A invenção da sala de aula 8516038971

1,170 128 11MB

Portuguese Pages 255 [253] Year 2003

Report DMCA / Copyright

DOWNLOAD FILE

Polecaj historie

A invenção da sala de aula
 8516038971

Citation preview

Inés Dussel Marcelo Caruso

A I nvenção da Sala de Aula UMA GENEALOGIA DAS FORMAS DE ENSINAR

Tradução: B&C Revisão de Textos S/C Lida. Revisão técnica: A/m Maria Taccioli de Camargo Coordenação: Ulisses F. Araújo

© EOICIONES SANTILLANA, 2002

=111 Moderna COORDENAÇÃO EDITORIAL José Carlos de Castro TRADUÇÃO E REVISÃO ILXtC Revisão de Textos V C Lida COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO GRAEICA Fernando Dallo Dcgan COORDENAÇÃO DE REVISÃO Ksiev.im Vieira l.é d n jr REVISÃO Sérgio Rolrerto Torres EDIÇÃO DE ARTE Ricardo Postaccliim PROJETO GRÃfICO Ana Maria O nnlii CAPA Ricardo Poslaccltini El no: 1’apcl c caneta - (111 > PESQUISA ICONOGRÃfICA Ana Lúcia Soares 01AG RAMACÃ O Enriqneia Mímica Meyer TRATAMENTO DE IMAGENS Américo Jesus SAÍDA DE FILMES lle lio P de Siui/a Filho, Mareio llid eyu ki Kainoio COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO INDUSTRIAL \\ il—m \parecidi ■I » ique IMPRESSÃO E ACABAMENTO Gráfica Vida e Consciência

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

0020000063031 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação |CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Ou.ssel. Inés A invenção da sala de aula : uma geneali>gia das formas de ensinar ' Inés Dossel. Marcelo Caniso ; |(radumr.l Cristina Annmesl. — São Paulo : Moderna. 2-371.102 índices poro catálogo sistemálico;

1. Sala de aula ; Pedagogia : Educação 371.11)2

ISBN 85-16-03897-1 Reprodução proibida. Arl.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de levereiro de 1998.

Todos os dirvilos reservados

E

d it o r a

M o d ern a Ltd a .

Rua Padre Adelino, 758 - Belenzinho São Paulo - SP - Brasil - CEP 03303-904 Vendas e Atendimento: Tel. (0_ _11) 6090-1500 Fax (0__ 119 6090-1501 www.modema.com.br 2003 Impresso n o Brasil

1

3

5

7

9

10

8

6

4 2

D edico este livro a Lita, M a rio e M ariica. São m e u s avós, ju n ta m e n te com Carlos, E nrique, C hina eA da. N ã o h o u v e tragédia n e m d o r tão g ra n d e q u e lhes tira ssem a v o n ta d e de v iv e r e de am ar. O brigada p e lo q u e m e e n sin a ra m e en sin a m . In é s À m e m ó r ia d e m e u s a v ó s M a ria e R oberto, e ta m b é m a Velia e A na, p e la espera, p e la p a c iê n c ia e p e lo e stím u lo silencioso. M arcelo

r

■*-

S umário A g r a d e c im e n t o s , P rólogo,

9

I I

In tro d u ç ã o ,

13

De pedantes, pedagogos e sala de aula, 15 1

S ala de au la ? G en ea lo g ia ? D e f in iç õ e s para in ic ia r o percu rso ,

29

História e genealogia, 33 A sala de aula como materialidade e como comunicação, 36 Do governo à “governamentabilidade”, 40

2

N a sce a sala de a u la : o papel da relig iã o c o m o parteira ,

47

(Pré)-história: um olhar ao íinal da Iclade Média, 48 A sala de parto da sala de aula: a divisão em religiões, 52 A sala de aula chega com atitude dominadora: definição do poder pastoral, 63 Omnes ou o lado grupai da sala de aula: o método global de Jan Amos Comenio, 67

Singidatim ou o lado individualizador da sala de aula: o método dos jesuítas, 77 O triunfo do aspecto grupai na sala de aula: o método global para a conquista da escola elementar, 84 E n s a io

A pedagogia e suas metáforas, 92

3

A SALA DE AULA CRESCE! R ev o lu ç ã o I n d u s t r ia l ,

A DISCIPLINA NOS TEMPOS DA

103

Condições do “crescimento” da sala de aula: transformações das sociedades européias no final do século 18, 104 Primeira consolidação da sala de aula global: a escola prussiana, I 10 Segunda consolidação: como a sala de aula global derrota o método de ensino mútuo, I 17 Terceira consolidação: a escola prussiana, dos princípios pestalozzianos à teoria educacional de Herbart, 133 Quarta consolidação: os pedagogos da sala de aula simultânea na Inglaterra, 146

4

A SALA DE AULA EM IDADE SÉCULO

DE CASAR! A TÁTICA ESCOLAR NO

20, 157

O triunfo do capitalismo e o biopcder, 160 A pedagogia normalizadora: controlar ou regular as trocas que ocorrem na sala de aula?, 17 1 A crítica “escolanovista”: outra forma do biopoder, 192 E n sa io

A autoridade da pedagogia, 226 5

À GUISA DE CONCLUSÃO: PERGUNTAS SOBRE O FUTURO DA SALA DE AULA,

B iblio g r a fia ,

239

235

A g r a d e c im e n t o s

E m PRIMEIRO lugar, a Graciela Frigerio, que nos reiterou o convite para escrever e dialogar. Agradecemos pela confiança, pelo estímulo, pelas palavras e comentários sobre cada uma das versões e pelas conversas eletrônicas que tornaram mais interes­ sante o percurso durante a elaboração do livro. Em segundo lugar, a Cecília Braslavsky, a Adriana Puiggrós e a todos os nossos companheiros das cadeiras de His­ tória Geral da Educação e de História da Educação Argentina e Latino-americana da Universidade de Buenos Aires. Muitas das idéias que discutimos neste livro têm relação com aquilo que aprendemos deles e com eles; e as atividades, por sua vez, com­ partilham da maneira como essas cadeiras desenvolveram for­ mas de questionar e ajudar a refletir. Sem eles, sem as discussões sobre como redigir as questões de exames parciais, sem os exer­ cícios que fazíamos e refazíamos para torná-los interessantes e produtivos, sem essa experiência que nos formou em tantos sen­ tidos, este livro não poderia ter sido escrito. Em terceiro lugar, aos companheiros de jornada que continuam a nos apoiar, apesar da distância: Pablo Pineau, Alejandra Birgin, Gabriela Fairstein, Gustavo Fischman, Silvia Finocchio, Valéria Cohen, Silvia Duschatzky, Guillermina Tiramonti, Andréa Brito e Daniel Pinkasz. Pablo Pineau e Estanislao Antelo deram-nos o prazer de ler e comentar os manuscritos; além dis­ so, Pablo ajudou-nos a procurar fontes e dados aos quais não tínhamos acesso. Agradecemos a todos.

9

A I nvenção da S ala de A ula

Em quarto lugar, ambos residimos atualmente no exterior, completando estudos de pós-graduação. Com certeza, este livro não seria o mesmo se não tivéssemos passado por esta nova socialização em outros discursos, modelos de redação e vida institucional na Alemanha e nos Estados Unidos. Quere­ mos agradecer também aos nossos professores e amigos das no­ vas geografias, Tom Popkevvitz, Miguel Pereyra, Irmgard Bock, Christian Harten e Jürgen Schriewer. Por último, a Pablo e Torsten, agradecemos, mais uma vez, por tudo. Baltimore/Munique, março de 1999.

10

P ró lo g o n H ■ ---------

/ E no amplo terreno do público e do social, assim como no espaço íntimo e privado da subjetividade, dos mecanismos psí­ quicos, da alma onde se constatam os vestígios e as marcas que a educação produz nos indivíduos e na sociedade. A educação tem no estudante seu território específico, uma das formas mais universais de sua institucionalização. Nesse território há um ce­ nário emblemático, testemunha das combinações múltiplas que resultam da articulação de invariâncias e mudanças, tradição e novidade, repetição e inovação, lembranças do passado e so­ nhos de futuro: a sala de aula. Nesse cenário desenvolvem-se os múltiplos roteiros que, como atores, produzimos todos nós, edu­ cadores e alunos. Em determinadas ocasiões, repetimos palavras de outros; em muitas outras, criamos nosso próprio texto; nem sempre nos damos oportunidade de refletir sobre ambos, de pensar sobre eles e sobre nós. Inés Dussel e Marcelo Caruso propõem-nos um livro relativamente incomum, uma vez que não procura impor uma leitura, mas sim solióitar-nos como autores, incorporando estrangeirismo ao cotidiano, ao dar conta de uma genealogia que, omitindo a neutralidade, restitui as múltiplas maneiras de ver o espaço e as práticas que nele transcorrem e que, dando-lhe sig­ nificado, se significam. Por trás das páginas que contam histórias, oferecem conceitos, estimulam exercícios, convidam à lembrança e, prin-

11 — ;

A I nvenção da S ala de A ula

cipalmente, habilitam para a criação, está presente a preocupação com o clestino da pedagogia e com nosso próprio destino. Esta preo­ cupação com lima pedagogia, ou com pedagogias no plural, que não se apresentam como foi escrito, mas como algo que “aconte­ ce” e se constrói coletivamente, é um convite a retomar um concei­

to carregado de sentidos e práticas. O trabalho da educação, que é o trabalho das culturas, o trabalho de transmissão, o trabalho de descobrimento, o trabalho psíquico de elaboração de conflitos sociocognitivos e de ruptu­ ras epistemológicas demandam uma pedagogia não conformista, que não ignore seu passado e que ofereça algum futuro. Um futuro onde o homem não seja descartável, onde a técnica e a tecnologia estejam ao serviço do bem-estar coletivo e não sejam utilizadas para produzir exclusão, onde as produções culturais sejam um bem de uso comum, e não um privilégio reservado a poucos, e a ética, um componente da ação. Estamos certos de que, como educadores de hoje e edu­ cadores de amanhã, os leitores encontrarão neste texto elemen­ tos para questionar-se, descobertas para desfrutar, apoio para suas práticas, critérios para projetar as edificações, categorias para analisar as observações, exemplos para organizar suas clas­ ses, o prazer de um trabalho intelectual, e muitas informações para criar seus próprios andaimes conceituais e compartilhá-los com outros.

Graciela Frigerio

INTRODUÇÃO

D e P edantes, P edagogos e S al as de A ula n n

Quando recebemos o convite para escrever este livro, começamos a revisar tratados de pedagogia de outras épocas e observamos que na maioria deles definiam-se a pedagogia, seus tipos ou divisões, as ciências auxiliares e as áreas de aplicação. Quase todos consideravam a pedagogia como um saber que ca­ bia integralmente neste esquema: para alguns, tenderia mais para uma ciência, e para outros, tenderia mais para uma arte. No entanto, em todos os casos, constituía um corpo de conheci­ mentos definidos, que bastava especificar e transmitir aos futu­ ros professores para que estes os pusessem em prática. Uma obra de Bernard Shavv, Pigmalião, expressa exata­ mente esta visão da pedagogia. Em Pigmalião , Liza Doolittle, uma humilde florista de rua, tem um encontro fortuito com dois aris­ tocratas ingleses, Pickering e Higgins. Estes estudiosos da lin­ guística decidem fazer uma experiência: reeducar a florista para que fale e se comporte como uma dama da sociedade. A idéia é que a educação, quando utiliza um bom método, consegue trans­ formar as pessoas por completo, até apagar os vestígios de sua origem social e cultural. Instalam Liza em sua casa e ministramlhe aulas diárias — teóricas e práticas. Os linguistas triunfam: Liza transforma-se em uma dama, casa-se com um jovem de boa família (embora sem posses) e mantém um relacionamento pla­ tônico com seu mentor, Higgins. Final feliz para a pedagogia: Liza ama seus professores e estes a amam, por ter-se transfor­ mado exatamente no que desejavam. Vejamos outro exemplo literário. Trata-se do conto in­ fantil de Emma Wolf “Escola de Monstros”. A autora narra a

15

:

A I nvenção da Sala oe A ula

vida em uma escola onde Frankensiein e Drácula, entre outros alunos, aprendem a comportar-se como monstros. Em certa oca­ sião, um deles, querendo cumprir uma ordem ao pé da letra, destrói as paredes da escola. Transformou-se em monstro. Final íeliz para a pedagogia? Você dirá. Com um pouco de desconfiança, pode-se também per­ guntar se não há algo de monstruoso na Liza de Bernard Shaw, se ela também não aprendeu a ser um monstro, colocando-se no lugar que seu professor determinou e cumprindo suas ordens ao pé da letra. Espantamo-nos diante da menção da clonagem da ovelha Dolly, mas não nos assusta da mesma maneira essa idéia da pedagogia que quer replicar indivíduos, moldá-los e formá-los à medida que pretende dominá-los e conhecê-los por completo. Certamente, a vontade de tê-los sob controle está asso­ ciada ao temor provocado pela situação de ensinar. Como en­ frentar um grupo de crianças, cada uma com sua própria histó­ ria, com desejos diferentes em uma sala de aula? Seremos capazes de transmitir-lhes alguma coisa, de conseguir que aprendam al­ guma coisa? E se falharmos? E se utilizarem nossos ensinamen­ tos de maneira diversa daquela que pretendíamos? E se nem sequer nos escutarem? Esses temores são reais e concretos; en­ tretanto, a intenção de controlá-los completamente não contri­ bui senão para aumentá-los, porque diante de nosso fracasso — apesar de tudo, a vida sempre é mais complexa do que qualquer mecanismo de controle — agigantam-se ainda mais. Este livro pretende servir de apoio para que nos livre­ mos do medo de ensinar, e também de aprender, de ler, de conhe­ cer outros mundos. É provável que uma parte desses temores nos acompanhe sempre, como a todo ser humano; entretanto, oxalá a questão do controle e do medo de perdê-lo deixe de ser um dos

16

I ntkoduçáo

eixos mais importantes da interação professor-aluno. Se a peda­ gogia é um saber que ajuda os docentes a serem “bons” professo­ res, é conveniente começar por estabelecer como se define um “bom professor”, quem o define, como trabalha, antes de pensar­ mos em regras, divisões e formas de transmitir esse saber. Para nós, não há melhor maneira de abordar estas ques­ tões senão através de uma visão histórica. Partimos do princípio de que as definições de um bom professor, do conteúdo dos ensinamentos, de métodos e didáticas são saberes históricos, pro­ duzidos por indivíduos sociais, por pensadores, grupos, insti­ tuições que atuaram e pensaram em outros contextos — alguns muito semelhantes aos nossos, outros muito diferentes. Inclusi­ ve a idéia de que é preciso levar em conta a psicologia infantil e as categorias e conceitos utilizados para falar sobre a aprendiza­ gem da criança, que parece “natural" e “necessária”, é no entanto um produto histórico: como será visto nos capítulos a seguir, há quatro séculos, ou mesmo dois, não se falava nesses termos. Percorrendo a história da sala de aula e das formas de ensinar, procuramos esclarecer o fato de que muitas técnicas e palavras que utilizamos para nos referir ao que acontece na sala de aula têm um passado, surgiram em situações concretas como respostas a desafios ou problemas específicos, e que pro­ vavelmente, quando as utilizamos hoje em dia, ainda trazem parte desses significados. Compreender de onde surgem, de quais estratégias e problemas fazem parte, como foram ou são utilizadas, e que efeitos causaram pode ajudar-nos a aliviar essa carga e a assumir nossa tarefa como uma reinvenção própria das tradições que recebemos. Embora não voltemos a inventar a pólvora, também não seremos clones de outros e nem clonaremos nossos alunos. Pois, em última instância, transmitir é

A I nvenção da S ala de A ula

também abrir espaço para que o outro utilize de maneira dife­ rente nosso saber e nosso desejo de educá-lo — para que seja outro, e não o mesmo indivíduo. Como disse um psicanalista, o que é fascinante “na própria aventura da transmissão é preci­ samente o fato de sermos diferentes daqueles que nos precede­ ram, e que provavelmente nossos descendentes seguirão um caminho bastante diferente do nosso. (...) E, no entanto, (...) é aí, nessa série de diferenças, que inscrevemos aquilo que trans­ mitiremos” (Hassoun, 1996, p. 17). Gostaríamos que este livro ajudasse a entender de onde vem o hábito dos alunos de levantar a mão, formar fila ou utili­ zar cadernos, para poder avaliar se isto é realmente o que quere­ mos lhes ensinar, e assumirmos essa decisão e essa responsabili­ dade. Um dos ensinamentos que gostaríamos de transmitir, à maneira de Hassoun, é que no ensino não há lugar neutro nem indiferente: todas as estratégias e opções que utilizamos em nos­ sa tarefa cotidiana têm histórias e significados que nos superam e produzem efeitos sobre os alunos — não só em termos de aprender ou deixar de aprender determinado conteúdo, mas tam­ bém de sua relação com a autoridade, com o saber letrado em geral e com os demais. Alguns professores, temerosos desta res­ ponsabilidade, acreditam que o melhor seja renunciar a trans­ mitir algo, laissez-Jaire (deixar fazer), não intervir, como se com este gesto pudessem desfazer-se do poder inerente à posição docente. Como argumentaremos adiante (Caruso e Dussel, 1996, cap. 3), o poder continua sendo, sem dúvida, constitutivo da relação professor-aluno; trata-se de assumir o papel de transmi­ tir a cultura da forma mais consciente possível, utilizar estes es­ paços de liberdade de que fala o psicanalista mencionado, pro­ curar sair do modelo de clonagem e produzir uma diferença em

nossas vidas e nas vidas de outras pessoas.

NTRODUÇAO

Iniciaremos pela palavra que nos convoca, a você e a nós, a nos encontrarmos neste livro. A palavra pedagogia teve signi­ ficados muito diferentes através dos tempos. Levando-se em con­ sideração apenas os significados produzidos desde 1500 até os nossos dias, ou seja, na idade moderna — cujas características ana­ lisaremos no primeiro capítulo — pode-se dizer que as primeiras definições diferenciavam o pedagogo — entendido como o “aio que cria a criança” — do pedante — “mestre que ensina as crian­ ças”1 (Covarrubias Orozco, 1611). Desse modo, o pedagogo era entendido como um educador no sentido mais amplo do termo: não era somente um professor de escola, mas também podia ter a seu cargo funções que hoje chamaríamos de a criação das crianças. A palavra pedagogia compartilha sua raiz — ped: pé, aquele que anda a pé — com a palavra pedante, que é aquele que “se diz sábio”, aquele que pretende ser erudito. Isto revela prin­ cipalmente o pouco prestígio que as pessoas letradas tinham na época. Esta ambiguidade fica bem definida na seguinte frase, “um bom professor galés, um bom estudioso, porém muito pe­ dagógico (extraído do Oxford English Dictionaiy de 1888). Ser “pedagógico” não era, então, sinônimo de uma qualidade positi­ va, e sim o contrário. O Diccionaiio de Autoridades de 1737 define pedagogo como “qualquer um que ande sempre com outro, e o leva aonde desejar ou lhe diz o que deve fazer”. Neste caso, aparecem tanto o significado de “pé” como o de conduzir ou guiar como ação pró­ pria. Entretanto, já em 1788, o significado que conhecemos hoje aparece com mais intensidade. A pedagogia aproxima-se daquilo1 1.

N.T. Uma definição antigo da polavro pedante, hoje em desuso, significa “mestre que ensino gramático às crianças indo de cosa em cosa ".

que denominamos “mestre” e deixa de ser a ação de guia geral (Terreros e Pando, 1788, p.73). Surge no século 19 a definição de pedagogia como “a arte e a ciência de ensinar e educar as crian­ ças”. Esta descrição, que hoje nos parece natural, é, na realidade, uma invenção recente, dos últimos séculos (Rizzi Salvatori, 1996). Analisemos mais detalhadamente a definição moderna de pedagogia. A pedagogia é uma ciência e uma arte; está asso­ ciada ao “ensinar” e ao “educar”. A pedagogia ocupa-se das “cri­ anças”. Neste caso, pode-se acrescentar que algumas versões con­ temporâneas sustentam que a pedagogia não se ocupa unicamente das crianças, mas que há também uma pedagogia dos adoles­ centes e uma pedagogia dos adultos. Para analisar os compo­ nentes desta definição, à qual voltaremos diversas vezes no de­ correr do livro, começaremos pelo último ponto:1

1. De acordo com o pedagogo Mariano Narodowski, a pedagogia moderna nasce com o conceito de que a criança deve ser educada. Se durante muito tempo as crianças corriam pelo po­ voado, aprendiam espontaneamente e se vinculavam a muitos adul­ tos, em determinado momento (que o historiador Philippe Ariès situou no final da Idade Média) surgiu uma nova “sensibilidade” com relação à criança, uma nova forma de cuidar dela. Narodowski argumenta que a criança será “infantilizada”: inicia-se uma tendên­ cia segundo a qual a criança precisa de maiores cuidados, que é preciso colocá-la em uma instituição, que necessita de regras mais rígidas. Esta postura constante de cuidados com a criança, e sua vigilância intensiva, permite a formação e a estruturação de um saber que justifica as razões para essas ações, suas finalidades e seus métodos: a pedagogia. Surge a disciplina universitária, e sur­ gem os catedráticos, que afirmam que a ciência orienta aqueles

I ntrodução

que ensinam. Analisemos também as conseqüências de “pedagogizar” os adolescentes e os adultos: não se trata apenas de pensar neles como sujeitos do saber, mas também de submetê-los a outro tipo de vigilância, com a idéia de que devem ser cuidados com maior esmero e assiduidade. A modernidade talvez seja a época em que diversos setores da sociedade vão-se “pedagogizando”: é preciso cuidar dessas pessoas, dizer-lhes o que devem fazer, colo­ cá-las em instituições educativas, se possível — lembre-se de que até hoje se diz que é melhor a criança estar na escola do que brin­ cando na rua — e dar-lhes regras mais precisas (Narodowski, 1995).

2. A pedagogia encarrega-se do “ensinar” e do educar. Pode-se dizer que não se ocupa somente das “situações de ensino” — como, por exemplo, o ensino da estaitura e das funções do aparelho digestivo — , mas também da educação, que é muito mais abrangente. As crianças são educadas desde seu primeiro dia de vida: tenta-se, por imposição, que obedeçam a um ritmo, que dur­ mam à noite, que comam com certa periodicidade. Logo vêm as proibições diante de situações perigosas, virá o controle das “neces­ sidades”, devem também se acostumar a comer outros alimentos em determinadas horas do dia. A “educação” inclui preceitos com relação aos palavrões, à sexualidade, à ideologia, à maneira de viver, à compreensão e à crítica aos meios de comunicação, entre muitas outras coisas. Diz-se, inclusive, que a educação não termina nunca, uma vez que uma pessoa jamais estará completamente educada. Desse modo, ainda que a pedagogia esteja diretamente relacionada com a escola, parece que também a excede, e muito.

3. Por último, diz-se que a pedagogia é tanto uma “ciência” como uma “arte”. Por um lado, pretende esse presti-

21

A I nvenção da Sala üe A ula

gioso rótulo cle “científica”, uma forma de conhecimento que pode ser comprovada, com regras, métodos de avaliação e pa­ drões compartilhados. Sabemos que em nossas sociedades os “cientistas” constituem uma profissão de grande prestígio, ainda que nem sempre recebam retribuições de acordo com esse pres­ tígio e muitos não entendam o conteúdo do trabalho científico. Portanto, a pedagogia quer ser tratada como ciência. Por outro lado, porém, a pedagogia é uma arte. Vejamos: um professor pode ser muito versado em diversas disciplinas, conhecer o con­ teúdo a ensinar, conhecer as diversas dificuldades de aprendiza­ gem, dispor de uma longa lista de métodos de ensino e de bons instrumentos de diagnóstico e de avaliação. Entretanto, a ma­ neira, o momento e a forma como utiliza seus conhecimentos — essas decisões da prática de ensino — são por si mesmas uma “arte”, se entendermos por arte uma estruturação pessoal, uma sintonia específica com a situação daquele momento. Mesmo que se possa aprender as regras do ensino, estas se modificam em cada situação e dependem do julgamento daquele que as utiliza e da situação em que são utilizadas. A pedagogia, então,

prolonga-se cada vez mais no tempo: o que se iniciou com a criança chegou aos adultos e desenvolve-se até a terceira idade. A pedagogia ocupa-se da escola, mas também da família, dos meios de comunica­ ção e de todas as outras instâncias ou agências que “educam”, ainda que não o façam conscientemente. Por último, a própria pedagogia é tanto um saber sistemático — uma ciência — como um saber mais localizado, específico, informal — uma arte, um uso. Isto é, parece ter-se tornado importante, perpétua, uma vez que acompanha a vida inteira do indivíduo, e polimorfa, com muitas formas, uma vez que pode se encontrar em estado mais ou menos puro, como ocorre na escola, até ser mais difusa e implícita, como no caso dos meios de comunicação.

22

I ntrodução

Diante desta “inflação" do espectro da pedagogia, é difícil decidir por onde abordá-la. Haveria muitos pontos de partida, muitas formas e temas. Haveria inúmeras possibilida­ des, cada uma com sua ênfase, suas virtudes e defeitos. Pode­ riamos realizar um estudo sistemático, um histórico, mais fo­ calizado na aprendizagem ou no ideal docente, entre muitas outras possibilidades. Os temas seriam inúmeros e todos ju n ­ tos formariam uma enciclopédia de vários volumes. Não se pode ignorar, no entanto, que, de todas as par­ tes possíveis da pedagogia, a mais importante é a pedagogia es­ colar. Na história dos últimos séculos, esta combinação “ciência e arte” concentrou-se cada vez mais nos aspectos do ensino, na atividade pedagógica dentro da escola (Benner, 1998). Além disso, a pedagogia escolar provavelmente influiu para que muitas ve­ zes a televisão, a família, as instituições, apesar de sua força pró­ pria, se assemelhassem mais às escolas. Pensemos nos progra­ mas infantis, que se preocupam muito com o entendimento das crianças, a tal ponto que às vezes as subestimam. Pensemos na mãe que auxilia nas tarefas de casa, ou na educação em uma empresa, que se torna cada vez mais escolar, uma vez que oferece cursos rápidos e já não se aprende somente com a experiência. Pensemos nos brinquedos “didáticos” — por exemplo, nas pe­ quenas carteiras escolares para crianças em idade pré-escolar, que vão educando e socializando na maneira de sentar-se, de postar-se para escrever e olhar para a frente. Hoje em dia, é impossível pensar uma pedagogia sem a escola. Entretanto, durante muitos séculos esse era exatamente o caso, e as pedagogias eram reflexos de como um pedagogo tinha que educar os príncipes e as crianças de determinadas clas­ ses privilegiadas, e nessas funções se confundiam o cuidado, o

A I nvenção oa S ala de A ula

ensino, os modos e a vestimenta. Atualmente, as peclagogias es­ tão concentradas, e com razão, na escola. A pedagogia ajudou a estruturar, a dar forma e corpo às escolas como as conhecemos. Formulou programas, idéias, diretrizes que foram adaptados em maior ou menor grau, com melhores ou piores resultados. Dessa forma, queremos expor a pedagogia em ação, em funcionamento. Queremos associá-la a uma série de materiais que mostrem como os pedagogos pensa­ ram as salas de aula em sua época, o que propuseram e como estas propostas se relacionavam com realidades muito diferen­ tes. Queremos mostrar que o conhecimento pode ajudar-nos no desafio que compartilhamos com vocês de enfrentar um grupo e fazê-lo de maneira responsável. Para darmos as boas-vindas à reflexão pedagógica, fo­ calizaremos neste livro um exemplo de como o conhecimento pedagógico — essa ciência, essa arte — desempenhou um papel importante no momento de armar e dar um contorno a um de nossos mais antigos conhecidos: a sala de aula da escola elemen­ tar. Neste trajeto da história da sala de aula, talvez fique mais claro por que a pedagogia podia ser entendida tanto como mé­ todo, aio ou acompanhante. Queremos mostrar como a pedago­ gia tentou dar forma à sala de aula, à disposição do espaço, a seus rituais, costumes, modos de interação e de comunicação. Talvez isso nos ajude a lidar com nossos temores e a nos apro­ priarmos com decisão desse espaço de ação. Para tanto, desenvolveremos a idéia de que a sala de aula elementar é uma invenção do ocidente cristão, a partir de 1500, e que nesse processo a pedagogia utilizou-se de muitas ar­ gumentações diferentes para dar corpo e forma a este espaço. Isto não significa que não existissem experiências pedagógicas antes

24

I ntrodução

desse período; pelo contrário, os gregos, os romanos, os primei­ ros cristãos, os povos indígenas, todos idealizaram maneiras de transmitir conhecimentos e tiveram formas de ensino mais ou menos institucionalizadas. Conservamos muitas delas: os amautas incas, os sofistas gregos, a figura socrática da interrogação maiêutica deixaram marcas no imaginário sobre o que é ser um bom professor e sobre como se faz para ensinar. Entretanto, suas preo­ cupações e seus mundos eram mais distintos dos nossos do que os cie 1500. Seus espaços educativos eram povoados por outras inquietações e temores. Certamente, nas práticas que surgiram por volta de 1500, havia muita influência das pedagogias anterio­ res, que eram, afinal, o conhecimento disponível para homens e mulheres daquela época, e nosso estudo ganharia em profundida­ de caso fizesse todas as conexões possíveis tanto com o passado como com o futuro. O argumento pocleria retroceder ainda mais, em uma cadeia infinita. Dizem os que sabem escrever que em algum lugar deve-se colocar o ponto final, dizer “cheguei até aqui”, e é até aqui que chegaremos. Restringimos nosso trabalho à mo­ dernidade ocidental: em primeiro lugar, porque acreditamos que esta é a época em que a maior parte das práticas pedagógicas con­ temporâneas foi estruturada; e, em segundo lugar, porque enten­ demos que toda empreitada de escrita é pretensiosa e modesta ao mesmo tempo, define certos problemas e pontos de vista, excluin­ do outros. Diferentemente dos tratados de pedagogia a que nos referimos no início desta introdução, não consideramos que esta­ mos transmitindo um saber completo e absoluto, e sim que a pe­ dagogia pode ser reescrita milhares de vezes, e em cada uma delas dizer algo diferente. O livro desenvolve um argumento basica­ mente histórico. Os capítulos cobrem períodos da história dos últimos cinco séculos e os desenvolvem, focalizando o surgimen­ to de práticas e teorias sobre como ensinar e a quem ensinar.

25

A I nvenção da S ala de A ula

Provavelmente será útil consultar livros de história e da história da educação para ampliar alguns temas e para compreender me­ lhor as transformações que mencionamos. Incluímos, junto aos capítulos históricos, dois pequenos ensaios sobre conceitos que nos ajudaram a compreender esta “biografia” da sala de aula da escola elementar: um sobre metáfora e outro sobre autoridade. Por último, propusemos algumas perguntas sobre o futuro da sala de aula com relação à sua história. Como professores e alunos, estivemos, estamos e esta­ remos na sala de aula por muito tempo. Entretanto, na agitação da rotina de aprender e de ensinar, nem sempre paramos para pensar qual é realmente esta situação, tão importante para nos definirmos como docentes e pedagogos. O fato de ocuparmos uma sala de aula não significa automaticamente que a “habita­ mos”. Quando alguém apenas “ocupa” um espaço, trata-se de uma estrutura já existente: móveis, rotinas, tudo está lá e nos espera. O docente mais experiente nos diz o que considera fun­ damental para ser um bom professor. Se permanecermos com estas orientações, com a tradição que nos transmite a experiên­ cia dos outros (por mais valiosa que possa ser), estaremos “ocu­ pando” a sala de aula de uma maneira passiva, na qual simples­ mente nos acostumamos a coisas já existentes. “Habitar” a sala de aula significa formar esse espaço de acordo com gostos, op­ ções, margens de manobra; considerar alternativas, eleger algu­ mas e descartar outras. Habitar um espaço é, portanto, uma po­ sição ativa. Assim, este convite não se esgota no tema da sala de aula, mas tenta ser uma convocação para ativar nossas forças no sentido de “habitar” o lugar que apenas “ocupamos”. Agrada-nos esta citação do poeta Oliverio Girondo: “A rotina tece diariamente uma teia de aranha em nossas pupilas. Pouco a pouco, nos aprisionam a sintaxe, o dicionário, e ainda

26

i

I ntrodução

que os mosquitos voem zumbindo, é preciso ter coragem para chamá-los de anjos. Quando uma tia nos leva a uma visita, cum­ primentamos todos, mas temos vergonha de apertar a mão do senhor gato, e mais tarde, ao sentir vontade de viajar, pegamos um bilhete de uma agência de navegação em vez de transformar uma cadeira em transatlântico” (Espantapájaros”, citado em: Sarlo, 1988, p. 62). Para ser professor não é preciso fazer as vacas voarem e rir dos cadernos — embora certamente nos caísse bem um pouco mais de poesia e de humor. É melhor considerarmos este sacudir das teias de aranha da rotina de Oliverio como um sinal de que podemos fazer outras coisas com o que temos à mão, ver de outra maneira os sinais da realidade, pensar de ma­ neira diferente. Pode-se transformar a carteira escolar em um meio de transporte para outros mundos, colocando-nos em con­ tato com outros saberes e outras experiências. Efetivamente, su­ põe-se que esta seja a tarefa da escola: integrar o indivíduo a outros tipos de experiências e códigos diferentes daqueles apren­ didos em família. Em parte, depende de nós que essa viagem seja prazerosa e que chegue a bom termo. Esperamos que este exercício de reflexão pedagógica nos coloque de maneira diferente nesta situação e que façamos da sala de aula nosso “habitat”, não no sentido animal de adap­ tar-se ao que já existe, mas sim no sentido de ajudarmos a ga­ nhar em autonomia e responsabilidade para que possamos nos comprometer com esta velha conhecida que é a sala de aula, e que talvez seja o coração educativo da cultura moderna. Oxalá possamos levar o leitor a sentir o pulsar deste coração, vivo e vital, através deste livro.

27

1

S ala de a u l a ? G e n e a l o g ia ? D e fin iç õ e s para

I n ic ia r o P ercu rso D ■

S e UMA pessoa pergunta espontaneamente na rua o que é uma escola, pode receber muitas respostas. Em algumas delas, pode apa­ recer a sala de professores, a biblioteca, os pátios; em outras, a dire­ tora, o porteiro. Se pensarmos em uma escola rural, talvez a figura da diretora seja ao mesmo tempo a da professora, o pátio talvez seja o campo ao redor e a biblioteca, uma reivindicação pendente há anos. Entretanto, podemos quase garantir que em todas as respostas

aparecerá um lugar que todos conhecemos e que surge como o núcleo, o elemento insubstituível da escola: a sala de aula. A situação de sala de aula é conhecida de todos nós; é muito provável, inclusive, que este livro esteja sendo lido em tal situação. Todos passamos por ela, e, como professores atuais ou futuros, continuaremos a fazê-lo, e não apenas uma vez; pelo contrário, estivemos e estamos na sala de aula pelo menos qua­ tro horas por dia, cinco dias por semana, nove meses por ano, durante muitos anos. Assim como acontece com uma pessoa que passa grande parte de sua vida em um hospital, a institui­ ção, com sua estrutura, seus costumes e seus hábitos, torna-se “natural” e marca nosso caráter. Entretanto, a sala de aula como a conhecemos hoje não tem nada de “natural”. Talvez nos surpreenda reconhecer que um viajante do século 15 não entenderia o que acontece em nossas escolas, como provavelmente também não o entenderia um via-

29

A I hvenção oa S ai . a



A la

Fig. I. Gravura de 1592, provavelmente de uma escola de latim, onde se vèem o professor e seus colaboradores (Extraído de H. Schiffler e R.Winkeler. TaunsendJahre Schule. Eine Kulturgeschichte des Lernens in Bildern, BelserVerlag, Stuttgart-Zurique, 1993).

Fig. 2. Sala de aula na Alemanha da época, tal com o aparece em uma publicação em 1575 (Extraído de: D. Hamilton. Towards a Theory o f Schooling, Falmer Press, Londres, 1989, p. 37).

30

Fig. 3. Sala de aula inglesa, segundo a proposta de David Scow, em gravura de 1836 (Extraído de: D. Hamilton. Towards a Theory o f Schooling, Falmer Press, Londres, 1989, p. 104).

(

( (

Fig. 4. Sala de aula infantil, escola de Londres em 1906 (Extraído de:Dina Coppelm an.London'sWomenTeachers. Gender,dass,and feminism /87O-/930,Routledge,Londres e Nova Iorque, 1996). .

( ( ( (

A I nvenção oa S ala de A ula

jante do futuro, do século 252. Como mostram as figuras 1 (Alt, pintura que representa uma escola da época de Comenio, em: Schiffler e Winkeler, 1993, p. 351), 2 (sala de aula alemã em 1575, em: Hamilton, 1989, p. 37), 3 (Stow, sala de aula inglesa eml836, Hamilton, 1989, p. 104) e 4 (escola de Londres no início do sécu­ lo, em: Coppelman, 1996), aquilo que conhecemos como “sala de aula” sofreu modificações, tanto em sua estrutura material (na or­ ganização do espaço, na escolha dos locais, no mobiliário e no instrumental pedagógico) como na estrutura de comunicação (quem fala, onde se situa, o fluxo de comunicações). De acordo com dados fornecidos pelo pesquisador David Hamilton, o termo “sala de aula para lições” começou a ser utilizado na língua inglesa no final do século 18 (Hamilton, 1989). Em castelhano, por sua vez, o uso de “sala de aula” e de “lições” era comum ao ensino universitário na Idade Média, conservan­ do seu significado latino de “local onde o professor ou catedrático ensina aos estudantes a ciência e a disciplina que professa” (Diccionano de Autoridades, 1726). Entretanto, não era comum seu uso para referir-se ao recinto no qual teria lugar o ensino ele­ mentar, o qual, até aquele momento, era ministrado na casa do próprio professor ou em salas disponibilizadas pelo município ou pela igreja, denominadas scholas (em latim). A diferenciação dos alunos por idade era ainda incipiente (o que investigaremos mais adiante neste capítulo), e, na maioria das vezes, todas as crianças recebiam os ensinamentos juntas, sob a tutela de um professor que sabia apenas ler e escrever, e que lhes ensinava os rudimentos das primeiras letras, de cálculo e de catecismo. Entretanto, a difu­ 2.

Um bom exemplo desta disjunção que se produzirio em um suposto encontro com nossos ontepossodos é o filme Novigotor ( Vincent UUord. fíustrólio, 1989), que conto o história de um grupo de camponeses afetados pelo peste bubônico por volto do ono 1350, que por ocoso 'surgem '’ em pleno século 20.

Sala üe aula ? G enealogia 5 D efinições para I niciar o P ercurso

são do termo “sala de aula”em relação à escolaridade elementar surgiu somente com a vitória dos métodos pedagógicos que propunham uma organização do ensino por grupos escolares diferenciados entre si, às vezes por idade e outras por seus resultados de aprendizagem. Neste capítulo, propomos um exame dessa história do surgimento e da consolidação da sala de aula como espaço edu­ cativo privilegiado, procurando identificar as continuidades e as inovações nesse trajeto, compreendendo a lógica de sua estrutu­ ração. Como se deve ter notado, falamos de “genealogia da sala de aula” e não simplesmente de “história”. Sobre essa diferen­ ciação nos aprofundaremos a seguir.

H istória e genealogia Muitos de nós certamente conhecem a palavra genealogia a partir de “árvores genealógicas”, que rastreiam os antepassados e nos fornecem um “mapa” com informações sobre nossos anteceden­ tes familiares. Por outro lado, este é um recurso utilizado no ensino das ciências sociais na escola primária, quando se propõe às crianças que perguntem a seus avós e pais sobre sua origem e sua história de vida. Este recurso permite abordar alguns temas, como a história local, a história do país ou alguns fenômenos específicos, como a imigração (muitos desses avós foram imigrantes ou filhos de imi­ grantes), a partir de uma abordagem mais significativa para os alu­ nos, uma vez que podem vincular estes fatos à sua própria história. Entretanto, o uso da genealogia que sugerimos neste capítulo é um pouco diferente. Para nós, de acordo com alguns filósofos e historiadores deste século, a genealogia é uma forma de olhar e de escrever a história que difere da história tradicio­ nal, porque é definida como história com perspectiva, crítica, inte­ ressada. A genealogia parte de um problema ou conceito atual e

33

A I nvenção da S ala de A ula

elabora um “mapa” — não dos antepassados, mas sim das lutas e dos conflitos que configuraram o problema tal como o conhe­ cemos hoje. Os materiais históricos (fontes, escritos de época, análises históricas) não são revisados com um interesse mera­ mente erudito (“para aprender mais”), e sim com o objetivo de compreender como se criaram as condições que configuram o presente. É um olhar que adota o ponto de vista daqueles que sofrem os efeitos de poderes e saberes específicos (Varela, 1997, pp.36 e 61). Esta posição é claramente contrária à da história tradicio­ nal, que pressupõe que o conhecimento é neutro e objetivo, e que o historiador pode situar-se acima de seu tempo e de sua sociedade, e pode conhecer “o que verdadeiramente se passou” na Revolução de Maio ou em qualquer outro evento histórico, independentemente de seus valores e posições, ou dos conceitos e categorias que sua época lhe provê para analisar a história. A genealogia, pelo contrário, assume

uma visão perspectiva e não tenta enganar ninguém com relação à sua neutralidade. O filósofo e historiador Michel Foucault3afirma que “as forças presentes na história não obedecem nem a um destino nem a 3.

Michel Foucoult (1926-1984) foi um filósofo, historiador e critico social, cujos trabalhos, que não podem ser facilmente enquodrodos em uma matéria determinado, se encontrom entre os mois influentes nas ciências scaois e humonos da última metode do século. Cmboro seja difícil sistematizor em poucos palavras os linhos principais de suo obro. pode-se dizer que seus moiores interesses foram: I) o formação e a transformação do sober e dos conhecimentos e suo reloção com o poder e com o construção do verdade; 2) os sistemas de p o d er "invisíveis", paém centrois nos sociedades modernas3) a construção dos diferentes tipos de subjetivida­ de em nossos sociedades e seus antecedentes em reloção tanto aos conhecimentos sobre nós mesmos como às diversos formos de orgonização do poder. Verdade, sober. poder, sub­ jetividade. fí obra de Foucault è difícil e esquiva, porém seus temos centrois são de fundomentol importàncio paro os pedagogos — sejom eles “cientistas" da educação ou professores. Fntretonto. vale o peno tentor uma leituro. O livro no quol Foucault trata mais explicitomente da escola e da educação é Vigior a pjnir. Fm O nascimento da prisão ( 197ó), anohsa a escola com relação a processos comuns o outras instituições de "confinamento". como hospitois. pri­ sões. quortéis e fóbncos. Também sdo bostonte conhecidos seus livros sobre a loucura — História da loucura na época clássica (/ 9ó /): sobre medicina—O nascimento da clínico (/ 9ó3); sobre o nascimento dos humonidades — Rs palavras e as coisas (1966); sua História da sexualidade (3 volumes. 1977-1984): e seus artigos e entrevistos sobre o poder — Microfísica

34

5a. a o:

a u la

?

G fnealogia ? D efinições para I niciar o P ercurso

uma mecânica, apenas ao acaso da luta” (Foucault, 1980, p. 20). Fntre outras coisas, isto obriga a um posicionamento, a uma análise tias exclusões realizadas, daqueles que venceram e daqueles que fo­ ram derrotados nessas lutas. Afasta-nos da idéia de que os processos são inevitáveis e que as coisas “aconteceram porque sim, porque as­ sim tinham que ser”. Há 15 anos, Lito Nebbia cantava que “se a história é escrita pelos vencedores, isto quer dizer que há outra histó­ ria, a verdadeira história; quem quiser ouvir, que ouça” (em relação à vida de Eva Perón). Foucault acrescentaria a Nebbia que não há duas histórias, e sim muitas, dependendo do tema e de como cada um se posiciona diante do presente, e que isto toma muito mais complexo atribuir o valor de “verdadeira” a uma dessas histórias em particular. Há, certamente, muitos debates epistemológicos e historiográficos dentro da filosofia e da história com respeito a estes argumentos de Foucault, que não queremos subestimar. Aqueles que quiserem aprofundar-se nestes temas têm à disposição abun­ dante bibliografia para consulta.4 Muitos consideram que, se tudo é simplesmente perspectiva, então resta somente o relativismo absoluto de que tudo resulta na mesma coisa — o que leva ao niilismo, a não acreditar em nada, ou seja, â desesperança. Para nós, que defendemos os argumentos de Foucault, assumir uma perspectiva implica, ao contrário, um ato de liberdade considerá­ vel: significa rebelar-se contra um conhecimento imposto, tirar proveito e assumir os riscos da decisão e de seus próprios pontos de vista. A genealogia não implica que todas as perspectivas le­ do poder, compilação, várias edições. R diferenço entre genealogia e história, que utilizare­ mos em nosso percurso, encontra-se em "Nietzsche, o geneologio e o história" (1971). incor­ porado ao já mencionado Microfísica do Poder. Paro onolisar algumas das repercussões do trabalho de Foucault no pedogogia iberoamericana. pode-se consultoria firqueologia de Io escuelo, de Varela e Rlvorez-Uria. e íscuelo, poder e subjetivadón. de iorrosa. 4-

Ver, por exemplo. Noiriel ( 1997) e Foucault ( 1980) sobre o problema do perspectivo no momento de escrever história e do fato inevitável de assumir uma perspectiva em particular.

35

A I nvenção da S ala de A ula

vem ao mesmo ponto, ou que não haja critérios para hierarquizálas, ou para decidir qual nos parece mais “justa" ou “verdadeira”; apenas nos lembra que esta hierarquização ou decisão é um ato próprio (político, diria Foucault), porque implica tomar posição diante de uma realidade conflituosa e dinâmica. Não renuncia a “conhecer a verdade”, e para isso utiliza todas as ferramentas dos historiadores — essa erudição minuciosa, paciente e cansativa de consultar arquivos e ler documentos. Sustenta, porém, que o que é “justo” e “verdadeiro” também deve ser questionado, pois essas definições são produto de lutas e conflitos específicos.

A SALA DE AULA COMO MATERIALIDADE

E COMO COMUNICAÇÃO Saber por que a sala de aula que conhecemos é como é ajuda-nos a ver quais decisões foram tomadas no passado e que processos ocorreram para chegarmos a esta determinada confi­ guração. Nosso argumento central é que a sala de aula onde as lições

são ministradas é uma construção histórica, produto de um desenvol­ vimento que incluiu outras alternativas e possibilidades. Uma vez que a sala de aula é o recinto principal de nossa atividade docen­ te, questionar o óbvio, ver por que esta opção triunfou e quais opções foram excluídas pode contribuir também para pensar­ mos outros caminhos para nossas práticas. Para abordar nossa genealogia, queremos discutir pri­ meiro o que é a sala de aula. Ela tem, certamente, muitos ele­ mentos. Não apenas os docentes e os alunos, mas também mo­ biliário, instrumentos didáticos, as questões da arquitetura escolar, tudo faz parte da sala de aula. Os bancos escolares, as lousas e os cadernos têm uma história e uma especificidade pouco

r~36

t Sala de au la ? G enealogia ? D efinições pana I niciar o P ercurso

conhecidas até hoje.3Além desse aspecto material, a sala de aula implica também uma estrutura de comunicação entre sujeitos. Está definida tanto pela arquitetura e pelo mobiliário escolar como pelas relações de autoridade, comunicação e hierarquia que apare­ cem na sala de aula tal como a conhecemos, e que são tão básicas no momento de ensinar que muitas vezes passam desapercebidas. Como se caracteriza essa comunicação da sala de aula? Sabemos que é uma comunicação hierárquica: suas regras não são definidas por todos, há muitas decisões já tomadas quando as crianças e os professores entram na sala de aula. Sabemos tam­ bém que é uma relação que não está baseada unicamente no saber, que não trata apenas de quem sabe mais matemática, mas que é uma relação de poder: o docente, pelo simples fato de ser professor, independentemente de como ensine ou quanto saiba, tem mais poder do que as crianças para definir o que transmitir a elas. É claro que esse poder não é absoluto, uma vez que o docente ensina em uma escola regida por leis, opiniões, planos de estudo e outras coisas; entretanto, ele tem o poder de definir as pautas dessa relação, de torná-la mais igualitária, mais varia­ da, ou mais uniforme e hierárquica. Uma vez que a situação de

ensino implica uma complexa situação de poder, consideramos que o ensino, como “condução” da sala de aula, pode ser analisado em rela­ ção ã condução das sociedades e dos grandes grupos. Assim sendo, a sala de aula pode ser analisada como uma situação de governo. São estas conexões entre sala de aula e governo que orientarão nossa genealogia. É esta a perspectiva que

elegemos: a história das form as de comunicação e governo da sala de aula moderna como parte de uma história mais ampla, a história doS. S.

Os contribuições de Hamilton ( I 989). Cutler (1989) e Johnson ( 1994) sõo trabalhos pio­ neiros neste sentido. No âmbito do nosso trabalho, o história do caderno de lições e sua difusão na Rrgentino foi trabalhada por Silvina Gwtz (1997).

37

l

A I nvenção da S ala de A ula

governo das sociedades modernas. Certamente, pode haver genea­ logias que orientem o leitor em outras direções (a sala de aula como surgimento do indivíduo moderno ou como lugar de pro­ fissionalização docente, para citar alguns outros exemplos), mas acreditamos que esta é uma linha central na reflexão pedagógica da qual nem sempre nos encarregamos como educadores. Quan­ do um professor lê o recibo de seu salário ou percebe a quanti­ dade de instâncias que estão acima dele e que decidem sobre sua tarefa (ministérios, leis, diretores, especialistas), pode pen­ sar que não tem poder algum. Esta estrutura do sistema, as frus­ trações diárias e os poucos sucessos tornam difícil para os pro­ fessores pensar sobre o poder em geral e sobre seu próprio poder em particular. Em outro ponto, vimos como o poder é algo que está em todos os lugares, é onipresente; e como circula, se trans­ forma e se consolida.6 Em seguida, tentaremos mostrar como foi

construída essa estrutura de poder particular que é o ensino na sala de aula, e se as form as da “liderança ” da sala de aula se relacionam com as form as de “liderança” na sociedade e na política. Tentaremos verificar se algumas características do governo das sociedades modernas têm algo em comum com as formas do “governo das crianças”, como alguns autores definiam a educação há 200 anos. Se durante muito tempo se falou da educação “autoritária”, terá sido porque houve ditaduras ou porque o totalitarismo também está presente na sala de aula, em seu interior? Este uso do termo “autoritário” talvez nos diga que entre a condução da sociedade e a “condução” da aprendizagem existem algumas analogias. As vinculações entre governo e pedagogia foram ampla­ mente discutidas por outros autores, entre eles o filósofo Immanuel Kant, sobre quem voltaremos a falar mais adiante. Há algu6.

:

fí esse respeito, consultor nosso trabalho anterior, Caruso e Dussel ( 199ó) capítulo 3.

38

S-UA DE AULA? GENEALOGIA? DEFINIÇÕES PARA h OA R O PERCURSO

mas décadas, quando Sigmund Freud — o fundador da psicaná|jSC__começou a refletir sobre quando deve terminar a terapia psicanalítica, e tentou formular qual seria o ponto de maturidade da ação terapêutica, encontrou-se diante de uma questão ainda mais radical. Existe realmente esse momento no qual se pode afir­ mar que uma pessoa está curada? Freud responde provisoriamente que sim, e acrescenta: “Detenhamo-nos por um momento para garantir ao analista nossa sincera simpatia por ter que cumpri-lo com requisitos tão difíceis no exercício de sua atividade. E até parecería que analisar seria a terceira das profissões ‘impossíveis’, em

que se pode dar antecipadamente como certa a insuficiência do resulta­ do. ris outras duas, há muito conhecidas, são educar egovernar” (Freud, 1937; 1986, p. 249; a parte em itálico foi destacada por nós). Com esta afirmação, que voltaremos a analisar no último capítulo, Freud tenta formular algo além do simples fato de que a educação não termina nunca, que nenhum go­ verno é para sempre, simplesmente porque não existe gover­ no “com pleto” ou “perfeito”, ou que o final de uma terapia psicanalítica é um momento relativo. O que a afirmação de Freud parece sugerir é que talvez educação, psicanálise e gover­ no tenham estruturas semelhantes. As três atividades propõemse a modificar o indivíduo em determinada direção; ao mes­ mo tempo, as três enfrentam a dificuldade de moldá-lo de acordo com um esquema prefixado — pois assim como não existe governo totalmente onipotente e eficaz, que consegue tudo aquilo a que se propõe, também não existe um processo educativo que garanta totalmente que o produto final seja o esperado. Em nossa abordagem genealógica, proporemos que os problemas da educação são mais bem-compreendidos quando

os enfocamos como parte das relações de poder e de estruturas de governo e de organização da sociedade. 39

A I nvenção da Sala de A ula

D o GOVERNO À "GOVERNAMENTALIDADE" Para entender a sala de aula e a condução da aprendiza­ gem como recintos e atividades vinculados ao governo das socieda­ des, proporemos algumas definições que nos acompanharão na ar­ gumentação. Dizemos que “proporemos” as definições porque, assim como “o movimento é demonstrado andando”, como dizia Carlitos Balá, as definições consolidam-se quando ajudam no entendimen­ to de nosso objetivo: a sala de aula. Comecemos pelo governo. O “governo”, entendido como qualquer tipo de estru­ tura de ordem social que organize as energias e as forças, e que resolva conflitos, surge quando as sociedades se tornam mais complexas. Pode-se observar que as culturas tribais, embora não possuam uma instituição estatal desenvolvida, têm algum tipo de condução, onde as decisões que afetam toda a comunidade algumas vezes cabem às mulheres, e em outras, aos anciãos. Entretanto, ao falarmos aqui sobre governo, estamos nos referindo a um fenômeno ainda mais específico. Se retrocedermos até a Idade Média, encontraremos sociedades onde existiam rela­ ções de autoridade e de obediência, relações desiguais de poder, e também uma espécie de tropa ou exército do qual se valia o se­ nhor feudal, dono da terra, para impor sua vontade. Entretanto, no sentido exato em que utilizamos o termo em nossa argumenta­ ção, não existia um governo. O senhor era dono das terras e as arrendava aos camponeses. Estes permaneciam ligados ao “senhor”, não podiam abandonar as terras que ocupavam e aceitavam suas regras em troca de uma série de benefícios, como a proteção con­ tra perigos “externos”. Entretanto, o senhor feudal não centrava seu domínio no fato de os camponeses (seus servos) pensarem bem a seu respeito ou estarem de acordo com esta ordem. Tam­ pouco o rei (primus inter pares, ou senhor entre os senhores) o

40

Sala de aula P G enealogia ? Definições para I niciar o P ercurso

fazia. Antes do início da modernidade — que dataremos ao redor de 1500 — , os reis herdavam terras, casavam-se com as filhas de outros reis para expandir seus domínios, e certamente também guerreavam para conquistar novos territórios e obter outros despojos de guerra. Entretanto, entre suas atividades, além de arreca­ dar os impostos dos camponeses e de outros senhores (com vio­ lência, se fosse necessário), não se preocupavam em convencer seus súditos de que todos faziam parte de uma unidade coletiva, ou da justiça da ordem social.7 Por esse motivo, as identidades “nacionais” eram menos que incipientes, e os sentimentos de união coletivos eram articulados através do cristianismo. Este se apre­ sentava como um elo universal, uma vez que todos os homens, ou pelo menos todos os cristãos, eram considerados irmãos. Desse modo, na Espanha da época, quem vivia sob o reinado de Isabel, a Católica, não era identificado em primeiro lugar como espanhol ou castelhano, mas basicamente como cristão. A noção de “governo” como tal surge na modernidade, ou seja, com o lento desaparecimento das formas feudais que des­ crevemos no parágrafo anterior. Este processo é muito complexo, uma vez que muitos fatores concorrem para sua estruturação: eco­ nômicos (o surgimento do capitalismo), políticos (a expansão colo­ nial até a América, a Ásia e a África), sociais (a crescente urbaniza­ ção da Europa ocidental) e religiosos (o desafio protestante). Este último processo interessa-nos de maneira especial, porque teve pro­ fundas conseqúências sobre a pedagogia. Com a Reforma protes­ tante e as guerras religiosas que banharam de sangue a Europa até 7.

Çmbora o Igrejo argumentasse que o poder distribuído dessa maneiro correspondia à vontade divina, suo próprio capacidade para convencer os súditos ero limitada (Broujn, 1996). Uma omostra da limitação do poder de persuosõo do Igreja é a sobrevivência maciço das superstições locais, das antigas divindades romanos e germânicos em Forma de deuses naturais, deuses da fertitidode e do relâmpago.

41

A I nvenção da Sala de A ula

1648, abriu-se um cisma dentro do cristianismo que obrigou as igrejas a rever seu relacionamento com seus fiéis. Uma vez que exis­ tiam duas religiões concorrentes no mesmo ambiente cultural e ter­ ritorial, já não era suficiente que os fiéis obedecessem a determina­ dos rituais: tomou-se necessária a interiorização das crenças e o exercício

de um controle superior sobre elas para evitar que os fiéis se identificas­ sem com a outra religião. As duas religiões, mas principalmente a protestante, afirmavam que, para ser um bom tiel, a pessoa deve trabalhar sobre si mesma, perguntar a si mesma quem é, o que quer e no que acredita. Este processo de autoconhecimento foi denomi­ nado por Michel Foucault — em outro contexto — como técnicas do eu. Nessa época, começam a surgir muitas referências a algo que até então apenas determinados círculos haviam experimentado (prin­ cipalmente conventos e monastérios): a consciência. Ter uma cons­ ciência boa ou má tornou-se o elemento central da religião. Essas

técnicas do eu, essas questões dirigidas a si próprio são o que chamaría­ mos de a base de nossa conduta, ou seja, de nossa “condução”. Ao longo desses séculos, conduzir a si próprio, controlar-se através da boa ou má consciência converteu-se em algo primordial para as pessoas (Kittsteiner, 1991, p. 357 e ss.). Do mesmo modo, o pai de família começou a questionar-se sobre suas obrigações, entre elas a educa­ ção de seus filhos, embora naquele momento a “educação” fosse compreendida como algo diferente daquilo que entendemos hoje. O que ocorre entre os séculos 16 e 18 é a constituição de uma moral coletiva ainda vigente entre nós, embora conviva­ mos com os sintomas de sua prolongada crise. Esse processo de moralização interessa imensamente aos reis e a outras autoridades da época, que vêem o mundo transformar-se diante de seus olhos.

Já não se trata de impor a obediência cega sob ameaça de violência, mas de obter a obediência reflexiva, aceita como correta. A obediência com “boa consciência”, a obediência “interior”, toma-se cada vez

42

5ala oe aula ? G emfalogia ? Definições

pa r a

I niciar o P frcurso

mais importante. Como veremos nos próximos parágrafos, a pe­ dagogia desempenhará papel fundamental na estruturação das obe­ diências e na configuração das moralidades. Em relação a esse processo, uma primeira definição de governo, breve e sintética, é a seguinte: trata-se da condução das conduções. Sem dúvida, este “conduzir” está longe do ato de dirigir automóveis, e talvez mais próximo da “conduta” dos boletins es­ colares: como alguém se comporta, como se conduz. Conduziras

conduções não é fácil. O primeiro requisito é que a população “sinta” que deve conduzir a si mesma, que deve cumprir as regras e que, caso não o faça, deve justificar-se e saber por que não as cumpre, e aceitar um castigo ou reprimenda. A idéia de que é preciso go­ vernar-se, controlar os impulsos, comportar-se de acordo com determinados códigos e refletir sobre as causas e consequências de nossos atos é um fenômeno que, embora reconheça antece­ dentes na Antigüidade clássica, se expandiu apenas durante os séculos que estamos analisando. O camponês da Idade Média, embora pagasse os impostos anuais, não tinha necessidade de jus­ tificar-se detalhadamente por seus atos, nem de “comportar-se” ou “conduzir-se” de maneira minuciosamente regrada. Isto não significa que fosse livre ou que pudesse fazer o que bem entendes­ se. Por um lado, não era livre em termos jurídicos, e tinha muitas obrigações para com seu senhor; por outro, sua vida tinha outras regulações, provenientes de seu relacionamento com a natureza, de sua religiosidade e de seu trabalho como camponês. O que queremos destacar com esta comparação retrospectiva é que o “poder central” (reis e senhores) não estava interessado nem pro­ curava justificativa para o que seu subordinado pensava, sentia e fazia, a não ser em relação às suas obrigações mínimas. Uma vez que a população aceita a necessidade de go­ vernar-se a si própria, o segundo requisito é agrupar, organizar e

43

A I nvenção da Sala de A ula

selecionar estas conduções , definindo quais dessas condutas po­ dem ser consideradas desejáveis e quais não o são. Por esse mo­ tivo, definimos governo como essas definições sobre as conduções dos súditos, essa condução das conduções individuais. A esse respeito afirmou Michel Foucault: “Em minha opinião, o ponto de con­ tato no qual a forma de dirigir os indivíduos está ligada a outras conduções, como a forma de condução de si próprio, pode ser chamado de governo. Em um sentido amplo da palavra, ‘gover­ no’ não é uma forma de forçar os homens a fazer coisas que o governante deseja; na realidade, trata-se antes de um equilíbrio móvel com agregados, e de conflitos entre as técnicas que garan­ tem a obediência (imposição) e os processos através dos quais uma pessoa se desenvolve e se transforma” (Foucault, 1993a, pp. 203-204). Ou seja, para criar um governo, para criar um estado de “governamentalidade” (uma mentalidade de governo, que aceite e valorize o governo), duas coisas são necessárias: em primeiro lugar, a condução de si próprio; e em segundo lugar a articulação, a união, a combinação de muitas conduções (a do pai, a do professor, inclusive a do médico) com a condução glo­ bal de um estado moderno. Estas duas conduções não necessa­ riamente coincidem: muitas vezes, o ato de autogovemar-se vai contra aquilo que a sociedade impõe, e dessas discrepâncias sur­ gem espaços de liberdade. Assim, o governo moderno, longe de ser a antítese da liberdade, é sua condição de possibilidade — pois a condução de si próprio e dos demais implica, paradoxal­ mente, a administração e a regulação da liberdade: governar-se é

aprender a fa ze r uso da liberdade, de um a liberdade que nem é pura nem está livre de contaminação, mas que surge das aprendizagens sociais, das regidações e dos espaços intersticiais criados por das. * O governo deve ser produzido e, mais do que isso, deve ser produzido de maneira constante. “O conceito de ‘arte de governar’ 44

i

í

Sala oe aula 3 G enealogia 3 D efinições para I niciar o P ercurso

remete à ‘artificialidade’ das técnicas de condução (...)” (Lemke, 1997, p. 158; a parte em itálico foi destacada por nós). Esta artifi­ cialidade refere-se a uma “arte” que age sobre a natureza; é algo que deve ser inventado, provado, avaliado, modificado, uma vez que não se pode pegá-la como se pega uma maçã de uma árvore. Neste processo, a educação do príncipe que governa, ou governa­ rá, e a educação do governado passam a ter importância crucial. Assim sendo, o governo também se define pela maneira como se pensa a quem e a que se diríge a condução. Nos primórdios da modernidade — por volta de 1500 até 1700 — , surgiram duas formas para defi­ nir as práticas de governo: a primeira (prevalente na Idade Média) afirmava que governar era ter a soberania sobre um território, en­ quanto que a segunda considerava que governar não se referia so­ mente a um território, mas principalmente a objetos ou pessoas. “(...) o conceito de ‘governo’ não envolve uma questão de imposi­ ção das leis aos homens, mas de dispor as coisas: isto é, de empre­ gar mais táticas do que leis, e inclusive utilizar as leis como táticas em si mesmas” (Foucault, 1991, p. 95). Embora desde a Antigui­ dade clássica (gregos e romanos) sempre tenham existido alguns tipos de leis, códigos ou regras de validade geral, o governo mo­ derno, embora continue a utilizá-los, combina-os com novas formas: por exemplo, quando um governo “investe” em determinados em­ preendimentos econômicos, já não se trata de aplicar uma lei, mas sim de outro tipo de intervenção, que regula outros aspectos da vida social, introduzindo novos agentes e novas instituições. A es­

cola fa z parte desses novos tipos de intewenção: a preocupação em for­ mar a consciência da população e de criar uma nova aceitação para as coisas que jã existiam (os impostos, por exemplo) ou para as novas in­ tervenções (o serviço militar obrigatório, por exemplo). Para desenvolver essas táticas, a acumulação de conhe­ cimentos sobre os objetos (homens e materiais) que devem ser

4.

i

A I nvenção

da

S ala de A ula

conduzidos constituiu fator primordial. A partir do século 16, vai tomando forma lentamente um saber que foi denominado “ciências do governo”. De acordo com estas “ciências”, não se

governa um pedaço de terra ou simplesmente umaJamília, e sim uma população. O conceito de população é mais um que também nos parece natural, e, no entanto, aparecerá bem mais tarde na his­ tória das práticas de governo. Governar é, portanto, conduzir uma população (idem, p. 99). Este é o espaço central da pedagogia, uma vez que trata de educar as consciências e os corpos.8 Â sala de aula como a conhecemos e também as estruturas

que a precederam são situações sociais nas quais se produzem as con­ duções. Em primeiro lugar, interessa que a criança conduza a si mesma, seja ficando quieta em seu banco ou conduzindo seu pró­ prio pensamento durante a aprendizagem. Em segundo lugar, que conduza a si mesma por meio de e com base em modelos, pautas e normas definidas pelo condutor dessas conduções: o professor e, acima dele, o Estado. Nos postulados da pedagogia com relação à sala de aula, principalmente com respeito ao método, pode-se observar como se produz uma certa “governamentalidade”, esta­ do que permite que sejamos governados. Em seguida, analisare­ mos de que maneira a sala de aula se estruturou como uma situa­ ção de governo na qual as crianças, os jovens e também os professores deveríam ser conduzidos. Veremos, por um lado, como surgiu na pedagogia uma condução especificamente moderna — ado

professor na sala de aula onde as lições são ministradas; e como se vincula esta nova situação com a tendência a longo prazo do mundo moderno de produzir a condução de si mesmo e de combinar todas as conduções em uma condução central, ou governo. 8.

Note-se que o estatístico educacional menciona "população escolor" quando se refere a grupos de alunos.

46

N asce a S ala de A u l a : o P a p e l da R eli gião c om o P a rt ei ra

R e TOMEMOS o exemplo da pergunta usual sobre a educação. Se perguntássemos agora quais são as tareias principais da escola elementar, básica ou primária, teríamos muitas respostas diferen­ tes, embora certamente todas elas coincidissem em poucos ele­ mentos: ler, escrever, contar ou fazer operações. Entretanto, como vimos no exemplo da educação imaginada para o herdeiro da co­ roa espanhola, na Idade Média e no início da modernidade estes conteúdos não estavam incluídos. O historiador Phillippe Ariès afirma que “conhecimentos empíricos e elementares (...) não eram objeto do ensino escolar: os mesmos eram ensinados no interior da família ou durante a aprendizagem de um ofício por meio de um tipo particular de aprendizagem” (Ariès, 1996, p. 226). A essa época, a escola elementar, de nível primário, não existia com esse conceito. A “escolarização” estava associada à cultura clássica e ao latim. Considerava-se que as escolas existiam em relação a outras funções da cultura, muito ligadas à teologia e à formação dos ecle­ siásticos. Por esse motivo, a ninguém ocorreria reclamar uma es­ cola para todos. Entretanto, ocorreram transformações que modi­ ficaram esse panorama. Neste capítulo, desejamos mostrar alguns processos que conduziram à invenção da sala de aula na escola elementar ou primária. Neste sentido, queremos registrar algo já mencionado, porém igualmente importante: programas e proje­ tos não conduzem as realidades educativas; pelo contrário, chocam-se com elas. No entanto, estes programas e projetos marcam

A I nvençào da Sala de A ula

a direção do desenvolvimento, as formas que a sociedade deseja para sua socialização escolar, e, assim sendo, têm algum tipo de efeito sobre as duras realidades sociais. Neste histórico sobre o nascimento da sala de aula, veremos que o trabalho de parto é difícil, contraditório e muito pouco “natural". Queremos demons­ trar de que maneira foi inventada a escola elementar, induzida por processos sociais, políticos e culturais mais amplos. Por en­ quanto, estaremos concentrados na visualização da situação de partida, ou seja, o que ocorria antes da “sala de parto”.

( P ré ) - história : um olhar ao final da I dade M édia Entre as instituições existentes na Idade Média, as univer­ sidades desempenhavam papel central. Estavam organizadas de maneira muito diferente da que conhecemos atualmente, com es­ colas preparatórias, um tanto caóticas, onde se ensinavam elemen­ tos da cultura clássica, como o latim, a lógica e a retórica, e faculda­ des onde o ensino tinha certa semelhança com o ensino de terceiro grau de hoje em dia. Sem dúvida, estas instituições educativas aten­ diam a um público minoritário, embora diversificado (Le Goff, 1984). A escola elementar, por sua vez, é uma invenção moderna. Como dissemos, mesmo quando existiam formas de aprendizagem ele­ mentar antes da modernidade, não tinham semelhança com a escola que conhecemos hoje. Em nosso percurso, estaremos concentrados nas técnicas prescritas para os níveis inferiores desses colégios ou escolas de latim, que recebiam indivíduos que hoje identificaría­ mos como crianças (aproximadamente 10 anos de idade). É importante salientar que os estudantes e os escolares constituíam uma categoria distintiva nas cidades da Idade Média,

48

I

Nasce a S ala de A u i a : o Papel da R eligião como P art eiiu

sendo indivíduos detentores de certas imunidades e de privilégios, que se organizavam em grupos e escolhiam seus professores, e os remuneravam. Inicialmente, as universidades eram itinerantes, e funcionavam “por empréstimo” em instituições eclesiásticas ou em casas particulares. Não havia assentos propriamente, tanto que se espalhava feno sobre o chão para evitar dores nas costas (ver figura 5, Alt, 1961, p. 126). Entretanto, estes estudantes, muitas vezes provenientes do campo, de famílias aristocráticas, porém rurais, precisavam de um lugar para dormir e onde guardar seus pertences. Desde o século 15, as pensões mais ou menos improvi­ sadas onde moravam transformaram-se, por pressão da campa­ nha eclesiástica cie moralização da vida estudantil, em uma espé­ cie de internato. Tratava-se de tirar os estudantes de seu espaço de liberdade: a rua. “A partir desse momento, não se tratava mais de garantir aos estudantes pobres a manutenção de suas vidas, mas sim de superar esse estágio e obrigá-los a uma maneira de condu­ zir suas vidas que os protegesse das tentações do mundo exterior. Assim, os estudantes foram submetidos a uma vida comunitária determinada pelo espírito de uma prática religiosa, garantida por meio de estatutos permanentes” (Ariès, 1996, p. 247). A arqui­ tetura dos colégios tomou-se mais complexa, com espaços para oração, claustros e salas de aula, que eram as mesmas para todos e organizadas com assentos dispostos em duas filas voltadas uma para a outra ao longo da sala. O professor ocupava uma das extremida­ des da sala e circulava pelo amplo espaço livre entre os alunos. Mais tarde, esse espaço fechado recebeu funções educati­ vas. Já não se tratava simplesmente de manter as crianças confina­ das fora do horário da escola — que continuava sendo externa — , mas sim de transformar essa pensão, onde se realizavam ritos reli­ giosos e se praticavam rotinas determinadas, em um espaço de aprendizagem. A problemática do governo das crianças como “o

49

l

A I nvenção da Sala de A ula

grande tema da pedagogia que surge e se desenvolve no século 16” (Foucault, 1991, p. 87) toi algo novo e rompeu com as tradições estabelecidas. O governo das crianças ajustou-se progressivamente a um modelo de confinamento em instituições que buscavam a formação completa, em todos os aspectos, da criança ou do adoles­ cente. Evidentemente, este modelo não se generalizou por comple­ to, uma vez que estas instituições eram caras, porém o internato passou a ser considerado a condição ideal para a aprendizagem. A ima­ gem do estudante da Iclade Média — um menino de 10 anos podia começar seus estudos de gramática — que se deslocava de uma condição de aprendizagem a outra, por espaços utilizados para o ensino, mas que não eram muito diferentes nem mais higiênicos do que um estábulo, foi paulatinamente substituída pela imagem de um estudante que se subordinava a normas cotidianas concretas e a um espaço escolar separado da vida na ma (Snyders, 1974).

Fig. 5. Aprendizagem da gramática na alta Idade Média, extraído de um manuscri­ to inglês do século 14 (Extraído de: R. A lt. Pictorial History of Education and Schools, vol. I ,Volk und W issen Volkseigner Verlag, Berlim, 1961).

50

Nasce a Sala df A ula . o Papfl da R eligião como P arteira

Consideremos os elementos da estrutura de comuni­ cação da sala de aula que estava em formação. Ariès demonstrou q u e esta nova consciência de que a criança precisava de um es­ paço específico é responsável pela lenta formação das salas de aula de acordo com a idade. “Durante muito tempo, a escola comportou-se com indiferença frente à divisão por idades por­ que seu objetivo principal não era a educação das crianças. A escola de latim da Idade Média não estava preparada para assu­ mir os papéis da formação moral e social. A escola medieval não se destinava aos escolares — era antes uma espécie de escola técnica para o ofício sacerdotal, tanto ‘dos velhos quanto dos jovens’. Assim, admitiam-se na escola todos os estudantes possí­ veis, sem preocupação de serem eles crianças, jovens ou adultos” (Ariès, 1996, p. 458). Embora já começasse a ser definido um espaço separado — uma sala de aula dentro de uma escola — e já se pensasse em antecipar a alfabetização das crianças, os pro­ cessos que ocorriam nesse espaço estavam vinculados ao passado. “O ensino da escrita pelo professor, vale lembrar, era quase um ensino para adultos. Daí decorre uma forma de ensino (...) orien­ tada para os ofícios e suas corporações na Idade Média, e que se destinava aos aprendizes” (Ariès, 1996, p. 419). Ou seja, o cânone do conhecimento ampliava-se às crianças pequenas, mas o pro­ blema é que não havia um método específico para elas. Por um lado, porque não haviam sido realizadas experiências de escolarização infantil em grande escala, mas principalmente porque, como argumenta Ariès, a infância como tal, como identidade que demanda tratamento e sensibilidade particulares, não exis­ tia na idade Média, e estava sendo formada paulatinamente na então nascente modernidade. Assim sendo, as cenas de ensino descritas pelo autor são um tanto grotescas: são formas vincula­ das à prática de aprendizagens, porém sem método específico:

51 “ “ :

A I nvenção da Sala de A ula

“assim devemos imaginar o andamento do ensino: uns apren­ dem a soletrar, outros, a cantar” (Ariès, 1996, p. 405). Por que motivo, questiona Ariès, a criança começa, nessa época, a ser vista com outros olhos? O que leva a socieda­ de a, de um momento para outro, considerar que as crianças merecem um tratamento especial? No nível da sala de aula, o que se pergunta é por que motivo as crianças precisam de uma torma de comunicação “metódica” especial. O cenário em que se instala este processo é a Europa do stcu lo 16. Uma Europa dividida em “confissões”.

A SALA DE PARTO DA SALA DE AULA! A DIVISÃO EM RELIGIÕES Analisar o surgimento da sala de aula e da pedagogia como fenômeno específico implica notar a emergência de um novo mundo, de uma nova cosmovisão: a da modernidade. Em outro trabalho (Caruso e Dussel, 1996), assinalamos que os sé­ culos 15 e 16 marcam a consolidação de uma nova era social, caracterizada por uma urbanização crescente, uma estruturação territorial dos estados, uma concentração do poder em estrutu­ ras centralizadas como as monarquias e o advento de novas for­ mas de saber denominadas científicas. Esses fenômenos são pro­ duzidos simultaneamente ao descobrimento da América, em 1492, e à divisão do cristianismo europeu ocidental em várias religiões, e são catalisados por estes acontecimentos. Trataremos, em particular, deste último, por seus efeitos na configuração da pedagogia moderna. A esse respeito, é preciso salientar que o saber letrado era preservado no âmbito da Igreja, e que os inte-; lectuais da época geralmente eram clérigos que observavam, em •ifráflL*

52 - *4

Nasce a Sala de A ula : o P apel da R eligião covo P apteip .a

maior ou menor grau, as regras da vida religiosa (Le Goff, 1984). É natural, portanto, que os debates teóricos e a estrutura das instituições e das regulações sobre a transmissão da cultura ocor­ ressem nos espaços religiosos. Martinho Lutero (1483-1546) foi o iniciaclor dessa divi­ são. Clérigo católico da Baixa Saxônia (atual Alemanha), iniciou sua vida religiosa em um convento, porém foi posteriormente enviado a Wittemburgo, onde se tornou doutor e passou a ensi­ nar teologia. Na manhã de 31 de outubro de 1517, Lutero não suspeitava que o papel que levava em suas mãos para fixar na porta da igreja de Wittemburgo seria o início de grandes transfor­ mações, e também de grandes guerras, na Europa pós-medieval. Havia formulado 95 teses contra práticas e crenças da igreja, e pedia uma discussão a respeito. Rapidamente, formaram-se fren­ tes a favor e contra Lutero, e os estados europeus nascentes e suas casas monárquicas tomaram posições diversas. Ainda que esta história seja conhecida como o nasci­ mento dos que protestavam — os protestantes — , trata-se de um movimento com muitas expressões. Figuras como Lutero povoa­ ram o norte da Europa desde antes da manifestação do desafio organizado: por exemplo, 200 anos antes, era possível verificar a existência de cultos cristãos que já não aceitavam a autoridade papal, e que foram perseguidos e exterminados. O movimento da Reforma teve expressões diferentes em Calvino, em Zwinglio, e no desenvolvimento do anglicanismo, na Inglaterra, e do presbiterianismo, na Escócia, e em Jan Huss, em Praga, entre outros. As demandas dos protestantes centravam-se na solicita­ ção de novas formas de autoridade religiosa. O aspecto mais co­ nhecido dos questionamentos de Lutero é a crítica maciça à práti­ ca da confissão-absolvição, e das vantagens materiais relacionadas

53

A I mvenção

oa

S ala df A ula

a ela — já que nessa época era possível comprar o perdão da Igreja. Lutero atacou essa forma por sua hipocrisia e porque alguns papas haviam utilizado essa arma de maneira política e financeira, vendendo perdões em troca de favores. Entretanto, havia também em seu protesto uma volta ao fundamento doutrinário, que, para alguns teólogos, constitui um fundamentalismo: para Lutero, o importante não é a absolvição; o importante é não pecar. Mas como evitar o pecado? Lutero sabia que mesmo um exército de religio­ sos não podería evitar o pecado se os próprios fiéis não estivessem convictos de que era preciso resistir a ele. Conclamou seus segui­ dores a converter-se em supervisores de sua consciência e de suas boas ações. Ao invés de propor uma vigilância espiritual exterior, propôs outro procedimento: em lugar de um controle impossível e dispendioso para os soberanos, sugeriu formar a consciência dos fiéis e trabalhar sobre seu íntimo. Lutero opôs-se ao uso da força em matéria de crenças: para ele, a fé era uma questão de consciência individual, e a coerção poderia produzir efeitos con­ trários naqueles que a buscavam (Sabean, 1984, p. 42). A inten­ ção dos protestantes era governar as almas: para tanto, estabelece­ ram práticas como a leitura coletiva da Bíblia e o hábito de escrever diários íntimos, que fomentavam a reflexão cotidiana sobre a con­ duta (Rose, 1990)4 Na visão dos protestantes, cada fiel é responsável por sua salvação, e o pastor é um administrador ou conselheiro, de quem não dependem nem a salvação, nem a condenação. A9 9.

A/este sentido, sõo interessantes alguns debotes da época sobre se deveríam ou não ser oplicodos castigos aos fiéis que não cumpriam os rituais religiosos. 6m olgumas províncias olemãs. por exemplo, castigavom-se com repreensões e oté com a prisão os pessoas que não freqüentovom a missa e que não faziam seus juromentos religiosos.- entretanto, a maioria dos teólogos protestantes opôs -se a estos repreensões, enfatizando que o trans­ gressor deveno desenvolver arrependimento ou sentimento de culpa interior para sanar suo falta (Sobeon, 1984. cap. I).

54

1 Nasce a Sala de A ula - o Papel da R eligião como P arteira

condenação ou a salvação depende das ações de cada um (Weber, 1997). Estajonna de autoridade, que, simplijicadainerite, subs­ titui a autoridade da Igreja exterior pela consciência interior , foi aceita no norte da Europa, em algumas regiões da França, em toda a Escandinávia, na Holanda e na Suíça. A Alemanha atual — á época, um conglomerado de diversos principados — aderiu ma­ ciçamente à Reforma, porém um terço da população manteve-se no catolicismo. O que hoje pode parecer uma discussão superficial sobre idéias religiosas significou, no entanto, 150 anos de enfrentamentos e causou uma das guerras mais sangrentas da his­ tória européia. Enquanto escrevemos este capítulo, 20 chefes de Estado da Europa celebram o tratado de paz de Westfalia, firma­ do há 350 anos (1648), que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos entre as religiões , assim denominadas a partir do surgimento de Lutero: a católica e a protestante. Imaginemos um mundo que conhecia uma religião hegemônica, e que, de um momento para outro, tem duas opções que competem entre si e se enfrentam. Tanto a Reforma protestante, com sua ênfase na consciência in­ dividual, como a Igreja católica, com suas posições tradicionais, realizaram então grandes esforços para manter os fiéis a seu lado. Nos livros de História, este processo é denominado “Re­ forma e Contra-Reforma”. Falaremos mais detalhadamente da “confessionalização” das sociedades. A investigação histórica concluiu que as ações da Igreja para manter a fé de seus liéis, para conseguir novas formas de obediência não constituem so­ mente uma reação ao desafio da Reforma protestante: na Itália, como também na Espanha da Reconquista, os estados e a Igreja empreenderam grandes campanhas de “moralização”, diante de transformações inacreditáveis para a época — como o desco-

(

A I nvenção da Sala de A ula

brimento da América, a desestabilização de antigas formas de autoridade, o crescimento das cidades, etc.10 O que a Reforma protestante parece, sim, ter feito foi acelerar este fenômeno e cristalizar duas versões da religião cristã na Europa ocidental, que se denominam “confissões” (Reinhard, 1995, p. 390). Este processo de “confessionalização” estreitou os vínculos entre reli­ gião e política, e constituiu uma forma de “invasão” do religioso nas outras esferas da vida: o religioso e sua estruturação conver­ teram-se em princípio articulaclor da sociedade (Schilling, 1992). Esse processo ocorre paralelamente, e, por vezes, em oposição à constituição dos Estados modernos e à formação dessa sociedade que na introdução denominamos “moderna”, com indivíduos dis­ ciplinados e autogovemados. O historiador francês Jean Delumeau afirma: “Desde que, após o Renascimento, as igrejas começaram a exercer seu peso em um Estado mais poderosamente constituído do que antes, as duas Reformas, cada qual a seu turno, puderam vigiar os povos da Europa com muito maior escrúpulo e eficiência do que seria concebível apenas um século antes. Como resultado, em 1700, depois de anos de perseverante esforço, havia sido al­ cançada uma situação na qual a religião se apresentava como uma escolha pessoal, como uma decisão do coração e da mente, como um caminho para a salvação, porém uma situação em que todos ou quase todos estavam comprometidos em ir à igreja, e em que 10. Por porte do Cstodo, forom os famosos Reis Católicos que propiciorom umo forte ofensivo cristã com opoio estofo/, que incluiu tombém o expulsão dos religiões judio e muçulmano do território espanhol. No Itólio. é conhecido o coso de Sovonarolo (1452-1498). um monge dominicano fundomentolisto que. com seus seguidores, tomou o poder no cidode de Florenço e tentou introduzir umo teocracia (governo segundo o religião) e umo vido regulamentado de ocordo com regros estritos de um cristianismo fundomentolisto. Os s e ­ guidores de Sovonorolo são conhecidos por suos queimas de quodros e livros, suo rejei­ ção à vido daquela cidode comercial que ero o Florenço do época. Cstes são dois exem­ plos de que. em visto do início dos tronsformoções modernos, o reoçõo religioso hovio começado ontes de Lutero (Zentner. 1990. p. 495).

56

Nasce a Sala de A ula : o Papel da R eligião como Paiueiua

as pessoas demonstravam um nível de pontualidade jamais atin­ gido anteriormente” (Delumeau, citado em Hunter, 1998, p. 105). Dessa forma, pode-se dizer que, principalmente a par­ tir do surgimento do protestantismo, já não bastava às igrejas que os fiéis apenas repetissem rituais que muitas vezes não com­ preendiam (a missa ainda era rezada em latim): buscavam-se a convicção interior e que as pessoas tivessem uma conduta não apenas obediente, mas também consciente, a cada momento, de quais eram as decisões, por que motivo eram tomadas e como eram praticadas. A este propósito, pode ser útil a comparação entre o Requerimento ou Comunicação aos índios, escrito em 1513, e as palavras de Lutero sobre seus fiéis. O Requerimento, documento que informava aos índios que o Papa havia outorgado suas terras aos espanhóis e portugueses, era lido aos aborígenes americanos por um cura evangelizador, sem intérprete, pressu­ pondo-se que aqueles que o compreendessem e o aceitassem seriam seres capazes de receber a graça divina, e que os demais sofreriam penas terríveis. Não importam aqui a compreensão ou a consciência, apenas a dominação e a submissão (Puiggrós, 1996). Lutero, por outro lado, propôs que no momento da co­ munhão o fiel estivesse consciente de seu ato: “quem quiser comungar precisa ser capaz de repetir por si mesmo as pala­ vras da comunhão e declarar, com palavras simples, que deseja receber na comunhão a palavra e o sinal da graça” (Schwarz, 1990, p. 115). Como veremos, pouco tempo depois do desafio luterano, algumas ordens da igreja católica retomariam esses postulados, com seus próprios matizes. A pedagogia apresentou-se como um espaço significa­ tivo para essa nova tarefa de governar as almas. Como fazer para tornar as pessoas mais crentes, não às cegas, mas conhecendo

57

A I nvenção da S ala de A ula

bem a Bíblia — assunto que não estava, de fonna alguma, resol­ vido — e mais, como fazer para que conheçam e aceitem a inter­ pretação específica da Bíblia de sua profissão de fé? Para a Euro­ pa daquela época, este era um problema enorme. Em suas

pregações doutrinárias, Lutero argumentou que o acesso de todos à leitura é a melhor maneira de colocar o crente em contato com a divindade — o que, por vezes, é associado com a expressão nem sempre feliz de “livre interpretação da Bíblia”. Para garantir es­ sas aprendizagens, produziu um fato notável: traduziu a Bíblia do latim para a língua vulgar — neste caso, o alemão falado na Baixa Saxônia. Isto deu à confissão luterana ou protestante um ar­ gumento central para tentar desenvolver maciçamente uma nova ins­ tituição: a escola elementar Lutero escreveu um documento inti­ tulado “Aos alcaicles e intendentes de todas as cidades sobre o dever de fundar e manter escolas cristãs”, no qual pedia apoio material e político para a criação de estabelecimentos onde se ensinassem “alemão, a Bíblia e a palavra divina" (Lutero, 1969, p. 69). Note-se que se ensinava a ler, mas não a escrever; a escri­ ta estava reservada às escolas superiores. A figura do professor de escola multiplicou-se nas aldeias, ainda que muitas vezes essa pessoa soubesse apenas ler e escrever, e tivesse se dedicado a ensinar a cantar e tocar órgão nas igrejas (Sabean, 1984, p. 16). Outra questão importante é que, ainda que se considerasse que a mulher ocupava posição subordinada em relação ao homem, era preciso instruí-la para que educasse corretamente seus filhos dentro da fé cristã. Isto levou a um crescimento relativamente rápido da alfabetização das mulheres nos países protestantes (Graff, 1986). Muitas vezes, as mulheres dos pastores (que pro­ vavelmente tinham um nível de instrução muito rudimentar, e não sabiam escrever) educavam as meninas, enquanto que os pastores encarregavam-se dos varões.



Nasce a S aia df A ula o P apel da R eligião como P aiueika

40 fic

íTCrtrtíriUôjLim&cr.

XX>útem&rg.

m.

3UfT: bte fyriber tji» mír tommt>rmbwerct

jD,

36 36 mj.

md)t f% U u o*

Fig. 6. Ilustração da Bíblia de Lutero (Extraído de: H. Schiffer e R. W inkeler. Taunsend Jahre Schule. Eine Kulturgeschichte des Lernens in Bildern, Belser Verlag, Stuttgart-Zurique, 1993).

59

De maneira geral, o protestantismo, com as diferentes correntes que o constituíram, deu grande impulso à escolarização, e, em particular, à pedagogia. Preocupado com a conforma­ ção de uma nova instituição e um novo indivíduo, centrou-se nas formas de propagar sua pregação a amplas massas da popu­ lação. Algumas tendências, principalmente a dos calvinistas em Genebra, foram mais longe e tentaram criar uma sociedade dos homens “à imagem e semelhança” das escrituras cristãs. Nelas se valorizavam e se prescreviam ordem e disciplina rigorosas, e a escola foi estruturada segundo esses parâmetros. Muitos dos clé­ rigos e leigos que ali se educaram difundiram por toda a Europa os novos métodos de ensino baseados em uma organização seqüenciada do conhecimento. Aparentemente, os calvinistas tiveram muita influên­ cia na adoção de termos como currículo, aula e método na pe­ dagogia (Hamilton, 1989, p. 46 e ss.). Em primeiro lugar, prega­ vam que a vida devia seguir uma regra, uma ordem, determinadas pelo cumprimento das sagradas escrituras, e que a Igreja devia impor essa disciplina a seus fiéis. Junto à desconfiança sobre as tendências naturais que os levavam a ter rígidos códigos de dis­ ciplina, os calvinistas aderiam à idéia de que o homem (orienta­ do pela Igreja) podia dominar suas paixões, e que devia educarse dentro desse objetivo. Assim, deram muita importância ao método de ensino e de orientação da Igreja. Na Academia de Genebra, formaram grande número de discípulos vindos de to­ das as partes da Europa, que posteriormente ensinariam em seus locais de origem. Um deles, o escocês Andrew Melville, foi o diretor da Universidade de Glasgow, onde implementou seu sis­ tema — uma combinação da aprendizagem com Calvino e das tradições medievais. As reformas que impôs incluíam: residên­ cia obrigatória de cada reitor ou diretor da Universidade dentro

!

Nasce a S ala de A ula -, o Papel da R eligião como P arteira

das instalações da escola; cada professor era obrigado a limitarse a uma única área de conhecimento (latim, grego, gramática); a promoção dos estudantes estava condicionada a conduta e pro­ gressos satisfatórios ao longo do ano; a universidade, por sua vez, reconheceria esse progresso nos estudos como complemen­ to do curriculum (esta parece ter sido a primeira vez em que essa palavra foi associada ao sentido moderno de “curso de estudos” que tem atualmente).

Fig. 7. Planta da escola de G u ilfo rd , 1557-1586, planta baixa e prim eiro pavimento.com as datas em que cada cômodo foi construído. (Extraído de:M . Seaborne. The English SchooI. Its Architecture and organization, 1370-1870, University of Toronto Press, Toronto, 1971) (Tradução: schooI room: sala de aula: courtyard: pátio; staircase: escada; master's house: aposentos do professor; usher's house:aposentos do professor assistente; library: biblioteca; great chamber. grande dorm itório.

Por outro lado, a confissão católica também reagiu a esse desafio. Em 1534, fundou-se uma nova ordem dentro da Igreja católica, denominada Societas Jesu (Companhia de Jesus). Seus oponentes chamavam seus integrantes, ironicamente, de “jesuítas”, nome que se consagrou com a acelerada expansão da ordem. Os jesuítas formaram uma corte hierarquizada, com

61 I

A I nvetçã :.

S - . a de A ula

algumas reminiscências militares, que combateu a crescente in­ fluência dos protestantes. Uma característica muito específica cios jesuítas foi sua obediência direta ao Papa, em oposição à dependência ao monarca ou ao senhor local, como acontecia anteriormente. Os jesuítas destacaram-se por sua ação educati­ va, fundando inúmeros colégios e universidades que, em pou­ cos anos, espalharam-se por toda a Europa. Como bem expres­ sou Émile Durkheim no início do século 20,11 embora os jesuítas tentassem recuperar o terreno perdido para a Reforma protes­ tante, “tiveram que compreender muito rapidamente que, para alcançar seus objetivos, não bastava apenas pregar, confessar, catequizar: mas que o verdadeiro instrumento de dominação das almas era a educação da juventude. Decidiram, então, apoderarse dela” (Durkheim, 1992, p. 293). No caso das colônias ameri­ canas, sua ação, juntamente com a dos franciscanos, será funda­ mental para a educação da elite crioula e indígena. Em síntese, para produzir uma posição católica ou protestante de profunda convicção, ambas as Igrejas encontra­ ram um espaço em desenvolvimento ao qual dedicaram aten-1 11. Emile Durkheim (1858-1917). que voltaremos a mencionor no capítulo 4, foi um teórico social francês considerado um dos grandes clássicos do sociologia. Seus diversos traba­ lhos defendicm a posição de que muitos fatos considerados "pessoais "ou "naturais" d e­ corriam, no verdade, de estnjturas sociais. Por exemplo, o foto de que estatisticamente o número de suicídios de protestontes é maior do que o de católicos levou Durkheim a ver o suicídio como um fenômeno social influenoodo pelos diversos regras dessas confissões, e não simplesmente como umo decisão pessoal. Mesmo ossim, questionou-se sobre como serio possível que os sociedades se mantivessem unidos e. nesse contexto, escreveu diversos trobolhos sobre o popel da educação a esse respeito. Entre suas obros destacam-se: fi divisõo social do trobolho (1895). O suicídio (1897), Rs formos elementares do vido religioso (1912) e vários textos metodológicos. Entre seus trabalhos sobre educação encontram-se: Historio do educação e dos doutrinos pedogógicos (oulas dos anos 19041905. publicados pela primeira vez postumamente, em 1939) e Educoção e sociologia (1911). Ver tombem, de vónos autores. Educação e sociedade (1980). Rindo que os posições de Durkheim não sejam desenvolvidos neste trabalho, trato-se de umo leitura recomendável poro o percurso aqui proposto.

“ 62

Nascl a 5ala df A ula o P apel da R eligião como P arteira

ção, cuidados, programas e controle: a escola. Para governar os fiéis sob a ameaça da existência de outra confissão, foi ne­ cessário um processo de afirmação de certas disposições, atitu­ des e idéias. Em função de suas características de duração, perse­

verança e constância, o processo de escolarização aparecia como a forma maciça ideal para atingir esse objetivo. A SALA DE AULA CHEGA COM ATITUDE DOMINADORA! DEFINIÇÃO DO PODER PASTORAL Como vimos, a sala de aula como espaço particular começa a delinear-se no final da idade Média. Entretanto, a pergunta sobre o que deveria ocorrer entre as quatro paredes da sala de aula era ainda uma questão totalmente aberta, ou ao menos em gestação. Em seu livro sobre o surgimento da escola moderna, Anne Querrien afirma que a pergunta inicial da pedagogia era: como dirigir e ensinar uma tropa de alunos? como governálos? (Querrien, 1979, p. 45). Para a autora, o único modelo disponível para esta tarefa era o modelo militar, portanto a sala de aula foi estruturada como um espaço no qual se produz uma militarização particular. Sem dúvida, os exércitos — que ainda não eram as formações disciplinadas e uniformizadas que conhecemos atualmente — não eram o único modelo de referência

sobre como governar um grupo. As tradições religiosas proporcio­ navam outro modelo que inspirou muitos pedagogos no mom ento em que perguntaram de que maneira a sala de aula deveria ser organizada: o pastorado. Tudo parece indicar que, àquela épo­ ca, os pedagogos não viam numerosos conjuntos de alunos como uma “tropa”, mas sim como um “rebanho”.

63

A I nvenção da Sala de A ula

Na visão de um grupo de crianças como um “reba­ nho”, estabelece-se um tipo de conduta, uma forma de liderar a situação que denominamos “sala de aula”, que tenta articular-se e vincular-se com essa conduta de si mesmo baseada na boa ou má consciência: o poder pastoral. A vinculação entre o desen­ volvimento da modernidade e a idéia do poder pastoral que ex­ poremos a seguir deve-se também ao trabalho de Michel Fou­ cault. A idéia básica do poder pastoral é que o poder do pastor não é exercido sobre um espaço, uma cidade, mas sim sobre um rebanho ou um conjunto de homens que sê deslocam (Foucault, 1992a, p. 268 e ss.). Esta idéia é uma representação ancestral do poder que provém das grandes culturas asiáticas da Antigüidade (judeus, semitas, babilônios, entre outros). Pensemos no caso clássico de Moisés no Antigo Testamento. Se Moisés tem poder, não é sobre um território limitado, sobre fortificações, etc., mas sim sobre um grupo de pessoas cuja identidade é percebida como comum. Essa idéia continua viva em muitas culturas que vivem de maneira nômade, como os ciganos ou as tribos berberes do deserto do Saara. Assim, a idéia do pastor e do rebanho também pode ser entendida em uma situação de diáspora ou de disper­ são, em que um povo se desloca e permanece como povo, ape­ sar de haver perdido seu território. Foucault contrapõe esse modelo ao modelo grego da cidade e do cidadão. Enquanto em sua forma ateniense o exercício do poder constitui um direito e é a base da democracia, no caso das formações pastorais é visto

como uma obrigação moral do pastor para com seu rebanho, e deste com relação a seu pastor. Esta forma de poder não se diferencia da forma grega apenas por acentuar as “obrigações”, e não os direitos; também não basta reconhecer que, enquanto na concepção grega se trata de governar as coisas, no poder pastoral trata-se fundamental­

Ó4

Nasce a Sala de A u la : o P apel da R eligião como P arteira

mente de governar as pessoas. Para caracterizar o poder pastoral de maneira abrangente, devemos identificar seus propósitos: o objetivo não era somente a melhor disposição das coisas para os homens, mas também sua salvação. Este objetivo ambicioso exigia

técnicas que mantivessem o rebanho como totalidade, e, ao mesmo tempo, técnicas que se ocupassem de cada membro do rebanho. Fou­ cault identificou essa orientação como um poder dedicado “a todos e a cada u m ” (em latim, Omnes et singulatim). Este tipo de condu­ ta trabalha com uma economia sutil de pecados e merecimen­ tos, tendo sempre como objetivo a salvação. Uma vez que o pas­ tor decide de que maneira deve ser interpretado e solucionado esse equilíbrio entre atos bons e atos maus, exige-se do partici­ pante do rebanho obediência absoluta. Com relação ao tema da obediência, Foucault comenta: “de um meio para alcançar um fim, a obediência transforma-se em um fim em si mesmo: a obe­ diência não é mais um instrumento para se chegar a ser virtuo­ so, mas (...) converte-se ela própria em virtude. Obedece-se para alcançar um estado de obediência” (Foucault, citado em: Lemke, 1997, pp. 154-155). O fato de analisarmos os primeiros passos da sala de aula através do modelo do poder pastoral não implica, de nossa parte, uma desqualificação ou uma atitude de censura quanto ao que nela ocorre. Como dissemos, o universo religioso consti­ tuía o reservatório da cultura letrada, e era natural que se recor­ resse às tecnologias disponíveis à época para a transmissão do saber. É verdade que identificar as raízes religiosas de nossas práticas docentes vai na contramão da própria visão que a escola pública construiu sobre si mesma, como espaço secularizado e claramente diferenciado da Igreja — questão que ficará mais clara no capítulo 4, quando abordaremos o último século de escolarização; e, neste sentido, pode causar certa irritação. No entanto,

65

A I nvenção da Sala de A ula

acreditamos que colocar em evidência essas relações e homologias entre as práticas de aula e o poder pastoral pode alertar-nos quanto aos efeitos dessa técnica de ensino e dessa utilização do poder, que são diferentes de pensarmos a sala de aula como um sistema de democracia ateniense, para citar outro exemplo. Como salientamos no capítulo introdutório, o ensino e a aprendiza­ gem sempre envolvem relações de poder, e, portanto, nunca são neutros em seus efeitos e resultados. De qualquer maneira, para nós é desejável poder ter maior consciência desses fatos e tomar decisões mais responsáveis. Recapitulando, a boa ou má consciência dos séculos 15 a 18 constituiu a forma pela qual se buscou que as pessoas se identificassem maciçamente com a profissão da fé católica ou com algum dos diversos grupos protestantes. A partir da estru­ turação de instituições pedagógicas a cargo do Estado local ou nacional, o poder pastoral estabeleceu que a consciência era o objetivo a se buscar para a produção de uma nova obediência, uma obediência que não fosse superficial. Foucault afirma que o tipo de condução pastoral baseou-se em uma coerção moral, quase obrigatória, a qual, além do mais, foi uma condução per­ manente. O ponto central é que a “obediência” já não consistia em fazer o que se dizia que devia ser feito — ou seja, uma obe­ diência exterior — , mas passou a ser, na época da divisão religi­ osa em catolicismo e protestantismo, uma consciência aceita e “interior”. Embora essa obediência nunca fosse completa, o gran­ de programa de moralização foi formulado e implementado, e influenciou a conformação do Estado e do indivíduo modernos (Schmitt, 1997, p. 648 e ss.). De que maneira se traduziu na pedagogia esta inten­ ção de moralizar as sociedades em meio a guerras e mudanças de credo religioso? Para começar, a pedagogia surgiu com nova

66

Nasce: a Sala de A ula o P apel da R eligião como Parteira

força. Um grupo de intelectuais urbanos — os humanistas — propôs programas pedagógicos para as elites, que são citadas com maior frequência nos livros de História da pedagogia. Erasmo de Rotterdam, Vittorino da Feltre, entre muitos outros, escreve­ ram longos tratados sobre a educação dos futuros príncipes e cortesãos, e insistiram na necessidade de reformar os costumes e as maneiras de se comportar em sociedade, incluindo, como vi­ mos no capítulo anterior, preceitos que envolviam desde como assoar o nariz em público até como comer (Elias, 1990). No entanto, quem se ocupou das grandes massas, quem formulou programas para a escola de massa e popular em gestação?

Omnes

ou

o lado

grupa l

da

sa la

de a u la

:

O M É T O D O G L O B A L DE J A N A m OS C O M E N I O 12

Surge neste período a figura de Jan Amos Comenio (1592-1670), outro reformador religioso que se comprometeu com a causa da autonomia dos checos (dominados por diversos principados alemães), e morreu no exílio, em Amsterdã, após inúmeras peripécias. Comenio foi um clérigo preocupado com a universali­ zação da mensagem divina, com a leitura da Bíblia e com a mora­ lização de grandes massas. Escreveu várias obras educativas — 12. Falaremos do método global de ensino que todos nós conhecemos: um professor dirigese a um grupo de olunos e organizo centrolmente o situação de aprendizagem. No entonto. usaremos também, poro coracterizó-lo. a polovro "frontal'. que se encontro na biblio­ grafia de língua alemã. Fnquonto com a polovro globol se enfotizo o papel do docente de maneira gerol, o fato de sua polovro olconçor todos os alunos, com a polovro frontal salienta-se o organização espociol do método em função de umo posição frontol ocupodo pelo professor. De qualquer maneiro, esclarecemos que ombos os termos referem-se à mesma situação de comunicação no interior da sola de oulo.

67

A I nvenção da Sala de A ula

entre elas, livros com ilustrações e um famoso livro de ensino de línguas estrangeiras, utilizado durante 400 anos nas escolas eu­ ropéias. No entanto, sua obra programática mais importante no campo da pedagogia é a Didactica Magna (1632), obra que mar­ ca a fundação da didática escolar moderna. Embora não chegue a transformar as práticas educativas de sua época, estabeleceu as premissas sobre as quais se estruturou a sala de aula moderna. A tese central de Comenio — seu sistema de metáforas — apoiava-se na natureza: “ao procurar os remédios para os de­ feitos naturais, devemos procurá-los na própria natureza. (...) Daí se deduz que essa ordem que pretendemos que seja a idéia universal da arte de aprender e ensinar todas as coisas não deve e não pode ser buscada de outra forma que não por meio do que ensina a Natureza” (Comenio, 1986, pp. 106-108). Por exem­ plo, quando tratava de fundamentar o conceito de solidez como eixo do método para ensinar e aprender, Comenio desenvolvia princípios ou axiomas, tais como “a natureza não faz nada sem uma base ou sem raiz”, apresentando-os como imitação da na­ tureza (neste caso, a árvore que cresce quando suas raízes se afirmam, ou o arquiteto que constrói uma casa sobre os alicer­ ces). Da mesma maneira, os docentes devem começar por tor­ nar seus alunos dóceis e atentos, basear-se em seus gostos e suas vontades, e educar seu entendimento e sua memória. Essas são as raízes do ensino-aprendizagem (Comenio, 1986, pp. 156-158). Sua concepção era cosmológica, ou seja, estava basea­ da em uma ordem “natural”, considerada parte da criação divi­ na. Dentro dos projetos educativos elementares do século 17, Comenio representou uma linha não antropocêntrica, uma vez que o homem não constituía o centro do curriculum: enquanto outros programas inclinavam-se pela representação das coisas

68

N as cf

a

Sala

de

A ula:

o

P apel

da

R eligião

como

Pa r t eir a

tal como o homem as vê e tal como as utiliza, “Comenio apre­ senta as coisas em sua ordem divina” (Helmer, 1990, pp. 684685). Acreditava que por meio da imitação da natureza seria possível chegar a implementar as leis da criação divina e alcan­ çar sua perfeição. Na parte final da Didactica Magna, afirmava: “É nosso desejo que o método de ensinar alcance tal perfeição que exista, entre o que até agora era usual e corrente e este novo procedimento didático, a mesma diferença que admiramos en­ tre a antiga arte de multiplicar os livros por meio da cópia e a arte de impressão dos livros, recentemente descoberta, mas que já se tornou costume” (Comenio, 1986, p. 308, tradução modi­ ficada pelos autores).13 Neste século da “confessionalização”, em que se procurou produzir uma nova piedade, uma fé mais fun­ dada na reflexão e na interiorização, o sucesso do ensino passou a ser fundamental. Ao formular seu método, Comenio conside­ rou a eficácia da transmissão como uma questão central. “(...) até hoje, o método de ensino foi tão indeterminado que qual­ quer pessoa se atrevia a dizer: ‘Educarei este jovem em tantos e tantos anos, de um jeito ou de outro, etc.'. Para nós, parece que este método deve ser: ‘Se a arte desta plantação espiritual puder estabe-

lecer-se sobre uma base tão firm e, que seja empregada de maneira segura sem que possa fa lh a r’ ” (Comenio, 1986, p. 121). Educar não era uma atividade simples que qualquer pessoa pudesse exer­ cer; pelo contrário, a pessoa deveria conhecer as regras do méto­ do e estar disposta a aplicá-las. Como vimos, esta idéia do méto­ do e da ordem era muito cara aos protestantes; Comenio desenvolveu-a amplamente para o ensino elementar. 13. Comenio escreveu suo obro em latim, o que era comum em suo époco. Cmboro tenhamos adotado como bose o tradução espanholo fornecida pelo editora Flkal, introduzimos modi­ ficações em algumas citoções da tradução alemã de 1913. que foi realizado por umo prestigiosa equipe de latinistos.

A I nvenção da Sala de A ula

No entanto, Comenio tinha consciência da ruptura que sua tecnologia de sala de aula supunha em relação ao mundo medieval e com as formas de aprendizagem elementar do passa­ do. Opunha-se às formas de ensino que iam contra a vontade da criança (1986, p. 141) e às pessoas que recorriam ao castigo como método educativo (1986, p. 151); propôs também que, em lugar dos salões escuros e impessoais observados na figura 1, as salas de aula fossem ambientes agradáveis, cheios de luz, lim­ pos e com pinturas educativas sobre as paredes (1986, p. 142). Entretanto, mais do em qualquer outra coisa, a novi­ dade do método residia em seu caráter sistemático e em seu fun­ damento na natureza, em sua globalidade e frontalidade. Come­ nio enunciou, como programa do futuro, a sala de aula que hoje chamamos de “tradicional”: o professor — como figura centrali­ zada ou “encarnação” da autoridade — expõe didaticamente, diante dos alunos, que o escutam e obedecem. Um problema central desta proposta é conseguir que os alunos efetivamente escutem, e assim surgiu o tema da motivação-atenção como objeto de preocupação da pedagogia. A esse respeito, Comenio anuncia o que, à época, era uma orientação nova: “para qualquer estudo que deva ser empreendido, é preciso preparar o espírito dos alu­ nos. É preciso despojar os alunos de impedimentos. De nada adianta transmitir preceitos se antes não tiverem sido removidos os obstáculos que se interpõem aos alunos, afirmou Sêneca” (Co­ menio, 1986, p. 127). O método coloca o problema novo de captar a atenção de todos, no momento em que a educação ele­ mentar passa a ser obrigatória — não do ponto de vista legal, mas do ponto de vista moral. Uma vez que a natureza começa toda sua atividade no interior, saindo para o exterior, “deve-se formar primeiro o co­ nhecimento das coisas; em segundo lugar, a memória; e, em ter­

"70

Nasce a Sa ia de A ula : o P apel da R eligião como P arteira

ceiro lugar, a fala e a mão. O docente deve levar em conta todos os meios para abrir o conhecimento e utilizá-lo de maneira con­ gruente.” (Comenio, 1986, p. 130). Daí decorre a necessidade de formular “princípios” ou fundamentos “para a facilidade de ensinar e aprender”. Estes princípios afirmam que: I. II. III. IV V VI. VII.

Deve-se começar cedo, ames que o espírito seja corrompido; Deve-se atuar com a devida preparação dos espíritos; Deve-se proceder do geral para o particular; E do mais fácil para o mais difícil; Não se deve pressionar nenhum dos alunos; E todos os procedimentos devem transcorrer devagar, E não se deve obrigar os espíritos a nada que não seja conveniente para a idade e para a lógica do método; VIII. Ensina-se tudo pelos sentidos atuais; IX. Para sua aplicação imediata; X. E sempre por um método único e constante. Comenio, 1986, p. 138. Observemos que os princípios não mencionavam nada sobre a organização da sala de aula: não diziam, por exemplo, se o professor deveria controlar individualmente cada aluno ou falar com todo o grupo. Tentavam apenas garantir que a mensagem docente chegasse aos alunos, lecionando em seu ritmo constante. Existe um elemento na cosmologia de Comenio que estrutura toda sua didática: o panteísmo, caracterizado dentro de uma corrente ampla de pensamento cujo auge ocorreu en­ tre os séculos 15 e 17 (Hroch, 1992). Trata-se de uma concep­ ção intermediária entre a visão sagrada do mundo que existia na Idade Média e as novas correntes profanas da ciência e do conhecimento da natureza: “Uma vez descoberto ou intuído o sistema da natureza, atribui-se a ele a onisciência divina, que impregna toda a criação de uma certa ordem, porque a mente

A I nvenção da Sala de A ula

divina é perfeita. É o que a Escolástica chama de ‘ordenado por um ente uno’. A partir deste conceito, a concepção panteísta, formulada pela primeira vez por São Francisco de Assis, sus­ tenta que a idéia ordenadora é algo que está na natureza hum a­ na, porque tudo na natureza está impregnado de Deus. Tratase de uma idéia de tradição oriental que não estava nem na tradição bíblica, nem na cristã: toda a Criação está impregnada de seu Criador, e este está na Criação” (Romero, 1987, p. 80).14 Se o ensino extrai sua estrutura da natureza, ela passa a admi­ rar o mundo como “Criação”. O eixo central do método é esta relação que Romero descreve como “ordenado por um ente uno”; ou seja, a variedade empírica e concreta da natureza — ainda que pareça desordenada — é, na realidade, uma ordem que provém de um “ente uno” ou totalidade singular como princípio organizador. Para Comenio, este “ente uno” era, cla­ ramente, a divindade. Por esse motivo, quando introduziu o método global ou frontal, o fez como uma metáfora naturalista que continha essa idéia de um “ente uno” oposto a uma varie­ dade empírica: “o sol”, que “não se ocupa apenas de objetos singulares — por exemplo, um animal ou uma árvore — , mas que ilumina, aquece e dá vida a toda a terra” (Comenio, 1986, p. 176). Com esta metáfora naturalista, apresentava-se o méto­ do global: a partir de então, a pedagogia passaria a postular que o professor (ente uno) ordenaria uma variedade de alunos diante de si. O princípio unificador na sala de aula era uma tentati­ va de fazer sentir a divindade por meio dessa “derivação” da natureza, que é o ensino global. Esse princípio estava presente 14. Como vimos no caracterização que Foucault Foz do poder pastoral, trato-se — ossim como o ponteísmo — de umo tradição oriental.

72

Nasce a Sala de A ula o Papel da R eligião como Parteira

no ideal metodológico de Comenio. Como “a natureza trabalha sempre da mesma maneira”, Comenio recomendava: 1. Que existisse um mesmo e único método para ensinar ciências; apenas um único e o mesmo para todas as artes; e um único e idêntico para todos os idiomas; 2. Que em cada escola fossem seguidos a mesma ordem e o m es­ mo procedimento em todos os exercícios; 3. Que, na medida do possível, os livros de cada matéria tivessem edições iguais. Dessa forma, todas as coisas aconteceriam, fa­ cilmente e sem nenhuma dúvida. Comenio, 1986, p. 153. Não apenas se unificava o método, mas também o docente aparecia com toda sua centralidade, como encarna­ ção da unificação. Embora diante da característica maciça da sala de aula de sua época utilizasse como ajudantes os alunos mais adiantados ou mais hábeis (chamados monitores, a exem­ plo da pedagogia jesuítica que analisaremos a seguir), Com e­ nio não queria que a autoridade centralizada do professor se diluísse. As funções centrais, como a responsabilidade de ga­ rantir a atenção dos alunos, cabiam ao professor: “Essa aten­ ção não pode ser despertada ou mantida simplesmente pelos monitores ou outras pessoas às quais seja confiada a inspe­ ção: esse trabalho é realizado mais adequadamente pelo p ró ­ prio professor (...)” (Comenio, 1986, p. 180, tradução m odi­ ficada pelos autores). Comenio propôs uma sala de aula na qual se configu­ rava uma autoridade centralizada por meio da fala direta ao rebanho ou grupo que se situava à sua frente. No contexto da Reforma protestante, movimento do qual sua ordem fazia par­ te como seita dissidente, tal proposta não era surpreendente.

73

A I nvenção da Sala de A ula

No protestantismo, a pregação constitui o eixo central da mis­ sa; é “o meio clássico de comunicação religiosa na forma de um discurso público”. Desse modo, a pregação utiliza uma “forma de apresentação própria”. Centralmente, “a pregação é entendida principalmente pelas pessoas que freqüentam o ser­ viço religioso regularmente e que podem ver-se confrontadas com a interpretação religiosa da realidade exposta pelo pastor” (Drehsen, 1995, p. 993). Assim sendo, tudo parece indicar que o método glo­ bal ou frontal adota muitos elementos da tradição e da cena da pregação. Assim como a regularidade da freqüência à missa é uma característica importante para a aceitação dessa represen­ tação particular, dessa “interpretação” da realidade, que é a pregação, a regularidade do ensino e sua cotidianidade assegu­ ram que aqueles que escutam possam fazer parte da cena se­ guindo sua forma de apresentação; que é diferente das comu­ n icaçõ es que existem fora da escola. A com unicação hierarquizada e ritualizada estabelece-se por meio de uma cena constante, que se repete mediante diversos conteúdos. No entanto, essa unificação da figura da autoridade e de sua centralidade não significa que a relação de autoridade seja uma simples imposição. Comenio afirmava; “é preciso ensinar aos homens, enquanto é possível, que devem conhecer as azinheiras e as faias, não pelos livros, mas pelo céu e pela terra; ou seja: conhecer e investigar as próprias coisas, e não obserivações e testemunhos alheios sobre elas”. Para tanto, reco­ mendava que “nada deve ser ensinado simplesmente a partir ia autoridade: tudo deve ser exposto por meio da demons:ração sensorial e racional (Comenio, 1986, p. 163, tradução nodificada pelos autores).

74

Nasce a Sala de A ula o Papel da R eligião como P aiueip .a

Pensemos nas conseqüências. A azinheira e a faia, o céu e a terra não estão na sala de aula. O livro e o professor, sim. Ou seja, somente se o livro e o docente tiverem uma es­ trutura de acordo com a natureza poderão exercer uma influ­ ência semelhante à dessa natureza, que, como vimos, é uma expressão da divindade. No entanto, essa influência de acordo com a ordem natural deve ser compreendida, e não apenas “percebida”. No mesmo método que unificava a autoridade em uma pessoa e suas ações (o docente), Comenio negava que tal autoridade fosse o único princípio docente. Nesse pastorado imaginado por Comenio, as “ovelhas” praticariam “técnicas do eu” baseadas na obediência por meio da compreensão. Não lhe interessava a obediência cega à autoridade, mas sim a obediên­ cia pensada, aceita: temos aqui o programa de Lutero desen­ volvido em sua expressão máxima. Assim, para ele, o proble­ ma do controle direto era secundário: “pode-se argumentar que a inspeção individual é necessária para o controle, para verifi­ car se cada aluno tem seus livros limpos, se faz suas tarefas com seriedade, se memoriza os detalhes, etc. E para tanto, quan­ do são muitos os alunos, há necessidade de muito tempo. Res­ pondo: não é preciso ouvir todos sempre, nem revisar sempre os livros de todos. Pois o docente conta com o auxílio dos monitores, que exercerão vigilância sobre os alunos sob seus cuidados para que cum pram seus deveres com a maior preci­ são” (Comenio, 1986, p. 182). Desta vigilância surgiria a obe­ diência reflexiva. O que importava era adequar as almas con­ forme essa natureza divina. O governo das crianças apresenta-se nesta versão por meio de sua condução grupai. Comenio acre­ ditava que a obediência grupai, mais do que o controle indivi­ dual, constituía a técnica escolar adequada para conduzir a alma das crianças maciçamente.

75

(

I A I nvenção da Sala de A ula

( ( (

Figs. 8 e 9. Ilustrações dos livros Janua linguarum reserata (1675) e O rbis sensualium pictum ( 1658), de Jan Am os Com enio. (Extraídas de: R. A lt Pictorial History o f Education and Schools, vol. I.V o lk und W issen Volkseigner Verlag, Berlim , 1961).

76

Nasce a Sala de A ula : o P apel da R eligião como Parteira

O programa pedagógico de Comenio não chegou a se concretizar completamente, e, superando a Didactica Magna, suas obras mais difundidas foram seus livros didáticos “sensoriais” (apren­ der por meio de imagens, como em Orbis sensualium pictum, já men­ cionado). Embora hoje seja considerado normal ou natural, o mé­ todo global ou frontal não era facilmente assimilável em sua época. De maneira geral, nas escolas luteranas e protestantes, assim como nas católicas, prevaleceu a “memorização simples” (Karant-Nunn, 1990, p. 36). E como veremos, mesmo dois séculos depois, a gene­ ralização do método global-frontal era uma grande inovação.

S lN G U L A T IM

OU O L A D O IN D IV ID U A L IZ A D O R D A S A L A

DE a u l a : o m é t o d o d o s j e s u í t a s

Embora Comenio tenha-se baseado em como a centralidade da pregação poderia ser transferida para as formas de co­ municação da sala de aula, existiu também uma pedagogia que acentuou o outro aspecto do poder pastoral: a atenção a cada indivíduo (Singulatim ). Já mencionamos anteriormente que a escolarizaçâo foi uma das tarefas prediletas dos jesuítas, que, no entanto, imaginaram em sua pedagogia uma sala de aula dife­ rente daquela proposta por Comenio. A pedagogia jesuíta está materializada na regulamen­ tação de estudos válida para todas as escolas da ordem em todo o mundo: a Ratio Studiorum. Esta regulamentação foi elaborada ao longo de várias décadas, por meio de consultas às diversas organizações da ordem, e com base em experiências que se acu­ mulavam na área escolar. A primeira versão definitiva foi final­ mente sancionada em 1599, mantendo-se em vigor até 1832, quando recebeu pequenas modificações. Todas as obras da pe­

77

I

A I nvenção da S ala de A ula

dagogia jesuíta dedicaram-se a comentar, introduzir, exemplifi­ car e detalhar a Ratio Studiorum , motivo pelo qual essa obra as­ sumiu o caráter de texto pedagógico básico dentro da ordem. Os jesuítas insistiram decididamente nas relações entre o ensino, o governo e a pregação. Um membro da ordem poderia não ser um grande teólogo, nem estar interessado nas sutilezas da discussão religiosa. Nesse caso, os jesuítas abriam a seus irmãos outra possibilidade: uma carreira escolar. Esta atividade prestavase àqueles que podiam fazer pregações e governar.15 Os jesuítas foram provavelmente a primeira ordem a dedicar-se à formação de um corpo erudito, que ocupou posições não apenas ensinando outras gerações como parte da ordem, mas também dentro da crescente burocracia do Estado (Varela, 1983). A sala de aula jesuíta era um espaço claramente recor­ tado da vida diária, onde se falava apenas o latim e onde se ensi­ navam conteúdos literários clássicos. O latim, o grego e a religião constituíam a essência do curriculum. Dentro da estratégia do po­ der pastoral, a pedagogia jesuíta deu destaque à questão da aten­ ção individual, provavelmente derivada da tradição da prática católica de confissão e absolvição, tão criticada pelos reformadores protestantes. Um dos obstáculos para esse método era o grande número de alunos na sala de aula jesuíta (calcula-se que no espaço pedagógico conviviam entre 200 e 300 alunos). Os jesuítas esfor­ çavam-se para criar um método que conservasse tanto a indivi­ dualidade quanto a educação de massa. Para tanto, criaram a figura do monitor: identificava-se o aluno mais esperto ou mais 15. O ortigo 7 do Rotio Studiorum dedaro: "se olguém afino! nõo tiver um talento extraordiná­ rio, mos tiver um dom excepciono! poro fozer pregações e governar', pode compensar suas deficiências na disputo teológico com suas hobilidodes "que sdo de interesse da Sociedade', por meio de mais oportunidades de formação com vistos a um futuro posto escolar (Rotio Studiorum, 1887. p. 249).

78

Nasce a Sala de A ula . o Papel da R eligião como P arteira

adiantado, capaz de controlar os demais individualmente em seu processo de aprendizagem, e esse aluno era nomeado ajudante do docente. A esse respeito, diz a Ratio Studiorum: O s monitores devem ser escolhidos pelo docente. Os mesmos devem ouvir o que foi memorizado, devem recolher os trabalhos escritos para o docente, devem anotar em um caderno quantas vezes a memória falha, quem não fez o trabalho escrito ou quem não trouxe os materi­ ais; devem também realizar outras coisas, caso o docente assim deseje. Ratio Studiorum, 1887, p. 395.16

Os monitores foram uma criação da pedagogia jesuíta que determinava grande parte da vida cotidiana na sala de aula. Nas regras para os professores das classes iniciais, o artigo 19 determina: Os escolares devem repetir para os monitores aquilo que deve ser memorizado. (...) No entanto, os próprios monitores devem repetir o que deve ser memorizado diante do monitor superior ou do pró­ prio docente. O professor deve ouvir a repetição de alguns alunos, como, por exemplo, os mais lerdos e aqueles que chegam tarde, para poder comprovar a confiabilidade dos monitores e para manter o esmero de todos os alunos. Ratio Studiorum, 1887, p. 385. Ou seja, assim como o restante dos alunos, o próprio monitor também é testado de maneira individual. Essa forma de fazer perguntas individualmente equivale ao que em nossa cultu­ ra pedagógica identificamos como “dar aula”. Nome curioso, uma vez que se supõe que a aula seja um discurso contínuo, enquanto 16. Nos citações do Rotio Studiorum. tomamos com bose o edição bilíngue (lotim-olemõo) de Pachtler (1887). que foz porte de importante série documental do final do século 19:

Monumento Germonioe Poedogogico.

79

A I nvenção da Sala de A ula

que a aula escolar que conhecemos lembra muito mais um inter­ rogatório (uma forma de conlissão?) do que a apresentação sus­ tentada e contínua de um tema. Além da participação dos moni­ tores, existia ainda na sala de aula jesuíta a aula como ação exercida pelo docente. No artigo 27 das regras para professores das classes iniciais, consigna-se sua estrutura: em primeiro lugar, lê-se em voz alta um trecho de um texto, “em seguida explica-se muito sucintamente seu conteúdo, e, caso seja necessário, a relação com o que foi visto anteriormente”. A seguir, explicam-se as orações obscuras, “relaciona-se uma coisa com outra e esclarece-se o sen­ tido, porém não de maneira infantil, substituindo um termo por outro, mas sim por meio de uma explicação real do sentido por meio de orações mais claras” (Ratio Studionim , 1887, p. 391). No entanto, a aula era apenas uma pequena parte da jornada escolar. Os jesuítas preocuparam-se mais com a ativida­ de contínua na sala de aula e com a personalização do contato. Vejamos as regras para o professor de humanidades: A divisão do lempo é a seguinte: na primeira hora da manhã, os monitores devem ouvir o que foi memorizado com relação à eloqüência e à métrica; enquanto isso, o docente corrige os trabalhos escritos recolhidos pelos monitores, e os escolares fazem alguns exer­ cícios determinados pelo docente; finalmente, alguns escolares de­ vem falar diante da classe aquilo que guardaram de memória, e o docente deve controlar as anotações feitas pelos monitores. Ratio Studiorum, 1887, p. 385.17 17. Çsta organização é bosicamente o mesma paro outros disciplinas. Por exemplo, as regras paro o professor de retórica, artigo 2. estabelecem que: "a divisão do tempo é o seguinte: na primeira hora da manhã, (os alunos) repetirão o que foi memorizado; o docente corrige os trabalhos escritos recolhidos pelos monitores, e. enquanto isso, diversos exercícios escolores são dados aos alunos: finalmente.o docente repete o lição anterior" (Ratio Studiorum, 1887, p. 401).

60

Nasce a Sala de A ula o P apel da R eligião como P arteira

Basicamente, a sala de aula jesuíta é uma sala de aula de indivíduos. A unidade à qual o docente se dirige é um aluno, seja ele um aluno “raso” ou um monitor. O importante é que, nesse procedimento de interrogatório ou repetição, o docente jesuíta trabalha basicamente conteúdos de memorização que devem ser reproduzidos na sua presença. Aparece aqui, com grande eloquên­ cia, o caráter quase obrigatório do pastorado: a “salvação” do alu­ no implica aprender um texto concreto, que deve ser memoriza­ do e estar à disposição na memória a qualquer momento em que o docente o solicite. De certa forma, o aluno que repete seu texto diante do docente jesuíta confessa seu pecado e o expurga, acei­ tando a orientação, o texto e o ritmo que o docente determina. A esse respeito, podem ser salientadas analogias entre a aula-interrogatório jesuíta e os “exercícios” que seu fundador, Santo Inácio de Loiola, havia escrito para purgar os pecados da alma. Os “exer­ cícios” de purificação eram pequenos martírios que os fiéis infligiam a seus corpos para “purificar” a alma. Enquanto repete suas frases na língua oficial dessas escolas — o latim — , o aluno jesuíta apren­ de que a obediência é uma virtude; o importante não é apenas o texto curto de Cícero que deve memorizar, mas também a mecâ­ nica de que existe uma ordem determinada e um papel designado para cada um. Ainda que esta idéia esteja na base de cada situação na sala de aula, e que também seja encontrada nas prescrições de Comenio, a particularidade do jesuíta é que o aluno responde e obedece como indivíduo. Em Comenio, o momento da obediên­ cia é basicamente um momento coletivo, no qual todos, a um só tempo, ouvem as mesmas coisas, preparadas de forma a produzir efeitos semelhantes em todas as cabeças. Outra diferença é que, no caso dos jesuítas, o sistema de vigilância sobre a obediência está muito mais desenvolvido e or­ ganizado. Cada aluno devia confessar-se pelo menos uma vez por

81

A I nvenção da S ala de A ula

mês, sempre com o mesmo confessor, que, dessa forma, manti­ nha a relação de seus confidentes. Como manifestado pelas reco­ mendações aos docentes da ordem do padre Jouvency, no século 17, a partir desse conhecimento íntimo, nada acontece por acaso — nem o sermão, nem a aula, nem o livro que o professor traz debaixo do braço nos encontros “casuais” com os alunos: Será bom falar com freqüência com os alunos que parecem mais rela­ xados em sua conduta e que talvez estejam expostos a vícios mais graves (...), lendo um texto ao acaso ou recomendando um livro sobre piedade que esteja à mão; recitando um conto (...), fazendo com que compreendam que mentir, enganar, jurar, pronunciar palavras obsce­ nas e ímpias, criticar (...) são comportamentos vergonhosos; em todas as circunstâncias, fará escolhas com habilidade e criará, mesmo à dis­ tância, oportunidades para ensiná-los a conduzir-se em direção a Deus (...). Dará a cada aluno livretos que falem de piedade e recompensará aqueles que melhor se aplicarem à sua leitura. Em seguida, pergunta­ rá aos alunos se os leram (...), porém sempre com doçura, uma vez que o maior inimigo da virtude é a violência. C ita d o p o r V arela, 1 9 8 3 , p. 134. Assim sendo, observa-se, no caso dos jesuítas, que a individuali-

zação da educação é uma individualização do momento de obediência. Não se trata da individualização da pedagogia contemporânea, ligada ao desenvolvimento das capacidades e dos gostos da criança, mas sim uma individualização como forma de alcançar ou convocar cada aluno no momento de obedecer. Como salienta Durkheim, um dos princípios dos jesuítas era que “não pode existir uma boa educação sem um contato ao mesmo tempo contínuo e pessoal entre o aluno e o educador, e com duplo objetivo. Em primeiro lugar, porque o alu­ no não deve jamais ser abandonado a si mesmo. Em sua formação, é preciso que seja submetido a uma ação que não conheça nem eclip­ ses nem desmaios: porque o espírito do mal está sempre atento. As-

82

Nasce a Sala de A ula o P apel da R eligião como P arteira

sim, o aluno dos jesuítas nunca ficava só" (Durkheim, 1992, p. 325). Seria possível estar só na sala de aula de Comenio? Provavelmente. De qualquer forma, naquela, assim como em outros cenários peda­ gógicos, um docente pode falar e os alunos podem pensar em qual­ quer outra coisa enquanto parecem prestar atenção. Diante disso, os jesuítas formularam um sistema didático que reduziria ao mínimo essa possibilidade, e que garantiria que cada pessoa havería de obede­ cer e trabalhar sobre sua consciência cumprindo as ordens claclas.18 A presença do monitor assegurava que a autoridade fosse uma indivi­ dualização “próxima”, um indivíduo que era a continuação dos olhos e da autoridade “verdadeira” ou original, que é a figura do professor. Por outro lado, o sistema jesuíta introduziu outras novi­ dades. Por exemplo, os jesuítas foram os primeiros a utilizar as tão discutidas notas escolares. Em um esquema no qual se instalava a competição dos sujeitos individualizados na vida cotidiana da sala de aula, as notas foram um incentivo à competição. Como afirma Foucault, a forma pedagógica da sala de aula jesuíta era “a guerra e a rivalidade” (Foucault, 1995, p. 149). O artigo 31 das regras da Ratio Studiorum para os professores das classes iniciais determina: (...) geralmente, fica combinado que o professor pergunta e os com­ petidores respondem, ou que os competidores fazem perguntas en­ tre si. Este procedimento deve ser levado em alta consideração e deve ser desenvolvido tão frequentemente quanto a disponibilidade de tempo permita, para que se promova uma competição respeitosa, essa poderosa alavanca do esforço e da aplicação. Ratio Studiorum, 1887, p. 393. 18. Com relação oo uso do tempo nos escolas jesuitos, foucault comento: ”o princípio subja­ cente oo emprego do tempo em suo formo tradicional ero essencialmente negativo; prin­ cípio do não ociosidode: é proibido perder um tempo contado por Deus e pago pelos homens; o emprego do tempo devio ofostor o perigo de esbonjó-lo. o falto moroI e o falto de honrodez econômico" (foucault. 1995. p. 158).

83

A I nvenção da S ala de A ula

Durkheim também viu na introdução da competição entre os alunos um fator de sucesso das escolas jesuítas, dentro de sua estratégia de “contínuo envolvimento” dos alunos (Durkheim, 1992, p. 326). De acordo com seu mérito, os alunos seriam agru­ pados em insatisfatório, ruim, fraco, médio e satisfatório”. Estas categorias determinavam também a localização de cada grupo na sala de aula. Sem dúvida, o método jesuíta foi pensado para con­ teúdos que iam além de ensinar a ler, escrever e fazer contas. Que tipo de população escolar os jesuítas recebiam e procura­ vam? Uma vez que o ingresso nos colégios jesuítas tinha como requisito conhecimentos rudimentares de latim, muitos alunos recorriam antecipadamente a professores particulares. Por esse motivo, os alunos da primeira série da escola jesuíta chegavam com qualificações distintas, e, conseqüentemente, o docente podia escolher seus “colaboradores”, ou monitores, entre os mais adiantados. Esta não era a situação na escola elementar de massa que nascia então. Nesse aspecto, o ensino elementar tinha ou­ tras demandas. Essas demandas constituem o conteúdo da pró­ xima seção deste capítulo.

O TRIUNFO DO ASPECTO GRUPAL NA SALA DE AULA! O MÉTODO GLOBAL PARA A CONQUISTA DA ESCOLA ELEMENTAR No final do século 17, surgiu no mundo católico outra iniciativa, agora orientada para a educação elementar, e muito bem-sucedida: a fundação de escolas para pobres por parte do cura francês Juan Bautista de La Salle (1651-1719). Embora ti­ vesse participado com religiosos de diversos empreendimentos

84

Nasce a Sala de A ula : o P apel da R eligião como Parteira

educativos, La Salle organizou, por volta de 1680, uma comuni­ dade denominada “Irmãos das escolas cristãs”, que se incumbiu de abrir escolas e casas para crianças pobres a partir de doações dos ricos ou de ajuda dos municípios. Seu empreendimento alcançou sucesso significativo, uma vez que os municípios ga­ rantiram apoio financeiro e a rede de “escolas livres” expandiuse consideravelmente. La Salle criou também um sistema para ajudar as famílias a mandar seus filhos para a escola: somente as famílias cujos filhos frequentavam regularmente a escola recebiam donativos da fundação. É preciso lembrar que, até o final do século 19, grandes parcelas da população, principalmente das áreas rurais, opunham-se à escolarização de seus filhos, uma vez que sua colaboração no trabalho familiar ainda era significativa. Além disso, embora não seja esse o caso das escolas lasalleanas, as taxas cobradas em muitas instituições não favoreciam a pre­ disposição à escolarização. Esse tipo de estabelecimento centra­ do na atenção aos pobres e aos órfãos expandiu-se também na Inglaterra, a partir da fundação, em 1698, da “Sociedade para a promoção da consciência cristã”, que manteve inúmeras escolas de caridade por todo o reino (Sanderson, 1995, p. 2). La Salle escreveu um Manual para os professores de sua ordem, que imediatamente se transformou em texto de orienta­ ção da pedagogia elementar. A Conduta das escolas cristãs, que começou a ser escrita em 1695 e foi finalmente publicada em 1720, um ano depois da morte de La Salle, incluía três partes: a primeira detalhava tudo o que devia ser feito desde o momento em que a escola abria até seu fechamento; a segunda, os meios necessários e úteis para manter a ordem na sala de aula; e a ter­ ceira definia critérios para a inspeção das escolas e a formação de professores. Este M anual tornou-se ainda mais necessário à medida que a ordem (que se tornou congregação em 1725) cres­

85

A I nvenção da Sala de A ula

cia, incorporando mais professores à tarefa de ensinar crianças pobres. Por volta de 1790, a congregação já estava distribuída por 108 cidades e povoados, e educava cerca de 35 mil crianças em escolas que recebiam entre 100 e 300 alunos cada uma (Ha­ milton, 1989, p. 70). A inovação que Juan Bautista de La Salle produziu com relação às escolas de caridade anteriores foi a maximização da re­ lação entre um professor e seu grupo de alunos: “este método simultâneo de leitura implica que cada criança traga seu livro e que todos os livros sejam iguais, o que ocorre pela primeira vez” (Querrien, 1979, p. 49). Ou seja, La Salle adotou o método global em suas escolas, porém manteve a visão moralizadora e de con­ versão das escolas jesuítas. Desenvolveu o que se denominou uma pedagogia do detalhe, na qual cada pequena ação, cada assunto, por insignificante que parecesse, submetia-se à regulamentação, à atenção e à influência do docente. “A minúcia dos regulamentos, o olhar exigente das inspeções, a submissão ao controle dos míni­ mos detalhes da vida e do corpo” eram características dessa estra­ tégia (Foucault, 1995, p. 144). A comunicação entre o docente e os alunos tomou-se muito mais ritualizada e menos verbal. Por exemplo, as orações começavam quando o professor batia pal­ mas; a recitação do catecismo começava quando o professor fazia o sinal da cruz; e as aulas eram organizadas como uma espécie de orquestra, na qual a intervenção de cada aluno era indicada pelo professor, ao tocar um instrumento sonoro de metal chamado “si­ nal” (Hamilton, 1989, p. 60). Neste conjunto harmonioso, o si­ lêncio passou a ser um fator determinante na sala de aula: por um lado, porque permitia que fossem detectadas condutas transgres­ soras por parte dos alunos; por outro lado, porque garantia a ex­ clusividade do controle sobre quem fala ao professor e sobre qual assunto (Narodowski, 1995, p. 115).

86

Nasce a Sala de A ula o Papel da R eligião como P a i u e i i u

Uma das maiores inovações introduzidas pelo método lasalleano foi a adoção da língua materna como primeira língua de ensino, que parecia mais eficaz do que o latim para o ensino de religião e das primeiras letras. Em suas memórias, La Salle afir­ mou: “Para crianças que escutam uma e não escutam a outra, a língua francesa, sendo a natural, é, sem, dúvida, muito mais fácil de aprender do que a língua latina. Consequentemente, é preciso muito menos tempo para ensinar a ler em francês do que em la­ tim. A leitura do francês prepara para a leitura em latim; ao con­ trário, como mostra a experiência, a leitura em latim não prepara para a leitura em francês” (Citado em: Chartier e outros, 1976, p. 128). A partir desse momento, a maior parte das experiências es­ colares elementares foi realizada nas línguas maternas, que, em muitos Estados, se tornaram idiomas nacionais; e o latim passou a ser um conteúdo da educação de nível superior. La Salle adotou também diversas formas disciplinadoras individualizadoras dos jesuítas, ampliando-as a ponto de exer­ cer uma “vigilância constante sobre o corpo infantil” e sobre o corpo docente (Narodovvski, 1995, p. 113 e ss.). Em sua obra Conduta das escolas cristãs, por exemplo, estipulava que “os esco­ lares devem permanecer sempre sentados, inclusive lendo a ta­ bela do alfabeto e as sílabas, manter o corpo ereto e os pés firme­ mente apoiados no chão. Quando lêem as sílabas, devem manter os braços cruzados, e quando lêem livros, devem segurar seu livro com as duas mãos (...), com o olhar voltado para frente, levemente inclinado em direção ao professor” (Citado em: Char­ tier e outros, 1976, p. 115). O mérito de La Salle foi perceber que o pastorado precisava tanto do momento coletivo quanto do indi­ vidual. Ao contrário de Comenio, que negligenciava o aspecto do controle individualizador por parte do professor, delegando-o aos monitores, La Salle adotou algumas das táticas jesuítas de

87

A I nvenção da S ala de A ula

governo da sala de aula. A mais visível era a distribuição espacial dos alunos, ou localização, princípio que determinava em que lugar da sala de aula as crianças deviam sentar-se, de acordo com seu mérito, suas notas e seu progresso. A localização era uma arma dos jesuítas para manter continuamente a competi­ ção entre os alunos. A intervenção de La Salle adota o princípio de que a localização é uma decisão da autoridade. No entanto, o docente não pode atuar livremente: (...) em todas as salas de aula haverá lugares determinados para todos os estudantes de todas as disciplinas, de modo que todos aqueles que frequentam uma mesma disciplina ocupem sempre os mesmos luga­ res, que serão fixos. Os estudantes das disciplinas mais avançadas deverão sentar-se nos bancos situados mais próximo à parede, e os demais ocuparão os lugares em seqüència, de acordo com a ordem das disciplinas, avançando em direção ao centro da sala de aula (...) Cada aluno terá seu lugar determinado e nenhum deles abandonará ou trocará seu lugar, salvo por ordem e com o consentimento dos inspetores das escolas. A distribuição dos lugares será feita de forma que os alunos que têm parasitas e cujos pais são descuidados fiquem separados daqueles que são asseados e não têm parasitas; que um estudante leviano e relaxado fique entre os sensatos e sossegados, que um libertino fique sozinho ou entre os piedosos. L a S a lle , Conduta das escolas cristãs, c ita d o e m F o u c a u lt, 1 9 9 5 , p. 1 5 1 .

A localização ou disposição espacial dèfinia dentro da clas­ se categorias às quais os alunos ficavam vinculados. Enquanto em Comenio o grupo constituía uma massa indefinida, a disposição lasalleana tomou o espaço “seriar’: um lugar para cada um, uma pessoa por lugar, posições permanentes; tudo constituía uma série que somente fazia sentido em conjunto com uma ordem particular. A “massa” de alunos tomou-se analítica, com componentes que

88

Nasce a Sala de A ula : o P apel da R eligião como P a íu e ií u

podiam ser considerados isoladamente. A partir desse sistema, ain­ da que chegasse a ter 100 alunos por classe, o docente sabia onde cada um estava situado, e por que motivo. Isto lhe pennitia um panorama melhor para controlar a situação da classe, com trocas mais previsíveis e padronizadas: o aluno A podia falar com B, C ou D, e, se tudo transcorresse como previsto, o docente tinha uma zona “livre” de preocupações e podia concentrar-se nas zonas “difí­ ceis”. Observamos também que as categorias da distribuição provi­ nham do sentido prático (os alunos eram organizados por seu nível de progresso ou de lições) ou moral (estavam localizados segundo seu comportamento com relação a libertinagem, sossego, sensatez, frivolidade e desregramento moral). Estas categorias são distintas de mérito-obediência, critério utilizado pelos jesuítas. A vantagem da proposta de La Salle residia não só no fato de contemplar aspectos práticos, mas também, produzindo um pastorado equilibrado entre o método global e a individua­ lização, em atender as diversas demandas de uma sociedade com pouca mobilidade social, com estratos definidos e não cambiá­ veis, onde importavam a obediência como grupo ou como estra­ to, o reforço da moralização e a disciplina maciça.19 Quando falamos em disciplina, não nos referimos ape­ nas ao castigo corporal. Com relação a este último, o mundo esco­ lar sempre foi muito criativo no momento de castigar o corpo: ajoelhar-se sobre grãos de milho, suportar durante horas a barriga cheia de água, ficar parado durante horas de braços cruzados, a régua que golpeava os dedos, o puxão de orelha, o puxão de cabe­ lo. No entanto, La Salle — e antes dele, os jesuítas — haviam

homogêneo, está composto openas por elementos individuais que se dispõem um ao lodo do outro sob o olhar do professor " (Foucault. 1995. p. 150).

iii

.

:

_______________

19. Foucault: afirma: "Pouco o pouco (...) o espaço escolor se desdobro: o classe torno-se

89

!l

A I nvenção oa Sala de A ula

formulado claramente que o que se deve castigar é a alma, aquilo que neste trabalho denominamos boa ou má “consciência”. Por castigo deve-se entender tudo o que é capaz de fazer com que as crianças percebam que fizeram alguma coisa errada, tudo o que é capaz de humilhá-las, de provocar uma confusão (...), certa frieza, certa indi­ ferença, uma pergunta, uma humilhação, uma destituição de posto. La S a lle , Conduta das escolas cristãs, c ita d o em : F o u c a u lt, 1 9 9 5 , p. 1 8 3 .

Esta disciplina aplicava-se tanto aos alunos quanto ao corpo docente. É importante lembrar que na Conduta das escolas cristãs foi incluída uma terceira parte sobre a inspeção e a forma­ ção dos docentes. O professor é “objeto de outros olhares (do diretor), que, por sua vez, poderá ser. controlado diretamente por um inspetor (que também observa os professores e os alu­ nos) (...). Institui-se dessa forma uma cadeia de vigilância na qual os elos permanecem unidos em função do controle que exercem uns sobre os outros. Instalam-se assim nas instituições educacionais relações de poder sustentadas na capacidade de olhar e julgar (...)” (Narodowski, 1995, p. 119). Assim, a sala de aula é constituída por ações disciplina­ res. Com essa denominação, Foucault conceitualiza técnicas que se aplicam ao corpo para domesticá-lo , e, por meio dele, conseguir efeitos na alma (Foucault, 1995, pp. 182-189 e ss.). Ser observa­ do, sentar-se em determinado lugar e permanecer quieto, as ins­ truções para sentar-se “corretamente”, a insistência em escrever com a mão direita, a orientação da cabeça para frente, que favo­ rece a curiosa “comunicação” entre rosto e nuca, são técnicas aplicadas ao corpo — não necessariamente castigos — que, com o passar do tempo, se internalizaram, tornando-se “naturais” e

90

Nasce a Sala oe A ula o Papel oa R eligião como Parteira

“corretas” para nosso senso comum. Essas técnicas, por sua vez, produzem saberes que influenciam a maneira pela qual perce­ bemos a realidade social e humana: a economia, a linguística, a história, a biologia, a medicina. A hipótese central de Foucault com relação a essas “disciplinas” distintas do castigo é que fo­ ram-se desenvolvendo em diversas instituições — quartéis, hos­ pitais, escolas, internatos, mais tarde nas fábricas — e começa­ ram a dominar a vida cotidiana das pessoas. Essas ações disciplinares desenvolveram-se dentro de um Estado absolutista, forma dominante do governo político à época. O absolutismo é uma “forma de governo na qual o sobe­ rano detém poder ilimitado sobre a competência de legislar e sobre o cumprimento da legislação. Trata-se de um poder que dispensa as leis” (Zentner, 1990, p. 9). Durante o século 18, e em função de mudanças culturais, econômicas e políticas que analisaremos no próximo capítulo, o despotismo ilustrado converteu-se em absolutismo. Em que resultou este desenvolvimento da pedagogia da escola elementar nas condições da “confessionalização” e da formação dos estados absolutistas? O pastorado como princípio de

condução integra-se cada vez mais à vida das massas, por meio de uma nova form a institucional: a escola elementar Ainda que tenha­ mos verificado que algumas pedagogias, como a de Comenio, acentuavam o momento grupai do pastorado, outras, como a je­ suíta, praticavam a relação individual como forma de condução. A estrutura da sala de aula e a organização das interações desen­ volvidas a partir desses princípios foram, portanto, diferentes. Entretanto, La Salle produziu uma síntese na qual a obe­ diência grupai e a individual se combinavam, não por meio de um a mescla de métodos, mas priorizando o método global — e, portanto,

A I nvenção da S ala de A ula

o gm po — como interlocutor. La Salle optou por urna form a de con­ dução que admitia que a obediência grupai era decisiva. Por essa form a, uma desobediência individual não produzia catástrofes, podia ser conigida, porém uma desobediência grupai era considerada gra­ ve. Em uma sociedade que começa a mover-se em direção à massificação, veremos que força poderá adquirir esta forma de condução baseada no grupo escolar quando as sociedades co­ meçarem a transformar rapidamente seus princípios de funcio­ namento no final do século 18.

ENSAIO20 A PEDAGOGIA E SUAS METÁFORAS Vimos muitas vezes em Comenio: o docente deve atuar como a natureza; sua ação de ensinar a todos os alunos ao mes­ mo tempo assemelha-se à atividade do sol, que aquece todos os objetos de uma só vez. Comenio dizia também que o docente na sala de aula é como o arquiteto, que começa a casa pelos alicer­ ces; assim, o professor deve começar por esse alicerce específico, que é a disciplina das crianças. O mesmo processo de ver alguma coisa com uma lupa, porém sob outra perspectiva, encontramos na discussão que apresentamos sobre o poder pastoral — ou seja, se os alunos são vistos como um exército ou como um rebanho. Para definir uma coisa, usamos outras. É isto o que fazemos todos os dias: pode­ riamos dizer que o/a diretor/a da escola é como um presidente ou um rei. Em ambos os casos, as comparações nos dizem algu­ 20. "Porte introdutório de um discurso, espécie de prelúdio " (UUebsters Comprehensive Dictionory, Chicago. 1996. p. 446).

92

Nasce a Sala de A ula : o P apel da R eligião como Parteira

ma coisa, porém em cada caso nos dizem alguma coisa diferen­ te. Quando se diz que o/a diretor/a da escola é como um presi­ dente, a idéia é que, ainda que dirija o conjunto da escola, seu poder não é ilimitado. Quando se diz que o/a diretor/a é como um rei, essa afirmação provavelmente evoca outras coisas: certo despotismo, caprichos, um poder que parece não regulamenta­ do. Assim sendo, estas comparações não são inocentes nem neu­ tras: evocar outros significados implica destacar as relações e conexões que podem não ser evidentes para as outras pessoas, e que queremos que o sejam. Na retórica, essas afirmações não inocentes foram de­ nominadas “metáforas”, e são conhecidas desde a Antigüidade, quando já foram utilizadas por Aristóteles em sua Poética. Desde então, a metáfora é definida como “a substituição de um termo por outro” (Innes, 1997, p. 344). Por exemplo, pode-se dizer que a aula de um professor de História sobre os dados das guer­ ras de independência adota a mesma “vertente” do já extinto programa “Domingos para a juventude”. Se eu decidir definir essa aula como “Domingos para a juventude”, e não como “um modelo de perguntas e respostas que não ajudam as crianças a construir compreensões sobre a história”, estarei definindo a mesma aula com duas metáforas diferentes. E cada metáfora constrói diversos pontos de vista, estabelece percursos distintos. A primeira talvez saliente o ritual escolar: essas datas que memo­ rizamos por alguns dias e depois caem no esquecimento parcial ou total. A segunda está direcionada à (não) contribuição dessa aula para a atividade de aprender em um sentido mais preciso. Enquanto a primeira metáfora indica principalmente a cultura escolar, as regras da aula em si mesmas, a segunda refere-se basi­ camente às operações de conhecimento ligadas à situação da re­ petição de memória para vencer um jogo. Ou seja, escolher uma

93

A I nvenção da S ala de A ula

metáfora para descrever um objeto específico não é uma ação inocente; marca uma direção e dá à definição um matiz específi­ co. Neste sentido, a linguagem não reflete a realidade, mas sim produz compreensões, cria a realidade social. As metáforas são cruciais para permitir o desenvolvi­ mento em situações sociais. Por exemplo, quando alguém per­ gunta: “Você tem horas?” e a outra pessoa responde apenas “Sim”, a resposta é correta do ponto de vista estrito da pergun­ ta. No entanto, do ponto de vista de como nos comunicamos, o “correto” é responder: “Quinze para as duas”. Ou seja, utili­ zamos diariamente metáforas para viver. Um menino de dez anos pode falar de sua “velha” para se referir a sua mãe, que talvez tenha 35 anos. No sentido literal, estrito, a mãe não é velha; no entanto, ao chamar sua mãe de “velha”, o menino constrói seu ponto de vista, sua distância com relação à outra geração. Ou seja, escolher uma metáfora particular coloca o filho em uma posição particular. Cada cultura desenvolveu sistemas de metáforas dife­ rentes. Lakoff e Johnson, dois pesquisadores americanos, colo­ caram em páginas admiráveis todas as metáforas que existem na cultura americana em tomo da idéia de que “tempo é dinheiro”. Outro exemplo pode ser a comparação das diferentes formas de insulto que existem em diversas línguas e culturas: é muito inte­ ressante verificar que em algumas culturas predomina o compo­ nente sexual e, em outras, o componente animal ou da cultura campestre — ainda que atualmente não existam muitos campesinos. As metáforas falam da imaginação das culturas. As pessoas que vivem dentro dessas culturas sentem que algumas coisas são adequadas e outras são inadequadas, e por vezes também questionam como deveriam ser as coisas dessa sociedade. Em

94

Nasce a Sala de A ula : o Papel da R eligião como Paíueiila

todo esse processo da imaginação, do desejado, as metáforas desempenham papel muito importante (Lakoíf e Johnson, 1988). Voltemos a Comenio para dar outro exemplo. Se o do­ cente é “o sol”, as crianças são colocadas, nessa comparação, no lugar da “árvore” e dos “animais”. Esta metáfora ajuda Comenio a justificar sua afirmação de que o princípio ativo da sala de aula — seguindo a imagem do sol — só pode ser o professor. A diferença abismai entre o sol e a árvore ou entre o sol e o animal combina muito bem com o preconceito de que o abismo entre o professor e o aluno na sala de aula pode ser comparado aos conceitos da atividade-passividade, ou à idéia que muitas pessoas têm — entre elas alguns professores — de que, quando chegam na escola, as crianças “não sabem nada de nada”, e colocam o professor como um sol que as “iluminará”, como se todas elas tivessem vivido no desconhecimento/escuridão antes da escolarização. Ou seja, defi­

nindo um segundo aspecto, pode-se dizer que as metáforas não apenas não são inocentes, mas também podem ser analisadas como estratégias para formular algumas idéias que muitas vezes permanecem fora da discussão. Vejamos novamente o exemplo comeniano: a árvo­ re e o animal são impensáveis ou impossíveis sem o sol. É impen­ sável um aluno sem o professor? Aprender é o mesmo que “ser ensinado”, como esta metáfora propõe por meio da figura passiva da criança? O tipo de dependência do animal e da árvore com relação ao sol é o mesmo tipo de dependência do aluno com rela­ ção ao professor? Todas essas idéias não formuladas cruzam-se na formulação de Comenio. Dessa forma, quando analisamos a metáfora de Come­ nio, não sabemos muito bem se realmente descrevia a relação entre o professor e o aluno em sua época, mas sabemos, sim, que, provavelmente de maneira inconsciente e permeada por sua

95

A I nvenção da Sala de A ula

cultura, Comenio nos fala mais sobre sua estratégia em relação à sala de aula do que à própria sala de aula como objeto “real”. Analisar as metáforas é, portanto, vê-las fundamentalmente como sintomas ou resultados de estratégias, de intenções de quem as cria. É precisamente o fato de a metáfora não ser inocente que nos revela a “não inocência” de quem a pronuncia e nos dá pis­ tas para poder compreender aonde quer chegar”.21 Queremos com isto indicar uma perspectiva importante no momento de analisar a escola, a sala de aula e a pedagogia: as

metáforas não são “enfeites” colocados para dizer “a mesma coisa” com outras palavras. Vimos que utilizar uma metáfora ou outra não é dizer “a mesma coisa”, mas, sim, que o que aparece como “a mesma coisa” é o docente: o docente é um sol, o docente é um guia. No entanto, esta “mesma coisa” não é independente da forma pela qual nos referimos a ele: quando Comenio diz aos professores o que é que devem fazer, essa orientação é extraída das metáforas, e não de uma suposta qualidade universal do pro­ fessor. Daí termos afirmado anteriormente que a linguagem cria 21. A/o teoria psicanalítico considerou-se com muito seriedade que a metóforo e a metonímio — esto último é umo metóforo que não substitui umo palavra por outro, mas sim uma parte por um todo (por exemplo, "cabeça de gado' poro mencionar a voco inteira) — sõo meca­ nismos centrais no funcionamento de nosso inconsciente, no sonho, nos piados, em nos­ sos lopsos. Rlgumas situoções psíquicos graves, como o psicose, também forom defini­ dos, de formo bastante simplificada, como “ausência do mecanismo do metóforo’. No mundo psiquiátrico encontromos vórios vezes uma onedoto um tanto trágico, cuja autenti­ cidade não podemos garantir, mas que parece bem cloro. Cm um hospital psiquiátrico, os familiares levam o um psicótico internado olgumos coisas para sua higiene pessoal, entre elas um tubo de posto de dente ‘'Colgate''. O paciente recebe o nome do posta de dente como uma mensagem literol. não como algo que se lê de outro maneira, umo marco, mas sim como uma mensagem real. e se enforca (N. L em espanhol, “cólgate" significa "enfor­ que-se“). Por esse motivo, diz-se que o ausência da metáfora é um problema de primeiro grau. R metóforo é vista como umo função simbólico de primeira importância. Sobre o papel do metóforo e do metonímio nos processos inconscientes, consulte Dor, 1981. cops. ó-IO; UJidmer. 1997, cop. 5.

96

Nasce a Sala oe A u la : o Papel da R eligião como P arteira

a realidade social, produz maneiras de compreender o mundo. A metáfora é, portanto, um recurso decisivo no momento de definir as coisas. As m etáforas povoam nossa linguagem cotidiana e ta m ­ bém a linguagem especializada. Na maioria das vezes, ao fa­ lar, usamos metáforas das quais geralmente não temos cons­ ciência. Q uando falamos da teoria, por exemplo, podemos dizer que é como um edifício que tem suas fundações, que deve ser construída, que precisa ser abandonada ou ainda demolida. Q uando falamos da aprendizagem, dizemos que também é uma construção ou uma estrutura. Em todos os casos, o uso de certas metáforas cria relações de semelhança com alguns fenômenos, e não com outros, nomeia e define de forma que também exclui outras possibilidades. Vejamos outro exemplo de um pedagogo inglês, que analisaremos no final do capítulo seguinte. Este educador usa­ va a metáfora da jardinagem e do crescimento natural para referir-se ao processo de ensino-aprendizagem. Dizia “(...) a mente das crianças, e também dos adultos, pode ser compa­ rada com justiça a um jardim que, se não for cuidado, logo estará invadido por ervas daninhas, que se enraizarão tão pro­ fundamente que sufocarão todos os bons pensamentos e afe­ tos, e até mesmo a própria consciência” (Wilderspin, 1824, p. 29). O dever do professor-jardineiro é regar as plantas, cuidar e satisfazer suas necessidades especiais, retirar as er­ vas daninhas, até que floresçam por si mesmas. Observe o conteúdo conservador do enunciado: o jardineiro pode aju­ dar a planta a crescer, mas não pode modificar o potencial inerente ou inato de cada planta de desenvolver-se em sua própria direção.

A I nvenção oa Sala de A ula

Neste sentido, queremos enfatizar que as metáforas têm consequências22, definem um universo de qualidades e de ações possíveis, tanto como no caso do professor-sol. Neste sentido, participam diretamente da construção de nossa subjetividade, por exemplo, dando-nos formas para nomear nossa atividade docente que determinam de que maneira vamos processar nos­ sas experiências na sala de aula23. Propomos agora que a escola seja pensada segundo estas metáforas: 1. Como uma empresa. Se a escola é vista como uma em­ presa, pode-se dizer que os investimentos devem estar relacionados com os lucros esperados, pode-se pensar que a escola deve oferecer “garantias” de seus produtos, como fazem as empresas e, para tanto, devem criar um sistema de medição da aprendizagem que estabeleça de algum modo os parâmetros da garantia. O diretor passa a ser um gestor, quase um executivo da escola, que deve procurar sponsors, fazer propaganda da escola, traçar uma estratégia, entre outras coisas. Da mesma forma, em uma empresa, trabalhadores são demitidos quando não há trabalho; e quando a educação é considerada unica­ mente como uma empresa que deve ser rentável, uma escola com 20 alunos, situada em local distante de um centro urbano, pode ser eli­ minada do organograma, já que não teria suficiente trabalho, nem “produziria” uma quantidade significativa de alunos escolarizados. 2. Como uma família. Se a escola é vista como uma fa­ mília, é possível que as professoras — já que, em sua maioria, os docentes de hoje são mulheres — sintam-se “mães”. Ser “mãe”, 22. Frigerio e Poggi trabalharam algumos destas em seu livro Coro y ceco, prindpalmente no capítulo dedicado às culturos institucionais escolares.

23. Sobre este temo. vejo Frigerio. 1995.

98

Nasce a Sala de A ula : o Papel da R eligião como P arteira

ser “segunda mãe” no “segundo lar” são expressões metafóricas que nos informam que as pessoas que as usam pensam a escola como uma família. É possível que em uma família haja uma divi­ são do trabalho: alguém retira o lixo, alguém serve a mesa, al­ guém corta a grama. Por outro lado, na família predominam as relações afetivas, e as regras costumam ser mais flexíveis do que em outras organizações sociais. Essas características são transferi­ das para a escola? Existem em uma escola as relações de “heran­ ça”, como em uma família? O poder e as faculdades de um docen­ te são comparáveis aos de um pai ou aos de uma pessoa que detém o pátrio poder? O que acontece com a condição de trabalhadora de uma professora quando é considerada uma “segunda mãe”?

3. Como agente do progresso. A escola aparece como o meio para combater a “escuridão” da ignorância, como um lugar onde a luz do conhecimento (diz-se que uma pessoa inteligente é “iluminada”) expande-se à custa da escuridão. Nesta visão, a esco­ la pode ser vista também como um bastião contra uma sociedade cada vez mais “brutal”, ou como um centro onde a razão governa e se desenvolve. No entanto, será que essa escola está atualizada e participa de muitas pesquisas científicas, da política e das mudan­ ças das formas de relacionamento entre jovens e adultos que ocor­ rem na sociedade não escolar? Será que as sociedades mais escola­ rizadas são sempre as que mais progrediram?

4. Como templo do saber. Esta metáfora está vinculada à anterior, mas contém elementos religiosos, ainda que sem uma presença divina. Diz-se que a docência é um “apostolado” (então será destino dos professores serem comidos pelos leões nos anfi­ teatros, como os apóstolos cristãos?). Também se ouve dizer que a

99

A I nvenção da Sala de A ula

escola é um “templo” e, portanto, tem regras especiais: assim como os fiéis se benzem ao entrar na igreja ou lavam os pés antes de entrar na mesquita, nas escolas há saudações “pouco naturais”: colocar-se de pé, formar fila, tratar de forma diferente o inspetor ou o diretor. Observe, por exemplo, o seguinte parágrafo sobre os professores que fumam na sala de aula, escrito em 1884: “Em Pedagogia, muito se falou e se escreveu sobre a escola como um templo e o professor como um sacerdote; como consequência, se o maior respeito é guardado na casa de Deus, também clevena ser observado naquela onde a juventude se educa. O professor que fuma na sala de aula começa por profanar o sagrado recinto em que se encontra, faltando com o respeito que deve a seus alunos, e termina por lhes abrir o caminho da imitação e do desejo, por­ que as crianças são imitativas e copiam facilmente tudo aquilo que vêem fazer os mais velhos, e principalmente o professor, que é seu modelo diário” (“El maestro que fuma en clase”: em Revista de Ediicación, Nü XL, de 1884; citada em Pineau, 1997, p. 100). Essas metáforas foram e são usadas para referir-se à educa­ ção, e podem ser analisadas com a pedagogia normalizadora descri­ ta no capítulo 4. Sua aplicação sofreu mudanças através do tempo, embora se possa afirmar que as metáforas da empresa e do agente do progresso continuam amplamente em uso, assim como a da escola como uma família. Estas mudanças nos regimes metafóricos fazem referência a mudanças mais gerais do lugar da escola na sociedade e dos discursos que a sociedade aceita. Por exemplo, a idéia de que a escola é como uma empresa não era comum há 60 anos na Argenti­ na (mas era comum nos Estados Unidos), mas hoje é uma das mais utilizadas na linguagem dos políticos e administradores do sistema. Ou seja, se um tipo de metáfora toma-se mais importante em uma cultu­ ra, esse fato indica o que está ocorrendo nessa cultura. Se a escola é vista

100

Nasce a Sala de A ula : o Papel da R eligião como P aíxíeiixa

como um templo do saber, deverão ser reforçadas todas as formas mais ou menos solenes da cultura escolar; se for considerada como uma família, será preciso verificar se a autoridade do professor pode ser igual à dos pais; isso leva alguns pais a “autorizar” os professores a castigar fisicamente seus filhos, uma vez que, para eles, a escola não deve ser diferente do modelo familiar— que às vezes também inclui a bofetada, o puxão de cabelo e toda uma variedade de ações. Assim sendo, pensar a escola através de certas metáforas significa determinar o que se acredita que deve ser feito com ela. As metáforas que utilizamos, e que nos parecem apropriadas, contêm toda uma série de conseqüências possíveis para o futuro de nossas escolas. A pedagogia como um saber específico, com sua história, suas vinculações, seus efeitos diretos ou indiretos, também pode ser pensada a partir das metáforas que organizaram seus discursos. Neste livro utilizamos muitas metáforas para nos referir a ela. Neste percurso, é fundamental poder ver que as metá­ foras nos dizem algo, que nos indicam muito mais do que pode parecer. Por esse motivo, como professores, é importante ver quem usa determinadas metáforas, que situações nos ajudam a formular uma metáfora e que situações nos estão sendo oculta­ das. Tal como na vida cotidiana, também estão na escola, e as­ sim como “cortar” uma relação pode sugerir que uma pessoa corta um cabo que a une a outra, as metáforas pedagógicas da aprendizagem como “apropriação”, do professor como “gestor da sala de aula” também nos fornecem muitas informações so­ bre o cenário pedagógico e de forças educativas onde atuamos. Para aprofundar este tema, consultar: Charbonnel (1991); Jakobson (1980); Kliebard (1972); Lakoff e Johnson (1988); e Richardson, “Writing: A Method of Inquiry”, em: Denzin e Lincoln (1994).

101

3 A S ala de A ula C r e s ce : a D i s c i p l i n a nos T e m p o s da R e volução I n d u s t r i a l ■ a

Quando deixamos a sala de aula nas mãos de La Salle, algumas páginas atrás, estávamos em uma sociedade que funciona­ va basicamente com formas sociais bastante estáveis: o camponês e o rei nasciam e morriam como tal, a maioria das pessoas nascia e morria no mesmo lugar, a ordem social também era vista como algo estável, e não como algo que poderia mudar. Neste capítulo, quere­ mos mostrar como a sala de aula “cresceu” em suas estruturas e penetrou no contexto das grandes mudanças econômicas, sociais e políticas na Europa ocidental pouco antes de 1800. Vamos concen­ trar-nos nessa época cheia de novidades e de mudanças estruturais e na forma como a sala de aula, como materialidade e como forma de comunicação, foi não apenas reagindo a este desenvolvimento, mas também contribuindo para que de fato ocorresse. Vamos retomar algumas pontas soltas do capítulo an­ terior. Argumentamos que a pedagogia de 1700 imaginava e pro­ punha uma sala de aula onde a condução pastoral havia sido deslo­

cada, passando a dar prioridade ao grupo, e havia deixado de lado certa individualização das práticas educativas anteriores (por exem­ plo, a prática implícita na educação de príncipes e artesãos). Um dos motivos do sucesso dessa proposta entre os estadistas era o número de alunos que pretendia incorporar. O outro lado da moeda era o fato de privilegiar uma obediência em grupo, con­ siderando a individual como um resultado daquela. No entanto, as novas condições nas sociedades européias reivindicaram m u­

103

A I nvenção da Sala de A ula

danças na transmissão pedagógica. O método grupal-global con­ seguiu impor-se, mas foi submetido a críticas e transformações que criaram uma geografia da sala de aula muito diferente da­ quela de Comenio ou dos irmãos lasalleanos. Vamos deter-nos nessas condições sociais na próxima seção.

C ondições do " crescimento " da sala de aula : TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPÉIAS NO FINAL DO SÉCULO 18 O fato de a proposta da sala de aula global ter tido su­ cesso, ainda que com certa lentidão, não é surpreendente. No sé­ culo 18, as sociedades européias enfrentaram mudanças que teri­ am grande importância para seu futuro. Ainda que se baseassem na atividade agrária e conservassem parte das suas estruturas tra­ dicionais, uma série de processos começou a transformá-las radicalmente, mesmo quando cada região assumia essas mudan­ ças com seu próprio ritmo e com configurações particulares. A primeira mudança importante é a Revolução Industrial. Apesar de tratar-se de um processo, e não de um fato pontual e determinado, vários historiadores concordam ao datar seu surgi­ mento na Inglaterra entre 1760 e 1780. Como indica seu nome, o ponto central foi o surgimento de um novo tipo de produção: o da indústria centralizada nas fábricas. As formas artesanais e des­ centralizadas da produção, até então dominantes, foram desapa­ recendo em certas áreas, principalmente na têxtil, para dar lugar à fábrica, essa construção gigantesca com sua chaminé fumegante, que se instalou em uma paisagem cada vez mais urbanizada, um lugar novo no qual se desenvolveram relações sociais inéditas e de onde surgiram novas identidades, como as de capitalistas e operá­

A Sala de A ula C resce a Disciplina nos T empos da R evolução I ndustrial

rios. As mudanças que introduziu foram impressionantes, desde a fisionomia das cidades até a constituição familiar e a transforma­ ção do espaço íntimo. Em 1846, Jules Michelet, escritor, historia­ dor e político francês, dizia: “(a diminuição do preço do algodão) foi uma revolução para a França. Vimos que o povo pode ser um grande e poderoso consumidor quando sua mente está voltada para isso. (...) Antes, toda mulher usava um vestido azul ou preto, e nunca o lavava com medo de que se desfizesse em pedaços... Agora, pelo valor de uma jornada de trabalho, seu marido, pobre trabalhador, vai vesti-la com estampados de flores. Este conjunto de mulheres, que agora cria um arco-íris de milhares de cores em nossas ruas, até pouco tempo parecia estar de luto” (Michelet, Le Peuple, citado em: Cacciari, 1993, p. 7). No entanto, as transformações não ocorreram igual­ mente para todos. As respostas dos contemporâneos foram tão drásticas como a própria revolução: alguns, entusiasmados, fize­ ram fortuna rapidamente; muitos outros — a maioria — sofre­ ram dramáticas mudanças em sua vida cotidiana, empobrece­ ram e foram obrigados a se submetei a outros mgimes de trabalho e de socialização. Alguns desses grupos mais afetados resistiram, destruindo as máquinas; outros começaram a se organizar para pedir melhores condições de trabalho, movimento do qual sur­ giram os sindicatos e os partidos dos trabalhadores modernos. Massas de camponeses converteram-se em habitantes proletários das cidades, e em poucos anos, pequenos vilarejos transforma­ ram-se em poderosos centros industriais. Por último, em função de seu poder econômico, a posição central da Inglaterra causou novas tensões internacionais (Elobsbawm, 1977). A Europa continental incorporou-se a este processo mais tarde e de forma paulatina. Embora já em 1780 tenha sido in-

105

A I nvenção da Sala de A ula

troduzicla a primeira máquina na Alemanha, e na mesma época, na França, havia um problema central. A indústria nascente preci­ sava de grande quantidade de trabalhadores, que nesses países ainda viviam no campo e dependiam legalmente da nobreza para subsistir. A liberação dos camponeses das relações feudais, que os obrigavam a viver em um lugar específico e a pagar seus impostos a um nobre ou a um senhor determinado ocorreu lentamente, e em 1850 (quase um século depois da Inglaterra), o camponês desses países já era “livre” em termos burgueses: livre para deslo­ car-se de um lugar a outro, livre para trabalhar como operário que ganha diariamente seu salário. A “liberdade” significou principal­ mente uma grande migração às cidades, que adquiriram caracte­ rísticas de massa (Kemp, 1974). As cidades massificadas foram objeto de fascinação e de medo para os contemporâneos: a idéia de uma multidão incontrolável expressava como poucas a per­ cepção da aceleração da mudança social e da dificuldade de go­ verná-la com as antigas técnicas. Vejamos, por exemplo, como Edgar Allan Poe descreve Londres na metade do século passado, sentado em um bar e olhando pela janela: “esta rua é uma das principais avenidas da cidade, e durante todo o dia passou por ela uma grande multidão. Ao cair a noite, o movimento aumentou, e, quando as luzes se acenderam, pôde-se ver uma dupla e contínua corrente de transeuntes passeando apressadamente em frente à porta. Nunca tinha estado no café a esta hora, e o tumultuoso mar de cabeças humanas encheu-me de uma emoção deliciosamente nova” (Poe, “O homem na multidão”, citado em: Benjamin, 1988, p. 143). A massa aparece como um conjunto amorfo, desfigura­ do, anônimo, e como o pano de fundo ideal para o cenário de um crime, como continua no relato de Poe. Juntamente com a Revolução Industrial, e em parte esti­ mulada por ela e por outros movimentos, ocorreu uma revolução

10 6

A Sala de A ula C resce a D isciplina nos Tempos da R evolução I ndustrial

política para colocar fim a estas relações servis com relação à no­ breza e à monarquia. A Revolução Francesa (como este momento passou para a história) irrompeu em Paris em 1789, a partir de uma aliança entre burgueses antimonárquicos e as camadas po­ bres da cidade, que decidiram eliminar a monarquia. A história desta revolução (como a de tantas outras) é complexa, com fac­ ções internas e episódios de grande dramaticidade (Vovelle, 1984). Para as outras casas reais da Europa, a decapitação do rei da Fran­ ça e de sua mulher teve um caráter mais que simbólico: mostrava um novo ator político (a burguesia mercantil e industrial), que exigia sua parte na divisão. Foram desenvolvidas novas linhas de conflito entre um bloco monárquico, com apoio dos camponeses, da nobreza e da maior parte da Igreja católica; e um bloco burguês, com o apoio das nascentes classes operárias nascentes, que reivin­ dicavam melhores condições de trabalho e representação política. Apesar de os governos revolucionários terem sido derrotados e a monarquia, restaurada, a Revolução inaugurou o legado da mo­ derna tradição liberal e republicana, baseada nos direitos huma­ nos e dos cidadãos. As idéias de democracia, progresso e secularização, ou separação da igreja e do Estado, passaram a ser os baluartes do credo cidadão na maior parte dos países ocidentais e, sem dúvida, influenciaram as revoluções pela independência das colônias hispano-americanas. Ocorreu nessa época um terceiro movimento, de limites mais difusos e que talvez se tenha iniciado mais cedo, que envol­ veu uma progressiva transformação do panorama cultural e a for­ mulação de novos programas de governo, como a república par­ lamentarista. Esta transformação originou-se no poderoso movimento intelectual e político chamado Iluminismo, que se es­ tendeu por toda a Europa. O Iluminismo era definido por si mes­ mo como a “luz” em oposição à “escuridão” dos tempos medie­

A I nvenção oa S ala de A ula

vais; Kant, um de seus mais famosos expoentes, afirmou que re­ presentava a saída do homem da infância à qual estava submetido pela escuridão medieval. Ainda que, como todo movimento, in­ cluísse tendências e pensadores heterogêneos, a maioria acredita­ va que a razão é a capacidade humana fundamental, e que habilita o ser humano a pensar e a atuar corretamente. Do ponto de vista político, os iluministas eram ambíguos: em alguns casos, como na Prússia (atual Alemanha), estavam à disposição do monarca abso­ luto e tentavam que este liderasse as reformas modernizadoras (Schneiders, 1997). Na França, muitos iluministas integraram as filas da Revolução e chegaram a criar uma política oposicionista. Independentemente dessas posições, somando-se o surgimento da industrialização, o aparecimento de novos programas políticos — que incluíam novas formas de governo — e as discussões do Iluminismo, formou-se um conjunto que preocupava os pensa­ dores: nunca se viu, desde as guerras religiosas, tanto movimento e tanta transformação. Estas condições forjaram o lento surgimento do liberalismo clássico. Em cada estado, esta situação surgida no último terço do século 18 foi processada de maneira diferente, desde a radicalização política e a reforma social (como no caso das revoluções americanas pela independência) até a reação monár­ quica absolutista de muitos reinos europeus. Neste contexto em que as transformações causavam novas demandas e inseguranças, os estados centrais começaram a demonstrar maior interesse na questão da educação primária. Lembremos que, até este momento, as iniciativas da educação popular tinham-se baseado em obras de caridade de caráter pri­ vado e, além disso, de forma inorgânica e pouco coordenada. A

educação obrigatória apareceu como a nova ferram enta para a pro­ dução em massa da obediência, no contexto de populações que mi­ gravam, cidades que cresciam descontroladamente e ritmo de cres­

108

A 5ala

oe

A ula C resce :

a

D isciplina nos T empos da R evolução I ndustrial

cimento acelerado. Em 1768, o presidente do parlamento de Pa­ ris dizia: é necessária a educação comum que divulgue “os mes­ mos princípios e as mesmas luzes (de maneira uniforme). Imbu­ ídos desde a infância das mesmas verdades, os jovens de todas as províncias se libertarão dos preconceitos do nascimento, de­ senvolverão as mesmas idéias de virtude e justiça, e aprenderão a derrubar as barreiras que os separam de seus compatriotas” (citado em Chartier e outros, 1976, p. 209). Entre 1763 e 1803, Prússia, Áustria, Saxônia e Baviera foram os primeiros estados a introduzir a obrigatoriedade escolar por um período de seis a sete anos (Manacorda, 1987, p. 391). Em alguns casos, era com­ plementada com a obrigatoriedade de participar de uma escola dominical de fundo religioso até os 18 anos. A escola não era gratuita e, apesar de as taxas não serem muito altas, o grande número de crianças em uma família camponesa poderia resultar em uma soma total considerável a ser paga. Por outro lado, a escolarização significava afastar as crianças do mundo do traba­ lho, privando as famílias de uma renda que, em muitos casos, era insubstituível. Isto significa que, para mandar as crianças para a escola, a família camponesa pagava, de fato, um imposto esco­ lar — obrigatoriedade e não gratuidade simultaneamente —• e perdia renda e força de trabalho. Por esse motivo, durante todo o século XIX, a escola., como instituirão teve uma fama duvidosa nesses setores. No caso da Revolução Francesa, durante os pri­ meiros anos de governo republicano, foram feitos diversos pla­ nos de instrução pública, que, embora não tenham conseguido impor-se de forma clara e homogênea, estabeleceram as bases do ideal liberal na educação: obrigatoriedade, centralização e, em alguns casos, gratuidade e laicidade (Debesse e Mialaret, 1973). A adoção da escolaridade obrigatória implicou que o espaço fechado da sala de aula e sua metodologia se convertes­

1 0 9 :1 -

A I nvenção oa S ala de A ula

sem paulatinamente em uma experiência pela qual passariam todas as crianças. O moclelo de sucesso era proporcionado pelas diversas iniciativas caritativas: na Inglaterra, as já mencionadas “escolas de caridade”; na França, a rede escolar de La Salle; nas áreas protestantes da atual Alemanha, os “filantropos”. No en­ tanto, a massificação deste modelo trouxe novos problemas. Começaremos pelos debates que surgiram na escola prussiana (a primeira experiência organizada de educação pública) e con­ tinuaremos com a única grande “ameaça” que o modelo global enfrentou ao longo de sua história: o método de ensino mútuo. Por último, delinearemos as pedagogias de Pestalozzi e Herbart no mundo de língua alemã, e de outros educadores ingleses que discutiram a importância do processamento didático e idealiza­ ram outras técnicas de disciplina e governo na sala de aula, esta­ belecendo muitas das bases de nossas práticas educativas atuais.

P rimeira consolidação da sala de aula global : A ESCOLA PRUSSIANA Considerado como um dos grandes protagonistas des­ se tempo de mudanças, Immanuel Kant (1724-1804) foi profes­ sor de Filosofia na Universidade de Kõnigsberg (atual Polônia). É uma das figuras mais básicas e controvertidas da filosofia mo­ derna, produtor de uma teoria de conhecimento humano que ainda se discute apaixonadamente. Kant também trabalhou in­ tensamente com os problemas da filosofia política, da filosofia da religião, a estética e a ética. Entre suas obrigações docentes, estava a de lecionar pedagogia, que nesse momento era conside­ rada um ramo da filosofia. Em 1776, começou seu curso afir­ mando a importância da educação para sair da barbárie ou da

110

A 5ala de A ula C resce a Disciplina nos T empos da Devolução I ndustrial

animalidade. Para Kant, o objetivo da escola era disciplinar os instintos animais e “humanizar” o homem. Assim, o tema da con­ dução das crianças era central em suas preocupações. Dizia que, inicialmente, as crianças são encaminhadas “à escola, não ainda com a intenção de que aprendam algo, mas'sim com o objetivo de habituá-las a permanecer em silêncio e a observar pontual­ mente o que lhes é ordenado, para que mais tarde não se deixem dominar por seus caprichos momentâneos” (Kant, 1803; 1983, p. 30). Não por acaso, Kant escolhe a metáfora das plantas e da jardinagem para falar da educação. Ao comparar o trabalho com as crianças ao trabalho com as plantas, mostra claramente as tendências disciplinadoras da época por meio da idéia de que o pensamento infantil pode ser endireitado como um galho torci­ do (Petrat, 1987, introdução). Entre os filósofos modernos, Kant é um dos primeiros a refletir sobre a relação entre o governo e a educação. Em suas aulas, argumentava que “a arte do governo e a arte da educação” são as duas invenções mais difíceis da humanidade, e sobre as quais sempre haverá controvérsia (Kant, 1983, p. 35). O gover­ no que imaginava devia basear-se na razão, e não na força; por­ tanto, era preciso que a obediência estivesse fundada na racio­ nalidade, e não na repetição de memória: “deve-se cultivar a memória desde muito cedo, sem esquecer também da compre­ ensão” (idem, p. 65, tradução modificada pelos autores). Con­ centrar-se, sentar-se em silêncio, obedecer às instruções: para Kant, eram estas as atitudes fundamentais na sala de aula. Afir­ ma: “A escola é uma cultura coercitiva” (p. 63); deve habituar a criança ao trabalho, separando a vida escolar da brincadeira e dotando-a da seriedade e da coação necessárias. Embora se ba­ seasse no uso da razão, a seriedade de sua pedagogia tem conti­ nuidade na vida escolar jesuítica, que criava um universo artifi­

111

A I nvenção da S ala de A ula

ciai em latim, com vigilância minuciosa. “A memória deve ser utilizada apenas com as coisas cuja conservação nos é conveni­ ente, e que tenham relação com a vida real. À leitura de roman­ ces é prejudicial para a criança, porque só lhe serve de distração enquanto os lê; debilita também a memória, pois seria ridículo absorver o romance e querer contá-lo aos demais. Desta forma, é necessário tirar das mãos da criança todos os romances” (idem, p. 65). A imaginação e a fantasia não eram úteis para a vida real e deveríam ser desconsideradas pelo professor. Referindo-se aos métodos existentes, Kant descar­ tou os progressos que seus amigos, os filantropos,24 haviam realizado em suas escolas experimentais e centrou-se, por outro lado, na validade do método catequista. O catecismo é

um livro para a transm issão de conteúdos da fé organizado nor­ m alm ente em form a de perguntas e respostas (Drehsen e outros, 1995, p. 595). Kant dizia que “(o) método socrático deveria ser a regra no catecismo. Na verdade, é um pouco lento e difícil expor o catecismo de tal forma que alguém aprenda alguma coisa a partir dos conhecimentos de outra pessoa. O método mecânico-catequista é bom para algumas ciências; por exemplo, para a apresentação da religião revelada. Pelo contrário, para a religião geral, deve-se utilizar o método so­ crático. Recomenda-se especialmente o método mecânicocatequista para aqueles que devem ensinar historicamente” (Kant, 1983, p. 69, tradução modificada pelos autores). 24. Os filântropos foram um grupo de pedagogos de origem protestante que. orgonizados em diversas obras de caridade, tentarom concretizor o velho progromo de Comenio de ensino globol-frontal e desenvolveram importantes moteriois poro o ensino. Partindo de umo pos­ tura religioso, queriam fazer uma componho de moralização dos pobres e morginolizados. fí tradução de filantropo é "amigo do homem". Os filantropos viam no educoção, mais uma vez. uma formo de redenção do homem (Blonkertz. 1992. p. 45 e ss., p. 79 e ss.).

112

i

A Sala de A ula C resce : a Disciplina nos T empos da R evolução I ndustrial

As recomendações cie Kant retomavam uma velha prá­ tica das escolas elementares dos primeiros tempos da moder­ nidade. O catecismo católico (o mais famoso foi escrito por um jesuíta, Pedro Canisius) e o catecismo protestante (escrito pelo próprio Lutero) tinham uma longa trajetória de utilização nas salas de aula da escola elementar. “Catecismo” (do latim medieval catechismus ) significa “instruir em viva voz” (Cucuzza, 1997, p. 1), e era a forma corrente de instrução religiosa. No entanto, a insistência de Kant no método catequista con­ tinha elementos novos, uma vez que propunha resolver a ques­ tão da disciplina em meio a grandes mudanças sociais e políti­ cas. No caso alemão, a obrigatoriedade da escola — sancionada na Prússia por um regulamento para as escolas rurais de 1763, e reforçada por outro regulamento em 1794, no qual as doutri­ nas kantiana e iluminista de “educar o camponês” estavam na ordem do dia — não coincidia estritamente com a industriali­ zação, nem com a ascensão da burguesia, como nos casos in­ glês e francês. Naquele momento, o problema da Prússia era como “liberar” os camponeses das velhas relações de submis­ são à nobreza e introduzi-los nas relações mais modernas sem sofrer as turbulências revolucionárias que colocariam em risco a ordem absolutista estabelecida. Kant e os iluministas alemãesprussianos pensavam que, nesse contexto de transformações, a escola deveria desempenhar um papel estabilizador (Van Horn Melton, 1988), e por esse motivo sua pedagogia reduziu o método global à catequização, onde a dinâmica de pergunta e resposta era, na verdade, uma contrapartida na qual a resposta já estava estabelecida e deveria apenas ser reproduzida. Ao mesmo tempo em que Kant desenvolvia seu pensa­ mento filosófico, ocorreu um fato que mostra a nova importância da educação, não apenas pela regulamentação da obrigatoriedade

11 3

A I nvenção da S ala de A ula

da escola25. Na Alemanha, a pedagogia assumiu nesse momento o caráter de disciplina universitária. Em 1779, na Universidade da cidade de Halle, criou-se a primeira cadeira de Pedagogia em língua alemã. Essa cadeira foi ocupada por Christian Trapp (17451818), que no ano seguinte publicou suas aulas com o título Ensaio de Pedagogia. Na sua obra, a didática — esse ramo da pedagogia que se ocupa do método de ensino — emergiu como uma catequização disciplinadora, como vimos em Kant. No en­ tanto, tinha uma preocupação crescente com a atenção do aluno e a compreensão do conteúdo, que recuperava a velha demanda de Comenio sobre a compreensão e a motivação com base no ensino (Trapp, 1977, p. 256 e 286 s.). Trapp defendia que a compreensão do aluno (e não apenas a repetição de memória) fosse incluída na estrutura de comunicação na sala de aula. O que ocorreu então foi o que hoje chamaríamos de processamen­ to didático da catequização. Este processamento serviu tanto para

aprofundaras disciplinas já existentes como para inaugurar um novo campo profissional: o professor especializado. Neste momento, não por acaso, surgiu a formação docente propiiamente dita: no m om en­ to em que o ensino, tanto das crianças como das almas, precisava de conhecimentos especializados. Coincidindo com o surgimento da pedagogia como disciplina diferenciada, registrou-se uma lenta mudança nas práticas que Gerhard Petrat identificou como a transição de “sustentar a escola”26 para “ensinar” (Petrat, 1979). Já não se 25. Um comentário do époco dizio: "fílguém pode imogmor o trobotho que dó ensinar codo umo dos 80 o 100 crianças a soletrar e ler. talvez duos vezes pelo monhõ 0 duos vezes pelo torde. O professor deve ficor tonto muito rapidamente" (crítico anônimo do fina! do século 18 citodo por Petrot. 1979, p. 193).

26. fí expressão alemã é "Schule-Halten"observe que holten é 0 verbo que também designa o expressão "pronunciar umo prédico " C'eine Predigt holten).

114

A Sala de A ula C resce : a Disciplina nos Tempos da R evolução I ndustrial

tratava de apenas manter as crianças quietas na sala de aula, mas também de fazer com que aprendessem. Até então, a es­ cola elementar tinha muito da creche disciplinar, onde as pessoas soletravam, cantavam e, às vezes, liam e contavam. 0

“ensino” em sentido estrito e moderno existiu a partir da estrutu­ ra do processamento didático e ocorreu a partir da preocupa­ ção não com uma disciplina aparente ou superficial, mas sim com um governo “profundo” das crianças, por uma internalização de saberes que modificava condutas e atitudes. Esta transição foi possível porque a memória perdeu o monopólio como objetivo da formação, e a compreensão ou o entendi­ mento passou a ocupar o centro. A nova pedagogia exigia que os “alunos (fossem) levados paulatinamente a pensar” (Petrat, 1979, p. 187). Diferentemente da obediência reflexi­ va de Lutero, centralizada na relação da pessoa com sua co­ munidade e com Deus, a idéia pós-kantiana da compreensão como objetivo do ensino centrava-se em um indivíduo carac­ terizado por uma nova consciência de si mesmo, pela inte­ gração da personalidade individual e pela capacidade de con­ duzir sua própria conduta (Sabean, 1984, p. 35). Esta ênfase na compreensão foi aplicada tanto aos ve­ lhos como aos novos conteúdos. Vamos usar como exemplo o caso do processamento didático da parábola bíblica do semeador (Bíblia, 1997, Mateus 13, 4-10, Marcos 4, 3-9 e Lucas 8, 5-8), uma narração com moral (Petrat, 1979; Rumpf, 1984). A novida­ de da escola que “ensinava” foi que esse objeto (a narração bíbli­ ca) transformou-se em conteúdo escolar. A didática nascente ela­ borou 17 perguntas para trabalhar a história do semeador, por exemplo: “Como sabemos que as sementes significam a palavra divina? / Por que a palavra divina não é aceita por todos os ho­ mens? / Onde Cristo planta as sementes? / Como Cristo interpreta

115

A I nvenção da Sala de A ula

a semente que cai no chão?” Perguntas deste tipo dirigidas a um indivíduo causaram uma ruptura com o método de ensino anterior. Enquanto na sala de aula jesuíta o professor controlava as respos­ tas de um aluno e os outros realizavam ações diferentes, na escola prussiana o professor interrogava o aluno como parte de um gru­ po ou sala de aula. Rumpf formula uma hipótese para explicar esta transformação: “as perguntas que se sucedem mostram a di­ reção: não se pode e não se deve deixar ao acaso o que efetiva­ mente ocorre aos homens em relação à parábola e em relação aos fantasmas que estas histórias despertam. Se alguém se contentas­ se em contar alguma coisa para as crianças (aula) ou as deixasse dizer alguma coisa sobre o tema, a relação estaria fora de controle (...). Assim, a pergunta do professor é um meio de evitar as rela­ ções privadas, caóticas e irregulares dos homens com os conteú­ dos de ensino, todos devem entender o correto (o mesmo) sobre a parábola do semeador” (Rumpf, 1984, p. 102-103). Dessa forma, vemos que este ensino, caracterizado pelo processamento didáti­ co dos conteúdos escolares nessa época e pela duração das formas catequistas de interrogação, obedece tanto à necessidade de com­ preensão (já não é uma mera memorização) como a uma forma mais efetiva e cotidiana de atribuir uma direção “disciplinada” ao pensamento das crianças.

Desta form a, no início do século 18, o catecismo era a for­ ma de processamento didático privilegiada, com um a nova ênfase na compreensão individual. Na Prússia agrária e campesina, esta com­ binação causou uma síntese nova e maciça. A formação da técni­ ca interrogativa foi um primeiro conteúdo central da formação docente que surgia. O método global já se consolidava com o objetivo de conquistar o mundo. No entanto, como veremos no item seguinte, chegava um concorrente.

116

A Sala de A ula C resce a D isciplina nos T empos da R evolução I ndustrial

S egunda c o n so lid a ç ã o : como a sala de aula G L O B A L D E R R O T A O M É T O D O DE E N S I N O M Ú T U O

Paralelamente à evolução da escola prussiana e da pe­ dagogia como disciplina universitária, ocorreram no âmbito pe­ dagógico outros fatos que se constituíram em alternativas de ensino de rápida difusão em todo o mundo. Entre eles, o desen­ volvimento do método de monitoramento ou mútuo, que co­ meçou a ser utilizado aproximadamente em 1800; foi provavel­ mente o mais espetacular, já que, alguns anos depois, tinha-se convertido no preferido dos incipientes sistemas educativos na­ cionais (Kaestle, 1973). Aceita e propagada por Bernardino Rivadavia em Buenos Aires, Bernardo de 0 ’Higgins, no Chile, José de San Martin, no Peru e Simón Bolívar, no norte da América do Sul, e como escola oficial no México desde 1823, a escola lancasteriana converteu-se também no método privilegiado de en­ sino popular das ex-colônias hispano-americanas (Weinberg, 1984, p. 98 e ss.; Newland, 1992; Narodowski, 1995). Nos Es­ tados Unidos, foi adotado como método oficial de ensino entre 1820 e 1840. Em quase todos os casos, sua propagação foi o resultado da ação das sociedades (particularmente da British and Foreign School Society) que financiavam as escolas, enviavam representantes e propagandistas, e conseguiam impor o método como pedagogia de Estado (Kaestle, 1973)27. Este método, tam­ 27. é interessonte observar como é Feitio o compilação de Jeon Pierre Bostion ( 1990), de que o difusão do lancasterianismo no Rmérico Latina foi mediado pelo disputo entre o protestantismo e o catolicismo. James Thompson, o enviado do British ond Foreign School Society. escrevia em seus relatórios sobre estes temos sul-omericonos os progressos diá­ rios no vendo de Bíblios protestantes, junto oos ovonços do método loncosteriono. Rporentemente, conseguiram o opoio do Coroo britânico com o orgumento de que o exponsõo de suo couso otroirio odeptos oo império inglês oo difundir o religião e o cultura daquele pois (Bostion. 1990).

A I nvenção da Sala de A ula

bém chamado lancasteriano pelo nome de um de seus iniciadores, Joseph Lancaster (1778-1838), baseava-se na utilização sis­ temática dos alunos auxiliares (os quais foram chamados moni­ tores), que já vimos quando analisamos a proposta educativa dos jesuítas. Através do auxílio de monitores ou alunos adianta­ dos, o método possibilitava que um só professor conseguisse “conduzir” uma classe de até mil alunos. Junto a Lancaster, ou­ tro introdutor do método foi Andrew Bell (1753-1832), que o desenvolveu nas missões cristãs inglesas na índia, provavelmen­ te a partir de elementos do ensino .jesuítico. Bell publicou seu livro de divulgação e aperfeiçoamento do método em 1797, e Lancaster o fez em 1803. Bell, que era protestante, insistia na constante supervisão dos professores e na necessidade de con­ servar a ordem escolar e social, ensinando a cada um o estrita­ mente necessário (propondo o ensino da leitura, mas não o da escrita); por outro lado, Lancaster, que pertencia às igrejas dissi­ dentes britânicas, enfatizou as conquistas individuais e desenhou um sistema de castigos e recompensas que estimulava a autosuperação individual. Apesar destas diferenças28, ambos concor­ davam com relação à estrutura básica do ensino mútuo, organi­ zado a partir de um professor e seus alunos-ajudantes. Devido à semelhança dos alunos-ajudantes com os mo­ nitores jesuítas, o pedagogo uruguaio Jesualdo denominou este método “velha novidade” (idem, p. 24), que Bell definia como “o método pelo qual uma escola inteira pode ser instruída sob a vigi­ lância de um só professor” (citado por Jesualdo, idem, p. 24). No 28. Rs diferenças entre Lancaster 0 Bell não eram menores, jó que Loncoster. apesor de contar com o apoio do Rei e de alguns nobres, sofria a resistência do Igreja anglicana, que lonçou violentos campanhas contra ele, e que opoiovo Bell (Toylor, 1996). Considerado um liberal. Lancaster teve que emigrar paro os Cstados Unidos em 1818. e em 1826 viveu algum tempo em Corocos. contratodo por Simón Bolívar (Norodoujski. 1995. p. 141).

118

A Sala de A ula C resce a Disciplina nos Tempos da R evolução I ndustrial

contexto de uma revolução industrial e da transformação política da Europa e da América, o método parecia vantajoso com relação ao global, porque permitia alfabetizar muitas crianças em pouco tempo, e com menor custo. Lancaster afirmava que podia realizar em dois anos o mesmo trabalho que uma escola tradicional reali­ zava em sete, e que se poderia economizar 60% do orçamento (Narodowski, 1995; Kaestle, 1973). Mesmo quando muitos seto­ res dominantes não olhavam com bons olhos a escolarização ma­ ciça, temerosos de que, quanto maior fosse a educação, maiores seriam as reivindicações de mobilidade social, a idéia de que a educação traria ordem e progresso começou a ser cada vez mais consensual; e, nesse contexto de consenso, o apoio ao método mútuo cresceu de forma exponencial. O método mútuo progredia de forma ordenada e regu­ lamentada por uma série de etapas para ensinar os alunos a ler, escrever e contar. Havia uma série de cartazes ou figuras impres­ sas que marcavam os passos a serem cumpridos por todos e cada um deles; uma vez que a primeira era aprendida e memorizada, passava-se para a segunda, e assim sucessivamente. Os passos do método correspondiam às aulas organizadas em sala de aula. Como a aprendizagem destes passos era avaliada de forma indi­ vidual, o ensino podia ser mais rápido ou mais lento, segundo os progressos do aluno; a promoção de uma série a outra era um tema individual e dependia do próprio ritmo. Os monitores (es­ colhidos pelo professor depois de uma avaliação) controlavam o cumprimento das etapas, davam as orientações para a leitura e a repetição, e controlavam a disciplina. As crianças, por sua vez, tinham lousas ou caixas com areia onde escreviam as letras ou realizavam as operações aritméticas que eram pedidas. A lousa individual, chamada também lousa manual (Gvirtz, 1997, p. 44 e ss.), era a tecnologia fundamental do ensino: grande parte da

119

A I nvenção da Sala de A ula

interação e da regulação das relações professor-monitor-aluno era realizada através dela, situação que perdurou até princípios do século 20. A centralização da lousa pode ser observada nas ordens que os professores deveriam dar aos monitores, confor­ me um professor lancasteriano: as crianças da sala instantaneamente co­ locam suas lousas sobre a carteira, com o lado onde escreveram para frente, e levemente inclinada (...). C lasse, a p a g u e m as lousas: apagam as palavras inspecionadas com suas esponjas. C la sse, m o stre m su a s lousas:

C lasse, v a m o s J a z e r a lição, v a m o s p a r a fo r a d a escola; à Igreja; a o C a te ­ cism o; ou às Contas: as crianças levantam-se de suas cadeiras e, vol­

tando-se em direção ao professor, esperam a nova ordem. C lasse, le v a n te m -se : saem de suas carteiras, e colocam-se detrás das mesmas, mantendo os olhos fixos no professor. Os meninos cruzam suas mãos por detrás das costas; as meninas, pela frente. Poole J o h n , “The village school improved” (1813), citado em: Gosden, 1969, p. 5. Estas ordens eram dadas da frente, com uma série de sinais escritos, que Lancaster chamou de “telégrafo”: um quadra­ do de madeira com seis quadrados menores nos quais se podia ler as letras iniciais da ordem respectiva. Outros professores, junta­ mente com as ordens da lousa, também usavam um sino para chamar a atenção dos monitores e dos alunos: o primeiro toque indicava que deviam preparar-se para ficar de pé; o segundo, para ficar parado de pé; o terceiro, para avançar à direita e à esquerda; o quarto, para juntar-se no fundo da sala (Johnson, 1994, p. 10). O método lancasteriano foi comparado ao funcionam ento da indústria nascente. Na opinião de Foucault, o método de monitoramento era uma máquina pedagógica de grande efi­ ciência: “(...) o complexo sistema de relojoaria da escola de

120

A Sala oe A ula C resce

a

Disciplina nos T empos da R evolução I ndustrial

ensino m útuo começa a ser construído engrenagem por en ­ grenagem: começou destinando aos alunos maiores tarefas de simples vigilância, depois de controle do trabalho e, mais tar­ de, de ensino; a tal ponto que, no final das contas, todo o tempo dos alunos ficou ocupado, seja ensinando ou apren­ dendo. A escola converte-se em um aparelho de ensinar, na qual cada aluno, cada nível e cada momento, se combinados como devido, são utilizados permanentemente no processo geral de ensino” (Foucault, 1995, p. 170). A metáfora da máquina ajuda a considerar o caráter sistemático e interliga­ do das etapas do método. No entanto, também podem ser feitas comparações da escola lancasteriana com a estrutura militar. O próprio Lan­ caster dizia que era necessário transformar a autoridade tra­ dicional do professor, baseada em sua personalidade, em um sistema que fosse independente do caráter do mesmo; e que para isso, o exército, onde “o sistema, mais que a pessoa, está investido de autoridade; a categoria, antes do homem, orde­ na a obediência; e o oficial subordinado é tão rapidamente obedecido como seu chefe”, oferecia uma estrutura mais acei­ tável do que a da escola tradicional. “Um homem de idade de alta patente ou um jovem de 16 anos ordena e é obedecido. Esta ordem admirável, geralmente associada à guerra, não se torna desordem se for aplicada em tempos de paz" (Lancas­ ter, “The Lancasterian System of Education”,1821; citado em: Kaestle, 1973, p. 89). Logicamente, esta ordem quase militar nem sempre era cumprida estritamente, e há relatos de alunos e professores que não podiam ou não queriam segui-la. Para complementar e re­ forçar a obediência grupai, Lancaster criou um sistema de re­

121

A I nvenção da Sala de A ula

compensas e castigos. Estipulou que os alunos deveriam agru­ par-se em conjuntos ou classes de 10 ou 12, numerados conse­ cutivamente e com um cartaz no peito, pendurado no pescoço, que mostrava seu número. O monitor devia passar a lição para cada um e, se alguém errava, voltava um número na fila. Com o passar do dia, os alunos que cometessem menos erros encabeça­ riam as filas, e os que cometessem mais erros ficariam no final. Quem levava o número um tinha também um cartaz de couro ou cobre que dizia: “Mérito em leitura” ou “Mérito em escrita”, e recebia uma ilustração de presente; se falhasse, também perdia este distintivo (Lancaster, “Improvements in Education”, 1806; citado em: Gosden, op. cit., p. 6). O que diferenciou este método de outras experiên­ cias educacionais com monitores foram sua generalização como sistema e o desenvolvimento de uma série de técnicas destinadas a garantir sua eficácia — técnicas que logo permaneceriam nos sistemas educacionais nacionais. Com relação à formação de um sistema, Lancaster considerava que os pro­ fessores deveriam ser rigorosamente formados através de seus livros e de seus ensinamentos diretos. Em 1805, existia um grupo considerável de alunos que viviam com ele; identificava-os como “sua família” e ensinava-lhes sobre a condução da escola, a seleção de monitores e “as paixões”; os futuros monitores deveriam aprender a registrar o temperamento e a conduta dos alunos, e a usar a si mesmos como exemplo (Taylor, 1996, p. 17). Propôs também que a Sociedade Lancasteriana pagasse uma pensão ou salário fixo aos professores (e não, como ocorria até então, que esta remuneração fosse proveniente do pagamento das mensalidades dos alunos), tam­ bém quando estivessem doentes ou na velhice. Isto permiti-

122

A Sala de A ula C resce , a Disciplina nos T empos da R evolução I ndustrial

ria que a carreira fosse mais atraente para os m elhores estu­ dantes, e daria à sociedade o direito de controlar o ensino que ofereciam. Com relação à generalização, diz Mariano Narodowski que o método lancasteriano instaurou “a alter­ nativa como estratégia geral na expressão das atividades: os que agora são alunos, logo poderão ser professores; os mais adiantados ensinam os atrasados, que, por sua vez, estão em condição de formar outros em piores condições no estudo, e assim sucessivamente” (Narodowski, 1994, p. 137). Neste sentido, foi introduzido um critério de mobilidade das posi­ ções educativas que teve consequências políticas liberalizantes (Hamilton, 1989). Comparemos por um momento a mobilidade “regu­ lamentada” do sistema lancasteriano com a técnica da locali­ zação de jesuítas e lasalleanos — posicionar um aluno em um lugar determ inado da sala conforme seu mérito. Enquanto a posição do aluno na sala jesuíta e na lasalleana era algo mais ou menos estável, que podia mudar de vez em quando (tal­ vez um antecedente de nossos bimestres, trimestres e quadrimestres?), e que era decidida diretamente pelo professor, a “posição” no sistema lancasteriano podia m udar dia a dia. Imaginemos que diariamente eram possíveis m udanças mais ou menos im portantes na “ordem” da sala de aula e que estas mudanças não eram decisões diretas do professor, mas sim obedeciam à aplicação de regras gerais. O professor, nesta situação, está afastado do aluno, sua autoridade não aparece como próxima ou pessoal, mas sim como afastada e anôni­ ma; não é um “fazedor de lei” (um legislador que determina as regras da situação), mas sim alguém que aplica regras exis­ tentes e que escapam ao seu poder. Lembremos que, em Co­ menio, o professor, visto como o sol, era uma espécie de en­

123

A I nvenção oa S ala de A ula

carnação da autoridade divina que atuava aplicando as regras no ensino. A autoridade do professor lancasteriano era uma autoridade técnica, de aplicação, uma autoridade que talvez não fosse vista como algo derivado do sagrado, mas sim como algo mais profano e empírico. Neste sentido, assemelha-se muito à autoridade do inspetor da fábrica, que também se encarrega de levar os homens a “cooperar” com a máquina industrial e tenta que isto ocorra de acordo com regras que não são definidas por ele. Se há algo que caracteriza uma “máquina de ensino" é a massividade. Por isso, produziu-se nela uma série de téc­ nicas e saberes para garantir o controle e a docilidade da po­ pulação escolar massificada, que se consolidaram como parte das relações sociais dentro da escola. Um destes saberes é o registro minucioso e detalhado da vida escolar (Narodowski, 1994, p. 142 ess.). Estes registros, que relatavam o progresso de cada aluno em cada matéria e sua freqüência, eram guar­ dados ano após ano. O controle da freqüência não se realiza­ va chamando os alunos por seus nomes, como é feito hoje, mas prolongava-se durante o dia e era realizado classe por classe. Quando um grupo estava em aula, os alunos que o compunham eram chamados (10 ou 12, lembremos); os nú­ meros que não estavam presentes eram então marcados no registro. Se um aluno estava ausente durante vários dias, al­ gum funcionário da escola ia até sua casa para saber se algu­ ma coisa estava acontecendo. Outra reestruturação da experiência áulica que teria muitos efeitos sobre a escolaridade, assim como a co­ nhecemos hoje, é a reorganização do tem po e do espaço esco­ lares. Na escola lancasteriana, a jo rn ad a escolar, como

8

124

A Sala de A ula C resce : a D isciplina nos T empos da R evolução I ndustrial

veremos mais adiante, também estava m inuciosam ente re­ gulamentada. Lancaster premiava a pontualidade e sancio­ nava ou mandava para suas casas os alunos que chegavam tarde; também pautou a agenda escolar diária chegando a extremos desconhecidos até então. Dizia: “Ninguém pode ignorar a grande quantidade de tempo que se perde na es­ cola, durante o qual os alunos não estão fazendo suas tare­ fas, e talvez nem mesmo tentando aprendê-las. As melhores escolas que vimos, em outros países ou neste, dedicam uma parte do tempo muito pequena aos misteres de pagam ento” ou burocráticos (citado em: Taylor, 1996, p. 105). Esta nova preocupação com o. tempo deve ser entendida no contexto da transformação social mais geral do capitalismo. Enquan­ to os agricultores ou os artesãos podiam organizar com rela­ tiva liberdade seu tempo de trabalho — por exemplo, traba­ lhando mais no verão para a colheita, ou descansando aos domingos e às segundas-feiras, quando não eram solicita­ dos — , os donos das fábricas não toleravam estes vaivéns, e exigiam freqüência pontual e regular. O ócio passou então a ser considerado de maneira depreciativa, e foi perseguido pelas leis que castigavam a preguiça e o Hc^rrtprego. No terreno educativo, pode-se observar que, enquanto na esco­ la jesuíta e lasalleana o im portante era não perder um tem ­ po divino, e estar ocioso era considerado pecado, na civili­ zação contem porânea, na escola lancasteriana, o ócio na sala de aula era visto como uma perda mais em nível econôm i­ co. “Quanto à disciplina, busca uma economia positiva; pro­ põe sempre o princípio de uma utilização do tempo teorica­ mente crescente; esgotamento mais do que ocupação; trata-se de extrair do tempo cada vez mais instantes disponíveis e, de cada instante, cada vez mais forças úteis” (Foucault, 1995,

125

A I nvenção da S ala de A ula

p. 158). Este princípio de utilização do tempo tinha um com­ ponente de maximização: aproveitar o tempo, não porque perdê-lo fosse pecado, mas sim porque era antieconôm ico29.

I I

Quanto à organização espacial, deve-se destacar que a sala de aula lancasteriana era, em geral, um grande salão, muito cheio de alunos, com uma disposição espacial também estritamente regulada (ver figura 10). O professor devia estar na frente, sobre um tablado, para controlar os movimentos e as lousas dos alunos e o trabalho dos monitores; os alunos eram dispostos em fileiras de nove, sendo que no final estava um monitor. Ocasionalmente, os alunos paravam junto ao monitor e, em semicírculo, recitavam a lição ou as contas. Esta organização serial (em séries de monitores e alunos, em vários grupos distintos) do espaço escolar, disse Foucault, foi “(...) uma das grandes transformações técnicas do ensino fun­ damental. Permitiu ultrapassar o sistema tradicional (um aluno que trabalha alguns minutos com o professor, enquanto o grupo confuso dos que esperam permanece ocioso e sem vi­ gilância). Ao determinar lugares individuais, possibilitou o controle de cada um e o trabalho simultâneo de todos. Orga­ nizou uma nova economia do tempo de aprendizagem. Fez o espaço escolar funcionar como uma máquina de aprender, mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar” (Fou­ cault, 1995, p. 151). A escola da figura 10 pode nos dar uma idéia apro­ ximada de como as medidas eram ajustadas e de como os 29. Pode-se comparar esta preocupação pelo eficiêncio do tempo escolar com o comentário de Domingo F. Sarmiento em suo viagem oos Fstados Unidos: “nesta época de movimento universal, o povo que tiver embarcações mais velozes, de construção mais barato e, portonto, com fretes menos elevados, será o rei do universo" (Sarmiento, 1845-184:1993. p. 335).

126

A 5ala de A ula C resce

a

D isciplina nos T empos da R evolução I ndustrial

Fig. 10. Uma escola lancasteriana em funcionamento. A ilustração m ostra 365 alunos sentados, com os monitores encostados, conform e um Manual da British and Foreign School Society de 1831 (Foto de W .Johnson.‘“ Chanting C h o ris te rs ’: sim ultaneous recitation in Baltim ore's N ineteenth C e n tu ry Prim ary Schools", History o f Education Quarterly, vol. 34, N Q 1, 1994).

professores e os alunos se sentiriam nessa sala de aula. A sala media aproximadamente 7 metros de largura por 12 de com ­ primento. As carteiras, comuns para todas as fileiras, mediam por volta de 2,5 metros e estavam localizadas a um metro de distância uma da outra. Assim sendo, cada aluno tinha apro­ ximadamente 30 cm de carteira à sua disposição. A situação piorava com os assentos: eram banquinhos com uma base superior de 20 x 15 cm (Johnson, 1994, p. 6). Compare este assento e esta parte da carteira com o tamanho do livro que tem em suas mãos, e verá que era pequeno. A situação material das escolas lancasterianas nas excolônias hispano-americanas não era muito melhor. Por um lado, havia maior pobreza de recursos e não se contava com as carteiras fabricadas em massa ou com escolas construídas

127

A I nvenção da S ala de A ula

especialmente para este fim, como no caso dos Estados Uni­ dos, como mostra a figura 10. Um relato sobre uma escola lancasteriana em Bogotá, em 1820, revela as dificuldades que eram enfrentadas: O local constava de duas partes: um corredor de pedra e susten­ tado por uma enorme coluna de pedra, e uma sala estreita, com fumaça, escura e tão úm ida que a parede estava coberta até a altura de um m etro por um limo verde que causava um cheiro muito desagradável. Uma antiga mesa de cedro, uma cadeira de braços, em cujo espaldar havia um touro e um loureiro em rele­ vo; quatro bancos duríssim os e um banco de tijolo eram os ú n i­ cos móveis que decoravam aquele lúgubre cômodo. Sobre a cadeira do professor havia um adereço composto por um enorme chapéu de palha decorado com penas de peru (vulgar­ mente cham ado “tonto”), uma corda trançada de seis fios, duas palmatórias e um cartaz escrito em grandes letras vermelhas, que dizia: “A letra marca-se com sangue, e o trabalho, com dor”. R. Carrasquilla. “Lo que va de ayer a hoy", citado em: Weinberg, 1984, p. 101. Como sabemos, os homens não são máquinas e as crianças, menos ainda. Por isso, uma “máquina de ensino”, cuja “matéria-prima” eram pessoas, não podia funcionar inteiramen­ te como uma máquina. Como mostra a descrição anterior, e muitas outras, o método não funcionava na prática como foi proposto por seus criadores. Por um lado, olhando um plane­ jamento do tempo escolar de uma escola lancasteriana norteamericana, pode-se observar que o regime de monitoramento coexistia com outras formas de instrução simultâneas a cargo do professor e com outros rituais não “mutualizados”.

128

A Saia de A ula C íxesce a Disciplina nos Tempos da R evolução I ndustrial

Agenda do dia do professor MJilton (1836) 9:00 — 9:10 Sentar-se. Fazer comas ou figuras nas lousas. 9:10 — 9:30 Aula. Primeira lição: gramática, geografia. 9:30 — 9:45 Exercícios simultâneos: corrigir erros de sintaxe. 9:45 — 10:00 Exercícios simultâneos de escrita. 10:00— 10:30 A escola deve estar em silêncio. O sinal toca 4 vezes; levar os alunos até os monitores que estão nos cor­ redores. Os temas, de acordo com a aula: gramática, geografia, escrita e leitura. 10:30 — 10:45 Toca o sinal; os monitores recolhem os livros. Escrever palavras dadas pelo monitor. 10:45 — 1 l:15Gram ática ou geografia simultâneas. 11:15 — 12:00 Escrita, primeiras 5 lições erri papel, as seguintes na lousa. 12:00 Saída. 2:00 — 2:10 Reunião igual à da manhã. 2:10 — 2:30 Aula, primeira lição: aritmética. 2:30 — 3:15 Com os monitores nos corredores: aritmética, exceto a primeira classe, que estuda geografia com mapas que estão pendurados na parede mais alta da sala. O professor examina por 15 minutos a primeira classe. 3:15 Voltam aos seus bancos. 3:15 — 4:00 Quadros simultâneos, com explicação incluída. 4:00 —-5:00 Contas. 5:00 Saída. Copiado de Johnson, 1994, p. 10-11.

Em segundo lugar, logo surgiram manifestações críticas sobre a habilidade e a capacitação dos monitores para ensinar os alunos (Kaestle, 1973; Johnson, 1994). Muitas vezes, os monitores só sabiam ler (mesmo tendo sido dadas instruções posteriores de Lancaster para tentar evitar isto e propor, em troca, maiores requisi­ tos para sua seleção); e muitos temiam também que, ao tomar o ensino independente de sua própria atuação, a capacidade de con­ trole e de instrução do professor sobre o conjunto de seus alunos

129

A I nvenção da Sala de A ula

fosse reduzida. As crianças aprendiam os conteúdos por meio de um

companheiro, o qual, embora estivesse mais adiantado na hierarquia, era, de qualquer maneira, um de seus pares. Corria-se então o risco de que o monitor, o ajudante, fosse mais importante do que a figura centra­ lizada do professor. Muitos julgavam que este método não garantia o sentido moralizador do ensino, a produção nos alunos da boa ou má consciência como regulador interno: o professor estava muito dis­ tante dos alunos e sua autoridade era mediada por outro aluno. Para os críticos da época, não bastava alcançar a docilidade dos corpos; era preciso também educar a alma. Além disso, o método estava cen­ trado no ensino da leitura-escrita e de cálculo, e negligenciava as aprendizagens religiosas, que até então tinham sido centrais. “Lan­ caster aceitava em suas escolas crianças de todas as seitas, não ensi­ nando nenhum dogma, limitando-se à leitura de passagens extraí­ das da Bíblia, sem comentários, convencido de que o ensino religioso propriamente dito deveria ficar sob a responsabilidade dos pais” (Jesualdo, 1954, p. 31). Pode-se ver como exemplo a organização da jornada escolar proposta pelo professor M’Jilton citado anterior­ mente: lá se verifica que não há rituais religiosos nem lugar para orações, como nas escolas jesuítas ou em outras da mesma época. Por outro lado, o método lancasteriano teve efeitos não desejados, como a formação de lideres operários sindicais e po­ líticos na França e na Inglaterra (Querrien, 1979). Isto foi facili­ tado, em primeiro lugar, pela presença de crianças e jovens de diversas idades que transmitiam entre si experiências e conheci­ mentos que podiam exceder o limitado curriculum proposto por Lancaster e Bell, e incluir saberes sindicais e sociais. Em segun­ do lugar, muitos tinham aprendido a desenvolver um trabalho mais autônomo, sem nenhum representante unificador imedia­ to, como o professor; e a leitura e a escrita permitiam que en­ trassem em contato com as sociedades semipolíticas que se or-

130

A Sala de A ula C ilesce a Disciplina nos T empos da R evolução Inoustímal

ganizavam àquela época em favor do sufrágio universal, da re­ gulamentação da jornada de trabalho e da educação obrigatória. Por sua vez, os alunos das escolas do método global pa­ reciam mostrar resultados menos evidentes , porém mais “segu­ ros”: a proximidade relativamente constante do professor — rela­ tivamente, porque nas salas “globais” era comum encontrar 100 alunos — , o fato de que uma e só uma figura estivesse encarrega­ da de organizar, sancionar, avaliar e dispor, não despertava a des­ confiança dos Estados, que também estavam centralizando mui­ tas funções: a educação, a saúde, a punição do ócio, o exército. Por esse motivo, dizia-se que aos estados capitalistas nascentes não interessava tanto qual método era barato e rápido, mas sim qual método constante, centralizado e paciente, como a gota que pinga na pedra, poderia garantir a “ordem” nas jovens gerações no contexto de uma sociedade que se transformava aceleradamente. Devido a estas críticas, e a esta crescente desconfiança do Estado com relação aos resultados do método, a escola lancas­ teriana foi perdendo terreno. Na metade do século 19, o método de monitoramento havia sido abandonado na maioria dos territó­ rios franceses e ingleses. Mesmo assim, continuava vigente na Amé­ rica Latina, em função das guerras civis e da escassez de docentes. No entanto, no último terço do século 19, quando os estados nacionais se organizaram, foi combatido decididamente (Pineau, 1997). Os estados nacionais decidiram progressivamente pela prim a­

zia do pastorado modernizado que surgia juntam ente com a disciplina independente chamada pedagogia, baseada em sistemas de ensino si­ multâneos, como os que veremos a seguir. Como vimos, a sala de aula global quer que os alunos obedeçam de forma reflexiva, e não às cegas, que todos acreditem que a ordem na qual participam — seja na sala de aula, seja na

131
*-. d e r S ía lin - À r a , Harrassowitz, W iesbaden, 1978. ARIÈS, Philippe. G e s c h ic h te d e r K in d h e it, DTV, M unique (Tradução: Historia de la Infancia, Taurus, Barcelona, 1996). AUTORES VÁRIOS. E d u c a c ió n y S o c ie d a d , CEAL, Buenos Aires, 1980. BARNARD, Henry (1848), citado em: Jean e Robert McCLINTOCK (com ps. e eds.). S c h o o l A r g h ite c tu r e , Teachers’ College Press, Nova Iorque e Lon­ dres, 1970. BARRAL, P. “Ferry et Gambetta face au positivisme”. Em: R o m a n tis m e . Revue d e la S o c ié té d e s É tu d e s R o m a n tiq u e s , Ne 21-22, Paris, 1978. BASTb\N Jean-Pierre. P ro te sta n te s, lib e r a is y jr a n c o m a s o n e s . S o c ie d a d e s d e id e a s y m o d e r n i d a d e m A m é r i c a l a t i n a , Siglo XXI —- T v -T . d - C u ltu ra Econômica, México, D.E, 1990. BENAVOT, Aaron e outros. “El conocim iento para las masas. M odelos M undialesy c u r r ic u la nacionales". Em: R e v ista d e E d u c a c ió n , Nü 2 9 5,1991, p p.317-344. BENJAM1N, W P o e s ia y c a p ita lis m o . Ilu m in a c io n e s //.Taurus, Barcelona, 1988. BENNER, Dietrich. “éQué es la pedagogia escolar?” Em: R e v is ta d e E s tú d io s d e i C u r r ic u lu m , 1:3, 25-59, 1998.

241 “ 1

A

I nvenção

da

Sala

de

A

ula

BERD1ALES, Germán. L a s fie s ta s d e m i e s c u e lita . P a r a la e s c e n a y p a r a el a u la , 3a ed., Cabaut e Cia. — Libreria dei Colégio, Buenos Aires, 1931. BERNSTEIN, Basil. T h e s tr u c tu r in g o f p e d a g o g ic d is c o u r s e . C la ss, c o d e s a n d c o n tr o l, vol. IV, Routledege, Londres, 1990. B íb lia d e J e r u s a lé m ,

Editorial Porrúa, México, 1997.

BLANKERTZ, Herwig. D ie g e s c h ic h te d e r p ã d a g o g ik . V on d e r A u fh lã r u n g b i r z u r G e n e n w a r t, Büchse der Pandora, Wetzlar, 1992. BOURDIEU, Pierre. R é p o n s e s, Ed. du Seuil, Paris, 1992. BOWEN, James. H is to r ia d e la e d u c a c ió n O c c id e n ta l. E u r o p a y el N u e v o M u n d o , S. X V U - X X , Herder, Barcelona, 1985. BROWN, Peter. D ie E n ts te h u n g d e s c h r is tlic h e n E u r o p a , Beck, Munique, 1996. BRUMANA, Herminia. O b r a s c o m p le ta s , Ed. Amigos de H. Brumana, Buenos Aires, 1958. BUENFIL BURGOS, Rosa. R e v o lu c ió n m e x ic a n a , m ís tic a y e d u c a c ió n . México, D.F. (m im eo), 1992. BUISSON, Ferdinand (dir). D ic tio n n a ir e d e P é d a g o g ie et d T n s tr u c tio n P r im a ir e , Librairie Hachette, Paris, 1882. CACCLAR1, Massimo. A r c h ite c tu r e a n d N ih ilis m : O n th e p h ilo s o p h y o f M o d e m A r c h ite c tu r e , Yale University Press, New Haven e Londres, 1993. CALVO, Félix Maria. “Princípios generadores com o base de la instrucción y educación”. Em: B o le tín d e E n s e n a n z a y A d m in is tr a c ió n E sc o la r, t. V, Na 3, março de 1900. CALZETTI, HUGO. E le m e n to s d e P e d a g o g ia . Segundo volume. D id á c tic a g e ­ n e r a l y e sp e c ia l d ei le n g u a je y la m a te m á tic a , Angel Estrada y Cia., Buenos Aires, 1940. CARBONELL SEBARROJA.Jaume. “Introducción”. Em: HOERNLE, Edwin, e outros. L a in te r n a c io n a l c o m u n is ta y la e s c u e la , Icaria, Barcelona, 1978, pp. 5-15. CARUSO, Marcelo. “Die Bildungspolitik ais politische Bildung (1945-1949): Eine Bilanz der Literatur über verpasste Chancen und Restauration im Nachkriegs-deutschland". Em: P á d a g o g isc h e R u n d s c h a u , 52,549-578,1998.

242

DlO LIO GRAflA

CARUSO, Marcelo e DUSSEL, Inés. De S a r m ie n to a los S im p s o n s . C o n c e p to s p a r a p e n s a r la e d u c a c ió n c o m te m p o r á n e a , Kapelusz, Buenos Aires, 1996. CASTORIADIS, Cornelius. “Psychoanalysis and politics”. Em SHAMDASANI, S., e M Ü N C H N O W , M. (c o m p s .). S p e c u la iio n s a fte r F re u d . Psychoanalysis, philosophy and culture, Routledge, Londres e Nova Iorque, 1993, pp. 1-12. CATARSl, E. S to r ia d ei p r o g r a m m i d e lia sc a o la e le m e n ta r e ( 1 8 6 0 - 1 9 8 5 ) , La Nuova Italia, Florença, 1990. CERCÓS, Sérgio. “El desierto no educa: la educación en la província de Buenos Aires en la prim era mitad dei siglo XIX”, 1997. COMENIO, Jan Amos (1632). D id á c tic a M a g n a , F Schõningh, Paderborn, 1913. (Tradução: D id á c tic a M a g n a , Akal, Madri, 1986). COMTE, Auguste (1844). D is c u r s o so b re el e s p ír itu positivo, O rbis, Buenos Aires, 1980. COVARRUBIAS OROZCO, Sebastián (1611). Tesoro de la lengua castellana o espanola, Turner, Madrid, edição fac-símile, 1977. CUCUZZA, Rubén. “Ruptura hegemônica, ruptura pedagógica: catecismos o contrato social durante el predom inio jacobino en la Primera Junta de Buenos Aires". Relatório apresentado às Jornadas Nacionais de História da Educação, 1997. CUTLERIII, W illiam. “Cathedral of Culture: The Schoolhouse in American Educational T hought and Practice since 1820". Em: H is to r y o f E d u c a tio n Q u a te r ly , v o l. 29, Nü 1 ,1-40, 1989. CHARBONNEL, Nanine. Les a v e n tu r e s d e la m é ta p h o r e , Presses Universitaires dé Strasbourg, Bar le Duc,1991. CHERVEL, André. “O bservations sur 1’histoire de Penseignem ent de la com position française.” Em: H is to ir e d e 1’é d u c a tio n , NQ33, 21-34, janeiro de 1987. CHERVEL, André. T école, lieu de production d ’une culture". Em: A n a ly s e r e t g é r e r les situations d ’e n s e ig n e m e n t- a p p r e n tis s a g e , Actes du sixièm e colloque, m arço de 1991, Institut National de Recherche Pédagogique, Paris, 1991.

243

A

Invençào

da

Sala

de

A

ula

DAVIN, Anna. Growing Up Poor. Home, School and Street in London. 187019M, Rivers Oram Press, Londres, 1996. DHBESSE, Maurice e M1ALARET, Gaston. Historia de la Pedagogia, 2 tomos Oikos-Tau, Barcelona, 1973. DEWEY, John. Democracy and education, The Free Press, Nova Iorque, 1966 (Tradução para o castelhano: Democracia y educación, várias edições Losada, Buenos Aires). DEYVEY, John. El ninoy el programa escolar. Mi credo pedagógico. Losada, Buenos Aires, 1967. DÍAS BARRIGA, Ángel. Didáctica y curriculum , Nuevomar, México, D.E, 1986. DÍAS BARRIGA, Ángel. “El prestigio de las palabras: el discurso pedagógi­ co.” Em: AA.VV El discurso pedagógico. Análisis, debate y perspectivas, Ed. Dilema, México, D.E, 1988. DIESTERW EG, E riedrich A dolph W ilhelm (1 8 5 5). “Das P rinzip der m od ern en (neuen) Schule". Em: DIESTERW EG, A. Volksbildung ais allgemeinc Menschenbildung, t .l , Volk u n d W issen, B erlin, 1989, pp. 365-373. D1ETRICH, Theo. Unterrichtsbeispiele von Herbart bis zur Gegenwart, Klinkhardt, Bad H eilbrunn, 1969. DONALD, James. Sentimental education. Schooling, popular culture and the regulation of liberty, Verso, Londres, 1992. DONALD, James. “Faros dei futuro: ensenanza, sujeción y subjetivación”. Em: LARROSA, Jorge (com p.) Escuela, poder y subjetivación, La Piqueta, Madri, 1995, pp. 19-76. DOR, Joel. Introducción a la lectura de Lacan, Gedisa, Buenos Aires, 1987. DREHSEN, Volker, et al. Wôrterbuch des Christentums, Orbis, M unique, 1995. DURKHEIM, Émile (1902-1903). Moral Education. A study of the theory and application of the sociology of education, Free Press, Nova Iorque e Lon­ dres, 1961.

244

Dioiiogíxafia

DURKHEIM, Émile (1911). Educacióny sociologia, Península, Barcelona, 1985. DURKHEIM, Émile (1939). Historia de la educacióny de Ias doctnnas pedagó­ gicas, La Piqueta, M adri, 1992. DUSSEL, Inés, Curriculum , humanismo y democracia en la ensenanza media (1863-1920), Oficina de Publicaciones dei CBC-UBA/ FLACSO, Buenos Aires, 1997. ELIAS, N orbert. El proceso de civilización. Investigaciones sociogenéticas y psicogenéticas, Fondo de Cultura Econômica, México, D.E 1987. ERASMO DE ROTTERDAM (1530). De la urbanidad en la manera de los ninos, Ministério de Educação e Ciências, Madri, 1985. EWALD, François. LÉtat providence, Grasset, Paris, 1986. EWALD, François. “N orm s, discipline, and the law”. Em: Representations, Na 3 0 ,1 3 8 -1 6 1 , 1990. EERREYRA, Andrés. El Nenê. Libro Primero, Ángel Estrada y Cia, Buenos Aires, 1894. FONTANARROSA, R oberto. “M aestras argentinas. Clara D ezcurra”. Em: La mesa de los galanes y otros cuentos, Ediciones de la Flor, Buenos Aires, 1995. FOUCAULT, Michel. “Nietzsche, la genealogia y la historia”. Em: M icrofísica dei poder, La Piqueta, M adri, 1980. FOUCAULT, Michel. “El juego de Michel Foucault”. Em: El discurso dei poder, Fólios Ed., Buenos Aires, 1983. FOUCAULT, Michel. La arqueologia dei saber, Siglo XXI, México, D.E, 1987. FOUCAULT, Michel. “G overnm entality”. Em: BURCHELL, G., GORDON, C., e MILLER, P. (com ps). The Foucault effect. Studies on governmentality, The University of Chicago Press, Chicago, 1991, pp. 87-104. FOUCAULT, Michel. “Omnes et singulatim: hacia una crítica de la razón polí­ tica". Em: La vida de los hombres infames, Caronte, M ontevidéu, 1992a, pp. 265-306.

245

A

I nvenção

oa

Sala

de

A

ula

FOUCAULT, Michel (1977-1984). D e r W ille z u m Wissen, S e x u a lità t u n d W a h r h e it l, Suhrkam p, Frankfurt (Tradução espanhola: H is to r ia d e la s e x u a lid a d , t . 1, Siglo XXI, México, 1992b). FOUCAULT, Michel. “About the beginning of the herm eneutics of the self’. Em: P o litic a l T h e o r y , vol. 21, Na 2, 1993a, pp. 198-227. FOUCAULT, Michel. G e n e a lo g ia d ei r a c is m o , Caronte, Montevidéu, 1993b. FOUCAULT, Michel. Vigi!ar_y c a stig a r. E l n a c im ie n to d e la p r is ió n , Siglo XXI, México, 1995. FREUD, Sigm und (1 9 3 7). “A nálisis term in ab le y interm inable". Em: FREUD, S., O b r a s c o m p le ta s , t. XX111, A m orrortu, Buenos Aires, 1986, pp. 219-254. FRíGERIO, Graciela. “N otas para reflexionar sobre la gestión en el âmbito laborai educativo”. Em: El s is te m a e d u c a tiv o c o m o â m b ito la b o ra i, Colección CEA-CBC, 1995. GHIOLDI, Américo. C r ític a a los n u e v o s p r o g r a m a s d e la e s c u e la p r im a r ia , Ed. La Vanguardia, Buenos Aires, 1936. GIESECKE, Hermann. D a s E n d e d e r E r z ie h u n g . N e u e C h a n c e n jü r F a m ilie a n d S c h u le , Cotta-Klett, Stuttgart, 1988. G1MENO SACR1STÁN, José. L a p e d a g o g ia p o r o b je tiv o s . O b s e s ió n p o r la e fic iê n c ia , Morata, Barcelona, 1982. G1ROUX, Henry. “Doing‘cu ltural studies in Colleges of Education”. Em: CANAAN, J., e EPSTEIN, D. (com ps.) A q u e s tio n o f d isc ip lin e : P e d a g o g y , p o w e r , a n d th e te a c h in g o f c u ltu r a l s tu d ie s , W estview Press, BoulderColorado, 1997, pp. 27-41. GOSDEN, P. H. J. H. H o w T h e y W e re T a u g h t. A n A n th o lo g y o f C o n te m p o r a r y A c c o u n ts o f L e a r n in g a n d T e a c h in g in England. 1 8 0 0 - 1 9 5 0 , Basil Blackwell, Oxford, 1969. GREENE, J. C. “Biology and Social Theory in the XIXth. Century: Auguste Comte and Herbert Spencer”. Em: CLAGETT, M. C ritic a i p r o b le m s in th e h is to r y o f S cien ce, The University of W isconsin Press, Madison, 1962.

246

D io l i o g r a fi a

GV1RTZ, Silvina. Del curriculum prescripto al curriculum ensenado. Una mi­ rada a los cuadernos de ciase, Àique, Buenos Aires, 1997. HACKING, lan. The tamingof chance, Cambridge University Press, Cambridge e Nova Iorque, 1990. HAMILTON, David. Towards a theory of schooling, The Falm er Press, Londres - Nova Iorque - Filadélfia, 1989. HASSOUN, Jacques. Los contrabandistas de la memória, Ediciones de la Flor, Buenos Aires, 1996. HELMER, Karl. “Zur Elementarschule im 17. Jahrhundert. H intergründe, Entwürfe, Realisierungen”. Em: Pàdagogische Rundschau, vol 44, 1990, pp. 675-688. HERBART, Johann Friedrich (1935). Bosquejo para un curso de pedagogia. (Tradução do alemão realizada por Lorenzo Luzuriaga, Espasa-Calpe, Madri, 1935). HERBART, Jo h ann F riedrich (1835). Hmriss pàdagogischer Vorlesungen, Schòningh, Paderborn, 1964. HERBART, Jo h a n n F rie d ric h (1 8 1 0 ). “E rzieh u n g u n te r õ ffe n tlich e r M itw irkung”. Em: BRÜCKMANN, A. (com p.). Kleine pàdagogische Schriften, Schòningh, Paderborn, 1968. HOBSBAWM, Eric. Industriay império, Ariel, Barcelona, 1977. HOBSBAWM, Eric. Das imperiale Zeitalter, 1875-19M, Fischer, Frankfurt, 1996a. (Tradução: La era dei império, 1875-1914). HOBSBAWM, Eric. Das Zeitalter der Extreme. Weltgeschichte des 20. Jahrhunderts, Beck, M ünchen, 1996b. (Tradução: La era de los extrem os, História dei siglo XX). HROCH, Miroslav. “The w orld as a labyrinth". Em: AA.VY Homage to J. A. Comenius, Karolinum - Univerzita Karlova, Praga, 1992, pp. 25-31. HUNTER, lan. “Assem bling the school”. Em: BARRY, A., OSBORNE, Th., e ROSE, N. (com ps.) Foucault and political reason, Liberalism , neoliberalism and rationalities of govem m ent, University of Chicago Press, Chicago, 1996, pp. 143-166.

247

A

I nvenção

da

Sala

de

A

ula

HUNTÉR, lan. Repensar la escuela. Subjetividad, burocracia y crítica, Ed. Po­ mares, Barcelona, 1998. 1NNES, Paul. “M etaphor and m etonym y”. Em: PAYNE, Th. (com p.). A dictionaiy of cultural and criticai theory, Blackwell, Massachusetts, 1997, p. 344. 1PARAGU1RRE, Sylvia. La Tierra dei Fuego, Alfaguara, Buenos Aires, 1998. JAKOBSON, Roman. “Lingüística y poética". Em: Ensayos de lingüística gene­ ral, Cátedra, Madri, 1983, pp. 27 a 75. JO H N SO N , W illiam. “C hanting C horisters’: Sim ultaneous Recitation in Baltimores Nineteenth Century Primary Schools”. Em: History of Education Quaterly, 3 4 :1 ,1 -2 3 ,1 9 9 4 . KAESTLE, Carl. Joseph Lancaster and the Monitorial School Movement. A Documentary History, Teachers’ College Press, Nova Iorque e Londres, 1973. KANT, Im m an u el (1 7 7 6 -1 7 7 7 ). “V orlesu ng ü b e r P âdagogik". Em: GROOTHOFF, Pl.-H. (com p.). Immanuel Kant. Ausgewãhlte Schriften zur Pâdagogik und ihrer Begnindung, Schòningh, Paderborn, 1963, pp. 7-59. (Tradução para o castelhano: Pedagogia, Akal, Madri, 1983). KARANT-NUNN, Susan. “The reality of early Lutheran education. The electoral district of Saxony. A case study”. Em: Lutherjahrbuch, Ano 57, Vandenhoeck & Ruprecht, G õttingen, 1990, pp. 114-127. KEMP, Tom. La revolución industrial en Europa dei siglo XIX, Confrontación, Barcelona, 1974. K1TTSTE1NER, Heinz. Die Entstehung des modernen Gewissens, Suhrkam p, Frankfurt, 1991. KLIEBARD, Herbert. “M etaphoncal roots of curriculum design”. Em: Teachers’ College Record, 72 (3), 1972. KLIEBARD, Herbert. The struggle for the American curriculum . 1893-1958, Routledge and Kegan Paul, Nova Iorque, 1986. K NO LL, M ichael. “E u ro p a , n ic h t A m erik a. Z um U rsp ru n g d e r Projektm ethode in der P âdagogik, 1702-1875". Em: Pàdagogische Rundschau, 45, 41-58, 1994.

248

DlOLIOGfXAFIA

KOLAKOWSKI, Lester. L a filo s o fia p o s itiv is ta , Cátedra, M adri, 1988. LACLAU, Ernesto. N e w re fle c tio n s o n th e re v o lu tio n s o f o u r tim e , Verso, Lon­ dres, 1990. LAKOFF, G. e JO H N SO N , M. M e tá fo r a s d e la v id a c o tid ia n a , C átedra, Ma­ dri, 1988. LARROSA, Jorge (com p.) (1995). E sc u e la , p o d e r y s u b je tiv a c ió n , La Piqueta, Madri, 1996. LE GOFF, Jacques. Los in te le c tu a le s e n la E d a d M e d ia , Gedisa, Barcelona, 1984. LEMKE, Thomas. E in e Krítik d e r p o litis c h e n V e r n u n ft. F o u c a u lts A n a ly s e d e r m o d e r n e n G o u v e r n e m e n ta lità t, Argument, Ham burgo, 1997. LERENA, Carlos. “Rousseau y la infancia: algunas claves dei sistema escolar contem porâneo”. Em: LERENA, Carlos. Ma te r ia le s d e so c io lo g ia d e la e d u c a c ió n y la c u ltu r a , Zero Ed., Madri, 1985. LINK, Jügen. V e rsu c h u b e r d e n N o r m a lis m u s . W ie N o r m a litã t p r o d u z ie r t w ird , W estdeutscher Verlag, O pladen, 1997. LUTERO, M artinho. P à d a g o g is c h e S c h r ifte n , Schòningh, Paderborn, 1969, pp. 62-81. LUZURIAGA, Lorenzo (com p.). P e s ta lo z z i. V id a y o b r a s , Ed. CEPE, Ma­ dri, 1992. MACHEREY, Pierre. “Sobre una historia natural de las norm as”. Em: BALIBAR, Etienne, e outros. M ic h e l F o u c a u lt, filó s o fo , Gedisa, Barcelona, 1990. MANACORDA, Mario A. H is to r ia d e la e d u c a c ió n , t. II, Siglo XXI, México, 1987. MANGANIELLO, Ethel, H is to r ia d e la e d u c a c ió n a r g e n tin a . P e r io d iz a c ió n g e n e r a c io n a l, Ed. Librería dei Colégio, Buenos Aires, 1980. MARX, Karl. D a s C a p ita l, t. I, Dietz Verlag, Berlim, 1974 (Tradução para o castelhano: El C a p ita l, Siglo XXI, México). McCLINTOCK, Jean e ROBERT (eds.). H e n r y B a r n a r d ’s S c h o o l A r c h ite c tu r e ( 1 8 4 8 ) , Teachers’ College Press, Nova Iorque e Londres, edição facsím ile, 1970.

249

A

I nvenção

da

Sala

de

A

ula

MAYEUR, E “Le positivisme et lecole républicaine". Em: R o m a n tis m e . R e v u e d e la S o c ié té d e s É tu d e s R o m a n tiq u e s , Nü 21-22, Paris, 1978. MENET.John. P r a c tic a l H in ts o n T e a c h in g , Bell and Daldy, Londres, 1870. MERCANTE, Vítor. L a p a id o lo g ía , Raymundo Gleizer, Buenos Aires, 1927. MILLER, R e 0 ’Leary, C. “Hierarchies and American ideais, 1900-1940”. Em: A c a d e m y q f M a n a g e m e n t Review, 14:2, 1989. MONARCHA, Carlos. A r e in v e n ç ã o d a c id a d e e d a m u ltid ã o . D im e n s õ e s d a m o d e r n id a d e b ra sile ira : a e sc o la n o v a , Ed. Cortez, São Paulo, 1989. NARODOWSKI, Mariano. I n ja n c ia y p o d e r. L a c o n jo r m a c ió n d e la p e d a g o g ia m o d e r n a , Aique, Buenos Aires, 1995. NARODOWSKI, Mariano. “El lado oscuro de la Luna. El tem prano siglo XIX y la historiografia de la educación argentina”. Em: CUCUZZA, R. (com p). H is to r ia d e la e d u c a c ió n e n d e b a te , Mino y Dávila, Buenos Aires, 1996, pp. 269-280. NEWLAND, Carlos. B u e n o s A ir e s n o es p a m p a : la e d u c a c ió n e le m e n ta l p o r te n a , _ 1 8 2 0 - 1 8 6 0 . GEL, Buenos Aires, 1992. NOIRIEL, Gerald. S o b r e la crisis d e la h is to r ia , U niversidad de Valencia, Valência, 1997 NORA, Pierre. “Le D ictionnaire de Pédagogie de F erdinand Buisson. Cathédrale de 1’école primaire". Em: NORA, Pierre. L es lie u x d e m é m o ir e , Gallimard, Paris, 1984. OELKERSJürgen. Re fo r m p ã d a g o g ik . E in e k r itis c h e D o g m e n g e s c h ic h te , Juventa, M unich & W einheim, 1996. ORTIZ, Alonso (1507). D iá lo g o s so b re la e d u c a c ió n d e i P rín c ip e D o n J u a n , h ijo d e los R e y e s C a tó lic o s, versão, notas e introdução de Giovanni Maria Bertini, Edições José Porrúas Toranzas, Madri, 1967. OZOUF, Jacques. N o u s les m a ítr e s d ’é c o le . A u to b io g r a p h ie s d ’in s titu te u r s d e la B elle É p o q u e , René Julliard, Paris, 1967. PERELSTEIN, Berta. P o s itiv is m o y a n tip o s itiv is m o e n la A r g e n tin a , E. Procyon, Buenos Aires, 1952.

250

Did

l io g iw ia

PERRET-CLERMONT, Anne-Nelly. L a c o n s tr u c c ió n d e la in te lig ê n c ia e n la in te r a c c ió n s o c ia l, Visor, Madri, 1984. PETRAT, Gerhard. Schulunterricht. Ih re S o z ia lg e s c h ic h te in D e u ts c h la n d 1 7 5 0 1 8 5 0 , Ehrenw irth, M unique, 1979. PETRAT, Gerhard. S c h u le r z ie h u n g . Ih re S o z ia lg e s c h ic h te in D e u ts c h la n d 1 8 0 0 1945, Ehrenwirih, M unique, 1987. PEY, Maria Oly. A e sc o la e o discurso p e d a g ó g ic o , Ed. Cortez, São Paulo, 1988. P1NEAU, Pablo. L a a p a iic ió n d e la e sc u e la m a s iv a y g lo b a l: m á s a llá d e v ie ja s e c u a c io n e s , m á s a c á d e n u e v a s c o n c e p tu a liz a c io n e s , UBA-FFyL (m im eo), 1993. PINEAU, Pablo. L a e s c o la r iz a c ió n d e la p r o v ín c ia d e B u e n o s A ir e s ( 1 8 7 5 - 1 9 3 0 ) . U n a versión p o s ib le , FLACSO/CBC-UBA, Buenos Aires, 1997. PRATT, Mary Louise. O jo s im p e r ía le s , Ed. de Quilm es, Buenos Aires, 1997. PR1ETO, A. El d is c u r s o c r ío llis ta en la jo r m a c ió n d e la A r g e n tin a m o d e r n a , Ed. Sudam ericana, Buenos Aires, 1988. PUIGGRÓS, Adriana. S u je to s , d is c ip lin a y curriculum e n los o r íg e n e s d e i siste­ ma e d u c a tiv o a r g e n tin o , Buenos Aires, Galerna, 1990. PUIGGRÓS, Adriana. Qué p a s ó e n la e d u c a c ió n a r g e n tin a . D e s d e la c o n q u is ta h a s ta el m e n e m is m o , Kapelusz, Buenos Aires, 1996. PUIGGRÓS, Adriana (ed). D i c ta d u r a s y utopias en la h is to r ia e d u c a tiv a a r g e n ­ tin a re c ie n te ( 1 9 5 5 - 1 9 8 3 ) , Galerna, Buenos Aires, 1997. QUERRIEN, Anne. T ra b a jo s e le m e n ta le s so b re la e sc u e la p r im a r ia , La Piqueta, Madri, 1979. Ratio S tu d io r u m e t in s titu tio n e s sc h o la stic a e so c ie ta tis J e s u p e r G e r m a n ia m o lim co lle c ta e c o n c in n a ta e d ilu c id a ta e (1599). PACHTLER, G. (comp.) M o n u m e n ta G e r m a n ia e P a e d a g o g ic a , t. V, A. Hofmann & Comp., Berlim, 1887. REAL ACADEMIA ESPANOLA (1737). Diccionario de autoridades, Gredos, Madri, edição fac-símile, 1963. RE1NHARD, Wolfgang. "Gegenreform ation”. Em: DREHSEN, Volker, et al. W ô r te r b u c h d e s C h r is te n tu m s , O rbis, M unique, 1995.

251

A

I nvenção

da

Sala

de

A

ula

REPÚBLICA ARGENTINA, CO N SEJO NACIONAL DE EDUCACIÓN. Trabajos Escolares. Exposição de Chicago, ano 1893, Com pania SudAmericana de Billetes de Banco, Buenos Aires, 1893. RICHARDSON, L. "W riting: A M ethod oí Inquiry”. Em: DENZIN, N. e LINCOLN, Y. Handbook of Qualitative Research, Sage Publications, Lon­ dres e Nova Iorque, 1994. RINGER, F. “On segm entation in m odern European educational systems: the case of French secondary education, 1865-1920". Em: MÜLLER, Dieter, RINGER, Fritz e SIMON, Brian (eds.). The ríse of the modern educational system. Structural change and social reproduction, 1870-1920, Cambridge University Press, Cam bridge, 1989. R1ZZISALVATORI, Mariolina (comp.). Pedagogy. Disturbinghistoiy, 1819-1929, University of Pittsburgh Press, Pittsburgh, 1996. ROCHEZ, Jean-Yves. Le sens de 1’expérience scolaire, PUF, Paris, 1995. ROIG, Arturo. El espirítualismo argentino entre 1850 y 1900, Cajica, Puebla, 1972. ROMERO.José Luis. Estúdio de la mentalidad burguesa, Alianza, Madri, 1987. ROSE, Nicolas. Governing the Soul, Routledge, Londres, 1990. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emilio o de la educación, Centro Editor de Améri­ ca Latina, Buenos Aires, 1982. RUMPE, Horst. Die Übergangene Sinnlichkeit. Drei Kapitel iiber die Schule, Juventa, M ünchen & W einheim , 1987 (O capítulo citado: “La pregunta docente y la producción de un sujeto trascendental” será publicado em castelhano em : Propuesta Educativa, Nc 20, 1999, no prelo). SABEAN, David W Power in the blood: popular culture and village discourse in early modem Germany, Cam bridge University Press, Cam bridge e Nova Iorque, 1984. SANDERSON, Michael. Education, economic change and society in England, 1780-1870, Cambridge University Press, Cam bridge, 1995. SARLO, Beatriz. Una modernidad periférica. Buenos Aires, 1920-1930. Nueva Vision, Buenos Aires, 1988.

~

252

B

io u o g r a fia

SARMIENTO, Domingo Faustino. V ia je s p o r E u ro p a , Á fr ic a y A m é r ic a , 1 8 4 5 1847, e D iá r io d e G a s to s , Fondo de Cultura Econôm ica de Argentina, Buenos Aires, 1993. SCHILLING, Heinz. R e lig io n , p o litic a l culture a n d th e e m e r g e n c e o f e a r ly m o d e r n s o c ie ty , E.J.Brill. Leiden — Nova Iorque — Colônia, 1992. SCHIRLBAUER, Alfred. ím S c h a tte n d e s p ã d a g o g is c h e n E ro s, Sonderzahl, Vie­ na, 1996. SCHM1DT, Heinrich. “Sozialdisziplinierung? Ein Pládoyer für das Ende des E tatism us in der K onfessionalisierungsforschung”. Em: H is to r is c h Z á t t s c h r i f t , 265:3, 639-682, 1997. SCHNEIDER5, YVerner. D a s Z e ita lte r d e r A u fh lã r u n g , Beck, M unique, 1997. SCHVVARZ, R e in h a rd . “L u th e r ais E rz ie h e r d es V olkes. Die Institutionalisierung der Verkündigung”. Em: Lu th e r ja h r b u c h , ano 57, V andenhoeck & Ruprecht, Gõttingen, 1990, pp. 114-127. SEABORNE, Malcolm. T h e E n g lish S c h o o l, its a rc h ite c tu re a n d o r g a n iz a tio n 1 3 7 0 1 8 7 0 , University of Toronto Press, Toronto e Búfalo, 1971. SENET, Rodolfo, A p u n te s d e P e d a g o g ia a d a p ta d o s a l p r o g r a m a d e ler. a fio n o r ­ m a l, Cabaut y Cia, Buenos Aires, 1918. SENNETT, Richard, A u th o r ity , Norton, Nova Iorque e Londres, 1980. SIMON, W. M. “The Two C ultures’ in XIXth. Century France: Victor Cousin and Auguste Com te”. Em: J o u r n a l o f th e E listo ry o f th e Id e a s , vol XXVI, Nc 1, janeiro-m arço de 1965, pp. 45-58. S1MPSON, Josephine. T o p ic a l S c h o o l-R o o m Q u e s tio n s , Teachers’ Publishing Company, Nova Iorque, 1891. SNYDERS, Georges. “La pedagogia de los siglos XVI y XVII”. Em: DEBESSE, Maurice e MIALARET, Gaston. H isto ria d e la P e d a g o g ia , 2 tomos, OikosTau, Barcelona, 1973. SOSA, Jesualdo. 17 e d u c a d o r e s d e A m é r ic a . L os c o n s tn ic to r e s , lo s r e fo r m a d o r e s , Ed. Pueblos Unidos, M ontevidéu, 1945. SOSA, Jesualdo. L a e s c u e la la n c a s te r ia n a , Editorial dei Museo Histórico N a­ cional, M ontevidéu, 1954.

253

A

I nvenção

da

Sa la

de

A

ula

SPENCER, Herbert (1861). Ensayos sobre pedagogia. Akal, Madri, 1983. STOW David. The TrainingSystem, Moral TrainingSchool, and Normal Semimuy for preparingschool-trainers and governesses, 10a edição, Longman, Brown, Green and Longmans, Londres, 1854. STRAUSS, Gerald. Luthefs house oflearning: indoctrination of theyoung in the German Reformation, Johns H opkins University Press, Baltimore, 1978. STROMBERG, R. Historia intelectual europea desde 1789, Ed. Debate, Ma­ dri, 1988. TÁYLOR, joyce. jo seph Lancaster. The Poor Child’s Fnend. Educating the poor in the early nineteenth centuiy, The Campanile Press, Kerit, 1996. TEDESCO, Juan Carlos. “Directivismo y espontaneísm o en los orígenes dei sistema educativo argentino”. Em: IBARROLA, M. de e ROCKWELL, E. (comps). Educacióny clases populares en América Latina, D1E/1PN, México 1985. TERREROS Y PANDO, Esteban (1788). Diccionario castellano con las voces de ciênciasy artes, 1 .111, Arco, Madri, edição fac-símile, ca. 1987. TOURNIER, Michel. “Lucie o la m ujer sin som bre”. Em: Medianoche de amor, Alfaguara, Buenos Aires, 1994. TRAPP, Ernst C hristian (1780). Versuch einer Pâdagogik, S chòningh, Paderborn, 1977. VAN HORN MELTON, Jam es. Absolutism and the eighteenth-century origins of compulsory schooling in Prússia and Áustria, Cambridge University Press, Cam bridge-N ova Iorque, 1988. VARELA, Julia. Nacimiento de la mujer burguesa. El cambiante desequilíbrio de los sexos, La Piqueta, M adri, 1997. VARELA, Julia e ÁLVAREZ-URÍA, Fernando. La arqueologia de la escuela, La Piqueta, Madri, 1995. VIGIL, Constancio. La escuela de la senorita Susana, Ed. Atlántida, Buenos Aires, 1941.

254

OlQllOGRAFIA

VOVELLE, Michel. Introducción a la historia de la revolución francesa, C rí­ tica, Barcelona, 1984. WEBER, Max. “Die protestantische Ethik und der Geist des K apitalism us”. Em: Gesammelte Aufsãtze zur Religionssoziologie l, Stuttgart, 1997 (Tradu­ ção: La ética protestante y el espíritu dei capitalismo). WEINBERG, Gregório. Modelos educativos en la historia de América Latina, Kapelusz, Buenos Aires, 1984. WEINBERG, Gregório. “Las ideas lancasterianas en Simón Bolívar e Simón Rodríguez”. Em: Anuário de historia de la educación, N- 1, 1996-1997, Universidad Nacional de S anju an, Sanjuan^ 1997, pp. 203-220. WÍDMER, Peter. Subversion des Begehrens. Eine Einführung in Jacques Lacans, Turia+Kant, Viena, 1997. WILDERSPIN, Samuel (1824). On the importance ojeducating the infant poor, from the age of eighteen months to sevenyears, W Sim pkin and R. Marshall, Londres (reim presso por Routledge-Thoemes Press, Londres). ZENTNER, Christian. Lexikon der Weltgeschichte, Greil, M unique, 1990. ZIZEK, Slavoj. El sublime objeto de la ideologia, Siglo XXI, México, D.E, 1991

255