A vertigem da maneira - pintura e pós-vanguarda na década de 80 [3 ed.] 9786202044134

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A vertigem da maneira - pintura e pós-vanguarda na década de 80 [3 ed.]
 9786202044134

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SUMÁRIO Introdução/7

I. A repetição da cena: vanguarda e regressão

13

1. A premissa pós-moderna

13

1.1 Arte e colapso

13

1.2 Pós-moderno: o termo e as suas peças

16

1.3 Da dispersão à síntese

18

1.4 O campo instável

23

2. O conceito de vanguarda

25

2.1 Esplendor e ruína

25

2.2 Os três estágios

29

2.3 Código, ruptura e salvagem

33

II. Das estratégias duplas: o apelo alegórico

41

3. O impasse emergente

41

3.1 O eclipse da obra

41

3.2 A nova cartografia

44

3.2.1 Ênfase

46

3.2.2 Redução

49

3.2.3 Negação

51

4. A condição especular

55

4.1 O triunfo do fetiche

55 ͷ



4.2 O oráculo europeu

59

4.3 Gesto e desmantelamento

63

À guisa de conclusão

69

Alguns nomes

75

Bibliografia

87

Lista de ilustrações

107

Ilustrações

109

͸



INTRODUÇÃO O escopo deste livro é o diagnóstico de crise que os séculos XX e XXI anunciaram e ruminaram. Crise que se configurou antes na destruição explícita dos meios tradicionais de expressão e depois se reificou em uma consciência frágil, embutida na própria apreciação dos fenômenos poéticos. Crise em cujo vértice a arte se viu convertida em um sintoma furtivo, em um processo paradoxal de reconstituição e desleitura. Perante um real dispersivo que, em última instância, demandava uma falência discursiva, os sentidos naufragaram en bloc.1 Tal convicção vem norteando, há décadas, algumas das tendências mais ativas das artes visuais contemporâneas, seduzidas, como se sabe, por uma atitude e fatura francamente não miméticas. Contudo, o abandono dos conteúdos e a formalização exacerbada pareceram nelas desaguar em uma vertigem2 vácua. Seja como for, um ranço quase impiedoso impregnou a tudo e a todos. As modalidades artísticas deslegitimaram alguns de seus predicados mais decisivos. Desmistificada como um todo, a arte ganhou ares de uma atividade técnico-comercial. Tratar-se-ia, porém, apenas de um mero lapso de impasses? Ou de uma perda preocupante ± porque já quase irreparável ± de emblemas internos? Alguns creem que a condição pós-moderna se resumiu a uma espécie de devassa mítica3 no interior da qual o próprio socius desfaleceria. Com  1 6X]\*DEOLN³7KHDHVWKHWLFRIGXSOLFLW\´S 2 Quando em vertigem, tem-se a impressão de que a realidade gira ao redor, impondo uma sensação de absoluta circularidade. Em certo sentido, o modus operandi da cultura mediática seria sintomaticamente semelhante. Se reparamos bem, a semântica dos termos latinos vertigine ³UHPRLQKR´  H vertere ³JLUDU´ FRDGXQD-se bem com o interesse cada vez mais recorrente na LQWHOHFWXDOLGDGH ³SyV-PRGHUQD´ SRU GHWHUPLQDGDV TXHVW}HV H UHFRUWHV WHPiWLFRV D GD ³H[FHQWULFLGDGH´GRVXMHLWRDGDFRQGLomRHVSHFXODUGRGHVHMRHRGRFDUiWHUYLUDOGDVVLPXODo}HV por exemplo. 3 0DUWKD5RVOHU³)RUDQDUWDJDLQVWWKHP\WKRORJ\RIHYHU\GD\OLIH´ ͹



efeito, mudanças ocorreram em um cenário em que os recortes se cotidianizaram. Mas, até que ponto tais fenômenos efetivamente se deram? Haveria ou não um modo mais apropriado de concebê-los? Para onde apontariam, afinal, as suas linhas de força? Pistas não nos faltam: empréstimos cada vez mais frequentes a um passado arquetípico, um gosto acentuado pelas alusões, uma recusa assumida das totalizações e, sobretudo, o esgotamento inequívoco de quaisquer arroubos transgressivovanguardistas. Sem dúvida, um refluxo do sentido assombrou insistentemente essa virada de século. Remansos nostálgicos, gerais e múltiplos sugeriram etiquetas, até certo ponto, demasiadamente vagas. 4 Aqui e ali, o sujeito cultivou genealogias, movido por um ímpeto exumativo que se esgota nele mesmo. Subsolos foram explorados quase sempre pelo simples prazer da surpresa. Por toda parte, foi o arcaico que refluiu: em nossos trejeitos, pensamentos e intimidades. Por outro lado, a voga dos revivalismos pareceu inquebrantável. Um surto informático reabilitou o culto fácil aos repertórios. Prospecções tecnológicas não cansaram de pilhar o imaginário alheio. Centenas de filmes remoeram um porvir empoeirado e familiar. O aparato cinematográfico adulterou ± com telescopagens em regra mais ousadas ± a imagem do tempo em prol de uma alucinação visual. 5 Preocupa o fato de que as mudanças detectadas não tenham sido poucas nem irrelevantes. Na arquitetura, a dinastia do International Style se curvou há muito diante do ornamento.6 Entre os escultores, a controvérsia

 4 Félix Torres, Déjà vu ± post et néo-modernisme: le retour du passé, p. 89-121. 5 /DXUD0XOYH\³9LVXDOSOHDVXUHDQGQDUUDWLYHFLQHPD´ Trata-se de uma instigante avaliação, eivada de componentes freudo-lacanianos, dos mecanismos psicológicos que regeriam o crescente fascínio exercido pela imagem fílmica nas sociedades contemporâneas. 6 Tom Wolfe, Da Bauhaus ao nosso caos. Ver também de Paolo Portoghesi, 'RSRO¶DUFKLWHWWXUD moderna. ͺ



da tridimensionalidade deu lugar à derrisão. 7 Simultaneamente, a figura voltou à cena pictórica com um feeling perdido de memória e onirismo, de tradição e sobrevoo. Relatos estéticos narcísicos tornaram obsoletos os velhos ideais de emancipação. Um forte ceticismo frente à ideia de história exorcizou, por sua vez, a militância e a consciência crítica. Ao que tudo indica, os artistas se renderam docemente aos apelos gulosos da sociedade de consumo. Perda irremediável do fôlego ético? Atrofia definitiva do instinto metafísico?8 Em última análise, o circo midiático pareceu engordar em cada um de nós uma sensação de deriva. O pacto simbólico desmoronou, em meio a tantos sortilégios. Um porvir sem paisagens só reforçou a indecisão: algo chegou ao fim, mas o que, exatamente? Esgarçando a semântica do termo "maneira" (como foi feito em relação ao "barroco"),9 este ensaio se permite utilizá-lo em uma referência à pintura praticada, em âmbito euroamericano, ao longo dos anos 80. A tentação é grande, quando se sabe que, entre as senhas maneiristas, despontam o excesso e o movimento, a metamorfose contínua e cultivada, a equidistância entre o palpável e o

 7 5RVDOLQG .UDXVV ³6FXOSWXUH LQ WKH H[SDQGHG ILHOG´ Este ensaio revela-se elucidativo ao analisar as ressonâncias que cercariam o fato escultórico na era pós-moderna ± UHGX]LGRD³XPD HVSpFLH GH DXVrQFLD RQWROyJLFD RX FRPELQDomR GH H[FOXV}HV´ S 36). Enfocando o pósmodernismo como uma ruptura com o campo estético moderno, Krauss busca, de certo modo, MXVWLILFDU R HFOHWLVPR SRpWLFR UHFRUUHQWH GRV ~OWLPRV YLQWH DQRV ³FRLVDV UHDOPHQWH surpreendentes têm recebido a denominação de escultura: corredores estreitos com monitores de TV ao fundo; grandes fotografias que documentam caminhadas campestres; espelhos em desertos ± dispostos em ângulos inusitados. Parece que nenhuma dessas tentativas, bastante heterogêneas, poderia reivindicar o direito de explLFDUDFDWHJRULDµHVFXOWXUD¶$QmRVHUTXHR GLUHLWRGHVVDFDWHJRULDVHWRUQHLQILQLWDPHQWHPDOHiYHO´ S GHWDOKDQGRFRPRDdémarche da escultura moderna teria conduzido, a partir dos anos 60, à sua própria desconstrução. Desmantelada a tradicional lógica do monumento ± assim como a utopia iluminista da distinção GLVFLSOLQDUíDVVLVWLU-se-ia a uma radical ampliação do campo semântico ± fruto de uma tentativa (a meu ver, fugaz) de escape do páthos QHJDWLYRQDTXDOHVVDHQWmRPHUJXOKDUD³)LFDyEYLR>...] que a lógica do espaço da práxis pós-moderna já não é organizada em torno da definição de um determinado meio de expressão, tomando-se por base o material, mas sim através de um XQLYHUVRGHWHUPRVHPRSRVLomRQRkPELWRFXOWXUDO´ S  8 Eduard BeauFDPS³0RGHUQLWpSRVWPRGHUQLWpXOWUDPRGHUQLWp´S-16. 9 Omar Calabrese, A idade neobarroca, p. 24-29. ͻ



imaginário, pois "tal arte não capta o sentimento, mas a forma. Daí o seu ar de verdade e aparência teatral, as suas cores tenras e afiadas".10 Secularmente associado ao ludismo das montagens, 11 o conceito de "maneira" encarna certo ímpeto de superação12 que acaba por esbarrar, todavia, em um respeito cúmplice pelos paradigmas. O caminho para tanto tem sido trifurcado: ou se imita a "maneira" (como alternativa) e não o "espírito" da obra admirada ou se busca um traço seu adormecido para, em seguida, tentar excedê-lo e implodi-lo. O terceiro caminho possível é o do desvio em prol do surpreendente, constituindo o insólito, no caso, um recurso obrigatório. Ancorada nessas convicções, a presente exposição se encontra dividida em duas grandes seções. Na primeira delas, serão manipuladas algumas noções relativas à citada "condição pós-moderna". Tentando preparar o terreno para o material veiculado pelo segmento seguinte, ali será privilegiada a hipótese de uma desautorização do projeto modernista. No caso, importará reconhecer ou não a existência de um esforço concentrado para revertê-lo. Por outro lado, deverá ficar claro que tal projeto ainda carece, apesar de tudo, de uma visibilidade mínima, havendo muita polêmica em torno da questão, pois se as inquietações são basicamente as mesmas (o que prejudicaria a hipótese ± tão alardeada por certos segmentos críticos ± de uma solução de continuidade), as respostas nunca pretenderam sê-lo.  10 5HQp0LFKD³/DPDQHLUDLQ)UDQFLV%DFRQ´S-2. 11 Gustave Hocke. Maneirismo: o mundo como labirinto, p. 236-254. 12 Em sua consagrada The story of art (1979), Ernst H. Gombrich explica o maneirismo consciente (ou histórico) em termos de uma tentativa de superação dos grandes mestres da Renascença, por parte de jovens artistas que, na época (cerca de 1520), se sentiam obstruídos por sua fama. O senso comum era de que as artes já teriam atingido o ápice e que, diante da própria perfeição, pouco havia a acrescentar. Teremos a oportunidade de ver, mais adiante, que as coincidências entre esse quadro e o atual (quatro últimas décadas) estão longe de serem LUUHOHYDQWHV9HUDLQGDGH*RPEULFKRHQVDLR³0DQHLULVPRRFHQiULRKLVWRULRJUiILFR´FRQWLGR no livro Norm and form: studies in the art of Renaissance (1973). ͳͲ



Outro fator relevante para o entendimento do espectro atual foi a falência, também há muito anunciada, do sentimento utópico. Fala-se que, carente de imaginário, o homem pós-moderno submergiu em uma idolatria fantasmal. De qualquer modo, o círculo vicioso da maquinação repertorial expandiu-se mediante táticas semiabsolutas: no pastiche, na apropriação, em suma, na ironia grave das estratégias duplas. A segunda seção deste livro terá como uma de suas referências principais o esboço histórico dos estágios de vanguarda traçada na primeira. Atacando a questão da ruptura com o objeto (através da consideração conjunta das artes objetual, minimal e conceitual), nela será implementada uma tentativa de caracterização do cenário pictórico oitentista. Esta, envolvendo toda uma avaliação de contexto, será reforçada, mais

adiante,

com

uma

breve

apresentação

de

alguns

artistas

estrategicamente selecionados.

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I.

A

REPETIÇÃO

DA

CENA:

VANGUARDA

E

REGRESSÃO "O sujeito é sempre mascarado pela linguagem e pela representação, assim como condenado por elas a ser o objeto de sua própria reprodução".

Jack Goldstein

1. A premissa pós-moderna

1.1 Arte e colapso Teria a arte, enfim, perdido as suas prerrogativas mais lídimas? Embora tenha sido possível sonhar no primeiro terço do século com os poderes revolucionários da obra ± apta como ninguém a redimir a sociedade dos prejuízos da alienação ± tudo pareceu depois incorrer em tédio e insipidez. A despeito de virulências epigonais ainda serem enaltecidas, a missão redentora antes outorgada aos artistas perdeu, em grande parte, a sua visibilidade e ninguém sabe hoje, ao certo, onde situála. Estaria, a bem dizer, diante de outra grande estase, talvez a mais fatal de todas? Sob tal perspectiva, os fatos das quatro últimas décadas pouco surpreenderam. Na melhor das hipóteses, teriam apenas precipitado a vocação agônica da "tradição do novo".13 Obcecados com um ideal intempestivo de classicidade, os seus representantes praticamente digeriram a apatia do período, a fim de barganharem melhor com o establishment os termos da própria sobrevivência. Nesse sentido, a partir do momento em  13 Harold Rosenberg, A tradição do novo. ͳ͵



que a controvérsia se tornou incabível, urgiu decretar de vez a derrocada da shocking performance.14 As retrovanguardas pontuaram, nos eighties e nos nineties, um contexto em que a ideia de fronteira foi amplamente superada. Entre outros traços, se destacou em seus domínios a atuação de mecanismos mercadológicos vigorosos que se encarregaram de afrouxar quaisquer possíveis dilemas diruptivos. Contudo, as dimensões reais daqueles fenômenos só se revelaram depois no interior da voragem designada SUHFDULDPHQWH GH µSyV-modernidade". Tratou-se, para muitos,15 de uma mudança estrutural aguda ± em curso nas coordenadas espaciais e cronológicas do campo social ± cujos pontos básicos de referência foram até aqui: D³SHUGDGDUHDOLGDGHGRSRGHUHGRVRFLDO´,16 o fim do sujeito e GH VHXV ³JUDQGHV UHODWRV HVSHFXODWLYR-HPDQFLSDWyULRV´17 e o fim da produção, da história e da durabilidade do tempo".18 O novo Zeitgeist apoiou-se, sobretudo, na hipótese da não contiguidade.19 No lugar da exterioridade crítica ± estratégia protocolar moderna ± o imbricamento e a incorporação delimitaram horizontes onde ficou difícil discernir figura e fundo. Pluralismos trôpegos passaram a infestar a cena, em prol de uma digestividade lúdica. Refratários ao sentimento utópico, 20 os seus partidários tampouco esconderam uma atitude de descrença em relação à cultura e à sociedade. As implicações dessa postura chegaram a ser avaliadas por alguns como catastróficas. É o que  14 Ver a respeito os estudos de Roselle Goldberg, Performance: live art from 1909 to the presente 0LFKDHO 3HSSH ³:K\ SHUIRUPDQFH DUW LV VR ERULQJ´ H 0LFKDHO %HQDPRX H &KDUOHV Caramello (eds.), Performance in postmodern culture. 15 'LHWPDU9RVV H-RFKHQ&6FKW]H³3RVWPRGHUQLVPLQFRQWH[W3HUVSHFWLYHV of a structural FKDQJHLQ6RFLHW\OLWHUDWXUHDQGOLWHUDU\FULWLFLVP´S 16 Id. Ibid. 17 Id. Ibid. 18 Id. Ibid. 19 )UHGULF-DPHVRQ³3RVWPRGHUQLVPDQGFRQVXPHUVRFLHW\´S 20 Informações decisivas sobre o processamento pós-moderno da questão do utópico podem ser encontradas na coletânea 8WRSLDíSRVWXWRSLDFRQILJXUDWLRQVRIQDWXUHDQGFXOWXUHLQUHFHQW sculpture and photography (vários autores). ͳͶ



afirma, por exemplo, Douglas Kellner em sua apresentação do pensamento baudrillardiano: As catástrofes parecem representar >«@ tanto a rebelião do mundo dos objetos contra as leis, expectativas e desejos do sujeito quanto a tendência deste ± e da natureza ± a excederem a si próprios, a produzirem

espontaneamente

descambarem para o catastrófico.

o

espetáculo

e

a

21

Aos artistas se sobrepôs uma espécie de simbiose forçosa. Às obras um impulso frenético para a tergiversação semiótica. E não parecia mesmo haver folgas na panóplia. Importaram tão somente a idolatria do consumo e a conversão de todas as relações em moeda. De um lado, o modismo do retorno e do escancaramento; do outro, palavras de ordem que pudessem garantir minimamente a lisura contratual e o regozijo das partes envolvidas. De qualquer modo, tais disfunções também produziram, como era de esperar, efeitos avassaladores. Inteiramente isolados de seu meio, não restou a muitos pintores outra alternativa que os velhos ardis do cavalete e do WURPSH O¶RHLO. O jogo da simulação veio a se confirmar, então, em espaços decisivos como o da Documenta. 22

 Douglas Kellner, Jean Baudrillard: from marxism to postmodernism and beyond, p. 161. 22 Acerca desta badalada exposição-súmula-antologia da arte contemporânea internacional, realizada a cada quatro ou cinco anos ± desde 1955 ± no Kasseler Friedericianum (Alemanha), YDOH D SHQD FRQIHULU R HQVDLR GH %HQMDPLQ + ' %XFKORK ³'RFXPHQWD  $ GLFWionary of UHFHLYHG LGHDV´ GH $QGUHDV +X\VVHQ ³0DSSLQJ WKH SRVWPRGHUQ´ D H[HPSOR GR DQWHULRU prioritariamente dedicado ao sétimo evento, ocorrido em 1982) e o pequeno artigo de Nelson Aguilar sobre o nono evento (implementado em 1992), cuja leitura permite que, de quebra, possamos avaliar a estreia da arte brasileira ± representada por Cildo Meirelles, Jac Leirner, José Resende e Waltércio Caldas ± na referida exposição. 21

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1.2 Pós-moderno: o termo e as suas peças Discurso transitório ou definitivo de crise? Apologia finissecular do ocaso? O fato é que ainda há um grande desacordo acerca do que seja o pós-moderno. Trata-se de um termo labiríntico e que, portanto, dá margem a equívocos.23 µ"Pós", "moderno" e "ismo" são as três peças que o compõem. O prefixo (do latim post, "atrás de", "depois") se tornou íntimo do jargão crítico-estético ("pós-impressionismo", "abstração pós-pictórica", etc.) e não há muito a dizer sobre ele. O mesmo não ocorre com o segundo elemento que contém em si algumas dificuldades. "Moderno" vem do latim modernus que, por seu turno, deriva de modus ("agora", "neste instante", etc.) e tem insistentemente designado, desde a idade média, o que é "novo" ou "contemporâneo". Todavia, uma impressão de facilidade, possível e digestiva se dissipa, se rastreamos o uso do termo na história da arte. Para os renascentistas do Cinquecento, "moderno" era o estilo gótico, enquanto que "contemporâneo" (ou "pós-moderno") seria o clássico. E não acaba aí. Para alguns, a era moderna pode designar tanto o período que se seguiu ao declínio da conjuntura medieval (o da consolidação do humanismo no Ocidente) quanto o subsequente a meados do século XVIII (ocasião em que entrou em cena a chamada civilização industrial). O terceiro e último  23 Jean-François Lyotard, um dos primeiros a contribuírem para o seu apresamento e polemização, já assinalara a problematicidade do termo, entre outros textos, em Le postmoderne expliqué aux enfants. Correspondance 1982-1985(PVXDRSLQLmRDSDUWtFXOD³SyV´LQGLFDULD uma marcação cronológica insustentável. Embora sugira tal ideia, ou seja, de referência epocal, não podemos esquecer que um procedimento dessa natureza ± tipicamente clássico-moderna ± GHVWRD GH VHXV SUySULRV SUHWH[WRV 2V WHUPRV ³SyV-PRGHUQR´ ³SyV-PRGHUQLGDGH´ H ³SyVPRGHUQLVPR´ DVVLP FRPR ³YDQJXDUGD´ ³PDQHLULVPR´ HWF  deveriam ser utilizados metaKLVWRULFDPHQWH6HJXQGRWDOOLQKDGHUDFLRFtQLRWRGDVDVpSRFDVWHULDPRVHX³SyV-PRGHUQR´ R que lembra discursos formalistas já manjados como os de Heinrich Wölfflin e Henri Focillon, entre outros). Encontramo-nos, por conseguinte, em um momento cronológico bem determinado cujas nuanças corresponderiam a certo Leitmotiv cultural, até aqui ainda evasivamente dimensionado. ͳ͸



elemento, o sufixo "ismo" (do grego ismós, "doutrina", "escola", "teoria ou princípio artístico, filosófico, político ou religioso", etc.), unido a determinadas palavras, pode transformá-las em nomes intimamente associados, entre outras coisas, à arte. Ao que tudo indica, o primeiro a usar o termo24 foi acadêmico inglês John W. Chapman. Em 1870, ele qualificou a sua arte como "pós-moderna" para poder contrastá-la com a então "moderna" pintura impressionista. Em 1934, foi a vez do historiador da literatura Federico de Oniz, para quem o postmodernismo abrangeria os anos de 1905 a 1914, época em que teria ocorrido uma reação nas letras hispânicas à sua penetração abrupta por digressões modernistas. Em 1942, Dudley Fitts referiu-se a um soneto de Gregorio Martinez como se este fosse o próprio "Manifesto do pósmodernismo". Em 1945, Joseph Hudnut, qualificou como "pós-moderno" qualquer projeto arquitetônico que confirmasse os avanços da produção serial. Em 1946, Toynbee lançou mão do termo, configurando com ele o período posterior a 1875. Em 1950, o poeta Charles Olson fez praticamente o mesmo que Toynbee. Em 1959, Irving Howe utilizou pejorativamente a palavra para rotular certos escritores do pós-guerra tais como Jerome D. Salinger, Bernard Malamud e Saul Bellow. Em 1960, outro crítico, Harry Levin, também o fez, aludindo a Norman Mailer, John Barth e Thomas Pynchon. Em 1961, Octavio Corvalan, no rastro de Oniz, falou de uma reação "pós-modernista" contra o modernismo na produção literária espanhola dos anos 20 e 30. Em 1962, chegaria a vez de William van 2¶&RQQRU FUtWLFR LQJOrV DR ODVWUHDU os escritos de Philip Larkin, Martin  24 Matei Calinescu, Five faces of modernity: modernism, avant-garde, decadence, kitsch, postmodernism, p. 132-144. Os interessados em obter informação mais detalhadas acerca dos GLYHUVRV XVRV GR WHUPR DVVLP FRPR DV GLVWLQo}HV WHyULFDV HQWUH R ³PRGHUQLVPR´ H R ³SyVPRGHUQLVPR´GHYHPFRQVXOWDURFDStWXOR³$YDQW-JDUGHDQGSRVWPRGHUQLVP´1HOH&DOLQHVFX matiza os posicionamentos de Arnold Toynbee, Harry Levin e Ihab Hassan. Os leitores devem também recorrer ao excelente resumo histórico-conceitual oferecido por Michael Köhler em ³3yV-modernismo: um panorama histórico-FRQFHLWXDO´ ͳ͹



Amis e Iris Murdoch. Em 1965, "pós-modernismo" foi uma designação comum, nas mãos de Leslie Fiedler, para escritores pop como William S. Burroughs, Kurt Vonnegut e Anthony Burgess. Em 1966, Nikolaus Pevsner utilizou o termo para qualificar uma arquitetura de têmpera expressionista. Em 1968, o crítico de arte Leo Steinberg falou do pós-impressionismo como de um novíssimo relacionamento entre o artista, a obra e o observador, detectável nos desempenhos de Robert Rauschenberg, Jasper Johns e Andy Warhol. Finalmente, em 1970, foi a vez de Ihab Hassan, referindo-se a uma visão crítica ± grandemente influenciada pelo pósestruturalismo ± que afirmava o fragmentário, o indeterminado e o jocoso.

1.3 Da dispersão à síntese A monotonia desses dados apenas corrobora a indecisão discursivoteórica em que mergulhamos. De uma hora para a outra, quase todos arquétipos viraram farsas. A pós-modernidade eventualmente tem se comportado como um cúmplice bizarro, uma espécie de sucedâneo ³romântico´ do moderno. O fato é que, na era pós-moderna, a história se adulterou, tanto epistemológica ± com a recusa do sentido único e a multiplicação de múltiplos níveis perceptuais í quanto existencialmente ± com o esbatimento dos dados imediatos no seio da mediascape. Ora se assiste a um consenso cujo cânon é, por via de regra, o fetiche. Psicose cíclica: espanto e melancolia parecem formar um arabesco inextricável. Exaltação e desalento que as artes, mais do que nunca, cristalizam. Partiu-se de um vanguardismo laboratorial e chegou-se ao déjà vu. Mas operar-se-ia uma fuga ou um retorno em relação a que? Com efeito, o conceito mostra-se, sob vários aspectos, ambíguo. Em primeiro lugar, vem sendo utilizado nos âmbitos mais díspares: artistas plásticos, ͳͺ



escritores, cientistas, filósofos, designers e cenógrafos saúdam-no ou deploram-no randomicamente. E nada poderia ser pior, pois, sem processamentos, o grosso das leituras opera em contradição.25 A primeira tentativa de aquilatação da cena pós-moderna produziu-se na arquitetura: ninguém mais ignora o pioneirismo do ensaio The language of postmodern arquitecture de Charles Jencks (ver bibliografia). Sabe-se que o debate se deslocou depois para o âmbito da reflexão filosofante com os posicionamentos bombásticos de algumas celebridades. Embora já presente no calor dos anos 60, foi intensificado a partir de 1979, com a publicação do seminal La condition postmoderne,26 de Jean-François Lyotard, e a anunciada crise do que se convencionou chamar de metanarrativas. Logo depois, Habermas veio em socorro da Tradição defendendo, com unhas e dentes, a validade de sua vigência e eventual recuperação.27 Sob a ótica filosófica, falou-se e discutiu-se muito ± até demais ± da parelha ³modernidade´ e ³pós-modernidade´. A pletora de discursos oriundos de diversos setores da cultura, acerca do advento de uma nova era lançou, contudo, no ar uma sensação incômoda de terminalidade. De qualquer maneira, a questão abriu, de saída, caminho para, no mínimo, três posturas. A primeira delas definindo-a como uma simples falação sobre a ³crise´, ou seja, um surto irracionalista a ser saneado em prol de um novo resgate do lógos. A segunda considerando-a o desdobramento de uma

 25 Para o historiador Félix Torres R FRPSRUWDPHQWR ELIURQWH GRV IHQ{PHQRV GLWRV ³SyVPRGHUQRV´ HQFDUQDULD XPD HVSpFLH GH FOtPD[ LQVWLWXFLRQDO 9HU R VHX ³0pWDPRGHUQLWp UHPDUTXHVG¶XQHQRXYHOOHTXHUHOOHGHVDQFLHQVHWGHVPRGHUQHV´S 26 Segundo Jean-François Lyotard, a era pós-moderna marcaria o fim das grandes mitologias, modelos cosmológicos e racionalizações que esgotam todas as dúvidas. Em função disso, haveria maiores espaços para uma aspersão discursiva universal, sendo que os megassistemas de pensamento, quando conseguissem funcionar, o fariam setorizadamente. 27 -UJHQ+DEHUPDV³0RGHUQLW\YHUVXVSRVWPRGHUQLW\´ ͳͻ



³modernidade como projeto inacabado´28 cujos paradigmas estéticos ainda estariam longe de definhar. A terceira í certamente a mais difusa í afirmando-a como a manifestação de um caso instigante com o presente, livre das megaestruturas de um historicismo de bases metafísicas, ou seja, algo como um phylum desconstrutor, assumidamente aberto a sentimentos arqueológicos. Sob este aspecto, o fenômeno vem inspirando, sem dúvida, polêmicas acaloradas que fizeram, por sua vez, despontar uma verdadeira encruzilhada acerca do empreendimento pós-moderno. A escola francesa ± representada in limine por Jean Baudrillard e por Lyotard ± ganhou o rótulo de ³neonietzschiana´.29 Outros nomes ± entre eles os de Arthur Kroker e David Cook,30 Terry Eagleton31 e Fredric Jameson ± ganharam uma maior notoriedade no cenário anglo-americano. A retórica baudrillardiana alinhavou, com uma lúcida entourage marxista, o niilismo de boa parte do discurso filosófico pós-68. No centro de seus esquadrinhamentos32 está a noção de ³simulacro´ ± espécie de dicção vazia estreitamente associada à atual insularidade das práticas simbólicas. Com angulações instigantes sobre os sortilégios do aparato mediático, ela conseguiu ofuscar, de uma vez por todas, leituras amplamente difusas como as de (ou as amparadas em) George Orwell e Marshall McLuhan. Um de seus aportes mais valiosos foi, sem dúvida, chamar a atenção para a riqueza surpreendente de certas clivagens  28 ,DQ $QJXV ³+DEHUPDV FRQIURQWV WKH GHVFRQVWUXFWLRQLVW FKDOOHQJH RQ 7KH SKLORVRSKLFDO GLVFRXUVHRIPRGHUQLW\´ 29 Vincent Descombes, /HPrPHHWO¶DXWUHTXDUDQWH-cinq ans de philosophie française (19331978). 30 Arthur Kroker e David Cook, The postmodern scene: excremental culture and hyperaesthetic 9HU WDPEpP GH 6WHYHQ %HVW ³$IWHU WKH FDWDVWURSKH SRVWPRGHUQLVP DQG KHUPHQHXWLFV´ H GH 6WHYHQ &RQQRU Postmodern culture. An introduction to theories to contemporary. 31 7HUU\(DJOHWRQ³&DSLWDOLVPPRGHUQLVPDQGSRVWPRGHUQLVP´ Ver também Steven Connor, op. cit. 32 /XFLR$3ULYLWHOOR³0XWXDOYHUWLJR´ ʹͲ



insuspeitas do cotidiano. Além do mais, o legado baudrillardiano acabou se tornando especialmente estratégico para uma diagnose geral da crise narrativa.33 O posicionamento de Lyotard, embora menos espectral, não foi menos devedora do espírito pós-68 e, portanto, inclinado a ressaltar a falência da herança moderna. Para ele, a pós-modernidade é singularmente crítica, uma espécie de refluxo que precederia a superação universal das grandes narrativas. Entre as suas convicções, destaca-se a ideia de uma deslegitimação total do prisma iluminista. Embora também refutando as metamorfoses metodológicas do marxismo tradicional, o intelectual francês sugeriu que aquela ideia deve evocar primordialmente os curtos-circuitos causados na sociedade burguesa pelo desmonte súbitos de vários de seus campos táticos. Segundo Matei Calinesco:

[...] Lyotard rejeitou sumariamente a noção de Diskurs ou de consenso racional, afirmando que, com a desintegração da modernidade, o valor da nova consciência

(pós-moderna)

tornou-se

destoante,

enquanto um princípio de orientação [...] Mas tal repto à doutrina habermasiana da modernidade ganhou notoriedade como uma argumentação acerca da falta de credibilidade das FRQFHSo}HVXQLYHUVDOLVWDVHGR³conto

 &KULVWRSKHU 6KDUUHW ³3RVWPRGHUQ QDUUDWLYH FLQHPD $HQHDV RQ D VWUROO´ As ideias de Jean Baudrillard tornam-se importantes para uma apreciação do declínio, no cinema mais recente, da linha narrativa ± UHGX]LGDDJRUDjFRQGLomRGH³IDQWDVPDJRULD´± e dos exercícios ilusionísticos ± substituídos pelo apego escancarado ao tecnológico. Sharret analisa o alcance estratégico, na década, de certos filmes como Live and die in L. A. (Dir. William Friedkin, 1985), Street of fire (Dir. Walter Hill, 1984), Repo man (Dir. Alex Cox, 1984) e Blue velvet Dir. (David Lynch, 1986), entre outros. 33

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de fadas´ ideológico a partir do qual o projeto moderno tem ultimamente derivado.34 Quanto a Jameson,35 pode-se dizer que optou por rastreamentos do contemporâneo que primam pelo afinco metodológico e um rigoroso senso das transversalidades. Ao ler os seus textos, nos deparamos com uma abordagem tendente ao sincretismo, porém apta a escorar o que ele chama de teoria contemporânea36 com dispositivos analíticos mais apropriados e convincentes. Sob a influência inequívoca de uma tradição marxista à européia, este chef de file ianque navega com desenvoltura entre os frankfurtianos, Jean-Paul Sartre, Henri Lefébvre e Louis Althusser, concentrando-se em determinados temas como a fundação histórica do sujeito burguês37 e o papel dos elementos superestruturais na conformação ideológica. A seu respeito, disse Christopher Sharrett:

O projeto de Jameson acerta em cheio ao encarar o pós-modernismo como um campo de batalha [«]) O seu enfoque é o de um materialista histórico que subsume a era pós-moderna no interior do capitalismo tardio [...] O questionamento da economia de Estado  34 Matei Calinescu, op. cit., p. 274. 35 )UHGULF-DPHVRQ³3RVWPRGHUQLVPRUWKHFXOWXUDOORJLFRIODWH FDSLWDOLVP´ Trata-se de uma GDV PDLV LQWHUHVVDQWHV DQiOLVHV GD ³QRYD VHQVLELOLGDGH´ (PSHQKDGR HP GLVVLSDU GH YH] R nevoeiro que prejudica a visibilidade do fato pós-moderno, Jameson nos presenteia com um mapeamento ágil e contundente. A esse propósito, vale a pena checar ainda, de David S. Gross, ³0DU[LVPDQGUHVLVWDQFH)UHGULF-DPHVRQDQGWKHPRPHQWRISRVWPRGHUQLVP´ 36 )UHGULF-DPHVRQ³3RVWPRGHUQLVPDQGFRQVXPHUVRFLHW\´S 37 Id. ibid. p. 113-123. Considerando o pós-PRGHUQLVPR ³XP FRQFHLWR GH SHULRGL]DomR FXMD principal função na vida cultural é correlacionar a emergência de novos traços formais na vida cultural e de uma nova ordem econômica chamada, frequente e eufemisticamente, de modernização, sociedade pós-industrial ou sociedade de consumo, sociedade da mídia ou do HVSHWiFXOR RX FDSLWDOLVPR PXOWLQDFLRQDO´ HVWH LUUHTXieto intelectual esboça uma descrição do que seriam dois de seus traços essenciais: o pastiche e a esquizofrenia. ʹʹ



pelo capitalismo multinacional representa, sem dúvida, uma ameaça à integridade do sujeito monádico burguês. Tal postulado está na base da visão jamesoniana do papel do sujeito no âmbito cultural pós-moderno. Neste, dar-se-ia uma suprema reificação da alienação [...] e a afirmação de um consenso em que o sujeito se vê privado de referências ± carente de uma noção mínima de causalidade ± e compelido a aceitar que a opção pela utopia (ou pelo radicalismo) é ingênua ou datada. O sujeito, enfim, ³esquizofrenizase´ a partir do momento em que a sua cadeia significante e, portanto, a sua consciência histórica acaba definitivamente rompida.38

1.4 O campo instável Os intelectuais citados acima têm em comum o fato de estudarem o fenômeno pós-moderno em função da negatividade (ou não) dos impactos da mídia sobre cada um de nós. Seja como for, faz tempo que o entorno foi aparentemente substituído por um teatro de sombras cuja função primordial seria paralisar a todos com os seus sortilégios. Graças a ele, o sujeito se converteu em um engodo39 e chafurdou na própria opacidade. Ao GHVPRUDOL]DUHP DV ³megaexplicações´, o sistema centrado e a dinastia secular da univocidade significante, os tempos pós-modernos acabaram reforçando o vigor poético da indeterminação. Na opinião de Félix Torres,40 o pós-modernismo encerraria mutações que traduzem, no cerne  38 Christopher Sharrett, op. cit., p. 80. 39 )UHGULF-DPHVRQ³3RVWPRGHUQLVPDQGFRQVXPHUVRFLHW\´S 40 Félix Torres, op. cit., 23. ʹ͵



das modalidades artísticas, uma sensibilidade alternativa. Contudo, até que ponto seria razoável dizer que, no mosaico de aspectos oferecido por ela, se destacaram contrapontos? Tal mentalidade, ao que parece, tenta repertorizar conexões improváveis e inerentes aos diversos fenômenos culturais. A eventual extensão desse horizonte se deve diretamente à potencialidade de quebracabeças que condiciona as regras do jogo. Omar Calabrese optou, como foi dito, por chamar de ³neobarroco´ DR JRVWR ³caleidoscópico´ em vigência: ´XP DU GR WHPSR TXH VH DODVWUD D PXLWRV IHQ{PHQRV GH KRMH HP WRGRV RV campos do saber, tornando-os parentes uns dos outros, e que, concomitantemente, os faz diferirem de todos os outros fenômenos de FXOWXUD GH XP SDVVDGR PDLV RX PHQRV UHFHQWH´ 41 Assistiu-se à perda do íntegro, do universal, da sistematicidade ordenada das formas em troca do instável e do polidimensional. À ordem sucedeu não simplesmente o caos, mas um arranjo inédito adaptado, em nível simbólico, à pujança das diferenças. Sob este aspecto, uma obra como /µHWi QHREDUURFD revela-se até hoje bastante útil, apesar das dificuldades que enfrentou na consecução de seus objetivos e meios. Resultante de uma crise perceptual crônica, a condição pós-moderna vem sendo sintomaticamente varrida por uma onda de historizações da esfera privada. Em função disso, é possível dizer que um dos fatores que melhor distinguem modernos e pós-modernos é que, enquanto aqueles priorizaram os processos per se, para estes, a história tornou-se o x da questão. Estratégias de esmiuçamento e progressão, por um lado; programas de revisão e recorrência, pelo outro. O grande desafio dos jovens artistas foi, pois, arrefecer o imperativo tirânico da produção do novo sem perseverar pura e simplesmente nos  41 Omar Calabrese, op. cit., 10. ʹͶ



truísmos da similitude. Habituados a conceber a prática vanguardista como gestão de ruptura, acreditamos que o seu desprestígio se deveu a um deslocamento contínuo dos sujeitos pelo sistema. As vanguardas definharam quando as suas formulações acabaram arregimentadas em um academicismo ambivalente, embora o seu ideal sempre tenha sido a débâcle da ordem dominante. Mas é claro que ± e ao seu modo, diga-se de passagem ± a arte pósmoderna procurou preservar o pacto simbólico. Para tanto, endossou o fôlego fantasioso do espectador com dialéticas de enfeite que objetivavam apenas disfarçar o comprometimento básico de nossa época com a chamada ordem do simulacro.

2. O conceito de vanguarda 2.1 Esplendor e ruína É indiscutível o desprestígio dos modernismos42 nos dias de hoje. Tal constatação ganha contornos peculiares principalmente no que tange às atividades plásticas. Ainda que envolvidos com questões ainda ligadas ao discurso da primeira vanguarda, os protagonistas da cena atual têm insistido em desviar-se de posicionamentos que, de alguma forma, possam vinculá-los a ela. De acordo com essa lógica, as respostas ou saídas procuraram ser radicalmente outras. Para os pintores dos anos 80, os estilos deixaram de personificar uma apoteose da genialidade para se comportarem  42 (P ³$YDQW-garde, neo-avant-JDUGH PRGHUQLVP TXHVWLRQV DQG VXJJHVWLRQV´ 0LNOyV 6]DEROF]L DSyV GHVDSURYDU D JHQHUDOLGDGH H[FHVVLYD GR WHUPR ³PRGHUQLVPR´ HVWH GLOXLULD DV diferenças fundamentais e as contradições intrínsecas entre as tendências assim rotuladas), UHDILUPDTXH³DVLQFOLQDo}HVQRFRPSOH[RGHVHQYROYLPHQWRGDOLWHUDWXUDHGDVDUWHVLQLFLDGRHP SRGHPVHUGLYLGLGDVHPJUXSRVHQWUHRVTXDLVDYDQJXDUGDFHUWDPHQWHVHGHVWDFDYD´ S 50). Segundo essa trilha, seria viável considerar vanguardista qualquer tendência artística possuidora de um programa estético, filosófico e, em muitos casos, político bem alinhavado. ʹͷ



como meros signos operatórios. Tal postura se revela bastante razoável se levarmos em conta a fragmentação que aquele conceito sofreu durante os seguidos desdobramentos da arte novecentista. Outros valores in progress foram os de originalidade43 e expressão.44 O culto romântico à obra original feneceu à medida que a montagem virou uma prática hiperativa. Os critérios convencionais de expressar se viram desprestigiados a ponto de caírem no ostracismo. Tudo isso dentro de um contexto peculiar de absorção total da fatura pelo sistema. Cada vez mais dependente em relação ao mercado, o artista como que domesticou a sua obra para atender, via de regra, a expectativas ferozes de lucro. O sacerdócio político antes tão decantado pelas utopias tornou-se démodé e praticamente se perdeu no interior da reviravolta. Não resta dúvida de que a grande contribuição das vanguardas foi a denúncia da função preservacionista secularmente desempenhada pela arte: uma missão de apresamento valorativo e de repetição ideológica cumprida, muitas vezes, às custas da própria identidade. A análise crítico-revisionista implementada por diversos enfants térribles do século passado possibilitou reconhecidamente um rebalizamento belíssimo e necessário desse quadro. Entre as inevitáveis consequências dos projetos de reconstrução incluiu-se, até mesmo, a implosão do fator-obra. O ideal da obra-prima angariou, ao longo dos séculos, um número acentuado de visões incomuns. Como sustenta Howard Fox, isso não resultou na "absoluta necessidade ou exatidão de qualquer estilo em geral e no mérito particular de cada um".45 Cada nova produção pareceu eclipsar a anterior em uma espécie de efeito

 43 5RVDOLQG.UDXVV³7KHRULJLQDOLW\RIWKHDYDQW-JDUGHDSRVWPRGHUQLVWUHSHWLWLRQ´ 44 +DO)RVWHU³7KH H[SUHVVLYHIDOODF\´ 45 +RZDUG)R[³$YDQW-JDUGHLQWKHV´S ʹ͸



anestésico que, aos poucos, foi mitigando o encanto estilístico até dispersálo.46 Outro aspecto digno de nota foi a valorização pós-moderna de uma experiência cultural compartilhada. É bem verdade que os modernos propalaram o divórcio entre o indivíduo e a cultura, defendendo, a todo custo, o objeto autônomo como um ideal de liberdade e transcendência. A propósito, um dos baluartes dessa premissa foi a teoria da não objetualidade47 ± desenvolvida por Kazimir Malevich, sob a forma de manifesto, em 1905. O vanguardista russo está entre os que clamaram pela supremacia de uma sensação pura na arte, no sentido de que fosse possível sobrelevar qualquer percepção externa ao objeto. As lentes do suprematismo supunham que todo resíduo anedótico í SRU DFDVR DLQGD persistente após o ato abstrativo ± deveria ser eliminado em prol de uma plasmação absoluta das harmonias.48 De um modo ou de outro, o conceito de vanguarda tem se mostrado hoje quase tão polêmico quanto o foi na época de sua cunhagem inicial, no início do século passado, por Saint-Simon. Numerosos artistas hodiernos desenvolveram uma redefinição do que significaria ser ³vanguardista´ em termos pós-modernos. Isso após assimilarem criticamente os princípios e fundamentos do modernismo, pois é indiscutível o desprestígio destes  46 De mito poderoso a simples vaidade, o status se viu inteiramente desestabilizado pela imaginação proteica dos novos artistas. As argutas observações de Fox sobre certo óleo de Pat Steir LOXVWUDomR VHUHYHODPDSURSyVLWRPXLWRHVFODUHFHGRUHV'L] HOHTXHVHWUDWDGH³XP vasto trabalho que reproduz livremente a imagem de uma natureza-morta de Jan Brueghel, o 9HOKR ³)ORUHVHPXPYDVRD]XO´ TXHFRQVLVWHHPVHVVHQWDHTXDWURSDinéis, cada qual pintado segundo um diferente estilo histórico ± do classicismo renascentista de Botticelli ao neoexpressionismo de Georg Baselitz, passando ainda por Max Beckmann. Aludindo também a vários outros estilos, a tela de Steir se comporta como uma enciclopédia virtual de possibilidades pictóricas. É mais do que uma simples homenagem aos artistas cujos traços ela absorveu tão admiravelmente. Como o próprio subtítulo (A vanitas of style) sugere, há uma noção de originalidade e de gênio individual no contexto da história. Steir questiona a SRVVLELOLGDGHGDRULJLQDOLGDGHSHUSpWXDHGD H[SHULrQFLD YLVXDO³DXWrQWLFD´ QHVWD tour-de-force da sensibilidade pós-PRGHUQD´ RSFLWS  47 Filiberto Menna. La opción analítica en el arte moderno: figuras e íconos, p. 53 e segs. 48 Howard Fox, op. cit., p. 29. ʹ͹



últimos nos dias de hoje. Esta constatação ganhou contornos peculiares, principalmente no que tange às atividades plásticas. Não obstante tudo isso, os artistas pós-modernos tentaram abolir decididamente aquele divórcio, uma vez que criam ser um contrassenso fomentar antagonismos (espontâneos ou não) entre o fato e o seu background. Com a expansão tecnológica da imagem, as aspirações da ortodoxia modernista passaram a soar desnecessariamente inibidoras. Na década passada, ao contrário, aspirou-se à recuperação da descontinuidade entre o objeto e o mundo, já que insistir nas fissuras entre o indivíduo e o grupo poderia resultar em um afrouxamento de desígnios éticos tidos como imprescindíveis. Após repetir-se nos anos 60 e 70, a prática mercadológica acabou por desarticular de vez a ideia do ³estar à frente´.49 Tem-se a impressão nítida de que esta pereceu seduzida pelo próprio inimigo contra o qual tanto pelejou. Em um piscar de olhos, os transgressores viram-se enredados pela trama institucional que, a bem dizer, passou a agir como a pedra de toque irônica de suas aventuras. Todos reconhecem a importância decisiva de determinados espaços (caso, por exemplo, dos classudos nova-iorquinos MOMA e Mary Boone Gallery) que atuaram, nos últimos anos, como verdadeiros termômetros mercadológicos. No entanto, perdidos os últimos resquícios da função outrora revolucionária, qualquer investimento vanguardístico pareceu pouco à vontade com o próprio rótulo. O sucesso das transgressões acabou por guiar todas as caminhadas para um solitário beco sem saída.50 Sonhos programáticos e sedes de porvir pareceram evaporar, restando apenas, de concreto, a platitude do beco, a muralha LQWUDQVSRQtYHORUHDOLQKDPHQWRGDVPHWDV«  49 5REHUW+XJKHV³7HQ\HDUVWKDWEXULHGWKHDYDQW-JDUGH´ 50 Rosalind Krauss, op. cit. ʹͺ



Sem dúvida, a presente inoperância das vanguardas é consequência direta da postura assumida por um razoável quinhão de artistas. Quebrando um relacionamento estigmatizado por certa dose de autossuficiência, muitos se mostraram permeáveis a um engajamento de interesses e a uma captação recíproca de vivências antes totalmente inviável. Tal engajamento espelharia, inclusive, as refrações mais comuns da arte no seio do capitalismo pós-industrial em sua priorização máxima do economicamente viável. Assim, contrapondo-se ao sonho modernista de uma delimitação efetivamente medular da obra (que, repetimos, chegou a incluir, por paradoxal que pareça, a dispensa do próprio espectador), uma predisposição conjunta para o interesse mútuo vem pontuando o cenário hodierno. Nele cabe a investigação plena e a validação de todos os elencos possíveis de leitura e isso sem tabus ou pré-condições no que tange à consecução da poíesis.

2.2 Os três estágios A vitalidade preciosa que a arte adquiriu ± assim como o grau crescente de visibilidade por ela contemporaneamente conquistado ± não seriam, na prática, possíveis sem um esforço grande e doloroso. Depois de vários séculos em que se viram submetidos aos ditames da heteronomia ± cuidadosamente controlados e docilizados pelos inúmeros agentes do Estado e do mercado (o clero, a nobreza, a burguesia, a mídia, etc.) ± puderam os artistas expor, enfim, os seus projetos, utopias e intencionalidades pessoais, mediante um empenho obsidiante em uma das "invenções"

mais

revolucionárias

da

modernidade:

as

chamadas

vanguardas históricas. Assim como inspirou-os um desejo sôfrego de ʹͻ



páthos, de experimentação e de transgressão, moldou-os também uma nova percepção do tempo e um conceito não recorrente de temporalidade, pois seria necessário partir, de um modo ou de outro, em busca do que fora desfeito ou desperdiçado em nome dos outros. De acordo com Gustave Courbet, o objeto da ira de qualquer artista sério em meados do século passado não poderia mesmo deixar de ser, naquele momento tão decisivo, contra o filisteísmo burguês, sendo épater les bourgeois ³FKRFDU RV EXUJXHVHV´  um lema bem oportuno para a ocasião. Mais do que proporcionar uma atmosfera alternativa para as normas da tradição, criativa e agradável em termos estéticos (o que já era muito para o contexto espiritualmente pobre do período), e mesmo repartível (embora de um modo bastante problemático) sob as condições da sociedade de então, importava influenciá-la e assim alterar os rumos de um mundo cada vez mais permeado por uma mentalidade pragmática, repetitiva e imediatista. Não por acaso, um pouco adiante, múltiplos tipos de manifestos e palavras de ordem vieram à tona, imbuindo a arte com o mesmo tipo de função (já incorporada à época, em parte, pelas ciências do homem e pela especulação filosófica) ± a ruptura, a inquietação, a estridência poética ± no sentido de incentivar ou, ao menos, facilitar uma reforma simbólica furtiva pela via da conscientização crítica. Segundo essa visão, a arte não mais deveria se contentar com migalhas e se comportar como uma entre tantas outras máquinas de reprodução

(leia-se

mímesis,

"imitação"),

seja

de

procedimentos

discursivos de verdade, seja do que a circundaria no nível imagético, no plano ou no registro da mera percepção. Investindo na fabricação de enunciados fortemente intempestivos, fomentadores de um projeto de ação interventora na realidade, ela tampouco se limitou, dali por diante, ao jogo ± por si só altamente virulento ± da expressão individual, mas, sobretudo, à ͵Ͳ



possibilidade da partilha de sentido pelo grupo. Pela vez primeira, assumiase que os artistas não poderiam continuar fingindo serem neutras as suas atividades, atitudes e propósitos. Na verdade ± e isso sempre teria se dado nesses termos ± eles não poderiam fazê-lo mesmo que quisessem. Originalmente utilizado no sentido bélico, o termo avant-garde surgiu em 1830 dentro do círculo republicano parisiense para depois se popularizar na terminologia dos socialismos utópicos graças ao seu legítimo idealizador, o saint-simonista Émile Barrault. Quinze anos depois, eclodiu nos escritos de Gabriel Laverdant, discípulo de Charles Fourier e, a seguir, nos de Pierre-Joseph Proudhon, já como um rótulo para o progressismo comunista. Somente, porém, na segunda metade do século XIX foi definitivamente incorporado ao repertório político. Ainda na França, entre 1880 e 1910, diversos periódicos utilizaram-no como título e a sua novidade acabou se convertendo em jargão para, na maioria dos casos, batizar movimentos de índole radical. Na primeira década do século XX, o uso exclusivamente político do termo se tornou menos frequente (embora retornasse na década seguinte para designar, quase sempre, o socialismo e o comunismo) e a crítica literária também passou a utilizá-lo. De lá para cá, foi se restringindo à terminologia crítico-acadêmica, embora as antigas nuances tenham recrudescido, há cerca de sessenta anos, no calor das badalações contraculturais. Segundo Jencks,51 o fenômeno ± a partir de 1820 ± atravessou três momentos bem definidos: estágios denominados de heroico, purista e radical antecederam o que depois se chamou de pós-vanguarda. Em sua opinião, o adjetivo ³heroico´, aplicado ao primeiro estágio, remetia, com efeito, ao ideário de Saint-Simon que, em 1823, defendeu a engorda de uma  51 &KDUOHV-HQFNV³7KHSRVWDYDQW-JDUGH³ ͵ͳ



frente social de vanguarda cuja bandeira era a não separação do artístico e do ideológico em compartimentos-estanques. Por ironia, isso veio a ocorrer adiante (nos anos de 1880), quando os purismos modernizantes optaram por se concentrar nas linguagens isoladas (pensemos na arte pela arte como um dos principais lemas vanguardistas cujos rastros ainda se fazem presentes). Entre os muitos artistas influenciados por essa versão figuraram o citado Courbet e uma plêiade de representantes da corrente funcionalista (casos de Walter Gropius, Ludwig Mies van der Rohe e Le Corbusier). Foi justamente nesse estágio que amadureceu o projeto de deselitização da arte a que nos referimos parágrafos atrás. A partir dele, instituiu-se que cada obra deveria atuar como um mecanismo de revigoramento simbólico. Em todo caso, abriu-se a possibilidade de uma segunda dobra cuja marca registrada veio a ser a efervescência da experimentação formal. Ancoradas nas reivindicações do estágio anterior por um grau maior de liberdade sociopolítica, as vanguardas puristas investiram pesadamente na autonomia do espírito e se empenharam pelo desabrochar de novas possibilidades discursivas. Concebido em torno dos anos 1920, esse segundo estágio acabou arregimentando nomes ilustres das artes plásticas (de Josef Albers a Frank Stella) e da arquitetura (de Buckminster Fuller a Norman Foster). Quanto ao terceiro estágio (o radical), pode-se dizer que predominou, sobretudo, ao longo das duas primeiras décadas do século passado, tendo sido encabeçado, quase sempre, por futuristas e dadaístas. Marcou-o bastante a tentativa de superar a linha divisória entre o poético e o vital. Conferir um estatuto de museu aos espaços públicos e transformar as ruas

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em galerias implicou, sem dúvida, em um ataque quixotesco aos "moinhos" burgueses.52

2.3 Código, ruptura e salvagem Uma tentativa de caracterização dos vários vanguardismos do pósguerra indica, entre outras coisas, que a sua base comum foi o afrouxamento da tensão natural ± incentivada pelas vanguardas históricas ± entre o artista e o público. Em linhas gerais, isso significa que, não logrando enraizar convenientemente o seu trabalho (ou seja, dotá-lo de uma função, objetivo e significado lídimos), os artistas se viram às voltas com uma reação em cadeia de opções e recursos somente consolidáveis mediante a reforma drástica dos códigos artísticos e, se necessário, de seu próprio registro. Um dado valioso para o entendimento correto de tal postura foi a brusca transformação social a que aqueles se viram submetidos em fins do século XVIII. Até ali relegado à aprendizagem de um ofício e legitimado pela prática do mecenato, o seu papel alterou-se radicalmente com a criação e a proliferação das academias. Deixando o gerenciamento, digamos, técnico-mecânico dos processos de elaboração da obra para os artífices, acabaram prostrados diante de um novo corpus e ainda a serviço de um Estado forte e centralizador. Contudo, coube a eles, no fim das contas, um dilema: optar pela criação paralela ou pela digressão criativa. Os que não aceitaram as regras do jogo tomaram, em geral, o caminho da fuga ou da intenção socializante. De qualquer maneira, ambas as opções terminaram por constituir a mesma expressão de repúdio a um aparato  52 Peter Bürger, Theory of the avant-garde. O resultado mais surpreendente dessa empresa foi a concepção de uma obra autônoma e inteiramente desvinculada da sociedade. Para alguns scholars ± entre eles Bürger ± ela conseguiria encarnar a própria essência da arte. ͵͵



ideológico que insistia em vê-los como "bufões mais ou menos habilidosos nas mãos das classes dominantes". 53 Configurou-se, desse modo, uma situação sociológica inusitada. A dissolução do pacto oficial entre o artista e o seu público foi agravada pela vertigem das reciclagens. Certamente adveio daí uma boa cota da fama de incompreensibilidade conferida à obra de arte vanguardista. Não se satisfazendo com os aspectos mais familiares do real, o artista submeteu os seus temas a um aprimoramento intenso, levando-os a assumir, quase sempre, sentidos abertos e velozes. Seja como for, parte daquela fama se deveu a tais mergulhos e à esperança, por vezes fundada, de expor conexões, de "tanger a essência das coisas, de atingir o epicentro das transformações, seja através da verticalidade intuitiva, seja pelo caminho mais longo do êxtase ou da especulação pura e simples".54 O quadro aqui delineado poderia se aplicar a quase todas as tendências surgidas na virada do século. O traço distintivo das vanguardas foi, sem dúvida, o seu não conformismo disciplinar em relação à crise e à sua determinação em resgatar í na verdade, em preservar í o pacto simbólico, através de um grande projeto de recodificação. 55 A ruptura com a imitação levou um punhado de artistas a alterar as normas do exercício espaço-temporal. Com tais fatores intencionalmente embaralhados, o mundo se transformou em um amontoado de peças soltas. A continuidade entre este e obra acabou prejudicada pelo efeito fragmentário constante, reflexo de uma tentativa de se acompanhar pari passu a dinâmica do progressismo tecnológico. Em seu lugar, assumiu a profusão acrônica, as coordenadas abstratas de uma fenomenologia quantificadora. A obra,  9LFWRULD&'H[HXV³(OGHVFUpGLWRGHODVYDQJXDUGLDV´S 54 Miklós Szabolczi, op. cit., p. 55. 55 Charles Russell, Poets, prophets, and revolutionaries: the literary avant-garde from Rimbaud through postmodernism.

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sedimentada como uma elipse, deixou de descrever para se apresentar inteiramente relativa e processual. Todos esses índices de alteração giraram, por outro lado, ao redor de um esforço ± ao mesmo tempo sincero e apaixonado ± de preservação da arte. No contexto da segunda Revolução Industrial, o artista questionava, confuso, os próprios valores e concluía que, para sobreviver, teria que acelerar o passo. Para tanto, operações de desmonte se fizeram imprescindíveis. Hoje, carecendo de novas bodas com o público, ele não hesita em eliminar as hierarquias e em mitigar ainda mais a já tênue fronteira entre a alta e a baixa culturas.56 Por conseguinte, as vanguardas acabaram tendo que desmontar o próprio maquinário artístico. Desafiado pelo pique contínuo do real, este corria o risco de se tornar obsoleto e, mesmo, descartável. Para evitar tal tragédia, alguns procuraram o lastro da exatidão científica e da precisão técnica, enquanto outros se empenharam em apenas engajá-lo.57  56 Vendo em seu After the great divide: modernism, mass culture and postmodern o pósmodernismo como uma espécie de retomada de tópicos legítimos perpetrados pelas vanguardas históricas (mas, posteriormente, embaciados pelo enrijecimento alto-modernista), Andreas Huyssen avalia, com a acuidade habitual, os efeitos estéticos da desestabilização da dicotomia FOiVVLFDHQWUHRPRGHUQLVPRHDFXOWXUDGHPDVVD³&KDPDUGH*UDQGH'LYLVmRXPFHUWRWLSRGH discurso que insiste na distinção categórica entre as chamadas high arts e a cultura de massa. Em minha opinião, tal divisão prestar-se-ia muito mais para uma compreensão teórico-histórica do modernismo e de seus rebentos, do que para uma suposta ruptura histórica que, aos olhos de muitos críticos, dar-se-ia entre o modernismo e o pós-modernismo. O discurso da Grande Divisão predominou fundamentalmente em dois períodos: nas duas últimas décadas do século XIX e nos primeiros anos [do XX] e nas duas décadas que se seguiram à Segunda Guerra. A crença na Grande Divisão, com suas implicações estéticas, morais e políticas, ainda pesa nos meios acadêmicos [...] Contudo, se vê cada vez mais questionada pelos recentes desdobramentos nas artes plásticas, no cinema, na literatura, na arquitetura e na crítica. Esse segundo questionamento do século à dicotomiDMiFDQRQL]DGDGRµDOWREDL[R¶JDQKRXRQRPHGH pós-modernismo. Seguindo os passos da vanguarda histórica (em outros termos, é claro), o pósmodernismo rejeita as teorias e as práticas da Grande Divisão. Na verdade, o nascimento de um pós-moderno autônomo não poderá ser adequadamente compreendido sem que os diferentes posicionamentos de ambos com a cultura de massa também o sejam. Falta às muitas discussões sobre o pós-modernismo enfocar este problema. Só assim conseguirão atingir o seu verdadeiro objetivo, deixando de se atolar na fútil tentativa atual de reduzi-lo, em termos de definição, a um VLPSOHVHVWLORHQDGDPDLV´ 3UHIiFLRS  57 Miklós Szabolczi, op. cit. Segundo este autor, o surrealismo e o construtivismo, por um lado, e o dadaísmo e o expressionismo, pelo outro, personificariam a alternância de duas tendências ͵ͷ



Este detalhe do engajamento é aqui de suma importância, tendo em vista que as vanguardas se mostraram, desde o início, ideologicamente permeáveis. O desamparo aparente de que se viu vítima o artista tensionou, de fato, reações atípicas. O expressionismo patético do grupo alemão Die Brücke ("A ponte") e a antiarte dadá encarnaram, por excelência, uma gestualidade de deriva e escárnio adequada a uma época em franco processo de hybris e melancholia.58 No entanto, a crença de que o século XX assistiu a uma sucessão de cortes formais gloriosos, cada qual superando o outro em ousadia e brilhantismo, também foi vista como tendenciosa. Segundo Victoria C. Dexeus, vários historiadores ainda fomentam essa concepção que, no fundo, hipostasia a ruptura como a única categoria definitória e diferencial das vanguardas. Em sua opinião, é razoável afirmar que "se concebeu uma história na qual o cubismo só fez romper com a perspectiva renascentista; o fauvismo, com as cores locais; os abstracionismos, com a representação mimética; o dadaísmo, com a ideia da arte-patrimônio de gênios inspirados, etc."59 Oferecendo uma alternativa interessante à questão, alguns teóricos sustentaram ser a renovação do código bem mais decisiva do que qualquer ruptura. Sob tal perspectiva, caberia às vanguardas propor ilações que implicassem para valer em um aguçamento da percepção estética, mediante a estratégia dos deslocamentos semânticos, ou seja, através da manipulação intencional do significante à caça de significados outros.  contrastantes, de dois tipos fundamentais de revolta. Enquanto alguns preferiram construir e firmar uma aliança perene com os movimentos ditos revolucionários, outros optaram pelo lamento e pelo desencanto como formas de repúdio a um sistema social esteado na irracionalidade e na ridicularização. 58 Vale a pena consultar a respeito o estudo de Sergio Givone, Hybris e melancholia: studi sulle poetiche del novecento. Ali é traçado um valioso mapeamento estético do século, em torno de nomes seminais como os de Rainer M. Rilke, Paul Valéry, Hermann Hesse, Wassily Kandinsky e Paul Klee, entre outros. 59 Victoria C. Dexeus, op. cit., p. 115. ͵͸



Considerados

os

equívocos

de

cada

concepção

(poderiam

perfeitamente aplicar-se a todo o vasto segmento pós-renascentista da história da arte), Dexeus revela: >«@ não ser, portanto, nem a ruptura formal, nem a capacidade de sugerir interpretações renovadas do mundo ± fatores detectáveis ao longo dos séculos ± o que

diferenciaria

os

vanguardistas

de

seus

predecessores. A característica distintiva dos primeiros parece antes radicar em sua relação específica com a sociedade, na postura incômoda de alguém que se sente à margem e que se propõe deliberadamente um projeto ativista e transformador frente a tal situação.60

Objetivando situar a vanguarda sob um parâmetro não habitual, ela propõe a superação de paradigmas classificatórios já gastos: no caso, o sociológico ± centrado na superação hipotética de um estágio interpretativo do real por outro essencialmente transformador ± e o formalista centrado na ideia de ruptura. Para evitar o costumeiro desfile de nomes ± e procurando considerar tão somente os propósitos que regeram as diversas produções ± a ensaísta espanhola concebe três opções61 básicas de vanguarda: a analítica, a construtiva e a expressiva. Na opção analítica, a atenção concentrou-se em problemas que dizem respeito à condição linguística das obras, gerando uma reflexão em dois níveis: a) uma substituição imediata dos códigos estabelecidos por novos sistemas sígnicos (caso, por exemplo, de Paul Cézanne e dos cubistas); e b) uma emancipação da arte mediante o deslocamento lógico da relação  60 Ib. ibid., p. 116 61 Id. ibid., p. 119 e segs. ͵͹



"natural" entre o significante e o significado (caso, por exemplo, de Marcel Duchamp e René Magritte). Já a opção construtiva, embora não tenha chegado a relegá-los a um segundo plano, tratou os aspectos puramente formais da obra como os meios constitutivos de um projeto amplo de alteração concreta do socius. Assentada em programas grupais basicamente expressos por manifestos, a ela

pertenceram,

entre

outras,

as

propostas

reconfiguracionistas

construtivo-geometrizantes de Alexander Rodchenko, El Lissitsky, Oskar Schlemmer e Theo van Doesburg. Quanto à opção expressiva, é destacada a sua intenção de privilegiar a capacidade do artista em traduzir imageticamente os paisagismos seminais da subjetividade. Diferentemente dos representantes da opção construtiva, e de parte dos da analítica, os partidários da expressão (entre eles Henri Matisse, Wassily Kandinsky, Paul Klee e Joan Miró) se notabilizaram pela criação de caligrafias inconfundíveis e cosmos idiossincráticos cujas ressonâncias revelaram-se intrínsecas, acima de tudo, ao domínio da pessoalidade. Antes de passar a uma caracterização propriamente dita da pintura pós-moderna, será útil fazer aqui uma última colocação. Como vimos, a vanguarda abrigou em si tendências que, insatisfeitas com a simples perspectivação do universo artístico e com uma redefinição apenas postural do sujeito, lutaram ferrenhamente pelo arejamento do socius. O aspecto político que as vanguardas souberam preservar apoiou-se em uma sede insaciável de novidades e surpresas, ao mesmo tempo que em um desprezo efusivo pelo datado e pelo retrógrado. O dogma utópico aliou-se a essas máquinas possantes de guerra, responsáveis por uma verdadeira paideia expurgatória do sistema. Nesse sentido, quase todas as vanguardas tentaram

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esculpir o perfil de um novo homem,62 espécie de deus ex machina (a autoprojeção amiúde individual de cada artista) desencadeador de positividades absolutas em prol do extemporâneo. Pode-se dizer, contudo, que este, ao que tudo indica, ainda se encontra a meio caminho.

 62 Ver a respeito o estudo de Micheline Tison-Braun, 7ULVWDQ 7]DUD O¶LQYHQWHXU GH O¶KRPPH nouveau. Paris: Nizet, 1977. ͵ͻ



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II. DAS ESTRATÉGIAS DUPLAS: O APELO ALEGÓRICO "Nessa perspectiva, a arte, apontada desde Platão Como parâmetro da falsidade e da ilusão, torna-se a passagem obrigatória para essa ideologia da simulação´.

Bernard Marcadé

3. O impasse emergente 3.1 O eclipse da obra Ouve-se muito que a arte definha, entregue a excessos e contaminações. Digamos que, na nebulosa do signo proliferante, as faturas estão se exaurindo em meio a tantas reciclagens. Mas, haveria ainda uma saída para tal voracidade discursiva? Poder-se-ia ainda restituir à obra algum vigor simbólico, reconduzi-la a algum padrão? No seio de uma cultura continuamente aquecida pela chama dos ciclos, ela se viu esgarçada e revertida em falácia. Baudrillard vem recorrentemente alertando-nos sobre a grande estase da arte e da inspiração. 63 Na verdade, a crise estética é tão somente a ponta do iceberg, uma espécie de fog que facilita a dissimulação dos FRQWUDGLWyULRV ³3RU WUiV GH WRGR PRYLPHQWR FRQYXOVLYR GD DUWH contemporânea, há uma letargia, algo que já não consegue se superar e que gira em torno de si em XPDUHFRUUrQFLDFDGDYH]PDLVUiSLGD´ 64 Em cima GRWDEXOHLUR³neos´H³pós´ incorporam as miragens e as simultaneidades estéreis da desordem ordenada.  63 Jean Baudrillard, A transparência do mal: ensaio sobre os fenômenos extremos, p. 22. 64 Id. Ibid., p. 22. Ͷͳ



Nada parece escapar à hipótese da desrealização. Não há ensejo para práticas distensivas idealizadoras, mas apenas compressão e metástase. ³7XGRpGLWRWXGRVHH[SULPHWXGRJDQKDIRUoDRXPRGRGHVLJQR´.65 No âmbito das artes, tal desarraigamento deveu-se indiretamente ao abandono efetivo da lógica mimética, disseminando a convicção de que a realidade é uma decisiva usina de efeitos. Como consequência imediata, maquinou-se um olhar ³gago´ que ilustra, com perfeição, a atual e terrível inapetência semiótica. Pensa-se em inércia e desmaterialização.66 Como as posições corporais de Klaus Rinke: o tórax, os pés e planos verticais; ou como os suportes de Robert Morris colados ao espaço circundante, despidos de verbalização, encerrados nos próprios confins. Tanto a arte conceitual quanto a minimal mostraram que, no fundo, nunca houve um rasgo substancial, mas apenas a invasão e a desagregação de fronteiras (aliás ³fronteira´ é uma palavra inteiramente estigmatizada no deserto mediático). Após o périplo demorado dos artistas objetuais, os conceitualistas se encarregaram de transformar a arte-coisa em resíduo. O minimalismo, empunhando a bandeira da operacionalidade, desbastou o excesso-obra, até convertê-lo no avesso do construto. Mais do que isso: em palavra silente, em apagamento tropológico. Por

outro

lado,

o

espaço

muldimensional

pós-moderno

aparentemente reverteu as obras em signos não recíprocos. Afirma Suzi *DEOLN TXH ³FRP D JUDQGH VtQWHVH GR VHQWLGR outrora emanada por uma ordem luminosa e transcendente) fora de combate, aquelas deixaram de RIHUHFHU XPD YLVmR VLPEyOLFD GR PXQGR´.67 O intercâmbio mercadorial tornou-se a mola propulsora de um culto jovial às duplas capturas. Os gestos inaugurais desapareceram em uma alegre orquestração de colapsos ±  65 Id. Ibid., p. 23. 66 Lucy Lippard, Six years: the dematerialization of the art object. 67 6X]L*DEOLN³7KHDHVWKHWLFRIGXSOLFLW\´S Ͷʹ



reflexo fendido de uma sociedade cujos produtos devem serializar-se para existirem e onde cada artista se pretende um operador da alteridade. O poderoso mito da originalidade acabou revertido pelo da simulação. Ocorreu o mesmo com o culto da auctoritas (o cogito do autorcriador de sentidos únicos). Em seu lugar, a alegoria e a apropriação costuraram a virtualidade absoluta. Isso ocorre, insistimos, em uma cena em que a superfície se impõe. Onde a flutuação só ocorre como mera extravagância. Tal conjuntura abre caminho para uma apoteose do espetáculo.68 Máscaras sem rosto, as imagens dissimulam o fato de que nada há a mostrar. Já não se interpreta, mas apenas se contempla a pane estranha que nomes decisivos da arte multimedial oitentista (Robert Longo, Jeff Koons, Barbara Kruger e Sherrie Levine, entre outros) desencadearam diante de nossos narizes desorientados.69 Eivada de metatextualidade, a obra pós-moderna alegorizou-se,70 submetida a uma estruturação enfática de referências cruzadas. Após um ostracismo de dois séculos (em que simplesmente foi renegada como uma aberração), a alegoria voltou a ser o centro das atenções. Para um crítico abalizado como Craig Owens, a sensibilidade hodierna denunciaria, de muitas maneiras, esse flerte inconfundível. Um de seus ensaios mais densos ensaios71 não só permite que determinemos o alcance do impacto alegórico  68 Guy Debord, The society of spectacle. 69 6REUHHVWHVDUWLVWDVíHRXWURVFRPR7UR\%UDXQWXFK+DLP6WHLQEDFK0DWW0XOOLFDQ$OODQ McCollum, Hans +DDNHHWFíTXHSRUUD]}HVPHWRGROyJLFDVQmRIRUDPDERUGDGRVQRSUHVHQWH WUDEDOKRYDOHFRQVXOWDU+DO)RVWHU³6XEYHUVLYHVLJQV´5RVDOLQG.UDXVV³7KHRULJLQDOLW\RIWKH avant-JDUGH D SRVWPRGHUQ UHSHWLWLRQ´ H 'RXJODV &ULPS ³3LFWXUHV´ Para análises mais GLUHFLRQDGDV+&RWWHU³+DLP6WHLQEDFKVKHOIOLIH´*HUPDQR&HODQW³+DLP6WHLQEDFK¶VZLOG ZLOGZLOGZRUOG´%HQKDPLQ+'%XFKORK³+DQV+DDNHPHPRULDODQGLQVWUXPHQWDOUHDVRQ´ &DURO 6TXLHUV ³'LYHUVLRQDU\ V\Q WDFWLFV %DUEDUD .UXJHU KDV KHU ZD\ ZLWK ZRUGV´ &UDLJ 2ZHQV ³7KH PHGXVD HIIHFW RU 7KH VSHFXODU UXVH´ WDPEpP VREUH .UXJHU  *LDQFDUOR 3ROLWL ³/X[XU\DQGGHVLUHDQLQWHUYLHZZLWK$OODQ0F&ROOXP´$ODLQ)OHLVFKHU³/DFROqUHGH5REHUW /RQJR´ $OODQ 0F&ROOXP ³0DWW 0XOOLFDQ¶V ZRUOG´ Zeno Birolli, Horror pleni: pictures in 1RYD