A Revolução Industrial [11]

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A Revolução Industrial [11]

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A revolução industrial Francisco lelésias

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Francisco Iglésias

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 12 edição 1981 3º edição

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1982

centenário de monteiro lobat

Copyright (c) Francisco Iglésias Capa:

123 (antigo 27) Artistas Gráficos

Caricatura:

Emílio Damiani

;

Revisão:

brasiliense

José E. Andrade

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01223 — r. general jardim, 160 são paulo — brasil

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editora brasiliense s.a.

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INTRODUÇÃO

A ray

A técnica empregada por todos os povos, seja rudimentar ou elaborada. molda suas civilizações. Tem-se aí um fator básico para a explicação da História, talvez o de mais significado, pois ela condiciona os modos de produção e esses são o elemento: fundamental do processo evolutivo. Se indústria é o preparo da matéria-prima para seu uso, sempre houve atividade industrial. Ela aparecia de forma tosca, sendo aos poucos transformada, graças às experiências, ao desafio das necessidades e à evolução científica. Do primeiro uso das plantas, dos animais, dos recursos do solo, às formas requintadas do labor industrial de nossos dias muitos milênios se passaram. Para a obtenção de energia, impôs-se primeiro o uso da água, do vento, da força dos animais e do próprio homem. O uso de outros fatores energéticos, como o vapor, a eletricidade, o petróleo, a potência nuclear só se faria na Idade Moderna, sobretudo na do

Francisco Telésias

Contemporânea. Ao longo de quase todo o evolver histórico a humanidade teve que contar apenas com a natureza insuficientemente aproveitada e consigo mesma. Tem-se pois que a visão e a prática da indústria em sentido racional e econômico são realidades de nossos dias. Entretanto, sempre se usou de qualquer peça para auxílio, diminuição de esforço. Como bem dizia Franklin (1706-1790), “o homem é um animal que fabrica instrumentos”. Já na Pré-história há inovações. Os próprios nomes dos períodos recordam elementos técnicos, como pedra lascada, pedra polida, cobre, bronze, ferro. Como se vê, a técnica tem raízes milenares. Na história da indústria deve-se considerar a fase do artesanato, a da manufatura e a industrial propriamente dita. A primeira é mais rudimentar, produz em pequena escala, para atender às exigências de povos reduzidos, vivendo em pequenas tribos (não confundir, é claro, com o artesanato que existe até hoje, para consumo de povos avançados e atrasados, ou para a produção do artigo único, obra de arte, ou como de simples grupos sociais pobres e pequenos, ou mesmo como terapia). Passa-se à manufatura, que é estádio de certa complexidade, já com produção mais ampla e diversificada, em fábricas de dimensões reduzidas. Depois é que se chega à indústria no conceito moderno, com o uso de utensilios e máquinas que de algum modo substituem o trabalho pesado do homem. As fábricas crescem, aumentam o pessoal a princípio, reduzindo-se e reduzindo-o depois, na fase da automação, para desenvol-

A Revolução Industrial o

vimento e racionalidade agora e em futuro próximo. Essa passagem é imemoria! e não pode ser datada — como é geral na história econômica, na qual

é difícil localizar nomes e datas: em todas as civili-

zações antigas conhecidas há esse apelo a utensílios e

máquinas, ainda que simples. Elas ajudam o trabalho humano, mas não o substituem. Em perspectiva histórica, deve-se considerar como indústria todo esse esforço, do mais simples ao mais elaborado. Artesanato e manufatura, com pequena ou média produção, com forma singela ou sofisticada, tudo é indústria, se esta é elaboração da matéria-prima para conveniente uso. Não se pode dizer que ela começa com o uso sistemático do vapor, como se dá na segunda metade do século XVIII, pois é atividade que não tem começo determinado. Evite-se o vezo histórico de querer marcar uma origem (tão bem denunciado por Marc Bloch, ao criticar o que chamou la hantise des origines), se é impossível fixála. Demais, quem achar que indústria é apenas o que se faz hoje, deverá estar sempre revendo o conceito, pois as formas vão mudando com o tempo. É provável que no ano 2000 ou 2020 não se considere indús-

tria a produção deste quase fim do século XX: o uso

da energia nuclear vai atingir de tal modo o sistema produtivo que a forma atual será vista como se vê agora a do século XII. Como se sabe, ter sensibilidade histórica é ser aberto às mudanças, na percepção de como pequenas variações alteram um quadro. Só o verdadeiro historiador percebe como o quantitativo afeta o qualitativo. ii

Francisco Telésias

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=

A evolução da técnica, com fins práticos, teve evolução lenta. A consideração conjunta da ciência e do trabalho nem sempre se fez. Assim é que civilizações brilhantes, como a egípcia e, sobretudo, a grega, se apresentam instrumental que tem seu posto na história da indústria, criando uma ciência apurada e uma arte nem sequer igualada depois, do ângulo técnico têm importância menos significativa. O homem,

tão criativo em quase todos os setores, revela

aí certa estagnação. E a indústria só vai dar salto decisivo, que levará à velocidade de seu desenvolvimento, em nosso tempo, bem avançado o século XVIII, ganhando dinamismo no século passado e sobretudo no atual, quando se verifica o que se tem chamado de aceleração da História, quando os ritmos surpreendem mesmo os mais atentos. Vive-se hoje em uma geração o que antes custava milênios, séculos. Na consideração da história da atividade,

deve-se levar em conta o conjunto, como se escreveu e convém repetir, sem o menosprezo de fases aparentemente insignificantes. O estudo, com sensibilidade histórica, não deixa de lado períodos menos marcantes. Tendo em conta a estagnação das Idades Antiga

e Medieval, historiadores e outros cientistas sociais procuram explicar o fato. O motivo mais plausível é a existência do trabalho escravo, como forma predominante de produção naqueles tempos. Ele fez que não houvesse interesse por descobertas e até se combatessem as novidades, pois o escravo usa a força bruta, não lida com instrumentos. Essa é a regra, embora se

A Revolução Industrial

possa falar de exceções, ontem e hoje. Ele leva à infamação o labor manual ou mecânico, contra o qual se cria preconceito. Este é de tal modo arraigado que atravessa os séculos, projetando-se até os nossos dias. O fato é sensível na história do Brasil, mar-

cando-a negativamente. Não desapareceu ainda. Há resquícios da atitude numa terra em que todos querem ser doutores, intelectuais, que trabalham com a

cabeça, não com as mãos. É o culto das profissões

liberais, ou seja, dos homens livres, em oposição às tarefas desincumbidas pelos não livres, ou escravos. Nobre era o trabalho intelectual, nobres as profissões liberais. Menos digno o esforço manual ou mecânico. * Aristóteles (384-322 A. C.) contribuiu para fortalecer o preconceito, justificando o estatuto escravo para os cidadãos se dedicarem à filosofia e à política — o cidadão não podia dedicar-se a atividades manuais.

É equívoco, porém, supor que a História Antiga

e a Medieval se passassem sem melhoramentos tecnológicos. Vasta bibliografia recente mostra a vitalidade da inventiva ao longo desses períodos. Poderse-ia arrolar grande número de criações de utensílios e máquinas para facilitar o trabalho. Na Antiguidade, um Arquimedes (287-212 A. C.) é exemplo de cuidados e obras mecânicas, máquinas. Um Roger Bacon (1214-1294), na Idade Média, ilustra o caso de alguém criativo e de mentalidade científica e tecnológica. Na Renascença, um Leonardo da Vinci (1452-

1519), pouco depois um Francis Bacon (1561-1626) — esses e muitos outros poderiam ser lembrados, atestando persistência no tempo com o labor mecãà-

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Francisco Telésias -

nico, agente por excelência da indústria. Os séculos XVI e XVII foram pródigos em inventos. Faltavalhes, porém, a continuidade, a sistemática: a indústria, como atividade econômica que respondia às crescentes necessidades, resultantes dos descobrimentos dos séculos XV e XVI, criadores de mercados e de fontes de matérias-primas, ao lado da mentalidade científica que se desenvolve desde então, provocam, junto a fatores sociais e políticos, novo marco na história econômica, com a evolução acelerada da indústria.

Convencionou-se dizer que a Revolução Indus-

trial se verificou na segunda metade do século XVIII,

na Grã-Bretanha — sobretudo na Inglaterra —, com os aperfeiçoamentos da máquina a a vapor, vapor, « que asseguram novo elemento energético, superior à força da água, do vento, dos animais e do homem, manifestando-se sobretudo na produção têxtil e metalúrgica. É a passagem do sistema doméstico para o de fábrica. Tem-se questionado, com procedência, o conceito de Revolução Industrial. Hã quem prefira ver aí, como Ashley, uma “rápida e irresistível evolução”. O certo é que, se antes havia máquinas, contavam sobretudo as ferramentas ou utensílios, que

ajudavam o trabalho, mas não o substituíam. A ferramenta usa a força humana, auxiliando-a; a máquina usa a força da natureza — do vento, da água, do vapor, ou do homem ou dos animais. Sombart

(1863-1941) ensina que a ferramenta facilita o trabalho humano, enquanto a máquina é meio que o substitui. Com a Revolução Industrial assistir-se-ia à

A Revolução Industrial

passagem da manufatura à maquinofatura, pois aí a máquina passa a reinar soberana. Tentando defini-la, um de seus estudiosos pioneiros — o velho Arnold Toynbee — dizia que ela é “a transformação da pequena indústria à mão para o consumo local em grande produção para o consumo longínquo”. Até aí tudo era empírico, havia descobertas que resultavam do acaso, enquanto a contar da Revolução Industrial passa a haver inventos, que resultam de pesquisas, do esforço de cientistas. De acordo com essa caracterização, a descoberta é típica dos “estados atrasados e embrionários da civilização”, enquanto o invento é típico de estádios mais avançados. Terá havido invenções antes da Revolução Industrial, mas excepcionalmente, como poderá haver descobertas hoje, na idade da ciência e da técnica evoluídas, mas de modo ocasional e sem trazer novidade que revolva o conhecimento e a prática. A colocação não é absoluta, pois houve antes quem tivesse entendimento moderno do problema. Para citar um caso — por certo não o único, mas o mais expressivo —, seja o de Leonardo da Vinci. Em pleno Renascimento, soube perceber o valor da técnica, ligando-a à investigação racional; como escreveu, O

L

estudo da ciência mecânica deve ter procedência sobre as invenções úteis. Talvez nenhum outro elemento seja tão importante para entender-se a linha evolutiva. Notadamente em nosso século, quando a técnica tem avanço vertiginoso. Hoje não se pode concebê-la dissociada da ciência: insistindo na idéia, por sua fecundidade,

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Francisco Telésias

o homem antigo fazia descobrimentos — observava o existente a redor e, empiricamente, melhorava a qualidade dos objetos; o homem moderno parte de princípios fixados pelo estudo e, de acordo com um plano, faz pesquisa e chega a inventos, Observação e aprimoramento levam a descobertas: pesquisa, partindo de pressupostos científicos, leva a inventos, como ensinou o sociólogo Karl Mannheim, autor da distinção. A roda, o vapor e a máquina simples são descobrimentos; a lâmpada, o transistor, o computador são inventos. Em outra parte se procurará mostrar por que é na Inglaterra e na segunda metade do século XVIII que esse fenômeno do industrialismo começa a verificar-se, acentuando-se depois e passando para o continente europeu, e, com o tempo, para todo o mundo. Por ora, deseja-se lembrar que não é fácil estabelecer conceito unívoco da Revolução Industrial. O frequente e convencional — aqui seguido — localiza-a na Inglaterra na segunda metade do século XVIII. Outros autores, no entanto, a antecedem para o século XVI, ligando-a ao Renascimento, em seu aspecto científico. Sam Lilley, professor de Cam-

bridge, em informativo livro intitulado Homens, Máquinas e História (1948), fala em duas revoluções

industriais: a primeira teve lugar dos tempos mais recuados até o ano 300 A. €C., quando se dá “a introdução da agricultura e toda a série de técnicas a ela vinculadas”; para a agricultura o homem teve que inventar ferramentas, fez não só a adaptação das plantas como domesticou animais, além de usar me-

Fa

|

|

|

Engels e a Revolução Industrial.

alii

A Revolução Industrial

Francisco Ieglésias

16

tais para o fabrico de objetos. Segue-se período que é o das primeiras civilizações,

não

as quais

primam

pela tecnologia. Verifica-se depois o que chama

a

Segunda Revolução Industrial, cuja primeira fase — embrião — vai de 500 a 1440; segue-se a infância, de 1440 a 1660; vem a juventude, de 1660 a 1815 e,

finalmente, a maturidade, de 1815 a 1918. É periodização interessante, mas contestável.

Há ainda estudiosos que não se contentam em falar em Revolução Industrial, como a vista neste volume: e falam na Segunda Revolução Industrial, no século XIX, com o petróleo, a eletricidade e os avanços da química; falam ainda na terceira, em processo em nosso tempo, com o uso da energia atômica e a automação. É o gosto de periodizar, dividir muito, às vezes antes um agente de complicação que de facilidade. Vamos evitá-las neste esboço, detendonos no conceito clássico: a Revolução Industrial veriEEE fica-se na segunda

Bretanha, divulgando-se no continente e no mundo

nos séculos seguintes e desdobrando-se na riqueza de seus inventos. A matéria deste pequeno volume é o. LS q

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conceito referido, embora se reconheça a legitimia

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dade de falar de outras Revoluções Industriais, ———

consideradas agora, Ficam para certo. e

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outro. volume,

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não por

— Porúltimo, breve palavra sobre o uso da expressão Revolução Industrial, Quem a teria criado? A matéria aparece

é discutida e não encontrou consenso. Se ocasionalmente no século XVIII, pertence

na verdade ao seguinte. Adam

Smith (1723-1790),

A Revolução Industrial

que escreveu no cenário e na época em que o industrialismo começava, se captou alguns de seus sinais, não denunciou a novidade do período nem o batizou;

entretanto,

ele

era

uma

de

suas

expressões

agentes, com a publicação de 4 Riqueza das Nações, em 1776. O mesmo se pode dizer dos economistas britânicos que o seguiram no Oitocentos. O conceito começou a ser usado com frequência nesse século,

só Arthur Young (1741-1820) anterior, portanto. No

suspeitou de“uma revolução em Na linguagem dos socialistas ela começo do século XIX, embora sado aos economistas clássicos.

marcha”, em 1788. é repetida desdeo não tenha interesAo que parece, foi

Friedrich Engels (1820-95) que pela primeira vez, entre autores significativos, usou a expressão, em 1845, em Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra; de novo ela está em Princípios de Economia Política, de 1848, de Stuart Mill (1806-73). Aparece também em Stanley Jevons (1835-82), em 1865, em A Questão Carbonifera, como, sobretudo, em Karl Marx (1818-73), em 1867, no primeiro volume de, O Capital. Marx tratou explicitamente da Revolução Industrial, captando-lhe o exato sentido; a sua obra representa a mais completa análise do fenômeno, pois o autor conhecia toda a literatura econômica, vivia na Inglaterra, que fora a pioneira e era a mais avançada nação no gênero, e o estudioso penetrara como ninguém na gênese e na essência da indústria, principal expressão do capitalismo, do qual é o mais profundo analista. Não vivesse em Londres e não chegaria às formulações avançadas às quais chegou.

e

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|

Ele percebeu e exprimiu a Revolução Industrial. Os primeiros usos, porém, aparecem em autores menores, como se vê no estudo de Anna Bezançon, em artigo de 1922 de The Quarterly Journal of Economics (“The Early Use of the Term Industrial Revolution"). Aí a autora declara e comprova ter encontrado a expressão entre 1820 e 1840, em artigos de jornale discursos parlamentares. O pensamento surge claramente em obras do economista liberal Adolph Blanqui (1798-1854), que o desenvolveu em livros de 1828 e 38. Curiosamente, a expressão começa mais em língua francesa que em língua inglesa. Alguns historiadores tratam do assunto, embora não o aprofundem. Em 1908 Sombart começa a publicar O Capitalismo Moderno, quadro abrangente em que a máquina tem o seu lugar. À primeira obra dedicada especificamente ao tema é a de Arnold Toynbee (1852-83), série de conferências proferidas em 1881, publicada em livro em 1884, Conferências sobre a Revolução Industrial do século XVIII. Outras se escreveram sobre a matéria, em sua totalidade ou

em

aspectos,

nem

sempre

com

a expressão

no

título. Ele apareceria no que veio a ser o livro clássico por muitos anos, em 1906, em A Revolução Industrial no Século XVIII, de Paul Mantoux. Hoje, multiplica-se a bibliografia, dada a importância do objeto. Está consagrada a expressão Revolução Indus-

- trial, embora seja discutível, pois não há propria-

mente revoluções em economia — elas são raras mes-

mo em política —, mas evoluções. É certo que em

determinados

momentos

a realidade se acelera,

o

A Revolução Industrial

ritmo fica vertiginoso, assiste-se a verdadeira mudança qualitativa, justificando-se falar em revolução. Como procederam os historiadores e demais cientistas sociais. Ninguém é mais incisivo no assunto que o historiador Hobsbawn, que o afirma de modo sentencioso. Para ele, “entre 1780 e 90, pela primeira vez na história humana, liberou-se de suas cadeias o poder produtivo das sociedades humanas”. Prefere fixar “como decisiva a década de 1780, quando a economia empreendeu o vôo”. Mais importante: “chamar revolução industrial a esse processo é algo lógico e conforme a uma tradição solidamente estabelecida”, opondo-se aos historiadores conservadores

que, pelo

receio de “conceitos incendiários”, negavam a sua existência e preferiam falar em “evolução acelera-

da”. Chega a escrever: “se a súbita, qualitativa e fundamental transformação verificada em 1780 não

foi uma revolução, a palavra carece de significado sensato” (Las Revoluciones Burguesas, 1). Assim foi o que se verificou na Inglaterra na segunda metade do século XVIII e será aqui sumariado. Antes de enfrentar o assunto, breve e esquemático capítulo dirá o que foi a técnica ao longo da História no período que a antecede, para melhor realçar sua novidade.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS Se insistimos em fazer, mesmo com ligeiros traços, o retrato da atividade industrial antes da segunda metade do século XVIII, é que o assunto é fascinante e espelha a mentalidade até então, quando a técnica e a mecânica não eram convenientemente conceituadas e valorizadas. A imposição do vapor como elemento energético e as novas máquinas que alteram sobretudo a tecelagem e a metalurgia e dão princípios novos à indústria, em associação crescente dessa atividade com a ciência, vão marcar um princípio de aceleração na história da indústria, do desenvolvimento econômico e de toda a sociedade até aí de todo desconhecido, pois o ritmo social e humano era lento. Matéria rica e complexa, tem imensa bibliografia; tratar o objeto em toda a sua riqueza exige volume alentado, escapa às dimensões reduzidas dos livros desta coleção, que não pretendem mais que divulgar o essencial, colocando a ma-

A Revolução Industrial

téria para pesquisas e leituras. Seremos breves, portanto, traçando apenas as grandes linhas. Um dos problemas que a História coloca é exatamente este: por que a técnica custou tanto a ganhar impulso, só o fazendo há menos de dois séculos, quando na Antiguidade encontramos civilizações que atingiram o máximo em organização política, em arte, no pensamento filosófico? Considerando que o processo histórico tem mais de cinco mil anos e ao longo dele quase todas as atividades humanas tiveram cultivo e algumas atingiram mesmo o ápice, qual o motivo de a mecânica e a indústria serem tão recentes, mal contando duzentos anos? É certo que já na Pré-história há esforços e êxitos industriais. Basta lembrar os nomes dos períodos — pedra lascada, polida, bronze, cobre, ferro — para concordar com o antropólogo Herskovitz: “o pré-historiador não estuda culturas, mas indústrias”. De fato, o homem sempre se distinguiu pelo uso de objetos como ferramentas para auxílio ou da transformação da matéria-prima para o uso. Aí ele se distingue de todos os outros animais, que repetem atos definidos, coordenados, chegando às vezes a grande habilidade e excelente organização, mas não inovam, não inventam. Já o homem, por sua própria natureza, parece feito para criar. Embora fraco, tem condições de domínio. Há nele uma combinação de estrutura física e mental. Sua mão é uma ferramenta, com o polegar convenientemente

dedos para

disposto

apreender

com

e agir.

À

relação

mão,

aos

outros

coordenada

com o cérebro, garante-lhe êxito na ação.

Daí as

22

Francisco Ielésias

obras que executa e não são igualadas por nenhum

outro animal. É o homo faber, do conceito clássico.

ie

Descobriu o fogo, aprendeu a usá-lo e a conservá-lo. Conheceu técnica de irrigação, moldou os elementos naturais às suas necessidades. Fez assim a primeira revolução na História, com a imposição da Agricultura, ainda na Pré-história, em data não fixável. Através da magia e da religião, praticou a arte, a medicina, a cirurgia. Fez cerâmica, deu-se à cultura do solo, adaptando plantas e criando técnicas de cultivo; o mesmo cuidado o levou a êxitos relativamente à domesticação dos animais. Praticou a metalurgia, com demorados aperfeiçoamentos. Traçou caminhos, descobriu meios de transporte. Graças ao trabalho melhorou o ambiente, submeteu a natureza. Vivendo em sociedade, criou normas e regras que traçaram um comportamento coletivo e uma política. Chegou-se aos grandes Impérios, como o das conhecidas civilizações egípcias, sumerianas, chinesas, hindus, que atingiram altos graus de organização, a formas sociais e políticas por vezes superiores, a artes refinadas, a ciências que atestam poder de observação, experiência e abstração. Desen-

volveu a agricultura e teve rudimentos de indústria, com alguns poucos que atestam alta criatividade. Em matéria de técnica foi forte sobretudo em construções

— palácios, templos — e em material bélico, com armas eficazes, instrumentos de ataque, carros de

combate, navios de guerra e barcos para navegação em geral.

Se dos primeiros anos da Pré-história até cerca

.

A Revolução Industrial =

|

de 3000 A. €C. houve importantes descobertas e até inventos, seguiu-se período menos criativo. Desenvolve-se o que se esboçara antes. Organizam-se os grandes Estados em Impérios, de rígida estrutura social. O poder ganha formas definidas, a espoliação do grande número se institucionaliza, com Estados classistas como os do Egito, da Mesopotâmia, do vale do Indo. Coisas importantes foram feitas no mundo da técnica, como o trabalho dos metais. Certos povos fizeram construções soberbas — palácios e templos, pirâmides do Egito —, que supõem conhecimento de ciência, de esforços construtivos, de emprego de massas de dominados. O uso do ferro só se generalizou a contar de 1100 A. C. As ferramentas se multiplicaram e de melhores qualidades. O ferro foi agente democratizador da sociedade, como ensina Sam Lilley, em cujo livro se encontram muitas das observações aqui feitas. Falar do obtido pelos diversos povos assinalados dos Impérios orientais tomaria largo espaço, que nos falta agora. Interessa-nos mais falar das civilizações clássicas — gregos e romanos —, por serem melhor estudadas e pelas contribuições originais: poucos séculos antes da era cristã atingiram formas organizacionais superiores, criaram a ciência e o Direito com um vigor não encontrado naqueles Impérios orientais. Criaram sobretudo um método científico e elevaram

a arte às culminâncias: vejam-se as artes plásticas,

a poética, a dramaturgia, nunca superadas e raramente igualadas. Chegaram à idéia da ciência pura. Do ângulo técnico, objeto de nosso interesse, a con—

ms

Francisco Ielésias

tribuição já não é tão importante. Os gregos, principalmente, chegaram à noção de ciência, criaram o método, desenvolvendo setores naturais e sociais. Em filosofia atingiram altitudes jamais igualadas. Che-

gando à essência do conhecimento e do método científico deram à posteridade os caminhos a serem percorridos com êxito. Sem esse embasamento a ciência teria custado um pouco mais a crescer e a depurar-se. Os gregos se distinguiram em ciência pura, com acentuado menosprezo pelas aplicações práticas. Tinham desdém pela técnica ou esforço manual, como aristocratas ou artistas. Apesar da atitude, fizeram importantes descobertas e inventos — relembre-se a distinção de Karl Mani.heim —, com ferramentas, utensílios, aparelhos; aprimoraram a arte da guerra, como aprimoraram a arte da navegação. Levaram ao requinte as condições dos portos, a sinalização com faróis. Grandes matemáticos, criaram a Mecânica Racional. Exemplo de êxito de matemático preocupado com a mecânica é o de Arquimedes (287-212 A. C.), que esclareceu o princípio da alavanca, base de tantos inventos decisivos. Tal foi também o caso da estática, estudo do equilíbrio dos sólidos fundado

nas experiências das primeiras máquinas simples, ponto de partida racional de todos os progressos da

mecânica aplicada, como ensina Pierre Ducassé na História das Técnicas. Desenvolveram a ciência, mas não se interessaram pelos seus fins práticos. Lembrese que Arquitas de Tarento, matemático e mecânico,

ficou célebr2 sobretudo por ier feito uma pomba de

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TE gr

A Revolução Industrial

madeira que voava. Como Tales (624-545 A. C.), Arquimedes, o arquiteto Eupalinos (século VI A. C.), descobriram princípios decisivos para a mecânica, mas pouco os aproveitaram. Notável é o invento ou aprimoramento do moinho hidráulico: poupou trabalho até então sobretudo das mulheres. Além da hidráulica, desenvolveram “máquinas motoras. Ducassé assinala “a esterilidade prática das invenções gregas”: “de maneira geral, com exceção talvez do moinho de água e dos instrumentos cirúrgicos, serviram mais para a observação científica ou para curiosidade, para a arte ou para a guerra, do que para a transformação sistemática do trabalho humano”. O autor vê a razão do desinteresse na escravidão, que dispensava a máquina. Não lhes faltando mão-de-obra, o trabalho era desincum-

bido pelo escravo, ficando assim estigmatizado todo esforço manual. No ensaio Maquinismo

e Filosofia,

Pierre-Ma-

xime Schuhl procura fixar a atitude do pensamento antigo ante o maquinismo. Lembra que para muito grego havia um caráter malsão nos inventos, que bloqueava a espontaneidade ou a criatividade. As máquinas podiam criar problemas morais: ante uma catapulta chegada da Sicília, Arquidamo perguntava: “de que servirá agora a coragem?” Lembra que

Aristóteles na Política pergunta se um homem va-

lente pode empregar fortalezas e máquinas, respondendo afirmativamente: as novas máquinas, como as muralhas, são o último recurso da valentia contra a superioridade numérica. Outro perigo denunciado

Francisco Ielésias

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nas máquinas era o de provocar o desemprego.

A

razão exata do menosprezo do maquinismo estava na farta mão-de-obra escrava. Aristóteles já falava na Política em duas classes de máquinas: as animadas e as inanimadas. As animadas, obviamente, eram os escravos, dos quais a sociedade não podia passar. Pior ainda foi o preconceito contra o manual e o

mecânico que tal realidade gerou. Segundo ainda Aristóteles, nenhum artesão será cidadão, o que an-

tes dele fora anunciado mais de uma vez por Platão em seus Diálogos. Arquitas de Tarento, já citado, teve censura de Platão por apelar para a ajuda de instrumentos mecânicos para resolver problemas geométricos. Arquimedes, talvez o maior engenheiro da Antiguidade, “não chegou a convencer-se da legitimidade de seus trabalhos de mecânica”. São sentimentos comuns nos escritores antigos, traduzindo hostilidade à meçânica e apego à arte, ao ócio. Ele sobreviveria praticamente até nossos dias. Na Idade Média"se combateu a máquina, como em pleno século XIX. A primeira civilização clássica — a dos gregos — não primou pela técnica, como vimos, embora

tenha lançado os seus fundamentos com os princípios da ciência que fixou. A dos romanos foi ainda mais insuficiente. Esse povo se impôs pela organização

política e administrativa do Império que construiu e

pelo Direito, ao qual deu colaboração decisiva, ainda atuante. Os romanos foram grandes construtores de estradas, levando-as aos limites de suas posses, em obras que causam admiração até hoje. A construção Emi

A Revolução Industrial

tinha graves defeitos, como a rigidez do revestimento, levando a falhas graves com as chuvas, por exemplo. Os transportes eram precários, com o mau aproveitamento da força dos animais, pelo imperfeito serviço de atrelagem: os arreios apertavam c pescoço dos animais, tirando-lhes a mobilidade e o vigor, assim como desconheciam a ferradura. Só na Idade Média, no século X, serão descobertas essas faltas. Construíram máquinas, apesar de tude, mas nada fizeram que marcasse a história das invenções mecânicas, com uma nota forte. O setor mais desenvolvido foi o das técnicas de guerra. Criaram uma arte, uma literatura — embora inferiores às dos gregos, só os excedendo no Direito. Tiveram sentido do conforto. O que se disse das limitações gregas em matéria de mecânica pode ser repetido quanto aos romanos. Sua contribuição foi ainda mais débil, embora não de todo desprezível. Em síntese, a técnica não ficou a dever aos antigos o que poderia dever, se não lhes faltasse o senso de utilidade que lhes faltou. As condições de facilidade de mão-de-obra para os trabalhos, como se lembrou, explicam o fato. A Idade Média, vista até há pouco como período de obscurantismo, vem sendo valorizada pelas pesquisas mais modernas, que explicam as dificuldades e a falta de brilho dos seus primeiros séculos, marcados pela desagregação do Império Romano e pelas invasões dos povos chamados bárbaros, como explicam sua divisão durante a era feudal e custoso renascimento a contar do século X, com as Cruzadas e o

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Francisco Iglésias novo surto comercial e urbano. Do ângulo da indústria, o Império Bizantino conservou melhor as tradições, desenvolvendo-as, enquanto o Império Romano do Ocidente sofreu ação mais desagregadora. O certo, porém, como prova a historiografia recente, é que a técnica não conheceu colapso: antes

progrediu, marcando-se por descobertas e inventos significativos. Com a queda da escravidão, tornou-se mais difícil a mão-de-obra, o que origina o desejo de trabalho e inventos. É verdade que a escravidão não foi substituída pelo regime livre, mas pela servidão, em que o homem continua sem liberdade, preso à terra, que não pode abandonar. Depende dos senhores, aos quais presta vassalagem. É forma superior à escravidão, mas não é ainda o sistema livre. O servo cuida da terra, a produção agricola não sofre maiores impactos, apesar dos ciclos de falta de alimentação, que levam às crises da fome e aos surtos epi-

dêmicos, provocadores de altas mortandades. Onde

o feudo se organizara, porém, o fenômeno não se verifica. Outra forma importante de trabalho — e que diz respeito diretamente à indústria — são as corporações. Vindas da Idade Antiga, eram episódicas e atingem a plenitude agora. As corporações reúnem pequenos grupos de pessoas, sob a direção do chefe de família, estabelecendo hierarquia que vai do aprendiz ao mestre em seus vários níveis, até atingir o chefe. Tem muito de regime familiar, pois todos vivem quase sempre na mesma casa, participando da vida do patrão, até obterem os graus que os elevam

A Revolução Industrial

na hierarquia e tornam-se também mestres. Com o culto da qualidade, a corporação ajuda a aprimorar a indústria. Submetida a regulamentos rígidos, prevê a matéria empregada, a forma a ser trabalhada, as quantidades, de modo que não incentiva a criação. Se teve a princípio papel econômico, desenvolvendo a técnica e a indústria, com o tempo acaba por ser antieconômica, por suas limitações dos regulamentos rígidos a impedirem maior produção e qualquer variedade. Vem até os séculos da Idade Moderna, mas sofrendo golpes sucessivos. O comércio ampliara-se com as Cruzadas e mais ainda com os descobrimentos marítimos, surgem novas mercadorias e os consu- midores aumentam e não podem ser atendidos, se as quantidades foram fixadas por vezes há séculos, quando a população urbana cresce e os Estados dilatam as fronteiras, na superação do atomismo da era feudal. Assim, a corporação, antes agente de aperfeiçoamento e progresso, acaba por ser agente conservador, retrógrado e de bloqueio do crescimento. Na história da produção industrial cabe-lhe um lugar: primeiro de incentivo, depois de retardamento. Afinal, será de todo superada com os princípios de liberdade que se consagram na revolução francesa e na ideologia do liberalismo econômico e político. Suas sobrevivências desaparecem no século XIX. Durante a Idade Média cabe papel importante à Igreja, na conservação das técnicas agrícolas e em seu aprimoramento, com novos aparelhos e mais produtividade. Cabe-lhe também cuidar da atividade industrial, melhorada com novos utensílios e outros ==

Francisco Telésias =—

produtos. Ela incrementa sobretudo o emprego da energia hidráulica e dos recursos minerais, como fez principalmente com o ferro, antes de pequeno uso. Podemos considerar entre as grandes contribui-

ções do período: 1) Novo sistema de atrelagem: já se lembrou que os antigos arreavam os animais com a correia

sobre o pescoço, impedindo sua respiração normal, de modo a afetar-lhes a traquéia e a diminuir-lhes as forças. Só pelas alturas do século X alguém mais engenhoso e cujo nome se desconhece percebeu as inconveniências: inventa-se a coelheira, cuja armação sólida se apóia nas omoplatas, sem ofender o cavalo e permitindo-lhe o emprego pleno de suas forças. A novidade vai multiplicar as vantagens do transporte, com mais peso e velocidade, sem desgastar o semovente. Contribui também para tanto a invenção da ferradura — por certo de tempos mais recuados, mas só então com uso sistemático —, que permite marcha firme e sem ferir o animal. Passa-se a fazer a atrelagem em fila e a construção de mais estradas. A Europa cresce, abandona o isolamento e passa a manter contacto entre os povos; 2) Outras forças motoras: se havia o moinho de água, com a falta de mão-de-obra, pelos eventos da desagregação do Império, impõe-se outra força. Vem

o moinho de vento, bem mais complexo e eficaz, pois

exige que as asas do aparelho estejam voltadas para o

vento que as moverá, fixas em alguma peça, em um

eixo. É um motor que se tem de fazer e se fará, para

maior produtividade e menos esforço. Bem

mais TT

A Revolução Industrial

complexo que o hidráulico, custará a impor-se. Se o moinho por animais é de 450 A. C. e o de água é de

cerca de 80 A. €., o de vento é talvez de 950 da era cristã, na Pérsia; na Europa é de 1105; 3) Trabalho nas minas e metalurgia: depois do uso da madeira como carvão, é a vez da hulha. Gran-

des mestres de forja foram alguns mosteiros, como os

dos cartuxos. As forjas encontram-se junto ao homem, onde há quedas de água, minérios e madeira. O artesão as aprimora, para usar seu material nos castelos e nas igrejas, nas renascentes cidades. Daí a fundição, a ferraria, para armaduras, instrumentos bélicos. Os altos fornos datam do século XIV e só se tornam comuns no fim do século XV. O ferro anteriormente era frágil e cheio de impurezas; 4) Renovação da agricultura: com os contactos renovados entre os povos, que se seguem às Cruzadas, com o renascimento urbano, impõe-se aprimorar a agricultura. Trazem-se plantas alimentícias e têxteis (a Europa recebe da China um novo tipo de tear — o tear de laços), inventam-se e aprimoram-se as máquinas de fiar. Animais bem atrelados carregam charruas que preparam a terra. A produção cresce, a agricultura conhece nova fase, intimamente ligada à indústria;

5) Multiplicação de inventos: pelas alturas dos

|

séculos XIV e XV, com as crises, guerras, epidemias, a população pouco se altera. Faltando mão-de-obra, impõe-se aprimorar o maquinismo. Alguns inventos devem ser narrados, alguns vindos ainda dos últimos séculos medievais.

Francisco tgtêsias

Tal é o caso da bússola. Por certo conhecida séculos antes pela China, ela é de novo feita no Ocidente, nas alturas do século XII — talvez o mais criativo da Idade Média. Era um aparelho simples, constituído por uma agulha imantada enfiada em uma palha, flutuando em vasilha cheia de água. Aperfeiçoou-a a criação de um eixo, sobre o qual girava. Seu uso representa guia seguro para a nave-

| |

gação.

Do século XII são provavelmente a roda dentada, os óculos, as lunetas; a iluminação pela vela de sebo ou círio de cera; a chaminé das casas; a intensificação do uso do vidro transparente torna possível uma arte superior — a dos vitrais, sobretudo nos templos. Se as armas e os aparelhos de guerra sempre mereceram atenção, conhecem impulso agora, com a divulgação da pólvora. Seu invento também é atribuído aos chineses e ela teria sido levada à Europa pelos muçulmanos. Na segunda metade do século XIII já é empregada na Espanha. Os ingleses a usam na batalha de Crécy, em 1346, nos primeiros anos da disputa entre a França e a Inglaterra, na Guerra dos Cem Anos. As armas de fogo modificam a fisionomia das guerras, dando nítida vantagem aos que as têm; 6) Navegação: as técnicas se aperfeiçoam, provavelmente pela soma de descobertas aparentemente sem importância. Falou-se na bússola, instrumento fundamental. Contribuiu para o progresso marítimo a cartografia, cada vez mais exata e rica. As cartas são cada vez mais exatas, como as dos italianos e =|

33

p

A Revolução Industrial

nã portugueses. Os sistemas de projeção culminam na obra do flamengo Mercator (1512-94), que orienta. os navegantes. Destaque especial para os melhoramentos nos barcos, na segurança e velocidade: 7) Relógios: atenta-se cada vez mais na inovação dos relógios, pois as novas mentalidades exigem exatidão menosprezada antes. Dos relógios antigos, de água, de sol, chega-se aos mecânicos, de peso, já um tanto sofisticados. Datam do século XIII. Ao

pêndulo só se chegará no século XVII. O homem adquire a noção de exatitude, quer marcar o tempo

|

— Os minutos e as horas, os dias, as semanas e os anos, coisas antes do século XVI sem maior importância. Os relógios eram em geral públicos, nas catedrais ou mosteiros. A existência de muitos nos centros urbanos atesta a complexidade atingida pela vida social, requerendo padrão para que todas as pessoas regulassem seus compromissos. Demais, sa-

|

be-se que a marcação do tempo está ligada à vida religiosa — igrejas e mosteiros —, com as orações do dia e da noite: elas davam o ritmo da existência e dos dias, impondo a exata fixação das horas; 8) Imprensa: outros inventos de alta ressonância vêm a ser o papel e os tipos de impressão, que levariam à tipografia e à imprensa. Aperfeiçoaram-se então, pois vinham de civilizações antigas. O papel chinês é do ano 100 de nossa era; os árabes o conheceram na China no século VIII; fizeram sua divul-

gação no norte da África, trazendo-o à Espanha

L

em 1150. Da Espanha se espalhou pelo continente, “nos séculos seguintes. A imprensa começou com

aca]

Francisco Telésias |

pranchas de madeira, depois com tipos móveis de madeira. O Ocidente ajudou principalmente com caracteres fixos móveis, contribuição decisiva. Mes-

mo esta ajuda européia, independentemente da Ásia,

foi obtida lá primeiro: na Coréia, em 1390. O processo alcançou sua forma evoluída, que seria a matriz da imprensa moderna, na obra de Gutenberg (1400-57), entre 1436 e 1450. A tipografia supõe,

além dos caracteres de impressão, papel, tinta, gra-

vuras de madeira ou metal. Parece que o objeto se firmou entre 1440 e 1455. Como se vê, devem-se à China alguns achados que os ocidentais herdam ou reencontram

por sua conta,

como

armas,

tanques,

além dos já citados. Deduz-se deste sumário que a técnica medieval é altamente criativa e enriqueceu o patrimônio humano. Tinha um caráter pragmático que muito a recomenda e faltou antes. Exprimiu as necessidades do tempo, contribuindo para melhorá-las. Já é mais que oportuno rever o preconceito de grande parte da historiografia que negava tudo à Idade Média, vendo-a como fase obscura. Não foi, se se desdobrou em inventos e afirmou a criatividade do homem. A tecnologia moderna liga-se antes a ela que à Antiguidade, de fato destituída de sensibilidade tecnológica, pelas formas de produção consagradas. A Idade Média teve também a servidão e as corporações, mas

estes dois sistemas — sobretudo o segundo — foram

|

ambíguos, incentivando a produção no primeiro momento, bloqueando-a depois pelos regulamentos rígidos. Só à medida que foram vencidos a tecnologia

A Revolução Industrial

35

se expandiu, florescendo em técnicas que vão marcar a Idade Moderna, a contar do século XVI, como se verá. Não importa o recrudescimento verificado aí da escravidão, pois ela não perturba — antes a princípio ajuda os povos dominantes em franco expansionismo. Se todo período é de mudança ou crise, há alguns em que essas se aceleram ou se aprofundam, assistindo-se a uma alteração de qualidade. O processo histórico às vezes é descontínuo, feito de rupturas e saltos. Um desses momentos singulares é o século XVI, quando alterações dão novos rumos a tudo ou quase tudo. Marx assinalou o seu caráter revolucionário, como período fundador. O mesmo fazem os historiadores das várias especialidades, da

economia ou da vida intelectual. Entre aqueles —

que nos interessam mais —, Marx, Sombart, François Perroux, Jean Marchal e tantos outros. Entre os elementos configuradores do novo periodo assinalem-se: diferente mentalidade põe o homem como centro de tudo, ao contrário da Idade

Média, que punha nesse lugar Deus e a religião, ou

seja, a passagem de um sentido teocêntrico a um sentido antropocêntrico; a valorização da Antiguidade clássica e a idéia de retorno a suas normas, no discutivelmente chamado Renascimento, manifesto na filosofia, nas artes, na ciência, com insuspeitadas repercussões na técnica; a quebra do cristianismo monolítico sob a égide da Igreja com a reforma religiosa de Lutero e outros; a dilatação do horizonte geográfico, com os descobrimentos marítimos, que d|

Francisco Ielésias |

36 assinalam

a passagem

de um

mundo

estreito,

trado no mar Mediterrâneo, para um ecúmeno

cen-

em

que se incorporam a América e também a Ásia e a

maior parte da África, as ilhas do Índico e do Pacífico, as viagens por todos os oceanos; vem o contacto de novos povos e a possibilidade de outras riquezas agrícolas e minerais, notavelmente o afluxo de metais preciosos da América, a cuja exploração se lançam os europeus, com óbvia alteração econômica; a quebra do vínculo entre a Política e a Economia e a Ética, de que foram ideólogos, entre outros, Maquiavel (14691527) e Calvino (1509-64); o crescimento de negócios econômicos e financeiros leva às novas formas de vida econômica, com o aumento da circulação monetária, dos bancos e operações financeiras. Apura-se a contabilidade, pelas letras de câmbio e uso de números árabes, que levara já em 1494 o franciscano Luca Paccioli (1445-1514) aos seus Tratados, criando a escrituração mercantil, tão indispensável aos novos tempos, que culminam com a “desmaterialização do capital”, assim chamada por François Perroux, pois à medida que o capitalismo se torna mais complexo ercebe-se menos a moeda que a sua representação

contábil. É todo um outro quadro: ao lado das mani-

festações da arte há uma diferente pulsação econômica, que altera as regras do jogo social e político, até culminar com a imposição de nova classe — a burguesia vai tomando os postos da aristocracia, os bens móveis os papéis anteriormente quase exclusivos dos bens imóveis — e dos poderosos Estados nacionais, que saem das ruínas do feudalismo.

|

N

A Revolução Industrial

Outra nota digna de ser realçada é a valorização social e até psicológica da técnica, de lugar ainda no século XVI, com o início da Filosofia moderna. Ela começa com a consolidação dos métodos científicos e forças das experiências das artes industriais. Enquanto antes a especulação perdia-se em abstrações ou no vazio, agora está ligada ao trabalho, a impor o

método experimental. É claro que reviravolta do gê-

nero, profunda e avassaladora, não se faz de um dia para outro. À tradição resiste e ela tem muitos obstáculos a vencer. Aos poucos, porém, impõe-se, o que só se dará em nosso tempo. Deve-se consignar que a experiência e seu culto têm certa dívida com as práticas supersticiosas tão frequentes na Idade Média. Hã um débito relativamente à cabala, à alquimia, à astrologia, à magia. Certo que elas não continham sentido científico, mas de sua prática resultaram observações e experiências que puderam despertar o gosto pela pesquisa. Uma forma equívoca ou acidental de chegar-se a algo apreciável, certo. Se durante a Idade Média o monge Roger Bacon (1214-94) proclamava a necessidade do experimentalismo, fugindo às querelas sutis de conceitos e palavras, progride-se muito na nova direção. Mais se firma a atitude com a obra de Francis Bacon (15611626), o chanceler inglês. Segundo ele, as técnicas avançam e dominam, enquanto a Filosofia se perde em devaneios e só conquistará posição seguindo o método experimental. Descartes (1596-1650), se poderia passar por filósofo puro, tem o culto do trabalho. Estudou o maquinismo e seu alcance, apre-

39

38

Francisco Iglésias

sentando os fundamentos da mecânica. Pregou a necessidade de uma Escola de Artes e Ofícios, um fato algum tempo depois não só na França, como em outros países, inclusive no Brasil. Pascal (1623-62), além de pensador, teve talento inventivo, fabricando máquinas, aperfeiçoando as que conheceu. Para facilitar os negócios e contas de seu pai, fez uma engenhosa peça, possivelmente a primeira calculadora. Vários aparelhos são-lhe devidos. Outro nome importante a valorizar a técnica foi o de filósofo e matemático Leibnitz (1646-1715). O século XVIII - apresenta uma série de pensadores que valorizam a ciência e a técnica. Entre eles, Voltaire (1694-1778), autor de vasta obra, na qual se encontra o elogio da mecânica. A seu ver, ela é mais útil e valiosa que a discussão: “é a um instinto mecânico que existe na maior parte dos homens que devemos todas as artes e de modo nenhum à sã filosofia”. Diderot (1713-84) foi o mais afeiçoado às técnicas. Dedicou-se ao estudo das artes industriais, para divulgá-las a fim de melhorar os homens pelo conhecimento das invenções dos artífices. Essas idéias iriam dirigir a Encyclopédia ou Dictionnaire Raisonné des Sciences, des Arts e des Métiers, publicada entre 1751 e 1766, em 17 alentados volumes, com 5 volumes complementares em 1777 e 11 volumes de pranchas. Teve muitos redatores, os principais dos quais foram Diderot e D'Alembert (1717-83), além de Voltaire, Montesquieu (1689-1755), Rousseau (1712-78). Os assuntos científicos e técnicos, as notícias sobre artes mecãnicas aí mereceram atenções especiais, com admirá-

|

3!

A Revolução Industrial

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veis desenhos e estampas. Tem-se na obra uma súmula do pensamento livre do século XVIII, que iria projetar-se e traduzir-se na Revolução Francesa. Antes que esses pensadores existissem já fulgira o gênio de Leonardo da Vinci, realizado na pintura e na ciência. Dado às artes técnicas, é um dos criadores da Física moderna. Devem-se-lhe várias máquinas que executou, soluções para problemas práticos e esboços de aparelhos de extrema sofisticação,

como submarinos e aviões. É talvez o gênio mecânico

por excelência, além de sua genialidade artística e da universalidade de seus interesses. Outro italiano de alta compreensão da mecânica foi o físico e astrônomo Galileu Galilei (1564-1642), autor de descobertas e cbras originais, sempre voltado para o experimentalismo. O primeiro grande nome a invocar na Astronomia foi o de Nicolau Copérnico (1473-1542), nascido na Polônia, mas formado na Itália, onde realizou sua obra. Apresentou um sistema planetário original, colocando o Sol como centro de todo o sistema de que a Terra faz parte; a Terra, como os demais planetas, giraria em torno dele; sugere o princípio da gravitação universal. Até então dominava o sistema de Ptolomeu, grego do século II de nossa era e autor de obras sobre o sistema planetário, nas quais a Terra era o centro de tudo. Outro a ser destacado é o alemão Kepler (1579-1630), astrônomo e matemático responsável por descobertas definitivas, contribuindo para enriquecer o método científico. Na linha de citação dos fundadores da ciência, lembre-se Isaac New==

A PREFERIR

ARES

ton (1643-1727), com importantes inventos e descobertas, publicando em 1687 Principia Mathematica (fundamentos da mecânica e lei da gravitação universal). Muitos nomes poderiam ser citados ainda de cientistas, que foram médicos, físicos, químicos. Ou filósofos. Restringimo-nos aos que deram contribuições à mecânica ou praticaram o método experimental, ou escreveram valorizando-o. Desse trabalho resultaram os avanços da técnica, eles fazem as grandes inovações que vão levar ao impulso das indústrias. Destacou-se o de mais significado, não se tentou o levantamento enciclopédico. Do século XV ao XVIII verificou-se verdadeira mudança de mentalidade. A mecânica e a técnica, de menosprezadas, passam a supervalorizadas. Não é generalizada essa aceitação, pois os preconceitos têm raízes fundas, dificilmente removíveis. Ainda no século XVIII e mesmo nos seguintes, até o atual, encontra-se certa atitude de suspeita ante o manual ou mecânico, enquanto se realça o ócio, o lazer, a condição de nobreza, que não trabalha ou só trabalha com a inteligência e exerce o comando. Daí a desconsideração com tarefas como as agrícolas — revolver a terra com as mãos —, as artesanais ou manufatu-

reiras, ou mesmo as comerciais. Segundo parece, só a civilização árabe venerava o comércio e soube pra-

ticá-lo com êxito: Maomé, o seu profeta, era comerciante. Mesmo relativamente aos engenheiros havia

certa suspeita, pois lidavam com esforços mecânicos. Curioso lembrar como os médicos, forrados de hu-

manismo, não tinham respeito pelos cirurgiões, pois

11

A Revolução Industrial

exerciam labor mecânico.

41

Até 1743 —

repare-se a

data — eram vistos como espécie de barbeiros. Já havia, porém, forte opinião contrária, valori-

zadora da mecânica, como se vê em filósofos da cate-

goria de Francis Bacon, Descartes, Pascal, Leibnitz, Locke (1632-1704), Voltaire, Diderot, gênios como Leonardo ou astrônomos e matemáticos como os citados. Leonardo escreveu mesmo que ''a ciência da mecânica é, entre todas, a mais nobre e a mais útil”, ou “o tratado da ciência mecânica deve preceder o tratado das invenções úteis”, como se vê na citação

aqui já invocada.

A essa mudança de mentalidade, tão positiva e sinal de avanço dos tempos, corresponde o aumento dos esforços manuais e mecânicos, com a multiplicação dos inventos. Entre os nomes da Antiguidade superestima-se o de Arquimedes: chegou a ser colocado em uma obra de Jerônimo Cardan, de 1569, em posição superior à de Aristóteles, em atitude que escandalizou na época e não pode deixar de ser estranhada também hoje. Cresce o número dos homens interessados no progresso técnico e eles se unem em sociedades científicas, para estudo ou incremento de atividades. A primeira foi a Academia dos Segredos da Natureza (Academia Secretorum Naturae), fundada em 1560 em Nápoles. Tinha muitos objetivos, o principal era

técnico. À de Nápoles se seguiram outras, em dife-

rentes cidades: Paris, Hamburgo, Berlim, São Petersburgo. Londres teve a Royal Society e a sociedade para encorajamento do comércio, das artes e

Francisco tfglesias

42

manufaturas (1754), tal como outras cidades inglesas

(Birmingham

e Manchester).

Os

Estados

Unidos

contaram com a sociedade para encorajamento e difusão dos conhecimentos úteis. Na França, Colbert criou em 1666 a Academia de Ciências, como incentivou a edição de livros e revistas sobre máquinas, artes e ofícios. Publicam-se agora os primeiros grandes livros sobre mecânica aplicada, como De Re

Metallica

(1556),

de Jorge

Bayer

Agricola

(1494-

1555), mineralogista e metalurgista alemão, a primeira por decênios e principal do gênero, ou os Tratados de Agostino Ramelli (1588), Vitorio Zonca (1607), Giovanni Branca (1629). A mecânica aprimora as bases do conhecimento científico. O número de descobertas e inventos se multiplica, de modo que é impossível acompanhá-lo. Lembrem-se apenas algumas coisas, por sua importância ou curiosidade. Aperfeiçoando os relógios, no início do século XVI inventa-se o relógio portátil, de tanta utilidade, pois os anteriores eram em geral grandes e

de difícil manobra. Foi penosa a busca de relógios com segurança para a navegação: muitos se empenharam nela, o que só foi conseguido em 1790. Outro aparelho que ocupou atenções e deu muito trabalho

foi a máquina têxtil. A roca, bem conhecida, obri-

gava primeiro a fiar e depois a enrolar os fios em uma bobina. Um aperfeiçoamento permite realizar ao mesmo tempo as duas tarefas. Seu uso se fez eficiente em 1530, no torno de fiar de Johann Jungen, que faz mais ainda, com o emprego de pedal e manivela, libertando as mãos. O invento é vulgar já no fim do

A Revolução Industrial

século XVI. O tear de cintas permite tecer várias cintas ao mesmo tempo. Um operário atuando só consegue realizar amplo trabalho. Teria sido feito em Dantzig em 1579, mas o Conselho Municipal, temeroso do desemprego entre os tecelões, suprimiu o invento e estrangulou o autor. A máquina reaparece em 1621 e no fim do Seiscentos era usada em vários países. Outra máquina útil é a de tecido de ponto, criada em 1589, por Lee, quase de todo automática. Havia máquinas movidas por rodas hidráulicas, para fabrico de seda. Todos esses inventos ou pesquisas têm em vista a mecanização da indústria têxtil — o que só se obterá no fim do século XVIII. Como ensina Sam Lilley, o principal problema era bombear água, para esvaziar as minas e para o abastecimento das cidades. Interessam sobretudo os esforços feitos com o intento de utilizar o vapor de àgua. Tratar-se-á deles, dos êxitos e dificuldades, no capítulo seguinte. Ao lado da tecelagem, teve papel o interesse pela indústria pesada — no caso, mineração e metalurgia. As duas formas se desenvolveram mais que quaisquer outras, dada a procura de metais solicitados pelo comércio e indústria crescentes. Como no caso anterior, a matéria será vista no capítulo seguinte. Maior comércio e indústria levam ao crescimento das cidades. Sam Lilley diz que no século XV Paris tinha 300 000 habitantes; Veneza, 190000; Bruges e Praga, 100000. Para Hobsbawn, Londres em meados do século XVIII tinha “mais ou menos 750 000 habitantes (...), sendo talvez duas vezes maior que

Francisco fgieésias

sua rival mais próxima, Paris” (Da Revolução Indus-

trial Inglesa ao Imperialismo). Criam-se problemas de abastecimento de água, com a instalação de muitas bombas. A Alemanha foi pioneira em todas essas atividades, talvez já desde o ano de 1500, seguindose as cidades inglesas; Paris só teve esse serviço em 1608. Para acionar as máquinas para outros misteres

usava-se a energia hidráulica, como se vê em quase todas as indústrias. Além desse moinho, usavam-se outros, como o de marés, o de vento. Continuava a busca de formas de energia. À principal preocupação era a do potencial do vapor, mas não se sabia como aproveitá-lo. Após tentativas, na segunda metade do século XVI chegou-se a um resultado: em 1560 Batista Porta (1541-1615) conseguira elevar água pela condensação do vapor, como se vê em descrições em livros e em figuras. As máquinas eram ainda precá-

rias, não atendiam bem a seus objetivos. Êxito só no

século XVIII. As técnicas dos séculos XVI e XVII alteram a ordem social vigente. O poder estava ainda em parte nas mãos dos senhores feudais, pois a incipiente indústria existia para servir à agricultura. A unidade

industrial típica era o artesão independente, possui-

dor de sua oficina e utensílios. Contava com o auxílio de aprendizes — daí as corporações ou guildas, regidas por normas severas e invioláveis: como lem-

bramos antes, elas salvaram e incentivaram a indústria a princípio, mas, com o tempo, passaram a blo-

quear a produção. Com o desenvolvimento urbano e comercial, nova ordem política, com os Estados Na-

|

ESo

SU

A Revolução Industrial

cionais, outra forma de indústria começou a aparecer, fora dos estatutos corporativos, em atividades não regulamentadas ou mesmo nessas. As máquinas requeriam concentrações em fábricas e com alto número de empregados, já livres ou quase livres. Cresce assim o sistema fabril. É o que se vê sobretudo na mineração e meta-

lurgia, como em outros labores. Sam Lilley dá alguns exemplos expressivos, como o de uma fábrica de 120 tecelões em Amiens, em 1371; com 120 impressores em Nuremberg, cerca de 1450; no começo do século XVI Jack de Newbury teve uma tecelagem com mais de 200 teares e cerca de 600 trabalhadores. Tais “empresas se tornam comuns sobretudo na Inglaterra, pelas alturas de 1660, empregando às vezes até o capital de 10 mil libras: entretanto, “não eram mais que presságios da grande mudança para o sistema fabril, transformação ocorrida durante os séculos XVIil e XIX”. Ficava difícil às antigas corporações competir com tais empresas. Por outro lado, os inventores ou inovadores eram perseguidos, até com a morte, para não afetar a ordem estabelecida. Em 1397 em Colônia as máquinas eram proibidas; o povo as temia, pelo desemprego; o Parlamento inglês proibiu em 1553 uso de peças acionadas por energia não humana; em 1623 Carlos I fez destruir a má- Quina de fabricar agulhas. Como conclui Sam Lilley, “esta oposição nunca chegou a deter por completo o progresso técnico, mas logrou entorpecê-lo”. Por outro lado, se havia fatores adversos — os mais comuns —, havia os pioneiros ou associações que incentivam

FFaRCISCO Ipiêésias

pesquisas, com prêmios a quem trouxesse novo.

algo de

A realidade descrita até aqui refere-se sobretudo à realidade inglesa, em menos escala à alemã. Houve outras orientações de êxito. Para citar apenas uma, lembre-se a França do tempo de Colbert (1619-83) — inspetor geral das finanças públicas, um superministro, de 1661 a 1683 —, maior expressão de uma forma de mercantilismo, a industrialista. Ele estabeleceu as fábricas reais, grandes unidades em que se faziam enormes investimentos, gozando de proteções. Para elas Colbert atraiu o de melhor na indústria do tempo, como metalurgistas suecos e alemães, fabricantes de vidro italianos; técnicos em sedas e artigos de luxo dos países vizinhos, os tapeceiros dos Países Baixos. Era uma forma pioneira e arrojada de estatismo econômico, mais que de simples intervencionismo econômico, que fez o engrandecimento financeiro da época e marcou uma das orientações do mercantilismo.

Com

o amparo

às novas

fábricas

o

governo afrouxou as corporações, esvaziando-as mesmo. Os tempos estavam maduros para nova ordem, que se caracterizaria por uma transformação jurídica — a Revolução Francesa, que leva a nascente classe da burguesia ao poder, com a derrubada da aristocracia e a instituição — em parte teórica — da igualdade e de liberdade; por nova maneira de ver — experimentalista, prática, valorizadora do trabalho mecânico e técnico, sólido produtor de riqueza; por transformação no processo produtivo, com outras

47

A Revolução Industrial

formas de trabalho, diversa organização, as grandes

fábricas, o esforço técnico fundado na mecânica e na ciência. A quebra do absolutismo com a revolução liberal completa-se com diversa visão da realidade

econômica, esta cada vez mais voltada para a indús-

tria. O fim do século XVIII é um dos raros momentos revolucionários da História. Ele configurou a socie-

dade, a política, a economia e o próprio homem da Idade Contemporânea, com a Revolução Industrial.

a Revolução Francesa e

O QUE FOI A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Como se viu no capítulo anterior, da Pré-história aos dias atuais houve atividade industrial, em-

bora tosca: artesanato, manufatura, indústria. É que por esta se entende sobretudo o emprego

de máqui-

nas, que é a substituição do trabalho do homem mais que sua simples ajud O home a.m passa a agente de direção, de manobra de aparelhos mais ou menos complicados. Assiste-se pois à passagem da manufa-

tura para a maquinofatura. Estaria aí a natureza da Revolução

Industrial,

que poderia ter seu

esquema

completado com a produção em série, em grande escala, para um consumidor indeterminado. En-

quanto antes se produzia para certo mercado, constituído por pessoas conhecidas, agora se produz para

um mercado anônimo; enquanto antes o artigo era feito por um artesão, uma pessoa, agora o é pela máquina ou por várias pessoas, que dividem as tare=

|

A Revolução Industrial

fas, de modo a tornar o labor mais racional e rentável. A produtividade da máquina é evidentemente muito superior à do trabalho antigo. Altera-se no fundamental o modo de produção, com proveito para o agente produtivo, a quantidade e a qualidade do artigo a ser posto no comércio, bem como para o dono da fábrica. O capitalista que acumulou bens e os investe nos grandes estabelecimentos vê multiplicar os seus recursos. Não mais a produção domiciliar do artigo, mas a existência da fábrica, a agrupar até centenas de trabalhadores. O empresário é o dono do aparelhamento e do material, o artesão é apenas o que vende sua força para a fábrica: o proprietário terá o lucro — poderá ter também o prejuízo —, o operário terá o salário. A diferença entre o lucro e os salários e o investimento em geral significará o ganho do investidor. Não é aqui o lugar adequado para estudo do mecanismo econômico com o destino do capital e a repartição da renda. Ele é feito nos livros de Economia, notadamente nos que estudam o funcionamento do sistema capitalista: se este tem antecedentes em séculos anteriores, é sobretudo no século XVIII que se estrutura, ganha forma e vigor, pois é com a indústria que o sistema se corporifica. “O que é recente não são as máquinas, é o maquinismo”, como afirmou Paul Mantoux. O que há antes, com a agricultura, a extração, o comércio, a finança é o seu preparo ou seu esquema incompleto. O capitalismo propriamente dito é decorrência da grande indústria, desenvolvendo-se pois há cerca de duzentos anos.

49

A Pt e tt Lis LETCSIAS

Se tivemos antecedentes tecnológicos, eles se impuseram com descobertas e inventos feitos lentamente, se nos períodos mais recuados havia um preconceito antimecânico ou antimanual, explicável pela ordem social com o trabalho não livre — a escra-

vidão, a servidão e a corporação. À medida que esses

entraves foram sendo superados foi mais necessário o esforço do homem, que o leva às pesquisas. Os resultados se acumulam e a técnica se aprimora. Também como decorrência o pensamento liberta de peias os que só o imaginavam em forma pura, sem finalidades práticas. Chega-se assim à valorização do mecânico e a ciência é cada vez mais pragmática. Associando-se técnica e ciência obtêm-se resultados significativos e os inventos se multiplicam. Maior número de facilidades é colocado a dispor do homem: seu trabalho se suaviza e torna-se mais produtivo, ele pode dedicar-se cada vez mais à atividade; com o avanço tecnológico o esforço vai diminuir, sobrandolhe oportunidade a ser aplicada no estudo e no lazer. Como resultado o desenvolvimento técnico e econômico se acelera, como se vê na fase atual da cibernética. As experiências bem-sucedidas têm alto efeito multiplicador e a marcha da técnica se acelera: dos primeiros tempos da História ao século XVIII obtém-se muito menos do que das duas últimas décadas

desse século aos dias atuais. É a tão proclamada ace-

leração da História, que faz em uma geração ou em

dois ou três anos alterar-se todo um estilo de vida ou mentalidade, como se vê nestes anos do fim do século XX, cujas transformações são velozes e fulmi--

5;

A Revolução Industrial

nantes, por vezes perturbando os que as vivem e nem TE

chegam a perceber o quadro. Se quisermos datar a Revolução Industrial tere-

mos algumas dificuldades. É sempre embaraçoso en-

contrar a data que diga quando começa a funcionar certa máquina ou aspecto da vida econômica: quem fez e quando foi feito o primeiro instrumento agricola, quando e onde se domesticou o cavalo? Quando e por quem foi reconhecido o potencial do vapor? Fala-se genericamente que a Revolução Industrial é da segunda metade do século XVIII; alguns mais objetivos chegam a dizer, discutivelmente, que começou no ano de 1769, quando James Watt aperfeiçoa a máquina a vapor (note-se que se falou em aperfeiçoamento, não invento). Sem dúvida, nessa época os cuidados com o vapor, a tecelagem, a cerâmica, a mineração e metalurgia ganham impulso.e começam a apresentar resultados — embora só se pusessem em prática assinalável no século seguinte. Se a data pode ser questionada — não a época, a segunda metade do século XVIII —, não há dúvida quanto ao local: foi a Inglaterra e parte da Escócia, pois o País de Gales e a Irlanda viviam em condições semelhantes às partes mais pobres da Europa e nada ou pouco tiveram a ver com a indústria no período citado. Impõe-se mestrar quais os setores que se desen: volveram e caracterizaram a Revolução Industrial.

Esquematicamente, pode-se dizer que foram três: a maquina

a vapor,

tecidos

de algodão,

com

novas

formas de fiação e tecelagem, e, por fim, a indústria.

pesada, na

a

a

com

a mineração e a metalurgia. estu

Os

ur

e

EFFQGRCISCO Lelêsias |

gresso que altera as condições anteriores e vai defla-

grar crescimento sem precedentes, capaz de afetar outros segmentos produtivos. Assim se dá notadamente com a mineração e a metalurgia. Não vamos tentar a história desses três setores, de modo exaustivo. A matéria é convenientemente exposta em livros especializados — como a História das Invenções Mecânicas (1929), de U. P. Usher, ou a Revolução Industrial no Século XVIII, de Paul Mantoux, entre outras obras. Demais, o problema tem aspectos técnicos que nos escapam e nos parecem dispensáveis, pois nosso propósito é dar o conjunto de transformação social, prescindindo de pormenores descritivos de aparelhos.

O vapor como elemento energético já era conhecido. Sobretudo nas minas de carvão, para ajudar no transporte do que se extraia, com o vigor do homem ou de animais. Desenvolvem-se as máquinas hidrâulicas. Outro problema era a inundação das minas por águas, com a necessidade de sua eliminação. Desenvolveram-se as bombas e dezenas de aparelhos foram imaginados. Através da condensação da água no vapor era facilitado o serviço, com rendimentos variáveis. O estudo dos gasese vapores pelos físicos foi lento: obteve-se resultado antes da explicação científica. A experiência antecipou o estudo teórico. Algumas práticas vêm do século XVI, com as sugestões

de Cardan (1501-76) e de Porta (1541-1615): Salomão de Caus (1576-1626) aperfeiçoou-as, distinguindo entre

ar e vapor de água,

explicando

a con-

ET

setores foram os mais atingidos, apresentando pro-

Re

=

52

A Revolução Industrial

53

densação e apontando possíveis aplicações, como na Antiguidade fora percebido por Hierão. Giovanni Branca (1571-1645) trabalha na mesma direção. En-

tre 1678 e 1682 Hautefeuille (1647-1724) e Huyghens

(1629-95) usam a combustão da pólvora para produzir a expansão dos gases. Passo importante é dado por Denis Papin (1647-1712) desde 1690, chegando quase à máquina já completa. Outro caminho foi o da necessidade de extrair a água das minas, através das bombas de fogo. Quem mais teve êxito aí foi Edward Somerset, segundo Marquês de Worcester (1601-67), com a máquina elevatória pelo uso da pressão do vapor. Vem a máquina de Savery (1650-1716), em 1698, simples mas funcional e de tanto emprego nas minas inglesas. Tinha inconvenientes não sanados pelo autor, mas por outro inglês, Newcomen (1663-1729). Inspirando-se nas várias peças existentes, adapta-as, contribuindo com o uso de um cilindro de pistão móvel. Contava também com torneiras e válvulas, tudo agindo em conexões exatas. Chegava-se ao automatismo da máquina a vapor. Newcomen trabalhou na peça desde 1705, mas seu primeiro êxito concreto é

de 1712. Como afirma Ducassé, ela “marca o verda-

deiro princípio da utilização industrial do vapor como fonte de energia” e foi largamente usada “na Inglaterra e na Holanda, para esgotamento das minas, secagem de terrenos, distribuição de água às cidades”. Pouco econômica, precisava ainda ser aprimorada. Muitos trabalharam nesse sentido, mas quem E

ei

Francisco Iglésias

teve êxito foi James Watt (1736-1819). Fabricante e reparador de instrumentos de Física, era hábil e criativo: Paul Mantoux fala mesmo em sua ciência e em

seu gênio. Trabalhando

na Universidade

de Glas-

gow, teve em 1763 o encargo de consertar certa máquina de Newcomen. Impressionou-o o seu excessivo gasto de material, o caráter pouco econômico. Fezlhe inúmeros reparos, simplificando-a: o principal foi livrar o cilindro da operação de condensação. Substituiu-o por uma câmara de condensação separada — o condensador. Em 1765 obtinha resultados parciais, mas só teve êxito e conseguiu obter a patente em 1769. Seu emprego se faria na década seguinte, mas em alta escala custou ainda algum tempo. À invenção estava adiante de seu tempo, pois exigia um material de ferro que os industriais não produziam. Suplantava a peça de Newcomen, que era na verdade uma bomba de fogo. Desde 1775 o engenho de Watt começa a dominar. Arruinado em 1770, continuou as pesquisas pela associação com Matthew Boulton, de Soho, como antes estivera associado a John Roebuck. Sem os dois colaboradores talvez não obtivesse tanto. Boulton foi o sócio mais importante, desde 1773, após a ruína de Roebuck. Os estudos prosseguiram e a criação foi sendo aperfeiçoada, bem como outras iniciativas que fazem de Watt gênio inventivo considerável. As aplicações da máquina a vapor a outras foram inúmeras e eficientes: tal é o caso da tecelagem a vapor, feita por Watt e Boulton, em 1785, revolucionando a área; a aplicação aos transportes leva à

5

A Revolução Industrial

navegação eficiente. Começou-a o barco de Robert Fulton (1765-1815), estadunidense que trabalhou no

seu país, na França e na Inglaterra e marcou o pri-

meiro êxito de volta aos Estados Unidos, no rio Hud.son, em 1807, percorrendo 150 milhas em 32 horas, de Nova iorque a Albany. A Inglaterra foi a primeira a atravessar o oceano, com o barco Savannah, em 1819. Era antes um barco a vela, com o vapor como auxiliar. Serviço transatlântico regular, com grandes companhias de caráter econômico, é de 1840, com a Cunard Line. Os barcos eram de madeira e movidos por rodas; mais ou menos em 1836 começa o funcio-

namento com a hélice; a construção de ferro é de meados do século XIX. O primeiro barco de aço é de 1863, e, em 1874, o aço substitui completamente o ferro — ensina Sam Lilley: “o uso de turbinas de vapor e motcres diesel completou a transição para o barco moderno”. Mas já estamos longe do período de nosso estudo. À navegação é muito importante na Inglaterra, pois, além do movimento marítimo, assinale-se o de seus rios e canais; os governos se empenharam em construir canais, ligando todo o território, o que não era difícil, pela sua pequena dimensão — o ponto central mais distante do mar estava a

Pouco mais de cem quilômetros. Demais, a terra in-

glesa estava cortada por estradas de rodagem, com fáceis ligações e movimento de passageiros e mercadorias. Seu serviço de transportes era melhor que o

de qualquer outro país.

Depois é a vez das locomotivas: houve experiên- :

cias e r ealizações

no princípio do século:

os trilhos

56

Francisco Ielésias eram de madeira até 1757. Com o desenvolvimento

da siderurgia tudo melhora, não só na tecelagem como nos transportes. Anuncia-se a era das locomotivas, com Trevithick (1771-1833). A locomotiva vista

como pioneira é a de George Stephenson (17811848), que faz a primeira em 1814, para mina de carvão. A sua Rocket, em 1829, indo de Liverpool a Manchester, com 13 toneladas e 25 quilômetros por hora, inaugura nova era na história das comunicações. À ferrovia seria um marco econômico, social e nos costumes. Só é possível pelo êxito da máquina de Watt e da siderurgia. Em síntese, a energia buscada desde a Antiguidade custou a ser obtida: prática e economicamente é do fim do século XVIII, só generalizada no século XIX. Era fácil o vapor na Inglaterra, o que o país mais possuía era carvão. Seu domínio incontrastável não foi longo, pois ainda nesse século é superado pela eletricidade. De qualquer modo, é fundamental, se marca uma fase na história do processo produtivo. Outro fator da Revolução Industrial é a mudança na tecelagem, com o surto de inventos que aperfeiçoam a fiação e o fabrico de panos. No começo do Setecentos só havia um produtor de algodão puro conhecido pelos europeus: a Índia. Os povos

antigos dominavam alguma arte dê tecer, para produzir suas roupas, por uma convenção ética e para

guardar-se dos rigores do clima. A roca ou o tear são comuns em todos os tempos. O alargamento do horizonte geográfico, com as descobertas marítimas dos ' Ara

séculos XV e XVI, fornece novas matérias-primas e

A Revolução Industrial

diferentes formas de elaboração. Fabricavam-se tecidos de lã, de seda e de algodão. Os dois primeiros mais raros e caros, o último de uso pouco comum na Europa, pela dificuldade de obtenção da matériaprima. Na França do mercantilismo, notadamente sob Colbert, as tecelagens se multiplicaram, domésticas ou em fábricas. Aprimorou-se o uso da seda, quando o país se especializa em indústrias de luxo, usadas e imitadas por outros povos, pois a França é o modelo a ser seguido. É a Inglaterra, porém, campeã da chamada 'revolução comercial”, que se entrega com mais ansiedade à busca de aperfeiçoamentos na fiação e tecelagem. Se havia a tradicional indústria de lá — os rebanhos de carneiro eram comuns na Grã-Bretanha —, esta, excessivamente protegida e peada pelas guildas, vivia estagnada. A de seda foi sempre precária. Técnica de origem italiana, a matéria-prima vinha de fora, o que nem sempre foi possível, pela interdição de produtores do artigo — como a Sardenha. As fábricas tentadas, como a dos Irmãos Lombe, chegaram a ter certa grandeza, mas não fundaram uma indústria sólida. Ela não teve continuidade e foi embaraçada por muitos fatores. A lã, embora atingida, continuou a ter importância: ainda no

fim do século XVIII

pesava mais

Depois é que perde o primeiro plano.

que

o algodão.

O produto de algodão era importado da Índia,

|

mas logo despertou perseguições. Os primeiros estabelecimentos do século XVIII foram destruídos, houve proibições legais, luta contra a produção como contra a importação. Afinal foi aceito e ainda na

38

Francisco Iglésias

primeira metade do Setecentos ele é produzido e começa o movimento de invenções para elevação da

qualidade, melhores preços e maior produtividade. As dificuldades não desapareceram de todo, e os inventores tiveram sempre que enfrentar os que preferiam as formas antigas, alegando os males do desemprego causado pelas inovações, embora essas fossem mais econômicas e racionais. Série enorme de melhoramentos tem lugar, sobretudo no século XVIII. A produção era insuficiente para o consumo local e o de seus mercados, era preciso aumentar as quantidades. Impunha-se melhorar a fiação, pois as tecelagens requeriam cada vez mais. Os inventos assinaláveis só aparecem nesse século. A questão técnica é antes de tudo uma questão prática: não são os técnicos, os cientistas que as tratam,

mas

os homens de ofício com dificuldades a ultrapassar ou vantagens a obter. A teoria romântica ou heróica das invenções é quase sempre sem base. Como bem afirma Paul Mantoux, “a história das invenções não é somente a dos inventores, mas a de experiência coletiva que pouco a pouco resolve os problemas postos pelas necessidades coletivas”. John Kay (morto

em 1/64) faz a lançadeira mecânica, ou volante, em 1733, iniciando a série de melhoramentos na fiação e tecelagem. Do mesmo ano de 1733 é a primeira máquina de fiar, de John Wyatt (1700-66) e Lewis Paul, embora a patente seja de 1738 e atribua a peça apenas a Lewis Paul. Hargreaves (morto em 1778)

consegue sua máquina de fiar — a spinning-jenny —

em 1765, uma roda com vários fusos e que funcio-

A Revolução Industrial

nava à mão. Com ela o operário podia controlar oito fusos, logo depois oitenta ou mais. Arkwright (173292), simples comerciante, que lida com muitas coisas, criou em 1768 o tear hidráulico (water-frame), eficaz e produtor de um fio mais forte que os anteriores. Atuava sob a ação da força hidráulica ou animal. Antes o fio de algodão era tão frágil que só se podia usá-lo com a ajuda do linho para a trama, para reforço. A nova máquina produzia tecidos totalmente de algodão. Arkwright, apesar de suas dificuldades, foi glorificado como “o fundador da indústria moderna”, como se lê em Paul Mantoux, ao citar o retrato entusiasmado que Carlyle (1795-1881) fez dele em famoso escrito. Apesar de tanta consagração, foi acusado de não ser o autor do invento dado como seu, fonte de interminável processo. Pouco depois, em 1774, Crompton (1753-1827) combina as máquinas de Hargreaves e de Arkwright e faz a mule (o nome provém de sua formação híbrida, usando características de duas outras máquinas), produtora

de fio superior, mais fino e resistente que o da Índia

(a grande produtora oriental de tecidos). Crompton começou sua pesquisa em 1774, exibindo a máquina em 1779. Se antes os tecelões reclamavam da falta de fios,

há agora excesso e as tecelagens têm de se desdobrar.

Contribuição para enfrentar a dificuldade é dada pelo Reverendo Cartwright (1743-1823), com o seu tear mecânico, em 1784. Era defeituoso e só teve aceitação depois que vários outros trabalhadores imaginosos o aprimoraram. E lá para as alturas de

Francisco Iglésias

1810 o aparelho encontra a forma adequada. Como os anteriores, era para tecidos lisos. Buscava-se encontrar um modo de fazer tecidos com desenhos, o que custou. Não se esqueça que em 1785 se usou pela primeira vez a máquina a vapor para operar uma fiandeira — invenção aprimorada por Watt e Boulton. Todas essas máquinas tiveram méritos, mas apresentavam deficiências, que o tempo foi corrigindo. Simples, não exigiam formação científica nem alta criatividade, mas sentido prático. O certo é que representam um momento na história da indústria e marcam um dos fatores da Revolução técnica. A maior produtividade dos aparelhos transformou a indústria, sobretudo com a adoção de energia do vapor. Não mais a produção caseira, mas a fábrica com centenas de fiandeiras que vendiam sua força ao proprietário dos novos estabelecimentos. Como os rios davam a energia necessária, em suas margens surgiam as fábricas. Note-se, demais, que o uso generalizado dos inventos só se faz no século XIX, às vezes muito depois de suas criações. O tempo histórico era ainda lento, como se verá.

É curioso notar que a indústria algodoeira se

fizesse com um artigo importado: o algodão, que o território britânico não produzia. Assim, ficava na dependência de importações das Colônias na América do Norte — depois República dos Estados Unidos —, em menor escala de outras partes do continente americano e do Levante. Houve períodos de dificuldade de importação, como na guerra de independência das colônias americanas, na guerra com

A Revolução Industrial

À A na Ea eva

lies es E z pe Ea

Acima uma impressora, abaixo um tear.

SA

Francisco felésias os Estados

Unidos

e nas guerras

com

a França

(a

Revolução Industrial coincide com período de Politica externa conturbada, fonte de embaraços). Entretanto, foi essa indústria que fez que “a Inglaterra se tornasse o “centro fabril do mundo”"”, com diz Phyllis Deane: foi a atividade pioneira, seguida pela indústria do ferro. A autora cita como abono duas autoridades: o prof. W. W. Rostow, para quem essa produção foi “o setor pioneiro do primeiro arranco”

(no discutível Stages of Economic Growth) e o economista J. A. Schumpeter, quando afirmou que “a história industrial inglesa (1787-1842) (...) pode ser quase resumida na história duma única indústria” (Business Cycles). A essas autoridades acrescente-se E. J. Hobsbawn, que, em Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo, é categórico: “Quem falade Revolução Industrial fala do algodão”. Atividade generalizada no país, teve seus centros de concentração, o principal dos quais foi Manchester, cidade que cresceu à sua sombra. A importância da planta e do tecido é do fim do século e sobretudo do século XIX: basta lembrar que Adam Smith em 4 Riqueza das Nações, em 1776, só faz referência de passagem à produção algodoeira. O certo é que o algodão fazia fortunas: Hobsbawn lembra que “o maior dos primeiros industriais do algodão foi o Sr. Robert Peel (1750-1830), um homem que ao morrer deixou quase 1,5 milhão de libras — soma astronômica para a época — e um filho que em breve se tornaria primeiro-ministro da Grã-Bretanha”. E os Peels eram de origem humilde — campo-

|

|

f

A Revolução Industrial

neses remediados. A estatística de importação do artigo prova sua importância: como se vê em dados de Paul Mantoux, a importação em 1701 não passava de um milhão de libras; cinquenta anos mais tarde, era de 3 milhões. Em 1771, elevava-se a 4760000, em 1781 a 5300000. O crescimento fica mais surpreendente: em 1784 é de 11482000 e em 1789 de 32576000; em 1799 é de 43000000, em 1800 de 56 000 000 e em 1802 de 50 500 000 de libras. O mesmo se dá com a exportação: em 1780 não chega a 360000 libras. Em 1785 já ultrapassava 1000000. Em 1792, 2 milhões; em 1800, 5500000; em 1802, 7800000 libras. Trata-se, pois, de crescimento notável de produção e de peso na balança comercial britânica. Para tanto, contou o protecionismo oficial, é balela afirmar que tudo foi feito pelo particular, sem o apoio do governo. A produção algodoeira, por ser nova, estava livre dos embaraços das corporações: livre, não tinha de obedecer a prescrições que tanto limitavam a lã e a seda, por exemplo.

Refira-se agora, com a mesma brevidade, o terceiro elemento configurador da mudança: mineração e metalurgia. Na Antiguidade lidava-se com metais;

a mineração era praticada de modo tosco. A prática

contínua na Idade Média fez que na aurora da Idade Moderna, no século XVI, já se tivesse atingido apreciável nível, notadamente nas minas alemãs: conheciam-se processos de sondagem, descida, areja-

mento, regularização e drenagem

como

alguns utensílios

possível

a exploração

de trabalho,

em

das águas, que

profundidade.

bem

tornavam

A

Ingla-

|

Francisco Lglésias

terra, de subsolo tão rico, abastecia-se com alemães e suecos. Até o século XVIII a siderurgia dependeu do carvão de madeira. A sua prática levava ao término das florestas ou à sua parcial destruição. Como o Reino era rico em hulha, apareceram os primeiros métodos de uso do carvão de pedra. Impunha-se encontrar a fórmula de trabalhar o ferro, além das pequenas forjas de parco rendimento. O primeiro feito notável é de Abraham Darby (16771717): em 1713 obtém o ferro fundido (tentava-o desde 1709), tratando o minério de ferro pela hulha, antes transformada em coque. Seu filho, do mesmo nome, obtém em 1735 outro êxito, na associação da hulha e do ferro. Foi básico na siderurgia o invento da máquina a vapor. Em 1775 ela possibilitou “a aplicação de força aumentada para a explosão dos altos fornos e força mecânica para a forja” (Phyllis Deane). A conversão do ferro fundido em ferro continuava a exigir o apelo ao carvão de madeira. À invenção do puddlage e laminação, por Henry Cort (1740-1800) e Peter Onions, independentemente, em 1783, dá elementos definitivos para o fabrico do ferro, sem as impurezas anteriores. Agora, a produção de ferro em barra é feita com carvão mineral, o que melhora a qualidade e faz cair o preço — o que mata a produção baseada no carvão vegetal. Antes, “Benjamin Huntsman (1704-76) alcançou êxito semelhante na fabricação do aço, ao aperfeiçoar na década de 1740 um processo que usava coque para gerar um calor intenso e assim produzir um aço fun-

dido que era relativamente livre de impurezas”, in-

f

A Revolução Industrial forma Phyllis Deane. No dizer de T. S. Ashton, “seu descobrimento é um dos fatos mais notáveis na história da tecnologia” (La Revolución Industrial). À conquista era importante, pois até aí, além de o ferro ser feito de carvão vegetal, as máquinas

eram

quase sempre de madeira, não de ferro. O mesmo quanto aos meios de transporte, com a melhoria das estradas com as pontes metálicas. Através do trabalho inteligente do ferro, chega-se ao aço, aos metais finos, macios e leves, que permitem a fabricação dos mais diversos objetos. Será a vez do progresso da

metalurgia. Multiplicava-se o número de operários e

artífices e muitos deles, diligentes e imaginosos, iam aprimorando aos poucos o metal e os objetos feitos com seu uso, como também os artigos de tecelagem. Em 1589 William Lee fez a máquina de tecer meias, na Inglaterra. Colbert atraiu seus conhecedores para a França, dando-lhes os recursos indispensáveis para o desenvolvimento do artigo. Como ensina Ducassé, o progresso do metal e suas derivações foi devido a quatro fatores: “'o aperfeiçoamento geral de certas

máquinas-ferramenta; o desenvolvimento dos laminadores, as grandes fundições; o trabalho do ferro macio”. Vai ser possível a fabricação em série: a primeira foi a fundição de caracteres móveis de imprensa; depois a de alfinetes. Como resume Paul Mantoux, mostrando como a metalurgia interfere no melhoramento de todas as indústrias, tudo se deveu a um conjunto de fatores: “o emprego da hulha nos altos fornos,

o puddlage,

para a preparação

o método

de Hunstman

do aço. Eles abriram,

para o

| mm.

Francisco lelésias

mundo gica”.

inteiro, a era da grande produção

metalúr-

A metalurgia vai dar auxílio considerável à agricultura, com a construção de máquinas para arar o solo, semear, colher, ensejando a mecanização da la-

voura. Na Idade Média a indústria era para servir a agricultura, o que a colocava na dependência dos interesses dos senhores feudais. Agora a indústria é independente, depois de passar pela organização das guildas ou corporações. O artesão ou operário depende do seu esforço, pois é dono de sua pequena oficina —- em geral doméstica — e do seu trabalho; se serve em unidades maiores — as fábricas —, depende do proprietário, que traça programa vi-

sando ao lucro. Dá-se à agricultura se tal lhe con-

vém; caso contrário, fixar-se-á no setor mais rendoso. Destacou-se antes a prioridade da indústria algodoeira. Sabe-se, Dorém, que ela não mantém muitos vínculos com outras nem gera novas atividades. Como afirma Phyllis Deane, “em suas inter-relações com o resto da economia — na procura de carvão e ferro e transporte extensivo e bens de capital, por um lado, e na redução de custos numa ampla série de bens manufaturados bem como nas indústrias de transporte e construção, por outro — podemos ver a indústria siderúrgica desempenhando um papel mais

poderoso e penetrante no processo de industrialização britânica do que o desempenhado pela indústria algodoeira”. Segundo a mesma autora, “o feito mais

importante da revolução industrial foi que ela conini

a

A Revoiução Industrial

verteu a economia britânica duma economia baseada na madeira e na água para uma alicerçada no carvão e ferro”. Se a atividade é generalizada, talvez se possa dizer que Birminghan e Sheffield foram seus centros principais. E a Grã-Bretanha, que no princípio do século XVIII dependia das importações de Estados alemães e Suécia, no fim do século já é importante centro siderúrgico e metalúrgico.

O fato de a Inglaterra ter superado o sistema feudal antes que outros países é importante para compreender seu pioneirismo industrial. Demonstrase a alteração do quadro britânico pelo número de patentes concedidas: na década de 1630/9, 75 patentes; nas décadas de 1640 a 1659, 4 apenas em cada década; o número se eleva a 31, de 1660 a 69, atinge a cifra de 102 de 1690 a 99, para cair na década seguinte a 22 patentes. Continua inferior a 100 até a década de 1760/69, quando alcança 205 (na década anterior foi de 92). E o crescimento é contínuo e expressivo: 1770/79, 294; 1780/89, 477; 1790/99, 647; 1800/09, 924; 1810/19, 1124; 1820/29, 1453; 1830/39, 2453; 1840/49, 4581 patentes (quadro de B. R. Mitchell, citado por Phyllis Deane).

Lembrou-se o nome de muito invenior. É claro

que inúmeros outros, operários ou cientistas, deveriam ser citados. Vários aperfeiçoamentos revolucionários não foram percebidos na época e os nomes de seus autores se perderam. Na história da indústria, como na econômica, há muitos heróis anônimos. Gente talvez mais significativa que a invocada teve o

nome esquecido.

Sobretudo artesãos ou operários

FFQRCISco Ielésias

que não tiveram quem lhes assinalasse os feitos. Aqui

também, como na História Geral, a História é feita pelos dominadores, que têm todos os benefícios fundados nos sacrifícios do maior número. Afinal, a versão é sempre a dos vencedores, pois eles é que a escrevem.

Por último, uma palavra sobre o ritmo em que se passavam as coisas: o tempo era lento, não se conhecia a aceleração que transforma hoje em breves anos todo um quadro econômico. Os inventos do século XVIII custavam a ser postos em prática: sabe-se do êxito da máquina de Watt; ainda em 1830, sessenta anos depois de sua patente, apesar da superioridade relativamente às outras, continuavam em uso muitas máquinas de Newcomen. Entretanto, o invento de Watt foi, de todos os da época, o de mais repercussão. No fim do século começa a ter uso generalizado. Nos últimos anos do Setecentos e nos primeiros do Oitocentos era comum, como escreveu um viajante sueco, em 1802, espantado de encontrá-lo a cada passo, em sua viagem pelas zonas industriais da Inglaterra. Segundo Svedenstoerna, “não é exagero dizer que essas máquinas são na Inglaterra tão comuns, e mesmo mais, que entre nós os moinhos de água e os moinhos de vento”. O resto foi de adaptação custosa. A lançadeira volante de John Kay, de 1733, tinha uso limitado ainda em 1820. O tear mecânico de Cartwright, de 1784, só foi empregado em alta

escala depois de 1820. A indústria algodoeira doméstica persiste até 1830, pois havia a resistência de

A Revolução Industrial

chefes de família ao trabalho em fábrica; na década de 40 é que o número de tecelões operando em teares mecânicos ultrapassou o de tecelões que continuavam trabalhando em teares manuais. A extinção desses é de fato da década de 50. Havia falta de entusiasmo pelas inovações, os empresários não se arriscavam, velhas peças continuavam em uso. Na Escócia no início do século XIX era comum ver mulheres carregando carvão nas costas pelas escadas, trinta metros ou mais, quando a máquina a vapor podia trazer o carvão mais rápida e comodamente. Pior que essa indiferença ante a inovação era o seu combate, com a destruição das máquinas e o trucidamento dos responsáveis, como era hábito no período medieval. O tempo histórico era lento — repita-se —, por apatia ou interesses contrariados, falta de visão e obscurantismo. Atitude firme e lúcida dos governos podia ter esclarecido o público e dado impulso à técnica tão injustiçada. O bem seria então maior e de todos, mas não houve essa firmeza e lucidez.

CONDICIONAMENTO DA MUDANÇA À Revolução Industrial na segunda metade do século XVIII na Inglaterra não foi acontecimento casual. Ela se verificou então e aí e só poderia ter “Jugar aí, pois os outros países não estavam prepaDj

rados. Há fortes razões para o pioneirismo inglês, vi= |

vendo 1 no século XVIII o que outros só conheceriam

fio século XIX ou no atual ou ainda não conheceram.

Muitos fatores contribuíram: a Inglaterra tinha unidade política que a Europa não atingira, pois foi a primeira a superar em parte o atomismo do regime feudal (o caso português, no século XII, não conta, pelas condições do país). Tinha organização desde o século XIII, quando em 1215 barões e cavaleiros impõem a Magna Carta a João Sem Terra (1167-1216), para coibir abusos e garantia das liberdades públicas. O feudalismo afrouxa-se com a Guerra dos Cem Anos, entre a Inglaterra e a França, que se alonga de

1337 a 1453 (na verdade 116 anos), sobretudo depois

A Revolução Industrial

da Guerra das Duas Rosas (1455-85), quando Hen rique VII (1457-1509) inaugura a dinastia Tudor, a fortalecendo a realeza. Curiosamente, durante guerra, em 1385, Ricardo Il (1367-1400) determina que produtos ingleses só se transportem em navios o de ingleses — medida precursora da lei de navegaçã da 1651. Sua política é flexível, e, ao lado dos direitos

nobreza, vai lentamente ganhando força a burguesia, surgida do comércio. As corporações não têm a mes ma presença que nos demais Estados. As grandes mudanças verificadas preparam O terreno para o industrialismo, impondo-o antes que em qualquer outra parte. São alterações em profundidade em três setores, convencionalmente chamadas Revoluções: Comercial, Agrária e Intelectual. Subverte-se a ordem antiga e prepara-se a área para o novo, propiciador de outra Revolução — à Industrial (advertimos mais uma vez contra O abuso da palavra revolução, de sentido sociológico exato, para seguir o convencionado nos livros. Questão de ênfase, apenas, sem maior prejuízo).

a) Revolução

Comercial.

O

comércio,

estag-

nado grande parte da Idade Média, começa a renascer com as Cruzadas. Seu impulso se dá nos séculos XV e XVI, com os descobrimentos, realizados sobretudo por portugueses e espanhóis. Ante o êxito desses povos, outros, como holandeses, franceses, ingleses se empenham na aventura. Amplia-se o horizonte geográfico, o mundo deixa de concentrar-se em torno do Mar Mediterrâneo e os oceanos Atlântico, Paci-

fico e Índico passam a ser percorridos. É um mo-

Francisco Telésias o

não a tinha —, mas os artigos coloniais da Índia e da

América, preciosidades do Oriente, metais da Escandinávia. A Holanda criou uma indústria de tecidos e artigos finos, mas sem estrutura sólida.

A Grã-Bretanha obtém maiores êxitos, sobretudo com a política de Cromwell. (1599-1658), durante a qual é votado o Ato de Navegação, de 1651,

O

Oe o ae ema

verificar-se a chamada Revolução Comercial, em que se distinguem primeiramente ingleses e holandeses: eles ocupam países pequenos e às vezes carentes de recursos. Formam grandes frotas para a movimentação nos mares. Os holandeses no século XVII foram os maiores comerciantes do mundo: seus navios não transportavam produção de seu país — quase

cs

provocados pela maior procura. Para o empenho pelos inventos conta esse esforço no comércio. Vai

Ecscd sã

sidade de crescer suas produções, pois é maior o número de consumidores. O resultado é o impulso do processo criativo, se a procura se multiplica. Avulta o interesse por técnicas que aumentam a produtividade com vistas a crescentes lucros. Os inventos são

mm

mento importante na história, valorizador do século XVI. Com os viajantes novos povos e terras são conhecidos. Produtos até então ignorados são descobertos e integram a pauta de consumo do europeu. Outros, já vistos e sabidos, têm o uso aumentado. O europeu vai buscar especiarias, sedas, metais e outros artigos ainda não de seu conhecimento, intensificando o comércio. Os europeus exploram os povos que revelam, obtendo preciosidades em troca de quase nada ou do simples saque. Por sua vez, têm neces-

A Revolução Industrial

estabelecendo que cabotagem e pesca só podem ser realizadas por navios britânicos; produtos de outra origem só trazidos por navios das respectivas nacionalidades ou por navios com três quartos da equi-

pagem e comandante britânicos. A medida teve di-

versos precursores, além de Ricardo II, aqui citado. A esse Ato seguem-se outros, fortalece-se a marinha do país. Se nos primeiros momentos ele sofre prejuízos, logo adquire vantagens. A base comercial criou a produção. A Holanda, grande prejudicada, protestou, chegando mesmo à guerra, em 1652-54, na qual é naturalmente derrotada. Já antes o jurista holandês Hugo Grotius (1583-1645) escreve Mare Liberum, em 1609, sustentando o direito de todos aos diversos mares, à liberdade de navegação, quando os ingleses se supunham donos do Mar do Norte, os portugueses do comércio do Oriente e do Mar das Índias, os venezianos do Mar Adriático, os espanhóis do Oceano Pacífico. Obra tipicamente ideológica, é respondida pela não menos ideológica Mare Clausum, do inglês John Selden (1584-1654), em 1635, garantindo o direito de certos povos a determinados | mares. Ainda no século XVII verifica-se a revolução de 1688, eminentemente religiosa e política, em defesa

do protestantismo e das liberdades parlamentares e públicas em geral, contra o absolutismo e a religião do rei. Este é vencido, renuncia e a Coroa passa a Guilherme de Orange, como Guilherme III. Por sua origem, estabelece-se de vez a harmonia entre holandeses e ingleses. O rei jura ante o Parlamento a

74

“declaração dos Direitos”, documento que completa a Magna Carta. Vence a causa liberal, cujo ideóiogo

e pregador foi John Locke (1632-1704). Impõe-se de

vez o parlamentarismo. A “revolução gloriosa” teve também caráter econômico: logo após a pacificação é fundado o Banco da Inglaterra — curiosamente o primeiro, quando outros países já tinham diversos — e constituída a Companhia das Índias, de tanta importância no futuro. Criou-se outra, para disputa, mas as duas se fundiram em 1708. Foi intensa a sua influência, se ajuda a penetração no cobiçado território do Oriente e traz o algodão e os vários tecidos em que a Índia era perita, a começar pelas chamadas indianas. Vêm o chá, as porcelanas da China e outros artigos. Os fabricantes de lã se assustam: mal sabiam que o algodão os venceria no decorrer do século. Esta é uma das formas do Mercantilismo — o Comercialista, em que os ingleses se distinguiram. Já se disse que o desenvolvimento econômico no primeiro momento é um processo de expansão de mercados. O agente dinâmico então é o comerciante. Para o país o comércio era fundamental, pois, como diz o expressivo título da obra de Thomas Mun (1571-1641), deve-se buscar 4 Riqueza da Inglaterra pelo Comércio Exterior (1630, editado em 1664). Graças à primazia tiveram no comércio um dos fatores de grandeza, como também um dos elementos da industrialização. Quando esta se realiza os ingleses são donos dos mares. Demais, se os iberos foram pioneiros

das viagens,

seguidos

por

outros,

muitas

de

ge

francisco Ielésias

Es

S

ii

A Revolução Industrial

suas melhores colônias passam para a Grã-Bretanha, como se vê com terras portuguesas, espanholas, holandesas e francesas. A conquista atingirá a plenitude no século XIX, sobretudo na era vitoriana. Como os outros países ainda buscam consolidação de suas fisionomias, o poder de quem se instalou com base primeiro é incontrastável. b) Revolução Agrária. O estudo da Revolução Industrial implica em conhecimento da propriedade fundiária e da produção agrícola, não só pela ocupação da terra por atividades industriais como pelo abastecimento das populações urbanas e das fábricas. Há pois uma relação íntima entre os dois. No

estudo do industrialismo é indispensável ter em conta o problema agrário, como propriedade da terra ou produção agrícola. A Inglaterra é país de grandes propriedades. Tal característica não é antiga, pois durante séculos foi partilhada por inúmeras porções de terra, que se dividiam entre grande parte da população. Era a yeomanry, que desapareceu aos poucos até o século XIX. Como ensina Paul Mantoux, “o yeoman é essencialmente um camponês-proprietário (...), possuindo o campo no qual vive e que ele mesmo cul-

tiva”. É independente. No fim do século XVIII co-

meçou a diminuir sua importância. Mantoux informa que mesmo depois da revolução de 1688 eles formavam classe numerosa — cerca de um sexto da

população do Reino.

Sua decadência

começou

em

meados do Setecentos, mas ainda existiam nos últimos anos. Vão desaparecendo, por causa dos vizi-

francisco Telésias nhos agrícolas maiores que os absorvem, por processos judiciais ou pela compra, ou pela industrialização crescente, que ocupa suas terras. Com certa razão se chamou os homens de negócios de barões salteadores (robber barons). O relativo fim da pequena propriedade está li-

gado ao surgimento da indústria. Ao longo do século X VIII há centenas de atos do Parlamento dividindo em

lotes e cercando

vagas e comuns.

os campos

abertos

das

O número de leis cresce:

terras

de 1714

a 1720, é de um por ano; 33, de 1720 a 30; 35, de 1730 a 40; 38, de 1740 a 50; 156, de 1750 a 60; 424, de 1760 a 70; 642, de 1770 a 80; 287, de 1780 a 90; 506, de 1790 a 1800; 906, de 1800 a 1810. Do princípio até o século XIX milhares de leis do gênero se votaram. Como se vê, há correlação entre as cercas de terras e a indústria. Um dos elementos fundamentais da história inglesa são essas demarcações ou

“leis das cercas” (enclosure acts). É um

golpe no

open field system, ou no sistema de campos abertos. Antes comuns, agora tornam-se cada vez mais raros. Acontece que com as cercas não se faz uma reforma

agrária popular, mas forma-se a grande propriedade. Antes elas existiam, mas não delimitadas; os destituídos de pouso as ocupavam,

explorando-as em pe-

quena escala e rudimentarmente ou apenas se deixavam ficar por aí. Os que as usavam assim têm de abandoná-las, em favor dos detentores do título de posse. Não para outros campos, de onde seriam desa-

lojados também, mas para as cidades, que crescem

então. Crescem, de modo arbitrário, abrigando po-

A Revolução Industrial

pulações que não têm onde morar ou sem habilitação para tarefas urbanas. Vão constituir a farta mão-de-

obra disponível, que se sujeita a qualquer salário, vivendo em condições de miséria, promiscuidade, falta de conforto e higiene, em condições sub-humanas. Constituem variantes do que Marx chamou “o exército industrial de reserva”. A esses desalojados pelas leis acresce a presença dos imigrantes, notadamente irlandeses, como judeus da Europa Central, que deixam suas bases em busca da paisagem inglesa, na esperança de vida melhor, origem de distúrbios entre eles e os nativos, que percebem nos recém-vindos a concorrência responsável pelo aviltamento dos salários ou desemprego. A demarcação ou cerca é o começo da situação. Os enclosure acts configuram a história da Inglaterra desde o fim do século XVI. Alguns atos anteriores são episódicos. De fato, já no Quinhentos começa a prática, mas em pequena escala. O crescimento é do século XVIII, quando depois da revolução de 1688 é política oficial. Faziam de terras abertas ou comuns campos fechados, expulsando ocupantes não proprietários, mantendo apenas o número indispensável aos trabalhos.

É preciso lembrar que essas leis, votadas por um

Parlamento constituído de gente ligada à propriedade fundiária, têm por objetivo confessado não a formação de latifúndios, mas a melhoria do nível agrícola. Em áreas delimitadas, menores, embora com menos gente, a produção é mais racional e rentável. O crescimento da riqueza mobiliária havia fei-

A+ PRPECESCO LOlesias io

to que muitas terras trocassem de mãos. Depois, veio

a Reforma com a secularização dos bens da Igreja.

Quem dispunha de capital comprou, formando as grandes propriedades. Há queixas generalizadas contra as demarcações, pela miséria que provocam, mas é o fato consumado, que irá crescer, até o século XIX. Com as cercas, desaparece a lavoura e desenvolve-se a pecuária, sobretudo a criação de ovelhas. Elas fornecem a lã, outros tipos de gado fornecem diferentes riquezas. O resultado é ficar a alimentação cada vez mais difícil, pela queda da lavoura. Entretanto, a agricultura não fora descurada. Muitos se entregam a seu aperfeiçoamento. Alguns nomes devem ser lembrados. Entre eles, o de Jethro Tull (1674-1741), publicando importantes livros sobre agricultura em 1731 e depois. Mais que teórico, era conhecedor dos métodos usados na França, Holanda e Alemanha, com experiências e pesquisas em propriedades em Berkshire. Ensinava a alternância de culturas, para produção sem esgotamento do solo. Assim, ora o trigo ou cevada, depois a aveia, ervilha, em terceiro lugar o descanso do terreno por algum tempo. Era a rotação de culturas. Os grandes senhores da aristocracia queriam enriquecer-se com a terra, negando privilégio até aí apenas da burguesia financeira e comercial. São os gentlemen farmers. George III (1738-1820) era conhecido como “rei fazendeiro”, pelo empenho em suas áreas. Além de Jethro Tull, lembre-se Lord Townshend (1674-1738), que ocupou altos postos políticos e foi para seus domínios em Norfolk. Suas faixas não eram boas, mas

A Revolução Industrial e

ele trabalhou-as, drenando-as e plantando. Teve em vista sobretudo a pecuária, para a lã. Outro nome de realce foi o de Robert Bakewell (1725-85), interessado também mais na criação que na plantação. Não se esqueça Arthur Young (1741-1820): viajou pelo país e pela França, observando e escrevendo muitos volumes, formadores de toda uma geração empenhada na reforma da lavoura e da pecuária. Criara o Board of Agriculture, que inspecionou e dirigiu Os negócios do Reino. Como outros, soube perceber o crescimento da indústria e a necessidade de acompanhar essa riqueza com a agricultura, pois elas estão entrelaçadas, em mútua dependência. Os novos homens viam a agricultura como empresa. Era preciso investir certo, com pouca mas hábil mão-de-obra, o que exigia as demarcações. A diferença entre as cercas do século XVI e as do XVIII é que aquelas não tinham força da sanção legal, enquanto estas têm. Para obter a lei é preciso longo processo, consumidor de dinheiro: só os TICOS podiam tentá-lo. Eles crescem em propriedades. Os pequenos têm de ceder, pela lei ou venda, pois pouco vale a faixa mínima ao lado de um latifúndio trabalhado com ciência e arte. Predomina a pecuária. A Inglaterra, antes exportadora de cereais, tem de comprar de outros países, se sua produção é insuficiente para atender a população cada vez mais numerosa. Não se cogita aqui de julgar as demarcações: do

ângulo econômico estrito, claro, foram um êxito; em perspectiva social mais ampla, porém, criaram muitos problemas.

A

s

Agrav2ram

a pobreza,

a miséria,

a

|

FFQRCISCO Lelésias mão

má situação das cidades; feias, insalubres, cientes para abastecer as populações. O país as plantações pelas pastagens. Pensava-se na tria, não na agricultura. Na indústria estava o da riqueza.

insufideixou indúsfuturo

Devia-se optar, a nação optou, com sacrifício temporário de sua gente. Perdeu a agricultura, no primeiro momento, depois ganhou em racionalidade e produtividade. Ganhou a indústria, com fácil recrutamento de mão-de-obra: se lhe faltava a princípio formação técnica, compensava com a aceitação

de pequeno salário. Como diz Mantoux, “formarão a multidão trabalhadora, o povo anônimo das fábri-

cas, o exército da revolução industrial”. Antes, dis-

persos nos campos abertos, tinham suas pequenas atividades artesanais ou manufatureiras. Agora, com as demarcações, elas desaparecem e surgem as fábricas. Se os latifúndios podem ter produção agrícola melhor — e tiveram, pela técnica e assistência dos donos —, o mesmo se dá com as fábricas. Elas fazem estrutura industrial sólida, não as antigas iniciativas domésticas, pequenas, mal equipadas e de produção infima. Desenvolve-se a economia de mercado: tudo tem de ser adquirido, se não se vive em campos livres, mas em núcleos urbanos. Era mais um golpe no feudalismo. Por certo os enclosure acts beneficiaram os poderosos, e, indiretamente, a nação, que vai viver no século XIX o período áureo — é o século do Império Britânico. Entre o enfraquecimento e o fim da yeomanry há uma relação com o industrialismo, como há com

]

A Revolução Industrial

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os enclosure acts. À longo prazo eles beneficiaram a agricultura e permitiram que a indústria inglesa

prosperasse. Entre a realidade agrícola e a industrial, há uma relação de mútua dependência, como

se procurou evidenciar. c) Revolução intelectual. Significa mudança de mentalidade, com o abandono da posição tradicional do pensamento, dominante na Antiguidade e na Idade Média, com o desapreço do trabalho manual ou mecânico, da experiência. Cultivava-se o dedutivo, o abstrato. Houve exceções, é claro, como se viu no capítulo “Antecedentes tecnológicos”. Na Renascença, com os humanistas, a filosofia torna-se naturalista. E a contar do século XVI multiplicam-se os nomes de filósofos e cientistas, com o culto da natureza, da experiência, da mecânica. Dispensamo-nos de citá-los, pois o fizemos naquele capítulo. Aparecem as associações para estudo da realidade. Ganha impulso o ensino técnico, até aí descurado. Revê-se o culto dogmático da tradição, outrora vivo, com posições de reexame do que fora dito por filósofos vistos por definitivos em tudo. Se antes. havia a cabaia, a astrologia, a magia, a alquimia, agora há a experiência que dá sentido científico ao estudo e às inquietações. A técnica, em suas feições mecânicas, passa a ser considerada. Surge a ciência moderna, antidogmática, fundada no experimentalismo. Essa mudança de mentalidade representa transformação intelectual e cria o clima de crítica sistemática. Entre os muitos de seus efeitos assinale-se o interesse pela indústria, para a qual a nova maneira de ver (de

A Revolução Industrial

raízes na Antiguidade, como se mostrou próprio) contribuiu decisivamente.

no lugar

EFEITOS DA INOVAÇÃO À luz dos antecedentes e de quanto se verificou

na segunda metade do século XVIII na Inglaterra e constitui a Revolução Industrial, cumpre-nos ver agora quais foram os seus efeitos, em que medida o panorama europeu ou mundial foi alterado. Não se trata de estabelecer relação de causa-efeito, à maneira mecanicista, tão cara aos cientistas sociais do século passado e tão falseadora da realidade. O certo é que as mudanças se verificam, mas deve ser evitado apresentá-las como resultado ou conseqiiência — palavra perigosa e evitável. Neste capítulo, temos de cingir-nos à segunda metade do século XVIII, avançando, no máximo, até 1850. Caso contrário, o estudo deverá vir a nossos dias, pois o processo industrial é um fluxo contínuo e não termina em 1830, 70, 1900 ou outra data qualquer. Arnold Toynbee

(1884) datava-o de 1760 até 1820 ou 30. Outros apontam período diverso. John U. Nef reconheceu os pri-

A Revolução Industrial

mórdios do movimento no século XVI, ou entre 15401640. Para Clapham e Schumpeter, o início é mais razoável no segundo quartel do século XIX do que no final do século XVIII. Phyllis Deane lembra o fato de a maioria dos industriais ainda serem artesãos no início do século XX; as máquinas, em sua maioria, eram de madeira, toscas, a eficiência dependendo o mais da prática do operador que de sua construçã rd, básica. A razão parece-nos estar com Charles Bea r que em The Industrial Revolution (1901), ao dize temela se prolonga através do século XIX até nosso nós po (escreve em 1901). Até nosso tempo, diríamos r-se ece onh rec te ien ven con seja ora emb 1, 198 em eescr bem o Com o. lad ina ass foi o com , uma de mais de 1948, veu T. S. Ashton em livro sobre o assunto, vista aqui já citado, “a Revolução Industrial deve ser o um como um movimento, de forma alguma com É simples período”. tiAs transformações de meados do Setecentos O seu veram efeitos e eles podem ser apontados. tínua, con ha lin uma a r leva e dev to men nda ofu apr que vem até hoje, no estudo da evolução tecnológica, na as, tad uin req s mai vez a cad mas for o end conhec os o associação do trabalho com a ciência. E tem vapor, a eletricidade, o petróleo, a energia nuclear; e de os diversos metais novos, sempre mais apurados rômaiores aplicações; a indústria química; a elet ras nica; a automação. À conquista ainda de out ao áreas. Antes restrita à Inglaterra, passa depois lancontinente. Variam as datas, discutem-se as imp tações, mas talvez se possa falar que o movimento

86

Francisco Ielésias

atinge a França em 1830, a Bélgica em 1833, os vários Estados alemães em diferentes anos, cerca de 1850; a Europa Oriental, bem como a mais ocidental — Espanha e Portugal —, têm uma industrialização mais tardia (já em nosso tempo). Antes, dois países extra-europeus a realizam com êxito, os Estados Unidos em 1843 e o Japão em 1878. Indústria significa progresso, depois desenvolvimento. E com a emanci-

pação das colônias da América Latina no século XIX

e das colônias da Ásia e da Africa em nosso século as

jovens nações procuram afirmar-se pela indústria. Chega-se, de modo ingênuo e equívoco, a confundir riqueza com indústria, como se não pudesse existir algum Estado rico com base na agricultura, por exemplo, ou como se qualquer Estado, só por ser industrial, fosse rico. Como nosso estudo se restringe à primeira Revolução Industrial, vamos falar só dos seus efeitos. Provavelmente as outras nações os repitam depois,

mas não é obrigatório. É razoável mesmo que o processo seja diverso. O Brasil, de ínfima atividade industrial até o presente século — discute-se quando começa, se em 1930, 45, ou outra data, em questão que consome esforços historiográficos inúteis —, não precisa repetir as fases do sistema inglês; se vem depois, recebe muita coisa feita pelos outros, pode saltar fases e evitar erros praticados. Cada país tem

sua fisionomia própria e, portanto, sua história. É inútil estabelecer uma

tipologia

do

industrialismo,

pois ele variará conforme a época, o local e o estádio em que cada um se encontra.

87

A Revolução Industrial

É difícil dizer quais foram os efeitos da primeira Revolução Industrial, genericamente. Procurando estabelecer esquema apontando os mais sensíveis, podemos construir um que leve em conta, em grandes linhas, efeitos econômicos e sociais. Caracteristicas políticas ou psicológicas podem ser englobadas sob o rótulo de sociais. Tentaremos apontar esses

efeitos — os principais —, sem desenvolvê-los, pois o assunto tomaria mais espaço que o deste volume. Demais, alguns são tão óbvios que não requerem explicações: basta sejam enunciados. Assim, entre os efeitos econômicos, lembre-se

em primeiro lugar o aumento da produção. É óbvio, pois se antes,

no artesanato,

na manufatura

ou

na

máquina era necessária a presença de um, dois ou dez homens para produzir certa quantidade, com o aprimoramento das peças será possível usar menor número de empregados para obter muito mais: a spinning-jenny, por exemplo, de 1765, de Hargrea-

ves, faz que a roda de fiar com vários fusos e funcionando à mão, controlada por um operário que mani-

pulava oito fusos, logo possa manipular oitenta fusos

ou mais. Verifica-se aí extraordinária economia e aumento de produção. Como foi visto antes, a importação de algodão para fiar era de 1 milhão de libras-

peso em 1701; em 1750, 3 milhões; em 1781, 5300000;

000; em 1799, 57632 em 1784, 11 482000; em 1789,º 43 000000; em 1800, 56000000. Quanto à exportação: em 1780 não chega a 360000 libras; em 1785 ultrapassa 1 milhão; em 1792,. 2 milhões; em 1802, 7800000 libras. O mesmo na siderurgia: a produTT

Francisco fglêsias E?

ção cresceu 10 vezes em 40 anos, enquanto a de ferro-gusa passou de 68000 toneladas em 1788 para

1347000 toneladas em 1839. Aumenta a procura do mercado, mais consutnidores. Os preços caem, a produção é mais barata pelo número de trabalhadores e eficiência da máquina. Demais, os novos transportes facilitam o escoamento. O mesmo se dá com todas as máquinas de fiar e tecer, como com os melhoramentos na siderurgia e metalurgia ou na economia de esforços com a máquina a vapor. E todas vão sendo aperfeiçoadas. O que dizer então das máquinas de agora, na era da computação, em que o papel do trabalhador é de simples controle, todos os serviços feitos mecanicamente, cabendo-lhe apenas fiscalizar? E o que dizer da produtividade, cada vez mais alta? Foi exatamente esse aumento, levando à dispensa de muitos, que trouxe a revolta contra a máquina, ao longo de toda a primeira Revolução Industrial, vista como inimiga pelos trabalhadores, pela dispensa de gente

provocada. É conhecido o episódio do combate às inovações; vinha dos tempos medievais, com a destruição de inventos e até a morte do responsável. Era

uma atitude de incompreensão, justificável pelos prejuízos causados na mão-de-obra. Houve mesmo a grave revolta de populações inteiras, opostas ao industrialismo. O equívoco teve lugar em 1811 e

1812, nos distritos industriais do Centro, com jul-

gamento sumário terminando em enforcamentos e “exílios. Byron escreveu Song for the Luddites, acre-

ditando haver aí manifestação revolucionária. É o

A Revolução Industrial m

movimento ludita, ainda hoje evocado por inimigos da indústria, em atitude que traduz incompreensão. Antes de ser inimiga do homem e do trabalho, a máquina é aliado e libertador. Trata-se de visão equiívoca do problema, pois não se pode recusar jamais o progresso técnico. Se ele leva a algum desajustamento no início, é por um mau encaminhamento social. A longo prazo qualquer inovação representa sempre vantagem, com aumento da produtividade, diminuição dos esforços físicos. Demáis, a liberação do tempo pode conduzir a menos horas e menos dias de semana de labor, a serem dedicados ao descanso ou à melhor formação profissional e humana, tornando a vida mais tolerável e bela, até — quem sabe? — chegar-se às fantasiosas utopias. Outro efeito é o de concentração das indústrias. Quando a máquina dependia de fatores naturais — vento, água —, impunha-se sua colocação em deter-

minada área. Daí a escolha de margem dos rios. É natural que elas se concentrem; do mesmo gênero ou heterogêneas, umas dependem de outras e só há vantagens em algum ajuntamento. Mercadores-fabricantes sempre acharam cômodo

agrupar operários,

produtores do mesmo artigo para fiscalização e economia de transporte de matéria-prima. Há fábricas enormes. O empresário Boulton teve uma em Soho, em 1765, de cinco andares para seiscentos traba-

lhadores. Na metalurgia, desde o emprego do coque, .

as dimensões das empresas não são mais limitadas

pelas florestas: cada empresa tem vários altos fornos e forjas. Já há a concentração vertical: Wilkinson,

Francisco Iglésias

em 1787, tinha minas de ferro, hulha, fundições e

depósito em Tâmisa. Um dos setores básicos do estudo de montagem de fábricas é o locacional, ele tem de ser bem posto. Efeito assinalável é a divisão técnica do trabalho. No artesanato ou na manufatura uma peça era realizada por um só. Lembre-se a corporação, em que todas as fases eram executadas pela mesma pessoa. O produtor era também comerciante. Com o desenvolvimento da técnica, porém, evidenciou-se que com a divisão de funções o resultado é mais perfeito e rápido. Um objeto qualquer, simples ou complexo, pode implicar em dezenas ou centenas de tarefas, de funcionamento melhor quando feitas por artesãos diferentes. O exemplo clássico é dado por Adam Smith, em 4 Riqueza das Nações, de 1776 —aurora do industrialismo moderno —, quando se dá a descrição do fabrico de alfinetes, requerendo dezoito operações. Marx também insistiu nesse traço em O Capital. O excesso de especialização pode levar a desgastante rotina, fadiga física e mental, chegando à loucura. Exemplo clássico de crítica a essa possibilidade está na obra-prima de cinema de Chaplin — Os Tempos Modernos —, em que o operário atinge o delírio por passar o dia todo apertando parafusos em uma simples peça. Para evitar o dano muitos estudos foram feitos e chegou-se à moderna racionalização do trabalho, que evita os inconvenientes e faz da atividade algo de saudável e até um prazer. Efeitos óbvios do industrialismo: estímulo do comércio, mais aplicação de capital. O estímulo do

A Revolução Industria! PF

comércio é evidente, se a produção é muito maior e os preços tendem a ser menores. Produz-se mais, vende-se mais, há maior número de consumidores, mesmo porque o comércio não se restringe a pequena área — antes só se produzia para o consumidor próximo e até conhecido, como na era das corporações —, mas vai para longe, pode atingir o mundo todo, como agora, quando na pauta de consumo há artigos de toda procedência. Há mais estradas, canais, melhores portos, veículos que toleram cargas pesadas e altas velocidades. Demais, afrouxam-se as barreiras do mercantilismo e a atividade comerciai passa a ter outra visão, sem as restrições anteriores. Mais aplicação de capital decorre de que as fábricas são complexas, grandes, empregam muita gente. Os investimentos são onerosos, como não se dava no artesanato, na manufatura domiciliar. Já nos primeiros anos da mudança, ainda no século XVIII, há estabelecimentos de área ampla, como se viu. À economia é altamente monetária, quando antes, na época do predomínio agrícola, se o fator básico é a terra, ela é grandemente natural, fazendo-se através de troca de artigo por artigo. Os capitais aumentam também pela situação internacional: com o Tratado

de Paris, de 1763, a Índia e o Canadá são abertos aos

ingleses. Além do comércio, há o gosto pela especulação, maiores inversões, quando antes praticamente o único emprego era a terra. Efeito notável é o estímulo

às combinações fà-

nanceiras. Uma fábrica de certo artigo tende a atrair ou desdobrar-se na produção de outro ou outros ara



tigos, de relativa semelhança. A fiação traz a tecelagem, as roupas, as meias; o ferro induz a máquinas de todo tipo, em interminável divisão de atividades. Com o evolver do industrialismo chega-se às formas aprimoradas de combinações financeiras, como o truste e o cartel, realidades já no fim do século XIX, em outra Revolução Industrial. Se têm vantagens econômicas para seus manipuladores, podem e acabam por prejudicar o público. É o capitalismo em sua plenitude, sistema que só tem em vista o lucro. Daí seu combate por associações populares e pelos governos, embora seja difícil, pois os industriais sempre encontram fórmulas de contornar a lei que impede as concentrações. Ainda efeito econômico é a distribuição das atividades. Faz-se seu estudo principalmente através da obra de Colin Clarck — The Conditions of Economic

Progress (1951 — 22 edição), ao falar em atividades

primárias, secundárias e terciárias. É efeito que não

deve ser lembrado a propósito da primeira Revolução Industrial, mas das seguintes. Por atividade primária entende-se a extrativa e a agrícola; secundária, a industrial: terciária, a de serviços, que entende tarefas simples, como a do barbeiro ou lavador de carro, ao magistério, à arte, à gerência, à administração em seus níveis mais altos. Sociedade de economia primitiva, como era ainda a da primeira Revolução Industrial, tem o maior número de pessoas empregadas no setor agrícola ou extrativo;

os que se empregam

nos

segmentos secundários ou terciários são em número reduzido.

Esquema

simplificado,

como

é visto em

ig E

Francisco Iglésias

92

A Revolução Industrial

Jean Fourastié, em Le Grand Espoir du XXe. Siecle, diz que em 1800 havia 80% de pessoas empregadas no setor primário, 10% no secundário e 10% no terciário. Uma economia moderna, evoluída, inverte o esquema. E tem-se: 10% no setor primário, 10%) no secundário e 80% no terceário. A máquina vai ocupando os lugares do homem, cabendo a este exercer o controle geral. Importante, com tal modificação da estrutura de emprego não sofre a agricultura ou a indústria: pelo contrário, dão rendimentos crescentes, pela racionalidade dos serviços. Daí Fourastié dizer que “nada menos industrial que a civilização que sai da Revolução Industrial”. O progresso técnico é relacionado com o produto global da produção nacional; com o nível de vida; com a duração do trabalho, o ensino e a elevação da idade escolar; enfim, com o fenômeno geral da repartição da população ativa. O fato é verdadeiro e desmente as cens saudosistas da ordem ansuras ou lamentaçõedos tiga — em geral velhos grupos dominantes que perderam o poder com a emergência e a elevação de outros grupos sociais e se consomem em nostalgia que nada tem de racional ou científica. Vistos certos efeitos econômicos, assinalem-se agora os sociais, não menos importantes e mais atrativos. Consideremos alguns. O primeiro deles, de difícil análise, é o aumento da população. Faltam dados, não havia censos para séries completas. Demais, são defeituosos por falta de técnica e pelo temor do fisco. O primeiro censo feito na Inglaterra é de 1801, mas pouco confiável: os E

Francisco Iglésias

94

seguros datam de 1839 e 45. Os historiadores, em perspectiva ampla, falam em duas revoluções: a agrí-

cola e a industrial. A primeira teve lugar no Oriente

Próximo e no curso do oitavo milênio A. C.: a segunda no século XVIII na Inglaterra. O máximo de população no oitavo milênio A. C. era de vinte mi-

inões de habitantes, o mínimo dois milhões; já nas vésperas da Revolução Industrial, em 1750, devia oscilar entre 650 e 850 milhões, sendo provável 750 milhões, segundo Carlo Cipolla (Histoire Economique de la Population Mondiale, 1962). Interessa-nos fixar a população da Inglaterra; em 1600 seria de 5 milhões; em 1650, 5 500 000; em 1700, 6 milhões; em 1750, 6500000; em 1800, 9 milhões; em 1830, 14 milhões. É difícil estabelecer relação entre o industrialismo e o crescimento da população, pois países não industrializados tiveram populações altíssimas,

como o caso da China e da Índia. Ao lado da Ingla-

terra, a irlanda, desindustrializada, apresentou também crescimentos no período. Já se viu que com a indústria melhorou substancialmente a agricultura. Assim, houve aumento da produção e produtividade. Se a população rural em parte abandonou os campos e veio para as cidades, estas, apesar do desconforto,

da poluição provocada pelas fábricas, de falta de ali-

mentos, dão mais assistência. E se aumenta a população é mais pela queda

da mortalidade

que

pelo

incremento da natalidade. Antes, o índice de morta-

lidade infantil era aterrador, mas vai diminuir muito

agora. Por outro lado, há certos hábitos de higiene que preservam contra a doença e garantem vida mais

A Revolução Industrial o

longa, como a limpeza e o uso da roupa branca. Apesar de tudo adverso, há mais recursos sanitários e médicos, alimentação, renda, que leva a gastos. A varíola, por exemplo, é reduzida, como outras moiétias endêmicas. Poder-se-ia ver nesses dados um elemento explicativo para mais população, embora se tenha de levar em conta a adversidade do trabalho industrial, pesado, em ambientes úmidos ou perigosos — como nas minas —, com o pó e gases, as péssimas condições habitacionais, a falta de conforto das cidades, o trabalho bruto exercido por mulheres e até por crianças, o desemprego. Apesar da dureza, o nível médio de vida foi alongado. Por certo a população cresceu lentamente da Pré-história e mesmo dos primeiros séculos da História até a Idade Moderna, enquanto a contar do século XVII começa a conhecer um coeficiente de crescimento ignorado antes e que se mantém até nossos dias, criando problemas e até fantasmas de

destruição da humanidade pelo número. Em plena Revolução Industrial o caso já aparece na obra do economista inglês Robert Maithus (1765-1834). Se Adam Smith não chamou a atenção para o caso, Malthus soube percebê-lo, em publicação anônima de 1798, Án Essay on the Principles of Population, cuja autoria confessou depois. Começou uma polêmica com o próprio pai, Daniel Malthus. O autor

reviu o ensaio em 1803, modificando-o bastante após leituras e viagens: é mais prudente e menos sentencioso nesse livro, no qual já se afirma o economista inovador. Confirma-se aí o temor do crescimento,

96

Francisco Telésias

traduzido na fórmula: a população aumenta em pro-

gressão geométrica e os meios de subsistência em

progressão aritmética. Começaria debate que prossegue até hoje. Malthus recomendava atenção prescrevendo cuidados, como casamentos tardios ou a continência dos casais. Apesar do progresso da ciência,

que pode desmentir o crescimento aritmético dos meios de subsistência, o certo é que ainda hoje mui-

tos continuam com os temores de Malthus. Ele foi amigo de outro economista — David Ricardo (17721823) —, que tinha também uma visão pessimista, com a sua lei dos rendimentos decrescentes, no anúncio de ser a produção da terra cada vez menor, pelo desgaste. Malthus e Ricardo, além de suas grandes obras, escreveram panfletos sobre os problemas econômicos e políticos do dia, em geral em perspectiva sombria, o que levou Carlyle a chamar a Economia de “ciência sinistra”. Entre as discussões dos dois avultam as leis de assistência à pobreza, por eles combatidas, em nome do liberalismo econômico, com o argumento pouco generoso de que cada um é responsável por sua situação. Para evitar a miséria que ameaçava generalizar-se, o governo inglês adotou as leis de assistência à pobreza (Poor Law), com subsídio a todos para que

pudessem sobreviver, desde 1536. Outras depois. A mais importante foi votada no reinado de Elizabeth, em 1601. O auxílio era supervisionado pelas paróquias. Agravando-se o problema, estabeleceu-se em

p—

Berkshire, em 1795, o Speenhamland (nome da aldeia em que foi decidido), subsídio familiar, apro-

A Revolução Industrial

vado pelo Parlamento para todo o Reino: dava ajuda mais substancial aos pobres e trabalhadores, de conformidade com o número da família. O sistema foi criticado pelos casos que criou, pois os empresários davam pagamento baixo para o Tesouro arcar com a complementação. Daí sua substituição por uma New Poor Law, em 1834. Paliativos contra a pobreza e a miséria e modo de enfrentar a crítica e a organização dos trabalhadores, contínua e forte, como se verá. Outro efeito notável é a urbanização. Decorre da indústria, pois esta é em escala comercial, enquanto

o antigo

artesanato

era frequentemente

do-

méstico, de pequena produção. À nova indústria requer investimentos que só podem ser feitos por homens ricos ou associações de empresários. Com a fábrica verifica-se o êxodo dos campos para as cidades, acentuado com as demarcações.

E estas, antes raras,

começam processo formativo rápido, surgindo núcleos urbanos em pequeno tempo. Para idéia do surto provocado lembre-se que as cidades industriais inglesas, com exceção de Londres, surgem de fato no século XVIII. Manchester, por exemplo, centro importante, em 1700 era um povoado e em 1800 tem 100 mil habitantes. Birmingham, em 1740, tinha 25 mil habitantes, em 1800 terá 70 mil. Liverpool, Bristol e Norwich tinham mais de 25 mil habitantes.

Apenas um em cada cinco ingleses vivia em cidades.

Entre 1751 e 1821 a população da Inglaterra e do País de Gales mais do que duplicou. Em 1840 a maior população do mundo era camponesa. E só 19

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Francisco Telésias cidades européias tinham mais de cem mil habitantes. Londres é a maior cidade do mundo, com um milhão de habitantes; Paris, a segunda, tem 500 mil. Surgem mais outras como Sheffield e Glasgow, desenvolvem-se algumas regiões, como Lancashire, Sul de Gales; algumas recebem o nome de Black Country, pelo excesso de gases, pó, fumaça, poluição generalizada. Sobretudo as de exploração de carvão. São em geral tristes, feias, sujas, sem conforto, pelas concentrações geradas momentaneamente, pela falta de qualquer ordenamento. Certo plano de melhoria virá depois. Sabe-se, porém, que ainda hoje as cidades industriais não primam pelo asseio, ordem ou beleza, tão encontráveis em outras cidades britânicas. Apesar dos contratempos nas vidas urbanas, para as populações elas apresentam vantagens. O camponês que larga o mundo rural pelo urbano tem liberdade não conhecida no campo, quando era sempre mais ou menos dependente de senhores. Bem dizia o provérbio medieval (era do feudalismo) que o ar das cidades faz o homem livre. Aí ele não é dependente de um senhor e tem alternativas que o campo não oferece. Por mais pobre que seja, subalimentado, tem alguma diversão: sua vida tem mais sentido, não

é vegetativa como na área rural. O êxodo, portanto, é explicável. Como dizia Marx, “a burguesia submeteu os campos ao governo das cidades”. Nas fases seguintes da indústria, então nem se fala, como se vê

em nossos dias, quando o operário urbano tem onde morar, ainda que seja nas favelas, tem seu clube de

futebol para torcer ou jogar, tem sua escola de

a

|

ba, a associação para dançar, a possibilidade de cinema, de namoro, coisas inexistentes ou restritas no campo. A urbanização, pois, apesar da irracionalidade do crescimento dos núcleos, dos problemas de trânsito, do ataque à ecologia, é um passo. Pode-se simplificar dizendo que representa progresso. Com aumento populacional e urbanização verificam-se os movimentos populacionais. Foram espontâneos, às vezes, como no caso dos que abandonaram os campos pelas cidades em busca de trabalho e melhores salários. Forçados, como no caso das demarcações. O industrialismo atrai não só os homens rurais como também os estrangeiros. E intensifica-se a imigração, mais de irlandeses e judeus da Europa Central. Mais pobres, aceitam qualquer condição e salário, o que leva ao aviltamento das rendas, com a consequente luta dos nativos contra eles, com inimizade e ódio. Acresce aos salários o problema religioso, com o catolicismo dos irlandeses ou a diversidade dos judeus. Há também o fenômeno do desajuste ante a máquina, pois os rurais não têm habilitação para tarefas urbanas. Formam-se os bairros pobres, ghetos que agravam a situação já grave dos núcleos urbanos. Foi tal a imigração de irlandeses para a Grã-Bretanha e para os Estados Unidos que a população do país diminuiu sensivelmente de 1846 a 1891. O movimento populacional é outra decorrência do industrialismo. Fato notável do ângulo econômico, social e político é a ascensão da burguesia. É mais um efeito da mudança da estrutura inglesa. O país tinha uma

1

A Revolução Industrial

Francisco Iglésias

burguesia mais expressiva que os países da Europa: ela se fortaleceu desde o século XIII, ganhando vigor com a experiência comercial decorrente do desen-

volvimento marítimo dos séculos XV e XVI, do tráfico por vezes pirata do tempo de Elizabeth, das revoluções do século XVII — Cromwell e 1688 — e da Revolução Industrial. Hã muito decrescia o poder econômico da aristocracia, com os novos-ricos do comércio e das finanças. Do poder econômico, eles almejam o poder político. Vão obtê-lo primeiro na França, com a Revolução de 1789, movimento sobretudo da burguesia, que se viu guindada ao governo. Na Inglaterra do século XVIII o burguês já tem muito, até politicamente, mas é no século seguinte que ele se consagra. A elevação relativa do burguês se verifica com as lutas entre as duas classes — aristocracia e burguesia —, manifestadas no Parlamento, nas quais as vitórias são eminentemente burguesas. O Parlamento era constituído pela Câmara dos Lordes e pela Câmara dos Comuns. Se aquela era naturalmente conservadora, esta se modificou pelos choques entre os partidos conservador e liberal. A aristocracia ligada à terra defende seus interesses, é pela agricultura, contra a importação de cereais (longo debate ao longo do século, em que tiveram papel saliente no princípio Malthus e Ricardo, com seus panfletos). A primeira Corn Law (lei dos cereais) é de 1689, muitas outras foram votadas. A própria aristocracia, com seus lordes, coloca-se ao lado da burguesia, episodicamente. Ela e a gentry (fidalguia,

proprietários)

se entrelaçam

com

os casamentos,

O

men

A Revolução Industrial

confundindo interesses. Depois, na luta entre liberais e conservadores, a burguesia quase sempre lucra. Os liberais têm teses mais avançadas, de defesa da indústria, não da agricultura, são a favor de supressão das leis dos cereais, o que afinal se dá em 1846. Até os operários se unem à burguesia. Era interessante para a burguesia a supressão dos entraves | importação, com a vinda do trigo da Rússia, por exemplo, pois os preços cairiam e os salários poderiam ser menores. Os aristocratas são contra, mas são vencidos. Em compensação, nas lutas do Parlamento, colocam-se pela elevação dos salários e maiores direitos do proletariado, como espécie de ressen-

timento. É a conhecida dialética que movimenta aí

como sempre as disputas partidárias. Os operários ganham também com a posição. As leis dos cereais foram votadas não só pela ideologia liberal como pela fome dos anos quarenta (os hungry forties), os mais difíceis da vida inglesa. Os landlords fazem concessões. Verifica-se a sabedoria política da nação: a aristocracia não é uma casta governante, mas uma classe governante. Desde o século XV confunde seus interesses com os dos comerciantes. Acelera a emancipação das classes mé-

dias. É o fundo conservador inglês, tático e sagaz:

classes dominantes fazem reformas e integram nelas o elemento novo. Ao longo do século XIX é interessante a história política, com os partidos conservador e liberal, que se alternam no poder. Uma das traduções das lutas são as reformas eleitorais, como as

de 1832, 67 e 84. Burgueses, classe média e até prole-

E

102

Francisco Iglésias

tariado são cada vez mais contemplados. A situação vai sendo revista, com a suspensão de burgos criados pela antiga lei eleitoral que criava os postos de deputados e reconhecimento do direito ao voto aos novos

núcleos urbanos, enquanto cortava o direito à repre-

sentação de antigos núcleos, inexpressivos pela falta de população (os burgos podres). Assim modifica-se o quadro social e político. Em todo esse movimento atua e vence a ideologia liberal, que melhor traduz os interesses da burguesia. O liberalismo político e o econômico são predominantes no século XIX, consagrando a ascensão da nova classe ao poder, não só econômico como político. Outro feito digno de nota é o acirramento da luta de classes. Diz-se acirramento, pois essa luta é uma constante na evolução, como assinalou Marx no Manifesto Comunista: “a história de toda sociedade até nossos dias é a história da luta de classes”. Processo antigo, atinge talvez agora a plenitude, quando o proletariado busca sua exata posição, livre de ser espoliado e dono de seu destino. A indústria aumenta o contraste entre ricos e pobres. Emerge nova classe, cada vez mais dinâmica, consciente e reivindicativa — o proletariado. Nesse curto período de sua existência tem obtido vitórias e não há dúvida que, organi-

|

ou oficinas com aprendizes, mas vilas, como a gentry. Querem casas de luxo e status de nobreza, com esportes, caça, festas, alto padrão ostentatório, con-

O

zado como se pretende, venha a obter a posição a que tem direito, como agente do processo produtivo. Os industriais, novos-ricos, querem privilégios: não lojas

e

em

e E

se

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E

Em

A Revolução Industrial

Charles Dickens.

Francisco Telésias

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-

sumo conspícuo. Mescla-se com a nobreza, através de casamentos, com os quais se satisfazem dois interesses: os títulos de uns e a fortuna ou a simulação de riqueza de outros. Já o proletariado desempenha tarefas rudes, pesadas, e em ambientes nocivos à saúde e que os leva a vida curta. Falta-lhes segurança, os acidentes com as novas máquinas são comuns e não há previdência. No trabalho consomem-se mulheres e crianças, de ínfima idade (até de 4 anos, com horário de 10 a 16 horas), como se vê nas descrições históricas de Marx em O Capital, no livro de Mantoux, ou — entre outros — nos romances de Charles Dickens (1812-70), que testemunhou a realidade. Forma-se logo uma corrente de crítica e protesto, que

aos poucos obtém êxitos: tal é o caso da lei das Fábricas, de 1802, projeto de Robert Peel, com obje-

tivo de uma assistência global, sobretudo aos menores; assim uma lei de 1802 limita a 12 horas o trabalho por dia e isenta de serviço noturno os apren-. dizes pobres; outra, de 1812, limita esforço de menor de 12 anos; lei de 1814 proíbe convocação de menino de menos de 9. Em 1842 lei impede mulher servir nas minas. Lei de 1847 estabelece trabalho de 10 horas. Karl Polanyi, no livro 4 Grande Transformação (1944), diz que essa lei, que Marx aplaudiu como a

primeira vitória do socialismo, foi obra de reacionários esclarecidos. Para garantir a sobrevivência instituem-se as leis dos pobres, que dão o mínimo para não morrer, como se viu com a citação das Poor Law de 1601 e 1834 — as principais — ou com o sistema

Speenhamland,

de 1795.

O trabalho é espoliado,

A Revolução Industrial

1 sas

com a formação para o empresário do lucro da maisvalia, cientificamente determinado em O Capital. Nas últimas décadas do século XVIII, quando se instalavam as fábricas e a Grã-Bretanha se envolvia em guerras com os Estados Unidos e com a França, organizações e empresários em tecelagem, metalurgia, cerâmica e outros gêneros agiam em defesa de seus negócios, pressionando o Parlamento para obter certos favores e leis ou para revogar medidas que consideravam prejudiciais. Já se fazia certa assistência social, como Boulton em Soho, Wedgwood em Etruria, com a criação de caixas de auxílio para os trabalhadores pobres, dispensários e escolas. Também os trabalhadores por vezes se organizavam para a luta contra os patrões. Poderíamos citar exemplos, dados por Mantoux no capítulo “Intervenção e lais-

sez-faire” tomariam nas. O de lhador é

(Cap. IV, 32 parte), mas os pormenores excessivo espaço. Consigne-se o fato, ape-

mais importante para a defesa do trabaa elaboração de obras que denunciam o quadro e preconizam medidas. Algumas vagas, irreais e românticas, como as dos socialistas utópicos,

outras objetivas, pregando a organização de classe,

no que se convencionou chamar de socialismo científico. Criaram o clima para as realizações e lutas do século XIX. Sem querer estabelecer a genealogia do socialismo, deixem-se de lado a Antiguidade e a Idade Média, fixando-se nos utopistas franceses, como os associanistas, apenas referidos: François Babeuf (1764-97) editou a Tribuna do Povo, o primeiro jor-

Francisco Ielésias =

nal comunista, pregando a igualdade absoluta. Etienne Cabet (1788-1856), de Viagem a Icária (1840), com idéias generosas, mas fantásticas. Tentou sem êxito experiência nos Estados Unidos, em Illinois, de sociedade com propriedade comunal de bens. Conde de Saint-Simon (1760-1825): antes que socialista, era um coletivista. Teve muitos discípulos, alguns equivocados, que viram frustrados seus planos e idéias. Charles Fourier (1772-1837) foi um imaginoso que raiou pelo delírio. Propôs a construção de unidades chamadas falanstérios, que nunca se concretizaram, apesar de experiências. Louis Blanc

(1813-82) tentou com seu grupo reformas nas insti-

tuições políticas da época. Membro do Governo Provisório de 1848, pediu a criação de um Ministério do Trabalho e Progresso. Imaginou oficinas de trabalho. A experiência feita se frustrou. Outro foi Proudhon (1809-65), que misturou idéias anarquistas e revolucionárias. Escreveu muito (um de seus livros, Filosofia da Miséria, de 1846, foi asperamente contestado por Marx em Miséria da Filosofia, de 1847). Denunciou a propriedade no célebre Qu est-ce la Proprieté?, de 1840. Escritor vigoroso, teve seguidores e exerceu influência. Além dos franceses consigne-se Robert Owen (1771-1858), de ação ampla e acidentada. Industrial vitorioso na Inglaterra e na Escócia, sacrificou fortuna pela reforma em nome de suas idéias. Começou por aplicar o que pensava em sua tecelagem de New Lanark, na Escócia. Como não

tivesse seguidores, foi para os Estados Unidos, em 1824, comprando uma grande comunidade — New

Rd

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Harmony. A experiência falhou em três anos e aí foi-se o seu dinheiro. Orientava-o a busca da felicidade geral. Como o homem era bom, acreditou que sistemas cooperativos tivessem êxito: trabalho comum, sem noção de lucro. Se falhou na ação, escreveu livros valorizados hoje. Influiu na legislação que deu à Grã-Bretanha suas melhores leis fabris, em 1844. Trata-se, portanto, de figura importante, estudada com interesse crescente. Haveria outros socialistas a indicar, mas vamos referir apenas o principal, Karl Marx. Associado a Engels, desenvolveu intensa atividade proselitista e escreveu dezenas de livros, que chamaram a atenção de seu tempo e são hoje lidos e verdadeiros guias, constando do que de mais alto produziu a ciência social. O maior estudioso do capitalismo, desvendou a trama do sistema, em análise que se admira e respeita e quase sempre se acata. Foi economista, sociólogo e filósofo de gênio. Marx tentou organizar os trabalhadores, com a I Internacional, em 1864, mas de vida curta, pois acabou em 1872. A responsabilidade coube-a Bakunine (1814-76), líder anarquista que não se entendeu com Marx, como não podia entender-se, se as duas ' filosofias são inconciliáveis: uma quer a organização,

a outra quer o movimento espontâneo. De sua pregação originou-se o empenho comunista, discipli-

nado e forte, de êxito em nosso século, depois da revolução russa em 1917. Entre outros movimentos de trabalhadores, assinale-se o cartismo, na Inglaterra, que teve alguma atuação, sobretudo de 1838 a 45. Se a lei antes

is

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Francisco Iglésias

proibia a greve, como a de 1799, foi revogada em 1824. Para o socialismo esquerdista Marx e Engels

escreveram o Manifesto Comunista, em 1848, de tamanha repercussão. O movimento sindical expandiu-se, com o trade-unionismo, de profunda influência no fim do século XIX e no atual. Na França o sindicalismo é liberado pela lei Waldeck-Rousseau, de 1884. Estamos, porém, em período já muito avançado, que não é o da primeira Revolução Industrial, cujo estudo pretendemos fazer. Esses e outros movimentos são da segunda metade do século XIX ou do atual, quando se está na segunda, terceira ou quarta Revolução Industrial, escapando-nos pois. Lembre-se, por último, o aumento do bem-estar social. Claro, com o industrialismo diminuíram os esforços do homem, cresceu a produção bem como a produtividade, de modo que todo o sistema se altera. Se não é essa a situação nos primeiros anos do periodo aqui analisado, quando a máquina provocava desemprego ou exigia trabalho excessivamente rude,

aproveitando tanto homem como mulher e crianças,

com o tempo a situação foi sendo alterada. Já em meados do século XIX — na aurora do industrialismo, pois —, havia proteção e interesse por melhores condições do trabalho, em parte pela pregação liberal e sobretudo socialista e pela organização dos próprios trabalhadores em defesa de seus interesses. O principal virá depois, com a luta sindical e os movimentos socialistas, por uma pregação mais objetiva do que é a indústria e o trabalhador. Por parte até dos Estados desenvolve-se a consciência previ-

A Revolução Industrial

denciária, assistencialista, chegando-se à idéia do Estado do Bem-Estar (Welfare State), uma realidade nas nações avançadas do mundo hoje. A crença do homem na eficácia da Revolução Industrial faz que todos os Estados se voltem para o industrialismo. O exemplo das nações dominantes, altamente industrializadas, orienta os novos Estados. Os mais antigos procuram emparelhar-se com as nações líderes, vivendo a experiência, cada um à sua maneira. Não é intenção seguir os passos da Inglaterra, pioneira: o mundo hoje é outro, apresentando até algumas vantagens, contanto que os Estados hegemônicos abdiquem em parte de seus poderes e de alguns privilégios indevidamente adquiridos. As

jovens nações da Ásia e da África, como as menos

jovens da América Latina, têm por meta a industrialização, através do planejamento ou do capital estrangeiro que as explora mais que as ajuda. A palavra mágica passou a ser desenvolvimento. Ora, este pode ser um mito, se não devidamente conduzido, como foi denunciado por teóricos do mesmo desenvolvimento, depois em parte desencantados com o que parecia uma panacéia. As jovens nações, porém, às vezes adotam modelos de outras com as quais quase nada têm de comum. E os resultados nem sempre são positivos ou animadores. Importante é que a Revolução Industrial continuou seu caminho, com novas invenções e a idéia de racionalização do trabalho. Com as grandes novidades dos aparelhos de hoje o esforço humano tende a ser cada vez menor. Referimo-nos antes, nos efeitos

tm

f E

110

Francisco Telésias =

econômicos, à nova distribuição das atividades econômicas, com o quadro moderno de predomínio absoluto das atividades terciárias (80% de serviços) e 10% de primárias e 10% de secundárias (agricultura e indústria). Produz-se mais e melhor, com menos dispêndio de energia. Como resultado o homem se libera: sobra-lhe folga para maior dedicação à escola, ao lazer. À semana de trabalho pode ser menor, pois a produção exige menos tempo. O que lhe resta pode ser dedicado a esforços intelectuais, à criação artística, ao esporte. Com muito mais estudo será possível a invenção de bens que nos faltam, mais cuidado com a pesquisa científica, médica sobre-

tudo, de modo que se garanta período médio de vida mais dilatado. O homem entrega-se à conquista do espaço, e o faz com êxito. O trabalho é cada vez mais

leve, prevendo-se para breve que tudo será feito pela máquina, na idade da cibernética, na qual o homem atuará por computadores e outros aparelhos que apenas exigem controle. Cite-se mais uma vez a sentença de Fourastié: “nada é menos industrial que o gênero de vida nascido da civilização industrial”. A

expectativa pois é de otimismo. É preciso, entretanto,

cuidado para não embarcar em utopias gênero “admirável mundo novo”. Se a máquina e a experiência produzem o bem, elas podem levar aos aten-

tados ecológicos frequentes hoje, com a destruição

dos recursos naturais, o fim de espécies animais, o envenenamento da paisagem pelos gases, pelos corpos químicos usados tendo em vista a produção e que poluem tudo. Sem falar nos inventos altamente des-

A Revolução Industrial

trutivos, como as bombas e a guerra química, já empregados para desdouro de nações € do próprio homem. Relembrem-se a destruição atômica na guerra com o Japão, a selvageria da luta no Vietnã, realidades que são de hoje, não da Pré-história. S6 outro Estado, outra mentalidade e organização social podem usar todos esses recursos positivos para o bem. E o homem deve entender-se, pois tem em suas mãos a possibilidade da hecatombe. A tarefa que incumbe às presentes gerações é imensa e nunca se exigiu tanta lucidez e responsabilidade. Quando a prosperidade cresce e todos tendem a ser intelectuais é preciso usar a inteligência para não se repetir a lenda do aprendiz do mágico: sabendo abrir as torneiras não sabia fechá-las e morre afogado pela fúria das águas que desencadeou. O acerto dependerá da continuidade da Revolução Industrial — como se disse mais de uma vez ela é uma só —, para resolver e não agravar problemas. Para tanto urge outra ordem, que parta de novo

homem, nascido de consciência de suas responsabilidades e de conceito mais generoso de vida.

INDICAÇÕES PARA LEITURA Dada a importância do tema, é natural sua imensa bibliografia, cada ano com novas obras, às vezes fundamentais. Não é nossa intenção fazer esse levantamento, pois a matéria tomaria muitas páginas e nos parece dispensável. Devido ao caráter introdutório do volume e da coleção, apresentam-se apenas alguns poucos títulos, a nosso ver úteis a quem procura iniciar-se e aprofundar-se no assunto. Demais, evitamos artigos de revistas ou livros raros, lembrando apenas os de possível acesso. O livro mais completo sobre a primeira Revolução Industrial é ainda o de Paul Mantoux, embora escrito há quade oitenta anos: La Révolution Industrielle au XVIIIe siecle (Paris, Librairie Georges Bellais, 1906). Volume alentado, trata de todos os aspectos, em abordagem superior. Editado mais de

trinta vezes na Inglaterra, curiosamente a segunda edição francesa custou; é de 1959. Não há tradução

J

A Revolução Industrial

brasileira. Outros títulos a serem lembrados: 4 Revolução Industrial, de Phyllis Deane (Rio, Zahar Editores, 1969). Escrito em 1965, é atualizado e de ricas perspectivas. De Claude Fohlen, cite-se Qu 'est-ce que la Révolution Industrielle? (Paris, Editions Robert Laffont, 1971). De John U. Nef, Alicerces culturais da Revolução Industrial (Rio, Editora Presença, 1964). A formação da sociedade econômica, de R. L. Heilbroner (Rio, Zahar Editores, 1964), tem vários capítu-

los sobre o tema. Excelente é Da Revolução Industrial ao Imperialismo (Rio, Forense Universitária, 1978), de E. J. Hobsbawn. Denso, informativo, abrangente. Do mesmo autor, embora não específico, Las Revoluciones burguesas (Madrid, Ediciones Guadarrama, 1962). Há tradução brasileira. Muito bom é La Revolución Industrial, de T. S. Ashton (México, Fondo de Cultura Económica, 1950). Também não específicos,

mas esclarecedores, são 4 evolução do capitalismo, de Maurice Dobb (Rio, Zahar, 1965), com excelente capítulo sobre o assunto (VII), em quadro amplo e lúcido para a compreensão da História Moderna e

Contemporânea; o de Karl Polanye, 4 grande transformação (Rio, Editora Campus, 1980; o de H. E. Friedlander y J. Oser, História econômica de la Europa Moderna (México, Fondo de Cultura Económica, 1957). Para uma visão da história britânica, recomendam-se: George Macaulay Trevelyan, História Politica de Inglaterra e História Social de Inglaterra

(México, Fondo de Cultura Econômica, 1943 e 1946).

ia



caca

SS

114

Francisco Telésias 1

Para entendimento da técnica, entre outros: História das técnicas, de Pierre Ducassé (Lisboa, Publicações Europa-América, 1949). P. S. Usher, História de las invenciones mecânicas (México, Fondo de Cultura Econômica, 1941). Escrito em 1929, é atual e dá o necessário. Para a história da população, o de Carlo Cipolla, Histoire économique de la population mondiale (Paris, Gallimard, 1965). Outra leitura rica de sugestões é a de Lewis Munford, Técnica y Civilizaciôn, do qual há tradução espanhola.

Úteis e bem feitos são os textos da Editora Gala-

tea Nueva Visión, de Buenos Aires: Sam Lilley, Hombres, máquinas e História (1957); Pierre-Maxime Schuhl, Maquinismo y Filosofia (1955); Donald Brinkmann, El hombrey la Técnica (1955). Como dissemos, a bibliografia é vasta e não pode ser dada aqui. O que se apresenta não é também uma seleção — trabalho difícil, mas alguns títulos usados na elaboração de nosso pequeno estudo e encontráveis em livrarias (poucos, infelizmente) ou nas bibliotecas de Faculdades de Filosofia ou Ciências Econômicas. O espaço e as características da coleção Tudo é História impedem e dispensam bibliografia mais dilatada.

Sobre o Autor Nasceu em Pirapora, Estado de Minas Gerais, em

1923. Fez o

curso de Geografia e História na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais. Obteve o grau de Livre-Docente em História Econômica Geral e do Brasil na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, da qual é Professor, bem como da Faculdade de Filo sofia da mesma Universidade. Colaborou na elaboração de enciclopédias e livros, juntamente com outros autores. Tem os seguintes livros publicados: Política Econôó-

mica do Governo Provincial Mineiro (1958); Introdução à Historiografia Econômica (1959); Periodização do Processo Industrial no Brasil (1963);

História e Ideologia (1971); História para o Vestibular e Cursos de Segundo Grau (1975). Autor de inúmeros prefácios e ensaios e artigos de História,

publicados

em

revistas e jornais,

especializados

ou

não,

no

a

Brasil e no estrangeiro. Participou de Congressos de História realizados no Brasil e em outros países: México, Peru, Estados Unidos, França e Canadá. Ex-assessor do Comitê de Ciências Humanas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, 1975-8). Assessor da Comissão Internacional para uma História Cientifica e Cultural da Humanidade, da UNESCO (1979).

Caro leitor: Se você tiver alguma sugestão de novos títulos para as nossas coleções, por favor nos envie. Novas idéias são sempre bem recebidas.

R

z

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