A terra prometida: o mundo que os escravos criaram 1010447642

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A terra prometida: o mundo que os escravos criaram
 1010447642

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Eugene D. Genovese

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O mundo que os escravos cruaram

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PAZ E TERRA

Oficinas da História

Eugene D. Genovese

À TERRA PROMETIDA O mundo que os escravos criaram

| “Comecei estudando os senhores e decidi que não podia entender muito acerca deles a não ser que estudasse os escravos. Logo que comecei a fazer isso, eles (os escravos) se tornaram para mim uma obsessão”. É assim que Eugene D. Genovese, o eminente historia-

dor marxista norte-americano, descreve sua trajetória

intelectual como estudioso da escravidão. O público brasileiro agora pode apreciar o resultado dessa “obsessão” de Genovese. Lançado em 1974 nos E.U.A,, A Terra Prometida (Roll, Jordan, Roll, em inglês) foi imediatamente aclamado como uma obra mestra em

história social, um livro que necessariamente

seria

ponto de referência fundamental para estudos subsequentes sobre o tema, mesmo para os que discordassem de seus argumentos. “A tradução deste livro vem num momento oportuno, quando questões como o grau de autonomia da cultura popular, e o papel do escravo como sujeito na história, adquirem uma nova importância no debate intelectual. A Terra Prometida provocou admiração — e polêmica — nos E.U.A., e sem dúvida terá o mesmo impacto no Brasil. Robert

W.

Slenes,

Professor

de

História

da

UNICAMP

“Comecei estudando os senhores e decidi que não podia entender muito acerca deles a não ser que estudasse os escravos. Logo

que comecei

a fazer isso, eles (os es-

cravos) se tornaram para mim uma obsessão”. É assim que Eugene D. Genovese, o eminente historiador marxista norte-americano, descreve sua trajetória intelectual

como

estudioso

da escravidão.

A TERRA PROMETIDA

O público

brasileiró agora pode apreciar o resultado dessa “obsessão” de Genovese. Lançado em 1974 nos E.U.A., 4 Terra Prometida (Roll, Jordan, Roll, em inglês) foi imediatamente

aclamado

como

uma

obra

mestra

em História social, um livro que necessariamente seria ponto de referência fundamental para estudos subsegiientes sobre o tema,

mesmo

para

os que

discordassem

de

seus argumentos. O livro reconstrói, a partir de uma riqueza extraordinária de fontes, “o mundo que os escravos criaram” no Sul dos Estados Unidos: sua religião, sua vida em família,

suas atitudes perante os senhores, e suas " estratégias de resistência. Esse mundo, para

Genovese, não era um mundo autônomo; não podia ser, dada a proximidade e o poder dos senhores. Utilizando categorias de Gramsci,

Genovese

argumenta

que

os

se-

nhores conseguiram tornar sua ideologia de classe uma ideologia hegemônica. Os escravos, no entanto, ao mesmo tempo em que “aceitaram” essa ideologia, re-interpretaram seus termos, às vezes de forma radical. Ao conceito de ““paternalismo”” dos senhores, entendido como a bondade destes e como o dever do escravo de se submeter sem questionamento

à vontade de seu dono,

os escravos opuseram sua própria definição

UNICAMP BIBLIOTECA CENTRAL SEÇÃO CIRCULANTE

do termo, entendendo-o como uma rede de

deveres recíprocos e de direitos. Da mesma forma, à noção cristã de que a recompensa

de Deus para o sofrimento nesta vida se daria no outro mundo, os escravos opuseram

seu próprio conceito da “terra prometida”, Era a terra de Canãã, do Velho Testamento,

que ficava além do Rio Jordão: rio que, pa-

ra os escravos tanto podia designar a morte (talvez da mesma maneira que o calunga, o mar, na tradição bantu no Brasil), como po-

dia significar a entrada a uma terra prome-

tida secular. Afihal, óbserva Genovese, não

é por acaso que os escravos, na sua re-criação do cristianismo, conferiram a Moisés — o homem que tirou seu povo da escravidão nesta vida,

— uma A

conduzindo-o

até o Rio

Jordão

importância quase igual à de Jesus.

canção

escrava



“Corre,

Rio

Jordão,

Corre”” (Roll, Jordan, Roll) — expressa bem essa dupla visão da terra prometida, mostrando como, nas mãos dos escravos, a ideologia hegemônica adquiria feições ambíguas — ou até “subversivas””, do ponto de vista dos senhores. É essa canção que ser-

viu de inspiração a Genovese para o título

UNICAMP BIBLIOTECA CENTRAL SEÇÃO CIRCULANTE impresso na CGAPOL...pac..no. 03043

com

Rua Martim Burchard, 246 Brás - São Paulo - SP Fone: (011) 270-4388 (PABX) filmes fornecidos pelo Editor.

em inglês. A tradução deste livro vem num momento oportuno, quando questões como o grau de autonomia da cultura popular, e o papel do escravo como sujeito na história, adquirem uma nova importância no debate intelectual. 4 Terra Prometida provocou

admiração

— e polêmica — nos E.U.A., e

sem dúvida terá sil.

o mesmo

impacto no Bra-

Robert W. Slenes, Professor de História

da UNICAMP

Coleção

Oficinas da História

Eugene

D.

Gennvaca

s NA GeeV.1rir M1010447642

Direção

Edgar de Decca A Formação da Classe Operária Inglesa vol. I (A árvore da liberdade) — E. P. Thompson (2: edição) A formação da Classe Operária Inglesa vol. II (A maldição de Adão) — E. P. Thompson

1

A Formação da “'ssse Operária Inglesa vol. III (A força dos trabalhadores) — E. P. Thompson Senhore dor — E. P. Thompson Mundos . PN «ric J. Hobsbawm Onda Negra, Medo Branco — Célia Maria Marinho de Azevedo O Retorno de Martin Guerre — Natalie Zemon Davis A Vida Fora das Fábricas — Maria Auxiliadora Guzzo Decca Campos da Violência — Silvia Hunold Lara

A

TERRA

PRORSLSIDA “4 —

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ob!

O mundo que os escravos criaram Do Senhor é a Terra e a sua plenitude; o mundo e aqueles que nele habitam. Salmos 24:1

Tribunal da Impotência — Pierre Darmon História das Lágrimas — Anne Vincent-Buffault

Os Excluídos da História — Michelle Perrot

“Tradução Maria Inês Rolim Donaldson Magalhães Garschagen Revisão Técnica Stella Bresciani

Margareth Rago

ABRA Bosco [6)

ras

PAZ E TERRA

GRICABPE Gama iGTECA CRNTRAR/

|

Agradecimentos pela permissão da utilização dos seguintes materiais já publicados:

Copyright by Eugene D. Genovese

Título original em inglês

AMS Press, Inc.: Pelos trechos de The Papers of Thomas Ruffin, publicado por J. G. Hamilton; reeditado por AMS Press, Inc., 1973.

Roll, Jordan, Roll Coleção : Oficinas da História Vol. 13 Capa A

Moema Cavalcanti Copydesk

Arno Press Inc.: Pelos trechos de The Negro in Virginia, publicado por Virginia Public Works Administration (Administração dos Serviços Públicos da Virgínia), reeditado por Arno Press Inc., 1969.

:

John Anthony Caruso: Por um trecho de 10 linhas de canção extraídas de Dorothy Scarborough, On the Trail of Negro Folk-Song, pp. 66-67, citado em The Southern Frontier de John Anthony Caruso (Nova Iorque, 1963).

Marcia Courtouké Menin " Oscar Faria Menin Revisão ;

Bárbara Eleodora Benevides Arnaldo Rocha de Arruda

Columbia

José Aparecido Cardoso Maria Aparecida Marins

os de se

Internac! jonal Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

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Genovese D. Eugene Magalhães Garschagen.

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Escravidão

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-261.83456 -299.6097 -326

índices para catálogo sistemático: . Afro-americanos : Religião 2909.6097 a social 261.83456 . Cristianismo e escravidão : Teologi

: Bo

ão

: Aspectos

irisdenismo

* Estados Unidos

políticos

: Condições

São

dos escravos

: Bociologia 305.560973

José, 90 - 11.º andar

de Julius

Lester. Copy-

Duke University Press: por um trecho de 6 linhas de canção do “Wild Nigger Bill”, citado em H. C. Brearly, “Ba-ad Niger”, pp. 116-117 do The South Atlantic Quarterly, vol. 38, Janeiro permissão da Duke University Press.

1939.

Reeditado

com

a

Fisk University: por trechos de The Unwritten History of Slavery do Fisk University “University

Social Science Library.

Institute.

Reeditado

com

a permissão

da Fisk

Greenwood Press: por trechos do The American Slave de George P. Rawick. Reeditado com a permissão de George P. Rawick e Greenwood

Tel.: (021) 221-4066 Rua do Triunfo, 177

01212 - Santa Ifigênia - São Paulo/SP (011) 223-6522

Harcourt

Brace

Jovanovich,

Inc.: por um

“The Love Song of J. Alfred Prufrock” de Poems 1909-1962, e por “The Naming of of Pratical Cats de T. S. Eliot. Copyright em 1967 por Esmé Valerie Eliot. Reeditado

trecho de 3 linhas do poema

T. S. Eliot em seus Collected Cats” do Old Possum's Book 1939 de T. S. Eliot, renovado com a permissão de Harcourt

Brace Jovánich, Inc.

20000 - Centro - Rio de Janeiro/RJ

Tel.:

de To Be a Slave

Press.

Direitos adquiridos pela EDITORA PAZ E TERRA S/A. Rua

por trechos

326

: Teologia social 261.83456

: Escravidão

Dial Press:

do

Iorque,

Aspectos .

Título.

88-1564

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2. Religião — dos escra -= Estados Unidos — Condições CDD-305.500

e & igreja

trecho de 6 linhas de canção

right (O 1968 de Julius Lester. Com a permissão de The Dial Press.

cia

escravos

Inês : Paz

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(Coleção Oficinas da História)

nas

Escravidão

que

Maria ; tradução — Rio de Janeiro

University Press: por um

Negro Folk Music, U.S.A. de Harold Courlander, p. 156 (Nova 1963); Reimpresso com a permissão do editor.

Harper & Row, Publishers, Inc.: por um trecho de 2 linhas do verso de Howard Thurman, The Negro Spiritual Speaks of Life and Death, p. 46, da

que se reserva a propriedade desta tradução Conselho Editorial Antonio Candido Fernando Gasparian Fernando Henrique Cardoso E 4º trimestre de 1988 Impresso no Brasil/Printed in Brazil

Copyright 1947 de Harper & Row, Publishers, Inc. Com editores.

a permissão dos

Holt, Rinehart & Winston, Inc.: por trechos de Life Under the “Peculiar Institution”: Selections from the Slave Narrative Collection de Norman R. Yetman. Copyrigth (O 1970 de Holt, Rinehart & Winston, Inc.

UNIDADE (Bl

* CHAMADA:

UI GIETOI DeA id ses boy se4 ELGIDs

Houghton Mifflin Company: pelos trechos de 6 linhas de canção da p. 430 e 4 linhas de canção da p. 447 do Gumbo Ya-Ya de Lyle Saxon et al. Copyright O renovado em 1973 por the Louisiana State Library; trechos dé North Toward Home de Willie Morris; trechos de 4 Diary

de jo

from Dixie de Mary Boykin Chesnut, publicado por Ben Ames Williams. Todos os trechos Company.

re-publicados

com

a permissão

de

Houghton

Mifflin

Macmillan Publishing Co., Inc.: por trechos de A History of the Old South de Clement Eaton. Copyright 1949 de The Macmillan Company.

da

os

nº o BN00 11913621

New Directions Publishing Corporation: por um trecho de 5 linhas do diálogo de “The House of Bernarda Alba” em Three Tragedies de Federico Garcia Lorca, traduzido por James Graham-Lujan e Richard L. O'Connell. Copyright 1947, 1955 de New Directions Publishing Corporation. Reimpresso com a permissão de New Directions Publishing Corporation.

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W. W. Norton & Company, Inc.: por um trecho de 7 linhas da canção da p. 181 de The Music of Black Americans de Eileen Southern (Nova Torque, 1971). Russell & Russell, Publishers: por trechos de Black Reconstruction in America, 1860-1880 de William Edward. Burghardt Du Bois (1935). Nova Iorque: Russell & Russell, 1956.

The University of Chicago Press: por trechos de Lay My Burden Down de Benjamin A. Borkin. Copyright 1945 da The University of Chicago; um trecho de 16 linhas de canção do The Etiquette of Race Relations in The South de Bertram Wilbur Doyle. Copyright 1937 de The University

of Chicago. The University of North Carolina Press: por um trecho de 4 linhas de verso de The Negro in Mississipi de Vernon Lane Wharton (Chapel Hill,

1947); trechos de The Negro and His Songs de Howard W. Guy B. Johnson (Chapel Hill, 1925). Yale University Press: por trechos de “African of the United

States” de Robert

Farris Thompson

the University, publicado por Armstead Conn.,

1969);

trechos

Odum

e

Influences on the Art em

Black Studies in

Robinson et al. (New

de The Children of Pride, publicado

Haven,

por Robert

.

Manson Myers. Copyright (O) 1972 de Robert Manson Myers. Reeditado com a permissão da Yale University Press.

Para MISS BETSEY

Minha

brilhante estrela da manhã.

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in Heaven, Lord, For to yearde when Jor-dan roll.

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PREFÁCIO ecos + Rs Doo RR AGRADECIMENTOS +. st adid ia as LIVRO

2. Little chil'en, learn to fear de Lord,

And let your days be long; Roll, Jordan, &c.

Parte

I — DE DEUS NÃO 1 —

Os complacentes e os obedientes

Sobre o paternalismo

3. O, ler no false nor spiteful word Be found upon your tongue;

Sitiantes,

Roll, Jordan, &c.

SE BOMBA

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11 15

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... ecc.

21

NEme EMA id eine gds s e

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de plantations e adminisis, e O as a RS PRO

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A função hegemônica do direito ..........

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(sister, etc.)

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Nossa família negra

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Umdeve e um r fardo ....... Eita sto ns 106 Acerca de concubinas e cavalos ...... Sea de 100 Ahora da verdade | o pise BRR MM a eo

Parte From W. F. Allen, et al., Slave Songs of the United States (New York, 1871).

48

Em nome da humanidade e pela causa da re-

1. Meu itmão*, você sentado na árvore da vida, Ouviu o Jordão passar? Corre Jordão. Corre Jordão. Corre Jordão, corre! Oh! marche anjo, marche. Oh! marche anjo, marche; Oh! minha alma sobe ao Céu, Senhor, para ouvir o Jordão passar. 2. Crianças aprendam a temer ao Senhor. E deixem seus dias serem longos; Corre Jordão, &c. 3. Oh! não deixe que uma palavra falsa ou odiosa Seja encontrada em sua boca; Corre Jordão, &c. .

2 — ...e os filhos que fiz crescer ........ o.

191

Os nascidos na casa senhorial ...... RR Os bons senhores ...c.iiiicio o. 205

LIVRO

Parte

W

1 —

creme Nossos brancos ......cccceeecees eeroo cter cece ......cc Valentes soldados no sue ip o are q sensisreas Notad

215 234 245

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erere Do Deus dos vivos ......cceeteeeee erereoo A tradição cristã .....ceeeeseeees hemisiva pect pers A religião dos escravos em

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E A IGREJA

A PEDRA

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tereoo Os pregadores brancos .........cec eceees Origens da religião popular ......cc ers cces O evangelho nas senzalas .....ccc ero Os pregadores negros .......cerececer .. a... Fundamentos religiosos da nação négr

305 314 340 368 395

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Notas:

Parte 2 —

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os Que os mortos enterrem os mort

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alho ..,a cada homem conforme o seu trab ... .... .... alho Ritmos de tempo e de trab res Um povo “indolente” ........cetteree

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A ética do trabalho negro .......... RR

Notas

Prefácio

A questão da nacionalidade — da “identidade” — ronda a história afro-americana desde seus primórdios coloniais, quando já então se escutava a expressão “uma nação dentro de uma nação”, Nos últimos anos ela tem ressurgido com vigor nos debates políticos, e é inevitável que fique conosco, por mais vitoriosas que pareçam, num dado momento, as tendências “integracionistas” ou “separatistas”. Alguns historiadores, quer negros, quer brancos, interpretam a experiência afro-americana como uma experiência nacional separada; outros, também brancos e

negros, interpretam-na como um componente de uma única experiência regional ou nacional, com maior ou menor característica étnica. Quanto mais detidamente se examina o debate, mais claro se torna que não existe uma fórmula única capaz de explicar uma experiência tão rica e contraditória. Neste livro eu faço referência à “nação negra”, argumentando, que os escravos, como uma classe social objetiva, lançaram os alicerces de uma cultura nacional negra separada, ao mesmo tempo que enriqueceram sobremodo a cultura americana como um todo. Entretanto, essa cultura separada sempre foi americana, por mais que tenha tirado partido das origens africanas ou refletido o desenvolvimento específico dos negros nos Estados Unidos. Os sulistas brancos ou negros por mais diferen11

10

tes que se considerem — e que por vezes o sejam — vieram a constituir um único povo, em muitos sentidos. Como observou C. Vann Woodward, em American Counterpoint, O que há de irônico nessas duas grandes minorias, os americanos do Sul ou afro-americanos, que há três séculos e meio se confrontam em seu chão nativo, é o grau em que uma moldou o destino da outra, em que uma determinou o isolamento da outra,. partilhou e plasmou uma cultura comum. Com efeito, é impossível imaginar uma sem a outra — e qualquer tentativa nesse sentido é inútil.

De início, eu havia planejado explorar o tema da nacionalidade no decorrer de todo o livro e examinar suas implicações políticas num epílogo. No entanto, resolvi deixar o assunto para uma ocasião posterior e de forma mais apropriada. Por conseguinte, minha interpretação de que os dados disponíveis constituem um impulso nacional — mais em seu significado objetivo que como um esforço consciente dos escravos — poderá parecer um obiter dictum. Entretanto, confio em que cada leitor seja capaz de refundir certas formulações em úteis termos alternativos. Espero ter mostrado que os escravos deram uma contribuição indispensável ao desenvolvimento da cultura negra € da consciência nacional dos negros, bem como à nacionalidade americana como um todo. Sabendo, porém, que a ambiguidade da experiência negra como uma questão nacional faz com que os dados se prestem a diferentes leituras, preferi ater-me de perto à minha responsabilidade fundamental: narrar a história da escravidão com o máximo de cuidado e fidelidade possível. Após muitos anos estudando o assombroso esforço dos negros para viverem com decência, mesmo na escravidão, convenci-me de que nenhum avanço teórico sugerido pela experiência por que passaram poderia merecer tanta atenção quanto a exigida por demonstrarem a beleza e o poder do espírito humano em condições de extrema opressão. A forma como a América branca recebeu os negros — trazidos para cá em ferros e criados na escravidão e num regime de opressão racista — representa, sobretudo, a comprovação de um dos maiores crimes da história. Procurei narrar menos o crime em si, embora espere não o ter depreciado, do que o esforço 12

dos negros para sobreviverem tanto a nível espiritual quanto. físico — para construírem um mundo aceitável para si e seus filhos no escopo de um estreitíssimo espaço vital e de uma dura adversidade. E, se tentei representar os escravistas não como monstros e sim como seres humanos com sólidas virtudes pessoais, minha intenção não foi, absolutamente, poupá-los à condenação por seus crimes. Eles dominavam um sistema social iníquo, do qual tiravam proveito; quaisquer que tenham sido as atenuantes, as ressalvas ou as minúcias da situação, foram eles, por fim, os responsáveis por seus atos. No entanto, procurei também demonstrar que, devido a um somatório de motivos de egoísmo, humanitarismo convencional e sensibilidade cristã, os escravistas não puderam deixar de contribuir para a sobrevivência criativa de seus escravos;

que muitos

senhores de escra-

vos chegavam a se orgulhar de suas “peças” e que se impregnaram da cultura e da sensibilidade de seus escravos, ao mesmo tempo que incutiam neles muito de sua própria cultura. A escravidão, principalmente no ambiente da plantation * e em seu aspecto paternalista, tornou os sulistas, brancos e negros, um único povo, ao mesmo tempo que os dividia em dois. Como num

casamento

duradouro,

embora

não

necessariamente

feliz,

dois povos diferentes compartilharam, para o bem ou para o mal, uma só vida. Por isso, devo pedir aos leitores que sejam pacientes com o Livro

Primeiro, Parte I, e também

com outros

trechos deste livro que tratam os senhores e outros brancos com muito mais profundidade que os escravos e que passam, abruptamente, de um aspecto geral da vida para outro (por exemplo, de descrições de relações sociais para análises do direito e da ideolo-

Plantation — A plantation é uma categoria típica de agricultura em grande escala e se caracteriza por ser uma unidade agrícola organizada segundo um sistema fabril, disciplinado e lucrativo, no qual a divisão

do trabalho se impõe

a um número

elevado de trabalhadores, geral-

mente para explorar um tipo de produto, como o açúcar, o café, o chá e outros frutos tropicais. As fazendas, as estâncias, as centrais

açucareiras (engenhos) do Caribe e do Nordeste brasileiro são modali-

dades concretas do sistema de plantation, como também aquelas unida- . des produtoras do Sul dos Estados Unidos e todas elas trazem em sua constituição, entre os séculos XVIII e XIX, o uso do trabalho escravo dos negros africanos. (Dicionario de Ciencias Sociales) (N. do R.)

13

gia). Para se compreender os escravos é preciso compreender melhor os senhores e outras pessoas que ajudaram a dar forma

Agradecimentos

a uma complexa sociedade escravista. Senhores e escravos moldaram-se reciprocamente e não podem

ser discutidos ou anali-

sados em separado. E.D.G. Palo Alto, Califórnia Agosto de 1973

Desejo agradecer a Louisiana Studies: An Interdisciplinary Journal of the South pela autorização para utilizar material de “The Black Preachers”, uma versão que apareceu originalmente no Volume XI (outono de 1972), pp. 188-214; e à Johns Hopkins University Press, pela permissão concedida para republicar partes de meu ensaio sobre “negros livres” que saíra anteriormente em David W. Cohen e Jack P. Greene, organizadores, Neither Slave Nor Free: The Freedmen of African Descent in the Slave Societies of the New World (Baltimore, 1972), pp. 258-77.

A

Muitos amigos e colegas despenderam tempo e esforço para apreciar as primeiras versões do original deste livro. Sou profundamente grato a eles por corrigirem erros.e me ajudarem a melhorar o estilo e o conteúdo. Não será culpa deles se nem sempre atendi a seus conselhos ou dei ouvidos a suas adver-

tências. Eu não poderia ter enviado o original a tantas pessoas — na verdade, talvez nem mesmo conseguisse escrevê-lo — se não fosse a generosidade do Center for Advanced Studies in the Behavioral Sciences, em Stanford, Califórnia, que concedeu a bolsa que me permitiu dedicar um ano a escrever este livro e pôs à minha

disposição suas excelentes

instalações. Cabe um

15

agradecimento especial a Susan Custer, que com habilidade e presteza datilografou um longo manuscrito, trecho por trecho, de modo que eu pudesse enviá-lo a críticos, a tempo de receber seus comentários. Também os trabalhos de datilografia de Dee Decker e Val Faulkenburg foram de alta qualidade, e a gentileza de outras pessoas no Centro não poderá jamais ser retribuída. Tive a sorte de contar com Jeannette Hopkins para editooriginal e com Jeanne Morton para realizar a revisão de o rar texto. Gostaria ainda de agradecer a John Higham pelo estímulo que deu a um professor adjunto há dez anos, quando este livro era uma sinopse de duas páginas. Durante o decênio em

que este livro foi elaborado,

várias

instituições possibilitaram-me dedicar-lhes menos tempo e viajar ao Sul para consultas em bibliotecas: o Social Science Research Council, o American Council of Learned Societies, o Canada Council e a Rabinowitz Foundation. Além disso, recebi ajuda generosa das universidades em que estava lecionando — a Rutgers, a Sir George Williams, a Universidade de Rochester. Os bibliotecários das universidades sulistas destacados na listagem de coletâneas de originais foram solícitos e gentis, como só sabem sêlos os bibliotecários do Sul. Em especial, quero agradecer a John Price, na época diretor do Departamento de Arquivos e História da Universidade Estadual de Louisiana, hoje editor de Louisiana Studies; sua ajuda ultrapassou os limites do dever e até mesmo os princípios da cortesia sulista. Os primeiros esboços do material relativo à religião foram criticados por Henry H. Mitchell, John S. Walker, Winthrop Hudson e Jacques Marchand. Uma versão ulterior foi apresentada como a Commonwealth Lecture, na Universidade de Londres, sendo então criticada por Duncan McLeod, H. C. Allen, George Shepperson e outros, num esplêndido seminário. Também os comentários discordantes e a crítica construtiva de Timothy Smith muito me ajudaram. Enquanto durou minha residência no Center for Advanced Study, tive oportunidade de debater vários problemas com Steven Channing,

Donald

Harris,

Thompson

Natalie Davis,

Steven

e Stephen

Carl Degler,

Marcus, Tonsor.

Kenneth

A estes, como

sou grato pelas críticas e incentivo. 16

John Whitney

M.

Stampp, também

Hall,

Daniel a outros,

A parte sobre direito contou com as críticas qualificadas de Terence Sandalow, Douglas Ayer, George Dennison e Irving Leonard Feder. Sou grato a muitos amigos e estudiosos por lerem longos trechos do original, ou mesmo todo ele, e pelo auxílio que pres-

taram:

Roger D. Abrahams,

Olli Alho, Marvin Becker, Ira Ber-

lin, Clement Eaton, Sanford Elwitt, Eric Foner, Ella Laffey, John Laffey, Sidney W. Mintz, Brenda Meehan-Waters, Jesse T. Moore, Willie Lee Rose, John F. Szwed, Bennett H. Wall, Michael Wallace, John Waters, Jonathan Weiner, Peter H. Wood e Harold D. Woodman. Além de ajudar na preparação do original, George P. Rawick muito me ensinou ao estimular debates sobre o tema deste livro e em sua própria obra, Sundown to Sunup: The Making of the Black Community. Tenho uma dívida especial para com Frank Otto Gatell e William K. Scarborough, que fizeram comentários meticulosos

sobre uma obra da qual fregientemente discordavam. Não é

agradável ler críticas duras de amigos que julgam estarmos equivocados, mas amigos que não expõem seu julgamento abalizado não são amigos de verdade. Mesmo que os professores Gatell e Scarborough não tenham mudado meus pontos de vista no que tinham de essencial, obrigaram-me, de maneiras bastantes diferentes, a fazer ajustes importantes e a corrigir erros flagrantes. Lawrence Levine e Leon Litwack compartilharam comigo idéias e materiais, enquanto trabalhavam em seus próprios livros, cujo tema em grande parte coincide com o deste. O mundo acadêmico jacta-se de ser uma comunidade de sábios, isento de um mesquinho sentimento de propriedade de idéias e fontes, mas, infelizmente, a realidade às vezes aparta-se desse quadro. O apoio que os professores Levine e Litwack deram a um “'competidor” constituiu um ato de generosidade e amizade pouco comum. São pessoas assim que tornam uma felicidade o trabalho no mundo acadêmico. Stanley Engerman leu todo o manuscrito e contribuiu com observações detalhadas e esplêndidas. Ademais, ele e Robert W. Fogel discutiram pormenorizadamente os materiais comigo e puseram à minha disposição seu próprio trabalho estatístico é ana-

lítico sobre

a economia

escravagista.

O incentivo, os conselhos e as críticas de C. Vam Woodward foram indispensáveis, tal como em muitas outras

17

ocasiões anteriores. E devo render homenagem

a David

Brion

Davis, que — para enorme sorte minha — esteve em Stanford na mesma época que eu. Ele leu todo o original, desviou tempo da preparação de seu próprio livro para partilhar idéias e aju-

dou-me a transpor muitos trechos difíceis. No caso de um livro como este, utilizar assistentes de pesquisa seria, para dizer o mínimo, um

erro. No

entanto, trapaceei

um pouco e mobilizei os serviços de James e Janice McGowan para certos trabalhos periféricos. No entanto, minha verdadeira dívida para com eles situa-se em outra área. Tanto eles como outros alunos meus contribuíram com críticas de pensamentos expostos em seminários e acrescentaram idéias próprias. É impossível determinar o quanto um professor aprende com seus alunos,

mas

não

resta

dúvida

de

que

a dívida

LIVRO I

é substancial.

Quero agradecer ainda a Paolo Ceccarelli por conferir as citações e as fontes. Minha mulher, Elizabeth Fox-Genovese, a quem este livro é dedicado, não datilografou os originais, não fez minha pesquisa,

nem cerziu minhas meias ou fez qualquer uma dessas outras coisas sobre as quais lemos em agradecimento a uma pessoa “sem a qual este livro não poderia ter sido escrito”. Tampouco ela trabalhou tanto neste livro que mereça ser mencionada como co-autora. No entanto, ela desviou tempo da elaboração de sua

De Deus não se zomba

tese de doutorado para criticar cada esboço, revisar minuciosamente os materiais, ajudar-me a reescrever trechos mal expostos e repensar formulações canhestras, além de contribuir com um “sem-fim de sugestões, correções e revisões. E enquanto lutava contra a pressão — facilmente compreensível para quem já tenha escrito uma tese —, ela deu uma ajuda incomensurável, ainda que intangível, para a elaboração deste livro, vivencian-

do-o comigo.

Não vos iludais; de Deus não se zomba.

O que o homem semear, isso mesmo coIherá. Gálatas

18

6:7

PARTE 1 Os complacentes e os obedientes

Se fordes complacentes e obedientes, comereis

o fruto precioso da terra. Mas, se vos recusardes e vos rebelardes, sereis devorados pela espada! Eis o que a boca do Senhor declara. Isaías

1:19-20

Sobre o paternalismo

o

Cruel, injusta, exploradora e oprimente, a escravidão juntou dois povos num duro antagonismo, ao mesmo tempo que criava um relacionamento orgânico tão complexo e ambivalente que nenhum deles poderia exprimir os mais-simples sentimentos humanos sem referência ao outro. A escravidão repousava sobre o princípio da propriedade do homem — da apropriação, por um homem, de uma pessoa e dos frutos de seu trabalho. Por definição e em essência, era um sistema de dominação de classe, no qual algumas pessoas viviam do trabalho de outras. A escravidão americana subordinou uma raça a outra e, com isso, tornou suas relações de classe fundamentais mais complexas e ambíguas; no entanto, nem por isso deixaram de ser relações de ' classe. O racismo que surgiu a partir da subordinação racial influenciou todos os aspectos da vida americana e continua intenso. Contudo, como sistema de dominação de classe, a escravidão antecedeu o racismo e a subordinação racial na história do mundo, e no passado existiu sem eles. A subordinação racial, como demonstram os fatos americanos depois da guerra e a história

do moderno colonialismo, não repousa na escravidão. Sempre que existe subordinação racial, existe também racismo; por conseguinte, a sociedade escravista do Sul e sua ideologia racista 21

a nu muito antes do aparecimento das sociedades escravistas do Novo Mundo.º O término do antigo mercado de escravos, a crise política da civilização antiga e a sutil pressão moral de um cristianismo em ascensão haviam convergido, nos primeiros séculos da nova era, para moldar um mundo senhorial em que

tinham muita coisa em comum com outros sistemas e sociedades. Entretanto, a sociedade escravista sulista não era tão-somente mais uma manifestação de alguma abstração que se pudesse chamar de sociedade racista. Sua história foi determinada, em essên-

cia, por relações específicas de poder de classe em forma racial. O Velho Sul, tanto o negro, como o branco, criou uma espécie de sociedade paternalista sui generis do ponto de vista histórico. Insistir na convergência das relações de classe, tal como. se manifestaram no paternalismo, não equivale a menosprezar o racismo inerente ou negar as intoleráveis contradições situadas no cerne do próprio paternalismo. Imamu Amiri Baraka percebeu a trágica ironia das relações sociais paternalistas ao escrever que a escravidão “era, antes de mais nada, uma instituição paternal”, mas ainda assim refere-se ao “paternalismo imundo e à crueldade da escravidão”.! O paternalismo sulista, como todos os demais paternalismos, pouco tinha a ver com a ostensiva benevolência do Ole Massa, sua cordialidade e seus bons propósitos. Ele surgiu da necessidade de disciplinar e justificar, moralmente, um sistema de exploração. Estimulava a bondade ea afeição, mas também, simultaneamente, a crueldade e o ódio. A distinção racial entre senhor e escravo acentuava a tensão inerente a uma ordem social injusta. ; «- A sociedade escravista do Sul nasceu das mesmas condições históricas gerais que produziram os demais regimes escravistas do mundo moderno. O surgimento de um mercado mundial — o desenvolvimento de novos gostos e de manufaturas, que dependiam de fontes não européias de matérias-primas a incentivou a racionalização da agricultura colonial sob a dominação feroz de um punhado de europeus. A mão-de-obra africana forneceu a força humana necessária para alimentar o novo sistema de produção em todas as sociedades escravistas do Novo

Mundo,

as quais, entretanto, enraizavam-se em diferentes

experiências européias e brotavam em diferentes condições geo-

senhores

e servos

(não

escravos)

tinham,

uns

em

relação

aos

outros, exigências e expectativas recíprocas. Esse mundo de orientação fundiária da Europa medieval forjou, pouco a pouco, a ideologia paternalista tradicional da qual os proprietários de escravos sulistas consideravam-se herdeiros. Cada vez mais os senhores de escravos do Sul, ao contrário do que acontecia no Caribe, passaram a residir em suas

plantaiions, e na altura de fins do século XVIII

haviam se con-

vertido numa enquistada classe dominante regional. O paternalismo encorajado pela proximidade física de senhores e escravos foi enormemente reforçado pelo fechamento do tráfico de escravos africanos, o que obrigou os senhores a dedicar mais atenção à reprodução de sua força de trabalho. Dentre todas as sociedades escravagistas do Novo Mundo, só a do Velho Sul manteve um contingente de escravos que se auto-reproduzia. Menos de 400.000 africanos importados haviam se transformado, por volta de 1860, numa população negra americana de mais de 4.000.000. “ Um paternalismo aceito tanto por senhores quanto por escravos — mas com interpretações radicalmente diversas — traduzia-se numa frágil ponte entre as intoleráveis contradições inerentes a uma sociedade que, baseada no racismo, na escravidão e na exploração de classes, dependia da voluntária reprodução e produtividade de suas vítimas. Para os senhores de escravos, o paternalismo representava uma tentativa de superar a contradição fundamental da escravidão: a impossibilidade de os escravos virem a tornar-se as coisas que se su-

punha

que: fossem.

O paternalismo

definia

o trabalho involun-

tário dos escravos como uma legítima retribuição à proteção e à

gráficas, econômicas e culturais. Tinham muito em comum, mas

direção que lhes davam

cada qual era um caso especial. ?

que tinham estes de ver seus escravos como seres humanos aquiescentes constituía uma vitória moral para os próprios escravos. A insistência do paternalismo em obrigações mútuas —

Teoricamente, a.escravidão moderna repousou, antiga, na idéia do escravo como instrumentum vocale móvel, uma possessão, uma coisa, simples extensão do amo. Contudo, a inanidade de tais idéias tinha 22

tal como a — um bem da vontade sido posta

deveres,



os senhores. No entanto, a necessidade

responsabilidades

e, em

representava, implicitamente,

última

instância,

a humanidade

até direitos

dos escravos. 23

Onde quer que exista, o paternalismo corrói a solidariedade entre os oprimidos, ligando-os, como indivíduos, a seus opressores. * Um senhor (master, padrone, patron, patrão) atua como um provedor e protetor direto para cada indivíduo e cada família, assim como para a comunidade em geral. Os escravos do Velho Sul mostravam intensa solidariedade, bem como resistência coletiva aos senhores, mas numa teia de relacionamentos paternalísticos sua ação tendia a tornar-se defensiva, buscando proteger os indivíduos contra a agressão e os maus-tratos, o que não podia ser convertido facilmente numa arma eficaz em prol da libertação. Os líderes negros, sobretudo os pregadores, conquistaram lealdade e respeito, lutando heroicamente para defender sua gente. Entretanto, malgrado a vontade e a considerável capacidade, não podiam conduzir seu povo num ataque contra a própria ideologia paternalista. No Velho Sul, as tendências inerentes a todos os sistemas paternalistas de classe cruzaram-se com as tendências inerentes a um sistema de subordinação racial analiticamente distinto, e dele receberam enorme reforço. Os dois sistemas pareciam ser um só. O paternalismo criou a tendência de os escravos se identificarem com uma determinada comunidade, através da identificação com o senhor que a dominava, reduzindo assim as possibilidades de se identificarem uns com os outros, como classe. O racismo minava nos escravos o senso de valor como negros e reforçava a dependência que sentiam em relação aos senhores brancos. Não obstante, estamos falando de tendências, não de leis absolutas, e os escravos forjaram armas de defesa. A mais importante delas foi a religião, que lhes ensinava a se amarem

e valorizarem uns

aos outros, a assumirem

uma

visão

crítica em relação aos senhores e a rejeitarem as justificativas ideológicas para sua própria escravização. Os senhores tiveram de organizar um regime estável com o qual seus escravos pudessem viver. Os escravos permaneciam escravos. Podiam ser comprados e vendidos como qualquer outra propriedade e estavam sujeitos a um despótico poder pessoal. Os negros permaneciam rigidamente subordinados aos brancos,

“conciliáveis conflitos de classe e raciais; era uma

anomalia,

mesmo no momento de seu aparente apogeu. Contudo, durante cerca de um século, protegeu tanto os senhores como os escravos das piores tendências inerentes a suas respectivas condições. Fazia uma mediação, embora injusta e até cruel, entre senhores e escravos, e disfarçava, mesmo que imperfeitamente, a apropriação do trabalho de um homem por outro. Em qualquer meio histórico, o paternalismo define as relações de supremacia e subordinação. Sua força como ethos prevalecente aumenta na medida em que os membros da comunidade aceitam — ou se sentem compelidos a aceitar — tais relações como legítimas. A essa aceitação de tutela e dependência está inerente a brutalidade, por mais orgânica que seja a ordem paternalista. Todavia, o paternalismo sulista reconhecia, necessariamente, a humanidade dos escravos — não só seu livre-arbítrio como também o talento e a capacidade, sem a qual o fato de aceitarem uma doutrina de obrigações recíprocas não teria sentido algum. Assim, os escravos encontraram uma oportunidade de traduzir o próprio paternalismo numa doutrina diferente da imaginada por seus senhores e de transformá-la em arma de resistência às asserções de que a escravidão era uma condição natural para os negros, de que os negros eram racialmente inferiores e de que os escravos negros não tinham quaisquer direitos próprios. Assim, ao aceitar um ethos paternalista e ao legitimar o domínio de classe, os escravos desenvolveram sua mais poderosa defesa contra a desumanização implícita na escravidão. O paternalismo sulista pode ter reforçado o racismo, assim como a exploração de classe, mas também, inadvertidamente, induziu suas vítimas a plasmar sua própria interpretação da ordem social que pretendia justificar. Por fim os escravos, recorrendo a uma religião que se supunha garantir-lhes a submissão e a docilidade, rejeitaram a essência da escravidão ao descobrir seus “próprios direitos e seu valor como seres humanos.

Sitiantes, donos de plantations e administradores *

no entanto, senhores e escravos, brancos e negros, viviam e tra-

balhavam juntos. A existência da comunidade exigia que todos estabelecessem algum grau de interesse e respeito próprios. O paternalismo sulista surgiu como uma maneira de mediar irre24

Metade dos escravos do Sul viviam em sítios, e não em plantations, tais como definidas pelos contemporâneos — ou seja, (*)

Administradores



também

pode

ser traduzido

por

capatazes.

(N.

da

R.)

25

unidades com vinte escravos ou mais. Caracteristicamente, uma unidade de vinte escravos compreendia apenas quatro famílias. Se definirmos uma grande plantation como uma unidade de cingienta escravos, então apenas um quarto dos escravos do Sul vivia em grandes plantations.* Os senhores de escravos do Caribe

ou

do Brasil achariam

graça nessa definição,

pois suas

próprias plantations tinham, em geral, mais de cein escravos. Quanto aos escravos das áreas dominadas por pequenas propriedades, um certo grau de contato entre escravos de diferentes senhores compensava a ausência da comunidade da grande plantation. No entanto, os escravos dos sítios inseridos em áreas dominadas por grandes plantations arriscavam-se a um isolamento ainda maior, a menos que os donos de plantations e os escravos das vizinhanças os acolhessem como convidados. Os sitiantes gozavam da reputação de tratar seus escravos melhor do que os donos de plantations, porém essa fama fundava-se na duvidosa convicção de haver uma importante diferença entre os costumes do Alto Sul, em que predominavam as pequenas fazendas, e os do Baixo Sul, onde preponderavam as plantations. Um bom tratamento dispensado a escravos, tal como o definiam os senhores, não significava, necessariamente, bom “tratamento do ponto de vista dos escravos. Em geral os viajantes informavam que a maioria dos sitiantes mostrava maior consideração para com seus escravos e os tratava com mais humanidade no trabalho. No começo

do século XIX,

Isaac Weld

Jr. e

La Rochefoucauld-Liancourt manifestaram opiniões antagônicas, sendo que a avaliação positiva deste último era a mais corrente. ? No início da década de 1830, E. S. Abdy expressou muita admiração pelo modo como os sitiantes e donos de pequenas plantations do Kentucky tratavam seus escravos; Frederick Law Olsmsted e James Stirling, entre outros viajantes da década de 1850, concordavam com relação ao Sul como um todo.* A sueca Frederika Bremer opinou que os sitiantes do vale do Shenandoah mereciam a reputação que desfrutavam, mas que com muita frequência os pequenos sitiantes do Extremo Sul, devido às dificuldades, não conseguiam alimentar ou alojar seus escravos satisfatoriamente.” O sr. J. P. Flournoy, um idoso plantador patriarcal de Caddo Parish, Louisiana, julgava os pequenos sitiantes

mais duros e cruéis com seus escravos que os donos de grandes plantations 26

(segmento

ao

qual

ele próprio

pertencia),

porém

outros donos de plantations deploravam os males advindos do tamanho excessivo da propriedade e da conseqiiente necessidade de contarem com administradores. Das informações prestadas pelos escravos não surge um veredicto claro. Com relação a esse ponto, sitiantes, assim como pequenos e grandes donos de plantations, parecem ter sido mais ou menos iguais. Para Anna Hawkins, uma ex-escrava da Geórgia, seu senhor, um alcoólatra que possuía uma pequena

fazenda, era “o homem mais ruim que já existiu”, e os depoimentos de vários ex-escravos confirmam a acusação de que alguns pequenos

sitiantes

compravam

escravos

antes

que

pudessem

utilizá-los de modo lucrativo ou alimentá-los e cuidar deles de-

centemente. 2 Outros informavam que recebiam tratamento bondoso e diziam sentir-se como parte da família. Hannah

Scott,

que fora uma dentre nove escravos de uma fazenda do Alabama, assim se referiu a seu senhor: “Acho que ele era o que vocês chamam de “gente pobre”, mas ele era muito bom para os pretos”, Tais escravos recordavam a cordialidade e o estilo de vida sereno da casa-grande. * Ponderando-se os relatos de brancos e negros, o ritmo de trabalho e as condições materiais parecem ter apresentado diferenças nos pequenos sítios, porém a fai-

xa de tratamento parece ter sido a mesma que predominava nas grandes plantations.

Nos

sítios de dez escravos

ou menos

não surgiu uma

ampla divisão de trabalho. O sitiante branco e sua mulher dividiam tarefas, mas entre os escravos o grau de especialização raramente ultrapassava a designação de uma ou duas mulheres para o trabalho doméstico; e mesmo estas tinham de trabalhar nos campos quando necessário. O fato de senhor e escravo

labutarem juntos gerava uma fácil familiaridade, reforçada pelo uso da habitação. A dona da casa ou talvez uma escrava cozinhava para todos, ao mesmo tempo e do mesmo modo. Só a segregação à mesa traçava uma linha divisória de casta. Os escravos dormiam numa casa pequena com a família do senhor ou numa cabana fronteira, no mesmo pátio. Escravos e libertos, pretos e brancos, viviam em estreita proximidade, e o relaciona-

mento que havia entre eles levou a uma generalizada reputação de “tratamento melhor”. Assim, C. O. Baldwin, da Virgínia, que possuía somente oito escravos, podia jactar-se de que sua gente

não tinha “qualquer limitação doméstica” e retribuía-lhe a in27

dulgência com um serviço fiel, enquanto D. R. Hundley, o plantador-ideólogo, invectivava os pequenos proprietários por estra-

garem seus escravos com excessivos privilégios. ! Essa familiaridade não impedia a sujeição dos escravos às medidas punitivas dos senhores, cuja proximidade os estimulava a se entregarem a paixões cotidianas, tampouco impossibilitava a separação de unidades familiares por senhores, cuja precária situação financeira muitas vezes os deixava sem muita opção. Entre os pequenos fazendeiros brancos de modestos recursos, tornou-se muito comum o aluguel de escravos, com suas inerentes incertezas. !º Os que julgavam haver mais humanitarismo por parte dos pequenos proprietários voltavam os olhos, sem dúvida, para o fato de haver maior intimidade, quase uma camaradagem, uma solidariedade mútua, causada pela vida em comum. No entanto, como observa Kenneth Stampp, não há por que acreditar que' aos escravos essa intimidade fosse sempre bem-vinda, pois ela significava vigilância contínua por parte dos brancos, além de

reduzir drasticamente o contato com os outros negros. '* Olmsted e sir Charles Lyell estavam convictos de que o maior contato com os brancos ajudava a “civilizar” os pretos, porém Ulrich Bonnell Philips, que concordava com esse parecer, observou com rudeza que aqueles brancos, em particular, geralmente não tinham, eles próprios, muito direito de se proclamarem “civi-

lizados”. ” Os escravos de plantations não ansiavam por ser vendidos a pequenos sitiantes, mesmo quando podiam opinar. Depois de notar que os escravos dos pequenos sítios tinham

mais liberdade de movimento que os das plantations, Olmsted acrescentou que eles raramente desejavam ser vendidos para o interior do país. Ao perguntar a um fazendeiro o porquê disso,

segiientes —, e sim porque compreendiam que a segurança de sua própria família e de sua comunidade estava na dependência da solvência do amo. Os historiadores vêm insistindo há muito tempo em que os donos de plantations mal conheciam seus trabalhadores, e que até mesmo os de porte médio restringiam seus contatos aos

escravos domésticos, a alguns trabalhadores qualificados e a trabalhadores especiais. ? Na realidade, pouquíssimos possuíam tamanha quantidade de escravos em tão grande número de plantations que exigisse esse tipo de distanciamento. Até mesmo

a maioria dos proprietários absenteístas conhecia seus trabalhadores pelo nome e sabia alguma coisa sobre suas qualidades pessoais, e alguns senhores que possuíam grande número de escravos eram vistos por seus próprios trabalhadores como senho-

res bondosos. ? Os senhores de escravos correspondiam-se regularmente com seus superintendentes e com membros de sua própria família. Em

seus

diários,

referiam-se

normalmente

aos

escravos

pelo

nome, com fortes indicações de lhes conhecer a individualidade. George Washington, tido como senhor que guardava distância de “minha gente”, conhecia pelo nome a maior parte de sua força de trabalho, não representando exceção entre os proprietários da Virgínia. 2 Nas últimas décadas que antecederam a guerra, os donos e donas de escravos visitavam com regularidade as senzalas, a fim de manter contato pessoal com os escravos, estimulá-los a levar seus problemas à casa-grande e vigiar pessoalmente o trabalho que realizavam. Os brancos apreciavam particularmente tomar parte nos “bailes” dos escravos e em outros

eventos sociais. A morte de um trabalhador benquisto podia inspirar uma homenagem escrita; e os mandriões, os ineptos e os

ouviu como resposta que os negros tinham medo das montanhas.

encrenqueiros recebiam muito mais atenção pessoal do que dese-

Olmsted considerou a resposta irracional e sugeriu que os escravos não quisessem ver-se em meio a uma avassaladora maioria branca. 8 Contudo, é possível que o dono de escravos tivesse certa razão, pois, para alguns povos da África Ocidental, os planaltos e montanhas são tidos como a morada dos deuses, local temível. ” No entanto, os escravos queriam, antes de mais nada, evitar ser vendidos a senhores de parcos recursos, não basicamente por causa do prestígio de um senhor rico — uma atitude muito exagerada por comentadores contemporâneos e sub-

javam.

28

Entre tais extremos, os senhores

se interessavam,

dia a

dia, pela saúde, pela moral e pelas atividades dos trabalhadores comuns. 2? Isso é corroborado pelas narrativas de ex-escravos que ha-

viam trabalhado na lavoura. Charlotte Foster lembrava-se de que, sentindo fortes dores de cabeça ao sol insistia em que ela descansasse à sombra Recordava também que muitos senhores, e mulheres, davam aulas na escola dominical

quente, seu senhor quando necessário. principalmente suas para as crianças €

29

Mais para oeste, em certas plantations de senhores do Leste gostavam, de brincar com elas até crescerem o suficiente para trabalhar no campo. Mary Kincheon Edwards, para citar outro exemplo, tomava emprestado de sua senhora jóias que usava nas festas da fazenda.* Os escravos do Velho Sul, ao contrário dos escravos do Caribe, * viviam nas plantations com senhores residentes. O absenteísmo era pequeno. No século XVIII, os fazendeiros da Virgínia passavam a maior parte do ano em suas propriedades, ao passo que os do litoral da Carolina do Sul, como os do Caribe, muitas vezes não o faziam. À época do surgimento do Reino

do Algodão

(Cotton Kingdom)

e da consolidação

do re-

gime escravista no Sul como um todo, até a costa da Carolina do Sul se modificara consideravelmente, ainda que, mesmo em

1845,

escravismo,

J. H.

Hammond,

se referisse

ao

durante

uma

absenteísmo

fundamente [sentido] até aqui”.

veemente

como

um

defesa

“mal

do

pro-

Esse mal, por mais estreitos

que fossem seus limites, era intensamente criticado pelos abolicionistas,7 A Carolina do Norte, situada entre os dois grandes Estados escravistas, aproximava-se mais da Virgínia nesse aspecto. É provável que houvesse ali uma preponderância ainda maior de fazendeiros residentes. Nesse Estado basicamente agrícola, até as baixadas orientais, onde se localizavam as grandes plantations, apresentavam pouco absenteísmo. Às vezes uma pessoa possuía mais de uma propriedade, podendo transitar de uma a outra a pé ou a cavalo; essas propriedades às vezes ficavam num mesmo condado ou em condados contínuos. ? Na Costa do Arroz da Geórgia, os donos de plantations residentes eram menos comuns, porém mesmo ali os senhores permaneciam em suas propriedades durante grande parte do ano. Podiam

morar

em

Savannah

ou outro

lugar, mas

visitavam

suas

fazendas duas vezes por semana, pouco mais pouco menos no verão, e passavam pelo menos metade do ano nelas nos meses mais frios e menos saudáveis. Os donos de plantations de Sea Island saíam dali nos meses piores ou chegavam a ir viver em Beaufort ou Charleston, mas procuravam não se afastar muito e visitar as propriedades com fregiiência. ” Infelizmente, a temporada agrícola caía exatamente nos meses em que os administradores exerciam menos vigilância.

que não as visitavam amiúde, morava um filho ou outro parente.

Havia ainda a possibilidade de um amigo ou agente residir nas proximidades e fazer uma visita ocasional. O número de absenteístas que possuíam propriedades no Alabama foi suficiente para gerar um sério movimento de protesto e exigências de leis restritivas, mas eles não chegaram a dominar as regiões agrícolas, Elisha F. King, que era dono de 186 escravos, três plantations em Perry County e mais uma em Bibb County, dirigia ele préprio duas, confiava a terceira a um filho e a quarta a um administrador, a quem ele ou o filho visitava uma vez por semana. Clement C. Clay possuía duas plantations, e durante certo tempo, três. Parentes próximos visitavam a segunda e a terceira com regularidade, e nelas permaneciam durante longos períodos, a fim de certificar-se de que funcionavam a contento. ? Tal “absenteísmo local” marcava o vale do Mississípi, onde

vários senhores, que possuíam distantes umas

diversas plantations, não muito

das outras, preferiam morar em Natchez, Vicks-

burg ou Nova Orleans. Cerca de metade das plantations do lado do Mississípi pertencia a proprietários absenteístas, embora a maior parte destes morasse perto o bastante para visitá-las regu-

larmente e passar ali uma parte do ano.º Do lado da Louisiana e na região açucareira, os donos de plantations com mais freqliência viviam nas propriedades ou suficientemente perto para passar ali longas temporadas. Afastando-se do rio, em qualquer uma das duas direções, até mesmo o absenteísmo local desa-

parecia. 2 Na grande maioria, os escravos das plantations moravam com os proprietários residentes, e uma substancial minoria, com proprietários residentes em tempo parcial. Se incluirmos aproximadamente a metade de todos os escravos rurais que moravam em unidades menores que as plantations aqui consideradas, veremos que a enorme maioria dos escravos do Sul morava com seus senhores e trabalhava sob sua supervisão. A correlação entre crueldade e absenteísmo, proposta por alguns abolicionistas e fazendeiros de consciência pesada, tem um fundo de verdade, mas não se sustenta. A culpa por grande número de males recaiu diretamente sobre os ombros de proprietários residentes. Eles próprios ou seus administradores os infligiam, ao passo que muitos outros senhores, que possuíam centenas de escravos em 31

30

plantations esparsas,

esforçavam-se

por garantir um

tratamento

humano, manter as famílias juntas ou conservar seus prepostos numa rédea tão curta quanto permitiam as circunstâncias. Se a ausência desses senhores expunha os escravos ao lado mais rude dos administradores, a solidez da fortuna dos senhores minimizava o risco de venda ou de desagregação da comunidade. * Não obstante, a culpa por grande parte da crueldade para com os escravos, assim como por muito da ineficiência na agricultura sulista, recaía sobre os administradores. Era difícil encontrar um dono de plantation, a não ser na costa da Carolina do

Sul e da Geórgia, onde havia uma classe de administradores bastante respeitada, que não afirmasse serem eles, na melhor das hipóteses, um mal necessário. Os senhores deveriam cuidar de seus próprios negócios, se desejassem humanitarismo e eficiência, advertiam os reformadores, desde John Taylor, da Carolina, a Edmund Ruffin. No entanto, Gideon Bridgers, editor de American Farmer, pôs essas queixas em perspectiva quando, com franqueza, recomendou aos senhores que assumissem a responsabilidade e parassem de culpar outras pessoas por uma - situação que eles próprios haviam criado. * Tomado de irritação,

Maunsel

White

escreveu

em

1860:

“Pelo

que

posso

ver,

ninguém hoje em dia deveria ser proprietário de uma plantation sem nela viver continuamente”. * Os proprietários julgavam indiscutível que os administradores preferissem que seus empregadores estivessem ausentes e ansiassem por carta branca. A. H. Arrington, que possuía uma propriedade no Alabama, escreveu à mulher, na Carolina do Norte, contando que havia contratado um novo administrador, “a quem agrada tanto vir trabalhar em minha plantation que acho que ele fará tudo quanto estiver a seu alcance para me satisfazer — os administradores no Alabama preferem trabalhar comigo a se empregar com qualquer outra pessoa na região por dois motivos: o primeiro é que meus negros são obedientes e trabalham bem; o outro é que não moro aqui e só tomo conhecimento dos problemas no fim do ano”. * Como deve ter compreendido Arrington, nas plantations em que o proprietário residia, os administradores consideravamse não mais que feitores de luxo.” Rezava um dentre muitos sermões semelhantes, publicados em De Bow's Review: “Nada reconcilia mais o negro com o trabalho que o fato de seu administrador o dividir com ele. Se os negros debulham milho de 32

noite, que o administrador fique na companhia deles mo momento; se o sol abrasa, que ele o sofra tanto do eito; se chove, que ele se molhe tanto quanto os faz frio, que ele não procure o fogo mais amiúde

até o últiquanto os demais; se que os ne-

nos...” Ao contrário do que quer a lenda, não mais que um terço e possivelmente apenas um quarto dos escravos rurais trabalhava sob as vistas de um administrador, e muitos deles trabalhavam sob as ordens de um administrador ou de um proprietário residente simultaneamente ou sob as ordens de um administrador aparentado ao proprietário residente. Segundo opina Kenneth Stampp, o número total de administradores era, grosso modo, Igual ao de unidades com trinta escravos ou mais, porém é provável que a maioria dessas unidades tivesse proprietários residentes, ” Os males gêmeos do absenteísmo e do controle por parte de administradores pode muito bem ter crescido na década de 1850, pois o número deles duplicou nesse período de prosperidade, à medida que se impunha a expansão e a consolidação do sistema de plantations. * Vista sob este prisma, a queda na taxa de reprodução dos escravos na década de 1850 dá credibilidade à denún-

cla de W. E. B. Du Bois de que aumentava a taxa de exploração. Mas, se assim foi, é difícil atribuir aos administradores toda a

culpa ou mesmo a responsabilidade fundamental. Os administradores eram constituídos por filhos ou parentes próximos dos proprietários de plantations, que aprendiam os princípios da atividade; por gente que borboleteava de emprego em emprego, que em geral correspondia à reputação de sua classe, a dos “brancos pobres”, e angariava para toda a categoria dos administradores

uma

reputação

das

piores,

ou,

formando

o

grupo maior, por uma classe de semiprofissionais que contavam passar a vida na atividade de administração ou desejavam ganhar o suficiente para comprar um sítio. Por mais que os proflsslonais, que formavam a maioria, possam ter se esforçado

por cumprir suas responsabilidades para com os senhores e até para com os escravos, suas possibilidades 'de êxito raramente eram grandes. Fora da baixada aristocrática da costa oriental e do delta do Mississípi, os administradores mantinham-se no emprego durante dois ou três anos. Quando não fracassavam no tocante ao desempenho, sucumbiam à idéia dos senhores de que uma mudança de administrador era benéfica em si. Quaisquer 35

que fossem os motivos ou quem, entre os brancos, merecesse a culpa, os escravos que trabalhavam sob as ordens desses homens rudes e explorados padeciam, frequentemente, muitos sofrimentos. Os senhores demitiam os administradores por diversos motivos. Despediam os que tratavam os escravos com excessiva leniência ou, com muito mais frequência, os que demonstravam em relação a eles dureza excessiva. “Sem dúvida”, informou Solon Robinson, “um administrador que fazia os escravos trabalharem além de suas forças, que lhes infligia castigos cruéis ou desnecessários, que não cuidava para que se alimentassem direito ou que não prestava a devida assistência aos doentes decerto perderia o emprego, assim como se lhes permitisse ócios ou perda de tempo.” *! Com algumas exceções no correr do século XIX, os senhores abandonaram o contraproducente sistema de pagar aos administradores uma parcela da colheita, e por isso tinham bons motivos para tentar, da melhor maneira possível, corresponder ao refulgente relato de Robinson. Ainda assim, mesmo assalariado, nenhum administrador que fracassasse em produzir uma boa colheita manteria o emprego ou conseguiria com facilidade outra colocação se despedido. Assim sendo, a pressão no sentido de obter bons resultados à custa dos escravos, ainda que reduzida, se manteve. *? Não obstante, os senhores comumente despediam um administtador por crueldade. David Gavin, da Carolina do Sul, explodia de raiva quando

a mulher de seu administrador surra-

va os escravos sem motivo; seu preocupava mais com injustiças juízos à eficiência da plantation. não perdeu tempo em demitir um

diário demonstra que ele se à sua gente do que com preJohn C. Burruss, da Luisiana, administrador que fora dego-

lado, quase fatalmente, por escravos aos quais

ele tratara com

brutalidade depois de beber. Ao visitar sua propriedade e deparar-se com um “horrendo quadro de negligência e maus-tratos”, Haller Nutt, da Luisiana, despediu o administrador. Henry Palfrey,

também

da

Luisiana,

demitiu

um

administrador

por

maltratar seus escravos e explicou: “Trata-se de um homem de índole

violenta

e ingovernável,

além

de'ter

temperamento

in-

vejoso, desconfiado e vingativo”. Jerry Boykins, um ex-escravo da Geórgia, lembrava-se de que o amo se encarregava de todos os açoitamentos

na plantation,

pois

seus

escravos

haviam

ma-

tado dois administradores por excessiva crueldade. Os tribunais 34

davam ganho de causa aos senhores quando estes despediam sumariamente um administrador, sob alegação de crueldade, e de vez em quando um administrador era condenado à prisão por causa disso. * NE Pode-se dar tanto crédito quanto se desejar a esses senhores indignados, e talvez hipócritas, por defenderem seus escravos, mas pouca coisa poderia acontecer se os escravos se dispusessem a provocar a cólera de um administrador cruel se se queixassem ou agissem por si mesmos. Os escravos falavam, e os

senhores

tinham

de

ouvir.

Havia

limites,

que os

escravos

conheciam, pois eles mesmos os haviam ajudado a fixar, além dos quais normalmente um administrador não ousava ir. Como escreveu A. H. Arrington depois de visitar sua plantation no Alabama: “Despedi hoje meu administrador, o sr. Brewer. Encontrei tanto descontentamento entre os negros que coloquei sob as ordens dele, que não me dispus a mantê-lo como meu

empregado”. “

Aos administradores que perdiam o emprego devido à leniência excessiva incluíam-se os que simplesmente se furtavam no dever, de modo que a acusação de leniência nada nos informa a respeito de suas atitudes em relação aos escravos.é Alguns senhores acusavam seus administradores de se comportar com demasiada familiaridade, mas essa acusação poderia significar muitas coisas, desde deitar-se com as negras até se preocupar demais com o bem-estar dos escravos. Um caso extremo Ocorreu numa

plantação de arroz, a Manigault, na Carolina

do

Sul, “Levado ao êxtase por um forte e falsíssimo sentimento religioso”, escreveu Manigault a respeito de seu administrador, um jovem de 24 anos, “ele começou a causar grande mal à planfation, colocando-se no mesmo nível dos negros...” No entanto, para a maior parte dos proprietários, o problema era

outro. Podemos ter uma idéia através desse relato de Francis

Terry Leak, do Mississípi:

Recebi uma missiva de Wm. Hall, em que ele indagava a respeito das qualificações do sr. Robinson como administrador. Em resposta, elogiei o sr. R. pela honestidade, temperança e bons modos, por sua diligência e dedicação ao trabalho, mas fiz objeção à sua falta de autoridade junto nos negros, além da maneira

displicente com

que ele lhes

35

permitia que trabalhassem, acrescentando que, devido a isso, ele jamais lograra obter uma boa produção de algodão ou juntar a colheita com eficiência. Manifestei a opinião de que ele provavelmente se haveria muito bem com um conjunto de trabalhadores bem treinados, acostumados a temer o administrador e a executar bem o trabalho, mas que, em meu parecer, ele jamais teria tal resultado, com minhas peças, que o conheciam. Quanto à sua mulher, descrevi-a como uma senhora serena e discreta, que jamais traria ao empregador do marido o menor problema. ? Os

administradores

não

demonstravam,

que

levavam

a

pecha

de

indulgência

Malgrado as pretensões racistas e os clamores em favor da unidade dos brancos, apesar de pertencerem a classes diferentes é 0 “fato óbvio” de que um senhor sensato acolheria a palavra de seu administrador em face da de seus escravos, os senhores, que com efeito eram sensatos, não cometiam tal estupidez. Um ndministrador tinha de controlar os negros; para isso era pago. Controlá-los implicava manter um certo nível de moral. Como fazer isso, competia a ele. Se fracassasse, o motivo e a uulpa eram irrelevantes. Ele era despedido. No entanto, por baixo dessa impiedosa indiferença havia uma verdade simples. Os senhores sabiam que seus escravos tinham cérebro, aptidões, disciplina e interesses, ainda que psicologicamente antagônicos,

atitude mais humana

no bom funcionamento da plantação que alimentava tanto pre-

ou menos racista em relação aos escravos. Ocorria saberem que não poderiam conservar o emprego sem algum grau de apoio nas senzalas, e, por conseguinte, procuravam aliciar suas boas graças. Nenhum proprietário sensato quereria um homem que não fosse capaz de manter um certo nível de moral entre os escravos. Assim sendo, os escravos tinham uma brecha. Sabiam disso,

tos como brancos. Portanto cabia ao administrador controlá-los, € não o contrário. Um pequeno escravo de 12 anos chegou a uma fazenda de trigo na Virgínia, que o alugara. Com a costumeira delicadeza, O administrador o saudou: “A quem você pertence, crioulinho?” O menino, que vinha de uma cidade, estava um tanto bem vestido demais e constituía um alvo excelente para implicâncias. - O administrador gritou para os trabalhadores do eito: “Parem vom isso um pouco, temos aqui um crioulo novo, um crioulo da gldade”, Olhando para as roupas do garoto, perguntou-lhe se ele tencionava ir a um baile; sem esperar resposta, concluiu que havia recebido um negro estragado. Tudo de acordo com um roteiro preestabelecido. E no entanto, como o escravo se recordou, muito mais tarde, já idoso, “o administrador, contudo, tentou, depois de me exibir, incutir em mim a idéia de

necessariamente,

uma

e não deixavam de aproveitá-la. Entre os problemas dos administradores achava-se o efeito que tinha, sobre os escravos, a distância de classe entre eles e os senhores. Confrontados com empregadores que, mesmo quando os tratavam com respeito e cordialidade, guardavam as distâncias regulamentares, de modo algum os administradores poderiam esperar que os escravos tivessem para com eles mais respeito que o induzido pelo medo. Como concluiu William Kauffman Scarborough, os administradores, discriminados pelos

senhores e proibidos, pela lei e pelas convenções, de se ligar aos escravos, viviam numa situação de vácuo social. * Quando se dobravam aos empregadores, arriscavam-se ao desdém; se

mostravam alguma coragem, expunham-se ao perigo da demissão. Em qualquer um dos casos, eram tachados de carentes de “dignidade”, o que não era pequena mácula nessa sociedade semitradicional. ? Como carecia tanto de status como de dignidade, o administrador tinha de confiar sobretudo na força; mas, como, de acordo com o mecanismo diabólico do mundo em que ele vivia, em última instância ele precisava da aprovação das vítimas

de sua força, ele também precisava conquistar amizades. 36

que eu fizera bem em ir para aquela plantation, pois nenhuma outra, num

raio de milhas, oferecia acomodações

tão confor-

táveis”,? Não era a primeira nem a última vez que um administrador maldoso julgava necessário tentar ganhar a simpatia de'um jovem infeliz. “O senhor e o administrador”, escreveu um sábio proprietário de escravos, “deveriam sempre puxar a corda pelo mesmo lado, Os negros logo descobrirão qualquer desavença entre um

e outro, e decerto hão de tirar proveito disso.” * Os administradores

faziam

jus à reputação

de brutalidade

em

relação

aos

escravos e ainda assim, como que para provar que o paradoxo

demoníaco governa o mundo, mostravam-se, apesar de toda sua 37

E ente

fanfarronice, pateticamente conscientes de dependerem da boa vontade daqueles a quem espancavam impunemente. Ao visitar a plantation de sua família no Mississípi, em

cípio de que o diabo haveria de levar os que ficassem para trás.

eles ser punidos

& também

o administrador

o Surrassem,

por sua temeridade,

aos administradores. Estes iam e vinham; aqueles permaneciam. Um astuto e bem-sucedido proprietário do Alabama, que dizia que “só se quer um administrador por não se poder confiar nos negros”, exigia que os administradores ocultassem seus defeitos dos escravos. “Mas, se tal não for possível, então que - nunca, em caso algum, peça ou exija que os negros ocultem suas falhas do empregador — em tal caso o administrador estará emasculado. Melhor será afastar-se de um lugar que ele só poderá levar à desgraça, se teme que os trabalhadores possam delatá-lo.” *% Desde os tempos coloniais até a secessão, os senhores consultavam os escravos a respeito do desempenho dos administradores. No século XVIII, segundo as palavras de seu biógrafo, Robert Carter, um proprietário da Virgínia, “jamais hesitou em censurar um administrador ou um artesão branco se um negro apresentava uma queixa legítima”. As vésperas da secessão, as atitudes não haviam se modificado muito. “Meus negros”, escreveu

J. W.

Fowler,

do Mississípi, a seu administrador,

em

1858, “têm permissão de vir a mim com suas queixas e grava38

a

política de queixar-se era, por fim, justificada por um relaxamento do rigor por parte do administrador”, ? Um

proprietário

da

baixada

da

Carolina

do

Sul

John

Horkley Grimball, que morava em Charleston mas não despreMm os olhos de suas plantações, recebeu uma visita nada em-vinda de Bachus, um escravo de confiança. Desgostoso com O

que

ouviu,

administrador:

Grimball

escreveu

a

Willi illiam

McKen

eo

Qualquer senhor sensato, apesar de todas as pretensões e declarações ao contrário, preferia dar crédito aos escravos e não

por assim

Frederick Douglass tinha uma prima que fora horrendaMente maltratada, Correu ela ao senhor, que a repree ndeu, inflstindo em que o administrador contava com todo seu apoio Douglass, porém, refletiu que a coragem demonstrada pela peiMa era, em geral, recompensada com maior benevo lência no futuro: “Quando um escravo tinha peito de ir diretamente ao senhor, levando uma queixa fundamentada contra o administrador, mesmo que fosse repelido (...) e ainda que o senhor

1851, William M.

Otey relatou que o administrador e a esposa estavam se saindo muito bem: os escravos achavam-se “satisfeitíssimos com eles”. ? Sete anos depois, Otey verificou que “todos gostam muito dele [e] escuto queixas [sic] por parte deles”. * Mais a leste, na Carolina do Sul, um proprietário de várias plantações recebeu de seu gerente um relatório a respeito de um administrador. que se mostrava severo em excesso. O administrador entendeu o recado. Tudo ia bem: “Os negros disseram que tudo acabou muito bem ontem”. No entanto, nenhum proprietário queria que o administrador se aproximasse demais dos escravos, e por isso argumentavam que os administradores deviam tratar todos os negros do mesmo modo, sem mostrar favoritismo. * Não é de admirar que os administradores mais fracos dessem para beber e que os mais poderosos fizessem o que lhes aprazia, dentro do prin-

caso deverãoú

ni

Senhor: Bachus acabou de chegar trazendo sua carta, a qual lamento dizer, não contém absolutamente nada. E o relato verbal que ele me prestou, relato esse que obtive após

detido interrogatório, é-me inteiramente insatisfatório (o)

Fiquei sabendo, por ele, o que o senhor não mencionou que seu irmão da Geórgia acha-se hospedado em minha propriedade há várias semanas, alimentando o cavalo com meu cereal e meu milho. E ele tem tanto direito de proceder assim quanto de meter a mão em meu bolso e tirar dinheiro (...) E evidente que, por ocasião de nosso ajuste de contas, o - senhor há de pagar-me essas despesas. lava . “iria de seis. semanas depois,. Grimball registrou em seu rio que Possuir negros é decerto a coisa mais trabalhosa do mundo”. E assim prosseguia:

Hoje

de

manhã,

Slann Island (...)

fui

j

procurad

:

Boa

A em

À

dE

de 39

Pelo que me narrou, entendi que McKendree ficou extremamente zangado ao receber minha última carta e, acusando Richard de pôr-me a par de todas as notícias da propriedade, agrediu-o e deu o lugar de feitor a Robin C. e), além de lhe dar bons motivos para crer que o puniria ainda mais. (...) Eis o que ele me contou, ao que não posso dar crédito, mas,

se for

desonestas McK,

mesmo

e safadas

em número

verdade,

da parte

será

uma

atitude

de McKendree:

das

negros

mais

de

de cinco, durante todo o verão e a cada

semana, vêm se apossando de certa quantidade de milho em meus paióis (...) e ele me trouxe uma vareta com o número de quintais marcados nela. (...) A quantidade que tiraram até agora é de 25 quintais. (...) Vou mandar Richard de volta amanhã, e escrevi o seguinte a McK

(...):

Senhor: Richard procurou-me hoje de manhã com uma queixa (...) Quando eu for ao interior, a conduta dele será discutida e,

se conveniente, ele será castigado. De acordo com o que soube por ele, o senhor lhe bateu e fez de Robin feitor. Ora, muito embora Richard esteja longe de me agradar como feitor, o direito de nomear e substituir feitores é meu e ninguém pode exercê-lo sem minha permissão. E, como tal permissão não lhe foi concedida, surpreende-me que o senhor proceda como procedeu. Agradecerei se o repuser em sua função assim que receber esta. (...) Já que Richard será interrogado quando eu for aí, ele não deve ser punido por esta transgressão. Percebendo que o desastre era iminente, o administrador viajou a Charleston a fim de defender-se e convenceu Grimball de que o feitor havia mentido com relação aos furtos do paiol. Grimball observou que o administrador não estava com boa saúde — achava-se à beira de uma crise nervosa — e que pretendia deixar o litoral, em busca de um clima mais saudável, assim que possível. Sem dúvida o administrador sabia que teria necessidade: de uma vigorosa carta de recomendação do punho de Grimball, num futuro bem próximo. Como a questão se re40

duzia à palavra de um homem

contra outro —

ou melhor, à

palavra de um administrador contra a de um escravo —,

como

ónmo administrador havia prestado três anos de bons serviços 6 ora, ele próprio, senhor de escravos e proprietário, como o gacravo não se encontrava entre os favoritos de Grimball e como O estado de saúde do administrador despertava solidariedade,

Orimball dispôs-se a lhe dar crédito. º Mesmo assim, o homem

salvou-se por um triz e a história depolmento negativo que se extrai vomeça a explicar as invectivas de “esnobes do algodão”, que ganhavam Vos, no incentivá-los a desdenhar os

ficou por isso mesmo. O das palavras de Grimball D. R. Hundley contra os a simpatia de seus escrabrancos pobres e a se re-.

belar contra os administradores e delatá-los aos senhores.

Para manter sob vigilância os administradores nos quais não confiavam, os senhores tinham, necessariamente, de buscar Informações junto aos escravos. Depois que Charles M. Maniault recebeu uma carta que atribuía ao tempo e às marés uma nesperada quebra da colheita de arroz, ele respondeu: “O sefihor deve fazer uso de sua prudência habitual, a fim de soluvlonar esse mistério, investigando junto ao feitor, ao seleiro O A outros, sem demonstrar que acredita ser o administrador Um incapaz. Depois disso, resolva se ele é um imbécille [sic] (+++) ou se ele não andou cometendo tolices e as demais quali-

dndes são satisfatórias”.2 A. T. Goodloe, que possuía propriedades no Tennessee e no Arkansas, denunciou publicamente O hábito de se dar ouvidos a histórias contadas por escravos sobre administradores, depois de quase tornar-se vítima da capa-

Uldade dos negros de tirarem proveito dessa cisão entre senhor

& administrador. Seus escravos tinham sido pilhados realizando ima reunião para debater o melhor meio de pôr o administrador em apuros e fazer com que fosse despedido. * Ao que parece, outros donos de plantations rejeitavam o hábito de conaultar os escravos com relação à conduta dos administradores. Escreveu T. E. Blont, de Sussex County, Virgínia: O administrador não deve degradar-se, acusando um escrado de levar informações a seu empregador. Não deve haver informação alguma a ser levada. O empregador não incentivará a delação, mas interrogará todo escravo, indiscriminadamente, sempre que julgar conveniente, com relação a 41

todos os assuntos relacionados à propriedade, e exigirá que ele diga a verdade.“ Acuados por essas repreensões e essa implícita degradação, os administradores revidavam sempre que podiam. William Capers, um dos duros administradores de Manigault, e que aprendera sua profissão

com

o tio, que um homem

um

tio, afirmou,

tal como

capaz de dar ouvidos

fizera antes

a um negro não

passava de um tolo consumado. Escrevendo no American Cotton Planter, um redator defendeu os administradores apelando para

o orgulho racial: “De maneira geral, os empregadores têm mais confiança nos negros que nos administradores. Quando querem saber

como

vai o trabalho,

raramente,

ou

nunca,

indagam

do

branco, mas chamam um negro qualquer e lhe dirigem perguntas que um cavalheiro deveria envergonhar-se de fazer a um negro a respeito de um branco”.º J. L. Eubanks, um administrador que se responsabilizou pela propriedade Arrington, no Alabama, declarou que os escravos haviam se mostrado negligentes e desordeiros sob as ordens de seu predecessor. Pretendia restabelecer a ordem e não permitiria que a opinião que dele fizessem os escravos alterasse sua política. Segundo denunciou, a terrível situação que ele herdava “foi ocultada a Vossa Senhoria a fim de conservar a boa vontade dos negros”. Quanto a si próprio, manifestava esperança de que os negros gostassem dele, mas nada faria para lhes conquistar as boas graças. Os escravos tiravam proveito desses conflitos para facilitar as coisas para si, e até mesmo alguns duros senhores de vez em quando intervinham em favor deles. Em certos casos os administradores se ajustavam bem e chegavam a ganhar a afeição dos escravos, que os elogiavam pela equanimidade. Geralmente, porém, prevalecia a tensão. E com ela os escravos corriam grandes riscos, pois, sempre que conseguiam restringir o poder de um administrador e conquistar um pouco mais de espaço vital,

incorriam

em

sua

ira e, de

uma

maneira

ou

de

outra,

acabavam levando a pior.” O êxito dos escravos em jogar senhor contra administrador transparece de modo claro num artigo escrito por um senhor : de escravos num periódico agrícola de grande tiragem. Segundo ele, “um negro velho dos mais astutos” teria dito: “Essas porcarias de administradores novos não valem nada. Um homem

42

- vOMO O sr, Dick vale mais do que todos eles juntos”. Evidentemente, o autor do artigo aprovou a preferência que o velho escravo dizia ter pelo senhor, o que “me pareceu sensato”. º O idoso esoravo foi muito mais sagaz do que imaginou o autor do artigo. Tranquilamente, ele se dispusera a julgar os méritos relativos dos brancos, demonstrando que tudo o que tinha de fazer para se sair

hem era usar um pouco de lisonja. O jogo tinha consegiiências desagradáveis. Obviamente, aumentava mais ainda a dependência dos escravos em relação ao senhor.

Por outro lado, criava, na pessoa do administrador, um

símbolo de suas insatisfações; com frequência o senhor sumia de vista como o homem responsável pela situação em que se engontravam. Em defesa dos escravos, a periódica intervenção do senhor contra os excessos ressaltava sua auto-imagem assim como,

Has

senzalas,

Frank

Jones,

sua

imagem

com

efeito

de protetor. tanto

os

Como

senhores

observa

como

os

Bobby escravos

usavam os administradores para se desligar do lado mais duro do regime, de modo que cada novo administrador representava tm novo começo e um esperado retorno à normalidade. “O senhor e os escravos”, conclui ele, “reagrupavam-se, limpavam A lousa e preparavam-se para cometer os mesmos erros em outro “ano, 9 A longo prazo, o relacionamento trilateral afetou as relaqões de classe e raça no Sul de outros modos. Como escreveu Frances Butler Leigh, na Geórgia do pós-guerra, um branco que fosse posto a administrar negros numa plantation teria de ser um cavalheiro para conseguir resultados. Os negros conhecem um verdadeiro gentleman, acrescentou ela, e menosprezam qualquer pessoa que não alcance esse nível.” Isaac DuBose Seahrook, descendente de aristocratas das terras baixas da Carolina do Sul, recordou em 1895 que os escravos eram capazes de apelar, junto aos senhores, contra administradores cruéis: “Assim, o

escravo passou a desprezar o branco que trabalhava, fosse ele um administrador ou exercesse outra ocupação, e a admirar o senhor, que a seus olhos passou a representar um ser imensamente apartado do nível comum da humanidade”.”! Seabrook exagerou, ou melhor, descreveu apenas a tendência, mas pervebeu bem a realidade. Realmente, o administrador como ponto de referência e a própria capacidade dos escravos de pôr liimites a seu poder aumentaram o abismo entre os trabalhadores 43

negros e brancos, classes superiores. que fora vítima em que o senhor

fortalecendo os vínculos dos negros com as George Young, um ex-escravo do Alabama de administradores cruéis numa plantation não residia, concluiu: “Deus não teria con-

fiado a Pedro nenhuma chave do céu”.? O antagonismo entre escravos e administradores refletia uma hostilidade mais genérica entre negros e brancos de classe baixa. Vários fugitivos famosos deixaram pungentes relatos sobre aqueles que tinham na conta como “brancos pobres”. Frederick Douglass iniciou Life and Times referindo-se ao fato de ter nascido entre “uma população branca da mais ínfima; categoria, proverbialmente indolente e ébria”.?º Faz um retrató de Edward

Covey, um branco pobre que fez carreira como “domador de negros” profissional; Covey conseguia a mão-de-obra de que 'necessitava para sua fazenda alugando negros por uma quantia nominal a proprietários que desejavam curá-los de “sem-vergonhice”. Douglass acrescenta um comovente relato sobre as surras e maustratos sofridos nas mãos de trabalhadores brancos de estaleiros de construção

naval,

embora

declare

ter recebido

certa

solidarie-

dade por parte de trabalhadores irlandeses nos cais de Raltimore.“ Outro famoso fugitivo, H. C. Bruce, escreveu amargamente, em The New Man, a respeito de brancos pobres que faziam biscates para os donos de plantations e espionavam os escravos que vendiam seus votos aos fazendeiros mais poderosos e cuja falta de princípios era demonstrada quando se recusavam a mudar-se para os Estados onde não vigorava a escravidão e

onde poderiam ganhar a vida com decência. ” Libertos, vários ex-escravos descreveram seus vizinhos brancos pobres como “uma de nossas maiores agruras”. Esses brancos pobres estimulavam os escravos a roubar e depois os logravam na partilha; eles próprios roubavam e lançavam a culpa em escravos, seduziam escravas jovens impressionáveis e, acima de tudo, formavam a espinha dorsal das odiadas patrulhas escravagistas, que espancavam e maltratavam escravos pilhados sem

passes depois do toque de recolher. ?* Além do mais, os escravos consideravam os brancos pobres como a gente mais preguiçosa e dissoluta da face da Terra; foram provavelmente eles que apelidaram os brancos pobres de trash (escória).” Os senhores, de bom grado, apoiavam a atitude dos escra-

vos em relação aos brancos pobres e procuravam fortalecê-la.

44

Entretanto, no dia-a-dia, as relações entre escravos

e brancos

pobres da comunidade eram complexas e incluíam muito mais que aversão e ódio mútuos. Muitos escravos que roubavam os bens do senhor vendiam-nos a brancos pobres em festas nas quals se bebia e jogava, festas capazes de fomentar amizades nuínas e incentivar uma perigosa ambivalência de ambos os fados, O mesmo branco pobre que se mostrava violento numa patrulha podia ajudar um determinado escravo a fugir ou a

ludibriar o senhor. De vez em quando, os brancos pobres demonstravam cordialidade para com um escravo, a fim de causar dano

A um senhor que detestavam ou invejavam, ou, inversamente, rt força de uma repentina crise de noblesse oblige em que mitavam os grandes fazendeiros; às vezes, agiam assim por causa de uma amizade com um escravo, nascida ao arrepio de atitudes faclstas, No entender dos senhores de escravos, branco algum, exceto os mais degenerados, admitiria tais associações ilícitas e Até igualitárias com negros, e acreditavam que nada poderia

advir desses contatos além de problemas para a propriedade.”* No entanto, os senhores não podiam ir além disso ao endorajar o desdém de seus escravos pelos brancos pobres, pois

tal desdém logo se transformava num meio seguro de expressar desprezo por todos os brancos. Quando

os escravos cantavam

“melhor ser negro que ser um branco pobre”, estavam na verdade atacando a doutrina racista vigente, ao menos em sua forma mais extrema.” Enquanto tentava fundar uma pequena firma em Augusta, Geórgia, Gustavus A. Ingraham, do Maine, escreveu em 1840 que, “entretanto, os negros são demasiado sicofantas como raça, mas há algumas exceções, e estes são por demais orgulhosos para falar a um branco comum como eu”,º”

Os senhores de escravos tinham outras preocupações. Muitos desconfiavam que homens que não possuíam escravos tendiam a Incentivar a desobediência e até a rebelião entre estes, menos por vompaixão pelos negros que por ódio aos proprietários ricos e ressentimento pela pobreza em que eles próprios viviam. Vez por outra, surgiam brancos ligados a conspirações rebeldes entre escravos,

e cada

incidente

dessa natureza

atiçava

novos

temo-

res," Ao determinar que os brancos de classe mais baixa que so ligavam aos negros eram “degenerados”, os senhores fingiam que tais contatos não existiam e evitavam ter de pensar na possibilidade de uma verdadeira solidariedade entre pessoas de 45

FE

raças diferentes. Além disso, propugnavam severas medidas policiais contra brancos que mantinham ligações ilícitas com negros e defendiam a generalizada política de tentar manter separados os trabalhadores negros e brancos. Por conseguinte, as circunstâncias em que se davam os contatos entre negros e brancos pobres estimulavam hostilidades de cunho racista e inibiam o amadurecimento de solidariedade, se não de igualdade. Com efeito, existiam essas relações de solidariedade mútua entre escravos e brancos pobres. Embora não fossem muitas, suas existência era vista com horror numa sociedade na qual nenhum membro sensato da classe dominante estava disposto a correr riscos. Lewis Clarke, um fugitivo que teve êxito, lembrava-se de uma escrava que recebeu 50 açoites por surrupiar comida para uma vizinha, branca e pobre. Olmsted fala de um escravo que defendeu com denodo os Cajuns, descrevendo-os como gente bondosa e trabalhadeira. ? As recordações de ex-escravos no século XX são particularmente comoventes, uma vez que seus relacionamentos, pós-emancipação, com brancos pobres raramente seriam de molde a induzir uma interpretação romântica do passado remoto. Na maioria, os relatos são queixas amar-

gas dos brancos pobres e lembram sobretudo o comportamento violento deles como membros das patrulhas. Alguns, porém, aduzem outros dados e avaliações. Lembravam-se de brancos pobres e trabalhadores imigrantes que apelavam aos escravos, muitas vezes com êxito, pedindo comida e ajuda em circunstâncias desesperadoras. Falam, com compaixão, das lutas terríveis dos brancos pobres e de seus sofrimentos, que com frequência rivalizavam com os dos escravos ou mesmo os suplantavam. Referem-se a gentilezas demonstradas por brancos pobres a escravos de senhores cruéis, e também a brancos pobres que trabalhavam ombro a ombro com os escravos (“nos ajudavam”) e que compartilhavam as diversões, tanto quanto a labuta opressiva. & Num relato sobre a contratação de irlandeses e de negros para a construção de um canal, Fanny Kemble captou a essência, assim como o potencial, das relações raciais entre os pobres. Os grandes donos de plantations, escreveu ela, insistiam em segregar os trabalhadores, ostensivamente com o fito de evitar violências, pois se dizia que os irlandeses não perdiam oportunidade de maltratar os negros. Refletia a sra. Kemble:

46

Eles [os irlandeses] já foram oprimidos o bastante para se tornar opressores sempre que acham uma oportunidade; 6 à situação de desprezo e degradação em que vivem os negros apresenta uma horrenda semelhança com as circunstâncias reinantes na própria pátria irlandesa, e é natural que isso induza nos irlandeses o exercício da hostilidade e do desdém de que eles próprios são habitualmente objeto; é não é de muito admirar que essa distribuição circular de malefícios possa não só ser agradável como também chegue à parecer um direito retributivo a gente de grande ignorância (...) No entanto, se os irlandeses são brigões, desordeiros, encrenqueiros, bêbados e hostis em relação aos

negros, são também uma gente passional, impulsiva, de cubeça quente e generosa, muito inclinada a cóleras vibrantes, que irrompem de súbito, quando não forçadas à repressão fumegante. (...) São também pessoas de furiosa solidariedade, e havendo uma suficiente dose de ar americano em seus pulmões, apropriadamente combinada com Uma proporção correta de ânimo ardente, não há como deixar de imaginar que acabem se colocando ao lado dos escravos, e deixo aos senhores julgar as consegiiências possíveis. Percebem, estou segura, que de modo algum eles devem trabalhar juntos na construção do Canci

Brunswick. * Os incidentes esparsos recordados por ex-escravos fazem tão-somente ligeira sombra ao potencial percebido pela sra.

Kemble e temido pelos senhores. Só resta especular se, com o passar do tempo, a mudança de condições teria criado uma nova

situação política. Nas condições políticas e sociais reinantes no Velho Sul, a solidariedade inter-racial não tinha como transformar-se numa séria ameaça ao regime. A hostilidade dos brancos pobres contra os negros fortalecia o regime e forçava os escravos a depender ainda mais da proteção de seus senhores e de outros brancos de categoria “boa” e de “estirpe”. Assim sendo, os administradores vieram a simbolizar menos a opressão de tlusse da escravidão que a hostilidade racista de todos os branvos de classe inferior. As atitudes dos negros e dos brancos pobres não se dissipariam com facilidade, e suas consegiiências durante a reconstrução e o período populista foram devastadoras. 47

A função hegemônica do direito

— 1

Quando Mao Tsé-tung declarou a seu exército revolucionário que “o poder político nasce do cano de um fuzil”, não fez mais que asseverar o óbvio, pois, como observara Max Weber, muito antes e com distanciamento científico, “o recurso decisivo da política é a violência”. “ Tal ponto de vista não nega uma dimensão ética ao poder do Estado; afirma que o poder do Estado, cuja conquista constitui o objeto de toda luta política séria, representa uma tentativa de monopolizar e, por conseguinte, disciplinar e legitimar as armas da violência. Uma das funções primordiais do direito refere-se aos meios pelos quais o domínio do fuzil é sancionado pela ética. Mas, se nos detivéssemos nesse ponto, jamais poderíamos explicar a digni“dade e o élan de uma profissão — na Inglaterra, por exemplo — que em si própria tornou-se uma força social; muito menos poderíamos explicar a inegável influência do direito em moldar as relações de classe das quais ele é um instrumento de dominação. Sendo assim, relegar o direito à categoria de fenômeno ' superestrutural e derivativo obscurece o grau de autonomia que ele cria para si mesmo. Pelo menos nas sociedades modernas, os fundamentos teóricos e morais da ordem jurídica e a real história específica de suas idéias e instituições influenciam, passo a passo, a ordem social mais ampla e o sistema de domínio de classes, pois no mundo ocidental moderno classe alguma poderia governar por muito tempo sem alguma capacidade de apresentar-se como a guardiã dos interesses e das aspirações dos governados. ; A idéia de “hegemonia”, que a partir de Gramsci passou a ocupar uma posição central no marxismo ocidental, implica antagonismos de classe; no entanto, implica também, num dado tempo histórico, a capacidade de uma determinada classe conter esses antagonismos num domínio em que sua legitimidade não seja perigosamente contestada. No que diz respeito especificamente ao direito, cabe observar o lamentável destino das doutrinas de direito natural e de outras variadas incursões na teoria jurídica “revolucionária”. Durante sua ascensão ao poder na Europa, a burguesia revolucionária contrapôs teorias do direito natural à teoria feudal, mas assim que chegou ao poder assimilou as doutrinas de direito natural a uma nova defesa da 48

porn

Não difere disso também a experiência do movi-

fito comunista

na Rússia, após conquistar o poder. Por mais

Wuo sentimentais e utópicos reclamem do monótono retorno de Wma

teoria

Wlspóem

jurídica

positiva,

sempre

a reconstruir o mundo

Eulro caminho

que

revolucionários

se

que despedaçaram, qualquer

estaria destinado ao fracasso. As classes domi-

Hantos diferem, e cada qual tem de governar de maneira difefonte, Todavia, todas as modernas classes dominantes têm muito EM comum na sua atitude em relação ao direito, pois cada uma Helas tem de confrontar o problema da coerção de maneira a tornar mínima a necessidade de usá-la e tem de disfarçar o grau Bm que o poder do Estado menos repousa na força que repreMenta sua realidade. Por isso, até mesmo

a teoria marxista pre-

blaa terminar com a afirmação de uma teoria jurídica positiva E considerar as doutrinas de direito natural e de “direito maior” Bnmo artifícios táticos na luta extralegal.*

Na sociedade escravista do Sul dos Estados Unidos, como Em outras sociedades, o direito, mesmo se estreitamente definido fomo um sistema de jurisprudência institucionalizada, constitula um importante veículo para a hegemonia da classe governanto, Visto que os senhores de escravos, tal como outras classes dominantes, surgiram e se desenvolveram em resposta dialética ha outras classes da sociedade — como foram plasmados por homens livres brancos e por escravos negros, tanto quanto os.

plasmaram —, o direito não pode ser encarado como uma coisa passiva e refletiva, e sim como uma força ativa e parcialmente autônoma que exercia a mediação entre as diversas classes e tompelia os governantes a curvarem-se às exigências dos governados, Os senhores de escravos viam-se a braços com um problema Inusitadamente complexo, já que seu poder regional se achava . Inserido num sistema nacional no qual tinham de partilhar o poder com uma burguesia nortista antagônica. Uma avaliação completa do que significou o direito da escravidão terá de esperar por uma história adequada do sistema jurídico do Sul em relação no nacional; até lá, teremos de nos contentar com uma análise preliminar que corre o risco de excessiva abstração.” Como classe sócio-econômica, os senhores de escravos moldaram o sistema jurídico de acordo com seus interesses. Entretanto, no seio daquela classe sócio-econômica, na classe como tim todo, havia elementos que competiam pelo poder. Em seu

49

seio,

um

centro

político

surgiu,

consolidou-se

e assumiu

“mento, quando ele conflitar com a vontade geral. Os que agifem de acordo com seu próprio julgamento, contra o. coletivo, * Borporificado no direito, vêem-se compelidos a passar da questão

uma

posição de comando na década de 1850. A fração mais avançada dos senhores de escravos que com mais clareza percebiam os interesses e as necessidades da classe como um todo lutou afincadamente

para

tornar sua classe mais consciente

moral implícita em qualquer lei específica à questão moral da

de sua natu-

reza, de seu espírito e de seu destino. Nesse processo, criou uma visão de mundo apropriada a um regime escravista. Para qualquer centro político como esse, a classe como um todo deve adquirir uma melhor compreensão de si mesma, transformando-se de uma “classe em si”, que reage a pressões sobre sua posição objetiva, numa “classe para si”, que conscientemente luta por moldar o mundo à sua própria imagem. Só a posse do poder público pode disciplinar uma classe como um

Fol nesse contexto que o Sul plasmou sua atitude em relagão nos escravos.” Com sardônico humor, T. R. Gray, persoÉ fingem de ficção do escritor William Styron, explica a Nat TurHer como é possível que ele, uma simples mercadoria, possa “mor levado a julgamento por atitudes humaníssimas de assassínio

todo e, através dela, as demais classes da sociedade. O

“E Insurreição:

flamento anti-social tentar esquivar-se à lei, a menos que se | Buteja disposto a atacar todo o sistema jurídico e, por conse-

fulnto, o arcabouço consensual do Estado. *

sistema

jurídico pode tornar-se, então, não apenas expressão de interesse de classe, nem mesmo apenas expressão da disposição dos * governantes de compor com os governados; ele pode vir a ser um instrumento mediante o qual a porção vanguardista da classe dominante impõe seu ponto de vista à classe como um todo e à sociedade em geral. A lei deve disciplinar a classe dominante,

além

de orientar

e educar as massas.

Para

a submissão

social,

ou

seja,

deve

legitimar-se

"A questão é que o senhor é uma mercadoria animada, & uma mercadoria animada é capaz de má-fé, conluio e furto voluntário. O senhor não é uma carroça, reverendo, e sim uma mercadoria possuidora de arbítrio moral e volição espiritual. Lembre-se disso. Porque é através desse prin-

cípio que a lei estabelece que uma mercadoria animada

realizar tais

tarefas, tem de exibir uma equanimidade suficiente para impor eticamente

|

aos

olhos das várias classes, e não somente da classe dominante. Tanto o direito penal quanto o civil fixam normas de conduta e sancionam princípios que ultrapassam em muito os assuntos “ estritamente legais. Por exemplo, não é forçoso que a pena | capital para homicídio brote de uma preocupação pragmática | pela coerção e seus defensores poderiam, justificadamente, re- | sistir a argumentos psicológicos. A pena de morte pode surgir | da exigência de concretização de uma certa idéia de justiça e do requisito educacional de se estabelecer uma firme norma de certo e de errado.

“O

direito”,

como

diz

Gramsci, “é o aspecto

repressivo e negativo de toda a atividade civilizadora positiva

empreendida pelo Estado.” & O direito age, hegemonicamente, de modo a assegurar às pessoas que suas consciências pessoais podem ser subordinadas;

na verdade, do ponto de vista moral devem ser subordinadas ao | julgamento coletivo da sociedade. Poderá impor a submissão pela concessão, a cada pessoa, do direito a julgamento privado,

:

| |

como o senhor pode ser julgada por um delito, e é por isso que o senhor vai ser julgado no sábado que vem.” Fez

uma

pausa,

e então

acrescentou,

em

voz

baixa

e

sem emoção: “E será pendurado pelo pescoço até morrer”. ”

E bem possível que Styron desejasse satirizar o juiz Green, flo Supremo Tribunal do Tennessee, que afirmou em 1846: “Um pRUrAVO não se enquadra na categoria de um cavalo”. O escravo, prosseguiu o juiz Green, foi feito à imagem do Criador: “Possui aptidões mentais e, em sua natureza, um princípio imortal que & torna igual a seu amo, não fosse a posição acidental em que o destino o colocou (...) As leis (...) não podem extinguir sua natureza superior, nem tampouco privá-lo de muitos direitos inerentes ao homem”.? A idéia de que os bens móveis, como ps Estados em geral definiam os escravos, podiam possuir uma natureza superior, à qual não faltavam os direitos inerentes ao homem, descia com dificuldade pela garganta daqueles que achavam que até a lei deveria obedecer às regras da lógica. 51

50

Quatro anos antes das benévolas observações do juiz Green, | o juiz Turley, do mesmo tribunal, trouxe à baila o dilema. “O | direito à obediência”, declarou ele no processo Jacob (um es- | cravo) vs. o Estado, “em todas as coisas lícitas (...) é perfeito | no amo; e a lei lhe garante o poder de infligir qualquer punição | que não afete a vida ou a validez.” * Já que um escravo não | era nem uma carroça nem um cavalo, era preciso tratá-lo como | um homem, mas o direito não se atrevia a cuidar desse ponto | diretamente. Se a lei declarasse ser o escravo uma pessoa, com uma específica relação de classe com outra, disso adviriam duas | consegiiências desagradáveis. Primeiro, a exigência de que se. respeitassem direitos elementares, como o da família, tornar-se-ia | irresistível numa sociedade comercializada que exigia o oposto, a fim de garantir adequada mobilidade de capital e de mão-de- | obra. Segundo, os senhores teriam de renunciar em princípio, |

como frequentemente eram obrigados a fazer na prática, a in-| sistir em que um escravo estava moralmente obrigado a atuar |

como uma extensão da vontade do amo. Por mais que o direito | em geral procure conciliar princípios conflitantes na sociedade, | nesse caso ele se arriscava a corroer o único princípio que os | senhores de escravos consideravam sine qua non. No entanto, como salienta bem William Styron nas pala- | vras que põe na boca de T. R. Gray, os tribunais tinham de | admitir a humanidade e, portanto, o livre-arbítrio do escravo; . do contrário, não poderiam considerá-lo responsável por atos. anti-sociais. O juiz Bunning, da Geórgia, afirmou francamente: | “Não é verdade que os escravos não passem de bens móveis | (...)

e, por

conseguinte,

não

é verdade

ser impossível

pren-

dê-los. . .”** Não nos explica o juiz de que modo um bem (uma | coisa) poderia também não ser um bem, a não ser como tácita. fantasia, nem tampouco ele quis investigar o motivo da necessi- | dade dessa fantasia. Uma vez que grande parte do: direito diz | respeito a fantasias tácitas, os juízes, enquanto juízes, não ti- | nham por que se preocupar com suas antagônicas opiniões jurí- | dicas, mas, como senhores de escravos, não tinham como evitar |

a perspectiva de desarmonia em sua filosofia social. Repetidamente, os tribunais pisoteavam a humanidade dos escravos. Contrariando a razão, a natureza e o parecer de seus colegas de magistratura, o juiz Hall, da Carolina do Norte, proclamou,

| . | |

en passant: “Por serem escravos, não tinham qualquer vontade | 2.

Wla,,.”* Nesse caso, o que dizer do parecer emitido pela iprema Corte Estadual do Missouri: “Sendo limitado o poder amo, sua responsabilidade é correspondentemente propor-

alto O Supremo Tribunal da Carolina do Sul viu-se a braços 04 princípios conflitantes da sociedade escravista e enunuma série de respostas mutuamente excludentes. Afirmou 0 tilz Waites, em O Estado vs. Cynthia Simmons e Lawrence Rllchen (1794): “Os negros se acham sob a proteção da lei, têm direitos individuais e não podem ser considerados em pé

de Igualdade somente com os animais domésticos. Têm vontade úprla (...) a capacidade de cometer crimes, e são responAveia por delitos contra a sociedade”. Declarou o tribunal em

Pultohild vs. Bell (1807): “O escravo existe para servir ao amo.

do está à mercê do senhor: seu tempo, seu trabalho, suas odidades”. Opinou o juiz John Belton O'Neall em Tennent W Dendy (1837): “Os escravos são nossa mais valiosa proledade, (...) Não há como calcular o número de guardas » Inlerpostos entre ela e homens violentos e sem princípios. (...) pucravo deve ter completa consciência de que o senhor é para elo (,,.) uma perfeita segurança contra o malefício. Sendo este — W 0nH0, a relação entre amo e escravo torna-se quase igual à que

Existo entre pai e filho”. ” No Kentucky, entretanto, o Supremo 5 ribunal declarou em 1828: “Por mais profundamente que o j lnmentemos, e não importa que o fato seja politicamente bom — WM ruim, segundo nosso código, um escravo não é tratado como pesa, e sim como negotium, uma coisa, tal como era visto pelo Bódigo civil do Império Romano”. Um ano depois, porém, ouviMhos o seguinte: “Um escravo tem volição, assim como sentimentos que não' podem ser inteiramente menoscabados”. Em 1056; “Entretanto, embora a lei deste Estado considere os escravos como propriedade, ainda assim lhes reconhece a existência pessoal e, até um certo ponto, seus direitos naturais”. * O Sul havia descoberto, como todas as demais sociedades enoravistas anteriores, que não podia negar a humanidade do fnvravo, malgrado os muitos absurdos jurídicos que inventasse. ” Tal descoberta deveria ter ensinado aos senhores de escravos fmulto mais. Tivessem eles refletido sobre as implicações da impossibilidade de uma carroça organizar uma insurreição, podeHam ter compreendido que os escravos, tanto quanto os senhores, 53

| | | || | | | ||

Il

-

estavam criando a lei. A ação dos escravos se fazia dentro de limites restritos, mas cumpria um objetivo vital: desmascarava a fraude sobre a qual repousava a sociedade escravista, a idéia de que na realidade, e não apenas no imaginário de uma pessoa, alguns seres humanos podiam tornar-se simples extensões da vontade de outros. Os escravos apreenderam o significado de sua vitória com muito mais acuidade do que em geral se crê. Viram que a lei lhes reconhecia poucos direitos e que mesmo esses podiam ser facilmente violados pelos brancos. No entanto, mesmo um único direito, imperfeitamente defendido, bastava para lhes mostrar que era possível resistir às pretensões da classe dos senhores. Não tardou para que, com lei ou sem lei, acrescentassem grande número de “direitos consuetudinários” por eles próprios criados e aprendessem a fazer com que eles fossem respeitados. Os escravos entendiam que a lei lhes proporcionava pouca ou nenhuma proteção, e em autodefesa recorriam a duas alternativas: ao senhor, se ele era decente, ou aos vizinhos dele, se não era; e a seus próprios recursos. Sua dependência em relação a um sistema paternalista aprofundou-se na mesma medida, mas de maneira tal que lhes permitiu definir direitos para si próprios. Por motivos pessoais, os senhores adotavam os costumes e as tradições locais; o mesmo fizeram os escravos, que transformaram esse respeito numa arma. Por exemplo, se a lei dizia que não tinham direito algum à propriedade, mas o costume local lhes concedia hortas particulares, então pobre do senhor ou administrador que sumariamente lhes retirasse o “privilégio”. Para esses escravos o privilégio tinha se tornado um direito, e sua retirada representava um ato intolerável de agressão. Os senhores, entendendo essa atitude, se dispuseram a aceitar um meio-termo. Os escravos forçavam o sistema jurídico, pois os tribunais repetidamente davam ganho a esses acordos extrajudiciários, atribuindo-lhes força de lei por estarem sancionados por

|| |

costumes

antigos.

Tratava-se

de

uma

vitória

diminuta

no

que tangia à proteção cotidiana, mas não era tão diminuta do ponto de vista psicológico; ela deu aos escravos a sensação de que tinham direitos próprios, ao mesmo tempo que os tornou mais conscientes dos direitos usurpados. 'º W. W. Hazard, da Geórgia, correu o risco de falar a seus escravos sobre seus direitos legais e de ressaltar os limites jurídicos de seu próprio poder sobre eles. Deixou claro que tinha obrigação de cuidar 54

na velhice, ao passo que os trabalhadores brancos livres | pognvam de tal proteção, e argumentou, habilmente, que o de serem açoitados por insubordinação representava uma ativa humanitária ao costume de se fuzilar soldados e Winhelros

pelo mesmo

motivo.

A

atitude

foi inusitada,

mas,

BE, menos arriscada do que se poderia pensar à primeira da, É possível que ele tenha marcado alguns pontos, e sem Blar muita coisa que os negros já não soubessem. '” A condição legal do escravo-no século XVII, sobretudo na

Ínia, ainda é motivo de controvérsias. Não podemos ter cerà do que a situação dos primeiros africanos diferisse acentua-

te da dos criados brancos sob contrato. fme Importância para a interpretação das Istória dos Estados Unidos. Parece possível & período um quadro menos opressivo de vera oportunidade de surgir no Alto Sul; é

O debate tem relações raciais que durante um relações raciais de duvidar que

"HW altornativa tenha algum dia existido na Carolina do Sul, —

WO, como sociedade escravista, cujas origens provinham de Barbados, Seja como for, antes da virada do século a situação He resolvera, e os negros achavam-se condenados à condição de

= WaUrAVOS para toda a vida. '? As leis da Virgínia e de Maryland, assim como as colônias Ho sul, concederam aos senhores, cada vez mais, o amplo poder sobre os escravos; além disso, pela proibição de casamentos Inter-raciais e pela restrição da condição de escravo aos “não brancos”, codificaram e, simultaneamente, pregavam a supremacia branca. Assim escreve Kenneth Stampp: “Destarte, a clasde dos senhores, em seu próprio benefício, inscreveu a escravidão, o sistema de classes e o preconceito de cor nos costumes

E no direito americanos”. '“ Esses primeiros códigos escravis-

tas, draconianos, serviram como modelo para os que foram adotados pelos novos Estados escravagistas no século XIX. Com o passar do tempo, tornaram-se mais duros com respeito à manumissão, à educação e à condição do negro livre, assim como mals brandos no que tangia à proteção da vida do escravo. No entanto, a maior parte da melhoria ocorrida foi imposta antes pelos tribunais e pela força da opinião pública que pelos próprlos códigos. Ao fim do período que antecedeu a guerra, as 55

a

leis continuavam draconianas e o imenso poder dos senhores sofrera restrições minúsculas. O melhor que se pode dizer é que a lista de crimes capitais se reduzira consideravelmente, em obediência ao movimento em prol da sensibilidade geral, e que a força impiedosa do século XVIII cedera lugar a uma maior flexibilidade no século XIX.'“ As leis, ao menos como emendadas no começo do século XIX, procuravam proteger a vida dos escravos e abriam margem para denúncia de homicídio contra senhores e outros brancos. Além do mais, exigiam, sob pena de multa ou reclusão, que os senhores proporcionassem aos idosos alimentação, vestuário, moradia e proteção adequados. Não obstante, tais ressalvas só serviram para confirmar o poder do senhor sobre os corpos dos escravos, e não apenas sobre seu trabalho. Em parte alguma o casamento entre escravos obteve sanção jurídica, e por isso as famílias podiam ser separadas impunemente. Somente na Luisiana impôs-se uma limitação eficaz a isso, ao proibir que, por venda, filhos com menos de dez anos fossem separados das mães. É significativo notar que os negros não podiam testemunhar contra brancos em juízo, de modo que o cumprimento das leis contra senhores cruéis ou até assassinos se tornava extremamente difícil. Se leis duras não significavam uma prática igualmente dura, tampouco leis brandas significavam práticas igualmente brandas. O Estado de Kentucky possuía uma das legislações escravistas mais brandas, cabendo notar a ausência do princípio de que os escravos deviam permanecer analfabetos, mas é provável que ali se tenham registrado mais violência e linchamentos que na maioria dos demais Estados, conquanto, com muito mais fre-

quência, essa violência fosse dirigida antes a supostos negrófilos brancos que a escravos. O Sul se tornara a região dos linchamentos por excelência antes da guerra, mas, das trezentas e poucas vítimas registradas entre 1840 e 1860, provavelmente menos de dez por cento eram negros. Eventualmente, como depois de uma crise de temores de insurreição, a febre de linchamentos recrudescia, Nesses casos, os mais respeitáveis proprie-

linvam de medidas extrajudiciárias contra os negros, prolonava a estes ampla proteção contra a violência coletiva. senso de justiça ganhou tanta força na classe senhorial que

mo durante a guerra se quviram vozes elogiientes que se Apunham a ações sumárias, motivadas pelo pânico, contra esBnvos que desertavam. Charles C. Jones Jr., na época tenente Exército Confederado, escreveu ao pai: “Quando a vida está “Bm jogo, todos, quer brancos, quer negros, têm direito a julga-

“mento

legal. (...) Qualquer outro procedimento, ainda que,

talves, em certa medida justificado pelo caráter agravado do fito e pela idéia do bem público, seria, num estrito senso

fídico, coram non judice e cheiraria a justiça pela turba”. !* O O tenente Jones

|

sem

dúvida percebeu,

uma

atitude com-

pente em relação à violência indiscriminada contra os negros serviria para ameaçar a propriedade sobre os escravos. Além mals, poria em perigo a posição dos senhores na sociedade e * abriria caminho a iniciativas, por parte das classes brancas in-

— Jrloros,

que talvez não se restringissem aos limites raciais.

* Avlinvam os senhores que sua própria ação direta, arrimada "'m sistema jurídico que eles mesmos haviam elaborado, preW'snva de pouco ou nenhum apoio por parte da escória branca.

Ordem significava ordem. Em nenhum outro aspecto ficou tão claro o grau em que A lol, e não as turbas, cuidava dos criminosos negros do que na fenção aos casos de estupro. Estupro significava, por definição, estupro de mulheres brancas, pois o direito não cogitava de tratar criminalmente o estupro de negras. Mesmo quando um faoravO atacava uma mulher negra, só seu amo poderia puni-lo;

hão havia como levá-lo a julgamento ou condená-lo se isso acontecense, !” Num certo processo, o tribunal de recursos anulou a

gondenação de um negro por tentativa de estupro, provavel-

tários podiam-se ver lado a lado com os brancos pobres, admi-

mente contra uma branca, pois à raça da vítima. '& O estupro ou a tentativa fião ocorria com fregiiência. 105 casos na Vírginia, entre

nistrando punições sumárias, levados pelo medo. No entanto, para os negros, o perigo de linchamento permaneceu mínimo depois da emancipação. '* O poder direto dos senhores sobre seus escravos e na sociedade como um todo, na qual pouco

registros de crimes cometidos por escravos, embora chegasse aos tribunais de apelação um número suficiente de casos para deixar elaro que todas as áreas escravistas tinham de enfrentar a ques-

56

a denúncia deixara de especificar de estupro de brancas por negros Ulrich Bonnell Phillips localizou 1780 e 1864, não havendo casos

durante alguns anos.'” Outros Estados não mantinham bons

57

al

tão de vez em quando. ''º No entanto, mesmo esses casos infrene proporcionam indícios das atitudes do Sul branco na poca. De modo geral, a fantasia racista tão familiar depois da emancipação não empolgou o Sul no tempo da escravidão. Eventualmente

os escravos

acusados

de estupro eram linchados, po-

|

| nove

À

rém a grande maioria, na medida em que se pode dar crédito aos dados existentes, recebia julgamento justo e cuidadoso tanto quanto permitia a injustiça fundamental do sistema jar dico. Por vezes os escravos eram tratados de maneira injusta até pela lei. Em 1859, um escravo acusado de estuprar uma viúva na Luisiana foi mandado às galés com base em provas que um grande proprietário julgou dolorosamente insuficientes. Não houvera uma identificação positiva, denunciou ele, e as , á E , Pr R cusações eram de maneira geral frágeis. “Considero-o”, escreveu ele em seu diário, “uma vítima daquilo que é considerado exem- |

plo necessário.” 11

O impressionante, em vista dos absurdos cometidos depois da abolição, é que em geral a opinião pública permanecia calma: o bastante para deixar a questão nas mãos dos tribunais e qua estes, normalmente, cumpriam o dever com escrúpulo. Em todos

os Estados do Sul, os tribunais de recursos anulavam condenações por estupro ou tentativa de estupro por todos os motivos possíveis, até alegações de ordem puramente técnica. Ab-rogavam condenações porque as pronúncias não haviam sido. regidas a preceito; porque os tribunais de primeira instância haviam baseado as condenações em confissões possivelmente obtidas pela força; ou porque a reputação da vítima branca fora aceita como atenuante. A serenidade do público e do sistema judiciário, em comparação com o que se veria depois da guerra, se manifestava de maneira mais surpreendente em anulações baseadas na ausência de prova de que os negros que haviam se aproximado das brancas realmente pretendiam usar de força. O Supremo Tribunal do Alabama declarou num caso dessa natureza: “Uma atitude indecente, ou uma incoveniência,

por mais revoltante que seja, não constituiria o delito. ..”, "2 A pena para O estupro continuou a ser a morte; a pena de castração caiu em desuso, ainda que no Missouri tenha sobrevivido

até as vésperas da guerra. ''º 58

O) escrúpulo dos tribunais de apelação chegava até mesmo em que escravos assassinavam ou tentavam assassinar OA joos, No período 1834-1861, foram ab-rogadas ou atenuadas, Iuslasípi, cinco de treze condenações no Alabama, em 1825de quatorze;

na Luisiana,

em

1844-1859,

duas

de

, O mesmo quadro aparece em outros Estados. " Um escravo podia matar um branco, em legítima defesa, |) ser condenado, desde que sua própria vida sofresse perigo 4 é iminente. Num famoso caso ocorrido na Virgínia em

1, Moses, um escravo, matou seu administrador e deixou de

vondenado, apesar de muita controvérsia na comunidade nes, O tribunal aceitou o testemunho de que Moses fora um vu honesto e fiel e que só se tornara homicida quando o

Inlstrador tentou matá-lo. "* Durante o século XIX os tri-

mala do Sul declaravam taxativamente dirolto de resistir a uma agressão que mo à ponto de matar o agressor. Na ficavam que um branco que atacasse tiferas arriscava-se às consequências, mao o direito de julgar os efeitos em

que um escravo tinha lhe ameaçasse a vida, prática, esses princípios um escravo com armas e não que um escravo potencial de, digamos,

à surra prolongada. "é

Uma série de processos famosos na Carolina do Norte trouk tona as questões teóricas e expôs o supremo absurdo de o juiz é definir um escravo como um bem móvel. Em 1829, passou Sul, do juristas smas Ruffin, um dos mais respeitados de Wma sentença que, espontaneamente, descreveu como sendo

onhas

implicações. "” Um

tribunal

de primeira

instância

slarara que, segundo a lei, um senhor podia ser acusado de prossÃo contra um escravo, da mesma forma que um pai podia O “Her acusado de infligir ao filho castigos físicos exagerados. o Suprem pelo a sentenç da ão revogaç lg Ruffin explicou a

flbunal em palavras que revelam muito sobre novas atitudes

em relação aos direitos das crianças e aos limites da autoridade

paterna, Não há nada de semelhante entre os dois casos. São anta, gônicos e interpõe-se entre ambos um abismo intransponível e dão, a diferença que existe entre a liberdade e a escravi objenão se pode imaginar abismo maior. De um lado, o de tivo em vista é a felicidade do jovem nascido em pé 59

igualdade com o regente, a quem incumbe o dever de educar o moço e torná-lo útil, de acordo com a condição que

lstvador pegou uma arma e tentou alvejá-lo. Will matou

| À

Inlstrador e alegou legítima defesa. O Supremo Tribunal,

presidência de Gaston, revogou a condenação de Will e

mais tarde ele há de assumir entre os homens livres.

No caso da escravidão, a situação é inteiramente diferente. O objetivo é o lucro do amo, sua proteção e a segurança pública; o vassalo acha-se condenado, em sua própria pessoa e em sua posteridade, a viver sem conhecimento, sem a capacidade de tornar seu o que quer que seja, e a labutar para que outrem colha os frutos. Que considerações mona como as que um pai poderia apresentar ao filho, poerão ser corrigidas a tal ser, a fim de convencê-lo daquilo que, mesmo o mais estúpido sabe, nunca poderá ser verdade C -.) que ele terá de esfalfar-se com base em um princípio de dever natural, ou em nome de sua própria felicidade pessoal, que tais serviços só podem ser esperados de quem não tem nenhuma vontade própria; que ele renuncia à sua vontade em obediência implícita à vontade de outrem. Tal obediência só pode resultar de uma autoridade sem limites sobre o corpo. Nada mais é capaz de produzir tal efeito. O poder .do amo deve ser absoluto para tornar perfeita a submissão do escravo. Cumpre-me confessar que tenho consciência da rudeza dessa afirmativa sinto-a o mais profundamente possível. E, como princípio de retidão moral, todo homem, no fundo da alma, deve

“ganho no recurso. O juiz Ruffin deve ter se sentido aliviado;

|

neceu calado e não discordou de uma sentença que con-

luva cabalmente a filosofia inerente a seu próprio julgala anterior. "? O que se seguiu ao processo também revela

À ] À

colsa a respeito do sistema jurídico do Sul. Acreditando

à vida de Will estaria ameaçada por retaliação de brancos,

penhor vendeu-o, juntamente do Mississípi. Alguns anos k de volta ao antigo senhor. daram com surpresa, pois

À

o marido. Mas não fora isso que tinha acontecido.

de matar outro escravo no Mississípi, Will fora conde-

por homicídio e executado. Comentário da pobre mulher:

Il devia ser um sujeito azarado. Matou um branco na Caro-

do Norte e se safou; depois, foi enforcado por matar um à no Mississípi”.'”?

Os

jamais

poderiam

garantir

aos

escravos

O

pa geral, não era. Sobretudo nos casos em que à vítima

à um administrador ou um branco pobre, a atitude dos bran-

E era de que tinha sido bem merecido. Armsted Barrett, um escravo do Texas, recordou que, quando um administrador utal passou das medidas, dois escravos lhe deceparam a cava com enxadas. Tudo o que o senhor fez foi vendê-los.” Ao ler assim, protegeu seu investimento, pois a indenização

Não há remédio. Essa disciplina é inerente ao estado de

escravidão. "º

noa chegava a igualar o valor de mercado. No entanto, é di“Holl acreditar que, nesses casos de violência contra brancos,

Nunca a lógica da escravidão foi tão bem descrita | homem humanitário e responsável. Como sabia Ruffin, Estr comunidade civilizada podia aceitar essa idéia. Talvez ele es-

* Wonlderações financeiras superassem facilmente as de outra or-

e * dem, Na Carolina do Sul, um senhor maltratava os escravos

perasse que o Legislativo achasse um meio de eliminar o dilema do Supremo Tribunal. Mas isso não aconteceu, e o tribunal teve de reconsiderar sua sentença.

* pia considerado responsável pela morte de um ou mais. Uma

— pomilssão de cidadãos do lugar visitou-o para sugerir, sem dúvida imediata* Wom toda cortesia e respeito, que ele deixasse a região

Em 1834, no processo Estado vs. Will, o juiz Gaston, um

60

tribunais

to de legítima defesa se a opinião pública fosse hostil. De

repudiá-lo. Mas, sendo as coisas como são, assim tem dá ser.

liberal, falando em nome do mesmo tribunal, expôs uma doutrina totalmente antagônica àquela, infinitamente mais humana e bem menos lógica. O juiz Gaston considerava certas coisas mais importantes que a coerência lógica. Will, um escravo, tentara fugir de um administrador que queria açoitá-lo. Diante disso, o

com a mulher, para um fazendepois, ela conseguiu ser venSeus companheiros de cativeiro, não esperavam que ela aban-

um * mente, Foi o que ele fez. "2 Na Geórgia, escravos mataram *

que penhor cruel sem provocar a ira dos brancos, que julgaram

ex-es— vle fizera por merecer seu destino. '? No Missouri, uma com uma — WravA contou que, com dez anos, cegara sua senhora

irmãpedrada, vingando-se do assassínio não castigado de sua 61

np ue enusara incômodo por chorar demais. ; A escra v : — corto da filha da senhora, e a moça não ei qué H Tomo castigada, declarando: mente recebeu uma lição”. "2

“Bem,

acho que mamãe final-

Na Virgínia seiscentista, um senhor não podia matar um pende causar-lhe a morte, mas não podia, legalmente

pt da

dad

Pião

Inal ss

Claro que não. Por conseguinte, nenhum

tri-

formado por homens sensatos haveria de considerar o ho A um escravo por seu senhor. '* Com o passar do a

O poa ta

*

o um homem destruiria voluntariamente

et do escravo. No

a o para

outro,

século XIX,

os senhores

ao

apesar de variações

teoricamente

estavam

su-

ii a acusações de homicídio por matar sem motivo um escravo Ed 9 iai a morte em decorrência de punição excessiva: ú » O Supremo Tribunal da Virgínia manteve a condenação de um senhor por causar a morte de um escravo jo) açoites e torturas cruéis e excessivas”: “Mas, ao assim ii Por castigar, o proprietário do escravo age por sua conta e risco: , po a pa : ra advém em consegiiência dessa punição, a relação enhor e escravo não proporciona fundamento para desculpa ou paliativo”. j O triribunal declarou por u imi houvera um homicídio. '$ é ce ipominiça pe ni do Sul eta mais em atender aos reclamos perdia que os é demais Estados + embor b a o chanceler

que quando

A Ivesse razão

ao afirmar: ; “É um tanto não havia em nosso Estado lei i alsum

O assassínio de um escravo, vo, além além da multa

singul i Nite i

pecuniá iaria, Dan d i, arrisco dizer, izer, pelo men os dez homicpi ídios de h omens da livres i satapar: por apr de eder '” Na Carolina do Sul, os nd e tinham sido dados a iolênc : violênci ias, : uns cont ra os outros e Bam quem fosse. Quando brancos eram conde nados pela po e escravos, em geral furtavam-se a penas, embora isso : ein cada vez menos com o passar do tempo. Em 1791 io tr sn em que um branca merecia a pena de mor! caso claro de homicídio,

62

ebcu uma multa de 350 dólares.

A lei de 1821 estipulou três categorias: assassínio, morte Ho calor da emoção e morte por correção indevida; de modo

a pena i geral, açoites em excesso. A mudança visava aumentar 1821 de lei “A O'Neall: juiz Bontra o assassínio. Comentou o

“modificou a conceituação do assassínio de um escravo, que de

“delito leve, como era considerado pela lei de 1740, passou a ser

0 último desses Estados a dbfodides br

o

e

ivam aumentando e tinham de ser reprimidos. O assassino Wi multado em 700 libras, que não pôde pagar. Por isso, cumW vete anos de prisão com trabalhos forçados. No mesmo, no, um branco condenado pelo homicídio de um escravo pagou ima multa de 50 libras. Depois que uma lei mais rígida foi nrovada em 1821 na Carolina do Sul, um homem matou um e sravo, não premeditadamente, mas “no calor da emoção”,

sobretudo

porque

tais crimes

“Visto como

felonia.

(...)

Do

ponto

de vista penal, a nova

lei

plevou os escravos da categoria de bens móveis para a de seres liumanos aos olhos do Estado”. As autoridades procuravam cum-

= prir a lei da melhor forma possível, porém a realidade pode ser

fquilatada por uma sentença passada contra uma mulher condenada por matar um escravo, em 1840, mediante correção indevida, com uma multa de 214,28 dólares. '? Os tribunais tomaram medidas que tendiam a eliminar os protextos para o assassinato de negros. Na Luisiana, por exemplo, tim branco foi considerado culpado pela morte de um homem de cor que o insultara. O tribunal observou que os brancos não tinham por que tolerar insultos de negros, cativos ou livres, e dispunham de proteção adequada da lei; por conseguinte, a provocação não justificava que o réu fizesse justiça por conta própria. '” No Texas, um branco matou um escravo, de propriedade

ilheia, que erguera a mão contra ele. Foi considerado culpado

o vede homicídio e apelou, mas o Supremo Tribunal manteve tou: redicto, citando um precedente do Tennessee, € acrescen

única

coisa que causa

“A

surpresa é que o veredicto tenha sido

posto em dúvida”. '?

Quando brancos eram levados à barra dos tribunais, sobretudo no período final que antecedeu a guerra, podiam esperar mais severidade do que se imaginaria. As penas raramente alcan| cavam o grau máximo ou o nível a que chegariam se a vítima como s fosse branca; no entanto, tampouco poderiam ser descrita leves. Embora um assassino da Carolina do Norte fosse conde63

nado a apenas onze meses de prisão em 1825, a maioria se. saía muito pior. Eram comuns sentenças de dez anos, e vem

decerto não representariam grande consolo para os escravos

Enrolina do Sul ou do Mississípi. "3.

por outra pedia-se a pena de morte. O que mais dificultava o cumprimento

Frederick Law Olmsted destacou as consegiiências da podo Sul, sobretudo no caso daquelas regiões nas quais não

das leis contra d

| podia esperar um testemunho de brancos:

assassínio ou maltrato de escravos não era o descaso das autori-. dades, a relutância dos jurados em condenar ou ainda a tole-.

rância por parte dos tribunais de apelação. A opinião pública | tendia a calar-se em face de tratamento abusivo por parte dos. senhores, mas não tolerava sádicos ou assassinos. 2 No entanto, : tampouco via-se de bom grado negros testemunharem contra. “brancos, e nisso residia a debilidade fatal da lei. Além do mais, . as autoridades e a opinião pública inclinavam-se mais a trata com severidade administradores ou pequenos proprietários d escravos que cavalheiros de alto coturno. Malgrado o esforço das autoridades e dos tribunais, se-|

Unbe tão-somente submeter a consideração mais uma reflexão sobre a tão propalada felicidade dos escravos. Nefihum branco pode ser condenado por crueldade ou negligôncia, por medonha que seja, com base no testemunho de negros, As plantações de arroz localizam-se em região esparsamente ocupada por brancos; quase todas são de enormes dimensões, às vezes com milhas e milhas de um extremo à outro, e são muitas as que ocupam toda a superfície de

nhores e administradores sem dúvida mataram mais escravos do.

inesmo tempo numa nem depende cada

que || |

poderemos

saber.

Se o número

não

alcançou

níveis

ma ilha, e raramente mais que um único branco vive ao

que.

justificassem a classificação de “estatisticamente relevante”, é.

vivo, 14

provável que tenha sido bastante grande para despertar o terror: nas senzalas. Podia acontecer, e às vezes acontecia, enquanto, as prisões, condenações e punições jamais acompanhavam o nú-.

Enrolina

mero

de vítimas, nem

mesmo

remotamente.

-

partes.

Em

Barbados,

o

assassínio

de

um

escravo

despertava |

pouquíssima atenção e certamente passava sem punição. Uma | proteção eficaz estava fora de cogitação em São Domingos. . Nos países da América hispânica e da América portuguesa abun- | davam códigos protetores que não eram nem podiam ser cum- | pridos. Onde quer que o número de negros superasse em muito | o de brancos, como em grande parte do Caribe, o medo de in surreição e insubordinação sufocava apelos em favor de huma nitarismo. Em comparação com o que ocorria nesses lugares, a | realidade dos Estados escravistas do Sul dos Estados Unidos, ainda que lúgubre, parece resplendente. Essas observações re- | velam alguma coisa sobre a sociologia do direito e do poder, ! 64

Sul

procurou

proteger

seus

escravos,

em

pos por crueldade arbitrária ou assassínio, preconizando & senhor era responsável pela integridade deles, de modo pa Indícios físicos num corpo ou o estado de um cadáver am constituir provas circunstanciais suficientes para conde», O que a lei dava também tirava, pois estipulava que o mento de inocência por parte de um senhor tinha de ser ltado, Afora o absurdo geral que representava um artigo

!

Apesar da tão frágil estrutura judiciária, é provável que nos Estados Unidos os escravos tenham sido mortos com: menos fregiiência que em outras sociedades escravistas das. Américas, e os assassinos brancos provavelmente enfrentavam a. justiça com mais frequência no Velho Sul do que em outras

do

fazenda durante o verão. Desse hoescravo, até mesmo para manter-se

do

lol como esse, John Benton O'Neall, eminente jurista da Su-

pma Corte do Estado, não se conteve: “Trata-se da maior “Jeniação já criada para o perjúrio, e o Legislativo deveria eli-

“mlná-la o quanto antes”. 'S z A tenaz oposição ao testemunho de negros contra brancos — Monbava sendo uma desvantagem para os próprios senhores. Se,

+ por exemplo, um Dranco cometia furto numa plantation, o demento dos escravos do senhor não podia ser levado em conta.

um branco matava um escravo alheio e, com isso, causava ao prietário de escravos um prejuízo de centenas ou milhares de Ares, ou este resolvia o caso na violência ou ficava impossibi— Windo de tomar qualquer atitude, a menos que outro branco tivesWE presenciado o crime. Na Luisiana, ocorreu em 1840 a suprema 65

ironia: um branco que incitara escravos à rebelião teve de ser absolvido, pois as confissões dos negros não podiam ser utilizadas contra ele. '* Nesse aspecto, como em muitos outros, o | racismo

dos brancos era contraproducente;

no entanto, eles en-

caravam esses dispendiosos inconvenientes como males necessá- | rios e os suportavam estoicamente.

“É extraordinário, à primeira vista”, escreveu George Fitz- À

hugh, o ideólogo pró-escrivão da Virgínia, “que em Cuba, onde a lei procura garantir tratamento brando para o escravo, este seja tratado com desumanidade; e que na Virgínia, onde não | existe praticamente lei alguma que o defenda, ele seja cuidado | com humanitarismo.” '” Esse sermão farísaico, com seu exa- | gero e sua pitada de verdade, foi repisado vezes sem conta pelos | defensores da escravidão e acabou sendo apoiado por histo- | riadores. Os senhores não tinham a intenção de cumprir com | rigor as leis severas que tinham à sua disposição, e as conside-. ravam um expediente a que poderiam recorrer em momentos À de agitaçãoe, sobretudo, quando corriam boatos de conspira- | ções insurreicionais. Na prática, essa atitude serena confirmava | o poder direto do senhor. Embora as leis estaduais ou munici- | pais proibissem grandes reuniões de escravos oriundos de propriedades diferentes, por exemplo, os senhores normalmente.

autorizavam que

cultos religiosos, bailes ou churrascos, a menos,

tivessem

motivos

para

temer

municipais,

em geral subservientes

ziam

grossa.

vista

Assim,

em

desordens.

As

autoridades |

aos senhores, em geral fa-.

Ascension

Parish,

na

Luisiana, .

uma lei municipal rezava: “Fica proibido a qualquer pessoa. permitir nas senzalas de negros outras reuniões que não a de. seus próprios escravos, assim como autorizar que seus escra-. vos promovam danças durante a noite”. 'º Para cumprir tal edito, os senhores teriam de, punir seus escravos incessantemente, | e com isso arruinar o moral de sua mão-de-obra. Os donos de. plantations que aprovaram tal artigo de lei ou o fizeram num. momento de emoção passageira ou pretendiam reservá-lo para. uma emergência. As leis da maioria dos Estados também proi-, biam que se ensinasse aos escravos ler e escrever. A maioria dos. senhores obedecia a essas leis por julgá-las adequadas, e não. por temer violá-las, Em muitas das grandes famílias de donos de:

66

|

Hlons, várias pessoas, sobretudo crianças, ensinavam os es4 ler, Certos senhores não respeitavam as leis que vedaentregar armas de caça a escravos, embora sem dúvida fHom com bastante cuidado os beneficiários. A lei exisMomo recurso a ser empregado em emergências e para relt os senhores complacentes. Mas a essência do direito Vista residia nas prerrogativas do senhor e dependia de fitbítrio, Somente nesse sentido é que a prática em geral

atava da lei,

Uma comunidade escravista não intervinha contra um pr violento apenas por questões morais; fazia-o para proousa interesses. Ou melhor, seu intenso senso de interesse borava-lhes a sensibilidade moral. “A harmonia entre vi4 é de máxima importância na direção bem-sucedida de Vos”, escreveu um proprietário num artigo dirigido à sua A classe, Um administrador eficaz, entre outros ruins, exelo, vê-se a braços com uma tarefa impossível, pois os espercebem com facilidade as diferenças e tornam-se insa-

tos!” De nada adianta, escreveu outro, impor a discipli-

Wim sua propriedade se o vizinho não o faz. 'º Esses argutos agiam em duas direções. Recomendavam disciplina riHd nOs que tendiam à negligência e contenção aos que se Huvam à aspereza.

* À opinião pública incumbia-se do que a lei não dava conta. ndministrador violento ameaçado de prisão podia ser & à compreender que, qualquer que fosse o resultado do fmento, a comunidade veria com bons olhos seu afastato dali, J. H. Bills escreveu de uma de suas plantations no lnsípi: “Realizou-se ontem a inspeção do cadáver de um to, da propriedade John Fowler, e a decisão, segundo defoondo, foi que ele encontrou a morte em consegiiência de um po na cabeça,

desferido por Mahlon

Hix, alguns

dias antes.

1 lx folse embora hoje de manhã”. !* Uma questão mais delicada dizia respeito às atrocidades

Bumetidas por senhores respeitados. Estando em Richmond, Vir4, Fredrika Bremer ouviu a conversa de alguns senhores, falavam de um vizinho rico que tratava os escravos com vageria, Condenavam-no, mas tinham aceitado um convite uma festa que ele oferecia. Interrogados, explicaram que queriam ofender-lhe a esposa e as filhas. A sra. Bremer

67

era de opinião que o dinheiro e o poder do senhor violento | desempenharam papel importante na decisão dos vizinhos. Mais | adiante, ela se refere a uma condenação de cinco anos, dada a | um

senhor,

por

matar

barbaramente

um

escravo

doméstico.

ados, e aqui e ali surgiam pessoas como ele. '$ Documenpessoais de senhores de escravos, bem como suas atitudes

E

lonas, indicam que às vezes eles se encolerizavam com sá-

!

do lugar e tomavam providências em casos extremos. '* À dissuasão moral e a intervenção direta tinham limites. Wlas crucldades ocorriam porque senhores perdiam a estribeira,

Como toda a comunidade mostrou repulsa pelo crime e aprovou a sentença de prisão, ela concluiu que bastava aquilo para |

*

provocar uma reação significativa. 2

a colsa que qualquer outro proprietário tinha de desculpar, “Mionos que se considerasse um santo de paciência infinita, pouco podia ser feito com relação a alguém que apenas se Walinha de cometer atrocidades, tal como definidas por outros hores, e não se importava muito com as críticas dos vizinhos. à assim, a pressão moral, mesmo que não fosse capaz de

!

Ex-escravos de várias regiões do Sul lembravam-se de inter- | venções e de pressão moral, por parte da comunidade, contra | senhores

cruéis. Hagar

Lewis,

do Texas,

declarou

que

seu se- 4

nhor denunciou em juízo alguns vizinhos por alimentar mal os | escravos e surrá-los demais. A. M. Moore, pregador educado | de Harrison

County,

Texas,

acrescentou:

“Tomei

conhecimen- |

to de tribunais neste condado que multaram senhores por não | alimentarem e vestirem seus escravos de maneira condigna”. 4 George Teamoh, da Virgínia, lembrava-se de sua dona abrigar negros que fugiam devido a crueldades. Lou Smith, da Caroli- | na do Sul, recordava um incidente em que um escravo esca- |

pulira para contar a vizinhos brancos que seu senhor surrara | um escravo sem piedade e o deixara a sangrar. Os vizinhos obri- | garam o senhor a fazer com que o negro fosse atendido por | um médico. Outros afirmaram que senhores violentos viviam às. turras com outros irados donos de escravos, nenhum dos quais, | porém, se disporia a tomar medidas concretas a menos que ocor- | resse algo de atroz. 'º À Não era fregiente senhores cruéis e negligentes serem le- | vados a julgamento, mas às vezes isso acontecia, sobretudo de- |

vido aos esforços de outros proprietários de escravos. Em certos | Estados, bastavam provas circunstanciais para que um senhor de | escravos fosse condenado, se aceitarmos como guia a decisão no, processo Estado de Luisiana versus Morris (1849). Ainda assim, | era improvável uma condenação, a menos que a opinião pública | fosse mobilizada. Essas condenações, por inadequadas que fos-.

ar que agissem com selvageria, fixava uma norma de conduta

* Wual |

homens

que

davam

valor

à sua

reputação

tentavam

F,

Embora não se disponha de um estudo completo do lugar da Ara Os escravos no sistema jurídico do Sul e da relação entre flatema legal do Sul como um todo e o dos Estados Unidos 4 da Europa ocidental, temos de nos arriscar a tentar avaliaWbos, para que os aspectos mais gerais do relacionamento seMhoroncravo ganhem sentido. Duas questões, em particular, se

Mnpóom: o caráter geral do sistema jurídico do Sul, e a rela-

6 entre a condição legal do escravo e sua posição naquilo à muitos parece ter sido a prática extrajurídica. As duas questões se interpenetram. A dicotomia, populari“ada por Ulrich Bonnell Phillips, de uma clara distinção entre “E direito e a prática ou costume, requer um exame crítico. O . — Womentário de W. E. B. Du Bois sobre a apologética pró-escraVidão, à qual tal distinção tem sido às vezes aplicada, informa

= 4 Wuficiente no nível em que ele preferiu deixar o assunto:

sem, lembravam à comunidade qual era o comportamento pes-. soal esperado. H Para felicidade dos escravos, em muitas comunidades uma: ou duas almas entre os senhores arrostavam os riscos de retalia-

ção pessoal para ficar de olho nas plantations alheias. O ca-. pitão J. G. Richardson,

de New

Iberia, Luisiana, conquistou |

inimigos às pencas por insistir em que outros senhores fossem, 68

Pode-se dizer, com mais severa que

justiça, que frequentemente

a lei era

a prática. Não obstante, essas leis e deci-

nões representam as possibilidades juridicamente permissíveis, e a única restrição ao poder do senhor era seu senso de humanidade e decência, de um lado, e a proteção de sou investimento, de outro. Quanto ao humanitarismo de 69

grande número vidas. !?

de senhores

À

sulistas, não pode pairar dú-

Hattul

halo,

|

para

4

da lei, mas

essa própria rudeza não poda

ser separada do avanço geográfico da sociedade escravista. É O sistema de plantation produziu propriedades muito extensas, em comparação com as do Noroeste, e levou à criação de grande número de centros separados de poder nas próprias plantations. Ao mesmo tempo, as áreas de cultivo tradicional acabaram se transformando em enclaves mais ou menos apartados da corrente maior da sociedade sulista. Assim, enquanto a fronteira continuamente desaparecia nos Estados livres e até mesmo os estágios formativos de civilização repousavam numa certa consciência cívica, ela não só desapareceu mais lentamente nos |

Estados escravagistas como na verdade se enquistou na civis! lização que se construía. Esse processo conferiu E vida sulis- l ta um maior grau de aparente menoscabo à lei, de solução ex | trajudiciária para litígios pessoais. Pode-se ilustrar seu espírito.

repetindo o conselho que a mãe de Andrew Jackson lhe deu: “Nunca diga uma mentira, nem tire o que não é seu, nem processe alguém por calúnia ou agressão. Resolva sempre você mesmo seus problemas!” !º Esse “violento conteúdo de vida”, para usar uma CxpISa são que Johan Huizinga aplicou à Idade Média na Europa, k proporcionava um lado da história, e a dificuldade intrínseca de ]

se criar um moderno sistema legal numa sociedade escravagis- | ta, outro. Os sulistas tinham-se na conta de cumpridores da lei e julgavam os nortistas desordeiros. Afinal de contas, os sulistas não proclamavam altas doutrinas de direito ou amplas i terpretações da Constituição. Antes, como disse Charles S. Sydnor, entendiam a lei sob um prisma muito diferente e profes- | savam não ver contradição entre seu código de honra, com. seu apelo à força pessoal extrajudiciária, e um respeito pela! própria lei. !! Apesar de encerrar uma certa hipocrisia, essa. conceituação

mento

representava

à necessidade

de um

um

canhestro

conceito

mas

dualista,

autêntico

até mesmo

traditório, do direito, prefigurado na afirmação ma jurídico racional na civilização européia.

m

uma

anomalia. No

começo

to nlicerçou-se em fundamentos

A rudeza, típica das fronteiras, de grande parte do Velho Sul inibia o desenvolvimento de organizações fortes voltadas o cumprimento

primeira vista, a história jurídica da Europa ocidental

de um

ajusta- ]

con-.

siste-

patrimoniais

ou mesmo

dos tempos

modernos,

o

racionais, antes que tra-

carismáticos,

embora

subsis-

muitos elementos dessa natureza. '2 Assim, supôs-se uma

dado das pessoas diante da lei que só poderia ter nascié relacionamentos sociais introduzidos pela expansão do Halimo e da disseminação de valores burgueses, de mery Ainda que, em grau considerável, ela derivasse da tradifomana, Por mais sugestiva que seja, a distinção feita por

Weber entre o “capitalismo em geral” e o “capitalismo

to” não é capaz de resolver a evidente contradição. '3 Como entendia claramente Max Weber, a classe dominansociedade romana, e, por conseguinte, a própria socieda-

| Hepousava sobre fundamentos de trabalho escravo. 3! Não

| por que seguirmos Rostovtzeff, Salvioli e outros na projeção Mm antigo capitalismo ou de um ciclo de capitalismos a fim | Wntnbelecer um firme vínculo entre a civilização antiga e

Modorna na Europa ocidental, tal como manifestada na conWuldude da tradição jurídica. A escravidão, como modo de diltição, cria um

mercado

de mão-de-obra, tanto quanto o ca-

úllsmo cria um mercado para a força de trabalho. Ambos dimulam o desenvolvimento comercial, que não deve ser de 4 algum confundido com o desenvolvimento capitalista (en-

ldo como um sistema de relações sociais dentro do qual

“forma de trabalho tornou-se uma mercadoria). 'º A antiga Mublodade escravagista não podia, entretanto, eliminar os limiTE À expansão comercial, nem guindar o mercado ao centro da “ooledade, assim como da economia, pois a própria capitalizaWho do trabalho estabelecia os mais firmes desses limites. 4 moderna burguesia, por outro lado, nasceu e floresceu com em sua capacidade de transformar a força de trabalho * WWima mercadoria e, destarte, revolucionar todo o aspecto do penAamento e do sentimento em conformidade com a mudança fun— Mamental nas relações sociais. '* Sendo assim, a burguesia mo* Morna criou a aparência de igualdade humana, pois o trabalha* Hoy ve defrontava com o capitalista numa relação de vendedo r e “Bomprador de força de trabalho, uma mercadoria ostensi vamen-

“HE descorporificada. A relação entre um e outro assumia o as-

= Pedio fetichista de uma relação de ambos para com uma mer-

71

cadoria, uma coisa, e mascarava a realidade da “dominação de | um homem por outro. Embora a antiga escravidão não criasse | um mercado de força de trabalho, ela logrou, através da cria- | ção de um mercado de seres humanos e de seus produtos eco- | nômicos, induzir um elevado nível de comercialização que, jun-

Ba, trata-se de um sistema em que o Estado, representando acima

HE lido a vontade coletiva da classe dos senhores de escravos, esNiva autorizado a baixar normas para os senhores, que gozariam, im, de pleno poder sobre seus escravos. No entanto, os esvon, simplesmente por afirmar sua humanidade, logo deiram esse arranjo. As necessidades morais, não se falando

tamente com a bem-sucedida consolidação de um Estado cen- |

tralizado, combinaram-se para legar um sistema jurídico sobre | o qual podia ser edificada a moderna sociedade burguesa. o. surgimento, no Ocidente, de um capitalismo nascido de uma sociedade senhorial deveu-se muito às raízes culturais que aquele tipo particular de senhorialismo lançara num prolongado pas- | Ro sado escravista. O Sul escravagista herdou o direito consuetudinário in- o

políticas, da classe dominante como um todo exigiam que

Baia dO Interpusesse, através do instrumento do poder estatal, fire cada um dos senhores e seus escravos. O fato de ela fazêE dentro de limites estreitos não é tão importante. A resultanIê nmbigliidade, ainda que funcional em tempos de paz, prearou mal o Sul para a prova da guerra moderna. Mesmo em tempos de paz, os senhores de escravos tinham

glês, tanto quanto elementos e influências dos direitos comunal E

pagar caro por seus “jeitinhos”. Entre outras coisas, como no-

e feudal da Roma continental e germânicos. No entanto, à épo-

ca que o regime escravista passou por pd

pnnolipaão.

Charles S. Sydnor e como Robert Fogel e Stanley Engerman Bapisoram mais detidamente, a reintrodução de elementos préMapitalistas no sistema jurídico enfraqueceu a organização eco-

o:

sistema jurídico do mundo ocidental sucumbira à idéia o] guesa da propriedade privada. Os senhores de escravos Sul tinham-se impregnado dessa idéia, mas tinham sido obri i

Múmica e a capacidade comercial dos donos de plantations. '* aberá a outras penas desenvolver melhor essas questões.

gados também a abeberar-se de tradições mais antigas a fim) de justificar o fato de transformarem seres humanos em pros

priedade. Ao assim proceder, eles contradiziam, conquanto com] discrição, a idéia de propriedade que lhes fundamentara as re E bo vindicações de classe. !'” Os senhores não podiam simplesmente sobrepor a idéia d propriedade de seres humanos às idéias de propriedade e. geral que haviam herdado, pois essas últimas, tal como se m nifestavam na transformação, pela burguesia, do direito rom: no e do direito consuetudinário, repousavam precisamente n doutrina de igualdade no mercado dentro da qual, por mais d versificada que tenha sido a prática concreta durante um log, K período, a escravidão contraditava princípios basilares. ! aceitar a mais, vez cada sistema jurídico do Sul passou, Estad do direitos dos dualidade implícita: o reconhecimento sobre as pessoas, cativas ou livres, e o reconhecimento dos d reitos dos senhores sobre seus escravos. Uma vez que a p priedade de seres humanos por parte dos senhores tinha de s respeitada, os direitos do Estado sobre os senhores, bem con sobre os escravos, tinham de ser circunscritos. À primeira vist isso parece bastante simples: considerado em termos abstt

72

Nosso interesse imediato diz respeito ao: efeito da dualicriada pela reintrodução e pela persistência de idéias pré-

1

pitalistas sobre poder e propriedade no sistema herdado de aprudência racional moldada pela burguesia. Essa reintrojão, de sérias consequências, efetuou-se com certa facilidade que a idéia de que o Estado detinha o monopólio dos meios

ls de coerção pela violência tinha uma história brevíssima;

“Matava, grosso modo, da conquista do poder estatal pelas bur-

— Wosias da Inglaterra e da Holanda durante o século XVII e

pela da França ao fim do século XVIII. 'º Tampouco tinham

Ha Idéias tradicionais simplesmente desaparecido. Não só a es-

Merda, porém, mais ainda a direita, continuava a lançá-las na liga política até mesmo nos mais avançados países capitalistas. Os senhores de escravos recorreram a uma espécie de podor dual; aquele que exerciam, coletivamente, como classe, ainda ue contra seus próprios impulsos pessoais, através do controle — Hfetivo do poder do Estado; e aquele que reservavam a si mesfios, como pessoas que dominavam outros homens, cativos. De

Modo geral, essa dualidade aparece em todos os sistemas de

Homínio de classe, pois não se pode esperar que o julgamento poletivo da classe dominante, organizado coerentemente no in73

teresse comum, coincida com a soma total dos interesses e jul.

|

gamentos pessoais de seus membros. Primeiro, porque o direi- | to tende a refletir a vontade do setor mais coerente e determi- | nado do ponto de vista político; segundo, porque a soma total | dos interesses e julgamentos dos membros da classe dominante | atua, geralmente

e não

ocasionalmente,

contra

as necessidades |

coletivas de uma classe que em momentos críticos precisa pedir apoio

a outras

classes.

No

entanto,

o problema

dos

senhores |

de escravos era muito mais profundo, mas a idéia de escravidão | não pode ser facilmente dissociada da idéia de poder total, da redução de um ser humano à condição de extensão da vontade de outro, o que é fenomenologicamente impossível. O mais importante no caso, como percebeu o juiz Ruffin, é que isso é politicamente impossível. Por vezes sem conta, a máquina jurídica dos próprios senhores tinha de intervir, não basicamente para prote-: ger os escravos de seus senhores, mas sim para mediar certas questões entre manifestações litigantes de ação humana. Ag assim proceder, desqualificava a idéia filosófica essencial em que repousava a escravidão e, simultaneamente, dava testemunho da capacidade que tinham os escravos de fazer ouvir as reis vindicações de sua humanidade. ; Confrontados com essas dolorosas e contraditórias nece sidades, os senhores de escravos preferiam manter abertas s opções. Construíram um sistema jurídico cujas implicações dev riam embaraçá-los, o que às vezes acontecia, e depois procuraram manter esse sistema apenas como reserva. Tinham de, repetida mente, violar suas próprias leis sem se sentirem contraventores As leis escravagistas existiam como um guia moral e um inst mento para uso em emergências, embora os advogados e sobre do os juízes se esforçassem por fazê-las cumprir como direito p sitivo; sempre que possível vigorava a autoridade da classe do: senhores, considerada um sistema perfeitamente adequado complementaridade ao direito de plantação. Entretanto, como nãc

havia fórmula razoável capaz de mediar as pretensões oriunda

|

li —

países

católicos.

Cumpre

agora algu Vações adicionais. O ethos que emb ijos | vistas católicoso represent ou, com é efeito, i um n papel subs = rar das pa escravagistas Mg e é cm ânica, porém não se pode dedu zir prontamenE co “nd ou dos próprios códigos, o papel do direito E 8 stera de coação vigente nos Estados Unidos, conpm o critérios angloamericanos de eficiência e disci ha, era mais amplo do que o rein ant i úplo, onde o poder efetivo e stav a Engenho. , A palavra de ordem espa nas mãosprd omo das nhola, ; Obedezei o g pero n | por outro lado, também nos diz o suficiente, 'º2 o m : ria e a que os códigos escr avistas do Brasil, das várias ú caribenhas e da América do Sul hispânica foram elami o o pie e tiverem de ser impostos a donos : S recalcitrantes, que dispunha m d fitânicos, ; por seu turnno, o relutaram ii bastante e em imp i or u 4 o aos senhores do Caribe. Já os ódi os eli à o ul dos Estados Unidos nasceram dos próprios secd re pre: eiados estimativa coletiva do certo | ; omo dos limites em que deve ria ser cercea] aRPprio poder pessoal, O valor positivo desses códi gos ri Arraes de esc rupuloso cumprimento, e sim b e ecê decência que proclamavam n um mundo habi| + 6OMO a maioria dos mun dos » por homens que f Hi por ser considerados d ecentes. h Esses padrô dani i lndos impunemente, » e€ muitmui as vezes o er Ea a | la um efeitoo educUcat atiivo e moral que ofern eci i a É Pouca

proteção de que dispunham. :

Ra | EE na

oa

dos dois lados desse sistema dual, muita coisa acabava tendo di ficar inteiramente fora da alçada do direito. 4 Ê É RD ças a E . Várias das muitas ramificações dessa interpretação d respeito à posição e à condição dos escravos. Já encontra motivos para ressalvar a frequente acusação de que o sistem

crer

-

Epa

: que só podiam é daquilo considerar hipocri-

Um ex-escravo coment

Ehlimiscigenação e do

prio fez essa lei e é

:

A

aca sapato dam lei

imei

a O primeiro iolá-la”, 163 : E, dra difícil surgir com prin ns ja 'S Em tal ambienclima de respeito pela 4 Como os escravos sabiam que a lei Mo esse pouco era de difícil cum Pega Protegia, e que

jurídico do Sul não oferecia aos escravos a proteção dada peloi

Primento, seguia-se a se-

5

74

75

ataque, tinham de recorrer a um protetor humano; com efeito, a um senhor. Tinham de buscar junto a seus amos proteção contra patrulhas, contra linchamentos, contra o cumprimento rigoroso da lei, assim como contra a fome e as privações. Ti. nham de recorrer também a algum outro branco que lhes servisse de escudo contra um senhor violento ou sádico. Assim, a implícita função hegemônica do sistema jurídico dualista conquistou as senzalas; mas não inteiramente e não sem estimular um perigoso erro de interpretação. Segundo entendiam os senhores, os mecanismos do sistema jurídico levavam os escravos a aceitar cada vez mais o paternalismo. Mas o que os senhores não percebiam é que esses mecanismos não os levavam a aceitar a escravidão em si. Pelo

| | | | º | | j | E

contrário, as contradições do sistema dualista e do direito escra- |

EE

vista propriamente dito, que haviam surgido devido à afirmação, pelos escravos, de sua humanidade, lembravam constantemente aos cativos a injustiça fundamental a que estavam submetidos. Para os senhores, paternalismo e escravidão fundiam-se numa única idéia. No entanto, os escravos mostraram-se muito mais astutos ao separar as duas coisas; tanto consciente como inconscientemente, agiram no sentido de transformar o paternalismo numa doutrina de proteção de seus próprios direitos, uma doutrina que representava a negação da própria idéia de escravidão.

4 É ]

. |

76

difícil quando os partidários entusiastas de mudanças

se

mostram cegos à realidade dos perigos. O raciocínio reacionário

fem sua verdade própria, que curiosamente revela certo respeito pela personalidade daqueles que os reformadores imprudentes * ficaram, de modo leviano, como simples objetos de seus planos. Tal respeito vem do fato de saberem que os membros das classes * Menos favorecidas, a quem a mudança beneficiará, podem vir a querer muito mais do que lhes é oferecido, já que algo lhes é plerecido. E não basta a força para subjugar um povo, pois, como tessaltou G. G. Coulton, “o evangelho que prega a inutilidade da perseguição só é verdadeiro caso se espere muito mais tempo do

que calcula a grande maioria das pessoas”. '*

A história do Sul, desde a Revolução até a Secessão, é a

história gloriosa de uma auto-reforma sábia, conservadora quan-

to h-preservação-da “ordem social, e ao mesmo tempo liberal la flexibilidade em se adaptar a diferentes condições. Uma

istória gloriosa, é claro, da perspectiva da classe senhorial.

Cradativamente, efetivaram-se as mudanças capazes de fortaleper O regime, e não as que poderiam ter rompido as comportas.

O mérito dessa realização cabe aos que enfrentaram um tremen-

| |

do desafio: convencer a classe tão de que o regime se tornaria mais condições mais humanas de vida. Imprensa, contavam com pessoas

cética dos senhores de escravos forte caso os negros tivessem Estes senhores controlavam a de confiança nos legislativos

estaduais e faziam acordos com as igrejas. 'º Só ocasionalmente

gra preciso matar os agitadores. Como a eficácia das medidas de violência reside basicamente na ameaça que elas representam, & como o recurso muito fregiente e intenso a tais medidas pode

Em nome da humanidade e pela causa da reforma Como o principal objetivo da reforma social é evitar alterações fundamentais nas relações de classe, a luta dos reformadores, dentro da classe dominante, trava-se em duas frentes. É preciso enfrentar os reacionários que não compreendem a necessidade de mudanças secundárias — mas nem por isso superficiais — capazes de impedir mudanças mais profundas; e é preciso enfrentar os levianos que consideram intrinsecamente excelente qualquer mudança, e por isso não conseguem distinguir o seguro do perigoso. Para os reacionários, qualquer mudança, por menor que seja, sempre ativará forças dissolutivas, e nada os convencerá do contrário, a não ser a própria experiência que temem. Assim, a tarefa dos reformadores é dificílima. E fica ainda

als

,

gerar reações, os senhores optaram pela repressão. 1 Mas recor-

reram a uma conjunção de medidas a fim de esmagar O movimento antiescravagista no Sul, e ficaram livres para impor a sua sociedade um tipo de civilização consoante com seus próprios pontos de vista. Evitaram os riscos tantas vezes implícitos na reforma. A morte do que Ulrich Bonnell Phillips chamou de liberalismo sulista marcou o advento de novas tentativas para melhorar as condições da vida escrava. '” Phillips, como a maioria de seus críticos, partia do pressuposto — discutível — de que a reforma sulista deveria identificar-se com os movimentos em prol da emancipação. Esta era também a opinião de seus críticos mais destacados; a grande diferença, porém, é que Phil77

R

Wepreende com toda a clareza da petição apresentada em 30 anelro de 1831 pelos cidadãos de Hanover County à Assemfla Geral da Virgínia:

lips atribuía aos abolicionistas nortistas o fracasso da reforma, . e achava que o processo de reforma seria retomado caso os nor-. tistas tivessem sido vencidos. Já seus críticos atribuíam o fra-. casso à intransigência dos sulistas, e duvidavam da possibilidade. de a reforma se dar na vigência do antigo regime. Mas a reform estrutural com vistas à emancipação era apenas uma das tendên: cias do movimento reformista, e seu fracasso se foi tornando cada vez mais, o sine qua'non da tendência oposta — que veio . a prevalecer — de efetuar a reforma em prol do interesse escra vagista. : Daí o paradoxo. Os historiadores, corretamente, considera ram como momento de reação o período 1831-1861, mas, também | corretamente, consideraram que nesse período houve melhoras

gradativas no tratamento concedido aos escravos. perspectivas estão certas, uma vez que se referem

Enquanto mantidos sob sujeição, os escravos permanecem submissos e fáceis de controlar; mas basta conceder a alguns deles esperanças de liberdade para não perceber, a menos que se conheça bem pouco sua natureza, que já não aceitatão a sujeição e será quase impossível mantê-los sob controle. A esperança de liberdade, e nada além disso, tornará perigosa a população escrava. Enquanto formos honestos conosco mesmos, nada haverá a temer. '? “Em 1854, o Richmond Examiner explicava: “A verdadeira filanfropla para com o negro começa em casa, tal como a caridade; E pe os sulistas agirem como se na abóbada celeste estivesse Inscrito, em letras de fogo, o pacto de que o lugar do negro é este, E sempre será; que ele é propriedade nossa e será nosso para “empre... a raça auferirá mais benefícios em cinco anos do que se alardeia ter a instituição conseguido em dois sé-

Ambas as a aspectos .

diferentes de um mesmo processo. No tocante à conquista da liberdade e à promessa de uma eventual emancipação, a condição dos escravos piorou; mas suas condições de vida melhora- y ram. E, na maioria das vezes, as mesmas pessoas lutavam por -ambas as causas, o que, na verdade, nada tinha de ilógico. O objetivo era tornar o Sul seguro para os senhores de escravos, mantendo os negros em escravidão perpétua e levando-os a acei-

tar seu destino.

pulos...

Os dissidentes continuavam favoráveis a uma política mais liberal, embora sustentassem a necessidade de uma válvula de pegurança, e não um amplo estímulo à emancipação. Alguns, como o juiz O'Neall, da Carolina do Sul, talvez tivessem a mente mais aberta do que deixavam transparecer, mas de qualquer forma se mantinham dentro do consenso. Outros, como William Gilmore Simms, apesar de francamente escravistas, eram também favoráveis a reformas prudentes e seguras. Tais vozes, embora ilustres, debilitaram-se com o tempo, pois não era fácil se opor aos que argumentavam, como Edward Pollard, da Virgínia, que se a emancipação era a recompensa pelos bons serviços prestados, então tinha de ser falsa a idéia de que a

À

Às constituições dos Estados escravistas permitiam a manumissão, mas as leis tornavam-na cada vez mais difícil. A Virgínia | assumiu uma postura mais rígida após o ímpeto de liberalismo do período revolucionário. Em fins de 1793, a legislação proibira | a imigração de negros livres, e por volta de 1806 declarara que | um escravo alforriado tinha de deixar o Estado no prazo de um ano, sob pena de voltar à condição de escravo. A Carolina do Sul se manteve passiva até 1800, quando adotou leis mais coercitivas; em 1841, tomou medidas para evitar por completo a possibilidade de fugas. Outros Estados, como o Tennessee, seguiram rumos semelhantes. As vésperas da guerra, todos os Estados escravistas já haviam adotado normas mais rígidas para manter os negros na condição de escravos e pôr fim às esperanças de emancipação individual ou coletiva. 'º Portanto houve uma evolução constante e paralela do sentimento antiemancipatório e da exigência de melhores condições de vida e tratamento mais humano para os escravos. É o que 78

»» 170

e escravidão beneficiava os negros.” stas — abolicioni críticas as ilizar Não se pode responsab

como fizeram os apologistas do velho regime — pela grande reação do período 1831-1861. Tampouco se pode atribuir tal responsabilidade a Nat Turner, apesar da força muito maior de sua luta. O próprio abolicionismo assumira um tom mais acerbo, porque o sonho da emancipação lenta e pacífica se desfazia, Que esperança podia haver se nem mesmo o sr. Jefferson

q

79

É

e seus brilhantes assessores, na Virgínia, sequer conseguiam que o assunto fosse discutido com seriedade? A Carolina do Sul e a Geórgia sempre foram intransigentes; e como as lavouras de algodão estavam avançando no sentido oeste, a Virgínia passou a precisar de mais escravos — o que selou o destino das forças do Alto Sul que continuavam favoráveis à emancipação. Os debates ocorridos na Virgínia, que deram início ao período de reação, representaram a última investida das forças que há muito já vinham minguando."? Uma vez exorcizado o demônio da emancipação, o Sul podia proceder à própria reforma, cujos limites e natureza revelam muito acerca de uma sociedade que atingia

| | | | |

a maturidade.

À

“multo promissoras. Mas o fato de se falar cada vez mais em Wonoiliações trazia algumas esperanças. Certos reformadores e genhores

|

Até Robert Toombs, baluarte do regime escravista, fez críticas |

sensatos,

como

Samuel

Walker,

* dades falidas ou cujo dono tivesse morrido, tentando não separar da famílias escravas. '”! Impossível saber como teriam evoluído - Wanas idéias no caso de a Confederação vencer a guerra; o evidente constrangimento dos senhores, porém, tornou ainda mais fdlosas as separações. Não bastaria a simples pressão moral E limitar o mal ao nível do “incidente” de Toombs; caso fstasse, a mesma opinião pública — que sem dúvida via a Mestão de forma deturpada — passaria ao ataque direto. rmaneceram, portanto, o problema e a contradição que ele

fengia à tona — e também a agonia.

Em que condições materiais viviam os escravos? Alegavam | | | | | À

00es melhoraram à medida tlsiíncias diminuíam, Nem

que o século XIX avançava e as os viajantes mais céticos o nega-

yum, ”* Nos anos 1830 e 1840, a reputação da Luisiana e do Toxas — provavelmente merecida — era a de terem feitores toveros. Adeline Cunningham, que fora escrava no Texas, declatou que “eles eram pessoas duras, e tratavam todo mundo com |

| |

elogios que censuras em todo o Sul, mas foram acolhidas prin- | de escravos, tais |

dureza”. "é Mas no próprio Texas, durante os anos 1850, as vondições melhoraram bastante, à medida que as comunidades to estabilizavam e a elevação do preço dos escravos tornava

necessário um cuidado maior com sua reprodução. Nas plantations açucareiras da Luisiana, cuja fama era a de serem verdadeiros infernos, os escravos, de modo geral, viviam em melhores

tondições que nas pequenas fazendas; as plantations desfrutavam de uma boa situação financeira e não precisavam economizar com alimentação e vestuário. Nos anos 1850, já era voz corrente entre os escravos da Virgínia que a situação econômica mais

reformas ameaçavam a viabilidade econômica dos mercados de |

folgada do Sudoeste significava maior conforto. '”

capital e trabalho. Nada

Durante o século XVIII, espalhou-se senhores do Alto Sul tratavam seus escravos os senhores do Baixo Sul. Dizia-se que na XVIII os senhores eram bastante humanos

expõe com maior clareza a natureza |

híbrida do regime; nada opõe tão evidentemente interesses eco- |

nômicos e paternalismo, ou define melhor os limites onde cessa | 80

entre ambos.

Luisia-

bs senhores — e alguns escravos reconheceram — que as condi-

|

esforços para humanizar o código dos escravos, sobretudo no | tocante a casamento e alfabetização, mas nada conseguiu. As | propostas relativas à proteção da vida familiar receberam mais |

o reforço mútuo

da

| |

leis que reconhecessem os casamentos de escravos. Em 1855, | um grupo de cidadãos da Carolina do Norte envidou sérios |

cipalmente com o silêncio. Para os senhores

mais

Ha, apresentaram idéias para uma legislação referente a proprie-

Nenhuma faceta da legislação referente aos escravos gerou | tantos mal-entendidos quanto a falta de proteção à vida familiar. | severas e pediu reformas, aliando-se ao seu correligionário Alexander Stephens, da Geórgia. Suas críticas, no entanto, não foram mais veementes que os tímidos apelos dos senhores rurais que também eram políticos e costumavam ser firmes e obstinados. “ Acusam-nos”, disse ele, “de que a relação de casamento não é reconhecida nem protegida pela lei. A acusação não é de todo injusta, trata-se de um mal que a lei ainda não sanou, mas o casamento não é incompatível com a instituição da escravidão, tal como existe entre nós, e por isto a objeção refere-se antes a um incidente do sistema que à essência.”'* Destacados intelectuais escravistas, como George Fredetrick Holmes, Henry Hughes e George Fitzhugh, e juristas renomanos, como John Belton O'Neall, pediram a promulgação de

A longo prazo, essa reforma não apresentava perspectivas

a idéia de que os muito melhor que Virgínia do século com seus escravos, 81

pelo menos

em comparação

com

os senhores

Sul. Sobre estes últimos, Forrest McDonald

da Carolina

escrevera:

“A inse:

sibilidade e a desconsideração dos senhores da Caroli do Sul para com a vida e o sofrimento humanos provavelmen não têm qualquer paralelo a oeste do Dnieper”.'"* A popula negra da Carolina do Sul reproduziu-se dentro do esperado na primeiras décadas do século XVIII, mas apresentou índices neg; tivos de crescimento natural após a entrada maciça de africano nos Estados Unidos, a partir de 1720. Os escravos foram trata com dureza cada vez maior entre 1720 e 1739 — este, o am do levante de Stono, que obrigou os senhores a repensar suas políticas. Daí em diante, o temor de rebeliões consegui o que o humanitarismo não conseguira, e as condições forar

pouco a pouco melhorando. '”? As condições de vida dos escravos da Carolina do Sul j estavam bem melhores em fins do século XVIII, e esse progress

não foi prejudicado pela reabertura temporária do tráfico n greiro, Por essa época, o regime já se estabilizara, e nas prós ras áreas costeiras já havia comunidades estáveis. E não e fácil ignorar as pretensões dos escravos dos distritos arrozeiro e dos distritos algodoeiros da Sea Island; o índice de produtivi dade desses escravos era muito elevado. Além disso, senhores sabiam que o tráfico negreiro se encerraria definitiva mente em 1808, e precisavam pensar no futuro. '? Ao longo di século XIX, a diferença do tratamento dispensado aos escravo: no Alto e no Baixo Sul se foi tornando bem menos acentuada. Pouco antes da guerra, J. H, Hammond, da Carolina d Sul, acusou os abolicionistas de opor obstáculos a um trata mento melhor. As agitações abolicionistas, segundo ele, estavam acarretando uma redução de privilégios “penosa para nós”.' Mas suas observações, sempre suspeitas, não se referiam apenas. a condições materiais como alimentação, vestuário, habitação e.

lavam pondo os Was de escapar às Alabama, verberou ulto já se notava escravos.

deração que os brancos pobres. 'º A. T. Gooloe admitiu o fato | e atacou 82

duramente

os senhores

de escravos,

afirmando

que |

tempos

em

que

se tratava

os escravos

com

ureza já terminaram”, declarou ele, “e já passou a época da à bruta... Antes de começarem as agitações abolicionistas já tivera “Início a campanha em favor de uma vida melhor para Os escravos — que visava também mantê-los em perpétua escravidão, O “Wholicionismo e a reação que gerou no Sul, apenas aceleraram forças já em movimento, Nos anos 1820, periódicos agrícolas “Pomo o Southern Agriculturalist, de Legaré, editado em Char“leston, publicavam «constantemente artigos aconselhando um “melhor tratamento para os escravos; já outros periódicos, como & Southern Planter, só muito mais tarde vieram a abordar esse tema, Alguns autores colocavam a discussão, abertamente, na * perspectiva política, embora não deixassem de lutar para desrtar entre os senhores uma consciência de classe mais aguda, nvocando sua responsabilidade moral. O espírito em voga nos ãota do . pró-escravis os 1830 fica bem claro na argumentaç

ghanceler Harper: É também prudente, em face do mundo civilizado que nos cerca, evitar dar azo ao ódio tão engenhosamente destilado contra nós e nossas instituições. Sendo assim, deve a opinião pública, se possível, invectivar com vigor e indignação ainda maiores os senhores que praticam crueldades arbitrárias para com seus escravos. Pessoas vis que agem desta forma, além de violar a lei de Deus e da humanidade, geram ódios, e assim fazem todo o possível para pôr em risco as instituições do país e a segurança de seus concidadãos. !8

até castigos. Harriet Martineau achava que, pelo contrário, os |

ataques dos abolicionistas haviam contribuído para que os escra-. vos fossem tratados bem melhor. Da mesma opinião eram Eze-. quiel Birdseye, abolicionista do Tennessee Oriental, e também | John Flournoy, um excêntrico obstinado e antiescravista que . alegava, irado, que os escravos da Geórgia recebiam mais consi- .

“Os

negros a perder com suas tentativas irreflecríticas dos abolicionistas. N. D. Guerry, do as invectivas de Gooloe, afirmando que há sensíveis melhoras no tratamento dispensado

Mais

ou

menos

na

mesma

época,

um

articulista

anônimo

do

Southern Agriculturalist relatou sem rodeios que a condição escrava desejava ter mais conforto material: “Será então que a condição dos escravos, enquanto casta, nunca poderá ser melhor? Respondemos dizendo que isso só será possível se os senhores adotarem uma conduta melhor. Muita coisa já melhorou, e isto é um 83

prenúncio seguro de que outras melhoras virão”. '* Em 185 Garnett Andrews advertiu a Sociedade Agrícola do Centro-S l, da Geórgia, que não permitisse a senhores inescrupulosos utili zar a agitação abolicionista como desculpa para a severidade excessiva com que tratavam seus escravos. '” Em 1860, John Stainback Wilson censurou os senhores que não cumpriam suas responsabilidades em relação aos escravos. Temendo talvez ser acusado de apoiar os abolicionistas, acrescentou: Cabe-nos o dever de apontar erros e abusos, na esperança de que sejam corrigidos e emendados. É um dever Pp com as criaturas dependentes que Deus colocou a nosse encargo; é nosso dever pessoal, enquanto senhores de escravos, e é nosso dever coletivo, enquanto comunidade de senhores de escravos, cujo interesse profundo e vital « justificar nossa instituição diante de um mundo desorientado e controvertido. Sim, é dever de todo senhor de escra: vos, de toda pessoa direta ou indiretamente interessada na perpetuação da instituição, divulgar tais abusos (...) no propósito de corrigi-los e assim desarmar nossos inimigos.'* Citando o Prize Essay on the Duties of Masters to their Servants do reverendo C. F. Sturgis, diz ainda o dr. Wilson: “Co senhor e como sulista, ouso declarar que enquanto for praticado

este tipo de má economia, mesmo que apenas em alguns cas será impossível calar os abolicionistas (...)”!º As crescentes críticas dos abolicionistas obrigaram os nhores a examinar mais atentamente sua própria conduta de outros, em especial a de outros senhores de escravos, difícil para os ideólogos escravistas avaliar a escravidão

se: e a Era. m

Caribe e na América do Sul. Eles sentiam ser necessário defen-. der o sistema social escravista em todo o mundo, mas preferiam,

manter-se à parte dos males específicos de outros regimes, exal- | tando ao mesmo tempo as virtudes específicas do seu. Nos anos. 1840 e 1850, quando se intensificou a luta ideológica entre | senhores de escravos e abolicionistas, aumentaram as crítica: ao regime cubano, e também os auto-elogios pela excelência do | tratamento dispensado a seus próprios escravos. Para tanto : contribuía também sua ambição de anexar Cuba, e por isso ten- À tavam apresentar argumentos humanitários que justificassem a |

84

exação;

mas é inegável seu genuíno horror ao que haviam

flsto e ouvido lá. Em Cuba, a escravidão fora amena durante

fégulo XVIII, mas se tornou uma história de terror no século

EX, quando se deu o boom do açúcar. '"º Os senhores sulistas

Entlam-se especialmente satisfeitos por saber que críticos euroua, após terem viajado pelo Sul, estavam publicando livros

comparavam favoravelmente o regime sulista ao cubano. a

Grande parte da controvérsia acerca do “tratamento” dispensado aos escravos é mera confusão de significados. Os senhoos podiam jactar-se de que seus escravos eram os mais bem

fratados do mundo, e até comparar suas condições de vida, com

Vantagem, às dos operários e camponeses europeus. Mas só finham a apresentar dados referentes às condições materiais de

Vida, Pouco diziam sobre a proteção à vida familiar e outros

upectos de autonomia cultural. Tampouco se preocupavam em discutir o acesso à liberdade e à cidadania. Ulrich Bonnell Phillips Estava provavelmente certo ao afirmar que os escravos america-

* os eram mais bem tratados que os caribenhos e os brasileiros, mas referia-se, também ele, apenas às condições materiais. E talvez Stanley M. Elkins tivesse razão ao dizer que os escravos americanos eram muito menos bem tratados, porque se referia,

uvidentemente, a outros aspectos da questão. '? O regime

escravista do Velho

Sul evoluiu paralelamente

sm duas perspectivas: tornou-se cada vez mais repressivo no tocante à manumissão

e cada vez mais humano

no tocante às

pondições de vida material. No contexto específico da escravidão pulista, uma coisa implicava a outra — ou melhor, ambas eram

parte de um único processo de coesão social. Os senhores não defendiam seu regime com base em diferentes formas de “trata-

mento”, pois isto poria a descoberto o lado negativo de sua conduta; tampouco os abolicionistas costumavam fazer esse tipo de distinção em seus libelos, a fim de evitar qualquer concessão

no inimigo visto como o próprio mal. º Teria o racismo branco

dos senhores os levado a valorizar tão pouco a vida dos negros a ponto de tratá-los como animais? Retórica paternalista à parte, os senhores sabiam e diziam o que os abolicionistas também mbiam e tentavam não dizer: o sistema escravista do Sul é o único no Novo Mundo onde a população escrava cresce por sl mesma. O número de africanos levados para as colônias britânicas da América do Norte e para os Estados Unidos não chegou

85

a 400 mil, e em 1860 a população negra já era dez vezes maior Jamaica, São Domingos, Brasil e Cuba receberam um número

bem superior de africanos; mas os índices de mortalidade eram tão elevados nestes escravista — que mantido à custa de Vez por outra,

países — e em outros o nível da população constante imigração. talvez os senhores se

ria o racismo a ver com

onde vigorava o regime escrava só podia sei *! Ê perguntassem o que tes

o desperdício de vidas humanas;

ou O

que teria a raça a ver com os negócios. Acaso não sabiam todos que o índice de mortalidade dos brancos pobres que trabalha nos navios negreiros era bem superior ao dos próprios africar - escravizados?'* No Sul e no Caribe, os brancos contratados p trabalhar recebiam tratamento tão brutal — ou mais — quan o concedido aos escravos negros. Não era por racismo que senhores tratavam os escravos com desprezo; há muito hay

aprendido a não gastar muito para manter vivas as classes m baixas. "* Os europeus ricos sempre buscaram explorar as clas menos favorecidas de sua sociedade, tal como teriam explorad: os africanos; não foi culpa dos ricos que as classes européi 3k menos favorecidas tenham aprendido a se proteger. Os senhores de escravos não contaram a história toda. medida que os operários e camponeses europeus e american foram criando armas de autodefesa, as classes dominantes pa: ram a explorar cada vez mais a mão-de-obra não-branca — &€ um racismo violento se tornou a racionalização indispensávi para suas políticas. Durante o século XIX, no entanto, a questi do tratamento dispensado à mão-de-obra negra em compara com o dispensado à mão-de-obra branca, no mundo capitalis sempre foi alvo de controvérsias. | Os intelectuais sulistas sempre mantiveram os senhores de escravos informados das condições de vida de todas as classes trabalhadoras do mundo. Periódicos como o De Bow's Revie publicavam constantemente matérias a este respeito. O tema e: também abordado nos discursos e obras de Hammond, Hughe Fitzhugh, Holmes, Grayson e muitos outros. E foi muito impo: tante

o fato

de

D.

R.

Hundley,

em

1860,

ter comparado

condições de vida dos escravos com as dos peões mexicanos q eram vendidos e comprados como gado e abandonados à própri sorte depois de velhos. '” Até os viajantes europeus não-simp tizantes da escravidão tinham de admitir, embora a contragost

86

os senhores de escravos estavam cobertos de razão ao defenem suas posições. 'º Afinal, o quadro apresentado perante o

bunal por Richard Pilling —

mo líder grevista em 1842 — grito por um escravo:

trabalhador inglês condenado não seria mais sombrio

caso

Na fábrica onde eu era empregado, via esposas e mães trabalharem de manhã à noite tendo feito apenas uma refeição; e os filhos lhes eram levados três vezes ao dia para serem amamentados; vi pais de família chegarem pela manhã e trabalharem até a noite, tendo feito apenas uma refeição, ou no máximo duas. '? Os senhores, em geral, achavam que seus escravos viviam lhor que a massa de camponeses e empregados em indústrias. Ejuase todo sulista que opinou sobre este assunto repisou O fhssmo ponto — quer em artigos publicados ou em discursos ppagandísticos, quer em conversas particulares, em cartas à Euimília ou em seus testamentos. 2º Cercados pela extrema miséria dos brancos pobres déclassés — que os escravos chamavam Hesdenhosamente de “escória” — e informados pela imprensa Buoravista das condições gerais vigentes no mundo, os senhores não viam motivo para se envergonhar do tratamento que Wlspensavam a seus escravos. Fanny Kemble, que entendeu ser à liberdade valiosa até para pessoas que passavam fome, não deria negar que os escravos — cuja situação de oprimidos ela p Impiedosamente descreveu — viviam melhor que muitos irlandeses. 2?! Johann Koepff, alemão radicado no Texas, escreveu

para um jornal da Alemanha: “A escravidão é uma das maldiUõos da terra e nos enche de tristeza. Contudo, a situação dos

pobres negros não é tão triste quanto se costuma afirmar. Tenho porteza de que um terço da população das aldeias alemãs não vlve melhor que os negros do Texas”.?? Analisando as condições de vida dos operários e campo-

feses da Europa, Raimondo Luraghi, o douto historiador ita-

llano que elaborou um minucioso estudo sobre os Estados Unidos desse período, chegou à conclusão de que em termos materiais ps escravos viviam tão bem quanto grande parte dos operários E camponeses da Europa Ocidental, e “sem dúvida melhor” que H massa dos camponeses russos, húngaros, poloneses e até italianos, ? E Jirgen Kuczynski, o conhecido estatístico e historiador

87

da classe trabalhadora, após examinar por alto o aspecto

ps da manhã. Depoimentos de brancos apontam para uma lia ligeiramente mais baixa.?* Poucos senhores arriscavam

mai

brutal da vida proletária em meados do século XIX, acrescenta

ide de seus escravos fazendo-os permanecer nos campos

“São exatamente estas más condições que justificam as afirmi ções dos senhores sulistas de que os escravos, do ponto de vis material, estão em melhor situação que os operários do Nortk Em muitos casos, isto pode ter sido verdade. . .” 2“ Caso se tem que Luraghi, Kuczynski e outros marxistas como Eric Hobsbawr George Rudé e E. P. Thompson tenham descrito com demasiad: rigor as condições vigentes na Europa, é perfeitamente pos: cotejar as condições materiais da vida escrava com as dos ca: poneses e operários europeus tal como as descreveram histori dores modernos sem qualquer conotação marxista — Clough Mandrou acerca da França, G. T. Robinson acerca da Rússi Hamerow acerca da Alemanha, ou qualquer dos que tenha

o pôr-do-sol, a não ser nas épocas de colheita, que requeum trabalho mais duro. Nas plantations açucareiras, a helta tinha de ser logo recolhida, a fim de não se estragar, e lornada de trabalho, nesses períodos, era de 16 a 18 horas. Nos, porém — senhores, administradores, brancos e negros Entratados,

tido a coragem de escrever sobre a perda de um milhão de vidi por ocasião da grande fome na Irlanda. ?º E mesmo se estivesse; convencidos de que, apesar de tudo, a situação da classe operár européia melhorara durante o século XIX, ainda assim os 8 -nhores de escravos teriam a última palavra. Quem quer que & dê ao trabalho de pesquisar, demonstrará sem grandes dificu dades que uma significativa minoria — ou talvez a maioria — da população mundial do século XX vive em condições relativi

mente piores, em termos de conforto, que as dos escravos d

Mississípi há cem anos.

SM

Consideremos a jornada de trabalho. Sua duração vari segundo a luz do dia, a atitude do patrão e as necessid sazonais de plantio e colheita. No período colonial, a Caro: do Sul adotou legalmente a jornada de trabalho de 14 ho

depois que a rebelião de Stono fez os senhores refletirem

me

lhor; já na Geórgia, a lei — que Phillips abominava, conside rando “positivamente bárbara” — estabelecia, até 1765, |

limite de 16 horas para a jornada de trabalho.** Ao longo século XIX os senhores perceberam que o excesso de trabalhe prejudicava a saúde de seus escravos, e portanto representavg

uma perda de capital, Recorreram

até a argumentos

racista!

para reivindicar uma conduta mais humana, explicando que constituição física dos negros não lhes permitia trabalhar ta

quanto os brancos. 2” Em todo o Sul, o horário de acordar era entre 3 e 5 da manhã. Segundo os depoimentos de ex-escravos, a média era

88

&

escravos

domésticos,

mecânicos

e artesãos —,

tra-

Wllavam juntos, num clima que se procurava tornar o mais allvo possível. Durante a maior parte do ano os escravos tinham à noltes livres; frequentemente, porém, faziam biscates na casade ou nas senzalas, o que lhes deixava menos tempo para j lnzer. As escravas, além disso, tinham de cozinhar para a ipria família, coser, lavar, e até cumprir determinadas cotas postura. Cabia aos homens trazer lenha para o fogo, alimen0! animais e desempenhar tarefas que seriam até simples, é no fossem executadas após um dia inteiro de labuta nos pos. Nos Estados do Golfo, o tempo de claridade entre o fscer c o pôr-do-sol era de 14 horas no verão e pouco mais de 10 horas no inverno. Mas o dia de trabalho implicava de . “Futo um tempo mais longo, pois os escravos precisavam estar para começar a trabalhar ao nascer do sol, e faziam o la gates depois de já estar escuro. Numa generalização um tanto de trabaflscada, se poderia dizer que o tempo médio diário 12 horas de cerca de era Sul, o todo o, para os escravos de seus por horas 15 de cerca pelos cálculos dos patrões, e de de tempo o e extras tarefas as róprios cálculos — incluídas res trabalhado os todos da c de volta do trabalho, que quase postumam computar. Ou seja, os escravos trabalhavam cerca de 12 horas nos campos e algumas horas mais indo para o trabalho, voltando, e fazendo biscates.” Como a norma era trabalhar do nascer ao pôr-do-sol, no verão a jornada de trabalho se tornava mais longa; mas geralmente os senhores permitiam que os escravos descansassem cerca de duas horas, por volta do meio-dia. “Ouvi dizer”, escreveu a sra. E. C. Hamilton ao filho em 1860, “... que o sr. Jackson está perdendo negros que contraem pneumônia. Tenha o cuidado de deixar os negros descansarem durante as horas de mais calor,” 2º Via de regra, essa pausa durante o trabalho era concedida

89

pelas mais duras. Para os escravos, a jornada de trabalho lula sempre um absoluto, e bastava isto para que eles

nos meses de junho, julho e agosto; mas também podia ser permi tida em outras épocas, mesmo na estação da colheita, quando: temperatura atingia quase os mesmos níveis do verão. Nos pé

4 pudessem tirar alguns minutos para brincar com os filhos,

py dos bebezinhos, tomar um copo de uísque ou fazer qualpolia para quebrar a monotonia e desfrutar da companhia

ríodos de calor, os escravos trabalhavam muito melhor se tive; sem intervalos de descanso. James Thomas, de Hancock Count Geórgia, fez uma avaliação cuidadosa de desempenho e conclui

que a produção de seus escravos aumentaria em 15% se é descansassem durante cinco minutos de meia em meia hora. 2! A jornada de trabalho nos arrozais das terras baixas Geórgia e da Carolina do Sul não era superior a 10 hora podia até não passar de cinco ou seis. Os senhores atribuí a cada escravo uma determinada tarefa, em vez de os f trabalhar em grupo; assim, os homens e as mulheres mais fo e eficientes terminavam mais depressa. Solon Robinson era

opinião que uma jornada de trabalho tão curta podia induz

à ociosidade, mas os senhores consideravam ser este o me sistema para conseguir uma produtividade elevada por parte que tinham de executar tarefas especialmente penosas em co

ções pouco salubres. 22 As horas de trabalho nos campos de cana-de-açúcar, arroi algodão e tabaco eram calculadas; mesmo assim os escravos é consideravam longas e árduas, e de pouco adiantava os senh perorarem que eles trabalhavam menos que as demais cla operárias. Aos administradores, interessava reforçar estas per rações, uma vez que sua própria jornada de trabalho costumay ser mais longa que a dos escravos. Muitos dos senhores mai expeditos também se levantavam antes de o dia nascer, e | mantinham ocupados até bem depois de já estar escuro, embor sua atividade física fosse mínima, ou nenhuma. No Norte e Sul, os fazendeiros trabalhavam tanto quanto a maioria d

escravos, ou até mais. Como escreveu Sidney Andrews, para pequenos

agricultores

da

Carolina

do

Norté

“o

dia

come

quando o sol nasce, e termina quando fica escuro”. Acrescentoi porém, que nesse longo dia havia-vários intervalos de descans:

e nesses intervalos os fazendeiros se encostavam às cerca conversavam

com

os vizinhos;

seguiam, portanto, seus próp

critérios. 2º Os senhores generosos costumavam permitir que s

escravos interrompessem o trabalho para nadar; mas jamais lh

permitiriam julgar que controlavam seu tempo e seu trabalh

o que pode tornar aceitáveis e agradáveis as horas mais longas

| dos outros.

À única forma de os senhores poderem sentir-se satisfeitos putabelecer comparações. Achavam que a jornada de trabalho “MENA escravos era mais curta que a dos brasileiros e carilos — geralmente de 18 horas nas épocas de moagem da , 6 Igual ou pouco mais longa que a dos americanos durante

esto do ano. 2! Os senhores sabiam também que já nos anos

| ns condições de trabalho começavam a melhorar — os etários e operários especializados do Norte e da Europa lhavam de 12 a 14 horas por dia, ou pouco mais, descon-

& tempo de ir e voltar do trabalho. ?º Sabiam a duração

ximada da jornada de trabalho dos camponeses chineses, nos, árabes e até europeus, O que não sabiam, mas teriam do de saber, é que na primeira década do século XX os Inelros e outros trabalhadores da Sardenha — para dar apenas exemplo — trabalhavam 15 horas por dia, sete dias por Ana, € tiveram de travar uma dura e longa batalha a fim gonseguir uma folga semanal — o que os escravos dos Esta-

Unidos já tinham. 2º Se a jornada de trabalho dos escravos

de 16 horas e eles trabalhassem seis dias por semana, ainda

m trabalhariam 10% menos que os operários da Sardenha,

termos de tempo; cálculos mais realistas, embora também gervadores, estimam esta diferença em 20%. Por este prisma comparativo, que os deixava tão orgulhosos, | tm tonhores podiam assegurar, de boa-fé, que rue iria

otra já faziam todo o possível para proteger sé

e praia o

* BROFAVOS, movidos tanto pelo interesse como pi ipi

“log, À maioria dos senhores providenciava ari pe

— para os escravos, a um custo anual de três

inultos senhores dispendiam áltas somas — 100

dólares e

para

dar cuidados

médicos



por entra

de 10 a o

aos ig

dertas olrcunstâncias O interesse econômico não parece

* & mals importante. ?” No entanto, a saúde dos caio

pet

e

ri

ni

se a

“Tol motivo de grandes controvérsias entre e io pai

Inúmeras práticas adotadas pelos senhores indicam a possibili

dade de a maioria dos escravos ter recebido bons cuidados mé dicos; o mesmo, porém, pode não ter acontecido com muitos outros. Por outro lado, as limitações dos próprios médicos — chamados pelos amos solícitos — podem até ter piorado ai condições dos escravos atendidos. Recorrendo à medicina naty ral e confiando na natureza, os escravos talvez até se recupe rassem melhor. Mas os senhores não pensavam assim. Acredi tavam: estar fazendo o melhor possível, e sabiam que a maiorii dos trabalhadores do mundo carecia destes cuidados e atenções Do ponto de vista dos senhores, os escravos já estavam sendé mais bem tratados que os demais trabalhadores, em geral,e ess tratamento melhorava cada vez mais. a Os senhores também faziam questão de afirmar que sei escravos se alimentavam bem; insistiam sobretudo no fato d comerem muito mais carne do que poderiam sonhar os traba

lhadores do resto do mundo. Durante o século XIX os escravo realmente passaram a comer mais carne. A dieta padrão vigenté no século XVIII só incluía carne em ocasiões especiais, mas o escravos, por iniciativa própria, criavam galinhas, caçavam « -pescavam. Só no período pós-revolucionário — principalment na primeira década do século XIX — o consumo de carne passo: a ser diário. A partir de então, os senhores davam aos escra o

adultos cerca de 250 gramas de carne de porco por dia. Alg senhores

eventualmente privavam os escravos

carne, como medida de punição. 2º

de sua cota

d

q

Os senhores sabiam que seus escravos se alimentavam

mai

e melhor que os caribenhos e brasileiros. Na opinião dos senho res, os escravos mais ligados à casa-grande comiam tão b quanto os pequenos agricultores brancos, e bem melhor que grande maioria dos brancos não proprietários de terras. De fa a dieta dos brancos das classes rurais menos favorecidas — inclusive os pequenos proprietários — não diferia muito da do

escravos. 2º Ante a indignação dos abolicionistas pelas pequenas rações

de carne concedidas aos escravos, os senhores também se ind navam e mostravam-se incrédulos. Na obra American Slave as It Is, Theodore Weld informa aos leitores incautos que O

detentos das penitenciárias inglesas são mais bem alimentados

que os escravos do Sul. Não menciona,

porém,

o fato de

os

ingleses tantas vezes protestarem porque os prisioneiros e os.

digentes que recebiam assistência pública eram muito mais

mn alimentados que grande parte da classe operária; tampouco 4 que trabalhadores honestos se viam tentados a praticar penos delitos a fim de ir para a prisão, onde receberiam

feições razoáveis.2

Na verdade, que quantidade de carne consumiam os operios e camponeses europeus? Quando a Holanda estava em Eu período de apogeu, no século XVII, mesmo pessoas relativante abastadas só comiam carne uma vez por semana, e os poneses e operários no máximo uma vez por mês. Weld Wlorma a seus leitores que os marinheiros europeus alimenta-

lance muito melhor que os escravos americanos; mas não coma a alimentação

das classes operárias européias com a dos

finheiros. 2! Não é de surpreender que os camponeses russos fe não comessem carne. Mas, em meados

fabalhadores França — Mente comiam À chegaram a

do século XIX, os

rurais da Inglaterra e os operários e camponeses que geralmente se alimentavam melhor —. raracarne mais que uma vez por mês. E os irlandeses este nível no século XX. Em 1910, a sra. Pember

ves afirmava que os trabalhadores pobres de Londres comiam Bare regularmente, embora o mesmo não ocorresse com suas Eiposas e filhos.2 Os 250 gramas de carne de porto inferior

Aue os escravos recebiam eram decerto uma ração insignificante; 1 is Os senhores sabiam que era equivalente — ou superior — À dos operários e camponeses de outros lugares. Sabiam também

“ue os escravos, à diferença dos trabalhadores urbanos, podiam

* Wagar, pescar e criar galinhas para suplementar sua dieta. As denúncias da desumanidade dos açoites, os senhores fespondiam aconselhando mudanças no tratamento dispensado * Nos que trabalhavam nas marinhas de guerra e mercante. No

século XVIII, 200 pessoas foram executadas na Inglaterra por

delitos graves, e depois de 1830, quando a pena capital foi abolida para diversos crimes, conservara-se a prática do açoite, tomo um substituto mais humano. Países civilizados como a

Alemanha permitiam que os jovens empregados das minas —

uase crianças — fossem açoitados. Na Rússia, atrocidades eram nto corriqueiro. Além disso, os senhores de escravos estavam glentes de que os escravos dos africanos ocidentais sofriam terflvels castigos — embora exagerassem na avaliação destes gnstigos. 2

Por outro lado, os senhores não consideravam crime o fai de açoitar escravos. Em todo o Sul, os brancos promoviam tes em público para punir delitos menores; os castigos corpora a que eram submetidos os estudantes das classes menos favo cidas certamente não seriam aprovados pelos advogados brancos açoitavam suas esposas, e pais açoitavam os filhos. derick Douglass faz notar que todo mundo, no Sul, pa arrogar-se o privilégio de açoitar alguém.?* Mesmo assi Planter's Banner, periódico radicalmente escravista, apro 0

qE

os açoites na Marinha dos Estados Unidos.2 aboliu Mo j

O coronel Charles J. Faulkner, grande senhor de escr que afirmava ter sempre vivido em meio a outros senhore

escravos, garantiu a Fitzgerald Ross que jamais vira e ja

ouvira dizer que um escravo adulto tivesse sido açoitado Ross, ao que parece, acreditou nisso! Susan Dabney Smedi mais cautelosa, declarou que “muitos” escravos talvez nu tivessem sido açoitados, e vários outros talvez o tivessem apenas uma vez. E ela está certa — desde que se consi com certa elasticidade o que chama de “muitos”, 2 Ex-escra referem-se a amos que se recusavam a açoitar seus escravos só o faziam raramente. 2” Havia de fato senhores assim, e eram tão poucos a ponto de serem vistos como avis rara; deixavam, contudo, de ser atípicos. Em geral, os senhores rec riam

ao açoite

com

muita

fregiiência



talvez

até bem

n

do que desejariam, Os senhores capazes de dominar seus arroubos de có tentavam recorrer o mínimo possível a castigos corporais. dos senhores que mais usava o chicote era o rígido Bennet. Barrow, da Luisiana; em média, seus escravos eram açoitadi uma vez por mês, e muitos deles apenas uma vez por ano Quando possível, senhores e administradores procuravam co trolar os escravos negando-lhes permissão para fazer visita proibindo bailes nas noites de sábado, impondo-lhes tarefas a cionais, prendendo-os

no tronco ou confinando-os

em solitári

Mas grande número de escravos de espírito mais forte zomb

de tais medidas. Mais cedo ou mais tarde, os senhores tinh de recorrer ao açoite. Os que nãoo fizessem eram forçados é

vender seus escravos “incorrigíveis” e transferir a outra pessog o encargo de os açoitar. “Se a fidelidade fosse a única segura 94

fue contássemos”, escreveu um senhor no Southern Patriot, rlamos de fato numa situação deplorável. O temor do castigo princípio ao qual nos devemos ater, e isto é necessário para ler entre os escravos um clima de medo e de ordem.

plantation bem administrada, não se usava o chicote com

alada frequência ou intensidade; bastava a ameaça de usa

lada a outros incentivos e ameaças, para manter a ordem.

“Huas Instruções aos administradores, o Affleck's Cotton Planseja o chicote and Account Des Pego a, mas Book deixe de a serqueusado. não recomend com parcimôni à Record

À"+

colonial

até

o

fim

do

regime

escravista,

senhores

os

| Inteligentes sempre tentavam recorrer pouco aos açoites, rm admitindo ser impossível dispensá-los. 2! Na opinião dos res, Os castigos corporais faziam muito mais bem que mal,

à embora tornassem ainda mais rebeldes escravos já intratáconseguiam

dobrar um número bem maior. são mudou, em 1866, um senhor observou:

Quando

a

Eaton [o administrador] deve achar muito difícil abandonar seu velho chicote — quanto a mim, bem que gostaria de me divertir com ele de vez em quando. Cheguei à conclusão de que o maior segredo de nosso sucesso era a grande força motivadora contida naquele pequeno instrumento. Wolmentos de ex-escravos mostram que muitos deles, mesmo intragosto, reconheciam a força dos açoites, E alguns, até, in tanto a contragosto: “As chicotadas me fizeram bem. Me

diram de roubar e me tornaram um homem”. ea

Os senhores mandavam os administradores punirem com phibatadas as infrações mais comuns, e com 39 as mais gramuitos escravos, no entanto, recebiam um número bem

fnlor de chibatadas. 2! Mais importante que o número, porém,

4 força dessas chibatadas. Em algumas plantations da Sea Hand todos os negros tinham cicatrizes nas costas, € os depoi-

tos de ex-escravos falam de alguns que foram mortos a Ellbatadas. 2º A fuga era o delito punido com a “correção mais 1, embora roubos e trabalho malfeito não ficassem muito Talvez o trabalho malfeito merecesse até castigos mais 4, furos, que só não ocorriam porque os escravos eram chicoteados uanto trabalhavam nos campos, e isto melhorava seu desem-

ho e evitava a “correção”. 95

Como escravos muito machucados valiam menos, os come ciantes de negros e os senhores castigar severamente sem lacerar adequado a isto era um relho de terríveis, mas não deixava marcas. tado pela primeira vez por um

tentaram achar maneiras | a pele. O instrumento mé couro cru, que causava do: *” Solomon Northup foi comerciante de escravos

usou um relho com orifícios e depois um chicote de corda. | Lutei com todas as minhas forças, mas foi em vão. S quei misericórdia, mas só recebi insultos e vergas Achei que ia morrer sob o chicote daquele maldito b montes. Mesmo agora, relembrando a cena, sinto n carne se retorcer sob os ossos. Eu me sentia em fogo. posso comparar meu sofrimento com as agonias do Í

do inferno! *º Andy Marion, do Texas, lembrou-se perfeitamente das chicota que recebeu de um senhor a quem pertencia há pouco temp “Fiquei semimorto. Passei dois dias deitado para me recupe das chibatadas — para recuperar o corpo, mas não o coraçã Até hoje trago isto no coração”. *º E Os brancos tinham consciência dos danos psicológicos q - as chibatadas causavam

aos escravos. Nathan Bass, da Geóre

aconselhava que só se recorresse ao açoite sem raiva e em últir caso, “pois o escravo sabe quando violou deliberadamente | ordens e merece a correção; e se o castigo lhe for infligido pD: capricho ou crueldade, ele tenderá a se tornar ainda mais ousaé

e a reincidir nos delitos”. ”º Susan Cornwall, também da Ge gia, entendeu o assunto à sua própria maneira. Em janeiro € 1861, zombou das ameaças nortistas de coação e pergunto desafiadora: “Acaso eles pensam que somos degenerados nossos escravos, e que para obedecer temos de ser açoitados pi ordem de nossos pretensos senhores?” *! E Thomas Wentwort Higginson, ao formar suas tropas negras, espantou-se ao percebe

tantas contradições. “Seria perda de tempo”, observou ele, “im por castigos pesados a essa gente, acostumada às cóleras m: ai violentas dos brancos. . .”” Observou que as tropas negras toma

vam cidades bem melhor que as brantas, e manifestavam menos ódio e sede de vingança; por outro lado, pareciami 96

h dor que causavam, e se lhes fosse ordenado arrasariam bldade sem demonstrar qualquer sentimento. *? * Em sua defesa deturpada, satírica e contudo seriíssima de rigorosos, inclusive a pena capital, observa Hegel: Quando se adota uma atitude superficial em relação ao banstigo, deixa-se de lado o objetivo de corrigir o que está errado — o que é básico e fundamental ao se considerar tim delito; como consegiuência lógica, toma-se por básica A atitude moral, ou seja, o aspecto subjetivo do delito, Intermesclado a noções psicológicas triviais de estímulos, impulsos demasiado fortes para a razão, e fatores psicológicos que compelem nossas idéias e as influenciam (como fe à liberdade não pudesse repelir uma idéia e transformá-la em algo acidental!) (...) Na análise deste tema importa apenas, em primeiro lugar, que o delito seja anulado, não por derivar de um mal, e sim por constituir uma infra* vão do direito enquanto direito, e em segundo lugar importa A questão de este delito ter uma existência positiva que precisa ser anulada; tal existência é o verdadeiro mal que precisa ser extirpado, e o ponto fundamental é saber onde

ele se encontra (...) O criminoso só recebe o que lhe é devido se a conceituação e a medida de seu castigo derivarem de seu próprio ato. E receberá ainda menos caso seja tratado somo um animal. perigoso que tem de deixar de ser peri-

foso, ou que se intente coibir ou transformar,** facravos se revelaram bons hegelianos. Sob este prisma defor encaradas as referências, tão frequentes em seus depoiúntos, à eficácia da disciplina e dos castigos exemplares imps pelos senhores. Mas é preciso considerar da mesma forma fonstantes condenações da crueldade e da opressão. Os escraà nÃo se queixavam tanto dos castigos por desobediência às As — mesmo que a seu ver tais normas fossem injustas; Iixavam-se mais da arbitrariedade, dos caprichos e da desu,

inidade que permitiam a determinados homens descarregar cólera sobre outros. Mary Boykin Chestnut compreendeu revolta. “Fico imaginando”,

escreveu ela, “se não será um

do considerar a escravidão como uma maldição que recaiu bre certos povos. Homens e mulheres são punidos quando têm 97

senhores e senhoras cruéis, e não quando fazem coisas das," : No entanto, os senhores faziam questão de afirmar q uso fregiiente do chicote provava terem elgs próprios se a çoado e mudado. E é verdade que ao longo do século XVi foram deixando de constar das listas de castigos permitidos P lei punições como marcas a ferro quente, decepações de orelk e vários outros tipos de mutilações. Tais punições se tornar raríssimas nas plantations. Diminuiu também a prática de que mar vivos os escravos acusados de estupro e assassinato. e outros tipos de atrocidades, contudo, nunca cessaram por pleto. Em algumas plantations continuou havendo argolas ferro para prender os escravos pelo pescoço, e também “ de preto” — celas com apenas alguns orifícios para entrad ar, e tão pequenas que quem estava lá dentro mal consegt mudar de posição. Mesmo assim, por maiores que tenham as atrocidades cometidas no período imediatamente anterior guerra — e foram terríveis —, não há como compará-l perversidades diabólicas perpetradas em São Domingos, exemplo, às vésperas da grande revolução.**

“A castração —

castigo muito comum

durante o sécu

XVIII — diminuiu consideravelmente no século XIX, como: havia acontecido na América Espanhola. é A maioria das col nias abandonara essa prática no século XVIII, restringindo-a casos de punição legal por tentativa de estupro. Já não era punidos com castração delitos como fugas recorrentes, consp rações e outros. 2” Mas sempre houve casos de castração, mesm

que não viessem a público; certos indícios levam a crer qu alguns senhores continuavam castrando escravos, sobre d aqueles com quem disputavam as mesmas negras.?º A opi pública, no entanto, já mudara, e não era mais possível senho sádicos agirem à vontade, impunemente. Em

1850, no Tenness

um senhor reputado como humaníssimo para com seus escra mandou castrar “um negro violento, insolente e insubordinad Em consegiiência deste ato, passou dois anos na prisão, cor nado por “lesões corporais”. O juiz Totten, da Corte Supre: do Estado, ratificou a' sentença, acrescentando uma observaç sardônica: “Repudiamos peremptoriamente a idéia de que « senhor disponha deste tipo de poder sobre o escravo, e se creii

"

gado a mutilar o escravo a fim de o transformar moralMA

À) senhores apresentavam o declínio — conquanto não o recimento — da prática da castração como prova de que

iiinmento que dispensavam a seus escravos não era mais b que o dispensado pelas demais classes dominantes às menos favorecidas a elas sujeitas. Apresentavam também provas, como a pequena incidência de linchamentos de é a oposição cada vez mais forte à prática de crueldades pelo menos do que os senhores consideravam crueldade. parando-se com outras classes dominantes, não podiam enf que acusassem de cruel o seu sistema, e muito menos

DE acusassem de sadismo. Todo mundo sabe que a violência finica linguagem que a ralé compreende. As coisas desagraque eram obrigados a fazer, pelo fato de possuírem escranão lhes pareciam em absoluto despropositadas. Apesar de pros eventuais — derivados mais dos excessos que das nclas do sistema —, os senhores, de modo geral, considein-se homens bons que faziam o que precisava ser feito; jens que agiam no interesse de seus dependentes e em prol

prosperidade e da felicidade do mundo. Já os escravos tinham outra perspectiva. Talvez seu padrão Vida, mesmo miserável, lhes permitisse sentir que tinham algo re: mas dificilmente os impressionavam os argumentos

justificar ou minimizar a crueldade física e as privações. + É, B. Du Bois, que admitiu serem as condições de vida dos Miuravos semelhantes e às vezes até melhores que as das massas rárias de outras partes do mundo, analisou outros aspectos questão: Que

significa ser um

escravo?

Hoje

em dia, isto é algo

difícil de imaginar. Podemos considerar a opressão, que se sobrepõe a qualquer conceito: crueldade, degradação, açoites, inanição, negação absoluta dos direitos humanos; ou então podemos considerar os trabalhadores comuns do mun-

do de hoje [1935] que labutam, 10, 12 ou 14 horas por dia, sem ter o suficiente para comer, compelidos por necessidades materiais a fazer isto e não fazer aquilo, tolhidos em seus movimentos e em suas potencialidades; e podemos

99

y de mercado.

dizer que estamos diante de um escravo chamado de “ lhador livre”, e que a escravidão não passa de um róti Mas em 1863 a escravidão tinha um significado 1 e diferente do que se aplicaria aos: trabalhadores de Significado em parte psicológico — um arraigado . mento de inferioridade, a submissão a um outro se o fato de estar sempre em posição subalterna. Quant

-

fal

isso, nada havia a fazer. Havia o desamparo da vida fa liar. A submissão à vontade arbitrária de pessoas de

fi

Winlecia-se à medida que o regime chegava ao fim, e que as indições materiais da vida dos escravos continuavam melho-

pior do que é hoje na Europa e na América. * O movimento em prol de reformas humanitárias ress na Confederação, assumindo até proporções de maior vulto a liderança de figuras proeminentes como o reverendo St Elliott, da Geórgia, Calvin Henderson Wiley, da Carolini Norte, o reverendo James A. Lyon, do Mississípi, o reve W. B. W. Howe, da Carolina do Sul, e Edward Pollard, da gínia, conseguiu-se validar os casamentos de escravos, evitai separação de famílias, dar aos escravos acesso à educação, tegê-los de crueldades e desumanidades, e até admitir tes nhos em juízo de negros cóntra brancos. Em 1863, a Geór, revogou sua lei contrária à atuação de pregadores negros, :

ido, embora lentamente. ando fileiras.

"Antes de eu partir”, como Robert Lowell faz, o cao Amasa Delano dizer a Benito Cereno, “quero propor à último brinde a você. Um bom senhor merece bons servi-

$,!23 Neste e em outros trechos de sua magnífica peça,

vos em processos legais. Estes modestos feitos representavê quase tudo que os reformadores podiam apresentar; mas já € bem satisfatório que tivessem conseguido criar um sentimen favorável a mudanças. k As reformas propostas não visavam à escravidão em. mesma, e até vale questionar se teriam fortalecido o regime « caso se tivessem

convertido em

le

Os reformadores não tinham dúvidas de que as mudanças pr

postas em nada ameaçavam a relação senhor-escravo; historis dores mais minuciosos, porém, viam nesta postura uma auto ilusão. ”! Mesmo depois da guerra, continuou havendo oposi á ao testemunho de negros, o que leva a crer que a reforma nunc; teve grandes possibilidades de vingar — como outras refoi ma tampouco teriam tido. Na melhor das hipóteses, talvez se conse guisse esboçar — sob a forma de vinculação parcial — certa proteção à vida familiar, sem qualquer prejuízo ao me

100

Ta

UNICAMP BIBLIOTECA CENTRAL SEÇÃO CIRCULANTE

Os senhores de escravos estavam

usa família negra

Alabama passou a conceder mais proteção aos direitos dos

aos poucos,

dos senhores de escravos. A crescente hostilidade pública H vom senhores brutais talvez tenha adquirido mais consistênE eficácia. A guerra — pelo fato de ter sido travada em solo Wla é pelos reveses que impôs à Confederação — certamente multos senhores clamarem que Deus os estava punindo, não escravidão, mas por seus males mais graves.” O que se » dizer sem medo de errar é que a tendência já há muito

Wllida de humanizar a escravidão sem alterar sua essência

tipo. E sob estes aspectos vitais a situação era ce:

se O minariam

O feito mais importante dos reformadores

vez a repercussão que tiveram suas agitações na consciência

gi atinge o âmago do regime escravista, tal como o viam que dele participavam. Do ponto de vista dos senhores, à direito de propriedade sobre seres humanos era indiscutível, mas implicava responsabilidades. Era preciso ser um pon

“Henhor; era preciso compreender seus deveres e cumpri-los.”

HA relação do amo com sua gente”, explicou o reverendo C. É, Jones, “será agradável se houver generosidade e condescen* dência, sem demasiada familiaridade e sem sacrifício da dignidade e do auto-respeito.” 2º Segundo o manual preparado para a * propriedade de Philip St. George Cook, “é justo e humano tratar pa escravos com bondade, e até com indulgência, quando eles Wumprem seus deveres”. O manual enfatizava: “Ninguém pode

fazer vigorar um sistema de regras e disciplina se não se manti-

ver estritamente dentro desse sistema. Jamais houve nada mais

verdadeiro que a velha máxima de que “pelo amo se conhece o fervo.”...” Essas assertivas ideais nos dizem muito acerca do que era de fato praticado, pois embora um bom senhor devesse ser

101

nO

[6—————>——="0"55555S oe eme comem

vista ardoroso vida para os à das quais não Bione falado de

“benévolo”, era necessário que as circunstâncias lhe permitiss tal benevolência.

Cabia-lhe cumprir seus deveres para

com

escravos; e estes, por sua vez, certamente cumpririam seus di

res para com o senhor e obedeceriam suas ordens. Assim bondade e até a indulgência do amo se tornaria uma atihi natural. A bondade não define este ideal social — coroa que o define é uma noção determinada de obrigações recíproé Portanto, quando um pregador branco, furioso, admoestou alg escravos de uma plantation da Luisiana por estarem se porta muito mal enquanto o amo se matava para cuidar deles,. admoestação não foi necessariamente hipócrita. E a rea ex-escravo que relatou o sermão (“Acho que aquilo era a pi verdade”) não pode ser vista como simples atitude de Pai Tom porque era de fato bem mais complexa.*”

— prevenido discretamente: “Fazer se negros pode dar origem a fortes tentações, tenho tempo de enumerar”? Por que terá um vizinho nos seguintes termos: “ Admiro

à dr, Carson. É um senhor muito humano e um bom "7 Era de esperar que houvesse senhores humanos e

pristãos em quase todas as plantations. Muito se pode infelas palavras de William Henry Holcombe, de Natchez, ao do três escravos que haviam fugido e sido depois recaptuà, 6 que um administrador estava levando de volta, acorren-

yns aos outros: “O sr. Davis observou que, se aqueles hofossem seus escravos, ele os venderia, em vez de os sujeitar Brlura necessária para “dobrá-los” — pertenciam a seu irHM Uma jovem de Maryland, que crescera entre senhores Favos, casou-se com seu namorado

Pouco antes da guerra, o Sul branco, quase a uma só

Tulslana, na plantation eveu em seu diário:

condenava a crueldade para com os escravos, e negava que muito comum. Havia, é claro, um caso ou outro; nada, Pp de muito significativo ou importante. E até nortistas que cor ciam bem o Sul concordavam. Thomas P. Jones, partidá movimento em prol da industrialização do Sul, escreveu: pouquíssimos casos de crueldade, e aquele que tem a repu de ser um mau senhor atrai sobre si uma indelével ignom

de infância e foi morar

do

açucareira

marido,

Em

1861,

* Hoje, o grito dos pobres coitados me ensurdeceu. É brutal ngoltar os negros desta forma; certamente Deus não fechará

os olhos a tamanha crueldade (...)

A sra. Eleanor J. W. Baker, de Massachusetts, afirmou que

Terça-feira, 27 de agosto. Estou triste — está havendo mais açoites. A vítima da cólera é um pobre velho. Graças a

poucos e isolados casos de senhores cruéis, e que estes muito mal vistos na sociedade aristocrática de Charles Imediatamente, abolicionistas e outros críticos do regime vista fizeram ver — de modo irretorquível — que qua

ficar num lugar onde coisas assim acontecem todo dia. Nem todos são como ele. Ele é pai de meu marido, mas não consigo amá-lo como devia. Não o respeito. Ele é mes-

Deus meu marido não é tão impiedoso. Realmente é penoso

quinho demais. Gostaria de que não fosse pai de Howard. *

- sistema social onde se tolere a crueldade merece ser conder

mesmo que a maioria dos senhores mostre uma conduta di No próprio Sul, fatos comprometedores eram relatados. possibilidade de tratamento cruel e sádico aumentava m obviamente, no caso de senhores emocionalmente instáveis. senhores de escravos, tanto quanto qualquer pessoa, pod perder a razão; quando isto ocorria, porém, os escravos contavam com qualquer tipo de proteção, e só depois de o má ter sido feito é que a justiça e a comunidade se viam na obt gação de intervir.* Mesmo sem chegar a esse extremo, há várias questões

examinar. Se atos de crueldade dependiam apenas do tempera mento do senhor, por que teria o dr. Josiah Nott — polem

102

Relatos assim, e bem piores, são. incontáveis. Na Carolina do Morte, um senhor foi condenado à morte pelo assassinato de Wa escrava. A sentença de condenação dizia: 7

Durante quatro meses, inclusive a fase final da gravidez, o parto e o período de resguardo (...) elea surrou constantemente,

com

porretes,

cadeias

de

ferro

e outras

armas

capazes de matar; queimou-a; vergastou-a, muitas e muitas vezes, com açoites que lhe feriram praticamente o corpo inteiro; forçou-a a trabalhar sob o mau tempo sem estar devidamente agasalhada; não lhe deu comida suficiente; a 103

fez trabalhar além de suas forças, e surrou-a impied mente por ela não cumprir suas exigências. Tais ba n dades, além de outras que não podem sequer ser mem

Et.

na renascen* Irls Origo — depois de relatar que na Tosca da família, ros memb como m ps escravos orientais vivia

até as últimas horas de vida da vítima. 2.

grandes wma fossem impiedosamente surrados e sofressem do filhos dos e a espos da ão situaç Eldades — observa que a MoEra à e úidad Antig Da * ente. hor não era muito difer

A Corte Suprema do Estado, presidida pelo indignadíssim: 1 Thomas Ruffin, manteve as acusações e a sentença de 1 No entanto, o mesmo juiz Ruffin, homem de argúcia inteleci

s; Gilberto floso da guerra, por ter rompido as barreiras sociai semelhantes praticados por senhores patriar-

nadas, foram cometidas pelo prisioneiro, sem a menor « c paixão...

fora do comum e de alta credibilidade moral

H

— um gra

jurista sob todos os aspectos —, foi o autor da famosa j judicial que afirmava que o regime escravista, por defi fazia do escravo uma extensão da vontade do senhor embora a crueldade fosse considerada bárbara Contra princípios cristãos e inaceitável para a sociedade civilizada . e geralmente sujeita à condenação —, só era reconheci suas manifestações mais extremas. Ou seja, não era fácil d crueldade no relacionamento senhor-escravo. Remorsos à a sociedade só parecia não tolerar as crueldades de que toma conhecimento por ameaçarem a frágil tessitura dos deveres e procos implícitos, que era a única coisa, caso aceita por s res e escravos, capaz de manter o regime.

E

Em 1865, o Corigresso Confederado aprovou uma leg

ção tributária que estabelecia isenções para “artigos manuf; rados por qualquer pessoa para uso e consumo de sua fam il

inclusive os escravos”.*º Apesar da formalidade da ling jurídica, que exigia o termo “escravos”, o Congresso sim mente seguia a prática generalizada no período anterior à ra — de falar de uma “família, branca e negra”, na socieda sulista Duncan Mccall, de Jefferson County, Mississípi a em seu diário uma observação característica. Diz que matara u porco para seus convidados — “a família branca e negra de

sr. Watson”. E Eliza Frances Andrews, que anos mais

tard

fez em seu diário anotações referentes a 1865, achou necessé 7 especificar: “A família branca de minha irmã, na época,. er formada por.. «2 Todo senhor rural se gabava das p físicas e intelectuais de seus negros, como faria o pai n rigoroso em dr relação à do filho i i ”* E o fato contini À da predileto.

104 .

lenda romana, à, repete-se o mesmo tema. Segundo uma há pouco voltara llo Torquato degolou o próprio filho, que

Byro narra atos

brasileiros.

definidos. Os No Velho Sul, os limites não eram tão bem ânica amenizada pres, herdeiros de uma tradição anglo-germ

dessa forma h qual constantemente reagiam — não tratavam ser

não tolerariam mulher e os filhos; suas mulheres, aliás, sob formas mais a estav manif se tratadas. Mas a tendência mos”, escrepróxi mais tes paren pelos andas. “Nem sua afeição o afeto pa“nem , Carter n Jack P. Greene acerca de Lando iam de imped o dores istra admin al que sentia por alguns segunso rigoro o códig do a entar mantê-los na estrita observânci o qual

reveu:

vivia.”2º Em

“Surre

meu

1823,

neto

Isaac

sempre

L.

que

Baker,

da

for preciso.

Luisiana,

é

Nada

aborrecido » salutar quanto o castigo. O pequeno pode ficar n . Mary Boyki pa, mas no futuro isto lhe fará muito bem” res: mulhe das ão stnut descreve sem rodeios a situaç

por aí vociNão compreendo como os homens podem ficar só para de, vonta à pouco o mund ferando, deixando todo mos de passa não nós que e res senho mostrar que são os marido mulheres e crianças à sua disposição! O pai de meu

ariem, gosta é bondoso, e é amável desde que não o contr e polido. muito de ter hóspedes, é jovial, alegre, gentil o cã da a, Rússi Mas é um tirano absoluto, como o czar da

Tartária e o sultão da Turquia.?º

relação entre Era impossível os escravos não perceberem a

as esposas à postura patriarcal que os senhores adotavam com ravo, ex-esc Um & os filhos e sua postura para com os negros. onde lugar do Andrew Goodman, recordou-se de um senhor te

a barbaramen morara, que, além de aterrorizar os negros, surrav sua senhora, que ou os filhos. Harriet Robinson, do Texas, lembr

105

teu término. Além disso, observou: “A Velha Virgínia não à um cemitério, mas certas lápides mostram o lugar onde mam alguns dos que aceitaram a escravidão tal como lhes legado, que a suportaram como um dever e um fardo, e se

sra, Julia, tratava mal os escravos e batia nos filhos por coisé simples, como não saber soletrar e se atrasar nas liçõe Gus Smith, do Missouri, referiu-se a um senhor que matara próprio filho a pancadas. E George Rogers, da Carolina d Norte, elogiou seu senhor por nunca gi açoitado os escravi mais do que açoitava os próprios filhos.? va Na fase de estabelecimento das plantations, os senhores & meçaram naturalmente a se considerar pais autoritários que ch fiavam famílias grandes e subservientes, brancas e negras. Por isso, em 1836 Seargent S. Prentiss pôde incluir na legisl de seu Estado uma resolução que estipulava: “Sustentamos discutir este assunto [a escravidão] é tão descabido quanto cutir nossos relacionamentos, esposas e filhos...” 7º Este modo tão especial de entender a família moldou cultura sulista. Em

giram no mais consciencioso esforço para cumprir bem este 4,7 As palavras “dever” e “fardo” são citadas várias vezes. Mem quer que deseje compreender a classe dos senhores e fuoravos deve considerá-las básicas à auto-imagem e ao autolto da classe senhorial. Ambos os temas, juntos, ressoaram pela Virgínia do século VIII, Em 1726, William Byrd escreveu a um conde inglês: Além da vantagem do Ar puro, dispomos de todo tipo de . Provisões em abundância e sem despesa (falo daqueles que possuem Plantations). Minha Família é grande, minhas Portas estão abertas a Todos; não tenho Contas a pagar, ; uma moeda de meia-Coroa fica no meu Bolso durante mouitas Luas. Como um Patriarca, tenho minha Lã e meus Rebanhos, meus servos e minhas servas, de modo que vivo praticamente Independente de tudo, menos da Providência. Esse Tipo de Vida não acarreta despesas, mas dá muito

seu aspecto positivo, uniu brancos e n

e fundiu-os num único povo, com componentes de afeiç intimidade que talvez — como sugeriu esperançoso um riador negro — ainda venham a florescer numa relação in mente nova. 7! Mas em seu aspecto negativo e amplamente dominante, a doutrina da dominação, com sua inerente c: dade para com os “filhos” desobedientes, opôs os negros brancos num antagonismo acerbo e envenenou a vida da própi comunidade branca dominante. Em seu admirável livro 1 Southern Lady, Anne Firor Scott ressalta que das mulheres crianças e dos escravos esperava-se apenas que aceitassem

trabalho. Preciso cuidar que toda a minha gente cumpra

própria condição subordinada e obedecessem ao chefe da Í lia branca. Acrescenta ela: “Qualquer tentativa, por part qualquer membro do sistema, no sentido de se afirmar pe: o senhor, constituía uma ameaça ao todo, e portanto à pró

escravidão”. 7º Logo, é preciso considerar com a maior serie o fato de os senhores insistirem tanto em ter uma “fam negra”. A natureza contraditória e as perigosas consegiuênc

disto foram bem diferentes do que os senhores poderiam p Um

dever

e um

fardo

Analisando a derrota da Confederação, e com a vant de fazê-lo já na virada do século, John S. Wise, da Virgíni: disse que a escravidão era uma maldição, e declarou-se aliviad 106

E.

seu Dever, pôr tudo em atividade a cada Primavera e fazer com que todos recebam a mesma Parcela para manter a Máquina em funcionamento. Mas isto é até uma diversão nesta Terra silenciosa, e um exercício constante de Paciêncla e Economia.

E) néculo já ia mais adiantado quando Landon Carter disse o Os negros eram “demônios” e concluiu que a emancipação Merla uma loucura, pois os deixaria à solta, Seu diário de 1757, o já o mostra junto a um escravo do eito que estava nte, acompanhando seus sofrimentos e seu tratamento com lodo cuidado e abnegação. O diário revela sua preocupação * Ponstante com as necessidades dos escravos.”? No século XIX, reaparecem os mesmos temas nos pronun* Wlamentos políticos dos líderes intelectuais do regime — que | levem ser analisados com ceticismo —, nas observações de Viajantes e principalmente nas conversas mantidas pelos senhoWO na intimidade de suas famílias, O reverendo dr. Thornwell, 107

professor de teologia no Seminário Presbiteriano de Charlestoi declarou, com carolice: “Nossos escravos são nosso toletaa ) cargo, e assim como temos o direito de usar e dirigir seu tra lho, temos também obrigação de alimentá-los, vestilos e | tegê-los. (. . .) São seres humanos dotados de moral, e é cult do sua natureza moral que colhemos a maior recompensa seus serviços. A relação é, em si mesma, moral. (...)" 7º O toi dos principais partidários do “argumento escravista” era ma ou menos o mesmo. E. N. Elliott, presidente do Planter's Col do Mississípi, assim definiu a escravidão: A escravidão significa trabalhar em benefício garantidas proteção e circunstância (...) O

a obrigação e o dever de o escr do senhor e de si mesmo, sendo uma vida confortável em qualg; K senhor, como chefe do sistema, te

direito à obediência e ao trabalho do escravo, mas

est

também tem direitos com relação ao senhor; direito a pr teção, a conselhos e orientação, à subsistência, a cuidadi e tratamento quando enfermo ou idoso, Cabe-lhe ainc direito de ter seu senhor como único árbitro de seus err e dificuldades, um juiz compassivo, a quem cabe determila as penalidades para seus delitos. ? e ad

Admitindo a humanidade dos escravos, os senhores estab ceram distinção entre a propriedade sobre seres humanos propriedade sobre o trabalho humano; mas essa distinção conseguiu respaldo legal nem veio a se transformar numa file sofia coerente. Por mais sutis que fossem os rodeios dialéticos a escravidão, não significando a propriedade sobre seres hum nos, não significaria nada; e a propriedade sobre seres humano era exatamente o elemento determinante da base do sistemé Inúmeras vezes os ideólogos sulistas recorreram ao argume: que tornava plausível seu racismo: os escravos eram incapaze de se manter sozinhos, e cabia aos senhores o dever cristão d mantê-los. Assim, refutavam os ataques religiosos dos abolici nistas e contra-atacavam com vigor, alegando que a aboli seria uma falta de responsabilidade cristã em relação a ou seres humanos. Convenceram-se de que a doutrina religiosa abolicionistas era herética, e a sua não. Mas quanto mais ap fundavam esta linha de defesa — justificada ou não em base

108

flo, de tradições hos, que Assim,

classe, ou em ambas — mais se enredavam nas inerentes à idéia da propriedade sobre seres hujamais deixava de os incomodar. William Gilmore Simms, um dos literatos de mais

stígio no Velho Sul, pôde declarar que os senhores tinham | dever moral de não libertar seus escravos, a não ser tendo juta certeza de que eles seriam capazes de se manter. E foi

als longe: Para nós, a questão é simplesmente o modo como temos cumprido nossas obrigações. Como usamos os talentos que nos foram confiados — como desempenhamos nossos deveres de guardiães? Qual a condição dos dependentes? Tivemos o cuidado de harmonizar suas tarefas a suas capacidades? Concedemos-lhes uma parte justa do fruto de seu trabalho? Melhoramos suas condições à medida que suas mentes evoluíam? Ensinamos-lhes seus deveres morais — para com Deus e os semelhantes? E, obedecendo a nossas consciências, tivemos o cuidado de só os punir em função de suas faltas, e jamais de modo brutal ou impiedoso? São estas as únicas questões que importam, e aplicam-se também a todas as outras relações sociais. Que eles as consi-

derem cuidadosamente, e se conduzam, como homens justos, de acordo com o que consideramos um dever sagrado,

exercido em nome de Deus e dos homens. *º

Variações dessa mesma postura aparecem em obras de putros destacados autores. Em seu livro Black Diamonds, Edward

À, Pollard, controvertido jornalista e propagandista da Virgínia,

disseca o espírito ideológico do período imediatamente anterior

À guerra: Em meio a meus folguedos infantis (...) pensei de repente em meus pobres companheirinhos escravos, que trabalhavam pesado nos campos, tinham de carregar fardos, sob o sol

do verão, comiam pouco, e devorariam com entusiasmo o “bolo” com que eu me regalava. Então me tornei triste, amargo, e estranhamente ancioso por sofrer e me impor privações; e com um ardor impreciso comecei a culpar o estatuto que impunha aos homens sortes tão diversas (...) 109

As amargas experiências da vida, porém, curaram té sentimentos. Naqueles tristes e penosos combates morri minha filosofia juvenil e falsa, e eu despertei para a convi são trangúila, séria e profunda de que cada ser humano de ter seu quinhão de dor e sofrimento (...) Empenh 1 profundamente para que os negros escravos sejam tão 1 lizes quanto eu (...) para que um dia o mundo apre esta lição tão simples, enxugue as lágrimas de solidaried sentimental e adote como regra básica de vida que t homem tem de carregar seus próprios fardos; que o in víduo tem de ser objeto de solidariedade; que é tão int e pecaminoso lamentar a sorte dos que são inferiores a m quanto revoltar-se e invejar os que nos são superiores (. Sinto que todo homem tem um fardo a carregar vida; e que eu (espero em Deus) sempre serei solidário ajudarei a quem esteja sofrendo, mas que jamais volta ser tolo a ponto de me compadecer da sorte abstrata homens neste mundo. Ouso dizer que conheci mais mento numa curta carreira mundana do que jamais co; ceram,

em

toda

a vida, meu

“Pai

Jim”

hores se mostravam compassivos, bondosos e indulgentes À HOUS escravos, era por não terem qualquer dúvida de que tava de criaturas inferiores. Portanto, conclui, podiam mosWma enorme paciência para com os escravos e os inferiores geral, mas dificilmente teriam a mesma atitude para com E considerassem seus iguais. Que entendiam os senhores direitos humanos”? “Ter o suficiente para subsistir, em

de trabalho”, explica a srta. Martineau. ?º

Cerca de 25 anos depois, Frederick Law Olmsted c lllam Howard Russell — dois viajantes argutos, nenhum simpatizante da escravidão — atestaram o arraigado senso ever dos senhores de escravos e seu constante cuidado com Negros. Numa plantation da Virgínia, Olmsted escreveu: “Dulo as três horas, ou mais, que passei com o proprietário, à que ele não chegou a ficar dez minutos seguidos sem ser rompido por algum escravo que desejava sua orientação al ou sua assistência”. Este senhor disse a Olmsted que fla de ver abolida a escravidão e de ver os senhores livres iquelo fardo. Acrescentou, porém: “O problema e a responsaindo de cuidar de nossos negros, como o senhor pode avaliar

e qualquer o

escravo negro bem tratado. 2?!

James C. Coggesball, bem-sucedido senhor do Tennessee

lo que está vendo, nada têm de invejável (...) Contudo, fico Hlsfelto de que nossos escravos estejam em situação melhor — no de fato estão — que a maioria dos trabalhadores livres do

a

dental, escrevendo para o relatório de finanças públicas :: ' a ae R 4 resp diz 1855-1856, é ainda mais incisivo: “No que me

. iWto”,”º"203 Na Carolina do Sul, Russell falou da senhora de uma

igniation, que passara a noite inteira ajudando no parto de

em minhas relações com os escravos não consinto que ningué

lhos (...)” Afirma que ser senhor de escravos é um “deve Ê

,

que “Deus e meu país o reconhecem, e pouco me impó

providência, e qque o verd

deiro amigo dos negros é o senhor de escravos cristão”.

temas GOparalelos e fardo, ME queaidse ndo fortalecere Con gtaniDe tento; deao dever couroOs paca Ê : : escritos mais propag nos oiço . po ita d senhorial, áblie também dudeda classe

cos

de homens públicos.

“É preciso não esquecer”, escre

Harriet Martineau nos anos 1830, “que o pensamento único

É us maioria dos senhores é possuir escravos.” Ela faz ver que

110

comentou

Russell

que

este eram mais comuns do que se supunha, e que A : ] ate Citou (5 materiais. a interesses

como

A Injusto atribuí-los unicamente

&

es

)-

escravo, no sentido mais amplo da idéia, criada pela sabedor

H

antiescravista,

“Eu é que pertenço aos escravos. palavras de uma senhora: : tenho de cuidar : i deles, medicámanhã, de tarde e de noite

que outros possam pensar de ato mim quanto6 ii a isso”. E não DAR ddalnaer dituida de quê divina e mantida por sua: suprema

Embora

escrava.

a

nem mesmo meu vizinho, que não tem escravos, me dê comi

|

s guns: não-proprietário i

Ê

o id

todo be are

nb

Hi

de escravos à

UA

ndar

o oo nina fe pgço |), Harmon, um dos administradores mais bem-sucedidos e res a classe, queiin ea com nen ape vam ng Etados deot toda noite o importuna que os escravos po Mavaso ;

o

e.

didos e ",

Rs

9

is

1

3)

problemas de vários tipos. “Não posso nem ler à

à protestava

ele,

“(...)

asi depeih de a

sem aê que 40

o

negros

venham 1 me

sabe nã ui

iários e cartas à família,i os senhores se ab j Em seus diári Em 1824, Rachel Weeks O'Connor escreveu ao irmão dizem que um senhor vizinho seu e a esposa tinham de ficar em & plantação de New Iberia, Luisiana, porque os escravos doentes e precisavam de cuidados especiais, e o administrar estava sendo cruel. 2º Acerca da morte iminente de um e escreveu Jefferson T. Craig, de Georgetown, Kentucky:

Jim piorou muito hoje, e já não há nenhuma espera Ná lo RR ele andava indolente e violento, e creio pg desonesto, e várias vezes pensei em vendê-lo

qi

ui adiando isto, por ser uma coisa desagradável. que estaria melhor sem ele, embora em minha casa a mi seja um acontecimento solene. ?º q j Mary Burruss McGehee escreveu ao irmão repreendendo-o Pp seu desprezo pelo dinheiro e sua inclinação pela literatura: | .

4

O conforto de nosso pai e seu próprio interesse já se E motivo suficiente para você se aplicar com mais âni no empenho, mesmo que não houvesse outros motivos n

a felicidade dos pobres coitados que dependem de que deveriam

ser mais enobrecidos

como

seres hums

e cujo trabalho deveria ser suavizado pela bondade.

P

neles como a classe que trabalha por toda a comunk (uma classe que sempre existe) e tente aliviar seu far tornar menos dura a sorte que lhes cabe, de várias m ras. Seus espíritos jamais se perturbam com preocupa quanto ao futuro. Na riqueza e na saúde, na juventude. na velhice, eles sempre contarão com os cuidados e a a en ção de outras pessoas. Evidentemente, para isto preci n ter um senhor humano, e este senhor será você. *º “Parece-me”, escreveu R. L. Dabney, da Virgínia, “que não poderia ode; recair sobre nós maldição pior pi que a obriga igaçã

dirigir um bando de negros.” ?! E, em 1841, Moses Liddel, da Luisiana, doente e preocu pado com a educação i et- y deiro, escreveu-lhe:

Fo

ni

Pesa sobre seus ombros uma responsabilidade que vo tem de aceitar — trata-se da relação de senhor e escra 112

* que lhe compete, e que você conhece muito bem — nunca

e-os com bondade. Casexija demais de seus escravos. Trat e se portarem mal. Tenha * llgue-os quando desobedecerem ja quanto a isto ERA sempre a consciência trangúila que passava por sérias diro grande proprietário da Luisiana, ns anos mais tarde, a um ildades financeiras, escreveu, algu meus negócios O mais inar do de Nova Orleans: “Vou term tarefa de cuidar dos sa pressa possível, e retornar à peno em suas doenças -los tratá , tos, atender a suas necessidades sei que não há e — res deve verificar que cumpram seus por meus

M lquer possibilidade brços”.

de vir a ser recompensado

pró-escravista ganhava Nos anos 1850, quando a posição nista, os senhores de escrapoa é crescia o movimento secessio os. “Quando o senhor alega que

a tornaram-se mais ponderad servem”, escreveu Calvin fio pode melhorar a situação dos que o “passa a dizer que a esderson Wiley, da Carolina do Norte, lerável para qualquer vidão é um mal moral, um pecado into os senhores deviam fazer ristão.” E prossegue dizendo que sar os escravos por seu qmals do que apenas tentar recompen

uma vida confortável, em “trabalho; deviam dar aos escravos ado que sobre eles recaíra. ?! peconhecimento pelo dever sagr um senhor rural de Washington Tomo que para dizer «“ Amém”, l de

diário, no dia de Nata County, Mississípi, anotou em seu o e um cordeiro para meus 1058, o seguinte: “Matei um leitã lhes duas medidas de farinha. * negros, Clay [o administrador] deudeixá-los o mais felizes Passei o dia com os negros, tentando on de açúcar E Samuel Walker, dono de uma plantati possível”. os senhores desse Estado”. fa Luisiana, fazia questão de dizer que pois alémde cuidar dos trabalhavam mais que seus escravos, cos. ** negros, cuidavam também dos bran

dura prova para O Os anos de guerra representaram uma além de ter dos senhores com seu “dever”,

vompromisso o seu “fardo”. Charles C. ameaçado seu “interesse” e aumentad filho do reverendo C. €. fones Jr., ex-prefeito de Savannah e to a aceitar O posto de jones, pediu o conselho dos pais quan ínia. Como o pai estava unpitão de uma unidade militar da Virg e depois escreveu ao marido: fora, foi a mãe quem respondeu, o que eu pensava e sentia, € "Em sua ausência, só pude dizer

113

disse a ele que não considerava ser seu dever abandonar o ca que tem agora, no qual defende sua terra natal, seu lar e 8 empregados, sua filha pequena, seu pai e sua mãe”.”” Enq o tenente Jones era aconselhado a permanecer na Geórgia defender a própria família, branca e negra, Mary Boykin nut registrava

a insistência

do marido,

senhor

rural e po

em fazer seus escravos lhe pagarem 50.000 dólares pela alim ção e pelas roupas que dele haviam recebido. Ela cita as pal do marido: “Os patifes preguiçosos roubam todos os meus cos, e eu ainda tenho de comprar carne para eles, e eles produzem algodão”. Ao lhe perguntarem se algum escrav: já havia fugido, ele vociferou: “Nunca. Já foi bem difícil mim não fugir deles!” Furioso com seus escravos, procl alto e bom som que deviam todos ir ao encontro dos iang e deixar de viver à sua custa. “Porém”,

nut, com

“quando foi de novo a lealdade dos escravos

continua

a sra. C

à plantation, voltou encanta e a afeição que lhe tinham”,

Mas ficou bem menos encantado com a deserção dos n durante a guerra, e voltou a sustentar suas opiniões anterioi quando pôde calcular com mais realismo a relação econômi que tinha com os escravos. O relacionamento entre os escravos e as senhoras das tations merece um exame mais atento, e a vida das mulhe; brancas e negras na casa-grande é um problema à parte. Co tumava-se dizer que as damas brancas constituíam um pod mediador, e suavizavam muito o relacionamento senhor-escrave Também esta questão é da maior importância. As senhoras — embora sob vários aspectos refletissem fato a imagem da “dama sulista” — trabalhavam muito dentro de grandes limitações, a fim de manter sua fama seres etéreos que apenas se divertiam. Como classe, merecer sua reputação de graça e delicadeza, mesmo tendo de reali os trabalhos domésticos mais difíceis — e isto bem mostra caráter; e seria falso pensar que a graça é incompatível co: mãos sujas. ?? Joel B. Fort, filho de um grande senhor de escra: vos de Robertson County, Tennessee, recordava-se da mãe e dê avó como “as mulheres mais ocupadas que já vi, que cortay e costuravam a roupa de todos os negros”.*º Enquanto mo com uma tia numa grande plantation nas proximidades de Na chez, Eliza Magruder ia às senzalas várias vezes por dia par 114

um ou outro serviço. ? John Brown, ex-escravo de Tallaa, Alabama, assim recordou sua senhora: “Ela ficava com E pucravAs sempre que nascia um bebê. E quando havia qualepidemia entre os escravos, ela sabia o que fazer e que dlos usar para acabar com as dores e sofrimentos. Que Deus abençoe! Ela certamente amava os negros”. *? James Lucas, fora escravo no Mississípi, declarou: “Bem diferentes eram | esposas dos senhores. Eram boas e viviam no meio dos escra, cuidando deles ...” E acrescenta George Teamoh, da VirEla; “Não acredito que sob o sol de Deus tenha jamais exisque do uma dama cristã mais generosa, virtuosa e justa Sul, do a Carolin da gra, Jane Thomas...” E Phillip Rice, sua pressou uma opinião bastante generalizada ao dizer que seus com hora impedia o administrador de ser duro

avos.

Tais testemunhos de negros tornam mais fácil compreender

| utitude de uma senhora, Catherine Carson, em relação ao pai: Eles são muito apegados a mim e não querem que eu volte e para o Kentucky. Não tenho absolutamente medo deles, termina quando vezes, sinto que me protegeriam; muitas o trabalho do dia, vêm me pedir notícias da saúde da jovem senhora, e tenho grande satisfação em lhes dar maçãs ou qualquer outra pequena preciosidade que eles consideram “uma festa”. Todos os sábados lhes dou farinha e melado; e há muito eles não recebiam essas pequenas delicadezas, posso garantir que as apreciam. “

classe senhorial Harriet Martineau, nada propensa a ver a As senhoras: das crítico elogio o pelo prisma romântico, fez que (ainda a bárbar ade socied mulheres a quem cabe dirigir uma r a todo tipo pequena), criar normas e fazê-las cumprir, atende de pessoas to dimen de necessidades materiais e orientar o proce mulheestas — absolutamente incapazes de cuidar de si mesmas pedesem de fes têm de ser fortes e muito organizadas, a fim consenão nhar suas tarefas”. Acrescenta porém: “Mas as que

guem são talvez as mulheres mais fracas que já vi.. o

o

a As damas também tiveram seus críticos. Uma significativ as senhor de e ament amarg u-se minoria de ex-escravos queixo 115:

mr

fi |

Hj

A

cruéis,

mesmo

em

plantations

cujos

senhores

eram

bon j

Várias tropas negras, formadas de ex-escravos, que ocuparam litoral da Carolina do Sul durante a guerra, zombaram dos | acreditavam nos protestos de lealdade dos brancos do lugar vituperaram sobretudo as mulheres. Thomas Wentworth H son, de Massachusetts, que comandava as tropas negras, fale com certo exagero, mas era um observador honesto e a e não se pode deixar de dar crédito a suas declarações: negros] jamais desrespeitaram essas mulheres por palavr atos, mas as odiavam profundamente”. Joel R. Poinsell, da

C;

lina do Sul, dissera dez anos antes a Fredrika Bremer que escravidão fora mais prejudicial às mulheres que aos homi brancos, e que essa diferença era sensível na atitude mais vi rosa das mulheres para com os escravos. Contudo, a cheg; de “damas brancas” — nortistas, é claro — trangiilizou. negros de Sea Island, que a princípio não confiavam nas | ças brancas de ocupação, E não há como negar que os escra

lados mais plenamente pelas mulheres que pelos homens “p dever, para as mulheres, significava antes de tudo a lia, continuação direta de si mesmas. Assim, as constantes nelas de ex-escravos à dualidade do comportamento de ly senhoras para com seus próprios escravos e os do marido Em muito mais acerca da atitude dessas mulheres em relação sy maridos que em relação aos escravos. A bondade ea ão gentil para com os escravos eram inegáveis, mas tamà ora inegável sua antítese humana. Enfeixando todas essas tradições de comportamento, havia um fortíssimo sentimento família, não importa como se definisse a própria família —

a

É modo amplo ou restrito.

O fato de os senhores encararem sua posição como um y e um fardo servia claramente a seus próprios interesses, p se pode aceitá-lo sem discussão. Em 1865, quando a mãe

Eliza Frances Andrews declarou que ficaria mais satisfeita

feito muitos outros — que sua senhora tratava bem seus própi escravos, mas era dura para com os do marido.** É patei

ge libertar dos negros do que estes por se libertarem dela, ya simplesmente tentando encarar pelo ângulo mais favorável Não na situação que não desejara, mas já não podia evitar. idéia slante, os temas do dever e do fardo refletem-se até na wdominante — a do interesse econômico. Eram sua justificava moral. A impressão de que a maioria dos senhores sentia pa por possuir escravos não tem base factual. Certamente ps se culpavam, mas a maioria aceitava bem a condição em

nos depoimentos de escravos a idéia de um estereótipo de “n

IG

recorriam fregiientemente à proteção das senhoras amos e administradores.*”

contr,

Esta multiplicidade de reações mostra que o compo mento humano pode variar da bondade à crueldade, mas m também algo mais profundo. É o que sugere Silas Green

escravo da Carolina do Sul, ao declarar — como poderiam.

drasta”. Mediante manifestações tão variadas de comportame



inclusive

a ambivalência,

as decorrências

de frustraç

sexuais e a pura brutalidade, já tão comentadas —, as senho; ao que parece, fizeram jus a sua reputação de força huma dora na relação senhor-escravo. Mas talvez Higginson não vesse errado. Os negros sob seu comando aprenderam durante a guerra e podem ter sido os primeiros a perceber q as mulheres brancas, bondosas ou cruéis, eram ardorosamer dedicadas à causa sulista. Foram, como assinalou a srta. Ma:

neau, mulheres fortes, Compreenderam,

talvez melhor que

homens, qual era o seu dever — seu duplo dever de dirigir escravos e manter uma ordem social baseada numa rel estrita de superioridade e subordinação. De um modo que 1 poderia representar melhor os ideais de sua classe — por

116

nascera, e não questionava

suas vantagens

e desvantagens.

Mesmo quando se trata de um natural da Nova Inglaterra — Whelo do sentimento de culpa que caracteriza o povo dessa

feglão —, pode-se sentir um tom diferente, talvez mesmo ambí-

quo: Hiram B. Tibbets, que se tornara senhor rural na Luisiana, Eavroveu

ao irmão que permanecera

em

Massachusetts,

dizendo

* quo “'sc existe algo de pecaminoso em possuir escravos, tratando-

* W4 como trato os meus, quero viver e morrer com este pecado.

Não sinto qualquer remorso por isto”. ”º Everard Green Baker,

do Mississípi, que em 1860 apoiou a candidatura de John Bell pelo Partido da União Nacional à presidência, escreveu, naquele

fnesmo ano: “Temo que tempos terríveis nos aguardem, a guerra * elvll mais sangrenta que já obscureceu as páginas da história. Só tm

fato nos consola —

o de estarmos lutando por nossos lares,

nossa família e nossa propriedade”.* .

.

1

47

Coube ao chanceler Harper, sentar o argumento básico. Os

Lumpikin, da Corte Suprema

quase 25 anos antes, . abolicionistas, declara |

ainda mais natural os opressores odiarem suas vítimas. Tão | se convença um senhor de estar cometendo uma injustiça p com seu escravo, ele começa a encarar o escravo com des

ho fiança e hostilidade”. *2 Em 1900, recordando seu diário de antes da guerra, Stone volta a repetir algo já muito sabido, que os historia fregientemente confundem com culpa: “Fora-nos retira pesado encargo da responsabilidade, e podíamos viver salvar nossas almas. Deus não mais deixava em nossas as almas dos negros. Cada um tinha de prestar contas d mesmo a Deus...” *ºº Parece, no mínimo, teologicamente doso um Deus cristão pedir a alguém para se responsabi por almas alheias. Mas estão implícitos nesta colocação tão. fundida os temas do dever e do fardo, que embora atend a interesses próprios, e embora frustrantes, foram a pedra sob a qual se apoiaram, necessariamente, a ideologia, a moralida e a auto-imagem dos senhores de escravos. Esta perspectiv: relação ao mundo e a si mesmos serviu-lhes enquanto detive ç poder, mas traiu-os quando a guerra e a emancipação pe mi ram aos negros — objeto deste paternalismo — falarem ab mente por si mesmos. E O sentimento dos brancos sulistas, de carregar um fard e uma responsabilidade, concretizava-se na afirmação de os negros, não fora a escravidão, seriam exterminados. Ideé gos notáveis como George Fitzhugh, Henry Hughes, C. or George Frederick Holmes, J. H. Hammond, T. R. Dew e Edmt Ruffin várias vezes abordaram esse tema, Afirmavam veem temente que os negros jamais sobreviveriam no mundo bárba do mercado capitalista; que cairiam ao nível mais baixo escala social, por serem operários não-qualificados, indesejáv e negligentes, e acabariam morrendo de fome. A escravidão e a forma de os brancos protegerem-nos contra estes horror

levava os senhores a terem interesse em preservar os negros €

criava um vínculo de solidariedade humana que, em última aná lise, contribuía também para a felicidade dos escravos. Pergun 118

eng ia:

ma e a humanidade, pode i prezando os africanos morrem de frio em tais úpve o! ilhos do sol, que (...) : . E E é competindo a a gs

1.

nos assustam porque nos levam a temer nossos escravos €

curam inculcar-nos sentimentos de culpa. Mas ele próprio truca: “E natural que os oprimidos odeiem os opressores

dra

mantendo contato estreito de Ohio, que o leia ui ac ativa (...) a noroeste



, lhe dar razão, Ju a 4 leprosos?” ** Como que para e iu A inoi College, do Illinois i vant, republicano e presidente ela dia e que lição da escravatura argumentando : a subsistiriam a pa negros, que, a seu ver, não caminhavam parale. ineo As pretensões dos senhores por eles visto como es pre Ataques ao trabalho livre — e ip Epa ia prada —, a sua crescente rejeição as E € m pel s a o classes inaçã das quas defesas da su bordinação P os Ena foram ughes e Henry i | w, George Fitzhugh E a condição como nte, i idealmente, idão, der a escravidão, pac Legais apso quer força de trabalho. Outros tendência. e mesma da dentro leradas, embora de que » Pi ização de uma classe peveu acerca da Hj “escravização a todo em à prevalecer ta forma já prevalece ou virá ici “Todos os qi escravidão”. do onde não houver de escravos. ; nendentes”, escreveu um sen hor de escravos, | ui constituída E humana é realmente pelo nome de escravo. nos um quinto é designado edade Agrícola do Centro-Sul, Wolarou Andrew Garnett à Soci do coidãão sulisista ta “ “resolveu os P roblemas Geórgia, a escravid do =

'

| unismo, es;

4

há tanto tempo sonhado, em o

porque o trabalho

unto,, conjiunto

controlado

o



:

ão”. o A sr e enta a produç ; io, estimula o consumo e aum dependo

do “mundo Henry Rowe Schoolcraft zombou ng pe ipi P ca Hegel Harriet Beecher Stowe € a ai F « e, se sabsabe, “Co izer: “Como dizer: i do que ele quisera acreditam, e P ot isto não peniano i ã “antiquados”, lina do Sul são à o progressivo; que Deus é um ser joni aholicionistas, ) períei toda a eternidade; 0) pe no amor à todas as criaturas (...) eé perfeito iustiça ea fostiço o na história j te houveas a sra. Schoolcraft: : “Muiuito raramente ii i ac OConclui E escr não homens y mundo épocas em que a lguns adve glorioso o até será assim ara e provavelmente O cê aaa do milênio

(...)”

119

Tal ideologia, vista ou não como extravagância evolt juntamente com o fato de considerar os escravos um devei um fardo, o qual, além de servir aos interesses dos senhor constituía o âmago da idéia que faziam de si mesmos. Pouca pouco, uma coisa foi fortalecendo a outra, e ambas se for transformando em componentes do argumento escravista k se desenvolvia e moldava uma psicologia peculiar de sen e escravos. A ideologia dos senhores era uma autêntica vis mundo, no sentido de que evoluía em consonância com a dade das relações sociais. Se servia a interesses próprios radicalmente falsa em suas premissas filosóficas fundame o mesmo se pode dizer da ideologia de qualquer classe dor nante. Os senhores de escravos a entenderam assim, e po ar adotaram-na sem hipocrisia — ou melhor, sem muito mais hi crisia que a existente em qualquer tentativa de justificar a exp ração e a opressão de seres humanos. O que foram os senh de escravos, a forma como os viam e seu confronto final e tr mático com a realidade da consciência de seus escravos & coisas que só se poderá entender considerando-se autêntica, et bora repelente, sua ideologia — a manifestação de uma per pectiva de mundo cada vez mais coerente. À

forma, de supor que o czar deve sempre agir da mesma Os (...) as? stânci circun as e época a sem levar em conta s, brando puares devem ser sempre circunspectos, às vezes OS bons, com para sos genero e sivos compas ha vezes cruéis, castigos. cruéis mais Os com maus os punir & capazes de

Não sendo assim [não há] czar. *”

do Normrlos Pettigrew, um grande proprietário da Carolina

declarou em seu testamento, de 1806: “É pena que, pela

de casrla natureza das coisas, escravidão e tirania tenham nte obedie o escrav at lado a lado, e não seja possível ter um dade autori uma ul sem precisar, lamentavelmente, impor foi vida e tirânica”.*º William Elliot, da Carolina do Sul, modo de es, senhor os slutamente verdadeiro ao dizer que |, cram

bons;

e também

ao

acrescentar:

“Só

para

com

a

Wubordinação somos severos”.?º Elliot provavelmente desco-

: pla o provérbio Akan, ou, se O conhecesse, não o citaria *” ele”. por ado insult ser para o Não se deve comprar um escrav obe“A ou: declar ma Em 1861, a Suprema Corte do Alaba

lência absoluta e a submissão à autoridade legítima do amo o deveres do escravos”. ” O testamento de Stephen Henderson, da Luisiana, bem mostra quão fundamental era esta exigência

vida e nas idéias dos senhores. Henderson deseja libertar seus

Moravos, mas invectiva contra os abolicionistas fanáticos e de-

Acerca de concubinas e cavalos

qurdeiros.

Não faz muito tempo, Edward L. Keenan teve o mau gost de afirmar que a correspondência entre o czar Ivã IV e o p fi

cipe Alexandre Kurbskii era forjada. Assim, cismo todos os que

tiveram

relegou ao ostri

a sorte de ler alguns

desses

cumentos assombrosos. Apesar da denúncia de Keenan,

do

a “

respondência”, não importa quem a tenha escrito, vai ão âmag do Problema da autoridade absoluta. O príncipe Kurbskii amigo e aliado do czar, fugiu para a Lituânia, de onde lhe te escrito cartas de acerba censura, às quais Ivã IV, que por boas razões fora cognominado “O Terrível”, teria respondido:



Como é possível não entenderes que o governante não po e agir como um animal, nem sujeitar-se calado? (...) A no reinado dos czares mais piedosos houve vários cas de punições as mais cruéis. Serias capaz, em teu desva

Sua gente,

enquanto

fosse escrava,

ser bem.

devia

“untada, e o bom tratamento é descrito em detalhes; contudo,

Wdeve haver estrita disciplina”. 2 Andrew Jackson, que possuía de 150 a 200 escravos e era um dos maiores senhores do

Tennessee, jactava-se: “Não tolero a idéia de tratar com desu-

* manidade meus pobres negros”. Para ele, tal sentimento não

fre* pra em absoluto incompatível com o fato de recorrer com vioe as inênci impert fliôncia e severidade ao açoite para punir com que lnções da disciplina, nem tampouco com o pulso firme

— dirigiu as tropas sob seu comando. *

À

existir Os problemas inerentes à contradição de o escravo sentir. faziam se legalmente como homem e como coisa sempre escrao reduzir am Os partidários da obediência absoluta tentav melhoos nem que vo a mera extensão da vontade do senhor, o o e fes senhores de escravos hesitavam em considerar human de custa à mesmo l, justo. Mas tal situação era insustentáve 121

terror e das maiores violências. Tanto no campo do direito com dentro da própria comunidade, ela foi atenuada, em gra parte, por pressões dos escravos. Solomon Northup lembrou-s; de

ter ouvido

um

senhor

bondoso

dizer

a um

outro,

bru

“Isto não é maneira de lidar com eles quando chegam ao paí Tal tratamento será contraproducente e os levará a fugir. “pântanos ficarão cheios de escravos”. O escravo, sendo humano, agia, e agindo revelava sua vi tade. Hegel tinha razão ao afirmar que a escravidão consti um ultraje, por se basear sempre na premissa falsa de que homem poderia vir a ser a extensão da vontade de outro. algum homem quiser agir dessa forma, só poderá fazê-lo

um .ato de submissão dessa mesma vontade, e só se mant nessa condição enquanto

ele próprio quiser. A tentativa É

trada dos senhores de recorrerem à sanção religiosa não

«

eximiu dessa contradição. A tradição cristã, desde os primei debates acerca das implicações do pecado original até os es ços de Hobbes e outros no sentido de secularizar o proble: não podia defender racionalmente a idéia da submissão per nente e total a partir da submissão da vontade por um tempi

delimitado. É impossível comparar a idéia da submissão

d

homem a Deus com a idéia da submissão do homem ao home mesmo que não fosse, contudo, permaneceria o problema. luta de católicos e arminianos no sentido de ver a constant renovada dedicação a Deus como um ato de vontade livre . tornou tal dificuldade, e só as formas mais extremas de antinl mianismo vieram a cair na doutrina da submissão permaner Por isso, e apesar das ramificações politicamente radica antinomianismo se tornou uma negação histérica da humanida de. Não foi este, porém, o rumo tomado pelas versões sulis do protestantismo, exceto no caso, que certamente não foi ú dos batistas regulares mais extremados, partidários da dout da predestinação. Além disso, os senhores perceberam os ri políticos revolucionários desta doutrina, como fica patente. seus ataques ao “fanatismo religioso” dos nortistas. Daí que sua tentativa de dar uma base filosófica à escravidão con tradizia sua necessidade cada vez maior de uma teologia mo rada, por mais fundamentalista que parecesse. E, assim, acai ram por não ter qualquer resposta para o desafio liberal, EN mido na crítica de Hegel, e tiveram de apegar-se à afirma 122

poder manifesto, E isto os levou à derrocada, pois reconhedo o direito dos escravos à vida, confirmado explicitamente leis contra o assassinato de escravos, ao mesmo tempo puse4 descoberto o absurdo de uma doutrina de submissão total mostraram-se incapazes de justificar, até para si mesmos, o Ilimitado da força. Como explicar, então, que tantas vezes os senhores de pavos tenham reiterado sua exigência de obediência absoluta, ando simultaneamente seu fundamento teórico, tanto de moexplícito, nos tribunais, quanto implícito, em seu comportanto habitual? É que não poderiam, de nenhuma outra forma, Watificar-se aos próprios olhos nem poderiam considerar-se momente responsáveis por pessoas que estavam cumprindo suas hrigações. Assim, é preciso considerar a ingenuidade da sra. polcraft como uma postura essencial à auto-estima, à auto[lança e à força moral de sua classe. Comentando a observap de Trollope, de que os escravos amavam seus senhores tanto Manto os amavam seus cachorros, a sra. Schoolcraft concorda, inbora com uma ressalva: “Os escravos jamais podem ser tralos com a mesma dureza usada para com os empregados bran“os, porque são dependentes, e por isto o senhor os ama e proTogo”, E acrescenta, com maior acuidade: “Dou graças a Deus pelo fato de os escravos, que parecem abandonar-se à vontade

seu senhor, compartilharem do mesmo sentimento forte do

hor empenhado em protegê-los e prover a todas as suas ne-

fldades”. Já os senhores se viam enredados nas exigências insustenfáveis de seu relacionamento com os próprios escravos. Sua

pição era tanto mais ameaçada porque estavam conscientes

dependerem do trabalho de seus escravos, fato que, inapelavelmente, transformava a doutrina da propriedade e vontade absolutas numa doutrina de reciprocidade. Everard Green Baker, de Panola, Mississípi, um rapaz ponderado e provavelmente um senhor de escravos exemplar, expôs o problema em seu diário

E propôs-se evitar desperdícios. “Um homem”, explicou ele, “não

deve dissipar o que o outro acumulou arriscando a saúde e esgo-

tando as forças físicas; não é isto o que ocorre quando um

homem, sem necessidade, gasta o que o negro conseguiu à custa de trabalho árduo e suportando o que ele próprio, em situação semelhante, consideraria a maior das privações?” “O escravo”, 123

acrescentou

mais

tarde, “exauriu

o corpo

trabalhando

mente para nós, de [modo que] quando já estiver velho [di

receber

nossa

mais

desvelada

atenção,

uma

vez

que

na f

da idade empregou as energias de seu espírito e o vigor de! braços em vários anos de trabalho pesado, sob o sol eso chuva, para podermos desfrutar do conforto e das amenidi

da vida...” Anos depois, num dia de Natal,

Green

B:

escreveu: “Esforcei-me ao máximo para tornar meus negra

gres e felizes contentamento

(...) (...)

gosto de vê-los se divertindo com Assim início um novo ano sob aus

favoráveis, no tocante a meus assuntos domésticos (uiio) fi o possível para eles terem um feriado agradável, e eles arec reconhecer meu esforço”. e Insistindo em que era dever do senhor dar ao cal aconselhamento legal, o juiz Starnes, da Suprema Cori Estado de Geórgia, explicou que tal dever tinha de ser encats como “uma retribuição pelos lucros advindos do trabal escravo”. Mesmo assim, naquele caso em questão, julgou a não ser que o castigo impingido pelo senhor visasse ”

o escravo devia sujeitar-se e não tinha o direito de juls

severidade da punição. ” Os escravos percebiam esta ati no comportamento de seus senhores. Robert McKinley escravo da Carolina do Norte, recordou um senhor de escr: local que justificava sua benevolência para com os negros co uma devida retribuição a pessoas cujo árduo trabalho torn sua vida tão confortável, Louise Jones, ex-escrava da Virs contou como seu senhor se divertia nas festas de Natal d escravos, que a esposa detestava: q Então a Missus disse ao Marsa: “Acho que você gosta

negros mais que de mim”. Então o Marsa disse: “É gosto dos meus pretos. Eles trabalham muito para mi

me fazem ganhar muito dinheiro, por isso eu quero hoje se divirtam. Vá para casa, se não quiser ficar a Eu i Fin ficar e fazer tudo para que meus pretos se d lo Os escravos entendiam estes estímulos de seus amos é pe coma a significativa concessão neles implícita. Incapazes esatiar o sistema,

e até de resistir frontalmente

a ele, a nã

gasos desesperados e mesmo então com poucas possibiWi de sucesso, aceitavam o que não podia ser evitado. Esta dação, em seu aspecto positivo, representava a aceitação, ada entre vários povos, mesmo oprimidos, da idéia de flguma ordem social, ainda que cruel e injusta, é sempre el às inseguranças da inexistência de ordem. Represenlambém a consciência, por parte dos escravos, de que os | precisavam de sua afeição, ou no mínimo de um fingilo de afeição, para refrear as próprias tendências à cruelE à uma injustiça ainda maior. Os senhores de escravos am sobre os colonizadores uma grande vantagem: eram parte nte da sociedade, e não forasteiros que se impunham a ferra conquistada. Portanto não precisavam acatar a prede que os que conquistam e dominam outros têm necesmente de odiá-los para se justificar como cristãos e seres Anos,

* Oy senhores de escravos tentaram modificar esse critério

mar” aqueles que faziam sofrer. Conseguiram não acreditar

fenlmente causavam

sofrimento, e declarar que a domi-

Não que impunham poupava aos escravos uma vida ainda mais

fa, Para tanto, tornava-se indispensável a doutrina de deveres

lÍprocos, implícita e às vezes. explícita tanto em sua susteno do regime como na defesa de suas próprias vidas. Tal fina continha, como não podia deixar de ser, as noções

Hgosamente ilusórias de “gratidão”, “lealdade” e “família”.

Entinha também um certo grau de intimidade que transformava

inlquer ato de insolência, insubordinação, ou qualquer ato de ilo-aflrmação não permitida, num ato de traição e deslealdade, fugia ao princípio da submissão e, portanto, atingia em lo as justificativas morais do senhor, consequentemente sua Wlo-ostima. Nada mais, exceto alguma antipatia pessoal, poderia

Explicar o fato de senhores habitualmente bondosos e até indul-

Mentes demonstrarem vez por outra uma feroz crueldade. ? Os pravos aceitavam a doutrina da reciprocidade, mas com uma

sfunda diferença. À noção de deveres recíprocos acrescenta-

gua própria doutrina de direitos recíprocos. À tendência serem transformados em agentes de uma vontade alheia con-

fiapunham a tendência a se afirmarem como seres humanos independentes. Desta forma contribuíram,

como

teriam necessaria-

124 -

térios de parentesco e intercâmbio social. Uma

mente de contribuir, para criar conflitos e gerar grande vio

lência. 4 O paternalismo dos senhores para com seus escravos fluenciou, e por sua vez sofreu também suas influências relações dos senhores rurais com os brancos da classe média € das classes menos favorecidas. Os brancos que não possuí escravos eram fazendeiros e criadores de gado do interior. viviam em regiões muito distantes das áreas de plantatio mantinham pouquíssimo contato com os grandes senhores e fo maram seu mundo próprio, criando para o regime escravista um série de problemas que ultrapassa o âmbito do presente estud Esses brancos, que viviam nos interstícios das áreas de pla;

- tatfions e outra,

vieram

depois

a constituir

vários

inidade, branca e negra.

Assim, o espírito paternalista logo ultrapassava as relações tre negros e brancos e incluía as relações entre brancos pobres

ticos. Portanto, aumentava ainda mais o paternalismo

estrato;

exploração

econômica.

No

máximo,

os

senhores

los, Este paternalismo tão abrangente, ou melhor, este elemento

126

ido paternalista presente nas relações de classes de um siste-

social tão complexo, deu origem a tendências antagônicas

tante fortes. Os brancos mais obscuros podiam participar do rocesso político, considerar-se iguais aos ricos e baixar a cabeça te os poderosos. Nas relações sociais entre brancos pobres e sos, além da deferência, estavam envolvidos muitos outros componentes de inegável peso num contexto contraditório e potenblalmente explosivo.*º Para o que nos propomos neste livro, gontudo, basta assinalar a existência desses componentes, O fato de eles terem fortalecido o paternalismo nas plantations e esti-

fnuládo senhores e também escravos a verem no paternalismo

“Jima forma normal é adequada das relações de classe. *”

Segundo um ditado alemão, aquele que vai mandar precisa que primeiro aprender a obedecer. Hannah Arendt nos faz ver

tal ditado se fundamenta na verdade psicológica de que o desejo

e le poder e o desejo de submissão nascem e morrem juntos;

que quando se manifesta uma forte tendência a desobedecer, poralmente surge também uma relutância igualmente forte a

mi

travam alguma generosidade em seus negócios com os brar cos das vizinhanças. A escravidão, enquanto sistema, não deix de oprimir os que não possuíam escravos, mas o fez de mo disfarçado e impessoal, e estabeleceu laços pessoais entre cla diferentes. Para analisar mais profundamente esses laços se preciso ir muito além do aspecto econômico e levar em con

das

elações entre senhor e escravo. Os escravos viam brancos orguma é livres se submeterem aos grandes e poderosos proprietá-

da sociedade: pequenos proprietários rurais abastados: sitian tes respeitáveis que não produziam o suficiente para a pró pria subsistência e aumentavam suas rendas trabalhando com diaristas; operários qualificados e semiqualificados; e a “escé ria branca”, dissoluta e déclassée. O relacionamento dos sen res com estes diferentes estratos da sociedade variou forme a época e o lugar, e requer uma análise em separad mas é possível arriscar algumas generalizações mais importan Cada um desses estratos sociais tinha algum interesse na es vidão, por mais que o regime escravista, como sistema soci os pudesse oprimir. Os pequenos proprietários que cultivavan algodão contavam muitas vezes com os grandes fazendeiros na atividades de descaroçamento e comercialização. Os que pla tavam milho e criavam porcos vendiam principalmente para plantations e para as cidadezinhas que os senhores rurais don navam. Os diaristas e operários também trabalhavam para senhores, e os brancos pobres dependiam até certo pon da caridade deles e contavam com sua proteção para exer serviços ocasionais, como o de caçar escravos fugidos. Em sum criaram-se entre as classes altas e baixas relações onde n havia

só família,

nessa sociedade semitradicional incluía até primos de quarto quinto graus, podia ter entre seus membros pessoas pertenEntes nos estratos sociais mais ricos e aos mais pobres de deternada região. E qualquer senhor com pretensões sociais razoavelmente dotado de espírito de boa vizinhança organide tempos em tempos um grande churrasco para toda a

dominar e mandar. *2 Esta verdade, porém, assenta-se numa con-

tradição, pois os que são educados para mandar não reconhecem

facilmente a mesma superioridade nas pessoas que exigem sua gubmissão. Na prática, portanto, os homens educados para mandar aprenderão a submeter-se, mas nem sempre, € jamais com

-

facilidade. Os senhores de escravos pagaram caro por esta tensão

127

sempre presente em seu seio, que veio a se revelar muito ont rosa quando foi preciso travar uma guerra desesperada pe sobrevivência; nessa guerra, demonstraram decerto muita co gem e aguerrimento, mas uma noção muito limitada de dis Ç plina cívica. A costumeira submissão dos escravos, que os senh , res preferiam ver como docilidade e fraqueza de vontade, : poderia encontrar um modo mais irônico de se vingar, afin Os senhores de escravos possuíam os mesmos atri que os demais homens, e sua pátria era a mesma que a de conterrâneos do Norte; mas no tocante a certos aspectos € ciais, constituíam um grupo bastante especial de homens e lheres. Em meados do século XX, um talentoso escritor b assim falou do que significava ter crescido no delta do M: sípi: A gente de minha mãe nação

enquanto

(...) que

eu estava crescendo,

me inflamava a ima era do Extremo

Si

emocional, instável, carismática e dada a floreios nicos. Eram corajosos em situações tensas e surpreend mente duros por sob suas excentricidades arrebatadas, tinham firmado com Deus um acordo íntimo de co ção. Seu linguajar pesado também não era brincade é anotação feita em seu diário com data de 5 de agosto de 1 mas certamente escrita no início da guerra, William Henry combe, de Natchez, fez a seguinte comparação entre nortis sulistas: Nortistas: Pessoalmente cautelosos e tímidos; em grup audazes e corajosos. Pessoalmente frios e calmos; em



suasão; em grupo, à força. Pessoalmente insensíveis questões de honra; em grupo, muito sensíveis. Sulistas: Pessoalmente, valentes até a temeridade; em gru cautelosos e prudentes. Pessoalmente, irritáveis; em g contidos e dignos. Pessoalmente, recorrem à violência; grupo, à persuasão. Pessoalmente, sensíveis às questões honra; em grupo, nem tanto: estranhamente calmos, an quados e clementes. ** 128

cavalheiro de Charleston, que G. W. Featherstonhaugh mirava por “sua inteligência, seus sentimentos liberais e por tras qualidades”, afirmou que a escravidão depurava o caráfar do senhor, porque o tornava zeloso do que lhe pertencia, fensor da liberdade pública, uma pessoa de extrema dignido, ** Sir Charles Lyell, afamado cientista que não apoiava | escravidão nem podia ser acusado de insinceridade, visitando à plantation Hopeton, observou que a administração correta de ma plantation requeria uma perfeita conjugação de “firmeza, slência e generosidade”. “é Disse mais: “A relação dos escraa com seus donos é completamente diferente nos Estados Wrtistas. A hereditariedade é levada em conta, e geralmente Balsto apego mútuo; a situação se parece mais com a dos senhoà é servidores no feudalismo europeu do que com qualquer tra coisa existente hoje na América”. *” Hugh Davis, grande nhor do Alabama, homem muito culto, apreciava sobremodo Ensaio Sobre o Homem, de Pope, principalmente o trecho Eguinte: A ordem é a lei primeira nos Céus, e, sendo assim, Alguns são, e têm de ser, superiores aos demais; Mais ricos do que sábios; mas, inferir daí

Que são mais felizes, ofende qualquer bom senso. *

Os senhores de escravos costumavam falar de si mesm com mais sutileza, porém o que diziam não era diferente. Ni

po, irritáveis. Pessoalmente, recorrem ao direito e à

Im

Estas e outras observações parecidas não podem ser consisradas meros auto-elogios desprovidos de qualquer valor, pois poucos críticos inteligentes do regime as contestaram em essên“bla, por mais que alterassem os julgamentos de valor. O dr. Francis Lieber, profundo conhecedor do Sul, escreveu, em segufániça no Norte, que a escravidão, “ao mesmo tempo que degra“Ha pores humanos, pessoas, transformando-as em coisas, gera no prietário o orgulho imprudente e cruel que faz até os anjos * Balrem”.*”

O

filho

de

um

aristocrático

proprietário

da

Caro-

* Hina do Sul, criticando em 1895 a segregação racial, recordou-se * Wom tristeza: Nos corações dos membros dessa classe cresceu um orgulho Indomável, o orgulho da dominação incontestada, do controle irrestrito sobre outrem, do poder indiscutível, da conduta não passível de crítica. Cada homem se tornou 129

não se orgulhava do filho, por este ter arriscado heroicamente Vida e mostrado firmeza e autocontrole quando outros se amepntaram. E apreendeu plenamente a resposta lacônica: “Fico lg, madame, meu filho não é egoísta”. Refletiu Fanny Kemble:

senhor em seu próprio domínio. Ele encarnava a lei p seus escravos; e seus atos se regiam por seu próprio int

resse e por suas intenções, boas ou más: as leis do Est não o atingiam classe

facilmente, e as opiniões

coincidiam

evidentemente

com

de sua pró Daí

a sua.

nas ce

Pois

uma absoluta indiferença à opinião dos outros, uma diss ciação completa dos objetivos, necessidades e metas d demais classes da população. *º

peremptoriamente

sl

um

i e | mi pre E

orente

tes,

dissolutos

e malvados,

como

os

cavaleiros

medievais

quais tanto gostam de se comparar...” As mulheres sulistas continua ela, defendiam ferrenhamente a escravidão, e viam- n como um sistema benevolente. “Não me espanta que as mulhe res encarem a questão por esta perspectiva; elas quase nunc; são

justas

e costumam

ser

tratadas

pelos

homens

com

m

indulgência que justiça.” A sra. Kemble perguntou a um senho 130

mesmos

e escrevi

acerca

em

outros

homens,

que

vivem

no

cons-

e para

os

outros

em

momentos

de

extremo

de

da dos industriais de Manchester ou dos comerciantes

Massachusetts;

eles são um remanescente da barbárie e do

lnlismo, que se mantêm, com grande dificuldade e risco,

flo a lado com o recente e poderoso desenvolvimento da civilifo comercial”. Eram, no entanto, e ela o admitia, homens bndos, na acepção inglesa, e de boas maneiras. Mas “são | temperamento impulsivo e arrebatado, e têm em suas maneié ma graça e um espírito que dificilmente se encontrariam

im homem do Norte”. Continua a sra. Kemble:

senhor.

estava em posição excelente para estudar a personalidade homens que constituíam essa classe. Principia ela: “A se acr tar no que dizem essas damas sobre o caráter dos senh nesta região do Sul, eles devem ser preguiçosos, arrogê

falei

* Agra. Kemble, nome que adotou após divorciar-se de Pierce llor, via nos senhores de escravos “uma raça de homens muito

al

das mais duras é a de Fanny Kemble. Mulher de brio, inteligent de língua e pena igualmente afiadas, embora nem sempre jus

com

lhe

h seu cargo.

Dentre as denúncias feitas na época da escravidão, un fora casada

vezes

risco, como o vivido por esses homens; e por sua autodisciplina salvam-se a si mesmos e a todos os que estão

O efeito psicológico da escravidão sobre eles foi fatal simples fato de um homem poder ser, legalmente, o se das mentes e dos corpos de seres humanos não podia deix

ou criteriosa, a sra. Kemble

várias

tante temor do perigo e na necessidade de enfrentá-lo com presteza, acabam desenvolvendo qualidades preciosas para

contesta:

desmedido e terrível, que precisava de ampla e cons deferência. Alguns senhores eram na verdade fracos e pazes, e por isso mais propensos à raiva, ao ciúme ressentimento; já a minoria, ou seja, aqueles física e talmente superiores, não via limites para seu poder e tígio pessoais.

E...,

do efeito desastroso da escravidão sobre o caráter dos brancos nela envolvidos; (...) mas o diabo tem de levar o que lhe é devido, e homens que adquiriram o hábito de mandar

E o maior dos estudiosos negros, W. E. B. Du Bois, escreve anos mais tarde um texto mordaz sobre os grandes proprietário que é na verdade o julgamento de características que nin

de ter efeitos desastrosos (...) Sua “honra” se tornou

bem,

ao

A aristocracia da Carolina do Sul gosta de dar a si mesma 0 título de fidalgos do Sul, e talvez até imite, nas relações com seus dependentes, a nobreza da França antes que o furacão purificador da Revolução tenha lançado os acertos do suserano e os erros do servo no mesmo abismo de san-

gue.

Os

senhores

do

interior

dos

Estados

do

Sul

e.

do Sudoeste, com seus feudos de fúria e seus combates sanguinários, com seus punhais e pistolas, sua sexualidade grosseira, sua brutal ignorância e sua crueldade despótica, lembram a nobreza da França antes que os horrores da

3

Jacquerie a fizessem ver que escravos existe um limite.

até para

a tolerância

im, é foi. Willie Lee Rose, muito acertadamente, descreveu este ento histórico como “traumático” para os senhores de

di A

pavos Ela conclui com uma referência “à irritabilidade insuport à indolência efeminada, à extravagância imprudente e à mistt de prodigalidade e crueldade, decorrências diretas do poder i trito sobre seus dependentes”.*? Os auto-retratos lisonjeiros dos senhores de escravos denúncias mais extremadas de seus críticos muito têm em: mum,

apesar das diferenças de ênfase, de peso e principalmej

de critérios de valor. Os homens descritos nos auto-retrat os descritos nas denúncias podem ser identificados sem gran dificuldade. Eram duros, orgulhosos e arrogantes; tinham 1 espírito liberal em relação a tudo que não atingisse sua ho eram gentis e corteses; generosos e bondosos e rapidamente giam a fúria e uma crueldade extraordinária; preocupava com o dever e lhes era indiferente o que não estivesse di mente ligado a seus interesses. Foram moldados por seus e vos, na mesma medida em que estes foram por eles. Não homens que se pudesse deixar de levar a sério, nem convi inimizar-se com eles por motivos fúteis. Chafurdavam nos ví a que seus escravos os tinham impelido, os quais viria destruí-los enquanto classe, como vingança do silêncio rico. Os chineses têm um provérbio: “Um herói pode arri tudo o que possui, mas jamais se submete a sua concubin a seu cavalo”. Os senhores de escravos foram heróis.

A

hora da verdade

A idéia que os senhores de escravos faziam de si mesm e de seu mundo ficou bastante abalada durante a guerra € período imediatamente" posterior, quando “sua família neg se revelou sob uma nova luz. Não se sabe até que ponto negros realmente mudaram, principalmente porque cerca de 8 permaneceram nas plantations, sem desertar, durante a guei Tal comportamento leva a crer que a mudança não foi t

grande quanto parecia e representou para os senhores uma teri vel hora da verdade. Seria possível que jamais tivessem de fa conhecido “sua gente”? Que estivessem tão enganados? 132

ARE

Os senhores tinham esperado de seus escravos mais que diência; esperavam fidelidade, obediência sentida sob a forde dever, respeito e amor. Era o que tinham de fazer, pois, E contrário, precisariam reconhecer-se exploradores brutais. A lstôncia em afirmar que os escravos faziam parte da família em reiterar a certeza da fidelidade deles constituía o cerne 4 visão do mundo dos senhores e, apesar do que diziam os holicionistas, era quase totalmente sincera, Assim, a decepção 4 senhores foi ainda maior que a dos principais ideólogos listas, autores das polêmicas pró-escravistas do período jediatamente anterior à guerra. Em 1837, o chanceler Harper

*

ioreveu acerca de escravos dóceis e fiéis que contribuíam gran-

Wmente para o poderio militar sulista. J. H. Hammond, que idla ser extravagante e inflamado, mas nada tinha de estúpido, Murescentou que os escravos “adorariam” ajudar a desarmar e Broravizar qualquer exército negro invasor.“ Em 1850, um lnvem aristocrata da Carolina do Sul, magoado, disse a Fredrika temer: “O mundo está contra nós, e seremos vencidos e conenados injustamente, pelo que somos e pelo que estamos fazendo em favor dos que nos servem”. E em 1864, já derrotado, um fdvogado de Memphis lamentou-se: “Acho também que inúmeFou negros não vão querer a liberdade e que, de alguma forma, voltarão a se estabelecer muitas das antigas relações”.*º Sentimentos assim explicam a índole dos brancos que atiravam sem * pledade nos negros desertores, sem mesmo ter certeza de que pão recuperariam os escravos de sua propriedade. ** Para os senhores, o trauma da guerra e do período imediainmente posterior deveu-se menos à súbita descoberta das ver- dudeiras disposições dos escravos que ao inevitável confronto ponsigo mesmos. A experiência se revelou ainda mais amarga porque o estreito relacionamento entre escravos € senhores, tão decantado por estes, voltou-se claramente contra eles. Qualquer alteração da idéia que faziam dos escravos significava inevitavelmente uma alteração da idéia que faziam de si mesmos. Os

ex-escravos entenderam melhor esse relacionamento e as verda-

delras causas da reação dos senhores. Falaram de amos e senhopas que morreram de dor, tanto pela perda do que possuíam 133

como pela consciência de terem sido traídos. Alguns negros entristeceram com o que viram, outros regozijaram-se; mas cos demonstraram surpresa. Um negro idoso, que fora ci particular, contou uma história que também pode ter aconte com muitos outros. Ele sabia ler, mas ocultara este fato de senhor. Depois da guerra, assinou o próprio nome e viu ex-senhor “desmaiar” e depois mandá-lo sair. Ele se lem de que o branco dissera: “Você esteve quatro anos na comigo e eu não o conhecia. Agora não confio mais em vo O maior choque para os senhores rurais foi a defecç escravos nos quais tinham maior confiança e que mais a vam, como os feitores e sobretudo os escravos domésticos chegados. O fato de muitos deles terem permanecido fiéis “bastou para compensar o choque diante da conduta dos

tomaram outra atitude. Os senhores podiam aceitar a de dos escravos do eito, que lhes pesava no bolso mas não abal necessariamente sua auto-estima. O êxodo dos campos era « preensível, uma vez que se tratava de negros sem experi pessoas simples, fáceis de enganar pelos ianques. Mas tal r; cínio não explicava o comportamento dos escravos domést nem o dos feitores. Para os senhores, a deserção destes esci representava o máximo da ingratidão, da infidelidade, da lealdade, da traição.

Por todo o Sul ressoaram brados de angústia. Come: pela Virgínia: “Estou começando a perder a confiança na toda”, disse Catherine Barbara Broun após a deserção dos

vos domésticos, pelos quais, exatamente, os senhores esperay ser protegidos dos ianques, Judith Brockenbrough MeGuida ' mou os escravos de “criados que fogem de casa”. John Phillips escreveu a B. O. Tayloe dizendo que falara aos es

Na Carolina do Norte, Catherine Deveraux Edmondston esol acerca de um escravo doméstico pertencente a seu vizinho, E puxou de uma faca para defender sua senhora das tropas ianBh, referiu-se também

a “tia Susan”, que queria ver o general

À duramente punido por ter capitulado. Por outro lado, conta flória de Fanny,

cujo

comportamento

foi o mesmo

de um

número de outros escravos do Sul: “Enquanto estive doente, guldada por minha criada Fanny com todo o desvelo e + Mais de uma vez ela chegou a chorar por minha causa 1) Mesmo assim, quando eu ainda mal podia andar sem fla, cla me deixou, sem qualquer pretexto ou motivo; deixouÀ noite, sem

dar o menor

aviso”.*º

Um dos exemplos de maior dor vem da Carolina do Sul. depois da guerra, em tempos mais calmos e melhores (para À, Duncan Clinch Heyward, cujo pai fora um dos maiores lhoros de arroz e um dos principais senhores de escravos da o, escreveu o seguinte: Tardinha do início de janeiro, 1867 (...) meu pai chegou t Combalee (...) O que mais pareceu espantá-lo e entristecê-lo foi a mudança da atitude dos negros para com ele; tinham-se despedido afetuosamente, apenas um ano antes, ho partir para sua plantation

no Wateree.

Numa carta a minha mãe (...) ele comenta o desmagolo em que tudo se encontra, e diz: “Mas quanto ao aspecto

humano,

que

enorme

mudança!

Meu

pai

morreria

A miss e o massa nunca foram maus para nós até que V a rendição e nós fomos libertados. Só passamos por mg pedaços depois de libertados. Eles ficaram muito

te visse aquilo, e eu fiquei mais preocupado do que julguei que ficaria, ou melhor, a situação dos negros do lugar era plor do que eu esperava. Ficou patente que eles não gostatam de eu ter vindo aqui; tinham esperanças de que eu não vlesse também este ano, e de poder ficar à vontade. Recebetam-me com grande frieza; na verdade, levaram algum tempo para sair de casa e vir falar comigo (...) Estavam perEN feltamente à vontade, e fiquei surpreso com seus modos Henufort recém-adquiridos. Estão sempre em Beaufort, mais

conosco porque éramos livres, e nos mandaram

tempo até do que seria conveniente para eles”. *?

“como um pai”, mas eles tinham rido, Um

branco disse a

Chase: “Eu não me importaria se eles ao menos avisassem estavam indo embora”. Frank Fikes, que fora um escravo tratado, deixou-nos a seguinte versão:

134

hem nem uma migalha de comida, sem um tostão e só com roupa do corpo (...) Foi muito difícil, e para mim está sendo difícil até agora.

em

135

“Hoje”, 1865,

“eu

escreveu

a brilhante

estava contando

Mary

à sra, Johnston

Boykin acerca

Chestnut da prin

vez em que ouvi a palavra “preto” [nigger] pronunciada por pé soas comme il faut. Hoje todo mundo a diz, mas não co me acostumar.” Mas isto foi em 1865. Em 1861 ela escre com vivacidade acerca da lealdade dos escravos diante da im são ianque: “Se a escravidão é tão desagradável quanto se sa, por que todos os escravos não passam para o outro lado, seriam recebidos de braços abertos?” Ela demonstra espan acrescenta: “Sempre observo cuidadosamente essas cria Para mim, suas atitudes são imperscrutáveis, e ultrapas qualquer entendimento”. Dois anos mais tarde, a sra. Ches começou a sentir “um cheiro” de vontade de ser livre em mordomo muito inteligente, circunspecto e digno, a q ela ensinara a ler e de quem era amiga. “É o primeiro no qual percebi uma mudança. Eles andam por aí com. máscaras negras, sem demonstrar nenhuma agitação e nenhy emoção; no entanto, quando se trata de qualquer outro as que não a guerra, são a raça mais excitável que existe. 1864, na cidade de Richmond, ela solidarizou-se com o dente Davis e a esposa, cujos escravos tinham partido. Com endeu que os Davis haviam amado seus escravos e co neles, à maneira sobranceira do Sul, e sofrido um grande ab Naquele momento, pouco importavam as aparências. A. Chestnut sabia muito bem o quanto sua classe estava dec nada e o quanto se decepcionara consigo mesma. * Pode-se objetar que a sra. Chestnut não serve como plo. Era uma mulher de inteligência superior, extrema: sensível a todos e a tudo que a cercava. Mas suas afirm são corroboradas por outras pessoas, em todo o Sul. Eis escreveu em maio de 1862 Louis Manigault, grande senhor triarcal das terras baixas da Carolina do Sul e da Geórgia Estava conosco no rio Savannah meu escravo preferi que me levara a Savannah e me trouxera de lá desde | me

lembro

da plantation

Gowrie

(1839);

era tratado

bondade por meu pai e pela família, fora comprad Gowrie (1833) e era meu companheiro inseparável, de eu me casar, quando me sentia solitário na plant um negro estimadíssimo por todos. Por estranho que pi 136

ça, este homem, Hector, foi o primeiro a se mostrar descontente, e teria corrido a juntar-se a seus irmãos do Norte, caso percebesse a mínima possibilidade de uma fuga bemsucedida. Foi o primeiro negro que levei da plantation para Charleston, e hoje (maio de 1862) está bem vigiado. Este é apenas um dos muitos casos em que os africanos se revelnram ingratos. ton de um mês depois, a 12 de junho, Manigault levou mais go sua argumentação

e seu protesto:

Esta guerra nos mostrou

que é absolutamente

impossível

confiar nos negros. Vezes sem conta, os que mais estimávamos foram os primeiros a nos abandonar. Os escravos

domésticos, que estavam sempre em contato com a família & por isso se tornaram mais íntimos, foram muitas vezes Os primeiros a ter as mentes corrompidas por maus pensamentos. Quanto a mim, nunca estive tão convencido de que o único serviço adequado a um negro é o de trabalhar A terra, trabalhar nos campos de uma plantation onde haja disciplina. Agora está provado que os senhores mais indulgentes com seus negros, no tempo da paz, foram, desde que a guerra começou, os que mais tiveram dificuldade para lidar com os escravos de sua propriedade. ando a guerra terminou, Manigault começou a entender a nsa e surpreendente complexidade do paradoxo do “mau to” e da “família negra leal”. Em 1867, ele escreveu: “Os Megros são de tal forma cavilosos, que eu, com toda a experiênBla que tenho, jamais consegui entender-lhes o caráter (...) Antigamente, muitas de suas atitudes eram determinadas pelo lo, e nós, senhores, nunca podíamos saber onde estava a dade”, Manigault compara, surpreso, as atitudes tomadas pós a guerra por Jack Savage, um “mau preto” do lugar, Bum as de outros negros de quem ele gostava. Em 22 de março 1867,

recordou

a

época

anterior

a

à

guerra,

quando

Jack

k vago ecra “o maior vilão da plantation, tido por todos como dadu-caráter e o pior negro do lugar”. Diz que Savage, compraem 1839, era “extremamente preguiçoso, apesar de ser muito aperto c o melhor carpinteiro da plantation”. Jack Savage fora, 137

“dos negros que tive, o único que julguei capaz “de me assa nar ou de pôr fogo na casa durante a noite”. Fabricava ma e comportas de diques “à perfeição”, mas mesmo assim | vendido em 1863 por causar problemas. Manigault retornot plantation em 1867. Savage também voltara e estava lá.pata ri bê-lo; “Quando nos encontramos, eu lhe estendi a mão e f.

com amabilidade. Costumava dar-lhe muitos presentes, como cinho, tabaco e arroz”. Para sua surpresa, a acolhida de S

neceram de cara amarrada e nem sequer o cumprimentaran deixou-o Perplexo,

Só percebia

que

tudo estayi

pernas para o ar.*? Tia Charlotte Foster, que fora escrava nas proxim de Spartanburg, na Carolina do Sul, também ficou ator embora de modo diverso, com a experiência que teve.

À

a guerra, a mãe levou-a para morar com o pai em outra tation. O senhor quisera ajudá-las, mas seus filhos se ne, e preferiram vê-las se arriscar a morrer de fome. Talve: não tenha entendido esta atitude, mas provavelmente tento Na Geórgia, depois da guerra, uma ex-escrava de M H. Gay pediu-lhe que tomasse conta de seus filhos. Ia tra numa lavanderia e esperava que a Ole Missus cuidas “negrinhos”, como fazia antes. Mas não. A sra. Gay jamais Vi ria a assumir tal responsabilidade para com pessoas “qu mostraram tão ingratas com quem fizera tanto por elas Em 1865, o diário de Ella Gertrude Clanton Thomas já j sagia a possibilidade de acontecerem coisas assim: ::

Susan, babá de Kate, criada de toda confiança, sua

co

Iheira, seu braço direito e a escrava mais estimada da €; foi embora. Devo favores demais a Susan para zangai

com ela. Durante meus seis períodos de resguardo,

S

me acompanhou e foi a melhor das criadas, assistind com toda a eficiência. Foi sempre inestimável para a Mã em casos de doença não havia ninguém como Susan

marido Anthony foi dos primeiros a deixar a pla Cumming e incitou outros a fazer o: mesmo. Crei ele influenciou Susan, embora sempre tenha ouvido o zer que, se um dia os negros se revoltassem, Susa 138

Em 16 de janeiro de 1865, Eliza Frances Andrews registrou seu diário que os negros mais bem-comportados e dóceis iam ando cada vez mais indisciplinados à medida que as tropas fiques se aproximavam. No dia 27 de maio, ela elogia a

Idade de seus próprios criados, que chama de seus “tesouros”:

- foi calorosa, ao passo que as mulheres, que também rece presentes e sempre se alvoroçavam quando ele aparecia, paradoxo

sua opinião, atuaria como cabeça. Foi a primeira a deixar a Mãe, e partiu sem uma palavra de aviso. *

fenti por eles um verdadeiro amor, pelo modo como nos apoia", Um mês mais tarde, ela narra as aventuras de um dos juravos de seus vizinhos, um negro muito paparicado, leal, doso e já bem velho. Certo dia, sem os senhores terem dado flquer motivo, ele começou a difamar sua família branca, sempre o abrigara e tratara bem, e além disso, o que é lor de tudo, teve a audácia de se proclamar dono da plantation. Hos mais tarde, já mulher adulta e de grande sofisticação intetual, a srta. Andrews refletiu sobre o que escrevera nessas glnas de seu diário e lembrou-se de uma tia que nunca tivera Os € mimara muito um escravo “de estimação”. O menino órfão, e sua mãe fora a escrava preferida da tia. Tão logo

erra

acabou, ele desertou. “A velha senhora, de coração

bom, nunca se conformou com a ingratidão do menino.” llhtamente com esta história, a srta. Andrews recordou-se de tra, Arch, o copeiro preferido de seu pai, foi o primeiro negro deixar a plantation. No entanto, não fugiu. Pediu a permissão É Weu senhor, que não poderia recusar, e agiu com todo o

pelto possível. Mas chegara a hora. Durante muitos anos ele visitar a família branca, para a qual sua irmã continuava

Eabalhando. *é A ambivalência existente na casa-grande muitas vezes levou polarização de seus componentes antagonísticos. Algumas iimílias brancas contaram sempre com a “lealdade” de seus Eavravos; outras enfrentaram sua “deserção”. E é preciso não juecer que

fumo

muitos

deserção.

ntos

dos

Um

brancos

senhor

escravos,

viram

a liberdade, em

da Geórgia

destruindo-os

ateou

por

si mesma,

fogo

aos aloja-

completo,

e

man-

todos os ex-escravos embora. Já não precisava mais deles, undo alegou, nem os escravos libertos precisavam dele.*” 1871,

um

branco

idoso,

histérico,

“ameaçou

seus

negros

às mais acerbas maldições, dizendo que o haviam abando139

A

nado ao ficarem livres, deixando-o morrer de fome na velhik embora soubessem muito bem o que pretendia fazer por

rios

[ou seja, cuidar deles] se pudesse”. *º - Também na Geórgia, a família do reverendo C. C. J sempre se preocupou, embora à sua maneira, com o be material e espiritual dos escravos. Durante os períodos

duros da guerra, tendo de enfrentar as maiores

so

privaçõe:

irmão”,

escreveu

o reverendo

Jones

ao

fi

soal.” Na mesma carta, narra um episódio não desprovid ironia: Um barco se aproximava. “Quando os negros chega ao embarcadouro, alguém veio buscar Tony, o velho pa ca, para ele ir embora também. Disse Tony: “Onde es Massa? “Ele se foi!” “Onde está a senhora?” “Ela se foi!” * eu estou velho demais para fugir. Vou ficar e me entregar mãos de Deus”.” Meses depois, o reverendo Jones voltou a escrever a Chi les Jr.: Realizou-se uma em

medidas

140

fora

prefeito

de

Savannah

e

em

todos

os

desertores

brancos,

e só

nos

piores

ne-

tudo isso

Pinças aos criados”, Tentando posicionar-se por entre a conlho c a mistura de emoções da família, o reverendo John nes escreveu à irmã: Estou

mesmo

muito

cansado

de minhas

lides

diárias;

são

inúmeras. Vestir, calçar e alimentar direito nossos negros, assim como pagar nossos impostos, exige mais do que conseguimos obter com os cultivos, sobretudo quando há dívidas a pagar. A meu ver, as pessoas que enfrentam mais dificuldades em nossa Confederação são os donos de escravos que não têm como sustentá-los. Penso às vezes que a

no sen

de tentar acabar com as fugas de escravos nossos pat mn e lado do inimigo (...) Joefinny foi um deles! É a inform Ê ção que tenho. Não é possível resistir à tentação de dutos baratos, liberdade e trabalho pago. Ninguém po esperar o contrário. A única possibilidade é afastar a tação, ou fechar, com o policiamento mais rígido, tod os pontos de entrada e saída; e isto é muito difícil (. São traidores capazes de introduzir um inimigo em n quarto de dormir! Conhecem todas as estradas, todos pântanos e riachos da região, e são espiões da pior espécie



Hullard ainda terminava suas cartas à mãe com o habitual “Lem-

reunião pública dos cidadãos, no di

Hinesville, para se tomar algumas

que

de ser levado em consideração, e certamente atua em favor escravo”. O benevolente pai permaneceu fiel a si mesmo, pnfirmou: “São traidores da pior espécie, e espiões capazes Introduzir um inimigo em nosso quarto de dormir. Com os Iê so apanhados saindo não sabemos o que fazer. Os que são fihados voltando devem sem dúvida ser sumariamente trataà Como espiões”. Mesmo em meio a tantas agruras a família tentou manter postura de sempre. Na primavera de 1865, a sra. Mary S.

cuidar dos detalhes materiais capazes de tornar-lhes a vida “Seu

Jr.,

dar, a falta de vínculos políticos de compromisso;

ter notícias dos escravos doentes, expressar suas condolênc

- Charles Jr., em abril de 1862, “ficou para cuidar de noss

Jones

tenente do Exército Confederado, assim respondeu pai: “Lamentei profundamente saber que os negros passando para o lado do inimigo. A conduta de Joesurpreendeu”. Ele insistia em recomendar que se

4! “A ignorância, a credulidade, a docilidade, o desejo de

abalada por defecções entre seu próprio pessoal e o de vizinhos, esta família, profundamente religiosa, magnânir de grande senso de responsabilidade, lutou com denodo preservar seus sentimentos de amor e suas obrigações de tãos. Em meio ao desespero da guerra, à destruição e à Pp bilidade de invasão iminente, sempre encontrava tempo pé

confortável.

C.

| então pta do Wlinuam ly me

Providência,

através

desta

guerra

cruel,

está

intervindo

para que renunciemos à escravidão, fazendo-nos sentir seu peso e suas inquietações, “Em

fevereiro

de

1864,

a sta. Mary

Jones escreveu

à sra. Mary

Mallard, sua filha, no mesmo estilo de sempre: “Lembranças flo todos os criados, daqui e de Montevidéu. O velho Andrew & Suc ficaram tristíssimos por não a verem antes de você se ir. le disse que, como você sabe, continua sendo “um homem tesponsável da família” ”. No fim do ano, até os membros mais valentes da casa-grande tinham perdido o ânimo.

141

Várias anotações no diário da sra. Mary Jones, no m de janeiro de 1865, revelam um profundo desespero e a ser sa de traição e abandono: [6 de jan., 1865.] Todo o pessoal se mostra indolen plantations, a maioria procurando se divertir. Muitos pregados provaram ser fiéis, outros se revelaram fals rebeldes a qualquer autoridade e controle. Susan, um gra da Virgínia, babá de minha pequena Mary Ruth pa para Arcadia com Mac, seu marido, na primeira noite ai a chegada dos ianques, com os quais conversou sempr pôde e a quem informou que o bebê é filho do c Jones. Faltou à fidelidade tão logo pôde. Porter já há três semanas (...) Gilbert, Flora, Lucy, Tenah Rosetta, Fanny, Little Gilbert, Charles, Milton e tamb Elsie e Kate nos permaneceram fiéis. Milton tem sido. exemplo de fidelidade. Nem sequer fala com os ia (...) Seu irmão, Little Pulaski (...), partiu há u mana. [21 de jan., 1865.] Kate, a moça que estava cozin para nós, partiu hoje, influenciada, segundo cremos pai. Mandamos buscar Kate em Arcadia para cozinh Ela se recusa a vir. É Estão numa anarquia e numa rebeldia absolutas. Ca caram-se em completo antagonismo a seus donos e a tipo de direção e controle. [24 de jan., 1865.] Quase todos os escravos domés deixaram suas casas; e os das plantations saíram juntá quase todos. Em junho de 1865, a sra. Jones recebeu uma carta da n

a sra. Eva B. Jones, que se lamentava: “Adeline, Grace e Po partiram em busca de liberdade, sem dizer um adeus afetuo a nenhum

de nós”.

Um

mês

depois,

a nora

voltou

a escrey

contando da partida de alguns escravos e da gatunagem caé vez maior praticada por outros. Depois de várias cartas sob o estado deplorável em que os negros estavam vivendo, a: Mary

Jones escreveu

à nora:

“Senti muito

saber que os es

vos de sua mãe lhe causaram tantos problemas. Só pode lamentar tamanha ingratidão”. O reverendo John Jones escreve 142

gunhada, sra. Mary Jones: “Houve para nós grandes mudanças | de que você partiu. A avalancha sombria, desagregadora e nquictante da emancipação desabou sobre esta região isolada. ) Tem sido como um iceberg que faz definhar e morrer os lhores sentimentos entre senhores e escravos, e -desfaz em puco tempo os vínculos de anos”. Após receber outras notícias |) comportamento inqualificável de escravos de confiança, a sra, Mary Jones se declarou “profundamente desgostosa com toda E raça”.

Por volta de novembro

referindo com

de

1865,

apesar

de continuar

afeto a alguns dos antigos escravos, ela ex-

j lodiu:

Toda a minha vida (quero dizer, desde que tenho minha

casa) trabalhei por eles e cuidei deles, e desde que a guerra

começou lutei o quanto pude para atender a suas necessidades, e gastei tudo o que tinha para sustentá-los, de uma forma ou de outra; e é isto o que recebo em troca. Você não faz idéia de como estão as coisas. Soube que o dr. Harris e o sr. Varnedoe vão arrendar suas terras aos negros! O comportamento de alguns cidadãos tem sido

muito nefasto aos interesses da comunidade.

Falei agora com Charles e perguntei-lhe se queria mandar algum recado: ele manda lembranças afetuosas a Lucy e Tenah, pede que vocês não o esqueçam € tentará ir vê-los dentro de algum tempo. É este, em essência, O recado dele. Não é possível inferir as intenções dos negros, e nem adianta perguntar-lhes. Vejo um futuro sombrio para toda a raça.

Um mês depois, tendo tido seu algodão roubado, a sra. Maty Jones sente “o coração oprimido e magoado por todas as vila-

hlas e falsidades dos negros. Anseio por ficar livre desta raça”. A 18 de maio de 1866, contudo, ela escreveu a sua netinha: "Sem dúvida seu papai lhe contou que sua babá Peggy morreu.

fila cuidou de você durante seu primeiro ano de vida, e a

fimava com ternura. Queria ir para Nova Iorque trabalhar para você, mas foi da vontade de Nosso Pai do Céu que nem sequer vivesse para cuidar do próprio filho. Espero que a pobre Peggy

fosse cristã e tenha ido para o céu”.

A luta dos membros da família Jones para se manter fléis a seu passado, ante fatos que encaravam como provações 143

tão graves, fica patente em duas cartas, com as quais podem encerrar nosso relato a seu respeito. Em maio de 1866, Cha C. Jones escreveu de Nova Iorque para a mãe: Lamento muito saber que você passou por tão “duras

pi

vações” em Montevidéu e uno meu coração ao seu, na €

-

rança de que tudo que já tenha sido superado. A mud da condição dos negros foi tão acentuada e violent não podemos deixar de imaginar se eles conseguirão tar-se logo a ela, de modo racional e inteligente. Eles pre foram crianças, intelectualmente; imprevidentes, pazes de cumprir as obrigações de um contrato, ignora de qualquer lei que não a de seus senhores, indife ao futuro e desprovidos da mínima compreensão dos res da vida e do trabalho que agora se impõem a eles. tempo lhes pode dar a devida compreensão; e o tem lei, tanto quanto a bondade e a instrução, devem juntos para fazê-los entender e desempenhar os novos res e responsabilidades que agora têm.

A mãe, porém, permanecera na plantation e não tinha condig de ser tão filosófica. No dia 28 de maio, respondeu ao f dando notícia de uma greve por causa dos termos de con estabelecidos pelas tropas federais: Disse a meu pessoal que ao duvidar de minha pala eles me tinham feito o maior insulto que recebi na que eu os considerava amigos e os tratava como tal, d. lhes litros de coalhada todos os dias e melado um por semana, arroz e jantares extras, mas que agora trabalhavam sob contrato, éramos regidos apenas pel e eu exigia que cada um cumprisse sua tarefa diári

plantation. Isto fora o estabelecido, e eu não lamentayi situação em que estávamos, uns com os outros. Eles | haviam eximido do empenho e do esforço constantes procurar seu bem-estar (...) Gilbert nunca deixou de: fiel, e Kate e Lucy são um grande consolo para mim. Estas

cartas,

e muitas

outras

semelhantes,

dizem

tudo

a “ingratidão” dos negros. Mas precisamos tentar compreen que eles, por sua condição, estavam expostos às tentações e

144

; Contudo, como puderam fazer isto conosco? Que dizer E Cato, um dos escravos prediletos, que sabia tão bem conquisboas graças? Por que foi exatamente ele quem incitou os ravos à agitação, bem antes dos que tinham mau caráter? São Elosos. Mas não podemos odiá-los, porque somos bons cristãos. na verdade eles ainda nos amam. Claro que amam... alguns. bm de nos amar, Estão confusos. Vão recuperar o bom senso. lgumas das antigas afeições permanecem. Como poderemos lver sem eles? Eles nos amam, à sua maneira irritante, infantil

erversa. Os malvados ingratos. Que estão pensando? Que E passam por suas cabeças indecifráveis? Deviam nos dizer. Nós entenderíamos. Sempre os entendemos. Por que não falam nosco? Falem. Digam alguma coisa. A desolação se abateu sobre todo o Sul, e não apenas nas lanícies costeiras

patriarcais.

Em

Brokenburn,

no nordeste

da

lslana, Kate Stone zangou-se com Webster, copeiro e cohelro da família, “o criado em quem mais confiávamos”, que diz que a plantation lhe pertence e é conhecido como o pior llão da região”. O velho e fiel pai Bob permaneceu obstinadamente fiel até o fim, mas até ele deixou a fazenda por vontade Própria. Seu procedimento ajudou, pelo menos, a suavizar O acto da partida de Webster e dos escravos do eito. Contudo, Peles são uma raça muito traiçoeira!” *º outras áreas da Luisiana, a deserção dos escravos preEm diletos, sobretudo os domésticos, provocou assomos de ira e gemidos de dor. Em várias plantations os escravos domésticos se antes mesmo dos do eito, ou todos se foram ao mesmo A lempo. Quando isto acontecia, o desespero dos senhores era finda maior: “Eles partiram”, lamentou-se Emily Caroline Dou-

fls,

“sem

sequer

se despedir”.

Catherine

S. Minor,

de

grandes senhores do Alabama e do Missisma família blpl, partidária da União, disse a seus escravos que os ianques ps matariam ou explorariam, e que eles precisavam da proteção de

* dela, Confessou a um amigo que tentara assustar os escravos para que ficassem com ela, e explicou: “Você sabe como é

difícil para

pessoas

que

criaram

negros, como

nós

criamos,

deixá-los ir embora”. Ela estava convencida de que, “se eles flonrem comigo até passar toda esta agitação, não irão partir, vendo que eu os trato bem”, Anos depois, durante o processo * ue moveu por danos sofridos, Catherine S. Minor declarou

145

aos delegados federais encarregados do caso: “Não tínhamo nada; vivíamos dentro de nossas possibilidades. Tecíamos m mesmos as roupas dos negros, nossa gente”. *2 Casos assim ocorriam em toda parte. Nos bons tempos « 1853, Elise Young escrevera a seu primo W. N. Mercer, grant senhor

do distrito de Adams,

Mississípi:

“Acho

que os ne

tiveram um bom Natal. Todos perguntaram por você, al com lágrimas nos olhos”. Dez anos depois, já perdida a gue Mercer recebeu uma carta na qual seu administrador diziadl sem rodeios que os escravos não tardariam a partir; tinha za de que só estavam esperando que esquentasse um po Muitos

escravos,

inclusive

alguns

domésticos,

realmente

se:

ram; outros ficaram, mas recebendo salários justos. *º Os q partiram aparentemente não o fizeram com fanfarronice ou a gura; apenas queriam seguir seu próprio caminho, A No Mississípi, o reverendo Samuel A. Agnew abordo assunto:

para ela, Três ex-escravos do Texas apresentaram suas versões, pujos termos são basicamente os mesmos de todos os demais. Anderson Edwards fora escravo numa pequena propriedade com três famílias negras. O senhor sempre os tratara com bondade, tomo se fossem membros de sua própria família, mas não pôde fceitar a emancipação. “Ele nunca teve intenção de libertar os pretos”, explodiu Edwards. Isaac Martin contou que o sofrimento de seu senhor foi tanto que o matou, embora seus escravos tenham permanecido leais e chorado quando ganharam a liberdade. E Anne Miller viu seu amo ficar alucinado por causa * da emancipação e partir da região vociferando que não viveria gum lugar onde os negros eram livres. Um ano depois, suici-

29 de out., 1862. Quando cheguei, surpreendeu-me a nc

dlou-se. *

viam passado para o lado dos ianques (...) Lamento pe crianças, que foram levadas pelos pais insensatos. Não. nho pena dos homens nem das mulheres, caso venh sofrer (...) Tenho motivos para crer que outros n nossos estejam em contato com o inimigo. Alguns só

que aquilo representava um grande trauma, e não raro sentiram pena, embora decididos a se firmar. Jane Simpson, do Kentucky, foi ríspida: “Nunca soube de brancos que tenham dado filguma coisa aos pretos (...) Ficaram transtornados porque tiveram de libertar os pretos; continuaram mesquinhos como

cia de que nossos negros, ou pelo menos parte deles, |

rem partir se puderem levar suas roupas e seus sap

Os

negros

percebiam

tudo muito

bem. Compreenderam

* Wempre tinham sido, e são ainda, na maioria”. Willis, da Geór-

Acho que todos, com uma ou outra exceção, seguirá ianques. Eliza e a família certamente partirão. Ela esconde suas intenções e mostra claramente o que pen

fla, que fora capataz de uma lavoura, contou que, por ele, flcaria com seu ex-senhor, mas a mulher fez questão de partir. Ele, evidentemente, optou por acompanhar a esposa. Mas foi

31 de out., 1862. Penso que alguns de nossos negros irão com os ianques, mas talvez nenhum permaneça Se ouvirem Big George dizer que não tem qualquer dade para mim, não acreditem. (...) Se mi se fo que arquem com as consegiiências. 1.º de nov., 1862. Os negros ainda “mantêm a cabell guida”. Eliza está deblaterando por que eu já não em sua sinceridade. Big George me confessou ter dito “q era inútil para mim”. De fato, não tenho muita confi em nenhum deles.

"Jamais pensei criar um negro que viesse a falar desse jeito”. Robert Falls, do Tennessee, contou como o amo anunciara aos pacravos que eles estavam livres:

sua conduta é insolente e afrontosa.

146

No Texas, durante a atribulada primavera de 1864, a sra. W, H. Neblett escreveu ao marido que “os negros malvados” a “irritavam” de todos os modos. “Os negros”, observa ela com futileza incomum, “ligam tanto para mim quanto ligariam para um preto velho liberto”. Ao que parece, ligavam bem menos

A

difícil para o senhor entender essa decisão. Ele chorou e disse:

“Sentem-se aqui, todos vocês, e escutem o que vou lhes dizer.

Detesto

ter de

fazer

isto, mas

é preciso.

Nenhum

de vocês é mais um negro meu. Vocês são livres. Tão livres quanto eu. Criei vocês todos para trabalharem para mim, e agora vocês vão me deixar. Estou velho, e não sei como

vou

me

arranjar

sem

vocês.

Não

sei o que vou

fazer.” 147

E foi assim mesmo. Menos de dez meses depois ele esta!

morto. **?

y

Um jornal sulista conservador, o Argus, de Memphis, miu parte da história em 1865: Os acontecimentos dos últimos cinco anos causaram ui revolução completa no sistema social de toda a região su

ta. A antiga ordem das coisas se desfez. A relação senhi

servo se rompeu. O espírito de uns e de outros foi invadi por dúvidas e incertezas (...) A passagem dos afri da condição de escravos para a de homens livres deix

numa situação em que é impossível não duvidar de &

recém-adquirido privilégio de liberdade. Eles estão zel

mente

atentos

a tudo

que

possa

parecer

uma

usurp

do que consideram seus direitos (...) Tememos que m dos antigos senhores de escravos, forçados pelas ci tâncias de uma séria revolução, que os obrigam a re ciar a seus direitos sobre as pessoas dos escravos c propriedade, façam-no com acerba relutância, que Pp assumir foros de ódio absoluto. * Mas nem todos os senhores reagiram com conste ção. Alguns surpreenderam, tomando atitudes completam inesperadas. Betty Simmons fora escrava, no Texas, de um nhor que “era muito duro conosco”. Mas quando veio a li dade, na época da colheita, “ele nos deu boa parte da safr

O amo de Mariah Snyder parece ter sido correto, mas muito indulgente. Quando os escravos se tornaram livre R

estava morrendo, em conseqiência de um acidente, e pediu. todas as crianças negras fossem vê-lo, apertou a mão de to Os escravos que trabalhavam nos campos e recomendou-lhes : se cuidassem.*” Por todo o Sul, inúmeros senhores, ou seus descendentes, ajudaram seus ex-escravos quando estes fic ram velhos e não tinham recursos. O fato é comprovado p depoimentos de negros e de brancos. 7º Para muitos, foi difícil ver morrer o antigo paternalis As famílias procuraram entender, adaptar-se, e também, co: diziam, perdoar. Durante a guerra, quando 74 de seus escra fo se foram, John Berkley Grimball clamou: “Foi um choque terr

148

5|, que provavelmente me deixou arruinado...” Para compen4 perda, teve de vender mais 48 escravos. Mas, mesmo napla hora de desespero e decepção, preferiu arcar com prelos financeiros para manter as famílias juntas e procurou der seus negros a pessoas que viessem a tratá-los bem.” anos seguintes, estes remanescentes de senso do dever tive. de passar por uma prova duríssima. Pouco a pouco, muitas Ha grandes famílias das terras baixas foram capitulando, pois pressões financeiras trouxeram problemas que nem o choque mudança conseguira alcançar. Para várias famílias, a vida já tidara por completo. Era preciso sobreviver. E para os espíritos Mala cínicos o amanhã era um outro dia.?2 Para várias outras famílias, porém, sobretudo para as que viam constituído a antiga classe dominante, a partida de tannegros fora o começo do fim, Não importava se 80% dos Pravos, ou mais, não tivessem partido. Um número maior o fla feito, se tivesse oportunidade ou coragem. Muitos outros, pudentemente, esperarama guerra acabar para então seguir ti caminho. Os negros não eram fiéis. De qualquer forma, a Tenldade de muitos jamais poderia ser uma compensação para à traição de tantos outros que tinham merecido confiança, Traio! Em suma, era isto. Os senhores de escravos tinham sido handonados numa hora difícil. Abandonados. Octave Mannoni

Bulava certo ao falar da existência de um complexo de depenÊncia

nas

sociedades

tradicionais

e patriarcais;

mas

não

per-

Bobeu que tal dependência existia nos dois sentidos. Fenecera

a antiga sensibilidade paternalista, em

suas ma-

hlfestações mais básicas e mais apreciáveis. Algumas vezes isto de deu rapidamente, aos brados de crimes sórdidos e sangrentos; putras vezes, foi definhando aos poucos, em valentes tentativas le esquecimento e perdão, ou em gemidos patéticos. Resquícios thegaram até o século XX, mas de modo geral, após a emantlpação, os John T. Morgans e Hoke Smiths renderam-se aos pucistas mais rígidos, e os Wade Hamptons, enfraquecidos e * dengastados, foram arrastados para o mesmo caminho pelas vi-

“vlssitudes das realidades políticas. *”* O espírito da época transparece no depoimento de um senhor rural da Luisiana, arquivado pelo Exército da União: “Quando eu tinha pretos, precisava pagar as contas dos médicos. Ágora já não me preocupo”.*! Transparece também nas lem-

sa

Tum

branças irônicas de John S. Wise, onde se percebe, contudo,

certa busca espiritual:

Notas

h

j



Não viviam os negros inteiramente satisfeitos e felize

falei tantas vezes com eles sobre isto? Não me

d

todos eles, várias vezes, que amavam o velho marstei que a qualquer outra pessoa, e não aceitariam a liberda se lhes fosse oferecida? Certamente que sim, muitas e mu vezes. Então, estava resolvido. 7º

Mais que em qualquer outro lugar, o espírito da época parece numa

carta escrita em

1865

ao New

York

Tribune.

Augustin L. Taveau, de Charleston, Carolina do Sul, a qu Manigault se referiu como “um cavalheiro conhecido de m família é senhor”. Para Manigault, a análise de Taveau es “correta”:

Sem entrar em considerações religiosas, eu sofri tanto to os demais com a derrocada da causa e da instit mas mesmo assim fico satisfeito, pois a conduta dos m

na recente crise me convenceu

de que estávamos.

laborando em erro, Senhores bons e senhores maus tivi

o mesmo destino, a maré da Revolução confundiu o É e o mal; e na turbulência caótica, todos sofreram

quinhão.

Nascido

e criado na instituição,

como

l, LeRoi Jones (Amiri Baraka). Blues people: negro music in

white America (New York, 1963), pp. 54, 39. 2, Desenvolvi estas idéias em O mundo dos senhores de escravos (New York, 1969, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979), Parte 1. Ver David Brion Davis, The problem of slavery in Western o culture (Ithaca, N. Y., 1966).

Ver, em especial, Philip D. Curtin, The atlantic slave Poa trade: a census (Madison, Wis., 1969).

outros, eu a considerava necessária não só a nosso estar, mas a nossa própria existência. Acreditava q escravos fossem pessoas felizes, satisfeitas e apegadas a senhores. Mas os fatos e a reflexão me levaram a mu - minhas opiniões; pois, se os escravos fossem necess

Apesar do que se afirma, o paternalismo só se manifesta na sociedade burguesa moderna como reflexo extemporâneo de outras eras. Os interessados em aprofundar este tema podem consultar o Apêndice, “O destino do pabarnalismo na sociedade burguesa moderna: o caso do Japão ;

tations dos Estados sulistas não passam de tristes c: turas da elegância e do bom gosto de que se reveste vivendas rurais de outros lugares? Se do ponto de vis lucro os escravos eram tão valiosos, por que. nov

cimos de nossos senhores estavam sempre endividados

à mercê de seus administradores? Se os escravos ef: felizes, alegres e apegados a seus senhores, porque os donaram quando estes precisavam deles e se bande para o inimigo que não conheciam, deixando seus a talvez até muito bons, que conheciam desde a infância? 150

o

“nosso bem-estar, então por que quatro quintos das |

Por todo o Sul havia sítios e pequenas plantations; eram mais comuns, porém, na região setentrional dos Estados escravistas, onde predominavam as lavouras de ta-

baco e cânhamo. Quanto aos impedimentos técnicos e econômicos ao estabelecimento de grandes plantations nessas regiões, ver Ulrich Bonnell Phillips, Life and labor in the old south (Boston, 1948), pp. 80, 126; James Hopkins, A history of the hemp industry in Kentucky 151

(Lexington, Ky., 1951), pp. 4, The physical setting of the LXVI (out., 1968), 367-77. 7. Para uma análise e avaliação Robert McColley, Slavery and bana,

8.

Ill.,

1964),

17; e Richard L. Trou mai Bluegrass planter”, KHS; desses pontos de vista, E Jeffersonian Virginia (U

p. 58.

E. S. Abdy, Journal of a residence and tour in the Unit States of North America (3 v., London, 1835), II,

Frederick Law Olmsted, A journey in the back countr

1853-1854 (New York, 1970 [1860]), pp. 64-5; James St ling, Letters from

the slave states (London, 1857), p. p 9. Fredrika Bremer, The homes of the new world: impres: ons of America (2 v., New York, 1853), II, 249, 527, 10. Meredith Flournoy Ingersoll (comp.), “Excerpts fro “History of the Flournoy Family” ”. Para o ponto de vis oposto, ver as observações do Governador John A. Wi ton, do Alabama, Alabama House of Representati Journal, 1857-1858, p. 28. Quanto à perspectiva dos quenos fazendeiros”, ver J. D. B. De Bow, (org.) dustrial resources of the Southern and Western St (3 v., New

11.

12.

13.

Orleans,

1852-1853),

II, 337.

Rawick (org.), Okla. Narr., VII (1), 131; também | 177; Texas Narr., IV (1), 264; Yetman (org.), Life u the “peculiar institution”, p. 322. Ver, por exemplo, Rawick (org.), Texas Narr., V (4 pet Fisk University, Unwritten history of slavery, 1 Rawick

(org.), Texas Narr., V (4), 6. Também

IV (2

6, 56, 105, 145, 159; Yetman (org.), Life under the “p

culiar institution”, pp. 111, 113, 160, 255; Josiah Her

son, Father Henson's story of his own life (New Yorl 1962 11849), p. 153; Samuel Spencer Jr., Booker 1 Washington and the negro's place in American life (B ton, 1955), p. 14. 14 - D. R. Hundley, SP, XII (ago., 1852), 243; D. R. H dley, Social relations in our Southern States (New Yo: 1860), Pp. 352-3. Também Fredrick Law Olmsted, journey in the seaboard slave states (New York, 185 p. 447; Joseph Holt Ingraham, The South-West (2

New York, 1968 [1835]), II, 26; Frances Anne Kemble,

152

Journal of residence on a Georgian plantation (New York,

1863), p. 28; Fisk University, Unwritten history of slavery,

p. 145; Philip Graham (org.), “Texas Memoirs of Amelia E. Barr”, SHOQ, LXIX (abr., 1966), 487. Para um estudo mais completo dessas condições, ver Lyle Wesley Dorsett, “Slaveholding in Jackson County, Missou11", MHSB,

XX

(out.,

1963), 25-37.

Kenneth M. Stampp, The peculiar institution: slavery in the ante-bellum South (New York, 1956), p. 331. Olmsted, Seaboard, p. 350. Back country, p. 158;

Sir

Charles Lyell, A second visit to the United States of North America (2 v., New York, 1849), I, 268; Ulrich Bonnell Phillips, “Plantations with slave labor and free”,

AHR, XXX (jul., 1925), 743. Olmsted, Back country, p. 239. ;, G.J. O. Ojo, Yoruba culture: (London, 1966), p. 159.

a geographical

analysis

; Para um comentário típico de um viajante observador, ver o que diz William Howard Russell sobre a região litorânea da Carolina do Sul e da Geórgia: My diary North and South (New York, 1965 [1862]), p. 71. Relatos como este foram em grande parte responsáveis por equívocos de historiadores. Yetman (org.), Life under the “peculiar institution”, pp. 98, 264; Elizabeth Ware Pearson (org.), Letters from Port Royal, 1862-1868 (New York, 1969 [1906]), p. 272. Também William Y. Thompson, Robert Toombs of Georgia (Baton Rouge, La., 1966), p. 88. 22. Charles W. Stetson, Washington and his neighbors (Richmond, Va., 1956), p. 106; Gerald W. Mullin, Flight and rebellion: slave resistance in Eighteenth-Century Virginia (New York, 1972), p. 22-32. 2. Para uma amostra de várias fontes, de diferentes partes do Sul, ver Harriet Martineau, Society in America (3 v., New York, 1966 [1837]), III, 330; C. Carson a W. S.

Walter, 4 de junho de 1849, em Small Collections: cumentos

da

Família

Carson;

Valentine

Diary,

Do-

8 de fe-

vereiro de 1850; H. E. Lawrence a Cornelius Lawrence, 9 de abril de 1852, nos Documentos da Família Brashear; John H, North à sra. E. B. Lyons, 4 de fevereiro de 153

E

1850, e J. W.

Woodruff

a J. P. Bowman,

a

15 de abri

de 1857, nos Documentos da Família Bowman; F. I Riley (org.), “Diary of a Mississippi planter”, 10 de ju

lho de 1853, Publications of the Mississippi Historical Sé ciety, X, (1909), 444; James C. Bonner (org.), “Plantg

tion experiences of a New York woman”, NCHR, XXXII (Jul., 1956), 392; Davidson Diary, 19 de abril de 185:

Charles C. Jones, Jr. a C. C, Jones, 4 de fevereiro d

1863, em Robert Manson Myers (org.), The childr pride: a true story of Georgia and the Civil War ( "Haven, Comn., 1972), p. 1025; Joel B. Fort Recollecti Katherine M. Jones (org.), When Sherman came: Sout women and the “Great March” (Indianapolis, 1964), ) 25, 262; Helen Tunnicliff Catterall (org.), Judicial as concerning american slavery and the Negro (5 . Washington, D. C., 1929-1937), II, 138-9; Susan Dabni

Smedes, Memorials of a Southern planter (Fletcher 1 Green [org.], New York, 1965 [1860], pp. 40, 19 Olmsted, Seaboard, p. 433; Edwin Adams Davis (o g.

Plantation life in the Florida parishes of Louisiana, 183

“1846, as reflected in the diary of Bennet H. Barro 24. 2o

(New York, 1963), p. 100. Rawick (org.), S. C, Narr.,

Texas Narr., IV (2), 16.

II (2), 80-1;

q III (3), 97.

j

O absenteísmo era a maldição do Caribe. Ver Jose Lowell Ragatz, The fall of the planter class in the Br Caribbean (New York, 1928); Vincent Harlow, A tory of Barbados, 1625-1685 (Oxford, 1926); Noel Dee The history of sugar (2 v., London, 1949), I, 205; arrasadora denúncia de Orlando Patterson, The socio:

of slavery (London, 1967). Quanto a Cuba, ver Ra mir Guerra y Sánchez, Sugar and the society in the Caribbei (trad. Marjory M. Urquidi, New Haven, Comn,, 1963

Fernando Ortiz, Cuban counterpoint: (trad. Harriet de Onís, New York,

relação

a São

Domingos,

tobacco and sugt 1947); p. 64. E

ver Gabriel

Debien,

Plant

tions et esclaves à Saint-Domingue (Dakar, 1962), p 9-15, 40, 43, 49-55. Mesmo no Brasil, cuja situação nest

particular assemelha-se mais à dos Estados Unid absenteísmo foi maior do que se costuma dizer, “pel 154

fato de muitos senhores rurais preferirem morar em cidades litorâneas. Ver Caio Prado Júnior, Formação do Brasil contemporâneo, São Paulo, Ed. Brasiliense, p. 342 da versão americana; C. R. Boxer, Salvador de Sá and the struggle for Brazil and Angola (London, 1952) pp. 14-5. De modo geral, ver D. B. Davis, Problem of slavery, pp. 157-8. : J. H. Hammond, “Letters on slavery”, in E. N. Elliott (org.), Cotton is king and pro-slavery arguments (New York, 1969 [1860]), p. 128. | Theodore Weld, American slavery as it is: testimony of a

thousand witnesses (New York, 1839), passim; também J. H. Easterby (org.), South Carolina rice plantation as revealed in the papers of Robert F. W. Allston (Chicago,

1945), p. 9.

John Spencer Bassett, Slavery in the State of: North Carolina (Baltimore, 1899), p. 83; Bennett H. Wall, “The founding of Pettigrew Plantations”, NCHR, XXVII (out., 1950), 417; Phillips, Life and labor, p. 235. Entre os grandes senhores rurais de 1850 há homens como Thomas C. Warren, proprietário de 353 escravos num só condado; James C. Johnson, proprietário de 272 escravos em outro condado; e Thomas P. Devereaux, que possuía 580 es-

cravos em dois condados.

Es

Albert Virgil House (org.), Planten management and capitalism in anteíbellum Georgia (New York, 1954),p. 50; R. Q. Mallard, Plantation life before emancipation (Richmond, Va., 1892); Guion Griffis Johnson, A social

history of the Sea Islands (Chapel Hill, N. €,, 1930), pp. 74-5; James C. Bonner, A history of Georgia agriculture,

1732-1860 (Athens, Ga., 1964), p. 48; Olmsted, Seaboard,

p. 419.

; Weymouth T. Jordan, Ante-bellum Alabama: town and country (Tallahassee, Fla., 1957), p. 44; Ruth Ketring Nuermberger, The clays of Alabama: a planter lawyer-politician family (Lexington, Ky., 1958), passim; James Benson Sellers, Slavery in Alabama (2º ed., University, Ala., 1950), pp. 180-2.

; Charles S. Sydnor, Slavery in Mississippi (Gloucester, Mass., 1965), p. 69; Olmsted, Back country, pp. 15, 28, 155

324

46, 73, 119, 160; Joseph Holt Ingraham, The sunny Sou (Philadelphia, 1860), pp. 259-60; Leak Diary, 4 de « zembro de 1858 (V, 491 e ss.). V. Alton Moody, Slavery on the Louisiana sugar plar fions (reimpresso a partir de LHR, abril, 1924), p. J. Carlyle Sitterson, Sugar country: the sugar industry

the South, 1753-1950 (Lexington, Ky., 1953), pp. 45,. 57, 70, 73, 76-7, 81, 96; Joseph Karl Menn, Large |

veholders of Louisiana — 1860 (New Orleans, 19 pp. 96-7; Documentos Mercer, 1839; Diário da Planta ;

Orange Grove, 25 de dezembro de 1849; Frank Lawre Owsley, Plain folk of the Old South (Chicago, 1 K [1949]), p. 88; Robert Douthat Meade, Judah P. | jamin:

Confederate

statesman

(New

York,

1943

61-2. 354 Para exemplos relativos a regiões diferentes, ver ret Armstrong, Fanny Kemble: a passionate victorian York, 1938), pp. 330-1; Duncan Clinch Heyward from Madagascar (Chapel Hill, N. C., 1937), p. IX man Hamilton, Zachary Taylor: soldier in the White (Indianapolis, 1951), pp. 18-9. 34. Gideon Bridgers, AF, XIII (1831), 48, 152. Ver t o discurso de J. L. Bridgers à North Carolina Agricultt Society, Transactions, 1857, p. 17; CP, I (1844- 1845), Charles S. Sydnor, A gentleman of the old Natchez reg Benjamin L. C. Wailes (Durham, N. C., 1938), pp.

35. 36. 37.

Maunsel White a Maunsel White II, 24 de agosto de 18 A. H. Arrington a Kate Arrington, 17 de fevereiro de 18 A análise aproveitou dois estudos excelentes: Wi Kauffman Scarborough, The overseer: plantation m gement

in the old South

(Baton Rouge,

La.,

38.

(Northampton,

Mass.,

1925).

A

principal

"o

(set.,

as

1856),

279.

instruções

O

de

assunto

é antigo.

Richard

Corbin,

quanto à Virgínia de 1759 em Ulrich Bonnell Phi 156

4

DBR,

XXI

1649-1863

(2

1845.

49

exemplo,

documents:

No

tica que faço a estes estudos é a de não se aprofun na atividade dos escravos e em sua influência nos flitos entre administradores e senhores rurais. por

frontier

v. Cleveland, Ohio, 1909), I, 109, |. Stampp, Peculiar institution, p. 38. Para uma retrospectiva, ver Robert W. Fogel e Stanley Engerman, Time on the cross: the economics of slavery in the antebellum South (2 v., Boston, 1974). ; Scarborough, Overseer, pp. 9-10. As cifras corretas são 18.859 para 1850 e 37.883 para 1860. ; Solon Robinson, “Negro slavery in the South”, DBR, VII (nov., 1849), 380. Phillips, Life and labor, p. 326. Há um caso assim registrado no diário de J. B. Grimball, a 6 de outubro de 1840. Grimball demonstra satisfação por seu administrador estar deixando o emprego, embora seja “humano com os negros”. O administrador não conseguia boas sufras. Gavin Diary, 3-6 de maio de 1859; John C. Burruss a John W. Burrus, 29 de março de 1850; Haller Nutt Journal of Araby Plantation, 1-4 de novembro de 1843, 31 de março de 1844; Henry Palfrey a William Palfrey, 30 de novembro de 1833; Rawick (org.), Texas Narr., IV (1), 122; Catterall (org.), Judicial cases, III, 202, 344, 652. A. H. Arrington a Kate Arrington, 13 de fevereiro de EL 1860. ; Ver, por exemplo, Bills Diary, 15 de julho de 1853, 24 de outubro de 1857; R. R. Barrow Residence Journal, 31 de julho de 1857. Manigault Plantation Book, janeiro de 1858; também Moses Liddell a St, John R. Liddell, 7 de novembro de

1966) «

introdução de John Spencer Bassett à importante ce pilação The Southern plantation overseer as reveale his letters

(org.), Plantation and

Leak Diary, 17 de outubro de 1854. Scarborough,

Overseer,

pp.

45-6,

102;

Easterby

(org.),

South Carolina rice plantation, passim; Bassett, Southern plantation overseer, p. 3. Ver, por exemplo, J. B. Grimball Diary, 22 de novembro de 1853, 28 de novembro de 1855; E. G. Baker Diary, 1.º de julho de 1852; Coleman Diary, 21 de setembro de 1831. George Teamoh Journal, partes 1-2, pp. 8-9, nos Documentos Woodson. 157

51 - H. €., “On the management of negroes”, SA, VII (j 1834), 369.

Alguns exemplos de intervenções de senhores e de atitudes de escravos encontram-se em R. R. Barrow Residence Journal, 3 e 9 de maio de 1858; George Teamoh Journal, p. 22, nos Documentos Woodson; Rawick (org.),

A

52.

William M. Otey à sra. Octavia Aurelia Otey, 13 de m

53. 54.

Ibid.,

vembro de 1851, nos Documentos Wyche-Otey. 14 de novembro

de

1858.

Miss. Narr., VII (2), 58, 144; Ga. Narr., XII (2), 347. ; Um intruso, “Overseers”, ACPSS, II (un, 1858), 197.

“2/08

Thomas Alexander ao Tenente J. H. White, 9 de setem bro de 1864, nos Documentos James Wilson White. à maioria das vezes, os administradores que incorriam|

| Bobby Frank Jones, “A cultural middle passage”, tese de doutorado não-publicada, University of North Carolina,

ódio dos escravos eram despedidos; ver, por exempl Chase C. Mooney, Slavery in Tennessee (Bloomin

n m

Ind., 1957), p. 161. 55. 56.

Ver Scarborough, Overseer, p. 126. Citado por Weymouth T. Jordan em Hugh Davis his Alabama plantation (University, Ala., 1948), pp.

58. 59.

Louis Morton, Robert Carter of Nomini Hall (Charl ville, Va., 1964 [1941]), p. 112; McColley, Slavery q; Jeftersonian Virginia, pp. 59-60. Phillips (org.), Plantation and frontier, I, 113; tar Sitterson, Sugar country, p. 56. mM The life and times of Frederick Douglass (New Yor 1962), p. 47; também p. 66. Ver também Yetman (org

7a.

ps. 7 5.

60.

61. 62.

of slavery (New York, 1968 [1856]), pp. 141-2.

J. B. Grimball Diary, 12 de setembro de 1832, 17 e 2 outubro de 1832. Quanto ao desdobramento das m nações de Richard, ver 2, 3 e 15 de novembro de 1 Hundley, Social relations, pp. 184-5.

A. T. Goodloe, “Management of Negroes”, SC,

64.

T. E. Blont,

65.

(abr., 1860), 130-1.

for the government

SC, V (abr., 1847), 62. Um

assinante,

1854),

66.

“Rules

“Plantation

149-50.

n.

E

4 ACP,

II

TB,

Y

-

79, HO,

um

IR

A

escrito em

(org.), Ala. Narr., VI

1895, mas não publicado

(1), 432.

Life and times of Frederick Douglass, p. 27. à

Ibid., cap. 15 e pp. 92, 179-85.

Henry Clay Bruce, The new man: twenty-nine years a siave, twenty-nine years a free man (York, Pa,, 1895), pp. iv, II

(4), 171;

Okla.

Narr., VII

(1),

136.

Ver, por exemplo, Stirling, Letters from the slave states, p. 265. Sobre as origens do termo “escória”, ver o interessante intercâmbio de W. P. Trent e Stephen B. Weeks, como aparece em Trent a Weeks, 12 de março de 1892, nos Documentos Weeks.

As fontes primárias — relatos de viajantes, documentos

c recordações de senhores de escravos — podem ser consultadas

(maio

J. L. Eubanks a A. H. Arrington, 14 de outubro de 186

nos Documentos Arrington. 158

economy”,

Rawick

77, 112,

e

of overse

or, the rela-

tions of the races at the South (J. H. Moore Torg.l, Baton

(org), S. C. Narr.,

XVI

1883), p. 226.

Seabrook, Before and after:

28, 30, 31.

Charles M. Manigault a Louis Manigault, 22 de nover bro de 1856. q

63.

Isaac DuBose

76. Quanto às observações de alguns ex-escravos, ver Rawick

Life under the “peculiar institution”, p. 170 (Willia Hutson, da Geórgia) e p. 325 (Clara C. Young, do Mis

sippi); Benjamin Drew, The refugee; or, a North-side

since the war (London,

Rouge, La., 1967; nesse ano), p. 59.

54.

57.

1965, p. 55.

Frances Butler Leigh, Ten years on a Georgia plantation

aleatoriamente. Convém,

no entanto, ver a aná-

lise geral por Stampp em Peculiar institution, pp. 149-50. Rawick (org), Ark. Narr., X (5), 20; Mo. Narr., XI, 302. G. A. Ingraham a Susan Fisher, 27 de dezembro de 1840, nos Documentos Fisher. Em Stampp, Peculiar institution, pp. 380-1, é examinada a crítica generalizada dos brancos, onde está implícito o desprezo aos brancos pobres. Herbert Aptheker, American Negro slave revolts (New York, 1963), pp. 233-4 e passim; James Hugo Johnston, 159

Race relations in Virginia and miscegenation in the Sou 1776-1860

: 2

Lewis

(Amherst,

Mass.,

1970),

pp.

101-4,

138.

theory and practice (New York, 1853). Há boas análises, de diferentes pontos de vista, em: Ulrich Bonnell Phillips,

|

G. Clarke, Narrative of the sujferings of Les

Clarke (London,

Também

American

1846), p. 25; Olmsted, Seaboard, p.

Thomas Wentworth Higginson, Army life in

fblack regiment (Boston, 1962 [1869]), p. 110. 83. Fisk University, God struck me dead, p. 121;

Rawi

(org), S. C. Narr., II (2), 279-81; III (3), 51; HER 165; Texas Narr., V (4), 101; Ala. Narr., VI (1), U

279; Okla. Narr., VII (1), 354; N. C. Narr., XV

84. 85.

86.

4 M e a

Mas Rudolf Schlesinger contribuiu para ela em So legal theory: its social background and development. ed., London, 1951), caps. 1 e 2; e são indispensáv: observações

de Gramsci.

Ver Selections

fro

LVIII

prison notebooks of Antonio Gramsci (trad. e org. tin Hoare e Geoffrey N. Smith. New York, 1971 195-6, 246-7. 87.

Charles S. Sydnor,

VI

(fev.

1940)

“The

Southerner

3-24, já é um

começo,

York,

Marcuse

criticou

W.

habilmente

L a kk

“de Hegel, que sem dúvida não se sustenta quanto a 1 ponto

crítico;

a meu

ver,

nem

Marcuse

nem

qualgi

outro conseguiu resolver os problemas até hoje levantadi ver

1984.

90.

160

Razão

e

Revolução,

Paz

e Terra,

York,

1971), esp. Caps.

1-5.

Styron, 1967),

The

confessions

of Nat

Turner

(New

pp. 21-2.

+ Ibid., II, 35.

Hegel: Philosophy of right (trad. e org. T. M. Knox, Herbert

(New

+ Catterall (org.), Judicial cases, II, 517.

A melhor análise dessas questões ainda é a de G. 1967).

[1918]);

530.

mas

Gramsci, Prison notebooks, p. 247.

don,

1952

Ford v. Ford, 1846. In Catterall (org.), Judicial cases, II,

precisa ser revisto e desenvolvido.

88. 89.

York,

(dez., 1971), 622-42.

, William

and the laws”,

bom

(New

Entre os diversos estudos mais especializados existentes é preciso citar: Lloyd Imes, “The legal status of free Negroes and slaves in Tennessee”, JNH, IV (jul., 1919), 255-61; Katherine Ann McGeachy, “The North Carolina slave code”, tese de mestrado não-publicada, University of North Carolina, 1948; e em especial A. E. Keir Nash, “Fairness and formalism in the trials of blacks in the State Supreme Court of the Old South”, Virginia Law Review, LVI (fev., 1970), 64-100, e “The Texas Supreme Court and the trial rights of blacks, 1845-1860”, JAH,

A teoria legal marxista é, no mínimo, pouco desenvolvi

breves

slavery

nal racism in America

(2),:

Kemble, Journal, pp. 89-90. Max Weber, “Politics as a vocation”, In: From Weber: essays in sociology (trad. e org. H. H. Gerthã Wright Mills, New York, 1946), p. 121.

Negro

em Stampp, Peculiar institution; e nos estudos da escravidão em cada Estado. A criação de leis como mecanismo de repressão aos negros é abordada por Mary Frances Berry em Black resistance/White law: a history of constitutio-

Rio

de

J

4

Sobre o direito dos escravos sulistas, de modo geral, V Catterall (org.), Judicial cases, vs. I-IV; John Co Hurd, The law of freedom and bondage in the U: States (New York, 1858-1862); Thomas R. R. Cobb inquiry into the law of Negro slavery (New York, [1858]; William Goodell, The American slave code 1

» + + «

Ibid., II, 41. Ibid., V, 179. Ibid., II, 277, 289, Ibid., 1, 311, 312, da Virgínia). - Quanto ao extenso lise de D. B. Davis,

365. 334. Ver tambémI, 154 (Juiz Cabell, registro histórico, ver a magnífica anáProblem of slavery.

- Em fins do século XVIII, muitos servos russos já eram praticamente escravos. No entanto, como aponta Jerome

Blum, recusavam-se a se considerar como tal. Com uma falta de lógica espantosa segundo os padrões modernos de coerência, mas com lógica espantosa pelos padrões tradicionais, diziam

mas

a terra

nos

a seus senhores:

pertence”.

Ver

“Nós

Lord

lhe pertencemos,

and

peasant

in 161

101. 102.

Russia from the ninth to the nineteenth century (Pt ceton, N. J., 1961), p. 469. W. W. Hazard, “On the general management of a tation”, SA, IV (jul., 1831), 350-1. Thad W. Tate Jr., The Negro in eighteenth-cenh Williamsburg (Charlottesville, Va., 1965), pp. 4-5, sug que a condição dos negros sofreu um gradual declínio período 1640-1660; a confirmação legal de sua conc de propriedade escrava ocorreu em 1675. Por vo 1705, os senhores tinham a lei definitivamente a vor, com a promulgação do código dos escravos. A tura é. extensa, mas além de Tate, cabe ver, em

381-2, 556; V, 162, notas 112 e 113.

| Catterall (org.), Judicial cases, III, 237. Ver também II, 77, 81, 191, 211, 413, 551, 554, 556; III, 133, 176, 214-5, 237, 556, 581, 673; V, 230, 237, 244; Orville W.

Taylor, Negro slavery in Arkansas (Durham, N. C., 1958), pp. 233-4; Sydnor, Slavery in Mississippi, pp. 84-5. E em especial Nash, “Fairness and formalism”, pp. 64-100. Ver, por exemplo, Nathan v. State of Missouri, 1844. In Catterall (org.), Judicial cases, V, 162. 152, 153,

162-3,

173, 185, 200-1, 210-1, 221, 225-6, 239-41, 246-7, 258-9, 285-6, 301-2, 322-4, 327, 332, 342, 344, 362, 364, 372-6, 556-7, 592, 657, 659, 676; também V, 154, 312. ; Letitia Woods Brown, Free Negroes in the District of (New

York,

1972), pp. 51 e ss.

[1914)).

+

Stampp, Peculiar institution, p. 23. Ulrich Bonnell Phillips, “Slave crime in Virginia”,

q A)

A decisão do Juiz Ruffin teve ampla repercussão na Europa e na América; cabe especular apenas se contribuiu para tornar mais moderados os que viam a escravidão sulista por prisma otimista. Ver Julius Yanuck, “Thomas Ruffin and the North Carolina Slave Law, NCHR,

(jan., 1915), 336-40. Phillips ressalta que em 1789,

County, um

escravo foi condenado

executado por entrar na cozinha e roubar uma

à mor

1847. In Catterall (org.), Judicial cases, III, 162.

XXI,

colhei

(nov., 1955), 456-75.

prata. k Clement Eaton, The freedom-of-thought struggle in. Old South (edição revisada; New York, 1950), pp. 1 W. J. Cash, The mind of the South (New York,

J. G. deRoulhac Hamilton (org.), The papers of Thomas Ruffin (4 v., Raleigh, N. C., 1918-1920), IV, 255-7; Earnest James Clark Jr., “Slave cases argued before de North

Carolina

p. 45.

mestrado

não

107.

Tenente Charles C. Jones Jr. a C. C. Jones, 25 d de 1862. In Myers (org.), Children of pride, p. 939.º Ver, por exemplo, George (a slave) v. State of Mississi

108.

Commonwealth of Virginia v. Jerry Mann, 1820. In

1859.

In Catterall

(org.), Judicial cases,

III, 363.

1959, p. 345.

| Catterall

Supreme

publicada,

(org.), Judicial

Court,

1818-1858”,

University cases,

II, 70,

of North

tese

de

Carolina,

71.

| E. J. Clark Jr., “Slave cases argued before the North Carolina Supreme Court”, p. 38.

q

rall (org.), Judicial cases, I, 133. 109.. Phillips, American Negro slavery, p. 458 e ss. e t

162

nas

Ver, por exemplo, State of Alabama v. Abram (a slave),

Nottoway

110.

abaixo

1949). Ver, mais especificamente, H. M. Henry, P control of the slave in South Carolina (New York, 1

XX

106.

citados

| Breaux Diary, 25 e 26 de julho de 1859.

Columbia

105.

e os casos

+ Catterall (org.), Judicial cases, III, 133,

es

Winthrop D. Jordan, White over black: American des toward the Negro, 1550-1812 (Chapel Hill, 1968), pp. 82 e ss. Quanto à Carolina do Sul e ao. Sul, ver Wesley Frank Craven, The Southern coloi

103. 104.

190;

O

| Rawick

(org.), Texas Narr., IV, (1), 48; também

Fisk

University, Unwritten history of slavery, p. 56; Yetman (org.), Life under the “Peculiar institution”, p. 253; Ra-

seu artigo sobre crimes de escravos, citado na nota 10%

wick

Ver, por exemplo, Catterall (org.), Judicial cases, IEA 556; III, 30-1, 35, 74, 92-35, 109, 325, 327, 328, q

p. 283; Ark. Narr., IX (3), pp. 342 e 354; Ohio Narr., XVI, p. 46.

(org.), Texas Narr., V (4), 152; Ala. Narr., VI (1),

163

122. tes: 124. 125.

Henry, Police control of the slave, p. 75. 4 Mallard, Plantation life before emancipation, pp. 434 Rawick (org.), Texas Narr., IV (1), pp. 25-6. y Philip Alexander Bruce, Economic history of Virgini the seventeenth century (2 v., New York, 1935 [18

H, p. 117.

cias sociales, IV (março, 1960) 75-108; J. Harry Bennett, Bondsmen and bishops: slavery and apprenticeship on the Codrington plantation of Barbados, 1710-1838 (Berkeley, Calif.,

“a

126. 127.

Catterall (org.), Judicial cases, I, pp. 224-5. Ê E. N. Elliott (org.), Cotton is king and pro-slavery ments, p. 29. É

128.

Catterall (org.), Judicial cases, II, pp. 273, 274, 333,

| :

(citação do Juiz O'Neall), 377. Também Gavin 20 de novembro de 1856. Caterall (org.), Judicial cases, II, p. 605. Ibid., V, p. 275. Ver, por exemplo, Catterall (org.), Judicial ca 50, 549; III, 148, 151-2, 154, 214, 233, 263 338, 371-2; também Bassett, Slavery in the State o, Carolina, p. 20; Clement Eaton, The growth of S

129. 130. 131.

civilization,

1790-1860

(New

York,

1961),

: ; -

p. 78

133.

Mass.,

1957),

p.

136;

bour

sugar, II, p. 351;

slave laws of the eighteenth century”, Revista de 164

y

SC,

IX

(jun.,

1851), pp. 84-5.

County

Agricultural

Society”,

SC,

IV

(ago.,

1846),

Chalmers S. Murray, This our land: the story of the Agri-

P

laa. las.

St

and the Sai pp. 22-4; T in Santo-D. Deerr, Hi

Elsa V. Goveia, “The West

Uribe, “Esclavos

113-4; J. G. Taylor, Negro slavery in Louisiana, p. 226;

C. L. R. Jam

Black Jacobins: Toussaint L'Ouverture mingo Revolution (New York, 1938), throp Stoddard, The French Revolution (2.º ed. New York, 1963), pp. 59-60;

Jaramillo

1834), pp. 367-70.

of Negroes”,

J. Stein, Vassouras: a Brazilian coffee county, 1850 (Cambridge,

Jaime

+ Bills Diary, 24 de setembro de 1852; ver também “Management of slaves — report of a commitee of the Bar-

guese pamphlet (1764)”, Race, V (1964), p. 43; -

p. 24;

+ Um Ministro do Evangelho, “ “Tatler' on the management

miah Adams, 4 South-side view of slavery (4: ed. 1860), pp. 38-40. Ver, por exemplo, Joe Gray Taylor, Negro sla Louisiana (Westport, Conn., 1963), p. 226; Hall a Alonzo Snyder, 30 de abril de 1844, nos Doc Snyder. Ver, por exemplo, Gilberto Freyre, “Social life zil in the middle of the nineteenth century”, V, (nov., 1922), pp. 597-628; Gilberto Freyr Grande e Senzala, Rio de Janeiro, Ed. José pio; C. R. Boxer, “Negro slavery in Brazil: a

132.

1958),

sefores en la sociedad colombiana del siglo XVIII”, Anuario colombiano de historia social y de la cultura, 1 (1963), pp. 3-55; Hubert H. S. Aimes, A history of slavery in Cuba, 1511-1868 (New York, 1907), pp. 14951, 177. Olmsted, Seaboard, p. 487. John Belton O”Neall, The Negro law of South Carolina (Columbia, S.C., 1848), p. 20. Sydnor, “Southerner and the laws”, p. 11. George Fitzhugh, Cannibals all! Or, slaves without masters (Cambridge, Mass., 1960 [1857]), p. 79. Louisiana, Ascension Parish, Police Jury Minutes, 18371856. H, C., “On the management of Negroes”, SA, VII (jul.,

Ini

“IM.

cultural Society of South Carolina (Charleston, SC., 1949), p. 92. Bremer, Homes of the New World, II, pp. 511, 612. Rawick Teamoh

(org.), Texas Narr., V (3), pp. 6, 119; George Journal, pts. 1-2, p. 32, nos Documentos Wood-

son; Rawick (org.), Okla. Narr., VII (1), p. 302; também Ga. Narr., XIII (4), p. 218; Lester, To be a slave, p. 52; Fisk University, Unwritten history of slavery, p. 5; Yetman (org.), Life under the “Peculiar Institution”, p. 124. Ver Catterall (org.), Judicial cases, III, p. 597 (State of Louisiana

v. Morris,

1852);

também

III, p.

154;

V, p.

300; Gavin Diary, 9 de novembro de 1855; Bremer, Ho165

145.

146.

mes of the New World, I, p. 278; Eaton, Growth. E

Weber,

Southern civilization, p. 79. Richardson Memoirs, p. 43; Mary Woodrow ao Prel e to de Alexandria, Va.,21 de junho de 1813, nos D cumentos de escravos da Biblioteca do Congresso; Câtteri (org.), Judicial cases, III, p. 491-2. Ver, por exemplo, A Young Planter, “Communication

(London,

CP, I (15 de julho de 1840), pp. 209-10; R. F. W. ton

a Adele

Petigru

Allston,

27

de

novembro

de

civilization”,

(org.), Plantation

147.

Al

life in the Florida Parishes,

p. 148.

W. E. B. Du Bois, Black Reconstruction in America a

149.

150.

Ver, em especial, John Hope Franklin, The militant Soi 116.

é criteriosamente estudado, sob vários aspectos, o pel da escravidão como propulsora de violência. |. Citado por Sydnor em “Southerner and the laws”, p Este artigo é a principal contribuição ao estudo di blema. Utilizei-ô com certa liberdade, mas tomei-o ce ponto de partida para alguns aspectos básicos. E Johan Huizinga, The waning of the Middle Ages: a ti Netherlands in the fourteenth and fifteenth centuries (L

don, 1924), Cap. I, “The violent tenor of life” lem

151.

152.

166

Education,

V

(out.,

de ataque, no tocante ao surgimento da escravidão no Novo Mundo e sua conexão com a revolução comercial e o advento do capitalismo na Europa. Cabe mencionar, em especial, a obra de C. B. McPherson, A teoria política do individualismo possessivo: de Hobbes a Locke, Rio de Janeiro, Paz e Terra, e a obra de Richard

of the forms of life, thought and art in France and. alguns aspectos do Velho Sul, embora não estab qualquer comparação entre ambas as sociedades. A tradição se manteve no século XX. Alguns Esta listas continuam considerando a força física como legítima a ofensas pessoais. Ver, por exemplo, Wex. Malone, “Insult in retaliation — the Huckabee cas Mississippi Law Journal, XI (abr., 1939), pp. 333-9 As categorias são as de Max Weber. Ver, em espec; Max Rheinstein (org.), Max Weber on law in econo and society (Cambridge, Mass., 1966), pp. 302 e ss.;

General

escravos, tentei desenvolver certas implicações dessa linha

Dumond, Antislavery origins of the Civil War in | United States (Ann Arbor, Mich., 1959), pp. 434. |

(Cambridge, Mass., 1956), pp. 35 e 39 et passim, oi

of

- Por isto os marxistas não aceitam a idéia de um estágio histórico que seria especificamente o “capitalismo comercial”, e fazem questão de basear sua análise no setor produtivo e suas relações sociais. A melhor abordagem do tema, sem contar O capital, de Marx, ainda é a de Maurice Dobb, 4 evolução do capitalismo, Rio de Janeiro, Ed. Guanabara. Na Parte 1 de O mundo dos senhores de

18

York, 1962 [1935]), p. 10; ver também Dwight

148.

passim.

Journal

1950), pp. 75-88.

Bennett H. Barrow Diary, 21 de maio de 1839, in E. Louisiana,

1947),

; Ver, por exemplo, Max Weber, General economic history (Glencoe, III., 1950). - Max Weber, “The social causes of the decay of ancient

in Easterby (org.), South Carolina rice plantation, p. 1. Davis

The theory of social and economic organization

157.

Schlatter, The idea of property: the history of an idea (London, 1951) — duas tentativas pioneiras na análise marxista. O esforço no sentido de um conceito burguês de propriedade e do abandono de conceitos tradicionais — tendo a França e a Revolução Francesa como estudos de caso — será mais detidamente analisado em duas obras de Elizabeth Fox-Genovese: Social origins of the Girondist bourgeoisie: a contribution to the Marxian interpretation of the French Revolution e The forging of a bourgeois ideology: a study of the development of French physiocracy. A conexão do direito dos escravos sulistas — e a teoria de propriedade nele implícita — com as práticas da Roma Antiga é analisada por Arnold A. Sio em “Interpretations of slavery: the slave status in the Americas”, CSSH,

VII (abr., 1965), pp. 289-308, esp. p. 296. Por isto Hegel via na escravidão um abuso e uma contradição flagrante à essência da incipiente teoria dos di167

reitos, que ele considerava baseada numa teoria burgues de propriedade. Ver Philosophy of right. 159. Sydnor, “Southerner and the laws”, pp. 8-9; Fogel é Engerman, Time on the cross, pp. 128-9. é 160. - Ver, em especial, Rheinstein (org.), Max Weber on a

in economy and society, p. 9. 161.

162.

J

Ver D. B. Davis, Problem of slavery, esp. pp. 33, 40, 57 256, 269-70. Minha própria perspectiva do papel do ethi católico na formação das sociedades escravagistas do IN vo Mundo está exposta em “Materialism and idealisn the history of Negro slavery in the Americas”, Cap In red and black: Marxian explorations in Souther; Afro-American history (New York, 1971), e na Pa

Harrison County, Texas, acerca do maior número de pre-

gadores negros e da menor oposição a reuniões religiosas de negros, ver Rawick (org.), Texas Narr., V (3),

p. 119.

“166. Para relatos acerca do fim da dissidência religiosa e do

167.

de O mundo dos senhores de escravos. d Ver, por exemplo, Barnsley Notebook, 1904. Ver os! tudos de Prado, Formação

323,

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172.

173.

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“77.

mi

favorável, embora ainda se discuta até que ponto foi ley da à prática. Na maioria desses países, porém, a escray d existia dentro de um sistema social senhorial, ou para! a ele, de modo que a manumissão não alteraria necess: mente as relações sociais básicas; e o racismo, por | menos violento, permitia políticas mais abertas. À Ver McColley, Slavery and Jeffersonian Virginia, esp 90, 115-6; Joseph Clarke Robert, The road from Mi cello (Durham, N. C., 1941); W. D. Jordan, White black, p. 386. Citado por Ulrich Bonnell Phillips em The life of

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diverso,

pelo

menos

no

tocante

a vestuário,

ver

Stirling, Letters from the slave states, p. 263. ; Citado por G. D. H. Cole e Raymond Postgate em The British common people, 1746-1939 (London, 1946), p 276.

; Quanto a esta questão, basta citar um caso de declaração de últimas vontades e um testamento, pois provêm de um senhor que providenciara a emancipação de seus escravos. Ver Heirs of Henderson v. Rost and Montgomery executors, 1850, in Catterall (org.), Judicial cases, III, 605.

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Olmsted, Seaboard, p. 619; J.G. Taylor, Negro slavery in Louisiana, pp. 184, 226-7; Benjamin Robinson Account Book, 21 de novembro e 2 de dezembro de 1850 (XX, 123, 126).

e

Worsley : State, 1850, in Catterall (org.), Judicial cases,

tution of slavery during the Confederacy”, Emory University Quarterly, V (dez., 1949), 207-20; também Bell Irvin Wiley, Southern Negroes, 1861-1865 (New Haven, Conn.,

|

Willie Lee Rose, Rehearsal for Reconstruction: the I

Royal

Plantation

II, 545.

et. E

também

e 250. Du Bois, Black Reconstruction, pp. 8-9. instithe humanize to LR Bell Irvin Wiley, “The movement

observações de Rawick em Sundown to sunup, pp. 57:

Steward, Twenty-two years a slave, p. 13; Saxon

Hammond;

nos Aires, 1964), p. 83.

southern plantation”, DBR, XXII (jan., 1857), 40; Eai

178

S

|

Citado por Sitterson em Sugar country, p. 235.

Gumbo

235.

Í

of So

reimpressos em ACP, II (dez., 1854), 353-6; W. D, dan, White over black, p. 433, n.º 9; Rusticus, “Planta management and practice”, ACPSS, I (dez., 1857), 37 Moses Liddell a St. John R. Liddell, 6 de janeiro de 1 Rawick

Negro slavery, p. 271, que se baseia

1840, no Flinn Plantation Diary. | Frederick Bancroft, Slave trading in the Old South (Baltimore, 1931), p. 102; Ingraham, South-West, II, 287-8. | Solomon Northup, Twelve years a slave (New York, 1970 [1853]), p. 45.

Planter, p. 149. Também Bassett, Slavery in the Sidi North Carolina, p. 61. o Referências deste tipo encontram-se em todos os vi da obra American slave, organizada por Rawick. E. A. Davies (org.), Plantation lifein the Florida P,

civilization, p. 61. 229. Southern Patriot, 10 de fevereiro de 1826, tal como por William W. Freehling em Prelude to Civil Wa nullification controversy in South Carolina, 181 (New York, 1966), p. 66. ( 230. Andrew Flinn Plantation Rules, 1840; Lyell, Seco I, 265; S. Andrews, South since the war, p. 25. 231. Ver “Duties of an overseer”, in: Affleck's cotton tion record and account book. Existem exemplares muitas coleções de documentos de plantations, e tam

232. 233.

nos Documentos

a partir

Earl E. Thorpe, Eros and freedom

(Urbana, Ill. 1958

227.

reimpresso

Olmsted, Back country, p: 83; V

Naipaul, The loss of El Dorado: 226.

; Phillips, American

1938), pp. 168-72.

22.

|

Além dos pronunciamentos públicos dos reformadores, ver The private journal of Henry William Ravenel, 1859-1887 (A.R. Childs (org.), Columbia, S.C., 1947), p. 219; Eliza Frances Andrews, War-time journal of a Georgia girl, 1864-1865 (New York, 1908), p. 127; Mary Jones Journal,

179

11 de janeiro de 1865, in Myers (org.), Children of pr

Também B.F. Riley, History of the Baptists in Alah)

from the time of their first occupation of Alabama i

until 1894 (Birmingham, Ala., 1895), p. 291. J.S. Buc

gham,

entre outros, considerou

a melhora

uma

ã

críticas abolicionistas; ver Slave States of America

New York, 1968 [1842]), II, 431-2.

“a

253.

Robert Lowell, The old glory: Benito Cereno (New Y

254.

David Gavin, da Carolina do Sul, recuperando-se de | doença grave, fez a seguinte oração: “Dá-nos Tuas. çãos, Senhor, a meus irmãos, amigos, parentes, faz. que nossos negros sejam servos bons e fiéis, e que senhores e senhoras bondosos e justos ...” Diári novembro de 1857. Charles Colcock Jones, Suggestions on the religi

255.

1965), p. 177.

ua

truction of the Negroes

phia, 1847), p. 13. 256.

in the Southern

States

(

259.

exemplar nos Documentos Barbour. Rawick (org.), Okla. Narr., VII (1), 105. Thomas P. Jones, “The progress of manufactu Textile History Review, II (jul., 1962 [1827]), p. Eleanor J.W. Baker Journal (1848), p. 16. A insanidade mental dos senhores manifestava-se sob a forma de enorme indulgência, mas em geral forma de crueldade. Indícios de ocorrências oc do problema encontram-se em Catterall (org.), Ju cases, II, 463-4; III, 209, 337; John Lane a Jo.

Rawick (org.), Ark. Narr., IX (4), 53.

261. 262.

180

N.C.,

1941), p. 104.

(pp. 60-1).

1839, Catterall (org.), Judicial case

; Chestnut, Diary from Dixie, 8 de dezembro de 1861 (p. 172). , Yetman (org.), Life under the “peculiar institution”, pp. 142, 252, 259, 282; ver também Charles Ball, Slavery in the United States: a narrative of the life and adventures of Charles Ball (Lewiston, Pa., 1836), p. 14; H.C. Bruce, New man, p. 65; Rawick (org.), Ark. Narr., IX (4), 55; 146.

; Anne Firor Scott, The Southern lady: from pedestal to po-

»

(p. 41); Holcombe

2 de junho de 1855. Bond Diary, 26-27 de agosto de 1861 State v. Hoover, 85-6.

(Durham,

X (5), 56; Fla. Narr., XVII,

Nott, in De Bow (org.), Industrial resources, II, 298; K Stone, Brokenburn (J.Q. Anderson (org.), Baton Roi La., 1955), 17 de julho de 1861

previous congresses

; MccCall Diary, 29 de dezembro de 1853; E.F. Andrews, War-time journal of a Georgia girl, p. 62; também o Autobiographical Sketch (manuscrito). ; Olmsted, Back country, pp. 381-2. ; Iris Origo, “The domestic enemy: the Eastern slaves in Tuscany in fourteenth and fifteenth centuries”, Speculum, XXX (jul., 1955), 340. | Ramón Menéndez Pidal, The Spaniards in their history (New York, 1950), p. 70; Freyre, Casa grande e senzala, passim. ; Jack P. Greene (org.), The diary of Colonel Landon Carter of Sabine Hall (2 v., Charlottesville, Va., 1965), I, 27. | Isaac L. Baker a W.S. Hamilton, 1823, na Lester Collec-

; Ver as observações ferinas de Hermannus Hoetink em The two variants of Caribbean race relations (London, 1967), p. 16. ; Citado por Sydnor em Slavery in Mississippi, p. 242. , Thorpe, Eros and freedom, p. 27.

Burruss, 15 de fevereiro de 1833, nos Documentos Burr

260.

the last session of the Confederate Congress (November 7, 1864-March 18, 1865), together with the secret Acts of

tion.

Plantation and farm instruction, regulation, record, W tory and account book for the use of managers on

estate of Philip St. George Cocke (Richmond, Va., 18

257. 258.

Charles W. Ramsdell (org.), Laws and joint resolutions of

litics, 1830-1930 (Chicago, 1970), p. 17. Em escritos da época — de Fitzhugh, Hughes, Holmes e outros, bem como de autores menos voltados para a propaganda — há inúmeras afirmações de que a escravidão era inseparável do restante do contexto social; ver, por exemplo, o discurso de J.B. O'Neall em Proceedings of the State Agricultural Society of South Carolina, 11 de setembro de 1844, p. 219, e também o artigo em SLM, XXV (ago., 1857), 181

tg

the building of the nation (13 v., Richmond, Va., 19091913), IV, 206. Moses Liddell a St. John R. Liddell, 7 de abril de 1841. Ver também o que diz R.F.W. Allston ao seu filho, Charles Petigru Aliston, a 8 de novembro de 1860, em Easterby (org.), South Carolina rice plantation, p. 169; e J.H. Sheppard a Abraham Sheppard, Jr., 31 de julho de 1822. | B, Ballard e Lewis Thompson, 9 de fevereiro de 1845, nos Documentos Thompson. “Duties of christian masters”, pp. 67, 70, nos Documentos Wiley.

81. Sustenta Georg Simmel: “Quanto mais estreita

uniformé é um grupo, mais possibilidades há de q hostilidade entre seus membros gere consegiiências ramente opostas”. E prossegue dizendo que a intim permite ao grupo suportar grandes tensões, mas “um! que tenha por princípio uma considerável únidad sentimento da própria situação sofre uma ameaça ij contrária a partir de qualquer conflito interno”,

Simmel, Conflict and the web of group affiliations |

276. 277.

278.

coe, IIl., 1955), p. 65. John S. Wise, The end of an era (Boston, 1900) Byrd, citado por Mullin em Flight and rebellio Greene (org.), Diary of Colonel Landon Cart 140.1. Citado por Charles Charleton Coffin em The bo: (Boston,

279.

281.

Mary

Ibid., pp. 2745.

286. 287. 288.

morals

“The

290.

in America,

II, 313-5,

Citado por Scarborough em Overseer, p. 103. Rachel Weeks O'Connor a David Weeks, 14 de

8 de dezembro

de

1861,

16

qa

in Small

; , .

ca

|

Citado por Ulrich Bonnell Phillips, a partir da co dência de sua família, em “Racial problems, adjusti

B.

Fort

Recollections;

também

Craft

Diary,

17

de

Catherine Carson a W.S. Walker, 26 de janeiro de 1836

404,

Citado por W.B. Turner em “Kentucky slavery in ante bellum decade”, KHSR, LVIII (out., 1960), Mary Burruss McGehee a John W. Burruss, 29 de 1

and disturbances”, in T.A.C. Chandler et al, The Sou 182

Dixie,

julho de 1836 (p. 134). ; Magruder Diary, 21 de maio de 1846. Yetman (org,), Life under the “peculiar institution”, p. 45. , Ibid., p. 218; George Teamoh Journal, partes 1-2, pp. 27-8, nos Documentos Woodson.

:

Olmsted, Back country, p. 265.

ot

Joel

0,

343.

Olmsted, Seaboard, p. 44. W.H. Russell, My diary North and South, p. 75; Scott, Southen lady, pp. 46-9.

1836.

291.

Diary from

| Neste e em outros trechos deste livro em que se fala das mulheres sulistas, vali-me bastante da obra de Anne Firor Scott, Southern lady — livro que inspirou outros e cuja única deficiência é ser muito curto.

of slav

Citado por C.P. Patterson em Negro in Tennessee, |

de 1824, nos Documentos Weeks. 289.

in

244).

Simms,

Edward A. Pollard, Black diamonds gathered in the homes of the South (New York, 1968 [1859]), PJ

Martineau, Society

1861,

de janeiro de 1862, 10 de junho de 1862 (pp. 172, 184,

44.5.

282. 2853. 284. 285.

de

Myers (org.), Children of pride, p. 809.

p. vii.

Gilmore

C. Jones a C.C. Jones, 3 de dezembro

Chesnut,

E.N. Elliott, Introdução de Cotton is king and p: William

de 1858.

Plantation Diary, 25 de dezembro

Walker Diary, 10 de dezembro de 1859.

1882), p. 447.

arguments,

280.

, Newstead

|

Collections:

Documentos

da Família

Carson.

Martineau, Society in America, II, 310. Ver, por exemplo, Yetman (org.), Life under the “peculiar institution”, pp. 225-226. Higginson, Army life, pp. 109, 151; Bremer, Homes of the New World, II, 243; Rose, Rehearsal for Reconstruction, p. 85; J.B. Sellers, Slavery in Alabama, p. 112. Rawick (org.), S.C. Narr., II (2), 136; Yetman (org.), Life under the “peculiar institution”, p. 225. EF. Andrews, War-time journal of a Georgia Girl, 7 de junho de 1865 (p. 292). 183

310.

311. 312: 313. 314.

Hiram B. Tibbetts a John C. Tibbetts, 28 de dezembro

AM.

de 1848; ver também Walker Diary, 20 de junho de 185 Walker era um senhor rural ferrenhamente escravagis E.G. Baker Diary, 24 de abril de 1861 (II, 95). A “Chancellor Harper on slavery”, in E.N. Elliott (org.) Cotton is king and pro-slavery arguments, p. 94. 7 Kate Stone, Brokenburn, p. 8. : Catterall (org), Judicial cases, III, 43. Estas atitudes sã analisadas em The narrative of William Wells Brow

1971).

fugitive slave (Reading, Mass., 1969 [1848]), pp. 75-7. 315.

Eugene H. Berwanger, The frontier against slavery: W tern anti-Negro prejudice and the slavery extension cor troversy (Urbana, IIl., 1967), pp. 138-9, n.º 4. De m mais amplo, ver Eric Foner, Free soil, free labor, free

the ideology of the Republican Party before the Civil (New York, 1971). A argumentação, embora geralme: exagerada, de certa forma se sustenta. A respeito da em cipação dos negros em Nova Iorque, Roi Ottey e Willian T. Weatherby escreveram o seguinte: “Em muitos cast sua situação piorou, pois eles foram atirados em um mund competitivo estando pouco preparados e pouco habil dos a se arranjar sozinhos”; The Negro in New Yo; an informal social history (New York, 1967), p. 75. Ê

316.

Edmund Ruffin, Address to the Virginia State Agricultur: Society on the effects of domestic slavery (Richmond, Va 1853), p. 5; A., “The influence of slavery on the prog of civilization”,

ACPSS,

III

(jun.,

1859),

171:

And

Garnett, in Southern Central Agricultural Society Tr sactions, 1851, p. 100; Mary H. Schoolcraft, Plantat life: the narratives of Mrs. Henry Rowe Schoolcraft, 185: 1860 (New York, 1969), pp. iii-iv, e p. 20 das “Letters”

318. 319. 320. PAR 522. 323. 324. 325. 326.

527.

Quanto

a provas

e

possível

autoria,

ver

328.

184

genesis

of correspondence

attributed

329.

330. 331.

IV

(Cambridge,

Mass,

XXVII

(out.,

1950),

409-10.

Citado por Rose em Rehearsal for Reconstruction, p. 108. W.E. Abraham, p. 74.

The

mind

Toulmin v. Chadwick; bama, p. 226. Catterall

of

Africa

(London,

1967),

ver J.B. Sellers, Siavery

in. Ala-

(org.), Judicial cases, III, 605-6.

Arda Walker, “Andrew Jackson: planter”, East Tennessee Historical Society, Publications, n.º 15 (1943), p. 32.

Northup, Twelve years a slave, p. 150. Schoolcraft, Plantation life, p. 482 n.; p. 18 das “Letters”. E.G. Baker Diary, 13 de fevereiro de 1849, 8 de julho de 1849, 25 de dezembro de 1852, 28 de dezembro de 1852 (I, 3, 39-40, III). Jim (a dave v. State, 1854, in Catterall (org.), Judicial cases, III, 36; ver também Charles Colcock Jones, The

(New York, 1969 [1842]), p. 166. Rawick (org.), Indiana Narr., VI (2), 132; WPA,

Negro

Para os aspectos mais gerais desta dialética, ver em especial Georges Balandier, Political anthropology (New York, 1970), pp. 103, 109-10; e Simmel, Conflict. Espero analisar o tema de modo mais amplo numa obra futura. Para algumas idéias de ex-escravos acerca do paternalismo dos senhores rurais em relação aos brancos de classes menos favorecidas, ver Rawick (org.), S.C. Narr., II (1), 14, 87, 105, 161; III (3), 2, 119; III (4), 39, 254.

332).

Hannah Arendt, “Reflections on violence”, New York Review of Books,

Edward to Prince

Ivan

in Virginia, p. 88.

Keenan, The Kurbskii-Groznyi apocrypha: the seventeenth:

century

Tsar

religious instruction of the Negroes in the United States

senhores de escravos, parte 2.

317.

and

Citado por Wall em “Founding of Pettigrew plantations”, NCHR,

também William C. Daniell, “An address delivered at th opening of a convention to organize an Agricultural Asso ciation of the Slaveholding States”, ACP, II (fev., 185 34, Falei a respeito de Fitzhugh e tentei avaliar o sig cado da defesa da escravidão no resumo.de O mundo

Kurbskii

DIS

XII

(27 de fevereirode 1969), 23. Para-

fraseei sua citação muito aproximadamente. gham, Slave States of America, II, 25, onde dos os problemas de autoridade dos filhos de escravos no colégio, Willie Morris, North toward home (Boston,

Ver Buckinsão analisade senhores 1967), p. 9. 185

ter tido o privilégio de ouvir a leitura desse estudo, que

334. Holcombe Diary, com data de 5 de agosto de 1855, m

muito me

provavelmente escrito em 1861. Para declarações mui semelhantes, ver J.W.D., “Southern literature”, Southe

K, Hareven (org.), Anonymous Americans; explorations in nineteenth century social history (Englewood Cliffs,

semelhantes;

NJ.,

31-2;

Alexis

de Tocqueville,

Democracy

in A

er

(trad. Phillips Bradley; 2 v.; New York, 1945), I, 3 395; Achille Murat, America and the Americans (Buffa N.Y., 1851), p. 17; A. du Puy Van Buren, Jottings 0) year's sojourn in the South. (Battle Creek, Mich. 1 Featherstonhaugh,

Excursion

through

the

si

“4.

Lyell, Second visit, I, 262. Ibid., I, 261.

545.

Citado por W.T. Jordan em Hugh Davis, p. 18. Francis Lieber, Remarks on the final adjournment of Loyal Publication Society (s.1., s.d.), p. 1. Nos Docum Lieber existe um exemplar desse panfleto. Ver tamb observações do Cel. Stanton Elmore in William Gar Brown (org.), A gentleman of the South: a memory the Black Belt from the memoirs of the late Col. Stan Elmore

(New

York,

1903),

p.

128;

Sra.

Du

Bois, Black Reconstruction,

Francis

Pendleton

Gaines,

The

study:in the development

and

(New York, 1925), p. 159.

de

146. 7.

AM.

1844;

pp. 52-3; ver tam Southern

accuracy

plantatio

of a traditi

Kemble, Journal, pp. 286, 295, 301, 303, 305.

/ á

Ao mesmo tempo que eu recolhia depoimentos atravésd

Sul, Willie Lee Rose estudava minuciosamente o low cou try da Virgínia e da Carolina do Sul. Chegamos a concli sões idênticas. As da srta. Rose foram expostas nu excelente estudo, infelizmente ainda não publicado. 186

1971), pp.

“Free

at last”, in Tamara

130-71, e seu livro sobre

a transição da

na Rússia, que sugere um contexto semelhante, ver P. Kropotkin, Memoirs of a revolutionist (Boston, 1899), p. 49. Ver os ensaios de Harper (pp. 79-83) e Hammond (p. 112) in E.N. Elliott (org.), Cotton is king and pro-slavery arguments.

E

Thomas Butler King, 27 de dezembro neau, Society in America, III, 11. 340. Seabrook, Before and after, p. 46.

342. 343.

slave

seu trabalho

tory (Baton Rouge, La., 1960). Para um relato da servidão

p. 143.

p. 158.

ver

escravatura para a liberdade. Sob ângulos diferentes, C. Vann Woodward delineou algumas das consegiiências políticas mais importantes desses fatos em The strange carecsr of Jim Crow (New York, 1955) e em “The political lesacy of Reconstruction”, The burden of Southern his-

Thomas Spaulding of Sapelo (Baton Rouge, La., 194

341.

que ainda não te-

sitions”, SLM, XX (maio, 1854), 295; [William M, Sai ford?], Southern Dial, 1 (nov., 1857), 9; discurso do: verendo Stephen Elliott, Jr. Southern Central Agricultu

pp.

336. 337. 338. 339.

sobremodo

Eclectic, II (set. 1853), 63-5; B., “The new social prop

Society, Transactions, 1851. Também E. Merton Coulk

335.

ensinou, lamento

nha sido publicado. Leon Litwack, que trabalhava nesse campo no mesmo período, também chegou -a- conclusões

548.

Bremer, Homes of the New World, I, 389; Craft Diary, 8 de fevereiro de 1864 (p. 180). Rose, Rehearsal for Reconstruction, p. 109. Charles S. Johnson, Shadow of the plantation (Chicago, 1966), p. 131. Em conversa particular, Leon Litwack sugeriu a possibilidade de muitos ex-escravos, que recordaram seus senhores morrendo cheios de remorsos, estarem fazendo uma transferência cronológica para 1865, e falando na verdade da morte de algum velho senhor, ocorrida muito mais tarde. Relendo os depoimentos, tenho de concordar. Sendo assim, porém, a reação dos ex-escravos torna-se ainda mais significativa. Ver também os relatos em Fisk University, Unwritten history of slavery, p. 28; Botkin (org.), Lay my burden down, p. 204 e parte 5, passim; Rawick (org), S.C. Narr., II (1), 248; HI (3), 234; Okla. Narr,, VII (1), 283. Broun

Diary,



de

maio

de

1863;

Katharihe

M.

Jones (org.), Ladies of Richmond (Indianapolis, 1962), p. 107; John H. Phillips a B.O. Tayloe, 10. de outubro de 1862, 31 de outubro de 1862, nos Documentos Tayloe; Henry L. Swint (org.), Dear ones at home: letters from 187

349.

350.

the Contraband camps 'Nashville, Tenn. 1966), pp. 6 Lester, To be a slave, p. 147. j Clarence Poe (org.), True tales of the South at war: | soldiers fought and families lived, 1861-1865 (Chapel | N.C., 1961), p. 139; também Ann Wooster a [2], 14 janeiro de 1865, nos Documentos Wooster. 4 E Heyward, Seed from Madagascar, pp. 154-5; ver taml

Easterby (org.), South Carolina rice plantation, pp, 4 216; The journal of Charlotte Forten: a free Negro in slave era (R.A. Billington (org.), New York, 1967) 185; Elizabeth Hyde Botume, First days amongst the (

trabands (New York,

351. 352. 353. 354. 355. 356.

1968), p. 59.

John

Jones a Mary

357.

Archeology

358. 359.

cases, III, 103.

1871. In. Catterall (org.), Judi

500.

so1.

|

Jr., 10 de julho de 1862 (pp. 929-30); C Jr. a €.C. Jones, 19 de julho de 1862 (p. 934

C.C. Jones a Charles C. Jones Jr., 21 de julho de 186 John Jones a Mary

de agosto S. Mallard,

de

1865

(pp.

7 de novembro

Ruth

Jones,

18 de maio

de 1866

(pp.

Occupation

and

Reconstruction,

1862-1868:

its social and political background”, tese de doutorado não-publicada, Tulane University, 1970, pp. 14-5; J. Carlyle Sitterson, “The McCollams: a planter family of the Old and New South”, JSH, VI (ago., 1940), 359-60. Frank Wysor Klingberg, “The case of the minors: a Unionist family within the Confederacy”, JSH, XIII (fev., 1947), 39, 44.

Jr., 28 de abril de 1862 (p. 886); C.C. Jones a Charl C. Jones (p. 935);

a Mary

de Mary Jones estão nas páginas 1241, 1247 e 1248. Kate Stone, Brokenburn, 15 de abril de 1863, 10 de outubro de 1865, 17 de novembro de 1865 (pp. 193, 363, 365-6). Também George H. Hepworth, The whip, hoe, and sword (Freeport, N.Y., 1972 [1863]), p. 144. Douglas Autobiography, p. 168. Também Breaux Diaries, 13 de outubro de 1863, 23 de novembro de 1863; J. Thomas May, “The medical care of blacks in Louisiana during

e.

Estas cartas e outras igualmente importantes encont; se em Myers (org.), Children of pride, Livro 2, pp. 8 1342. Ver, em especial, C.C. Jones a Charles C. Jon

C. Jones

Jones, 21

28 de maio de 1866 (pp. 1339-42). As citações do diário

(1971), p. 5.

Hargroves v. Redd,

Jones

1336-7); Charles C. Jones Jr. a Mary Jones, 28 de maio de 1866 (pp. 1337-9); Mary Jones a Charles C. Jones Jr.,

70, 179, 272, 318, 321-2 (anotações referentes ao

janeiro-junho 1865). Citado por Robert Ascher & Charles H. Fairbanks “Excavation of a slave cabin: Georgia, USA”, Hi:

Mary

de 1865 (pp. 1303-5); Mary Jones a Mary S. Mallard, 17 de novembro de 1865 (pp. 1307-9); Mary Jones a Mary S. Mallard, 9 de dezembro de 1865 (pp. 1311-3); Mary

; 4

Chesnut, Diary from Dixie, pp. 486, 92-3, 293, 354. 4 Manigault Diary, maio de 1862, 12 de junho d ] 22 de março de 1867, e 1862-1867, passim. Rawick (org.), S.C. Narr., II (2), 82. E Mary A.H. Gay, Life in Dixie during the war, 186] (Atlanta, Ga., 1901), p. 286. Thomas Journal, 1865. E.F. Andrews, War-time journal of a Georgia gi

Jones a Mary

1291-3);

Jones, 7 de dezembro «

1863 (pp. 1121-2); Mary Jones a Mary S. Mallard, 5 é fevereiro de 1864 (pp. 1140-1); Eva B. Jones a Mai

Jones, 13 de junho de 1865 (pp. 1273-4); Eva B. Jone

a Mary Jones, 14 de julho de 1865 (pp. 1280-1); M - Jones a Eva B, Jones, 5 de agosto de 1865 (pp. 1286-7)

55. 364.

565. 366. 367. 368.

Elise Young a W.N. Mercer, 28 de dezembro de 1853, e Wilmer Shields a W.N. Mercer, 19 de dezembro de 1865, nos Documentos Mercer. Agnew Diary, 29 de outubro de 1862, 31 de outubro de 1862,

1.º de novembro

de 1862

(II, 191-4).

Citado por Wiley em Southern Negroes, p. 52, n.º 43; quanto ao Alabama, ver W.T. Jordan, Hugh Davis, pp. 155-66. Rawick (org.), Texas Narr., IV (2), 8; V (3), 53, 83-4. Yetman (org.), Life under the “peculiar institution”, pp. 280, 321,

118.

Citado por Armstead L. Robinson em “In the aftermath of slavery: blacks and Reconstruction in Memphis, 18651870”, tese de graduação não-publicada, Yale University,

1969, p. 96.

189

369. 370.

Rawick (org.), Texas Narr., IV (4), 23, 54. Charles H. Bohner, John Pendleton Kenn edy; genilen

PARTE 2

from Baltimore (Baltimore, 1941), p. 169; Smedes, | thern planter, pp. 219-20;

Rawick

(org.), S.C. Narr

.. € os filhos que fiz crescer

(2), 90, 113, 222, 261; III (3), 132, 205; Texas Narr (1), 110, 120, 122, 132, 142, 254, 295; depoimento

371. 372.

outros Estados podem ser consultados aleat oriame:

n J.B. Grimball Diary, 3 de março de 1862, 17 de i de 1863; M.M, Grimball Diary, 22 de março de 18 6: Para uma análise mais sensível da situação na Caro do Sul, ver Carol Rothrock Bleser, The Promised

373.

The South Carolina Land Commission: a stu dyof construction institution (Columbia, S.C,, 1969) .

A melhor apresentação geral da desin tegração do. nalismo no pós-guerra ainda é Strange caree r of Jim de Woodward; mas há muito já se faz necessár estudo mais amplo e abrangente. h 374. Citado por May em “Medical care of blacks in Lo na”, p. 56. 375. Wise, End of an era, p. 74. 376. Tal como transcrito por Manigault, Plantation book,

Lk

Ouvi, ó céus, prestai atenção, ó terra, porque

a.

o Senhor está falando: Criei filhos e filos crescer, mas eles se rebelaram contra mim. Isaías

1:2

* Os nascidos na casa senhorial ã ingué “Nas mãos de ninguém”, escreveu Susan Dabney Sm edes ; filha nostálgica e romântica de um grande senhor rural, dignidade da família estava tão segura quanto nas dos pes vos negros (...) Eles aumentavam em muito a impor di de seus proprietários, e logo se sentiam insultados se aa espécie de calúnia fosse lançada contra a família do sen a “€

Os

negros,

acrescenta

ela,

“eram

aristocratas

por

natureza”.

Sem se dar conta de todas as implicações de seu ato, a sra. Smedes falou de um

dos escravos da família, que levara uma puto

de seu pai a um vizinho analfabeto. Embaraçado, o vizin É fingiu que não conseguia entender a letra do sr. Eira ha escravo, indignado, retorquiu que seu penhor Sra muito be educado, e sua caligrafia não podia ser ruim: “É o senhor ae não sabe ler!”! O amo conseguira uma vantagem para alardear desprezo por um entar branco, que pela lei e pelos costumes j eito e deferência. j ag os escravos um ethos genuinamente aristocrático, caracterizado por algo mais, além de uma busca passiva de identificação com os fortes. Os sulistas brancos nunca deixaram de se referir ao orgulho que os escravos sentiam por per190

191

tencer à família de um grande fazendeiro, e depoimentos d próprios escravos corroboram esta assertiva; mas os brafi viam apenas a inveja e a pretensão; não percebiam algo 1 profundo.? Um número tão elevado de negros afirmou as entrevistadores ter vivido em plantações com centenas de. cravos que ficam patentes o exagero ou a deturpação da branças. Num assomo bastante comum, Charles Davenpo

Mississípi, declarou: “Aquela era apenas uma das prop des do marster, porque ele era um dos senhores mais

de posição mais alta de toda a região. Estou dizendo a verda

rice

a gente não pertencia a um branco qualquer”. Por outro la escravos do Alto Sul, mandados para a região açucareira, bavam-se de ter vindo da “Old Ferginny” [Velha Virg já

te a muitas outras inferiores:

cantadas

pelos

brancos

das classes

partiu,

Um soldado negro do regimento do coronel Higginson ta vez vociferou: “Não tenho os princípios das pessoas d Tenho os princípios dos cavalheiros brancos. Faço o m que posso”.º Charles S. Sydnor, excelente historiador su viu este complexo de comportamentos com muito mais c que a maioria dos demais. Citou o exemplo de um admin dor de uma família do Mississípi, que reprovou a escolha de professor particular, há pouco tempo empregado na casa: “ Deus, que espécie de homem o amo foi arranjar para ed seus filhos! Não sabe nem montar a cavalo!” Sydnor com que para os sulistas, negros ou brancos, montar a cavalo presentava um símbolo visível de um determinado tipo vida”, é à ordem.

ta do Norte, escreveu em

Como

Ware,

abolicio ni

1863 nas Sea Islands, os escravo:

bertos “odeiam qualquer mudança 192

Harriet

nada

se

compara

a ter

uma

pessoa

formos

sensata

obedientes

ção especial: personalizava tudo. “O sr, Lincum”, observou Isaac

Nesta exigência de fazer corretamente as coisas, estava im o respeito

mas

Só aqueles que fantasiam, e portanto não respeitam, as classes trabalhadoras não entendem seu profundo apego “à lei e à ordem”. A vida já é bastante difícil sem incertezas e “confusão”. Mesmo uma ordem injusta e opressiva é preferível a nenhuma. Pessoas que tiveram experiências tão enriquecedoras quanto as dos mais humildes escravos logo desconfiam de panacéias utópicas. Como expôs Maquiavel de forma tão brilhante, a maioria das pessoas se recusa a acreditar no que não vivenciou. Este negativismo tem de ser encarado como um desaflo, para se poder demonstrar que uma ordem social melhor, mais firme e mais justa pode substituir outra, prestes a desmoronar. Mas este conservadorismo inato, que deriva de uma sabedoria enraizada na grande experiência dos desastres decorrentes de ações de tolos bem-intencionados, pode vir a se tornar uma poderosa força positiva e transformar-se, quando necessário, numa alternativa construtiva e válida paraa segurança mantida com firmeza.º Este mesmo conservadorismo implica, no mínimo, uma série de expectativas que podem, caso não se concretizem, originar explosões de violência aparentemente : irracionais. configurauma assumiu ordem de noção a Nos escravos,

rui

Riacho Harper e rio turbulento, Thar, meu bem, viveremos para sempre; Depois iremos para a terra Ingin. Tudo o que eu quero neste mundo É uma esposinha bonita e uma grande plantation. *

plícito

Diga a meu marster que eu penso dele tudo de bom e adoraria vêlo outra vez subindo a colina com seus passos majestosos (...) Diga à senhora que espero receber em breve a notícia de que ela se restabeleceu, e que aguardamos com ansiedade o momento em que ela voltará para nos dar ordens, para que tudo funcione como deve e como ela gosta (...) Fizemos o que pudemos desde que ela para dirigir as coisas (...) e se nós tudo correrá bem e facilmente...

Solomon Northup recordou uma cantiga de escravos, semell

da Virgínia,

fla Lethe Jackson, jardineira de uma plantation escreveu a sua jovem senhora, Virgínia Campbell:

h

ou confusão”.” Anos antes

Stier, ex-escravo de Natchez, “era um bom homem, mas me disseram que era pobre e suas roupas não eram grande coisa. Foi por isso que ele nunca entendeu o que a gente sentia pelos brancos. É preciso ter um certo nível para entender essas 195

coisas.” 'º Na tão falada e difamada identificação dos escravi com

seus senhores,

sobretudo

os mais

ricos, entravam

sem di

vida elementos de servilismo, inveja e idolatria. Porém, num deixava de haver respeito pelo “nível”. O lado brutal e vil |

vida de seus senhores não decepcionava absolutamente os | gros. Mas eles, ao mostrarem

admiração pelos aspectos arisl

cráticos da vida do Sul, estabeleceram, para si mesmos, pad

elevados. Perceberam que os senhores mais patriarcais guiam manter-se garbosos, dignos, corteses e controlados situações mais difíceis. Seria impossível aos escravos não rarem tais qualidades. Ao que parece, porém, eles perdi a noção

de que várias destas virtudes

foram trazidas da

por seus antepassados e haviam contribuído para mol modo de vida característico do Sul. Os negros não perceb portanto,

que

sua influência

sobre

os brancos

fora tão im

tante quanto a dos brancos sobre eles. E infelizmente pa Sul branco, como ressaltaram William Faulkner e Ralph Ell talvez os escravos tenham levado essas qualidades muito | a sério que as próprias pessoas com que emulavam. " A absorção pelos escravos do ethos aristocrático, como seu arraigado sentido de ordem são patentes em sua. tribuição para o tipo de comportamento que se tornou c cido como cortesia sulista. Negros e brancos ajudaram a d Sul a merecida reputação de cortesia formal e gentilez faz parte de seu ethos aristocrático. A contribuição de de outros, é claro, foi diferente. Nas relações dos brancos outros brancos notava-se sempre um formalismo sóbri causava admiração aos forasteiros e, mais que isso, OS P) gia de serem mortos, numa região onde os ânimos se exal facilmente e tudo contribuía para estimular um sentiment exacerbado de honra pessoal. Nas relações dos negros . outros negros percebia-se algo semelhante, embora com mi intensidade. Fanny Kemble fala da “cortesia e da afável co descendência” dos escravos, e de suas boas maneiras, que, gundo ela, se deviam mais à herança africana que à escravi Sua filha, cujos pontos de vista eram bastante racistas, €

a mesma coisa trinta anos mais tarde. Referindo-se a um fessor da região, homem grosseiro, ela observou: “Esper ele venha a aprender alguma coisa com os negros, em retri 194

qão por lhes ensinar o que está nos livros; os negros são muito gentis e se portam com muita cortesia”. !? A observação da sra. Kemble quanto ao ai africano fol realmente perspicaz, pois é inegável que as complexas conlições sociais da África geraram padrões elevados de cortesia formal e de boas maneiras. "* Os sulistas brancos possuíam suas próprias tradições, florescidas no seio de uma sociedade onde lodo homem precisava se manter alerta e onde estavam prementes as tendências mas quais geralmente se apóiam o poder senhorial e a condescendência a ele correlata. A cortesia sulista nasceu da interação desses comportamentos de negros e

brancos.

A cortesia formal tornou-se uma arma de defesa para os brancos e, mais ainda, para os negros. Em seu estudo sobre a “etiqueta das relações raciais”, Bertram Wilbur Doyle escreve que os escravos, a partir de um certo padrão de deferência que os brancos se sentiam no dever de impor, criaram um pairão bem definido de conduta defensiva. '! Conheci este tipo do cortesia na primeira vez em que fui ao Extremo Sul, nos anos 50. Vários negros sulistas ainda se mostravam obsequiosos diante dos brancos. Eu, forasteiro com um forte sotaque do Brooklyn, precisava muitas vezes pedir informações e ajuda h pessoas das quais não tinha nenhum motivo para esperar amabilidade. Tanto brancos como negros sempre me atendetim com muita gentileza. Certos negros chegavam a parecer bajuladores. Mas, quando eu já estava lá há alguns dias, tive de admitir que havia uma curiosa diferença entre as atitudes de negros

e brancos.

Um

branco,

se necessário, interromperia

o

que estivesse fazendo e me levaria pelo braço, para ter certeum de que eu não me perderia. Certa vez fui tratado com esta mesma cortesia por pessoas que estavam num salão de jogo e mostravam todas as características dos arruaceiros tão meus conhecidos em Nova Iorque, e estes dão aos forasteiros uma acolhida que não receberia a aprovação dos: céus. Por outro lado, 08 negros, tão prestativos e bajuladores, nunca, nem uma única vez, me deram informações corretas. Ou me indicavam a direção errada, ou então eu era obrigado a concluir que um sujeito que evidentemente vivera sempre naquela cidade e cujas maneiras eram irrepreensíveis não conseguia saber onde ficava a tua principal, Recordei esses incidentes ao ler em Second Visit, 195

de Lyell, o seguinte trecho: “Aqui, os negros não têm abs; lutamente as maneiras de uma raça oprimida”. Acrescentou « se mostravam muito corteses, mas jamais faziam o que não q 1 riam fazer. * E Outro incidente bem ilustrativo do lado desagradável & cortesia sulista se deu em Nova Orleans, quando ainda h segregação racial nos transportes públicos. Várias pessoas |

ziam fila para tomar um Ônibus, sob um calor de 40 graus

entre elas estava uma jovem negra, grávida. Fiquei obsery do cerca de doze homens brancos, bem vestidos, tomare ônibus, enquanto a moça esperava, debaixo de um sol insupo vel. Como Nova Orleans não é Nova Iorque, tenho certeza | que todos aqueles homens prefeririam cortar o braço direi tratar daquela forma uma branca. Acredito também que m deles ficaram bastante constrangidos por terem de agir com uma negra, por não terem coragem de se portar como

humanos civilizados ou, pelo menos, como cavalheiros su

Mas evidentemente não se espera que um cavalheiro sui seja cortês com uma negra, ou sequer repare nela. Não por acaso que, nos velhos tempos, chamavam-se as negras “garotas” (ou de “mulheres”, numa contraposição flagran e “damas”) ou, então, com menos sutileza, de “vagabundas”, W.

E. B. Du

Bois, que foi, de todos os homens

que

a honra de conhecer, o que mais se aproximou da noção de & tocrata, escreveu o seguinte:

pelo comportamento dos brancos mais refinados com quem os negros conviviam. A cortesia se tornou, antes de tudo, um ins(rumento, no esforço deliberado dos negros, para cuidarem uns dos outros, em sua penosa luta para viver com decoro. Como atestam quase todos os depoimentos, de brancos e de negros, estes últimos tratavam-se entre si do mesmo modo como tratavam os brancos, porém sem a dissimulação sob a qual se protegiam. O sistema opressivo os forçava a ter boas maneiras com pessoas que não faziam parte de seu próprio grupo, embora não recebessem delas tratamento igual. Mas até se poderia dizer, sem desmerecer de modo algumas maneiras finíssimas dos brancos sulistas antes da guerra, que talvez fosse mais fácil encontrar nas

senzalas,

e não

na

casa-grande,

os melhores

exemplos

de

cavalheiros e damas sulistas, não os mais requintados, porém os mais representativos. A versão escrava do ethos sulista apresentava uma qualidade especial. Diz Fredrika Bremer: “Quando Bernsdorf, o grande estadista dinamarquês, emancipou os servos camponeses de sua propriedade, estes se reuniram e lhe imploraram, entre lágrimas, que não os abandonasse e continuasse a ser seu amo e senhor paternal...” Segundo a srta. Bremer, ele se recusou, e diga aos servos que seus filhos e netos um dia iriam entender.” No Black Belt da primeira metade do século XX, o sociólogo Charles S. Johnson chegou à seguinte conclusão: “Os negros que ainda vivem no campo adotam, ao que parece, uma regra de

com a menor dificuldade, vida inamovível. Ao se defrontarem

Havia dois tipos de situações em que era difícil ser co aquelas em que a cortesia levava à condenação públi e aquelas em que a própria cortesia exigia que se | se descortês (...) Se um negro se mostrasse cortês c um branco, tal cortesia devia ser aceita como algo do, ou então recusada com indignação; e, mesmo

procuram a proteção de uma família branca”. Johnson acrescenta que tal atitude demonstra algo mais que medo. “Existe”, observa ele, “por parte de alguns senhores rurais, um paternalismo firme e solidário em relação aos negros que dependem

deles, os quais percebem isto.”



fosse aceita com benevolência, o negro sabia perfeitam

Nota-se aí uma forma especial, que vai além da dependência racial, de se relacionar com uma ou mais pessoas em particular.

zava por ter sido cavalheiro. !

às voltas com este problema. Quando diziam aos negros libertos que era preciso obedecer ao governo, deparavam-se com olhares

te que sua mulher e seu filho jamais receberiam co igual por parte de brancos e, até certo ponto, se de:

Os abolicionistas que foram para as Sea Islands logo se viram

desconcertados. Obedecia-se a pessoas, a determinados seres huA cortesia formal que os escravos demonstravam para c os brancos não se devia apenas a sua condição servil, mas bém a uma noção de justiça herdada da África e confi 196

manos. O que era um governo? O assassinato de Lincoln deixou os escravos perplexos não só porque eles amavam o presidente como a um libertador, mas também porque para eles era 197

tem um branco valente por perto numa época assim, quando todos os negros estão apavorados!” Tia Nicey Pugh, ex-escrava do Alabama, foi mais longe:

muito difícil imaginar que o governo, que os protegia, pud subsistir sem Lincoln, ou sequer tivesse existido sem ele. Os senhores já tinham entendido perfeitamente este portamento dos escravos. Na introdução de seu diário, Edmui Ruffin diz que transferira sua propriedade pará o nome filhos, e estes haviam contratado um administrador. Tentou

plicar a mudança a seus escravos. “Porém”, observa ele, tinha certeza de que os negros continuariam

a me

“e

consideré

seu senhor e juiz de suas contendas e que os novos donos ní conseguiriam impor plenamente sua autoridade e sua von Continuariam a ver em mim o pai e o chefe da família, e a considerar como tal.” !” Em artigo não assinado, publicado dos principais periódicos rurais da época, aparece em destag uma importante característica desse relacionamento: Cabe aos próprios senhores prover a subsistência dos | cravos, e assim criar neles o hábito da dependência ab; luta.

Se

permitirem,

ainda

que

uma

única

vez,

que

negros pensem que devem prover a própria subsistên estarão dando a eles um direito inegável de reclamare parte de seu tempo para tratarem disso; e se por nec

dade ou por qualquer outro motivo não lhes concede: este tempo, haverá grande descontentamento e decepção Morris

Sheperd,

ex-escravo

do

Oklahoma,

deu

a esta assc

dos brancos uma versão diferente. Seus filhos lhe contaram Lincoln o libertara, mas ele não acreditou. Acreditava qu próprio senhor o tivesse feito, pois jamais recebera coisa alg ma de um nortista. ? A tendência a identificar esse aspecto protetor do paté nalismo com um determinado amo e a ter este amo em m

alta conta transparece no comentário de um barqueiro ne, ao coronel Miles, do Exército Confederado. O que ele disse bastante revelador, apesar de ser, sob certo aspecto, eviden mente “afetado”. Quando o coronel Miles lhe perguntou se n: temia o canhão do coronel Anderson, ele respondeu: “Não, marse Anderson não ousaria me atacar. Ele sabe que o marst não deixaria”. ? Miemy Johnson, ex-escrava da Carolinado S falou de como seu senhor se comportara núma circunstânc: ocorrida muito depois da guerra: “É muito bom saber que

Fosse como fosse, seus brancos, aqueles foram tempos felizes para os pretos. Claro que a gente não tinha as vantagens que tem hoje, mas tinha algumas coisas que hoje não tem, e uma delas era a segurança. É, a gente tinha a quem recorrer quando estava com problemas. Tinha o massa que lutava por nós e nos ajudava, e ria e chorava com a gente. Tinha a mistus que tratava da gente na doença, e nos consolava depois dos castigos. George

Young,

do Alabama,

foi mais longe

ainda:

“Nem

todo

mundo pode mandar, como acontece agora. Os fortes é que devem mandar”. * Tais idéias não morreram com a guerra. As cantigas de trabalho dos negros do Novo Sul falam sempre do “capitão” branco, que geralmente é descrito como um homem mesquinho, mas também digno de admiração por sua firmeza, sua força e seu poder. * Em termos mais amplos, Ambrósio Donini faz ver que em todas as sociedades onde havia escravos e senhores destaca-se a figura do padrone, que ao mesmo tempo protege e explora, alimenta e castiga. Portanto, quando os povos buscam um salvador, seja deste mundo ou do outro, tendem a dar-lhe sempre a mesma configuração, e assim restringem o próprio ato da rebelião. ? Foi talvez desta maneira, mais que de qualquer outra, que o fato de os escravos terem aceito o ethos aristocrático os deixou presos a uma relação de dependência. Era uma situação potencial perigosa; mas na contribuição dos escravos ao ethos aristocrático revelam-se outros aspectos de grande importância, como por exemplo o surgimento, entre os escravos, de um acentuado sentimento de vergonha. Para entender isso, é preciso considerar que se manifestava entre os senhores uma tendência oposta. No século XIX, os senhores de escravos do Sul não se sentiam culpados por possuírem escravos. Para eles, seu mundo era incontestáyel. No entanto, alguns historiadores mais sensíveis e cultos observaram, no comportamento deles, o peso da culpa. De certa forma, não se enganaram. A civilização anglo-saxônica herdada pelos brancos do Sul basea199

198

va-se em religiões que acentuavam intensamente o sentin de culpa inerente, talvez, à humanidade. E por isso mes preciso pesquisar a possibilidade de o relacionamento d nhores com seus escravos ser entendido nestes termos. El sentiam culpados por tudo. Nesse caso, porém, tudo é o mes que nada. Os sentimentos de culpa, ao se manifestarem, bavam sendo um assunto pessoal. E a reação dos senhores escravidão não pode em absoluto ser interpretada como ui forma difusa, e em última análise autocomplacente, de expresi esse tipo de sensibilidade. Porém, tendo em vista objetivos m amplos, não é de todo descabido considerar a cultura s branca uma cultura culpada, quando mais não seja para p ver no Sul negro o que seria seu reverso, ou seja, uma cu envergonhada. “Toda sociedade que impõe padrões absolut moralidade e se fundamenta na evolução da consciência do mens é, por definição, uma sociedade culpada”, escreve Benedict. “Todavia, os homens que vivem em sociedades como é o caso nos Estados Unidos, ainda sofrem, além d de vergonha, quando se acusam de falhas que não são de n algum pecados.” E prossegue: “A vergonha é a reação à c das outras pessoas. Um homem se envergonha quando é ab mente ridicularizado e rejeitado...” * Isto não encerra o. bate sobre a significação da culpa na cultura branca do mas

em: termos

antropológicos,

como

os

expostos

acima, |

foi uma cultura culpada; e a cultura negra do Sul, tal come da África, foi uma cultura envergonhada. q A vergonha, como diz Helen Merrel Lynd em seu. a aceitação de padrões que não se conseguiu atingir. Esta tica, característica das culturas culpadas, não se aplica a caso, uu, pelo menos, não mais que a qualquer outro caso . envolva certo grau de culpa e vergonha. A vergonha faria pensar

em

equivaleu revelar

não

adaptação.

O

ao que os brancos

a verdadeira

face

do

sentimento

que,

viram: como outro,

entre

os ne

traição, ao se

nasceu

de

uma

vergonl

intensamente manifesta em sua experiência. Escreve a sta. Lynk * Numa experiência de vergonha, a confiança fica seriameni

abalada, ou é destruída. A ênfase passa de um exirem para 200

outro:

do questionamento

da

própria

UNICAMP BIBLIOTECA CENTRAL SEÇÃO CIRCULAN

adaptação

questionamento dos valores do mundo real, que contradizem tão flagrantemente as expectativas propostas. De qualquer forma, uma discrepância subitamente revelada abala a confiança. A dificuldade de admitir a culpa para si mesmo advém em parte da relutância em reconhecer que se construiu o mundo onde se vive sobre premissas falsas e que os outros podem reagir de modos diversos do que se esperava. ? Os senhores de escravos tinham plena consciência do que slgnificava a vergonha nas senzalas. Bennet H. Barrow, da Luilana, quando quis castigar um escravo fujão, pensou em expô-lo sobre um palanque, na senzala, no dia de Natal, com um gorro vermelho na cabeça. ? Um senhor da Virgínia devolveu no negociante de escravos uma negra costureira que acabara de comprar, porque ela, embora se esforçasse, era muito fraca e não estava bem preparada para o serviço. Na resposta que escreveu ao senhor, o negociante de escravos disse que a mulher rompera em pranto ao se saber “rejeitada”. ” Em 1865, em Rowan

County,

Carolina

do Norte,

John

Richard

Dennett

en-

controu um escravo a quem a senhora ainda não informara que ele estava livre, embora ele já soubesse. Mesmo assim, tinha decidido trabalhar até o Natal e só depois partir, caso não fosse pago. Por quê? “Bem, senhor”, explicou o negro, “tenho vergonha de dizer alguma coisa a ela.” ” Ele podia ter vergonha. por si mesmo ou por ela; mas, se fosse por ela, isto era uma prova a mais da identificação paternalística. O forte sentimento de vergonha entre os escravos ajuda a explicar o orgulho de

pertencer a senhores “de nível”, orgulho que tantos historiadores da época e também tantos outros, posteriores, interpretaram como servilismo. Numa relação baseada em obrigações recíprocas, o orgulho de pertencer a um cavalheiro rico e poderoso era o reverso da vergonha de pertencer a brancos pobres, pois era impossível aos escravos não se identificarem com seus senhores e não compartilhar da vergonha que, a seu ver, seus senhores cruéis, indiferentes e negligentes deveriam sentir. Este forte sentimento de vergonha, de orgulho ferido, aumentava a resistência aos insultos. O administrador de James Knox Polk justificou a maneira como tratara um escravo foragido afirmando que o escravo não fora “de modo algum insultado”.* 201

| | | | | | |

E, em 1865, um escravo da Geórgia, capturado pelos ianques, voltou para o seu senhor. Os ianques tinham rido de seu jeil esquisito de falar. Não tinham sido “polidos”, nem respeitad seus “sentimentos”. 2 A vergonha se tornaria uma temível arma de defesa, e até levaria a consegiiências sinistras. Certo escravo, que nunca fori açoitado, recebeu pela primeira vez este tipo de castigo ao sei injustamente acusado de negligência quando o filho do amo si

|

machucou. Ele tomou de um machado e decepou a mão direita

|

exclamando:

“Vocês

me

humilharam,

por

isto não

terei

serventia para vocês. E agora terão de me sustentar enquanto viver”.º A vergonha e o orgulho viril eram inseparáveis. não tivessem um forte sentimento de vergonha e por mais os senhores conseguissem tirar partido disso em proveito prio, os escravos não teriam desenvolvido tal orgulho, que para eles um meio de se defender e de afirmar sua pe nalidade. Sem este orgulho, não teriam surgido figuras Prince Lambkin, incrível personagem, embora pouco dec tado, do regimento do coronel Higginson, que descreveu

des coisas quando me tornasse homem. Eu fiquei muito vaidoso. Nem Júlio César aspirou mais à coroa imperial e conspirou com mais ambição para conquistá-la do que eu fiz para capinar melhor, ceifar melhor, debulhar melhor, dançar melhor, fazer tudo melhor que meus rivais; mas só

consegui tal sucesso pela metade. Uma palavra de elogio do despotazinho que nos dominava me daria forças por um mês. é Um homem tão orgulhoso podia envergonhar-se, mas dificilmente receberia insultos de uma senzala qualquer. Os relatos que apresentamos revelam ao mesmo tempo a dependência dos escravos com relação a seus senhores, sua acomodação e seu orgulho, tudo aquilo que, em bloco, formou a base para a destruição do relacionamento paternalista. Tal dialética é esclarecida pela noção de reciprocidade, subjacente, por vias contraditórias, ao modo como senhores e escravos entendiam o paternalismo.

comerciante alemão dizendo o seguinte: “Seu coração é o d um verdadeiro homem de cor”.** Não surgiria tampouco um

Os bons senhores

personalidade tão notável como Sue, escrava doméstica eficiente e simpática da família de C. C. Jones. Apesar de fidelidade aos Jones, foi ela quem mais se empenhou em

Se tomarmos ao pé da letra as declarações dos escravos, a interpretação da escravidão como um mar de rosas pode até parecer razoável. É claro que muitos falaram de “maus senho-

vencer os escravos libertos a não voltarem ao serviço da fam

res”, mas um número

em 1866. E isto porque seu marido tinha preferido partir, e naturalmente, partiu com ele. A sra. Jones tentou convencê-

ficar, e, como

não conseguiu,

mente.

depois,

Porém

mais

inandou

calma,

tasse em voltar, caso não estivesse a seguinte resposta: “Não, ma'am, nhora me mandou embora”. * Sue As duas faces do complexo testemunho de Josiah Henson:

disse

que se fosse imedi a Sue

que

não

h

sendo bem tratada, recebe jamais voltarei, porque a fora insultada. de vergonha são patentes

Quando rapaz, eu era vivo como um cervo, e corria com se fosse um bicho. Era eu quem corria mais depre quem lutava melhor e quem pulava mais alto (...) Pc isso meu senhor e os escravos meus companheiros me ac! vam um sujeito espertíssimo e diziam que eu ia fazer grai

imensamente maior referiu-se a “bom

massa” ou ao melhor massa do mundo”. Mesmo ex-escravos menos entusiastas negaram maus-tratos e afirmaram que seus senhores, embora não sendo especialmente generosos ou amáveis, portavam-se com correção. ” Vez por outra, há avaliações mais equilibradas, feitas de modo lacônico: “Alguns de nós tinham bons senhores, e outros tinham senhores maus...” * Martin Jackson, do Texas, que vivera muito bem como filho de um

cozinheiro

do

Exército

Confederado,

aos

noventa

anos,

mas

ainda lúcido e capaz de se expressar bem, advertiu-nos para uma das ciladas ocultas nos depoimentos: Muitos antigos escravos só dizem a verdade sobre os tempos da escravidão a portas fechadas. Abertamente, dizem que seus senhores eram ótimos e que tudo era maravilhoso. 203

202 GuicasP EESIOTECA centros

Não se pode culpá-los por isso, porque antes eles foran muito castigados, e agora tomam cuidado quando têm « dizer qualquer coisa desabonadora sobre seus senhores. É por mim, estava numa situação um pouco diferente da | muitos escravos, e por isso não tenho queixas nem resse timentos. No entanto, posso afirmar que a vida dos esci vos, de modo geral, não era nada fácil. Eles tiveram «

passar por muitos sofrimentos. *? As condições de vida e as experiências foram as mais riadas, mas o importante é conhecer os critérios de avalia utilizados pelos próprios escravos: quais eram suas ex: tivas? Como sentiam eles que deviam agir? Os compilado: inestimável livro baseado em depoimentos de escravos, The gro in Virginia, fazem uma observação bastante útil: “É significativo o fato de os negros geralmente dizerem que

condições eram muito piores 'na plantation vizinha” ”.

A

vação pode ser interpretada de duas maneiras. Os que em plantations de senhores cruéis viam outros viverem bem. lhor, e assim percebiam que sua própria condição não era £ geral; já os que viviam em condições mais razoáveis não pod

considerar tão ruim o relacionamento senhor-escravo. Quase | dos os escravos tiveram bons e maus senhores. Ou tinham tencido a mais de um senhor, ou o senhor e a senhora se portavam de modo diferente para com eles, ou o administrad era diferente do senhor, ou ço viam outros senhores da r agirem de modo diverso do seu.* Há discordâncias entre os escravos quanto à definição que

seria um

bom

senhor,

mas

num

determinado

ponto

to

concordam: um senhor bom era o que alimentava, vestia e a gava seus escravos dentro de certos padrões" de decoro, como entendiam senhores e escravos. Em épocas de dificuld econômicas, os escravos viam seu senhor se esforçar muit até lhe desculpavam algumas falhas; para a maioria, po desculpas não significavam grande coisa. Eles esperavam ber o mínimo a que tinham direito. Um bom senhor era o q permitia a seus escravos terem feriados e se divertir, e € principalmente, aquele que não interferia na vida religiosa negros. Fora deste mínimo de concordância, os critérios de a: liação adotados pelos escravos diferiam. Com raras exceçõ 204

eles não se queixavam dos açoites, método de castigo bastante fomum; mas queixavam-se de ser açoitados com crueldade, em Excesso, e sobretudo de modo arbitrário. Um senhor que reporresse ao açoite com demasiada frequência ou demasiado rifor arriscava-se a ser odiado. Senhores que não respeitassem fentimentos familiares ou que separassem maridos e mulheres eram sem dúvida odiados. Os escravos sofriam com a venda de seus filhos, mas aceitavam-na como inevitável; podiam sofrer muito, mas

não odiariam necessariamente

um

senhor por causa

disso. Um casal que se amasse de verdade, porém, jamais aceitaria ser separado. Os escravos estabeleceram suas próprias prioridades. Alguns, em determinadas circunstâncias, podiam suportar grandes privações, mas suportavam bem menos em circunstâncias diferentes. O que certos escravos suportavam nem sempre era o que outros suportariam. Poucos esperavam que seus senhores fossem santos e tivessem de ser perfeitos em tudo. Os “melhores senhores do mundo” até se aproximaram bastante deste elevado conceito. Os “senhores maus” em geral eram maus mesmo. Para julgar os senhores que ficavam em categorias intermediárias destes dois extremos, os escravos tinham critérios próprios, mas empenhavam-se em suportar da melhor maneira possível o

que tivesse de ser suportado, como se pode depreender do depoimento de um ex-escravo, que, por ter sido prestado bem depois da emancipação, revela, talvez até com exagero, um sentimento bastante comum entre os escravos: “Bem, a senhora era tão boa quanto a maioria das brancas. Foi a melhor branca que eu conheci, mas você sabe, meu bem, isto não quer dizer muita coisa, porque todos eles odiavam os pobres negros”. “ Diversas contradições aparentes são explicadas pelo fato de os escravos, às vezes, mudarem

suas prioridades.

Certos

es-

cravos classificaram de '““bondosos” senhores que não apenas recorriam ao chicote com fregiiência como também separavam [amílias e até traficavam negros. Referindo-se a um senhor que traficava negros, um ex-escravo da Geórgia declarou: “Era um bom homem, e muitos escravos ficaram com ele na fazenda, depois de livres”. ? Já outros escravos considerariam criminoso um senhor assim, ainda que os tratasse bem e lhes concedesse muitas horas de lazer. 205

Reações de tal modo diversas revelam não mento em si mesmo pleno de significação como aceitação do estado de coisas; não demonstram sim uma adaptação realista a uma dada situação. partir

deste

ato de submissão

condicional,

só um jul também u preferências Exatamente

os escravos

o paternalismo,

conseguiram,

mites de um relacionamento direitos e que a transgressão sempre um ato de injustiça. não consistia em avaliar se a conveniente,

e sim

em

mesmo

sem

romper

os

tão injusto, perceber que tinh: desses direitos pelos brancos se Para os escravos, a questão práti escravidão era ou não uma rela

sobreviver,

dentro

desse

regime,

com

maior autodeterminação possível. Teria mesmo um número tão grande de escravos preferil a escravidão, como afirmaram tantos brancos, que nem por is deixaram de tomar medidas para esmagar as atividades abo cionistas e para impedir insurreições? “Por vezes”, disse Anni Flowers, ex-escrava da Luisiana, “penso que aqueles tempo eram melhores; outras vezes acho que os de hoje são melho Já passei por tantas coisas, já estou tão velha, e ainda não tenh certeza de nada. Não sei.”

E Jane Booker acrescentou: “As ve

eu achava que queria ser livre, mas quando não era, con melhor do que agora”. Andrew Goodman, aos 97 ant declarou: Nasci na escravidão e acho que aquele tempo foi mel para os pretos que os tempos que vivemos agora. Uma sa é verdade: eu nunca senti fome nem frio enquanto velho amo viveu, e depois que ele morreu tive fome e

muitas vezes. À vezes penso que marse lhor homem que Deus fez (...) Os quando disseram a eles que estavam sabiam para onde ir e sempre tinham cuidar deles.

Goodman foi o n escravos chorara livres, porque tido o marse

Abram Harris, que vivia na Carolina do Sul, numa pequei fazenda de um senhor muito bom, pensara: “Depois que a ge te ficar livre, os brancos vão ter de ensinar tudo à gente, con se ensina a uma criança”. * Outro ex-escravo, recordando cor o senhor lhes anunciara a emancipação, comentou o seguin 206

à

estão sintetizados todos esses sentimentos:

vieram

a criar seu espaço vital, dentro das dimensões possíveis. Aceis tando

“Os pretos ficaram imaginando o que iriam fazer, porque sempre tinham cuidado dos brancos e não sabiam como cuidar de si mesmos”, é No depoimento de Henri Necaise, do Mississípi,

Para falar a verdade, o , mim melhor do que eu Quando a gente era fazer. Ele dizia: “Henri,

fato é que meu amo cuidava de consigo me cuidar agora. escravo, o marster nos dizia o que faça isto, faça aquilo”. E eu fazia.

E a gente não precisava se preocupar com a comida, nem com os sapatos e as calças. A comida e a roupa que me davam eram melhores que as que eu consigo agora. Depois de acusar os aventureiros ianques de terem destruído o país, ele prosseguiu: Eles se foram e nos deixaram perdidos, como gado, e não nos ensinaram nada nem nos deram nada (...) Deviam

ter dado uma fazendinha para cada um de nós, e ter deixado madeira para a gente construir casas. Deviam ter deixado um senhor branco para nós, para nos dar ordens e nos fazer trabalhar, mas só nos deixaram livres, em vez de escravos. 7 Alguns escravos se recusaram terminantemente a aceitara liberdade, caso fossem mandados para a Libéria, na África. Preferiam ficar como estavam. * Cerca de 10 mil foram mandados para a Libéria, e lá alguns viveram bem e outros viveram mal, Conseguiram fazer muito, considerando-se as condições desfavoráveis, mas inúmeras vezes mostraram a mesma tirania da qual tinham escapado. Oprimiam, chicoteavam e exploravam os nativos africanos, e não demoraram a retomar os antigos padrões de comportamento, indo procurar em agências públicas o mesmo apoio que se acostumaram a ter enquanto eram escravos. * Os colonos afro-americanos mantiveram uma respeitosa correspondência com seus antigos senhores do Sul. Uma vez que a liberdade lhes viera através destes brancos, era de

esperar que o contato fosse mantido. Mas as cartas muitas vezes continham pedidos de dinheiro, de suprimentos e outros tipos de ajuda, num tom que fazia pensar que tal assistência era um 207

A sensível nostalgia dos velhos e bons tempos, encontraé com perturbadora frequência nos depoimentos de escravos, de ser encarada numa perspectiva limitada. Os entrevistados,

por causa do descontentamento que vai causar entre todos os negros”. Fredrika Bremer conta que uma dama sulista libertou seus escravos, e um deles chegou a conseguir uma boa situação econômica. Mas o filho o levou à falência, e ele, já velho, precisava trabalhar muito para pagar suas dívidas. Sentindo estar perto da morte, procurou sua antiga senhora e lhe pediu que assumisse as dívidas que ainda não pagara, de apenas 15 dólares, para ele

sua maioria, eram crianças na época da escravidão, e não

poder morrer com a consciência em paz. Ela concordou, é claro.

dever. ? No período anterior à guerra, alguns negros alforriad voltaram voluntariamente à condição de escravos, a fim de ti quem os protegesse. A imprensa pró-escravidão dava gr de destaque a casos assim, mas na verdade foram tão io q

não se prestavam a qualquer pretensão propagandística.*!

|

ch

garam a sofrer as piores agruras do sistema. Por isso, Willia Henry Towns, que, quando criança, no Alabama, fora bem tr tado, pôde dizer: “A vida era muito mais feliz no tempo € escravidão porque a gente não sabia nada sobre qualquer out; tipo de vida, nem sobre liberdade”. 2 Quase todos os ex-escrayi na velhice, estavam terrivelmente pobres, e muitos deles, t os que sempre tinham sido contrários ao regime como os num determinado momento passaram a ser, conjeturaram se

estariam melhor, agora que eram velhos, se ainda vivessem plantation do antigo senhor. : Em outro depoimento, revela-se melhor o sentimento ma comum. Victoria Adams, da Carolina do Sul, recusou-se a 2 mitir para os ianques que queria ser livre. Gostava muito« seus amos e não queria magoá-los. Mesmo assim, disse a 8 entrevistador que preferia a liberdade: “Todo negro que prefe os tempos da escravidão é um preguiçoso que não quer faz nada”, “Para mim, ficar livre foi como estar no céu”, exi tou Green Cumby, do Texas, “apesar de sempre ter tido bom senhor. Ele era bom para nós, mas ser livre é outra sa”. Os depoimentos dessas pessoas idosas, já livres há mui

tempo, não representam necessariamente os sentimentos dos € cravos antes da guerra. Mas, se não é verdade o que elas dizer

como explicar a reação histérica dos brancos à mínima nuação de liberdade nas senzalas? Henry Palfrey, senhor de St. Mary's Parish, Luisiana, escreveu ao irmão, Will uma carta desalentada acerca de outro irmão, John Gor Palfrey, que requerera a libertação de todos os escravos qu herdara da propriedade do pai. As autoridades negaram o pi dido, por unanimidade, mas a história saiu nos jornais. “Escre ontem a Gorham”, diz o irritado Henry Palfrey, “e info: do resultado de sua solicitação; lamentei que a tivesse fei 208

Mas lhe perguntou se respondeu que não. A ções, mas ele próprio recém-emancipado, que nfeição, disse com toda para nós como para as

ele era mais feliz quando escravo. Ele liberdade lhe trouxera muitas atribulafora responsável por elas. é Um negro se referia a seu senhor com evidente a simplicidade: “A liberdade é tão boa aves do céu. A escravidão não é assim

tão má, mas a liberdade é muito boa”.*” Apesar das hesitações, da timidez e da cautela, os temas vibrantes de liberdade dos spirituals e os sermões dos pregadores negros das plantations sempre encontraram eco nas senzalas. Os escravos desejavam uma liberdade que lhes desse mais, e não menos, do que tinham na escravidão. Daí haver uma certa amargura e nostalgia nos depoimentos de ex-escravos idosos, porque eles continuavam até certo ponto atraídos não pela escravidão, mas por uma vivência mais sadia de sua doutrina de obrigações

recíprocas. Quanto à questão central da escravidão, quase tudo foi esclarecido. “Quando eu era escrava”, disse Margaret Nullin, do Texas, “não tinha nada, nunca tive nada. Livre, tive minha casa e minha família. Tudo isso me trouxe preocupações, e quando escrava eu não tinha preocupações. Porém prefiro a liberdade”,

Um

escravo

não

Stirling em fins dos anos

identificado

conversou

com

James

1850. Stirling lhe disse ter ouvido

rumores de que os negros preferiam ser escravos e “sua única

resposta foi uma risada de desprezo”. * O pretenso contentamento dos negros em sua situação de escravos, bem como sua lealdade à Confederação, tão alardeada em comícios políticos nos anos seguintes ao fracasso da Reconstrução, não convenceu por completo os senhores durante a guerra. Judah P. Benjamin, o membro mais capaz do governo confederado, e que mudou seus pontos de vista ao ter 209

de encarar a possibilidade da derrota militar, opôs-se à idé armar os escravos, com base em três argumentos: o govêl não teria fundos para indenizar os senhores; os negros mais úteis trabalhando nas plantations ou em construções índice de deserções seria elevadíssimo. O general Beau que manteve uma posição intransigente, evocou o horror Napoleão quanto a um levante popular e jamais duvidou riscos que poderia representar a população negra armada. ciais confederados do Exército do Tennessee, liderados £ general Patrick R. Cleburne, solicitaram a formação de t; negras em 1864, argumentando, para serem atendido: presidente Davis, que a Confederação estava perdendo a e era preciso recorrer a medidas desesperadas. Sabiam, pc que para transformar em força a debilidade da Confed teriam de oferecer liberdade aos negros que se alis “Com a aproximação do inimigo”, ressaltaram, “em breve: as casas estarão cercadas de espiões.” E como se já não. tasse admitir este fato, acrescentaram:

“Os

continuam

a revelar não só seus temores

como também a persistência do mito fundamental que chegava ao fim. Vociferou Howell Cobb:

impli da

o

Creio que a proposta de transformar nossos escravos soldados foi a mais perniciosa das sugeridas desde q guerra começou (...) Não se pode transformar es em soldados, nem soldados em escravos (...) O dia que os escravos se tornarem soldados será o começo: fim da revolução. Se os escravos se revelarem bons sold então toda a nossa teoria sobre a escravidão está erra 210

Examiner

Acostumamo-nos

ecoou:

a pensar, nesta região sulista, que os me-

lhores amigos dos negros são seus senhores (...) Mas agora o presidente dos Estados Confederados apresenta o assunto de uma perspectiva bem diferente. De acordo com sua mensagem, fazer de um negro um selvagem é uma ótima recompensa por seus fiéis serviços. (...) Se for assim, a escravidão é basicamente, radicalmente e irremediavelmente errada e pecaminosa, é a essência da barbárie. º Catherine Deveraux Edmondston, da Carolina do Norte, teve uma amostrado que se podia esperar quando ela e alguns escravos domésticos ouviram os vizinhos discutindo a proposta de recrutamento de escravos para o Exército: no dia seguinte, a plantation

estava

deserta,

Por

duas

anotações

feitas

anterior-

mente em seu diário, pode-se ver que a sra. Edmondston já se preparara para o pior:

negros escravi

São Domingos, lutando pela liberdade, derrotaram seus res brancos e as tropas francesas enviadas para comb (...) e esta guerra já nos mostrou que negros pouco tre lutam com bravura igual à de ianques pouco treinados”. º A instâncias do general Lee, o presidente Davis e 5 verno finalmente decidiram enfrentar o irremediável e mão do recurso que tanto lhes repugnava. Mas a decisão tarde demais para poder ser posta em prática e resolver passe histórico que criara. Os brados de raiva dos opon de Davis, mesmo forçados a admitir que seus sonhos dest

navam,

O Richmond

17 de nov., 1864: Em sua última mensagem, o presidente Davis sugeriu a possibilidade de transformar 40 mil escravos em desbravadores e soldados de engenharia (...), acenando com a promessa da liberdade completa e dizendo sem rodeios que, se um dia for necessário armar nossos escravos, este grupo de 40 mil homens bem treinados e disciplinados seria o núcleo da organização. Será possível acreditar nisto? (...) Mas este Conselho idiota gasta seu tempo e nosso dinheiro discutindo a melhor maneira de destruir nossa terra, e isto é insensato demais para que eu possa entender! 30 de dez., 1864: Abrimos mão de um princípio ao oferecer a emancipação como recompensa ou dádiva, pois até agora sustentamos que a escravidão era a condição normal de Cuffee, a melhor situação que ele poderia terz is

à

“Os negros do sr. Chestnut”, observou Mary Boykin Chestnut em 1862, “se ofereceram para lutar por ele, se quisesse dar-lhes armas. Ele fingiu acreditar. Diz que não se pode fazer uma coisa destas.” Em

1863, a sta. Chestnut discutiu com

PA.

a)

o sr. Venable a questão de armar os escravos, e assim res a discussão: “Será que eles lutariam do nosso lado, passariam para o inimigo? Não vão para o inimigo agora porq

vivem bem

onde estão, e esperam

ficar livres, de qualgu

forma”. Por volta de novembro de 1864, ela percebeu qui marido admitia a possibilidade de libertar os escravos que

sessem lutar pela Confederação, e que dissera isso a seus feit dispostos a tomar tal atitude. “Mas agora”, conclui a sra. C nut, “eles afirmam que não querem a liberdade se tivere: lutar por ela. Isto significa que não têm qualquer dúvida de

ficarão livres, seja como for”. Ultimamente, não faz qualquer sentido os brancos t saudades dos negros dos bons tempos, que escondiam a p da família dos detestados ianques. Esta nostalgia, porém, n: de fatos não muito raros, embora exagerados. Escravos e

cravos sempre recorreram a seus brancos em momento de rigo. Como tinham, por toda a vida, esperado receber pr e sustento em troca de trabalho e lealdade, alguns logo veitaram a oportunidade para inverter os papéis: passara -proteger aqueles de quem tinham recebido proteção. É m termos, e não como uma atitude de Pai Tomás, que deve : entendido o comentário sucinto de Al Roseboro, ex-escrav Carolina do Sul. Quando lhe pediram para tomar conta d vem massa a quem fora dado, replicou: “Foi o que sem fiz..

»»

65

A versão de Susan Dabney Smedes é mais romântica, rém revela um pouco da complexa verdade. “Eles pareciam balhar melhor”, diz ela, “quando os brancos estavam com. blemas, e sabiam que o fato de todos os rapazes da far estarem na guerra era um grande problema (...) Foram n maior conforto na época da guerra.”“* Um biógrafo de Bool T. Washington aproxima-se ainda mais da verdade quando coi ta, baseando-se em escritos autobiográficos de Washington, que ocorreu numa pequena fazenda da Virgínia. Quando « filhos do amo chegaram feridos da guerra, os escravos displ taram o privilégio de cuidar deles e, quando um morreu, sent ram sinceramente. Estes escravos enterraram a prataria da mília e estavam prontos a defender os brancos contra qual ataque. Após a emancipação, foram aconselhar-se com o a Mas, apesar de tudo isso, “alegravam-se com a notícia da 212

iria dos exércitos da União”. John Petty, ex-escravo da Carolina do Sul, falou da liberdade com inequívoca alegria, mas fessaltou que: Nós nunca agimos com nossos brancos como os nortistas parecem pensar. Eu fui criado aqui, e eles pensam que nós abandonamos nossos brancos, mas só quem eu vi agir assim foram pretos velhacos e brancos pobres que não valiam nada. & Elizabeth Keckley, que trabalhara para a família de Jefferson Davis e depois para os Lincoln, e que tinha muito orgulho de ser negra, não hesitou em desabafar em 1865: “Até eu, que já fui escrava, que fui punida com o açoite cruel e senti no corpo é na alma a tortura da vida de um escravo, posso dizer ao sr. Jefferson Davis: “Paz! Vocês sofreram! Vão em paz!"*” E Elisabeth Hyde Botume assim resumiu a atitude dos escravos libertos: “Literalmente, eles disseram a seus senhores: “Pai, per-

doa-os, porque não sabem o que fazem” *.º Em Colúmbia, Carolina do Sul, um soldado bêbado tentou abusar de uma dama sulista. O soldado estava armado e era medonho. Dois negros, desarmados, imediatamente vieram em defesa da dama.”

Charles Williams, um ex-escravo, contou que

us tropas ianques mandaram seu amo dançar para elas ou fazer seus escravos dançarem. Ele se negou a ambas as coisas. Mas os negros resolveram dançar, “principalmente para agradar o marster e a senhora”. Agradando ou não, é possível que tenham salvo uma vida. Outro ex-escravo contou que arrancara a arma das mãos de seu senhor e o trancara no salão de fumar, para impedir que ele entrasse num confronto suicida com as tropas da União.” O velho Charlie, único homem que protegia a senhora na plantation de Henry Tabb, na Virgínia, postou-se à porta para não deixar as tropas da União entrarem. E mostrou-lhes os punhos: “Não sabem que esta é a casa dos Tabb? Nunca ouviram falar dos direitos dos Estados? Vão embora daqui”.?? Quem quiser pode interpretar estes relatos como. ati-

tudes de Pai Tomás, desde que não faça julgamentos errados de falta de virilidade. Pessoas que arriscam a vida para defender aqueles que estão sob seus cuidados podem ser tudo, menos pouco viris, não importa o que sc diga a seu respeito. 213

A ambigiidade das declarações de escravos e ex-escrai acerca da liberdade transparece em dois depoimentos, quais se vê que até os negros mais amargurados conceder brancos

o benefício de sérias dúvidas

e também

que o asp

fundamental do paternalismo desliga-se de certa forma da F

pria escravidão. Como declarou Katie Rose, do Arkansas, aq les que disseram que o tempo da escravidão era melhor tiveram um senhor branco nem feitores como os que nós pre tivemos

(...)

Ouvi meus

filhos lendo sobre o general

e sei que ele foi um bom homem; mas eu não sabia nada ele, só sei que ele não estava lutando por aquele tipo de cos”. ” E Charles Moses, do Mississípi, acrescenta: “Os te da escravidão foram amargos, e não me esqueço do quanto Ah, meu Deus, eu os odeio, odeio (...) Se todos os sen tivessem sido bons como alguns foram, os escravos teriam felizes. Mas jamais deveriam permitir que senhores como o |

eu tive possuíssem negros”. O comportamento dos escravos moldou-se, a partir d adaptação,

a

um

relacionamento

paternalístico,

no

qual

definiram seu papel à sua própria maneira. Quando o pai borne, carpinteiro da Geórgia, continuou trabalhando pat mesmos senhores, em troca de salário, o fez para poder c da desolada família, mas. nem por isso se mostrou serv abriu mão de sua liberdade. Sabemos que foi assim po tão logo passou o momento mais difícil para os brancos

partiu e foi trabalhar por conta própria.” “Shorty” W Clemons,

do

Alabama,

não

suportou

ver

sua

antiga

senhe

passar fome, depois de ter ficado viúva e perdido suas te Ti Ele conseguira um emprego e estava bem de vida; assim, st tentou a antiga senhora até ela morrer, e teria mesmo pago si enterro, se os brancos do lugar não tivessem achado que e fizera mais que o suficiente, e que era a vez de eles assumir as responsabilidades. * Charles Davenport, do Mississípi, maneceu com seu senhor depois da guerra. “Quando olhei meu marster”, explicou ele, “e percebi que ele precisava de m fiz questão de ficar.” Liza Jones, do Texas, ássim como mu outros, contou uma história parecida.” Os«negros libertos Sea Islands, embora decepcionados e descontentes por vei frustradas suas esperanças de ganhar alguma terra, não g vam de ver seus senhores sofrerem, fosse por eles serem pessoa 214

ldosas, fosse por serem simplesmente pessoas humanas em difi-

guldades. Ofereceram-se para ajudar e chegaram até a lhes dar dinheiro quando podiam.” Quando as tropas da União entratam em Richmond, a mãe de Jennie D. Harrold só tinha dinheiro confederado, que de nada valia; uma criada lhe disse: “Srta. Thomasia, espero vir a ter mais dinheiro do que a senhora tem

Agora, em prata e ouro, por isso quero dar 25 cents a cada um de vocês, para que possam começar a vida”. Uma piada de mau gosto? Sim, mas bem mais que isso: uma observação sobre o quanto os poderosos tinham caído.” Estes fatos revelam três coisas: a compaixão pelo próximo, nascida do próprio sofrimento; a noção sempre presente de obrigações mútuas, num relacionamento tão próximo; e a sensação nova de ser capaz de inverter os papéis tradicionais neste relacionamento. A sra. Chestnut referiu-se a um negro que, no fim da guerra, consolou seu senhor com as seguintes palavras: “Quando vocês eram poderosos, foram bons para mim; agora vou proteger vocês. Nenhum preto e nenhum ianque tocará em vocês. Se quiserem alguma coisa, chamem Sambo. Quero dizer, chamem o sr. Samuel; agora, é este o meu nome”. ” Como disse W. E. B. Du Bois, os negros “apiedaram-se, sentiram-se responsáveis e sentiram também, de certa forma, um novo frêmito de independência”. Este sentimento novo de responsabilidade e força, mesmo contendo inegavelmente alguma satisfação diante da agonia de tiranos que haviam causado sofrimento a outras

pessoas, não fugia aos padrões paternalistas há muito estabelecidos. Tais padrões

permaneceram

muito

fortes, mas O mundo

mudara, e “quem estava por baixo agora está por cima”. Não foi culpa dos negros que sua opção pela generosidade e pela compaixão, e não pela retaliação e pela vingança, não tenha . prevalecido.

Nossos brancos Os brancos sofreram ao perder sua ilusão de “uma família, branca e negra”, mas o fato de os próprios negros lhes terem dado estímulo serviu, até certo ponto, de desculpa. As fregiientes referências a “nossos brancos” nos depoimentos de escravos e também nos relatos sociológicos e antropológicos do 215

Extremo Sul do século XX mostram que as atitudes dos n continham muito mais que dissimulação. A catástrofe racial representou para os brancos sua hora da verdade enraizava numa intimidade verdadeira, não em meras presunções dos | gros. Mas estes entendiam tal intimidade a partir de motik diversos dos dos brancos. Nas definições implicitamente gônicas de um relacionamento estreito, que ninguém pat desmentir, transparece muito mais a exploração que a impost dissimulada e defensiva também presente na reação dos nes ao paternalismo dos brancos. j Inúmeros comentários de negros revelam relações bem mi complexas. Elizabeth Keckley tivera senhores mesquinh provavelmente não fora uma escrava de espírito servil. M assim, escrevendo à mãe

em

1838, não deixou de incluir

mula habitual de gentileza: “Dê lembranças minhas a to família, branca e negra”. Após a guerra, ela se referiu bondade a estes brancos, sem negar que eram cruéis. A de tudo, sempre afirmou que o relacionamento senhor-es era “afetuoso”. Explicou que, para o melhor ou para o. tanto as alegrias quanto as tristezas da infância e da vida «

negros estavam inseparavelmente unidas às dos brancos. 2 Houston, ex-escrava do Texas que permaneceu com seu nhores, bons, após a guerra, fez uma declaração comov “Ficamos com a srta. Watkins, e aqui estou eu, uma preta v ainda fazendo o bem neste mundo e dizendo aos brancos devem cuidar dos filhos”. Toda a conduta dos negros dei transparecer a noção de deveres recíprocos, que volta e reaparece nos depoimentos de ex-escravos. “Enquanto o |; se portava bem”, disse John McCoy, do Texas, “o mar. protegia. O marse também alimentava bem os pretos, e a tinha muita roupa.” Mandy Morrow, que fora cozinheira governador Stephen Hogg, do Texas, e provavelmente tivera: relacionamento estreito com seus brancos, fez declarações tante esclarecedoras: “É, o governador era um bom hom Quando a velha mammy preta morreu em Temple, ele pendeu o trabalho e foi ao funeral. Isto mostra que não dera a bondade”.º Neste testemunho se pode observar a recorrência de afirmação: a das obrigações recíprocas como “a bondade”. £

este aspecto, a atitude dos senhores parece ter correspondi 216

dos

escravos.

Mas

existe

uma

ligeira

diferença,

porém

muito

Importante, pois “a bondade”, do ponto de vista dos escravos, tinha de ser retribuída com trabalho e respeito. A doutrina dos brancos quanto a deveres recíprocos e que, pela definição deles, equiparava as exigências feitas aos escravos com Os privilégios concedidos pelos senhores, transformava-se aos poucos numa de equiparação de exigências, e, portanto, em uma reivindicação que mais fizera direitos. A velha mammy do governador Hogg obedecer a ordens; demonstrara “bondade”, coisa impossível de ser exigida. E o bom governador certamente entendia isto. Quando as atitudes correspondem às expectativas, é possível compreender o comportamento de um ex-escravo como Bill Simms, do Missouri. Homem inteligente, que se expressava bem, Simms tomou o partido da União e tachou de “ignorantes os escravos favoráveis à Confederação. Contudo, gostava de seu senhor e voltou a trabalhar para ele, por vontade própria, de-

pois da guerra, “ Também é possível compreender a atitude de

cerca de cinco mil ex-escravos que participavam com destemor dos rodeios do sudoeste e no entanto se adaptaram com facili-

dade a padrões quase feudais de lealdade pessoal a um chefe



que lhes oferecia proteção e sustento. º A proteção sempre foi muito importante. Um ex-escravo do Tennessee fez elogios a um senhor rígido, que recorria com freqiiência ao açoite e era muito exigente em matéria de ordem e disciplina.

Vários

outros

escravos

expressaram

sentimentos

se-

melhantes. Este mesmo senhor, porém, era considerado, pelos brancos do lugar, excessivamente brando para com seus escravos, que chamavam de “pretos livres”. T inha uma amante escrava e definia à sua própria maneira o relacionamento que mantinha com sua gente. Proibira as patrulhas de entrar em sua plantação e incomodar seus escravos, € assim os deixava a salvo de um inimigo terrível. * Há também o exemplo de Phyllis Jennings, que seguira para Guadalupe com o marido quando este foi vendido por mau comportamento em 1803; ela escreveu:

4 ia Minha querida mãe saúde, sua de notícias ter para oportunidade esta Aproveito e espero que esteja feliz com toda a família, amigos, em especial minha senhora, e com as crianças, master James 217

e a srta. Nancy Blunt, que, espero, gozem todos de boa gg de — melhor do que a minha no momento — e, por fay não esqueça a srta. Beasley e a família. Senti sincera saber da morte de meu marster, mas estou feliz poi esta oportunidade de lhe escrever enquanto estou Espero que você me escreva sempre que possível. Esc para.o endereço que dei; nada me dará mais prazer receber uma carta sua. No momento não posso lhe m nada, só posso desejar que você me escreva sempre. puder, mas realmente [7] serei sempre sua filha afe e sempre disposta a trabalhar. Não esqueça mass” J de quem fui babá, e diga-lhe que espero que ele nã esqueça. Desde que parti só pude mandar duas encome por Pollidore, marido de Betsy Whites. Mando meu para

meu

irmão

[Fortune,

o feitor]

e Aron

e as cr

e acredite que serei sempre sua filha respeitosa. Phyllis Jennir

Solomon Northup disse que seu pai sempre considera: escravidão um grande erro, mas também “sempre sentira de simpatia e mesmo afeto pela família em cuja casa

escravo”. &

') trauma sofrido pelos brancos com a defecção de escravos e ex-escravos preferidos precisa ser revisto à luz d depoimentos, pois a ilusão em que os brancos se manti

;

era muito menos uma questão de fantasia que uma conce

errônea da realidade. William Henry Holcombe conversou um grupo de escravos que estava se mudando do Alabama o Texas; os negros tinham pertencido ao primo dele. “Alg

dos negros mais velhos”, alegrou-se Holcombe, “lembrava m-

de meu pai e de minha mãe e dos seus seis filhos, e viera apertar minha mão.” Frank E. Steel escreveu do Mississípi p seus parentes em Ohio: “Nunca vi uma família ficar mais fel com o retorno de um membro ausente há muito tempo do q ficaram os criados do sr. Redd quando ele voltou. Foi preci: deixar a “casa aberta” durante dois dias, para os negros derem “cumprir suas obrigações” para com a família”,º A bondade, enquanto ato voluntário digno de retribuiç funcionava em ambos os sentidos. Do ponto de vista dos escr vos, a bondade de seus senhores, e sobretudo das senhora: 218

fecisava ser retribuída. Por isso, quando um jovem senhor da tórgia partiu para a guerra, seu criado particular enviou-lhe ima valiosa peça de tecido que comprara, de um negociante, tom o produto do próprio trabalho.” Os escravos do eito " lnmbém se sentiam na obrigação de presentear a missus com alguns ovos, uma galinha ou qualquer outra lembrancinha, sempre que ela visitava as senzalas. Estes presentes eram dados por tspontânea vontade, mas em geral, quando não eram a recompensa por alguma gentileza recebida, os escravos recebiam algo A em retribuição. ” O fato de ter seus brancos — de fazer parte de uma famílla, branca e negra — era sentido pelos negros de forma um tanto diferente daquela como os brancos o sentiam; mas esta diferença era fundamental. Sir Charles Lyell perguntou a uina negra, na Geórgia, se ela pertencia a uma família branca conhecida sua, e ela respondeu “com satisfação”: “Sim, eu pertenço a eles, e eles me pertencem”. Após a guerra, J. W. DuBose recordou o comportamento dos escravos em sua plantação no Alabama: “Eles se orgulhavam do belo algodão que crescia à custa de seu trabalho, orgulhavam-se do milho imponente que cultivavam, orgulhavam-se dos potros que domavam e dos leitões gordos que matavam para “nossa” gente (. «.) Tudo, para eles, era “nosso' ”. Durante a guerra e depois de seu término, as crianças das Sea Islands disputavam o privilégio de chamar as professoras ianques de “minha missus”. O grande historiador

Willie Lee

Rose analisou este comportamento:

“O pronome

Como se possessivo, parece, funcionava nos dois sentidos”. antigos seus de visita a recebiam vezes, às vê, os ex-escravos, corgrande com tratavam-nos e satisfação sincera com amos tesia; mas esperavam, da mesma forma, ver respeitados seus

direitos recém-adquiridos,

sobretudo os referentes à terra. À

única mudança se deu no que concernia especificamente ag sistema de direitos mútuos; porém, a mudança foi grande. A menos que se chegue à conclusão de que a concepção dos negros de uma sociedade orgânica contivesse um apelo oculto à violência, a piada que circulava em 1960 em Salisbury, na Rodésia, podia perfeitamente circular em Salisbury, Carolina do Norte, um século antes: irromperam levantes de negros,na África do Sul, e os rodesianos brancos se atemorizaram. Mary Cable, esposa de um branco de projeção, relatou que 219

Está circulando piada sobre um para a qual ele “Joseph, suponho

pelas mesas de chá de empregado doméstico e trabalha. Madame disse que se houver por aqui

Salisbury1 a dama br ao emp uma revi

Kaffir, você me matará”. “Absolutamente,. madame”, Joseph. “Eu iria à casa vizinha e mataria a patroa

bert. Depois Gilbert viria até aqui e mataria a senhor Não se mata um membro da própria família. Mas é pi fazer o que tem de ser feito. Poucos escravos declararam que o que tinha de ser era matar os seus brancos. Às vésperas da guerra, pa opinião pública nortista esperava uma rebelião dos esci tão logo as hostilidades começassem, e achava que isto t maiores esperanças para o Norte e maiores temores para Mas, na hora da verdade, viu-se que nem as esperança os temores tinham fundamento. As reações dos escravos à gui foram as mais variadas, e não podem ser resumidas em po palavras. Eles contribuíram para frustrar a causa confede de muitas maneiras, todas porém escolhidas por eles mes

e não

conforme

os preceitos

de seus

amigos

nem

de.

inimigos. Para os negros, a guerra foi o melhor e o pior momentos. Eles. revelaram qualidades magníficas de autod! plina, decoro, contenção e firmeza; mas também se mostrar incapazes, ou pouco dispostos, a tomar determinadas atitui que, conquanto perigosas, teriam contribuído para evitar tástrofe dos anos do pós-guerra. Não é o caso de se pensar « “covardia”; a conduta de inúmeros escravos mostra bem « seria perda de tempo esse tipo de digressão. Tecer consideraçõ

quanto

à “contenção

civilizada”

tampouco

ajudaria,

embo

pudesse ser de certa forma válido. * O que precisa ser atent mente examinado são as raízes específicas da reação dos escr vos e as consegiiências políticas de seus atos. Houve

um

ou

outro

levante,

e algumas

insurreições.

Lafayette County, Mississípi, os escravos reagiram ao anúnci da emancipação expulsando seus capatazes e dividindo entre. )

a terra e as ferramentas. Em

1864, incendiaram o tribunal |

algumas casas de Yazoo City. Em determinadas localidades, mi taram seus amos e os administradores, em ações planejad

alizados, ou de proporém restritas. % Não houve levantes gener porções mais amplas. ds, “a re

Mas, como disse Willie Lee Rose, nas Sea Islan ruição da carro É volução começou por uma grande dest se proteger a ip para À medida que os senhores fugiam as casas pesa = am ubav e aproximavam, os escravos derr e queima nani pi nde -gra casa a gamento de algodão, pilhavam m pri eara Saqu e. regim fícios que simbolizavam o velho e en , sário neces do Quan clas elegantes de Beaufort. bravamente

seus

antigos

senhores,

mas muito

ro

ps

pr E E o costeira da traram intenções de ferilos.” Na regiã ope Hi en do Sul e na região interiorana do Estado, dos o ades ried prop às es ataqu des 1863 e 1865, houve gran : gia, e ioga cos, mas não a suas pessoas. Na Geór ” : O mesmo. * Nem Luisiana, em toda parte aconteceu

a e

ro de ataques s i + de soldados negros alterou muito o quad cortesia, na do e j priedades e O cuidado com as pessoas. A uma diferença: a Ee do possível, foi mantida, embora com vá os estavam saque invasão federal, contou Kate Stone, os negr ' np próprios ia plantations no norte da Luisiana; seus p prt á ela, mas nuaram polidos como sempre, segundo cê na iriam embo logo que saber por as ceber que era apen a quem inÉ bi A repulsa dos negros pela violência contr e, talvez, so ie fosse, inclusive com seus antigos senhores ndessem quando com eles, não significava que não se defe lotte Forten, negra livre preciso e possível. Pelo contrário. Char da guerra a fim de ser do Norte que fora para o Sul bem antes muito sensível, perprofessora de negros libertos, uma pessoa inte: “O ódio à opressão cebeu, em 11 de agosto de 1854, 0 segu sor, que não conme parece tão misturado com o ódio ao opres a 12 de setembro de sigo separar uma coisa da outra”. Mas, inteira enfrentando des1855. ela diz: “É difícil passar a vida ndo, com pet raprezo com desprezo, ódio com ódio, e teme i nela po r ca e confiar zões, amar qualquer pessoa de pele bran Cerca de ça que pare mais amável, encantadora e simpática falou en Fort srta. , a dez anos depois, a 24 de janeiro de 1863 ianques e que ao dos lado O para ara pass que de um escravo um tiro no braço. perseguido por seu senhor, o qual deu-lhe o. Contudo, a srta. voltou, lutou e venceu aqu ele branco insensat aspecto da história um e Forten não faz comentário algum sobr

pal 220

que pode surpreender a muitos. Diante de uma provo cação ti

grave, à qual reagiu com coragem

viril, o escravo não Em

amo, como poderia ter feito. 'º Para Kelly Miller, as canções populares dos negros sã maior prova de suas qualidades. “A raça negra”, escreve&

“alivia sua alma

nesses cantos

de tristeza, sem o mínimo tr;

de amargura, animosidade ou vingança.” '" Pode-s e argum que vai aí algum exagero, pelo menos quanto ao “mínimo.

ço”, mas, de modo geral, a srta. Miller está certa. A intensi

positiva dos spirituals é patente em No Man Can Hinder [Nenhum Homem Pode me Deter]. Quanto mais forte é spirituals o apelo ao castigo — “E todo o exérci to do F; se afogou. Aleluia!” —, menos eles falam em vingan ça e m enfatizam a justiça para os que se salvam e o destino que recem os transgressores da lei de Deus. Mas em muitas plantations havia quem acalen tasse sonk

diferentes. Solomon Northup recordou Lethe: “Ela tinha o

vivos e vingativos, e sempre se expressava em termos de e desforra (...) Mostrando as cicatrizes que trazia no ros desesperada criatura sonhava com o dia em que as apagaria | sangue humano!” Lethe foi a exceção à regra estabelecida Northup. "2 Pessoas como ela tinham de ser mantidas sob trole, em parte por ter uma sensibilidade difere nte das mais, e em parte também porque o equilíbrio de forças

temperamentos

menos

exaltados.

W.

L.

Bost, .ex-escravo

Carolina do Norte, declarou: “Depois que a guerra acab ficamos com medo de ir embora. Éramos como tartarugas, pois da emancipação. Só levantáva a mos cabeça para ver o: estava a terra”, !3 Kate Stone viu mais que timidez na rea dos escravos à guerra: “Seria praticamente imposs ível resisti um levante dos negros, porque pouquíssimos homens tin permanecido em casa. Só estamos vivos porque os negros n quiseram nos matar”. Os negros, acrescenta ela, não eram “vi gativos”. Em 1865, Jane Pringle escreveu a Adele Peti Aliston, viúva do grande senhor e ex-gov ernador da rolina do Sul: “Você não corre o menor risco (...) por part dos negros, a menos que tente tirar deles as coisas de que ele se apropriaram (...) Não houve nenhum atenta do a branc exceto o de tomar suas propriedades”. Tal atitud e dos escravos . não nasceu da noite para o dia. Durante a rebelião de Na 222

“Turner, a sra. Nathaniel Francis se escondeu num premia fee

vla os gritos dos brancos que estavam sendo mortos em su Rea aê Mas seus temores de ser traída por seus escravos eram 5 com m-na protegera e “dados. Eles sabiam onde ela estava sllêncio. Não obstante, brigaram para saber quem mena pa tuas roupas. '* Este comportamento mostra um ne 'j ue: flsmo, astuta contenção e timidez apqendida na plantation, q velo a se fundir numa mesma postura. Felix Haywood, ex-escravo do Texas, fez a seguinte re-

flexão: Você já parou para pensar que o pensamento me certa para nada quando chega tarde demais? Bem, foi o q aconteceu conosco. Se todo homem nascido de uma negra tivesse largado a enxada e pegado uma arma para ua por sua liberdade ao lado dos ianques, a guerra ria id começado. Mas não fizemos isto. Ficamos do lado e noss aj senhores, não pudemos evitar. Não conseguimos pias pa a Em les, do mesmo jeito como não se consegue voar. cor Chegamos isto. sobre conversar mos e eu costumáva e ae liberdade a e mansos muito éramos que de clusão algum tivéssemos que mesmo nós, para boa ser muito instrução. 'é

À guisa de uma possível resposta, Benjamin Russell, reaciato da Carolina do Sul, contou como os ESCTAVOS de sua p o receberam a notícia da emancipação. “Alguns ficaram E ia disse ele, “alguns ficaram magoados, mas uns poucos serem calados e felizes.” '” Nada há a comentar sobre o que e: na

e se alegraram, nem tampouco sobre im que, Rusaços e a o

e

rin

o

par mere ficaram tristes. Mas os que ficaram magoados ii uma de sensação a trazia liberdade A melhor. examinados e o Geraçã aos meios Dava temores. novos também e nova, asi , o : terem de o sentiment próprio seu compreender aj dps E o sentimento da traição se revelou. Não foram muitos os que ficaram “magoados”, porque se viram no db qu risco de ser abandonados pelas pessoas, boas ou más, tinham sempre dependido. O trauma dos brancos hem se e id lelo entre os negros, pois estes também

adotavam a a

reciprocidade. Silas Smith, também da Carolina do

Sul, cap 223

os aspectos positivos e negativos daquele momento: noite, todo mundo

mentos,

“Naquell

nas senzalas foi dormir com o pior dos se t

o sentimento

de que era livre e não

tinha mais ui

marster para lhe dizer o que fazer”. '*

;

Os escravos demonstraram mais brio e auto-estima do se poderia esperar em vista do servilismo e da dominação a tinham sido submetidos. Fanny Kemble dá uma pista par explicação desta curiosa ambiguidade. “Quando eu fui ace o fogo”,

escreveu

ela, “houve

uma

grita de horror, e a

vel

Rose, tentando arrancar a acha de minhas mãos, exclamou: * faça isto missus; para que tem de carregar madeira? A se tem muitos negros, missus, para fazer isto!” Décadas tarde, Lucy Chase, uma nortista que dava aulas para os libertos, escreveu de Craney Island, Virgínia, para a fam dizendo que os negros eram “muito respeitosos para bajul aviltar-se, mas sempre estavam prontos e dispostos a pol aos brancos qualquer serviço mais duro. Quando eu pego. vassoura, todos eles se levantam”. '” Estes negros aceitavam certa divisão do trabalho, na qual lhes cabia a parte mais sada. Para eles, aquilo se havia tornado um dever, não impt em que conceito tivessem os seus senhores. Mas sempre era possível, tentavam escolher as tarefas que mais lhes « viessem. “a E. S. Philbrick, um nortista, escreveu da Carolina d que os negros libertos trabalhariam muito melhor se o go lhes fornecesse regularmente tabaco e melado, como eles q riam e os senhores costumavam fazer."º Tais coisas não

um direito dos escravos, segundo a teoria da classe dos senhc mas sim um privilégio concedido por amos bondosos que vam pela felicidade de seus negros. Os escravos, contudo passaram a ver nisto uma pequena retribuição pelos se prestados. Anthony Dawson, ex-escravo da Carolina do explicou a seu entrevistador: Durante a escravidão, os pretos eram como cordeiros sabiam cuidar de si mesmos, mas seu senhor cuidava e eles não precisavam pensar. A proteção do senho como uma manta de lã. Mas a emancipação veio e 2 cou a manta e deixou o negro sem proteção e sem cuidar de si mesmo. 224

y

Allen V. Manning, que vivera no Mississípi, na Luisiana e no Texas, disse que seu senhor, um ministro religioso, era um homem bom: “Ele tratava os negros exatamente como eles o tratavam. Tinham ensinado a ele que os negros eram como cavalos, e se eles agissem como cavalos, viviam bem. Mas se não agissem, então!” Charley Williams, da Luisiana, lembrou que seu senhor lhe dissera: “Charley, você não tem nada na cabeça, mas é um bom rapaz”. Harriet McFarlin Payne, do Arkansas, pen-

sou: “Se todos os escravos tivessem pertencido a brancos como os nossos, não iam querer saber de liberdade”. Um escravo, quando o senhor lhe disse que ele estava livre, protestou: “Vocês trouxeram nosso povo da África para a América, e da Carolina

do Norte para o Arkansas. Agora, que cuidem de nós”. O século XX já estava bem adiantado e comportamentos assim ainda persistiam nas áreas de plantations do Sul. David Blont, ex-escravo da Carolina do Norte, recordou que nos dias quentes de verão em Cape Fear o senhor os deixava parar o trabalho, de vez em quando, para nadar. “Quando a gente saía da água, trabalhava muito mais, e o marster era bom para

nós, porque a gente trabalhava e fazia o que ele mandava.” "? Retribuir a bondade com trabalho leal era um dos elementos do sistema de deveres e expectativas. Lyell trouxe à baila um outro. No Alabama, uma negra já bem idosa pediu ao senhor para libertá-la, porque achava que poderia ganhar mais se mendigasse. O senhor lhe perguntou como ela se arranjaria no inverno, e recebeu a seguinte resposta: “Eu volto para cá, e o

senhor cuida de mim enquanto estiver frio”. "º

Os constantes pedidos de proteção e auxílio ao mundo estranho e hostil dos brancos talvez dessem aos escravos uma sensação negativa. como se depreende de algumas coletâneas de depoimentos de negros da Carolina do Sul. “Sei que sou um preto”, disse Samuel Boulware, “e tento conhecer meu lugar. Se os brancos já tivessem nos abandonado há muito tempo, a gente agora seria como os bichos da floresta.” Até nos depoimentos dos escravos mais humildes há referências à reciprocidade da dependência. “A liberdade veio cedo demais”, opinou Moses Lyles. “Os pretos eram o braço direito dos amos. Os amos davam quase tudo para os pretos. Os dois sofreram por causa da liberdade.” Granny Cain disse ter certeza de que não estaria sofrendo se sua antiga senhora ainda fosse viva, 225

porque assim teria “alguém para tomar conta de mim e ajudar. Se minha senhora fosse viva, eu ia preferir ainda escrava”. Louisa Davies provavelmente concordaria, pois velhice

foi

sustentada,

como

diversos

outros

ria do guaxinim e do cachorro que se encontraram. O guaxinim disse ao cachorro: “Por que você é tão gordo e eu sou tão pobre, se nós dois somos animais?” O cachorro respondeu: “Eu fico por perto da casa do senhor, deixo ele me dar pontapés, e ele me dá também um pedaço de pão”. E o guaxinim disse ao cachorro: “Então é melhor eu continuar pobre”. É o que eu sinto. Sou como o guaxinim. Não quero que me explorem. "”

s

ex-escravos,

“seus brancos”. Charlie Davis mostrou até que ponto a tendên ao paternalismo podia destruir a autoconfiança dos protegido Disse ele: “O patrão fica contente porque eu sou preto, porqui hoje eles não precisam fazer muito pelos pretos, e só isso tira um peso dos ombros deles”."! E os escravos da Flóri deram seu recado numa canção:

Numa posição menos extremada, Anne Broom, da Carolina do Sul, fala da expectativa de um mínimo de retribuição pelo trabalho bem-feito, com palavras que refletem as de muitos outros escravos:

Não me importa trabalhar de sol a sol Se me derem meu jantar Quanto for hora de jantar. "é

Já viu o que eu fiz, patrão? Fico muito contente. Ajudei o senhor a me dar esta pensão [o seguro social do New Deal] antes de eu morrer, e que Deus o abençoe. Deus não erguerá mais Sua mão contra nós. Derrubamos matas, abrimos estradas, drenamos os pântanos e cuidamos das crianças brancas. Agora estamos velhos, e espero que deixem os antigos escravos como eu ver o bri-

Ezra Adams sintetizou as opiniões: Os escravos de nossa plantation continuaram trabalhani para o nosso marster, mesmo depois de saber que tavam livres. A gente não queria mais liberdade que que já tinha na plantation. Tomavam conta da gente, ne davam muita coisa para comer e boas casas de madeir para morar. Depois da guerra, os escravos de onde | vivia ficaram sabendo que tinham o que chamavam d liberdade, uma coisa que não podiam comer, nem ve tir,

nem

usar

para

dormir.

Sim,

senhor,

eles

lho desse dinheiro de que tanto ouvi falar... "'º

logo

ceberam que liberdade não é nada se você não tem lugar para morar e chamar de casa. Viver em liberd é como ser moço e continuar a ter casos de amor depo de estar casado. Não dá certo. Mas até este negro acrescentaria que para desfrutar da ' berdade um pobre infeliz precisava se esforçar: “É preci

ser de alguma valia para o patrão...” "é bora

Outros negros se mostraram bem menos confiantes, também falassem em proteção e reciprocidade. Steph

McCray,

do Alabama,

não

foi o único

a afirmar:

Toda vez que eu penso na escravidão e fico imaginan se ela foi boa para a nossa raça, me lembro da his 226

E

Os comportamentos variaram muito, desde a aceitação servil da escravidão até tentativas de completa rebeldia; contudo, sempre houve alguma coisa por trás de tudo isto. Alguns negros aceitaram a escravidão por medo da liberdade; outros, por ter consciência de um poder mais forte; e outros simplesmente por se sujeitar a este poder. Quase todos, porém, com maior ou menor intensidade, aceitaram um padrão conceptual paternalístico, e transformaram este padrão numa doutrina de autoproteção. Para os senhores, tal padrão implicava deveres recíprocos: cabia a eles sustentar sua gente e tratá-la com humanidade, e aos escravos cabia trabalhar bem e fazer o que lhe mandavam. E é claro que, do ponto de vista dos brancos, os escravos tinham também a obrigação de ser gratos. Mas a base do ponto de vista dos brancos era um equívoco catastrófico.. Em sua indignação ante a deserção dos escravos mais queridos, e vez por outra também ante a dos escravos do eito, 227

os senhores falaram frequentemente em “ingratidão”. Antes da: guerra, havia entre os proprietários de escravos duas correntes de. opinião acerca dos sentimentos de gratidão dos negros. Na Virgí-. nia dos anos 40, Lyell colheu depoimentos que asseguravam que.

os escravos eram bons, obedientes, afetuosos e gratos. 'º Mas n período anterior à guerra houve muitos casos de inquietação Já em 1770, o desconfiado e rixento coronel Landon Carte sustentava um ponto de vista que viria a ser comum no s culo seguinte: “Para mim, salta aos olhos ó fato de que d monstrar generosidade a um negro em retribuição a seu bo trabalho é a melhor maneira de fazê-lo sentir-se mimado (..

Raramente

um

escravo

sente este tipo de gratidão”.'?

do disse que as maiores ingratidões foram feitas aos senhores

No

anos 1830, Harriet Martineau falou de um jovem escravo qu fugira, e cujas pernas se enregelaram e tiveram de ser ampu-. tadas. Ele afirmava não ter fugido por causa de maus-tratos, e reconhecia que seus senhores sempre tinham sido bons para. ele. Mas a senhora reagiu com indignação à fuga do escravo e: à desgraça dela decorrente, e acusou o negro de ser ingrato A srta. Martineau citou vários casos de queixas de ingratidão Muito arguta, percebeu que havia algo por trás dessas queixas, mas ainda não dispunha de elementos para explicar o que fosse; .

por isto, ficou “abatida”, 2! A

guerra

e a derrota

/

trouxeram

à tona

o comportamen:

to de brancos e negros. Fitzgerald Ross, partidário ardoroso d Confederação, visitou vários acampamentos do exército, e con versou com um soldado da Luisiana. “Ele me disse que s encontrasse um negro na batalha, não o pouparia; disse que sempre tratara bem os negros, e que se agora eles lutavam ao lado do inimigo, não mereciam ser poupados, e não receberiam dele qualquer piedade.” '2 Uma mulher do Norte, que se mudara para a Carolina do Norte ao casar-se com um dono de plantation, deixou-nos um resumo da situação, em duas cartas que escreveu aos pais. A primeira, de 1856, diz: “Gostaria, tanto quanto vocês, que pudéssemos morar mais perto (...) Mas não estou disposta, para tanto, a vender nossos escravos. Sei que agora eles são tratados com bondade, mas poderiam ser | comprados por pessoas que os tratassem mal”. A segunda carta, escrita em 1867, diz: “Estou me acostumando depressa com os empregados assalariados. Eles mudam quase todo mês. Nos últimos meses, fugiram três a quem nós tínhamos dado . 228

roupas decentes. Chegaram aqui quase nus. São uma raça ina prata". Os nortistas, até mesmo os compassivos missionários que foram para as Sea Islands, não conseguiram entender a aparente ingratidão dos escravos libertos. "“ Sidney Andrews, jornalista do Norte, falou de um dono de plantation em quem um negro, que parecia bem tratado, dera uma surra. “De nada adianta”, disse o senhor a Andrews, “mostrar-se bom para com um negro, pois eles são as criaturas mais ingratas do mundo.” Segundo Andrews, os pequenos fazendeiros também afirmavam que a raça negra era ingrata. Um antigo soldado confederamais bondosos e benevolentes. * Em tom mais calmo, um senhor rural de Lynchburg, Virgínia, lamentou-se para John Richard Dennett: “Começo a acreditar que eles não sentem gratidão. Os meus parecem ter esquecido a bondade e a indul.gência com que sempre foram tratados por mim e por minha família”. !% Matthew Gregory Lewis, mais conhecido como autor de The Monk (O Monge), passou algum tempo, em 1816, em sua plantation na Jamaica e nos deixou um excelente relato de suas experiências e impressões; ele defendia os escravos da acusação de serem ingratos, tão comum no Caribe quanto nos Estados Unidos. Os escravos não eram ingratos, afirmava ele, “apenas egoístas”. E explicava: “Eles gostam muito de mim, mas gostam bem mais de si mesmos”. E termina seu livro com um tributo “à gratidão, à afeição e à boa vontade” dos negros. No mesmo livro, faz uma observação que o teria talvez ajudado a compreender a atitude dos escravos, se refletisse um pouco mais. Os negros da Jamaica, escreveu ele, sempre chae mavam a ingratidão de “maus modos”. '7 insissenhores os que Por gratidão? é Mas, afinal, que tiam tanto nesse ponto? E por que os escravos ganharam fama de ingratos, quando na verdade se mostraram tão pouco vingativos e tão bondosos para com os brancos, que no passado os haviam feito sofrer, num momento de dificuldade? Uma carta da sra. Mary Jones a Charles C. Jones Jr. é bastante elucidativa: “É terrível que os pobres e oprimidos bradem a Deus contra nós, mas é suave como incenso que elevem seus tributos de gratidão e afeto, suas preces e suas bênçãos”. 28 Na vida 229

social, muita

coisa se passa no plano da troca de favores, mas.

quando

não é o caso de favores, o que existe é gratidão. E

pera-se

que

as pessoas

sejam

gratas

não

tanto

pelo

que

num

relaciona:

rec

beram, mas pelo fato de alguém lhes ter dado alguma coisa. | Entre pessoas da mesma categoria social, a gratidão represen-. ta uma

força

mediadora,

que

une

indivíduos

mento estreito. '"” Já o paternalismo se fundamenta exatamen- . te na desigualdade. Os senhores precisavam desesperadamente da gratidão de seus escravos, a fim de se poderem ver com seres humanos, do ponto de vista moral. Os escravos, negan: do-se a serem gratos, denegriam a auto-imagem dos senhores Mas o objetivo de sua atitude não era tanto atingir de algu-. ma forma os senhores, mas sim mostrar uma afirmação inteira-. mente pessoal, ou, para usar o termo empregado por Lewis, inteiramente “egoísta”. Os escravos puseram seus senhores em xeque no ponto. central de sua ideologia hegemônica: a relação da dependênc Os malgaxes, como outros povos colonizados, foram acusados

de ingratidão pelos franceses. Exatamente como fizeram os senhores de escravos do Velho Sul, e como fazem os coloniza-. dores de modo geral, os franceses tinham feito tudo para criar, .

vam este trabalho livremente, apesar da evidente coação, como

provam as tentativas de impedir que Fanny Kemple e Lucy Chase fizessem tarefas mais pesadas. Por força das circunstâncias, tinham feito um acordo desigual, mas que de qualquer forma era um acordo. Nesse con-

ou aprofundar, um complexo de dependência entre aqueles que: dominavam, e se enfureciam diante da ingratidão. Que mais, porém, poderiam esperar? Nas palavras de Octave Mannoni: “A dependência exclui a gratidão. E isto é demonstrado pelo fato. de termos tido de ensinar as crianças européias a serem gratas; | ainda assim, se mantém um componente de hipocrisia, pois a criança só pode realmente aprender a ser grata quando já atin-

texto,

giu um certo grau de independência”. '?

Gratidão implica igualdade. Os senhores de escravos cometeram o erro crasso de achar que poderiam contar com a gra-| tidão de um povo obrigado a aceitar a desigualdade literalmen- Í te a chibatadas. Não há qualquer incompatibilidade entre a | ingratidão dos escravos e o fato de eles se mostrarem solícitos | para

com

alguns

senhores;

mas

tal

atitude

é

perfeitamente

compatível com sua aceitação, na verdade sua exigência, de proteção e apoio. Os escravos conseguiram tirar uma pequena vantagem da relação da dependência. Sua versão da dependência paternalística enfatizava muito a reciprocidade. Sendo assim, por que deveriam ser gratos? De seu ponto de vista, 230

os atos de verdadeira bondade e de apoio material, aos quais não eram em absoluto insensíveis, lhes eram devidos, ou seja, representavam um pagamento por serviços lealmente prestados. E, por suprema ironia, estes serviços eram exatamente os exigidos pela própria relação de dependência. Para os escravos, o ponto de vista dos brancos parecia um tanto estranho, e a própria significação do paternalismo foi evoluindo no sentido da interdependência. Se cabia ao senhor o dever de sustentar sua gente e de portar-se como um ser humano decente, então este dever passava a ser um direito do escravo. Mas se os senhores resolvessem considerar que atitudes por eles mesmos definidas como seu dever eram privilégios que concediam a sua gente, um perfeito absurdo, cuja falta de lógica podia ser percebida até pelos escravos menos bem-dotados, então os negros passavam a ver os deveres como deveres de fato. Achavam que mereciam a proteção e os cuidados dos senhores, pois sabiam que estes dependiam de seu trabalho. Mesmo assim, às vezes preferiam achar que realiza-

|

as aparentes

anomalias

começam

a se esclarecer.

Deter-

minado escravo, num determinado dia, podia achar que já fizera o bastante, e matar o administrador ou até mesmo o senhor. Houve inúmeros casos de “bons negros” que de repente se transformaram em assassinos vingadores. Tais casos foram um prenúncio do trauma sofrido pelos brancos nos anos da guerra e nos que se seguiram, pois provinham da mesma raiz. Os escravos tinham feito um acordo, e a maioria deles fez o possível para mantê-lo, fosse por necessidade, fosse por um sentimento de honra, ou por ambas as coisas. Assim, costumavam se submeter ao açoite sem reclamar, quando faziam algo errado, uma vez que era este o trato; mas podiam enfurecer-se se fossem punidos arbitrariamente, ou por algo que julgassem não ter feito. E se ofendiam quando insultados. Suas explosões, ou, menos dramaticamente, seus ataques de mau humor, revelavam um sentimento que os próprios senhores viriam a conhecer: o de terem sido traídos. Assim, a aceitação do pa231

ternalismo por parte dos escravos foi a aceitação da domina ção imposta pelos brancos e dentro de cujos limites eles def niram sua própria posição, reivindicaram seus direitos e man: tiveram o auto-respeito. : Por isto, os escravos constituem um 'excelente exemplo d. tese de Antonio Gramsci acerca da consciência popular. homem ativo das massas, escreve Gramsci, possui duas consciências

teóricas

(ou uma

consciência con

traditória); uma está implícita em seus atos, e é a que une aos companheiros na transformação prática da realid de; a outra é superficialmente explícita ou verbal, e é a qu ele herdou do passado e aceita sem críticas (...) Contudo esta concepção “verbal” (superficial) não deixa de consegiiências; ela o vincula a um determinado gru social, influencia seu comportamento moral e dirige vontade com maior ou menor força, e pode levá-lo a ponto em que a contradição em sua consciência já n lhe permitirá qualquer ação, qualquer decisão, qualquer escolha, e haverá um estado de passividade moral e política, Portanto o autoconhecimento crítico nasce da lu de “hegemonias” políticas, de direções opostas, primei no campo da ética, depois no da política, culminan numa elaboração mais elevada da própria concepção . realidade.

Senhores e escravos acabaram chegando ao mesmo pont Consideremos a questão, mais uma vez, do ponto de vista d senhores. Em função de sua própria auto-imagem, tinham se forçar a crer que queriam a felicidade de seus escravo Mas a “felicidade” dos escravos jamais poderia advir da a tação da escravidão. Na melhor das hipóteses, seria deco cia do espaço vital criado pelo compromisso paternalístico q tinham sido obrigados a aceitar. Tal espaço vital significava possibilidade de criar uma vida espiritual autônoma, uma ligião própria, na qual podiam ser “felizes”, ou seja, a po sibilidade de viver razoavelmente em paz consigo mesmos. O senhores, vendo os escravos aparentemente satisfeitos, julgaran

se responsáveis por isto, e congratularam-se pelos negros aceitarem

252

a escravidão, quando

na verdade

eles haviam, aceitado.

apenas a limitada proteção que até a escravidão tem a oferecer, e tinham plena consciência da realidade de um poder que os dominava. Assim, era inevitável que os senhores vissem com maus olhos a religião dos escravos, pois de fato a temiam. E tinham motivos para isto, porque a religião dos escravos demonstrava que eles haviam atingido um certo grau de autonomia psicológica e cultural, e começavam a resistir, com sucesso, a serem meras extensões da vontade de seu senhor, como se esperava que fossem. Faz uma diferença capital o fato de os escravos considerarem um reconhecimento de seus direitos aquilo que os senhores lhes concediam como se fossem privilégios. “Os homens”, escreve Gramsci, “quando sentem sua própria força e tomam consciência de sua responsabilidade e de seu valor, não querem que outros homens lhes imponham sua vontade, nem querem ver controlados seus atos e pensamen-

tos.” '2 Os não raros exemplos

de escravos “dóceis” que de

repente se revoltam e de senhores “bondosos”

que de repente

se portam como animais nascem dessa dialética, independen-

temente das costumeiras instabilidades das próprias personalidades. Senhores e escravos tinham “entrado em acordo” quanto à base paternalística de seu relacionamento, uns por razões

de auto-engrandecimento, outros por falta de alternativa. Mas a partir desta base

aparentemente

compartilhada,

desenvolve-

ram concepções muito diferentes. E qualquer manifestação dessa contradição podia gerar grande violência.

Os escravos se defenderam bem das piores agressões de seus senhores, mas pagaram um alto preço. Lutaram por seu direito de pensar e agir como seres humanos independentes,

mas foi uma luta desesperada na qual poderiam facilmente ter

sido derrotados. Ainda ressoam as palavras de líderes negros como os falecidos Malcolm X e o dr. Martin Luther King, incitando seu povo a se erguer e agir como homens. Na verdade, autoridades como Imamu Amiri Baraka e Stanley Elkin continuaram afirmando que os escravos se desvirilizaram e não podiam voltar a ser homens. Não há provas que sustentem tal assertiva. Muitos escravos encontraram meios de se desenvolver e se afirmar como homens e mulheres, apesar dos

arriscados compromissos

que foram obrigados

a aceitar. Re-

velaram-se fortes. Mas a herança do paternalismo, ainda que brilhantemente manipulado para proteger seus próprios inte235

resses, impediu

que os escravos, assim como

várias gerações de

negros depois deles, pudessem avaliar plenamente esta forç / A mistura de paternalismo com racismo foi catastrófica pois transformou elementos de dependência pessoal em sentime nto de fraqueza coletiva. Daí o coronel Higginson ter enfrent ado tropas negras que, apesar de querer ver os brancos “fora

de

suas

vidas”,

depositavam

uma

“confiança infantil”

em

um

de seu valor”. Não que os escravos não agissem como homens Mas acontece que não se apercebiam de sua força coletiva, en quanto povo, e não agiam como seres políticos. A luta dos ne gros neste campo, ainda não vitoriosa, assemelha-se à de todo: os demais povos oprimidos. E é ainda mais difícil por ser a última batalha que um povo trava na luta para se tornar uma nação.

Valentes

soldados

O comportamento dos escravos durante a guerra comporta interpretações diferentes e até contraditórias. A imensa maioria não lutou pela própria liberdade nem apoiou com muito. entusiasmo a causa confederada. Os que encontram nos depo: mentos de escravos indícios de docilidade e servilismo est

interpretando

erroneamente

um

comportamento

que

se po

considerar, no máximo, como apatia política a requerer um exame mais detido; os que vêem nesses depoimentos indícios de oposição militante e de “greve geral” (a express ão é de W. E. B. Du Bois) aproximaram-se bem mais da verdade, embora estejam indo muito longe. Em 1865, Sidney Andrews estimou em apenas 10% os negros da Carolina do Norte que haviam abandonado as plantations; o restante ficara e tentava trabalhar num ambiente já conhecido, a fim de manter uma pequena propriedade. Andrews zomba dos temores dos brancos de que por ocasião do Natal houvesse um levante geral dos ne: 234

. |

|

gros com o intuito de se apoderarem das terras. Os negros, pensava ele equivocadamente, eram passivos, e além disso, pensava ele acertadamente, sabiam muito bem que não tinham força para dar este rumo aos acontecimentos. "* A posição estratégica da Carolina do Norte, entre as zonas de batalha da Virgínia e a costa da Carolina do Sul, deixou o Estado numa condição especial como produtor de alimentos. Se os negros não tivessem construído fortificações e mantido as lavouras, a Carolina do Norte Confederada teria caído logo no início da guerra. !8 Na Virgínia, mais perto das linhas ianques, a reação dos escravos foi mais ou menos a mesma. O minucioso estudo de James H. Brewer fala de um índice de deserção de aproximadamente 10%, e conclui que o trabalho negro compulsório sempre apoiou os esforços de guerra da Confederação, em todos os estágios da ação militar e econômica. No caso específico das fundições Tredegar, de fundamental importância, as defecções de negros, como demonstra Charles B. Dew, só se intensificaram a partir de julho de 1864. Até então, quando os escravos fugiam dos perigosos fossos subterrâneos, geralmente voltavam para suas plantações, em vez de irem juntar-se aos ianques. 'é Opunham-se aos escravos, porém, o maior exército da Confederação, a incapacidade do exército da União para organizar incursões em larga escala, além das incertezas comuns a todas as guerras. Para chegar às linhas da União, era preciso ser ousado, ter coragem, força física e confiar mais nas intenções das tropas invasoras, o que não se poderia esperar por parte dos escravos. Muitos não se uniram às tropas da União por temer ser capturados e depois executados sumariamentes Era muito raro os negros terem sapatos que pudessem agiúentar longas caminhadas em terreno acidentado. Os pântanos e os bosques amedrontavam pessoas acostumadas a estar sempre perto de casa. Conseguir comida no tempo da guerra era outro grande problema. Os escravos hesitavam em abandonar suas casas, suas famílias e seus amigos para se lançar a uma jornada tão desconhecida e duvidosa. Entretanto, sua determinação em permanecer onde estavam acabou obrigando-os a fugir, pois os senhores

enviaram

muitos

dos

escravos

das planta-

tions, como “refugiados”, para zonas situadas bem à retaguarda

das

linhas

de

batalha.

A mistura

de

hesitação

e iniciativa

235

pôde ser vista muito bem no Mississípi; lá, os escravos a princípio

cumpriram

suas

tarefas

nas

plantations

como

sempre

ti-

nham feito, e produziram muito alimento para o esforço de guerra, embora o governo confederado não tenha conseguido distribuir este alimento; mas a partir de 1863, quando os ian ques se aproximavam cada vez mais e o exército Confederado. já não tinha condições de manter seu próprio terreno, começaram as deserções. Os escravos que não puderam ou não quiseram fugir começaram a trabalhar num ritmo muito mais va-. garoso. !º? Os negros se mantiveram trangiúilos. Vez por outra, algum se expunha a grandes riscos para levar comida e suprimento às famílias brancas ou para prestar algum outro serviço inestimável. '* Isto demonstra seus sentimentos de responsabilidade pessoal e de lealdade a determinados brancos. Raramente o escravos ousavam considerar o apoio à Confederação uma opção política. *” Mesmo os que mantiveram certa passividade duran- | te a guerra, sabiam por que haviam agido assim. Numa con- | venção de ex-escravos realizada na Carolina do Norte em 1865, os delegados negros apresentaram à Convenção Constitucional | uma petição de conciliação, onde expunham as relações cordiais existentes entre as raças e afirmavam (embora não fosse q verdade) que só os maus senhores tinham sido abandonado

pelos escravos.

Com

digna

contenção,

porém,

declararam:

Embora tenha sido impossível para nós mantermo-nos na posição de espectadores indiferentes ante uma luta de. tais proporções, que nos seja feita a justiça de reconhecer que nos mantivemos todo o tempo obedientes e passivos, fazendo apenas o que nos mandavam e esperan do com trangiilidade e fé na Providência. Nossos irmãos | lutaram pela União, enquanto nós fomos obrigados a tra- . balhar nos acampamentos, a erguer fortificações e a cul. tivar víveres para o exército Confederado. Como nos acusam de não termos, durante esse tempo, rezado pela liberdade de nossa raça? !º Portanto os esforços heróicos das tropas negras, dos espiões da União e dos escravos fugidos foram exceções, e esta conclusão só surpreenderá aqueles que esperem esforços herói236

cos por

parte

de grupos

majoritários

sem

recursos

para

impor

a si mesmos uma rígida disciplina coletiva. Frederick Douglass entendeu que não seria possível esperar que os escravos se opusessem maciçamente ao regime, e que para convencê-los a tomar uma posição não bastariam as tentativas do Sul. “O

estômago

desta rebelião”, escreveu

ele, “é o negro

em

sua

condição de escravo. Se tirarmos a enxada das mãos do negro, a rebelião será sufocada em seu berço.” !! Lee e Davis, assim como Grant e Lincoln, compreenderam a importância dos escravos. As pressões políticas do Norte, no entanto, vieram a re-

sultar em medidas que dificilmente tranquilizariam os escravos quanto às intenções dos federais. Uma coisa era os escravos esperarem que a vitória da União os libertasse; coisa bem diferente seria eles cometerem o erro temerário de transformar esta esperança em certeza, diante do manifesto racismo do Norte, ou mesmo imaginarem que a liberdade, sob tal proteção, pudesse ser uma bênção. Os mais intrépidos se arriscaram; a maioria esperou um sinal.!? Muitas e muitas vezes, o comportamento de seus “amigos” nortistas deve ter feito os escravos recordarem as frias palavras pronunciadas por Jesus acerca dos fariseus: “Esta raça perversa e adúltera pede um milagre! Mas nenhum sinal lhe será dado senão o de Jonas!” (Mateus 16:4). A luta dos escravos pela própria causa teve seu momento culminante quando Robert Smalls e um grupo de outros negros tomaram de assalto o navio a vapor The Planter, carregado de armamentos, e desafiaram as baterias confederadas para chegarem até as tropas da União. “Achei”, disse o futuro congressista da Carolina do Sul, “que The Planter podia ser de

alguma utilidade para pai Abe.” !º Quanto ao espinhoso assunto da espionagem, Allan Pinkerton, chefe do Serviço Secreto dos Estados Unidos e que mais tarde se dedicou a tarefas menos espetaculares, por ocasião de um trabalho de espionagem realizado em Memphis em 1861, observou o seguinte: “Aqui, como em muitos outros lugares, descobri que minha melhor fonte de informações são os negros”. E acrescentou que os mais valiosos eram os que serviam ao exército Confederado. ' A precaução demonstrada por grande número de escravos deriva de suas experiências com os ianques. “Na Guerra Civil”, escreve o maior historiador do Sul, “os negros que lu237

não há como duvidar dos testemunhos dos escravos em seus depoimentos, nem de relatos de abolicionistas como Lucy Chase. Henry D. Jenkins, ex-escravo da Carolina do Sul, recordou os ianques como “um exército que parecia mais preocupado em roubar do que empenhado na guerra santa pela libertação do

tavam do lado da União eram forçados a desempenhar o pap: de bodes expiatórios. O tratamento que receberam de seus bertadores é uma das páginas mais sombrias da história d guerra.” Outro capítulo vergonhoso, diz ele ainda, foi o tra mento dispensado a quase todos os 180 mil negros que lu ram com o exército da União. No fundo, existia um violento racismo branco, que, embora corajosamente combatido por a guns

brancos

nortistas,

veio

a explodir em

hostilidades

pobre

contr.

foi mau,

os negros, eufemisticamente chamadas de “motins raciais”, e; Cleveland, Cincinnati, Chicago, Detroit, Buffalo, Albany, Bro klyn e na cidade de Nova York; tal racismo se revelou também nas campanhas para restringir os direitos civis dos negj nos Estados do Norte e, por mais absurdo que pareça, em te tativas para impedir que os negros lutassem na guerra em a

seria definido o destino de seu povo. !º Os exércitos invasores exibiam um comportamento que deixava muito a desejar, assim como, mais recentemente, os

exércitos alemão, soviético, americano, indiano, nigeriano e

is

raelense. Porém, não seria surpresa, lembrando em especial | conduta americana na Coréia e no Vietnã, que o comportame nto do exército da União tivesse sido ainda mais repugnante, por se tratar de tropas de cultura racista bem pouco empenha das em defender civis de uma raça pretensamente inferior. O: soldados da União violavam mulheres negras com uma di façatez que indignaria os brancos sulistas, se eles próprios nê tivessem a consciência tão pesada a esse respeito. Mais chocam: te ainda,

pois o fato de violar mulheres,

um comportamento comum de gem das casas dos escravos. choque para o Sul branco. O tação roubando os minguados pressionou profundamente a soldado deu sua explicação:

embora

revoltante,

roubar sua roupa de cama quando deveria estar lutando pel por

mês

e pela União”. !* Mesmo

não se levando

em

conta

testemunho dos senhores de escravos quanto a tais arbitrari dades, inclusive o desumano assassinato dos negros .que se nr cusavam a abandonar suas casas ou resistiam aos maus-tratos 238

é

tropas de ocupação, foi a pilha: Isto representou um verdade espetáculo dos exércitos de liberpertences de pobres negros imtodos os que presenciaram. Um repelido por uma mulher por

libertação do povo negro, o galanteador gritou: “Você é um danada de uma mentirosa. Eu estou lutando é por 14 dóla

povo

africano

escravizado”.'”

Felizmente,

muitos

ofi-

ciais e soldados bateram-se contra os abusos, e um número bem maior se absteve de cometê-los. No todo, o resultado não e sob certos aspectos foi até fantástico. Porém, os da-

nos causados foram suficientes para abalar a confiança dos negros, dar plausibilidade à propaganda confederada quanto às intenções dos ianques e fazer com que até os escravos mais ousados se acautelassem contra uma confiança excessiva. Pouco a pouco, após a Proclamação da Emancipação e sobretudo após a chegada das tropas do Norte, os escravos começaram a dar mais apoio à causa da União, ou seja, mostraram-se mais dispostos a encarar os desmandos e as decepções como parte do preço a ser pago pela liberdade que se aproximava, A 12 de março de 1862, uma branca da Luisiana percebeu que a aproximação dos ianques parecia assustar mais os escravos que os senhores. Mas já a 15 de novembro, quando os ianques iam chegando e não se comportavam tão mal assim, ela escreveu: “É, os negros são mesmo muito bonzinhos! Ao que parece, os ianques obtêm todas as informações dos cavalheiros e das damas de cor. Se perguntam a um negro se há rebeldes na cidade, a resposta é: “Sim, em toda casa há uma

porção deles!” ” 148 A aversão dos escravos pelos ianques tinha ainda outra causa. Não se devia apenas aos abusos que tinham sofrido por parte deles, mas também à destruição das plantations, que lhes parecia uma terrível crueldade, embora fosse uma medida de guerra, necessária.

Todos

os ex-escravos

se referiram

com

tris-

teza à devastação causada pelas tropas da União, e sobretudo às casas incendiadas e ao saque de alimentos. '* Acontece que as plantations que as tropas da União queimavam eram o lar dos escravos, e aqueles cultivos lhes davam alimentação. Talvez as próprias circunstâncias da guerra tenham exigido as duras medidas impostas pelas tropas de Sherman em sua marcha para a costa e depois para o norte, na direção da Virgínia. Para os escravos, porém, era muito difícil estabelecer alguma 259

relação entre aquelas destruições, por mais necessárias que fos sem à causa da União, e suas próprias esperanças de ter 1 berdade e terra. Os negros, cada vez mais, viam as plant tions como

suas,

e tomaram

sua devastação

como

uma

ofe

pessoal. “Nossos pretinhos”, disse George Briggs, ex-escray da Carolina do Sul, “fizeram todo o possível para obedecer

senhor, para podermos ficar com nossa casa, tão boa.” 'º

Às

As tropas brancas e as negras se comportavam de mod diferente. Quando James Montgomery, guerrilheiro branco Kansas, ordenou às tropas negras sob seu comando que qu massem a cidade de Darien, na Geórgia, suas ordens foram o decidas, mas sem qualquer entusiasmo. Se não estivessem c prindo ordens, os negros fariam o possível para agir com m escrúpulo e nada fazer que pudesse atrair censuras para povo. !º! Os escravos libertos tinham uma enorme vontade de p suir terras, e isto mostra que estavam prontos a romper as tigas dependências e se afirmar como homens livres. P todo

o período

da

Reconstrução

houve

constantes

reivindi

mostra

que

sua

nova

posição

era

ainda

mui

frágil e que ainda restava muito a fazer para que suas aspirg ções

recentemente

declaradas,

rnas

nem

por

isso

necessa

mente novas, se transformassem num verdadeiro movimen coletivo. Para se entender tal fragilidade, é preciso analisar n lhor o antigo sistema de dependência vigente nas plantati a visão de mundo dele derivada e os detalhes da vida escrava Entretanto, o simples faco de as aspirações terem sido declara: das já revela que este paternalismo não era mais aceito pel escravos além de determinados limites. !2 Se as medidas draconianas adotadas durante a guerra «€ tivessem mais diretamente ligadas às aspirações dos negros, talvez se tivesse havido mais incêndios, os sentimentos dos cravos pela “velha plantation” e por “nossa boa casa” pod

riam dar lugar à alegria de estarem participando numa truição vista como construtiva. Do modo

240

como

as coisas se

vezes,

Os escravos

demonstravam

um

cinismo

que

os

denegria. Perguntavam uns aos outros se com a Proclamação da Emancipação todos os negros receberiam armas. E a resposta era: “Está dizendo bobanges, preto! Já viu dois cachorros brigando por um osso? Mas nunca viu o osso brigar, viu?” '* Mas, afinal, eles realmente lutaram, alguns de arma em punho ou

desertando

bravamente,

e outros,

em

número

bem

maior,

de um modo mais trangúilo e tímido, diminuindo a produção ou obrigando algum exército de libertação a aceitá-los, embora a contragosto. Julius Lester, analisando a resistência dos federais à primeira leva de escravos desertores, comenta apropriadamente: “Para os escravos, os “casacos azuis”, como eles: chamavam o exército nortista, tinham vindo para libertá-los, e

eles não aceitariam uma resposta negativa”. !“ A medida que a guerra avançava, a decisão dos negros, embora não enuncia-

ções de terra, o que mostra o quanto estavam ligadas, na me dos escravos, as noções de liberdade e independência econôr ca. Mas tal luta era impossível numa terra ocupada por trop brancas. O fato de os escravos não terem se organizado mel pelo menos para se proteger do terror e da negação a reivindicações,

saram, porém, a situação dos escravos era terrível: reconheciam ter sido as maiores vítimas de um regime que gostariam de ver destruído sem o recurso à vingança e ao sofrimento pessoal desnecessário, e ao mesmo tempo viam outras pessoas, que não tinham sofrido tanto, se vingarem por motivos no máximo intrigantes e no mínimo ignóbeis.

de pa

da, fortalecia-se. A eletrizante chegada das tropas negras da União foi talvez o que mais contribuiu para este fortalecimento. j As tropas negras, por sua valentia, fizeram mais que provar à América branca a virilidade dos negros. Evidentemente, esta prova foi importantíssima, mas já antes, na Revolução e

sobretudo na guerra de 1812, soldados negros haviam lutado com bravura por seu país e recebido elogios de Andrew Jackson pela coragem demonstrada na batalha de Nova Orleans. A memória dos brancos, no entanto, revelou-se curta. Revelarseia ainda mais curta após a Guerra Hispano-americana, e sobretudo após a Primeira Guerra Mundial, quando os ex-soldados negros, retornando da Europa, tiveram de enfrentar a

pior onda de linchamentos

que jamais assolara o país.'* O

que a valentia das tropas negras realizou de mais importante foi contribuir para o desenvolvimento histórico de seu povo. Não é o caso, aqui, de rever o processo pelo qual o Norte foi levado, contra a vontade, a transformar a guerra numa guerra contra a escravidão, e a recrutar tropas negras. Nem 241

tampouco de nos determos sobre a discriminação contra os. negros que finalmente tiveram de ser recrutados para susten- | tar uma luta onde as esperanças eram cada vez menores. '* O | recrutamento,

quando

afinal se deu, praticamente

acabou

com

a escravatura nos Estados do Sul que faziam fronteira com a. União. A promessa de liberdade para os que se alistassem . foi um fator de peso, e de mais peso ainda foi a promessa de liberdade para as famílias dos que combatessem. !'” Em deter- | minadas regiões houve de fato coação, mas mesmo assim u número impressionante de negros, por toda a União, acorreu para libertar seus irmãos. Tinham absoluta certeza, apesar do. que outros pudessem dizer ou fazer, que lutavam por muit mais que 14 dólares por mês, que na verdade nunca receberam,. e pela União. 4 O desempenho das tropas negras na batalha deu origem. a brincadeiras políticas e ideológicas. Houve um dilúvio de:

mentiras sobre sua pretensa covardia durante as lutas, sobre. sua incompetência e sobre seus prêmios por heroísmo sem precedentes. Mas na realidade os soldados negros tiveram de su-| portar insultos e discriminações indescritíveis. Além disso, como.

eram inexperientes e pouco treinados, seria muito difícil se de-. sempenhar bem. Como a maioria dos exércitos, também o dos negros conheceu maus momentos, assim como momento heróicos. No cômputo geral, seu desempenho foi honroso, que já é suficiente. Tão logo terminou a guerra, porém, alguns governadores. e oficiais da Reconstrução, membros do governo do presidente Jackson, falando aos negros, disseram-lhes levianamente que. eles em nada haviam contribuído para conquistar a própria li-. berdade, e entre os “eles” estavam até os veteranos das tropas. negras, que a guerra fora uma guerra de brancos, que a igualdade ainda era coisa para o futuro e que a maneira de os ne- | gros provar seu valor seria permanecerem onde estavam, cha-. mando de senhor seu antigo senhor e de senhora sua antiga senhora. Em toda parte, foi este o fantástico discurso dos ofi ciais ianques aos escravos libertos. Para alegria de Laura E. | Buttolph, da família Jones, da Geórgia, proprietária de escra- | vos, “os pretos estão muito descontentes”. '* Este discurso não se dirigia apenas aos negros que, segundo os oficiais, tinham | permanecido passivos durante a guerra, James Montgomery, ao | ata

tentar intimidar suas tropas negras a fim de que aceitassem um soldo inferior ao dos brancos, com os quais lutavam lado a lado, disse-lhes o seguinte: “Fui a primeira pessoa nesta região a empregar negros e mulas; e como todo mundo sabe, negros e mulas combinam muito bem”. '? Foi nestes termos que um digno representante da burguesia vitoriosa se dirigiu aos indignados heróis da batalha de Fort Wagner, que ele tivera a honra de comandar. As tropas negras, além de lutarem, fizeram algo igualmente importante. Transformaram a região onde viviam os negros, tanto quanto lhes foi permitido. É fácil imaginar o que sentiram os escravos mais tímidos ao verem outros negros, muitos deles recém-libertados, envergando o uniforme de seu país, ocupando as áreas de plantations e cantando: Está vendo o raio? Está ouvindo o trovão?

Não Não São Dos

é o raio, é o trovão. os botões uniformes dos negros!

e cantando também blica:

sua versão do Hino da Batalha da Repú-

Sabemos capinar algodão, Sabemos capinar o milho. Somos soldados ianques negros, Tão certo como estarmos vivos. Quando o massa nos ouve gritar. Pensa ouvir a trombeta de Gabriel

Enquanto avançamos. 'º Os escravos se deslumbraram ao ver o orgulho com que os soldados lidavam com os brancos, até seus próprios oficiais, ao ver seu autocontrole e sua autoconfiança, e sua determinação de fazer os oficiais de ocupação manterem suas promessas. Os senhores de escravos também se deslumbraram, embora de modo bem diferente. A Besta do Apocalipse estava solta. As tropas negras encorajavam deserções de escravos, eram 243

firmes para com os brancos que cometiam abusos, e assusta-. vam todo mundo. Mas raramente os senhores faziam com tários sobre o que transparece claramente em seus depoim tos, que os soldados negros abstinham-se de vinganças e de forras pessoais, e esforçavam-se para manter o moral e a posi ção de seu povo. Há muito, era exatamente isto o que os se: nhores temiam, bem mais do que temiam por suas vidas. Em 1866, John Richard Dennett escreveu que os senho: de escravos do Alabama consideravam seus negros muito me nos militantes e encrenqueiros que os da Geórgia. !! Talyi tivessem razão. Os escravos da Geórgia tinham convivido c o exército da União, presenciado a humilhação de seus a senhores;

seu

contato

com

as tropas

negras

fora mu:

maior, e muitos dos que as integravam haviam sido recru dos nas próprias senzalas da região. Não há muito o que expli car quanto à precaução e à timidez de tantos escravos; m é necessário explicar o novo espírito que passou a animar ta tos outros. Os negros começaram a perceber sua força e avaliar suas responsabilidades. Tinham começado, embora co:

+

gantes

Notas

hesitações, a aprender o significado das palavras pronuncia: das por John M. Langston em Ohio, em 1862, ao instar demais negros a resistirem às provocações e entrarem para exército, apesar da humilhante discriminação: “Pagos ou ni pagos, sejamos voluntários. Daí virão inúmeros resultados p sitivos. Mas basta, no momento, mencionar um deles. Refi me a uma organização sólida. É disto que mais precisam

americanos de cor”. !82

. Smedes, Southern Planter, p. 125 e 219. . Sobre o comportamento dos colonos em relação a seus opressores, ver as interessantes observações de Albert Memmi em Dominated Man, New York, 1968, p. 5; sobre o comportamento aristocrático dos escravos ver Ralph Ellison, Shadow and Act, New York, 1964, p. XV, e as obras de Faulkner a que ele se refere. . Yetman (org.), Life Under the “Peculiar Institution”, p. 72; Sitterson, Sugar Country, p. 90.

- Northup, Twelve Years a Slave, p. 322.

Foi nas tropas negras que se deu o primeiro encont significativo entre os negros do Norte, os do Sul e os escravos daquela região. Pela primeira vez, em escala maciça, todi perceberam o quanto era diferente comportar-se como escravos ou como pessoas livres; e perceberam também quanto havia de semelhante no fato de serem homens e mulheres negros. Viram assim, uma nação negra em sua gênese.

Higginson, Army Life, p. 260. Sydnor, “Southerner and the Laws”, JHS, VI, Fevereiro

de 1940, p. 14.

- Pearson (org.), Letters from Port Royal, p. 230. Citado por Robert S. Siarobin em “Privileged Bondsmen and the Process of Accommodation: the Role of Houseservants and Drivers as Seen in Their Letters”, J. Soc. H., V, outono,

1971, p. 57.

A meu ver, é neste contexto que deve ser entendida a afirmação de Frantz Fanon: “Sempre é mais fácil apregoar a rejeição do que rejeitar de fato”. The Wretched of the Earth, New York, 1965, p. 177. 10.

244

Rawick (org.), Miss. Narr., VII (2), p. 149. 245

11. 12.

Ver as interessantes observações de Bremer em Ho of the New World, I, pp. 385-6. Kemble, Journal, p. 139; Leigh, Ten years, p. 95; bém Botume, First Days Amongst the Contrabands, p. 65, A respeito da Jamaica, escreve Edward Brathwaite: | “Também na vida cotidiana os escravos observavam jus diciosamente a cortesia da linguagem”; Creole Society In Jamaica,

13.

1770-1820,

Oxford,

1971,

p. 238.

Melville J. Hersxovits, The Myth of the Negro Past,

ton, 1962, pp. 141-2.

4

q

Bertram Wilbur Doyle, The Etiquette of Race Relati in the South: a Study in Social Control, New York, 19 15. Lyell, Second Visit, I, p. 224. E B E. W. (org.), Weinberg Meyer in: 16. Du Bois, “Politeness”, Du Bois: a reader, New York, 1970, p. 427; public. originalmente em Crisis, março de 1911. 17. Bremer, Homes of the New World, I, p. 511.

18. C. S. Johnson, Shadow of the Plantation, p. 27.

22. 23.

Scarborough (org.), Diary of Edmund Ruffin, I, p. 6 “Management of Slaves”, SC, IV, março, 1846, p. 44 Yetman (org.), Life Under the “Peculiar Institution”, p. 274. ? Chestnut, Diary from Dixie, p. 42. Rawick (org.), S. C. Narr., III (3), p. 61; Ala. Narr., (1), p. 325;

24.

25.

26.

27. 28.

VI

(1), p. 435.

Benedict,

The

chrysanthemum

29.

and

the Sword:

P

tterns of Japanese Culture, New York, 1967 (1946 pp. 222-3. Helen Merrell Lynd, On Shame and the Search for Ide tity, New York, 1958, p. 43. q E. A. Davis (org.), Plantation Life in the Florida Parishes, of Lousiana, p. 175; também Rawick (org.), Ark. Narr.,,

IX (4), p. 166; X (6), p. 44.

||

4

Howard W. Odun e Guy B. Johnson, The Negro and Hik Songs: a Study of Typical Negro Songs in the South, New York, 1968, pp. 253-4. Ambrosio Donini, Lineamenti di Storia Delle Religi Roma, 1959, pp. 207-10; também Eric J. Hobsba Primitive Rebels, Manchester, 1959, pp. 118-9. Ruth

Phillips, Life and Labor, p. 244.

31. 32.

John Richard Dennett, The South as It Is, 1865-1866 (org. por Henry M. Christman), New York, 1965, p. 122. Mooney, Slavery in Tennessee, p. 157. E. F. Andrews, War-time Journal of a Georgia Girl, p. 183.

33.

Martineau,

34. 35.

Higginson, Army Life, p. 109. Mary Jones a Mary S. Mallard, 7 de novembro de 1865 e 17 de janeiro de 1866, cit. in Myers (org.), Children of the pride, pp. 1303 e 1319. Father Henson's Story of His Own Life, p. 19. Pode ser consultado qualquer dos volumes organizados por Rawick em The American Slave: a Composite Autobiography. Para uma amostra, ver Fisk University, Unwritten History of Slavery, pp. 7-8, 15, 17, 27, 33-4, 42,

Boss

14.

19. 20. 21.

30.

36. 37.

Society

61, 63, 77, 101-2,

in America,

103-6,

109,

II, p. 321.

111, 115,

121, 129 e 148.

38.

Fisk University, Unwritten History of Slavery, p. 42; também Rawick (org.), S. C. Narr., II (2), p. 70.

39.

Yetman

(org.),

Life

Under

the

“Peculiar

Institution”,

pp. 1734. 40. WPA, Negro in Virginia, p. 156; para casos de escravos que tiveram senhores de tipos muito diferentes, ver Northup, Twelve Years a Slave. Também James W. C. Pennington, The Fugitive Blacksmith, em Arna Bontemps (org.), Great Slave Narratives, Boston, 1969, p. 197; Life and Times of Frederick Douglass, pp. 45, 96 e 106; Steward, Twenty-two Years a Slave, pp. 16 e 19. 41. Fisk University, Unwritten History of Slavery, p. 81. 42. WPA, Drums and Shadows, p. 100; também Fisk University, Unwritten History of Slavery, p. 149.

43. Saxon et al. Gumbo Ya-Ya, pp. 16-7. 44.

Yetman (org.), pp. 140-2.

Life

Under

the

“Peculiar

Institution”,

45. Ibid., p. 162. 46. 47. 48.

Fisk University, Unwritten History of Slavery, p. 65. Yetman (org.), Life Under the “Peculiar Institution”, pp. 2378. Ver “Some Undistinguished Negroes”, JNH, III, abril, 1918, pp. 196-7; C. P. Patterson, Negro in Tennessee, p. 133. 247

49.

Ver tam bém o IMH, XXII, outubro, 1960, pp. 249-70. Durden, The F. recente estudo, documentado, de Robert on EmanciDebate Grey and the Black: the Confederate

Ver, por exemplo, Penelope Campbell, Maryland in Afri-

ca: the Maryland State Colonization Society, 1831-57, Urbana, Ill. 1971, esp. pp. 144-5; Hollis R. Lynch, “Pan-negro Nationalism in the New World”, em August

em

em-

The

L. my”, JNH, IV, julho, 1919, p. 247. Também Alvy RouBaton Fire-eater, Southern King, Louis T. Wigfall: ge, La., 1970, p. 206-8. 62. Citado em Albert D. Kirwan (org.), The Confederacy, New York, 1961, p. 215. A. Whi63. Poe (org.), True tales, pp. 133-4; também Laura New Secession, of Father Rhett: te, Robert Barnwell 238-9. York, 1931, pp. 64. Chestnut, Diary From Dixie, pp. 203, 292 € 456. ss. Rawick (org.), S. C. Narr., HI (4), p. 39. LeS6, Smedes, Southern Planter, p. 156; ver também Emma. Emma of Conte, When the World Ended: the Diary 1957, LeConte, Organizado por E. S. Meiers, New York, º pp. 46-7. um pp. 16-8. Washington, T. Booker 67. Spencer, k Institution 68. Yetman (org), Life Under the ““Peculiar

dos esecravos

Journal of African Studies, III, outono 1969, pp. 577-93, Ver, por exemplo, a correspondência conservada nos Sl Papers da Biblioteca do Congresso; também York Wal a Isaac Wade, 30 de julho de 1858; e Granville Wo

son à sra. C. E, Wade,

16 de fevereiro de 1853,

Documentos da Família Wade; Susan Capart a John Kim berly, 1.º de março de 1859, nos Documentos Kimber y: Randall Kilby a John R. Kilby, 26 de junho de 1856 Richard Blount, Richard McMarine, Esq. a Julius Johns ton, junto de 1858, nos Documentos Pettigrew; Moses Le gans a McDowell Reid, 20 de outubro de 1843, nos Do cumentos Reid; Sydnor, Slavery in Mississippi, p. 23

238. Phillips (org.), Plantation Berwnager, Frontier Against nhaugh, Excursion Through Rawick (org.), Ala. Narr.,

and Frontier, II, pp. 161 Slavery, pp. 74-5; Feath the Slave States, p. 38. VI (1), p. 387.

Rawick (org.), S. C. Narr., II (1), p. 12; também A Narr., X (6), p. 36.

54. Rawick (org.). Texas Narr. IV (1), p. 262. 55. Henry Palfrey a William Palfrey, 12 de março de 184: 56. Bremer, Homes of the New World, I, pp. 509-10. 57. Botume, First Days Amongst the Contrabands, p. 86. 58. Rawick (org.), Texas Narr., V (3), p. 153. 59. Stirling, Letters From the Slave States, p. 201. 60. James M. McPherson, The Negro's Civil War: How 1 groes Felt and Acted During the War For the Uni New York, 1965, pp. 242-3. Ver também Bill G. Re “Confederate Opponents of Arming the Slaves, 1861-65”, 248

Charles

H. Wesley

America: Essays in Negro Life and History, 2 v., New York, 1969, p. 51. Quanto à experiência parecida, mas,

Ralston, “The Return of Brazilian Freedmen to West Afri ca in the Eighteenth and Nineteenth Centuries, Canadiar

52. 53.

citado por

dd

1972.

61.

brasileiros que voltaram à África Ocidental, ver Richard

51.

Tal como

Rouge, La.,

Meier e Elliott M. Rudwick (orgs.), The making of Black sob certos aspectos essenciais, diferente,

50.

pacion, Baton

no

Arployment of Negroes as Soldiers in the Confederate

. 243. Years 69. Elizabeth Keckley, Behind the Scenes. Or, Thirty York, New House, a Slave and Four Years in The White

se refere 1868, p. 74; os abusos físicos a que a autora dos antes teve ela que ocorreram por parte de senhores Contrabands, the Amongst Davis; Botume, First Days

. 192; 70.

pan

Diary

From

Dixie,

13

de fevereiro de

1862,

p. 189.

115 e 205. 71. Botkin (org.), Lay my burden down, pp. aa: WPA, Negro in Virginia, p. 46. 73. Rawick (org), Okla. Narr., VII (1), p. 284. : 74. Rawick (org), Miss. Narr., VII (2), p. 117. Girl, 75. E. F. Andrews, War-time Journal of a Georgia pp. 286 e 322. nd 76. Rawick (org.), Ala. Narr., VI (1), p. 80. Institution”, “Peculiar the Under Pe Yetman (org.), Life

p. 75; Rawick (org), Texas Narr., IV (2), P. 244.

249

78.

Rose, Rehearsal for Reconstruction, p. 348; também T. Judge, “On the Devotion of Slaves to Masters”,

de março de 1913, in Correspondence: Slavery, see State Library and Archives; Dennett, South pp. 199-200; Botume, First Days Amongst the bands, p. 142; George Brown Tindall, South Negroes,

79. 80. 81. 82. 83.

1877-1900,

Baton

Rouge,

La.,

1964,

S.C. Narr.,

M. 30

Tennesas it is, ContraCarolina pp.

93.

Ver, por exemplo, Chestnut, Diary from Dixie, pp. 53840; Leigh, Ten Years, pp. 14, 21, 77, 177 e 236. Mary Cable, “We and They in Rhodesia”, New Yorker, 19 de fevereiro de 1966, p. 37. Harvey Wish, “Slave Disloyalty Under the Confederacy”, INH, XXIII, outubro, 1938, pp. 435-50, esp. p. 449. Vernon Lane Warthon, The Negro in Mississippi, 1865-

bama, p. 80;

94.

Yetman (org.), Life Under the “Peculiar Institution”, p. 276. 85. Philip Durham e Everett L. Jones, The Negro Cowboys, New York, 1965, pp. 3 e 24. 86. Fisk University, Unwritten History of Slavery, p. 2. Para outros exemplos de senhores que protegeram seus escra- | vos das patrulhas, ver sta. Lucy a tio John, 4 de se- | tembro de 1849, nos Documentos Nash; Ulrich Bonnell | Phillips, “Historical Notes of Milledgeville”, Gulf States Historical Magazine, II, julho, 1903, pp. 165-6. Na op

96.

140.

nião

de Ross,

o comportamento

brar o dos membros

87. 88. 89.

dos

escravos

fazia

Steel, 15 de dezembro Williams a sr, e sra. 1853, nos Documentos 90. Gay, Life in Dixie, p. 91. Ver Harriet Martineau, V., New York, 1838, I,

de 1859. Também

Samuel Hicks, 10 de outubro de Williams. 63. Retrospect of Western Travel, 28 p. 161; Farish (org.), Journal and

Letters of Philip Vickers Fithian, pp. 184 e 199; Rawick,

p. 160.

1900, Chapel Hill, N. C., 1947, p. 17; John Knox Betters-

outubro de 1862, nos Documentos

lem- |

Sarah Hicks

Rose, Rehearsal for Reconstruction,

worth, Confederate Mississippi: the People and Politics of a Cotton State in Wartime, Jackson, Miss., 1961, pp. 163-4; Aptheker, Slave Revolts, pp. 94-5; Mooney Slavery in Tennessee, p. 178; Rawick (org.), S. C. Narr., HI (4), pp. 213-5; Magnolia Plantation Journal, 21 de

de clãs escoceses, ver Cities and |

camps, p. 84. Também William I, Thomas e Florian | Znaniecki, The Polish Peasant in Europe and America, | 2 v., New York, 1958, I, p. 172. Phyllis Jennings a Mary Pettigrew, 10 de junho de 1803, nos Documentos Pettigrew. Northup, Twelve Years as a Slave, p. 20. Holcombe autobiography, I, p. 19; Frank F. Steel a Anna

in Ala-

Ver Sir Charles Lyell, Travels in North America, 2 v., London, 1845, I, p. 169; J. B. Sellers, Slavery in Ala-

95.

e

Sellers, Slavery

92.

.

84.

J.B.

York, 1970, p. 62.

55-6;

Ottey e Weatherby, Negro in New York, p. 21. K. M. Jones (org.), Ladies of Richmond, p. 289. Chestnut, Diary from Dixie, p. 532. Du Bois, Black Reconstruction, p. 59. Keckley, Behind the Scenes, pp. 41, 241-2. Rawick (org.), Texas Narr., IV (2), p. 162; V (3), pp. 33

II (2), p. 324;

bama, p. 128; Rose, Rehearsal for Reconstruction, pp. 85 e 114. Quanto ao significado simbólico do ovo para os Achanti, ver Laurens van der Post, African Cooking, New

97.

Warmoth;

Pugh

Plan-

tation Diary, 4-6 de novembro de 1862; Albert Virgil House (org.), “Deterioration of a Georgia Rice Plantation During Four Years of Civil War”, JSH, IX, fevereiro, 1943, p. 113; Scarborough, Overseer, pp. 149, 153-5; Wiley, Southern Negroes, p. 76. Rose, Rehearsal for Reconstruction, pp. 16, 106-7, 145; também Litwack, “Free at Last”, in Hareven (org.), Anonymous Americans, esp. pp. 154-6; Mary E. Massey, Refugee Life in the Confederacy, Baton Rouge, La., 1964,

p. 237. 98.

Quanto aos protestos de senhores e senhoras que não perceberam que suas vidas estavam sendo poupadas, ver

M.M. Grimball Diary, 4 de agosto de 1863; Minor Plantation Diary,

3 de janeiro de 1863;

Cornish

Diary, 22

de fevereiro de 1865, 18-21 de junho de 1865; LeConte, When the world ended, p. 40; K.M. Jones (org.), When Sherman came, pp. 220 e 268; Agnew Diary, 4 de março de 1864, IV, pp. 191-2; Bayside Plantation Records, 1, 251

121.

3,4 e 11 de maio de 1863; H. E. Lawrence a Frances E.

99. 100. 101. 102. 103. 104.

105.

Lawrence, 10 de dezembro de 1862 (?), nos Documentos da Família Brashear. Kate Stone, Brokenburn, 25 de abril de 1863, pp. 197-8. Journal of Charlotte Forten, pp. 57, 74 e 178. a Kelly Miller, Out of the house of bondage, New York, | 1969 (1914), p. 23.

Northup, Twelve Years a Slave, pp. 62-3. Yetman (org.), Life Under the “Peculiar Institution”, p. 38. | Kate Stone, Brokenburn, 5 de setembro de 1864, p. 298; | Easterby (org.), South Carolina Rice Plantation, p. 211 T. R. Gray, “Confessions of Nat Turner”, reeditado em Herbert Aptheker, Nat Turner's slave revolt, New York 1966. Em certas áreas, porém, a possibilidade de grande violência em uma “guerra racial” gerou temor generalizado Ver, por exemplo, S. Andrews, South Since the War

p. 207. 106. 107. 108. 109.

110. 11.

(org.),

Narr.,

IV

Rawick

(org.), S. C. Narr.,

Texas

III

(2), p.

113. 114. 115. 116. 117. 118. 119. 120.

252.

122. 123.

124. 125. 126. 127.

129.

Ibid., III (4), p. 119.

Kemble, Journal, p. 34; Swint (org.), Dear Ones at Home, pp. 36-7. Também DeLeon, Four Years in Rebel Capitals p. 315. Pearson (org.), Letters From Port bb p. 14. Botkin (org.), Lay My Burden Down, pp. 14, 15, 94, 110

131. 132.

S. Andrews, South Since the War, pp. 26, 181-2 e 234. Dennett, South as It Is, p. 78. Matthew Gregory, Lewis, Journal of a West India Proprietor, Kept During a Residence on the Island of JamaiYork,

1969,

(1834), pp.

140, 231, 408.

Mary Jones a C.C. Jones, Jr., 7 de julho de 1858, in Myers (org.), Children of the Pride, p. 427. Recorri ao ensaio de Simmel, “Faithfulness and gratitude”, mesmo discordando de algumas de suas principais interpretações. Ver K. H. Wolff (org.), The Sociology Octave Mannoni, Prospero and Caliban; a Emas of the Psychology of Colonization, p. 44. Antonio Gramsci, The Modern Prince and Other Writings, New York, 1967, pp. 66-7. Citado por John M. Cammett em Antonio Gramsci and the Origins of Italian Communism, Stanford, Calif., 1967, p. 9.

133. 134. 135.

II (1), pp. 167, 250 e 299.

Ibid., 11 (1), pp. 5-6. Rawick (org.), Okla. Narr., VII (1), p. 296. Ibid., VII (1), p. 209. Rawick (org.), S. C. Narr., II (1), p. 106. Lyell, Second Visit, I, p. 208.

Greene (org), Diary of Col. Landon Carter, 28 de junho

Rose, Rehearsal For Reconstruction, p. 366.

of Georg Simmel, New York, 1950, pp. 387-90. 130.

Yetman (org.), Life Under the “Peculiar Institution”, p. 30. Lyell, Second Visit, 1, p. 255. Rawick (org.), S. C. Narr., II (1), p. 67; III (2), p. 141;

de 1770, I, p. 429.

servações de Hugh Washington acerca da Virgínia, citadas por Mullin em Flight and Rebellion, p. 31, e as de William Dunbar, do Alabama, citadas por J. B. Sellars em Slavery in Alabama, pp. 13-14. Rose, Cities and Camps, p. 137. Bonner (org.), “Plantation Experiences of a New York Woman”, NCHR, XXXIII, julho, 1956, p. 402; outubro, 1956, p. 546.

ca, New

134.

(4), p. 54.

142, 148 e 234.

112.

Chestnut, Diary From Dixie, p. 152. Ver também as ob-

128.

Rawick

Martineau, Society in America, I, pp. 309-10; II, p. 317; Também Bremer, Homes of the New World, II, 332;

q

Higginson, Army Life, pp. 16, 34, 42-3 e 52.

S. Andrews, South Since the War, pp. 179-80 e 324. B. H. Nelson, “Some Aspects of Negro Life in North

Carolina During the Civil War”, NCHR, XXV, abril, 1948, p. 166; ver também Paul W. Gates, Agriculture and the Civil War, New York, 1965, pp. 23, 60-2, 78 e 119. 136. James H, Brewer, The Confederate Negro: Virginia's “Craftsmen and Laborers, 1861-65, Durham, N, C., 1969; Dew, Ironmaker to the Confederacy. 253

137.

Para um excelente resumo dos problemas enfrentados pelos escravos que queriam desertar, ver Litwack, “Free at Last”, in Hareven (org.), Anonymous Americans, pp. 135-6; em relação ao Mississípi, ver D. Clayton James, “Mississippi Agriculture,

1962, pp. 129-41.

138.

1861-1865”, JMH,

foram

os ianques

Quando

XXIV,

obrigados

a bloquear

É

abril,

4

|

as es-

Fo

DA,

144.

Citado por J. M. McPherson em Negro's Civil War, p. 39 Entre os diversos levantamentos resumidos, ver em espe, cial Benjamin Quarles, The Negro in the Making of America, New York, 1968, p. 117, e, para maiores detalh Negro in the Civil War, Boston, 1953, do mesmo auto: Sobre este fato já muito repisado, ver em especial Ben-| jamin Quarles “The Abduction of “The Planter' ”, CWH ! 4 IV, março, 1958, pp. 5-10. também, 147; J. M. McPherson, Negro's Civil War, p. Massey,

145.

146. 147.

Refugee

Life,

pp.

q

237-8.

Woodward, “Equality: the Deferred Commitment”, ca 4 de Burden of Southern History; o trecho citado está, na p. 82. Botkin, Lay My Burden Down, p. 206. Rawick (org.), S. C. Narr., HI (3), p. 26; Ark. Narr., (5), pp. 193, 202; ver também Agnew Diary, 15 de ago to de 1862, 7 de maio de 1863, 7 de dezembro de 186 II, pp. 121, 379; IV, pp. 92-3; James W. Melvin a A. Britton, 17 de fevereiro de 1863, nos Documentos Britto

Mary

S. Mallard

Journal,

Mary Jones Journal,

21

de dezembro

22 de dezembro

de

de

1864,

1864,

10 de j

neiro de 1865, 11. de janeiro de 1865, in Myers (org). Children of Pride; K. M. Jones (ogr.), When Sherman, Came, pp. 173 e ss. Pearson (org.), Letters from Port |

254

150. 151.

Ver, por exemplo, a parte 4 da obra Lay My Burden Down, organizada por Botkin. Quanto à conduta das tropas de Sherman para com os negros, ver Joel Williamson, After Slavery: the Negro in South Carolina Reconstruction, Chapel Hill, N. C., 1965, p. 23. Rawick

(org.), S. C. Narr.,

H

(1), p. 97.

Peter Burchard, Oné Gallant Rush: Robert Gould Shaw

ni in

Brave Black

Regiment,

New

York,

1965,

pp.

152.

140. S, Andrews, South Since the War, p. 128.

143.

149,

tradas e os sulistas brancos ficaram ilhados, seus escra- | vos, leais, às vezes atravessavam as linhas e voltavam |

com os suprimentos necessários. Ver, por exemplo, Broun | Diary, 25 de janeiro de 1863; Edmondson Diary, 2,3 € e 4 de janeiro de 1864. Virginia in Negro 139. Para melhores exemplos, ver WPA, p. 123; Yetman (org.), Life Under the “Peculiar Institu

141. 142.

148.

Royal, p. 155; Swint (org.), Dear Ones at Home, p. 160; Wiley, Southern Negroes, p. 14; Rose, Rehearsal for Reconstruction, passim. pe Diary, 12 de maio de 1862, 15 de novembro de

A questão da terra é examinada por Du Bois em Black Reconstruction; Robert S. Allen, Reconstruction: the Battle for Democracy, New York, 1946; Bleser, Promised Land; e Christie Farnham Pope, “Southern Homesteads for Negroes”, AH, XLIV, abril, 1970, pp. 201-12. 153. Wiley, Southern Negroes, pp. 83-4. 154. Lester, To Be a Slave, p. 130. 155. Ver, por exemplo, Roland C. McConnell, Negro Troops of Antebellum Louisiana: a History of the Battalion of Free Men of Color, Baton Rouge, La., 1968; Benjamin Quarles, The Negro in the American Revolution, Chapel Hill, N. C., 1961; Willard B. Gatewood, Jr., (org.), “Smoked Yankees” and the Struggle for Empire, Urbana, III, 1971, obra na qual consta uma coleção muito reveladora de cartas de negros que participaram da Guerra Hispano-americana. 156. Ver, de modo geral, Quarles, Negro in the Civil War; Dudley Taylor Cornish, The Sable Arm: Negro Troops in the Union Army, 1861-65, New York, 1956; entre outras obras mais antigas escritas pelos próprios participantes, ver em especial George Washington Williams, A History of Negro Troops in the War of the Rebellion,

New York,

157.

1888.

Para a história tão importante do recrutamento de negros nos Estados fronteiriços, ver dois artigos de John

Blassingame: “The Recruitment of Negro Troops in Mis-

255

sissippi During the Civil War”, Mo.H.R.,

LVIII, abril,

1964, pp. 326-38; e “The Recruitment of Colored Troops

in Kentucky, Maryland and Missouri, rian, XXIX, agosto, 1967, pp. 533-45.

|

1863-65”, Histo- | ia

Jones, 30 de junho

158.

Sra. Laura E. Buttolph à sra. Mary

159. 160.

Citado por Burchard em One Gallant Rush, n.º 1, p. 115. + Estas canções aparecem várias vezes nos depoimentos | dos escravos. Ver, por exemplo, Rawick (org.), Ga. Narr., |

161. 162.

Dennett, South as It Is, p. 291. Citado por Du Bois em Black Reconstruction, p. 99.

de 1865, in Myers (org.), Children of Pride, p. 1.279.

LIVRO II

XIII (4), pp. 215 e 349.



Apedraealgrea

Sobre esta pedra edificarei minha Igreja; e as portas do inferno nunca prevalecerão contra ela. Mateus 16:18

256

PARTE 1 Do Deus dos vivos

Quanto à ressurreição dos mortos, não lestes o que Deus vos declarou: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó”? Ora, ele não é Deus de mortos, mas sim de ' vivos. Mateus 22:31-32

A tradição cristã Nesta época secularizada, para não dizer cínica, poucas coisas parecem mais difíceis que levar as pessoas instruídas a

encararem com seriedade os assuntos religiosos. A religião, contudo, a não ser na fase mais recente da história de uma minoria

dos povos do mundo, está enraizada no âmago da vida humana, tanto material quanto espiritual. O bispo Berkeley enunciou esta

verdade tão simples: “Pense

o mundo como pensar, aquele que

não tenha meditado muito acerca de Deus, da mente humana e do summum bonum talvez possa vir a ser um verme bem-sucedido, mas, sem a menor dúvida, será um mau patriota e um mau

estadista”. ! O problema filosófico da religião, sua verdade ou sua falsidade, é um campo que só em parte se separa do da política. ? A religião, por expressar os antagonismos entre a vida do indivíduo e a da sociedade, e entre a vida da sociedade civil e a

da sociedade política, não pode furtar-se a ser profundamente política. º A verdade da religião advém do fato de ela transmitir de forma simbólica a experiência moral do homem:

seu curso é

intuitivo e imaginativo. Sua falsidade provém da tentativa de substituir a ciência e de fingir que suas afirmações poéticas são informações acerca da realidade. Num

caso ou noutro, as afir-

259

mações da religião se referem ao homem e seu mundo, suas relações morais e sociais, mesmo quando tais afirmações se referem à relação do homem com Deus. Ainda que o fato de | um homem adotar uma religião possa ser puramente formal e ritualístico, por meio desta adesão ele expõe elementos essenciais de sua política, pois participar de ritos é o mesmo que participar de atos sociais que antes precedem a reação emocional do indivíduo do que se seguem a ela. A pessoa, em geral na infância, enquadra-se num padrão de comportamento imposto pela sociedade, e este condiciona seu subsequente desenvolvimento emocional, o que, em princípio, pressupõe uma comunidade e um sentido de interesse comum. * Não foi por acaso que os brancos do Velho Sul tentaram moldar a vida religiosa de seus escravos, | e os escravos, de forma aberta, velada e até intuitiva, lutaram para moldá-la eles mesmos. A religião dos escravos afro-americanos, como todas as re- — ligiões, desenvolveu-se como um modo de ordenar o mundo e conseguir uma posição vantajosa a partir da qual se passava a julgá-lo. Como todas as religiões, estabeleceu uma base de conduta moral e apresentou uma explicação para a existência do mal e da injustiça. Na religião dos escravos manifestam-se di-

versos “traços” africanos, e nela se pode observar, em relação

às idéias africanas, uma continuidade maior do que geralmente se pensa existir. Mas essa religião reflete uma realidade diferente, numa terra muito diferente, e acaba surgindo como algo novo. Hoje, a religião negra na América ainda mostra ecos da África e expressa alguma coisa do destino comum dos pov negros em quatro continentes; contudo, permaneceu um fruto: distinto da experiência dos escravos norte-americanos, o qu não poderia deixar de ser. Mas a religião dos escravos se torno cristã e passou a ser um capítulo especial da história das religiões 4 cristãs.

e sm A noção de cristianismo como religião onde predominavam |

os escravos surgiu muito antes das polêmicas de Nietzsche, embo- ;

ra estas, reconhecidamente, lhe tenham dado um vigor e uma | clareza especiais. “Desde o princípio”, afirma Nietzsche, “a fé cristã é sacrifício: sacrifício de toda liberdade, de todo orgulh » e é também sujeição, de toda confiança do espírito em si mesmo; “sm auto-escárnio e automutilação.” * Essa religião cruel à qual penoso sujeitar-se, continua o filósofo, abrandou os escravos | 260

porque retirou o ódio de suas almas, e sem ódio não pode haver revolta. é Vez por outra os africanos apresentaram uma versão própria de tal interpretação do papel político do cristianismo. Como costumavam dizer, “no começo nós tínhamos a terra e vocês tinham a Bíblia. Agora temos a Bíblia, e vocês, a terra”. A visão nietzschiana do cristianismo contém um elemento de verdade, mas é sempre um julgamento unilateral, logo superficial, de uma religião que difundiu por toda a Europa e pelo mundo as idéias da igualdade da vontade e da liberdade da vontade e da alma. O cristianismo foi uma poderosa força conservadora, mas foi também muito mais, até para os escravos. Sem dúvida, como sugere Ernst Troeltsch, desde o início seu conservadorismo político, o empenho em dar a César o que é de César, existiu como força política na família patriarcal, fundamentada na estrita submissão das mulheres aos homens, e abriu caminho para a sociedade escravista e senhorial.” Certamente Karl Kautsky tem alguma razão quando argumenta que os escravos da Antigiidade obedeciam a seus senhores por medo e que o cristianismo fez nascer a obediência desprovida de dignidade a um dever moral quê sujeitava até mesmo os homens livres.* Conquanto verdadeiras, essas críticas representam apenas um dos aspectos do processo conhecido por história da religião cristã, E considerar unicamente este aspecto é negar qualquer possibilidade de compreender a contribuição do cristianismo afro-americano à sobrevivência e à mobilização da América negra. O cristianismo primitivo e a figura histórica de Jesus não devem ser interpretados como revolucionários, do ponto de vista político, no sentido social ou mesmo no da libertação nacional, como tentaram fazer alguns críticos radicais.” A história viva da Igreja foi basicamente a da submissão à estratificação de classes e aos poderes constituídos, mas continua sendo, apesar de todas as tentativas em contrário, um legado de resistência que se pode sentir em certas passagens do Novo Testamento e sobretudo nas passagens proféticas do Antigo. Seguramente os deuses se divertem com suas brincadeiras. O maior legado do cristianismo à civilização ocidental consiste em suas doutrinas

de liberdade espiritual e de igualdade perante Deus, idéias ardorosas que Nietzsche e muitos outros tanto se esforçaram para lançar no ridículo; mas esse legado e essas doutrinas negaram 261

e continuam a negar o que a Igreja fez de brilhante: estabelecer e consolidar o princípio da ordem social. A ordem social sempre se apoiou numa precária conciliação entre as reivindicações das sociedades e as do indivíduo, mas o fato de o cristianismo ter sempre reconhecido, com coragem, que tal antagonismo deve permanecer inconciliável neste mundo nunca deixou de despertar a ira dos visionários do apocalipse e dos que se comprometem criminosamente com o Reino de Deus na Terra. O cristianismo não se difundiu como um brado oriundo do coração

dos escravos, mas

sim, como

argumenta

Ambrósio

Do-

nini de modo tão sugestivo, de toda a sociedade escrava no início de sua desintegração. !º O sofrimento individual, em si mesmo, não parte deste mundo em direção a uma reconciliação esviritual no além; tal concepção só poderia advir do sentimento generalizado de estar preso num mundo de insegurança e desor“em, Por esta única razão, ontem como hoje, para uma ideo-

logia triunfar, precisa ir além das divisões de classes, mesmo iustificando a hegemonia de uma determinada classe que dispõe dos meios para dominar. Desde seus primórdios, o cristianismo buscou um equilíbrio precário entre a submissão à autoridade e a coragem da von-

tade individual. E de certo modo, o que trouxe inúmeras consequências para os oprimidos daquela época e das que se seguiram, não foi capaz de manter este equilíbrio sem recorrer a grandes violências, pois jamais conseguiu impor restrições permanentes aos impulsos socialmente subversivos da vontade. Porém, durante um período notavelmente longo, o cristianismo influenciou de fato os canais por onde tais impulsos atuaram. Mesmo Troeltsch, que defende com vigor a interpretação ético-religiosa da lenda de Jesus, sobrepondo-a a sua interpretação social, admite que Jesus se dirigiu primeiro aos pobres

e oprimidos e que os ricos só foram atraídos para o cristianismo no século II, ou seja, após o impacto da cruzada de Paulo." Qualquer que tenha sido a pregação da figura histórica de o fato é que Marcos, ao falar de Barrabás, não se refere insurreição, mas à insurreição; Jesus, na iminência de ser diz a seus discípulos que vendam seus mantos e comprem das; e todos os evangelhos concordam que a entrada em

salém se deu 262

entre os gritos de “Hosana”

de uma

Jesus, a uma preso, espaJeru-

sedição

política popular. Existem ainda bons motivos para os anabatistas amarem e Lutero odiar a Epístola de Tiago, “esse panfleto revolucionário”, como o chama Archibald Robertson. 2 Seja qual for a interpretação que se dê às palavras candentes do Evangelho de Mateus, é fácil perceber que elas instigam alguns homens e mulheres à ação radical: “E sereis odiados por todos por causa do meu nome. Aquele, porém, que perseverar até o fim será salvo” (10:22). “Não penseis que vim trazer paz à terra. Não

vim

trazer paz, mas

espada”

(10:34),

“Desde

os

dias de João Batista até agora, o Reino dos Céus é arrebatado à força e são os violentos que dele se apoderam” (11:12). Com ou sem a sanção específica dos evangelhos, o cristianismo ofereceu aos oprimidos e desprezados a imagem de Deus crucificado pelo poder, pela ganância e pela maldade, mas ao final ressuscitado, triunfante e redentor dos fiéis. Por mais que o cristianismo tenha ensinado a submissão à escravidão, também difundiu uma mensagem pressaga para a classe dominante e de resistência para os escravizados.

O cristianismo, mesmo quando explicitado nas formulações claramente conservadoras de Paulo, pregou a dignidade e o valor do indivíduo, e portanto ameaçou estimular o desafio à autoridade, ainda que pregasse a submissão. Para a classe dos escravos, mais do que para qualquer outra, essa mensagem foi vital, A doutrina do “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” é decepcionantemente ambígua: Embora pregue a submissão política aos poderes vigentes, prega também a

militância em defesa da liberdade do espírito e da autonomia

da personalidade. Mas tanto psicológica quanto ideologicamente, a relação senhor-escravo reside na transformação da vontade do escravo na vontade do senhor. Assim, por mais obediente, por mais Pai Tomás, que o cristianismo tenha tornado o escravo, também arraigou em seu espírito a consciência dos limites morais da submissão, colocando um outro senhor acima do senhor e diluindo, desta forma, a base moral e ideológica onde se origina o próprio princípio de autoridade humana absoluta. Não havia maldade, mas algo bem diferente, quando muitos senhores de escravos sulistas castigavam seus negros por estes recorrerem a Deus a toda hora, e os mandavam apresentar todas as queixas e pedidos a seus senhores na Terra. * 263

Troeltsch considera “assaz extraordinário” que mesmo em

|

Paulo se possa perceber o individualismo radical, embora sob uma forma conservadora. Avaliando o conservadorismo sóciopolítico de Paulo e estudando-o em relação à doutrina cristã da

| |

liberdade individual, Troeltsch comenta que há na doutrina da | submissão muito menos amor que resignação e desprezo pelas instituições existentes. A utopia cristã sempre conteve implicações políticas radicais, mesmo em suas facetas mais conservadoras, conciliatórias e transcendentes. Porém, como diz Gramsci, esta utopia foi uma tentativa colossal, em forma mitológica, de conciliar as contradições da vida neste mundo. Ao proclamar

| | | | |

uma única natureza para todos os homens, dada por Deus, proclamou também que todos os homens são irmãos. Mas ao fazer isto, apesar de todas as tentativas de separar o Reino de Deus dos reinos dos homens, evidenciou o abismo existente entre a | “igualdade dos homens perante Deus e a cruel desigualdade do É

homem perante o homem. !! O

cristianismo,

como

outras

religiões,

nasceu

do

coletivo

e nele baseou sua força. Nas religiões tribais primitivas, tanto africanas como européias, Deus é ao mesmo tempo o membro supremo da família, um verdadeiro paterfamilias, e uma força independente, superior à família que concretiza sua vida ideal e simboliza sua unidade. * A idéia essencialmente tribal de Deus, conquanto modificada, nunca deixou por completo de estar pre-

| | | | |

alimentada num certo tipo de relações entre classes, em especial

Foi na luta para conciliar liberdade é ordem, personalidade |

individual e exigências da sociedade que o gênio do cristianis- |

da Montanha,

264

| |

as relações de senhor e servo, impregnou até mesmo seus dissidentes e transmitiu-lhes, idealizadas, as próprias relações sociais que a dissensão pretendera desafiar. Como escreve Ainbrósio Donini, “em todas as religiões de mistério, desde a de Dionísio até a de Cristo, o relacionamento dos fiéis com o salvador é visto como a relação entre um “escravo' (...) e seu senhor

[padrone]”.” Em todas as sociedades de classes pré-capitalistas

as igrejas |

cristãs lutaram para que a aceitação da dignidade e da santidade da pessoa humana estivesse presente na submissão a uma disciplina coletiva capaz, ela apenas, de garantir a liberdade

A tradição religiosa de que os escravos afro-americanos se sentem herdeiros, e para a qual contribuíram mais do que se pensa, não se inspira de modo algum na docilidade e na submissão cega. Muitos brancos que pregavam para os escravos tentavam tornar sua mensagem estéril, mas sempre fracassavam, mais cedo ou mais tarde. Também havia vários pregadores da Palavra que eram negros e apresentavam suas próprias interpretações. A Palavra transmitia-se por si mesma, pois alguns escravos e também negros livres que mantinham contato com os escravos liam a Bíblia e rebatiam as argumentações dos pregadores brancos. E a comunidade negra escravizada, oprimida e degradada se tornou tão espiritualizada e rica em recursos inte-

riores que não foi mais possível ignorá-la. À sua maneira, os

vos afro-americanos, tanto a partir do eurocristianismo quanto | de seu próprio passado africano, combinaram as duas idéias, | se criando assim uma religião especificamente sua e ao mesmo | tempo contribuindo para moldar o cristianismo.

puritanos para edificar sua Cidade

fundem num amor ilimitado...” !é

escravos mostraram que o cristianismo, fosse inteiramente verdadeiro ou inteiramente falso, falava em nome de toda a humanidade ao proclamar a liberdade e a inviolabilidade da alma humana. O cristianismo, enquanto religião de salvação nascida e

sente nas sofisticadas religiões da sociedade civilizada. Os escra- |

mo se revelou de modo mais impressionante. Desde a consolidação da Igreja Católica Romana, a partir da idéia central concebida por São Cipriano de que “fora da Igreja não há salvação”, idéia bem menos arrogante e bem mais humana do que pode parecer aos americanos, até o heróico esforço dos

do indivíduo num mundo ameaçado pelo mal inerente à natureza do homem. Os que são purificados, o são por causa de Deus e por meio de sua união Nele. Diz Troeltsch: “O individualismo absoluto e o universalismo (...) precisam um do outro. Pois o individualismo só se torna absoluto pela rendição ética do indivíduo a Deus, e por ele ficar pleno de Deus; e por outro lado, na posse do Absoluto, as diferenças individuais se

| ,

os homens tiveram um senhor e buscaram um salvador, que foi espontaneamente formado à imagem do próprio senhor. As doutrinas igualitárias ligadas aos Cultos da Carga melanésios identificaram, surpreendentemente, a “carga” esperada aos feitos dos senhores europeus que viriam a ser destituídos. Fazendo 265

A religião dos escravos em perspectiva hemisférica

da carga (os produtos europeus técnica e materialmente superiores) um objeto de adoração, os nativos declararam sua própria liberdade e sua igualdade com os brancos, mas por vezes

Para analisar em perspectiva a experiência dos escravos sulistas e avaliar a relação entre religião e resistência, ou aco-

não ficavam longe de esperar a carga como um presente desses mesmos brancos. As palavras de Donini também encontram respaldo nos escravos do Velho Sul, pois para alguns a melhor denominação para Deus é a de “Big Massa”. '* Para as classes dominantes, o risco revolucionário veio dos movimentos milenaristas, no momento em que ficaram seriamente abaladas a autoridade e a legitimidade do senhorialismo, quando a submissão a um senhor terreno se enfraqueceu na sociedade, e portanto poderia se enfraquecer também na consciência espiritual. O cristianismo podia oferecer conforto aos escravos romanos, dar-lhes um sentimento de valor pessoal e até uma certa esperança de libertação pessoal neste mundo, fosse pela emancipação ou por um tratamento melhor, mas não

lhes podia oferecer a possibilidade de libertação como classe. Tal sentimento só poderia surgir entre os escravos cristãos cuja própria condição de escravos estivesse enraizada num mundo de consciência e relações sociais burguesas. Mas, quando isto se deu, o cristianismo, nas diversas formas que assumiu após a : Reforma, já tinha passado por profundas transformações. A relevância da ascensão do cristianismo entre os negros escravos nos Estados Unidos deve ser encarada como parte do desenvolvimento

do

cristianismo

ao

longo

dos

séculos,

e pot-

tanto do desenvolvimento da civilização na qual ele se tornou a religião dominante. Contudo, por mais que a ascensão do cristianismo no mundo antigo tenha sido preparada, como diz Troeltsch, “pela destruição das religiões nacionais, consequência natural da perda da independência nacional”, ” as rupturas decisivas acarretadas pela Reforma fecharam o círculo e reconstruíram o cristianismo numa série de religiões nacionais distintas, mesmo

nas áreas

onde

dominava

o catolicismo

romano.

É

o caso da Igreja na França na época de Felipe, o Belo, e sobretudo na época de Napoleão. Os escravos afro-americanos dos Estados Unidos, à diferença dos do Brasil, Cuba e São Domingos, herdaram o cristianismo protestante. Este protestantismo, mesmo diluído e desvirtuado, contribuiu de vários modos, sutis e discerníveis, para criar uma consciência negra protonacional.

266

modação,

|

é necessário

examinar,

ainda

que

de modo

sumário

e insuficiente, a situação do Caribe Britânico, do Caribe Francês, e do Brasil e da América espanhola católicos. No início do século XIX, a população escrava da Jamaica aderiu às religiões tradicionais africanas, ou antes afro-jamaicanas, e permaneceu, em grande parte, desconhecedora do cristianismo.?! Durante a primeira metade do século XIX disseminaram-se rapidamente entre negros e mulatos seitas dissidentes, que talvez nunca tenham chegado de modo direto e hegemônico à grande maioria dos escravos. Só na segunda parte do século, após a emancipação, as seitas cristãs se constituíram em fato primordial na vida da população jamaicana, em parte, possivelmente,

por

dar

apoio

às iniciativas

sociais: e econômicas

dos

ivertos. Os anglicanos foram os principais responsáveis pela- vida religiosa da colônia. Em princípios do século XVIII a condição moral do clero era deplorável. Melhorou depois, sem dúvida, mas nunca houve de fato um empenho no sentido de converter os

escravos,

e muito

menos

de

protegê-los.

A

Jamaica

e

as

demais ilhas britânicas produtoras de açúcar nunca chegaram a contar com um clero suficiente para o trabalho necessário, mesmo supondo-se ter havido a disposição de empreender tal trabalho e relacionamentos políticos mais favoráveis, e não houve, de fato, uma coisa nem outra. Nas Leeward Slands, o clero reduzido dava assistência aos brancos e só se preocupava

com os escravos

a fim de coletar obolos para inexpressivos

batismos em massa. A preocupação com os escravos era prudentemente limitada pela submissão quase absolutaà classe e nante local. A experiência da Sociedade para a Propagação do Evan-

gelho em Terras Estrangeiras foi instrutiva e desalentadora. O | objetivo da Sociedade, tal como estabelecido por seus fundadores em 1701, era difundir a palavra da Igreja oficial entre os pagãos do mundo. Não o conseguiu, embora em alguns lugares, como na colônia da Carolina do Sul, tenha realizado uma obra educativa de certo valor junto aos negros. Sua principal 267

atuação foi em forma direta no Christopher Cristo, legou sua

Barbados, onde interveio corajosamente e de relacionamento entre senhores e escravos, Codrington, preparando-se para morrer em enorme propriedade e seus escravos à Socie-

dade, pedindo-lhe para mostrar ao mundo o que os cristãos verdadeiros e sensatos poderiam fazer pelos negros escravos. Claro que a Sociedade, pilar da Igreja erguido no próprio centro da ordem social, teve de ser muito cautelosa para não ofender os leigos donos de propriedades em Barbados, preocupando-se, evidentemente,

com as almas dos homens, e não com o detalhe

da classe a que pertenciam. Por isso, ela deixou claro que provaria serem os negros cristãos os mais úteis e operosos dos servos. Para encurtar a história, as “conversões” obtidas pelos missionários da Sociedade, tanto as de aristocratas quanto as de beberrões devassos, foram sempre superficiais, e com o tempo praticamente cessaram. As débeis tentativas de ensinar os negros a ler fracassaram devido às pressões dos leigos. Nada mudou, nem mesmo a regularidade das chibatadas. Nos dez ou vinte últimos anos de escravidão nas Índias Ocidentais Britânicas, os batistas e metodistas sofreram uma perseguição cada vez maior por parte dos donos de plantations, que alegavam estarem eles estimulando a revolta dos escravos. Por volta de 1830, uma série de reuniões destinadas a revigorar o fervor religioso foi acusada de estimular as expectativas e a hostilidade dos negros. Os donos de plantations acusaram principalmente os batistas de receberem dinheiro das congregações de negros e se mostrarem hostis à política do regime vigente, Muito depois da emancipação, ainda se julgava que tivessem partido dos ministros e das congregações batistas os movimentos de resistência das classes baixas e de igualdade racial. Os donos de plan-

tations radicados nas ilhas britânicas não podiam agir livremente contra

essas

seitas, pois

elas

contavam

com

uma

certa

proteção

da metrópole, da qual haviam assimilado o comportamento. Mas nem sempre os senhores de êscravos tiveram dos batistas tão baixo conceito. Nos anos 1780, os batistas haviam conseguido conversões até na Jamaica, fato cujo mérito cabe

sobretudo à perseverança de George Liele, um dedicado pregador negro da Geórgia. A confiança dos batistas em pregadores

negros contribuiu sem dúvida para seu sucesso entre os escravos. Mais tarde, as tensões causadas pela exigência da aprovação dos 268

brancos e pela pressão constante do impulso religioso africano dos escravos vieram a provocar dissensões profundas entre os negros batistas. Na época em que os batistas eram suspeitos de cumplicidade nas revoltas de escravos ocorridas no século XIX, há indícios inequívocos de que o cristianismo dos jovens pregadores estava fortemente impregnado do mialismo afro-jamaicano. Para afirmar-se como religião dos escravos, o cristianismo batista teve de se africanizar. Ao fazê-lo, acomodou-se ele mesmo às regras dos brancos, mas também criou novas possibilidades para incentivar ideologias revolucionárias e para mesclar, com criatividade, os impulsos africanos tradicionais às doutrinas da cultura dominante. Já os metodistas conseguiram uma alta reputação. A obra de John Wesley, Thoughts upon Slavery (Reflexões sobre a Escravidão) (1774), mais tarde adotada pelos abolicionistas, abalou as estruturas da escravidão no Caribe e conquistou para o autor e seus seguidores a fama de antiescravistas radicais. No fim do século, porém, sob a liderança de Thomas Coke, os metodistas já se tinham tornado mais moderados e estavam a caminho da acomodação. Os pregadores metodistas, assim como os moravianos, misturavam-se aos escravos e chegaram a ter um número impressionante de seguidores. Os metodistas, e sobretudo os moravianos, debilitaram a unidade e o potencial subversivo dos escravos por meios mais

eficazes que a indução à submissão.

Os dinamarqueses, que

mantinham missionários moravianos em suas plantations no Caribe, gabavam-se de que seus negros cristãos, mais que qualquer fortaleza, representavam uma segurança contra insurreições. Mais tarde questionariam esta assertiva, mas é fato que o cristianismo fez surgir em toda parte divisões e hostilidade entre os escravos. Exacerbou-se muito, principalmente, a perigosa divisão cultural entre crioulos e africanos natos. Como professar a fé cristã se tornou símbolo de ser civilizado, o abismo que parecia haver entre senhores e escravos, brancos e negros dimi-

nuiu, e por isso mesmo enfraquecia Os metodistas empreenderam “superstição” africana e pregaram parcimônia, da diligência e da paz mesmo a reivindicar a si o crédito

a unidade das senzalas. uma guerra sem tréguas à as virtudes protestantes da social. O dr. Coke chegou de ter mantido em calma

269

as ilhas britânicas durante as revoltas em São Domingos. A reivindicação pode ou não ser válida, mas parece que os esforços dos metodistas realmente melhoraram as condições de vida dos escravos. O sucesso do metodismo entre os escravos foi paralelo à acomodação, mas os donos de plantations nunca se reconciliaram por completo com aqueles forasteiros. De certa forma, as agitações entre os escravos adquiriam, cada vez mais, um tom cristão; e, embora os pregadores metodistas protestem indignados sua inocência, o questionamento permanece. Os escravos e os mulatos libertos entendiam a mensagem do modo como lhes parecia mais adequada, e não necessariamente segundo as intenções dos missionários brancos. O metodismo arrefeceú o ímpeto revolucionário inerente aos cultos africanos, mas propiciou a acomodação baseada no princípio da fraternidade em Cristo, que se pode transformar, com imaginação, num reformismo ainda mais sangrento. Há muitos tipos de acomodação, e-este, em especial, tinha-seu preço específico, que a classe branca dominante não estava disposta a pagar. O metodismo mulatos livres, que vinham engrosatrafa sobretudoos negre os:

sar suas fileiras.Nó segundo quartel do século XIX, a conjuntura era de abolicionismona metrópole, revolta e desobediência

por parte dos escravos e crise política interna, e essa religião de apaziguamento e reconciliação social parecia perigosa aos olhos

da classe dominante,

porque

as crescentes

exigências

no

significavam o sentido do término do racismo do dobre de finados do velho regime. s e metodista os e, A Igreja oficial mostrava-se ineficient e livres mulatos os para te moravianos voltavam-se basicamen € casas, das dentro serviam que para a elite dos escravos, os só os batistas representavam um risco sério; em consequência, as religiões afro-caribenhas invadiram as senzalas. O tráfico de escravos através do Atlântico prosseguiu por todo o século XVIII; havia algum tráfico interno, mas a maioria dos escravos permanecia num mesmo local e criava fortes vínculos comunitários; e até o fim do século eles sempre receberam, por parte dos negros que chegavam, a influência das formas de vida e de : pensamento tradicionais da África. “A religião afro-caribenha se manifestou à maneira dos Obia e à do mialismo. Mas com o tempo a distinção se atenuou. Os Obia attavam em segredo e preocupavam-se sobretudo com e da abolição

270

assuntos particulares. Em sociedades marcadas por um evidente desequilíbrio entre os sexos, sem falar no sério problema cotidiano da crueldade dos feitores, os escravos precisavam de ajuda pessoal. A magia dos Obia, e sua capacidade de envenenar e curar usando ervas e medicina popular, confortava os atormen-

tados e atormentava os favorecidos, de acordo com as circunstâncias e com o preço justo. A fama dos homens Obia difundiuse na Europa

e na América

do Norte,

embora

os brancos,

em

seu país e no exterior, não costumassem distinguir os Obia do mialismo. Os missionários da Sociedade para a Propagação do Evangelho em Terras Estrangeiras ficaram escandalizados em Barbados; os donos de plantations do Sul dos Estados Unidos foram solenemente advertidos do poder dos Obia, muito depois da emancipação do Caribe. Eric Williams, primeiro-ministro de Trinidad, que era também um historiador de renome, fala do vigor dos cultos africanos entre as massas caribenhas em meados do século XX. As práticas africanas não ressurgiram no Novo Mundo em

suas

formas

tradicionais.

Muitas

delas,

inclusive

o culto

dos

mortos, a adoração de certos deuses e a utilização de determinados encantamentos e poções, fundiam-se, até com certa incoerência, em padrões muito menos estruturados de crença e ritual. O objetivo específico dos homens Obia era ameaçar certas pessoás a mando de outras, e eles confiavam na habilidade dos feiticeiros tradicionais para manipular fetiches a fim de descobrir e punir crimes de escravos contra escravos. Os Obia eram em geral africanos natos, e seus seguidores também. Por isso, sua influência diminuiu à medida que aumentou a crioulização,

“ao longo do século XIX,

O mialismo tornou-se uma tendência politicamente mais perigosa, Acredita-se que o mialismo predominava entre os Achanti, e os Obia, entre os Popo. Não se deve aceitar sem restrições tal atribuição de origens étnicas, mas a possível participação dos Achanti no mialismo deve ser examinada com cuidado, devido à fregiente identificação de Achanti e mialismo nas revoltas de escravos no Caribe. Os homens do Mial preocupavam-se mais - com a adoração e o bem-estar do grupo que com vinganças pessoais, e de certa forma surgiram como uma oposição aos Obia, assim como vários doutores feiticeiros africanos surgiram por se opor à feitiçaria. Mas, tanto quanto os Obia, os mialistas 271

representavam um movimento religioso confessadamente anticristão, e por isso também foram eliminados. Esses líderes étnicos e religiosos, portanto, aumentaram a hostilidade ao regime e refrearam os comportamentos acomodacionistas que poderiam ' ter evoluído num contexto menos tenso. O mialismo disseminou-se entre os escravos e esteve profundamente implicado em levantes sérios, como o ocorrido na Jamaica em 1766. Havia rivalidades entre os homens Obia e os mialistas, mas na prática eles parecem ter atuado juntos em várias revoltas e sublevações. Os mialistas despertavam medo e respeito entre os escravos, o que se podia perceber especialmente em relação à resistência política; eles faziam os rebeldes tomarem uma mistura de pólvora, rum, sangue humano e pó “ de sepulturas e jurarem lealdade e silêncio. A beberagem, e os “juramentos e danças rituais que a acompanhavam, destinava-se “ a proteger os rebeldes, a fim de que as balas dos homens brancos não os atingissem ou de facilitar sua reencarnação na África. Com a disseminação do metodismo no século XIX, surgiu um inequívoco sincretismo afro-cristão. Os homens do Mial, perseguidos, não raro se tornavam pregadores metodistas, Mas só nos anos 1840, após a abolição, pareceu começar a prevalecer na Jamaica o elemento cristão, em detrimento do mialista. Du-

rante o período da escravidão, os metodistas mialistas representaram um grave problema para os donos de plantations e o governo; foram eles, provavelmente, os responsáveis por grande parte das críticas generalizadas aos metodistas. A política imperial britânica sempre tendeu a tolerar os costumes nativos, mas no tocante à religião, mais do que em qualquer outro campo cultural, os ingleses se esforçaram para influenciar os negros. Contudo, como sugere Philip Curtin, é sobretudo na religião que se encontram os remanescentes afri-

canos mais fortes da cultura jamaicana. As seitas afro-cristãs só apareceram em fins do século XVIII, quando as características tradicionais da religião africana já tinham raízes profundas na colônia. Chegado o momento dos acordos e do sincretismo, esse tradicionalismo se mostrou um portentoso rival do cristianismo. As consegiiências políticas, na Jamaica e em outras partes do hemisfério, dependeram da soma de condições políticas e culturais, mas é evidente que o alto grau de autonomia reliara

giosa entre os escravos e a feição claramente africana dessa autonomia criaram possibilidades insólitas de insurreições. Nas colônias da Holanda, a Companhia Holandesa das Índias Orientais e a das Índias Ocidentais cooperaram com os ministros calvinistas e enviaram todos os anos centenas de pastores e de professores de religião, mas sua atuação só foi relevante em Nova Amsterdã e em nenhuma outra colônia do Novo Mundo. 2 Nas colônias agrícolas, dava-se pouca atenção à instrução cristã dos escravos; Demerara, num

caso extremo, proibiu-a

completamente, até a colônia voltar ao domínio inglês. No Suriname, a negligência quanto à religião e um nível de crueldade exacerbado até mesmo para os padrões caribenhos contribuíram para fortalecer a vida religiosa africana e manter um estado constante de agitação e revolta. Os escravos podiam fugir para o mato, organizar-se e preparar emboscadas;

assim, a debilidade,

para não dizer inexistência, dos controles religiosos dominados pelos brancos criou condições ideais para a tentativa sempre protelada de reconstruir a sociedade africana no Novo Mundo. A religião que os franceses levaram para suas ilhas açucareiras, em especial São Domingos, não representava o que a Igreja Católica Romana podia oferecer de melhor.” Por muito tempo, a Igreja atuara na retaguarda contra as usurpações do Estado francês, e, tanto quanto é possível atribuir responsabili-

dades, não se achava em posição de desempenhar bem suas funções de proselitismo e humanização no Caribe francês. Os sacer-

dotes franceses que iam para as ilhas conduziam-se, em geral, de modo desabonador, e os de São Domingos tinham fama de ser os piores. Em 1770, o abade Raynal fez a seguinte acusação:

“Uma série de sacerdotes maus e ignorantes destruiu o respeito à batina e também a prática da religião em quase todas as paróquias da colônia, A ganância insaciável tornou-se o vício

mais comum da maioria dos párocos”. Cinco anos mais tarde, o barão de Wimpffen usou palavras ainda mais duras. Com o tempo, a Igreja procurou enviar sacerdotes mais dedicados, porém todos eles, exceto os mais resolutos, se deixaram vencer pelo cinismo dos funcionários do governo, pela indiferença dos donos de plantations, as péssimas condições de vida, a tentação representada pelas escravas negras, o clima insuportável e o fato

de lutar por uma causa perdida. 273

O espantoso foi o catolicismo ter prevalecido também ali, como em outros lugares. A maioria dos escravos nascera na África, recebera dos brancos pouca ou nenhuma instrução religiosa e tinha todos os motivos para associar cristianismo e sadismo. No entanto, embora tenham preservado suas próprias religiões

sob

a forma

do vodu,

não

deixa

de ser significativo

que o tenham feito de modo tão sincrético e que tenham sempre procurado ser bons católicos. A Igreja Católica continuava sendo a igreja da Europa e da classe senhorial; era preciso ser muito tolo para não querer se identificar a seu poder e sua magia. Em outro plano, é bem significativo que Toussaint L'Ouverture, após ter consolidado seu poder, passasse a reprimir os sacerdotes do vodu, afirmando: “Não somos negros da costa [africanal!” Dessalines, o especialista em chacinas revolucionárias, quase caiu em desgraça devido à crueldade com que cumpriu as ordens de Toussaint no sentido de remir os infiéis. Toussaint sabia o que queria, e mesmo sua derrocada final revelou sua grandeza. O Haiti independente teria de ser um Estado moderno, com

uma

economia

e uma

ordem

social modernas.

Logo,

teria

de ter uma religião ligada ao mundo moderno e que fosse um reflexo desse mundo.

-

O vodu haitiano e o afro-catolicismo, que vieram a se iden-

tificar estreitamente, são exemplos da adaptabilidade política das religiões populares em geral. Quando estourou a grande revolução, os sacerdotes do vodu recorreram aos escravos, muitos deles recentemente chegados da África, e os instaramà guerra santa contra seus senhores brancos e católicos. Essa prolongada guerra revolucionária exigia uma liderança nova e mais experiente. Quando tal liderança surgiu na pessoa de Toussaint, detentor de inquestionável gênio político, ela representou uma conciliação brilhante entre a adesão ao cristianismo e a ideologia secular do jacobinismo. A vitória da revolução, porém, significou a derrota da perspicácia de Toussaint. Nem mesmo as selvagens repressões de Dessalines, a agilidade política de Christophe ou o gênio de Toussaint, caso lhe tivesse sido poupado governar durante o período de transição para a liberdade, poderiam salvar o Haiti da hostilidade dos imperialistas brancos, fora do país, e da fome de terra e “liberdade” da população de ex-escravos, dentro do país. Inexoravelmente, o Haiti afundou numa economia agrícola de subsistência. O sincretismo religioso oriundo do 274

caos e das esperanças do período revolucionário afirmou de modo magnífico as tradições e a autonomia de uma classe camponesa recém-criada, ou recriada. E realçou seu atraso, seu iso-

lamento e sua pobreza.

Mas nem sempre fora assim. Antes da grande revolução, e mesmo durante seu desenrolar, o vodu foi sinônimo de resistência e guerra. Provavelmente o vodu afro-católico se expandiu ainda mais entre as massas haitianas após a revolução. Antes, era o brado religioso dos revolucionários infiltrados entre os escravos cativos ou foragidos e, pelo fato de a princípio ter dado ênfase aos deuses do Daomé, fez surgir entre os escravos e seus senhores uma fissura que depois se transformou em abismo. Portanto o componente principal do papel revolucionário assumido pelo vodu durante a revolução não derivava do caráter especial dos elementos africanos de sua teologia, mas sim do sentimento de distância social e de hostilidade que ele conferiu aos escravos e da força espiritual que esse sentimento levou a um povo oprimido que finalmente se via em condições de lutar. Mais tarde, quando tais condições já não-existiam, o vodu se revelou. nitidamente

menos

africano

e mais

sincrético,

e por

isso

capaz,

tanto quanto qualquer outra religião, européia ou africana, de submeter as massas oprimidas e pobres às elites governantes. A igreja portuguesa orgulhava-se do cuidado que dispensava à conversão dos pagãos de Angola e de outros pontos da costa africana. “ As autoridades civis, acompanhadas por padres católicos, acolhiam os africanos escravizados nos locais de onde eram embarcados para o outro lado do oceano e os batizavam em

massa.

Havia

intérpretes

que

supostamente

traduziam

a

formulação em português dos mistérios da fé para algumas línguas africanas e tornavam mais ou menos inteligível a mensagem espiritual. Esse procedimento, sem dúvida, revelava uma intenção positiva, No mínimo, mostrava que Portugal, país católico, considerava aqueles negros seres humanos e potenciais irmãos em Cristo, e representava, pelo menos, uma promessa de tratamento decoroso e a possibilidade de moderar o racismo branco inerente a um relacionamento senhor-escravo baseado no princípio de que os brancos são superiores aos negros. Contudo, jesuítas, dominicanos e membros de outras ordens religiosas apoiaram os horrores do tráfico de escravos no Atlântico e deles participaram. Em Angola, comerciantes de escravos 275

e missionários trabalhavam em estreita cooperação, sem grandes problemas, A instituição católica mais sagrada de Luanda, a Santa Casa de Misericórdia, teve sua participação no tráfico de escravos. Era ela que provia os honorários do bispo, bem como os do governador da colônia, dos funcionários civis e eclesiásticos, do exército e do conselho municipal. Em meados do século XVII, o proselitismo português no Congo e em Angola perdera força. Os sacerdotes morriam devido aos rigores do clima, a que não se habituavam, e a circunstâncias adversas, tornando ainda mais difícil o que já não era fácil, ou seja, recrutar pessoal de alto nível. Os leigos, embora protestassem as mais nobres intenções, iam para a África com o fito de enriquecer e corrompiam com facilidade o clero débil e sem estímulo. Alguns governadores, como Fernão de Mello, de São Tomé, sequer dissimulavam seu interesse básico pelo comércio de escravos e sua indiferença quanto à conversão dos negros. Apesar de mais tarde Roma ter censurado esse comércio, as próprias pessoas encarregadas da política da Igreja nos países escravistas quase sempre se envolviam nas atividades do sistema. Já no segundo quartel do século XIX, os bispos católicos do Brasil se dividiram: deveriam ou não apoiar as convenções contra o tráfico de escravos, que os britânicos estavam tentando impor ao governo brasileiro? Só em meados do século XVIII a escravidão começou a ser drasticamente condenada pelos homens da Igreja, como por exemplo o padre Manoel Ribeiro Rocha, em seu grande tratado Ethiope Resgatado. Mas cem: anos mais tarde a ambigúidade ainda persistia. A Igreja Católica do Brasil, carente de pluralismo religioso e refúgio para as dissensões organizadas dos Estados Unidos, país protestante, jamais poderia manter sua promessa inicial de se constituir numa força contrária ao regime escravista. Quando irrompeu no Brasil o movimento abolicionista, no século XIX, a mensagem da fé já era bem pouco sentida. A experiência dos jesuítas diz muito acerca das relações da Igreja com o Estado no Brasil e sobre membros da Igreja que teriam desejado atuar pela causa da liberdade. No Brasil, Os jesuítas tinham mais força que na América espanhola, onde predominavam outras ordens religiosas. E abraçaram a causa dos índios com extrema dedicação. Sugeriram leis que defendessem os índios da escravização, construíram missões onde eles 276

pudessem ser civilizados e protegidos, e os lideraram, quando foi preciso, em guerras defensivas. As dificuldades surgiram em 1639, com força alarmante. O papa promulgou uma bula de excomunhão contra todos os que escravizassem índios e, quando a bula foi lida no Rio de Janeiro, houve tumulto, o colégio dos jesuítas foi atacado e quase mataram os padres. O vigário-geral de Santos foi agredido ao tentar publicar a bula. Os católicos de São Paulo, quando também expulsaram os jesuítas, deixaram patente que seus interesses materiais e suas emoções haviam se transformado em exigências de medidas mais extremas. Os próprios jesuítas, sem querer, tinham desencadeado essas emoções, porque a “domesticação” dos índios, que os havia habituado ao trabalho disciplinado, contribuíra muito para torná-los bons escravos potenciais. Além disso, recusando-se a condenar a escravidão negra como tinham condenado a escravização dos índios, os jesuítas também contribuíram para oprimir os negros. Por não ter conseguido hegemonia na sociedade colonial brasileira, coope-

raram, em maior ou menor grau, para que os negros ficassem abandonados. Os jesuítas possuíam grande experiência em orientar as massas e sempre demonstraram uma capacidade excepcional de adaptação às mudanças sociais. No século XVIII, quando o homem forte de Portugal, marquês de Pombal, desferiu seu ataque, os jesuítas já haviam sucumbido à influência corruptora da sociedade escravista brasileira e se transformado em mais um instrumento da exploração comercial dos povos submissos. Assim, a única força importante da Igreja a se opor implacavelmente às pretensões dos donos de plantations, a única com possibilidade de formar um clero capaz de enfrentar o poder dos senhores de escravos, foi derrotada e cedeu lugar a um clero cujo único desejo era acomodar-se ao regime. Tanto em nível internacional como no caso específico do Brasil, o problema da escravidão foi mais fácil para a Igreja Católica do que para as igrejas protestantes da América angloholandesa. Firmemente enraizada nos sistemas de classes estratificadas da Antigúidade e da Idade Média, a Igreja Católica entranhara esses sistemas em sua teologia e em sua organização, e podia aceitar a escravidão como uma das consegiiências lamentáveis do pecado do homem, afirmando, apesar disso, a igualdade de escravos e senhores perante Deus. Como ainda não 277

estava contaminada pelas idéias burguesas de propriedade e liberdade, não via qualquer contradição entre a idéia de homens constituírem propriedades e a da propriedade do homem sobre sua própria alma. Em consegiiência, a Igreja podia dedicar-se a cuidar da vida espiritual dos escravos, não apenas à maneira pro forma protestante das Igrejas do Velho Sul, mas de um modo que se propunha a santificar o casamento e a vida familiar. As autoridades hispánicas levavam a sério seu catolicismo e reagiram com pronunciamentos memoráveis como as Siete Partidas de Alfonso, o Sábio, no século XIII, e o código de escravos espanhol de 1789, muito avançado socialmente para a época, ambos modelos de direito humano pelos padrões das sociedades escravistas. Nas colônias, porém, a última palavra ficava com os fazendeiros, e não com os funcionários da metrópole ou os intelectuais, e : por toda parte surgiram tensões entre o espírito das leis influenciadas pela Igreja e as exigências, bem como as pretensões e os abusos, da autoridade imediata. Proteger os escravos era tarefa da Igreja e do Estado, mas ambas as instituições eram meras abstrações, alheias a seus representantes. Os senhores de engenho e os donos de plantations controlavam seus pequenos mundos, dominando como patriarcas seus escravos, seus vários meeiros e arrendatários, seus agregados, e suas mulheres e filhos. As autoridades portuguesas agiam de modo muito instável e às vezes chegavam a intervir para evitar ou punir atrocidades, mas na maioria dos casos os senhores tinham de prestar contas às autoridades locais, que, para sua sorte, eram geralmente seus pais, filhos, tios, primos, agregados e amigos, se não eles mesmos, O número de sacerdores jamais foi suficiente para as necessidades do rebanho; seu nível moral nunca chegou a estar à altura das circunstâncias ou das expectativas de Roma. Segundo Gilberto Freyre, cada casa-grande possuía sua igreja ou capela e seu próprio capelão. É bem menos provável que houvesse um clero residente na maioria das áreas agrícolas, mas de qualquer forma, como acrescenta o próprio Freyre, os capelães, na maioria, dependiam mais do senhor que do bispo; de fato, eram quase sempre membros da família do senhor. Mas, sendo ou não parentes, eram considerados parte da família, e

278

não há dúvida de que exerciam influência sobre o patrão, embora lhe fossem subordinados. Contudo, Frank Tannenbaum estava certo ao afirmar que o catolicismo modificou profundamente a vida dos escravos. Deu às sociedades escravistas do Brasil e da América espanhola um ethos — ou, caso assim se prefira, uma ideologia e uma psicologia hegemônicas — que refletia em profundidade as idéias pré-modernas, mais senhoriais que burguesas, de propriedade, classe, status e fraternidade espiritual. Por isso, o racismo dos brancos e a cruel discriminação que acompanha inevitavelmente a escravização dos negros pelos brancos defrontaram-se com as forças equilibradoras de um poder espiritual genuíno. Todas as provas que estão sendo reunidas para demonstrar a existência e a gravidade do racismo dos brancos brasileiros não bastam para explicar o abismo existente entre Brasil e Estados Unidos no tocante aos casamentos inter-raciais, ao acesso dos negros a posições de respeito e poder e à integração das pessoas de cor numa única nacionalidade. A diferença não pode ser atribuída unicamente

ao catolicismo, mas este nunca

deixou de

atuar no processo, pela força de seu impacto sobre toda a sociedade. Essa atuação não inclui necessariamente favores especiais aos escravos, a não ser o auxílio prestado a alguns no sentido de conseguirem sua alforria, O catolicismo de Roma (ou de Portugal, ou do Brasil português) poderia até não ter predominado nas senzalas, pois a própria flexibilidade do catolicismo lusobrasileiro possibilitou o sincretismo religioso afro-brasileiro e propiciou muito a autonomia cultural afro-brasileira no processo

de consolidação nacional. Há no Brasil de hoje cultos religiosos afro-brasileiros de grande amplitude e força, e elementos especificamente africanos estão presentes neles com uma profundidade e evidência quase desconhecidas nos Estados Unidos. Alguns desses cultos são independentes da Igreja Católica, mas a maioria se incorporou a ela, e já se argumentou, com razão, que, num país de tanta mistura racial como o Brasil, até na definição de “negro” deveria ser incluída uma referência à maneira como a pessoa pratica o catolicismo. Os cultos têm vaga semelhança com o vodu haitiano e são muito difundidos na área litorânea, sobretudo no Nordeste patriarcal, berço da civilização escrava brasileira.

O candomblé

da Bahia, o xangô

de Pernambuco

e a

219

macumba do Rio de Janeiro apresentam-se como movimentos muito organizados e de rituais complexos, provindos de diferentes origens afro-ocidentais e de uma influência católica também diversificada, A religião da costa da Guiné, sobretudo a dos Ioruba e dos povos do Daomé, e aquelas oriundas da região de Angola e do Congo, onde se fala a língua banta, têm seus contextos geográficos específicos e sua clientela étnica. Freyre pode estar certo ao argumentar que os cultos africanos se expandiram muito com a decadência do sistema agrário é principalmente com a abolição da escravidão, quando os negros começaram a formar favelas nas cidades e a morar em barracos já não ligados intrinsecamente à cultura da casa-grande. Mas as raízes dessa diversidade, como demonstram os livros de Freyre, encontram-se nas próprias plantations com escravos. A pujança das religiões africanas no Brasil católico, e até no catolicismo brasileiro, provém de várias fontes que se interligam. A igreja lusobrasileira contribuiu com sua força e sua debilidade: a força manifestou-se na capacidade de tolerar, absorver e às vezes disciplinar as crenças e os ritos dos pagãos cuja conversão à verdadeira fé demandaria tempo e paciência; a debilidade manifestou-se na corrupção, na indisciplina e na carência de recursos dos padres e fazendeiros, a quem cabia a responsabilidade para com as almas dos homens que tinham a seu cargo. E no Brasil o número de brancos não era grande em comparação com o de índios, negros e mestiços, e seria impossível evitar que subsistissem crenças e práticas tradicionais. Grande parte do contingente policial das áreas rurais e das plantations era de homens de cor, não importa que cor, eles mesmos mais suscetíveis a idéias e práticas não ortodoxas. Muitos brancos, inclusive os

senhores mais orgulhosos e mais católicos, não resistiam inteiramente ao mistério das religiões de espírito africano que haviam adquirido um matiz cristão aceitável. Muitos escravos viviam em imensas lavouras de açúcar e café, com poucos brancos a vigiarem seus movimentos. O fato de o cristianismo ter penetrado tanto na vida do país surpreende mais que a penetração de tantas crenças africanas tradicionais no cristianismo brasileiro. O culto a São Jorge, que adquiriu tanto vigor no Rio de Janeiro, é um bom exemplo do sincretismo afro-brasileiro. Esse culto foi muito comum entre senhores e também entre escravos, 280

embora tivesse teor diferente para uns e outros. Os escravos identificavam São Jorge a Ogum, a divindade africana que representava, entre outras coisas, a guerra e a vingança. O culto a Ogum difundiu-se muito entre os malfeitores e arruaceiros urbanos, que por vezes identificavam Ogum mais a Santo Antônio que a São Jorge e que foram responsáveis por alguns distúrbios sérios no Recife e em outros locais. Essa “aristocracia combatente da população escrava”, como a chama Freyre, ganhou fama num tipo de briga de rua conhecido como capoeiragem, que constava de golpes como dar cabeçadas, esquivar-se com saltos e derrubar o adversário com os pés. Tais cultos formaram a base psicológica e ideológica sobre o qual os negros, escravizados, desesperadamente pobres e oprimidos devido à classe e à raça num contexto que desafiava a separação, podiam apoiar-se e revidar aos que os atormentavam. A religião fez mais que dar um matiz à revolta social, como levava a crer uma interpretação social anterior; de fato, como afirma Roger Bastide, ela era “o próprio âmago da revolta”. O verdadeiro contexto político desse clima de rebelião já é um " outro assunto, pois pode manifestar-se, e geralmente logo se manifesta, através de canais reacionários, como foi o caso do monarquismo da classe baixa de Nápoles, do antijacobinismo da Vendéia e das turbas inglesas que apoiavam a Igreja e a Coroa. Freyre certamente vai longe demais quando nega aos cultos qualquer significação política radical, até mesmo ao islamismo da Bahia, o que é espantoso. Mas suas observações merecem

um

exame

atento:

“Foram

esses

negros,

esses

escravos,

esses rufiões, esses ociosos, subjugados e reprimidos em suas manifestações de virilidade juvenil — como se seus jogos, seus passos de dança, seus cantos em louvor a Ogum e seus assovios fossem crimes ou indignidades contra a colônia e o império —,

que esmagaram o levante dos mercenários irlandeses e alemães, as tropas preferidas de Pedro I, quando de sua revolta em 1828”. Pode-se fazer interpretações sociais diferentes das de Freyre, sobretudo se pensarmos que os acontecimentos de 1828

se deram durante o período de violência e insurreições entre os escravos que culminou com o levante maciço, na Bahia, em 1835. Mas Freyre está certo ao dizer que os governantes dispõem de meios para orientar para canais seguros o espírito de rebelião 281

dos povos oprimidos. A ideologia religiosa é sempre ambígua politicamente. Os negros brasileiros, ao contrário dos norte-americanos, permaneceram ligados a suas divindades africanas tradicionais de modo impressionante; porém, e nesse ponto se assemelham aos norte-americanos, transformaram seu particularismo religioso numa estratégia para a sobrevivência de sua individualidade e numa certa autonomia do grupo. Via de regra, não o transformaram numa arma revolucionária. Houve poucos movimentos religiosos profético-revolucionários entre os negros brasileiros; mas como estes aderiram aos cultos religiosos que os separavam

da classe dominante, seu potencial revolucionário foi refreado.

Vez por outra esse potencial se revelava sob a liderança de militantes carismáticos, e a rebelião se tornava guerra santa, E também no Brasil, como em toda parte, a religião representou para os escravos uma espada de dois gumes. Capacitou-os a se acomodarem mantendo certa autonomia cultural e dignidade pessoal, e, mais rara e ameaçadoramente, constituiu-se no grito de guerra de alguns insurretos. ds "Em Cuba, como em grande parte da América espanhola, a Igreja Católica teve algum sucesso na obra de conversão que empreendeu durante os primeiros séculos da colonização. * Em muitos pontos da América espanhola, os escravos africanos trabalhavam numa economia diversificada, e a Igreja podia lhes dar mais atenção do que nas ilhas e nos territórios agrícolas voltados para o lucro. Em Cuba, que veio a ser a maior colônia açucareira da Espanha, os esforços da Igreja para humanizar a escravidão e converter os escravos passaram por sua prova mais dura. Só depois do colapso de São Domingos é que a produção açucareira de Cuba conheceu o apogeu. Durante o século XVIII, quando a sociedade cubana apresentava uma forma relativamente branda de escravidão colonial, a Igreja teve grande influência sobre os senhores e os escravos e estabeleceu determinados padrões que não se pode deixar de levar em consideração. Foi quando teve início a febre do açúcar e surgiu um sistema agrícola novo e mais perverso, no século XIX, que o impacto da Igreja diminuiu. Continuou forte nas cidades e nas pequenas vegas de tabaco, porém jamais conquistou as grandes proprie-

"dades açucareiras que o trabalho escravo sustentava e para onde eram mandados constantemente novos contingentes de negros chegados da África. Basta ressaltar que por volta de 1860 Havana contava com um número de padres pouco maior que o de todo o resto do país. Um ex-escravo relata que nas grandes propriedades os escravos domésticos adotavam o catolicismo, mas que nas senzalas predominavam as religiões africanas. E acrescenta que rivalizavam entre si pelo menos dois tipos de religiões africanas, um originário da Guiné e outro, do Congo. Tal como no Brasil, os escravos adoravam Ogum, a divindade da guerra, mas

personificavam-no

em

São

João, e não em

São

Jorge ou Santo Antônio. Em Cuba, como em outros lugares, a Igreja combateu com vigor as crenças e os ritos africanos, mesmo que os tenha absorvido na medida em que pareciam necessários e seguros. Por toda a América espanhola, as confrarias de negros funcionaram como mecanismos de controle político e ideológico, ao mesmo tempo que facilitavam a aceitação dos negros pelas sociedades dominadas por brancos. Este sucesso, em comparação com a atuação católica em São Domingos e até no Brasil, enfraqueceu o impulso separatista da rebeldia dos escravos, que em Cuba tendia a se manifestar num movimento mais amplo pela libertação da ilha ou pelo menos numa ligação mais estreita com os segmentos não escravizados e não negros da população. O sincretismo afrocatólico progredia e contaminava brancos e negros. Revelou-se um

poderoso

instrumento

de

sobrevivência,

mas

não

é muito

nítida sua contribuição à insurreição dos escravos. Mesmo este apanhado sumário indica os dois maiores riscos que se corre ao avaliar a religião das senzalas sulistas: a tendência fácil a supor que os escravos do Sul absorviam passivamente a religião que lhes era transmitida pelos patrões e abriam mão por completo de sua herança africana, sem a substituir por algo de novo; e o erro de pensar que a religião estimulou os escravos à rebelião ou então que os tornou dóceis. A religião que os escravos do Velho Sul moldaram não reproduz a que foi moldada pelos escravos do Brasil, de São Domingos e da Jamaica, mas apresenta o mesmo impulso criativo de amalgamar idéias de diversas origens para formular uma visão de mundo suficientemente complexa e capaz de conciliar a aceitação do

282 283

que tinha de ser suportado com uma firme resistência às pressões do desespero e da desumanização.

A conversão dos negros e a sensibilidade dos brancos Ainda não estão claros os processos pelos quais os negros se converteram ao cristianismo, nem a proporção em que isso ocorreu. Para Edmund Ruffin, pouquíssimos africanos se converteram na Virgínia, e essas conversões só se deram na primeira geração dos que já haviam nascido escravos. * É difícil avaliar o significado espiritual dessas conversões, pois estes primeiros escravos, tanto africanos natos como nascidos na América, come-

çaram a perceber que a conversão poderia dar-lhes certa segurança, conquistando-lhes, no mínimo, um pouco mais de simpatia por parte de seus senhores. Mas, mesmo quando se tratava de conversões por conveniência, havia algo de sinceridade religiosa, pois a proteção que os negros buscavam residia na doutrina da igualdade perante Deus e no reconhecimento dos “deveres de cada homem em relação aos demais”. 7 Um pioneiro historiador do assunto das conversões argumen“tou que no período colonial a maioria dos escravos conservou grande parte de suas crenças religiosas africanas, vivendo e morrendo alheia ao cristianismo. ? Dentro de sua perspectiva, esse juízo pode estar correto, mas também pode, por outro lado, ser enganador. A partir do momento em que os africanos perderam a base social para sua vida religiosa comunitária, seria impossível que sua própria religião, enquanto sistema coerente de crença também não se desagregasse. Desde o momento em quê chegaram à América e começaram a trabalhar como escravos, era impossível não absorverem a religião da classe dos senhores. Mas as novas condições sociais de sua vida os forçaram a mesclar à

sua herança africana o poder dominante com o qual se defron-

tavam e a moldar, assim, uma religião própria. Com o tempo, viriam a criar uma religião, ou talvez fosse mais apropriado dizer uma sensibilidade sobre a qual se poderia erigir um sistema religioso, que contribuiria para a corrente principal do cristianismo americano sem perder seu aspecto específico de expressão cultural negra. Sob o aspecto que a América branca onde se deu a evolução dos negros podia identificar, a massa escrava aparentemente se 284

tornou cristã em fins do século XVIII e no princípio do século XIX. Na década que antecedeu a Guerra Civil era proporcionalmente muito alto o número de negros que frequentavam os serviços religiosos cristãos. Os abolicionistas do Norte, por razões que lhes convinham e também por quase nunca se darem ao trabalho de conhecer a verdadeira vida dos escravos, caítam no ridículo ao afirmar que o número de membros negros nas igrejas era pequeno. Os números, que não merecem muita confiança, mostravam de fato quantidades que levaram W. E. B. Du Bois e outros estudiosos a afirmar que em cada seis escravos adultos apenas um se considerava ligado a alguma seita cristã. Os brancos do Sul, em sua maioria, também não eram “membros formais de nenhuma igreja, nem frequentavam com regularidade os serviços religiosos. Com frequência, os que se diziam cristãos fiéis só passaram a pertencer a alguma igreja quando já idosos. Nos Estados rurais e mais ou menos escravistas, os bons cristãos frequentavam os serviços religiosos, quando havia, € nem sempre podiam pertencer à igreja que mais conviesse a suas preferências religiosas. É nesse contexto social amplo que se deve avaliar as profissões de fé dos negros e sua participação real como membros da igreja; o resultado dessa avaliação não pode constituir uma medida viável do grau de interesse e de envolvimento em assuntos religiosos. Pouco se sabe acerca das crenças religiosas dos escravos durante o século XVII e a maior parte do século XVIII. Os brancos não se importavam muito com isso e quase nada fizeram para converter os escravos ao cristianismo. Tal atitude dos brancos deveu-se a princípio ao medo e também à distância cultural, que gerava indiferença. Apesar de as leis do século XVII deixarem bem claro que o batismo não implicava emancipação, os senhores de escravos das colônias inglesas, e até das francesas, continuavam a temer que os escravos cristãos fossem declarados livres. ? Assim, como acreditavam os brancos e continuaram acreditando alguns historiadores, os escravos chafurdavam na “superstição”, palavra que Sidney Mintz definiu muito bem como “a religião dos outros”, ou então, como julgavam de modo ainda mais absurdo, não tinham absolutamente nenhuma vida espiritual. É provável que os escravos tenham conservado suas crenças africanas tradicionais, mas a coerência da religião 285

africana tradicional se foi desintegrando devido às várias coações da vida em um novo contexto e sob novas regras. Portanto, convém aceitar a sugestão de Luther P. Jackson e começar a estudar os fatos a partir de 1760, quando a conversão dos negros ao cristianismo começou a assumir proporções perceptíveis. Jackson dividiu a história do cristianismo dos negros na Virgínia em três períodos: 1750-1790, 1790-1830 e 18301860.” Durante o primeiro período, 1750-1790, a religião na colônia assumiu um aspecto popular, mostrando o despertar da consciência e o entusiasmo por parte das massas. Os negros corresponderam às primeiras pregações e foram, em sua maioria, aceitos como participantes. Não foi pequeno o número de negros

que se tornaram pregadores e conseguiram adeptos não só negros mas também brancos. Os batistas e metodistas, responsáveis por grande parte desse impulso religioso, várias vezes se mostraram contrários à escravidão e expressaram sua esperança de vê-la abolida. Em todo o Alto Sul o espírito desse despertar de fervor manifestou-se em reivindicações de um tratamento humano para os escravos e de que fossem reconhecidos como irmãos em Cris“to, reivindicações muitas vezes acompanhadas por medidas admi-

nistrativas tomadas pelas próprias igrejas.” Contudo, a participação dos negros, e mesmo o ímpeto religioso, não se expandiu muito além do sul da Virgínia; a Carolina do Sul permaneceu um baluarte de conservadorismo religioso, como já era em quase

todos os campos. Durante o segundo período, 1790-1830, os sentimentos antiescravistas das igrejas começaram a dissipar-se por: pressão

dos senhores de escravos, que, é claro, dominavam as instituições fundamentais da democracia participativa no seio de uma sociedade

mo

Ao

mesmo

tempo,

de contar com mais

escravista.

negros

entre os irmãos, embora

esmoreceu

o entusias-

não

tenha cessado por completo o esforço nesse sentido. * Após a revolta de Nat Turner, o proselitismo entre os escravos tomou grande ímpeto. Até então, muitos senhores temiam que os escravos se tornassem religiosos, e o exemplo de Turner confirmou seus temores, mas depois passaram a temer muito mais que os escravos não fossem religiosos. Começaram a encarar o cristianismo basicamente como um instrumento de controle social, Daí advieram as aparentes contradições do período: de286

clínio do sentimento antiescravista nas igrejas do Sul; leis contra pregadores negros; leis proibindo que os escravos aprendessem a ler e escrever; estímulo ao ensino oral da fé cristã; e campanhas no sentido de um tratamento mais humano para os escravos. A história religiosa desse período inseriu-se no grande impulso de mudar as condições da escravidão e tornar a vida dos escravos mais suportável. As coisas se passaram de modo diferente na Carolina do Sul, como de costume. Não tendo um passado colonial enraizado no entusiasmo religioso e sentindo-se segura sob a firme orientação de uma aristocracia rural coesa, a Carolina do Sul não teve pressa em proceder à instrução religiosa de seus escravos, assim como jamais. tinha pressa para nada, a não ser para o extremismo escravista. Antes da insurreição de 1822, os donos de plantations costumavam opor-se à instrução religiosa dos escravos, Tal oposição derivava em parte da suspeita de que muitos ministros e pregadores sustentavam teses antiescravistas. * William W, Freehling, a maior autoridade no assunto, chegou a sugerir que só por volta de 1840 o ministério religioso pôde assumir com segurança uma posição contrária à escravidão. * Após a conspiração de Denmark Vesey, porém, e apesar da momentânea histeria quanto à suposta participação das igrejas no estímulo

à insubordinação dos escravos, a aristocracia dos fazendeiros da Carolina do Sul passou a fregiientar a igreja, ou melhor, quis ter certeza de que, os escravos a frequentavam. Tal como viria a ocorrer na Virgínia dez anos depois, os senhores de escravos, diante da insurreição dos escravos que mostravam tendências religiosas, tornaram-se mais sensatos. Se os escravos iam adotar a religião, então era preciso tornar a religião segura para os senhores. Essa sensibilidade maior dos senhores para com as necessidades espirituais dos escravos teve eco nas igrejas. O clero teria de fazer uma escolha. Deveria seguir o exemplo dos Quakers e de outros grupos minoritários e assumir uma posição contrária à escravidão? * Se o fizesse, tornar-se-ia de pouca valia

para a vida dos escravos e talvez houvesse violência. Ou deveria, por outro lado, colocar as almas dos escravos acima de qualquer consideração material e dar a César o que era de César? Estabeleceu-se

a confusão,

e aconteceu

o que

tinha

de

acontecer.

287

Pouco a pouco, as várias igrejas adotaram uma postura próescravista. Ganharam a confiança dos senhores e se eximiram de pregar o evangelho aos escravos. O ponto de vista do reverendo Edward Thomas expressa também o de muitos outros: Tenho também certa esperança de fazer algum bem espiritual aos negros, que são muitos nesta paróquia [St. John's Berkeley, na Carolina do Sul], e os donos de vários deles estão empenhados em que recebam instrução religiosa do ministro paroquial, Se nossos irmãos do Norte deixassem em paz nossas instituições, seria muito melhor para as almas dos pobres negros; mas as medidas abolicionistas estimularam um tal espírito de ciúme e suspeita que alguns fazendeiros nem querem ouvir falar de instrução religiosa em

suas propriedades.”

a Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana declarou que o sisescravista

mostrava-se,

de

modo

geral,

“compassivo

e

benevolente” e dera “uma disciplina verdadeira e eficaz” a um povo que não podia aspirar a mais nada. A eravidão, concluiu “a Assembléia, era a “condição normal” dos negros. * Os esforços para ganhar almas, nos Estados do Leste e da

fronteira, não se repetiram nos Estados algodoeiros do Oeste, apesar de queixas ocasionais. Os violentos senhores de escravos que haviam conquistado o Velho Sudoeste nos anos 1820 e 1830 aproximaram-se da religião muito devagar, e não era de esperar que agissem de outra forma no caso de seus escravos. Mas, por outro lado, também tinham menos a temer. O maior obstáculo para os que desejavam a conversão de seus escravos não era a hostilidade, mas a indiferença. Os senhores do Alabama jamais empreenderam uma campanha de monta contra a instrução religiosa. Os do Mississípi apoiaram logo a idéia. E os do Arkansas e da Luisiana, apesar dos protestos do Planter's Banner, em pouco tempo deixaram de ser indiferentes e se lançaram à tarefa. Por volta de 1850, Fredrika Bremer pôde relatar que a instrução Jeligiosa nos Estados do Oeste progredia, embora com

lentidão.* 288

|

O ritmo desse progresso não era o mesmo nos Estados onde havia escravos há muito tempo e naqueles onde eles haviam chegado mais recentemente. Mas seguia a mesma tendência, ainda que em momentos históricos diferentes. Depois de 1831, porém, os senhores de escravos sulistas também começaram, um após outro, a agir. A unanimidade quanto a essa questão mostrou que havia também uma unanimidade cada vez maior em torno da questão mais ampla da própria escravidão e que ela contava com um apoio considerável das igrejas. À medida que estas venciam seus escrúpulos quanto à escravidão e aceitavam os fatos, mesmo com relutância, ou então abraçavam ardorosamente a causa escra-

vista, ganhavam condições de fazer proselitismo entre os escravos, contando com o beneplácito e o apoio dos senhores. Em 1845, a nata da aristocracia rural da Carolina do Sul passou a

apoiar o clero escravagista em sua tentativa de levar aos escravos

Com algumas exceções importantes, todas as denominações, aos poucos, foram se acomodando, e o cisma entre os ramos nortista e sulista simplesmente intensificou um fait accompli. Em 1861, tema

| | |

sua versão do evangelho.” O trabalho de conscientização efetuado na Geórgia pelo ministro C. C. Jones é o melhor exemplo disto. Seu livro Suggestions for Religious Instruction of the Negroes (Sugestões para a Instrução Religiosa dos Negros) e seu panfleto com o mesmo título tiveram ampla circulação, bem como suas outras obras. Pastores como o reverendo William Capers, da Carolina do Norte, prepararam cuidadosamente o terreno e tentaram, mediante pacientes esforços, convencer os fazendeiros de que “aquela nova experiência era pás e sensata”. “! E de modo geral conseguiram, No processo, tiveram de ser superados alguns escrúpulos de menor monta, alheios ao escrúpulo principal que era a própria escravidão. Se o clero fosse católico, as coisas teriam sido mais fáceis. Mas para os protestantes, que tinham uma idéia bem clara da importância da alfabetização das massas e do uso do vernáculo na grande Reforma de seu movimento, era difícil aceitar leis que proibiam ensinar os escravos a ler e escrever. Como poderiam, porém, ir contra Whitemarsh B. Seabrook, da Carolina do Sul, em cuja opinião deveria estar num asilo de loucos quem desejasse que os escravos pudessem ler toda a Bíblia? 2 Agia-se de acordo com a necessidade. A instrução tinha de ser apenas oral. Nada se perdia, exceto a tradição histórica, aspecto de pouca relevância, apesar de alegações em contrário, para qualquer movimento conservador. 289

Quando os próprios senhores de escravos se tornaram mais

religiosos, no período que antecedeu imediatamente a Guerra Ci-

vil, começaram a pagar cada vez mais aos pregadores brancos a fim de que realizassem serviços religiosos para seus escravos. Na ausência dos pregadores, ou mesmo em sua presença, os próprios senhores pregavam para os escravos, e suas esposas se encarregavam da escola dominical para as crianças e da leitura da Bíblia para os adultos. O governador Hammond, da Carolina do Sul, fazia questão de que os escravos pudessem, caso deseJassem, comparecer aos serviços religiosos da plantation ou da cidade pelo menos uma vez por mês e que os pregadores brancos não recebessem pagamentos mais altos naquela região sulista pouco povoada. Os registros das fazendas do Sul confirmam o fato, e o testemunho de ex-escravos dá pouca margem a suspeitas. *º Nos campos da Carolina do Sul, muitos senhores de escraVo, a maioria, como afirmam alguns, construíram capelas ou casas de oração” em suas propriedades, e a prática também se difundiu nos Estados algodoeiros do Oeste, pelo menos entre os maiores proprietários. Mas tudo isso, bem como a insistência em fazer alguns escravos domésticos fregientar a mesma igreja de seus patrões brancos, nem sempre conseguiu entusiasmar

Os escravos. “ Em

seus relatos, os escravos se queixam com

fregiiência de que eram forçados a comparecer aos serviços religlosos, mesmo contra a vontade, Para piorar as coisas, podia acontecer de um senhor, ao abraçar a religião, fazer o que fez o senhor de William Wells Brown: acabar com os folguedos e bobagens dos domingos e obrigar os escravos a concentrarem seus pensamentos apenas no Senhor Deus. º Os senhores não costumavam forçar os escravos a adotar sua própria denominação religiosa. Os escravos preferiam tornar-se batistas ou metodistas, e sabe-se até de senhores católicos que os deixaram livres para fazer a opção. No período anterior à Guerra Civil, uma alta proporção dos donos de plantations da Carolina do Sul permaneceu na denominação episcopal, mas muitos de seus escravos se tornaram batistas. Em certos casos, porém, houve coerção, como leva a crer o êxodo de tantos negros de outras denominações para as igrejas batista e metodista no período posterior à guerra. * Mas, na maioria dos casos, as prega“290

ções nas plantations eram feitas pelo pastor que estivesse passando pela região, não importando a que seita pertencesse. Os senhores de escravos eram motivados por uma mistura de interesse particular e preocupação verdadeira com o bem-estar espiritual dos escravos, e também do seu próprio. Vários deles passaram a considerar, e utilizar, a religião como um instrumento

de controle; outros, apesar de serem mais céticos ou de terem idéias diferentes, não impediam as pregações para os escravos. Alguns, com bom senso, raciocinavam que enquanto seus escravos estavam ouvindo um pregador branco de confiança não poderiam estar, pelo menos naquele momento,

ouvindo

as exor-

tações de algum negro suspeito. R. F. W. Allston, um dono de plantation da Carolina do Sul, construiu uma casa de oração para seus escravos e relatou que eles eram “atentos à instrução religiosa e se tinham tornado muito melhores no tocante a inteligência, moralidade, relações domésticas etc. (...) De fato, o nível de inteligência que estão atingindo, enquanto classe, merece profunda consideração”.” A Associação Batista do Alabama, em sua reunião anual de 1850, pediu maiores esforços quanto à instrução dos escravos: “Patrões inteligentes, que possuem a luz da experiência, verão que uma sólida instrução religiosa é a economia mais acertada e a política mais eficiente, e é também da maior utilidade em relação a todos os interesses envolvidos”. E em seu livro Cotton Plantation Record and Account Book (Registro e Livro de Contas das Fazendas de Algodão), muito vendido nos Estados algodoeiros, Thomas Affleck incluiu as seguintes recomendações para os administradores:

Verão que uma hora dedicada, toda manhã de sábado, a instrução moral e religiosa será de grande ajuda para conseguir uma situação melhor com os negros. Isto já foi tenta-

do muitas vezes, sempre com os resultados mais satisfató-

rios, em muitas partes do Sul. É recomendável do ponto de vista do simples interesse, para não mencionar o fato de ser um dever. Os efeitos sobre o bom comportamento em geral, sobre a limpeza e a boa conduta no sábado, por si sós, bastam para que o recomendemos ao fazendeiro e ao administrador. Essas recomendações, que se difundiram por todo o Sul com força crescente após 1831, mostram o lugar ocupado pela instru291

ção religiosa no desenvolvimento da posição escravista. Faziam | parte da tentativa sempre maior de tornar a escravidão mais segura para os senhores e mais tolerável para os escravos, tentativa

onde estava implícita a profunda dependência do Sul em relação à escravidão como ordem social permanente.*º A estratégia de usar a religião como método de controle social jamais teria atingido seu intento se o objetivo fosse apenas este. O sucesso da estratégia política de se preocupar com a vida religiosa dos escravos exigia, paradoxalmente, um alto grau de verdadeiro envolvimento cristão por parte dos senhores, pois dependia de os escravos perceberem até que ponto era sincero O interesse dos brancos por seu bem-estar. Nem sempre os escravos aceitavam passivamente os protestos de sinceridade dos brancos; pelo contrário, não perdiam oportunidade para transformar em armas a seu favor até mesmo as pregações dos brancos, Tais pregações só contribuíam para o êxito da política conservadora se os escravos acreditassem na sua sinceridade. Felizmente para o regime, os sentimentos religiosos dos senhores se tornaram mais profundos no século XIX, e seus esforços em favor dos escravos assumiam um tom moral cada vez mais pronunciado, Isto é inegável pelo que se lê nos diários e cartas particulares dos senhores de escravos. George De Ber-

Caros filho e filha, sejam E sempre generosos com Logo estarão com eles em Quando Cristo os chamar Não

perguntará

se são

sempre sérios os seus escravos; um outro nível. para seu julgamento,

negros

ou brancos,

Mas julgará os atos e dará a sentença justa. Não é a Terra nossa residência. Preparem-se, preparem-se para o Deus de justiça. *

Os escravos não podiam ficar insensíveis a tais atitudes. Na verdade, utilizaram-nas a seu favor, como fizeram com muitas outras coisas. Usaram-nas como medida de avaliação de seus senhores e também para fortalecer sua própria noção de si mesmos. John Brown, um ex-escravo de Talladega, Alabama, cujo senhor ensinara seus negros a ler e escrever, recorda:

como à perda não só de um “amigo”, mas também de um - irmão em Cristo”. “Acredito realmente”, escreveu ele à esposa, que Deus tem um bom lugar preparado para eles.” John Rogers, de Charleston, Carolina do Sul, acreditando estar próximo

O domingo era um grande dia em toda a plantation. Os campos ficavam esquecidos, os serviços leves eram feitos rapidamente, e todos iam se reunir na igreja, que ficava fora da propriedade, em frente ao grande terreno da casa onde moravam todos os Brown. A mulher de master John iniciava a reunião com uma prece e depois vinham os cantos, os cantos de tempos antigos. Mas os brancos das plantations vizinhas surrariam seus negros se eles fizessem o que nós fazíamos. Lá não havia preces nem cantos.*?

cia possível com os negros que desejem ir à igreja e que os façam repetir suas perguntas, pois se não agirem assim serão responsáveis pela perda de suas almas...” Everard Green Baker escreveu em seu diário a seguinte prece: “Permita-me, meu Deus, viver como deve viver um cristão, e ser um marido fiel, um pai e senhor generoso e um cristão exemplar; e que eu possa fazer de minha família um exemplo agradável aos olhos de meu Criador, e que seja poupado para criar meus filhos no temor de Deus e sob Sua proteção”. Baker teve sérios problemas para negociar faixas de terras com seus vizinhos, a fim de que seus escravos pudessem frequentar a igreja com mais facilidade. Ebnezer Jones, do Tennessee, escreveu a seus filhos:

A complexidade das atitudes dos senhores é perceptível em relatos como o de Elige Davison, um-ex-escravo da Virgínia. A sinceridade do sentimento religioso de seu patrão revelava-se no fato de ele ter ignorado a lei e ensinado seus escravos a lerem a Bíblia; não o impediu, contudo, de vender negros e separar famílias escravas.* Embora tais anomalias não fossem infrequentes, na maioria dos casos a conversão dos senhores beneficiou, embora não muito, os escravos. Em casos raros e extremos, como o de John Rogers no Kentucky e o de James Harvey Greenlee na Carolina do Norte, os escravós concluíram que uma instrução religiosa adequada os prepararia para a liberdade. Não há como ques-

niere

Hooper,

do

Alabama,

refere-se

à morte

de

um

escravo

da morte, disse aos filhos: “Quero que tenham toda a indulgên-

292

293

tionar a profundidade dos sentimentos expressados por Greenlee em seu diário: Expliquem-lhes sua natureza, a grande importância de estudar e praticar as verdades que contém, e que eles devem tentar compreendê-la, pois ela lhes fala de coisas que serão sua felicidade futura; e mostrem-lhe Jesus, o grande sacrifício reconciliador dos homens, aceito pelo Pai como nosso penhor e resposta aos mandamentos da Sagrada Lei de Deus que violamos; Ele que abriu o caminho pelo qual Deus pode Se reconciliar com os homens que por sua boa conduta recebem o Seu favor e são adotados como filhos. O Senhor lhes assegura que devem ser prudentes para sua salvação, receber Cristo como seu Senhor e semelhante e servi-Lo de todo coração. E que nós, responsáveis por eles, possamos entender que é nosso dever inalienável instruí-los, a eles que vivem em condições de degradação e dependência (...) e devemos ter sempre em mente que suas almas são preciosas aos olhos Daquele a quem temos de prestar contas, e que eles são tão livres quanto nós, é tão brancos quanto o melhor dos filhos de Adão. * A falta de instrução religiosa na maioria das plantations pode ser explicada antes pela indiferença que pela hostilidade, mas esta nunca desapareceu por completo. Tornaram-se menos frequentes, embora nunca tenham cessado de todo, instruções como “a seguinte, dada em 1861 por um fazendeiro de açúcar da Luisiana a seus administradores: “Não permitam qualquer tipo de pregação em lugar nenhum da propriedade, nem permitam que os negros saiam da propriedade para escutar exortações de

qualquer tipo”. * Tal hostilidade provinha de várias causas: em um número reduzido de casos, de uma fanática rejeição racista à idéia de que os negros pudessem ter almas e tirar algum proveito da mensagem religiosa; na maioria dos casos, de uma séria suspeita de que a religião, mesmo sob a forma abrandada das habituais pregações de brancos, solapasse a ordem social escravista. A mensagem cristã, ainda que censurada, fez cobranças tanto a brancos como a negros. Eliza Frances Andrews, defensora ardorosa da causa confederada, escreveu em 1865; “Não creio que deva haver qualquer distinção de classes ou raças na reli-

294

glão. Todos nós, aos olhos de Deus, somos “gentios” demais para que isso seja possível”.* Por todo o século XIX, já bem distanciados das implicações da mensagem religiosa de Nat Turner, os escravos tiraram conclusões próprias das pregações aparentemente mais inócuas. Em 1807, uma igreja batista do Kentucky teve de expulsar uma negra porque ela, tendo-se tornado cristã, atacou a escravidão. Chegara à louca conclusão de que nenhum cristão devia possuir escravos. ” Nos anos 1830, uma moça escrava que sempre repre-

endia sua senhora: por ir a festas nas noites de sábado, quando devia estar se preparando para os serviços religiosos, finalmente perdeu a paciência e tentou matar vários brancos. * Em 1856, um velho escravo da Geórgia enviou a seu jovem senhor um agradecimento tocante por ele lhe ter dado um pouco de tabaco: “Por favor, missis, escreva a ele e lhe mande mil agradecimentos.

Diga-lhe que eu não posso fazer nada por ele, mas que o Senhor

pode fazer tudo por ele; e eu rezarei para que o Senhor o abençoe e o faça um bom cristão”. ? Missus e o jovem massa entenderam a mensagem como prova de grande afeição, o que provavelmente era. Ao que parece, não perceberam a óbvia suposição de igualdade espiritual, a superioridade, de fato, do velho escra; vo, nela contida. A recorrência de fatos desse gênero nunca deixou de enervar alguns senhores de escravos. E não só a eles. Geralmente as classes dominantes se preocupam com o outro lado do mecanismo de controle inerente à religião cristã. Em 1811, um administrador da Virgínia, que estivera nas Ilhas Britânicas, escreveu

a seu patrão e abordou o assunto numa perspectiva ampla e digna de nota, seja qual for nossa opinião sobre seu raciocínio:

Se instruir e esclarecer os negros seria para eles uma vantagem ou uma desvantagem é algo acerca de que não consigo formar uma opinião, por serem tantos os argumentos usados contra essa idéia. A meu ver, seria uma grande vantagem para eles enquanto fossem jovens, porque ocuparia suas mentes e os manteria em sujeição, e certamente seria um modo de conservá-los afastados de certos vícios que têm na juventude, mas sou incapaz de avaliar os efeitos que isto poderia ter sobre eles mais tarde. Visitei alguns lugares da Inglaterra onde os servos eram completamente 295

ignorantes e os fazendeiros usavam os mesmos argumentos contra sua instrução e seu esclarecimento que os usados aí

no caso dos negros. Ouvi alguns assegurarem que nunca

tinham visto um servo, tendo recebido educação, ser bemsucedido. Mas na Escócia, onde quase todos são mais ou menos educados e alguns são muito bem informados, achei que eram os servos mais obedientes, operosos e fiéis que

poderia haver. º

Que

os

mortos

enterrem

os

mortos

Como parte das tentativas dos brancos para controlar a religião dos negros, o regime escravista procurava fiscalizar

os

funerais

de

escravos,

temendo

que

dessem

margem

a in-

surreições. Em 1687, as autoridades da Vírginia setentrional proibiram funerais públicos para os escravos, por estarem convencidas de que serviriam de pretexto para fomentar perigosas conspirações.” Em 1772, a corporação municipal de Nova Iorque exigiu que os funerais de escravos se realizassem durante o dia e fossem acompanhados, no máximo, por doze pessoas. Ambas as exigências são esclarecedoras, mormente se examinadas como um todo: não havendo restrições aos funerais de escravos, eles poderiam provocar sedições e estimular “serviços pagãos”, " Esses temores revelavam precaução, mas não paranóia. A célebre insurreição ocorrida na Virgínia em 1800, ligada a Gabriel Prosser, foi tramada quando os escravos se reuniram para o enterro de uma criança; º e a revolta de Nat Turner, em 1831 se deu em circunstâncias que assustaram o Sul dos brancos. Referindo-se à decisão de proibir pregadores negros e funerais públicos para os escravos sem a presença de um oficiante branco, “um fazendeiro da Baixa Virgínia”, como ele próprio se denominou, escreveu, em 1836:

Antes, seus funerais lhes proporcionavam muita satisfação, e aqui era costume dar aos parentes do morto toucinho, aguardente, farinha, açúcar e manteiga, e isso constituia, para eles, um grande entretenimento. Divertiu-me ver, certa vez, um sujeito, em pleno vigor, pedir à amante que fizesse seu enterro enquanto ele era vivo, pois assim 296

poderia aproveitá-lo. O gaiato pedido foi satisfeito, e ouso

dizer que jamais houve um funeral em que o próprio defunto tenha se divertido tanto. * Após 1831, como dá a entender este mesmo fazendeiro, ficou bem mais difícil os senhores de escravos acharem graça das despreocupadas extravagâncias de seus “pretos felizes”. Mas a reação dos brancos jamais conseguiu acabar com os grandes funerais de escravos. Inúmeros donos de plantations consideravam desumanas essas regras repressivas, e outros perceberam que era melhor não as fazer;cumprir, pois elas exasperariam tanto os escravos que fariam aumentar, ao invés de diminuir, a ameaça de resistência violenta. Fosse como fosse, porém, os brancos safam perdendo. Funerais dignos para os escravos não eram significativos porque representavam um risco — remoto, caso existisse — de conspiração, mas sim por permitir aos participantes sentir que formavam uma comunidade humana. E sendo assim os escravos realmente negavam a base mítica do mundo de

seus senhores.

- Os testemunhos que recolhemos de ex-escravos, em sua maioria, relatam que os senhores permitiam cerimônias fúnebres para os escravos. De acordo com esses testemunhos, os brancos não tentavam negar ao escravo morto o respeito devido; mas um número expressivo de relatos apresenta a insensibilidade dos brancos como uma acusação. º “Quando um escravo morre”, diz com amargura Elige Davison, da Virgínia, “não passa de mais um preto morto. Massa faz uma caixa de madeira, põe O preto dentro dela e a põe num buraco no chão. Nós damos três voltas à sepultura, e é tudo.” * Mesmo quando os senhores permitiam funerais decentes, os caixões eram sempre os mais simples e de feitura mais tosca. Pequenos senhores de escravos, muitos deles também carpinteiros, às vezes faziam eles mesmos

os caixões. Os donos de plantations encarregavam dessa tarefa

um carpinteiro escravo ou um homem livre, branco ou negro; também podia acontecer de os negros fazerem questão de construir eles próprios o caixão. Robert H. Stewart, um grande agente funerário, comerciante de móveis, coveiro e dono de plantation da região de Natchez, mantinha um próspero negócio de caixões de defuntos para os escravos das cidades e de algumas áreas

rurais, 7 297

Por ocasião da morte das amadas mammies, dos respeitados velhos criados de família”, de feitores que serviam há muito 4 tempo e até de negros que trabalhavam nos campos mas eram uns dos preferidos, os senhores mais patriarcais tinham atitude s | ] de grande sentimentalismo. Quando a mammy de Susan Dabney Smedes morreu, o pai não permitiu que houvesse sermão : “Não conheço ninguém bom o bastante para fazer um sermão para ela + O senhor encabeçou a procissão fúnebre, e todos os seus filhos, de luto, acompanharam o enterro. “Ele convoc ou todos

os trabalhadores

da plantation,

todo mundo

capaz

de andar,

e

todos, homens, mulheres e crianças, levavam tochas.” A srta Susan, achando que o funeral seria muito penoso, pediu para não ir: “Mas º senhor estava irredutível em seu sofrimento, e tive

medo de incorrer em seu desagrado, caso ele descioh riate minha

“intenção de não ir prestar os respeitos que ele consid erava devidos à memória da amiga em quem tanto confia ra”.£ Em registros de várias famílias rurais há fatos assim, e se pode perceber a mesma dor e o mesmo respeito. Mas é suficiente a seguinte carta de Judit :

Virgínia:

Judith Page Rives, de Albermale County,

Esse foi também o dia da internação da pobre mammy Ela sofrera um ataque na segunda-feira, dia 1.º. Ficou grata por poder dizer que aparentemente sofreu pouco ou nenhuma dor, e, nos breves intervalos do sono letárgico porém tranquilo que assinalou o avanço da doença fatal teve consciência suficiente para se unir às preces elevada s ao Alto junto a sua cabeceira e para me falar de sua fé inabalável no amor e no perdão do Salvador, Foi presta do todo o respeito a esta serva boa e fiel, que, tenho confiança entrou na alegria de seu Senhor. O sr. Boyden oficiou o ser viço, a que nós comparecemo s com todo o pessoal de noss fazenda e das vizinhas. ? 7 o

Mas os tocantes relatos da srta. Smedes e da sra, Rives não dizem como os senhores incorporavam essas mammi es à famí= espaço e as consideravam diferentes dos demais negros, mas Ps at bem claro que lhes tributavam grande respeit o. Talvez os pi ais escravos também considerassem as mammies diferentes eles, como é possível que as próprias mammies se vissem 298

deste modo. Mas ninguém pensou jamais em averiguar isso. Os funerais de escravos

como

as mammies,

ainda que comoventes,

eram funerais de brancos. Aos negros nunca era dada a oportunidade de demonstrar sofrimento e respeito à sua própria maneira negra. Num dos artigos sobre “Controle dos Servos”, tão comuns nos jornais agrícolas e políticos do período anterior à Guerra Civil, “Foby” incluiu uma parte referente a funerais (1853): “Os mortos são dignamente amortalhados, dignamente velados e dignamente enterrados. É o que deve ser feito em atenção aos sentimentos dos que sofrem, e não se pode deixar de fazê-lo”. E Inúmeros senhores ignoraram este conselho, e muitos escravos sofreram terrivelmente com a indiferença de seus senhores. Mas a maioria dos donos de plantations entendeu que havia em tal conselho implicações de interesse e de política, tanto quanto considerações humanitárias, e por isso o seguiu. O fato de os brancos terem compreendido que precisavam se acomodar a seus escravos pode ser avaliado pela atitude de um administrador que se recusou a deixar seus escravos irem ajudar um vizinho a construir uma casa de descaroçamento de algodão, como sempre faziam os bons vizinhos, porque eles precisavam comparecer a um enterro. No entanto, fez uma concessão: reuniu os escravos para perguntar se alguns deles preferiam não ir ao enterro. " A importância que os escravos atribuíam aos funerais aparece claramente em sua disposição. de abrir mão do descanso dominical para participar da cerimônia fúnebre de um homem que morrera durante a semana e fora enterrado às pressas.? Quantos senhores permitiam a seus escravos deixar o trabalho para comparecer a um funeral, e quantos não permitiam? A resposta dada a esta pergunta por um número expressivo de ex-escravos confirma as alegações dos brancos quanto a sua própria benevolência. ”* Mas o importante não é a benevolência nem o interesse pessoal que fazia os senhores se preocuparem com o moral dos escravos. Grande parte dos funerais de escravos, talvez mesmo

sua imensa maioria, realizava-se à noite. Nos

campos da Carolina do Sul e da Geórgia, e também em outras áreas onde

havia muitos

negros, é possível, como

afirma a sra.

Schoolcraft, que os funerais “sempre” se realizassem à noite. Com

fregiência, como

reiteram muitos ex-escravos,

eles reali-

zavam os funerais à noite porque os senhores não lhes permi299

tiam realizá-los durante o dia.” Mas também não há dúvida de que Os negros preferiam os funerais noturnos, porque assim seus amigos que trabalhavam em plantations e lavouras próximas

podiam comparecer.” Tal preferência, comum em todo o Sul

mas sobretudo em áreas onde havia grandes populações ne ras e se mantinha alguma continuidade cultural com a pote pica práticas africanas. O fato de os escravos não terem mário io aq senhores para que mudassem de atitude é corroboo pela persistência dessa prática até muito tempo depois da guerra, quando os escravos já eram homens livres.” O funeral de um escravo era um espetáculo, um acontecimento da maior importância e uma realização, ao mesmo tempo solene e pujante, de toda a comunidade. a escravos queriam ter um serviço religioso, mas não dispensavam facilmente uma exibição.”? Dessa forma, davam continuidade à

tradição da África ocidental, segundo a qual um funeral digno

levava sê descanso o espírito de quem partira e assegurava a gi sob a forma de um fantasma, idéia que alguns gros das áreas rurais sulistas ainda conservam no século XX Portanto os funerais atuavam como condutores para que a de que se fora entrasse no mundo dos espíritos. ” Ao mesmo mo [o) cram uma forma de os escravos vivenciarem experiências ai dicionais e limítrofes às dos brancos, experiências que seguiam um mesmo rumo. Na Virgínia do século XVII, os funerais dos donos de plantations assumiam, inevitavelmente, um aspecto festivo, porque a eles compareciam pessoas vindas de muito longe Nos funerais, gastava-se muito com comida e hospedagem: e pra eram uma oportunidade, embora triste, para a reunião de ni (o) e parentes que geralmente

não se encontravam.º

Ni

it, pp dos escravos, ainda que adaptada, moda e trans ormada, era visível. Thomas Wentworth Higginson ajudou a preparar um funeral coletivo de negros durante a ig relata: “Pouco antes de os caixões serem baixados io e me cochichou que era preciso alterar sua posição; as ças dos mortos deviam ficar voltadas para o oeste”, º! Para Os escravos das costas orientais, e também para muitos das regiões interioranas, as sepulturas tinham de ser cavadas no sentido leste-oeste, e a cabeça do morto tinha de ficar voltada para oeste, porque um homem jamais devia dormir ou ser enterrad o “em

300

sentido ido c contrári ário UNICAMP 4

morto não teria de se

BIBLIOTECA CENTRAL SEÇÃO CIRCULANTF

virar quando Gabriel fizesse soar sua trombeta no lado leste, ao nascer do sol. 2 Os costumes funerários africanos mantiveram-se no Velho Sul e persistem no século XX, mas no final da primeira década do século XIX se amalgamaram aos dos brancos e dos índios e assumiram uma nova feição. Por todo o período da escravidão, a prática de enterrar alimentos junto com os mortos, oriunda da África ocidental, existiu em sua forma direta na Geórgia e na Carolina do Sul, e com algumas variações na Virgínia e em outros lugares. e Como para certos povos da África ocidental era obrigacotório haver um “segundo funeral”, ou seja, uma cerimônia da conserva foi prática tal reuniam, se todos memorativa na qual . pelos escravos e pelos libertos, sobretudo no extremo Sudoeste confuneral o realizado era enterro o após Dias ou semanas afridigno. Grande parte do embasamento religioso de origem cana

se perdeu,

que

espantavam

e a prática

aparentemente

se manteve

porque

assim o exigiam o tempo e a distância. Contudo, essa prática onde negra não difere muito das práticas brancas de regiões os entre rara tornar se até “ s, similare s condiçõe prevaleceram próprios brancos. Devido às condições físicas, os enterros tinham de ser rápidos. Sempre. que podiam, os escravos realizavam velórios, os observadores

brancos

por rivalizarem,

em

estardalhaço, com os célebres velórios irlandeses. * Na idéia mas tamimplícita da morte se pode notar um eco da África, s condiçõe bém é preciso considerar a relação vida/morte em escravos de tristeza e opressão. Com ou sem estardalhaço, os lhes fosse faziam questão de ficar junto ao morto sempre que ? Sem permitido. Seria a persistência de algum costume africano os entre dúvida; mas era também um costume bastante comum mais motivos povos pré-industriais e podia ser explicado por tinham exatos e menos espirituais. As cabanas dos escravos não pois o clima vidraças, e as venezianas em geral ficavam abertas,

dedo Sul era quente. Os corpos sem vida se decompunham te facilmen podiam pressa com o calor, e gatos e outros animais

entrar para comer

tinham de proteger Para horror de gulares, que ficavam vam procissões para

a carne que se desintegrava. Os escravos

seus mortos. muitos brancos, sobretudo os batistas rede fato escandalizados, os escravos formair até O cemitério e voltar, além do que 301

salmodiavam, cantavam e “gritavam” junto à sepultura. Os batistas brancos estavam convencidos de que tal procedimento tinha origens pagãs, e estavam certos, segundo seus próprios critérios. * As procissões seguiam devagar, indo à frente seis

ou mais carregadores, e o caminho, entre os bosques escuros,

era iluminado por tochas de pinho. Os escravos entoavam seus tristes cantos fúnebres na ida, na volta, e também junto à sepultura que já haviam preparado para o morto. O sermão geralmente era curto. Por todo o tempo em que vigorou o regime da escravidão, desde a Virgínia do século XVIII até o Mississípi e a Luisiana do século XIX, os brancos pregaram nos funerais de negros, ou ao menos compareceram a eles.” Mais frequentemente, potem, os escravos preferiam conduzir eles mesmos o serviço religioso. Em toda parte, apesar das leis que o proibiam, havia

pregadores negros, e, caso não houvesse, os feitores, artesãos

ou outros escravos que gozavam de mais prestígio os substituíam. No mais banal dos funerais de escravos, havia sempre um negro, treinado ou não para isso, alfabetizado ou não, que imprimia à cerimônia o devido caráter de solenidade, dignidade e santificação religiosa. º O hino fúnebre preferido dos escravos, cantado em todo o Sul em várias versões, era Sobe da Tumba:

Sobe da tumba um som desconsolado, Meus ouvidos escutam o doce grito. Um homem vivo brota do solo, Onde em breve todos estaremos, E este barro pode ser teu leito Apesar de toda a tua faina. Que os sábios baixem a cabeça, reverentes, Estarão como nós, no mesmo plano. Também

cantavam

outros hinos: ai!

Caminhamos para Caminhamos para Caminhamos para Para lá deixar este 302

a sepultura, a sepultura, Senhor, a sepultura, corpo.

Minha irmã diz que está feliz; Pela graça de Deus a reencontraremos No dia derradeiro e solene Quando nos reunirmos em volta do trono.*

Do princípio ao fim do funeral, a menos que brancos bem-intencionados se julgassem no direito de tomar as providências, os escravos seguiam seu próprio ritmo. Após a solenidade, para quebrar a tensão, costumava haver um jantar. Foi devido a essa mistura dos momentos mais fortes da procissão, sobretudo o uso dos tambores que tanto lembravam a África e tanto ameaçavam os ouvidos dos brancos, e dos jantares às vezes barulhentos que se seguiam ao enterro que muitos brancos consideraram esses funerais “festivais pa-

gãos” e os interpretaram do modo racista que mais lhes convinha.

O costume de jogar areia na sepultura não era praticado apenas na África e na afro-América e não constitui, em si mes-

mo, uma prova de continuidade cultural; mas não pode haver

dúvida de que os negros das costas e dos campos do oriente da África o trouxeram consigo e o praticaram, como seu, no Novo Mundo. Era também praticado em funerais de brancos. Willis Winn, um ex-escravo do Texas, relata, com mordacidade, que, embora os escravos da plantation onde trabalhava não tivessem direito a seus próprios funerais, tinham de comparecer aos funerais dos brancos e jogar areia em suas sepulturas.” Este costume dos negros difundiu-se por todo o Sul e enraizou-se

sobretudo no Sudeste.” Por mais que a prática européia tenha

influenciado a prática americana, os brancos do Sul, como Edward A. Pollack, referem-se a ela como a “um costume dos negros”. 2 O significado de tal costume ainda permanece obscuro, pelo menos em suas manifestações americanas, mas ele tomou grande vulto na crença dos escravos. Os feiticeiros negros atribuíam muita importância ao pó das sepulturas, e o misturavam a uísque e a raspas do lado do túmulo onde ficava a cabeça, utilizando-o às vezes para preparar venenos.* Terminado o funeral, ficavam as sepulturas. “Cacos de lou-

ça quebrada”, escreve Robert Farris Thompson, “adornama lá-

pide dos tâmulos de alguns afro-americanos em regiões remotas do Mississípi, da Geórgia e da Carolina do Sul, e foram encon-

303

tradas inscrições tumulares gravadas em madeira que têm relação com os notáveis sedimentos de Pine Harbor e Sunburg, na Geórgia.” Thompson estabelece um vínculo especial entre esse costume e a prática dos Bakongo do Norte de Angola, ponto de vista que vem ganhando cada vez mais credibilidade, pois surgiram novas provas de que chegou ao porto de Charleston um número-de angolanos bem maior do que se supunha. * O aparente simbolismo, argumenta Thompson, evoca a destruição do corpo pela morte. A louça quebrada, comum à prática da África ocidental e à afro-americana, “* não tem, de modo geral, correspondente entre os euro-americanos do Sul. Os

escravos

afro-americanos,

primeiro,

e muito

depois

os homens

livres a explicam de modo hesitante e diversificado, porém em

algum momento sempre expressam a idéia de morte como corpo quebrado e a necessidade de dar ao espírito alguma compensação.

“Nenhum

negro em

Cottonville”, escreveu nos anos 30

Hortense Powdermaker, de Yazoo Delta, “pode viver tranquilo se não estiver seguro de que terá um funeral digno quando morrer.” ” O funeral caracterizou-se principalmente como ritual religioso, acontecimento social e expressão comunitária. Ainda que a celebração da morte tenha advindo de circunstâncias imediatas, ela é resultado de uma longa história. Os escravos davam uma importância apaixonada a seus funerais e exigiam que fossem elaborados. * Os brancos do Sul, na maioria, rendiam-se a essa exigência dos negros, na medida do possível. O fato de enterrar os mortos tinha, no Sul, uma significação especial, e os sulistas brancos, a menos que estivessem totalmente cegos pelo racismo, não poderiam estranhar a atitude dos negros. ” De modo geral, a posição burguesa no mundo ocidental é de espanto ante a compulsão aparentemente irracional das classes mais baixas a quererem funerais acima de suas posses. Para Os escravos, o dinheiro não era o problema; mas sua atitude com relação à grandeza e à representatividade do evento é muito

semelhante à das classes baixas, embora apresente características

étnicas específicas. As ingênuas criaturas das classes mais baiXas costumam cometer o absurdo de levar a sério suas responsabilidades familiares e religiosas, e acreditam, estranhamente, que suas vidas também devem ser marcadas pelo respeito. Para essas pessoas, ou os funerais são condignos ou não são funerais. Falando dos ingleses que migraram do campo para a cidade 304

em princípios do século XIX, Eric Hobsbawm observa o seguinte: “É impossível à classe média entender os funerais e velórios absurdamente caros que os operários insistem em realizar

como um tributo a seus mortos e como reafirmação comuni-

tária dos vivos (...) O primeiro benefício concedido pelos sindicatos e associações é quase sempre o auxílio funeral”. A acusação muito comum de que os pobres das classes operárias podiam enterrar seus mortos pela metade do preço que pe 5 gavam é, na maioria das vezes, ingênua. Mesmo no século ele pobre, enterro um filho ao der inglês se um trabalhador próprio se empobrecerá, ou seja, terá diminuída sua credibilidade como trabalhador “respeitável”, aos olhos de seus possí-

is

:

empregadores. '”

Por beer econômicas viciosas, os trabalhadores são compelidos a gastar muito mais do que exigiria sua própria noção do que é direito e adequado. Por isso, estão sujeitos a ça exploração

até muito

maior

que

a imposta

aos escravos,

e E

envolvem numa trágica cumplicidade com a atitude desprezíve e profundamente burguesa de reduzir o respeito ao nível de dólares e centavos. Mas, dentro do mundo que conhecem, não ousariam, caso pudessem, recusar-se a pagar qualquer preço para assegurar que o respeito devido aos mortos ajude a definir

o respeito pelos vivos. rir sabiam ; a terrar as vítimas

o que faziam

dos campos

ao se recusar a en-

de concentração.

Considerações

quanto a custos e conveniência não foram as mais importantes.

Comenta Joost A. M. Meerlo: “Nesse assassinato em massa e no

desafio à morte existe um desafio à própria vida, o desafio às forças morais e vitais que orientam o homem. É a negação aj

qualquer finalidade neste mundo”. ui Por outro lado, bn

o

aos mortos significa respeito aos vivos, respeito à continuidade da comunidade humana e reconhecimento do lugar que cabe a cada homem dentro dela. Os escravos entenderam suas responsabilidades. 'º

Os pregadores

brancos

Em última análise, o esforço dos senhores de escravos para controlar a religião dos negros dependia dos pregadores as Na Muitos deles, no século XIX, também possuíam escravos. 305

Carolina do Sul, no período 1780-1800, entre cada cem pre- ] ee ça ou brancos com licença para pregar, quarenta am alguns escravos e um podia ser classificado como lati-

tão prejudicial ao desenvolvimento de nossas terras sulistas como a escravidão. E ainda assim acredito que, para os africanos, a escravidão, desde que dentro da lei e não afastada do cristianismo, é melhor, de modo geral, do que seria a liberdade sem a devida preparação para tal bênção. Alguns podem achar que penso assim por motivos egoístas, mas nada tenho a ganhar. Jamais comprei ou vendi um ser humano de bom grado ou com prazer. Fiz isso para a acomodação do escravo e por minha própria paz doméstica e comodidade, mas nunca para ganhar, pelo

fundiário. '* Que tipo de senhores de escravos eram eles? Os

relatos fragmentários dos escravos dão a impressão de que, pelos seus padrões de julgamento, a maioria era mais humana embora alguns conciliassem sem grandes problemas cristianismo e crueldade. 15 pa Os ministros brancos conseguiram certa aceita ção por parte s escravos, no século XVIII e no começo do século XIX, me se mostrar hostis, ou pelo menos indiferentes, à insti: ição escravagista; mas, quando se deu a revolta de Nat urner, essa aceitação já diminuíra bastante. Alguns ministros antiescravistas continuaram a trabalhar no Alto Sul no pe-

168

ríodo

anterior

à Guerra

Civil,

mas

seu

número

era

cada

William James Holcombe, da Virgínia, que mais tarde liberto u

Seus escravos e os reassentou em Ohio e na Libéria:

[Meu pai] devotou-se, sem esperar qualquer tipo de recomPensa ou de proveito próprio, ao bem-estar espiri tual dos pobres e desvalidos, sobretudo os da população escrava e se tornou um amigo de confiança e até um ídolo dos negros afetuosos e impressionáveis, pregando para eles nas tardes de domingo, supervisionando suas reuniões de oração € revigoramento religioso, realizando casamentos, batizados e enterros, carregando com eles seus fardos e puta toda

alma

às alegrias, sofrimentos

e tristezas

desses filhos de Cristo, os mais fracos e humildes. '7

Mas por volta de 1830 homens assim eram raros no Alto Sul e Praticamente não existiam no restante da região. Quando os

Pei getgn

tinham

dúvidas

quanto à escravidão, recorriam às

éias lo reverendo John H. Witherspoon, que escrev eu o seguinte à esposa:

Desde minha juventude me tenho oposto à escrav idão tal como existe no Sul, marcada pela subordinação. Nada foi 3506

! |

vez. 7

menor, sobretudo à medida que a oposição das comun idades crescia e se tornava mais dura e ameaçadora. '* William Hen Holcombe, de Natchez, Mississípi, ele próprio pp l favorável à escravidão, anotou algumas recordações de seu pai

gando-se de

! 4

simples “amor ao asqueroso lucro”. '*

Os escravos, porém, formavam bases.

Os

brancos,

seus juízos a partir de outras

cada vez mais,

tomavam

como

ponto

pací-

fico a ortodoxia de seus ministros e viam os escravos como pilares da ordem social agrícola. Os pastores brancos que pregavam para os escravos estavam satisfeitíssimos com a excelência de seu desempenho. Joseph B. Stratton, um pastor presbiteriano, contou, muito feliz, que

seus

serviços

religiosos na região

de Natchez

eram

“inte-

ressantes e solenes”. Willis P. Hill, pregador batista itinerante da Carolina do Sul, achava os escravos “notavelmente

atentos”

a seus sermões, John H. Whiterspoon, pastor presbiteriano de Greensboro,

Alabama,

esperava

sinceramente

que

os escravos

da plantation onde ia pregar acorressem para ouvi-lo. Para Francis Hanson, ministro episcopal de Marengo County, Alabama, os negros “pareciam interessar-se pelos serviços religiosos”. N. L.

Garfield assistiu ao sermão do célebre bispo Leonidas Polk, da

Luisiana, numa cerimônia de confirmação de escravos: “Percebi que as lágrimas rolaram pelo rosto de um dos que haviam sido confirmados, quando o bispo colocou as mãos sobre sua cabeça!” O reverendo John Hamilton Cornish foi à fazenda do coronel Joseph E. Jenkins, da Carolina do Sul, e pareceu deleitado quando dezenas de escravos que trabalhavam no campo o chamaram pelo nome, pularam a cerca e correram para lhe dizer o quanto estavam felizes por vê-lo. Os brancos se mostravam satisfeitos com os que pregavam para seus escravos. Leonidas Pendleton Spyker, da Luisiana, assinala que o sr. Trippett “é um excelente pregador, tanto para brancos como 307

Para negros”. E Martha Schofield, Um pregador branco da Carolina do a seu prestígio, interceder em favor beldes e salvá-las da ira dos homens Apesar desses fatos amenos, que Positivos, com fregiiência os escravos cos passarem maus momentos. Não hostis,

embora

tenham

expulsado

depois da guerra, fala de Sul que conseguira, devido de algumas tropas de ex-relivres. '? podem aliás ter sido muito faziam os pregadores branque fossem habitualmente

o reverendo

John

B. Pinney

quando este se referiu à degradação que vira na África e disse aos escravos que eles eram homens de sorte, "'º mas reagiam como disse um editor, “cochilando à vontade e roncando send

ramente”. " No diário de Eliza Frances Andrews, na data de 15

de janeiro de 1865, está anotada a reação dos negros ao serviço religioso oficiado pelo reverendo dr. Hillyer: “Enquan to se cantava eles ficavam acordados e pareciam muito edificad os

mas durante o sermão a maioria dormiu”, "2

O primeiro problema, embora não o mais sério, com que os pregadores brancos tinham de se defrontar era o da linguagem e do estilo. Que se pode dizer do jovem pastor branco

que começou

seu sermão para os escravos com as seguintes

palavras; “Em primeiro lugar, temos de pressupor a existênc ia da divindade”? Bertram Wilbur Doyle, que conta essa história em seu livro Etiquette of Race Relations in the South (Etiquet a das Relações Raciais no Sul), acrescenta que, após uma breve Pausa, um velho negro respondeu: “Sim, senhor, é isto mesmo.

Louvado seja o Senhor”. ''º Que cada um interprete como quiser a resposta do velho. Para mim, ela é apenas mais uma prova

de que Os escravos eram pessoas bondosas, sempre prontas a

livrar tolos escrupulosos das consegiiências de seus próprios atos. Outro pregador branco passou por situação semelhante mas-lidou com ela de modo mais chão. Relembra um ex-escravo que, quando o pregador se sentia frustrado por ver que os

negros não queriam ou não conseguiam entender seu sermão

amaldiçoava-os. E isto eles entendiam. "'4 Não há registros dos sermões de Samuel A. Agnew, pastor

presbiteriano do Mississípi, mas suas idéias são bem conhecidas.

Segundo o bom ministro, “não se pode esperar grande fé por parte de um negro”. Ele percebeu, sobretudo, que os escravos

não mantinham sua palavra. "* Certa noite, entrou por equívoco

numa reunião onde os negros rezavam, e sua reação cristã, que

308

nos legou como uma lembrança eterna da sensibilidade de sua classe, foi a seguinte: Entrei e vi os negros numa reunião de oração, e fiquei lá até que um velho negro começou a pregar. Era a primeira vez que eu via “um dos filhos de ébano da África” dirigir um culto público num santuário. Tentei manter-me no espírito apropriado a um culto, mas a língua inglesa estava sendo tão maltratada que por vezes eu não podia me impedir de sorrir (...) Cansei-me dos lamentos etc., montei

minha mula e voltei logo para casa. "é John Hamilton Cornish, um ser xou-nos um relato instrutivo e de negros vêm cantar — este inverno Anima, mei, e cantam bem — sob inverno passado ensinei-lhes Vente, reverendo Cornish teye ao menos o canto, que os escravos

humano bem melhor, deioutro tipo: “Tardinha, os eles aprenderam Benedic, a direção de Martha. No exulternos Domino”."” O bom senso de valorizar o

apreciavam muito,

a ponto de cantarem

até em latim. Fredrika Bremer tem seu ponto de vista pessoal. Ouvira um pregador branco fazer um sermão “inusitadamente duro” para os escravos de uma plantation de arroz na Carolina do Sul. “Porém”,

observa

ela, “espantou-me

ver como

eles re-

cebiam com presteza e alegria toda palavra que expressasse beleza e sentimento.” "º O problema da comunicação foi resolvido menos depressa do que se supõe. Se a questão fosse apenas a rigidez dos pregadores brancos, a solução seria mais fácil, principalmente porque os veementes batistas e metodistas, que eram grande maioria entre os pregadores brancos, não tinham as mesmas inibições dos presbiterianos e episcopais. Um habitante da Carolina do Norte, que assistiu a um culto para escravos, mostra-nos o que podia conseguir um pregador metodista branco, caso fosse compreensivo. William D. Valentine descreveu o reverendo Sam Wright Hayse como pregador inspirado, embora não muito profundo. O reverendo Hayse começava de modo grave, criando um clima convencional, mas logo se inflamava. Os negros “vibravam”. Valentine diz que era como se a congregação tivesse “recebido uma influência elétrica que a estimulasse, e não a embotasse”. Espanta-se ante os “gestos e gritos 309

ferozes e ásperos”, e acrescenta: “Parecia que o pregador falava.

Mas os escravos sabiam que muitos desses pregadores bran-

como eles queriam que falasse”."º? O reverendo C. C. Jones

preocupava-se com outro problema, o de pregar para os negros. no próprio estilo deles e sacrificar, aparentemente, a dignidade do serviço religioso e a pureza da mensagem. Ele considerava os escravos “bons juízes de um bom sermão”, mas só pensava no conteúdo teológico e no inglês correto. Com muita propriedade, John Edwin Fripp, de Sta. Helena, Carolina do Sul, usou a palavra “conferência” para se referir à pregação do reverendo Welch aos escravos.'? Na Luisiana, o editor do Planter's Banner deu a entender que os negros não compreendiam nada das pregações, e apenas reagiam à entonação, aos gestos e aos apelos emocionais. '! Como a maioria dos brancos, não foi capaz de compreender que a reação dos negros ao tom e aos gestos refletia o próprio conteúdo destes. Os ministros brancos também tinham de enfrentar o problema da credibilidade. John Hamilton Cornish, por exemplo, fazia um trabalho tão bom com os escravos que os levava até. a dar esmolas, embora de pequeno valor, e se mostrava genuinamente interessado em seu bem-estar. Mas que poderiam os negros pensar quando, embora com sérias apreensões, o reverendo:Cornish cumpriu fielmente seu dever para com as odiadas e temidas patrulhas de escravos? '2 Como poderiam compreender as restrições impostas a um homem como o reverendo Sid-

mer D. Bumpus, da Carolina do Norte, que foi capaz de escrever:

Cumpri o penoso dever de pregar para dois criminosos que foram enforcados hoje. George, acidentalmente e em legítima

defesa, matara um homem branco que tentara bater nele com uma enxada. ..”7'3 Os

diários

particulares

de

Bumpus

e de Cornish,

assim

como os documentos pessoais dos pastores mais dedicados, fa-

lam pouquíssimdas o esperanças, dos medos, das tristezas, das aspirações e do trabalho dos escravos que se sentiam no dever de assistir. Não ousavam envolver-se. O próprio reverendo C. C. Jones lhes aconselhara a-““se manterem alheios à condição civil dos negros e aos assuntos ligados às plantations”. Insistia para que não dessem ouvidos a queixas nem tomassem partido nas disputas. Esses exemplos mostram em que bases os senhores de

escravos permitiam que os pregadores fossem admitidos em suas plantations. “4

310

cos, à sua maneira

| |

instável, preocupavam-se

de fato com

eles.

O próprio reverendo C. C. Jones esgotou-se no esforço de dar instrução religiosa aos pretos, como os chamava. Seu filho, temeroso, pediu-lhe que não fosse mais às plantations para os serviços religiosos noturnos, que estavam debilitando sua saúde.

h

|

Quando Jones morreu, a família considerou, com razão, que O excesso de trabalho apressara seu fim.'? Vários outros ministros, inclusive o reverendo Cornish, eram bem-intencionados e fizeram pelos negros tudo o que estava a seu alcance; e os escravos, de modo geral, reagiram com generosa gratidão. Mandy Hadnot, do Texas, recorda afetuosamente um pregador branco, chamando-o de “um homem grande e alegre”. Mas a atitude positiva dos negros para com alguns ministros brancos tinha geralmente um lado prático. Durante dezesseis anos, Andy Marion foi criado de um pastor presbiteriano, que finalmente

morreu e lhe deixou uma casa e quarenta acres de terra. “É isto o que eu chamo de religião”, declarou o exultante Marion. '* Contudo, a maioria dos escravos não gostava nem desgostava dos pregadores brancos, antes lhes era indiferente. Com algumas exceções notáveis, os pregadores não tinham grande importância em suas vidas. Vistos por um ângulo mais favorável, os pregadores bran-

cos tinham muito a dizer aos escravos, e sua contribuição à vida nas senzalas foi inestimável. Alguns conseguiram tocar a sensibilidade dos negros e outros, aliás bem numerosos, foram capazes de lhes dar nova vida. Foram importantes, e os escravos nunca esqueceram, os momentos em que um pregador tinha a coragem de dizer que Deus não fazia distinção entre as almas dos senhores brancos e dos escravos negros. Solomon Northup, que tinha uma personalidade forte, conseguiu fazer de William Ford, um dono de plantation de algodão de Avoyelles Parish, Luisiana, o melhor dos patrões, e jamais esqueceu suas pregações aos escravos nas noites de domingo. “Ele tentava”, escreveu Northup, “inculcar em nossos espíritos sentimentos de generosidade para com os outros e de entrega a Deus, lembrando as recompensas prometidas aos que levassem uma vida íntegra e fortalecida pela oração.” '” Os registros, por si sós, mostram que homens

brancos

bons, agindo de boa-fé, conseguiam

muita

311

coisa.se pe Mostram gmintamb çs éendsi

vezes os escravos, ingra tos i

ne Mas outras vezes eles ficavam acor dados e dissimulavam prniicao Diz Hannah Scott, do Arkansas : “Ele só fala em po ig iai qu ia pio geo nada do que ele : ughes, do Texas: “

tags

Para

os pretos

e os pretos

pregam

eo

eo

A gl e Alabama, guarda uma lembrança espec ial de ma ais que disse aos escravos, friamente, que Pã alma e não podiam esperar nenhum outro tipo após a vida na Terra. Maria, escrava de Mary Boykin Chestnut, disse resolutamente que preferia o reve rendo Mani pinsino ao pregador itinerante, reverendo Shuf ord: “Ele [Brownl e cam iisiçio ie rd um cavalheiro, e prega do mesmo moEs nr do pretos (...) O sr, Shuford fica falando das coita = vida, e fere Os sentimentos das pessoas: 'Não diga E ntiaçÃ

ap o.

ao

5 e outras

coisas

piores,

sentir

como

até indecentes.

» nôs somos tão brancos quanto ele, e do púl-

precisa

nos

fazer

servos”.

Nanc

y Williams, da Virgínia, resume: “Toda aquela preg ação de branco não queria dizer nada. Os pregadores bran cos falavam com ! língua sem dizer nada, mas Jesus disse a nós, escravos. alarmos com o coração”. '2 nie o tem RR ion da o papel político que os preag gi air in e naturalmente se ressentiram aj ido ? m eri fo dos pregadores brancos, como declara ii ae detendo C. €. Jones, era a passagem de Paulo, a us » obedeçam em tudo a seus senhores segundo arne; não só quando eles puderem vê-los, como fazem os que querem agradar aos homens; mas com pure za de coração n Pig de Deus. E não importa o que façam , façam de co; ção, como se fosse para o Senhor, e não para os homens...” pie Pr reverendo Jones acrescentava as palav ras ainda mais

tas patrões

do apóstolo Pedro: com todo o temor;

mas também aos maus”, '2

“Servos, sejam não apenas aos

submissos a bons e ge

seus

pr

Contudo, a responsabilidade por sermões desse teor cabe es reverendo William Meade, bispo episcopal da Virgínia, que Pose ga como se pode supor, um homem de coração duro. De » finha a reputação de nutrir pelos escravos um sentimento 312

verdadeiro, o que acentua o sentido de seu trabalho. Seu tema era “correção”, ou seja, surras com chicote. Assim, quando lhes impõem correção, ou vocês a merecem ou não merecem. Mas, mereçam ou não, é seu dever, e é exigência de Deus Todo-Poderoso, aceitá-la com paciência. Podem achar dura esta doutrina; mas, se considerarem bem, verão as coisas de outro modo. Suponham que não merecem

a correção,

ou

pelo

menos

que

não

merecem

uma

correção tão severa pela falta que cometeram; talvez tenham escapado da correção inúmeras vezes, e agora estejam pagando por todas elas. Ou suponham que estejam inocentes da falta de que os acusam, e neste caso específico sofram injustamente; não é, porém, possível que tenham cometido outras ações más nunca descobertas, e Deus Todo-Poderoso, que viu vocês as cometerem, os tenha deixado ficar impunes uma vez ou outra? E, sendo assim, não deveriam glorificá-Lo e ser-Lhe gratos por puni-los nesta vida por sua maldade,

em vez de destruir suas almas, por causa disso, na vida

futura? Mas suponham que não seja assim, o que é difícil, e vocês não mereçam absolutamente a correção que lhes é imposta; ela poderá ser um grande conforto, caso a suportem pacientemente e se abandonem nas mãos de Deus. Ele os recompensará por isto no céu, e o castigo que agora sofrem injustamente se transformará depois numa glória imensamente maior. 'º

A teologia do bispo combina perfeitamente com a do célebre teólogo católico Spina, que, segundo Michelet, jamais se preocupou com a culpa ou a inocência das vítimas da Inquisição. -O padre Spina explicava a seus escrupulosíssimos seguidores

que os executados, mesmo sendo inocentes, mereciam a morte em virtude do pecado original. '*

Sermões como o do bispo Meade podiam estar contaminados de arrogância e insensibilidade racistas, mas expressavam, par excellence, atitudes das classes tradicionais européias. O bispo Meade nada mais fez senão adaptar a formulação clássica dos padres do século XVIII, que se misturavam aos pobres de Paris. Honrem a Deus com sua pobreza, imploravam eles, pois Ele, em Sua infinita misericórdia, os poupou das tentações im313.

Petas

aos

ricos, e assim

deixou

suas

almas

muito

mais

segu-

ras. “ E nos sermões dos pregadores brancos, bem pouca coisa, ou nada, se pode comparar à magnífica mensagem anunciada

por um

pároco

de Kent

em

1543.

Ele ensinava

que Deus

não

fizera apenas um céu, mas três: um para os pobres , outro. para

Os remediados e outro para os grandes da sociedade. 'º Nem

mesmo o reverendo Samuel A. Agnew, caso seus sermões pudessem ser consultados, poderia ter abordado melho r o tema, O racismo. permitiu que os sermões dos brancos deixassem essa Cicatriz profunda, mas os próprios sermões nasci am das pretensões de uma classe que agira impunemente, ao longo dos

tempos,

sem

levar

em

conta

a raça,

condição de servidão já existente.

a cor,

o credo

ou

uma

Origens da religião popular A religião afro-americana se originou da conjunção de várias correntes — a africana, a européia, a judaic o-cristã clássica ea ameríndia —» mas tornou-se, predominantemen te, uma fé cristã ao mesmo tempo negra e americana. A discussão sobre as “sobrevivências” e “influências” africanas, na qual já se empenharam grandes talentos como Melville J. Herskovits, partidário da tese da continuidade, e E. Franklin Frazier, defens or da tese de uma distinta ruptura, ainda não terminou. !* Nenhu ma das duas Posições se mantém, mas ambas trouxeram contri buições valiosas para a análise do assunto, Por vias indiretas, deformadas, ambíguas e até confundida s, a experiência espiritual dos escravos se moldou como parte de uma tradição vinda da África. Buscar antecedentes europeus para todos os traços da cultura negra, como fizera m muitos, seria incorrer num absurdo. É evidente que os negros foram muito influenciados pelos brancos, assim como os brancos foram muito influenciados pelos negros. Na América, pode-se consid erar negros e brancos uma nação ou duas, ou uma nação dentro de outra nação, mas não há como negar que uns e outros, por sua história comum, são americanos. É fato que a cultura negra recebeu grande impulso da tradição africana. Tal impulso teve elementos europeus, é verdade, que podem até ter estim ulado e acentuado alguns aspectos da religião dos negros, Ainda assim, 314

|

o vínculo da América negra com a tradição africana jamais foi rompido e ajudou a forjar uma cultura absolutamente específica. E tal vínculo não pode — perdoem-me os historiadores “clássicos” — ser medido. A religião tradicional da África ocidental contribuiu com uma visão de mundo integrada. Escreve G. J. A. Ojo: “De modo geral, a vida africana é profundamente impregnada de religião. Não seria exagero dizer que a religião não é apenas um dos complexos da cultura africana, mas também o catalisador de outros complexos”. 'º Para os africanos ocidentais, assim como para os primeiros euro-cristãos, a religião era um aspecto

da sociedade,

e não

simplesmente

um

de seus

traços;

era a maneira vital de a humanidade expressar, de modo coletivo, sua essência. A religião Akan, por exemplo, entre outras ramificações, não estabeleceu uma distinção clara entre erro e pecado. “é Assim, tem raízes profundas o fato de os escravos insistirem em que a mensagem cristã era para este mundo, mes-

mo ao fazer suas afirmações aparentemente mais transcendentes. A crença africana ocidental num panteão de divindades passou, no Novo Mundo, para um contexto político drasticamente diverso, e sem dúvida sincretizou-se muito melhor com o cristianismo católico do que com o protestante. De modo geral, os africanos ocidentais acreditavam num Deus Supremo que regia, em última instância, a moralidade humana; mas também acreditavam num grande conjunto de divindades específicas. Geralmente chegava-se ao Deus Supremo recorrendo-se à intercessão de uma divindade menor, de modo muito semelhante ao dos católicos, que chegam a Deus recorrendo à intercessão dos santos e da Virgem Maria: Santa Maria, Mãe de Deus, Rogai por nós, pecadores, Agora e na hora de nossa morte. O protestantismo, sobretudo em suas formas batista e metodista, tinha pouco a oferecer nesse sentido. Como seria possível, no protestantismo, que o culto de Ogum se transformasse em tributo a São Jorge ou Santo Antônio? Contudo, a experiência do Caribe

Britânico demonstra que a austeridade e o exclusivismo das denominações protestantes, bem mais que o universalismo da Igreja de Roma, que absorveu com facilidade muito maior os 315

cultos africanos já atenuados, permitiram que se mantiv esse uma. era religiosa africana muito mais pura. No Sul dos Estados eso e aa especificamente africana foi em ic ruída pela conjunção de três fatores: o poder era a poesiçõs dimensão das fazendas e dos núcleos pin Eras prematuro do tráfico de escravos, ei utente pião tinham dificuldade em absorver o esco , foram por ele vencidas de duas maneiras ora p ementares, ora antagônicas: permaneceram amplos resíduos de superstição” nos interstícios da comunidade negra o afro-cristianismo nasceu como algo inerente à comunidad peca embora tenha permanecido bastante alheio a ela. j Ea poi ac ia panteão de deuses facilitou a con-

His aináge

inismo,

anto católico como protestante, por con-

si o princípio absolutamente sensato de que ningu ém pode ter confiança total num deus que permite a derrot a des pita e mesmo ia qualquer um pode se identificar ri o ag tz seu povo à vitória. Este princípio pd s ntre os povos antigos do Oriente Próximo, Clusive Os judeus primitivos. A adesão a divindades locais ou tribais acentuou o particularismo político que lhe dera origem Na Igreja cristã, a passagem de um deus tribal, que implicava

sujeição

espiritual

a uma

única

nação,

para

uma

comunidade

Prometo universal evoluiu da forma judaica primitiva para a a. Com a evolução da perspectiva judaica, deixou-se par um deus fraco pela derrota da tribo e passou-se a

culpar o próprio povo, cuja infidelidade provocara a ira divina

Os africanos, ao assumir o Deus cristão, ampliaram, mais ve transcenderam, sua própria prática particularista, E E Nas religiões tradicionais da África ocidental não existe a ár do pecado original, e os africanos, quando aceitaram cristianismo, nunca se renderam por completo a esta idéia cristã tão profunda e decisiva. A idéia do pecado original está no âmago da formulação ocidental do problema da liberd ade e da ordem. No devido tempo, ela fez a ideologia pender decisiVamente no sentido da liberdade do indivíduo e de sua perpétua

luta com as exigências da ordem social. Para os africanos oci-

dentais, o equilíbrio pendeu no sentido da ordem social enqua nto foram mantidas sua visão de mundo e a base social tradic ional em que se fundamentava. 316

Esse coletivismo espiritual já enfraquecera quando o cristlanismo começou a ganhar terreno, mas preservou parte de suas características antigas. Os afro-americanos aceitaram a exaltação

cristã da alma individual e fizeram dela uma arma para a sobre-

vivência pessoal e comunitária. Mas sua aparente indiferença ao pecado, que não deve ser confundida com indiferença à injustiça ou com má conduta, garantiu a manutenção do caráter coletivo e de afirmação da vida da tradição africana, e por isso também se tornou uma arma para a sobrevivência pessoal e comunitária. Os escravos deram nova feição ao cristianismo que abraçaram; conquistaram a religião dos que os haviam conquistado. Na formulação dos escravos, o cristianismo perdia sua terrível tensão interna entre o sentimento de culpa e o sentimento de missão, geradora do dinamismo ideológico que levou a civilização ocidental a buscar o domínio do mundo. Por outro lado, porém, tendo perdido o dinamismo revolucionário, os escra-. vos desenvolveram um humanismo afro-americano e cristão que reafirmava a alegria de viver, mesmo em face do infortúnio. O princípio africano de conquistar deuses mais fortes não exigia a rendição aos próprios deuses, nem tampouco à estimulava. Sua diversidade de deuses tem semelhança com a dos gregos e hindus, e de outros grandes povos, e dificilmente poderia significar atraso cultural, como afirmaram muitos brancos. Acerca da mistura de monoteísmo e politeísmo dos gregos, que sob esse aspecto se assemelha à dos africanos, Santayana diz que “não é uma contradição, mas apenas uma variação inteligente de expressão para indicar diversos aspectos e funções das coisas físicas e morais”. !'º? A experiência negra na América foi também muito ir fluenciada por dois outros aspectos inter-relacionados da religião da África ocidental. Em primeiro lugar, os africanos ocidentais praticavam o que se chamou, de modo dúbio, “culto dos ancestrais”; em segundo lugar, acreditavam numa espécie

de reencarnação e tinham muito arraigada a idéia do mundo

como um lugar bom, caloroso e agradável. A religião africana ocidental afirmava a vida e vinculava o interesse pelos mortos e a crença no renascimento não à dor, mas à exaltação da vida. A atitude tradicional para com os ancestrais, e por extensão para com os idosos, perpetuou uma visão de mundo profundamente “oriental”, bem mais que “ocidental”. Enquanto a ci317

vilizao ad çã pag i s era aos euro-americanos i , | sobretudo aos ] i » a noção a de serem herdeiro s dos antigo i s, À a civili i vili. ro dis transmitiu aos afro-americanos a noção de lhes pa pda ores e, em consegiiência, um senti mento de respon-

am

so é Para com os que antes viveram. '* A tradiç ão

afripers ni sm à religião dos escravos uma irreprimível afirmanos - a: a capacidade de ver o mundo como um “vale de e mesmo assim desfrut ar de uma alegria i de vi que os brancos ora admi iravam, ora desprezavam a qual geralmente se espantavam : deter tom Osus dao época, habiti antes ou não do país a : s em afirmar que a vida religi religi osa do: abrangia muitas coi sas que iam i além do que eles is podiam i reconhecer como cristianinismo. Quase todos Econcord. sentimento religioso do s escravos, fossem quais foa io mentos, era ra muito prof undo. Durante a guer ra, Thoma e s Wentworthaa de Higginson rel atou comÀ espanto e jar admir dmiraação çã o oia espíri ri to and egras, onde havia muito s homens escravizados os háhá i k a tempo. Jamais, desde Os tempos de Cromwell, regozija» asapind vita: no exército tantas pessoas religiosas. Para os o sadia ge A Exército”. Dentre os aspectos mais | os do relato de Higginso. n, destacam-se os i Os negros cantavam e f alavam sem cessar e m Moisés i , as imi ad o a todos; os grande s acontecime i ntos da história stória, , Evainclu i ar i i mais recentes; em seu s cultos, utili ili zavam tamb id i mas e faziam moviirm entos com o corpo, er à maneira i e africa i na; e as eng si meo que construíam lembravam muito uma as Paga na”, Higginson observou » Com acerto, que a pro| la fé eligiosa dos escray: os os tinha i preservado d. manização que os abolicIcioni ioni stas temia i m ser inevi copiar gime de escravidão, !? pet ri Ed E pg: nro dos escravos quanto a seu direito eus foi expressada de modo pungent ex-escravo que coment ou com ironia ironi as tentativasOid se para agexcluí p -los da co Tmunhãoã cristã: istã : “El Eles nos e obrig i am a ficar i er 4a Psi mas não podem nos obrigar a ficar longe de Crise are religioso dos escravos era frequentem ente coMenino » os brancos e constantemente lembrado pelos ex-

Espe

j

318

agéso dos

quais,

pelo menos

quanto

a este aspecto

a volta dos velhos tempos, ! Os registros das plan

fations, os relatos dos viajantes e outras fontes da época refletem o grande interesse e a surpresa dos brancos ante a tenaci»

dade e o espírito com que se expressava a religiosidade dos escravos. Já brancos ramente diz que negros. de ir a

os escravos nem sempre admiravam o modo como os expressavam seu sentimento religioso, e preferiam clao seu próprio. Henrietta Perry, ex-escrava da Virgínia, “os brancos não sabem rezar direito para O deus dos Ninguém pode fazer isto por outro. Você mesmo tem Deus quando seu espírito manda e mostrar a Deus que

quer ficar livre do pecado”. '2 “Muitos negros”, observa um

aflito pastor branco em 1832, “acham que os brancos só sabem o que o Livro ensina; acham que eles próprios são instruídos

pela inspiração do Espírito.” 'º Os brancos têm medo da religião, acusa Anderson Jackson, ex-escravo da Carolina do Sul: “Eu não ligo para o que os brancos me dizem quando eu grito. O Espírito me conduz todos os dias, e por isto eu permaneço Nele. Os brancos

não sentem como

eu; por isso não

permane-

cem no Espírito”. 4 Alguns abolicionistas do Norte e alguns senhores de escravos do Sul duvidavam da profundidade da entrega dos escravos ao cristianismo. Para alguns sulistas, e não necessariamente

aqueles cujo racismo era mais exacerbado, a forma como Os

escravos expressavam sua religiosidade deturpava a sensibilidade cristã; para alguns críticos nortistas, O sistema escravista era tão corrupto que seria impossível esperar que os escravos compreendessem a mensagem cristã. Diz James Redpath, cujo rigor excessivo pode ser desculpado pela pouca idade: Investiguei o caráter de inúmeros “negros piedosos” e não tenho qualquer respeito por sua religião nem pelos que a ensinaram a eles. O fato de serem membros da Igreja não impede que forniquem, sejam bígamos e adúlteros, que mintam, roubem e sejam hipócritas. A Igreja é uma capa, em nove casos entre dez, que os escravos acham conveniente usar, e excepcionalmente é uma mistura de convencionalismo sem sentido com o fanatismo mais sel“vagem. Uma única centelha de verdadeiro cristianismo atearia fogo às fazendas. Cristianismo e escravidão não podem conviver; mas “igrejismo” e escravidão são irmãos gêmeos. 'é 319

cc

É penoso ter de relatar que até o reverendo R. Q. Mallar d, |

genro do reverendo C. C. Jones e defensor ferrenho do regime escravista, mostrou mais sensibilidade, para não dizer mais | decência, ao abordar o mesmo assunto. Ele ficou chocad o com uma reunião de revigoramento religioso dos negros, e escreveu à esposa: “Só pude perguntar uma coisa: que religiã o há naquilo? Mesmo assim, seria difícil duvidar da sinceridade e até da piedade de alguns dos que rezaram. Deve-se fazer, é claro, certa concessão, devido à excitabilidade do temperamento dos negros. Que se poderia, de fato, esperar de pessoas que apenas imitam (exagerando um pouco, é claro) o compor tamento de

seus senhores, que deveriam dar um exemplo melhor?” ! No

Sul, muitos senhores de escravos foram bem menos condescendentes que o reverendo Mallard ao renderem tributo à profunda convicção religiosa dos escravos. '? Até a Suprem a Corte do Estado do Mississípi levou o fato em consideração. Um tribunal comum recusara-se a aceitar as palavras pronunciadas por um escravo piedoso, ao morrer, como testemunho contra O escravo que o atacara. A Suprema Corte revogou a decisão com a observação: “Este segmento de nossa população (...) costuma acreditar nas verdades simples e elementares do cristianismo, a imortalidade da alma e a futura prestação. de con-

tas”, 18

k

A guerra e a emancipação deixaram claro o vigor da religião dos escravos. Basta lembrar o fervor religioso das tropas de ex-escravos, o fato de os escravos, agora homens livres, exPressarem sua posiçã - política o em termos religiosos e a extraordinária proliferação de igrejas de negros. O que levou Redpath e muitos outros brancos, do Norte e do Sul, a se equivocar foi o modo de os escravos expressarem seu cristian ismo, muito diferente de tudo o que eles já haviam visto. Para estes críticos, ou os escravos se tornariam cristãos branco s ou não se tornariam cristãos. Os escravos tinham um modo de ver

nuas “branco”, tão ansioso cido americ: jnsinuar no cristianismo e i é pe rica repudiá-la. anismo era este? o spécie de cristi escravos? E, ca: é Vida religiosa dos Como

ei de

É

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Ato oi do

e gi stianismo? aafiô direto ao cri o re os enti cristianismo entre prio rdo

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istido, no perio SER + talà força Guerra tenha Civil,pers fora de pero Orleans nad,e das

Bro bo suas crenças € ça que l due a “ ntos magia € bru i nr seja, feitiçaria, consid n er malha vita 0 ce Ga

íodo

deslõos costeiras da Geórgia b E rea im emdo Rigistiu E

tal força per-

unhos de

brancos ? scravidão. mesmo depois de abolida a é g

ú inú a inclusive o da Virgínia, haviaia pi

do litoral, No ica,

imedia-

e mantinham-se

práticas e Di

ros ceiud itiap

bica

fapecod s estranhas “superstiçõe e po pan escreveu qu início dos anos 1840, A do a C. €. p : acreditar em [4 s, mas os negros do gui aluçê paia e numa €sarições, encantamentos, a est nd “premonições, ap ng irresesistível”. 1rr a nciia satâniicca i Alog i r o g se identificou como que aa a que, Cultivator um relato lh o sa o Southern o

,

nã causou po Jêmica: ãoo não Mas o relato em questã

diferente. Para eles,as tentativas mais sinceras dos brancos no

sentido de atraí-los para o cristianismo serviram fundamentalmente para lhes dar uma base espiritual compatível com o mundo euro-americano ao qual tinham sido trazidos à força e do qual nunca mais se separariam por completo. E essa base lhes forneceu os meios para moldar sua própria religiã o, não menos cristã que a dos brancos, e que aos poucos viria a se 320

s demaisi, e inió jor a das maiori dá o, cul: orágo Re ão € O vil o dos casos, Muito : ar. gin possa ima

estme À o; - €e co rd oráácul é visi to como u m é, s gador, pre esa um de sd vez que Se do ta ma re hipócrita V árias visões provavelmente, teve

321

miraculosas, iguais às de João na ilha de Patmos;

anjos

is falaram etc. etc. É inacreditável a influ ência desses | . Bros na senzala.: Eles : roubam Ê os porcos dos patrões, di ei ai ra

ge especial do Céu, e por que não am de ter discípulos?? Tal influênci ência pod muita nuitass vezes de fato O é,é tamanho obstácul o para sa osdmis-i sionários

que estes conseguem bem pouco, caso sua pre-

ie Segundo Olmsted, tanto os escravos do interi or como os da : a usar figuras religiosas ao falar, referiam-se Ao : e N avam mostras de grande fervor. “O result ado”, Wii : a, ia a maioria das vezes uma roupa gem enganadormulas e frases cristãs par a as vagas superstições i origije a selvagens africanos.” '2 D, R. Hundl ey ra senho: E e escravos que era também um intele i ctual, escreveu que s escravos ainda acreditavam nas religiões african as, mas uniao ; maioria contii nuava acreditand o em bruxaria, feitiçaria e oua tras formas de “ Pagan ' ismo”. 2 153“ Nas cartas e memórias ismo” pessoais das Planiations constam observações semelhante s. Os donos de Plantations jamais duvidaram de que no cristianis mo de seus es ,

cravos

misturavam-se

muitas

crenças

africanas. 4

Ê a médicos sulistas interessaram-se pelas crenças o : cas re igiosas dos negros. O dr. Samuel Cartw right, ideóE Ep E médico de certo prestígio, alerto u para a existêndueto ud grandes plantations de um ou mais feitic eiros que se im-

ne

o

escravos pelo terror. Manifestou seu desa-

o Ao Ed Os negros inteligentes, apesar de ae » envergo ados, acreditavam em bruxarias e feitiçaFed se rendiam à liderança dos feiticeiros. 'S A crença em Eri o id segundo o dr. John Stainback Wilson, era pan Os negros das plantations. Ele atribuía a essa : epressões que predispunham as escravos à morbi id e determinayam a evolução de suas doenças. '* O dr. W x arpenter preocupava-se sobretudo com a resignação fatalisque se apoderava de muitos escravos viciados em comer su: pelos : jeira, A seu ver, o probl ema era criado homens Obia ou

outros como eles, !7 322

pelos

Crenças negras de diferentes origens africanas, que exe tlam nos tempos da escravidão, se mantiveram até o século XX, e ainda não desapareceram nas regiões rurais do Sul e no ln terior das grandes cidades. Crê-se que os mortos podem voltar nos vivos através de contatos espirituais não necessariamente mal-intencionados ou perigosos; que crianças gêmeas, ou que nascem com dentes, são de mau agouro; que a insanidade é causada pela feitiçaria; que muitas doenças surgem porque um feiticeiro, a mando de um inimigo, introduziu uma serpente num corpo humano; que se deve ter sempre galinhas fritas para neutralizar feitiços que algum inimigo possa colocar perto da

casa de alguém. '* Entre os negros rurais e urbanos do Sul, porém, a crença em bruxarias, vodu, Obia é feitiçaria não era incompatível com

uma fervorosa adesão ao cristianismo. Em certas regiões, os próprios ministros partilhavam abertamente dessa atitude de

suas congregações, assim como a maioria dos padres de paró-

quias pobres em países de tradição católica partilhava da cren-

ça de seus congregados na magia. '? Analisando melhor, ver-se-á que a “superstição” dos brancos do Sul tomou a aparência de uma religião popular que, em suas múltiplas formas, não ficou

restrita a Nova Orleans e às Sea Islands. Nestas áreas, onde a presença africana foi mais forte e mais contínua, revelou-se mais disciplinada e estruturada, mas também se manteve, sob

vários disfarces, em outros lugares. 'º

Os feiticeiros do Sul quase sempre eram negros; sua clien-

tela, porém, era com frequência inter-racial. 1 Os brancos que

dela faziam parte nem sempre vinham das classes rurais baixas. Relatando a vida dos negros da Geórgia, escreve Julia E. Harn:

“As coisas que aprendemos na infância se fixam de tal modo nas mentes jovens que, dentre aqueles que foram criados por

amas negras, pouco se livram por completo de vestígios de su-

perstição”. '2 Entre os brancos das montanhas e os brancos pobres dos distritos rurais, a crença em feiticeiros e magia veio

inicialmente da Europa, mas fundiu-se com o saber popular

negro é índio e por vezes fez os feiticeiros negros serem respei-

tados. 'º Para Weyman Williams, ex-escravo do Texas, não era difícil entender que sua patroa deixasse os escravos expressa rem abertamente a crença na feitiçaria: “Em parte, ela também

acredita”. 4 William Wells recorda um negro que lia a sorte, 323

e cuja clientela incluía senhoras brancas em busca do verdadeiro amor. Os registros dos tribunais atestam a existência de feiticeiros negros cujas clientelas tinham interesses mais sérios: o caso de um senhor que se rendeu ao poder do feiticeiro de sua plantation e o de um pequeno senhor de escravos que recorria a feiticeiros ao fazer seus negócios. Houve até um homem que contratou um feiticeiro para matar sua esposa. '$ Escravos e ex-escravos, inclusive Frederick Douglass, falaram da força dos feiticeiros nas senzalas. 'é Muitas vezes, os ex-escravos diziam que os feiticeiros eram africanos natos, mas é possível que fossem considerados feiticeiros os escravos nas-

cidos na África e ainda vivos no período imediatamente ante-

rior à Guerra Civil. Os negros acreditavam que somente os próprios negros, sobretudo os que haviam nascido com um fragmento de âmnio preso à cabeça, tinham poderes secretos,

-

ntos do demônio. As pes O violino e o banjo eram os instrume pec po mesmoa

os soas se comunicavam com ele quando 4 ins não u O Fosse "? "”º ivertiam. divertiam. violino tocar em hesitavam e preDRAgavam nas plan tations não que fala das queixas de um Ingraham 7! . alas nas festas das senz anos tentara ensinar O san dono de plantation que durante Esdendia izi perdera as ring . hi Certo mo a seus escravos. Afinal, dizia, pai oi duran perguntou a um escravo que instruíra quem você foi criado?” E a resp de “Ai Aa ane narra A.; Pollard e do [0] diabo, A senhor”. Edward Zou: a da imagem pec que mais nada nele um incidente revelador, sem ver os: negr dos ião relig cômico da R

k jm a Para fazer com que o pai Jun a rmen i o ato diab o o com do e contan

e que isto era uma espécie de dom de sua herança africana. 'º?

ema indi

A força do elemento africano na religião dos escravos pode ser sentida até em declarações contrárias ao vodu. Martha Colquitt, que fora escrava doméstica na Geórgia, lembra: “A gente sempre ouvia as pessoas falarem de vodu, mas minha avó era muito religiosa, e ela e minha mãe ensinaram a nós, crianças,

que o vodu era coisa do diabo, e que os cristãos não deviam

dar nenhuma importância a ele”. 'S Diz um ex-escravo do Ala-

bama: “Eu sou um crente, e essas pessoas que acreditam em

vodu, feitiços e espíritos não passam de um bando de gente que não segue Cristo. Essas assombrações são só pessoas que

morreram afastadas de Cristo, e seu espírito não tem descanso e fica vagando pelo mundo”. 'º? Dizendo coisas assim, os es-

cravos, sem querer, reafirmavam vigorosas idéias africanas. O diabo é algo vivo e específico. Os espíritos perturbados vagueiam pelo mundo dos vivos. Examinando-se com mais minúcia, vê-se que nas histórias,

nos cantos e nas narrativas dos negros, o diabo geralmente é

um trapaceiro, e muitas vezes assume aparência humana. É ao

mesmo tempo aterrador e fonte de brincadeiras. O spiritual You Must be Pure and Holy (Devemos Ser Puros e Santos) diz o seguinte:

O diabo é um mentiroso e também um feiticeiro, Ele enfeitiça quem não toma cuidado. 324

2

s€

pie Diabo”

ú

ç

Junk tinha esperança de que

“o o

e é [good Mass'r Debble”] não foss

ng

Satã em termos pres O pastor o censurou por falar de o negro, cimo Sami o velh teses. “Bem, mass'r”, replicou a confio que vai eu eu í aí e he, apan me inimiigo o inim tamente como se fosse eu falei dele com gentileza, exa homem

branco”.

a ú og es a pensas ; arrõ fanf “Os ah: Gull o velh o Ou, como disse pi à cada vez que mas e os pretos têm truques; é rro sa g r nd usam seus estratagemas, os « » W2 A idéia que os escravos pees que fazi; am pare razõ mas araaos br Fes pelas mes qued s RT

as idéias de tantos africano pia em cada personalidade. fácil separar o bem e O mal parecesse sis Mad es-: ue o diabo, sob certos aspectos, nas horas de ne conti ele também 1 podiaw3 ser amigo 1 ipa ; de brincadeiras. ieto be par E. Barton, um ministro branco, id Satã, dos pretos: mento de insinceridade na demonologia pra ip udo possível sempre É dúvida, é conveniente. na consciência”. x mas sua K € ente nessa demonologia, pres mbuste africano O d y

A

.

à

pr o

cano impunha ao foi acurada. O contexto social afri ens Pp or seu próili zava os hom éticas e responsabili ições izado do pon:

ons, desorgan pino: No contexto das plantati

525

to de vista religioso, às vezes o “diabo enquanto embusteiro” permitia escapar à responsabilidade pessoal e constituiu um grande desafio às tentativas dos pregadores negros para formar uma consciência moral apropriada entre os escravos. E a ig dos negros em fantasmas não se distinguia da rancos do Sul, mas um de seus aspectos sim. Muitos esiii acreditavam que ós fantasmas não deviam ser apenas Bag gua ori ser bem acolhidos, como espíritos beg

e velhos

amigos

que

voltavam

para

fazer uma

visita

e ver se tudo corria bem. ”* Esta crença africana não parece muito disseminada entre os brancos pobres, e se chegou a existir foi provavelmente aprendida dos negros. Na crença dos brancos, bem como na de muitos negros, os fantasmas eram apenas espíritos maus ou almas de mortos que não achavam descanso: podiam não ser perigosos, mas sempre deviam ser temidos at ein do Sul, muito misturado com outras manifestao : se brancos chamavam de superstição, separou os Ep os ng rancos considerados envolvidos com feitiçaria e pci or mais que os vodu tenha fascinado os brancos, foi

pre uma religião de negros. é Como sistema de crença,

o

vodu sulista jamais atingiu a coerência interna do vodu haitiano, mas, em comparação com os “africanismos” que se diluftam na religião popular dos negros, manteve um caráter distinto Em sua forma clássica, foi primeiro associado com Nova Or leans, embora bem depois da emancipação se mostrasse surpreendentemente forte em Atlanta e outras cidades. pu Prado Robert Tallant, o vodu surgiu no século XVIII a chegada dos escravos da África e das Índias Ocidentais que adaptaram seu “culto da serpente” a um novo contento: mas não se disseminou. ” Os senhores de escravos o associavam a rebelião e paganismo, e reprimiam-no impiedosamente. 'º A vinda de escravos das Índias Ocidentais, após a anexação americana, rompeu os obstáculos. A partir de então as autori-

dades de Nova Orleans tentaram de várias formas acabar com

o vodu, chegando até a promover bailes de negros em Congo Square. Continuavam convencidos de que os sacerdotes do vodu incitavam ao ódio aos brancos, embora esse temor talvez deri-

vasse mais do caráter secreto das cerimônias que de atitudes

abertas. Além disso, homens livres e mulheres tinham ampla predominância na liderança do culto, o que o tornava bem Ea

326

enferente das várias manifestações de cristianismo dos negros com fundiu se vodu próprio o contradas em todo o Sul. Mas as crenças cristãs e provavelmente atingiu seu apogeu nos anos 1850.

“Durante todo o período da escravidão, o vodu jamais representou uma força de vulto fora de Nova Orleans, embora se tenha manifestado, aqui e ali, nas plantations da Luisiana, e se tenha difundido para outros lugares. As muitas referências ao vodu, ou hoodoo, como o chamavam os escravos das plantations, falam geralmente em feitiçarias, bruxarias e magias desoresganizadas. O vodu foi sempre periférico à experiência dos

cravos, mas, à medida que sua reputação e fragmentos de sua

prática se disseminaram,

contribuiu

para fortalecer o aspecto

popular da religião dos escravos e sua noção de estarem nas

mãos de outros poderes que não apenas o dos brancos. Newbell Niles Puckett, entre outros, sugere que os senhosores incutiam deliberadamente em seus escravos o temor do

brenatural, ou pelo menos o estimulavam, como um meio de con-

trolá-los. '? Certamente alguns fizeram isto, mas a maioria temia os efeitos que pudessem ter sobre seus escravos essas crendas plantaças estranhas, e tentou suprimi-las. Os documentos como algo ção supersti e a feitiçari tions costumam falar em vodu, forma mesma da falam a ser abominado e punido, e os negros

da hostilidade de seus patrões a tais coisas. “A velha miss não

quer saber de coisas como vodu e assombrações”, disse Prince Johnson, de Yazoo, Mississípi. “Quando ela nos inspeciona, uma vez por semana, é melhor que não encontre nenhum en-

cantamento em volta de nossos pescoços.” '” Quando

os ne-

gros se referem à feitiçaria como instrumento de controle social, geralmente estão falando do poder de alguns escravos sobre outros. Um ex-escravo recordou um velho feiticeiro que cuidava de crianças e as fazia obedecer por temerem sua ma€.63::18] gia. A significação social do vodu e da feitiçaria entre os escravos não deriva do fato de representarem alguma ameaça utilipara os brancos e menos ainda de serem pretensamente do antes deriva zados pelos brancos para controlar os negros; viam escravos Os grau de autonomia que conferiam às senzalas. em outros escravos um grande poder, e esta crença, por si só,

327

os fazia resistir à doutrina da impotência dos negros, que os senhores procuravam constantemente incutir neles. as Os escravos tinham poucas ilusões quanto ao poder dos feiticeiros sobre

eram

sensíveis

os

o

brancos,

bastante

e os

para

feiticeiros,

não

exagerar

de

modo

seus

geral

méritos.

Sylvia King, ex-escrava do Texas, recorda que o feiticeiro e

podia prever os açoites, mas não os evitar. '2 De vez em quando, alguém de espírito mais arrojado tentava a sorte e ra a melhor. A sra. Sarah Carpenter Colbert, ex-escrava do Kentucky, fala de um escravo que, tendo sido açoitado, procurou um “doutor feiticeiro”. Este o mandou andar de costas atirar pregos ao lado do celeiro e “fazer exatamente assim”. Seu senhor nunca mais o açoitou. '* Mas, como, ao que parece, tratava-se de um senhor bondoso que raramente açoitava seus escravos, pode-se ter dúvidas quanto ao poder do feiticeiro. A reputação deste, contudo, certamente cresceu. A maioria dos feiticeiros agia com grande cautela. Durante o enforcamento de um cozinheiro que tentara envenenar a comida, os escravos reunidos pediram a uma feiticeira que interviesse. Ela hesitou; já era tarde demais. Alguns escravos agiam com prudência O ço e Lucy Davis, do Kentucky, não impede no o e pila fe gente, “mas talvez ele pudesse bater mais, ou Às vezes os feiticeiros pecavam por orgulho. Um deles pôs um feitiço no patrão para ele não perceber que os escravos estavam roubando porcos para seus churrascos semanais. Funcionou até o dia em que o patrão começou a contar os RR Outro deu a uma mulher um feitiço que impediria seu senhor de açoitá-la. Ela depositava tamanha fé em seu protetor que desafiou o destino e falou ao patrão de modo desabrido. Ele a açoitou brutalmente.

“E isto”, concluiu

o velho ex-escravo

que

contou a história, “acabou com as atividades do feiticeiro » 1 “Os pretos podiam enfeitiçar uns aos outros, mas não podiam nada contra os brancos”, assegurou um velho ex-escravo que garantiu ao entrevistador não acreditar em bruxarias. Outro escravo, mais resoluto, contou: “Havia naquele tempo um preto

do hoodoo que fazia hoodoo contra os outros pretos, mas não conseguia fazer hoodoo contra os senhores. Eles não conseguiam fazer seu senhor parar de açoitá-los usando o hoodoo, mas conseguiam fazer os pretos rastejarem diante deles”, 1% “Os escra328

feiticelros de vos interpretavam essas limitações do poder dos implicações, de pleno um modo ao mesmo tempo sensato € os brancos “e eles, “Nós acreditamos nestas coisas”, diziam eles não

acreditam;

por

isso

elas

funcionam

conosco

e

com

ência para não não.” Tal interpretação traria em si uma advert hecimento da recon O apenas icasse acreditarem mais, caso signif s que tivessem base psicológica do poder do feiticeiro sobre aquele ente, poderia optado por acreditar. E nenhum escravo, certam da, que torna rater chegado a tanto. A implicação mais profun cional, se não necessariamente

convincente, o dualismo inerente

itavam em coisas dià explicação, é que brancos e negros acred da Europa e os ouferentes porque os primeiros tinham vindo significava que de tros da África, e esta diferença de origens diferentes. '” is certa forma estavam sujeitos a forças natura homens Obia, dos co Nos Estados Unidos, o poder políti Índias Ocidas vodu do dos ::omens do Mial e dos sacerdotes cionárevolu líderes de dentais, bem como seu papel ocasional inexisà devido escala, na rios, "8 só pôde ser sentido em peque os feiisso, Por ária. tência da conjuntura revolucionária necess que forma mesma da ios, ticeiros do Velho Sul eram acomodatíc lavam acumu vezes às o eram os pregadores negros. Na verdade, dir seu acomodaambas as funções. Mas é preciso não confun uma atitude de com mento, como também o dos pregadores, a ele contiembor Pai Tomás ou com docilidade e servilismo, um ajuscomo ê-lo vesse elementos de tudo isso; deve-se entend u uma sento Repre a. tamento de dois gumes à realidade polític meas, alegri ia oferec retirada tática para um mundo negro que renão mas parte; à dos e a sensação de existir como um povo sode la fórmu sua presentou qualquer ameaça ao regime, pois exisforças de o relaçã brevivência apoiava-se precisamente na

tente. Quando o feiticeiro hoodoo

conseguia fazer os negros

r seu senhor rastejarem diante dele, mas não conseguia impedi construir um para de açoitá-lo, ele estava também contribuindo e irmãs, e irmãos seus mundo negro, interior e autônomo, para escravos os se , dando grande força à figura do senhor. Afinal a rastevam chega temiam e respeitavam tanto O feiticeiro que podemais ainda jar diante dele, e se a seus olhos o patrão era profun foi iros roso, então... Portanto a influência dos feitice mesmo pelo € damente conservadora, sendo ao mesmo tempo motivo, em última análise, subversiva. 529

- Primeiro, os feiticeiros estabeleciam relações pessoais e di-

retas com os outros escravos. Lorenzo Ezell, ex-escravo de uma

pequena fazenda nas proximidades de Orangeburg, na Carolina do Sul, diz o seguinte dos feiticeiros: “Nos tempos da escravidão, os homens como eles eram vistos como perigosos. Faziam encantamentos e punham mau-olhado. Os velhos usavam um pé de coelho ou um pé de guaxinim e às vezes uma moeda de prata pendurada num cordão para manter os feiticeiros afastados. Alguns desses velhos feiticeiros ganhavam muito dinheiro fazendo feitiços para evitar desgraças, para as pessoas não ficarem aleijadas ou para estancar o sangue. Mas eu nunca quis

me misturar com essas coisas”. !” Outros escravos, como Ri-

chard Carruthers, do Texas, falam de feiticeiros vam cabelo e pregos de metal, e dedais e agulhas, e tudo isso para fazer um feitiço. Mas uma coisa eu uma casa velha entre Wilbarger e Colorado, e ela

brada pelos espíritos dos pretos”. '?

que “pegamisturavam sei. Havia era, assom

dm Se os pregadores negros faziam aumentar o amor, os feiticeiros faziam aumentar o medo. “Eles fazem para as pessoas feitiços

muito

maus”,

queixou-se

Willis

Easter, um

ex-escravo

do Texas que atribuía tudo, desde pneumonia até furúnculos à magia. Rosanna Frazer, que fora escrava no Mississípi, acusava um feiticeiro por sua cegueira. E Nicey Kinney, da Geórgia, achava que “foi por obra de algum velho feiticeiro que eu casei com Jordan Jackson”.!” A dona de uma fazenda deixou-nos uma descrição de pai Guinea George, cujos dentes pontiagudos corroboravam a crença de que ele fora canibal na África. Ele aterrorizava os negros, que o respeitavam e temiam

seu poder. !2 Talvez os feiticeiros pudessem fazer o mal; talvez

fossem pessoas que, como os bruxos perseguidos na Europa tivessem sido tratadas injustamente, e se vingavam contra toda a humanidade. "3 Fosse como fosse, o medo era a arma que usavam, pois, mesmo que uma pessoa fizesse a outra algo de bom, teria de ser à custa de alguém. Os atuais doutores do hoodoo, que não são tolos, estudaram seu povo e aprenderam a aconseIhá-lo de modo a produzir bons resultados, o que os psicana-

listas até poderiam invejar. ”! Em sua atividade, usam seus talentos sobretudo como “doutores de raízes”, e por isso seus serviços se aproximam muito de algo inequivocamente positivo. Mas, por mais positivo que tenha sido seu desempenho na 330

luta dos escravos das senzalas por sua sobrevivência psicológica,

tonão podem de modo algum se comparar aos pregadores, no

cante a coesão, orientação moral e crescimento cultural. E que dizer dos próprios encantamentos? Na tradição afrideuses cana, assim como na da Europa medieval, os velhos sodos associa eles a mágicos s desapareceram, mas os encanto práticas suas em s, africano Os breviveram por muito tempo. que religiosas tradicionais, não adoravam os objetos materiais de idéia na antes -se baseava crença chamamos de fetiches. Sua mente, um Deus que se imiscuía em tudo. Os “fetiches”, suposta

os guardavam por algum tempo determinado espírito; os element os materiais e espirituais da vida se interpenetravam, sendo conprimeiros veículos para os segundos. O Sul afro-americano pesservou esta crença. Praticamente nenhum testemunho, de , Puckett soa branca ou negra, deixa de mencionar ubiguidade. Negro n em sua importante obra Folk Beliefs of the Souther (Crenças Populares do Negro do Sul), atesta para O século XX, como fazem os relatos dos escravos para o século XIX, o uso a muito disseminado dos encantamentos e dos feitiços mágicos endos eles correlatos. A aplicação mais importante e positiva moscantos se deu na prática médica dos escravos, o que a vida tra como a religião popular dos negros permeava toda

dos escravos e atendia a seus interesses do dia-a-dia. '*

Na Virgínia do século XVIII, médicos negros atendiam tanto a brancos como a negros. Só depois das leis de 1748 a tolerância dos brancos cedeu lugar à repressão. Não que os brancos tenham perdido a confiança na capacidade dos médicos negros; mas passaram a ter um compreensível temor de serem assassinados por venenos muito bem preparados. Ulrich Bonnell Phillips relata que houve na Virgínia, depois de 1748, duas célebres condenações devidas “ao terrível delito de administrar remédios a pessoas brancas”. Houve inúmeros casos de envenenamento, mas apesar das leis os donos de plantations continuaram € à a admitir a presença de médicos negros entre seus escravos travam aceitar a declarada preferência que os escravos demons por eles. O cocheiro de Robert Carter, Tom, era tão bom nesse nofício que o chamavam para atender os brancos das vizinha ças 196 O temor do envenenamento pode ter sido até certo ponto uma desculpa para o ponto de vista racista de que Os médicos 331

ao mesmo temor, porque

os brancos da Virgínia reconheciam

a

contribuição das crenças e práticas africanas ao espírito de resistência. '”7 Durante o século XIX, os Estados e as regiões tentaram de tempos em tempos evitar que os negros praticassem a medicina. '? A tentativa extrema de destruir essa prática entre os próprios negros jamais teria possibilidade de sucesso. A tentativa mais viável, ou seja, impedir que negros tratassem de brancos, conseguiu resultados melhores, mas também não foi um êxito completo. Vez por outra, às escondidas ou não, os brancos iam consultar os médicos herboristas negros, fosse por terem se decepcionado com seus próprios médicos ou por simples pre-

ferência pessoal. !” Por mais que os jornais de medicina invectivassem a charlatanice dos pretos, os clínicos negros eram respeitados pelos brancos das áreas rurais e até por alguns grandes fazendeiros. Como a classe médica não tinha a reputação de ser infalível, e como até hoje ainda não se sabe muito bem se o tratamento prescrito por um médico autorizado prolongava ou encurtava a vida do paciente, os brancos mais sensatos procuravam, em caso de necessidade, qualquer pessoa, branca ou negra, cujo tratamento desse resultado. O Gunn's Domestic Medicine (Medicina Caseira de Gunn), a bíblia médica do século XVIII, gabava o uso de ervas medicinais, e, embora esse tipo de medicina fosse também praticado por brancos e índios, além dos negros, eram estes os de melhor reputação nas áreas rurais.

Nos livros de receitas das plantations, de que tanto se orgulhavam os proprietários, constam muitos remédios preparados com ervas medicinais e tirados do saber popular dos negros.” Vários donos de plantations eram também médicos, profissionais ou autodidatas. As observações de T. Jordan acerca de um deles, Martin Marshall, do Alabama,

552

também

se aplicam

a muitos ou-

ele mesmo tinha per tros: “Vários de seus tratamentos vizinhos peço gue outros lhe foram ensinados por dt ; e outros tinham i a do saber popular dos ín dios; tirar as ir vindos da fe para o Alabama pelos escravos pese a . e ou o a cum O o rand empiricamente, espe nen gde dos negros nã ão ição ibuiç acrescentar que a contribu ; fizer ca; Áfri izaççãão do que eles ap renderamm na mera utililiza admitiram ter aprendido muito bém suas próprias experiências € ; com os índios. o eps germ prt se ce Os donos de plantations viam dia E os. san branc don ão a aos médicos fian i ça dos negros em relação eveu ao e à onte dm ton, de Williamsport, Luisiana, escr igirod Nos ra nã teve sorte com os negros. ber que vocêê não cm ra Eu is. dema i , dáão remédios são ã mesmo grande coisa av escr a velh uma por | Somos tratados dos i chamo um médico. feito por e”.?º A respeito do tratamento sort a muit mos tido Ed

uma

.

escrava,

202

Fanny

Kemble

escreveu:

“Lamentei be Em dio

a Po o o cid nãos guntado que tipo de folha ela punh agens € O si les a que reco rrem os selv édiosos simp médi experiência, pela s ã consagr:rado rantes geralmente são io de um cotoebs ntár come O u até a cdi os adota”. Ela cito orado de seu acc di pá plantation, que dissera só ter melh ndera muito com os neg tando-se com um médico que apre Virgínia.2! s o it os clínicos negros era ; A questão judicial contra tivo dos brancos. Os a É pi

grande parte, num juízo nega co dr nas e listas ganhavam bem atendendo opor don5 que ava recorrerem a eles m ostr i fazendeiros a classe cias ciên defi as Mas . com o bem-estar de seus escr avos tations a contar apenas ps pet médica levaram os donos de plan dades de seus escravos ópriios recursos, com as ha bili rópr A o s. Os escravos encaravam Ti mistura dessas duas coisa etudo patroas, com persa tamento de seus patrões, € sobr a que

ranças

médicos do que haviam encarado o dos ar a usar pod volt a tendiam, na verdade,

atendê-los,

mas

s aos clínicos brancos, médios populares. E, se eram hosti

no

não



por

conhecer

a ignorância

e a

ss

e

muitos mas também p or saber que i classe médica, as e seus remé teori suas para usavam os escravos como cobaia dios. * tua a tel

negros tinham necessariamente de ser charlatães ou assassinos, mas o desprezo para com eles, no que não se referia à prática da medicina, nunca chegou aos níveis que era de esperar numa sociedade tão racista. O temor não demonstrava paranóia; revelava uma sadia consciência de que, propaganda à parte, nem todos os escravos eram felizes, de boa índole e amantes do divertimento. O próprio argumento religioso para que os negros deixassem de praticar a medicina, baseado na conexão entre essa prática e o “paganismo” africano, rendia-se

Outros brancos assestaram suas armas em outro sentido e atacaram as “superstições” dos escravos. A sta, Schoolcraft escreveu que às amas negras, nas plantations, sempr e ajudavam os pacientes a impedir que os tratamentos prescr itos por médicos brancos tivessem bons resultados; notou, como várias outras Pessoas, que Os negros, quando podiam, só tomav am os remédios dos brancos quando lhes eram ministrados por seus patrões e patroas. Ingraham relatou que os escravos dispensavam os remédios, ou então “tomavam alguma mistura que as velhas africanas das “senzalas” aprovassem; por isso adoec iam se estivessem bem, e, se estivessem doentes, pioravam ”.2º Kate Stone voltando após a guerra para sua plantation na Luisiana encontrou Os ex-escravos com cólera. Eles recusavam o tratamento e Ea figos verdes e sal; os resultados eram fáceis de pre; Frederick Douglass descartou a hipótese de as iniciativas médicas dos escravos serem prova de que os senhores não lhes dispensavam os cuidados profissionais adequ ados; recordou o pai Isaac Cooper, pregador e médico: “Suas prescrições eram sempre quatro: para as doenças do corpo, sais amargos e óleo de rícino; para as doenças da alma, um “Pai-N osso* e umas boas vergastadas com galho de nogueira”, 2º Apesar da compreensível ira de Douglass, a medicina dos negros nas plantations bem como os que a praticavam merec em ser analisados com maior atenção. Eles eram, no mínimo, parte de uma tendagisra complexa dos escravos no sentido de cuidarem de si Pia pt disco nniada Os brancos do Sul às vezes os ] Os herboristas e feiticeiros negros utilizavam os mais variados métodos, desde a charlatanice mais doida até remédios populares eficazes. Muitos desses remédios passaram a constar das listas dos donos de plantations, pela boa razão de produzirem

melhores resultados que as alternativas disponíveis. 2º Alguns

senhores médicos não hesitavam em recorr er aos Pct negros quando precisavam de ajuda. 2! “Semp re havia algum gd velho que conhecia todos os tipos de ervas e np reig + dt oa Sells, do Texas, que assegurava que seu avô sapio - ancar sangue e acabar com febres e verrug as por te b Hi epi Em quase todas as plantations havia “trai» como diz uma ex-escrava da Luisiana crioul a. Josephine 334

Bacchus, ex-escrava da Carolina do Sul, disse a seu entrevistador “Não se tinha muita fé nos doutores, naquele tempo. Quase todos faziam seus remédios com as ervas do campo”. Ela achava que os escravos eram mais “sábios” que os negros de épocas posteriores porque recebiam “sinais” que orientavam seu comportamento. 72 Josephine Bacchus, ao estabelecr um vínculo entre as práticas médicas dos escravos e suas crenças religiosas, vai ao âmago da questão. “Os doutores de raízes”, muitas vezes treinados desde a infância para esse ofício, até hoje ganham muito bem tratando os negros do Sul, e sua popularidade, compreensivelmente, tem sido maior nas regiões onde a velha re-

ligião popular rural conservou sua força. *?º

Não é de recomendar o que fizeram os escravos libertos da

plantation de Kate Stone, comer figos verdes e sal para curar

a cólera, tampouco tomar sopa de gato ou comer baratas fervidas, e uma série de outras bobagens que os clínicos escravos

endossavam. 2! Contudo, os seres humanos são resistentes, e a natureza é com fregiiência generosa o bastante para nos curar apesar dos esforços mais ferrenhos dos médicos. Os escravos, além de geralmente sobreviver às sangrias e purgas que os doutores costumavam prescrever, também sobreviveram às tentativas dos negros para provar que os brancos não detinham o monopólio dos tratamentos que matam. Quando os escravos se recuperavam.. depois de lhes ter sido vertida no organismo já debilitado alguma desagradável poção, faziam o que faz a maioria das pessoas: diziam que o médico era um gênio e que seu remédio os fizera sarar. E é bem provável que a reputação de médicos embusteiros e charlatães tenha aumentado junto com a dos herboristas de verdadeiro talento, sem qualquer consideração baseada em critérios científicos. Qualquer clínico negro poderia ser visto como charlatão sob alguns aspectos e como um excelente médico experimental sob outros. Assim, a classe médica branca estava ao mesmo tempo certa e errada ao dizer que os escravos eram vítimas da ignorância e da superstição; e os escravos, por sua vez, também

estavam ao mesmo tempo cer-

tos e errados quando viam os médicos brancos como representantes dos agentes funerários. O significado mais profundo do uso da medicina popular entre os escravos não foi sua contribuição à ciência médica, embora às vezes ela possa ter sido valiosa, mas sua ação no sen-

335

tido de transformar a sensibilidade religiosa dos negros em defesa contra os ataques da escravidão e da opressão racial. Grande parte do sucesso obtido pelos clínicos negros escravos adveio de suas aptidões como Psicólogos e da fé de seus pacient es. Os melhores clínicos, embora não tivessem recebido formação no sentido profissional, estudaram, na prática, durante anos, e eram herdeiros de uma tradição oral viva e dos ensina mentos dos escravos mais velhos. W. E. B. Du Bois diz que o fato de os escravos terem perdido a religião tradicional african a foi uma “terrível revolução”. Alguns traços dela, contudo, perman eceram. Continua Du Bois: “A principal instituição a perman ecer foi o “sacerdote” ou “homem dos remédios”. Ele surgiu bem cedo nas plantations e sua função era curar os doentes, interpretar o Desconhecido, confortar os que sofriam, vingar sobrenaturalmente o que estava errado e expressar, de forma rude mas pitoresca, os anseios, a decepção e os ressentimentos de

um povo roubado e oprimido”, 215

Os clínicos negros dispensavam igual atenção ao modo do tratamento e a seu conteúdo. Grande parte do tratame nto se baseava em encantamentos, e até a utilização mais pragmática e eficaz das ervas assumia uma forma ritualística. Por tradição, os africanos viam a doença como decorrência da ação de um espírito mau que entrara no corpo da pessoa, e não separa vam o aspecto espiritual (ou psicológico) do aspecto material. Enquanto sistema intelectualmente coerente, essa crença se enfra-

queceu entre os escravos, mas permaneceu como tendência, 2º

A continuidade cultural com a África foi fortalecida é reformulada pelo impacto da cultura européia e euro-america na, do qual também se nutriu. Essas idéias africanas foram uma ou

mais das variantes de idéias existentes entre muitos povos pré-

industriais. Na Inglaterra do século XVII e, bem mais tarde, em lugares como o Leste europeu, muitas pessoas das camada s pobres da população recorriam à medicina popular, às vezes obtendo bons resultados, outras morrendo. Para esses pacient es,

a medicina

tinha, em

última

análise,

algo

de ocultismo,

como

aliás tem ainda hoje, mesmo para os pacientes mais experie ntes. Que teoria de causa e efeito existe para explicar o que quer que seja? E, não havendo nenhuma, por que o senso comum não buscaria explicações não médicas e não materiais? Os europeus ocidentais da Idade Média e do início da Idade Moder336

oa doenç i nos, perceberam que no daaç na, assim como os africa pm O que específica havia remédios específicos e peso = Mas a outra. à coisa uma nizar harmo em sistia que je aro s do geral, não tem explicação, e os homen nso hoip na rei “primitivos”, preferiam uma me ! bas caçã cação expli a uma pior, ma ou, O que seriaia pior, pp go ge que és condenava a um Epa ser gi ndpa it ctuais intele Quando as correntes fis e a Ín dia de hoje ; começaramna i s como a China am no ni a taedieiaa popular, só em parte O fizer

ee

; ic men o oa oirica içãjão empir der o que pudessem de uma tradiç é sa pr rgui tambéÉm entender a dimensão psicológ iam i boa tismo a pe adia Não é preciso envolver em roman ea a a in ou tiva dica dos escravos, em grande parte destru sár neces o perceber que ela oferecia o apoio psicológic st ísi s pos itivos. iai resultados físico saio e nd em ms Na presteza dos senhores de escravos a pai e sesjot as populares dos negros como superstições aa ia e ndo ner um ela instrução cristã,Popercebe-se ç o se os o Para istóriia de sua própri a religião. a histór ss ulares e a adesãão dos e scravoÀ s ao cristianism r ve ri nas ravam mistu incompatíveis, e só se pp e ao os entre cravos mais deprimidos e ignorantes mo pie apar sá nos campos. Contudo, O próprio cristianis es a ra muito dos chamados cultos pagãos. nai o ios Igrejaj no sentido de ap agar os vestíg pá en o pap made mais à necessidade de da a inaç determ i ei is que à issív i i amente inadm logic Ea pelo eo de onde alo só ores anteri s crença mapa de istiani ianismo nunca eixou O crist to pes nes sao e caso tivesse deixado talvez não conseguiss en ut í s mae bre as massas. Acerca da Idade Média, ningu go , posa que der enten sário neces “É absolutamente smp pagãos. dou da existência real dos antigos deuses eva mess ad as Reae tão verdadeiramente quanto o Deus pen po os consii deravam deuses, os cristãos sa agãos ã pipa si r, pre tolera raram s us As igreja procu pda d pa imi nar aos Pp oucos, os vestígígiosios 1 inofen: ses elimi hipóte i çãor ievin seu ão lhas crenças e destruir as que eine de m dem social. A Igreja Católica, ainda que .

E

e)

337

» ea camponesas das festas dos santos, com passe : entas Ram pagãs, mas teve de reprimir, se neBia go a ência, a assimilação 'dos milagres, aparent e-

levou o povo à insuberdinação2º Por male que a Toc Co

: r mai j lica tenha explicado o verdadeiro e eric de pia benta e negado com veemência que se tratasse de uma se o para exorcizar demônios, os camponeses da he me raça operários de nossas cidades, geralmente peca que queriam acreditar. E, apesar da desmistifição introduzida pela Reforma, a mania de bruxas no século is ta obsessão pela existência de fantasmas demons traram q pts aças Ago es as novas igrejas escapar às pressõe s da : soil intão oie . Como já disseram muitas vezes partidá rios

Renan | |

Il q

Igrejas

cristas, mesmo

em

épocas

recentes

a

sia ser vista como algo racional por um pequeno E ia sup e como mágica pela maioria. Rea é Esrivágea um pouco de mágica para se aprecia r a ma q igrejas se esforçaram para acomodar-se a ç stas como pagãs e a sabedoria daqueles que lutaram tenazmente para isso. Nas religiões populares, os seres sobre- ' psp e seus poderes costumam conter elementos de bem e de

=

à

dsmegps essas religiões se incorporaram ao cristia nismo, ; e reapareceu, entre outras manifestações, median te

a justaposição de santos e demônios. O esforço cristão não i porta sob que forma, refletiu a luta social dos oprimi dos e ja nada a verem sentido num mundo injusto e denado. Ivar Paulson descreve “a velha religião popula r estoniana”, mas suas palavras têm um alcance muito maior. “Os pe mma a servidão, a escravidão e a corvéia, otiund os da ip fizeram com que se disseminasse uma ideologia En » Teligiosa e mágica, e que dela derivassem e a ela se e o ai imagens religiosas, costumes e atividades de bruxapa o como diz em termos mais simples Julia Brown, exni prosa naquele tempo Deus tinha de se manifestar nt : Bres, porque as Pessoas não eram instruídas e eng “desse tipo de manifestação de Sua presença, 2! proa na eme o mais amplo da palavra, como ensinapena outros pioneiros da antropologia, é uma falsa » com uma idéia errônea de causa e efeito, mas tem 338

certo parentesco com a ciência, porque apela para mecanismos

humanos a fim de controlar o mundo. Se a religião surgiu do

fracasso da magia como ciência, ela própria teve destino similar, em suas múltiplas variedades. Todas as orações que pedem benefícios materiais, como é o caso da maioria, em vez de serem apenas a declaração poética de um ideal, mostram exatamente essa carência de magia e corrompem seu. próprio espírito. Assim, o que os escravos tentaram foi ordenar o mundo, torná-lo racional e explicar o que seus opressores não podiam ou não queriam lhes explicar. Os elementos específicos de ““superstição” que levaram para o cristianismo lhes possibilitaram facilitar a transição para uma esfera mais elevada de pensamento, e não eram, em si mesmos, essenciais. O papel de intermediários que esses elementos desempenharam na vida dos escravos e os modos específicos de pensamento que introduziram em sua religião mais sistemática, e até agora ainda não muito bem estudada, são seu significado mais profundo. Os escravos tiveram de pagar o preço da força que os elementos populares deram a sua religião. Pois as magias camponesas, embora secundárias em muitas de suas aplicações, desempenharam a função social básica de representar uma certa defesa, por mais fúteis que fossem os fins, contra catástrofes e forças naturais que não podiam controlar. Os camponeses contavam com sua própria habilidade para trabalhar a terra e realizar suas tarefas; invocavam a magia para lidar com as condições do solo, do clima, da saúde dos animais e de outras coisas que ainda não tinham aprendido a controlar. Desta forma, a magia, ou o elemento de magia presente na religião, enraizouse no processo de produção e fortaleceu a comunidade, tanto em seu aspecto coletivo como no individual. Para os escravos, que não tinham acesso aos meios de produção, esse fortalecimento do coletivo só foi importante em um sentido: ajudou-os a se identificarem uns com os outtos, em contraposição a seus senhores. Mas no seio da comunidade funcionou basicamente como um instrumento para resolver assuntos pessoais e assim minar o próprio sentimento de solidariedade que contribuíra para criar. O uso psicológico da magia para dar vazão à hostilidade de modo socialmente aceitável só fez aprofundar a contradição em que se baseava o processo. Esse aspecto negativo do legado político das crenças populares dos escravos é o elemen339

to de verdade presente na crítica amarga e parcial que faz Franz Fanon à visão de mundo dos colonos: O nativo reforça as inibições que contêm sua agressividade apegando-se aos mitos aterradores encontrados com tanta frequência em comunidades subdesenvolvidas. Há espíritos maléficos que intervêm sempre que se dá um passo na direção errada; homens-leopardos, homens-serpe ntes, cachorros de seis pernas, zumbis, toda uma série de animais minúsculos ou gigantescos que criam em torno do nativo um mundo de proibições, barreiras e inibiçõ es muito mais aterradoras que o mundo do colono, 2

ams.

O evangelho nas senzalas Teria sido mais difícil as crenças populares entrarem no âmago do cristianismo dos negros se os escravos e os negros livres das cidades não tivessem tirado dos brancos um pouco de seu controle sobre as igrejas. Sem esta relativa autono mia na estrutura da religião formal, a crença popular teria permanecido uma antítese e talvez os escravos tivessem de fazer uma dura escolha entre cristianismo e anticristianismo. A evoluç ão das instituições e a habilidade dos pregadores e dos próprios escravos, que dela souberam tirar proveito, permitam que grande parte da cultura popular fosse absorvida na fé cristã. Independente da religião de seus patrões, os escravos, quando podiam escolher, optavam, na grande maioria , por ser batistas e em segundo lugar por ser metodistas. Na Virgíni a, por volta dos anos 1850, o recrutamento de negros para a Igreja Episcopal já praticamente inexistia. 2 No Sul, de modo geral, os presbiterianos tinham poucos seguidores, sobretudo na região interiorana, e os católicos conseguiam algum sucesso na

Luisiana.

Melville

J. Herskovits,

numa

tese instigante,

expres-

sa a idéia de que a preferência dos negros pela Igreja Batista significava que a religião tradicional da África ocident al mantinha sua força. Observando a prática da imersão total, sugere que ela poderia ter, na mente dos escravos, alguma conexão com os poderosos espíritos dos rios das religiões africanas ocidentais; ele acredita que sacerdotes do Daomé, escravizados, 340

atuaram

como

líderes e asseguraram

da África para a afro-América.

a ue

a erro

E. Fran

ai

per ..

Ape

sessão spo

lc

e da re a base social de pu vã que e vos, e pelo tráfico de escra poor o pa dpameçio de Herskovits não provam muita coisa. adesã ssniioça po can estilo ao que os escravos reagiram bem ne pa no e as batist dores portes de emoção dos prega e a O a vantagem ficou com os batistas porqu o se vos escra aos tia permi igreja, menos rígida,

A

sia dp facilmente.2 As opiniões de Frazier en é? geo sobretudo por ele ter chegado ao extremo aos quanto ad He ssão. O pe o na discu Pelhor api no dig Vin entre a religião popular africana gre americana, mas é impossível atribuir a sf à g n 5 s optaramrmpor p negroca e osne so E

por a

metodistas.

Os ig

ter optard seara

agi ps Rea

ás



dos batistas nos distritos rurais, €

ie perpi muito eira apa i o metod serrogadors Diante disso, rece a pro e ari forte às preferências de um povo ev À roms e ipe era Severo, carente de humor, sempre falando cuespe amor. Os discip n ms segs nn irei s com neJesus associar si al as pip o cravos adaptaram o metodismo, “como pa ta fei a mais credos, a sua maneira de viver, € nesse e uia rp ia própr sua a como s credo maram tanto os pec a evidencia no círculo do brado. aii a a a Obe diam mais dançar, pois isso era pecado. a casa de ir a bailes, e em vez disso iam para

afins

rena Earp o que faziam parecia dança aos olhos dos orige epgciag e ainda o parece para os que conhecem as nas nd e de várias outras danças populares. Mas pipitco her pts dança. Dançar era pecado, e os nndá abç da bradanc agra Não estavam dançando, estavam

e p ço ardténia dos esteve

od

em

ó

)

,

Estados Unidos, deixou-nos uma descri. 341

pá ne



batendo

palmas

e marc

ando a cadência és » Começam a cantar em uníssono uma das meOdias do brado, enquanto os demais anda m ao redo r e: fila, uma única fila, e também começam a cantar. Logo sá que estão no interior do círculo para m de cantar, mas os demais

cantam com redobrado vigor, e dão início so passo do brado, mantendo-se em perfeita harmonia com a música. (... . ) Muitas veze s dançam o mesmo canto i trinta minutos... 7 ii ira A desppo ca ei

il Sl

ind ing pudesse pensar, os negros s de não estar dançando ois,i como mun u do sabe, be quando se dança os pésÊ se cruz rn am, e, como não permitiam que seus péspé o se cruzassem, » evid evi ente ente mente

esta-

tod eles: não ã

Pics Porri dos escravos em gritar remontava à África a como em conteúdo. - OO estiloesti , que maisi tard veio nã Ei a Emii na dança popular americana em várias ida de pipi ões, era obviamente afri cano. O mesmo se pode dizer = irão Para que a comunidade adorasse a Deus inteé lerentes formas de expressão hum ana — canto, dança spa e com invocações e respostas, com pondo uma Peri a cai a cuja beleza rend e homenagem a Deus. Esta po ia que pia da expressão humana total e não de ia stações isoladas, ou mesm o de seus artififíci ícios, nã era i r D nova na tradição içã

crist istãã.

Originalmente,

nm fizer

a O euro-cristã, assim como d a afric i ana, mas se perdera durante a Idade Médi la, e sobretudo depois da R eforao a Merton, no final de seu estudo sobre a reforma os ei pn diz o seguinte: “Algo que sem dúvi da veio a tds ot a revivescência da antiga arte litárgica da dança rage pre constituiu um problema para o cris tian istia ni ismo Oci-4 go aim características comu ns a metodistas e batistas dm : mencionadas Por Fraz ier, atrafam os escravos. As Pi am ainda interesse em criar melh ores condições nas * em suas congregações, a mistura racial já se dera à

,

542

há muito tempo, e sempre houve resistência às pressões dos brancos no sentido da segregação; e, o que é mais importante, a linguagem de seus pregadores era compreensível. Richard Allen, um ex-escravo, fundador da Igreja Episcopal Metodista Africana de Bethel, da Filadélfia, explicou: “Eu estava convencido de que nenhuma seita ou denominação religiosa se adaptaria tão bem às pessoas de cor quanto a metodista, porque o evangelho puro e simples é o que melhor se adapta a qualquer pessoa; as que não têm instrução podem compreendê-lo, e as que têm podem ter certeza de que compreendem”. ?? Mas a maior vantagem dos batistas e dos metodistas, que representavam as principais forças, respectivamente, nas áreas rurais e nas cidades, era o fato de terem trabalhado muito para chegar aos negros e terem compreendido a necessidade de recrutar pregadores e “assistentes” negros para trabalhar com eles. O apelo emocional e a flexibilidade de organização deram vantagem aos batistas, mas eles poderiam ter perdido esta vantagem caso não se tivessem lançado com tanto empenho à tarefa da conversão. A flexibilidade de organização dos batistas constituiu uma excelente oportunidade para que a magia e a crença popular se mantivessem, apesar das restrições teológicas. Houve excomunhões por reincidência no paganismo, mas os métodos flexíveis de organização dificultavam a vigilância; era fácil para os pregadores negros fingir que não percebiam certas coisas sem atrair a ira de uma hierarquia vigilante. O proselitismo dos batistas entre os escravos e seu empenho em utilizar, ou pelo menos não excluir, os pregadores negros não os tornaram menos racistas nem mais preocupados que

os outros com o destino secular dos negros. Se sua hostilidade inicial à escravidão e sua- posterior preocupação em melhorar as condições de vida dos negros lhes trouxeram alguma vantagem, esta desapareceu quando várias igrejas sulistas se uniram em torno da fórmula simples de aceitar a escravidão como condição normal dos negros e exigir para eles um tratamento mais humano. Nos trinta anos que antecederam a Guerra Civil, batistas, metodistas, presbiterianos e outros, fosse intencionalmente, fosse apenas para tomar o caminho mais fácil, deram apoio à tendência, que duraria muito tempo, de separação racial den-

tro das igrejas. *º 343

= a

pra

0 século XVIII havia uma dupla pressão neste rancos empenhavam-se em criar i con õ só para negros, egros ' sobr etudo onde estes er am muito i numena com fregiiência n os própri róprios negros facili itavam as co i beso parte art por não se sentirem m à vontade e desej ei esejarem pratica i to r a re2 a e o em pose por se ressentirem da posição Etapa gica e eram relegados nas s igrejas igrej dos brancos a Os, portanto, a separaçã o demonstrava desej positivo de expressão cultural indepe i ndent e e tamb EÊ fepie sentava uma defesa contra o racismo. 2! a Pensa, Ea e E outras cidades do Norte e do Sul, o Ei, número de igrejas negras gras indepe ind ndentes, àsâ vezes r personalidades muito f ortes, tornou facíli tarefa Z dos segrega cioni tas brancos. Ê 22 Ma s a tendên ; acionis ênci ca cia à Goiiê ração ção, no próprio cinturã inturã o de plantations, j se fez sentir deHe EE so

do, durante grande parte da noite, rezando, cantando e dançan

E

men

maiori E ao

i

i

no

ER

de i que professavam o cristianismo se DR E ato o era. Mas eles tinh am se tornado batisi categor categoria ia com característi erísticas cada vez mai is mo divisão não teve boas consegiiências. Ulrich illps viu com clareza suas implicaçõe açõ i ; tantoO para | os negro s como para os brancos mas sobret o bsetiio udo (pai os últimos pl Era: “ a as Cê o menos diferem os credos iria o, melhor é para amb i leva : à solidari edade de sentimentos os ajuda jea promov aj ea é h monia Aee o progresso. - Q Quando o senhor vai ara tar a igreja igre) e seu vigário, e o escravo fiica em casa p para ouvirii as di exortações õ E oi perde-se alguma coisa no nível do feliicid: E ni as Phillips não quis ver que as consequências para Er ii não foram inteiramente negativas, pois a separa ção Judou a conseguir o grau maior de autonomia que eles isto Ed

td e nos sítios, os negros procuravam trabalhar ção sempre que possível. Os serviços religiosos das : go eram em comum. Ê Se o s senhores fossem i indul gentes, podia haver reuniõiões durante a semana e, se não std ã fossem me E agi era possível q Í que as reuniões iõ se iirealizassem. Se pgs capatazes costumavam aceitar as reuniões dominicais as outras, que fariam os escravos ficarem acordados

344

e

durante a E, como no dia seguinte havia trabalho, as reuniões *º ios. negóc os semana prejudicavam dos escraEm certas circunstâncias, as reuniões religiosas sse a permiti as não senhor o caso s: secreta vos tinham de ser de rebelião ou não ser aos domingos; caso houvesse rumores indulgentes, as proidescontentamento, e os senhores, mesmo os rápidos no bissem para proteger seu pessoal dos patrulheiros certeza de ter gatilho; ou caso os próprios negros quisessem s só se reuniõe as que nenhum branco os ouviria. As leis contra ição insurre de s temore tornavam mais rigorosas quando havia a. polític o agitaçã de ou nos momentos de tensão decorrentes Viam vo. excessi rigor um a Muitos fazendeiros eram contrários sua sensibiseus escravos como pessoas pacíficas, respeitavam perigorência interfe er qualqu lidade religiosa e consideravam outros Para ions. plantat das e ividad sa para o moral e a produt no ameaça er qualqu m entava senhores, os escravos não repres tuíam consti não s reuniõe suas sentido de um levante, e portanto menos determiproblema. Se os escravos se tivessem mostrado mais severo; bem sido teria nados, provavelmente o regime aceitavam os e es iraçõ mas, na medida em que evitavam consp apanhados, m fosse se idos duros castigos que lhes eram inflig es, e reuniõ as com tornavam alto demais o preço de acabar a patos dispos am estav nem os senhores de nervos mais fortes gá-lo.** os escravos Quando as reuniões precisavam ser secretas, anunciaEntão, ança. tinham de resolver o problema da segur Steal cantar como as tagem vam a reunião recorrendo a estra *” ho. trabal o te duran away to Jesus (Abriguem-se em Jesus) vel: infalí o métod um m Para proteger a própria reunião, usava fim de “prender viravam um pote com a boca para O chão, a do lado de fora. dela, perto o som”, e o deixavam na cabana ou , às vezes po“Claro vel: Método, melhor dizendo, quase infalí a coisa”. 2º algum de tado dia aparecer alguém que tivesse suspei tinha virado pote do a George P. Rawick sugere que a prátic a a vincul a Swed F. provavelmente origens africanas, € John na tanto m itava acred rituais para santificar o solo. Os escravos €, os, essári desnec riscos sua eficácia que chegavam a correr pensaos branc como conseguiam não ser descobertos, alguns ial.” ram que a técnica do pote devia ter algo de espec 345

No o penbageian o pois as ews foi Os escravos a 0 cantarem. E End sl

á aii desejo de priva cidade religiosa podia assuou gerais. Certa noit e, apósÓs Oo jantar, j Eliza i à casa de oraçã ção da plantation j pa i - “E “Em suas “reuni(o)ões de oraçãoão” ” Di”, ” comen ootoda espécie de movimentos ma acom : anh ntos, mas, se há algum b ranco presente, não esti-i ; Bra ração executam suas danças Pisa te iii zombem deles.”; *º Mas os escravos não ã se furtrtava gim é noite Mu Cenpár quando esperavam reaçõe s positivas. e seus cantos e do modo profund expree ssavam sua ue À religião.o - NãNão querii am que rissem ea deleles, na mas giam bem às expressões de respeito. Gus Feaster, exesc ravo da Carolina do S ul (distrito: istrito da União), niã br fala com orgulho sobre Po pen a reunião durava até o dia seguinte ph piu x inham de verdade sua liberdade de espíEua carroça passava devagar, pouco antes de umir, os pretos entoavam um canto. Então, de repente, o ar se enchia dos cantos mais suaves, e a ente

a meia-noite,

morrendo

de

calor

e de

fome,

sem' nada

para

comer, para pedir ao Senhor que tivesse piedade.” 2º A força que as reuniões davam aos escravos vinha da comunhão direta com Deus e com os companheiros. Quando não estavam sendo vigiados, os escravos expressavam alto a mensagem da libertação prometida. Se os brancos lhes tivessem dado informações falsas, ou os tivessem enganado, as reuniões eram uma oportunidade para corrigir as coisas; serve como exemplo o fato de os pregadores brancos fazerem os escravos rezar

pela Confederação, e os pregadores negros, em reuniões secre-

la para casa e cantava todos os velhos hinos que a dénie

gente

comunidade eram de sua própria escolha. A exaltação religiosa dos escravos espantava Os observadotes brancos, ainda que poucos a tenham visto se manifestar plenamente. Os senhores mais austeros tentavam refreá-la, mas pouco conseguiam. Emoline Glasgow, da Carolina do Sul, pertencia a um senhor metodista que levava seus escravos à igreja e até os subornava, se fosse preciso, para mantê-los no caminho certo. Ofereceu um par de botas novas a um escravo, se se comportasse direito. Tudo foi bem até a metade do culto,

começava

a cantar,

e os pretos

que

estavam

éido

da casa-grande e não tinham ido à igreja déordavam e pais para as portas das cabanas e também cantav am : pe ne Sida a gente cantava os velhos spirituals que gente adorava e sabia cantar muito bem. A missus

dizia sempre Po eãg pre que os pretos dela cantavam inspirados pelo

346

de oração. Muitas vezes eles iam ouvir O pregador ou o próprio senhor nas manhãs de domingo, mas a “verdadeira reunião” e a “verdadeira pregação” realizavam-se mais tarde, quando estavam sozinhos?2 Richard Carruthers, ex-escravo do Texas, esclareceu outro aspecto do interesse pela oração. “Nós pretos”, disse ele, “tínhamos um lugar para rezar, um buraco cavado e na terra, e às vezes íamos para o campo, entre as onze horas

tas, os fazerem rezar pela União.” Mas as reuniões contribufam principalmente para criar nos escravos um sentimento de autonomia, a noção não apenas de que formavam eles mes-

pd Sempre havia um preto grandão, com ima voz p Sae à de um sapo, que era quem. começava E - Depois os outros homens também começavam a : so e depois vinham as vozezinhas finas das moças e Rune as vozes fanhosas das velhas e das vovozinhas. a ei id perto da casa-grande, entoava E chega na A : como a missus gostava! As vezes as 6 janela e mandava a gente cantar Swing + Sweet Charriot (Balance Pouco, Doce Carroça) para ela e para as visitas. Era tudo o que a gente abria; A

Fa

vos passavam tanto tempo do seu dia de descanso em reuniões

q própria

este auto-respeito, esta confiança espantosa em qualidade espiritual, explicam por que os escra-

mos uma comunidade, mas também

quando o escravo disse: “Com

-vou

gritar”,?º

Os escravos

de que os líderes dessa

botas ou sem botas, hoje. eu

levavam

a sério

sua

exaltação

e

condenavam os que simulavam emoções. Quando os padres ca-

s tólicos proibiram os gritos na Luisiana, Catherine Corneliu no cantam anjos os que dizendo falou em nome dos escravos, quem céu, proclamando tenazmente que “o Senhor disse que

quer

ser salvo

tem

de gritar.

Está

na Bíblia”.

A

sinceri-

dade diz tudo. Emma Fraser, ex-escrava da Carolina do Sul, a contou sobre seus cantos na igreja e sobre o que era dito

347

rt 4 pao

Duas

e gritos.

[4

“Se eu

canto

e isso

não

me

emociona

Etc ag pecado contra o Espírito Santo; é mentir para o praga : A exaltação, como a chamou W. E. B. Du Bois : pd escravos num vínculo especial de comun hão, que trouxe os e pç individuais e ao mesmo tempo disci tado ni etivo. Eles se estimu lavam uns aos outros no sen- ; uia geros ou de incitar à desinibiçã reagia br ps conforme iseu temper a nto, mas era ejsenag perame atingid as a prat a união o

=

E

J a

a Lda foram muito menos comuns entre elho Sul do que em São Domi sil, ; onde a prática do vod u e dos rituais i deir cultos ia afri era 1 mais difundida. : Mas er am fregiie ú ntes os arreb Peri extátic t ! os, : que podem ser defini efinidos de várias manei ésiras Eecido est ã tro Vs ie interpretações. Alguns críticos viram Es a de histeria, e Frantz Fanon ch uma espécie de loucura! . - Ro Roger Bastidi e sugeriu e a que osn arrebatamenEi Cocal um veículo por meio do qual afloravam, em forma si sê Desista reprimidas. Muitos antropólogos Ego he ato ecem 1a céticos : ante as explicaçõ ções psicana líticas icanalí ticas Pr Sad gd uma verdadeira esquizofrenia sistema de controle exigido pelos rituai rituais podiam parecer, 4 aos olhos dos não ã iniciad pe o n dos e turbulentos » 1mas na verdade estavam sujei pá jeitos a cr Prep um estriti ” ni tb epi dire de ser feitas, outras não pipi ; , segun red Métraux i eles uma explicação soci ial, sn al, e não ã psicolóPi gigica. ar Contudo,ri esqui-i j ua E io a poesia psicanalítica é compatível pia A, ode ser deixad a cargoa d iali se os houver, j Duas coisas as são sã evident i es. Primeir onii : igaco mp mais veemen1tes dos escravos, » m mesmo quando ; se trans lê forma sesgçá vamo

ong

eram

parte

de

um

sistema

de

comportamento

o que os próprios escravos controlavam. Eles podiam bs nda êxtase ao dançar durante os serviço s religiosos fescenonad a ponto de seus pés se cruzarem sem que isto pro: he seia vá Goi nica O comportamento dos escra: nação de afirmar sua Í força e a liberi S E E seu espírito, Pois, como diz Max Weber, o êxtase pode -se um instrumento de salvação ou de autodeificaç ão. 2º 348

Se a religião dos negros se caracterizasse apenas pelo fer vor

emocional,

teriam

mais

credibilidade

suas

interpretações

diferença comuns, como por exemplo que não havia muita baixas, classes de brancos dos a e s entre a religião dos escravo

também seguidores dos pregadores batistas e metodistas. A as-

sertiva, repetida tantas vezes, de que os negros simplesmente Se for imitavam os brancos não merece sequer ser discutida. ade a preciso optar por alguma tendência, vence com facilid pobres s opinião do dr. Du Bois, de que a atitude dos branco € brancos de reações As .” negros dos da era “mera cópia” de deixar negros dão força umas às outras, como não podia uma caracser num contexto inter-racial. Sua fusão refletiu condúvida terística comum do cristianismo da região e sem ças diferen há tribuiu para unir dois povos antagônicos. Mas dos ncia experiê da que lançam luz sobre a qualidade especial

negros.

que era Nem um corpo de crença comum, na medida em

uma mesmo comum, nem sequer ritos comuns são garantia de

também experiência espiritual comum. Os ritos refletem, e s € Os escravo Os m. pratica os moldam, as comunidades que toagricul os pequen seja, ou rurais, brancos pobres das áreas ritos seus para criaram , res e os próprios “brancos pobres” diferentes, comuns contextos comunitários fundamentalmente e valoreações dades, necessi e em consequência instauraram

res espirituais fundamentalmente cravos

das pequenas

fazendas

diferentes.** Quando os es-

frequentavam

as mesmas

reu

s branniões e igrejas que seus senhores pobres ou seus vizinho

sentiam cos e também pobres, certamente o que uns e outros certa uma haver vel era parecido, mas ainda assim era inevitá

ia era distância. E, para os negros das plantations, essa distânc ainda maior.

que Os negros não escondiam seu desprezo pelos brancos fez como , gritavam dirante as reuniões, e os consideravam nas Até . mesmos mais tarde o dr. Du Bois, mera cópia deles mais que os primeiras reuniões ao ar livre os negros gritavam tempo muito brancos e continuavam cantando e rezando até uziam modidepois de os brancos já terem ido embora. Introd dos brancos ficações em seus hinos, o que gerava protestos

que canortodoxos, que consideravam os hinos seus é achavam as melodi tados pelos negros ficavam muito parecidos com as 549

c cetim e festas das plantatio ti ns. *! Após ter observado uma a dai e córgia, na qual havia mais negros do que bran-



Ep

areia

xo negros

se mantiveram

no mesmo

lu-

; pa o tumulto; is um ou dois deleles podem ter susidas sa pu lançado exclamações, mas de modo geral demonstiago ans

um

aa

curioso (...) Geralmente

: br bird

havia em

um sorriso de auto-satiisfação; sfaçã F e e u não ã tenho dú-ú ça achavam que podiam fazer tudo aquilo com bags mergia ergia e espontaneidad e, se lhes pedissem i ”. 2 ps ver ii aa e diferenças de estilo, há uma di 1 de significa sign dos e até uma certa dive i ênci ao próprio significado de Deus. e Eidos e a a e respostas dos escravos provia africana, ainda que tenha i i toscr elementos eur opeus. Na ) Europa ; també m ci se usara uma ese iai d e exortações e respostas, com características prai entes. No Sul, negros e brancos cantavam de roi o » Fondo dos brancos ao pregador, com Es! » é claro, consistia em “Améns” ns”. Os brancos Eb de ral e faziam-no perceber que estavam : regador precisava dessa reação, pedia-a, ã exii ia-a Em are ado do mu negro precisava iai suscitá-la não nã Po isfação, por mais que esta a fi fosse subjetivajeti pi si ig mas porque sem ela o serviço religioso: não: rt : elação com Der Deus.” ; T al diferença ça d de estilo i i ptiinid ma de o teológica. Os brancos eram undamentalistas, os ne tos só o er. temente. k Ambos pregavam a Bíblia num; estilo er esti veem oa ente, mas ia a ia Henry H. Mitchell, a veemência dos Ena eg u gd a je ii alegre.** Ou como pai ' i ravo do Texas , a respeito do pregaones: ele “pregava o f ogo do inferno i e o julpin pt fazem os pregadores brancos”,23 a to is iso epi como todos viam, mostrava alej ; n ão de seus antepassados africanos afri ; ma poderia, em sã consciência ciê) cia, , di religiã pen o mesmo da religião dizer dos mas brancos? Acerca da religião sulista, escreve W. J. Cash mm 0)

+

.

4

,

Nome pe nes (...) uma fé tão simples e emocional -« Uma fé que atraísse os homens em multidões 350

que orizasse com uma retórica apocalíptica, esse troux os os atirasse num poço, os resgatasse e afinal Deus que

os

aterr

de volta,

de que se do Antigo Deus que caprichoso

bradando,

ao

rebanho

da Graça

(...)

O

o Jeová precisava era um Deus antropomórfico, , um visto ser Testamento: um Deus que podia e do xona apai o tiran tinha de ser visto. Um por , favor cujo mas , diante de quem se treme

isso mesmo,

é ainda mais

doce. Um Deus pessoal, um

cujos represenDeus para os individualistas, um Deus mas pregadoseda, de dos tantes não são sacerdotes vesti res saídos do próprio povo. é ras, eram O Deus O necessário aqui, em outras palav

dos presbiterianos. ?* a fé dos metodistás, dos batistas e foi exatamente com essas Mas Cash não se dá conta de que m, transformando-as em igrejas que os negros se identificara algo bem diferente. Olmsted faz de um É muito reveladora a descrição que inferno a uma congregapregador branco falando do fogo do ção de brancos de classe baixa: Terminados Escritura,

os primeiros exercícios de devoção cantar e fazer discursos

penosamente



ler a

irreveren-

idos à Divindade, tes e sem sentido, pretensamente dirig começava O ser—, ntes mas que visam de fato os ouvi quanto pude tanto que, texto mão com a leitura de um Sem recor. ação preg a com ver a perceber, pouco tinha va, quase O tempo rer muito à violência, o orador grita como se estivesse todo, no tom mais elevado de sua voz, e, se fosse dofalando com alguém muito distante; (...) dramáticos, contado de imaginação e tivesse pendores apresentava nenhuseguia manter as pessoas atentas. Não

suscitar entre a congregamuita conexão ção opiniões muito diferentes, nem havia constantes, tivas invec entre uma frase e outra; mas havia infidelidaà es ataqu idos

ma

argumentação

que

pudesse

dissimuladas e sectárias, e repet

de e ao socialismo dos franceses, magadoras a Fourier, ao papa de Voltaire, “Roossu” e Jo Smith (.. de repetir muitas e muitas vezes a sentar a mesma idéia sob formas

€ muitas acusações esRoma, a Tom Paine, .) Ele tinha o costume mesma frase e de apreligeiramente diferentes. 351

O trecho seguinte, que anotei, é um exemplo disso, e foi seguido por um dos momentos que melhor ilustram seu talento dramático. Ele se inclinava sobre o púlpito, com o braço estendido para a frente, gesticulando com violência, gritando no tom mais estridente e respirando com esforço: “Ah! Vocês não vêm para Cristo? ah! E por quê? ah!

que está em questão, portanto, são as noções dos escravos acer ca de céu, inferno, pecado e alma. Em todo o Sul, pregadores batistas e metodistas brancos

É porque ele nasceu pobre?

po atacando mutuamente

ah!

É por isto? É porque

ele nasceu numa manjedoura? ah! É por ele ser de origem humilde? ah! É porque ele nasceu pobre? a-ah! (...) Talvez vocês não gostem do mensageiro; é este o motivo? Eu sou o Embaixador do grande e glorioso Rei; o convite é dele, não meu. Não se importem comigo. Eu não tenho nenhuma importância. Imaginem um menininho esfarrapado e insignificante entrasse aqui e dissesse que sua casa está pegando fogo; vocês se importariam de o menininho ser esfarrapado e insignificante, e não lhe dariam ouvidos só porque ele não tem um aspecto res-

peitável?”*” Não

é fácil imaginar

um

pregador negro

querendo

saber

se

sua congregação de escravos desprezava Jesus por Ele ser pobre e não ter um aspecto respeitável. Vez por outra, a mensagem dos pregadores negros era exatamente sobre a condição humilde do Filho de Deus nesta terra. O dr. Mitchell traça uma nítida distinção na utilização da Bíblia por parte dos negros e por parte dos brancos. “Um pregador negro”, diz ele, “provavelmente dirá 'Ele não disse isto!”, em vez de se mostrar subserviente ao que “declara a Palavra

de Deus!”

Para

os

negros,

a Bíblia

é um

inexaurível

manancial de bons conselhos para uma vida conveniente; não costuma ser vista como um corpo imutável de doutrina, como a viam os fundamentalistas brancos. Por isso, as figuras bíblicas devem ser vivas, devem estar presentes e de alguma forma constituir exemplos históricos a serem aplicados ao momento atual. A religião dos negros abstém-se da bibliolatria e não apresenta uma tendenciosidade antiintelectual muito forte.* Supondo-se que o dr. Mitchell tenha incorrido em exageros românticos, é preciso lembrar que os cientistas sociais que melhor estudaram o comportamento religioso dos negros do Sul acharam material para apoiar firmemente essa análise.” O

+98 em

engajavam-se em debates teológicos, e não desistiam deles nem quando estavam pregando exclusivamente para escravos. Os escravos os estimulavam

ao debate.

Olmsted,

depois

de ressal-

tar que os pregadores batistas e metodistas perdiam muito tem-

suas doutrinas,

acrescenta:

“Parece

que os negros apreciam muito as controvérsias teológicas”. Eliza Frances Andrews falou de um escravo metodista da Geórgia, cujo patrão era um fiel batista: “Eles mantinham elevadas discussões sobre assuntos religiosos”.* Não se deve considerar ridículo o pendor dos escravos pelas disputas teológicas, mas também não se deve aceitá-lo por seu valor aparente. Nada há de ridículo no fato de trabalhadores braçais analfabetos tentarem discutir acerca de Deus, pois Deus era onipresente em suas vidas, mesmo que eles reagissem mais prontamente à motivação espiritual do pregador que à sua argumentação. Também sob este aspecto os pregadores brancos, batistas e metodistas, aprenderam a transmitir os pontos mais difíceis da doutrina numa linguagem simples, ao alcance de suas congregações. Se não se faziam entender pelos escravos, não era por não usar um inglês simples. Mas a reação dos escravos não deve ser tomada muito ao pé da letra, por duas razões: primeiro, as questões teológicas que mais lhes interessavam eram de outro tipo; e segundo, eles tinham muito senso de humor e jamais perderiam um bom espetáculo. As igrejas batistas do Sul evoluíram do calvinismo para o arminianismo, mas sua tendência mais forte, sobretudo no Vale do Mississípi, tomou uma feição extremamente predestinatória. Os batistas regulares que adotavam a postura de Calvino em relação ao destino do homem eram uma espécie de quebra-cabeça. A explicação aceita e plausível, embora um tanto maliciosa, para o fato é que as polêmicas dos tumultuados metodistas acerca do livre-arbítrio levaram seus adversá-

rios batistas a formular

seu ponto

de vista de modo

cada

vez mais extremado. Tão extremado que uma corrente chegou a adotar a famosa doutrina da dupla-progênie, segundo a qual Eva gerou duas descendências, e só uma delas provinha de 353

Deus; alguns estudiosos, sensatamente, classificaram tal doutrina de maniqueísmo mal disfarçado.*? Na religião dos negros, porém, a doutrina da predestinação não se fez sentir.

Isto se explica talvez pelo fato de os batistas mais empenhados na pregação para os escravos serem os partidários do livre-arbítrio ou então os que não se preocupavam muito com aquela doutrina. Mas havia uma razão mais forte, que eram as próprias inclinações dos escravos. Era raro os pregadores negros serem calvinistas ortodoxos, e, mesmo que fossem, cabem dúvidas a respeito do modo como falavam da predestinação. Em 1793, um pregador negro espantou Harry Toulmin em por pregar a doutrina calvinista, mas o tópico abordado de diante homem do igualdade a era seu excelente sermão

Deus.

— Massa, posso perguntar uma coisa?

Os escravos nunca abandonaram seus feiticeiros, e os pregadores que pretendiam tocar seus corações sabiam muito bem que não deviam insistir nessa questão. Para os escravos, a salvação se dava mediante uma difícil mistura de livre-arbítrio e fé, fé em Deus e fé nos demais homens, porque fé era sinônimo de amor. Um velho pregador, que fora escravo na Carolina do Sul, observou: “Irmão, é preciso ter fé no seu semelhante antes de ter fé no Senhor”. Nos spirituals, era constante a mensagem de que Deus nos libertará se tivermos fé Nele. E é enfatizada a idéia da libertação coletiva dos escravos, enquanto povo, quando são tomados como heróis Moisés, Jonas e Daniel. ” O apego dos escravos à doutrina da salvação pela fé, sua capacidade de permear de bom humor os assuntos mais sérios e seu inesgotável pendor para ludibriar o patrão aparecem num incidente narrado por Olmsted. Um

— —

persistir numa vida imoral. O senhor pediu a um ministro que

As senzalas não eram um bom terreno para a dou-

trina da predestinação. Quando escravos e ex-escravos afirmavam que Deus predeterminara tudo, geralmente queriam dizer que até a escravidão estava prevista nos desígnios divi-

nos. E, quanto a esse ponto, suas reações podiam ser amargas. No distrito de Wilkinson Country, Mississípi, um velho escravo, coveiro, na presença de seu jovem ajudante, fez a um branco forasteiro a seguinte pergunta:

Pergunte o que quiser... Pode me explicar como foi no princípio, e por que

os brancos ficaram sendo superiores aos negros e fizeram

deles escravos e os mandam fazer todo o trabalho? O jovem ajudante, temendo a ira do homem branco, in-

terrompeu: — Pai Pete, não deve falar assim. Foi predeterminado. A Bíblia diz. O Senhor predestinou os negros a trabalhar e os brancos a mandar. —

Pois é, pois é. Mas,

se é assim, então Deus

não é

justo! 4

A predestinação, por não comportar qualquer magia, tinha pou-

quíssimos atrativos para um povo cuja sensibilidade religiosa

guardava as características de sua origem popular. Nenhuma classe pobre ou socialmente menos favorecida acolheu bem a teologia calvinista. Escreve Keith Thomas:

554

Para as pessoas do nível mais baixo na escala soclal, E doutrina da providência sempre foi tão pouco atraente quanto sua doutrina rival, a do acaso. Pois quem acredita no acaso pode atribuir a ele seus infortúnios, sem prejuízo da auto-estima. O conceito de acaso explica qualquer aparente discrepância entre mérito e recompensa, e ajuda os homens a se adaptarem ao contexto em que vivem.

escravo que já fora piedoso estava desgostando seu senhor por intercedesse e tentasse apelar para a índole religiosa do escravo. Conta Olmsted: Foi o que fez o pastor, tentando incutir na consciência do escravo os terrores da lei,

— Escute aqui, massa — disse o pecador —, a Escritura não diz que “os que crerem e forem batizados serão salvos”? — Diz — respondeu o pastor; e começou a explicar e comentar a passagem; mas logo o escravo voltou a interrompê-lo. '* — Diga agora, massa, o livro santo não diz estas palavras: “Quem crer e for batizado será salvo”? Quero saber isso. — Sim, mas.. 355

— É tudo o que eu queria saber, sar; não adianta ficar falando comigo. Não vai me fazer acreditar que o que o Senhor diz não é isso, nem que tente a vida inteira. Mais uma vez o pastor tentou explicar... — A Escritura diz que se um homem crer e for batizado, será salvo — volveu o escravo. — Então, massa ministro, eu creio e sou batizado, e por isso tenho de ser salvo.

Não adianta falar mais nada. * A defesa da escravidão com base nas Escrituras foi assunto comum em todo o Sul branco nos anos 1840 e 1850, Sua tese era que a escravização dos negros pelos brancos decorria da maldição bíblica de Ham. (Os senhores de terras na Rússia afirmavam igualmente que tal maldição recaíra sobre seus ser-

vos.) A previsão de Jafé, de que o povo habitaria as tendas de Sem, aplicava-se à expropriação das terras dos índios, e o fato

de os negros trabalharem como escravos para os brancos era

decorrência da condição dos filhos de Ham. A sugestão de que um dia a Etiópia se voltaria para Deus causou alguns receios, mas não muitos. Um fazendeiro do Mississípi, que assinava sob o pseudônimo de “Panola” seus artigos para jornais rurais, lidou muito bem com os possíveis escrúpulos. Estaria a Etiópia preparada para voltar-se para Deus? Não. E como ele o sabia? “Os pretos são muito altivos para isto.” A metáfora chegou até as fontes de militância negra, embora com significado bem diverso, na obra famosa de David Walker, Appeal to the Colored Citizens of the World (Apelo aos Cidadãos de Cor do Mundo). Apesar de algumas insinuações em contrário, os negros não viam sua condição como um castigo pelo pecado coletivo do povo negro. Nenhuma propaganda dos brancos poderia levá-los a aceitar tal idéia. Vez por outra, referiam-se à escravidão como

castigo do pecado, mas não era muito claro o que queriam dizer com isso. O fato de os pregadores brancos afirmarem categori-

camente que os negros carregavam o pecado de Ham nunca teve

muita repercussão nas senzalas. Quando Eli Coleman, ex-escravo do Kentucky, disse que os negros viviam sob a maldição de

Deus é por isso sua vida era um inferno, enfatizou que o maior

problema era a falta de melhores habilitações profissionais e de

educação.7º A transição de Calvino para Adam

vezes foi, ou jamais foi, processada com 356

Smith raras

tanto rigor. Charity

Moore recorda a interpretação de seu pai para a Bíblia é |. pecado original. A história é encantadora, mas seu final mereue especial atenção. Adão, ao que parece, ficou tão assustado com o próprio pecado que se tornou branco. O resto da história ela “deslembrava”.7! A versão de Ezra Adams, que fora lavrador numa plantation da Carolina do Sul, é bem mais secularizada: Adão pecara por se apropriar de algo que não lhe pertencia. “Se o que Adão fez naquele tempo”, explicou ele, “tivesse sido feito hoje, ele seria culpado de um crime. É o nome que a sociedade dá ao pecado.” Portanto os pregadores negros recorriam a parábolas para demonstrar que Deus podia tirar o bem do mal; que havia algo de bom mesmo no irmão e na irmã mais desgarrados; e que, por inferência, Deus estava fazendo o bem a Seu povo escravizado, que vivia em más condições,

mas não era ele próprio mau.7? Para

os

escravos,

o pecado

era

a má

conduta,

ou

seja,

injustiça para com os semelhantes e violação dos códigos morais vigentes. Sua idéia transcendente de Céu era paralela à idéia

material que enfatizava a liberdade e a comunhão no amor com os irmãos e irmãs; não cabia muito uma teologia baseada no pecado original, Assim, a teologia dos negros ignorou quase por completo a única doutrina que poderia ter conciliado, num plano espiritual, os escravos e sua condição. As religiões africanas não contêm a idéia de pecado original, e por isso o problema da liberdade e da ordem assume formas radicalmente diferentes. Sem essa doutrina, o difícil equilíbrio inclina-se no sentido do coletivo, e não do individual. A doutrina do pecado original reflete em grande parte a divisão

de classes da sociedade ocidental, apesar de ter penetrado tão fundo na natureza humana, e também cria maiores oportunidades de liberdade individual, sobretudo porque a causa da liberdade individual tem sido, historicamente, inseparável do uso da propriedade privada. Quando a fé cristã se fundamentou na doutrina do pecado original, ergueu um baluarte em favor da personalidade individual, e sobre este baluarte vieram a ser construídas as ideologias mais secularizadas do liberalismo. Mas,

se o cristianismo conseguiu abalar o mundo, foi também por ter recorrido à culpa e ao autodesprezo, pois de outro modo

sua

doutrina da liberdade não poderia ser definida em termos teoló357

gicos e sociais. A tensão entre liberdade e ordem foi a força motriz da cultura ocidental e também a base de seu pessimismo. O que a África legou à afro-América, a famosa alegria de viver, tão frequentemente denegrida e mal explicada, foi uma fé que afirmava a vida, enfatizando a vergonha e minimizando a culpa. A escravidão podia ser algo vergonhoso e demonstrar fraqueza, mas dificilmente geraria algum sentimento de culpa, o sentimento de que o que se sofre é merecido e de que se é castigado por ter ofendido a Deus. O cristianismo poderia ter transformado os escravos nos robôs servis da polêmica de Nietzsche ou nos sambos do modelo de Stanley Elkin, se os escravos não tivessem virtualmente reformulado a doutrina cristã para adaptá-la a suas próprias necessidades psíquicas e a sua

própria sensibilidade. A ambiguidade

do Céu dos escravos e das limitações de

sua idéia de pecado tem raízes na concepção africana da alma.

E também neste caso é impossível saber até que ponto os escra-

vos se aferravam às idéias africanas e até que ponto sua condição

nas plantations recriou determinados padrões de pensamento. Mas é evidente que não houve uma ruptura acentuada. A vida no Novo Mundo, na condição de escravos, mesmo após a conversão ao cristianismo, não destruiu a sensibilidade tradicional. Em seu estudo das crenças populares dos negros do Sul no século

XX, Newbell Niles Puckett repete várias vezes que a idéia de alma, para os negros, é muito semelhante às idéias africanas tradicionais. Em alguns casos, ele encontra “uma crença bem

definida num kra ou alma de sonho”, segundo a qual o sonho se torna uma experiência real da alma do sonhador, enquanto vagueia por um outro mundo.7º Uma questão mais importante refere-se ao relacionamento da alma com a ordem

natural. Na tradição cristã clássica, o

homem é único; só ele tem uma alma, o que torna seu uso da liberdade algo por que ele se responsabiliza diante de Deus. Mesmo na teologia calvinista, segundo a qual a alma de um

homem é predestinada à salvação ou à danação, foi o próprio homem quem optou por não obedecer a Deus antes de a qualquer outra coisa. As idéias africanas inserem o homem, e portanto sua alma, na natureza. Pode haver a reencarnação, e os espíritos podem voltar ao mundo dos vivos. A alma do homem é um espírito entre muitos, pois em todas as coisas foram infun358

didos espíritos. O próprio homem é um de seus inúmeros regeps táculos materiais. Para os africanos tradicionais, como para muitos outros povos não cristãos, a alma passou a ser sinônimo de vida interior, a experiência perfeita, da qual a matéria é meramente a forma. A alma, então, cristalizada na sombra de um homem, pode separar-se de seu corpo. Logo, os espíritos

vagueiam pelo mundo. 7! A teologia dos pregadores negros harmonizou-se com as idéias populares de alma, ao não insistir muito quanto ao significado de Céu. Agindo assim, reforçou nos escravos o sentimento de serem do mundo e de terem a promessa da libertação pela fé em Jesus Cristo. O compromisso se deu em bases cristãs, mas teve necessariamente de limitar a transcendência da' qual se haviam originado o individualismo cristão clássico, de modo geral, e o antinomianismo, em particular. Esse ajuste significou o sacrifício de uma força revolucionária considerável. Considerar que as constantes referências dos escravos ao Céu revelam a transcendência inicial de sua orientação religiosa é compreender de modo restrito seu pensamento complexo. A preocupação com o Céu, difundida pelos que pregavam para os escravos, tinha como função mais óbvia, ao que parece, fazê-los aceitar sua sorte e voltar seus interesses para uma esfera ideal. Com fregiiência, os sermões dos pregadores negros, e os dos brancos muito mais, abordavam esse tema. E. S. Aldy ouviu em 1834 um pregador escravo no Kentucky, e assim descreveu o que vira:

“Ele tinha cerca de 60 anos;

era arguto e sensato,

e também, tanto quanto pude julgar por algumas de suas observações, um homem muito religioso. O que disse acerca do dever de submeter-se à condição que se tem neste mundo e quanto à confiança na justiça divina no futuro nada ficaria a dever aos brancos mais instruídos”. 7º Contudo, havia muita ambiguidade, tanto nessas mensagens quanto na linguagem e na enunciação dos fatos que elas transmitiam, Miles Mark Fisher, num estudo instigante, controvertido, mas por vezes deturpado dos cantos dos escravos, nega com veemência que estes compreendessem a imortalidade da alma ou se preocupassem com isto. O mais lamentável em sua interpretação é a insistência em afirmar que a África desempenhava um papel central na consciência dos escravos e que as referências ao Céu, nos spirituals, devem ser entendidas como referên- . 359

4

cias à África ou a outros lugares da Terra que pudessem servir de refúgio. Ele não prova este ponto de seu raciocínio, mas sugere que havia uma profunda ambiguidade nas aparentes refe-

rências dos escravos a um mundo transcendental. 7º

A preocupação dos escravos com o Céu não pode ser interpretada como escapismo, principalmente porque, como ressal-

taram Howard

Thurman

e Lawrence

Levine, a visão de mundo

dos escravos não comportava uma separação rígida entre sagrado e profano.7” Portanto os vários significados de Céu nos spirituals devem ser vistos como um só, como uma ambiguidade necessária e intrínseca que reflete uma visão de mundo onde se fundem o espiritual e o material. Não há como escolher entre a interpretação terrena e a celestial do canto dos escravos do Mississípi: Um dia Ouvirei E verei Erguerei

destes minha hora chegará, a trombeta, ouvirei o tambor, os exércitos em marcha. a cabeça e cantarei também.?º

noite, longe demais para poder entender as palavras”. *?!

O mesmo se pode dizer de outros cantos, como Didn't My Lord Deliver Daniel (Meu Senhor Livrou Daniel), Joshua Fit de Battle of Jericho (Josué Lutou na Batalha de Jericó) Oh, Mary, Don't

You

Weep

(Oh,

Maria,

Não

Chores),

O talento dos escravos para a improvisação e sua pro convicção religiosa causaram espanto e admiração a quase os que os ouviram cantar. Os barqueiros da Geórgia, da Carolina do Sul e do rio Mississípi eram os mais famosos e comentados, mas os lavradores do Cotton Belt não ficavam muito atrás. A recorrência das palavras “selvagem” e “destino” foi notada pelos observadores brancos, tanto abolicionistas como senhores de escravos, e até pelos meros curiosos. Harriet Beecher Stowe ouviu Sojourner Truth cantar There Is a Holy City (Existe uma Cidade Sagrada) e observou: “Sojourner, ao cantar esse hino, parecia personificar o fervor da Etiópia, feroz, selvagem, perseguida por todas as nações, mas ardendo por Deus em seu coração dos trópicos e estendendo suas mãos feridas para a glória que será revelada”. 2º Eliza Frances Andrews, ouvindo os escravos de sua plantation cantar numa reunião de oração, disse que seus cantos eram “sobretudo uma espécie de cântico do destino, que me fazem sentir como que fora de mim quando os ouço à

e

Go

Quando perguntaram a um negro como tinham surgido os cantos, ele respondeu: Vou dizer; foi assim. Meu senhor me chamou e mandou que me dessem pouco milho e cem chicotadas. Meus amigos

Down,

Moses (Venha a Nós, Moisés). Os cantos não falam necessariamente de libertação, nem neste mundo nem no outro, mas podem significar qualquer destas coisas, ou mesmo ambas. Seja como for, trazem implícita a imanência da justiça de Deus, no pre-

viram e ficaram com pena, Naquela noite, quando vieram para a reunião de orações, cantaram a respeito disso. Alguns tinham muito boa voz e sabiam cantar bem; e tentavam

cantar cada vez melhor, cada vez melhor; até que um dia

sente ou no futuro, do modo como Ele a quiser aplicar, Nesse sentido, como fez ver o próprio dr. Du Bois, os spirituals eram

“Cantos de Tristeza” que transcendiam sua tristeza e se tornavam hinos de alegria. Em meio a toda a tristeza dos Cantos de Tristeza há um sopro de esperança: a fé na justiça última das coisas. As cadências de desespero muitas vezes se transformam em triunfo e confiança trangiúila. As vezes há fé na vida, às vezes há fé na morte, às vezes há afirmações de uma ilimitada justiça em algum outro mundo. De qualquer forma, o significado é sempre claro: algum dia, em algum lugar, os homens julgarão os homens por suas almas e não por suas peles.7º 360

conseguiram, Em

e foi assim.2?

1845, J. Kennard escreveu no Knickerbocker Magazine:

-

Quem eram os verdadeiros legisladores? Os poetas negros, sem dúvida. Não eram eles que criavam o estilo e faziam

as leis do gosto do público? Tão logo um deles, nos pântanos da Carolina, compunha um novo canto, e tão logo este canto chegava aos ouvidos de um branco que reconhecia

seu valor, era escrito, corrigido (ou seja, quase estragado), impresso; e então era depressa divulgado, e essa divulgação só parava nos limites mais distantes das terras anglo-saxãs, ou talvez do mundo. Enquanto isso, o pobre autor continua361

va capinando

com

sua enxada,

sem

ter a menor

idéia

de

valiam os opressores. Acerca da influência dos metodistas na classe operária britânica, escreve E. P. Thompson: “A fé

T.sS. Eliot observou:

Quando a mente de um poeta está perfeitamente preparada para sua obra, ela combina constantemente experiências díspares; a experiência de um homem comum é caótica, irregular, fragmentária. Ele se apaixona, ou lê Spinoza, e essas experiências não têm qualquer relação umas com as outras, nem com o barulho de uma máquina de escrever, nem com o cheiro de comida; na mente do poeta, essas experiências estão sempre formando novos todos. **

Por esse padrão, é duvidoso que jamais tenha havido no mundo tantos poetas cujas mentes

estivessem “perfeitamente prepara-

das” e trabalhassem ao mesmo tempo para produzir uma síntese

tão vigorosa de temas sagrados e profanos. « Alexander K. Farrar, fazendeiro do distrito de Adams Coun-

ty, Mississípi, ilustrou muito bem o modo como os escravos enten-

diam o Céu e como aplicavam este entendimento no plano terreno. Alguns escravos cometeram um assassinato e foram condenados à forca. A execução seria pública, pois muitos escravos achavam que a pena para crimes de morte era o degredo, e era preciso mostrar-lhes a verdade. Na opinião de Farrar, os corpos deveriam ficar expostos aos escravos, mas ele se opunha vigorosa-

mente ao enforcamento público. “Se os negros forem enforcados diante de um

público”,

explicou,

“poderão

dizer-lhe

que

são

religiosos e estão preparados para ir para o céu etc. etc., e isto

terá efeitos negativos sobre os outros negros.”?º Em suas formas mais brandas e acomodatícias, a postura das classes oprimidas diante de uma vida ulterior contém impor- . tantes elementos de julgamento político que contribuem para compensar as pressões da desumanização e do desespero e ajudam a formar uma consciência de classe. Se as classes baixas não podem reivindicar muita coisa, a idéia do Céu, que inclui a igualdade diante de Deus, lhes dá uma forte noção do que

virão a ser. Desta forma, há implícito nessa idéia um senso de

dignidade, e ela torna menos importantes os poderosos deste mundo. A relevância do Céu foi transferida do mundo futuro para um mundo interior, criando uma base para discórdias no 362

mundo presente.2 No reverso do interesse das classes baixas pelo Céu, está a visão da vida futura no inferno, de que se

sua importância. *º

numa vida futura não era apenas um consolo para os pobres, mas também uma certa compensação emocional para os sofrimentos e as tribulações desta vida; além de ser possível imaginar a “recompensa” dos humildes, também era possível desfrutar de uma certa vingança contra os opressores, pensando nos tormentos que os esperavam”. ”” Sempre houve neste sentimento de vingança futura um componente que impelia para a imobilidade política, desviando a turbulência para outras emoções. Seu significado político positivo nunca deixou de ser apenas uma tendência. Aguçando um sentido de justiça de classe, pre-

parou o caminho para uma explosão de hostilidade, caso algum dia as circunstâncias permitissem uma ação agressiva. De modo menos drástico, os escravos usavam a idéia de Céu tanto defensiva quanto ofensivamente. Ela podia servir para um julgamento sarcástico dos senhores, como o de Andrew Moss, da Geórgia: “Os brancos que possuem escravos pensam que quando forem para o Céu os pretos vão estar lá à espera deles”, ** Um tema recorrente é o amor mútuo. Os escravos viam o Céu como um lugar de reconciliação com seus semelhantes; mas só vez por outra o viam como um lugar de reconciliação com os brancos. Annie Laurie Broiderick, uma branca cuja família possuía escravos em Vicksburg, Mississípi, recorda as ativi- dades dos escravos metodistas. “Durante suas longas reuniões”, escreveu ela, “depois de se terem tornado religiosos, eles podiam entrar num estado de exaltação, e começavam a gritar e a se aproximar

uns

dos

outros,

e a apertarem-se

as mãos,

dizendo

“espero encontrá-lo no Céu'!”*º Anne Bell, ex-escrava da Carolina do Sul, diz a mesma

coisa à sua própria maneira:

“Se

eu

acredito na religião? Que mais resta para as pessoas de cor? Se não existe um céu, que mais as pessoas de cor podem esperar? Neste mundo não conseguem nada. A única alegria que podem ter é servir e amar; a gente pode conseguir isso na religião, mas em tudo mais há sempre limites para os pretos”. ?º A filhinha de três anos de Fanny Kemble questionou sua ama: “Mary, umas pessoas são livres e outras não”. Nenhuma resposta. “Eu sou uma pessoa livre. Estou dizendo, eu sou uma

363

pessoa livre, Mary; você sabe disso?” Uma aquiescência: “Sim, missus”, E a criança, insistente: “Umas pessoas são livres e outras não; sabe disso, Mary?” Resposta: “Sim, missus, aqui;

As inúmeras utilizações que os escravos faziam de Molsdk podem ser percebidas nos comentários de dois ex-escravos, Diz Savilla Burrel, da Carolina do Sul:

eu sei que é assim aqui, neste mundo”. *?!

Os cantos dos escravos falavam do Céu de Deus e da vida depois desta vida? Ou do retorno à África? Ou de um Céu que fosse qualquer lugar onde eles pudessem ser livres? Ou de um estado indefinido, em que poderiam amar uns aos outros sem medo? Podem ter falado, alternadamente, de todas essas coisas, e talvez, na maioria das vezes, de tudo isto ao mesmo tempo. Homens e mulheres que ousam sonhar com ficar livres de seus sofrimentos raramente têm sonhos muito definidos. A escatologia dos negros pode ser vista com clareza na forma como os escravos lidavam com as figuras de Moisés e Jesus. Não os distinguiam muito nitidamente, mas antes os fundiam na imagem de um único libertador, ao mesmo tempo do mundo presente e do futuro. O coronel Higginson disse que seus escravos faziam uma grande confusão com a história dos judeus na.Bíblia e que associavam Moisés a todos os grandes acontecimentos históricos, até os mais recentes. Após a guerra, os pregadores negros subiram aos palanques para dizer aos escravos libertos da Carolina do Sul que o candidato republicano ao governo do Estado, Franklin J. Moses, era nada menos que O próprio Moisés, que tinha vindo liderar o povo para a Terra Prometida. Por todo o Sul, os negros afirmavam ter visto o senhor Linkum [Lincoln] em sua terra, trabalhando pela libertação. A figura de Moisés, que neste mundo conduziu seu povo para a liberdade, e a figura de Jesus, o Redentor transcendente, uniam-se no tema da libertação, que permeava tudo. Um homem, que fora escravo doméstico e se considerava superior aos que trabalhavam no campo, admitia rezar com eles. “Sim”, explicou, “nós oramos ao Senhor para que nos liberte.” Eliza Frances Andrews enfureceu-se ao ver os ex-escravos adularem o abolicionista que vinha instruí-los, durante a ocupação pela União. “Pensam que ele é Jesus Cristo”, indignava-se ela. “De qualquer forma”, acrescentava, “ele fez mais por eles do que Jesus Cristo jamais fez.” O reverendo C. C. Jones observou que os poucos escravos muçulmanos que ainda havia no litoral da Geórgia identificavam Maomé com Jesus, e poderia ter acrescentado que, sendo assim, identificavam-no também com Moisés.*? 364

O jovem marse Sam Still foi morto na Guerra Civil. O velho marse sobreviveu. Fui vê-lo quando ele estava morrendo, fiquei perto dele e afastei as moscas. Vi as marcas do sofrimento naquele velho rosto e lembrei que ele tinha

sido capitão da cavalaria na guerra. Veio à minha lembrança o canto de Moisés: “O Senhor triunfou gloriosamente, e o cavalo e seu cavaleiro foram lançados ao mar”. E George Briggs, um velho pregador, também da Carolina do Sul, comentou: “No livro do Êxodo, o homem aprende muito bem a ser um líder (...) Moisés ainda é a figura mais forte de governante que a gente tem. O próprio Deus entra na cabeça dos homens que Ele quer que governem e não diz a mais ninguém o que diz a eles”. ”* Os grandes heróis dos spirituals, mesmo quando o nome de Jesus é citado, muitas vezes são os que libertaram

seu povo neste mundo. ** Os escravos reservavam para Jesus um lugar especial e central, mas difícil de ser identificado pelos brancos. Julius Lester, em poucos traços, deixou-nos uma interpretação convincente. Os escravos, escreve ele, “moldaram seu próprio tipo de cristianismo, e recorriam a ele para ter forças em suas constantes dificuldades. Na história da escravização dos hebreus pelos egípcios, contada no Antigo Testamento, eles viam sua própria história. Na figura de Jesus Cristo, reconheciam alguém que havia sofrido o que eles sofriam, alguém que compreendia, alguém que lhes oferecia alívio para seus sofrimentos”.2º Moisés se tornara Jesus, e Jesus se tornara Moisés; e, nessa fusão, os dois aspectos da busca religiosa dos escravos, libertação coletiva enquanto povo e redenção de seus terríveis sofrimentos pessoais, tornaram-se uma só coisa, pela mediação do poder criativo que se manifesta com tanta beleza nos spirituals. Se Jesus sofrera como eles sofriam, se de fato morrera para aliviar seus sofrimentos, tinha necessariamente de tomar uma feição distinta da figura de Moisés. “A morte do salvador”, escreve Max Weber, “pode ser vista como um meio de abrandar a ira divina, pois o salvador aparece diante de Deus como alguém 365

que intercede pelos homens...”27 Assim, ele assumia para os escravos um aspecto duplo, como também acontecia com Moisés de modo um pouco diferente. Neste sentido, os escravos não eram mais “confusos” que os que aceitam a Trindade como manifestação única do Deus dos monoteístas, mas fazem questão

de preservar as identidades e os significados distintos do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Jesus era mais próximo dos escravos do que Moisés, porque também fora pobre, por ter, como Filho de Deus, escolhido a pobreza para condição de Sua vida na Terra. Como diz G. G. Coulton:

Gibbon escarnece do fato de Tertuliano atribuir à mecânica do cristianismo a possibilidade de dar respostas aos problemas que confundiram as mentes mais sábias da Antigiiidade. Mas não será a crítica de Gibbon uma perigosa meia verdade? De uma perspectiva mais ampla, não terá sido mesmo um grande avanço da civilização o simples fato de o artesão tentar responder a essas perguntas? O cristianismo sem dúvida fez nascer um novo espírito, e o espírito é tudo o que importa. A crença hum carpinteiro crucificado, a convicção de que o mais alto triunfo pode advir do mais completo fracasso terreno, fez, na realidade, muitos homens

irem

além

de seus limites,

e fez isso como

coisa

alguma fizera antes, desde os primórdios da história. ii

O cristianismo se difundiu na bacia do Mediterrâneo não

como uma religião de escravos, mas basicamente como uma religião de artesãos. Mais tarde, a classe dominante de Roma fez tudo o que estava a seu alcance para impor o cristianismo aos escravos, a fim de fazê-los aceitar sua “sorte e se voltar para interesses que transcendiam este mundo. Quando os escravos negros do Novo Mundo adotaram o cristianismo, transformaram-no numa religião de resistência, nem sempre de desafio revolucionário, mas do tipo de resistência espiritual que aceitava os limites do politicamente possível. Paul Radin observa que os brancos se voltavam para Jesus em busca de perdão, mas os negros o faziam, basicamente, em busca de identificação.” O fato de os escravos assimilarem Moisés a Jesus foi um instrumento vital para essa transformação. 366

Por mais radical que tenha sido politicamente o Jesus histórico, e por mais subversivo que possa ser o Novo Testamento aos olhos de alguns, os revolucionários cristãos sempre tiveram muita dificuldade para explicar as Epístolas de Paulo e muitas outras coisas. Mais cedo ou mais tarde, geralmente mais cedo, recorriam ao Deus de Ira do Antigo Testamento. A assimilação de Moisés a Jesus foi o meio de conciliar todas as contradições com que se defrontaram os escravos determinados a resistir aos poderes vigentes, porém incapazes de se opor abertamente a eles. Os negros esperavam ansiosamente ficar livres da servidão, mas tinham pouca sede ou pouca oportunidade de vingança, e buscavam a redenção espiritual no Céu, mas não podiam ignorar sua necessidade de redenção material neste mundo. Moisés, uma vez transformado em Jesus, mudava sua perigosa mensagem, e as sombrias implicações dos quarenta anos no deserto podiam ser esquecidas. Jesus, uma vez transformado em Moisés, passava por uma transubstanciação que trazia em si a promessa da salvação neste mundo sem o recurso a aventuras suicidas. A assimilação resolveu o problema de conseguir a liberdade espiritual, manteve a fé na libertação terrena, incutiu um espírito de dignidade e de amor mútuo e se harmonizou com uma realidade política na qual as soluções revolucionárias já não tinham muitas perspectivas. E também preencheu outra séria lacuna. Correndo o risco de uma simplificação excessiva, o Deus do Antigo Testamento pode ser visto como uma divindade nacional — Senhor do Povo ' Escolhido

e Deus

de

Ira —,

e o Deus

do

Novo

Testamento,

como o primeiro Senhor de toda a comunidade humana e como o Deus de Amor. Assim, a “confusão” dos escravos também pode ser vista como uma reação necessária, e até bastante coerente, à sua posição objetiva na América branca. Permitiu-lhes preservar, em forma alterada, o sentimento de serem os filhos queridos de Deus e ainda aceitar, ou pelo menos não rejeitar, os brancos, cujas vidas tinham com as suas próprias o íntimo vínculo da fraternidade em Cristo. Um ex-escravo disse: “O. amor de Deus vai além de toda compreensão. Faz a pessoa amar: todo mundo”. *” Para pessoas que, mesmo sendo escravas, estavam fazendo nascer uma nação dentro de outra nação, seria difícil imaginar uma solução mais satisfatória. 367

Os

pregadores

negros

Nas cidades, escravos e negros livres ouviam a pregação de ministros negros de várias denominações, quase tão bem preparados quanto os ministros brancos, e ouviam também a pregação de inúmeros líderes de classe, de seus auxiliares, ou de líderes de orações, que passavam por assistentes de algum ministro, mas aos quais, na maioria dos casos, competia de fato a incumbência de pregar para os negros. Nas áreas rurais, sobretudo, alguns se enchiam do espírito e pregavam a Palavra,

às vezes sem qualquer tipo de formação ou orientação. *! Toda plantation tinha seu exortador. É pena que se saiba tão pouco acerca do relacionamento entre esse exortador e os prega-

dores negros itinerantes, e das relações de uns e de outros com os feiticeiros das plantations. Não seria surpresa se alguns pregadores negros fossem as três coisas ao mesmo tempo. No litoral da Geórgia, já nos anos 30, pregadores negros, batistas e metodistas, partilhavam abertamente das crenças africanas em fantasmas e bruxas, que suas congregações haviam mantido. Antes da Guerra Civil, alguns renomados líderes negros, como o bispo Daniel Alexander Payne, da Igreja Episcopal Metodista Africana, combatiam ferrenhamente o “paganismo” e as crenças e práticas “estrangeiras” de seus conterrâneos. Apesar de todas as tentativas, um

!, y

pastor branco

escreveu

no Religious

Herald,

de Richmond, Virgínia, que os negros se aferravam às velhas crenças, e que os maiores responsáveis por isso eram os pregadores. Os pregadores das plantations, bem como os itinerantes, geralmente eram respeitados por patrões e escravos, mas também não era raro serem chicoteados, ou coisa pior, por causa de seu trabalho, Queriam, e quase sempre conseguiam, respeito, prestígio, influência e favores especiais, mas também se expunham a perigos. William Wells Brown recorda um pregador que pertencia à mesma igreja do patrão, e mesmo assim o patrão o vendeu, separando-o da mulher e dos filhos. Outros pregadores, como Solomon Oliver, recebiam surras frequentes por desafiar as proibições de pregar para os escravos. As compensações podiam ser tentadoras para os vaidosos e ambiciosos, mas os riscos exigiam muita dedicação, 368

Os viajantes brancos diziam que os pregadores negros eram mulatos, e muitas vezes eram, mas isso acontecia apenas nas cidades que atraíam turistas, como Charleston, Nova Orleans e Richmond. Pregadores negros e mulatos trabalhavam juntos, e não há muitos indícios de rivalidade ou espírito de casta entre eles, a não ser no seio da pequena elite urbana de cor. Sir Charles Lyell, Fredrika Bremer e outras pessoas que viajaram pelo Sul encontraram pregadores negros em toda parte. Os registros das plantations e os relatos de ex-escravos confirmam o fato. Os pregadores negros a que os brancos se referem geralmente sabiam ler e conheciam a Bíblia, ao contrário dos escravos que trabalhavam na lavoura e às vezes também atuavam como pregadores. Mas sem dúvida havia alguns analfabetos ou muito pouco instruídos, embora não em proporção muito mais alta que entre os pregadores brancos pobres. A reputação dos pregadores negros de serem analfabetos ou pouco instruídos devia-se principalmente aos relatos de brancos e negros acerca dos escravos que pregavam nas fazendas quando não havia um pregador habitual. Mas faziam seu trabalho com enorme dedicação. Um exemplo: dois escravos que realizavam casamentos na plantation fingiam ler na Bíblia os textos adequados à ocasião; faziam-no não tanto para impressionar os companheiros, que deviam saber que eles eram analfabetos, mas antes para manter a dignidade da cerimônia. Sabiam os textos de cor, porque o neto do patrão lhes ensinara.

No século XVIII, os negros livres que eram pregadores gozavam de boa reputação no Sul, Caso não contassem com o apoio dos brancos, organizavam reuniões clandestinas nas plantations e, quando descobertos, a recompensa para seu trabalho era serem espancados. No século XIX, foram proibidos por lei de atuar como pregadores; então, ganharam a confiança de alguns brancos e passaram a trabalhar como “assistentes” do clero

branco, dando continuidade a seu próprio trabalho. Com lei ou sem lei, com repressão ou sem repressão, os escravos nunca deixaram de ter seus pregadores negros, que ouviam talvez sem muita regularidade, mas com fregiiência suficiente para fazer alguma diferença em suas vidas. Durante o século XVIII, os pregadores negros não enfrentaram muitas dificuldades para fazer seu trabalho, mas no século XIX foram duramente reprimidos. Cada vez que havia temores 369

de insurreição, de Gabriel a Vesey e a Nat Turner, desencadeava-. se nova onda de repressões. Após 1831, as leis passaram a proibir que negros livres pregassem para os escravos; tentaram registrá-los e controlá-los, ou então exigiam a presença de um branco sempre que um negro pregava. Mas os pregadores, livres ou

escravos,

não

desistiram.

Na

Virgínia,

entre

1770

e 1780,

havia pelo menos meia dúzia de negros pregando regularmente para os brancos. John Chavis, um negro livre, era ministro presbiteriano, e a princípio teve de enfrentar a hostilidade de muitos brancos; foi obrigado a interromper suas atividades durante as repressões que se seguiram à revolta de Nat Turner. Corajoso, abriu uma escola particular, para brancos, que dirigiu até morrer, em 1838. Segundo o reverendo R. C. Medaris, pastor batista branco do Arkansas, um pregador escravo alforriado no fim da vida, pai Tom Clements, oficiou cerca de cem funerais de brancos batistas. Antes da guerra, até na região mais meridional — Alabama, Mississípi e Luisiana — muitos brancos eram seguidores de pregadores negros; o trabalho desses pregadores no Texas e na região ocidental do Cotton Belt parece ter sido mais fácil e mais intenso do que foi mais para o leste. Ministros brancos respeitados, como Jacob Walker, de Augusta, Geórgia, e Joseph Wills, de Opelousas, Luisiana, achavam que tinham a responsabilidade de chegar até os escravos, mesmo que pregassem para homens livres, inclusive negros. Mas a repressão que se seguiu à revolta de Nat Turner conseguiu o que pretendia. Alguns dos melhores ministros negros deixaram o Sul ou não pregaram mais. Os ex-escravos recordavam com orgulho alguns pregadores especialmente bem-dotados. Elizabeth Ross Hite lembrava-se de um, na Luisiana, que falava cinco línguas, o que não surpreende muito num Estado onde os escravos, além do inglês, não raro aprendiam também o francês e o espanhol. Andrew Goodman, ex-escravo da Virgínia, recordou um pregador chamado Kenneth Lyons, “um homem de boa cultura e o melhor pregador que já ouvi”. Feribe Rogers, ex-escravo da Geórgia, falou de um pregador instruído que realizava casamentos e ensinava leitura. W. L. Bost, ex-escravo da Carolina do Norte, lembrou um jovem pregador “extremamente esperto” que se preocupava muito com as crianças da plantation. Não seria de admirar se a maioria dos pregadores negros, no Sul, fosse de homens instruídos, tantos 370

são os comentários de brancos e de negros acerca de seu nível de instrução e dá erudição que demonstravam. O reverendo €, €, Jones disse que se deveria levar em certa consideração o fato de nem todos os ministros negros saberem ler; ao que parece, ele não tinha dúvidas de que a maioria deles era alfabetizada, e estava certo de que seus leitores também sabiam disso. Majoritário ou não, o número de pregadores negros instruídos era suficiente para podermos afirmar que os escravos, de vez em quando, ouviam a pregação de pessoas preparadas e instruídas. E certamente

essas pregações,

eventualmente,

os fa-

ziam ver que, apesar de sua alegada inferioridade, os pregadores negros podiam rivalizar com os brancos e até superá-los, não só em espírito como também no conhecimento do Livro. Em sua obra Souls of Black Folks (As Almas dos Negros), W. E. B. Du Bois diz que havia na religião dos escravos três características especiais: “O Pregador, a Música e a Exaltação”. Continua Du Bois:

O Pregador é a personalidade mais singular que os negros criaram

em

terras americanas.

Um

líder, um

político, um

orador, um “chefe”, um intrigante, um idealista; tudo isto ele é, e é também o centro de um grupo de homens, que podem ser em número de vinte, ou de mil. A conjunção de uma certa astúcia a um arraigado fervor, de tato a uma habilidade consumada, dava-lhes essa preeminência e os ajudava a mantê-la.

Devido ao caráter específico de sua religião — a alma africana e a necessidade absoluta, criada pela condição de escravo, de uma mensagem simples que falasse ao coração —, os escravos se voltavam naturalmente para os que podiam compreendê-los e lhes falar de suas esperanças e aflições. Escravos, feitores, artesãos e até lavradores de personalidade mais forte começaram a pregar. Os que passaram a pregar a Palavra eram exatamente os negros escravos ou livres que tinham a força de liderar seus companheiros.

Nada

leva a crer, a partir da análise da escravi-

dão e da Reconstrução, que os pregadores tentassem usurpar a liderança da comunidade; ao contrário, segundo o testemunho dos próprios escravos, eram os líderes naturais da comunidade que se sentiam impelidos a pregar, e viram na pregação um 3571

T Tr

caminho para o prestígio e o poder, e um meio de servir à comunidade negra da melhor maneira possível. As atitudes dos brancos para com os pregadores negros variaram muito, de acordo com a época e a região. Sempre que havia problemas, a culpa era atribuída aos pregadores. O exemPlo mais dramático da reação que veio na esteira dos maiores distúrbios posteriores à Guerra Revolucionária são as consegiiências da revolta de Nat Turner. Na opinião do governador Floyd da Virgínia, a ação nociva dos pregadores era o cerne da insúrreição. Segundo fora informado, os rebeldes pretendiam criar um governo negro onde os pregadores seriam ditadores. Ante a pequena incidência de revoltas no Sul, e ante o fato de não se poder de modo algum considerar revolucionária a maioria dos pregadores, a reação do governador Floyd, tão característica dos brancos, pode parecer exagerada. Mas historiadores como Herbert Aptheker, James Hugo Johnston e outros coligiram provas que defendem a sanidade do governador. *2 7 Os pregadores não costumavam incitar à revolta e à violência, pois negros sensatos dificilmente teriam idéias insurrecionais

hum

contexto

que

as desencorajava

por completo.

Mas

muitos

se teriam tornado revolucionários caso as circunstâncias mudassem. Nem seu temperamento nem a natureza de sua fé religiosa os impediriam de recorrer às armas. Num contexto diferente muitos deles seriam, na opinião dos senhores de escravos, homens perigosos, de tendência política imprevisível. Se a maioria não incitou seus seguidores a se armar, foi devido antes à distribuição de forças que às suas próprias inclinações. O Sul branco não podia correr riscos. A distribuição de forças favoráveis podia convencer os moderados da pouca probabilidade de insurreições; mas “pouco probabilidade” não era o bastante para homens que tinham esposa, filhos e propriedades.

A par disso, os pregadores, ainda que não incitassem ao derra-

mamento de sangue, podiam causar muitos problemas. Para dar um exemplo simples, um tribunal do distrito de Madison, Alabama, recomendou em 1854 que só brancos tivessem permissão pa-

ta pregar para escravos, porque muitos pregadores negros estimu-

lavam desordens. * Os jurados do tribunal eram pessoas que conheciam sua terra e seus habitantes, negros e brancos, Podiam

não estar muito assustados, mas decerto sempre agiam com caute-

la, visando preservar seus próprios interesses em assuntos ligados 372

à relação senhor-escravo. Para muitos, a situação era parecida com a que enfrentara o duque de Newcastle, partidário do rei, durante os distúrbios do século XVII na Inglaterra: “Deve-se

rezar mais e pregar menos, porque a pregação cria facções, e as orações geram devoção”.** Desde os primeiros tempos da escravidão, anúncios falavam de escravos fugidos que diziam ser pregadores e acabavam se revelando, aos olhos da classe senhorial, patifes sem poe Olmsted diz que o mau caráter dos pregadores era ponto pacífico para os brancos do Sul.** Inúmeras vezes, o pregador da plantation era considerado o “pior negro do lugar”. Mentiroso. Ladrão. Encrenqueiro. Gabola. Impostor. Um oportunista rematado. Os proprietários de escravos viam no pregador negro um negro muito mau, e às vezes reagiam a ele com

mo. Um

desdém e cinis-

senhor de escravos de Mobile, Alabama, pôs à venda

um pregador negro: “Posso garantir sua presunção, mas não

sua doutrina”. A resposta do potencial comprador é reveladora: “Pouco me importa sua doutrina, se eu o comprar; não me importa quão negro ele seja, basta alimentá-lo bem e em um mês ele será tão ortodoxo quanto o arcebispo”. *” Mas as atitudes dos brancos não eram apenas de hostilidade, suspeita, desprezo e cinismo. Muitos brancos foram contagiados pelo genuíno apelo espiritual dos pregadores negros, que podiam ser seus próprios escravos, e chegaram a tomar medidas

para os proteger. Os pregadores que expressavam opiniões so-

ciais ortodoxas, fosse sinceramente ou só para enganar os brancos, eram os que recebiam maior consideração. Um dono de plan-

tation sulista escreveu em seu diário, com evidente interesse, acer-

ca de um negro livre, pregador, que não gostava dos abolicionistas e se recusava a ser missionário na África alegando que lá não havia brancos.** Esse fazendeiro era também ministro, e sua mulher escreveu palavras comoventes sobre o “fiel pai Nat”, o escravo que pregava na fazenda. Segundo sua descrição, era instruído, e “todos confiavam nele e o respeitavam”. Ela acrescenta uma observação ambígua, dizendo que pai Nat contava ao patrão as “condições” e os “atos” dos negros; isto leva a crer que fosse um informante, mas também pode ter sido um porta-voz dos interesses dos escravos, O mais provável é ter

sido ambas as coisas.”

375

Muitos senhores de escravos, em especial os que também pertenciam ao clero, entenderam que os negros, a despeito de qualquer lei ou exigência dos brancos, encontrariam sempre algum modo de ouvir seus pregadores, Por isso, pediram que as políticas fossem mudadas, no sentido de aceitar o inevitável. Era melhor, a seu ver, que as igrejas dos brancos estimulassem a pregação dos negros, ficando em condições de vigiá-la. O reverendo C. C. Jones, infatigável em sua luta para converter os escravos, defendeu com vigor o aproveitamento explícito de exortadores” negros como auxiliares na pregação, ainda que sem licença ou treinamento específico. Fez notar que mesmo sem qualquer sanção oficial, “inúmeros” pregadores e exortadores negros trabalhavam nas plantations, e os brancos achavam que muitos deles faziam um bom trabalho. Com inspiração inusitada, mas com a coragem habitual, o reverendo Jones argumen-



que Deus sempre prega às pessoas, em parte, por meio de

sia

pessoas.

Os

pretos

tinham

direito

de

ter pregadores

Na verdade, o reverendo Jones apenas se rendia à evidência dos fatos. O único problema era estabelecer os limites para a influência e a supervisão dos brancos. Mesmo os ministros brancos muito atuantes nas plantations teriam de contar com assistentes negros, a cujo cargo ficavam as pregações. De Charleston a Jackson, nas cidades e nos campos, dizia-se a mesma coisa: as leis contra os pregadores negros não deviam ser apoiadas. *" A tolerância dos brancos em relação aos pregadores negros, que sempre se manteve num equilíbrio incômodo entre a repres-

são e a ofensa, contribuiu para a tendência cada vez mais forte

no sentido da segregação religiosa. Assim, representou não só um reforço às formas mais violentas do racismo branco e uma concessão à sensibilidade dos negros, mas também o poder dissimulado dos escravos sobre suas próprias vidas. Na época da guerra, Fitzgerald Ross disse sem rodeios que os negros do exército Confederado preferiam abertamente suas próprias reuniões religiosas, dirigidas por seus pregadores, e que os brancos

áreas rurais. Na Carolina do Sul, um escravo sentiu a vocação de pregar, mas seu patrão o ridicularizou, lembrando-lhe que era analfabeto e ignorante. O escravo não desistiu, e o patrão acabou permitindo que ele fizesse uma tentativa. E segundo um outro escravo, que testemunhou o episódio, “Bird fez o sermão mais emocionante que já se ouviu”. O senhor lhe concedeu a liberdade, deu-lhe um cavalo e mandou-o ir pregar pela região. Outros escravos, até mesmo alguns que mais tarde se tornaram ministros, também atestam o apoio e a generosidade de alguns

brancos. *º

Os escravos preferiam os pregadores negros. Anthony Dawson, sobrinho de um feitor-pregador que sabia ler, disse: “Quase sempre temos pregadores brancos, mas quando temos um negro nos sentimos no céu”. *” Ex-escravos da Virgínia recordam que muito tempo depois de estarem em vigência as leis repressivas dos anos 1830, os escravos pediam, e conseguiam,

pregadores negros para seus funerais. ”* Diz Charlie Meadow,

da Carolina do Sul: “Meu pregador favorito era um africano grandão chamado Williams, que vinha pregar na igreja dos pretos de vez em quando”. E diz Pete Franks, do Mississípi: “O velho Papai Young foi o melhor pregador que tivemos”. Walter Calloway, do Alabama, acrescenta com simplicidade que os escravos preferiam Joe, um pregador também escravo, aos pre-

gadores brancos itinerantes. ?* Quando podiam, os escravos coletavam algum dinheiro para dar aos pregadores, abrigavam-nos

e cuidavam de suas mulas e de seus cavalos. º”

Mas nem sempre os pregadores negros tinham uma reputação imaculada entre os escravos. É o que demonstram algumas

canções satíricas: *º Dizem que os pregadores não roubam, Ha, ha, Rosie! Peguei dois no meu milharal, Ha, ha, Rosie!

por sua vez, preferiam não interferir nesse ponto. 2 Depoimen-

tos de negros e também de brancos mostram que muitos senhores apreciavam o talento dos escravos e os estimulavam a pregar. Robert Toombs, conhecido fazendeiro e político da Geórgia ensinou seu cocheiro a ler e escrever, e permitiu-lhe pregar nas 374

ou:

Eu não deixaria um pregador fora de minhas vistas Porque

eles, noite alta, costumam

fazer muitas coisas.

375

ou então esta outra, na qual supostamente é o próprio pregador quem canta:

Os pregadores, tanto antes quanto depois da guerra, foram muitas vezes acusados pelos negros de promiscuidade, extorsão e infidelidade, mas as mesmas acusações eram feitas pelos brancos aos pregadores brancos da região.” Jamais, porém, as críticas dos negros a seus pregadores chegaram a ponto de desacreditá-los coletivamente. A fraqueza humana não tinha muita importância. A fé no pregador era uma expressão pessoal da fé em Deus, e para os escravos, em especial, fé em Deus queria dizer fé em si mesmo, na própria alma e no próprio valor. O relacionamento da comunidade de escravos com seu pregador mostra muito bem a acurácia das observações de Georg Simmel sobre a sociologia da religião: A fé no ser humano, mesmo que não se justifique objetivamente, tem a imensa vantagem de inflamar muitas coisas em nossa alma e de ligar fatos transitórios que poderiam ter permanecido inconscientes ou pouco importantes (...) (0) apoio de nosso semelhante, no sofrimento, pode ser um paliativo não muito adequado ou conveniente, mas se confiarmos em sua ajuda recobraremos ânimo e força. Ele tenta nos provar algo com uma argumentação precária, mas se a tomarmos por verdadeira descobriremos em nós mesmos a resposta correta. Com freqiiência, nós próprios entregamos a alguém de nossa confiança os tesouros que são só nossos; mas o outro nos estimulou a procurar esses tesoudentro

si mesmo,2

de

nós.

Tudo

isto

leva

o homem

a crer

em

É As Vezes, Os escravos criticavam os pregadores por motivos não pessoais. Charley Williams, um ex-escravo que vivera no Mississípi, na Luisiana e no Texas, conta: “As vezes a gente tinha reuniões, mas o preto que pregava só ficava falando de como ser um bom preto e de como agradar ao patrão”. ?! Outros ex-escravos disseram que alguns senhores contratavam 376

em particular diziam aos irmãos coisa bem diferente.“2

Era como se os pregadores andassem sobre uma corda bamba. Sabiam que precisavam da proteção de seus senhores. Eram homens de Deus, preocupados com a vida espiritual dos

Irmão, se quiser que eu pregue, Guarde algum dinheiro para mim.

tos

pregadores negros para dar seus recados. Durante a guerra, muitos deles, em público, rezavam pela causa confederada, mas

escravos; portanto, se não se empenhavam em separar a teologia

das questões sócio-políticas, não era por indiferença para com a teologia, mas por terem uma visão holística da vida. Eram obrigados a se comprometer de várias formas para poder levar a cabo sua incumbência principal: pregar a Palavra. Um escravo pregador do Tennessee, o velho Alfred Williams, quando teve de enfrentar a hostilidade dos patrulheiros a suas reuniões de oração, recorreu imediatamente a seu senhor, sabendo que podia contar com a proteção dele.** Quando não havia brancos presentes, os pregadores se tornavam mais ousados, sempre mantendo, porém, uma certa cautela, pois podia haver informantes infiltrados; por isso, procuravam não se inflamar muito. Hiram R. Revels, um pregador que mais tarde, durante a reconstrução do Estado do Mississípi, foi

senador dos Estados Unidos, escreveu: “Eu tomava todo o cuida-

do para não fazer nada que pudesse incitar os escravos a fugir de seus senhores. Como todos sabiam que meu objetivo era pregar o evangelho e elevar as condições morais e espirituais, até os donos de escravos se mostravam tolerantes comigo”. Como fez ver o reverendo Henry H. Mitchell, mesmo o conser-

vador John Jasper, que gozava de grande prestígio entre os .

brancos e era absolutamente idôneo em questões políticas, fez muito por seu povo, dando-lhe uma forte consciência dos valores morais, sem a qual teria sido impossível qualquer movimento

no sentido da futura libertação. **

Alguns pregadores, quando tinham oportunidade, eram mais audaciosos. “Quando comecei a pregar”, recordou o reverendo Anderson Edwards, ex-escravo do Texas, “não sabia ler nem

escrever, e pregava o que o massa mandava. E ele mandava eu dizer que se os pretos obedecem ao massa eles vão para o céu;

eu sabia que tinha coisa melhor para dizer a eles, mas só tinha

coragem de dizer em segredo. Fiz isso muitas vezes. Dizia que se eles rezassem sempre o Senhor os libertaria.” “ E James Chil-

dress, ex-escravo no Tennessee, de tudo o que ouvira em pre577

gações, lembrava-se apenas da promessa da libertação da escravidão por meio da fé em Deus.” Litt Young, que fora escravo no Mississípi, contou que sua patroa mandara construir uma igreja bonita e boa para os escravos e providenciara para eles um pregador mulato, Este, por ordem dela e na sua presença, limitava-se a pregar a “obediência aos senhores”. Mas, se ela não estava presente, “ele pregava diretamente da Bíblia”, 2 ““Pregar diretamente da Bíblia” não significa ter ousadias políticas, mas também não significa manter-se ideologicamente neutro. Os escravos apreciavam a construção artificial e o objetivo político das palavras dos brancos, e a isso opunham uma “visão bíblica do mundo que implicava a noção de uma ordem inerente mais elevada no universo, e portanto uma Verdade muito superior às exigências das relações temporais. Examinemos alguns sermões “não políticos”. Lyell, numa igreja metodista de negros em Louisville, ouviu um pregador, negro retinto e bem-falante, chamar seus congregados de “senhores e mada-

mes” e ressaltar que toda a humanidade descende de Adão e

Eva. Seria' difícil imaginar algo mais submisso e ao mesmo tempo mais subversivo à hegemonia da supremacia dos brancos, sustentada pela classe dos senhores. ” Em Savannah, Lyell ouviu

um negro pregar para uma congregação de cerca de seiscentas

pessoas, negras na maioria. Falava tão bem que na opinião de Lyell seus erros ocasionais de gramática e suas concessões à “linguagem dos negros” eram deliberados. Sua tese era a seguinte: Viva moralmente de modo a merecer o Céu. E ele definia o Céu como um estado futuro no qual Deus tratava sem qualquer parcialidade “pobres e ricos, negros e brancos”. *º Lembrar aos escravos que Deus não fazia distinções de classe ou de raça podia não ser revolucionário, mas não deixava de ter alguma coisa de dissidência ideológica. Este tema, desde o início, sempre fora um dos preferidos, mas o fato de abordá-lo era às vezes motivo suficiente para que um senhor mais exaltado mandasse O pregador negro ir trabalhar nos campos de algodão. *! Com a liberdade, não fazia mais sentido o tema favorito dos pregadores brancos, “Obedeçam a seus senhores”, que foi então substituído pelo texto de Malaquias, 2:10: “Não temos todos um único pai? Não foi um único Deus que nos criou?” 2 Durante um batismo de escravos, realizado por um pregador também escravo em Augusta, Geórgia, um sulista branco ouviu o pre378

gador dizer: “Todos os que me ouvem, negros e brancos, servos e livres”.

E

eles

responderam:

“Negros

e brancos,

servos

e

livres”. *º Fredrika Bremer fala de escravos de uma plantação de arroz da Carolina do Sul, que durante o dia ouviram um pregador metodista branco bastante enfadonho e à noite se reuniram para ouvir um pregador negro. Ela assim resumiu a mensagem do pregador negro: “Façamos o que Cristo nos mandou fazer; façamos o que ele deseja, amemo-nos uns aos outros”.** Não era uma mensagem de resistência, mas de reafirmação da personalidade e do valor dos escravos. Um povo capaz de se inflamar de amor pelos semelhantes resiste seriamente à degradação que os piores sistemas sociais podem lhe impor. A srta. Bremer estava certa ao ver uma mensagem de “liberdade espiritual” nas palavras do pregador. Era um tema já antigo entre os escravos. Edmund Botsford, ministro branco, comentou os resultados de uma série de reuniões de revigoramento religioso, realizada em 1790. Os negros, disse ele, “geralmente superam os brancos em muito, tanto no tocante a amor mútuo quanto na maioria dos outros deveres”. *5

O reverendo J. G. Williams, um branco que vivera entre os escravos Gullah, deixou-nos alguns exemplos da sútileza das

técnicas usadas pelos pregadores das plantations. Recompôs de memória, ou talvez a partir de anotações, os sermões do Irmão.

Paul Coteny onde ele mais insinuava que os escravos deviam protestar contra sua escravização. Coteny, que passava por ser

um “bom negro”, fazia o sermão habitual contra o roubo, recomendado pelo velho maussah, cuja dedicação cristã aos escra-

vos era tida em alta conta. Mesmo assim, pouco a pouco, bem à vista do reverendo Williams, o Irmão Coteny foi transformando

seu sermão num ataque aos brancos: Cuidado, pretos! O diabo vai fazer reluzir diante de seus olhos os milhões de seus amos. Milhões brilham muito diante dos olhos dos pretos. As galinhas dos amos e os porcos deles são coisas atraentes para os olhos (...) E os reluzentes dólares de prata e de ouro são coisas atraentes

aos olhos dos amos, e por isso alguns amos querem ter muito ouro, tanto ouro que se pode calçar uma rua com ele. E o preto é uma coisa que reluz aos olhos do amo. 379

a gr

u

olha um preto e diz: “Mil dólares por esse preto”.

digo, os pretos vão fazer esses amos pagarem caro.

Em outros sermões, inocentemente, Irmão Coteny investia contra o pecado comparando os pecadores a cabras e os cristãos a ovelhas. Não fazia qualquer alusão ostensiva aos brancos, e reafirmava: “A pele do patrão e a dos pretos é diferente mas seus Corações são da mesma cor”. Terminava com a costumeira pi ema no Dia do Juízo Final o Senhor separaria pão s cabras. O que o reverendo Mr. Williams parece tão ter percebido é que na cultura popular dos negros as cabras têm um significado especial: são identificadas aos brancos. Mas é impossível que ele desconhecesse o significado especial ue os

brancos davam às ovelhas, antes da guerra: faziam sã

gia on ovelhas e negros, porque uns e outros tinham “carapinha”, e não cabelo. Os escravos, porém, entenderam perfeimag a referência, pois responderam ao Irmão absateduc ie o ejo o Senhor, nós pretos sabemos quem tem carapiPs estudiosos talvez estejam certos ao afirmar que a religião dos negros, no Sul do pós-guerra, passou a se preocupar com o staiuís quo, ensinando que no Céu a situação se inverteria. *” Mas não se deve esquecer que tal ensinamento não se referia apenas ao siatus quo dos escravos. Primeiro, os líderes religiosos tiveram de lutar contra o sentimento de desvalor e inferioridade que os senhores tentavam constantemente incutir nos escravos Portanto a doutrina da igualdade espiritual e de um futuro onde os brancos não mais teriam a supremacia foi muito valiosa e

positiva, apesar de seu teor político ser limitado e conservador

Fredrika Bremer cita um único pregador negro, um metodista de Cincinnati, que se referia em termos diretos ao nacio nalismo negro: “Acaso Deus não está conosco? Estou fninndo de nossa nação, meus irmãos...” Ele contava a história dos israelitas identificando-a à da nação negra oprimida e fazendo dos negros o Povo Eleito, que Deus punha à prova por meio da escravidão e da opressão.** Tal mensagem pode ter sido pregada nas reuniões secretas dos negros do Sul, mas nada indica

que tenha tido muita repercussão. De qualquer forma, por man-

ter a unidade espiritual de seu povo, por lhe sida a se valorizar e amar mutuamente e a confiar na libertação final, 580

os pregadores negros contribuíram muito, mais até do que pude sem supor, para criar uma sensibilidade nacional negra, Os pregadores negros enfrentavam um problema semelhante ao dos primeiros pregadores cristãos: tinham de usar uma linguagem desafiadora, para manter elevado o espírito de seus rebanhos, mas não podiam se inflamar demais e se expor ao risco de confrontos que não venceriam, nem

ser muito

ameaça-

dores, a fim de não provocar a ira das autoridades.*” Muitas vezes tinham, como Justino, de falar em paz € lealdade ante grandes audiências, e reservar as mensagens mais radicais para as congregações capazes de recebê-las. Mas, ao contrário de Justino, agiram com habilidade e escaparam à morte. Os estratagemas dos pregadores negros foram favorecidos pelo baixo nível intelectual dos brancos designados para vigiá-los, geralmente incapazes de detectar os elementos de subversão presentes nos sermões, a menos que fossem flagrantes. gs Muito se deve aos pregadores negros; foi significativa sua contribuição para a cultura sulista em geral, especialmente para a cultura negra. Eles tinham um estilo próprio de pregação, e embora utilizassem muito os cantos africanos de invocações floreado oratório estilo ao em recorress vezes às respostas, e dos políticos e pregadores brancos que ouviam. Os pregadores a proque conseguiam sucesso sabiam o quanto era importante seus gressão rítmica das palavras, e também sabiam conduzir ouvintes a uma exaltação cada vez maior, começando a falar artidevagar e suavemente, passando em seguida a uma rapidez

ficial, É impossível negar que, além de terem criado um estilo afro-americano singular, os pregadores contribuíram muito, de modo profundo, embora sutil e não deliberado, para a criação

do estilo oratório tradicional do Sul, que geralmente se atribui

apenas a homens brancos de poder e posição.

As palavras dos pregadores negros nem sempre eram compreendidas pelos brancos que tinham a felicidade de ouvi-las.

as E nem sempre, também, as entusiastas audiências negras brancos. muitos de opinião a compreendiam. Pelo menos, esta é Vários pregadores das plantations eram analfabetos e se expressaos vam num mau inglês; por vezes, também, os brancos não

entendiam

porque

esperavam

ouvir

um

inglês

razoável

de

pregapessoas que falavam um dialeto negro. Mesmo assim, os de dotados brancos dores negros conseguiram comover alguns 381

o

sensibilidade, como Mary Boykin Chesnut. Ela descre ve uma congregação da fazenda, que acabara de ouvir um exaltad o ' ! da metodista branco; terminada a oa

pregaE dor continuaram reunidos:

;

Pregação, os: negros

Jim Nelson, um feitor, o preto mais imponente que eu já vi, alto e ereto como um pinheiro, com um belo rosto hão negro retinto mas de sangue totalmente africano foi chamado para dirigir a oração. Suas palavras não faziam o menor sentido. O que magnetizava era a paixão e a devoção que havia em sua voz, e a sua maneira, Os negros soluçavam e gritavam, e inclinavam-se para diante e para trás; alguns cobriam os olhos com os aventais, a maioria e ind e respondia em voz estridente: “Sim, Deus!” esus!” “Salvador!” “Louvado seja o Senhor, amém” etc. Era excitante demais para mim, - E Eu também : gostariaí muito

de ter gritado... 4

Evidentemente, os pregadores negros dos tem

vidão empregavam um estilo ditéreto deciúeio c r Os que pregam em áreas rurais; não haveria sentido uma comparação. Mas os estilos apresentam muito mais indício s de continuidade que de descontinuidade, e muito se pode aprender acerca dos pregadores de antes da guerra nos estudos de Bruce A Rosenberg e do reverendo Henry H. Mitchell sobre os atuais Pregadores populares”. Há em sua pregação um forte elemento de cântico, ou seja, canto, Isto levou Rosenberg, cujo importante livro é Prejudicado por um incrível descaso para com a cultura africana, a atribuir esse estilo muito mais a influências européias que africanas, ou a uma conjunção de ambas.

Em geral, o pregador começa a falar num tom comedido

pa pouco a pouco as palavras fluem com mais ritmo e intensip de. O ritmo, crescente e decrescente, entrecortado por gemiOs, resmungos e gritos, vai conduzindo ao clímax, e então o pregador rompe de fato num cântico que se transf orma em canto. É ele quem leva a congregação a dar uma resposta mu-

sical, e talvez tenham vindo dessa prática as canções tão belas

e espontâneas que os escravos criaram. Nunca há dois sermões pes mas todos foram inarcantemente influenciado s pelos spiFiuais, e por sua vez também os influenciaram. Cada sermão 382

é uma nova construção poética e uma nova combinação de ele

mentos artísticos.*? Muitos pregadores negros atuavam não só junto a congregações de rudes escravos das lavouras, que falavam em dialeto, mas também junto a congregações de escravos domésticos, urbanos, de negros livres e até de brancos. E o mais impressionante é que pregavam muito bem para todos eles. Usavam o inglês comum, ocasionalmente lançando mão de palavras e expressões do dialeto, a fim de se fazer entender pelos trabalhadores do campo, e recorrendo a uma paralinguagem de tom, gestos e ritmo, a fim de transmitir a mensagem aos que não fossem capazes de acompanhar um sermão mais elaborado, Os resultados por vezes surpreendiam os observadores brancos. Henry E. Simmons, de Rhode Island, um soldado da União que tinha para com os negros uma atitude de condescendência, presenciou em

1863

uma

reunião

num

acampamento

de escravos

fugidos,

na Virgínia, e contou à esposa: “O velho ministro negro começou a pregar, e em quinze minutos fez um sermão melhor que o do capelão, que pregara durante uma hora pela manhã”. a Mesmo os escravos pregadores mais instruídos usavam a linguagem dos negros, como aliás ainda fazem hoje ministros negros bem preparados; e não o faziam de modo afetado, como quem se dirige a congregações pouco instruídas, mas simplesmente para falar da maneira mais bem-aceita e preferida. Recorriam à repetição, o que criava um clima próprio e enfatizava, como

disse

o dr.

Mitchell,

antes

a “intensidade

da

resposta”

que a “amplitude do assunto abordado”. Ainda hoje os ministros instruídos usam com toda a liberdade negativas duplas e outras expressões de “mau inglês”, basta ler os excertos de sermões do dr. Mitchell, que é também um erudito e professor universitário, ou lembrar os enérgicos sermões e discursos do falecido dr. Martin Luther King. Para ouvintes sulistas, trata-se de um uso perfeitamente claro e coerente do dialeto. Segundo o dr. Mitchell, os pregadores precisam recorrer à linguagem popular não só para ser ouvidos mas também como veículo de transmissão de pensamentos importantes. O povo deve ouvir a Palavra de Deus na sua própria linguagem. Ao agir assim, os pregadores levaram aos negros um Deus que era mesmo deles, e não uma remota imagem de pai branco. 383

No período ariterior à guerra, os pregadores incultos, sobretudo os analfabetos, tentavam impressionar os brancos que os ouviam ou despertar a admiração dos outros negros, floreando seus sermões com expressões como “pecadores ignominiosos”, ou “Sua presença glorificadora” e outras tão absurdas quanto -as empregadas por inúmeros pregadores batistas brancos da região. ** Muitos brancos riam do fato e viam nele um motivo

para se sentir superiores. Mas os negros, conscientes ou não

da charlatanice e dos erros patéticos, quase sempre respondiam com entusiasmo. Os brancos tomavam as jubilosas respostas dos negros como mais uma prova de sua inferioridade. Contudo, até Os escravos mais atrasados culturalmente estavam respondendo a algo que ultrapassava os aspectos formais dos sermões. Nem todo pregador negro era acolhido sem reservas pelos escravos, assim como nem todo pregador branco era automaticamente rejeitado. A comunicação dos pregadores tinha de se estabelecer por algo mais que palavras, quando mais não fosse porque quase sempre havia brancos ouvindo. E, mesmo que não houvesse, a tradição dos estratagemas, indispensável à sobrevivência sob a dominação dos brancos, manifestava-se como meio de vida, e não apenas como máscara que se podia ou não usar, ao bel-prazer. Por isso os pregadores davam tanta importância ao tom, aos gestos e ao ritmo, e integravam à mensagem verbal um apelo emocional profundo que transcendia as próprias palavras. De certa forma, todos os pregadores tinham de fazer isso, mas para os pregadores negros tratava-se de uma questão específica e de especial dificuldade. O sucesso de pregadores negros como John Jasper, da Virgínia, muito nos ensina. Não raro os escravos adiavam funerais até Jasper poder ir à plantation para realizá-los. Durante a guerra, ele foi muito bem-aceito pelos confederados a quem ia pregar e oferecer conforto. Consideremos seu mais famoso sermão, repetido, como se sabe, centenas de vezes, tanto para brancos como para negros. Jasper ouvira dizer que alguns hereges estavam levando o povo a crer que a Terra girava em torno do Sol e que este não se movia. Os brancos mais destacados de Richmond, assim como os escravos mais pobres das áreas rurais, acorreram para ouvir sua réplica, que ficou conhecida como o sermão

“O Sol se Move e a Terra É Quadrada”, 384

;

Josué disse ao Sol para não se mover até ele ter derrotado seus inimigos. E o Sol, que já estava bem alto no céu, parou para Josué. Parou para ele poder agir e só se moveu quando ele terminou.

Antes de concluirmos que alguns brancos saíram rindo do serviço religioso, e muitos deles certamente tinham ido até ça esse objetivo, é bom levar em conta o que disse o dr. William E. Hatcher (branco), pastor da Igreja Batista Grace Street. Para mostrar a força do fascínio de Jasper, Hatcher fala de um jornalista que ouviu, assombrado, o sermão inteiro. E no fim, quando Jasper, como de costume, pediu que os que concordassem que “o Sol se move” erguessem a mão, Hatcher ços Ele surpreendeu nada ao ver é repórter erguer a mão bem alto. Mi fizera o mesmo. io parei apresentavam as características especiais de a linguagem que se tornaram parte da vida da América negra. Do ponto de vista técnico, utilizavam a prolixidade ea adaptação verbal. Fredrika Bremer assinalou o “talento de improvisação e o modo impressionante de aplicar as verdades teóricas aos acontecimentos da vida cotidiana, que sempre admirei nos ne-

gros”. é Ela fala de um pregador metodista negro que, sempre

que se referia ao pecado, fazia descrições “tão impressionantes quanto seus gestos”. Olmsted narra o sermão de um pregador negro de Nova Orleans: “Ele dizia muita coisa empregando uma linguagem bastante metafórica; usava figuras extensas, estranhas e complicadas, mas às vezes muito belas. Com fregiiência as palavras estavam fora de lugar, e seu significado evidentemente era equivocado, e às vezes a gramática e a pronúncia tornavam incompreensível para mim a idéia que o pregador pretendia transmitir”. A congregação reagia com emoção e entusiasmo, fato que Olmsted considerou basicamente uma reação à pis, do próprio pregador, à sua atuação global, mais do que às palavras de seu sermão, Um ministro branco que na juventude vivera muito tempo entre os escravos Gullah, das terras baixas da Carolina do Sul, comentou a diferença entre o estilo e o teor das pregações dessa região e os dos pregadores brancos pobres: Nas reuniões, a pregação [dos Gullah], se podemos chamála assim, era muito diferente da que se costumava ouvir 385

naquele tempo nas igrejas dos brancos, por menos instruí-

da plan-

dos que fossem o pregador e o povo. O “Irmão

tation (...) não sabia ler a Bíblia, mas sua imaginação, uma faculdade bem mais viva nos negros que na maioria das pessoas de origem européia, capacitava-o a ver “sermões” nos objetos costumeiros da vida (...) Os pregadores brancos analfabetos costumam espiritualizar demais a já Bíblia, e muitas vezes o que dizem não faz sentido algum; esos pregadores negros das plantations, nos velhos tempos, piritualizavam os objetos de uso diário e as coisas comuns da vida, e deles tiravam ensinamentos, mostrando grandes verdades espirituais aos olhos e aos corações. Muito antes, Lyell escrevera acerca de um grupo de negros que eram tratados com estranha familiaridade, e embora não houvesse nenhuma irreverência, algo soava esquisito e, no caso de uma cantiga de amor, quase profano”. *”

A reação das congregações negras a um pregador vigoroso

era parte essencial da cerimônia. Casas de oração e igrejas ViJesus!”,

com

os brados

“É

isto mesmo!”,

de “É esta a verdade!”, “Pregue

a Palavra,

“Louvor

a

etc.

O

irmão!”

pregador tinha de despertar uma reação maciça, porque precisava dela como estímulo e sinal de aprovação, e também porque tal reação era o complemento do processo vivo de comunhão que se desenrolava. O processo de invocações € respostas, tanto e na tradição africana que lhe dera origem quanto nos cantos solidaa tava represen am, mantinh o que s danças afro-americano

riedade da comunidade, sem prejuízo, contudo, da mais plena

ao expressão individual. A congregação tinha de corresponder a levar sim e , opiniões emitir pregador, cuja missão não era ativa. forma de receber desejava a Palavra de Deus ao povo que As congregações negras sabiam distinguir os pregadores inspiraà dos pelo Espírito daqueles que procuravam apenas agradar se quem avam desprez e genuínas multidão. Esperavam reações aproveitava da ocasião para incorrer em exageros. “Pergunta feita a Little Jr. Parker: “Que esperam de você os seus ouvintes? Resposta: 'Esperam que eu seja o que sou

Para se compreender o que os pregadores negros fizeram

por seu povo, é preciso compreender o que não fizeram. 386

da verdade,

a generalização é incorreta. Nat Turner foi chama-

do, com justiça, de “Profeta Nat”, e vez por outra surgia algum profeta revolucionário.*º Sempre que um pregador assegurava a seu rebanho que todos seriam libertados por Deus Todo-Poderoso, estava de fato fazendo uma espécie de profecia. Os escravos saudaram a emancipação como o Dia do Júbilo, e esperavam o Ano do Júbilo, quando iriam receber quarenta acres de terra

e uma mula. Pode haver aí alguma coisa da tradição profética

cantara um hino metodista “no qual os assuntos mais sagrados

bravam

pregadores pregavam; não faziam profecias, a não ser no sen tido mais estrito do termo. A escassez de profetas e a ausência quase total da tradição profética entre os escravos se refletem nas tristes implicações políticas da religião popular dos negros, lembrando a hostilidade de Fanon, e nas sombras que lançaram por muito tempo sobre o movimento de libertação.*” A bem

Os

e milenarista. Mas apesar de Nat Turner ter tido predecessores e sucessores, as próprias revoltas nunca chegaram a criar tradição, nem formaram um mito suficientemente forte para ser traduzido em histórias e canções nas senzalas. Jesus, ao entrar em Jerusalém em meio aos gritos de “Hosana”, era o representante de uma longa estirpe de libertadores cujas pretensões e possibilidades haviam inflamado a imaginação de Israel. E não foi à toa que Maomé se apresentou como herdeiro de Jesus, ou seja, o último profeta de uma longa tradição. Mas os pregadores negros estavam por demais arraigados na realidade, e por isso não podiam identificar sua promessa de liberdade a qualquer promessa do Reino de Deus na Terra. Libertação significava algo limitado e imediato. A idéia de liberdade, para os escravos, não incluía perfeição nem o Reino de Deus na Terra. Os gritos alegres de Jubileu-Júbilo,

realistas cristão.

e bem

com

frequência

definidas,

cada vez maior,

e não

a passagem

visavam

para

metas

o Paraíso

.

Ao longo da história, os movimentos milenaristas surgiram em contextos quietistas, mas em geral só depois de se ter acalmado o ímpeto milenarista combativo. Os escravos podem ter sido militantes, e por vezes até revolucionários, mas jamais chegaram a um milenarismo combativo duradouro. Por isso, sua versão quietista do milenarismo parece bem diferente. Por outro lado, a religião dos escravos também não era essencialmente messiânica, no sentido político, Não surgiram 387

o

nas senzalas linhagens de pretensos libertadores que arregimentassem seguidores em grande número. Os sermões dos pregadores negros não instavam o povo a seguir um messias negro que o viria tirar da condição de escravo. O libertador do povo seria o Próprio Deus, configurado em Moisés (ou Moisés-Jesus), e era | preciso atraí-Lo pela fé. Era o máximo que os pregadores podiam fazer. Sua força não provinha de um carisma que os transformasse em líderes políticos; proviria, quando muito, da disposição de renunciar a seu papel em prol de outro mais útil. Mas era-lhes impossível criar esse papel no contexto perigoso e pouco coeso da escravidão. O maior feito dos pregadores foi aceitarem as condições da escravidão e se tornarem mestres e guias morais, | a quem cabia manter o povo unido e fazê-lo acreditar em si mesmo. O lado negativo de sua atuação foi terem aceitado sem resistência o princípio de liderança e autoridade política. O fato de Nat Turner ter atraído um pequeno grupo de escravos não altera muito o quadro geral. Contudo, o tênue messianismo existente entre os escravos teve uma faceta sinistra. Nas histórias dos escravos aparece de fato a figura de um messias, mas este é massa Linkum, e não Nat Turner, de quem bem pouco se fala. Um oficial do exército da União, aparecendo de surpresa na escola que Elizabeth Hyde Botume mantinha para os escravos libertados, perguntou: “Crianças, quem é Jesus Cristo?” E obteve a seguinte resposta: “E o general Saxby, sar”, ou então esta: “Nada

É massa Lin-

disso!

kum”. No serviço realizado em memória de Lincoln, o pregador não despertou qualquer objeção por parte dos escravos quando falou

de “massa

Linkum,

nosso

adorado

Redentor

e Salvador

e Amigo! Amém!” *! Isso foi o pior que a escravidão e o racismo branco fizeram nas senzalas. Os escravos buscavam conforto

e orientação moral junto aos pregadores negros, mas estes não

transformaram tal apoio em ação política. Só depois da guerra os pregadores passaram a exercer liderança política, e os escravos libertados os respeitavam. Mas a politização, ao contrário da estratégia defensiva antes adotada pelos pregadores, seria um processo longo e doloroso, que só se completaria com o trabalho

do dr. Martin Luther King, nos anos 1950. Amarga ironia. Os escravos, orientados por seus pregadores,

resistiram

bravamente

ao ataque

psicológico

da

escravidão;

aprenderam a se amar uns aos outros e a ter fé na própria liber-

388

4



tação. Fizeram isso por si mesmos. Mas não transferiram sua luta para o terreno político. Quando a liberdade se tornou uma questão política, os escravos buscaram a liderança dos brancos; nesse campo,

não

confiavam

uns

nos

outros.



muito

tempo

depois o povo negro venceria o combate contra si mesmo e entenderia que se transformara de fato em um povo; e, como o fizera sem messias negros, podia confiar nos líderes negros e dispensar também os messias brancos. ; A não existência de um milenarismo politicamente militante e de tradição profética ajuda a explicar as limitações do impulso revolucionário entre os escravos, pois poucas mensagens pregadas aos infelizes deste mundo foram mais terríveis e fatais que as que começavam por “Está escrito (...) mas eu lhes digo...” Originalmente, o milenarismo revolucionário tinha um significado preciso, oriundo da crença de alguns cristãos, com base no Apocalipse, 20:4-6, de que após sua segunda vinda Cristo estabeleceria na Terra um reino que duraria mil anos, até o Dia do Juízo. “2 “Isto significa”, escreve Norman Cohn, “uma transformação tão profunda da vida na Terra que a nova ordem não seria um simples melhoramento do presente, mas a própria perfeição.”* As mais antigas formas de milenarismo, das quais muito se sabe, estavam associadas ao messianismo dos judeus, e Cohn diz que o Capítulo 7 do Livro de Daniel é quase um

manifesto milenarista. E não é coincidência que o Livro de Daniel date aproximadamente de 165 a.C., auge da revolta dos macabeus. Após delinear a história política e doutrinária do

messianismo judeu, conclui Cohn que a expectativa de libertação se intensifica e se torna urgente sempre que existem ameaças de massacre

ou alguma

outra

catástrofe.

Temos aí mais duas explicações para a inexistência de milenarismq e messianismo revolucionários ou politicamente militan-

tes entre os escravos do Sul. Primeiro, o regime era extremamente arraigado, forte e estável. A opressão da escravidão sempre foi uma ameaça de desastre pessoal para os escravizados,

mas o entranhado regime senhorial e a natureza coletiva da vida escrava protegia os negros das catástrofes sociais mais amplas que com tanta fregiiência se abateram sobre nações submissas e

classes camponesas dizimadas, Como ressalta Eric Wolf, o surgimento dos movimentos milenaristas fortes que deram origem a' revoltas de camponeses até mesmo no século XX, como no 389

E” R pr di |

Vietnã, por exemplo, ocorreu especialmente entre povos isolados

em suas relações sociais e que se defrontavam, enquanto coletividade, com mudanças sociais e culturais de grandes proporções. ** Além disso, há no caso o choque de dois povos, mas não de duas civilizações que já tivessem atingido seu desenvolvimento máximo. Tais choques de civilizações foram terreno fértil para movimentos milenaristas militantes, como ocorreu na África colonial; mas entre os escravos do Sul a civilização africana se reduzira e transformara muito, se é que dela restara algo. As senzalas, tendo renunciado a manter seu passado político africano, representavam um campo pouco fértil para profetas que vissem no retorno às origens puras e sagradas uma missão inspirada por Deus. E, como as senzalas continuaram a rejeitar o pecado original e coletivo, a tarefa dos possíveis profetas se tornou ainda mais difícil. Como pedir a um povo assim que renuncie à sua culpa coletiva e volte à aliança com Deus? O povo não mostrava qualquer sentimento de culpa ou de ter traído sua fé. Era preciso que os escravos edificassem sua própria cultura e sua comunidade dentro da civilização americana mais abrangente. Os movimentos milenaristas revolucionários e politicamente militantes, nascidos de catástrofes sociais ou do medo de uma catástrofe iminente, foram em geral fortalecidos pela convicção de que os mediadores entre os homens e Deus tinham traído a confiança do povo. Portanto alguns líderes e seguidores desses movimentos vinham das próprias classes dominantes, que refletiam a crise de toda a sociedade.** O mal-estar espiritual que alimentava os movimentos causou a defecção dos membros das classes dominantes, que davam força política ao movimento revolucionário, mas muitas vezes também atenuavam seu aspecto revolucionário. Os escravos possuíam seus próprios líderes religiosos, mas estes tinham necessariamente de surgir e desaparecer dentro do contexto específico e segundo condições determinadas; não detinham uma autoridade institucional cujo colapso moral pudesse provocar entre os verdadeiros seguidores a rebelião antiautoritária que era uma das marcas distintivas do milenarismo revo-

lucionário. A natureza racista das igrejas brancas e de suas congregações afastou — com raras exceções — a ameaça de defec-

390

ção das pessoas de condição mais elevada, tão importantes na formação de movimentos milenaristas em outras regiões,

Mesmo que a força da África tivesse sido maior no cristla-

nismo afro-americano, ainda assim seria um apoio precário para o milenarismo revolucionário. As religiões tradicionais africanas tendiam muito mais à afirmação da vida que à transcendência, e propiciavam pouco a transformação do Reino de Deus no Reino de Deus na Terra, força propulsora das ideologias milenaristas. Bem ao contrário, as religiões tradicionais africanas pregavam a reencarnação e estavam ligadas à vida neste mundo. Na tradição da África ocidental, à diferença do que ocorria na tradição judaico-cristã, o tempo é cíclico e eterno; portanto era difícil a tradição religiosa tender para o apocalipse. ** Quando os escravos afro-americanos abraçaram o cristianismo, infundiram sua sensibilidade africana na nova doutrina. Fazendo isto, podiam esperar serem libertados de sua servidão, mas também podiam ignorar um perfeccionismo milenarista que, nas condições específicas de seu universo político, só poderia ter resultado numa passividade transcendental. Para o advento de um ímpeto revolucionário milenarista, é necessária uma predisposição psicológica ao afastamento deste mundo, aliada à impossibilidade prática deste afastamento. *” Ou seja, é preciso haver receptividade psicológica a uma ideologia de opção sectária; e isto, as religiões que afirmam a vida, por mais atraentes que sejam, têm poucas possibilidades de proporcionar. Desde as revoltas camponesas da Europa medieval, passando pelo puritanismo revolucionário e pelas primeiras organizações da classe operária, até os grandes movimentos revolucionários de nossos dias, o ascetismo foi um elemento decisivo na mobilização de levantes populares. Observa Engels: O

ascetismo

(...)

está presente em todos os levantes me-

dievais onde houve laivos de religião, e também está presente, na era moderna, na origem de todos os movimentos proletários. O

comportamento austero, a insistência em re-

nunciar a todos os prazeres da vida (...) é um estágio necessário de transição, sem o qual os estratos mais baixos da sociedade jamais dariam início a um movimento. Para desenvolver a energia revolucionária, para tomar consciência de sua própria posição hostil a todos os demais elementos 391:

rendição à passividade, mas a tradição e as circunstâncias gs forçavam a seguir o caminho apontado por suas próprias Expe

da sociedade (...), é preciso começar por despojar-se de tudo que possa representar conciliação com o sistema de sociedade vigente. É preciso renunciar a todos os prazeres

riências, que refletia sua visão de mundo única e emergente,

que tornariam no mínimo tolerável a condição de sujeição... =

á

Mas a inexistência de um milenarismo revolucionário não

é explicação suficiente para o fato de não terem ocorrido revoltas duradouras, sobretudo quando se pensa que a maioria das revoltas de camponeses na Idade Média não continha ideologias milenaristas muito perceptíveis. Se o milenarismo revolucionário tivesse surgido entre os escravos, decerto o cristianismo afroamericano teria sido uma base ideal para ele. Afinal, o cristianismo afro-americano, como o cristianismo em geral, seria

impossível sem impulsos messiânicos e milenaristas, ainda que

quietista do ponto de vista político; e tais impulsos sempre representam um certo risco político potencial. Mas a base ideal era extremamente precária, e para fortalecê-la seriam necessárias condições políticas excepcionalmente favoráveis. A estabilidade "política do regime, sua capacidade de esmagar rebeliões e sobretudo de impedir o surgimento de rebeliões, teve efeito oposto. Mesmo na Melanésia e em outras regiões onde o milenarismo militante predominou, os profetas do Reino, cedo ou tarde, tinham de cumprir suas promessas. Caso não cumprissem, os movimentos desapareciam, ou, então, se tornavam acomodatícios

É)

|

ou quietistas polticamente.* O estudo de Vittorio Lanternari sobre “a religião dos oprimidos” demonstra que geralmente os movimentos milenaristas passavam da violência revolucionária à derrota, e depois se tornavam cultos proféticos não revolucionários, acomodatícios e reformistas. Os cultos africanos também " costumam apresentar essa tendência; os índios americanos passaram da dança dos espíritos ao peiotismo; os protestantes radicais extremistas uniram-se em torno de Thomas Miinzer, e depois de derrotados assumiram uma postura quietista. Mas como ainda mostra Lanternari, a passagem da violência revolucionária ao acomodatismo politicamente quietista muitas vezes protegeu a

autonomia cultural dos dissidentes e lhes deu meios de resistir

à dominação dos que os subjugavam. Os escravos tinham sua versão particular de acomodação “pós-milenarista”: uma estratégia de sobrevivência e não uma 392

| |

|

Os pregadores, na medida em que não atuaram como profetas, a não ser num sentido muitíssimo limitado, mostraram ter entendido muito bem as implicações de sua posição política. * O profeta segue uma vocação determinada; parte de uma revelação pessoal e fundamenta sua autoridade no chamamento a uma nova lei, Ao contrário do sacerdote, que mantém a tradição sagrada, o profeta proclama algo novo. Ao contrário do feiticeiro, que lida com a magia, o profeta anuncia uma doutrina de compromisso. Caso se apresente como legislador, geralmente tende a usurpar o poder político; caso se contente em ser um mestre, costuma evitar a ação política direta, mas não pode evitar que seu discurso assuma tons onde se pode ver conotações políticas. Seja como for, da perspectiva de qualquer regime estabelecido, é um homem perigoso. O profeta é alguém que possui a graça, tanto no sentido teológico da segurança interior como no sentido político da atração magnética que exerce sobre os demais. Os pregadores negros possuíam os dois tipos de carisma, mas absolutamente não se enquadravam na tradição profética. Havia nessa tradição duas correntes, e ambas se revelaram na sociedade escravista sulista. Dentro da corrente da profecia exemplar, o pregador instava seus seguidores a imitar seu próprio comportamento. Mas como seria possível tal tipo de apelo na sociedade das plantations, a não ser em momentos excepcionais de desespero? No máximo, seria um apelo passivo à acomodação, ao poder

secular e ao recolhimento ao mundo espiritual, Na corrente da profecia ética, na qual estava implícita a separação entre o homem e Deus, o pregador propunha um ascetismo temporal que por suas implicações revolucionárias certamente teria vida curta no Sul e não encontraria eco entre pessoas subjugadas a

uma força esmagadora, Os pregadores negros não podiam fugir às realidades do poder de classe e às realidades

de uma

comunidade

escrava

conivente com ele e pouco disposta a visões apocalípticas e aventuras suicidas. Os grandes profetas, dos antigos judeus aos Paiute que dirigiam a dança dos espíritos, desde os milenaristas da Melanésia até épocas mais recentes, eram pessoas que não per-

393

tenciam à comunidade, e que muitas vezes, como Maomé, precisavam sair de sua terra e ir buscar seguidores entre os estrangeiros. Em geral pregavam para ouvintes hostis. Mesmo na era cristã, quando já havia comunidades organizadas de fiéis, O profeta se apresenta como agente pessoal do desafio à ordem religiosa e secular. Ao proclamar uma nova lei, mesmo que seja apenas um retorno a alguma antiga interpretação da lei já existente — “Está escrito (...) mas eu lhes digo...” —, o profeta assume o papel de líder revolucionário. O surgimento de um líder revolucionário, ao contrário de um rebelde desesperado, suicida psicótico ou temerário, pressupõe uma conjuntura revolucionária numa comunidade que se esteja encaminhando para o confronto com seus dirigentes. Os profetas surgiram entre povos que já não podiam tolerar sua realidade política e já apresentavam sinais de mudança. Thomas Miinq

zer, Savonarola e, em época mais recente, Antônio

Conselheiro,

no Brasil, não provocaram de fato agitações políticas, mas apenas interferiram nas já existentes. Mas em geral é o profeta quem transforma em movimento o descontentamento das massas, aten-

dendo às necessidades de justificativa espiritual e elevando o ato de resistência ao nível de um imperativo moral. “Os pregadores negros enfrentaram com realismo suas condições e possibilidades. Se o profeta revolucionário, como sugere

Lanternari, é alguém em quem se fundem o passado e o futuro,

pouco lhe cabe fazer. Nas senzalas, a tradição africana era bastante vaga, e não conduzia ao milenarismo nem ao desespero apocalíptico. O efeito teológico podia não ser revolucionário,

mas certamente possuía um significado político positivo. Uma das mensagens mais dramáticas dos antigos profetas judeus atribuía os infortúnios de Israel à ira de Jeová, e não à Sua fraqueza, como teria feito qualquer religião tribal. Por sua infidelidade e imoralidade, os israelitas haviam atraído sobre si a terrível sentença. Foram escravizados e eram infelizes como castigo por seus pecados. Foi a partir da culpa que a civilização ocidental começou sua marcha para a salvação, liderada alternadamente por povos que assumiam a função de “escolhidos” ou “eleitos”. Pior para os pobrés africanos. Permaneciam tão atrasados em matéria de teologia, preocupando-se absurdamente em tornar a vida mais suportável para os humanos, que jamais compreenderiam a essência do judaísmo-cristianismo clássico,

94

nem mesmo depois de convertidos. Pouquíssimos viram à aa vização como um castigo para seu pecado coletivo, Mas se não

tivessem a noção

de ser o Povo

Escolhido de

Deus, escolhido para instaurar Seu Reino e não meramente para

ser libertado por Ele, os escravos não teriam feito germinar o sentimento de missão nacional que tanto contribuiu para formar uma ideologia revolucionária, que foi responsável pela libertação de nações e de classes, mas responsável também por grande parte do banditismo imperialista do mundo. Os pregadores negros viam a África e a América tal como eram, e não como desejavam que fossem. Seu realismo se refletiu nas massas que eles tentavam influenciar. A tradição religiosa africana contribuiu para moldar uma religião afro-americana que há muito esquecera suas origens. As comunidades escravas, envolvidas por brancos muito mais numerosos que elas. e detentores de poder militar muito maior, adotaram a estratégia da paciência, da aceitação do que não podia ser evitado, do esforço obstinado para se manter vivas e saudáveis. Uma estratégia de sobrevivência que, à semelhança de seu protótipo africano, afirmava antes de tudo a vida neste mundo. Dois recentes comentários de ministros negros vão ao âmago da questão. O reverendo Henry H. Mitchell diz: “Na verdade, o notável spiritual da acomodação, Humble Yourself (Humilhe-se) transmite uma mensagem que impediu mais assassinatos que Nat Turner e seus seguidores”, E diz o reverendo Albert Cleage: “A Igreja Negra nem sempre foi revolucionária, mas sempre esteve atenta às necessidades cotidianas dos negros. O velho pregador negro, que “bradava” para sua congregação nas manhãs de domingo, pregava realisticamente para as necessidades do povo negro, ainda incapaz de conceber mudanças nas condições que o oprimiam”.*! Os pregadores escravos compreenderam seu povo e seu mundo, e se não demonstraram visão profética foi devido a esta compreensão, que se harmonizava com a do povo que tinham de conduzir.

Fundamentos religiosos da nação negra O cristianismo dos escravos não pode ser considerado uma fachada para encobrir a prática de ritos pagãos ou das chamadas superstições nas áreas rurais. Por outro lado, tampouco se pode 395

considerar que as crenças e práticas populares tenham corrompido o cristianismo dos escravos. A crença popular, inclusive na magia, foi um elemento vital na elaboração do cristianismo dos escravos, e aparentemente não introduziu no cristianismo, supostamente puro, distorções maiores que as introduzidas pelas crenças populares da Europa antiga, medieval e até moderna, que contribuíram para moldar a religião. Mesmo que as igrejas lutassem contra as “superstições” populares, tiveram de absorver muitas delas, fosse por apropriação direta, fosse pela adaptação à doutrina formal dos elementos espirituais que tornavam atraentes as crenças populares. Assim, embora os ministros negros das cidades se lançassem numa luta sem tréguas contra o que consideravam resíduos de paganismo em seu rebanho, não era fácil convencer os feiticeiros e seus seguidores de que estavam fazendo algo anticristão, nem era fácil impedilos de moldar sua própria doutrina de modo a ; incluir elementos oriundos da magia. A dinâmica popular do desenvolvimento histórico do cristianismo afro-americano salvou os escravos do desastre que alguns historiadores, erroneamente, supõem ter-se abatido sobre

-eles: o de ficarem a meio caminho entre a cultura africana

posperdida e a cultura européia proibida. A dinâmica popular para viva e sibilitou aos escravos manter a África suficientement

ajudá-los a dar a forma adequada à nova essência que estavam

criando, e contribuir para a cultura nacional americana, moldando, ao mesmo tempo, uma identidade autônoma. A religião dos escravos ajudou a construir um cristianismo “americano”, diretamente e também por oposição, e lançou as bases de um cristianismo “negro” absolutamente próprio. Assim, tornou possível uma afirmação universal, porque tornou possível uma afirmação nacional. Para os negros, porém, a afirmação nacional,

sendo ao mesmo

tempo

negra e americana, expressava uma

dualidade; não uma dualidade no sentido mecânico de representar um componente ético numa sociedade pluralista, mas no sentido dialético de ser ao mesmo tempo própria e alheia, separada e unida, e de vir a ser uma religião dentro de outra religião, numa nação dentro de outra nação.

A religião dos negros tinha de ser mais que uma religião

de escravos, não apenas, principalmente, porque muitos de seus melhores porta-vozes eram negros livres do Sul e pessoas do 396

Norte que não viviam numa

sociedade escravista, mas porque

a base racial da escravidão foi o fundamento de uma identidade negra que ultrapassou os limites de classe e exigiu uma identl-

ficação protonacional. Os horrores do racismo americano, como que para provar que Hegel estava certo quanto aos “ardis da Razão”, forçaram os escravos a se superarem e a vislumbrarem a possibilidade de formar antes uma nacionalidade que uma classe, Se não fosse assim, estariam condenados ao destino dos escravos do mundo antigo; teriam permanecido uma massa patética e desorganizada no ponto mais baixo da escala social, sem qualquer possibilidade de construir uma cultura autônoma ou de ser mais que testemunhas históricas do crime da suprema opressão de classe. Os nacionalistas negros mouros dos anos 30 não falavam em vão ao afirmar: “Antes de ter um Deus, é preciso ter uma nacionalidade”.“2 Mas não poderiam calcular o quanto os escravos haviam feito nesse sentido. As origens do cristianismo negro nas senzalas, as raízes de uma religião nacional embrionária na consciência da classe escrava, comportavam duas contradições, cuja transcendência ainda não foi analisada. Primeiro, o cristianismo uniu senhores e escravos numa comunhão universal, sem deixar de contribuir para que fossem povos antagônicos. Segundo, conferiu aos escravos, e por meio deles à América negra, uma força coletiva baseada num tipo de individualismo politicamente perigoso. Adotando a fraternidade cristã em relação uns aos outros, os escravos se distinguiram dos brancos e criaram um estilo, uma sensibilidade e uma teologia peculiares. Este sentimento de constituir um povo à parte, caso manejado por militantes e revolucionários, poderia levar os negros a verem nos brancos o anticristo; mas o universalismo da religião cristã, enraizada no - mundo íntimo e paternalista das plantations, combateu essa interpretação e a reduziu às dimensões mínimas de idiossincrasia. Para os escravos, os brancos estavam sujeitos a Deus e eram irmãos em

Cristo. No

que teve de positivo,

este sentimento

de frater-

nidade racial deu aos escravos uma medida para avaliar a conduta dos senhores pelos padrões de sua profissão de fé cristã. A fraternidade, por sua própria natureza, não isentava os escravos de julgar seus senhores; ao contrário, tornava o julgamento um dever. E ao classificar alguns senhores de “bons” e outros de “maus”, os escravos se tornavam conservadores e tinham de 397

admitir que o fato de possuir escravos não impedia um homem de ser cristão; mas não chegavam ao ponto de considerar aescravidão apropriada a uma sociedade cristã. Uma vez conver-

itidos ao cristianismo, os escravos resistiram mais à desuman truiautodes F:) assim, m, tendera e odiar de m zação, pois deixara

ção. Eles ficaram livres para odiar a escravidão, mas não neces-

sariamente seus senhores. Ficaram livres para amar seus senho-

res, enquanto semelhantes e pecadores aos olhos de Deus, mas também para julgar seus méritos como cristãos e seres humanos. W. E. B. Du Bois admirou sua capacidade, profundamente cristã, de amar os inimigos e nem por isso abrir mão de sua ii humanidade ou aceitar a visão de mundo dos senhores. Os escravos ensinavam seus filhos, ao se deitar, a dizer a seguinte oração: Vou me deitar para dormir. Peço ao Senhor que guarde minha alma,

E, se eu morrer sem acordar, Peço ao Senhor que tome minha alma. Abençoe meu pai, minha mãe, Meu marster, minha missus, E abençoe também a mim. Amém! **

Um

criado particular, ao saber que seu jovem senhor morrera

em combate, escreveu a um membro da família o seguinte:

Caro

Master Richard. O senhor me mandou notícias há algum tempo |

e hoje eu lhe escrevo. Vou tentar lhe falar de meus sentimentos para com o jovem amo que agora está morto”. O escravo conta sua tristeza por não ter estado com seu amo na hora da morte para poder confortá-lo, e tira desta morte uma lição para si mesmo. “Master Richard, digo que é bom ser religioso (ias) acredito nisto mais que em qualquer outra coisa na vida, acredito que ele está em paz. Meu coração acredita. nisto. Desejo ser um cristão melhor. Quero ir para o céu (...) Meu desejo mais sincero é ter paz depois desta vida.”*º Isto mostra que senhores e escravos consolavam-se mutuamente em suas tristezas

e não viam nisso nada de estranho. Quando morreu Pierce Butler, ex-marido de Fanny Kemble, sua filha desesperada foi buscar consolo junto a uma anciã que fora escrava em sua plantation na Geórgia: “Não chore, missus; isso entristece O Se398

nhor.

Eu

tive treze

filhos

e não

me

restou

nenhum

para

pór

fumo em meu cachimbo, e se eu não confiasse no Senhor Jesus, que seria de mim?”% É difícil esperar que de tal espírito brotassem ímpetos revolucionários, e muito menos um incitamento à guerra santa; mas o legado de generosidade que nele se percebe era uma grande compensação para um povo que precisava sobreviver e nunca perdera a fé num futuro baseado na fraternidade humana, A natureza contraditória da religião dos escravos, tanto como componente do cristianismo americano quanto como fé à parte, atenuou as inclinações revolucionárias; mas a contradição entre seus aspectos individuais e coletivos foi ainda mais funesta. A religião praticada nas senzalas deu aos escravos a única coisa de que eles não podiam prescindir para não se trans-

formar

nos

sambos

que

pretendiam

fazer deles:

deu-lhes

a

percepção de seu próprio valor diante de Deus e dos homens. Possibilitou-lhes provar a si mesmos e ao mundo, que sempre precisava ser lembrado disto, que nenhum homem se torna propriedade de outro a não ser que queira, e que o ideal da escravidão jamais pode ser atingido, por mais que se castigue o corpo e se atormente o espírito. A emancipação espiritual do indivíduo é a tarefa básica da religião assim como o fundamento necessário à coletividade negra. Mas a comunhão do povo, em circunstâncias tão prementes, aumentou a tendência das senzalas a se enfraquecerem, tendência esta que ela mesma combatia. Exatamente ao tentar criar um sentimento de solidariedade, por meio do respeito e do amor mútuos, reforçava a doutrina extremista da igualdade das pessoas. Os escravos precisavam desesperadamente de uma doutrina para enfrentar seus senhores, mas eram seres humanos, homens e mulheres, e não abstrações; era muito difícil reclamar da autoridade dos senhores sem reclamar também uns dos outros. Diz o reverendo Henry H. Mitchell: “O pregador negro não é um oficial do exército que convoca seus homens para a morte.

Ao contrário, é uma testemunha fundamental como

os homens

devem

viver”.*” Porém,

que estabelece

acrescenta, a tendên-

cia inerente a esta função é fortalecer o indivíduo à custa de uma afirmação política coletiva. Tais contradições criaram na religião dos negros uma identidade e um orgulho coletivos. A variante negra do cristianismo 399

fundamentava-se na consciência protonacional e, ao mesmo tempo, oferecia o perdão universal e a reconciliação definitiva com a América branca. Paralelamente deu, a todos os escravos, meios de se preservarem e de amarem seus irmãos das senzalas, ainda que tenha impedido o surgimento de uma consciência política e impossibilitado a criação de uma autoridade negra legítima. A síntese que veio a ser o cristianismo negro deu muita força espiritual a um povo acuado; mas também foi responsável pela

debilidade política que determinou, ainda que necessária e rea-

listicamente, a aceitação da hegemonia do opressor. Capacitou os escravos a lutar contra a ideologia dos senhores, mas de

modo defensivo. Dentro do sistema a que se opunha, foi deficiente como arma ofensiva, Tal postura elevou-se heroicamente a grandes alturas, e igualmente alto foi o preço, que, até hoje, não está completamente pago.

. Citado por R. H. Tawney em Religion and the Rise of Capitalism, Gloucester, Mass., 1962, folha de rosto.

w

contexto por críticos adversários, ver: Karl Marx & Friedrich Engels, On Religion, Moscow, 1957, pp. 41-2. « Ver a obra de Balandier, Political Anthropology, pp. 100-1.

+

- Para uma análise acurada, muitas vezes citada fora do

« Tomei a liberdade de me basear e até de parafrasear a importante obra de George Santayana, Reason in Religion, vol. III de The Life of Reason, New York, 1962, esp. Pp. 12-5; ver também E. E. Evans-Pritchard, Theo-

ries of Primitive Religion, Oxford, 1965. » Friedrich Nietzsche, “Beyond Good and Evil,” In: The Phi-

UNICAMP BIBLIOTECA CENTRAL SEÇÃO CIRCULANTE 400

losophy of Nietzsche, New York, 1927, p. 432. Para uma crítica proveitosa, mas não inteiramente convincente, ver: Max Scheler, Resentiment, New York, 1961, esp. Cap. 3. « Até mesmo Nietzsche admirou alguma coisa no cristia-

nismo: a capacidade de submeter as massas. E, o que é mais interessante, ele considerava o cristianismo uma esPécie de vingança plebéia, nascida da inveja, contra a aristocracia. A seu ver, o cristianismo gerou fingimento e decepção. O cristianismo dos escravos de certa forma corroborou seu ponto de vista, mas de modo bem diferente do que ele poderia supor. 401

Ernst Troeltsch, The Social Teaching of the Christian Churches, 2 v., London, 1950, I, pp. 295-6. . Karl Kautsky, Foundations of Christianity. New York, 1953, pp. 355-6. Para Kautsky, portanto, a função primeira do cristianismo foi subjugar as massas urbanas livres do império, e não fortalecer o poder dos senhores sobre os escravos. A tentativa mais interessante de interpretação por parte de um marxista é a de Archibald Robertson, em The Origins of Christianity, 2º ed., New York, 1962. Ver também Clifford Geertz, “Religion as a Cultural System”

In: Michael Banton

14.

ed., Torino, 1955, pp. 91-8.

15.

(org.), Anthropological Approaches

|

11.

to the Study of Religion, New Donini, Lineamenti di storia Julien Freund, The Sociology 1968, p. 202. Troeltsch, Social Teaching of

12.

Robertson, Origins of Christianity, p. 182, também p. 80, |

10.

York, 1966, pp. 1-46. delle religioni, pp. 196-9; | of Max Weber, New York, 3 the Christian Churches,

Ver a análise de Georg Simmel em Sociology of Religion, New York, 1959, p. 44. 16. E Social Teaching of the Christian Churches, I, 57 po 17. Donini, Lineamenti di Storia Delle Religioni, p. 207. 18. Para uma discussão mais aprofundada desses cultos, ver: Peter Worsley, The Trumpet Shall Sound: a Study of the “Cargo Cults” in Melanesia, London, 1957; para situar

esses movimentos

I, Ê

p. 39.

f. 119, 183. No movimento de libertação dos negros, as | atitudes mais ousadas no sentido de uma interpretação revolucionária da figura histórica de Jesus foram as do Reverendo Albert Cleage, para quem Jesus era o líder de um Israel negro (ou seja, não-branco) na luta de libertação nacional contra a nação romana (vista como branca). O Reverendo Cleage assume posições interessantes: odeia

Paulo;

elogia o livro de Marcos;

| | | | |

de João; e considera que os textos mais importantes são |

as passagens de Mateus 10:34-36: “Não vim trazer a paz, |

13.

| | | |

|

Ver Rawick (org). S. C. Narr., HI (4), p. 192; Okla. |

Narr., VII (1), p. 78; WPA, Drums and Shadows, p. 180; | para um notável paralelo com a Rússia, ver o discurso de |

402

19.

| |

ataca o livro

e sim a espada”, e de Lucas 11:23: “Quem não está comigo está contra mim”. Pondo de parte sua interpretação nacional-racial — embora ela seja absolutamente básica em seu ponto de vista —, sua interpretação da história cristã arrola uma longa estirpe de revolucionários cristãos, inclusive Thomas Miinzer e mais um ou dois brancos que se opunham à participação política dos negros. Ver The Black Messiah, New York, 1969.

um senhor de terras a seus servos, citado por Hobsbawm em 4 era das revoluções, Rio de Janeiro, Paz e Terra, p. 149 da versão original inglesa. À Troeltsch, Social Teaching of the Christian Churches, 1, Pp. 82; e a vigorosa análise de Antonio Gramsci, Il Materialismo Storico e la Filosofia de Benedetto Croce, 6.º

na história, ver: Vittorio Lanternari,

Religions of the Oppressed, New York, 1963; a respeito de “de Big Massa”, ver especialmente: Botume, First Days Amongst the Contrabands, pp. 104, 141, 154 e 242. Sobre a história geral da escravidão enquanto problema para as igrejas cristãs, ver a obra de D. B. Davis, Problem of Slavery. Ver também as ressalvas a essa generalização em: Mircea Eliade, “Paradise and Utopia: mythical geography and eschatology”. In: Frank E. Manuel

(org.), Utopias and Utopian Thought, Boston, 1966, pp.

260-80.

20. nha

ipa Social Teaching of the Christian Churches, I, 43. p. A análise do Caribe Britânico deve muito ao estudo pioneiro de Bryan Edwards, The History, Civil and Commercial, of the British West Indies, 5º ed., 5 v., London, 1819; e à obra de Edward Long, The History of Jamaica,

3 v., London, 1774. Dentre os estudos mais recentes, os mais úteis no caso da Jamaica foram os de H. O. Patter-

son, Sociology of Slavery, pp. 40, 86-7, 182 e 207-9; Philip D. Curtin, Two Jamaicas: the Role of Ideas in a Tropical Colony, Cambridge, Mass., 1955, pp. 49 e 70; F, W. Pitman, “Slavery on the British West India plantations in the eighteenth century”, JNH, XI, outubro, 1926,

pp. 659-61. Para as ilhas Leeward, ver a obra de Goveia,

405

23.

Slave Society in the British Leeward Islands, pp. 196, . 265-8 e 284. Para Barbados, ver a obra de Bennett, . Bondsmen and Bishops, passim. Também é importante o

burn, The Haitian People, inclusive a esplêndida introdução de S. W. Mintz, New Haven, Conn., 1966; e Alfred

trabalho de C. E. Pierre, “The Work of the Society For.

the Propagation of the Gospel in Foreign Parts Among the Negroes of the Colonies”, JNH, I, outubro, 1916, pp. 349-57. No tocante à atuação de batistas e metodistas no Caribe Britânico, baseei-me principalmente em Goveia, Slave Society, esp. pp. 270-94; H. O. Patterson, Sociology of Slavery, esp. pp. 209-15; e Curtin, Two Jamaicas. passim. Ver também John W. George Liele Davis e Andrew Bryan, “Pioneer Negro Baptist Preachers”. JNH

Métraux, Voodoo in Haiti, New York, 1972, também com introdução de Mintz. Utilizei ainda: Maya Deren, Divine Horsemen: the Living Gods of Haiti, London, 1953; Melville J. Herskovits, Life in a Haitian Valley, New York, 1937; Harold Courlander, “The gods of the Haitian mountains”. JNH, XXIX, julho, 1944, pp. 339-72; quanto à importância especial do vodu durante a revolução, baseei-me em Odette Mennesson-Rigaud, “Le Rôle du Vaudou Dans lIndépendence d'Haiti”. In: Présence Africaine, n. 17-18, fevereiro-maio 1958, pp. 43-67. No tocante às observações de Raynal e de Wimpffen, ver

, . | | | |

II, abril, 1918, pp. 119-23; e “Letters Showing the Rise.

and Progress of the Early Negro Churches of Georgia q and the West Indies”, documentos, JNH, III, abril, 1918 pp. 119-27; A. P. Newton, A Hundred Years of the Bri

T. L. Stoddard, French Revolution in Santo-Domingo, pp. 22-4.

tish Empire, New York, 1940, pp. 47-8; e Bernard | Semmel, Jamaican Blood and Victorian Conscience: the |

Governor Eyre Controversy, Boston, 1963, p. 34. No tocante aos movimentos religiosos afro-caribenhos, ver especialmente H. O. Patterson, Sociology of Slavery, pp. 182-

205; Curtin, Two Jamaicas, esp. pp. 28-32 e 170; Goveia,

22.

Slave Society, pp. 245-8. Recorri também à tese de graduação não publicada de Howard Stroger, “Coromantine Obeah and Myalism”. Rutgers University, 1966. E ainda a Pitman, Slavery in the British West India Plantations, pp. 651-2; Bennett, Bondsmen' and Bishops, pp. 80-1; Eric Williams, Negro in the Caribbean, Manchester, 1942, p. 43; M. G. Lewis, Journal of a West India Proprietor, passim; e DBR, XXVIII, fevereiro, 1860, p. 209. Para o estudo do Caribe Holandês, ver especialmente a obra de Boxer, Dutch Seaborne Empire, pp. 149-53; e também a obra de Edgar J. McManus, A history of Negro Slavery in New York, Syracuse, New York, 1966, pp. 19-20.

No

Caribe

Dinamarquês,

os

missionários

mora-

vianos, que chegaram em 1733, conseguiram diminuir muito as crenças e práticas religiosas africanas, reduzindo-as a proporções socialmente controláveis; ver Danish West

Indies, de Westergaard, p. 159.

No caso das ilhas francesas, baseei-me principalmente nas obras de C. L. R. James, Black Jacobins; James G. Ley-

24.

| |

| 1

O papel da Igreja no tráfico de escravos na África e no Brasil é analisado criticamente por C. R. Boxer em várias obras muito importantes: Salvador de Sá, pp. 79, 127-8; Portuguese Society in the Tropics: the Municipal Councils of Goa, Macao, Bahia and Luanda, 1510-1800, Madison, Wis., 1965, pp. 131-2; e Race Relations in the Portuguese Colonial Empire, Oxford, 1963, pp. 7-21. O envolvimento do Papado e o do governo britânico são examinados em: Alan K. Manchester, British Pre-eminence in Brazil: Its Rise and Decline. A Study in European Expansion, Chapel Hill, N. C., 1933. p 217; e René Maunier, The Sociology of Colonies: an Introduction to the Study of Race Contact, 2 v., London, 1949, I, pp. 293-4, Os livros de Gilberto Freyre apresentam um quadro totalmente diferente do apresentado por Boxer, e devem ser consultados: Masters and Slaves (Casa-grande e Senzala), pp. 173, 191-2; Mansions and Shanties (Sobrados e Mocambos), cap. 24, pp. 314-5, 321-2 e 327, para as referências aos distúrbios de ruas; New

World in the Tropics:

the Cul-

ture of Modern Brazil, New York, 1963, pp. 70 e 88. A atuação dos jesuítas, em relatos breves e úteis, é tratada em: Manoel de Oliveira Lima, The Evolution of Brazil Compared With That of Spanish and Anglo-Saxon

405

America,

28:

C. Vianna Moog, Bandeirantes and Pioneers (Ban-

deirantes e pioneiros), New York, p. 156; João Dornas Filho, 4 Escravidão no Brasil, Rio de Janeiro, 1939, esp. pp. 21,

105;

Orestes Popescu, El Sistema Económico

en

las Misiones Jesuíticas, Bahía Blanca, Argentina, 1952. Sobre plantations e abolicionistas e sobre a questão religiosa no Brasil, ver: Robert Brent Toplin, The Abolition of Slavery in Brazil, 1880-1888, New York, 1972, Cap. 3; Roy Nash, The Conquest of Brazil, New York,

1926, pp. 127-8; Stein, Vassouras, pp. 199-203. É de es-

pecial importância o notável estudo de Roger Bastide, Les religions africaines au Brésil, Paris, 1960. Bastide critica de modo particular, ver p. 150, e a meu ver com razão, as primeiras análises marxistas do papel da religião na insurreição dos escravos, apresentadas por Aderbal Jurema em Insurreições Negras no Brasil, Recife, “1935; Bastide faz também análises muito acuradas da rela-

ção entre os cultos afro-brasileiros específicos e fatores como o momento histórico e a estratificação no seio da comunidade negra; ver “The Negro in Latin America”, In: International Social Science Bulletin, IV, n.º 3, 1952, p. 483; e o capítulo de Bastide sobre efeitos do preconceito de cor, em: Roger Bastide & Florestan Fernandes, Brancos e Negros em São Paulo, 2.º ed., São Paulo, 1959. Para uma análise mais detida de algumas questões metodológicas, ver Thales de Azevedo, Cultura e Situação Racial no Brasil, Rio de Janeiro, 1966, Cap. 9. As religiões afro-brasileiras são muito bem analisadas por Charles Wagley em An Introduction to Brazil, New York, 1963, esp. pp. 38-9; por Donald Warren, Jr. em “The Negro and religion in Brazil”, publicado em Race, VI, janeiro, 1965, pp. 199-216; por Arthur Ramos em The Negro in Brazil, Washington, D. C., 1951, pp. 81-93; e por Russell G. Hamilton em “The Present State of African Cults in Bahia”, J. Soc. H., III, verão, 1970, pp. 357-73. Em relação à pouca participação dos negros nos movimentos proféticos ocorridos eventualmente no Brasil, ver o capítulo 4 de Religions of the Oppressed, de Lanternari. O relato inesquecível de um desses movimentos encon406

tra-se na obra-prima de Euclides da Cunha, Rebellion in

P. A. Martin, (org.), Stanford, Calif., 1914, p.

the Backlands (Os Sertões), Chicago, 1944. Examinei a relação entre os poderes secular e clerical no Brasil e a própria evolução da estrutura de classes em meu livro O mundo dos senhores de escravos, e apresentei uma perspectiva da relação teórica da ideologia com a estrutura material em “Materialism and Idealism in the History of Negro Slavery in the Americas”, cap. 4 de In red and black. Para a consideração dessas questões é de especial valor a obra de Prado, Colonial Background of Modern Brazil, pp. 386, 395-7 e 411. 25. O exame da situação em Cuba se baseou muito nas obras de Knight, Slave Society in Cuba, e de Klein, Slavery in the Americas, esta de especial utilidade no tocante ao século XVIII. Ver também: Fernando Ortiz, Los Negros Escravos, Havana, 1916; Manuel Moreno Fraginals, El Ingenio, Havana, 1964; e Esteban Montejo, The Autobiography of a Runaway Slave, New York, 1968, pp. 34-6. A obra de Rolando Mellafe, La Esclavitud en HispanoAmérica, p. 86, mostra bem as condições gerais das colônias espanholas. Ver também o ensaio de Colin Palmer, “Religion and Magic in Seventeenth Century Mexican Slave Society,” editado por Engerman e Genovese

em Race and Slavery.

26. 27.

Scarborough (org.), Diary of Edmund Ruffin, 10 de dezembro de 1857, I, pp. 136-7. Citei a obra Sons of the Shaking Earth, de Eric R. Wolf, Chicago, 1964, que aborda a conversão dos índios mexicanos ao catolicismo de seus conquistadores espanhóis; ver página 175. Mais tarde, os brancos sulistas deixaram de acusar os negros de não serem sinceros a fim de conseguir proteção, e passaram a acusá-los de não serem sinceros por causa de um intercâmbio social fútil, e por esse padrão se poderia questionar também a fre-

quência dos brancos à igreja. Ver:

28.

Ingraham, South-West,

I, pp. 55-6; J. B. Sellers, Slavery in Alabama, p. 122. Marcus W. Jernegan, “Slavery and Conversion in the American Colonies”, AHR, XXI, abril, 1916, pp. 504-27. Ver também John Mitchell Justice, “The work of the Society for the Propagation of the Gospel in foreign Parts

407

RI

29.

in North Carolina”, tese de mestrado não publicada, University of North Carolina, 1939. Esses detalhes, obtidos na Virgínia, foram examinados em várias obras sobre o período colonial da história ameticana. Mas para um caso especialmente interessante, analisado numa perspectiva hemisférica, ver a obra de

36.

37. 38.

William Renwick Riddell, “The Baptism of Slaves on

30.

Prince Edward Island”, JNH, VI, julho, 1921, pp. 307-9. Já nos anos 1790 dava-se certa atenção à instrução religiosa dos escravos na Virgínia; ver Tate, “Negro in eighteenth-century Williamsburg”, pp. 92-9 e 117. Luther P. Jackson, “Religious Development of the Negro in Virginia from 1760 to 1860”, JNH, XVI, abril, 1931, pp.

31.

168-239;

também

Parkinson,

“Religious

Instruction

of Slaves”, tese de mestrado não publicada, University of North Carolina, 1948. Para provar que o movimento de revigoramento rejigioso

pediu um tratamento mais humano para os escravos, ver as obras de Morton, Robert Carter of Nomini Hall, p. 241; de George William Pilcher, “Samuel Davies and the Instruction of Negroes in Virginia”, VMBH, LXXIV, ju-

lho, 1966, pp. 293-300; de Guion Griffis Johnson, “The campmeeting in Ante-bellum North Carolina”, NCHR, X abril, 1933, p. 106; registros que mostram as várias ações administrativas que poderiam ser tomadas encontram-se

nos Hephzibah Church Books, 1819-1820, da Merritt M. Shilig Memorial Collection, documentos datilografados da

Universidade do Estado da Luisiana. 32. Sirmans, Colonial South Carolina, pp. 77, 99-100 e 231. Sa. 34.

Ver McColley, Slavery and Jeffersonian Virginia, p. 63. Em certas partes do Sul havia sólidas bases para suspeita, Ver Asa Earl Martin, The anti-slavery movement on

Kentucky Prior to 1831, Louisville, Ky., 1918, pp. 84-7. 35.

Freehling, Prelude to Civil War, pp. 336-7; também pp. 72-6; Cf. George Dangerfield, The Era of Good Feelings,

New York, 1963, p. 224; Luther P. Jackson, “Religious instruction of Negroes, 1830-1860, with special reference to South Carolina”, JNH, XV, janeiro, 1930, pp. 72-114; Frank J. Klingberg, An Appraisal of the Negro in Colonial South Carolina, Washington, D.C., 1941. 408

39. | :

40.

Ver Claude R. Rickman “Wesleyan Methodismin North Carolina”, tese de mestrado não publicada, University of North Carolina, 1952. Do reverendo Edward Thomas ao reverendo R. W. Whittingham, 10 de março de 1836, Whittingham papers. Citado em James H. Boykin, North Carolina in 1861, New York, 1961, p. 98. J. B. Sellers, Slavery in Alabama, p. 294; Sydnor, Slavery in Mississippi, p. 55; Anson West, History of Methodism in Alabama, Nashville, Tenn., 1893, p. 710; J. G. Taylor, Negro Slavery in Louisiana, p. 149; Sitterson, Sugar Country, p. 101; Mooney, Slavery in Tennessee, pp. 96-7; Bremer, Homes of the New World, II, p. 434. Jackson, Religious Instruction of Negroes, 1830-1860, pp. 72-114.

41. 42. 43.

J. H. Davie a Robert Davie. Freehling, Prelude to Civil War, p. 335. Quanto à opinião de J. H. Hammond sobre a fregiuência dos serviços religiosos para escravos, ver The Pro“slavery Argument, as Maintained by the Most Distin-

guished Writers of the Southern States, Charleston, S. C., 1852, p. 133; e DBR, VIII, fevereiro, 1850, p. 123; também C. C. Jones, Religious Instruction, p. 95; ACPSS,

HI, julho, 1859, pp. 201-4; Kemble, Journal, pp. 56-7; “Wendell Holmes Stephenson, Isaac Franklin: Slave Trader and Planter of the Old South, cords,

University,

La.,

1938,

p.

112.

With Plantation RePara

uma

amostra

dos manuscritos das plantations de diferentes regiões do

sul, ver: J. W. Witherspoon a Susan K. McDowall, 2 de janeiro de 1847, nos Witherspoon-McDowall Papers; Massenburg Farm Journal, 8 e 15 de março de 1840; Cornish Diary, 1843-44; Hanson Diary, 16 de dezembro de 1860; Magruder Diary, 11 de abril de 1846, 3 de março de 1856; Ervin Journal, 1848; Hilliard Diary, 1850; Hudson Diary, 22 de abril de 1853; E. G. Baker Diary, 8 de agosto de 1856; Magnolia Plantation Journal, 18 de outubro de

1856, nos Warmoth Papers; Bayside Plantation Records,

17 de março de 1861; Minor Plantation Diary, 10 de fevereiro de 1863. Para exemplos das várias atividades das se-

409 .

nhoras das plantations com relação à instrução religiosa dos escravos, ver: Magruder Diary, 1846 e 1856; Hanson Diary, 15 de setembro de 1858, 30 de março de 1860;

Broun Diary, 29 de novembro de 1863; Clarissa E. (Lea-

vitt) Town Diary, 1.º de fevereiro de 1853; Bethell Diary, janeiro de 1845, 9 de dezembro de 1857, 6 de junho de

1860; Eliza Clitherall Autobiography, ms. II, p. 2; e End

of an era, de Wise, p. 37.

44. F. L. Rilley (org.), “Diary of a Mississippi Planter”. In:

Publications of the Mississippi Historical Society, X, 1909, p. 453; Chalmers Gaston Davidson, The last Foray. The South Carolina planters of 1860: a sociological study, Columbia, S.C., 1971, p. 83; C. P. Patterson, Negro in Tennessee, p. 146; ACP, II, agosto, 1854, pp. 2534. 45. Narrative of William Wells Brown, p. 12; cf. “Col. John Hill Plantation Diary”, no Edgefield (S.C.) Military Record, 1830. 46. W. E. B. Du Bois, “Reconstruction and its benefits”, AHR, XV, julho, 1910, pp. 781-99; J. G. Taylor, Negro Slavery in Louisiana, p. 149; Heyward, Seed From Madagascar, p. 185; Davidson, Last Foray, pp. 85 e 96; Rawick (org.), Texas Narr., IV (2), p. 60; Bondurant Reminiscences, documento datilografado, pp. 8-13. 47. Citado em Philips, Radical problems, adjustments and

disturmances. In: Chandler, et al, (orgs.), South in the Building of the Nation, IV, p. 210. E

48. 49.

50.

51.

410

Citado em C. S. Davis, Cotton kingdom in Alabama, p. 89.

Existem exemplares do livro de Affleck em várias coleções de manuscritos das plantations. Essas instruções, em especial, foram reimpressas em ACP, II, dezembro, 1854, pp. 353-6. Ver Jenkins, Pro-slavery Thought, pp. 13 e 17. Para uma boa análise geral de como a religião foi utilizada como meio de controle social, ver Eaton, Growth of Southern civilization, p. 87. George De Berniere Hooper para Caroline M. Hooper, 13 de maio de 1853; John Rogers para “Meus queridos filhos...”, 5 de abril de 1842, nos Renwick Papers; E. G. Baker Diary, 4 de setembro de 1859 (II, 48) e tam-

bém 30 de dezembro de 1855 (I, 37); Mooney, Slavery in Tennessee, p. 92.

. Yetman, Life Under the “Peculiar Institution”, pp. 45-6, . Ibid., p. 91. . Greenlee Diary, 31 de dezembro de 1848; também Rogers Journal, pp. 150-1. . Plantation Diary, 1861-65, nos Minor Papers. . E. F. Andrews, War-time Journal of a Georgia Girl, p. 72. . Walter Brownlow Posey, The Baptist Church in the Lower Mississippi Valley, 1776-1845, Lexington, Ky., 1957, p. 91. . Martineau,

Society in America,

II, p. 319.

. Citado numa carta de Mary Jones para Charles C. Jones, Jr., 22 de dezembro de 1856. In: Myers (org.), Children of Pride, p. 277. ; . William McKean a James Dunlop, 2 de dezembro de 1811. No

MckKean

Letterbook.

. Aptheker, Slave revolts, p. 166. . Edwin Vernon Morgan, Slavery in New York With Special Reference to New York City, London, 1898, pp. 21-2. « Mullin, Flight and Rebellion, p. 148. . FR,

IV, julho,

1836, p. 181.

. Para lembranças favoráveis de ex-escravos, cujas declarações, contudo, são muito variadas, refletindo o grau de liberalidade de seus amos, ver: Fisk University, Unwritten History of Slavery, pp. 5 e 131; Yetman (org.),

Life Under the “Peculiar Institution”, pp. 65, 70 e 189; Rawick

(org.), S. C. Narr., II (2), pp.

15, 51, 89 e 198;

IH (1), p. 229; Texas Narr., IV (2), p. 58; V (3), pp. 56 e 117; Ala. Narr., X, VI (1), pp. 22, 155, 279-80, 307, 332 e 398; Okla. Narr., VII (1), pp. 95, 99, 208 e 264; Ga.

Narr.,

XII

(1), pp. 5, 77, 98,

127,

154 e 208;

XII

(2), p. 5; XIII (3), pp. 17 e 159; XIII (4), p. 118; Kansas Narr., XVI (1), p. 65. Para relatos desfavoráveis, ver: Fisk University, Unwritten History of Slavery, pp. 54 e 151; Yetman (org.); Life Under the “Peculiar Institution”, pp. 70 e 127; Rawick (org.), Texas Narr., IV (2), p. 85; Okla.

Narr., VII

(1), p. 113;

Ga. Narr.,

XII

(1), p. 98.

Para o caso do senhor que os escravos consideravam bondoso, mas que não se importava com os funerais dos negros, ver Rawick (org.), Texas Narr., IV (1), p. 52. 411

66. 67. 68. 69.

um excelente relato das práticas afro-jamaicanas de fu-

maes (org.), Life under the “peculiar Institution”, p. 92. Stewart Account Books, 1841-1860; Yetman (org.), Life Under the “Peculiar Institution”, pp. 70, 92 e 257.

nerais, ver Brathwaite, Creole Society, 80. Philip Alexander Bruce, Social Life Seventeenth Century. An Inquiry Into Higher Planter Class, Together With

Smedes, Southern Planter, pp. 22-3.

Judith Page (Walker) Rives a Alfred L. Rives, 5 de dezembro de 1956. Ver também reverendo C. C. Jones a Charles C. Jones, Jr., 30 de julho de 1858; e Mary E. Roberts a Mary Jones, 31 de maio de 1861, in: Myers (org.), Children of the Pride, pp. 433, 690-1. 70. Foby, “Management of Servants”, SC, XI, agosto, 1853, pp. 226-8. 71. Jones v. Fort, 1860. In: Catterall (org.), Judicial Cases, II, p. 243. Para exemplificar os problemas que os senhores podiam ter a fim de tomar as providências para os funerais de seus escravos, ver Bond Diary, 27 de janeiro de 1863. 12: Rawick (org.), Texas Narr., IV (2), p. 85. 73. Ver Yetman (org.), Life Under the “Peculiar Institution”, p. 65; Rawick (org.),S. C. Narr., II (1), pp. 333-5; Te-

Habits, Customs, and Diversions of the People, Williamstown, Mass., 1968 (1907), pp. 218-9.

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xas Narr., IV (2), p. 58; V (3), pp. 56 e 117; Ala. Narr., 74.

75. 76. 77.

VI (1), pp. 307, 332 e 398; Fisk University, God Struck Me Dead, p. 159. Schollcraft, Plantation Life, p. 162. Também WPA. Drums and Shadows, p. 192; Rawick (org.), S. C. Narr., II (1), pp. 15, 89 e 198. Cf. Lewis, Journal of a West India proprietor, p. 327. . Rawick (org.), S. C. Narr., II (2), pp. 89 e 198. Julia E.- Ham, “Old Cannochee-Ogeechee chronicles: life -among the Negroes”, GHO, XVI, junho, 1932, pp. 148-9, Ver Higginson, Army Life, p. 44; Seabrook, Before and After, p. 93. Note-se, porém, que os brancos acreditavam que os negros temiam cemitérios depois do escurecer; W. G. Brown (org.), Gentleman of the South, p. 205.

78.

E. Franklin Frazier, The Negro Slave Family, JNH, XV,

79.

abril, 1930, pp. 215-6. Geoffrey Parrinder, African Traditional Religion, London,

1962, p. 99; M. Herskovits, Myth of the Negro Past, p.

201; Newbell Niles Puckett, Folks Beliefs of the Southern Negroes, New York, 1968 (1926), pp. 87 e 103. Para 412

pp. 216-7. in Virginia in the the Origin of the an Account of the

other Urban

-

Centers, New

York,

1969, p. 84;

Fisk Uni-

versity, Unwritten History of Slavery, p. 5. 85. Estes acontecimentos causaram muitas preocupações aos brancos, sobretudo nas cidades; ver: Wiley. Southern Negroes, n. 28, p. 105; Botume, First Days Amongst the Contrabands, p. 103. Quanto à insistência dos negros em permanecer junto ao corpo em sinal de respeito, ver Pearson (org.), Letters from Port Royal, pp. 253-4. 86. Posey, Baptist Church in the Lower Mississippi Valley, pp. 16-7. 87. Ver: Farish (org.), Journal and Letters of Philip Vickers Fithian, p. 241; Cornish Diary, 17 de março de 1843, 14 de abril de 1843, 29 de janeiro de 1846; Hanson Diary, 23 de novembro de 1859; Ingraham, South-West, II, p.

125. Os batistas regulares brancos enfrentavam um problema específico, pois muitos se opunham a pregações à

beira do túmulo, com base em argumentos teológicos; ver Posey, Baptist Church in the Lower Mississippi Valley, p. 16.

413

88.

Ver William E. Hatcher, John Jasper, the Unmatched Negro Philosopher and Preacher, New York, 1908, p. 37; Harry Toulmin, The Western Country in 1793: Reports on Kentucky and Virgina, San Marino, Calif., 1948, pp. 21 e 29; Kemble, Journal, pp. 112-4; Olmsted, Seaboard, pp. 25 e 405; Schoolcraft, Plantation Life, pp. 161-2; Pennigton, Fugitive blacksmith. In: Bontemps (org.), Great Slave Narratives, p. 254; Yetman (org.), Life Under the “Peculiar Institution”, p. 146; Rawick (org.), S. C. Narr.,

topher Crocker, “The Southern Way of Death”, Im Kanneth J. Morland (org.), The Not so Solid Southy Anthropological Studies in a Regional Subculture, Athens, Ga.,

101. 102.

Reeves,

também

Olmsted, Seaboard, p.

Rawick

Courlander, Negro Folk Music, p. 200. Quanto aos hinos, ver

(org.), Ala. Narr., VI

(1), pp. 22 e 155;

Okla.

siana cotton plantation in 1832”, In: Pharr Book. Yetman (org.), Life Under the “Peculiar Institution”, p. 332.

91. 92. 93. 94.

Olmsted, Seaboard, p. 26; Puckett, Folk beliefs, p. 95. Pollard, Black Diamonds, p. 89. Puckett, Folk beliefs, pp. 246 e 248. Robert Farris Thompson, “African Influences on the Art of the United States”, In: Armstead L. Robinson, et al. (orgs.), Black Studies in the University, New Haven, Conn,,

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Peter H. Wood, Black Majority. Puckett, Folks beliefs, pp. 246 e 248. Hortense Powdermaker, After freedom: a Cultural Study - Of the Deep South, New York, 1968, pp. 122 e 249; Gunnar Myrdal, An American Dilemma: the Negro Problem and Modern Democracy, New York, 1944, p. 310. 98. Ver Saxon, et al., Gumbo Ya-Ya, pp. 244-5, e Caps. 15 e 16.

99.

Para uma interessante análise das atitudes da classe média branca no Sul do século XX, que não diferem

muito das atitudes dos negros, aqui examinadas, ver Chris-

414

Virgens

Britânicas,

nerais eram uma

103.

Narr., VII (1), pp. 208 e 264; N. C. Narr., XV (2), p. 133; Amelia Thompson Watts, “A summer on a Loui-

90.

p. 67.

de

1783,

e a lei

anterior,

de

1780, de Antígua, exigissem o máximo de simplicidade em qualquer funeral de escravo, afirmando que os fu-

449. Relatos fragmentários de ex-escravos — ver as narrativas editadas por Rawick — corroboram a mesma idéia geral. E também Harold USA, New York, 1963,

Round About a Pound a Week,

Joost A. M. Meerlo, Suicide and Mass Suicide, New York, 1968, p. 133. É significativo que a Lei dos Escravos das Ilhas

Para maiores informações, ver as referências de Kemble e Schoolcraft na nota 88;

114-29.

Hobsbawm, Industry and Empire, p. 69. Tradução em português pela Forense.

II (1), p. 73; Texas Narr., V (3), p. 117.

89.

1971, pp.

100.

104.

tentativa, por parte dos escravos, de se

igualarem aos brancos. Ver Goveia, Slave Society in the British Leeward Islands, p. 167. Nessa passagem se pode ver a indignação dos escravos ante o fato de estudantes de medicina, brancos, invadirem seus túmulos. Ver a carta de Susan M. Cummings a C. C. Jones, de 12 de março de 1856, in: Myers (org.), Children of Pride, p. 194. Joe Madison King, A History of South Carolina Baptists,

Columbia, S. C., 1964, p. 141; também H. Shelton Smith, 105.

In His Image, But. ..: Racism in Southern Religion, 17801910, Durham, S.C., 1972, Cap. I. Para relatos de ex-escravos acerca de senhores-ministros que eram bons e humanos, ver Yetman

(org.), Life Under

the “Peculiar Institution”. p. 86 (Andy Marion); Rawick (org.), S. C. Narr.,

II (1), p. 157;

Texas Narr.,

IV

(1),

pp. 157-8, IV (2), pp. 23 e 64; Ala. Narr., VI (1), pp. 63 e 332; Indiana Narr., VI (2), p. 21. Para exemplo de senhores-ministros cruéis, ver Rawick (org.), Indiana Narr., VI (2), p. 201;

Ga. Narr., XII

(2), p. 12; N. C. Narr., XIV

(1), p. 217; Keckley, Behind the Scenes, Caps. 1 e 2; Fisk University, God Struck Me Dead, p. 185. H.C. Bruce, em New Man, p. 85, dá exemplos de bons e maus senhores. Para o relato do reverendo Richard Fuller, ideólogo escravista e proprietário de escravos, ver Rose, Rehearsal for Re-

construction, esp. pp. 111-2, 115-9 e 349. O reverendo Fuller era querido por seus escravos, mas mesmo assim estes o 415

im deixaram depois da guerra, e até o feitor, em quem ele confiava, recusou-se a ouvir seus apelos. 106. Wesley M. Gehwehr, The Great Awakening in Virginia, 1740-1790, Gloucester, Riley, 1965, pp. 235-6; Eaton, Freedom-of-thought Struggle, pp. 131-43; B. F. Riley, Baptists in Alabama, pp. 276-7. 107. Holcombe Autobiography (ms.), parte 2, cap. 1, pp. 1 e 2. Ver também as lembranças de Josiah Henson quanto “ao padeiro-pregador John McKenney, in Father Henson's

123. 124. 125. 126. 127.

* Story of His Own Life, pp. 278. 108. 109.

110. 11.

112. 113. 114. 115. 116. 117. 118. 119. 120.

121. 122. 416

John Witherspoon a Susan D. Witherspoon, 23 de maio de 1846. In: Witherspoon-McDowall Papers. Stratton Diary, 1.º de março de 1851; Hill Diary, 24 de novembro de 1846; J. H. Witherspoon à sra. Susan McDowall, 9 de julho de 1846, in Witherspoon-McDowall Papers; Hanson Diary, 14 de outubro de 1858; N. L. Garfield a Levert, 27 de abril de 1857, in Levert Papers; Cornish Diary, 19 de abril de 1865; Spyker Diary, 21 de junho de 1852. Freehling, Prelude to Civil War, pp. 301-2. Carta ao Farmville Journal, em 16 de outubro de 1856, citada em: Ira Berlin, “Slaves who were free: the free Negro in the Upper South, 1776-1861”, dissertação de doutorado não publicada, University of Wisconsin, 1970. Também C. C. Jones, Religious Instruction, p. 176. E. F. Andrews, War-time Journal of a Georgia Girl, p. 69. Doyle, Etiquette of Race Relations, p. 46. Rawick (org.), Okla. Narr., VII (1), p. 201. Agnew Diary, 31 de dezembro de 1865, VI, p. 303. Ibid., setembro, 1854 I, p. 146. Cornish Diary, 3 de janeiro de 1845. Bremer, Homes of the New World, I, p. 289. Valentine Diary, 4 de novembro de 1851. C. C. Jones, Suggestions, pp. 14-5; Fripp Papers, 19 de dezembro de 1857. No tocante aos ministros brancos cuja opinião era oposta à do reverendo Jones, ver William M. Wrightman, The Life of William Capers, D.D., Nashville, Tenn., 1859, p. 345. PB, 21 de março de 1850. Cornish Diary, 10 de outubro de 1847.

4

Bumpus Journal, 19 de maio de 1842. C. C. Jones, Suggestions, p. 28.

Myers (org.), Children of Pride. Livros 1 e 2, passim. Rawick (org.), Texas Narr., IV (2), p. 103; Yetman (org.), Life Under the “Peculiar Institution”, p. 222. Rawick (org.), Texas Narr., IV (2), p. 117; Northup, Twelve Years a Slave, p. 97; também H. C. Bruce, New Man, pp. 71-2; Fisk University, God Struck Me Dead, p. 149. Para um relato complacente da atuação dos pregadores brancos, ver: Blassingame, Slave Community, Cap. 2. Os textos dos pregadores brancos variavam muito e muitas vezes sua mensagem era a da igualdade espiritual diante de Deus. Mas não podiam evitar o tema da submissão à escravidão, o que podia prejudicar seus mais sinceros esforços. Quanto à variedade de textos, ver: Par-

kinson, “Religious

instruction of slaves”, tese de mes-

trado não publicada, University of North Carolina, 1948, pp. 79-80; Myers, Children of Pride, p. 102; Stratton

Diary, 1843-1851.

129. 130. 131.

Rawick (org.), Texas Narr., V (4), p. 7; IV V (3), p. 213; Chestnut, Diary From Dixie, p. Negro in Virginia, p. 108; também Yetman Under the “Peculiar Institution”, p. 13. C. C. Jones, Religious Instruction, p. 199. Tal como citado em Aptheker, Slave Revolts, Robert Michelet, Satanism and Witchcraft,

132.

Ver o cap. 5 da obra de Jeffrey Kaplow, The Names

128.

133.

(2), p. 167; 171; WPA, (org.), Life

p. 57. New York,

of Kings: the Parisian Laboring Classes in the Eighteenth Century, New York, 1972. Keith Thomas, Religion and the Decline of Magic, New York, 1971, p. 152. Também é preciso levar em consideração o que disse a duquesa de Buckingham acerca do metodismo: “É monstruoso que lhe digam que seu coração é tão pecador quanto os dos patifes deste mundo”. Segundo Christopher Hill, este comentário “nos revela menos acerca do metodismo que acerca das classes dominantes”; Reformation to Industrial Revolution, New

York, 1967, p. 228. 417

Herskovits, Myth of the Negro Past; E. Franklin Frazier, The Negro Church: the Negro in America, New York, 1966; The Negro Family in the United States, Chicago, 1966. a 135. Ojo, Yoruba Culture, p. 158, passim. Ver também Thomas em: citada y, Kingsle H. declaração de Mary PP. Hodgin (org.), Nigerian Perspectives, London, 1960, África da religião a 17.8. Dentre os vários estudos sobre aborOcidental, os que mais interessam aos assuntos aqui phy, Philoso and ns dados são: MIBTI, African Religio n; Religio onal Traditi esp. pp. 97 e ss. Parrinder, African C. roms Leone Sierra in Kenneth Little, “The Mende Costhe in Studies Daryll, Forde (org.), African World: Lonmological Ideas and Social Values of African Peoples, er, Balandi Africa; of don, 1954; p. 112; Abraham, Mind Aljairs, Village Ibo Green, Political Anthropology; M. M. ; pp. 55-6, 94-5; várias obras de Rattray sobre os Achanti 17-8. pp. n, e Max Weber, Sociology of Religio 136. Para um excelente exemplo, ver os relatos sobre conver26-7. sões em: Fisk University, God Struck Me Dead, PP. p. Africa, of No tocante à África, ver Abraham, Mind , London God, of 47; J. B. Danquah, The Akan Idea Yoru1944, p. 82; E. Bolaji Idowu, Olodumaré: God in ReAfrican MBITI. ba Belief, London, 1962, pp. 148-9; e New € ss. e ligions and Philosophy, pp. 97 1971, Eschatology in an African Background, New York, é AE p. 138. 16. Religion, p. a, Reason in 137. the138. E ua paralelo com a Ásia, ver Benedict, Chrysan mum and Sword, p. 98. 139. Higginson, Army Life, pp. 17, 27, 253 e 255. 140. WPA, Negro in Virginia, p. 110. pp. 10 e 141. Fisk University, Unwritten History of Slavery, 106. mo 142. WPA, Negro in Virginia, p. 199.. e ro feverei de 17 1453. Religious Herald (Richmond, Va.), de tese , free 1832, citado in Berlin, “Slaves who were in, 1970; | doutorado não publicada, University of Wiscons

of the Negro

134.

também 418

Joseph B. Earmnest, The Religious Development

144. 145.

96, p. 97.

in Virginia.

Charlottesville, Va.,

1914, n,

Rawick (org.), S. C. Narr., III (3), p. 5. James Redpath, The Roving Editor, or, Talks With Slaves in the Southern States, New York, 1859, p. 260.

146.

Reverendo

147.

de 1859. In: Myers (org.), Children of Pride, p. 483. Relatos que mostram o interesse cada vez maior dos negtos

em

R.

Q.

Mallard

se converterem,

dessa conversão, podem Journal,

1793;

a Mary

e que

Mallard,

acreditam

18

de maio

na sinceridade

ser encontrados em: Mrs. Smith

Cornish Diary,

12 de janeiro de 1843, 21

de dezembro de 1848 e passim; Clarissa E. (Leavitt) Town Diary, 27 de março de 1853; Parson Brownlow, “Religion of the Negroes”, in: SC, XVI, dezembro, 1858, Pp. 378; DRB, XVIII, maio, 1855, pp. 575 e 612; Chancellor Harper in: E. N. Elliott (org.), Cotton is King and Pro-slavery Arguments, p. 37; Pollard, Black Diamonds, p. 35. 148. Catterall (org.), Judicial Cases, III, p. 313. 149. Quanto às opiniões de um dono de plantation, de um viajante inglês e de um conhecido jornalista, ver: J. B. Grimball Diary, 20 de março de 1855; Kemble, Journal, p. 84; e Pollard, Black Diamonds, p. 58. 150. C. C. Jones, Religious Instruction, pp. 127-8. Também Earnest, Religious Development of the Negro in Virginia, pp.

151.

27-9.

“*Tatler' on the managements of Negroes”, por Um Ministro do Evangelho, SC, IX, junho, 1851, pp. 84-5; também Orlando Kay Armstrong, The Old Massa's People: the Old Slaves Tell Their Story, Indianapolis, 1931, p. 246.

152. 153. 154.

|

155.

Olmsted, Black Country, p. 109.

Hundley, Social Relations, pp. 328-9. Ver Calvin Henderson Wiley, “Duties of Christian Masters”, p. 94. In: Wiley Papers; Autobiography of Emily Donelson Walton, pp. 9-10, in: Laurence Family Papers; Sydnor, Slavery in Mississippi, p. 61; Sitterson, Sugar Country, p. 102. De

Bow,

Industrial

Resources,

II, p. 321.

419

ME memreeme

156.

and

liarities Wilson, “Pecu o,

Beliefs;

Powdermaker,

e 8s.;

pp. 286

Ajter Freedom,

Old Plantation: Reminiscences of His Childhood, Westport, Conn., 1916, p. 12; Puckett, Folk Belief s, p. 553; Odum & Johnson, Negro and His Songs, p. 39; Rawick (org.), Ark. Narr., IX (4), Pp. 262; O. K. Armst rong, Old Massa's People, pp. 140-1. Para uma discussão quanto à existência de trapaceiros entre os povos africanos e nãoafricanos, ver Edward Norbeck, Religion in Primitive Society, New York, 1961, pp. 78 e ss.; Paul Radin, The

ACPSS,

diseases of Negroes”,

A ! | ana”, “Observations on the Cachexia Afric 157. Pb em Eh NOMS)J, 1, outubro, 1844, pp. 146-65. m; passi Folk Beliefs, 158. WPA, Drums and shadows; Puckett, m. Rawick (org.); Ga. Narr., XIII (4), passi Magic, P. 50. of ne Decli the and ion 159. K. Thomas, Relig Morton Rubin, Plan160. Ver WPA, Drums and Shadows; Robert Tallant, tation County, New Haven, Conn., 1951; Puckett, Folk Voodoo in New Orleans, New York, 1946; 1860, pp. 46-7.

, janeir

ss., 545; HerskoSaxon, et al, Gumbo Ya-Ya, pp. 248 e e 88; Earnest, vits, Myth of the Negro Past, pp. 250

Trickster: q Study in American Indian Mythology,

171. 172.

Ni

York, 1972. re Rawick (org.), Texas Narr., IV (2), pp. 9 e 238. Ingraham, South-West, I, p. 258; Pollard, Black Diapn Pp. xi-xii; Heyward, Seed From Madagascar, p.

nia, p. 136. Religious Development of the Negro in Virgi s talvez negro 161. O número de brancos adeptos do vodu “dos mes-

173. Herskovits, Myth of the Negro Past, pp. 242-3 e 252-3;

After Freedom,

London, 1958, p. 133; Shippee (org.), Bishop Whipple's

tela total, chegasse a um terço ou à metade da clien

. 2956.

162. a

Ver Powdermaker,

pe

a

Life and Times of Frederick Douglas,

pp.

136-8. Ver

um relato também H. C. Bruce, New Man, Cap. 5, para por um feito os, escrav os do-poder dos feiticeiros sobre dos volta e falsos eiros feitic ex-escravo que considerava os sses. apenas para seus próprios intere

167. WPA. Drums and Shadows, p. 28.

Rea

p. (org.), Life Under the “Peculiar Institution”,

Yetman 63. também n (org), Lay My Burden Down, p. 39; Botki 169. Mo. 143; e 69 PP. (1), Rawick (org), S. C. Narr., II Narr., XI, p. 55. United States, 170. W. F. ie, et al., Slave Songs of the On the cales, Clinks New York, 1871, p. 108; John G. si

168.

Witchcraft:

Diary, p. 36;

Rawick

Eropean

and African,

(org.), Ga. Narr., XIII

(3), p. 345. O lugar ocupado pelo diabo na vida dos camponeses europeus durante o processo de conversão

XVI “Old Canoochee-Ogeechee Chronicles”, GHO,

a p. 147. 1932, j ics of terist Charac Guiffis, Johnson, “Social 163. ai tp 1929, abril, VI, Ante-bellum North Carolina”, NCHR, , KHSR Life”, er p. 155; Mann Butler, “Details of Fronti LXII, julho, 1964, p. 224. 184. 164. Rawick (org.), Texas Narr., V (4), P. Catterall (org.), 40; p. 165. Narrative of William Wells Brown, p. 414. II, 43; p. Judicial Cases, III, pp. 367-8; II,

166.

Southern

Parrinder,

ao cristianismo ainda precisa ser mais bem estudado, mas apresenta paralelos interessantes com a experiência dos Pei ver Thomas & Znaniecki, Polish Peasant, I, pp. 174.

William E. Barton, “Old plantation hymns”, In: Bernard Katz (org.), Social Implications of Early Negro Music

175.

Rawick

17

in the United States, New York, (org.), Ala. Narr., VI

II (1), p. 160.

1969, p. 84.

(1), p. 186; S. C. Narr.

« Puckett, Folk Beliefs, p. 166. Em Nova Orleans e outros lugares os brancos participavam do culto, mas a liderança sempre foi dos negros. 177. Tallant, Voodoo in New Orleans, passim. 178. Para a significação da serpente na mitologia africana, ver Geoffrey Parrinder, African Mythology, London, 1967, Pp. 38-50; ver também interessantes implicações política s em Karl Polanyi, Dahomey and the Slave Trade, Seattle, Wash., 1966, pp. 132-3; para a importância da serpente no mundo não-ocidental, ver Worsley, Trumpet Shall Sound, p. 252. [en

mo

no século XX.

Geoffrey

421:

179.

146. Para um pg Puckett, Folk Beliefs, Pp.

180.

do ted

Lower

;

o Slavery in Louisiana, p. 374;

Posey,

46.

Baptist

aaa pMississippi Valley, ), Lay My Burden Down, p. Life

o:

a

p. 170. Vale a pena comentar uma função, relevante do ponto de vista político, dos encantamentos. O Reverendo C. €. Jones (Religious instruction, p. 128) sugere discretamente o fato de alguns negros acreditarem que os encantamentos podiam derreter balas, e que tal crença podia ser fatal durante uma insurreição. Na verdade, isto nunca foi problema no Sul, mas o Reverendo Jones estava certo. Muitas vezes os africanos deram a essa crença aplicações revolucionárias. Durante o levante de esquerda no Zaire (ex-Congo Belga), após o assassinato de Patrice Lumuba,

Life àsUnder ), tocante atitudes dos brancos, a ç ,o rá E pi on the Louisiana Sugar P, 19%; p. pi

ca

1950, p. 31; MIBITI, African Religions and Philosophy,

da p prá-

Under

i (org), Indiana

| to ick ipi Eis par

ver

the “Peculiar

Narr., VI Ark

Narr.,

Church

in the

29: Institution

, P

a“su(2), y p. 59. Para 20-1; pp. XI (7),

Narr., XIII (3), p. 345. Mo. Narr., Narr., HI (3), p. 158; 184. Rawick (org), S. C. XI, p. 101. p. 46; Rawick a Ps rali Down, o 185. Botkin era plo a ts),

E

186

Texas

pre

, P.

Narr.,

Fisk Univer Okla. Narr., VII (1), Pp. ea

sity, Unwritten aa wick (org.), S. C.

perigo á o Da: Narr.,

oe

o

P: 75 Ga. Narro XI é» port berra 0. 5; Ark. Narr, X (0), ões

o

189

ia

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E

e

io

inaul q quanto ao , fato de de V. S. Naipaul terroristas, em por considerá-los Riu . 156 e 171.

Under

the

“Peculiar

“pp. 1156.

192 193

v (3), pp. 142 ; Rawick (org.), Texas Narr., 7e Drums and Shadows, pp.

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a

p. 53.

RR

Institution”,

os rebeldes usaram “Mulele's Water”, assim chamado por

o e : 194. Ver WPA, Peculiar Instituu ion, aid ; Folk Beliefs, p. 209; Stampp, ch a pao no n “195. Ver Parrinder, African Forõs, Daryll C. itchcraft., p. III; “2; York New Nigeria, Pintado opor of South-Western

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res formados quanto fazendeiros que eram médicos ama-

206.

207. 208. 209.

210.

211.

dores, ver: Catterall (org.), Judicial Cases, III, p. 188; James W. Melvin e A. C. Britton, 29 de setembro de 1862, in Britton Papers; e Smedes, Southern Planter, p. 29. Para uma opinião mais favorável dos negros quanto aos médicos brancos, ver: Pearson (org.), Letters from Port Royal, pp. 15 e 31. Schoolcraft, Plantation Life, pp. 235-6 e 240; Ingraham, South-West, II, p. 123. Também Lyell, Second Visit, 1, p. 264. Kate Stone, Brokenburn, p. 372. Life and times of Frederick Douglass, p. 42. Ver St. John R. Liddell a Moses Liddell, 14 de fevereiro de 1852; Charles C. Jones, Jr., ao Reverendo C. C. Jones, 20 de junho de 1854, In: Myers (org.), Children of Pride, p. 46.

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424

216.

Narr.,

XVI,

p. 47;

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Tais medidas não se limitavam absolutamente aos escravos das áreas rurais. Ver Richard C. Wade, Slavery in the Cities, New York, 1964, p. 138. W. E. B. Du Bois, The Souls of Black Folk, New York, 1964 (1903), p. 144. Abraham, Mind of Africa, p. 49; Parrinder, African Tra-

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425

225.

226.

227.

228.

Pode-se avaliar toda a complexidade do problema pelo êxito simultâneo das seitas fundamentalistas entre os povos coloniais. Ver Worsley, Trumpet Shall Sound, p. 235. Arthur Huff Fauset, Black Gods of the Metropolis: Negro Religious Cults of the Urban North, Philadelphia, 1971, pp. 101-2, Henry George Spaulding, “Negro “shouts' and shout Songs”, In: Bernard Katz (org.), The Social Implications of Early Negro Music in the United States, New York, 1969, pp. 4-5. Também G. G. Johnson, Social History of the Sea Islands, p. 150-1; James Weldon Johnson, The Book of American Negro Spirituals, New York, 1925, pp. 33-4; Courlander, Negro Folk Music, pp. 194-5; Kiser, Sea Island to City, p. 79. Thomas Merton, Seasons of Cafolrégiom: Meditations on on the Cycle of Liturgical Feasts, New York, 1965, p. 248. O lugar ocupado pela dança no culto afro-americano conhecido

229,

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in

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Narr., V (4), p. 198.

Fisk University, Unwritten History of Slavery, p. 87. Rawick, Sundown to Sunup, pp. 41 e ss.; correspondência pessoal de John F. Szwed. Também Rawick (org.), Indiana Narr., VI (2), p. 98. 427

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E. F. Andrews, War-time Journal of a Georgia Girl, 12 e de fevereiro de 1865, p. ão a poa p. Down, Burden My in (org.), Lay 241. ion”, p. Institut r “Peculia the Under Life rt 242. Rr . Arkansas do er, Alexand Lucretia de nto 13. Depoime p. 53. 243. Ibid., 244. Ravick (org.), Texas Narr., IV (1), p. 11; Ark. Narr., IX (4), p. 254; Mo. Narr., ue GdeR . Sp: ick (org.), S. C. Narr., 245. (org.), S. €. Rawick 242; p. Ya-Ya, sli no A 246. Rio

240.

a

Narr., II (2), p. 87.

. 247.

lidade,

248.

e talvez

nem

sua

maioria)

sentiam-se

costais, constitui

Warren, “The Négro and religion in Brazil”, Race, VI,

in Haiti, pp. 120-2; também Roger Bastide, Sociologie et

Psychoanalyse, Paris, 1950, p. 252; H. U. Beier, The Egungen cult among the Yorubas”, Présence Africaine, n. 17-18, fevereiro-maio, 1958, pp. 33-6; Georges Balandier, Ambiguous Africa: Cultures in Collision, New York, 1965, pp. 46-7; Worsley, Trumpet Shall Sound, p. 61; Norbeck, Religion in Primitive Society, pp. 99, 100. 249. Du Bois, Souls of Black Folk, p. 142. 250. Ver a esclarecedora análise de Evans-Pritchard, Theories of Primitive Religion, p. 46, e sua análise das opiniões p. 247. Radin, 251. rs um br resumo da questão, ver: Southern, Music of Black Americans, p. 96. à ; 252. Olmsted, Seaboard, p. 460. 253. No tocante às origens africanas do sistema de invocações rs e respostas nos spirituals, ver esp. Alan Lomax, Style Musical Homogeneity of African-Afro-American In: Norman E. Whitten & John F. Szwed (orgs.), Afro-

um

elo

importante

entre

as variantes

branca e negra do cristianismo, e como tal deve ser con-

à vontade

nesta situação e preferiam rezar “à maneira dos brancos” : Ver Mary Sharpe a C. C. Jones, 2 de junho de 1856, á Myers (org.), Children of Pride; Mrs. Smith Journal, 1793, p. 22; Olmsted, Seaboard, p. 405. Max Weber, The Sociology of Religion, Boston, 1964, p. 157. Quanto à possessão por espíritos no Brasil, ver: janeiro, 1965, esp. p. 201; no Haiti, ver: Métraux, Voodoo

428

trada entre brancos sulistas da classe baixa e entre pente-

m elite, uma Alguns escravos domésticos, que constituía sua totanão nte (certame urbanos escravos e negros livres 254. 255. 256. 257. 258. 259. 260. 261. 262. 263. 264.

265. 266. 267.

siderada; ver Black Preaching, Philadelphia, 1970, p. 101. Mitchell, Black Preaching, p. 50. Rawick

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Religious

Cult

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270. 271. 272.

to

Behavior

Emotional

Among

Group

Negroes,

With

Conditioning

D.C., s.d.

Olmsted, Seaboard, pp. 123-4.

Special

Factors,

a

280.

icado Para uma explicação da polêmica quanto ao signif Euver: África, da ões condiç às da maldição, em relação at Looks older Slaveh a Georgi gene D. Genovese, “A Africa”, GHQ, LI, junho, 1967, p. 189. Rawick (org.), Texas Narr., IV (1), p. 239;

Narr., VI (1), Rawick (org.), Ibid., II (1), tirar o bem do Charleston, S.

também

281.

Ala.

pp. 5 e 336. S. C. Narr., HI (3), pp. 205-7. p. 7. Quanto à pregação de que se pode mal, ver: J. G. Williams, De Ole Plantation, C., 1895, p. 12; Rawick (org.), Ga. Narr.,

282.

XIE 41),:D. 296 213.

274.

5-6.

)

m “Slave Songs and Slave Consciousness, p. 114. També

450

284. 285. 286.

:

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278. 279.

283.

Puckett, Folk Beliefs, p. 110; cf. K. A. Busia, “The AshanR. ti”, In: Forde (org.), African Worlds, p. 197; Eva L. of Meyerrowitz, “Concepts of the Soul Among the Akan 24-31, the Gold Coast”, Africa, XXI, janeiro, 1951, pp. York, Ver Clifford Geertz, The Religion of Java, New pp. n, 1960, p. 232; Paulson, Old Estonian Folk Religio Caps. ophy, 22, 166; MBITI, African Religions and Philos

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4 |

|

e Cap. 14. ] MBITI, African Religions and Philosophy, p. 4 Wharton, Negro in Mississippi, p. 20. Gift À Du Bois, Souls of Black Folk, p. 189; também The a, of Black Folk: the Negroes in the Making of Americ ] GeNew York, 1970, cap. 7; Mays, Negro's God, p. 21.

roid Tanquary Robinson referiu-se aos cantos de resistência dos camponeses russos e os comparou aos spirituals; ver Rural Russia Under the Old Regime, p. 48. Harriet Beecher Stowe, citada in Charles H. Nichols, Many Thousand gone: the Ex-slaves Account of Their Bondage and Their Freedom, Leiden, 1963, p. 99. E. F. Andrews, War-time Journal of'a Georgia Girl, 12 de fevereiro de 1865, p. 91. Ver também a reação, in: Journal of Charlotte Forten, p. 203. James Miller McKim, “Negro Songs”, in: Katz (org.), Social Implications of Early Negro Music, p. 2. Ver também Alvan Sanborn (org.), Reminiscences of Richard Lathers, New York, 1907, p. 5; Trollope, Domestic Manners of the Americans, p. 299. J. Kennard, citado In: Southern, Music of Black Americans, p. 103. T. S. Eliot, The methaphysical poets, in: Selected Essays, London, 1936, pp. 286-7. Alexander K. Farrar a W. B. Foules, 6 de dezembro de 1857, In: Farrar papers. Ver a instigante análise de Weber, em Sociology of religion, pp. 106-8.

293.

ago”

(ms.);

cf.

431

294. 295.

Ibid., II (1), p. 91, também p. 151. Ver a análise de Levine em Slave songs and slave consciousness, p. 121; ver também Fisher, Negro Slave Songs, para uma interpretação diferente, embora não incompatível com a de Levine.

296.

Lester, To Be a Slave, p. 79. Como afirma Powdermaker,

297. 298.

Weber, Sociology of Religion, p. 185.

299.

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ss. (O depoimento de Capers a Henry Evans); Parkinson, “Religious instruction of slaves”, Tese de Mestrado não publicada, University of North Carolina, 1948; O,. W. Taylor, Negro Slavery in Arkansas, pp. 180-1; J. S. Bassett, Slavery in the State of North Carolina, Cap. 3; J. G. Taylor, Negro Slavery in Louisiana, pp. 136, 146; Rawick, Sundown to Sunup, pp. 38, 84-5; Hatcher, John

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|

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guintes: no tocante a relatos de ex-escravos e outros negros, a obra organizada por Rawick dos depoimentos de escravos — todos os volumes; Yetman (org.), Life Under the “Peculiar Institution”, pp. 36, 141, 147, 157; Saxon

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Relations and Miscegenation, pp. 40, 134-9; também John

T. €.

Schilling, “Sketch of Thomas Landell”, 16 de dezembro de 1941 (não publicado); in: “Louisiana, Historical Records Survey: Church Archives (West Feliciâna Parish,

Records of St. Paul 2

1916, pp. 69-92.

302.

305.

ao que parece concordou. Proibiu preces e a leitura da Bíblia nas escolas para negros. Ver A. L. Robinson, “In the aftermath of slavery”, Tese de graduação não publicada, Yale University, 1969, p. 227. Ver “Eighteenth Century Slaves as Advertised by Their

Masters”, JNH, I, abril, 1916, pp. 202-5. 306. 307. 308.

Olmsted,

Seaboard, p. 568.

Olmsted, Back Country, pp. 92 e ss., 186-7. Hairston Diary, 8 de dezembro de 1845.

433

a

durant Reminiscences, Pp. 57.

on, esp. pp. pd iodo a Sa Jones, Religious 1 nstructi 19; e ii esp. P. também C. C. Jones, Suggestions, of es em Hom observações de Fredrika Bremer s soi II, p. 156. E R : d hoo Smith, “A Plantation Boy gr eu ds E pn Hugher Smith, Carolina Rice W. n Eleanor J. aa 1846; g O de to agos de 8 y, Diary, 75; Hilll Diar ; |, p. 14; William G. Proctor,

Ed

311

GHO,

XLI,

março,

1965,

apt

, Mississippi h: Jackson, Boman, “A city of the Old Sout JMH, XV, abril, 1953, PP. oe oo ce 312. Ross, “Cities and Camps”, Pp. (1), ». Ala. Narr., VI i (1), p. 2; V pp. 303-4; Texas NarrÀ., IV eia WU ra e 4), p. 16; Fisk University, ; in Alabama, dé um a E Riley, Baptists o pp. 80, 186-7. , Pp. er the “Peculiar Institution” 314. Yetman (org.), Life Und É ne do ro in Va .,, HIpo (3),7. PP. 180-1; Miss. Narr foris S. C. Narr pt ep da

317.

ro VI (0, P- 52 Vi 2), p. 58; Ala.€. Nar Narr., II (2), Pp. 128; Rawick

(org), 8.

nsiidinçro

k El Narr., I (1), pe: vV (3), p. 184; também S. €. a n, Saxo 156; Music, Pp. 318. Courlander, Negro Folk o Gmlis bo Ya-Ya, p. 67. er Mississippt Valley, pp pd Baptist Church in the Low 319 logo foi rir 20-1. O moral do clero branco adas. Para um pi clusive nas igrejas mais ponder na Virgínia, ver escândalo ocorrido em 1771 P.. o Cases, T, 1, pol ici (org), Judicial os ni of y olog Soci 320. Simmel, 5 p. 118; também Dur en 1. Botkin (orgs.), Lay my ery, p. 2 Slav a gm Fisk University, Unwritten do a 7 oes, p. 2. Ver Wiley, Southern Negr p. 94. History o om ten rit a . Fisk University, Unw >, in Woodson obiography”, P. 324. “Hiram R. Revels Aut n, Negro in Mississippi, P. papers. ver também Wharto 160.

434

325.

Mitchell, (org.),

“Black

Texas

Preaching”,

Narr., V,

326.

p.

(4), p.

134;

também

Rawick

186.

Rawick (org.), Texas Narr., IV (2), p. 9; também Ohio Narr., XVI, p. 89; Va. Narr., XVI, p. 12; Fla. Narr,, XVII, p. 214. 327. Rawick (org.), Indiana Narr., VI (2), p. 56. 328. Yetman (org.), Life Under the “Peculiar Institution”, p. 337; também Fisk University, Unwritten History of Slavery, p. 106. 329. Lyell, Second Visit, II, pp. 213-4.

330. Ibid., p. 14. 331.

332. 333. 334. 335.

Toulmin, Western Country in 1793, p. 30; Rawick (org.), Texas Narr., IV (2), p. 44; Earmest, Religious Development of the Negro in Virginia, n. 2, p. 104. WPA, Negro in Virginia, p. 247. R. Ingraham a Susan Fisher, 5 de janeiro de 1840, in Fisher Papers. Bremer, Homes of the New World, I, p. 290. Citado in King, South Carolina Baptists, p. 126.

3356. J. G. Williams, De Ole Plantation, pp. 2, 11. Ver também Swint (org.), Dear Ones at Home,

p. 126, onde é narrado

o ataque de um ministro negro à “corrupção” dos que se opunham à participação política dos negros, quando pacia estar apenas contando histórias bíblicas bem conhecidas. 337. Powdermaker, After Freedom, p. 245. 338. Bremer, Homes of the New World, II, p. 159. 339. Quanto à linguagem dos pregadores em geral, ver: Bruce A. Rosenberg, The Art of the American Folk Preacher, New York, 1970, esp. pp. 7, 47 e 51; LeRoi Jones, Blues People, pp. 45-6; e Mike Thelwell, “William Styron and the

340.

341.

Rev.

Mr.

Turner”,

in:

John

Henrik

Clarke

(org.),

William Styron's Nat Turner: Ten Black writers Respond, Boston, 1968, pp. 75-6; e Mitchell, Black Preaching. Bassett (org.), Southern Plantation Overseer, p. 13. 0 autor expressou seu ponto de vista com base em um cuidadoso estudo da correspondência dos administradores das fazendas. Chesnut, Diary From Dixie, pp. 148-9. Ver também Matsh Scuddeo a Chat W. Scuddeo, 20 de dezembro de 1846;

435

342.

Anne S. Fisbburne, Belvidere: a Plantation Memory, Columbia, S. C., 1949, pp. 25-6. Rosenberg, Art of the American Folk Preacher, esp. pp. 10, 14, 17, 40, 47, 115-6; Mitchell, Black Preaching, passim; também Levine, “Slave songs and slave consciousness”, in: Hareven

(org.), Anonymous Americans, p. 106;

LeRoi Jones, Blues People, pp. 45-6. Sobre as origens africanas do sistema de invocações e respostas, ver: J. W. Johnson, Book of American Negro Spirituals, pp. 23-5; Henry Edward Krehbiel, Afro-American Folksongs: a Study in Racial and National Music, 4º ed., New York, 1914, pp. 13, 22, 56 e ss., 100. As frequentes menções

a resmungos e gemidos, encontradas em documentos do

período anterior à Guerra Civil, trazem à baila uma questão interessante. George Shepperson, ao ouvir a leitura da

primeira versão deste capítulo, indagou se havia algum

indício do “falar em línguas”. Tive de responder que não

sabia. Não é impossível que observadores como Olmsted

tenham ouvido exatamente isto. Consideremos a descrição

de um sermão

fúnebre feito por um

pregador

negro:

“Seus modos eram francos, o tom de sua voz era solene e impressionante, embora às vezes ele soltasse um grito ou uma espécie de gemido ao final de uma frase longa (Seaboard, p. 25). Nos cultos urbanos dos guetos do Norte, o “falar em línguas” foi amiúde exigido ou estimulado;

além disso, ainda não se estudou o vínculo entre algumas

348.

Charles Keil, Urban Blues Chicago, Chicago, 1966, p. 166. Ver o paralelo traçado pelo Reverendo Henry H. Mitchell entre o trabalho dos pregadores e o dos músicos de jazz, Black Preaching, pp. 198-9. 349. Meu conhecimento da tradição profética, tal como aqui exposto, foi adquirido principalmente a partir da grande obra de Max Weber, em especial sua Sociology of Religion, esp. o cap. 4, e Ancient Judaism (Glencoe, Ill., 1952), esp. o cap. 11. Várias das idéias de Weber foram desenvolvidas e elaboradas por seus seguidores e críticos. São de especial utilidade a introdução de Talcott Parsons a The Sociology of Religion; Freund, Sociology of Max Weber, esp. pp. 195-6; e Arthur Mitzman, The Iron Cage: an Historical Interpretation of Max Weber, New York, 1969, esp. pp. 189, 221. Também são valiosos os estudos apresentados em Worsley, Trumpet Shall Sound; Lanternari, Religions of the Oppressed; e Norbeck, Religion in Primitive Society. Embora discorde respeitosamente, aprendi muito com a grande obra de Eric Voegelin, Order and History, 3 v., Baton Rouge, La., 1956, esp. o volume 1, Israel and Revelation. 350. Mesmo na grande revolução do Haiti o papel da profecia milenarista e messiânica foi efêmero. Ver Métraux, Voodoo

in Haiti, p. 46.

351.

the Contrabands,

174.

características da experiência dos escravos e a religião dos negros no século XX, sobretudo a pentecostal. Ver Fauset,

352.

Henry E. Simmons a Anna Simmons, 6 de junho de 1863. Para um relato de algumas excentricidades dos pregadores batistas brancos, ver Posey, Baptist Church in the Lower Mississippi Valley, p. 27. 345. WPA, Negão in Virginia, pp. 250-1; também Hatcher, John Jasper, pp. 453 e 463. Ver um belo tributo a Jasper in Francis Pendleton Gaines, Southern Oratory: a Study in Idealism, University, Ala,, 1946, pp. 9-10. 346. Bremer, Homes of the New World, I, pp. 490-1. 347. Olmsted, Back Country, pp. 188-90; J. G. Williams, De Ole Plantation, p. 1; Lyell, Second Visit, I, p. 245.

353. 354.

Black Gods of the Metropolis, pp. 20, 69.

343. 344.

436

Botume, First Days Amongst

109,

A discussão que se segue foi muito influenciada — até certo ponto — por Norman Cohn, “Medieval millenarism: its bearing on the contemporary study of millenarian movements”, in: Sylvia Thrupp (org.), Millenial Dreams in Action: Studies in Revolutionary Religious Movements, New York, 1970, pp. 31-43; também Norman R. Cohn, Na senha do milênio, London, 1957 e Lisboa, Presença. Cohn, Medieval Millenarism, p. 31. Eric Wolf, Peasant Wars of the Twentieth

York,

227-8. 355. 356.

pp.

Century, New

1969, p. 177; Worsley, Trumpet Shall Sound, pp.

Ver esp. Worsley, Trumpet Shall Sound, p. 225. Ver Joseph Needham, Time and Eastern Man, Glasgow, 1965, pp. 47-9. As categorias a que Needham se refere 437.

foram tiradas da obra de Paul Tillich, Escreve Mbiti: “No

PARTE 2

sentido bíblico estrito de profetas e movimentos proféticos,

não há, tanto quanto seja de meu conhecimento, profetas nas sociedades africanas tradicionais”. African religions and philosophy, p. 190. No tocante à reencarnação, ver

... à cada homem conforme o seu trabalho

Idowu, Olodumaré, pp. 190 e ss.

357.

Algumas ramificações dessa conjuntura foram exploradas, de modo sugestivo, em: David A. Aberle, “A Note on

Relative Deprivation Theory as Applied to Millenarian and

358.

Other Cult Movements”, in: Sylvia Thrupp (org), Millennial Dreams in Action, pp. 209-14. Também N. A. Mashkin, “Eschatology and Messianism in the Final Period of the Roman Republic”, Philosophy and Phenomelogical Research, X, dezembro, 1949, pp. 206-28. Friedrich Engels, As guerras camponesas na Germânia, New York, 1932 e Biblioteca Ciências Humanas, pp. 745 da edição original.

359. - Worsley, Trumpet Shall Sound, esp. pp. 73 e 92. Para uma excelente análise da acomodação pós-milenarista, ver George Shepperson, “The comparative study of millennial

movements”,

360.

361.

in: Thrupp

(org.), Millennial

Dreams

p. 5.

:

l

Apocalipse 22:12

4 +

|| | |

Ritmos de tempo e de trabalho

|

Nem é preciso dizer que “os pretos são preguiçosos”: os senhores sempre disseram isso, e também os “brancos pobres”, cujo célebre empenho em tarefas árduas certamente lhes asseguraria a entrada no Reino dos Céus de Calvino, Parte desta cantilena nem se precisa levar em conta, por tratar-se evidentemente de uma racionalização ideológica ou de um jargão usado em proveito próprio, ou mesmo de uma interpretação deturpada do que pode acontecer se não houver os incentivos necessários. Ainda assim, muita coisa precisa ser levada em conta, pois os próprios escravos, enquanto trabalhavam, costu-

in

Action, pp. 44-52; esp. pp. 44-5. Shepperd ressalta que, em termos estritos, o milênio não é um estado perfeito, mas a transição de mil anos para este estado. Não creio que esse ponto de vista afete a argumentação que apresento aqui. Houve entre os escravos poucas “profetisas”, embora tenha havido muitas em movimentos milenaristas de outros povos, e algumas nos cultos dos guetos negros nortistas. Mitchell, Black Preaching, p. 30; Cleage, Black Messiah,

Eis que venho em breve, e a minha recompensa está comigo para dar a cada um conforme suas obras.

| | | | 4 | |

362.

C. Eric Lincoln, The Black Muslims in America, Boston, |

363. 364. 365. 366. 367.

Du Bois, Gifts of Black Folk, esp. pp. 178 e 188.

mavam cantar o seguinte:

O preto é muito feliz quando está plantando milho, O preto é muito feliz quando ouve o sinal do jantar; Mas é mais feliz ainda quando a noite chega. Quando o sol se põe, então ele nasce! A velha vaquinha sacode seu badalo,

1961, p. 54.

Rawick (org), S. C. Narr., II (4), p. 172.

Washington Wills a Richard Wills. Leigh, Ten Years, p. 78. H. H. Mitchell, Black Preaching, p. 203.

E os sapos coaxam, porque o orvalho está caindo.' s€

Os

brancos”,

observou

Johann

David

Schoepf

durante

suas

viagens nos anos 1780, “estão sempre se queixando de que os 438

439

€ sia

E .” fa m nada mos nãoio faze não trabalham, mas eles mes x ta pre a da a À W. Bagby, O grande humorist ia pol a : aos lazeres da vida

certa vez à tranquilidade e -se de muito temp ; guerra: “Naquela época, dispunha ER p os escravos, € nós tínhamos c

era para e pelos senhore O sistema de plantations dirigido rg t sr a cultura pes ficava a meio caminho entre a of s pe pi As plantations de tabaco e ri j ap s, idos, nido dos Esta dos i a escravisi ta a E fabril, ao docsniadado camponês que do eo be, ibe, que so Cari do ar ú açúc de lantatioi ns a até Os stored fábricas no campo; mas » : pebeç má uma s dore alha trab seus impunham a EMA le prob pe o n s, hore lhante à moderna. Para os sen easp qual ao vida e o o antiigo mod i ervar ao máximo e escravos a a ao mesmo tempo convencer os mA r uma disciplina ue Mas como seria possível implanta cananadh

a E trial entre uma população tret a momodern: j ipi disc à mesmo tendendo edge a

al

e, icionais de trabalho, riomaé da natureza e às idéias trad

lazer? quando os es contradição só pôde ser superada ng Es 2 io ag escravos ii

conseguiram fazer se tornou capaz de nhores de escravos, maisi profundos,

seus cpa assegurar a so brevivência a da c eupe num merca do mundial capitalista. Pp isto e ar ram, ssar assa frac s porém, os sen hore

DO ativada Sara dm pode as possibilidades de esta : a! e edad i soci «soc na br: cos uanto o futuro de negros e bran Hrqineo e am posro tds poda ao açoite com demasiada aram mã

! i . Quan do lanç sinavam e pouco aprendiam ga a su da fez a maioria deles, se pf : bém io tam , mas sfa óriosOs, icos foram maisi satiisfat econômico ído titu subs ser de nais, em vez as atitudes e os valores tradicio s. çado utros mais avan desenvolveu-se no capa ira pio A ética do trabalho negro péia sb cs ponplsnlgpença uma comunidade protestante euro "e k i A étici a negra 1 epresentava i a própria. sua étic oraçã expl de i ema en tranhado a defesa contra um sist so nes gru est te geralmen ori e uma afirmação de valores a trab de a étic a num pré-industriais. Assim, inseriu-se

440

generalizada no Sul, que se desenvolveu em antagonismo à da sociedade americana. A ética de trabalho euro-americana, basicamente anglo-saxônica, contribuiu para moldar a dos sulistas em geral e a dos escravos em particular, e gerou, simultanea-

mente, uma antítese profunda.

Dentro da formulação católica medieval, a necessidade de trabalhar era decorrência da Queda do Homem, e ao mesmo tempo expressava humildade e submissão. Nas palavras de Ernst Troeltsch, “o trabalho, portanto, representava tanto um castigo quanto um meio de salvação”. º Na doutrina luterana da vocação, insistia-se mais no aspecto de salvação que no de castigo, fortalecendo assim o preceito cristão de se satisfazer com a própria condição de vida. O calvinismo, que produziu na cultura anglo-americana uma alteração tão profunda, elevou a idéia de vocação ao nível de um dever religioso. O trabalho, na formulação luterana, continuava a opor-se, pelo rigor e pelas ansiedades que despertava, às características fundamentais da natureza humana; já na formulação calvinista, tornou-se uma expres-são da Graça, e portanto um fim em si mesmo, bem como um

meio condigno e agradável de se obter a salvação. Escreve Troeltsch: Para

pessoas

educadas

dentro

dos

princípios

calvinistas,

o hábito indolente de viver de rendas herdadas parece um

pecado imperdoável; seguir uma vocação sem finalidade definida e que não gera lucro material parece uma tola perda de tempo e energia, e o fato de não conseguir aproveitar plenamente as oportunidades de obter lucro material dá a impressão de indiferença para com Deus. Do ponto de vista calvinista, a preguiça é o mais perigoso dos vícios... Portanto os princípios e ideais do protestantismo ascético podem ser resumidos assim: a ruptura interior entre o sentimento de deleite e todos os instrumentos de trabalho; o aproveitamento do trabalho sempre em função de um objetivo que não é deste mundo, e que portanto deve ser uma

tarefa vitalícia; o desprendimento de toda posse, de todas

as coisas mundanas, cuja importância se situa apenas no nível da utilidade; o- hábito da diligência, a fim de que

seja eliminado qualquer impulso de indolência e distração;

441

I

e a utilização voluntária do lucro em prol da comunidade religiosa e do bem-estar geral... *

No âmago da cultura negra escrava conservava-se uma religião que, mesmo apresentando íntimas conexões com a dos brancos, resultava da experiência dos negros. Para os escravos

A esta rígida doutrina do trabalho encarado como dever, os escravos opuseram uma religião de alegria de viver na qual ressoavam as tradições africanas e mais ainda, por incrível que pareça, o espírito da própria comunidade da plantation. Falar aos escravos de “vocação” seria absurdo; de modo mais chão, porém, o ascetismo mundano não se coadunava com a sensibilidade nascida e moldada na passagem histórica da África para o Novo Mundo, e tampouco poderia criar raízes entre um povo que nada teria a ganhar com ele. Na sociedade burguesa da Inglaterra dos séculos XVI e XVII era preciso estabelecer um ritmo regular de trabalho. As classes médias lutaram muito por uma filosofia de poupar tempo e fazer as coisas com método. E tal luta se reflete tanto na semana de trabalho interrompida por um dia de descanso sabático quanto em detalhes domésticos como horas certas para as refeições. O trabalho, antes componente de uma vida organica-

e para os negros em geral, a religião não representava apenas

mente integrada, passou a ser cada vez mais um fato específico,

|

fundamental na existência. Este processo ideológico, paralelo à transformação da mão-de-obra em mercadoria, requeria, e condicionou, novas personalidades, para as quais o descanso e o lazer não tinham grande valor, que sentiam necessidade de racionalizar economicamente a vida, e cuja preocupação incipiente com o individualismo abriu caminho, por ironia, à subordinação do homem aos meios de produção. * “O ascetismo que rejeita o mundo”, como o chamou Weber, não conduziu à fuga do mundo, mas a uma luta contínua contra ele, à exigência de racionalizar tudo e impor a.todas as esferas da vida uma conduta sistemática. Tal visão de mundo, que -viria a ser transformada numa força social, tinha de se fundamentar no assentimento de homens livres; tornou-se inseparável do direito ao juízo pessoal e da preocupação, a ele correlata, com a liberdade individual.º Mas para tornar esta mensagem compreensível aos afro-americanos escravizados, seria necessário bem mais que o fervor dos pregadores brancos batistas e metodistas. Não havia no cristianismo batista dos negros nem a capacidade nem o objetivo de fazer dos escravos o que o metodismo fez da classe operária inglesa. 442

um aspecto da vida, nem era um mero elemento de um complexo ideológico; era de fato a expressão básica de sua visão de mundo, como fica patente no posicionamento adotado ante o tempo e o trabalho. Um ex-escravo relatou sua conversão: “Ele falou comigo uma vez, depois de eu ter rezado muito, tentando forçá-lo a me converter. Ele me disse: “Eu sou o Deus do tempo. Veja! ajo segundo o que minha própria vontade me aconselha e no devido tempo visitarei quem eu quiser! ”.7 As críticas comuns de que os serviços religiosos dos negros eram demasiado longos e indisciplinados recebeu o endosso do reverendo Henry H. Mitchell: A tradição negra sustenta que o Espírito Santo não segue os relógios dos brancos. O Espírito tem de agir à sua vontade, e tudo o que Deus faz é no tempo certo. Acredita-se que a verdadeira presença ilumina tanto o intelecto quanto a emoção, e que leva tempo até o Espírito envolver uma congregação que precisa primeiro ser esvaziada das preocupações particulares com interesses mundanos. O dr. Mitchell também sugere um senso especial de tempo histórico, ao fazer notar que os negros, à diferença dos brancos fundamentalistas, não vêem a Bíblia como um repositório de verdades imutáveis, mas sim como fonte de experiência histórica e

como um mundo. ?

contexto

moral

para

a discussão

de seu próprio

O comportamento dos escravos em relação a tempo e trabalho nasce basicamente de sua experiência nas plantations do Sul. A comparação com a África sugere algumas continuidades culturais importantes. O cômputo do tempo, na tradição africana, concentra-se no presente e no passado, não no futuro. O tempo, sendo bidimensional, vem de um passado muito remoto; o futuro, como ainda não foi vivido, parece sem sentido. Tal noção de tempo impediu manifestações de milenarismo na África antes de o islamismo e o cristianismo penetrarem no continente; e na economia estimulou atitudes que os valores da burguesia inci443

piente, como poupança, parcimônia e acumulação, levaram algum tempo para absorver.” A influência especificamente africana foi forte, porém mais importantes ainda foram as tendências características dos povos agrícolas pré-industriais em geral, dos quais os africanos representam uma variante, ou melhor, uma série de variantes. Na obra Yoruba Culture, G. J. O. Ojo fornece um ponto de referência ao fazer notar que “nos trópicos, e em especial nas proximidades do equador, dentro de dez graus, a duração quase uniforme do dia e da noite é o padrão de referência do

tempo”. ' Os Ioruba não apresentavam explicações científicas para o dia; seu dia começava ao nascer do sol, e os mesés eram medidos pelas fases da lua, Havia a grande vantagem de um

clima onde raramente o sol ficava encoberto por nuvens; mas quando isto ocorria, o tempo era calculado pelo trabalho realizado e pelo comportamento dos pássaros e dos animais. A me-

dida do ano não era precisa, nem havia necessidade de que fosse,

pois os pontos de referência relevantes vinham da combinação das atividades com as estações do ano.

A experiência ioruba deu origem a uma das variantes da África ocidental, e na África ocidental originaram-se um complexo de variantes

e uma experiência tradicional, rural e pré-

industrial, mais generalizada. Na sociedade tradicional, o tempo

é medido por calendários baseados em padrões agrícolas e sa-

zonais que também se inserem numa visãode mundo religiosa. O ano decorre segundo um determinado ritmo, não segundo unidades iguais de tempo; festivais e ritos quebram sua continuidade e assinalam os momentos em que o espírito humano comemora o ritmo da ordem natural. Não se trata de simples espaços de tempo ganho, mas de unidades flexíveis, como o início do plantio e da colheita. Era como servo, e não como senhor, que o tempo subordinava-se à ordem natural de trabalho

colheita, que parecem amoldar-se às exigências da natureza, E. P. Thompson afirmou com razão que esta “orientação pelas tarefas” tornou o trabalho mais comprensível do ponto de vista humano: “O camponês e o trabalhador parecem seguir algo visto como uma necessidade”. * Para a comunidade inglesa pré-industrial, a distinção entre “trabalho” e “vida” foi a princípio bem pouco nítida e mais tarde se tornou mais clara; até o dia de

trabalho estendia-se ou encurtava-se de acordo com as tarefas necessárias, e não parecia haver grandes choques entre as exigências do trabalho e as-do lazer. Nem é preciso idealizar as condições materiais, certamente duras, da vida rural pré-industrial para sentir o peso da afirmação de Thompson; as pessoas sujei-

tas à disciplina industrial são provavelmente as que mais idealizam o modo como viviam antes e, portanto, demonstram mais resistência e angústia. Escreve Eric Hobsbawm:

O trabalho industrial, sobretudo o trabalho mecanizado das fábricas, impõe regularidade, rotina e monotonia quase im-

“possíveis nos ritmos do trabalho pré-industrial, que dependiam das variações de estações e de clima, da multiplicidade

de tarefas não afetadas pela divisão racional do trabalho, - dos caprichos de seres humanos e de animais, ou mesmo “da opção por se divertir em vez de trabalhar. Isto acontecia

até no caso da mão-de-obra pré-industrial e assalariada, como a dos artesãos que recebiam por jornada de trabalho. Tal mão-de-obra sempre tendeu a iniciar na terça-feira sua semana de trabalho (“segunda-feira santa”), o que desespe-

rava os patrões. A indústria impõe a tirania do relógio, o ritmo da máquina e a interação bem regulada de processos: a vida não é medida em estações (“época da festa de São Miguel” ou “período da Quaresma”), nem mesmo em se-

e lazer. !

manas e dias, mas sim em minutos; e há principalmente a

Na agricultura camponesa, as tarefas e condições naturais, como por exemplo o tempo que dura a luz do dia, determinam

imposição da regularidade mecanizada do trabalho, que conflita não apenas com a tradição, mas com todas as inclinações das pessoas ainda não condicionadas a ele. !4

a duração do tempo de trabalho, a quantidade e a extensão das

pausas e o tipo do lazer; já na atividade industrial, “o horário estabelecido arbitrariamente marca o início e o fim dos períodos de trabalho”. 2 Nas sociedades camponesas, a marcação do tempo costuma ser orientada por atividades como o plantio e a

444

O advento do tempo marcado pelo relógio fez mais que delimitar unidades regulares de trabalho, como minutos e horas, e os horários arbitrários; serviu de base a uma divisão cada 445

vez maior do trabalho e transformou essa divisão na do próprio tempo. A produção capitalista tinha de ser medida em unidades de tempo de trabalho, e estas mesmas unidades assumiram as características misteriosas e aparentemente autodeterminantes de produtos. A afirmação de Benjamin Franklin, de que tempo é dinheiro, é bem mais ampla do que se imagina. Comenta E. P. Thompson: “Numa sociedade capitalista madura, todo o tempo tem

de ser consumido,

mão-de-obra

negociado,

simplesmente

posto

em

“matar” o tempo

uso;

o fato

de

a

é uma ofensa”. *

Os ritmos naturais de trabalho e lazer cederam lugar a horários arbitrários, embora apenas para os operários. Os capitalistas e ideólogos, que desenvolviam a nova idéia da racionalização, baseada na demanda de uma economia em rápida expansão, viam as coisas por outro prisma. O processo de transformação cultural tinha de se apoiar na coerção, e em última análise na violência. Isto equivaleu, no contexto industrial, ao que os senhores de escravos das Índias Ocidentais, com menos inibição, chamaram de “sazonamento”. : Operou-se na mão-de-obra uma transformação completa. Escreve Thompson: “A primeira geração de operários de fábri-

cas aprendeu dos patrões que o tempo era importante; a segunda

criou comitês para a redução do tempo de trabalho, no movimento pelas dez horas; a terceira lutou pelo pagamento das horas extras e para que o salário pelo trabalho realizado nos feriados fosse 150% superior ao dos dias normais. Tinham aceito os padrões dos empregadores e aprendido muito bem

que tempo é dinheiro”. ! Os escravos não computavam o tempo segundo os modelos pré-industriais camponeses, e tampouco pelos modelos industriais das fábricas. As plantations, sobretudo as de açúcar, predominantes na maior parte das regiões escravagistas do Novo Mundo, embora não nos Estados Unidos, pareciam realmente fábricas no campo; mas, mesmo que as tomemos por norma, é impossível

não reconhecer as implicações de seu aspecto não-industrial. A organização econômica das plantations exigiu uma disciplina quase industrial e buscou implantá-la; mas isto gerou pressões opostas e acarretou inevitáveis contradições internas. O contexto ainda era o rural, e o ritmo do trabalho obedecia às flutuações sazonais. A natureza continuou sendo o ponto de referência temporal para os escravos. Por mais que os 446

senhores lutassem para fazer seus escravos “baterem o ponto”, não o conseguiram, pois em vários sentidos, literais e metafóricos, não havia relógios de ponto para bater.” Os senhores rurais, sobretudo nos Estados Unidos e no Brasil, embora também os funcionários das Írdias Ocidentais encarregados das propriedades absenteístas, tampouco viviam num contexto industrial; podiam, no máximo, determinar o que até os escravos mais dóceis e tolos sabiam perfeitamente que não deviam fazer, e nem fariam. A economia das plantations exigia um trabalho enorme em determinadas épocas críticas do ano, principalmente a da colheita, e era preciso aproveitar ao máximo os ímpetos de operosidade dos escravos, mais comuns entre eles que a tens dência a trabalhar com regularidade. Os senhores tentavam tirar vantagem das inclinações naturais de seus escravos, mas também tinham

de fazer, bem

mais

do que

desejariam, grandes conces-

sões ao sistema de valores e à sensibilidade coletiva das senzalas. Os senhores, como sempre, impunham sua vontade, mas pagavam o preço desta imposição. Os escravos, como sempre, eram vítimas das exigências dos que os exploravam, mas conseguiam exercer uma certa pressão em benefício próprio. Para os africanos, portanto, o sistema de plantations representou de certa forma um ponto intermediário entre seu passado agrícola e o futuro industrial que lhes seria imposto. Tal sistema os imobilizou numa posição que permitia que fossem quase tão explorados quanto seriam na sociedade industrial. Para os negros, esta situação tinha a vantagem de resguardar sua vida comunitária tão rica e sua consolidação cultural; e tinha a desvantagem de estimular um modo de vida que, apesar de intrinsecamente admirável, os preparou mal para competir no mundo econômico no qual a emancipação iria atirá-los. Num instigante ensaio intitulado Time and Cool People, John Horton observa: “O tempo que prevalece na sociedade industrial é o do relógio, que parece funcionar como um regulador externo e objetivo das atividades humanas. Para o sociólogo, porém (...), o tempo é diferente; é sempre social e subjetivo. O sentido de tempo de cada pessoa deriva do lugar que ela ocupa na estrutura social e de sua experiência de vida”. Horton conclui que as “pessoas comuns”, como diz, planejam seu tempo de modo deliberado e racional, mas de acordo com suas próprias prioridades. Um sujeito que sempre chega atrasado 447

no emprego estará na porta da escola da namorada na hora exata de apanhá-la para almoçar. Leithman Spinks, ex-escravo

priedade

da Luisiana, contou que as refeições dos escravos eram feitas

simplesmente havia uma relação de escravos com o adjetivo “presumível” no registro de suas idades. ? As objeções dos senhores a que os escravos soubessem suas idades, bem como sua indiferença a esse aspecto da humanidade dos negros, revelaram-se muito contraproducentes, como se percebe numa certa irracionalidade presente nas vendas de escravos. Não havia registros precisos, e assim negociantes inescrupulosos dissimulavam impunemente a idade da mercadoria humana que

em comum, “Era a única hora”, disse com certo escárnio, “em que o massa podia contar com todos os pretos. Quando o sino

dizia “Venha comer”, todo mundo ia.” 'º Ninguém pode acusar os escravos de não demonstrar seu senso de “tempo” em suas canções. O comportamento que Horton analisa derivou da experiência das plantations, e não da experiência agrícola pré-industrial. Uniam-se nesse comportamento o sentido natural de tempo que existe entre os povos agrícolas tradicionais e a atitude de desobediência disfarçada, de aparente indolência, que deu à classe escrava a reputação de intratável, “estúpida” e pouco prestativa, embora sempre disposta a fazer o que tinha vontade, A contradição entre a natureza do escravo, a de ser humano, e sua condição de objeto, nem, por isso desprovido de atitudes humanas irritantes, muitas vezes despertava nos senhores reações

que até podiam ser racionais do ponto de vista econômico e mesmo social, mas prejudicavam objetivos mais amplos. Consideremos a amarga denúncia de Frederick Douglass: Jamais encontrei um escravo nesta região do país [o leste

de Maryland] que soubesse me dizer, com certeza, que idade tinha. Na época, poucos tinham noção dos meses do ano ou dos dias da semana. Avaliavam a idade dos filhos

pela primavera, pelo inverno, pela época da colheita ou do plantio, e assim por diante, Os senhores nunca permitiam que os escravos lhes fizessem perguntas acerca de idade. + Comnideravam tais perguntas uma curiosidade insolente. Douglass talvez tenha exagerado a determinação da classe dos senhores em negar informações, e talvez tenha subestimado sua negligência e indiferença, mas é provável que a maioria dos escravos do Sul não soubesse exatamente quantos anos tinha.? Em algumas plantations, senhores e administradores registravam as datas de nascimento dos escravos, mas talvez não as infor- . massem a eles; os senhores mais paternalistas às vezes punham

essas datas na Bíblia da família. Mas em muitos diários de plan-. tations há- anotações como a seguinte: “Lista dos negros da pro448

“foi

de William

comprado

comerciavam,

um

Nem

Robertson, menino

os

(...)

senhores

e suas idades de

cerca

mais

de

aproximadas”; 14

experientes

anos”;

ou

podiam

ter certeza absoluta do que estavam comprando. Em 1860, George S. Barnsley, da Geórgia, escreveu: “Levei Dick ao major Wooley para saber a idade dele. O major acha que ele tem 40 anos e vale hoje $1.100. Para mim, ele não deve ter muito mais

que 33 anos”.2 Mas os senhores não tiveram de suportar apenas inconveniências comerciais. Como percebeu Douglass, o fato de as crian- ças escravas não terem idéia precisa de suas idades reforça uma concepção muito mais abrangente da significação do tempo, A negligência em relação à idade e a ignorância de dados cronológicos exatos iam ao encontro de uma tendência já forte nos

padrões naturais e pré-industriais de pensamento. As crianças escravas percebiam o tempo a partir do ambiente em que viviam; desde bem pequenas, “sentiam os ciclos de mudança em seu ambiente”; ? além disso, geralmente só começavam a trabalhar nos campos após os 12 anos. Por tudo isto, os senhores precisavam travar uma verdadeira batalha para incutir nessas crianças uma noção de tempo no sentido industrial do termo. Os jovens escravos começavam trabalhando apenas meio dia, e após alguns anos passavam a trabalhar o dia inteiro. Senhores e administradores tentavam lidar com eles sem apressá-los, de modo seguro, mas a luta para transformá-los em trabalhadores que se comportassem como bons calvinistas teve de ser dada por perdida antes mesmo de começar. A visão de tempo dos negros, condicionada pela experiência dos negros nas plantations, transformou-se em força para o povo negro, como fica evidente num sermão do bispo A. G. Dunston: 449

Bem, é deste modo que Deus age. Vocês não podem apressar Deus, então esperem, apenas esperem. Todo mundo se debate, se azafama e se precipita. E Deus espera. Porque ele sabe que isto não magoa tanto como você e eu achamos que magoa, e é isto que ele quer para nós. Mas de vez em quando nos manda algum alívio... *

foram repetidas pelos senhores durante o século XIX, e são especialmente valiosas pela consciência que demonstram da estreita relação entre as éticas sulistas de trabalho negro e de trabalho branco: 11 de set. 1771. Este [trabalho insuficiente] confirmou a experiência que eu já tinha, de que tanto administradores como negros, quando têm de trabalhar numa lavoura pe-

Em suma, o povo negro aprendeu a suportar esse fardo e a

carregá-lo do melhor modo possível. O racismo branco fechou aos negros parte do sistema de valores da cultura dominante; os próprios negros, por sua vez, também resistiram a esse sistema, “tanto pela sensibilidade que a história desenvolvera neles, quanto por simples necessidade. Então, criaram seus próprios valores para tornar a comunidade mais coesa e capaz de sobreviver; fazendo isto, porém, ampliaram a distância cultural e se expuseram a ataques ainda mais duros da nação branca incapaz de entender seu comportamento e de respeitar seus fundamentos

Um povo “indolente”

houvesse escravos, notei que todos os fazendeiros

trabalhavam,

mas

afirmavam

que os trabalhadores brancos adotam seus hábitos desleixados

A divergência de valores se deu no bojo de uma tentativa mais ampla de aculturar os africanos a um ethos sulista partiCarter, aristocrata rural da Virgínia do cular. Landon século XVIII, jamais conseguiu acostumar-se ao modo como os sua experiência

e seus

comentários

esclarecem melhor os hábitos e as atitudes de trabalho dos brancos que os dos negros. Ele lamenta que a adoção de equipamentos de trabalho mais novos e melhores tenha tornado preguiçosos tanto os administradores brancos quanto os trabalhadores negros. Afirma que competia aos administradores dar exemplo aos escravos, trabalhando muito, e ele mesmo tentou ser um exemplo para os administradores. Mas não logrou êxito. Descobriu que os escravos dispunham de um cabedal inesgotável de recursos de dissimulação e fingimento. Se mandava um escravo buscar suprimentos, ficava sempre descontente, porque o negro nunca trazia a quantidade necessária, e portanto precisava repetir a tarefa. é Carter era um homem rabugento, muito difícil de satisfazer, mas suas queixas, como a que transcreveremos a seguir, 450

ção do trabalho e ao cuidado que deveriam ter. Testemunhei isto minha vida inteira; e posso afirmar que jamais vi uma lavoura ser pequena por acaso, nem mesmo ser trabalhada a tempo e bem.% Carter e muitos outros falaram dos administradores; outros, porém, falaram dos brancos assalariados: em geral. Mais de três quartos de século depois, Olmsted escreveu: “Onde quer que

morais.

escravos

quena, sempre se dedicam menos do que quando se trata de uma lavoura grande. A única explicação evidente para isso é eles acharem que não precisam se preocupar com as lavouras, e se mostrarem indiferentes ao tempo de dura-

e mostram uma indiferença maior que a dos negros pelos inte-

resses de seus patrões”. Segundo Olmsted, os senhores de escravos-negavam que a escravidão degradasse o trabalho; mas não achou inadequado dizer que “a escravidão gera hábitos de trabalho desonestos, espúrios, incorretos e pouco persistentes”. Acrescentou, de modo significativo, que os brancos das montanhas se mostravam muito mais laboriosos que os brancos não proprietá-

rios de escravos das áreas de pientations, embora também sentissem os efeitos da cultura escravista. 7 As regiões interioranas e pouco povoadas onde não havia plantations achavam-se encravadas na sociedade escravista

mais ampla e também eram por ela afetadas, sobretudo no tocante ao isolamento econômico e à auto-suficiência na qual precisa fundamentar-se qualquer autonomia cultural de certo vulto.

Contudo, eram

os pequenos

parte

integrante

fazendeiros

das regiões de plantações

da

escravista

cultura

prevalecente.

A

visão de mundo desses pequenos proprietários, e também dos

agricultores brancos e dos brancos pobres, foi moldada sob vá451

rios aspectos pela poderosa classe dos grandes fazendeiros, que lhes era superior, e pela classe dos escravos, degradada e socialmente desprezada, que lhes era inferior. ? Os pequenos fazendeiros sulistas trabalhavam muito; para um grande número deles, porém, a tentação de subir na escala social do sistema escravista pareceu menos atraente que a de permanecer vivendo segundo os modelos do campesinato auto-suficiente. De maneira geral, os maiores problemas para o sistema escravista vinham dos camponeses e dos brancos pobres que, vez por outra, se empregavam como diaristas. Havia sérias dificuldades para recrutar mão-de-obra branca para as fábricas e para a colheita nas plantations e outros serviços ocasionais. Em geral, salvo algumas exceções em distritos industriais, a produção dos trabalhadores brancos não era superior à dos negros; não raro, era bem inferior. Os brancos haviam sido profundamente impregnados pelo comportamento do grupo favorecido que constituía

o escalão mais alto da classe formada pelos donos de escravos, e ressentiam-se por ter de competir com escravos ou por se ver em

- pé de igualdade com eles; era como se Deus, por vingança, os

“fizesse assemelhar-se cada vez mais àqueles a quem mais desprezavam. ? Em última análise, a questão se resumia no comportamento

dos

senhores,

pois

os

não

proprietários

de

negros

e até

os negros escravizados, conquanto não imitassem simplesmente as atitudes dos senhores, embora agissem segundo sua própria sensibilidade e suas experiências, mesmo assim

absorveram muita coisa das atitudes dos senhores e moldaram suas vidas sob a influência de uma classe socialmente superior. Ainda que houvesse exceções à regra, nem os proprietários de escravos e nem mesmo os grandes senhores rurais levavam uma

vida

de ócio,

tomando

refrescos

e cortejando

belas jovens.

Evidentemente se permitiam alguma ociosidade, mas também trabalhavam muito, à sua maneira, e arcavam com grandes res-

ponsabilidades. Dificilmente se poderia acusá-los de disciplina puritana, de respeito burguês pelo tempo, de sujeição ao dever

ou de cega dedicação aos negócios. Assim como as grandes classes proprietárias da Europa medieval e do início da Idade Mo-

derna, os senhores de escravos também possuíam um forte espírito aquisitivo e não perdiam oportunidade de fazer fortuna;

dentro da mesma comparação, viam no dinheiro um 452

meio de

desfrutar

de

uma

vida

agradável,

e não

um

fim

em

si;

e, o

mais importante, é que não davam grande valor à disciplina, à regularidade e à constância no trabalho. Raríssimos intelectuais sulistas, por mais irflamado que fosse sua defesa da escravidão, deixaram de ressaltar ser este um aspecto fundamental da ética do Sul e de fazer notar que isto representava uma linha divisória entre as sensibilidades sulista e nortista;

alguns, com

tristeza e

temor, escreveram sobre as possíveis consegiiências militares e políticas do fato; outros abordaram o assunto com prazer e louvaram-no como uma virtude superior. Quanto ao fato em si, porém, quase todos estavam de acordo. Pode-se ou não admirar o ethos, que alguns chamariam de “pose”, dos senhores, por seu repúdio ao apego burguês ao trabalho e ao lucro pelo lucro; é uma questão de gosto, ou,

como diriam os sociólogos, um julgamento de valor. Contudo, fosse qual fosse esse julgamento, o fato teve consequências graves. Os senhores de escravos operavam num mercado mundial

capitalista e eram responsáveis pela produção de mercadorias básicas; logo, não podiam descuidar-se dos balanços de perdas

e lucros. Daí se terem mantido bastante ligados à ética puritana de trabalho, mas só enquanto aplicada a seus escravos. Exigiam que

seus negros fossem

estáveis, regulares, moderados,

e que

“batessem o ponto” disciplinadamente. O Próprio Deus o exigia. Mas nunca é fácil viver de acordo com um código e pregar um código diferente às pessoas com quem se convive e que podem perfeitamente perceber a diferença, A doutrina do “Façam o que eu digo mais não façam o que eu faço” jamais foi recebida com grande entusiasmo pelas classes menos favorecidas, que,

apesar de sua condição de inferioridade, raramente eram tão tolas quanto desejariam os patrões.

O que os senhores ensinavam pelo exemplo era o oposto do

que

David

ensinavam

Macrae

suas

observou:

escravidão que um

exortações.

Durante

“Fazia parte

dos

a Reconstrução,

ensinamentos

da

cavalheiro era aquele que não trabalhava.

“omo seria então de espantar o fato de alguns negros, que agora querem ser cavalheiros, considerarem que a melhor maneira de

conseguir isto é não trabalhar?” Após verem suas fortunas destruídas pela guerra e pela emancipação, muitos cavalheiros sulistas “trabalharam como um negro”, como disse Emma LeConte acerca do próprio pai. Seu arraigado sentido de orgulho patriar453

cal e de dever lhes foi muito útil na adversidade, mas foi a própria adversidade que os obrigou a tomar as devidas. providências. ”* A tendenciosidade classista e racista dos senhores de escravos voltou-se contra eles de várias formas. Os negros absorveram muito da visão de mundo aristocrática dos senhores e talvez a tenham levado mais a sério que os próprios brancos; por outro lado, porém, esta absorção revelou-se uma reação dos escravos para checar as exigências do regime branco. Os senhores exerciam hegemonia sobre os escravos, e estes, na mesma medida, preparavam suas armas de resistência. Os negros viam os senhores tal como também os viam os burgueses nortistas brancos: como pessoas que viviam do traba-

lho de outras pessoas, o que eles de fato eram, e como pessoas que não trabalhavam, o que a maioria deles não era. Josephina

Bacchus, uma ex-escrava, declarou o seguinte: “Oh, Senhor Jesus, os brancos iam ficar muito orgulhosos de ver os pretos deles

trabalhando naquele tempo; foi o que me disseram. Pois é (...) porque naquele tempo os brancos não trabalhavam, e hoje também não conseguem trabalhar como os pretos trabalham”.*

Não foi uma tendência racista que originou a crença de que os negros eram intrinsecamente preguiçosos e só trabalhavam à força; esta crença veio a engrossar o crescente “racismo euro-americano, cujas raízes remontavam às atitudes

mantidas durante séculos pelas classes dominantes européias em relação aos trabalhadores pobres. Os senhores de escravos, ao afirmar que os negros trabalhavam apenas o suficiente para custear suas necessidades básicas e alguma extravagância ocasional, corroboravam a teoria que os industriais ingleses, para não men- |

cionar o clero, sustentavam acerca dos trabalhadores pobres. * Os ingleses e americanos nortistas que viajaram pelo Sul compararam frequentemente os escravos aos irlandeses, em geral em detrimento destes últimos. E sempre que surgia um estereótipo referente aos negros, ele continha, com poucas alterações, algum elemento das costumeiras descrições de irlandeses. Na

obra The South-West, J. H. Ingraham tomou os italianos e latino-americanos

para exemplificar

o mesmo

caso. Queixando-se

dos negros do Mississípi nos anos 1830, comparou seus hábitos 4 de trabalho com os dos lazzaroni e dos pobres rurais que vira em Buenos Aires. Disse que certa vez oferecera emprego a um 4 pobre em Buenos Aires e recebera a seguinte resposta: “Tengo |

454

dos reales, sefior” (Tenho um dinheirinho, senhor). Ingraham leva mais longe a comparação: “Conheci pessoas assim, que trabalhavam com afinco durante um ou dois dias, ganhavam alguns dólares e depois paravam de trabalhar, e até terem gasto o último centavo não fariam coisa alguma, por nenhum dinheiro deste mundo...” Conclui Ingraham: “Os escravos, na condição moral que apresentam hoje, caso fossem emancipados, seriam perfeitos lazzaronis, com a diferença da cor”.* Fanny Kemble espantou-se quando ouviu dizer que os negros eram incapazes, indolentes e estúpidos. “Em meu país”, protestou ela, referindo-se à Inglaterra, “diz-se exatamente o mesmo a respeito dos irlandeses, que aqui são considerados quase uma raça de semideuses em comparação com os escravos. E é incontestavelmente verdade que não existe na Irlanda nada mais selvagem, animalesco, sórdido, preguiçoso, incorrigível, irrecuperável e incapaz do que parecem os próprios irlandeses...” 3 Após a guerra, os hábitos irregulares de trabalho dos negros libertos recebiam dos senhores rurais exatamente as mesmas críticas que os patrões, nas ferrovias e madeireiras, faziam a seus empregados brancos que trabalhavam apenas alguns dias e depois nada faziam enquanto durasse o dinheiro que haviam ganho. A similaridade não se devia somente a motivos raciais e étnicos;

revelava, antes, o abismo existente entre os represen-

tantes de uma civilização industrial e cada vez mais * burguesa, de um lado, e, de outro, homens oriundos de culturas pré-industriais, e que, por mais que resistissem, precisavam ser moldados a novos padrões de trabalho e ser convencidos de que não era bom ficar ocioso por períodos muito longos. Um sulista disse a Harriet Martineau o seguinte: “É preciso dois brancos para fazer um negro trabalhar”.* Esta era uma opinião bastante comum. “Quando se trata de negros”, escreveu Susan Dabney Smedes, do Mississípi, “parece impossível fazer alguma coisa, por mais insignificante que seja, sem a ajuda de mais um ou dois. Muitas vezes os donos dizem, brincando, que são necessários dois para ajudar um outro a não fazer nada.” 7 Desde os tempos coloniais até o fim do regime escravista e mesmo depois, os senhores sempre consideraram intoleráveis os hábitos de trabalho dos negros. “Não há nada mais absurdo”, escreveu em 1772 um senhor da Virgínia, “do que os negros em geral. Quando começam a cortar o tabaco, se 455

alguém não estiver vigiando, eles cortam tudo o que encontram pela frente; mas quando a geada ameaça o tabaco, como pode acontecer, eles não cortam as plantas que estão de fato maduras, porque talvez ainda não tenham a espessura desejada (...) Acho quase impossível fazer um negro trabalhar direito. Não seguem

nenhuma

ordem,

nenhum

estímulo os convence, nenhu-

ma punição os dobra.” * C. W. Gooch, escreveu muitos anos mais tarde que os menor esforço para trabalhar bem e que máxima: “Entra dia, sai dia, que Deus Em

1849,

Daniel

Dennett,

da

também da Virgínia, negros não faziam o adotavam a seguinte mande o domingo”.*

Luisiana,

editor

do

Planter's

Banner, escreveu em tom exaltado: Numa plantation, eles não capinam, nem cavam regos, nem cortam madeira, nem fazem tarefa alguma sem a orientação de um branco. Causam mais estragos quebrando e destruindo instrumentos agrícolas, estragando carroças, danificando “cancelas, perdendo gado e cavalos e desperdiçando coisas "do que causaria um número cinco vezes maior de empregados brancos. Desde a infância, foram mal instruídos acerca do trabalho, e até quando já têm a cabeça branca continuam

os mesmos

trapalhões

desatentos;

as

características

do negro são mais fortes que qualquer treinamento. * O desabafo de um mecânico de Savannah, “Eu já praguejei contra um negro que estava me ajudando, ou melhor, me atrapalhando”, * achava eco em todos os jornais e revistas de senhores rurais, em relatos de viajantes e nos brados dos editores e reformadores. ? Quando a guerra pôs fim à escravidão, a avaliação dos brancos quanto ao trabalho dos negros assumiu uma nova

importância.

Em

1865,

um

editor

de

Athens,

Geórgia,

assim descreveu a transição para o trabalho livre: Os negros senvolver nestidade habituais, do

perigo

capazes de trabalhar verão que suas qualidades de operosidade, e fidelidade. Quando cometer sambo não terá mais um massa (...)

Dentro

do

novo

sistema,

será preciso desobriedade, hoas negligências para protegê-lo os senhores



contratarão aqueles que quiserem e souberem trabalhar, e, ao dizer trabalhar, estamos dizendo trabalhar mesmo, não 456

aquela mistura de brincadeira e trabalho a que tantos escravos se habituaram. Isto já passou, agora eles vão ter de trabalhar como brancos.* O melhor exemplo do ponto de vista dos brancos foi dado talvez por Frances Butler Leigh, a briosa filha de Fanny Kemble e Pierce Butler, que após a guerra voltou à plantation do pai, na Geórgia, e levou dez anos tentando recuperar sua fortuna. “Os negros”, disse ela, “falaram muito sobre seu desejo e sua intenção de trabalhar para nós, mas a idéia que fazem de trabalho, sem o apoio da rígida lei da necessidade, é demasiado vaga; alguns trabalham apenas meio dia, outros menos ainda.”“ E a sra. Leigh continua a desfiar um rosário de queixas que lembram as dos representantes da ordem econômica industrial acerca dos trabalhadores pré-industriais. Os negros, desabafou ela, querem apenas a subsistência, e preferem trabalhar só metade de um

dia e depois descansar, Ela critica os nortistas, como os

haviam criticado tantos outros antes da guerra, por não perceberem que os negros não reagiriam automaticamente ao incentivo de um salário, mas estabeleceriam suas próprias prioridades quanto a trabalho e lazer.“ Por fim, furiosa, explode: “Acabei descobrindo que, se quisesse ver alguma coisa feita, primeiro precisava pedir aos negros que a fizessem, depois mostrar-lhes como fazer, e por fim fazer eu mesma. Eles eram muito engenhosos para não fazer as coisas, porque sempre se mostravam perfeitamente cordatos, e recebiam minhas ordens dizendo “Está bem missus, como a missus quiser"; e depois, de um modo ou de outto, não faziam nada”. * A atitude tradicionalmente sulista

da sra. Leigh, tão diferente da da mãe e tão semelhante à do pai, não a impediu de ver algumas realidades. Observou que os negros queriam ter a sua própria terra; que preferiam, mal ou bem, ganhar a vida trabalhando em seus precários lotes a trabalhar para os brancos; que detestavam o trabalho regular, não o trabalho pesado; e que seu trabalho não era inferior, ao contrário, era com fregiiência melhor que o dos empregados ingleses contratados para trabalhar nas mesmas condições. ? A observação da sra. Leigh quanto à diferença entre trabalho regular e trabalho pesado vai ao âmago da questão. Thomas Wentworth Higginson, geralmente tão perspicaz, não fez referência a essa distinção quando escreveu, referindo-se a suas tro-

457

pas negras recém-liberadas: “É absurda a impressão deixada pela escravidão, de que os negros sulistas são preguiçosos e seu trabalho deixa a desejar”. Afirmava ele que suas tropas, ao contrário, trabalhavam muito, dia e noite, sem perder o bom humor. * Os senhores mais velhos também recordaram outros aspectos dos hábitos de trabalho dos escravos, e se admiraram, como foi o caso de D. E. Huger Smith, ao constatar sua competência como lavradores e carpinteiros. ? Durante muito tempo, os trabalhadores negros, mesmo apresentando um bom desempenho profissional, foram prejudicados pela reputação de preguiça e desleixo dos escravos. No Extremo Oeste, depois da guerra, os negros contavam-se entre os melhores ginetes e treinadores de cavalos; mesmo assim, usava-se a expressão “marca de

preto” para referir-se às feridas deixadas nas ancas dos animais

mal selados ou mal montados.*

as

Os senhores de escravos reagiram da maneira contraproducente habitual, mas não seria de esperar que reagissem de forma diversa. Afirmaram que os escravos trabalhavam do único modo que se poderia esperar dos negros. Nem mesmo Mary Boykin Chesnut escapou de todo à racionalização mais comum: “Os homens e mulheres do Norte que vieram para cá mostravam-se sempre mais duros com seus escravos, porque esperavam que os africanos trabalhassem e se portassem como brancos. Isto

é coisa que nós não fazemos”.*! O emprego da palavra “africa-

no”, contudo, merece algum comentário. A maioria dos sulistas brancos jamais veria nos escravos pessoas brancas de pele negra; mas também nem sempre se mostraria de acordo quanto à origem dessa diferença, atribuída por uns à biologia e à hereditariedade, e por outros ao condicionamento anterior a uma sociedade primitiva. De qualquer forma, essa concepção da diferença foi usada como argumento racista que era também uma faca de dois gumes. Como os negros eram inferiores, tinham de ser escravizados e aprender a trabalhar; mas exatamente por serem inferiores dificilmente se poderia esperar que seu trabalho ficasse à altura das expectativas dos anglo-saxões. Portanto o argumento em favor da escravidão tornou os senhores mais tolerantes e incrivelmente pacientes com um nível de trabalho que deixava ; pasmos os nortistas e os estrangeiros. Segundo um corolário dessa ideologia, era impossível fazer um negro trabalhar em excesso. “Toda a experiência do Sul”, 458

escreveu a sra. Henry Rowe Schoolcraft, “prova que ninguém consegue fazer um negro trabalhar em excesso. Ele cumprirá

suas tarefas, e nenhuma força humana o persuadirá a fazer mais

que isso... “2 Os ideólogos da classe médica corroboraram com esta interpretação. Médicos de renome, como Josiah Nott e Samuel A. Cartwright, apoiaram a argumentação escravista e afirmaram que os negros, por sua constituição, não podiam trabalhar da mesma forma que os brancos, e portanto era preciso lidar com eles com cuidado e tolerar sua lentidão e sua falta de regularidade. *. Tal linha de pensamento é explorada de modo sugestivo num artigo não assinado, publicado em 1854 no American Cotton Planter:

Devemos, com firmeza, manter os negros no lugar onde Deus os colocou, e ao mesmo tempo nos precaver, a fim de que, pelo contato, não haja muita assimilação entre nós e eles. Se queremos utilizá-los, é inevitável que sejamos um pouco como eles; devemos ser indulgentes conosco mesmos. Temos de nos conformar em progredir menos depressa que o enérgico Norte; mas nem por isto precisamos ser Sibaritas, nem cair na paralisia intelectual. Temos de aceitar o que é bom junto com o mau a ele correlato. Por causa da docilidade dos negros, que os leva a obedecer, é preciso aceitar sua preguiça, que os torna incapazes de ser previdentes; por causa da força que demonstram no serviço, é preciso nos conformarmos com a obstinação conservadora que lhes torna impossível se matar de trabalhar, Temos de conviver com eles no lazer, sentarmo-nos à mesa com eles, ouvir suas opiniões nas assembléias, aceitá-los na igreja, pois em toda parte eles têm seu lugar, que reivindicam como salário pelo serviço que prestam, em decorrência da

condição em que nasceram. **

Certamente, um observador não envolvido encararia de outro modo o processo de acomodação dos senhores aos escravos. Harriet Martineau, com seu profundo apego à ética anglosaxônica, viu outra faceta desse relacionamento, Ela não duvidava de que raramente um escravo trabalhasse em excesso:

Eles sabem que a labuta, a resistência e a fadiga são más, porém também sabem do mal que existe na indolência, no va-

459

> dd

E ste.—

zio, na desesperança. Não têm o privilégio dos irracionais, de viver apenas segundo seus instintos, em função de um objeto a ser imediatamente ganho e esquecido; tampouco têm o privilégio dos homens, de lutar, por necessidade moral e com certo sofrimento, por resultados que darão frutos agradáveis. A maldição do escravo não é o trabalho: raramente ele tem a bênção de o conhecer. * Portanto, o ritmo do trabalho dos escravos tinha de ser estabelecido por compromisso entre eles e seus senhores. É claro que a palavra final cabia aos senhores, mas os escravos impunham limitações, na medida do possível. * Com a guerra e a necessidade de os confederados recrutarem escravos, os senhores resistiram, porque não queriam perder parte de sua mão-de-obra em função do esforço de guerra, mas também por temer que os oficiais não compreendessem nem respeitassem os padrões de trabalho e de vida vigentes nas plantations.” Vez por outra, os senhores interpretavam realisticamente os fatos. Expressando suas últimas vontades, Charles Pettigrew, da Carolina do Norte, deu aos filhos as seguintes instruções, que também constavam de seu testamento: Lidar com negros sem uma enorme compaixão

é quase im-

possível, apesar de tanto nos termos esforçado em sentido contrário; foi algo que eu descobri (...) Que estas considerações sejam tomadas em favor deles, e que o tempo amenize seus ressentimentos. Eles serão escravos a vida inteira, Ao contrário dos brancos, que trabalham para si mesmos, não têm estímulos para se empenhar e se esforçar. Não se sentem interessados no que fazem, pois a arbitrariedade de seus senhores e senhoras, bem como sua educação, não são de molde a lhes inspirar sentimentos de honra e gratidão... *

O reverso dessas considerações é apresentado por um velho exescravo, Doc Daniel Dowdy, da Geórgia. “Os brancos”, explicou ele, “eram ignorantes. Todo mundo sabe que quanto mais preparada é uma pessoa, melhor ela trabalha. Se eles tivessem metido em nossas cabeças um pouco mais de bom senso, em vez 460

de bordoadas,

a gente estaria em

melhor

situação e seria mais

útil a eles.” ? ; Os africanos e afro-americanos ofereceram aos brancos uma ética de trabalho alternativa, como fez notar W. E. B. Du Bois, mas esta alternativa era uma variação da que os próprios brancos já haviam adotado. Portanto o tipo de reação dos brancos da classe trabalhadora significou um violento ataque ao que eles mesmos tinham sido não muito tempo atrás. A história social dos Estados Unidos tem sido eminentemente a história das levas de imigrantes europeus que tiveram, sucessivamente, de sujeitarse à disciplina industrial, A cada nova leva, ocorria necessaria-

mente alguma penosa alteração de valores e de estilo de vida. Cada alteração, ao consolidar-se como corrente de opinião, tor-

naya seus convertidos, como não é incomum, mais católicos que

o papa. Os negros, como tão bem demonstraram Winthrop Jordan e George Rawick, viam-se diante da constante lembrança do modo de vida que haviam sido obrigados a repudiar. A conhecida expressão “Se nós conseguimos, por que eles não hão de conseguir?” revela muito mais que uma simples ignorância dos efeitos específicos da discriminação sócio-econômica do racismo branco. º A acusação de só trabalharem à força era encarada pelos negros dentro de uma ampla gama de posicionamentos, desde a aparente aceitação do que afirmavam os brancos até a mais elaborada discordância. Nesta ampla gama de atitudes, porém, há características comuns que nos permitem entender melhor a. postura subjacente em relação a trabalho e lazer. Mesmo os negros que consideravam seu povo preguiçoso por natureza concordavam, fosse por medo de castigos ou por pensar de fato assim, que os escravos trabalhavam muito. Jim Henry, ex-escravo da Carolina do Sul, já bastante idoso, disse que era um pouco branco, um pouco índio e um pouco negro: “É que a gente é econômica como os brancos, habilidosa como os índios e muito trabalhadora, como os negros”. *! Em sua contribuição à obra The Pro-Slavery Argument, o chanceler Harper declarou que os negros “estão recebendo a melhor educação que é possível lhes dar. Estão sendo ensinados a eles hábitos de operosidade uniforme e paciente, e esta é a primeira lição que precisam aprender”. Harper, ao menos, expôs sua argumentação com mais plausibilidade que a maioria dos 461

senhores de escravos, pois falou em trabalho uniforme, e não em trabalho árduo. Para nortistas e sulistas em geral, os africanos não passavam de meros apanhadores de alimentos que só no Novo Mundo, depois de escravizados, tinham aprendido os rudimentos do trabalho agrícola.º Na visão dos próprios escravos, acerca de seu passado africano, misturavam-se o folclore negro e uma considerável aceitação da propaganda dos brancos. Eles absorveram muito das opiniões dos senhores. Os testemunhos de ex-escravos contêm por vezes julgamentos duros. Segundo Charlie Davis, da Carolina do Sul, “não há dúvida de que muitos escravos aprenderam uma porção de coisas; ensinaram a eles a trabalhar para não ir para a cadeia ou para o asilo, e isto vale alguma coisa”. Sam Rawls, um homem já idoso nos anos 1930, queixou-se: “A atual geração de pretos não criou muito juízo. Trabalham quando querem e como querem. Os pretos de antigamente aprendiam a trabalhar desde criança”. James Johnson abordou a questão de modo mais filosófico: “Os negros são preguiçosos mesmo, você sabe. Se eles falam do jeito como falam, é porque não querem se dar ao trabalho de pronunciar as palavras como sabem que deviam pronunciar”. Outro ex-escravo apresentou este mesmo ponto de vista por um prisma diferente: “Quando eles chegaram, os brancos os mandaram trabalhar, e eles não gostaram. São preguiçosos por natureza (...) Logo que os negros perceberam que tinham de trabalhar, começaram a desprezar os brancos, sem dizer nada”. E Mary

Johnson acrescentou:

de sentimentos

deste

tipo, os escravos

escravos

se viam de

certa forma como uma classe explorada, e não apenas como uma raça explorada. É o que salta aos olhos na generalização feita por W. Arthur Lewis:

são

como

cavalos;

mas

a maioria

não

é. A

di-

ferença vem do fato de serem humanos; seu senso de Justiça revolta-se contra um sistema que se aproveita de seu trabalho para enriquecer outras pessoas; e seu senso de liberdade entra em atrito com a sujeição. Mesmo que a maioria dos escravos esteja satisfeita, sempre haverá uma minoria que dará grande importância a sua humanidade, e transmitirá este sentimento aos demais. &

Fanny Kemble contou uma conversa que ouvira na planta-tion Butler: o escravo se queixava de que seu senhor não mandava lavrar a terra com arado, e continuava a querer que se usasse a enxada, porque “é mais caro manter cavalos do que pessoas de cor”. Uma canção de depois da guerra, inti-

tulada Ain't It Hard to Be a Nigger (É Difícil Ser um Preto)

renovava uma crítica tradicional dos negros: Pouca diferença faz Como se ocupa nosso tempo, Os brancos sempre Se impõem aos pretos.

Pode-se trabalhar a semana inteira E trabalhar o tempo todo, Os brancos sempre

“A es-

cravidão fez bem aos pretos, fez eles ficarem atentos e aprenderem a trabalhar”. Sam Polite foi ainda mais longe: “O que eu acho da escravidão? Acho que foi boa. Ensinou os pretos a trabalhar. Se os pretos não tivessem de trabalhar, iam todos virar ladrões”. E as palavras de Fanny Smith Hodges são as mesmas de um número espantoso de outros ex-escravos idosos: “Os escravos eram açoitados quando não trabalhavam direito. As vezes eles eram preguiçosos”. & Apesar

É evidente que os escravos não são eficientes nem dedicados. Um cavalo, se bem tratado e cuidado, fará, de bom grado, tudo que seu dono quiser. Sob este aspecto, alguns

Se impõem aos pretos.

Ainda não está bem claro até que ponto os escravos neBros se viam como uma classe explorada, mas não resta dúvida de que eles tinham plena consciência do quanto era fundamental sua contribuição à economia da sociedade sulista. Em 1891, F. D. Srygley escreveu: “Eles parecem esquecer toda a faina e os sofrimentos de sua condição de escravo s, ao

admirar

a plantation

depoimentos

mais

Prios negros,

durante

horror

construída

pungentes a guerra,

ao ver os ianques

com

foram

seu

aqueles

expressaram

destrufrem

trabalho”.? em

que

Os

os pró-

sua tristeza e seu

as plantations.

Charles

462

463

Davenport,

ex-escravo

da

região

de

Natchez,

recordou:

“Mi-

nhas entranhas se revoltaram quando eu vi atearem fogo a uma coisa que custara a nós, negros, tanto trabalho e tanto suor”. & Dois

incidentes

mostram

bem

que os escravos

se sentiam

membros produtivos da sociedade. Harriet Martineau conta uma conversa que ouviu, no Kentucky, entre escravo e senhor: “Um dos escravos de um cavalheiro das vizinhanças veio perguntar a seu amo o que ele lhe daria por dois favos de mel. “É muito engraçado”, respondeu o senhor, “você pedir que eu pague por coisas que já são minhas.” O negro argumentou que o senhor, sozinho, jamais encontraria os favos de mel,

o que era a pura verdade”. O outro incidente envolve um escravo que fugira para se unir às tropas nortistas e foi acusado por um soldado da União de ter “roubado” o cavalo de seu dono para fugir, e portanto de ter “roubado” 1.000 dólares de seu dono. O escravo se defendeu dizendo: “Não vejo as coisas desse jeito, massa. Trabalhei para a missus por mais de 30 anos, e calculei que devia ter ganho mais ou menos isto durante esse tempo”. ? Os escravos tinham sua própria teoria do valor do trabalho, mas, como era de esperar, interpretavam-na como melhor lhes convinha. E por que não o fariam? Por mais que as classes dominantes apregoem o próprio gênio, os pobres, estúpidos e desvalorizados membros das classes aviltadas merecem ao menos que se reconheça seu talento, que nada fica a dever ao da elite, para elaborar teorias em benefício de si mesmos. Sendo assim, os escravos jamais consideraram que a comida, as roupas e o abrigo que recebiam representassem um pagamento pelo trabalho que realizavam, ou equivalessem a um mínimo salarial. Sua aparente estupidez revelava o reverso da ideologia paternalista, pois, de fato, significava a aceitação da idéia de obrigações mútuas presente numa sociedade tradicional. Quando perceberam que tinham assegurado seu sustento, os escravos curvaram-se à hegemonia da ideologia da classe dominante e ao mesmo tempo estipularam o preço a ser pago por sua submissão. Depreende-se do período anterior à guerra e do início da Reconstrução que até os escravos mais ignorantes sabiam muito bem quem era responsável pelas lavouras, quem gerava lucros e era um elemento indispensável no sistema de produção.”

464

Era comum ex-escravos afirmarem trabalhar muito melhor para senhores bondosos que para senhores mais duros. Solomon Northup, negro nortista alforriado e muito inteligente, que fora raptado e vendido como escravo, teve senhores bons e senhores maus, declarou peremptoriamente que quanto mais bondoso fosse o senhor, mais bem feito era o trabalho. ?? Adeline Johnson, da Carolina do Sul, fez a seguinte observação: “Quando a gente era escrava, tinha toda a roupa de que precisava, toda a comida que queria, e também trabalhava muito, porque gostava dos brancos que cuidavam da gente”. Outro escravo recordou uma canção que era entoada durante o trabalho nos campos:

“Fora, Ole Man, Fora, Ole Man,

Onde esteve o dia todo? Se me tratar bem Fico aqui até o Juízo Final, Mas se me tratar mal

Vou tentar fugir.” Depoimentos tomados na região de rançhos do Texas corroboram as afirmações de Northup. Era sabido que nessa região os escravos recebiam bom tratamento e, por sua vez, mostravam-se leais e trabalhavam bem. Depoimentos semelhantes foram colhidos nas fazendas do Rio Grande do Sul, no Brasil, movidas a trabalho escravo, o que é bem significativo. ”! Ex-escravos expressaram igual opinião, de modo negativo. Andy Anderson, do Texas, que jamais fora chicoteado por seu antigo senhor, foi logo submetido a este castigo quando passou a ter um senhor novo. E comentou o seguinte: “Depois que fui açoitado, não tive mais nenhuma vontade de trabalhar para o massa. Se eu via o gado no milharal, virava as costas em vez de ir tirá-lo de lá”.7 Para a maioria dos escravos, as coisas não eram assim tão fáceis. Muitos temiam o chicote, e reagiam. Austin Grant, também do Texas, contou como começara sua educação na senzala: “Meu avô nos dizia uma porção de coisas, dizia para a gente evitar ser chicoteado. Ele dizia: “Crianças, trabalhem, trabalhem, trabalhem muito!” É claro que as crian465

ças

tentavam,

mas

também

é

claro

que

às

vezes

se

pica, caracterizada pelo embrutecimento da mente e pela insensibilidade do corpo, e causada por excesso de trabalho

descui-

davam”. é A atitude dos senhores correspondia, grosso modo, à dos negros. Moderação no chicote e bom tratamento para os escravos. De fato, bondade e paciência muitas vezes conseguiam. resultados melhores que um rigor demasiado. Esta característica da relação senhor-escravo, assim como todas as demais, era marcada por uma incrível ambigúidade. Thomas Dabney, do Mississípi, explicou que conseguia fazer seus escravos trabalhar tão bem porque dizia que se podia trabalhar mais e melhor em cinco dias e meio do que em seis. Harrod C. Anderson, senhor do Tennessee ocidental, homem muito rígido e que recorria com fregiiência ao açoite, compreendeu que não bastava apenas a força. Uma anotação no diário de sua plantation explica muita coisa: “Dei um Jantar para os escravos no sábado, para comemorar o bom trabalho que eles realizaram e por isto espero uma boa colheita do algodão...” Como já dissera George Washington, “quando o supervisor dá as costas, a maioria relaxa o trabalho, ou simplesmente pára de trabalhar; seja como for, a correção não evita uma coisa nem outra, e muitas vezes leva a males piores que a

e maus-tratos. ”?

|

Os senhores jamais conseguiram resolver as contradições de seu comportamento. Tinham de recorrer à força para fazer os relutantes trabalhar. Sabiam que se mostrando bondosos e oferecendo incentivos obteriam bons resultados, mas que esta atitude poderia ser também um tiro pela culatra, caso os escravos resolvessem estabelecer seu próprio ritmo de trabalho ou pôr em prática suas próprias idéias a respeito de um trabalho bem-feito. Chegaram à conclusão de que os escravos eram incapazes de trabalhar com regularidade, e portanto não podiam esperar que O fizessem. Mas o trabalho precisava ser feito, e na verdade o

foi, como

doença”.?º Nos anos 1850, Samuel Cartwright, médico profissional e um dos principais ideólogos racistas do Sul, afirmou que os negros aceitavam naturalmente as ordens dos brancos; tentou, com alguns retoques graciosos, utilizar sua teoria extremamente racista no sentido de ser dado aos escravos um tratamento mais humano: |

e a impossibilidade

Sul, compreenderem Fica

mente

geral

patente,

além

dos

nortistas

como

do

desempenho

econômico

disso,

e dos

europeus,

que

era possível aquele modo que

os senhores

não

iam

E

ao

de vida.

tinham

muitas

Os escravos eram capazes de trabalhar arduamente, e realo fizeram, como já haviam feito antes seus ancestrais

africanos. A acusação de indolentes

Caso se recorra à força para fazê-los trabalhar mais, eles

466

o nível

ilusões quanto ao fato de o sistema comportar danos.

O domínio dos brancos sobre a raça dos prognatas não é absoluto. É impossível exercer a força além de determinado ponto; nem a força de vontade nem a força física podem impor aos negros, por vários dias seguidos, mais que uma jornada de trabalho muito moderada; cerca de um terço a menos do que um branco se imporia voluntariamente. certamente trabalharão cada vez menos, até cair na apatia, e então, em vez de ser úteis, serão uma fonte de tormentos: imprestáveis como trabalhadores, insensíveis e indiferentes à punição e até a vida; em outras palavras, E pé contrairão a doença que eu chamei de Dysesthaesia Ethio-

demonstra

das plantations do Sul. Contudo, isto prova apenas que o trabalho era feito dentro das condições especiais da vida e da organização das plantations, e não dá qualquer informação acerca da disciplina imposta à mão-de-obra nem das exigências cada vez maiores de uma sociedade que se mqdernizava e diversificava. É nesse contexto que devem ser examinados dois fatos: a justa reputação dos senhores rurais de serem pacientes e tolerantes com as negligências, incompetência e dissimulações;

não se sustenta. Mas

resis-

tiam à uniformidade e à rotina, que vieram a ser a condição sine qua non da sociedade industrial, que os senhores lhes tentaram impor, apesar de rejeitarem eles mesmos, em grande parte, a ética burguesa de trabalho. Os escravos formularam sua própria noção de trabalho e do lazer a ele correlato, e isto certamente sugere alguma continuidade da influência cultural africana, embora, em termos gerais, muito mais rural, pré-burguesa e sobretudo pré-industrial do que especificamente africana. Apesar das abissais diferenças entre o mundo dos africanos e o dos escravos afro-americanos, havia algumas características comuns, 467

que mantiveram certa continuidade na sensibilidade coletiva. O modo de os escravos se posicionarem diante do trabalho, do tempo e do lazer nasceu basicamente da própria vida das Plantations, variante mais dura da vida comunitária agrícola tradicional. Outra variante, bem menos dura, foi a vida agrícola africana. A África, na medida em que continuou influindo nas senzalas, deu mais força à própria condição dos escravos.

balho quando não tinham esperanças de obter determinadas compensações espirituais. Por isso era fácil acusá-los

de indolência e escravizá-los, quando na verdade eles in-

troduziram no trabalho braçal moderno uma revalorização da vida. E continua:

Vários

A ética do trabalho negro A perspectiva

de mundo

ção dos escravos, tal como

Du Bois, acaba se aproximando mais dos brancos racistas que dos

liberais, pois também das;

ao mesmo

faz ressaltar diferenças culturais profun-

tempo,

porém,

denuncia

as deturpações

cistas, voltando assim contra eles a própria quer modo de considerar a questão, como qualquer questão referente à vida escrava, atento reexame da grande obra do dr. Du É talvez em The Gift of Black Folk analisa a ética do trabalho negro: Os

escravos

negros

certos valores

introduziram

espirituais

novos,

no trabalho ainda

dos ra-

argumentação. Qualaliás de considerar tem de partir de um Bois. que Du Bois melhor

não

costumeiro

compreendidos

plenamente. Vindos de uma região tropical, dotados de receptividade sensitiva à beleza do mundo, os negros não podiam ser tão facilmente reduzidos ao nível de burros de carga mecânicos, como foram os trabalhadores do norte da Europa. Não era assim tão fácil levar os negros a reconhecerem, no trabalho, sanções éticas como tal; eles tendiam a trabalhar quando esperavam do trabalho frutos agradáveis,

e

recusavam-se

ou

tentavam

furtar-se

ao

tra-

administradores lidar

com

a

nortistas perceberam aparente

indolência

tal contradidos

negros

e

tentar fazê-los trabalhar; ao constatar que não conseguiam, constataram também que os mesmos negros, sob a direção de outras pessoas, apresentavam um volume de trabalho impressionante. Para tanto, a explicação é clara e simples: o trabalhador negro não fora formado dentro

manifesta

em sua atitude para com o trabalho, é geralmente considerada uma forma de resistência ao trabalho ou de perda de valores morais, uma e outra impostas por um sistema de trabalho opressivo. Os principais responsáveis por este ponto de vista são escritores abertamente racistas, como Ulrich Bonnell Phillips e A. H. Stone, que nunca deixaram de se referir às “características dos negros”. Por ironia, o único estudioso a analisar a questão sem tendenciosidade e com minucioso cuidado, W.E.B.

ao

da indústria moderna organizada, e sim num sistema bem,

diferente. *º

O dr. Du Bois atribui a diferença dos comportamentos de trabalhadores europeus e afro-americanos à diferença entre O sistema social burguês da Europa e o sistema social aparentemente “comunista” da afro-América. Os brancos que trabalhavam faziam-no arduamente, para não morrer de fome e para não cair na miséria juntamente com suas famílias; já os negros “encaravam o trabalho como um mal necessário, e tentavam - equilibrá-lo com os atrativos do lazer e da satisfação, independente de dia, hora e estação do ano”. º! Sempre atento às complexidades, Du Bois sugere que os trabalhadores brancos trouXeram para a América o hábito do trabalho regular visto como dever moral, e assim contribuíram para tornar a América mais rica; os trabalhadores negros, por sua vez, trouxeram uma noção

de trabalho como

mal necessário, e a teriam usado, caso

lhes tivessem permitido, para tornar a América mais feliz. A colocação do dr. Du Bois contém elementos de grande sabedoria e humanidade, e é incompreensível que suas teses tenham sido ignoradas por tanto tempo, sobretudo porque elas levantam questões semelhantes às que agora ameaçam dilau-rar o país, pelo confronto de gerações e raças. Santayana, com quem Du Bois estudou em Harvard, certa vez escreveu: “Alguns moralistas, sem qualquer intenção de sátira, dizem muitas vezes

469

que o melhor remédio para a infelicidade é o trabalho. Infelizmente, o trabalho que recomendam serve antes para entorpecer a dor que para aliviar suas causas. Ocupa a mente sem justificar a vida”. Há grandes méritos na interpretação do dr. Du Bois, mas é impossível não questionar suas especificidades históricas. Certamente os negros podiam ser vistos como “vindos de uma região tropical, dotados de receptividade sensitiva à beleza do mundo”. Mas, apesar das aparências, não há nisso nada de místico, há apenas uma consideração válida do impacto que o ambiente material pode ter sobre a sensibilidade 2

coletiva

dos povos,

desenvolvida

dentro

da história. Erro mais

grave comete o dr. Du Bois ao supor que os trabalhadores europeus, quando vieram para a América, já estavam impregnados da ética puritana de trabalho; adotando esta linha de raciocínio, Du Bois afasta-se do âmago da natureza da experiência dos escravos, transferindo-o para a experiência africana, que não passou de um caso particular dentro da experiência geral dos imigrantes. Grande parte dos imigrantes que engrossaram as fileiras da mão-de-obra não especializada do século XIX vinha de sociedades camponesas cuja ética de trabalho rural derivava do catolicismo. Os sicilianos e europeus do leste que vieram mais tarde não estavam imbuídos das máximas de Benjamin Franklin. Cada leva de imigrantes teve de passar por um processo de aculturação que supunha árduos esforços no sentido de romper determinados valores e absorver lentamente os valores que associamos especificamente à disciplina industrial. Além disso, como tão bem demonstrou E. P. Thompson, a classe operária inglesa provinha de áreas rurais, onde se confrontavam duramente sistemas opostos de valores, em geral, e de ética de trabalho, em particular. Portantoa contribuição africana não proveio de alguma suposta tradição comunista, mas do fato de estar inserida numa tradição muito mais ampla, semelhante à da maioria dos povos agrícolas. Mas ao passo que os europeus entraram num sistema industrial que os transformou aos poucos em trabalhadores adaptados à indústria, os africanos entraram no sistema

das

plantations,

que,

mesmo

apresentando

certas

seme-

lhanças com o contexto industrial, apoiava-se muito mais nos valores tradicionais, sem, contudo, estar isento de elementos de corrupção e degradação. 470

A tradição africana e a tradição camponesa européia, além de valorizar o trabalho pesado, condenavam e ridicularizavam qualquer forma de indolência. º O que se desprezava não era o trabalho pesado, e, sim, o trabalho regular, rotinizado, visto como

dever moral. Sob este aspecto, os agricultores africanos assemelhavam-se aos povos pré-industriais em geral, inclusive os urbanos. A assertiva tão comum de que algumas pessoas só trabalhavam o tempo necessário para ganhar o dinheiro de que precisavam para se manter dirigia-se tanto contra os trabalhadores diaristas quanto contra os artesãos mais habilitados e prestigiados da Europa. * Segundo Olmsted, os escravos costumavam desempenhar tarefas árduas e extenuantes, e faziam-nas de modo apático, sem empenho, o que diminuía muito sua produção. * Ainda segundo Olmsted, os escravos “têm muito mais dificuldade que nós para se adaptar a um trabalho regular e contínuo, mas nos superam amplamente em tarefas que exigem agilidade e energia”. Após a guerra, as teses de Olmsted foram adotadas como padrão pelos empregadores que tentavam reorganizar a mão-de-obra com os escravos libertos. Em 1865, um fazendeiro da Carolina do Norte disse a John Richard Dennett: “Você sabe como eles são: durante cerca de três dias, trabalham como loucos; mas depois passam a começar tarde e terminar cedo”. “ Por estranho que pareça, esta afirmação corresponde exatamente à dos ideólogos escravistas que pretendiam mostrar a diferença cultural entre eles próprios e os ianques. E corresponde também à dos estudiosos que descrevem a situação dos negros do Sul que migraram para cidades do Norte, como Chicago, no século XX. ” E os próprios negros, que dizem? Isaac Adams, que fora escravo numa grande plantation da Luisiana, contou que a maioria dos negros permaneceu na propriedade, mesmo já tendo sido emancipada pelos ianques. “No entanto”, acrescentou, “não trabalhavam muito. Só o suficiente para seu próprio sustento e o de seus brancos.” º Frank Smith, ex-escravo que migrou do

Alabama para o Illinois, queixou-se: “Eu não gostava dos ianques. Eles queriam que a gente trabalhasse 'o tempo todo”, e eu não estava acostumado a isto.” Talvez Colin Clark e Margaret Haswell estejam certos quando afirmam, em The Economics of Subsistence Agriculture, que os trabalhadores de subsistência não prezariam tanto seu lazer e trabalhariam com regu-

4

laridade se tivessem tido contato com comunidades e valores mais fortes, capazes de os estimular. ” Mas sempre é possível superar resistências culturais

a tendências

assim, e o resultado

de tal confronto nem sempre é o que se supõe inevitável. Este resultado pode depender, em parte, de um grupo tradicional ter conseguido organizar-se em comunidade, em vez de continuar sendo um mero agrupamento de indivíduos; pode depender também da medida em que a assimilação a uma comunidade economicamente mais adiantada tenha sido bloqueada pela discriminação.

Se os escravos se mostravam dispostos a realizar trabalhos extremamente pesados e se resistiam à disciplina regular, faziam-no segundo determinados propósitos e expectativas. Durante a Reconstrução, os negros tentaram ter sua própria terra; quando conseguiram, trabalharam diligentemente nela; resistiam a voltar a trabalhar coletivamente para os brancos; e só o terror, a sabotagem, ou o assassinato os impediam de trabalhar para si mesmos.” Tal situação já se vinha configurando no período anterior à guerra, quando era comum os escravos receberem lotes e trabalhar neles até noite alta ou nos domingos, para conseguir mais roupas e alimentos. Em geral, os homens não permitiam que suas famílias vivessem apenas das costumeiras rações de carne de porco e milho. Além de cultivar seus lotes com a ajuda das esposas, eles pescavam, caçavam e apanhavam animais em armadilhas. Desta forma e de muitas outras demonstravam sua preocupação com o bem-estar de suas famílias, e seu desejo de lhes dar uma situação razoável. Agindo assim, porém, estavam trabalhando para si mesmos, segundo seu próprio ritmo. Também não era incomum, embora fosse menos fregiiente, os escravos conseguirem permissão para arranjar algum emprego durante seu tempo livre, depois de cumpridas todas as suas tarefas da semana. Nestes casos, o que os movia não era o desejo de um trabalho mais regular, e sim a possibilidade

de trabalharem

para

si mesmos

e suas

famílias,

da maneira como quisessem.? Vários escravos, se lhes dessem dinheiro ou presentes, tra-

balhavam voluntariamente para seus senhores aos domingos e feriados. Isto mostra que os senhores já haviam assimilado a idéia de que os escravos tinham o “direito” de dispor de parte de seu tempo:

472

mostra também

que

os escravos

se empenhavam

em tra-

balhar para si mesmos, e o quanto a noção de reciprocidade já fora absorvida por escravos e senhores. ;

Os escravos reagiam a determinados

incentivos, tanto mo-

rais como econômicos. Muitas vezes se orgulhavam de seu trabalho, embora nem sempre da maneira que os senhores consideravam mais importante. Quando Solomon Northup descobriu um jeito que facilitava o transporte da madeira, o administrador zombou dele. Neste caso específico, interessava ao senhor intervir, e ele interveio. Elogiou Northup e adotou seu método. Comenta Northup: “Não fiquei insensível ao elogio, e saboreei especialmente o triunfo sobre Taydem [o administrador], cuja zombaria um tanto maliciosa ferira meu orgulho”. * Desde os tempos coloniais, os escravos das plantations, bem

como

os que trabalhavam

em indústrias, minas e serviços

urbanos, recebiam pagamentos em dinheiro e em mercadorias, dentro de um sistema de controle social mais amplo. ** Estes

pagamentos,

além

de

funcionar

como

incentivo

à produtivi-

dade, representavam também, fregientemente, uma recompensa por tarefas realizadas fora dos horários normais. Muitos senhores, inclusive os que conseguiam os melhores resultados, concediam incentivos deste tipo. Um excelente exemplo é Bennet H. Barrow, “da Luisiana, homem que não hesitava em recorrer ao açoite, mas que promovia também fregientes feriados e jantares, e concedia bonificações em dinheiro e presentes por tarefas especiais. Em Hinds County, Mississípi, Thomas Dabney costumava dar pequenas quantias, alguns centavos, na verdade, aos escravos que se destacavam na colheita, e dava quantias menores aos outros escravos, que, mesmo não conseguindo se igualar aos melhores, também trabalhavam com afinco. Em Perry Coun-

ty, Alabama, Hugh Davis: dividia as tarefas entre grupos que tinham de competir para ganhar as recompensas. Realizava também concursos. Na Carolina do Norte, em fins do século XVIII, Charles Pettigrew pagava aos escravos por tarefas bem-feitas,

ou realizadas fora do horário de trabalho. * Esta prática já fora

' adotada por muitos, antes dele, e continuou a vigorar depois. y As quantias, por vezes, não eram nada desprezíveis. Em

fins dos anos

1830, o capitão Frederick Marryat queixava-se

de que em Lexington, Kentucky, nenhum cavalheiro conseguia alugar uma carruagem aos domingos, porque os escravos que dispunham de dinheiro sempre as alugavam antes, para seu

473

lazer.

próprio

os

outra,

por

Vez

portanto, que havia, subjacente ao fato de os negros resistirem aos valores brancos predominantes, uma série de noções quanto à responsabilidade individual e comunitária. Diz-se com frequência que os negros gastavam em vez de poupar, como seria mais lógico. Mas tal assertiva tem de ser confrontada com outras provas de que eles economizavam, de modo comovente, centavos e tostões para dar educação aos filhos, o que os anglosaxões em geral aprovavam, e para ter funerais requintados. Este último propósito não recebia igual aprovação; mas para muitos povos, além dos negros, o funeral representa uma forma indispensável de demonstrar pelos mortos o mesmo respeito

plantations

das

documentos

apresentam cifras surpreendentes. Certo escravo da Geórgia ganhava de 50 a 60 dólares por ano cuidando dos pinheirais em suas horas vagas. Outros ganhavam dinheiro por ter habilidades especiais ou por desempenhar determinadas tarefas ê fazê-las cuidadosamente, mesmo sem qualquer supervisão. As quantias podiam chegar a dezenas e mesmo centenas de dólares, fato que, embora

não muito

comum,

também

não che-

gava a espantar. * Mas para a sociedade em geral, senão para a economia em particular, o que estas práticas mostram de mais significativo é a virtual institucionalização do pagamento por tarefas realizadas em domingos e feriados. As vezes, a imposição do trabalho aos domingos e feriados era um castigo; outras vezes, o que levava os senhores a violar a norma social relativa ao descanso nos domingos era sua desmedida ambição, para não dizer estupidez. Excetuando-se estes casos, contudo, o nro aos

pertencia

escravos,

tanto por

costume

como

por Jei.

que se tem pelos vivos.

s

Quando queriam, os negros assombravam os brancos pelo empenho com que trabalhavam e pela energia que eram capazes de despender. A debulha do milho, a matança de porcos, os mutirões, a colheita do algodão e principalmente a moagem da cana impunham aos escravos trabalhos árduos, que eles

aceitavam muito bem.

senhores concordavam coletivamente com estas medidas, movidos pelo empenho em manter a paz social e também por sentir que elas contribuíam para uma eficiência econômica maior. Uma vez institucionalizada, na prática, porém, os es-

Ex-escravos declararam que esperavam a debulha do milho com a maior ansiedade, só superada, e mesmo assim nem sempre, pela ansiedade com que esperavam as festas de Natal, 'º!

Corte da Lui-

Depois dos bailes, o que havia de mais divertido era a debulha do milho. O marsa mandava levar o milho para o silo, e a pilha ficava quase do tamanho de uma casa. Depois ele chamava quem estivesse por ali para fazer a debu-

cravos a transformaram em “direito”, com ou sem sanção legal.

E fizeram-no tão bem que em siana

direito

decretou:

de

“De

ser pagos

acordo

pelo

1836 a Suprema

com

(...)

trabalho

a lei, os escravos

realizado aos

têm

domingos;

e o senhor fica obrigado a remunerá-los, se Os fizer trabalhar” '

Neste caso, mais uma vez, os escravos utilizaram em cid próprio a doutrina paternalista da reciprocidade, demonstrando assim a importância desta doutrina, para eles mesmos e para a seus senhores. * “As idas escreve: Ellison Ralph infância, sua Recordando meninos os porque inveja, minha ao algodoal despertavam voltavam contando as histórias mais fantásticas. E não falavam muito do trabalho pesado, falavam mais da confraternização, Um das brincadeiras, da comida, das danças e dos cantos .*º

dos temas principais da tradição do blues na música soul negra é “faça o melhor que puder”. O que se enfatiza, seja no desempenho no trabalho, seja nas letras das músicas, não é pda

conseguido, mas

474

a sinceridade com que foi buscado.

Vê-se.

Sam

Colquitt,

do

Alabama,

lha, se quisesse.

explicou:

A gente

escolhia dois chefes e eles esco-

lhiam dois grupos. Depois a gente via quem acabava primeiro, e então gritava e cantava (...) O marsa também mandava a gente beber. Por isso se trabalhava muito bem, e a pilha logo sumia. '2

Alguns ex-escravos disseram que as épocas de debulha do milho eram as únicas de que gostavam; um número bem maior, porém, disse apenas que eram as melhores. As vezes, porém, alguém discordava, como fez Jenny Proctor, do Alabama: “De Vez em quando havia debulhas de milho, mas quem se divertia

eram os brancos e quem

trabalhava eram os pretos”. 'º No 475

entanto, para a grande maioria dos escravos, a debulha do milho era “uma festança”. Os relatos que nos chegaram dão informações essenciais para que se entenda a vida das plantations e seus ritmos de trabalho. Fala Robert Shepherd, do Kentucky: A debulha do milho era mesmo uma época ótima. Quando todo o milho estava colocado em pilhas altas e enormes, o trabalho começava. Então, as mulheres cozinhavam durante dias, e os homens preparavam os leitões para o churrasco. O amo mandava a gente ir buscar escravos nas fazendas vizinhas. Tochas e fogueiras iluminavam tudo, e havia grande animação quando todos os pretos começavam

a cantar e gritar, enquanto debulhavam. "* Recordou

um ex-escravo da Geórgia:

Na época da debulha do milho ninguém nos incomodava. A debulha do milho era uma festa. Chamavam uma porção de gente, punham as pessoas em fila e davam bebida a elas. Eu era chefe de debulha, ficava de pé num lugar mais alto, acima de todo mundo, dirigia os cantos da debulha e jogava o milho para os outros. Sempre havia duas equipes trabalhando, e cada uma procurava debulhar mais milho que a outra. Eram bons tempos. '* Comentários

de brancos

da época

complementam

os de ex-es-

cravos. Fredrika Bremer, uma das pessoas mais atiladas e obser-

vadoras de todas debulha do milho poneses de nossa colheita”. !% É claro que tivos materiais. Os

as que viajaram pelo Sul, escreveu que a “era para os negros o que é para os camterra, a Suécia, a festa de encerramento da os escravos recebiam também alguns incenmelhores debulhadores ganhavam um dólar

ou roupas; os que encontravam uma espiga vermelha às vezes ganhavam também. Mas não eram prêmios muito importantes,

e há poucas referências a eles nos depoimentos. Não havia grande diferença no rendimento do trabalho nas plantações onde se dava um dólar a quem achasse uma espiga vermelha e no daquelas

476

onde

o prêmio

por isto era um

trago a mais

de uísque

ou um beijo da moça mais bonita. A debulha realizava-se geralmente à noite, ou seja, fora do horário normal de trabalho, e seria de esperar que os escravos ficassem contrariados e achassem poucos os incentivos materiais, que não costumavam passar de um jantar mais elaborado, um baile ou uma rodada de uísque. Mas o que mais importava nessas ocasiões, e a melhor razão para aceitar as longas horas de trabalho extra, era a possibilidade de vida comunitária. Tratava-se de ocasiões de gala. A bebida corria solta, embora não se quisesse ver ninguém bêbedo; o trabalho era feito em meio a cantos e danças; vinham amigos e conhecidos de várias plantations e fazendas; os escravos domésticos e os do eito irmanavam-se na mesma tarefa; e depois de encerrado o trabalho havia um jantar e um baile que duravam a noite inteira. Nesse tempo, e na medida da ousadia de cada um, deixavam de existir todas as restrições, sobretudo as de classe e de raça. O sistema escravista, caracterizado pela opressão e pela exploração sobremodo selvagens, transformou os escravos em vítimas. Mas os seres humanos vitimizados não se conformaram com tal situação; lutaram para tornar a vida tolerável e para vivêla com o máximo possível de alegria. De certa maneira, até os senhores mais rígidos os ajudaram. A lógica da escravidão requeria que o senhores enfraquecessem o espírito de seus escravos e os transformassem numa extensão de sua própria vontade: objetos que não pensam e não sentem; mas os escravos resistiram à desumanização, e por isso os senhores se viram forçados a fazer certas concessões para conseguir o trabalho que desejavam. Os escravos pareciam reagir especialmente bem quando se aliava um clima de festa a um trabalho realizado em conjunto. Gus Brown, ex-escravo do Alabama, declarou com toda:a simplicidade: “Naquelas ocasiões, todo mundo se unia e isto era muito bom”. Os depoimentos também mostram muitas vezes que estas festas aumentavam a camaradagem com os senhores. Até os grandes senhores participavam do trabalho, dos festejos e das danças, embora sem abrir mão da habitual postura patriarcal. Pediam que os escravos cantassem, e eles acediam com grande animação. Os visitantes se maravilhavam com a espontaneidade e a capacidade de improvisação demonstrada 477

I

pelos negros. As canções, muitas vezes compostas de improviso, eram

cheias

de

mordacidade,

ao

mesmo

tempo

maliciosas

Os pretos do massa são espertos e gordos, Oh! Oh! Oh! Brilham como um chapéu de pêlo de castor, Oh! Oh! Oh! Refrião: Vamos lá, vamos debulhar o milho, Oh! Oh! Oh!

e

gentis. Nelas, os escravos falavam de seus namoros e de suas brigas de namorados; não raro, os cantos se tornavam picantes, e era preciso mandar as crianças para a cama. Os escravos cantavam

suas desventuras

amorosas:

É a maior pilha de milho que eu vi na minha vida,

Se eu estou aqui, você me chama de querido. Se eu viro as costas, você chama todo mundo de querido. Cantavam

também

seus fracassos

nas

Oh!

E cantavam

do milho,

Os pretos do Jones são Oh! ter vão se Nem sabem Oh!

rivalidades:

Sally.

suas vitórias:

Tire a casca, quebre a espiga. Pronto, achei uma espiga vermelha. |

As canções tinham por vezes um lado satírico. Ao tomar parte nas festas, os brancos mostravam condescendência e benevolência, e os escravos aceitavam esta atitude com um sentimento que ia além da gratidão infantil pelos pequenos favores recebidos. Usavam sua sagacidade e seu impressionante talento de improvisação para fazer uma certa crítica social. Vez por outra, ousavam introduzir em seus “cantos do milho”, como os chamavam, uma alfinetada mais direta, embora dissimulada: O massa está na Vamos, debulhe A mistis está na Vamos, debulhe

casa-grande, contando seu dinheiro, o milho e atire-o no celeiro. sala, comendo seu pão com mel, o milho e atire-o no celeiro.

Mas costumavam adotar uma tática mais simples e segura. O ole massa era sempre um dom de Deus à humanidade, o sal da terra, o melhor massa do mundo. Mas podia acontecer que alguns de seus vizinhos fossem senhores muito maus. 478

Oh!

II

Você pulou e eu também pulei; Juro por Deus que você pulou mais alto Por cima

Oh!

magros e pobres, Oh! Oh! comida suficiente, Oh! Oh! '?

Um negro, nenhum negro, nunca falaria desrespeitosamente a um branco, qualquer branco. Jamais um escravo, qualquer escravo, poderia criticar um senhor, nenhum senhor. Recorrendo a uma certa bajulação e tirando partido da descontração de certas ocasiões, os negros afirmavam sua personalidade e faziam suas críticas. As épocas de debulha do milho mostravam uma curiosa divisão do trabalho, baseada no sexo. Só ocasionalmente as mulheres participavam da debulha, embora os motivos de tal exclusão não fossem claros. .As escravas do eito trabalhavam tanto quanto os homens, não só colhendo algodão, mas também

transportando madeira,

cortando árvores e arando

a terra.

No entanto, por ocasião da debulha do milho, cabia-lhes apenas preparar um jantar mais elaborado, participar dos mutirões e outras

tarefas

deste

tipo.

Por

isso, as debulhas

eram

ocasiões

acentuadamente masculinas, plenas de canções estridentes e de piadas normalmente não contadas diante de mulheres, e plenas também de manifestações de arrogância infantil, chamadas de “coisas de homem”, denominação que carrega um encantador

toque freudiano. Os homens trabalhavam com tal vigor e insistiam tanto numa rígida separação dos sexos, que isto nos leva à questão central de como os escravos encaravam o trabalho em relação a seu sentido de família e comunidade. O fato de se sentirem

uma comunidade, sensação fortalecida por estarem lado a lado 479

com os escravos

do eito e sobretudo

com escravos vindos de

outras plantations, certamente era o motivo de trabalharem com

tanta animação. O clima geral lembrava muito mais o dos festivais, rituais e cerimônias das sociedades tradicionais que os das reuniões de Natal realizadas nos escritórios de qualquer empresa do sistema industrial. E a debulha do milho, assim como a matança de porcos, tinha um significado especial, pois era um momento em que os escravos estavam trabalhando para si mesmos. O milho e os porcos os alimentavam, a eles e suas famílias; portanto, a debulha e a matança lhes davam especial satisfação. Vista por esta perspectiva, a divisão do trabalho por sexo, fosse qual fosse sua razão de ser, assumia uma significação nova. Vista por um prisma mais limitado, acentuava a função dos homens, de responsáveis pela alimentação da família, função que eles, aliás, já reivindicavam caçando e pescando por conta própria. Até os aspectos menos agradáveis destas noitadas de trabalho contribuíam para fortalecer à auto-imagem masculina. Por outro lado, as mulheres não pareciam ressentir-se disto. Pelo contrário, aproveitavam a oportunidade para acentuar a divisão de trabalho e de autoridade na família, e para dar apoio às pretensões dos homens. A escravidão foi um terrível ataque à personalidade e ao espírito dos escravos; por isso, mesmo que nessa tendenciosidade sexual pudesse manifestar-se uma certa injustiça, o esforço conjunto de homens e mulheres escravos, no sentido de definir e fortalecer suas funções individuais, representou uma arma de resistência à desumanização. A época da matança de porcos era quase tão festiva quanto a da debulha do milho. Examinemos dois relatos vindos da Virgínia. O primeiro é a conhecida autobiografia de J. S. Wise, The End of an Era; o segundo é o depoimento de Joseph Holmes sobre sua vida como escravo. '* Comecemos por Wise: Quando era a época da matança de porcos, muito antes de o dia raiar, todos os trabalhadores da plantation já estavam de pé com suas facas, e os caldeirões já ferviam para o escaldo; já estavam preparadas as tábuas para colocar os miúdos e os cavaletes para resfriar o porco morto. Do lado de fora, no pátio, reunia-se todo o pessoal da fazenda. Nos currais, os mais destemidos e ativos cuidavam do 480

esquartejamento. Os gritos dos animais eram dilacerantes; mas o golpe que os abatia era rápido, e mais rapidamente ainda o porco morto era mergulhado na água fervente. Logo a pele era retirada, e braços fortes penduravam o porco nas vigas, de cabeça para baixo, a fim de que esfriasse. As mulheres que colocavam os alguidares por sob as carcaças eram rudes, e suas mãos fortes e hábeis estripavam o animal. Ouçamos Era

mens

agora Joseph Holmes: a melhor

época

de todas. Durante

semanas,

os ho-

transportavam troncos e grandes pedras, que eram

postos em pilhas altas como uma casa, e havia uma porção de pilhas e um grande buraco no solo, cheio de água. Pouco depois da meia-noite, o patrão fazia soar o sinal, e todo mundo se levantava e ia para os currais. Então viam aquelas grandes pilhas de madeira incandescente e começavam a bater na cabeça dos porcos. A gente nunca atirava nos porcos, como se faz hoje; sempre se usava a machadinha para matá-los. Depois de bater na cabeça do

porco, amarrava-se as pernas dele com uma corda e ele era mergulhado na água na temperatura certa, ficava lá dentro por algum tempo e depois era retirado e limpo. Depois de limpo, era esquartejado e pendurado para ser defumado. Naquele tempo não se defumava a carne como hoje, só se derramava um líquido por cima dela. A gente conseguia muita carne.

Os escravos gostavam muito da época de matança dos porcos, porque podiam comer enquanto trabalhavam, e sentiam orgulho em mostrar suas habilidades à comunidade toda. Tal como na época da debulha do milho, trabalhavam para si mesmos, e faziam-no com entusiasmo. Os mutirões eram menos frequentes, mas realizavam-se dentro do mesmo espírito festivo. Quando se tratava da construção de senzalas, o trabalho estava, até certo ponto, diretamente relacionado à vida dos próprios escravos. Homens e mulheres trabalhavam juntos, e formavam-se equipes que competiam entre si. Sob outros aspectos, apresentavam certa se-

481

melhança com a debulha do milho. Conta Frank Gill, ex-escravo do Alabama: Os mutirões eram uma coisa ótima; quando alguém, numa plantation

vizinha,

queria

construir

uma

casa,

chamava

todos os escravos, homens e mulheres, para virem com seus senhores. As mulheres cozinhavam, e não faltava o que cozinhar. Matava-se uma vaca, ou três ou quatro porcos, e também se: preparava ervilhas, couve e tudo que se cultivava na plantation. '? Muito se pode aprender com os relatos acerca das plantations de açúcar. Os senhores da Luisiana, que plantavam cana, tinham a reputação de ser mais duros com seus escravos que os de outros Estados. Nem sempre fizeram jus a tal reputação, mas é inegável que na época da moagem se mostravam muito rígidos. Contudo, as fugas de escravos para os bosques, sempre limitadas e localizadas, ocorriam com mais fregiiência na primavera e no verão do que no outono, época da moagem, quando havia muito trabalho e muito menos tempo para descansar e dormir. "º É duvidoso que o empenho dos escravos se devesse aos parcos incentivos materiais. '" Os escravos trabalhavam com grande disposição e alegria, a ponto de deixar perplexos os observadores que os viam trabalhar dia e noite, quase sem parar. Muitos deles, talvez a

maioria, tinham de executar tarefas especiais e se empenhar mais que de costume; mas todos tentavam mostrar-se à altura da ocasião. Os senhores, conscientes da necessidade de manter um ritmo de trabalho mais intenso por um período prolongado, e sabendo que isto era impossível, promoviam festas e churrascos, ou pelo menos prometiam um jantar de. gala e um baile no encerramento dos trabalhos. Ellen Betts, ex-escrava do Texas, contou: “O massa era muito bom para as mulheres e os homens que estavam cortando a cana. Quando eles começavam a fazer o açúcar, o massa dava às mulheres uma bebida chamada Pêssego e Mel, e aos homens dava uísque e licor”. Outro ex-escravo, William Stone, do Alabama,

disse que os negros ficavam “feli-

zes” por trabalhar na colheita da cana, “porque

aquilo significava muita bebida no inverno”, "2 482

sabiam

que

Entretanto, o trabalho nas lavouras açucareiras exigia o sacrifício de alguns domingos e até dos feriados do Natal. Os escravos não se incomodavam com o adiamento das festas. Quando fosse possível, geralmente em meados de janeiro, a festa se realizaria, e seria tanto melhor e prolongada quanto maiores fossem os sacrifícios. Para os escravos das plantations açucareiras, o Natal não caía necessariamente no dia 25 de dezembro; mas jamais deixava de ser uma grande festa em homenagem ao nascimento do Senhor, que trazia alegria a Seus filhos, e era sempre realizada no fim da estação de produção. Já a colheita do algodão era diferente. Um ex-escravo recordou as festas da colheita do algodão e as da debulha do milho, mas acrescentou: “Na colheita do algodão não se faziam muitas brincadeiras”. Faltava, principalmente, a companhia dos escravos de outras plantations. Às vezes, havia um certo inter-

câmbio de mão-de-obra, e era: exatamente isto o que os escravos lembravam com mais prazer. Todos os senhores colhiam o algodão mais ou menos na mesma época, o que dificultava o intercâmbio da mão-de-obra. Mas a tradição de boa vizinhança era muito forte, e não podia ser abandonada por completo; assim, caso algum senhor estivesse muito atrasado na colheita, os demais o ajudavam. Não podendo interromper o próprio trabalho, a não ser que estivesse bem adiantado, os senhores mandavam seus escravos à noite ajudar senhores amigos na colheita do algodão,

após as

horas

normais

de

serviço.

Isto,

porém,

não

re-

voltava os escravos. Muito ao contrário, a reação era de entusiasmo total e de redobrado empenho na tarefa. Mais tarde, muitos destes escravos disseram que este trabalho esmagador, que

durava

a noite

inteira,

era

uma

“época

ótima”,

porque

estavam ajudando os amigos e aliando o trabalho à festa. Sua cooperação era recompensada com gratificações, festas e menos rigor na disciplina. Há motivos para se crer que durante a colheita do algodão, em algumas plantations, os açoites fossem menos fregiientes e os feitores, menos rigorosos. Em outras

plantations, porém, ocorria o oposto. "' Alguns senhores atribuíam a si mesmos o mérito pelo sucesso das épocas críticas da colheita do algodão. Virginia Clay visitou a fantástica plantation do governador Hammond, na Carolina do Sul, e falou com entusiasmo dos belíssimos cantos e da animação dos escravos. Kate Stone não tinha dúvidas de

483

que “era da colheita do algodão que os escravos pareciam gostar mais”, Henry William Ravenel, em seu diário particular,

faz uma observação interessante que nos ajuda a entender a

atitude dos escravos. Em 1865, logo depois da emancipação, ele escreveu que os escravos jamais haviam gostado de plantar e

cultivar algodão, e preferiam qualquer outro trabalho. H4 Sendo

assim, a colheita do algodão despertava nos escravos sentimentos confusos. Significava trabalho pesado e desagradável, e por vezes castigos, se as cotas não fossem atingidas; mas significava também o fim de uma temporada árdua, prêmios por bom desempenho, o prenúncio de uma época mais trangúila e grandes festejos. De qualquer forma, o clima especial dessas ocasiões

não era suficiente para fazer os escravos se matarem de traba-

lhar; continuava sendo indispensável recorrer ao açoite. Alguns antropólogos e historiadores da cultura, conhecendo a tradição do trabalho coletivo entre os povos da África ocidental, sugeriram que sua influência continuou a se fazer sentir nos afro-americanos. Os Ioruba, por exemplo, sabiam muito bem harmonizar o espírito comunitário e a iniciativa individual: capinavam em fileiras, de modo a que cada um trabalhasse em conjunto com os demais, desempenhando ao mesmo tempo sua própria tarefa. Mas não há provas muito concretas de influência direta. Por outro lado, como faz notar o reverendo William R. Bascom, também na Europa medieval era muito comum o trabalho coletivo. '* Este tipo de trabalho era evidentemente o preferido pelos escravos, não importa por que razões. E tal preferência despertou a atenção dos senhores, tornando claro, para eles, que teriam de lidar com este fato. Edmund Ruffin, grande químico agrônomo do Sul e autoridade em agricultura de plantations, lamentou que sempre se queimassem pinheiros da Carolina do Norte na primavera; quem os queimava eram brancos pobres imprevidentes, que pouco se importavam com a deterioração que causavam e queriam apenas mais pastagens para seus minguados rebanhos. Ruffin acrescenta que os escravos também faziam muitas fogueiras, porque detestavam extrair terebintina das árvores. Na opinião de Ruffin, a extração de terebintina era uma tarefa leve e fácil, mas desagradava aos escravos porque não podia ser realizada em conjunto. “Os negros”, explica Ruffin com todo o peso de sua 484

experiência, “não suportam ficar sozinhos, e sempre preferem trabalhos duros e pesados realizados em companhia de outros, a tarefas mais leves que tenham de realizar sozinhos.” "é Tal preferência pelo trabalho em conjunto manifesta-se na presteza com que se ajudavam mutuamente no trabalho nos campos. Richard Mack declarou que, sendo necessário, cumpria rapidamente sua tarefa e depois ia ajudar outros escravos, para que não fossem punidos. Foi este tipo de atitude, aliás muito comum, que levou Sylvia Durant, uma ex-escrava da Carolina do Sul, a declarar, nos anos 1930: “As pessoas costumavam ajudar umas às outras, e não ficavam tentando se prejudicar o tempo todo”. !!” A queixa da sra. Durant, muito frequente em depoimentos de ex-escravos, sugere uma anomalia que lembra a atitude dos camponeses russos egressos do mir. O forte espírito comunitário e a preferência pelo trabalho e pela vida em coletividade tinham como antítese um individualismo igualmente forte, manifestado durante a Reconstrução e depois dela na luta pela propricdade da terra. Este mesmo individualismo se manifestou também sob outras formas bastante variadas, desde o aparecimento de punguistas do gueto e de predadores da pior espécie até um comportamento que é considerado por muitos negros o responsável pela carência crônica de unidade política. Mesmo tendo permanecido forte o antigo espírito coletivista, como demonstra a noção de “fraternidade” entre os negros, seu fundamento histórico é inegavelmente contraditório. A ética de trabalho dos escravos dotou-os de uma sólida defesa contra os excessos

de um

sistema de trabalho

opressivo;

porém,

à seme-

lhança da tradição religiosa na qual se baseava, não se tornou facilmente contra-ofensiva. Abolidos os últimos resquícios do antigo regime, a própria ética começou a se esfacelar. Este esfacelamento pode ser visto, até hoje, na caricatura vazia e patética de individualismo burguês manifestada quer nas aspirações frustradas que E. Franklin Frazier descreve em Black Bourgeoisie, quer num niilismo violento e anti-social. Entretanto, é sensível também a força permanente de uma sensibilidade coletiva, que alguns consideram “orgulho de raça”, e outros vêem como uma consciência nacional negra em desenvolvimento, 485

Cantando, os escravos expressaram suas posições. Os senhores tentavam fazer com que os escravos do eito trabalhassem cantando

a um

ritmo

acelerado;

mas

os

escravos

mostraram

que nesse particular eram eles os senhores, e sempre cantavam, e trabalhavam, a um ritmo mais lento. Gostavam de trabalhar cantando, de ir para o trabalho cantando, de- voltar do trabalho cantando; gostavam de cantar sempre. Quando se reuniam para trabalhar nos

campos,

futuros cantores de blues, os cantos contribuíram para o coletivo de um modo muito dialético, por ser uma forma bastante individualista de auto-expressão de um povo que, por sua própria coletividade, precisava, de modo desesperado, se afirmar individualmente para enfrentar a agressão paternalista inerente à escravidão.

cantavam:

No sábado à noite e no domingo também, Eu penso nas moças bonitas; Na segunda de manhã, antes da aurora, O senhor me faz levantar. E agora, Peggy, você me ama? Sempre que possível cantavam coletivamente, à maneira comum na África e também entranhada em sua própria experiência, Quando tinham de trabalhar sozinhos, ou quando, mesmo

em grupo, se sentiam solitários, cantavam canções de “lamento”. A extraordinária análise de Imamu Amiri Baraka acerca do desenvolvimento histórico da música negra, mesmo

considerada

controvertida, especulativa e experimental, ainda é indispensável à análise da questão. Referindo-se às raízes do blues, Baraka ressalta: “Os gritos eram, antes de tudo, lamentos estridentes. Eram também crônicas, mas crônicas de um modo de vida tão miserável que careciam de universalidade necessária a qualquer forma musical duradoura”. 'º Imamu Baraka descreve a evolução dos “lamentos” durante a Reconstrução e no período posterior a ela, quando se deu a fragmentação dos sistemas de trabalho; mas mesmo na vigência da escravidão, grande número de escravos trabalhava em isolamento nas pequenas fazendas. Os cantos destes escravos representavam uma espécie de contraponto aos cantos de trabalho das plantations; porém, mais que

um

envolvimento

direto com

o trabalho,

expressavam

um

envolvimento mais pessoal com a tarefa de viver. Assim, escreveram a história lancinante do impacto da vida árdua e do sofrimento sobre os negros solitários. Mas, apesar de sua força, representaram também uma ardorosa negativa do desejo dos negros de trabalharem e viverem em comunidade. Como expressão

486

positiva,

tanto

em

si mesmos

como

no

que

legatam

aos

487

- Fisk University, God Struck Me Dead, p. 7. - H. H. Mitchell, Black Preaching, pp. 107, 113; também p. 130. - Mbiti, African Religions and Philosophy, pp. 5, 17, 19; New Testament Eschatology in an African Background, cap. 2. - Ojo, Yoruba Culture, p. 201. 11. Ver, em especial, Henri Mendras, The Vanishing Peasant: Inovation and Changes in French Agriculture (trad. ingl. J. Lerner. Cambridge, Mass., 1970), pp. 55-6. 12, Ibid., p. 62. A interessante análise feita por Mullin em sua obra Flight and Rebellion, pp. 42-5, incorre em erro ao relacionar o cômputo africano de tempo ao da Europa pré-

PR

industrial. Como faz notar Eileen Power, Carlos. Magno dava aos meses do ano nomes que seguiam exatamente

. Rawick (org.), Texas Narr., V (4), p. 54. Johann David Schoepf, Travels in the Confederacy, 17831784, (2 v., trad. ingl. A. J. Morrison. Philadelphia, 1911), II, p. 118. A citação de Bagby é de Bancroft, Slave trading, p. 88. | Troeltsch,

Social

Teaching

of the Christian

Churches,

1,

. 321. Tbid,, II, pp. 611, 808-9; também II, pp. 554, 609. James L, Peacock sugere que, no Sul, o calvinismo substituiu o ascetismo mundano que se traduzia numa ética burguesa de trabalho pelos ataques fundamentalistas a alguns tabus sociais, É preciso pesquisar melhor esta linha de crítica. Ver “The Southern Protestant ethic desease”, in: Morland (org.), The Not So Solid South, p. 109.

O estudo baseou-se nas análises perspicazes de Christopher Hill, Century of Revolution, pp. 84-5; Rawick, Sundown to Sunup, pp. 128-9; e Michel Foucault, História da loucura, São Paulo, Ed. Perspectiva. Ver em especial Weber, Sociology of Religion, pp. 169, 177.

Existem

alternativas

a esta tradição

ocidental;

ver,

por exemplo, Robert N. Bellah, Togukawa Religion: the Values of Pre-industrial Japan (Glencoe, TIl., 1967), quanto à experiência do Japão. 488

os ritmos sazonais; estes nomes, traduzidos por Power do francônio, são os seguintes: Inverno, Lama, Primavera, Páscoa, Alegria, Arado, Feno, Colheita, Vento, Vindima, Outono e Mês Sagrado (Medieval people, p. 27). Ver também Homans, English Villagers, em especial o capítulo 23, Os nomes dados por Carlos Magno apresentam extraordinária semelhança com os nomes dados aos meses pelos africanos; ver Eva L. R. Meyerowitz, The sacred State of Akan, London, 1951, pp. 142-3; Mbiti, African Religions and Philosophy, p. 21. Até hoje, há nos Estados Unidos uma enorme variedade de reações ao tempo medido pelo relógio, por parte de classes e etnias; ver Gay Gaer Luce, Body Time: Physiological Rythms and Social Stress, New York, 1972, p. 13. ; 13. E, P. Thompson, “Time, Work Discipline and Industrial Capitalism”, Past and Present, n. 38, dezembro, 1967, p. 60. 14. Hobsbawm, Da revolução industrial ao imperialismo, São Paulo, Ed. Forense, p. 67 da versão original inglesa. 15. E. P. Thompson, “Time, Work Discipline and Industrial Capitalism”, pp. 90-1. 16. Ibid., p. 86; Elwin H. Powell, Design of Discord, Studies of Anomie: Suicide, Urban Society, War, New York, 1970, p. 8; Karl Marx, The Gundrisse (David McLellan, org. e trad. New

York,

1971), p.

148.

489

17.

“A gente não usava relógio naquele tempo. Calculava-se as horas pelo sol, durante o dia, e pelas estrelas à noite. nublado, não se sabia que horas ex-escrava, in Yetman (org.), Life

Se o tempo estivesse eram.” Jane Simpson,

Under the “Peculiar Institution”, p. 279; também Fisk University, Unwritten History of Slavery, p. 146. : 18. John Horton, “Time and Cool People”, in Lee Rainwater (org.), Soul, Chicago, 1970, pp. 31-50; Rawick (org.), Texas Narr., IV (4), p. 57. Ver também as observações irritadas de Harrod C. Anderson, um senhor rural, Diary, 16 de novembro de 1855. and Times of Frederick Douglass, p. 27. Para oi Life 19. queixas de negros, ver WPA, Negro in Virginia, pp. 29 e aa p ss., e Lester, To Be a Slave, p. a : um de cuidadosos registros os exemplo, r 20. sido ri Próprledido jucareiro da Luisiana: Seale iary, 1857. 21. spp impressa de escravos, de 1856, nos Documentos Haywood;

22. 23. 24. 25

26. 2d. 28.

Documentos

Bruce,

II, pasta

box

1855;

Do-

cumentos Macrery, 1847; “Negro Collection da Duke University” (cartas de alforria de Nova Iorque, de 1799). Barnsley Diary, 9 de janeiro de 1860. Luce, Body Time, p. 114. Citado por H. H. Mitchell em Black Preaching, p. 131. Greene

(org.), Diary

of Col. Landon

Carter;

ver a intro-

dução de Greene, I, pp. 21-2, e o próprio diário, I, p. 483 e passim. Ibid., II, p. 625. Olmsted, Back Country, pp. 228-9. ] Lewis H. Blair escreveu, em

1889:

“Como

um câncer ma-

ligno que envenena todo o sistema, a degradação do negro parece intensificar todas as demais inconveniências do regime de trabalho”, in: A Southern Prophecy: the Prosperity of the South Dependent Upon the Elevation of E 26. Negro, C. Vann Woodward (org.), Boston, 1964, p.

29 . Ver, por exemplo, T. R. Dew, in E. N. Elliot (org.), Cotton Pro-slavery Arguments, p. 364; Hundley, is king and Social Relations

in our Southern

States,

p. 262;

S. An-

drews, South Since the War, pp. 177, 183. Ver também

490

Starobin, Industrial Slavery in the Old South, e Genovese, Political Economy of Slavery, caps. 8-9. - Macrae, citado em WAP, Negro in Virginia, p. 224; Le

Conte, When the World Ended, p. 24, - Rawick (org.), S. C. Narr., I, (1), p. 22. A aristocrática

sra. Chestnut parece concordar: ver Diary From Dixie, P. 505. Também C. Vann Woodward, American Counter. point: Slavery and Racism in the North-South Dialogue

Boston,

1971,

p. 35.

-« Ver em especial E. P. Thompson, A formação da classe operária inglesa, Paz e Terra, p. 277 do original. « Ingraham, South-West, II, 124. Também Hepworth, Whip,

Hoe and Sword, pp. 49-50.

« Kemble, Journal, p. 94; Ver também E. F. Andrews, War-

time Journal of a Georgia Girl, p. 340. « Ver Cruden, Negro in Reconstruction. - Martineau, Society in America, II, p. 45. - Smedes, A Southern Planter, p. 44. Para uma comparação com a perspectiva nortista, ver as observações de um preceptor inglês de uma plantation da Virgínia, em 1837: Gara (org.), “New Englander's view of plantation life”, JISH, XVIII, agosto, 1952, pp. 342-54. -« Greene (org.), Diary of Col. Landon Carter, II, p. 733; também II, p. 834. - Citado por C. C. Jones em Religious Instruction, p. 144. - Daniel Dennett, PB, XIV, 11 de janeiro de 1849, editoria l. - Citado por Eaton em Growth of Southern Civilization, p. 14. - Ver Sarah W. Graves a Iverson L, Graves, 30 de janeiro de 1849; E. G. Bayer Diary, 31 de março de 1850; A. H. Arrington a Kate Arrington, 30 de janeiro de 1857; R. R. Barrow Residence Journal, 28 de agosto de 1857; Lyell, Second Visit, II, 84; J.J. Ampêre, Promenade EnqAmérique: VÉtats-Unis, Cuba, Mexique (2 v. Paris, 1860), II, 114; Abdy, Journal of Residence and Tour, II, p. 214. - Southern Watchman, 31 de maio de 1865, como citado por E. Merton Coulter em “Slavery and freedom: Athens, Georgia, 1860-1866”, GHO, XLIX, setembro, 1965, 287.

- Leigh, Ten

Years,

- Ibid., pp. 26, 54.

p. 25.

491

46. 47. 48.

Ibid., pp. 79, 156, 192, 202. Higginson, Army Life, p. 14. D. E. Huger Smith, “A plantation Boyhood”, in A. R. Huger Smith, Carolina Rice Plantation of the Fifties, p. 69.

49. 50. 51. 52.

Durham e Jones, Negro Cowboys, p. 30. Chestnut, Diary from Dixie, pp. 199-200. Schoolcraft, Plantation Life, p.. 49. Para uma

boa introdução

ao assunto,

ver W.

T. Jordan,

Ante-bellum Alabama, pp. 84-96. 53. ACP, II, março, 1854, p. 76. 54. Martineau, Society in America, II, p. 297. 55. Eaton, Growth of Southern Civilization, p. 83; também Du Bois, Black Reconstruction, pp. 38-9, 56. Ver a análise de Paul W. Gates em Agriculture and the Civil War, p. 60. 57. Charles Pettigrew, Last Advice of the Rev.-Charles Pettigrew to His Sons, exemplar de um panfleto dos Documentos Pettigrew. 58. Rawick (org.), Okla. Narr., VII (1), p. 80. 59. W. D. Jordan, White Over Black; Rawick, Sundown to Sunup, esp. p. 132. Rawick (org.), S. C. Narr., II (2), p. 266; também o depoimento de Charles Watson em III (4), p. 188. Harper, in E. N. Elliott (org.), Cotton is King and Pro-

60. 61.

slavery Arguments, p. 95. Sobre o ver Genovese, Political Economy “A Georgia Slaveholder Looks at nho, 1967, pp. 186-93. Rawick (org.), S. C. Narr., II (1), II (4), p. 8 (Sam Rawls); III (3),

62.

ponto de vista africano, of Slavery, cap. 3, e Africa”, GHO, LI, jup. 251 (Charlie Davis); p. 43 (James Johnson);

HI (3), p. 50 (Jane Johnson); III (3), p. 57 (Mary John« .

son); III (3), p. 276 (Sam Polite); Miss. Narr., VII (2), p. 69 (Fanny Smith Hodges). W. Arthur Lewis, The Theory of Economic Growth, Homewood, IIl., 1955, p. 107. Kemble, Journal, p. 120. Odum e Johnson, Negro And His Songs, p. 255. Citado por Doyle em Etiquette of Race Relations, p. 72.

67. “Yetman (org.), Life Under the “Peculiar Institution”, p. 74. 68. Martineau, Society in America, I, p. 274. 69. Citado por Litwack, “Free at Last”, in Hareven (org.), Anonimus Americans, p. 153. 70. Rose, Rehearsal for Reconstruction, pp. 110, 123. 71 Northup, Twelve Years a Slave, p. 98. Ver também Rawick (org.), S. C. Narr., II (1), pp. 10-1, 15; III (3), p. 5; H. €. Bruce, New Man, p. 41. 12. Rawick (org.), S. C. Narr., II (3), p. 38 (Adeline Johnson); pp. 274-5 (Sam Polite). 73. Rawick (org.), Texas Narr., v. IV e V, passim; também Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, São Paulo, 1962, pp. 119-32. 74. Rawick (org.), Texas Narr., IV (1), p. 16. 75. Ibid., IV (2), p. 84, Austin Grant; também IV (1), p 35, Sarah Ashley; IV (1), p. 237, Eli Coleman, 76. Smedes, Southern Planter, p. 31; Anderson Papers Diary, 19 de julho de 1858. Frequentemente os periódicos sulistas abordavam a necessidade de dar aos negros um bom tratamento, com o objetivo precípuo de os fazer trabalhar

melhor; ver SP; III, setembro, 1843, pp. 205-6. 77.

78.

Tal como citado em Plantation And Farm Instruction, Regulation, Record, Inventory, And Account Book, editado por J. W. Randolph, de Richmond, Va., nos anos 1850, e de ampla circulação. Estes livros constam de várias coleções de documentos das plantations; ver, por exemplo, Marshall Account Book. Samuel A. Cartwright, Ethnology of the Negro' or Prognathous

19: 80. 81. 82.

Race,

New

Orleans,

Du Bois, Gift of Black Folk, Ibid., p. 30. Santayana, Life of Reason, v. 132. Para uma análise resumida e minha obra Political Economy

1857, p. 11.

pp. 14, 29. II, Reason in Religion, p. referências à literatura, ver of Slavery, cap. 3. Também

Mendras, Vanishing Peasant, p. 69. Os africanos teriam

concordado com os camponeses franceses quanto ao fato de um homem corajoso ser por definição aquele que trabalhava muito. Ver também a interessante comparação 493

entre irlandeses e africanos feita por Abraham em Mind of Africa, pp. 98-9. 83. Ver Menéndez Pidal, Spaniards in Their History, p. 21. 84. Olmsted, Back Country, p. 81. 85. Ibid., p. 106; Frederick Law Olmsted, Journey Through Texas: or, a Saddle Trip on the Southwestern Frontier, New York, 1969 (1859), p. 33; Dennett, South as It Is, p. 114. Ver André Hodeir, Jazz: Its Evolution and Essena New Rio 1961, p. 240, que contém uma descrição dea estrutura do jazz semelhante a e. ssas facet facetas da ética éti 86.

87.

Ver, por exemplo, Allan H. Spear, Black Chicago: the indo! of the Negro Gheito, 1890-1920, Chicago, 1967, p., 156. Eid (org.), Life Under the “Peculiar Institution”, p.

88.

Rawick (org.), Ala. Narr., VI (1), p. 347.

89. Colin Clark e Margaret Haswell, The Economics of Subsistence Agriculture, 4.º ed., London,

1970, pp. 139-41.

90.

Ver em especial Rose, Rehearsal for Reconstruction, e Bleser, Promised Land; também S. Andrews, South Since the War, pp. 97-8, 206, 221-2, 339; Journal of Charlotte .

ol.

Ver o depoimento de Clara Brim, da Luisiana, in Rawick

92. 93.

Northup, Twelve Years a Slave, p. 99. Quanto ao crescimento histórico de tal prática na indústria, e também quanto à insistência no fato de que ela antes fortalecia que enfraquecia o sistema de controle social, ver Starobin, Industrial Slavery; também S. Sydney Bradford, “The Negro Ironworker in Ante-bellum Virginia”, in Meier e Rawick (orgs.), Making of Black Ameis, Pas Fletcher M. Green, “Gold Mining in Anteellum bi e Virginia”, Bla» VMHR, XLV, julho, j outubro, 1937, pp.

- 94,

E. A. Davis (org.), Plantation Life in the Florida Parishes of Louisiana; também acerca de Barrow, ver Eaton, Growth of Southern Civilization, p. 61; Smedes, Southern Planter, p. 31; W. T. Jordan, Hugh Davis, pp. 105-7;

Forten,

p.

178.

(org.), Texas Narr.,

494

ps IV

95.

NCHR,

Wall, “Founding of Pettigrew Plantations”, XXVII, outubro, 1950, p. 409. Frederick Marryat, A Diary in America, Paris, 186;

Bonner

(org.),

“Plantation

Experiences

1839, p. of

a New

York Woman”, NCHR, XXXIII, julho, 1956, p. 395; Phillips, Life and Labor, p. 283. Dentro do comportamento usual da classe dos senhores rurais, William Ethelbert Ervin, de Lowndes County, Miss., pagou US$ 63,10 a trinta e cinco escravos pelo trabalho que realizaram durante os feriados de Natal de 1846; Ervin Journal, 31 de dezembro

96.

de 1846, e anotações dos anos subsequentes. Ver também Fisk University, God Struck Me Dead, p. 121. As condições especiais da colheita da cana costumavam exigir que se trabalhasse aos domingos e que os feriados do Natal fossem adiados para janeiro. Mas os escravos eram geralmente recompensados com tempo livre e presentes.

97. 98. 99. 100.

(1), p. 148.

Rice

v. Cade,

(org.), Judicial

Cases,

II, 512. Ellison, Shadow and Act, p. 27. Para uma boa análise, ver Keil, Urban Blues, pp. 170-1. O relato das debulhas de milho baseou-se principalmente em: Bremer, Homes of the New World, I, pp. 370-1; ressalte-se em especial as observações quanto às “histórias” contadas nas canções, e os relatos de namoros; Yetman (org.), Life Under the “Peculiar Institution”, pp. 62, 70, 267, 314; Fisk University, Unwritten History of Slavery, pp. 46, 50, 69, 148, 150. Pode-se encontrar informações pertinentes ao assunto em Rawick (org.), American Slave: S. C. Narr., II (1), p. 23; LII (1), pp. 283-4; HI (4), pp. 89-90; Texas Narr., IV (1), pp. 112, 118, 206, 261; IV (2), p. 175; V (3), pp. 119, 214, 266; V (4), pp. 53, 104-5, 197-8; Ala. Narr., VI (1), pp. 49, 89, 195, 216, 280, 360, 412; Okla. Narr., VII (1), pp. 136, 230; Ark. Narr., IX (3), pp. 68, 291; Ga. Narr., XII (1), pp. 71, 99; XIII

partes 101. 102.

et al., in Catterall

(4), p. 19. Ver também George Teamoh

1-2, pp. 14-5, nos Documentos

Journal,

Woodson.

Rawick (org), Ala. Narr., VI (1), pp. 89. Rawick (org.), Texas Narr., V (3), p. 214.

495

103.

Yetman

(org.), Life Under the “Peculiar Institution”, p.

112.

267.

104. 105.

106.

107.

Fisk University, Unwritten History of Slavery, p. 50. Bremer, Homes of the Ncw World, I, p. 370. Tais mutirões - têm raízes na tradição inglesa e se tornaram muito importantes entre os empregados brancos e os escravos negros da Nova Inglaterra. Ver William Dawson Johnston, Slavery in Rhode Island, 1775-1776, nice R. I., 1894, p. 138. Quanto

a “O

massa

está na

casa-grande”,

Sellers, Slavery in Alabama,

Wise, End of An era, pp. 44-5; Rawick (org.), Ala. Narr., VI (1), p. 193; também VI (1), p. 183; Smedes, Southern

496

p. 267.

1153.

Virginia Clay-Clopton, A Belle of the Fifties (New York,

114.

Journal of H. W. Ravenel, p. 252; J. G. Taylor, Negro Slavery in Louisiana, p. 66; Rawick (org.), Texas Narr., IV (2), p. 16; Ala. Narr., VI (1), pp. 151, 365. William R. Bascom, “Acculturation among the Gullah

115.

pp. 43-50. Uma boa análise geral encontra-se em Rawick, Sundown to Sunup, pp. 17, 27-8. Scarborough (org.), Diary of Edmund Ruffin, 5 de abril

1905),

Planter, Pp. 47, 126. Ver também C. S. Davis, Cotton Kingdom in Alabama, p. 67. 108. Rawick (org.), Ala. Narr., VI (1), pp. 150-1. Ver também Texas Narr., IV (1), p. 158; Fisk University, Unwritten History of Slavery, p. 4. 109. J. G. Taylor, Negro Slavery in Louisiana, p. 77. Experiências semelhantes ocorreram na Costa do Arroz da Geórgia e da Carolina do Sul; ver Heyward, Seed From Madagascar, p. 25. Quanto à Jamaica, ver H. O. Patterson, Sociology of Slavery, p. 68. 110. Ver em especial Moody, Slavery in Louisiana Sugar Plantations, pp. 77-8; J. G. Taylor, Negro Slavery in Louisiana, pp. 77-8; Sitterson, Sugar Country, pp. 132-6; Ingraham, South-West, I, 240-1. Coleções especialmente valiosas de

111.

Ga. Narr., XII (2), pp. 6, 228, 348; 100; Yetman (org.), Life Under the

“Peculiar Institution”, pp. 62-3. Para confirmar tais depoimentos, ver as análises dos documentos das plantations em J. G. Taylor, Negro Slavery in Louisiana, p. 66; €. S. Davis, Cotton Kingdom in Alabama, p. 64. É importante ver também depoimentos que sustentam o ponto de vista oposto, em Sydnor, Slavery in Mississippi, pp. 103-4; J. B.

ver Southern

p.

Negroes”,

220;

in

Kate

Stone,

American

de 1857 (I, 52); também

Brokenburn,

Anthropologist,

p.

4;

LXIII

Private

(1941),

Botume, First Days Amongst the

Contrabands, p. 80; Higginson, Army Life, p. 250. Ver também as observações de Mamadou Dia sobre as tradições africanas de trabalho coletivo: Réflexions sur VÉconomie de ["Afrique Noire, Paris, 1961, p. 27. 116.

Rawick

O NA

p. 345; Ark. Narr., X (5), p. 143; Martineau, aiii America, II, p. 157. LeRoi Jones, Blues People, pp. 17-8, 41, 61, 67.

referentes às plantations são as de R. R.

Barrow, Residence Journal, sobretudo de 13 de dezembro de 1857; e Bond Diary, dezembro de 1861 e janeiro de 1862. Para uma comparação impressionante com a Inglaterra, ver E. P. Thompson, “Time, Work Discipline and Industrial Capitalism”, Past and Present, n. 38, dezembro, 1967, pp. 56-97. Quanto a condições semelhantes nas regiões de cânhamo, ver Hopkins, Hemp Industry in Kentucky, pp. 61-3. Rawick (org.), Texas Narr., IV (1), p. 79; V (4, p. 65.

Ala. Narr., VI (1), p. 151. Comentários de Carolina do Sul, dos quais se pode inferir do algodão era vista como um feriado, C. Narr., III (3), p. 62; III (3), p. 115;

HI (4), pp. 89-90; XII (3), pp. 63,

Music of Black Americans, p. 181; quanto a “Os pretos do massa são espertos e gordos”, ver Doyle, Etiquette of Race Relations, pp. 22-3.

documentos

Rawick (org.), ex-escravos da que a colheita constam de: S.

Rea

(org.),

S. C.

Narr.,

III

(3), pp.

152-3;

II

(1),

in

497