A Montanha e o Urso: Uma História da Coreia A história da Coreia é ainda pouco conhecida pelo público em geral. Muitas v
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Portuguese Pages 268
Table of contents :
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INTRODUÇÃO
1 O DEUS E O URSO
2 A UNIFICAÇÃO E O SÁBIO DA MADRUGADA
3 O GRANDE ANCESTRAL E AS GRANDES OBRAS
4 O IRMÃO LEAL E O BOM VIZINHO
5 OS HERDEIROS DE CONFÚCIO
6 O REINO EREMITA........................................................................................................................
7 A TEMPESTADE
8 A FRATURA
9 A RECONSTRUÇÃO
EPÍLOGO
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A MONTANHA E O URSO UMA HISTÓRIA DA COREIA EMILIANO UNZER MACEDO
___________________________________________________ Catalogação na Publicação (CIP) Ficha Catalográfica feita pelo autor ___________________________________________________ M141a Macedo, Emiliano Unzer, 1977 – A Montanha e o Urso: Uma História da Coreia / Columbia & San Bernadino, EUA: Amazon Independent Publishing, 2018. 237 p.: il. ; 23 cm Inclui bibliografia. ISBN: 9781983059841 1. Coreia – História. I. Título. CDU: 94(519) ___________________________________________________ Copyright © 2018 Emiliano Unzer Macedo Todos os direitos reservados. ISBN: 9781983059841
Aos incansáveis coreanos.
(“Quando decorrem dez anos, até mesmo os rios e as montanhas mudam”)
(“Dragões emergem de pequenos riachos”)
INTRODUÇÃO 1 O DEUS E O URSO 2 A UNIFICAÇÃO E O SÁBIO DA MADRUGADA 3 O GRANDE ANCESTRAL E AS GRANDES OBRAS 4 O IRMÃO LEAL E O BOM VIZINHO 5 OS HERDEIROS DE CONFÚCIO 6 O REINO EREMITA 7 A TEMPESTADE 8 A FRATURA 9 A RECONSTRUÇÃO EPÍLOGO
INTRODUÇÃO
A história da Coreia é ainda pouco conhecida pelo público em geral. Muitas vezes a península coreana é referida como réplica da civilização chinesa, ou como submissa aos interesses japoneses. Apesar desse desconhecimento, a Coreia atrai a atenção mundial com relação aos eventos decorrentes da separação da península desde a Guerra da Coreia entre 1950 e 1953. Ou como nos fascinamos diante da riqueza e pujança da economia sul-coreana. Ou como nossa curiosidade é despertada diante da reclusão do regime norte-coreano. Antes de tudo, deve-se entender que o passado coreano foi todo próprio e singular. Rico e complexo, ao criar e propor novas ideias e conceitos. Esse, portanto, é o objetivo do livro, de introduzir essa complexidade histórica coreana. Os coreanos atravessaram séculos de desafios e confrontos nas suas fronteiras. Incoporaram valores chineses confucionistas, mas foram além e propuseram uma revisão dessa linha de pensamento. Criaram uma economia vibrante na Coreia do Sul na segunda metade do século 20, mas isso não eliminou a tendência autoritária do seu governo. Conceberam um regime fechado e unipartidário ao norte do paralelo 38, decorrente da inspiração stalinista e que hoje perpetua-se na família dos Kims. Ao longo dos séculos, vários grupos étnicos compuseram a península coreana, e que moldaram a cultura e identidade da região. Manchurianos, japoneses, chineses, além da diversidade de coreanos que foram gradativamente
unificados e dominados a um reino a partir do século 10 com Goryeo. Depois das invasões mongóis em meados do século 13, o reino coreano passará a se fundamentar em novas bases, com a dinastia de Joseon (ou Choson). O século 19 testemunhará a crescente ameaça de japoneses, chineses e russos nas suas fronteiras. No século seguinte, a península conhecerá a dominação colonial japonesa até o fim da Segunda Guerra Mundial. E, depois da devastação da Guerra da Coreia, em 1953, a península será fraturada em duas. O enfoque dessa obra será, em suma, apresentar uma visão panorâmica histórica da Coreia, pautando-se nos eventos políticos, com ocasionais ênfases sociais, econômicas e culturais. Não foi descuidado o contexto coreano, com a preocupação de ir além de suas fronteiras e examinar os países da vizinhança no leste asiático. Essa região durante muito tempo antes do século 19, apresentou um cenário vibrante, criativo e próspero, muito advindo dos contatos entre os povos da região e das possibilidades e trocas comerciais e culturais. Foi nesse contexto que a Coreia moldou sua singularidade. Cabe a nós termos a sensibilidade e acuidade aos eventos históricos para compreendermos esse contexto. Ao final, tenderemos a valorizar mais a intrínseca unidade coreana do que a volátil divisão em que resultou a península em meados do século 20. A Coreia, em termos geográficos, ocupa uma península no leste asiático. A região é rodeada por mares em seus três lados: o Mar do Leste, o do Sul e do Oeste. Na maioria dos mapas, o Mar do Oeste, ou Ocidental é chamado de Mar Amarelo, e o do Leste, de Mar do Japão. Isso, naturalmente, foi sempre contestado pelos coreanos, pois os termos remetem a outras referências nacionais estranhas aos coreanos. Esses mares vizinhos e a ligação terrestre ao
norte desempenharam papéis cruciais na história coreana. Foi por esses caminhos que houve fluxo migratório, comercial e cultural, geralmente mais vindo das terras ao oeste para o leste. Mais para o leste, as ligações para o arquipélago japonês se deram por navegações, o que não elimina por completo a ligação marítima entre a China e a Coreia, como houve na aliança em 660 entre o reino coreano de Silla com a China da dinastia Tang. No outro sentido, os japoneses invadiram a península coreana na década de 1590 por meio naval. E episódios marcantes navais se deram em 1894 e também em 1905 na guerra entre japoneses, russos e chineses nos mares da região. Em 1951, durante a Guerra da Coreia, o General MacArthur desembarcou no porto de Inchon para atacar as forças norte-coreanas. O mar sempre foi elemento marcante para a história coreana. Foi também pelos mares que houve a prosperidade dos reinos coreanos. Silla, durante dos séculos 8 e 9, dominou o comércio os mares da região e o comércio com os chineses e japoneses. Foi pelo comércio que comunidades e migrações coreanas ocorreram, como o de comerciantes que se estabeleceram na foz do Rio Yangzi, na China. A partir da dinastia Joseon que se comprometeu a manter a estrita e isolada lealdade à dinastia Ming na China no século 15 que a Coreia começou a rever sua atuação internacional. A partir da segunda metade do século 20, a Coreia na sua proção meridional, uma vez livre da dominação japonesa, novamente retomou sua vocação marítima e internacional. Os contatos no norte coreano consolidaram-se no duro jogo dos interesses soviéticos e, depois, numa política autossuficiente. A topografia coreana é marcada por montanhas que ocupam cerca de 70% de seu território. As partes ocidentais apresentam largas planícies costeiras e vales férteis entre
as montanhas, enquanto a costa leste é marcada por áreas agrícolas estreitas acompanhadas de altas cadeias montanhosas. Essas cadeias correm do norte ao sul, e essa espinha dorsal de península, referida como a Cordilheira de Baekdu, tem origem na mítica motanha ao norte, suposto local onde nasceu o fundador dos coreanos, Dangun. Os rios correm em grande medida do leste para o oeste, e esses incluem o Yalu, Chongchon, Taedong, Imjin, Han e Kum. As exceções são os rios Naktong que flui para o sul e o rio Tumen que flui para o leste a partir do Monte Baekdu. O clima coreano é definido pela sua situação peninsular. O arquipélago japonês protege a região coreana ao leste, fazendo com que o clima seja mais influenciado pelas regiões ao norte e oeste. No entanto, a Coreia não foge do regime das monções que chega no norte do Leste Asiático. Há um verão quente e úmido e inverno seco e frio. Durante o inverno, ventos fortes do noroeste gerados pelas massas continentais da alta pressão da Sibéria derrubam a temperatura e umidade. No verão, as monções do oceano trazem as chuvas, com cerca de 70% das precipitações anuais ocorrendo geralmente em três meses ao ano, de junho a setembro. Ocasionais tempestades, ou tufões, podem ocorrer, mas seu impacto é suavizado pelas ilhas japonesas ao leste. Foi o clima de monções que permitiu à Coreia desenvolver o cultivo do arroz desde o século 8 a. C. A expectativa das chuvas em abril e maio, marcou o calendário agrícola coreano para os arrozais. No verão, quente e úmido, o arroz cresce. Nos meses seguintes, de setembro a outubro, o clima seco e frio predomina, tornando imperativo a necessidade da colheita e armazenagem contra as intempéries. Depois disso, no fim do ano, o inverno predomina. Em termo étnicos e linguísticos, os antecessores dos coreanos vieram de migrações do nordeste asiático e norte
da China. Mas a principal evidência aponta para origens culturais e da língua coreana não de chineses, mas de falantes da família linguística altaica, tais como os turcomanos, mongóis, tungus, manchus e japoneses. Uma família completamente distinta das línguas chinesas. Outras evidências apontam que as origens coreanas com relação aos mitos e símbolos de totens de ursos e tigres remetem a povos altaicos das estepes asiáticas. O culto desses símbolos e mitos conjugam-se com a prática siberiana do xamanismo e de objetos de valores simbólicos usados em rituais como a espada e o espelho, algo que se pode constatar também na história japonesa. A influência chinesa, aparentemente, veio em momento posterior, com a introdução da escrita, dos caracteres chineses ou sinogramas, além dos ritos e ideais cosmológicas, confucianas e budistas. Embora a origem da língua coreana seja diferente da chinesa, a Coreia adaptou os sinogramas para suas palavras e gramática. Essa forma chinesa modificada, chamada de idu, foi reflexo da prestigiosa influência que a elite coreana incorporou ao entrar em contato com a cultura sínica. A unificação da língua coreana em definitivo se deu com a expansão do reino de Silla, que conquistou os reinos de Paekche e Koguryo no século 7. A escrita coreana acabou sendo elaborada a partir do sistema chamado de hangul, elaborado sob o mando do rei Sejong da dinastia Joseon, no século 15. A motivação para a criação de uma escrita e alfabeto próprio foi permitir aos coreanos lerem e entenderem as obras chinesas. Mas a língua chinesa e seus caracteres permanceram por séculos como sinal de prestígio e cultura no meio coreano. Somente no século 19 foi promovido ampla campanha na Coreia para a publicação de jornais e livros a serem escritos em hangul. No período da dominação japonesa no início do século 20, o
hangul e o coreano foram gradativamente banidos nas escolas e locais públicos. Após a Guerra da Coreia, a escrita coreana voltou a ser valorizada, mas dada a divisão da península após 1953, cada Estado coreano passou a ter vocábulos e características diferenciadas ao longo das décadas de separação. Para tanto, a Coreia do Norte refere sua escrita não como hangul, mas como chosongul. Apesar disso, as diferenças não são ainda tão marcantes, e não há dificuldade de comunicação entre as duas partes coreanas. O coreano guarda em si algumas variações dialetais a depender da região da península. Mas a maioria das variações se dá mais por questões de sotaques diferentes. O coreano, para o mundo além do continente, é um grande desafio. A romanização de seus caracteres permitiu ao público ocidental ter maior compreensão vocal, mas a variedade de seus fonemas e consoantes é ainda difícil de ser dominado pelo estrangeiro. A romanização do coreano foi elaborada desde o século 19, e o mais aceito e popular foi o do Sistema McCune-Reischauer, criado em 1937. No ano de 2000, esse sistema foi revisado para o mundo ocidental. É nesse último sistema revisado que a maioria dos termos coreanos do livro foram baseados, salvos em termos conhecidos como Kim Il Sung (e não Gim Il Sung), Park Chung Hee (e não Bak Chung Hee), entre outros. Os nomes completos coreanos, como se constata, seguem a tradição asiática, ou seja, primeiro o nome de família e depois o de batismo. E isso também foi respeitado visando evitar estranhamento ao leitor brasileiro e da língua portuguesa.
1 O DEUS E O URSO Os ecos mais remotos dos antepassados dos coreanos remetem a povos que, aparentemente, migraram de regiões setentrionais chinesas e das vastidões mongólicas. Isso se deu num largo período que se estende desde 10 mil anos antes de nossa era até por volta do primeiro milênio a. C. Nesse processo, houve uma gradual expansão de artefatos de cerâmicas, talvez os mais antigos do mundo que depois se constatou no arquipélago japonês ao leste. Os antigos habitantes caçadores, pescadores e coletores, os pertencentes à uma cultura marcada por cerâmicas com padrões feitos com pente, considerados do Período Jeulmun ( ) (c. 8000 – c. 1500 a. C.), foram deslocados ou miscigenados à onda de povos advindos de outras regiões asiáticas. Criando com isso uma cultura neolítica mais elaborada, identificados nas crônicas chinesas como os pertencentes às nações han, ye ou maek. Os estudiosos hoje consideram que o povo coreano descende em grande parte desses povos. O bronze e o cultivo de arroz foram se estabelecendo nas regiões coreanas e adjacências no primeiro milênio a. C. O arroz parece ter vindo de regiões mais meridionais, pois o cultivo do milhete (que depois originaria o trigo) era mais
comum no norte da China. O bronze, ao que parece, pode ter advindo das proximidades chinesas, considerando o estilo observado nos vasos chineses da época em adagas e espelhos coreanos. O antigo mito de fundação coreana se dá na figura de Dangun (ou Tangun). Dangun ( ) é considerado o fundador, uma espécie de rei e sacerdote de um reino chamado de Choson (também chamado de Gojoseon), localizado no noroeste coreano e partes da Manchúria mais ao norte. Esse reino, evidentemente, depois serviu de inspiração para uma futura dinastia coreana do século 14 d. C. As narrativas mitológicas de Dangun se encontram na obra Samguk yusa( , Memorabilia dos Três Reinos), escrito por um monge budista, Il-yeon (1206–1289), no século 13, à época das invasões mongóis. Esse monge remete os contos a registros mais antigos que até hoje não foram encontrados, como o Livro de Gogi ( ). A história da origem de Dangun assim segue no Samguk yusa. Ao tempo dos deuses, Hwanung ( ) queria viver no plano dos homens ao que foi atendido pelo seu pai, Hwanin, ( ), Senhor dos Céus. Para descer dos céus à terra, foi escolhida a Montanha Baekdu (“Montanha do Cume Branco”, ), hoje na fronteira entre a Coreia do Norte e a China. A Hwanin foi dado três selos celestiais e o mandou para governar sobre toda a terra. Hwanin desceu com três mil seguidores e depois declarou o local onde descendeu como a Cidade de Deus (Sinsi, ). Depois de ser declarado como rei celestial (Hwanung Chonwang), assumiu os encargos de ensinar a agricultura, medicina, artes, leis e moral. Isso tudo foi depois estimado por volta do ano de 2333 a. C. Nas proximidades, habitavam um urso e um tigre que depois passaram a suplicar a Hwanung para transformá-los
em seres humanos. Foi então que o rei celestial deu a ambas criaturas um ramo de Artemísia sagrada, vinte dentes de alho, e ordenou a eles evitarem a luz do sol por cem dias. Os dois animais passaram então a comer a planta e a evitar o sol. Depois de vinte e pouco dias, o urso, que manteve fiel ao plano, depois virou uma mulher. O tigre, por sua vez, impaciente e intempestivo, foi incapaz de seguir as recomendações e permaneceu no seu estado bestial. Uma vez mulher, essa passou a suplicar por um companheiro para ter uma criança. Ao ouvir seus pedidos, Hwanung se transformou num estado mortal e deitou-se com a mulher. Ao que depois foi gerado um filho, Dangun. Depois de crescido, Dangun tornou-se um homem repleto de qualidades e liderança. Para sediar seu reino, fundou uma capital em Pyongyang e chamou seus domínios de Choson (ou Gojoseon). Anos mais tarde, Dangun mudou sua corte para mítica cidade de Asadal e ali governou por mil e quinhentos anos. Ao final de sua longa vida, Dangun negociou seu reino com sucessores, passou a viver nas montanhas como divindade. Ao que parece, essa narrativa mitológica serve para entendermos como um reino organizado se estabeleceu no norte da península coreana antes de nossa era. Considerando que não houve vestígios de nenhum amplo reino centralizado até o 4º século a. C., a figura de Dangun serviu ao propósito de legitimar os posteriores reinos coreanos e na Manchúria, ao criarem uma narrativa que remete ao passado longínquo e divino. Alguns estudiosos [1] da história coreana fundamentam a narrativa de Samguk yusa no seu devido contexto histórico. Argumentam que o mito de Hwanung e seu descendência representaria a migração de povos das cordilheiras Altai, da Mongólia. Esses trouxeram consigo nova cultura e técnicas da agricultura,
ao que depois se difundiu entre os anteriores habitantes aborígines da Manchúria e Coreia. Entre esses nativos, alguns deles adoravam um deus em forma de tigre que depois foram marginalizados. Outros, que adoravam uma forma divina em forma de urso, foram incorporados e assimilados a esses novos imigrantes. No que depois resultou na consolidação de um estado da região, chamado de Choson liderado por um líder com poderes sacerdotais, Dangun. Estudos identificaram algumas nações siberianas e na Manchúria que cultuavam o urso como animal sagrado. Dangun foi depois sucedido por uma nova onda de migração advindo do oeste, liderado por Kija, que apresentou novidades civilizacionais. Nesse sentido, as lendas podem nos ajudar a compreender o quadro de migrações e assimilações no leste asiático nos últimos séculos antes de nossa era. Os mitos de fundação relacionariam-se nos séculos posteriores com os deuses cultuados depois nos estados de Puyo, Koguryo, Kaya e Wa, todos na região da península coreana, nordeste chinês e arquipélago japonês. O quadro de migrações e influências culturais também é observado no uso do bronze, como indicam os achados arqueológicos. Em regiões coreanas e manchurianas, há adagas de bronze pertencentes à chamada cultura de Liaoning do século 10 a. C., que apresentam formas distintas das culturas siberianas da região de Ordos no norte da China. E, com a introdução de técnicas agrícolas, o arroz passou a ser cultivado desde o século 8 a. C. na península coreana algo que, como dito, diferenciava-se das regiões vizinhas que cultivaram o milhete e o trigo. Foi também nos últimos séculos antes de nossa era que um sistema de escrita advindos do oeste espalhou-se em regiões coreanas e no antigo reino de Choson (Gojoseon). É
incerto qual sistema foi introduzido, mas é provável que tenha sido aquele que acompanhou ondas migratórias similares ao usado na escrita chinesa, ou seja, formas de sinogramas. Choson, como nome de estado político, aparece narrado pela primeira vez em registros chineses no século 4 a. C., quando é referido as boas relações diplomáticas entre o reino coreano e o estado chinês de Qi, na península de Shandong (mapa). Mais tarde, nas narrativas chinesas, Choson é referido como um reino localizado na próxima península de Liaodong, na costa da Manchúria, e descrito como um reino organizado e forte que ficava ao leste do reino de Yan, durante o período dos Estados Combatentes da historiografia chinesa (c. 475 a. C. – 221 a. C.). Foi decorrente dos continuados conflitos com Yan que Choson decidiu deslocar sua capital, Wanggeom-seong, mais para o leste de Liaodong para o noroeste coreano no século 3 a. C.
Mapa: O estado de Qi em Shandong e a península coreana no século 4 a. C.
Por volta do início do século 2 a. C. houve turbulência na região norte chinesa que afetou a península coreana. A dinastia Qin chinesa (212 – 206 a. C.) entrou em colapso com a ascensão da dinastia Han (206 – 220 d. C.), que catalisou uma série de migrações de grupos étnicos han, ye e maek para o norte e nordeste chinês nas proximidades do rio Yalu. Nos achados arqueológicos, é possível distinguir na região coreana, figuras de vestimentas e penteados que remetem às esses novos povos, algo que certamente teve consequências no reino Choson. O soberano Choson, ao que a tradição narra, confiou a defesa e guarda de suas fronteiras a aliados contra o crescente império chinês. O reino Choson atravessou mudanças quando um desses refugiados chineses da fronteira decidiu voltar-se contra a capital de Choson e ocupar o trono em 194 a. C. Seu nome depois ficaria conhecido como Wiman (r. 194 a. C. - ?) que, uma vez no poder, decidiu manter a linhagem dinástica coreana. Historiadores acreditam que Wiman governou sobre um reino confederado de grupos étnicos do que propriamente algo centralizado. Isso era típico da época na região da Manchúria, península coreana e Japão. Três gerações depois, embates começaram a se avolumar com os chineses da dinastia Han, no que resultou na vitória do imperador chinês Wu em 108 a. C. No seu auge, portanto, toda a região norte coreana foi incorporada diretamente ao império chinês da dinastia Han. Tratados de paz foram logo estabelecidos, mas o reino de Choson, embora submetido, permaneceu como um alerta para a futura segurança da China da época, pela sua notável organização e proximidade geográfica. Assim se deu por quatro séculos até por volta de 313 d. C. O norte coreano foi administrador pelos chineses de Han a partir da cidade de Lelang (Nanggang em coreano) perto
de Pyongyang. Apesar da dominação, as evidências arqueológicas apontam para traços culturais coreanos bastante distintos dos chineses. Ao que parece, os chineses mantiveram a administração de forma confederada e autônoma, assim como era costume na região. Ademais, temos que considerar que não havia ainda uma unidade cultural nem mesmo entre os chineses, e assim foi também entre os coreanos. Em outras palavras, não havia ainda à época uma entidade homogênea e unificada coreana, mas sim um quadro diversificado de grupos étnicos. Nada havia, portanto, para nos referirmos como uma Coreia. As fronteiras que hoje são evidentes no norte coreano, ao longo do rio Yalu e Tumen, somente foram demarcados tardiamente, no século 15 d. C. A diversidade de povos e costumes coreanos foi notada nas crônicas chinesas, como na Crônica dos Três Reinos (Sanguo zhi, ) do século 3 d.C. Nesse livro, narra-se que havia um reino chamado de Puyo, bem ao norte da península coreana na região da Manchúria. Mais ao sul da Manchúria ascendeu um reino chamado de Koguryo que depois conquistou sua soberania plena dos chineses a partir de 313 d. C. Ao leste, um outro grupo, Okcho, tinha constituído num reino separado e, ao sul deles havia o povo Ye (ou Yemaek) que viveram ao longo da costa oriental coreana. Ainda mais ao sul, que permaneceu longe da dominação chinesa de Han, tinha florescido três reinos coreanos: Mahan, Pyohan e Chinhan (mapa). Esses três povos (referidos por vezes como Samhan) foram os prováveis ancestrais das posteriores dinastias coreanas, pois foi de Chinhan que se consolidaria a gradativa união coreana nos séculos posteriores. Entre os de Mahan, os chineses relatam que não tinham nem mesmo uma língua em comum e que eram mais um conjunto de pequenas unidades de lealdades. Todos os três reinos no sul coreano eram compostos em sua maioria por agricultores
espalhados entre terras férteis entre as montanhas e o mar, sem sinal de muralhas. Pyonhan e Chinhan não contavam com mais do que alguns milhares de grupos familiares. E entre esses, conta-se que tinham o hábito de tatuarem os corpos e deformarem as cabeças dos recém-nascidos visando uma forma mais alongada do crânio. Em contraste, o povo de Koguryo, mais ao norte, eram montanheses que em boa parte desconheciam a agricultura. Por volta do século 3, sua população deveria contar com algumas dezenas de milhares de famílias, todas mais afeitas à cavalaria e ao nomadismo.
Mapa: Os reinos coreanos no século 5 d. C.
Na perspectiva chinesa, a ordem considerava todos os povos ao redor como periféricos ao seu senso de civilização. Foi quando os chineses consolidaram o conceito de Mandato do Céu (tianming, ; ) e quem controlava esse centro era
dito como Filho do Céu (tianzi, ). O primeiro imperador chinês, Qin Shihuangdi (259 – 210 a. C.) proclamou-se governante de tudo o que havia sob os céus (tianxia, ) depois de ter unificado os seis estados em guerra na China de 230 a 221 a. C. Ele adotou um novo título, huangdi( , imperador), que tinha antes sido usado apenas para figuras mitológicas e divindades da China antiga. Uma vez conquistada toda a vastidão dos reinos chineses, o imperador passou a considerar sua soberania sobre os arredores no mundo asiático, a manter a ordem contra possíveis ameaças. Assim, Qin Shihuangdi passou a elaborar uma política de contenção e alianças visando as suas fronteiras mais vulneráveis ao norte, dando alento à uma série de fortificações e muralhas defensivas no que séculos depois iria ser a Grande Muralha. Uma das nações mais ameaçadoras aos chineses eram os xiongnus, nômades que eram considerados como bárbaros na percepção etnocêntrica chinesa da época. Outras nações foram nomeadas de acordo com os pontos cardeais, Dongyi (ao leste), Nanbam (ao sul), Beidi (ao norte) e Xiong (ao oeste). Após algumas décadas, a dinastia imperial Qin foi conquistada pela dinastia Han, que durou quatro séculos. No século 2 a. C., um dos imperadores Han, Wudi (156 – 87 a. C.) foi articulado e energético o suficiente para combater e eliminar a ameaça dos xiongnus no norte e oeste das fronteiras chinesas e passou então a voltar sua ambição expansionista para o sul e leste. Uma vez feita a expansão chinesa ao sul, chegando a estender-se ao que hoje é o norte vietnamita em 111 a. C., Wudi, três anos depois, voltou-se ao leste quando encontrou a formidável resistência de Wiman de Choson, que acabou caindo derrotado em 108 a. C. A ampla confederação tribal de Choson não se mostrou centralizada o suficiente para conter
a invasão chinesa. Nessa região foram depois implementadas quatro grandes regiões administrativas: Lelang, Zhenfan, Lintun e Xientu. E uma numerosa migração chinesa foi incentivada para ocupar efetivamente toda a região nordeste do império de Han. Lelang, conforme dito antes, foi um dos principais centros administrativos chineses na região com a península coreana. Esses centros prosperaram com o ativo comércio entre as regiões e a costa do leste asiático. Funcionários chineses e representantes da corte Han com frequência provaram sua arrogância ao imporem um sistema de leis e costumes confucianos sobre os antigos costumes de Choson. Apesar das resistências, as modificações de Han foram implementadas, o que não eliminou os constantes ataques e pressões de nações coreanas vizinhas. Foi por meio desses desgastantes ofensivas que os chineses decidiram abandonar dois centros administrativos e se concentrar em apenas um deles, Lelang, que acabou se tornando no centro chinês mais periférico ao nordeste do império Han. O interesse chinês na região nordeste, entre os povos que consideravam como Dongyi( ), passou com o passar do tempo a considerar apenas a manter os laços comerciais e tributários, até ao tempo em que a própria coesão e unidade do império chinês da dinastia Han começou a entrar num período de declínio e fragmentação no século 4 d. C. Foi nesse contexto que um dos reinos mais ao norte da península coreana, o de Koguryo, chegou a investir contra a cidade de Lelang em 313 d. C [2]. Após esses eventos, o líder de Koguryo passou a ser referido com o título de rei (wang, ).
A expansão de Koguryo, a bem da verdade, remeteu a séculos anteriores na região da Manchúria e começou a preencher gradativamente o vácuo de poder deixado com o declínio da autoridade imperial chinesa. No século 2 de nossa era, era visível os sinais de enfraquecimento dos representantes de Han. Em 220, toda a região sul da Manchúria foi conquistada por um povo nômade que tinham se confederado num sistema de alianças chamados de Xianbei. Por volta do ano 300, esses nômades começaram efetivamente a controlar toda a região e cortaram toda a ligação da península coreana com o restante da China. Foi, portanto, a gota d’água apenas quando Lelang caiu em 313 para Koguryo. Talvez não seja exagero considerar esses eventos históricos como determinante para o posterior surgimento da nação coreana. Em fins do século 4 e início do seguinte, a região nordeste da China e do norte da península coreana tinha se consolidado em dois reinos organizados e fortes. Um, mais ao norte foi dominado por povos de Tuoba e Xianbei que passaram a reinar sobre a dinastia Wei do Norte. Mais ao sul, o reino de Koguryo fortaleceu-se no sul da Manchúria e norte coreano. Ambos os estados foram regidos por povos não-chineses, apesar de Wei do Norte ter uma considerável população chinesa. Ademais, ambos os reinos tinham absorvido substancialmente a cultura chinesa e o confucionismo, sinizando o povo de Tuoba-Xiaobei. Entre os de Koguryo, a influência se fez presente, embora em menor medida e foram esses depois que levaram os valores chineses mais para o sul da península coreana e, dali, para as ilhas e arquipélago japonês, entre os povos denominados à época de Wa. Em 372, Koguryo tinha fundado uma academia de estudos de obras clássicas chinesas e, um ano depois, passou a promulgar códigos de leis confucionistas. Em 427, sob o rei Jangsu (r. 413 - 491), a capital de Koguryo mudou-se mais para o norte do rio Yalu, hoje em território
chinês, nas proximidades de Pyongyang [3]. Deslocando-se de suas bases mais ao oeste na península de Liaodong, Jongsu e seu antecessor no trono, o rei Gwanggaeto, o Grande (r. 391 - 413) tinha expandido o território de Koguryo ao norte até o rio Songhua [4] e chegando a controlar dois terços da península coreana. Outro reino coreano proeminente foi Paekche (ou Baekje, ) que tinha sido fundado por um dos filhos do primeiro rei de Koguryo, Jumong (r. 37 a. C. – 19 a. C.). A linhagem real de Paekche, tal como Koguryo, buscaram traçar sua ancestralidade ao de Puyo (ou Buyeo, ), um venerável reino que tinha se estabelecido na Manchúria desde o século 2 a. C. Paekche começou com a reunião de em torno de 50 famílias na região de Mahan no sudoeste coreano. Com o tempo, foi expandindo e consolidando seus domínios na região. Os contatos com dinastias chinesas foram primeiro registrados em 372 e, em 386, o regente de Paekche, Jinsa (r. 385 - 392) recebeu o título dos chineses de “Rei de Paekche” e “General Protetor do Leste”. O antecessor no trono de Jinsa, Geunchogo (r. 346 - 375) tinha expandido e controlado o reino de Paekche no seu auge territorial, tornando-os particularmente valiosos aos chineses que buscaram contrapor à hegemonia de Koguryo ao norte. Em fins do século 4, Paekche foi derrotado e reduzido pelo reino vizinho de Silla. Nos séculos 5 e 6, Paekche manteve duradouras e boas relações com dinastias chinesas, principalmente das regiões meridionais, e foi o período em que absorveu a sofisticada cultura chinesa. Ao mesmo tempo, pelo acesso aos mares da península, Paekche começou a manter contatos e comércio com estados emergentes nas ilhas meridionais do arquipélago japonês.
O terceiro reino coreano proeminente à época, Silla, desenvolveu-se a partir de comunidades da região de Chinhan no sudeste asiático. Esse reino, virado para a costa leste da península, foi a mais remota e que demandou mais tempo para desenvolver-se. Foi somente em 503 que os líderes de Silla abandonaram os tradicionais títulos de Maripkan, e assimilaram o título chinês de “rei” (wang). Em 520, Silla começou a promulgar uma série de leis de origens chinesas e confucianas, claramente demonstrando a influência advindo do oeste. Por volta de 535, no entanto, há uma novidade, pois em Silla foi contornada a oposição da corte e elite do reino com relação ao budismo, sendo esta crença oficialmente endossada. Dez anos depois, por regimento real, Silla começou a escrever a história oficial do reino. Silla, no seu auge, em 576, chegou a dominar toda a costa oriental da península coreana, muito resultado do enérgico rei Jinheung (r. 540 - 576) quando este aliou-se a Koguryo e derrotou o reino de Paekche através do rio Han em 553. A estrutura social de Silla parece ter se consolidado em torno de clãs proeminentes, com sobrenome de Kim ( ), Pak (ou Park, ) e Seok (ou Sok ou Suk, ), nomes até os dias atuais presentes nas famílias coreanas. Até o século 4, os chefes de Silla regiam sobre um sistema confederado e eram eleitos por consenso de um conselho de notáveis. Esses três reinos coreanos foram o pano de fundo histórico sobre o que depois iria se consolidar na Coreia a partir do século 7. Todos os três tiveram significativa influência chinesa, principalmente com relação aos assuntos de Estado, política e leis. Há relatos de chineses de que todos, sem exceção, sabiam de cor recitar os ensinamentos clássicos chineses confucianos e seus discípulos. Apesar disso, foi mantido algo que os distinguia dos chineses, na língua e nos costumes. Cada reino manteve suas tradições
cerâmicas distintas [5]. Os monumentos funerários, chamados de kobun, presentes nos três reinos demonstram estilos diferentes atendendo a padrões regionais. Túmulos de pedra apresentam murais pintadas nas suas câmaras em Koguryo. As câmaras em Paekche são arqueadas, e em Silla, os túmulos são de madeira recobertos por pedras. Foi por volta da consolidação desses três reinos que houve registros de povos que habitavam ilhas mais ao leste, chamados de Wa. Principalmente de Silla, houve migração de algumas comunidades da península para as ilhas meridionais e ocidentais do arquipélago japonês nos primeiros séculos de nossa era. Ainda mais recuado no tempo, certamente houve a influência por migração dos conceitos cerâmicos presentes na chamada cultura de Yayoi no Japão no século 4 a. C. que compartilha as características da cerâmica coreana da mesma época. Ademais, há semelhança na língua japonesa antiga no norte da ilha de Kyushu com a língua de Koguryo. E foram imigrantes de Paekche que depois atravessaram os mares ao leste de fins do século 4 ao 7 e depois influenciaram na disseminação do budismo, no fortalecimento de líderes locais do clã dos Yamatos e até mesmo nas técnicas agrícolas e metalúrgicas como a forja de espadas [6]. O budismo adveio após uma série de interações através das regiões ocidentais da China que lidavam com rotas para a região do norte indiano, Paquistão e Afeganistão. Essa religião, nascida na Índia, chegou aos domínios chineses por volta do segundo século de nossa era, e teve grande apelo por sua mensagem universal e não-exclusivista. Qualquer um, em suma, poderia alcançar a iluminação espiritual, sem distinções sociais, de gênero e etnia. Mas essa religião teve, contudo, que lidar com as religiosidades anteriores na China. Uma dessas era o Taoísmo, que oferecia uma
explicação e inserção cósmica do seu no universo, algo que serviu de contraponto às limitações e abusos do sistema confuciano oficial adotado pelo Estado chinês ao longo de sua história. Se os ensinamentos de Confúcio e de seus discípulos defendiam a ordem, a hierarquia, a obediência e harmonia, o taoísmo, por vezes, buscava libertar o indivíduo do constrangimento social e político para uma plena realização pessoal. Foi um monge budista da cidade de Dunhuang que traduziu as escrituras budistas da escola Mahayana do sânscrito para o chinês. Depois de longo tempo, esse budismo começou a se ampliar na China em período de instabilidades e desunião no século 4. Foram as dinastias de nômades que abraçaram essa nova religião e a promulgaram. Uma dessas dinastias, a de Qin (351 – 394) foi entusiasta em promover o budismo, considerando suas origens com os tibetanos, nação que cedo incorporou os ensinamentos de Buda. E a partir disso, o budismo se espalhou para outras partes da China e mundo asiático. Em determinado momento, um monge budista, Sundo (ou Shundao, em chinês), advindos do reino de Qin, foi para as regiões orientais e chegou a Koguryo em 372. E ali descobriu que as práticas xamanistas eram predominantes entre os nativos. O rei de Koguryo, Sosurim (r. 371 - 384), ficou fascinado e atraído com a nova religião que, além de satisfazer suas curiosidades a respeito da ordem cósmica e busca pela iluminação espiritual, acolheu os ensinamentos do novo credo espiritual e tornou-o uma religião do Estado. São decorrentes dessa decisão que as primeiras imagens e estatuetas de Buda desse período, em bronze dourado, usados como talismãs, são hoje encontrados em alguns museus em Seul e no mundo. A aceitação do budismo pelo rei de Koguryo condisse com seu plano ambicioso de sistematizar seu governo em novos
termos burocráticos e ter maior apelo de integração social no seu reino. Koguryo, anteriormente, era mais uma coleção de clãs e lealdades que, com o budismo promovido, poderia cimentar numa nova unidade político. Ademais, o budismo poderia ofertar novas alianças e contatos internacionais, indo além de sua localidade no nordeste asiático. Juntamente com o budismo, o confucionismo foi adotado pelos subsequentes governantes de Koguryo para estabelecer um sistema hierárquico e burocrático do reino. Tanto foi assim que foram estabelecidas academias confucianas e, decorrente disso, instituídas carreiras para os magistrados e funcionários do Estado, seja para sistematizar e manter o funcionamento da máquina do governo, seja para manter os registros e compilar a história do reino. Portanto, o budismo e confucionismo serviram, fundamentalmente, para estruturar e manter o nascente reino coreano. Isso não ocorreu apenas em Koguryo. Alguns anos depois, em 384, o reino de Paekche implementou iguais medidas quando foram decretadas como oficiais pelo rei Chimnyu (r. 384 – 385) os ensinamentos do monge indiano Marananta (ou Malananda). E, mais tardiamente, também institucionalizados por Silla em 527, um outro nascente reino coreano, Kaya, e, mais ao leste nas ilhas meridionais japonesas, por Wa em 584. Esse último reino, pela sua distância geográfica da península, somente irá plenamente reformar seu sistema político e jurídico após a Reforma Taika feitas pelo príncipe Shodoku em 654. O fato mais notável da região coreana se dá com uma impressionante estela de sete metros de altura encontrada perto do rio Yalu, na Manchúria, em que se comenta sobre os feitos de um rei de Koguryo, Gwanggaeto (r. 391 – 413). Foi sob o reinado deste que Koguryo expandiu suas fronteiras a incluir boa parte do nordeste asiático, desde o
rio Sungari ao norte, o vale do rio Liao ao oeste, a costa marítima ao leste e o rio Han ao sul. O nome Gwanggaeto, na verdade, é um nome póstumo, um título que significa “território em expansão”, demonstrando que o reino estava em sua plena capacidade expansionista. Seu verdadeiro nome era Yongsak, e foi durante esse período que Koguryo incorporou várias entidades políticas menores coreanas e manchurianas. Em 427, alguns anos depois da morte de Yongsak, seu herdeiro, Jangsu (r. 413 – 491). Koguryo viveu seus tempos de auge, e o rei decidiu mudar a capital do alto rio Yalu para Pyongyang, um antigo centro usado pelo reino de Choson e pelos domínios administrativos de Lelang. A estela ainda descreve feitos impressionantes do reino Koguryo. As expansões do nascente império coreano foram em todos os pontos cardeais, e essas descrições coincidem com os relatos coreanos compilados pela primeira vez em forma escrita no século 12. Os primeiros avanços se deram ao norte, sobre o universo de nações nômades para depois se consolidar ao sul, sobre o reino de Paekche. Ao leste, o reino de Koguryo submeteu vários tribos e, por fim, foi ao oeste onde enfrentaram o resistente império confederado de Xianbei (à época referidos como reino de Yan Tardio, compondo este um dos 16 reinos fragmentados em que se encontrava a China em fins do século 4), povo nômade de etnia proto-mongol. Os confrontos mais duradouros se deram contra Paekche e Xianbei. Paekche tinha sido o reino mais poderoso e organizado da península coreana, mas acabou rendendo-se ao rei Gwanggaeto em 396. Na virada do século 5, Koguryo conseguiu o feito de derrotar novas investidas de uma aliança do reino de Paekche, Kaya e de Wa. Em 407, o rei de Koguryo lançou sua ofensiva mais ao oeste, para garantir a plena segurança de suas fronteiras, e conquistou a estratégica península de Liaodong. Pondo termo às ameaças principais que poderiam vir do sul e do norte e oeste.
A península coreana testemunharia mais uma ascensão política notável a partir do século 6. Silla, um reino coreano que tinha se consolidado na ponta sudeste, esse pequeno reino inicialmente era de pouca expressão tal como a sua vizinha, Kaya. A mudança dos ventos históricos começou com uma confederação feita mais ampliada, a envolver mais seis grupos clânicos, a ser regido por uma figura de chefia e rei, cujas decisões eram submetidas a um conselho de chefes. Esse sistema era designado como hwabaek. Com o passar dos tempos, a figura do rei concentrou ainda mais seu poder de decisão, consolidando a dinastia dos clãs dos Kims e Paks em meados do século 4. Posteriormente, esse sistema ampliou-se para organizar a sociedade de Silla em hierarquias, com as famílias reinantes no topo e a burocracia e mão-de-obra diversa nos níveis abaixo. Essa hierarquia, influenciada em parte por ideais confucionistas de ordem e respeito, era conhecida como kolpum, “classificação óssea”. No qual o status era reservada para aqueles que pertenciam a um grupo determinado por laços familiares, de sangue, ou melhor, de osso. Aqueles que tinham o “osso sagrado” (seonggol, ) poderiam almejar às posições de comando do reino. Até meados do século 7, somente os de “osso sagrado”, estritamente aqueles descendentes dos Kims e Paks, poderiam suceder ao trono. Os demais membros poderiam almejar outros cargos, desde que pudesse ser comprovada as ligações familiares ou aliados. Nesse sentido, foi garantido ao reino de Silla certa coesão e homogeneidade à elite governantes, que com o tempo foi incorporando as lideranças de outros estados conquistados. O budismo também se fez presente em Silla, apesar de ter sido mais tardio do que ocorreu em Koguryo e Paekche. Inicialmente, o apelo universal e irrestrito budista chegou a apenas aos plebeus. Com o passar das décadas, no início do
século 6, o budismo começou a ser aceito entre membros da elite de Silla. Em 527, o rei de Silla, Beopheung (r. 514 540), acabou oficializando o culto após o martírio do monge budista Ichadon (ou Geochadon, , 503 – 527), figura bastante popular e secretário do rei. A sua morte adveio, conforme nos narram as crônicas budistas coreanas compiladas no século 13, Ichadon manifestou um milagre no momento de sua morte para impressionar e converter a aristocracia de Silla. Conforme nos narra em maiores detalhes a sua morte, sua profecia no momento de sua execução foi cumprida. Toda a extensão da terra tremeu, o sol escureceu, flores choveram dos céus e sua cabeça cortada planou em direção às montanhas sagradas de Geumgang, e leite jorrou abundantemente de seu corpo decapitado. O presságio impressionou a todos os presentes e isso foi considerado como uma manifestação dos céus, de que o budismo deveria ser considerado como religião do Estado. Todos, aterrorizados, passaram a lamentar pela morte do monge que passou a ser considerado como mártir pela causa da retidão, da moral e do bom comportamento (imbuídos no amplo conceito budista de darma). Uma vez declarada como oficial, o budismo em Silla cresceu rapidamente que serviu como base de ordenamento e coesão social do reino. Algumas décadas depois, no mundo político, Silla mostrou-se forte o suficiente para denunciar sua histórica aliança com o reino de Koguryo, ao norte. E Silla passou a procurar acordos mais vantajosos com o reino vizinho de Paekche visando invadir e expandir às custas do pequeno reino de Kaya. Em 532, Kaya foi em grande parte anexado pelos dois reinos aliados. O avanço mais dramático de Silla, contudo, se deu em 553, quando conquistou todo o vale do rio Han que percorre o centro da península coreana. Após esse feito, o rei de Silla, Jinheung (r. 540 - 576), mandou erguer grandes monumentos para marcar suas novas
fronteiras. O que motivou o desagrado de Paekche que tinha antes ocupado a região. Foi por isso que Paekche passou a atacar Silla em 554, resultando na derrota decisiva do rei de Paekche, Seong (r. 523 - 554). Muito do sucesso das rápidas ofensivas de Jinheung se deve pelo eficaz uso em campo aberto de sua cavalaria altamente disciplinada, chamada de hwarangdo( ). Em 562, Silla finalmente anexou totalmente o reino de Kaya, e passou então a comandar toda a região central e costa oriental da península coreana. Haveria ainda alguns séculos restantes em que Paekche, Silla e Koguryo iriam se digladiar em conflitos e alianças a competir pela hegemonia, mas seria Silla que, eventualmente iria se sobrepor a todos no século 7.
2 A UNIFICAÇÃO E O SÁBIO DA MADRUGADA Em fins do século 6, a China voltou novamente a se unificar sob a dinastia Sui após quase três séculos e meio de fragmentação de numerosos reinos. O novo império chinês serviu depois de base para uma era mais duradoura de unidade sob a dinastia Tang (618 – 907). Esse novo ordenamento chinês teve consequências sobre os reinos coreanos, cada qual buscou enviar emissários para a corte Sui a renovar os laços diplomáticos. Dos três reinos coreanos, Koguryo, Silla e Paekche, o mais setentrional, o de Koguryo, apresentava problema evidente de fronteira e ameaça ao nascente império chinês. Em 598, o imperador Sui declarou guerra à Koguryo. Yangdi (r. 604 – 618), governante chinês no início do século seguinte, seguindo suas ambições expansionistas tentou invadir Koguryo por três vezes a partir de 612. As consequências dessas prolongadas campanhas revelaram-se onerosas e desastrosas para a corte Sui que depois chegou ao seu fim em 618. À época das grandiosas invasões chinesas, que fontes chinesas indicam que envolveu mais de um milhão de soldados mobilizados, um ministro de Koguryo, Eulji Mundeok (? - ?) revelou seu brilho estratégico e militar na resistência aos chineses. Suas vitórias decorreram do hábil e preciso contra-ataque no recuo das forças chinesas ao cruzarem o rio Salsu (hoje em dia, o rio Cheongcheon) em
612. Com esse feito, o general coreano tornou-se uma figura heroica cultivada nos séculos posteriores. A crise gerada no império Sui abriu oportunidades para que outras lideranças chinesas se proclamassem imperadores. Em 618, Li Yuan, um general tomou o trono imperial e estabeleceu uma nova linhagem dinástica, a Tang. E assim como no passado, os reinos coreanos, uma vez considerando a estabilidade do novo poderio imperial chinês, mandaram emissários. Koguryo, inicialmente, apresentou-se como inofensivo e aberto aos bons contatos. No entanto, pouco anos depois, sob o imperador Tang, Taizong (r. 626 - 649), as relações entre as duas partes azedaram decorrente dos planos ambiciosos da China sobre as regiões periféricas do império. Depois de subjugar povos túrquicos no oeste chinês em 630, a atenção do imperador voltou-se para o leste, para Koguryo. Em 642, foram erguidas uma série de fortificações na fronteira do reino coreano frente aos chineses, sob a supervisão de Yeon Gaesomun (603 – 666) que depois conseguiu eliminar seus rivais políticos com um golpe de Estado e nomeou-se como plenipotenciário do reino de Koguryo, tornando-se de fato o governante. A política de Yeon Gaesomun mostrou-se mais agressiva não somente aos chineses, mas também aos outros reinos coreanos ao sul. Reconhecendo o poder de Koguryo ao norte, representantes do reino de Silla aliaram-se para atacarem em conjunto o reino de Paekche. Mas essa busca de aliança não durou muito, pois Koguryo buscou depois aliar-se a Paekche, o que provocou a busca de aliança de Silla com o império chinês Tang. Em 644, o imperador Taizong, decidiu então enviar uma expedição contra Koguryo que enfrentou duras resistências na península de Liaodong que perdurou por anos. Taizong, cansado dos anos de guerra, resolveu então retirar-se das linhas ofensivas e
passou a apoiar o seu aliado na península coreana, Silla, a combater Koguryo. O poderio ascendente em Silla se deu por um processo interno de disputas pelo poder. Durante o reinado da rainha Sondok (r. 632 – 647), membros da aristocracia hwabaek tentaram dar um golpe mas que foi logo reprimida por monarquistas liderados por Kim Chunchu (604 – 661) que acabou se tornando na maior figura política de Silla da época. Quando Sondok veio a falecer, sua herdeira, a rainha Chindok (r. 647 – 654) foi a última linha dos monarcas que seguiram o sistema do “osso sagrado” (seonggol). Nesse meio tempo, conforme dito, Silla estava se comprometendo cada vez mais com a China dos Tangs. Em 648, Kim Chunchu foi enviado como emissário mais uma vez para a capital chinesa, Changan. E voltou prometendo adotar todos os protocolos, rituais e vestimentas cerimoniais chinesas na corte de Silla, visando impressionar o imperador Taizong. Tais gestos de respeito e compromisso sem reservas do reino Silla resultou fortaleceram ainda mais a aliança entre os dois reinos asiáticos. No âmbito social e militar, Silla nos séculos 6 e 7 institucionalizou o hwarangdo (“Caminhos dos Cavaleiros Florescentes”, ). Esse consistia basicamente num grupo selecionado de membros jovens (nangdo) da elite coreana que foram selecionados através da demonstração de coragem, lealdade, respeito aos valores tradicionais e versados nas artes e poesia. Cada unidade desses jovens era liderado por um hwarang( ), membro das famílias pertencentes aos “ossos sagrados”, como o foi Kim Chunchu. Com frequência, monges budistas se juntaram a esses grupos como conselheiros e guias espirituais. Tal corpo disciplinado e motivado de jovens retrata bem o espírito de Silla na época, cuja identidade nacional estava
florescendo e estimulado para eventuais conquistas na península coreana. O hwarang mais conhecido de Silla foi Kim Yushin (595 – 673), descendente de um rei de Kaya, que havia sido aceito como membro dos “ossos sagrados” depois que o citado reino de seu antecessor foi derrotado em 532. Foi Kim Yushin que, no início do século 7, liderou um grupo de hwarangdo, chamados de Yongha hyangdo (“Discípulos da Fragrância da Flor do Dragão”) que acreditavam ser escolhidos pelas divindades a realizar a conquista de toda a península coreana. Foi com esse espírito de motivação que Kim Yushin, que era cunhado de Kim Chunchu que chegou a ocupar o trono de Silla em 654, assumindo o nome real de Muyeol (r. 654 - 661). Paekche, sentindo-se cada vez mais ameaçado e cercado pelos reinos rivais de Silla e da China Tang, buscou então assegurar novas alianças na região asiática. Koguryo, aparentemente, apresentou-se dúbia e com certa lealdade a Paekche, mas talvez temeram ainda mais rivalizar-se com a China dos Tangs. Foi então que os governantes de Paekche mandaram emissários mais para o leste, para o reino consolidado de Wa sob os Yamatos nas ilhas japonesas que depois firmou-se numa renovada aliança em 653. De 655 a 659, Paekche parece ter convencido Koguryo no norte a mobilizar suas tropas, e os dois reinos começaram a assediar as fronteiras de Silla. Como resposta, os governantes de Silla solicitaram a ajuda da China. Os Tangs, em 660, enviaram uma força naval de cerca de 130 mil homens para o leste em direção à capital de Paekche da época, Sabi (hoje, Puyo). Na linha oriental e terrestre, as ofensivas ficaram sob o comando de Kim Yushin, Pumil e Humchun a avançar com uma força estimada em 50 mil homens. Ao que resultou numa das maiores batalhas conforme descrita pelas crônicas históricas coreanas do
século 12, o Samguk sagi (“História dos Três Reinos”, ). A batalha de Hwansanbeol. Nesses confrontos, foi narrado a extremo auto-sacrifício do general de Paekche, Kyebaek (? – 660), que, ciente de seu destino e do reino, mandou sacrificar toda sua família a evitar uma vida de escravidão. Ao que depois liderou uma carga suicida de 5 mil guerreiros contra a ofensiva de Silla. Derrotadas as forças de Kyebaek, as forças aliadas de Silla e Tang chegaram a ocupar a capital de Paekche depois de uma feroz batalha em 660, em que foi morto o último rei, Uija. O sucesso militar incitou a diferenças de planos entre a China sob o imperador Gaozong (r. 649 – 683) e de Silla a respeito do futuro da península coreana. Os chineses almejaram estabelecer uma presença definitiva na parte oriental da península, ao passo que Silla, consciente das ambições de Gaozong, buscou consolidar seu domínio coreano. De fato, embora as lendas conforme nos conta o Samguk sagi que enfatiza as sábias decisões do rei Muyeol, parece que o império chinês não conseguiu manter sua presença no território Paekche, distante do território chinês e cercado pelas forças terrestre próximas de Silla. Ademais, os aliados de Paekche, os japoneses de Wa, haviam chegado do mar a serem enfrentados. Ao fim dos confrontos, membros da família real de Paekche buscaram exílio nas ilhas japonesas e buscou nos anos seguintes organizar a resistência contra as forças de ocupação de Silla. Em 666, as forças de resistência de Paekche e das forças navais japonesas aliadas foram definitivamente derrotadas e foi dado o término de Paekche. O império Tang, a bem da verdade, não tinha simplesmente desistido de Paekche. Mas buscou algo mais premente em suas fronteiras a assegurar sua segurança na sua região nordeste. E o seu alvo foi o reino de Koguryo. Em 661, Gaozong organizou uma expedição de cerca de 350 mil
homens e pediu ajuda a Silla. O maior líder militar de Silla, Kim Yushin conduziu suas tropas de suprimentos em direção à capital de Koguryo, Pyongyang. No entanto, Pyongyang revelou ser uma fortaleza inexpugnável, mesmo com um cerco de suas muralhas de oito meses. Em Paekche, agora derrotado e ocupado, o imperador chinês resolveu nomear um governador local, gerando desgaste com os governantes de Silla. Essa espécie de pax sinica na península coreana, instituída pelos Tangs, aos olhos de Silla, revelou ser um prenúncio de futuras mudanças na região. As mudanças repentinas no status da região começou com o falecimento do líder de Koguryo, Yeon Gaesomun (r. 642 – 666), em 666. Foi então aberta a oportunidade para as ofensivas chinesas e de Silla. A morte do governante abriu um vácuo de poder e incertezas de sucessão ao trono. Em 668, Pyongyang, dividida e sem um claro comando, foi fustigada e atacada. Os filhos de Yeon Gaesomun, incapazes de se resolverem, caíram diante dos invasores. Pyongyang foi ocupada e a hegemonia de Koguryo na região nordeste asiática, nas fronteiras com a China Tang, esvaneceu. Após a conquista de Koguryo e da submissão de Paekche, o império Tang tentou estender sua dominação sobre toda a Manchúria e noroeste da península coreana, tal como havia sido feito pela dinastia Han no passado. Em 669, o governo chinês estabeleceu na região províncias administrativas em torno de Pyongyang com o propósito de controlar os territórios fronteiriços. Esse protetorado era um dos maiores do império chinês, que revelou ser frágil e incerto pelas vivas resistências de outros líderes perseguidos de Koguryo. Alguns desses haviam sido presos e mortos, mas outros conseguiram fugir para encontrar abrigo em territórios de Silla e até mesmo no arquipélago japonês. Em vista disso, Silla, aproveitando-se da inquietude ao norte da península, resolveu buscar
expandir seus domínios sobre Paekche. O que irritou os Tangs, que responderam com pressões diplomáticas e mesmo passou a ameaçar os familiares do rei de Silla que viviam na capital Tang. Parecia que era inevitável a guerra entre Silla e a China Tang na segunda metade do século 7. Felizmente, para Silla, parecia que o destino era favorável. O imperador Tang, Gaozong, estava mostrando-se doente e a regência imperial passou para a imperadora Wu (Wu Zetian, r. 690 - 705), que adotou uma política mais pacifista. Ademais, houve a ascensão de outras ameaças nas fronteiras chinesas no sudoeste, entre os tibetanos, divergindo os recursos antes voltados à região nordeste da China. Mesmo assim as forças de Tang foram formidáveis e somente foram derrotados por Silla em 675 em batalhas ao norte do rio Han e na costa ocidental coreana. Sendo assim, o protetorado chinês no norte coreano deslocou-se de Pyongyang para mais ao oeste, na península de Liaodong em 676. Uma retirada de suas forças de ocupação da área e um significativo avanço de Silla sobre toda a região norte coreana. Silla havia tomado controle de toda a península e o que restou dos antigos três reinos coreanos agora foram feitas em províncias com suas capitais regionais. Kyongju, na costa leste coreana, tornou-se a capital de toda Silla expandida (mapa). Os antigos aristocratas de Paekche, Koguryo e mesmo da pequena Kaya, do passado, foram incorporados na classe dominante de Silla. Silla, nesse sentido, foi a primeira expressão unificada da península coreana.
Mapa: O reino de Silla no seu auge em 576 d. C.
A capital de Silla, Kyongju, rivalizava em pujança com a cidade imperial de Xian da China e de Nara, no Japão, e foi uma das cidades mais prósperas do leste asiático nos séculos 8 e 9. A população foi estimada em torno de 200 mil pessoas e seu habitantes iam desde aristocratas, funcionários, sacerdotes, soldados, comerciantes, artesãos, artistas e escravos. A maioria das habitações eram abrigadas por telhados de azulejos decorados, e raramente se via um telhado de palha como nos narra o Samguk yusa. Os palácios reais eram cercados por jardins e lagos planejados, e os templos budistas eram onipresentes. Lamentavelmente, quase tudo foi destruído durantes as guerras contra os mongóis no século 13 e, depois, contra os japoneses em fins do século 16. Restaram apenas algumas esculturas de pedra, e restos de relevos e estruturas de palácios e templos. Mesmo assim, diante do que é testemunhado e pelo primor dos detalhes artísticos, Kyongju
foi declarado como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco no ano de 2000. As crônicas reunidas no Samguk yusa nos dão detalhes da vida cotidiana em Kyongju no século 9. Os templos eram vibrantes nos seus cultos, e músicas fluíam nas ruas dia e noite. Uma das canções mais célebres citadas é a “Canção de Choyong” (Choyong ka), musicada no ritmo poético da época conhecido como hyangga (ou saenaennorae). Os versos cantados foram escritos em idu, que era o coreano em caracteres chineses. De acordo com a lenda, na “Canção de Choyong”, Choyong possuía dons mágicos, era filho do Dragão do Mar do Leste e chegou à capital para servir ao rei de Silla. Sendo assim, o rei deu-lhe um título e uma esposa. Certa noite, ao voltar de uma festa, Choyong encontra sua esposa sendo seduzida por um espírito maligno, chamado de Demônio da Praga, metáfora para os males do mundo. Choyong chega a perdoar a todos, mas com a promessa de que o espírito nunca mais entrasse em nenhuma casa com o retrato do herói na porta. A canção que Choyong declama é tão encantador e belo que faz com que o espírito do mal parta em paz: Tendo me arrastado até tarde da noite Na capital da lua, Voltei para casa e na minha cama Eis quatro pernas. Dois eram meus; De quem são os outros dois? Anteriormente dois eram meus;
O que deve ser feito agora depois que foram tomados? [7] (tradução nossa)
Na sociedade de Silla, o poder se estabeleceu num sistema de impostos e trabalho prestado ao senhor de terra, algo similar à corveia europeia. No topo da pirâmide social havia os pertencentes ao “osso sagrado” (seonggol) que ocuparam exclusivamente o trono real até o fim do governo de Muyeol em 661. Após isso, outras famílias aristocráticas puderam ter a perspectiva de ocupar o poder e altos cargos de autoridade, como as famílias Bak e Seok da capital, Kyongju. Para tanto, esses membros foram considerados como “osso legítimo” (jingol, ) e passaram a governar o reino quando promoveram uma série de reformas administrativas e burocráticas a partir da segunda metade do século 7. Essas reformas foram em grande parte inspiradas no confucionismo, ideologia que busca assegurar a lealdade e obediência ao monarca mantendo, nesse sentido, a ordem e paz do sistema político. Em 682, o rei Sinmu (r. 681 - 692) fundou a Academia Nacional (Gukhak), de cunho confuciana, única instituição de ensino superior do reino de Silla. Neste local, os alunos aprenderam os clássicos confucionistas. Apesar das reformas confucionistas implementadas ao longo dos séculos 7 e 8, contudo, o sistema hereditário de privilégios aos altos cargos, conforme os pertencentes à categoria restrita dos “ossos” (kolpum ou golpum), manteve restrita o acesso universal ao poder de Silla. De fato, Silla era um reino aristocrático. Não importava o quão sábio e talentoso de um indivíduo se não pertencesse aos membros privilegiados. Poderiam ao máximo ser indicados aos cargos logo abaixo dos “ossos legítimos” quando demonstrado sua presteza e talento. Nesse sentido, os estudantes que entravam na Academia Nacional foram aqueles não
pertencentes à elite dos “ossos”, pois esses não precisaram demonstrar nenhum talento ou estudo para os cargos máximos. Outros membros ambiciosos partiram para outras carreiras, como o sacerdócio budista, e outros foram para a China dos Tangs a tentar ser aprovado nos exames confucionistas universais. Um desses coreanos aprovados na China foi Choe Chiwon (857 - ?) que depois se tornou numa das figuras mais sábias de Silla. Ao voltar para sua terra natal, no entanto, frustrou-se por não ter conseguido reformar o sistema coreano de privilégios hereditários. Desapontado, retirou-se para uma vida de eremita nas montanhas. Muitos dos maiores sábios coreanos advieram de famílias não-pertencentes à categoria dos “ossos legítimos” ou “ossos verdadeiros”. Mas foi esse sistema fechado que manteve a consolidação da unidade do reino, apesar das pressões de reformas por aqueles marginalizados como Choe Chiwon. Talvez a consequência mais nefasta desse sistema restrito e privilegiado foi a ineficácia dos ocupantes dos altos cargos burocráticos. Durante as últimas décadas do reino de Silla, no final do século 9 em diante, à época de Choe Chiwon, estava evidente a crise e instabilidade no poder, uma vez que foram mais de vinte reis a se sucederem após períodos de luta e disputas entre as famílias reinantes. Um dos episódios mais dramáticos registrado no Samguk sagi, obra do século 12, é o da vida de Jang Bogo (745 - 846), um talentoso líder guerreiro de origens plebeias que depois ascendeu ao oficialato na China Tang. Retornado a Silla, foi nomeado como comandante das forças navais coreanas a combater os piratas nos mares da região. Depois de ter estabelecido a ordem marítima, o comércio entre a China e o Japão prosperou novamente, e Jang Bogo, tendo ganhado o controle de uma ilha
estratégica na região, a de Cheonghae, acumulou fortunas. Sua vida ambiciosa chegou ao fim quando tentou indicar sua filha como rainha ao trono de Silla a se casar com o rei Munseong (r. 839 - 857), filho de Sinmu, indo contra os princípios do sistema de classificação por “ossos” (kolpum). Irritado contra as convenções da tradição, Jang Bogo se revoltou e depois foi morto em 846 por um enviado da corte de Silla na sua ilha de Cheonghae. No campo religioso, houve uma fusão das tradições budistas dos três reinos coreanos em Silla. Esse reino, por ter sido o último a se converter, abraçou com entusiasmo os ensinamentos e mandou vários estudantes e monges ao exterior para conhecer melhor as doutrinas do budismo maaiano [8]. Foi essa vertente que chegou a dominar, portanto, Silla no século 7, graças à ampla difusão de textos, livros e estudos traduzidos do sânscrito para o chinês. Nem por isso deixou de haver discussões doutrinárias na península. Um dos maiores debates da época envolveu o assunto de como cada pessoa nasce disposta com as qualidades a atingir o estado espiritual que Buda alcançou. Alguns criticaram essa visão, defendendo que os seres humanos não nascem com essa disposição fundamental para se tornarem Budas. A maioria dos eruditos coreanos rejeitou essa ideia. Entre os mais famosos destacou-se o mestre Wonhyo (617 – 686), que abraçou as várias tradições budistas coreanas e lançou as bases sobre as quais iria se assentar o maaianismo em Silla e também na China e Japão nos séculos seguintes. Wonhyo, que significa “madrugada”, nasceu numa família sem ligações aristocráticas. Seu brilho na juventude era tamanho que ele nem precisou de mestres antes de se tornar no principal sacerdote de um templo. Certo dia, Wonhyo avistou algumas abelhas e borboletas,
voando de flor em flor, e sentiu disso um imenso desejo por uma mulher. Considerando isso, o rei de Silla ofertou sua filha viúva, a princesa Yosok. A caminho do palácio da princesa, Wonhyo caiu num riacho e, assim que chegou ao seu destino, a princesa mandou o mestre entrar para trocar as roupas molhadas. Naquela noite, os dois compartilharam a cama e que, mais tarde, nasceu um filho, chamado de Sol Chong. O filho cresceu nos círculos mais altos da sociedade e revelou extraordinária inteligência para as letras, padronizando o chinês clássico para a língua coreana. Wonhyo, tendo quebrado seu voto de celibato, trocou suas vestes de sacerdote para roupas seculares, passou a dedicar sua vida a compor poemas e músicas para melhor ensinamento das virtudes budistas. Indo de aldeia a aldeia, cantando, dançando e recitando, Wonhyo fez chegar sua mensagem a milhares de pessoas, do mais humilde ao mais nobre. Sua mensagem até os dias atuais ainda é recitada por budistas coreanos. Apesar de seu comportamento heterodoxo ser condenado pela tradição budista que desencoraja a dança e canto, Wonhyo utilizou-se das suas aptidões inerentes de comunicação e carisma como meio voluntário (upaya) para buscar a salvação de todos os seres vivos. Um dos episódios mais famosos de sua vida, narrado no “Bebendo Água de uma Caveira”, remete a uma viagem que ele fez para a China. No caminho, uma tempestade irrompeu que o levou a buscar um abrigo numa caverna subterrânea. No dia seguinte descobriu que o local onde havia dormido era uma câmara funerária, e ele então se viu incapaz de dormir lá pacificamente na noite seguinte. Percebendo que as circunstâncias físicas não haviam mudado, mas apenas sua mente a respeito [9]. Ao norte do reino unificado de Silla, o império Tang foi incapaz de assimilar o território conquistado de Koguryo. Em
fins do século 7, povos nômades das estepes, khitans, revoltaram-se contra o império chinês, reduzindo o alcance de influência da dinastia Tang sobre todo o nordeste chinês na área do rio Liao, onde muitos habitantes do ex-reino de Koguryo haviam sido relocados. Um dos ex-líderes de Koguryo, Dae Jung-sang (? - 690), agora enxergou a oportunidade histórica e organizou uma ofensiva para o leste através da vastidão da Manchúria a fim de fugir do controle chinês e do reino coreano ao sul. Esse estabeleceu-se no vale do rio Mukden em 696 e fundou um reino chamado de Parhae (mapa) ( , Balhae ou Pohai em chinês) e imediatamente mandou emissários para Silla e a povos túrquicos nômades na Mongólia. Apesar de se consolidar como um amplo reino no norte coreano, muitos historiadores debatem se de fato foi coreano, pois sua população era um composto de múltiplas etnias, inclusive nômades das estepes e chineses. Para agravar ainda mais, poucos registros foram feitos por esse reino, e devemos contar com o que foi anotado por testemunhas de Silla, Tang e do Japão. De acordo com esses poucos fragmentos, o reino foi fundado por remanescentes de Koguryo e de um povo chamado de Malgal, ancestrais dos manchus. Acredita-se que os governantes a elite de Parhae eram líderes do extinto Koguryo e o povo Malgal compunha a base popular e grupos semiautônomos governados por seus chefes locais submetidos à autoridade central de Parhae.
Mapa: O reino de Parhae (Balhae) e Silla ao sul, século 8 d. C.
Parhae recuperou a maioria dos domínios antes submetidos a Koguryo. O que gerou novas tensões na região da Ásia oriental, que provocou novos diálogos entre Silla e a China Tang. Parhae, considerando suas possibilidades, sondou e buscou articular-se com o Japão dos Yamatos e outros poderios autônomos além das muralhas e fortificações chinesas. Incapacitada e limitada em seus recursos, a China Tang aceitou inicialmente o status de Parhae, no século 8, e consolidou assim a Pax Sinica na região. Um dos personagens mais notáveis dessa época do século 8 foi um monge coreano que viajou por inúmeras terras, através da China, Índia e além para estudar os ensinamentos de Buda. Seu nome era Hecho (ou Hyecho) (704 - ?). Em seu diário de viagem, Hecho fez inúmeras anotações que retrata o amplo mundo budista em que vivia [10]. No início do século 20, um explorador francês, Paul Pelliot (1878 - 1945), descobriu uma série de cavernas de
Dunhuang, no oeste chinês, que guardava incontáveis documentos, registros e pinturas do efervescente mundo de trocas e viagens ao longo da Rota da Seda do século 8. Foi nessas cavernas que foram encontradas os registros de Hecho. O comércio asiático era frenético, de acordo com os achados e registros nas citadas cavernas. Houve significativa demanda de produtos coreanos de Silla, desde a ávida elite em Xian ao arquipélago japonês. Entre os mercadores muçulmanos que comerciavam nas extensões asiáticas mais ao oeste, os produtos coreanos eram altamente apreciados. Os árabes, no século 9, acreditavam que Silla era uma terra abundante de ouro. Além disso, os finos têxteis e produtos fitoterápicos da Coreia eram demandados, em contrapartida à sede coreana por seda, pedras preciosas asiáticas e obras escritas chinesas era evidente. Foi nessa demanda que a cultura da corte de Tang, que revelou ser uma das idades de ouro nas artes e conhecimento da história chinesa, floresceu entre os círculos da corte e eruditos coreanos em Silla, mas também em Parhae e no Japão. Essa rede comercial frutificou no estabelecimento de comunidade de coreanos de Silla na península chinesa de Shandong, e também mais ao sul, na foz do rio Yangzi, chamada de Silla bang, nos séculos 8 e 9 [11]. As artes budistas floresceram nessa época em terras coreanas. Foram incontáveis templos construídos nas montanhas e em Kyongju, com amplos e decorados santuários, pagodes, sinos e outros. Sob o budismo, foi revelada toda a habilidade artística na arquitetura, escultura e pintura com vibrante realismo e detalhe. Um dos locais mais notáveis dessa efervescência cultural é no templo de Bulguksa, ou “Templo da Terra de Buda”, e na gruta de
Seokguram, construídos em meados do século 8 sob orientação do ministro de Silla, Kim Daesong (701 – 774). Essas duas edificações nos revelam muito do ardor religioso e do poder influente das famílias aristocráticas, assim como o sofisticado senso estético na arquitetura e escultura dos artistas coreanos da época. Ambas estão localizadas nas montanhas orientais de Kyongju, e foram consideradas como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco em 1995. São dois marcos históricos que influenciou a cultura coreana nos séculos posteriores. Dentro da gruta de Seokguram, há uma estátua de Buda Sakyamuni que fica a leste, de modo que encontra primeiramente a luz do sul nascente. Pois os budistas coreanos acreditavam que a Terra Pura, ou paraíso, ficava em algum lugar sobre o Mar do Leste. Buda Sakyamuni é cercado por maravilhosos relevos de pessoas iluminadas da tradição maaiana, ou bodisatvas. Entre esses, o mais notável é o de Avalokiteshvara (ou Guanyin em chinês), a deusa da fé e compaixão no budismo maaiano. No templo de Bulguksa, perdeu-se as estruturas originais de madeira durante a invasão japonesa em fins do século 16. No entanto, restam dois magníficos pagodes de três andares, cada um com cerca de dez metros de altura, chamados de Seokgatap (“Pagode de Sakyamuni”) e Dabotap (“Pagode dos Muitos Tesouros”). Eles possuem contornos únicos entre os pagodes construídos pelo mundo, pelas linhas retilíneas e quadradas de Seokgatap e das delicadas curvas que decoram o Dagotap. A simplicidade de Seokgatap representa a brevidade da ascensão espiritual e enfatiza isso nas suas formas mais sóbrias e moderadas. Dagotap, em contraste, pelas suas curvas e insinuações, representa o lado mais lírico, complexo e esplendoroso da vida.
3 O GRANDE ANCESTRAL E AS GRANDES OBRAS
Em fins do século 9 a península coreana atravessou uma série de rebeliões camponesas e de crises políticas desagregadoras. As rebeliões em boa parte foram motivadas pelos altos impostos dos cobradores e senhores latifundiários locais. A China igualmente conhece na época similar tendência de crise, pondo termo ao período Tang, resultando num contexto de turbulência e retração da Pax Sinica no leste asiático. Na península coreana, a desordem foi agravada com a emergência de inúmeros líderes locais de grupos e exércitos armados que competiram entre si pelo controle das províncias do decadente reino de Silla. O que restou da autoridade de Silla, ao que parece, foi efetivamente apenas em torno de algumas famílias nos arredores da capital, Kyongju. Esses líderes locais, referidos como senhores da guerra do século 9 tiveram várias origens. Alguns eram oficias do exército, outros eram comerciantes poderosos, ou monges, bandidos ou membros da aristocracia local desesperados em manter sua tradicional dominação. A maioria desses ascendeu de posições sociais mais baixas e, uma vez alcançado a posição de autoridade, passaram a se referir como “senhor” ou mesmo “general”. Os aristocratas locais, por sua vez, eram pertencentes a grupos marginalizados do sistema de famílias privilegiadas dos pertencentes aos “ossos” (kolpum). A turbulência sociopolítica em fins do século 9 é comparável aos distúrbios associados ao declínio de cada período dinástico chinês. No sentido de que a autoridade central se apresentou débil e desarticulada frente às pressões desagregadoras das províncias do reino. Como na China, lideranças locais se ergueram de bases regionais de poder e lutaram entre si pela hegemonia na península coreana. Com base nisso, muito se comparou a Coreia dessa época de crise com o sistema feudal. De fato, havia relações
de obrigações militares e de impostos a ser observado pelos camponeses e vilas nas propriedades de um latifundiário que, por sua vez, era responsável pela ordem, proteção e paz de todos. O risco maior dessa interpretação, contudo, é de se comparar à experiência europeia com o contexto asiático. Na história coreana, não houve relações contratuais entre as partes como o foi entre os senhores feudais europeus. Seria melhor, talvez, em caracterizar o sistema coreano como um de senhorismo ou manorialismo, conceitos mais amplos de relação entre as autoridades locais e o campesinato. Como situar historicamente o período de desagregação e crise do reino de Silla? Alguns historiadores atribuíram a esse período como uma espécie de Idade Média. O que, novamente, nos traz riscos de excessiva analogia com a experiência europeia. Atendo-se aos fatos históricos, não houve nenhuma significativa mudança socioeconômica coreana no período, embora houvesse sinais de crise da autoridade central. Cabe ressaltar que, já em 918, houve a ascensão de uma outra dinastia, a de Koryo, que depois irá consolidar a unificação da península coreana. Em momento derradeiro, Silla entrou em colapso com a culminação de uma série de crises de membros e poderios locais que contestaram a dominação exclusivas de determinadas famílias privilegiadas aos altos cargos de comando. Economicamente, as finanças estatais de Silla foram erodidas pela recusa ou excessiva isenção de impostos a determinadas classes sociais e instituições, como a budista. Socialmente, o sistema de “ossos” (kolpum) estava desmoronando, revelando as crises de lealdades e questionamentos à autoridade tradicional. Nesse contexto, na virada para o século 10, duas figuras históricas se destacaram. Gyeon Hwon (867 – 936) e Gung
Ye (c. 869 – 918) que haviam se tornado nos mais proeminentes senhores da guerra na península do período. Gyeon Hwon era um oficial militar dotado de excepcional senso de estratégia e comando e comandou seus homens principalmente nas regiões provinciais do sudoeste coreano, no antigo território de Paekche. Gung Ye, por sua vez, começou como um líder de bandidos nas regiões centrais que antes pertenciam ao reino de Koguryo. Visando consolidar suas autoridades e reunir as lealdades locais, ambos se proclamaram como reis de Paekche e Koguryo, respectivamente. Para distinguir esses dois reinos do período anterior, os historiadores nomearam essas novas entidades políticas de Paekche Tardio e Koguryo Tardio. Ao que aponta para o período desagregador da Coreia a conviver com o que restou de Silla, no chamado Período Tardio dos Três Reinos (892 - 936). Os três reinos coreanos depois seriam modificados pela ação de um líder que teria repercussões em toda a história coreana. Wang Geon (877 – 943) veio da costa ocidental da península e sua família tinha prosperado com o comércio com a China. Nos anos finais de Silla quando unificada, ele emergiu como um poderoso líder local. Com o advento dos Três Reinos, Wang Geon juntou seus domínios com o reino tardio de Koguryo, ao norte, e serviu como ministro do general Gung Ye. Em 918, Wang Geon deu um golpe e depôs o rei Gung Ye para fundar uma nova dinastia coreana, a de Koryo (ou Goryeo, ), escolhendo como capital a cidade de Kaegyong ou Gaegyeong (atualmente, Kaesong). A escolha do nome da nova dinastia é reveladora, pois foi uma forma abreviada de Koguryo, indicando a ambição de Wang Geon em recuperar o vasto reino antigo do norte coreano e Manchúria. De fato, Wang Geon mandou construir Pyongyang, antiga capital de Koguryo, que havia sido abandonada por Silla.
Renomeou-a de Sogyong, “Capital Ocidental”, e isso deu uma notável presença estratégica no norte coreano. Com as duas capitais localizadas em lugares auspiciosos visando um longo reinado dinástico, Wang Geon assegurou uma vantagem geográfica em Gaegyong na região central ao longo do rio Yesong, ao contrário da distante cidade de Kyongju de Silla e Wansanju, capital do reino tardio de Paekche. A localização da capital de Gaegyong obedeceu também aos preceitos budistas de geomancia, em que se acreditava que havia uma profecia de que um sábio receberia o mandato dos céus para ser governante a partir do local indicado. Entronado e assegurado seu poder e para seus descendentes, Wang Geon depois receberia o honroso título de Taejo, “Grande Ancestral” (r. 918 - 943). Apesar da consolidação do reino de Koryo, os sucessores de Taejo tiveram problemas prementes nas fronteiras. Muito se deu com a ação coordenada dos povos khitans (ou kitais), ancestrais dos mongóis, que tinha fustigado os Tangs e fundaram uma dinastia, a de Liao, que controlou um vasto território que incluía boa parte do norte chinês no século 8. Era imperativo aos khitans proteger o vale do rio Liao que tinha sido controlado pelo reino de Parhae, cujo povo Malgal tinha se rebelado e depois se juntado em lealdade aos khitans. O momento derradeiro veio em 926, quando o reino dos khitans atacou Parhae e pondo fim à sua autoridade na região da Manchúria. Os fugitivos de Parhae foram buscar se reagrupar e se aliar ao novo reino de Koryo, acreditando que esse reino seria o sucessor do antigo Koguryo. Wong Geon recebeu-os e se simpatizado com suas causas, enxergando neles povos com origens étnicas semelhantes, pertencentes ao vasto grupo que seria depois identificado como os coreanos, os hans, yes e maeks. As tensões entre os khitans e Koryo se deram, portanto, em grande parte nessa perspectiva. Em
934, Wong Geon decidiu conceder títulos e sobrenomes reais ao príncipe herdeiro do antigo reino de Parhae quando esse chegou a Koryo junto com milhares de súditos. Wong Geon se considerava como um unificador de todos os povos coreanos, e os migrantes de Parhae foram apenas um elemento na sua ambição política. Visando apaziguar os demais líderes locais pela península coreana, Wang Geon buscar casar-se com as filhas de poderosos senhores da guerra e membros de famílias aristocráticas tradicionais. Títulos monárquicos foram concedidos aos aliados locais, assim como o sobrenome real. Em 935, o que restou do reino tardio de Parhae foi conquistado pelo reino de Koryo, e Wang Geon foi generoso com o seu rival derrotado, Gyeon Hwon (r. 892 - 935), ao lhe oferecer apoio (mas também lealdade e submissão) contra as pretensões de seu filho que havia o traído, como foi narrado no Samguk sagi. Um ano depois, a península coreana encontrava-se unificada sob o trono de Wang Geon. Mas talvez o maior legado de Wang Geon seja uma série de prescrições ordenadas conhecidas como as Dez Injunções (Sip Hunyo) sistematizadas ao final de seu reinado. Elas foram dispostas visando antes de tudo a fundamentar a nova dinastia, conforme o primeiro ordenamento, e, no seu segundo enunciado, a respeitar as reformas propostas por um monge budista da época chamado de Toson (827 - 898)[12]. A nova ordem nas injunções foi fundamental para consolidar o reino a partir do século 10 em diante. Após a unificação e conquistas dos vários reinos coreanos, o fundador da dinastia de Koryo preocupou-se com a longevidade política de seus sucessores, uma vez que o reino tinha se baseado em alianças e privilégios negociados com múltiplas lideranças e famílias aristocráticas locais. Era mister, pois, controlar as
tendências desagregadoras de Koryo no futuro. Das Dez Injunções, cinco referem-se a como o rei deveria governar o Estado [13]. E a primeira preocupação do rei Taejo (Wang Geon) era buscar inspiração no sistema chinês aplicado às características coreanas. Na quarta injunção, a admiração pela cultura de Tang é revelada, mas deve-se buscar a singularidade coreana A preocupação era, em essência, buscar manter uma ordem coreana inspirados no sistema chinês. Isso sem descuidar das ameaças das fronteiras, os povos khitans das fronteiras devem ser vigiados e seus costumes devem ser evitados considerados como barbáricos [14]. Aqui, em essência, temos a busca deliberado de expressar a singularidade coreana, com inspiração chinesa e a contrapor povos da fronteira. De fato, o sistema de Koryo assemelha-se com o da China de Tang. Como exemplo, em 958, o filho de Taejo e rei de Koryo, Gwangjong (r. 949 – 975), institucionalizou o sistema de exames como praticado na China, chamado de kwago. Mas com modificações características aos coreanos. Embora tivesse sido aconselhado por um enviado chinês à sua corte, Ssangi, o sistema coreano de exames era aberto apenas aos membros das famílias aristocráticas e elites locais, referidos como hyangni. Além disso, Gwangjong, tendo testemunhado diversas lutas sangrentas pelas autoridades locais após a morte de Taejo, decidiu promover políticas de reforma visando o fortalecimento do Estado. Nesse veio, foi expandido o confisco de escravos particulares de famílias aristocráticas a servirem ao poder central, conforme aprovado em 956. E a reorganização das forças militares a combater as ameaças dos khitans. E não menos importante, houve a substituição
das autoridades locais, antes baseadas em líderes e membros aristocráticos, por funcionários apontados pelo rei. Era evidente, em suma, que o poder civil de Koryo começou a fortalecer-se em detrimento dos poderios locais, e os funcionários designados seriam fruto de um sistema de méritos aprovados nos exames e não mais por herança familiar. No aspecto militar, Koryo fortaleceu-se com numerosos membros recrutados, muitos ex-escravos de famílias aristocráticas locais. Assim, esse duplo aspecto, civil e militar, comporia o sistema dual referido como yangban ( ), “dois ramos”. Não é exagero enxergar nesse sistema o fundamento do reino de Koryo. Os descendentes de Gwangjong degradariam ainda mais as autoridades das aristocracias locais, hyangni. Mas não foram tão bem sucedidos, aparentemente, pois as condições privilegiadas de estudo e acesso às obras clássicas eram quase restritas a poucos com condições. Ademais, houve a continuação de um sistema de nomeações privilegiadas (um), a favorecer alguns membros escolhidos pelo Estado. O sistema de yangban, assim, consolidou em Koryo uma classe aristocrática não mais hereditária familiar, mas de literati, conhecido como munbol. As prebendas e salários de cada eram determinados de acordo com um sistema chamado de chon sikwa, conforme expressado na nona injunção. Esse sistema dimensionava os ganhos e propriedades de cada um de acordo com seu cargo e mérito [15]. A autoridade central do rei tinha seus limites e contenções a buscar sempre a aprovação do povo, sejam civis ou militares, conforme expressa a sétima injunção. Com isso, Taejo previu que deveria haver ampla aceitação do poder monárquico e, assim, a se legitimar pela aceitação ampla de todos. Em 983, numa ordenação aprovada, foi
decidido que haveria contenções às tendências autocráticas da autoridade do rei, com as questões vitais de Estado a ser aprovada por um Conselho de Altos Ministros (Chae Chu). Esse conselho participaria, efetivamente, das decisões mais cruciais dos assuntos militares e legislativos, algo que foi típico do sistema coreano em relação aos chineses. Os problemas mais premente nas décadas iniciais de Koryo foi, sem dúvida, com o reino dos khitans perto de suas fronteiras ao norte. Koryo, de fato, buscou logo se aliar com os chineses que tinham ascendido em nova dinastia no norte chinês, o de Song, a partir de 960. Para o desagrado dos governantes khitans que tentaram tudo para negociar suas fronteiras com os coreanos e assim, conceder a esses a atacar as regiões setentrionais chinesas. Diante da postura de hostilidade de Koryo, os khitans atravessaram o rio Yalu em 993 e invadiram as terras do reino coreano. Mas esses foram logo detidos ao longo do rio Chong chon, e depois voltaram suas prioridades com suas fronteiras meridionais com os chineses. Muito dessa reviravolta, aparentemente, foi obra de um brilhante diplomata de Koryo, Seo Hui (942 - 998) que organizou uma contraofensiva e depois negociou com as autoridades khitans a cederem territórios ao longo do rio Yalu a permitir o acesso privilegiado à estratégica península de Liaodong que fazia fronteira com o reino chinês dos Songs. Seo Hui, assim, anexou toda região do vale do Yalu e mandou construir uma série de fortificações visando a proteção das fronteiras de Koryo. Mas esses acordos não perdurariam sem contestações. Em 1010, o rei dos khitans resolveu por bem invadir toda a região negociada e chegou a saquear a cidade de Gaegyeong (Kaesong), uma das capitais de Koryo, somente se retirando depois que foi a ele prometida a devolução de toda a península de Liaodong. Oito anos depois, uma nova invasão dos khitans foi somente detida pelas forças de Koryo graças ao talento do general Kang
Lamchan (948 – 1031), fazendo com que os khitans desistisse definitivamente em tentar subjugar os coreanos. A ordem prevaleceu entre o reino de Koryo e os khitans nas décadas seguintes. No início do século 12, povos jurchens, referidos como jins, sucederam os khitans na região da península de Liaodong e todo o norte da China, forçando a dinastia dos Songs a irem mais para as regiões meridionais ao sul do rio Yangzi (ou Yangtzé), a fundar sua nova capital em Jiangnin (atual Nanjing, ou Nanquim) em 1129. Apesar dessas convulsões, as relações entre Koryo e a China dos Songs se aprofundaram. Os chineses enxergaram os coreanos como aliados cruciais para conter os jins, e os governantes de Koryo exploraram todas as possibilidades dessa aproximação para aprofundar os laços comerciais e culturais. Como consequência, houve significativo aumento de comerciantes e comunidades coreanas que viveram em cidades chinesas ao longo da foz do rio Yangzi, assim como muitos chineses ao longo do rio coreano de Yesong. As mercadorias mais demandadas dos chineses eram principalmente sedas, livros, cerâmicas, ervas medicinais, perfumes e instrumentos musicais. Em troca, Koryo exportava ouro, prata, cobre e ginseng. Foi por volta dessa efervescente época de contatos com os chineses que floresceu a indústria da cerâmica coreana. Essas valiosas peças de cerâmicas envidraçadas foram inspiradas nas cerâmicas chinesas dos Songs desde meados do século 10. Nos séculos seguintes, os coreanos aperfeiçoaram sua própria produção, criando cores únicas semitransparentes de tons azulados e esverdeados (pisaek, “cor do martim-pescador”). Famoso pela sua beleza única, foi demandado entre famílias aristocráticas chinesas e até mesmo entre alguns comerciantes árabes que tinham se assentado nas cidades portuárias coreanas.
Na sociedade de Koryo, a condição das famílias privilegiadas da história coreana, antes baseadas no sistema de “ossos” (kolpum), agora ampliou-se para várias famílias com sobrenomes Kim e Paks. Há certamente um motivo disso nas 29 esposas que o rei Taejo tomou para si, e desses descendentes muitos depois uniram-se com líderes locais pela península. Com o passar das gerações, a tendência era somente aumentar o número de famílias com esses sobrenomes, pelo prestígio e poder. No terreno religioso, o budismo fez notável influência no reino de Koryo. Isso é constatado nas Dez Injunções do rei Taejo, em que é enfatizada a importância dos preceitos da geomancia budista do monge Toson. Das dez injunções, quatro demonstram o favorecimento às ideias budistas do reino de Koryo. Os monges deveriam ser os administradores dos templos e mosteiros, e esses deveriam ser respeitados. Apesar do favorecimento explicitado, as construções budistas deveriam ter um local propício indicado conforme a geomancia. Isso, em essência, visa ordenar o número e local das construções religiosas no reino, a considerar que somente assim, a obedecer aos preceitos cósmicos, a ordem e harmonia do reino de Koryo seria preservada. Tal destaque às ordens budistas acarretou em consequências sociais. Muitos filhos de famílias nobres começaram a procurar o sacerdócio. No mundo da política, o budismo foi considerado pelos governantes de Koryo como doutrina a lhes favorecer em casos de conflitos com outros povos. E como exemplo da devoção dos tempos, foi feita a compilação e impressão da primeira versão da imensa coleção dos ensinamentos de Buda no século 11, o Tripitaca Coreano, como sinal de devoção a proteger contra os khitans. A corte de Koryo concedeu títulos e privilégios diversos ao clero budista, incluindo isenções fiscais para templos e
mosteiros. Além disso, as instituições budistas tiveram generosas doações de famílias poderosas e prósperas. Esse sistema de privilégios e favorecimentos, ao final, minou a própria base de arrecadação e poder do reino de Koryo a partir do século 13. Nem todas as escolas budistas eram favorecidas. Uma delas, a que enfatiza a meditação, a de Seon (ou Son, ), foi especialmente promovida. Isso se deveu em grande parte aos ensinamentos de Toson que teve à sua influência sobre o rei Taejo. Em contraste com a aristocracia de Silla que defenderam o conceito da transmigração da alma a justificar a pureza dos pertencentes ao grupo dos “ossos” (kolpum), Koryo buscou defender mais o acesso universal da prática meditativa. Outro fator foi a geomancia, evidenciada nas recomendações do rei Taejo a todos a visitar a “Capital Ocidental”, Pyongyang, e ali permanecer por recomendados cem dias por ano. A cidade era considerada como idealmente localizada, na correta distância entre as montanhas e as águas. Isso, com o tempo, fez com que a cidade prosperasse com as frequentes visitas de viajantes e peregrinos coreanos. Por outro lado, a geomancia foi usada contra os habitantes ao sul do rio Gongju (atual rio Geum), violência essa que depois foi mantida por séculos na história coreana, possivelmente por essa área ter apoiado veementemente famílias aristocráticas ligadas ao poder do reino de Paekche e, sendo assim, foco de resistência a Koryo. As rebeliões contra o poderio de Koryo advieram não conforme previsto pela geomancia endossada por Taejo, mas na capital e no norte. No início do século 12, Koryo enfrentou invasões dos povos jurchens que tinham destruído os khitans no reino de Liao e estabeleceram a dinastia Jin (1115 - 1234). Pouco depois de ascenderem na região, os jurchens expandiram-se mais ao leste e nordeste
em direção ao rio Tumen, pressionando os governantes de Koryo a respeito de suas fronteiras. Em 1126, um grupo favorável à dinastia Jin na corte de Koryo, liderado pelo sogro do rei Injong (r. 1122 - 1146), tentou um golpe palaciano que foi prontamente reprimido. Durante essa turbulência dos eventos, um outro grupo político de Koryo mais ao norte buscou tomar as rédeas do poder, inspirados pelas ideias de um monge budista chamado de Myo Cheong (? - 1135) que defendia uma ampla reforma política baseadas apenas no budismo e a condenar os efeitos nocivos das tradições confucianas no Estado [16]. Algo revelador das tensões entres as duas tradições filosóficas no reino coreano, uma de maior impacto político e institucional conforme as tradições confucionistas, e outro de cunho mais espiritual e societário como o budismo. Os seguidores de Myo Cheong passaram a enfrentar a dinastia dos jins no norte. E passaram depois a avançar em direção à capital, Seogyeong (Pyongyang), pois consideravam a outra capital, Gaeseong (Kaesong) como degenerada de acordo com as interpretações geomânticas do mestre. Esse movimento de insurreição dentro de Koryo revelou uma corrente milenarista e buscava revitalizar o reino a combater as forças ao norte da península. Em 1129, o rei Injong aceitou as sugestões de Myo Cheong e passou a permanecer em Pyongyang por 120 dias, em respeito às antigas injunções do rei Taejo e buscando se conciliar com os rebeldes que estavam assomando nas regiões do norte do país. Além disso, o rei Injong mandou construir um novo palácio real de acordo com as profecias geomânticas de Myo Cheong que dizia que assim sendo feito no devido local, o reino se tornaria um grande império que conquistaria os jins e outros estados do leste asiático.
Naturalmente houve uma forte reação de membros da aristocracia letrada que tinham estudado por anos os preceitos confucionistas. Um deles, Kim Busik (1075 – 1151), liderou essas inquietações e se opôs contra a realocação da capital, denunciando as ideias da geomancia como ilusórias e oportunistas. Vendo-se incapaz de mudar a capital do reino, Myo Cheong e seus seguidores proclamaram então um novo reino, pretensiosamente chamado de Grande Império Wi. E buscaram se refugiar na cidade de Pyongyang em 1135. Kim Busik, ciente das rebeliões e nomeado como comandante supremo das forças de Koryo, suprimiu os rebeldes em 1136. Até 1142, Kim Busik permaneceria como o mais influente membro do Conselho de Altos Ministros de Koryo. O duro realismo do Estado tinha subjugado as resistências idealistas populares. Apesar de suprimida, o sentimento popular coreano começava a questionar a ordem e legitimidade do reino de Koryo. E muitos consideravam os jurchens ao norte como sujeitos à plena dominação pelos coreanos, ecoando os antigos domínios do reino de Koguryo do século 5. A reação de Kim Busik e a elite confuciana letrada em boa parte alienou-se dos sentimentos gerais da nação. Em meados do século 12, Kim Busik, talvez visando criar uma base de legitimidade histórica do reino de Koryo, mandou compilar uma obra que depois ficaria conhecida como o Sanguk sagi (“História ou Crônica dos Três Reinos”), que buscou recuar as origens de Koryo até o venerado reino de Choson e de Silla nos seus tempos de auge. A compilação foi inspirada na clássica obra historiográfica chinesa de Shiji escrita por Sima Qian (145 a. C. – 90 ou 85 a. C.). A obra de Kim Busik almejou, em suma, corresponder ao império chinês no reino de Koryo. O Samguk sagi, como
resultado, surgiu em 1145 como a primeira grande obra da história coreana. A dominação aristocrática de funcionários confucionistas na esfera civil provocou reações de membros do corpo militar. Oficiais militares, com frequência, durante as guerras contra os khitans e jurchens, reclamaram por não terem sido devidamente reconhecidos e promovidos pelos seus méritos. Para agravar a situação, Koryo estabeleceu que o comando militar supremo deveria estar nas mãos de um funcionário civil nomeado, visando assim garantir uma política mais pacifista e diplomática nos conflitos. No contexto da Pax Sinica, em que as boas relações foram mantidas entre os reinos asiáticos, essa política fez perfeito senso. No entanto, com o agravamento das fronteiras e a crise dinástica chinesa, os conflitos passaram a ser mais frequentes e duradouros no século 12. Portanto, a classe militar de Koryo sentiram-se cada vez mais discriminados e desprezados por suas qualidades por uma classe letrada privilegiada no aparelho do Estado. Em 1170, vários oficiais militares descontentes organizaram um golpe de Estado, chefiados por Jeong Jungbu (1106 – 1179). Foi o início de uma era de um século de mando militar sobre o poder de Koryo (Musin Jeonggwon, ). O golpe foi dado num contexto de crise e desordem evidentes no reino coreano, rompendo a tradicional harmonia social. Várias lideranças militares tinham se rebelado, assim como revoltas camponesas e populares. Uma dessas, foi de escravos em 1198 na capital em Kaesong que, embora reprimida, visou derrubar todo o sistema estatal de Koryo instigada por um líder chamado de Manjeok (? – 1198) [17]. Depois das instabilidades, ascendeu ao poder efetivo um filho de general da família Choe, Chung-heon (1149 – 1219,
após ter conseguido pacificar as revoltas e afastar os seus rivais em 1196. Uma vez no poder, o militar buscou assegurar seu próprio corpo de guardas e iniciou um período de 62 anos de mando militar em Koryo. Em suma, um sistema de junta militar (chungbang) assumiu o comando da autoridade coreana, apesar de terem sido mantidas as tradições e famílias reais e aristocráticas. Mas sob o domínio militar, alguns membros da classe de letrados confucianos e monges budistas se refugiaram no interior, em mosteiros, templos e abrigos naturais, e desenvolveram uma tradição de escritos de questionamento da ordem natural e desenvolvimento espiritual, longe da realidade política e militar. Alguns outros letrados foram incorporados ao novo sistema político, como Yi Kyubo (1168 – 1241) que serviu como primeiro-ministro sob o regime dos Choes após ter escrito uma obra que comparou a grandeza do antigo reino de Koguryo com o estado atual do reino em que serviu, na sua obra épica, “O Descanso do Rei Dongmyeong” (Tongmyong wang pyon) [18]. A virada para o século 13 trouxe novas forças militares nas fronteiras coreanas e chinesas advindas da vastidão das estepes asiáticas. Nas primeiras décadas do século, um líder chamado de Temujin (1165 – 1227) conseguiu reunir todo o universo de clãs e nações dos mongóis e passou a expandir as fronteiras na Ásia Central. No norte da China, Temujin (ou Gêngis Khan) derrotou o reino da dinastia Jin dos jurchens. Em 1219, os mongóis chegaram a propor uma aliança com Koryo para juntos enfrentarem os khitans que estavam se fortalecendo após a queda de Jin. Durante esse período de negociações, as tensões entre os coreanos e mongóis aumentaram após o assassinato de um enviado da corte de Gêngis Khan que tinha ido cobrar um tributo simbólico. Como resposta, em 1231, os mongóis assolaram as fronteiras ao norte de Koryo e tomaram a capital
Gaegyeong (Kaesong). Após o qual o governo de Koryo teve que reconhecer a soberania mongol. Os governantes da família Choe, considerando a retirada mongol para a região noroeste a fim de combater os khitans, decidiram por bem organizar uma oportuna ofensiva a partir de 1232. No mesmo ano, julgando que o norte coreano e a capital encontravam-se vulneráveis demais, decidiram mudar o centro político para uma ilha na costa ocidental, Kanghwa, acreditando que os mongóis não teriam expressão naval. As invasões mongóis, inevitavelmente, vieram ao longo de quase quarenta anos, entre 1231 e 1270. E foram muito além da ilha de Kanghwa, pois o interior da península foi devastado e abandonado à própria sorte diante dos cavaleiros nômades que saquearam e destruíram locais e obras históricas coreanas, como a primeira versão do Tripitaca Coreana. Diante do sacrifício que a população enfrentou nesses anos de lutas, foram novamente reunidos os ensinamentos de Buda e, depois de dez anos, foi completada em 1251 uma segunda versão do Tripitaca em mais de 80 mil placas de madeira. Essa versão ainda hoje se encontra no Templo Haeinsa. E foi durante esse contexto de crise que os coreanos, devido à gravidade e premência dos tempos em que podia-se perder para sempre as suas grandes obras literárias e budistas, aprimoraram a impressão metálica móvel com mais de dois séculos antes de Johannes Gutenberg. As agressões mongóis se arrastaram sobre o regime militar dos Choes, e isso acarretou em pressões sociais e financeiras sobre toda a península coreana ao longo do século 13. Embora a capital de Koryo estivesse numa ilha, havia limites de arrecadação fiscal que era originada nas propriedades no continente. Em 1258, uma revolta nos círculos do poder dos Choes estourou numa tomada do poder por outros militares descontentes, pondo termo ao
governo de 62 anos dos Choes. Esse novo regime, com visão mais pragmática, logo enxergou as vantagens em abrir negociações com os mongóis, na postura conciliatória de um governador regional, Kublai Khan (1215 – 1294). Kublai viu essas possibilidades como uma maneira de ganhar vantagem política sobre os seus rivais pela sucessão ao poder mongol na década de 1250. Nessa empreitada, o príncipe de Koryo foi à capital mongol, Karakorum, e aceitou todas as condições propostas que manteria a monarquia no poder e a imediata retirada das forças mongóis da península, em troca de irrestrita lealdade política e militar. Firmado o tratado de paz, os militares coreanos passaram a lutar para restabelecer o poder da monarquia em Koryo e a afastar aqueles ligados ao regime dos Choes. Em 1270, a antiga capital de Koryo foi restabelecida saindo da ilha de Kanghwa. Houve viva resistência de apoiadores do antigo regime coreano, principalmente aqueles pertencentes à guarda do líder dos Choes que depois se refugiaram as ilhas do sul coreano até serem suprimidos em 1273. Assim, a continuada guerra contra os mongóis se encerrou na Coreia. Kublai Kahn, que tinha recebido uma educação com fortes teores chineses desde a sua juventude, ascendeu ao trono imperial chinês e proclamou uma nova dinastia, a Yuan, em 1271. Três anos depois, Koryo tornou-se um reino subordinado ao da China Yuan, estabelecendo uma série de alianças e casamentos entre as famílias reais dos dois reinos. Sob a soberania de Yuan, Koryo concedeu amplos territórios no nordeste para a administração direta chinesa. Além disso, no mesmo ano de 1274, Koryo relutantemente concedeu forças terrestres e principalmente navais para uma expedição organizada contra o Japão. A primeira tentativa de invasão de Kublai Khan às ilhas japonesas deu terrivelmente errado, com boa parte da frota naval aniquilada por tufões que o regime do xogunato de
Kamakura do Japão à época considerou como de origens divinas, kamikaze [19]. A obstinação do imperador Yuan não terminou por aí. Depois de ter conseguido subjugar rebeldes chinês no sul remanescentes dos antigos Songs em 1279, Kublai decidiu no ano seguinte a preparar uma segunda expedição contra o Japão. Em 1281, as forças combinadas de Yuan e de Koryo, entre outros aliados e mercenários, voltaram-se contra o arquipélago japonês [20]. Dessa vez, igualmente, as forças da natureza foram dizimadas por tufões e ventos fortes sazonais após terem permanecido meses no mar. A mobilização e os recursos exigidos nessas duas expedições de Kublai atingiu o reino de Koryo consideravelmente. Sob o domínio de Yuan, o povo coreano tinha que entregar uma enorme carga tributária, que incluía prata, ouro, ginseng, ervas medicinais entre outros. Ademais, produtos artesanais e mulheres entravam também na cota exigida pela corte de Yuan, atendendo ao costume aristocrático mongol de poligamia. No reino coreano, diante da proeminência dos mongóis, todos aqueles ligados ou aliados tinham uma série de privilégios, com muitas famílias aristocráticas coreanas a manter laços matrimoniais com mongóis. Nas províncias coreanas, os grandes latifúndios concentraram-se ainda mais com a nova aristocracia ligada aos Yuans que mantiveram privilégios fiscais em detrimento daqueles não colaboradores do poder. Em cima de muitos excluídos desse sistema, fermentou-se ideias nacionalistas e anti-mongóis ao longo do tempo a partir de fins do século 13. Embora dominados pelos Yuans, a economia e comércio coreano floresceu com a nova ordem asiática consolidada pelos mongóis. O crescimento não se deu apenas em
escala, mas também na diversidade de novas demandas e produtos. Pelo mundo dominado pelos mongóis, abriram-se vias de acesso ao mercado muçulmano. O algodão que havia se espalhado na China no século 13 foi trazido de lá para a Coreia por Mun Ikchon (1329 – 1398) que passou a cultivá-lo com grande sucesso em solo coreano a partir de 1364. Isso provocou uma séria de mudanças na produção têxtil coreana, na época em que prevalecia os tecidos de seda e cânhamo. Os Yuans tinham adquirido o conhecimento da pólvora, inventada pelos chineses em tempos anteriores. Essa tecnologia, embora cuidadosamente mantida em segredo pelos Yuans, foi depois aprendida por coreanas que, conjugado com o avançado conhecimento metalúrgico, passaram a produzir excelentes canhões no século 14 pelas mãos do inventor e militar Choe Muson (1325 – 1395). Esse novo armamento coreano foi plenamente usado contra as invasões de piratas japoneses (wakôs ou waegus em coreano, ) na península no referido século, como na Batalha de Jinpo de 1380 [21]. Novas técnicas agrícolas também se espalharam pela Coreia, como a irrigação e aragem profunda por meio de livros de cultivos de arroz vindos da China Yuan. Possivelmente isso explica o considerável aumento populacional coreano a partir do século 14, juntamente com uma queda na taxa de mortalidade infantil ligado aos novos conhecimentos medicinais das plantas. Pois houve um incremento no número de publicações sobre os estudos medicinais nas mãos dos letrados hyangni coreanos. As mudanças dos tempos também repercutiram no mundo espiritual. O budismo, associado aos tempos decadentes do passado coreano, passou a ser cada vez mais ignorado pela nova elite coreana que passou a valorizar novamente os estudos confucianos. Essa retomada tinha sido revitalizada por um estudioso chinês da dinastia Song, Zhu Xi (1130 –
1200) que buscou uma nova e revigorante interpretação dos clássicos confucianos a contrapor-se à metafísica budista. As obras de Zhu Xi tiveram ampla repercussão na capital dos Yuans e tinham sido trazidos para a península coreana em 1290 por eruditos como An Hyang (1243 – 1306) e Yi Chehyon (1287 – 1367) [22].
4 O IRMÃO LEAL E O BOM VIZINHO A morte de Kublai Khan em 1294 engendrou uma série de disputas pelo trono imperial chinês dos Yuans, afrouxando a dominação e controle sobre outras áreas asiáticas. Já em meados do século 14, a China começou a entrar num período de declínio e fragmentação da sua unidade política, e foi ocupada pelas suas fronteiras por novos povos que
visavam o poder. No sul da China, um líder chamado Zhu Yuanzhang fundou uma nova dinastia, a Ming (1380 – 1644) visando restaurar a antiga glória dos tempos Tang e a expulsar os povos bárbaros como os mongóis de Yuan. Para a perspectiva de Koryo, a desordem no leste asiático revelou uma oportunidade de recuperar sua plena independência e soberania. Diante da desordem nos anos finais do império chinês, o rei Kongmin (ou Gongmin) (r. 1351 – 1374), último soberano coreano que foi endossado pelos chineses Yuans, perseguiu todos aqueles ligados ou aliados aos chineses e buscou rapidamente estabelecer novas relações diplomáticas com os Mings. Nesse sentido, Kongmin recuperou a autonomia e boa parte dos territórios a nordeste que estavam sob a direção dos Yuans. No âmbito interno, Kongmin, além de afastar a antiga elite pró-mongol, buscou restaurar os cargos oficiais para aqueles da antiga aristocracia que haviam sido aprovados nos exames civis e determinados a defender a ideologia renovada do neoconfucionismo. Os problemas externos persistiam. Chineses rebeldes, chamados de Turbantes Vermelhos (em chinês, Hongjīn Qiyi, ), e piratas japoneses atacavam nas fronteiras ao norte e sul no século 14. Em determinado momento, os Turbantes Vermelhos chegaram a avançar da península de Liaodong e a saquear a capital coreana em Kaesong [23], enquanto levas de japoneses avançaram da costa para o interior. Houve resistência de poderosas famílias aristocráticas contra os planos de reformas políticas de Kongmin que, em último momento, explica o seu assassinato em 1374, aos 44 anos de idade. Para a posteridade, Kongmin será lembrado pelo seu excepcional talento artístico e caligráfico.
E foi nesse cenário de guerras e conflitos que emergiram duas figuras militares, Choe Yeong (1316 – 1388) e Yi Songgye (1335 – 1408). Ambos revelaram ter grande senso estratégico, mas diferiram nos seus planos políticos para o reino coreano. Choe Yeong descendia de uma próspera família aristocrática e sempre insistiu numa rápida e decisiva invasão ao norte, na península de Liaodong, para impor a segurança nas fronteiras contra os chineses. Isso, todavia, iria contra a dinastia chinesa Ming, algo que desagradava a Yi Song-gye, crescido nas regiões nordestinas e ciente do complexo e frágil equilíbrio de forças. Assim, as duas ideias contrastantes representavam os dois veios ideológicos coreanos da época, uma de cunho mais nacionalista e idealista, e outro mais realista e globalista. Ganhando proeminência ao poder logo após a morte do rei Kongmin, Choe Yeong lançou ofensivas para a Manchúria em 1388. Yi Song-ye, reagiu e usou essa expedição como pretexto de uma rebelião a ser condenada e a perseguida. No verão do mesmo ano, Yi Seong-gye desceu das regiões norte e atravessou o rio Yalu para chegar à Kaesong com seu exército. A capital e boa parte dos funcionários neoconfucianos da elite receberam o novo comandante como herói a renovar o reino em turbilhão. As esperanças era de que Yi Seong-gye iria erradicar a corrupção e o sistema de privilégios das famílias aristocráticas. De fato, Yi Seong-gye, uma vez no poder, passou a implementar uma séria de reformas agrárias em 1391, apoiado por oficias neoconfucionistas. Foram implementadas leis fundiárias, em que as propriedades de terras foram classificadas e designadas a proprietários de acordo com o que poderia ser tributado. Assim, o Estado poderia afastar o poder e riqueza das tradicionais e rivais famílias aristocráticas, aumentar seu poder de tributação e ter maior controle e poder sobre
quem era o proprietário, o fiscal e a mão-de-obra militar e civil. Isso se deu em cima de um cenário de desordem coreana nos anos anteriores, em que muitas propriedades eram controladas por aliados aos mongóis, ou a instituições religiosas budistas isentas de impostos (nongjang) [24]. Essas reformas foram amplamente defendidas pela classe de neoconfuncianos no aparelho do funcionalismo estatal, conhecidos como sadaebus. Sob essas leis, os reformistas pretendiam redistribuir todas as terras de acordo com um novo sistema hierárquico burocrático, a excluir a antiga classe aristocrática. Os antigos templos e mosteiros e toda a classe budista, beneficiados no passado por terem sido aliados à dinastia Koryo, também foram alvos dessa reorganização, passando a ser objeto de cobranças fiscais e vistos como decadentes e corruptos. Entre os mais proeminentes neoconfucionistas da época destacou-se Jeong Mong-ju (1337 – 1392). Nascido em família aristocrática, esse erudito defendia a reforma do Estado a combater as mazelas e privilégios do passado e passou a valorizar o corpo burocrático selecionado pelos rigores dos exames de admissão. Como Yi Seong-gye, era anti-budista e realista na política externa e entendia que somente uma paz com os chineses da dinastia Ming poderia fornecer ordem para a consolidação do reino coreano. No entanto, o erudito se opunha à mudanças dinásticas na península coreana, ideia apoiada entre os partidários de Yi Seong-gye. Pois acreditava no princípio confuciana de wangdo (princípio do soberano, da retidão) [25] que proibia qualquer ato de deslealdade dos súditos diante da autoridade do rei. Sendo assim, foi opositor de qualquer golpe a favor do grupo de Yi Seong-gye e de mudança dinástica. Derradeiramente, Jeong Mong-ju foi calado e assassinado em 1392 por cinco homens num banquete em
Kaesong. Suas convicções e lealdade ainda ecoam nas linhas de seu mais conhecido poema coreano (sijo), Dansimga (“Canção da Lealdade”): Embora eu morra e morra novamente por cem vezes, E se meus ossos se transformam em pó, e se minha alma permanece ou não, Sempre fiel ao desaparecer?
meu
Senhor,
como
esse
coração
vermelho
pode
(tradução nossa) [26]
Outra figura foi um filho de Yo Seong-gye, Yi Bang-won (1367 – 1422), que serviu também como funcionário do Estado e era um literato neoconfuciano. Mas sua lealdade antes se dirigiu ao seu pai e contribuiu grandemente para a mudança dinástica, acusando os oponentes políticos e confrontando os argumentos contrários fundamentados de Jeong Mong-ju. Defendia que as mudanças deveriam ocorrer quando há injustiça e desordem no reino, fundamentado nos escritos confucianos. No plano político, adveio o momento decisivo em 1392. Foi quando as forças e partidários de Yi Seong-gye ocuparam a capital e destronaram-se o rei Gongyang (r. 1389 - 1392) que fugiu para a cidade de Wonju (e depois onde seria assassinado juntamente com todos de sua família). Apoiado por neoconfucianos reformistas e militares, Yi Seong-gye foi entronizado em 5 de agosto de 1392 como o primeiro rei da dinastia Joseon (ou Choson), sob o venerável nome de Taejo (r. 1392 - 1398).
Mapa: O reino de Joseon no início do século 15 e sua capital Hanyang.
Embora os eventos tenham sido dramáticos, não houve significativas perdas humanas e conflitos. A dinastia provaria ser uma das mais longevas da história asiática, pois teria seu termo apenas em 1910. E seu nome, Joseon, foi decidido após consultas com eruditos neoconfucionistas coreanos e chineses, nome que remetia ao antigo reino de Dangun, o lendário fundador do primeiro reino coreano situado no terceiro milênio antes de nossa era. Em 1394, a capital da nova dinastia foi mudada para Hanyang (“Fortaleza no rio Han”, ), na região central da península coreana e perto da foz do rio Han [27], abandonando-se a antiga Kaesong. Em dias atuais, uma vibrante megalópole de 20 milhões de habitantes, Seul. Há relatos de que quando fundada, demorou-se anos para cercar com magníficas muralhas de 17 km de extensão e 6 metros de altura cujas quatro entradas apontavam para os pontos cardeais. Atrás dos muros, tudo foi construído conforme um
planejamento urbano e respeitoso aos princípios da geomancia do feng shui [28]. Uma vez no poder, o rei Taejo buscou conselheiros e ministros para ampliar e consolidar suas reformas no Estado. O mais influente desses, até 1398, foi Jeong Dojeon (1342 – 1398), um fervoroso neoconfucionista e antibudista. Uma vez nomeado como o principal ministro no Conselho de Estado, instância de poder logo abaixo do monarca, buscou implementar um sistema que seguisse os preceitos clássicos da obra confuciana Zhou Li (“Os Ritos Zhou”). Jeong Dojeon acreditava que somente um sistema político baseado no pleno poder soberano do rei, a ser apoiado por uma classe de letrados treinados nos ritos e pensamentos neoconfucianos, poderia ser o ideal. E enfatizava nisso que o monarca deveria ter seus deveres com a ordem cósmico e dos céus, a ser correspondido por seus súditos em forma de dedicação, obediência e lealdade, tal como numa relação de pai e filho. Com tal ardor visionário, seria natural supor que teria oponentes no poder. E foi assim que se tornou vítima fatal no processo de sucessão ao trono real, quando apoiou um outro substituto ao trono rival a Yi Bang-won, ou Taejong (r. 1400 - 1418), que se tornou no terceiro soberano da dinastia. Não obstante a visão de Jeong Dojeon, os ideais neoconfucionistas foram na maioria realizadas no processo de sucessão e de poder em toda a dinastia. Numa perspectiva atual, a dinastia Joseon foi um Estado monárquico autoritário, cujo poder concentrava-se em torno da figura do rei e de seus mais altos funcionários públicos, conhecidos como yangbans ( ). O monarca exercia autoridade absoluta sobre seus súditos, mas delegava,
assim como na visão de Jeong Dojeon, o exercício da autoridade à classe de burocratas aprovados nos disputados exames públicos (kwago ou gwageo, ). Nas províncias, havia uma elite local (hyangni) que foi destituída da sua antiga condição de classe senhorial de terras, e que serviam como subordinados ao serviço dos magistrados yangbans locais enviados da capital. Para evitar poder excessivo, cada magistrado tinha um tempo de mandato limitado no local. A mobilidade social era limitada entre várias formas. Além do duríssimo sistema de exames públicos a ser aprovado, excluía-se da condição de candidatos os concubinos e seus descendentes. E havia escolas especialmente preparatórias para os candidatos, cujos custos de estudo e tempo de dedicação restringia, efetivamente, os exames apenas a uma elite na capital e nas províncias. Uma vez aprovado no kwago, o funcionário deveria jurar lealdade e dedicação ao monarca, que delegaria as suas funções e ganhos de acordo com sua hierarquia burocrática. No período inicial da dinastia Joseon, havia apenas estimado 10% da população como yangbans. E esses poderiam depois seguir carreira civil ou militar, de acordo com as predileções e necessidades do momento. Esse sistema de funcionalismo perdurou até o início do século 20, ordenando e sustentando toda a estrutura do Estado e autoridade. A condição do yangban era de prestígio e sua fama atingia toda sua família e vila. Tal como na China, era comum casos em que vizinhos e próximos fossem pedir e pleitear algo para familiares desses notáveis membros. No alto escalão burocrático, os apontamentos pessoais e políticos eram mais evidentes. Muitos altos oficiais eram escolhidos por grupos civis e militares que disputavam a preferência do monarca. Como exemplo, havia uma longa lista de membros de yangbans que esperavam suas recompensas e promoções por méritos e
senioridades, conhecidos como kongsin. E essas listas eram priorizadas de acordo com as mudanças políticas do Conselho de Estado e do rei. Apesar desse sistema de favorecimento, o funcionário médio e iniciante tinha liberdade para exercer suas funções sem interferências de cima, e possibilidade de se dedicar às letras e artes, assim como o mandarinato na China. Na figura do rei, a dedicação aos registros e crônicas de estudiosos confucianos do Estado garantiram a detalhada anotação de suas obras e feitos para a posteridade. Esses registros seriam compilados na grandiosa obra, “Anais da Dinastia Joseon”, que ainda hoje existe graças ao seu cuidadoso armazenamento através dos tempos, em inúmeros volumes desde 1413 até 1865, um dos maiores tesouros nacionais da Coreia. A figura do líder ideal confucionista por vezes foi correspondida por alguns soberanos de Joseon. O quarto rei, conhecido como Sejong, o Grande (r. 1418 - 1450) certamente foi um deles. Entronizado em 1418, Sejong consolidou a ordem e grandeza do reino coreano, numa época em que a China dos Mings se estabeleceu em todo o leste asiático, e as boas relações com os chineses foram mantidas e reforçadas, além da natural afinidade ideológica confuciana. Sejong se beneficiou por ter tido um antecessor, o rei Taejong, que eliminou os impedimentos e rivalidades políticas. Ademais, Sejong teve experientes e veteranos oficiais e funcionários como conselheiros e ministros. Na política externa, Sejong avançou ainda mais ao norte, entre os povos jurchens, ancestrais dos manchus, e ali estabeleceu uma série de fortes e postos de observação. Isso decorreu de sua eficiente política militar e de segurança, que buscou favorecer as opiniões nacionalistas de seus conselheiros mais graduados, além de ter fomentado incentivos para inovações técnicas no campo bélico como na inovação de canhões e meios mais
eficientes de armas de flechas, morteiros e armas de fogo. A ofensiva coreana ao norte foi coroada de sucesso depois das campanhas do general Kim Jongseo (1383 - 1453) que empurrou as fronteiras até o rio Songhua. Em maio de 1419, Sejong, sob o conselho e orientação de seu pai, Tejong, organizou uma ampla frente ofensiva ao sul, chamada de Expedição de Gihae Oriental (em japonês, Invasão de Ôei), com o objetivo de desarticular a ação de piratas japoneses a partir da ilha de Tsushima. O resultado foi mais de 200 japoneses mortos e mais de 100 feridos, com estimativas um pouco maior do lado coreano. Em setembro, a trégua adveio e foi assinado o tratado de Gyehae, ao que o reino coreano conseguiu o pagamento de tributos o líder (daimiô) e sua clã de Sô da ilha de Tsushima. Em troca, os coreanos prometeram manter as relações comerciais entre o Japão e a Coreia [29]. Após esse tratado firmado, e com as relações cordiais mantidas com a China, a política coreana fundamentou-se no preceito confucionista de Mêncio (372 a. C. – 289 a. C.), sadae gyorin ( ), “relações de respeito aos grandes e boa vontade com os vizinhos”. Em outras palavras, respeito à China, e política de boa vizinhança com o Japão, os jurchens e as ilhas meridionais de Ryukyu e além no Sudeste Asiático. Foi esse princípio que serviu de base para a política externa coreana durante os próximos séculos. Para fomentar a cultura, as artes e o conhecimento, causas demandadas pela classe dos neoconfucionistas no corpo dos funcionários e na corte, o rei Sejong promoveu a criação de institutos de debates e estudos, o Chipyonjon (“Simpósio dos Dignos”), em que as mais capazes e brilhantes mentes coreanas se reuniram com frequência. Um dos resultados mais notáveis desses encontros foi a criação de um sistema de escrita alfabética coreana de 26
letras, o hangul, em 1446. Embora guardasse o venerado respeito à escrita chinesa que foi mantida como sinal de status e erudição, o hangul foi proclamado pelo rei Sejong visando facilitar o acesso às letras pelas pessoas e criar uma fonte de identidade coreana. No veio entusiástico das reformas culturais feitas, Sejong escreveu e publicou inúmeros livros em hangul, muitos deles de traduções de obras clássicas chinesas sobre o confucionismo, budismo, ritos, ética, agricultura e sericicultura (criação do bicho-daseda). As publicações floresceram diante das melhoras notáveis da impressão metálica. No campo dos estudos, foram aprimorados os estudos astronômicos, instrumentos de medição e cálculo pluviométrico e de observação. Tudo isso estava relacionado ao vivo interesse de Sejong em promover e melhorar a agricultura coreana. E, de fato, parece que a população coreana aumentou para cerca de 5 a 6 milhões de pessoas no século 14. Apesar desses avanços, o sistema de tributação do reino de Joseon apresentava problemas notáveis. Muitos membros da sociedade começaram a ser isentos de cobranças. A classe dos yangbans tinham um pesado tributo que era repassado à classe camponesa de suas propriedades. E quase um terço da população era de escravos, os nobi, tanto do Estado quanto particulares, que não tinham condições de serem cobrados além de suas pesadas obrigações. O trono coreano em 1452 passou para Danjong (r. 1452 – 1455) que reinos por apenas três anos antes que seu tio ambicioso tomasse o poder monárquico da dinastia de Joseon. Suyang (1417 – 1468), no seu processo de tomada do trono, rebaixou a condição de Danjong para príncipe e depois mandou um irmão seu assassiná-lo juntamente com seis membros partidários de sua causa da classe letrada neoconfuciana. Suyang, uma vez como rei, passou a ser
postumamente referido como rei Sejo (r. 1455 - 1468), e seu reinado passou por grandes questionamentos de lealdades. Apesar disso, Sejong mandou compilar e codificar as legislações anteriores num novo código, o Kyongguk taejon. Esse código estruturou o Estado e a os estamentos sociais e econômicos da monarquia, baseados nos escritos neoconfucianos e a favorecer a classe de letrados dos yangbans. O golpe dado por Sejo foi motivo de acirrados debates e conflitos entre a classe confuciana, que acabou se polarizando em dois campos partidários: aqueles que apoiaram o golpe defendendo o princípio da prevalência do poder a prevalecer sobre a fragilidade do poder do soberano, contra aqueles que defenderam o princípio da regra de direito, que enfatiza a legitimidade a não ser rompida e descontinuada por golpes. Entre esses dois grupos opostos, seis eruditos partidários do rei deposto, Danjong, foram perseguidos e mortos em 1455. Esses passaram a ser referidos como os “Seis Lealistas Martirizados” (sayuksin) e os outros seis eminentes eruditos contrários que sobreviveram ficaram conhecidos como os “Seis Lealistas Vivos” (saenggyuksin). Esses dois grupos de lealistas, com o passar dos tempos, passaram a se tornar figuras históricas de inspiração para a defesa da monarquia de Joseon. Em fins do século 14, um novo grupo de letrados yangban, simpatizantes dos lealistas martirizados, passou a defender com maior vigor o princípio do governo pelo direito, e a acusar as tomadas do poder por golpe como o fez o rei Sejong. Muitos desses eram de classes ascendentes, ingressos na classe dos yangbans, e distantes das tradicionais famílias coreanas. Isso reflete a mudança da política educacional coreana no século 14, que permitia mesmo nas províncias e distante da capital a candidatos alcançar o status de funcionário por meio do
mérito nos exames admissionais. A grande parte desses ingressantes vieram das regiões distantes do sul da península, e se inspiraram nos versos de lealdade escritos por Jeong Mong-ju. Essa nova geração, de origens mais humildes das províncias e do campo, passou a ser chamada de sarim, ou letrados rústicos. A contrapor os membros do sarim, havia aqueles dos letrados que eram mais conservadores e defenderam o direito da tomada do poder pela força, sublinhando a necessidade de um forte líder em tempos de crise e desordem. E foram membros desses últimos, mais atuantes na corte e na capital que passaram a denunciar e perseguir os membros sarim em uma série de expurgos em 1498, 1504, 1519 e 1545. Foram mais de 1500 literatos purgados, isso de acordo com um historiador sarim que acabou ele mesmo sendo destituído de seu cargo público. E pertencente à mesma classe dos letrados rústicos, Jo Gwangjo (1482 – 1520), tentou defender a ampla reforma do Estado de Joseon a buscar as puras virtudes confucianas sem privilégios e partidarismos (seonbi). Essas tentativas de reformas frustradas e mantido o sistema de privilégios a favor dos partidários do rei acabou resvalando para rebeliões nas camadas marginalizadas e no campo. Um desses líderes do interior, Im Kkeokjeong (? – 1562), filho de açougueiro, organizou exércitos de leais, escravos, rebeldes e bandidos, que fustigaram e roubaram de viajantes abastados nas estradas do interior [30]. Alguns grupos de yangban pertencentes ao sarim, os letrados rústicos, abandonaram qualquer pretensão política e foram morar no interior, escrevendo, ensinando e estudando em locais remotos ou em grupos organizados chamados de seowon ( ), espécie de escolas e mosteiros neoconfucionistas. Primeiramente fundado em 1542 na
instituição do Sosu Seowon, essas instituições depois cresceram em grande número para mais de uma centena ao final do século. Há relatos de que havia mais de mil desses no século 19. E acabaram com o tempo se tornando nas bases de poder dos intelectuais sarim pela Coreia. Apesar de ter um apelo da erudição e da construção crítica, muitos estudiosos dessas instituições se voltaram para questões metafísicas, a buscar os princípios cósmicos e da inserção humana na natureza, para longe do mundo social e político. Nesse veio de efervescência neoconfucionista, surgiram várias figuras proeminentes intelectuais no reino coreano. Entre eles, três se destacaram, referidos pelos seus pseudônimos: Hwadam (1489 – 1546), Toegye (1501 – 1570) e Yulgok (1536 – 1584). O primeiro deles enfatizou nos seus estudos a primazia da força material, qi( ) em chinês. Toegye, por sua vez, defendeu o primado do princípio, li( ) em chinês. E Yulgok buscou sintetizar as ideias dos dois, a contrapor a força dos princípios contra os da ordem material, uma força de síntese entre o idealismo e realismo no plano filosófico. E foram em cima dessas diferenças que boa parte da militância intelectual e política se deu até o século 19 na península coreana. Gerações de membros dos yangbans, de origens diversas e aprovados nos exames de admissão, organizaram-se em sociedades e grupos literários, pundang, cada qual a defender suas convicções. A partir de 1575, essas divisões começaram a se manifestar na capital do reino, basicamente se polarizando em torno dos chamados “ocidentais” e “orientais” pela localização de suas sedes em Hanyang. A maioria dos “orientais” eram defensores dos princípios (li) acima das forças materiais, como argumentou Toegye. Os “ocidentais”, por sua vez, seguiram a força sintética de Yulgok, a combinar o li com qi. A partir da morte de Yulgok, em 1584, os partidários de Toegye passaram a predominar, e depois com o crescimento de sua escola, a disputarem a primazia intelectual e política
coreana até a segunda metade do século 19, precisamente em 1871 pelo rei Daewon-gun (r. 1863 - 1873), quando os vários seowons foram declarados ilegais e vistos como antiquados e ameaçadores ao poder coreano. Nos anos finais do século 16, a ascensão de outro ambicioso líder guerreiro nas ilhas japonesas ao leste trouxe consequências para a península coreana. Toyotomi Hideyoshi (1536 – 1598) fez sua notável carreira ao subjugar os seus rivais pelo controle efetivo da maior das províncias japonesas. Satisfeito seu apetite no âmbito interno, Hideyoshi então projetou seus planos para o outro lado do Estreito de Tsushima. Uma das razões para as invasões sobre a Coreia foi a demanda crescente do mercado japonês de grãos, linho e algodão coreano, além dos estimados artesanatos como as cerâmicas envidraçadas. Para tanto, Hideyoshi passou a exigir do reino Joseon uma retomada maior do fluxo comercial, algo que tinha sido restringido há décadas depois da ação de piratas japonesas na costa meridional coreana. A resposta desinteressada das autoridades coreanas provocou a ira e expedições começaram a ser organizadas a partir de 1592. Além disso, havia a consideração do rei de Joseon em consultar as autoridades chinesas Ming, já que mantinha com eles as devidas relações tributárias. Assim, Hideyoshi mobilizou cerca de 200 mil homens na primavera do referido ano, ano chamado de “Imjin” de acordo com o calendário chinês, e as tropas japonesas sob o comando de Konishi Yukinaga, começaram a desembarcar em Pusan (ou Busan) na costa meridional coreana [31]. De fato, o reino coreano não estava preparado para os eventos da guerra, pois há décadas vivia no sistema de paz ordenado pelas autoridades chinesas no leste asiático. A classe dos yangbans e os escravos estavam isentos do serviço militar, e os camponeses e plebeus pouco treinados
e desmotivados. Por contraste, os japoneses eram veteranos de combate depois de anos de guerra civil no período chamado de Sengoku Jidai, “Período dos Estados Beligerantes” (c. 1467 – c. 1607) na história japonesa [32]. Apesar de terem o pleno domínio da produção de canhões, o lado coreano pouco ofereceu de resistência inicial. Apenas três semanas depois de Pusan, os japoneses já tinham ocupado a capital, Hanyang, que provocou a fuga do rei e sua corte para perto da fronteira com a China no rio Yalu. Desesperado, o rei coreano Seonjo (r. 1567- 1608) foi buscar então ajuda do imperador Ming para pedir reforços e apoio. Depois de meses de hesitações, os chineses mobilizaram-se para a fronteira norte coreana. Isso ainda se deu depois dos japoneses terem avançado ainda mais ao norte de Hanyang e saqueado a cidade de Pyonggyang em julho de 1592 e ocupado todo o nordeste da península [33]. Depois de algumas batalhas inconclusivas, o lado japonês ofereceu propostas de cessar-fogo, exigindo condições duras de paz. Os termos foram prontamente rejeitados pelos representantes coreanos, pois rejeitaram a presença e controle de japoneses nas estradas e no interior coreano. Foi nesse sentido que a classe de letrados dos yangbans, parte deles sarim que viviam e atuavam no meio interiorano, passaram a organizar com milícias locais forças de guerrilhas voluntárias. Embora não fossem treinados como a classe dos samurais japoneses, esses guerrilheiros coreanos demonstraram um notável senso de lealdade confuciana para o rei coreano e contra os invasores. Não foi somente em torno dos guerrilheiros que se deu a resistência coreana. A frente marítima foi notavelmente organizada por um dos comandantes da Marinha na costa sul, que desempenhou papel decisivo contra a situação de emergência coreana. O almirante Yi Sunsin (1545 – 1598), apesar de nunca de ter tido antes experiência no mar, foi
depois comparado a grandes líderes navais na história como o almirante inglês Horatio Nelson (1758 - 1805). Visando conter as frequentes incursões de piratas japoneses, ele passou a usar navios inovadores de guerra, feitos de madeira e ferro, depois chamados de Navios Tartaruga (geobukseon, ). Essas embarcações foram usadas em várias ocasiões desde o século 15 ao 19 na história coreana, e eram característicos por serem revestidos com placas de ferro e munidas de canhões. Considerando que as tropas japonesas dependiam das linhas de suprimento ultramarinas para abastecimento, as batalhas navais do almirante Yi, ao almejarem os navios japoneses durante as invasões de Imjin, foram determinantes. Nas batalhas inicias, como as de Okpo e de Sacheon (1592) o almirante Yi conseguiu atrair a frota japonesa para baías estreitas da costa sul da península. Depois do seu sucesso em batalha, foi nomeado em 1593, como nomeado como comandante das forças navais coreanas de várias províncias meridionais. De fato, as proezas de Yi foram tão impressionantes que mesmo os japoneses, na Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905 realizaram rituais cerimoniais a ele como um deus da guerra antes das batalhas no Estreito de Tsushima que aproxima a península do arquipélago japonês. As mudanças na Guerra Imjin começaram a mudar nos meses iniciais de 1593, quando os chineses enviaram tropas em grande escala para reconquistar as cidades coreanas de Pyongyang e Hanyang. Após impasses e campanhas desgastantes para as forças japonesas, fustigadas pelas guerrilhas e vendo privadas do suprimento naval, apresentaram possibilidades de negociações. No verão de 1593, foi declarada uma trégua entre as partes conflitantes. A ajuda primordial dos chineses Mings não seria esquecida pelos coreanos. Mesmo assim, a condição de paz não
satisfez por completo nem a ambição de Hideyoshi, nem os Mings reconheceram o poderio crescentes dos japoneses sobre os coreanos, considerados como tradicionais parceiros e aliados tributários. Depois de quatro anos, em 1597, as negociações ainda estavam pendentes. Para os generais japoneses, Yi Sunsin, agora comandante supremo de todas as forças navais coreanas, era considerado com respeito e temor. Para tentar contornar o almirante, os japoneses chegaram a enviar espiões para fornecer-lhe informações e pistas erradas da localização das forças invasoras japonesas. Dotado de senso militar e veterano de guerra, Yi soube não confiar nas fontes passadas, e foi considerado por muitos da corte de Joseon como desprovido de bom senso e, assim, foi destituído de seu cargo de comandante. As consequências disso foram evidentes, a marinha coreana passou a apresentar claros problemas de comando e coordenação de sua frota. Sem comando, os navios japoneses passaram a desembarcar na costa coreana, resultando em avanços terrestres japoneses contra as forças chinesas e coreanas. Ciente da grave situação, a corte coreana voltou atrás e nomeou Yi Sunsin novamente como comandante supremo da Marinha. Yi, uma vez de volta ao cargo e conhecendo o número de navios em operação buscou fazer o impensável. Tinha apenas 12 navios de guerra sob seu comando a enfrentar mais de 50 dos japoneses. A batalha naval de Myeongnyang ocorrida em fins de outubro de 1597 talvez seja considerada como uma das mais heroicas da história. Diante das condições adversas e com inferioridade numérica, Yi conseguiu fazer uso do conhecimento geográfico das baías e estreitos da costa sudoeste coreana para enfrentar os japoneses em mar. Os relatos históricos em tempos posteriores não entram em consenso sobre os números japoneses. Mas o fato é que Yi Sunsin enfrentou
um adversário superior em número e conseguiu a proeza de ter vencido com todos os seus 12 navios, concentrados em pontos estratégicos em passagens estreitas e no conhecimento das correntezas. Após algumas semanas, e com a aproximação do inverno, os japoneses aceitaram com humilhação a derrota naval. A vitória de Yi Sunsin permitiu as forças terrestres chinesas e coreanas avançar e atacar os soldados japoneses na península [34]. No ano seguinte, em 1598, Hideyoshi chegou a falecer, e não houve mais nenhum plano das autoridades japonesas de invasão coreana. A Guerra Imjin, ao final, devastou boa parte da Coreia de Joseon, causando milhares de mortos e dezenas de milhares de prisioneiros além de incontáveis templos, mosteiros, palácios e tesouros culturais destruídos ou pilhados. Nesse quadro desolador, houve uma intensa troca e interação populacional entre coreanos, chineses e japoneses como em poucas ocasiões na história do leste asiático. Estimados 200 mil japoneses e aproximadamente o mesmo de chineses passaram pelo solo coreano. Muitos soldados Ming, por exemplo, se estabeleceram na península e casaram-se com a população local, formando gerações posteriores de descendentes. Muitos prisioneiros de guerra japoneses depois naturalizaram-se e também formaram vínculos com comunidades coreanas. E muitos coreanos, nessa grande e trágica empreitada da guerra, deslocaram-se e se assentaram no exterior. Dezenas de milhares foram trazidos e refugiaram-se no arquipélago japonês, muitos como prisioneiros, sendo que alguns inclusive desses tornaram-se escravos e depois foram negociados com mercadores portugueses em fins do século 16 [35]. Entre esses coreanos expatriados no Japão, muitos foram depois valorizados pelo conhecimento erudito e artesanal pelos senhores da guerra japoneses (daimiôs) que os
recompensaram com cargos e generosos estipêndios. O renascimento neoconfuciano japonês do século 17 em grande parte se deve a eruditos e letrados coreanos que se tornaram professores e tutores da classe aristocrática. Isso gerou curiosidade e demanda maior por obras e estudos dos clássicos dos pensamentos de Confúcio e seus seguidores, além do conhecimento renovado em agricultura, astronomia e medicina botânica. O conhecimento da imprensa coreana certamente influenciou o alastramento de publicações japonesas. Entre os artesãos coreanos, foram particularmente valorizados os ceramistas. Há muito existia o gosto nipônico pelas cerâmicas envidraçadas coreanas e chinesas entre as classes privilegiadas, e isso foi objeto de ganância entre os produtos pilhados dos piratas japoneses. A demanda por essas obras foi incrementada com a popularização do budismo zen que apreciava as peças de cerâmica nas suas cerimônias, especialmente a do chá, o chadô( ). Foi decorrente disso que ceramistas coreanos deixaram como herança indústrias e técnicas de fabricação entre seus descendentes no norte da ilha de Kyushu que, posteriormente, iria frutificar na produção das belas porcelanas Arita [36]. Curiosamente, enquanto aumentava a demanda e apreciação dos tradicionais vasos cerâmicos envidraçados azul-esverdeados pelos japoneses, na península coreana o gosto começou a apreciar mais as cores amareladas e cinzentas em porcelanas brancas (baekja) a atender o interesse da classe yangban da dinastia Joseon. Essa mudança talvez se explica por atender aos preceitos confucianos da frugalidade e sobriedade [37]. Passados aproximadamente meio século, em meados do século 17, os jurchens na fronteira norte da península coreana começaram a consolidar e expandir sua presença na região da Manchúria e partes do norte da China.
Depreende-se disso que a dinastia Ming se encontrava fragilizada e dividida politicamente, algo que amplificou as ações de lideranças rebeldes no âmbito interno e nas fronteiras. Ao oeste, povos muçulmanos passaram a se rebelar sob o comando de Milayin e de Ding Dougong contra o governador regional da província de Gansu e chegaram a ocupar a capital, Lanzhou em 1646 [38]. Apesar dos dois líderes chineses muçulmanos terem sido capturados, novas rebeliões estouraram em 1650 resultando em consideráveis baixas. Ao sul, os rebeldes chineses foram inspirados a fundar uma nova linha dinástica Ming, a costa chinesa foi controlada por um talentoso pirata chamado de Zheng Zhilong (1604 - 1661) cujo filho, Zheng Chenggong (ou Koxinga), foi adotado pelo imperador local e que depois fundou um reino chinês separado na ilha de Taiwan em 1661 graças à sua vitória sobre os holandeses. Os problemas dos anos finais da dinastia Ming foram ainda mais sérios nas suas fronteiras ao norte. Os jurchens, agora referidos como manchus, tinham conquistado a península de Liaodong em 1616 sob a liderança de Nurhaci (r. 1616 - 1626) que proclamou o reino tardio de Jin, ecoando a antiga soberania. Feito isso, Nurhaci se encontrou na posição de avançar contra o império Ming que estava em decadência. Na corte coreana, o grupo dos yangbans mais pragmáticos dominaram as decisões políticas e conseguiram a atenção do rei Yi Hon (r. 1608– 1623) e passaram a adotar uma postura de neutralidade em relação aos conflitos dos manchus e os Mings. Em 1623, houve um golpe de poder e foi entronizado o rei Yi Jong (postumamente chamado de Injo) (r. 1623–1649) que passou a apoiar aqueles partidários neoconfucionistas mais ortodoxos que insistiam na lealdade irrestrita aos Mings. Com isso foi criada a situação que Nurhaci usou como argumento para as invasões dos manchus ao reino coreano em 1627.
Os eventos na China tornaram-se terminais para o império Ming quando em 1636, o filho e sucessor de Nurhaci, Huang Taiji (r. 1626 - -1636; 1636 - 1643) proclamou sua dinastia como verdadeira sucessora do império chinês e a renomeou como Qing, “Pura”. Diante disso, as autoridades coreanas inicialmente se recusaram a reconhecer a nova soberania e suserania chinesa. E assim tiveram que enfrentar novas invasões de centenas de milhares de manchus, mongóis e aliados em 1636. Em cinco dias, a capital coreana, Hanyang foi ocupada e rendida às forças invasoras que provocou a fuga do rei Yi Jong e de sua corte para as montanhas nas cercanias em Namhansan. Depois de um mês e meio, o rei coreano decidiu se render e, humilhado, se prostrou por nove vezes em frente ao imperador manchu, Huang Taiji, e se declarou como vassalo (ou irmão menor, sadae) da nova dinastia chinesa na assinatura do tratado de Samjeondo [39]. A Guerra Imjin e as invasões manchus trouxeram consequências profundas no reino coreano da dinastia Joseon. As devastações da guerra foram assinaladas, mas a maior mudança política se deu na China, onde a dinastia Ming caiu diante dos manchus em 1644. No Japão, igualmente, houve mudanças políticas centralizadoras desde a morte de Toyotomi Hideyoshi em 1598. Suas ações esgotaram os recursos do Estado e enfraqueceu consideravelmente sua rede de lealdades, permitindo a ascensão de um outro líder japonês após a batalha de Sekigahara em 1600 que estabeleceria uma dinastia de xoguns (bakufu) no Japão, Ieyasu Tokugawa (1543 - 1616) [40]. Em termos de política externa, o reino coreano posicionou-se como vassalo e tributário da nova China dos Qings (manchus), e o Japão buscou cada vez mais restringir os contatos com os estrangeiros a partir dos decretos de 1635 (sakoku) na província meridional de Satsuma e da ilha de Tsushima. E foi pelo representante desta última ilha o
único contato oficial permitido por séculos entre a corte coreana e as lideranças japonesas, na cidade portuária de Pusan [41]. Estava implícito nas relações com os japoneses, portanto, que os coreanos eram os mais próximos e legítimos herdeiros dos valores confucionistas e precedência nos protocolos de Estado, visto que o rei coreano seria recebido na capital do xogunato, Edo (atual Tóquio), enquanto o maior representante japonês, o senhor de Tsushima, apenas num bairro da comunidade mercantil japonesa de Pusan. Nesse veio, os coreanos, até mesmo a desconsiderar os manchus como bárbaros diante dos tradicionais valores chineses dos Mings, começaram a se considerar como os únicos e legítimos herdeiros civilizados no leste asiático a partir de meados do século 17.
5 OS HERDEIROS DE CONFÚCIO O restante do século 17 após as invasões manchus e o seguinte século são em geral considerados como de paz e estabilidade coreana. A fronteira com a China dos Qings, ao norte, foi negociada estabelecida ao longo dos rios Yalu e Tumen, tal como se encontra nos dias atuais. É significativo o fato do governo coreano ter erguido um monumento de
fronteira em 1712 [42] um monumento às origens mais remotas da nação no venerado Monte Baekdu. Embora carregado de simbolismo, a fronteira ainda seria motivo de discordâncias entre os dois governos nos séculos seguintes. Outros eventos internos e externos tiveram repercussão no reino de Joseon, embora isso seja considerado à luz de que houve notável recuperação e crescimento econômico e social até as conturbações em fins do século 19. Os debates políticos durante o reinado de Hyojong (r. 1649 - 1659) se deu mais em torno sobre rituais confucianos apropriados a respeito do período do luto de ancestrais (jesa, ) . Embora pareça trivial, esses debates provocaram nos tribunais vivas discussões entre os letrados, alguns deles entendendo que o soberano deveria observar três anos de luto e de guarda diante da morte de um de seus familiares. Outros argumentaram a favor de um ano de luto como apropriado. Os debates polarizaram-se em torno de duas figuras acadêmicas da classe yangban. Um deles, Song Si-yeol (1607 – 1689) e seus correligionários, referidos como os “ocidentais”, a favor da brevidade do luto. Outros, “sulistas”, defenderam com argumentos um período mais prolongado, e foram esses que venceram nos tribunais o debate, representados por Heo Mok (1595 – 1682). Assim, foram garantidos nos próximos anos os cargos mais influentes para membros dessa segunda escola neoconfuciano coreana. A profundidade do impacto dessa controvérsia ritualística amplificou-se para a sociedade na segunda metade do século 17. Pois os questionamentos das obrigações e rituais aos ancestrais - codificados e promulgados no código de leis Gyeongguk daejeon ( ) desde fins do século 15 -
envolveu o papel da família, das responsabilidades dos filhos e herança. Como exemplo, era entendido pelos textos confucionistas que os antepassados são responsabilidade apenas do primogênito (jangja, ), e a ele cabia a herança. Mas havia a prática coreana, mais igualitária, de dividir a herança familiar entre todos os filhos e filhas, e as cerimônias de respeito aos ancestrais cabia a todos numa base rotativa. Os problemas começaram a se tornar evidentes no século 18 quando poderosas famílias começaram a questionar os costumes nos tribunais coreanos. Se a herança caberia, por direito e tradição dos textos, ao filho mais velho, por que os outros filhos teriam os encargos das cerimônias dos falecidos? Ou por outro lado, se a herança fosse dividida, por que a responsabilidade fúnebre era exclusiva da primogenitura? Alguns começaram a questionar se as filhas deveriam fazer parte das heranças, e de que essas inovações dos costumes coreanos ao longo dos séculos era sinal de que a nação tinha se degenerado do caminho dos sábios confucianos da antiguidade. As implicações dessas mudanças começaram a afetar o recebimento das propriedades da família para as filhas, que passaram a ter direito a apenas um terço, e depois de algum tempo, nenhuma da parte da herança. A partir de textos de espólio e patrimônio dos séculos 17 e 18, indicase que as mulheres não teriam mais responsabilidades a respeito das obrigações funerárias dos antepassados, aliviando-as, mas também as privando dos direitos [43]. Nas gerações subsequentes, isso também afetou o processo de herança para os filhos. Entendia-se que somente aos filhos, masculinos, teriam direito à herança familiar, o que provocou uma tendência de adoção em caso de inexistência de um herdeiro legítimo. Adotava-se, em suma, um primo, sobrinho ou alguém próximo da linhagem para tal. Até a
segunda metade do século 17, os herdeiros poderiam vir da família maternal ou paternal, mas isso passou a ser exclusivamente patrilinear na história coreana. Diante disso, os casos de adoção chegaram a 15% da população coreana, apontando a escala e o massivo costume de adoção [44]. Outros aspectos da atitude patrilinear baseadas no confucionismo passaram a repercutir na sociedade coreana. As noivas recém-casadas deveriam agora mudar para a família do noivo depois de presentear o dote de casamento. Na nova família, a noiva, sua família e suas filhas perderiam todos os direitos de herança, e até mesmo o uso do sobrenome era sempre originado do elemento masculino da família, visando assim resguardar os direitos da herança. Nesse sentido, sobrenomes começaram a predominar em várias vilas e localidades coreanas. Isso era ainda mais corrente entre aquelas famílias tradicionais de yangbans, e entre famílias mais simples que emulavam as classes superiores visando ligar-se a familiares poderosos e influentes. Foi por esse motivo que os documentos genealógicos coreanos se tornaram tão importantes no século 18, pois tinham o objetivo de justificar por linhagem patrilinear os direitos de herança e posse. Esses documentos apresentam somente as descendências masculinas, com poucos ou nenhum detalhe das esposas e filhas que, em casos, sequer são registradas com sobrenome da família do noivo. Ou então eram referidas apenas como “esposa de”, “mão de” e “filha de” [45]. Os clãs e famílias coreanas, em outras palavras, passaram a adotar um sistema conservador e estritamente patrilinear, e membros da linhagem feminina eram ignorados ou escassamente registrados. Era comum, pois, descendentes das filhas de um eminente membro da
família sequer considera-los como netos, referindo-se a esses como oeson, “netos de fora” [46]. Essa estruturação familiar e societária coreana, de heranças, adoções, casamentos e genealogias, refletiu o quadro de mudanças maior que estava em andamento em fins do século 17. As causas dessas mudanças ainda devem ser estudadas, mas a base ideológica adveio do renascimento confucionista no reino coreano da época, ou o neoconfucionismo, que ganhou destaque e força na política e sociedade desde o século 14. Outro aspecto a observar foram as pressões populacionais que a Coreia começou a sofrer com o crescimento vegetativo no século 17, chegando a um ponto de saturação, e empurrando os limites da produtividade da terra. Isso, evidentemente, teve as consequências sobre questões familiares, clânicas e heranças. Subjacente à preocupação com os devidos rituais e interpretação dos estudos confucianos em fins do século 17 estava o fato de que a dinastia Ming da China havia caído e substituída por outra dinastia considerada como nãochinesa e bárbara aos olhos dos letrados yangbans e corte coreana. Frente a isso, a Coreia dos Joseon passou a se considerar como os verdadeiros herdeiros confucianos, e isso orientou toda a sua série de reformas sociais e políticas nos séculos 17 e 18. A identidade coreana da dinastia Joseon fundamentou-se a partir disso [47]. No plano político, a Coreia atravessou um considerável período de estabilidade no século 18, com apenas três reis soberanos. O primeiro deles governou por quase 45 anos, Sukjong (r. 1674 - 1720) sendo sucedido brevemente por Gyeongjong (r. 1720 - 1724), e seu sucessor, por 52 anos, Yeongjo (r. 1724 – 1776). Este último foi o mais longevo da dinastia Joseon. Yeongjo provou ser notável no trono e como
soberano da Coreia que deixou sua marca pelos seus persistentes esforços a reformar o sistema de tributação do reino, governar pela ética confuciana, e minimizar e reconciliar a luta entre as facções políticas e dos yangbans sob sua “Política da Harmonia Magnífica" (Tangpyeong, ). Sua genuína preocupação com suas virtudes confucianas e seus súditos ficou gravado nos “Anais da Dinastia Joseon” na página referente ao dia 27 de julho de 1728: Oh céus! Nós tivemos inundações, secas e fome nos últimos quatro anos por causa da minha falta de virtude (...) Como meu pobre povo pode manter seu sustento sob tais dificuldades?
Apesar de suas virtudes sinceras, o reinado de Yeongjo foi marcado por dois eventos de magnitudes diferentes. Um deles, de menor impacto histórico, foi quando sucedeu seu meio-irmão, Gyeongjong, que tinha morrido sob circunstâncias suspeitas em 1724. Decorrente disso, surgiram suspeitas de seu envolvimento na morte, mas o caso nunca chegou a ser esclarecido e provado. O segundo evento foi mais dramático. Os dois filhos e herdeiros de Yeongjo provaram ser limitados e incapazes ao trono. Um deles morreu jovem, deixando o outro que ficou conhecido como príncipe Sado (1735 – 1761). Sado, aparentemente, sofria de transtorno mental, seu comportamento era mercurial e imprevisível. Descarregava sua frustração nos subordinados que, por vezes, resultavam em mortes. Seu comportamento era lasciva e era frequentemente reprimido por suas escapadas à noite e certa vez, até a cidade de Pyongyang em 1761 [48]. Yeongjo, determinado a retificar o comportamento de seu filho, tentou instilar nele o conhecimento dos clássicos e virtudes pregadas pelo confucionismo. Depois de anos de esforços infrutíferos, o monarca decidiu agir da maneira
mais extremada, visando conservar o respeito e continuidade dinástica, matar seu filho. Pois tinha em vista seu neto que de fato se tornou seu sucessor à altura das expectativas, Jeongjo (r. 1776 – 1800). A morte de Sado ficou gravado para a posteridade conforme os relatos de sua esposa, a princesa Hyegyong (1735 - 1816). No fatídico dia, Yeongjo vestiu seu uniforme militar e foi ao palácio de seu filho em agosto de 1761. O pai exigiu mais uma vez promessas de retidão, mas logo se viu contrariado. Dias depois, Yeongjo pediu a Sado que conservasse a honra da família e cometesse suicídio, pois o valor confuciano preza, acima de tudo, a suprema lealdade filial e obediência aos superiores. Com a recusa do filho, o rei então chamou seus guardas e trancaram o príncipe num baú de madeira. Oito dias depois, Sado veio a morrer [49]. Com isso, foi evitado a morte de um membro da família real por derramamento de sangue e contato corporal, conforme ditava a tradição coreana. O século 18 testemunhou uma mudança entre a classe dos literatos, normalmente aqueles marginalizados e não ocupantes dos cargos mais influentes do reino de Joseon. Esses passaram a defender uma reforma do pensamento neoconfuciano tal como se consolidou entre a elite coreana, que tinha buscado mais as questões ritualísticas e metafísicas. A contrapor isso, surgiu a escola silhak( ), “aprendizado prático”, que tinha se baseado nos escritos de Yu Hyeongwon (1622 – 1673) e Yi Ik (1681 – 1763). Esses estudiosos propuseram uma ampla reforma das práticas e normas confucianas que tinha estruturado o governo. O primeiro pensador enfatizou um novo sistema de seleção e recrutamento nas instituições educacionais, e que os exames deveriam ser mais focados em assuntos administrativos práticos, e não apenas a se basear em obras clássicas confucianas [50]. Apesar de popular entre os
críticos e inovadores membros do silhak, essas reformas não foram implementadas no sistema coreano. Apesar dos obstáculos do sistema que tendia a preservar as tradições, o rei Jeongjo em 1776 criou uma academia real, o Kyujangkak, nas dependências dos jardins secretos do palácio real em Kurnwon. E para aconselhá-lo para gerenciar a instituição superior chamou um eminente membro da escola silhak, Jeong Yakyong (1762 – 1836), também conhecido como Dasan. Esse estudioso, uma vez se vendo no seu influente cargo, passou a implementar o ensino do conhecimento científico e técnico ocidental, especialmente a engenharia civil que era tema de sua fascinação e curiosidade [51]. Isso se deu num contexto histórico em fins do século 18, pela crescente presença de estrangeiros na China que deu acesso às obras e estudos ocidentais por meio de representantes letrados coreanos na corte em Pequim. Mas talvez o maior legado de Dasan foi a sua ativa supervisão da construção do forte de Hwaseong em Suwon, construído entre 1794 e 1796, uma obra de engenharia coreana inovadora e fortemente influenciada pelos novos conhecimentos científicos da época [52]. As transformações sociais se deram também em outras áreas. No final do século 17, houve um crescimento e prosperidade das atividades comerciais e, consequentemente, da classe mercantil. Se antes as trocas comerciais do reino eram basicamente in natura, ou seja, escambo, as reformas monetárias e tributárias feitas na Coreia, os mercados pelo país cresceram em atividade e escopo. Ligados aos mercados, as estradas e portos amplificaram ainda mais os acessos e mercadorias em troca, alcançando as origens produtivas das mercadorias no interior ou exterior. A moeda dinamizou ainda mais as transações, e possibilitou maior poder de tributação do
Estado. Assim, grandes centros comerciais começaram a se estabelecer, como em Kaesong, Pyongyang, Uiji e Tongnae. Esta penúltima, localizada ao longo do rio Yalu, e a última no sudeste da península prosperam com os contatos feitos com os manchus e japoneses, respectivamente. Antes do século 17, a atividade comercial e tributária era feita com base do escambo, em bens como arroz, tecidos, ouro, pele e até ginseng. Em 1678, o governo decidiu fabricar moedas padronizadas de cobre, baseadas no sistema chinês, mas com um sistema independente. Eventualmente, em fins do século 18, as trocas monetárias coreanas se consolidaram de forma soberana. Assim, o valor da moeda passou a ser a medida das riquezas e da tributação a ser taxada. Essas taxas passaram a ser calculadas não mais nas dimensões das propriedades de terra, mas na sua capacidade produtiva. Foram então reformuladas as classificações fundiárias do reino, em cinco níveis, a depender da fertilidade de cada unidade agrária. Essas reformas fundiárias foram fruto de uma ampla reforma tributária feita em fins do século 17, chamada de taedong, que buscou padronizar e simplificar os impostos [53]. Em meados do século 18, o sistema obrigatório de trabalho agrário, semelhante à corveia, foi revisto e as horas de trabalho foram uniformizadas e tornadas mais justas. Devido às essas reformas, a indústria artesanal prosperou. E assim a capacidade de arrecadação tributária do governo ampliou-se. Matérias-primas, produtos e serviços poderiam agora ser comprados com moeda, gerando crescimento no mercado privado interno, desde armas até roupas. O trabalho artesanal passou a contratar mais funcionários remunerados, assim como nas minas de mineração que passaram para mãos privadas desde fins do
século 17. Um mineral em particular prosperou enormemente, a prata, pela demanda do mercado chinês. Na agricultura, houve crescimento de rendimento nas plantações de arroz com a introdução de novas técnicas e espécies mais produtivas e resistentes ao clima e pragas. E com isso, a população coreana aumentou em número. Estudos populacionais da época estimam que em meados do século 17, a totalidade de coreanos era em torno de 8 a 9 milhões de pessoas, pulando para entre 13 e 14 milhões em meados do século 18 [54] apesar das frequentes epidemias de malária, sarampo, varíola assim como a fome decorrente de surtos e quedas de colheitas [55]. A sociedade coreana de Joseon em geral era composta por estratos sociais com base nos princípios do neoconfucionismo [56], e a mobilidade era bastante incomum. Havia no topo os yangbans, e depois logo abaixo chungin (“pessoas do meio, classe média”, ), yangin (“plebeus”) e cheonmin (“pessoas vulgares ou comum”, ), que também incluía os servos e escravos (nobi, ). Esses status eram hereditários e os casamentos entre as categorias eram raras ou desconsideradas como nãooficiais. A imobilidade maior era mais estrita na medida em que se subia de status social, sendo quase impensável a entrada de pessoas comuns ou escravos de serem yangbans. Plebeus poderiam, teoricamente, prestar os exames de admissão à classe dos letrados, mas os custos e tempo de dedicação aos estudos de admissão. E mesmo se fosse aprovado, seria necessário fornecer sua linha genealógica, a qual uma família plebeia não teria registro. As guerras e o crescimento dos mercados e cidades provocaram mudanças nesse rígido sistema social. Entre os nobi, após as guerras contra os japoneses e manchus nos
séculos 16 e 17, muitos se viram libertados por terem prestado serviço militar. Ademais, houve série de leis foram implementadas entre 1669 e 1731 que libertava os filhos de mães comuns, mesmo se o pai fosse um nobi [57]. Isso, com o tempo, diminuiu consideravelmente os escravos e servos da sociedade coreana ao longo dos séculos 18 e 19, com o fim oficial da escravidão vindo a acontecer somente em 1894. Apesar dessas mudanças, a classe yangban tentou manter seu status exclusivo e privilegiado dos outros. Ao contrário da China e de outras nações do leste asiático, a Coreia de Joseon discriminava aqueles nascidos de esposas secundárias ou concubinas, chamados de soja [58]. Essa singular discriminação havia sido iniciada no reinado de Taejong no início do século 15 que tinha lutado pelo trono contra seu meio-irmão. Assim, a tradição real considerava apenas uma esposa oficial para efeitos de herança ao trono, embora as relações extramaritais fossem liberadas. Isso foi estendido para as classes privilegiadas da sociedade como os yangbans. Considerando que os sojas eram, portanto, excluídos dos direitos da família, esses filhos ilegítimos não poderiam provar sua linhagem genealógica e, portanto, impedidos de assumirem postos oficiais mesmo se aprovados nos exames. O crescimento da economia coreana nos séculos 17 e 18 provocou um aumento e prosperidade da classe mercantil, plebeus, que poderiam casar-se com membros de famílias de yangbans e inserir-se na linhagem genealógica, possibilitando assim acesso aos exames de admissão aos cargos oficiais (gwageo). Por consequência disso, na virada do século 19, a classe yangban que era estimada em torno de 10% da população coreana aumentou para mais de 50% na virada do século 19. E houve notável inchamento da
classe média, chungin, composta por médicos, advogados, astrônomos e intérpretes e pequenos burocratas. Isso se deu num contexto de crescimento urbano e com os sojas que não conseguiram adentrar a classe yangban. Foram os chungins que foram os maiores defensores das novas ideias advindas do conhecimento ocidental que iria se tornar evidente no século 19. Esse dinamismo social, naturalmente, refletiu-se nas artes e literatura coreana. No campo da literário, houve a notável figura do escritor e intelectual Heo Gyon (1569 – 1618) que buscou nas suas linhas uma nova sociedade confuciana a combater os vícios e privilégios da realidade coreana. Conta-se que foi esse o autor do clássico, “A História de Hong Gildong”, em que o personagem principal, um soja, ou seja um filho ilegítimo, luta e anseia por justiça possivelmente inspirado na figura do século 16, Im Kkeokjeong [59]. Outro autor em meados do século 18, Bak Jiwon (1737 – 1805) expôs com igual veemência a hipocrisia dos yangbans no seu livro “A História de Ho Saeng” que conta as experiências amargas da classe humilhadas dos comerciantes frente às arrogâncias dos letrados. Um livro que teria grandes consequências para a literatura coreana foi um romance escrito em hangul de autoria anônima, “A História de Chunhyang”. A obra conta a paixão de uma jovem filha de uma concubina por um membro yangban de uma tradicional família de magistrados [60]. As linhas mais comoventes mostram a lealdade e integridade da jovem frente às inconstâncias do amado e das pressões conservadoras da sociedade coreana. Ao final, os dois se casam refletindo os ventos de mudança que estava tomando a dinastia Joseon em fins do século 18. Essa história depois teria larga repercussão no teatro coreano, pansori ( ).
O século 18 testemunhou um renascimento cultural coreano. Novas tendências e escolas de filosofia e literatura ecoaram as mudanças dos valores e questionamentos na sociedade. Nas artes, a pintura coreana passou a enfatizar o retrato de paisagens coreanas, em vez daquelas tradicionalmente copiadas das paisagens do sul da China que tinham se tornado cânone artístico desde a dinastia chinesa Song do século 10. Um dos mais celebrados artistas desse veio foi Jeong Seon (1676 – 1759) que retratou a beleza única de Kumkangsan (ou Geumgangsan), “Montanhas de Diamante”, e de outras paisagens naturais coreanas [61]. Também no campo da pintura, destacou-se Gim Hongdo (1745 – 1806 ? 1814?), conhecido como Danwon, que pintou sublimes obras realistas em fins do século 18. Foi pelas suas mãos que foram feitos retratos oficiais dos membros da realeza da dinastia Joseon, e igualmente de cenas cotidianas, desde estudantes, trabalhadores, mulheres e diversas cenas da natureza [62].
6 O REINO EREMITA A ordem internacional no leste asiático no século 19 apontava para mudanças. Estrangeiros começaram a pressionar a abertura dos portos e entrada de representantes na costa chinesa e japonesa. Na China, a assinatura do Tratado de Nanquim em 1842 que deu termo à Primeira Guerra do Ópio (1839 – 1842) sinalizou a fragilidade da corte dos Qings frente aos ocidentais. Na ótica dos Joseons, que desde 1636 reconheceram-se como aliados nominalmente tributários dos chineses, o evento foi significativo, pois as notícias chegaram através dos enviados à corte em Pequim. Ao Japão, a Coreia tinha restringido os contatos com o xogunato dos Tokugawas desde 1609, somente permitido através do senhor local de Tsushima que pagava tributo nominal aos coreanos. Em 1854, mesmo o Japão foi forçado a abrir seus portos para os
EUA após ter sido pressionado pela frota do Comodoro Matthew C. Perry (1794 - 1858). Os eventos iniciais de mudanças no leste asiático desdobraram-se para ainda mais nas proximidades do reino coreano. Em 1858, a China dos Qings cedeu, envolvida na repressão dos rebeldes Taipings, províncias costeiras de seu império a nordeste para a Rússia sob a pressão do Conde Muraviev, dando a esse país acesso marítimo das extensões siberianas. E, assim, estendendo as fronteiras russas com a península coreana através do rio Tumen. Isso foi concretizado após a assinatura do Tratado de Aigun, que revistou a fronteira russo-chinesa estabelecida desde o Tratado de Nerchinsk de 1689 [63]. Apesar disso, a Coreia ainda se encontrava isolada dos ocidentais, tanto em termos diplomáticos como geográficos. A leste, o arquipélago japonês, e ao sul e oeste pelo império chinês, fez com que os interesses imediatos dos ocidentais se concentrassem nesses dois governos, que adiou os contatos ocidentais com a corte Joseon por mais algumas décadas até fins do século 19. O reino coreano, diferentemente do Japão que tinha negociado uma tímida presença de legações portuguesas e holandesas desde o século 16, historicamente havia restringido seus contatos com o contato ocidental, restringido seus acessos portuários a representantes oficiais japoneses e chineses. Na ótica ocidental, isso criou a percepção de que a Coreia era uma espécie de “reino eremita”, isolado e subordinado ao império chinês e adepto aos preceitos confucionistas pela sua corte de funcionários letrados, yangbans. Apesar disso, a influência ocidental começou a se fazer sentir no reino coreano. Grande parte disso se deveu a mercadores e representantes coreanos na capital chinesa, que trouxeram de volta livros, ideias e produtos ocidentais desde o século 18 [64]. Uma dessas
inovações foi o catolicismo, presente na China na presença de missionários estrangeiros. Isso revelou-se singular, pois a entrada dessa influência na Coreia, ao contrário das outras nações no leste asiático, se deu por via indireta, através de contatos chineses, e passou a ser mais gradativo e menos impositivo. A bem da verdade, o catolicismo foi introduzido entre os coreanos aos poucos estendendo-se desde fins do século 16 por livros traduzidos ao chinês em Pequim [65]. Pela dinâmica gradual e estendida ao longo do tempo, os coreanos passaram a absorver e reinterpretar esse novo “aprendizado ocidental” (seohak, ), não como uma forma impositiva de dogmas religiosos, mas como um conjunto filosófico a rever e repensar a ortodoxia neoconfucionista do reino Joseon. Portanto, as ideias ocidentais e o catolicismo foram antes de tudo objeto de interesse de estudiosos coreanos que depois passaram a propagá-los na sua terra nativa. Nessa conjuntura, destacou-se a figura de um dos primeiros coreanos convertidos ao catolicismo, Yi Sung-hun (1756 – 1801), batizado em 1784 por um missionário ocidental em Pequim. Ao voltar para a Coreia, seu ardor religioso e heterodoxia filosófica atraiu seguidores entre yangbans descontentes com a tradição, intérpretes, comerciantes, médicos e membros da classe média (chungin). Com o crescimento desses, os oficiais do governo passaram a pleitear nos tribunais meios de suprimi-los, invocando a tradição e costume de proibição de contatos não-oficiais com o estrangeiro. Diante disso, foi proclamada em 1785, com os pedidos do inspetor geral Yu Ha-won, uma lei de impedimento ao espalhamento do credo católico considerado como herético à ortodoxia coreana e à importação de livros católicos e similares do pensamento
ocidental [66]. Além disso, surgiram acusações de negligência dos cultos de ancestrais por alguns católicos coreanos que foram ameaçados de pena de morte. Essa reação conservadora do governo coreano indicou a crise que o sistema ortodoxo neoconfuciano começou a revelar no início do século 19. Houve um movimento de puristas neoconfucianos, referidos como wijong choksa (“defesa da ortodoxia, rejeição da heterodoxia” ou “defesa dos ensinamentos legítimos de Confúcio, rejeição dos falsos ensinamentos”) que repudiaram qualquer influência estrangeira. Isso se combinou com a dominação de elementos conservadores de yangbans no governo coreano que decidiram por decreto em 1801 a perseguir e matar os convertidos católicos (“Perseguição Sinyu”, ), resultando na morte de mais 300 coreanos, muitos pertencentes à críticos e oposicionistas do sul da península. Esse ato marcou historicamente o reino coreano, com uma elite conservadora e coibir qualquer manifestação estrangeira suspeita [67]. E isso ampliou-se para uma política de Estado referendado pelo monarca Sunjo (r. 1800 1834) – que à época tinha apenas 11 anos de idade - e influenciado pelas convicções de sua bisavó e regente, a rainha Jeongsun (1745 - 1805). Apesar da curiosidade e inquietação de setores da sociedade coreana pelos novos conhecimentos revelados nos livros e estudos ocidentais, o reino de Joseon tomou a crucial decisão de impedimento. Tendo isso em mente, as demandas por reformas e inovações no reino coreano passaram a ser desencorajados ou mesmo condenados. Em contraste, as ideias de inovação passaram a se alastrar em movimentos e grupos clandestinos, e muitos desses tinham contatos com os estrangeiros como comerciantes e figuras marginalizadas da sociedade.
A tradição ortodoxa e seu sistema de privilégios a poucos pelos yangbans passaram a ser alvo de denúncias e ódio da população em geral. E isso explodiu em revoltas populares abertas contra uma monarquia vista como corrupta e atrasada. Em 1811, um candidato a yangban que tinha sido reprovado nos exames admissionais, Hong Gyong-nae (1780 – 1812), liderou um grupo de fazendeiros e camponeses no noroeste da península e chegaram a tomar o controle de um forte da região, o de Jeongju. Após cinco meses, as forças do governo suprimiram a rebelião [68]. Decorridos quase 50 anos, outra grande rebelião ocorreu em Jinju em 1862, conhecida como a Rebelião Imsul. As causas desse descontentamento vieram dos abusos e irregularidades dos arrecadadores fiscais, provocando a indignação de camponeses e plebeus [69]. As revoltas depois se espalharam para mais de 70 cidades e vilas, e foram tomadas muitas propriedades, seus estoques de comida e a prisão de alguns membros do governo, como o yangban magistrado, Baek Nakshin. O reinado de Cheoljong, o 25º rei da dinastia Joseon terminou com sua morte em 1864, sem deixar um herdeiro. Diante disso, houve momentos de indecisão sucessório, e os grupo de altos funcionários conservadores, pertencentes ao chamado grupo dos “Patriarcas”, originados em boa parte da região de Andong do clã dos Kims, clamaram para que fosse apontado um membro de seu clã que tradicionalmente ocuparam o trono. A decisão sucessória, por direito, cabia à rainha viúva mais velha, Sinjeong (1809 - 1890), que por pertencer a outro clã, apontou como herdeiro um de seus familiares de 11 anos, o príncipe Gojong. Para reger em nome do jovem príncipe, foi escolhido o príncipe Heungseon – recebendo assim o título de Daewongun (“Grande Arquiduque”) – que assumiu o
controle do reino de 1863 a 1873 até a maioridade do herdeiro. Heungseong foi, portanto, o rei de fato de Joseon durante um período crucial de sua história. Nascido na família real e forte adepto do neoconfucionismo, esse regente sempre tinha se indignado com as práticas abusivas e corrompidas do passado, em especial contra os privilegiados membros do clã dos Kims de Andong. Ao chegar ao poder, o Daewongun passou então a conter a influência proeminente daquele clã, e assim concentrou-se a minar as bases do poder da classe yangban pelo reino. Para tanto, nomeou pessoas com reconhecido talento e mérito da classe dos plebeus e de letrados que tinha sido marginalizado do poder, como aqueles originados do sul da península. Assim, o regente ganhou cada vez mais popularidade entre as classes populares e dos camponeses, ainda mais quando promoveu uma ampla política de financiamento e empréstimo para o plantio de grãos nos campos, a conter as rebeliões do passado coreano. A fim de ganhar mais popularidade popular, Heungseong empreendeu a ambiciosa tarefa de restaurar o Palácio de Gyeongbok (Gyeongbokgung), um dos maiores palácios dos Joseons, que tinha sido destruído durante a Guerra Imjin de fins do século 16. Para custear tal empreitada, o regente passou a taxar os yangbans, que até então tinha gozado de considerável isenção fiscal. E passou a recorrer a doações privadas para cobrir as despesas, e mobiliou ampla força de trabalho das províncias. No aspecto externo, o reino coreano começou a ser alvo de interesse internacional. Um dos primeiros contatos registrados de ocidentais se deu por acidente de um navio mercante britânico, em 1832, cuja tripulação chegou a
desembarcar na costa ocidental coreana e chegou a ser hospedada e mandada de volta às embarcações quando reparados os danos. Nas décadas seguintes, outras embarcações de ocidentais passaram a ocorrer na costa coreana. Muitos desses estavam determinados a fazer contato duradouro com as autoridades, mas desconheciam a prática tradicional coreana de remeter os contatos com estrangeiros para a corte em Pequim, a respeitar sua condição de reino tributário. Decorrente disso, os ocidentais na Coreia foram sistematicamente evitados ou rejeitados. No verão de 1866, um navio mercante dos EUA, Surprise, naufragou perto da costa noroeste e sua tripulação foi resgatada com a devida hospitalidade. Depois de tratados, os oficiais coreanos devolveram-os à China. Dois meses depois, em julho, outro navio americano, General Sherman, vindo do porto chinês de Tianjin e armado com canhoneiras, penetrou o rio Taedong até alcançar a cidade de Pyongyang em busca da abertura do mercado e comércio [70]. Desta vez a população coreana reagiu, incendiando a embarcação e matando sua tripulação. Um dos magistrados de Pyongyang, Bak Gyusu (1807 – 1877), acreditou que a embarcação tinha violado a ordem tradicional coreana ao invadir o território do reino sem antes ter obedecido ao processo diplomático. O Daewongun não tinha experiência nem conhecimento suficiente da política internacional quando esse incidente ocorreu, e considerou qualquer presença estrangeira como fonte em potencial de agressão e ameaça. Ao invés de ter feito o contato direto com os americanos, o regente coreano seguiu a tradição de respeitar a suserania chinesa nos casos de contatos estrangeiros. Sua política refletia a percepção da classe yangban defensores dos preceitos neoconfucianos. Visando preparar-se e combater futuros
enfretamentos, Heungseon passou a erguer vários avisos inscritos em estelas de pedra avisando a população a evitar negociar com os ocidentais e combatê-los [71]. Nesse sentido, o regente coreano passou em 1866 a perseguir qualquer estrangeiro e ideias ocidentais no reino Joseon. Assim, foi decidido novamente reprimir com vigor o catolicismo que tinha crescido em número de adeptos para em torno de 23 mil, graças à atuação de alguns padres jesuítas franceses [72]. Na repressão adotada, cerca de 8 mil coreanos convertidos e nove missionários franceses foram executados diante dos tribunais coreanos, no episódio conhecido como a “Perseguição Pyong-in” (Pyongin pakhae). Como resposta à notícia, o imperador francês, Napoleão III, decidiu retaliar e mandou no outono de 1866 uma frota naval de sete navios de guerra sob comando do almirante Roze a invadir e ocupar a ilha de Kanghwa que protegia a costa da capital do reino [73]. Como resultado, as forças francesas ocuparam e saquearam os valores da ilha e, durante o mês de posse da guarnição coreana, exigiram a pronta punição daqueles responsáveis pela morte dos missionários franceses. Apesar do sucesso ofensiva sobre a ilha, os franceses não conseguiram enfrentar as forças defensivas coreanas de canhões nas fortalezas nas redondezas. Com o resultado da retirada dos franceses sem qualquer acordo diplomático feito. Com isso, foi criada a impressão de que os coreanos poderiam resistir à presença dos ocidentais. Em 1871, cinco anos depois do incidente do navio americano, o General Sherman, o governo dos EUA passou a exigir a abertura forçada da Coreia para o comércio. Foram enviados o representante dos EUA em Pequim, Frederick F. Low, e o comandante da frota de cinco navios de guerras, o contraalmirante John Rodgers. Excessivamente confiantes, os
navios americanos adentraram o rio Taedong que passou por uma ampla fortificação de suas margens depois da invasão francesa. Assim, as baterias coreanas abriram fogo contra os americanos que, embora tivessem tomado o controle de alguns fortes, não conseguiram impor derrota decisiva sobre a defesa coreana. Encorajados pela aparente vitória sobre os franceses e americanos, as autoridades coreanas sob a regência de Heungseon passaram a reforçar as ideias tradicionais de relações com o leste asiático. No entanto, o Japão tinha atravessado um febril período de mudanças desde a abertura de seus portos em 1854. Com a ascensão do imperador Meiji, em 1868, os japoneses passaram a reconsiderar a limitada relação com os coreanos que era até então feito exclusivamente pelo senhor (daimiô) de Tsushima desde 1609, a quem os coreanos trataram, pelo protocolo estabelecido, como subordinado. O Japão Meiji começou a exigir novos acordos nessa relação, a refletir os princípios do direito internacional originados dos ocidentais. Ao tomar conhecimento das mudanças políticas e jurídicas do reino japonês, o Daewongun começou a considerar o reino japonês não mais como nação vizinha, mas como parte dos “bárbaros ocidentais”, assim juntando-os aos outros estrangeiros. Em suma, a política de Heungseon passou a ser cada vez mais antiocidental e, em igual medida, anti-japonesa. Em 1874, o regente foi obrigado a se retirar do poder pois o legítimo herdeiro, o príncipe Gojong, tinha alcançado a maioridade. Essa mudança no trono veio com as denúncias feitas por um yangban, Choe Ik-hyeon (1833 – 1906) que passou a criticar toda a política do regente anterior que tinha isolado excessivamente o reino coreano. Com isso, e com a ascensão do novo rei, a influência de Heungseong e seus partidários começou a gradativamente
diminuir na esfera política coreana a partir do último quarto do século 19. O rei, postumamente referido como Gojong (r. 1874 - 1897), acabaria sendo dominado por membros de sua família de parentesco de sua esposa, a rainha Min (1851 – 1895) [74]. O novo rei coreano estava ansioso em demonstrar a condição invicta do reino frente aos estrangeiros. Isso, no entanto, colidiu com a crescente ambição japonesa que, em 1874, mandou uma carta à corte de Joseon demandando abertura do mercado coreano. Os termos da carta não respeitaram mais o conceito de iguais, de nações vizinhas (gyorin), mas refletiu as mudanças políticas japonesas baseadas no direito internacional. Esse movimento nipônico ia muito além, enfatizando o militarismo e expansionismo, conforme o slogan propagado à época, “nação rica e nação forte” (fukoku kyohei). Ademais, havia muitos japoneses que passaram a defender a conquista da Coreia (seikaron), mas essa postura radical tinha sido derrotada por políticos moderados. Portanto, ao invés de uma ofensiva militar, foi escolhido uma ação diplomática no envio da carta. O rei Gojong tinha herdado um reino razoavelmente autossuficiente e estava disposto a reformar a nação. No início de seu governo, o jovem rei ainda estava livre das influências da rainha Min e de seus familiares. Assim, o rei nomeou como um dos seus principais conselheiros Bak Gyusu, político experiente e responsável pelo enfrentamento ao navio americano General Sherman em 1866. Anos depois, Bak Gyusu, elaborou uma política externa mais aberta e modernizadora, a acompanhar as mudanças internacionais em fins do século 19. Isso decorreu de seus anos de experiência como representante em Pequim, e a considerar a atuação dos estrangeiros na China. Essa linha condisse com a curiosidade de Gojong em
saber mais a respeito dos acontecimentos na China e no exterior. Gojong chegava a ler avidamente os relatos de Pequim a respeito da política chinesa em buscar reformar e modernizar sua capacidade industrial e tecnológica. A corte de Joseon, contudo, não compartilhava o mesmo entusiasmo. Muitos, da ala conservadora e tradicionalista, não aceitavam a mudança de postura dos japoneses. Bak Gyusu e seus partidários, assim como o próprio rei, compreenderam a mudança da realidade política no leste asiático. Eventualmente, o Japão na Era Meiji passou a exigir as condições que potências estrangeiras tinham feito sobre a China e o Japão em meados do século 19. Para persuadir as autoridades coreanas a renunciarem da condição de tributário do império chinês, além da abertura de três portos aos navios japoneses e extraterritorialidade em solo coreano, em 20 de setembro de 1875, o navio de guerra japonês, Unyokan, se aproximou da ilha de Kanghwa. Ao se aproximar da ilha, a bateria de defesa coreana disparou tiros de advertência, ao que os japoneses consideraram como pretexto para a invasão. Seguiram mortes de soldados coreanos e a captura de mantimentos, armas e pólvora. Esse incidente resultou na assinatura do Tratado de Kanghwa em 26 de fevereiro de 1876. Foi o primeiro tratado assinado com o reino coreano nos moldes do direito internacional. Intimidade, a corte coreana inicialmente comportou-se de maneira indecisa e, após hesitações, aceitou a contragosto os termos desiguais impostos no tratado, em nome da “amizade, comércio e navegação” conforme consta no documento. Assim, o Japão conseguiu orgulhosamente agir de maneira imperial no leste asiático, e demonstrou desafio à tradicional ordem asiática em torno da dinastia chinesa. Na Coreia, as autoridades passaram a considerar as mudanças dos tempos, e a privilegiar as boas
relações com um Japão em franca transformação. Na ótica dos chineses da dinastia Qing, o ato japonês foi visto como uma provocação e ameaça nas suas fronteiras no nordeste e na Manchúria. O vice-rei chinês, Li Hongzhang (1823 – 1901), principal arquiteto da diplomacia chinesa no século 19, concebeu uma estratégia de conter o avanço nipônico no continente asiático, convencendo as potências ocidentais a estabelecerem relações diplomáticas com a Coreia e reconhecerem o reino como tributário dos chineses. Nesse intuito, foram enviadas de Pequim cartas secretas ao rei Gojong, exortando-o a aceitar essa política e a promover a abertura e comércio com o Ocidente. Em 1880, um diplomata chinês, Huang Zunxien, entregou um documento a um representante coreano em Tóquio, Kim Hongjijp (1842 – 1896). Intitulado “Uma Estratégia para a Coreia” (Chaoxian celue), os chineses aconselharam a corte coreana a fortalecer sua política externa aproximar-se da China, e coordenar-se com o Japão, aliar-se aos EUA e precaver-se com a Rússia [75]. Ao mesmo tempo, Li Hongzhang persuadiu os representantes dos governos ocidentais a iniciar relações diplomáticas com a Coreia. Apesar disso, a maioria dos ocidentais não mostraram interesses e alguns passaram a questionar o status tributário coreano, pois almejaram constituir relações em termos de igualdade. Li, realista por natureza, entendeu esses questionamentos e passou a aceitar a independência soberana da Coreia. Todavia, ele antes de tudo queria que o Ocidente reconhecesse a primazia da China sobre a península coreana e afastar a preponderância japonesa. Em momento derradeiro, os EUA foi o primeiro governo ocidental a estabelecer relações com a Coreia. Depois de dois anos de negociações, o Comodoro Robert Wilson
Shufeldt, mediado por Li Hongzhang, assinou em 22 de maior de 1882 com representantes coreanos o Tratado de Paz, Amizade e Comércio [76]. Esse tratado, conhecido como a Convenção Shufeldt, era muito mais igualitário e justo do que o Tratado de Kanghwa e os outros impostos pelos ocidentais com a China, Japão e outros reinos asiáticos feitos à época. Estipulava o tratado que a Coreia poderia impor tarifas comerciais sobre produtos americanos. Nos anos seguintes, os outros governos ocidentais presentes na China passaram a celebrar tratados em termos similares com o reino coreano: Grã-Bretanha e Alemanha (1883), Rússia e Itália (1884) e França (1886) [77]. Este último, curiosamente, definia a entrada de missionários católicos. E em todos esses tratados, para certo alívio de Li Hongzhan, o soberano coreano afirmava alimentar laços tributários nominais com a China, a respeitar a tradição, mas plenamente independente em termos práticos. A abertura dos portos e relações do reino coreano foi um ponto de ruptura histórico, e foi o momento de partida de uma série de desafios a serem enfrentados nas décadas seguintes. A modernização industrial e tecnológica adotada no Japão Meiji e promovida na China pelo príncipe Gong (1833 – 1898). O rei Gojong adotou atitude similar, mas houve vivos protestos de conservadores neoconfucianos, principalmente após a humilhante imposição dos japoneses. Um desses líderes de resistência ao rei, Choe Ik-hyeon, organizou um vasto número de seguidores e combatentes (“O Exército Justo”, Uibyeong, ) que denunciaram a presença japonesa e de qualquer influência ocidental como o catolicismo. E, após uma série de ações combatentes pelo interior, voltaram-se para o antigo regente, o Daewongun, Heungseon, que se encontrava aposentado. Isso evidenciou uma profunda divisão que consolidou no reino coreano em fins do século 19, entre aqueles anti-japoneses,
antiocidentais e conservadores contra aqueles que enxergaram as relações estrangeiras como essenciais para as reformas necessárias à Coreia de então, inspirados no movimento chinês de “auto-fortalecimento” (ziqiang yundong, ). A primeira tentativa sistematizada de modernização coreana foi iniciada pelo rei Gojong e seus partidários. Em janeiro de 1881, criou-se uma nova divisão burocrática do governo que lidaria com assuntos externos, o Escritório para os Assuntos Extraordinários de Estado (Tongnigimu amun, ), inspirado na contraparte do governo chinês. Essa nova repartição estava fora da estrutura burocrática tradicional dos outros ministérios e foi criada especificamente para lidar com assuntos diplomáticas e comerciais. Ademais, foi criado uma unidade militar, Pyolgigun (“Forças Especiais”) que foi treinada por oficiais japoneses [78]. Essas criações, evidentemente, foram motivadas pelo exemplo da política japonesa de “nação rica e nação forte” (fukoku kyohei). Não obstante, a criação de uma nova divisão militar provocou reação considerável de antigos membros da classe bélica. Em julho de 1882, soldados descontentes com os pagamentos atrasados e cientes das condições especiais do Pyolgigun, revoltaram-se, mataram o conselheiro militar japonês e atacaram a delegação japonesa na capital. O movimento ampliou-se com a entrada de funcionários e yangbans conservadores que nomearam Heungseon como líder e reivindicaram a sua restauração ao poder. Essa situação delicada e frágil da Coreia certamente facilitou a crescente atuação de nações vizinhas sobre a península. A conter os tumultos e rebeliões, o governo chinês enviou um contingente de três mil homens, e os
japoneses mobilizou um batalhão na capital coreana. Eventualmente, com o correr dos fatos, o Daewongun foi sequestrado pelos chineses e levado para Tianjin, na China. A rainha Min, que tinha se refugiado no interior, retornou ao palácio real e o rei Gojong renovou suas tentativas de reforma, adotando o slogan “moralidade oriental, tecnologia ocidental” ou “maneiras orientais, máquinas ocidentais” (tongdo sogi) [79]. A dupla intervenção sobre a Coreia em 1882 inicialmente pendeu, portanto, para os chineses a garantir o soberano no trono. Li Hongzhan, visando fortalecer a posição de Gojong, mandou um conselheiro alemão, o eminente linguista e sinólogo Paul Georg von Möllendroff (1848 - 1901). Gojong, desconfiado das intenções chinesas, rejeitou o alemão e preferiu escolher um ministro americano, Lucius Foote (1826 - 1913), para aconselhamentos na diplomacia, defesa, educação e agricultura. Os ânimos, contudo, ainda não foram acalmados. Muitos da sociedade coreana se dividiram sobre os rumos modernizadores. A classe média, chungin, tenderam a ser a favor dos japoneses que favoreceriam seus negócios e atividades mercantis. Os yangbans, em sua maioria, consideraram uma ofensa às tradições as reformas e novos acordos com o estrangeiro. Nesse cenário, alguns funcionários radicais da corte, liderados por Kim Ok-gyun (1851 – 1894) e Bak Yung-hio (1861 – 1939), lideraram um golpe de Estado em dezembro de 1884, conhecido como Golpe Gapsin [80]. Eles tinham aproveitado a ocasião em que os chineses, defrontados com os franceses na Indochina, retiraram do reino coreano metade de seus três mil homens. Essa tentativa de tomada de poder, inspirados nas ideias reformistas de Bak Kyusu que considerava a experiência japonesa como exemplar, foi fruto de um plano amplo de mudar e modernizar todo o sistema coreano, instituições
políticas, estrutura social e econômica. Mas esse sonho durou apenas três dias, pois esses golpistas foram reprimidos por novos reforços militares chineses, e muitos buscaram a proteção da legação japonesa e foram eLivross para o Japão. Após o golpe de 1884, a China e o Japão decidiram dar uma trégua sobre a península coreana e concordaram em retirar suas forças do reino. Li Hongzhan e Ito Hirobumi (1841 – 1909), principal elaborador da política externa japonesa à época, decidiram assinar a Convenção de Tianjin em 18 de abril de 1885. Contudo, apesar das iniciativas, a paz coreana ainda era precária no jogo de equilíbrio de poder entre a China, Japão e a Rússia. Desde a abertura dos portos, as novas ideias, gostos, hábitos, produtos e instituições como hospitais e escolas começaram a atrair cada vez mais a classe urbana e elite coreana. Missões religiosas de protestantes cristãos de americanos e canadenses começaram a ter popularidade nos serviços médicos prestados. Um jovem missionário presbiteriano americano, doutor Horace Newton Allen (1858 – 1932) abriu um hospital na capital coreana em 20 de setembro de 1884. Outros, como o metodista Reverendo Henry Gerhart Appenzeller e o Reverendo William B. Scranton e Horace G. Underwood atuaram energicamente em instituições educacionais particulares. Este último fundou a Escola de Meninos Baejae (Baejae Hakdang), enquanto a mão de Scranton, Mary, abriu e foi a primeira diretora da Escola de Meninas Ehwa (Ehwa Hakdang) em 31 de maior de 1886 [81]. Essas instituições foram grandes propagadoras da educação e ideias não-confucianas para gerações de coreanos.
Produtos importados como algodão, fósforos, querosene, corantes e louças começaram a cair no gosto do consumidor, solapando as tradições. Novas demandas, novos produtos a serem fabricados e comerciados. A classe mercantil rapidamente adaptou-se às mudanças, aprimorando a feitura dessas mercadorias. A classe camponesa, contudo, ainda permaneceu estagnada e presa às propriedades rurais, alheios às mudanças e conservadores nos valores. Embora a demanda pelo arroz tivesse incrementado com os japoneses, a condição do campesinato pouco foi alterada ao longo do século 19. Foi no meio rural e camponês que emergiu um poderoso e popular movimento de cunho religioso, criado por um yangban, Choe Je-u (1824 – 1864), chamado de Donghak (“Aprendizado Oriental”) em 1860. Essa nova corrente social, na verdade, foi reflexo de oprimidos e ressentidos com as assombrosas mudanças na sociedade coreana. Donghak buscou revitalizar o confucionismo clássico, rejeitando as tradições do neoconfucionismo, e a valorizar o auto-aprimoramento de acordo com a vontade e ordem do Céu (Tian, ), presente nos escritos atribuídos ao Confúcio [82]. Choe Je-u teve assim grande apelo popular xenofóbico, em oposição ao que muitos consideraram como decadência e degeneração das influências estrangeiras, incluindo o cristianismo. As ideias propostas do Donghak eram de fato inovadoras em certo sentido. A defesa do pleno igualitarismo social e de gênero que aboliria o status de privilegiados como os yangbans, conforme defendido na obra de Choe Je-u em “Livro Abrangente de Aprendizagem Oriental” (Dongkyeong Daejon, ), enfrentou os membros dos altos cargos no poder coreano. Com as promessas de criar uma nova sociedade mais justa, o Donghak ofereceu uma redenção às
pessoas que sofriam com a discriminação social das tradições. Pelo seu radicalismo e impacto, Choe Je-u foi julgado por um tribunal composto por magistrados yangban e executado como herege em 1864 [83]. Algumas décadas depois, o movimento Donghak fortaleceu-se novamente em 1892 e 1893, com a liderança passando para o sobrinho de Choe Je-u, Choe Si-yeong (1827 - 1898). Enquanto os seguidores anteriormente tinham sido essencialmente rurais, agora houve gradual e crescente presença no meio urbano. No início de 1893, representantes desse movimento chegaram à capital, Hanyang, para terem audiência com o rei Gojong. Os pleitos foram ouvidos e o corpo de Choe Je-u foi devidamente honrado. No entanto, as outras demandas por amplas reformas políticas e sociais não foram atendidas. Assim, alguns líderes do movimento mais combativos passaram a organizar revoltas contra os magistrados e funcionários do governo, como a que foi liderada no campo por Jeon Bongjun (1853 – 1895) em janeiro de 1894. Em abril de 1894, o Donghak ampliou-se para outras cidades e províncias coreanas, e derrotaram as forças governamentais, principalmente na região sudoeste coreana. Desesperado, o governo coreano apelou para as tropas chinesas a dominar a rebelião. No entanto, de acordo com a Convenção de Tianjin, nem o Japão nem a China poderiam enviar tropas para a Coreia sem o outro. Quando um contingente militar de três mil militares chineses chegaram ao solo coreano em junho de 1894, o Japão imediatamente reagiu e mandou uma força de sete mil homens. A frágil paz coreana, mais uma vez, foi ameaçada. Os rebeldes de Donghak foram prontamente reprimidas e Jeon Bongjun preso, apesar da força dos apelos do
movimento ainda a ecoar por anos nas províncias interioranas. Em julho de 1894, as forças japonesas na capital coreana provocaram um golpe de Estado que derrubou os seguidores na corte da rainha Min, que defendia uma posição mais nacionalista, e instalou um governo prójaponês. Heungseon, o antigo Daewongun, foi colocado de novo no trono da dinastia Joseon, e passou a defender os interesses anti-chineses e a favor de Tóquio. A Coreia gradativamente passou a se tornar, de fato, um protetorado japonês. Ao agir dessa maneira decisiva, o governo japonês provocou a ira dos chineses, e assim foi declarada guerra entre os dois países em 1º de agosto. Os enfrentamentos logo tomaram conta nos mares e em terra, com a prevalência japonesa. Ao final, Li Hongzhan, como representante do governo imperial chinês, foi em abril de 1895 para a cidade de Shimonoseki, um porto na costa ocidental do Japão, para assinar outro tratado no qual foi reconhecido o fim do status tributário da Coreia e sua plena independência [84]. Após esses eventos fatídicos, um novo grupo de funcionários, inclusive com alguns membros do Golpe Gapsin, assumiram o poder coreano com o apoio japonês. Esse grupo começou a implementar um programa de modernização que havia sido adiado por anos no reino Joseon. Essa série de medidas foram conhecidas como as Reformas Gabo, que se estenderam de 1894 a 1896. Seus principais proponentes foram Kim Hong-jip e Yu Kil-chun (1856 – 1914) que atuaram para aprovação de leis no recém-criado Conselho Deliberativo (Gunguk gimucheo, ), este liderado por Heungseon.
O primeiro objetivo das reformas foi estabelecer de fato a independência coreana como nação, a romper todas as ligações tributárias e nominais com a China Qing, e revogar todos os acordos assinados com o Império do Meio entre 1882 e 1894. Foi proibido o uso do calendário chinês que foi substituído por documentos oficiais baseados na fundação da dinastia Joseon. O rei Gojong, embora ainda no trono, mas cada vez mais como um mero símbolo de Estado, recebeu o título de “Sua Majestade, o Grande Rei” (Taegunju peha), conferindo-lhe status de imperador. O alfabeto hangul passou a ser usado nas publicações oficiais do governo e a história coreana começou a ser lecionada em todos os níveis de ensino. A partir de 1895, o governo inaugurou a impressão de jornais com uso extenso da escrita coreana. O próximo passo das reformas foi ainda mais substancial, pois almejou-se reorganizar a estrutura do governo tradicionalmente assentados na classe yangban. Foi criado uma estrutura moderna inspirado no governo japonês do imperador Meiji. Foi abolido o antigo Conselho de Estado e seus seis ministérios, e surgiu um novo gabinete executivo com oito ministérios. Um Departamento de Assuntos Reais foi concebido para separar os assuntos monárquicos dos de Estado. Sem dúvida, isso visou restringir o poder do rei, transferindo as prerrogativas fiscais do palácio para o Ministério das Finanças. Ademais, foi fundado um novo sistema monetário lastreado na prata, e um banco nacional foi estabelecido a padronizar pesos e medidas do reino. O sistema educacional não ficou de fora. Foram estabelecidas inúmeras escolas de ensino primário, secundário e faculdades nos moldes ocidentais. Por consequência, o tradicional exame do serviço público foi abolido. O novo governo, visando a ampla reforma,
encorajou e financiou o estudo no exterior, enviando cerca de 200 estudantes para o Japão, ao mesmo tempo em que custeava por bolsa alunos a serem educados na escola americana de Bahae. O currículo das escolas foi expandido para incluir a plena alfabetização no hangul, além do ensino da matemática, aritmética, e nos níveis mais avançados, ciências ocidentais e línguas estrangeiras. O mais impactante das Reformas Gabo foi a modernização da vida social. Com o estabelecimento de um sistema judiciário moderno, a tortura e punição coletiva a um crime individual foram abolidas. Os yangbans, passaram a poder investir e atuar nas atividades comerciais. As nomeações para os cargos públicos foram abertas a todos os estratos sociais. O casamento prematuro foi proibido, e as viúvas poderiam se casar novamente. Esposas secundárias e seus filhos não eram mais discriminadas. O novo gabinete foi dominado por um enviado japonês, Inoue Kaoru (1835 – 1915) que energicamente buscou implementar essas avassaladoras reformas num curto período de tempo. Esse grandioso projeto foi feito com a ajuda e supervisão de mais de 40 conselheiros japoneses que tiveram experiência nas reformas da Restauração Meiji. Ao contrário do entusiasmo febril dos reformistas no governo, a sociedade coreana precisou de certo tempo para assimilar as mudanças sociais e econômicas. Heungseon, como presidente do Conselho Deliberativo, passou a questionar as reformas e tentou manter algumas tradições e relações especiais com o governo chinês, o que provocou sua destituição do cargo. Membros do movimento popular Donghak passaram a atuar de forma mais difusa pelo interior e províncias do país, a denunciar as mudanças. O ministro Inoue convenceu o rei Gojong a perdoar os delitos dos líderes do golpe de 1884, Pak Yung-hio e Seo
Gwangbom, e esses se juntaram ao gabinete de Kim Hongjip. Além disso, Inoue mobilizou tropas japonesas para esmagar de vez os rebeldes Donghak e pelo seu envolvimento na fracassada tentativa de alcançar o poder com Heungseon. E visando maior controle da Coreia, os japoneses nomearam um membro substituto do ministro residente Inoue Kaoru, um militar de formação, Miura Goro (1847 - 1926), em 1895. A resistência anti-japonesa também vinha de outros setores da sociedade. Vários membros yangban neoconfucionistas rejeitaram prontamente as Reformas Gabo, assim como os rebeldes inspirados pelo movimento Donghak, classes populares e membros da família real, entre esses os membros do clã Min, ligados por sangue à rainha Min. Esses últimos, vendo-se afastados do poder efetivo, foram procurar a ajuda dos russos. Assim, Miura Goro começou a organizar uma conspiração para se livrar dos membros Min dos círculos monárquicos. À meia-noite de 7 de outubro de 1895, um grupo de japoneses armados junto com alguns coreanos aliados invadiram o palácio real e assassinaram a rainha Min por esfaqueamento e depois seu corpo foi incinerado por querosene [85]. Apesar da turbulência dos eventos nos dias seguintes ao regicídio, as Reformas Gabo continuaram sendo implementadas. Em 30 de dezembro de 1895, o ministro Kim Hong-jip aprovou o uso do calendário ocidental a começar no ano de 1896. No mesmo dia, o rei Gojong, que vivia virtualmente como um prisioneiro real, decretou que todos deveriam cortar seus tradicionais topetes, costume que vinha de séculos que se fundamentava nos ensinamentos confucianos. Nesse sentido, os ânimos foram ainda mais inflamados, e as lutas e confrontos de conservadores ortodoxos e elementos anti-japoneses e
antiocidentais se alastraram pela península. Esse conjunto de rebeldes se juntaram e organizaram-se em grupos armados e revigorando o “Exército Justo”, Uibyeong, do movimento Donghak. Apesar disso, pouco puderam fazer frente à superioridade bélica das tropas do governo e dos japoneses. Ademais, muitos camponeses que participaram nas lutas, não conseguiram entrar em consenso com rebeldes yangbans mais conservadores e críticas do igualitarismo defendido pelo Donghak. Em fevereiro de 1896, o rei Gojong, buscou refúgio na legação russa da capital coreana com a ajuda de dois funcionários seus. Sob a proteção russa, Gojong escapou do controle dos japoneses e passou a abolir as medidas feitas pelas Reformas Gabo. O ministro Kim Hong-jip e membros de seu gabinete chegaram a ser presos, e pior, foram mortos pela fúria popular. A Rússia czarista começou a atuar como protetora da monarquia coreana, mas suas ambições entraram em conflito com os japoneses. Essa mudança política por parte dos russos, mais agressiva e ativa na península coreana, tinha se revelado clara desde a coroação do Czar Nicolau II em 26 de maio de 1896. Diante disso, pelo maior envolvimento no leste asiático, vários emissários japoneses, chineses e coreanos se fizeram presentes na corte russa em São Petersburgo. A servir aos interesses da família real coreana, foi enviado um membro da família Min, Min Yonghwan (1861 – 1905), e pelos chineses, Li Hongzhan a negociar a construção da linha ferroviária russa que passaria pela Manchúria. O Japão também se fez presente, com Yamagata Aritomo (1838 – 1922) para discutir e negociar a questão coreana. Para receber a todos, o anfitrião russo foi o ministro das Relações Exteriores, o príncipe Aleksey Lobanov-Rostovsky (1824 – 1896) que teve a delicada tarefa de agradar a tantos interesses e pleitos. Visando antes de tudo a defender os interesses nacionais, o chanceler russo passou a negociar com os chineses a
passagem pela Manchúria e isso demandou reforçar o controle sobre a península coreana, indo de encontro aos interesses japoneses. Apesar disso, foi assinado um entendimento de termos com o governo de Tóquio, no acordo chamado de Yamagata-Lobanov assinado em 9 de junho de 1896 [86]. Nesse, foi proposto uma divisão das esferas de influência na península coreana, a ser demarcado pelo paralelo 38 norte, algo que foi rejeitado pelos russos. Essa linha de latitude iria depois ser evocado por Stálin em 1945. Muitos outros coreanos estavam ansiosos em manter a plena independência de sua nação. Membros da corte e reformistas radicais anti-japoneses buscaram o possível para se articularem com novas forças no plano internacional, além dos russos e chineses. Um dos mais ardorosos defensores da independência foi Soh Jaipil (1864 – 1951) que buscou exílio nos EUA desde o Golpe Gapsin de 1884 e retornou à Coreia como Philip Jaisohn. Ele foi um dos primeiros coreanos a conseguir cidadania americana. Este tornou-se num dos mentores do Clube Chongdong, grupo de líderes anti-japoneses, pró-americanos, localizados na rua Chongdong da capital, nas proximidades das escolas e legações americanas. Após a fuga do rei para as autoridades russas, Soh Jaipil se juntou ao novo governo estabelecido pelo monarca e aliados e atuou como conselheiro. Com o apoio financeiro angariado, inaugurou em 7 de abril de 1896, um dos primeiros jornais modernos, o Tongnip Sinmun ( , “Notícias Independentes”), publicado com o alfabeto coreano de um lado e inglês no outro. Sua circulação diária inicial foi estimada em torno de duas a três mil cópias [87]. Em 2 de julho, foi fundado sob a iniciativa de Soh o Clube da Independência (Tongnip Hyophoe, ). E um dos
primeiros atos dessa organização foi a construção de um portão, uma espécie de Arco do Triunfo na capital coreana, a simbolizar a aspiração aos ideais democráticos e iluministas da nova Coreia: o Portão da Independência (Dongnimmun, ). Esse ato foi significativo pois fora erguido no local onde antes, pela tradição, recebia-se os enviados chineses a respeitar os princípios do protocolo sadae, irmandade. O Clube da Independência aproveitou o período de relativo equilíbrio dos poderes entre a Rússia, China e Japão para construir as bases de uma nação independente, forte e próspera. Em 1897, o rei Gojong deixou a legação russa, e mudou-se para o Palácio Gyeongun (atual Deoksugung) e passou a nomear funcionários pró-russos a instituir programas de modernização que, a despeito das Reformas Gabo pró-japonesas, buscou também fortalecer a posição monárquica. Em agosto de 1897, Gojong mudou seu título para Gwangmu (“Guerreiro da Luz”, ) e em outubro nomeou-se imperador, e proclamou seu reino como Império da Grande Coreia. Uma nova constituição foi aprovada em 17 de agosto de 1899 centralizando o poder legislativo, executivo e judiciário em torno da figura do imperador, tal como no sistema czarista russo. Essas reformas, referidas como Reforma Gwangmu, almejou equilibrar as tendências modernizantes mas a manter a autonomia e tradição coreana. Apesar disso, os rebeldes conservadores, muitos da antiga classe dos literatos e do movimento Donghak se opuseram a esse conceito que entrava em conflito com a tradição oriental. O Clube da Independência, que era local e foco do apoio ao novo governo, era passivo e elitizado demais para ecoar na sociedade coreana. Ainda assim, o governo de Gwangmu passou a concentrar as reformas agora no campo econômico, a garantir a sua capacidade financeira. Através de um amplo levantamento das propriedades fundiárias e recenseamento populacional
entre 1898 e 1901, o governo criou um novo departamento, o Escritório de Contrato de Terras. Assim, poderia ter dados para novas políticas fiscais e populacionais. E todo o sistema rodoviário, minerador, comunicações, sistema postal e indústria manufatureira passou a estar sob a égide do governo. No entanto, apesar das reformas apontarem para um maior controle planejado centralizado, a base financeiro do governo de Gwangmu era frágil demais para todos os programas ambiciosos. A fim de arrecadar fundos para a modernização industrial, o governo passou a conceder direitos especiais e isenções fiscais para a entrada do capital estrangeiro, isso nos setores da mineração, ferroviário, eletricidade e saneamento. Isso provocou críticas de nacionalistas, como no Clube da Independência e de seu jornal, que enxergaram nessas concessões uma afronta da soberania nacional a favor dos interesses estrangeiros. Entre abril e julho de 1898, o clube começou a discutir como implementar um sistema democrático parlamentar e monarquia constitucional, visando assim ter algum limite aos poderes do rei. Isso foi exposto e argumentado a partir de uma série de editoriais de Soh Jaipil no jornal “Notícias Independentes”, ganhando visibilidade no meio urbano e letrado. A reação do governo foi uma crescente perseguição ao líder que, depois de anos de militância e vendo-se ameaçado, fugiu para os EUA em maio de 1898. Mas em fins do século 19, havia surgido uma nova geração de líderes críticos do regime coreano e que lutaram pelos ideais democráticos e constitucionais. Assim como Soh Jaipil, jovens olharam o sistema político americanos com admiração, e esses passaram a atuar no Clube da Independência. Entre esses, Yun Chi-ho (1864 – 1946) e Yi Sang-jae (1850 – 1929) que tinham formado seus ideais
através de sua educação na Escola Baejae e suas vivências no exterior. Chiho depois virou editor do primeiro jornal comercial da Coreia, o Gyeongseong Sinmun (“Notícias da Capital”) fundado em 1898 [88]. Isso se inseriu na tendência de incentivos das escolas missionários ocidentais protestantes no país de publicações de periódicos vernaculares em hangul, como o Joseon Kurisudoin Hoebo (“Boletim Coreano Cristão”), o Kurisudo Sinmun (“Jornal Cristão”) e o Hyopsong Hoebo (“Boletim da Sociedade da Amizade Mútua”) [89]. Este último boletim foi fruto de um clube estudantil da Escola Baejae, que tinha sido iniciado sob a liderança de Yi Sungman (ou Syngman Rhee) (1875 – 1965) que depois se juntou ao Clube da Independência. Em outubro de 1898, membros do Clube da Independência se congregaram na Praça Chongno, no centro da capital, Hanyang (atual Seul), reunindo cerca de 4 mil pessoas. Nessa ocasião, vários membros oficiais e do governo estavam presentes assim como membros notáveis da sociedade, desde da classe dos letrados, religiosos, comerciantes e estudantes. O evento foi uma primeira grande manifestação democrática, um ensaio para as mudanças exigidas no reino em tempos de transformação. Representantes do governo saíram do evento com propostas que depois foram levados ao monarca. Entre as propostas, uma recomendava a criação com efeitos efetivos de um alto órgão legislativo, Conselho Privado. Com relutância, o imperador Gwangmu (antes, o rei Gojong) acatou as propostas e prometeu implementá-las. Mês seguinte, em novembro de 1898, foi promulgada um novo conjunto de regulamentos, pelos quais estabeleceu-se que metades dos 50 membros do Conselho Privado seriam escolhidos do Clube da Independência. Isso provocou a indignação dos membros conservadores e monarquistas que persuadiram o imperador que o clube planejava no futuro
estabelecer uma república no país. Convencido, o imperador coreano mandou então a detenção dos líderes do clube. Yi Soang-jae e outros 16 membros foram imediatamente encarcerados para interrogações. Essas detenções, e a aparente indecisão e debilidade do imperador, gerou ondas de protestos pelo país. Em 29 de novembro, Gwangmun compôs o Conselho Privado, mas com apenas 17 membros do Clube da Independência. Um deles era o jovem Syngman Rhee. Apesar da maioria dentro desse conselho legislativo serem compostos de membros monarquistas, membros da chamada Associação Imperial, os da Clube da Independência conseguiram aprovar resolução para repatriar Pak Yung-hio e Soh Jaipil do exílio. Enquanto as tensões fermentavam, houve rumores de que certos grupos estavam tramando um golpe para instalar uma monarquia constitucional, e a colocar no trono o Príncipe Imperial Uihwa (Yi Kang) (1877 - 1955) e a convidar Pak Yung-hio para ser primeiro-ministro. O resultado foi a prisão de vários líderes considerados suspeitos de sedição e desordem à ordem imperial. Em 21 de dezembro de 1898, tropas reais do governo reprimiam as demonstrações da sociedade que lutaram por democratização e a soltura dos membros do Clube de Independência. O flerte com a democracia coreana teve uma vida tênue e breve nesse momento, e perspectivas sombrias pareciam vir do norte e do outro lado do mar ao leste.
7 A TEMPESTADE
A Coreia na virada do século 19 para o seguinte encontravase numa situação delicada. Nuvens de tempestade pareciam confluir para a península. Durante o período, o governo coreano buscou investimentos externos para dinamizar sua modernização, no setor industrial, pesqueiro, minerador, transporte e infraestrutura urbana. No âmbito externo, a Rússia e o Japão começaram a tomar rumos mais agressivos com base nos seus interesses asiáticos. Em janeiro de 1902, o governo japonês obteve um trunfo diplomático ao assinar um acordo com os britânicos sobre questões navais. Além disso, Londres reconheceu os interesses nipônicos sobre a península coreana. Em agosto de 1903, animados com tal êxito, os japoneses passaram a exigir que os russos reconhecessem igualmente a sua proeminência sobre o território coreano, propondo em contrapartida a Manchúria ao regime czarista. A chancelaria russa então fez outra proposta, a de criar uma zona neutra entre as partes na Coreia ao norte do paralelo 39. Mas como a Rússia tinha desconsiderado a oferta japonesa de dividir a Coreia em 1896, Tóquio resolveu por bem agir por igual e rejeitou a ideia [90]. Era então inevitável que os dois governos iriam colidir em algum momento. Em fevereiro de 1904, forças japonesas desembarcaram no solo coreano e entraram na capital, Hanyang. Feito isso, intimidaram o governo coreano a renunciar à sua condição independente e neutralidade e a aceitar o controle japonês. Nesse contexto, o movimento do Clube da Independência e outros setores encontravam-se bastante ativos no cenário político coreano. E isso fez com que os dirigentes japoneses buscassem colaboradores coreanos na sua empreitada. Foi assim que foi formado um grupo de coreanos pró-japoneses, chamado de Iljinhoe
(“Sociedade Unida para o Progresso”, ) em agosto de 1904. O grupo era liderado por Song Byung Joon (1858 – 1925) e Yi Yonggu (1868 – 1912), sendo que o primeiro havia vivido no exílio no Japão e tinha trabalhado como intérprete do exército japonês. Yi, por sua vez, curiosamente tinha ascendido como líder de uma seita que antes pertencia ao movimento Donghak. Além dessas duas figuras, outros da sociedade coreana de várias origens, desde ex-funcionários reformistas, comerciantes e rebeldes antiocidentais, juntaram-se à organização. Para demonstrar sua lealdade, todos os membros cortaram seus topetes e colaboraram ativamente na construção de linhas de trem e esforço de guerra contra os russos. Apesar desse entusiasmo, o governo japonês ordenou aos seus diplomatas e militares a não assumirem publicamente nenhuma conexão com o grupo, a fim de conferir maior legitimidade nacional. Em momento derradeiro, as forças japonesas cruzaram o rio Yalu em maio de 1904 e atacaram os russos na península de Liaodong. Embora os japoneses superassem em número os russos na Manchúria e região, sofreram amargamente inúmeras baixas para capturar a cidade de Port Arthur (hoje, Luyshun). Mas, felizmente para o lado japonês, a vitória adveio do mar. Graças à sua aliança com os britânicos desde 1902, a passagem da frota naval russa do Mar Báltico foi impedida de passar pelo Canal de Suez, forçando-a a circunavegar longamente o continente africano a fim de se juntar à batalha no leste asiático. Tendo tempo para planejar sua estratégia naval, o almirante japonês, Togo Heihachiro (1847 - 1934) e admirador do herói coreano do século 16, o almirante Yi Sun-sin, esmagou espetacularmente a frota russa quando essa tentava atravessar o Estreito de Tsushima para chegar à cidade de Vladivostok após viagem de dois meses [91].
A vitória conferiu ao Japão grande visibilidade militar e política no meio internacional. Nos EUA, o presidente Theodore Roosevelt (1858 – 1919), mais impressionado com as reformas da monarquia constitucional japonesa do que o regime czarista, ofereceu-se como mediador da paz para os conflitos no leste asiático. Assim, Washington enviou então o secretário William Taft (1848 – 1930) a Tóquio para assinar um acordo secreto com o chanceler Katsura Taro (1848 – 1913). O Acordo Taft-Katsura reconheceu mutuamente o domínio japonês na Coreia assim como a presença dos EUA nas Filipinas. Visando à paz, Roosevelt apresentou-se como voluntário para negociar os termos entre russos e japoneses em Portsmouth, New Hampshire. Assim, em setembro de 1905, as duas partes assinaram o Tratado de Portsmouth. No acordo, a Rússia foi obrigada a entregar a parte meridional das Ilhas Sacalina e Curilas, juntamente com as ferrovias na Manchúria para o controle japonês, assim como a admissão dos interesses nipônicos sobre a Coreia. Enquanto isso, o imperador coreano, Gwangmu, buscou infrutiferamente o apoio americano pelo reconhecimento da independência coreana, conforme assinado no Tratado de Paz, Amizade e Comércio de 1882. No entanto, Roosevelt desconsiderou qualquer mudança de postura, mesmo após insistentes pedidos do representante coreano, o reverendo Homer Hulbert (1863 – 1949) e Syngman Rhee. Assim sendo, o campo estava aberto para a dominação japonesa na Coreia. Em novembro de 1905, o ex-ministro, Ito Hirobumi, chegou à capital coreana, onde as tropas japonesas já tinham ocupado as dependências do palácio real. Ito Hirobumi passou então a exigir um novo tratado de protetorado pelo qual o governo japonês assumiria controle do reino coreano. Embora veementemente rejeitado por Gwangmu, o acordo foi assinado por membros de seu gabinete intimidados em 17 de novembro. Os acordos
assinados foram reunidos no Tratado de Protetorado de 1905. Assim, o império coreano, com mais de quatro mil anos de tradição, e quinhentos anos de dinastia, teve seu termo efetivo nas mãos japonesas. Vários membros do governo apresentaram vivo protesto. Alguns cometeram suicídio. Outros, na capital, juntaram-se aos rebeldes e inconformados e novas insurreições começaram a se avolumar no interior pelo lado do Uibyeong, “O Exército Justo”. O modelo governamental adotado pelos japoneses se inspirou no dos britânicos sobre o Egito, a manter todas as instituições e cargos diretores nas mãos coreanas, apesar de manter os assuntos cruciais em assuntos políticos internos de segurança, finanças e política externa através de conselheiros japoneses. O mandato japonês iniciou-se nesse molde com Ito Hirobumi, nomeado como residentegeral em dezembro de 1905. E sua primeira política, visando angariar popularidade e apoio coreano, foi pegar emprestado 10 milhões de ienes de Tóquio a fim de promover um amplo projeto de infraestrutura moderna. Inspirado em Lord Evelyn Baring Cromer (1841 – 1917), o cônsul-geral britânico no Egito, Ito tentou convencer membros da sociedade coreana aos benefícios das reformas e construção de estradas, hospitais, escolas e aumento da produção agrícola. Ademais, Ito mandou construir sua residência oficial na encosta da montanha Namsan, com plena vista geral da capital coreana. A construção era reflexo dos novos tempos, com traços marcantes ocidentais misturados com orientais, uma síntese do que havia ocorrido depois da Reforma Meiji no Japão. O desafio maior de Ito Hirobumi foi encontrar colaboradores coreanos para corroborar e legitimar seu regime. Nisso, muitos da antiga elite coreana, como Pak Cheesoon (1858 – 1916) entre outros permaneceram nos
seus postos dentro do gabinete pelo apoio pró-japonês. Novos colaboradores se juntaram em maior de 1907 com o endosso de Ito Hirobumi: Song Pyong-jun, Cho Chunggun e Ko Yonghui, dentre os mais destacados. Com as novas oportunidades abertas com o novo regime, membros que antes eram marginalizados na sociedade coreana passaram a ascender no poder e status. Entre esses, Song Pyong-jun tomou para si um sobrenome yangban apesar de sua origem familiar humilde. Ko Yonghui era um chungin (classe média) que tinha vivido no Japão desde a Abertura dos Portos em 1876. O “Exército Justo”, Uibyeong, começou a tornar-se no principal foco de resistência armada aos japoneses. Membros dessa organização começaram a aumentar suas campanhas no interior, atacando representantes e magistrados coreanos, mercadores e militares japoneses. Ex-membros yangbans, como Choe Ikhyon estavam dispostos a lutar contra os nipônicos, mas recusaram-se a combater militares coreanos que ainda eram considerados a serviço do imperador Gwanmu. Nesse sentido, houve uma divisão nos rebeldes do Uibyeong, com parte a manter sua tradicional lealdade à dinastia Joseon, enquanto outros postaram-se mais radicais a lutar pela plena igualdade e nacionalismo coreano, muitos desses, camponeses das províncias meridionais da península. No meio urbano, alguns intelectuais lançaram um movimento patriótico desvinculado do Uibyeong, acreditando que apenas um auto-fortalecimento nacional iria garantir a soberania coreana. Conservadores confucionistas, que haviam criticado as reformas modernizadoras, passaram a aderir à essa ala, e passaram a enviar seus filhos para escolas com currículo de ensino técnico ocidental, a organizar associações como a Changanhoe (“Sociedade de Fortalecimento Pessoal”) e a publicar jornais e periódicos. Um de seus projetos resultou na ampla campanha em 1907
de angariar doações para pagamento da dívida nacional a credores estrangeiros, “Movimento de Pagamento do Débito Nacional”, Gukchae Bosang Undong( ). Enquanto isso, o imperador Gwanmu passou a ampliar sua rede de contatos no exterior em busca de ajuda. Por sugestão do Reverendo Homer Hubert, o monarca enviou representantes para a Segunda Conferência Internacional da Paz realizada em Haia, Holanda, em junho de 1907 [92]. Entretanto, a Coreia havia perdido sua soberania como Estado para o Japão, impedindo seus representantes a não participar oficialmente da conferência. Apesar do comovente discurso de um dos representantes coreanos, Yi Wijong, o governo japonês usou isso como pretexto para remover de vez o imperador coreano do trono. De fato, Ito Hirobumi e seus colaboradores no governo coreano passaram a pressionar e ameaçar o imperador coreano, a ponto de ele passar seu trono para o seu filho, o príncipe herdeiro Sunjong (1874 – 1926), o último rei da dinastia Joseon. Como primeiro ato, o novo soberano monárquico assinou um tratado revisado com os japoneses, permitindo a nomeação de ministros japoneses para todos os ministérios. A abdicação forçada de Gwanmu (ou Gojong) e o novo tratado de protetorado ampliou ainda mais os sentimentos anti-japoneses na sociedade coreana. Muitos do exército coreano foram aposentados e passaram a engrossar as fileiras das guerrilhas do “Exército Justo” em 1908. Ito Hirobumi tinha subestimado a antipatia popular e agora passou a enfrentar resistência armada cada vez maior no campo. Assim, Ito ampliou as campanhas militares em toda a península. Em 1908, o exército japonês matou cerca de 11 mil e 500 membros do Uibyeong, gerando visibilidade na imprensa internacional. Nessa onda repressora, um
nacionalista coreano que vivia nos EUA, An Chang-ho (1878 – 1938), organizou um movimento clandestino em 1909, chamado de Shinminhoe (“Sociedade das Novas Pessoas”, ), cujo objetivo era organizar e financiar a resistência armada a partir do exterior. Outros membros da sociedade, intelectuais e nacionalistas, passaram a se engajar na publicação de jornais e panfletos na capital. Um dos mais ativos jornalistas desse veio foi Shin Chae-ho (1880 – 1936), que criticou o imperialismo japonês. Seus escritos influenciaram muitos, como o poeta e historiador coreano, Choe Nam-seon (1890 – 1957). Isolada internacionalmente e sem apoio sustentado no meio interno, a resistência coreana anti-japonesa passou a adotar medidas extremas. Como último recurso, em maio de 1908, um americano que serviu como conselheiro aos japoneses sobre a Reforma Gabo, Durham White Stevens, foi baleado por dois nacionalistas coreanos em Oakland, Califórnia. Diante da crise internacional e dos protestos do governo dos EUA, o residente-geral na Coreia, Ito Hirobumi renunciou ao seu cargo, dando vez aos japoneses que defenderam uma política mais repressora e direta para a Coreia. Em julho de 1909, o gabinete japonês passou a adotar uma política de anexação. Em seu último ato diplomático, Ito Hirobumi visitou a cidade de Harbin, na Manchúria, em outubro, para se encontrar com o ministro russo, Vladimir Kokovsoff, a negociar a aprovação russa da anexação da Coreia. Na estação de trem, um nacionalista coreano, An Jung-geun (1879 – 1910), apontou sua arma de fogo e matou Ito Hirobumi [93]. O jovem An tinha planejado o ato para chamar a atenção mundial para a situação coreana. Mas provocou o contrário, com muitos passando a ter simpatias pelo Japão.
Na capital coreana, petições de pró-japoneses passaram a chegar às mãos do imperador Sunjong para uma união voluntária com o Japão. Em 1910, visando maior segurança e controle, duas divisões do exército japonês chegaram ao solo coreano. E depois de anos de campanha contra a guerrilha do Uibyeong no interior, foi nomeado como residente-geral, General Terauchi Masatake (1852 – 1919) que fortaleceu a repressão e investigação com o uso da infame polícia secreta japonesa, o Kenpeitai. A fim de intimidar os rebeldes e oposicionistas, Terauchi ordenei que todas as organizações políticas e movimento sociais fossem dissolvidas, incluindo o Ilchinhoe, a partir de 1907. Em momento derradeiro, o primeiro-ministro coreano, Yi Wanyong e Terauchi assinaram o Tratado de Anexação em 22 de agosto de 1910 [94], terminando de vez a dinastia Joseon. A anexação de fato reformulou a presença japonesa na Coreia. Invés do residente-geral, agora havia um governador-geral, com poderes coloniais a dirigir e administrar. No entanto, algumas áreas coreanas foram preservadas. Poderes legislativos restritos e alguma força militar coreana foi resguardada, apesar dos postos do oficialato serem reservados apenas aos japoneses. O General Terauchi Masatake, primeiro governador-geral da Coreia passou a comandar a nova colônia com mão de ferro. Essa dura medida revela mais das características e limites do imperialismo japonês. Primeiramente, os japoneses não foram capazes de convencer a população coreana do seu projeto modernizador, resultando em anos de conflitos contra resistentes. Mesmo após várias derrotas contra o Uibyeong, a antipatia e resistência coreana persistiu por décadas. Acrescente-se a isso a tradicional postura conservadora da elite coreana, que acreditava de que eles eram, pela tradição confuciana, superiores aos japoneses
que tinham se “degenerado” nos modos ocidentais desde a Reforma Meiji. Sendo assim, a imposição japonesa se deu nas mãos militares, com pouco efeito de convencimento dos coreanos a se submeterem. E foram pelos militares japoneses que se concretizou a dominação, pela via dura, animados depois da vitória sobre os russos em 1905. Em outro aspecto, a economia japonesa não era tão sólida a ponto de não depender da coreana. Os japoneses, antes de tudo, enxergaram a Coreia como fornecedor essencial de matériaprima para a economia, como o arroz e minerais, e como mercado consumidor dos produtos industriais japoneses e capital de investimento. Depois de feito um amplo levantamento das terras coreanas, o Governo Geral nacionalizou vastas extensões de arrozais cujo produto era vendido abaixo do preço de mercado visando favorecer os investidores japoneses, principalmente da companhia “Oriental Development Company”( ), fundada em 1908 [95]. Além disso, os empresários coreanos precisaram de autorização do governo para fundar novas empresas, consideradas sempre a favor dos japoneses. As tarifas de importação dos produtos japoneses eram baixas, justamente para não permitir concorrência com o mercado coreano. As atividades políticas foram proibidas e foi impedido o exercício livre de expressão, imprensa e reunião. Em agosto de 1911, o governo aprovou leis que desencorajava os coreanos a receber educação superior e ter acesso ao estudo da área das humanidades e ciências sociais, incluindo sua própria história e geografia. Foram, contudo, incentivados a aprender a língua japonesa, e promovia-se como heróis os coreanos que tinham colaborado com a administração japonesa. Em 1912, ano da morte do
imperador Meiji, todos os eventos coreanos de celebração e festa foram terminantemente proibidos [96]. O número de escolas públicas na Coreia aumentou na medida em que obedeciam ao novo sistema, e as particulares, com maior autonomia, diminuíram. Em março de 1912, as autoridades japonesas começaram a ter poder livre de investigação, interrogatório e tortura contra suspeitos. Sob esse duro regime, o pouco espaço de resistência se dava por organizações com apoio estrangeiro, como as escolas missionárias e particulares. Apesar de serem vistos como suspeitos, as autoridades japonesas queriam preservar a imagem internacional da administração japonesa na Coreia. Esses missionários, por sua vez, em boa parte advindos da América do Norte de igrejas protestantes, começaram a denunciar cada vez mais a opressão e os abusos dos direitos humanos, angariando suporte e apoio de nacionalistas coreanos e de outros missionários e cristãos convertidos coreanos. Em outras palavras, o cristianismo na Coreia passou a ser visto como meio de escapar da opressão japonesa. Em 1911, citando alegações de conspirações a assassinar o governador-geral, o General Terauchi, foi expedido mandato de prisão a vários líderes cristãos coreanos, incluindo Yun Chi-ho. Apesar disso, o cristianismo coreano continuou a crescer com relativo entusiasmo, principalmente nas províncias onde o neoconfucianismo não havia feito raízes históricas como no noroeste da península. Visando contrapor a popularidade cristão, as autoridades coloniais passaram a promover o budismo, crença historicamente compartilhada com os japoneses. Enquanto isso, o mundo estava mudando radicalmente. A Rússia czarista desabou diante da Revolução Bolchevique em novembro de 1917, e Lênin havia proferido o princípio
internacionalista do comunismo, a de que todos os povos oprimidos deveriam ser apoiados. A mensagem foi poderosa e chegou aos ouvidos coreanos que inspirou o movimento comunista local. Em novembro de 1918, representantes de um partido nacionalista coreano – Partido da Juventude da Nova Coreia – sediado em Xangai e liderado por Yo Umhyung (ou Lyuh Woon-hyung) (1886 - 1947), foram para a Conferência de Paz em Paris para peticionar pela independência da Coreia. Ao mesmo tempo, a comunidade coreana nos EUA tentou mandar representantes, chefiado por Syngman Rhee, que tinha se convertido ao cristianismo. Apesar dos esforços, pouco efeito prático foi alcançado. A Conferência de Paz que transcorreu até 1919, serviu ao menos de inspiração e esperança para os coreanos que persistiram na luta contra a dominação colonial. Pois o presidente dos EUA no evento, Woodrow Wilson (1856 – 1924) chegou a defender a autodeterminação dos povos. Em Tóquio, alguns coreanos em 8 de fevereiro de 1919, fundaram o Partido da Independência da Coreia, em resposta ao que viram como promessa dos tempos em mudança. Outros coreanos, retornados dos seus estudos da Universidade de Waseda, em Tóquio, passaram a ensinar para as novas gerações os direitos e princípios libertadores do nacionalismo e autodeterminação. Igualmente também foi organizado uma ampla campanha internacional pela independência coreana, e promoveram figuras que lutaram por isso como Yi Sang-jae. Alguns outros nacionalistas coreanos passaram a apoiar lideranças religiosas, enquanto outro basearam-se nas décadas de lutas dos rebeldes do movimento Donghak, agora reencarnado como uma seita religiosa, o Cheondogyo (“Religião dos Meios Celestes”, ), ou Cheondoísmo. O secretário-geral desse novo movimento religioso e milenarista, Choe Rin (1878 - ?), conseguiu convencer a liderança de se envolver na política anticolonial. Outros líderes religiosos, cristãos, também
reagiram à mensagem de Woodrow Wilson e passaram a lutar por novos ideais. Todo esse turbilhão de inspirações e ideais convergiu no dia 1º de março de 1919, quando houve uma grande concentração de manifestantes na Praça Pagoda na capital coreana. Na ocasião, houve a presença de 33 líderes religiosos, 16 dos quais cristãos, 15 do Cheondoísmo e dois budistas [97]. E assim foi lida a Declaração de Independência por Son Byong-hi (1861 – 1922), escrita pelo poeta Choe Nam-seon, ainda hoje é referência para as causas nacionalista e de libertação coreana. A mensagem gritada pela “Longa Vida (Man-se) À Independência Coreana!” ecoou pelo movimento e pelo país, ao ponto em que foi mobilizado estimados dois milhões de coreanos. Dias depois, as manifestações pelo país ganharam ares violentos, e as autoridades japonesas resolveram agir de maneira brutal. Mobilizando a polícia, o kenpeitai e o exército, foram usados rifles e espadas durante semanas contra os considerados subversivos. Ao todo, cerca de 7500 pessoas morreram, 15 mil feridos e mais de 46 mil presas e torturadas [98]. Centenas de casas, igrejas e escolas foram incendiadas. Em 15 de abril, a população de uma aldeia perto de Suwon foi massacrada dentro de uma igreja local pelas autoridades japonesas. As notícias aterradoras, no entanto, não chegaram a impactar na imprensa internacional, pois muitos países ocidentais não assumiram posição crítica diante de um aliado nos esforços da Primeira Guerra Mundial, o Japão. Esse movimento de 1º de março de 1919, conhecido como Movimento Sam-il ( ), foi a maior demonstração do povo coreano contra o colonialismo japonês. Em termos de escala, nenhuma outra resistência coreana durante o período da dominação japonesa foi igual. Surpreendidos, as
autoridades japonesas passaram a reformular sua política colonial de uma postura impositiva para maior reconciliação. Em 1920, um novo governador-geral foi apontado, o almirante Saito Makoto (1858 – 1936), e foi anunciado um conjunto de medidas que, supostamente, seria em benefício dos coreanos. O kenpeitai foi substituído por forças regulares, e oficiais japoneses não mais poderiam ostentar suas espadas consideradas como símbolo da opressão colonial. Novas medidas permitiram publicações coreanas e direito de expressão e reunião. O número de escolas foi aumentado, assim como os anos de estudo aos coreanos. Foi prometido o respeito às tradições e cultos coreanos. Dos novos jornais coreanos fundados em 1920, dois foram pertenciam e foram dirigidos por coreanos, o Dong-A Ilbo( ) e o Chosun Ilbo( ) [99]. O primeiro jornal, em determinado momento durante as Olimpíadas de Berlim de 1936, publicou uma foto do maratonista coreano e medalhista de ouro, Son Kijong (1912 – 2002), com a bandeira japonesa apagada de seu peito. Por esse incidente, o jornal foi suspenso por um tempo. Na década de 1930, o governo japonês tentou desencorajar o uso do idioma coreano e do hangul, mas o Chosun Ilbo passou a publicar histórias do romance sobre o líder rebelde coreano do século 16, Im Kkeokjeong, visando preservar a memória e cultura coreana. Essa nova política colonial, focada nos aspectos culturais, esperava apaziguar os ânimos e contestações coreanas. Visando coibir os mais rebeldes, o governo de Saito revogou as escolas particulares de missionários cristãos, sob o pretexto de propagar crenças subversivas à ordem coreana. Nas escolas públicas, as autoridades japonesas passaram a ensinar história a defender a integração e assimilação aos japoneses, distorcendo o passado coreano [100]. A primeira universidade coreana foi fundada na capital em 1924, e
voltou-se principalmente para a comunidade japonesa, apesar de terem sido reservadas um terço de suas vagas para os coreanos. O movimento nacionalista coreano depois dos eventos de 1º de março de 1919 pareceram promissores. Uma nova geração de líderes começou a surgir das instituições coreanas de ensino, como foi Yi Kwang-su (1892 - 1950), que tinha se formado com os ideais do Iluminismo europeu e articulou um governo nacionalista no exílio, junto com seu mentor protestante, Ahn Changho, em Xangai. Voltando para sua terra natal em 1922, Yi compôs um ensaio, “Sobre a Reconstrução da Nação” (Minjok Kaejoron), argumentando que a reconstrução moral das elites é essencial para uma futura nação soberana e independente. O talento literário de Yi Kwang-su foi além, e ganhou notoriedade com a publicação de sua obra de ficção de 1917, “O Sem-Coração” (Mujong), em que os personagens principais (o professor Yi Hyong-sik, a sua amada e filha de seu mestre, a tradicional Pak Yong-chae, e as tentações da moderna e próspera Kim Son-hyong) passam por tentações, pressões e cobranças diante das tradições que clamam por lealdade, honra num cenário devastador de mudanças da modernidade [101]. O 1º de março inspirou outros combatentes da liberdade para uma Coreia independente. Ao longo da década de 1920, muitos entraram em consenso de que deveriam se unir numa frente ampla a defender um novo regime político, republicano e não mais monárquico. Ainda em 1919, havia cinco governos provisórios coreanos a estruturar um futuro comando político com a saída dos japoneses, sediados na capital (clandestinamente), em Vladivostok na Rússia Bolchevique e em Xangai. Várias figuras e líderes coreanos de resistência se congregaram na resistência organizada representando os diferentes espectros políticos que
abundava no meio oposicionista coreano e centraram-se no Governo Provisório da República da Coreia (Daehanminguk Imsijeongbu, ), sediada em Xangai,. Syngman Rhee, um democrata cristão que viveu e se inspirou no governo dos EUA; Yi Dong-nyong (1869 – 1940), antigo membro do “Exército Justo” (Uibyeong) eLivros na Manchúria; Yi Dong-hwi (1873 – 1935), ex-soldado que se tornou líder comunista na Sibéria; Ahn Changho, um influente pensador das reformas morais e filosóficas advindo da comunidade protestante cristã coreana; Shin Chaeho, historiador, jornalista, nacionalista e anarquista e; Yi Kwangsu, um dos mais talentosos escritores da sua geração e autor da Declaração de Independência lida nos protestos de 1º março de 1919. Essa gama de lideranças compunha um governo em forma apenas, pois havia as distâncias geográficas a ser superada numa unidade organizacional. E havia as discordâncias entre eles. Syngman Rhee entrava em desacordo com as ideias comunistas de Yi Dong-hwi. Em 1925, Rhee havia sido retirado do posto de presidência do governo provisório em Xangai. Nacionalistas mais radicais criticaram Rhee por sua moderação e proposta de submeter a Coreia a um mandato sob a Sociedade das Nações, conforme defendeu em Genebra em 1933. Cansado das provocações e acusações, Rhee então decidiu ir para os EUA onde atuou diplomaticamente até 1945. Após outros desentendimentos, o governo provisório de Xangai passou para a presidência de Kim Gu (1875 – 1949) que assumiu o controle em 1940 até depois da Segunda Guerra Mundial em 1947. A atual constituição da Coreia do Sul, reconhece essa organização como antecessora de seu governo legitimado. Syngman Rhee, apesar de sua ativa campanha nos EUA e Europa, não conseguiu atrair muita atenção das autoridades, pois ainda havia muitas colônias europeias na África, Ásia e América Latina antes da Segunda
Guerra Mundial. Apenas o governo soviético ofereceu de imediato ajuda, pois por ideologia defendia a libertação dos povos oprimidos pelo mundo. A ajuda era dada através da Internacional Comunista (Comintern), estabelecida em 1919, ao fornecer fundos, armas e conselheiros para os combatentes da independência. Assim, o movimento comunista coreano foi o primeiro beneficiado desse apoio soviético. Mas seus membros em boa parte viviam e atuavam no território russo. Em 26 de junho de 1918, Yi Dong-hwi tinha fundado o Partido Socialista Coreano, em Khabarovsk, no leste da Rússia. Isso concorreu com os imigrantes coreanos que tinham formado em janeiro de 1918 uma seção do Partido Comunista em Irkutsk, enquanto lutaram contra o exército czarista na Revolução Bolchevique. As duas facções lutaram entre si pelo favorecimento da Comintern. Enquanto os últimos enfatizaram a revolução proletária internacional, os primeiros, sob Yi Dong-hwi, queriam a independência nacional da Coreia. Depois de algum tempo, Yi renomeou seu partido para o Partido Comunista Koryo, em janeiro de 1921, sediado em Xangai e se congregou em torno dos outros líderes do Governo Provisório da República da Coreia. Nesse meio tempo, os ensinamentos de Marx e Lênin espalhou-se com furor entre o meio intelectual e rebelde coreano, entre estudantes, ativistas, políticos e eLivross na China, Manchúria, Sibéria e Japão, resultando em vários grupos comunistas. Todos esses tentaram se infiltrar na Coreia e lutar pela emancipação do povo coreano do domínio opressor japonês. Contudo, a polícia japonesa agiu com eficiência impiedosa contra qualquer tipo de subversão à ordem colonial. Eventualmente, vários agentes comunistas coreanos resolveram cooperar entre si e fundaram secretamente na capital o Partido Comunista da Coreia (Choson Kongsandang, ) em abril de 1925, que passou a ganhar o apoio substancial da Comintern. Boa
parte de seus ativistas foram presos e reprimidos pela polícia japonesa, mas, num segundo momento em junho de 1926, conseguiram instigar uma manifestação em massa que teve impacto na resistência nacionalista anti-japonesa. Em setembro de 1926, esses comunistas resolveram mudar sua estratégia e se juntar a uma frente unificada com os nacionalistas, estabelecendo assim em fevereiro de 1927 a “Sociedade Nova Coreia” (Singanhoe, ). Mesmo assim, unificados e ampliados na sua luta pela independência, os comunistas e nacionalistas sofreram seguidas perseguições e repressões do governo japonês colonial. Em outubro de 1928, quase já não havia nenhuma organização comunista atuante na Coreia e isso se estenderá até 1945. As atividades comunistas permaneceram no exterior, pois o pensamento marxista e o exemplo bolchevique alimentou a esperança de muitos que sonharam com a independência coreana. No meio artístico e literário, isso também se fez presente. Em julho de 1925, foi fundado a Federação do Artista Proletariado Coreano (ou conhecido pela sigla, KAPF) que passaram a defender uma arte e literatura voltado para a realidade da classe oprimida da Coreia colonial. Esse movimento foi bem sucedido desde o início pois conseguiu congregar uma frente unida que considerava imperativo, antes de tudo, denunciar a exploração colonial do povo coreano, despertando na classe artística a sensibilidade para o realismo e questões sociais. Pelo cinema e rádio, o povo coreano conseguiu ter acesso às obras dessa escola. Um dos mais notáveis adveio do cinema, de Na Woon-gyu (1904 – 1937), diretor e escritor do filme de 1926, Arirang( ). O filme virou sensação nacional na Coreia [102]. A história apresentava a vida dura de um humilde estudante coreano que veio do interior para a capital coreana. No movimento de 1º de março de 1919, o estudante é preso e sofre brutais torturas, e depois volta
para sua aldeia natal com problemas mentais. Certo dia, com a turbulência de seu estado mental, ele testemunha sua irmã sendo agredida por um filho de autoridade japonesa, ao que ele reage e mata o agressor com uma foice. Preso novamente pela polícia japonesa, ele repentinamente cura-se da sua doença mental. A Crise da Bolsa de Nova York em 1929 agravou consideravelmente a economia japonesa que passou a defender o fascismo militar e a expansão sobre a China. Em junho de 1928, militares japoneses eliminaram o senhor de guerra na Manchúria, Zhang Zuolin, e estabeleceram ali um Estado-fantoche (Manchukuo) sob o nominal trono imperial do último descendente da dinastia Qing chinesa em fevereiro de 1932. Posteriormente, as forças japonesas passaram a expandir sua presença sobre toda a região norte e costa chinesa. Parecia que o sonho de Toyotomi Hideyoshi de conquistar a Coreia e China no século 16 era agora realidade. Pelo lado dos nacionalistas coreanos, a década de 1920 e 1930 trouxe perspectivas limitadas, apesar do entusiasmo bolchevique. Em Xangai, havia o maior grupo de resistência organizada pela independência coreana, no Governo Provisório da República da Coreia, além de alguns grupos comunistas. Mas todos tinham sérias limitações nas suas atuações de guerrilha contra o exército japonês. Na Manchúria, a maioria das guerrilhas coreanas entrou em colapso na década de 1930. Visando fundear de vez sua presença na região e na Coreia, os japoneses passaram a construir infraestrutura e indústrias metalúrgica, química e têxtil, além de promover mudanças para aumento da produção agrícola. E sob o incentivo do governo-geral na Coreia, conglomerados de empresas japonesas, conhecidas como zaibatsu, como a Mitsui, Mitsubishi e Noguchi, foram convidados a se instalar no território coreano e
manchuriano, a explorar a mão-de-obra barata coreana e chinesa. Em termos estatísticos, a produção industrial dessas regiões cresceu exponencialmente, mas isso sempre se dirigiu à política colonial japonesa e com pouco participação do empresariado coreano. Em julho de 1937, militares japoneses entraram em confronto com chineses num subúrbio de Pequim. Levando isso como pretexto, o governo japonês iniciou uma nova guerra contra os chineses e assim passou a controlar boa parte do norte e da costa chinesa. O governo nacionalista chinês, sob o comando de Chiang Kai-Shek, em Nanquim, pouco pode fazer a deter esses avanços, e a capital do sul foi tomada após cinco meses de batalhas, após o massacre de milhares de cidadãos. No vasto interior chinês, no entanto, o domínio nipônico foi mais limitado, e foi dessa região que guerrilhas organizadas pelo Partido Comunista Chinês começou a se organizar e ganhar força. Na Manchúria, um exército de rebeldes anti-japoneses manchurianos e coreanos foi organizado pelo Partido Comunista Chinês em 28 de janeiro de 1936. Até 1940, essa unidade tornou-se um fardo para a presença japonesa na região, e isso atraiu a atenção de líderes que desejaram a expulsão dos japoneses na Coreia. Um desses foi um membro do exército, chamado de Kim Songju (1912 – 1994) que depois mudou seu nome para Kim Il Sung (ou Kim Kyung-cheon), em homenagem a um lendário combatente coreano na Manchúria. Com este nome, Kim Il-Sung tornouse no maior líder de resistência aos japoneses no norte coreano e Manchúria, e depois irá ser o primeiro líder da Coreia do Norte em 1948. Em 4 de junho de 1937, Kim Il Sung, então com apenas 24 anos de idade, com crescente apoio de comissários comunistas chineses, passou a invadir o território coreano ao sul do rio Yalu. Comandando uma companhia de cerca de 150 homens, atacou com sucesso a
base japonesa em Pochonbo, na fronteira com a China, matando vários militares japoneses [103]. Após o feito, as forças de Kim Il Sung recuaram para o território manchuriano novamente e depois para Khabarovsk, na Rússia, na chamada “Marcha Árdua” (gonanui haenggun, ), mas seu feito inspirou as lutas anti-japonesas nos próximos anos. No território russo, Kim Il Sung passou a ser protegido e treinado pelo Comando Oriental do Exército Vermelho Soviético. Com a expansão das ofensivas japonesas sobre a China, o governo-geral intensificou a exploração dos recursos humanos e minerais da Coreia, a apoiar os esforços de guerra. Para tal, foram determinadas políticas draconianas sem precedentes. O novo governador-geral, Minami Jiro (1874 – 1955), nomeado em agosto de 1936, começou a implementar a política de plena assimilação, a juntar os dois países como se fosse “num só corpo” (naisen ittai, ) [104]. Minami assim acreditava que poderia abolir a identidade coreana a mobilizar seus esforços militares para o império japonês. Em 1937, foi estabelecido um órgão de vigilância e inteligência para policiar os coreanos, o Comitê Central de Informação. Houve aumento notável de agentes da polícia secrete japonesa, além do incremento no número de militares no território coreano. A Coreia vivia sob um Estado colonial e cada vez mais policial. A fim de intimidar os dissidentes e intelectuais coreanos, as autoridades coloniais prenderam vários de seus líderes, como o influente escritor, Yi Kwang-su, e cristãos como Yun Chi-ho. Em agosto de 1938, o governador-geral lançou uma política de mobilização da sociedade coreana visando sua total dedicação e lealdade à guerra, fundando a Federação Coreana de Mobilização Total do Espírito Nacional (Kokumin Seishin Sodoin Chosen Renmei). Suas ramificações
envolveram todos os escalões administrativos, desde a capital às províncias, cuja base era em torno de grupos de dez famílias cada. Cada uma dessa unidades deveriam contribuir em serviços, trabalhos, racionamento e vigilância [105]. Diante disso, as condições de vida tornaram-se cada vez mais opressivas e miseráveis. Boa parte da sociedade coreana foi forçada a usar uniformes de guerra. A moda masculina deveria seguir à moda militar japonesa, enquanto as mulheres coreanas foram proibidas de usar saias ocidentais ou o vestido tradicional coreano, o chima( ), e forçadas a usar calças marrons (mompei). Os uniformes escolares foram concebidos a refletir o sistema japonês (seifuku, ), com o uniforme preto de cadete para os meninos, e o uniforme marinheiro para as meninas. Minami Jiro dirigiu ainda sua política para a plena assimilação da cultura, religião e tradição coreana. Um dos seus principais alvos foi a língua coreana. Em março de 1938, foi decretado pelo governador-geral que todas as escolas deveriam usar apenas a língua japonesa, e que todos os estudantes deveriam falar essa língua, mesmo em casa. Todas as manhãs, os estudantes tinham que se curvar em direção ao leste, ao palácio do imperador japonês (Tennô, ) e recitar um juramento de lealdade ao império. Jornais de língua coreana, como o Dong-A Ilbo e o Chosun Ilbo, foram fechados. E todo mês, os coreanos foram forçados a visitar um templo xintoísta e fazer adorações aos deuses japoneses [106]. Isso causou grandes problemas entre a população cristã coreana, ao desrespeitar um dos Dez Mandamentos. Diante disso, a repressão contra a população cristão foi impetuosa. Em 1938, 18 escolas cristãs foram fechadas. Dois anos depois, mais de dois mil cristãos coreanos foram presos por desobediência e mais de duzentas igrejas foram fechadas. Cerca de 50 líderes
cristãos, incluindo o presbiteriano Reverendo Chu Ki-Chol (1897 – 1944), foram martirizados na prisão. Em 1939, foi decretado que todos os coreanos deveriam adotar sobrenomes japoneses [107]. Uma grande ofensa às tradições confucionistas de cultuar os ancestrais familiares. Diante da relutância e resistência de muitos coreanos, o governo colonial buscou recompensar aqueles que tinham mudado com benefícios com racionamentos mais generosos e acesso a cargos mais altos no governo. Apesar disso, cerca de 20% da população coreana ainda assim desafiou a nova política e manteve seus nomes originais. A intensificação da Segunda Guerra Mundial pelo lado japonês se deu após o ataque surpresa a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941. A política colonial na Coreia levou o povo coreano a uma mobilização ainda maior no esforço de guerra. O exército japonês passou a incorporar membros coreanos voluntários. Um desses foi Park Chung-hee (1917 – 1979), que depois seria um dos líderes da Coreia do Sul entre 1961 e 1978, e tinha entrado na Academia Militar em Tóquio, alcançando o posto de tenente do Exército Imperial Japonês em 1944 [108]. Com a falta de mão-de-obra diante da Guerra do Pacífico contra os EUA, o Japão passou a recrutar militarmente na Coreia a partir de 1943. Cerca de 187 mil foram recrutados para o exército japonês e outros 20 mil para a marinha. Além disso, os militares japoneses mobilizaram cerca de 200 mil jovens coreanos para a Brigada do Corpo Dedicado (Teishintai), cujas meninas depois seriam referidas como “mulheres de conforto” [109]. Essas foram enviadas para as linhas de combate e forçadas à servidão sexual das tropas japonesas. Desde 1939, as autoridades japonesas na Coreia tinham recrutado trabalhadores coreanos para trabalhos compulsórios, mas em 1944, isso se expandiu grandemente e começou a
envolver quase um milhão de coreanos até o fim da guerra [110]. Esses trabalhadores forçados atuaram nas minas, fábricas e também no campo de batalha. Até a rendição japonesa em 15 de agosto de 1945, o governo-geral na Coreia tinha empregado todos os seus meios e recursos para perseguir e reprimir qualquer oposição e dissidência. O Partido Comunista da Coreia foi dissolvido e pulverizou-se em pequenas células clandestinas nas zonas industriais. A maioria dos líderes nacionalistas coreanos, como Yi Kwang-sun, Choe Nam-seon, Kim Seongsu e Yun Chi-ho foram subjugados e presos. Outras lideranças sobreviveram, mas a partir do exterior. Na China, o Governo Provisório da República da Coreia, sob Kim Gu, fugiu para a cidade interiorana de Chongqing que tinha se tornado na capital temporária do governo nacionalista chinês. No norte da China, o Partido Comunista Chinês treinou e protegeu líderes coreanos comunistas, como Kim Tu-bong (1889 – 1958) e Kim Mu-chong (1904 - 1952), que lutaram contra os japoneses. Na Rússia, na província de Khabarovsk, Kim Il Sung e seus seguidores continuaram sendo preparados e instruídos pelo Exército Soviético. E nos EUA, Syngman Rhee continuava seus esforços diplomáticos pela causa da independência coreana.
8 A FRATURA Após agosto de 1945, os dias da Segunda Guerra Mundial estavam contados. A Alemanha nazista havia se rendido em 8 de maio, mas ainda persistia a frente japonesa contra os americanos. O imperador Hirohito (1901 – 1989) finalmente decidiu se render após dois bombardeios atômicos nas cidades de Hiroshima e Nagasaki em 6 e 9 de agosto, respectivamente. Como a União Soviética havia declarado guerra contra o Japão em 8 de agosto, o Exército Vermelho avançou para as províncias ocupadas no norte e nordeste da Coreia. Os EUA, no momento, estavam distantes da região, localizados nas ilhas Ryukyu a cerca de 600 km de distância da península coreana. Em 15 de agosto, Hirohito anuncia, por meio do rádio e para uma população atônita que jamais tinha ouvido a voz do imperador, a rendição incondicional às Forças Aliadas. Na Coreia, o evento teve promissoras repercussões. O governador-geral tinha passado para as mãos de Endo Ryusaku (1886 - 1963) e este, ciente da rendição, secretamente sondou lideranças coreanas para transferir o
poder administrativo. Um dos primeiros considerados foi o partido nacionalista de Kim Seong-su, um líder experiente e bem articulado entre os nacionalistas mais moderados que tinha apresentado relativa cooperação com os japoneses. As autoridades japonesas acreditaram que o grupo dele teria mais condições de controlar e apaziguar os ânimos após o período colonial e a guerra. Apesar da oferta feita, Kim a rejeitou, insistindo que o Governo Provisório da República da Coreia, eLivros em Chongqing na China, era a única com legitimidade a representar o povo coreano. Sendo assim, Endo voltou-se para Yo Unhyong (ou Lyuh Woon-hyung), que esteve desde agosto de 1944 formando secretamente um partido político com esquerdistas moderados, a Liga da Construção da Coreia (Konguk Tongmaeng) [111]. Este colocou como condição a plena independência coreana, com a liberdade de imprensa, não-interferência nas atividades políticas coreanas, movimentos trabalhistas e estudantis [112]. Em troca, Lyuh prometeu não dissolver a estrutura da administração vigente do Governo Geral e controlar o impulso retaliatório contra os japoneses na península. Sendo assim, Lyuh, junto com An Chaehong (1892 – 1965) organizaram o Comitê para a Preparação da Independência Coreana (Konguk Chunbiwiwonhoe), convidando todo o espectro das lideranças nacionalistas, independentemente das diferenças ideológicas. Em Pyongyang, no norte coreano, o governador japonês abordou um nacionalista cristão, Cho Man-sik (1882 – 1950), a fim de organizar outro comitê para buscar a conciliação e ordem na região. Cho concordou em cooperar, unindo-se depois ao Konguk Chunbiwiwonhoe em 17 de agosto. Contudo, o grupo de Cho era composto por apenas dois comunistas entre os 20 membros de orientação mais conservadora e direitista. Ao se juntaram ao grupo na capital coreana, agora renomeada como Seul, os direitistas
de Cho se viram em minoria contra a maioria esquerdista no Konguk Chunbiwiwonhoe [113]. Os comunistas coreanos tinham se reagrupado em fins de agosto sob a liderança de Bak Honyong (1900 – 1955), que tinha retornado de Seul. Com a presença massiva das tropas soviéticas ao norte da Coreia, os esquerdistas começaram a ganhar ânimo e esperança de um futuro promissor. Ademais, representantes diplomáticos de Moscou permaneceram em Seul durante a guerra, com a concordância das autoridades japonesas após terem assinado um Pacto de Neutralidade (Nisso Churitsu Joyaku, ) entre os dois países desde abril de 1941. Portanto, a União Soviética era a única potência vencedora da guerra que manteve sua presença continuada na península coreana. Aproveitando-se das mudanças políticas e vácuo de poder, o Konguk Chunbiwiwonhoe, vendo-se em sua maioria dominada por esquerdistas e com a proximidade soviética, declararam a República Popular da Coreia (Choson Inmin Konghwakuk, ). E logo estabeleceram dezenas de comitês populares locais (Inmin Wiwonnhoe) nas províncias lideradas por membros comunistas [114]. E disso, organizaram um corpo armado, chamado de Preservação da Paz, composto por membros jovens, a assumir o papel de preservar a ordem pública. Em 6 de setembro de 1945, Lyuh Woon-Hyung e Bak Honyong presidiram um plenário congressional, no Congresso dos Representantes do Povo. Mais de mil delegados de todo o país compareceram e elegeram 55 representantes para um corpo legislativo da nova Coreia, o Comitê Legislativo do Povo, a ser presidido por Lyuh. Assim nasceu as estruturas iniciais da República Popular da Coreia. O Comitê Legislativo nomeou um presidente e seus membros de gabinete. Syngman Rhee tornou-se presidente e Kim Gu, ministro do interior. Mas naquele momento, na composição política coreana,
representantes além da esquerda estavam em desvantagem. Em outras palavras, a Coreia nasceu em setembro de 1945 sob os moldes da República Popular que visou um governo de coalizão e incorporar todo a gama de líderes nacionalistas, mas com um coeso núcleo comunista predominante. Os países aliados vitoriosos da Segunda Guerra Mundial não tinham consenso sobre o futuro da península coreana. Quando se reuniram no Cairo em 1º de dezembro de 1943, Roosevelt, Churchill e Chiang Kai-shek pensaram em termos vagos e imprecisos sobre uma forma de tutela das potências aliadas, declarando que a Coreia seria, no devido tempo, livre e independente. Os aliados reunidos entenderam que a península não tinha um governo soberano desde o início do século 20. Apesar disso, os coreanos desejaram ardentemente por um autogoverno, e entenderam que teriam uma independência iminente após a guerra. Cópias da Declaração do Cairo foram distribuídas pela Coreia, gerando grandes expectativas e efervescências entre as lideranças nacionalistas. Mais tarde, em Ialta, em fevereiro de 1945, Stalin, Roosevelt e Churchill foram mais cautelosos e não apresentaram nenhuma conclusão sobre a Coreia. E em julho, em Potsdam, os EUA demonstraram visível desinteresse, enquanto a União Soviética manteve-se ambígua a respeito. E, notavelmente, nenhum representante coreano havia sido convidado pelos governos aliados para discutir a situação coreano do pós-guerra. A indiferença dos EUA, em particular, levou à uma decisão do Pentágono no dia 10 de agosto de 1945 em propor uma linha ao longo do paralelo 38 como fronteira de ocupação futura entre americanos e soviéticos. Como o Japão tinha se rendido antes do esperado, a Rússia, não mais tinha motivos para não avançar da Manchúria para a península. Stalin, almejando os portos do nordeste da Coreia
como parte de sua campanha de total controle manchuriano, aceitou a linha demarcada do governo de Truman. Assim, o 25º Exército Soviético começou a ocupar o norte da península coreana em 9 de agosto, um dia depois de ter rompido o Pacto de Neutralidade com o governo japonês. Em 15 de agosto, o general Ivan Mikhailovich Christiakov, comandante do 25º Exército, fez um apelo ao povo coreano de sua base na Manchúria. Ele anunciou o estabelecimento de um comando militar soviético na Coreia e declarou a Rússia como libertador do país que tinha sido oprimido pelos japoneses. O povo coreano não recebeu a mensagem de bom grado, pois foram frequentes os saques de vilas e cidades por tropas soviéticas e oportunistas coreanos. Mesmo assim, os soviéticos começaram cedo a estruturar o poder em nível local por onde tinham presença, com base nos comitês populares locais (Inmin Wiwonnhoe) e forças policiais a controlar a ordem pública. Quando chegaram a Pyongyang em 28 de agosto, o general Christiakov junto com seu comissário político, general Nikolai Georgievich Lebedev, reorganizaram o comitê nacionalista, principalmente através de Cho Man-sik, no recém-criado Comitê Político do Povo, que tinha nacionalistas e comunistas em igual número. Pelo lado americano, houve considerável hesitação e postura impositiva. Os decisores políticos nos EUA, em Washington e Tóquio, nomearam o general John R. Hodge (1893 - 1963) como comandante das Forças Armadas dos EUA na Coreia. Seu apontamento se deu unicamente pelo fato de seu exército estar mais próximo da península, em Okinawa, no sul do arquipélago japonês. Quando Hodge desembarcou com sua força em Inchon em 8 de setembro, uma comitiva do Governo Provisório da República da Coreia foi recebê-lo. Ao se deparar com um suposto “governo
coreano”, o general recusou a encontra-los, pois Hodge permaneceu fiel ao que foi anunciado na Ordem Geral de 7 de setembro de 1945 pelo seu superior em Tóquio, general Douglas MacArthur (1880 - 1964): Em virtude da autoridade investida em mim como Comandante em Chefe das Forças do Exército dos EUA e do Pacífico, venho por meio deste estabelecer o controle militar na Coreia ao sul da latitude 38 Norte, e anuncio aos habitantes de lá as seguintes condições de ocupação: todos os poderes de governo sobre o território citado está sob a minha autoridade. As pessoas obedecerão às minhas ordens e se submeterão à minha autoridade. Atos de resistência às forças de ocupação ou quaisquer atos que possam perturbar a paz e segurança serão punidos severamente. Para todos os efeitos, o inglês será a língua oficial do controle militar [115]. (tradução nossa)
As palavras de MacArthur soaram desalentadoras para os coreanos que sonharam com a plena independência depois da guerra e de décadas de governo colonial japonês. A mensagem contrastava com a mensagem soviético tornada pública em 8 de agosto, em que ao menos foi entendido que os coreanos sofreram nas mãos dos japoneses e que foi enfatizada a liberdade: “A noite escura da escravidão sobre a Coreia durou por longas décadas, e, chegou enfim a hora da libertação!” (tradução nossa) [116]. Aparentemente, as autoridades militares dos EUA consideraram o país como hostil aos seus interesses que, por terem colaborado com o regime japonês, deveriam cumprir os termos da capitulação que tinham estendido ao Japão. Portanto, os EUA continuaram a manter a estrutura colonial japonesa do governo geral assim como suas duras leis sobre os coreanos. A Ordem Geral de MacArthur considerava o povo coreano como algo a ser protegido, mas guiados em termos políticos a seguir os caminhos democráticos e pacíficos. O general Hodge, por sua vez, recusando receber os coreanos em Inchon, manifestou claramente sua não reconhecimento oficial do Governo
Provisório da República da Coreia sediado em Chongqing, apesar de ter permitido a volta de seus líderes. Assim, Kim Gu, presidente do Governo Provisório, retornou à Coreia em 23 de novembro. O mesmo se deu com Syngman Rhee em 16 de outubro, que tinha por tantos anos atuado junto ao Departamento de Estados dos EUA, em Washington. Rhee, que tinha se tornado no líder de independência mais popular na década de 1940, não teve uma recepção triunfante para sua terra natal, entretanto. Apenas os membros mais da direita nacionalista do espectro político coreano em Seul, do Partido Democrático Coreano, liderado por Song Jin-woo (1889 - 1945) e Kim Seong-su (1891 – 1955) estavam entusiasmados. Pelo lado soviético, a fanfarra foi maior. Foi organizado uma ampla cerimônia de recepção de herói para Kim Il Sung. Impressionando os presentes e o povo, que ficaram surpreendidos com a pouca idade do militar coreano, com apenas 33 anos de idade. Enquanto os antigos líderes comunistas coreanos, como Pak Hon-yong, lutavam pela hegemonia em Seul, os russos em Pyongyang concentraram-se em apoiar e fortalecer Kim Il Sung. Kim tinha servido por anos sob o comando do general Terentii Shtykov (1907 - 1964) que tinha sido promovido a comandante da Primeira Força do Extremo Oriente do Exército Vermelho, algo superior em comando do que o 25º Exército, portanto influente na política soviética na Coreia. E para limpar o acesso de Kim ao poder, foi encontrado misteriosamente morto seu rival comunista na região norte coreana, Hyon Chun-hyok em 28 de setembro de 1945 [117]. Para estruturar o poder soviético sob Kim, a administração civil dos russos estabeleceu em novembro vários cargos administrativos e reorganizou o órgão executivo, Comitê Popular, a refletir o modelo na União Soviética. E fez com
que o Comitê ficasse sempre sob controle do Partido Comunista aliado a Moscou. Assim foi feita a ascensão de Kim como líder inconteste da Coreia ao norte do paralelo 38. Em dezembro, Kim Il Sung foi nomeado como chefe do Partido Comunista Coreano, acima de todas as antigas lideranças. A ascensão de Kim Il Sung foi feita de maneira independente e sem consultas com os comunistas coreanos em Seul. Os soviéticos, cientes disso, queriam promover seus aliados mais confiáveis e a manter a península dividida. A primeira importante cúpula dos aliados sobre a Coreia iniciou-se em 16 de dezembro de 1945 em Moscou, com a presença de ministros de Relações Exteriores dos EUA, URSS, Reino Unido e, em momento posterior, da China. O acordo alcançado foi anunciado em 28 de dezembro que propôs uma Comissão Conjunta estadunidense-soviética para auxiliar a formação de um futuro governo coreano. Foi também concluído de que seria necessário um período de até cinco anos de tutelagem desses países da cúpula a atuar sobre a Coreia, materializando o vago projeto proposta em Cairo em fevereiro de 1943 e em Ialta dois anos depois [118]. O acordo feito em Moscou, desencorajou os coreanos que almejaram a independência imediata. A frustração explodiu em manifestações pelo país, a incluir todos os coreanos, dos esquerdistas aos mais conservadores. Em poucos dias, porém, a descontentamento da esquerda começou a se organizar e seguir as diretrizes dos soviéticos que endossaram o Acordo de Moscou. À direita, diferentemente, o movimento anti-tutelagem prosseguiu, sob a liderança de Syngman Rhee e Kim Gu mobilizando seus partidários e apoiadores principalmente no sul do paralelo 38 e em Seul. Em suma, com a continuada
presença de comunistas coreanos independentes e de direitistas na região meridional coreana, o cenário apontava para um maior agravamento dos conflitos. Em 11 de fevereiro de 1946, seguindo uma diretiva do Departamento de Estado dos EUA para o comando militar americano na Coreia, foi organizado uma coalizão política entre os coreanos ao sul do paralelo 38 visando organizar representantes em consenso a terem voz com a Comissão Conjunta EUA-URSS, conforme acordado em Moscou. Todos se reuniram no Conselho Democrático Representativo da Coreia do Sul, organizado pelos EUA e Syngman Rhee foi eleito como presidente do Conselho, embora com ressalvas do general Hodge e sua equipe que desejaram ter uma liderança mais moderada como Kim Kyu-sik (1881 - 1950), que pudesse melhor dialogar com direitistas e esquerdistas. Mas o clima político na Coreia do Sul parecia não favorecer a moderação, com a esquerda e oposicionistas sul-coreanos prontamente rejeitando o Conselho que, em vez disso, formaram a Frente Nacional Democrática [119]. A Comissão EUA-URSS realizou sua primeira reunião em Seul em 20 de março de 1946, e não conseguiu chegar a entendimentos mínimos mútuos sobre quais partidos políticos coreanos teriam participação no governo provisório. Os delegados soviéticos tinham insistido em excluir a maioria dos membros da direita coreana, alegando que esses se opunham aos acordos feitos em Moscou. Os EUA, em contraparte, defenderam a livre expressão política, incluindo aqueles que tinham rejeitado a tutelagem. Depois de dois meses de impasses, a Comissão Conjunta foi finalmente adiada indefinidamente. Foi o início da quebra de diálogo entre as partes coreanas na Coreia do Sul. Os direitistas começaram a organizar um movimento essencialmente antissoviético e anticomunista, exigindo a
independência imediata e sem tutelagem. Syngman Rhee exigiu em 3 de junho de 1946 o estabelecimento de um governo independente no sul, se a URSS não cooperasse com os EUA com relação a um governo coreano unificado na península. Kim Kyu-sik, fortemente apoiado por militares e governo dos EUA, promoveu um movimento de coalizão entre os partidos da esquerda e direita na Coreia do Sul. Em julho, o Departamento de Estado dos EUA ordenou que Seul respeitasse a diretiva de encorajar uma ampla coalizão de moderados como primeiro passo para um governo interino coreano. Esquerdistas moderados sul-coreanos, como Lyuh Woon-hyung, se juntaram nessa coalizão, mas o Partido Comunista Coreano, sob Pak Hon-yong se opôs a qualquer fratura da península coreana. Ao norte do paralelo 38, os soviéticos, sob a Administração Civil Soviética, entregaram sua autoridade a uma administração centrada em Pyongyang e passaram a atuar como conselheiros ao governo de Kim Il Sung. Vendose empoderados pela presença do Exército Vermelho no norte da península, os comunistas coreanos passaram a perseguir oposicionistas ao seu projeto de poder, incluindo a prisão do líder nacionalista, Cho Man-sik em janeiro de 1946 no Hotel Koryo em Pyongyang [120]. Assim tinha sido demonstrada a falta de vontade dos russos e comunistas no norte coreano em cooperar com outras lideranças nacionalistas. Assim, a política norte-coreana começou a ser consolidar em torno de duas facções comunistas, uma composta por guerrilheiros manchurianos e chineses que tinham lutado com Kim Il Sung, e coreanos que tinham vivido em território russo que vieram com o Exército Vermelho. Kim, que tinha o apoio do governo soviético, pedia a instalação de um governo efetivo e democrático na Coreia do Norte, a seguir a política de Stalin de “socialismo em um único país” [121], que significou a estabilização
política do domínio soviético onde tinham controle, ou seja, no norte da península coreana. Essa ideia foi implementada pelo grupo de comissários do Exército Vermelho na Coreia do Norte, particularmente sob o general Shtykov. A partir de março de 1946, a administração de Kim Il Sung passou a ampliar sua política, visando reformar a estrutura fundiária. O Estado passou então a confiscar as grandes propriedades sem compensações e as redistribuiu para fins de lavoura sem exigência de pagamentos. Ao mesmo tempo, a administração norte-coreana passou a nacionalizar as principais indústrias e estabelecimentos financeiros. De fato, essa revolução havia sido um alívio para aqueles que tinham sido explorado e destituídos durante o governo japonês. Foi relativamente fácil, pois, expropriar daqueles poucos que tinham se aliado aos japoneses, além da pouca quantidade de terra arável estar disponível no norte coreano em comparação com o sul. O resultado foi a redistribuição de terras para inúmeras famílias, mas de pequenas dimensões aráveis. E apesar da ampla satisfação, houve resistência daqueles destituídos ou injustiçados que passaram a alimentar sentimentos anticomunistas. Em centros urbanos norte coreanos isso foi mais evidente. Em Pyongyang, houve tentativas individuais de atentado contra a vida do comandante Christiakov e de um tio maternal de Kim Il Sung, o presbiteriano Kang Ryanguk (1904 - 1983) [122]. A resistência no norte também envolveu proprietários de terra, pequenos burgueses e comerciantes, intelectuais e estudantes que discordaram do regime nascente. Assim, esses foram os primeiros que deixaram o norte coreano. Essa corrente depois irá incrementar para entre 1,5 a dois milhões de pessoas de 1945 a 1949 [123], que a partir de então passou a ser regulamentado o tráfego pelo paralelo 38.
Kim Il Sung viu-se, portanto, acompanhado de comunistas fiéis aos soviéticos e chineses comunistas via os manchurianos. No entanto, Kim conseguiu angariar lealdade para compor o grupo dominante nos órgãos executivos cruciais como a Secretaria do Partido e na área de segurança. Pouco a pouco, delineava-se uma estrutura unipartidária e dominante na Coreia do Norte, sem espaço para dissidências, mesmo entre os comunistas. A fim de isolar ainda mais possíveis questionamentos de comunistas mais leais aos chineses e membros do Comintern dos soviéticos, Kim criou em agosto de 1946, o Partidos dos Trabalhadores da Coreia do Norte (Pukchoson Rodongdang, ), tornando-a uma esfera política totalmente independente dos comunistas estrangeiros e dos sulcoreanos organizados em torno de Pak Hon-yong. Em comparação com os países do Leste Europeu, a Coreia do Norte se consolidou rapidamente em torno do seu partido comunista próprio. Em Seul, o Partido dos Trabalhadores Sul-Coreanos (Namchoson Rodongdang, ), liderados por Pak Honyong, assumiu uma postura dura a passou a lutar na clandestinidade em maio de 1946, quando suas atividades foram tornadas ilegais [124]. Pak tinha se posicionado contra as orientações de Moscou e Pyongyang de respeitar a busca por coalizões e negociar com a Comissão Conjunta, e estava determinado a lutar contra o governo militar dos EUA na Coreia do Sul. Nesse sentido, Pak exigiu reformas agrárias radicais, como feito no norte, e a pronta transferência do poder para um comitê de coreanos no sul. Os comunistas sul-coreanos começaram a organizar uma séria de sabotagens a partir de 1º de outubro em Daegu, no sudeste da península. Essa postura de Pak, no entanto, não impressionou Stalin que já tinha consolidado seu aliado e poder no norte coreano. Diante disso, vendo-se
abandonados, Pak e seus seguidores passaram a buscar um governo independente e unificado em Seul, sob diretrizes comunistas próprias. Isso começou a irritar Moscou, pois viam como inaceitável um poderio fora de seu controle na Coreia. Nesse sentido, Stalin, sob recomendação de Shtykov, passou a tratar exclusivamente com Kim Il Sung, e Pak Hon-yong buscou desesperadamente alguns contatos diplomáticos russos em Seul. Em 7 de outubro de 1946, houve relativo consenso entre os membros de esquerda e direita da coalizão em Seul. Os moderados que foram predominantes nesse corpo político consideraram a importância de redistribuição de terras depois da guerra e do domínio japonês, mas com uma política de compensações a serem respeitadas. Sob sugestão dos EUA, 45 membros desse corpo foram eleitos publicamente e nomeados, visando assim garantir alguma legitimidade. Em 12 de dezembro, Kim Kyu-sik foi escolhido como presidente da Assembleia Legislativa Interina Coreana, a maioria dos seus membros advindo dos direitistas do Partido Democrático da Coreia (Han-guk Minjudang, ) e apoiadores de Syngman Rhee e Kim Seong-su. Impulsionadas com a Assembleia Interna, os militares americanos passaram então a apoiar uma transferência de administração para um governo interino sul-coreano, conforme previsto no Acordo de Moscou. Em fevereiro de 1947, um moderado coreano, An Jae-hong, tomou posse como administrador civil interino. O sucesso da atuação da coalizão sul-coreana, reforçou a ideia de Washington de que somente por meio desse processo poderia ser solidificado um governo representativo de toda a península. Contudo, a reação de algumas lideranças sul-coreanas foi de que a Comissão Conjunta EUA-URSS iria eventualmente estender aos soviéticos e comunistas do
norte a oportunidade de ganhar presença ao sul do paralelo 38, e passaram a retomar as atitudes contra o período de tutelagem estrangeira. Isso se deu com o incentivo de Syngman Rhee e Kim Seon-su. Mas essas duas figuras alimentavam sonhos diferentes para a Coreia independente. Kim pensava que o ex-governo provisório sediado em Chongqing deveria ser o único legitimado para a Coreia. Rhee, diferentemente, começou a considerar que os americanos e soviéticos não resolveriam suas questões sobre a península, enxergando a parte sul coreana como a que deveria ficar sob controle dos americanos e aliados. Os dois líderes tinham recebido bem a Doutrina Truman, declarada em março de 1947, que postulou a contenção a vigilância ativa dos comunistas a começar pela Grécia e Turquia. O fato é que as duas superpotências tinham já se posicionado ao longo do paralelo 38, e nenhum parecia dar sinais de conciliação rumo a uma unidade coreana. Assim, a Comissão Conjunta EUA-URSS, idealizada no Acordo de Moscou, não conseguiram chegar mais a nenhum acordo em julho de 1947. O governo soviético se opunha a qualquer inclusão de políticos de direita sob o argumento de que foram esses que rejeitaram o período proposto de tutelagem negociado em Moscou. Ficou claro que isso foi uma estratégia do governo soviético de excluir qualquer oposição ao projeto de poder de Stalin a consolidar o “socialismo em um país” na Coreia do Norte. Em contrapartida, Washington, depois de constatar que a Polônia, Romênia e Bulgária tinham se tornado em satélites da URSS no outono de 1947, abandonaram qualquer ilusão de que poderiam agir em conjunto com os soviéticos a definir o futuro unitário da Coreia. Ou seja, os americanos tinham noção de que ao norte do paralelo 38, era território sob controle da área soviética.
À medida que os anos da Guerra Fria passaram, o governo militar dos EUA começou a cooperar, embora com relutância, do que considerava como líder de uma Coreia do Sul longe dos soviéticos, dos nacionalistas e comunistas locais: Syngman Rhee. Portanto, a coalizão política, de esquerdistas e direitistas coreanos, endossada pelos americanos na Coreia do Sul começou a entrar em colapso. No meio social, a Coreia após a saída dos japoneses se encontrava num turbilhão. De 1945 a 1950, a população coreana cresceu de cerca de 16 milhões para 20 milhões. Enquanto 630 mil japoneses haviam sido repatriados da península, mais de um milhão de coreanos voltaram do arquipélago coreano. No meio interno, cerca de 1 milhão de 800 mil coreanos, desde proprietários de terras, empresários e anticomunistas atravessaram o paralelo 38 para o sul coreano, além de cerca de 12 mil imigrantes coreanos que chegaram da China e Manchúria [125]. A economia coreana que tinha se baseado inteiramente no iene japonês até o fim da guerra em 1945, agora entrou numa crise súbita diante da brutal retirada de capital e gestão nipônica. A maioria das instalações industriais controladas por japoneses foi abandonada ou destruída, minas e ferrovias foram largadas sem qualquer manutenção e capacidade operativa. O desemprego, em comparação com 1944, subiu para cerca de 60% no setor industrial em 1947. As colheitas de arroz diminuíram com a redistribuição de terras, apesar da tentativa do governo dos EUA em fornecer farinha, elemento não habitual na dieta dos coreanos. A inflação veio com o caos. De agosto de 1945 a dezembro de 1946, os preços no varejo dispararam quase dez vezes o valor nominal, no atacado, 28 vezes. O custo médio mensal de alimentos por pessoa aumentou de oito ienes para 800 ienes [126].
Essa crise avolumou-se com a chegada de refugiados e repatriados coreanos. Embora na maioria jovens, a maioria não encontrou emprego e ocupação, e migraram para os centros urbanos coreanos. Alguns desses, ociosos e desocupados, começaram a formar gangues no mercado negro e ilícito, outros foram empregados na força policial. Associações políticas jovens começaram a crescer nesse cenário, como a União da Juventude Democrática e Patriótica Coreana (comunista), a Associação da Juventude Democrática da Grande Coreia (direitista), Associação de Jovens do Noroeste (anticomunista), Associação Juvenil da Independência Coreana (pró-Syngman Rhee), Corpo Juvenil Taedong (nacionalista) e Corpo Nacional Juvenil [127] (ultradireitista) . Essas associações e grupos políticos dependeram de fundos estrangeiros e de atividades ilegais, e tornaram-se foco de violência e desordem a combater pelas suas ideologias. Assim, lideranças políticas coreanas passaram a ser alvo da intolerância. O jornalista e ativista social Song Jin-woo, líder do Partido Democrático da Coreia, foi assassinado pela organização terrorista, Baikuisa, em 30 de dezembro de 1945. Lyuh Woon-hyung foi morto por um jovem direitista de 19 anos de idade, Han Chigeun, em 19 de julho de 1947. Sua morte ganhou amplas repercussões. Logo em seguida, Chang Toksu (1895 – 1947), um dos fundadores do partido de Song Jin-woo, veio a falecer por um radical de esquerda [128]. E finalmente, Kim Gu, presidente do Governo Provisório da República da Coreia, tornou-se vítima fatal em 26 de junho de 1949 pelas mãos de um tenente militar coreano, Ahn Doo-hee, enquanto estava em casa lendo poesia. O clima político e social foi ainda mais agravado com as constantes mobilizações e sabotagens de membros do Partido Comunista de Pak Honyong, incluindo a greve dos ferroviários em 24 de setembro de 1946 e a rebelião na Estação de Daegu em 1º de
outubro, sob os gritos “matem os policiais!” [129]. Para combatê-los, as autoridades sul-coreanos e militares americanas não pouparam esforços e empregar jovens direitistas e anticomunistas nas forças policiais. No meio internacional, o caso coreano foi levado para as Nações Unidas, onde a influência dos EUA era dominante. Os direitistas em Seul rapidamente acolheram essa iniciativa americana. No entanto, alguns membros mais moderados da Coreia do Sul, prevendo que o norte não cooperaria com a ONU e tornaria a unificação impraticável, convocaram uma reunião de vários líderes coreanos do norte e do sul para discutir o futuro integrado da nação. Em 14 de novembro de 1947, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 112, visando a realização de eleições gerais para uma Assembleia Nacional até 31 de março de 1948. As eleições deveriam ser basear no sufrágio adulto e no voto individual e secreto. Uma Comissão Temporária das Nações Unidas foi estabelecida para a Coreia (United Nations Temporary Commission on Korea, UNTCOK), a supervisionar a resolução que passou a ser concretizada na Coreia do Sul [130]. No norte coreano, as autoridades se recusaram a adotar a resolução da ONU, e criaram em fevereiro de 1948 um exército próprio, o EPC (Exército Popular Coreano, Choson inmingun, ) e anunciaram a elaboração de uma nova constituição para a futura república popular. Eventualmente, em 26 de fevereiro, a comissão da ONU começou a organizar as urnas eleitorais com o apoio dos militares americanos. As eleições na Coreia do Sul foram marcadas para o dia 10 de maio. Nesse meio tempo, algumas lideranças sul-coreanas moderadas passaram a boicotar as eleições, pois não aceitavam a divisão da península, manifestada implicitamente no processo eleitoral separado
no sul. Os comunistas na Coreia do Sul, sob Pak Ho-nyong do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Sul, tentaram impedir a realização eleitoral por meio de ações guerrilheiras baseadas na ilha de Jeju. Apesar disso, as eleições foram um sucesso, com a votação de cerca de 75% da população de eleitores. As eleições sul-coreanas, ao final, foram consideradas válidas e justas pela UNTCOK. A Assembleia Nacional na Coreia do Sul adotou um sistema presidencialista em 17 de julho. Dos 198 representantes na Assembleia, 83 deles, a maioria, eram de partidos independentes, 56 deles, pró-Rhee e 29 do Partido Democrático da Coreia. Syngman Rhee, que tinha entrado em coligação com os democráticos, foi eleito como presidente do novo governo sul-coreano. Em 15 de agosto, a República da Coreia foi proclamada como único governo legítimo da península fundamentado nas eleições supervisionadas pela ONU. Em 12 de dezembro, o novo governo sul-coreano foi confirmado pela Assembleia Geral das Nações Unidas. O governo dos EUA e de países aliados reconheceram o novo governo coreano, e logo estabeleceram relações diplomáticas. No verão de 1948, eleições foram organizadas no norte coreano, no qual os eleitores não tiveram outra escolha senão os candidatos recomendados do partido comunista local, da Frente Democrática da Coreia do Norte para a Unificação ( ). Em agosto, os representantes eleitos se reuniram no Conselho Supremo do Povo e proclamaram a República Popular Democrática da Coreia (RPDC) em 9 de setembro, liderada por Kim Il Sung e Pak Ho-nyong como vice-premiê e ministro das Relações Exteriores. A URSS e seus aliados rapidamente reconheceram o novo governo. Assim, oficialmente, a Coreia foi fraturada em dois. Em fins de 1948, forças soviéticas se retiraram do norte. Os americanos fizeram o mesmo em junho de 1949, após
prolongados debates em Washington sobre o prazo e maneira de retirada dos militares americanos na península. A nova república sul-coreana foi contestada pelo Partido dos Trabalhadores da Coreia do Sul. A resistência foi organizada principalmente por comunistas de Jeju em 3 de abril de 1948 que depois se estendeu pela península ao longo do ano em combates entre as forças governamentais e comunistas. Em outubro de 1948, houve motins e rebeliões dentro do exército sul-coreano, instigado por membros comunistas que passaram a ter como base a Montanha Jirisan nas províncias meridionais. No verão de 1949, o Partido dos Trabalhadores da Coreia do Sul juntouse ao Partido dos Trabalhadores Coreanos, do norte da península, e fundou-se a Frente Democrática Sul-Coreana Para a Unificação Nacional, que resultou em atividades de guerrilha e sabotagens mais organizadas no sul do paralelo 38. Nesse clima de confrontos e rebeliões na Coreia do Sul, o presidente, Syngman Rhee se viu num dilema. Ou concentrava-se para julgar e expelir os japoneses e sua estrutura deixada na península, ou enfrentava o premente problema das insurreições organizadas pelos comunistas. Rhee optou pela segunda opção, visto que era a questão mais iminente e que poderia causar maior consequência para seu governo. Apesar de ter sido sempre um voraz crítico da dominação japonesa, o presidente passou a empregar algum de seus colaboradores da política colonial para identificar e reprimir as atividades clandestinas dos comunistas no sul-coreano. Sua postura rendeu-lhe amplas críticas, pois assim evitou buscar julgar e condenar os japoneses e seus aliados que haviam oprimido os coreanos durante décadas. Embora tenha sido aprovada uma lei especial para o efeito de investigar e punir os colaboradores da administração japonesa, esses não somente deixaram de
ser devidamente sentenciados pela justiça coreana como foram usados como conselheiros e agentes da polícia a reprimir as células subterrâneas comunistas. Diante disso, a partir da primavera de 1950, o núcleo do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Sul entrou em colapso diante da ampla ofensiva policial de investigação e repressão às atividades de guerrilha. Na China, o cenário político mudou radicalmente com a ascensão dos comunistas sob Mao Zedong ao poder em outubro de 1949. Voluntários coreanos que lutaram com os comunistas chineses na Manchúria contra os japoneses e nacionalistas do Kuomitang, tornaram-se uma força militar a ser usado na península coreana. Foi notável a ausência de ajuda significativa dos EUA na guerra civil chinesa, e isso foi anotado por Stalin e Kim Il Sung. Após o gradativo fracasso e desarticulação comunista na Coreia do Sul, Kim Il Sung e Pak Ho-nyong passaram a planejar uma ampla ofensiva a subjugar a Coreia ao sul do paralelo 38, a usar a lealdade do recém-criado EPC e das tropas coreanas veteranas na Manchúria. Para ter respaldo internacional, Kim e Pak solicitaram ajuda militar de Moscou e Pequim para que fosse fornecido homens, equipamentos e mantimentos para a empreitada bélica. E acreditaram as autoridades nortecoreanas de que os EUA não teriam interesse imediato na península, assim como foi demonstrado na China. Isso foi ainda mais confirmado quando, em 12 de janeiro de 1950, o Secretário de Estado dos EUA, Dean Acheson (1893 - 1971), num discurso na National Press Club em Washington afirmou que a política de contenção anticomunista americana não incluía a Coreia, mas a concentrar-se num perímetro de defesa na região do Pacífico [131]. Kim Il Sung, sentindo-se encorajado diante da ocasião histórica, foi para Moscou e pediu a Stalin o endosso de seu
plano de unificação. Stalin, que não desejava uma guerra aberta contra os EUA, decidiu apoiá-lo sob a condições de que a URSS permanecesse oficialmente não envolvido na guerra entre as duas partes coreanas. Por sua vez, Mao Zedong prontamente disponibilizou 41 mil tropas do Exército Voluntário Coreana que lutaram por anos no solo chinês a ajudar o esforço norte-coreano. Conselheiros militares soviéticos logo chegaram com armas e equipamentos, o que fez com que as forças norte-coreanas inchassem para dez divisões de combate, uma brigada de tanques e um regimento de motociclistas. Essas foram equipados com 1600 artilharias, 258 tanques soviéticos T-34 e 172 aviões [132]. Pelo lado sul-coreano, os números eram desoladores. Aproximadamente 100 mil homens poderiam ser mobilizados, mas apresentavam pouca disciplina e experiência de combate. Desse total, cerca de 65 mil homens estavam armados com morteiros e metralhadoras com defeitos. Além disso havia apenas quatro mil homens da Guarda Costeira e força policial de 45 mil homens [133]. Ademais, não havia nenhum apoio aéreo, de tanques e artilharia para a força de infantaria. Mesmo assim, Syngman Rhee manteve-se compromissado a enfrentar as forças norte-coreanas, esperando um eventual apoio dos EUA a conter o avança comunista. Do dia 10 ao 19 de junho de 1950, sete divisões do EPC foram mobilizadas para o paralelo 38 a pretexto de realizar manobras de exercício militar. No dia 23, seus comandantes receberam ordens de começar a guerra de libertação do sul. Isso se desdobrou rapidamente em marchas ofensivas a partir do dia 25. Como meio de justificar a invasão sobre a linha divisória, a Coreia de Kim argumentou estar retaliando contra um suposto ataque sul-coreano. Esse motivo pode ter se originado das frequentes provocações e ameaças na fronteira entre os dois exércitos beligerantes ao longo do
paralelo. A tensão tinha escalado ainda mais depois de sustentadas declarações do presidente sul-coreano, Syngman Rhee, que afirmava de que o norte deveria ser enfrentado eventualmente. Os eventos da guerra foram a favor dos norte-coreanos, inicialmente. Fortalecidos e mais bem equipados e ajudados pelos soviéticos, tomaram rapidamente Seul no dia 28 de junho de 1950, apenas três dias do início das ofensivas [134]. Os norte-coreanos, entretanto, não esperavam uma rápida resposta dos EUA que reagiram no Conselho de Segurança da ONU logo no dia seguinte a condenar as agressões do regime de Kim Il Sung. Assim, com o boicote e ausência da delegação soviética que sistematicamente denunciava o organismo internacional como instrumento do imperialismo capitalista, foi aprovada a Resolução 82 para combater as tropas norte-coreanas. Em seguida, o presidente dos EUA, Harry Truman (1884 - 1972), despachou forças aéreas norteamericanas no dia 27 e forças terrestres no dia 30 para a península. Dezesseis países membros da ONU (Austrália, Bélgica, Canadá, Colômbia, Etiópia, França, Grécia, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Filipinas, República da África do Sul, Tailândia, Turquia, Reino Unido, além dos Estados Unidos da América) enviaram forças para a Coreia que ficou sob o comando do General Douglas MacArthur em Tóquio. Os americanos, aliados e o exército sul-coreano passaram a se concentrar num perímetro de defesa no Rio Nakdong perto da cidade de Pusan, no sudoeste da península coreana. Depois de seis semanas de impasse, MacArthur lançou sua famosa operação desembarcando em Inchon em 15 de setembro [135] sob comando do General Hobart R. Gay da 1ª Divisão de Cavalaria vindo de Yokohama. Dez dias depois, Seul foi recapturado, cortando
efetivamente as linhas de frente norte-coreanos no sul, que as obrigaram a recuar em retirada. Em 27 de setembro foi aprovada a diretriz do Estado-Maior das Forças Armadas dos EUA de 27 de setembro que permitiu uma operação militar ao norte do paralelo 38 para perseguir e demolir as forças norte-coreanas. No dia 2 de outubro, MacArthur ordenou que suas tropas cruzassem a fronteira, e 18 dias depois já se encontravam no controle de Pyongyang e a avançar em direção ao norte, ao Rio Yalu. O general estadunidense não tinha a percepção de que Mao Zedong, enquanto isso, tinha já mobilizado 18 divisões de combate de seu exército contando com coreanos voluntários na China. Mao tinha enfrentado a reticência de seu chanceler, Zhou Enlai (1898 1976), e assim nomeou Peng Dehuai (1898 - 1974) como comandante das tropas chinesas que entrariam no solo norte-coreano [136]. As batalhas se intensificaram ao longo da fronteira norte-coreana e, vendo-se fortalecidos com o apoio dos chineses, os comunistas conseguiram vencer as forças da ONU no Reservatório de Chosin, na região nordeste da Coreia do Norte, depois de dezessete dias de batalhas entre 27 de novembro e 13 de dezembro de 1950. As forças sob o comando do Major-General Edward Almond conseguiram fugir do cerco e foram para o porto de Hungnam [137]. O evento foi amplamente celebrado pelos norte-coreanos e chineses, e marcou uma virada decisiva de retirada das tropas das Nações Unidas para o sul. O avanço dos chineses e norte-coreanos foi notável para o sul em novembro de 1950. No dia 2 de dezembro, após árduas batalhas no vale do rio Chongchon, as tropas chinesas e coreanas continuaram em direção ao paralelo 38. No dia 31 de dezembro, os chineses do 13º Exército forçaram o recuo dos americanos sob o comando do Tenente-General Matthew B. Ridgway que evacuou para Seul no dia 3 de janeiro de 1951. Depois de alguns dias, a
capital sul-coreana foi evacuada pelas tropas onusianas [138]. Nos meses seguintes, as forças beligerantes começaram a enfrentar diversos impasses e batalhas inconclusivas ao longo do paralelo 38. Em 23 de março, o presidente Truman declarou em um comunicado que as forças da ONU haviam evitado a invasão comunista na Coreia e que, portanto, o Comando das Forças das Nações Unidas estava pronto para negociar um cessar-fogo. Dia seguinte, o General MacArthur, desconsiderou a posição do presidente dos EUA e solicitou o bombardeio da região da Manchúria, na China, para retaliar contra os comunistas chineses. Truman, como havia feito Stalin, sabia que isso escalaria ainda mais os conflitos para uma guerra generalizada, e assim destituiu MacArthur do comando das Forças da ONU em 11 de abril de 1951 [139].
Mapa: As fases da Guerra da Coreia (1950 – 1953).
Ainda decorreram dois anos até os dois lados rivais na Guerra da Coreia a assinarem um armistício em 27 de julho de 1953. A guerra causou danos consideráveis e traumáticos para toda a península. O acordo definitivo foi
assinado pelo General Clark, Kim Il Sung e Peng Dehuai. O presidente Syngman Rhee se recusou a assiná-lo, mas deu sua aprovação tácita para a trégua depois dos EUA terem assegurado seu compromisso de segurança na Coreia do Sul. A fronteira da trégua ficou novamente estabelecida marginalmente ao longo do paralelo 38, e essa área ficou depois conhecida como Zona Desmilitarizada (DMZ). A guerra custou um imenso número de vidas humanas, afetando ao todo a vida de 30 milhões de coreanos de toda a península, assim como 700 mil coreanos advindos da Manchúria. As estatísticas dos números são ainda controversas, mas estima-se que 2 720 000 pessoas foram mortas ou desapareceram. Desse número estonteante, mais de um milhão são de norte-coreanos que possivelmente migraram ou fugiram para o sul. Estima-se que cerca de meio milhão de soldados norte-coreanos tenham morrido em batalha, e mais de um milhão, vítimas civis. No sul, as baixas militares foram de 237 686 pessoas, e cerca de meio milhão de civis sul-coreanos foram sequestrados, e outros 600 mil civis mortos ou desaparecidos, totalizando a perda sul-coreana em torno de 1 330 000. De acordo com registros oficiais, as baixas dos EUA foram de 33 629 mortos e 103 284 feridos [140]. As outras forças da ONU, excluindo os sul-coreanos perderam 3 143 vidas, 11 532 feridos e 525 desaparecidos. Por último, os registros chineses afirmam que tiveram 116 mil mortos de suas forças, 220 mil feridos e 29 mil desaparecidos, somando 336 mil chineses, mas estima-se realisticamente que o total tenha chegado para mais de 900 mil chineses [141].
9 A RECONSTRUÇÃO A Coreia do Sul teve sua vida independente após a Guerra da Coreia (1950 – 1953) sob a liderança de Syngman Rhee. Sua liderança advinha de seus anos de luta pela independência coreana contra a dominação japonese e comunista. Rhee vinha de uma família de valores cristãos coreanos, e tinha se casado com uma austríaca. Sem ter filhos, Rhee era enxergado como um líder sem ligações familiares e tendências ao nepotismo na sociedade coreana, o que lhe rendeu valor pelo seu compromisso às causas nacionais. Seu longo exílio no exterior conferiu-lhe novas perspectivas e ideais para o futuro coreano, tendo obtido seu doutorado na Universidade de Princeton, em Nova Jersey, EUA. Era o vivo admirador do sistema americano, e queria isso a ser implementado na Coreia do Sul nascente.
Seu ensino quando jovem foi feita por missionários americanos que lhe deu valores éticos baseados no cristianismo protestante. Apesar de seu fervor político, Rhee teve que lidar com a condição social e histórica da Coreia após a traumática guerra que terminou em 1953. Desde o início do século 20, os coreanos foram destituídos de qualquer liberdade de pensamento e participação política, a não ser na clandestinidade. A maioria coreana, portanto, resumia sua vida política a obediências de um poder opressivo e brutal. A economia coreana também teve reflexos históricos. Por décadas, os principais setores econômicos foram geridos a apoiar políticas estratégicas dos japoneses e, depois da Segunda Guerra Mundial, aos preceitos do comando militar americano visando conter o comunismo. A economia sulcoreana, em específico, dependeu em grande parte da agricultura e mineração, com as principais indústrias japonesas se instalando no norte do paralelo 38 e na Manchúria. Com a crise da Guerra Mundial e da Guerra da Coreia, a elite sul-coreana também se viu destituída de qualquer perspectiva de emprego e ocupação numa economia em ruínas, mesmo aqueles egressos das universidades e faculdades. O governo militar americano, após 1945, tentou fornecer ajuda para a reconstrução da economia sul-coreana, mas boa parte dos investimentos foram para as áreas militares e Forças Armadas. Isso tudo resultou numa sociedade de crise, desempregada, politicamente volúvel, sem tradição democrática, e com proeminência dos setores militares. Foi nesse contexto que a Coreia do Sul, em 1953, que o presidente Syngman Rhee iniciou seu mandato, com inúmeros desafios a serem enfrentados e por amplas críticas da oposição. Apesar de sua idade avançada já à época, Rhee demonstrou uma determinação férrea de se
manter no poder e assim se deu por uma década. Isso, no entanto, começou a demonstrar sua tendência autoritária. Rhee foi criticado principalmente por oprimir a oposição com o uso da Lei de Segurança Nacional aprovada em 1948. Mas a Coreia do Sul na década de 1950 era bem diferente de antes da guerra. O crescimento populacional sul-coreano era palpável, com sustentada alta taxa de natalidade, isso num cenário de rápida urbanização e ampla escolaridade da população que não estavam mais dispostos a tolerar tendências autoritárias. Nas eleições presidenciais de 15 de março de 1960, o rival de Rhee para a presidência tinha sofrido uma morte prematura, e Rhee foi reeleito pela quarta vez. Contudo, dessa vez, a oposição passou a manifestar seu descontentamento com amplas acusações de intimidação eleitoral em algumas circunscrições eleitorais no interior coreano. E foram das províncias que surgiram as primeiras manifestações massivas contra o processo eleitoral de 1960. Em Masan, no sul da península, um estudante de Ensino Médio havia sido morto no dia das eleições por forças policiais, instigando uma manifestação estudantil em Seul que se deu no dia 19 de abril de 1960. No evento, foi estimado em cerca de 20 mil estudantes participantes, principalmente de universitários e secundaristas que foram às ruas gritando “Abaixo a ditadura!”. A repressão policial foi aumentada depois que alguns foram em direção ao palácio presidencial, com a morte de 100 pessoas [142]. Diante da comoção dos eventos, em 26 de abril, o presidente Rhee submeteu-se às pressões e declarou sua renúncia, indo viver no Havaí. O poder político na Coreia do Norte, depois de 1953, começou a gravitar cada vez mais em torno da figura de Kim Il Sung, e isso se deu através de uma série de
perseguições a oposicionistas. O quadro das lideranças do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte foi alterado quando, em outubro de 1950, Ho Ka-i (ou Alexei Ivanovich Hegai) (1904 – 1953), um proeminente coreano com ligações soviéticas e segundo no comando partidário, foi reprimido por ter cometido erros na reconstrução partidária durante os eventos da Guerra da Coreia. Mais tarde, foi relatado que ele alegadamente cometeu suicídio em Pyongyang em 1953 [143] e foi substituído como vicesecretário geral do Comitê Central do Partido dos Trabalhadores por Pak Chang-ok (? – 1960). No mesmo ano, Kim Mujong, um dos principais generais do Partido, da facção chamada de Yanan ( ) – de coreanos comunistas com ligações chinesas – foi expulso do país por conduta imprópria. Mas o maior objetivo político de Kim Il Sung foi Pak Hon-yong, maior líder comunista sul-coreano do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Sul. No início de 1953, um dos partidários de Pak havia sido preso no norte e confessou, possivelmente sob torturas, que havia um complô em andamento. Desde então, Pak nunca mais foi visto em ocasiões oficiais e em agosto de 1953 foi definitivamente preso. Dois anos depois, foi condenado à morte por espionagem [144]. Pak e seus seguidores foram todos responsabilizados e acusados pelos fracassos da “guerra de unificação”. Quando houve as famosas acusações contra Stalin por Nikita Khrushchov (1894 - 1971) na URSS no 20º Congresso do Partido Comunista Soviético em fevereiro de 1956, isso repercutiu amplamente no sistema norte-coreano. Os membros da facção de Yanan, passaram a planejar uma mudança na estrutura político do país, a mudar a liderança centralizada numa pessoa por uma liderança coletiva. Isso se deu enquanto Kim Il Sung estava em visita de Estado em Moscou no verão de 1956. Assim que Kim retornou, os
membros de Yanan foram imediatamente condenados por acusações de antirrevolucionários. Moscou e Pequim tentaram veementemente intervir no evento, mas Kim declarou em março de 1958 que havia definitivamente liquidado todos os dissidentes na Coreia do Norte. Nos anos posteriores, a Coreia do Norte passou a se fechar cada vez mais, e passou a assentar o seu sistema político numa ideologia própria, a não depender do estrangeiro, pela política do juche (“autoconfiança”, ). No setor econômico após a guerra, Kim planejou a restauração das atividades através de Planos Trienais, claramente inspirados nos planos quinquenais dos soviéticos. Na mesma época, em 1956, Kim lançou um amplo programa de reforma e revitalização chamado de Chollima (“Cavalo Alado”, ), uma versão coreana do Grande Salto Adiante de Mao Zedong. Esses programas tiveram resultados notáveis, a considerar o estado da economia norte-coreana depois de 1953, mas o excessivo esforço resultou em crônica falta de matériaprima e da estrutura produtiva. Embora o setor industrial tenha crescido, isso se deu às custas da agricultura que passou por crises de colheitas de grãos. A mão-de-obra foi exaurida no trabalho, provocando efeitos nefastos na sociedade. A coletivização agrícola acarretou em fome e miséria no campo. Apesar de seus defeitos e número desconhecido de mortes, Kim Il Sung – e seu filho e sucessor, Kim Jong-Il - sempre declarou a glória do Programa Chollima e dos planos de desenvolvimento, como feito no 6º Plenário do Partido em outubro de 1980 [145]. Depois da renúncia de Syngman Rhee, em junho de 1960, a Assembleia Nacional da Coreia do Sul adotou uma nova constituição que estipulava um sistema parlamentar bicameral, anunciando o que seria a Segunda República. Nas eleições gerais, realizadas em 19 de julho, o Partido Democrata originado do antigo Partido Democrático
Coreano dominou as duas câmaras do Parlamento, com 175 dos 233 assentos entre os deputados, e 31 dos 58 senadores. O parlamento então escolheu o católico Chang Myon (1899 – 1966), ex-vice-presidente e ex-embaixador em Washington, como primeiro-ministro e Yun Posun (1897 – 1990) como presidente. O cargo de primeiro-ministro acabou sendo o chefe de governo, com seu próprio gabinete, enquanto a presidência se tornou mais uma figura de Estado, apenas. Chang Myon era um fervoroso democrata e acredito que poderia continuar o que Rhee não tinha conseguido. E suas crenças políticas, fortemente ancoradas no sistema dos EUA, apontavam para uma imprensa livre, sem censuras. No entanto, o Partido Democrata de Chang, atormentado por rivalidades faccionais, foi incapaz de resolver o grave desemprego nas cidades e escassez de mantimentos no campo. Ademais, a nascente administração de Chang passou a enfrentar crescentes manifestações e descontentamentos de jovens, estudantes, professores, sindicatos e outros grupos sociais organizados. Entre os estudantes e professores, foram vários os clamores por partidos de esquerda e unificação com o norte agitou a cena política sul-coreana. Isso, juntamente com o desemprego e precariedade social de vários setores da sociedade foi visto como pretexto para que certos militares, receosos do comunismo, se projetassem para o cenário político. Apesar dos programas de modernização de Chang para superar as dificuldades econômicas na Coreia do Sul, um grupo de jovens oficiais militares, liderados pelo MajorGeneral Park Chung-Hee (1917 -1979), realizaram um golpe de Estado em 16 de maio de 1961. O corpo do exército sulcoreano tinha crescido consideravelmente para mais de 600 mil homens após a Guerra da Coreia, equipados e treinados por oficiais americanos. Modelado na administração militar dos EUA, o Exército Nacional tornou-se eficiente e
disciplinado diante das incertezas da sociedade coreana na década de 1950 e 1960. Park Chung Hee era produto dessa transformação militar. Formou-se em Tóquio e também na Manchúria, como cadete do exército. Outros apoiadores seus, como Kim Jong-pil (1926 - ), formaram-se depois da ocupação japonesa, em academias coreanas depois da Segunda Guerra Mundial. A maioria dos oficiais à época do golpe de 1961, portanto, eram jovens, ambiciosos e inquietos diante das mudanças políticas. Na madrugada de 16 de maio de 1961, com o golpe de Estado, os militares transmitiram por rádio para toda a Coreia do Sul mensagem contendo os objetivos para o futuro da nação: anticomunismo, estreitar e manter laços com os EUA, combater a corrupção, reconstrução da economia, contenção do regime norte-coreano e promessa de retorno ao governo civil em momento posterior. Com isso, a junta militar no poder declarou lei marcial e dissolveu a Assemblei Nacional. A constituição foi suspensa e todas as atividades políticas foram proibidas. Ademais, a liberdade de imprensa foi limitada pela censura. Em seguida, a junta nomeou-se como Conselho Supremo da Reconstrução Nacional, presidido por Park Chung Hee. Foi criado em 13 de junho de 1961 o Serviço Nacional de Inteligência (Gukga Jeongbowon , ), a ser chefiada por Kim Jong-pil, para que pudesse controlar e investigar as informações no meio nacional e exterior. Os ministérios do novo governo foram quase todos ocupados por militares. O regime militar sul-coreano passou a promulgar leis de cunho anticomunista com base na Lei de Segurança Nacional. Isso permitiu a detenção e prisão de políticos e intelectuais de tendência esquerdista. Com relação a outros da sociedade, os militares buscaram eliminar os privilégios e práticas de corrupção como entre o empresariado. Para recuperar a economia, os militares lançaram um ambicioso
programa, Plano Quinquenal de Desenvolvimento Econômico ( 5 ) em 1962. Este seria o primeiro de muitos outros posteriores. O governo americano, considerando o regime como um baluarte contra o comunismo norte-coreano e chinês, aceitou o novo regime, mas com a promessa de que haveria retorno ao comando civil no futuro. Era evidente, no entanto, que os militares desejaram manter o poder, mesmo que sob forma civil no futuro. Em dezembro de 1962, o Conselho Supremo da Coreia do Sul adotou uma nova constituição sob sistema presidencial e unicameral. Ou seja, centralizou-se o poder. Logo, em janeiro de 1963, certas atividades políticas foram retomadas, mas sempre a manter o comunismo afastado. Kim Jong-pil havia organizado o Partido Republicano Democrático, mas mesmo assim as eleições presidenciais e legislativa em nível nacional no final do ano deu vitória apertada para Park Chung Hee, com pequena margem de liderança sobre o ex-presidente Yun Posun. Ao se legitimar no cargo presidencial, Park inaugurou a chamada Terceira República em 16 de dezembro de 1963 [146]. As perspectivas no norte-coreano eram ainda mais sombrias. No início de 1957, Kim Il Sung quase eliminou todos os seus oponentes do Partido dos Trabalhadores. No meio internacional, a refletir seu crescente isolacionismo, Kim manteve-se neutro nas crescentes tensões entre Pequim e Moscou. Ao se posicionar assim, Kim buscou barganhar com os dois centros de poder, visando angariar maior apoio e ajuda ao seu regime. Em termos políticos internos, o partido de Kim era o Estado. Em fevereiro de 1960, Kim, acompanhado de outros membros do partido, foi visitar uma vila agrícola coletivizada perto de Pyongyang, em Chongsan. Ao se deparar com problemas, passou a
acusar alguns membros do partido pelos erros. Em cima disso, elaborou uma política renovada para as vilas e comunidades interioranas, “Orientação Locais” do Grande Líder (Suryong) e isso foi aplicado para todo o país. O método visava melhorar a produtividade econômica e agrícola através de maior compromisso e fidelidade às orientações do líder norte-coreano. Em outubro de 1960, na comemoração dos 15 anos do Partido dos Trabalhadores, foi iniciada uma nova fase histórica do comunismo norte-coreano. Dali em diante, Kim Il Sung passou a ser a fonte de toda a sabedoria e verdade em relação ao passado, presente e futuro da nação. Assim passou-se a formular uma interpretação dos eventos históricos como repleto de inimigos da nação, de burgueses e capitalistas, imperialistas desde os japoneses aos estadunidenses, dos lacaios sul-coreanos, e a ascensão libertadora do comunismo sob a liderança de Kim Il Sung. Esse tipo de discurso passou a legitimar o regime nortecoreano, a pautar-se nas agressões e ameaças do exterior, e a enfatizar o heroísmo do povo e dos líderes comunistas. Na economia, a Coreia do Norte apresentou índices de crescimento ao final dos anos de 1950, o que reforçou ainda mais autoconfiança do regime unitário. Os planos de desenvolvimento, quinquenais, contudo, sempre passaram a relatar a superação dos objetivos esperados. Em 1962, um novo plano de sete anos foi elaborado. A prioridade passou a ser a indústria leve e agricultura, com o continuado destaque à indústria pesada [147]. No 4º Congresso do Partido dos Trabalhadores, referido como “Congresso dos Vitoriosos”, realizado em 11 de setembro de 1961, foi entusiasticamente confirmado como ideologia do Estado o patriotismo socialista irrestrito a ser esperado por todos os
norte-coreanos, ao que resultaria no nascimento de um novo homem socialista para o mundo. A Terceira República da Coreia do Sul teve início com os programas de desenvolvimento de Park Chung Hee. Militar de formação, Park testemunhou como os japoneses administraram com eficiência a Manchúria com a ajuda de tecnocratas advindos de instituições do Japão. Inspirado por isso, Park passou a orientar seu governo para a mesma eficiência, e assim implementou uma série de planos econômicos de cinco anos, e criou o Conselho de Planejamento Econômico, chefiado por aliados e submetendo todos os ministérios a esse conselho. A maioria dos militares no governo gradualmente passaram os seus cargos para tecnocratas mais eficientes recrutado no país e no exterior, entre os quais muitos economistas e administradores formados nos EUA. A ênfase econômica era, antes de tudo, buscar montar uma base industrial forte a garantir uma sustentada pauta exportadora superavitária, principalmente de produtos industriais leves como têxteis, sapatos e acessórios, e conter os gastos de importações [148]. Os militares, contudo, permaneceram nos setores estratégicos de segurança nacional e do Serviço Nacional de Inteligência. Como outros países subdesenvolvidos, a Coreia do Sul precisou de capital estrangeiro para impulsionar sua modernização econômica. O presidente Park tinha constatado que o Japão havia alcançado uma rápida recuperação econômica e crescimento depois da Segunda Guerra Mundial graças à demanda da Guerra da Coreia, evento em que os EUA usaram o arquipélago como base de suprimentos. Assim, apoiado pelos EUA que desejava uma reaproximação entre coreanos e japoneses, foi normalizada a relação entre Seul e Tóquio, depois de negociações sobre
compensações pelo domínio colonial japonês. Houve consideráveis manifestações estudantis contra o acordo que foi considerado como precipitado e injusto, mas Park chegou a estabelecer de vez as relações diplomáticas com o Japão em junho de 1965, recebendo apenas 300 milhões de dólares como compensação histórica, e outros 500 milhões em empréstimos financeiros públicos e privados [149]. Em agosto de 1965, o governo sul-coreano ratificou pela Assembleia Nacional o envio de forças militares ao Vietnã, acatando o pedido do governo dos EUA, baseado nas promessas contidas no Memorando Brown. Nesse documento, Washington se comprometeu a modernizar e ampliar o meio industrial e militar sul-coreano, assim como empréstimos regulares. Assim, um total de mais de 300 mil soldados sul-coreanos foram lutar com os americanos no Vietnã entre 1965 e 1973, um dos maiores contingentes dos aliados ao EUA [150]. Durante o Primeiro Plano de Desenvolvimento Econômico Quinquenal (1962 – 1966), a economia sulcoreana teve desempenho de crescimento anual médio de 7,8%, alcançando um expressivo aumento de exportações do setor têxtil com intensivo uso de mão-de-obra. A Guerra do Vietnã, os empréstimos japoneses e americanos asseguraram os investimentos industriais para o Segundo Plano Quinquenal (1967 – 1971), juntamente com a poupança nacional. Graças ao crescimento econômico, Park venceu novamente as eleições presidenciais em maio de 1967 sobre seu rival, Yun Posun. Sob sua liderança autoritária e desenvolvimentista, a Coreia do Sul passou a se transformara numa economia moderna, com intenso uso de mão-de-obra que reduziu o desemprego e com o uso gerencial de burocratas conjugado com a classe empresarial industrial. Esse conluio gerencial com o governo passou a se
consolidar como uma classe dirigista que se aglomerou em torno de chaebol, conglomerado de empresas controladas por famílias e associados. Em abril de 1971, Park Chung Hee concorreu de novo para presidência, removendo o impedimento constitucional que impedia três mandatos consecutivos na Coreia do Sul. O candidato da oposição, Kim Dae-Jung (1925 - 2009), um político defensor da democracia que por anos se opusera ao autoritarismo de Park, foi derrotado nas urnas. Chaebols tinham contribuído consideravelmente para a campanha eleitoral para a campanha de Park, e o Serviço Nacional de Inteligência manteve-se vigilante para investigar e intimidar qualquer industrial que apoiasse Kim Dae-Jung. Ademais, a promessa de unificação com o norte coreano de Kim DaeJung pareceu soar comunista ou esquerdista demais para os elementos anticomunistas e conservadores da Coreia do Sul. O eleitorado sul-coreano, nas eleições, tinha mostrado certa divisão geográfica, com as províncias no sudoeste a apoiaram mais o candidato da oposição, enquanto os mais sulistas, ao presidente Park. Apesar de sua vitória, Park Chung Hee teve que lidar com uma crescente inquietação social diante de seu regime autoritário. Diante disso, Park passou em 1972 a concentrar ainda mais o poder presidencial, a garantir a ordem pública, e não permitir dissidências e críticas ao seu regime [151]. Com a mudança de poder soviético, nas mãos do Nikita Khrushchov e de sua atitude irresoluta na crise cubana em 1962, a liderança norte-coreana passou a considerar Moscou como fraco e inábil diante do imperialismo norteamericano. Ademais, a Coreia do Norte tinha piorado em seu relacionamento com a China após membros da Guarda Vermelha chinesa terem criticado abertamente o regime de Kim Il Sung em 1967 durante a Revolução Cultural. Assim, o
norte coreano passou a sentir-se ameaçado, ainda mais quando a Coreia do Sul de Park Chung Hee firmou tratados com o Japão e EUA. Para piorar ainda mais, o exército sulcoreano fortaleceu-se consideravelmente com a ajuda dos EUA depois da participação na Guerra do Vietnã. Desde 1962, a Coreia do Norte tinha enfatizado uma política de defesa a ser implementado junto com o desenvolvimento econômico, como declarado no slogan da época: todas as pessoas armadas, todo território fortificado, todas as forças autorizadas e modernizadas. O orçamento de defesa tinha aumentado abruptamente para cerca de 30% do orçamento nacional entre 1967 a 1971. No entanto, isso começou a afetar o crescimento econômico da nação, gerando críticas e descontentamentos mesmo no opressivo ambiente do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte. As perseguições seguiram-se a isso, com membros de um subgrupo de membros comunistas guerrilheiros de lutaram contra os japoneses, da facção Gapsan, foram expurgados em 1967 [152]. Na sua visita presidencial em 1965, Kim Il Sung declarou que o Partido dos Trabalhadores manteria consistentemente sua filosofia única, juche, autossuficiência política e econômica e autodefesa militar. O Juche permitiu a Kim solidificar de vez o culto à sua figura no regime nortecoreano, a não depender de outros regimes, nem a tolerar dissidências. Seu local de nascimento, em Mangyongdae, foi declarado como santuário sagrado nacional e seus ancestrais foram sepultados e cultuados como heróis combatentes. Supostamente, seu avô foi considerado como um dos envolvidos no incêndio do navio americano, General Sherman, em 1866. O senso de isolamento norte-coreano aumentou ainda mais em janeiro de 1968, quando um grupo se infiltrou na Zona Desmilitarizada na fronteira ao
longo do paralelo 38 e foi para o sul e tentou atacar o presidente Park Chung Hee. Outro grupo norte-coreano planejou um ato na costa oriental da Coreia do Sul. Ademais, foi nessa época que um navio dos EUA, o USS Pueblo, foi capturado no Mar do Leste, perto da Coreia do Norte, enquanto estava em operação. Essas provocações, no entanto, pouco efeito surtiu e fez com que Park Chung Hee fortalecesse sua autoridade sobre qualquer movimento dissidente e democrático de estudantes e oposicionistas na Coreia do Sul. Em meados de 1970, Kim Il Sung, instigou outra onda de expurgos de líderes dentre do seu partido, substituindo-os por uma nova geração de revolucionários, a incluir seu filho mais velho, Kim Jong Il (1942 – 2011) que passou a ser chamado de “Querido Líder” [153]. O núcleo do poder político nortecoreano começou a ser ocupado pela família Kim e seus familiares. O início da década de 1970 pareceu ser promissor para uma maior unificação da península coreana. Em abril de 1971, o premiê norte-coreano, Kim Il Sung, anunciou uma série de propostas para uma Coreia unida em forma confederada. Em agosto, o presidente Park Chung Hee também se expressou visando uma maior integração com o norte. Eventualmente, a Cruz Vermelha da Coreia do Sul passou a se envolver nos esforços humanitários de famílias separadas pela divisão da península. Para isso, representantes de ambos os lados do paralelo 38 trocaram publicamente declarações de unidade e foram realizadas reuniões preparatórias em contatos secretos entre Seul e Pyongyang. Finalmente, em 4 de julho de 1972, um acordo foi tornado público entre Kim Yong-ju (1920 - ), diretor do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte e irmão de Kim Il Sung, e Lee Hu-rak (1924 - 2009), diretor do Serviço
Nacional de Inteligência da Coreia do Sul que visitou a capital norte-coreana em segredo. O encontro entre os dois representantes coreanos resultou numa declaração de três princípios de reunificação: autoconfiança, paz e solidariedade nacional. Os dois lados concordaram em estabelecer uma Comissão Coordenada Norte-Sul, e a ligar os dois gabinetes de governo diretamente por uma linha telefônica. E assumiram o compromisso de diminuir as acusações um contra o outro nas declarações públicas. Apesar das boas intenções, o comunicado de 4 de julho de 1972 não levou as duas Coreias para uma reunificação. Na verdade, acabou exacerbando ainda mais o controle político de ambas as partes. A fim de criar um sistema político mais eficiente para promover a solidariedade nacional contra os comunistas, Park Chung Hee suspendeu a constituição sul-coreana em 17 de outubro, declarou lei marcial e dispersou a Assembleia Nacional. Foi esboçada uma nova constituição, a de Yusin (“restauração”, também referido como Outubro Yusin, ) que maximizou ainda mais o poder presidencial, com autoridade para emitir decretos de emergência, dissolver o parlamento e nomear um terço dos legisladores, isso num mandato de seis anos sem limites de mandatos. O presidente sul-coreano seria a partir da nova constituição eleito indiretamente por delegados distritais pelo país, que poderiam ser facilmente influenciados pelo poder executivo nacional. Já em dezembro de 1970, Park Chung Hee foi reeleito como presidente praticamente onipotente na Coreia do Sul. Enquanto isso, em Pyongyang, o Conselho Supremo convocou uma sessão para adotar uma nova constituição norte-coreana que passou a concentrar ainda mais o poder de Kim Il Sung, que a partir de então seria presidente do país. O presidente, no comando do Comitê Central do Povo, órgão executivo máximo recém-criado, foi adotado
constitucionalmente com todos os poderes sem precedentes no mundo. Enquanto essas duas tendências das duas Coreia tiveram curso, em 30 de agosto de 1972, houve negociações entre representantes de ambos os lados pela Cruz Vermelha em Pyongyang. Delegações sul-coreanas oficialmente atravessaram a fronteira pela primeira vez desde a divisão da península. Mês seguinte, norte-coreanos foram a Seul. No entanto, o diálogo entre as partes nunca chegou a uma conclusão substancial, já que os sul-coreanos desejaram resolver antes as questões familiares e humanitárias da separação, enquanto os norte-coreanos queriam resolver primeiramente questões políticas como a abolição das leis anticomunistas no sul. As visitas, nesse sentido, começaram a ser mais apresentações cerimoniais para a mídia, não tendo mais resultados concretos produzidos. Apesar disso, as trocas familiares ainda continuaram até agosto de 1973, quando Kim Yong-ju, presidente da Comissão Coordenada Norte-Sul, resolveu suspender os diálogos como protesto contra o sequestro de Kim Dae-Jung pelo serviço secreto sul-coreano quando estava em exílio em Tóquio em 8 de agosto [154]. Park Chung Hee e seus seguidores acreditaram que a democracia sul-coreano poderia esperar até que a economia estivesse desenvolvida o suficiente para lidar com a pobreza generalizada do país. De fato, o lema de seu governo foi “economia agora, democracia depois” [155]. Como resposta à crescente desigualdade social devido aos anos de industrialização urbana, a partir de abril de 1970 o presidente Park passou a implementar o programa de desenvolvimento e modernização agrário, no Movimento Saemaul (“Nova Comunidade”, ), especialmente nas regiões e províncias mais precárias. O programa rural foi inspirado nas tradições comunitários coreanas, de solidariedade, cooperação laboral (dure, ) e autogoverno
(hyangyak, ). Park estendeu esses conceitos para toda a nação em uma política nacional aplicando-o para as empresas, escolas e organizações sociais. Apesar disso, a sociedade sul-coreana tinha mudado e passou a ser cada vez mais crítica com seu regime antidemocrático. Em 1973, intelectuais, líderes religiosos, políticos de oposição e líderes estudantis iniciaram uma ampla campanha contra a constituição Yusin. Isso foi amplificado depois do sequestro de Kim Dae-jung no Japão em agosto. Uma campanha de petição para novas emendas constitucionais surgiu. Park, reagiu duramente a isso, e suprimiu o direito de manifestação conforme o Decreto de Emergência no. 1, segundo o qual a lei marcial poderia condenar infratores com até 15 anos de prisão. Mesmo assim, as manifestações se intensificaram e se espalharam pela Coreia do Sul. Após outro decreto emergencial, o de no. 4, entrar em vigor, oito estudantes foram presos e executados e 14 sentenciados à pena de morte. Um deles foi um poeta e escritor ativista, Kim Chi-ha (1941- ), que se tornou célebre pelo seu poema “Cinco Bandidos” (Ojok) e por seu tempo de prisão, e pelo seu pseudônimo, Jiha (“subterrâneo”) [156]. O clima ficou ainda mais tenso no regime sul-coreano quando um agente norte-coreano tentou assassinar o presidente Park no Dia da Independência em 15 de agosto de 1974. O agente falhou em seu alvo, mas atingiu a primeira-dama que estava junto com o presidente na cerimônia de comemoração do dia. O regime Yusin de Park perdurou com vigor, e passou a reprimir e censurar qualquer manifestação de oposição e suspeita. Com a vitória dos comunistas no Vietnã em 1975, o regime de Park passou a temer ainda mais a ameaça esquerdista, fortalecendo ainda mais os decretos de emergência. Essas
medidas draconianas de supressão dos direitos humanos provocaram reações internacionais. Isso se tornou um escândalo quando foi revelada a ação de um lobista sulcoreano, Tongsun Park, a subornar legisladores dos EUA em Washington visando impedir o governo de pressionar a Coreia do Sul, no que depois ficou conhecido como o caso Koreagate, revelado na imprensa americana em 1976. Essa questão diplomática delicada foi combatida pelo presidente Jimmy Carter (1924 - ), que passou a pressionar pela retirada das tropas americanas na Coreia do Sul pelas violações dos direitos humanos do regime de Park, conforme declarou em sua visita a Seul em 1978 [157]. Apesar das pressões, Park Chung Hee não buscou reformar seu regime para maior democratização, enfatizando em primeiro plano o desenvolvimento econômico da Coreia do Sul. Isso começou a gerar desgaste no meio político sul-coreano. Em maio de 1979, Kim Youngsam (1927 - 2015), um ativista social contra o regime Yusin, foi eleito líder da oposição. Por manobras deliberadas do governo, Kim foi retirado de sua posição por agentes do Serviço Nacional de Inteligência. Kim tinha por anos defendido maior pressão do governo de Carter para pressionar o presidente Park pelos abusos dos direitos políticos e humanos. Em outubro, uma grande manifestação estudantil tomou as ruas de Pusan, cidade portuária no sul da península e terra natal de Park Chung Hee. Quando os protestos começaram a ganhar a mídia e se espalhou para a cidade próxima de Masan, o governo declarou nova lei marcial e Forças Especiais foram mobilizadas. No mesmo mês, como protesto, os americanos decidiram retirar seu embaixador de Seul, e Kim Young-sam e seus partidários do Novo Partido Democrático da Assembleia Nacional [158].
A rivalidade política começou a se avizinhar do círculo mais próximo do presidente Park. Em 26 de outubro, Kim Jae-gyu (1926 – 1980), diretor do Serviço Nacional de Inteligência, foi discutir sobre os protestos com o presidente. No evento, Kim atirou e matou Park Chung Hee. Isso demonstrou o desgaste e impopularidade crescente do regime Yusin, que passou a ser criticado inclusive por agentes de segurança e inteligência, além de militares sulcoreanos apoiados por americanos e sob comando nominal das Nações Unidas desde a invasão norte-coreana em 1950. Park, diante disso, tinha criado um corpo de segurança sob comando presidencial para suprimir rebeliões e insurreições. O chefe dessa guarda de segurança era o paraquedista Cha Chichol (1934 – 1979) que tinha se desentendido ao longo do tempo com o diretor do Serviço Nacional de Inteligência, Kim Jae-gyu. As duas organizações, portanto, começaram a rivalizar pelas questões cruciais de segurança da Coreia do Sul. No dia do assassinato do presidente, Park tinha favorecido a posição de Cha em detrimento dos pedidos de Kim. Sendo assim, Kim, vendo-se afastado dos favores do presidente sobre como lidar com os protestos e manifestações, decidiu por bem atirar contra Park Chung Hee e também matando Cha. Kim Jae-gyu, depois foi condenado à pena de morte por enforcamento em 24 de maio de 1980. Depois de 18 anos de governo autoritário, Park Chung Hee construiu uma nação sul-coreana moderna, próspera e industrializada. Frequentemente é alegado que a Coreia sob Park foi mais uma empresa, onde 51% das ações dos grandes conglomerados nacionais, chaebols, pertenciam ao próprio presidente. De fato, o PIB da Coreia do Sul subiu de US$ 2,3 bilhões em 1962 para US$ 61,4 bilhões em 1979. A renda per capita aumentou de US$ 87 para US$ 1,597 no mesmo período [159]. Mas esse desenvolvimento veio às
custas da supressão de qualquer tendência democrática e livre expressão social e política. A questão sucessória de Kim Il Sung apareceu em setembro de 1973, em Pyongyang, dando destaque ao seu filho mais velho, Kim Jong Il (1942 - 2011) que tinha sido nomeado como o segundo posto mais poderoso do regime norte-coreano do Partido dos Trabalhadores, a ser responsável pela parte da propaganda, organização e orientação. Depois que se tornou membro pleno do Comitê do Partido em fevereiro de 1974, Kim Jong Il tornou-se o herdeiro oficial do “Grande Líder”, seu pai. Nos anos seguintes, Kim filho passou a empreender uma ampla campanha conhecida como Movimento Revolucionário, em que foi promovida a ideologia juche, em três dimensões: filosofia, tecnologia e cultura. Com isso, o sucessor nortecoreano passou a liderar uma nova geração de elites da Coreia do Norte, a consolidar seu papel de dirigente nacional. A sucessão foi oficialmente confirmada no 6º Congresso do Partido dos Trabalhadores em outubro de 1980, quando Kim Jong Il foi nomeado como membro de duas organizações importantes da Coreia do Norte: do Comitê Executivo Político do Partido (ou Politburo) e do Comitê Militar do Secretariado do Partido [160]. A política pautada no juche da Coreia do Norte passou a exigir o total compromisso e lealdade de cada cidadão coreano, numa estrutura econômica isolada que se estagnou durante a década de 1970. As dificuldades econômicas para o desenvolvimento não foram superadas apesar do Plano de Seis Anos (1971 – 1977) e o subsequente Plano de Sete Anos (1978 -1984). Ademais, a taxa de crescimento foi inferior a 2%, enquanto o vizinho ao
sul tinha alcançado taxa de cerca de 10%. Em 1980, o PIB da Coreia do Sul, quase US$ 65 bilhões, era mais de seis vezes maior que o do norte, que ficou em torno de um total de quase US$ 10 bilhões. O desempenho de crescimento do PIB norte-coreano será sofrido entre os anos de 1980 a 1985, estimado em torno de 3,6% anual, e ainda mais sofrido entre os anos de 1985 a 1990, em torno de 1,4% [161]. Devido em grande parte à orientação autossuficiente, a economia norte-coreana sofreu com a falta de inovação tecnológica com o tímido contato com o exterior, a baixa atividade da atividade comercial que era quase toda controlada pelo Estado, e as deficiências do setor energético. Mesmo assim, a liderança norte-coreana e sua estrutura partidária manteve-se no poder. O assassinato de Park Chung Hee passou a ser investigado pelo Major General Chun Doo-Hwan (1931 - ) no comando da área de segurança do governo sul-coreano. No processo judicial, Chun começou a crescer no cenário político e militar entre a geração mais nova depois da morte de Park e de seu chefe de segurança pessoal, Cha Chichol. Segundo a Constituição Yusin em vigor na época no artigo 48, o presidente assume as funções do chefe de governo nessas ocasiões, e assim Choi Kyu-hah (1919 – 2006) chegou ao posto máximo da Coreia do Sul em 1979. No entanto, nos círculos militares houve grande inquietação sobre o futuro político da nação. Oficiais da área de segurança e defesa leais a Chun, como o Major General Roh Tae-woo (1932 - ), organizaram um golpe de Estado em que o Chefe do Estado-Maior do Exército da Coreia do Sul foi detido e preso em 12 de dezembro de 1979. Como em 1961, os EUA pouco fizeram a respeito para impedir o golpe. Assim, Chun e Roh deram o primeiro passo em direção à hegemonia política.
Depois de 18 anos do governo autoritário de Park Chung Hee, o povo sul-coreano passou a exigir reformas democráticas e maior liberdade política, depois de décadas de crescimento econômico. Líderes políticos da oposição, como Kim Dae-jung, Kim Jong-pil e Kim Young-sam prepararam-se para concorrer às novas eleições presidenciais. Os militares, no entanto, não pretendiam abrir mão do governo, e pouco fizeram para implementar o processo de normalização política. Em 14 de maio de 1980, houve grande manifestação estudantil pela democratização em Seul. No próximo dia, dezenas de milhares encheram o centro de Seul e protestaram contra a tentativa dos militares de obstruir a democracia sul-coreana. Esse “Primavera de Seul”, contudo, teve vida curta, pois em 17 de maio, uma lei marcial foi decretada e todas as atividades políticas foram proibidas. Os militares passaram a reprimir as manifestações nas ruas e campi universitários. Kim Daejung e Kim Jong-pil foram presos acusados de insurreição e desordem. Kim Young-sam foi colocado em prisão domiciliar. Chun Doo-Hwan formou uma junta militar a ser presidida por ele mesmo nas instâncias máximas do poder. E no dia 18 de maio de 1980, novas manifestações de larga escala foram reprimidas, dessa vez em Gwangju, a sudoeste do país e região natal de Kim Dae-jung. A cidade de Gwangju, capital da província, chegou a ser controlada pelos rebeldes e mantiveram assim por mais de uma semana, até 27 de maio, e o caso passou a inspirar outros movimentos pela Coreia do Sul. Mas no dia 27, logo as Forças Especiais entraram na cidade e mataram centenas de manifestantes e estudantes. Há estimativas de que foram mortas 606 pessoas [162]. Essa breve chama pela democratização foi apagada pelo regime militar. Os EUA, em maio de 1980, tinha cerca de 37 mil tropas estacionadas na Coreia do Sul, mas preferiu seguir uma política de não-interferência, que
os tornaram figura criticada pelos democratas e opositores ao regime sul-coreano. Em setembro de 1980, Chun Doo-Hwan foi eleito presidente indiretamente pelos delegados da Assembleia Nacional, órgão criado por Park Chung Hee na Constituição Yusin. Logo antes de sua eleição, Chun havia ampliado o mandato presidencial para o limite de sete anos. Pressionado pelo golpe de Estado no ano anterior e pela repressão em Gwangju, o presidente Chun passou a promover políticas de apaziguamento e visibilidade, como a abolição do toque de recolher, abrandamento das leis de segurança e permitir viagens ao exterior. Para impulsionar a imagem da Coreia do Sul no meio internacional, o governo juntamente com o apoio de chaebols, defenderam em 1981 a hospedagem em Seul dos Jogos Olímpicos a ser realizado em 1988. No plano econômico, o governo de Chun passou a colher os frutos de anos de investimento na indústria leve, química, metalúrgica e naval durante a década de 70 sob o presidente Park, e começou a traçar novas metas na década de 80 para bens de consumo. Devido ao baixo preço do barril de petróleo, dos dólares americanos e dos juros, a indústria sul-coreana tinha se consolidado expressivamente no setor automobilístico, naval e eletrônicos que passaram a ser a sua principal pauta exportadora. Em 1986, surgiu o primeiro carro sul-coreano produzido em massa, o Hyundai Excel, que entrou com sucesso no mercado dos EUA. Em 1987, o PIB da Coreia do Sul atingiu a marca de US$ 1, 284 trilhões, com renda per capita de US$ 3,098 [163]. Apesar disso, ainda havia considerável desigualdade econômica na sociedade, entre o meio urbano e rural, e isso iria resvalar para movimentos de protestos e sindicatos.
No 6º Congresso do Partido dos Trabalhadores da Coreia em 10 de outubro de 1980, o presidente norte-coreano, Kim Il Sung propôs uma fórmula de reunificação das duas Coreias, a serem estabelecidas numa forma confederativa, a República Democrática Confederada de Koryo [164]. O governo proposto seria um Estado com dois sistemas, com o governo central a ser responsável pelas questões de assuntos internacionais e militares, enquanto cada um dos dois teria governos com total autonomia interna. Embora a ideia de Kim Il Sung tenha parecido plausível, a questão de quem iria controlar o governo central permaneceu disputado e incerto se a forma confederada fosse implementada. Em 1982, o presidente Chun Doo-Hwan propôs uma contrapartida, sua própria fórmula de reunificação coreana, em que seria adotada uma constituição democrática unida. Tendo em vista as dificuldades das negociações entre o norte e o sul, essa ideia também pareceu irreal. Em outubro de 1983, a perspectiva de união tornou-se impraticável, quando um terrorista norte-coreano colocou uma bomba na tentativa de assassinar o presidente Chun em visita diplomática à Birmânia (Mianmar). Apesar do presidente ter conseguido sair com vida, 17 membros de sua delegação foram mortos. As conversas unitárias se resumiram apenas às questões humanitárias diante de famílias separadas desde a Guerra da Coreia. Nesse sentido, em setembro de 1985, pela primeira vez desde 1953, membros de famílias do sul e do norte atravessaram Panmunjom, na Área de Segurança Conjunta da ONU da Zona Desmilitarizada. Um grupo de norte-coreanos veio depois visitar familiares em Seul, enquanto sul-coreanos selecionados foram para Pyongyang. O sistema norte-coreano começou a ser solidificar num monólito de culto aos Kims ao longo da década de 1980. As
publicações e a campanha ideológica e propagandística começaram a construir o mito da vida de Kim Jong Il. Supostamente Kim Jong Il teria nascido em um acampamento secreto da montanha sagrada de Baekdu, onde teria originado Dangun, a figura fundadora da nação coreana. Kim Júnior teria sido um aluno brilhante e teria formulado planos de Estado, incluindo atentados contra a Coreia do Sul como a que aconteceu na Birmânia (Mianmar) em 1983, assim como ocorrido contra o voo 858 da Korean Air em pleno ar sobre o Mar de Andamão em 29 de novembro de 1987 [165]. A filosofia juche foi reforçada na Coreia do Norte, a fundamentar a continuidade do regime de Kim Il Sung para o esforço de construção da nação para o futuro. No início da década de 1990, Kim Jong Il já tinha se tornado no comandante supremo do Exército do Povo Coreano e a presidente do setor de defesa do país. A partir de meados da década de 1980, a sociedade sulcoreana começou a se mobilizar mais uma vez pedindo a revisão da Constituição Yusin para instituir a votação popular para presidência. No entanto, o presidente Chun Doo-Hwan manteve-se persistente em manter a constituição no qual seu sucessor no poder seria escolhido indiretamente por delegados. Em 10 de junho de 1987, houve a morte de um estudante por tortura policial que desencadeou outra grande manifestação no centro de Seul. No evento, ficou claro que as contestações tinham crescido para além dos oposicionistas e esquerdistas sul-coreano. Relutantemente, o presidente Chun e seu candidato sucessor, Roh Tae-woo, cederam às demandas populares e anunciaram em 29 de junho a aceitação de eleições presidenciais diretas. Essa eleição ocorreu finalmente em dezembro de 1987, para um mandato presidencial para cinco anos, modificando a constituição. Foi o primeiro voto
universal direto para presidente em 16 anos. Roh Tae-woo acabou vencendo com 36% dos votos, acima dos opositores, Kim Young-sam e Kim Dae-jung, que não conseguiram se unir na oposição democrática. No entanto, nas eleições legislativas posteriores, realizada em abril de 1988, o partido de Roh não conseguiu maioria parlamentar e assim teve que formar coalizão com Kim Young-sam e Kim Jong-pil, alienando de vez Kim Dae-jung na política sulcoreana. O verão de 1988 marcou o momento de maior visibilidade de Seul e da Coreia do Sul em décadas. Foi quando foram realizadas em setembro na capital os 24º Jogos Olímpicos, com a ampla participação dos países comunistas depois do boicote aos jogos anteriores em 1984 em Los Angeles. A Coreia do Norte foi a única que não mandou representantes e atletas. As Olimpíadas de Seul refletiram os novos tempos e esperanças de uma península unificada e paz mundial nos anos finais da Guerra Fria. Ao mesmo tempo, deu oportunidade à Coreia do Sul a demonstrar seu desenvolvimento econômico e comprometimento democrático recente. Aproveitando a ampla visibilidade, o governo de Roh Tae-woo buscou melhorar a imagem da Coreia do Sul depois de anos de repressão antidemocrática e abusos de direitos humanos. A partir de fevereiro de 1989, no contexto das mudanças na Europa, a Coreia do Sul estabeleceu relações diplomáticas com a Hungria e depois com a União Soviético em setembro de 1990 e com a China comunista em agosto de 1992. Buscando o diálogo com o vizinho ao norte, o presidente Roh propôs uma série de visitas em sua declaração feita em 7 de julho de 1988. Prometeu que o sul-coreano iria apoiar o estabelecimento dos contatos de Pyongyang com o Japão e EUA. Para fins de unificação da península, Roh apresentou um programa em 1989, para uma Comunidade Nacional
Unificada [166], e as duas Coreias entraram com representações próprias na ONU em 17 de setembro de 1991, depois de meses de intercâmbios esportivos e culturais acordados entre Seul e Pyongyang. Em 13 de dezembro, foram assinados acordos de alto nível sobre reconciliação entre as partes, e foi almejado cooperação, trocas e não-agressão. Os dois lados coreanos concordaram em reconhecer a existência de cada governo, a respeitar suas diferenças e autonomias. Embora tenha sido um grande gesto diplomático, ainda não foi reconhecido acordos sobre a liberdade de imprensa e indústria, que resultou em crescente movimentos de protesto de sindicatos e de trabalhadores de colarinho branco como professores e jornalistas na Coreia do Sul. Isso ganhou força depois do número de sindicatos e associações trabalhistas ter aumentado consideravelmente depois de 1987. Greves e paralisações tornaram-se cada vez mais frequentes na Coreia do Sul no fim da década, que passou a afetar o desempenho econômico da nação. Para as eleições presidenciais de dezembro de 1992 na Coreia do Sul, os dois candidatos democráticos, Kim Youngsam e Kim Dae-jung saíram à frente nas pesquisas. O presidente do grupo Hyundai, o maior chaebol da Coreia do Sul, Chung Ju-yung (1915 – 2001), também fez sua candidatura como dissidente do regime anterior. Young-sam, que havia feito coalizão com o partido governista de Roh, venceu as eleições. Como primeiro presidente civil sul-coreano em 32 anos, Kim Young-sam passou a investir no processo de democratização da Coreia do Sul. Para tanto, seu governo foi marcado por denunciar os abusos do regime militar do passado e a legitimar a república com base na Segunda
República (1960 – 1961) de Chang Myon e da Primeira (1948 – 1960) de Syngman Rhee, indo até mesmo ao Governo Provisório da República da Coreia sediada em Xangai durante a ocupação japonesa. Para destruir o passado de opressão, Young-sam mandou demolir o antigo prédio do governador-geral japonês em Seul (Joseonchongdokbu Cheongsa, ), o “Capitólio de Seul”, em novembro de 1996. No campo político, o novo presidente passou a perseguir e condenar membros corruptos e militares do regime autoritário anterior. E passou a defender eleições provinciais ausentes no país desde o golpe do General Park Chung Hee em 1961. Kim Young-sam, por fim, conseguiu levar a julgamento os dois presidentes anteriores, Roh Tae-woo e Chun Doo-Hwan. Apesar de terem sido condenados pelo envolvimento no golpe de dezembro de 1979, e pelas repressões em Gwangju em maio de 1980, foram depois anistiados em momento posterior. Juntamente com várias lideranças políticas, militares e empresariais. No início dos anos 90, a Coreia do Sul de Kim Young-sam passou a sofrer pressões globais para liberalizar seu mercado. Em agosto de 1993, o presidente Kim reformou, para tal fim, as práticas bancárias ao adotar um sistema de transações em tempo real para dar maior transparência financeira. Em dezembro, o governo sul-coreano assinou o Acordo da Rodada Uruguai, abrindo de vez a maioria do seu mercado interno, incluindo para commodities, finanças, construção, distribuição e serviços. Em setembro de 1996, a Coreia do Sul foi admitida para o seleto grupo de países desenvolvidos membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), criada para cooperação e desenvolvimento conjunto internacional. De fato, em números, a Coreia do Sul apresentava-se com altos índices de desenvolvimento, chegando sua renda per capita
a US$ 10,000 em 1996, tendo crescido a renda consistentemente na década em média 5% por ano [167]. O crescente isolamento do regime da Coreia do Norte complicou a sobrevivência econômica do país na década de 1980, e isso foi ainda mais dificultado depois da queda dos regimes comunistas em 1989. A economia norte-coreana, até então, tinha persistido no seu esforço de autossuficiência (juche) com ajuda de envio de alimentos e petróleo da China e União Soviética. Mas com pouca terra arável, e com escassos recursos energéticos, a Coreia do Norte teve que negociar e barganhar como pôde sob o comando de Kim Jong Il. Após o colapso do Muro de Berlim, a URSS cortou seu fornecimento de petróleo, pois passaram dali a exigir pagamento devido em divisas internacionais. Da China, igualmente, foi exigido que Kim Jong Il passasse a reformar sua economia de mercado aberto. O governante norte-coreano, então, teve que optar por uma estratégia crucial para a sobrevivência de seu regime. Desde 1980, na pequena cidade de Yongbyon, a cerca de 100 km de Pyongyang, esteve em desenvolvimento um centro de pesquisas e usina nuclear experimental em andamento. Em 1986, foram obtidos os primeiros resultados positivos do material radiativo. A usina e o centro de pesquisa nuclear de Yongbyon (Nyeongbyeon haeksiseol. ), começou a chamar a atenção mundial quando imagens de satélite revelaram sua existência. As imagens foram publicadas no New York Times em 1989. O material acumulado de plutônio do uso de urânio da usina poderia ser usado para posterior fabricação de armamento nuclear, algo que os EUA começaram a monitorar de perto. Apesar de ter ratificado o acordo do Tratado de NãoProliferação Nuclear (TNP) em 1985, a Coreia do Norte
recusou receber uma equipe de investigação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), organização que fiscaliza a proliferação de armas nucleares no mundo. Assim sendo, Kim Jong Il passou a barganhar com sua posição nuclear, a fim de obter ajuda econômica internacional, chegando mesmo a anunciar a sua retirada do TNP em 1993. Mas isso não chegou a se concretizar, pois em julho de 1994 Kim, após uma série de negociações com os EUA com os bons ofícios do ex-presidente americano, Jimmy Carter que visitou Pyongyang em missão não-oficial, concordou em abolir o desenvolvimento do programa de Yongbyon na condição de que os americanos e seus aliados providenciassem ajuda nuclear para a construção de reatores de água leve para atender as demandas energéticas. Essas estações, evidentemente, não produziriam combustível que pudesse ser usado em armas nucleares. Ademais, Jimmy Carter havia solicitado como condição em Pyongyang o prosseguimento das negociações com o regime sul-coreano, e para isso tinha antes recebido o compromisso do presidente sul-coreano, Kim Young-sam para tal. Alguns meses antes da visita de Carter, o Kim Youngsam tinha realizado reuniões com norte-coreanos a fim de negociar a soltura de presos comunistas na Coreia do Sul. Ao ser informado da missão de Carter ao norte, Young-sam então propôs uma reunião de cúpula Norte-Sul. Em 28 de junho de 1994, foi realizado os primeiros contatos preliminares entre delegados dos dois países asiáticos. Entretanto, Kim Il Sung, que tinha negociado para a parte norte-coreana, chegou a falecer de infarto do miocárdio em 8 de julho, e as negociações foram interrompidas.
Kim Jong Il havia ascendido ao cargo de governante de fato há anos na Coreia do Norte, muito antes da morte de seu pai, o “Grande Líder” da nação norte-coreana. Visando respeitar a posição única de Kim Il Sung, foi preservado seu cargo de presidente, e Kim Filho assumiu apenas a função de presidente da Comissão Nacional de Defesa. Efetivamente era o líder inconteste, ainda mais reforçado com o laço sanguíneo de seu genitor. Uma vez no poder, sem qualquer obstrução, Kim Jong Il passou a adotar uma posição mais assertiva sobre a questão nuclear com os EUA. Em outubro de 1994, o governo norte-coreano e os EUA assinaram novo acordo, em que foi prometida a interrupção da estação de Yongbyon, em troca do fornecimento pelos EUA e aliados de 5 mil toneladas de petróleo anualmente até que fossem concluídas a construção de duas instalações nucleares de água leve na Coreia do Norte. Para tanto, foi estabelecida em 15 de março de 1995 a Organização de Desenvolvimento de Energia da Península Coreana (Korean Peninsula Energy Development Organization, KEDO), no qual a Coreia do Sul, Japão, União Europeia e outros, participariam financeiramente com a construção das estações de água leve [168]. Assim, Kim Jong Il conseguiu assegurar o fornecimento energético de petróleo desesperadamente necessário para a economia norte-coreana. Mas ainda havia a questão da carência alimentar. Em 1995, a China passou a exigir o pagamento por divisas internacionais de seu suprimento de alimentos para a Coreia do Norte. No referido ano, Kim Jong Il passou a pleitear ajuda alimentar para as Nações Unidas, pelo Programa Alimentar Mundial (PMA), a atender áreas emergenciais atingidas pela fome. Para justificar seu pedido à agência internacional, Kim Jong Il tinha apresentado como causa da fome e morte de cerca de 5 milhões de nortecoreanos, inundações sem precedentes. Foi nesse veio que
a mídia norte-coreana passou a divulgar imagens de milhões de coreanos em situação famélica que chocou a opinião internacional. Apesar disso, os inspetores do PMA somente puderam visitar uma área limitada do país, e não puderam confirmar o fato de crise generalizada, nem as causas destrutivas das supostas inundações em 1995. Mesmo assim, o governo norte-coreano continuou a insistir na crise humanitária até 1997, quando o PMA resolveu atender os pedidos humanitários [169]. O presidente sul-coreano, Kim Young-sam em 1997 enfrentou uma grave crise financeira. Isso decorreu depois de anos de investimentos e empréstimos de bancos coreanos com juros baixos em mercados de alto risco no Sudeste Asiático e na Rússia. Quando os investidores internacionais se retiraram dos mercados de risco da Indonésia e Tailândia, a crise se alastrou pelos mercados asiáticos no verão de 1997. A Coreia do Sul não ficou imune a isso. O governo de Kim teve, portanto, via o Ministro das Finanças, Lim Chang-yuel, de pedir ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para resgatar os bancos sul-coreanos de declarar moratória. As eleições presidenciais sul-coreanas ocorreram, como esperado, em 18 de dezembro de 1997. Desta vez, Kim Dae-jung se colocou como opositor e concorreu contra o candidato da situação, o ex-primeiro ministro de Kim Youngsam, Lee Hoi-chang (1934 - ). Em 3 de dezembro, alguns dias antes das eleições, o governo sul-coreano havia sancionado o primeiro pacote de resgate financeiro do FMI, no valor histórico de US$ 57 bilhões, sob duras condições [170]. A sociedade sul-coreana, que havia desfrutado de décadas de prosperidade, sofreu com as amargas demissões exigidas pelo plano de reestruturação do FMI e da alta das taxas de juros. Insatisfeitos, a maioria do
eleitorado nas urnas escolheu o oposicionista, Kim Dae-jung para presidente. Uma vez no cargo presidencial, Kim Daejung agiu rapidamente para resolver o problema da crise financeira da Coreia do Sul. Usando seu capital histórico e pessoal, Dae-jung conseguiu convencer a maioria dos sulcoreanos a enfrentar a crise social nos dois anos seguintes. Em 2000, a Coreia do Sul já tinha pagado parte substancial de seu empréstimo do FMI. Com a estabilidade econômica e financeira recuperada, o presidente Kim Dae-jung passou a formular uma nova política de unificação da península coreana. Como líder da oposição liberal que havia por anos clamado por uma postura mais negociadora com a Coreia do Norte, o presidente Kim Dae-jung tinha sido no passado rotulado pelos militares e conservadores como liberal e marginalizado demais no sistema político autoritário sulcoreano. Agora, como presidente, Dae-jung elaborou uma nova postura com a “Política da Luz do Sol” (Haetbyeot jeongchaek, ), termo inspirado numa das fábulas de Esopo, “O Vento do Norte e o Sol”, que enfatiza a superioridade do poder da persuasão sobre o uso da força. Sob essa nova política, o governo sul-coreano iria prestar assistência econômica ao norte, em vez de buscar estrangulá-la por pressões e bloqueios, visando assim persuadir Pyongyang das vantagens de uma maior integração. No veio dessa nova política, o presidente sul-coreano tinha convencido a participação de um dos maiores empresários da Coreia do Sul, dono do maior chaebol, o Grupo Hyundai, a contribuir para uma política de investimentos e empréstimos para o regime do norte. Foi assim que, em junho de 1990, o empresário Chung Ju-yung (1915 - 2001), atravessou a fronteira militarizada para o norte juntamente com milhares de cabeças de gado a
fornecer alimentos e aliviar a pressão da fome. O ato, apesar de comovente, surtiu pouco efeito integrativo no norte-coreano. Isso se aliou ao ceticismo de muitos sulcoreanos em relação à pouca inclinação de Kim Jong Il buscar reformar a estrutura do poder e liberalizar a economia da Coreia do Norte. No entanto, as novas atitudes de conciliação com o norte surtiu mais efeito entre a geração mais nova dos sul-coreanos, que nunca haviam experimentado as consequências da fratura da península e do regime autoritário do General Park Chung Hee. Foi nesse contexto que começou a haver uma divisão ideológica na Coreia do Sul na virada do século, entre aqueles idealistas e jovens contra o ceticismo conservador dos mais velhos. A “Política da Luz do Sol” de Kim Dae-jung continuou como meta de seu governo, e buscou -se incentivar investimentos ao norte do paralelo 38, visando angariar apoio internacional e convencer pela mudança o regime de Kim Jong Il. O Grupo Hyundai, como exemplo, chegou a investir na região das Montanhas Kumkang (Kumkangsan), um grandioso projeto turístico na Coreia do Norte. Em momento culminante, o próprio presidente Kim Dae-jung foi visitar oficialmente Kim Jong Il em Pyongyang em 13 de junho de 2000. No evento, os dois líderes concordaram com uma nova cooperação entre as duas nações irmãs. Disso resultou a Declaração Conjunta Norte-Sul de 15 de junho, que incluiu o enfatizou a importância na busca de conciliação das diferenças e do projeto de unificação da península, além de questões humanitárias, cooperação econômica e intercâmbios. Ademais, houve a promessa de Kim Jong Il de retribuir a visita no futuro. O idealismo do encontro resultou em desconfianças dos setores mais conservadores da Coreia do Sul, que enxergava que uma forma confederativa da península apenas manteria o regime comunista norte-coreano que,
eventualmente, poderia se alastrar para o sul. Não obstante, apesar das críticas manifestadas, a Declaração Conjunta foi o único consenso conseguido entre o norte e sul coreano em décadas. Como reconhecimento de seus esforços diplomáticos intercoreanos, Kim Dae-jung foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz de 2000. EPÍLOGO A virada para o século 21 trouxe novas perspectivas para a península coreana. O governo de Kim Dae-jung, na Coreia do Sul, conseguiu angariar forte apoio popular e internacional. A indústria sul-coreana começou a crescer para outros setores investidos, especialmente na área de Tecnologia da Informação. A realização da Copa do Mundo em 2002, juntamente com o Japão, mais uma vez chamou a atenção para a região leste asiática. No campo diplomático, Kim Dae-jung, obteve poucos resultados com o regime norte-coreano, com sua “Política da Luz do Sol”. Isso foi obstruído com os eventos de 11 de setembro de 2001,
quando o presidente dos EUA, George W. Bush, passou a pressionar ainda mais a Coreia do Norte para mudanças e abertura. Em 2003, Roh Moo-hyun (1946 - 2006), foi eleito presidente da Coreia do Sul em dezembro. Sua vitória teve forte apoio entre os mais jovens que tinham esperanças de um regime democrático mais participativo, especialmente entre ativistas jovens que tinham crescido protestando contra os regimes autoritários do passado, chamados de “Geração 386” (sampallyuk sedae, ). O novo governo empreendeu reformas econômicas liberalizantes que acarretou em consequências sociais impopulares. Foi durante seu governo que a Coreia do Sul passou a ser a 10ª maior economia do mundo [171]. Presidente Roh almejou ir além de regionalismo e privilégios entre o governo e o setor empresarial, buscando combater práticas abusivas e corruptas na Coreia do Sul. Apesar de seus esforços, Roh passou a enfrentar crescente descontentamento entre os mais jovens e desempregados a partir de 2003. Ano seguinte, Roh sofreu impedimento (impeachment) pela Assembleia Nacional, sob alegações de corrupção e violação das leis eleitorais. Apesar disso, seu partido manteve-se como maioria no parlamento nas eleições realizadas em abril de 2004, e Roh foi reempossado pela Suprema Corte. As discussões da sociedade civil e imprensa ainda persistiram nos anos seguintes. Em 2009, Roh e seus familiares passaram a ser investigados por práticas de suborno e corrupção. Em 23 de maio de 2009, não suportando mais as pressões, Roh cometeu suicídio [172]. Lee Myeong-bak (1941 - ) sucedeu Roh em fevereiro de 2008. Visando revitalizar a democracia e economia sul-
coreana, Lee planejou medidas para inserir competitivamente a nação no mundo globalizado, a conciliar com a Coreia do Norte e trazer benefícios e bemestar à sociedade. Em abril, o partido de Lee conseguiu maioria parlamentar, que garantiu ao presidente aprovação aos seus projetos nacionais. Em negociações com os EUA, Lee e Bush abordaram as questões de construir uma área de livre comércio, ajudando a aliviar as tensões entre os dois países. Lee concordou em suspender a importação de carne bovina dos EUA, que causou protesto entre os pecuaristas e industrialistas sul-coreanos. A postura de Lee Myeong-bak com o norte-coreano foi mais incisiva e dura. O presidente apostou em pressões conjuntas com a Rússia, China, Japão e EUA. Nesse sentido, as relações diplomáticas globais da Coreia do Sul melhoraram, cujo êxito veio quando hospedou a Cúpula dos Países do G20 em novembro de 2010 em Seul. Em fevereiro de 2013, Lee foi sucedido pela Park Geunhye (1952 - ), primeira mulher presidente da Coreia do Sul, e filha mais velha do General Park Chung-hee. Park não concluiu seu mandato presidencial por um escândalo que levou ao seu impeachment em dezembro de 2016. A causa foi devido a corrupção envolvendo relatos de várias organizações de notícias reportarem abusos cometidos pela sua assessora Choi Soon-sil (1956 - ) em 2016, sob acusações de tráfico de influência. Isso causou as maiores ondas de protesto da história da Coreia do Sul, mesmo com a aprovação no parlamento de impedimento da presidente. Uma vez retirada do cargo presidencial, as investigações foram julgadas e condenadas na Suprema Corte. Assim, o impeachment de Park Geun-hye foi confirmado em 10 de março de 2017. Após alguns meses, com novas eleições presidenciais, Moon Jae-in (1953 - ) foi eleito em 10 de maio. Em suma, o regime sul-coreano parece ter se consolidado
em bases democráticas, com uma sociedade civil independente e crítica, assentada numa economia desenvolvida e próspera. O contraste com o norte-coreano é revelador quando se observa fotos de satélite em órbita terrestre no período noturno. Ao norte do paralelo 38, quando não há focos de luz e eletricidade, um notável contraste com a concentração ao sul (imagem). O regime de Kim Jong Il teve que se adequar às demandas mais duras do presidente dos EUA, George W. Bush, que passou a concentrar seus esforços de luta e combate ao terrorismo sobre regimes considerados pertencentes ao “Eixo do Mal”, que incluiu a Coreia do Norte, a partir de fins de 2001. Nesse sentido, a política conciliadora da “Luz do Sol” de Kim Dae-jung foi desconsiderada, provocando uma reação de rearmamento convencional e nuclear de Pyongyang. Kim Jong Il tinha considerado com atenção o que os EUA fizeram com o regime de Saddam Hussein ao derrubá-lo em 2003. Três anos depois, o programa nuclear norte-coreano começou a retomar seu programa de desenvolvimento de ogivas e capacidade balística. Em 9 de outubro, foram realizadas detonações nucleares na base subterrânea de Punggye-ri [173]. Kim Jong Il parece ter compreendido a importância de revitalizar a economia norte-coreana. Isso foi expressado depois de sua visita à China em janeiro de 2006, quando depois declarou ter ficado impressionado com as reformas de mercado feito desde fins da década de 1970 [174]. Apesar das expectativas de reformas econômicas, o governo não abriu mão do controle das atividades do país. As tensões com os EUA e a Coreia do Sul parecem ter aumentado depois que um navio de guerra sul-coreano,
Cheonan, ter naufragado em 26 de março de 2010 na costa ocidental da península perto da fronteira dos países coreanos. O clima se agravou ainda mais depois de exercícios militares realizados pelas forças sul-coreanas na ilha de Yeonpyeong em 23 de novembro terem sofrido ataques de artilharia norte-coreana. O incidente foi amplamente condenado nos organismos internacionais. Em 17 de dezembro de 2011, Kim Jong Il morreu de ataque cardíaco. Após meses de especulações e incertezas no meio internacional, finalmente foi revelado de que seu filho mais novo, Kim Jong-un (1983 - ), seria seu sucessor. Este continuou com a política de seu pai, diante das pressões e condenações internacionais ao programa nuclear da Coreia do Norte que tinha demonstrado desenvolver e testar mísseis de longo alcance e bombas de hidrogênio, capazes, teoricamente de ir além do arquipélago japonês e atingir partes da costa do Pacífico dos EUA. As perspectivas pareciam sombrias até fins de 2017. No entanto, no ano seguinte, a Coreia do Norte anunciou que iria participar das Olímpiadas de Inverno de Pyeongchang na Coreia do Sul realizadas em fevereiro. Em março, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que iria se encontrar num encontro de cúpula com Kim Jong-un, previsto para ser realizado em 12 de junho, em Cingapura, a tratar da desnuclearização norte-coreana. Ao que tudo indica, há vontade de Pyongyang e Kim Jong-un de negociar e dialogar com a Coreia do Sul e EUA, mas na espera de contrapartida a preservar a soberania de seu regime. Resta saber se isso terá consequências duradouras para a paz e prosperidade da sofrida sociedade norte-coreana. ***
A Coreia, no conjunto de sua história, foi palco de intensos combates, migrações, embates e contestações. Disso moldou-se a nação coreana, de sua criatividade e energia, de suas adaptações e inventividades. Nas últimas décadas, a península foi fraturada em duas partes, no que convencionamos chamar de Coreia do Norte e Coreia do Sul. Os desentendimentos ainda afloram na região, amplificados pelos interesses internacionais em não perder um posicionamento no leste asiático. Mas caberá ao tempo nos revelar se a unidade coreana será restabelecida, reassumindo a unidade histórica da nação coreana.
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SOBRE O AUTOR Doutor em História Social pela FFLCH/ USP (2007), Mestre em Postcolonial Politics pela University of Wales, Aberystwyth, País de Gales, Reino Unido (2002) e graduado em Relações Internacionais pela UnB (2000). É professor do departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e tem vários artigos e publicações na área de Ásia e África contemporânea. [1] TUDOR, Daniel. Korea: The Impossible Country: South Korea's Amazing Rise from the Ashes - The Inside Story of an Economic, Political and Cultural Phenomenon. Clarendon, Vermont, EUA: Tuttle, 2012, p. 4; KIM, Chun-Kil. The History of Korea. Westport, Connecticut, EUA & Londres: Greenwood Press, 2005, p. 20; SETH, Rasmussen. Igniting The Chemical Ring Of Fire: Historical Evolution Of The Chemical Communities Of The Pacific Rim. Nova Jersey & Londres: World Scientific, 2018, p. 173. [2] KWON, O-Jung. "The History of Lelang Commandery" In: BYINGTON, Mark E. (Org.). The Han Commanderies in Early Korean History. Cambridge: Harvard University Press, 2014, pp.96-98. [3] JEON, Ho-tae. Koguryo, the Origin of Korean Power and Pride. Seoul: Northeast History Foundation, 2007, pp. 25–27. [4] KIM, Jinwung. A History of Korea: From "Land of the Morning Calm" to States in Conflict. Bloomington, Indiana: Indiana University Press, 2012, pp. 35–36.
[5] CHOI, Jongtaik. “The Development of the Pottery Technologies of the Korean Peninsula and their Relationship to Neighboring Regions” In: BYINGTON, M. E. (Org.). Early Korea 1: Reconsidering Early Korean History through Archaeology. Seul: Korea Institute, Harvard University Press, 2008, pp. 157, 176-187. [6] FARRIS, William Wayne. Sacred Texts and Buried Treasures: Issues in the Historical Archaeology of Ancient Japan. Honolulu: University of Hawaii Press, 1998, pp. 67, 109; KIM, Jinwung, A History of Korea: From 'Land of the Morning Calm' to States in Conflict. Bloomington: Indiana University Press, 2012, p. 74. [7] LEE, Peter H. “Hyangga” In: LEE, Peter H. (Org.). A History of Korean Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 2009, p. 73.
[8] Escola budista que tem como seus princípios básicos a superação das insatisfações mundanas (dukkha) e o transcendimento do círculo vicioso do sofrimento e renascimentos (samsara), objetivando a todos a alcançar o estado da iluminação (nirvana). [9] LOPEZ JR., Donald S. et al. Hyecho's Journey: The World of Buddhism. Londres & Chicago: University of Chicago Press, 2017, p. 62. [10] KIM, Duk-Whang. A History of Religions in Korea. Seul: Daeji Moonwha-sa, 1988, p. 118. [11] YU, Chai-Shin. The New History of Korean Civilization. Bloomington, Indiana, EUA: iUniverse, 2012, p. 40. [12] Influente monge budista à época que defendia a localização auspiciosas das cidades, casas, templos e cemitérios, conforme a geomancia budista, ou pungsu. [13] PRATT, Keith & RUTT, Richard. Korea: a Historical and Cultural Dictionary. Londres: Routledge, 1999, p. 466. [14] DUK-KYU, Jin. Historical Origins of Korean Politics. Seul: Jisik Sanup Publications, 2005, p. 261. [15] SHULTZ, Edward J. Generals and Scholars: Military Rule in Medieval Korea. Honolulu: University of Hawaii Press, 2000, p. 4. [16] BREUKER, R. Establishing a Pluralist Society in Medieval Korea, 918–1170: History, Ideology and Identity in the Koryŏ Dynasty. Leiden: Brill, 2010, pp. 407 – 447. [17] SHULTZ, Edward J. Generals and Scholars: Military Rule in Medieval Korea. Honolulu: University of Hawaii Press, 2000, pp. 121-123. [18] KIM, Hunggyu. Understanding Korean Literature.Traduzido por Robert J. Fraser. Londres & Armonk, Nova York: M. E. Sharpe, 1997, p. 89. [19] MACEDO, Emiliano Unzer. História do Japão: uma introdução. San Bernadino, California: Amazon, 2017, pp. 68 – 70. [20] A primeira expedição dirigiu-se principalmente à ilha meridional japonesa de Kyushu em novembro de 1274. A segunda expedição foi planejada em várias frentes a serem desdobradas em momento posterior, mas foram obstruídas por surtos de doenças e fortes ventos nos mares no mês de agosto. Acredita-se que na primeira expedição foram mobilizados em torno de 15 mil homens mongóis e chineses e 8 mil coreanos, além de 300 navios de grande porte e mais de 500 menores. YOON, Tae-Ryong. “Historical Overhang or Legacy is What States Make of It: The Role of Realism and Morality in Korea-Japan Relations” In: GANESAN, N.
(Org.). Bilateral Legacies in East and Southeast Asia. Cingapura: Institute of Southeast Asian Studies, 2015, pp. 25 – 26.
[21] PARK, Seong-Rae. Science and Technology in Korean History: Excursions, Innovations, and Issues. Fremont, California, EUA: Jain Publishng, 2005 , p. 8285. [22] YU, Chai-Shin. The New History of Korean Civilization. Bloomington, Indiana, EUA: iUniverse, 2012, p. 102. [23] LEE, Peter H. (Org.). Sourcebook of Korean Civilization: Volume Two: From the Seventeenth Century to the Modern Period. Nova York: Columbia University Press, 1996, p. 326. [24] CHOY, Bong-youn. Korea: a history. Rutland, Vermont, EUA & Tóquio: Charles E. Tuttle, 1971, p. 71. [25] GRAYSON, James Huntley. Korea: a Religious History. Londres: Routledge Curzon, 2002, p. 107. [26] PETERSON, Mark. A Brief History of Korea. Nova York: Infobase, 2010, p. 79. [27] HAN, Jongwoo. Power, Place, and State-Society Relations in Korea: NeoConfucian and Geomantic Reconstruction of Developmental State and Democratization. Plymouth, Reino Unido: Lexington, 2013, p. 139. [28] Conjunto de ideias a ser materializado no espaço que busca o equilíbrio (tal como o yin-yang) e influências positivas da ordem da natureza e do cosmos. [29] PRATT, Keith & RUTT, Richard. Korea: a historical and cultural dictionary. Londres & Nova York: Routledge, 1999, p. 255. [30] HWANG, Kyung Moon. A History of Korea. Nova York: Palgrave, 2017, p. 65. [31] TURNBULL, Stephen. Samurai Invasion: Japan's Korean War 1592–98. Londres: Cassell & Co, 2002, p. 48. [32] MACEDO, Emiliano Unzer. História do Japão: uma introdução. San Bernadino, California: Amazon, 2017, p. 83. [33] TURNBULL, Stephen. Samurai Invasion: Japan's Korean War 1592–98. Londres: Cassell & Co, 2002, pp. 72- 73. [34] HWANG, Kyung Moon. A History of Korea. Nova York: Palgrave, 2017, pp. 68 – 71. [35] PRATT, Keith & RUTT, Richard. Korea: a historical and cultural dictionary. Londres & Nova York: Routledge, 1999, pp. 350 – 351.
[36] DEAL, William E. Handbook to Life in Medieval and Early Modern Japan. Nova York: Infobase, 2006, p. 299. [37] HOARE, James & PARES, Susan. Korea: an introduction. Londres & Nova York: Routledge, 1988, p. 143. [38] ROSSABI, Morris. "Muslim and Central Asian Revolts" In: SPENCE, Jonathan D. & WILLS, John E. Jr. From Ming to Ch'ing: Conquest, Region, and Continuity in Seventeenth-Century China. New Haven & Londres: Yale University Press, 1979, pp. 191 - 192. [39] CHAN, Robert Kong. Korea-China Relations in History and Contemporary Implications. Hong Kong: Palgrave Macmillan, 2018, pp. 105 – 106. [40] MACEDO, Emiliano Unzer. História do Japão: uma introdução. San Bernadino, California: Amazon, 2017, pp. 100 – 101. [41] KANG, Etsuko Hae-Jin. Diplomacy and Ideology in Japanese-Korean Relations: From the Fifteenth to the Eighteenth Century. Nova York & Londres: Macmillan Press, 1997, pp. 138-145. [42] SHORT, John Rennie. Korea: A Cartographic History. Chicago: University of Chicago Press, 2012, p. 58.
[43] YI, Pae-yong. Women in Korean History. Seul: Ewha Womans University Press, 2008, pp. 25 -28. [44] KIM, Chun-Kil. The History of Korea. Westport, Connecticut, EUA & Londres: Greenwood Press, 2005, pp. 87 - 89. [45] SETH, Michael J. A History of Korea: From Antiquity to the Present. Plymouth, Reino Unido: Rowman & Littlefield, 2010, p. 162. [46] KIM, Chun-Kil. The History of Korea. Westport, Connecticut, EUA & Londres: Greenwood Press, 2005, pp. 89-90. [47] LEE, Ki-baik. A New History of Korea. Cambridge, Massachusetts, EUA: Harvard University Press, 1984, pp. 217 – 218. [48] HYEGYONG. The Memoirs of Lady Hyegyong: The Autobiographical Writings of a Crown Princess of Eighteenth-Century Korea. Organizado e traduzido por JaHyun Kim Haboush. Berkeley, Los Angeles & Londres: University of California Press, 2013, p. 220. [49] Ibidem, pp. 335-337. [50] KANG, Jae-eun. The Land of Scholars: Two Thousand Years of Korean Confucianism. Traduzido por Suzanne Lee. Paramus, Nova Jersey: Homa & Sekey Books, 2003, pp. 378 – 380. [51] YAKYING, Jeong. The Analects of Dasan, Volume I: A Korean Syncretic Reading, Traduzido e comentado por Hongkyung Kim. Oxford: Oxford University Press, 2016, pp. 9 -10. [52] SETTON, Mark. Chŏng Yagyong: Korea's Challenge to Orthodox NeoConfucianism. Nova York: State University of New York Press, 1997, pp. 60-61. [53] PALAIS, James B. Confucian Statecraft and Korean Institutions: Yu Hyongwon and the Late Choson Dynasty. Seattle & Londres: University of Washington Press, 2002, pp. 809 – 811. [54] KIM, Chun-Kil. The History of Korea. Westport, Connecticut, EUA & Londres: Greenwood Press, 2005, p. 95. [55]
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[57] PALAIS, James B. Politics and Policy in Traditional Korea. Cambridge, Massachusetts, EUA & Londres: Harvard University Press, 1991, p. 307. [58] HABOUSH, JaHyun Kim & DEUCHLE, Martina (Orgs.) Culture and the State in Late Choson Korea. Cambridge, Massachusetts, EUA & Londres: Harvard University Press, 1999, p. 54. [59] HWANG, Kyung Moon. A History of Korea. Nova York: Palgrave, 2017, p. 95. [60] Ibidem, pp. 95 – 96. [61] LEE, Soyoung; DAEHOE, Ahn; CHANG, Chin-Sung & SOOMI, Lee. Diamond Mountains: Travel and Nostalgia in Korean Art. New Haven & Londres: Yale University Press; Nova York: The Metropolitan Museum of Art, 2018, pp. 13 - 42. [62] LEE, E-Wha. Korea's Pastimes and Customs: A Social History. Traduzido por Ju-Hee Park. Paramus, Nova Jersey: Homa & Sekey Books, 2006, pp. 197, 246. [63] TZOU, Byron N. China and International Law: the boundary disputes. Nova York: Praeger, 1990, p. 47. [64] CHOI, Jai-Keun. The Origin of the Roman Catholic Church in Korea: An Examination of Popular and Governmental Responses to Catholic Missions in the Late Chosôn Dynasty. Seul: The Hermit Kingdom Press, 2006, pp. 9 – 14. [65] Muito dessa curiosidade inicial coreana adveio das obras traduzidas do jesuíta atuante e influente na corte chinesa, Matteo Ricci (1552 – 1610), na sua obra “A Verdadeira Noção de Deus” ( ), publicado em Pequim em 1603 e traduzido à época para várias línguas asiáticas. [66] KWANG, Cho. The Choson Government´s Measures Against Catholicism. In: YU, Chai-Shin (Org.). The Founding of Catholic Tradition in Korea. Fremont, California: Asia Humanities Press, 2004, p. 105 [67] GRAYSON, James Huntley. Korea: a Religious History. Londres: Routledge Curzon, 2002, p. 143. [68] LEE, Sang Taek. Religion and Social Formation in Korea: Minjung and Millenarianism. Nova York & Berlim: Mouton de Gruyter, 1996, pp. 80 – 81. [69] SETH, Michael J. A History of Korea: From Antiquity to the Present. Plymouth, Reino Unido: Rowman & Littlefield, 2010, p. 20. [70] MATRAY, James I. Crisis in a Divided Korea: A Chronology and Reference Guide. Santa Barbara, California: ABC Clio, 2016, p. 26. [71] Essas estelas são conhecidas como “Estelas de Rejeição à Reconciliação” (chokhwapi) e foram depois retiradas em 1882 após os acordos assianados com
governos ocidentais. KIM, Sebastian C. H. Pyongin pakhae and Western Imperial Aggression in Korea. In: BECKER, Judith & STANLEY, Brian (Orgs.). Europe as the Other: External Perspectives on European Christianity. Göttingen, Alemanha: Vandenhoeck & Ruprecht Press, 2014, p. 73. [72] CHOI, Jai-Keun. The Origin of the Roman Catholic Church in Korea: An Examination of Popular and Governmental Responses to Catholic Missions in the Late Chosôn Dynasty. Seul: The Hermit Kingdom Press, 2006, p. 218. [73] KANG, Jae-eun. The Land of Scholars: Two Thousand Years of Korean Confucianism. Traduzido por Suzanne Lee. Paramus, Nova Jersey: Homa & Sekey Books, 2003, p. 432. [74] YI, Pae-yong. Women in Korean History. Seul: Ewha Womans University Press, 2008, p. 189. [75] Para acesso à versão original em chinês, ver: ZUNXIAN, Huang. Chaoxian celue: The Strategy for Chosun. Seul: Kunkuk University Press, 1977, p. 47. [76] HWAK, Tae-Hwan. U.S.-Korean relations, 1882-1982. Seul: Kyungnam University Press, 1982, pp. 19-20. [77] LEE, Kenneth B. Korea and East Asia: The Story of a Phoenix. Londres & Westport, Connecticut, EUA: Praeger, 1997, p. 127. [78] LEE, Peter H. Sourcebook of Korean Civilization: Volume Two: From the Seventeenth Century to the Modern Period. Nova York: Columbia University Press; Paris: Unesco, 2010, p. 347. [79] YI, Tʻae-jin. The Dynamics of Confucianism and Modernization in Korean History. Ithaca, Nova York: Cornell University Press, 2007, pp. 358-359 [80] LEE, Peter H. Sourcebook of Korean Civilization: Volume Two: From the Seventeenth Century to the Modern Period. Nova York: Columbia University Press; Paris: Unesco, 2010, p. 348. [81] BUCKELY, Patricia & WALTHALL, Anne. East Asia: A Cultural, Social, and Political History. Boston: Wadsworth, 2013, p. 376. [82] AMES, Roger T. & ROSEMONT JR., Henry. The Analects of Confucius: A Philosophical Translation. Nova York: Random House, 1999, pp. 46 – 48. [83] FLAHERTY, Robert Pearson. “Korean Millenial Movements” In: WESSINGER, Catherine (Org.). The Oxford Handbook of Millennialism. Oxford & Nova York: Oxford University Press, 2011, p. 332.
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foi depois usado como justificativa histórica para a intervenção nipônica sobre a península. Estudos arqueológicos coreanos em tempos recetes não encontram respaldo desse acordo feito, remetendo o suposto fato para colonos coreanos de Minama que se estabeleceram no arquipélago japonês na região de Oita, em Kyushu. MOHAN, Pankaj. "The Controversy over the Ancient Korean State of Gaya: A Fresh Look at the Korea–Japan History War" In: LEWIS, Michael (Org.). ‘History Wars' and Reconciliation in Japan and Korea: The Roles of Historians, Artists and Activists. Nova York & Londres: Palgrave Macmillan, 2016, pp. 108 – 109. [101] LEE, Ann Sung-Hi. Yi Kwang-su and Modern Literature: Mujong (edição bilíngue). Ithaca, Nova York: Cornell University, 2011. [102] KIM, Dong Hoon. Eclipsed Cinema: The Film Culture of Colonial Korea. Edimburgo: Edinburgh University Press, 2017, p. 71. [103] HOARE, James E. Historical Dictionary of Democratic People's Republic of Korea. Plymouth, Reino Unido: Scarecrow, 2012, p. 307. [104] UCHIDA, Jun. “Between Collaboration and Conflict: State and Society in Wartime Korea” In: KIMURA, Masato & MINOHARA, Toshihiro. Tumultuous Decade: Empire, Society, and Diplomacy in 1930s Japan. Toronto, Buffalo & Londres: University of Toronto Press, 2013, p. 147. [105] SETH, Michael J. A Concise History of Modern Korea: From the Late Nineteenth Century to the Present. Vol. 2. Lanham, Maryland, EUA: Rowman & Littlefield, 2016, pp. 80 - 81. [106] KIM, Kwang-Ok. “Colonial Body and Indigenous Soul: Religion as a Contested Terrain of Culture” In: LEE, Hong Yung; HA, Yong-Chool & SORENSEN, Clark W. (Orgs.). Colonial Rule and Social Change in Korea, 1910-1945. Seattle: University of Washington Press, 2013, p. 288. [107] HOLCOMBE, Charles. A History of East Asia: From the Origins of Civilization to the Twenty-First Century. Cambridge: Cambridge University Press, 2017, p. 277. [108] HAN, Yong-sup. “The May Sixteenth Military Coup” In: KIM, Byong-Kook & VOGEL, Ezra F (Orgs.). The Park Chung Hee Era. Cambridge, Massachussets & Londres: Harvard University Press, 2011, p. 44. [109] SOH, C. Sarah. The Comfort Women: Sexual Violence and Postcolonial Memory in Korea and Japan. Chicago: University of Chicago Press, 2008, pp. 18 – 19. [110] FUCHS, Eckhardt; KASAHARA, Tokushi & SAALER, Sven (Orgs.). A New Modern History of East Asia, vol. 1. Göttingen, Alemanha: V & R Academic, 2018,
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