A Realidade Interna

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AUTOR DE O EGITO SECRETO, A ÍNDIO SECRETA, ETC.

pensamento

PAUL BRUNTON,

Ph. D

*

A

R E A L I D A D E INTERNA Tradução da oitava edição inglesa por JOAQUIM

GERVÁSIO DE FIGUEIREDO

EDITORA

PENSAMENTO SÃO

PAULO

ÍNDICE PAG. CAPITULO CAPITULO

I -- Prefácio I I -- O que é Deus?

CAPITULO

m --

CAPÍTULO

IV -- O Mistério do Reino do Céu

CAPÍTULO CAPITULO CAPITULO CAPÍTULO

v --

Uma Religião Sá As Sete Beatitudes

V I -- Auxílio Prático da Ioga

vn -vm --

7 17 31 46 65 95

Auto-Análise Psico-Espiritual

115

A Questão do Ascetismo

132

CAPÍTULO

LX -- A Escritura dos Iogues 1. Renúncia

151

CAPÍTULO

X -- A Escritura dos Iogues 2. Revelação

175

CAPITULO

X I -- A Escritura dos Iogues 3. Realização

191

CAPITULO

xn --

Erros do Buscador Espiritual

211

CAPÍTULO

XTTT -- O Evangelho Segundo S. João

227

CAPÍTULO

XIV -- O Mistério de Jesus

249

CAPITULO

I

PREFACIO

H

os deuses me concedido tal dom ao nascer, e eu teria de bom grado desempenhado o papel do risonho e satírico Demócrito, e não o da coruja misantropa, que é o meu atual. Quão cómodo é alimentar o credo de que na vida o que mais importa não é a substância, e sim, as maneiras, e que a obtusidade é o fundamento da dignidade. De qualquer modo, trata-se de uma pobre pena a minha, que nunca solta demais a tinta e só pode produzir uma progénie sem sorrisos. Bem mais agradável me fora atirar a esmo uns gracejos em prosa, do que estar a exibir a triste e saturnina fisionomia da ave noturna. Minhas estrelas, porém, eram escuras e me impeliram a revolutear sobre os mistérios do espetáculo da vida, quando mais me agradaria aproveitar de alguns gracejos da representação e contemplar mais a sua comédia do que a sua tragédia. OUVESSEM

Quando, numa noite pré-histórica não escrita, o ser pensante ergueu a cabeça pela primeira vez e contemplou no alto a imensidade ilimitada do céu coalhado de estrelas, seu primeiro pensamento não havia de ter sido outro senão o primeiro pensamento que penetra na mente do homem de nosso século vinte, ao contemplar a abóbada sob a qual êle vive e se move, amofina-se e galanteia. "Qual é o significado de tudo isso?" A dificuldade em achar-se a resposta a esta pergunta é tanta e tão profunda que ainda hoje os nossos maiores cientistas devem inclinar suas cabeças, em humilde ignorância, pois todas as suas

vitórias em conhecimentos pouco mais fizeram até agora do que roçar a superfície deste problema. As profundezas de tal problema seriam inescrutáveis, se dependêssemos apenas do intelecto humano. Jamais podem ser sondadas sem a ajuda de revelação superior. E m consequência, fiz uma ampla pesquisa. Meus estudos abrangeram livros empilhados nas prateleiras de pequenas bibliotecas; incluíram conversações íntimas e prolongadas discussões com os mestres do conhecimento do Oriente, e finalmente, estudei com os melhores de todos os tutores: as experiências pessoais e de primeira mão. Finalmente, os fados me colocaram os pés em estranhas viagens a terras cujas esbeltas palmeiras me chamaram com suas esticadas folhas e me convidaram, como a todos os homens convidam, para atar de novo os vínculos que submetem a Deus a relutante alma humana. Poucos ocidentais tiveram o tempo e o treinamento, a vontade e o dinheiro, que requerem estas pesquisas; c assim eu procurei fazer para eles o que eles não puderam fazer para si mesmos; procurei recuperar da obscuridade de épocas desvanecidas alguns segredos de que o mundo hoje necessita. Repetidamente eu permaneci sob os céus orientais completamente marchetados de estrelas, ou quando caminhava solitário em meio ao silêncio misterioso das florestas ameaçadoras, e era assaltado por um ultrapotente sentimento do estranho paradoxo da vida humana. E u seguia uma única trilha no estudo dos hábitos e sabedoria do Oriente, e ainda mais ao procurar equacionar em bases científicas as misteriosas façanhas e doutrinas dos iogues e faquires. Meus assentamentos de aventuras espirituais sob aqueles ardentes sóis orientais foram transladados em forma literária. Procurei revelar ao homem comum quão profundas fontes espirituais e quão deslumbrantes poderes psicológicos podem encontrar-se em seu interior, ainda que tivesse sido compelido a reservar para mais tarde a inscrição de minhas mais divinas experiências e os meus melhores pensamentos. Minha reticência neste ponto é devida às limitações da sociedade que me circunda, da civilização em que nasci. Queria dirigir-me ao homem de experiências rotineiras, ainda que as minhas houvessem sido extraordinárias. Quando o vi, em minhas andanças pelo mundo, notei que êle elaborava penosamente, por si, uma compreensão do significado da vida, que poderia ser adquirida por menor preço. E u queria dizer-lhe isso,

* persuadi-lo a dar um propósito vivo à sua vida, remover as apavorantes incertezas que são a característica predominante em nossa época. Mas, ah! Cada uma dessas vezes me lembrava a pergunta do grego Sócrates a Glauco: "Pretendes dizer que podes persuadir os que não querem ouvir?" O homem de experiências comuns encara estas filosofias abstratas, estas verdades abstrusas, e práticas austeras, como matérias de pouco interesse e nenhum benefício. A experiência me tem explicado, melhor do que a fala alertadora de meus Guias, por que a maioria dos videntes reserva para os poucos os seus mais recônditos segredos. Quem quer que escreva de assuntos tão extraordinários como os que escolhi para a minha pena, escreve sob grande desvantagem. Não ousa ignorar as misteriosas experiências que lhe formam a medula e o cerne; provavelmente não lhe darão crédito se as apresentar tal qual elas ocorreram; encontra a maior dificuldade em descrever ocorrências psicológicas que não têm significação para os intelectos meramente materialistas. E com referência ao supremo atingimento, parece às vezes um empreendimento desesperador tentar alguém desvelar um estado inefável e intangível do ser por meio de palavras e frases frias, pois metade desta experiência altamente iridescente desaparece entre o cérebro e o papel durante a descrição. Por fim, se êle for prudente, terminará por escrever para uns poucos. Depois, se os demais começarem a compreender e a acolher, êle poderá contentar-se; se se der o contrário, que nunca se desaponte. Mas números não importam. N ã o interessam pessoas inertes. São apenas a humanidade a granel. Sempre e em toda a parte, tudo o que é valioso é feito e descoberto pelos poucos. " E l a creu em mim quando ninguém mais queria crer", disse Maomé de sua esposa Kadijah. Durante três anos êle encontrou apenas treze seguidores. Todavia, sua doutrina se espalhou depois entre milhões. Estas ideias são novas apenas para o Ocidente moderno, pois no antigo Oriente eram ensinadas e compreendidas há milhares de anos. O destino decidiu que a resposta aos meus livros fosse marcadamente encorajadora. Bem compreendido, isto não é uma mensagem destinada só aos poucos; seus benefícios não se destinam apenas aos iogues e santos; destinam-se a todos nós, a quem quer que queira ser o que Deus pretendeu que êle fosse. 9

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Muito sc engana quem quer que imagine que estas páginas lhe ofereçam meras abstrações e ideias faltas de valor prático. E m resposta, só posso dizer que elas tratam realmente de coisas que são vitais para os seres humanos, porque são fundamentais para a vida. Convenientemente compreendidas, estas "abstrações" ajudarão os homens a viver com mais sucesso. Descobri que elas imprimem mais força em minha própria vontade, orientação em minha mente, paz em meu coração, e veracidade em minha alma. E se algumas coisas parecem ser realmente sutis, devo defender-me respondendo que em minha tentativa de dar explicações de estados de ser comumente inarticulados, fiz o melhor possível. E quem quer que se esforce por traduzir em ações as ideias desta técnica psicológica, encontrará o premio numa existência equilibrada, paz interna e energia espiritual. Assim, fui sendo forçado, pouco a pouco, a percorrer um caminho que antes nunca intentara trilhar: o caminho de escrever contos para minhas próprias obras e de explicar minhas próprias explicações. E m suma, inconscientemente me tornei cada vez mais um tutor e cada vez menos um buscador. E conquanto ainda me atenha estritamente à minha fixada atitude de completa independência, reclamando absoluta liberdade de todos os que cruzaram meu caminho e prazerosamente lhes concedendo a mesma liberdade que lhes solicito, recusando-me a aceitar qualquer pedestal ou posição de seguidor, de organização ou de culto, não obstante jamais pude resistir a numerosas solicitações que me chegaram pedindo mais esclarecimentos. E assim acudi ao chamado que me induziu a juntar estas páginas a uma vida bastante ocupada. Devo tornar claro que não me arvoro em instrutor, que não faço nenhuma vindicação pessoal quanto ao meu próprio estado espiritual, e que apenas escrevo para proporcionar amistosamente a informação e auxílio que eu puder, como qualquer viandante poderia tê-lo feito. Não desejo convencer outros, mas simplesmente irradiar o que de verdadeiro encontrei; aos outros cabe apanhá-lo ou não, segundo o desejarem. Devem vir a mim por sua livre vontade, e não porque eu deseje proceder como um missionário para com eles. Não procuro converter, muito menos compelir, mas mostrar aos outros o que eles, também, podem encontrar dentro de si mesmos. Francamente, não me tornei consciente de possuir qualquer missão para este mundo, mas a única que eu cuidaria de empreender, houvessem os deuses me outorgado tal habilidade, seria 10

a de tornar os homens perceptivos do valor de sua própria alma. Ademais, esta liberdade pessoal não deixa de ter um peculiar valor intrínseco. Por ser independente de todas as sujeições e por não obedecer a nenhuma autoridade que não seja o meu próprio monitor interno, eu posso livremente dar-me ao luxo de expor verdades que no passado foram egoisticamente veladas ou insensatamente distorcidas. Quero que minhas verdades doam. Quero que elas sejam ousadas, não por minha causa somente, mas também pela de meus leitores. Quero alimentar minha pena com intemeratos pensamentos, que roçarão a pele dos apáticos de pensamento. Não me interessa agradar uma classe particular, uma seita especial, ou qualquer grupo auto-admirador. Nada significa para mim a aprovação destas pessoas.

*

*

Um dos nomes que constam da lista dos místicos religiosos ingleses medievais, é o de Mãe Juliana de Norwich. Seu testamento espiritual, o livro chamado Revelação, que descreveu algumas de suas visões e deu a maioria de seus ensinamentos, ofereceu algumas palavras explicativas, que o presente autor poderia adequadamente também reproduzir em seu livro. Ela confessou que estas visões e ensinamentos foram divulgados para ajuda de outros, porque ela vira ser essa a vontade de Deus. "Mas", acrescentou, ela "Deus proibiu que dissésseis ou aceitásseis que eu seja uma instrutora, pois não pretendo nada disso. Não, jamais tive tal pretensão! Pois não passo de uma mulher iletrada, fraca e frágil, mas estou bem certa do que digo; obtive-o por demonstração d'Aquele que é o Soberano Instrutor." Mas numa edição publicada alguns anos depois, foram eliminadas estas frases autodeprecatórias. Mãe Juliana falou depois com calma autoridade e definida segurança autoconfiante, pois não mais temia ser interpretada como instrutora. O tempo lhe havia produzido maturidade espiritual. De minha mais humilde maneira, eu também me afastei lenta e suavemente de minha posição anterior e, quer eu aprecie ou não, sinto-me forçado a aceitar o fato de que centenas de mentes famintas de Espírito desejam ardentemente aprender aquilo que eu já aprendi como resultado de oportunidades excepcionais. 11

Tenho espontaneamente dedicado meu tempo e vida, e cultura, à causa da Verdade, pois creio entranhadamente ser ela a melhor das causas na atualidade. Sei que sua mensagem é digna de minha pena e que sua expressão me traz paz ao coração. Se, repito, em meu coração não busco discípulos, não desejo seguidores, nem almejo inaugurar nenhum novo culto, não obstante tomei outrora, temporariamente, o traje tutorial e vesti o manto de profeta, embora me arrepiando todo ao seu contato. Eu, que me desalentara de ser tomado como alguém presunçoso ou superior, e que não queria ter um só discípulo, que preferia uns poucos amigos leais a numerosos seguidores volúveis, era compelido por uma ética superior a pôr de lado meus sentimentos pessoais e a cumprir o que era no caso o meu pleno dever. Estas páginas foram escritas porque era meu dever escrevê-las, e não porque eu espere granjear a crença de um mundo descrente. Tomei da pena, não para contender na guerra de opiniões, mas para estabelecer a verdade. Durante muitos anos tenho me esforçado em sua pesquisa, apenas para que meus leitores possam lutar durante uns poucos anos. Bem contra minha vontade e desejos, fui forçado a tornar-me, para todos os intentos e propósitos, uma espécie de tutor insulado para os distantes destutelados. Assim mantenho minha independência e eles a sua. Tanto crentes como céticos podem fazer o que quiserem com esta obra, pois aceitei minha responsabilidade e cumpri o meu dever. Foi meu fado melancólico nascer escritor que ajuda outras pessoas a compreenderem-se a si mesmas, mas — doloroso paradoxo! — sem se compreender a si mesmo, donde as perseguições em meio dos aplausos, que aprendi, porém, a aceitar. Um provérbio árabe muito antigo me conforta com a sua promessa. "O Paraíso é tanto para aquele que usou corretamente a pena como para aquele que caiu ao golpe da espada." Certo sábio oriental me observou certa vez que as obras antigas eram mais valiosas por serem expressivas e condensadas, e que este estilo altamente concentrado tendia a excitar a intuição do leitor. Há alguma coisa a ser dita em observação a isso. Hoje em dia poucos são os livros aptos para ser apreciados por seu volume. Nossas maneiras modernas têm sido muito influenciadas pela ciência; e sendo estendidas, particularizadas e difundidas, tendem a desenvolver mais o intelecto do que a intuição. Certamente 12

mais pedem amplitude do que profundidade, mais extensão do que condensação; em suma, explanação minuciosamente detalhada. Eu preferiria dizer numa simples página tudo quanto tenho a dizer, ou melhor, comprimi-lo na simples linha do Salmista bíblico: Silencia-te e sabe que Eu sou Deus. Eu preferiria que outros descobrissem um sentido maior nestas palavras. Todo este mister de particularizar essa fértil frase, e de escrever centenas de páginas onde eu podia ter escrito menos de uma, não é deleite mas duro labor. Todavia, pelas cartas que recebo sei com segurança que minha tinta não é desperdiçada, nem minha pena se movimenta em vão. Invejo a temeridade com que tantos pseudo-hierofantes se afoitam e atraem os crédulos. Eu mesmo, voaria quinhentas milhas para que não me guindassem à estatura de "Mestre!" Não passo de um pobre escriba, apenas um colaborador entre os livres pensadores. Não tenho a pretensão de desprezar o mundo, nem de assumir uma pseudo-indiferença que não possuo, nem algo tão desprezível como a pseudocastidade daqueles monges que usavam colocar um avental nas estátuas nuas de Afrodite! Mas depois de dizer isto, devo lealmente contar o outro lado da questão. Não me esqueço de empunhar minha pena por uma causa maior. Não me esqueço de que, se não procuro discípulos, agrada-me, contudo, esforçar-me para estimular os leitores, para guiar realmente os homens a conhecerem a si mesmos, e seduzi-los a buscar o Deus que está dentro de seus próprios corações. Eu excitaria assim os apáticos a vigiar e aguardar as informações vindas de seus eus cintilantes, e estar atentos às suas ordens. Tal é a minha obra, como a imagino. Enquanto houver fôlego neste corpo e tinta nesta pena, rogarei a Deus que não me permita juntar-me às fileiras daqueles que exploram a sinceridade alheia para satisfazer um desenfreado egoísmo ou proveito pessoal. A isso, prefiro permanecer o marginal espiritual que sou, não filiado a nenhuma religião nem apegado a nenhum culto; prefiro que me deixem movimentar-me neste sombrio mundo, exilado das confortáveis sociedades humanas! Mas, porque meus estudos no Oriente me ensinaram a emprestar à palavra "ajuda" um significado mais profundo do que aquele que usualmente implica, e porque posso, modestamente, dizer o simples fato de que tenho efetivamente praticado meditações li

durante muitos anos e avançado alguma distância cm meu interior, pretendo fazer destes meus escritos reais comunhões da mente superior entre o autor e os leitores. Os pensamentos apresentados nas páginas que seguem são pensamentos verdadeiros. Pelo fato de milhões de pessoas em nossos países ocidentais não estarem capacitadas para crer nelas, estas ideias não perdem um til de sua veracidade. Tenho sido tachado de assumir ares de absoluto convencimento. Nada disso. As verdades que procuro expor penetraram através da vermelha carne de meu corpo até os brancos ossos. Se não possuísse esta firme certeza e convicção inabalável, poderia eu nutrir alguma esperança de enfrentar o esmagador ceticismo do mundo moderno, materialista até a raiz dos cabelos como é, com ideias tão sutis e altamente espirituais? Por que haveria eu de me envergonhar, ou recear confessar-me um transcendentalista? Assim como um ténue raio de luz deslizando do Oriente indica uma ampla aurora, assim o interesse de um homem por estas ideias pode indicar a aurora de uma compreensão mais profunda das mesmas. Minha esperança e crença é que, com o tempo, os leitores sensíveis que percorrerem uma parte ou a totalidade de meus livros, colham ali o legado de uma definida e vital experiência, não só através da leitura de suas páginas, mas também através da silenciosa ruminação que a há de seguir. Se as lerem, não apenas para se divertirem e fazer malabarismos com ideias, então algo lhes será comunicado telepàticamente, por assim dizer. Mais cedo ou mais tarde, eles poderão responder a esse algo, e respondendo, começarão a sentir que entraram em comunicação com uma realidade mais profunda do que aquela que a vida até aqui lhes tem revelado. Deve haver uma receptividade tal que os pensamentos e ideias operem como uma só força interna do ser. Espero e creio, também, que eles recapitularão atentamente estas leituras, como acontecimentos que podem ser marcados como pontos de conversão em sua busca espiritual. Contudo, isso depende também de sua própria sensibilidade interna, de sua própria acuidade intuitiva. Não apenas deverão ler com a intenção de compreender os pensamentos e as ideias que o autor expressa, mas também hão de procurar perceber a enganosa atmosfera que se oculta atrás das palavras. E não somente deverão ler entre as linhas, mas às vezes também ao longo da margem em branco. Não bastará compreenderem meus enunciados; deverão tam14

bém procurar compreender o espírito que atrás deles se oculta. Ao invés de apresentar uma avalanche de informações ocultas, formulo e reitero umas poucas das profundas verdades tão necessitadas por nossa geração. Cabe-nos, outrossim, sentir a delicada melancolia que interpenetra esta busca do eu pelo Super-eu, uma melancolia que foi perfeitamente expressa pelo poeta chinês Yang Chi, em suas encantadoras Linhas Escritas no Exílio: E u vejo, Muito acima do lago, uma ilha assomando Com uma cinta de nenúfar vermelho; e sonhando, Encho meu veleiro de sonhos em busca de Ti.

Assim, que meus livros permaneçam como postes sinaleiros para algumas pessoas de discernimento, para aquelas que não podem achar nenhum ancoradouro em meio da enlouquecedora corrente da existência do século vinte. Agora posso dizer confidencialmente a tais pessoas: Há um caminho de escape, porém esse caminho não se acha no Oriente nem no Ocidente; estende-se inteiramente para o interior. No entanto, se seguirdes esta pista misteriosa, inevitavelmente vossa vida externa começará a mudar de face.

Se, nos primeiros livros, fui forçado a acomodar a doutrina oculta da Ásia ao intelecto concreto e experiência popular, agora me aventuro a subir mais, a uma plataforma superior, e a fazer menos de tais acomodações. Indiferente quanto a ser ou não agradável, ponho de lado quaisquer reservas, certas hesitações, e ofereço a Verdade mais pura que conheço. No entanto, a mais elevada exposição desta doutrina, que cientificamente abrange todo o universo, só aparecerá em meu próximo livro. As páginas que seguem foram selecionadas e ampliadas de palestras privativas feitas a pequenos auditórios em quatro continentes. Buscou-se mais clareza de exposição do que o tratamento rigoroso de temas. Embora aborde assuntos importantes, procurei tornar estas palestras tão inteligíveis quanto possível aos meus ou75

vintes. Assim, propositadamente escrevi as ideias em estilo não literário. 5 As maiores verdades são realmente as mais simples, como plenamente o provam as palavras de Jesus. Mas o homem moderno caiu numa tal confusão através do desenvolvimento unilateral do intelecto concreto, que chegou a conceber que as maiores verdades devem necessariamente ser difíceis e complicadas em extremo. Estou também vívidamente consciente da condição confusa do mundo contemporâneo, para bem sentir não ser esta uma época para adotar as metáforas enigmáticas dos místicos medievais, nem o jargão familiar dos filósofos orientais. Muito mistério envolve desnecessariamente ideias de máximo valor para a vida humana, e cabe-nos tornar a verdade clara, não apenas para o homem da rua, mas também para o homem da viela. A simplicidade original do estilo foi tão apreciada que a conservei na revisão para publicação.

CAPITULO I I

0

QUE É

DEUS?

Sem crença espiritual num Ser Divino, de cujc conhecimento e obediência, tão-sòmente, depende o bem-estar dos mortais, a raça humana se degenerará. Carlyle.

de centenas de milhões de palavras se tem falado e escrito sobre o tema de Deus. Contudo, não nos parece ter havido qualquer aproximação de uma compreensão deste problema. Quase todo povo e raça têm sua concepção própria de Deus. Estas numerosas variedades de Divindades são tão surpreendentes em suas diferenças que um cético poderia dizer: "Todos os vossos deuses são alucinações, figuras de vossa imaginação." De fato, durante o século dezenove, quando as mentalidades científicas fizeram estudos comparativos das religiões, descobriram centenas de deuses que têm sido cultuados tanto pelos povos primitivos como pelos civilizados. Por isso, chegaram à conclusão irónica de que o homem cria Deus à sua própria imagem. TRAVÉS

Se visitais uma tribo primitiva na África Central, vereis Deus entalhado num pedaço de madeira, reluzindo de seu templo local para vós com um horrendo rosto. O povo que ali vive encontra naquele bárbaro semblante sua concepção de um poder superior ou sobrenatural. Essa é a sua concepção de Deus. Por outro lado, se entrais numa cidade moderna, vereis ali igrejas dedicadas ao culto de Deus como Espírito, o que significa 1$

Deus sem forma, intangível — concepção essa muito distante do Deus da Africa Central. | Também deparareis com escritores modernos, como Aldous Huxley, que descreve Deus como "Um rico sentimento na boca do estômago". Ora, não pode ser que cada um destes deuses seja o verdadeiro Deus. Só pode haver um Ser, se por Deus entendemos o Supremo Criador, Aquele que criou o universo, embora possam existir seres menores que os homens tomem equlvocamente por Deus. Se visitais um país como a Índia, notareis de novo as mesmas diferenças e a mesma multiplicidade de divindades. Os mais esclarecidos e reflexivos indianos, porém, reduziram todo o problema a uma questão de escolher entre um Deus pessoal e um Deus impessoal. Deus significa muitas coisas, ainda para a mesma pessoa nos diferentes estágios de sua evolução. Para a criança, Êle é quase, invariavelmente, uma divindade pessoal; algum Ser individualizado que é usualmente pintado como uma figura humana ou angélica, alguém a quem a criança pode orar e a quem pode fazer pedidos. Mas se a criança cresce e se desenvolve intelectual e espiritualmente, a antiga concepção se esvai, e uma nova a substitui. Deus é então encarado como um Poder que interpenetra o universo. Ã imagem que os fiéis reverenciam, deve suceder a presença que eles sentem. Deus deve ser descoberto dentro; não basta conhecê-Lo fora. Quando o buscador e o buscado se fundem numa eterna unidade, então o conhecimento se torna perfeito e a aspiração é satisfeita. Pois a sentença de perpétua ignorância espiritual jamais foi escrita na fronte do homem. Os cientistas mais avançados, representando o homem em seu desenvolvimento superior, começam a notar que a vida existe em toda a parte, e está presente em cada átomo de matéria em todo o universo. Eles pintam Deus como este poder infinito e corrente vital. Se observais uma religião ortodoxa, não importa qual o país ou crença, notareis que o Deus ali cultuado é usualmente representado como um Deus pessoal, um ser individualizado que, segundo eles, recompensa os adeptos dessa crença particular porque eles O adoram e Lhe dirigem suas orações. Se, todavia, começam a crer no novo conceito de Deus como um Poder que a ciência está 18

trazendo para o mundo através da educação superior, então a crença em sua concepção original de um Deus pessoal tende a desaparecer. Ambas não se ajustam nem se misturam muito bem. Grande parte da confusão no mundo religioso surge de sua dependência exclusiva dos sentimentos, divorciados da razão. Em tal dependência não há nenhum teste aferidor da Verdade. Não precisamos ser ingenuamente crédulos da religião, mesmos quando aceitamos sua perspectiva quadridimensional do significado da vida. As portas estão fechadas a ferrolhos, e nossos piedosos amigos não mais se sentem livres para agasalhar um verdadeiro pensamento. Todo místico pode erguer-se e dizer "eu vi Deus", mas como sabe êle que viu Deus? Não há nenhum rótulo, se tal fosse possível, que satisfatoriamente provasse ser Deus o seu portador. É um assunto que incontestavelmente tem sido mais mal compreendido do que qualquer outro. Ora, precisamos encontrar um teste universal da Verdade, que fosse sempre aplicável e em torno do qual nunca pudesse haver nenhuma diferença de opinião. Todo o conceito de Deus depende totalmente do lugar onde vos colocais, e a ideia que vos convém é a única que melhor vos ajuda. E como as pessoas mudam seus conceitos, quer sejam crianças ou adultos, selvagens ou cientistas — pois mudarão suas ideias em diferentes épocas e sob diferentes circunstâncias — nós somos compelidos a chegar à conclusão de que o conceito de Deus é relativo. Em outras palavras, parece não haver nenhuma ideia absoluta, última, imutável. •O homem não conhece a Deus como Ele realmente é, mas apenas como O imagina ser. Não em Essência, mas com este ou aquele atributo", diz o divino sábio Krishna na Escritura dos Iogues. Se, no entanto, admitimos que o conceito de Deus é puramente relativo e não eterno, então devemos também admitir que não encontramos nenhuma realidade num tal Deus. Encontramos o que supomos real, mas não a Realidade em si. O adorador num templo, mesquita ou igreja tem em sua mente uma imagem do que êle crê ser Deus. Essa imagem é puramente mental, e êle está adorando essa imagem, não a Realidade. Esta imagem chegou até êle pela tradição através de centenas de anos, talvez, e amparada pela força das grandes religiões organizadas, embora ela possa ser, mesmo que se trate de uma ideia pas19

sageira em sua consciência, um quadro que tenha sido mantido porque outras pessoas lho tenham sugerido. Por estar adorando uma ideia, algo que por sua própria natureza não é eterno, mas vem e deve finalmente ir-se, como o devem todas as ideias, êle não encontrou a Realidade, e do ponto de vista da inquirição profunda, está mesmo adorando uma ilusão, se pela palavra "ilusão" entendemos "aquilo que não é real", e se por "realidade" entendemos "aquilo que é eternamente verdadeiro e duradouro".

agora ter a capacidade de provar sua tese, e isso não por simples referência a fenecidas bíblias ou a amarelados pergaminhos, mas por fatos dos dias atuais, da vida, da ciência e conhecimentos. Os angustiantes horrores da última guerra colocaram a religião abaixo do realismo; trouxeram o ceticismo do laboratório do cientista para a vida popular da rua. ^Quando chegar o tempo em que o Homem não mais deseJÊ' permanecer uma criança, mas crescer e tornar-se adulto, então, [ele haverá de compreender, e sem se enganar a si e aos outros. Então êle verá que Deus não é para ser encontrado em nenhuma forma particular, mas em todas as formas; não num lugar parti-/ cular, mas em todos os lugares, não por meio de um exclusivo veíy iCulo» fé, culto, religião, instituição, ou homem, mas no Infinito^ f

Pode parecer uma espantosa asserção dizer que milhões de pessoas têm estado adorando suas próprias ideias, que elas tomam como sendo Deus. Seguramente, assinalareis, nos templos religiosos sentimos frequentemente uma santa presença. Como se explica que nos sintamos tímidos num tal lugar, e que estas religiões tenham, durante seus dias áureos, exercido tal fascínio sobre o povo? E porque o poder que o homem tem encontrado na religião, o poder para auxiliá-lo e elevá-lo, tem vindo do próprio homem. Ele deu a si mesmo o guia, ajuda, exaltação e consolação espiritual que acreditou ter achado em sua igreja ou em sua fé ou em sua ideia de Deus. Quando o homem tiver aprendido a construir uma tranquila igreja em seu próprio coração, e a ser um sacerdote ministrante de seu próprio eu, a religião terá feito o seu próprio trabalho. O homem tem inconscientemente enganado a si mesmo, supondo que um poder externo, algo fora de si próprio, tenha vindo em seu auxílio ou como guia. Isto não passava de crença sua, e errónea. O homem mesmo, através de sua concentração, apela para as suas próprias fontes internas, e extrai de dentro de si, de seu próprio espírito, aquilo que êle imaginou lhe vir de Deus, o qual êle cria fora de si próprio. Não importa donde lhe venha o poder, desde que êle obtenha resultados. Ele precisa ser prático, e se crê em divindades externas e pensa que elas o auxiliam, para êle está tudo certo. Isso não importa, contanto que êle esteja preparado para abandonar esta ideia ao começar a busca da verdade — quando quiser compreender o significado interno da vida e do Universo. Aqueles que se contentam em aceitar suas crenças segundo as superstições de uma época passada ou as suposições da presente, pertencem a uma raça em vias de desaparecer. Cada credor deve 20

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Jamais encontrareis a Deus em nenhum lugar a não ser sob estas condições; o resto é meramente vossa ideia acerca de Deus, vossa imagem mental. Estas coisas são_puramente intelectuais; não são Deus nem a Realidade. Assim, se o homem deseja despertar-se, se êle quer compreender-se a si mesmo, deve enfrentar o fato de que o verdadeiro caminho para um contato com Deus está não fora de si, mas dentro, e dirigir-se diretamente para o seu Interior. jS através de si e dentro de si que êle tem de achar seu próprio caminho para Deus. Isto é, se êle busca a Deus, não há outro caminho, mas se busca ideias, conceitos, ou imagens mentais, então êle poderá aceitar os que lhe oferecem as religiões e cultos ortodoxos. E porque o povo, em sua maioria, tem se contentado em deixar que outros pensem em seu lugar e peçam por êle, é que êle tem se satisfeito com essas condições. Durante os últimos dois ou três séculos, a mente e a inteligência do homem começaram a despertar numa grandíssima velocidade, e o homem não mais pode permanecer sentado dentro das prisões mentais que lhe têm sido construídas. Ele quer conhecer-se a si mesmo. E desde o instante em que a mente começa uma tal busca, não há mais esperança dc encontrar outra satisfação; não mais satisfazem os antigos dogmas que convenceram as passadas gerações. Sem dúvida que se ajustaram à mentalidade mais simples das gerações primitivas, mas não se ajustam à nossa. Nós queremos a Verdade —• aquilo que é cientificamente verdadeiro*

Mas primeiro temos de alijar de nós a noção de que a Verdade seja um aedo, uma formulação estereotipada a ser engolida como uma pílula. A Verdade não pode ser a prerrogativa de uma época apenas. Os períodos de Cristo e de Buda foram sagrados na história do mundo, mas a não ser que haja uma nova revelação em nossa própria época, não pode haver uma nova regeneração. Não se pode colocar vinho novo em odres velhos sem rompê-los. A Verdade não é para as organizações existentes. O mundo está cansado de seco intelectualismo. Quer ouvir frescas vozes viventes, as vozes de homens que tenham tido o privilégio de enfrentar Deus face a face, ou que possam introduzir vitais experiências espirituais em nossos dias e época. O cientista é o homem que comanda esta idade, e o que vedes ao vosso redor, desde a luz elétrica até quase tudo em que tocais e usais em vossa vida diária, é o resultado da ciência aplicada. Se vos lembrardes de que a meta do cientista é a Verdade final, compreendereis qual será o destino provável dos dogmas e crenças de que a humanidade se tem alimentado durante milhares de anos. Todavia, o cientista apenas começou. Presentemente êle atingiu um terreno fronteiriço de um outro mundo, e já que ali está, mais cedo ou mais tarde terá que atravessá-lo. E quando êle encontrar a Verdade, será a mesma Verdade que os videntes e sábios encontraram, pois existe tão-só uma Verdade Final. Se isso é assim, que descobrirá o cientista acerca desta questão de Deus? Êle já começou a perceber que no Universo não há lugar para um Deus pessoal. A fonte do Universo deve ser infinita, porque o cientista sabe que o Universo não pode ser medido, e que a parte não pode ser maior que o todo, nem a criação maior do que o criador. Portanto, este Universo Infinito deve ter um Criador Infinito, e nenhuma forma, nenhum ser personalizado — o que significa uma forma — pode ser o Criador. O Criador é algo que está além da forma, uma Força, se o preferirdes. Daí que Deus deva ser uma Força Infinita. O cientista verá isso. Êle o vê agora; apenas êle não o chama Deus; acha outros nomes. Não há lugar nesta criação para o próprio Criador? Será tão cego o homem que, por observar as etapas evolucionárias através das quais se confecciona uma bota, dirá que não existe nenhum fabricante de botas? A h ! é porque ignorantes teólogos e míopes sacerdotes lhe têm ensinado a procurar 22

um Deus que não é senão um homem glorificado; esse ser não existe e êle não o encontra. Deus é vida, força vital inteligente, e todos os ciclos evolucionários deste Universo simplesmente exibem as operações externas deste poder, não os movimentos arbitrários de um homem. . "Varri os céus com o meu telescópio, e não achei um Deus", anunciou Lalande. A h ! tivesse êle posto de lado, não só o seu telescópio, mas também a sua mente, e ali teria encontrado Deus.

. N ã o se censura o materialista por não se aperceber das verdades finais. Apenas é censurado se não as investigar. Se não inquirir, êle nunca poderá encontrar a verdade. Êle se engana e quer enganar-se. A ignorância é frequentemente desculpável, mas não a vontade de permanecer ignorante. Se, como já o descobriu o cientista, a matéria é finalmente uma unidade, então todas as diferentes espécies de matéria, todos os elementos, podem ser resolvidos num simples elemento, e toda a matéria numa simples Força. Finalmente êle será compelido a dizer, como já começou a dizer hoje: " A fonte do universo é uma unidade, da qual brotou a multiplicidade de objetos e forças que vemos ao nosso redor." Há uma raiz, uma simples raiz, e tudo o mais cresce, desenvolve-se, evolui dessa raiz. O cientista também terá de admitir que a Força Infinita, que é Deus, é uma só força — existe apenas essa Força, apenas um Deus e não dois. E porque é uma Força Infinita e não algo que possa ser contido num frasco ou em qualquer forma, êle terá que procurar Deus fora do laboratório. Não quero dizer que êle deva voar no espaço, porém que terá de introverter-se em sua própria mente, porque, quando esgotar todos os instrumentos de seu laboratório, terá que se sentar e atentar para o homem que tem estado usando esses instrumentos, e encontrar o seu caminho apenas com essa mente. Todavia, se prosseguirmos nesta busca científica da Verdade e encontrarmos a Força Ultima que deve existir como a raiz de tudo, então descobriremos, com espanto nosso, que ela corresponde aos ensinamentos mais antigos do mundo, ensinamentos que 23

foram primeiro ministrados oralmente, e mais tarde escritos em pergaminhos, tabletes ou lâminas metálicas, declarando que Deus, o Sol e a Luz são sinónimos. Diz a Bíblia que a primeira criação foi Luz, e depois é que vieram todas as formas. Em outras palavras, Deus não poderia criar Seu Universo enquanto não houvesse feito primeiro a Luz. E se perguntais como pôde Deus, então uma simples unidade na existência, criar a Luz; como pôde Êle criá-la senão de Si Mesmo, de Seu próprio Ser, tal qual uma aranha tece uma teia de seu próprio corpo? A teia não difere do corpo da aranha; é realmente uma parte dele. E assim Deus criou a Luz de Seu próprio Ser, o que significa que a Luz não é outra senão Deus, o Ser de Deus. A Luz ê Deus. Nas mais antigas escrituras hindus, os Upanishads, encontrareis o mesmo enunciado, de que no começo Brahma, que significa "o Criador", fêz a Luz, e da luz Ele fêz todas as demais formas. Os tabletes de Babilónia repetem o mesmo enunciado. Os sacerdotes egípcios e druidas, entre muitos outros antigos povos, adoraram o sol, porque o encaravam como o Pai de toda a sua vida. Para eles o sol era o preposto da deidade invisível, não Deus, mas o agente de Deus. Seu esplendor era uma coisa vivente, e seus raios cheios de vida divina. Para os antigos egípcios, a Luz era a mais espiritual de todas as coisas materiais. Nós a chamamos "material" porque ela está presente e visível no Universo, e portanto podemos dizer com os antigos egípcios que a Luz é o elemento que no Universo material se acha mais próximo da divindade. Durante os últimos dois ou três anos, as pesquisas científicas descobriram a crescente confirmação de que toda a matéria é a última condensação da energia irradiante, isto é, da Luz, De fato, no laboratório é possível converter a Luz em matéria, e reconverter a matéria em Luz. Em outras palavras, esta maravilhosa estrutura do universo material que vemos ao nosso redor, e que os cientistas do século dezenove imaginavam não ser mais que matéria — sólida, substância dura — dissolveu-se, não existe quando a investigais e descobris a sua verdadeira natureza. Dissolve-se e torna-se essa mais intangível de todas as coisas, a Luz. Até recentemente, o conceito monístico da Natureza havia sido tema de especulação, de crença e opinião. Há trinta 24

anos, no entanto, o professor J. Arthur Thomson, em sua Introdução à Ciência, se aventurou a declarar que "os trabalhos modernos (sobre o átomo) sugerem que pode haver uma base comum para todas as espécies de matéria". As últimas descobertas do laboratório moderno confirmam esta teoria. Considerai os grandes progressos feitos em nossos conhecimentos da estrutura atómica. O átomo sólido, uma vez considerado a pedra estrutural do Universo, fragmentou-se em eléctrons giratórios. Deram-se os primeiros passos em direção a um conhecimento maior do átomo quando a matéria desapareceu na energia elétrica. Nossa substância material se dissolveu na mistura de eléctrons, prótons e dêuterons. A matéria foi perseguida até desvanecer-se em energia. Os resultados destes desenvolvimentos são descritos pelo Dr. Karl K. Darrow, Pesquisador Físico dos Laboratórios Telefónicos Bell, numa conferência proferida no Instituto Lowell, e reimpressa em seu livro, The Renaissance of Pbysics. (O Renascimento da Física) (Macmillan and Co., Nova Iorque). "Com exceção do contraste entre a vida e a morte, na Natureza nenhum outro contraste pode jamais ter parecido maior do que aquele entre a matéria de um lado e a luz do outro. Diferentes como são o fóton, que é o corpúsculo de luz, e o eléctron, que é a partícula menor da matéria, qualquer deles pode esvair-se e ser substituído pelo outro.... A matéria foi aumentada de luz, porém nessa reação não tem havido criação completa de uma nova peça de matéria de luz. Podemos aspirar a converter um corpúsculo de luz num corpúsculo de matéria onde antes não havia nenhum? Esta é uma ambição tão vasta que nos cumpre moderá-la até o último grau possível. As energias restantes dos núcleos, sendo como as descrevi, necessitaremos de um fóton de mais de um bilhão de volts eletrônicos para criar um núcelo ou um átomo completo. Nenhum aparato nosso, nem qualquer substância natural radiativa na terra, nos proporciona tais fótons. Talvez ocorram entre os raios cósmicos, mas, então, não estão sob nosso comando. Mas a energia suficiente para criar um simples eléctron se contém em corpúsculos de luz muito mais modestos, possuindo quase meio milhão de volts e fótons eletrônicos tais como se encontram disponíveis à vontade. . . Em 1932, tais partículas foram descobertas, e a maneira de seu descobrimento sugeriu fortemente que haviam nascido da luz, exatamente desta maneira, f Estes eléctrons positivos foram encontrados entre os raios cósmicos. Quando expo25

mos uma lâmina de matéria densa a uma corrente de fótons como estes, encontramos eléctrons brotando dois a dois da lâmina, negativos e positivos saltando do mesmo ponto, e quando avaliamos a energia cinética dos membros do par, notamos que eles foram acrescidos à soma predita. Morreu um fóton para dar nascimento a cada um dos pares. Esta é, pois, a reação em que se formam eléctrons de luz. Não podem ocorrer reações inversas, em que um eléctron positivo e outro negativo se encontrem um ao outro ao vagarem pelo espaço, combinem-se entre si e formem um corpúsculo de luz? A fixidez da matéria desvaneceu-se, pois podemos converter sua substância da forma de partículas elétricas em forma de luz. Nenhum elemento, nem a matéria, nem a luz, é permanente. Tudo o que é perpétuo é algo daquilo de que está totalmente feito, encarnando-se no seu todo por turno, e passando inteiriço de forma para forma. Para esta substância imortal o nome menos inadequado, penso, é 'energia', mas o nome pouco importa. A isto chegamos pela aplicação dos métodos da Física para a fricção do âmbar e para tudo o que se lhe seguiu: quão grande distância para um tão humilde começo! A pedra, que tantos construtores rejeitaram, tornou-se a pedra angular do templo; o pequeno efeito que parecia tão trivial para tantos dos sábios, tornou-se a chave para a sabedoria, e propiciou um significado físico para dois dos mais antigos postulados da filosofia. As teorias atómicas existiam há muito tempo, mas nossa é a geração que, a primeira de toda a História, viu o átomo. A crença de que todas as coisas são feitas de uma simples substância é antiquíssima, mas nossa é a geração que, a primeira na História, é capaz de receber a unidade da Natureza não como um dogma sem base ou uma aspiração sem esperanças, mas como princípio de Ciência, baseado em provas tão frisantes e claras como qualquer coisa conhecida." Apresentei este extrato tão extenso porque é de suma importância. Se, como agora parece provável, os desenvolvimentos do laboratório vindicarão a teoria de uma substância simples subjacente em todas as manifestações da Natureza material, nós teremos de admitir que as asserções dos filósofos hindus sobre este ponto, feitas há milhares de anos, não são desprezíveis crenças primitivas, mas resultados da introspecção praticada por intelectos agudamente perceptivos c concentrados. Se Deus é Luz, e se todos os objetos materiais, sem uma simples exceção — quer seja o vosso corpo físico ou a cadeira em que 26

estais sentado — se tudo isto nada mais é do que condensação daquela irradiante energia de Luz, não vedes que Deus está, por isso mesmo, presente em toda a parte? N ã o se trata de mera fantasia poética, mas de um fato literal, de que não podeis fugir de Deus, para onde quer que ides. Todo o mundo material é construído de Deus, e está saturado d'Êle, e a todo o tempo estais próximo e dentro de Deus. Para onde quer que fujais, d'Êle não podereis escapar. Ele é infinito. Depois de tudo, não é esta uma concepção mais satisfatória do que a noção teológica de um Deus que não passa de um ser humano glorificado, um Deus feito à imagem do homem, que arbitrariamente faz quanto deseja com os seres humanos e com o universo? Não é melhor crer, e não simplesmente crer, mas ser capaz de provar inteletualmente? E não apenas ser capaz de provar intelectualmente, mas de conhecer intuitivamente que Deus é um Poder Infinito, o Poder por trás de todas as demais Forças e por trás de cada coisa materialmente criada; um Poder que está em toda a parte presente, e portanto está dentro de nós e sempre ao nosso alcance, porque, aonde quer que vamos, ali está Deus? Essa é, creio, a concepção de Deus para a qual nos encaminhamos, e que não se acha muito distante. Assim se completará o círculo, e os mais antigos ensinamentos acerca de Deus retornarão, mas desta feita fortalecidos e reforçados pelo apoio científico. Serão robustecidos, porque serão edificados, não tão-só na base da fé, da intuição, mas também da razão e do intelecto. Deus é digno de adoração, e tal conceito de Deus pode ser seguramente mantido, por não se tratar de um mero ser relativo, suscetível de mudar-se ou deslocar-se. E a concepção final e última que o homem pode sustentar. Não pode conceber alguém superior, e por isso sua mente terá que acabar descansando nesta noção de Deus. E tal é o Deus, a Luz sempre e em toda a parte presente, que o mundo encontrará pelo emprego de sua própria inteligência e de sua própria pesquisa da Verdade. E agora, encaremos a questão de um ângulo que talvez nos seja mais familiar a todos. Quando as pessoas praticam a meditação, sejam místicas religiosas, ou os chamados ocultistas, ou o que forem, eventualmente começam a ter certas visões e experiências em seus próprios corações e mentes. Ouve-se dizer que os mais felizes destes místicos obtêm visões de luz ofuscante. 27

A meta final na prática do êxtase é achar a visão de Deus como Luz. Esta Luz é tão intensamente poderosa que se fosse vista subitamente, sem uma preparação conveniente, a gente poderia cegar-se pela ação reflexa nos nervos ópticos", disse-me certa vez um adepto dos Himalaias. Os místicos que passam por esta experiência se sentem imersos em luz, e dizem ser esta a mais alta realização. $ Poderão ser lidas outras descrições no livro de Bucker, Cosmic Consciousness, e na literatura dos místicos religiosos medievais, onde o meditador, ou o místico, parece engolfar-se num mar de luz, e com essa luz lhe advém um sentimento de extraordinária liberdade e compreensão, de felicidade, paz e serenidade. E assim, por parecer essa a mais alta experiência que um homem possa ter,* especialmente para os místicos que anseiam por Deus, notareis que quando estas pessoas retornam à consciência ordinária e começam a descrever suas experiências, por não terem sido iniciadas por um instrutor competente em treinamentos esotéricos, elas relatam frequentemente que tiveram uma visão de Deus em meio da Luz, ou que ouviram uma voz interior, ou que certas coisas lhes foram reveladas dentro da Luz. Em outras palavras, enxergam a Luz como um estado ou condição dentro da qual haviam de procurar algo, achar uma forma, a forma de Deus. 1 Ignoravam que Deus era a própria Luz, e que não era necessário aguardar ou procurar qualquer imagem, qualquer figura, ou ouvir qualquer voz. Moisés se aproximou do arbusto ardente, e Deus lhe falou. O arbusto ardente estava flamejante. A chama era a Luz de Deus, porém a voz que chegou até êle não era a voz de Deus: era a voz de sua própria mente, inspirada, sim, mas sempre a mente. Pois Deus é o Poder Infinito e não pode ser comparado com seres humanos que falam, nem pode ser limitado por formas definidas. Não podeis imaginar Deus como Poder Infinito sem uma forma, e então passais a imaginar que Êle possa limitar-se tanto que consiga conversar convosco. O que realmente acontece aos que falam de vozes ou visões é que a mente do místico fica tão iluminada pela Luz com que êle entra em contato, que ela imerge a consciência do mesmo na supermente planetária, ou produz todas as espécies de coisas maravilhosas — mas êle se acha ainda na região da mente. Lembrai-vos de que é tão-só a Luz que é Deus. E contudo, embora esta Luz. seja Deus para o místico- e o meditador, ela deve 28

ser compreendida corretamente por eles. Se essa experiência não é compreendida corretamente, em vez de ser um auxílio, poderá tornar-se um entrave. Quero dizer que se quereis a verdade, deveis estar preparado para não deter-vos em nada enquanto não encontrardes a Verdade Final. Não deveis deter-vos à margem do caminho, só porque fizestes alguma descoberta maravilhosa. ^Enquanto pensardes que a realidade há de ser encontrada em qualquer experiência, estareis vos enganando a vós mesmo. Para a maioria de nós, senão para quase todos nós, bastaria uma tal experiência. Entretanto, devo dizer-vos francamente que essa não é a última, porém que depois dessa experiência, ocorrida no caminho da meditação, um outro caminho se nos abre mais cedo ou mais tarde, e esse é o Caminho Esotérico: um Caminho que conduz à Ultima Realidade, à Verdade Absoluta. Nesse Caminho não existe Luz nem Trevas, e nem experiências, pois então aprendeis a transcender o tempo. È As experiências que começam devem também ter um fim. Precisais encontrar o Eterno que não tem começo nem fim. Quando o encontrardes, então encontrareis Aquilo do qual o mesmo Deus extrai Sua própria Substância, Então imergireis com Deus na Última Realidade. Vedes agora quão remotamente afastado se acha o conceito de Deus das noções bárbaras que tão frequentemente deparamos nas diversas partes do mundo. Contudo, mesmo essas noções têm sido úteis aos diferentes povos que não podem atinar com uma compreensão superior, em sua época. Tudo o que vos ajude em qualquer situação vossa, é bom para vós. É por isso que o homem que conhece a Verdade não querela com ninguém. Êle sabe que cada. um encontra exatamente a parcela de Verdade que suas experiências na vida lhe tragam, e que êle vê precisamente aquilo que precisa ver nesse estágio. Mesmo que diferentes pessoas tenham diferentes pensamentos acerca de Deus, isso não importa muito desde que compreendais que não passa de pensamentos, os quais dependem do ângulo em que se encontra o individuo. Então sabeis que o homem evolui através de seus vários pensamentos e ideias até os últimos e mais elevados conceitos de Deus. Ao descobrirdes isso, então todas as ideias se dissolvem e vós vos tornais harmonizado com Deus, ao invés de apenas pensar a Seu respeito. Pensar é uma sombra, algo de segunda mão, mas ser significa que vos unificastes com Deus, 29

e então podeis realmente conhecê-Lo. Assim, deveis desistir de pensar acerca d'Êle e começar a ser Deus, o que significa tornar-se uno com Ele. Então o conhecimento e inteligência imergem em Deus. O pensamento lança um véu entre vós e Deus. Quando puderdes rasgar esse véu, imergireis em Deus., A todos é possível encontrarem o seu caminho de retorno a Deus, porque Deus está presente em cada ser. Mas devemos começar a buscar e olhar, e o lugar certo é dentro e não fora de nós. Deveis primeiro olhar internamente e descobrir o átomo sagrado no coração: o interno eu espiritual. , Quando houverdes encontrado vosso interno eu espiritual, podereis então olhar de novo para fora, e descobrireis o Sol; em outras palavras, o Eu Universal. 1 Vereis a Deus em cada coisa e cada corpo; depois vereis a Deus em vós mesmo! 1

Assim, depois de seguir outros deuses, depois de crer numa multidão de deidades, o homem por fim compreende que existe tão-só um espírito por trás de toda a criação; e depois de crer num espírito pessoal, num Deus pessoal, por fim êle compreende a Verdade de que o Altíssimo é Impessoal e Universal.

CAPITULO

UMA

SE

m

EELIGIÃO

SA

a definição da palavra religião, notareis que ela deriva da palavra latina que significa "ligar". Ligar a quê? Obviamente ligar a Deus. obviamente, o que liga o homem a Deus é a religião. Quando atentais para o estado das religiões ortodoxas no mundo de hoje, direis que elas foram bem sucedidas em ligar a Humanidade a Deus? Se sois franco e honesto, tendes de admitir que elas fracassaram em consegui-lo. E já que elas fracassaram, tentemos verificar o porquê. EXAMINAIS

Primeiro, precisais compreender como a religião se desenvolve historicamente. Originalmente, as religiões se centralizam em volta de um homem, de uma personalidade que de alguma maneira recebe uma revelação ou iluminação de Deus. Depois êle ou escreve esta revelação ou a transmite oralmente a certo número de pessoas — geralmente a muitos, porque, se êle estiver consciente de sua missão como profeta, procurará interessar o maior número possível. Tendo alcançado todos os que possa, encontrará uns poucos que o compreendem, e esses poucos constituem os seus discípulos e seus apóstolos. Os demais, ou as massas, são meramente seus seguidores. Quando uma tal alma desce ao domínio público, ela o fa2 com um claro senso da missão que lhe foi dada por Deus, qual seja, a de imprimir um novo impulso espiritual ao mundo. Sabe muito bem que não é seu próprio poder ou sabedoria o fator motriz, porém que êle não passa de um instrumento pelo qual fluirá o Po30

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der Superior. Sabendo isso, êle pode dizer, como Jesus, "não sou eu, mas meu Pai que me enviou", file se torna um mensageiro de Deus para a Humanidade. Se são sábios os que o ouvem, se são deveras intuitivos e compreensivos, eles o aceitarão. Se são obtusos, densos, ou materialistas, eles o rejeitarão. £ uma peculiaridade da força que incorpora um tal desígnio de Deus ser uma espécie de espada de dois gumes. Tanto pode ajudar como molestar aqueles que o ouvem. Se o rejeitam, o fazem a seu próprio risco. Serão castigados, não por um mandato arbitrário de Deus, mas por seu próprio eu superior. Se, por outro lado, o aceitam, eles receberão as bênçãos de Deus e os frutos do espírito. Mas isso não concerne ao Mensageiro. A êle cabe apenas dar a mensagem: o mundo pode recebê-la ou não. Se a aceitar, a mensagem trará muitas alegrias e bênçãos, e talvez alguns perigos; mas se rejeitá-la, haverá muitos prejuízos e muitos perigos. Basta que estudeis a História para constatar este fato. Os seguidores especiais de um profeta receberão não apenas o ensino efetivo que êle lhes dá, mas também o que se acha atrás das palavras, isto é, o Espírito que flui através dele. Daí que, se os discípulos têm a correta atitude da fé absoluta que rejeita dúvidas, receberão seu prémio por meio do Espírito que flui através do profeta e de suas palavras, e isto os fará aproximar-se do preenchimento do verdadeiro propósito da encarnação. Há apenas uma razão para estarmos aqui na Terra, que é descobrirmos o nosso verdadeiro Eu Espiritual, nosso verdadeiro Ser Interno. A não ser que o consigamos, nós voltaremos aqui repetidamente, e sofreremos até consegui-lo. O trabalho de um profeta consiste realmente no plantio de sementes, cujo crescimento será visto pelas gerações posteriores. Quando um profeta haja completado a sua obra, êle desaparece e então vemos o início da religião organizada. Durante a sua vida o profeta não está interessado na organização; êle não veio para dar qualquer coisa material, e sim, aquilo que há de permanecer durante séculos nos corações daqueles que são bastante sensíveis para responder. Nem veio êle para fundar quaisquer organizações externas; estas são iniciadas por seus seguidores, e geralmente depois de sua morte. Os discípulos se congregam, como o fizeram após a morte de Jesus e de Buda, e formam uma fraternidade, 32

u uma igreja, algo para mante-los juntos e dar uma expressão externa do Ensino Interno e da Presença que eles próprios sentiram. £ assim que começa cada igreja e cada religião externa. % Nos dias mais próximos do fundador, a religião é geralmente pura. £ a expressão do que o profeta veio ensinar. Com o decorrer do tempo, porém, ela se degenera, e amiúde se torna uma simples superstição organizada. Começa a perder o Espírito, e torna-se mais forte na letra. Os seguidores passam a querelar entre si quanto ao que disse o profeta efetivamente, ou ao que êle quis dizer. Gradualmente criam cisões e acabam separando-se. Isso é natural, pois que discutem sobre o corpo, não sobre o Espírito. A coisa real — o Espírito Interno — permanecerá por algum tempo. Poderá durar muitos séculos, mas depois começará a fenecer gradativamente, até por fim desaparecer. Nenhuma religião é perpétua. Só permanece aquilo que está por trás da religião, e que sempre achará novas encarnações. As visões e revelações originais dos grandes .sábios foram mutiladas por seus seguidores, ou estreitadas por seus zelos fanáticos. Contudo não devemos desanimar ao notar que as religiões tendem a fragmentar-se e desintegrar-se. Isto é inevitável. Elas nascem, crescem e depois fenecem. Assim, se compreendeis que elas estão meramente obedecendo a uma lei natural, então aceitais isto, e sabeis que quando uma religião morre, uma outra vem substituí-la. Ao contemplardes o mundo de hoje, verificareis que a maioria das religiões ortodoxas existentes começaram a seguir, mais ou menos, o mesmo arco descendente. Elas estão se desintegrando e perdendo os seus seguidores. Quanto a isso não resta nenhuma dúvida. Por que é que os primitivos cristãos iam tão jubilosamente para o seu martírio? Eram atirados aos leões, queimados vivos. Como puderam eles suportar tais sofrimentos? Tão próximos se achavam da época de Jesus, que tiveram Sua Presença sagrada por apoio. Isto os capacitou a suportar o seu martírio, de sorte que quando eles tiveram de enfrentar a morte, sua consciência já se achava completamente fora do corpo, e nenhum sofrimento sentiram. Suas mentes se achavam em outra parte. Seus corpos foram torturados, porém eles próprios morreram como em transe, sem nenhuma consciência de sofrimento físico. Mas antes de sua morte, sua fé havia de ser experimentada, e se era suficientemente forte, vinha-lhes e libertava-os um a

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Poder Superior, retirando-lhes as mentes dos corpos. Sob o hipnotismo ou clorofórmio, a mente é retirada do corpo, e por isso não se sente a mais drástica operação cirúrgica. O Espírito Divino também retira suavemente a mente do corpo, e obtém-se o mesmo resultado. Hoje em dia ninguém sente vocação para o martírio por causa de uma religião. Ela não mais liga o homem a Deus, porque deixou de ser utilizada pelo Poder Divino. Agora não passa de uma simples organização de feitura humana, dependente de testamentos humanos. Antigas escrituras e filosofias são de inestimável valor, e devem ocupar um lugar importante em nossas estantes, mas que isto não seja para dizer que a Verdade foi ditada tão-só para aqueles homens que se foram. Quando buscamos a Verdade, é impossível vivermos inteiramente no passado. Esta busca é precisamente tão real quanto útil. Portanto, utilizar-nos-emos destes antigos livros, mas sem sermos utilizados por eles. Devemos subscrever tudo que neles corrobore um teste universal da Verdade, mas relutante e hesitantemente rejeitando o que quer que não resista a este teste. Isto não significa que por um falso orgulho acima dessas antigas luzes, mas, sim, que avaliamos a Espírito e não suas relíquias deixadas em livros. podemos aceitar servilmente tudo, simplesmente por sentado por algum ilustre personagem do passado.

nos colocamos Verdade como Portanto, não ter sido apre-

Primeiro, sabemos que esses relatos raramente têm chegado até nós em toda a sua pureza, mas têm sido adulterados e interpolados por preconceitos de homens ignorantes. Assim, devemos tomar estes antigos livros e escrituras como auxiliares valiosos na busca, porém recusar algemar-nos por qualquer deles. Pois a busca real deve finalmente conduzir-nos para dentro de nós mesmos e não para as páginas impressas de um livro. Precisamos primeiro perder a fé em todas as bíblias para depois podermos crer de fato nelas. Espiritualmente vivemos no "crepúsculo da dubiedade", segundo uma frase de Charles Lamb. Religião é uma matéria circundada de sombras misteriosas. Não obstante, precisamos ter alguma espécie de religião. Se não podemos aceitar qualquer culto ortodoxo, temos que elaborar 34

alguma espécie de relação entre nós mesmos e Deus, e aprazer-me-ia formular alguns pensamentos e sugestões quanto ao que me parece uma religião sã para o homem moderno. Antes de tudo, a religião deve ser uma coisa pessoal: uma relação entre vós como indivíduo e Deus, o Espírito Infinito; não entre vós e qualquer instituição organizada, Esta é uma das coisas feitas pelo homem;" não é Deus. Deus é um espírito, e por isso deveis achar Deus como espírito; é uma relação puramente espiritual o que tendes de buscar: algo que não necessita nenhuma demonstração externa. Não é necessária nenhuma igreja, nenhum templo. Podeis encontrá-lo dentro de vosso próprio coração e no sacrário de vossos mais íntimos sentimentos. Não se trata de algo a argúir-se ou discutir-se com outras pessoas. Estas não vos podem ajudar. ^ • A única maneira de se poder estabelecer uma religião é pela adoração, não por argumento ou discussão. Deveis adorar a Deus em vosso próprio aposento reservado; deveis estabelecer uma certa atitude de pensamento e emoção para com o Espírito Infinito. Que melhor atitude podeis adotar senão a de verdadeira adoração, que é, acima de tudo, serdes humilde e sentir-vos como uma criança em presença daquele Grande Ser que é o Mantenedor do Universo? Portanto, humildade é o primeiro passo, não apenas em matéria de religião, mas em qualquer estudo válido. Tão logo alguém pense que sabe tudo relativo a um assunto, ou mesmo só a metade, êle interpõe uma limitação entre si próprio e o atingimento de sua meta. Mas se adota a atitude de uma criança que sabe que nada sabe, então êle está em condições de ser ensinado e é-lhe possível aprender algo. Não principieis, pois, a adorar com a ideia de ditar ao Espírito Infinito o que Êle há de fazer por vós ou ensinar-vos. N ã o soliciteis mesmo benefícios. . Se o Espírito Infinito é sábio, êle há de saber o de que necessitais. Deveis abrir crédito à sua grande inteligência. Se sabeis o de que necessitais, quanto mais não há de saber essa Inteligência maior! i Assim, a humildade há de marcar o começo de vossa adoração. N ã o é preciso fazer infindáveis orações. Deus não tem necessidade disso. E de vossa parte não tendes de pedir nada que não seja espiritual: mais luz, mais entendimento, mais energia. \ Uma vida pacífica tem de ser uma vida paciente.^ Realizar tudo

o que é bom é a base oculta da existência, é não deixar lugar nenhum para a rebelião. . Aquietando o corpo e os pensamentos, preparais as condições em que o Espírito Infinito vos falará e Se vos manifestará, f Vossos esforços para fazer isto constituem uma forma de adoração, e Deus virá até vós nesse grande silêncio. Ele não poderá vir até vós se estais demasiado ocupado em pensar em vossos problemas pessoais. Se fazeis um esforço para silenciar vossa mente, isso significa que estais vos esquecendo de vossa vida pessoal. »O ego pessoal nada mais é do que a totalidade de vossos pensamentos. Se fôsseis escrever cada pensamento que vos ocorre durante o dia, e os somásseis todos, obteríeis uma soma aritmética, que poderíeis chamar vossa "Personalidade".) .Se não houvesse pensamentos, não haveria nenhum ego pessoal. Silenciar o pensamento é silenciar o eu pessoal, j

Antes de poderdes começar a adorar Deus, precisais esquecermos de vós mesmo, e antes de poderdes esquecer-vos de vós, deveis aprender a controlar vossos pensamentos e silenciar vossa mente. É tarefa muito difícil fazê-lo completamente, mas tem de ser feita — pelo menos nalguma extensão. Se puderdes silenciar a mente apenas cinquenta por cento, tereis conseguido alguma coisa. Mas podeis fazer o esforço, e depois de o terdes feito por algum tempo, um dia começareis a ser bem sucedido. Tereis menos pensamentos durante vossos períodos de meditação. Quando Deus vir que estais fazendo esforços suficientes, Êle virá até vós e gradualmente começareis a sentir a Sua presença. Percebereis uma atmosfera de quietude divina, e os poucos pensamentos que restam serão provavelmente exaltados. O Espírito Infinito está em toda a parte; por que tão poucas pessoas o percebem? Por que é que os homens parecem tão fechados à Presença de Deus? A primeira e mais clara razão é que eles mergulharam tão fundo em seus corpos e intelectos que perderam o hábito de se lembrarem do que realmente são e ao que realmente pertencem. Formaram o hábito de pensar em si mesmos como corpos e intelectos.) O Infinito ali está, presente neles, e

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em toda a parte, mas, tendo perdido o hábito de se lembrarem de que realmente são Espírito, não lhes resta nenhuma esperança a não ser que encontrem alguma pessoa que lhes recorde o que perderam. Tais pessoas desempenham o papel de ministros para a Humanidade. Se a religião estivesse efetivamente exercendo sua função, cada clérigo, cada sacerdote, seria um ministro de Deus ao lembrar ao homem o que êle realmente é. Os pregadores devem tornar-se profetas antes de poderem lograr algo de valioso. O fato de se achar a Humanidade tão desesperançadamente perdida nesse particular, é sinal de que os sacerdotes não se acham mais cônscios daquilo que realmente são. E deste modo temos cegos condutores de cegos. É esse o motivo de terem fracassado as religiões atuais. O Espírito Infinito necessita de uma passagem, de um foco através do qual êle possa atingir o intelecto do homem, se tiver de ser redespertado. O Espírito está presente em toda a parte, mas tem de ser concentrado por meio de um conduto para ser efetivo. A eletricidade existe, mas a não ser que a possais transformar e concentrar por meio de um gerador, ela não fluirá pelos fios para iluminar vossas lâmpadas. Coisa análoga se dá com o Espírito. Êle precisa encontrar um meio, um fio pelo qual flua e se revele aos que necessitem de luz. Se o Espírito é para ajudar os seres humanos, precisa encontrar uma passagem através de um outro ser humano. Assim, > quando Deus delibera fazer que Sua Presença seja sentida, Êle usualmente o faz utilizando-se de algum indivíduo como Seu canal./ Isto nos conduz ao terceiro elemento na adoração. Nós precisamos de ministros, porém eles devem ter encontrado Deus. Se não o fizeram, não poderão ajudar-nos; se o fizeram, então nos são necessários e se tornam como que elos entre nós e Deus. Destarte, a terceira condição de adoração é um intermediário entre vós e Deus, o qual será um foco até que vós mesmo sejais suficientemente forte e iluminado para agir sem ajuda alheia. Ao chegar essa hora, o intermediário se retrairá humildemente e vos deixará, porque êle não deseja permanecer em vossa própria luz, nem entre vós e Deus. Mas até poderdes encontrar Deus diretamente, Êle estará ali pronto para auxiliar-vos. Portanto, a terceira condição na verdadeira adoração é um laço interno com alguém que tenha encontrado Deus. Assim, pois, se tendes estas quatro qualificações:

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humildade e a atitude como a de uma criança para principiar; esquecimento de vossa vida pessoal durante o tempo da adoração; quietude mental e vossas próprias relações pessoais com algum intermediário humano que vos auxilie a efetuar a conexão com Deus até que sejais capaz de obtê-lo por vós mesmo, então estareis preparado para adorar. Tereis um crescente esquecimento da vida pessoal e crescentes momentos de divina quietude, quando sentirdes que dentro desse silêncio há um Poder Superior descendo sobre vós. Tal é o segredo da verdadeira adoração: o sentimento de que estais sendo soerguido por um poder superior. Não procureis nada psíquico ou manifestações maravilhosas de natureza oculta. Podem vir, mas não os sobreponhais ao divino. Estas coisas provarão ser um obstáculo à vossa adoração; são desvios que vos desencaminharão na senda da verdadeira adoração. Se os seguirdes, seduzir-vos-ão a tomar veredas fascinadoras, mas isso não é a real adoração. Quando encontrardes a verdadeira adoração, algo dentro de vós vos falará: algo impessoal, infinito e não-material, pois. durante um breve intervalo, perdereis o sentido de vosso corpo. No momento cm que sentis que estais sendo soerguido por um poder superior, é que a resposta vos veio, e então estais realmente adorando. Ao sentirdes isto, deveis deixar-vos ir; não lhe resistais nem obsteis por qualquer esforço próprio. Deixai-vos simplesmente ir e que esse Poder vos leve aonde êle desejar. Não vos levará a qualquer lugar, mas vos tirará de vosso eu pessoal, e parcialmente de vosso corpo físico, e numa grande extensão, de vosso intelecto. É possível que nessas ocasiões, nem sempre, mas quiçá ocasionalmente, vejais urna Luz: uma grande Luz que vos envolve e que parece estender-se pelo espaço insondável. Parecerá interpenetrar-vos. Aparentemente flutuareis e vos tornareis uno com ela, de sorte que não sabereis se sois a Luz ou se desapareceu aquilo que éreis. •

Se vos ocorre esta experiência, não receeis deixar-vos ir — a vós pessoalmente. Não há nada a temer. Talvez sintais que ides desvanecer-vos no espaço — que há um perigo de morte. Mesmo que houvesse perigo de morte, seria digno morrer por uma tal revelação. Mas não morrereis; isto não passa de uma experiência temi oraria. Não vos ocorrerá frequentemente; aceitai-a, pois, com gratidão, quando ocorrer.

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Essa Luz Infinita Universal está tão próxima que sempre conseguireis ver Deus. Nunca "vereis" a Deus senão como Luz. Deus é infinito e é Espírito. Êle só pode aparecer-vos de uma maneira infinita, sem quaisquer aparentes limites finitos. A coisa mais próxima do Infinito que podemos conhecer é o espaço. Não podeis ver a extensão do espaço. Pensais que vedes o horizonte, mas se procurardes aproximar-vos dele, notareis que êle sempre recua no espaço.