Amílcar Cabral: a arma da teoria

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Um Homem-Povo não morre porque constitui uin.i unidade indestrutível. Abel Djassi (nome de Anmlcai Cabral na clandestinidade) era um Homem-Povo ()•. colonialistas assassinaram o Homem mas o Povo il.i Guiné-Bissau continuou em luta e alcançou o ' mais nobre objetivo: a Independência Nacional. "A mais brilhante manifestação de civilização e cultui i não será dada por um povo que pega em arma; I>.M defender a sua pátria, o seu direito à vida, ao progtfv.n ao trabalho e à felicidade?" (Amílcar Cabral)

AMÍLCAR CABRAL CARLOS COMITINI

A ARMA DA TEORIA EDITORA

CODECRI

m Um Homem-Povo não morre jamais porque constitui uma unidade indestrutível. Abel Djassi (nome de Amílcar Cabral na clandestinidade) era um Homem-Povo. Os colonialistas assassinaram o Homem mas o Povo da Guiné-Bissau continuou em luta e alcançou o seu mais nobre objetivo: a Independência Nacional da Guiné-Bissau. Amílcar-Homem, filho, irmão, esposo, pai, engenheiro-agrônomo; Amílcar-Povo, poeta, combatente, máximo dirigente do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde, um dos pais da Pátria Africana. Amílcar Cabral, revolucionário. O primeiro artigo desta obra reproduz o discurso pronunciado por Amílcar, em nome dos povos e organizações nacionalistas das ex-colònias portuguesas na Africa, na I Conferência de Solidariedade dos Povos da África, Ásia e América-Latina (A Tricontinental de Havana, Cuba), durante a sessão plenária de 6 de janeiro de 1966. As linhas mestras do pensamento do autor estão contidas nesse célebre discurso: domínio imperialista, história e força motriz da história, alavanca social da luta de libertação. Em A Cultura Nacional, conferência na Universidade de Syracusa, Estados Unidos, em 20 de fevereiro de 1970 [primeiro ani-

AMÍLCAR CABRAL CARLOS COMITINI

A ARMA DA TEORIA

COLEÇÀO T E R C E I R O MUNDO - V O L 04

J' C c n c rt ti rr di

^HJCAR CABRAL

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CARLOS COMITINI

A ARMA DA TEORIA Editora Codecri Ltda. Rua Saint Roman, 142 — Copacabana Tel.: 287-5799 22.071 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil Editor Jaguar Arte Douné / Rafa / Ziraldo Gerente Editoriel Alfredo Gonçalves Coordenação Editorial Glauco de Oliveira

CODECRI R i o de J a n e i r o 1980

A M Í L C A R C A B R A L - A A R M A DA T E O R I A © 1980 Carlos Comitini Direitos reservados desta edição à Editora Codecri. É vedada a reprodução total ou parcial desta obra sem a prévia autorização da editora. Capa Ferdy Carneiro Revisão Márcia Rodrigues

Sumário

Diagramação /Arte-Final Luiz Alberto Escòssia Impressão Sedegra S . A . , Gráficos e Editores R u a Matipó, 101/115 R i o de Janeiro — R J

Cap. I A m í l c a r Cabral e sua obra

7

C a p . II

t,

O t e s t a m e n t o p o l í t i c o de A m í l c a r C a b r a l Cap.

Ill

A s s a s s i n a t o de A m í l c a r C a b r a l Cap.

IV

A a r m a da t e o r i a ( A m í l c a r C a b r a l ) Cap. CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, R J . C117 Amílcar Cabral : a arma da teoria / Coordenação [de] Carie* Comitini. — Rio de Janeiro : Codecri, 1980. (Coleção Terceiro Mundo ; v. n. 4) Bibliografia 1. Cabral, Amílcar, 1924-1973 2. Guiné-Bissau - História I. Comitini, Carlos 1. Título II. Título: A Arma de teoria III Série

80-0283

B C D D — 923.26652 966.52 C D U - 92, Cabral, Amílcar 966.52

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21

V

A cultura nacional ( A m í l c a r Cabral) Bibliografia

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5,

Capítulo I

Amílcar Cabral e sua obra

A m í l c a r C a b r a l nasceu e m 1 2 d e S e t e m b r o de 1 9 2 4 e m Bafatá (Guiné-Bissau). É e s t u d a n t e d o L i c e u de São V i c e n t e (ilhas de C a b o V e r d e ) , q u a n d o c o m e ç a a a f i r m a r o seu c o m p o r t a m e n t o de r o t u r a c o m a p o l í t i c a a s s i m i l a c i o n i s t a praticada pelo governo c o l o n i a l português. A p ó s a s u a chegada a L i s b o a e m 1 9 4 5 , data e m q u e inicia o s e s t u d o s universitários no Instituto S u p e r i o r de A g r o n o m i a , m a n i f e s t a u m a grande preocupação e m integrar-se nas c o r r e n t e s de p e n s a m e n t o p o l í t i c o e c u l t u r a l q u e e n t ã o agitavam o m u n d o . T r a d u z essa preocupação p a r t i c i p a n d o na c a m p a n h a pela p a z , n o s m o v i m e n t o s d a j u v e n t u d e progressista e s o b r e t u d o n o l a n ç a m e n t o das bases para a conscientização dos estudantes a f r i c a n o s . 7

No p e r í o d o de férias de 1 9 4 9 , dirige u m p r o g r a m a c u l t u r a l d a rádio e m C a b o V e r d e (na praia) o q u a l t e m considerável repercussão sto: Realiza-se a reunião do C o n s e l h o S u p e r i o r d a L u t a ( C S L ) , órgão s u p r e m o do P a r t i d o e n t r e d o i s C o n g r e s s o s , s o b a presidência de A m í l c a r . O u t u b r o : O Secretário G e r a l d o P A I G C visita s u c e s s i v a m e n t e H e l s í n q u i a , L o n d r e s e D u b l i n , e n c o n t r a - s e c o m dirigentes s i n d i c a listas britânicos e dá u m a conferência na C â m a r a d o s C o m u n s . A imprensa britânica e a B B C dão a m a i o r c o b e r t u r a à visita. I n c l u sive na Finlândia foi r e c e b i d o pelo Presidente d a R e p ú b l i c a — o q u e a c o n t e c i a pela p r i m e i r a vez a u m representante de u m movi-

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m e n t o d e libertação — e p e l o M i n i s t r o d o s Negócios E s t r a n g e i r o s . T u d o isto se t r a d u z i u e m e s t r o n d o s a s vitórias do P A I G C .

Capítulo II 1 9 7 2 — F e v e r e i r o : A m í l c a r C a b r a l , f a l a n d o na 1 6 3 ? sessão d o " o n s e l h o de Segurança da O N U , realizada pela primeira vez e m Á f r i c a , e m A d d i s - A b e b a ( E t i ó p i a ) , renova o c o n v i t e à A s s e m b l e i a d a s Nações U n i d a s para q u e e n v i e u m a delegação à Guiné-Bissau, a f i m d e c o n h e c e r a realidade d o P A I G C . A b r i l : G r a n d e v i t ó r i a do P A I G C . U m a comissão especial das Nações U n i d a s visita as regiões libertadas na G u i n é . * J u n h o : Mais u m a r e u n i ã o c i m e i r a d a O U A , e m R a b a t ( M a r r o c o s ) . A m í l c a r C a b r a l é c o n v i d a d o a falar diante d o s C h e f e s de E s t a d o a f r i c a n o s , e m n o m e d o s m o v i m e n t o s de libertação desse C o n t i nente. J u l h o : O t r a b a l h o d e A m í l c a r C a b r a l i n t i t u l a d o " S o b r e o Papel da C u l t u r a na L u t a ' pela I n d e p e n d ê n c i a " é a p r e s e n t a d o n u m a reunião d e p e r i t o s s o b r e as noções d e raça, i d e n t i d a d e e d i g n i d a d e , realizada e m Paris pela U N E S C O , e para a q u a l o Secretário G e r a l do P A I G C foi u m a das 2 0 personalidades c o n v i d a d a s . S e t e m b r o : A m í l c a r dirige a delegação d o P A I G C aos seguintes países: C h i n a , J a p ã o e C o r e i a . E n c o n t r a - s e c o m S h i a n o u k , c h e f e de E s t a d o d e C a m b o j a e c o m K i m II S u n g , presidente da C o r e i a do Norte. O u t u b r o : P e r a n t e a I V Comissão d a A s s e m b l e i a d a O N U , A m í l c a r e m n o m e d o povo da G u i n é e C a b o V e r d e , é o p r i m e i r o represent a n t e de u m povo e m luta a usar a palavra na q u a l i d a d e d e observ a d o r . A s u a b r i l h a n t e intervenção é a l t a m e n t e a p r e c i a d a pela Comissão, q u e t o m a a decisão de a r e p r o d u z i r , na íntegra, nos relatórios da sessão. A m í l c a r é e n t ã o r e c e b i d o pelas mais altas individualidades: o Secreta rio-Geral da O N U , o Presidente da Assemb l e i a G e r a l , o Comissário-Geral A d j u n t o da Comissão de T u t e l a e o Presidente d o C o m i t é d e Descolonização. 1 9 7 3 — J a n e i r o : N o d i a 2 0 , A m í l c a r C a b r a l é b a r b a r a m e n t e assassinado na G u i n é - C o n a k r y , por agentes d o c o l o n i a l i s m o português infiltrados n o P A I G C , e a o m a n d o do general A n t o n i o S p í n o l a , nesse m o m e n t o g o v e r n a d o r c o l o n i a l d a Guiné-Bissau.

A Missão compunha-se de Horácio Sevilha Borja (Equador), na qualidade de presidente, Folke Lofgren (Suécia) e Kamel Belkhiria (Tunís.a).

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O testamento político de Amílcar Cabral

A situação e s t a b e l e c i d a n a G u i n é (Bissau) d e p o i s d e 1 9 6 8 e os resultados d a luta de libertação n a c i o n a l encabeçada pelo povo deste país — s o b a direção d o P A I G C — são comparáveis às d e u m E s t a d o i n d e p e n d e n t e o n d e u m a parte d o t e r r i t ó r i o n a c i o n a l , n o t a d a m e n t e o s c e n t r o s u r b a n o s , é o c u p a d a por forças militares estrangeiras. A s d e z e n a s d e o b s e r v a d o r e s i n s u s p e i t o s , d e várias n a c i o n a l i dades e diversas profissões p u d e r a m visitar nosso país por vontad e própria o u c o n v i d a d o s por nós e f i z e r a m relatos irrefutáveis (verbais, e s c r i t o s , f o t o g r a f a d o s e f i l m a d o s ) s o b r e a situação prevalecente; vastas regiões libertadas d o jugo c o l o n i a l e u m a nova experiência p o l í t i c o - a d m i n i s t r a t i v a , e c o n ó m i c a , s o c i a l e c u l t u r a l e m d e s e n v o l v i m e n t o nessas áreas, u m a v e z q u e a s forças patrióticas, apoiadas pela p o p u l a ç ã o , l u t a m c o m sucesso c o n t r a o s c o l o n i a l i s tas para alcançar a libertação do país. Mais r e c e n t e m e n t e , e m A b r i l d e 1 9 7 2 , u m a Missão E s p e c i a l das Nações U n i d a s , c o m p o s t a de representantes de três E s t a d o s m e m b r o s d a organização e c u m p r i n d o o m a n d a d o d a A s s e m b l e i a G e r a l desta e n t i d a d e , v i s i t o u as regiões libertadas d o nosso p a í s , onde p e r m a n e c e r a m por u m a s e m a n a . Pelas conclusões q u e a Missão E s p e c i a l p ô d e t i r a r d e s t a visita de i m p o r t â n c i a histórica foi possível c o n s t a t a r o seguinte: " Q u e a luta p e l a libertação d o t e r r i t ó r i o c o n t i n u a a progredir e q u e Portugal não e x e r c e m a i s n e n h u m c o n t r o l e a d m i n i s t r a t i v o sobre as vastas z o n a s d a G u i n é (Bissau) é u m f a t o incontestável. . . S e n d o e v i d e n t e t a m b é m q u e as populações das z o n a s libertadas s u s t e n t a m , s e m reservas, a política e a s atividades d o m o v i m e n t o d e libertação, P A I G C , o q u a l . 13

após nove a n o s d e luta a r m a d a , e x e r c e nessas regiões u m c o n t r o l e a d m i n i s t r a t i v o livre e d e f a t o e protege e f e t i v a m e n t e o s interesses d o s h a b i t a n t e s a p e s a r d a presença p o r t u g u e s a " . T a l situação c o m p o r t a u m a c o n t r a d i ç ã o q u e , f a c e à a t i t u d e c r i m i n a l d o governo de L i s b o a , o q u a l i n t e n s i f i c o u essa guerra c o l o n i a l de g e n o c í d i o c o n t r a o s d i r e i t o s l e g í t i m o s d o nosso povo à a u t o d e t e r m i n a ç ã o , à i n d e p e n d ê n c i a e a o progresso, d i f i c u l t a n d o a m a r c h a d a l u t a , r e p r e s e n t a u m entrave â plena manifestação d a p e r s o n a l i d a d e d e nossa nação a f r i c a n a , forjada na luta.

DECISÃO HISTÓRICA Para resolver esta c o n t r a d i ç ã o e para responder à exigência de u m a m a i s a m p l a e efetiva participação d o p o v o , a d i r e ç ã o nac i o n a l d o partido d e p o i s d e vários d e b a t e s , o p t o u pela criação, m e d i a n t e eleições gerais livres e d e m o c r á t i c a s , d e u m a A s s e m b l e i a N a c i o n a l P o p u l a r — a p r i m e i r a d a nossa história — a q u a l , e m s u a q u a l i d a d e de órgão s u p r e m o d a soberania d o povo será c h a m a d a a p r o c l a m a r a existência de u m E s t a d o N a c i o n a l e m G u i n é ( B i s s a u ) , a adotar u m e x e c u t i v o e a p r o m u l g a r u m a C o n s t i t u i ç ã o para nossa nação a f r i c a n a . É d e s t a m a n e i r a q u e a reunião d o C o m i t é S u p e r i o r d a L u t a ( C S L ) , r e a l i z a d a d e 9 a 1 7 d e A g o s t o d e 1 9 7 1 * d e c i d e , por aclam a ç ã o , q u e o partido deveria i m e d i a t a m e n t e t o m a r todas as medidas necessárias para efetuar e m 1 9 7 2 , nas regiõe libertadas, as eleições gerais, e m sufrágio universal e s e c r e t o , pela c o n s t i t u i ç ã o da primeira Assembleia Nacional Popular ( A N P ) em Guiné ( B i s s a u ) . C o m base nesta decisão histórica foi d e f i n i d o o processo e o m é t o d o a seguir para a e s c o l h a d o s c a n d i d a t o s à A N P — normas p u b l i c a d a s n u m d o c u m e n t o i n t i t u l a d o " B a s e para criação d a P r i m e i r a A s s e m b l e i a N a c i o n a l P o p u l a r d a G u i n é " , o q u a l foi aprovado pela reunião d o C o m i t é E x e c u t i v o da L u t a ( C E L ) , e m D e zembro de 1 9 7 1 . O i t o meses d e p o i s ( J a n e i r o a A g o s t o ) d e u m a intensa c a m p a n h a d e i n f o r m a ç ã o , debates e discussões t a n t o nos o r g a n i s m o s de base d o partido c o m o e m c o m í c i o s , as eleições f o r a m levadas a . c a b o do f i m d e A g o s t o a 1 4 d e O u t u b r o , e m t o d a s as regiões libertadas.

Isto f o i , c e r t a m e n t e , u m a c o n t e c i m e n t o n o v o , se não u m a nova experiência d e n t r o do q u a d r o d a luta d o s p o v o s p o r sua libertação da d o m i n a ç ã o i m p e r i a l i s t a . . . A c o n t e c i m e n t o realizado d e a c o r d o c o m a m o r a l i n t e r n a c i o n a l d e nossos dias, c o m a C a r t a e as Resoluções das Nações U n i d a s . A A s s e m b l e i a N a c i o n a l do nosso p o v o e m G u i n é (Bissau) terá sua primeira sessão e m 1 9 7 3 * no nosso país, assim q u e o s preparativos para esse evento f o r e m f i n a l i z a d o s . E l a desenvolverá logo a primeira missão histórica q u e lhe é d e s t i n a d a : a p r o c l a m a ç ã o d o nosso E s t a d o N a c i o n a l , a p r o m u l g a ção da C o n s t i t u i ç ã o e a criação d o s órgãos e x e c u t i v o s c o r r e s p o n dentes. Far-se-ão públicos o s resultados das eleições gerais e n o s s o objetivo será i n f o r m a r a o p i n i ã o pública m u n d i a l e t o d a s as instâncias n a c i o n a i s e i n t e r n a c i o n a i s a respeito desse i m p o r t a n t e a c o n t e c i m e n t o histórico d a luta d o n o s s o p o v o . T e r e m o s nesse m o m e n t o r e a f i r m a d a a c e r t e z a d a vitória de nosso p o v o c o n t r a os retrógrados c o l o n i a l i s t a s portugueses. R e a f i r m a m o s , igualmente, nossa c o n f i a n ç a n o a p o i o , s e m reservas morais e p o l í t i c a s , d o s E s t a d o s i n d e p e n d e n t e s d a Á f r i c a e de todas as o u t r a s forças a n t i - c o l o n i a l i s t a s e anti-racistas d o s diversos c o n t i n e n t e s , às decisões q u e serão t o m a d a s e m nossa A s s e m b l e i a N a c i o n a l P o p u l a r , à j u s t a c a u s a d a i n d e p e n d ê n c i a e a o progresso de nosso P o v o . 8 de Janeiro de 1 9 7 3 Por u m C o n s e l h o S u p e r i o r d a L u t a Amílcar Cabral.

23-24 de Setembro: reunião da Primeira Assembleia Nacional Popular da GuinéPNMli *m Madina Boé. Reunião do Conselho Superior da luta que adota a decisão de proclamar o novo Estado Independente da Guiné-Bissau.

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24 da Setembro, 8h 55 TMG: proclamação do Estado da Guiné-Bissau. Luiz Ca ttUito presidente do Conselho de Estado.

Capítulo III

Assassinato de Amílcar Cabral

O d e s p a c h o da agência f r a n c e s a de n o t í c i a s A F P d i z i a , às 1 7 horas do dia 2 1 de j a n e i r o d e 1 9 7 3 : 21.1. BULETIN ASSASSINAT CABRAL M. S E K O U T O U R E , P R E S I D E N T D E L A R E P U B L I Q U E D E G U I N E E A A N N O N C E C E T A P R E S M I D I Q U E M. A M Í L C A R CABRAL, S E C R E T A I R E G E N E R A L DU PARTI A F R I C A I N DE L I N D E P E N D A N C E POUR L A GUINEE BISSAO E T L E S ILES DU CAP V E R T (PAIGC) " A E T E L A C H E M E N T E T H O R R I B L E M E N T A S S A S S I N E H I E R , S A M E D I , A 22.30, D E V A N T SA PROPRE MAISON, PAR L E S MAINS EMPOISONNEES DE L'IMPERIALISME ET DU COLONIALISME PORTUGUAIS FIN A F P

S á b a d o , 2 0 de j a n e i r o , às 2 0 h o r a s , o P A I G C t e m u m a reunião c o m u m a delegação da F R E L I M O ( F r e n t e de L i b e r t a ç ã o de M o ç a m b i q u e ) dirigida p e l o presidente deste m o v i m e n t o , S a m o r a Machel. O m o t i v o do e n c o n t r o foi i n t e r c a m b i a r p o n t o s de vista sobre a f o r m a de c o o r d e n a r o a c i o n a r c o m u m c o n t r a o c o l o n i a lismo português. Após a r e u n i ã o , A m í l c a r C a b r a l segue para u m a recepção na e m b a i x a d a da P o l ó n i a . A s 2 2 h o r a s e 1 5 m i n u t o s , d e i x a o lugar e 17

dirige-se a seu d o m i c í l i o , s i t u a d o a 4 k m da e m b a i x a d a , chegand o a í às 2 2 . 3 0 h s . T u d o está e m c a l m a d e n t r o d a casa. A n a , a esposa d o l í d e r , e n c o n t r a - s e na sala c o m seus f i l h o s . O Secretário G e r a l do P A I G C e s t a c i o n a s u a v i a t u r a . N o m o m e n t o de entrar na casa é assaltado por u m g r u p o de n a c i o n a l i s t a s . A m í l c a r luta desesperadamente até que é assassinado por Inocêncio K a n i * . S e u adjunto, Aristides Pereira, e outros quatro que o acompanhavam são a m a r r a d o s e t r a n s f e r i d o s a b o r d o de u m a l a n c h a . C o n s u m a d o o c r i m e , I n o c ê n c i o K a n i liga por telefone ao e m b a i x a d o r de C u b a , O s c a r O r a m o s O l i v a , i n f o r m a n d o - o q u e s e u amigo A m í l c a r teve u m p r o b l e m a e s o l i c i t a n d o - l h e q u e o assista. A casa d e O l i v a situava-se a 3 0 0 m e t r o s de o n d e estava se c o n s u m a n d o o assassinato e , c o m o este t i n h a o u v i d o a d e t o n a ç ã o d e d i s p a r o s , c o m u n i c a - s e , u r g e n t e m e n t e , c o m o Presidente d a R e p ú blica d a G u i n é , S e k o u T o u r é . E s t e , p o r sua v e z , e n t r a e m c o n t a t o t e l e f ó n i c o c o m a direção d o P o r t o e dá a o r d e m de interditar t o d o s o s n a v i o s , e nesse mom e n t o f o i i n f o r m a d o de q u e d u a s lanchas d o P A I G C t i n h a m rec e b i d o a u t o r i z a ç ã o para d e i x a r o P o r t o , e m horas d a m a n h ã . Destes m e s m o s veículos d e s e m b a r c a r i a m logo e m C o n a k r y os assassinos de A m í l c a r e o s c o m b a t e n t e s d o P A I G C , sequestrad o s por eles.

OS ASSASSINOS

O u t r o , entre os detidos, Lansana Bang, declarou, inclusive, q u e " o s imperialistas p r e p a r a v a m u m p l a n o d e agressão c o n t r a a República de G u i n é , T a n z â n i a e Z â m b i a " . D e n t r o desse e s q u e m a eles d e v i a m f o m e n t a r d e s o r d e n s d e n t r o d o s países c i t a d o s a favor d a ação subversiva e t i n h a m q u e infiltrar se n o P A I G C , FRELIMO eMPLA. T u d o isto para quê? O s c o l o n i a l i s t a s p o d e r i a m assassinar Amílcar Cabral o u Eduardo Mondlane, mas nunca conseguiriam a c a b a r c o m o s p o v o s d e M o ç a m b i q u e , A n g o l a , São T o m é e P r í n c i p e , C a b o V e r d e e Guiné-Bissau; p o v o s e m c u j a s veias c o r r e o sangue q u e a n t e s d e m a i s n a d a j á t i n h a g a n h o a liberdade. E a prova disso é o s e g u i n t e : I n d e p e n d ê n c i a d a Guiné-Bissau — 2 4 d e S e t e m b r o d e 1 9 7 3 Independência de Angola — 11 de Novembro de 1 9 7 5 Independência d e M o ç a m b i q u e — 2 5 d e J u n h o d e 1 9 7 5 Independência de São T o m é e P r í n c i p e — 1 2 d e J u l h o d e 1 9 7 5 Independência d e C a b o V e r d e — 5 d e J u l h o d e 1 9 7 5

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O s c r i m i n o s o s a c a b a r a m c o m a vida de A m í l c a r , mas horas após ter sido c o n s u m a d o o bárbaro assassinato f o r a m c a p t u r a d o s . U m d o s d e p o i m e n t o s mais i m p o r t a n t e s f o i f e i t o pelo o r g a n i z a d o r do a t e n t a d o . Ioda Nagbogna, c o n h e c i d o pelo c o d i n o m e de B a t i a . E s t e c o n f e s s o u q u e as a u t o r i d a d e s portuguesas t i n h a m - l h e p r o m e t i d o : " P o r t u g a l estava prestes a dar a o s negros da G u i n é Bissau a independência, c o m a condição d e q u e : o P A I G C seja ext e r m i n a d o ; t o d o s os c a b o v e r d e a n o s sejam e x c l u í d o s de t o d o m o v i m e n t o n a c i o n a l i s t a pois Portugal p r e t e n d e conservar as ilhas de C a b o V e r d e , que c o n s t i t u e m , para ele e seus a l i a d o s , u m a base estratégica de i m p o r t â n c i a c a p i t a l " . O s guineenses de Bissau deveriam desprender-se de t o d o s o s c a b o v e r d e a n o s pois Portugal " c o n s t i t u i r i a u m g o v e r n o " nas ilhas d e C a b o V e r d e e as suas forças militares e s t a c i o n a d a s a í d a r i a m t o d a cooperação " a o s negros d a Guiné-Bissau para assegurar-lhes a p r o t e ç ã o " . I. Kani tinha sido comandante da marinha do P A I G C , afastado do cargo por faltas graves.

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Capítulo IV

A arma da teoria

Amílcar Cabral

I. F u n d a m e n t o s e objetivos da libertação n a c i o n a l e m relação c o m a e s t r u t u r a social O s povos e as organizações nacionalistas d e A n g o l a , C a b o V e r de, G u i n é , M o ç a m b i q u e e São T o m é e P r í n c i p e m a n d a r a m as suas delegações a esta C o n f e r ê n c i a por d u a s razões p r i n c i p a i s : primeiro, porque q u e r e m o s estar presentes e t o m a r parte a t i v a neste a c o n t e c i m e n t o t r a n s c e n d e n t e d a H i s t ó r i a da H u m a n i d a d e ; segund o , porque era nosso dever p o l í t i c o e m o r a l trazer a o p o v o c u b a no, neste m o m e n t o d u p l a m e n t e histórico — 7 ? aniversário d a revolução e primeira C o n f e r ê n c i a T r i c o n t i n e n t a l — u m a p r o v a c o n creta d a nossa solidariedade f r a t e r n a l e c o m b a t i v a . P e r m i t a m - m e p o r t a n t o , q u e , e m n o m e d o s nossos povos e m luta e e m n o m e d o s m i l i t a n t e s de c a d a u m a das nossas organizações n a c i o n a i s , e n d e r e c e as m a i s c a l o r o s a s felicitações e saudações fraternais a o povo desta Ilha T r o p i c a l , pelo 7 . aniversário do t r i u n f o d a s u a r e v o l u ç ã o , pela realização desta C o n f e r ê n c i a na s u a bela e hospitaleira c a p i t a l e pelos sucessos q u e t e m s a b i d o a l c a n çar n o c a m i n h o d a construção d u m a vida n o v a q u e t e m c o m o objetivo essencial a plena realização das aspirações à liberdade, à paz, a o progresso e à j u s t i ç a social de t o d o s o s c u b a n o s . S a ú d o em particular o C o m i t é C e n t r a l d o P a r t i d o C o m u n i s t a C u b a n o , o G o v e r n o R e v o l u c i o n á r i o e o seu líder e x e m p l a r — o C o m a n d a n te F i d e l C a s t r o — a q u e m e x p r i m o o s nossos v o t o s de sucessos c o n t í n u o s e de longa vida ao serviço da Pátria C u b a n a , d o progresso e da f e l i c i d a d e d o seu p o v o , a o serviço d a H u m a n i d a d e . 21

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S e a l g u m o u alguns d e nós, a o chegar a C u b a , t r a z i a n o s e u esp í r i t o a l g u m a d ú v i d a sobre o e n r a i z a m e n t o , a f o r ç a , o a m a d u r e c i m e n t o e a vitalidade d a R e v o l u ç ã o C u b a n a , essa d ú v i d a foi dest r u í d a pelo q u e já t i v e m o s ocasião d e ver. U m a c e r t e z a inabalável a c a l e n t a o s nossos corações e e n c o r a j a - n o s nesta luta d i f í c i l m a s gloriosa c o n t r a o inimigo c o m u m : n e n h u m a f o r ç a d o m u n d o será c a p a z de destruir a R e v o l u ç ã o C u b a n a , q u e , n o s c a m p o s e nas c i d a d e s , está c r i a n d o não só u m a v i d a n o v a , m a s t a m b é m — o q u e é mais importante — u m H o m e m novo, plenamente consciente dos seus d i r e i t o s e deveres n a c i o n a i s , c o n t i n e n t a i s e i n t e r n a c i o n a i s . E m t o d o s o s c a m p o s da sua a t i v i d a d e , o p o v o c u b a n o r e a l i z o u progressos i m p o r t a n t e s n o s ú l t i m o s sete a n o s , e m p a r t i c u l a r no a n o f i n d o — o A n o d a A g r i c u l t u r a . E s s e s progressos estão patentes t a n t o na realidade material e q u o t i d i a n a c o m o n o h o m e m e n a m u l h e r c u b a n o s , na c o n f i a n ç a t r a n q u i l a d o s e u o l h a r f a c e a u m m u n d o e m efervescência, o n d e as contradições e a s ameaças, m a s t a m b é m a s esperanças e as c e r t e z a s , atingiram u m nível n u n c a antes igualado.» D o q u e já v i m o s e e s t a m o s a aprender e m C u b a , q u e r e m o s referir aqui u m a lição singular na q u a l nos parece estar u m d o s segredos, se não o segredo, d a q u i l o a q u e m u i t o s não h e s i t a r i a m e m c h a m a r " o milagre c u b a n o " : a c o m u n h ã o , a i d e n t i f i c a ç ã o , o sinc r o n i s m o , a c o n f i a n ç a r e c í p r o c a e a f i d e l i d a d e entre as massas populares e o s seus dirigentes. Q u e m assistiu às grandiosas manifestações destes ú l t i m o s d i a s e , e m p a r t i c u l a r , , a o discurso do C o m a n d a n t e F i d e l C a s t r o no a t o c o m e m o r a t i t o d o 7 ? aniversário, terá m e d i d o , c o m o nós, e m t o d a a s u a g r a n d e z a , o caráter específ i c o — t a l v e z d e c i s i v o — deste f a t o r p r i m o r d i a l d o sucesso d a R e v o l u ç ã o C u b a n a . M o b i l i z a n d o , o r g a n i z a n d o e e d u c a n d o politicamente o povo, mantendo-o e m permanente conhecimento dos p r o b l e m a s n a c i o n a i s e i n t e r n a c i o n a i s q u e interessam a s u a v i d a , e levando-o a participar na solução desses p r o b l e m a s , a vanguarda da R e v o l u ç ã o C u b a n a , q u e c e d o c o m p r e e n d e u o caráter i n d i s p e n sável da existência d i n â m i c a d u m P a r t i d o f o r t e e u n i d o , s o u b e não só interpretar j u s t a m e n t e a s condições o b j e t i v a s e as exigências específicas d o m e i o , m a s t a m b é m f o r j a r a m a i s p o d e r o s a das a r m a s para a d e f e s a , a segurança e a garantia da c o n t i n u i d a d e d a R e v o l u ç ã o : a consciência revolucionária das massas p o p u l a r e s q u e , c o m o se sabe, não é n e m n u n c a foi espontânea e m parte alg u m a d o m u n d o . C r e m o s q u e esta é m a i s u m a lição para t o d o s , mas p a r t i c u l a r m e n t e para o s m o v i m e n t o s d e libertação n a c i o n a l e, e m e s p e c i a l , para a q u e l e s q u e p r e t e n d e m q u e a s u a revolução n a c i o n a l seja u m a R e v o l u ç ã o . A l g u n s não d e i x a r ã o de lembrar q u e , e m b o r a c o n s t i t u i n d o u m a

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minoria insignificante, m u i t o s c u b a n o s não c o m u n g a r a m nas aleis e esperanças das festas d o sétimo aniversário, p o r q u e são M I I I I I . I a Revolução. Nós l e m b r a m o s q u e é possível q u e vários • • l i n o s não estejam presentes nas c o m e m o r a ç õ e s d o p r ó x i m o a n i irio, m a s q u e r e m o s a f i r m a r q u e i n t e r p r e t a m o s a p o l í t i c a da i m i t a aberta para a saída d o s i n i m i g o s d a R e v o l u ç ã o " c o m o u m a lição de c o r a g e m , de d e t e r m i n a ç ã o , de h u m a n i s m o e d e c o n f i a n ç a no p o v o , c o m o mais u m a v i t ó r i a p o l í t i c a e m o r a l sobre o inimigo. E garantimos àqueles q u e , d u m p o n t o d e vista a m i g o , se p r e o c u p a m c o m o s perigos q u e essa saída possa representar, q u e nós, os povos d o s países a f r i c a n o s a i n d a p a r c i a l m e n t e o u t o t a l m e n t e d o minados pelo c o l o n i a l i s m o português, e s t a m o s p r o n t o s para m a n dar para C u b a t a n t o s h o m e n s e m u l h e r e s q u a n t o s sejam necessái I O S para c o m p e n s a r a saída d a q u e l e s q u e , por razões de classe o u d e inadaptação, t ê m interesses e a t i t u d e s i n c o m p a t í v e i s c o m o s interesses do p o v o c u b a n o . R e p e t i n d o o c a m i n h o o u t r o r a d o l o r o s o e trágico d o s nossos antepassados ( n o m e a d a m e n t e da G u i n é e A n g o l a ) q u e f o r a m transplantados para C u b a c o m o escravos, v i r e m o s hoje c o m o h o m e n s livres, c o m o t r a b a l h a d o r e s c o n s c i e n t e s e c o m o patriotas c u b a n o s , para e x e r c e r u m a atividade p r o d u t i v a nesta s o c i e d a d e nova, j u s t a e m u l t i r r a c i a l ; para a j u d a r a d e f e n d e r c o m o nosso sangue as c o n q u i s t a s d o p o v o de C u b a . Mas v i r e m o s t a m b é m para reforçar t a n t o o s laços históricos, d e sangue e d e c u l t u r a q u e u n e m os nossos p o v o s a o p o v o c u b a n o , c o m o essa desconcentração m á gica, essa alegria visceral e esse r i t m o c o n t a g i o s o q u e f a z e m da construção d o s o c i a l i s m o e m C u b a u m f e n ó m e n o n o v o à face d o m u n d o , u m a c o n t e c i m e n t o ú n i c o e, para m u i t o s , insólito. N ã o v a m o s u t i l i z a r esta t r i b u n a para d i z e r m a l d o imperialism o . D i z u m d i t a d o a f r i c a n o m u i t o c o r r e n t e n a s nossas t e r r a s — onde o fogo é ainda u m i n s t r u m e n t o i m p o r t a n t e e u m amigo traiçoeiro — o q u e p r o v a o estado de s u b d e s e n v o l v i m e n t o e m q u e nos vai d e i x a r o c o l o n i a l i s m o — d i z esse d i t a d o q u e " q u a n d o a tua p a l h o t a a r d e , d e nada serve t o c a r o t a m - t a m " . A d i m e n s ã o t r i c o n t i n e n t a l , isso q u e r d i z e r q u e não é g r i t a n d o nem a t i r a n d o palavras feias faladas ou escritas c o n t r a o i m p e r i a l i s m o , q u e vamos c o . seguir l i q u i d á - l o . Para nós, o pior o u o m e l h o r m a l q u e se p o d e d i z e r d o i m p e r i a l i s m o , q u a l q u e r q u e seja a s u a f o r m a , é pegar e m a r m a s e lutar. É o q u e e s t a m o s a f a z e r e f a r e m o s a t é a liquidação total d a d o m i n a ç ã o estrangeira nas nossas pátrias a f r i c a nas. V i e m o s a q u i d e c i d i d o s a i n f o r m a r esta C o n f e r ê n c i a , o mais det a l h a d a m e n t e possível, sobre a situação c o n c r e t a d a luta d e liber 23

tacão n a c i o n a l e m c a d a u m d o s nossos países e , e m p a r t i c u l a r , naqueles e m q u e há luta a r m a d a . Fá-lo-emos perante a Comissão própria e t a m b é m por meio de d o c u m e n t o s , de f i l m e s , de fotografias, de c o n t a t o s bilaterais e d o s órgãos d e i n f o r m a ç ã o c u b a n o s , no d e c u r s o d a C o n f e r ê n c i a . P e d i m o s permissão para u t i l i z a r esta o p o r t u n i d a d e d u m a maneira q u e c o n s i d e r a m o s m a i s ú t i l . Na v e r d a d e , v i e m o s a esta C o n ferência c o n v e n c i d o s de q u e ela é u m a o p o r t u n i d a d e rara para u m a a m p l a t r o c a de experiências e n t r e os c o m b a t e n t e s d u m a m e s m a c a u s a , para o e s t u d o e a resolução d e p r o b l e m a s c e n t r a i s d a nossa luta c o m u m , v i s a n d o não só o r e f o r ç o d a nossa u n i d a d e e s o l i d a r i e d a d e , m a s t a m b é m a m e l h o r i a d o p e n s a m e n t o e da ação de c a d a u m e de t o d o s , na prática q u o t i d i a n a d a luta. Por isso, se p r e t e n d e m o s evitar t u d o q u a n t o possa representar perda de t e m p o , e s t a m o s no e n t a n t o f i r m e m e n t e d e c i d i d o s a não permitir q u e quaisquer f a t o r e s e s t r a n h o s , o u não d i r e t a m e n t e ligados a o s prob l e m a s q u e n o s d e v e m p r e o c u p a r a q u i , v e n h a m perturbar as possibilidades d e ê x i t o desta C o n f e r ê n c i a . T e m o s razões bastantes para a f i r m a r q u e esta é igualmente a posição d e t o d o s o s o u t r o s m o v i m e n t o s de libertação n a c i o n a l presentes a esta C o n f e r ê n c i a . A nossa A g e n d a de t r a b a l h o s i n c l u i t e m a s cuja i m p o r t â n cia e a c u i d a d e estão f o r a d e discussão, e n o s q u a i s sobressai u m a preocupação d o m i n a n t e : a luta. O b s e r v a m o s c o n t u d o q u e u m t i p o de l u t a , q u a n t o a nós f u n d a m e n t a l , não está m e n c i o n a d o expressamente nessa A g e n d a , e m b o r a t e n h a m o s a c e r t e z a d e q u e está presente no e s p í r i t o d o s q u e a e l a b o r a r a m . Q u e r e m o s refer i m o s à luta c o n t r a as nossas f r a q u e z a s A d m i t i m o s q u e o s o u t r o s c a s o s sejam diferentes do n o s s o , m a s a nossa experiência nos ensina q u e no q u a d r o geral d a luta q u e t r a v a m o s q u o t i d i a n a m e n t e , sejam quais f o r e m as d i f i c u l d a d e s q u e nos cria o i n i m i g o , essa é a luta mais d i f í c i l t a n t o no presente c o m o para o f u t u r o dos nossos p o v o s . E l a é a expressão d a s contradições i n t e r n a s d a realidade e c o n ó m i c a , social e c u l t u r a l ( p o r t a n t o , histórica) de cada u m d o s nossos países. E s t a m o s c o n v e n c i d o s de q u e q u a l q u e r revolução, n a c i o n a l o u s o c i a l , que não t e n h a c o m o base f u n d a mental o c o n h e c i m e n t o a d e q u a d o dessa realidade, c o r r e f o r t e s riscos d e i n s u c e s s o , se não estiver v o t a d a a o fracasso.

AUSÊNCIA DE IDEOLOGIA Q u a n d o o povo a f r i c a n o a f i r m a , na sua linguagem chã, q u e " p o r mais q u e n t e que seja a água da f o n t e , ela não c o z e o teu arroz", enuncia, c o m chocante simplicidade, um princípio fund a m e n t a l não só d a física c o m o d a ciência p o l í t i c a . S a b e m o s c o m 24

nfiiito que a o r i e n t a ç ã o (o d e s e n v o l v i m e n t o ) d u m f e n ó m e n o e m m o v i m e n t o , seja q u a l for o s e u c o n d i c i o n a m e n t o e x t e r i o r , d e p e n d i p r i n c i p a l m e n t e d a s suas características internas. S a b e m o s t a m b é m q u e , no plano p o l í t i c o , por m a i s bela e atraente q u e seja a (nulidade d o s o u t r o s , só p o d e r e m o s t r a n s f o r m a r v e r d a d e i r a m e n t e • nossa p r ó p r i a realidade c o m base no s e u c o n h e c i m e n t o c o n c r e to a nos nossos esforços e sacrifícios próprios. V a l e a p e n a l e m brar nesta a m b i ê n c i a t r i c o n t i n e n t a l , o n d e as experiências a b u n d a m e os e x e m p l o s não escasseiam, q u e , por maior q u e seja a sim i l i t u d e d o s casos e m presença e a identificação d o s nossos inimigos, i n f e l i z m e n t e o u f e l i z m e n t e , a libertação n a c i o n a l e a revolução social não são m e r c a d o r i a s d e e x p o r t a ç ã o . São (e sê-lo-ão c a d a dia mais) u m p r o d u t o d e elaboração local — n a c i o n a l — m a i s o u m e n o s influenciável pela ação d o s fatores e x t e r i o r e s (favoráveis e desfavoráveis), m a s d e t e r m i n a d o e c o n d i c i o n a d o essencialm e n t e pela realidade histórica d e c a d a p o v o , e apenas assegurado pela vitória o u a resolução a d e q u a d a d a s contradições internas d e várias o r d e n s que c a r a c t e r i z a m essa realidade. O sucesso d a revolução c u b a n a , q u e se desenvolve apenas a 9 0 m i l h a s d a m a i o r força imperialista e a n t i - s o c i a l i s t a d e t o d o s o s t e m p o s , parece-nos ser, n o seu c o n t e ú d o e na f o r m a c o m o t e m e v o l u í d o , u m a ilustração prática e c o n v i n c e n t e d a v a l i d a d e d o p r i n c í p i o a c i m a referido. D e v e m o s , n o e n t a n t o , r e c o n h e c e r q u e nós p r ó p r i o s e o s o u tros m o v i m e n t o s de libertação e m geral ( r e f e r i m o - n o s s o b r e t u d o à experiência a f r i c a n a ) não t e m o s sabido dar a d e v i d a a t e n ç ã o a este p r o b l e m a i m p o r t a n t e d a nossa luta c o m u m . A deficiência ideológica, para não dizer a falta t o t a l de ideologia, p o r parte d o s m o v i m e n t o s d e libertação n a c i o n a l — q u e t e m a s u a justificação d e base n a ignorância d a realidade histórica que esses m o v i m e n t o s p r e t e n d e m t r a n s f o r m a r — c o n s t i t u e m u m a das maiores senão a m a i o r f r a q u e z a da nossa luta c o n t r a o imperialismo. C r e m o s , n o e n t a n t o , q u e j á f o r a m a c u m u l a d a s e x p e r i ê n cias bastantes e s u f i c i e n t e m e n t e variadas para p e r m i t i r a d e f i n i ç ã o d u m a l i n h a geral d e p e n s a m e n t o e d e ação v i s a n d o a e l i m i n a r essa deficiência. Por isso, u m a m p l o debate sobre essa m a t é r i a p o d e r i a ser de utilidade e p e r m i t i r a esta C o n f e r ê n c i a dar u m a c o n t r i b u i ção valiosa para a m e l h o r i a da ação presente e f u t u r a d o s movim e n t o s d e libertação n a c i o n a l . S e r i a u m a f o r m a c o n c r e t a de ajudar esses m o v i m e n t o s e, e m nossa o p i n i ã o , não m e n o s i m p o r t a n te do q u e os a p o i o s p o l í t i c o s e as a j u d a s e m d i n h e i r o , a r m a s e outro material. É na intenção de c o n t r i b u i r , e m b o r a m o d e s t a m e n t e , para esse d e b a t e , q u e a p r e s e n t a m o s a q u i a nossa o p i n i ã o s o b r e o s fundamentos e objetivos da libertação nacional relacionados com a 25

estrutura social. E s s a o p i n i ã o é d i t a d a pela nossa própria e x p e riência de luta e pela apreciação c r í t i c a das experiências alheias. À q u e l e s q u e verão nela u m caráter t e ó r i c o , t e m o s d e l e m b r a r q u e t o d a a prática f e c u n d a u m a t e o r i a . E q u e , se é verdade q u e u m a revolução p o d e f a l h a r , m e s m o q u e seja n u t r i d a p o r t e o r i a s perfeitamente concebidas, ainda ninguém praticou vitoriosamente u m a R e v o l u ç ã o sem teoria revolucionária.

A LUTA DE CLASSES A q u e l e s q u e a f i r m a m — e q u a n t o a nós c o m razão — q u e a f o r ç a m o t o r a d a história é a luta d e classes, d e c e r t o estariam d e a c o r d o e m rever esta a f i r m a ç ã o , para precisá-la e dar-lhe a t é maior a p l i c a b i l i d a d e , se c o n h e c e s s e m e m m a i o r p r o f u n d i d a d e a s características essenciais d e alguns povos c o l o n i z a d o s ( d o m i n a dos pelo i m p e r i a l i s m o ) . C o m e f e i t o , na evolução geral d a h u m a nidade e de c a d a u m d o s p o v o s nos a g r u p a m e n t o s h u m a n o s q u e a c o n s t i t u e m , as classes não surgem n e m c o m o u m f e n ó m e n o generalizado e s i m u l t â n e o na t o t a l i d a d e desses a g r u p a m e n t o s , n e m c o m o u m t o d o a c a b a d o , perfeito, u n i f o r m e e e s p o n t â n e o . A d e f i n i ç ã o das classes no seio d u m a g r u p a m e n t o o u d e a g r u p a m e n t o s h u m a n o s resulta f u n d a m e n t a l m e n t e d o d e s e n v o l v i m e n t o progressivo das forças p r o d u t i v a s e d a s características d a distribuição d a s riquezas p r o d u z i d a s por esse a g r u p a m e n t o o u u s u r p a d a s a o u t r o s a g r u p a m e n t o s . Q u e r d i z e r : 0 f e n ó m e n o sócio-econômico classe surge e desenvolve-se e m f u n ç ã o d e pelo m e n o s / j u a s variáveis essenciais e i n t e r d e p e n d e n t e s : o nível d a s forças p r o d u t i v a s e o regime d e p r o p r i e d a d e d o s m e i o s d e p r o d u ç ã o . E s s e d e s e n v o l v i m e n to opera-se l e n t a , desigual e g r a d u a l m e n t e , p o r acréscimos q u a n t i tativos, e m geral i m p e r c e p t í v e i s , das variáveis essenciais, o s q u a i s c o n d u z e m , a partir d e c e r t o momento d e a c u m u l a ç ã o , a transformações q u a l i t a t i v a s q u e se t r a d u z e m n o a p a r e c i m e n t o d a c l a s s e , das classes e d o c o n f l i t o e n t r e classes. F a t o r e s e x t e r i o r e s a u m d a d o c o n j u n t o sócio-econômico e m m o v i m e n t o p o d e m i n f l u e n c i a r m a i s o u m e n o s significativamente o p r o c e s s o d e d e s e n v o l v i m e n t o das classes, a c e l e r a n d o - o , atrasando-o o u a t é p r o v o c a n d o nele regressões. L o g o q u e cesse, por q u a l q u e r r a z ã o , a influência desses f a t o r e s , o p r o c e s s o r e t o m a a s u a i n d e p e n d ê n c i a , e o s e u r i t m o passa a ser d e t e r m i n a d o não só pelas características internas próprias do c o n j u n t o , m a s t a m b é m pelas resultantes d o efeito sobre ele c a u s a d o pela ação t e m p o r á r i a d o s f a t o r e s e x t e r n o s . N o p l a n o e s t r i t a m e n t e i n t e r n o , pode variar o r i t m o d o p r o c e s s o , m a s ele p e r m a n e c e c o n t í n u o e progressivo, s e n d o o s avanços b r u s c o s só possíveis e m f u n ç ã o de a u m e n t o s o u 26

alterações b r u s c a s — m u t a ç õ e s — n o n í v e l d a s forças produtivas o u no regime d a p r o p r i e d a d e . A estas t r a n s f o r m a ç õ e s bruscas operadas no interior d o p r o c e s s o d e d e s e n v o l v i m e n t o d a s classes c o m o resultado de mutações no nível d a s forças p r o d u t i v a s o u n o regime d e p r o p r i e d a d e , c o n v e n c i o n o u - s e c h a m a r , e m linguagem económica e política, revoluções. Vê-se, por o u t r o l a d o , q u e a p o s s i b i l i d a d e de esse p r o c e s s o ser i n f l u e n c i a d o s i g n i f i c a t i v a m e n t e por fatores e x t e r n o s , e m particular pela interação de c o n j u n t o s h u m a n o s , f o i g r a n d e m e n t e a u m e n t a d a pelo progresso d o s m e i o s d e t r a n s p o r t e e de c o m u n i c a ções q u e veio c r i a r o m u n d o e a h u m a n i d a d e , e l i m i n a n d o o isolam e n t o e n t r e o s a g r u p a m e n t o s h u m a n o s d u m a m e s m a região, entre regiões d u m m e s m o c o n t i n e n t e e e n t r e o s c o n t i n e n t e s . Progresso q u e c a r a c t e r i z a u m a longa fase d a história q u e c o m e ç o u c o m a invenção d o p r i m e i r o m e i o d e t r a n s p o r t e , se e v i d e n c i o u já nas viagens púnicas e na c o l o n i z a ç ã o grega e se a c e n t u o u c o m a s descobertas m a r í t i m a s , a invenção das máquinas a vapor e a desc o b e r t a d a e l e t r i c i d a d e . E q u e p r o m e t e , nos nossos dias, c o m base na domesticação progressiva d a energia a t ó m i c a , se não semear o h o m e m pelas estrelas, pelo m e n o s h u m a n i z a r o u n i v e r s o . O q u e f o i d i t o p e r m i t e - n o s pôr a seguinte p e r g u n t a : será q u e a história só c o m e ç a a partir d o momento e m q u e se d e s e n c a d e i a o f e n ó m e n o classe e, c o n s e q u e n t e m e n t e , a luta d e classes? Responder pela a f i r m a t i v a seria s i t u a r f o r a d a história t o d o o p e r í o d o da vida d o s a g r u p a m e n t o s h u m a n o s , q u e vai d a d e s c o b e r t a d a caça e, p o s t e r i o r m e n t e , d a a g r i c u l t u r a n ó m a d e e sedentária à criação d o gado e à a p r o p r i a ç ã o p r i v a d a d a t e r r a . Mas seria t a m b é m — o q u e nos r e c u s a m o s a aceitar — c o n s i d e r a r q u e vários agrupam e n t o s h u m a n o s da Á f r i c a , Ásia e A m é r i c a L a t i n a viviam sem história o u f o r a d a história n o n o m e n t o e m q u e f o r a m s u b m e t i d o s a o jugo do i m p e r i a l i s m o . S e r i a c o n s i d e r a r q u e populações d o s nossos países, c o m o o s B a l a n t a s d a G u i n é , o s C u a n h a m a s d e A n gola e o s M a c o n d e s d e M o ç a m b i q u e , v i v e m a i n d a hoje, se nos a b s t r a i r m o s d a s m u i t a s ligeiras influências d o c o l o n i a l i s m o a q u e f o r a m s u b m e t i d a s , f o r a d a história o u não t ê m história. E s t a r e c u s a , aliás baseada no c o n h e c i m e n t o c o n c r e t o d a realidade s o c i o e c o n ó m i c a d o s nossos países e na análise d o p r o c e s s o de d e s e n v o l v i m e n t o d o f e n ó m e n o classe tal c o m o foi feita a c i m a , leva-nos a a d m i t i r q u e , se a luta d e classes é a f o r ç a m o t o r a da hist ó r i a , ela o é d u r a n t e u m certo p e r í o d o da história. Isto q u e r d i z e r q u e antes d a luta de classes (e, n e c e s s a r i a m e n t e , depois da luta d e classes, p o r q u e neste m u n d o não há antes sem d e p o i s ) a l g u m f a t o r ( o u alguns fatores) f o i e será o m o t o r d a história. N ã o n o s r e p u g n a a d m i t i r q u e esse f a t o r d a história d e c a d a agru27

p a m e n t o h u m a n o é o modo de produção (o n í v e l das forças prod u t i v a s e o regime d e p r o p r i e d a d e ) q u e c a r a c t e r i z a esse agrupam e n t o . M a s , c o m o se v i u , a d e f i n i ç ã o d a classe e a luta d e classes são, elas m e s m a s , u m e f e i t o d o d e s e n v o l v i m e n t o d a s forças p r o d u t i v a s c o n j u g a d o c o m o regime d a p r o p r i e d a d e d o s m e i o s de

produção. Parece-nos portanto l í c i t o concluir que o n í v e l das forças produtivas, determinante essencial do c o n t e ú d o e da f o r m a da luta de classes, é a verdadeira e a permanente força motora da história. S e a c e i t a r m o s essa conclusão, e n t ã o f i c a m e l i m i n a d a s as d ú vidas q u e p e r t u r b a m o nosso e s p í r i t o . P o r q u e , se p o r u m lado v e m o s garantida a existência d a história a n t e s d a luta d e classes e e v i t a m o s a alguns a g r u p a m e n t o s h u m a n o s d o s nossos países (e quiçá d o s nossos c o n t i n e n t e s ) a triste c o n d i ç ã o d e povos sem hist ó r i a , v e m o s assegurada, p o r o u t r o l a d o , a c o n t i n u i d a d e d a história m e s m o d e p o i s d o d e s a p a r e c i m e n t o da luta de classes o u d a s classes. E c o m o n ã o f o m o s nós q u e p o s t u l a m o s , aliás e m bases c i e n t í f i c a s , o d e s a p a r e c i m e n t o d a s classes c o m o u m a fatalidade d a h i s t ó r i a , s e n t i m o - n o s b e m nesta conclusão q u e , e m c e r t a medid a , restabelece u m a coerência e dá s i m u l t a n e a m e n t e a o s povos q u e , c o m o o de C u b a , estão a c o n s t r u i r o s o c i a l i s m o , a agradável c e r t e z a d e q u e n ã o f i c a r ã o s e m história q u a n d o f i n a l i z a r e m o processo d a liquidação d o f e n ó m e n o classe e d a luta d e classes n o seio d o seu c o n j u n t o s ó c i o - e c o n ô m i c o . A e t e r n i d a d e n ã o é c o i s a deste m u n d o , mas o h o m e m sobreviverá às classes e c o n t i n u a r á a p r o d u z i r e a f a z e r história, p o r q u e n ã o p o d e libertar-se d o f a r d o das suas necessidades, d a s suas mãos e d o s e u c é r e b r o , q u e estão na base d o d e s e n v o l v i m e n t o d a s forças p r o d u t i v a s . ^ / S O B R E O MODO DE P R O D U Ç Ã o / ^

Cp q u e f i c a d i t o e a realidade a t u a l d o nosso t e m p o p è r m i te-nos a d m i t i r q u e a história d u m a g r u p a m e n t o h u m a n o o u da h u m a n i d a d e se processa e m p e l o m e n o s três f a s e s : a p r i m e i r a , e m q u e , c o r r e s p o n d e n d o a u m b a i x o n í v e l das forças p r o d u t i v a s — d o d o m í n i o do h o m e m sobre a natureza — o m o d o de produção t e m caráter e l e m e n t a r , não e x i s t e a i n d a a a p r o p r i a ç ã o privada d o s meios d e p r o d u ç ã o , não há classes, n e m , p o r t a n t o , luta d e classes; a segunda, e m q u e a elevação d o nível d a s forças p r o d u t i v a s c o n d u z à a p r o p r i a ç ã o privada d o s m e i o s d e p r o d u ç ã o , c o m p l i c a progressivamente o m o d o de p r o d u ç ã o , p r o v o c a c o n f l i t o s d e interesses n o seio d o c o n j u n t o sócio-econômico e m m o v i m e n t o , possibilita a e r u p ç ã o d o f e n ó m e n o classe e, p o r t a n t o , a luta d e classes, q u e é a expressão social d a c o n t r a d i ç ã o , no d o m í n i o e c o n ó m i c o . 28

entre o m o d o de p r o d u ç ã o e a a p r o p r i a ç ã o privada d o s m e i o s d e p r o d u ç ã o ; a t e r c e i r a e m q u e , a partir d u m d a d o n í v e l das forças produtivas, se t o r n a possível e se realiza a liquidação d a a p r o p r i a ção privada d o s m e i o s d e p r o d u ç ã o , a e l i m i n a ç ã o d o f e n ó m e n o classe e, p o r t a n t o , d a luta d e classes, e se d e s e n c a d e i a m novas e ignoradas forças n o processo histórico d o c o n j u n t o sócio-econômico. A primeira fase corresponderia, e m linguagem p o l í t i c o - e c o -

nômica, à socieda'de agropecuária c o m u n i t á r i a , em que a estrutura social é horizontal, sem Estado; a segunda, às sociedades agráii.is (feudal o u a s s i m i l a d a e agro-industrial b u r g u e s a ) , em que a

estrutura social se desenvolve na vertical, c o m Estado; a terceira, às sociedades socialistas e comunistas em que a economia é predominantemente, senão exclusivamente, industrial (porque a própria a g r i c u l t u r a passa a ser u m a indústria) em que o Estado

tende progressivamente para o desaparecimento ou desaparece, e em que a estrutura social volta a desenvolver-se na horizontal, a um nível superior de forças pj^dutivas, de relações sociais e de apreciação dos valores humanosT~J A o nível da h u m a n i d a d e o u d e p a r c e l a s d a h u m a n i d a d e (agrupamentos h u m a n o s d u m a m e s m a região o u d e u m o u m a i s c o n t i n e n t e s ) , essas três fases ( o u d u a s delas) p o d e m ser c o n c o m i tantes, c o m o o p r o v a m t a n t o a realidade a t u a l c o m o o passado. Isso resulta d o d e s e n v o l v i m e n t o desigual d a s s o c i e d a d e s h u m a n a s , quer p o r razões internas q u e r p e l a i n f l u ê n c i a a c e l e r a d o r a o u retardadora de a l g u m o u alguns f a t o r e s e x t e r n o s s o b r e a s u a e v o l u ção. P o r o u t r o lado, no p r o c e s s o histórico d u m d a d o c o n j u n t o sóc i o - e c o n ô m i c o , cada u m a d a s fases referidas c o n t é m , a partir d e u m certo n í v e l de t r a n s f o r m a ç ã o , o s g e r m e n s d a fase seguinte. D e v e m o s n o t a r t a m b é m q u e , n a fase a t u a l d a v i d a d a h u m a nidade e para u m d a d o c o n j u n t o s o c i o e c o n ó m i c o , n ã o é indispensável a sucessão no t e m p o das três fases c a r a c t e r i z a d a s . Q u a l quer q u e seja o n í v e l a t u a l d a s suas forças p r o d u t i v a s e d a estrutura social q u e a c a r a c t e r i z a , u m a s o c i e d a d e p o d e avançar rapidam e n t e , através de e t a p a s definidas e a d e q u a d a s às realidades c o n cretas locais (históricas e h u m a n a s ) , para u m a fase s u p e r i o r d e existência. T a l avanço d e p e n d e das p o s s i b i l i d a d e s c o n c r e t a s d e desenvolver a s suas forças p r o d u t i v a s e é c o n d i c i o n a d o p r i n c i p a l m e n t e pela n a t u r e z a d o p o d e r p o l í t i c o q u e dirige essa s o c i e d a de, q u e r d i z e r , pelo t i p o d e E s t a d o o u , se q u i s e r m o s , pela n a t u reza d a classe o u classes d o m i n a n t e s no seio dessa s o c i e d a d e . U m a análise mais p o r m e n o r i z a d a mostrar-nos-ia q u e a possibilidade d u m tal salto no processo histórico resulta f u n d a m e n t a l m e n t e , n o plano e c o n ó m i c o , da f o r ç a d o s m e i o s de q u e o h o m e m 29

p o d e d i s p o r na a t u a l i d a d e para d o m i n a r a n a t u r e z a e , n o p l a n o p o l í t i c o , deste a c o n t e c i m e n t o n o v o q u e t r a n s f o r m o u radicalm e n t e a f a c e do m u n d o e a m a r c h a da história — a criação dos Estados socialistas. V e m o s , p o r t a n t o , q u e os nossos p o v o s , sejam quais f o r e m o s seus estágios d e d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ó m i c o , t ê m a sua p r ó p r i a história. A o s e r e m s u b m e t i d o s à d o m i n a ç ã o i m p e r i a l i s t a , o processo histórico d e c a d a u m d o s nossos povos (ou o d o s agrupam e n t o s h u m a n o s q u e c o n s t i t u e m c a d a u m deles) f o i s u j e i t o à ação violenta d u m f a t o r e x t e r i o r . E s s a ação — o i m p a c t o d o imped i m e n t o sobre as nossas s o c i e d a d e s — n ã o p o d i a d e i x a r d e influenciar o p r o c e s s o d e d e s e n v o l v i m e n t o das forças p r o d u t i v a s dos nossos países e as e s t r u t u r a s sociais d o s n o s s o s p o v o s , a s s i m c o m o o c o n t e ú d o e a f o r m a d a s nossas lutas d e libertação n a c i o n a l . Mas v e m o s t a m b é m q u e , n o c o n t e x t o histórico e m q u e se d e s e n v o l v e m essas lutas, e x i s t e para o s nossos p o v o s a possibilid a d e c o n c r e t a d e passarem d a situação d e e x p l o r a ç ã o e de subdes e n v o l v i m e n t o e m q u e se e n c o n t r a m , para u m a n o v a fase d o seu processo histórico, a q u a l p o d e c o n d u z i - l o s a u m a f o r m a s u p e r i o r d e existência e c o n ó m i c a , social e c u l t u r a l . O IMPERIALISMO O relatório p o l í t i c o e l a b o r a d o pelo C o m i t é I n t e r n a c i o n a l Preparatório desta C o n f e r ê n c i a , ao q u a l r e a f i r m a m o s o nosso i n t e i r o a p o i o , s i t u o u , de m a n e i r a clara e n u m a análise s u c i n t a , o i m p e r i a l i s m o n o seu c o n t e x t o e c o n ó m i c o e nas suas c o o r d e n a d a s históricas. N ã o v a m o s a q u i repetir o q u e já foi d i t o perante esta A s s e m b l e i a . D i r e m o s apenas q u e o i m p e r i a l i s m o pode ser definid o c o m o a expressão m u n d i a l d a p r o c u r a g a n a n c i o s a e da o b t e n ção d e c a d a vez m a i o r e s mais-valias pelo capital m o n o p o l i s t a e f i n a n c e i r o , a c u m u l a d o e m d u a s regiões d o m u n d o : primeiro n a E u r o p a e , m a i s t a r d e , na A m é r i c a d o N o r t e . E , se q u e r e m o s situar o f a t o i m p e r i a l i s t a na t r a j e t ó r i a geral d a e v o l u ç ã o d e s t e f a t o r transcendente que modificou a face d o m u n d o — o capital e os processos d a s u a a c u m u l a ç ã o — p o d e r í a m o s d i z e r q u e o imperialismo é a pirataria t r a n s p l a n t a d a d o s mares para a terra f i r m e , reorganizada, c o n s o l i d a d a e adaptada ao o b j e t i v o d a espoliação dos recursos materiais e h u m a n o s d o s nossos p o v o s . Mas se form o s c a p a z e s d e analisar c o m serenidade o f e n ó m e n o i m p e r i a l i s t a , não e s c a n d a l i z a r e m o s n i n g u é m a o t e r m o s d e r e c o n h e c e r q u e o i m p e r i a l i s m o — q u e t u d o m o s t r a ser na realidade a fase ú l t i m a d a evolução d o c a p i t a l i s m o — foi u m a necessidade d a história, u m a consequência d o d e s e n v o l v i m e n t o das forças p r o d u t i v a s e das

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transformações d o m o d o d e p r o d u ç ã o , n o â m b i t o geral d a h u m a n i d a d e , c o n s i d e r a d a c o m o u m t o d o e m m o v i m e n t o . U m a necessid a d e , c o m o o são n o presente a libertação n a c i o n a l d o s p o v o s , a destruição d o c a p i t a l i s m o e o a d v e n t o d o s o c i a l i s m o . O q u e importa a o s nossos p o v o s é saber se d i m p e r i a l i s m o , na s u a c o n d i ç ã o d e c a p i t a l e m a ç ã o , c u m p r i u o u n ã o n o s nossos países a missão histórica reservada a e s t e : aceleração d o p r o c e s s o do d e s e n v o l v i m e n t o d a s forças p r o d u t i v a s e t r a n s f o r m a ç ã o , n o sentido da c o m p l e x i d a d e , d a s características d o m o d o d e p r o d u ç ã o ; a p r o f u n d a m e n t o d a d i f e r e n c i a ç ã o d a s classes c o m o desenv o l v i m e n t o d a burguesia e intensificação d a luta d e classes; a u m e n t o significativo d o s t a n d a r d geral m é d i o d o n í v e l d e v i d a econ ó m i c a , social e c u l t u r a l das populações. Interessa a l é m disso averiguar q u a i s a s influências o u e f e i t o s d a ação imperialista sobre as estruturas sociais e o p r o c e s s o histórico d o s nossos p o v o s . N ã o v a m o s f a z e r a q u i o b a l a n ç o c o n d e n a t ó r i o nem a elegia d o i m p e r i a l i s m o , m a s d i r e m o s a p e n a s q u e , q u e r no plano económ i c o , q u e r n o s p l a n o s social e c u l t u r a l , o c a p i t a l imperialista f i c o u longe d e c u m p r i r n o s nossos países a missão histórica des e m p e n h a d a p e l o c a p i t a l n o s países d e a c u m u l a ç ã o . Isso i m p l i c a q u e , s e , p o r u m l a d o , o c a p i t a l imperialista teve na grande m a i o r i a d o s países d o m i n a d o s a s i m p l e s f u n ç ã o d e m u l t i p l i c a d o r d e maisvalias, c o n s t a t a - s e , por o u t r o l a d o , q u e a c a p a c i d a d e histórica do c a p i t a l ( c o m o a c e l e r a d o r i n d e s t r u t í v e l d o processo de desenvolv i m e n t o das forças p r o d u t i v a s ) está e s t r i t a m e n t e d e p e n d e n t e da s u a liberdade, q u e r d i z e r , do grau de independência c o m q u e é u t i l i z a d o . D e v e m o s , n o e n t a n t o , r e c o n h e c e r q u e e m alguns casos o capital imperialista o u c a p i t a l i s m o m o r i b u n d o t e v e interesse, f o r ç a e t e m p o bastante p a r a , a l é m de e d i f i c a r c i d a d e s , a u m e n t a r o n í v e l das forças p r o d u t i v a s , p e r m i t i r a u m a m i n o r i a d a p o p u lação nativa u m standard de vida m e l h o r o u a t é privilegiado, c o n t r i b u i n d o a s s i m , e m p r o c e s s o q u e alguns c h a m a r i a m dialéti c o , para o a p r o f u n d a m e n t o das contradições n o seio d a s sociedades e m causa. N o u t r o s casos a i n d a , m a i s r a r o s , h o u v e a possibilid a d e de a c u m u l a ç ã o d o c a p i t a l , d a n d o lugar a o d e s e n v o l v i m e n t o d u m a burguesia l o c a l . N o q u e se refere a o s e f e i t o s d a d o m i n a ç ã o i m p e r i a l i s t a s o b r e a e s t r u t u r a social e o p r o c e s s o histórico d o s n o s s o s p o v o s , c o n v é m averiguar e m p r i m e i r o lugar q u a i s são as f o r m a s gerais de dom i n a ç ã o , d o i m p e r i a l i s m o . E l a s são p e l o m e n o s d u a s : 1 ? ) D o m i n a ç ã o direta - p o r m e i o de u m p o d e r p o l í t i c o integrado por agentes estrangeiros ao povo d o m i n a d o (forças a r m a d a s , p o l í c i a , agentes d a a d m i n i s t r a ç ã o e c o l o n o s ) — à q u a l se c o n v e n c i o n o u c h a m a r colonialismo clássico o u colonialismo. 31

2 ? ) D o m i n a ç ã o indireta — por meio d u m p o d e r p o l í t i c o integrado na s u a maioria ou na t o t a l i d a d e p o r agentes nativos — à q u a l se c o n v e n c i o n o u c h a m a r neocolonialismo. No p r i m e i r o c a s o , a estrutura social d o povo d o m i n a d o , seja q u a l for a etapa e m q u e se e n c o n t r a , pode sofrer os seguintes efeitos: a) destruição c o m p l e t a , a c o m p a n h a d a e m geral d a liquidação i m e d i a t a o u progressiva d a p o p u l a ç ã o a u t ó c t o n e e c o n s e q u e n te substituição desta por u m a p o p u l a ç ã o e x ó t i c a ; b) destruição p a r c i a l , e m geral a c o m p a n h a d a da fixação mais o u m e n o s v o l u m o s a de u m a população e x ó t i c a ; c) conservação aparente, c o n d i c i o n a d a pela c o n f i n a ç ã o d a sociedade a u t ó c t o n e a áreas ou reservas próprias e geralmente desprovidas d e possibilidades d e v i d a , a c o m p a n h a d a d a i m p l a n t a ção massiva d e u m a p o p u l a ç ã o e x ó t i c a . O s d o i s ú l t i m o s c a s o s , q u e são os q u e interessa c o n s i d e r a r no q u a d r o da p r o b l e m á t i c a d a libertação n a c i o n a l , estão b e m representados e m Á f r i c a . Pode-se a f i r m a r q u e , em q u a l q u e r deles, o efeito principal p r o v o c a d o pelo i m p a c t o d o i m p e r i a l i s m o n o processo histórico d o p o v o d o m i n a d o é a paralisia, a estagnação ( m e s m o , e m alguns c a s o s , a regressão) desse processo. E s s a paralisia não é, no e n t a n t o , c o m p l e t a . N u m ou n o u t r o setor do c o n j u n t o s o c i o e c o n ó m i c o e m causa p o d e m operar-se transformações sensíveis, quer m o t i v a d a s pela permanência d a ação d e alguns f a t o r e s i n t e r n o s ( l o c a i s ) , q u e r r e s u l t a n t e s d a ação de n o v o s fatores i n t r o d u z i d o s pela d o m i n a ç ã o c o l o n i a l , tais c o m o o c i c l o d a m o e d a e o d e s e n v o l v i m e n t o das concentrações urbanas. E n t r e essas transformações, c o n v é m referir a perda progressiva, e m certos casos, do prestígio das classes o u c a m a d a s dirigentes nativas, o ê x o d o , f o r ç a d o o u v o l u n t á r i o , d u m a parte da p o p u l a ç ã o c a m ponesa para os c e n t r o s u r b a n o s , c o m c o n s e q u e n t e desenvolvim e n t o d e novas c a m a d a s s o c i a i s : t r a b a l h a d o r e s assalariados, e m » pregados d o E s t a d o , d o c o m é r c i o e profissões liberais, e u m a c a mada instável d o s sem t r a b a l h o . No c a m p o , surge c o m intensid a d e m u i t o variada e sempre ligada ao meio u r b a n o , u m a c a m a da c o n s t i t u í d a por p e q u e n o s proprietários agrícolas. No caso d o c h a m a d o n e o c o l o n i a l i s m o , q u e r a m a i o r i a d a população c o l o n i z a d a seja a u t ó c t o n e , q u e r ela seja o r i g i n a r i a m e n t e e x ó t i c a , a ação imperialista orienta-se no s e n t i d o da criação d u m a burguesia o u pseudo-burguesia l o c a l , e n f e u d a d a à classe dirigente do país dominador. A s t r a n s f o r m a ç õ e s na e s t r u t u r a social não são t ã o p r o f u n das nas c a m a d a s inferiores, s o b r e t u d o n o c a m p o , o n d e ela conserva p r e d o m i n a n t e m e n t e as características d a fase c o l o n i a l , m a s a 32

criação d u m a p s e u d o - b u r g u e s i a n a t i v a , q u e e m geral se desenvolve a partir de u m a p e q u e n a burguesia b u r o c r á t i c a e d o s i n t e r m e d i á rios do c i c l o das m e r c a d o r i a s ( c o m p r a d o r e s ) , a c e n t u a a d i f e r e n ciação das c a m a d a s s o c i a i s , a b r e , pelo reforço da atividade econ ó m i c a de e l e m e n t o s nativos, novas perspectivas à d i n â m i c a soc i a l , n o m e a d a m e n t e c o m o d e s e n v o l v i m e n t o progressivo d u m a classe operária c i t a d i n a e a instalação d e p r o p r i e d a d e s agrícolas privadas, q u e d ã o lugar, a p o u c o e p o u c o , ao a p a r e c i m e n t o d u m proletariado a g r í c o l a . E s s a s t r a n s f o r m a ç õ e s m a i s o u m e n o s sensíveis d a e s t r u t u r a s o c i a l , d e t e r m i n a d a s aliás por u m a u m e n t o signif i c a t i v o d o n í v e l das forças p r o d u t i v a s , t e m influência direta no p r o c e s s o histórico d o c o n j u n t o sócio-econômico e m c a u s a . E n q u a n t o no c o l o n i a l i s m o clássico esse p r o c e s s o é p a r a l i s a d o , a d o m i n a ç ã o n e o c o l o n i a l i s t a , p e r m i t i n d o o despertar d a d i n â m i c a social — d o s c o n f l i t o s de interesse entre as c a m a d a s sociais nativas o u da luta de classes — cria a ilusão de que o processo histórico volta à s u a evolução n o r m a l . Essa ilusão é reforçada pela existência d u m p o d e r p o l í t i c o ( E s t a d o n a c i o n a l ) , integrado por e l e m e n t o s n a t i v o s . A p e n a s u m a ilusão, p o r q u e , na realidade, o e n f e u d a m e n t o da classe " d i r i g e n t e " nativa à classe dirigente d o país d o m i n a d o r , limita o u inibe o p l e n o d e s e n v o l v i m e n t o das forças p r o d u t i v a s n a c i o n a i s . Mas, nas condições c o n c r e t a s da e c o n o mia m u n d i a l d o nosso t e m p o , esse e n f e u d a m e n t o é u m a fatalidad e , e, p o r t a n t o , a p s e u d o - b u r g u e s i a n a t i v a , seja q u a l for o seu grau d e n a c i o n a l i s m o , não p o d e d e s e m p e n h a r e f e t i v a m e n t e a função histórica q u e c a b e r i a a essa classe, não p o d e o r i e n t a r livremente o d e s e n v o l v i m e n t o das forças p r o d u t i v a s , e m s u m a , não p o d e ser u m a burguesia nacional. O r a , c o m o se v i u , as forças prod u t i v a s são o m o t o r da história, e a liberdade t o t a l do processo d o s e u d e s e n v o l v i m e n t o é a c o n d i ç ã o indispensável para o p l e n o f u n c i o n a m e n t o desse m o t o r . Vê-se, p o r t a n t o , q u e t a n t o no c o l o n i a l i s m o c o m o n o neocol o n i a l i s m o , p e r m a n e c e a característica essencial d e d o m i n a ç ã o imperialista — a negação d o p r o c e s s o histórico d o povo d o m i n a d o , p o r meio da usurpação v i o l e n t a da liberdade do p r o c e s s o de des e n v o l v i m e n t o das forças p r o d u t i v a s nacionais. E s s a constatação, q u e i d e n t i f i c a , na s u a essência, a s d u a s f o r m a s a p a r e n t e s d a d o m i nação i m p e r i a l i s t a , p a r e c e - n o s ser d e i m p o r t â n c i a p r i m o r d i a l para o p e n s a m e n t o e a ação d o s m o v i m e n t o s de libertação n a c i o n a l , t a n t o no d e c o r r e r da luta c o m o após a c o n q u i s t a d a i n d e p e n d ê n c i a . C o m base no q u e f i c a d i t o , p o d e m o s a f i r m a r q u e a libertação n a c i o n a l é o f e n ó m e n o q u e c o n s i s t e e m u m c o n j u n t o sóc i o - e c o n ô m i c o negar a negação d o s e u processo histórico. E m o u tros termos, a libertação nacional d u m povo é a reconquista da 33

personalidade histórica desse p o v o , é o seu regresso à história, pela destruição d a d o m i n a ç ã o imperialista a q u e esteve s u j e i t o . O r a v i m o s q u e a característica p r i n c i p a l e p e r m a n e n t e d a dom i n a ç ã o imperialista, q u a l q u e r q u e seja a sua f o r m a , é a usurpação pela violência d a liberdade d o p r o c e s s o d e d e s e n v o l v i m e n t o das forças p r o d u t i v a s do c o n j u n t o s o c i o e c o n ó m i c o d o m i n a d o . V i m o s t a m b é m q u e é essa liberdade e só ela q u e garante a normalização d o processo histórico d u m p o v o . P o d e m o s p o r t a n t o c o n c l u i r q u e há libertação n a c i o n a l q u a n d o e só q u a n d o as forças p r o d u t i v a s nacionais são c o m p l e t a m e n t e libertadas d e toda e q u a l q u e r espécie d e d o m i n a ç ã o estrangeira. C o s t u m a - s e dizer q u e a libertação n a c i o n a l se f u n d a m e n t a no direito, c o m u m a todos os povos, de dispor livremente d o seu destino e q u e o o b j e t i v o dessa libertação é a o b t e n ç ã o da independência n a c i o n a l . E m b o r a e s t e j a m o s de a c o r d o c o m essa m a neira vaga e s u b j e t i v a d e e x p r i m i r u m a realidade c o m p l e x a , pref e r i m o s ser objetivos. Para nós, o f u n d a m e n t o da libertação nac i o n a l , sejam quais f o r e m as f o r m u l a ç õ e s a d o t a d a s no plano j u r í d i c o i n t e r n a c i o n a l , reside n o direito inalienável de cada povo a ter a s u a p r ó p r i a história: e o o b j e t i v o da libertação nacional é a r e c o n q u i s t a desse direito u s u r p a d o pelo i m p e r i a l i s m o , isto é, a libertação d o processo de d e s e n v o l v i m e n t o das forças p r o d u t i v a s nacionais. P o r isso, e m nossa o p i n i ã o , q u a l q u e r m o v i m e n t o d e libertação n a c i o n a l q u e não t e m e m consideração esse f u n d a m e n t o e esse o b j e t i v o , pode lutar c o n t r a o i m p e r i a l i s m o , mas não estará seguramente l u t a n d o pela libertação n a c i o n a l . Isso i m p l i c a q u e , t e n d o e m c o n t a as características essenciais d a e c o n o m i a m u n d i a l do. nosso t e m p o , assim c o m o as experiências já vividas no d o m í n i o da luta anti imperialista, o aspecto p r i n c i p a l da luta de libertação n a c i o n a l é a luta c o n t r a o q u e se c o n v e n c i o n o u c h a m a r n e o c o l o n i a l i s m o . Por o u t r o lado, se c o n s i d e r a r m o s que a libertação n a c i o n a l exige u m a m u t a ç ã o profunda no p r o c e s s o de d e s e n v o l v i m e n t o das forças produtivas, vem o s q u e o f e n ó m e n o d a libertação n a c i o n a l c o r r e s p o n d e necessariamente a u m a revolução. O q u e i m p o r t a é ter consciência das condições o b j e t i v a s e subjetivas e m q u e se o p e r a essa revolução, e quais as f o r m a s o u a f o r m a d e luta m a i s a d e q u a d a para a s u a efetivação. N ã o v a m o s repetir a q u i q u e essas condições são f r a n c a m e n t e favoráveis na presente etapa d a história da h u m a n i d a d e . Q u e r e m o s a p e n a s l e m b r a r q u e e x i s t e m t a m b é m fatores desfavoráveis, t a n t o n o p l a n o i n t e r n a c i o n a l c o m o n o p l a n o interno d e c a d a nação e m luta pela s u a libertação. 34

No p l a n o i n t e r n a c i o n a l , parece-nos que pelo m e n o s o s seguintes f a t o r e s são desfavoráveis ao m o v i m e n t o de libertação nac i o n a l : a situação n e o c o l o n i a l d u m grande n ú m e r o de E s t a d o s q u e c o n q u i s t a r a m a independência p o l í t i c a , v i n d o a j u n t a r - s e a o u t r o s q u e já viviam nessa situação; o s progressos realizados pelo n e o c o l o n i a l i s m o , n o m e a d a m e n t e na E u r o p a , o n d e o imperialism o , c o m r e c u r s o a i n v e s t i m e n t o s p r e f e r e n c i a i s , incentiva o desenv o l v i m e n t o d u m p r o l e t a r i a d o privilegiado c o m c o n s e q u e n t e abaix a m e n t o d o n í v e l r e v o l u c i o n á r i o das classes t r a b a l h a d o r a s ; a sit u a ç ã o n e o c o l o n i a l , evidente ou e n c o b e r t a , de alguns E s t a d o s e u r o p e u s q u e , c o m o P o r t u g a l , t ê m a i n d a colónias; a c h a m a d a pol í t i c a de " a j u d a " a o s países s u b d e s e n v o l v i d o s p r a t i c a d a pelo imperialismo c o m o o b j e t i v o de criar o u reforçar pseudo-burguesias nativas, n e c e s s a r i a m e n t e e n f e u d a d a s à burguesia i n t e r n a c i o n a l , e de barrar assim o c a m i n h o à r e v o l u ç ã o ; a c l a u s t r o f o b i a e a timidez revolucionária q u e levam alguns E s t a d o s r e c e n t e m e n t e independentes, d i s p o n d o de condições económicas e políticas interiores favoráveis à r e v o l u ç ã o , a a c e i t a r e m c o m p r o m i s s o s c o m o inimigo o u c o m o s seus agentes; as contradições c r e s c e n t e s e n t r e E s t a d o s anti-imperialistas e, f i n a l m e n t e , as ameaças, por parte do imperialismo, à paz mundial, face à perspectiva d u m a guerra atóm i c a . E s s e s fatores c o n c o r r e m para reforçar a ação d o i m p e r i a lismo c o n t r a o m o v i m e n t o de libertação n a c i o n a l . S e a intervenção repetida e a agressividade c r e s c e n t e d o i m p e r i a l i s m o c o n t r a o s p o v o s p o d e m ser interpretadas c o m o u m sinal de desespero d i a n t e d a a m p l i d ã o d o m o v i m e n t o d e libertação n a c i o n a l , justíficam-se, e m certa m e d i d a , pelas d e b i l i d a d e s criadas por esses fatores desfavoráveis na f r e n t e geral d a luta anti imperialista. No p l a n o i n t e r n o , parece-nos q u e a f r a q u e z a o u os fatores desfavoráveis m a i s significativos residem na e s t r u t u r a e c o n ô m i co-social e nas tendências da sua evolução sob a pressão imperialista, o u m e l h o r , na p e q u e n a ou nula atenção d a d a às características dessa estrutura e tendências pelos m o v i m e n t o s de libertação nacional na elaboração das suas estratégias d e luta. E s t e p o n t o d e vista não p r e t e n d e d i m i n u i r a i m p o r t â n c i a d e o u t r o s fatores internos desfavoráveis à libertação n a c i o n a l , tais como o subdesenvolvimento económico, c o m consequente atraso social e c u l t u r a l das massas p o p u l a r e s , o t r i b a l i s m o e o u t r a s c o n tradições m e n o r e s . C o n v é m no e n t a n t o notar q u e a existência de t r i b o s só se m a n i f e s t a c o m o u m a c o n t r a d i ç ã o significativa e m função de atitudes o p o r t u n i s t a s (geralmente p r o v e n i e n t e s d e i n d i v í d u o s o u grupos d e s t r i b a l i z a d o s ) no seio do m o v i m e n t o de libertação n a c i o n a l . A s contradições entre classes, m e s m o q u a n d o estas

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são e m b r i o n á r i a s , são b e m mais i m p o r t a n t e s d o que as c o n t r a d i ções entre tribos. E m b o r a a situação c o l o n i a l e a n e o c o l o n i a l sejam idênticas na s u a essência, e o a s p e c t o p r i n c i p a l da luta c o n t r a o imperialism o seja o n e o c o l o n i a l i s t a , parece-nos indispensável distinguir, na prática, essas d u a s situações. C o m e f e i t o , a estrutura h o r i z o n t a l , a i n d a q u e mais o u m e n o s d i f e r e n c i a d a , d a s o c i e d a d e nativa, e a ausência d u m poder p o l í t i c o integrado por e l e m e n t o s n a c i o n a i s , p o s s i b i l i t a m , na situação c o l o n i a l , a criação d u m a a m p l a f r e n t e de u n i d a d e e de l u t a , aliás indispensável, para o sucesso do m o v i m e n to de libertação n a c i o n a l . Mas essa possibilidade não dispensa a análise rigorosa da e s t r u t u r a social indígena, das tendências da sua evolução e a a d o ç ã o , na prática, de m e d i d a s a d e q u a d a s para garantir u m a verdadeira libertação n a c i o n a l . E n t r e essas medidas, e m b o r a a d m i t a m o s que c a d a u m sabe m e l h o r o q u e deve fazer e m sua casa, parece-nos ser indispensável a criação d u m a vanguarda s o l i d a m e n t e u n i d a e c o n s c i e n t e d o verdadeiro significado e o b j e t i v o da luta d e libertação n a c i o n a l , q u e deve por ela ser dirigida. E s t a necessidade t e m t a n t o m a i o r a c u i d a d e q u a n t o é certo q u e , salvo e m raras exceções, a situação c o l o n i a l não permite n e m s o l i c i t a a existência significativa de classes de vanguarda (classe operária c o n s c i e n t e de si a p r o l e t a r i a d o rural) q u e p o d e r i a m garantir a vigilância das massas p o p u l a r e s sobre a evolução do movim e n t o de libertação. C o n t r a r i a m e n t e , o caráter geralmente e m b r i o n á r i o das classes t r a b a l h a d o r a s e a situação e c o n ó m i c a , social e c u l t u r a l da f o r ç a física maior d a luta de libertação nacional — o s c a m p o n e s e s — não p e r m i t e m a estas d u a s forças principais dessa luta distinguir de per si a verdadeira independência nacional da f i c t í c i a independência p o l í t i c a . Só u m a vanguarda revolucionária, geralmente u m a m i n o r i a ativa, pode c o n s c i e n t i z a r ab initio essa diferença e levá-la, através da luta, à consciência das massas populares. Isso e x p l i c a o caráter f u n d a m e n t a l m e n t e p o l í t i c o da luta de libertação nacional e d á , em certa m e d i d a , a importância da f o r m a de luta no d e s f e c h o final do f e n ó m e n o da libertação n a c i o n a l . Já na situação n e o c o l o n i a l , a estruturação, mais ou m e n o s a c e n t u a d a , da s o c i e d a d e nativa na vertical, e a existência d u m poder p o l í t i c o integrado por e l e m e n t o s nativos - E s t a d o nacional — agravam as contradições no seio dessa s o c i e d a d e e t o r n a m d i f í c i l , se não impossível, a criação d u m a frente u n i d a tão a m p l a c o m o no caso c o l o n i a l . Por u m l a d o , o s efeitos materiais (principalmente a nacionalização d o s q u a d r o s e o a u m e n t o da iniciativa e c o n ó m i c a do n a t i v o , e m particular no plano c o m e r c i a l ) e psí36

q u i c o s (orgulho d e se julgar d i r i g i d o pelos p r ó p r i o s c o m p a t r i o t a s , e x p l o r a ç ã o da solidariedade de o r d e m religiosa o u tribal e n t r e alguns dirigentes e u m a f r a ç ã o das massas populares) c o n t r i b u e m para d e s m o r a l i z a r u m a parte considerável das forças nacionalist a s Q / l a s , por o u t r o lado, o caráter n e c e s s a r i a m e n t e repressivo do E s t a d o n e o c o l o n i a l c o n t r a as forças de libertação n a c i o n a l , o agravamento das contradições de classe, a p e r m a n ê n c i a objetiva de agentes e de sinais de d o m i n a ç ã o estrangeira ( c o l o n o s q u e c o n servam o s seus privilégios, forças a r m a d a s , discriminação r a c i a l ) , a c r e s c e n t e pauperização do c a m p e s i n a t o e a influência mais o u m e n o s n o t ó r i a de fatores e x t e r i o r e s , c o n t r i b u e m para m a n t e r acesa a c h a m a do n a c i o n a l i s m o , c o n s c i e n t i z a r progressivamente largas c a m a d a s p o p u l a c i o n a i s e reunir, p r e c i s a m e n t e c o m base na consciência da frustração n e o c o l o n i a l i s t a , a m a i o r i a da população em t o r n o do ideal da libertação n a c i o n a l ^ A l é m d i s s o , e n q u a n t o a classe dirigente nativa se " e m b u r g u e s a " c a d a vez m a i s , o d e s e n v o l v i m e n t o d u m a classe trabalhadora integrada por operários c i t a d i n o s e por proletários agrícolas — t o d o s e x p l o r a d o s pela d o m i n a ç ã o indireta do i m p e r i a l i s m o , a b r e perspectivas novas à evolução da libertação n a c i o n a l . Essa classe t r a b a l h a d o r a , q u a l q u e r q u e seja o grau d e d e s e n v o l v i m e n t o da sua consciência p o l í t i c a (para a l é m d u m l i m i t e m í n i m o q u e é a consciência das suas necessidades), parece c o n s t i t u i r a verdadeira vanguarda da luta d e libertação nacional no caso n e o c o lonial. EJa não p o d e r á , n o e n t a n t o , realizar c o m p l e t a m e n t e a sua missão n o q u a d r o dessa luta (que não a c a b a c o m a c o n q u i s t a d a independência) se não se aliar s o l i d a m e n t e c o m as o u t r a s c a madas e x p l o r a d a s : o s c a m p o n e s e s e m geral (servos, r e n d e i r o s , parceiros, p e q u e n o s proprietários agrícolas) e a p e q u e n a burguesia nacionalista. A realização dessa aliança exige a m o b i l i z a ç ã o e a organização das forças nacionalistas no q u a d r o (ou pela ação) d u m a organização p o l í t i c a forte e b e m e s t r u t u r a d a . O u t r a distinção i m p o r t a n t e a f a z e r entre a situação c o l o n i a l e a n e o c o l o n i a l reside nas perspectivas d a luta. O caso c o l o n i a l (em q u e a nação classe se bate c o n t r a as forças de repressão da burguesia d o país c o l o n i z a d o r ) p o d e c o n d u z i r , pelo m e n o s apar e n t e m e n t e , a u m a solução n a c i o n a l i s t a (revolução n a c i o n a l ) : — a nação c o n q u i s t a a s u a independência e a d o t a , e m hipótese, a estrutura e c o n ó m i c a q u e b e m lhe apetece. O caso n e o c o l o n i a l (em q u e as classes t r a b a l h a d o r a s e o s seus a l i a d o s se b a t e m sim u l t a n e a m e n t e c o n t r a a burguesia imperialista e a classe dirigente nativa) não é resolvido através u m a solução n a c i o n a l i s t a ; exige a destruição da estrutura c a p i t a l i s t a i m p l a n t a d a pelo 37

i m p e r i a l i s m o no solo n a c i o n a l e p o s t u l a , j u s t a m e n t e , u m a solução socialista. E s t a distinção resulta p r i n c i p a l m e n t e d a diferença d o s níveis das forças p r o d u t i v a s nos dois casos e do c o n s e q u e n t e a p r o f u n d a m e n t o da luta de classes. N ã o seria d i f í c i l d e m o n s t r a r q u e , no t e m p o , essa distinção é apenas a p a r e n t e . Basta lembrar q u e , nas condições históricas atuais — liquidação do i m p e r i a l i s m o q u e lança m ã o de t o d o s os m e i o s para perpetuar a sua d o m i n a ç ã o sobre o s nossos p o v o s , e consolidação do s o c i a l i s m o sobre u m a parte considerável do globo - Ç f ó d u a s vias são possíveis para u m a nação i n d e p e n d e n t e : voltar à d o m i n a ç ã o imperialista ( n e o c o l o n i a l i s m o , c a p i t a l i s m o , c a p i t a l i s m o de E s t a d o ) ou adotar a via socialista. E s t a o p ç ã o , de q u e d e p e n d e a compensação dos esforços e sacrifícios pelas massas p o p u l a r e s no d e c u r s o da luta, é f o r t e m e n t e i n f l u e n c i a d a pela f o r m a de luta e. pelo grau de consciência revolucionária daqueles q u e a dirigem^)

O PAPEL DA

VIOLÊNCIA

O s fatos d i s p e n s a m - n o s de usar palavras para provar q u e o i n s t r u m e n t o essencial da d o m i n a ç ã o imperialista é a violência. S e a c e i t a r m o s o p r i n c í p i o de q u e a luta de libertação nacional é u m a revolução, e q u e ela não a c a b a no m o m e n t o e m q u e se iça a bandeira e se t o c a o h i n o n a c i o n a l , v e r e m o s q u e não há n e m pode haver libertação n a c i o n a l sem o uso da violência libertadora, por parte das forças n a c i o n a l i s t a s , para responder à violência c r i m i nosa d o s agentes do i m p e r i a l i s m o . N i n g u é m duvida de q u e , sejam quais f o r e m as suas características locais, a d o m i n a ç ã o imperialista i m p l i c a u m estado de p e r m a n e n t e violência c o n t r a as forças nacionalistas. N ã o há povo no m u n d o q u e , t e n d o sido s u b m e t i d o ao jugo imperialista (colonialista ou n e o c o l o n i a l i s t a ) tenha c o n istado a s u a independência ( n o m i n a l o u efetiva) sem v í t i m a s , q u e i m p o r t a é d e t e r m i n a r quais as f o r m a s de violência que vem ser utilizadas pelas forças de libertação n a c i o n a l , para não só r e s p o n d e r e m à violência d o i m p e r i a l i s m o m a s t a m b é m para gar a n t i r e m , através da luta, a vitória final da sua c a u s a , isto é, a verdadeira independência nacional?) A s experiências, passadas e r e c e n t e s , vividas por alguns p o v o s ; a situação atual da luta de libertação n a c i o n a l no m u n d o (em especial nos casos do V i e t n a m , d o C o n g o e do Z i m b a b w e ) , assim c o m o a própria situação de violência p e r m a n e n t e o u , q u a n d o m e n o s , de contradições e sobressaltos, e m q u e se e n c o n t r a m alguns países q u e c o n q u i s t a r a m a independência pela via



c h a m a d a p a c í f i c a , m o s t r a m - n o s q u e não só o s c o m p r o m i s s o s c o m o i m p e r i a l i s m o são c o n t r a p r o d u c e n t e s , m a s t a m b é m q u e a via n o r m a l da libertação n a c i o n a l , i m p o s t a a o s p o v o s pela repressão i m p e r i a l i s t a , kaJuta armada. C r e m o s q u e nao e s c a n d a l i z a r e m o s esta A s s e m b l e i a a o afirm a r m o s q u e a única via e f i c a z para a realização c a b a l e definitiva das aspirações d o s povos à libertação n a c i o n a l — é a luta arm a d a . E s t a é a grande lição q u e a história r e c e n t e e atual de libertação ensina a t o d o s a q u e l e s q u e estão v e r d a d e i r a m e n t e e m p e n h a d o s na libertação n a c i o n a l d o s seus p o v o s .

SOBRE A PEQUENA BURGUESIA E v i d e n t e m e n t e , t a n t o a eficácia dessa via c o m o a estabilidade d a situação a q u e ela c o n d u z , d e p o i s d a libertação, dep e n d e m não só das características da organização d a l u t a , m a s t a m b é m d a consciência p o l í t i c a e m o r a l d a q u e l e s q u e , por razões históricas, estão e m condições de ser o s h e r d e i r o s imediatos d o E s t a d o c o l o n i a l o u n e o c o l o n i a l . O r a o s fatos t ê m d e m o n s t r a d o q u e a única c a m a d a social c a p a z , t a n t o de c o n s c i e n c i a l i z a r e m p r i m e i r o lugar a realidade d a d o m i n a ç ã o imperialista, c o m o de m a n i p u l a r o aparelho d o E s t a d o , h e r d a d o dessa d o m i n a ç ã o , é a p e q u e n a burguesia nativa. S e t i v e r m o s e m c o n t a as características aleatórias, a c o m p l e x i d a d e e as tendências naturais inerentes à situação e c o n ó m i c a dessa c a m a d a social o u classe, v e m o s q u e esta fatalidade específica da nossa situação é mais u m a das f r a q u e z a s d o m o v i m e n t o d e libertação n a c i o n a l . A situação c o l o n i a l , q u e não c o n s e n t e o d e s e n v o l v i m e n t o d u m a pseudo-burguesia nativa e na q u a l as massas p o p u l a r e s não a t i n g e m , em geral, o necessário grau de consciência p o l í t i c a antes d o d e s e n c a d e a m e n t o d o f e n ó m e n o da libertação n a c i o n a l , dá à p e q u e n a burguesia a o p o r t u n i d a d e histórica de dirigir a luta c o n t r a a d o m i n a ç ã o estrangeira, e m v i r t u d e de ser, pela sua situação objetiva e subjetiva ( n í v e l d e vida s u p e r i o r ao das massas, c o n t a t o s mais f r e q u e n t e s c o m o s agentes d o c o l o n i a l i s m o , port a n t o , maior f r e q u ê n c i a d e h u m i l h a ç õ e s , m a i o r grau de instrução e d e c u l t u r a p o l í t i c a , etc.) a c a m a d a q u e mais c e d o realiza a c o n s ciência d a necessidade de se desembaraçar da d o m i n a ç ã o estrangeira. A s s u m e esta responsabilidade histórica o setor da p e q u e n a burguesia a q u e , n o c o n t e x t o c o l o n i a l , se p o d e r i a c h a m a r revolucionário, e n q u a n t o o s o u t r o s setores p e r m a n e c e m na hesitação característica dessa classe ou se aliam ao c o l o n i a l i s t a para defender, e m b o r a i l u s o r i a m e n t e , a s u a situação s o c i a l .

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A situação n e o c o l o n i a l , q u e p o s t u l a a liquidação da p s e u d o burguesia nativa para q u e se c o n s u m e a libertação n a c i o n a l , t a m b é m dá à p e q u e n a burguesia a o p o r t u n i d a d e de d e s e m p e n h a r u m papel de relevo — m e s m o d e c i s i v o — na luta pela liquidação estrangeira. M a s , neste c a s o , e m v i r t u d e d o s progressos relativos r e a l i z a d o s na e s t r u t u r a s o c i a l , a f u n ç ã o de direção d a luta é c o m partilhada e m m a i o r o u m e n o r g r a u , c o m o s setores mais esclar e c i d o s das classes t r a b a l h a d o r a s e a t é c o m alguns e l e m e n t o s d a pseudo-burguesia n a c i o n a l , d o m i n a d o s pelo s e n t i m e n t o patriót i c o . ^ papel do setor da pequena burguesia que participa na d i r e ç ã o da luta é tanto mais importante quanto é certo que, t a m b é m na situação neocolonial, ela está mais apta a assumir essas f u n ç õ e s , quer pelas l i m i t a ç õ e s e c o n ó m i c a s e culturais das massas trabalhadoras, quer pelos complexos e limitações de natureza ideológica que caracterizam o setor da pseudo-burguesia nacional que adere à luta. Neste caso ainda, importa salientar que a missão que lhe está confiada exige a esse setor da pequena burguesia uma maior c o n s c i ê n c i a r e v o l u c i o n á r i a , a capacidade de interpretar fielmente as aspirações das massas em cada fase da luta e de se identificar c o m elas cada vez mais^ Mas, p o r m a i o r q u e seja o grau de consciência revolucionária d o setor da p e q u e n a burguesia c h a m a d a a d e s e m p e n h a r essa f u n ção histórica, ela não pode libertar-se desta realidade objetiva: a pequena burguesia, como classe de serviços, quer dizer, não diretamente i n c l u í d a no processo da p r o d u ç ã o , não dispõe de bases e c o n ó m i c a s que lhe garantam a tomada do, poder. C o m e f e i t o , a história d e m o n s t r a q u e , q u a l q u e r q u e ^seja o papel (muitas vezes de i m p o r t â n c i a ) d e s e m p e n h a d o por i n d i v í d u o s originários da p e q u e n a burguesia n o p r o c e s s o d u m a r e v o l u ç ã o , essa classe n u n c a esteve na posse d o poder p o l í t i c o . E não poderia estar, p o r q u e o p o d e r p o l í t i c o (o E s t a d o ) se alicerça na c a p a c i d a d e e c o n ó m i c a d a classe dirigente e, nas condições da s o c i e d a d e c o lonial e n e o c o l o n i a l , essa c a p a c i d a d e está d e t i d a nas mãos de d u a s entidades: o c a p i t a l imperialista e as classes t r a b a l h a d o r a s nativas. Para manter o poder que a libertação nacional põe nas suas mãos, a pequena burguesia só tem um c a m i n h o : d e i x a r agir livremente as suas tendências naturais de emburguesamento, permitir o desenvolvimento duma burguesia b u r o c r á t i c a e de i n t e r m e d i á rios do ciclo das mercadorias, transformar-se em pseudo-burguesia nacional, isto é, negar a revolução e enfeudar-se necessariamente ao capital imperialista. O r a isso c o r r e s p o n d e à situação n e o c o l o n i a l , q u e r d i z e r , à traição d o s objetivos da libertação nac i o n a l . Para não trair esses objetivos, a pequena burguesia só tem u m c a m i n h o : reforçar a sua c o n s c i ê n c i a r e v o l u c i o n á r i a , repudiar

as tentações de e m b u r g u e s a m e n t o e as solicitações naturais da sua mentalidade d e classe, identificar-se c o m as classes trabalhadoras, não se opor ao d e s e n v o l v i m e n t o normal do processo da revolução. Isso significa q u e , para d e s e m p e n h a r c a b a l m e n t e o papel q u e lhe c a b e n a luta d e libertação n a c i o n a l , a pequena burguesia r e v o l u c i o n á r i a deve ser capaz de suicidar-se como classe, para ressuscitar n a c o n d i ç ã o d e t r a b a l h a d o r r e v o l u c i o n á r i o , i n t e i r a m e n t e i d e n t i f i c a d o c o m a s aspirações m a i s p r o f u n d a s d o povo a q u e p e r t e n c e . r^Essa alternativa — trair a revolução o u suicidar-se c o m o classe — constitui o dilema dajpequena burguesia no quadro geral da luta de libertação n a c i o n a í J A s u a solução p o s i t i v a , e m favor d a revolução, d e p e n d e d a q u i l o a q u e , a i n d a r e c e n t e m e n t e , F i d e l C a s t r o c h a m o u , c o m p r o p r i e d a d e , desenvolvimento da consciência revolucionária. E s s a dependência atrai n e c e s s a r i a m e n t e a nossa a t e n ç ã o sobre a c a p a c i d a d e d o dirigente d a luta de libertação n a c i o n a l de se m a n t e r fiel a o s p r i n c í p i o s e à c a u s a f u n d a m e n t a l dessa luta. Isso revela, e m c e r t a m e d i d a , q u e se a libertação nac i o n a l é e s s e n c i a l m e n t e u m p r o b l e m a p o l í t i c o , as condições d o seu d e s e n v o l v i m e n t o i m p r i m e m - l h e a l g u m a s características q u e são d o â m b i t o d a m o r a l . E s t a é a m o d e s t a c o n t r i b u i ç ã o q u e , e m n o m e das organizações n a c i o n a l i s t a s d o s países a f r i c a n o s a i n d a p a r c i a l m e n t e o u t o t a l m e n t e d o m i n a d o s pelo c o l o n i a l i s m o português, e n t e n d e m o s dever trazer a o debate geral desta A s s e m b l e i a . S o l i d a m e n t e unidos n o seio da nossa organização m u l t i n a c i o n a l — a C O N C P — e s t a m o s d e t e r m i n a d o s a m a n t e r - n o s fiéis aos interesses e às j u s t a s aspirações d o s nossos p o v o s , q u a i s q u e r q u e sejam as nossas origens nas s o c i e d a d e s a q u e p e r t e n c e m o s . A vigilância e m relação a essa f i d e l i d a d e é, aliás, u m d o s o b j e t i v o s p r i n c i p a i s da nossa organização, no interesse d o s nossos p o v o s , d a Á f r i c a e d a H u m a n i d a d e e m luta c o n t r a o i m p e r i a l i s m o . P o r isso nos b a t e m o s j á , de a r m a s nas mãos, c o n t r a as forças c o l o n i a l i s t a s p o r t u g u e s a s , e m A n g o l a , n a G u i n é e e m M o ç a m b i q u e , e e s t a m o s a preparar-nos para f a z e r o m e s m o e m C a b o V e r d e e e m S ã o T o m é e P r í n c i p e . Por isso d e d i c a m o s a maior a t e n ç ã o a o t r a b a l h o p o l í t i c o no seio dos nossos povos, m e l h o r a n d o e r e f o r ç a n d o c a d a dia as nossas organizações n a c i o n a i s , na direção d a s q u a i s se e n c o n t r a m representados t o d o s os setores da nossa s o c i e d a d e . P o r isso n o s mantem o s vigilantes c o n t r a nós m e s m o s e p r o c u r a m o s , na base d o c o n h e c i m e n t o c o n c r e t o d a s nossas forças e das nossas f r a q u e z a s , ref o r ç a r a q u e l a s e t r a n s f o r m a r estas e m forças, pelo d e s e n v o l v i m e n t o c o n s t a n t e da nossa consciência revolucionária. P o r isso e s t a m o s e m C u b a , presentes a esta C o n f e r ê n c i a . 41

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N ã o d a r e m o s vivas nem p r o c l a m a r e m o s a q u i a nossa solidariedade para c o m este o u aquele povo e m luta. A nossa presença é u m grito de condenação do i m p e r i a l i s m o e u m a prova dé solidariedade para c o m t o d o s o s povos que q u e r e m varrer das suas pá trias o jugo imperialista, e m particular c o m o heróico povo d o V i e t n a m . Mas c r e m o s f i r m e m e n t e q u e a m e l h o r prova q u e poder e m o s dar de que s o m o s c o n t r a o i m p e r i a l i s m o e a t i v a m e n t e solidários para c o m o s nossos c o m p a n h e i r o s , nesta luta c o m u m , c o n siste e m regressar aos nossos países, desenvolver c a d a dia mais a luta e m a n t e r m o - n o s fiéis a o s p r i n c í p i o s e objetivos da libertação nacional. F a z e m o s votos para q u e c a d a m o v i m e n t o de libertação nac i o n a l aqui presente possa, c o m a r m a s nas mãos, repetir no seu país, e m uníssono c o m o seu p o v o , o grito já legendário d o P o v o de C u b a : P A T R I A O M U E R T E . V E N C E R E M O S ! M o r t e para as forças imperialistas! Pátria livre, próspera e feliz para c a d a u m d o s nossos p o v o s ! VENCEREMOS!

I I . Uma luz fecunda ilumina o caminho da luta: Lenine e a luta de libertação nacional Nota do autor à primeira publicação: Retomamos, nesta pequena brochura, editada pela Comissão de Informações do Partido, parte dos temas abordados no nosso discurso improvisado no Symposium t/'Alma-Ata (República Socialista Soviética do Kazakstan), em Abril de 1970

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O valor e o caráter t r a n s c e n d e n t e d o p e n s a m e n t o e da obra h u m a n a , p o l í t i c a , c i e n t í f i c a , c u l t u r a l — histórica - d e V l a d i m i r l l i t c h L e n i n e são há m u i t o já u m fato u n i v e r s a l m e n t e r e c o n h e c i d o . M e s m o o s m a i s ferozes adversários das suas ideias t i v e r a m de reconhecer em L e n i n e u m revolucionário consequente, que soube dedicar-se t o t a l m e n t e à causa d a revolução e fazê-la, u m f i l ó s o f o e u m sábio c u j a g r a n d e z a só é c o m p a r á v e l à d o s m a i o r e s pensadores da h u m a n i d a d e . A t u a l m e n t e , não é raro ouvir p o l í t i c o s — m e s m o o s mais anti-socialistas — citar L e n i n e ou gabar se de ter lido as suas o b r a s . É evidente q u e não p o d e m o s acreditá-los à let r a , mas isso dá b e m a m e d i d a d a i m p o r t â n c i a ( m e s m o da necessi42

dade) d o p e n s a m e n t o d e L e n i n e e da vastidão das consequências práticas da s u a ação n o c o n t e x t o histórico a t u a l . Para o s m o v i m e n t o s d e libertação n a c i o n a l , c u j a tarefa é fazer a r e v o l u ç ã o , m o d i f i c a n d o r a d i c a l m e n t e , pelas vias mais adeq u a d a s , a situação e c o n ó m i c a , p o l í t i c a , social e c u l t u r a l d o s seus p o v o s , o p e n s a m e n t o e a ação d e L e n i n e t ê m u m interesse especial. Mas L e n i n e não d e i x o u a p e n a s a sua o b r a . F o i e c o n t i n u a a ser u m e x e m p l o vivo de c o m b a t e n t e pela causa d a h u m a n i d a d e , pela libertação e c o n ó m i c a , e p o r t a n t o n a c i o n a l , social e c u l t u r a l do h o m e m . A sua vida e o seu comportamento c o m o personalidade humana c o n t ê m lições e e x e m p l o s úteis para t o d o s o s c o m b a tentes d a libertação n a c i o n a l . E n t r e essas lições, as q u e nos p a r e c e m ser d a m a i o r a c u i d a d e para o s m o v i m e n t o s de libertação referem-se a o c o m p o r t a m e n t o m o r a l , à ação p o l í t i c a , à estratégia e à prática revolucionárias. No â m b i t o geral do m o v i m e n t o d e libertação n a c i o n a l , espec i a l m e n t e ' n condições c o m o as nossas, o c o m p o r t a m e n t o m o r a l d o c o m b a t e n t e , e m p a r t i c u l a r d o s dirigentes, é u m fator p r i m o r dial q u e pode i n f l u e n c i a r s i g n i f i c a t i v a m e n t e o ê x i t o o u o f r a c a s s o d o m o v i m e n t o , é evidente q u e a luta é e s s e n c i a l m e n t e p o l í t i c a , mas as circunstâncias p o l í t i c a s , e c o n ó m i c a s e sociais - históricas — e m q u e se e s t r u t u r a e d e s e n v o l v e o m o v i m e n t o , c o n f e r e m aos problemas de natureza moral uma particular importância, devido p r i n c i p a l m e n t e às fraquezas próprias do m o v i m e n t o n a c i o n a l d e libertação nas colónias, a o o p o r t u n i s m o o u às p o s s i b i l i d a d e s de o p o r t u n i s m o q u e o c a r a c t e r i z a m , às pressões e m a n h a s utilizadas pelo inimigo i m p e r i a l i s t a , assim c o m o à d i f i c u l d a d e , m e s m o a impossibilidade de u m c o n t r o l e d o m o v i m e n t o e d o s seus c h e f e s pelas massas p o p u l a r e s n a c i o n a l i s t a s . No m o v i m e n t o de libertaç ã o , c o m o e m q u a l q u e r o u t r o e m p r e e n d i m e n t o h u m a n o — e sej a m q u a i s f o r e m o s f a t o r e s materiais e sociais q u e c o n d i c i o n e m a sua evolução —, o h o m e m (a s u a m e n t a l i d a d e , o seu c o m p o r t a m e n t o ) é o e l e m e n t o essencial e d e t e r m i n a n t e . L e n i n e foi u m e x e m p l o de coerência consigo m e s m o e d e coerência entre as palavras e o s a t o s . S o u b e , através de t o d a a evolução característica d a sua p e r s o n a l i d a d e , p e r m a n e c e r igual a si m e s m o na verticalidade das suas opções e d o s seus a t o s . Estes s e m p r e c o r r e s p o n d e r a m às suas palavras, pois s o u b e rejeitar o verb a l i s m o f á c i l , a a d u l a ç ã o e a demagogia. L e n i n e f o i u m e x e m p l o de h o n e s t i d a d e , de p r o b i d a d e , de s i n c e r i d a d e e de c o r a g e m . S e m p r e c o l o c o u a c i m a de t o d a s as suas conveniências a necessidade de observar r i g o r o s a m e n t e os deveres d a m o r a l e da j u s t i ç a , recusar a m e n t i r a e p r a t i c a r a v e r d a d e , 43

sejam q u a i s f o r e m as consequências o u o s p r o b l e m a s q u e possa criar. C o m o u m ser h u m a n o integral, s o u b e a m a r e odiar. A m a r a c a u s a da libertação d o h o m e m d e q u a l q u e r espécie d e opressão, a a v e n t u r a m a r a v i l h o s a q u e é a vida h u m a n a , t u d o o q u e há d e belo e c o n s t r u t i v o no planeta. O d i a r o s inimigos d o progresso e da felicidade d o h o m e m , o inimigo d e classe, o s o p o r t u n i s t a s , a covard i a , a m e n t i r a , t o d o s o s fatores d e a v i l t a m e n t o da consciência social e m o r a l d o h o m e m . S e m p r e c o n s i d e r o u o h o m e m c o m o o valor s u p r e m o d o U n i v e r s o . A s u a dedicação às crianças t o r n o u - s e lendária p o i s , para e l e , esses seres d e l i c a d o s e tantas vezes i n c o m p r e e n d i d o s , v í t i m a s i n o c e n t e s d a e x p l o r a ç ã o d o h o m e m pelo hom e m , são as f l o r e s da h u m a n i d a d e , a esperança e a c e r t e z a d o t r i u n f o d e u m a vida d e justiça. A luta d e libertação n a c i o n a l é, c o m o já d i s s e m o s , u m a luta p o l í t i c a q u e p o d e revestir diversas f o r m a s , de a c o r d o c o m as circunstâncias específicas e m q u e se desenvolve. N o nosso caso c o n c r e t o , e s g o t a m o s t o d o s o s m e i o s pacíficos a o nosso a l c a n c e para levar o s c o l o n i a l i s t a s portugueses a u m a m o d i f i c a ç ã o radical da sua p o l í t i c a no sentido d a libertação e d o progresso d o nosso p o v o . Só e n c o n t r a m o s repressão e c r i m e s . D e c i d i m o s e n t ã o pegar e m armas para n o s b a t e r m o s c o n t r a a t e n t a t i v a d e g e n o c í d i o d o nosso p o v o , d e c i d i d o a ser livre e senhor d o seu p r ó p r i o d e s t i n o . O f a t o d e t r a v a r m o s u m a luta a r m a d a d e libertação e m nada m o d i f i c a o caráter e s s e n c i a l m e n t e p o l í t i c o d o nosso c o m b a t e . Pelo c o n t r á r i o , a c e n t u a - o . O r a , não há, n ã o pode^haver ação p o l í t i c a , seja q u a l f o r a s u a f o r m a , s e m p r i n c í p i o s b e m d e f i n i d o s , q u e r sejam b o n s o u m a u s . N o plano p o l í t i c o , L e n i n e f o i u m e x e m p l o d e f i d e l i d a d e aos princípios. S o u b e fazer concessões sobre a f o r m a de reivindicações, d e ações, m a s n u n c a sobre o s p r i n c í p i o s , p r i n c i p a l m e n t e q u a n d o se t r a t a v a de d e f e n d e r o s interesses d a classe e da nação q u e r e p r e s e n t a v a , assim c o m o n a prática c o n s e q u e n t e d e u m int e r n a c i o n a l i s m o d e s p r o v i d o d e reservas, d e t i m i d e z o u d e c o n d i cionamentos. É igualmente u m a lição d e r e a l i s m o , d e noção clara da possibilidade e da oportunidade p o l í t i c a , q u e e n c o n t r a a sua expressão m á x i m a n a decisão d e d e s e n c a d e a r a insurreição d e O u t u b r o d e 1 9 1 7 , apesar das e n o r m e s d i f i c u l d a d e s para vencer as hesitações e as oposições mais o u m e n o s f u n d a m e n t a d a s . U m a lição d e firm e z a na via d e t e r m i n a d a para c o n d u z i r a ação p o l í t i c a , ilustrada pelo c o m b a t e sem tréguas q u e m o v e u a t o d o s o s desvios " d e dir e i t a " o u d e " e s q u e r d a " e q u e t a n t o s inimigos lhe c r i o u . Ultrapassando a concepção vulgar, segundo a q u a l a p o l í t i c a é a arte 44

do possível, L e n i n e d e m o n s t r o u q u e é antes a arte d e t r a n s f o r m a r o q u e é a p a r e n t e m e n t e impossível e m possível (tornar possível o impossível), rejeitando c a t e g o r i c a m e n t e o o p o r t u n i s m o . A s s i m d e f i n i d a , a ação p o l í t i c a i m p l i c a u m a criatividade permanente. Para e l a , c o m o para a a r t e , criar não é inventar. A ação d e L e n i n e é c a r a c t e r i z a d a por u m a grande f l e x i b i l i d a d e c o n s t r u t i v a . E m cada p r o b l e m a , e m c a d a f a t o da l u t a , mesm o no mais negativo, s o u b e discernir o lado positivo para dele e x t r a i r todas as vantagens e f a z e r avançar a luta. Nesse â m b i t o , c o m o n o u t r o s , d e m o n s t r o u u m a perseverança a t o d a a prova. E l e , q u e c o n s i d e r a v a q u e " o s fatos são t e i m o s o s " , era t e i m o s o c o m o os f a t o s . C o n f i a n d o n a o p i n i ã o d o s o u t r o s , apesar d i s s o , c e r t o d e q u e t o d o o c o m b a t e n t e t e m necessidade d o s o u t r o s , s e m p r e s o u b e m u d a r d e o p i n i ã o q u a n d o a razão — a verdade cient í f i c a — não estava d o seu lado. C r í t i c o r i g o r o s o , m e s m o v i o l e n t o , t a n t o d o s seus adversários c o m o d o s seus c o m p a n h e i r o s de luta caídos e m e r r o , L e n i n e soube praticar e x e m p l a r m e n t e a a u t o c r í t i c a . S a b i a r e c o n h e c e r os seus erros e elogiar o valor d o s o u t r o s , m e s m o d o s seus mais ferozes adversários; m a s s o u b e usar d e u m a severidade s e m limites para a t a c a r os q u e c o n s i d e i j v a c o m o inimigos d e classe e d a revolução. L e n i n e s e m p r e d e m o n s t r o u u m a confiança s e m limites na c a p a c i d a d e das massas, m a s s o u b e no e n t a n t o d e m o n s t r a r claramente q u e estas n u n c a d e v i a m agir c o m a n a r q u i a , sem u m plano b e m c o n c e b i d o , c o r r e s p o n d e n t e às possibilidades c o n c r e t a s d e ação. Para e l e , as massas n u n c a d e v e m ser acéfalas.

N o â m b i t o geral d o m o v i m e n t o d e libertação n a c i o n a l , tal c o m o e m q u a l q u e r c o n f r o n t a ç ã o , p a c í f i c a o u n ã o , há a necessidade vital d e d e s c o b r i r as leis gerais d a luta e agir c o m base n u m plano geral c o n c e b i d o e e l a b o r a d o a partir d a realidade c o n c r e t a d o meio e d o s fatores e m presença. Isto q u e r dizer q u e qualquer mo-

vimento de libertação necessita de uma estratégia. Na elaboração desta estratégia é preciso ser capaz de distinguir o essencial do secundário, o permanente do temporário. S e m nunca c o n f u n d i r estratégia

e tética,

a ação deve basear-se numa

concepção c i e n t í f i c a da realidade, seja qual for a influência dos fatores subjetivos que é necessário enfrentar. T a m b é m nesse plano L e n i n e d e u u m a lição m u i t o útil a o s 45

m o v i m e n t o s de libertação, aos c o m b a t e n t e s da liberdade. T i n h a u m a n í t i d a consciência do valor da unidade c o m o m e i o necessário para a l u t a , m a s não c o m o u m f i m e m s i . Para L e n i n e , não se trata de unir t o d o s e m t o r n o da m e s m a c a u s a , por mais justa q u e ela seja, de realizar a u n i d a d e a b s o l u t a , de unir-se não i m p o r t a

c o m q u e m . A unidade, como qualquer outra realidade, está sujeita às transformações quantitativas, positivas ou negativas. A questão é descobrir qual é o grau de unidade

suficiente

que pode per-

mitir o desencadear e garantir o avanço vitorioso da luta. E, posteriormente, preservar essa unidade contra todos os fatores de dissolução ou divisão, tanto internos como externos. Por o u t r o lado, L e n i n e t i n h a u m a consciência p r o f u n d a da necessidade de c o n h e c e r o m e l h o r possível, na luta, as forças e as f r a q u e z a s do inimigo, tal c o m o as nossas próprias forças e fraque-

zas. & concepção leninista da estratégia implica que devemos agir no sentido de aumentar as fraquezas do inimigo e transformar as suas forças em fraquezas e, simultaneamente, preservar e reforçar as nossas forças e eliminar as nossas fraquezas ou transformá-las em forças.^ Isto é possível pela aliança permanente e d i n â m i c a entre a teoria e a prática. A vida de Lenine é a aplicação consequente desta m á x i m a dialética de Paul Langevin: o pensamento deriva da ação e, no homem consciente, deve regressará ação. Isso implica que, como Lenine demonstrou através de toda a sua vida, a ação deve basear-se na análise concreta de cada situação concreta. De acordo com Lenine, tanto na luta como em qualquer o u tro f e n ó m e n o em movimento, as transformações qualitativas só se operam a partir de determinado nível de modificações quantitativas, o que significa que o processo da luta evolui por etapas, por fases bem definidas. Nesta base e nesta perspectiva devem ser estabelecidas as táticas a seguir, que não são incompatíveis mesmo com os recuos que, em determinados momentos, podem ser o único meio de fazer progredir a luta. ^ Q u a l q u e r luta é experiência n o v a , seja q u a l for a s o m a de c o n h e c i m e n t o s teóricos ou de experiências práticas q u e lhe diz e m respeito. Q u a l q u e r luta i m p l i c a , p o r t a n t o , u m d e t e r m i n a d o grau de e m p i r i s m o , m a s não é necessário inventar o q u e já o f o i : é sim preciso criar nas condições c o n c r e t a s e m q u e a luta se t r a v a . A i n d a neste p o n t o a lição de L e n i n e é p e r t i n e n t e : ele detestava tanto o e m p i r i s m o cego c o m o os dogmas. A assimilação c r í t i c a (dos c o n h e c i m e n t o s o u das experiências d o s o u t r o s ) é tão válida

para a vida como para a luta. O pensamento dos outros, filosófico ou c i e n t í f i c o — por mais lúcido q u e seja —, é apenas uma base

que permite pensar e agir, portanto, c r i a r j 46

Para criar na luta é necessário c o n d u z i - l a , desenvolver t o d o s os esforços e a c e i t a r os sacrifícios necessários. A luta não é feita de palavras m a s de ação q u o t i d i a n a , o r g a n i z a d a e d i s c i p l i n a d a , de t o d o s o s e l e m e n t o s válidos. A atividade m ú l t i p l a desenvolvida por L e n i n e no d e c u r s o de u m a longa luta é u m e x e m p l o de c o n t i n u i dade e consequência, d e esforços e sacrifícios, assim c o m o da capacidade para m o b i l i z a r as forças necessárias n o t e m p o e no espaço necessários.

Demonstrando que, numa luta, as dificuldades subjetivas são as mais d i f í c e i s de ultrapassar, Lenine tinha consciência desta realidade: a luta é feita de êxitos e fracassos, de vitórias e derrotas, mas avança sempre e as suas fases, mesmo as mais idênticas, nunca se repetem, pois a luta é um processo e não um acidente, uma corrida de fundo e não de velocidade: as derrotas eventuais não podem justificar nem a desmoralização nem a desistência, porque mesmo os insucessos podem ser uma base de partida para novos êxitos. E s s a ultrapassagem só é possível se e x t r a i r m o s u m a lição de c a d a e r r o , de cada experiência positiva o u negativa e p a r t i n d o do p r i n c í p i o de q u e , se é c e r t o q u e a teoria sem prática é u m a perda de t e m p o , não há prática c o n s e q u e n t e sem t e o r i a . P r i n c i p a l a r t í f i c e da grande Revolução de O u t u b r o , q u e mod i f i c o u o destino não apenas do povo russo m a s da h u m a n i d a d e ; criador do p r i m e i r o E s t a d o socialista; dirigente s u p r e m o da R e volução nas antigas colônicas c z a r i s t a s ; t e ó r i c o e p r á t i c o c o n h e c e d o r na solução do d e l i c a d o p r o b l e m a q u e representava a questão nacional no país d o s sovietes; m i l i t a n t e c a t a l i z a d o r do m o v i m e n to operário i n t e r n a c i o n a l - L e n i n e m a r c o u o século e o f u t u r o d o h o m e m c o m a s u a p e r s o n a l i d a d e de r e v o l u c i o n á r i o , legando às gerações q u e lhe s u c e d e r a m u m a o b r a tão singular c o m o cheia de lições.

Para os movimentos de libertação, Lenine forneceu mais esta valiosa c o n t r i b u i ç ã o : demonstrou, definitivamente, que os povos oprimidos podem libertar-se e ultrapassar todos os obstáculos para a construção de uma vida de justiça, de dignidade e de progresso. É desejável q u e , i n d e p e n d e n t e m e n t e das suas tendências o u opções políticas, o s a u t ê n t i c o s m o v i m e n t o s de libertação possam beber nas lições e no e x e m p l o de L e n i n e a inspiração necessária para o seu p e n s a m e n t o , para a sua ação e para o c o m p o r t a m e n t o m o r a l e intelectual d o s seus dirigentes. No interesse geral da luta c o n t r a o i m p e r i a l i s m o e se t i v e r m o s e m consideração algumas contradições q u e c a r a c t e r i z a m as a t u a i s relações entre as o u t r a s forças anti-imperialistas e m e s m o alguns a s p e c t o s da sua ação, -17

não seria j u s t o n e m , t a l v e z , o b j e t i v o , limitar esse desejo u n i c a m e n t e aos m o v i m e n t o s de libertação.

II

A c o n t e c e hoje c o m a d o u t r i n a de L e n i n e o q u e já se verific o u mais de u m a vez na história c o m as d o u t r i n a s d o s pensadores revolucionários e d o s c h e f e s de classes o u nações o p r i m i d a s e m luta pela sua libertação. D u r a n t e a vida d o s grandes revolucionários, as classes opressoras r e c o m p e n s a m - n o s c o m incessantes perseguições: a c o l h e m as suas d o u t r i n a s c o m u m f u r o r selvagem, c o m u m ó d i o t e n a z , c o m as mais intensas c a m p a n h a s de mentiras e calúnias. D e p o i s da sua m o r t e , t e n t a m fazer deles ícones inofensivos, c a n o n i z a m - n o s , por assim dizer, r o d e a n d o o seu n o m e c o m uma certa auréola a f i m de " c o n s o l a r " as classes o u as nações o p r i m i d a s e de as m i s t i f i c a r ; f a z e n d o - o , e s v a z i a m a d o u t r i n a revolucionária do seu conteúdo, d e p r e c i a m - n a e destróem-lhe a f o r ç a revolucionária, é nessa f o r m a de " a r r a n j a r " o l e n i n i s m o q u e hoje c o i n c i d e m a burguesia e o s o p o r t u n i s t a s , t a n t o do m o v i m e n to o p e r á r i o c o m o do m o v i m e n t o de libertação n a c i o n a l . E s q u e c e m , a m o r d a ç a m , a l t e r a m o lado revolucionário da d o u t r i n a , a sua a l m a revolucionária. C o l o c a m e m p r i m e i r o plano e e x a l t a m o que é ou parece ser aceitável, m e s m o c o n v e n i e n t e , para a burguesia e para o i m p e r i a l i s m o . O leitor deve já ter n o t a d o q u e o q u e a c a b a d e ler é a paráfrase de parte de u m a lapidar a f i r m a ç ã o de L e n i n e referente a Marx. M o d i f i c a m o s o s n o m e s e a d a p t a m o s o discurso à realidade essencial da história dos nossos dias: a luta de vida o u de m o r t e c o n t r a o i m p e r i a l i s m o . T e m o s de a d m i t i r q u e o discurso se a d a p t a p e r f e i t a m e n t e ao p r ó p r i o L e n i n e , e m especial q u a n d o c o n s i d e ramos o que ele escreveu sobre o i m p e r i a l i s m o e a luta c o n t r a o d o m í n i o imperialista. S e m ter a pretensão o u a audácia de querer restabelecer a d o u t r i n a de L e n i n e acerca d o movimento de libertação nacional, gostaríamos, no e n t a n t o , de e v o c a r d e t e r m i n a d o s a s p e c t o s q u e nos p a r e c e m i m p o r t a n t e s , p r i n c i p a l m e n t e para os q u e l u t a m pela libertação e o progresso d o s seus povos. L e n i n e d e m o n s t r o u de f o r m a m u i t o clara q u e o m o v i m e n t o de libertação n a c i o n a l , q u e a d q u i r i u f o r ç a desde o c o m e ç o d o séc u l o , não é um fato novo na história. E m todos os continentes, e m épocas mais o u m e n o s r e c u a d a s , h o u v e , não a p e n a s luta de li48

bertação tribal o u é t n i c a , m a s t a m b é m m o v i m e n t o de luta de libertação n a c i o n a l . O s povos da antiga I n d o c h i n a e de o u t r a s regiões da Ásia; d o M é x i c o , da B o l í v i a e de o u t r o s países do c o n t i nente a m e r i c a n o ; d a G r é c i a , d o s Balcãs e m geral, m e s m o de Portugal, na E u r o p a ; d o E g i t o , da Á f r i c a O r i e n t a l e d a Á f r i c a O c i dental — para só citar estes — t i v e r a m , no p a s s a d o , a sua e x p e r i ê n cia de luta de libertação n a c i o n a l . E s s e s m o v i m e n t o s s o f r e r a m vitórias ou d e r r o t a s , mas existiram e d e i x a r a m vestígios indeléveis nos povos q u e a f e t a r a m , no â m b i t o das c o o r d e n a d a s históricas das sociedades e m questão, n u m a d e t e r m i n a d a etapa d a evolução e c o n ó m i c a e p o l í t i c a da humanidade. N ã o há n o e n t a n t o lugar para confusões. L e n i n e d e m o n s t r o u que o império romano, por e x e m p l o , não é a m e s m a realidade histórica q u e o império britânico, e m b o r a a m b o s t e n h a m e m com u m o q u e parece ser, a t é agora, u m a necessidade ou u m a constante nas relações entre as s o c i e d a d e s h u m a n a s : a tentativa o u o ê x i t o do d o m í n i o p o l í t i c o e d a e x p l o r a ç ã o e c o n ó m i c a de c e r t o s povos o u nações por E s t a d o s estrangeiros o u , o q u e v e m a dar no m e s m o , por classes dirigentes estrangeiras. É evidente q u e C a r l o s Magno não foi n e m podia ser César o u Á t i l a , mas é a i n d a mais e v i d e n t e q u e q u a l q u e r c h e f e de E s t a d o imperialista não é, n e m pode ser, o G a n a do i m p é r i o a f r i c a n o q u e t e m o seu n o m e , n e m u m i m p e r a d o r da f a m í l i a d o s Ming, n e m u m C o r t e z , c o n q u i s t a d o r das A m é r i c a s , nem o c z a r das Rússias. D a m e s m a m a n e i r a e pelas m e s m a s razões, os b a n c o s e os m o n o pólios imperialistas não são as antigas associações dos c o m e r c i a n tes de V e n e z a o u a L i g a Hanseática. L e n i n e d e m o n s t r o u q u e a luta de libertação c o n t r a o d o m í nio de u m a a r i s t o c r a c i a militar (tribal ou é t n i c a ) , c o n t r a o d o m í nio feudal e m e s m o c o n t r a o d o m í n i o capitalista estrangeiro d o t e m p o do c a p i t a l i s m o de livre concorrência, não é a m e s m a realidade histórica que a luta de libertação n a c i o n a l c o n t r a o imperialismo, c o n t r a o d o m í n i o e c o n ó m i c o e p o l í t i c o d o s m o n o p ó l i o s , do c a p i t a l i s m o f i n a n c e i r o , a t u a n d o s o b a f o r m a do c o l o n i a l i s m o , do n e o c o l o n i a l i s m o . T o r n o u - s e e deve ser e v i d e n t e para t o d o s hoje q u e o a p a r e c i m e n t o d o i m p e r i a l i s m o o p e r o u u m a transformação p r o f u n d a e irreversível no m o v i m e n t o d e libertação n a c i o nal, definindo-se este c o m o a resistência n a t u r a l e necessária ao d o m í n i o imperialista. D e f i n i n d o as características internas e e x t e r n a s do imperialismo — estado s u p r e m o d o c a p i t a l i s m o , resultado da c o n c e n t r a ção do capital f i n a n c e i r o e m algumas e m p r e s a s de u m a meia d ú zia de países, d o m í n i o insaciável d o s m o n o p ó l i o s — L e n i n e c a 49

r a c t e r i z o u s i m u l t a n e a m e n t e as transformações irreversíveis operadas no c o n t e ú d o e na f o r m a d o m o v i m e n t o de libertação n a c i o n a l , do q u a l p r e v i u , c i e n t i f i c a m e n t e , a linha geral de evolução. C a b e a L e n i n e o m é r i t o d e ter revelado, e m e s m o previsto, as realidades essenciais da luta d o s nossos dias, pois foi a t é ao f u n d o na análise d o fato imperialista e da luta geral c o n t r a o i m p e r i a l i s m o . Na s u a c r í t i c a geral, L e n i n e esclareceu o caráter essencialm e n t e e c o n ó m i c o do i m p e r i a l i s m o , e s t u d o u as suas características internas e e x t e r n a s e as suas implicações económicas, políticas e sociais, t a n t o d e n t r o c o m o f o r a do m u n d o c a p i t a l i s t a . Pôs e m relevo as forças e as f r a q u e z a s dessa nova realidade q u e é o imperialismo (quase da sua i d a d e ) , q u e abriu novas perspectivas à evolução da h u m a n i d a d e . S i t u a n d o g e o g r a f i c a m e n t e o f e n ó m e n o imperialista no interior d u m a parte bem d e f i n i d a do m u n d o ; d i s t i n g u i n d o o fator e c o n ó m i c o das suas implicações políticas o u político-sociais, sem esquecer as relações de dependência d i n â m i c a entre esses dois aspectos de u m m e s m o f e n ó m e n o ; e c a r a c t e r i z a n d o as relações do i m p e r i a l i s m o c o m o resto d o m u n d o , L e r n e s i t u o u o b j e t i v a m e n te t a n t o o i m p e r i a l i s m o c o m o a luta de libertação n a c i o n a l nas suas verdadeiras c o o r d e n a d a s históricas. E s t a b e l e c e u a s s i m , de f o r m a d e f i n i t i v a , a diferença e as ligações f u n d a m e n t a i s entre o i m p e r i a l i s m o e o d o m í n i o imperialista. A análise d e L e n i n e revela-se desta f o r m a c o m o u m e n c o r a j a m e n t o realista e u m a a r m a p o d e r o s a para o d e s e n v o l v i m e n t o ulterior e multilateral do m o v i m e n t o n a c i o n a l libertador. E necessário, no e n t a n t o , notar q u e esta análise vai a i n d a mais longe na c o n t r i b u i ç ã o q u e f o r n e c e à evolução desse m e s m o m o v i m e n t o . C o m e f e i t o , se p o d e m o s d i z e r q u e M a r x , p r i n c i p a l m e n t e na sua obra p r i n c i p a l — O Capital —, p r o c e d e u à a n a t o m i a ou à anat o m i a patológica do c a p i t a l i s m o , a o b r a de L e n i n e referente ao i m p e r i a l i s m o p o d e ser c o n s i d e r a d a c o m o a pré-autópsia do capit a l i s m o m o r i b u n d o . N ã o é exagerado a f i r m a r q u e , para ele, a partir do m o m e n t o e m que o d o m í n i o e c o n ó m i c o e p o l í t i c o d o capital f i n a n c e i r o (dos m o n o p ó l i o s ) se c o n s o l i d o u em alguns países e se c o n c r e t i z o u no e x t e r i o r desses países pelo m o v i m e n t o de partilha do m u n d o , e s p e c i a l m e n t e e m Á f r i c a , c o m o m o n o p ó l i o das colónias — o c a p i t a l i s m o , tal c o m o se definira a n t e r i o r m e n t e , transformou-se num corpo em putrefação. U m e s t u d o , m e s m o s u p e r f i c i a l , da história e c o n ó m i c a c o n t e m p o r â n e a dos principais países capitalistas (talvez m e s m o d o s m e n o s i m p o r t a n t e s ) , revela q u e a luta t e n a z e n t r e o capital f i n a n ceiro ( r e p r e s e n t a d o pelos m o n o p ó l i o s e o s b a n c o s ) e o capital de 50

livre concorrência se salda geralmente pela vitória d o p r i m e i r o , isto é, do i m p e r i a l i s m o . 'Ceemos pois de verificar q u e L e n i n e t i n h a r a z ã o : o capitalism o c r i o u o i m p e r i a l i s m o e c r i o u s i m u l t a n e a m e n t e os e l e m e n t o s p r o p í c i o s à sua destruição. O i m p e r i a l i s m o m a t o u e c o n t i n u a a matar o c a p i t a l i s m o . C o m e f e i t o , as transformações p r o f u n d a s realizadas nas relações de forças n o â m b i t o d a livre concorrência levaram aos monopólios, à a c u m u l a ç ã o gigantesca d o capital financeiro privado n o interior de c e r t o s países e, c o m o consequência disso, a o d o m í n i o p o l í t i c o destes pelos m o n o p ó l i o s , o q u e os t r a n s f o r m o u e m países imperialistas. E s t a nova situação está na origem de u m a c o n f r o n t a ç ã o p e r m a n e n t e , aberta ou, não, " p a c í f i c a ' ' ou não, entre o s países imperialistas q u e p r o c u r a m novos e q u i l í b r i o s na relação de forças, e m f u n ç ã o do grau relativo d e d e s e n v o l v i m e n t o das forças p r o d u t i v a s e da necessidade c r e s c e n t e tanto de o b t e r matérias-primas c o m o de c o n q u i s t a r m e r c a d o s , isto é, da realização jnsaciável de mais-valia o u de r e n d i m e n t o para o capital f i n a n c e i r o j ) C o m base n u m a análise t ã o lúcida e realista, era n o r m a l q u e L e n i n e extraísse conclusões i m p o r t a n t e s para o d e s e n v o l v i m e n t o ulterior da luta c o n t r a o i m p e r i a l i s m o . E n t r e essas conclusões, estas p a r e c e m - n o s e x t r e m a m e n t e ricas e m consequências: — A a c u m u l a ç ã o d e s e n f r e a d a d o capital f i n a n c e i r o e a v i t ó ria d o s m o n o p ó l i o s c o m o fase ú l t i m a d a a p r o p r i a ç ã o privada d o s meios de p r o d u ç ã o — c o m o agravamento d a c o n t r a d i ç ã o e n t r e essa a p r o p r i a ç ã o e o caráter social do t r a b a l h o p r o d u t i v o — criaram as condições propícias à revolução, q u e progressivamente acabará c o m o regime capitalista, a t u a l m e n t e representado pelo imperialismo. — É possível, necessário e urgente f a z e r a revolução, se não e m vários países, pelo m e n o s n u m , p r i n c i p a l m e n t e no m o m e n t o e m que a agressividade característica d o i m p e r i a l i s m o se manifesta n u m a guerra entre o s países capitalistas para u m a nova partilha do m u n d o (Primeira G u e r r a M u n d i a l ) . — A criação de u m E s t a d o socialista desferirá u m golpe decisivo n o i m p e r i a l i s m o e abrirá novas perspectivas ao desenvolvim e n t o do m o v i m e n t o o p e r á r i o i n t e r n a c i o n a l e do m o v i m e n t o de libertação n a c i o n a l . — É possível u m a n o v a c o n f r o n t a ç ã o a r m a d a entre os E s t a dos imperialistas-capitalistas, pois a hipótese d o ultra-imperialism o o u s u p e r - i m p e r i a l i s m o , q u e resolveria as contradições e n t r e o s E s t a d o s imperialistas " é t ã o u t ó p i c a c o m o a da u l t r a - a g r i c u l t u r a " . E s s a c o n f r o n t a ç ã o enfraquecerá inevitavelmente o i m p e r i a l i s m o 51

(Segunda G u e r r a M u n d i a l ) . Criar-se ão assim condições m a i s favoráveis para o d e s e n v o l v i m e n t o das forças c u j o destino histórico é destruir o i m p e r i a l i s m o : instalação do poder socialista e m n o v o s países, r e f o r ç o do m o v i m e n t o o p e r á r i o i n t e r n a c i o n a l e d o m o v i m e n t o de libertação n a c i o n a l . — O s povos o p r i m i d o s d a Á f r i c a , da Ásia e d a A m é r i c a L a t i na são n e c e s s a r i a m e n t e c h a m a d o s a d e s e m p e n h a r u m papel decisivo na luta pela liquidação d o sistema imperialista m u n d i a l , de q u e são as principais v í t i m a s . E s t a s conclusões de L e n i n e , e x p l í c i t a o u i m p l i c i t a m e n t e c o n t i d a s na s u a o b r a consagrada ao i m p e r i a l i s m o e c o n f i r m a d a s pelos fatos da história c o n t e m p o r â n e a , são mais u m a notável c o n t r i b u i ç ã o para o p e n s a m e n t o e para a ação do m o v i m e n t o de libertação. S e n d o m a r x i s t a o u n ã o , leninista ou n ã o , é d i f í c i l a a l g u é m não r e c o n h e c e r a validade, m e s m o o caráter genial da análise e das conclusões de L e n i n e , q u e se revelam de u m a l c a n c e histórico imenso, iluminando c o m uma claridade fecunda o caminho quantas vezes e s p i n h o s o e m e s m o s o m b r i o d o s povos q u e se b a t e m pela s u a libertação total do d o m í n i o imperialista.

-tf.

( O s destaques e m claro são d e C a r l o s C o m i t i n i ) . 52

Capítulo V

A cultura nacional

Amílcar Cabral

I. L i b e r t a ç ã o n a c i o n a l e c u l t u r a E s t a m o s m u i t o felizes por p o d e r participar nesta c e r i m ó n i a realizada e m h o m e n a g e m ao nosso c o m p a n h e i r o de luta e digno f i l h o , o s a u d o s o D r . E d u a r d o M o n d l a n e , antigo Presidente da F r e l i m o , c o v a r d e m e n t e assassinado pelos c o l o n i a l i s t a s portugueses e pelos seus aliados e m 3 d e F e v e r e i r o d e 1 9 6 9 , e m D a r - E s Salaam. Q u e r e m o s agradecer à U n i v e r s i d a d e de S i r a c u s a e , p a r t i c u l a r m e n t e , ao Programa d e E s t u d o s sobre a Á f r i c a de L e s t e , dirigido pelo e r u d i t o professor Marshall Segall, esta iniciativa. E u m a prova não apenas do respeito e da a d m i r a ç ã o q u e s e n t e m e m relação à inesquecível p e r s o n a l i d a d e d o D r . E d u a r d o M o n d l a n e , m a s t a m b é m da solidariedade para c o m a luta heróica do povo m o ç a m b i c a n o e de t o d o s o s povos da Á f r i c a pela libertação nac i o n a l e o progresso. A o aceitar o vosso c o n v i t e — q u e c o n s i d e r a m o s dirigido ao nosso povo e aos nossos c o m b a t e n t e s — q u i s e m o s u m a vez m a i s d e m o n s t r a r a nossa a m i z a d e m i l i t a n t e e a nossa solidariedade a o povo de M o ç a m b i q u e e ao seu b e m - a m a d o c h e f e , o D r . E d u a r d o M o n d l a n e , ao q u a l e s t i v e m o s ligados por laços f u n d a m e n t a i s na luta c o m u m c o n t r a o mais r e t r ó g r a d o c o l o n i a l i s m o , o c o l o n i a l i s m o português. A nossa a m i z a d e e a nossa solidariedade são t a n t o mais sinceras q u a n t o n e m s e m p r e e s t i v e m o s de a c o r d o c o m o nosso c a m a r a d a E d u a r d o M o n d l a n e , cuja m o r t e f o i , aliás, u m a perda t a m b é m para o nosso p o v o . O u t r o s o r a d o r e s já t r a ç a r a m o retrato e f i z e r a m o elogio b e m m e r e c i d o do D r . E d u a r d o M o n d l a n e . Q u e r í a m o s a p e n a s rea53

f i r m a r a nossa a d m i r a ç ã o pela figura de a f r i c a n o patriota e de e m i n e n t e h o m e m de c u l t u r a q u e ele f o i . Q u e r e r í a m o s igualmente a f i r m a r q u e o grande m é r i t o de E d u a r d o M o n d l a n e não foi a sua decisão de lutar pelo seu p o v o , mas sim de ter sabido integrar-se na realidade do seu país, identificar-se c o m o seu povo e a c u l t u rar-se pela luta que dirigiu c o m c o r a g e m , inteligência e determinação. E d u a r d o C h i v a m b o M o n d l a n e , h o m e m a f r i c a n o originário de u m meio r u r a l , filho de c a m p o n e s e s e de u m c h e f e t r i b a l , criança e d u c a d a por missionários, a l u n o negro das escolas b r a n c a s do M o ç a m b i q u e c o l o n i a l , estudante universitário na racista Á f r i c a do S u l , a u x i l i a d o na j u v e n t u d e por u m a f u n d a ç ã o a m e r i c a n a , bolsista de u m a U n i v e r s i d a d e d o s E s t a d o s U n i d o s , d o u t o r pela N o r t h w e s t e r n U n i v e r s i t y , a l t o f u n c i o n á r i o das Nações U n i d a s , professor na U n i v e r s i d a d e de S i r a c u s a , presidente d a F r e n t e d e Libertação de M o ç a m b i q u e , c a í d o c o m o c o m b a t e n t e pela liberdade do seu p o v o . A vida d e E d u a r d o M o n d l a n e é, c o m e f e i t o , p a r t i c u l a r m e n t e rica de experiências. S e c o n s i d e r a r m o s o breve p e r í o d o d u r a n t e o q u a l t r a b a l h o u c o m o o p e r á r i o estagiário n u m a e x p l o r a ç ã o agrícola, v e r i f i c a m o s q u e o seu c i c l o de vida engloba p r a t i c a m e n t e todas as categorias da s o c i e d a d e a f r i c a n a c o l o n i a l : d o c a m p e s i n a t o à " p e q u e n a b u r g u e s i a " a s s i m i l a d a e , no plano c u l t u r a l , do universo rural a u m a c u l t u r a u n i v e r s a l , aberta para o m u n d o , para o s seus p r o b l e m a s , para as suas contradições e perspectivas d e evolução. O i m p o r t a n t e é q u e , d e p o i s desse longo t i a j e t o , E d u a r d o M o n d l a n e foi c a p a z d e realizar o regresso à aldeia? na personalidade de u m c o m b a t e n t e pela libertação e pelo progresso do seu p o v o , e n r i q u e c i d o pelas experiências q u a n t a s vezes perturbadoras d o m u n d o de hoje. D e u assim u m e x e m p l o f e c u n d o : e n f r e n t a n d o todas as d i f i c u l d a d e s , f u g i n d o às tentações, libertando-se dos c o m p r o m i s s o s de alienação c u l t u r a l (e, p o r t a n t o , p o l í t i c a ) , s o u b e r e e n c o n t r a r as suas próprias r a í z e s , identificar-se c o m o seu p o v o e dedicar-se à causa d a libertação n a c i o n a l e social. E i s o q u e os imperialistas não lhe p e r d o a r a m . E m vez de nos l i m i t a r m o s a p r o b l e m a s mais o u m e n o s i m p o r t a n t e s da luta c o m u m c o n t r a o s c o l o n i a l i s t a s portugueses, c e n t r a r e m o s a nossa conferência n u m p r o b l e m a essencial: as relações de dependência e de r e c i p r o c i d a d e e n t r e a luta de libertação nacional e a c u l t u r a . S e c o n s e g u i r m o s c o n v e n c e r o s c o m b a t e n t e s da libertação a f r i c a n a e t o d o s o s q u e se interessam pela liberdade e pelo pro-

gresso dos p o v o s a f r i c a n o s d a i m p o r t â n c i a decisiva deste problema n o processo d a l u t a , t e r e m o s r e n d i d o u m a significativa h o m e nagem a E d u a r d o M o n d l a n e .

UM C R U E L D I L E M A P A R A O C O L O N I A L I S M O : LIQUIDAR OU ASSIMILAR? Q u a n d o G o e b b e l s , o cérebro d a propaganda n a z i , ouvia falar d e c u l t u r a , e m p u n h a v a a p i s t o l a . Isso d e m o n s t r a q u e o s nazis — q u e f o r a m e são a expressão mais trágica d o i m p e r i a l i s m o e d a sede de d o m í n i o — m e s m o s e n d o t o d o s t a r a d o s c o m o Hitler, t i n h a m u m a clara noção do valor d a c u l t u r a c o m o f a t o r d e resistência ao d o m í n i o estrangeiro. A história e n s i n a - n o s q u e , e m d e t e r m i n a d a s circunstâncias, é fácil a o estrangeiro i m p o r o seu d o m í n i o a u m p o v o . Mas ensina-se igualmente q u e , sejam quais f o r e m o s a s p e c t o s materiais desse d o m í n i o , ele só se pode m a n t e r c o m u m a repressão permanente e organizada da vida c u l t u r a l desse m e s m o p o v o , não pod e n d o garantir d e f i n i t i v a m e n t e a s u a i m p l a n t a ç ã o a não ser pela liquidação física de parte significativa da população d o m i n a d a . C o m e f e i t o , pegar e m a r m a s para d o m i n a r u m povo é, a c i m a d e T u d o , pegar e m a r m a s para destruir o u , pelo m e n o s , para n e u t r a l i z a r e paralisar a s u a vida c u l t u r a l . £ q u e , e n q u a n t o existir u m a parte desse povo q u e possa ter u m a v i d a c u l t u r a l , o d o m í nio estrangeiro não poderá estar seguro da s u a p e r p e t u a ç ã o . N u m d e t e r m i n a d o m o m e n t o , q u e d e p e n d e d o s f a t o r e s internos e externos q u e d e t e r m i n a m a evolução d a s o c i e d a d e e m q u e s t ã o , a resistência c u l t u r a l ( i n d e s t r u t / v e l ) poderá a s s u m i r f o r m a s novas (poi i t i c a s , económicas, a r m a d a s ) para c o n t e s t a r c o m vigor o d o m í nio estrangeiro. O ideal, para esse d o m í n i o , imperialista o u n ã o , seria u m a destas alternativas: — o u liquidar p r a t i c a m e n t e t o d a a p o p u l a ç ã o do país d o m i í a d o , e l i m i n a n d o assim as possibilidades de u m a resistência cultural; — o u c o n s e g u i r impor-se sem afetar a c u l t u r a d o povo dom i n a d o , isto é, h a r m o n i z a r o d o m í n i o e c o n ó m i c o e p o l í t i c o desse povo c o m a sua p e r s o n a l i d a d e c u l t u r a l . A primeira hipótese i m p l i c a o g e n o c í d i o da p o p u l a ç ã o ind í g e n a e I r i a u m vácuo q u e r o u b a ao d o m í n i o estrangeiro c o n t e ú T d o e o b j e t o : o p o v o d u m i n a d o / f t segunda hipótese não foi a t é hoje c o n f i r m a d a pela históriaj^/Tgrande experiência da h u m a n i dade p e r m i t e a d m i t i r q u e nãõ tem viabilidade p r á t i c a : não é pos55

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sível h a r m o n i z a r o d o m í n i o e c o n ó m i c o e p o l í t i c o de u m p o v o , .seja qual t o r o grau d o seu desenvolvimefTEcT • —* f\ Para tugir a esta alternativa — q u e poderia ser c h a m a d a o dilema da resistência cultural — o d o m í n i o c o l o n i a l imperialista t e n t o u criar t e o r i a s q u e , d e f i t o , n ã o p a s s a m de grosseiras f o r m u facões d o r a c i s m o e se t r a d u z e m , n a prática, p o r u m p e r m a n e n t e estado de sítio para as populações nativas, paseado n u m a d i t a d u r*ã (ou d e m o c r a c i a ) racista. ^ ^— / i L , E , por exemplo, ja^cajo da p r e t e n s a ( t e o t ^ d a a s l i m l l a ^ ã õ ^ ^ progressiva d a s populações n a t i v a s ^ q u e n ã o passa de u m a t e n t a t i ^ ' v a , mais o u m e n o s v i o l e n t a , de negar a c u l t u r a d o povo e m quês> * j ã o ^ O n í t i d o f r a c a s s o desta " t e o r i a " , posta e m pratica p o r a l g u - ^ (r* , mas potências c o l o n i a i s , entre a s q u a i s Portugal, é a prova mais( J . ^ \iJ evidente da s u a inviabilidade, senão m e s m o d o seu caráter desu- r\ j y m a n o . N o caso português, e m q u e .Salazar a f i r m a q u e a África\M não existe, atinge m e s m o o m a i s elevado grau de a b s u r d o . /* E I g u a l m e n t e o caso da pretensa teoria d o apartheid', c r i a d a , ^ a p l i c a d a e d e s e n v o l v i d a c o m base no d o m í n i o e c o n ó m i c o e p o l i - ' t i c o d o povo da Á f r i c a A u s t r a l p o r u m a m i n o r i a racista c o m t o d o s o s c r i m e s d e l e s a - h u m a n i d a d e q u e isso c o m p o r t a , A prática d o apartheid t r a d u z - s e p o r u m a e x p l o r a ç ã o desenfreada da f o r c a " de t r a b a l h o d a s massas a f r i c a n a s , e n c a r c e r a d a s e r e p r i m i d a s no mais c í n i c o e mais vasto c a m p o de concentração q u e a h u m a n a .dade j a m a i s conhecêTT fc

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\O N A C I O N A L , A T O D E C U L T U R f a / ^ J E s t e s fatos d ã o b e m a m e d i d a d o d r a m a d o d o m í n i o estrangeiro p e r a n t e a realidade c u l t u r a l d o povo d o m i n a d o . D e m o n s t r a m igualmente af í n t i m a ligação, de dependência e reciprócida*cre, q u e e x i s t e e n t r e o fato cu/turaTe o fato económico (e p o l í ptico) n o c o m p o r t a m e n t o d a s s o c i e d a d e s h u m a n á y C o m e f e i t o , e m c a d a m o m e n t o d a vida d e u m a s o c i e d a d e (aberta o u f e c h a d a ) , a c u l t u r a é a resultante mais o u m e n o s c o n s c i e n t i z a d a das atividades económicas e p o l í t i c a s , a expressão mais o u m e n o s dinâm i c a d o t i p o de relações q u e p r e v a l e c e m no seio dessa s o c i e d a d e , p o r u m lado, entre o h o m e m ( c o n s i d e r a d o i n d i v i d u a l o u coletiv a m e n t e ) e a n a t u r e z a , e, por o u t r o , entre o s i n d i v í d u o s , os grupos de i n d i v í d u o s , as c a m a d a s sociais o u as classes. O valor d a c u l t u r a c o m o e l e m e n t o de resistência a o d o m í j i i o estrangeiro reside no t a t o de ela s a r a manifestação vigorosa; n o p i a n o ideológico o u idealista, da realidade material e histórica d a sociedade d o m i n a d a o u a d o m i n a r , h r u t o d a historia de u m u

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