜ ao holomorfa no semiplano complexo Re z > 0 limitada na faixa 1 ≤ Re z < 2 e tal que F (z +1) = zF (z) e F (1) = 1 , ent˜ ao F = Γ.

(Sugest˜ ao: Mostre que F −Γ pode ser estendida a uma fun¸ca ˜o meromorfa em C com singularidades remov´ıveis, note que Γ ´ e limitada na faixa considerada, obtenha que F −Γ pode ser estendida a uma fun¸ca ˜o inteira limitada e aplique o Teorema de Liouville).

Figura 8.10: Relevo da fun¸c˜ao Gama Exerc´ıcios sobre o Teorema de Mittag-Leffler 8.17 Prove o Teorema de Mittag-Leffler126 : Se {an } ⊂ C , an → +∞ quando n → +∞ e {Pn } ´e uma sucess˜ ao de fun¸c˜ oes polinomiais sem termos constantes, existem fun¸c˜ oes meromorfas f em C com p´ olos nos termos de {an } e correspondentes partes 1 singulares iguais a Pn z−a que podem ser escritas na forma n X   1 − pn (z) + g(z) , Pn z−a f (z) = n n∈Z

em que {pn } ´e uma sucess˜ ao de fun¸c˜ oes polinomiais e g ´e uma fun¸c˜ ao inteira. A uma expans˜ ao deste tipo chama-se expans˜ ao de f em frac¸ c˜ oes parciais.

 1 (Sugest˜ ao: Para an 6= 0 desenvolva Pn z−a em s´ erie de Taylor centrada em 0 , defina n pn (z) igual ` a soma parcial desta s´ erie de ordem mn e mostre que a s´ erie ´ e convergente se, para cada n ∈ N , mn for tomado suficientemente grande).

8.18 a) Mostre que

π2 sin2 πz

=

P

1 n∈Z (z−n)2

.

(Sugest˜ ao: Observe que a diferen¸ca dos dois lados da igualdade ´ e uma fun¸ca ˜o inteira g , 125 Foi obtido em 1939 por Helmut Wielandt (1910-2001) e permitiu simplificar consideravelmente as passagens entre as diferentes f´ ormulas para a Fun¸ca ˜o Gama. 126 Foi publicado por M.G. Mittag-Leffler em 1877.

148

Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos ambos tˆ em per´ıodo 1 e, com (x, y) = z , | sin(πz) |2 = cosh2 y − cos2 x , pelo que o lado esquerdo da igualdade converge uniformemente para zero quando |y| → +∞ , assim como o direito, e obtenha que g = 0 ).

 1  P P 1 b) Mostre que n∈Z (z−n) + n1 = z n∈Z n(z−n) ´e uniformemente convergente em conjuntos compactos sem n´ umeros inteiros.    P P∞  1 P∞ 1 + 1 = 1+ 1 1 1 c) Prove: π cot(πz) = z1 + n∈Z z−n n z n=1 z−n + z+n = z +2z n=1 z 2 −n2 .

(Sugest˜ ao: Derive termo a termo as s´ eries na igualdade em b) e use a)).

d) Obtenha uma prova alternativa127 para c) mostrando que a s´erie define uma fun¸c˜ ao meromorfa ´ımpar com p´ olos precisamente em cada p ∈PZ com  partes principais,  1 1 + 1 e que a sucess˜ ao de somas parciais sn = z1 + ∞ satisfaz resp., z−p z−n z+n n=1  1 sn (z)+sn z+ 21 = 2s2n (z)+ 2z+2n+1 , pelo que a soma da s´erie satisfaz a f´ ormula de duplica¸c˜ ao do exerc´ıcio 3.8 e aplique o exerc´ıcio 3.9. P 1 e) Calcule as somas das s´ eries de Dirichlet128 ∞ n=1 ns , para s = 2, 4, 6, 8 . (Sugest˜ ao: Compare o desenvolvimento em c) com a s´ erie de Laurent de π cot(πz) ).

f) Mostre que

π sin(πz)

=

P

(−1)n n∈Z z−n

g) Calcule a soma da s´erie

.

π = π2 cot sin(πz) P∞ n 1 n=0 (−1) 2n+1 .

(Sugest˜ ao: Use c) para mostrar que

πz) − π2 cot

π(z−1)  ). 2

Exerc´ıcios sobre produtos infinitos 8.19 Analogamente ` a defini¸c˜ ao de s´eries, dada uma sucess˜ ao {un } ⊂ C considera-se a sucess˜ ao de produtos parciais pn = (1+uQ 1 ) · · · (1+ un ) e, se pn → p ∈ C quando n → +∞ , diz-se que o produto infinito129 ∞ n=1 (1+un ) converge para p . Prove: Se {unP } ´e uma sucess˜ ao de fun¸c˜ oes complexas definidas e limitadas em Ω ⊂ C tais que ∞ ao: n=1 |u Qn | ´e uniformemente convergente em Ω , ent˜ 1) O produtoQinfinito ∞ (1+u ) converge uniformemente em Ω . n n=1 2) A fun¸c˜ ao ∞ (1+u ) ´ e zero num ponto a se e s´ o se u (a) = −1 para todo n ∈ N. n n n=1 3) O limite do produto infinito considerado ´e invariante sob reordena¸c˜ ao dos termos.  1 Q 1 8.20 Mostre que ∞ 1+ = . 2 n=1 n  −2z Q z n converge absoluta e uniformemente em conjuntos 8.21 Mostre que ∞ n=1 1 + n e compactos. 8.22 Prove: Se Ω ⊂ C ´e uma regi˜ ao, {fn } ´ePuma sucess˜ ao de fun¸c˜ oes definidas em Ω nenhuma delas identicamente nula eQ ∞ n=1 |1 − fn | converge uniformemente em subconjuntos compactos de ΩQ , ent˜ ao ∞ n=1 fn converge uniformemente em subcon∞ juntos compactos de Ω e f = n=1 fn ´e holomorfa em Ω .

8.23 Para uma fun¸c˜ ao g holomorfa num ponto z designa-se por m(g, z) a multiplicidade do zero de g em z (se g(z) 6= 0 define-se m(g, z) = 0 ). Prove: Se Ω ⊂ C ´e uma regi˜ ao, ao de fun¸c˜ oes e nenhuma ´e P{fn } ⊂ H(Ω) ´e uma sucess˜ identicamente zero em Ω , e ∞ |1−f | converge uniformemente em subconjuntos n n=1P compactos de Ω , ent˜ ao m(f, z) = ∞ m(f , z). n n=1 8.24 Prove: Se f ´e uma fun¸c˜ ao inteira sem zeros, ent˜ ao f = eg , com g inteira. 8.25 Prove:  Q z a) Se f ´e uma fun¸c˜ ao inteira com um no finito de zeros, f (z) = z p eg(z) N n=1 1− zn ,

127

Obtida em 1892 por Friedrich Schottky (1851-1935).. L. Euler calculou estas somas em 1735 para os n´ umeros pares de 2 a 12 de modo diferente. 129 Uma 1a f´ ormula com produtos infinitos de n´ umeros reais para π foi dada em 1579 por FranQ (2n)(2n) ¸cois Vi´ ete (1540-1603). Em 1655 J. Wallis apresentou a elegante f´ ormula π2 = ∞ n=1 (2n−1)(2n+1) . Por´ em, foi L. Euler que em 1748 iniciou o trabalho sistem´ atico com produtos infinitos, que estendeu aos n´ umeros complexos. O 1o crit´ erio de convergˆ encia deve-se a A.-L. Cauchy em 1821. K. Weierstrass contribuiu decisivamente para o estudo de produtos infinitos, por volta de 1854. Alfred Pringsheim (1850-1941) deu em 1889 uma teoria geral da convergˆ encia de produtos infinitos. 128

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 8

149

em que g ∈ H(C) , p ´e a ordem do zero de f na origem caso exista ou p = 0 caso contr´ ario, e z1 , . . . , zN s˜ ao os outros zeros de f repetidos de acordo com as resp. multiplicidades.  Q z b)f (z) = z p eg(z) N e n=1 1− zn , com g ∈ H(C), p ∈ N ∪ {0} e z1 , . . . , zN ∈ C\{0}, ´ P 1 converge. inteira se e s´ o se ∞ n=1 |zn |  Q z pn (z) converge c) Se {pn }P ´e uma sucess˜ ao de polin´ omios complexos, ∞ n=1 1− zn ∞ z se e s´ o se n=1 ln 1− zn + pn (z) converge. 8.26 O Teorema de Factoriza¸c˜ ao de Weierstrass estabelece que toda fun¸c˜ ao inteira pode ser representada por um produto (possivelmente infinito) de factores elementares fun¸c˜ ao dos zeros da fun¸c˜ ao (analogamente ` a representa¸c˜ ao de fun¸c˜ oes polinomiais por produtos de factores que s˜ ao as diferen¸cas da vari´ avel independente aos ze´ ros do polin´ omio, como ´e garantido pelo Teorema Fundamental da Algebra) e que dada uma sucess˜ ao arbitr´ aria de n´ umeros complexos com m´ odulos que tendem para infinito existe uma fun¸c˜ ao inteira cujos zeros s˜ ao os termos da sucess˜ ao (tamb´em ´ analogamente ao que ´e garantido pelo Teorema Fundamental da Algebra para fun¸c˜ oes polinomiais). Para produtos infinitos convergirem ´e necess´ ario que os termos convirjam para 1, pelo que os factores elementares a considerar para cada n ∈ N devem ser fun¸c˜ oes com exactamente um zero num ponto prescrito zn e com valores noutros pontos cada vez mais pr´ oximos de 1 ` a medida que n cresce. Para tal conv´em considerar uma sucess˜ ao de fun¸c˜ oes {En } com esta propriedade e zero em  1, pois En zzn ter´ a a propriedade desejada com zero em zn 6= 0 . Observando que P zk ln(1−z) = − ∞ definir os factores elementares130 k=1 k , para |z| < 1 , pode-se Pn z k  por E0 = (1−z) , En (z) = (1−z) exp , para n ∈ N . Prove: k=1 k a) |1−En (z)| ≤ |z n+1 | , para n ∈ N , e z ∈ C tal que |z| ≤ 1 . b) Se {zn } ⊂ C\{0} ´e tal que |zn | → +∞ quando n → +∞ e {mn } ⊂ N ´e tal que  mn +1 Q P r z 1 ´e converge qualquer que seja r > 0 , P (z) = ∞ n=1 Emn zn n=1 1+mn |zn | uma fun¸c˜ ao inteira cujos zeros s˜ ao os termos de {zn }, em que um zero tem multiplicidade m se e s´ o se ocorre m vezes nos termos de {zn }. c) Teorema de Factoriza¸ c˜ ao de Weierstrass131 : Se f ´e uma fun¸c˜ ao inteira e z1 , z2 , . . . s˜ ao os zeros de f fora da origem, repetidos de acordo com as resp. multiplicidades, existe c˜ ao inteira g e uma sucess˜ ao {mn } ⊂ N ∪ {0} tais que Q uma fun¸ z f (z) = z p eg(z) N e a ordem do zero de f na origem, caso n=1 Emn zn , em que p ´ exista, ou ´e p = 0 caso contr´ ario. 8.27 Prove: Toda fun¸c˜ ao meromorfa em C ´e um quociente de fun¸c˜ oes inteiras. 8.28 a) Prove: Se {z } ⊂ C\{0} ´ e tal que |z | → +∞ quando n → +∞ e m ∈ N∪{0}, n n  Q∞ P z 1 converge se e s´ o se ∞ n=1 Em zn n=1 |zn |m+1 converge. Em caso afirmativo, se M Q designa o m´ınimo dos inteiros m ∈ N∪{0} tal que esta  z s´erie converge, chama-se a ∞ onico associado ` a sucesn=1 EM zn produto can´ s˜ ao {zn } e diz-se que M ´e o g´ enero132 do produto can´ onico.

b) Se na factoriza¸c˜ ao de Weierstrass de uma fun¸c˜ ao inteira (exerc´ıcio 8.23.e) ´e poss´ıvel usar o produto can´ onico associado ` a sucess˜ ao {zn } e g ´e um polin´ omio de grau N , diz-se que f ´e uma fun¸ c˜ ao inteira de g´ enero finito e chama-se g´ enero da fun¸ c˜ ao inteira f a µ = max{M, N }, em que M ´e o g´enero do produto can´ onico associado a {zn }. Prove: Uma fun¸c˜ ao inteira f de g´enero finito ´e de ordem ρ(f ) ≤ µ+1 (ver exerc´ıcio

6.15), i.e. para todo ε > 0 existe R > 0 tal que |f (z)| ≤ e|z|

(Sugest˜ ao: Mostre que ln |Eµ (z)| ≤ (2µ+1)|z|µ+1 e use a) ). 130

µ+1+ε

para z ∈ C .

Estes factores elementares foram descobertos em 1851 por James Joseph Sylvester (1814-1897) e redescobertos por K. Weierstrass em 1868. 131 Foi publicado por K. Weierstrass em 1876. 132 Na literatura em inglˆ es diz-se genus.

150

Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos

8.29 Prove: a) Se133 Ω ⊂ C ´e um conjunto aberto e {zn } ⊂ Ω uma sucess˜ ao sem pontos limite em Ω , existe f ∈ H(Ω) cujos zeros s˜ ao os termos da sucess˜ ao {zn } com multiplicidades iguais ao no de vezes que ocorrem nesta sucess˜ ao. (Sugest˜ ao: Prove 1o com a hip´ otese adicional de existir R > 0 tal que BR (0) ⊂ Ω e |zn | ≤ R para n ∈ N , considerando uma sucess˜ ao {wn } ⊂ C \ Ω com |zn − wn | = d(zn , C \ Ω) , em que o lado direito ´ e a distˆ ancia de zn ao conjunto C \ Ω , e mostrando, por aplica¸ca ˜o do  Q zn −wn exerc´ıcio 8.21, que ∞ E converge para uma fun¸ c a ˜ o f ∈ H(Ω) e f (z) →1 n n=1 z−wn quando z → +∞ . Para o caso geral, tome Br (a) ⊂ Ω tal que {zn } ∩ Br (a) = ∅ e aplique 1 para reduzir ao caso anterior). a transforma¸ca ˜o de M¨ obius T (z) = z−a

b) Toda fun¸c˜ ao meromorfa num conjunto aberto Ω ⊂ C ´e um quociente de fun¸c˜ oes holomorfas em Ω . 8.30 Prove134 : 1) Toda fun¸c˜ ao inteira de ordem ρ ∈ N assume todos os valores complexos excepto possivelmente um. (Sugest˜ ao: Se f n˜ ao assume a ∈ C , ent˜ ao f −a n˜ ao tem zeros; aplique o exerc´ıcio 8.23.a).

2) Toda fun¸c˜ ao inteira de ordem finita n˜ ao inteira assume todos os valores complexos infinitas vezes. (Sugest˜ao: f tem infinitos zeros e as ordens de f e f −a s˜ao iguais). 8.31 Prove o seguinte teorema de interpola¸ c˜ ao: Se {zn }, {wn } ⊂ C s˜ ao sucess˜ oes e |zn | → +∞ quando n → +∞ , existe uma fun¸c˜ ao inteira f tal que f (zn ) = wn . (Sugest˜ ao: Mostre que existe {cn } ⊂ C tal que

P∞

g(z)ecn (z−zn ) wn

converge).

 z n=1 (z−zn )g′ (zn ) 8.32 Considere a fun¸c˜ ao G(z) = n=1 1+ nz e− n (ver exerc´ıcio 8.20). Prove:  Q z2 a) O g´enero de sin(πz) ´e µ = 1 e135 sin(πz) = πz ∞ n=1 1− n2 . Q∞

. b) z G(z) G(−z) = sin(πz) z  Pn 1 136 c) G(z−1) = z eγ G(z) , γ = limn→+∞ . k=1 k − ln n a constante de Euler 1 d) z G(z) eγz = Γ(z) , em que γ ´e a constante de Euler de c) e Γ ´e a Fun¸c˜ ao Gama137 .  √ π . Em particular, Γ 21 = π . e) Γ(z) Γ(1−z) = sin(πz) Q (2n(2n) f)138 π2 = ∞ n=1 (2n−1)(2n+1) .  Q 4z 2 g) O g´enero de cos(πz) ´e µ = 2 e cos(πz) = ∞ n=1 1− (2n−1)2 . (Sugest˜ ao: Use sin(2z) = 2(sin z)(cos z) ).

Exerc´ıcios sobre a Fun¸ c˜ ao Zeta de Riemann P 1 8.33 A fun¸ c˜ ao zeta de Riemann139 ´e ζ(z) = ∞ n=1 nz (Figura 8.11). Prove: 140 a) Teorema de Euler de factoriza¸ c˜ ao da fun¸ c˜ ao em termos de n´ umeros   Q −x −1 primos: Se x > 1, ent˜ ao ζ(x) = ∞ , em que {pn } ´e a sucess˜ ao n=1 1 − (pn ) crescente dos n´ umeros primos. (Sugest˜ ao: Escreva cada termo como uma s´ erie geom´ etrica de raz˜ ao p−x, rearrange os termos da s´ erie que d´ a cada um dos produtos parciais por ordem crescente de denominadores e use a factoriza¸ca ˜o de cada inteiro positivo em factores primos). 133

Este resultado generaliza o Teorema de Factoriza¸ca ˜o de Weierstrass (ver exerc´ıcio 8.23.e) para fun¸co ˜es holomorfas em subconjuntos abertos de C , estabelecida em 1884 por Mittag-Leffler. 134 O Pequeno Teorema de Picard (cap´ıtulo 11) generaliza este resultado para toda fun¸ca ˜o inteira. 135 Esta f´ ormula foi descoberta por L. Euler em 1734 no contexto de R . 136 L. Euler obteve esta rela¸ca ˜o para o crescimento assimpt´ otico da s´ erie harm´ onica em 1734. A constante de Euler ´ e ≈ 0,577216 . N˜ ao se sabe se ´ e racional ou irracional. 137 Esta representa¸ca ˜o da Fun¸ca ˜o Gama foi Q obtida por K. Weierstrass em 1876, depois de ter z 1 n z introduzido em 1854 a representa¸ca ˜o Γ(z) . =z ∞ n=1 1+ n n+1 138

Esta ´ e a f´ ormula obtida por J. Wallis em 1655 que foi referida na nota do exerc´ıcio 8.19. B. Riemann considerou pela 1a vez ζ como fun¸ca ˜o complexa num artigo de 1859 com t´ıtulo que se traduz por “Sobre o n´ umero de primos menores do que uma dada grandeza”. 140 L. Euler considerou ζ para valores reais e provou a rela¸ca ˜o com a distribui¸ca ˜o dos n´ umeros primos em a) em 1748. 139

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 8

151

Figura 8.11: Relevo da fun¸c˜ao zeta de Riemann b) ζ ´e uma fun¸c˜ ao holomorfa no semiplano complexo Re z > 1 . R +∞ −nt z−1 P c) ζ(z) Γ(z) = ∞ e t dt , para Re z > 1 . n=1 0 R +∞ t −1 z−1 d) ζ(z) Γ(z) = 0 (e −1) t dt , para Re z > 1 . R 1 t  R +∞  t  −1 −1 e) ζ(z) Γ(z) = 0 (e −1) −t +2−1 tz−1 dt + 1 (e −1)−1 −t−1 tz−1 dt , para Re z > 1 . (Sugest˜ao: Use expans˜oes em frac¸co˜es parciais (exerc´ıcio 8.17)). f) ζ pode ser estendida ` a faixa vertical |Re z| < 1 e satisfaz neste conjunto c˜ ao  a equa¸ funcional de Riemann141 ζ(z) = 2(2π)z−1 Γ(1−z) ζ(1−z) sin πz . 2 (Sugest˜ ao: Use a f´ ormula da al´ınea precedente.

g) A equa¸c˜ ao funcional de Riemann permite definir ζ como fun¸c˜ ao meromorfa em C com apenas um p´ olo simples em 1, com res´ıduo 1. h) Os inteiros negativos pares s˜ ao zeros de ζ e n˜ ao h´ a outros zeros fora da faixa cr´ıtica142 0 ≤ Re z ≤ 1 (Figura 8.12).

Figura 8.12: Restri¸c˜oes de |ζ| ao eixo real e `a recta Re = 21 2n

i) ζ(2n) = (−1)n−1 (2π) B2n para n ∈ N , em que B2n s˜ ao os n´ umeros de Bernoulli 2(2n)!

(ver exerc´ıcio 3.8). Verifique que estes n´ umeros alternam de sinal, | 141

B2(n+1) | → +∞ B2n

e

Introduzida por B. Riemann no artigo de 1859 acima referido em nota de p´ e de p´ agina. A hip´ otese de Riemann foi formulada por B. Riemann no mesmo artigo de 1859; ´ e a conjectura que todos zeros de ζ na faixa cr´ıtica tˆ em parte real 21 . Este dif´ıcil problema permanece ´ um dos famosos Problemas de Hilbert, referidos na introdu¸ca em aberto. E ˜o do cap´ıtulo 7, e foi proposto em 2000 por Stephen Smale (1930-), premiado com a Medalha Fields em 1966, como um dos 7 Problemas do Mil´ enio formulados como desafios para o s´ eculo XXI pelo Clay Mathematics Institute que oferece 1 milh˜ ao de d´ olares a quem resolver cada um dos problemas. O Clay Mathematics Institute foi fundado em 1998 pelo investidor financeiro e financiador de venture capital para projectos de inova¸ca ˜o baseada em ciˆ encia Landon Thomas Clay (1926-2017). S´ o um dos Problemas do Mil´ enio foi resolvido at´ e hoje, a Conjectura de Poincar´ e de 1904 – toda variedade diferencial compacta de dimens˜ ao 3 ´ e homeomorfa ` a fronteira de uma bola em R4 – por Grigoriy Perelman (1966-) em 2002-03; G. Pereleman foi um dos 4 laureados com a Medalha Fields em 2006, por contribui¸co ˜es para a geometria e ideias revolucion´ arias sobre a estrutura anal´ıtica e geom´ etrica do fluxo de Ricci. Ricci-Curbastro, Gregorio (1853-1925). 142

152

Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos o raio de convergˆencia da s´erie de Taylor na origem para a extens˜ ao por continuidade de ezz−1 a z = 0 ´e 2π . (Sugest˜ ao: Compare os coeficientes da s´ erie de Laurent para z cot z na origem com os da s´ erie que se obt´ em do exerc´ıcio 5.6.e).

Exerc´ıcios sobre expans˜ oes assimpt´ oticas em s´ eries de potˆ encias 8.34 Seja Ω ⊂ C um conjunto aberto e a ∈ ∂Ω . Uma fun¸c˜ ao f ∈ H(Ω) tem s´erie de Taylor em cada ponto de Ω convergente num c´ırculo aberto centrado no ponto, mas pode n˜ ao ter s´erie de Taylor no ponto a ou esta n˜ ao ser convergente e ser arbitrariamente aproximada por uma s´erie de potˆencias centrada em a assimptoticamente quando o no de termos da s´eriePtende para +∞ . Chama-se expans˜ ao assimpt´ otica de n f ∈ H(Ω) em a ∈ ∂Ω a ∞ n=0 cn (z−a) tal que m X   1 lim (z−a) cn (z−a)n = 0 , m ∈ N∪{0} ; m f (z)− z→a

n=0

em caso afirmativo escreve-se Ω

f∼

∞ X

cn (z−a)n .

n=0

A defini¸c˜ ao e as al´ıneas seguintes, bem como os exerc´ıcios sobre expans˜ oes assimpt´ oticas que se seguem, tamb´em se aplicam a a = ∞ se Ω ´e ilimitado, substituindo z−a por z1 . Prove: ´ condi¸c˜ a) E ao necess´ aria para existir expans˜ ao assimpt´ otica de f ∈ H(Ω) em a ∈ ∂Ω que existam e sejam finitos os limites seguintes: m−1 X   1 lim (z−a) cn (z − a)n . m f (z)− z→a

n=0

b) Se f ∈ H(Ω) tem expans˜ ao assimpt´ otica em a ∈ ∂Ω este ´e u ´nico. c) A existˆencia de expans˜ ao assimpt´ otica n˜ ao depende apenas da fun¸c˜ ao e do ponto mas tamb´em do dom´ınio da fun¸c˜ ao. 1

(Sugest˜ ao: Considere f : Ωα → C tal que f (z) = e z com Ωα = {reiθ : r > 0, |θ −π| < α} nos dois casos 0 < α < π ou α ≥ π).

d) Somas ou produtos de duas fun¸c˜ oes em H(Ω) com expans˜ ao assimpt´ otica em a ∈ ∂Ω tˆem expans˜ ao assimpt´ otica em a que ´e, resp., a soma ou o produto dos expans˜ oes assimpt´ oticas das parcelas. ´ condi¸c˜ e) E ao suficiente para existir expans˜ ao assimpt´ otica de f ∈ H(Ω) em a ∈ ∂Ω que para cada ponto z ∈ Ω exista uma sucess˜ ao {bk } ⊂ Ω tal que bk → a e os segmentos de recta com extremidades z e bk est˜ ao inclu´ıdos em Ω e os limites limz→a f (n) (z) existam para todo n ∈ N∪{0}; em caso afirmativo, ∞ X Ω 1 f∼ cn (z−a)n , com cn = n! lim f (n) (z) . n=0

z→a

(Sugest˜ ao: Use em segmentos de recta f´ ormulas de Taylor de uma vari´ avel real com resto integral para estimar os desvios de f (z) ` as somas parciais da expans˜ ao assimpt´ otica).

8.35 Consideram-se sectores circulares abertos em C com abertura angular < 2π e, para simplificar, v´ertice na origem143 (com v´ertices noutros pontos obtˆem-se os resultados por transla¸c˜ ao de coordenadas e para a = ∞ substituindo z por z1 . Prove: a) Se R, S ⊂ C s˜ ao sectores circulares abertos com v´ertices em 0 e aberturas angulares < 2π tais que R \ {0} ⊂ S e f ∈ H(S) satisfaz limz→0 f (z) = 0 , ent˜ ao limz→0 zf|R (z) = 0 , com f|R a restri¸c˜ ao de f a R . 143

Para estes sectores circulares a propriedade geom´ etrica na condi¸ca ˜o suficiente do exerc´ıcio 6.22.e) ´ e sempre satisfeita pelo que uma condi¸ca ˜o suficiente para existˆ encia de expans˜ ao assimpt´ otica em 0 ´ e simplesmente a existˆ encia dos limites limz→a f (n) (z) , n ∈ N∪{0} .

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 8

153

(Sugest˜ ao: Mostre que existem δ, ρ > 0 tal que para todo z ∈ R com |z| < ρ ´ e Bδ|z| (z) ⊂ S e aplique uma estimativa de Cauchy de |f ′ (z)| para todo z que satisfaz as condi¸co ˜es acima). S

b) Se R e S s˜ ao como em a), f ∈ H(S) e f (z) ∼ (Sugest˜ ao: Aplique a).

P∞

n=0 cn z

S

c) Se R e S s˜ ao como em a), f ∈ H(S) e f (z) ∼ para n ∈ N . (Sugest˜ao: Aplique b) n vezes.

P∞

n=0

n

R

, ´e f ′ (z) ∼

P∞

n=0

ncn z n−1.

(n)

cn z n , ´e limz→0 f|R (z) = ncn

8.36 Prove o Teorema de Ritt144 : Se S ⊂ C ´e um subconjunto aberto de um sector circular aberto com v´ertice em 0 e abertura angular < 2π, para qualquer s´erie de poP S P tˆencias n=0 cn z n (convergente ou n˜ ao) existe f ∈ H(S) tal que f (z) ∼ n=0 cn z n.

(Sugest˜ ao: Considere 1o que S ´ e todo o sector circular. Construa uma sucess˜ ao de fun¸co ˜es P n hn tais que f (z) = ∞ erie uniformemente convergente em subconn=0 cn hn (z)z com a s´ juntos compactos de S, para o que hn (z) deve tender para 0 suficientemente rapidamente quando n → +∞ , e a s´ erie seja uma expans˜ ao assimpt´ otica de f no ponto 0 , para o que hn (z) tem de tender para 1 suficientemente rapidamente quando z → 0 . Sem perda de generalidade pode-se supor que S ´ e um sector angular sim´ etrico em rela¸ca ˜o √ ao eixo real e que n˜ ao inclui o semieixo real negativo. Podem ser usadas hn (z) = 1−e−an / z , considerando √ 1 se cn 6= 0 e an = 0 se cn = 0 . Mostre o ramo de z com argumento principal, e an = n!|c n| √ 1 que |hn (z)| ≤ an /| z| para z ∈ S e limz→0 z k [1 − hn (z)] = 0 para todo m ∈ N, domine a s´ erie considerada com base nas desigualdades obtidas e aplique o Teorema de Weierstrass para S´ eries (6.15).

8.37 Prove a existˆencia de fun¸c˜ oes C ∞ de R em R com valor e derivadas num ponto arbitrariamente especificadas e anal´ıticas no complementar desse ponto145 : Para qualquer sucess˜ ao {cn } ⊂ R existem fun¸c˜ oes C ∞ f : R → R anal´ P ıtica 1em R\{0} ncom (n) f (0) = cn para n ∈ N∪{0}; um exemplo concreto ´e f (x) = ∞ n=0 n! cn hn (x) x se √ √  x 6= 0 e f (0) = a0 , em que hn (x) = 1−e−an / x se x > 0 e hn (x) = 1−cos an / −x se x < 0 e an = n!|c1 n | se cn 6= 0 e an = 0 se cn = 0 . (Sugest˜ ao: Considere um sector S com v´ ertice em 0 e abertura angular < 2π que contenha o eixo real e aplique o Teorema de Ritt do exerc´ıcio precedente para obter f ∈ H(S) com P∞ 1 n ca ˜o de f a R \ {0} tem expans˜ ao assimpt´ otica em 0 n=0 n! cn z . Mostre que a restri¸ ∞ extens˜ ao C a R utilizando o Teorema de Lagrange em intervalos de R ).

8.38 Seja S ⊂ C um sector circular aberto com v´ertice em 0 e abertura angular < π sim´etrico em rela¸c˜ ao ao eixo real e contendo o semieixo real positivo. Prove: R +∞ z −t S P∞ 146 n n+1 a) f (z) = 0 1+zt e dt ∼ . n=0 (−1) n! z R P 2 S z 2n+1 n 1 . b)147 f (z) = √2π 0 e−t dt ∼ √2π ∞ n=0 (−1) (2n+1)n! z

c) Se a, α > 0 e a s´erie de Taylor em 0 de uma fun¸c˜ ao ϕ : [0, a] → C indefinidamente diferenci´ avel em 0 tem raio de convergˆencia R > 0 e f : S → C tal que Z a tα f (z) = ϕ(t) e z dt , 0

144

´ not´ Foi provado em 1916 por Joseph Ritt (1893-1951). E avel que mesmo que a uma s´ erie de potˆ encias centrada num ponto seja fortemente divergente ´ e expans˜ ao assimpt´ otica de alguma fun¸ca ˜o holomorfa em qualquer sector circular com v´ ertice no ponto e abertura angular menor do que 2π. 145 ´ mais um exemplo No essencial foi obtido por E. Borel em 1893, na tese de doutoramento. E de um resultado dif´ıcil no quadro real que pode ser obtido com relativa facilidade passando a fun¸co ˜es complexas. O resultado s´ o interessa se as derivadas especificadas no ponto d˜ ao uma s´ erie de Taylor nesse ponto que n˜ ao ´ e convergente em R , pois caso contr´ ario esta s´ erie define a fun¸ca ˜o. 146 Foi a 1a expans˜ ao assimpt´ otica por s´ erie de potˆ encias divergente, obtida em 1754 por L. Euler. R R 1 2 2 147 A restri¸ca ˜o de f ao semieixo real positivo f (x) = √2π 0x e−t dt = √1π 0x e− 2 t dt ´ e a fun¸ c˜ ao de erro que d´ a a probabilidade de uma vari´ avel aleat´ oria com distribui¸ca ˜o normal de m´ edia 0 e variˆ ancia 12 pertencer a [−x, x] .

154

Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos em que para algum valor de z = x > 0 o integral do valor absoluto da fun¸c˜ ao integranda existe, ent˜ ao ∞ X  n+1 S 1 f (z) ∼ ϕ(n) (0) Γ n+1 z α . α n! α n=0

(Sugest˜ ao: Se r2 < a , separe o integral nos intervalos [0, r2 ] e [ r2 , a] , mostre que o u ´ltimo ´ e irrelevante para a expans˜ ao assimpt´ otica e obtenha a expans˜ ao assimpt´ otica do 1o ).

d) Prove o M´ etodo de Laplace de expans˜ oes assimpt´ oticas para m´ aximo na fronteira de um intervalo148 : Se a < b ≤ +∞ , g : [a, b[→ R assume m´ aximo absoluto em a onde ´e indefinidamente diferenci´ avel, g ′ (a) < 0 , g ≤ g(a) − δ em [a+δ, b[ para algum δ > 0 , as s´eries de Taylor em a de g e de uma fun¸c˜ ao ϕ : [a, b[→ C indefinidamente diferenci´ avel em a tˆem raios de convergˆencia ≥ δ , e f : S → C tal que ∞ g(c) X S n! cn z n+1 , f (z) ∼ e z n=0

em que cn s˜ ao os coeficientes da s´erie de Taylor em 0 para a fun¸c˜ ao (ϕ◦h)h′ com h a inversa da fun¸c˜ ao real t 7→ g(a) − g(t) numa vizinhan¸ca de a ; em particular,

h(0) = a , h′ (0) = − |g′ 1(a)| , e o 1o termo da expans˜ ao ´e −e

g(c) z

ϕ(a) |g′ 1(a)| .

(Sugest˜ ao: Mostre que s´ o´ e relevante para a expans˜ ao assimpt´ otica o integral numa vizinhan¸ca de a t˜ ao pequena quanto conveniente e use c) com α = 1 ).

e) Obtenha o an´ alogo de d) com f ′ (a) = 0 e f ′′ (a) < 0 . (Sugest˜ao: Use c) com α = 2 ). f) Obtenha os an´ alogos de d) e e) com o m´ aximo de g em b em vez de a . g) Prove o M´ etodo de de Laplace de expans˜ oes assimpt´ oticas para m´ aximo no interior de um intervalo: Com as hip´ oteses de e) excepto que o m´ aximo de g ´e num ponto c ∈ ]a, b[ em vez de ser em a , ent˜ ao ∞ g(c) X  1 S 1 Γ n+ 2 c2n z n+ 2 , f (z) ∼ e z n=0

em que ck s˜ ao os coeficientes da ao (ϕ◦h)h′ com ps´erie de Taylor em 0 para a fun¸c˜ ′ h a inversa da fun¸c˜ ao real t 7→ g(c)+g (c)t−g(t) numa vizinhan¸ca de c ; em parq q g(c) ′ ticular, h(0) = c , h (0) = |g′′2(c)| , e o 1o termo da expans˜ ao ´e e z ϕ(c) − g2πz ′′ (c) . (Sugest˜ ao: Separe o intervalo de integra¸ca ˜o em dois no pinto c e aplique e) e f)).

h) Mostre q que a soma dos trˆes 1o s termos da expans˜ ao assimpt´ otica em 0 da fun¸c˜ ao  1  o z2 2π 1 z 1 z ao em √ ∞ d´ a a aproximaΓ 1+ z ´e 1+ 12 + 288 . O 1 termo z ez √ da expans˜ w n c˜ ¸ ao ou f´ ormula de Stirling149 Γ(1+w) ≈ 2πw we , e n! ≈ 2πn ne , n ∈ N .

i) Aplique d) para obter que se m ∈ N ∪ {0} e a s´erie de Taylor de ψ : [0, b[→ C , 0 < b ≤ +∞ , indefinidamente diferenci´ avel em 0 tem raio de convergˆencia > 0 , ´e Z b ∞ X t S (m+n)! f (z) = tm ψ(t) e− z dt ∼ ψ (n) (0) z m+n+1 . n! 0

n=0

j) Prove a seguinte generaliza¸c˜ ao do resultado de i): Lema de Watson150 : Se 0 < b ≤ +∞ , α > −1 , ψ : [a, b[→ C ´e mensur´ avel e C ∞ em [0, δ] para algum δ ∈ ]0, b[ βt α e t 7→ e |t ψ(t)| ´e limitada em [δ, b[ para alguma constante β > 0 e f : S → C tal que Z b t f (z) = tα ψ(t) e− z dt , 0

148

A ideia deste m´ etodo, descoberto por P.-S. Laplace em 1820, ´ e simplesmente que se uma fun¸ca ˜o g : [a, b] → R assume um m´ aximo absoluto estrito num ponto, o m´ aximo de eg(t)/z ser´ a mais acentuado para valores de z com partes reais cada vez mais pequenas, pelo que as contribui¸co ˜es principais para o valor do integral considerado s˜ ao de uma vizinhan¸ca do ponto de m´ aximo, com contribui¸co ˜es neglig´ıveis do resto do intervalo. 149 Foi descoberta para o factorial de n´ umeros naturais por A.de Moivre em 1773. Stirling, James (1692-1770). 150 Foi provado em 1918 por George Watson (1886-1965).

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 8

155

ent˜ ao S

f (z) ∼

∞ X

Γ(α+n+1) n!

ψ (n) (0) z α+n+1 .

n=0

(Sugest˜ ao: Para a parte do integral em [0, δ] use a f´ ormula de Taylor de ϕ em 0 com resto de t δ R Lagrange a a Fun¸ca ˜o Gama. Prove que, para β > −1 , z 7→ eRe( z ) 0δ tβ e− z dt−Γ(β+1) z β+1 ´ e limitada em S e use esta propriedade).

k) Prove o M´ etodo de ponto de sela para expans˜ oes assimpt´ oticas151 :  π Se a abertura angular de S ´e < 2 , Ω ⊂ C ´e uma regi˜ ao, g, ϕ ∈ H(Ω) e G(s) = Re g(s) z tem um u ´nico ponto de sela em Ω , noZ ponto s0 ∈ Ω , G′′ (s0 ) 6= 0 , e f : S → C com f (z) =

ϕ(s) e

g(s) z

ds ,

γ

em que γ ´e um caminho seccionalmente regular simples em S tal que nas extremidades de γ G ´e < G(s0 ) , ent˜ ao ∞ g(s0 ) X  1 S f (z) ∼ e z Γ n+ 12 c2n z n+ 2 , n=0

em que c2n = e−i(n+1/2)Arg z a2k e a2k s˜ ao os coeficientes de ordem par da s´erie de ′ Taylor em 0 para a fun¸ c a ˜ o (ϕ◦h) h , com h a inversa da restri¸c˜ ao da fun¸c˜ ao real q  t 7→ e−iArg z [ g(s0 )−g γ(t+t0 ) ] , em que s0 = γ(t0 ) , a uma vizinhan¸ca de 0 ; em g(s0 ) q 2πz particular, o 1o termo da expans˜ ao assimpt´ otica no ponto 0 ´e ϕ(s0 ) e z − ′′ . g (s ) 0

Nota:O m´etodo pode ser adaptado para pontos de sela de ordem maior, ou mais de um ponto de sela em que G assume o m´ aximo valor em pontos de sela (somando as resp. contribui¸c˜ oes), ou esse valor ´e assumido em extremidades de γ (como em d), e), f)).

(Sugest˜ ao: Do Teorema de Cauchy, o integral ´ e invariante em caminhos homot´ opicos em Ω , pelo que se pode escolher em Ω um caminho de integra¸ca ˜o com os mesmos pontos inicial  g(s) g(s) e final em que seja mais f´ acil obter a expans˜ ao assimpt´ otica. Como e z = eRe z , para obter um ponto em torno do qual as contribui¸co ˜es para o integral s˜ ao tanto mais dominantes quanto menor for o valor de |z| conv´ em escolher um caminho γ em que G assume um m´ aximo mais acentuado nesse ponto s0 . Tem de ser g ′ (s0 ) = 0 , (x0 , y0 ) = s0  ponto de sela de G(x, y) e γ tangente ` a curva de n´ıvel de Im g(s) em s0 (se ϕ tem z valores com argumento constante, γ ∗ ´ e esta curva de n´ıvel numa vizinhan¸ca de s0 , cujos pontos tˆ em argumento constante, e tamb´ em se diz que ´ e o m´ etodo de fase estacion´ aria. Aplique o m´ etodo de Laplace de d)). 152 l) Mostre que para a fun¸ c˜ ao de Bessel de ordem n Z 1 z(s− 1 ) −(n+1) 1 s s Jn (z) = i2π e 2 ds , γ

151

Tamb´ em ´ e conhecido por m´ etodo de descida por declive m´ aximo (em inglˆ es, steepest descent method). Apareceu publicado pela 1a vez em 1909 por P. Debeye, a prop´ osito de aproxima¸co ˜es de fun¸co ˜es de Bessel, que indicou que tinha aparecido numa nota de B. Riemann de 1863 sobre fun¸co ˜es hipergeom´ etricas que n˜ ao foi publicada. O m´ etodo foi encontrado em 1932 por C.L. Siegel em notas anteriores de B. Riemann, da d´ ecada com in´ıcio em 1950, tamb´ em n˜ ao publicadas, para obter uma f´ ormula assimpt´ otica para o erro da equa¸c˜ ao funcional aproximada para a Fun¸ca ˜o Zeta de Riemann, que foi designada por f´ ormula de Riemann-Siegel. Debeye, Peter (18841966) foi laureado com o Pr´ emio Nobel da Qu´ımica em 1936 pelo trabalho em estrutura molecular associado a momentos de um dipolo e ` a difrac¸ca ˜o de raios-X e electr˜ oes em gases. Siegel, Carl Ludwig (1896-1981). 152 As fun¸co ˜es de Bessel foram introduzidas por Daniel Bernoulli (1700-1782) e estendidas por F. Bessel. No plano, d˜ ao solu¸co ˜es da equa¸ca ˜o de Laplace e da equa¸ca ˜o de Helmoltz lap u+k 2 u = 0 , em que k > 0 ´ e chamado n´ umero de onda, com simetria circular. A equa¸ca ˜o de Helmoltz surge na resolu¸ca ˜o da equa¸ca ˜o de onda por separa¸ca ˜o das vari´ aveis de tempo e espa¸co e corresponde a componente independente do tempo de solu¸co ` ˜es da equa¸ca ˜o de onda. Por isso, as fun¸co ˜es de Bessel tˆ em ampla aplica¸ca ˜o tanto para solu¸co ˜es de equil´ıbrio como de propaga¸ca ˜o de ondas, em mecˆ anica dos meios cont´ınuos, como difus˜ ao de calor, electromagnetismo, gravidade, flu´ıdos ideais incompress´ıveis,elasticidade linear de membranas. Helmholtz, Hermann Ludwig von (1821-1894).

156

Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos em que γ ´e um caminho regular fechado simples que descreve a circunferˆencia com raio 1 e centro na origem no sentido positivo, obt´em-se a expans˜ ao assimpt´ otica em  S q 2z  1 π π π 0 f 1z ∼ cos −n − , com S com abertura angular < . π z 2 4 2

(Sugest˜ ao: Aplique o exerc´ıcio precedente).

Exerc´ıcios com aplica¸ c˜ oes a dinˆ amica de fluidos e a aerodinˆ amica 8.39 Consideram-se escoamentos hidrodinˆ amicos planos estacion´ arios, solenoidais e irrotacionais (exerc´ıcios 3.23 e 5.13) com potencial de campo de velocidades ϕ , fun¸c˜ ao de corrente ψ e potencial complexo f = (ϕ, ψ) de um fluido ideal. Um fluido ideal ´e incompress´ıvel, pelo que tem escoamentos solenoidais, densidade de massa ρ0 constante e ´e um fluido de Euler, i.e. o tensor da tens˜ ao de Cauchy153 ´e em cada ponto T = −πI, em que π ´e um campo escalar e I ´e a identidade, ou seja a tens˜ ao desenvolvida ´e uma press˜ ao, i.e. normal a cada superf´ıcie em rela¸c˜ ao a que ´e considerada. A equa¸c˜ ao de conserva¸c˜ ao de momento linear na ausˆencia de for¸cas internas d´ a para a velocidade v a equa¸c˜ ao de movimento ρ0 dv = −∇π, dt que para escoamentos estacion´ arios e solenoidais pode ser expressa pela equa¸ c˜ ao de Bernoulli154 12 ρ0 kvk2 + π = constante . Chama-se velocidade complexa a V = (v1 , v2 ) = ϕ′ . Se γR ´e um caminho de Jordan que delimita uma regi˜ ao simplesa a for¸ca total externa exercida pelo fluido sobre S mente conexa S, F = γπn ds d´ (mais especificamente, a for¸ca por unidade de comprimento sobre o cilindro perpendicular ao plano de sec¸c˜ ao ortogonal S ). a) Estabele¸ca a F´ ormula de Blasius155 : Para um fluxo estacion´ ario, plano, irrotacional de um fluido ideal, a for¸ca total externa F = (f1 , f2 ) sobre umaRregi˜ ao simplesmente conexa S delimitada por um caminho de Jordan γ ´e F = i 12 ρ0 γ V 2 (z) dz . (Sugest˜ ao: Use a equa¸ca ˜o de Bernoulli).

b) Estabele¸ca a F´ ormula de Kutta-Joukovski156 : Se, al´em das hip´ oteses em a), a velocidade do fluido ´e uniforme no infinito, i.e. V (z) → V∞e−iα quando |z| → +∞ , com V∞ , α ∈ R , a for¸ca total externa sobre uma regi˜ ao simplesmente conexa S de−iα limitada por um caminho de Jordan γ ´e F = iρ , em que C ´e a circula¸c˜ ao R 0 V∞ C e do campo de velocidades ao longo de γ, C = γ V (z) dz .

(Sugest˜ ao: Coloque a origem em S, desenvolva V em s´ erie de Laurent centrada na origem, aplique o Teorema dos Res´ıduos para calcular C, obtenha a s´ erie de Laurent centrada na R origem para V 2 , aplique o Teorema dos Res´ıduos para calcular γV 2 (z) dz e substitua na f´ ormula de Blasius de a) ).

8.40 Consideram-se escoamentos hidrodinˆ amicos planos estacion´ arios, solenoidais e irrotacionais de um fluido ideal como no exerc´ıcio precedente e com as mesmas nota¸c˜ oes em torno de um obst´ aculo cil´ındrico perpendicular ao plano de sec¸c˜ ao circular com raio R > 0 e velocidade uniforme no infinito V∞ e−iα , com V∞ , α ∈ R . 2 C a) Mostre que o potencial complexo ´e da forma f (z) = V∞ e−iα z + Rz −i 2π ln z , com C ∈ R . Observe (ver exerc´ıcio 5.13) que o escoamento ´e a sobreposi¸c˜ ao linear de um escoamento com velocidade uniforme no infinito e circula¸c˜ ao nula em torno 153 A hip´ otese de Cauchy da mecˆ anica dos meios cont´ınuos ´ e que a tens˜ ao (for¸ca por unidade de ´ area) t numa superf´ıcie regular no interior de um corpo com normal unit´ aria cont´ınua n, devida a for¸ca exercida pelo material do lado para onde n aponta sobre o material no lado oposto, ´ ` e em cada ponto x fun¸ca ˜o de n (em particular, a tens˜ ao ´ e a mesma em todas as superf´ıcies tangentes entre si num ponto). A.-L. Cauchy provou em 1822 que esta fun¸ca ˜o ´ e uma transforma¸ca ˜o linear hermiteana de n (i.e. tem representa¸ca ˜o matricial sim´ etrica numa base ortonormal) da forma t(x, n) = T (x)n , em que T (x) ´ e o tensor de tens˜ ao de Cauchy. 154 A equa¸ca ˜o de Bernoulli aparece no livro de D. Bernoulli Hydrodynamica de 1736, mas deve-se a L. Euler. 155 Blasius, Paul Richard (1873-1970). 156 A F´ ormula de Kutta-Joukovski foi obtida independentemente por W. Kutta em 1902 e N. Joukowski em 1906. Kutta, Martin Wilhem (1867-1944).

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 8

157

do obst´ aculo com um v´ ortice em torno do qual a circula¸c˜ ao no sentido positivo ´e C e discuta os poss´ıveis tipos de fluxos (Figura 8.13). (Sugest˜ ao: Desenvolva em s´ erie de Laurent na origem compat´ıvel com a condi¸ca ˜o na velocidade no infinito e o contorno do obst´ aculo ser uma linha de corrente).

b) Mostre que para α = 0 os fluxos para valores sim´etricos de C s˜ ao sim´etricos em rela¸c˜ ao ao eixo real. c) Mostre que para α = 0 os pontos de estagna¸ c˜ ao (velocidade zero) do fluxo s˜ ao: (1) dois na parede do obst´ aculo, (2) um na parede do obst´ aculo, (3) um no exterior do obst´ aculo conforme, resp., (1) −4πV∞ R < C ≤ 0 , (2) C = −4πV∞ R , (3) C < −4πV∞ R . d) Mostre que a for¸ca total externa F sobre o obst´ aculo devida ao escoamento ´e F = −iρ0 V∞ C . Em particular, ´e vertical e para cima quando157 C > 0 . (Sugest˜ ao: Aplique a F´ ormula de Kutta-Joukovski do exerc´ıcio precedente).

Figura 8.13: Fluxo em torno de um obst´aculo cil´ındrico ortogonal ao plano de sec¸c˜ ao circular com circula¸c˜ ao C no sentido positivo em torno do obst´ aculo 8.41 No final do cap´ıtulo 3 considerou-se o perfil de asa de avi˜ ao de Joukovski, obtido a regi˜ ao delimitada por duas pela transforma¸c˜ ao conforme J(z) = 21 z+ z1 aplicada ` circunferˆencias C1 e C2 tangentes no ponto 1, com C1 a passar no ponto -1 e C2 exterior a C1 com centro em z0 e raio r > 0 (Figura 3.10. Considere o escoamento 157 Este resultado ´ e previs´ıvel a partir da equa¸ca ˜o de Bernoulli, pois esta equa¸ca ˜o implica que a press˜ ao na fronteira do obst´ aculo ´ e maior se a velocidade ´ e menor e, portanto, a for¸ca ´ e ascendente se as linhas de fluxo em torno do obst´ aculo s˜ ao mais longas na parte superior do que na inferior, dado que a condi¸ca ˜o de velocidade uniforme no infinito exige que a velocidade seja maior na parte superior do que na inferior e, portanto, a rela¸ca ˜o ´ e a inversa para a press˜ ao.

158

Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos em torno do perfil de Joukovski com velocidade uniforme no infinito V∞ e−iα , com V∞ , α ∈ R . Chama-se a α ˆ angulo de ataque. a) Mostre que o potencial complexo para o escoamento, com circula¸c˜ ao C ∈ R no sentido positivo, obtido por transforma¸c˜ oes conformes a partir do potencial complexo da al´ınea a) do exerc´ıcio precedente para o escoamento em torno de um perfil circular ´e   2 i2α C e f (z) = 12 V∞ e−iα g(z)+ r g(z) − i 2π ln g(z) , r √ 2 em que g(z) = z− z0 + z −1 .

b) Mostre que a velocidade ´e limitada (como tem de ser fisicamente) se e s´ o se C = −πrV∞ sin(α + θ) , em que θ ´e o ˆ angulo da tangente ` as circunferˆencias C1 e C2 com o eixo real, que ´e metade do ˆ angulo da tangente ao perfil de Joukovski com o eixo real no ponto de fuga, i.e. no v´ertice do perfil. Mostre que se a condi¸c˜ ao indicada n˜ ao ´e satisfeita a velocidade no ponto de fuga ´e infinita, e se ´e satisfeita o ponto de fuga ´e um ponto de estagna¸c˜ ao (Figura 8.14). Mostre que a for¸ca de sustenta¸c˜ ao de uma asa com o perfil de Joukovski ´e de baixo para cima, perpendicular ` a recta de inclina¸c˜ ao α e com intensidade F = 2πρ0 (V∞ )2 sin(α+θ) .

Figura 8.14: Fluxo e for¸ca de sustenta¸c˜ao num perfil de Joukovski, e fluxos com pontos de estagna¸c˜ ao e fuga n˜ ao coincidentes e velocidade n˜ ao limitada Exerc´ıcios com aplica¸ c˜ oes a an´ alise e controlo de sistemas lineares 8.42 Diz-se que um sistema linear ´ e est´ avel158 se tem sa´ıdas limitadas para entradas limitadas (ver exerc´ıcio 7.11). Se o sistema tem fun¸c˜ ao de transferˆencia definida P (s) por uma fun¸c˜ ao racional pr´ opria T (s) = ∆(s) , em que P, ∆ s˜ ao polin´ omios com coeficientes reais sem zeros comuns (i.e. ´e uma frac¸c˜ ao irredut´ıvel) e com ∆ de grau maior do que o de P , chama-se equa¸ c˜ ao caracter´ıstica do sistema a ∆(s) = 0 .

Figura 8.15: Sistema de controlo de viragem de um ve´ıculo de dois carris a) Prove: Um sistema linear ´e est´ avel se e s´ o se as ra´ızes da equa¸c˜ ao caracter´ıstica (ou seja os p´ olos da fun¸c˜ ao de transferˆencia) tˆem partes reais negativas. 158 A estabilidade de sistemas de controlo foi considerada pelos fundadores da Teoria do Controlo, inicialmente designada em inglˆ es Theory of Governors: James Clerk Maxwell (1831-1879) em 1868 e Ivan Alekseevich Vyshnegradskii (1831-1895) em 1876. Ambos obtiveram a equivalˆ encia da estabilidade de um sistema linear com a localiza¸ca ˜o dos zeros da equa¸ca ˜o caracter´ıstica no semiplano complexo esquerdo. A utiliza¸ca ˜o de equa¸co ˜es diferenciais na an´ alise e projecto de sistemas de controlo tinha sido iniciada pelo matem´ atico George Airy (1801-1892) em 1840, num sistema de controlo com retroac¸ca ˜o de telesc´ opios para compensar a rota¸ca ˜o da Terra.

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 8

159

(Observa¸ca ˜o: O crit´ erio de Routh (exerc´ıcio 6.21.c) pode ser aplicado para verificar se o sistema ´ e ou n˜ ao est´ avel).

Figura 8.16: Regi˜ao de estabilidade para o sistema de controlo da Figura 8.15 b) Considere o sistema de controlo esquematizado159 na Figura 8.15. Mostre que para K > 0 a regi˜ ao dos parˆ ametros (K, a) ∈ R2 para os quais o sistema ´e est´ avel ´e  2 (Figura 8.16). S = (K, a) ∈ R : 0 < K < 126, 0 < a < (K+10)(126−K) 64K (Sugest˜ ao: Aplique o crit´ erio de Routh do exerc´ıcio 6.21.c).

Figura 8.17: Tra¸co das ra´ızes do sistema linear com equa¸c˜ao K caracter´ıstica ∆(s) = 1+ s4 +12s3 +64s 2 +128s = 0

8.43 Considere o sistema linear de controlo com retroac¸c˜ ao da Figura 7.14. a) Mostre que a equa¸c˜ ao caracter´ıstica (exerc´ıcio 8.35) ´e ∆(s) = 1+KH(s) G(s) = 0 . b) Chama-se tra¸ co das ra´ızes160 da equa¸c˜ ao caracter´ıstica ` a uni˜ ao dos caminhos no plano complexo que descrevem as posi¸c˜ oes das ra´ızes em fun¸c˜ ao do ganho K. Prove as propriedades seguintes u ´ teis para obter graficamente o tra¸co das ra´ızes como frac¸c˜ ao irredut´ıvel, em que p, q s˜ ao polin´ omios se F (s) = H(s) G(s) = p(s) q(s) complexos com coeficientes reais: (i) O tra¸co das ra´ızes ´e sim´etrico ao eixo real e ´e a uni˜ ao de caminhos que come¸cam em zeros e terminam em p´ olos de F , quando K cresce em [0, +∞[ (como o grau de q ´e maior do que o de p h´ a caminhos de zeros de F a ∞ ). (ii) O tra¸co das ra´ızes sobre o eixo real ´e a uni˜ ao dos pontos ` a esquerda de cada soma ´ımpar de zeros e p´ olos de F , contando multiplicidades. (iii) As componentes do tra¸co das ra´ızes que v˜ ao para ∞ s˜ ao assimpt´ oticas a rectas P Pn p

pk −

nz

zj

que intersectam o eixo real em σA = k=1np −nzj=1 com ˆ angulo φA = (2k+1)π , np −nz para k = 0, 1, . . . , np−nz−1 , com np , nz , resp., o no de zeros e de p´ olos de F , e pk , zk , resp., os zeros e os p´ olos de F , repetidos de acordo com multiplicidades.

159 Este sistema de controlo ´ e estudado no artigo de Wang, G.G., Wang, S.H., Chen, C.H., Design of turning control for a tracked vehicle, IEEE Control Systems Magazine, April 1990, 122-125. Wang, Geng (1947-). Wang, Shih. Chen, Cheng. 160 Em inglˆ es diz-se root locus. O m´ etodo do tra¸co das ra´ızes foi introduzido na an´ alise e projecto de sistemas de controlo em 1948 por Walter Evans (1920-1999) quando trabalhava na North American Aviation.

160

Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos (iv) Os pontos de sa´ıda ou entrada no eixo real (i.e. em que caminhos do tra¸co das ra´ızes deixam ou entram no eixo real) s˜ ao ra´ızes m´ ultiplas da equa¸c˜ ao caracter´ıstica e os limites das tangentes ao tra¸co das ra´ızes nesses pontos subdividem o plano complexo em sectores angulares de amplitudes iguais. (v) O Pnargumento Pnzda tangente ao tra¸co das ra´ızes em cada ponto z0 ´e p odulo 2π), em que θpk , θzj s˜ ao argumentos das k=1 θpk − j=1 θzj = π, m´ diferen¸cas, resp., pk −z0 , zj −z0 .

c) Use as propriedades em b) para mostrar que o tra¸co das ra´ızes da equa¸c˜ ao K caracter´ıstica de um sistema linear ∆(s) = 1 + s4 +12s3 +64s e o indicado 2 +128s = 0 ´ na Figura 8.17. Verifique que o valor de K > 0 correspondente ao tra¸co das ra´ızes instersectar o eixo imagin´ ario ´e aproximadamente K = 569 . (Sugest˜ ao: Para a u ´ltima quest˜ ao use o crit´ erio de Routh do exerc´ıcio 6.21.c)

Figura 8.18: Sistema linear de controlo com controlador PID

Figura 8.19: Tra¸co das ra´ızes do sistema com controlador PID da Figura 8.18 8.44 Chama-se controlador PID161 a um controlador com fun¸c˜ ao de transferˆencia ao constantes, o que corresponde a Gc (s) = Kp+Ki 1s +Kd s , em que Kp , Ki , Ks >R0 s˜ uma rela¸c˜ ao entrada-sa´ıda y(t) = Kpr(t)+Ki r(t) dt+Kd r ′ (t) . Considere o sistema de controlo com retroac¸c˜ ao e controlador162 PID da Figura 8.18. Mostre que se os zeros da fun¸c˜ ao de transferˆencia deste controlador s˜ ao −3 ± i , o tra¸co das ra´ızes da equa¸c˜ ao caracter´ıstica do sistema ´e como na Figura 8.19. Verifique que o erro estacion´ ario de posi¸c˜ ao (ver exerc´ıcio 7.12) ´e zero, o desvio positivo m´ aximo163 em resposta a um escal˜ ao unit´ ario ´e < 2% do valor estacion´ ario e o tempo de ajuste164 (i.e. para a resposta a um escal˜ ao unit´ ario permanecer com desvios < 2% do valor estacion´ ario) ´e aproximadamente 1 se Kd for escolhido suficientemente grande (para tempos de ajuste inferiores podem-se escolher os zeros do controlador PID mais para a esquerda no plano complexo). 161 PID abrevia “proporcional-integral-derivada”. Estes controladores s˜ ao amplamente aplicados em controlo de processos industriais. Foram introduzidos em 1922 por Elmer Sperry (1860-1930) e Nicholas Minorsky (1885-1970) em sistemas de manuten¸ca ˜o de rumo de navios, por inspira¸ca ˜o na observa¸ca ˜o de como os “homens de leme” mantinham o rumo de navios combinando ac¸co ˜es proporcionais, correctoras de desvios m´ edios, e preditivas de tendˆ encias. 162 Um sistema deste tipo pode ser um sistema de controlo de um ve´ıculo aut´ onomo. 163 Em inglˆ es diz-se overshoot. 164 Em inglˆ es diz-se settling time.

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 8

161

8.45 Dado um sistema linear de controlo com equa¸c˜ ao caracter´ıstica ∆(s) = 1+L(s) = 0 (ver exerc´ıcios 8.35 e 8.36), chama-se contorno de Nyquist ao caminho ΓL = L◦γ , em que γ ´e um caminho de Jordan seccionalmente regular que percorre no sentido negativo a semicircunferˆencia com centro na origem contida no semiplano complexo direito com raio R ≈ +∞ e diˆ ametro contido no eixo imagin´ ario, excepto na vizinhan¸ca de p´ olos no eixo imagin´ ario, que contorna sobre semicircunferˆencias centradas nesses p´ olos contidas no semiplano complexo esquerdo com raios r ≈ 0 . a) Mostre que os contornos de Nyquist do sistema linear de controlo com retroac¸c˜ ao165 na Figura 8.20 s˜ ao como na Figura 8.21. Mostre que os correspondentes diagramas de Bode do sistema com fun¸c˜ ao de transferˆencia L = 1 − ∆ , em que ∆(s) = 0 ´e a equa¸c˜ ao caracter´ıstica do sistema linear de controlo com retroac¸c˜ ao considerado, s˜ ao como na Figura 8.22.

Figura 8.20: Sistema linear de controlo com retroac¸c˜ao b) Prove o crit´ erio de estabilidade de Nyquist166 : Um sistema linear de controlo com equa¸c˜ ao caracter´ıstica ∆(s) = 1+L(s) = 0 ´e est´ avel se e s´ o se IndΓL (−1) ´e igual ao no de p´ olos de L com parte real positiva, em que ΓL ´e um contorno de 2 . Nyquist. Mostre que o sistema na Figura 8.20 ´e est´ avel se e s´ o se K < ττ11+τ τ2

Figura 8.21: Contorno de Nyquist do sistema de controlo da Figura 8.20 c) Chama-se diagrama polar do sistema com fun¸c˜ ao de transferˆencia L ` a representa¸c˜ ao gr´ afica do caminho ω 7→ L(iω) , para 0 < ω , ou seja o diagrama polar do sistema com fun¸c˜ ao de transferˆencia L ´e a parte do contorno de Nyquist correspondente ao percurso do semieixo imagin´ ario positivo. Mostre que o diagrama polar 2 do sistema com fun¸c˜ ao de transferˆencia L = KHG da Figura 8.20 com K < ττ11+τ ´e τ2 como indicado na Figura 8.23. O afastamento da curva no diagrama polar do ponto −1 ´e uma medida da margem de estabilidade do sistema. Chama-se margem de 1 ganho do sistema ao rec´ıproco do ganho gm = L(iω , em que Arg L(iωπ ) = π , e π) 167 margem de estabilidade do sistema ` a diferen¸ca φm = Arg L(iω0 )−(−π) , em 165

Um sistema deste tipo pode ser um sistema de controlo de um manipulador com um motor de corrente cont´ınua. 166 Este crit´ erio foi introduzido na an´ alise e controlo de sistemas por H. Nyquist em 1932. 167 No projecto de sistemas de controlo, para assegurar as caracter´ısticas pretendidas para a resposta consideram-se muitas vezes os efeitos nas margens de ganho e/ou de fase, analisados com o diagrama polar, o diagrama de Bode ou um diagrama em que se representa o caminho do ganho em dB versus a fase em fun¸ca ˜o da frequˆ encia angular, chamado diagrama de Nichols,

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Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos que |L(iω0 )| = 1 (Figura 8.23). Verifique que as margens de ganho e de estabilidade s˜ ao as indicadas no diagrama de Bode da Figura 8.22; em particular, s˜ ao positivas τ1 +τ2 2 para 0 < K < ττ11+τ e negativas para K > . τ2 τ1 τ2

Figura 8.22: Diagrama de Bode do sistema L = KHG da Figura 8.20

Figura 8.23: Diagrama polar para sistema L = KHG Figura

Figura 8.24: Sistema linear de controlo com retroac¸c˜ao, sem e com compensador 8.46 Considere o sistema linear com retroac¸c˜ ao e o sistema a que se adicionou um compensador com fun¸c˜ ao de transferˆencia168 Gc (s) da Figura 8.24. a) Mostre que o tra¸co das ra´ızes do sistema com um compensador de ganho simples com fun¸c˜ ao de transferˆencia Gc (s) = K > 0 ´e o indicado na Figura 8.25 (o sistema sem compensador corresponde a K = 1 ) e calcule o ganho K de modo ao sistema ter p´ olos dominantes (i.e. os p´ olos com maior parte real excluindo o p´ olo no zero) nas bissectrizes dos 2o e 3o quadrantes. b) Considere um compensador com fun¸c˜ ao de transferˆencia Gc (s) = K(s−z) , com s−p p < z < 0 . Mostre que o diagrama de Bode deste compensador ´e como na Figura 8.26, pelo que este compensador introduz um avan¸co de fase com maior incidˆencia numa frequˆencia angular com valor entre ` a m´edia dos sim´etricos do zero e do p´ olo que diminui para frequˆencias angulares que se afastam dessa frequˆencia, raz˜ ao por que ´e designado compensador de avan¸ co de fase. introduzido na an´ alise de sistemas por Nathaniel Nichols (1914-1997) durante a parte final da II Guerra Mundial no MIT Radiation Laboratory e publicado em 1947. Estas representa¸co ˜es gr´ aficas permitem identificar os efeitos de controladores, em particular para especificar a localiza¸ca ˜o de zeros e p´ olos e os valores de ganhos que permitam obter as caracter´ısticas pretendidas. 168 Sistemas destes tipos podem ser controladores de um tra¸cador gr´ afico de computador (S.T.Van Voorhis, Digital control of measurement graphics, Hewlett-Packard Journal, January 1986, 24-26. O compensador em d) foi usado pela Hewlett-Packard em 1986 no tra¸cador gr´ afico HP7090A.

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 8

163

Figura 8.25: Tra¸co das ra´ızes do sistema linear de controlo da Figura 8.24 com compensador de ganho simples c) Mostre que a inclus˜ ao do compensador de avan¸co de fase de b) resulta em acrescentar 1 zero e 1 p´ olo ao sistema. Considere o zero em z = −20 e calcule a localiza¸c˜ ao do p´ olo p e o ganho K de modo ao sistema ter p´ olos dominantes em −20±i20 (satisfaz o objectivo de localiza¸c˜ ao dos p´ olos dominantes de a) ). Mostre que acrescentar o zero e o p´ olo considerados transforma o tra¸co das ra´ızes no da Figura 8.27.

Figura 8.26: Diagrama de Bode do compensador de avan¸co de fase Gc (s) = K(s−z) s−p

Figura 8.27: Tra¸co das ra´ızes do sistema linear de controlo da Figura 8.24 com compensador de avan¸co de fase Gc (s) = K(s−z) s−p

d) Considere um compensador com fun¸c˜ ao de transferˆencia Gc (s) = K+Kds, a que se chama compensador PD169 . Mostre que a inclus˜ ao deste compensadoracrescenta 1 zero ao sistema. Considere o zero em z = −10 de modo a cancelar o p´ olo dominante de G(s) e calcule os ganhos K, Kd de modo ao sistema ter p´ olos dominantes que satisfa¸cam o objectivo de localiza¸c˜ ao de a) ). Mostre que o cancelamento do p´ olo dominante de G(s) transforma o tra¸co das ra´ızes no da Figura 8.28. 169

PD abrevia “proporcional-derivada” (comparar com o controlador PID do exerc´ıcio 8.37).

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Singularidades, fun¸ co ˜es meromorfas e teorema dos res´ıduos

Figura 8.28: Tra¸co das ra´ızes do sistema linear de controlo da Figura 8.24 com compensador PD Gc (s) = K +Kds e) Mostre que as respostas ao escal˜ ao unit´ ario dos sistemas sem e com compensadores de ganho simples, de avan¸co de fase e PD, considerados, resp.,em a), c), d), s˜ ao como na Figura 8.29, pelo que ´e poss´ıvel melhorar o desempenho do sistema pela localiza¸c˜ ao de zeros e p´ olos adicionais (neste caso diminuindo significativamente o tempo de ajuste e limitando o desvio positivo m´ aximo).

Figura 8.29: Respostas ao escal˜ao unit´ario dos sistemas (1) sem compensador, (2) com compensador de ganho simples, (3) com compensador de avan¸co de fase e (4) com compensador PD, considerados respectivamente nas al´ıneas a), c), d)

Apˆ endice I Elementos de topologia geral I.1 Introdu¸ c˜ ao Neste apˆendice re´ unem-se aspectos b´ asicos de no¸c˜oes topol´ogicas de conjuntos, com ˆenfase em compacidade, conexidade e nas suas rela¸c˜oes com fun¸c˜oes cont´ınuas, conceitos usados nos v´arios cap´ıtulos e que, embora conhecidos do estudo usual da An´alise Real e facilmente adapt´ aveis para o contexto da An´alise Complexa, beneficiam de uma breve exposi¸c˜ao aqui para mais f´acil referˆencia. Para utiliza¸c˜ao em contextos mais gerais do que C , e dado que a apresenta¸c˜ ao n˜ ao seria mais simples restringindo a este espa¸co, opta-se pelo quadro mais geral de espa¸cos m´etricos, inclusivamente identificando no final o que permanece v´alido em espa¸cos topol´ogicos, mas considerando apenas propriedades relevantes para C.

Figura I.1: Esquema das sete pontes de K¨onigsberg no artigo de L. Euler A 1a publica¸c˜ ao conhecida com topologia ´e um artigo de L. Euler de 1736 com o t´ıtulo Solutio problematis ad geometriam situs pertinentis, em ´e resolvido o problema das pontes de K¨onigsberg provando a inexistˆencia de um caminho que percorre as 7 pontes desta cidade atravessando uma s´ o vez cada ponte (Figura I.1). O t´ıtulo do artigo revela que L. Euler sabia que o assunto era do ˆ ambito de uma “geometria do lugar” independente de distˆ ancias. O termo “topologia” apareceu publicado em 1847 num artigo de J.B. Listing170 , mas j´a tinha sido usado numa carta que tinha escrito em 170

Listing, Johann Benedict (1802-1882).

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Apˆ endice I

1836 a um antigo professor, em que tamb´em indicava que as ideias b´ asicas sobre este novo tema tinham sido aprendidas com C.F. Gauss, embora este n˜ ao tenha publicado sobre o assunto. B. Riemann teve um papel muito importante no desenvolvimento da topologia, nomeadamente a prop´osito das superf´ıcies de Riemann que considerou em 1857 no ˆambito do estudo de fun¸c˜ oes complexas. O termo “topologia” n˜ ao foi adoptado na altura e o assunto ficou conhecido por analysis situs, que traduzido `a letra significa “an´ alise do lugar”. Foi com este t´ıtulo que H. Poincar´e publicou em 1895 o 1o trabalho sistem´atico de topologia, em que introduziu as bases da Topologia Alg´ebrica. O uso do termo “topologia” s´ o se generalizou a partir dos trabalhos de S. Lefschetz171 do final da d´ecada de 1920, mais de sessenta anos ap´ os ter sido a usado pela 1 vez por Listing. O conceito b´ asico da topologia ´e o de conjunto aberto. A ideia de conjunto aberto, assim como as de conjunto fechado e ponto limite, foi introduzida para conjuntos de n´ umeros reais em 1872 por G. Cantor. A no¸c˜ao de vizinhan¸ca de um ponto foi introduzida por K. Weierstrass em 1877 e utilizada por G. Peano e C. Jordan em 1887, e por D. Hilbert em 1902. A no¸c˜ ao de interior, exterior e fronteira de um conjunto devem-se a G. Peano ´ em 1887. C. Jordan tamb´em refere em 1887, no Cours d’Analyse da Ecole Polytechnique de Paris, a no¸c˜ao de fronteira de um conjunto sem mencionar G. Peano172 , n˜ ao sendo claro se chegou a este conceito independentemente. O 1o estudo sistem´atico de topologia geral foi de M. Fr´echet, no contexto de espa¸cos m´etricos, no¸c˜ao que introduziu na sua tese de doutoramento, apresentada em 1906. Por´em, a designa¸c˜ao “espa¸co m´etrico” s´ o apareceu em 1914 por F. Hausdorff. Um espa¸co m´etrico ´e um conjunto n˜ ao vazio com uma fun¸c˜ ao que d´ a a distˆ ancia entre cada par de pontos do espa¸co e satisfaz as propriedades muito simples de ter valores reais n˜ ao negativos, ser invariante com troca da ordem dos pontos, satisfazer a desigualdade triangular e ser zero se e s´ o se os pontos coincidem. Motivado por aplica¸c˜ oes a espa¸cos de fun¸c˜ oes, M. Fr´echet estudou as propriedades b´ asicas da topologia de subconjuntos de um espa¸co m´etrico a partir da no¸c˜ao de bola centrada num ponto, que ´e o conjunto dos pontos que distam dele menos de um dado valor, chamado raio da bola. Os espa¸cos m´etricos tiveram grande importˆ ancia a partir de 1920, com os trabalhos de S. Banach sobre espa¸cos lineares normados de fun¸c˜oes e o desenvolvimento subsequente da An´alise Funcional. Os espa¸cos m´etricos s˜ ao um quadro particularmente apropriado para considerar convergˆencia, em que cabe um papel importante `a no¸c˜ao de sucess˜ao de Cauchy, considerada pela 1a vez em 1817 por B. Bolzano e depois, independentemente, por A.-L. Cauchy em 1824. Devido a` importˆ ancia desta propriedade para convergˆencia, quando se verifica diz-se que o espa¸co 171 172

Lefschetz, Solomon (1884-1972). Peano, Giuseppe (1858-1932).

Elementos de topologia geral

167

´e completo173 . O conceito de conjunto compacto ´e fundamental por permitir passar de fam´ılias infinitas de conjuntos abertos cuja uni˜ ao cont´em o conjunto (chamadas coberturas abertas) a um no finito de elementos da fam´ılia com uni˜ ao que ainda cont´em o conjunto. Esta passagem do infinito ao finito ´e muito u ´ til e ´e uma das maneiras de obter resultados globais a partir de resultados locais, i.e. v´alidos numa vizinhan¸ca de qualquer ponto. A propriedade de conjuntos compactos referida, hoje conhecida por Propriedade de Heine-Borel, come¸cou por ser usada por E. Heine num artigo de 1872 em que provou que uma fun¸c˜ao real cont´ınua num intervalo limitado e fechado de n´ umeros reais ´e uniformemente cont´ınua, resultado que ´e conhecido por Teorema de HeineCantor. Um outro antecedente significativo da no¸c˜ao de compacidade foi o Teorema de Weierstrass de valores extremos de fun¸c˜oes cont´ınuas, publicado por K. Weierstrass em 1877, segundo o qual uma fun¸c˜ao cont´ınua num intervalo limitado e fechado de n´ umeros reais assume um valor m´ aximo e um valor m´ınimo nesse intervalo. Embora utilizada implicitamente no artigo de E. Heine, a Propriedade de Heine-Borel s´ o foi explicitamente formulada em 1895, pelo pr´ oprio E. Borel, no caso de coberturas de intervalos limitados e fechados de n´ umeros reais por intervalos abertos numer´aveis. Esta propriedade foi depois estendida por H. Lebesgue em 1902 para coberturas por intervalos abertos n˜ ao necessariamente numer´aveis, raz˜ ao pela qual o Teorema de Heine-Borel tamb´em ´e conhecido por Teorema de Borel-Lebesgue. Em 1903, E.L. Lindel¨ of provou que toda cobertura de um subconjunto de R por intervalos abertos tem uma subcobertura numer´avel, o que estabeleceu uma rela¸c˜ ao entre o modo como a propriedade foi considerada por E. Borel e a sua formula¸c˜ ao por H. Lebesgue, no caso de intervalos limitados e fechados de n´ umeros reais. Em 1904 G. Vitali estendeu o Teorema de Heine-Borel de intervalos limitados e fechados para quaisquer conjuntos limitados e fechados de n´ umeros reais. O termo “compacto” foi introduzido por M. Fr´echet em 1906, na sua tese de doutoramento. A formula¸c˜ao geral da Propriedade de Heine-Borel em termos de coberturas abertas s´ o apareceu em 1926, nos trabalhos de P. Uryshon e P. Alexandroff174 . A no¸c˜ ao de conjunto conexo foi introduzida por C. Jordan em 1893 para subconjuntos de um plano, a prop´osito do Teorema da Curva de Jordan, que estabelece que o complementar de toda a curva fechada simples num plano ´e a uni˜ ao de dois conjuntos abertos disjuntos e conexos. A defini¸c˜ao geral de conjunto conexo deve-se a F. Riesz, em 1906, e ´e redescoberta por F. Hausdorff no trabalho de 1914 j´a referido. Um espa¸co topol´ ogico ´e um conjunto n˜ ao vazio com uma fam´ılia de subconjuntos (designados conjuntos abertos) a que se chama topologia, que 173

Hausdorff, Feli (1868-1942). Banach, Stefan (1892-1945). Heine, Henrich (1821-1881). Uryshon, Pavel (1898-1924). Alexandroff, Pavel (18961982). 174

168

Apˆ endice I

cont´em todo o espa¸co e o conjunto vazio e ´e fechada para intersec¸c˜oes finitas e uni˜ oes finitas ou infinitas de subconjuntos. Uma vizinhan¸ca de um ponto num espa¸co topol´ ogico ´e um conjunto aberto que cont´em o ponto. A no¸c˜ao de espa¸co topol´ ogico foi dada por F. Hausdorff em 1914, embora D. Hilbert j´a tivesse considerado em 1902 uma axiom´atica para vizinhan¸cas num plano. Uma aspecto b´ asico da no¸c˜ao de espa¸co topol´ogico, at´e para entender at´e que ponto ´e mais amplo do que o conceito de espa¸co m´etrico, ´e em que condi¸c˜ oes uma topologia pode ser definida por uma distˆ ancia, ou seja em que o espa¸co topol´ ogico ´e metriz´ avel. No per´ıodo 1920-1930 esta quest˜ao foi intensivamente estudada, principalmente por P. Uryshon, P. Alexandroff e V.I. Smirnov, e levou `a obten¸c˜ao em 1950-51 de condi¸c˜oes necess´arias e suficientes para um espa¸co topol´ogico ser metriz´ avel por R.H. Bing, J. Nagata e V.I. Smirnov. V.I. Smirnov estabeleceu 1o uma condi¸c˜ao semelhante as de R.H. Bing e de J. Nagata, na sequˆencia do Teorema de Metriza¸c˜ao ` de Urysohn que deu uma condi¸c˜ao suficiente para metrizabilidade, e depois uma outra condi¸c˜ ao com a no¸c˜ao de conjunto paracompacto, na sequˆencia de A.H. Stone ter provado em 1948 que os espa¸cos topol´ogicos metriz´ aveis s˜ ao paracompactos. O conceito de conjunto paracompacto ´e uma generaliza¸c˜ ao de conjunto compacto, introduzida em 1944 por J. Dieudonn´e, com aplica¸c˜ oes em Geometria Alg´ebrica e em Geometria Diferencial175 .

I.2 Espa¸ cos m´ etricos e espa¸cos completos Chama-se distˆ ancia num conjunto X 6= ∅ a d : X×X → [0, +∞[ tal que:

1 ) d(x, y) = d(y, x) , 2 ) d(x, z) = d(x, y)+d(y, z) , 3 ) d(x, y) = 0 ⇔ x = y .

Chama-se espa¸ co m´ etrico a um conjunto X 6= ∅ com uma distˆ ancia d , (X, d) , que se designa simplesmente por X se a distˆ ancia est´ a impl´ıcita. Um subconjunto Y 6= ∅ de um espa¸co m´etrico X tamb´em ´e espa¸co m´etrico com a mesma distˆ ancia, e diz-se que Y ´e subespa¸ co m´ etrico de X. Considera-se num espa¸co m´etrico a topologia com base definida pelas bolas abertas Br (x) = {y ∈ X : d(x, y) < r} , com x ∈ X e r > 0 , a que se chama, resp., centro e raio da bola aberta, i.e. os conjuntos abertos s˜ ao todas as poss´ıveis uni˜ oes (finitas ou infinitas) destas bolas abertas. Chama-se vizinhan¸ ca de um ponto x ∈ X a qualquer conjunto aberto que o cont´em. Os conjuntos fechados s˜ ao os complementares de conjuntos abertos. Para S ⊂ X, chama-se interior de S `a uni˜ ao de todos conjuntos 175 Um espa¸ co paracompacto ´e um espa¸co topol´ ogico tal que cada cobertura aberta tem um refinamento localmente finito que ´e uma cobertura aberta do espa¸co; um refinamento de uma cobertura aberta ´e uma cobertura aberta em que cada elemento da 1a cont´em um elemento da 2a ; uma cobertura aberta ´e localmente finita se cada ponto do espa¸co tem uma vizinhan¸ca com pontos em comum com apenas um no finito de elementos da cobertura. Smirnov, Vladimir Ivanovich (1887-1974). Bing, R.H. (1914-1986). Nagata, Jun-iti (1925-). Stone, Arthur Harold (1916-2000).

Elementos de topologia geral

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abertos nele contidos, designado int S , exterior de S a ext S = int X \ S , fecho ou aderˆ encia de S a S = X \ext S , fronteira de S a ∂S = S \int S .

Para qualquer S ⊂ X , {int S, ∂S, ext S} ´e uma parti¸ca ˜o de X, i.e. um conjunto de conjuntos disjuntos com uni˜ ao igual a X.

Diz-se que um ponto ´e interior, exterior ou fronteiro de um conjunto S ⊂ X se pertence, resp., a int S, ext S, ∂ S. Chama-se ponto limite ou ponto de acumula¸ c˜ ao de S a x ∈ X tal que toda a vizinhan¸ca tem pelo menos um outro ponto de S. co Diz-se que S ´e denso em X se S = X. Diz-se que X ´e um espa¸ separ´ avel se tem um subconjunto numer´avel denso em X. Se Y ⊂ X, os conjuntos abertos do subespa¸co m´etrico Y de X s˜ ao as intersec¸c˜ oes de Y com os subconjuntos abertos de X, pelo que se diz que cada um destes conjuntos ´e um conjunto aberto relativamente a Y . Os conjuntos fechados de Y s˜ ao os complementares em Y dos conjuntos abertos relativamente a Y , pelo que s˜ ao as intersec¸c˜oes de Y com os subconjuntos fechados de X, e diz-se que cada um destes conjuntos ´e um conjunto fechado relativamente a Y . Diz-se que uma sucess˜ao {xn } num espa¸co m´etrico converge para um ponto x ou tem limite x se para toda vizinhan¸ca V de x existe N ∈ N tal que xn ∈ V para todo n > N . Diz-se que x ´e um ponto limite da sucess˜ ao {xn } se para toda vizinhan¸ca V de x e todo N ∈ N existe xn ∈ V com n > N . Um ponto de um espa¸co m´etrico ´e um ponto limite de uma sucess˜ ao se e s´ o se ´e o limite de alguma subsucess˜ ao.

Uma sucess˜ ao {xn } num esp¸co m´etrico com distˆ ancia d converge para ℓ se e s´ o se para todo ε > 0 existe N ∈ N tal que d(xn , ℓ) < ε para todo n > N .

Diz-se que uma sucess˜ao {xn } num espa¸co m´etrico ´e uma sucess˜ ao de Cauchy se para todo ε > 0 existe N ∈ N tal que d(xm , xn ) < ε para todos m, n > N (ou seja, em termos da distˆ ancia, a defini¸c˜ao de sucess˜ao de Cauchy difere da de sucess˜ao convergente, apenas por substituir a distˆ ancia de termos da sucess˜ao ao limite pela distˆ ancia entre termos da pr´ opria sucess˜ao). Toda sucess˜ ao convergente num espa¸co m´etrico ´e sucess˜ ao de Cauchy. Diz-se que um espa¸co m´etrico ´e completo se todas as sucess˜oes de Cauchy no espa¸co s˜ ao convergentes. Um subespa¸co de um espa¸co m´etrico completo tamb´em ´e completo se e s´ o se ´e fechado. Diz-se que uma fun¸c˜ ao entre espa¸cos m´etricos f : X → Y ´e cont´ınua num ponto a ∈ X se para toda vizinhan¸ca V de f (a) em Y existe uma vizinhan¸ca U de a em X tal que f (U ) ⊂ V . ´ imediato das defini¸c˜ E oes que as condi¸co ˜es seguintes s˜ ao necess´ arias e suficientes para uma fun¸ca ˜o entre espa¸cos m´etricos f : X → Y , com distˆ an-

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Apˆ endice I

cias d em X e d′ em Y , serem cont´ınuas em a ∈ X: 1. Para todo ε > 0 existe δ > 0 tal que para todo x ∈ X  d(x, a) < δ ⇒ d′ f (x), f (a) < ε .

2. Para toda sucess˜ ao {xn } ⊂ X convergente para a, a sucess˜ ao {f (xn )} converge para f (a).

f ´e cont´ınua num conjunto S ⊂ X se ´e cont´ınua em cada a ∈ S. Em termos das distˆ ancias nos espa¸cos m´etricos, uma fun¸ca ˜o entre espa¸cos m´etricos f : X → Y ´e cont´ınua se e s´ o se pre-imagens de subconjuntos abertos de Y s˜ ao subconjuntos abertos de X (a pre-imagem de S ⊂ Y ´e f −1 (S) = {x ∈ X: f (x) ∈ S}) . Portanto, uma fun¸ca ˜o entre espa¸cos m´etricos f : X → Y , com distˆ ancias d em X e d′ em Y , ´e cont´ınua se para todos x ∈ X, ε > 0 existe δ > 0 tal que  para todo y ∈ X d(x, y) < δ ⇒ d′ f (x), f (y) < ε.

Diz-se que uma fun¸c˜ ao entre espa¸cos m´etricos f : X → Y , com distˆ ancias d em X e d′ em Y , ´e uniformemente cont´ınua se y, x ∈ X, ε > 0 existe δ > 0 tal que d(x, y) < δ ⇒ d′ f (x), f (y) < ε (ou seja as defini¸c˜oes dadas de continuidade e de continuidade uniforme s´ o diferem pelo quantificador “para todo y ∈ X” passar de u ´ ltimo quantificador para primeiro). Uma fun¸ca ˜o entre espa¸cos m´etricos uniformemente cont´ınua ´e cont´ınua. ´u E ´ til dominar a propriedade importante seguinte de conjuntos de pontos de continuidade de fun¸c˜ oes. (I.1) Se X ´e espa¸co m´etrico. Y = Kn com n ∈ N e K ´e o espa¸co m´etrico R ou C com a distˆ ancia usual, o conjunto de pontos de continuidade de f : X → Y ´e intersec¸ca ˜o numer´ avel de subconjuntos abertos de X.

Dem. O resultado ´e imediato da sua validade com Y = R , pelo que se considera que este ´e o caso. Designa-se a oscila¸ c˜ ao de f em S ⊂ X por ω(f, S) = supS f − inf S f (considera-se ω(f, S) = +∞ se supS f ou inf S f n˜ ao existe) e oscila¸ c˜ ao de f em x ⊂ X por ω(f, x) = limδ→0 ω f, Bδ (x) . Para ε > 0 designa-se Cε = {x ∈ X : ω(f, x) < ε} . O conjunto de pontos de continuidade de f ´e C0 = {x ∈ X : ω(f, x) = 0} = ∩k∈N C 1 . Se x ∈ Ck ,  1 k lim ω f, B (x) < , pelo que existe δk > 0 ´e ω(f, x) < k1 e, portanto, δ→0 δ k  1 1 tal que ω f, Bδk (x) < k . Logo, y ∈ Bδk (x) implica ω(f, y) < k e, portanto, y ∈ Ck , o que prova que cada Ck ´e um conjunto aberto. Q.E.D. Segue-se um teorema importante e u ´ til em espa¸cos m´etricos completos176 . 176 Foi provado em 1899 por Ren´e-Louis Baire (1874-1932). em Rn a prop´ osito do estudo de conjuntos de pontos de continuidade de fun¸c˜ oes de duas vari´ aveis reais com valore reais cont´ınuas separadamente em cada uma das vari´ aveis, e tinha sido provado em R. por William Osgood (1864-1943) em 1897, a prop´ osito da troca de limite com integral.

Elementos de topologia geral

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(I.2) Teorema de Baire Se X ´e um espa¸co m´etrico completo, intersec¸co ˜es numer´ aveis de abertos densos em X s˜ ao densas em X. Dem. Seja {Uj } um conjunto numer´avel de conjuntos abertos densos em X, BR uma qualquer bola aberta de X e b ∈ BR . Com subdivis˜oes sucessivas de raios de bolas em X sucessivamente para menos de metade do raio da bola r precedente obt´em-se uma sucess˜ao de bolas abertas {Brn } com 0 < rj+1 < 2j para j ∈∈ N tal que BR ⊃ Br1 ∩ U1 ⊃ Br2 ⊃ Br2 ∩ U2 ⊃ Br3 ⊃ · · · , pois dada a bola Brn do passo n , como Un ´e denso em X , ´e Brn ∩ Un 6= ∅ e, portanto, existe bn ∈ Brn ∩ Un ⊂ BR , e, como Brn ∩ Un ´e aberto, existe uma bola Brn+1 com raio rn+1 ∈ ] 0, r2n [ tal que Brn+1 ⊂ Brn ∩ Un ⊂ Brn ∩ Un . {bn } ´e uma sucess˜ao de Cauchy e, como X ´e um espa¸co m´etrico completo, converge para algum b ∈ X. Como para n > m ´e bn ∈ Brm e este conjunto ´e ∞ fechado, b ∈ ∩∞ e simultaneamente m=2 Brm ⊂ ∩m=1 Brm ∩ Um . Este conjunto ´ subconjunto de ∩n∈N Un e de BR , pelo que b ∈ BR ∩n∈N Un . Logo, toda bola de X tem pontos de ∩n∈N Un . Q.E.D. Se X ´e um espa¸co m´etrico, diz-se que S ⊂ X ´e um conjunto magro ou de 1a categoria de Baire em X se ´e uni˜ ao numer´avel de conjuntos com fechos com interiores vazios; caso contr´ ario, diz-se que S ´e um conjunto gordo ou de 2a categoria de Baire177 em X. Com esta terminologia, o Teorema de Baire pode ser enunciado: (I.3) Teorema de Baire: Um espa¸co m´etrico completo ´e gordo nele pr´ oprio. Tem-se a seguinte propriedade importante de espa¸cos m´ atricos completos. (I.4) Todo subconjunto numer´ avel de um espa¸co m´etrico completo X ´e magro em X e toda bola em X ´e um conjunto gordo em X. Dem. A 1a propriedade ´e imediata porque todo conjunto numer´avel ´e uni˜ ao numer´avel dos conjuntos singulares com cada um dos seus pontos, e o fecho de cada conjunto ´e ele pr´ oprio e tem interior vazio. Se uma bola B em X fosse um conjunto magro, seria B = ∪n∈N Vn , com int Vn = ∅ , pelo que Un = X\Vn seria aberto e denso em X, e, do Teorema de Categoria de Baire, ∩n∈N Un seria denso em X. Logo, X\B = ∩n∈N (X\Vn ) ⊃ ∩n∈N Un seria denso em X, o que ´e falso. Portanto, toda bola em X ´e um conjunto gordo. Q.E.D. Uma consequˆencia imediata deste resultado ´e que bolas de espa¸cos m´etricos completos s˜ ao conjuntos n˜ ao numer´aveis, o que ´e uma prova de que C (como R) n˜ ao ´e numer´avel. 177

A no¸c˜ ao de Categoria de Baire foi introduzida em 1899 por R.-L. Baire.

172

Apˆ endice I

Um subconjunto de um espa¸co m´etrico ´e limitado se existe uma bola aberta que o cont´em, e ´e totalmente limitado se para todo ε > 0 existe uma cobertura do conjunto por um no finito de bolas abertas com raio ε (uma cobertura de um subconjunto S de um espa¸co ´e um conjunto de subconjuntos do espa¸co cuja uni˜ ao cont´em S ). Um subconjunto totalmente limitado de um espa¸co m´etrico ´e limitado. Chama-se diˆ ametro de um subconjunto S de um espa¸co m´etrico ao supremo (finito ou infinito) das distˆ ancias entre pares de pontos de S. Do cap´ıtulo 1, C ´e um espa¸co m´etrico com a distˆ ancia entre dois pontos dada pelo valor absoluto da diferen¸ca entre os pontos e, portanto, com a topologia definida com base nos c´ırculos abertos da m´etrica considerada. Vˆe-se no cap´ıtulo 5 que C ´e um espa¸co completo e no cap´ıtulo 10 que ´e um espa¸co separ´avel, nomeadamente o conjunto dos pontos com partes real e imagin´ aria racionais ´e denso em C . Como um subconjunto numer´avel Q denso em C pode ser enumerado por uma sucess˜ao Q = {qn } , n˜ ao pode ser intersec¸c˜ao numer´avel de abertos de C , pois caso contr´ ario seria Q = ∩n∈N Un para uma sucess˜ao {Un } de subconjuntos abertos de C e, como Q ´e denso em C , cada Un teria de ser denso em C e ∩n∈N \ {qn } seria uma intersec¸c˜ao de abertos densos em C e, portanto, do Teorema de Baire, esta intersec¸c˜ao seria densa em C , em contradi¸c˜ ao com ser o conjunto vazio. Por outro lado, C\Q = ∩n∈N C\{qn } ´e uma intersec¸c˜ ao de subconjuntos abertos de C. Em particular, de (I.1), n˜ ao h´ a fun¸c˜oes de C em C com conjunto de pontos de continuidade que seja um subconjunto numer´avel denso em C , embora possa haver fun¸c˜oes com conjunto de pontos de continuidade que seja o complementar de um tal conjunto; um exemplo concreto ´e com Q o conjunto dos n´ umeros complexos com partes real e imagin´ aria racionais. Analogamente, n˜ ao h´ a fun¸c˜oes de R em R cont´ınuas nos n´ umeros racionais e descont´ınuas nos irracionais, mas h´ a fun¸c˜oes cont´ınuas nos n´ umeros irracionais e descont´ınuas nos n´ umeros racionais. Os espa¸cos lineares normados s˜ ao espa¸cos m´etricos com a distˆ ancia d(x, y) = kx − yk , que designa a norma do vector x − y. H´a espa¸cos lineares m´etricos que n˜ ao s˜ ao normados, e.g. R2 com a distˆ ancia p  p d (x1 , x2 ), (y1 , y2 ) = |x1 −y1 |+ |x2 −y2 | , p p pois k(x1 , x2 )k = |x1 | +p |x2 | n˜ ao satisfaz a homogeneidade positiva de p 6 |t| para t ∈ R \ {0, 1}). Um normas (e.g. kt(1, 0)k = |t| k(1, 0)k e |t| = espa¸co linear real ou complexo m´etrico (X, d) ´e normado se e s´ o se d(tx, ty) = |t| d(x, y) ,

d(x+z, y+z) = d(x, y) ,

x, y ∈ X, t ∈ K ,

em que K ´e o corpo dos escalares do espa¸co linear X (em caso afirmativo a norma ´e kxk = d(x, 0) ). H´a espa¸cos m´etricos que n˜ ao s˜ ao espa¸cos lineares, e.g. qualquer X 6= ∅ com d(x, y) = 1 se x 6= y, e d(x, y) = 0 se x = y ´e um espa¸co m´etrico com distˆ ancia d.

Elementos de topologia geral

173

I.3 Conjuntos e espa¸cos compactos Seja (X, d) um espa¸co m´etrico. Diz-se que K ⊂ X ´e um conjunto compacto se para toda cobertura aberta de K existe uma subcobertura finita178 de K. Considerando K como subespa¸co m´etrico de X, a condi¸c˜ ao anterior verifica-se ou n˜ ao independentemente de se considerarem conjuntos abertos de X ou conjuntos abertos do espa¸co K (ou seja conjuntos abertos relativamente a K ); por isso se K ´e um conjunto compacto tamb´em se diz que ´e um espa¸ co compacto. A no¸c˜ ao de compacidade de um conjunto est´ a intimamente ligada `a de conjunto fechado, como se vˆe nos dois resultados seguintes. (I.5) Subconjuntos fechados de conjuntos compactos s˜ ao compactos. Dem. Se K ´e um conjunto compacto, F ⊂ K ´e fechado e U ´e uma cobertura aberta de F , ent˜ ao U ∪ {X \ F } ´e uma cobertura aberta de K, pelo que existe uma subcobertura aberta finita de K, que tamb´em ´e cobertura aberta de F . Se esta cobertura cont´em X \F , a fam´ılia obtida retirando-lhe este conjunto ´e uma cobertura aberta de F , pelo que U tem uma subcobertura aberta finita de F e, em consequˆencia, F ´e compacto. Q.E.D. (I.6) Subconjuntos de conjuntos compactos de um espa¸co m´etrico s˜ ao compactos se e s´ o se s˜ ao fechados. Dem. Se K ´e subconjunto compacto de um espa¸co m´etrico X e x ∈ X \K, como {Bd(k,x)/2 (k) : k ∈ K} ´e cobertura aberta de K, existe uma subcobertura finita de K, {Bd(kj ,x)/2 (kj ) : j = 1, . . . , n}, e U = ∩nj=1 Bd(kj ,x)/2 (x) ´e aberto, cont´em x e n˜ ao intersecta elementos dessa subcobertura finita de K. Logo, x ∈ U ⊂ X \K, pelo que X \K ´e aberto e K fechado. O rec´ıproco ´e consequˆencia do resultado precedente. Q.E.D. Consideram-se agora duas caracteriza¸c˜oes de conjuntos compactos em espa¸cos m´etricos, uma pelas no¸c˜ oes de conjunto totalmente limitado e espa¸co m´etrico completo, e outra pela existˆencia de pontos limite de sucess˜oes. (I.7) Um subespa¸co de um espa¸co m´etrico ´e compacto se e s´ o se ´e completo e totalmente limitado. Dem. 1) Necessidade. Como o conjunto das bolas abertas com raio ε > 0 qualquer centradas em cada ponto de um espa¸co m´etrico X ´e uma cobertura aberta de X, se K ⊂ X ´e compacto, existe uma subcobertura finita de K, pelo que K ´e totalmente limitado. Se {xn } ⊂ K ´e sucess˜ao de Cauchy e y ∈ K n˜ ao ´e o limite de {xn }, existe ε > 0 tal que d(xn , y) > ε para infinitos n ∈ N ; como d(xm , y) ≥ d(xn , y) − d(xm , xn ) , tomando N ∈ N tal 178

Esta condi¸c˜ ao ´e conhecida por Propriedade de Heine-Borel.

174

Apˆ endice I

que d(xm , xn ) < 2ε para m, n > N e escolhendo n > N tal que d(xn , y) > ε, ´e d(xm , y) > 2ε para todo m > N , pelo que a bola aberta Bε/2 (y) cont´em um no finito de termos de {xn } ; se {xn } n˜ ao fosse convergente, a fam´ılia de todos conjuntos abertos que contˆem um no finito de termos desta sucess˜ao seria uma cobertura aberta de K e existiria uma subcobertura finita de K; cada elemento desta subcobertura teria um no finito de termos de {xn }, pelo que K tamb´em teria um no finito de termos de {xn }, em contradi¸c˜ao com ser uma sucess˜ao em K. Logo, {xn } ´e convergente. Portanto, toda sucess˜ao de Cauchy em K converge para um ponto, que pertence a K porque, do pen´ ultimo resultado anterior, K ´e fechado, e, portanto, ´e um subespa¸co m´etrico de X completo. 2) Suficiˆencia. Seja X um espa¸co m´etrico e K ⊂ X totalmente limitado e completo. Prova-se por absurdo, com sucessivas divis˜oes ao meio dos raios de bolas de coberturas. Assim, sup˜oe-se que existe uma cobertura aberta U de K sem qualquer subcobertura finita de K. Como K ´e totalmente limitado, h´ a uma cobertura finita com elementos que s˜ ao bolas abertas com centros em pontos de K todas com raio εn = 21n , com n ∈ N . Se a cobertura U tivesse uma subcobertura finita para cada uma destas bolas abertas, existiria uma subcobertura aberta finita de K e, como se sup˜oe que tal n˜ ao ´e o caso, n˜ ao existiria subcobertura finita de U que cobrisse alguma das bolas abertas de raio ε1 consideradas, designada Bε1 (k1 ). O conjunto K ∩ Bε1 (k1 ) ´e totalmente limitado, pelo que o argumento anterior garante que existiria Bε2 (k2 ) com k2 ∈ K tal que n˜ ao existiria subcobertura finita de U que cobrisse alguma das bolas abertas com raio ε2 consideradas. Procedendo assim sucessivamente, obter-se-ia uma sucess˜ao {kn } tal que n˜ ao existiria subcobertura finita de U que cobrisse Bεn (kn ), para todo n ∈ N. Como p p X X 1 1 p p∈N , εj = d(kn , kn+ ) < 2n < 2n−1 , j=0

j=0

{kn } seria uma sucess˜ao de Cauchy, que, como K ´e completo, convergiria para algum k ∈ K pertencente a algum elemento U ∈ U . Como U ´e aberto, existiria δ > 0 tal que Bδ (k) ⊂ U . Para n suficientemente grande seria d(kn , k) < 2δ e εn < 2δ , pelo que Bεn (kn ) ⊂ Bδ (k) ⊂ U . Logo, {U } ⊂ U seria uma subcobertura finita de Bεn (kn ) , o que contradiz o que se sup˜oe. Logo, K satisfaz a Propriedade de Heine-Borel e, portanto, ´e compacto. Q.E.D. (I.8) Um subconjunto infinito de um compacto K tem ponto limite em K.

Dem. Se K ´e compacto e S ⊂ K ´e infinito sem qualquer ponto limite em K, cada k ∈ K teria uma vizinhan¸ca com, no m´ aximo, 1 ponto de S. Como K ´e compacto existiria uma subcobertura finita de K e S seria finito, o que ´e contradit´ orio. Logo, K tem pelo menos um ponto limite de S. Q.E.D.

Elementos de topologia geral

175

(I.9) Lema de Lebesgue: Para toda cobertura aberta de um subconjunto compacto K de um espa¸co m´etrico existe ε > 0 tal que todo subconjunto de K com diˆ ametro < ε est´ a contido num elemento da cobertura. Dem. Caso contr´ ario, para cada n ∈ N existiria Sn ⊂ K de diˆ ametro inferior 1 ao contido em nenhum dos elementos da cobertura. S = ∪n=1 Sn ´e a n n˜ ancia m´ınima entre infinito, pois se n˜ ao fosse, para n1 menor do que a distˆ pontos de S, cada Sn teria quanto muito um ponto e, em consequˆencia, estaria contido num elemento da cobertura. De (I.8), S tem pelo menos um ponto limite p ∈ K, que pertence a algum elemento U da cobertura. Como U ´e aberto, existe r > 0 tal que Br (p) ⊂ U . Logo, para infinitos n´ umeros naturais n > 2r ´e Sn ∩B 2r (p) 6= ∅ e, portanto, Sn ⊂ Br (p) ⊂ U , em contradi¸c˜ao com as especifica¸c˜ oes para escolha dos conjuntos Sn . Q.E.D. Diz-se que um subconjunto S de um espa¸co topol´ogico tem a Propriedade de Bolzano-Weierstrass se toda sucess˜ao em S tem pelo menos um ponto limite em S. Como num espa¸co m´etrico x ´e um ponto limite de uma sucess˜ao se e s´ o se existe uma subsucess˜ ao convergente para x , a propriedade de Bolzano-Weierstrass em espa¸cos m´etricos ´e equivalente a toda a sucess˜ao de de S ter uma subsucess˜ ao convergente para um ponto de S, pelo que se diz que S ´e sequencialmente compacto179 . (I.10) Teorema de Bolzano-Weierstrass: Um subconjunto de um espa¸co m´etrico ´e compacto se e s´ o se ´e sequencialmente compacto. Dem. 1) Necessidade. De (I.8), qualquer sucess˜ao num conjunto compacto K com termos que assumem infinitos valores tem um ponto limite em K. Caso contr´ ario, pelo menos um ponto de K ´e assumido em infinitos termos da sucess˜ao, pelo que ´e um ponto limite da sucess˜ao. 2) Suficiˆencia. Se K ´e um subconjunto de um espa¸co m´etrico com a Propriedade de Bolzano-Weierstrass, como toda sucess˜ao de Cauchy com um ponto limite em K converge para esse ponto, K ´e completo. Se K n˜ ao ´e totalmente limitado, existe ε > 0 tal que n˜ ao h´ a qualquer cobertura finita de K com bolas abertas com raio ε > 0 . Constr´oi-se uma sucess˜ao {xn } ⊂ K escolhendo x1 ∈ K arbitr´ario e, sucessivamente, xn+1 ∈ K \∪nj=1 Bε (xj ) . Como d(xm , xn ) > ε para m, n ∈ N , nenhuma subsucess˜ ao de {xn } converge, em contradi¸c˜ ao com a Propriedade de Bolzano-Weierstrass. Logo, se K tem esta propriedade, ´e totalmente limitado, e, de (I.7), ´e compacto. Q.E.D. Em R ou C os conjuntos compactos s˜ ao os conjuntos limitados e fechados. 179

Os teoremas de Arzel` a-Ascoli e de Montel do cap´ıtulo 10 caracterizam pela propriedade de Bolzano-Weierstrass a compacidade de espa¸cos de fun¸c˜ oes, resp., cont´ınuas e holomorfas na m´etrica correspondente ` a convergˆencia uniforme em subconjuntos compactos.

176

Apˆ endice I

(I.11) K ⊂ Rn ou K ⊂ Cn ´e compacto se e s´ o se ´e limitado e fechado. Dem. Rn e Cn s˜ ao espa¸cos m´etricos e, de um ponto de vista m´etrico, Cn ´e 2n idˆentico a R , pelo que basta provar o resultado para Rn . 1) Necessidade. Se K ⊂ Rn ´e compacto, de (I.7), ´e totalmente limitado; logo, ´e limitado, e, de (I.6) ´e fechado. 2) Suficiˆencia. Se K ⊂ Rn ´e limitado e fechado e ε > 0 , como K ´e limitado, existe R > 0 tal que para todo k ∈ K ´e K ⊂ I = [k−R, k+R]n . Subdividindo sucessivamente m vezes ao meio cada aresta do intervalo, obt´em-se uma sucess˜ao de subintervalos com centro em k e arestas com comprimentos R . Para m grande, cada um destes subintervalos est´ a contido na bola 2m−1 aberta com centro em k e raio ε > 0 . Estas bolas abertas, com centro em cada k ∈ K formam uma cobertura aberta de K, e, como K ´e compacto, existe uma subcobertura finita. Logo, K ´e totalmente limitado. Como K ´e fechado e Rn ´e um espa¸co m´etrico completo, de (I.7), K ´e compacto. Q.E.D. Os resultados seguintes d˜ ao propriedades de fun¸c˜oes cont´ınuas em conjuntos compactos. (I.12) Se f ´e fun¸ca ˜o cont´ınua num espa¸co K compacto, f (K) ´e compacto. Dem. Se f ´e uma fun¸c˜ ao cont´ınua definida num conjunto compacto K e U ´e uma cobertura aberta de f (K) , as pre-imagens por f dos elementos de U formam uma cobertura aberta de K, pelo que existe uma subcobertura finita de K, e o conjunto das imagens dos elementos desta cobertura ´e uma subcobertura finita de f (K) com elementos da cobertura U de f (K) . Logo, para toda cobertura aberta f (K) existe uma subcobertura finita de f (K) , pelo que f (K) ´e um conjunto compacto. Q.E.D. (I.13) TeoremadeWeierstrass: Uma fun¸ca ˜o com valores reais cont´ınua num espa¸co compacto K 6= ∅ assume m´ aximo e m´ınimo em K.

Dem. De (I.12), se f ´e cont´ınua num compacto K e f (K) ⊂ R, f (K) ´e compacto e, de (I.11), ´e um subconjunto limitado e fechado de R , pelo que tem supremo e ´ınfimo em R, que pertencem a f (K) pois este conjunto ´e fechado, e, portanto, s˜ ao, resp., m´ aximo e m´ınimo de f em K. Q.E.D. (I.14) Fun¸co ˜es cont´ınuas injectivas de um conjunto compacto n˜ ao vazio num espa¸co m´etrico s˜ ao homeomorfismos. Dem. Se K ´e um conjunto compacto, f ´e uma fun¸c˜ao injectiva cont´ınua que transforma K num subconjunto de um espa¸co m´etrico, e F ⊂ K ´e fechado, de (I.6) F ´e compacto, e de do (I.12) tamb´em ´e compacto, e, de (I.6) ´e fechado. Logo, f transforma conjuntos fechados em conjuntos fechados, pelo que, como f ´e injectiva em K, pre-imagens pela inversa da restri¸c˜ao de f a K de conjuntos fechados s˜ ao conjuntos fechados em rela¸c˜ao a K, e, portanto esta inversa ´e cont´ınua, e f ´e um homeomorfismo. Q.E.D.

Elementos de topologia geral

177

(I.15) Teorema de Heine-Cantor: Fun¸co ˜es cont´ınuas de um espa¸co m´etrico compacto num espa¸co m´etrico s˜ ao uniformemente cont´ınuas. Dem. Se (K, d) ´e um espa¸co m´etrico compacto, f ´e uma fun¸c˜ao cont´ınua de K num espa¸co m´etrico (Y,d′ ), e ε > 0 , para cada k ∈ K existe ρk > 0 tal que f Bρk (k) ⊂ Bε f (k) , pelo que U = {Bρk /2 (k) : k ∈ K} ´e uma cobertura aberta de K, e, portanto, existe uma subcobertura finita de K. Se δ > 0 ´e o menor dos raios das bolas em tal subcobertura finita de K, para todo x, y ∈ K com d(x, y) < δ, existe uma bola aberta na subcobertura finita ρz considerada com centro num ponto z ∈ K e raio ρ2z tal que d(x, z) < 2 e,  ρz ′ portanto, d(y,  z) ≤ d(y, x)+d(x, z) < δ + 2 ≤ ρz . Logo, d f (x), f (z) < ε e d′ f (y), f (z) < ε , pelo que d′ f (x), f (y) < 2ε. Portanto, qualquer que seja  ε > 0 existe δ > 0 tal que x, y ∈ K, d(x, y) < δ ⇒ d′ f (y), f (z) < ε , pelo que f ´e uniformemente cont´ınua em K. Q.E.D.

I.4 Conjuntos e espa¸cos conexos Seja (X, d) um espa¸co m´etrico. Diz-se que S ⊂ X ´e conexo se n˜ ao ´e uni˜ ao de dois conjuntos n˜ ao-vazios, disjuntos e abertos relativamente a S. Chama-se conjunto desconexo a um conjunto que n˜ ao ´e conexo. Considerando S como subespa¸co m´etrico de X, ´e claro que a condi¸c˜ ao anterior verifica-se ou n˜ ao independentemente de se considerarem conjuntos abertos de X ou conjuntos abertos do subespa¸co S (i.e. conjuntos abertos relativamente a S). Por esta raz˜ ao pode-se considerar um conjunto conexo como um espa¸ co conexo. Diz-se que S ⊂ X ´e um conjunto conexo por caminhos se para cada par de pontos de S existe um caminho em S com extremidades nesses pontos. A no¸c˜ ao de conjunto conexo tem liga¸c˜oes importantes a continuidade de fun¸c˜oes, como ´e evidenciado no resultado seguinte. (I.16) Fun¸co ˜es cont´ınuas tˆem as propriedades: 1. Transformam conjuntos conexos em conjuntos conexos. 2. Um conjunto ´e conexo se e s´ o se as fun¸co ˜es cont´ınuas desse conjunto em {0, 1} s˜ ao constantes. Dem. 1) Se f ´e uma fun¸c˜ ao cont´ınua definida num conjunto conexo S e f (S) fosse desconexo, existiriam conjuntos A, B n˜ ao-vazios, disjuntos e abertos relativamente a f (S) tais que f (S) = A∪B. Como pre-imagens de conjuntos abertos por uma fun¸c˜ ao cont´ınua s˜ ao abertos relativamente ao dom´ınio da fun¸c˜ao, seria S = f −1 (A)∪f −1 (B) com f −1 (A), f −1 (B) n˜ ao-vazios, disjuntos e abertos relativamente a S, em contradi¸c˜ao com S ser conexo. 2) Se S ´e desconexo, existem A, B ⊂ S n˜ ao-vazios, disjuntos, abertos relativamente a S e tais que S = A∪B. Define-se f : S → {0, 1} igual a 0 em pontos

178

Apˆ endice I

de A e a 1 em pontos de B. Como pre-imagens por esta fun¸c˜ao de subconjuntos de {0, 1} s˜ ao um dos conjuntos A, B, S, ∅, todos conjuntos abertos relativamente a S, f ´e cont´ınua; logo, se S ´e desconexo, existem fun¸c˜oes cont´ınuas de S em {0, 1} que n˜ ao s˜ ao constantes. Reciprocamente, se existe uma fun¸c˜ ao f : S → {0, 1} cont´ınua e n˜ ao constante, ent˜ao S = f −1 (A)∪f −1 (B) −1 −1 com f (A), f (B) n˜ ao-vazios, disjuntos e abertos relativamente a S, pois pre-imagens de conjuntos abertos por uma fun¸c˜ao cont´ınua s˜ ao conjuntos abertos relativamente ao dom´ınio da fun¸c˜ao; logo, se existe uma fun¸c˜ao f : S → {0, 1} cont´ınua n˜ ao constante, ent˜ao S ´e desconexo. Q.E.D. Em R as no¸c˜ oes de conjuntos conexo ou conexo por caminhos e intervalo s˜ ao indistingu´ıveis. (I.17) Para S ⊂ R com mais de um ponto s˜ ao condi¸co ˜es equivalentes: 1. S ´e um intervalo. 2. S ´e conexo por caminhos. 3. S ´e conexo. Dem. 1) implica 2). Se S ´e um intervalo, existem a < b tais que [a, b] ⊂ S ; a identidade em [a, b] ´e um caminho em S com extremidades a, b, pelo que S ´e conexo por caminhos. 2) implica 1). Se S ´e conexo por caminhos e x, y ∈ S com x < y, existe um caminho γ : [a, b] → S com e γ(a) = x e γ(b) = y . Como γ ´e uma fun¸c˜ao real de vari´ avel real cont´ınua, do teorema do valor Interm´edio para fun¸c˜oes reais cont´ınuas (Teorema de Bolzano), γ assume todos os n´ umeros reais entre x e y, pelo que S ´e um intervalo. 1) implica 3). Se S ´e um intervalo e f : S → {0, 1} ´e cont´ınua e assume os dois valores 0 e 1 no intervalo S, do Teorema de Bolzano, f assume todos os n´ umeros reais entre 0 e 1, em contradi¸c˜ao com s´ o poder ter estes dois valores. Logo, f ´e constante em S e, de (I.16.2), S ´e conexo. 3) implica 1). Se S ´e conexo e fosse x < z < y com x, y ∈ S e z ∈ / S, A = ]−∞, z[ e B = ]z, +∞[ seriam conjuntos abertos disjuntos tais que S ⊂ A∪B e tanto A ∩ S como B ∩ S seriam n˜ ao-vazios, em contradi¸c˜ao com S ser conexo. Logo, z ∈ S e, portanto, S ´e um intervalo. Q.E.D. Mesmo em geral, as no¸c˜oes de conjunto conexo e de conjunto conexo por caminhos est˜ ao interligadas, como se vˆe nos dois resultados seguintes. (I.18) Todo conjunto conexo por caminhos ´e conexo. Dem. Se S ´e um conjunto conexo por caminhos, f : S → {0, 1} ´e cont´ınua e x, y ∈ S s˜ ao arbitr´arios, existe um caminho γ : [a, b] → S com γ(a) = x e γ(b) = y . f ◦ γ : [a, b] → {0, 1} ´e cont´ınua e, como do resultado precedente o intervalo [a, b] ´e conexo, de (I.16.2), f ◦ γ ´e constante em [a, b] . Logo f (x) = f (y) para todos x, y ∈ S , e outra vez de (I.16.2), S ´e conexo. Q.E.D.

Elementos de topologia geral

179

(I.19) Um subconjunto aberto de um espa¸co m´etrico ´e conexo se e s´ o se ´e conexo por caminhos. Dem. Se S n˜ ao ´e conexo por caminhos e x, y ∈ S n˜ ao podem ser ligados por caminhos em S, designando por A o conjunto de pontos de S que podem ser ligados a x por caminhos em S, verifica-se x ∈ S e y ∈ / S. Considera-se f : S → {0, 1} tal que f (z) = 0 se z ∈ A e f (z) = 1 se z ∈ S \A . Se w ∈ S, como S ´e aberto, existe uma bola aberta Br (w) ⊂ S. Br (w) ´e um conjunto convexo e, portanto, ´e conexo por caminhos. Se w ∈ A , todos  pontos de Br (w) podem ser ligados a x por caminhos em S, e f Br (w) = {0}. Se w ∈ S\A ,nenhum ponto de  Br (w) pode ser ligado a x por caminhos em S, e f Br (w) = {1}, f Br (y) = {0}. Logo, f ´e cont´ınua em todo w ∈ S, f (x) = 0 e f (y) = 1 , e, de (I.16.2), S ´e desconexo. Portanto, se S ´e conexo, ´e conexo por caminhos. O rec´ıproco ´e imediato do resultado precedente. Q.E.D. Qualquer caminho num conjunto aberto pode ser arbitrariamente aproximado por caminhos seccionalmente regulares no conjunto, e qualquer caminho num subconjunto aberto de um espa¸co m´etrico linear de dimens˜ao finita (e.g. Rn ou Cn ) pode ser arbitrariamente aproximado por caminhos poligonais simples que s˜ ao a concatena¸c˜ao de segmentos de recta paralelos a cada um dos elementos de uma qualquer base do espa¸co linear fixada (e.g. no caso de Rn ou Cn aos vectores da base can´ onica180 . Portanto, para conjuntos abertos conexidade ´e equivalente a conexidade por caminhos seccionalmente regulares, e para subconjuntos abertos de Rn (resp., C) conexidade ´e equivalente a conexidade por caminhos poligonais que s˜ ao uni˜ oes de segmentos de recta paralelos aos eixos coordenados (resp., eixos real e imagin´ ario). O exemplo seguinte ´e de um conjunto conexo n˜ ao conexo por caminhos.

Figura I.2: Conjunto conexo que n˜ ao ´e conexo por caminhos 180

Em alternativa, um caminho num subconjunto aberto de Rn ou Cn pode ser arbitrariamente aproximado por caminhos poligonais simples concatena¸c˜ ao de segmentos de recta n˜ ao paralelos a cada um dos elementos de uma qualquer base do espa¸co linear fixada (e.g. no caso de Rn ou Cn aos vectores da base can´ onica, o que tamb´em ´e u ´ til em certas situa¸c˜ oes).

180

Apˆ endice I

(I.20) Exemplo: Considera-se o conjunto S = C1 ∪C2 , em que C1 ´e o segmento de recta {(0, y)∈R2 : |y|≤1} e C2 ´e o gr´ afico da fun¸c˜ao f :[0, 1] → R tal que f (x) = sin πx (Figura I.2). C2 ´e conexo por caminhos, pois se (a1 , a2 ), (b1 , b2 ) ∈ C2 e a1 < b1 , ent˜ao γ : [a1 , b1 ] → R2 tal que γ(t) = t, sin πt ´e um caminho em S que liga os dois pontos.  Se existisse um caminho λ = (λ1 , λ2 ) : [a, b] → S ⊂ R2 de 12 , 0 ∈ C2 a (0, 0) ∈ C1 , seria λ1 (a) = 12 e λ1 (b) = 0 , pelo que, do Teorema de Bolzano, existiriam sucess˜oes estritamente crescentes {tn }, {sn } ⊂ [a, b] , com 1 2 tn < sn < tn−1 e λ1 (tn ) = 2n , λ1 (sn ) = 4n+1 , limitadas, crescentes e com limites iguais a algum L ∈ [a, b] . Como λ(tn ) → (0, 0) e λ(sn ) → (0, 1) , λ n˜ ao tem limite no ponto t = L , o que contradiz a continuidade de λ . Logo, S n˜ ao ´e conexo por caminhos. Ss S fosse desconexo, existiriam conjuntos A, B n˜ ao-vazios, disjuntos e abertos relativamente a S tais que S = A∪B . Como o fecho de C2 ´e S, se qualquer dos conjuntos A ou B contivesse pontos de C1 , tamb´em conteria pontos de C2 . Logo, tanto A como B teriam pontos de C2 . Os conjuntos e = A ∩ C2 e B e = B ∩ C2 seriam n˜ A ao-vazios, disjuntos e abertos relativamente a C2 , em contradi¸c˜ ao com C2 ser conexo. Portanto, S ´e conexo. Em conclus˜ao, S ´e conexo, mas n˜ ao ´e conexo por caminhos. (I.21) Uni˜ oes (finitas ou infinitas) de conjuntos conexos com intersecc¸a ˜o n˜ ao vazia s˜ ao conjuntos conexos. Dem. Se F ´e uma fam´ılia de conjuntos conexos com T = ∩F ∈F F 6= ∅ , S = ∩F ∈F F , e U, V s˜ ao conjuntos abertos tais que U∪V ⊃ S e S∩U , S∩V s˜ ao disjuntos, com a ∈ T , que, sem perda de generalidade, se sup˜oes a ∈ U (caso contr´ ario troca-se U com V ), ent˜ao para todo F ∈ F ´e a ∈ F e, como F ´e conexo, ´e F ∩ V = ∅, pelo que S ∩ V = ∅. Portanto, S ∩ V = ∅ e concluiu-se que S ´e conexo. Q.E.D. O resultado seguinte estabelece que qualquer subconjunto de um espa¸co m´etrico pode ser decomposto de modo u ´ nico em subconjuntos conexos m´ aximos, chamados componentes conexas do conjunto considerado. Mais precisamente, diz-se que T ⊂ S ´e uma componente conexa de S se T ´e conexo e n˜ ao existe qualquer outro subconjunto conexo de S que cont´em T . (I.22) Todo subconjunto de um espa¸co m´etrico tem uma parti¸ca ˜o em componentes conexas u ´nica. Dem. Se S ´e um subconjunto de um espa¸co m´etrico, a ∈ S e A ´e a uni˜ ao de todos os subconjuntos conexos de S que contˆem a, do resultado precedente, A ´e conexo, e ´e uma componente conexa de S. Se houvesse outra componente conexa B de S com a ∈ B, do resultado precedente, A ∪ B seria conexo e conteria a, em contradi¸c˜ao com a defini¸c˜ao de A. Conclui-se que existe uma parti¸c˜ ao u ´ nica de S em componentes conexas. Q.E.D.

Elementos de topologia geral

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(I.23) As componentes conexas de subconjuntos abertos de espa¸cos m´etricos s˜ ao conjuntos abertos. Dem. Se S ´e aberto e a ∈ S, existe uma bola aberta Br (a) ⊂ S. Se A ´e a componente conexa de S com a ∈ S, como Br (a) ´e conexo, ´e Br (a) ⊂ A . Logo, as componentes conexas de S s˜ ao conjuntos abertos. Q.E.D. H´a conjuntos com infinitas componentes conexas (e.g. um conjunto infinito de pontos isolados), o que pode acontecer mesmo para conjuntos abertos ao infinita de intervalos abertos disjuntos de R como  1(e.g.1 uma uni˜ ∞ ∪n=1 n+1 , n ). Apesar de haver subconjuntos de R com infinitas componentes conexas n˜ ao numer´aveis, tal n˜ ao acontece para conjuntos abertos, pois em espa¸cos m´etricos separ´aveis (e.g. Rn e Cn ) as componentes conexas de um conjunto aberto s˜ ao numer´aveis. (I.24) O conjunto das componentes conexas de um subconjunto aberto de um espa¸co m´etrico separ´ avel ´e numer´ avel. Dem. Se S ´e subconjunto aberto de um espa¸co m´etrico separ´avel, do resultado precedente, as componentes conexas de S s˜ ao conjuntos abertos e, como X ´e separ´avel, existe um conjunto numer´avel Q ⊂ S denso em S. Cada conjunto aberto A ⊂ S, logo cada componente conexa de S, cont´em um ponto qa ∈ Q, pelo que as componentes conexas de S s˜ ao numer´aveis. Q.E.D.

I.5 Espa¸ cos topol´ ogicos (n˜ ao) metriz´ aveis N˜ao ´e necess´ario, e por vezes n˜ ao ´e poss´ıvel, expressar rela¸c˜oes de vizi´ nhan¸ca em termos de distˆ ancias. E f´acil observar que muitas das propriedades anteriores s˜ ao formuladas e estabelecidas a partir de conceitos definidos em termos de conjuntos abertos. Os conjuntos abertos s˜ ao definidos em espa¸cos m´etricos com base numa distˆ ancia, mas a no¸c˜ao de espa¸co topol´ogico considera directamente conjuntos abertos a partir das suas propriedades b´ asicas, independentemente da no¸c˜ao de distˆ ancia. Nem todos espa¸cos topol´ogicos s˜ ao metriz´ aveis. O objectivo desta sec¸c˜ao ´e alertar para a no¸c˜ao de espa¸co topol´ ogico e para alguns dos seus aspectos elementares, considerados a prop´osito das no¸c˜ oes das sec¸c˜ oes anteriores181 . Dado um conjunto X 6= ∅ chama-se topologia em X a uma fam´ılia T de subconjuntos de X que cont´em X e ∅ , e ´e fechada para uni˜ oes (finitas ou infinitas) e intersec¸c˜ oes finitas de conjuntos. Um espa¸ co topol´ ogico ´e um conjunto X 6= ∅ com uma topologia. Os conjuntos abertos de um espa¸co topol´ogico s˜ ao os elementos da sua topologia. 181

Um excelente texto de topologia geral que cont´em os aspectos aqui mencionados e muitos outros ´e o livro de J.R. Munkres indicado na bibliografia: Topology, 2nd edition, Prentice-Hall, Englewood Cliffs, New Jersey, 2000. Munkres, James (1930-)

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Apˆ endice I

Tal como em espa¸cos m´etricos, um subconjunto Y de um espa¸co topol´ogico X com topologia T ´e um espa¸co topol´ogico com a topologia que consiste na intersec¸c˜ ao de Y com os elementos de T , i.e. os conjuntos abertos relativamente a Y , pelo que se diz que esta ´e a topologia em Y herdada da, ou induzida pela, topologia em X, e que este espa¸co topol´ogico Y ´e um subespa¸ co topol´ ogico de X. Diz-se que uma fam´ılia B de conjuntos abertos de um espa¸co topol´ogico ´e uma base da topologia se para cada ponto do espa¸co e cada conjunto aberto U que o cont´em existe um elemento de B que cont´em esse ponto e est´ a contido em U . A fam´ılia das bolas abertas de um espa¸co m´etrico ´e uma base da topologia do espa¸co. Dada uma base de uma topologia, os conjuntos abertos s˜ ao todas as uni˜ oes (finitas ou infinitas) de elementos da base. ´ u E ´ til poder especificar uma topologia a partir de uma sua base, para o que ´e necess´ario identificar as propriedades que uma fam´ılia deve satisfazer para ser base de alguma topologia. Pode-se provar que uma fam´ılia B de subconjuntos de um conjunto X 6= ∅ ´e base de alguma topologia em X se e s´ o se cada ponto de X est´ a contido em pelo menos um elemento de B e para cada ponto da intersec¸ca ˜o de dois elementos de B existe um elemento de B contido nessa intersec¸ca ˜o que cont´em o ponto. H´a espa¸cos topol´ ogicos que n˜ ao s˜ aom´etricos. Um exemplo muito simples ´e X = {0, 1} com a topologia T = ∅, {0}, {0, 1} , pois se d fosse uma distˆ ancia em X, seria d(0, 0) = 0 = d(1, 1), d(0, 1) = D > 0 e BD (1) = {1} seria aberto, mas {1} ∈ /T . Para considerar um exemplo de espa¸co topol´ogico que n˜ ao ´e espa¸co m´etrico mais natural e u ´ til, considera-se a no¸c˜ao de seminorma em espa¸cos lineares reais ou complexos. Chama-se seminorma num espa¸co linear real ou complexo V a uma fun¸c˜ ao com as propriedades de defini¸c˜ao de uma norma excepto que pode haver vectores n˜ ao nulos com seminorma nula. Uma seminorma num espa¸co linear real ou complexo pode n˜ ao ser uma norma, e.g. no espa¸co linear complexo das das fun¸c˜oes cont´ınuas do intervalo real [−1, 1] em C, designado C 0 ([−1, 1], C), f 7→ kf k = |f (0)| ´e uma seminorma, mas n˜ ao uma norma. Qualquer fam´ılia de seminormas num espa¸co linear V real ou complexo define uma topologia em V pelos conjuntos S = int S, em que x ∈ int S se qualquer que seja f ∈ F existe r > 0 tal que {y ∈ V : ky−xkf < r} ⊂ S. O espa¸co linear complexo das fun¸c˜oes com valores complexos definidas e cont´ınuas na bola fechada B1 (0) ⊂ C , designado C 0 B1 (0), C , com a fam´ılia de seminormas F = {k · kx }x∈B1 (0) , em que kf kx = |f (x)| , ´e um espa¸co topol´ ogico que n˜ ao ´e metriz´ avel (i.e. n˜ ao existe qualquer distˆ ancia neste espa¸co que defina a mesma topologia); neste espa¸co, uma sucess˜ao

Elementos de topologia geral

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{fn } converge para f se e s´ o se converge pontualmente para f , ou seja fn (x) → f (x) qualquer que seja x ∈ [−1, 1] , pelo que se diz que a topologia definida pela fam´ılia de seminormasconsiderada ´e a topologia da con´ til ´e a topologia da vergˆ encia pontual em C 0 B1 (0), C . Outro exemplo u convergˆencia uniforme em conjuntos compactos, por exemplo no conjunto C 0 (C, C) das fun¸c˜ oes cont´ınuas f : C → C , com a fam´ılia de seminormas F = {k · kK }K∈K , em que K ´e o conjunto dos subconjuntos compactos de C e para cada K ∈ K e f ∈ C 0 (C, C) , kf kK = max f (K) , chamada topologia compacta-aberto182 em C 0 (C, C) . Os conceitos considerados em espa¸cos m´etricos na sec¸c˜ao 2 s˜ ao todos definidos em termos de conjuntos abertos, com excep¸c˜ao das no¸c˜oes de bola aberta, conjunto limitado, conjunto totalmente limitado, diˆ ametro de conjunto, sucess˜ao de Cauchy, espa¸co completo e fun¸c˜ao uniformemente cont´ınua, pelo que, com excep¸c˜ ao destas 7 no¸c˜oes, podem ser considerados em ´ espa¸cos topol´ ogicos. E de notar que em espa¸cos topol´ogicos uma sucess˜ao pode ter mais de um limite, e pode ter um ponto limite que n˜ ao ´e limite de uma qualquer das suas subsucess˜ oes. O Teorema de Baire pode falhar; se ´e v´alido, diz-se que ´e um espa¸ co topol´ ogico de Baire. As no¸c˜ oes de conjunto e espa¸co compacto da sec¸c˜ao 3 tamb´em fazem sentido no contexto mais geral de espa¸cos topol´ogicos, pois s˜ ao definidas em termos de conjuntos abertos. Portanto, os resultados da sec¸c˜ao 3 para conjuntos compactos s˜ ao v´alidos em espa¸cos topol´ogicos, com excep¸c˜ao183 de (I.6), (I.7), (I.9), (I.10) e (I.15). A prova de (I.6) exige que para qualquer par de pontos distintos do espa¸co haja pares de conjuntos abertos disjuntos que contˆem cada um dos pontos. Quando tal ´e o caso diz-se que o espa¸co topol´ogico ´e um espa¸ co de Hausdorff. Assim, (I.6) ainda ´e v´alida em espa¸cos topol´ogicos de Hausdorff. As no¸c˜ oes de limita¸c˜ ao total, diˆ ametro e continuidade uniforme s˜ ao m´etricas. N˜ao fazem sentido em espa¸cos topol´ogicos e, assim, os resultados (I.7), (I.9) e (I.15) nem sequer podem ser formulados em espa¸cos topol´ogicos. Quanto ao Teorema de Bolzano-Weierstrass (I.10), a prova da necessidade da condi¸c˜ ao permanece v´alida em espa¸cos topol´ogicos gerais, mas a da suficiˆencia usa limita¸c˜ ao total e a covergˆencia de toda sucess˜ao de Cauchy com um ponto limite, que podem falhar em certos em espa¸cos topol´ogicos. A propriedade de Bolzano-Weierstrass n˜ ao ´e suficiente para compacidade 182 Foi introduzida em 1945 por Ralph Fox (1913-1973). A raz˜ ao do nome ´e que uma base da topologia ´e o conjunto dos conjuntos V (K, U ) = {f ∈ C 0 (C, C) : f (K) ⊂ U } com K compacto e U aberto. 183 Para distinguir nas sec¸c˜ oes 3 e 4 os resultados que permanecem v´ alidos em espa¸cos topol´ ogicos optou-se por enunci´ a-los sem referir explicitamente que s˜ ao subconjuntos de espa¸cos m´etricos, enquanto que os resultados que n˜ ao permanecem v´ alidos em espa¸cos topol´ ogicos arbitr´ arios referem explicitamente no enunciado que os conjuntos considerados s˜ ao subconjuntos de espa¸cos m´etricos.

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Apˆ endice I

em espa¸cos topol´ ogicos arbitr´arios. Contudo, ´e poss´ıvel provar que a propriedade de Bolzano-Weierstrass ´e equivalente a compacidade em espa¸cos topol´ ogicos que tenham uma base cujos elementos que contˆem cada ponto do espa¸co formam um conjunto numer´avel. Quando um espa¸co topol´ogico tem esta propriedade diz-se que satisfaz o 1o axioma de numerabilidade. Em consequˆencia de R ser um espa¸co m´etrico separ´avel, todo espa¸co m´etrico ´e um espa¸co topol´ ogico que satisfaz o 1o axioma de numerabilidade. As no¸c˜ oes de conjunto e espa¸co conexo da sec¸c˜ao 4 tamb´em fazem sentido no contexto mais geral de espa¸cos topol´ogicos, pois s˜ ao definidas em termos de conjuntos abertos. Pela mesma raz˜ ao, os resultados da sec¸c˜ao 4 para conjuntos conexos s˜ ao v´alidos em espa¸cos topol´ogicos, com excep¸c˜ao184 de (I.17), (I.19), (I.23) e (I.24); (I.17) respeita a subconjuntos de R. A prova de (I.19) exige que toda vizinhan¸ca de um ponto contenha uma vizinhan¸ca desse ponto conexa por caminhos. Quando tal se verifica diz-se que o espa¸co topol´ ogico ´e um espa¸ co localmente conexo por caminhos. Esta propriedade ´e equivalente `a existˆencia de uma base da topologia de conjuntos conexos por caminhos. Portanto, (I.19) ainda ´e v´alida em espa¸cos topol´ ogicos localmente conexos por caminhos. Um espa¸co topol´ogico ´ pode ser localmente conexo por caminhos sem ser conexo e vice versa. E semelhante para (I.23), substituindo “localmente conexo por caminhos” por “localmente conexo”. O resultado (I.24) n˜ ao ´e v´alido para todos espa¸cos topol´ogicos, mas ´e v´alido se existe uma base numer´avel da topologia. Se tal se verifica, diz-se que o espa¸co topol´ ogico satisfaz o 2o axioma de numerabilidade. Nestes espa¸cos qualquer fam´ılia de conjuntos abertos disjuntos ´e numer´avel. Podese provar que todo espa¸co m´etrico ´e um espa¸co topol´ ogico que satisfaz o 2o axioma de numerabilidade se e s´ o se ´e separ´ avel. A validade do 2o axioma de numerabilidade implica a validade do 1o axioma de numerabilidade, acima referido como condi¸c˜ao que assegura a validade do Teorema de Bolzano-Weierstrass num espa¸co topol´ogico. A rela¸c˜ ao entre espa¸cos topol´ogicos e espa¸cos m´etricos ´e essencial, em particular o esclarecimento das condi¸c˜oes em que um espa¸co topol´ogico ´e metriz´ avel185 , i.e. em que existe uma distˆ ancia tal que a topologia que define coincide com a do espa¸co topol´ogico inicial. Uma 1a grande contribui¸c˜ao para esta quest˜ ao foi o chamado Teorema de Metriza¸ c˜ ao de Uryshon, que estabelece que uma condi¸c˜ao suficiente para um espa¸co topol´ogico ser metriz´ avel ´e satisfazer o 2o axioma de numerabilidade e ter a propriedade de para qualquer par de um ponto e um conjunto fechado que n˜ ao o contenha existir um par de conjuntos abertos disjuntos em que um deles cont´em o ponto e o outro cont´em o conjunto; quando um espa¸co topol´ogico tem esta 184

Ver a nota de p´e de p´ agina anterior. Para provas dos teoremas de metriza¸c˜ ao referidos a seguir ver, e.g. o livro de J.R. Munkres referido na bibliografia final. 185

Elementos de topologia geral

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propriedade diz-se que ´e um espa¸ co regular. Pode-se verificar que com uma topologia com a propriedade de para cada par ordenado de pontos distintos existir um conjunto aberto que cont´em o 2o ponto e n˜ ao o 1o , todos conjuntos singulares de pontos do espa¸co s˜ ao fechados. Logo, esta propriedade ´e mais fraca do que a condi¸c˜ao que define espa¸co de Hausdorff, acima referida como condi¸c˜ao que assegura a validade de (I.6), e esta ´e mais fraca que a condi¸c˜ao que define espa¸co regular. Portanto, os espa¸cos regulares s˜ ao espa¸cos de Hausdorff e em espa¸cos regulares os conjuntos com um s´ o ponto s˜ ao fechados. Os espa¸cos m´etricos s˜ ao espa¸cos regulares, pelo que a condi¸c˜ao de um espa¸co topol´ ogico ser regular ´e necess´aria para ser metriz´ avel. Contudo, a o validade do 2 axioma de numerabilidade n˜ ao ´e necess´aria. O Teorema de Metriza¸ c˜ ao de Nagata-Smirnov estabelece que um espa¸co topol´ ogico ´e metriz´ avel se e s´ o se ´e regular e tem uma base numeravelmente localmente finita186 . Como consequˆencia obt´em-se o Teorema de Metriza¸ c˜ ao de Bing, que estabelece que um espa¸co topol´ ogico ´e metriz´ avel se e s´ o se ´e regular e tem uma base numeravelmente localmente discreta. Tamb´em se obt´em o Teorema de Metriza¸ c˜ ao de Smirnov, pelo qual um espa¸co topol´ ogico ´e metriz´ avel se e s´ o se ´e paracompacto e localmente metriz´ avel187 . Exerc´ıcios I.1 Diz-se que duas distˆ ancias d, d′ definidas num mesmo conjunto X 6= ∅ s˜ ao distˆ ancias equivalentes se existem constantes k, K > 0 tais que k d(z, w) ≤ d′ (z, w) ≤ K d(z, w) , z, w ∈ X . a) Mostre que as distˆ ancias na desigualdade acima podem ser trocadas. b) Prove: Topologias definidas num mesmo conjunto por duas distˆ ancias s˜ ao iguais se e s´ o se as distˆ ancias s˜ ao equivalentes. I.2 a) Prove que a distˆ ancia euclidiana entre as projec¸c˜ oes estereogr´ aficas (ver exerc´ıcio 2|z−w| ,e 1.16) de dois n´ umeros do plano complexo z e w ´e d(z, w) = (|z|2 +1)1/2 (|w|2 +1)1/2 2 de um n´ umero do plano complexo z e ∞ ´e d(z, ∞) = (|z|2 +1)1/2 .

b) Prove que a fun¸c˜ ao d de a) ´e uma distˆ ancia no plano complexo estendido C∞ . Mostre que esta distˆ ancia ´e ≤ 2 e em cada subconjunto limitado do plano complexo ´e equivalente ` a distˆ ancia usual entre n´ umeros complexos.

I.3 Considere o modelo de Geometria de Lobatchevski descrito no exerc´ıcio 10.16. a) Determine a distˆ ancia de Lobatchevski entre cada par ordenado de pontos 186 Diz-se que uma fam´ılia de subconjuntos de um espa¸co topol´ ogico ´e localmente finita (resp., localmente discreta) se todo ponto do espa¸co tem uma vizinhan¸ca que intersecta apenas um no finito de (resp., no m´ aximo um dos) elementos da fam´ılia. A uma uni˜ ao numer´ avel de fam´ılias localmente finitas (resp., localmente discretas) chama-se fam´ılia numeravelmente localmente finita (resp., numeravelmente localmente discreta). 187 Um espa¸ co paracompacto ´e um espa¸co topol´ ogico de Hausdorff tal que toda a sua cobertura aberta tem um refinamento aberto localmente finito que cobre o espa¸co, em que um refinamento aberto de uma fam´ılia de conjuntos ´e uma fam´ılia de conjuntos abertos em que cada elemento est´ a contido num elemento da fam´ılia inicial. Um espa¸co topol´ ogico ´e localmente metriz´ avel se todo ponto do espa¸co tem uma vizinhan¸ca em que a topologia induzida ´e metriz´ avel.

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Apˆ endice I de B1 de modo ` as circunferˆencias de Lobatchevski serem conjuntos de pontos equidistantes do ponto fixo, e os hiperciclos com o mesmo par de pontos fixos serem equidistantes. Prove que satisfaz as propriedades gerais de uma distˆ ancia. b) Prove: O comprimento de um ciclo e a ´ area de um disco com raio r em geometria hiperb´ olica s˜ ao, resp., 2π sinh r e 4π sinh2 2r .

I.4 Prove: Se Ω ⊂ C ´e aberto, existe uma sucess˜ ao {Kn } de subconjuntos compactos de Ω com as propriedades seguintes: 1) Ω = ∪∞ n=1 Kn , 2) Kn ⊂ Kn+1 , 3) se K ⊂ Ω ´e compacto, existe n ∈ N tal que K ⊂ Kn , 4) toda componente conexa de C∞ \Kn cont´em uma componente conexa de C∞ \Ω .

I.5 Prove o Teorema de Cantor: Um espa¸co m´etrico (X, d) ´e completo se e s´ o se para toda sucess˜ ao {Fn } de subconjuntos fechados n˜ ao-vazios de X, com Fn−1 ⊂ Fn para n ∈ N, e diam Fn → 0 , a intersec¸c˜ ao ∩∞ o um ponto, em que diam Fn n=1 Fn tem s´ designa o diˆ ametro de Fn , diam Fn = sup{d(x, y) : x, y ∈ Fn } .

I.6 Diz-se que uma fam´ılia de conjuntos F tem a propriedade de intersec¸ c˜ ao finita se as intersec¸c˜ oes de quaisquer suas subfam´ılias finitas n˜ ao s˜ ao vazias. Prove: Um subconjunto K de um espa¸co m´etrico ´e compacto se e s´ o se a intersec¸c˜ ao de todos os elementos de qualquer fam´ılia de subconjuntos fechados de K com a propriedade de intersec¸c˜ ao finita ´e n˜ ao-vazia. I.7 Dˆe uma prova alternativa com os dois exerc´ıcios precedentes de: Um espa¸co m´etrico ´e compacto se e s´ o se ´e completo e totalmente limitado. I.8 Prove188 : O produto cartesiano de um no finito de conjuntos compactos ´e compacto. I.9 Para S ⊂ C designa-se por C(S) o conjunto das fun¸c˜ oes cont´ınuas de S em C e, se S = K ´e compacto, define-se ρK (f, g) = max{|f (z)−g(z)| : z ∈ K}. Dado um conjunto aberto Ω ⊂ C e uma sucess˜ ao {Kn } de conjuntos compactos que satisfazem as condi¸c˜ oes do exerc´ıcio I.4, define-se para f, g ∈ C(Ω) a fun¸c˜ ao P −n ρKn (f,g) ρ(f, g) = ∞ 2 . n=1 1+ρKn (f,g)  a) Prove: C(K), ρK ´e um espa¸co m´etrico completo .  b) Prove: C(Ω), ρ ´e um espa¸co m´etrico completo . c) Prove: Uma sucess˜ ao em C(Ω) ´e convergente se e s´ o se ´e uniformemente convergente em subconjuntos compactos de Ω . d) Caracterize os subconjuntos compactos de C(Ω) com base no Teorema de Arzel` aAscoli.  e) Prove: H(Ω), ρ ´e um subespa¸co m´etrico do espa¸co em b) e f 7→ f ′ ´e uma fun¸c˜ ao cont´ınua de H(Ω) em H(Ω) . Caracterize os seus subconjuntos compactos com base no Teorema de Montel. f) Prove: A topologia definida em C(Ω) , ou em H(Ω) , pela distˆ ancia ρ ´e independente da sucess˜ ao {Kn } considerada.

I.10 Para uma regi˜ ao Ω ⊂ C designa-se por C(Ω, C∞ ) o conjunto das fun¸c˜ oes cont´ınuas de Ω em C∞ e por ρ∞ a distˆ ancia definida como ρ no exerc´ıcio precedente, mas substituindo a distˆ ancia usual em C pela distˆ ancia usual em C∞ , considerada no exerc´ıcio I.2.  a) Prove: C(Ω, C∞ ), ρ∞ ´e um espa¸co m´etrico completo.  b) Prove: M (Ω) ∪ {∞}, ρ∞ ´e um subespa¸co m´etrico do espa¸co anterior. c) Prove: Uma fam´ılia de fun¸c˜ oes F ⊂ M (Ω) ´e normal em C(Ω, C∞ ) se e s´ o se µ(F ) = {µ(f ) : f ∈ F } ´e localmente limitada, em que µ(f ) : Ω → R ´e |f ′ (z)| |f ′ (z)| [µ(f )](z) = 2 1+|f se z n˜ ao ´e um p´ olo de f e [µ(f )](z) = limz→a 2 1+|f se z (z)|2 (z)|2 ´e um p´ olo de f . 188 A generaliza¸ca ˜o deste resultado para fam´ılias infinitas de conjuntos compactos ´ e o Teorema de Tikhonov, estabelecido pela 1a vez em 1926 por Andrei Nikolaevich Tikhonov (1906-1993).

Elementos de topologia geral

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I.11 a) Seja Ω ⊂ C compacto, C(K) como no exerc´ıcio I.9, P = C∞\K, RP (K) o fecho em C(K) do conjunto das restri¸c˜ oes a K das fun¸c˜ oes racionais com p´ olos em P . Prove: 1) RP (K) ´e um espa¸co linear. 2) f, g ∈ RP (K) ⇒ f g ∈ RP (K) . 1 3) a ∈ C\K ⇒ z−a ∈ RP (K) .

1 (Sugest˜ ao: Se ∞ ∈ / P , mostre que V = {a ∈ C : z−a } ´ e aberto. Se ∞ ∈ P , considere a distˆ ancia usual d em C∞ (exerc´ıcio I.2), escolha a0 na componente conexa ilimitada de C\K tal que d(a0 , ∞) ≤ 12 d(K, ∞) , |a0 | > 2 max{|z| : z ∈ K}, defina P0 = (P \ {∞}) ∪ {a0 } 1 e prove que z−a ∈ RP0 (K) ⊂ RP (K) ).

b) Prove o Teorema de Runge189 : Seja Ω ⊂ C aberto, K ⊂ Ω compacto e P ⊂ C∞ \K um conjunto com um ponto em cada componente conexa de C∞ \K . Se f ∈ H(Ω) e ε > 0 , existe uma fun¸c˜ ao racional R com p´ olos que s˜ ao os elementos de P tal que |f (z)−R(z)| < ε para todo z ∈ K.

(Sugest˜ ao: Use a) e o exerc´ıcio 7.1, e mostre que se γ : [0, 1] → C ´ e um caminho seccionalmente regular fechado em C\K, existe uma fun¸ca ˜o racional R com todos os p´ olos na curva R f (w) γ ∗ tal que γ g(w, z) dw −R(z) < ε para todo z ∈ K, em que g(w, z) = w−z , mostrando que existe uma parti¸ca ˜o finita de [0, 1], 0 = t0 < · · · < tn = 1, tal que |g(t, z)−g(tk , z)| < Lε para γ P t no subintervalo da parti¸ca ˜o com extremidade direita tk , e defina R(z) = n k=1 g(tk , z) .

c) Prove: Seja Ω ⊂ C aberto, P ⊂ C∞\K com K compacto, um conjunto com um ponto em cada componente conexa de C∞\Ω . Se f ∈ H(Ω) e ε > 0 , existe uma sucess˜ ao {Rn } de fun¸c˜ oes racionais com p´ olos que s˜ ao os pontos de P tal que Rn → f uniformemente em subconjuntos compactos de Ω . (Sugest˜ao: Use o exerc´ıcio I.4). d) Prove190 : Seja Ω ⊂ C aberto e C∞ \Ω conexo. Se F ∈ H(Ω) , existe uma sucess˜ ao {Pn } de fun¸c˜ oes polinomiais tal que Pn → f uniformemente em subconjuntos compactos de Ω . e) Prove: Se B1 ⊂ C ´e o c´ırculo aberto com raio 1 e centro em 0 e ∅ = 6 K $ ∂B1 ´e compacto, existe um polin´ omio P tal que P (0) = 1 e |P | < 1 em K. f) Prove a caracteriza¸c˜ ao das regi˜ oes simplesmente conexas seguinte191 : Ω ⊂ C ´e uma regi˜ ao simplesmente conexa se e s´ o se toda fun¸c˜ ao f ∈ H(Ω) pode ser aproximada por fun¸c˜ oes polinomiais, uniformemente em subconjuntos compactos de Ω . 192 I.12 Prove o Teorema de Mittag-Leffler ⊂ C ´e aberto, A ⊂ Ω sem pontos Pm(a) : Se Ω 1 limite em Ω , m : A → N e Pα (z) = k=1 ck,α z−a , com ck,α ∈ C, existe f ∈ M (Ω) com p´ olos que s˜ ao os pontos a ∈ A, com partes principais Pa . (Sugest˜ ao: Considere uma sucess˜ ao {Kn } de subconjuntos compactos de Ω como no exerP c´ıcio I.4, defina A1 = A∩K1 , An = A∩(Kn \Kn−1 ) e Qn = a∈An Pa . Aplique o Teorema de Runge do exerc´ıcio precedente para aproximar Qn em por uma fun¸ca ˜o racional Rn , a P menos de 21n e defina f = Q1 + ∞ n=1 (Qn −Rn ) ).

I.13 Prove: Um conjunto S ´e conexo se e s´ o se n˜ ao ´e a uni˜ ao de dois conjuntos n˜ aovazios A e B tais que A∩B = ∅ = A∩B.

189 Foi estabelecido em 1885 por C.D. Runge para provar que toda regi˜ ao ´ e dom´ınio de holomorfia de alguma fun¸ca ˜o. A prova aqui sugerida segue o artigo Grabiner, S., A Short Proof of Runge’s Theorem, Amer. Math. Monthly, 83 (1976), 807-808. Grabiner, Sandy (1939-). 190 C.D. Runge n˜ ao referiu a aproxima¸ca ˜o de fun¸co ˜es holomorfas por fun¸co ˜es polinomiais em regi˜ oes simplesmente conexas, embora esta propriedade seja uma consequˆ encia directa do resultado que obteve. Em 1897 D. Hilbert provou este caso particular de uma outra forma. Como consequˆ encia deste resultado, obt´ em-se: Toda fun¸c˜ ao holomorfa num conjunto compacto K ⊂ C tal que C\K ´ e conexo pode ser uniformemente aproximada em K por fun¸c˜ oes polinomiais. Em 1951 Sergei Margelyan (1928-2008) provou que a hip´ otese de f ser holomorfa em K pode ser enfraquecida para ser cont´ınua em K e holomorfa no seu interior. 191 192

Ver outras caracteriza¸c˜ oes em (??).

Foi estabelecido por M.G. Mittag-Leffler em 1884 (ver o exerc´ıcio 8.17 para uma prova alternativa no caso Ω = C ).

188

Apˆ endice I

I.14 Prove: Um conjunto S ´e conexo se e s´ o se n˜ ao existem conjuntos abertos U e V tais que S ⊂ U ∪V , S ∩V = ∅, S ∩U ∩V = ∅ . I.15 Prove: Um conjunto S ´e conexo se e s´ o se os seus subconjuntos simultaneamente fechados e abertos s˜ ao s´ o S e ∅. I.16 Prove: A uni˜ ao de duas bolas abertas Br (a) e BR (A) de um espa¸co m´etrico ´e conexa se e s´ o se |a−A| < r +R . O que se pode dizer da conexidade da uni˜ ao se uma ou as duas bolas s˜ ao fechadas. I.17 Prove: Se S ´e um conjunto conexo e S ⊂ T ⊂ S, ent˜ ao T ´e conexo. Em particular, o fecho de um conjunto conexo ´e conexo. I.18 Prove: Se S ´e um conjunto conexo e T ´e uma componente conexa do complementar de S, o complementar de T ´e conexo. I.19 a) Prove: O produto cartesiano de conjuntos conexos ´e conexo. b) Prove: Se um produto cartesiano de conjuntos ´e conexo e n˜ ao vazio, os conjunto s˜ ao conexos. I.20 a) Dˆe um exemplo de uma sucess˜ ao {Fn } de subconjuntos fechados conexos de C tal que Fn+1 ⊂ Fn para todo n ∈ N e ∩∞ ao ´e conexo. n=1 Fn n˜ b) Prove: Se {Fn } ´e uma sucess˜ ao de subconjuntos fechados conexos de R tal que Fn+1 ⊂ Fn para todo n ∈ N, ent˜ ao ∩∞ e conexo. n=1 Fn ´

c) Prove: Se {Fn } ´e uma sucess˜ ao de subconjuntos compactos conexos tal que Fn+1 ⊂ Fn para todo n ∈ N, ent˜ ao ∩∞ e fechado e conexo. n=1 Fn ´ I.21 a) Prove: A uni˜ ao de uma sucess˜ ao {Sn } de conjuntos conexos tais que Sn ∩Sn+1 6= ∅ para todo n ∈ N ´e um conjunto conexo. b) Prove: Se {Sn } ´e uma sucess˜ ao de conjuntos que intersectam um mesmo conjunto ∞ conexo C, ent˜ ao Un=1 Sn ´e conexo.

I.22 Prove: Se S ´e um conjunto que intersecta um conjunto conexo C e o seu complementar, ent˜ ao a fronteira de S intersecta C. I.23 a) Prove: Todo subconjunto pr´ oprio conexo de um conjunto conexo tem fronteira n˜ ao vazia. b) O rec´ıproco da afirma¸c˜ ao em a) ´e verdadeiro?

Apˆ endice II Espa¸cos de homologia e teorema da curva de Jordan II.1 Introdu¸ c˜ ao Como definido na sec¸c˜ ao 4.2, uma curva de Jordan J ⊂ C ´e a imagem de um caminho fechado simples. O exemplo mais simples ´e uma circunferˆencia. Uma circunferˆencia num plano separa-o em duas componentes conexas: o c´ırculo aberto que delimita e o conjunto ilimitado complementar no plano da sua uni˜ ao com esse c´ırculo. Da sec¸c˜ao 4.5, o complementar de uma curva de Jordan seccionalmente regular em C\J ´e um conjunto aberto com exactamente uma componente conexa ilimitada e pelo menos uma componente conexa limitada. O Teorema da Curva de Jordan estabelece que, tal como para circunferˆencias, C tem exactamente duas componentes conexas, uma limitada e outra ilimitada, ambas com fronteira J. Este resultado foi considerado como evidente antes de 1817, altura em que B. Bolzano apontou a necessidade de o provar, o que s´ o foi feito em 1887 por C. Jordan193 . As provas mais simples usam Topologia Alg´ebrica, com base na no¸c˜ao de homotopia, introduzida pelo pr´ oprio C. Jordan em 1893 a prop´osito deste mesmo resultado, ou homologia, introduzida por H. Poincar´e em 1895. A prova aqui apresentada baseia-se em espa¸cos de homologia .

II.2 Espa¸ cos de homologia-1 e de homologia-0 No cap´ıtulo 7 consideram-se cadeias de caminhos com coeficientes inteiros e grupos de homologia. De modo a tirar partido do que j´a se sabe sobre a dimens˜ao de espa¸cos lineares e evitar introduzir conceitos adicionais para 193 ´ No livro Cours d’Analyse de l’Ecole Polyth´ecnique. Em 1905 Oswald Veblen (18801960) afirmou que essa prova era insatisfat´ oria e apresentou uma prova alternativa que a partir dessa data foi amplamente considerada como a 1a prova correcta do resultado, mas em 2007 Thomas Hales (1958-) reabilitou a prova de C.Jordan (120 depois de apresentada) que ´e hoje considerada a 1a prova correcta. O Teorema da Curva de Jordan ´e de tal modo fundamental que na 1a metade do s´ec. XX foram apresentadas muitas provas alternativas e extens˜ oes por matem´ aticos proeminentes.

190

Apˆ endice II

grupos, consideram-se aqui cadeias com coeficientes reais. P Chama-se cadeia-1 em Ω ⊂ C a Γ = rk=1 ck γk , em que r ∈ N, ck ∈ R e γk s˜ ao caminhos seccionalmente regulares em Ω , para k = 1, . . . , r, considerando duas cadeias-1 iguais se os integrais sobre elas de cada fun¸c˜ao cont´ınua definida na uni˜ aRo Γ∗Pdas curvas descritas pelos caminhos que as comp˜ oem R s˜ ao iguais, com Γ = rk=1 ck γk f . Diz-se que uma cadeia-1 ´e um ciclo-1 em Ω se pode ser expressa como combina¸c˜ao linear finita de caminhos fechados ∗ em Ω . Chama-se Pr ´ındice do ciclo-1 Γ em rela¸c˜ao a um ponto p ∈ C \ Γ ao ciclos-1 por IndΓ (p) = k=1 ck Indγk (p) . Diz-se que ciclos-1 Γ, Σ em Ω s˜ hom´ ologos em Ω se IndΓ = IndΣ em C\Ω . A rela¸c˜ao de homologia entre ciclos-1 em Ω ´e uma rela¸c˜ao de equivalˆencia e as correspondentes classes de equivalˆencia constituem um espa¸co linear real que se designa por H1 Ω e se chama espa¸ co de homologia-1 de Ω . Define-se analogamente cadeia-0 em Ω , substituindo na defini¸c˜ao de cadeia-1 em Ω caminhos seccionalmente regulares por pontos em Ω e o integral de uma fun¸c˜ ao cont´ınuaPf sobre uma cadeia-1 Γ pelo valor de uma fun¸c˜ ao f numa cadeia-0 P = rk=1 ck pk . Diz-se que P, Q s˜ ao cadeias-0 hom´ ologas em Ω se f (P ) = f (Q) para todas fun¸c˜oes constantes em cada componente conexa de Ω . A rela¸c˜ao de homologia entre cadeias-0 em Ω ´e uma rela¸c˜ ao de equivalˆencia e as correspondentes classes de equivalˆencia formam um espa¸co linear real que se designa H0 Ω e se chama espa¸ co de homologia-0 de Ω . H0 Ω d´ a informa¸c˜ ao sobre as componentes conexas de Ω e H1 Ω sobre as componentes conexas limitadas de C \ Ω . Em particular, o no de componentes conexas de Ω ´e a dimens˜ ao do espa¸co linear H0 Ω e, no caso do no de componentes conexas de Ω ser finito, uma base de H0 Ω ´e constitu´ıda por um conjunto de pontos de Ω com exactamente um elemento em cada componente conexa de Ω . Analogamente, o no de componentes conexas limitadas de C\Ω ´e a dimens˜ ao do espa¸co linear H1 Ω e, no caso do no de componentes conexas limitadas de C \ Ω ser finito, uma base de H1 Ω ´e constitu´ıda por um conjunto de ciclos-1 em Ω , cada um correspondente a uma das componentes conexas limitadas de C\Ω e com ´ındice 1 nessa componente e 0 nas outras componentes conexas limitadas de C\Ω . P Seja Γ = rk=1 ck γk uma cadeia-1 em Ω ⊂ C , com r ∈ N, ck ∈ R e γk caminhos seccionalmente regulares em Ω . Sem perda de generalidade, consideram-se estes caminhos definidos em [0, 1] . Chama-se bordo do caminho γ : [0, 1] a cadeia-0 ∂γ = γ(1)−γ(0) , bordo da cadeia-1 Γ `a P→ C ` cadeia-0 ∂Γ = rk=1 ck ∂γk e diz-se que uma cadeia-0 P em Ω ´e um bordo-0 em Ω se existe uma cadeia-1 Γ em Ω tal que P = ∂Γ. Em particular, o bordo de uma cadeia-1 Γ ´e vazio se e s´ o se Γ ´e um ciclo-1. Dois pontos de Ω s˜ ao as extremidades de algum caminho em Ω se e s´ o se pertencem a uma mesma componente conexa de Ω , pelo que duas cadeias-0 em Ω s˜ ao hom´ ologas em Ω se e s´ o se diferem de um bordo-0 em Ω .

Espa¸ cos de homologia e teorema da curva de Jordan

191

Analogamente, dada uma fun¸c˜ao cont´ınua R : [0, 1]×[0, 1] → C tal que os caminhos que s˜ ao as restri¸c˜ oes de R `as arestas de [0, 1]×[0, 1] , i.e. γ1 , γ2 , γ3 , γ4 : [0, 1] → C, com γ1 (t) = (t, 0), γ2 (t) = (1, t), γ3 (t) = (t, 1), γ4 (t) = (0, t),

s˜ ao seccionalmente regulares, bordo de R ´e a cadeia-1 ∂R = γ1 +γ2 −γ3 −γ4 (Figura II.1) e diz-se que uma cadeia-1 Γ em Ω ´e um bordo-1 em Ω se ´e uma combina¸c˜ ao linear finita de bordos de fun¸c˜oes Rk com as propriedades ´ claro que um ciclo-1 acima consideradas para R , mas com valores em Ω . E em Ω hom´ ologo a zero em Ω ´e igual a uma combina¸ca ˜o linear de caminhos fechados seccionalmente regulares cujos ´ındices s˜ ao iguais a zero em C\Ω . Cada um destes caminhos ´e hom´ ologo a uma bordo-1 em Ω . Portanto, dois ciclos-1 em Ω s˜ ao hom´ ologos em Ω se e s´ o se diferem de um bordo-1 em Ω .

Figura II.1: Bordo de R : [0, 1]×[0, 1] → C , ∂R = γ1 +γ2 −γ3 −γ4

II.3 Teorema da curva de Jordan Nesta sec¸c˜ ao prova-se o resultado seguinte. (II.1) Teorema da Curva de Jordan: Se J ⊂ C ´e uma curva de Jordan, C \ J tem duas componentes conexas, uma limitada e a outra ilimitada, ambas com fronteira J. Seja J ⊂ C uma curva de Jordan, A 6= B pontos em J e J1 , J2 as curvas com extremidades nestes pontos tais que J1 ∪ J2 = J e J1 ∩ J2 = {A, B} (Figura II.2). Provar que C\J tem exactamente duas componentes conexas ´e equivalente a provar que dim H0 (C\J) = 2 , para o que se considera uma cadeia de transforma¸c˜ oes lineares definidas entre espa¸cos de homologia δ

i

H1 (C\{A, B}) −→ H0 (C\J) −→ H0 (C\{A, B}) ,

e se calcula a dimens˜ao do n´ ucleo e do contradom´ınio da transforma¸c˜ao ´ linear i , designadas, resp., nul i e rank i, pois, de Algebra Linear elementar, dim H0 (C\J) = nul i+rank i. A fun¸c˜ ao i transforma cada classe de homologia-0 de C\J que cont´em um ponto p ∈ C\J na classe de homologia-0 de C\{A, B} que cont´em p . Se p, q s˜ ao pontos de uma mesma classe de homologia-0 de C \ J , pertencem `a mesma componente conexa deste conjunto e, como {A, B} ⊂ J, C \ J ⊂

192

Apˆ endice II

C \ {A, B} e C \ {A, B} ´e conexo, tamb´em pertencem `a mesma classe de homologia-0 de C\{A, B}, pelo que i ´e uma fun¸c˜ao de H0 (C\J) em H0 (C\ {A, B}) linear. Como C \ {A, B} ´e conexo, i ´e sobrejectiva e dim H0 (C \ {A, B}) = 1 , pelo que rank i = 1 .

Figura II.2: Curva de Jordan J A fun¸c˜ ao δ ´e definida em cada classe α de homologia-1 de C\{A, B} do modo seguinte. Toma-se um ciclo-1 γ ∈ α. De (II.2) abaixo, existem cadeias1 γ1 em C\J1 e γ2 em C\J2 tais que γ = γ1 +γ2 . Como ∂γ1 + ∂γ2 = ∂γ = 0 , uma pelo que ∂γ1 = −∂γ  2 ´e simultaneamente  cadeia-0 em C\J1 e em C\J2 .   Define-se δα = ∂γ1 = − ∂γ2 , em que ∂γk , k = 1, 2, designa a classe de homologia-0 em C \ J que cont´em a cadeia-0 ∂γk . Para que δ seja uma fun¸c˜ ao de H1 (C \ {A, B}) em H0 (C \ J) ´e necess´ario que para γ, γ1 , γ2 e γ e, γ e1 , γ e2 com as propriedades acima, ∂γ1 seja hom´ ologa-0 a ∂e γ1 em C \ J, o que ´e assegurado por (II.3) abaixo. Ent˜ao, δ ´e uma transforma¸c˜ao linear de H1 (C\{A, B}) em H0 (C\J) . (II.2) Se γ ´e uma cadeia-1 em C\{A, B}, existem cadeias-1 γ1 em C\J1 e γ2 em C\J2 tais que γ = γ1 +γ2 . Dem. Como γ ∗ ´e compacto, do Lema de Lebesgue (I.9), γ pode ser subdividido num no finito de caminhos, cada um em C\J1 ou em C\J2 . Define-se a cadeia-1 γ1 pela soma dos caminhos da subdivis˜ao que est˜ ao contidos em C\J1 e a cadeia-1 γ2 pela soma dos restantes caminhos da subdivis˜ao. Q.E.D. (II.3) Se γ, γe s˜ ao ciclos-1 hom´ ologos em C\{A, B} , γ1 , γ ej s˜ ao cadeias-1 em C\Jj , j = 1, 2, tais que γ = γ1 +γ2 , e γ =γ e1 + γ e2 , ent˜ ao ∂γ1 , ∂e γ1 s˜ ao cadeias-0 hom´ ologas em C\J.

Espa¸ cos de homologia e teorema da curva de Jordan

193

Dem. Como γ, γe s˜ ao P ciclos-1 hom´ ologos em C\{A, B}, γ −e γ ´e um bordo-1 r em C\{A, B} e γ−e γ = k=1 ck ∂Rk , em que r ∈ N, ck ∈ R e Rk : [0, 1]×[0, 1] → C s˜ ao fun¸c˜ oes cont´ınuas tais que os caminhos obtidos por restri¸c˜oes `as arestas de [0, 1] × [0, 1] s˜ ao seccionalmente regulares. Define-se um operador de subdivis˜ ao S que transforma cada Rk na soma das quatro fun¸c˜oes Rkjl : [0, 1] × [0, 1] → C, j, l ∈ {0, 1}, obtidas dividindo ao meio cada uma das  , l+s ; arestas de [0, 1]×[0, 1] e reescalando-as de modo a Rkjl (t, s) = Rk j+t 2 2 P2 jl define-se o bordo ∂S(Rk ) = j,l=1 ∂Rk . Analogamente, S transforma cada caminho σ : [0, 1] → C na soma dos dois caminhos σjP : [0, 1] → C, j ∈ {0, 1} j+t tais que σj (t) = σ 2 ; define-se o bordo ∂S(σ) = 2j=1 ∂σj . S estendese linearmente combina¸c˜ oes lineares de caminhos definidos em [0, 1] por  aP Pr r ´ S k=1 ck σk = k=1 ck S(σk ) . E S(∂Rk ) = ∂S(Rk ) (Figura II.3). Do Lema de Lebesgue (I.9), por um no finito m ∈ N de aplica¸c˜oes do operador de subdivis˜ ao obt´em-se S m (∂Rk ) como soma finita Pr de bordos-1, cada um em C\J1 ou C\J2 . Portanto, a cadeia-1 γ −e γ = k=1 ck ∂Rk , em C\{A, B} ´e uma combina¸c˜ ao linear finita de bordos-1, cada um em C\J1 ou C\J2 . Designa-se λ1 a cadeia-1 em C\J1 que consiste nos termos que envolvem bordos-1 em C\J1 , e λ2 a cadeia-1 em C\J1 obtida subtraindo `a combina¸c˜ ao linear os termos que envolvem bordos-1 em C\J1 . Como λ1 ´e um bordo-1 em C\J1 , ´e um ciclo-1 e ∂λ1 = 0 . Como λ1 +λ2 = γ −e γ = γ1 +γ2 −e γ1 +e γ2 , λ1 −γ1 +e γ1 = −λ2 +γ2 −e γ2 ´e simultaneamente uma cadeia-1 em C\J1 e em C\J2 , e, portanto, ´e uma cadeia-1 em C\J com bordo ∂(λ1 −γ1 +e γ1 ) = ∂λ1 −∂γ1 +∂e γ1 = ∂e γ1 −∂γ1 . Logo, ∂e γ1 −∂γ1 ´e um bordo-0 em C\J e ∂γ1 , ∂e γ1 s˜ ao cadeias-0 hom´ ologas em C\J. Q.E.D.

Figura II.3: Operador de subdivis˜ao usado na prova de (II.3) Como C\{A, B} tem duas componentes conexas limitadas, {A} e {B} , ´e dim H1 (C\{A, B}) = 2 e uma base deste espa¸co consiste no par de caminhos regulares simples que descrevem no sentido positivo circunferˆencias σA , σB com centro, resp., em A, B e raio r ∈ ] 0 , |A−B| [ . Como J ´e compacto, existe um c´ırculo que cont´em J e est´ a contido na componente conexa ilimitada de C\J . Como a fronteira deste c´ırculo est´ a contida na mesma componente conexa de C\J, se σj ´e um caminho regular simples que a descreve   no sentido positivo, ´e δ σJ = 0 (Figura II.2). Como, IndσJ (A) = 1 , ´e σJ 6= 0 e, portanto, nul δ ≥ 1 .

194

Apˆ endice II

Se J ´e descrita por um caminho seccionalmente regular γJ , de (7.1), com r > 0 suficientemente pequeno para Br (A)∩J ser um arco conexo, Br (A)\J ´e a uni˜ ao de duas componentes conexas tais que se p1 , p2 s˜ ao pontos de cada componente, ´e |IndJ (p2 )− IndJ (p1 )| =1 , pelo que p , p 1  2 pertencem a   componentes conexas diferentes de C\J e δ σA = ± p1 −p2 e rank δ ≥ 1 . Como dim H1 (C\{A, B}) = 2 , rank δ ≥ 1 e nul δ ≥ 1 , e, do Teorema da Caracter´ıstica e Nulidade de transforma¸c˜oes lineares rank δ+nul δ = dim H1 (C\{A, B}) , ´e rank δ = nul δ = 1 . Do resultado seguinte, N (i) = R(δ) , pelo que rank δ = nul i = 1 . Logo, dim H1 (C \ {A, B}) = rank δ + nul δ = 2 , o que conclui a prova do teorema para curvas seccionalmente regulares. (II.4) O n´ ucleo N (i) de i : H0 (C\J) −→ H0 (C\{A, B}) e o contradom´ınio R(δ) de δ : H1 (C\{A, B}) −→ H0 (C\J) s˜ ao iguais. Dem. Se α ∈ H1 (C\{A, B}) , δ(α) ´e uma classe de homologia-0 de C\J que cont´em uma cadeia-0 que ´e soma finita de diferen¸cas de pares de pontos em C\J. Logo, i δ(α) ´e uma classe de homologia-0 de C\{A, B} que cont´em a cadeia-0 referida. Como C\{A, B} ´e conexo e C\J ⊂ C\{A, B}, cada par dos pontos considerados est´ a na mesma componente conexa de C\{A, B}, pelo que a sua diferen¸ca ´e hom´ ologa-0 em C\{A, B} a zero e i δ(α) = 0 . Logo, R(δ) ⊂ N (i) .   Por outro lado, seuma classe de homologia-0 P emC \ J pertence ao n´ ucleo de i e i P = 0 ∈ H0 (C \ {A, B}) . Como i P ´e a classe de homologia-0 em C\{A, B} que cont´em a cadeia-0 P , esta ´e um bordo-0 em C\{A, B}. Portanto, existem cadeias-1 γ1 em C\J1 e γ2 em C\J2 tais que P = ∂γ1 = ∂γ2 . A cadeia-1 γ = γ1−γ2 em C\{A, B} satisfaz ∂γ = ∂γ1−∂γ2 = 0 , pelo que ´e um ciclo-1 em C \ {A, B}.  Se α ´e a classe de homologia-1 de C\{A, B} que cont´em γ , ´e δ(α) = ∂γ1 = P . Logo, N (i) ⊂ R(δ) . Q.E.D.

A hip´ otese da curva de Jordan J ser seccionalmente regular foi usada apenas para considerar o ´ındice de um caminho que a descreve como definido no cap´ıtulo 4 e para aplicar o resultado (7.1) que estabelece que o ´ındice de um caminho seccionalmente regular altera-se de 1 se for atravessado transversalmente. Contudo, a no¸c˜ao de ´ındice e o resultado (7.1) podem ser estendidos para caminhos de Jordan arbitr´arios. Para tal basta ver que para um caminho de Jordan γ em C arbitr´ario e todo par de pontos p ∈ γ ∗ e q ∈ C\γ ∗ existe um c´ırculo aberto com centro em p cuja intersec¸c˜ao com γ ∗ ∪{q} ´e um arco conexo e n˜ ao fechado de γ ∗ , como se prova no resultado ∗ seguinte, pois dado q ∈ C\γ existe uma cobertura aberta de γ ∗ por c´ırculos abertos com a propriedade indicada e, como γ ∗ ´e um conjunto compacto, existe uma subcobertura finita de γ ∗ , pelo que o valor em q do ´ındice de um caminho poligonal inscrito em γ com cada um dos segmentos contido num dos c´ırculos da subcobertura finita ´e independente da cobertura e do

Espa¸ cos de homologia e teorema da curva de Jordan

195

caminho poligonal inscrito considerados, e define-se Indγ (q) por esse valor (Figura II.4). Com esta defini¸c˜ ao, o resultado (7.1) ´e v´alido para todos caminhos de Jordan, mesmo n˜ ao seccionalmente regulares. Em consequˆencia, a argumenta¸c˜ ao acima tamb´em ´e v´alida para quasquer curvas de Jordan em C , o que estabelece o Teorema da Curva de Jordan enunciado em (II.1).

Figura II.4: Defini¸c˜ ao de Indγ (q) se γ n˜ ao ´e seccionalmente regular em termos do ´ındice de um caminho poligonal inscrito em γ (II.5) Se γ ´e um caminho de Jordan em C, para cada par de pontos p ∈ γ ∗ e q ∈ C\γ ∗ existe um c´ırculo aberto com centro em p cuja intersec¸ca ˜o com γ ∗ ∪{q} ´e um arco conexo e n˜ ao fechado de γ ∗ . Dem. A fun¸c˜ ao d = |γ − p| ´e cont´ınua no conjunto compacto [a, b] e, do Teorema de Weierstrass, assume, um valor m´ aximo M > 0 neste conjunto. Por subdivis˜ oes ao meio sucessivas de [0, M ] , obt´em-se uma sucess˜ao de   ao de conjuntos Sn = d−1 0, 2Mn tais que Sn+1 ⊂ Sn e cada Sn ´e uma uni˜ ∞ subintervalos fechados de [a, b]. Se t ∈ ∩n=1 Sn , como d ´e cont´ınua, ´e d(t) = 0 . Como γ[a,b[ ´e injectiva e γ(a) = γ(b) , ´e γ −1 (0) = {a, b} ou γ −1 (0) = {t0 } com a < t0 < b ; no 1o caso, ´e t = a ou t = b , e no 2o caso ´e t = t0 . Logo, existe N ∈ N tal que para n > N no 1o caso Sn ´e a uni˜ ao de dois intervalos fechados, Sn = [a, tn ] ∪ [tn , b] e no 2o caso ´e um intervalo fechado [tn , tn ] que cont´em t0 . Para n > N tal que 2Mn < |p−q| , a restri¸c˜ao de γ a Sn ´e um arco conexo n˜ ao fechado de γ ∗ que ´e a intersec¸c˜ ao de γ ∗ ∪ {q} com o c´ırculo B Mn (p) . Q.E.D. 2

Uma consequˆencia imediata deste resultado ´e que uma curva de Jordan no plano ´e homeomorfa a uma circunferˆencia. Um outro enunciado usual do Teorema da Curva de Jordan ´e que uma curva de Jordan num plano separa-o em duas componentes conexas, uma limitada e outra ilimitada. De uma das caracteriza¸c˜oes de regi˜ oes simplesmente conexas em (??) obt´em-se que a componente conexa limitada do complementar de uma curva de Jordan num plano ´e uma regi˜ ao simplesmente conexa, pois o seu complementar ´e a uni˜ ao da curva de Jordan com a componente conexa ilimitada do seu complementar. Al´em disso, a componente conexa ilimitada do complementar de uma curva de Jordan num plano ´e multiplamente conexa com conectividade 2, pois o seu complementar ´e a uni˜ ao da curva de Jordan com a componente conexa limitada do complementar desta curva.

196

Apˆ endice II

Do Teorema da Transforma¸c˜ao de Riemann no cap´ıtulo 10, o fecho da componente conexa limitada do complementar de uma curva de Jordan ´e conforme e, portanto homeomorfo, ao c´ırculo fechado B1 com raio 1 e centro na origem do plano complexo. Por outro lado, por projec¸c˜ao estereogr´afica do plano complexo numa superf´ıcie esf´erica com v´ertice num seu ponto, e nova projec¸c˜ ao estereogr´afica da superf´ıcie esf´erica no plano, mas com v´ertice no ponto da superf´ıcie esf´erica diametralmente oposto, conclui-se que o fecho da componente conexa ilimitada do complementar de uma curva de Jordan seccionalmente regular ´e homeomorfo a B1 \{0} , que, por sua vez, ´e homeomorfo a C\B1 . Obt´em-se, assim, uma prova simples do Teorema de Schoenflies194 para o plano: Um homeomorfismo de S 1 = ∂B1 numa curva de Jordan J num plano pode ser estendido a um homeomorfismo do plano no plano, que transforma o c´ırculo aberto limitado por S 1 na regi˜ ao do plano limitada por J e o complementar daquele c´ırculo no fecho da componente conexa ilimitada do complementar de J no plano. O Teorema da Curva de Jordan no plano implica que toda curva fechada numa superf´ıcie esf´erica separa-a em duas componentes conexas. Neste caso o Teorema de Schoenflies assegura que os fechos destas componentes complexas s˜ ao ambos homeomorfos ao fecho de uma semiesfera. O Teorema da Curva de Jordan ´e um caso particular de resultados topol´ ogicos conhecidos por teoremas de separa¸ c˜ ao. Por exemplo, com base em espa¸cos de homologia de ordens superiores pode-se provar um an´ alogo de dimens˜ao superior, nomeadamente que uma esfera de dimens˜ao n ´e separada em duas componentes conexas por qualquer seu subconjunto homeomorfo a uma esfera de dimens˜ao n − 1 . Contudo, o Teorema de Schoenflies n˜ ao ´e v´alido em geral para n > 2 e a sua validade depende do modo como a esfera de dimens˜ao n−1 est´ a mergulhada na de dimens˜ao n , o que ilustra a subtileza destas quest˜ oes. Exerc´ıcios II.1 Se Ω ⊂ C e f : Ω → S 1 = ∂B1 ⊂ C ´e cont´ınua, diz-se que f ´e uma fun¸ c˜ ao inessencial se existe uma fun¸c˜ ao cont´ınua u : Ω → R tal que f (z) = eiu(z) para z ∈ Ω ; caso contr´ ario diz-se que ´e uma fun¸ c˜ ao essencial. Prove: a) Se f1 , f2 s˜ ao fun¸c˜ oes inessenciais com o mesmo dom´ınio, ent˜ ao f1 , f2 e f11 = f1 s˜ ao inessenciais. Se f1 ´e uma fun¸c˜ ao essencial e f2 ´e uma fun¸c˜ ao inessencial com o mesmo dom´ınio, ent˜ ao f1 f2 e ff12 s˜ ao essenciais. b) Se f ´e uma fun¸c˜ ao inessencial definida em Ω ⊂ C e g ´e uma fun¸c˜ ao complexa cont´ınua com contradom´ınio em Ω , ent˜ ao f ◦g ´e inessencial. c) Toda fun¸c˜ ao continua de Ω ⊂ C em S 1 n˜ ao sobrejectiva ´e inessencial. 1 d) Se f1 , f2 : Ω → S s˜ ao cont´ınuas e f1 6= −f2 , se f1 ´e essencial (resp., inessencial), tamb´em f2 ´e. e) Se K ⊂ C ´e compacto, f : K ×[0, 1] → S 1 e z 7→ f (z, 0) ´e essencial (resp., inessencial), tamb´em z 7→ f (z, 1) ´e. 194

Schoenflies, Arthur (1853-1928).

Espa¸ cos de homologia e teorema da curva de Jordan

197

f) Toda fun¸c˜ ao cont´ınua de B1 em S 1 ´e inessencial. g) Se A, B ⊂ C s˜ ao conjuntos fechados, A∪B, A∩B s˜ ao conexos e as restri¸c˜ oes de uma fun¸c˜ ao cont´ınua f = A ∪ B → S 1 a A e a B s˜ ao fun¸c˜ oes inessenciais, tamb´em f ´e. h) Uma fun¸c˜ ao f : S 1 → S 1 ´e essencial se e s´ o se Indγ (0) 6= 0 , com γ : [0, 2π] → C tal que γ(θ) = f (eiθ ) . II.2 Diz-se que um conjunto S ⊂ C separa os pontos a, b ∈ C se estes n˜ ao pertencem a uma mesma componente conexa de C\S. Prove: a) Crit´ erio de Eilenberg195 : Um conjunto compacto K ⊂ C separa pontos a, b ∈ C se e s´ o se a fun¸c˜ ao definida em K por f (z) = z−a /| z−a | ´e essencial. z−b z−b (Sugest˜ ao: Use o exerc´ıcio anterior)

b) Teorema de Janiszewski196 : Se A, B ⊂ C s˜ ao conjuntos, resp., compacto e fechado, A∩B ´e conexo e a, b ∈ C\(A∪B) s˜ ao pontos distintos n˜ ao separados por A nem por B, ent˜ ao A∪B tamb´em n˜ ao separa os pontos a, b. (Sugest˜ ao: Use a) e o exerc´ıcio anterior)

c) O complementar de uma curva simples n˜ ao fechada em C ´e conexo. (Sugest˜ ao: Use a) e o exerc´ıcio anterior)

II.3 Prove: C ⊂ C ´e uma curva de Jordan se e s´ o se os seus pontos s˜ ao pontos simples da fronteira da regi˜ ao que limita (ver exerc´ıcio 10.14). (Sugest˜ ao: Prove necessidade com o exerc´ıcio II.2.b) e suficiˆ encia com o exerc´ıcio 10.13.b).)

II.4 Prove: A fronteira de qualquer regi˜ ao limitada convexa em C ´e uma curva de Jordan. (Sugest˜ao: Use o exerc´ıcio precedente.) II.5 Dˆe uma prova alternativa do Teorema da Curva de Jordan com II.2 e II.1. (Sugest˜ ao: Comece por provar que, se C ´ e uma curva de Jordan em C, a fronteira de cada componente conexa de C\C ´ e C. Depois considere o caso em que C cont´ em um segmento de recta, prove que C\C n˜ ao pode ter mais de duas componentes conexas e, a seguir, que n˜ ao ´ e conexo. Se C n˜ ao cont´ em um segmento de recta, escolha dois pontos em C e o segmento de recta que definem considere as curvas de Jordan que se obtˆ em concatenando este segmento de recta com cada um dos subarcos de C com extremidades nos pontos considerados, e aplique o caso anterior e II.2.b).)

´ II.6 Dˆe uma prova alternativa do Teorema Fundamental da Algebra com II.1.

P k (Sugest˜ ao: Comece por considerar um polin´ omio complexo P (z) = z n + n−1 k=0 ck z com Pn−1 P ao tem zeros e mostre que a restri¸ca ˜o de f = |P | a S 1 ´ e k=0 |ck | < 1 , suponha que P n˜ Pn−1 1 n k inessencial, prove que F : S ×[0, 1] F (z, t) = z +t k=0 ck z ) ´ e uma homotopia entre as restri¸co ˜es de P (z) e z n a S 1 e obtenha uma contradi¸ca ˜o. Aplique este caso particular a P k um polin´ omio qualquer P (z) = z n + n−1 ca de vari´ avel z = aw com k=0 ck z com a mudan¸ a > 0 suficientemente grande.)

II.7 Prove: Se f : B1 → C\{0}, em que B1 ´e a bola em C com raio 1 e centro em 0 , ´e cont´ınua, existem a1 , a2 ∈ S 1 = ∂B1 tais que f (aj ) = cj aj , para j = 1, 2 , com c1 < 0 < c2 . (Sugest˜ ao: Suponha que n˜ ao existe a1 com a propriedade indicada. Mostre que a restri¸ca ˜o de f a S 1 ´ e homot´ opica a j : S 1 → C\{0} tal que j(z) = z e obtenha uma contradi¸ca ˜o com o resultado do exerc´ıcio II.1.f).

II.8 Prove o Teorema de Ponto Fixo de Brouwer197 para c´ırculos no plano: Se f : B1 → B1 , em que B1 ´e a bola em C com raio 1 e centro em 0 , ´e cont´ınua, ent˜ ao 195

Foi provado em 1936 por Samuel Eilenberg (1913-1998). Foi obtido em 1913 por Zygmunt Janiszewski (1888-1920). 197 ´ E um caso particular do resultado an´ alogo para qualquer dimens˜ ao provado em 1910 por Luitzen Egbertus Jan Brouwer (1881-1966). En dimens˜ ao 1 ´ e simples consequˆ encia do Teorema de Bolzano, ou seja do teorema de valor interm´ edio para fun¸co ˜es cont´ınuas num intervalo. 196

198

Apˆ endice II existe um ponto fixo de f , ou seja um ponto z ∈ B1 tal que f (z) = z .

(Sugest˜ ao: Suponha que n˜ ao existe ponto fixo, obtenha uma fun¸ca ˜o a que possa aplicar o exerc´ıcio precedente levando a contradi¸ca ˜o).

Bibliografia A bibliografia sobre os temas tratados neste texto ´e imensa. Optou-se por indicar uma lista bibliogr´afica reduzida, com alguns livros alternativos sobre os temas considerados e incluindo, tamb´em, livros sobre assuntos aflorados, mas n˜ ao aprofundados neste texto. Pretende-se, assim, facultar referˆencias poss´ıveis para a continua¸c˜ ao do estudo destes assuntos. Alguns dos livros de An´alise Complexa citados tˆem referˆencias bibliogr´aficas adicionais que podem ser u ´ teis. 1. AHLFORS, L.V., Complex Analysis, An Introduction to the Theory of Analytic Functions of One Complex Variable, 3rd ed., McGraw-Hill Book Company, New York, 1978. 2. CHABAT, B., Introduction a ` L’Analyse Complexe, Tome 1: Fonctions ´ d’Une Variable, Tome 2: Fonctions de Plusieurs Variables, Editions MIR, Moscou, 1990. 3. CONWAY, J.B., Functions of One Complex Variable, 2nd edition, Springer-Verlag, New York, 1978. 4. HILLE, E., Analytic Function Theory, Ginn and Company, Boston, vol. I, 1959; vol. II, 1962. 5. KNOPP, K., Theory of Functions, 2 vols. Dover, New York, 1945. ˜ 6. MAGALHAES, L.T., Integrais M´ ultiplos, Texto Editora, Lisboa 1993. ˜ 7. MAGALHAES, L.T., Integrais em Variedades e Aplica¸co ˜es, Texto Editora, Lisboa 1993. 8. MUNKRES, J.R., Topology, 2nd ed., Prentice-Hall, Englewood Cliffs, New Jersey, 2000. 9. NARASIMHAN, R., Several Complex Variables, University of Chicago Press, Chicago, 1971. 10. NARASIMHAN, R., NIEVERGELT, Y., Complex Analysis in One Variable, Birkh¨ auser, 1985. 11. NEHARI, Z., Conformal Mapping, McGraw-Hill Book Company, New York, 1952.

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An´ alise Complexa em Uma Vari´ avel e Aplica¸ co ˜es

12. REMMERT, R., Classical Topics in Complex Function Theory, SpringerVerlag, New York, 1998. 13. RUDIN, W., Principles of Mathematical Analysis, McGraw-Hill Book Company, New York, 1964. 14. RUDIN, W., Real and Complex Analysis, McGraw-Hill Book Company, New York, 1987. 15. SAKS, S., ZYGMUND, A., Analytic Functions, 2nd ed., Monographie Matematyczne 28, Warsow, 1965. 16. STEIN, E.M., SHAKARCHI, R., Complex Analysis, Princeton Lectures in Analysis, Princeton University Press, Princeton and Oxford, 2003. 17. TITCHMARSH, E.C., Theory of Functions, 2nd ed., Oxford University Press, Oxford, 1939.